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Resumo
Este trabalho visa ao reconhecimento dos memes na internet como uma linguagem
articuladora dos sentidos no interior da escola. Para além de mera brincadeira ou
montagens que circulam nas redes sociais, demonstraremos como os memes
representam uma nova forma de se relacionar com a comunicação e com a
(ciber)cultura. A partir dos resultados da pesquisa de mestrado realizada com
estudantes do ensino fundamental, pretende-se discutir (1) como o fenômeno da
"zoeira" passou a ocupar o cotidiano de jovens e (2) como as dinâmicas das redes
sociais estão inseridas em um contexto de transformação da sociedade
contemporânea. Para tal empreendimento, apresentaremos a nossa elaboração
teórica e metodológica que permitiu a aproximação com o conceito de “gênero
discursivo meme” e, consequentemente, o nosso estudo sobre como essa linguagem
opera nas relações entre Comunicação e Educação — a Educomunicação. A conclusão
aponta para a alta relevância dos memes para a constituição das sociabilidades de
alunos e alunas e apresenta direções para construir uma nova compreensão sobre o
fenômeno.
1
Jornalista especializado em Comunicação e Educação. Mestrado em Ciências da Comunicação (ECA-USP).
Integra o grupo de pesquisa MECOM (Mediações Educomunicativas), coordenado pelo prof. titular da ECA-USP
Adilson Citelli. Idealizador do projeto Labeducom. E-mail: [email protected]
Abstract
This work aims at the recognition of memes on the internet as a language that
articulates the senses inside the school. Apart from mere jokes or mounts that
circulate in social networks, we will demonstrate how memes represent a new way
of relating to communication and (cyber) culture. From the results of the master's
research carried out with elementary students, we intend to discuss (1) how the
phenomenon of "zoeira" came to occupy the daily life of young people and (2) how
the dynamics of social networks are inserted in a context of contemporary society.
For such an undertaking, we will present our theoretical and methodological
elaboration that allowed the approach to the concept of "discourse genre meme"
and, consequently, our study on how this language operates in the relations between
Communication and Education - Educommunication. The conclusion points to the
high relevance of memes to the constitution of sociabilities of students and presents
directions to build a new understanding about the phenomenon.
Resumen
INTRODUÇÃO
2
As três reportagens em questão apresentam a ação conjunta de usuários da internet para debochar,
respectivamente, do presidente Michel Temer, do jogador de futebol Neymar e da cantora Sandy.
Trata-se de publicações que circularam amplamente nas redes sociais e são encontradas facilmente
com uma pesquisa simples no Google com o disparador “internet não perdoa”.
3
Na classificação dicionarizada3, a palavra feminina zoeira exprime — entre outros tópicos que não
servem para nossa classificação, como, por exemplo, quando remetem aos sons produzidos por insetos
— (1) "aquilo que se faz com a intenção de ser engraçado, de provocar risos"; (2) "desordem; excesso
de alvoroço; falta de ordem"; (3) “ação ou efeito de zoar; zoada”; (4) "Gritaria, som que não se
consegue distinguir". “Zoar”, nesse sentido, designa as interações que buscam provocar, ironizar,
brincar ou parodiar situações do cotidiano por meio de memes e outros gêneros discursivos das redes
sociais.
das montagens e paródias no cotidiano da vida social. Nesse sentido, ao discutir esse
assunto no universo da Educação, nosso esforço é de problematizar o objeto de
pesquisa, tendo como enfoque a compreensão do funcionamento interno dessa
linguagem, suas variações e, sobretudo, o conceito de gênero discursivo. Para além
de determinismos tecnológicos, como explica Lemos (2015), o objetivo é
compreender e construir pontes para um relacionamento mais consciente e
responsável com as tecnologias. Nossa abordagem está comprometida com a
promoção da cidadania a partir da compreensão dos códigos e significados desses
novíssimos mecanismos comunicacionais. Isso não significa, em contrapartida,
desprezar um dos elementos centrais da linguagem dos memes: a zoeira. Pelo
contrário, buscamos conceituar o que são os deboches, as provocações e as
montagens que buscam acionar o humor nas redes sociais.
Memes e zoeira se entrelaçam e são, mutuamente, elementos constitutivos do
presente artigo. Trata-se de uma forma de participação entre usuários das redes
sociais que, ao se valer da cultura de compartilhamento (LEMOS, 2015) e se apropriar
de sistemas técnicos e produtos culturais (RECUERO, 2014), criam e ressignificam
conteúdos — que podem ser imagens, vídeos, GIFs, notícias de portais da internet —
a fim de produzir sentidos, sobretudo de ironia, deboche e brincadeira, como nos
casos de Michel Temer, Neymar e Sandy, citados acima.
A “zoeira sem limites” está em ampla circulação nas redes sociais e, neste
artigo, nos desperta um interesse particular: apropriados em larga escala pelos
jovens estudantes, essa manifestação cultural representa uma das principais
expressões narrativas da internet, tendo desdobramento em como os jovens
constroem a percepção de realidade. Conectar-se ao Facebook, Whatsapp, Instagram
ou qualquer outro tipo de rede social implica quase que inevitavelmente na interação
com algum tipo de montagem ou piada feita em forma de meme. E, no Brasil, os
números são significativos: pelo menos 23 milhões de jovens interagem com as redes
sociais (CGI, 2016).
Isso significa que os conteúdos, as mensagens e as paródias que circulam na
web permeiam a cultura que jovens estão desenvolvendo no cotidiano. Iremos
argumentar, neste artigo, que essa nova realidade comunicacional impõem desafios
inseridas num contexto de debate sobre a evolução das espécies e não temos
pretensão de reduzir a obra do autor ou diminuir a importância dos estudos sobre a
replicação da cultura. Buscamos apenas salientar alguns aspectos relevantes que nos
ajudam na definição do fenômeno meme.
Entre os principais tópicos nos estudos de memética4, Dawkins (1976) elabora
a expressão meme para, a partir do estudo da evolução, argumentar que as ideias e
a própria cultura circulam na sociedade como a propagação dos genes humanos. Da
redução da palavra mimeme (que significa imitação em grego), a intenção é ser
semelhante à palavra gene para conceituar que, por meio de cópias e imitações,
pequenas unidades da cultura passam de pessoa para pessoa, carregando em seu
interior percepções gerais da sociedade. Se, de um lado, os genes são responsáveis
pela formação de nossas características físicas, por outro lado os memes são
responsáveis por manter vivos os aspectos culturais da convivência humana. Nessa
perspectiva, meme é aquilo que é imitado a fim de se reproduzir e proliferar
(BLACKMORE, 2008).
Shifman (2014) argumenta que o referencial teórico calcado exclusivamente
nos pressupostos de “O Gene Egoísta” não é suficiente para explicar a circulação dos
memes na sociedade contemporânea. Em nosso entendimento, a ideia de “replicador
da cultura” ou a proposta de memes como “vírus” da mente (DAWKINS, 1976) não
atendem a abrangência do que esses artefatos se tornaram atualmente. A
comunicação prevê interação e trocas simbólicas dentro da trama cultural. Esta ideia
não é tão óbvia quando pensamos que a comunicação é comumente confundida com
a mídia, ou seja, com produtos midiáticos e seus respectivos instrumentos de emissão
e recepção. Na abordagem que propomos, que pressupõe a comunicação dentro da
cultura, numa relação ecossistêmica (CITELLI, 2004; MARTÍN-BARBERO, 1997;
BACEGGA, 2011), o substancial é compreender como os sujeitos (especificamente em
4
Em síntese, o conceito de memética faz referência a pesquisadores e pesquisadores que utilizam a
obra de Dawkins para investigar atributos gerais da circulação dos memes na sociedade, como, por
exemplo, as categorias de longevidade, fecundidade e fidelidade de cópia. De maneira geral, os
estudos de memética apontam que as percepções culturais que circulam na sociedade são definidas
pela seleção natural, ou seja, só sucedem aqueles que conseguem se adaptar às condições e evoluir.
Trata-se de uma comparação ao funcionamento dos genes humanos que, em diversos níveis e
diferentes perspectivas teóricas, busca estudar as razões para determinadas ideias e gostos se
proliferarem de cabeça a cabeça, como vírus.
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A expressão textão remete aos enunciados produzidos nas redes sociais que ultrapassam um limite
de caracteres “tolerados” pelos usuários da internet. Ou seja, quando um texto excede um padrão
de rapidez e alta síntese, ele é classificado como “textão”. Tanto é que algumas publicações das
redes sociais, antes mesmo do título, são acompanhadas da expressão “Alerta de Textão” para que
todos saibam que alguém está irrompendo com as tradicionais publicações e irá apresentar algo de
maior extensão. Os textões, na linguagem digital, geralmente são associados às narrativas chatas ou
que exigem um grau de atenção mais alto que a efemeridade dos memes
interação dos estudantes com os memes. Além disso, também como parte da
observação, realizamos entrevistas informais, uma vez que perguntas eram feitas
enquanto os estudantes interagiram com os memes nos computadores da escola. Os
depoimentos também foram registrados nas fichas de observação e nos vídeos;
(b) sistematização dos memes coletados pelos estudantes durante a realização da
pesquisa na sala de informática;
(c) e, como forma de encerramento dos encontros feitos com os estudantes,
realizamos uma Roda de Conversa com o objetivo de discutir, a partir da própria
perspectiva dos jovens, as percepções e os significados que eles atribuem ao memes;
Foi na integração dos procedimentos (a, b e c) que os dados para realizar
sistematizações, comentários e interpretações foram obtidos. Consequentemente,
na etapa posterior já com a sistematização dos dados realizada, foi feita a
categorização de gêneros e subgêneros que constatamos nas dinâmicas relacionadas
aos memes. No processo de investigação, decidimos não utilizarmos os métodos de
Análise de Redes Sociais (RECUERO, 2014). A partir das preocupações relacionadas
aos conceitos de gênero discursivo e ecossistema comunicativo, preferimos focalizar
os depoimentos e a observação dos jovens interagindo com as redes sociais. Como
constatamos nas entrevistas iniciais da pesquisa, estudantes do Ensino Fundamental
II têm alta familiaridade com a linguagem da internet, o que garantiu densidade na
interlocução com participantes da investigação. Assim, no processo de
sistematização e análise dos dados coletados tivemos como objetivo, a partir da
abordagem qualitativa, dar ordem às recorrências mais frequentes e os jogos de
linguagem estipuladas entre os estudantes.
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Na dissertação “Memes na internet: entrelaçamentos entre educomunicação, cibercultura e a 'zoeira'
de estudantes nas redes sociais”, a metodologia de pesquisa é explicada em detalhes a partir da
construção teórica feita sobre os memes e a inter-relação Comunicação e Educação. A fim de
reservarmos um espaço para a apresentação dos resultados, tivemos que apresentar uma síntese do
que foi feito. A íntegra da dissertação pode ser acessada no banco de dissertações e teses da USP.
Disponível em:
< http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/tde-01112017-102256/pt-br.php>
Fonte: Facebook (2016). Legenda: Meme retirado da página “Chapolin Sincero” por uma
das participantes da pesquisa. Na montagem, o personagem Chapolin — que é muito
popular na linguagem dos memes — ironiza as frequentes cobranças das mães para que
tarefas sejam realizadas.
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Esse meme é muito a minha vida. Minha mãe olha pra mim e já me manda
trabalhar, depoimento registrado na investigação de campo da estudante ao nos
mostrar a Imagem 1, meme do Chapolin.
Sempre tem um meme para falar dessas coisas que acontecem na escola. Intervalo,
professor bravo, gente colando na prova. Depoimento 1.
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É os memes da vida real. Tem uma página só sobre isso. Só de zoeira que acontece
na vida. Quando você tá em casa, tá jogando video-game, quer falar com os
amigos. Depoimento 2.
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Os memes que eu mais gosto é quando serve para mandar para alguém da escola.
Para alguém que precisa ver umas verdades. Depoimento 3.
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A vida tá assim agora, tem muitas falsianes, mas crush que é bom, nada.
Depoimento 4
Fonte: Facebook (2016). Legenda: A expressão “miga, sua loca” é extremamente popular
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Extremamente popular nas redes sociais, o termo falsiane é empregado para se referir às pessoas
que são falsas ou têm uma conduta duvidosa. Como demonstram os depoimentos dos entrevistados
de nossa pesquisa, falsianes são geralmente identificados como pessoas que costumam “falar nas
costas” e terem atitudes dúbias e, sobretudo, mentirosas. Assim como falsiane, escrotiane, otariane,
obesiane e outros designativos terminados em “iane” fazem parte do vocabulário de criações livres
das redes sociais.
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Nas redes sociais, crush é uma pessoa que se deseja paquerar ou que já se esteja paquerando. No
caso da paquera se converter em encontro, beijo ou algo do gênero, não trata-se mais de crush, mas
sim “date”, na acepção semelhante à língua inglesa.
nas redes sociais. Na imagem, ao usar a expressão “siacalme”, é possível notar uma prática
comum na rede: criação de neologismos e criações livres.
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Miga, sua loca, se acalme. Não precisa ficar estressada. É muito engraçado.
Depoimento 5.
4. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
<https://www.ted.com/talks/susan_blackmore_on_memes_and_temes?language=p
t-br>. Acesso em 15 de dez. de 2016.
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa TIC KIDS ONLINE 2016. São
Paulo: GCI.br, 2016. Disponível em: < http://cetic.br/pesquisa/kids-online/>
Acesso em 19 de dezembro de 2016.
DAWKINS, Richard. O gene egoísta. Le Livros, PDF Online, 1976. Disponível em:
<https://goo.gl/PrJrb9>. Acesso em 10 fev. 2016.
LOPES, Maria. Pesquisa em Comunicação. São Paulo, Edições Loyola: São Paulo,
2005.
LULKIN, Sérgio Andrés. O riso nas brechas do siso. Porto Alegre: UFRGS, 2007, 184
f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação,
UFRGS, Porto Alegre, 2007.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. 2ª edição, Porto Alegre: Sulina, 2014.
SHIFMAN, L. Memes in Digital Culture. Londres, Inglaterra: The MIT PRESS, 2014.