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PRÁTICAS EDUCATIVAS, MEMÓRIAS E ORALIDADES

Rev.Pemo – Revista do PEMO

Reflexões sobre cibercultura e subjetividade na sociedade tecnológica e na


formação de meninas: as contribuições de Deleuze e Guattari

ARTIGO
Maria Janete de Limai
Universidade Federal de Campina Grande, Cajazeiras, PB, Brasil
1
Resumo
Trata-se aqui da reflexão das relações entre cibercultura e subjetividade na
perspectiva social, cultural e intelectual das meninas e da escola. O objetivo é
problematizar a atualidade das tecnologias, os impactos na vida dos indivíduos e
o poder de controle no contexto da educação e da escola brasileira. A partir das
teorias de Lévy (1999), de Han (2017) e de Adichie (2009), as reflexões
conceituais de Deleuze e Guattari (1995, 1996, 1998) pelo viés da cartografia,
apresentamos as falas de meninas entrevistadas sobre a convivência e uso das
redes sociais e a contribuição destas para a educação. Na contramão, surgem as
formas de resistência, como diz Deleuze, o devir não permite identidades
estáticas, mas sim linhas de fuga, movimentos intensos, na multiplicidade que
permitem novas conexões e transformações. Acredita-se que, para o grupo
pesquisado, a problematização proposta pode reverberar em uma compreensão
ampliada das meninas sobre as mídias digitais que perpassam a vida em
sociedade, sobre os modelos de aprendizagem e sobre a formação dos indivíduos.
Palavras-chave: Educação. Cibercultura. Subjetividade. Tecnologias.
Cartografia.

Reflections on Cyberculture and subjectivity in technological society and at


school: the contributions of Deleuze and Guattari

Abstract
This is a reflection on the relationships between cyberculture and subjectivity from
the social, cultural and intellectual perspective of girls and school. The objective is
to problematize the current nature of technologies; the impacts on the lives of
individuals and the power of control in the context of education and Brazilian
schools. Based on the theories of Lévy (1999), Han (2017) and Adichie (2009), the
conceptual reflections of Deleuze and Guattari (1995, 1996, 1998) from the
perspective of cartography, we present the speeches of girls interviewed about the
coexistence and use of social networks and their contribution to education. In the
opposite direction, forms of resistance emerge, as Deleuze says, becoming does
not allow for static identities; but lines of flight, intense movements, in the
multiplicity that allow new connections and transformations. It is believed that, for
the researched group, the proposed problematization can reverberate in an
expanded understanding of girls about the digital media that permeate life in
society, about learning models and about the formation of individuals.
Keywords: Education. Cyberculture. Subjectivity. Technologies. Cartography.

Rev. Pemo, Fortaleza, v. 6, e11934, 2024


DOI: https://doi.org/10.47149/pemo.v6.e11934
https://revistas.uece.br/index.php/revpemo
ISSN: 2675-519X
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1 Introdução

Este artigo se situa no âmbito de uma análise das relações entre cibercultura e
subjetividade na perspectiva social como forma de ver e viver. Nesse sentido, propomos
uma reflexão sobre a sociedade de controle, representada nas redes sociais e na internet.
2 Destacamos a constituição dessa sociedade de controle nos aspectos referentes ao
domínio do capital e dos grupos responsáveis pelas grandes empresas, como Google e
Meta, que têm como objetivo o lucro e o capital financeiro, mesmo que para isso tenham
que passar por cima de valores como humanidade, empatia, amor à vida. Também
buscamos compreender a relação de um grupo de meninas com essas tecnologias e
mídias sociais e a relação com a escola.
O objetivo é problematizar a influência e a contribuição das tecnologias e mídias
sociais, bem como os impactos na vida dos indivíduos e o poder de controle no contexto
social e educacional. A motivação inicial deste texto se fez ao ler e ouvir notícias
impactantes sobre quão vulnerável a sociedade e as famílias em especial se encontram.
São tantos temas e assuntos divulgados pelo que se popularizou como tecnologia de rede
e cibercultura que observamos uma população atordoada, disputando quem sabe mais
sobre determinado episódio ou assunto.
A aparência e a vida social do outro passa a ser objeto de consumo por parte de
alguns indivíduos. A necessidade de aceitação da opinião do outro se constitui em
aspectos da preservação de uma espécie. Essa espécie é formada por crianças, jovens e
adultos dominados pelas redes sociais e mídias, que são seduzidos por um modelo de
comunicação que, por sua vez, descobriu formas de se estabelecer através do
conhecimento das características básicas dos indivíduos contemporâneos.
Ao longo do texto, reflete-se sobre as relações entre essa forma de controle da
sociedade contemporânea, relacionando-as com alguns conceitos de autores e teóricos e
desenvolvendo uma inserção de conceitos de Deleuze e Guattari (1996, 1995, 1998),
Foucault (1987), Lévy (1999), Han (2017), Adichie (2009). Isso é feito como uma
alternativa para compreender um novo modo de conexão na/com a sociedade das mídias

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sociais e tecnologia da informação. A discussão é focada no viés cartográfico, com a


análise de entrevistas dialogadas com três meninas sobre o tema tecnologias e mídias
sociais na educação e na vida em sociedade. Por fim, essa escrita é uma inquietação,
uma forma de dizer que existem maneiras diversas de ver e viver a vida, e nela não cabem
modelos e formas unificadoras.
3
2 Revisitando conceitos para compreender essa sociedade tecnologizada

Para o escritor e filósofo Pierre Lévy (1999), que há 30 anos escreve sobre
tecnologias e realidade virtual, a cibercultura se revela como um conjunto de técnicas
materiais e intelectuais, práticas, atitudes, formas de pensar e valores que se desenvolvem
com o crescimento do ciberespaço. Tornando-se um fluxo ininterrupto de ideias, ações e
representações entre pessoas de vários espaços e lugares físicos conectadas por
computadores.
O estabelecimento e estruturação da cibercultura, ou cultura da Internet, teve
início com o surgimento da microinformática nos anos 1970, numa convergência
tecnológica com a ampliação e acesso ao computador pessoal. Quando questionado
sobre o poder da tecnologia, o autor reflete: “As possibilidades tecnológicas são como um
espelho que nos faz refletirmos nele, e ver o melhor que há em nós. E também o pior”
(Lévy, 1999, p. 26). Para além da afirmação, Lévy se revela um firme defensor das
possibilidades educativas, culturais e sociais das tecnologias e mídias digitais, mas
também coloca em destaque e apresenta os perigos que perpassam essa forma de
comunicação social.
Lévy (1999) se pergunta se o crescimento do ciberespaço aprofundará ainda mais
o abismo social quanto ao acesso daqueles que não tem poder econômico para fazer uso
das tecnologias. Ele reconhece que o capital financeiro internacional, as novas formas de
globalização e o neoliberalismo são os maiores interessados no crescimento e uso dos
meios mais sofisticados de comunicação e virtualidade.

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Ainda na esteira das reflexões de Lévy (1999), o autor questiona quem determina
quem, ou seja, se as tecnologias têm o poder de determinar a sociedade e a cultura, ou
se a evolução do ciberespaço seria uma evolução natural da civilização. Concordamos
com o autor; uma técnica não é boa, má ou neutra, o que a determina são os usos que se
faz dela. Não se pode nutrir ilusões de que esses artefatos tecnológicos são de uso
4 universais e acessíveis, e que potencialização a todos os indivíduos e classes sobre suas
formas de funcionamento, não somente como consumidores, já que as tecnologias digitais
reinventam um novo mercado de informação e formas de conhecimento.
No tocante à educação, o autor destaca duas formas de a escola acompanhar a
nova relação com o saber que as tecnologias apresentam. A primeira está relacionada ao
ensino a distância; a segunda está relacionada ao monopólio da produção do
conhecimento pela escola e pela universidade.
Considerando que este livro foi escrito na década de 1990, se contextualizarmos
o ano de 2023, o autor teria outras preocupações sobre o uso das tecnologias, mídias
sociais e digitais. Primeiro, o ciberespaço não foi pensado para a escola e para a
universidade, e sim para o mercado de capitais e financeiro, visando o lucro de empresas
que investem bilhões para criar essas tecnologias. Segundo, considerando a escola
pública e a universidade brasileira, ambas não se prepararam para esse movimento de
inclusão tecnológica; a prova disso foi o impacto da Pandemia da Covid-191, que teve
como alternativa usar algumas mídias e tecnologias digitais, mas enfrentaram grandes
dificuldades, por parte das instituições, dos educadores e principalmente dos educandos;
dificuldades materiais, físicas e econômicas comprovando assim o quanto a acessibilidade
digital se restringe às redes sociais como Instagram e WhatsApp.
Não temos interesse em dissecar a obra do autor, porém um elemento a destacar
é quando Lévy (1999) apresenta um novo papel para os educadores e a aprendizagem
coletiva, pensando numa mudança qualitativa quanto aos processos tradicionais de ensino
e aprendizagem, num modelo de aprendizagem cooperativa. Ainda se vão longos anos

1
Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela Organização Mundial de Saúde como uma
pandemia, pelo alcance e a distribuição geográfica da doença.

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para que a infraestrutura que o ciberespaço proporciona se torne social e tecnicamente


inclusiva.
Avançando na reflexão e na contramão de Lévy, incluímos neste texto as análises
de Han (2017), que trazem outra perspectiva sobre o avassalador crescimento e domínio
das tecnologias, mídias digitais e suas formas de inserção na vida pessoal, social e
5 econômica dos indivíduos. Na obra Sociedade do Cansaço (2017), o filósofo sul-coreano
Byung-Chul Han destaca as doenças que acometem a sociedade e seus indivíduos, de
modo que as tecnologias são alvo do consumo que consome os usuários.
Fornasier et al. (2021) considera que, na sociedade do cansaço descrita por Han,
o homem como um todo se transforma numa máquina do desempenho, obrigatoriamente
funcionando livre de perturbações e sempre maximizando tal desempenho.
Cordeiro e Miranda (2018) ressaltam que, embora os indivíduos sejam livres e
estejam hiper conectados, não se dão conta de que o excesso de exposição nas redes
sociais acaba por estabelecer uma autoexploração por conta da autoexposição, fazendo
dos sujeitos, ao mesmo tempo, senhores e escravos de si mesmos.
A imersão excessiva no mundo digital tem gerado consequências irreversíveis
para diversos grupos sociais. Estar o tempo todo conectado às redes sociais tem
provocado cansaço excessivo dos corpos e mentes e, com isso, uma imensa expansão
dos problemas de saúde, como sedentarismo, miopia, transtorno de desvio de atenção,
depressão, dismorfia corporal e ansiedade.
A expressão mais linda e potente que vimos nos últimos tempos, na tentativa de
compreender a relação dos indivíduos com a cibercultura e a sociedade do controle vem
do vídeo intitulado "O Perigo de uma História Única", de Chimamanda Ngozi Adichie. Na
série de conferências Tecnologia, Entretenimento, Design (TED) em 2009, a escritora
nigeriana inicia sua fala explicando sua condição de vida num país africano, sua
descoberta da literatura por meio de contos de países europeus e como sua escrita estava
sugestionada pelo que lia e descontextualizada de sua realidade. Durante toda a
conferência, Adichie (2009) revela a trama perigosa de viver tendo como referência
apenas um lado da história ou uma única forma de ver o mundo. Como sabemos, o

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continente africano foi colonizado por vários países europeus e teve muitos países e suas
populações escravizadas por terem a pele negra e nenhum poder econômico; populações
essas que buscam reconstruir sua história cultural, política, econômica e social.
A fala de Adichie traz à mente o Brasil e sua forma de colonização por um país
europeu, a quase dizimação de sua população originária e as formas de aculturação pelos
6 Estados Unidos da América. Ainda impactadas pela escritora nigeriana, procuramos
contextualizar a influência cultural e literária sofrida pela população brasileira. Ousamos
dizer que a escola, em específico, tem uma grande contribuição nesse processo. Nos dois
países, Brasil e Nigéria, acabam por eleger modelos de vida, de comunicação, de
economia, de cultura, ora europeus, ora norte-americanos. Outro fato que nos aproxima
de Adichie sobre a história vista de um único modelo é o que se vê na sociedade
tecnológica quando alguém diz que não tem smartphone ou rede social, e logo lhe
perguntam: “De que planeta você veio?”.
Neste ponto da escrita, procuramos não ser pessimistas nem tão pouco
preconceituosas com as redes sociais e tecnologias digitais, mas sim estabelecer um elo
entre a sociedade tecnológica e os pontos positivos que ela pode suscitar. Por exemplo,
ao possibilitar o poder da escrita e as formas de expressão literária, as palestras e livros
de Adichie permitiram que ela mostrasse seu modo de ser mulher, nigeriana e escritora.
Nessa mesma esteira, Lévy (1999) e seus estudos sobre cibercultura não teriam tido um
alcance tão amplo sem o uso das tecnologias digitais para desenvolver e divulgar suas
pesquisas. Do mesmo modo, Han (2017) e seu debate filosófico e contemporâneo não
teriam alcançado o mundo sem os caminhos da rede, sem o alcance que as mídias sociais
promovem.
Ainda nessa linha de reflexão, incluímos o contexto da educação, especialmente
a crise da pandemia da Covid-19, que aproximou as tecnologias da comunicação e uso
das mídias sociais como recurso tecnológico e pedagógico, considerando que o mundo
estava fisicamente isolado, porém interligado tecnologicamente. Entre março de 2020 e
dezembro de 2021, contabilizaram-se as contribuições metodológicas dos recursos
promovidos pela internet. Plataformas se converteram rapidamente em redes

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educacionais e ferramentas foram adaptadas. No entanto, ao fim desse período, em 2022,


os dados de uma pesquisa quantitativa denominada “Educação brasileira em 2022 a voz
de adolescentes”, patrocinada pelo Unicef, apresentam evasão, repetência e perdas
cognitivas e de aprendizagem entre os estudantes da educação básica, especialmente no
processo de alfabetização escolar.
7 Durante o período de 2020 a 2022, enquanto professora de curso universitário e
estudante de doutorado, tivemos a oportunidade de vencer desafios, descobrir novos
caminhos, aprender e torcer para que a crise sanitária fosse superada e os locais de
ensino reabertos. Poderíamos passar horas contando e revelando aspectos positivos e
negativos desse período, porém esta escrita se realiza num período de reorganização da
vida, com o objetivo de fazer uma análise com um viés mais político do que didático.

3 Alguns conceitos sobre Foucault, Deleuze e Guattari para a compreensão das


redes sociais e tecnologias da comunicação, educação e a sociedade de controle

Para Deleuze (1996), Foucault (1987), como pensador social, falava de uma
sociedade disciplinar que funcionava por meio do confinamento, seja nos hospitais, na
fábrica ou na escola. No entanto, ele já apontava que as sociedades de controle estavam
se estabelecendo por meio da cibernética e dos computadores. Nesse contexto, o que
estariam sendo pensados eram novos modelos de prescrição para a escola, a formação e
uma mutação das formas de trabalho. A fábrica foi substituída pela empresa, surgiram
trabalhos temporários, trabalhos em casa/remoto e novas formas de distribuição de
produtos. Deleuze (1996, p. 219), ao tratar da “sociedade de controle”, afirma que esta é
um refinamento e uma expansão do conceito foucaultiano de segurança, já que esboçou
uma sociedade contemporânea consolidada na prática da biopolítica.

Foucault nos mostrou a “sociedade de seqüestro”, Deleuze aquela do controle, a


da “fabricação da miséria humana”. Contra as sanções dos muros, a abertura de
fendas; contra o sujeito do humanismo, o sujeito em suas relações, ou seja, a
construção do sujeito. É preciso revelar os processos biopolíticos de uma certa
estetização da vida, de um certo controle da vida. Talvez nessas palavras
deleuzianas encontremos o que ele tanto suscitou: “resistência ao presente”
(Ângelo, 2017, p. 7-8).

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Ao identificar a lógica da sociedade de controle, Deleuze (1996) revela a forma


analógica e numérica de sua linguagem. A empresa promove modelos de competição
entre os indivíduos, e a liberdade de criação de games, plataformas, streaming e formas
de comunicação são apresentados como formação permanente. Os jovens são
rapidamente identificados como os profissionais aptos para essas empresas. Segundo
8
Deleuze (1996), “As sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira
espécie, máquina de informática e computadores” (p. 223). Dentro de um contexto
econômico, é um “capitalismo que vende serviços e compra ações”, e a propaganda é a
alma do controle social (p. 223).
Não temos interesse em um estudo técnico sobre a sociedade de controle e os
mecanismos que a permeiam, mas sim problematizar e introduzir elementos teóricos sobre
a atualidade das tecnologias digitais, redes sociais e a sociedade de controle, em especial
o alcance e a influência sobre os jovens no contexto da sociedade brasileira.
Para isso, optamos pela inserção de Deleuze e Guattari (1995), a partir da
articulação dos conceitos de agenciamento, território, diferença e sujeito-máquina, num
movimento de construir conexões com a filosofia deleuziana para a compreensão da
complexidade da sociedade tecnologizada e das relações com a educação, sem nenhuma
pretensão de apresentar fórmulas generalizantes.
Ao introduzir o termo mecanismos de controle, Gallo (2003) identifica a escola
como tendo função de formar os estudantes, garantindo-lhes acesso ao sistema formal e
ideológico, e incluindo-os no mundo da produção. Desse modo, a escola executa
atividades de controle social. Assim, a disciplinarização, o controle e as formas de
avaliação são instrumentos de poder e controle. No contexto da sociedade de controle, a
escola vai sendo eventualmente substituída por empreendimentos abertos, no sentido de
maior autonomia e tecnificação da escola, numa relação mais estreita com as empresas.
Gallo (2003, p. 112) nos coloca algumas provocações que consideramos pertinentes: “Não
temos sido, nós mesmos, os vetores da consolidação das sociedades de controle no

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âmbito da educação? São questões que um devir-Deleuze na educação nos coloca, de


forma a fazer proliferar o pensamento, e não a paralisá-lo”.
Amparadas nestas provocações, passamos a inserir modos de ver a pesquisa
segundo Deleuze e Guattari (1996), procurando interligar as formas usadas na sociedade
de controle e as tecnologias e mídias sociais, no sentido de sua forte influência sobre os
9 jovens, que na maioria das vezes negligenciam a escola pelas redes sociais.
Concordamos com Gallo (2003) que a aplicação do conceito de rizoma na educação e nos
processos educacionais impõe formas profundas de repensar, que vão desde o currículo
até a multiplicidade das áreas do conhecimento.
Nesse sentido, Deleuze e Guattari (1996) falam de uma “educação menor” no
sentido de desterritorializar as práticas políticas da educação dominante. A educação
menor valoriza as relações cotidianas, promove os indivíduos e, assim, desenvolve
estratégias de resistência nas formas de educação voltadas para todas as classes e
grupos sociais. Nesse ponto, sobre o pensamento dos autores, introduzimos a proposta
de educação rizomática, por meio de uma formação alternativa ou mesmo substitutiva da
educação formal. O rizoma é um modelo de pensar a sociedade e, por extensão, tudo que
existe nela, em oposição ao modelo de árvore. Em um rizoma, o singular torna-se devir,
todo projeto é coletivo e procura não se render aos mecanismos de controle, assim como
sua capacidade de ser uma máquina de resistência. O rizoma é sempre multiplicidade;
não é sujeito nem objeto, não se representa como hierarquização nem como paradigma
e, diferente da árvore, está sempre aberto aos pensamentos.

Uma educação menor é um ato de revolta e de resistência. Revolta contra os fluxos


instituídos, resistência às políticas impostas; sala de aula como trincheira, como a
toca do rato, o buraco do cão. Sala de aula como espaço a partir do qual traçamos
nossas estratégias, estabelecemos nossa militância, produzindo um presente e um
futuro aquém ou para além de qualquer política educacional. Uma educação menor
é um ato de singularização e de militância. Se a educação maior é produzida na
macropolítica, nos gabinetes, expressa nos documentos, a educação menor está
no âmbito da micropolítica, na sala de aula, expressa nas ações cotidianas de cada
um (Gallo, 2003, p. 173).

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No tocante à educação, se a aprendizagem é algo que escapa, que foge ao


controle, resistir é sempre possível. Resta-nos desterritorializar os princípios e as normas
da educação maior, gerando possibilidades de aprendizado inexistente na escola. Para
Gallo (2003), uma educação menor age nas brechas, fugindo do controle da sala de aula,
fazendo nascer possibilidades que escapem às táticas de controle.
10 Neste ponto da escrita, fazemos um enlace com o pensamento de Adichie sobre
a linearidade da história, as formas únicas de ver o mundo e os indivíduos, sempre do
ponto de vista lógico do grupo social dominante economicamente. A autora não cita
Deleuze e Guattari (1995), porém seu modo de pensar e construir reflexões sobre a
sociedade está, a meu ver, alinhado com o ponto de vista crítico social dos filósofos.
Partindo dessas considerações, o que nós, educadores, podemos fazer para rever
nossa prática na escola? Que acontecimentos podemos suscitar, que linhas de fuga aos
mecanismos de controle podemos desenvolver? Ao propor deslocamentos da teoria de
Deleuze e Guattari (1995), precisamos compreender a filosofia da educação e as bases
sobre as quais o processo educacional se sustenta.

Diante disso, a proposta de uma educação menor, desenvolvida colabora para


pensarmos a educação não somente como espaço de reprodução e depósito
desarticulado e deficiente das políticas públicas. Sobretudo, a educação
desenvolvida em uma educação menor, é aquela que abraça o desenvolvimento
da subjetividade enquanto singularidades dos sujeitos envolvidos, assim como
desdobra a atividade do professor como sujeito que desloca e oferece mecanismos
para que se produza o novo, o por vir (Gallo, 2017, p. 07).

Em Diálogos de Deleuze e Parnet (1998), são apresentados aspectos para a


compreensão do pensamento deleuziano, ao criticar a linearidade da visão estabelecida
pela história e ao afirmar que o sujeito não é linear. O sujeito é subjetividade, constituído
por forças e linhas atravessadas e segmentarizadas.

4 Análise de dados à luz da cartografia

Este texto tem uma abordagem qualitativa. Para Minayo e Costa (2019), essa
abordagem não pode pretender o alcance da verdade, com o que é certo ou errado; deve

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ter como preocupação principal a compreensão da lógica que permeia a prática em que
se dá a realidade. Pretendemos nos movimentar em uma etnografia com viés cartográfico
como métodos de pesquisa. Para tanto, a etnografia se vale de algumas técnicas e
instrumentos de pesquisa, como o diário de campo, entrevistas, observações e visitas.
As entrevistas dialogadas foram realizadas no período de abril a junho de 2023,
11 organizamos, nelas são organizadas algumas perguntas e objetivos para nortear as
conversas, narrativas e falas. A intenção é buscar elementos, práticas e narrativas que
possibilitem perceber as subjetividades, seus signos e sentidos, bem como a forma que
os indivíduos percebem, pensam e vivem. Nesse sentido, é necessário direcionar a
narrativa dos pesquisados sem condicioná-la a respostas pré-definidas.
Com base nos dados recolhidos, os pesquisadores estabelecem uma espécie de
cartografia dos sentidos e signos da cultura. A produção de uma cartografia, ou seja, o
traçado de linhas (sentidos), de mapas de lembranças e memórias, dos movimentos e
construções culturais das meninas e de suas práticas, permite que se estabeleçam alguns
entendimentos e compreensões de suas relações com o mundo e a vida, em suas
referências de existência e de seus campos de experimentações.
Para as atividades, trabalhamos com o grupo de meninas da faixa etária de 12 a
14 anos, que participam do Projeto do CRAS: Convivência e fortalecimento de Vínculos,
numa cidade do interior do Ceará. Observamos e preservamos as regras de pesquisa com
o Termo de Livre Consentimento e Esclarecido e o Termo de Assentimento Livre e
Esclarecido a ser preenchido, e neste texto são usados nomes fictícios. A pesquisa e
coleta de dados foram realizadas nos meses de abril a junho de 2023.
Procuramos identificar o que as entrevistadas mais gostam e o que não gostam
na internet. Gabriela (12 anos) revela que gosta de TikTok e Instagram e que não gosta
de jogos. Perguntamos quanto tempo mais ou menos ela usa a internet por dia, e esse
diálogo se sucedeu: “É meia hora por aí. Só isso? Só entro lá pra estudar. Não tenho
WhatsApp, uso o da minha mãe. Me conta, assim, uma experiência ruim que você já teve
na internet? Não teve nenhuma experiência ruim” (Gabriela, 12 anos).

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Já Lorena (12 anos) revelou: “Gosto de acompanhar as notícias os jogos de futebol e vídeo
do TikTok. Mas os vídeos que eu vejo no TikTok são sobre futebol. Minha irmã pegou no
celular e ela falou assim: olha no TikTok só tem coisa de futebol aqui.” E o que você não
gosta na internet? “Essas pessoas que se acham assim criam cria um canal ou uma conta.
Aí fica se achando assim mostrando a intimidade, essa coisa toda”. Quanto tempo por dia
12 você passa com o celular usando a internet? “Seis ou sete horas.” Você usa um tempo à
tarde e um tempo à noite? “É. O que eu mais uso é o WhatsApp e o TikTok. No meu nome
não tem Instagram, mas minha irmã vai criar” (Lorena, 12 anos).
Nessa mesma linha, perguntamos a Nicole (14 anos), o que mais ela gosta na
Internet. “O Instagram, as conversas com o pessoal que mora longe.” E o que é que você
não gosta na internet nas redes?” As publicações falsas do Instagram, fake news.”
Ao analisar o uso da internet pelas meninas, partimos do que diz Feldens, (2008):

A fala é um meio e um meio fluído, percorrível, “andável”. A fala não está dada, ela
não está morta, não está perenizada na gravação. Ela fica criando-se a si mesma,
ecoando seus sons, por vezes inaudíveis e por vezes absolutamente significados.
As falas estão em estado bruto. Elas se intercomunicam com quem as escutam,
com os conceitos... Quanto mais conexões o pesquisador puder estabelecer mais
as falas falam... Elas têm potência (Feldens, 2008, p.33).

Ainda nesse sentido, trazemos as contribuições de Deleuze (1996) para relacionar


o tema da subjetivação que nos tem inspirado sobremaneira quando observamos, no
convívio com pré-adolescentes e adolescentes, o fascínio causado pelas mídias e
tecnologia a ponto da quase unanimidade desejarem ser digital influencer ou youtuber.
Parece-nos que, no futuro, essas serão as profissões mais promissoras. Por outro lado,
preocupa-nos a função da escola, assim como os espaços de cultura e arte, se uma
geração vive a vida pela tela do smartphone. A subjetivação na esquizoanálise é vista
como uma dobra das linhas que compõem as relações e o que somos individual e
socialmente. Esse entendimento de Deleuze (1996) rompe com a ideia de sujeito único.
De outro modo, a subjetivação representa modos de existência, modos de expressão e de
vida para fugir do regime vigente. No caso do capitalismo, a subjetivação se faz por meio
do consumo, assim o consumo é um modo de subjetivação na sociedade capitalista.

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Retomando o uso da internet, perguntamos: “O que você faz se alguém te


importunar no Instagram, faz algum comentário no seu Instagram?”.

Deixaria no vácuo e bloqueava. Uma pessoa tipo assim que eu não conheço, eu
nem olho, só faço logo bloquear. E quando é uma pessoa que conhece bloqueio
também deixo no vácuo (Gabriela, 12 anos).

E a quem você pediria ajuda se você fosse importunada na internet, no Instagram?


13 A minha família só, mas nunca aconteceu nada assim não. Só mesmo pra eu falar
besteira” (Gabriela, 12 anos).

O que você faria se no caso do WhatsApp, alguém te importunar ou uma agressão,


o que você faria? Eu bloquearia. E a quem pediria ajuda? Se fosse uma coisa
muito séria, minha irmã. O que você faz quando você adiciona uma pessoa por
algum motivo às vezes até estranha e se arrepende. Nunca aconteceu (Lorena, 12
anos).

Para Nicole, perguntamos: “O que você faz quando alguém te importuna ou se


acontecer alguma agressão na internet?” Nicole (14 anos) responde: “no caso do
Instagram, eu bloqueio e denuncio.” Continuamos com o questionamento: “Então, a quem
você pediria ajuda no primeiro momento?” Ao qual, ela responde:

Minha melhor amiga, que ela não mora aqui. Porque eu não costumo conversar
muito com a minha mãe. Por causa de experiência eu sempre conto tudo, para a
minha melhor amiga, pelo fato de a gente ter a mesma coisa, tipo assim a gente
tem digamos um problema em comum que é a ansiedade, ela me ajuda e eu a
ajudo (Nicole, 14 anos)

Ao identificar as falas, esse aspecto nos remete à forma como a cibercultura, as


mídias sociais e tecnologias têm mecanismos de fuga aos problemas. Alguém que um dia
foi amigo pode ser cancelado a qualquer momento. No capitalismo, encontram-se
mecanismos para transformar os indivíduos, reproduzindo modos de vida humana
mecanizados e superficiais. Nesse contexto, o pensamento de Deleuze (1996) nos ajuda
a pensar sobre o processo de subjetivação como criação e economia dos afetos, ou seja,
o modo como você se conecta com o cotidiano. A subjetividade, por sua vez, se situa no
campo social, na relação com o outro, não apenas com pessoas, mas também nos
processos de produção social, identificando o sujeito como um terminal consumidor. A
subjetivação supõe outros modos de existência do corpo, não centralizado na consciência
e no pensamento, valorizando a dignidade do corpo como fonte de sentidos; um processo

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e vivências de sentido que, desse modo, supõe outra relação com as tecnologias e mídias
sociais.

A novidade presente no autogoverno empresarial do neossujeito está baseada na


responsabilidade individual e no autocontrole. O indivíduo governa-se, a partir de
sua interioridade, por meio de uma racionalização técnica de sua relação consigo
mesmo. Ser “empreendedor de si mesmo” é o melhor instrumento e caminho de
seu próprio sucesso social e profissional. Por isso, é fundamental fabricar o homem
14 accountable [responsável], mas não somente em função de uma ética
individualista que possa levar ao sucesso, mas também porque as técnicas de
produção do eu produtivo estão intimamente ligadas à própria produção material
do trabalho (Marinho, 2020, p. 141).

Ao falar do capitalismo cognitivo, Deleuze e Guattari (1996) identificam-no como


um estímulo para o consumo e, consequentemente, a criação de coisas novas e funções.
O ser é um terminal que produz modos de existência; através dos desejos e afetos, esses
seres são usados para produzir mais desejo no capitalismo.
Na subjetividade, o sujeito, enquanto substância pensante, produzida por meio de
afetos do corpo sobre o outro, resulta numa produção social com objetos do cotidiano. É
inquietante pensar no indivíduo como um terminal que consome subjetividades, nesse
campo de produção material e social. Esse processo produz outros e diferentes modos de
existência social, cultural e relacional.
A noção de agenciamento em Deleuze (1996) é fundamental para entender a
dinâmica de seu sistema de pensamento, sobretudo para escapar de uma filosofia do
sujeito e de uma filosofia da representação. O agenciamento, enquanto associação de
termos diferentes, é uma conveniência melódica que resulta num encaixe. O
agenciamento é sempre coletivo. Já o agenciamento maquínico é a relação conveniente
entre os corpos e produz desejo.
Coisas que nos chamaram atenção na fala de Gabriela (12 anos) foram o uso da
internet acompanhado pela mãe e o fato de que as redes sociais, num primeiro momento,
não são a prioridade em sua vida. Um fato que já era esperado, para além dos discursos
da importância da internet nos estudos, foi a pouca contribuição desse instrumento para
os processos de aprendizagem escolar. Interessante também é que essa mesma Gabriela,
no início da conversa, diz que gostaria de ter um celular para ajudar nos estudos.

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A fala de Gabriela nos faz pensar sobre as redes sociais e tecnologias digitais,
onde os indivíduos são como que emaranhados, como uma aranha nessa teia tecnológica
e virtual, e assim nos anima pensar como a cartografia pode ajudar a compreender as
relações instituídas nesse contexto. A cartografia, na filosofia da diferença, envolve traçar
territórios existenciais, não é a cartografia de um espaço ou local, mas sim territórios
15 existenciais de modo de vida. Ela não pretende fazer uma delimitação objetiva, mas sim
pensar nas possibilidades de produção. Para Deleuze e Guattari (1996), a cartografia é
um ponto de vista, sempre voltado para o coletivo, nunca centrado no "eu". Ela não coloca
o sujeito centrado na cartografia, mas está a serviço de pensar o território e suas forças,
inventando modos de ver e enfrentar esse território.
Assim, o território que resulta dessa cartografia existe, segundo Deleuze e Guattari
(1996), para nos proteger do caos, circunscrever o território para poder pensar e se
proteger da caotização. Esse território, no qual os conceitos ganham consistência e
imanência, é importante para pensar fora do senso comum e identificar novos
enfrentamentos. Essa cartografia, que inventa subjetividades para dizer algo que não foi
dito e que cria mapas existenciais e novas relações, pode produzir desterritorializações e
reterritorializações para pensar a sociedade contemporânea.

Uma filosofia da educação seria resultado de uma dupla instauração, de um duplo


corte: o rasgo no caos operado pela filosofia e o rasgo no caos operado pela
educação. Ela seria resultante de um cruzamento de planos; plano de imanência
da filosofia, plano de composição da educação enquanto arte, múltiplos planos de
prospecção e de referência da educação enquanto ciência(s) (Gallo, 2003, p. 68).

Em outras palavras, assim como o filósofo, o educador poderia pensar seus


saberes referentes à educação como um criador de conceitos, com criatividade que lhe
permita promover, com consistência, propostas educacionais inovadoras. Como instaurar,
nas propostas de educação do dia a dia, um plano de imanência, linhas moleculares e
desterritorializações que promovessem indivíduos menos suscetíveis à sociedade de
controle.
Ao pensar nas contribuições da internet e das metodologias de ensino, pergunto
a Lorena: “Que conteúdo de escola você aprendeu com a ajuda da internet? Deu pra

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aprender um conteúdo de álgebra de matemática. Que outro conteúdo? Nada”. Pela fala
de Lorena (12 anos), observamos que existe uma procura em usar as tecnologias para a
aprendizagem escolar. No entanto, em alguns casos, as buscas não são efetivas e os
caminhos não são encontrados.
Nicole também nos responde:
16
“Pior que nem de nenhum, porque na escola não deixa a gente usar internet pra
nada. Mas usar em casa. Também não. Nenhum. Que a gente pensa que a internet
seria pra ajudar porque pra mim eu aprendo mais fazendo sozinha porque eu não
vou usar o Google pra fazer todas as minhas tarefas. A não ser tipo quando eu
fazia curso de informática que era pra digitar um texto enorme no computador que
era pra exercitar né” (Nicole, 14 anos).

Neste aspecto, identificamos que as tecnologias e mídias na sociedade de


controle no local pesquisado não tem contribuído como metodologia de ensino ou modelo
de aprendizagem. Em vez disso, estão mais voltadas para a uniformização dominante,
que vai da aparência física até os gostos dos jovens, sendo, às vezes, um instrumento
temerário para aqueles e aquelas que as usam.
Por outro lado, Deleuze (1998) sugere que a diferença trata de deformar as
identidades dominantes e promover novas conexões por meio de encontros que caotizam
a linguagem, impedindo-a de meramente representar. Assim, os esquemas de
representações precisam ser experimentados, inventados ou diferenciados para promover
os indivíduos. Para isso, mecanismos poderiam ser reestruturados ou redefinidos para
auxiliar a escola, os educadores e os educandos.
Procuramos identificar a relação das meninas com a produção de material, além
de espectadores na internet. Então, perguntamos: “E você já teve algum canal?”.

“Não, mas tenho vontade. Mas meu primo ele tem um só que eu nunca mais vi
assim vídeos recentes assim. Tipo o mais recente que eu vejo é cinco meses, seis
meses o meu primo lá do Piauí tem um sobre jogos. Mas não está alimentando. É,
eu não sei como estão, não acompanho muito o YouTube” (Lorena, 12 anos).

Ainda sobre as plataformas sociais, perguntamos: “No YouTube e no TikTok você


faz o quê?” Lorena respondeu: “Só assisto. Às vezes quando tem uma dancinha que eu
não sabia”. Ou seja, ela é somente expectadora, porém as subjetividades formam de

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várias maneiras e os territórios existenciais se constroem. Lorena tem celular e passa


cerca de seis horas na internet.
Perguntamos à Nicole: “Quanto tempo por dia você passa na internet?” Ela
respondeu: “Acho que é uma hora só, que é tipo meia hora de manhã, vinte minutos de
tarde, aí vinte minutos de noite, porque minha mãe não deixa mexer muito com o celular”
17 (Nicole, 14 anos).
Contextualizamos as falas com Deleuze e Guattari (1996) sobre agenciamento
maquínico enquanto agenciamento de corpos; esses corpos podem ser pessoas ou
máquinas. É a emergência social quem define as conjunções de corpos. Assim, as
formações discursivas e maquínicas têm suas especificidades, mas funcionam em
conjunto. Podemos relacionar a estruturação das redes sociais e tecnologias digitais como
formas de agenciamento, porém um agenciamento marcado pelo contexto econômico que
tem por fim um modo de condicionamento dos indivíduos, associando-os às máquinas,
numa indissociabilidade de existir, como se vê, nas pessoas que têm os smartphones
como uma extensão do próprio corpo.
Ao desenvolver o conceito de máquina, Deleuze e Guattari (1996) as identifica
como máquinas sociais e não somente técnicas, resultando numa produção coletiva entre
várias máquinas. Aqui entra o sujeito máquina que consome intensidades na relação entre
as máquinas, produzindo consumo e, simultaneamente, produzindo sujeito. Essa máquina
abstrata, mutante e criativa chega às sociedades pelo viés da tecnologia.
Para o momento da pesquisa, podemos inferir que as meninas pesquisadas são
sujeitos-máquina que consomem os produtos da internet sem se dar conta de que estão
numa trama de produtos extremamente desnecessários e descartáveis. Na sociedade
capitalista, essa produção de modos de existência se forma como fuga ou como modo de
expressão. Daí a importância de valorizar a diferença e a subjetividade desses pequenos
indivíduos que habitam a escola e a sociedade.

5 Considerações Finais

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O movimento pensante que nos moveu na pesquisa, auxiliado pelas teorias de


Deleuze e Guattari (1996), nos traz à sociedade contemporânea e à educação motivada
pela tecnologia, pela cibercultura e pelas mídias sociais. Ao considerar as meninas
pesquisadas, podemos afirmar que os objetivos da pesquisa foram atingidos.
Nesse sentido, contextualizamos que a educação historicamente faz uso de
18 mecanismos de controle social, assim como é controlada por esses mecanismos enquanto
instituição. Foucault (1987), em diversas obras, denunciou esses mecanismos. Contudo,
numa análise geopolítica no que tange à sociedade de controle, populações e grandes
grupos sociais primam pela autonomia como tônica de vida social ideal. Dessa forma, as
instituições escolares, desde a escola básica até a universidade, estão reféns das mídias
e tecnologias, desde a autonomia pedagógica até a autonomia tecnológica.
Deleuze e Parnet (1998) falam sobre identificar as linhas de fuga e as linhas
moleculares, ou seja, é possível encontrar estratégias de produção de vida, outros arranjos
e trajetórias para romper as histórias únicas nesse viver rizomático de Deleuze. Duvidar
da lógica instituída e explorar a multiplicidade das formas de pesquisar a realidade.
Problematizar os contextos de poder, de produção econômica, as tecnologias e as mídias
sociais que perpassam a vida em sociedade e, especialmente, a escola na condução e
formação dos indivíduos.
Assim, numa abordagem de viés cartográfico, caminhamos para pensar e refletir
sobre a Internet, as mídias sociais, a cibercultura e as meninas pesquisadas,
contextualizando a revolução causada e as relações de poder na atualidade. De certo
modo, as tecnologias da informação e a cultura do digital supõem o controle de condutas,
avanços em algumas áreas, e a formação de sujeitos desejados. Estas relações
perpassam a escola, assim como direitos, saberes, linguagem e opinião pública, que
também representam forças influentes na sociedade de controle.
Podemos refletir, à luz dos dados pesquisados, que o devir-máquina está em
constante relação com máquinas, sejam elas tecnológicas, biológicas ou sociais, e os
indivíduos estão sempre em interação com essas máquinas, tornando-se uma espécie de
robôs. Por outro lado, em Deleuze e Guattari (1995), aprendemos que o devir não permite

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identidades estáticas, mas sim linhas de fuga ou movimentos intensivos que permitem
novas conexões e transformações. Assim, as falas consideradas reveladoras são
aproximadas do contexto teórico e fazem pensar e refletir sobre a internet, as mídias
sociais e a cibercultura. Os discursos são perpassados por empoderamento em um
sentido lato; os dados produzidos e o momento das entrevistas revelam devires.
19 Por fim, as metodologias e análises que têm por base as teorias pós-críticas
refletem as relações culturais e educacionais vigentes, de modo que a pedagogia e a
educação não são mais as mesmas no último século. As estratégias de pesquisa,
enquanto articulação teórica e prática de produção, são movimentos que podem contribuir
sobremaneira para a articulação de novas formas de pensar e desconstrução de modos
únicos de ler a sociedade.

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iMaria Janete de Lima, https://orcid.org/0000-0002-4914-5484


Universidade Federal de Campina Grande
Doutorado pela Universidade Federal de Sergipe/UFS, Mestrado Acadêmico Em Políticas Públicas pela
Universidade Estadual do Ceará, Professora Associada I da Universidade Federal de Campina
Grande/UFCG. Membro do grupo de Pesquisa GPECS Educação, Cultura e subjetividades
PPGEd/UFS.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5915176278735581
E-mail: [email protected]
21

Editora responsável: Genifer Andrade

Especialista ad hoc: Morgana Maria de Oliveira Barbosa, Joice Ribeiro da Silva e Flávio
Penteado de Souza

Como citar este artigo (ABNT):


LIMA, Maria Janete de. Reflexões sobre cibercultura e subjetividade na sociedade
tecnológica e na formação de meninas: as contribuições de Deleuze e Guattari. Rev.
Pemo, Fortaleza, v. 6, e11934, 2024. Disponível em:
https://revistas.uece.br/index.php/revpemo/article/view/11934

Recebido em 06 de novembro de 2023.


Aceito em 02 de maio de 2024.
Publicado em 02 de junho de 2024.

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