Teoria Da Literatura I - CESAD
Teoria Da Literatura I - CESAD
Teoria Da Literatura I - CESAD
São Cristóvão/SE
2011
Teoria da Literatura I
Elaboração de Conteúdo
Antonio Cardoso Filho
Diagramação
Neverton Correia da Silva
ISBN: 978-85-61385-03-3
CDU 82.09
Presidente da República Chefe de Gabinete
Dilma Vana Rousseff Ednalva Freire Caetano
Vice-Reitor
Angelo Roberto Antoniolli
Núcleo de Avaliação
Hérica dos Santos Matos (Coordenadora)
Carlos Alberto Vasconcelos
AULA 2
A palavra “literatura” e seu uso ao longo da história.......................... 21
AULA 3
A visão platônica sobre a literatura................................................... 35
AULA 4
Perspectivas neoplatônicas da literatura............................................ 45
AULA 5
A concepção aristotélica da literatura................................................. 55
AULA 6
O gênero lírico.................................................................................... 65
AULA 7
O gênero épico....................................................................................81
AULA 8
Novas modalidades do gênero épico................................................. 93
AULA 9
O gênero dramático...........................................................................111
AULA 10
O poema e seus constituintes (1ª parte).......................................... 123
O poema e seus constituintes (2ª parte).......................................... 137
Aula 1
META
Mostrar em que consiste a teoria da literatura e distingui-la da literatura propriamente dita e
dos estudos críticos sobre a obra literária.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
saber o que é uma teoria;
- Reconhecer o campo de ação da teoria da literatura;
- Identificar o objeto de estudo da teoria literária;
- Distinguir a teoria da literatura da literatura propriamente dita e do estudo interpretativo da
literatura.
PRÉ-REQUISITOS
Estudos literários realizados no nível médio.
INTRODUÇÃO
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Que é teoria da literatura? Aula 1
Uma vez que já temos noção do que é uma teoria, como aplicá-la
à literatura? Bem, podemos dizer que a teoria da literatura é o conjunto
de princípios gerais e sistemáticos que visam à compreensão e explica-
ção técnica da literatura. Agora, gostaria de trazer para cá outro ponto
que é o seguinte: é muito comum o uso da expressão “teoria literária”.
Porém, por mais presente que esteja no dia-a-dia de nossas conversas,
essa expressão requer um alerta. Do ponto de vista do uso linguístico,
quer dizer, da forma de falar, não há problema em seu emprego porque
o adjetivo “literário” refere-se ao que é relativo à literatura. E é exata-
mente disso que estamos tratando. Mas se pensamos que no segundo
item da nossa discussão de hoje está a questão do que é literário e do
que não é literário, poderemos ficar um pouco surpresos e perguntar: “A
teoria literária é mesmo literária, ou seja, é literatura?” Claro que você
já desconfia de que a resposta a essa pergunta é NÃO. O simples fato
de ser uma teoria acadêmica, totalmente comprometida com uma lógica
racional de seus argumentos, retira-a da condição de ato poético, de ato
de criação imaginativa (poiesis). Portanto, o melhor seria falar em “teoria
da literatura”, como estamos fazendo aqui. Entretanto, isso não significa Ver glossário no
dizer que não se deva usar a expressão adjetivada, até porque ela é de final da Aula
uso corrente, utilizada nos manuais didáticos, nos salões de debate e nos
corredores das faculdades de Letras. Precisamos apenas ter consciência
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Teoria da Literatura I
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Que é teoria da literatura? Aula 1
como romance, conto, novela, fábula e ainda segue até os textos dramáticos
como tragédia, comédia, drama, auto etc.
Mas atenção! No caso da dramaturgia, a teoria literária restringe-se à orga-
nização textual e não à atuação dos atores no palco. Aqui já se trata de arte cênica.
René WELLEK e Austin WARREN (1976, p. 44) explicam a teoria
da literatura como “o estudo dos princípios da literatura e das suas catego-
rias, dos seus critérios e matérias semelhantes”. Porém, a teoria literária
não trabalha apenas os aspectos formais intrínsecos da obra; também se
preocupa com as relações que a literatura estabelece com outros ramos do Ver glossário no
conhecimento e, para tanto, lança mão de várias ciências como a Linguística, final da Aula
a Semiologia, a Sociologia, a História, a Psicanálise, entre outros.
A literatura não se faz com textos isolados uns dos outros, ou fechados
dentro de uma época ou de um espaço geográfico, o que evidencia uma
visão mais relacional das obras entre si e das obras com o espaço onde
aparecem e com o tempo. Não só o tempo em que surgiram, mas também
o tempo que vão atravessando ao longo de sua história. Isso revela um dina-
mismo maior entre a literatura, suas formas de apresentação e a realidade
do homem enquanto sujeito circunstanciado na História. A essa visão mais
global da produção literária, WELLEK e WARREN (1976, p. 49) chamam
de “perspectivismo,” cuja explicação é dada nos seguintes termos:
ATIVIDADES
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Teoria da Literatura I
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Que é teoria da literatura? Aula 1
Busca-se uma demonstração da procedência lógica das ideias apresentadas
em cada leitura interpretativa: busca-se a capacidade argumentativa do leitor
a partir do que está escrito no texto, visto que o importante é entrar na ca-
pacidade geradora de sentidos que o próprio texto oferece em sua condição
de potência semiológica. E o que é essa potência semiológica, senão a
capacidade que o texto tem de suscitar infinitamente novas significações
ao longo dos anos e dos séculos? O texto suscita novos sentidos a cada
novo leitor, mas também é capaz de estimular novas significações a cada
nova leitura do mesmo leitor. Essa característica dá legitimidade ao uso do
termo “poética” para toda obra de literatura, ressaltando no fato literário a
dimensão de “expressão criativa” em que o escritor transforma o mundo.
Nesse sentido, fala-se de poética sem uma preocupação com distinções
entre prosa e poesia, porque a poesia (poiesis), a criação é o ponto central
de toda literatura. Sem criação, sem poiesis não há literatura, portanto, a
poética é a base essencial de todo texto literário.
Guimarães Rosa (1976, p. 3) em Aletria e hermenêutica, primeiro
Prefácio do seu livro “Tutameia: terceiras estórias”, diz que “A estória não Ver glossário no
quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História”. Com isso, final da Aula
o escritor destaca o caráter independente da natureza do literário em face da
realidade existencial da vida. Os dados da realidade são apenas estímulos,
pressupostos que requerem um trabalho de transformação no campo da
linguagem para poder constituir-se no espaço novo da literatura. Essa é a
razão pela qual não se busca o verdadeiro na literatura, mas sim o veros-
símil, aquilo que é possível de acontecer no enredo da obra.
ATIVIDADES
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Teoria da Literatura I
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Que é teoria da literatura? Aula 1
conhecimentos para fazer uma leitura interpretativa, uma hermenêutica
do texto. Enquanto a literatura se volta para a produção escrita na qual o Ver glossário no
funcionamento da linguagem tem suas particularidades de caráter esté- final da Aula
tico, o estudo crítico da literatura é a organização de um saber sobre uma
determinada obra, são as conclusões a que o leitor chega no exercício de
interpretação, depois de eleger um certo tema para ser o caminho principal
de sua leitura. No ato de leitura de um poema, ou de uma obra em prosa,
as palavras ganham uma intensificação em sua capacidade de significar. O
sujeito que fala no texto, quer seja o eu-lírico, quer seja o narrador, não
“espera ser compreendido” no significado “denotado” de seu discurso.
Pelo contrário, o discurso posto no texto quer ser alvo constante de novas
interpretações. Dessa interrelação entre o texto e o leitor, nasce uma parce-
ria criadora que vai gerar o ato de leitura, de tal modo que a interpretação
nunca é o efeito de uma simples visão do leitor sobre o texto, mas é sempre
o resultado de uma interação entre ambos.
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Teoria da Literatura I
CONCLUSÃO
Terminando essa conversa hoje, você está percebendo que, para se
estudar o texto literário, é necessário saber mais do que decifrar o texto
em seus sentidos imediatos. É preciso reunir pelo menos um pouco de
condição, para refletir acerca desses outros campos do saber e poder situar
o texto literário nas várias relações que ele estabelece, não só com a lingua-
gem, mas também com outras áreas que falam do modo de ser e de viver
do homem como: a sociedade, a política, a religião, os tabus, os sistemas
ideológicos etc.
Depois dessas informações que nos ensinam a distinguir teoria da
literatura de literatura e de estudo crítico da literatura, vamos, na próxima
Aula, ver a trajetória pela qual passou o termo “literatura” bem como as
transformações que aconteceram nele en quanto um conceito.
ATIVIDADES
Destaque nesta aula três diferenças entre o texto literário e o seu estudo
crítico e, para cada diferença que você apontar, dê uma breve explicação.
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Que é teoria da literatura? Aula 1
RESUMO
• A teoria da literatura é a ciência da literatura, é a consciência conceitual
sobre o fazer literário.
• A teoria da literatura é um conjunto de regras e princípios que revela e
esclarece os mecanismos do fazer literário, isto é, volta-se para aquilo que
constitui e organiza a obra.
• A teoria da literatura, a literatura e o estudo interpretativo da obra são
realidades diferentes no uso da linguagem.
• A teoria da literatura se ocupa com aquilo que organiza a obra em seus
aspectos de gênero, categoria narrativa, enfoque lírico etc.
• A literatura é um trabalho com a linguagem e na linguagem.
• A obra literária é um trabalho que, uma vez entregue ao público, segue o
seu curso independentemente do autor.
• A obra literária é um campo aberto de significações, daí poder-se dizer
que todo texto é uma potência semiológica.
• A obra literária não tem compromisso com a realidade histórica e constrói
sua própria realidade no discurso.
• O texto literário requer sempre uma nova leitura, ou seja, uma nova ma-
neira de ser visto, porque nessa dinâmica é que está a sua natureza literária.
• O estudo crítico do texto literário é um exercício de interpretação, de
produção de significações.
• O texto literário é um objeto artístico que se abre à multiplicidade de
sentidos que cada leitura oferece.
• A obra literária é feita a partir das experiências de vida do autor em todos
os aspectos que sua Cultura lhe oferece, e não à revelia deles.
ATIVIDADES
Se você está seguindo a orientação para fazer as atividades, está indo
bem. Então, para melhor fixação ainda de tudo o que foi explanado, será
muito bom que forme um grupo de 4 pessoas (você e mais três), para discutir
os itens abaixo e respondê-los por escrito, redigindo para cada resposta um
texto entre 5 e 10 linhas. Vá em frente; você vai se dar bem!
1. Em que consiste o estudo interpretativo do texto literário?
2. Destaque um ponto comum entre a literatura e a teoria da literatura e
explique por que esse ponto é importante.
3. Que diferenças você faz entre o trabalho do historiador e o trabalho do escritor?
4. Procure em um dicionário de linguistica o conceito de Semiologia e explique
por que o trabalho de interpretação da obra literária é um processo semiológico.
Use suas próprias palavras; o importante é você dizer como compreendeu.
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Teoria da Literatura I
PRÓXIMA AULA
REFERÊNCIAS
GLÓSSARIO
Realidade empírica: Aquela que se baseia na experiência, na observação
do que se passa na realidade e não nos pressupostos da ciência.
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Que é teoria da literatura? Aula 1
Poiesis: Termo grego do qual surge a palavra “poesia”. Significa criação,
atividade criadora da palavra.
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Teoria da Literatura I
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Aula 2
META
Traçar descritivamente um panorama geral da evolução histórica do termo literatura e do
seu conceito desde os primórdios até o século XX.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
- Compreender o sentido etimológico do termo “literatura”;
- Descrever a maleabilidade e a transitoriedade das concepções de literatura;
- Organizar o histórico das transformações semânticas do termo “literatura”
PRÉ-REQUISITOS
Estudos de teoria literária realizados no nível médio.
INTRODUÇÃO
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A palavra “literatura” e seu uso ao longo da história Aula 2
amante de D. Sancho I e conhecida como “A Ribeirinha”. Essa cantiga foi
datada, no século XX, pela filóloga Carolina Michaelis de Vasconcelos Ver glossário no
como sendo de 1189 (século XII). final da Aula
A PALAVRA LITERATURA
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Teoria da Literatura I
A palavra letra vem do latim erudito littera. O fato é que com a expansão
do Império Romano, a língua latina foi não só se distanciando de seu berço
como também foi misturando-se às outras línguas e adquirindo sons diversos
e combinações diferentes desses sons na fala do povo. Essa nova realidade
da língua veio a ser chamada, como dissemos acima, de latim vulgar, isto é,
latim do uso comum, e a essas transformações deu-se o nome de evolução
Ver glossário no fonética. Veja então o que aconteceu! O termo littera já tinha passado por
final da Aula algumas dessas transformações e, no século XIII, é encontrado o registro
dele como letera. E mesmo nessa palavra houve ainda a perda do segundo
“e”, por um processo fonético chamado síncope, o que deu origem ao
termo letra, com o sentido de um símbolo que representa um determinado
som e serve para desenhar esse som em uma superfície que pode ser pedra,
papiro, pergaminho, couro, papel etc. Como toda letra é um traço que faz
um desenho, o resultado é a grafia. Então, da letra depende o desenho da
língua falada, ou seja, a inscrição no papel do que se diz oralmente, podendo
tal inscrição tornar permanente a fala de alguém.
Mas a palavra latina littera não fica isolada nela mesma. Dela também
derivam outras palavras no próprio latim, como litterarius, que nos dá
“literário”. Por sua vez, por via erudita, litteratus origina “literato”. Mas
você lembra que dissemos há pouco que littera evoluiu para lettera no uso
popular? Pois bem, de lettera chegamos a “leteradura”, “letradura” com
registro encontrado no século XIV. Daqui também chegamos a “letrado”
– aquele que tem o conhecimento das letras, que tem competência para
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A palavra “literatura” e seu uso ao longo da história Aula 2
ler e escrever textos. Contudo, na formação do nosso termo “literatura”,
prevaleceu a palavra latina erudita litteratura.
Tudo bem! Chegamos lá! Mas é cedo para achar que tudo está resolvido
porque, mesmo sabendo da etimologia de “literatura”, a compreensão
do seu conceito no campo da arte, tal como o entendemos atualmente,
ainda não acontece, pois o sentido dessa palavra em suas origens é bem
diferente. Na realidade, naquela época, literatura significava a mesma coisa
que “gramática”. A literatura era o trabalho de ensinar a ler e a escrever, de
tal modo que o latim litteratura e o grego grammatiké indicavam a mesma
coisa. Littera e gramma significavam “letra” e os professores que ensinavam a
leitura e a escrita eram chamados de litterator (em latim) ou grammatikós (em
grego), bem diferentemente do sentido que têm hoje o literato e o gramático.
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Teoria da Literatura I
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A palavra “literatura” e seu uso ao longo da história Aula 2
São capazes de escrever de tal modo que seduzem e arrebatam o leitor para
o seu texto. É a genialidade da criação associada à competência para dizer
bem. Todo o trabalho vai na direção da beleza e da retórica. A atenção de
Voltaire está voltada para os efeitos estéticos da prosa e da poesia; daí tais
textos serem chamados também de “bela literatura”.
Sábio trabalhando no seu gabinete, 1827. Rio de Janeiro, Museu Castro Maia, IPHAN.
Ora, se há uma ‘bela literatura”, há uma literatura que não é bela? Para
Voltaire, sim. Como “bela literatura”, têm-se os textos bem escritos, bem
elaborados, agradáveis e com preocupação estética. Os gênios são seus
mestres. Em contraposição, como “literatura”, Voltaire coloca os textos
que mostram um trabalho bem feito com a palavra, com correção, mas
sem preocupação estética. Esse é o trabalho do literato. Mesmo quando
considera a genialidade do poeta na “bela literatura”, Voltaire vê o con-
hecimento aí contido como ilusório. Diferentemente disso, ele vê como
superior o conhecimento do sábio – expresso na Filosofia e na ciência – que
requer pesquisa, maior aprofundamento e maior reflexão. Temos assim que
na comparação entre o gênio e o literato e entre o sábio e o literato, o literato
é sempre posto numa categoria inferior.
Mas em Voltaire se destaca uma novidade: é o fato de ele ter retirado
do campo da literatura a pintura, a arquitetura, a música, diferentemente
do que pensava Francisco Dias Gomes.
Em 1751, Diderot (1713-1784), no trabalho Pesquisas filosóficas sobre
a origem e a natureza do belo, usa a palavra “literatura” com um sentido
que merece atenção. Diz ele:
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Teoria da Literatura I
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A palavra “literatura” e seu uso ao longo da história Aula 2
d) livro que trata de História ou de Teoria Literária em frases como “Este
livro é de literatura”, referindo-se a um livro didático que estuda a literatura
e não apenas a um romance, conto etc. que contém em sua construção as
condições de um texto literário.
CONCLUSÃO
RESUMO
• A palavra “literatura” surge na língua portuguesa, no século XVI (1510),
quatroséculo depois do poema Cantiga da Ribeirinha (1189), de Paio Soares
de Taveiros.
• Até a primeira metade do século XVIII, os textos que hoje seriam chama-
dos literários recebiam o nome de verso, poesia, eloqüência.
• Nas línguas da Europa, até o século XVIII, literatura significava ciência
em geral, por isso, quando se falava em “literatura” ou aparecia o termo
“letras”, era para designar o conhecimento, não importava se se referia aos
poetas, aos oradores, aos gramáticos, aos filósofos ou aos matemáticos.
• Nos primeiros séculos do cristianismo, vamos encontrar religiosos envolvi-
dos com os estudos culturais voltados para a Filologia e para a interpretação
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Teoria da Literatura I
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A palavra “literatura” e seu uso ao longo da história Aula 2
ATIVIDADES
Existe um resumo desta aula, mas como você percebe, o que estou
solicitando precisa mais do que a leitura desse resumo. Por isso retome
o texto completo e releia-o atentamente, verificando que partes
merecem uma pergunta cuja resposta vai ajudar a assimilar o que é
mais importante nesta aula.
REFERÊNCIAS
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Teoria da Literatura I
GLÓSSARIO
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A palavra “literatura” e seu uso ao longo da história Aula 2
Francisco Dias Gomes : Poeta português (1745-1795). Crítico literário
contemporâneo da História Literária da França, escrita no século
XVIII, pelos monges beneditinos de Saint-Maur.
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Teoria da Literatura I
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Aula 3
A VISÃO PLATÔNICA SOBRE
A LITERATURA
META
Apresentar as idéias de Platão, particularmente em A República, a respeito da literatura.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
- Examinar o livro A República de Platão, destacando suas afirmações sobre o poeta e a
poesia;
- Compreender que nas idéias de Platão sobre a literatura encontra-se um interesse
político-filosófico e não, literário;
- Identificar a influência do pensamento de Platão em correntes do pensamento crítico
dos séculos XIX e XX.
PRÉ-REQUISITOS
Estudos literários das aulas anteriores.
INTRODUÇÃO
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A visão platônica sobre a literatura Aula 3
VISÃO PLATÔNICA
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Teoria da Literatura I
[...] toda a arte imitativa, por um lado está muito afastada da verdade
em tudo que tem por seu objeto e por outro, a parte de nós mesmos
com que ela se une em relação de amizade está muito distanciada da
sabedoria e nada se propõe de verdadeiro e sólido. [...] A imitação
é, portanto, má em si, une-se ao que há de mal em nós e só pode
produzir maus efeitos (PLATÃO, p. 279-280).
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A visão platônica sobre a literatura Aula 3
coisas tratadas. Tão grande e poderoso é, por natureza, o prestígio da
poesia! Pois acho que sabes o que são os versos dos poetas quando se
lhes tira o colorido que lhes empresta a música” (PLATÃO, p. 277).
No livro (ou diálogo) Fedro, Platão diz que o poeta não deve ser sub-
metido à censura. Esse juízo aparentemente favorável nada tem de defesa
ou de valorização estética. Ele decorre do fato de Platão achar que o poeta
se deixa levar pela emoção, pelo imaginativo. A censura deve ser evitada
porque ele é alguém que se entrega aos impulsos íntimos, tornando-se um
possesso no momento de proferir a palavra divina. No diálogo Íon, o poeta
aparece como um rapsodo inspirado por Deus e falando ao povo. O próprio Ver glossário no
Íon, personagem central do diálogo, é um rapsodo que recita versos de final da Aula
poetas reconhecidos, fazendo alguns acréscimos e modificações por conta
própria. Essa inspiração na verdade é vista como o estado de possessão
em que o rapsodo é colocado, portanto, ele não é alguém que esteja no uso
da razão. Nem por isso deixa de influenciar seus ouvintes com suas con-
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Teoria da Literatura I
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A visão platônica sobre a literatura Aula 3
Platão passou pela experiência do fracasso político de sua cidade,
quando, ainda moço, viu a derrota de Atenas. Achou que essa derrota se
deveu à democracia e, assim, defendeu a idéia de que a cidade devia ser
governada por uma aristocracia intelectual, daí ter afirmado que “Os sábios
deverão dirigir e governar, e os ignorantes deverão segui-los”.
CONCLUSÃO
Como vimos, o principal lugar em que Platão trata da literatura é o Livro X
d’A República. Livro esse em que ele vai traçar também as normas que devem
reger a sociedade. Vimos também que Platão não chega a ser propriamente
um teórico da literatura, já que as referências que ele lhe faz são todas voltadas
para o melhor funcionamento da sociedade. A literatura não é vista por ela
mesma, mas apenas como um artefato social que pode ter ou não serventia
política na ordem do Estado, a depender de suas condições. A valorização
que ela poderia receber na República vem de critérios extraliterários, critérios
que nada têm a ver com a linguagem ou a arte.
Mas não é só dessa vertente que vêm as restrições à poesia, é também
de um posicionamento epistemológico pelo qual a verdadeira realidade está
na idéia do objeto e nunca no próprio objeto enquanto manifestação de um
fenômeno na realidade empírica. Daí a poesia ter sido relegada à condição
de falsidade. Em síntese, podemos dizer que em Platão, a literatura enquanto
tal não foi o alvo de suas considerações. Ela aí aparece apenas como um
dado da realidade o qual, sob certas condições, pode obter um valor social,
mas todas as condições levadas em conta são extraliterárias.
RESUMO
- Platão foi o primeiro pensador de que se tem notícia a tratar da literatura,
mas o seu interesse é a política, que mantém a ordem na organização do
Estado.
- A República é o Estado, e o pensamento de Platão é uma apreciação ética,
quer dizer, voltada para os costumes e os valores da sociedade organizada.
- O Estado é um modo de funcionamento da sociedade. O Estado, diz
ele, são “muitos homens com o propósito de se servirem uns dos outros.”
- A poesia apenas voltada para si mesma é prejudicial, pois além de não
contribuir para a ordem do Estado, favorece a corrupção dos costumes.
- No Íon, Platão diz que o rapsodo não deve ser levado a sério nem tam-
bém ser censurado, pois nesse momento ele está possuído por um espírito.
- A verdade está no campo das idéias. Só essa verdade é perfeita, pois é
criação divina. Tudo o mais é imitação e, portanto, está distanciado dela,
não pertence à sua essência.
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Teoria da Literatura I
ATIVIDADES
REFERÊNCIAS
GLÓSSARIO
Rapsodo: Era o poeta ou decla-mador que saía de cidade em cidade
recitando partes de poemas épicos de outros poetas reconhecidos e
famosos, mas principalmente dos poemas de Homero.
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Aula 4
PERSPECTIVAS NEOPLATÔNICAS
DA LITERATURA
META
Mostrar a continuidade da concepção platônica ao longo das teorias literárias e sua
influência até os nossos dias.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
- Listar os aspectos linguisticos em que se baseavam as pesquisas do retóricos
alexandrinos;
- Identificar a concepção didática de Horácio e seus desdobramentos para o social;
- Distinguir os traços estilísticos que deveriam conter o texto literário, segundo a concepção
de Longino.
PRÉ-REQUISITOS
A aula 3, que corresponde às ideias de Platão sobre a literatura.
INTRODUÇÃO
RETÓRICOS ALEXANDRINOS
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Perspectivas neoplatônicas da literatura Aula 4
Em seus empreendimentos de conquista e de expansão, Alexandre
fundou duas cidades que vieram a se destacar na pesquisa: Pérgamo e Alex-
andria. De modo geral, podemos dizer que os helenistas-alexandrinos não
trouxeram grandes contribuições para a literatura, mas seus pesquisadores
ajudaram – através do trabalho voltado para a linguagem – na recuperação e
no aprimoramento de textos mais antigos. Tratava-se de uma preocupação
filológica com o texto. O aspecto verbal era o que atraía o interesse deles,
de modo que muito antes de os pensadores do século XIX chamarem a
atenção para a palavra e para a frase como segmento básico dos estudos de
literatura, os teóricos alexandrinos já o tinham feito. Podemos dizer então
que em Alexandria tais estudos estavam dedicados à gramática e à retórica.
Esses pesquisadores, que também eram leitores, editores e comentadores dos
escritores antigos como Homero (séc. VIII a. C.), Hesíodo (séc. VIII a. C.),
Píndaro (522 a. C. - 438 a. C.), de modo geral, faziam uma revisão dos textos,
quer na parte gramatical, quer na recuperação da sua originalidade, livrando-
os de acréscimos e de outras interferências que foram sofrendo ao longo do
tempo. Porém, é verdade que os alexandrinos deram uma maior contribuição
aos textos dos poetas que tiveram sua obra publicada em Alexandria do que
aos textos de Homero que foram organizados antes do período alexandrino.
Em Pérgamo, atual Bergama, na Turquia, o interesse dos pesquisadores ia
além da gramática. Eles investigavam os textos, preocupando-se também com
aspectos literários, artísticos e filosóficos, trazendo ao campo da arte uma contri-
buição mais importante do que a contribuição dos pesquisadores de Alexandria.
Um dos estudiosos mais destacados de Pérgamo foi Crates de Malo, que chamou
a atenção para leituras alegóricas e não apenas denotativas da obra de Homero.
O período helenista-alexandrino foi um tempo de muitas realizações
na arte e na ciência. Se esse período não teve o grande destaque do período Ver glossário no
clássico, pode-se dizer que na ciência foi até mais importante. Quem já não final da Aula
ouviu falar na Geometria euclidiana? Pois bem, Euclides foi um professor
de Geometria nascido em Alexandria em torno do ano 300 a.C.
Outro destaque foi Horácio, cujo nome latino era Quintus Horatius
Flaccus. Nascido no século I a.C., era um amante da literatura e um dos
expoentes do pensamento grego. Foi o maior difusor das ideias de Platão
na Europa. Como bom leitor da obra de Platão, recebeu dela as bases para
o pensamento que organizou depois acerca da literatura. Sob a influência
de Platão e de Aristóteles, fez uma reflexão sobre a literatura que é muito
mais a continuação do pensamento do primeiro filósofo do que do segundo.
Apesar de ser um conhecedor de ambos, a temática horaciana da literatura
como instrumento prazeroso de ensino está calcada na visão pragmática,
isto é, utilitária, de Platão.
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Teoria da Literatura I
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Perspectivas neoplatônicas da literatura Aula 4
A visão de Horácio acerca da literatura, ou seja, a visão da literatura com
finalidade didática foi o suporte para o surgimento de outras concepções
também utilitárias da literatura. É o que ocorre com a literatura moralista,
que busca difundir ideias morais e religiosas como ocorre com José de
Anchieta em seus poemas catequéticos; a literatura de auto-ajuda, que Ver glossário no
pretende orientar em atos de conduta; a literatura de formação espiritualista, final da Aula
que procura transmitir valores éticos vinculados à dimensão espiritual, a
exemplo de Zíbia Gaspareto; a literatura politizada comprometida com
o engajamento social e político, costumeiramente chamada de “literatura
engajada”, que vai nos caminhos de Sartre; a literatura filosófica de fundo
ficcional e informativo de Jostein Gaarder etc.
O PSICOLOGISMO DE LONGINO
49
Teoria da Literatura I
fortes e boas no leitor e, nesse resultado, está a sua condição sublime. Então,
o objetivo da literatura é emocionar, empolgar, enlevar.
OUTROS NOMES
Um terceiro nome é Sainte-Beuve (Charles Augustin de Sainte-Beuve)
que viveu no século XIX. Sainte-Beuve dirigiu seu interesse para as relações
entre a obra e o sujeito que a produziu. A importância que deu a essa relação
era tão forte que, segundo ele, para se compreender a obra é necessário
conhecer antes a vida do autor. Pode-se considerar nele uma certa preo-
cupação com a cientificidade dos estudos críticos, mas é verdade também
que nesses estudos nada remetia ao cerne do literário.
O mesmo vai acontecer com Hyppólito Taine, também um pensador
Ver glossário no do século XIX, que pautou seus estudos de literatura nas ideias positiv-
final da Aula istas. Ele tentou compreender a obra a partir das condições do meio, do
momento e da raça. Enquanto Sainte-Beuve se volta para o artista e suas
circunstâncias pessoais, Taine tem um olhar mais abrangente, situando-o
em sua raça e nas circunstâncias da sociedade em que vive.
Outros pesquisadores continuaram o pensamento de Platão; não o
pensamento literal, mas a base do que o norteou, que era considerar a
arte não em sua dimensão ontológica, mas em seu uso para os interesses
político-sociais, portanto, não literários.
Só com a chegada dos estudos sobre estética formulados por Kant,
Hegel, e outros mais é que a teoria aristotélica da literatura veio a ser com-
preendida e valorizada.
CONCLUSÃO
50
Perspectivas neoplatônicas da literatura Aula 4
texto poético e não para as significações mais fáceis de serem apreendidas,
ou seja, aquelas que apresentavam a literatura como um espelho da vida, que
poderiam ser utilizadas em finalidades práticas da própria vida. Embora, no
século XX, essa especularidade tenha sido revelada como falsa, aos olhos
do leigo nos estudos literários ela ainda é fonte de equivocos ainda hoje. Ver glossário no
Juntando essa “semelhança” da literatura com a vida e o fato de que ela é final da Aula
fonte de conhecimento, não é difícil compreender a insistência de alguns
em sua função utilitária.
RESUMO
51
Teoria da Literatura I
ATIVIDADES
PRÓXIMA AULA
REFERÊNCIAS
52
Perspectivas neoplatônicas da literatura Aula 4
GLÓSSARIO
53
Teoria da Literatura I
54
Aula 5
A CONCEPÇÃO ARISTOTÉLICA
DA LITERATURA
META
Mostrar a virada teórica do pensamento aristotélico em relação ao pensamento de Platão,
bem como seus efeitos sobre a compreensão da literatura como texto autônomo.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
- Identificar a visão aristotélica da literatura e seu posicionamento oposto ao de Platão;
- Reconhecer as bases aristotélicas para a compreensão da literatura como um fenômeno
em si.
PRÉ-REQUISITOS
A aula 5, que transmite o conceito de literatura segundo Platão.
INTRODUÇÃO
56
A concepção aristotélica da literatura Aula 5
CONCEPÇÃO ARISTOTÉLICA
57
Teoria da Literatura I
58
A concepção aristotélica da literatura Aula 5
59
Teoria da Literatura I
60
A concepção aristotélica da literatura Aula 5
não aparecia nem em Aristóteles nem em Horácio. Mas aos poucos foram
fazendo deduções a partir das unidades de tempo e de ação. Se o tempo era
contido em um dia e a ação deveria ser concentrada, então tiveram a ideia
de dever haver uma unidade de lugar e este precisaria estar circunscrito a
um certo local ou, no máximo, ao espaço de uma cidade. Estava formada
a regra das três unidades.
A tragédia deixou de ser produzida no século XIX, embora algumas
peças de Ibsen, ou o moderno teatro do absurdo sejam às vezes rotulados
como tragédias.
CONCLUSÃO
61
Teoria da Literatura I
RESUMO
ATIVIDADES
62
A concepção aristotélica da literatura Aula 5
PRÓXIMA AULA
REFERÊNCIAS
GLÓSSARIO
Paradigma: Modelo.
63
Teoria da Literatura I
64
Aula 6
O GÊNERO LÍRICO
META
Apresentar o gênero lírico como o discurso baseado no sentimento.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
reconhecer o fundamento essencial do lírico;
estabelecer o modo de elaboração do texto lírico;
exemplificar as características sempre presentes no discurso lírico;
distinguir o texto lírico dos textos épico e dramático.
INTRODUÇÃO
64
O gênero lírico Aula 6
GÊNERO LÍRICO
65
Teoria da Literatura I
Mas essa condição não isola o poeta do mundo. Ele está contextualizado
no social, no político, no religioso, no econômico e é dentro desse contexto
que produz o lírico. Portanto, o mundo não se opõe ao lírico, apenas não se
oferece como lugar de história. Oferece-se como espaço de
interiorização. Tudo o que é dito sobre ele, aparece como
revelação íntima do sujeito poético e revelação do seu modo
de ser na percepção do poeta.
Emil Staiger, em Conceitos fundamentais da poética,
analisa os gêneros e busca neles os elementos determi-
nantes que os definem em sua particularidade. Sobre o
gênero lírico, ele aponta como características: a) o trabalho
sobre os sons, organizando a musicalidade; b) a presença
da repetição; c) a prevalência da lógica interna; d) a orga-
nização coordenativa do pensamento; e) a independência
em relação à norma gramatical.
Como os atos humanos ocorrem no tempo, antes de
tratar desses caracteres, vamos perguntar-nos sobre a base
de sustentação do lírico, sobre seu fundamento maior. Já
que ele está fora do ato de discorrer e do ato de refletir,
sabemos que seu campo de ação é o íntimo do sujeito.
66
O gênero lírico Aula 6
Assim, a recordação é a sua marca principal. Recordar é lembrar, é voltar
à memória. Vem do latim “recordare”, derivado de “cor”, que significa
coração. É o retorno ao “coração”. Recordar é ir de novo ao coração e,
para tanto, não é necessário discorrer, é necessário “expressar” o que está
dentro. É voltar a si mesmo. Por isso, a recordação é o traço característico
maior do ser lírico. Um fato que apareça narrado no texto não se quer
tomado enquanto acontecimento transcorrido, mas enquanto a expressão
do sentimento que envolveu esse fato. Mas, se você pensar bem, verá que
a recordação não é necessariamente uma ida ao passado.
É verdade que só o passado se acomoda decantado no interior do su-
jeito, o presente é inquieto em sua incerteza e o futuro é apenas uma hipó-
tese. Dessa constatação, deduzimos que só o passado cabe na recordação.
Se pensarmos, contudo, que o passado só aparece como presente e é desse
lugar de presente que o interior se manifesta, então podemos concluir que,
no lírico, não se trata verdadeiramente do passado, mas sempre do presente.
Os fatos não estão sendo tomados como acontecimentos da história inse-
ridos no curso do tempo, mas como expressões interiores de um sujeito
manifestadas em um determinado momento que, por mais que se repitam,
não fazem história porque não se encadeiam numa sucessividade, porém
retornam sobre si mesmas num constante reapresentar-se. Tome-se como
exemplo o poema Oração de Jorge de Lima (1980, p. 84):
Ver glossário no
final da Aula
67
Teoria da Literatura I
68
O gênero lírico Aula 6
músicas cuja letra é um poema da literatura, todavia, esse procedimento é
muito raro, está longe demais de ser a regra. As poesias são feitas para serem
lidas ou declamadas e, quase nunca, para serem cantadas. Essa mudança de
atitude tem uma explicação histórica.
Como já dissemos, depois da Idade Média o acompanhamento musical
foi desaparecendo e em seu lugar foram surgindo mecanismos substitutivos
para dar continuidade à presença da música e tornar o texto agradável. Sai-
se da musicalidade da lira e entra-se na musicalidade do texto, construindo
os versos a partir da escolha de fonemas que produzem efeitos sonoros no
interior e no final deles. É o caso das rimas, do ritmo e das várias figuras de
harmonia também chamadas de melopéia por dizerem respeito à melodia.
verso, criando uma cadência. Nos versos de Castro Alves, o jogo sônico
nos lembra o próprio movimento oscilante da bandeira sacudida pelo vento.
Nos versos de Cruz e Sousa (1991, p. 5), a predominância das constritivas,
o uso insistente da sibilante /s/ e da fricativa /f/ trazem a sensação de
algo evanescente que aparece, mas se esvai fluidamente. Esse conjunto de
elementos atrai a sonoridade agradável ou a musicalidade do texto.
Vamos agora à característica da repetição. Etimologicamente, verso
significa volta, retorno, quer dizer, volta ao ponto anterior, mas a repetição
aqui não é um simples retorno ao já visto. É um trabalho estilístico com
o objetivo de produzir um efeito sintático e semântico. Sintático porque
tem a ver com a articulação dos termos, das frases ou dos versos com a
composição; e semântico porque essa organização traz consequências de
sentido para o poema. Atente para o texto a seguir de Federico García
Lorca (2001, p. 279):
69
Teoria da Literatura I
70
O gênero lírico Aula 6
Agarro o azul do poema pelo fio
mais delgado de lã de seu discurso
e vou traçando as linhas do relâm-
pago no vidro opaco da janela.
(Fonte: http://www.jorgeduardo.com).
71
Teoria da Literatura I
treme
o gesto é ansiedade
e a unidade
pão
escala teu desejo
p
r
e
c
i
p
i
t
a
t
e
restos
entreaberta flor
de ansiedades novas
72
O gênero lírico Aula 6
CONCLUSÃO
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Octávio Paz diz que “os poetas não têm biografia. Sua biografia é sua
obra”, fazendo nessa afirmação uma nítida separação entre a realidade do
sujeito individual, inserido na vida, e a realidade do poeta como um eu que
fala no poema e só tem existência enquanto matéria de discurso. Neste, ele
surge e, somente nele, encontra um lugar de ser.
73
Teoria da Literatura I
RESUMO
- A base do lírico é a subjetividade. É sempre um eu confessando seu es-
tado de espírito.
- O lírico procura entrar no ser das coisas.
- Quando o lírico aborda a realidade externa, é apenas como um caminho
para chegar ao sujeito e não como fatos de uma história a ser relatada.
- Emil Staiger chama a atenção para algumas características do lírico: a
musicalidade, a repetição, a lógica interna, a construção coordenada e a
independência gramatical.
- A musicalidade é o trabalho feito com os fonemas, com a combinação de
termos, com as figuras de harmonia.
- A repetição é o emprego das mesmas palavras, dos mesmos versos ou da
mesma idéia. Mas essa repetição não traz algo novo, antes remete o leitor ao
mesmo aspecto numa recorrência constante ao mundo interior do eu lírico.
- A lógica interna é a independência em relação à racionalidade do discurso.
Não se procura uma lógica de causa e efeito
no que está dito no poema. Entra-se nele como se fosse uma comunhão
com o espírito do poeta.
- A construção coordenada (ou paratática) se faz constante porque o inter-
esse está em mostrar estados de espírito, sentimentos. Assim, as construções
subordinativas ficam em segundo plano.
- A independência gramatical é a liberdade sobre várias exigências do dis-
curso prático: uso livre das inversões, das repetições; possibilidade de cortar
a frase e até mesmo as palavras; aplicação livre da metáfora e da metonímia;
uso de jogos sonoros etc.
ATIVIDADES
1. Procure um site de busca e faça uma pequena pesquisa sobre quem foi
e quando viveu:
a) Fernando Pessoa
b) Cecília Meireles
c) Manuel Bandeira
2. Leia o texto abaixo e, a partir do que você aprendeu nesta aula:
a) faça alguns comentários sobre o que compreendeu a respeito das idéias
presentes nele;
b) selecione três características do lírico que você percebeu e, para cada
característica, dê explicações que justifiquem sua seleção.
74
O gênero lírico Aula 6
LINGUAGEM
Eu caminho seguro entre palavras
e páginas desertas. Nas retinas:
sonho de coisas claras e a lição
de outras coisas que invento
para o só testemunho
de minha construção
imaginária
de pedra
sobre
pedra
e cimento
e silêncio.
75
Teoria da Literatura I
REFERÊNCIAS
AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel. Teoria da literatura. 8 ed. Coimbra:
Almedina, 1997.
ALENCAR, José de. Iracema. 5 ed. São Paulo: Ática, 1975.
ALVES, Castro. Espumas flutuantes e outros poemas. São Paulo. Editora
Ática, 1998.
FONTES, Carmelita Pinto. Tempo de dezembro. Aracaju: Edição do
Governo do Estado de Sergipe – Subsecretaria de Cultura e Arte, 1982.
LIMA, Jorge de. Poesia completa. 2 ed. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 1980.
LORCA, Garcia. Antologia poética. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MEIRELES, Cecília. Poesias completas: viagem; vaga música. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira. 1976.
STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética. Rio de Janeiro:
1975.
STALLONI, Yves. Os gêneros literários. Rio de Janeiro: Difel: 2001.
TAVARES, Hênio. Teoria literária. 11 ed. Belo Horizonte: Vila Rica Edi-
toras Reunidas. 1996.
TELES, Gilberto Mendonça. Falavra: antologia poética. Lisboa: Dinalivro,
1990.
GLÓSSARIO
Carmelita Fontes: Poetisa sergipana, nascida em Laranjeiras em 1933.
Atualmente é membro da Academia Sergipana de Letras e exerceu o
magistério na Universidade Federal de Sergipe e no Colégio Estadual
Atheneu Sergipense. Escreveu muitas crônicas para periódicos de
Aracaju e de Lisboa. No trabalho com a poesia publicou: Tempo
de Dezembro e Baladas do Inútil Silêncio, em parceria com Núbia
Marques e Giselda Morais.
76
O gênero lírico Aula 6
Cruz e Sousa: (1862 – 1898): Poeta simbolista, nascido
em Florianópolis (Santa Catarina). Filho de escravos
alforriados, recebeu do antigo senhor estima e cuidados.
Por isso, foi educado no Liceu de Santa Catarina. Sua
cultura, entretanto, nunca o livrou dos preconceitos
contra sua cor, daí ficar sempre marginalizado, vivendo de empregos
sem maior importância, salvo seu trabalho como jornalista, que
também não lhe trouxe maior reconhecimento. Seus livros de poesia
foram: Broquéis, Faróis e Últimos Sonetos. Foi reunida também sob
o nome de O livro derradeiro, sua produção espalhada em jornais e
revistas.
77
Aula 7
O GÊNERO ÉPICO
META
Apresentar a origem e o desenvolvimento do gênero épico e suas consequências para a
narrativa moderna.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
identificar as fontes gregas do épico;
descrever as características que dominam a narrativa épica;
avaliar o distanciamento entre o narrador e o mundo épico narrado;
reconhecer os valores éticos cultivados pela epopéia.
PRÉ-REQUISITOS
estudar o épico relacionando-o com o lírico facilita a compreensão. Então, é importante que você reveja a lição 6.
INTRODUÇÃO
Corpo de Heitor sendo levado de volta a Tróia. Alto relevo romano em mármore (Fonte:
http://pt.wikipedia.org).
80
O gênero épico Aula 7
O GÊNERO ÉPICO
81
Teoria da Literatura I
82
O gênero épico Aula 7
coisas, Santa Rita Durão atribui a Paraguaçu uma fisionomia nada indígena,
pelo contrário, vestiu-a com a roupagem da mulher branca:
83
Teoria da Literatura I
84
O gênero épico Aula 7
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana
Em perigos e guerras esforçados Ver glossário no
Mais do que prometia a força humana, final da Aula
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram.
(Camões, Os Lusíadas, I, 1)
Canto II
XXXII
85
Teoria da Literatura I
XXXIV
86
O gênero épico Aula 7
século XVIII, a imitação dos padrões clássicos é posta em questão e novos
modelos são adotados.
Na modernidade, o herói é destituído de sua posição de importância,
e em seu lugar aparece o anti-herói, o homem vivendo suas lutas no co-
tidiano, seus combates para vencer preconceitos, suas façanhas para viver
o amor. Vemos, assim, a passagem das narrativas épicas para as narrativas
romanescas. Destas novas formas narrativas, algumas podemos conhecer
um pouco e é o que faremos na próxima aula.
CONCLUSÃO
87
Teoria da Literatura I
RESUMO
- Como você viu durante esta aula, a epopéia é uma narrativa feita em
tom grandioso por um narrador que apresenta histórias de personagens
moralmente elevadas.
- Um texto épico traz a figura do narrador que mantém um distanciamento
do mundo narrado, daí a objetividade com que se dá a narrativa.
- A essência do épico está na apresentação, porquanto, ao procurar manter
um afastamento do mundo narrado, aquele que narra não tem nos próprios
sentimentos o elemento principal do texto.
- As características principais do texto épico são: a) presença de ação; b)
simetria: inalterabilidade de humor do narrador; c) distanciamento: o nar-
rador procura apresentar o mundo externo, do lado de fora do seu íntimo,
como se ele nada tivesse a ver com o que conta. O que se passa no seu
interior não importa; d) desenrolar progressivo: as ações vão se dando
sucessivamente, num encadeamento; e) autonomia das partes: cada parte
tem uma organização que lhe dá auto-suficiência histórica e estrutural e,
portanto, poderia existir por si mesma. Essa capacidade é sua autonomia;
f) estilo grandioso: o estilo é grandioso pela escolha do tema, pelo caráter
das personagens centrais e pelos recursos lingüísticos de que o narrador
lança mão na composição do texto.
ATIVIDADES
Vamos supor que você foi convidado pelo seu professor para dar uma
aula sobre o gênero épico para seus colegas. Considerando essa hipótese,
retome esse texto e selecione também mais um texto sobre o mesmo assunto
em algum livro de teoria da literatura. Veja algum que você tem ou recorra
à biblioteca. Munido desses textos, prepare um esquema de exposição,
lembrando-se de que, como professor, você deve ser didático, ou seja, deve
ter um roteiro simples e objetivo para que suas explicações possam se fazer
de modo gradativo e claro. Não esqueça que o desejo maior do professor
é que seus alunos aprendam de forma mais rápida e mais eficaz, por isso
você vai selecionar apenas os pontos mais importantes do assunto.
Uma vez feito seu esquema de exposição, envie ao professor-tutor.
Então, mãos à obra!
88
O gênero épico Aula 7
COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES
Você viu que ao gênero épico pertence todo texto literário que relata
uma ação. A Ilíada é um grande exemplo de epopéia que envolve
combates e feitos heróicos.
PRÓXIMA AULA
REFERÊNCIAS
AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel. Teoria da literatura. 8 ed. Coimbra:
Almedina, 1997.
STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1975.
STALLONI, Yves. Os gêneros literários. Rio de Janeiro: Difel, 2001.
TAVARES, Hênio. Teoria literária. 11 ed. Belo Horizonte: Vila Rica Edi-
toras Reunidas, 1996.
GLÓSSARIO
Diegese: É um conceito de nar-ratologia, estudos literários,
dramatúrgicos e de cinema que diz respeito à dimensão ficcional de
uma narrativa. A diegese é a realidade própria da narrativa (“mundo
ficcional”, “vida fictícia”), à parte da realidade externa de quem lê (o
chamado “mundo real” ou “vida real”).
Termo de origem grega divulgado pelos estruturalistas franceses
para designar o conjunto de ações que formam uma história narrada
segundo certos princípios cronológicos.
89
Teoria da Literatura I
Prosápia: Raça
Grão: Grande
90
Aula 8
NOVAS MODALIDADES DO
GÊNERO ÉPICO
META
Introduzir algumas modalidades do gênero e mostrar as modificações na passagem da
épica clássica para a narrativa moderna.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
reconhecer as características do épico nos textos narrativos modernos;
identificar a estrutura do romance e nela ver os aspectos da epopeia que perduram;
distinguir os caracteres que definem o romance, a novela e o conto;
listar as semelhanças e as diferenças entre a fábula e o apólogo;
identificar as características da crônica e da parábola.
PRÉ-REQUISITOS
Rever o desenvolvimento do gênero épico na aula 7 é importante para entender as
características da narrativa épica agora.
INTRODUÇÃO
94
Novas modalidades do gênero épico Aula 8
O ROMANCE
95
Teoria da Literatura I
O CONTO
96
Novas modalidades do gênero épico Aula 8
Aí está o início do conto. Entenda: do ato de contar. Um conto, por-
tanto, é uma história; é um relato. Por isso, podemos dizer que desde que
o homem se organizou em comunidade, ele conta histórias, ele faz contos.
Claro que nesse momento você está pensando: mas, e isso que a gente
encontra nos livros de literatura é a mesma coisa que muitas histórias con-
tadas de geração em geração e não se sabe nem sua origem? É. Do ponto
de vista do ato de contar, é sim! Os contos, tais como o vemos hoje, são
relatos populares ou literários com começo, meio e fim. A diferença entre
ambos vai estar no fato de, nos literários, haver a preocupação com uma
técnica e um estilo de escrita que não estão presentes nos populares, nas-
cidos da espontaneidade da fala. Desse modo, de contos se organizaram as
histórias mais antigas de que se tem notícia. A Bíblia está cheia de contos:
uns puramente imaginativos com o objetivo de formar uma moral religiosa
baseada na fé em Deus, outros que pretendem ser relatos de histórias
verdadeiras. Por exemplo, o livro de Judite, o livro de Ester; a história de
Suzana são textos alegóricos, portanto, apenas ficção. Mas outros como a
narrativa da Ressurreição de Lázaro, a Última Ceia, a Condenação e morte
de Jesus são textos considerados históricos, baseado em
fatos verdadeiros e não, ficcionais, mesmo que no relato
sempre hoja um pouco da imaginação de quem relata.
Todas essas narrativas, contudo, são registros escritos
de histórias que corriam de boca em boca depois da
morte de Jesus.
Mas há narrativas criadas já com a intenção de ser
um escrito para ser lido e fruído apenas como uma
história, sem outra finalidade senão o ato de ler e o
prazer decorrente desse ato. Para encontrar as origens
desse tipo de conto são apresentadas algumas hipóteses,
mas nenhuma delas traz a resposta definitiva, até porque
muito do que se tem escrito há séculos é também a
escrita de relatos orais. Indo até a Antiguidade, pode-se
citar como exemplo de contos as histórias de Eumaneus,
entremeadas ao longo da Odisseia; as fábulas de Esopo.
Da Pérsia e da Arábia têm-se as histórias de As Mil e uma
Noites; as aventuras de Aladim e a lâmpada maravilhosa;
Simbá, o marujo, entre outros.
Do modo como é entendido atualmente, o conto
é uma narrativa curta, mas não simplista. É uma forma
literária que requer experiência do escritor. Tradicio-
nalmente, encontramos regras e descrições que falam
desse tipo de narrativa, entretanto ele não cabe no
fechamento de nenhum desses conceitos, pois sua re-
alização mostra uma liberdade de expressão tão grande Esopo (Grécia, séc. VI a.C.).
97
Teoria da Literatura I
a ponto de Mário de Andrade afirmar que “em verdade, sempre será conto
aquilo que seu autor batizar com o nome de conto”. O desejo de definir
o que é o conto atraiu teóricos antagônicos: enquanto uns defendem uma
teoria específica, outros recusam essa visão considerando-a estreita, tendo
em vista as várias possibilidades de fazê-lo. O próprio Mário de Andrade
tratou essa preocupação como um “inábil problema de estética literária”.
Olhando tradicionalmente para sua estrutura, podemos dizer que o
conto é a narrativa das unidades. Isto é compreensível se nos lembramos
de que uma vez iniciado, o conto quer ser encerrado, por isso já começa
perto do seu final. Observando a estrutura clássica do conto, temos entre
outros caracteres: unidade de ação, unidade de espaço, unidade de tempo e
poucas personagens. A título de exemplo, leia o conto de Carlos Carvalho
(1975, p.45-46), que é nosso contemporâneo.
Missa do Galo
98
Novas modalidades do gênero épico Aula 8
Ela apressou o passo. Tentou alcançá-la, a mão suada apertando o
cabo da navalha.
– Não me obriga a fazer uma desgraça.
Sem diminuir o passo, ela olhou a navalha agora aberta na mão dele.
– Adeus, Justino.
E sumiu na esquina.
Ele se apoiou num muro e chorou muito. Depois, entrou num bar e
se embebedou. Antes que o galo cantasse pela terceira vez, negociou
a navalha para pagar a bebida.
A busca da razão
A NOVELA
99
Teoria da Literatura I
novo, recente. Então, uma novela era uma história nova, recente. Com o
tempo esse significado passou para embuxado, embaraçado como acon-
tece com o novelo de linha. Na Idade Média também era compreendida
como conto. Só com o romantismo esse termo recebe o sentido literário
conhecido atualmente.
Às vezes se diz que a novela é o texto cujo tamanho é intermediário
entre o conto e o romance, mas essa afirmação não tem nenhuma razão
lógica. O que vai diferenciar a novela do romance é a sua estrutura, mesmo
assim, essa diferença entre um e outro não é geral, pois o mesmo texto pode
receber designação diferente em países diferentes. Assim, o que para nós
de língua portuguesa é romance, o inglês chama de “roman” ou “novel”;
o que chamamos de conto literário, ele chama de “short story” (pequena
história); o que chamamos de conto popular, ele denominou “tale”.
Em meio a essa variedade de terminologia, vamos procurar entender
um pouco o conceito de novela tal como é utilizado em nossa língua e
como se deram suas origens. Passo agora a palavra ao professor Massaud
Moisés (1975, p. 154) que, resumidamente, diz o seguinte, na sétima edição
de seu livro A criação literária:
Durante a Idade Média, sobretudo a partir do século
XI, as obras antigas eram lidas e imitadas, mas não
a ponto de ocasionar o nascimento da novela como
forma autônoma, dotada de caráter próprio. A
paternidade coube às canções de gesta. Como se deu
o fenômeno?
É sabido que as canções de gesta giravam em torno
de feitos de guerra. Foi na França que a moda
floresceu, em consequência do esplendor sócio-
cultural subsequente às lutas pela conquista e dos
meios de produção que garantiam o ócio gerador de
arte. Cantadas por trovadores, as canções de gesta
confundiam o fantástico com o plano verídico,
ambos ligados aos feitos de guerra. Assim, ao
espírito cívico somava-se o deleite estético. Mas
a narrativa crescia de tamanho cada vez que o
mesmo trovador, ou outro, se dispunha a repeti-la.
É fácil imaginar que, a partir de certo instante, não
Rolando jura lealdade a Carlos Magno. De um manuscrito só estavam desfigurados os pretextos heróicos da
da Canção de Rolando (Fonte: http://www.upload.wiki- guerra efetivamente travada, como a extensão do
media.org).
poema havia atingido limites extremos e como a
memória individual fosse incapaz de retê-lo todo, fazia-se imperioso
transcrevê-lo no pergaminho a fim de conservar-lhe a identidade
e os pormenores. Entretanto, aconteceu algo de inesperado logo
após a transliteração: as canções passaram a ser lidas nos saraus
cortesanescos, com acompanhamento musical. O ato de ler em
público deve ter condicionado, nalguns casos (pois os fidalgos
100
Novas modalidades do gênero épico Aula 8
eram, no geral, analfabetos), o desejo da leitura individual e solitária.
Contemporaneamente, o alargamento desmesurado do texto levou
a pôr em prosa o conteúdo já de si narrativo dos versos. Daí para
a prosificação foi um passo. E com a prosificação de algumas das
canções de gesta, independentemente do fato de outras se haverem
mantido na forma primitiva, a novela despontava como forma
autônoma e caracterizada.
CRÔNICA
101
Teoria da Literatura I
102
Novas modalidades do gênero épico Aula 8
a confiança na justiça dos que me julgavam. Mas ganhei a vida e
fiz alguns amigos inesquecíveis. Casado, fui lecionar geografia no
interior. Voltei a Belo Horizonte, como redator de jornais oficiais e
oficiosos. Mário Casa-santa levou-me para a burocracia, de que tenho
tirado o meu sustento. De repente, a vida começou a impor-se, a
desafiar-me com seus pontos de interrogação que se desmanchavam
para dar lugar a outros. Eu liquidava esses outros mas apareciam
novos. Meu primeiro livro, Alguma Poesia (1930), traduz uma
grande inexperiência do sofrimento e uma deleitação ingênua com
o próprio indivíduo. Já em Brejo das Almas (1934), alguma coisa se
compôs, se organizou; o individualismo será mais exacerbado, mas
há também uma consciência crescente da sua precariedade e uma
desaprovação tácita da conduta (ou falta de conduta) espiritual do
autor. Penso ter resolvido as contradições elementares da minha
poesia num terceiro volume, Sentimento do Mundo (1940). Só as
elementares: meu progresso é lentíssimo, componho muito pouco,
não me julgo substancialmente e permanentemente poeta. Entendo
que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero
honesto rotular-se de poeta que apenas verseje por dor-de-cotovelo,
falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças
líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos
da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os
poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê
de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos. Infelizmente
exige-se pouco do nosso poeta; menos do que se reclama ao pintor,
ao músico, ao romancista... Mas iríamos longe nesta conversa.
Entro para a antologia, não sem registrar que sou o autor confesso
de certo poema insignificante em si, mas que a partir de 1928 vem
escandalizando meu tempo e serve até hoje para dividir no Brasil as
pessoas em duas categorias mentais:
103
Teoria da Literatura I
FÁBULA
104
Novas modalidades do gênero épico Aula 8
O APÓLOGO
UM APÓLOGO
105
Teoria da Literatura I
Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
– Mas você é orgulhosa.
– De certo que sou.
– Mas por quê?
– É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama,
quem é que os cose, senão eu?
– Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que
quem os cose sou eu, e muito eu?
– Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço
ao outro, dou feição aos babados...
– Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando
por você, que vem atrás, obedecendo ao que faço e mando...
– Também os batedores vão adiante do imperador.
– Você imperador?
– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno,
indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho
obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não
sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a
modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira,
pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na
agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo
pano adiante, que era a melhor das sedas entre os dedos da costureira,
ágeis como os galgos de Diana – para dar a isto uma cor poética. E
dizia a agulha:
– Então senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não
repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou
aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha
era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que
faz e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela
não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo
silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais o plic-plic-plic-plic
da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para
o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto
acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou
a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho para dar algum ponto
necessário. E enquanto compunnha o vestido da bela dama, e puxava
a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando abotoando,
acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
– Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa,
fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar
com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da
costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça
106
Novas modalidades do gênero épico Aula 8
grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: – Anda,
aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai
gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como
eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse,
abanando a cabeça: – também eu tenho servido de agulha a muita
linha ordinária!
A PARÁBOLA
CONCLUSÃO
As formas narrativas contemporâneas são
novas expressões do que já se fazia na época clás-
sica. Cada uma, em suas particularidades, mostra o
mundo não a partir dos efeitos subjetivos, emotivos
que este provoca no escritor, mas a partir de um
distanciamento que permite o autor isentar-se do
que diz e mostrar os acontecimentos ou os assun-
tos como se valessem por si mesmos. É o chamado
mundo objetivado oposto ao mundo subjetivado.
Sabemos que qualquer olhar, qualquer modo
de ver as coisas, é influenciado pelo sujeito obser-
vador e, portanto, essas coisas entram no crivo do
subjetivo. Mas também é verdade que naquilo que
se conta pode estar presente o objetivo de revelar
o próprio sujeito que fala ou a realidade mostrada
enquanto tal. Nesse último caso, está o chamado
objetivo de narrar e dele fazem uso tanto as grandes
narrativas como as narrativas de menor dimensão.
O retorno do filho pródigo, de Rembrandt (Fonte:
http://bp1.blogger.com).
107
Teoria da Literatura I
RESUMO
ATIVIDADES
108
Novas modalidades do gênero épico Aula 8
Damos a seguir a localização dos textos bíblicos citados, que fazem
parte do Novo Testamento. Quando a mesma narrativa está presente
em mais de um evangelista, escolhemos apenas um, conforme a relação
abaixo:
a) Parábola do filho pródigo: Lc 15, 11-32 (Lucas, capítulo 15,
versículos 11 a 32);
b) Parábola das dez virgens: Mt 25, 1-13;
c) Ressurreição de Lázaro: Jo 11, 1-44;
d) Última ceia: Mt 26, 17-29;
e) Narrativa da paixão: Jo 18 , 19, 1-37.
PRÓXIMA AULA
REFERÊNCIAS
109
Teoria da Literatura I
GLÓSSARIO
110
Aula 9
O GÊNERO DRAMÁTICO
META
Apresentar a noção substantiva e adjetiva do gênero dramático e algumas espécies mais
conhecidas.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
- Identificar o texto organizado na estrutura dramática;
- Estabelecer as características que definem este gênero;
- Distinguir entre a natureza do texto dramático e a natureza de sua representação no palco.
PRÉ-REQUISITOS
As ideias fundamentais sobre gênero literário já expostas nas aulas anteriores.
INTRODUÇÃO
112
O gênero dramático Aula 9
O DRAMA
Ao falar no gênero dramático não podemos perder de vista o palco, pois
para lá é que se destina o texto, entretanto, um e outro são fatos diferentes.
Para melhor compreensão das explicações que virão, colocamos abaixo um
trecho da peça Édipo Rei, de Sófocles, escrita em torno de 427 a.C.
Édipo
Ó meus filhos, gente nova desta velha cidade de Cadmo, por que vos
prosternais assim, junto a estes altares, tendo nas mãos os ramos dos
suplicantes? Sente-se, por toda a cidade, o incenso dos sacrifícios;
ouvem-se gemidos e cânticos fúnebres. Não quis que outros me
informassem da causa de vosso desgosto; eu próprio aqui venho, eu,
o rei Édipo, a quem todos vós conheceis. Eia! Responde tu, ó velho;
por tua idade veneranda convém que fales em nome do povo. Dize-
me, pois, que motivo aqui vos trouxe? Que terror, ou que desejo vos
reuniu? Careceis de amparo? Quero prestar-vos todo o meu socorro,
pois eu seria insensível à dor, se não me condoesse de vossa angústia.
...........................................................................................
Creonte
Vou dizer, pois, o que ouvi da boca do deus. O rei Apolo ordena,
expressamente, que purifiquemos esta terra da mancha que ela
mantém; que não a deixemos agravar-se até tornar-se incurável.
Édipo
Creonte
113
Teoria da Literatura I
Édipo
Creonte
Édipo
114
O gênero dramático Aula 9
Chegado o Renascimento, seus estudiosos elaboraram o que ficou
conhecido depois como a teoria das três unidades: expressas como unidade de
ação, unidade de espaço e unidade de tempo. A unidade de espaço diz respeito ao
lugar onde as cenas se desenrolam. Pode ser um bosque, o palácio, a casa
ou mesmo uma sala.
Sobre a unidade de tempo, a ação deve durar no máximo vinte e quatro
horas. Apesar de esta regra tornar-se um ponto de referência para os
dramaturgos, tendo em Racine seu principal seguidor, nem sempre foi
cumprida. Shakespeare, com sua genialidade, não a seguiu e nem por isso
comprometeu a qualidade de sua peça Romeu e Julieta, onde se encontra uma
variedade grande nos dois aspectos de tempo e espaço. Como bem resume
Helena Parente Cunha (In: Portela, 1976, p. 119):
115
Teoria da Literatura I
116
O gênero dramático Aula 9
A COMÉDIA
117
Teoria da Literatura I
TRAGICOMÉDIA
Pertence ao período dos séculos XVI a XVIII.
Nesse tempo se trabalha em função da pureza dos
Gil Vicente (Fonte: http://www.upload.wiki- gêneros. Essa palavra era usada indicando as peças que
media.org). misturavam elementos da tragédia como o assunto e as
personagens com elementos da comédia: os incidentes e o desfecho. Das
quarenta e quatro peças de Gil Vicente, no teatro português, dez são con-
sideradas tragicomédias. Nesse gênero literário, podem estar misturadas a
realidade com a imaginação. Como no épico, pode estar presente até mesmo
o elemento maravilhoso.
Com a chegada do Romantismo, no século XIX, e o anseio de liberdade
das formas, houve uma recusa às regras clássicas. As peças que misturavam
o riso cômico e a lágrima trágica e eram elaboradas ao gosto do escritor
foram chamadas de DRAMA.
118
O gênero dramático Aula 9
O DRAMA
O AUTO
O MISTÉRIO
FARSA
119
Teoria da Literatura I
A MÁGICA
O VAUDEVILLE
CONCLUSÃO
120
O gênero dramático Aula 9
Cena do filme O auto da compadecida, dirigido por Guel Arraes (2000) (Fonte: http://
www.cameraescura.com.br).
RESUMO
ATIVIDADES
121
Teoria da Literatura I
PRÓXIMA AULA
REFERÊNCIAS
GLÓSSARIO
122
Aula10
O POEMA E SEUS
CONSTITUINTES ( 1ª PARTE)
META
Apresentar os elementos formais do poema referentes à métrica e à estrofação.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
classificar os versos e as estrofes de um poema tradicional ou moderno;
identificar os procedimentos técnicos usados pelo poeta para trabalhar a medida do verso e
a composição da estrofe;
reconhecer o valor funcional da métrica para os efeitos poéticos do poema;
listar as licenças poéticas utilizadas nas composições feitas sob medida.
PRÉ-REQUISITOS
A aula 6, que contém os fundamentos essenciais do lírico.
INTRODUÇÃO
122
O poema e seus constituintes (1ª parte) Aula 10
METRIFICAÇÃO
ESTUDO DO METRO
A palavra métrica (ou metro) vem do grego métron e significa medida.
Por isso, podemos dizer que o metro é a medida do verso, e seu estudo
chama-se métrica ou metrificação.
Em relação à métrica, os versos podem ser:
a) Isométricos ou isossilábicos – quando têm o mesmo número de sílabas.
b) Heterométricos ou heterossilábicos – quando têm número diferente de
sílabas.
Se considerarmos a quantidade de sílabas métricas, encontraremos os
seguintes tipos:
a) monossílabos – versos de uma sílaba;
b) dissílabos – versos de duas sílabas;
c) trissílabos – versos de três sílabas;
d) tetrassílabos – versos de quatro sílabas;
e) pentassílabos (ou redondilha menor) – versos de cinco sílabas;
f) hexassílabos – versos de seis sílabas;
g) heptassílabos (ou redondilha maior) – versos de sete sílabas;
h) octossílabos – versos de oito sílabas;
i) eneassílabos – versos de nove sílabas;
j) decassílabos – versos de dez sílabas;
k) hendecassílabos (ou arte maior) – versos de onze sílabas;
l) dodecassílabos (ou alexandrinos) – versos de doze sílabas;
m) bárbaros – versos de mais de doze sílabas.
Existe ainda o verso livre que é aquele que além de não ter um número
regular de sílabas também não se preocupa com a métrica. Por isso, se diz
que nele não há metro; há apenas o ritmo psicológico. Esse tipo de verso
é muito comum no Modernismo, mas está longe de ser uma característica
dele, pois é a forma mais antiga de se fazer o verso. A Bíblia está cheia dele.
Para conhecer a métrica do verso, precisamos contar suas sílabas ou
seus sons. A este procedimento se dá o nome de escansão. Escandir um
verso é ver quantas sílabas métricas ele tem. Mas veja: a sílaba métrica não
é a mesma coisa que a sílaba gramatical; ela só é contada até a última tônica
da palavra. Observe os versos seguintes de Castro Alves:
123
Teoria da Literatura I
FIGURAS DE DICÇÃO
Essas figuras são fenômenos fonéticos que acontecem em nossa fala
no dia-a-dia. Por exemplo: se digo normalmente na minha conversa: “A
gata arranha a menina” o que, na verdade, chega ao ouvido do meu inter-
locutor é: /a gatarranha menina/. Meu ouvinte compreenderá bem o que
digo porque já tem o domínio dessa forma de falar, já tem o domínio das
várias possibilidades de os sons se combinarem. Por isso, se ele for escrever
a frase, colocará todos os elementos, embora aos seus ouvidos não tenham
chegado discriminados todos os fonemas que a escrita mostra. O poeta lança
mão desses fenômenos fonéticos, por isso no poema eles são chamados de
“figuras de dicção”, ou seja, fenômenos da fala. Veja alguns casos:
Elisão – é a supressão fônica de vogal entre palavras contíguas, por
isso este é um fenômeno intervocálico, um fenômeno que acontece entre
palavras. Para compreender melhor a elisão leia, em voz alta e espontanea-
mente, como se estivesse batendo um papo com alguém:
124
O poema e seus constituintes (1ª parte) Aula 10
Minha campa será entre as mangueiras, (10 sílabas)
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo (10 sílabas)
À sombra do meu lar!
(Casimiro de Abreu)
(Antero de Quental)
(Antero de Quental)
(Fonte: http://emerson.bahia.zip.net).
125
Teoria da Literatura I
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
.................
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
(Casimiro de Abreu)
Alva,
Nua,
A lua
Cai
(Fagundes Varela)
Esses versos têm uma sílaba, exceto o terceiro que teria duas se não
excluíssemos a palavra “a”.
Hiperbibasmo – é o deslocamento para frente ou para trás da sílaba
tônica. São dois os casos:
- Sístole – é o recuo do acento para a sílaba anterior.
(Castro Alves)
126
O poema e seus constituintes (1ª parte) Aula 10
- Diástole – é o avanço para a sílaba seguinte.
(Bocage)
(Fonte: http://img.olhares.com).
FIGURAS DE MORFOLOGIA
Essas figuras se dão por aumento ou diminuição da palavra a partir
do ganho ou da perda da sílaba. Colocamos a seguir os casos de ganho de
sílabas.
Prótese – é o acréscimo de fonema no início da palavra.
127
Teoria da Literatura I
(Antônio Nobre)
(Cruz e Souza)
128
O poema e seus constituintes (1ª parte) Aula 10
Criaturas de Deus se peregrinam
Invisíveis na terra, consolando
As almas que padecem, certamente
(Álvares de Azevedo)
(Raimundo Correia)
(Olavo Bilac)
(Álvares de Azevedo)
(Olegário Mariano)
129
Teoria da Literatura I
ESTUDO DA ESTROFE
Estrofe é um verso ou um conjunto de versos.
As estrofes recebem algumas classificações de acordo com:
a) o tipo de composição;
b) a disposição no poema;
c) a métrica;
d) o ritmo.
130
O poema e seus constituintes (1ª parte) Aula 10
Mas é cinza e carvão
amor, e sua imagem.
(Drummond)
A bomba planejada?
Ou a bomba pronta
excitando a hora
do prazer do dedo
no botão maligno?
metástese do ódio
deflagrada no corpo
do mundo
(Carmelita Fontes)
131
Teoria da Literatura I
(Fonte: http://www.weno.com.br).
CONCLUSÃO
RESUMO
Nesta aula lhe foram apresentadas as características da metrificação
e da estrofação. Na primeira, que é a métrica, os versos são divididos em
isométricos e heterométricos. Além disso, existem os versos livres, encon-
trados principalmente no Modernismo, que não possuem uma regularidade
no número de sílabas e também não têm preocupação com a métrica. Já
a estrofe compreende um verso ou um conjunto de versos e é classificada
quanto ao tipo de composição, disposição no poema, métrica e ritmo.
132
O poema e seus constituintes (1ª parte) Aula 10
ATIVIDADES
A fim de melhorar a fixação de seu aprendizado, depois de estudar esta lição,
responda ao que se pede nos itens abaixo. Caso seja necessário consultar
a aula por causa de uma dúvida, não tem problema. Mas só recorra a esse
expediente se não conseguir mesmo. Por isso, estude bem o texto antes de
fazer essa tarefa.
1. Complete as frases:
a) Os quatro elementos estudados na composição em verso são:
a estrofação, __________________, ___________________ e
_____________________.
b) A uma composição de dois quartetos e dois tercetos dá-se o nome de
____________
2. Responda com suas palavras:
Como se classifica a estrofe:
a) em relação à composição______________________________
b) em relação ao poema__________________________________
c) em relação à estrutura__________________________________
3. Que são estrofes irregulares______________________________
4. Conceitue o verso_____________________________________
5. Enumere os itens da coluna da direita de acordo com o seu correspon-
dente na coluna da esquerda:
(1) Prótese ( ) perda da sílaba inicial da palavra
(2) Hiato ( ) fusão de dois sons em um só dentro da
mesma palavra
(3) Aférese ( ) elisão do fonema nasal
(4) Sinérese ( ) aumento de fonema no início da palavra
(5) Ectilipse ( ) separação de dois sons intervocálicos
6. Complete as frases:
a) Monóstico é ________________________________________
b) Sextilha é ___________________________________________
c) Em relação à métrica, as estrofes podem ser: _______________
d) Um verso de 6 sílabas é chamado ________________________
e) Um verso de 9 sílabas é chamado _________________________
f) Um verso de 11 sílabas é chamado ________________________
133
Teoria da Literatura I
PRÓXIMA AULA
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar,
1967.
CANDIDO, Antonio e CASTELO, Aderaldo. Presença da literatura
brasileira I. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973.
TAVARES, Hênio. Teoria literária. Belo Horizonte: Villa Rica Editora,
1996.
134
Aula 10
O POEMA E SEUS
CONSTITUINTES ( 2ª PARTE)
META
Apresentar os elementos formais do poema referentes ao ritmo e à rima.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
- Identificar as diferenças entre o ritmo melódico, o ritmo lógico e o ritmo psicológico;
- Comparar as características do ritmo na prosa e na poesia;
- Reconhecer as diferenças entre os vários tipos de rima;
- Avaliar a importância maior ou menor da rima na elaboração do poema.
PRÉ-REQUISITOS
A aula 9, que contém a primeira parte do assunto que descreve o poema e seus
constituintes
INTRODUÇÃO
138
O poema e seus constituintes (2ª parte) Aula 10
SOBRE O RITMO
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
(Gonçalves Dias)
(Alphonsus de Guimaraens)
139
Teoria da Literatura I
Mas, cuidado! Nem sempre ocorre uma pausa no final do verso. Não
raramente, o sentido de um verso continua no verso seguinte. Daí não se
poder fazer uma pausa no final. A esse fenômeno se dá o nome de encadea-
mento ou enjambment.
(Casimiro de Abreu)
140
O poema e seus constituintes (2ª parte) Aula 10
c) ritmo psicológico (ou interior) – característico do verso livre, que não se
preocupa com a forma de musicalidade do verso medido e deixa a cargo
do leitor a percepção do clima poético.
(Fonte: http://brunogodinho.zip.net/).
SOBRE A RIMA
141
Teoria da Literatura I
(Luís Delfino)
(Cecília Meireles)
Aquele rio*
Ver glossário no era como um cão sem plumas.
final da Aula Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
(Fonte: http://tarjaverde.files.wordpress.com).
142
O poema e seus constituintes (2ª parte) Aula 10
A rima é classificada em relação a cinco aspectos: disposição, qualidade,
som, intensidade e gênero.
1. Quanto à disposição, ela pode ser final e interna.
Final – quando acontecem no fim do verso. As rimas finais podem ser:
- paralelas – um verso rima com o seguinte. Seu esquema é a a b b.
(Cruz e Sousa)
(Casimiro de Abreu)
- Misturadas – como o próprio nome está dizendo, não têm esquema pa-
dronizado.
143
Teoria da Literatura I
Do caniçal às flechas,
do matagal às ramas;
implexas;
(Alberto de Oliveira)
(Guilherme de Almeida)
(Silva Alvarenga)
(Fonte: http://img.olhares.com).
144
O poema e seus constituintes (2ª parte) Aula 10
- Coroadas – ocorrem no interior do verso.
(Eugênio de Castro)
2. Quanto à qualidade.
A qualidade é uma característica que tem a ver com a classe gramatical
das palavras que rimam. Então, considerando a qualidade, a rima pode ser:
Pobre – se as palavras pertencem à mesma classe gramatical.
(Camões)
Rica – quando as palavras pertencem a classes gramaticais diferentes.
(Raimundo Correia)
(Fonte: http://www.novcar.com).
145
Teoria da Literatura I
Para que não ter por ti desprezo? Por que não perdê-lo?
Ah, deixa que eu te ignore... O teu silêncio é um leque –
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...
(Fernando Pessoa)
3. Quanto ao som.
Quando falamos em som, estamos aqui nos referindo à extensão dos
fonemas que rimam. Nesse aspecto, a rima pode ser consoante, toante (ou
assoante) e impura.
Rima consoante – é aquela que se dá a partir da última vogal tônica do verso.
(Botelho de Oliveira)
146
O poema e seus constituintes (2ª parte) Aula 10
Rima impura – é aquela em que o timbre da vogal tônica é diferente.
4. Quanto à intensidade.
A intensidade do som é vista em relação à força com que a palavra é
pronunciada. As palavras oxítonas levam a força até o final, as paroxítonas
diminuem o impacto final e as proparoxítonas puxam o som para trás. De
modo que, em relação à intensidade, a rima pode ser aguda, grave e esdrúxula.
(Alberto de Oliveira)
(Guerra Junqueiro)
5. Quanto ao gênero.
Nessa categoria, a rima pode ser: masculina e feminina.
- Masculina – se é feita com palavras oxítonas.
- Feminina – se é feita com palavras paroxítonas.
147
Teoria da Literatura I
CONCLUSÃO
Terminamos agora os aspectos técnicos da composição poé-tica. Evi-
dentemente, ainda haveria muito a dizer, mas com o que está demonstrado,
você foi despertado para a existência da riqueza de procedimentos encon-
trados no poema. Então, fazer um poema obedecendo a esses critérios não
é uma tarefa simples. Exige estudo e dedicação dos que querem chegar lá.
Mas, com a poética moderna, essas muitas formas técnicas já não são
tão exigidas, o que não significa que não sejam encontradas. Assim, deixamos
a você a tarefa de uma pesquisa maior a partir do seu interesse e do apoio
do professor-tutor. Nunca pense que a poesia está fora de moda. Nunca
esteve nem vai estar. Porque ela é um lugar privilegiado para a expressão
da alma humana desde os sentimentos mais simples e corriqueiros até os
mais profundos. Fazer poesia é ver o mundo pelo lado de dentro e todo o
arsenal técnico – sejam os tradicionais ou os modernos – tem por finalidade
ajudar o poeta a atingir as múltiplos dimensões do sentido e juntamente
com ele alcançar o gozo da linguagem.
RESUMO
ATIVIDADES
Da mesma forma que você fez na aula anterior, continue com esta aula,
respondendo aos itens abaixo:
1. Como se divide o ritmo? _______________________________
2. Como se classifica o verso quanto ao ritmo? _______________
3. Como se classifica a rima quanto
a) à disposição_________________________________________
b) à qualidade _________________________________________
148
O poema e seus constituintes (2ª parte) Aula 10
4. Classifique as rimas finais dos versos seguintes quanto à disposição:
a) Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores Ver glossário no
final da Aula
(Gonçalves Dias)
(Olavo Bilac)
REFERÊNCIAS
149