Romantismo e Messianismo Ensaios Sobre Lukacs e Wa

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Romantismo e messianismo: ensaios sobre Lukács e Walter Benjamin

Article in Horizontes Antropológicos · December 2013


DOI: 10.1590/S0104-71832013000200023

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Fábio Py Murta de Almeida


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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478 Fábio Py Murta de Almeida

LÖWY, Michael. Romantismo e messianismo : ensaios sobre Lukács e Walter


Benjamin. Tradução: Myriam Vera Baptista e Magdalena Pizante Baptista. 2. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2012. 213 p.

Fábio Py Murta de Almeida*


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Brasil

Michael Löwy, diretor emérito do Centre National de la Recherche


Scientifique (CNRS) em Paris, escreve Romantismo e messianismo: ensaios
sobre Lukács e Walter Benjamin, para demonstrar o romantismo e o messia-
nismo como importantes ideais de Lukács e Benjamin. Para a historiografia,
a novidade da obra decorre do mapear das influências alternativas (heterodo-
xas) no bojo do marxismo europeu do século XX. Assim, para iniciá-la faz a
indagação: “Será o romantismo um movimento essencialmente conservador
ou revolucionário?” (p. 11). Repercute a pergunta construindo quatro “tipos”
de românticos ideais: 1) romantismo retrógrado: quer restabelecer o estado
social precedente; 2) romantismo conservador: visa manter a sociedade dos
“não tocados” pela Revolução Francesa; 3) romantismo desencantado: assu-
mindo que o retorno ao passado é impossível, acarreta na compreensão de
que o capitalismo é irreversível; 4) romantismo revolucionário: retorno às
comunidades do passado e reconciliação do presente. A dimensão romântica
revolucionária no marxismo desaparece do fim do século XIX e o começo do
XX, com exceção, de Rosa Luxemburgo, que em sua obra se preocupa em
traçar elementos da comunidade primitiva. E, junto a ela, Lukács se aproxima
da tradição do romantismo alemão na célebre História e consciência de classe
de 1923 (p. 28-29).
Pelo ajuste de Löwy entende-se que a crítica essencial do romantismo an-
ticapitalista ocorre frente à civilização industrial/burguesa em prol dos valores
sociais e culturais pré-capitalistas. Também afirma que “a crítica romântica

* Doutorando em Teologia.

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raramente é sistemática ou explícita e poucas vezes se refere diretamente ao


capitalismo” (p. 36). Nele, se faz crítica à quantificação da vida, isto é, a to-
tal dominação do valor de troca, cálculo frio e leis de mercado. Por isso, na
“civilização industrial as qualidades da natureza (beleza, saúde) não existam:
ela leva em consideração apenas as quantidades de material bruto que podem
ser extraídos daí” (p. 39). No romantismo antimoderno o ideal nostálgico de
Rustin é o passado gótico, medieval. Sobre Marx, pode-se dizer que não tem
relação direta com o romantismo, aparentemente. Por isso, o autor sugere que
o romantismo anticapitalista seja a fonte esquecida de Marx, e que seja tão
importante para seu trabalho quando o neo-hegelianismo alemão (p. 43). O
que pode ser aferido em Das Kapital quando critica o caráter demonizante
do trabalho capitalista, sendo uma forma degradada das qualidades humanas.
Interessante que no fim da ideologia de Marx, a comunidade socialista de
progresso. a maquinaria reduzirá o tempo do trabalho. Assim, sua visão não é
romântica nem utilitária, mas Aufhebung, dialética de ambas – crítica e revo-
lucionária ao mesmo tempo.
Para o autor, Lukács só pode ser estudado no quadro vasto do renasci-
mento religioso nos intelectuais da Europa Central na virada do século XX.
E, nele, ocupa um lugar central na volta da religião do passado, o catolicis-
mo da Idade Média. Critica o urbano, nacional, a mercantilizarão de vínculos
por meio do romantismo anticapitalista. Nesse contexto, se leem os textos de
Max Weber assinalando que o capitalismo industrial é reconhecido por um
desencantamento do mundo. Weber e seu círculo de Heidelberg faziam isso
revisitando ideias neorromânticas e da nova religião. Dois desse grupo, Bloch
e Lukács, eram vinculados ao messianismo. Mas o último tinha um misto de
ideias indo desde os místicos da Idade Média até a espiritualidade russa de
Dostoiévski (p. 59).
No quarto capítulo, Löwy, destaca de Lukács o conceito de reificação.
Com ele, pretendia “decifrar os hieróglifos sociais”. Lukács, em sua análise,
não tem uma visão neutra nem imparcial da sociedade, mas partidária, crítica.
Admite que a reificação vincula-se ao conceito de fetichismo da mercadoria
de Marx e à análise da sociologia de Simmel. E, por esse meio, Lukács ca-
minha do romantismo anticapitalista em direção ao marxismo, integrando o
marxismo e o romantismo (p. 71). Löwy entende que toda sua obra seria uma
rearticulação de temas do romantismo por meio da estrutura marxista, sendo a
reificação, em Lukács, um “processo através do qual os produtos do trabalho

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humano (e o próprio trabalho) se tornam um universo de coisas e relações


entre coisas” (p. 72). Indo mais adiante, pondera que para Lukács a burocracia
pode acabar na reificação política. E, especialmente, a ciência burguesa não
traz à luz formas reificadas, mas a “reificação ou coisificação das relações
sociais na mercadoria e no dinheiro é apenas uma aparência e uma ilusão da
consciência burguesa” (p. 84), sendo parte da teoria econômica.
No capítulo seguinte, Löwy destaca ainda dois autores fundamentais do
século XX: Gramsci e Lukács, fundadores do marxismo ocidental. Colocados
lado a lado, ambos buscam “superar a visão positivista dele”; Lukács carac-
terizava Gramsci como “o melhor dentre nós” (p. 99). Ele estilizava uma teo-
ria de analogias do romantismo anticapitalista e o comunismo ético. Gramsci
acreditava na luta da unidade operária e camponesa como uma estratégia re-
volucionária anticapitalista, como Lukács em O pensamento de Lenin (1924).
Ambos foram contra o isolamento do partido. Lutaram contra o positivismo
do marxismo: primeiro, utilizando o historicismo radical; segundo, indicando
o marxismo como uma visão de mundo radical, nova e explícita; e terceiro,
percebendo a revolução proletária como ponto alto da reflexão marxista.
Para o autor, outro pensador que tem um lugar de destaque junto a
Lukács é Lucien Goldmann. Ele descobre por “acaso” as obras da juventude
de Lukács, sendo, por um longo período, o único a reconhecer a importân-
cia da obra. Dialogando com a obra de literatura de Lukács, desenvolve o
conceito de tragédia. Agora, na leitura de Goldmann a partir de Lukács, a
relação entre o messianismo judeu e as modernas ideias revolucionárias passa
a ser um objeto da discussão no marxismo. Pois, primeiro, o messianismo
judeu era uma corrente restauradora do passado e utópica com futuro novo
de que jamais existiu. Segundo, em Gerschom Scholem, no messianismo ju-
deu a redenção é um acontecimento histórico. Ocorre no devir da humanida-
de. Terceiro, no messianismo judeu chamado por Scholem de “anarquista”,
o Messias interfere na abolição das restrições da Torá, permitindo uma nova
série de ações (p. 136).
Na descrição de Löwy, o romantismo é um fenômeno amplo que vai
da religião, política (esquerda e direita) e história até a economia (p. 139).
Pensadores e movimentos são listados pelo autor que possuíam ideias anti-
capitalistas recheadas de concepções utópicas messiânicas, tais como o mo-
vimento anarquista com Franz Rosenzweig e sua obra A estrela da redenção,
obra que é uma tentativa de renovar a teologia judaica a partir do romantismo.

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Também Scholem, judeu de classe média estudioso da cabala, do messianismo


herético de Sabatai Tzvi e da utopia messiânica. Utopia, que, para ele, não
era o sionismo, mas o anarquismo (p. 147-159). Löwy destaca também o mo-
vimento de anarquistas religiosos judaizantes, como com Gustav Landauer,
autor de “um messianismo judeu de caráter anarquista” (p. 159), que propu-
nha um retorno simples ao passado, pedindo pelo retorno às fontes passadas
comunitárias do passado pré-capitalista (p. 159-177). Outro movimento seria
o dos judeus assimilados, ateus-religiosos e anarcobolchevistas, traçado pelo
discípulo de Gustavo Landauer, Ernst Toller. Pensador de posição pacifista,
concebendo o socialismo como negação do Estado, da industrialização, retor-
nando às comunidades rurais descentralizadas, Toller tinha “a utopia de uma
revolução libertária-pacifista” ligada “à esperança da redenção messiânica”
(p. 179). E, por fim, o ideal do messianismo judaico-cristão de Bloch. Ele, que
escreve o “marxismo e o sonho do absoluto, para tarefa grandiosa da ‘recons-
trução do astro Terra, e convocação, criação e imposição do Reino’” (p. 185).
No penúltimo capítulo, Löwy abre o tema de Benjamin tratando do fa-
moso conceito de “escovar a história a contrapelo” proposto nas Teses sobre
a filosofia da história (p. 189). Teses também de recusa ao caminho da ilusão
do progresso, pois “a evolução técnica e cientifica sob o capitalismo amea-
ça, principalmente graças ao progresso da guerra química, a sobrevivência
da civilização humana” (p. 192). Benjamin é outro pensador que flerta com
a teologia, chamando de “espírito messiânico”, sem o qual “a revolução não
pode triunfar nem o materialismo histórico” (p. 195). A utopia seria a união
das experiências da sociedade sem-classe primitiva no inconsciente coletivo
“em ligação recíproca com o novo” (p. 197).
Próximo ao fim do livro, Löwy destaca que para Benjamin a modernida-
de é o inferno, pois se deixa dominar pela mercadoria formatada no universo
da repetição (p. 198). Explicitamente, lista, ao longo do livro, os problemas
de Benjamin, bem como teóricos ligados em vários graus ao marxismo, ao
uso da tecnologia e as gradações românticas. No pensamento benjaminiano
a tecnologia é um fato histórico que se determina pelo capitalismo. A par-
tir de seu romantismo revolucionário, Benjamin, sonha com uma sociedade
completamente liberada, onde, a tecnologia cessaria de ser “um fetiche do
declínio” para se tornar “uma chave para a felicidade” (p. 209), quando “uma
humanidade emancipada poderá usar e iluminar os segredos da natureza gra-
ças à tecnologia ‘mediatizada pelo esquema humano das coisas’” (p. 209).

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Enfim, o professor emérito do CNRS encerra o livro indicando que


Benjamin oferece imagens, utopias e alegorias contra o concreto da moder-
nidade científica, enaltecendo a alternativa do projeto romântico pacifista e
ecológico que estava por vir (p. 213). O livro de Löwy é um esforço admi-
rável ao reunir em 213 páginas os “vínculos afetivos” do romantismo e do
messianismo com as ideias revolucionárias de Lukács e Benjamin. A partir
disso, traça a relação entre as vivências do início do século XX com elementos
que possibilitaram o neorromantismo do centro da Europa na modernidade.
A obra, sem economizar nomes de autores, passa por aqueles que ajudaram
a perceber como o movimento se alastrou pela Europa ajudando a traçar ele-
mentos sobre a história das ideias (mentalidades) e do marxismo no século
XX. Por sua competência utiliza livros, artigos e depoimentos que mapeiam
a influência das duas correntes nos dois representantes do marxismo europeu.
Mostrando que o projeto anticapitalista de Lukács e de Benjamin bebe das
fontes românticas que iluminam suas reflexões revolucionárias.

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