A Lógica Cultural Do Capitalismo Tardio (JAMERSON)

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A lógica cultural do capitalismo tardio. JAMESON, Frederic. 1996.

Sendo escrito em 1996, começa debatendo sobre o olhar pessimista sobre o possível fim de
características que marcaram a modernidade (o fim da ideologia, da arte, da luta de classes, a crise
do leninismo, da social democracia, do Estado…)

Essa crise se configuraria no chamado pós-modernismo, caracterizado por uma ruptura, uma
quebra radical, segundo os defensores de sua existência. Atenuamento ou extinção (ou repúdio
ideológico ou estético) do centenário movimento moderno.

O desgaste do modernismo faz com que o que vem depois se torne caótico e heterogêneo.

“...mas será que isso implica uma mudança ou ruptura mais fundamental do que as mudanças
periódicas de estilo, ou de moda, determinadas pelo velho imperativo de mudanças estilísticas do
alto modernismo?” (p.28).

No âmbito da arquitetura, as modificações no campo estético são mais evidentes e seus


problemas teóricos mais abordados, contribuindo para a concepção de pós-modernismo do autor.

“na arquitetura, as posições pós-modernistas são inseparáveis de uma crítica implacável ao


alto modernismo arquitetônico… Aí, a crítica e análise formal (da transformação do edifício em
escultura, típica do alto modernismo, ou em pato monumental, segundo Venturi) incluem uma
reavaliação do urbanismo e da instituição estética. Nessa ótica, atribui-se ao alto modernismo a
responsabilidade pela destruição da cidade tradicional e de suas antiga cultura de vizinhança…, ao
mesmo tempo que o elitismo e o autoritarismo proféticos do movimento moderno são
implacavelmente identificados no gesto do Mestre carismático” (p.28).

O pós-modernismo na arquitetura se apresenta na forma de um certo populismo estético.

Uma das características mais importante dos pós-modernismos seria o apagamento da


distinção entre a alta cultura e a cultura de massa (ou comercial), e o aparecimento de novas formas
de texto impregnadas pela indústria cultural, tão criticada pela Escola de Frankfurt.

Essa ruptura não deve ser lida como mera questão cultural, embora as teorias do
pós-modernismo coincidam com a chegada da chamada sociedade pós-industrial, também
conhecida como sociedade de consumo. Essas teorias possuíam uma missão ideológica de
demonstrar que as novas formações sociais não obedecem às leis do capitalismo clássico.

A tradição marxista resiste a essas formulações, exceto por Mandel, que em “O capitalismo
tardio” se propõe a demonstrar que ela se trata de um novo estágio do capitalismo.

Crítica da periodização: tende a compreender o período histórico como uma massa


homogênea. Por isso, ele prefere tratar o pós-modernismo não como um estilo, mas como um
dominante cultural, o que permite compreender a coexistência de uma série de características que,
embora subordinadas umas às outras, são bem diferentes.

Em um ponto de vista diferente, o pós-modernismo é um pouco mais do que um estágio


diferente do próprio modernismo e seria possível admitir que as características do pós-modernismo já
se faziam presente no seu antecessor. Contudo, essa concepção não leva em conta o caráter social
do primeiro modernismo e seu repúdio pela burguesia vitoriana e pós-vitoriana.
Para o autor, uma mutação na esfera da cultura tornou as atitudes modernas arcaicas,
resultado da canonização e institucionalização acadêmica do movimento moderno a partir do fim dos
anos 50.

A nova geração dos anos 60 confronta o movimento moderno como um conjunto de velhos
clássicos, que “pesam na cabeça dos vivos como um pesadelo”, como disse Marx, em um contexto
diferente (p.30).

O autor enfatiza que as próprias características da revolta pós-modernas não mais


escandalizam, além de serem consonantes com a cultura pública ou oficial da sociedade ocidental.

A produção estética hoje está integrada à produção das mercadorias em geral: “a urgência
desvairada da economia em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam
novidades…, com um ritmo de turn over cada vez maior, atribui uma posição e uma função estrutural
cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo” (p.30).

“De todas as artes, a arquitetura é a que está constitutivamente mais próxima do econômico,
com que tem, na forma de encomendas e valor de terrenos, uma relação virtualmente imediata”
(p.30).

Houve uma evidente expansão da nova arquitetura pós-moderna com o patrocínio de


empresas multinacionais, cujo desenvolvimento é contemporâneo ao da arquitetura. Essa
interrelação dialética é mais profunda do que apenas o financiamento de projetos: “...a nova cultura
pós-moderna global, ainda que americana, é expressão interna e superestrutural de uma nova era de
dominação, militar e econômica dos Estados Unidos sobre o resto do mundo: nesse sentido, como
em toda história de classes, o avesso da cultura é sangue, tortura, morte e terror” (p.31).

Mesmo que todos os elementos do pós-modernismo fossem idênticos ou contínuos ao


modernismo (uma concepção que, para o autor, é equivocada), os dois movimentos ainda seriam
radicalmente distintos em significado e função social, diante do posicionamento do pós-modernismo
no sistema econômico.

Nem toda produção cultural atual é, necessariamente, pós-moderna em um sentido amplo.


“O pós-moderno é, no entanto, o campo de forças em que vários tipos bem diferentes de impulso
cultural (...) têm que encontrar seu caminho” (p.31).

Elementos constitutivos do pós-moderno (focados pelo autor): uma nova falta de


profundidade — cultura da imagem e do simulacro; enfraquecimento da historicidade; novo tipo de
matiz emocional; relação profunda com a tecnologia; algumas reflexões sobre a missão política da
arte no capitalismo tardio.

Análise de Um par de botas, Vincent Van Gogh (duas maneiras de ler o quadro):
● Para evitar que a reprodução extensiva da imagem a torne objeto decorativo, é preciso
entender seu contexto, do contrário “o quadro vai continuar a ser um objeto inerte, um
produto final reificado, impossível de entender como um ato simbólico propriamente dito,
como práxis e produção” (32).
Pensando-a como produção, para voltar à situação em que foi feita, poderíamos enfocar na
matéria-prima com a qual foi feita. Em Van Gogh, essa matéria poderia ser compreendida
como um mundo objeto da miséria agrícola. O uso de cores vivas para representar um
mundo opressivo parece, para o autor, um gesto utópico, que produz um novo domínio dos
sentidos e se mostra como um espaço semi-autônomo parte de uma recente fragmentação
sensorial imposta pela divisão do trabalho no capitalismo e busca compensá-la.

● A análise central de Heidegger (Der Ursprung des Kunstwerks), que traz a ideia de que a
obra de arte surge da fratura entre a Terra e o Mundo — a ausência de sentido na
materialidade do corpo e da natureza e a doação de sentido na história e no social.. Os
sapatos do camponês recriam ao seu redor o mundo objeto ausente que antes era o seu
contexto original. Para Heidegger, “...a pintura de Van Gogh é o desvelamento do que o
instrumento, o par de sapatos, de verdade é… Essa entidade emerge do descobrimento do
seu ser” (p.34).
Esse descobrimento é por meio da mediação da obra de arte, que faz com que o mundo
ausente (a vida cotidiana, o trabalho braçal, a vida do campo) se revele nela. Essa análise
mostra que um tipo de materialidade (a própria terra e seus objetos) é transformada em uma
nova materialidade, de tinta a óleo.

Jameson compara a obra com o quadro Diamond dust shoes, de Andy Warhol. Muito diferente do
quadro de Van Gogh, a pintura de Warhol não invoca um significado mais profundo de imediato; o
conteúdo parece fetichista, tanto no sentido freudiano da subconsciência quanto no sentido trazido
por Marx, do desejo pela mercadoria. Aqui, entramos numa das questões centrais do
pós-modernismo num sentido mais político: a obra de Warhol é centrada na mercantilização,
enfatizando o fetichismo pela mercadoria na emergência do capitalismo tardio.

Diferenças entre o alto modernismo e o pós modernismo:

● Aparecimento de um novo tipo de superficialidade, um sentido mais literal


● Papel da fotografia e do negativo fotográfico: mortifica o olhar do espectador, inversamente
ao gesto utópico de Van Gogh, é como se a superfície colorida fosse “retirada para revelar o
substrato mortal branco e preto do negativo fotográfico, que as subentende” (p.37). Uma
espécie de morte do mundo da aparência que pode traduzir uma mudança no próprio mundo
dos objetos, transformados em textos e simulacros, e na percepção do próprio sujeito.
● Esmaecimento do afeto na cultura pós moderna: há uma espécie de retorno do reprimido, de
uma animação decorativa compensatória
● A estranheza: falta de expressão, agrada desde que ofereça um ‘presente aos olhos’.
Esmaecimento do afeto através da figura humana: da mesma forma que objetos e obras se
transformam em mercadoria, figuras humanas também se tornam mercadoria e se transformam em
sua própria imagem (ex.: Marilyn Monroe).

Retornando ao alto modernismo, O grito, de Munch, expressa um emblema que costuma ser
chamado de era da ansiedade, mas pode ser lido como a expressão desse tipo de afeto e também
como uma desconstrução virtual da própria estética da expressão. que dominou o alto modernismo
mas parece ter desaparecido no pós-moderno.
A teoria contemporânea (crítica do modelo hermenêutico) é, para o autor, um fenômeno
estritamente pós-moderno. Ela repudia quatro elementos fundamentais da profundidade: o dialético
(da essência e da aparência, bem como da ideologia); o modelo freudiano (do latente e do
manifesto); o modelo existencialista (autenticidade e inautenticidade, alienação e desalienação) e; a
oposição semiótica entre significante e significado.

Ela as substitui por um conjunto de práticas, discursos e textos. Aqui, também, a


profundidade é substituída pela superfície ou por superfícies múltiplas.

Essa falta de profundidade não é somente metafórica. Ela se expressa nas cidades, na vida
cotidiana, no caminhar e se deparar com grandes volumes confusos, na substituição dos tecidos
urbanos; torna nossas antigas percepções de cidade arcaicas, sem substituí-las.

Sugere uma hipótese histórica mais geral: os conceitos como ansiedade e alienação não são
mais possíveis no mundo pós-moderno. Essa mudança na dinâmica da patologia cultural pode ser
caracterizada como aquela em que a alienação do sujeito é deslocada pela sua fragmentação.

A “morte” do próprio sujeito, a ênfase no descentramento do sujeito, ou da psique, antes


centrada.

Em que medida a concepção do alto modernismo em um estilo único ou em um conjunto de


vanguardas desaparecem com a noção mais antiga do chamado sujeito centrado?

O fim do ego burguês provoca o esmaecimento dos afetos e o fim do estilo único e individual
(como as pinceladas únicas de cada artista).

A liberação da anomia do sujeito centrado pode implicar não somente a liberação da


ansiedade, como também a liberação de qualquer outro tipo de sentimento. Tais sentimentos são
auto-sustentados e impessoais e costumam ser dominados por um tipo de euforia, que se reflete no
campo da estética.

O esmaecimento do afeto também pode ser lida como o esmaecimento da grande temática
do alto modernismo (do tempo e da temporalidade)

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