Identidade Do Bailarino No Rio Grande Do Sul

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ANA LIGIA TRINDADE

IDENTIDADE PROFISSIONAL DO BAILARINO


NO RIO GRANDE DO SUL:UM ESTUDO EM MEMÓRIA SOCIAL

CANOAS, 2019
ANA LIGIA TRINDADE

IDENTIDADE PROFISSIONAL DO BAILARINO


NO RIO GRANDE DO SUL:UM ESTUDO EM MEMÓRIA SOCIAL

Tese apresentada ao Programa de


Pós-Graduação para o Doutorado
Interdisciplinar em Memória Social e
Bens Culturais da Universidade La
Salle.

Orientação: Patrícia Kayser Vargas Mangan

Canoas, 2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

T277i Trindade, Ana Lígia de Oliveira.


Identidade profissional do bailarino no Rio Grande do Sul [manuscrito] : um
estudo em memória social / Ana Lígia de Oliveira Trindade – 2019.
187 f.; 30 cm.

Tese (Doutorado em Memória Social e Bens Culturais) – Universidade La


Salle, Canoas, 2019.
“Orientação: Profª. Dra. Patrícia Kayser Vargas Mangan”.

1. Identidade profissional. 2. Memória social. 3. Bailarinos. 4. Dança. 5.


Cultura. I. Mangan, Patrícia Kayser Vargas. II. Título.

CDU: 316.7

Bibliotecário responsável: Melissa Rodrigues Martins - CRB 10/1380


IDENTIDADE

[...] cada pessoa é voltada para seu lado obscuro,


para seu perfil mais secreto, para um mundo sem
letras, incodificável. Quem procura palavras para se
decifrar está buscando autenticar uma farsa. É
sempre um parto difícil, induzido, e não se sabe o
que vamos ter que adotar como nosso até o fim da
vida. Quanta responsabilidade, identificar-se!”
(Martha Medeiros, 20061)

Grupo Corpo, Missa do Orfanato, 1989 (Foto: Acervo Corpo)


http://www.grupocorpo.com.br/en/obras/15/missa-do-orfanato

1
MEDEIROS, Martha. A sedução do texto. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2006. p. 56.
Agradecimentos
Agradeço a alegria de ter novamente compartilhado
conhecimento com minha querida orientadora: Patrícia
Kayser Vargas Mangan. Uma profissional competente,
eficiente, habilidosa e ética, que se tornou uma amiga
querida, incansável em me dar apoio e incentivo nos
momentos difíceis. E foram muitos... Orientadora, não
apenas nas leituras teóricas, elaboração textual, perfil
investigativo e linha metodológica, mas também na
postura acadêmica. Parceria constante e essencial!
Agradeço aos brilhantes profissionais que
gentilmente me receberam e participaram desse estudo.
Principalmente os diretores artísticos Airton Tomazzonni,
Carlinhos Santos, Ivan Motta e Eduardo Severino.
Agradeço sempre ao meu incansável esposo
Rocelito Amaral. Bailarino, músico e artista em todas as
dimensões. Foi motorista e companheiro desta
doutoranda em sua jornada de investigação, estudo e
entrevistas. Há meses já me chama de Doutora, sem ter
ainda defendido.
Agradeço o carinho de toda a equipe da Secretaria
do PPG de MSBC da Universidade La Salle, sempre
atenciosos e prestativos. E aos professores do Doutorado
Interdisciplinar em Memória Social e Bens Culturais da
Universidade La Salle, que iniciaram essa jornada comigo
na construção de conhecimento essencial para esta
investigação. E agradeço o apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil
(CAPES), pois sem a bolsa recebida em 2015 não seria
possível a realização desta pesquisa.
Por fim, costumamos agradecer aos pais em
momentos importantes ou solenes de nossas vidas. Eu
tive uma mãe artista e de muita leitura, aluna do curso de
Direito (UNISINOS). E um pai de muita espiritualidade e
também de muita leitura, com formação em Agronomia
(UFRGS). Ambos influências importantes no caminho
acadêmico, artístico e espiritual. A eles, Arancíbio
Meneses Trindade e Theresa de Oliveira Trindade, um
especial agradecimento, com muita emoção.
RESUMO

Considerando o reconhecimento dos espaços de tensões que acompanham ainda


hoje o profissional da dança, se delineou como objeto de estudo a identidade
profissional do bailarino no Estado do Rio Grande do Sul. Esse estudo insere
“identidade” na área da Memória Social com base principalmente nos autores
Michael Pollak, Zygmunt Bauman, Claude Dubar, Joël Candau, e Stuart Hall.
Compreende-se identidade profissional como um processo contínuo que se vincula à
identidade e memória, igualmente ligada aos vínculos e sentimentos de
pertencimento a uma determinada categoria ou grupo social. No processo da
construção de identidade profissional está em jogo dimensões sociais e pessoais,
objetivas e subjetivas, vivenciadas individualmente e com o grupo e que dão
significado à profissão. Partindo do pressuposto que a identidade profissional está
relacionada com experiências de formação e atuação, esta tese estabelece uma
noção de identidade do bailarino profissional a partir de relatos de membros de
companhias de dança sobre suas memórias e trajetórias pessoais relativas ao
contexto da dança. O estudo tem por objetivo geral determinar um conjunto de
informações e características pessoais e/ou profissionais que identifiquem a atual
identidade do profissional bailarino no Rio Grande do Sul. Caracterizando-se como
uma investigação qualitativa interpretativa, a qual expõe características de uma
determinada população: diretores e bailarinos profissionais de companhias e grupos
independentes de dança do Rio Grande do Sul. Metodologicamente se trabalhou
com uma abordagem qualitativa de coleta de dados, utilizando como instrumentos a
entrevista (roteiro semi estruturado) e o diário de campo (observação não
participante), sendo que a metodologia utilizada para trabalhar com a análise das
transcrições, produto das entrevistas, foi a Análise de Conteúdo segundo Laurence
Bardin. Por fim, o estudo apresenta em seu desenvolvimento relações com o
contexto do profissional bailarino e os teóricos de memória social. Destacamos que
a identidade é uma elaboração social em permanente construção à medida que se
molda conforme o contato estabelecido com a alteridade e insere-se num processo
contínuo que se altera permanentemente. Tendo em consideração esse caráter de
transitoriedade das configurações identitárias e das imagens do bailarino, destaca-
se como principais resultados do estudo a apresentação de um contexto de mercado
de trabalho com instabilidades que levam o artista a atividades anexas, um bailarino
apaixonado pela sua profissão e a verificação do “paradoxo de Mozart” presente em
muitas falas. Assim, a identidade do profissional bailarino no Rio Grande do Sul
passa pelo sentido intrínseco da atividade (valores); tempo e intensidade de
dedicação; e instâncias de reconhecimento e consagração (prêmios, audições,
concursos e outros).
Palavras-chaves: Identidade. Memória Social. Profissional Bailarino. Dança.
ABSTRACT

The professional identity of the dancer in the State of Rio Grande do Sul is the object
of this study, considering the recognition of the spaces of tension that still accompany
the professional dancer. This study inserts “identity” in the area of Social Memory
based mainly on the following authors: Michael Pollak, Zygmunt Bauman, Claude
Dubar, Joël Candau, and Stuart Hall. We understand professional identity as an
ongoing process that is linked to identity and memory, equally connected to the
bonds and feelings of belonging to a particular social category or group. Social and
personal, objective and subjective dimensions, experienced individually and with the
group and which give meaning to the profession, are at stake in the process of
building professional identity. Assuming that professional identity is related to
instruction and performance experiences, this thesis establishes a notion of
professional dancer identity from reports by members of dance companies about
their memories and personal trajectories related to the dance context. This research
is characterized as an interpretative qualitative investigation, which exposes
characteristics of a certain population: directors and professional dancers of dance
companies and independent dance groups of Rio Grande do Sul. We conducted the
research with a qualitative methodological approach to data collection. We used as
instruments the interview (semi-structured script) and the field diary (non-participant
observation). The Content Analysis Methodology, according to Laurence Bardin, was
used to work with the analysis of the transcripts resulting from the interviews. Finally,
the development of the study relates the context of the professional dancer and the
theories of social memory. We emphasize that identity is a social elaboration in
permanent construction as it molds itself according to the contact established with
alterity and is part of a continuous process that changes permanently. Considering
this transiente character of the dancer's identity configurations and images, the main
results of this study are the presentation of a labor market context with instabilities
that lead the artist to extra activities, a dancer in love with his profession and the
verification of the “Mozart paradox” present in many narratives. Thus, the identity of
the professional dancer in Rio Grande do Sul goes through the intrinsic meaning of
the activity (values); time and intensity of dedication; and instances of recognition
and consecration (awards, auditions, competitions and others).
Keywords: Identity. Social Memory. Professional Dancer. Dance.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Quadro de processos identitários típicos ............................................ 28


Figura 2 – Dimensões de análise do conceito do processo de construção da
identidade profissional ........................................................................ 30
Figura 3 - Artistas da Dança ................................................................................ 46
Figura 4 – Quadro de divisão regional por modalidade de formação .................. 61
Figura 5 – Distribuição dos ocupados no Brasil: categorias de artistas ............... 65
Figura 6 – Situação dos ocupados em Dança e Música ...................................... 66
Figura 7 – Empregos para profissionais da dança no Brasil – 2001 .................... 67
Figura 8 – Empregados no Brasil e nas áreas de Dança e Música (2002-2004). 68
Figura 9 - Categoria de Artistas – CBO 2002 ...................................................... 70
Figura 10 - Crescimento Ocupados Área da Dança 2013/2017 .......................... 71
Figura 11 – Tipos de Vínculos de Trabalho ......................................................... 74
Figura 12 – Dimensões de análise do conceito do processo de construção da
identidade profissional de Ghisleni 2010 .......................................... 86
Figura 13 – Relação Quadro Ghisleni e Categorias do Estudo ........................... 87
Figura 14 – Quadro de códigos dos entrevistados .............................................. 91
Figura 15 – Bailarinos da Companhia em 2014 ................................................... 96
Figura 16 – Audição da Companhia Municipal de Dança de Caxias do Sul para
bailarinos ........................................................................................... 102
Figura 17 – Cartaz de divulgação de espetáculo/Cia. H ...................................... 108
Figura 18 – Y KÛÁ: O silenciar de um rio (2006) ................................................. 113
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Relação Todas as Ocupações x Ocupações da Área da Arte e da


Dança - Brasil 2013/2017 (ocupações segundo CBO 2002) .............. 70
Tabela 2 - Pessoas Ocupadas na Área da Dança no Rio Grande do Sul
2013/2017 - (ocupações segundo CBO 2002) ................................... 72
Tabela 3 - Relação Todas as Ocupações x Ocupações da Área da Arte Brasil
2013/2017 (ocupações segundo CBO 2002) ...................................... 73
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO .................................................................. 14


2 IDENTIDADE E SEUS ASPECTOS TEÓRICOS .................................... 22
2.1 Socialização e construção de identidades .......................................... 27
2.2 Identidade Profissional ......................................................................... 29
2.3 Esclarecimentos quanto ao termo “profissão” .................................. 32
3 A ARTE E O TRABALHO: O ARTISTA COMO TRABALHADOR ........ 37
3.1 O profissional da dança: o contexto brasileiro ................................... 45
3.2 Quem é o profissional bailarino brasileiro: reflexões sobre carreira
e formação .............................................................................................. 50
3.2.1 Formação profissional: cursos superiores X cursos livres ....................... 53
3.2.2 Atuação profissional: perspectivas acadêmicas e nos palcos ................. 57
3.2.3 A dança no Rio Grande do Sul: formação e atuação .............................. 60
3.3 Mercado de trabalho para a arte no Brasil .......................................... 63
3.3.1 Mercado de Trabalho: atualizando dados ................................................ 69
3.3.2 No Brasil: de cachê em cachê, de projeto a projeto... ............................. 74
3.4 Carreira e mercado de trabalho contemporâneo ................................ 77
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO ..................................... 80
4.1 Levantamento de dados: instrumentos e procedimentos ................. 82
4.2 Sobre a análise das entrevistas ........................................................... 88
4.3 Outras considerações acerca do percurso metodológico ................ 90
5 SITUAÇÃO DAS COMPANHIAS SELECIONADAS .............................. 94
5.1 As Companhias Municipais .................................................................. 94
5.2 Os Grupos Independentes .................................................................... 107
6 FORMAÇÃO PROFISSIONAL ................................................................ 118
7 ATUAÇÃO PROFISSIONAL ................................................................... 126
8 CARREIRA .............................................................................................. 143
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 156
REFERÊNCIAS ....................................................................................... 161
APÊNDICE A – Diário de Campo – roteiro ........................................... 170
APÊNDICE B – Questionário ................................................................. 171
APÊNDICE C – Roteiro de Entrevista (Direção – R1) ......................... 172
APÊNDICE D – Roteiro de Entrevista (Bailarino(a) – R2) / versão 1 . 173
APÊNDICE E - Roteiro de Entrevista (Bailarino(a) – R2) / versão 2 .. 174
APÊNDICE F - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) ..................................................................................................... 175
APÊNDICE G – Tabela de Pessoas Ocupadas na Área da Dança
por Região - 2013/2017 .......................................................................... 177
ANEXO A – Tabelas RAIS consultadas ................................................ 179
13

1
Introdução ao
Estudo
14

1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO

Inúmeras indagações impulsionaram este estudo. Nenhum objeto de estudo


nasce ao acaso. E neste sentido, conceber a problemática me exigiu exploração de
minhas próprias inquietações e ansiedades, vivenciadas principalmente na última
década. Três décadas em contato estreito com a arte da dança, entre atividades de
bailarina, coreógrafa, professora e diretora artística me levaram a inúmeras questões
que até hoje, no Rio Grande do Sul, não foram respondidas. De problemas
enfrentados pela classe, como mercado de trabalho, profissionalização, incentivo e
políticas culturais, até o crescimento de festivais, reconhecimento profissional e
surgimento de Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Dança. Dentre estes o
mais desafiador para a área da dança é o que se refere à profissionalização. Diante
deste contexto, o que pode ser respondido quando se questiona: o que sou
enquanto bailarino? O que me constitui como profissional?
Neste momento se justifica a apresentação de um breve memorial para
contextualização desta tese. Cursei graduação em Biblioteconomia e Documentação
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialização em Dança
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Mestrado em
Memória Social e Bens Culturais no Centro Universitário La Salle (UNILASALLE).
Com graduação em Biblioteconomia e Documentação atuo na profissão desde 1994,
sendo que em 1997 fui contratada pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
para atuar como bibliotecária, na Biblioteca Martinho Lutero de Canoas/RS. Em
1999 passei a atuar como Coordenadora do Setor de Processamento Técnico e em
2009 passei a atuar na Coordenação do Setor de Recursos Online de Informação
(SOI).
Paralelamente a minha atuação profissional na área da Biblioteconomia,
continuei com minha atuação profissional em Dança, como professora, dando aulas
de Ballet, Dança Moderna e Dança de Salão, e como coreógrafa, criando
coreografias para as Escolas de Dança e Grupos Amadores de Dança. Trabalhando
com a Escola Alegretto (Cachoeirinha), Escola ComPasso (Gravataí), UPC Dance
(Cachoeirinha), Espaço Cultural ArtMobile (Canoas), ArtMobile Dance Cia. (Canoas),
Balaio das Artes (Porto Alegre) e Escola Vera Biblitz (Porto Alegre). E atuando como
bailarina em grupos de dança como Unicâmara Ballet, Grupo Sêmea, Grupo Choreo,
Palco & Cia. Dance Works e Clarissa Pesce Cia. de Dança. Em 2000 abri o Espaço
15

Cultural ArtMobile (ECAM) com Rocelito Amaral, que atuou no MOCUCA


(Movimento Cultural de Canoas) junto ao Grupo de Teatro de Rua “De Pernas Pro
Ar” dirigido por Luciano Wiser. Em 2005 o ECAM organiza o Troupe ArtMobile Dance
(hoje ArtMobile Cia.) se apresentando em Festivais de Dança no Estado. E em 2010
fui aprovada como Membro do Conselho Internacional de Dança (CID-UNESCO
12799) e sócia da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança - UFBa. E em
2011, o Espaço Cultural ArtMobile foi aprovado como Membro do Conselho
Internacional de Dança (CID-UNESCO 14531), sendo que em 2012 apresentou seus
alunos formandos à CID-UNESCO para formatura, diplomação e certificação
internacional.
Meu percurso acadêmico e de pesquisa, desde a especialização, se
manteve em torno da área da dança. Minha inquietação inicial acerca de notações
do movimento gerou minha monografia na Especialização em Dança na PUCRS
(2008), com a orientação da Profa. Flávia Pilla do Valle: A (a)notação do movimento
no trabalho dos coreógrafos profissionais de Porto Alegre-RS. Em seguida defendi a
dissertação de título “Do Terra ao Gaia!: da esquina democrática ao flashmob dance
na memória artístico-cultural da dança em Porto Alegre/RS” em 2012, com
orientação da Profa. Patrícia Kayser Vargas Mangan e co-orientação da Profa.
Nádia Maria Weber Santos. Por fim, ingressei no Doutorado Interdisciplinar em
Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle em 2015/2, com intenção de pesquisa
sobre a identidade do profissional bailarino no Rio Grande do Sul.
Encontrar, na literatura científica, trabalhos cujo propósito é discutir,
problematizar, quantificar e classificar a formação de profissionais da dança não é
difícil. Entretanto, este estudo acerca do profissional bailarino no Estado do Rio
Grande do Sul, à luz dos conceitos de memória social, nos parece pouco explorado.
Realizei um primeiro levantamento em março de 2016 nas plataformas de
pesquisa como o Portal de Periódicos da CAPES/MEC2, EBSCOhost3 da EBSCO
Information Sevices e Biblioteca Virtual em Saúde4 (BVS) da BIREME – Biblioteca
Regional de Medicina (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em
Ciências da Saúde), que contém inúmeras bases de dados, incluindo bancos de
2
BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Brasília, 2019. Disponível em: https://www.periodicos.capes.gov.br/. Acesso em: 10 set. 2019.
3
EBSCO Host.Ipswich, MA, 2019. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx. Acesso
em: 10 set. 2019.
4
ORGANIZAÇÃO PANAMERICA DE SAÚDE. Portal Regional BVS. São Paulo: Bireme, OPAS, OMS,
2019. Disponível em: http://brasil.bvs.br/. Acesso em: 10 set. 2019.
16

teses e dissertações, com uma estratégia de busca que incluiu os seguintes


descritores: memória social, identidade, bailarino, dança, identidade profissional,
profissão. Desta forma, a plataforma apresentou como resultado 12 itens, onde o
estudo mais aproximado tratava-se de uma dissertação de 2009, intitulada “A
profissão de bailarino na cidade do Rio de Janeiro: mercado de trabalho, relações
profissionais, decisões de carreira e identidade profissional” de Antonia Kjellerup
Nacht. Este, porém, mais direcionado à análise de mercado de trabalho por se tratar
de um mestrado em administração. Constatou-se, portanto, que o tema da
identidade, dentro do ambiente teórico da memória social e relacionado ao
profissional da dança, ainda não havia sido estudado, principalmente no Estado do
Rio Grande do Sul. A mesma busca foi realizada novamente em fevereiro de 2017 e
dezembro de 2018, sem que novos trabalhos fossem identificados com o mesmo
viés a que essa pesquisa se propõe.
Desta forma, considerando o reconhecimento dos espaços de tensões que
acompanham ainda hoje o profissional da dança se delineou aos poucos os
contornos chegando a um objeto de estudo: a identidade profissional do bailarino no
Estado do Rio Grande do Sul. Um estudo que teve dois aspectos definidos:
formação e atuação do profissional bailarino.
Ao construir uma representação da profissão nos resguardamos enquanto
grupo profissional. Criamos uma identidade social para nós mesmos e para o
coletivo de bailarinos, permitindo, desse modo, nos reconhecer como profissionais e
desempenhar nossas atividades. Em outras palavras, são construídas imagens e
significados da profissão para lhe dar concretude (LIMA, 2012). Essas imagens e
significados, enfim, essas representações, são uma forma de conhecimento
socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a
construção de uma realidade comum a um conjunto social (JODELET, 2001).
O termo identidade não pode ser compreendido senão por vias
interdisciplinares. Assim sendo, nos vemos envolvidos por áreas como a Sociologia,
a Psicologia, a Antropologia, a História, entre outros. Desta forma, se compreende
identidade profissional como um processo contínuo que se vincula à identidade
pessoal, igualmente ligada aos vínculos e sentimentos de pertencimento a uma
determinada categoria ou grupo social. Nas perspectivas de cada uma das
abordagens citadas (sociológica, psicológica, antropológica, histórica), o processo
da construção de identidade profissional está em jogo dimensões sociais e pessoais,
17

objetivas e subjetivas, vivenciadas individualmente e com o grupo e que dão


significado à profissão.
Para cada um de nós a identidade expressa a representação que temos de
nós mesmos. Deste modo, as identidades são representações subjetivas que se
constroem a partir de diferentes discursos e práticas sociais (HALL, 2006). Em
diferentes períodos e espaços atribuímos inúmeros significados às nossas
experiências e aquilo que somos como profissionais. Significando dizer que a
construção da identidade profissional é um território de disputa permanente (LIMA,
2012). A tentativa de delinear uma identidade profissional do bailarino pressupõe
situá-lo na complexidade de um contexto social, histórico, político e cultural. Uma
contextualização contemporânea de profundas mudanças que estão provocando
transformações na profissão e no próprio bailarino, uma vez que a constituição de
identidade tem relação com a realidade na qual se insere. Nesse sentido alguns
pontos afetam a maneira como exercemos a profissão e possíveis discussões se
apresentam como formação acadêmica, autodidata, ensino formal/informal, registro
profissional (DRT5), etc., implicando em novos princípios estruturadores de nossa
identidade profissional.
Por outro lado, também é importante lembrar que as profissões artísticas são
consideradas ambíguas e constituem um desafio à análise teórica das profissões e
do trabalho (FREIDSON; CHAMBOREDON; MENGER, 1986). A escolha da
profissão para os artistas de espetáculo (músicos, atores, bailarinos) é, geralmente,
uma escolha própria, pautada na paixão em exercê-la. Normalmente, antes de se
tornarem profissionais, a arte escolhida já era uma atividade de lazer na vida do
sujeito. Por excelência, o trabalho artístico é considerado flexível tanto em termos de
conteúdo, locais, horários e contratos de trabalho. A instabilidade na condição de
trabalho e na carreira do artista; como empregos casuais e contingentes,
descontinuidade devido à demanda, relações de trabalho de curto prazo; é
reconhecida historicamente em vários países, incluindo o Brasil (SEGNINI, 2011).
Tendo em mente estas características descritas a cerca das profissões
artísticas e de condições de trabalho e trazendo à discussão as novas condições
que a profissão na área da dança assumiu no âmbito das transformações ocorridas
no cenário profissional, estabelecemos as seguintes questões norteadoras: a) qual a

5
DRT (registro profissional) - Documento de Registro Técnico. É um registro junto ao Ministério do
Trabalho requerido para exercer profissões regulamentadas por lei.
18

percepção dos bailarinos sobre os espaços de atuação e formação profissional? b) o


que significa ser profissional para um bailarino?
Sendo bailarina e atuando na comunidade a ser estudada, ocupo neste
estudo o lugar de investigadora interessada em conhecer a reconfiguração nas
imagens e no conjunto de informações e características pessoais e/ou profissionais
que identificam os profissionais bailarinos atuantes no Estado do Rio Grande do Sul,
no âmbito das contemporâneas transformações ocorridas na sua formação e formas
de contratação. Tinha, contudo, como pressupostos algumas observações
realizadas ao longo da minha atuação profissional que apontavam para um
distanciamento entre a atuação como bailarino profissional e um processo de
formação formal do profissional. No entanto, este fato não guiou as decisões ou
interpretações da pesquisa.
Esse estudo insere “identidade” na área da Memória Social com base
principalmente nos autores Michael Pollak, Zygmunt Bauman, Claude Dubar, Joël
Candau, e Stuart Hall. Partindo do pressuposto que a identidade profissional está
relacionada com experiências de formação e atuação, esta tese estabelece uma
noção de identidade do bailarino profissional a partir de relatos de membros de
companhias de dança sobre suas memórias e trajetórias pessoais relativas ao
contexto da dança. O estudo tem por objetivo geral determinar um conjunto de
informações e características pessoais e/ou profissionais que identifiquem a atual
identidade do profissional bailarino no Rio Grande do Sul.
Trata-se de uma investigação qualitativa interpretativa, a qual expõe
características de uma determinada população: diretores e bailarinos profissionais
de companhias e grupos de dança do Rio Grande do Sul. O campo delimitado para
a coleta de dados foram companhias de dança municipais e grupos independentes.
Foram selecionadas para o estudo a Companhia Municipal de Porto Alegre, a
Companhia Municipal de Caxias do Sul, a Companhia H e a Eduardo Severino
Companhia de Dança. Metodologicamente se trabalhou com uma abordagem
qualitativa de coleta de dados, utilizando como instrumentos a entrevista (roteiro
semi estruturado) e o diário de campo (observação não participante), sendo que a
metodologia utilizada para trabalhar com a análise das transcrições, produto das
entrevistas, foi a Análise de Conteúdo segundo Laurence Bardin (2016). Foram
entrevistados os quatro diretores das companhias, e doze bailarinos (selecionados a
19

partir da análise de um questionário elaborado para este fim e aplicado durante uma
das observações).
A apresentação dos resultados desta pesquisa organizada em nove
capítulos, sendo que os três iniciais discorrerão, além da introdução ao estudo,
acerca dos aspectos teóricos de identidade, profissão na área da arte e o
profissional bailarino. Os seis capítulos que se seguem, tratam dos aspectos
metodológicos, situação das companhias selecionadas e a analise de resultado,
intitulados “formação profissional”, “atuação profissional” e “carreira”, além das
conclusões do estudo.
Esta tese levou em consideração o caráter de transitoriedade das
configurações identitárias e das imagens do bailarino, destacando como principais
resultados do estudo a apresentação de um contexto de mercado de trabalho com
instabilidades que levam o artista a atividades anexas, um bailarino apaixonado pela
sua profissão e a verificação do “paradoxo de Mozart” presente em muitas falas. A
identidade do profissional bailarino no Rio Grande do Sul passa pelo sentido
intrínseco da atividade (valores); tempo e intensidade de dedicação; e instâncias de
reconhecimento e consagração, (prêmios, audições, concursos e outros).
Constatamos que a dificuldade de se entender o artista como trabalhador
deriva da ideologia romântica da criação como algo fora do mundo, tornando as
análises com tendências a “privilegiar a obra do artista enquanto criação estética,
em prejuízo do processo de trabalho que a elaborou”. Contudo, como é
característico do mundo da arte, encontramos um profissional com paixão em
exercer sua profissão, apesar de poucos sobreviverem somente da sua “arte” de
dançar, talvez pelo fato de geralmente a dança estar atrelada ao conceito de
vocação, normalmente relacionado ao sacrifício e sublimação, e, geralmente, aquele
que é movido pela vocação tem uma personalidade que é colocada à prova pelas
incontáveis dificuldades que se apresentam pelo caminho e o pouco reconhecimento
pelo seu esforço.
Destacamos também contribuições da pesquisa ao identificar elementos
acerca do “paradoxo de Mozart”, nos depoimentos sobre necessidade de formação
de público consumidor da arte da dança. O sonho da liberdade de criação e da
autonomia profissional do artista, na prática, está condicionado à necessidade de
encantar a audiência e convencer consumidores a comprar seus produtos artísticos.
Encontramos, no contexto brasileiro, a necessidade do artista bailarino ter, não
20

somente um registro profissional (DRT), mas também um registro como pessoa


jurídica (CNPJ), tendo que se tornar um pequeno empresário de si mesmo e seu
nome artístico se tornar um nome fantasia de uma microempresa individual, mesmo
não tendo sua profissão elencada na lista de ocupações permitidas para MEI (Micro
Empresa Individual). Também nos deparamos com a constatação da situação de
invisibilidade do profissional bailarino nos dados do Ministério do Trabalho, nos
levando a refletir que esse seja o reflexo de considerar a arte apenas como um
negócio e um artista somente como um empresário.
Por fim, o estudo apresenta em seu desenvolvimento relações com o
contexto do profissional bailarino e os teóricos de memória social e identidade
profissional. Destacando que a identidade é uma elaboração social em permanente
construção à medida que se molda conforme o contato estabelecido com a
alteridade e insere-se num processo contínuo que se altera permanentemente. Ela é
construída a partir de relações, reações e interações sociais das quais emergem
visões de mundo e sentimentos de pertencimento (CANDAU, 2014). A nossa
identidade é constantemente colocada à prova por diferentes representações sociais
que nos pressionam (HALL, 2006). Portanto, hoje, as identidades são “processos de
negociação” (HALL, 2006; POLLAK, 1992). Ela não é garantida para toda a vida, é
negociável e revogável. As decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que
percorre, a maneira como age são fatores cruciais tanto para o “pertencimento”
quanto para a “identidade” (BAUMAN, 2005).
21

2
Identidade e seus
Aspectos teóricos
22

2 IDENTIDADE E SEUS ASPECTOS TEÓRICOS

Identidade nunca é dada, é sempre construída, nos afirma Dubar (2005).


Para Dubar essa construção é um processo de constituição da identidade, que ele
chama de formações identitárias. Ele indica este termo no plural, pois considera que
são várias as identidades que assumimos. Este processo se constitui em movimento
de tensão permanente entre o que ele define de identidades virtuais, ou seja, os atos
de atribuição (o que os outros indivíduos dizem que o sujeito é) e os atos de
pertença (o próprio sujeito se identifica com as atribuições recebidas, aderindo às
identidades atribuídas). A pertença indica a identidade para si e a atribuição
corresponde à identidade para o outro. E o movimento de tensão se caracteriza pela
oposição entre o que esperam que o sujeito seja e o desejo do próprio sujeito de
assumir determinadas identidades. Pollak (1992) também aborda esta tensão,
considerando o sentimento de identidade sendo tomado no sentido da imagem de si,
para si e para os outros. Isto é,

a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela


própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si
própria, para acreditar na sua própria representação, mas também
para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros
(p. 5).

O processo de constituição identitária está na identificação, ou não, com as


atribuições que são sempre do outro, visto que esse processo, segundo Dubar
(2005), só é possível no âmbito da socialização. A essência da identidade constrói-
se em referência aos vínculos que conectam as pessoas umas às outras.
Entretanto para Baumann não é nada fácil conceituar identidade. Para
Bauman ...

[...] numa sociedade que tornou incertas e transitórias as identidades


sociais, culturais e sexuais, qualquer tentativa de ‘solidificar’ o que se
tornou líquido por meio de uma política de identidade levaria
inevitavelmente o pensamento crítico a um beco sem saída. (2005,
p.12).

Segundo Bauman (2005, p. 83), “o campo de batalha é o lar natural da


identidade”. Para ele a identidade se revela como invenção e não descoberta, é um
esforço, um objetivo, uma construção; é algo inconcluso, precário. O pensar sobre
23

se ter uma identidade não ocorre enquanto se acredita em um pertencimento, mas


quando se pensa em uma atividade a ser continuamente realizada. Essa ideia surge
do que Bauman (2005) chama de crise do pertencimento, onde afirma que o
“pertencimento” e a “identidade” não são garantidos para toda a vida, são
negociáveis e revogáveis. Desta forma, as decisões que o próprio indivíduo toma, os
caminhos que percorre, a maneira como age são fatores cruciais tanto para o
“pertencimento” quanto para a “identidade” (BAUMAN, 2005). O autor afirma que
existe relação entre identificação e uma identidade alternativa, um personagem a ser
assumido, um experimento, em que “a construção da identidade assumiu a forma de
uma experimentação infindável” (p. 91).
Na mesma direção, mas com foco na identidade cultural, Hall (2006)
entende que as condições atuais da sociedade estão “fragmentando as paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade que, no
passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais” (HALL,
2006, p. 37). Identidade cultural está associado ao sentimento de pertencimento a
uma cultura nacional, ou seja, aquela cultura em que nascemos e que absorvemos
ao longo de nossas vidas. Esta identidade, segundo Hall (2006), não é uma
identidade natural, geneticamente herdada, ela é construída socialmente. Segundo o
autor, uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que
influencia e organiza tanto nossas ações, quanto a concepção que temos de nós
mesmos.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é


uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de
significação e representação cultural se multiplicam, somos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de
identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar (HALL, 2006, p. 13).

Para Hall (2006), que desenvolveu um estudo sobre representações sociais


na vida cotidiana, a vivência dos papéis sociais é considerado como um processo de
descentração da concepção essencialista de identidade cultural. Logo, ele considera
que a vivência de diferentes papéis sociais possa significar, muitas vezes, a vivência
de múltiplas identidades culturais. Para o autor, a nossa identidade é
constantemente colocada à prova por diferentes representações sociais que nos
pressionam.
24

Assim, pesquisadores da área de memória social como Hall (2006), Bauman


(2005) e Pollak (1992), consideram uma concepção pós-moderna, onde não há uma
identidade essencial, fixa ou permanente. Nessa noção de identidade como um
processo, o sujeito, dotado de uma identidade unificada e estável, é desintegrado e
se torna fragmentado, “composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditória e não-resolvidas” (SOUZA, 2014, p. 92). “O próprio
processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades
culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático” (HALL, 2006, p. 12).
Hall ainda alerta que o confronto com uma verdadeira gama de identidades
culturais é traço marcante da contemporaneidade e que o fenômeno da globalização
contribui para o deslocamento das identidades culturais desintegrando-as,
homogeneizando-as e, consequentemente, enfraquecendo-as. O autor afirma que a
globalização inegavelmente tem um efeito pluralizante sobre as identidades,
produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação,
tornando as identidades menos fixas e unificadas. A globalização pode ser
entendida como os processos “atuantes numa escala global, que atravessam
fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em
novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em
experiência, mais interconectado” (HALL, 2006, p. 67). A globalização provoca uma
hibridização das identidades, que se constituem à semelhança de um mosaico
cultural. Sendo que:

a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é


interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas
pode ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse
processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de
uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença
(HALL, 2006, p. 21).

As considerações de Candau (2014) e Hall (2006) convergem no sentido de


que a identidade deve ser pensada pela característica do provisório, pois, como
processo que é, não permite delimitação ou estabilização, estando sempre em fase
de construção. Para Candau, a identidade é uma elaboração social em permanente
construção à medida que se molda conforme o contato estabelecido com a
alteridade e insere-se num processo contínuo que se altera permanentemente.
25

Para Hall (2006) a identidade é construída no nível cultural, num sistema


complexo de articulação com o externo, de relação de interação e dependência com
o outro. Porém, o autor alerta que essas articulações e interações implicam também
em hierarquização social e cultural. E que este sistema de interação e articulação no
qual se desenvolve o processo identitário sinaliza para a elaboração discursiva das
identidades pós-modernas, sendo que estes discursos culturais servem de âncoras
no processo de identificação. Se faz necessário recorrer à memória em razão da
construção discursiva da identidade, por ser necessário revolver o passado para
narrar-se, para construir uma identidade, para constituir-se como sujeito diante do
outro e posicionar-se dentro do grupo. Nesse ponto a ligação de identidade à
memória torna-se mais evidente, sendo possível afirmar que “a memória é a
identidade em ação” (CANDAU, 2014, p. 18).

A faculdade mnemônica é entendida como uma das fontes a partir


das quais as identidades se edificam, pois [...] vem fortalecer a
identidade, tanto no nível individual quanto coletivo: assim, restituir a
memória desaparecida de uma pessoa é restituir sua identidade
(CANDAU, 2014, p. 16).

A identidade, para Candau (2014), é construída a partir de relações, reações


e interações sociais das quais emergem visões de mundo e sentimentos de
pertencimento. Nessa mesma linha argumentativa, quanto à relação memória-
identidade, Pollak (1992, p. 5) afirma:

Se podemos dizer que, em todos os níveis, a memória é um


fenômeno construído social e individualmente, quando se trata da
memória herdada, podemos também dizer que há uma ligação
fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de
identidade.

O autor afirma que existem três elementos essenciais na construção da


identidade: a unidade física individual (sentimento de fronteiras físicas) ou coletiva
(sentimento de fronteiras de pertencimento ao grupo); a continuidade dentro do
tempo (no sentido físico, moral e psicológico); e o sentimento de coerência (os
diferentes elementos que formam o indivíduo são efetivamente unificados).
Desta forma, o autor considera possível afirmar que “a memória é um
elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na
medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de
26

continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução


de si” (POLLAK, 1992, p. 5).
Partindo do que foi exposto e se passarmos a considerar a relação de
identidade social à imagem de si, para si e para os outros, devemos também
considerar um elemento óbvio que, conforme Pollak, escapa ao indivíduo e ao
grupo: o Outro.

Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de


negociação, de transformação em função dos outros. A construção
da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos
outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de
admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da
negociação direta com outros (POLLAK, 1992, p. 5).

Pensamento semelhante ao de Hall (2006) que argumenta sobre as


identidades serem formadas sempre com relação ao outro e ao grupo. Os indivíduos
são constantemente postos em relação com o outro. A pós-modernidade revelou a
alteridade como elemento constituinte do sujeito. O individuo é moldado diante da
diferença, num processo de aproximação e distanciamento, por isso não é possível
crer em identidades estáveis, consolidadas, fechadas.

[...] as identidades são construídas por meio da diferença e não fora


dela. Isso implica o reconhecimento radicalmente perturbador de que
é apenas por meio da relação com o Outro, da relação com aquilo
que não é, com precisamente aquilo que falta, com aquilo que tem
sido chamado de seu exterior constitutivo, que o significado positivo
de qualquer termo – e, assim, sua identidade – pode ser construída
(HALL, 2011, p. 110).

Hall (2006) e Pollak (1992) também concluem no mesmo sentido,


reconhecendo que as identidades hoje são “processos de negociação”.
O ponto chave do exposto é que “memória e identidade podem
perfeitamente ser negociadas, e não são fenômenos que devam ser compreendidos
como essências de uma pessoa ou de um grupo” (POLLAK, 1992, p. 5). Sendo
possível confronto entre memória individual e dos outros, portanto a memória e a
identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais.
Identidade coletiva traz em si o sentimento de unidade, continuidade e
coerência. Importante enfatizar que
27

quando a memória e a identidade estão suficientemente constituídas,


suficientemente instituídas, suficientemente amarradas, os
questionamentos vindos de grupos externos à organização, os
problemas colocados pelos outros, não chegam a provocar a
necessidade de se proceder a rearrumações, nem no nível da
identidade coletiva, nem no nível da identidade individual (POLLAK,
1992, p. 7).

Hall e Pollak demonstram que a identidade deve ser pensada dentro do


panorama social pós-moderno e, desta forma, Hall argumenta:

[...] em vez de falar da identidade como uma coisa acabada,


deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em
andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade
que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de
inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas
através das quais nós imaginamos ser vistos por outros (HALL, 2006,
p. 38-39).

De um modo geral, existe consenso, entre os autores citados neste estudo,


de que a identidade é uma construção social, permanentemente redefinida em uma
relação dialógica com o outro, que também a memória é uma reconstrução
continuamente atualizada do passado e que memória e identidade estão
indissoluvelmente ligadas. Essa linha teórica dá sustentação á estrutura desta
pesquisa, bem como, os processos identitários descritos a seguir.

2.1 Socialização e construção de identidades

As identidades são representações subjetivas que se constroem a partir de


diferentes discursos e práticas sociais (HALL, 2006). O individuo passa por
numerosos processos de socialização ao longo de sua trajetória, refletindo na sua
capacidade de interagir com os outros num determinado contexto sociocultural.
O processo de socialização, segundo Dubar (2005), permite compreender a
noção de identidade numa perspectiva sociológica restituída numa relação de
identidade para si e identidade para o outro. O autor afirma que as identidades estão
em movimento e a dinâmica de desestruturação/estruturação pode, às vezes, tomar
forma de “crise de identidade”.
Hall introduz a noção de crise de identidade:
28

[...] as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o


mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito
unificado (2006, p. 7).

Para Hall, a crise de identidade é um processo de mudança que desloca


estrutura e processos centrais das sociedades modernas e abala os quadros de
referência de estabilidade do mundo social.
Neste sentido, Dubar (2005) apresenta quatro configurações identitárias,
esclarecendo que as formas identitárias resultam da articulação entre a transação
objetiva e subjetiva, caracterizam estados de continuidade ou ruptura entre a
identidade herdada e visada no âmbito subjetivo, e estados de reconhecimento e
não-reconhecimento social no âmbito objetivo, entre a identidade atribuída pelo
outro e identidade incorporada para si. Considerando ambiente profissional e/ou de
trabalho do sujeito, Dubar (2005) apresenta um quadro de processos identitários
típicos (figura 1).

Figura 1 – Quadro de processos identitários típicos

Fonte: Dubar, 2005, p. 326.

Dubar (2005) esclarece que os processos identitários típicos apresentam as


seguintes características: 1) são enraizados na esfera socioprofissional, mas não se
reduzem a identidades no trabalho; 2) definem trajetórias diferentes, mas não
reduzidas a habitus de classe; 3) envolvem categorias oficiais, posições nos
espaços escolares e sócio profissionais, mas não se resumem a categorias sociais;
4) são intensamente vividos.
29

O processo de construção da identidade profissional deverá ser permeado


pela dinâmica de mercado, pela concepção de trabalho e pela posição e status da
profissão no contexto social. A socialização profissional iniciada na formação
profissional estimula a aquisição de comportamentos profissionais específicos, que
devem ser postos em prática no exercício profissional. Como tem, simultaneamente,
caráter permanente e temporário, estes comportamentos modificam-se ao longo das
experiências profissionais posteriores, constituindo parte da realidade do mundo de
trabalho. A identidade profissional em formação, resultante do processo de formação
profissional pode ser ratificada ou modificada ao longo do exercício profissional sob
influência e pressão do contexto social e econômico, ou seja, do contexto atual de
trabalho.

2.2 Identidade Profissional

A identidade profissional relaciona-se a saberes específicos e a papéis


vinculados à divisão social do trabalho. Ao destacar identidade profissional, não se
pretende desvincular sua compreensão de outros tipos de identidade, e sim enfatizar
um determinado aspecto da construção da identidade, que é o profissional.
A identidade profissional pode ser entendida como uma construção social
assinalada por diversos fatores como a nossa história de vida, as condições
objetivas de trabalho e o imaginário que permeia a profissão que, ao interagirem
entre si, tem como resultado uma série de representações que fazemos de nós
mesmos e das funções que exercemos (LIMA, 2012).
Em um estudo realizado por Angela Peña Ghisleni em 2010 acerca da
construção da identidade profissional dos fisioterapeutas, foram analisadas as
dimensões que contribuem para a compreensão conceitual do processo de
construção da identidade profissional, considerando aspectos como:
a) consolidação nas relações de trabalho: pertencer à equipe de trabalho
o insere nas relações sociais que fomentam a identidade profissional;
b) impulsionado pelo reconhecimento por seus pares e superiores:
possuir conhecimento científico e especializado ou reflexivo que
enriquece o grupo, que leva a noção de trabalho em cooperação, com
reconhecimento e autonomia, leva ao auto reconhecimento;
30

c) desestabilização pela não valorização profissional: ter baixo


reconhecimento de suas competências e do valor de seu trabalho pode
levar à frustração e uma identidade profissional desestabilizada.

Partindo destes aspectos, Ghisleni (2010) elaborou um quadro (figura 2) que


pode ser perfeitamente aplicado à construção identitária de qualquer profissional e
que foi utilizado nesta tese como base para o roteiro das entrevistas. O quadro
estabelece bases importantes de constituição identitária demonstrando a relevância
de fatores como o valor do processo de construção da identidade no trabalho na
contribuição da definição da identidade profissional; a importância do conhecimento
profissional, caracterizado pelo conhecimento científico, contextual e reflexivo que se
inicia no período da formação profissional, como uma herança, e se consolida nas
relações de trabalho; e, por fim, as expectativas de projeções profissionais futuras,
refletindo a valorização do profissional no ambiente de trabalho e no contexto social.

Figura 2 – Dimensões de análise do conceito do processo


de construção da identidade profissional
Conceito Dimensões
Pela retribuição simbólica das ações do profissional, na
Reconhecimento perspectiva da valorização de seus atos e de seus saberes
Processo de construção da identidade profissional

e pela retribuição material por meio da remuneração


considerada justa pelo profissional.
Identidade no Ocorrida nas relações de confiança entre os profissionais,
trabalho Cooperação na pertença ao coletivo e no compartilhamento do trabalho
entre colegas.
A partir do controle sobre os elementos do trabalho, na
Autonomia possibilidade de tomada de decisões, de assumir
responsabilidades nas atribuições de seus atos.
Conhecimento prático e abstrato marcado pela
Científico cientificidade, adquirido na formação e em estudos
científicos.
Conhecimento Conhecimento prático desenvolvido nas relações de
profissional Contextual trabalho, no coletivo, referente ao contexto de trabalho.
Conhecimento em rede, capacidade de articulação dos
conhecimentos científico e contextual e de construção
Reflexivo reflexiva de formas de pensar e agir no trabalho que permita
a identificação e resolução de situações problema.
Herança da formação As percepções da contribuição da formação no processo de
construção da identidade profissional.
Projeção profissional As expectativas e projeções futuras na profissão decorrente
do processo de construção da identidade profissional.
Fonte: Adaptado de Ghisleni, 2010, p. 25

Candau afirma que “todo grupo profissional valoriza os comportamentos


apropriados e reprime os demais a fim de produzir uma memória adequada à
31

reprodução de saberes e fazeres e à manutenção de uma identidade da profissão. A


aquisição de uma identidade profissional ou, mais genericamente, de uma
identidade vinculada a poderes e saberes não se reduz apenas a memorizar e
dominar certas habilidades técnicas: ela se inscreve, na maior parte dos casos, nos
corpos mesmos dos indivíduos” (2014, p. 118-119).
Ao construir uma representação da profissão nos resguardamos enquanto
grupo profissional. O indivíduo cria uma identidade social para si e para o coletivo,
permitindo, desse modo, se reconhecer como profissional e desempenhar suas
atividades. Em outras palavras, são construídas imagens e significados da profissão
para lhe dar concretude (LIMA, 2012). Essas imagens e significados, enfim, essas
representações, são uma forma de conhecimento socialmente elaborada e
partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social (JODELET, 2001).
Em diferentes períodos e espaços atribuímos inúmeros significados às
nossas experiências e aquilo que somos como profissionais. Significando dizer que
a construção da identidade profissional é um território de disputa permanente (LIMA,
2012). A tentativa de delinear uma identidade profissional do indivíduo pressupõe
situá-lo na complexidade de um contexto social, histórico, político e cultural. Uma
contextualização contemporânea de profundas mudanças que estão provocando
transformações nas profissões, uma vez que a constituição de identidade tem
relação com a realidade na qual se insere. Nesse sentido alguns pontos afetam a
maneira como exercemos a profissão e possíveis discussões se apresentam,
implicando em novos princípios estruturadores de nossa identidade profissional.
A formação profissional do bailarino no Brasil, neste seu novo contexto de
formalidade (acadêmico) – com a criação de cursos superiores de dança a partir de
2007 - assume as responsabilidades e papéis, que vão além da transmissão e
construção de conhecimentos teóricos e práticos, perfazendo uma responsabilidade
maior na construção e no desenvolvimento de identidades, desde a educação básica
a educação superior, além do desenvolvimento de uma consciência crítica e
emancipatória do bailarino.
Consideramos a pressuposição de que a identidade se constrói no processo
de formação continuada a ser desenvolvido pelo profissional, indicando que a
constituição da identidade pessoal e profissional são processos concomitantes que
deveriam ser preocupação da formação em exercício.
32

Seja como for, Dubar (2005) afirma que o processo de construção da


identidade profissional tem seu inicio mediante confrontação com as relações, o
ambiente e o mercado de trabalho.

2.3 Esclarecimentos quanto ao termo “profissão”

Com vistas a diminuir ambiguidades, é pertinente esclarecimentos referentes


aos termos trabalho, ocupação, ofício e profissão, sendo importante fazer uma
ressalva sobre a oposição entre profissão e ofício. Também é interessante, para a
análise da área da arte, os conceitos de vocação e carreira.
Dubar (2005) afirma que antes da multiplicação das universidades no século
XIII, o trabalho era algo consagrado a todos os trabalhadores, sejam eles das artes
liberais (artistas, intelectuais) ou das artes mecânicas, (artesãos, trabalhadores
manuais). A separação entre artes liberais e artes mecânicas ocorre com a
expansão e fortalecimento das universidades, gerando uma oposição entre
profissões. A profissão passa a ser associada ao espírito, ao intelectual, ao nobre
(artes liberais) e o ofício surge associado à mão, braços, prático, etc. (artes
mecânicas) (ANGELIN, 2010).
Encontra-se na teoria da sociologia da profissão (e/ou do trabalho) duas
vertentes interessantes: autores que abordam o monopólio do conhecimento como
essencial na profissionalização (como Parsons, 1939; Hughes, 1958; Freidson,
1998) e outros que defendem o monopólio das práticas profissionais (como
Wilensky, 1964; Abbott, 1988, Schön, 2000). Portanto, para Parsons (1939),
seguidor da vertente acadêmica, é atribuição das universidades o papel de
legitimação e institucionalização do saber do profissional (GHISLENI, 2010).
Freidson (1998) define a profissionalização como um processo pelo qual
uma ocupação organizada através da reivindicação de suas competências, da
qualidade de seu trabalho e dos benefícios que com isso proporciona à sociedade,
obtem o direito exclusivo de realizar um determinado tipo de trabalho e de controlar
a formação e o acesso.
Por outro lado, Wilensky (1964 apud GHISLENI, 2010), em sua vertente
prática, afirma que para ser reconhecida uma profissão deve ser contemplado os
seguintes pré-requisitos: controle sobre a formação, criação de uma associação
profissional que defina as tarefas essenciais, que gerencie os conflitos internos e os
33

conflitos com outros grupos que desenvolvam atividades semelhantes, proteção


legal, e definição de código de ética.
Por outro lado Freidson (1998) nos apresenta um outro ponto de vista.
Segundo ele, “qualquer que seja a forma de definir “profissão” ela é, antes de tudo e
principalmente, um tipo específico de trabalho especializado” (1998, p. 2). Algumas
atividades não são reconhecidas como trabalho, algumas vezes, porque não são
formalmente recompensadas, outras, porque não são realizadas em tempo integral.
Em outras ocasiões são atividades pagas e realizadas em tempo integral, mas
informalmente, à margem da economia oficial. Freidson esclarece que

o restante desse amplo universo de trabalho é composto de


ocupações e ofícios desempenhados na economia reconhecida
oficialmente. É aí que encontramos as profissões, listadas como um
tipo especial de ocupação nas modernas classificações oficiais.
Contudo, nenhuma teorização sobre profissões (sem falar de outros
tipos de trabalho) pode tratar do trabalho reconhecido oficialmente
sem considerar também aquele não reconhecido, na economia
informal, no mínimo porque muitas profissões tiveram suas origens
na economia informal e só depois se tornaram reconhecidas
oficialmente (1998, p. 2).

Para Freidson,

[...] as profissões, enquanto ocupações reconhecidas oficialmente, se


distinguem em virtude de sua posição relativamente elevada nas
classificações da força de trabalho (1998, p. 2).
[...] profissionais são aquelas pessoas que criam, expõem e aplicam
aos assuntos humanos o discurso de disciplinas, campos, corpos
demarcados de conhecimento e qualificação. Esse é seu trabalho,
que não pode ser desempenhado sem instituições que lhes garantam
apoio econômico, poder e organização (1998, p. 9).

No Brasil, Ghisleni (2010, p. 15) afirma que o conceito do termo “profissão”


“tem sido alvo de reflexão com a elaboração da nova Classificação Brasileira de
Ocupação (CBO) de 2002”. A autora esclarece que, segundo o CBO/2002, profissão
é um conjunto de regras de acesso, sancionado por um diploma de nível superior,
possibilitando o ingresso em determinados tipos de trabalho. É definido, portanto,
pelo seu conhecimento e competência escolar e não por suas competências no
exercício de sua atividade laboral.
34

[...] o termo ‘profissional’ é utilizado na CBO para um grande número


de famílias ocupacionais cujo exercício requer nível superior, já que
as atividades exigem alto nível de conhecimento, e que visam à
ampliação do acervo de conhecimentos científicos e intelectuais, por
meio de pesquisas, além de aplicar conceitos e teorias para a
solução de problemas (GHISLENI, 2010, p. 15).

Entretanto, em alguns casos, a CBO utiliza este termo para um conjunto de


situações de trabalho que não requer nível superior, como no caso dos técnicos de
nível médio (cursos profissionalizantes). Na realidade, o termo profissão, no Brasil,
“costuma ser utilizado no censo comum para qualquer ocupação, sem a exigência
de uma formação de nível superior” (GHISLENI, 2010, p. 15), independente se a
atividade foi aprendida na escola ou no seu exercício.

Percebe-se, portanto, a dificuldade em conceituar o termo


“profissional” no atual contexto sócio-histórico cultural, contudo,
entende-se que ao procurar compreender o processo pelo qual o
indivíduo passa na socialização das relações de trabalho, na
construção da percepção de si mesmo como profissional, seja
possível traduzir melhor o que seja o profissional (GHISLENI, 2010,
p. 15).

Magalhães (2013, p. 306) sintetiza todos estes conceitos e esclarece que

ocupação refere-se ao conjunto de atividades necessárias para


produzir um bem ou serviço. O termo profissão agrega, como
dimensão descritiva, o grau de profissionalismo das ocupações. Uma
ocupação assume o status de profissão na medida em que requer
um longo processo de formação e de treinamento, legitimado
socialmente como fundamento para o exercício de autoridade em
relação aos temas de sua competência, que possui um código de
ética regulador e uma cultura profissional estável.

No universo da dança, além dos esclarecimentos referentes aos termos já


citados, nos parece importante mencionar acerca do fato de que a dedicação à
dança está atrelada ao conceito de vocação, sendo este mais forte do que o
conceito de trabalho ou ocupação, e sendo talvez também superior ao conceito de
ofício e profissão, segundo Wainwright e Turner (2006). A ideia de vocação,
normalmente associada à inclinação religiosa, está também relacionada ao sacrifício
e sublimação, e, geralmente, aquele que é movido pela vocação tem uma
personalidade que é colocada à prova pelas incontáveis dificuldades que se
apresentam pelo caminho e o pouco reconhecimento pelo seu esforço (WEBER,
35

2000). Normalmente o sacrifício e a devoção fazem parte da rotina dura de


treinamento e ensaio do bailarino, além da contínua presença da dor e de possíveis
lesões. O risco de lesão significa também o risco de parar de dançar representando
grande impacto em sua identidade (NACHT, 2009).
Interessante a posição de Magalhães (2013, p. 306) que apresenta uma
relação importante entre vocação e carreira, afirmando que “o comprometimento
com a carreira é uma atitude relacionada a um sentimento positivo do indivíduo em
relação à própria vocação, incluindo a profissão”. Para o autor, carreira “significa
uma sequência de trabalhos articulados ao longo do tempo, que pode incluir
ocupações e/ou profissões, agregando uma dimensão temporal” e considera que “a
natureza sequencial da noção de carreira implica a aquisição progressiva de
comportamentos e de atitudes necessários ao desenvolvimento profissional”. Este
“comprometimento com a carreira”, comentada por Magalhães (2013, p. 306), “deve
implicar não somente uma atitude favorável à permanência na ocupação ou
profissão, mas, principalmente, o envolvimento do indivíduo no seu desenvolvimento
profissional”. Entretanto, embora o termo carreira venha sendo amplamente
utilizado, não significa que tenha a sua definição estabelecida de forma clara.
Conforme Tolfo (2002, p. 43), o termo “pode adquirir significados diversos, tais
quais: relativo à mobilidade ocupacional, à estabilidade profissional ou a uma vida
profissional bem estruturada”. Segundo a autora, também pode incluir a ideia de
progresso constante, denotando uma concepção de um percurso sistematizado
percorrido por um individuo, com características espaciais e temporais.
36

3
A Arte e o Trabalho: o Artista
como Trabalhador
37

3 A ARTE E O TRABALHO: O ARTISTA COMO TRABALHADOR

Na análise das possibilidades do estabelecimento das artes como profissão


e do artista como trabalhador, os teóricos Freidson, Chamboredon e Menger (1986),
em um estudo desses profissionais na Europa, afirmam que, embora os artistas
sejam majoritariamente provenientes da classe média e possuam formação superior
à da média da população, poucos sobrevivem da arte. Geralmente são obrigados a
exercer outras atividades econômicas para garantirem seu sustento, diferentemente
de profissionais de outras áreas, como médicos, engenheiros, advogados. Além
disso, Menger (2005) afirma que o mercado capitalista, incerto e instável, utiliza o
trabalho do artista como modelo de trabalho flexível. Geralmente o artista--
trabalhador dificilmente consegue se manter apenas com o resultado de sua criação,
precisando dedicar-se a formas multifacetadas de trabalho como o auto-emprego, o
freelancing, e as diversas formas atípicas de trabalho (intermitente, a tempo parcial,
multi-assalariado).
Para Freidson, Chamboredon e Menger (1986) as profissões artísticas são
as mais ambíguas e constituem um desafio à análise teórica das profissões e do
trabalho. De acordo com estes autores, Cerqueira (2015) esclarece que a dificuldade
de se entender o artista como trabalhadores deriva da ideologia romântica da
criação como algo fora do mundo, tornando as análises com tendências a “privilegiar
a obra do artista enquanto criação estética, em prejuízo do processo de trabalho que
a elaborou” (p. 2). Existe uma percepção profissional do artista fundamentada numa
visão bastante idealizada da vocação, escondendo aspectos reais de uma carreira.
A arte é considerada inspiração pura, irracional, somente suscetível de revelação e
não de compreensão, interior, gratuita, transcendente, mágica e iluminada. Contudo,
Cerqueira (2015, p. 2) esclarece:

Contrariando as compreensões que encerram as explicações do


trabalho artístico em palavras como talento natural, dom, vocação e
genialidade, observa-se que o trabalho artístico é (também) um
processo consciente e racional, ao fim do qual resulta uma obra
como realidade dominada e não – de modo algum – um estado de
pura inspiração. O ofício do artista requer um longo processo de
formação profissional. Todo ensaio, todo espetáculo significa, ao
mesmo tempo, trabalho.
38

Diante deste contexto torna-se “importante um esforço de análise que


compreenda a própria realidade desse campo em suas dinâmicas, contradições,
estratégias de envolvimento e dificuldades de identidade e organização”
(CERQUEIRA, 2015, p. 2).
Segundo Segnini (2006) os artistas, frequentemente, são descritos de forma
preconceituosa e plena de estereótipos, com uma visão equivocada referente ao
trabalho de criação como sendo um processo individual e solitário, indiferente a
opinião do público e ao sucesso. Para a autora trata-se de uma visão distorcida do
trabalho artístico.

Observa-se que a criação artística, seja ela qual for (dança, musica,
teatro, cinema, pintura, arquitetura e etc.), é um trabalho realizado
coletivamente, implica em pesquisas sociológicas, econômicas,
políticas, históricas e psicológicas (SEGNINI, 2006, p. 6).

Em suas pesquisas Segnini (2006) identifica que a escolha da profissão para


os artistas de espetáculo é apresentada como “própria”, isto é, pautada na paixão
em exercê-la. Normalmente, antes de se tornarem profissionais, a arte escolhida já
era uma atividade de lazer na vida do sujeito. A autora também relata acerca de
suas investigações que esses trabalhadores artistas – músicos e bailarinos – estão
submetidos à constante incerteza face à garantia do trabalho. É permanente, para
estes artistas, a procura por trabalho, uma vez que é comum dependerem de
projetos artísticos que, quando contemplados, são por tempo determinado.
Importante lembrar que a remuneração nesta área é mediante a execução do
espetáculo, muitas vezes não levando em consideração todo o preparo dos artistas
para a performance. Contudo, mesmo desempregado, o profissional artista
necessita se manter pronto para o trabalho, mesmo sem programação estabelecida,
pois as oportunidades podem aparecer a qualquer momento. No caso de bailarinos,
esclarece Segnini (2006) é preciso manter o corpo preparado diariamente e os
músicos necessitam realizar um estudo diário com seus instrumentos musicais. Os
artistas são trabalhadores que trabalham diariamente, sem ter a garantia do
espetáculo ao vivo, ou seja, sem garantias de remuneração.
Por excelência, o trabalho artístico é considerado flexível tanto em termos de
conteúdo, locais, horários e contratos de trabalho. A instabilidade na condição de
trabalho e na carreira do artista; como empregos casuais e contingentes,
39

descontinuidade devido à demanda, relações de trabalho de curto prazo; é


reconhecida historicamente em vários países, incluindo o Brasil (SEGNINI, 2011).
As profissões artísticas possuem diversas particularidades, das quais
Kronemberger (2016, p. 12) destaca duas principais:

[...] o status do artista não é protegido por títulos ou certificados


educacionais (dificuldade de definição dos critérios de entrada nas
posições ofertadas no mercado – Quais são os critérios sociais
legítimos para se tornar artista?); e a relação particular com o
mercado (demanda complexa e instável das atividades e produtos
artísticos).

Essas singularidades, para Kronemberger (2016) trazem um problema teórico


fundamental – o de definição do termo profissão. Para a autora, muitas profissões,
principalmente as liberais, possuem um processo de profissionalização no qual suas
atividades de formação se ligam às universidades, onde a certificação acadêmica
autoriza a prática da profissão. Para esta autora, os títulos de formação formal se
constituem em um traço constitutivo da definição das profissões. Porém é preciso
considerar que existem outras formas de reconhecimento profissional, conforme
Heinich (2005). Outro aspecto característico nas definições da noção de profissão é
a sua vinculação à atividade remunerada.
Assim, especificidades encontradas em profissões artísticas, problematizam
as noções usuais de profissão e de trabalho, que tomem como centrais as
credenciais acadêmicas e a relação entre atividade produtiva e mercado, sobretudo
no que se refere à remuneração. Conforme Heinich (2005), existe hoje uma grande
diversidade nos modos de ser artista. A autora esclarece (p. 140-141):

A fronteira que permite determinar quem é artista se organiza hoje de


duas maneiras diferentes: seja pela distinção entre arte e ofícios de
arte, que diferencia categorias de atividades, seja pela distinção
entre profissionais e amadores, que diferencia, no interior de uma
mesma atividade, graus de implicação da pessoa. Em ambos os
casos, há uma hierarquia própria a essas duas grandes categorias
de critérios: tradicionalmente, a “arte” é considerada mais nobre que
os “ofícios da arte” (hierarquia que certamente muitos contestam, o
que é a porção de toda a hierarquia), e o “profissionalismo” é
considerado como mais sério, mais autêntico que o “amadorismo”.

Apesar de Heinich estar se referindo ao contexto do artista plástico e


analisando a arte contemporânea na França, a situação apresentada pela autora
40

pode ser avaliada, de um modo geral, a todos os artistas, aplicando-se também aos
artistas das artes cênicas. Para Heinich (2005) o reconhecimento na arte se dá
primeiramente pelos pares, depois pelos críticos, em seguida pelos marchands e
colecionadores, e finalmente, pelo público.
Pode-se afirmar ainda que o status do artista é protegido por títulos e
certificados de outro tipo que não acadêmico. A notoriedade, consagração e
reconhecimento do artista passam pela consistência do percurso artístico como: a
trajetória artística (participação em concursos, prêmios); número e tipo de
exposições ou apresentações (espetáculos) realizadas; internacionalizações;
reputação das galerias, museus, teatros, coleções onde o artista participa; capital
social (redes de relações privilegiadas); visibilidade; tempo de dedicação e entrega à
arte; e coerência e homogeneidade do percurso.
Heinich afirma ainda que

a própria noção de “carreira” artística evoluiu paralelamente à


identidade de artista e ao lugar do mercado nos critérios do sucesso.
De fato, a economia propriamente “vocacional” se caracteriza por
uma inversão dos meios e dos fins em relação à economia habitual:
ganhar a vida é, para um artista, o meio de exercer sua arte, muito
mais que o exercício de sua arte não é – como na maior parte das
atividades – o meio de ganhar dinheiro (2005, p. 143).

Acerca do contexto social dos artistas, Freidson, Chamboredon e Menger


(1986), afirmam que, para considerar a atividade artística uma profissão, devemos
ir além de uma definição que leve em conta apenas critérios econômicos.
Freidson, Chamboredon e Menger (1986) afirmam que esta definição esteve por
muito tempo dominante, a ponto de nos cegar sobre o alcance teórico da prática
contemporânea das artes. Para estes autores, devemos considerar a profissão
como empreendimento humano organizado que visa o cumprimento de tarefas
especializadas às quais se reconhece um valor social, tratando-se do exercício de
uma competência especializada dentro da divisão do trabalho ou de uma função
social.
Ao analisar a profissionalização dos músicos de Porto Alegre, a
pesquisadora Julia da Rosa Simões (2016) aborda em sua tese alguns pontos
interessantes que podem ser considerados acerca dos profissionais das artes (p. 13-
14):
41

Muito ligada ao lazer e à arte, a música parece principalmente uma


ocupação prazerosa, desvinculada de questões pragmáticas. É
comum não se pensar na dimensão profissional da atividade ao se
considerar a atuação dos músicos no contexto histórico brasileiro [...].
A arte, e também a música, é muitas vezes vista como o inverso da
vida econômica, lembrou o sociólogo Craig Calhoun, interessado por
esse “mundo” tão contraditório. Visto não ser muito conhecida a
labuta diária dos instrumentistas pela subsistência, dentro ou fora de
seus ambientes performáticos (palcos, salas de aulas etc.), [...] uma
“profissão difícil” ou “mais obscura” – para citar estudos recentes
sobre história das profissões artísticas.

Pensar em artistas - sejam eles músicos, bailarinos, atores - como


profissionais envolve o conhecimento de certas especificidades destes ofícios que,
conforme Simões (2016), devem levar em consideração que são diversas as
competências e qualidades exigidas pelo trabalho não-alienado desempenhado pelo
artista. Para a autora:

Este se movimenta entre dois mundos, sendo artista – criando,


interpretando –, mas também trabalhador – vendendo sua força de
trabalho no mercado. Sua atividade não pode ser definida como
mero lazer, apesar de muitas vezes seguidamente prazerosa e
muitas vezes sem fins lucrativos, mas também escapa à
categorização usual de trabalho remunerado, pois nem sempre o
critério econômico é suficiente para diferenciar o amador do
profissional. Aliar arte e profissão parece constituir um desafio e uma
ambiguidade, tanto para os analistas da matéria quanto para seus
protagonistas (SIMÕES, 2016, p. 18).

De fato, invariavelmente os profissionais da arte se defrontam com o que


Bendassolli e Wood Jr. (2010) denominaram “paradoxo de Mozart6”, ou seja, o
sonho da liberdade de criação e da autonomia profissional, porém condicionado pela
necessidade de encantar a audiência e convencer consumidores a comprar seus
produtos. Segundo Elias (1995), Mozart “sempre desejou poder criar livremente,
seguir suas vozes interiores sem se preocupar com os compradores” (p. 42). O autor

6
Wolfgang Amadeus Mozart foi um pioneiro. Em 1781, conforme Elias (1995), o músico deixou os
serviços do Arcebispo de Salzburg para tentar a sorte como músico e professor autônomo em Viena.
Por 10 anos, Mozart conheceu as alegrias e as tristezas da vida de profissional independente. Para
facilitar a venda de suas peças, Mozart ressaltava a flexibilidade das composições, que poderiam ser
utilizados por diversas formações. Sempre que iniciava uma composição ou preparava-se para
apresentá-la em público, vinham à tona as questões: como compor para este novo público dos
concertos? O que fazer para agradá-los? Mozart morreu em 1791, com 35 anos de idade, endividado,
derrotado e marcado pela sensação de fracasso social e profissional” (ELIAS, 1995). Por um lado o
sonho de liberdade de criação e de autonomia profissional, e por outro a necessidade de encantar a
audiência e convencer consumidores a comprar seus produtos foi denominado “paradoxo de Mozart”
por Pedro F. Bandassolli e Thomaz Wood Jr. em 2010.
42

comenta que Mozart era espontâneo na transformação de fantasias em sons e


possuía uma rica imaginação musical, por outro lado, era indiferente e incompetente
para dinheiro. Para Elias (1995), no tempo de Mozart, e mesmo hoje em dia, “a
busca de significado e realização e a procura de uma existência segura raramente
apontam para a mesma direção” (p. 126).
Desta forma, os artistas buscam a “auto-realização e a autonomia de
expressão, porém são limitados pela capacidade de comercializar de forma bem
sucedida seus talentos e competências” (BENDASSOLLI, 2009, p. 10). Bendassolli e
Wood Jr. (2010) afirmam que, as transformações econômicas, sociais e culturais
ocorridas desde os anos 1980 acabaram por colocar profissionais dos mais variados
setores diante deste paradoxo. Entretanto, nem todos os profissionais artistas tem a
habilidade de administração da própria carreira.
Em concordância com Simões (2016) e Bendassolli e Wood Jr. (2010),
Cerqueira (2015, p. 2) afirma que nas análises do trabalho artístico

é possível identificar tanto as seduções de um mercado de trabalho


não tradicional (valorização da autonomia, da responsabilidade, da
criatividade) quanto às ameaças da efemeridade dos empregos
(banalização da atipia salarial e respectivos riscos) e da intensidade
da concorrência num contexto de grande fragmentação do trabalho e
de grande variabilidade das competências exigidas. Diante disso, o
próprio indivíduo é chamado a comportar-se como empresário da sua
própria carreira, portfólio worker, a custo de uma forte
individualização do seu sistema pessoal de atividade.

Cerqueira (2015) esclarece que seus estudos acerca do trabalho artístico,


baseados em autores como Menger (2005), Segnini (2006) e Benhamou (2007),
permitem afirmar que o trabalho artístico é caracterizado pela imagem de
flexibilidade e inserido em contexto de auto-emprego, freelancing e diversas formas
atípicas de trabalho (intermitência, tempo parcial, multi-assalariado).
Em concordância com Heinich (2005), Frederickson, Rooney (1990) e
Simões (2016) consideram, ainda, que “o sucesso em música poderia ser medido
através de habilidades facilmente observáveis, não através de certificação de
conhecimento, conforme atestado pelo fato de um diploma não ser pré-requisito para
a entrada em orquestras”.
43

Analisando as considerações e conclusões apresentadas por Frederickson,


Rooney e Simões, claramente reconhecemos situação semelhante com profissionais
bailarinos. Os bailarinos, como os músicos, tem sua formação baseada na

habilidade manifesta de copiar a performance do professor: análises


críticas das tradições do ofício são desencorajadas, e consentimento
mútuo dos procedimentos é a base na qual uma lealdade é
estabelecida (FREIDSON, 1986 apud SIMÕES, 2016, p. 19).

Entretanto esse não é o caso no ensino formal (acadêmico) de dança em


que, como na música, se procura colocar o seu estudo mais próximo das demais
áreas acadêmicas, mas em linhas gerais, segundo Simões (2016), o ensino musical
continua dependendo de observação direta e trabalho sob a batuta de um mestre,
situação semelhante na dança.
Simões (2016) revela outra situação acerca dos profissionais músicos
bastante semelhante aos profissionais bailarinos: o perfil enquanto empreendedores
dedicados a carreiras freelance, ou enquanto trabalhadores independentes de
patrões ou instituições. A autora menciona que o músico seguidamente precisa
dividir-se entre várias atividades dentro da mesma área (atividades anexas), como
instrumentista, compositor, arranjador e, acima de tudo, professor. “Em todas,
necessita ser oportunista, no sentido de que desenvolve a habilidade de perceber
oportunidades e tirar vantagem delas” (p. 23).
As transformações ocorridas desde os anos 1980, citadas por Bendassolli e
Wood Jr. (2010), trouxeram um contexto onde músicos, pintores, atores e outros
profissionais da arte compõem um campo hoje denominado como indústrias
criativas. No final do século XX, ganhou notoriedade o conceito de “indústrias
criativas”, em reconhecimento ao peso das atividades criativas (artistas em geral) na
economia. A emergência do termo indústrias criativas, segundo os autores, aponta
para uma nova tentativa de articulação entre os domínios da arte ou cultura, da
tecnologia e dos negócios.

Especificamente, entendemos que, no decorrer dos últimos séculos,


muitas mudanças ocorreram: determinadas carreiras artísticas
desapareceram, outras perderam importância e outras emergiram e
ganharam proeminência. A despeito de tais mudanças, é provável
que o “paradoxo de Mozart” persista, na medida em que os artistas,
agora atuando nas denominadas indústrias criativas, continuam
buscando sua auto-realização e autonomia num enquadre
44

econômico em que são pressionados a comercializar de forma bem


sucedida seus talentos, competências e “obras” (BENDASSOLLI;
WOOD JR., 2010, p. 262)

Neste contexto, Throsby (2001) define artista como “indivíduo que cria ou dá
expressão a trabalhos de arte ou de conteúdo cultural, domina competências
artísticas, se percebe como artista e é reconhecido por pares e público como tal, e é
capaz de se manter do produto de sua arte”.
Bendassolli e Wood Jr. (2010, p. 263), alertam que, de um modo geral,
predominam, nesse mercado, empregos casuais e contingentes, caracterizados pela
instabilidade e pela descontinuidade, que ocorre devido às variações das condições
de demanda, à forma de produção (que comumente ocorre por projetos), às
pressões por inovação, diferenciação e singularidade, e à natureza incerta do
processo criativo. Desta forma, existe uma tendência a prevalecer relações de
trabalho de curto prazo. Sendo que os artistas, em sua trajetória profissional,
“costumam passar por vários projetos e organizações, eventualmente sob condições
contratuais desfavoráveis e precárias, até adquirir reconhecimento suficiente e poder
definir ou ter influência sobre sua própria trajetória”.
Throsby (2001), Menger (2005), Bendassolli e Wood Jr. (2010) concordam
que o trabalho artístico é uma ocupação de tempo parcial, para a qual a educação
formal tem valor relativo, de retornos financeiros incertos e grandes distorções
salariais. Geralmente a força de trabalho costuma ser mais jovem que a média e
apresenta maiores níveis de sub-emprego, emprego em tempo parcial e
desemprego.
Quanto á carreira artística, Borges (2008, p. 525) afirma que estão
geralmente baseadas numa “profunda identificação dos indivíduos com a sua
profissão, com o conteúdo das suas tarefas e com o estilo de vida que lhe é
inerente, mais do que com a organização onde trabalham”. A autora comenta que
normalmente os artistas movimentam-se em redes de relações e associações
informais, lutando contra as incertezas da profissão e assumindo os possíveis riscos
da profissão.
45

3.1 O profissional da dança: o contexto brasileiro

A dança como profissão abrange uma extensa variedade de funções e,


conforme Corrêa e Nascimento (2013, p. 55):

[...] por sua característica prática, não se restringe ao espaço da


Licenciatura ou Bacharelado como opção formativa. A maioria dos
profissionais da dança tem a sua formação realizada através do
ensino não formal, em cursos livres, academias e grupos de dança,
que fazem surgir no cenário artístico novos bailarinos, coreógrafos,
ensaiadores, iluminadores, etc., todos os anos.

Segundo as autoras a regulamentação da profissão de artista ocorre em


maio de 1978, quando promulgada a Lei 6.533/787, que disciplina o exercício das
profissões de Artistas e de Técnico em Espetáculos de Diversões. Conforme a lei, o
artista é

o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural


de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública,
através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se
realizam espetáculos de diversão pública (BRASIL, 1978).

Conforme o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do Brasil, em uma


classificação brasileira de ocupações (CBO), os “artistas da dança” estão
classificados sob o código 2628 (figura 3) e, resumidamente, conforme quadro
apresentado, “concebem e concretizam projeto cênico em dança, realizando
montagens de obras coreográficas; executam apresentações públicas de dança e,
para tanto, preparam o corpo, pesquisam movimentos, gestos, danças, e ensaiam
coreografias, podendo ensinar dança”.
Além das atividades resumidas o MTE apresenta condições gerais de
exercício (figura 4), com o seguinte texto:

Trabalham nas áreas de criação, pesquisa e ensino. Suas atividades


são sempre realizadas em equipe e podem se desenvolver tanto em
companhias estáveis de bailado, em que predominam os vínculos
formais de trabalho, estabilidade no emprego e possibilidade de

7
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978: dispõe sobre a
regulamentação das profissões de Artistas e de técnico em Espetáculos de Diversões, e dá outras
providências. Brasília, 1978. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6533.htm.
Acesso em: 10 set. 2019.
46

construir uma carreira, como em cooperativas ou como autônomos,


realizando produções independentes. Esta última é a situação da
grande maioria dos profissionais, os quais, em geral, se auto-
financiam, costumeiramente, exercendo atividades como
professores, terapeutas etc. concomitantemente à dança (BRASIL,
2016).

Figura 3 - Artistas da Dança

Fonte: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego, 2016.

Também é apresentada a formação e experiência exigidas:

O exercício das ocupações da família não exige escolaridade formal


determinada, embora siga-se a tendência que vem ocorrendo no
mundo das artes em geral, rumo à profissionalização. Nesse sentido,
torna-se-á cada vez mais desejável que o profissional tenha curso
superior na área. Para o exercício pleno das atividades, requer-se
mais de cinco anos de experiência (BRASIL, 2016).

Após a promulgação da Lei 6.533/78, criou-se no Rio Grande do Sul, o


Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (SATED)8, que teve

8
Os SATEDs, Sindicatos dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões são constituídos para
fins de estudo, coordenação, proteção e representação legal da categoria dos Artistas e Técnicos,
conforme estabelece a legislação em vigor sobre a matéria e com intuito de colaboração com os
poderes públicos e as demais associações no sentido da solidariedade social e da sua
subordinação aos interesses nacionais (SATED-RS, 2016).
47

como origem a Associação Profissional dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de


Diversões do Estado do Rio Grande do Sul (APATEDERGS), com objetivo de luta
por melhores condições de trabalho para a classe artística e oferecendo alguns
serviços específicos, como o registro profissional9 regulamentado pela Lei 6.533/78.
O Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado
do Rio Grande do Sul (SATED-RS) apresenta em seu site na Internet uma curta
definição de alguns profissionais de dança com base no quadro anexado ao Decreto
nº 82.385, de 05 de outubro de 1978, de títulos e descrições das funções em que se
desdobram as atividades de artistas e técnicos em espetáculos de diversões. Dentre
todos os profissionais considerados artistas de teatro, circo, cinema, fotonovela e
radiodifusão, estão os da dança como: bailarino ou dançarino, coreógrafo e maitre
de ballet.
A “ocupação” de bailarino, portanto, conforme a Classificação Brasileira de
Ocupações, está inserido entre os profissionais que fazem parte das artes do
espetáculo. Entretanto, conforme Neves (2010, p. 132), “o mercado coreográfico é
mais limitado se comparado, por exemplo, ao do teatro e da música, o que faz com
que os bailarinos tenham que enfrentar, mais do que outros artistas do palco,
maiores dificuldades quanto às condições instáveis de trabalho pressupostas neste
metier”.
Somente em 2015, começou a tramitar no Senado o Projeto de
Lei 644/201510, para regulamentar especificamente o exercício da profissão de
dança, sendo aprovado em 02 de março de 2016 pela Comissão de Assuntos
Sociais (CAS). Este projeto dispõe sobre o exercício da profissão e traça uma série
de critérios, como a exigência de cláusulas obrigatórias do contrato de trabalho,
além de vedar a cessão de direitos autorais decorrentes da prestação de serviços e
fixar jornada de 30 horas semanais. A proposta também garante o livre exercício da
dança, ao vedar a exigência de inscrição desse profissional em conselhos de
fiscalização de outras categorias. Isso porque atualmente, os conselhos regionais de
Educação Física consideram que a dança profissional está sob sua jurisdição. Por
isso, exigem de bailarinos, coreógrafos e dançarinos a comprovação de habilitação
9
Para solicitar o registro profissional no Ministério do Trabalho (DRT), o artista deve cumprir alguns
critérios estabelecidos pelo Sindicato, apresentando currículo com comprovação para a área de
registro pretendida.
10
BRASIL. SENADO FEDERAL. Lei n. 644 de 2015. Brasília: Senado Federal, 2015. Disponível em:
https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=4265787&ts=1559260701109&disposition=inline. Acesso em: 18 out. 2018.
48

em curso de graduação em Educação Física e a inscrição profissional no respectivo


CREF.
Caso a proposta vire lei, poderão continuar exercendo a profissão todos os
trabalhadores que já exercem a atividade em qualquer de suas modalidades. Os
novos profissionais serão reconhecidos caso possuam diploma de curso superior ou
certificado de curso técnico em dança, diploma estrangeiro na área ou atestado de
capacitação profissional fornecido pelos órgãos competentes (BRASIL, 2016). O
autor do projeto, senador Walter Pinheiro (BRASIL, 2015, p. 4), afirma no final de
seu projeto que “a proposição é fruto da articulação profissional de inúmeros artistas
que desejam a melhoria das condições de trabalho e o devido reconhecimento
profissional”.
Entretanto, em 2018, uma ação judicial, publicada em 2013, começa a
tramitar novamente pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de uma Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 29311 enviada em 2013 pela
Procuradora Geral da República Helenita Acioli questionando a obrigatoriedade do
diploma ou de certificado de capacitação para registro profissional (DRT) no
Ministério do Trabalho, como condição para o exercício das profissões de artista e
técnico em espetáculos de diversões.
De acordo com a petição, o registro criaria requisitos que impediriam a livre
manifestação artística de quem não possuísse o documento. A alegação é de que
essas leis ferem os incisos IV, IX e XII do artigo 5º da Constituição Federal, que
asseguram a livre manifestação do pensamento, a liberdade de expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura, além do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. "Sob o
pretexto de resguardar direitos e interesses gerais da sociedade, a regulamentação
da profissão acabou por retirar da arte aquilo que lhe é peculiar: sua liberdade"
defende a ADPF (NUNES, 2018).
Outro argumento da Procuradoria-Geral da República (PGR), é que o
exercício da profissão de artista não traz em si qualquer risco a terceiros, sendo
injustificável a fixação de requisitos de acesso à profissão. “A simples ideia de um
órgão público capaz de controlar e estabelecer uma qualificação mínima para

11
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação de descumprimento de preceito fundamental
293. Brasília: STF, 2013. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=4856454&ext=.pdf. Acesso em: 18 out. 2018.
49

artistas é incompatível com a liberdade de expressão artística”, diz a nota no site da


PGR (SOUZA, 2018). Se acatada, a ADPF 293 poderá extinguir o Registro
Profissional da classe e desregulamentar as profissões.
O Atestado de Capacitação Profissional emitido pela Delegacia Regional do
Trabalho (DRT) foi conquistado em 1978 e, além dos direitos óbvios – o acesso aos
benefícios da previdência como aposentadorias, auxílios doença e maternidade –
corroborou também no reconhecimento social do trabalho de artistas e técnicos.
No mês de abril de 2018 houve grande mobilização de artista e técnicos
contra a ADPF 293 no país e o Ministro da Cultura Sérgio Sá Leitão se encontrou
com representantes da classe em São Paulo e declarou seu apoio: "A exigência de
registro para o exercício profissional de atividades artísticas é importante, não só
para garantir a qualidade da produção mas, principalmente, permitir que os
profissionais da cultura tenham seus direitos garantidos" (NUNES, 2018).
Camargo e Takara (2018) afirmam que parte da defesa da exigência do
Atestado Profissional para a expedição da DRT apoia-se na ideia de que

o registro serve para proteger o trabalhador da precarização e de que


a regulamentação do artista e do técnico, por meio da Lei 6.533 de
24 de maio de 1978, deve servir de saída para que o profissional da
área cultural e da arte não seja associado à figura da prostituta, do
michê – como oficialmente ocorria antes da DRT e que ocorre, ainda,
de certa forma – ou do trabalhador informal, ilegal,
desempregado; ou seja, do setor mais marginalizado e precarizado
da sociedade. [grifo do autor]

Quanto à argumentação de que a profissão não traria consequências ou


riscos para terceiros, fica claro o desconhecimento da preparação física e
performance na atuação destes profissionais artistas e técnicos. Estes são
profissionais (iluminadores e cenógrafos, por exemplo) que precisam ter
conhecimentos específicos que nas mãos de ineptos pode colocar não somente os
técnicos, mas artistas e público em situação de risco. São também conhecidos os
riscos do trabalho de um trapezista ou uma bailarina, que podem sofrer distensões
e/ou rompimentos musculares e fraturas no exercício de sua profissão, pois o
instrumento de trabalho destes artistas é o próprio corpo, e este é vulnerável às
situações de possíveis acidentes ou mesmo contusões devido à falta de formação
adequada das artes do corpo.
50

O mais importante, talvez, seja o fato de que se a ADPF 293 for aprovada irá
atingir diretamente o ensino da arte que é tão desprestigiado no meio acadêmico no
Brasil e ameaçar a economia criativa do país. Em maio de 2018, o Ministério da
Cultura divulgou nota de apoio à classe artística, segundo Souza (2018) afirmando:

O Ministério da Cultura defende o reconhecimento legal das


profissões de artista, técnico de espetáculos e músico, fundamental
para a consolidação da economia criativa no Brasil. A exigência de
registro para o exercício profissional de atividades artísticas é
importante não só para garantir a qualidade da produção mas,
principalmente, permitir que os profissionais da cultura tenham seus
direitos garantidos. [...] o respeito ao exercício profissional da arte
não se confunde com a livre manifestação artística, direito previsto
na Constituição, que sempre deve ser preservado. A extinção do
reconhecimento profissional representaria um retrocesso para áreas
estratégicas da economia criativa brasileira, que atualmente
responde por 2,64% do PIB nacional e contribui de forma significativa
para o desenvolvimento do país, gerando emprego, renda e inclusão.

A ADPF 293 deveria ter sido votada em 26 de abril de 2018, no STF, mas foi
adiada e posteriormente excluída do calendário de julgamento.
As considerações aqui apresentadas sobre a regulamentação ou não da
profissão se fazem necessárias para contextualizar o ambiente profissional e legal
no qual os entrevistados para essa pesquisa estavam inseridos.

3.2 Quem é o profissional bailarino brasileiro: reflexões sobre carreira e


formação

O que se estabelece para este profissional, certamente, é que sua


ferramenta de trabalho é, sem dúvidas, seu próprio corpo. E este tem de estar
preparado tecnicamente, além de apresentar uma imagem exigida pelo estilo de
dança - longilínea e magra, para o ballet clássico, por exemplo - devendo ser
saudável e vigoroso.
Outra característica fortemente encontrada neste meio profissional é a
competição. Este parece ser atributo estrutural da experiência de vida e de trabalho
de bailarinos(as).

Uma espécie de ética do “eu por mim mesmo/a” é o que determina o


funcionamento do mercado de trabalho destes. Cada aspirante
precisa ser aceito e ingressar inicialmente numa companhia por uma
51

espécie de audição determinada. Depois é cotidianamente testado


em aulas, ensaios que selecionam quem vai dançar os melhores
papéis, os papéis secundários, e, até mesmo, quem não vai dançar.
Todos os dias, portanto, uma competição. (AGOSTINI, 2010, p. 5).

Menger (2005) comenta que a organização do trabalho em dança impõe


flexibilidade elevada ao trabalhador artista. Para manutenção das organizações do
espetáculo ao vivo, existe uma necessidade de recrutamento rápido por meio de
redes de conhecimento, audições (identificação dos melhores artistas para cada
espetáculo) e de acordo com diferentes possibilidades de remuneração/cachês. Esta
condição reflete no profissional artista. Segnini e Lancman (2011, p. 43) explicam:

O processo de construção de um espetáculo exige dupla dimensão


dos bailarinos: trabalho individual e coletivo. No trabalho individual é
observado o desenvolvimento da técnica; o conhecimento do próprio
corpo, pesquisa sobre movimento, obtenção de repertório de
movimento por meio da investigação individual e manutenção dos
requisitos em termos biológicos. Os bailarinos e bailarinas estão em
constante movimento, uma vez que o instrumento de trabalho é o
corpo, é preciso mantê-lo sempre pronto para o trabalho. [...] Assim
como é de extrema necessidade o trabalho realizado coletivamente
sob as orientações do coreógrafo, com o objetivo de se aprender o
movimento de determinada coreografia (ensaios).

Diante deste contexto Rannou e Roharik (2006) afirmam que a carreira do


bailarino pode ser resumida em quatro grandes etapas: a) encantamento com a
atividade; b) busca de colocação no mercado e de estabilidade artística; c)
reconhecimento profissional e; d) a saída do palco devido à complicações
profissionais geralmente relacionadas com o corpo. Este estudo apresenta
depoimentos de profissionais inseridos nas fases “b” e “c”, que foram chamados a
refletir sobre suas fases anteriores e posteriores.
Segnini e Lancman (2011) concluem que “a relação entre o amadurecimento
profissional e a necessidade de um corpo jovem expressa um potencial conflito
permanente na profissão”, pois...

O amadurecimento profissional é um prelúdio do fim da atividade.


Desta forma, é observada uma relação ambígua: quanto mais o
profissional amadurece e se torna mais cônscio de suas habilidades
e fragilidades, também se depara com a proximidade de ter que se
retirar da cena em razão de um corpo que se fragiliza biologicamente
e é menos valorizado no mundo da dança. A preocupação com o
52

futuro profissional é frequente entre os bailarinos (SEGNINI;


LANCMAN, 2011, p. 44).

Em um estudo de caso realizado pela pesquisadora Neves (2013) com o


Cisne Negro Cia. de Dança de São Paulo, SP, a profissão de bailarino(a) foi
considerado um ofício pouco reconhecido como profissão e que implica muitos
sacrifícios. Sendo uma carreira bastante concorrida e curta, por conta das restrições
impostas pelo envelhecimento do corpo, e cujas recompensas materiais não são
expressivas e sendo limitados os espaços que garantem estabilidade de emprego.
Na investigação de quem são, do ponto de vista social, os profissionais
bailarinos em São Paulo, a autora aponta que “o ambiente é predominantemente
feminino e a significativa presença de homossexuais na dança fazem com que os
bailarinos se sintam seguros e mais à vontade para assumir ou enfrentar as
questões da homossexualidade” (NEVES, 2013, p. 214). Entretanto, o bailarino
masculino tem de processar, no âmbito da prática e da atmosfera da dança, a opção
pela homossexualidade e a construção e vivência de uma corporalidade masculina
na cena.
Importante salientar que neste ambiente artístico a “construção do corpo
mecânico do balé implica também um automatismo do espírito alimentado pelo estilo
de vida ascético que o produz. E a submissão, a persistência e a disputa são
qualidades imprescindíveis para a permanência nessa prática” (NEVES, 2013, p.
219). Além disso, o bailarino tem que se defrontar com as reflexões de ingresso ou
não ao métier, exigidas frente às cobranças da família e/ou sociedade; o que
significa também resignar-se ou não a esse universo artístico, abrindo mão de
experiências de vida, como festas, namoros, reuniões familiares, etc., do mundo lá
fora. Essa rotina do período de aprendizagem é redimensionada no plano
profissional. Normalmente, mais maduros e adultos, os bailarinos passam a atuar em
um universo embora igualmente competitivo, menos conservador e mais artístico.
Essa realidade se aplica principalmente às bailarinas. O bailarino, por sua vez,
geralmente entra em contato com o balé clássico mais tarde e depois de já ter
praticado outras modalidades de dança, tendo em sua formação não apenas nas
aulas de balé clássico, mas adicionam à sua técnica outros estilos de dança como a
contemporânea, o jazz, o hip-hop, etc.
Geralmente, nas companhias brasileiras, os bailarinos movimentando-se na
aula de balé clássico para depois iniciar os ensaios de coreografias
53

contemporâneas. Este fato é, inúmeras vezes, apontado pelos próprios profissionais


da dança, como um contra censo, sendo considerado o mais lógico a Companhia
realizar treinamento e criação coreográfica no mesmo estilo e técnica de dança.
Contudo Neves (2013), concordando com Mora (2008), considera:

A permanência na dança clássica e o exercício de seu treino diário


produzem condições corporais físicas e estéticas que traçam uma
identidade para o bailarino. A postura, a posição da cabeça, a
rotação externa das pernas e o desenho definido de suas linhas são
características que diferenciam os bailarinos, já que a feição
adquirida não é a da vida cotidiana, e faz com que eles se
reconheçam dentro e fora do mundo da dança (NEVES, 2013, p,
230).

De qualquer forma, o que se encontra na atual produção contemporânea de


criação coreográfica tem base nos procedimentos de treinamento do balé clássico e
nas linguagens da vanguarda, por vezes transgressoras, amparadas, sobretudo, nas
técnicas de improvisação na dança contemporânea.

[...] um dos principais atrativos para a dança é a presença de fatores


de transgressão presentes nessa vocação, que fazem render
carreiras femininas e masculinas no universo clássico da dança
contemporânea. A escolha pela dança como profissão tem relação
com deslocamentos, com a reconversão, operada pelo corpo, de
trajetórias prováveis. Essa é uma atividade cuja atuação de “corpo e
alma” permite a superação da condição de existência, a conquista de
uma nova identidade, a experimentação e a vivência de sexualidades
que se concretizam no poder e no prazer de levar o corpo cada vez
mais além de seus limites físicos ou sensíveis (NEVES, 2013, p. 36).

Por fim, pontualidade, disciplina, energia física e habilidade mental são


qualidades que dizem respeito ao ritmo desses profissionais que tem o corpo como
seu instrumento de trabalho.

3.2.1 Formação profissional: cursos superiores X cursos livres

O artista da dança no Brasil pode estudar e se tornar um profissional


através de cursos livres nos estúdios, academias, escolas, o que é considerado
ensino informal; após muitos anos de estudos e experiência, poderá obter o DRT
(registro profissional) através de um sindicato, prestando um exame específico e
comprovando algum trabalho na área. No Brasil, pela tradição, bailarinos mais
54

velhos ensinam os mais jovens. O ensino da dança sempre foi informal, fora da sala
de aula.
A ideia de que a teoria ameaça a prática está bastante forte na realidade de
nossas artes. Na área da dança ainda há muito mais uma formação informal,
puramente técnica e prática do que formal e teórica. Nos contexto europeu ou norte-
americano os profissionais da dança costumam desenvolver a prática juntamente á
teoria, sendo muito mais fácil encontrar bailarinos, professores ou coreógrafos
pesquisadores e com grande produção científica.
Apesar da dança ser reconhecida pelo Ministério da Educação "como um
curso superior com diretrizes próprias desde a década de 1970" (STRAZZACAPPA
(2002-2003, p. 74), no Brasil, "ela sempre foi compartilhada pela Educação Física e
por outras áreas do conhecimento" (EHRENBERG, 2003, p. 46), ou seja, ela pode
ser estudada em outras graduações, como é o caso das Artes Cênicas, Educação
Artística, Comunicação Social (PACHECO, 1999), Educação Física e Artes
Plásticas.
Entretanto, antes do reconhecimento do MEC, o primeiro curso Superior de
Dança surgiu em 1956 na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e, conforme
Aquino (2001), permaneceu quase três décadas como único no País. Após sua
abertura, somente a partir da segunda metade da década de 1990, o ensino da
dança começa a se consolidar nas universidades brasileiras.
Hoje (2018), conforme o Ministério de Educação e Cultura (BRASIL, 2018),
existem 29 Instituições Superiores com Curso de Graduação em Dança oferecendo
o montante de 32 (trinta e dois) graduações em dança, nas habilitações de
bacharelado e de licenciatura, sendo quatro (oferecendo cinco cursos) no Rio
Grande do Sul (UFRGS, UERGS, UFSM e UFPEL).
O artista da dança pode se tornar um profissional através de um Curso
Técnico (ensino médio, profissionalizante) ou em Curso de Graduação e/ou
Licenciatura em Dança (ensino superior); o ensino técnico e universitário é
considerado ensino formal, totalmente fiscalizado pelo MEC. Após conclusão do
ensino formal de nível superior, o profissional obtém seu DRT.
Contudo, concordando com Aquino (2001), podemos considerar que o
ensino da dança na história da universidade brasileira ainda hoje (2019) é recente,
principalmente no Rio Grande do Sul, onde o primeiro Curso Superior de Dança
surgiu em 1998 em Cruz Alta, e teve suas atividades encerradas em 2010.
55

Conforme a autora a formação do profissional de dança no Brasil ocorreu,


anteriormente à criação de cursos superiores, quase que exclusivamente, nos
teatros das grandes cidades, como exemplo Rio de Janeiro e São Paulo (CORRÊA;
NASCIMENTO, 2013).
Entretanto, mesmo recente, com o crescimento no número de universidades
oferecendo Curso de Graduação em Dança, mais e mais profissionais formam-se
todos os anos, configurando um momento de “expansão, avaliação e criação de
metodologias e pesquisa de produção própria na área e, em especial, de
preocupação com a inserção desses novos profissionais no mercado de trabalho”
(CORRÊA; NASCIMENTO, 2013, p. 57).
Como consequência deste crescimento de Cursos Superiores em Dança se
constata uma maior preocupação com a formação destes profissionais, já que,
segundo Corrêa e Nascimento (2013), há alguns anos a formação do professor de
dança era exclusivamente a mesma do bailarino, que acontecia essencialmente nos
cursos livres de dança, principalmente nas escolas e academias de balé clássico.
Hoje as Universidades oferecem cursos de licenciatura e bacharelado em dança,
norteando os interessados em formação para professor ou bailarino.
Geralmente, nos cursos de graduação, o perfil do profissional formado
bacharel em dança é fortemente marcado pelo traço do intérprete de dança (seja ele
intérprete-criador ou apenas intérprete); e a formação do licenciado em dança
qualifica-o para o trabalho em instituições educativas escolares e não-escolares,
tanto no âmbito do ensino, como professor da educação básica, quanto em outras
dimensões do trabalho educacional, fazendo parte dessa formação profissional a
experiência investigativa bem como de reflexão acerca de aspectos políticos e
culturais da ação educativa.
Em outras palavras, temos (WOSNIAK, 2010, p. 128):
a) bacharel em dança: é o profissional – dançarino – que desenvolve
habilidades de análise crítico reflexiva, de investigação teórico-prática e
de proposição de novos conhecimentos metodológicos de criação e de
meios de produção cultural na área da Dança;
b) licenciado em dança: é o profissional – professor – que desenvolve
habilidades que o tornam capaz de se dedicar ao magistério e à
pesquisa em dança, podendo atuar no ensino regular – fundamental e
médio.
56

Strazzacapa (2006, p. 13) também considera que “para se entrar na


universidade, precisa-se já ter estudado e vivenciado a dança, daí o papel
fundamental das academias e escolas livres de dança”. O que faz Correa e
Nascimento (2013, p. 63) refletirem que talvez se pudesse considerar que “as
escolas, estúdios, academias deveriam ter o papel principal de iniciar a formação
técnica e artística do futuro profissional da dança; e os Cursos Superiores teriam
como função, ampliar a formação e áreas de atuação deste profissional, oferecendo
embasamento teórico, científico, cultural, além da prática artística”.
Segundo Navas (2010, p. 59) “diferentemente do que ocorre em outras
profissões, muitos dos alunos já chegam formados aos cursos superiores,
constituindo-se em profissionais-alunos”. Na realidade acadêmica da dança, os
cursos superiores possuem alunos que já atuam profissionalmente como bailarino.
Essa situação não se constitui em uma novidade para os profissionais das artes. Na
música, por exemplo, acontece situação bem semelhante, onde um aluno
frequentemente já atua profissionalmente na execução de algum instrumento antes
de ingressar em curso superior. Situação que nos remete às afirmações de Heinich
(2005) sobre o status do artista ser protegido por títulos e certificados de outro tipo
que não acadêmico, sendo que a notoriedade, consagração e reconhecimento do
artista passam pela consistência do seu percurso artístico.
Navas (2010) afirma ainda que apesar de, com a introdução das artes, entre
elas a dança, na academia/universidade, os artistas e professores estarem se
formando dentro desta “academia”, continuam a se formar para além dela, em
grupos/companhias de dança, nas escolas livres e em núcleos enraizados na cultura
popular.
No início do desenvolvimento desta tese, considerava-se que o aumento de
cursos e de formados em curso de dança em nível superior teria forte reflexo no
perfil e percepções dos bailarinos porto alegrenses. Essa dimensão foi, no entanto,
pouco relevante, prevalecendo a noção de formação do bailarino por meio dos
cursos livres. Em particular, as discussões sobre ensino superior que poderiam ser
um ponto a emergir nas entrevistas, não foi tão presente como supúnhamos.
57

3.2.2 Atuação profissional: perspectivas acadêmicas e nos palcos

Segundo Terra (2010, p. 75) a...

... condição de artista da dança não se esgota no ser dançarino,


coreógrafo ou professor. Novos campos de atuação passam a
significar uma continuidade de atuação na área: curadoria, produção,
pesquisa, gestão, ação sócio-cultural. No caso daqueles que detém
uma formação universitária, existe a perspectiva de uma carreira
acadêmica, devotada ao ensino e à pesquisa.

Para Terra (2010) os Programas de Graduação, os Cursos Técnicos, os


Centros e demais espaços de formação devem considerar questões dessa
magnitude que redesenham a dança, como linguagem artística, como área de
conhecimento, como profissão e, consequentemente, redesenham novos perfis para
o artista-professor da dança, exigindo a revisão de projetos artístico-pedagógicos,
dos currículos, dos métodos e das diferentes atividades previstas nos processos de
formação profissional.
Existe ainda toda uma possibilidade que se revela aos poucos aos
profissionais da dança: a carreira acadêmica. Uma profissão que sempre se
apresentou como fundamentalmente prática, atualmente pode ser concebida no
âmbito teórico.
Neves (2010) afirma que uma situação de precariedade no mercado de
trabalho para bailarinos, o leva a realizar, para além da dança, múltiplas atividades
profissionais, entre as quais, a docência no ensino superior de dança. A
universidade tornou-se, portanto, um espaço não apenas de ensino formal para o
bailarino sintonizado com as vertentes alternativas da dança, mas também uma
oportunidade de emprego estável.
Levando em consideração a formação de profissionais dentro do meio
acadêmico, em cursos de licenciatura, conforme Corrêa e Nascimento (2013) o
avanço em termos de mercado de trabalho pode ser comemorado. Segundo as
autoras vários editais de concursos públicos foram abertos desde 2005, sendo oito
somente no Rio Grande do Sul. Foram editais que exigiram formação específica de
Graduação em Dança, confirmando, desta forma, a crescente demanda de
profissionais formados em Dança.
58

Analisando este panorama, aparentemente positivo, que começa a aparecer


podemos considerar:
a) o surgimento de Cursos de Graduação em Licenciatura em Dança;
b) a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96 - com
alteração em 2010), que determina que o ensino da arte,
especialmente em suas expressões regionais, constitui componente
curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma
a promover o desenvolvimento cultural dos alunos;
c) a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino da
Dança (1997), que apontam as quatro linguagens artísticas (música,
dança, teatro e artes visuais) que devem ser contempladas.

Infelizmente, “se, por um lado, a alteração da legislação apresenta um


avanço na formação do cidadão, por outro, não deixa claro qual o profissional
habilitado a ministrar esse componente curricular” (STRAZZACAPPA; MORANDI,
2011, p. 8).
Contudo somando a promulgação da LDB 9394/96, a disseminação dos
PCN para o Ensino de Dança, e o aumento no número de universidades oferecendo
o curso de Licenciatura em Dança, formando mais e mais professores em dança
todos os anos, temos configurado “o período atual como um momento de expansão,
avaliação e criação de metodologias e pesquisas de produção própria da área e, em
especial, de preocupação com a inserção desses novos profissionais no mercado de
trabalho” (CORRÊA; NASCIMENTO, 2013, p. 57).
Desta forma, se acredita que “o campo profissional para o professor licen-
ciado em dança ainda está em adaptação para o recebimento deste novo perfil
profissional. Pelo fato de que muitas pessoas sem formação específica ainda
trabalham com dança, muitos espaços não acreditam ser necessária esta titulação
para o ensino” (CORRÊA; NASCIMENTO, 2013, p.59).
Contudo, conclui-se que, mesmo a dança sendo apontada como uma das
formas mais antigas – e registradas – de expressão do homem (FARO, 1986), “sua
validade como ação educativa somente vem a ser referendada nos últimos anos, no
Brasil, depois de outras linguagens artísticas que, no decurso da história, aparecem
como sendo posteriores à utilização do movimento corporal como ato
representativo/performativo. Assim, a legitimidade da dança no contexto do processo
59

formativo é, a despeito dessas considerações, ainda problemática” (PEREIRA;


SOUZA, 2014, p. 26).
Para o profissional de dança com interesse na atuação cênica e não
acadêmica o campo não parece muito promissor. Nacht (2009, p. 12) afirma:

Infelizmente, o mercado de trabalho brasileiro, [...], é composto por


uma maioria expressiva de companhias enquadradas na realidade da
instabilidade de recursos, cujas atividades da equipe são
caracterizadas pela contínua busca por captação de recursos,
enfrentando os desafios da descontinuidade. [...] a maioria das
companhias não possui patrocinador estável, grande parte das
oportunidades de trabalho para bailarinos não oferece vínculo
empregatício ou contrato, pois os artistas são chamados para
participar de um projeto com duração específica e, devido ao baixo
valor destinado à maioria dos patrocínios culturais, as companhias
não conseguem arcar com os pesados encargos atrelados à carteira
assinada.

As consequências deste cenário são:


a) a atuação free-lancer dos bailarinos, com dependência de cachês
inconstantes e com valores oscilantes, fazendo com que estes
profissionais não se fixem em uma só companhia/grupo;
b) o desafio dos gestores de desenvolver e estreitar laços entre os
membros da equipe para elaboração de um trabalho de maior nível de
qualidade.

Ao profissional bailarino que opta por atuação cênica, as companhias e


grupos independentes de dança caracterizam-se como principais espaços de
empregabilidade. Nacht (2009, p. 15) em seu estudo realizado em 2009, aponta os
tipos de companhia/grupo existentes no Brasil, com os modelos mais comuns de
organograma:
a) Companhia/Grupo – projeto independente: a dimensão da equipe varia
de companhia a companhia, podendo ser composta até mesmo por
apenas um elemento (coreógrafo/intérprete), mas o formato mais
comum é: um coreógrafo/gestor/fundador e os bailarinos free-lancers.
Algumas iniciativas possuem ainda ensaiador/professor, que auxilia
nas atividades cotidianas e diminuem a carga de trabalho do fundador.
A maioria não possui na equipe um profissional especializado no ramo
60

administrativo ou financeiro, e normalmente possuem um produtor


também free-lancer que auxilia na realização de
apresentações/temporadas. Inúmeras trabalham diariamente
(quantidade de horas varia em função dos compromissos, por vezes de
fora da área da dança), e outras agendam ensaios intermitentes, em
função dos compromissos paralelos dos membros da equipe (que
geralmente trabalham em mais de uma companhia/grupo);
b) Companhia particular com patrocinador estável: possuem estrutura
mais elaborada, geralmente composta por coreógrafo/fundador,
ensaiador, professor de ballet clássico e dança contemporânea,
bailarinos contratados com carteira assinada, médico e fisioterapeutas
disponíveis e um administrador/produtor exclusivo. Aulas e ensaio de
segunda a sexta, geralmente compondo em torno de 6 horas/dia;
c) Companhia pública: equipe formada por um diretor artístico do corpo-
de-baile (define a linha adotada ano a ano, quais os coreógrafos
convidados e temporadas realizadas – cargo com oscilação em função
de demandas da equipe e de mudanças políticas), maitre-de-ballet
(responsável pelo cotidiano da companhia, como escala de aulas,
ensaios e envolvimento com a definição do elenco de uma produção),
ensaiadores, professores de ballet clássico e de dança contemporânea,
e bailarinos com dois perfis – funcionários públicos e aqueles
contratados por tempo determinado/temporada. Aulas e ensaios de
segunda a sexta, geralmente compondo em torno de 6 horas/dia.

No Rio Grande do Sul encontramos companhias do tipo A (companhia/grupo


independente) e C (companhia pública), sendo que este estudo toma como base
dois exemplos de cada um desses dois tipos de companhia.

3.2.3 A dança no Rio Grande do Sul: formação e atuação

A formação de docentes, pesquisadores e artistas na área da dança através


do ensino de forma sistematizada e acessível, é um desejo que permeia a história
da dança no Rio Grande do Sul. Em 1989 o Estado chegou bem perto disto com a
instituição, por decreto, do Centro de Desenvolvimento da Dança que criou o Centro
61

de Formatividade em Dança, iniciativa que funcionou na cidade de Porto Alegre e


durou somente dois anos, sendo precocemente interrompida em 1991.
Menezes (2001, p. 80) esclarece acerca da realidade da categoria na época:

Indivíduos que teriam possibilidade de desenvolver inúmeros projetos


estando respaldados por uma formação abrangente e consistente
voltaram a ter de buscar subsídios para sua formação e
aperfeiçoamento fora do Estado e até então esta lacuna persiste,
estando todos aqueles que querem dedicar sua força de trabalho ao
desenvolvimento da dança, através do ensino e pesquisa, obrigados
a sir do Estado, assumir tripla jornada, investir na criação de novos
espaços ou a submeter-se aos interesses das escolas que
monopolizam o ensino da dança.

No Rio Grande do Sul o primeiro curso Superior em Dança somente surgiu


em 1998 em Cruz Alta (Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ), e teve suas
atividades encerradas em 2010. Contudo, hoje, o Estado possui cinco Universidades
que oferecem seis Cursos Superiores de Dança, apresentando uma realidade bem
superior. São elas: Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS
(licenciatura em dança); Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
(licenciatura em dança); Universidade Federal de Pelotas - UFPel (licenciatura em
dança); Universidade Luterana do Brasil – ULBRA (licenciatura em dança); e,
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM (licenciatura e bacharelado em dança).

Figura 4 – Quadro de divisão regional por modalidade de formação

Fonte: PEREIRA; SOUZA, 2014, p. 29.

Pereira e Souza apresentam um quadro para análise da situação da região


sul em comparação com outras regiões do país. Partindo de uma análise do quadro
(figura 4) apresentado por Pereira e Souza (2014, p. 29), lembrando que a região sul
62

é composta por três Estados (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e
considerando que temos registrado no MEC seis cursos superiores de dança no
Estado do Rio Grande do Sul, se conclui que os outros dois Estados da região estão
em extrema desvantagem neste atual crescimento de cursos de dança no Brasil.
Também pode-se afirmar que em 2014 a região sul do país era uma área
geográfica que formava mais professores de dança do que artistas da dança, pois
concentra o maior número de cursos de licenciatura (formação de professores) do
que cursos de bacharelado (formação de artistas). Hoje (2019) esta situação não
mudou, apesar da extinção de alguns cursos na região como o da Universidade
Luterana do Brasil (ULBRA). No Rio Grande do Sul o único curso de Bacharelado
em Dança é oferecido pela Universidade Federal de Santa Maria.
Quanto á atuação dos profissionais da dança no Estado do Rio Grande do
Sul, para os profissionais habilitados na licenciatura, segundo Corrêa e Nascimento
(2013), vários editais de concursos públicos foram abertos no Rio Grande do Sul
requisitando professores de dança para o ensino formal, nas cidades de São
Leopoldo (Edital 01/2005, Edital 01/2007, Edital 01/2008), Porto Alegre (Edital
159/2008), Horizontina (Edital 023/2008) e Esteio (Edital 01/2009). Ocorreram ainda
dois concursos para o Magistério Estadual do Rio Grande do Sul, nos anos de 2012
e 2013. Isso confirma a crescente demanda de profissionais professores formados
em licenciatura em Dança.
Entretanto, para o profissional bailarino formado em bacharelado em Dança,
se apresenta uma realidade bem diferente. Na atuação como bailarino, no Rio
Grande do Sul, começa a aparecer timidamente oportunidades de editais para
seleção de corpo de baile em Companhias Municipais de Dança como as de Caxias
do Sul (1998) e Porto Alegre (2014).
Em 2001 Menezes já afirmava...

Ano a ano diversos futuros profissionais da dança interrompem sua


trajetória por não disporem de recursos financeiros para
especializarem-se, ficando em desvantagem para disputar
oportunidades no mercado de trabalho e, muitas vezes, desviando-se
para outras áreas. Este fato reforça a idéia equivocada de que a
dança é uma atividade para poucos privilegiados, impede a
consolidação de carreiras promissoras e retarda o desenvolvimento
cultural e artístico de nosso Estado (2001, p. 81).
63

Certamente se as Companhias Municipais de Dança do Rio Grande do Sul,


além das audições que são normalmente exigência para avaliação e aprovação do
candidato, exigirem em edital como documentação a apresentar para contratação, o
diploma de Graduação em Bacharelado em Dança, teríamos grandes problemas de
complementação de corpo de baile.
Neste momento devemos lembrar o que foi mencionado acerca desta
situação por Navas (2010) sobre os bailarinos estarem se formando dentro de
“academia” e/ou “escolas livres” e chegarem às Universidades já “profissionais”,
constituindo-se em “profissionais-alunos”. Sendo que muitas vezes continuam a se
formar para além das Universidades, em grupos/companhias profissionais de dança.
Analisando a situação descrita por Navas, concluímos que as academias e
escolas livres acabam sendo os reais formadores dos bailarinos aptos a atuar em
Companhias e Grupos Profissionais de Dança. Enfatizando que, neste caso,
estamos argumentando acerca da formação técnica do bailarino, sendo em qualquer
estilo como o balé clássico, dança contemporânea, jazz, etc.
Cabe neste momento esclarecer que a maioria dos cursos acadêmicos se
propõe a formar e capacitar profissionais de dança e não especificamente
profissionais bailarinos.

3.3 Mercado de trabalho para a arte no Brasil

“A dança situa-se no Terceiro Mundo da Arte”, nos afirma Strazzacappa e


Morandi ao discursar sobre a situação desta arte no Brasil, na obra que discorre
acerca da formação do artista da dança em 2006. Conforme as autoras (2006, p.
16):

Enquanto artistas plásticos discutem questões como adequação de


espaços públicos para exposições, nós, profissionais da dança,
pertencentes ao Terceiro Mundo da Arte, discutimos questões
ligadas à nossa sobrevivência. Poderemos ainda num futuro
próximo dançar? [grifo nosso]

O predomínio da intermitência como forma de emprego do artista e,


particularmente do bailarino, para Neves (2010), assumiu dimensões mais amplas e
definitivas no contexto da globalização, no qual o aumento e a normatização de
64

vínculos temporários e precários no mercado tem modificado a organização de


trabalho e de produção na sociedade contemporânea.

A dança tem acompanhado as mudanças operadas no campo


cultural brasileiro em que o domínio dessa flexibilidade mobilizou
novas dinâmicas de sobrevivência econômica e social, que
reorientaram alguns dos princípios e das atividades estéticas de
nossos tempos. No entanto, a instabilidade no mercado coreográfico
e os seus desdobramentos são vivenciados como experiências
distintas entre o bailarino especializado e o artista criador, cuja
existência está atrelada ao significado hibrido das linguagens
artísticas contemporâneas e á expansão da dança no ensino superior
(NEVES, 2010, p. 132).

Neste novo contexto que se apresenta no cenário de formação e atuação


dos profissionais da arte da dança, ocorre um redimensionamento da carreira de
bailarino. A profissão, que se limitava ao restrito mundo das artes coreográficas,
avançou para outros espaços culturais e para as universidades, estabelecendo um
ponto de intersecção entre atividade artística e acadêmica. Conforme Neves (2010),
“o bailarino qualificado de hoje, não é apenas aquele que se destaca pela
encenação e pelo virtuosismo técnico, mas também o bailarino artista criador e ou
docente e pesquisador” (p. 135).
Estes bailarinos contemporâneos, entretanto, estão cada vez mais
submetidos às condições de trabalho instáveis oferecidas nesse mercado. Neves
esclarece que os espaços de atuação para estes artistas ainda são limitados e o que
prevalece no meio é o emprego informal. A autora chama a atenção para o fato de
que muitas das soluções encontradas para este problema de mercado, se
projetaram para fora do mundo da dança, o que implica outro uso do corpo como
instrumento de trabalho, sendo um exemplo disto, a expansão do ensino superior de
dança.
Em resumo, o bailarino é alvo de vínculos profissionais flexíveis e
temporários. As companhias de dança profissionais, que antes proporcionavam
condições estáveis de trabalho no Brasil, não escaparam às dinâmicas do mercado.
E o bailarino para continuar no ofício, segundo Neves (2010), ...

... tem que se desdobrar para compensar, com retorno de bilheteria,


os contratempos na obtenção de verbas que dependem de leis de
incentivo e da subvenção estatal que mantêm esses grupos. Mesmo
65

nas companhias patrocinadas pelo Estado, o bailarino enfrenta


situação de instabilidade (p. 136).

Essa realidade leva o bailarino a ter que recorrer à utilização máxima do


corpo para a sobrevivência do meio. Neves exemplifica esta situação com a Cisne
Negro Cia. de Dança de São Paulo, que apresenta em média setenta espetáculos
por ano, e em 2008 superou as expectativas com noventa e quatro apresentações.
Neves (2010) apresenta uma pesquisa de Segnini (2008) acerca da situação
de trabalho de bailarinos e músicos no Brasil, onde demonstra um aumento do
número de artistas em relação ao crescimento da população ocupada no país. Nesta
pesquisa realizada pela pesquisadora Liliana Segnini em 2008, é apontado que
entre os anos de 1990 e 2000, a população ativa subiu para 16% enquanto os
profissionais das artes e do espetáculo deram um salto de 67% conforme dados
apresentados pelo IBGE em 2006. A pesquisadora mostra que a proporção de
artistas é ainda pouco expressiva se comparada ao total de ocupados. Dentre os 83
milhões de brasileiros ocupados no país, apenas 215 mil são profissionais ligados ás
artes. Sendo que entre as atividades culturais que compõem os grupos do
espetáculo, a dança é uma carreira para a qual se dirige uma população minoritária.
Conforme o quadro (figura 5) apresentado por Segnini se tem apenas 3,3 %
de profissionais da dança, entre coreógrafos e bailarinos, ocupados, configurando
somente 7.039 de um total de 214.553 ocupados no país.

Figura 5 – Distribuição dos ocupados no Brasil: categorias de artistas

Fonte: Segnini, 2008, p. 346


66

Em outro quadro (figura 6), Segnini apresenta a participação dos ocupados


em dança e música em comparação ao grupo de profissionais dos espetáculos e
das artes, onde se observa a divisão de ocupação formal, ocupação sem carteira,
por conta própria, empregador, não remunerado, entre outros. Demostrando que boa
parte dos bailarinos trabalha de modo informal, sem carteira assinada e, portanto,
não tem direitos trabalhistas como 13º salário, férias, licença maternidade,
aposentadoria, etc.

Figura 6 – Situação dos ocupados em Dança e Música

Fonte: Segnini, 2008, p. 346.

Neves (2010, p. 139) acredita que “as formas flexíveis de emprego e o


espaço limitado de ocupações estáveis que caracterizam o mercado contemporâneo
da dança devem ser problematizados de acordo com a formação e a qualificação
profissional dos bailarinos”.

De um lado, as possibilidades de contrato estável para esses


profissionais são oferecidas nas companhias de dança “privadas”,
que se mantêm com o mecenato do Estado e com parceria e
permutas de empresas [...]. Contudo, parte dessas companhias não
garante mais empregos formai aos bailarinos, que passaram a ter de
se submeter a contratos temporários, de curta duração, que podem
ou não ser renovados de acordo com a direção desses grupos. Isso
67

significa dizer que apesar dos salários fixos, os direitos trabalhistas


não são obtidos, embora parte dele seja assegurada por meio de
tratos verbais (NEVES, 2010, p. 139).

De qualquer forma, estes vínculos são considerados pelos bailarinos como


estáveis. São reconhecidos, embora suas condições informais evidentes, como uma
estabilidade “relativa”, pois os profissionais recebem por mês, tem jornada fixa de
trabalho, não tem custos com a manutenção e a formação continuada do corpo e
são protegidos por uma estrutura que pode suprir parte dos direitos do trabalhador.
Quando se observa a remuneração destes profissionais, se reconhece outro
grande problema. A grande maioria destes profissionais recebem no máximo até 2
salários mínimos. Esta realidade está demonstrada no gráfico (figura 7) apresentado
por Neves.

Figura 7 – Empregos para profissionais da dança no Brasil – 2001

Fonte: Neves, 2010, p. 140


Nota: gráfico elaborado por sexo e remuneração média mensal em salários mínimos.

Interessante constatar que as exigências quanto á formação e à qualificação


técnica desse profissional tem aumentado nestas companhias e as reivindicações no
que diz respeito à performance do corpo estão mais rigorosas.
Enfim, o bailarino sobrevive “de cachê em cachê, de projeto a projeto, e o
valor dos salários recebidos, de modo irregular, é não só irrelevante como
68

desproporcional ao tempo e ao trabalho despendido nos grupos e companhias”


(NEVES, 2010, p. 141-142).
Contudo, tal como explorado em trabalhos relacionados como o de Simões
(2016), é usual aos artistas executarem atividades anexas. Frente às dificuldades no
mercado de trabalho para bailarinos, o profissional é forçado a realizar outras
atividades profissionais, como a docência no ensino superior de dança, e as
universidades tornam-se uma oportunidade de emprego estável. Assim sendo, a
expansão de postos de trabalho para bailarinos na universidade está sendo usado
para justificar o aumento (figura 8), ainda que pouco expressivo, de ocupações
estáveis no mercado da dança. Segnini (2008) mostra que entre os anos de 2002 e
2004 ocorreu um crescimento de emprego formal em dança, com criação de postos
de trabalho de vínculo empregatício com carteira assinada:

Figura 8 – Empregados no Brasil e nas áreas de Dança e Música (2002-2004)

Fonte: Segnini, 2008, p. 346.

Mesmo assim, quando do fato de nova possibilidade de atividade de trabalho


formal da dança, o “bailarino” da faculdade é exatamente o que vive de modo
instável. O “professor-bailarino” é o que está na batalha da vida profissional, e tem
uma necessidade de construir esta profissão, diferente do bailarino de companhia
que, este sim, está “estabilizado” na profissão (NEVES, 2010).
Neves arrisca afirmar que “o ensino acadêmico na dança se desenvolve
como um ‘mercado paralelo’ ao das companhias estáveis” (2010, p. 143). Isso
porque, apesar do aumento dos cursos superiores em dança, o bailarino parece ter
dificuldade para seguir um curso superior. Um dos fatores está no número de cursos
de bacharelado ser muito menor que os de licenciatura em dança, conforme
demonstrado no quadro da figura 6, elaborado por Pereira e Souza (2014). Outra
69

possibilidade é que o estilo de vida destes artistas seja um obstáculo para a


frequencia na universidade. Estes bailarinos estão normalmente envolvidos com
aulas, ensaios, temporadas e espetáculos, que podem impedir a regularidade de
presença na faculdade, o que acaba por desestimular a conclusão do curso. A
situação financeira destes bailarinos também pode ser motivo de afastamento do
curso. Além disto tudo, ainda é possível que, mesmo nos cursos de bacharelado, há
a possibilidade de incompatibilidade entre os conteúdos dos cursos e a realidade
dos bailarinos que, por exemplo, trabalham em companhias “estáveis”. Enfim, Neves
(2010, p. 146) considera que:

[...] boa parte do público destas instituições é constituída pelas


bailarinas que no momento da profissionalização abandonam o balé
clássico e encontra na formação acadêmica um meio de continuar a
trabalhar com a dança.

Contudo é possível concluir que a universidade trouxe um efeito positivo no


mercado de trabalho para a dança. Primeiramente os cursos no ensino superior
contribuem para valorizar a dança como profissão e, em segundo lugar, trouxe um
aumento de contratos estáveis, possibilidade de renda fixa, qualificação acadêmica
do bailarino que o liberta do “corpo” como principal suporte de trabalho, ampliação
de redes de sociabilidade e diminuição de instabilidade na profissão.

3.3.1 Mercado de Trabalho: atualizando dados

Atualizando o contexto profissional da área da arte e da dança encontrado


no referencial teórico e, principalmente, apresentado por Segnini através de quadros
com dados de consultas de 2008, no PNAD\IBGE e RAIS do Ministério do Trabalho,
realizamos consulta acerca das denominações e divisões apresentadas pela
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO 2002) do Ministério do Trabalho, onde
encontramos o seguinte quadro (figura 9).
No levantamento de pessoas ocupadas realizado no Programa de
Disseminação das Estatísticas do Trabalho (PDET) do Ministério do Trabalho,
através das tabelas da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), se encontra a
seguinte denominação para a área da arte similar a “Profissionais de Espetáculos e
das Artes”: Atividades Artísticas, Criativas e de Espetáculos.
70

Figura 9 - Categoria de Artistas – CBO 2002

Fonte: Brasil, 2019.

Na tabela que se segue (tabela 1), podemos verificar o percentual de


ocupações na área da arte e da dança em relação ao total de ocupados no país de
2013 a 2017. É importante ressaltar que a última consulta foi realizada em maio de
2019, no qual ainda não existiam dados disponível de 2018.

Tabela 1 - Relação Todas as Ocupações x Ocupações da Área da Arte e da


Dança - Brasil 2013/2017 (ocupações segundo CBO 2002)
CNAE 2.0 Grupo CBO 2002 Total % de Ocupações em % de
Atividades Artísticas, Área da Ocupados Atividades Artísticas, Ocupações
Ano Criativas e de Espetáculos Dança Brasil Criativas e de Espetáculos em Dança
2017 15718 5,696 1.566.663 1,0 0,36
2016 17143 6,031 1.637.359 1,0 0,36
2015 18540 6,544 1.588.794 1,1 0,41
2014 18967 6,630 1.568.135 1,2 0,42
2013 19190 6,391 1.659.667 1,1 0,38
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do RAIS, 2019 - consulta em maio de 2019

Conforme a tabela apresentada, em 2017 temos apenas 1,0% de


profissionais na área da arte em relação ao total de ocupações no país. Quanto à
dança, em 2017 apenas 0,38 % de profissionais da dança ocupados, configurando
somente 6.391 de um total de 1.659.667 ocupados no país. Mesmo não tendo sido
realizada exatamente o levantamento de Segnini de 2008, podemos constatar que
ainda a proporção de artistas é pouco expressiva se comparada ao total de
ocupados. Considerando 2017, por exemplo, dentre os 1.659.667 de brasileiros
71

ocupados no país, apenas 15.718 são profissionais ligados à arte e apenas 6.391
são profissionais ligados à dança.
Por outro lado, é possível verificar que houve um crescimento de ocupação
na área da dança entre 2015 e 2016 conforme mostra o gráfico da figura 10. Este
crescimento, no entanto, não significa que a proporção de artistas comparada ao
total de ocupados tenha aumentado. Mas nos leva a questionar se este crescimento
poderia estar relacionado aos cursos superiores de dança, já que, conforme
levantamento teórico, frente às dificuldades no mercado de trabalho para bailarinos,
o profissional é forçado a realizar outras atividades profissionais, como a docência
no ensino superior de dança, tornando as universidades uma oportunidade de
emprego estável.

Figura 10 - Crescimento Ocupados Área da Dança 2013/2017


0,43
0,42
0,41
0,4
2013
0,39
2014
0,38
2015
0,37 2016
0,36 2017
0,35
0,34
0,33
Dança
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do RAIS,
2019 - consulta em maio de 2019

Desta forma, a expansão de postos de trabalho para bailarinos na


universidade foi e pode estar ainda sendo usado para justificar o aumento, ainda que
pouco expressivo, de ocupações no mercado da dança. Contudo, devemos lembrar
que, conforme Neves (2010), o “professor-bailarino” é o que está na batalha da vida
profissional, e tem uma necessidade de construir esta profissão, diferente do
bailarino de companhia que, este sim, está “estabilizado” na profissão. No entanto, a
figura do “professor universitário” ou “professor escolar” não foi avaliado por Neves,
72

nem fará parte do escopo desta tese, a qual poderia ser um desdobramento desta
pesquisa.
Verificamos ainda a situação de ocupação nas regiões brasileiras
(APÊNDICE G), visto que o foco deste estudo é o estado do Rio Grande do Sul. O
grupo “Atividades Artísticas, Criativas e de Espetáculos” apresenta uma relação de
ocupações na área da dança segundo CBO 2002: Assistente de coreografia,
Bailarino (exceto danças populares), Coreógrafo, Dramaturgo de dança, Ensaiador
de dança, Professor de dança, Dançarino tradicional e Dançarino popular. Os dados
da tabela, levantados no RAIS, se referem ao intervalo de 2013 a 2017, por regiões
do Brasil, apresentando também o total de ocupações exceto as da dança e o total
geral de ocupações no país (APÊNDICE G). A tabela gerada pelo sistema apresenta
um panorama geral oficial dos indivíduos ocupados na área da dança no Brasil,
mostrando que a concentração de profissionais da área fica na região sudeste (São
Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais), sendo que logo em seguida
está a região sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) do Brasil.
Seguindo com nossas consultas acerca dos dados oficiais registrados nos
sites governamentais, nos deparamos com uma situação que levantou importantes
questionamentos acerca do profissional bailarino. Realizamos consulta de ocupados
na área da dança no estado do Rio Grande do Sul. A tabela (2) a seguir nos
apresenta os estranhos números coletados.
Um dos estranhamentos é não ter no Rio Grande do Sul o mesmo
comportamento de aumento de profissionais nos anos de 2015 e 2016. Outra
possível controvérsia na análise destes dados é quanto ao número absoluto de
bailarinos.

Tabela 2 - Pessoas Ocupadas na Área da Dança no Rio Grande do Sul


2013/2017 - (ocupações segundo CBO 2002)
Assistente Bailarino Coreógrafo
de (exceto
coreografia danças Dramaturgo Ensaiador Professor Dançarino Dançarino
Ano populares) de dança de dança de dança tradicional popular Total
2013 11 3 5 5 14 156 8 1 203
2014 9 6 7 0 16 159 14 2 213
2015 9 4 7 0 17 156 13 1 207
2016 9 4 7 0 15 165 14 0 214
2017 5 4 8 0 24 165 11 1 218
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do RAIS, 2019 - consulta em maio de 2019.
73

Esta pesquisa gerou dados coletados através de entrevistas com 12


bailarinos atuantes (ou seja, indivíduos ocupados e que indicaram atuar há vários
anos na profissão) em companhias municipais ou grupos independentes, que se
declararam devidamente registrados em sindicatos e com DRT. Desta forma como é
possível a tabela 2 acusar somente 4 bailarinos ocupados de 2015 a 2017 no Rio
Grande do Sul, sendo apenas 3 em 2013 e 6 em 2014? Seria possível que a maioria
destes profissionais não se registraram como bailarinos em 2017 quando as
entrevistas iniciaram nesta pesquisa? De que forma então realizaram seus registros
junto ao governo federal para fins de imposto de renda?
Por outro lado, baseado na tabela 3, verificamos os dados do quadro da
figura 11, onde temos os tipos de vínculos de trabalho registrados pelo RAIS:

Tabela 3 - Relação Todas as Ocupações x Ocupações da Área da Arte


Brasil 2013/2017 (ocupações segundo CBO 2002)
CNAE 2.0 Grupo Total % de Ocupações em
Atividades Artísticas, Ocupados Atividades Artísticas,
Ano Criativas e de Espetáculos Brasil Criativas e de Espetáculos
2017 15718 1.566.663 1,0
2016 17143 1.637.359 1,0
2015 18540 1.588.794 1,1
2014 18967 1.568.135 1,2
2013 19190 1.659.667 1,1
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do RAIS, 2019 -
consulta em maio de 2019.

Conforme nos apresenta a tabela 3, em 2017 foram registrados 15.718


ocupados dentro do grupo 2.0 (atividades artísticas, criativas e de espetáculo).
Analisando apenas 2017 no quadro da figura a seguir, de tipos de vínculos de
trabalho, temos 14.016 sendo de vínculo CLT e 1.702 de vínculo estatutário,
somando os 15.718. No quadro apresentado no RAIS (figura 11) aparecem apenas
dois vínculos, CLT e Estatutário.
74

Figura 11 – Tipos de Vínculos de Trabalho

Fonte: Brasil, 2019.

Acreditamos que o registro de tipo de contratação se modificou um pouco


com a criação da lei complementar nº 128, fazendo surgir no Brasil, a figura do
Microempreendedor Individual (MEI), com o propósito de possibilitar que diversos
profissionais pudessem sair da ilegalidade, adequando-se às legislações federal,
estadual e municipal, sobretudo tributária; além de permitir o exercício regular da
profissão de diversos trabalhadores autônomos. O MEI é uma forma de
regularização de quem trabalha por conta própria ou é empreendedor. Sendo
microempreendedor individual, é possível ter CNPJ, emitir notas fiscais e contribuir
para a aposentadoria. Os profissionais artistas acabaram por se registrarem como
MEI para dar continuidade à atuação profissional na área. Desta forma não são
ocupados de vínculo CLT, nem estatutários. Esta situação será abordada com mais
ênfase no capítulo 8 deste estudo.

3.3.2 No Brasil: de cachê em cachê, de projeto a projeto...

Como afirmou Neves (2010, p. 141) o bailarino acaba sobrevivendo “de


cachê em cachê, de projeto a projeto”. No Brasil, esta situação ocorre hoje com toda
75

a área das artes. Atores, músicos, bailarinos, etc. dependem de programas de


incentivo à cultura promovidos pelo Estado, nas esferas federal e estadual.
Entretanto, o Brasil tem historicamente, segundo Rubim (2013), uma frágil
política pública para a cultura. Diversos fatores contribuem para esta fragilidade,
como o autoritarismo vigente em diversos momentos, a ausência de políticas
culturais e a própria complexidade do campo e dos agentes culturais. O panorama
começou a mudar em 2005, com a construção da Conferência Nacional de Cultura,
do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura, que são marcos
emblemáticos no processo de mudança. A partir daí, o fomento à cultura começa a
se realizar de diversas formas, com um conjunto de mecanismos legais que podem
ser utilizados por cidadãos, entidades privadas, associações, grupos, etc., com o
objetivo de buscar recursos diversos para viabilizar uma produção cultural. Segundo
Rubin (2013), o Ministério da Cultura apoia projetos culturais, tanto por meio da Lei
Federal de Incentivo à Cultura, da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual, quanto por
editais específicos.
No que se refere às políticas específicas para as artes, A Fundação Nacional
de Artes — Funarte é o órgão responsável, no âmbito do Governo Federal, pelo
desenvolvimento de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao
teatro, à dança e ao circo. Os principais objetivos da instituição, vinculada ao
Ministério da Cultura, são o incentivo à produção e à capacitação de artistas, o
desenvolvimento da pesquisa, a preservação da memória e a formação de público
para as artes no Brasil. A Funarte apoia e estimula a atividade artístico-cultural do
país por meio de editais voltados para diversos segmentos. Os processos seletivos
visam difundir e incentivar a atividade intelectual e artística em todas as regiões do
país. Nos últimos anos milhões de recursos orçamentários foram investidos em uma
série de ações de fomento e estímulo como prêmios, bolsas, programas e outras
modalidades de apoio financeiro (BRASIL, 2013).
Em 2014 se identificou a necessidade de atuar com igual vigor no campo
das artes, estabelecendo para ele um conjunto de políticas públicas e revitalizando
sua principal instituição, a Fundação Nacional de Artes (Funarte). Desta forma surge
o processo de construção da Política Nacional das Artes (PNA), cujo objetivo final
é a implementação de políticas públicas atualizadas, fundamentadas e duradouras
para as artes. O processo de construção da PNA envolveu gestores públicos,
profissionais contratados, colegiados setoriais, artistas, produtores e sociedade civil
76

em geral e teve como base inicial os Planos Setoriais dos Colegiados Setoriais do
Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), bem como todo o acúmulo de
experiências no âmbito das instâncias de participação popular constituídas e
legitimadas ao longo dos últimos anos de organização dos diversos segmentos das
artes.
Entretanto, com o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff, em
2016, e a extinção do Ministério da Cultura...

[...] o percurso da Política Nacional das Artes foi violenta e


bruscamente interrompido. O processo atravessava um momento de
transição: a entrega das propostas de programas setoriais
formulados pelos articuladores de cada linguagem e a consolidação
das reflexões sobre os eixos transversais em programas e ações
estruturantes. O próximo passo do planejamento seria a análise,
aprimoramento e validação desse material pelo corpo de servidores
da Funarte e do MinC, pelos Colegiados Setoriais e, como etapa
final, pela sociedade civil, através de encontros presenciais e
consultas públicas (BRASIL, 2016).

Na realidade, foi em 2003 que foi criado um conjunto de políticas públicas


inovadoras no âmbito da cultura no país. Entretanto, segundo Gisele Nussbaumer e
Isaura Botelho (2017), editoras responsáveis pelo periódico “Políticas Culturais em
Revista” da Universidade Federal da Bahia, no que se refere às artes,

[...] não se tem os mesmos avanços que em outros setores. Houve


uma ampliação do investimento nas artes, a partir do uso crescente
de editais; uma maior descentralização dos recursos; e a criação de
importantes instâncias de participação social, como os Colegiados
Setoriais, mas não se pode afirmar que essas iniciativas representem
um avanço significativo em termos de construção de políticas
duradouras (2017, p. 1).

As artes no setor da cultura, segundo Moreira (2016), envolvem em sua


cadeia produtiva setores da sociedade com utilização de vários serviços, e como
consequência, tem participação efetiva na economia do país. Porém faltam dados
estatísticos precisos de sua atuação e de regulamentação legal específica,
trabalhista e tributária, que socialize plenamente sua atuação. Precisam ser
ampliados o investimento nas relações com a educação e nos programas de
formação profissional, e a capacidade deste setor gerar divisas precisa ser
reconhecido.
77

Hoje, no Brasil, são raras as iniciativas governamentais que aportem


incentivos financeiros de forma continuada para viabilizar atividades de longa
duração. Uma das exceções que faz parte deste estudo é a Cia de Caxias que atua
sem interrupções há 20 anos. O padrão de fomento à cultura é focado em projetos e
política pública de incentivo a projetos de curta duração é passível de críticas, pois
dificulta a continuidade de ações e grupos artísticos. Desta forma, na ausência de
políticas que permitam um horizonte de trabalho de médio e/ou longo prazo, os
eventos calendarizados12, espaços culturais independentes e grupos e coletivos
artísticos possuem dinâmicas instáveis que prejudicam a qualidade dos profissionais
das artes, assim como o resultado de suas atividades (BRASIL, 2016).

3.4 Carreira e mercado de trabalho contemporâneo

O mercado de trabalho contemporâneo se caracteriza principalmente por


seu dinamismo, trazendo relevantes mudanças nas carreiras ao longo das últimas
décadas, com profundas implicações para os indivíduos, organizações e sociedade.
Baruch (2004) propõe que uma das questões mais pertinentes neste processo de
mudança, consiste na migração do padrão de carreiras lineares – estáticas e rígidas
– para carreira multidirecionais – dinâmicas e fluidas. E esta mudança pode ser
encontrada com várias denominações, como “racionalização”, “downsizing”,
“achatamento”, “reestruturação”, e até mesmo “se preparar para o futuro”.
Desta forma, o antigo sistema de emprego seguro válido para toda a vida,
com previsibilidade de ascensão e estabilidade financeira, está simplesmente morto,
gerando um novo acordo de trabalho que coloca a relação entre empregado e
empregador como uma constante negociação aberta, baseada no poder do mercado
(CAPPELLI, 1999).
Baruch (2004) sustenta que após a Revolução Industrial, as empresas
desenvolveram e determinaram aos seus funcionários, modelos claros e previsíveis
de evolução da carreira ao longo dos anos, organizadas de forma hierárquicas,
extremamente estruturadas e inflexíveis. Contudo, a partir do ano 2000, devido ao
contínuo progresso tecnológico que caracterizou as décadas anteriores,

12
Entende-se por eventos calendarizados as iniciativas organizadas por pessoas jurídicas, com
temática cultural específica ou diversificada, sob forma de bienais, colóquios, conferências,
congressos, convenções, encontros, feiras, festivais, fóruns, jornadas, mostras, painéis, salões,
seminários, simpósios, e similares (BRASIL, 2016, p. 13).
78

demandando novas vocações e habilidades, esta dinâmica se modificou, resultando


na passagem da responsabilidade pela condução da carreira para as mãos dos
próprios indivíduos.
Inicia-se no século XXI, segundo Baruch (2004), a transferência de relações
de trabalho de longo prazo em que as pessoas buscavam servir à sua empresa ao
longo de toda a vida; para relações transitórias e transacionais, nas quais os
profissionais esperam que a organização as sirva ao longo do, possivelmente
poucos, anos que durar a relação de trabalho entre as partes. Desta forma, não é
mais possível prever o caminho de desenvolvimento da carreira, devido à extensa
gama de opções e direções possíveis para esta evolução.
Toda esta mudança reflete o pensamento de Bauman (2007), que afirma
que estamos vivendo tempos caracterizados pela falta de contorno das instituições e
pela rapidez vertiginosa de mudanças, marcadas por circunstâncias de constante
incerteza, construindo um contexto onde a capacidade de adaptação a mudanças se
configura em um valioso atributo. Segundo Bauman (2007) este contexto modifica
também o conceito de identidade, pois passa de definição social dada para uma
tarefa a desempenhar. Portanto, a partir do momento em que a identidade não é
mais dada por rígidas estruturas sociais, o peso da escolha recai sobre os indivíduos
responsáveis pela constituição de sua identidade.
Esta realidade de mercado não se configura em uma novidade para os
profissionais da dança no Brasil. Dificilmente o bailarino se encontrava em situação
de ter uma organização, seja particular ou governamental, responsável pela
evolução de sua carreira. Se constata historicamente, e podemos observar isso
também neste estudo, que o profissional da dança sempre teve em suas mãos a
condução de sua carreira. Entretanto esta mudança no mercado também influencia
este profissional, refletindo na evolução da carreira e construção de identidade
profissional.
79

4
Aspectos Metodológicos
Do Estudo
80

4 ASPECTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO

Esse capítulo estabelece o detalhamento do delineamento metodológico


dessa pesquisa. Trata-se de uma investigação qualitativa interpretativa, a qual
expõe características de uma determinada população: diretores e bailarinos
profissionais de companhias e grupos de dança do Rio Grande do Sul. É uma
investigação interpretativa, por buscar compreender as múltiplas relações do
fenômeno estudado, tentando captar os significados, os valores, os procedimentos e
as interpretações que os bailarinos dão à profissão artística (LAKATOS; MARCONI,
2013).
Ao abordarmos o conceito de identidade, concordamos com Faria e Souza
(2011), de que trata-se de um considerável desafio determinar o tipo de investigação
e delineamento “capaz de apreender fenômeno tão móvel, inconstante, mutante e
líquido”. Um dos desafios foi o de delimitar o campo de estudo.
Conforme apresentado na introdução, este estudo tem por objetivo geral
determinar um conjunto de informações e características pessoais e/ou profissionais
que identifiquem a atual identidade do profissional bailarino no Rio Grande do Sul.
Definimos ainda como objetivos específicos:
a) refletir sobre a profissão de bailarino a partir dos conceitos de memória
social e identidade;
b) realizar um estudo sobre a profissionalização da área da dança no
Estado do Rio Grande do Sul, problematizando as questões trabalhistas,
econômicas e de mercado de trabalho;
c) identificar elementos identitários nas narrativas alusivas ao processo de
profissionalização envolvendo a escolha da profissão de bailarino,
formação inicial e atuação profissional.

Os objetivos explicitam a delimitação de estudo com profissionais atuantes


no estado do Rio Grande do Sul. Considerando que a principal forma de atuação
profissional se dá através de vínculo com companhias/grupos profissionais de
dança, procedeu-se na análise dessas companhias/grupos para seleção do corpo de
estudo.
Considerando os tipos de companhia/grupo profissionais de dança
estabelecidos por Nacht (2009), citados na seção 3.3.3 – a) Companhia/Grupo
81

independente, b) Companhia particular com patrocinador estável e, c) Companhia


pública - este estudo selecionou dois dos tipos existentes no Rio Grande do Sul,
sendo eles Companhia/Grupo independente e Companhia pública.
Desta forma, a pesquisa ocorreu nas duas únicas Companhias Municipais
de Dança do Estado e em dois Grupos independentes de Dança de Porto Alegre
durante o processo de coleta de dados. O estudo foi realizado, portanto, dentro das
Cias Municipais de Dança das cidades de Porto Alegre (com direção de Airton
Tomazzoni) e Caxias do Sul (com direção de Carlinhos Santos em 2017) e dos
Grupos como a Cia. H (com direção de Ivan Motta) e Eduardo Severino Cia. de
Dança (direção Eduardo Severino). O critério de seleção das Companhias foi a de
possuírem criação sancionada por lei e os grupos foram selecionados a partir de
consulta nos sites da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) do Ministério da
Cultura e Secretaria Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul. Não foi levado em
consideração o estilo de dança (ballet, moderna, contemporânea, folclórica, etc.)
executado pela companhia.
Procurou-se, inicialmente, aproximação da: (a) compreensão do bailarino
sobre si, enquanto profissional da dança; (b) apreciação do bailarino sobre o
exercício da profissão no contexto cultural do Estado; (c) sobre a formação
profissional do bailarino. Para este levantamento realizou-se entrevistas cujo
detalhamento será apresentado nesse capítulo e cujo suporte da análise pretendeu
identificar as imagens do profissional incorporadas na configuração identitária do
bailarino.
Metodologicamente se trabalhou com uma abordagem qualitativa de coleta
de dados, utilizando como instrumentos a entrevista (utilizando roteiro semi
estruturado) e o diário de campo (registrando observação não participante). O
método qualitativo de análise não pretende numerar ou medir unidades ou
categorias homogêneas, e sim interpretar o objeto em termos de seu significado
(RICHARDSON, 1999). Uma investigação qualitativa tem como características
básicas o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu
principal instrumento, assim como os dados coletados são predominantemente
descritivos e a preocupação maior é com o processo e não o produto (BOGDAN;
BIKLEN, 2010). Ainda que um instrumento quantitativo tenha sido utilizado (um
questionário), este foi usado somente para selecionar a amostra para a entrevista.
82

No percurso metodológico foi observado: o processo de seleção (audição)


dos profissionais analisando os critérios estipulados nos Grupos independentes e os
publicados em edital das Companhias; realizado entrevista com os integrantes
acerca das expectativas profissionais e de mercado de trabalho na área, além de
seu percurso na formação e observada as atividades dentro do cotidiano da
profissão de bailarino com elaboração de diário de campo.
Os dados analisados foram coletados através da observação (diário de
campo) e das entrevistas. Não foram analisados os dados coletados pelo
questionário por este ter sido elaborado somente com a finalidade de seleção dos
entrevistados, segundo os critérios apresentados anteriormente.
A metodologia utilizada para trabalhar com as transcrições das entrevistas
foi a Análise de Conteúdo segundo Laurence Bardin (2016). Na conceituação de
Bardin, a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas que utiliza procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.

4.1 Levantamento de dados: instrumentos e procedimentos

O referencial teórico levantado neste estudo serviu como um dos filtros para
que, a partir de uma suposta realidade, fossem sugeridos questionamentos, indicado
possibilidades viáveis e determinado uma premissa de investigação. Para atender os
objetivos já citados foi definido como instrumentos de coleta de dados:
a) Instrumento 1 = diário de campo (D1) (APÊNDICE A);
b) Instrumento 2 = questionário para seleção dos entrevistados
(APÊNDICE B);
c) Instrumento 3 = entrevista com diretores (R1) (APÊNDICE C);
d) Instrumento 4 = entrevista com bailarinos (R2) (APÊNDICE D).

O questionário (instrumento 2) foi elaborado com o objetivo de auxiliar na


seleção de sujeitos a serem entrevistados. Dentre as vantagens elencadas por Gil
(2002) com relação a este instrumento, destacamos como vantagens para esta
investigação: a) possibilidade de atingir toda a população dos grupos definidos para
um primeiro levantamento e seleção para entrevista segundo critérios pré-definidos;
b) não expõe os pesquisados à influência das opiniões e do aspecto pessoal do
83

pesquisador. Para o objetivo de seleção dos entrevistados, a opção foi o


questionário com questões de respostas fechadas.
A seleção da técnica de entrevista foi realizada a partir de conceitos de Rosa
e Arnoldi (2008), que afirmam que a mesma “[...] deve ser realizada quando o
pesquisador/entrevistador precisar valer-se de respostas mais profundas para que
os resultados sejam realmente atingidos e de forma fidedigna” (ROSA; ARNOLDI,
2008, p. 16).
Segundo Rios (2013), em uma entrevista, o sujeito se vê obrigado a elaborar
representações sobre si mesmo de modo reflexivo. Para o autor os testemunhos
pessoais são considerados relevantes, pois o sujeito é tomado como o
representante de determinado grupo, sintetizando em sua trajetória particular as
experiências e o caminho percorrido pelo grupo. Entretanto, o indivíduo também tem
suas próprias recordações, administrando suas lembranças e procurando
harmonizá-las com a identidade que almeja construir para si mesmo. Os indivíduos
intentam elaborar uma narrativa coerente sobre suas trajetórias de vida, produzindo
algo semelhante ao sentimento de unidade subjetiva e essa tendência se torna mais
acentuada na situação artificial criada pela entrevista.
O tipo de entrevista, semi-estruturada, foi estabelecida a partir do estudo de
Rosa e Arnoldi (2008) que afirmam que neste roteiro:

As questões deverão ser formuladas de forma a permitir que o sujeito


discorra e verbalize seus pensamentos, tendências e reflexões sobre o
tema apresentado. O questionamento é mais profundo e, também, mais
subjetivo, levando ambos a um relacionamento recíproco, muitas vezes, de
confiabilidade. [...] Exigem que se componha um roteiro de tópicos
selecionados. As questões seguem uma formulação flexível, e a sequencia
e as minúcias ficam por conta do discurso dos sujeitos e da dinâmica que
acontece naturalmente (ROSA; ARNOLDI, 2008, p. 30-31).

Rosa e Arnoldi (2008) consideram ainda que o processo comunicativo para


obtenção de informações depende de elementos internos e externos à situação de
entrevista e que podem afetar favorável ou negativamente seu andamento.
Conhecer ou estar familiarizados com determinados contextos facilitam a entrevista
em si e a obtenção da informação desejada. As autoras apontam para uma cadeia
de segmentos simultâneos que devem ser trilhados sequencialmente até a chegada
do momento da entrevista propriamente dita. Deve-se, portanto, averiguar:
a) contexto social e cultural do sujeito;
84

b) contexto local do sujeito;


c) micro situação da entrevista (primeiros contatos);
d) processo comunicativo (entrevistador / entrevistado);
e) entrevista (informação).
O público alvo foi dividido em dois grupos:
a) grupo de diretores: entrevistas realizadas antes do contato com os
bailarinos (APÊNDICE C); e
b) grupo de bailarinos: a companhia ou grupo foi observado em suas
dinâmicas de atividades (APÊNDICE A), e um grupo selecionado a partir
de questionário (APÊNDICE B) foi entrevistado (APÊNDICE D).

Contudo para que os resultados se concretizem, Rosa e Arnoldi (2008)


afirmam que:

[...] o importante é que a presença do entrevistador de forma alguma


interfira na naturalidade da situação de comunicação. Portanto, sugere-se
que o pesquisador/entrevistador cumpra procedimentos de interação com
os sujeitos, em um momento anterior à entrevista, para que a
naturalidade se instale (ROSA; ARNOLDI, 2008, p. 36) [grifo nosso].

Diante deste fato, se procedeu nas visitas para observação e aproximação


com os sujeitos. O entrevistador sendo apresentado como colega de profissão
estabelece uma aproximação pela expectativa de que o contexto profissional, suas
dificuldades e necessidades, sejam de prévio conhecimento do pesquisador. Além
disso, o fato do pesquisador/entrevistador ter acompanhado por dois dias os
trabalhos dentro da Companhia (aulas e ensaios) ajudou na aproximação, trazendo
o aspecto da confiabilidade na relação entrevistador/entrevistado para futuro
procedimentos relacionado com a entrevista.
Concordando com autores de metodologia científica como Gil (2002) e
Minayo (2011), entendemos que a observação pode ser complementar ao processo
de entrevista. A observação aborda “tudo aquilo que não é dito, mas pode ser visto e
captado pelo observador atento e persistente, e a entrevista tem como matéria-prima
a fala” (MINAYO, 2011, p. 63) de alguns “atores” selecionados. Para a autora, a
observação permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual
formulou sua questão norteadora ou premissa, e estabelece uma interação com os
“atores” que conformam a realidade, ajudando a construir conhecimento empírico
85

fundamental para o pesquisador. Conforme Minayo (2011), o principal instrumento


de trabalho de observação é o chamado “diário de campo” (APÊNDICE A).
Procedemos com as Companhias e Grupos selecionados com um tipo de
observação não participante. Nela o observador é um espectador a quem cabe fazer
os registros da observação de maneira mais livre, sem a rigidez de um instrumento
previamente elaborado. Ele toma contato com o grupo, comunidade ou realidade
investigada sem integrar-se a ela, como espectador, registrando as ocorrências que
lhe interessam.
Foi aplicado ao grupo de bailarinos um questionário (APÊNDICE B), com
objetivo de coletar elementos para procedimentos na seleção de indivíduos a serem
entrevistados. Foi realizada entrevista com dois roteiros diferenciados (APÊNDICE C
e D) semi-estruturada com questões abertas. Um dos roteiros foi elaborado para
aplicação com os diretores das Companhia/Grupos com intenção de contextualizar o
ambiente de trabalho, incluindo seleção e atividades do profissional dentro da
Companhia ou Grupo. Outro roteiro foi elaborado para aplicação com algumas
pessoas selecionadas a partir dos resultados dos questionários aplicados aos
bailarinos. Os critérios utilizados para esta seleção são os seguintes:
a) integrantes com formação formal de dança;
b) com mais de dois anos na Companhia;
c) foi integrante de outra Companhia;
d) mais de 10 anos de atuação na área.

As questões dos instrumentos foram elaborados com base no quadro


“Dimensões de análise do conceito do processo de construção da identidade
profissional”, de Ghisleni (2010, p. 25), citado no item 2.2 deste estudo, que
estabelece itens importantes de constituição identitária, reapresentado a seguir
(figura 12):
86

Figura 12 – Dimensões de análise do conceito do processo


de construção da identidade profissional de Ghisleni 2010
Conceito Dimensões
Pela retribuição simbólica das ações do profissional, na
Reconhecimento perspectiva da valorização de seus atos e de seus
saberes e pela retribuição material por meio da
remuneração considerada justa pelo profissional.
Processo de construção da identidade profissional

Identidade no Ocorrida nas relações de confiança entre os profissionais,


trabalho Cooperação na pertença ao coletivo e no compartilhamento do
trabalho entre colegas.
A partir do controle sobre os elementos do trabalho, na
Autonomia possibilidade de tomada de decisões, de assumir
responsabilidades nas atribuições de seus atos.
Conhecimento prático e abstrato marcado pela
Científico cientificidade, adquirido na formação e em estudos
científicos.
Conhecimento Conhecimento prático desenvolvido nas relações de
profissional Contextual trabalho, no coletivo, referente ao contexto de trabalho.
Conhecimento em rede, capacidade de articulação dos
conhecimentos científico e contextual e de construção
Reflexivo reflexiva de formas de pensar e agir no trabalho que
permita a identificação e resolução de situações
problema.
Herança da formação As percepções da contribuição da formação no processo
de construção da identidade profissional.
Projeção profissional As expectativas e projeções futuras na profissão
decorrente do processo de construção da identidade
profissional.
Fonte: Adaptado de Ghisleni, 2010, p. 25

Portanto nosso estudo levou em consideração a relevância de fatores como:


a) identidade no trabalho: reconhecimento, cooperação e autonomia na
atuação profissional (trabalho): o valor do processo de construção da
identidade no trabalho na contribuição da definição da identidade
profissional;
b) conhecimento profissional (formação): a importância do conhecimento
profissional, caracterizado pelo conhecimento científico, contextual e
reflexivo que se inicia no período da formação profissional;
c) herança da formação: contribuição da formação no processo de
construção profissional;
d) projeção profissional: as expectativas de projeções profissionais futuras,
refletindo a valorização do profissional no ambiente de trabalho e no
contexto social.
87

O quadro apresentado por Ghisleni (2010, p. 25) serviu de base para


formação das questões do roteiro de entrevista e das categorias iniciais para análise
de dados e foram organizados da seguinte forma:
a - Formação profissional
- formal/informal,
- competências,
- outra formação,
- sentir-se profissional
b - Cotidiano profissional
- atuação / dia-a-dia
- valorização/preconceito,
- realização
- espaços de atuação/mercado de trabalho
c - Carreira
- influência dos cursos de dança
- projeção para o futuro,
- expectativas na profissão.

Fazendo a seguinte relação entre o quadro de Ghisleni (2010):

Figura 13 – Relação Quadro Ghisleni e Categorias do Estudo


Elementos de Ghisleni Elementos para Entrevista
Conhecimento
1 - Formação profissional
profissional e
a) formal/informal,
Herança da
b) competências,
da identidade profissional

formação
c) outra formação,
Processo de construção

d) sentir-se profissional
2 - Cotidiano profissional
Identidade no a) atuação / dia-a-dia
trabalho b) valorização/preconceito,
c) realização
d) espaços de atuação/mercado de trabalho
3 - Carreira
Projeção a) influência dos cursos de dança
profissional b) projeção para o futuro,
c) expectativas na profissão.
Fonte: Elaboração da autora, 2019.

Ainda, segundo Bardin (2016), as categorias tanto podem ser criadas antes,
na elaboração do instrumento de coleta, como durante o processo de análise dos
dados coletados. Neste estudo, as categorias criadas a priori surgiram a partir do
88

levantamento teórico do tema e foram a base da elaboração do instrumento de


coleta de dados (roteiro de entrevista), gerando 13 questões.
Entretanto, conforme Gomes (2004), eventualmente pode ocorrer no
decorrer das entrevistas, a necessidade de aumentar o leque teórico do trabalho,
pois muitos elementos novos podem exigir novas leituras. No decorrer deste estudo,
após as entrevistas com os diretores e o surgimento da ADPF293 que tumultuou o
contexto profissional da área da dança no Brasil em 2018, considerou-se pertinente
a inclusão de mais duas questões acerca do registro MEI e ADPF293, somando no
final 15 questões (APÊNDICE E) para entrevista com os integrantes das
Companhias Municipais e Grupos independentes.
Por fim, é importante ressaltar que um termo de consentimento livre e
esclarecido - TCLE (APÊNDICE F) foi elaborado com finalidade de esclarecer o
participante da pesquisa (diretores artísticos e bailarinos) de todos os aspectos do
estudo, além de obter o consentimento da utilização dos depoimentos para análise e
considerações para esta tese.

4.2 Sobre a análise das entrevistas

Minayo (2011) considera ainda que a análise de conteúdo possibilita uma


aplicação bastante variada, por constitui-se na análise de informações sobre o
comportamento humano, e apresenta duas funções: a) verificação de hipóteses e/ou
questões, e b) descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos.
Bardin (2016) afirma que existem várias maneiras para analisar conteúdos
de materiais de pesquisa, como análise de avaliação ou análise representacional,
análise de expressão, análise de enunciação e análise temática. Neste estudo,
optou-se pela análise temática que, segundo Bardin (2016), “é transversal, isto é,
recorta o conjunto das entrevistas por meio de uma grade de categorias projetadas
sobre o conteúdo” (p. 222). Por meio de um sistema de categorias, a análise
temática aplica uma teoria (corpo de hipóteses em função de um quadro de
referência) ao material, ela vem acompanhada de uma hipótese interpretativa antes
do estudo formal do discurso. Funciona por operações de desmembramento do texto
em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos. Conforme Bardin
(2016) trata-se de uma técnica de análise eficaz na condição de se aplicar a
discursos diretos e simples.
89

Bardin (2016) esclarece também acerca das etapas do processo nos


procedimentos com os dados coletados. A autora as organiza em três fases:
a) pré-análise - fase em que se organiza o material a ser analisado com o
objetivo de torná-lo operacional, sistematizando as ideias iniciais;
b) exploração do material - consiste na exploração do material com a
definição de categorias;
c) tratamento dos resultados, inferência e interpretação – onde ocorre a
condensação e o destaque das informações para análise, culminando
nas interpretações inferenciais; é o momento da intuição, da análise
reflexiva e crítica.

Os procedimentos de preparo dos textos de transcrição para a análise de


conteúdo foi o comum a vários tipos de metodologias: a categorização. As
categorias são processos analíticos que agrupam as unidades de um corpus de
análise, isto é, dos dados coletados na pesquisa. Na análise dos dados, as
categorias nos ajudam a organizar, separar, unir, classificar e validar as respostas
encontradas pelos nossos instrumentos de coleta de dados. Na categorização
podemos optar por vários tipos de unidades de registro para analisarmos o conteúdo
de uma mensagem. Unidades como palavra, frase, tema, personagem,
acontecimento, etc.
As categorias tanto podem ser criadas antes como durante o processo de
análise. Neste estudo, as categorias criadas a priori surgiram a partir do
levantamento teórico do tema e foram a base da elaboração do instrumento de
coleta de dados (roteiro de entrevista) (veja quadro da figura 13). Tiveram, portanto,
como unidade de registro o tema, conforme Bardin (2016) com base do quadro de
síntese de Urquiza e Marques (2016).
Com base em Minayo (1992), Gomes (2004) afirma que podem ocorrer três
tipos de situações frente à análise de dados:
a) ilusão do pesquisador em ver as conclusões, à primeira vista, como
“transparentes”;
b) o grande envolvimento do pesquisador com os métodos e as técnicas, a
ponto de esquecer os significados presentes em seus dados; e
90

c) dificuldade que o pesquisador pode ter em articular as conclusões que


surgem dos dados concretos com conhecimentos mais amplos ou mais
abstratos.

A primeira situação pode produzir a sensação de que os dados “saltam aos


olhos”, enquanto o pesquisador inicialmente os analisa. Isto pode ser causado pela
ilusão que muitos pesquisadores têm quando estão demasiadamente familiarizados
com o campo de pesquisa (ou com o local em que a pesquisa foi realizada). A
segunda situação nos remete ao cuidado que precisamos ter em distanciar o
procedimento em si dos dados coletados. E a terceira situação ocorre quando a
apropriação teórica do pesquisador parece não dar conta das conclusões tiradas
pela análise dos seus dados. Pode acontecer de ser necessário aumentar o leque
teórico do trabalho após a análise dos dados, pois muitos elementos novos podem
exigir novas leituras. Este estudo apresentou, em sua análise de dados, duas das
situações citadas por Gomes (2004): a familiaridade com a comunidade estudada e
a necessidade de novas leituras.

4.3 Outras considerações acerca do percurso metodológico

Para uma aproximação do entrevistador com seu público alvo e melhor


conhecimento da organização interna das Companhias houve a necessidade de
entrevista prévia com os diretores, onde foi conversado sobre estrutura e
funcionamento da Companhia, critérios de seleção e contratação dos bailarinos e
ainda acerca das expectativas de futuro da Companhia. O questionário elaborado
para bailarinos foi aplicado a apenas um dos diretores, pois os outros não estavam
atuando como bailarinos. Também optamos por não questionar os diretores com
relação à sua formação, uma vez que nem todos estavam atuando como bailarinos
profissionais, e inclusive um dos entrevistados não tinha formação em dança.
Foram selecionados para entrevista quatro bailarinos de cada Companhia
Municipal e dois de cada Grupo Independente. Os critérios utilizados para seleção,
conforme já mencionado, foram: integrantes com formação formal de dança; com
mais de dois anos na Companhia; foi integrante de outra Companhia e; mais de 10
anos de atuação na área. Dos 12 bailarinos entrevistados, 5 são homens e 7 são
mulheres. Importante comentar que uma das bailarinas entrevistadas estava grávida
91

de seis meses. Sete bailarinos participaram de outras companhias formais no Brasil


ou estrangeiras e todos já participaram de grupos independentes.
Embora os bailarinos entrevistados não tenham apresentado restrições
quanto à divulgação de seus nomes, para fins de manter suas identidades
preservadas, adotamos a codificação apresentada no quadro a seguir:

Figura 14 – Quadro de códigos dos entrevistados


CÓDIGO Sigla da Companhia + Número do Entrevistado + Gênero
PA1h Companhia Municipal de Porto Alegre + entrevistado 1 + homem
PA2h Companhia Municipal de Porto Alegre + entrevistado 2 + homem
PA3m Companhia Municipal de Porto Alegre + entrevistado 3 + mulher
PA4m Companhia Municipal de Porto Alegre + entrevistado 4 + mulher
CS1m Companhia Municipal de Caxias do Sul + entrevistado 1 + mulher
CS2m Companhia Municipal de Caxias do Sul + entrevistado 1 + mulher
CS3m Companhia Municipal de Caxias do Sul + entrevistado 1 + mulher
CS4h Companhia Municipal de Caxias do Sul + entrevistado 1 + homem
CH1m Companhia H + entrevistado 1 + mulher
CH2m Companhia H + entrevistado 2 + mulher
ES1h Eduardo Severino Companhia de Dança + entrevistado 1 + homem
ES2h Eduardo Severino Companhia de Dança + entrevistado 2 + homem
Fonte: Elaboração da autora, 2019.

Como já comentamos, duas das situações citadas por Gomes (2004) se


apresentou neste estudo: a familiaridade com a comunidade estudada e a
necessidade de novas leituras. A primeira situação está descrita desde a introdução
desta tese, e me fez, na proposta de realização desta investigação, ter como
pressupostos algumas observações realizadas de forma não sistemática que
apontavam para um distanciamento entre a atuação como bailarino profissional e um
processo de formação profissional. Isso devido à aproximação à comunidade
estudada, em função de exercer profissão dentro do contexto da dança. Esta
familiaridade descrita por Gomes (2004) também trouxe dificuldades no momento
das entrevistas, pois, em certas questões, os entrevistados acabavam por,
inicialmente, suprimir determinadas descrições de algumas situações ou contextos,
substituindo-as por expressões como “você sabe, né”; você entende”; “como você já
sabe”, entre outras; sendo necessário a insistência no questionamento, solicitando
descrição ou posição pessoal.
92

A outra situação diz respeitos aos temas que foram surgindo no percurso da
investigação que me levou a novas leituras e aprofundamento de nova bibliografia.
Em setembro de 2017, quando iniciei a coleta de dados e entrevistei o diretor da
Companhia Municipal de Porto Alegre, se observou que o edital para seleção de
bailarinos para a Companhia apresentava uma relação de documentos necessários
para a inscrição. Entre eles aparece a necessidade do candidato ter Contrato Social
ou Estatuto ou Certificado MEI (Micro Empresa Individual) com finalidade cultural.
Isso nos levou a constatar que, não somente os bailarinos, mas todos os
profissionais da arte no país estavam sendo levados a registrar uma micro empresa
individual para poderem atuar no mercado de trabalho.
E em abril de 2018 surgiu a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 293 questionando a obrigatoriedade do diploma ou de
certificado de capacitação para registro profissional (DRT) no Ministério do Trabalho,
como condição para o exercício das profissões de artista e técnico em espetáculos
de diversões. Essa ADPF deixou todos os profissionais da arte apreensivos quanto a
profissionalização na área. Além desses dois temas, todo o processo de coleta de
dados e discussão dos resultados nos levou a releitura do referencial teórico e
leituras de novos teóricos, fazendo com que autores fossem incluídos ou retirados
do estudo.
O próximo capítulo descreve o contexto de atuação profissional dos
entrevistados, e os três capítulos seguintes apresentam as principais análises
realizadas a partir do material teórico, documental e empírico coletado ao longo
dessa investigação.
93

5
Situação das Companhias
Selecionadas
94

5 SITUAÇÃO DAS COMPANHIAS SELECIONADAS

Segundo Dubar (2005), o processo de construção da identidade profissional


tem seu inicio mediante confrontação com as relações, o ambiente e o mercado de
trabalho. Desta forma foram realizadas visitas para observação às Cias para, além
da aplicação do questionário para seleção dos bailarinos a serem entrevistados, a
realização de observação dos trabalhos dos profissionais, com finalidade de
investigação acerca das relações e ambiente de atuação. A Observação se revelou
importante para esta investigação por permitir a evidência de dados não constantes
do roteiro das entrevistas e/ou dos questionários tornando-se uma etapa
complementar ao estudo.

5.1 As Companhias Municipais

As companhias selecionadas para o estudo foram as que possuem criação


sancionada por lei: Companhia Municipal de Porto Alegre e Companhia Municipal de
Caxias do Sul.
De acordo com nossas pesquisas a iniciativa mais duradoura e vigente no
Estado é a Companhia Municipal de Dança de Caxias do Sul, que surgiu através do
poder Legislativo, que sancionou a Lei n° 4.677 de Julho de 199713 pelo Prefeito
Municipal, sendo vinculada a Secretaria Municipal de Cultura. A Companhia estreou
oficialmente em 12 de março de 1998, no Teatro Municipal da Casa da Cultura de
Caxias do Sul, e atua até hoje (2019).
E em 2014 surge na capital a Companhia Municipal de Dança de Porto
Alegre, que estreou em 30 de novembro, no Auditório Araújo Vianna, com 20
bailarinos profissionais. Um sonho acalentado por profissionais da dança por quase
todo o século XX, desde a década de 1940. A Companhia traz a possibilidade de
espaço de atuação profissional para os artistas da dança de Porto Alegre, como já
existe em outras capitais e cidades do Brasil.

13
CAXIAS DO SUL. PREFEITURA MUNICIPAL. Lei n° 4.677 de Julho de 1997. Caxias do Sul:
Prefeitura Municipal, 1997. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rs/c/caxias-do-sul/lei-
ordinaria/1997/467/4677/lei-ordinaria-n-4677-1997-cria-a-companhia-municipal-de-danca-e-da-outras-
providencias. Acesso em: 18 out. 2018.
95

Companhia Municipal de Porto Alegre

A Cia. Municipal de Dança de Porto Alegre, conforme esclarecimentos de


seu diretor, enfrentava dificuldades no início do ano de 2018. O local de trabalho da
Companhia era o Centro Cultural Usina do Gasômetro14. Entretanto em 2017 este
equipamento cultural fechou para reformas e se mantém fechado até o momento. A
Companhia passou a trabalhar no Centro Cultural Cia. de Arte15 até janeiro de 2018.
Em março de 2018, a Cia. passou a trabalhar na Casa de Cultura Mário Quintana16.
A Companhia foi visitada na CCMQ em 28 de março de 2018 e 29 de março
de 2019, às 9h. Passaram seis meses desde a entrevista com o diretor da
Companhia, Sr. Airton Tomazzoni (realizada em setembro de 2017). A Companhia
teve algumas modificações. Foi aberta audição em outubro de 2017 renovando seu
elenco e ocorreu a entrada da diretora artística Paula Amazonas. O elenco de
profissionais é constituído por 6 homens e 7 mulheres (sendo 1 suplente).
Estavam todos presentes no primeiro dia de observação. Iniciaram uma aula
de ballet clássico com o professor Alexandre Ritmann com duração de 1h e 30
minutos. Houve 10 minutos de intervalo e iniciaram os ensaios da Companhia que
está preparando a coreografia “Caverna”, de Rafael Gomes, para espetáculo
próximo. O questionário foi aplicado no intervalo, depois de uma breve apresentação
do estudo.

14
O Centro Cultural Usina do Gasômetro funciona na antiga usina termelétrica do Gasômetro,
inaugurada no dia 15 de novembro 1928, na chamada Praia do Arsenal, projetada para gerar
energia à base de carvão mineral. Sua importância histórica é inegável, pois foi palco da
industrialização ainda incipiente no Brasil. Foi aberto à população como Centro Cultural no ano de
1991. Os 18 mil metros quadrados de área abrigam auditórios, salas multiuso, anfiteatros, espaços
para exposições, cinema e teatro. (Av. Presidente João Goulart, 551 - Centro - Porto Alegre / RS).
PORTO ALEGRE. PREFEITURA MUNICIPAL. Usina do Gasômetro (fechada para reforma).
[Porto Alegre: Prefeitura Municipal, (201-?)]. Disponível em:
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smc/default.php?p_secao=284 Acesso em: 04 jul. 2018.
15
O Centro Cultural Cia de Arte é um projeto com uma proposta inédita no Brasil: um espaço público
totalmente gerido por artistas. Um prédio de nove andares que pertence à Prefeitura de Porto
Alegre, situado no Centro Histórico da capital, aberto a artistas de todas as áreas: teatro, dança,
literatura, música, artes visuais, circo e capoeira. (Rua dos Andradas, 1780 – Centro – Porto
Alegre / RS). CENTRO CULTURAL CIA DE ARTE. Centro Cultural Cia de Arte. [Porto Alegre:
Centro Cultural Cia de Arte, (20--?)]. Disponível em: http://companhiadearte.blogspot.com/ Acesso
em: 04 jul. 2018.
16
A Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) é uma instituição ligada à Secretaria de Estado da
Cultura/Governo do Estado do Rio Grande do Sul. A história da CCMQ tem início em julho de
1980, com a compra do antigo prédio do Hotel Majestic. Quando o Governo do Estado adquiriu o
prédio, a comunidade cultural e a população mobilizaram-se para defender seu reconhecimento
como patrimônio arquitetônico da cidade. Estava selado o futuro do Hotel Majestic. Em março de
1983 o prédio foi reaberto, simbolicamente, como Casa de Cultura. (Rua dos Andradas, 736 –
Centro – Porto Alegre / RS). CASA DE CULTURA MÁRIO QUINTANA. A casa. Porto Alegre:
CCMQ, 2016. Disponível em: http://www.ccmq.com.br/site/?page_id=183 Acesso em: 04 jul. 2018.
96

No segundo dia de observação, a Companhia fez aula de dança moderna


das 9h às 10h30m, com a Profa. Liane Venturella. No intervalo dos trabalhos da
Companhia, que teve duração de 10 minutos, foi apresentado os selecionados
(identificados apenas por números) para a entrevista e solicitado um e-mail e/ou
celular para posterior contato com objetivo de marcar a entrevista. Nos dois dias de
visita, os trabalhos foram observados das 9h às 12h30m.
Nos dias das minhas observações, os bailarinos não se preparam para a
aula, não se aquecem, nem se alongam para melhor execução dos movimentos de
aula. Desorganização nas barras e nas colocações no centro da sala para execução
dos exercícios. Nos dois dias de observação, uma das bailarinas não acompanha a
aula (talvez machucada?). Não se aquece para o ensaio que virá a seguir, porém
participa dos ensaios.

Figura 15 – Bailarinos da Companhia em 2014

Fonte: Porto Alegre. Conselho Municipal De Cultura, 2014.

Conforme seu idealizador, Airton Tomazzoni, a ideia da Cia Municipal é um


desejo antigo, desde a década de 1940, e presente desde a primeira Conferência
Municipal de Cultura realizada em 1995, que vem sendo uma proposta aprovada em
plenária em todas as Conferências realizadas até o ano de 2013 que foi a nona
conferência. Mas a efetivação desse sonho se desenhou em 2014 numa parceria
inédita da Secretaria da Cultura com a Secretaria de Educação que viabilizou a
implantação do projeto piloto da Cia Municipal. O objetivo é o de possibilitar um
espaço de atuação profissional para os artistas da dança de Porto Alegre, como já
97

existe em outras capitais e cidades do Brasil. Os critérios de seleção foram o de


qualificação técnica e artística, bem como do atendimento do perfil da Cia que é o de
trabalhar com elenco de formação diversificada, que é uma característica do cenário
da dança na capital. Os bailarinos trabalham com contrato temporário, renovado
anualmente. Com 20 bailarinos de diferentes formações, a Companhia Municipal de
Dança de Porto Alegre estreou em 30 de novembro de 2014, no Auditório Araújo
Vianna.
Somente em 20 de janeiro de 2017, portanto depois do início deste estudo,
foi sancionada a lei que cria a Companhia Municipal de Porto Alegre, que já
funcionava desde 2014 em Porto Alegre como projeto piloto (PORTO ALEGRE,
2017). A formalização da Cia Municipal de Dança, como já havíamos mencionado,
atende uma reivindicação antiga da classe artística da dança. Com a sanção da Lei
o município de Porto Alegre dá mais um passo importante no sentido da valorização,
do incentivo público e da profissionalização do segmento da dança na capital.
Seu diretor, Airton Tomazzoni, foi bailarino, é coreógrafo e jornalista. Doutor
em Educação pela UFRGS, atuou como professor do Curso de Graduação em
Dança da UERGS nos anos de 2003 a 2011. Dirige o Centro Municipal de Dança da
Prefeitura de Porto Alegre e já dirigiu e produziu vários espetáculos e montagens
premiadas.
Conversamos em 05 de setembro de 2017, à tarde, no Centro Municipal de
Cultura Arte e Lazer Lupicínio Rodrigues17. Até esta data, conforme Tomazzoni, a
Companhia estava funcionando de maneira precária à espera de recursos para
contratação de bailarinos que não tinham sido liberados ainda. “Na verdade estamos
num ano muito complicado na prefeitura. [...] Mas seguindo na batalha pra tentar
manter as ações importantes”, nos afirmou o diretor.
O edital de seleção de bailarinos18 saiu (finalmente) em 05 de outubro de
2017. Na análise deste edital constatamos a afirmação do diretor Tomazzoni a
respeito dos critérios estabelecidos para seleção dos bailarinos. O bailarino, ainda

17
O Centro Municipal de Cultura, Arte e Lazer Lupicínio Rodrigues é um centro cultural da cidade de
Porto Alegre, mantido pela Prefeitura Municipal. Localiza-se na Av. Erico Verissimo, 307, bairro
Menino Deus, Porto Alegre - RS, CEP 90160-210.
18
PORTO ALEGRE. SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA. Seleção de bailarinos/bailarinas
para Companhia Municipal de Dança de Porto Alegre 2017. Porto Alegre: Secretaria de Cultura,
2017. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smc/usu_doc/2017edital_cia-
danca_2017.pdf. Acesso em: 10 out. 2017.
98

como candidato, deve apresentar determinada documentação, conforme item 2.4 do


edital.
Nesta lista de 13 documentos, conforme o item 2.4.5 do edital de 2017, o
bailarino deve apresentar “Registro profissional como bailarino(a) ou comprovante
de encaminhamento de solicitação de registro junto ao órgão competente”. Segundo
Tomazzoni este critério não existia no primeiro edital de seleção de bailarinos (em
2014), começou a compor a lista de documentação após uma negociação com o
Sindicato (SATED).
Outro item interessante do edital publicado em 2017 é o 2.4.1, sobre a
necessidade do candidato ter em Contrato Social ou Estatuto ou Certificado MEI
(Micro Empresa Individual) com finalidade cultural. Verificou-se que os bailarinos do
elenco optaram pelo MEI. O MEI é uma forma de regularização de quem trabalha
por conta própria ou é empreendedor. Sendo microempreendedor individual, é
possível ter CNPJ, emitir notas fiscais e contribuir para a aposentadoria. Bailarinos
com registro de MEI têm obrigações e tributos, precisam pagar impostos. Ele paga
um valor fixo mensal de acordo com a sua atividade. O MEI não precisa de contador,
então as obrigações ficam todas sob responsabilidade do profissional. Todo
microempreendedor individual deve seguir uma rotina mensal para se manter
regularizado, preenchendo um relatório mensal de receitas e realizando o
pagamento da DASN-MEI. Anualmente, o MEI também é obrigado a entregar a
Declaração Anual Simplificada que consolida as informações de faturamento e
declarar imposto de renda.
Segundo Tomazzoni, os bailarinos assinam um contrato temporário de
trabalho por um ano, podendo ser prorrogado por mais um ano. Este curto prazo de
contratação traz alguns problemas para a Companhia:

[...] tem uma discussão aí, da dificuldade deste prazo curto. Se a gente não
poderia trabalhar por prazos maiores, porque quando tu constitui a Cia. e
eles conseguem ter uma unidade e uma identidade, acabou o edital e tu tem
que fazer outro. [...] uma modificação muito continuada. [...] Também tem
isso, a gente já tem 5 obras de repertório. Quando a gente consegue que o
elenco esteja com o repertório todo ensaiado, invés de começar a ensaiar
uma nova obra, a gente tem que reaprender, os bailarinos novos todos, as
obras de repertório todos de novo, então a gente viu que este era um ponto
que agente tinha que reavaliar. [...] Não necessariamente temos que repor
todo o elenco em dois anos. (TOMAZZONI, 2017).
99

Entretanto a outra possibilidade para uma Companhia Municipal seria o


concurso público, opção descartada pela Secretaria Municipal de Cultura, cujo
motivo Tomazzoni esclarece:
[...] a gente não optou pelo concurso por dois motivos. [...] eu conversei,
pesquisei, visitei outras Cias. do Brasil, e vi que muitas consideravam este
modelo desgastado. Como a Municipal do Rio de Janeiro, onde o
funcionário público fica pra sempre, independente do rendimento,
independente da possibilidade de trabalho. Daí muitos acabam sendo
professores e não mais bailarinos. [...] a estrutura pública do jeito que está
não abre novas vagas, daí tu não consegue renovar o corpo de baile. E a
gente viu a questão da lei de responsabilidade orçamentária. O limite que
tem para funcionários públicos tem reduzido o número de cargos, então, a
gente verificou que ia ter um grande problema de aprovação na Câmara de
Vereadores, porque daí é um trâmite que ia levar uns cinco anos, talvez pra
justificar, porque daí não era só criar a Cia., além de criar a Cia. nós íamos
ter que criar um cargo que não existe. [...] É uma burocracia só pra
contratar, uma burocracia pra criar um novo cargo, justificar a necessidade,
estabelecer um número, estabelecer o valor, estabelecer... E outra coisa,
por exemplo, pra ter um valor de remuneração compatível, teria que ser
nível superior, pra ter nível superior eles teriam que ter diploma. Quem não
tem diploma, iria ganhar a metade de quem tem diploma, porque esta é a
regra do funcionário público. Eles não teriam uma regra separada pra eles.
Então a gente abriu mão e optou pelo edital (TOMAZZONI, 2017).

Tomazzoni ainda aponta para outra possível solução:

Tá surgindo outros modelos aí agora, que o secretário adjunto, o Eduardo


Wolf, trouxe e andou defendendo. E que tem em São Paulo, por exemplo, a
São Paulo Companhia de Dança [...] na verdade eles são geridos por uma
19
OS , uma organização civil, que passa por um edital de seleção. Os
recursos são transferidos pra esta organização, e daí, essa organização não
está presa aos regimes do concurso público, então eles podem manter
esses prazos de editais, eles podem contratar e descontratar, eles podem
contratar por carteira assinada, eles podem fazer uma série de alternativas
que a gente não pode, enquanto Prefeitura (TOMAZZONI, 2017).

Esta seria provavelmente uma forma dos bailarinos terem direitos


trabalhistas como convênio médico, férias, 13º salário, etc. Pois a contratação seria
pela CLT, o que não ocorre com o funcionário público municipal.
Como Companhia oficial, a Companhia Municipal de Dança de Porto Alegre
apresenta uma estrutura em que um elemento não acumula várias funções. O
elenco é de 15 bailarinos, um ensaiador, um diretor artístico, um (ou vários)
coreógrafo e o diretor geral.
Tomazzoni indica que a (atual) situação política do país influencia os
trabalhos da Companhia

19
Organizações Sociais.
100

Não tem como negar que tudo fica mais complicado. Não só na esfera
municipal, porque, por exemplo, o próprio Boticário na Dança que era um
programa nacional de fomento exclusiva pra dança, acabou. Então a crise
não tá pegando só a esfera pública, mas tudo acaba afetando, porque daí a
gente não tem políticas do Ministério da Cultura, a gente tem a extinção da
Secretaria Estadual da Cultura... Então todas as parcerias e a rede que
pode se instituir aí, reduz drasticamente. Então a gente tinha parcerias com
o Instituto Estadual de Artes Cênicas, para o Encontro Estadual que
acontecia, a gente fazia até o encerramento do SUL EM DANÇA durante
duas edições. Este ano, a dificuldade está gigantesca para manter o
festival. Então isso, a crise afeta, econômica e politicamente acaba
afetando, lógico, o andamento da Cia. (TOMAZZONI, 2017).

Passados dois anos, o cenário de crise descrito, não apenas permanece,


mas em grande medida foi agravado, tendo-se ainda menos fontes de recursos.
Ele conclui afirmando que todo o investimento com a Companhia tem como
base a valorização dos profissionais de dança de Porto Alegre. Um salário fixo, por
exemplo, é uma das vitórias da classe com a Companhia Municipal. O bailarino da
Companhia está recebendo, desde o projeto piloto, o valor de 2 mil reais mensais
para uma carga horária de 4 horas. Um valor considerado adequado pela classe,
pois o elenco tem profissionais que vieram de outros Estados para prestarem
audição na seleção da Secretaria de Cultura do Município.

[...] então, se não é o ideal, é bem significativo, tanto que a gente teve
bailarinos que vieram de outros estados. A Maria Emília veio do Palácio das
Artes, de Belo Horizonte, o Cléo, de Teresina [...] principalmente isso... Eu
acho que os coreógrafos levam de uma maneira, quando tem projeto
ganham um bom cachê. Os diretores e os professores, tem várias escolas
que assinam carteira pro professor. Mas eu acho que ainda os bailarinos
estavam muito descobertos neste sentido. Mesmo em Cias que atuam com
uma atividade mais contínua, ganha 100, 200 reais numa apresentação, 50
reais noutra apresentação, quando não tem apresentação, não ganha. É
muito informal isso (TOMAZZONI, 2017).

Entretanto, os bailarinos começaram neste ano de 2017 a receberem


também o cachê “em função da situação atual da Companhia de ainda não estar
liberada verba para continuidade do trabalho” (TOMAZZONI, 2017).
Airton Tomazzoni termina sua entrevista afirmando que a criação de uma
Companhia Municipal em Porto Alegre trouxe primeiramente o fortalecimento da
dança como profissão e o bailarino como profissional, pois estudantes de dança têm
agora expectativas de atuação no mercado de trabalho. E isso se estende aos pais
101

destes alunos que antes acreditavam que seus filhos não teriam emprego depois de
formados.
E, em segundo lugar, estabelece um panorama profissional com algumas
definições importantes para a classe como carteira assinada, contrato, previsão de
hora de ensaio, número de apresentações, salário fixo, vínculo empregatício, etc.
Uma Companhia oficial estabelece tudo isso e apresenta parâmetros, que antes
eram inexistentes, para o profissional.

[...] dá um parâmetro, inclusive pro próprio Funproarte, que eu dou o


exemplo também, que muitas vezes achava que ganhar 100 reais por
apresentação era muito alto por bailarino. [...] Quando tu tem um bailarino
numa Cia. Municipal ganhando dois mil, tu não pode mais questionar, pelo
menos, tendo um edital. E é um parâmetro pros bailarinos negociarem.
Então isso, em termos de profissionalização, foi o que mais me moveu, [...]
Mas o principal, que eu acho que estava totalmente ainda descoberto,
informal, renegado, á margem, é a relação profissional pra quem quer ser
bailarino (TOMAZZONI, 2018) [grifo do autor].

Para Tomazzoni, por mais que Porto Alegre tivesse profissionais que viviam
também da dança, “bailarinos que vivem de dançar a gente sabe que não existia”.
Isso é corroborado nas falas dos bailarinos, que indica ser usual outra profissão. Em
outras palavras do próprio Tomazzoni: “Óbvio que todo mundo dança. Dança e dá
aula, dança e coreografa, dança e é dentista, dança e trabalha no Trensurb, dança e
dá aula de educação física...” Mas quando o poder público assume e reconhece a
existência de um profissional e este profissional tem a sua função que é ensaiar,
fazer aula, dançar, se apresentar e tem uma regulamentação compatível com isso,
consolida o que outras Companhias não oficiais fizeram até o momento.

Cia Municipal de Caxias do Sul


No dia em que foi entrevistado o diretor Carlinhos Santos (22/08/2017),
observei os trabalhos da Companhia. Estavam presentes 9 bailarinos, sendo 4
homens e 5 mulheres (1 ausente). Eles fizeram uma aula de dança moderna com
Nei Moraes (das 9h ás 10h30m). Fizeram um pequeno intervalo de 10 minutos
(quando me apresentei e apliquei o questionário). O intervalo foi bem curto, pois
havia uma grande preocupação com o frio que estava fazendo. O ensaiador fez
trabalho de aquecimento e o intervalo foi curto para que os bailarinos não
102

“esfriassem” a musculatura. E, em seguida iniciaram ensaio da coreografia “Choque”


de Mário Nascimento.
A coreografia é bem agitada, com movimentos rápidos e exige bastante (em
técnica, fôlego e atenção ao espaço físico e tempo musical) dos bailarinos. O elenco
tem que ter uma boa preparação física para execução dos movimentos
coreográficos. Logo que iniciou, o ensaio foi interrompido pelo ensaiador. Foi
chamada a atenção dos bailarinos quanto à concentração para execução dos
movimentos no tempo correto. Logo a coreografia foi reiniciada. Durante toda a
observação, percebeu-se um clima de profissionalismo, isto é, bailarinos, coreógrafo
e ensaiador estavam focados e raramente interagiam para diálogos não vinculados
ao ensaio.
A Companhia Municipal de Dança de Caxias do Sul surgiu através do poder
Legislativo, que sancionou a Lei n° 4.677 de Julho de 199720 pelo Prefeito Municipal,
sendo vinculada a Secretaria Municipal de Cultura, e estreou oficialmente em 12 de
março de 1998, no Teatro Municipal da Casa da Cultura de Caxias do Sul, com o
espetáculo “1,2,3…UNO-DUO”, composto de 9 cenas coreografadas por Thomas
Plischke, Ney Moraes, Sigrid Nora, Cláudia Palma, Eva Schul e Jair Moraes.

Figura 16 – Audição da Companhia Municipal de Dança


de Caxias do Sul para bailarinos

Fonte: CIA..., 2015.

20
CAXIAS DO SUL. PREFEITURA MUNICIPAL. Lei n° 4.677 de Julho de 1997. Caxias do Sul:
Prefeitura Municipal, 1997. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rs/c/caxias-do-sul/lei-
ordinaria/1997/467/4677/lei-ordinaria-n-4677-1997-cria-a-companhia-municipal-de-danca-e-da-outras-
providencias. Acesso em: 10 out. 2018.
103

Atenta ao processo de desenvolvimento cultural local e contribuindo para


facilitar o acesso aos bens culturais, a Companhia Municipal de Dança participa de
eventos promovidos pela cidade, visando não só o produto cultural em si, mas
também a educação e formação. Para isso, mantém a Escola Preparatória de Dança
(EPD) focalizando-se também na área do conhecimento sistematizado. Essa ação
está voltada a comunidades menos favorecidas, oportunizando, incentivando e
desenvolvendo talentos.
Sendo a única companhia oficial do Rio Grande do Sul até 2014 e sem um
coreógrafo residente, o grupo experimenta linguagens diversas através do contato
com coreógrafos nacionais e estrangeiros, que têm como qualidade comum a
ampliação do vocabulário da dança contemporânea.
A Companhia Municipal de Dança de Caxias do Sul conta com uma trajetória
significativa, tendo se apresentado em várias cidades brasileiras e importantes
eventos de dança contemporânea. A Companhia Municipal de Dança recebeu, no
ano de 2002, o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte – Melhores de
2002, na categoria “Estímulo” e, em 2004, o Troféu Gaúcho de Cultura, na
categoria “Dança”, uma distinção conferida pela Secretaria Estadual da Cultura do
Rio Grande do Sul. Tem sua sede fixa no Centro Municipal de Cultura Dr. Henrique
Ordovás21 em Caxias do Sul e seus projetos culturais são viabilizados pela
Associação dos Amigos do Centro Municipal de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho
– A.A.M.O.R.
A Companhia Municipal de Dança de Caxias do Sul foi visitada para
entrevista com seu diretor em 22 de agosto de 2017 pela manhã. Os dados da
Companhia incluídos neste estudo foram informados pelo diretor artístico da
Companhia em 2017 (Sr. Carlinhos Santos).
Carlinhos Santos, diretor da Cia. Municipal de Dança de Caxias do Sul em
2017, é jornalista e crítico de dança, especialista em Corpo e Cultura, Ensino e
Criação. Formado em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF/RS) e
Jornalismo pela Unisinos (Unisinos/RS), é mestre em Dança e Educação pela
Universidade de Caxias do Sul (UCS/RS), concluído em 2012, com dissertação
“Corpo, Dança e Educação – Cia Municipal de Dança de Caxias do Sul”.

21
O Centro Municipal de Cultura Ordovás fica na Rua Luiz Antunes, nº 312, bairro Panazzolo em
Caxias do Sul, RS.
104

Em sua entrevista, Carlinhos nos relata que a Companhia existe há 20 anos


e é “mantida pelo poder público municipal, pela Prefeitura Municipal de Caxias do
Sul, através da Secretaria Municipal de Cultura”. São 10 bailarinos e 2 ensaiadores-
professores, sendo um de dança clássica (ballet) e um de dança contemporânea. A
Companhia tem suas atividades, entre aulas e ensaios, de segunda a sexta feira,
das 9h ás 13h, junto ao Centro Municipal de Cultura. A Unidade de Dança, dentro do
Centro Municipal de Cultura, tem uma estrutura básica de uma sala administrativa,
duas salas menores com espaço para figurino e adereços, um depósito para
elementos de cenário e equipamento, e 2 salas grandes de ensaio, sendo uma delas
destinada principalmente á Cia Municipal e a outra, que é um pouquinho menor,
destinada ás atividades da Escola Preparatória de Dança.
A Escola Preparatória de Dança é um programa de formação, direcionada a
crianças entre 8 a 10 anos, que possuam vínculo com a rede pública municipal, ou
estadual, de ensino. São 6 anos de formação, com aulas de dança contemporânea,
clássica e várias outras disciplinas como capoeira, iniciação ao teatro,
musicalização, ritmos brasileiros, história da arte, hip hop, etc.
Segundo o diretor da Companhia, a estrutura é bem enxuta, tanto de
recursos físicos quanto de humanos. A Companhia tem um coreógrafo-ensaiador
(Nei Moraes) e trabalham com coreógrafos convidados, pontuais, para alguns
trabalhos, de acordo com o programado para o ano.
No ano de 2017, a Companhia está, em comemoração aos 20 anos de
existência, preparando remontagens de coreografia como “Choque” de Mário
Nascimento, que foi montado há 15 anos, e “Jeito de” de Nei Moraes, montado há 5
anos.
A seleção dos bailarinos é feita por audição. Não é realizado um concurso
com edital formal. Segundo o diretor, trata-se uma comunicação pública, um
“chamamento”:

Na verdade não foi um edital formal, foi uma comunicação pública, né, de...
talvez não tenha sido o melhor expediente, né, mas foi feito uma
comunicação, uma divulgação em imprensa, nas redes sociais também. Até
agora não houve este expediente de edital formal. Na verdade é um
chamamento. [...] Abre-se a partir da necessidade do quadro, de completar
ou não o quadro, se falta alguém, se alguém está saindo ou se a gente vai
precisar de mais gente (SANTOS, 2017).
105

Para seleção é solicitado um currículo e é realizado duas aulas, uma de


clássico e uma de contemporâneo, onde é avaliado o desempenho físico e técnico
dos candidatos por uma comissão composta de quatro pessoas. Não é exigido
qualquer registro profissional (DRT, SATED, Diplomas, etc.) do candidato.
O quadro de profissionais da Cia, Municipal de Dança, segundo a forma da
lei (art. 6º da Lei nº 4.677 de 07 de julho de 1997), recebe por jettons22 e não tem
vínculo empregatício com o Município, ficando o Poder Executivo autorizado a
conceder aos maitre-ensaiador e bailarinos-instrutores um "jetton" a cada ensaio que
comparecerem no valor de 15% (quinze por cento) do Padrão 01 do Quadro de
Provimento Efetivo da Administração Centralizada do Município, como forma de
incentivo ao trabalho. E, segundo redação estabelecida pela Lei nº 5.459 de 07 de
julho de 2000, o Poder Executivo fica autorizado a conceder para até dez bailarinos-
estagiários um jetom para cada ensaio que comparecerem, no valor de quatro por
cento do Padrão 01 do Quadro de Provimento Efetivo da Administração Centralizada
do Município, como forma de incentivo ao trabalho. Conforme o diretor da
Companhia este valor se refere a aproximadamente R$ 55,00 (cinquenta e cinco
reais) por ensaio. A cada mês é somado os ensaios realizados, geralmente
totalizando de 20 a 21 ensaios, que é multiplicado pelos cinquenta e cinco reais,
somando em torno de R$1.100,00 (hum mil e cem reais). Carlinhos Santos comenta
acerca desta remuneração:

É pouco. Eu, enquanto gestor, enquanto pessoa civil, eu acho pouco. A


gente está lutando para que isso seja aumentado porque, justamente, eles
não tem nenhum outro vínculo. Eles, quando chega dezembro, vai dar o
intervalo de férias, e o profissional não tem nenhuma garantia, ele não
recebe, ele não tem 13º, nada disso. Eu acho que o ideal seria uma forma
de contratação onde minimamente... eu acho que, pelo menos, o ideal seria
uns 70, 75 reais por ensaio, acho que serias mais justo, né, mais digno. Mas
a gente, justamente, como eu falei, a gente tá tentando mudar a lei pra que
aumente esses valores. (...) Dá o intervalo de férias e eles não vão receber
nada, e eles não tem nenhum vínculo efetivo com o poder público. Não são
funcionários públicos. Para o bem e para o mal do que isso possa significar.

22
“Jetom é um francesismo que significa uma espécie remuneratória acessória a qualquer outra
principal, usual para pagar agentes políticos e servidores públicos pelo seu trabalho em funções
particularizadas, como o trabalho em comissões, colegiados ou outros órgãos de deliberação
coletiva. Utilizava-se o jetom para remunerar parlamentares por presença nas sessões do
Legislativo” (CARNEIRO, 2009). (CARNEIRO, Marcos Antônio da Silva. Jetom: burla ao limite de
remuneração do servidor. Revista Consultor Jurídico, 26 out. 2009. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2009-out-26/jetom-burla-limite-remuneracao-servidor-publico-ba>
Acesso em: 05 jan. 2018).
106

[...] É um quadro que eu acho que é frágil e [...] mas efetivamente é o que
temos (SANTOS, 2017).

A Companhia foi dirigida por Carlinhos Santos no ano de 2017. Em


novembro de 2017, o Sr. Joelmir da Silva Neto, que assumiu a Secretaria da Cultura
de Caxias do Sul, informou sua exoneração a partir do dia 30 de novembro de 2017.
Andrea Spolaor foi escolhida como coordenadora artística da Companhia Municipal
de Dança de Caxias do Sul e começou a atuar a partir de 19 de dezembro de 2017.
Andrea Spolaor assume com a missão de desenvolver o calendário de
ensaios e apresentações da Companhia Municipal de Dança e da Escola
Preparatória. Andrea Spolaor já atuou na Companhia como professora entre 2009 e
2011, tem formação em ballet clássico, dança contemporânea e técnicas corporais
chinesas. Atualmente (2017) é acadêmica do Curso de Licenciatura em Dança na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2000, foi a única
brasileira a participar e vencer o XI Concours Internacional de Danse de Paris, na
França. Integrou a Companhia de Dança Palácio das Artes, de Belo Horizonte (MG)
e fez parte do elenco fundador da Companhia Municipal de Dança de Porto Alegre.
Nos dias 10 e 11 de janeiro de 2018 a Secretaria Municipal de Cultura de
Caxias do Sul realizou audição para seleção de novos bailarinos. Como foi explicado
por Carlinhos Santos houve comunicado público (um “chamamento”) publicado no
site da Prefeitura do Município23 com informações sobre a seleção. A seleção teve
duas fases. Na primeira foram realizadas aulas práticas de dança clássica e
contemporânea e na segunda, os candidatos passaram por entrevista. Foram
selecionados 10 bailarinos, dois estagiários e uma lista de cadastro reserva de oito
profissionais.
Em 2019 Matheus Brusa assume a direção da Companhia Municipal de
Dança de Caxias do Sul. Ele é responsável pela direção do desfile artístico da Festa
da Uva 2019 e integrante da equipe de curadoria das atrações locais e regionais do
evento. Brusa levará à Companhia experiências como diretor, coreógrafo, professor,
cenógrafo, iluminador, palestrante e compositor. O profissional já conquistou
diversos prêmios (à frente do Núcleo Artístico Ballet Margô e da Companhia
Matheus Brusa) e também foi jurado do Carnaval de São Paulo em 2018.
23
CAXIAS DO SUL. PREFEITURA MUNICIPAL. Cia. Municipal de Dança seleciona novos
bailarinos. Caxias do Sul: Secretaria Municipal de Cultura, 2017. Disponível em:
https://caxias.rs.gov.br/2017/12/cia-municipal-de-danca-seleciona-novos-bailarinos. Acesso em: 20
jun. 2018.
107

5.2 Os Grupos Independentes

Os grupos foram selecionados a partir de consulta nos sites da Fundação


Nacional de Artes (FUNARTE) do Ministério da Cultura e Secretaria Estadual de
Cultura do Rio Grande do Sul. Os dois grupos registrados nos dois sites citados
foram selecionados para o estudo: a Cia. H e a Eduardo Severino Cia. de Dança.
A Cia. H surgiu em 1995 em Porto Alegre, com direção de Ivan Motta. Sua
proposta inicial era dar mais visibilidade na atuação de bailarinos homens dentro da
cena da dança na cidade. Somente a partir de 1997 a Companhia incorporou ao
elenco bailarinas com a estreia da obra “Mar de Dentro”.
A Eduardo Severino Cia. de Dança foi criada em 2000 por Eduardo Severino
e Luciano Tavares em Porto Alegre. O grupo vem desenvolvendo ampla trajetória de
pesquisa em dança e possuem grande representatividade na dança contemporânea
no estado.

Cia. H
O grupo foi observado em seu ensaio do dia 16 de setembro de 2017.
Estavam presentes o diretor Ivan Motta, a ensaiadora Rossana Scorza e cinco
bailarinos (2 homens e 3 mulheres). Faltaram 2 bailarinos (homens). Conforme o
diretor, os ensaios são marcados conforme possibilidades de presença dos
bailarinos (não existe dia fixo).
Enquanto o diretor conversava rapidamente comigo e aguardava todos os
bailarinos chegarem, os bailarinos que estavam presentes se aqueciam e
alongavam. Sem nenhuma orientação do diretor ou da ensaiadora. Um bailarino que
chegou um pouco atrasado não chegou a se aquecer e foi direto para o ensaio. São
profissionais e certamente sabem dos riscos deste procedimento.
Nesta Companhia, o diretor é o coreógrafo e o grupo não trabalha com
outros coreógrafos. Geralmente companhias deste tipo (independente) trabalham
desta maneira. O coreógrafo/diretor monta seu grupo para trabalhar suas obras.
Existe aparentemente um “vício” de movimentação corporal que identifica o trabalho
do coreógrafo. Se, de um lado, esta forma de trabalho traz a característica de
homogeneidade no corpo de baile, por outro, o elenco apresenta um “vício” de
interpretação. O bailarino não está apto para interpretar um trabalho muito diferente
em termos de linguagem. Este processo inicia na seleção do elenco que, conforme o
108

diretor (entrevista), é realizado por convite e não por audição. O diretor/coreógrafo


seleciona corpos que vão corresponder (esteticamente e tecnicamente) ao seu
roteiro coreográfico. Ao contrário das Companhias Municipais que trabalham com
vários coreógrafos, necessitando de elenco que possam corresponder à diferentes
necessidades coreográficas.
O ensaio foi totalmente “esboçado” e não realmente dançado. Não foi
possível identificar se a razão disto foi a minha presença ou se somente havia pouca
coisa para alinhavar para a apresentação próxima (o trabalho foi apresentado
diversas vezes, inclusive em outros Estados). Outro motivo provável foi a falta de 2
componentes do grupo. Foram corrigidos poucos detalhes da sequência
coreográfica (marcação espacial, tempo musical, acentuação). No final foi
conversado sobre o espaço onde seria a próxima apresentação do grupo e alguns
acertos sobre o figurino.

Figura 17 – Cartaz de divulgação


de espetáculo/Cia. H

Fonte: Centro Municipal de Dança


de Porto Alegre, 2010.

Com direção de Ivan Motta, a primeira produção da companhia foi “HQ-


histórias em quadrinhos”, estreando em 1995, mesmo ano em que a companhia foi
criada. Como já citado, inicialmente a proposta era dar mais visibilidade na atuação
109

de bailarinos homens dentro da cena da dança na cidade e somente a partir de


1997, com a estreia do espetáculo “Mar de Dentro”, as bailarinas foram incorporadas
ao elenco.
Desde sua estreia a Cia H, pautou-se por ser um grupo independente, e
tanto no estilo quanto na temática, preocupa-se em ser abrangente, fazendo uso de
bailarinos cuja formação transita do balé clássico ao moderno, não renegando
nenhuma forma de técnica ou manifestação artística que venham a contribuir
efetivamente. Tem como principais espetáculos até o momento: “HQ-histórias em
quadrinhos” (1995), “Canções sacras e profanas” (1996), “Mar de dentro” (1997), “O
resto é silêncio” (1998), “Speak lown” (2000), “Uns e outros” (2003), “Transitório
constante” (2005), “Pessoas I” (2008), “Pessoas II” (2009), “Pessoas III” (2010),
“Epifania do esquecimento” (2012), “Gran Fuleiro Circus” (2018), entre outros.
Em 20 de julho de 2017, Ivan Motta, diretor da Cia. H, foi entrevistado em
sua residência às 11h. Segundo Dantas (2010), ele estudou Ballet Clássico e
Técnica Graham de 1979 a 1984 em Porto Alegre/RS com Tony Petzold, Walter
Arias e Ceci Frank. Estreou como coreógrafo em 1986 e foi diretor artístico da
Companhia de Balé Mudança de 1900 a 1992. Recebeu o Troféu Açorianos da SMC
de Porto Alegre de melhor coreografo em 1995 e 2000.
Ivan Motta relata que:

[...] a Cia, H surgiu com a união de alguns bailarinos em 1995, pra fazer um
trabalho a pedido da Prefeitura de Porto Alegre. De lá para cá foi se
estruturando sempre para realizar projetos. Nunca houve um compromisso
empresarial, de dias de ensaios fixos, como uma companhia formal. Ela
sempre se reuniu para montar um espetáculo e essa atividade se encerra
depois do espetáculo montado. Aberta a possibilidade de uma nova
temporada, se reúne novamente o mesmo elenco, ou não, normalmente
sempre tem acréscimo de gente, para se estruturar este novo projeto
(MOTTA, 2017).

A Companhia não possui um registro próprio, ela atua através de uma


produtora, a Lucida Desenvolvimento Cultural Ltda. Me.

[...] ela que detém o CNPJ da Cia. H. Então assim, qualquer inscrição em
projetos oficiais da Cia H. é feito através da Lucinda Desenvolvimento
Cultural Ltda. Me., pelo CNPJ dela. [...] Quando é feito a inscrição num
projeto está incluso todos os gastos necessários de pagamento pela
manutenção de um CNPJ, então ela faz pra nós. Então essa é a estrutura
legal da Cia., digamos assim (MOTTA, 2017).
110

Em resumo do que foi esclarecido pelo diretor, a Companhia se organiza em


cima de projetos. A reunião dos bailarinos, ensaios e coreografia se forma a partir de
um projeto elaborado pelo diretor ou para inscrição em edital:

Sempre que há um projeto pra ser realizado é reunido um elenco e é feita a


proposta pra realização desse projeto e, em conjunto se estabelece as
datas de ensaio, os horários de ensaio, e assim por diante. Essa é uma mini
estrutura (MOTTA, 2017).

Conforme Ivan Motta, o elenco é selecionado conforme a natureza do


trabalho a ser desenvolvido, ou seja, os critérios de seleção vão depender do projeto
e do trabalho a ser desenvolvido.

Por exemplo, no ano passado, quando foi feito um trabalho dentro de um


projeto solicitado pra apresentação no Teatro São Pedro, a ideia é que
fosse um trabalho com a base um pouco mais clássica. Então foram
trabalhados com meninas que tem uma formação, que pudesse usar técnica
de pontas. [...] e com meninos com mais formação clássica. Agora que nós
estamos vindo de um programa de circulação da FUNARTE, a proposta era
reunião de dança de rua, dança clássica e dança contemporânea. Então foi
feito isso. No elenco nós temos gente que tem exatamente estes tipos de
formação, porque esta era a proposta e foi assim que nos foi solicitado
(MOTTA, 2017).

Não existe uma audição com critérios pré-estabelecidos. O elenco é todo


convidado a participar do trabalho da Companhia.

[...] eu faço um tipo de seleção, porque eu procuro ver tudo o que acontece
dentro da cidade, todos os tipos de espetáculo, seja a onde for, eu sempre
vou, e sempre fico atento aos elementos que estão em cena. Se um dia eu
precisar fazer este tipo de trabalho, de repente aquela pessoa ali é
interessante. E faço o convite. Se a pessoa está disponível, trabalhamos, se
ela não está disponível, enfim, passo pra uma outra possibilidade, outra
opção. [...] sempre por convite, sempre por convite (MOTTA, 2017).

Entretanto, Motta não considera que trabalha em função de editais. Ele


argumenta:

O edital, na verdade, ele é um fenômeno. É um acontecimento dentro da


trajetória do grupo, não é o objetivo do grupo, não se trabalha pra editais.
Eventualmente tu tem um trabalho que se adapta a alguma solicitação de
edital, e aí tu vai lá e assim: - olha, esse trabalho aqui, que eu tenho, é
interessante em função disso que eles estão pedindo. Mas, assim, nunca se
foi pautado, nunca se fez uma carreira, até mesmo porque isso não dá
certo. Porque se tu faz um espetáculo pensando em edital, se tu não for
111

aceito pra aquilo ali, então tu [...] tua energia, teu tempo, teu recurso
humano e pessoal se foi. Então é mais ou menos isso (MOTTA, 2017).

Quanto à remuneração do elenco, conforme Motta, depende do que está


estabelecido no edital e no projeto apresentado. Não há uma remuneração fixa, ela
depende da verba vinda dos editais ou projetos elaborados junto à Produtora (Lucida
Desenvolvimento Cultural Ltda. Me.).
Também não existe um contrato trabalhista entre bailarinos e Companhia
e/ou Produtora. Os contratos existentes são para um único trabalho e são exigência
de editais. Geralmente são acertos verbais realizados para cada trabalho. Quando é
necessário algum tipo de contrato e/ou documentação, isso fica a cargo da
Produtora.
Por uma questão financeira e de estrutura, o elenco é enxuto. A Companhia
é constituída de seu diretor e os bailarinos (quantidade variada). Desta forma, o
diretor muitas vezes assume o papel do ensaiador, do figurinista, do iluminador, do
cenógrafo, etc. Contudo Ivan Motta não considera esta situação negativa: “eu não
vejo nada de negativo, porque tudo isso faz parte de um conjunto de coisas que tu
assume, que tu tem que tomar conta, pra que as coisas aconteçam. [...] Com minha
realidade quando estou a frente a alguma coisa, eu tenho que me envolver com
tudo, senão a coisa não vai sair”.
Por fim, Ivan Motta admite que, às vezes, passa dois anos sem produzir
nada devido à esta situação. Principalmente por não possuir um elenco fixo e
depender dos bailarinos aceitarem o convite de trabalho no momento da execução
do projeto, pois às vezes eles estão viajando com outra Companhia em outro
projeto.
Ele argumenta que a atual situação política do estado e do país também
está dificultando um pouco as Companhias que tem esta estrutura.

[...] eu estou vendo que alguns apoios institucionais estão se minguando. E


digo assim, financeiro, em termos de espaço, em termos de propostas de
atividades. [...] nós estamos em julho, normalmente a Prefeitura, essa hora
já teria feito umas duas mostras, aquelas mostras de inverno, aquela coisa
toda, não fizeram. Então, assim, eu vejo que existe um momento em que
tudo perdeu um pouco a dimensão, que tá tudo... ninguém tá investindo
muito, principalmente no âmbito institucional (MOTTA, 2017).
112

Ivan Motta explica que a vantagem da Cia. H não ser uma companhia formal
é que ela não tem aquela ânsia, nem a obrigação de ter que produzir um espetáculo
por ano. Ele explica que no início da Companhia tudo era mais simples:

Logo que comecei com o grupo, produzir um espetáculo era muito fácil,
porque tu só ligava pro teatro e perguntava “quando é que tu tem vaga,
quando é que tem dia vago?” Era tudo muito informal. E tu ia lá, e fazia teu
espetáculo, e tu mesmo produzia, tu mesmo fazia a divulgação... Eu fiz
muito disso. Só que, no decorrer dos tempos, e como foi aumentando as
demandas, tu já não pode fazer isso. Tu tem que entrar num edital, pra
pedir data, se tu quiser um teatro publico, em teatro do município, da
Prefeitura. Porque um teatro particular é absolutamente caro. Às vezes, um
dia de aluguel de um teatro é tudo que tu tem de verba de produção. Então,
o Teatro São Pedro, aqui, é 8 mil reais a diária. [...] Aí tu até pode optar,
assim, ou a gente paga os bailarinos, ou a gente paga o Teatro São Pedro.
Então tem de ver essas coisas (MOTTA, 2017).

Fica claro que a Companhia depende de verbas de editais e de leis de


fomento à arte e de concorrência em editais de ocupação de teatros públicos para
desenvolver seu trabalho.

Eduardo Severino Cia. de Dança


Não conseguimos realizar observação das atividades da Companhia. No
momento de marcarmos visita para observação, Eduardo Severino nos informou que
o grupo não tinha data de apresentação e, portanto, não tinham ensaios previstos. O
grupo só se reúne para ensaios quando tem algum projeto ou convite para
espetáculo.
A companhia foi criada em 2000 por Eduardo Severino e Luciano Tavares
em Porto Alegre. Durante este período a companhia vem desenvolvendo uma ampla
trajetória de pesquisa em dança, com uma montagem a cada ano e artistas
convidados para cada projeto artístico.
Possuem grande representatividade na dança contemporânea no estado. A
companhia recebeu financiamentos para algumas das montagens assim como
algumas premiações locais e nacionais e ainda costumam participar de eventos pelo
Brasil e no Exterior. As influências que permeiam o trabalho da Cia de dança são
alguns coreógrafos como Eva Schul, Adriana Grecci, Lu Favoreto, Rosas, Lars von
Trier, e ainda as Artes Plásticas e Questões ambientais. A preparação técnica
utilizada pelos bailarinos são aulas de dança contemporânea.
113

Eduardo Severino representa com sua Companhia uma realidade dos


profissionais da dança, principalmente no RS, a de que o bailarino acaba assumindo
várias profissões (atividades) dentro da Companhia. O profissional, para que a
companhia trabalhe e exista, acaba assumindo os papéis de diretor artístico,
ensaiador, coreógrafo, bailarino, gestor cultural, etc.
Conversei com Eduardo Severino, diretor da Eduardo Severino Cia. de
Dança, em 22 de agosto de 2018, na Casa Cultural Tony Petzhold24, no final do dia
(18h30m), antes de sua aula de dança contemporânea. Severino é coreógrafo,
bailarino, professor de dança contemporânea e desenvolveu vários projetos em
Porto Alegre e no interior do Rio Grande do Sul. Mostrou seu repertório de onze
espetáculos, desenvolvidos como coreógrafo/bailarino, em outros continentes e
países, Carolina do Norte/USA, Rosário/Argentina, Montevidéu/Uruguai,
Assuncion/Paraguai, Hannover/Alemanha, Antuérpia/Bélgica, Santiago/Chile,
Barcelona/Espanha assim como em diversas capitais e interior do Brasil

Figura 18 – Y KÛÁ: O silenciar


de um rio (2006)

Fonte: EDUARDO..., 2011.


Nota: Foto de Lu Mena Barreto.

24
A Casa Cultural Tony Petzhold fica na Av. Cristóvão Colombo, 400, bairro Floresta, Porto Alegre,
RS. CEP 90560-002
114

Faz parte do Núcleo artístico principal da Eduardo Severino Companhia de


Dança e administrou, até final de 2017, a Sala 20925 do Centro Cultural Usina do
Gasômetro26 no Projeto Usina das Artes onde desenvolveu seu trabalho de criação e
apresentações artísticas, aulas regulares, ações coletivas, colaborações,
disponibilizando o espaço para outros artistas/companhias para que
desenvolvessem e mostrassem seus trabalhos. Em 2007, idealizou a Mostra
Movimento e Palavra, reunindo expoentes de várias gerações da dança
contemporânea gaúcha e que está na sua 9° edição, faz parte do grupo de
artistas/Cias que compõe o Cooperação Sul, desdobramento do Coletivo de artistas
de dança da sala 209, coletivo que recebeu o Prêmio Joaquim Felizardo/2009 pela
Secretaria da Cultura do Município de Porto Alegre pelas ações em dança que vinha
desenvolvendo.
Recebeu o prêmio pelo trabalho “A mão mansa do afeto” de 2003 e pelo
trabalho “IN/compatível?” de 2005. Em 2010 recebeu o Prêmio Brasken Em Cena
como melhor bailarino/ator pelo trabalho “Ser Animal” do espetáculo “Dar Carne à
Memória”.
Severino nos esclarece que a Companhia nasceu em 2000, tem, portanto,
18 anos. É uma companhia independente e não possui CNPJ, mas sim uma MEI
(registro de micro empresa). Mas, dependendo do projeto, a Companhia encaminha
para uma produtora e utiliza o CNPJ da produtora. A Companhia tem um núcleo
artístico principal composto de dois artistas, Eduardo Severino e Luciano Tavares. A
maioria das coreografias é elaborada por este núcleo. Outros artistas são
convidados conforme o projeto a ser desenvolvido. O convite é por afinidade
artística, comenta Severino.
Em seu depoimento, Severino comenta que a situação política hoje, no país
e, principalmente no município está muito difícil para a cultura e a arte. O
desenvolvimento do trabalho da Companhia foi diretamente influenciado por esta
situação política cultural. Ele faz referência ao fim do Projeto Usina das Artes,
desenvolvido no Centro Cultural Usina do Gasômetro, onde a Companhia

25
A Sala 209 tornou-se referência de espaço público para a dança contemporânea da cidade de
Porto Alegre em 2007. Ela nasceu dentro do Projeto Usina das Artes na Usina do Gasômetro.
26
A Usina do Gasômetro foi fechada para reformas em novembro de 2017, fazendo com que as
atividades culturais e artísticas do Projeto Usina das Artes e da Sala 209 fossem encerradas sem
previsão de retorno.
115

administrava a Sala 209. A Usina do Gasômetro fechou em 2016 (se mantendo


fechada até hoje - 2019) para reformas e a Companhia perdeu seu espaço.

Quando a gente estava na 209, lá na Usina, no projeto Usina das Artes, a


gente tinha uma estrutura, tinha um chão. Então era mais fácil de se
27
organizar. Era uma sede. Hoje não. Ontem a gente ensaiou lá na ESEFID ,
aí no próximo domingo vai ser lá e no próximo domingo não sei onde,
entende? Eu vou ter que catar espaço. [...] o projeto Usina do Gasômetro
praticamente acabou. Era um projeto que dava sede pra mais de dez
grupos, doze grupos ã proponentes, e mais não sei quantas outras Cias. e
artísticas que estavam juntos com cada Cia. proponente, entende? Então,
assim, era uma montoeira de gente, né. Então porque o dinheiro acabou,
então a gente acabou ficando muito refém também do Estado, com esta
política de editais. Os editais acabaram praticamente, então agora é o
momento da gente se reinventar.
A gente tá tentando se reinventar, mas quase desistindo. Acho que não é
nem desistindo, é quase querendo tomar outro rumo, sabe. Porque é muito
difícil tu chegar nessas alturas do campeonato, uma Cia. independente 18
anos, sem falar que eu tenho 30 anos de dança, o Lu tem quase isso, e
agora a gente tem que voltar do zero, começar do zero praticamente. E
começar do zero, de como era há 20 anos atrás. Entende? Tudo que a
gente construiu, a nossa geração construiu, com políticas, se é que dá pra
dizer que é uma política cultural, mas estas políticas que existiram até
então, foi algo que nós batalhamos batalharam. Isso tudo ruiu.
Então a gente continua sem um espaço de fato, pra desenvolver dança
contemporânea, um espaço físico, continuamos sem um espaço, a
gente continua sem dinheiro. E perdemos teatros também. Então, como é
que a gente faz isso? Sem dinheiro, sem espaço e sem teatro? Tem que se
reinventar mesmo. Agora a questão é, se reinventar e conseguir se
sustentar com essa reinvenção (SEVERINO, 2018).

Como se observa na maioria dos grupos independentes de dança, o diretor


acaba atuando também como bailarino, ensaiador, iluminador, etc. Severino explica
que o espaço na Usina do Gasômetro lhe trouxe oportunidade de desenvolvimento
em outras áreas relacionadas ao espetáculo.

A Usina das Artes foi uma escola. Foi ali que eu aprendi a fazer produção,
divulgação. De fato o que é um espaço multiuso, de administrar um espaço
multiuso, das possibilidades que um espaço assim te dá. Pra um artista,
sabe? Poder botar suas ideias e suas vontades ali.
Eu gosto. Obviamente que, às vezes, eu fico sobrecarregado, assim, porque
eu estou dançando e eu faço tudo isso é porque eu quero dançar, entende?
Apesar de que em muitos momentos eu tenho vontade só de olhar de fora,
e coreografar de fato, dirigir, coreografar. Mas eu quero continuar dançando,
então, em alguns momentos sobrecarrega mesmo, assim, sabe? Mas eu
gosto, eu gosto de ter o controle de tudo.

27
Escola Superior de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS – localizado na Rua
Felizardo, 750, bairro Jardim Botânico, Porto Alegre - RS, 90690-000.
116

Importante salientar que Eduardo Severino é, entre os diretores


entrevistados, o único deles que atua também como bailarino no próprio grupo.
117

6
Formação Profissional
118

6 FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Abordando os elementos de conhecimento profissional e herança da


formação e relacionando com a categoria “formação profissional” estabelecida pelo
presente estudo, as questões que compõem este bloco de análise abordam o início
do entrevistado na área da dança, analisa principalmente questões sobre a
formação de bailarino formal ou informal; suas motivações para a escolha de ser
bailarino; as possibilidades de outra formação e/ou atuação em outra área e; o
momento em que se sentiu um profissional.
Inicialmente se conversou com os bailarinos acerca da formação, tanto
formal quanto informal na área da dança e as motivações para a escolha desta
profissão. Constatou-se nos depoimentos uma modificação, em relação a estudos
anteriores, nas idades de início na dança dos bailarinos masculinos. Normalmente,
conforme Neves (2013), o bailarino homem no Brasil, entraria em contato com o balé
clássico bem mais tarde do que a bailarina mulher, geralmente depois dos vinte
anos, e depois de já ter praticado outras modalidades de dança. Verificamos,
entretanto, que esta realidade vem se modificando. Primeiramente constatamos que
o bailarino tem chegado ao ballet um pouco mais cedo, apesar de ainda ser mais
tarde do que a bailarina. Depois, o primeiro contato com a dança da maioria dos
entrevistados homens foi diretamente com o balé clássico.
Os depoimentos de três dos cinco dos bailarinos entrevistados apresentam
essa tendência:

[...] começou, na verdade, foi através de uma menina da escola, eu me


lembro bem, eu tinha 10 anos, se não me engano, mais ou menos [...] E
daí, um dia ela me convidou pra fazer aula de dança. E daí, eu entrei, fiz a
primeira aula, assim, e a professora da época, que era a Sandra César,
gostou muito de mim, claro, pelo fato de que ela tinha uma escola onde só
tinha meninas e eu fui o primeiro menino a ir na escola dela (PA1h, 2018)
[grifo nosso].

[...] eu comecei com o ballet folclórico, lá de Teresina [...] Eu fui estudar


ballet clássico, estudar dança contemporânea. Isso lá em Teresina. Isso eu
28
tinha 16 anos. [...] Passei dois anos e meio na Cia. Então eu praticamente

28
O Balé Folclórico de Teresina existiu entre os anos de 1997 e 2003. Surgiu da iniciativa da coreógrafa Luzia
Amélia que ministrava oficinas para crianças na comunidade do Macacau, também conhecido como bairro São
João em Teresina, Piauí. O grupo recebeu apoio da Prof. Cecília Mendes, coordenadora à época da Fundação
Cultural Monsenhor Chaves, e o projeto de criar uma companhia que pesquisasse as manifestações folclóricas
piauienses foi levado ao então prefeito Firmino Filho em 1996. Posteriormente o Balé Folclórico mudou seu
nome para Balé de Teresina, projeto que desenvolve atualmente um conjunto de ações como ONG em
Teresina. - BALÉ Folclórico de Teresina. WIKIDANCA.NET, 2012. Disponível em:
http://wikidanca.net/wiki/index.php/Bal%C3%A9_Folcl%C3%B3rico_de_Teresina. Acesso em: 11 abr. 2019.
119

comecei dançando direto. E aí, logo depois, que eu sai, eu fiz audição o
29
Balé da Cidade , onde eu tive a formação de dança contemporânea e
técnico, foi lá que eu passei cinco anos e o trabalho era totalmente na
dança contemporânea. [...] depois veio o técnico de dança de salão, que eu
também fiz, então isso foi tudo paralelo á Cia. e quando eu sai da Cia. eu
fiquei realmente só com a dança de salão. E aí fui me aperfeiçoando mais
pra professor, [...] o curso pra professor, não mais como bailarino, pra ser
professor de dança de salão. O que me trouxe pra cá [Rio Grande do Sul]
foi a dança de salão. (PA2h, 2018) [grifo nosso].

Na verdade a minha formação como bailarino foi passando por vários


professores. Eu comecei a fazer ballet aos 14 anos. (ES1h, 2018) [grifo
nosso].

Os depoimentos das bailarinas corroboram esse senso comum das


mulheres iniciando mais cedo sua formação. Selecionamos três depoimentos que
ilustram esse início ainda como crianças em escolas de dança:

Iniciei meus estudos em dança com o ballet clássico em 1996 com 6 anos
de idade em uma escola de dança, a partir disso segui sem interrupções até
hoje! (CS1m, 2018) [grifo nosso].
30
[...] comecei na escola de ballet Marina Fedossejeva em 1972, com 6
anos. Ali não teve escolha, ali foi a mãe que colocou, né. (CH1m, 2018)
[grifo nosso].

Eu me formei no ballet Lenita Ruchel. Fiz desde pequenininha, entrei lá na


escola com 9 anos de idade e fiquei até os 21. Então fiz toda minha
formação de ballet lá. Não fiz faculdade de dança. O que eu fiz é isso.
Tenho muita experiência, com vários grupos, várias companhias, vários
diretores, então acredito que seja informal a minha formação. Fora essa
coisa da escola de ballet, que tem toda essa formação, com vários exames
da Royal Academy of Dance. (CH2m, 2018) [grifo nosso].

Nestes depoimentos se constata que há homens que estão entrando na


dança bem mais cedo (10, 14 e 16 anos) do que antigamente (dos 20 anos em
diante – conforme Neves), às vezes ainda criança, e diretamente no balé clássico.
Talvez se apresente neste fato uma mudança de postura social e do bailarino frente
ao preconceito quanto à profissão artística, principalmente na dança.

29
Balé da Cidade de Teresina - O Balé da Cidade de Teresina é uma companhia pública de dança
contemporânea, mantido pela Prefeitura de Teresina, através da Associação dos Amigos do Balé da Cidade
de Teresina e Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves, o Balé tem importante papel na difusão e
crescimento da produção em dança em Teresina desde a sua criação, sendo referência em formação
artística e com seus espetáculos. – TERESINA. FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA MONSENHOR
CHAVES. Balé da Cidade apresenta temporada de “Corpônica” no Parque da Cidadania. Teresina: Prefeitura
Municipal, 2019. Disponível em: http://fcmc.teresina.pi.gov.br/bale-da-cidade-apresenta-temporada-de-
corponica-no-parque-da-cidadania/. Acesso em: 11 abr. 2019.
30
Em Porto Alegre Marina Fedossejeva estabeleceu uma escola de dança que muito contribuiu para o ensino e
divulgação do ballet, principalmente através do método russo, pois Fedossejeva havia estudado na Rússia
com a importante maestra Agrippina Vaganova (ALBA, 2002).
120

Quanto à profissionalização, indagamos a respeito do momento em que o


bailarino se sentiu profissional, buscando apreender o que é ser profissional para o
bailarino entrevistado. Isso porque encontramos na teoria da sociologia da profissão
duas vertentes: a abordagem do monopólio do conhecimento como essencial na
profissionalização e a defesa do monopólio das práticas profissionais Verificamos
que no Brasil o conceito do termo “profissão” tem sido alvo de reflexão, pois,
segundo a CBO/2002, profissão é um conjunto de regras de acesso, sancionado por
um diploma de nível superior, possibilitando o ingresso em determinados tipos de
trabalho. É definido, portanto, pelo seu conhecimento e competência escolar e não
por suas competências no exercício de sua atividade laboral. Entretanto, quando se
analisa as artes, a realidade se modifica, como verificamos nas afirmações de
Heinich (2005) sobre o status do artista ser protegido por títulos e certificados de
outro tipo que não acadêmico, sendo que a notoriedade, consagração e
reconhecimento do artista passam pela consistência do seu percurso artístico.
Autoras como Navas (2010) e Strazzacappa (2006) discutem o quão frequente é o
ingresso de alunos em cursos superiores de dança que possuem competência
técnica de dança e que frequentemente já atuam como bailarinos profissionais.

Realmente foi no meu primeiro contrato. Porque a primeira companhia


que eu dancei, ainda passei seis meses ali, dançando pelo grupo. Nove
meses no total, porque eu passei três meses de preparação, pra depois
entrar realmente, fiquei como bolsista, estagiário, e aí ser efetivado como
bailarino. Então eu passei esses nove meses dançando, estudando,
fazendo aula aqui e ali, a gente também tinha aula teórica... [Como
estagiário] a gente recebia um valor de 60 reais, mas ali eu tinha realmente
um contrato como bailarino. [...] O DRT eu fiz aqui. Lá não exigia, agora já
exige. (PA2h, 2018) [grifo nosso].

Eu comecei a me identificar como profissional da dança a partir da medida


que eu comecei a receber pelo que eu fazia, a ganhar. Eu comecei a
ganhar cachê e isso me deu uma certa subsistência. Comecei a ganhar
cachê com o Ivan, na Cia. H., e com a Simone, no Sal da Terra também. [...]
(ES1h, 2018) [grifo nosso].

Também encontramos no levantamento teórico a definição pertinente de


Throsby (2001) que afirma que o profissional artista é o indivíduo que domina
competências artísticas, que cria ou dá expressão a trabalhos de arte ou de
conteúdo cultural (ou seja, de valor simbólico), que se percebe como artista
(identidade auto-atribuída), que é reconhecido por pares e público como tal e que é
121

capaz de viver com o produto de seu trabalho. Reconhecemos alguns pontos desta
definição nos depoimentos dos entrevistados.
Alguns entrevistados ainda apontam uma indicação de se sentir profissional,
ainda que não necessariamente atrelado à remuneração, mas estarem atuando em
meio ao seu processo de formação.

Quando eu tinha uns 13, 14 anos, fui convidada pra dançar num grupo que
não era bem profissional, porque a gente não recebia pra dançar. Mas era
profissional no sentido de que saia da escola e a gente ia se
apresentar, não só em festival, não só em espetáculo da escola, mas
também a gente viajava pra outros festivais nacionais. Então, pra mim, esse
foi um primeiro passo de me sentir mais profissional (CH2m, 2018) [grifo
nosso].

Eu acho, que muito mais do que o receber um salário, um cachê, eu


acho que é essa construção, de um trabalho em dança. Porque eu me
senti pela primeira vez profissional de dança quando eu comecei, não só
fazer aula de dança, mas sim, criar trabalhos, me apresentar, viajar. E,
claro, que o financeiro acaba vindo junto. Porque a minha profissão é
artista, quer dizer que eu recebo pra fazer arte. (CS2m, 2018) [grifo nosso].

Entretanto, em alguns depoimentos se verifica a importância que o bailarino


atribui a postura, disciplina, compromisso, que identifica a vida profissional.
Consideram o fato da remuneração importante, mas destacam que profissionalismo
é uma atitude de vida. Alguns comentam sobre o fato de serem bem jovens quando
se sentiram profissionais, seja pela postura e/ou por terem recebido cachê pelo
trabalho. De fato, o diploma acadêmico em dança não é considerado imprescindível
por nenhum dos entrevistados e os que entraram na faculdade já atuavam como
profissionais da área.

[...] a minha atitude, tudo o que eu fazia sempre foi pensando como
profissional. A única coisa que difere, hoje em dia, é que eu sou pago, mas
a minha atitude sempre foi pensando como um profissional (PA1h, 2018)
[grifo nosso].

Eu acho que o fato de ter a DRT é importante sim, é um reconhecimento


maior. Eu tive DRT desde 80, 81, mais ou menos. Mas ser profissional
independe de tu ter um título, ou de ter uma faculdade. Ser profissional é
uma atitude de vida. Então eu me sinto profissional e não ganho, por ser
profissional na dança, como eu acho que deveria, mas eu tenho uma atitude
profissional desde muito cedo, desde que eu comecei com a dona Marina,
[Fedossejeva] lá no início, ela exigia uma postura, uma disciplina, um
compromisso, que é a vida profissional. Eu me sentia profissional. Eu hoje
olho pra trás e vejo que desde muito cedo eu tive uma exigência
profissional. Agora, ganhar e receber pela sua atividade é muito importante
122

e isso é uma luta que a gente tem que fazer sempre porque a gente não
recebe dignamente pelo que faz (CH1m, 2018) [grifo nosso].

Eu sou bailarino profissional há mais de 20 anos, desde 1997. Eu tenho


registro profissional do SATED, como bailarino profissional que foi feita em
1997, em função de que eu fui convidado pela Lenita Ruchel, para dançar
um espetáculo do Luis Arrieta, e que pra poder se apresentar todos os
bailarinos tinham que ter registro profissional. A questão do
profissionalismo nem é tanto pela questão financeira, mas mais por
uma questão de satisfação pessoal, aquela autoconfiança que o artista
tem de dizer que é artista. Porque é uma arte, é uma postura, tanto que
vários trabalhos que a gente, eu e o Eduardo, a gente fez, a gente fez sem
dinheiro, a gente fez pelo amor. (ES1h, 2018) [grifo nosso].

[...] trabalhei com Valério Césio com o Núcleo Dança. E com ele sim, eu
tive... acho que foi realmente o início da vida, do entendimento da vida
profissional de um artista, foi com ele. Foi o tempo que eu mais me
dediquei, que eu só fazia isso. Estudava, enfim a gente tem que compor a
vida, eu tinha 16, 17 anos. E comecei ali, e daí formalmente a gente recebia
cachê por apresentação, que é o que todo mundo recebe. Quer dizer, se
dava pra viver disso? Não, não dava, não dá até hoje, mas foi o início do
entendimento do que é ser um profissional. (CH1m, 2018) [grifo nosso].

Importante destacar o comentário de alguns sobre terem se considerado


profissionais a partir da participação e aprovação em seleção de elenco para um
grupo ou companhia nacional ou internacional e\ou a partir do fato de estarem
simplesmente atuando junto com um elenco, ou ambiente, considerado profissional
pela comunidade da área. Isso independente de ganho financeiro. Como podemos
constatar teoricamente, o status do artista é protegido por títulos e certificados de
outro tipo que não acadêmico. A notoriedade, consagração e reconhecimento do
artista passam pela consistência do percurso artístico como: a trajetória artística
(participação em concursos, prêmios); número e tipo de exposições realizadas;
internacionalizações; reputação das galerias, museus, teatros, coleções onde o
artista participa; capital social (redes de relações privilegiadas); visibilidade; tempo
de dedicação e entrega à arte; e coerência e homogeneidade do percurso.
Observamos este reconhecimento artístico em alguns depoimentos.

[...] que momento eu realmente achei que eu era profissional, eu acho que
foi quando eu vim a Porto Alegre, eu sai do interior e vim a Porto Alegre e
passei num projeto que eu fiz, que foi “Da carne a memória”, que foi um
projeto da Eva Shul, [...] Quando eu vim a Porto Alegre, quando eu
comecei, na verdade, a ter mais contato com pessoas que são
profissionais aqui, conhecidos, né, enfim... Mas hoje, tem também a
questão do registro. Então o registro também diz, se firma que tu é
profissional da dança. Mas foi engraçado que, até agora pensando, quando
eu fiz o meu registro foi justamente quando eu entrei nesse projeto. Porque
daí eu precisava, era obrigatório ter. E daí todo mundo do grupo se reuniu e
fez o registro (PA1h, 2018) [grifo nosso].
123

Acredito que desde a minha entrada na Cia me considerei profissional


principalmente por ter passado por uma seleção, que no caso, me
julgou capacitada para cumprir com as exigências instituídas por um Cia
profissional de dança. Em segundo plano por existir uma remuneração fixa
e poder disponibilizar do meu tempo inteiramente para isso. A graduação
como citei anteriormente, foi complementar. (CS3m, 2018) [grifo nosso].

Depois disso, o outro degrau que eu enxergo foi quando eu comecei a


dançar com a Cia. H. Até então eu só tinha tido experiência do grupo que
saiu da escola. E comecei a dar aula. Eu não enxergava o “dar aula” como
um “ser profissional”, agora óbvio que é, só que é uma outra parte do
profissional que a gente exerce. Eu tenho [registro profissional] de bailarina
e de atriz. (CH2m, 2018) [grifo nosso].

E também participei do Concurso Internacional de Paris. E ganhamos o


segundo lugar, eu e a Andrea Spolaor. E, a partir daquele momento, eu
realmente senti que eu era um profissional, porque eu fui tentar a vida lá
fora. Eu fiquei na Europa tentando fazer audições em companhias de dança
em que eu pudesse dançar e poder ganhar pelo meu trabalho. Eu dancei
no Ballet Clássico de Madrid, depois eu dancei na Companhia de
Bailado Contemporâneo Portuguesa. Foi nessas duas companhias que
eu dancei, fora do Brasil (ES1h, 2018) [grifo nosso].

Os entrevistados afirmam que a postura, disciplina e compromisso tem


grande importância e também identifica a vida profissional para o bailarino. Eles
confirmam que o “profissional” passa pelo: sentido intrínseco da atividade (valores);
tempo e intensidade de dedicação; e instâncias de reconhecimento e consagração
(prêmios, audições, concursos e outros). Também podemos verificar que o período
de formação geralmente se confunde com o da profissionalização, principalmente
entre as mulheres bailarinas.
Os entrevistados foram ainda questionados quanto à formação em outra
área de atuação profissional. Constatamos que muitos procuraram formação
acadêmica em outras áreas porque não tinham acesso aos cursos específicos de
dança, recorrendo geralmente a curso com alguma aproximação à arte da dança
como Artes Cênicas, ou com aproximação na formação corporal e atividades físicas
como Educação Física, ou ainda, por saúde do corpo como Fisioterapia e ensino
como Pedagogia.

Na área acadêmica, iniciei o curso de fisioterapia por 3 semestres, migrei


para educação física por 6 semestres até a abertura da graduação em
dança na UCS, pelo qual tive minha formação acadêmica no ano de 2016.
(CS1m, 2018) [grifo nosso].

Tenho o curso de educação física. Eu fiz na Unisinos. Na época foi o curso


que mais se aproximava, não tinha dança ainda. Enfim, era a única opção
mais próxima do corpo que eu tinha. Até pensei em fazer faculdade de
teatro, mas eu não trabalhava com teatro ainda. Depois até fiz vestibular pra
124

teatro, mas não passei. Não passei na prova, no teste específico se passa,
mas daí a prova na UFRGS é mais difícil. (CH2m, 2018) [grifo nosso].

Sou assistente de coordenação da Escola Preparatória de Dança da Cia.


[de Caxias do Sul], projeto que trabalha com arte educação com foco na
dança contemporânea no contra turno escolar. Atuo como professora de
dança a mais de 10 anos. Inicialmente comecei no ensino da dança por
necessidades financeiras, buscando outros meios de sustento sem me
distanciar da dança. Posteriormente dar aulas se tornou tão importante
quanto atuar como bailarina. Invisto muito no estudo sobre o ensino da
dança, curso faculdade de pedagogia e sigo dando aulas em projetos
sociais e escolas não formais de dança. (CS1m, 2018) [grifo nosso].

Alguns, entretanto, sentiram a necessidade de formação e atuação em


outras áreas (como Administração, Biblioteconomia, entre outros) para garantirem
sustento.

Eu sou licenciada em ciências pela PUCRS, sou administradora de


empresas também e depois fiz um pós na área de gestão imobiliária.
Realmente, o meu sustento vem daí, e não da dança. Como administradora
que eu trabalhei sempre, e em escritório. Então a dança e a administração
sempre estiveram juntas, se fomentando, pra mim poder dançar. Nunca
consegui estar só dançando e viver da dança. Não aqui. (CH1m, 2018)
[grifo nosso].

[...] um pouco de descontentamento com o futuro da minha profissão, eu


resolvi fazer o curso de Biblioteconomia. Já estou formado. Eu fiz esse
curso justamente porque é outra possibilidade de renda. [...] Fiz mestrado
em Artes Cênicas. Justamente, agora que eu fiz o mestrado, eu já vinha
pensando nisso, eu tenho interesse em seguir a carreira acadêmica, dar
aula em universidade. Que seria um paralelo com a profissão de bailarino,
porque conseguir sobreviver como bailarino agora está muito difícil, bem
complicado. (ES1h, 2018) [grifo nosso].

Esta realidade nos remete aos teóricos Freidson, Chamboredon e Menger


(1986) que afirmam que, poucos artistas sobrevivem da arte e geralmente são
obrigados a exercer outras atividades econômicas para garantirem seu sustento,
diferentemente de profissionais de outras áreas, como médicos, engenheiros e
advogados. Nos próximos capítulos essas questões serão aprofundadas ao
discutirmos sobre atuação e carreira.
125

7
Atuação Profissional
126

7 ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Os elementos de identidade no trabalho no processo de construção da


identidade profissional, relacionados com a categoria “cotidiano profissional”
estabelecida pelo presente estudo estão neste bloco que apresenta questões acerca
do dia-a-dia na profissão; valorização do profissional, reconhecimento e preconceito,
realização na profissão, opinião acerca dos espaços de atuação e oportunidades de
mercado de trabalho, além de reflexões sobre o risco que recentemente a profissão
correu frente ao questionamento, trazido pela ADPF 293, da obrigatoriedade do
diploma ou de certificado de capacitação para registro profissional (DRT) no
Ministério do Trabalho, como condição para o exercício das profissões de artista e
técnico em espetáculos de diversões.
As considerações acerca do cotidiano profissional, ou seja, do dia-a-dia na
profissão, esclarecem principalmente sobre a diferença entre o trabalho nas
companhias municipais e os grupos independentes. O elenco das companhias
municipais, como verificado nas entrevistas com seus diretores, tem uma rotina
semanal de aulas e ensaios, além de uma agenda regular de espetáculos. Nos
grupos independentes, por outro lado, o elenco se encontra para ensaio somente
quando existe alguma data de apresentação e para criação e composição de
coreografias quando elaboraram projeto e estão inscritos e concorrendo em algum
edital. O relato selecionado a seguir, de uma bailarina que atuou em uma companhia
municipal antes de iniciar no grupo independente, compara estas duas realidades:

[...] Então a Cia. H não tem uma preparação própria, como na


Companhia Municipal, que os bailarinos se encontram todos os dias de
manhã, fazem aula nas primeiras duas horas e nas segundas duas horas
ensaiam. Então, quando eu estava na Companhia Municipal, eu não
precisava me preocupar com a minha preparação física. Mas se é
algum outro grupo que se encontra só pra criar, que existe este outro tipo de
grupo. Quando a gente trabalha com projetos, tipo a Cia. H, que trabalha
por projetos, a Muovere também é por projetos, então a gente se encontra
pra criar. Daí a preocupação do bailarino. É responsabilidade do bailarino
a preparação física. A gente sempre tá preocupado em fazer aula, em
manter o corpo (CH2m, 2018) [grifo nosso].

Encontramos uma bailarina que, temporariamente, não estava atuando no


seu grupo, apesar de ser considerada do elenco. A preocupação desta bailarina é
como manter o corpo em forma para a atividade física da dança, já que ela está
afastada da Cia. H por estar grávida (de seis meses). Por estar afastada dos palcos
127

ela não recebe cachê ou alguma verba dos projetos do grupo. Esta profissional
consegue se manter com seu trabalho em seu próprio espaço de dança (Espaço N),
onde ela dá aulas de dança e teatro.

A gente sempre tem algumas preocupações que é estar preparando o


físico. E manter o corpo em todos os sentidos. Porque a preparação física
não é só fazer aula, mas sim se alimentar bem, se preocupar também com
o pós atividade física, que, depois de um tempo, começou a se tornar bem
importante na minha vida, porque eu descobri que eu tenho uma lesão no
quadril. Então se eu não relaxo a musculatura, se eu não faço uma soltura
facial, se eu não tenho um massageador em casa, bolsa de água quente,
pomadas, anti inflamatórios pra quando precisa... tem esse outro lado... Em
2016 também fiz parte da Companhia Municipal de Porto Alegre. Mas na
Cia. H, a gente trabalha por projetos, é temporário o trabalho da Cia. H.
Então, normalmente a gente acaba no início do ano começando o trabalho.
Esse ano que tive essa pausa [a bailarina está grávida], a galera
começou a se encontrar no início do ano pra ensaiar, pra apresentar agora
o “Gran Fuleiros” (CH2m, 2018) [grifo nosso].

Além dessa preocupação, expressa por muitos, com considerar necessário


ensaiar todos os dias para garantir a preparação física, o que nem sempre se mostra
viável aos bailarinos de grupos independentes, os relatos das rotinas de aulas e
ensaios explicita um cotidiano que alia atividades extras ou anexas bem como de
continuidade de sua formação. Os relatos a seguir ilustram estas questões:

O dia-a-dia na profissão hoje, aos 52 anos, que é diferente de aos 30, do


que aos 20. Eu dou aula ás terças, quartas, quintas e sextas. Dou uma aula,
duas aulas por dia e aproveito esse horário, não só pra que eu também me
exercite, mas usufrua um pouquinho do estúdio, tudo mais e me coloque em
dia. Estudo dança na faculdade, que estou terminando o TCC. A Cia, H, ela
não tem o perfil de te dar aula, alguma coisa assim. Eu hoje estou
trabalhando na Cia. H, já fui bailarina, desde o início, desde muito tempo
com o Ivan, mas hoje eu estou trabalhando como ensaiadora nos últimos
dois trabalhos do Ivan (CH1m, 20018) [grifo nosso].

Com a Cia. do Eduardo Severino não tenho ensaiado todos os dias. Eu


vinha fazendo aula de dança contemporânea, mas com a função de ter
entrado no mestrado, me afastei um pouco e acabei parando. Agora voltei a
fazer aula de ballet, estou fazendo aula de ballet. [...] Eu faço aula de ballet
duas vezes por semana. Estou dando aula de ballet clássico, segundas e
quartas, duas vezes por semana e estou dando aula de dança
contemporânea uma vez por semana. E ensaio, a gente costuma ensaiar
quando tem apresentação, quando tem uma data prevista [para
apresentação]. (ES1h, 2018) [grifo nosso].

Ambos os relatos também remetem à lógica de projetos que os grupos


adotam. Isso também significa que no caso dos grupos o elenco recebe a
remuneração por cachê, o que a princípio difere da lógica das companhias que
trabalham com remunerações regulares (salários).
128

A dependência de projetos, editais de verbas e remuneração por cachê é


uma realidade que atualmente é enfrentada também pela Companhia Municipal de
Porto Alegre, conforme esclareceu seu diretor. Ele relatou que no ano de 2017, os
bailarinos começaram a receber também cachê, em função da situação da
Companhia de não ter liberada verba para uma continuidade tranquila do trabalho
(TOMAZZONI, 2017). Constatamos uma situação de não regularidade no
recebimento de remuneração no depoimento de um dos entrevistados. Tal problema
pode ser pela lógica de pagamentos por cachê ou estar relacionado ao fato de nos
últimos anos ter sido recorrente o parcelamento de salários do funcionalismo público
municipal e estadual no RS.

Trabalho com dança. Hoje estou dando aula também. Se não tivesse [esse
sacrifício] que nós temos, com relação ao Governo, de nunca ser
[pontual] realmente com as datas, de realizar o pagamento, a gente
sempre recebe... por exemplo, agora que a gente encerrou o nosso
contrato, a gente está renovando, a gente vai passar mais dois meses
trabalhando sem receber... se não houvesse isso, que não houve no
primeiro ano. No primeiro ano foi realmente bem regrado, certinho todo
o mês. Com isso, daria sim pra se manter. Então as aulas, na realidade,
seriam um extra, hoje em dia na verdade, ela está realmente ajudando, por
esta questão governamental, de não ter tanto empecilho pra poder
conseguir liberar o dinheiro pra gente receber em dia. Mas o valor em si,
específico, dá pra se manter. Ainda mais eu, que sou uma pessoa solteira,
moro sozinho, não tenho família. É mais baixo [custo de vida em Teresina],
moradia principalmente, aqui é bem alto. (PA2h, 2018) [grifo nosso].

Como afirmou Neves (2010) a sobrevivência dos bailarinos é “de cachê em


cachê, de projeto a projeto, sendo que o valor dos salários recebidos, de modo
irregular, é não só irrelevante como desproporcional ao tempo e ao trabalho
despendido nos grupos e companhias”. Mais que isso, a quase totalidade dos
entrevistados possui outro trabalho, sendo que esta outra fonte de renda pode ou
não estar de alguma forma relacionada à dança. Um dos raros casos foi transcrito
abaixo, mas ainda assim, a bailarina descreve esta dedicação exclusiva como algo
recente.

Meu trabalho como bailarina é, no momento, inteiramente dentro da Cia


Municipal de Dança, de segunda a sexta das 8h30min às 13h30min, fora
espetáculos. Até ano passado trabalhava em alguns projetos
independentes também, mas como esse ano decidi me envolver por inteiro
com a Escola Preparatória de Dança da Cia. não foi mais possível abraçar
outros trabalhos de dança (CS1m, 2018) [grifo nosso].
129

Podemos constatar pelos depoimentos que a maioria dos entrevistados atua


em mais de um grupo, geralmente trabalham em uma companhia municipal e em um
grupo independente.

Como bailarino eu danço na Cia. Municipal de Porto Alegre, danço na


Ânima Cia. de Dança, da Eva Shull, e danço na “Malma” Cia. de Dança, em
Novo Hamburgo. E a maioria das Cias. que eu trabalho, a Ânima e a
Malma, principalmente, trabalham com projetos específicos. Então, eu sou
bailarino dessas Cias., mas eu só vou receber quando tiver um projeto.
Já a Cia. Municipal de Porto Alegre é muito importante justamente, pra
classe de bailarinos, porque é diferente. É uma Cia., que ela é. Não é
por verba, é salário e não é por verba. Então, isso intensifica a nossa
profissão, né, intensifica que nós somos bailarinos e que nós fazemos, né,
parte disso, dessa Cia. (PA1h, 2018) [grifo nosso].

Eu estou trabalhando como bailarina num outro trabalho que é o “Das tripas
sentimento”, que é um projeto que está acontecendo desde setembro.
Então, esta é outra característica do povo da dança, se trabalha, quem
não tá numa companhia formal, que tem uma aqui ou duas, o resto
trabalha por projeto. Tem projeto, faz projeto, termina projeto, arranja
outro projeto, recebe por projeto, se recebe. (CH1m, 2018)

Assim, evidencia-se a partir destes relatos, que o bailarino para continuar no


ofício, tem que se desdobrar para compensar, com retorno de bilheteria, os
contratempos na obtenção de verbas que dependem de leis de incentivo e da
subvenção estatal que mantêm esses grupos. Mesmo nas companhias patrocinadas
pelo Estado ou Município, o bailarino enfrenta situação de instabilidade.
Trata-se também de um ambiente de instabilidade (de grupo) mesmo nas
Companhias, pois são lançados editais de seleção de profissionais bailarinos
anualmente, modificando a composição do corpo de baile e, portanto, todo o
ambiente profissional de trabalho. Neste estudo, exemplificando o exposto, iniciamos
entrevistas na Companhia Municipal de Dança de Caxias do Sul no final de 2017,
iniciando com o diretor Carlinhos Santos, e em 2018, quando deveríamos realizar
entrevistas com os bailarinos, já havia modificado todo o ambiente de trabalho com a
exoneração de seu diretor e abertura de seleção para 10 bailarinos para compor o
corpo de baile. Acompanhamos um dia de atividade nesta Companhia, com aulas e
ensaios em agosto de 2017 e, para dar continuidade ao estudo, na observação
seguinte, em 2018, encontramos um ambiente bem diferente de atividades. Na
finalização das observações desta Companhia em 2019, o ambiente havia se
modificado novamente com a entrada de nova direção artística. Verifica-se que a
direção artística nesta Companhia específica, se modifica anualmente. Desta forma
130

verificamos uma mudança no ambiente de trabalho destes profissionais nestas


Companhias ao longo do período de pesquisa, o qual foi considerado normal dentro
do modo de funcionamento das mesmas.
Constatamos nas observações das atividades dos grupos, a diferença de
estrutura de trabalho entre as companhias municipais e os grupos independentes,
reforçando as informações dos depoimentos dos diretores. As companhias mantém
uma rotina de ensaios e aulas independentes da agenda de espetáculos. As
atividades são sempre acompanhadas por profissionais que apoiam todo o trabalho,
como coordenação, direção, professor e coreógrafo. As companhias apresentam um
corpo de baile aparentemente mais coeso e equilibrado tecnicamente. Isso reflete no
trabalho com o coreógrafo. Os bailarinos estão geralmente bem preparados para
trabalhar com qualquer coreógrafo que for contratado pela direção.
Os integrantes dos grupos independentes, por outro lado, se reúnem apenas
para ensaio e quando existe uma data confirmada de apresentação de espetáculo
ou roteiro de apresentações de projetos. Eles não costumam fazer aulas técnicas
juntos. Cada bailarino providencia suas aulas e são responsáveis pela manutenção
física e técnicas de seu corpo. O trabalho coreográfico acaba dando resultados
positivos na criação e no palco, aparentemente porque a seleção dos profissionais
bailarinos é feitos por convite. Geralmente o diretor\coreógrafo conhece o trabalho
do bailarino, sendo que, não raro, mantém relações de amizade fora do ambiente de
trabalho. O elenco, portanto, trabalha sempre com o mesmo coreógrafo,
desenvolvendo uma compreensão da linguagem artística de criação.
Outro aspecto interessante encontrado foi o fato de os bailarinos, de uma
maneira geral, estarem atuando, ou terem trabalhado, em mais de uma companhia
e\ou grupo, ou seja, os profissionais bailarinos circulam entre as companhias e
grupos. Este aspecto e o fato, descrito pelos diretores dos grupos independentes, da
seleção do elenco ser realizado através de convite nos leva ao exposto por Borges
(2008) que afirma que geralmente a carreira artística está baseada numa “profunda
identificação dos indivíduos com a sua profissão, com o conteúdo das suas tarefas e
com o estilo de vida que lhe é inerente, mais do que com a organização onde
trabalham”, sendo que normalmente os artistas movimentam-se em redes de
relações e associações informais, lutando contra as incertezas da profissão e
assumindo os possíveis riscos da profissão.
131

A situação de instabilidade no mercado de trabalho se confirma no fato de


não ter sido possível a realização de observação dos trabalhos de um dos grupos
independentes (Eduardo Severino Cia. de Dança), por não estarem se reunindo para
criação e ensaio devido à falta de trabalho e projetos culturais na área de dança.
Toda a situação descrita pelo diretor aponta para as dificuldades de espaço, trabalho
e valorização da arte da dança no Estado, e converge com as falas dos bailarinos.
Questões teóricas e dados advindos da base do Ministério do Trabalho
foram discutidos na seção 3.3. Embora os dados sejam contraditórios, indicando
número muito menor de bailarinos do que os identificados nesta pesquisa, por
exemplo, possivelmente pelo registro de profissionais bailarinos com
enquadramentos de outros tipos de pessoa jurídica, não vinculados à dança, foi
possível contextualizar o mercado da dança para a análise das entrevistas.
Ao mesmo tempo, que esse contexto indica uma baixa empregabilidade, o
cenário econômico e político, que é citado nas entrevistas de diretores e bailarinos,
parece reforçar um momento particularmente difícil para os bailarinos profissionais.
Os depoimentos que se seguem confirmam uma situação, principalmente de
mercado de trabalho, bastante difícil no contexto profissional atual do bailarino.

Estamos em tempos complicados, onde parece que devemos estar


sempre nos contentando com pouco e em silêncio. Acredito que não
existe o espaço ideal, principalmente incentivo financeiro. Poucas
oportunidades que estados e municípios oferecem de incentivo por projetos
ou patrocínios infelizmente vem cada vez mais sendo defasados. (CS1m,
2018) [grifo nosso].

A indicação de momento difícil se exprime em outros depoimentos, onde o


foco é na questão de formação de público que frequente estes espetáculos
produzidos pelas companhias de dança assim como dificuldades de disponibilidade
de equipamentos culturais.

Sempre a gente acha difícil, porque as pessoas não consomem muito


dança. Já consomem pouco teatro. Mas música, um show de música, um
teatro, um cinema, são muito mais consumidos do que dança ou do que
uma exposição de arte. E agora está sendo bem difícil a situação. Mas
eu tenho percebido também outro movimento que é da galera da dança
justamente buscar lugares alternativos, buscar um outro formato de
espetáculo. [...] fazendo espetáculo pra ir pra rua, usando outras linguagens
[...] pegar uma música da moda e fazer coreografias mais simples, mais
acessíveis. Eu acho que isso tá crescendo bastante aqui em Porto Alegre.
(CH2m, 2018) [grifo nosso].
132

Aqui no estado e em Porto Alegre, eu acho que está bem restrito, está
mais fechado. Essa experiência que a gente teve na Sala 209, da Usina do
Gasômetro, a gente fazia muita coisa ali, a gente estava sempre ativo. A
gente trazia pessoas pra se apresentar lá, ensaiar, e a gente fazia
atividades, mostras e, até mesmo, espetáculos, a gente criava, mais de 4
espetáculos a gente criou lá na sala, lá na Usina do Gasômetro. Então isso
nos deu essa capacidade de poder criar mesmo sem uma verba
consistente. Aquilo ali era um mercado de trabalho que era bem potente.
Então esse mercado de trabalho que a gente teve era um mercado de
trabalho que estava localizado ali na Usina do Gasômetro, aquele foi o
nosso nicho. Agora, depois que a gente saiu dali, eu acho que está muito
restrito, está muito pequeno, porque a gente tem os teatros da cidade pra
dançar e trabalhar e alguns poucos editais pra participar e concorrer e
possivelmente ganhar. [Na época da Usina do Gasômetro] a gente tinha
uma rotina e a gente podia estar em temporada o tempo que a gente
quisesse a gente não dependia de pauta em teatro pra se apresentar, a
gente estava em temporada o tempo. Tanto que lá no início do projeto, a
gente ficou 3 meses em temporada com espetáculos todos os finais de
semana. Nos deu um super gás. (ES2h, 2018) [grifo nosso].

Outra dificuldade do mercado de trabalho apresentado refere-se a


necessidade de fomentos (projetos) para viabilizar a produção de espetáculos, e
portanto, gerar empregabilidade dos profissionais.

Agora [na Cia. Eduardo Severino] a gente vive de projetos. Que isso nos
mantém, assim, nos dá garantia de poder sobreviver. Com o Eduardo
Severino, participamos do Projeto Usina das Artes, e lá tinha uma pequena
verba da Prefeitura que era dividido entre nós dois. A gente conseguia se
manter, mas paralelo a isso, a gente também participava de projetos fora,
de editais, isso também nos dava um gás, pra poder seguir. Mas o projeto
acabou. Juntamente com isso [fim do projeto] e um pouco de
descontentamento com o futuro da minha profissão, eu resolvi fazer o curso
de Biblioteconomia. Já estou formado. Eu fiz esse curso justamente porque
é outra possibilidade de renda. [...] Fiz mestrado em Artes Cênicas.
Justamente, agora que eu fiz o mestrado, eu já vinha pensando nisso, eu
tenho interesse em seguir a carreira acadêmica, dar aula em universidade.
Que seria um paralelo com a profissão de bailarino, porque conseguir
sobreviver como bailarino agora está muito difícil, bem complicado. [O
projeto do gasômetro] se encerrou em 2016, o espaço, tudo fechou. E agora
eu tenho feito assim, eu tenho aproveitado os conhecimentos que eu tive no
curso de Biblioteconomia pra trabalhar como consultor de trabalhos
acadêmicos e projetos, formatação de trabalhos e normalização da ABNT.
(ES1h, 2018) [grifo nosso].

Encontramos também declaração acerca de mercado de trabalho que


desfavorece a bailarina e, de fato, é recorrente no ambiente do profissional
masculino. Além das companhias e grupos independentes, os bailarinos também
podem atuar como profissionais nos espetáculos de final de ano das escolas e
academias de dança, ambiente onde as bailarinas geralmente atuam como
amadoras ou alunas e, portanto, não recebem cachês como os bailarinos.
133

[...] E neste período todo eu participava dos espetáculos de final de ano das
escolas, também. Então, como bailarino homem, nos espetáculos das
escolas, se recebe cachê. Várias escolas de ballet me chamavam pra
dançar nos espetáculos de final de ano. E isso é bem produtivo, é um
mercado de trabalho que circula entre as escolas e eu me mantinha bem
assim. Era uma coisa que eu gostava de fazer (ES1h, 2018).

Assim, fica para as mulheres as dificuldades de colocação devido ao grande


número de bailarinas na área (maior concorrência, menos cachê) e, fisicamente, a
possibilidade da gravidez que a afastaria das atividades (aulas técnicas, ensaios,
etc.) e do palco.
Entretanto, embora aparentemente os homens tenham mais facilidades em
comparação com as mulheres para entrar e permanecer no mercado da dança, as
dificuldades que encaram para iniciar no ambiente da dança não são poucas. Eles
costumam enfrentar principalmente preconceitos quanto a sexualidade, como
discutiremos na sequência.
Além do problema financeiro, o bailarino enfrenta também o problema do
preconceito com sua profissão. Os entrevistados apontam momentos de preconceito
na sociedade ou no contexto familiar. Uma barreira que os homens enfrentam
quando decidem entrar para o meio artístico, que encontramos na primeira fala,
ainda é a associação da arte da dança como algo não pertencente ao universo
masculino. Essa situação se torna bem mais complicada quando se trata de corpo e
expressão.

E eu acho que eu não tive grandes problemas. Eu sofri preconceito como


qualquer outra pessoa, referente á minha profissão. Até porque se liga
muito á questão do feminino, da expressão em homem. Nossa, se
expressando!” Ainda mais no interior. [...] dentro de casa não sofri
preconceito, vamos dizer assim, pra mim foi super aceito. Agora na parte da
minha família, por parte de tios, eu acho que isso é uma coisa que demorou
um tempo, até aceitarem. Hoje é bem tranquilo, todo mundo sabe que eu
sou bailarino, sabem que eu trabalho com isso, e é super tranquilo (PA1h,
2018) [grifo nosso].

As dificuldades no sentido da sexualidade aparecem com grande ênfase no


universo masculino em relação à dança. Segundo Neves (2010), “os homens
apresentam maiores constrangimentos quanto à capacidade de abstração e controle
de seus sentimentos” (p. 42) sendo que “as emoções, a interioridade e as
sensibilidades do bailarino dizem respeito a um intenso processo de aceitação, de
afirmação e das tentativas de explicação da escolha sexual” (p. 43). Relatos nesta
134

pesquisa indicam que a realidade descrita por Neves, infelizmente ainda se fazem
presentes:

A associação entre o ofício da dança e a homossexualidade é um obstáculo


relevante para os homens que fazem essa opção profissional. Tornar-se
bailarino é também enfrentar o preconceito e a desconfiança da família e
dos colegas quanto à sexualidade e isso implica, por vezes, no rompimento
parcial com parentes e na saída definitiva da casa dos pais (2010, p. 170).

Outra questão que é identificada, independente do gênero, refere-se a


preocupação, principalmente da família (pai e mãe) com o sustento do profissional
que opta pela arte da dança. A situação de empregos casuais e contingentes,
caracterizados pela instabilidade e pela descontinuidade, além da inexistência de um
salário fixo, sendo, o valor dos salários recebidos, irrelevantes e desproporcionais ao
tempo e ao trabalho despendido nos grupos e companhias parece ser conhecida
pela sociedade. Relatam a falta de valorização da profissão, sendo que em alguns
momentos até relacionam o profissional das artes com um vagabundo, ou
consideram um hobby. A situação de não precisar “bater cartão” ou até mesmo de
ter um horário mais flexível e não ter carteira assinada parece não estar relacionada
com um trabalhador ou profissional no senso comum.

Na família foi bem no início. Até por esta questão de não acreditar que
seria profissão, que eu iria viver disso. Ainda mais naquela época que
isso [era considerado] coisa de vagabundo, coisa de quem não quer fazer
nada. Por estar saindo de casa pra ir pro trabalho, e o trabalho não ser
aquele das 8 horas da manhã às 18, 19 horas, dentro da empresa com
carteira assinada. Muita gente acha que trabalho é isso. Então o único
momento de rejeição foi realmente no início. Nunca senti [rejeição] e nem
tive essa questão de não falar, eu tenho orgulho de falar que esta é a minha
profissão, que eu sou bailarino, eu sou professor e bailarino e em alguns
momentos coreógrafo. (PA2h, 2018) [grifo nosso].

Já me senti sim desvalorizada por alguns familiares e amigos, acho que isso
já deve ter acontecido com a maioria dos profissionais da dança. Muitas
vezes não fui levada a sério, fui vista como “a que não trabalha” na
família, deslumbrada, entre outras coisas. (CS1m, 2018).

Em grande medida, a discussão sobre a associação de prestígio social de


profissão se vincula diretamente à questão econômica. Vargas (2010) ao estudar as
"chamadas profissões imperiais – Medicina, Direito e Engenharia – em nosso país"
demonstra que "o imaginário acerca de uma hierarquia de profissões se mantem
intocado" assim como a ˜impermeável hierarquia interna entre carreiras no Brasil
parece se prolongar ao longo do tempo, abrindo pouco espaço para uma
135

democratização do acesso a postos profissionais destacados". Ao estudar uma


profissão tida como não valorizada, a dos professores, Rabelo (2010) indica que
"percebemos que a sobrevalorização do aspecto econômico contribui para a
desvalorização de profissões mal pagas, o que acaba incentivando para que muitos
ingressem nessas profissões por falta de alternativa profissional (ou que a
mentalidade da sociedade sobre os que ingressam nessa profissão seja a de que
eles não tiveram alternativas)". No caso dos bailarinos profissionais, a questão fica
mais complexa, pois a instabilidade financeira e a realização de várias atividades
extras/anexas, leva muitas vezes a uma quase invisibilidade da profissão. A fala
abaixo reflete esta noção de pouco conhecimento do que é ser um bailarino
profissional, motivo pelo qual algumas vezes não é sequer considerada no senso
comum como uma profissão.

Eu acho que o preconceito, ele está na ignorância, né. Quando tu não sabe,
quando tu desconhece, né, as pessoas criam preconceitos e digo que até
eu hoje em dia sou um pouquinho ignorante em alguns aspectos da vida,
porque a gente não sabe tudo, né, a gente tá aprendendo, mas sim, em
muitos momentos eu acho que foi difícil, assim, tipo, eu chegar num lugar e
dizer, sabe, “nossa, eu sou bailarino”. Mas eu acho que é uma questão de
cultura, daí. As pessoas não veem isso, não veem ainda o bailarino, ou
o artista mesmo, como uma profissão. Eles tem essa ideia muito vaga
ainda de que... que é um hobby, vamos dizer assim, né, neste sentido.
Então, eu acho que em alguns lugares que eu fui, sim, eu senti preconceito.
Mas eu também acho que o contraponto disso, as pessoas, quando tu diz
isso, muitas ficam espantadas, assim. Espantadas e ao mesmo tempo ficam
felizes porque é uma profissão que ninguém espera, né. E, ao mesmo
tempo, as pessoas tem aquela ideia – “Nossa! Tu é artista! Meu Deus!”,
sabe, então... São dois contrapontos, sabe, tanto positivo quanto negativo,
mas enfim (PA1h, 2018) [grifo nosso].

Nos depoimentos aparece também a dificuldade de se registrar como


bailarino pela falta desta opção em tabelas e listas oficiais, ou seja, a falta de
reconhecimento da profissão pela sociedade (invisibilidade) – tema que
abordaremos no próximo capítulo.

[...] confesso que para evitar olhares de reprovação em consultórios


médicos, questionários, ou outras situações que temos que completar
algum perfil, já respondi a profissão como professora ao invés de bailarina.
Mas foi basicamente por não ter que explicar, ainda é bastante comum as
pessoas confirmarem a resposta quando digo que sou bailarina, ou fazerem
uma expressão estranha, mas acho que está dentro do nosso papel de
buscar uma valorização profissional e expressar o máximo possível a
nossa existência no mercado de trabalho. (CS1m, 2018) [grifo nosso].

Eu não tenho problemas quanto a isso, porque pra mim foi sempre muito
claro que eu era bailarino. Porque é o modo que eu me vejo, como pessoa
na sociedade. Eu comecei a perceber que quando eu ia a lugares
136

institucionais e me perguntavam minha profissão e eu respondia que sou


bailarino, as pessoas ficavam meio assim. Tem uma tabela de profissões,
e naquela época eles não encontravam o profissional bailarino. Um fato
que eu acho interessante comentar é que quando eu fui abrir uma conta no
banco e eles perguntaram qual era minha profissão, eles buscaram
naquela tabela de profissões e não tinha bailarino. Eu não lembro o que
eu coloquei, artista eu acho. Então, tive esse problema. (ES1h, 2018) [grifo
nosso].

Encontramos no estudo de Ghisleni (2010), analisado na seção 2.2, a


preocupação com a valorização do profissional, que enfatiza que a identidade
profissional do indivíduo que esteja submetido a um baixo reconhecimento de suas
competências e, portanto, do valor de seu trabalho profissional, pode estar marcada
pelo sentimento de frustração. Tal sentimento tenderia a oferecer dificuldade para a
mobilização de uma imagem de si condizente com a de um profissional realizado e
estaria representada em uma identidade profissional desestabilizada. Com intenção
de investigar especificamente sobre a valorização como profissional questionamos
os entrevistados sobre o tema.

[...] Tanto que, até hoje, quando eu falo, as pessoas dizem “nossa, tu é
bailarino!? Tá, mas o que tu faz na tua vida?” Eu sou bailarino, eu vivo
disso entendeu? Eu vivo de ser bailarino, de dar aula, sou professor de
dança contemporânea também, dou aula de dança de salão (CS4h, 2018)
[grifo nosso].

Eu sinto que ainda falta uma maturação pra esse universo maior, que não é
o da dança, entender o que é ser um artista, independente de ser bailarino
ou não. Parece que a gente ainda brinca de dancinha pro resto. Eu acho
que não tem um reconhecimento. Claro que, eu ando num meio que
reconhece meu trabalho, que me conhece há muito tempo, mas saindo
desse núcleo, acho que ainda a arte é vista como algo que não tem um
valor tão importante. E principalmente hoje, que a gente está vivendo um
momento político estranho, momentos bizarros, onde cultura e educação
estão mais ou menos de lado, eu acho que a gente tem que realmente
pensar nisso e se afirmar. Me sinto realizada com que eu realizei até
agora, mas eu quero mais. (CH1m, 2018) [grifo nosso].

Nesses relatos, e no seguinte, percebemos uma dualidade entre estar feliz


com a profissão e ao mesmo tempo considerando-se “não reconhecido” ou “não
valorizado” enquanto profissional. As sensações descritas no trecho abaixo se
alinham com as ponderações de Dubar (2005) sobre a importância do
reconhecimento social para uma identidade profissional estabilizada

[...] em termos institucionais, que são esses órgãos públicos, eu não vejo
que sou respeitado. Tanto que a Secretaria Municipal de Cultura “não tá
nem aí” pra bailarinos. E esta falta de reconhecimento também traz suas
137

consequências, que são, além das consequências subjetivas, de


frustração, uma incapacidade de “ser gente”, também uma falta de
reconhecimento pra gente conseguir viver do que a gente faz. Porque é
muito duro, a gente estar vivendo, fazendo o que a gente gosta e não está
recebendo pelo que a gente faz. Porque as contas dos meses, elas sempre
chegam pra gente, não tem como fugir delas. (ES1h, 2018).

Conseguimos identificar nos depoimentos a desvalorização desta profissão


em relação ao trabalho que fazem, contudo os profissionais entrevistados, em sua
maioria, mobilizam uma imagem positiva de ser bailarino/a. O sentimento de
frustração, vindo da desvalorização e do baixo reconhecimento de suas
competências, não trouxe aos profissionais entrevistados “dificuldade para a
mobilização de uma imagem de si condizente com a de um profissional realizado ou
uma identidade profissional desestabilizada”, conforme Ghisleni.
Entretanto, conforme depoimentos, a sociedade parece não conseguir
identificar que o ofício do artista requer um longo processo de formação profissional.
Todo o processo de criação coreográfica, ensaios, aulas técnicas de preparação
corporal, significa trabalho, e não apenas o momento do espetáculo. Lembrando que
a remuneração nesta área é mediante a execução do espetáculo, muitas vezes não
levando em consideração todo o preparo dos artistas para a performance. O artista
necessita se manter sempre pronto para o trabalho, mesmo sem nenhuma
programação estabelecida, pois as oportunidades podem aparecer a qualquer
momento. No caso de bailarinos, é preciso manter o corpo saudável e preparado
tecnicamente diariamente. Os artistas são profissionais que trabalham diariamente,
sem ter a garantia do espetáculo ao vivo, ou seja, sem garantias de remuneração.

Eu acho que o grande problema da dança aqui, aqui porque nós estamos
falando de Porto Alegre, mas eu acredito que não só aqui, a gente só
recebe por espetáculo, ninguém valoriza o teu trabalho anterior. O teu
ensaio, o que tu pensa, o que tu também estuda, o que tu te prepara
pra estar na cena. E este envolvimento anterior, que tem um tempo de
maturação, que tem um tempo de... ninguém reconhece isso como
trabalho profissional. Então, lá no fim, tu faz a divisão do cachê, do que
sobrou, depois que o iluminador ganhou, que o cenógrafo ganhou, que o
figurinista ganhou, o que sobrar a gente divide para os bailarinos, então
assim, é a realidade. (CH1m, 2018) [grifo nosso].

Em vários relatos, e no a seguir em particular, as dificuldades de receber ou


negociar uma remuneração, ainda que expressem uma desvalorização social,
deixam claro também um auto reconhecimento enquanto profissional e uma
valorização do seu papel de artista.
138

E em alguns momentos, a gente dá os valores pra contratação e as


pessoas acham muito caro, e questionam se não tem como ir pra divulgar
seu trabalho. Oi?! Que mundo tu vive, filha?! Tu vai chamar um dentista pra
cuidar do teu dente pra divulgar o trabalho dele? Eu ficava sem saber como
responder isso. Cadê o respeito com o profissional. Mesmo que um
advogado, um médico, qualquer outra profissão, paga uma faculdade,
uma universidade, paga de alguma forma alguma coisa pra estudar, eu
pago tanto quanto ou até mais. Então é profissão igual e o meu valor é
esse. (PA2h, 2018) [grifo nosso].

Assim, mesmo em falas que explicitam as dificuldades, como a selecionada


abaixo, o tom de realização com a profissão, e a arte como um todo, se faz
presente.

Então, esse ano, o primeiro semestre foi bem difícil financeiramente, quer
dizer, acaba implicando na realização. Emocionalmente se está sempre
completa, principalmente porque eu também trabalho com teatro. Eu acho
que a dança e o teatro me completam. E no segundo semestre eu comecei
a ter mais alunos, então, a situação financeira melhorou, eu não tenho
trabalhado muito com dança, me apresentado, porque eu estou grávida. É
mais dando aula e como teatro que eu tenho me sustentado, mas eu
trabalho só com isso [arte]. Então este segundo semestre foi bem
satisfatório, mas é que são altos e baixos, esse que é o grande problema. O
segundo semestre geralmente é muito bom pra teatro, pra dança é mais
difícil, sempre é mais difícil. (CH2m, 2018) [grifo nosso].

A valorização e o reconhecimento da profissão tem influência direta na


realização do bailarino em sua profissão. Por este motivo se questionou acerca da
opinião do entrevistado quanto à realização dentro da profissão.

Não me vejo fazendo outra coisa. Vai acontecer de me ver numa cadeira
de rodas, mas estou dando aula igual. (PA3m, 2018) [grifo nosso].

Muito! Em alguns momentos as dificuldades (financeiras, físicas, mentais..)


falam bem alto, mas acredito que a realização, o orgulho de ter chegado
até aqui, em um país que não valoriza a arte como deveria e que
apresenta inúmeras dificuldades, é maior. (CS1m, 2018) [grifo nosso].

Neste mesmo sentido, podemos identificar o lado artístico de glamour, fama


e reconhecimento do público, talvez um dos motivos, além da satisfação pessoal em
desenvolver este trabalho, pelo qual o profissional das artes insiste em continuar no
ofício.

A minha família, os meus amigos, eu sinto que eles valorizam muito. E,


claro, os meus colegas. Mas sim acho que, com certeza, que eu poderia me
sentir mais valorizada. Mas eu percebo que as pessoas acham legal quando
eu falo que sou bailarina. Mas a dança ainda não faz muito parte da vida
das pessoas. Duas vezes eu fui reconhecida na rua, e isso eu achei muito
139

interessante, porque participei de um trabalho com o Muovere, que é na rua,


o “Desvio”. E daí, um dia eu estava comendo um cachorro quente, lá no
Rosário, sentada na praça, daqui há um pouco vinha vindo um homem,
assim, na minha direção que perguntou: Tu não é bailarina? Respondi que
sim. Ele disse: Eu vi o “Desvio”. E aqui na Cidade Baixa também, mas daí,
este tinha visto um espetáculo da Cia. H. (CH2m, 2018) [grifo nosso].

Conforme podemos observar nestes depoimentos, apesar das dificuldades


financeiras, dos preconceitos que cercam a profissão de artista e a pouca
valorização do bailarino, a maioria dos entrevistados afirmam terem amor pelo que
fazem e orgulho de trabalharem com arte, não apresentando nenhuma intenção de
deixar inteiramente de fazê-lo. Alguns comentam que tem intenções de apostar em
outra formação ou atuação em outra área, mas sem abandonar de todo a dança.
O que nos leva primeiramente às reflexões de Pollak que considera
importante enfatizar que...

[...] quando a memória e a identidade estão suficientemente


constituídas, suficientemente instituídas, suficientemente amarradas,
os questionamentos vindos de grupos externos à organização, os
problemas colocados pelos outros, não chegam a provocar a
necessidade de se proceder a rearrumações, nem no nível da
identidade coletiva, nem no nível da identidade individual (POLLAK,
1992, p. 7).

Apesar dos questionamentos da sociedade e cobranças familiares, o


profissional bailarino não sente necessidade de “rearrumações” de identidade.
Também podemos refletir acerca do discurso de Wainwright e Turner (2006), que
afirmam que a dança está atrelada ao conceito de vocação, sendo este mais forte do
que o conceito de trabalho ou ocupação, e sendo talvez também superior ao
conceito de ofício e profissão. A ideia de vocação normalmente está relacionada ao
sacrifício e sublimação, e, geralmente, aquele que é movido pela vocação tem uma
personalidade que é colocada à prova pelas incontáveis dificuldades que se
apresentam pelo caminho e o pouco reconhecimento pelo seu esforço (WEBER,
2000).
Destacamos a declaração de um dos entrevistados que poderia concluir
acerca da postura deste profissional diante de sua profissão: “Porque é uma arte, é
uma postura, tanto que vários trabalhos que a gente, [...] a gente fez sem dinheiro, a
gente fez pelo amor” (ES1h, 2018).
140

Finalizando este capítulo sobre atuação profissional, consideramos relevante


refletir junto ao entrevistado acerca da ADPF 293, devido às ameaças diretas à
profissão de artista. No decorrer do levantamento teórico deste estudo, em 2018, a
ação judicial, publicada em 2013, começou a tramitar novamente pelo Supremo
Tribunal Federal. Conforme já esclarecemos, a ADPF 293 questionava a
obrigatoriedade do diploma ou de certificado de capacitação para registro
profissional (DRT) no Ministério do Trabalho, como condição para o exercício das
profissões de artista e técnico em espetáculos de diversões. Nenhum dos
entrevistados, contudo, conheciam com profundidade a respeito desta ação de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 293, e os riscos que sua votação
traria à profissão de artista, como podemos verificar nos depoimentos a seguir.

Na verdade, eu faço um pouco de ideia, mas eu não consegui ainda


esmiuçar tudo, pra eu ter a minha conclusão sobre isso [...] Mas é
alguma coisa a ver com a extinção do registro profissional, né? E só
pelo fato de ser uma extinção do registro profissional, já assusta, porque a
gente já vive num contexto que é, de certa forma, dificultoso, que a gente
tem carência de recursos públicos, que a gente tem n empecilhos. Quando
a gente tem esse registro, que nem eu, que tenho esse registro na
delegacia de trabalho e também do SATED, extinguir isso é como acabar
com a profissão. E isso dá uma preocupação bastante grande. Mas eu
também acho que, isso vem também muito de acordo com o contexto
social, de tudo que está acontecendo hoje. [...] Enfim, as artes estão sendo
caladas, querem calar as artes [...] (PA1h, 2018) [grifo nosso].

Não participei de nenhuma reunião [do SATED-RS sobre a ADPF293]. Só


sei que é a briga, porque querem tirar o artista como profissão. [...] de
certa forma, como que a gente não é profissional? A gente estuda igual, a
gente gasta igual, paga horrores em aula, viaja pra tudo quanto é canto,
gastando absurdo, se atualiza sempre e não é profissão (ES2h, 2018) [grifo
nosso].

O risco que esta ADPF trouxe à profissão dos artistas aparentemente não
chegou ao conhecimento dos profissionais bailarinos entrevistados neste estudo. A
maioria tinha vaga informação a respeito e não compreendiam a extensão do
problema. De todo modo, esta ação acabou por não ser votada no Superior Tribunal
Federal.
Verificamos que os depoimentos analisados neste capítulo apontam para um
comportamento quanto ao corpo (preparação técnica, saúde e disponibilidade), ao
ambiente de atuação (companhias municipais e grupos independentes) e mercado
de trabalho (salário, projetos, estabilidade, postura política) bem semelhante. Esse
141

processo de análise está alinhado com as afirmações de Candau (2014) que


considera que:

todo grupo profissional valoriza os comportamentos apropriados e reprime


os demais a fim de produzir uma memória adequada à reprodução de
saberes e fazeres e à manutenção de uma identidade da profissão. A
aquisição de uma identidade profissional ou, mais genericamente, de uma
identidade vinculada a poderes e saberes não se reduz apenas a memorizar
e dominar certas habilidades técnicas: ela se inscreve, na maior parte dos
casos, nos corpos mesmos dos indivíduos” (p. 118-119).

Possivelmente outras experiências ou sentimentos sobre estes tópicos


sejam comuns, mas não foram julgados relevantes de serem compartilhados. Um
exemplo é a questão da valorização da profissão que há quase que uma
unanimidade de se considerar realizado mesmo com uma não valorização
financeira. Talvez esse seja um elemento de reforço: o fato de ser persistente e
capaz de desempenhar múltiplos papéis e profissões seja considerado algo positivo
e idenficador de todos do “grupo”. Nesta reflexão, podemos considerar as
afirmações de Pollak (1992), que esclarece que o sentimento de identidade pode ser
tomado no sentido da imagem de si, para si e para os outros. Ou seja, a imagem
que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela
constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria
representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser
percebida pelos outros (p. 5).
142

8
Carreira
143

8 CARREIRA

Neste bloco refletimos acerca dos elementos de projeção profissional,


citados por Ghisleni (2010) em seu quadro, no processo de construção da identidade
profissional, relacionados com a categoria “carreira” estabelecida pelo estudo. Desta
forma, as questões se referem às oportunidades de trabalho na área; o significado
de ser bailarino para o entrevistado, o perfil do bailarino no Rio Grande do Sul,
projeção para o futuro e expectativas na profissão. Incluímos ainda reflexões sobre o
paradoxo de Mozart, aspectos a cerca do registro MEI e a situação de invisibilidade
profissional do bailarino no contexto oficial da profissão.
Os depoimentos indicam que os cursos de graduação em dança não
influenciam diretamente na atuação técnica do profissional bailarino, mas no
contexto profissional, como mercado de trabalho, formação de público, etc. Pode-se
considerar o bailarino como um profissional não acadêmico, um profissional por
experiência. Verificamos este fato pelo depoimento de um dos bailarinos da
Companhia Municipal de Porto Alegre:

Eu até, assim, prestei o vestibular na ULBRA, passei e comecei a fazer o


curso de dança na ULBRA. Só que eu particularmente, quando eu entrei no
curso, eu não gostei muito do curso. Primeiramente porque não era feito...
não tinha uma distinção entre quem já era bailarino e quem não era
bailarino. Então tinha gente de N profissões {...} Pra mim como bailarino,
eu achei um pouco, o curso, maçante assim, sabe? (PA1h, 2018) [grifo
nosso].

Para este bailarino os cursos acadêmicos estão preparando os profissionais


para o próprio ambiente acadêmico:

Na verdade a faculdade, ela te molda pra um caminho mais acadêmico. Eu,


como bailarino, vejo isso. E eu não queria seguir essa linha acadêmica. Meu
intuito é ser bailarino, aquele bailarino do palco, aquele bailarino prático, e
eu acho que as faculdades não trabalham isso. Se tivesse realmente um
curso que nem a Ópera de Paris, sei lá, que trabalhasse os alunos desde
cedo, pra que fosse, realmente, pra que fosse um mundo da dança, ok, mas
no atual momento eu acho que é diferente, os bailarinos estão procurando
a faculdade pra ter mais uma certificação de que a dança está sendo,
talvez, valorizada, e que está sendo vista, dentro do Brasil e do nosso,
enfim, como uma profissão mesmo. Eu acho que esta parte do curso
acadêmico, ela serve pra isso também. [Pra comunidade] reconhecer o
bailarino como profissão (PA1h, 2018) ) [grifo nosso].
144

Ao mesmo tempo, sua fala revela questões sobre valorização e preconceito


acerca da profissão, tema abordado no capítulo 7 - e falta de reconhecimento da
profissão pela sociedade (invisibilidade) que abordaremos em maior profundidade a
seguir, neste mesmo capítulo. Outros entrevistados concordam que estes cursos
superiores não têm influência direta na atuação do profissional bailarino:

Acredito que a formação em dança foi complementar a minha prática, penso


que foi essencial por me transformar em uma profissional mais completa e,
principalmente, mais aberta a reflexões sobre a prática, o que, a meu ver, é
muito importante principalmente durante um processo de criação. Não acho
que a academia tenha superado de alguma forma toda a minha caminhada
no mundo da dança, ela foi, na minha vida, mais importante por
despertar o gosto pelo estudo e pela pesquisa, tanto que iniciei outra
graduação e pretendo continuar no meio acadêmico. (CS1m, 2018) [grifo
nosso].

Agora estou fazendo a licenciatura em dança da UFRGS. Que essa é a


minha formação de dança. Eu fiz também a formação em uma técnica
somática e dou aula disso. Mas daí já vai pra um outro lugar, não de
bailarina, é algo que também compõe, mas não especificamente como
bailarina (CH1m, 2018) [grifo nosso].

Identificamos que geralmente, no ensino formal de dança, o perfil do


profissional formado bacharel é fortemente marcado pelo traço do intérprete de
dança (seja ele intérprete-criador ou apenas intérprete), ou seja, o bailarino
especificamente; e a formação do licenciado em dança qualifica-o para o trabalho
em instituições educativas escolares e não-escolares, tanto no âmbito do ensino,
como professor da educação básica, quanto em outras dimensões do trabalho
educacional, fazendo parte dessa formação profissional a experiência investigativa
bem como de reflexão acerca de aspectos políticos e culturais da ação educativa.

Acredito que no exercício de bailarino o crescimento de universidades vem


encorajando trabalhos mais independentes, por as pessoas possuírem mais
experiência e material corporal maior. Mas nas oportunidades de trabalho
não vejo muita mudança, pois, a meu ver, o crescimento de formação
profissional é anulado pela falta de incentivo do governo, que por falta de
verba na cultura acaba por dificultar alguns processos (CS1m, 2018) [grifo
nosso].

Entretanto, conforme constatamos nos depoimentos dos bailarinos


profissionais, sugere-se que o ensino acadêmico de dança não está chegando à
cena. Mas na opinião da maioria dos entrevistados, os cursos de graduação em
145

dança estão influenciando o ambiente profissional no que diz respeito mais à


formação de público.

Quanto mais cursos, mais oficinas tiver, mais mercado e mais consumo
eu acho que vai ter (PA4m, 2018) [grifo nosso].

Acreditam ainda que o mercado de trabalho que se abre com estes cursos
são dentro do ensino de dança em escolas municipais ou estaduais, ou ainda, a
possibilidade de carreira acadêmica, e não na atuação no palco.

Eu acho que influenciou o mercado de trabalho em termos não tão


artísticos, mas mais no sentido da academia. Muitas escolas estaduais e
municipais pedem professor com graduação em dança. Nesse sentido, os
cursos de dança influenciaram no mercado de trabalho. Para surgir esse
reconhecimento. Alguns bailarinos resolveram fazer o curso de dança pra
poder trabalhar “profissionalmente”, pra ter a titulação. O profissional agora,
ele está mais preparado pra professor porque surgiram, e ainda está tendo
bastante, concurso pra professores de dança em Universidades. Agora, por
exemplo, tem um concurso em Pelotas, que estão precisando de
professores de dança. Há pouco tempo, teve em Santa Maria, também teve
na UFRGS, pra ser professores de dança nesses cursos. Alguns desses
alunos são atuantes no meio artístico e outros são mais docentes mesmo.
(ES1h, 2018) [grifo nosso].

A universidade tornou-se uma oportunidade de emprego estável. Por outro


lado, a pesquisa realizada indica que no Rio Grande do Sul as academias e escolas
livres acabam sendo as reais formadoras dos bailarinos aptos a atuar em
Companhias e Grupos Profissionais de Dança, confirmando a afirmação de Navas
(2010).
Nas entrevistas realizadas com os diretores das companhias, verificamos
que nas seleções para profissionais bailarinos das companhias, tanto municipais
quanto independentes, não existe a exigência de diplomação acadêmica na
profissão. Também constatamos que todos os diretores entrevistados (Airton
Tomazzonni, Carlinhos Santos, Ivan Motta e Eduardo Severino) não possuem
formação formal de dança e, como já mencionamos anteriormente, somente
Eduardo Severino atua como bailarino. Severino comenta que alguns bailarinos
convidados da sua companhia possuem formação formal e inclusive são professores
universitários. Ele comenta acerca dos cursos superiores em dança:

Eu acho que esta formação superior em dança, ela vem a agregar. Não é
que ela vai criar coreógrafos ou vai criar bailarinos, ela vai lapidar estas
pessoas e cada um vai seguir seu rumo, se quer ser criador, se quer
continuar sendo intérprete. Até porque é uma galera bem jovem, e tem
146

tempo pra saber que rumo tomar, que caminho tomar. Mas eu acho bem
positivo. Eu curto! Quando a gente estava na Usina, a Lu Paludo, a Cibele
Sastre, a Carlinha Vindramin, todas elas lá naquele espaço independente,
faziam proposições de projetos de extensão de Curso de Dança, para o
espaço [sala 209]. Porque elas conseguiam fazer com que todas suas
turmas fossem pra lá. Quantos “Dias Internacionais da Dança” a gente fez
lá, exatamente com essa galera, da UERGS, da UFRGS, da ULBRA,
quando a ULBRA existia. Então a gente sempre teve essa relação muito
próxima com as universidades.

A formação profissional do bailarino, neste seu novo contexto de formalidade


(acadêmico), assume as responsabilidades e papéis, que vão além da transmissão e
construção de conhecimentos teóricos e práticos, perfazendo uma responsabilidade
maior, além do desenvolvimento de uma consciência crítica e emancipatória do
bailarino e, mesmo indiretamente, no contexto de atuação profissional.
Quanto às expectativas de futuro, os entrevistados não foram muito
otimistas. Apesar da paixão pela profissão, uns pensam até mesmo em sair do país
e outros em entrar para a área acadêmica, entretanto sem nunca abandonar
totalmente a dança.
Há frequentes menções ao nosso atual momento político e econômico.

No atual momento, dentro de todo o contexto econômico, político, social,


que nós estamos vivendo aqui na... né, em Porto Alegre, no Brasil, não só
em Porto Alegre, a minha projeção, na verdade, como bailarino, seria
trabalhar fora do Brasil. Bem sinceramente. [...] eu nunca quis ser um
bailarino fora do Brasil, eu nunca tive essa expectativa. [...] Então, isso pra
mim era muito claro. Mas hoje, no atual contexto, que as coisas andam, eu
estou pensando nisso (PA1h, 2018) [grifo nosso].

Junto à questão política e econômica, há uma constatação de que sempre


foi difícil para esta profissão e um sentimento e expectativa de continuidade de
produção na área, como ilustrado nesta fala:

Eu vejo que as pessoas não param de produzir. Como é uma área que
nunca teve nada, não teve fomento, não é que perdeu o fomento, não
teve, a gente sempre produziu muito no que a gente pode, um empresta
isso, outro empresta aquilo, a gente nunca teve subsídio. Então a gente
continua produzindo, eu tenho visto muitas boas produções, apesar do
péssimo momento. Enquanto a gente tiver força, vontade, a gente vai
fazer. Eu não sei até quando, porque eu tenho visto que os equipamentos
que a gente precisa, salas, que a gente usa do município, do estado, teatro,
estão se acabando. Ninguém pensou mas a gente está com esses lugares
que a gente precisa pra se apresentar muito mal conservados, isso é ruim.
Eu não sei se isso vai perdurar ou não, eu não vejo perspectiva de
investimento nessa área. Mas ao mesmo tempo a gente continua fazendo,
em espaços alternativos, a nossa produção. Se vai terminar? Não vai. Se
vai ser melhor ou pior? Não sei. De alguma forma a gente se auto alimenta
147

nas crises também. Eu tenho uma expectativa sempre de continuidade, que


a gente não pode parar (CH1m, 2018) [grifo nosso].

Mais uma vez um comportamento de resiliência e persistência, que afinal foi


encontrado nos depoimentos em geral, se faz presente mesmo em meio a falas de
tom sombrio.

Bem, grávida, sabe, trabalhando com arte. É muito louco! Vou esperar
pra ver o que vai acontecer, mas de forma nenhuma eu penso em fazer
outra coisa. Porque é isso, depois de um tempão a gente acabou abrindo o
Espaço N, que é um coletivo, e que é onde a gente dá aula. Eu fico
pensando sobre o futuro e, claro, que as vezes dá uma desesperança, mas
é que não é também uma coisa de agora, já faz uns 3 anos que a gente
vem nessa coisa assim, quem trabalha com arte. A gente não vai desistir
porque a gente sabe que a arte é importante pra vida do ser humano. No
decorrer desse nosso histórico político, principalmente agora, eu vejo a
galera mais unida e mais “garruda” ainda. Isso dá um pouco de esperança.
Pensando assim: se o pior acontecer, se a gente ficar cada vez mais
sucateado e desvalorizado, tem muita gente comigo, tem muita gente na
mesma situação e tem muita gente que vai continuar lutando pelo que
acredita. Dá muita esperança, de uma certa forma. (CH2m, 2018) [grifo
nosso].

Há também preocupações decorrentes a limitações de desgaste corporal. Já


contextualizado anteriormente, há preocupação sempre expressa em manter-se em
forma, e junto a isso, é frequente a preocupação com uma ”temporalidade” da
profissão. Isso leva, muitas vezes, a planejar uma formação de ensino superior
dentro ou fora da área da dança.

Eu penso em fazer faculdade. Justamente pra agregar mais a minha


profissão. Eu penso agora num futuro bem próximo fazer fisioterapia. [...]
acho que vai auxiliar na dança. Acho que mais pela questão que já estou
chegando a uma certa idade em que o corpo já está... em alguns
momentos, ele já reclama de certas coisas... E eu gosto muito de ser
professor, então, mais pra isso, agregar a esta formação, de ajudar os meus
alunos também e estar envolvido com a dança sempre. Eu acho que,
dependendo do trabalho que tu faça e onde tu esteja, vai te limitar, quando
chega um certo ponto. Mais por este sentido, porque, de energia eu quero
muito continuar, minha ideia é dançar até os 60, quem sabe até mais.
Enquanto eu tiver vida e espírito, eu estou dançando, nem que seja só um
31
butoh . [...] E como eu vejo que sim, num momento eu vou ter que parar,
não parar de dançar, mas diminuir esta quantidade de ser bailarino e ser

31
O Butoh ou Butô (em japonês: 舞踏) é uma dança que surgiu no Japão pós-guerra e ganhou o
mundo na década de 1970. Criada por Tatsumi Hijikata (9 de março de 1928 - 21 de janeiro de
1986) na década de 1950 o butô é também inspirado nos movimentos de vanguarda:
expressionismo, surrealismo, construtivismo, entre outros. O butoh mistura elementos do teatro
tradicional japonês e da mímica. No butoh, os corpos são pintados de branco, os movimentos são
lentos e a postura é contorcida. O butoh mescla imagens que vão da decadência, medo e
desespero ao erotismo, êxtase e tranquilidade. – BAIOCCHI, Maura. Butoh: Dança Veredas
Dalma. São Paulo: Palas Athenas, 1995.
148

mais formador, de realmente criar bailarinos. [...] de ser formador, quem


sabe coreógrafo, também, penso nisso. Quem sabe, um dia, eu tenha meu
grupo, alguma coisa assim. Obviamente sempre envolvido com dança, com
arte. (PA2h, 2018) [grifo nosso].

Vários bailarinos indicam a profissão de professor como seu futuro. Abaixo


há duas falas distintas: um planejando uma alteração da profissão de bailarino para
professor de dança e outro que busca agregar a profissão de docente para continuar
dançando

Para mim, ser bailarina profissional traz uma felicidade imensa, poder
trabalhar com o que eu amo é muito satisfatório, porém sei o quanto foi
difícil e o quanto batalhei para poder ter essa oportunidade também, por
isso sei que devo muito ao meu esforço. Honestamente tenho maiores
projeções visando o futuro na educação em dança no que na profissão
de bailarina, sei que tenho muito ainda para dançar mas algumas
insatisfações e desgastes vem me levando para um lado que parece trazer
um retorno maior no momento atual. Tenho expectativas de futuramente
trazer oportunidades e facilitar caminhos para crianças e jovens que
estejam na mesma busca que já estive, que a minha experiência possa de
algum modo facilitar o sonho de outras pessoas (CS1m, 2018) [grifo nosso].

Eu me vejo sendo um professor de dança. Na área acadêmica, numa


Universidade. Justamente por isso [dificuldades de marcado no contexto
atual] que eu vejo este caminho, essa rota de fuga, que é poder utilizar meu
conhecimento, meu capital corporal e intelectual na forma de professor.
Professor-artista porque além de poder dar aula eu vou poder dançar
também. Com um tempo muito mais restrito, porque dependendo de onde
eu der aula, eu não vou ter tanto tempo pra me dedicar assim à dança.
(ES1h, 2018) [grifo nosso].

Mesmo com tantos relatos indicando preocupação com “sobrevivência


financeira” e “planos de futuro”, fica presente em muitos relatos uma desatenção
com sua gestão de carreira de bailarino. A maioria planeja migração de atuação.
Isso remete às discussões anteriormente feitas sobre o “paradoxo de Mozart” de
Bendassolli e Wood Jr. (2010), ou seja, possuir o sonho da liberdade de criação e da
autonomia profissional, porém condicionado pela necessidade de encantar a
audiência e convencer consumidores a comprar seus produtos. Os profissionais
bailarinos, por exemplo, geralmente sofrem com a falta de planejamento de suas
carreiras, desinteresse em desenvolver suas qualidades administrativas, dificuldade
de identificar seus direitos e deveres e, principalmente, a falta de habilidade com
149

números. Essas habilidades administrativas e financeiras são necessárias para que


não se venha a ter problemas quando se registra uma MEI32.
Ao realizar entrevista com os diretores das companhias e grupos
independentes selecionados para o estudo, se obteve depoimentos que
comentavam acerca da necessidade do bailarino profissional ter um registro de MEI
(micro empresa individual) para concorrer em editais e/ou participar das audições da
Companhia Municipal da capital. Essa exigência se mostrou um fator problemático
para a organização financeira dos bailarinos. A criação da lei complementar nº
128/2008 faz surgir, no Brasil, a figura do Microempreendedor Individual (MEI), com
o propósito de possibilitar que diversos profissionais pudessem sair da ilegalidade,
adequando-se às legislações federal, estadual e municipal, sobretudo tributária;
além de permitir o exercício regular da profissão de diversos trabalhadores
autônomos. O MEI é uma forma de regularização de quem trabalha por conta
própria ou é empreendedor. Sendo microempreendedor individual, é possível ter
CNPJ, emitir notas fiscais e contribuir para a aposentadoria. A mídia e os órgãos
governamentais procuram divulgar as vantagens do MEI, porém acabam não
informando os enormes desafios que ela oferece, principalmente para quem não
está acostumados ás atividades de contabilidade e administração de empresas.
Corroborando com a ideia do “paradoxo de Mozart”, Martins (2015) afirma,
sobre a questão de registro de MEI, que atualmente os artistas precisam
comercializar seu talento criativo para conseguir serem incluídos na produção
artística. Ou seja, eles têm que se envolver com pessoas que tem potencial de
oferecer oportunidades de trabalho. Este antagonismo arte-comércio exige do artista

32
Isso porque bailarinos com registro de MEI têm obrigações e tributos, precisam pagar impostos. Ele
paga um valor fixo mensal de acordo com a sua atividade. Se o mês for extremamente ruim para
ele e não tiver renda, ainda assim, como MEI, ele precisa pagar o valor relativo à sua contribuição
mensal. Se não o fizer, terá que arcar com multas e juros. Ele terá um custo alto para fechar ou
alterar custos da empresa: enquanto que para formalizar-se ele não paga nada, se quiser encerrar
suas atividades, pagará taxas maiores do que empresas com outro regime de tributação. O MEI
não precisa de contador, então as obrigações ficam todas sob responsabilidade do profissional.
Todo microempreendedor individual deve seguir uma rotina mensal para se manter regularizado,
preenchendo um relatório mensal de receitas e realizando o pagamento da DASN-MEI.
Anualmente, o MEI também é obrigado a entregar a Declaração Anual Simplificada que consolida
as informações de faturamento e declarar imposto de renda de pessoa jurídica. Não esquecendo
que deverá declarar imposto de renda de pessoa física igualmente. Como MEI, o bailarino também
não se aposenta por tempo de contribuição, isso só ocorre se tiver experiência anterior como CLT
e contribuir separadamente com o prazo restante, o direito a aposentadoria é somente em casos
de morte e invalidez, sendo que o valor da aposentadoria é de apenas um salário mínimo.
150

uma integração de motivação pelo trabalho artístico e entendimento das lógicas


econômicas e preocupações sobre um valor de mercado.
Desta forma se sentiu a necessidade de incluir no questionário elaborado
para os bailarinos, uma questão sobre este tema. Praticamente todos responderam
ter MEI, incluindo diretores, a exceção dos bailarinos da Cia Municipal de Caxias e
dos que não poderiam por já terem outro tipo de registro como empresa, pois existe
uma regra do MEI que estabelece que o empreendedor individual é a pessoa que
trabalha por conta própria e que se legaliza como pequeno empresário; não é
permitido que um vínculo empregatício (emprego com carteira assinada) seja
substituído pela condição EI, portanto o MEI não é e nem pode ser um empregado
formal de uma empresa, situações que comprovem vinculo empregatício são
proibidas.

Não tenho MEI. Como eu trabalhei na Cia. [Cia. Municipal de Porto Alegre]
como ensaiadora, isso foi uma exigência posterior lá, em função das
contratações do município, que tinha um problema dos vínculos
empregatícios, então foi pedido que todo mundo fizessem um MEI. Eu não
posso ter MEI, porque eu sou sócia de uma empresa limitada, então tu
33
não pode ter MEI. Então eu pedi que fosse por RPA , mesmo com todos
os descontos que tem, era o único jeito de eu poder receber legalmente. [O
registro MEI] foi uma solução que, pelo que eu entendi, concluíram que era
o melhor jeito de não haver tantos descontos e de impostos para os
bailarinos. E pra não ter problemas com os vínculos empregatícios que a
RPA traz. Como eles fazem audições, eles têm que recontratar e
recontratar. Era um modo de todo mundo ser autônomo e não criar esses
vínculos e dar uma agilidade pro processo todo, que a máquina do estado
desconhece ainda como tratar um artista efetivamente. Eu acho que ainda
tem pra crescer nisso. (CH1m, 2018)

Eu não tenho MEI, porque eu sou sócia, com a Luca, na Lucida


Desenvolvimento Cultural Ltda. Me., a produtora, e tenho o Espaço N. A
primeira vez que eu fiz o DRT de bailarina foi com 16, 17 anos, com esse
grupo lá da Lenita Ruchel (CH2m, 2018) [grifo nosso].

Encontramos a situação descrita acima dentro do ambiente de atuação dos


bailarinos no Rio Grande do Sul, principalmente nas Companhias Municipais de

33
Recibo de Pagamento Autônomo - Trata-se de um documento que formaliza o vínculo entre uma
empresa e o profissional autônomo ou liberal. Isso ocorre quando o trabalhador é contratado para
realizar determinado trabalho, mas não tem CNPJ para emitir uma nota fiscal. (BIDU
CORRETORA DE SEGUROS E SERVIÇOS DE INTERNET. Você sabe o que é RPA? Descubra
aqui! São Paulo: Bidu, 2019. Disponível em: https://www.bidu.com.br/previdencia-privada/o-que-e-
rpa/. Acesso em: 5 maio 2019.
151

Dança. Ao analisarmos o edital de 201734 para seleção de bailarinos para a


Companhia Municipal de Dança de Porto Alegre, encontramos uma relação de
documentos a serem apresentados para inscrição. Entre eles aparece o item 2.4.1,
sobre a necessidade de o candidato ter Contrato Social ou Estatuto ou Certificado
MEI (Micro Empresa Individual) com finalidade cultural. Verificou-se que os
bailarinos do elenco apresentaram um registro de MEI. Verificamos que também os
grupos independentes acabam por terem que recorrer ao registro de MEI para poder
concorrer a editais e inscrever projetos culturais.

[...] e no momento eu sou também, como eu tenho minha produtora, né,


porque eu precisava também ter uma... dentro dessa questão de ser
bailarino, eu precisava ter um registro, uma empresa, pra poder dar nota
(fiscal), então eu tive que abrir uma micro empresa pra poder também
garantir, né, e fazer toda aquela questão de tributos e tudo o mais. Toda a
parte burocrática, né, e juntamente com as leis. Eu sou também sócio de
uma escola em Novo Hamburgo, de dança, trabalho como professor lá
também, e tenho a minha empresa que é micro empreendedora, que é uma
produtora, na qual eu também trabalho. A minha produtora é “Dotom
Produções”. [...] Todas as companhias que tu dança, hoje em dia, tu tem
que ter uma empresa pra tu poder dar nota. Como é que tu vai comprovar
que tu... porque eles fazem por contrato e aí neste contrato, geralmente, tu
tem que despender nota pra ti, né... Entendeu? A minha empresa, hoje em
dia, ela é referente mais ao meu trabalho como bailarino, vamos dizer
assim, do que outra [atividade] (PA1h, 2018) [grifo nosso].

Tenho MEI. Eu fiz porque a gente participou do edital FUNPROARTE e


pra participar do FUNPROARTE, todas as pessoas que se
submetessem ao projeto teriam que ter MEI. Eu não utilizei o MEI ainda,
porque eu fiz MEI só pro projeto. Todo o micro empresário tem que pagar o
INSS pra deixar o MEI ativo, então, a única coisa que eu faço é pagar o
INSS e fazer a declaração, que é a declaração de rendimento da micro
empresa. A MEI geralmente é assim, tu utiliza a MEI quando a pessoa que
te contrata exige e tu tem que apresentar nota fiscal. Mas se a gente vai
montar um espetáculo que é feito por nós, a gente não usa. E quando a
gente participa de editais, alguns editais pedem a MEI, aí tem que ter,
esse registro de CNPJ de micro empresário (ES1h, 2018) [grifo nosso].

Em resumo, hoje em dia se faz necessário aos artistas, não somente um


registro profissional (DRT), mas também um registro como pessoa jurídica (CNPJ). E
o bailarino deve se tornar um pequeno empresário de si mesmo e seu nome artístico
deve se tornar um nome fantasia de uma microempresa individual. Entretanto são
poucas as funções na área de arte e cultura que estão elencadas na lista de

34
PORTO ALEGRE. SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA. Seleção de bailarinos/bailarinas
para Companhia Municipal de Dança de Porto Alegre 2017. Porto Alegre: Secretaria de Cultura,
2017. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smc/usu_doc/2017edital_cia-
danca_2017.pdf. Acesso em: 10 out. 2017.
152

ocupações permitidas para MEI. Bailarino, por exemplo, não existe. Neste sentido, o
ator Alberto de Avyz (2011, s.p.) comenta em um blog da área da cultura:

Ao analisar o meio por onde o trabalhador pode se tornar ‘empresa


pessoal’, deparei-me com alguns dissabores enquanto artista;
poucas funções na área de arte e cultura estavam elencadas.
Estaríamos nós, artistas e realizadores culturais, fadados ao eterno
anonimato funcional/trabalhista? E deparei-me com uma das
questões mais discutidas desde a criação do MEI e seu cruzamento
com os meios culturais [...].

Juntamente com o estudo da MEI e das análises do Ministério do Trabalho


(capítulo 3), a questão da invisibilidade que permeou alguns relatos do capítulo 7, se
mostra presente nos dados oficiais de forma estrutural.
Hoje, diante do levantamento realizado no Programa de Disseminação das
Estatísticas do Trabalho (PDET) do Ministério do Trabalho, através das tabelas da
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), para atualização dos dados de
Segnini (2008), apresentado no capítulo 3, encontramos essa situação, talvez, mais
preocupante da invisibilidade da profissão.
Os dados coletados e registrados oficialmente em tabelas pelo RAIS dividem
os indivíduos ocupados no país, ou seja, com vínculos ativos, em vínculos CLT e
vínculos estatutários. Entretanto, acreditamos que o registro de tipo de contratação
do profissional bailarino se modificou com a criação da lei complementar nº 128, que
fez surgir no Brasil, a figura do Microempreendedor Individual (MEI). Os profissionais
artistas, incluindo os bailarinos e todos os profissionais da dança, acabaram por se
registrarem como MEI para dar continuidade à atuação profissional na área. Desta
forma não são ocupados de vínculo CLT, nem estatutários. São microempresas com
CNPJ.
Por outro lado, como a função de “bailarino” não está elencada na lista de
ocupações permitidas para MEI, este profissional acaba se registrando como
qualquer outro profissional mais aproximado ao da dança, tornando-se “invisível” nos
registros oficiais. Desta forma, a situação atual do bailarino no país é a de uma
profissão que existe e é atuante no contexto artístico e cultural, mas não existe nos
registros oficiais. A inexistência do profissional bailarino não acontece somente na
lista de ocupações para registro de MEI. Encontramos como parte do depoimento já
153

analisado no capítulo 7, quando comentamos acerca da valorização e preconceito, a


seguinte situação:

Um fato que eu acho interessante comentar é que quando eu fui abrir uma
conta no banco e eles perguntaram qual era minha profissão, eles
buscaram naquela tabela de profissões e não tinha bailarino. Eu não lembro
o que eu coloquei. Artista, eu acho. Então, tive esse problema. (ES1h,
2018).

O que comprova que em listas e tabelas oficiais não existe a profissão de


bailarino. Esta situação traz problemas para a profissão como dificuldades de
posicionamento político, reivindicações profissionais, de mercado de trabalho,
salário digno, espaço de atuação, além de dificuldades no processo de construção
da identidade profissional pelo fator limitador da não valorização, preconceito e falta
de reconhecimento pela sociedade. Esta situação de invisibilidade traz um
sentimento de frustração que, conforme Ghisleni (2010), tenderia a oferecer
dificuldade para a mobilização de uma imagem de si condizente com a de um
profissional realizado e estaria representada em uma identidade profissional
desestabilizada.
Entretanto, qual o motivo do bailarino não existir como profissão no Brasil?
Esta dificuldade de se firmar como profissão não é uma situação da
atualidade e nem mesmo do bailarino brasileiro. Conforme levantamento
bibliográfico, aprofundamento e análise de textos realizados com finalidade de
contextualização para este estudo (e que gerou material textual para elaboração de
trabalho de evento35), historicamente é possível constatar a dificuldade
principalmente na profissionalização do artista da dança. Geralmente essa
profissionalização tem origem em escola de danças pertencente a um teatro. Foi
desta forma na França, na Rússia e, também, no Brasil. Provavelmente porque
originalmente, antes da dança ser uma arte autônoma, ela pertencia ao teatro, como
mera coadjuvante de alguns trechos de óperas. As escolas e Companhias que se
estruturaram dentro de teatros (geridos por governos municipais ou estaduais)
costumam ter seus trabalhos em continuidade, mantendo sua existência por maior
tempo e se firmando como mercado de trabalho estável.

35
TRINDADE, Ana Ligia; MANGAN, Patrícia Kayser Vargas. Contexto profissional do bailarino:
aspectos históricos. In: JORNADAS MERCOSUL, 4., 2016, Canoas. Anais... Canoas: Unilasalle,
2016. p. 385-397.
154

Entretanto esta realidade não é encontrada no Estado do Rio Grande do Sul,


onde são raras as iniciativas de profissionalização e constituição de mercado de
trabalho estável. Contudo, além da permanência por mais de 20 anos da Companhia
Municipal de Caxias do Sul, iniciou em 2014: uma Companhia Municipal de Dança
em Porto Alegre que ainda encontra-se ativa. Essa nova companhia configura-se,
talvez, numa nova realidade para o profissional bailarino no Estado. Entretanto, em
seus últimos editais de seleção do profissional bailarino, surge a obrigatoriedade de
registro de MEI para concorrer à vaga na Companhia. Na tentativa de oferecer um
mercado de trabalho estável no município, a Companhia acaba por ajudar na
situação de invisibilidade deste profissional.
A situação de invisibilidade traz dificuldades ao profissional, como
possibilidade de mobilização e postura política para reivindicar remuneração
adequada, estabilidade no emprego, direito a aposentadoria e outras lutas
trabalhistas. Este contexto é, sem dúvidas, um fator limitador no processo de
construção da identidade no trabalho que restringem, por conseguinte, a construção
da identidade profissional.
155

9
Considerações Finais
156

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O embasamento teórico levantado nos capítulos iniciais desta tese, acerca


de identidade, profissão, formação e atuação do bailarino, teve a finalidade de
contextualização para este estudo que aponta para configuração de algumas
características pessoais e/ou profissionais considerando, sobretudo, a diversificação
que se apresenta na formação e atuação do bailarino nesta primeira década do sec.
XXI.
Acompanhando seu contexto profissional, o bailarino apresenta geralmente
um perfil enquanto empreendedor dedicado a carreiras freelance, ou enquanto
trabalhador independente de patrões ou instituições. Também um profissional capaz
de assumir atividades, dentro e fora do campo da dança, como forma de continuar
avançando em sua carreira como bailarino profissional. Assim, almejando distinguir
um conjunto de informações e características pessoais e/ou profissionais que
identifiquem um profissional artista da área da dança, encontrou-se um sujeito
versátil e bem adaptado ao contexto atual de mudanças no mercado de trabalho
contemporâneo. Mudanças que, segundo Baruch (2004) consiste na migração do
padrão de carreiras lineares – estáticas e rígidas – para carreira multidirecionais –
dinâmicas e fluidas. Um sistema de emprego seguro válido para toda a vida, com
previsibilidade de ascensão e estabilidade financeira, está sistematicamente
desaparecendo, inclusive no campo da dança. Abre-se cada vez mais espaço a um
novo acordo de trabalho que coloca a relação entre empregado e empregador como
uma constante negociação aberta, o que parece estar se ampliando com a
popularização do uso de MEI, não apenas para contratações em projetos, mas até
mesmo para fazer parte de companhias e grupos.
Verifica-se que, de fato, esta nova realidade de mercado não se configura
em uma novidade para os profissionais da dança no Brasil. O bailarino em seu
contexto profissional, dificilmente se encontra em situação de ter uma organização,
seja particular ou governamental, responsável pela evolução de sua carreira.
Podemos observar neste estudo, que o profissional da dança sempre teve em suas
mãos a condução de sua carreira e os relatos indicam que superar estes e outros
desafios se faz presente ao longo de todas as trajetórias profissionais.
Entretanto encontramos uma situação frente a esta nova organização do
ambiente de trabalho que pode ampliar a noção de invisibilidade da profissão de
157

bailarino, relatada por alguns dos bailarinos entrevistados. O que nos leva a
acreditar que talvez este novo acordo de trabalho, no Brasil, ampliado com o
surgimento do MEI, se configura em um contexto que não reconhece o profissional
bailarino em sua plenitude dos números oficiais do país. A situação atual do bailarino
no país é a de uma profissão que existe e é atuante no contexto artístico e cultural,
mas não existe nos registros oficiais em sua total representatividade. A existência de
dados que subestimam o número de profissionais bailarinos ativos pode ter
implicações nas decisões de políticas públicas, incluindo diminuição de espaços de
atuação. Esta situação traz ainda problemas para a profissão como dificuldades de
posicionamento político, reivindicações profissionais, de mercado de trabalho,
salário digno, espaço de atuação, além de dificuldades no processo de construção
da identidade profissional pelo fator limitador da não valorização, preconceito e falta
de reconhecimento pela sociedade.
A análise dos dados coletados ao longo desta pesquisa explicita que a
identidade do profissional bailarino no Rio Grande do Sul passa pelo sentido
intrínseco da atividade (valores); tempo e intensidade de dedicação; e instâncias de
reconhecimento e consagração, (prêmios, audições, concursos e outros). Este
terceiro elemento demonstra que o status do artista é protegido por títulos e
certificados de outro tipo que não necessariamente um acadêmico. A notoriedade,
consagração e reconhecimento do artista passam pela consistência do percurso
artístico como: a trajetória artística (participação em concursos, prêmios); número e
tipo de apresentações (espetáculos, amostras, etc.) realizadas; reputação dos
equipamentos culturais (galerias, museus, teatros), eventos onde o artista participa;
capital social (redes de relações privilegiadas); visibilidade; tempo de dedicação e
entrega à arte; e coerência e homogeneidade do percurso. Vários destes momentos
marcantes nas trajetórias dos bailarinos foram narrados durante as entrevistas.
Constatamos que o bailarino tem paixão em exercer sua profissão, apesar
de poucos sobreviverem somente da sua “arte” de dançar. No Rio Grande do Sul,
verificamos que são profissionais submetidos à constante incerteza face à garantia
do trabalho, que dependerem de projetos artísticos que, quando contemplados, são
por tempo determinado e curto. Em sua maioria necessitam dividir-se entre várias
atividades de sua área artística: bailarino, coreógrafo, ensaiador e professor. Não
sendo raro apresentar a necessidade de dividir seu tempo com outra área de
atuação.
158

Ainda como traços que identificam o grupo, o profissional bailarino inicia sua
formação e profissionalização bem jovem, atribui importância à postura, disciplina e
compromisso, que identificam a vida profissional. Possui preocupação com o físico,
em manter o corpo em forma para a atividade física da dança. Apresenta uma
profunda identificação com a sua profissão, com o conteúdo das suas atividades e
com o estilo de vida que lhe é inerente. Apresenta um comportamento de resiliência
e persistência frente às dificuldades financeiras e é capaz de desempenhar múltiplos
papéis e profissões, lutando contra as incertezas e assumindo os possíveis riscos da
profissão. Mobiliza uma imagem positiva de ser bailarino/a. O sentimento de
frustração, vindo da desvalorização e do baixo reconhecimento de suas
competências, não traz dificuldade para a mobilização de uma imagem de si
condizente com a de um profissional realizado ou uma identidade profissional
desestabilizada, sendo que o tom de realização com a profissão, e a arte como um
todo, se faz presente em seus relatos. Apesar das dificuldades financeiras, dos
preconceitos que cercam a profissão de artista e a indicação de pouca valorização
social, o bailarino tem amor pelo que faz e orgulho de trabalhar com arte.
Observa-se, neste estudo, a popularização do uso da MEI, a falta de
representatividade nos registros oficiais, a necessidade de exercer diversas
atividades artísticas – inclusive gestor de si mesmo. Assim, para o grupo de
bailarinos entrevistados, a identidade deste profissional envolve a questão de
remuneração, tempo de dedicação e instâncias de reconhecimento.
Cabe ainda destacar que, o levantamento bibliográfico, aprofundamento e
análise de textos realizados para este estudo, além de ter se constituído
embasamento teórico para os capítulos iniciais desta tese, acerca de identidade,
profissão, formação e atuação do bailarino, com finalidade de contextualização para
este estudo, gerou material textual que foi publicado como trabalhos de eventos
(“Considerações sobre identidade no contexto dos profissionais bailarinos no RS”36 e
“Contexto profissional do bailarino: aspectos históricos”37), artigos de periódicos (“O

36
TRINDADE, Ana Ligia; MANGAN, Patrícia Kayser Vargas. Considerações sobre identidade no
contexto dos profissionais bailarinos no RS. In: FREITAS, Ernani Cesar de; SARAIVA, Juracy
Assmann; HAUBRICH, Gislene Feiten (Orgs.). Diálogos interdisciplinares: cultura, comunicação
e diversidade no contexto contemporâneo [recurso eletrônico]. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale,
2017. ISBN 978-85-7717-207-8. p. 81-94.
37
TRINDADE, Ana Ligia; MANGAN, Patrícia Kayser Vargas. Contexto profissional do bailarino:
aspectos históricos. In: JORNADAS MERCOSUL, 4., 2016, Canoas. Anais... Canoas: Unilasalle,
2016. p. 385-397.
159

bailarino e seu contexto profissional: um estudo acerca da identidade profissional”38


e “O bailarino no Brasil é um profissional ou uma microempresa? Discussões acerca
da MEI como forma de atuação profissional”39) e capitulo de livro (“Transmissão e
memória: reflexões no contexto da dança”40). Há ainda um artigo em avaliação
(intitulado “A arte da dança e seu contexto profissional”), que pode ser considerado o
embrião do capítulo 4.
Acredita-se que a compreensão do processo de constituição identitária do
profissional bailarino traga contribuições para sua formação e melhoria de sua
prática nas Companhias, o que resultaria em melhor qualidade no seu ambiente de
trabalho, bem como, das condições e consequentemente no espetáculo e nas artes.
A intenção, entretanto, não foi a de chegar a uma conclusão final, uma vez que se
considera o caráter da transitoriedade das configurações identitárias e das imagens
do bailarino. Por se tratar de um fenômeno tão móvel, inconstante, mutante e
líquido, consideramos identidade um tema a ser sempre reanalisado conforme
contexto social, político, histórico e cultural, permitindo desta forma a realização de
desdobramentos desta pesquisa. Contudo, considera-se que o desenvolvimento
desta pesquisa trouxe esclarecimentos acerca de memória e identidade profissional
na área da dança, gerando material de estudo e consistindo também em
contribuição acadêmica.
Assim, consideramos também que muitas indagações e questionamentos
que surgiram ao longo deste estudo servirão de embrião para futuros trabalhos de
pesquisa como levantamentos quantitativos acerca da profissão em arte, para
análise acerca da idade de iniciação na formação informal em dança, avaliação da
diferença quanto a gênero e nível econômico-social, correlacionamento da
disponibilidade de equipamentos culturais e de verbas públicas e editais de projetos
culturais com número de companhias e espetáculos. Finalmente, todo o material
transcrito também permitirá análise sob outros vieses.

38
TRINDADE, Ana Ligia; MANGAN, Patrícia Kayser Vargas. O bailarino e seu contexto profissional:
um estudo acerca da identidade profissional. R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.
15, n. 2, p. 01-19, set./dez. 2018. DOI: 10.5007/1807-1384.2018v15n3p01.
39
TRINDADE, Ana Ligia; MANGAN, Patrícia Kayser Vargas. O bailarino no Brasil é um profissional ou
uma microempresa? Discussões acerca da MEI como forma de atuação profissional. Revista
Moringa, v. 1, n. 1, p. 29-48, 2019. DOI: https://doi.org/10.22478/ufpb.2177-8841.2019v1n1.46468
40
TRINDADE, Ana Ligia; MANGAN, Patrícia Kayser Vargas. Transmissão e memória: reflexões no
contexto da dança. In: BERND, Zilá; MANGAN, Patrícia Kayser Vargas. Memória cultural,
herança e transmissão. Canoas: Ed. Unilasalle, 2017. p. 113-126.
160

Referências
161

REFERÊNCIAS

ABBOTT, A. The system of professions. Chicago: University of Chicago Press,


1988.

AGOSTINI, Bárbara Raquel. Como as bailarinas clássicas percebem seus corpos


sob a influência da cultura corporal da dança: um estudo que aborda corpo e
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2010, Ceará. Anais... Ceará: Universidade Federal do Ceará, 2010. Disponível em:
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169

APÊNDICES
170

APÊNDICE A – Diário de Campo – roteiro


171

APÊNDICE B – Questionário
Informações para o(a) participante voluntário(a):
Você está convidado(a) a responder este questionário que faz parte da coleta de dados da
pesquisa “Identidade do Profissional Bailarino no Rio Grande do Sul”, sob responsabilidade do(a)
pesquisador(a) Ana Ligia Trindade, sob orientação do(a) Prof (a) Dr(a) Patrícia Kayser Vargas
Mangan. Caso você concorde em participar da pesquisa, leia com atenção os seguintes pontos: a) você
é livre para, a qualquer momento, recusar-se a responder às perguntas que lhe ocasionem
constrangimento de qualquer natureza; b) você pode deixar de participar da pesquisa e não precisa
apresentar justificativas para isso; c) sua identidade será mantida em sigilo; d) caso você queira,
poderá ser informado(a) de todos os resultados obtidos com a pesquisa, independentemente do fato de
mudar seu consentimento em participar da pesquisa.

Favor marcar com um X a sua opção.

1. Sexo:
Masculino Feminino

2. Idade: _________________

3. Nível de formação:
Doutorado Mestrado Especialização

Graduação Outro

4. Curso:
Dança (Bailarino/Bacharel) Outro
Se outro, qual? _______________________

5. Tipo de formação profissional (Bailarino):


Informal (Academias/Escolas) Formal (Faculdades/Universidades)

6. Tempo de formação (Bailarino):


1 ano ou menos mais de 1 a 3 anos mais de 3 a 5 anos

mais de 5 a 10 anos mais de 10 anos

7. Tempo de atuação como bailarino:


1 ano ou menos mais de 1 a 3 anos mais de 3 a 5 anos

mais de 5 a 10 anos mais de 10 anos

8. Registro profissional (Bailarino):


DRT SATED Outro

9. Tempo em que você está na empresa (Companhia/Grupo):


1 ano ou menos mais de 1 a 3 anos mais de 3 a 5 anos

mais de 5 a 10 anos mais de 10 anos

10. Carga horária diária:


4 horas 6 horas 8 horas
Outra. Qual: ______
172

APÊNDICE C – Roteiro de Entrevista (Direção – R1)

ENTREVISTA/DIREÇÃO – R1
DADOS GERAIS

Entrevistadora: _____________________________________________________________

Entrevistado: _______________________________________________________________

Local: ___________________________________________ Data: ___________________

Horário de início: ____________________ Horário de término: _____________________

ROTEIRO – QUESTÕES FIXAS

1 – Descreva a estrutura de sua Cia., como funciona, etc.


(Investigar acerca da organização e funcionamento da Cia./Grupo de Dança e como surgiu a
CIA./Grupo)

2 – Sua Cia. Tem algum registro como empresa, como CNPJ, ou outro tipo de registro?
(Verificar registro de empresa ou semelhante e como é realizado pagamento dos profissionais)

3 – Como a Cia. realiza a seleção dos profissionais bailarinos, como é feita a contratação?
(Verificar se a seleção é realizada através de audição (critérios) ou semelhante e como é realizada a
contratação, porque selecionou esta forma)

4 – Como a situação política e cultural do país afeta sua Cia.?


(Investigar situação política, social e cultural da Cia./Grupo frente ao mercado e acerca do profissional
bailarino)

6 – Quais suas expectativas de futuro?


(Verificar expectativas de futuro para a Cia./Grupo)

ROTEIRO - QUESTÔES ALTERNATIVAS

7 – Você realiza outras atividades que não a de diretor na Cia./Grupo? Qual(is)?


(Investigar a necessidade de atuação em outras atividades)

8 – O que você vê de negativo e positivo nisso?


(Verificar as comparações entre as/os ofícios/profissões de bailarinos e outros)
173

APÊNDICE D – Roteiro de Entrevista (Bailarino(a) – R2) / versão 1

ENTREVISTA/BAILARINO – R2

DADOS GERAIS

Entrevistadora: _____________________________________________________________

Entrevistado: _______________________________________________________________

Local: ___________________________________________ Data: ___________________

Horário de início: ____________________ Horário de término: _____________________

ROTEIRO – QUESTÕES FIXAS

1 – Fale um pouco sobre sua formação como bailarino.


(Investigar acerca da formação do bailarino, sê formal ou informal, suas motivações, etc.)

2 – Em qual momento você se sentiu um profissional na sua área (dança)?


(Detectar o que ele considera que o fez profissional)

3 – Você acredita ter obtido as competências definidas em sua graduação em Dança, e as utiliza em sua
profissão e atuação dentro da Cia./Grupo?
(Verificar ligação formação/atuação na profissão)

4 – Você tem alguma outra profissão ou oficio além de bailarino? Qual? Por quê?

5 - Você se sente valorizado no dia-a-dia de seu trabalho como bailarino?


(Investigar se o profissional se sente reconhecido no trabalho e quem o reconhece – os colegas bailarinos,
outros profissionais da dança, público e/ou familiares)

6 – Já se sentiu desvalorizado em alguma situação?


(Investigar se o entrevistado já se sentiu desrespeitando por colegas bailarinos, outros profissionais da dança,
público e/ou familiares)

7 – Você detectou algum problema em declarar sua profissão de bailarino?


(Investigar se o profissional se sente constrangido por afirmar ser bailarino e porque)

8 – Você se realiza com sua profissão de bailarino?

9 – Qual a sua projeção para o futuro? Quais as suas expectativas?

ROTEIRO - QUESTÔES ALTERNATIVAS

10 – Você realiza outras atividades que não a de bailarino na Cia./Grupo? Qual(is)?


(Investigar a necessidade de atuação em outras atividades)

11 – O que você vê de negativo e positivo nisso?


(Verificar as comparações entre as/os ofícios/profissões de bailarinos e outros)
174

APÊNDICE E - Roteiro de Entrevista (Bailarino(a) – R2) / versão 2

ENTREVISTA/BAILARINO – R2
DADOS GERAIS
Entrevistadora: ______________________________________________________________________
Entrevistado: ________________________________________________________________________
Local: _______________________ Data: ________ Horário de início: ____ Horário de término: _____

ROTEIRO – QUESTÕES FIXAS


Formação Profissional
1 – Fale um pouco sobre sua formação como bailarino (formal ou informal, suas motivações para a escolha de ser
bailarino, etc.)

2 – Caso você tenha alguma formação formal, você acredita ter obtido as competências definidas em sua graduação em
Dança, e as utiliza em sua profissão e atuação dentro da Cia./Grupo? (analise a ligação formação/atuação na profissão)

3 – Você tem alguma outra profissão ou oficio além de bailarino? Qual? Por quê?

4 – Em qual momento você se sentiu um profissional na sua área (dança)? (o que você considera que o fez profissional)

Cotidiano Profissional / Atuação


5 – Como é seu dia-a-dia na profissão?

6 - Você se sente valorizado no dia-a-dia de seu trabalho como bailarino; ou já se sentiu desvalorizado em alguma
situação? (se sente reconhecido no trabalho e quem o reconhece – os colegas bailarinos, outros profissionais da dança,
público e/ou familiares ou já se sentiu desrespeitando por colegas bailarinos, outros profissionais da dança, público
e/ou familiares)

7 – Você detectou algum problema em declarar sua profissão de bailarino? (se sente ou, alguma vez se sentiu
constrangido por afirmar ser bailarino e porque)

8 – Você se realiza com sua profissão de bailarino?

9 - O que acha sobre os espaços de atuação da profissão (oportunidades e mercado de trabalho no Rio Grande do Sul e
Brasil)

Carreira
10 - Houve um crescimento de cursos de dança no Brasil e no Rio Grande do Sul. Você acha que isso está
influenciando nas oportunidades de trabalho na área? (formação formal do profissional está modificando o contexto
profissional e de trabalho?)

11 - O que significa ser bailarino profissional para você? E qual a sua projeção para o futuro? Quais as suas
expectativas?

QUESTÔES ALTERNATIVAS
12 – Você realiza outras atividades que não a de bailarino na Cia./Grupo? Qual(is)? (Investigar a necessidade de
atuação em outras atividades)

13 – O que você vê de negativo e positivo nisso? (Verificar as comparações entre as/os ofícios/profissões de bailarinos
e outros)

QUESTÔES INCLUIDAS 2018\2019


14 – Você tem MEI? Por quê?

15 – Você está a par da nova tramitação da ADPF 293 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental)? Sabe do
que se trata?
175

APÊNDICE F - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

O presente termo destina-se


destina a esclarecerr ao participante da pesquisa intitulada
”Cenário
Cenário Profissional da Dança no século XXI: identidade do profissional bailarino no Rio
Grande do Sul”, ”, sob responsabilidade do(a) pesquisador(a) Ana Ligia Trindade, sob
orientação de Patrícia Kayser Vargas Mangan,
Mangan do curso de Doutorado Interdisciplinar em
Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle, os seguintes aspectos:

Objetivos: investigar a identidade de bailarinos profissionais considerando suas


experiências de formação e atuação, realizar um estudoestudo da identidade ao longo de uma
trajetória de vida, com foco na profissionalização e percorrendo todo o caminho de escolha
da profissão até sua efetivação nas ações artísticas da área da dança no RS, reconhecer e
analisar traços identitários construídos
construídos ao longo do processo de profissionalização desde a
escolha da profissão de bailarino, formação inicial e inserção profissional.

Metodologia: a pesquisa tem abordagem qualitativa e de procedimentos técnicos como


pesquisa bibliográfica, documental e de levantamento
levantamento de dados. É uma investigação
descritiva-exploratória
exploratória e interpretativa, utilizando como instrumentos de coleta de dados o
questionário e entrevista semiestruturada individual. As informações coletadas na entrevista
serão utilizadas para proporcionar
proporcio conhecimentos teórico-práticos
práticos aos profissionais de
Memória Social, Cultura e Dança,
Dança contribuindo para a atuação destes profissionais.

Justificativa e Relevância: constatou-se


se que o tema da identidade, dentro do ambiente
teórico da memória social e relacionado
relacionado ao profissional da dança, ainda não foi estudado,
principalmente no Estado do Rio Grande do Sul, considerando a diversificação que se
apresenta na formação e atuação do bailarino nesta primeira década do século XXI.

Participação: serão convidados


convidados a participarem da investigação 4 grupos profissionais,
sendo 2 Cias. e 2 grupos independentes. Os integrantes dos grupos serão convidados a
responderem um questionário. A partir deste questionário serão selecionados alguns
elementos, seguindo critérios pré-estabelecidos,
p estabelecidos, para participação em entrevista. O local,
hora e dias de realização das entrevistas serão escolhidas pelos selecionados.

Garantia de esclarecimento: esclarecimentos adicionais sobre a investigação poderão ser


solicitados pelo entrevistado
entrevistad em qualquer momento da pesquisa.

Participação Voluntária: a participação no projeto é voluntária e livre de qualquer forma de


remuneração e o entrevistado pode retirar seu consentimento em participar da pesquisa a
qualquer momento.

Ao assinar este documento,


documento, estou consentindo formalmente em responder
questionário e,, sê selecionado, ser entrevistado pelo(a) pesquisador(a) Ana Ligia Trindade,
176

aluno(a) do Programa de Doutorado Interdisciplinar em Memória Sociais e Bens Culturais,


da Universidade La Salle. Recebi do(a) pesquisador(a) as seguintes orientações:
1 Receberei um questionário impresso para responder e entregar com prazo pré-
estabelecido. Posteriormente serão selecionados alguns bailarinos para entrevista e os
critérios de seleção serão informados a todos.
2 Sê selecionado, a entrevista será uma conversa informal entre o pesquisador e eu,
abordando temas de roteiro previamente elaborado, sendo realizada em um lugar isolado e
privativo e será gravada. Após transcrição e análise dos dados coletados nas entrevistas, o
conteúdo das gravações será arquivado e depois de dois anos completamente apagados;
2 As informações coletadas durante a entrevista, serão sintetizadas pelo pesquisador. No
final da entrevista, o pesquisador lerá a síntese para que eu corrija e confirme o que foi
anotado;
3 O conteúdo da gravação também será mostrado para que eu avalie e aponte trechos a
serem deletados, caso não concorde com o conteúdo;
4 A minha participação na pesquisa será voluntária. Concordando ou recusando em
participar, não obterei vantagens ou serei prejudicado. Não serei obrigado a responder todas
as perguntas, podendo interromper ou cancelar a entrevista a qualquer momento. Não
haverá ônus financeiro para nenhuma das partes.
5 Necessitando outros esclarecimentos sobre a minha participação na pesquisa, ou
querendo cancelar a entrevista realizada, entrarei em contato pessoal com o pesquisador ou
pelo telefone: (51) 999624648.
6 Este documento será emitido em duas vias: uma delas será entregue ao entrevistado e
outra a ser arquivada pelo pesquisador

Consentimento para participação: Eu estou de acordo com a participação no


estudo descrito acima. Eu fui devidamente esclarecido quanto os objetivos da pesquisa e
aos procedimentos aos quais serei submetido. Os pesquisadores me garantiram
disponibilizar qualquer esclarecimento adicional que eu venha solicitar durante o curso da
pesquisa e o direito de desistir da participação em qualquer momento, sem que a minha
desistência implique em qualquer prejuízo à minha pessoa, bem como de que a minha
participação neste estudo não me trará nenhum benefício econômico.

Eu, ___________________________________________________, aceito


livremente participar do estudo intitulado “Cenário Profissional da Dança no século XXI:
identidade do profissional bailarino no Rio Grande do Sul” do(a) pesquisador(a) Ana Ligia
Trindade, sob orientação de Patricia Kayser Vargas Mangan, do curso de Doutorado
Interdisciplinar em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle.

____________________, __ de ______ de 2017.


(Local) (Data)

__________________________________

Assinatura (participante)
177

APÊNDICE G – Tabela de Pessoas Ocupadas na Área da Dança por Região 2013/2017

Tabela de Pessoas Ocupadas na Área da Dança por Região - 2013/2017


(ocupações segundo CBO 2002)
Assistente Bailarino Coreógrafo
de (exceto danças Dramaturgo Ensaiador Professor Dançarino Dançarino
REGIÃO coreografia populares) de dança de dança de dança tradicional popular Total
2013
Região Norte 9 67 6 1 10 140 0 4 237
Região Nordeste 43 120 64 2 15 777 15 40 1076
Região Sudeste 113 335 116 6 121 1673 42 133 2539
Região Sul 20 110 20 5 27 1176 22 48 1428
Região Centro-Oeste 26 12 13 0 5 351 6 3 416
Total 211 644 219 14 178 4117 85 228 5696
Todas as ocupações (exceto as listadas acima): 1.560.967 - TOTAL GERAL: 1.566.663
2014
Região Norte 15 59 6 0 8 228 0 8 324
Região Nordeste 32 113 70 4 14 812 87 51 1183
Região Sudeste 108 351 106 7 132 1811 27 91 2633
Região Sul 19 114 32 0 28 1210 25 45 1473
Região Centro-Oeste 16 10 9 0 6 371 3 3 418
Total 190 647 223 11 188 4432 142 198 6031
Todas as ocupações (exceto as listadas acima): 1.631.328 - TOTAL GERAL: 1.637.359
2015
Região Norte 9 54 7 1 8 246 0 5 330
Região Nordeste 35 92 76 5 17 1015 53 30 1323
Região Sudeste 90 443 103 7 128 1965 22 111 2869
Região Sul 24 142 27 0 28 1269 23 40 1553
Região Centro-Oeste 21 8 10 0 4 420 1 5 469
Total 179 739 223 13 185 4915 99 191 6544
Todas as ocupações (exceto as listadas acima): 1.582.250 - TOTAL GERAL: 1.588.794
2016
Região Norte 8 57 10 0 9 233 1 6 324
Região Nordeste 27 74 70 3 15 988 34 28 1239
Região Sudeste 94 406 97 1 149 2024 24 94 2889
Região Sul 22 109 21 0 35 1475 21 38 1721
Região Centro-Oeste 22 7 9 0 6 407 1 5 457
Total 173 653 207 4 214 5127 81 171 6630
Todas as ocupações (exceto as listadas acima): 1.561.505 - TOTAL GERAL: 1.568.135
2017
Região Norte 25 57 7 0 8 225 0 6 328
Região Nordeste 23 93 26 2 17 925 40 50 1176
Região Sudeste 79 402 91 1 110 2095 22 94 2894
Região Sul 14 134 25 0 44 1249 20 39 1525
Região Centro-Oeste 13 7 9 0 8 423 1 7 468
Total 154 693 158 3 187 4917 83 196 6391
Todas as ocupações (exceto as listadas acima): 1.653.276 - TOTAL GERAL: 1.659.667
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do RAIS, 2019 - consulta em maio de 2019.
178

ANEXOS
179

ANEXO A – Tabelas RAIS consultadas


180
181

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