Teoria Da Literatura II - CESAD
Teoria Da Literatura II - CESAD
Teoria Da Literatura II - CESAD
São Cristóvão/SE
2009
Teoria da Literatura II
Elaboração de Conteúdo
Luiz Eduardo Oliveira
Diagramação
Nycolas menezes Melo
Ilustração
Gerri Sherlock Araújo
Luzileide Silva Santos
CDU 82
Presidente da República Chefe de Gabinete
Dilma Vana Rousseff Ednalva Freire Caetano
Vice-Reitor
Angelo Roberto Antoniolli
AULA 2
História Literária e Teoria da Literatura ............................................. 23
AULA 3
A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais ................................... 37
AULA 4
Da retórica à História Literaria: uma história do ensino de Literatura no
Brasil.....................................................................................................55
AULA 5
Os gêneros literários ......................................................................... 69
AULA 6
Os gêneros do discurso..................................................................... 85
AULA 7
A narrativa oral: algumas considerações........................................... 97
AULA 8
A tradição da narrativa e o romance moderno ................................ 109
AULA 9
A questão do foco narrativo ............................................................. 123
AULA 10
O conto literário ............................................................................... 135
AULA 11
Literatura e História: representações da escola na literatura brasileira
do século xix .................................................................................... 149
AULA 12
Machado de Assis e os ingleses: um caso de literatura comparada......165
Aula 1
A TEORIA DA LITERATURA NO
CURRÍCULO DE LETRAS
META
Apresentar, do ponto de vista histórico, o processo de institucionalização da Teoria da
Literatura como campo de estudos e disciplina acadêmica; e discutir seus
principais pressupostos e características, bem como suas finalidades, no
currículo dos cursos de Letras.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
idefinir o processo de formação e institucionalização da Teoria da Literatura
como disciplina acadêmica e
reconhecer e identificar seus principais pressupostos e características, bem
como suas finalidades, no currículo dos cursos de Letras.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá ter familiaridade com a problemática do conceito de Literatura e
conceitos-chave da poética clássica, adquiridos em Teoria da Literatura I.
INTRODUÇÃO
Olá, caro aluno! Seja bem-vindo ao nosso primeiro encontro. A Teoria
da Literatura, de presença tão notável nos currículos dos Cursos de Letras,
geralmente é entendida como uma espécie de disciplina-base dos estudos
literários. De acordo com esse entendimento, ela seria um saber geral que
abrange diversos compartimentos, ou subdisciplinas – poética, história da
literatura, crítica literária etc. –, servindo de parte introdutória para um
estudo “prático” do fato literário, representado pelas várias literaturas na-
cionais – literatura portuguesa, brasileira, francesa, inglesa etc.
Contudo, tal senso comum a respeito da Teoria da Literatura, além
de generalizar um saber que se constituiu historicamente, a muito longo
prazo, e com características marcantes em cada época, impede a sua com-
preensão como disciplina específica, diferenciada das demais (Retórica,
Poética, História da Literatura, Crítica Literária etc) não só do ponto de
vista terminológico, mas também metodológico e epistemológico, uma vez
Ver glossário no que (re)elabora uma rede de conceitos e apresenta novas filiações teóricas
final da Aula e concepções outras a respeito do fato literário.
Nesta primeira aula, veremos como tal entendimento da Teoria da
Literatura pode estar equivocado, pela investigação de seus antecedentes
históricos e de sua própria constituição como disciplina acadêmica nos
cursos de Letras. Assim, poderemos compreender o modo como a Teoria
da Literatura define seus métodos, a partir de filiações teóricas correntes
no início do século XX, e (re)define o seu objeto de estudo.
Antes, porém, faremos uma breve explanação do conceito de Literatura,
isto é, o modo como o termo assume sentidos diversos até adquirir suas
acepções atuais. Em seguida, veremos também que a Literatura, como a
entendemos hoje, se constitui um objeto de estudo desde a Antiguidade
clássica, adquirindo, com o passar do tempo, conformações disciplinares
diversas, tais como Retórica, Poética, História da Literatura, Ciência da
Literatura e Crítica Literária.
CONCEITO DA LITERATURA
A historicidade do conceito de Literatura: “Literatura” é um conceito
moderno e relativamente recente, pois se desenvolve a partir do século
XVIII e se consolida no século XIX, quando se constitui como disciplina
escolar e depois acadêmica, pelo menos no mundo ocidental. Se hoje usa-
mos a palavra “literatura” para referirmo-nos a escritores da Antiguidade
clássica, e se tomamos Aristóteles como seu principal teórico sem nenhum
medo de sermos taxados de anacrônicos, isso se deve à naturalização de
tal conceito, que se tornou forte o suficiente para entrar no vocabulário da
escola, da academia e da sociedade.
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A Teoria da Literatura no currículo de Letras Aula 1
Contudo, diante da multiplicidade de respostas que podem ser dadas à
pergunta “o que é literatura?”, as coisas não se mostram tão simples assim.
Para respondê-la, é preciso levar em conta as condições sócio-políticas, cul-
turais e ideológicas que fazem com que obras e autores de um dado período
histórico tornem-se literários, para além de sua literariedade – isto é, dos
elementos internos que desautomatizam os usos comuns da linguagem –,
pois esta, do mesmo modo, é uma categoria historicamente construída,
podendo ser identificada também em textos não literários. Como afirma
Eagleton (1983, p. 9),
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Teoria da Literatura II
4. ficção ou irrealidade;
5. disciplina dedicada ao estudo da produção literária.
Desse modo, mesmo que possamos fazer referência a autores e obras
relacionados às acepções atuais de literatura em momentos anteriores ao
século XVIII, é preciso ter em mente que, a rigor, estamos sendo ana-
crônicos, pois não podemos atribuir uma compartimentação específica do
saber humanístico ocidental a épocas em que os saberes ainda não estavam
compartimentados, ou setorizados, pelo menos do modo como se tornaram,
especialmente a partir do século XVIII.
Feitas essas considerações iniciais, passaremos agora a ver quais são os
antecedentes históricos da literatura como objeto de estudo.
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A Teoria da Literatura no currículo de Letras Aula 1
que o que hoje consideramos estudos literários assumem contornos melhor
definidos. Platão se ocupa da questão em Íon, A República, Fedro e As
Leis, e Aristóteles na Poética, na Política e na Retórica.
Em ambos os autores, podemos distinguir dois aspectos básicos das pri-
meiras teorizações sobre Literatura, em sentido lato: uma natureza normativa e
uma natureza descritiva. Seu aspecto normativo caracteriza-se pela absolutização
de certos valores ou dogmas orientadores de toda produção poética ou literária.
Seu caráter descritivo, por outro lado, consiste na especulação aberta sobre o
fato literário, associando-se à discussão de hipóteses explicativas diversas.
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Teoria da Literatura II
3. Catarse: propriedade que tem toda obra literária de promover uma puri-
ficação ou clarificação racional das paixões, mediante a criação de situações
comoventes;
4. Gêneros Literários: distinção entre tragédia, comédia, epopéia, etc.
A partir do século I, a Retórica e a Poética passam a se confundir,
permanecendo quase indissolúveis até o século XIX, quando, com a re-
descoberta da obra de Aristóteles, a Poética se transforma em uma disci-
plina de caráter filosófico-técnico-formal própria para escritores e críticos
literários, e a Retórica passa a ser uma disciplina técnico-formal circunscrita
aos professores e ao ensino, especialmente pelos jesuítas (BARTHES, apud
Souza, 1999, p. 14).
Tal indissolubilidade é visível nos programas de ensino do Imperial
Colégio de Pedro II durante quase todo o Brasil oitocentista, nos quais a
cadeira de Retórica e Poética, ensinada no sétimo e último ano do curso
secundário, como o próprio nome da disciplina sugere, englobava ambas
as matérias, além de incluir, a partir da década de 1860, aspectos históricos
da literatura nacional, isto é, portuguesa e brasileira, e geral – literaturas
clássicas e modernas de outros países (SOUZA, 1999).
Vale ressaltar que a palavra “poesia”, da qual deriva o termo “poé-
tica”, nos dá a impressão de que esta disciplina trata exclusivamente de
composições em verso. Assim como a palavra “literatura”, os sentidos do
vocábulo poesia variam consideravelmente no decorrer da história. Souza
(2007) nos fornece uma síntese deles:
1. Gênero literário caracterizado pelo uso do verso, em oposição à prosa, sig-
nificado que prevaleceu na Antiguidade clássica e no classicismo moderno,
apesar da ressalva de Aristóteles de que o objeto da Poética constituía-se
em uma série de propriedades, tais como a mímese, a verossimilhança e a
catarse, e não em um conjunto de composições em verso, o que incluiria
certos tratados de medicina;
2. A literatura em geral, abrangendo composições metrificadas e não
metrificadas, desde que dotadas de propriedades artísticas ou ficcionais,
concepção que se consolida no século XIX, com o Romantismo;
Circunstância, paisagem, manifestação artística, situação existencial, etc.,
capazes de gerar ressonâncias especiais no espectador, tais como emoção e
beleza, esta um objeto de uma disciplina criada no século XVIII, a Estética,
de muita influência na origem das concepções românticas.
Com a decadência da Retórica e da Poética, causada por uma série de
fatores, dentre os quais a sua pouca ligação com o projeto nacionalista em
curso em vários países, principalmente no Brasil, que acabava de alcançar a
sua independência política, e a estética romântica, que valorizava as criações
individuais de escritores que fugiam às prescrições clássicas, surge uma nova
disciplina dedicada aos estudos literários, a História da Literatura.
Ocupando espaço inicialmente nos domínios da Retórica e Poética, a
História da Literatura vai assumir hegemonia tanto na crítica quanto no
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A Teoria da Literatura no currículo de Letras Aula 1
sistema de ensino, algo representado, no Brasil, pelo grande número de
compêndios de História da Literatura Brasileira publicados no período,
bem como pela notoriedade de seus autores: Cônego Fernandes Pinheiro,
Sílvio Romero, etc. (OLIVEIRA, 1999).
A História da Literatura, além de se conformar ao projeto romântico
de invenção e consolidação de um espírito de nacionalidade, historiando
cronologicamente os autores e obras mais representativos de cada país,
adaptava-se ao ideal cientificista do final do século, pois buscava causas bi-
ológicas e sociológicas para o fato literário. Desse modo, ela se desenvolveu
sobre dois modelos: um de natureza “biográfico-psicológica”, enfatizando a
vida do autor, a despeito do texto literário, outro de natureza “sociológica”,
que se concentrava nos fatores políticos, econômicos, sociais e ideológi-
cos da produção literária. Além dessas duas vertentes, Souza (2007, p. 31)
aponta um terceiro modelo, denominado “filológico”, o qual, obedecendo
também aos princípios historicistas e cientificistas do período, tinha os
seguintes objetivos:
1. Reconstruir textos antigos, truncados ou de algum modo alterados pelas
sucessivas impressões e edições;
2. Explicar textos antigos, por meio de notas relativas à história, geografia,
mitologia ou aos aspectos fonéticos, morfossintáticos e lexicais das línguas
em que são escritos;
3. Inventariar as fontes e influências das obras.
Outra expressão que concorreu com História da Literatura, em mea-
dos do século XIX, foi Ciência da Literatura, disciplina também de cunho
historicista e cientificista, mas cujo uso se consolidou somente em língua
alemã (Literaturwissenschaft), na qual ainda é usada, no século XX, com o
sentido corrente – e equivocado – de Teoria da Literatura. Ainda no século
XIX, passou a circular de maneira mais ampla a expressão Crítica Literária
para designar o saber sobre Literatura. Segundo Souza (2007, p. 32), na
Antiguidade, os gregos usavam como equivalentes as palavras kritikós e
grammatikós, caindo em desuso o primeiro termo. Como entre os romanos
o vocábulo criticus era raramente usado, preferindo-se usar grammaticus,
a palavra “crítica” só foi reabilitada no Renascimento, década de 1860,
aspectos históricos da literatura nacional, isto é, portuguesa e brasileira, e
geral – literaturas clássicas e modernas de outros países (SOUZA, 1999).
Vale ressaltar que a palavra “poesia”, da qual deriva o termo “poé-
tica”, nos dá a impressão de que esta disciplina trata exclusivamente de
composições em verso. Assim como a palavra “literatura”, os sentidos do
vocábulo poesia variam consideravelmente no decorrer da história. Souza
(2007) nos fornece uma síntese deles:
1. Gênero literário caracterizado pelo uso do verso, em oposição à prosa, sig-
nificado que prevaleceu na Antiguidade clássica e no classicismo moderno,
apesar da ressalva de Aristóteles de que o objeto da Poética constituía-se
em uma série de propriedades, tais como a mímese, a verossimilhança e a
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Teoria da Literatura II
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A Teoria da Literatura no currículo de Letras Aula 1
XIX, passou a circular de maneira mais ampla a expressão Crítica Literária
para designar o saber sobre Literatura. Segundo Souza (2007, p. 32), na
Antiguidade, os gregos usavam como equivalentes as palavras kritikós e
grammatikós, caindo em desuso o primeiro termo. Como entre os romanos
o vocábulo criticus era raramente usado, preferindo-se usar grammaticus, a
palavra “crítica” só foi reabilitada no Renascimento, passando a significar a
restauração de textos antigos – tal como comprova a expressão ainda cor-
rente “crítica textual” –, além da atividade de comparar, classificar e julgar
a produção literária. A partir do final do século XVII, a expressão “crítica
literária” designa o saber geral sobre Literatura, concorrendo, no século
XIX com as expressões História da Literatura e Ciência da Literatura. No
século XX, os termos “crítica literária”, “poética”, “ciência da literatura” e
“teoria da literatura” são usados como sinônimos.
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Teoria da Literatura II
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A Teoria da Literatura no currículo de Letras Aula 1
CONCLUSÃO
Caro aluno, como vimos, ao contrário do que geralmente se pensa, a
Teoria da Literatura não pode ser entendida como um saber geral sobre
Literatura que abrange diversos compartimentos, ou subdisciplinas, servindo
de parte introdutória para um estudo “prático” do fato literário, mas como
uma disciplina específica que se constitui a partir das primeiras décadas
do século XX e se consolida com a publicação, em 1949, do livro Teoria
da Literatura, de René Wellek e Austin Warren. Alcançando hegemonia
entre as disciplinas dedicadas aos estudos literários, ela logo se consagrou
como uma espécie de campo privilegiado para o estudo e a pesquisa do
fato literário tornando subsidiárias as disciplinas tradicionais que tratavam
da matéria, que, por sua vez, também se constituíram historicamente, em
seus respectivos contextos institucionais, políticos, culturais e pedagógicos.
Desse modo, convém ressaltar que a Teoria da Literatura surgiu den-
tro de um panorama de reconfiguração das ciências humanas, causada em
grande parte pelo aparecimento da Lingüística Estrutural e do lugar de
destaque que os estudos da linguagem passaram a ter. Alcançando o estatuto
científico-acadêmico que lhe faltavam, diante das novas exigências intelec-
tuais, os estudos literários, já desgastados pelo prescritivismo da Retórica e
Poética e pelo historicismo e cientificismo da História e da Crítica Literária,
foram abarcados pela Teoria da Literatura.
Hoje em dia, a Teoria da Literatura atravessa um momento de crise, depois
de ter alcançado seus momentos de glória nas décadas de 1960 e 1970 (COM-
PAGNON, 2006). Tal crise fora motivada pelo crescente questionamento de
seus métodos e conceitos, bem como pelo universalismo de suas proposições.
Uma primeira indagação sobre o imanentismo da Teoria da Literatura ocorreu
ainda na década de 1960, quando a atenção dos estudiosos, seja da chamada
estética da recepção, de feição alemã, seja das mais recentes teorias do reader’s
response norte-americanas, concentrou-se no lei tor ou receptor da obra. A
publicação de A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária
(1967), de Hans Robert Jauss, ao trazer o tema da historiografia de volta ao
debate, estabeleceu os pressupostos para a reescrita da História da Literatura
sob a perspectiva da estética da recepção (Jauss, 1994). Já na década de 1990, o
“boom” dos Estudos Culturais fez com que vários pressupostos da Teoria
da Literatura fossem postos em cheque, tais como a literariedade – conceito
já criticado por Terry Eagleton, em seu manual Teoria da Literatura: uma
introdução, de 1983 –, “valor estético” e “cânones literários”.
Contudo, a Teoria da Literatura continua hegemônica nos cursos de
graduação em Letras, e não podemos deixar de reconhecer o seu valor e sua
contribuição para uma análise sistemática dos textos literários, principalmente
pelo seu instrumental teórico-metodológico, que dotou os estudos literários
de uma especificidade que até as primeiras décadas do século XX inexistia.
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Teoria da Literatura II
RESUMO
Nessa primeira aula, aprendemos que o conceito de Literatura não
é algo dado e naturalizado, pois se constituiu historicamente, a partir da
segunda metade do século XVIII, quando o termo passou a significar um
grupo específico de textos dotados de propriedades artísticas ou estéticas,
e não todo o conjunto da produção escrita de uma determinada época ou
determinado país. Vimos também que a Literatura, tal como a entendemos
hoje, apesar de não se apresentar com esse nome, é um objeto de estudo
desde a Antiguidade clássica, e que seu primeiro teórico, por assim dizer,
foi Aristóteles, em sua Poética. Com as releituras e re-apropriações dessa
obra, na Idade Média e no Renascimento, esse objeto foi ganhando discip-
linas que se tornaram tradicionais, como a Retórica e a Poética, que depois
fundiram-se numa só matéria, a História da Literatura, hegemônica durante
os séculos XVIII e XIX, a Ciência da Literatura – disciplina que só se con-
solida em língua alemã – e a Crítica Literária. Por fim, aprendemos que o
termo “Teoria da Literatura” é de uso recente, tornando-se amplamente
empregado depois da publicação do livro de René Wellek e Austin War-
ren – Teoria da Literatura –, em 1949, quando tal rótulo passou a designar
a disciplina nos cursos universitários de Letras. Vale ressaltar que não se
trata de uma simples mudança terminológica, mas de uma mudança de
orientação teórica e metodológica, influenciada pelo destaque dos estudos
lingüísticos, principalmente depois da teorização dos formalistas russos.
ATIVIDADES
Responda às seguintes questões:
1. Por que não podemos usar o termo “literatura” para nos referir a obras
da Antiguidade clássica sem sermos anacrônicos?
2. De acordo com Souza (2007), quais são as acepções modernas do termo
“literatura”? Comente sobre cada uma delas.
3. Quais seriam os precursores dos estudos literários na Antiguidade clás-
sica? Cite resumidamente suas principais contribuições.
4. O que você entende por atitude prescritiva e descritiva dos estudos
literários? Qual dessas atitudes se encaixa melhor na Teoria da Literatura?
Justifique sua resposta.
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A Teoria da Literatura no currículo de Letras Aula 1
5. Quais são as disciplinas tradicionais que tratam da Literatura? Descreva
resumidamente suas principais características.
6. Quais são, em sua opinião, os principais fatores que concorrem para a
configuração da Teoria da Literatura como disciplina acadêmica? Justifique
sua resposta.
Essa atividade tem por finalidade principal fazer com que você construa
uma síntese dos principais conteúdos dessa primeira aula, de modo
a compreender criticamente o processo de constituição da Teoria da
Literatura como uma disciplina específica, evitando o mal-entendido
segundo o qual tal disciplina designa um saber abrangente e geral sobre
Literatura, sendo as demais apenas ramificações suas.
REFERÊNCIAS
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Teoria da Literatura II
GLÓSSARIO
Epistemológico: De Epistemologia ou teoria do conhecimento. É
um ramo da filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados
à crença e ao conhecimento. A epistemologia estuda a origem, a
estrutura, os métodos e a validade do conhecimento (daí também se
designar por filosofia do conhecimento). Ela relaciona-se ainda com
a metafísica, a lógica e o empirismo, uma vez que avalia a consistência
lógica da teoria e sua coesão fatual, sendo assim a principal dentre
as vertentes da filosofia (é considerada a “corregedoria” da ciência).
(fonte: http://pt.wikipedia.org).
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A Teoria da Literatura no currículo de Letras Aula 1
amplitude, dimensão, largura. Platão ocupou-se com vários temas:
ética, política, metafísica e teoria do conhecimento.
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Teoria da Literatura II
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Aula 2
HISTÓRIA LITERÁRIA E TEORIA DA
LITERATURA
META
Evidenciar a carência de estudos teóricos que respondem pela relação entre História
Literária e ensino da Literatura;
introduzir a concepção e formalização das histórias literárias e os projetos de
afirmação das identidades nacionais e com os conceitos de
literatura que lhes dão suporte; e
apresentar como a Teoria da Literatura e as disciplinas mais recentes no
campo dos estudos literários influenciaram a História da Literatura.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
estabelecer relações entre História Literária e ensino da Literatura, observando a
carência bibliográfica a respeito do tema;
relacionar as periodizações e classificações das histórias literárias aos processos
sócio-históricos de constituição da identidade nacional; e
identificar os pressupostos teóricos dos métodos e abordagens da História Literária,
relacionando-os aos seus respectivos contextos.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá ter noções sobre a historicidade do conceito de literatura; e do processo
de formação e institucionalização da História Literária e da Teoria da Literatura como
disciplinas que têm na Literatura seu objeto de estudo.
INTRODUÇÃO
Nesta segunda aula de Teoria da Literatura II, teremos uma noção
mais ampla sobre o que seja História Literária, ou História da Literatura,
observando o seu processo de constituição como disciplina no campo dos
estudos literários e seus diálogos com a Teoria da Literatura, assim como
com outras disciplinas mais recentes que têm a Literatura como objeto, na
área de Letras e mesmo fora dela.
Antes, porém, iniciaremos nossa aula tentando suprir uma lacuna no
campo dos estudos literários e educacionais, através de uma descrição
crítica do percurso histórico das relações entre História Literária e ensino
da Literatura, com o objetivo de tornar evidente a necessidade de tal relação
e a ausência de estudos teóricos que tratem do tema.
Nesse percurso histórico, serão enfatizados os fatores sócio-políticos que
mais preponderam na formalização das histórias literárias, em sua articulação
com projetos de afirmação das identidades nacionais, muito freqüentes no
Romantismo, e de configuração dos sistemas nacionais de educação.
Em seguida, finalmente, faremos uma apreciação crítica dos principais
métodos e abordagens da História Literária, apontando seus diálogos com
a Teoria da Literatura e com outras disciplinas mais recentes, buscando
mostrar os pressupostos teóricos e concepções de Literatura que sustentam
cada método ou abordagem.
Batalha do Avahy. Pedro Américo. Óleo sobre tela (1872-77). Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas
Artes. Sob a influência do Romantismo, pintores brasileiros buscavam valorizar o nacionalismo,
retratando fatos históricos importantes. Suas obras contribuíam para a formação de uma identidade
nacional (Fonte: http://www.dezenovevinte.net).
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A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 2
HISTÓRIA LITERÁRIA
A história literária sempre esteve relacionada ao ensino da literatura.
Desde as rudimentares bibliografias comentadas às mais recentes produções
desse gênero, que é bastante conhecido, tais empreendimentos têm como
motivação e público-alvo a classe estudantil. Para Carpeaux, na Introdução
à sua História da Literatura Ocidental, o interesse em organizar os fatos Ver glossário no
literários do passado em função do ensino teria começado em nossa era, final da Aula
com Marcus Fabius Quintilianus (c.35-95), num momento em que a cul-
tura greco-latina, representada pelos antigos manuscritos, se via ameaçada
pela destruição dos “bárbaros”. Professor de Retórica, Quintiliano havia
inserido no Décimo Livro de sua Institutio Oratoria uma apreciação sumária
dos autores gregos e latinos, menos como resumo bibliográfico do que
como esboço de uma “bibliografia mínima” do aluno de retórica, iniciativa
que acabou por fixar para a posteridade o cânone da literatura clássica:
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Teoria da Literatura II
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A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 2
historiografia literária, por estabelecer a primeira periodização da literatura
brasileira, ter sido indicada, em 1892, para o sexto ano do Ginásio Nacional,
sendo adaptada ao Curso Secundário em 1906, com o título de Compêndio de
História da Literatura Brasileira, escrito em parceria com João Ribeiro (1860-
1934), um verdadeiro especialista em compêndios de história da época,
como mostra Gasparello (2004).
Até a década de 1940, quando ocorre o movimento de expansão do
regime universitário (4), com o aparecimento das Faculdades de Filosofia
e Letras, grande foi o número de manuais de história da literatura brasileira
produzidos para o Ensino Secundário: Pequena História da Literatura
Brasileira (1919), de Ronald de Carvalho; Lições de Literatura Brasileira
(1919), de José Ventura Boscoli; História da Literatura Nacional (1930), de
Jorge Abreu; Noções de História da Literatura Brasileira (1931), de Afrânio
Peixoto; História da Literatura Brasileira para o curso complementar (1939),
de Bezerra de Freitas, entre outros.
A partir de então, as histórias literárias tornaram-se mais especializa-
das, seja em projetos coletivos nos quais cada autor cobre determinado
gênero – como o da editora José Olympio, sob a direção de Álvaro Lins,
do qual um dos volumes era a História da Literatura Brasileira: prosa de
ficção (1890-1920), de Lúcia Miguel Pereira, publicado pela primeira vez
em 1950 – ou período – como o da editora Cultrix, que publicou, entre
outros, O Realismo (1870-1900), de João Pacheco, em 1963 –, seja em in-
terpretações críticas de sua formação e cânone, num período cronológico
previamente estabelecido – como em Formação da Literatura Brasileira:
momentos decisivos (1959), de Antonio Candido –, o que sugere que tais
obras passaram a ser produzidas para um público mais seleto: os estudantes
universitários de Letras.
Hoje em dia, a relação entre história literária e ensino da literatura pode
ser exemplificada pela História Concisa da Literatura Brasileira (1970), de
Alfredo Bosi, obra que talvez deva suas constantes reedições – atualmente
está em sua 40ª, em grande parte, à demanda acadêmica, uma vez que tem
presença constante na maioria das bibliografias dos programas de literatura
brasileira dos cursos de Letras.
No caso do Ensino Médio, manuais como os de Faraco & Moura, dos
mais reeditados entre os do mesmo gênero, mantêm sua estrutura condi-
cionada pelos padrões dos livros de história da literatura indicados, isto é,
pautados pela periodização, cronologia e biobibliografia (5) dos autores
selecionados, reproduzindo e reforçando assim o cânone da literatura
nacional, a despeito do desenvolvimento dos estudos literários, seja sob a
influência estruturalista da Teoria da Literatura, que, como vimos na Aula
1, concentra-se na imanência textual, desconsiderando o contexto sócio-
histórico da obra, seja sob o atual influxo dos estudos culturais, que, como
veremos na próxima aula, apontam para o questionamento dos pressupostos
político-ideológicos do cânone.
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Teoria da Literatura II
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A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 2
Hippolyte Taine (1828-1893).
Aqui, a cronologia é um mero instrumento didático, útil apenas para
a sistematização dos fatos literários, pois mais importantes são as determi-
nações da “raça”, do “meio” e do “momento histórico”. Para se ter uma
idéia da repercussão da obra de Taine, basta a menção das obras de seus
mais célebres discípulos, os quais introduziram seu método nos respec-
tivos países de origem: As Correntes Principais da Literatura do Século
XIX (1872-1890), de Georg Brandes (1842-1927); a História da Literatura
Alemã (1883), de Wilhelm Scherer (1841-1886); e a História da Literatura
Brasileira, de Sílvio Romero (1851-1914).
Em contraposição aos métodos da historiografia romântica e naturalista,
insurgem-se a estética marxista e o método imanentista proposto por Tynianov
em ensaio intitulado “Da evolução literária” (1927). A historiografia marxista,
ou sociológica, é ainda fortemente marcada por Taine. O “meio”, transfor-
mado em “contexto sócio-político”, é o fator externo que determina o caráter
e até o estilo da obra literária. Carpeaux (1959, p. 39) comenta ironicamente os
exageros de tal método: “Sakulin, na sua história da literatura russa, classificou
os escritores conforme a proveniência social: literatura dos latifundiários, dos
burocratas, dos pequenos burgueses, dos proletários”.
Na historiografia marxista, a literatura está sempre a serviço do
“contexto”, sendo apenas uma ilustração de uma outra história: política,
econômica ou social. Wellek e Warren (1962, p. 330-331), quando tratam
do problema da periodização, também censuram o método sociológico:
“A literatura não deve ser concebida meramente como um passivo reflexo
ou cópia do desenvolvimento político, social ou mesmo intelectual da
humanidade. Conseqüentemente, é por critérios puramente literários que
deve fixar-se o período literário”.
Assim pensava o formalista russo Yury Tynianov (1894-1943), já em
1927, no referido ensaio – Da evolução literária (1927). Questionando o
estatuto científico da história da literatura e contrapondo à velha noção ab-
strata de “tradição” seu conceito de “evolução literária”, Tynianov propôs
um complexo modelo serial no qual a historicidade de uma determinada obra
é medida pelo seu grau de ruptura em relação a uma forma ou gênero “au-
tomatizado”. A canonização de uma forma literária, assim, é vista como um
processo de “automatização” de um sistema de normas ou convenções que
provoca, dialeticamente, o aparecimento de novas formas e outros sistemas:
“Se admitirmos que a evolução é uma mudança da relação entre os termos
do sistema, quer dizer, uma transformação das funções e elementos formais,
a evolução parece ser a substituição de sistemas” (TYNIANOV, 1978, p. 117).
Em outras palavras, a evolução literária deveria basear-se na literariedade das
obras, de acordo com seus respectivos contextos sócio-lingüísticos.
A importância da historiografia estruturalista, tal como foi esboçada
pelo ensaio de Tynianov, pode ser avaliada pela surpreendente variedade de
categorias nele esboçadas, que continuam sendo desenvolvidas em estudos
29
Teoria da Literatura II
30
A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 2
um mesmo texto, em função das características particulares de cada leitor.
Na primeira perspectiva, o horizonte de expectativa é pensado como sendo
unitário, uma “experiência partilhada”, e na segunda, as diferentes condições
de apropriação do texto, que são sociais, repercutem fora do alcance de um
enfoque concentrado sobre o leitor na obra. Tal ambigüidade poderia ser
reduzida recorrendo-se a uma melhor análise dos dispositivos tipográficos,
pois eles tornam possível um maior controle sobre as hipóteses construídas
a partir da análise das formas pelas quais os leitores populares contam sua
maneira de ler (CHARTIER, 2001, p. 100).
Ao traduzir, prefaciar e coligir uma série de artigos escritos por teóricos
alemães ao longo da década de oitenta sobre história literária, Olinto (1996)
ressalta a variedade dos modelos historiográficos propostos, todos elaborados
sob a “perspectiva dos novos padrões epistemológicos, metateóricos, esté-
ticos e sociais que orientam a percepção atual dos problemas envolvidos na
escrita de histórias de literatura”. Concepções epistemológicas construtivistas,
história das mentalidades, teoria da história, teoria da comunicação, parece
ter espaço para tudo no grande caleidoscópio multidisciplinar que constitui o
discurso dos artigos. Mesmo assim, sua variedade de propósitos aponta para a
busca de uma teorização mais adequada às novas exigências historiográficas,
bem como para um deslocamento de interesses, nos estudos literários, do
texto para o sistema literatura, entendido este como uma “rede de múltiplos
processos interativos e instáveis”.
1 2
31
Teoria da Literatura II
CONCLUSÃO
A relação entre história literária e ensino da literatura é quase negligenciada
pelos historiadores e teóricos da literatura, embora seja sugerida em textos
como os de Carpeaux (1959), Eagleton (1983) e Culler (1999). Se a princi-
pal questão da teoria literária, mais antiga até do que a disciplina ou campo
acadêmico que assim se denomina, é a resposta, ou antes a multiplicidade de
respostas que podem ser dadas à pergunta “o que é literatura?”, para respondê-
la é preciso levar em conta as condições, instâncias e instituições que fazem
com que determinada obra, ou grupo de obras, ou de um autor, ou grupo
de autores de um período histórico, ou país, ou região, torne-se literário (a),
para além de seus elementos intrínsecos, isto é, de sua “literariedade”, uma
vez que esta, da mesma forma, é uma categoria historicamente construída,
podendo ser identificada também em textos não literários.
Ao conceituar a literatura, Culler leva em conta as condições sociais
e o contexto institucional que identificam um determinado texto como
sendo literário, para além de sua literariedade, bem como do horizonte de
expectativa do leitor:
RESUMO
Como vimos nesta aula, a história literária, desde suas origens, mantém
uma relação íntima e indissociável com o ensino da literatura, uma vez que
as primeiras tentativas de organização – cronológica ou segundo gêneros
literários – de autores e obras do passado correspondem ao processo de con-
figuração da literatura como disciplina independente da cadeira de Retórica
32
A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 2
e Poética ou das línguas antigas e modernas, nas quais o uso de textos hoje
tidos como literários estava subordinado à sua instrumentalidade com rela-
ção ao ensino das figuras de linguagem e de modelos retóricos, bem como
de suas estruturas gramaticais. No caso das línguas, a perda desse caráter
“literário” relaciona-se com uma mudança de foco dos estudos literários,
representados pelo programa de Retórica e Poética, que, além das regras
de estilo e composição e da “apreciação litteraria dos melhores classicos da
lingua portugueza”, passou a abranger a “Historia da litteratura em geral,
e especialmente da portugueza e nacional” (OLIVEIRA, 1999). Dessa
forma, se antes o estudo da literatura, anexado ao das línguas, baseava-se
numa série de exercícios – leitura, cópia, ditado, versão, tradução, temas e
composição – que tinham como objeto fragmentos de textos considerados
literários, agora teria que justificar-se pela história literária, isto é, pelo estudo
das “producções litterarias” das nações estrangeiras, as quais despertavam
o sentimento de orgulho e respeito em seus povos. No caso brasileiro,
o Estado Imperial, representado pelo Partido Conservador, tinha muito
interesse em tal estudo, não só por satisfazer ao seu projeto civilizatório,
pelo contato que os alunos brasileiros teriam com a produção literária das
“nações civilisadas”, mas também pelo papel que poderia desempenhar na
formação e desenvolvimento de um espírito de nacionalidade, principal-
mente depois da oficialização do ensino da Literatura Nacional, em 1855,
período de absoluta supremacia do Partido Conservador.
Se os teóricos e historiadores da literatura não têm atentado devidam-
ente para este fato, isso se deve ao grau de compartimentação e incomu-
nicabilidade das áreas e campos acadêmicos, que impedem uma possível
relação recíproca de trocas e empréstimos, para romper certas limitações e
fomentar perspectivas inusitadas de velhos objetos.
ATIVIDADES
Responda às seguintes questões:
1. Qual a relação que pode ser feita entre o Romantismo e a formalização
das histórias literárias?
2. Quais são as evidências, no caso brasileiro, da íntima relação entre História
Literária e ensino da Literatura?
3. Como você explica o fato de que as histórias literárias têm servido a
projetos de construção e afirmação de identidades nacionais?
4. Em sua opinião, quais são as contribuições e limitações da historiografia
estruturalista e da estética da recepção?
33
Teoria da Literatura II
REFERÊNCIAS
34
A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 2
Estadual de Campinas, 1999. Disponível em: <http://www.unicamp.br/
iel/memoria/Teses/index.htm>
TYNIANOV, J. Da evolução literária. In: EIKHENBAUM, B. [et al.].
Teoria da literatura: os formalistas russos. 4 ed. Tradução de Ana Maria
Filipovsky, Maria Aparecida Pereira, Regina Zilberman e Antonio Carlos
Hohlfeldt. Porto Alegre: Globo, 1978.
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da literatura. Tradução de
José Palla e Carmo. Lisboa: Europa-América, 1962
GLÓSSARIO
Otto Maria Carpeaux: Crítico e historiador da arte
austríaco (1900-1978). Produziu sua obra crítica no
Brasil.
35
Teoria da Literatura II
36
Aula 3
A TEORIA DA LITERATURA E
OS ESTUDOS CULTURAIS
META
Apresentar o processo de institucionalização dos Estudos Culturais como campo acadêmico
e suas implicações nos estudos literários.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
reconhecer as principais tendências dos Estudos Culturais e relacioná-las com os
estudos literários, especialmente com a Teoria da Literatura.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá ter noções sobre a historicidade do conceito de literatura; do processo de
formação e institucionalização da História Literária e da Teoria da Literatura como
disciplinas que têm na Literatura seu objeto de estudo; e da relação entre História
Literária e ensino da Literatura.
INTRODUÇÃO
Caro aluno, a relação entre Teoria da Literatura e Estudos Culturais é
muito mais íntima do que se imagina. O sucesso acadêmico e comercial
dos Estudos Culturais, em termos editoriais, cinematográficos e de eventos
científicos e culturais variados, fez com que esse recente campo de estudos
alcançasse um espaço relevante na mídia, dado o caráter interventor dos
próprios projetos acadêmicos de seus principais mentores, ou “pais fun-
dadores”, pelo menos em sua primeira fase.
Por outro lado, o fato de que os professores de literatura, durante a década
de 1990, tenham se voltado para objetos de estudo que nem sempre contem-
plam a Literatura em seu sentido estrito, isto é, já consolidado pelo campo dos
estudos literários, como, por exemplo, anúncios publicitários, manifestações
da “cultura popular” ou da “cultura de massa”, tratando o texto literário como
uma prática cultural dentre tantas outras, soou aos ouvidos mais tradicionais
ou conservadores como uma notícia bombástica, uma espécie de ameaça à
integridade e autonomia dos estudos literários, de modo geral, e da Teoria
da Literatura, em particular, como disciplina acadêmica.
Voltando à afirmação inicial do primeiro parágrafo desta Introdução,
a relação entre Teoria da Literatura e Estudos Culturais pode ser verificada
através de dois fatos bastante significativos: 1) a filiação acadêmica de duas
das figuras centrais a partir de cujos trabalhos se configurou a nova disciplina,
Raymond Williams (1921-1988) e Richard Hoggart (1918-), tem origem nos
estudos literários; 2) a motivação principal dos Estudos Culturais, na Inglaterra,
foi uma crítica ao Inglês, isto é, ao ensino da Literatura Inglesa, tal como se
consolidou nos currículos das universidades no período entreguerras, sob a
liderança do crítico e professor Frank Raymond Leavis (1895-1978), um dos
mais empenhados defensores do “new criticism” e do conceito de “close
reading”, uma leitura analítica e estruturalista do texto literário.
Contudo, não se pode dizer que os Estudos Culturais sejam a disci-
plina acadêmica que veio substituir a Teoria da Literatura no campo dos
estudos literários, como faz supor o fato de que muitos dos programas de
pós-graduação inicialmente voltados para a Literatura, inclusive no Brasil,
tenham adotado, às vezes por uma mudança de perspectiva teórica, às vezes
por simples moda acadêmica, os Estudos Culturais como objeto de pes-
quisa. Ademais, não se pode restringir o diálogo interdisciplinar dos Estudos
Culturais ao âmbito da Teoria da Literatura, uma vez que seus limites como
disciplina acadêmica ainda em processo de configuração são muito difíceis
de ser delineados, inclusive pelos seus “pais fundadores”.
Stuart Hall (1932-), por exemplo, afirma que os Estudos Culturais podem
ser considerados como um espaço intelectual de convergências entre tradições
acadêmicas deslocadas, como a Sociologia, a Antropologia e a Crítica Literária
(HALL, 2004, p. 21). Cevasco (2003, p. 73), por sua vez, afirma que os Es-
tudos Culturais, como projeto interdisciplinar, situam-se em um amálgama
38
A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 3
de quatro discilpinas: Comunicação, História, Sociologia e, principalmente,
English, isto é, Literatura Inglesa.
Do Inglês, segundo a mesma autora, a nova disciplina reteve o interesse
no texto e na textualidade, incluindo as formas populares de cultura e ultra-
passando o paradigma de estudos de língua/literatura que caracterizava a
disciplina. Com essa nova abordagem, o conceito de Literatura foi repensado,
ampliando a lista do cânone, que passou a abranger mulheres, negros e homos-
sexuais. Da História, a ênfase recaiu sobre a escola de Edward P. Thompson
(1924-1993), isto é, a história “dos de baixo”, baseada na história oral e na
memória popular. Das mídias surgiu o interesse pelo estudo das relações entre
os meios de comunicação e a sociedade, e da Sociologia, finalmente, adveio
a inspiração para estudar a etnografia e as “subculturas”.
Vale a pena ainda observar que os débitos teóricos dos Estudos Culturais
não se limitam aos “pais fundadores” ou às disciplinas aci ma mencionadas,
pois abrangem intelectuais como Antonio Gramsci (1891-1937), Louis Al-
thusser (1918-1990) e Michel Foucault (1926-1984), dentre outros, para não
falar de certas disputas de território institucionais e de objetos de estudos, as
quais se apresentam muito mais como um embate político do que como um
debate epistemológico. Vejamos como tudo começou.
1 2
Antonio Gramsci (acima à esq), Michel Foucault (acima à dir) e Louis Althusser (abaixo) (Fontes: 1 -
http://brasil.indymedia.org; 2 - http://www.foucault.qut.edu.au; 3 - http://www.imec-archives.com).
39
Teoria da Literatura II
LITERATURA INGLESA
O processo de institucionalização da Literatura Inglesa como disciplina
acadêmica, na Inglaterra, é muito esclarecedor a respeito da constituição da
Teoria da Literatura como disciplina hegemônica no campo dos estudos
literários, assim como do caráter ideológico que a Literatura assume em
determinados momentos históricos. Segundo Eagleton (1983), a Literatura
Inglesa, como atividade liberal e humanizadora, poderia servir, no final do
século XIX, como antídoto poderoso contra o excesso religioso e o extrem-
ismo ideológico, uma vez que, tratando de “valores humanos universais”, e
não de “trivialidades históricas”, como guerras civis, a opressão das mulheres
e a exploração das classes trabalhadoras, poderia fazer com que tais questões
fossem esquecidas e substituídas pela contemplação elevada das verdades e
belezas eternas. Nesse sentido, poderia ser comparada como um novo tipo
de religião, pois alcançaria o povo sem o trabalho de ensinar-lhe os Clás-
sicos, uma vez que a Literatura Inglesa era escrita em sua própria língua:
Não foi por acaso, portanto, que o Inglês como disciplina acadêmica
se institucionalizou primeiro fora das universidades, em institutos e cursos
profissionalizantes e de extensão direcionados para as classes populares,
sendo sua ascensão processada paralelamente à lenta admissão das mulheres
nas instituições de Educação Superior, bem como ao acesso paulatino do
público masculino oriundo das classes trabalhadoras ao que ficou concebido
como “o clássico dos pobres”.
No início do século XX, a nova disciplina assumiu uma função clara-
mente política, uma vez que, com o advento da Primeira Guerra Mundial,
quando a hegemonia do capitalismo britânico foi ameaçada pelos Estados
Unidos e pela Alemanha, ela passou a servir a um projeto de reconstrução da
identidade nacional, tendo como principais representantes de uma utópica
tradição orgânica e igualitária da sociedade inglesa autores como William
Shakespeare (1564-1616) e John Milton (1608-1674).
40
A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 3
1 2
Frank Raymond Leavis (esq.) e Ivor Armstrong Richards (dir) (Fonte: 1 - http://media-2.web.
britannica.com; 2 - http://upload.wikimedia.org).
Por outro lado, essa função política do Inglês funcionou como justifica-
tiva para sua entrada nas duas principais instituições de Educação Superior
da Inglaterra: Oxford e Cambridge.
Os principais arquitetos da disciplina, como o já mencionado F. R.
Leavis e I. A. Richards (1893-1979), eram descendentes da pequena bur-
guesia provinciana que trabalharam, em seus estudos e artigos publicados Ver glossário no
na revista Scrutiny, para fazer do Inglês uma disciplina séria, buscando final da Aula
apagar sua condição de “clássico dos pobres”, isto é, de matéria adequada
somente para mulheres e estudantes das classes trabalhadoras e de países
do “terceiro mundo”.
As estratégias utilizadas pela Scrutiny foram a “crítica prática” e a
“leitura analítica” (close reading). A “crítica prática” rejeitava todos os fatores
externos do texto literário, uma vez que o leitor, pela própria estrutura da
obra, poderia julgar a sua grandeza sem precisar levar em conta suas idéias
ou seu contexto histórico. A “leitura analítica”, por sua vez, insistia na at-
enção à estrutura interna da obra, isto é, nas “palavras contidas na página”,
sem levar em conta os contextos que as produziram. Nesse sentido, ela
estimulava a ilusão de que qualquer trecho de linguagem literária poderia
ser entendido isoladamente. Tratava-se, como afirma Eagleton (1983), de
uma reificação da obra literária, estudada como um objeto em si mesmo,
algo que triunfaria com a Nova Crítica (New Criticism):
41
Teoria da Literatura II
42
A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 3
ser descritas. Um trabalho pioneiro, nesse sentido, teria sido Mitologias
(1957), de Roland Barthes (1915-1980), no qual o autor empreende uma
breve leitura de várias atividades culturais, da luta livre aos anúncios de
automóveis e detergentes. Para Barthes, era preciso desmistificar a idéia de
que a cultura é algo natural e insistir no fato de que toda e qualquer prática
cultural é historicamente constituída.
A fonte inglesa, a seu ver, estaria relacionada com a Teoria Literária
marxista de origem britânica, representada pelos trabalhos de Raymond Wil-
liams, especialmente em sua obra Culture and Society (Cultura e Sociedade), de 1957,
e de Richard Hoggart (1918-), o qual procurou resgatar e explorar a cultura
popular da classe trabalhadora em The Uses of Litteracy (Os Usos do Letramento).
Stuart Hall, por seu turno, apesar de reconhecer certos débitos teóricos
para com alguns intelectuais franceses, afirma que as origens dos Estudos
Culturais encontram-se em três livros: The Making of the English Working Class
(A Formação da Classe Trabalhadora Inglesa), de E. P. Thompson, e os dois
trabalhos já mencionados de Williams e Hoggart. Independente da pos-
sível briga de campo acadêmico que permeia tal discussão, mesmo porque
a constituição de uma disciplina acadêmica se processa de maneira muito
mais complexa do que a partir de obras ou autores que, de algum modo,
forneceram os elementos básicos para a nova disciplina, a constituição
dos Estudos Culturais envolveu vários agentes e instituições sociais nem
sempre visíveis em panoramas históricos ou nas memórias escritas pelos
seus próprios “pais fundadores”. Façamos, neste capítulo, um breve perfil
dos principais nomes que se relacionam com a formação dos Estudos
Culturais, especialmente aqueles que, estando na Inglaterra no momento
de sua constituição, tiveram participação mais evidente em tal processo.
Capas dos 3 volumes de edição brasileira da obra A formação da classe operária inglesa, de E. P. Thompson.
43
Teoria da Literatura II
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A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 3
de genealogia do conceito de cultura na sociedade industrial, desde os
românticos até George Orwell (1903-1950), incluindo ainda autores como
Leavis e T. S. Eliot (1888-1965). Segundo Mattelart e Neveu (2004, p. 46-47),
seu conceito de structures of feeling (estruturas de sentimento), que estabelece a
relação entre as noções, práticas e formas culturais e os sistemas de percepção
e sensibilidade que exprimem e cristalizam, foi elaborado em diálogo com os
trabalhos do sociólogo da Literatura francês Lucien Goldmann (1913-1970).
A problemática esboçada em Culture and Society desdobra-se em The Long Revo-
lution (A Longa Revolução), de1961, obra que ressalta o papel dos sistemas de
educação e comunicação na dinâmica de mudança social, contribuindo para a
construção de um programa democrático de reforma das instituições culturais.
Williams, filho de um trabalhador ferroviário de uma vila galesa (Llanfi-
hangel Crucorney), estudou no tradicional Trinity College, Cambridge, período
em que se afiliou ao partido Comunista Britânico, conseguindo seu título
de mestre em 1946. Após ensinar pelo já referido programa de educação
para adultos (WEA), tornou-se professor de dramaturgia na Universidade
de Cambridge, onde havia sido aluno e discípulo de Leavis. Aposentando-se
somente em 1983, teve uma carreira acadêmica longeva, escrevendo vários
artigos, livros teóricos e um romance.
Para Cevasco (2003, p. 109), em meio à efervescência de importação de
idéias francesas, italianas e alemãs, principalmente através dos intelectuais da
Escola de Frankfurt, a única posição teórica original britânica tomou corpo
no trabalho de Raymond Williams. Desenhando uma tradição britânica de
se pensar a qualidade de vida da sociedade mediante uma discussão sobre
cultura, Williams, em sua primeira grande obra, Culture and Society, critica
essa visão abstrata e absoluta de cultura, desconectada do contexto social
que a produz, estabelecendo assim os instrumentos teóricos do que se
convencionou chamar de “materialismo cultural”, que pode ser descrito
como uma tentativa de levar às últimas conseqüências o legado de Karl Marx
(1818-1883) de pensar a cultura como uma atividade material da sociedade.
Além de um teórico de grande importância, Williams foi um incan-
sável militante político, envolvendo-se nas discussões sobre o controle
democrático da mídia em um programa socialista. Sempre se manteve
atento e crítico ao processo de consolidação e desenvolvimento dos Es-
tudos Culturais, afirmando, em uma conferência ministrada em 1986 na
NorthEast London Polytechnic, que os Estudos Culturais, isto é, a mudança de
perspectiva no ensino das Artes e da Literatura e sua relação com a História
e a Sociedade Contemporânea, não surgiram a partir do seu livro de 1958,
mas da Educação para Adultos – WEA – (apud CEVASCO, 2003, p. 61).
Edward Palmer Thompson, durante a Segunda Guerra Mundial,
também se empenhou na luta contra o governo fascista de Benito Mussolini
(1883-1945), estudou em Cambridge, no Corpus Christi College, e aderiu ao
Partido Comunista Britânico, formando em 1946 um grupo de estudos
históricos marxistas com intelectuais como Eric Hobsbawn (1917-), dentre
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Teoria da Literatura II
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A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 3
EXPANSÃO E CRISE DOS ESTUDOS CULTURAIS
Cinqüenta anos depois da publicação do livro de Hoggart, o sucesso
editorial e acadêmico dos Estudos Culturais é espantoso. Em 2002, por ex-
emplo, um mecanismo de busca da Internet registrava mais de dois milhões e
quinhentas mil referências distintas a partir de tal expressão (MATTELART
e NEVEU, 2004, p. 127). Sua visibilidade científica, entretanto, tanto no
mundo anglófono quanto em outros países, coincide com a circulação, a
partir de 1972, dos working papers (artigos mimeografados, formando uma
espécie de revista artesanal), textos que foram depois compilados em livros
e compõem o melhor da produção da equipe do CCCS. Grande parte da
produção dessa época trata das “subculturas” jovens: rastas, mods, skinheads,
rockers, etc. A ênfase é posta sobre o modo como, sob pressão estrutural, os
jovens desenvolvem táticas de seleção em seu potencial identitário.
Ainda no final da década de 1970, foi lançada a coletânea Women take is-
sue (As mulheres discordam), de 1978, pelo grupo de estudos sobre a mulher do
CCCS. Segundo Mattelart e Neveu (2004, p. 69), a valorização dos estudos de
gênero é tributária do trabalho empírico que manifesta as diferenças de con-
sumo e apreciação entre homens e mulheres em matéria de televisão ou de
bens culturais. Com a coletânea The empire strikes back (O império contra ataca), de
1982, a atenção se voltou para as questões de racismo suscitadas pela situação
das comunidades imigrantes nas grandes cidades. A questão da recepção na
mídia, o problema da desintegração e da pluralização das identidades, a herança
e a crise do marxismo teórico nos estudos do CCCS, enfim, toda a trajetória
dos Estudos Culturais aponta para dois caminhos. Se, por um lado, o ritmo
acelerado das publicações e o aparecimento de novos departamentos, nos dois
lados do Atlântico, indicam a internacionalização da disciplina, por outro, a
facilidade com que tais novidades são adotadas pode ser interpretada como a
perda de identidade contestatória da disciplina, bem como de seu rigor teórico
e acadêmico. Comentando essa situação, escreve Cevasco (2003, p. 155-156):
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Teoria da Literatura II
CONCLUSÃO
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A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 3
literários; 2. os métodos apropriados para a análise de objetos culturais.
Quanto à primeira questão, se, por um lado, os Estudos Culturais podem
ampliar o cânone ocidental, que é acentuadamente europeu, branco e ma-
chista, incluindo autores e autoras de países pós-coloniais, por outro pode
vulgarizar as análises e encorajar o estudo de filmes, novelas de tevê e outros
produtos da “cultura de massa”, em detrimento de obras literárias. Antes
de criticar ou desconstruir o cânone, é preciso conhecê-lo.
Quanto à segunda questão, há sempre um grande risco em se descartar
alguns métodos que, embora em alguns aspectos ultrapassados, representam
um rigor acadêmico característico da Teoria da Literatura, especialmente em
sua versão formalista, em nome de uma liberdade de abordagem que, mui-
tas vezes, são apenas conteudistas, no pior sentido do termo. Não são raras,
por exemplo, as ocasiões em que são apresentados trabalhos em congressos
científicos que, analisando textos literários com o suposto paradigma dos
Estudos Culturais, que, a essa altura, abrange quase tudo que se encontra entre
o céu e a terra, os apresentam apenas como sintomas sociais de questões de
gênero, etnia ou identidade, sem qualquer trabalho de análise do modo como
tais representações são construídas, ou como tais efeitos são produzidos.
Não devemos nos fechar para as novidades que se apresentam a cada
dia no mundo acadêmico, mas também não devemos recebê-las de forma
passiva, ou acrítica. São muitas as contribuições dos Estudos Culturais para
os estudos literários, assim como muito consistentes são os instrumentais
teóricos fornecidos pela Teoria da Literatura para a crítica cultural. Se os
estudos literários não devem se fechar em uma disciplina que já deu mostras
de sua defasagem com relação às manifestações culturais contemporâneas, os
Estudos Culturais não podem ignorar seus pressupostos teóricos, sob pena de
cair no descrédito acadêmico pela irrelevância dos resultados de suas pesquisas.
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Teoria da Literatura II
RESUMO
Na aula de hoje, você aprendeu um pouco acerca do debate contem-
porâneo dos estudos literários. A Teoria da Literatura, que alcançou seu auge
acadêmico a partir da década de 1940, com o sucesso editorial do manual de
Wellek e Warren, como vimos na Aula 1, se manteve hegemônica como dis-
ciplina dos estudos literários até o final dos anos de 1980, quando começou
a ser questionada a partir de novas perspectivas teóricas e, especialmente,
pelo “boom” dos Estudos Culturais na década de 1990.
Você teve também a oportunidade de observar como a constituição
dos Estudos Culturais como disciplina acadêmica se encontra intimamente
relacionada com a Teoria da Literatura. No caso das universidades inglesas,
onde primeiro se institucionalizara, a nova disciplina surgiu de um quest-
ionamento do “Inglês”, isto é, da Literatura Inglesa, que tinha alcançado
prestígio acadêmico concomitantemente à Teoria da Literatura, no resto
da Europa e nos Estados Unidos, entre as décadas de 1930 e 1940. Tal
questionamento começou a aparecer ainda no final da década de 1950,
com os livros de Williams e Hoggart, ex-alunos de Inglês de Cambridge.
O primeiro espaço institucional da nova disciplina foi a Universidade de
Birmingham, onde Hoggart fundou, em 1964, o Centro de Estudos de Cultura
Contemporânea (CCCS em inglês). Sob a direção de Hall, a partir da década de
1970, o CCCS formou grande parte dos professores e defensores dos Estudos
Culturais, no resto da Europa e nos Estados Unidos, alcançando um grau de
popularidade e sucesso acadêmico, na década de 1990, que pôs em cheque
muitos dos departamentos de pós-graduação em estudos literários, que viram
seu objeto de estudo principal ser invadido pelas novas abordagens culturais.
As principais tendências dos Estudos Culturais são: o estudo das cul-
turas populares e da indústria cultural, envolvendo os meios de comunica-
ção; das “subculturas” jovens das grandes cidades; das questões de gênero
e etnia; da fragmentação das identidades e da produção e recepção cultural
em um mundo ideologicamente “globalizado”. Tais tendências afetaram os
estudos literários, e especialmente a Teoria da Literatura, em dois aspectos
principais: a construção e redefinição do cânone literário e o método e
fundamentação teórica apropriados para a análise de objetos culturais.
Daí surgiram dois impasses para os estudiosos de literatura: 1. se, por um
lado, é importante que se amplie um cânone tradicional e ideologicamente
fechado, que inclui, em sua maior parte, autores homens, brancos e europeus,
por outro, não se pode questionar ou desconstruir esse mesmo cânone, em
favor de outras práticas e manifestações culturais, sem conhecê-lo, isto é, sem
estudá-lo. 2. Se são de extrema relevância as análises de aspectos relacionados
50
A Teoria da Literatura e os Estudos Culturais Aula 3
às questões das culturas populares ou de massa; de etnia, de gênero e demais
problemas sociais em obras literárias, é preciso não reduzir o texto literário
a um documento sintomático de tais questões, utilizando-se melhor do in-
strumental teórico fornecido pela Teoria da Literatura em tais abordagens,
mesmo porque há documentos de outras espécie, e práticas e manifestações
culturais outras, em que essas questões podem ser melhor exploradas.
Hoje, os estudos literários passam por um momento de redefinição, tanto
de seus pressupostos teóricos quanto de seu objeto de estudo, e é preciso que
os estudiosos da Literatura se apropriem criticamente dos empréstimos de out-
ras disciplinas, novas ou tradicionais, para que se possam lançar novos olhares
sobre velhos e canonizados objetos, fazendo com que o estudo da Literatura
contribua, de algum modo, para pensar melhor os problemas do mundo.
1 2
Manifestações culturais no Brasil contemporâneo. À esquerda, show de axé music. À direita, lambe-sujo (Fontes: 1 - http://
www.metropolionline.com.br; 2 - http://www.overmundo.com.br).
ATIVIDADES
Redija um texto de no máximo duas páginas, utilizando fonte 12, Times
New Roman, e espaço 1,5, com o seguinte título:
“Estudos Literários e Estudos Culturais: diálogos, confrontos e per-
spectivas”
51
Teoria da Literatura II
REFERÊNCIAS
CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo:
Boitempo Editorial 2003.
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. Tradução de Sandra
Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. Tradução de
Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
HALL, Stuart et all. Culture, media, language. London: Routledge; Bir-
mingham: Centre for Contemporary Cultural Studies, 2004.
MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Introdução aos estudos cult-
urais. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
GLÓSSARIO
F. R. Leavis: Crítico e professor inglês de muito prestígio, foi o
fundador, com sua esposa, Q. D. Leavis, da revista Scrutiny (Escrutínio),
e o principal responsável pela consolidação da Literatura Inglesa como
disciplina acadêmica na Universidade de Cambridge.
52
DA RETÓRICA À HISTÓRIA
LITERÁRIA: 4
UMA HISTÓRIA DO ENSINO DE LITERATURA NO BRASIL aula
MET
METAA
Apresentar, do ponto de vista
histórico, e de acordo com a
legislação atual, o processo de
constituição da Literatura como
disciplina escolar no Brasil; e
enfatizar suas finalidades e seu
papel formativo no currículo
escolar.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá
definir as finalidades e o papel
formativo da Literatura no currículo
escolar, do ponto de vista histórico
e de acordo com a legislação atual.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá ter noções sobre a
historicidade do conceito de
literatura; da relação entre
História Literária e ensino da
Literatura; e sobre a relação entre
Estudos Literários e Estudos
Culturais. (Fonte: http://www.oyez.org).
Teoria da Literatura II
Casarão da Rua Larga de São Joaquim, Rio de Janeiro/RJ, depois Externato do Imperial
Colégio Pedro II, estabelecimento educacional em que foi introduzido o estudo da Lite-
ratura no Brasil (Fonte: http://www.cp2centro.net).
62
Da Retórica à História Literaria
63
Teoria da Literatura II
64
Da Retórica à História Literaria
65
Teoria da Literatura II
66
Da Retórica à História Literaria
67
Teoria da Literatura II
68
Da Retórica à História Literaria
69
Teoria da Literatura II
70
Da Retórica à História Literaria
71
Teoria da Literatura II
72
Da Retórica à História Literaria
73
Teoria da Literatura II
74
Da Retórica à História Literaria
75
Teoria da Literatura II
RESUMO
76
Da Retórica à História Literaria
ATIVIDADES
Essa atividade tem por finalidade fazer com que você construa
alguns argumentos baseados nos principais conteúdos desta
quarta aula, de modo a compreender historicamente o processo
de institucionalização do ensino de Literatura no Brasil,
relacionando-o com a situação atual. Para tanto, é importante
a leitura não só desta Aula, mas também dos Parâmetros
Curriculares Nacionais e das Orientações Curriculares do Ensino
Médio referentes ao ensino de Literatura, cujos textos
encontram-se disponíveis no portal do MEC, no link referente
à Educação Básica (http://portal.mec.gov.br/seb/).
77
Teoria da Literatura II
REFERÊNCIAS
78
Da Retórica à História Literaria
79
OS GÊNEROS LITERÁRIOS 5
aula
MET
METAA
Apresentar “gêneros literários”; e
salientar a heterogeneidade e o
caráter descritivo, e não 1
prescritivo, dos gêneros literários.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno
deverá:
reconhecer a historicidade e
transitoriedade dos gêneros
literários, bem como a
possibilidade de sua mistura
ou miscigenação e
identificar e classificar os gêneros
literários, segundo suas estruturas
formais e condições de produção.
2
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá ter noções sobre a
historicidade do conceito de
literatura; da relação entre
História Literária e ensino da
Literatura; e sobre as finalidades
e o papel formativo da Literatura
no currículo escolar, do ponto de
vista histórico.
82
Os gêneros literários
83
Teoria da Literatura II
84
Os gêneros literários
85
Teoria da Literatura II
86
Os gêneros literários
87
Teoria da Literatura II
88
Os gêneros literários
89
Teoria da Literatura II
90
Os gêneros literários
91
Teoria da Literatura II
92
Os gêneros literários
93
Teoria da Literatura II
Haikai
Desse modo, o gênero épico, representado tradicionalmente pela
Forma poética de ori- epopéia, pelo romance de cavalaria, pelos relatos de viagem, pelo
gem japonesa, que va-
loriza a concisão e a conto e pelo romance moderno, caracteriza-se, do ponto de vista es-
objetividade. O princi- trutural, ou de acordo com seu modo de imitação, como queria
pal haicaísta foi Mat-
suô Bashô (1644- Aristóteles, pela presença de um narrador e de uma história a ser
1694), que se dedicou contada, independente de seu meio de imitação, em prosa ou em
a fazer desse tipo de
poesia uma prática es- verso. Caso essa história seja contada não por um narrador, mas
piritual. O primeiro au- pelas próprias personagens, através de diálogos, os quais também
tor a popularizar o hai-
cai no Brasil foi Gui- podem ser versificados, à maneira de Shakespeare, ou em prosa,
lherme de Almeida como a maioria das peças modernas, o gênero passa a ser dramáti-
(1890-1969), que não
só o dotou de estrutu- co, assumindo as formas tradicionais da tragédia, da comédia, das
ra métrica rígida, mas moralidades, dos autos, ou formas mistas e às vezes inclassificáveis,
ainda de rimas e título.
No esquema proposto como ocorre em algumas peças contemporâneas. No gênero lírico
por Almeida, o primei- não há narrador nem história a ser contada, mas um poeta, um “eu
ro verso rima com o ter-
ceiro e o segundo ver- lírico” que expressa diretamente, como se fosse para si mesmo, e
so possui uma uma não necessariamente em forma de versos, como mostram alguns
rima interna (a 2ª síla-
ba rima com a 7ª síla- poemas de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), suas refle-
ba). A forma do haicai xões, sentimentos e divagações a respeito da vida e do mundo, po-
de Guilherme de Almei-
da ainda tem muitos dendo usar formas fixas – ditirambo, rondó, soneto, haikai (12), etc.
praticantes no Brasil. – ou diversificadas.
Nesse sentido, podemos aproveitar a divisão aristotélica para
referirmos a obras literárias modernas ou contemporâneas, desde que
a entendamos apenas como uma sistematização descritiva e
classificatória das obras literárias, sem qualquer preocupação com
regras para se produzir literatura.
94
Os gêneros literários
RESUMO
95
Teoria da Literatura II
ATIVIDADES
Veja
era assim quando
a gente valsamos neste lugar
um par de bambas
está dançando em azteca
E eu digo
corta essa Papai
mas essa dona
vem por trás de mim vê
e diz
Você e eu a gente podia existir de verdade
96
Os gêneros literários
Uau eu digo
Só no dia seguinte
ela está com os dentes em mau estado
5
aula
e realmente odeia
poesia
REFERÊNCIAS
97
Teoria da Literatura II
98
OS GÊNEROS DO DISCURSO 6
aula
MET
METAA
Evidenciar a relação entre gêneros
do discurso e gêneros literários;
salientar a historicidade e
heterogeneidade dos gêneros
discursivos (orais e escritos),
incluindo as manifestações do
discurso científico e os gêneros
literários; e enfatizar a importância
do estudo dos gêneros do discurso
no ensino de línguas (nacional e
(Fonte: http://www.cisi.com.br)
estrangeiras).
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
definir os gêneros literários como
gêneros discursivos;
estabelecer as relações e diferenças
entre o enunciado como unidade da
comunicação discursiva e as
unidades da língua (palavras e
(Fonte: http://www.metaexecutiva.com).
orações); e
reconhecer a historicidade e
heterogeneidade dos gêneros
discursivos e literários.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá ter noções sobre a
historicidade do conceito de
literatura; da relação entre História
Literária e ensino da Literatura; e
sobre conceito e classificação dos
gêneros literários, segundo suas
estruturas formais e condições de
produção. (Fonte: http://professor-abrahao.blogspot.com).
Teoria da Literatura II
100
Os gêneros do discurso
101
Teoria da Literatura II
102
Os gêneros do discurso
O ENUNCIADO E A COMUNICAÇÃO
DISCURSIVA
103
Teoria da Literatura II
104
Os gêneros do discurso
105
Teoria da Literatura II
106
Os gêneros do discurso
107
Teoria da Literatura II
108
Os gêneros do discurso
109
Teoria da Literatura II
110
Os gêneros do discurso
111
Teoria da Literatura II
112
Os gêneros do discurso
RESUMO
113
Teoria da Literatura II
ATIVIDADES
114
Os gêneros do discurso
Essa atividade tem por finalidade principal fazer com que você
6
aula
construa uma síntese dos principais conteúdos dessa sexta aula,
de modo a compreender criticamente o conceito de gêneros
do discurso, bem como suas implicações no estudo dos gêneros
literários, buscando compreender seus principais elementos
constitutivos. Assim, as perguntas buscam explorar alguns
conceitos bakhtinianos, tais como o de enunciado, comunicação
discursiva e destinatário.
Na questão de número cinco, o tutor deve promover uma
discussão, através de chats ou do fórum de discussão da
plataforma moodle, acerca da importância do estudo dos gêneros
do discurso no ensino de línguas, nacional ou estrangeiras,
visando a produção de um relatório de, no máximo, uma página
sobre o tema.
REFERÊNCIAS
115
Aula 7
A NARRATIVA ORAL:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
META
Apresentar critérios formais de distinção entre narrativa oral e narrativa escrita;
discutir o conceito de autoria;
caracterizar estratégias narrativas tipicamente orais, indicando seu legado em
narrativas escritas.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
cdefinir a distinção entre narrativa oral e narrativa escrita em termos formais;
reconhecer e identificar as estratégias narrativas tipicamente orais em narrativas escritas.
PRÉ-REQUISITO
O aluno deverá ter noções sobre a historicidade do conceito de literatura;
conceito e classificação dos gêneros discursivos e de suas relações
com os gêneros literários.
INTRODUÇÃO
Olá, caro aluno! Na aula de hoje, você aprenderá a distinguir as narrati-
vas orais das narrativas escritas em termos formais, uma vez que, do ponto
de vista cultural, sempre que apreciamos uma composição literária oral,
tendemos a considerá-la inferior a uma composição escrita, relacionando-a
a estágios primitivos da civilização ocidental.
Você verá que isso decorre da noção moderna de alfabetização ou
letramento, e do preconceito geralmente relacionado a sociedades que não
fazem uso da cultura escrita. Com alguns exemplos da literatura clássica
grega e da poesia épica anglo-saxônica, baseados nas pesquisas desenvolvidas
por Milman Parry, tentaremos mostrar como a produção de narrativas orais
pode conviver com os usos da escrita, e como algumas obras – especialmente
os poemas épicos antigos – compostas oralmente são anacronicamente
concebidas, como se fossem dotadas de um texto fixo e produzidas por
autores individuais.
Assim, serão definidos alguns elementos característicos das com-
posições narrativas orais, visando a sua identificação em suas versões escritas.
Em seguida, veremos o papel desempenhado pela tradição e o modo como
a noção moderna de autoria pode impedir a compreensão não apenas de
poemas épicos antigos compostos oralmente, mas também dos cantadores
e repentistas que fazem uso de tal habilidade ainda nos dias de hoje.
98
A narrativa oral: algumas considerações Aula 7
O PRECONCEITO COM RELAÇÃO ÀS FORMAS
NARRATIVAS ORAIS
99
Teoria da Literatura II
1 2
Representações de Tot (Tote ou Toth), deus egípcio da sabedoria. Tot é o senhor das palavras,
criador da fala e da escrita, deus do tempo e das medidas, senhor do ensino e de toda a sabedoria. É
representado como um homem com cabeça de Íbis, a ave sagrada (Fonte: 1 - http://www.geocities.
com; 2 - http://premium.klickeducacao.com.br).
100
A narrativa oral: algumas considerações Aula 7
OS ELEMENTOS COMPOSICIONAIS
DE ORALIDADE
Baseados nas pesquisas de Parry, Scholes e Kellogg (1977, p. 13)
demonstram como alguns elementos composicionais de oralidade que es-
tão presentes na Ilíada e da Odisséia podem ser identificados. Os epítetos
e locuções, por exemplo, tidos como característicos do estilo épico, são
usados por Homero nas mesmas situações métricas e semânticas, funcio-
nando como fórmulas, as quais são definidas como “um grupo de palavras
regularmente empregado sob as mesmas condições métricas para expressar
uma determinada idéia essencial”.
Assim, epítetos fixos como “filho de Atreus” e “rei dos homens” para
Agamêmnon, ou “elmo reluzente” para Heitor, ou “ressoante” e “ecoante”
para o mar, considerados característicos do estilo de Homero, foram imita-
dos por todos os escritores de epopéias literárias. Tal característica também
está presente em Beowulf, primeiro poema épico da literatura inglesa, o qual
faz uso de vários epítetos e locuções para referir-se ao guerreiro Beowulf,
herói do poema, ao castelo do rei Hrothgar ou para o monstro Grendel.
Foi só depois de Parry descobrir que todo o corpus homérico, de cerca de
27.000 versos hexâmetros, era formado de fórmulas que os críticos com-
preenderam que o que parecia uma característica do estilo de Homero era
na verdade uma prova concreta de que a Ilíada e a Odisséia haviam sido
compostas oralmente.
Com isso, o referido pesquisador queria provar que os poetas orais, ao
contrário dos “poetas literários”, por assim dizer, im-
provisavam usando fórmulas convencionais de sua
tradição para formar versos métrica e sintaticamente
adequados. Esse é mais ou menos o mesmo processo
utilizado pelos nossos repentistas nordestinos que,
ao terem um mote, ou um tema para desenvolver
seus versos, empregam uma série de fórmulas, com
repetição de refrão ou estribilho, de modo que cada
estrofe seja rítmica e semanticamente coerente, ao
contrário de um tipo de composição – a “literária”
propriamente dita – que procura evitar repetições,
fazendo o possível para que cada verso pareça origi-
nal, uma vez que as repetições servem apenas como
efeitos retóricos especiais. Desse modo, o que ocorre
com os cantadores não é uma repetição, de memória,
de um texto oral fixo, mas o uso de fórmulas, isto
é, de epítetos e locuções, em situações métrica e
semanticamente semelhantes. Primeira página do Beowulf (Fonte: http://
upload.wikimedia.org).
101
Teoria da Literatura II
TRADIÇÃO E AUTORIA
Por serem manifestações de uma tradição, e não produto da criativi-
dade individual, a maioria dos poemas narrativos compostos oralmente não
é associada a nomes de poetas individuais, como é o caso do Beowulf.
Segundo Chartier (2002, p. 20-21), o processo de atribuição de autoria a
certas composições originalmente orais relaciona-se com a transformação
da palavra inspirada, que era, a um só tempo, poética, ritual e singular,
como as odes – discursos espirituais executados durante os banquetes de
embriaguez dionisíaca, em “literatura”, ou em “gênero literário”, durante
os festivais e competições associados aos cultos das cidades-estados ou dos
santuários pan-helênicos.
102
A narrativa oral: algumas considerações Aula 7
Com o advento de tais festivais, a referida transformação teve três im-
plicações importantes. A primeira foi a clivagem entre as circunstâncias da
enunciação concreta da obra – a competição poética – e a cena ficcional da
enunciação, subentendida no próprio poema e que aludia à sua função ritual.
A segunda foi a necessidade de atribuí-la a um autor mítico, considerado
seu fundador ou o in ventor do gênero – Homero para a epopéia, Anacre-
onte para a poesia lírica, etc. A terceira, finalmente, foi a necessidade da
elaboração de uma “arte poética” que estabelecesse regras de composição,
como a Poética de Aristóteles.
Nesse sentido, devemos ser cuidadosos com o conceito de autoria, que
é relativamente recente e não pode ser usado, em sua concepção romântica
– de gênio individual ou criador – para narrativas compostas oralmente.
Da mesma forma, a idéia de que uma narrativa poética pode ter sido cor-
rompida no processo de sua transmissão oral é errônea, pois pressupõe a
existência de um “texto fixo”:
103
Teoria da Literatura II
CONCLUSÃO
Uma questão obscura até hoje é a da hipótese da transcrição dos textos
homéricos. É sabido que documentos escritos, mesmo telegramas, podem
conviver com uma tradição literária oral, isso porque a introdução da es-
crita não resulta, obrigatoriamente, na alfabetização, da maneira como a
concebemos hoje, idéia relativamente recente, uma vez que data do século
XVI (OLIVEIRA, 2003). Conforme as hipóteses de Parry (apud SCHO-
LES e KELLOGG, p. 20), por mais que o escriba esteja familiarizado
com a tradição, e mesmo que o cantador dite o seu poema mais devagar
do que o faria normalmente, o ritmo do seu pensamento será diferente e o
resultado do texto escrito nunca se iguala à composição oral em sua atual-
ização. No caso do texto homérico, a hipótese mais provável é a de que a
representação oral aliou-se à recitação oral dos textos escritos resultantes,
transformando-se em uma tradição “quase-literária”, graças ao trabalho
arqueológico dos filólogos.
104
A narrativa oral: algumas considerações Aula 7
etnocêntricos e baseados na noção moderna de alfabetização, segundo os
quais as sociedades não letradas produzem um tipo inferior de cultura, como
se todo tipo de composição literária oral fosse apenas um estágio primitivo
de desenvolvimento da “Literatura”, tal como a concebemos hoje.
RESUMO
Nesta aula, vimos que grande parte da dificuldade que temos em com-
preender teoricamente as formas narrativas orais decorre de um preconceito
com relação a sociedades que não fazem uso da cultura escrita. Tal precon-
ceito prende-se a uma visão evolucionista e etnocêntrica – para não dizer
eurocêntrica – ligada à idéia de alfabetização e letramento, segundo a qual
a produção de narrativas orais é resultante de culturas primitivas, que ainda
não alcançaram o estágio das chamadas “nações civilizadas”. Assim, vimos
que muitos dos poemas épicos antigos, tanto da tradição grego-romana
quanto anglo-saxônica, foram compostos oralmente, e que só depois, com o
trabalho dos escribas, filólogos, historiadores e críticos literários, obtiveram
o estatuto de “Literatura”, com todas as suas implicações: a idéia de um
texto fixo de um autor individual que o produziu, dentre outras. Tal hipótese
pôde ser comprovada com os estudos de Milman Parry, que identificou es-
truturas formais características de composições orais nos textos homéricos,
ou da grande tradição homérica, definidas como “fórmulas”, que podem
ser exemplificados com epítetos e locuções repetidas nas mesmas situações
métricas e semânticas. Em seguida, vimos que o processo de atribuição de
autoria de textos advindos da tradição oral ocorreu em um momento no
qual as circunstâncias ritualísticas de atualização e “performance” de sua
produção deixaram de existir, fazendo com que houvesse uma clivagem do
contexto original de sua enunciação com relação à sua representação, nos
concursos e festivais realizados na Grécia antiga, o que implicou também a
elaboração de regras de composição, em “artes poéticas” como a de Aris-
tóteles. Desse modo, aprendemos que não devemos confundir o papel do
cantador com o do poeta, ou o do poeta oral com o poeta literário, pois
eles utilizam estratégias distintas de composição. O primeiro representa a
tradição e faz uso de um sistema formular no desenvolvimento de seus ver-
sos, visando um efeito que só tem duração no momento de sua realização, ou
atualização. O segundo, por sua vez, evita repetições e busca ser “original”,
mostrando sua criatividade na ruptura de convenções tradicionais. Com tais
considerações, esperamos contribuir para evitar a permanência de tais sensos
comuns, pois muitas vezes eles consolidam preconceitos oriundos de uma
sociedade que é injusta e desigual, e repeti-los constitui um reforço dessa
105
Teoria da Literatura II
ATIVIDADES
REFERÊNCIAS
106
A narrativa oral: algumas considerações Aula 7
OLIVEIRA, Luiz Eduardo. “Considerações sobre as figuras dos professo-
res régios de línguas clássicas e modernas: notas para o estudo das origens
da profissão docente no Brasil (1759-1809)”. Revista do Mestrado em
Educação. São Cristóvão: UFS/NPGED, v. 5, p. 103-124, 2003.
SCHOLES, Robert; KELLOGG, Robert. A natureza da narrativa.
Tradução: Gert Meyer. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1977.
GLÓSSARIO
Milman Parry: Estudioso de poesia épica (1902-1935). Estudou
na Universidade de Berkley, na Califórnia, e na Sorbonne, em Paris.
Atualmente é considerado o fundador da disciplina “tradição oral”
Venerável Beda: Beda (inglês antigo Bæda, inglês Bede), São Beda ou
ainda Beda Venerável ou O Venerável Beda (do inglês The Venerable
Bede), nascido cerca de 672 e falecido a 27 de Maio de 735, foi um
monge anglo-saxão do mosteiro de Jarrow, na Nortúmbria. Tornou-
se famoso pela sua História Eclesiástica do Povo Inglês (Historia
Ecclesiastica Gentis Anglorum), donde derivou o título de «Pai da
História Inglesa», embora tenha escrito sobre muitos outros temas.
(Fonte www.wikipedia.org)
107
Aula 8
A TRADIÇÃO DA NARRATIVA E O
ROMANCE MODERNO
META
Apresentar e caracterizar o gênero narrativo; e situar o romance na tradição narrativa do
Ocidente, enfatizando suas relações com as formas narrativas tradicionais, c
omo a epopéia, e contemporâneas, como o cinema, bem como com outras
formas artísticas, como a pintura.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
definir o romance como apenas uma de uma série de possibilidades de narrativa
na tradição literária ocidental; e
reconhecer suas relações com formas narrativas tradicionais, como a epopéia, e
contemporâneas, como o cinema, bem como com outras
formas artísticas, como a pintura.
PRÉ-REQUISITO
O aluno deverá ter noções sobre a historicidade do conceito de literatura; do conceito
e classificação dos gêneros discursivos e de suas relações com os gêneros literários; e
relacionar as diferenças entre narrativas orais e escritas.
INTRODUÇÃO
Na aula de hoje, caro aluno, você aprenderá que o romance, a forma
mais popular e hegemônica de narrativa, pelo menos no mundo ocidental,
não pode ser tido como ápice do desenvolvimento de formas anteriores,
pois cada época específica possui suas formas narrativas próprias. Assim,
veremos quais são os elementos básicos que caracterizam o gênero narrativo
e como podem ser feitas as relações entre o romance e as formas narrativas
anteriores sem uma perspectiva evolucionista.
Em seguida, faremos uma breve explanação acerca da desintegração
da síntese épica da epopéia e de como, a partir de tal desintegração, outras
formas narrativas foram surgindo, resultando no desdobramento do mito
em história e ficção. Nesse momento da aula, tentaremos entender que o
romance, sendo uma forma narrativa de nosso tempo, poderá também
desintegrar-se, dando origem a novas formas, mais adequadas às mudanças
sócio-históricas de nossa sociedade.
Na parte final da aula, através de exemplos do romance moderno, da
pintura e do cinema, tentaremos mostrar como algumas inovações, tais
como a subversão da cronologia, do tempo e do espaço, relacionam-se
com mudanças culturais e sociais advindas de um mundo em constante
transformação, bem como do desenvolvimento das ciências e de novas
concepções acerca do indivíduo e da sociedade, fatores que influenciam
os modos de narrar e ler – ou ouvir – histórias.
Na conclusão, faremos um rápido histórico do desenvolvimento do
romance, desde o século XVIII, buscando relacionar suas mudanças es-
truturais e suas variações de finalidades e funções sociais com as alterações
conjunturais da sociedade, no decorrer da História, na tentativa de mostrar
como uma forma narrativa específica, apesar de não ser autônoma – pois
depende, de maneira dialética e dialógica, de formas semelhantes e de
outros gêneros discursivos –, deve ser vista e interpretada, de modo a não
comprometer o desenvolvimento – ou o declínio – de formas análogas e
anteriores, como se estas fossem representativas de um estágio de prepa-
ração para um aperfeiçoamento posterior.
110
A tradição da narrativa e o romance moderno Aula 8
TRADIÇÃO E NARRATIVA
Como o romance tornou-se a forma narrativa hegemônica no Ocidente,
a grande maioria dos teóricos da Literatura, ao fazerem um histórico desse
gênero literário específico, acabam traçando uma espécie de genealogia do
romance, como se todas as outras formas narrativas fossem uma espécie
de preparação, em uma linha evolutiva cronológica e linear, dessa forma
tão popular que hoje conhecemos como romance.
No entanto, cada época, isto é, cada contexto sócio-histórico espe-
cífico, teve sua(s) forma(s) narrativa(s) próprias(s) – os mitos sacros, os
contos folclóricos, as lendas, as alegorias, as confissões, a sátira, etc. –, e se
quisermos entendê-las em sua historicidade e especificidade, precisamos
levar em conta, mais do que suas semelhanças e diferenças com relação
ao romance, seus elementos e finalidades, bem como as condições de sua
produção, circulação e recepção.
Como vimos na Aula 5, referente aos gêneros literários, todas as obras
literárias narrativas caracterizam-se por dois elementos básicos, a presença
de uma história e de um contador de histórias, independentemente da forma
como se apresentam, em prosa ou em verso, oralmente ou por escrito.
Assim, embora no drama haja uma história, esta não é contada por um
contador, ou por um narrador, mas pelas próprias personagens, através de
diálogos. No gênero lírico, um único ator, o poeta ou seu substituto, canta,
medita ou fala para ouvirmos e refletirmos. E o que ele canta ou fala não é
uma história, mas suas impressões, reflexões, sensações ou sentimentos, em
uma linguagem que pode ser formalizada em rimas, métricas ou estruturas
específicas, ou mesmo através do que os poetas modernos chamaram de
verso livre. Se a esse locutor for acrescentado um ouvinte, ou interlocutor,
estaremos diante do drama, ou de uma forma dramática, e se o locutor
começar a contar uma história, o gênero passa a ser narrativo.
É claro que, apesar da variedade estrutural, temporal e temática das
formas narrativas, elas não existem de maneira
autônoma, isto é, independente de outras for-
mas e de outros gêneros, mas em uma relação
de intertextualidade que é característica da
própria tradição literária, bem como de todos
os gêneros discursivos, como vimos na Aula
6. Assim, todos os artistas, de modo geral, e
todos os escritores, de modo particular, apre-
ndem sua profissão com seus precursores, e
as possibilidades de inovação ou continuidade
de determinadas tradições literárias são esta-
belecidas pelo que já existe, ou pelo repertório Fotografia do acervo particular do autor
ou referencial literário que o escritor já possui,
bem como pelo horizonte de expectativa dos ouvintes ou leitores de sua época.
111
Teoria da Literatura II
HISTÓRIA E FICÇÃO
Apesar de tal distinção ser válida
ainda hoje, e de ser um bom antídoto
contra uma visão da narrativa centralizada
no romance, os conceitos de valor rela-
cionados a este gênero fizeram com que
nossas avaliações de formas narrativas
anteriores fossem contaminadas por um
anacronismo que só enxerga as qualidades
de obras narrativas antigas quando elas se
aproximam do romance. Para Scholes e
Kellogg (1977, p. 5), o conceito de litera-
tura narrativa centralizado no romance é
incorreto por duas razões: 1. nos aparta da
literatura e da cultura do passado; 2. nos
separa da literatura da contemporaneidade
e do futuro. É preciso, pois, colocar o
romance em seu devido lugar.
112
A tradição da narrativa e o romance moderno Aula 8
A principal característica da forma mais tradicional de narrativa, a epo-
péia, que por sua vez é um amálgama de mito, história e ficção, é o fato de
ela ter sido produzida não pela criatividade de um autor, mas pela própria
tradição, como vimos na aula anterior. Isso significa dizer que o contador
épico de histórias sempre conta uma história tradicional, ou, dito de outro
modo, que o seu impulso inicial não é histórico nem criativo, mas “recria-
tivo”, uma vez que ele reconta uma história tradicional e, assim fazendo,
não está sendo fiel ao fato ou ao entretenimento, mas ao próprio mito: a
história tal como foi preservada pela tradição.
Na transmissão dessa tradição, um elemento de suma importância é
o enredo, que é a articulação do esqueleto da narrativa. Nesse sentido, o
enredo, em narrativas tradicionais, é um mito que pode ser (re)transmitido.
Um dos principais avanços na história da narrativa escrita foi o progressivo
afastamento do mito como enredo tradicional. Tal desenvolvimento pode
ser explicado pelo desdobramento de dois tipos narrativos que emergiram
da síntese épica: os tipos empíricos e os tradicionais.
O tipo empírico substituiu a fidelidade ao mito pela fidelidade ao
real, subdividindo-se em histórico e mimético. O componente histórico
prende-se à verdade do fato, isto é, ao “verdadeiro passado”, e não a uma
versão tradicional do passado, tal como foi percebido por Heródoto e
Tucídides, na antiguidade clássica. O componente mimético, por sua vez, Ver glossário no
final da Aula
prende-se não à verdade do fato, mas da sensação e do meio ambiente. No
mundo antigo, o componente mimético se apresenta de forma mais clara
nos Caracteres, de Teofrasto, o que nos leva a perceber que as narrativas
miméticas, substituindo o passado pelo presente, podem ser exemplificadas
pelas biografias e autobiografias.
O tipo ficcional substituiu a fidelidade ao mito pela fidelidade ao ideal,
subdividindo-se em romântico e didático. Neste caso, liberto da tradição e
do empirismo, o narrador ficcional preocupa-se com a platéia ou com seus
leitores, no intuito de agradar ou de instruir, pela beleza ou pela bondade.
O componente romântico apresenta o pensamento em forma de retórica,
e pode ser contraposto ao componente mimético, em termos modernos,
como uma oposição do artístico em relação ao científico. É o que acon-
tece com a Chanson de Roland (Canção de Rolando) (1), por exemplo. O
componente didático, por sua vez, apresenta-se em forma de fábula, pois
é regido por uma moral a ser ensinada, como ocorre em Esopo. Segundo
Scholes e Kellogg (1977, p. 9), as narrativas didática e romântica buscaram
apoio mútuo para justificar-se perante os ataques de Platão, na República,
razão por que, em algumas definições de Literatura nos manuais didáticos
do século XIX, ela é tida como um tipo de obra de arte que, ao mesmo
tempo em que deleita, ensina (OLIVEIRA, 1999).
113
Teoria da Literatura II
O ROMANCE MODERNO
O romance moderno, de maneira geral, e a literatura narrativa do século
XX, de modo particular, caracteriza-se por afastar-se progressivamente
das atitudes e técnicas do que se convencionou chamar de realismo. Tal
movimento é visível também nas outras artes, principalmente nas artes
plásticas, as quais passaram por um processo de “desrealização” desde a
segunda metade do século XIX, quando começou a recusar a sua função
tradicional de reproduzir ou copiar a realidade empírica e sensível. Foi o que
ocorreu com a pintura abstrata e com as vanguardas européias: o cubismo,
o expressionismo e o surrealismo. Convém ainda observar que, depois da
invenção da máquina fotográfica, essa função tradicional da pintura, embora
permanecesse – e ainda permaneça, nos dias de hoje –, perdeu muito de sua
relevância, tendo sido obrigada a reinventar-se, pelas próprias condições
sócio-históricas impostas pelas revoluções tecnológicas do século XX.
No romance, essa reinvenção, que na pintura era representada pela
eliminação do espaço, ou da “ilusão do espaço”, ocorreu em termos da
supressão da cronologia e da linearidade temporal, fato que também reflete
114
A tradição da narrativa e o romance moderno Aula 8
as inovações tecnológicas do cinema, que tornaram a narrativa descritiva e
linear da literatura inexpressiva para os leitores modernos. Nesse sentido,
o romance moderno nasceu no momento que escritores como Proust e
Joyce, por exemplo, começaram a desfazer a ordem cronológica, fundindo
passado, presente e futuro:
115
Teoria da Literatura II
Com efeito, muitos exemplos desse eterno retorno mítico podem ser
encontrados na Literatura Brasileira moderna, como em Macunaíma (1928),
de Mário de Andrade (1893-1945), em que a inconstância do “herói sem
nenhum caráter” faz lembrar os versos do autor, em Remate de Males (1930),
quando diz “eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinqüenta”; ou em Grande
Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa (1908-1967), que revive o drama
de Fausto no sertão brasileiro.
Além dessa enfocação microscópica, o romance moderno também se
caracteriza por uma perspectiva telescópica, quando o narrador se omite de
vasculhar os processos mentais das personagens, descrevendo apenas seu
comportamento exterior e reproduzindo seus diálogos. O exemplo clás-
sico desse tipo de narrativa é o romance O Estrangeiro (1942), de Camus.
Aqui, o “eu” que narra a história não tem dimensão interior, chegando
até a cometer um assassinato sem qualquer motivação de ódio ou rancor,
mas como reflexo do sol em uma praia deserta. O tribunal que o julga, ao
atribuir-lhe motivos que não tivera, o torna um personagem de romance
tradicional para poder condená-lo.
116
A tradição da narrativa e o romance moderno Aula 8
CONCLUSÃO
117
Teoria da Literatura II
heroína que dá nome ao romance fosse recompensada pela sua virtude, isto
é, por resistir às tentativas de sedução de seu jovem patrão. Como prêmio,
ela ganha o casamento.
Do ponto de vista de sua representação social, dada a sua populari-
dade, uma vez que seus capítulos eram publicados em jornais em forma
de folhetins, o romance funcionou de maneira contraditória e paradoxal.
Se, por um lado, servia como reforço de padrões e preconceitos sociais
ou comportamentais, por outro servia como contestação a costumes e
concepções estabelecidos na sociedade, sendo muitas vezes polêmicos e
tornando-se objeto de leitura proibida para mulheres, como nos casos de
Madame Bovary (1856), de Gustave Flaubert (1821-1880), ou O Primo Basílio
(1878), de Eça de Queiroz (1845-1900), que tratam do adultério.
No Romantismo, o romance, auxiliado pela historiografia e pelas desco-
bertas da arqueologia e da filologia, tornou-se um instrumento fundamental
para o projeto de afirmação dos Estados nacionais, servindo muitas vezes
como veículo de transmissão de mitos fundacionais de jovens nações, como
é o caso de Iracema (1865), de José de Alencar (1829-1877), ou de nações
da velha Europa, como Ivanhoé (1819), de Walter Scott (1771-1832). No
Realismo-Naturalismo, por sua vez, o romance alcançou ares sociológicos
e científicos, funcionando ao mesmo tempo como denúncia e diagnóstico
de problemas sociais e até biológicos, uma vez que, no final do século XIX,
como você já deve saber, a literatura era concebida como sendo resultado
da raça, do meio e do momento histórico.
Os narradores, geralmente oniscientes e posicionados fora da história,
sabiam tudo acerca de suas personagens, conhecendo-lhes o passado, o
futuro e o presente, algo linearmente desvendado através de um tempo
cronológico, impulsionado pela lei da causalidade. Somente no século XX,
em decorrência do caos fomentado pelas guerras e movimentos sociais e
pelo progresso técnico e tecnológico, sua linguagem foi reformulada, em
ressonância a desenvolvimentos semelhantes em outras artes e na ciência,
especialmente nas ciências humanas, depois do advento da psicanálise.
A ruptura com as formas e concepções intrínsecas ao romance tradicio-
nal, bem como seu novo papel na sociedade de consumo, tornaram-no um
gênero literário hegemônico, interferindo até na maneira como passamos
a compreender as formas narrativas que lhe foram anteriores. Cada época,
como vimos, tem suas formas narrativas próprias. Se o romance pode ser
considerado a epopéia dos tempos modernos, temos de ser cautelosos para
não confundirmos as funções e as qualidades estéticas de dois tipos nar-
rativos que só podem ser compreendidos em seus respectivos contextos
sócio-históricos. Esperemos que, no futuro, quando outras formas narrativas
suplantarem o romance, não incorramos no mesmo erro.
118
A tradição da narrativa e o romance moderno Aula 8
RESUMO
Nesta aula, caro aluno, vimos que cada contexto sócio-histórico espe-
cífico tem suas formas narrativas próprias e que, se quisermos entendê-las
em sua historicidade, precisamos levar em conta seus elementos e finali-
dades, bem como as condições de sua produção, circulação e recepção.
Desse modo, não podemos centralizar nossa visão do desenvolvimento do
gênero narrativo no romance, pois assim tenderemos a acreditar, como o
fizeram muitos historiadores e críticos literários, que as formas narrativas
anteriores foram apenas representativas de um estágio menos desenvolvido
dessa que se tornou a forma narrativa hegemônica em nosso tempo, o que
se revela como uma espécie de preconceito e incompreensão do passado,
da contemporaneidade e mesmo do futuro. Vimos também que a forma
mais tradicional de narrativa, a epopéia, é um amálgama de mito, história
e ficção, e que tal síntese, com o passar do tempo, desintegrou-se, dando
origem a novas formas narrativas, tais como a ficção e a história, algo que
pode ocorrer com o romance, no momento de sua desintegração, seja em
contos, novelas ou formas inusitadas, mais apropriadas a um mundo em
constante processo de transformação. Finalmente, vimos que o romance
moderno, como forma narrativa específica, passou por várias transforma-
ções em sua História, desde o século XVIII, mudando suas finalidades e
funções sociais, bem como seus estruturas narrativas, de acordo com as
alterações sofridas em outros gêneros e em outras artes, tais como a pintura
e o cinema, repercutindo novas idéias e concepções que também se relac-
ionam com os desdobramentos das pesquisas científicas. Assim, pudemos
notar que as inovações formais do romance moderno, especialmente o
produzido no século XX, que rompeu definitivamente com a cronologia,
o tempo e o espaço narrativos, implicando novas maneiras de narrar e de
ler, não podem ser entendidas fora do contexto mais geral de mudanças
sociais e revoluções tecnológicas pelas quais o mundo tem passado, muito
menos sem fazer relações com a tradição narrativa que as tornou possíveis.
Contudo, isso não significa dizer que maneiras mais tradicionais de narrar
tenham deixado de existir, haja vista o grande número de romances best-
seller que continuam sendo escritos e lidos, apesar de empregarem estruturas
narrativas já ultrapassadas, mas que, no século XX, o romance alcançou
um grau de sofisticação que nos faz pensar em sua provável desintegração,
abrindo espaços para formas novas.
119
Teoria da Literatura II
ATIVIDADES
REFERÊNCIAS
120
A tradição da narrativa e o romance moderno Aula 8
GLÓSSARIO
Heródoto: Historiador grego (485?-420 a.C.). Nascido
em Halicarnasso (hoje Bodrum, Turquia), escreveu
uma história da invasão persa da Grécia nos princípios
do século V a.C., As histórias de Heródoto, obra
reconhecida como um novo “gênero literário” pouco
depois de ser publicada.
121
Teoria da Literatura II
122
A QUESTÃO DO FOCO NARRATIVO 9
aula
MET
METAA
Apresentar, classificando
tipologicamente, as diferentes
perspectivas narrativas, ou tipos
de narrador.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno
deverá: identificar tipologicamente
diferentes perspectivas narrativas,
ou tipos de narrador.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá revisar o conceito
e classificação dos gêneros
discursivos e de suas relações com
os gêneros literários; e ter noções
sobre a tradição da narrativa, da
epopéia ao romance moderno.
(Fonte: http://www.teclasap.com.br).
Teoria da Literatura II
148
A questão do foco narrativo
149
Teoria da Literatura II
150
A questão do foco narrativo
151
Teoria da Literatura II
152
A questão do foco narrativo
TIPOS DE NARRADOR
153
Teoria da Literatura II
154
A questão do foco narrativo
Capa (acima) e cena (abaixo) do filme Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, 1963 (Fonte: http://
www.adorocinemabrasileiro.com.br).
155
Teoria da Literatura II
156
A questão do foco narrativo
(Fonte: http://riosocial.com).
157
Teoria da Literatura II
RESUMO
ATIVIDADES
158
A questão do foco narrativo
REFERÊNCIAS
159
O CONTO LITERÁRIO 10
aula
MET
METAA
Apresentar o conto como gênero
literário.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá
identificar os elementos
diferenciadores do conto literário
em relação ao conto popular; e
reconhecer as características
principais do conto literário,
entendendo-as em seu caráter
histórico e não prescritivo.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá revisar o conceito
e classificação dos gêneros
discursivos e de suas relações com
os gêneros literários; ter noções
sobre a tradição da narrativa, da
epopéia ao romance; e noções
sobre foco narrativo.
Teoria da Literatura II
162
O conto literário
163
Teoria da Literatura II
164
O conto literário
165
Teoria da Literatura II
O CONTO POPULAR E
Charles Perrault O CONTO LITERÁRIO
Escritor e poeta francês
(1628-1703). Estabele-
ceu bases para um A partir da segunda metade do século XVIII, o conto popular
novo gênero literário, o
conto de fadas, o que
foi objeto de atenção dos estudiosos de muitos países que, buscan-
lhe conferiu o título de do lastros para a afirmação da identidade nacional de seus respecti-
Pai da Literatura Infan-
til.Autor de obras como vos estados, viam as manifestações folclóricas como genuínos
Chapeuzinho Vermelho, repositórios do imaginário dos povos, e conseqüentemente, do “es-
A Bela adormecida, Cin-
derela, Barba Azul, etc. pírito” de suas nações. Assim, seja aproveitando compilações já
Jacob Grimm prontas, como a de Charles Perrault (1628-1703), Contos da mãe
gansa, de 1697, ou a de Jacob Grimm (1785-1863), Contos para
Erudito alemão, estudi-
oso de literatura e crianças e famílias, de 1812, seja pesquisando e publicando novas
filologia (1786-1859). Fi-
cou conhecido, junta- coletâneas, tais estudiosos teorizaram e classificaram os contos
mente com seu irmão, populares como representantes de suas formas mais simples.
Wilhelm, por compilarem
contos como A Bela Com efeito, foi como “forma simples” que André Jolles (1874-
Adormecida, A Branca
de Neve, O Chapeuzinho
1946) classificou o conto maravilhoso – aquele que narra como
Vermelho, Cinderela, as coisas deveriam acontecer, ao invés de narrá-las como de fato
João e Maria, O Peque-
no Polegar e Rapunzel. são –, ao lado da legenda, da saga, do mito, do advinha, do caso memo-
rável e do chiste. Tais formas simples,
para o autor, diferenciavam-se de “for-
mas artísticas”, elaboradas pelo talento
e criatividade individual de determina-
dos autores, por permanecerem basica-
mente as mesmas, a despeito dos varia-
dos modos de contá-las, através dos tem-
pos. Suas características principais seri-
am as seguintes: indeterminação histó-
rica de personagens, lugares e tempos,
algo exemplificado pelo “era uma vez...”
que geralmente inicia tais histórias; a
presença de uma “moral ingênua”, que
se oporia ao “trágico real”; e a ausência
Jacob Grimm (1785-1863), à esquerda, e seu irmão, Wilhelm de uma “ética da ação”, uma vez que as
Grimm (1786-1859), à direita (Fonte: Fonte: http://
www.diebruedergrimm.de). personagens não fazem o que deveriam
166
O conto literário
quantas diversas interdições: não olhar para trás, não falar com
ninguém, não provar do fruto de tal ou qual árvore, etc...,
etc..., etc..., vestimentas diferentes para uma mesma “função”,
conforme a terminologia proppiana (REIS, 1984, p. 16).
Essa função, para falar como Propp, pode ser vista também em
muitos filmes e telenovelas, cujas histórias geralmente se iniciam
com a interdição de um par amoroso, o qual enfrenta vários obstá-
culos até o desenlace do final feliz.
Propp também tratou das origens do conto, reconhecendo duas
fases em sua evolução: uma primeira, em que o conto se confunde
com o relato sagrado, pois aqui o relato faz parte do ritual religioso,
transformando-se em uma espécie de “amuleto verbal” através do
qual pode “operar magicamente o mundo”; e uma segunda, na qual o
relato sagrado torna-se profano. Nesta segunda fase, os narradores,
167
Teoria da Literatura II
168
O conto literário
O CONTO NO BRASIL
169
Teoria da Literatura II
170
O conto literário
171
Teoria da Literatura II
172
O conto literário
173
Teoria da Literatura II
174
O conto literário
RESUMO
175
Teoria da Literatura II
ATIVIDADES
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. Contos fluminenses. 2 ed. São Paulo: Ática, 1999.
BANDEIRA, Manuel. Noções de História das Literaturas. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.
GOTLIB, Nádia Battela. Teoria do conto. 9 ed. São Paulo: Ática, 1999.
JOLLES, André. Formas simples. Tradução: Álvaro Cabral. São
Paulo: Cultrix, 1976.
PROPP, V. Morfologia do conto. Tradução: Jaime Ferreira e Vítor
Oliveira. Lisboa: Editorial Veja, 1978.
REIS, Luzia de Maria R. O que é conto. São Paulo: Brasiliense, 1984.
176
LITERATURA E HISTÓRIA:
REPRESENTAÇÕES DA ESCOLA NA LITERATURA
BRASILEIRA DO SÉCULO XIX
11
aula
MET
METAA
Apresentar, com o exemplo das
representações da escola na
literatura brasileira do século XIX, as
relações entre Literatura e História.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno
deverá: identificar o modo como o
discurso literário se faz atravessar
pelo discurso histórico; e
apreender a maneira pela qual
algumas narrativas literárias do
século XIX dão conta do processo
de institucionalização do ensino de
Primeiras Letras no Brasil.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno deverá ter noções sobre a
problemática do conceito de
Literatura; sobre a tradição da
narrativa, da epopéia ao romance;
e noções sobre foco narrativo.
178
Literatura e História
aula
ente aristocrático dos saraus e bailes da “boa” sociedade fluminense,
buscava inventar uma tradição nacional baseada na omissão estra-
tégica da escravidão – o indianismo –, o romance de Manuel Antô-
nio de Almeida foge um pouco à regra, pois
elege como protagonista um simples sargento
SARGENTO DE
MILÍCIAS
de milícias do “tempo do rei”, isto é, do perío-
do em que o Brasil era governado por D. João VI (1808-1821).
A história de Leonardo, herói um tanto picaresco que teve
a infância marcada pelo abandono, aos pontapés, do pai de mes-
mo nome – um sargento de milícias traído pela esposa –, e a
adolescência sustentada pelo paciente padrinho – um barbeiro
que sonha para o afilhado um futuro em Coimbra, mas que só
consegue, com o auxílio da “comadre” e do Major Vidigal, esta
uma personagem ao mesmo tempo histórica e ficcional, fazê-
lo sargento de milícias, como o pai –, é povoada de cenas de
costumes de uma classe intermediária entre os pólos extremos
dos senhores das casas grandes e sobrados e os escravos e ne-
gros forros das senzalas e mocambos: a dos mestiços e brancos
remediados, uns pequenos comerciantes, outros artífices ou
baixos funcionários públicos, típicos representantes dos iníci-
os da vida urbana brasileira (FREYRE, 1951).
O capítulo que nos aqui interessa é o XII, intitulado Entrada
para a Escola, no qual o narrador, pedindo licença ao seu
interlocutor, num procedimento que iria ser desenvolvido e
radicalizado por Machado de Assis algumas décadas mais tarde,
passa silenciosamente sobre alguns anos da vida do “nosso me-
morando, para não cansar o leitor repetindo a história de mil
travessuras de menino no gênero das que já se conhecem”
(ALMEIDA, 1993, p. 38), e refere-se aos primeiros progressos
de Leonardo no “A B C”.
Tendo o protagonista conseguido soletrar alguma coisa na mis-
sa, o padrinho, que o havia ensinado pacientemente, vislumbra um
179
Teoria da Literatura II
180
Literatura e História
181
Teoria da Literatura II
182
Literatura e História
183
Teoria da Literatura II
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Literatura e História
185
Teoria da Literatura II
186
Literatura e História
187
Teoria da Literatura II
188
Literatura e História
nota pelo conforto da casa de sua infância, bem como pelos seus brin-
quedos de menino rico, ou pela escolinha doméstica que freqüentara,
“mais por diversão do que por obrigação” (CAMPOS, 2001, p. 71). À
11
aula
porta do colégio, Sérgio percebe que seus dias de paraíso familiar ti-
nham chegado ao fim, fato que justifica sua reação melancólica ante a
visão do prédio do estabelecimento, que fazia lembrar ao narrador “o
negro Caraça de Minas”, instituição que, tendo sido um mosteiro, na-
queles tempos era famosa por seus métodos educacionais (POMPÉIA,
1991, p. 13).
Sua expulsão do paraíso é marcada simbolicamente pelo corte de
seus “lindos cabelos” louros e cacheados, como se tal fato representas-
se sua entrada no ambiente monossexual do internato, onde seus hábi-
tos ou atitudes delicadas ou femininas teriam que ser podados. Com
efeito, os pais de Sérgio, ao interná-lo no Atheneu, seguiam uma tradi-
ção já consolidada de afastar as crianças do amolecimento do espírito a
que os lares as expunham. A vida em sociedade pedia homens fortes, e
as mães, irmãs ou amiguinhas não deixariam que os meninos pudes-
sem desenvolver esse componente de masculinidade, muito embora,
ao abandonar a família, tivessem que passar por várias experiências
homossexuais, como as experimentadas pelo protagonista do romance
agora em tela (CAMPOS, 2001).
189
Teoria da Literatura II
190
Literatura e História
Pátio do Colégio de São Paulo de Piratininga, fundado pelos jesuítas em 1554 (Fonte:
http://www.arscientia.com.br).
191
Teoria da Literatura II
192
Literatura e História
193
Teoria da Literatura II
RESUMO
194
Literatura e História
ATIVIDADES
REFERÊNCIAS
195
Teoria da Literatura II
196
MACHADO DE ASSIS
E OS INGLESES: 12
UM CASO DE LITERATURA COMPARADA
aula
MET
METAA
Apresentar o campo da literatura
comparada através do exemplo
das relações entre a obra de
Machado de Assis e a literatura
inglesa.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno
deverá: identificar o modo como os
textos literários dialogam entre si,
em uma relação de trocas e/ou
empréstimos; e reconhecer os
trabalhos críticos iniciais que
buscam dar conta de tal relação,
na obra de Machado de Assis.
198
Machado de Assis e os ingleses
199
Teoria da Literatura II
200
Machado de Assis e os ingleses
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Teoria da Literatura II
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Machado de Assis e os ingleses
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Teoria da Literatura II
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Machado de Assis e os ingleses
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Teoria da Literatura II
206
Machado de Assis e os ingleses
207
Teoria da Literatura II
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Machado de Assis e os ingleses
209
Teoria da Literatura II
RESUMO
210
Machado de Assis e os ingleses
ATIVIDADES
REFERÊNCIAS
211
Teoria da Literatura II
212