DINÂMICA DE BORDA - GONCALVES, 2020 (Digital)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA ASSOCIADO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM


ARQUITETURA E URBANISMO

CAROLINE GOMES GONÇALVES

Dinâmica de borda
a recente produção residencial no território
conurbado de Sarandi e Maringá

MARINGÁ
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA ASSOCIADO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E
URBANISMO

CAROLINE GOMES GONÇALVES

DINÂMICA DE BORDA: A RECENTE PRODUÇÃO RESIDENCIAL NO


TERRITÓRIO CONURBADO DE SARANDI E MARINGÁ

MARINGÁ
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA ASSOCIADO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E
URBANISMO

CAROLINE GOMES GONÇALVES

DINÂMICA DE BORDA: A RECENTE PRODUÇÃO RESIDENCIAL NO


TERRITÓRIO CONURBADO DE SARANDI E MARINGÁ

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo do Programa
Associado de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Estadual de
Maringá e da Universidade Estadual de
Londrina.
Orientadora Prof.ª Dr.ª. Beatriz Fleury e Silva.

MARINGÁ
2020
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá - PR, Brasil)

Gonçalves, Caroline Gomes


G635d Dinâmica de borda : A recente produção residencial na borda conurbada de Sarandi e
Maringá / Caroline Gomes Gonçalves. -- Maringá, PR, 2020.
208 f.: il. color., figs., tabs., maps.

Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Fleury e Silva.


Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Maringá, Centro de Tecnologia,
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Programa Associado de Pós-Graduação em
Metodologia de Projeto de Arquitetura e Urbanismo (UEM e UEL), 2020.

1. Recente dinâmica imobiliária brasileira. 2. Área metropolitana. 3. Conurbação. 4.


Maringá-PR - Planejamento territorial urbano. 5. Sarandi-PR - Planejamento territorial
urbano. I. Silva, Beatriz Fleury e, orient. II. Universidade Estadual de Maringá. Centro de
Tecnologia. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Programa Associado de Pós-
Graduação em Metodologia de Projeto de Arquitetura e Urbanismo (UEM e UEL). III.
Título.

CDD 23.ed. 711.4

Marinalva Aparecida Spolon Almeida - 9/1094


Aos meus saudosos avós,
Toninho e Luíza.
Agradecimentos

Apresento este trabalho em meio à crise que afeta a todos e altera estruturas
consolidadas. Não à toa, esses agradecimentos vêm cheios de amor, saudade
e emoção.

À minha família. Obrigada pai, mãe e Mari, pelo amor, apoio, esteio e
principalmente por terem segurado minha barra mais pesada durante esse
processo. São os melhores do mundo!

À minha orientadora Prof.ª. Dr.ª. Beatriz Fleury e Silva, não somente por essa
orientação, mas por tudo ao longo de minha trajetória. Seis anos de trabalho
conjunto resultaram em uma amizade e imenso carinho.

À Prof.ª. Dr.ª. Gisela Cunha Viana Leonelli e à Prof.ª. Dr.ª. Milena Kanashiro
pelo tempo e trabalho dedicados a esta pesquisa e pelas valiosas contribuições
feitas na banca de qualificação.

À Prof.ª. Dr.ª. Layane Alves Nunes e sua turma de Urbanismo II de 2019 pela
abertura e disponibilidade ao longo do estágio em docência.

À educação pública na qual me criei desde as bases. À Universidade Estadual


de Maringá e ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo, minha casa nos
últimos oito anos. Ao Programa Associado de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Maringá e Londrina.

À todos os pesquisadores, agentes públicos e privados que contribuíram com


dados para esta pesquisa, pelas informações, tempo e disponibilidade.

Às Mestres Maysa e Queren, melhores parceiras que alguém poderia ter. Se


esse processo não foi ainda mais árduo, foi pela leveza da amizade de vocês.
Às maravilhosas, companheiras e prestativas Carol Freitas e Rubia.

A todos os integrantes do Laboratório de Pesquisa em Habitação e


Assentamentos Humanos, meu querido LAPHA. Me chamem para os bares e
confraternizações.

Aos meus familiares e integrantes do Clube da Quarta que sempre apoiaram e


sonharam esse sonho comigo. Tia Rô, não chora!

Aos melhores amigos que alguém poderia ter, e pelo apoio que me deram.
Obrigada Isabella, Marina, Bia, Julia, Ana Paula e Victor. Obrigada Kaki,
Augusto, Thaís, Jhones, Junior, Pedro, Magno, Queixão e Laís, mamãe da
Laura. Obrigada Luísa e Rafaela. Obrigada Nilson, por todas as orações.
Também à quem não nomeei, mas que, de uma maneira ou outra, se fez
presente.

Por fim, e mais importante, agradeço à Deus, à vida e ao universo. Que fase
maravilhosa, senhores! No final, tudo deu certo
RESUMO

A urbanização e metropolização do território brasileiro foi praticamente


simultânea, primeiramente atingindo os grandes centros, e posteriormente as
cidades de menor porte que conformaram seus núcleos metropolitanos após
1970. Na década de 1990 o Brasil passou por uma reestruturação política-
financeira, que deu bases para o mais intenso ciclo imobiliário do país, iniciado
em 2005, marcado por novos produtos financeiros, inserção de novos agentes
e uma injeção de crédito imobiliário no mercado, o que dinamizou a produção
residencial das áreas metropolitanas, especialmente em suas periferias. A
partir do exposto, a pesquisa dedicou-se à análise das alterações,
permanências e transformações dos produtos imobiliários, agentes e
estratégias mercadológicas derivadas da recente dinâmica imobiliária sobre a
borda conurbada de Maringá e Sarandi no Paraná, compreendidas no recorte
temporal de 2010 a 2016. Olha-se para este recorte territorial (a borda)
entendendo-o como porção do território que recebeu nos últimos anos novas
estratégias mercadológicas para a maximização da valorização imobiliária, com
efeitos do dinamismo sobre o valor do solo no território de borda. Para tanto, a
pesquisa teve abordagem interpretativa-histórica e como tática o estudo de
caso da borda conurbada de Maringá e Sarandi. Foram realizados
levantamentos documentais de publicações e dados legislativos relacionados
aos empreendimentos residenciais, bem como entrevistas com agentes
públicos e privados envolvidos na produção. Concluiu-se que a borda
conurbada de Maringá e Sarandi passou por uma recente transformação à
partir da inserção de novos produtos e de novos agentes imobiliários que, em
coalizão com o Estado, realizaram um “trabalho de fronteira” para a
maximização dos lucros, em um movimento de extensão do território
maringaense para a cidade vizinha. Além disso, constatou-se a formação de
um “terceiro território”, potencializado e em formação, que revela urgência de
um planejamento metropolitano integrado e efetivo.

Palavras-chave: Dinâmica imobiliária brasileira, áreas metropolitanas,


conurbação, Maringá, Sarandi.
ABSTRACT

Urbanization and metropolization of the Brazilian territory are practically


simultaneous, reaching large centers and later smaller cities that formed their
metropolitan nucleus after 1970. In the 1990s Brazil go through a political-
financial restructuring that based the most intense real state cycle in the
country, started in 2005, marked by new financial products, insertion of new
agents and an injection of credit in the market, that boosted the residential
production of the metropolitan areas, especially in their peripheries. As
exposed, this research is dedicated to an analysis of the alterations,
permanences and transformations of the real estate products, agents and
market strategies derived from the recent real estate dynamic on the boundary
between Maringá and Sarandi in Paraná, in the time frame of 2010 to 2016. The
selection of this territorial section (the border) was due understanding it as a
portion of the territory that received in the last few years new marketing
strategies used in the territory to maximize the real estate valuation with effects
of dynamism on land valuation in the border territory. Therefore, this research
had an interpretative-historical approach and a case study about de conurbation
between Maringá and Sarandi as tatic. Were performed documentary surveys
of publication and legislative data related to residential developments, as well
as interviews with public and private agents involved in the production. In
conclusion, the conurbated border of Maringá and Sarandi underwent a recent
transformation from the insertion of new products, new real estate agents who,
in coalition with the State, performed the “boundary work” to maximize profits, in
a extension movement of the Maringá territory for the nearby city. In addition, it
consists of a “third territory”, empowered and in formation, that reveals the
urgency of an integrated and effective metropolitan planning.

Key-words: Brazilian real state dynamic, metropolitan areas, conurbation,


Maringá, Sarandi.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Síntese dos eventos que configuraram a recente dinâmica imobiliária


brasileira ........................................................................................................... 67
Figura 2 - Rede de cidades nas propriedades da Companhia Norte do Paraná.
......................................................................................................................... 90
Figura 3- Ante-projeto de Maringá por Jorge de Macedo Vieira ...................... 92
Figura 4- Plano inicial de Sarandi pela CMNP................................................. 94
Figura 5 - Principais conexões rodoviárias entre Maringá e Sarandi.. ............. 95
Figura 6 - Distribuição socioespacial por renda do aglomerado Paiçandu-
Sarandi-Maringá ............................................................................................... 97
Figura 7 - Incorporadoras e Construtoras atuantes em Sarandi até 2008 ....... 99
Figura 8 – Novo Centro de Maringá – antigo pátio de manobras da ferrovia.
....................................................................................................................... 101
Figura 9 - Implantação de bairros populares Cidade Alta (esq.) e Jardim
Itapema (dir.) no que atualmente é a borda conurbada de Maringá com Sarandi
na década de 1990. ........................................................................................ 105
Figura 10 - Expansão de Maringá até 2000................................................... 107
Figura 11 - Expansão urbana de Sarandi ao longo das décadas. ................. 108
Figura 12 - Localização dos empreendimentos MCMV faixas 2 e 3 da borda
conurbada. ..................................................................................................... 109
Figura 13 - Implantação dos residenciais verticais MCMV faixas 2 e 3 em
Maringá próximos a borda conurbada. ........................................................... 109
Figura 14 - Residencial Dalva de Oliveira - MCMV faixa 1 ............................ 110
Figura 15 - Localização do empreendimento de alto padrão - Infinity Club
Residence -, e dos mais recentes empreendimentos da MRV na borda
conurbada. ..................................................................................................... 110
Figura 16 - Implantação do Edifício de alto padrão na Avenida Colombo. .... 111
Figura 17 - Condomínio Infinity Club Residence na Avenida Colombo. ........ 111
Figura 18 - Loteamento Madrid, exemplo de loteamento econômico em
Maringá .......................................................................................................... 113
Figura 19 - Localização do Conjunto Residencial Mauá (PMCMV-faixa 1),
Residencial Arvoredo (faixa 2) e do Novo Centro Cívico de Sarandi. ............ 115
Figura 20 - Implantação Conjunto Habitacional Mauá - MCMV faixa 1
(alaranjado) e Residencial Arvoredo - MCMV faixa 2 (Azul). ......................... 116
Figura 21 - Conjunto Residencial Mauá. Ao fundo, Maringá. ........................ 116
Figura 22 - Residencial Arvoredo - Minha Casa Minha Vida 2. ..................... 117
Figura 23 - Localização dos residenciais Torres do Sol e Monte Líbano (MCMV
faixa 2). .......................................................................................................... 118
Figura 24 - Implantação dos residenciais MCMV faixa 2 em Sarandi - Torres do
Sol (amarelo) e Monte Líbano (azul).. ............................................................ 118
Figura 25 - Residencial Torres do Sol em Sarandi. ....................................... 119
Figura 26 - Localização dos loteamentos econômicos na porção norte da borda
....................................................................................................................... 120
Figura 27 - Loteamentos abertos - econômicos - porção norte da borda de
Maringá e Sarandi .......................................................................................... 120
Figura 28 - Localização do Eco Garden Residence.. .................................... 121
Figura 29 - Condomínio Eco Garden Residence (em branco), a entrada
principal por Maringá e a porção residencial em Sarandi. .............................. 122
Figura 30 - Porção residencial do Condomínio Eco Garden Residence
(Sarandi), vista de Maringá. ........................................................................... 122
Figura 31 - Entrada do Eco Garden na publicidade da empresa ................... 123
Figura 32 - Publicação sobre as inovações tecnologicas do Condomínio Eco
Garden Residence. ........................................................................................ 124
Figura 33 - Ponto de vendas da Ecoingá no EcoValley I.. ............................. 127
Figura 34 - EcoValley parte I. Ocupação por casas geminadas - terrenos
subdivididos - com possibilidade de financiamento pelo PMCMV faixa 2.. .... 128
Figura 35 - Avenida principal do EcoValley parte I ........................................ 129
Figura 36 - Portal de entrada EcoValley voltado para a via de conexão com
Maringá. ......................................................................................................... 129
Figura 37 - Publicidade do Eco Garden Wind................................................ 130
Figura 38 - Conexões dos empreendimentos de borda ao sul de Sarandi com
Maringá e Sarandi. ......................................................................................... 131
Figura 39 – Acesso ao Condomínio Eco Garden Residence a partir estrada
rural Octávio Colli em Sarandi ........................................................................ 132
Figura 40 – Acesso ao Portão de serviço Eco Garden Residence a partir de
Sarandi. .......................................................................................................... 132
Figura 41 - Descarte de lixo na estrada rural Octávio Colli, acesso ao Portal
EcoValley. ...................................................................................................... 133
Figura 42 - Acesso ao Portal EcoValley a partir de Sarandi. ......................... 133
Figura 43 - Entrada do EcoGarden a partir de Maringá ................................. 134
Figura 44 - Empreendimentos no perímetro municipal de Marialva. Em
vermelho a tríplice fronteira entre os municípios de Maringá, Sarandi e Marialva
....................................................................................................................... 136
Figura 45 - Entrada do condomínio Green Park Residence .......................... 137
Figura 46 - Construção da ponte conectando a porção sul à Avenida Carmem
Miranda. ......................................................................................................... 138
Figura 47 - Ponte sobrepondo o Ribeirão Pinguim.. ...................................... 138
Figura 48 - Publicidade do Condomínio Villagio das Águas - Marialva. ........ 139
Figura 49 - Muros do condomínio Villagio das Águas. .................................. 139
Figura 50 - Residencial José Richa. .............................................................. 141
Figura 51 - Jardim França, da PRC, visto da estrada Octávio Colli.. ............. 141
Figura 52 - Projeto Eurogarden. .................................................................... 144
Figura 53 - Síntese temporal dos empreendimentos da borda conurbada de
Maringá e Sarandi de 1990-2016. .................................................................. 147
Figura 54 - Proposta da centralidade do Sarandi Metropolitana.................... 161
Figura 55 - Síntese temporal das alterações legislativas que afetaram a borda
conurbada em Maringá e Sarandi.. ................................................................ 168
Figura 56- Publicidade Ecoingá para EcoValley, explorando a questão
paisagística. ................................................................................................... 188
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Protocolo de coleta de dados ........................................................ 25


Quadro 2 - Síntese dos agentes modeladores do espaço urbano ................... 35
Quadro 3 - Empreendimentos verticais na borda conurbada em Maringá 2010
a 2016 - Minha Casa Minha Vida - faixa 2 e 3 e alto padrão. ........................ 112
Quadro 4 - Empreendimentos populares e econômicos na borda conurbada de
Sarandi de 2010 a 2016 - MCMV faixas 1 e 2 (cond.).................................... 119
Quadro 5 - Empreendimentos na borda conurbada de Sarandi (porção sul),
período 2010 a 2016 ...................................................................................... 139
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Objeto de estudo. .............................................................................. 18


Mapa 2 - Conjuntos Habitacionais da COHAPAR em Maringá e Sarandi - 1990.
....................................................................................................................... 106
Mapa 3 - Empreendimentos da borda conurbada 1990-2016. ...................... 146
Mapa 4 - Zoneamento de Maringá e Sarandi e Perímetro Urbano (LC 01/91
Maringá, LC 01/92 Sarandi) ........................................................................... 153
Mapa 5 - Zoneamento (LC 331/99 Maringá, LC 03/92 Sarandi) e Perímetro
Urbano (LC 332/99 Maringá, LC 02/92 Sarandi). ........................................... 155
Mapa 6 – Zoneamento (LC 888/11 Maringá, LC 217/09 Sarandi) e perímetro
urbano (LC 332/99 Maringá e 214/09 Sarandi) .............................................. 159
Mapa 7 – Zoneamento (LC 888/11 Maringá, LC 312/15 Sarandi) e perímetro
urbano (LC 332/99 Maringá, LC 314/15 Sarandi). .......................................... 164
Mapa 8 - Valor do Solo 2000.......................................................................... 179
Mapa 9 - Valor de solo Maringá e Sarandi (2000).......................................... 180
Mapa 10 - Valor do Solo Maringá e Sarandi (2012).. ..................................... 181
Mapa 11 - Valor do Solo Maringá (2019) e Sarandi (2017).. .......................... 182
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Crescimento da população urbana de Maringá e Sarandi ao longo


das décadas.. ................................................................................................... 98
Gráfico 2 - Produção por nicho de consumo na borda conurbada de Maringá
de 1990 a 2016.. ............................................................................................ 145
Gráfico 3 - Produção por nicho de consumo na borda conurbada de Sarandi de
1990 a 2016. .................................................................................................. 145
Gráfico 4 - Valor do solo de uso residencial da borda conurbada de Maringá e
Sarandi ao longo do tempo (R$/m²). .............................................................. 182
LISTA DE SIGLAS

ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa


BNH – Banco Nacional de Habitação
CEF – Caixa Econômica Federal
CMDU – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano
CMGPT – Conselho Municipal de Gestão e Planejamento Territorial
CMNP – Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
CMNT – Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
COHAB – Companhia de Habitação
COPEP – Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
CRI – Certificado de Recebível Imobiliário
CTNP – Companhia de Terras Norte do Paraná
CTNP – Companhia de Terras Norte do Paraná
FAMEPAR - Instituto de Assistência aos Municípios do Estado do Paraná
FAR – Fundo de Arrendamento Residencial
FCP – Fundação Casa Popular
FCVS – Fundo de Compensação de Variações Salariais
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FII – Fundo de Investimento Imobiliário
FNH – Fundo Nacional de Habitação
FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensões
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPPLAN – Instituto de Pesquisa e Planejamento
METROPLAN - Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento
Metropolitano para a Região de Maringá
MP – Medida Provisória
OGU – Orçamento Geral da União
PAR – Programa de Arrendamento Residencial
PIB – Produto Interno Bruto
PLHIS – Plano Local de Habitação de Interesse Social
PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNH – Política Nacional de Habitação
PNHR – Plano Nacional de Habitação Rural
PNHU – Plano Nacional de Habitação Urbano
PSH – Programa Social de Habitação
SAE – Secretaria de Assuntos Estratégico
SEPLAN – Secretaria de Planejamento e Urbanismo
SEPLAN – Secretária de Planejamento Urbano de Maringá
SFH – Sistema Financeiro de Habitação
SFI – Sistema Financeiro Imobiliário
SNH – Sistema Nacional de Habitação
SNHIS – Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
SPBE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 20

PERCURSO METODOLÓGICO ................................................................ 24

ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ............................................................ 30

CAPÍTULO 1 – A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL E A


RECENTE DINÂMICA IMOBILIÁRIA .............................................................. 31

1.1. A produção capitalista do espaço urbano: estratégias e agentes32

1.2. Patrimonialismo e clientelismo: traços presentes na produção do


espaço urbano nacional .......................................................................... 45

1.3. Panorama da recente dinâmica imobiliária brasileira: das bases ao


decrescimento (1994-2016) ..................................................................... 52

CAPÍTULO 2 – DINAMISMO IMOBILIÁRIO NAS BORDAS CONURBADAS


METROPOLITANAS ........................................................................................ 70

2.1. A formação dos aglomerados urbanos metropolitanos: aspectos


geográficos e socioterritoriais ................................................................ 70

2.2. Cidades médias, “cidades gentis” .................................................. 78

2.3. “O peculiar interesse metropolitano”: a ocupação das bordas das


cidades brasileiras para além das grandes metrópoles ....................... 81

CAPÍTULO 3 – OS REFLEXOS DA RECENTE DINÂMICA IMOBILIÁRIA NA


PRODUÇÃO RESIDENCIAL DA BORDA CONURBADA DE MARINGÁ E
SARANDI DE 2010 A 2016.............................................................................. 88

3.1. Caracterização socioterritorial da área metropolitana de Maringá e


Sarandi: da gênese a década de 2000. ................................................... 88

3.2. Heterogeneidade da produção residencial na borda conurbada de


Maringá-Sarandi entre 2010 a 2016: da habitação de interesse social
ao condomínio-clube sustentável ........................................................ 104

3.3. As coalizões público-privado: modelando a borda conurbada de


Maringá-Sarandi ..................................................................................... 148
3.3.1. A Lei segue o produto: as alterações na legislação
urbanística da borda conurbada de Maringá e Sarandi entre 2010 e
2016................................................................................................... 149

3.3.2. O narrado e o documentado: retratos da ação dos agentes


imobiliários na borda conurbada de Maringá e Sarandi de 2010 a
2016................................................................................................... 169

3.4. “Trabalho de fronteira”: os impactos sobre o valor do solo


derivados da dinâmica imobiliária instalada na borda conurbada de
Maringá e Sarandi de 2010 a 2016 ........................................................ 177

CONCLUSÃO ................................................................................................ 191

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 196

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 197

LEGISLAÇÕES.............................................................................................. 203

ANEXOS ........................................................................................................ 206

Anexo 1 - INTRUMENTO DE COLETA DE DADOS – Entrevistas


semiestruturadas. .................................................................................... 206
Satisfação garantida
Obsolescência programa
Eles ganham a corrida
Antes mesmo da largada
-

(3ª do plural – Engenheiros do Hawaii)


INTRODUÇÃO

A cidade é resultado da inseparável relação entre território e sociedade.


A produção do espaço urbano, portanto, ocorre de acordo com acontecimentos
e interesses de diferentes agentes sociais (LOGAN; MOLOTCH, 1987;
CORRÊA, 2011). Em definição, no que diz respeito às características materiais,
a produção do espaço urbano é a produção “de chão”, dotado de infraestrutura
e passível de ocupação (CÔRREA, 2004), contudo, essa produção não se
limita aos aspectos físicos, visto que é suporte para um “modo de viver”
(LEFEBVRE, 2001). Diante do exposto, o processo de produção do espaço
urbano é resultante de dinâmicas sociais, políticas, econômicas e laborais em
curso, e a capacidade de produção e organização do território se concentra em
um complexo de forças de agentes sociais (LOGAN; MOLOTCH, 1987;
RIBEIRO, 1997; VILLAÇA, 2001; CORRÊA, 2004). A relação intrínseca entre
território e sociedade altera o caráter da cidade e implica que as formas de
poder, pertencentes aos agentes, se projetem em formas urbanas (HARVEY,
2014).
Esses agentes sociais modeladores do espaço urbano são os grandes
industriais, o mercado imobiliário - proprietários fundiários, promotores
imobiliários -, o Estado e os grupos sociais excluídos, parcela da população
que resiste à dominação capitalista do espaço urbano. Além deles, outros
agentes contribuem para o crescimento e produção do espaço como bancos,
companhias de seguro, empresas de transporte, firmas comerciais e de
serviços, ordens religiosas, a mídia local, universidades, instituições culturais e
esportivas (LOGAN; MOLOTCH, 1987; CORRÊA, 2004; CORRÊA, 2011). É a
ação desses agentes sobre o território que leva a dinâmicas urbanas tais como
a inserção de novas porções de terra ao tecido urbano, projetos de renovação
urbana, densificação de usos e alterações de zoneamento que são capazes de
modificar a organização do território social e economicamente (CORRÊA,
2004).
Diante da contradição de interesses entre os diferentes agentes, a
cidade torna-se, portanto, campo de disputa entre o valor de troca – cidade
mercadoria (VAINER, 2002) -, e valor de uso, no que se refere ao direito à

20
cidade (RIBEIRO, 1997; LEFEBVRE, 2001, HARVEY, 2014). É esse conflito
que determina a forma da cidade, o convívio e distribuição dos habitantes em
localizações que ampliam ou reduzem esses valores no espaço urbano.
Ainda que existam diversos agentes com diferentes atuações que
modelam o espaço urbano, a lógica de produção inserida no sistema capitalista
reflete na predominância dos interesses rentistas, representados pelo mercado
imobiliário, cujo principal foco é o valor de troca da terra urbana (RIBEIRO,
1997). Contudo, a cidade não é fruto somente da ação desse mercado já que o
mesmo não atua de maneira isolada, estabelecendo coalizões com outros
grupos de poder, como o Estado. Em meio à essas coalizões, a classe rentista
se apropria do espaço, indicando a dominação na produção das cidades
(LOGAN; MOLOTCH, 1987). Desse modo, na forma de produção capitalista do
espaço, as dinâmicas da economia e política que atingem o mercado
imobiliário são refletidas diretamente no território (HARVEY, 2014).
No Brasil, o domínio dos agentes rentistas sobre o território tem raízes
coloniais, contudo, foi durante o processo de migração populacional dado pelo
crescimento da indústria na metade do século XX, que foram agregados os
demais agentes no processo de produção do espaço urbano – como os grupos
sociais excluídos, parcela não solvente da população -, o que, juntamente a
consolidação de um sistema imobiliário capitalista, provocou significativas
transformações na ordem urbana nacional, em duplo processo de
industrialização e rápida urbanização (MARICATO, 1996; RIBEIRO, 1997).
A urbanização brasileira foi praticamente simultânea ao processo de
metropolização dos grandes núcleos, ou seja, a formação de uma única
mancha urbana composta por diferentes municípios, em torno das cidades
nucleares que ofereciam as melhores oportunidades (RIBEIRO; SILVA, 2017).
Esse fenômeno agregou problemáticas à cidade como a necessidade de
habitação para a crescente população, o constante movimento pendular da
relação centro-periferia, a gestão administrativa de municípios que conformam
uma única cidade e a desatenção por parte do núcleo central sobre os
problemas urbanos gerados pela polarização nos núcleos periféricos
(OLIVEIRA, 1973; VILLAÇA, 2001; BELOTO, 2003; VILLAÇA, 2012). Tal
fenômeno, inicialmente ocorrido nas grandes metrópoles com São Paulo, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro, passou a atingir também as cidades médias a partir

21
de programas de incentivo econômico para esses centros implantados na
década de 1970.
Em 1988, a Constituição Federal incluiu instrumentos referentes a
função social da propriedade privada, bem como, concedeu maior autonomia
de decisão aos munícipios (BELOTO, 2003; ROLNIK, 2015). Com maior
liberdade, a produção intra-urbana do espaço passou a refletir mais fortemente
os interesses de agentes locais, já que, conforme Logan; Molotoch (1987), a
possibilidade de concentração de renda a partir da produção do espaço urbano
é ampliada no nível local, por meio da influência e poder dos agentes sobre a
representação do Estado nesse nível.
Já em meados da década de 1990, o país entrou em um processo de
dinamismo de sua estrutura financeira e imobiliária, marcado por
transformações econômicas e políticas, decorrentes em um período de
“processos de redemocratização política e momentos de estagnação e
retomada do crescimento” (ROLNIK, 2015, p. 262). Vendo o espaço como
resultado das transformações sociais, essas dinâmicas refletiram em diversas
localidades do país, uma vez que a expansão de subsídios para a produção
imobiliária no período provocou um dos maiores booms imobiliários nacionais
nos anos seguintes (ROLNIK, 2015).
Desta forma, as bases da nova dinâmica imobiliária brasileira
começaram a ser fundadas no governo de Fernando Henrique Cardoso, e a
mesma foi materializada no governo Lula e continuada nas gestões
posteriores, mesmo que com distintas forças. A abertura econômica do país na
década de 1990, bem como a inserção de “novos produtos financeiros”
voltados ao mercado imobiliários – Fundos de Investimento Imobiliário,
Alienação Fiduciária, Certificados de Recebíveis Imobiliários – garantiram
maior segurança aos investidores. O ambiente econômico favorável
estabelecido no país em meados da década de 2000, juntamente à abertura do
capital de empresas incorporadoras brasileiras no mercado financeiro
internacional, ampliou a possibilidade de financiamento para os consumidores,
atingindo o ápice em 2009, com o Programa Minha Casa Minha Vida (ROLNIK,
2015).
A produção derivada da aproximação entre o mercado financeiro e
imobiliário, bem como pela ampliação dos créditos, teve caráter heterogêneo,

22
marcado pelo aparecimento de diferentes produtos imobiliários – shoppings
centers, condomínios-clube, condomínios econômicos fechados – que
ocuparam as periferias das cidades brasileiras de diferentes portes e escalas
(BOTELHO, 2007; FIX, 2011; RUFINO; 2012, SANFELICI, 2013; SILVA, 2015).
Conforme o exposto, Corrêa (2011) aponta que as relações sociais e as
consequentes práticas espaciais se alteram a partir da variação da escala a ser
analisada. O autor questiona sobre o papel dos agentes na produção do
espaço, bem como sobre a atuação dos mesmos nas diferentes áreas do
espaço intraurbano brasileira, considerando a variação da dimensão territorial e
demográfica, atividades econômicas e localização.
Diante da importância de pesquisas sobre os fenômenos urbanos em
diferentes contextos e escalas urbanas, o trabalho insere-se na temática da
produção do espaço no contexto metropolitano, especialmente sobre as áreas
metropolitanas nucleadas por cidades de menor porte.
Sabendo que, especialmente a partir de 2005, a recente dinâmica
imobiliária brasileira refletiu especialmente nas periferias das metrópoles
brasileiras, o objeto selecionado para este trabalho foi a borda conurbada dos
municípios de Maringá e Sarandi. O interesse específico por esta borda se deu
a partir do exposto por Ribeiro (1997), sobre a capacidade das localizações de
alterar o valor de uso e, consequentemente, o valor de troca nas cidades.
Considerou-se também o exposto por Logan e Molotch (1987) sobre o
potencial do mercado imobiliário de explorar o espaço urbano de fronteira para
agregar território e alterar os limites perceptíveis, aumentando o valor de troca
da produção imediata a áreas privilegiadas. Assim sendo, o fenômeno
analisado por essa pesquisa são as alterações, permanências e
transformações referentes aos produtos imobiliários, agentes produtores e
táticas produtivas e mercadológicas derivadas da recente dinâmica imobiliária
sobre a borda conurbada de Maringá e Sarandi. Parte-se do pressuposto de
que o território de borda foi alvo do “trabalho de fronteira” por parte dos agentes
atuantes na dinâmica imobiliária que se instalou a partir de 2005
proporcionando a expansão dos interesses maringaenses para a cidade
vizinha.
Desse modo, questiona-se: Quais as alterações na produção
residencial na borda conurbada de Maringá e Sarandi diante da mais recente

23
dinâmica imobiliária nacional? Com isso, objetiva-se compreender as
transformações referentes aos agentes, produtos imobiliários e estratégias
mercadológicas empregadas na borda conurbada de Maringá e Sarandi, bem
como: i) identificar agentes sociais envolvidos na produção do espaço dessa
área e seus interesses específicos; ii) constatar se houve e quais foram as
possíveis coalizões entre agentes públicos e privados na produção do espaço
dessa áreas; e iii) avaliar os impactos sobre o valor do solo derivados da
recente dinâmica imobiliária na produção do espaço nessa área.

PERCURSO METODOLÓGICO

Para a realização da pesquisa, o fenômeno foi abordado a partir da


estratégia interpretativa-histórica, uma vez que foi tratado a partir da
interpretação e abstração da pesquisadora, considerando o comportamento do
mesmo no determinado contexto (GROAT; WANG, 2002). Para tanto, a tática
utilizada foi o estudo de caso descritivo (YIN, 2003), baseado em
levantamentos bibliográficos e documentais e entrevistas semiestruturadas.
A análise do objeto selecionado – borda conurbada de Maringá e
Sarandi - foi realizada compreendendo a formação desse território desde
meados da década de 1990 – início da recente dinâmica imobiliária e financeira
nacional dada pela retomada da estabilidade econômica brasileira (BOTELHO,
2007) -, até o ano de 2016, fim da gestão de Dilma Rousseff e desaceleração
da produção imobiliária no país (CARDOSO; JAENISCH; ARAGÃO, 2017), e, a
partir disso, o recorte temporal definiu-se dentro do período de maior
movimentação imobiliária no território, entre 2010 e 2016.
A revisão bibliográfica foi desenvolvida em duas principais linhas: a
produção do espaço urbano no sistema capitalista e a formação das áreas
metropolitanas, e, como parte delas, as bordas conurbadas. Esta revisão foi
realizada a partir de trabalhos desenvolvidos por pesquisadores de diferentes
áreas do conhecimento, publicadas em livros, teses, dissertações e periódicos.
No que diz respeito ao levantamento de dados, foram consideradas
informações de natureza primária e secundária. Os dados primários são
resultantes da experiência empírica da pesquisadora junto aos agentes por
meio das entrevistas semiestruturadas. Já as informações secundárias foram

24
extraídas da pesquisa bibliográfica e documental – legislação urbanística,
publicações e documentos vinculados aos empreendimentos. Essas
informações foram coletadas de acordo com o protocolo de coleta de dados
estabelecido:

Quadro 1 - Protocolo de coleta de informações

Dados relevantes
Dados legislativos urbanísticos – Leis de Perímetro Urbano,
Sistema Viário, Parcelamento do Solo Urbano

Empreendimentos imobiliários de uso residencial presentes na


borda conurbada.

Informações coletadas Fonte


Leis de Perímetro urbano, Sistema
Viário, Parcelamento do Solo Urbano
Prefeitura Municipal de
de Maringá e Sarandi dentro do
Maringá e Prefeitura
recorte temporal
Municipal de Sarandi –
SEPLAN, Secretaria de
Urbanismo de Sarandi.
Atas das reuniões dos conselhos
municipais de Maringá (CMPGT) e
Sarandi (CMDU) que envolvam a área
de estudo e alterações nas leis
urbanísticas analisadas

Datas de início da execução dos Prefeituras Municipais,


empreendimentos, empresa empresas responsáveis
loteadora/ incorporadora/ construtora, pelos empreendimentos,
número de unidades (residências ou imobiliárias responsáveis
lotes), área ocupada e tipologia pela venda dos
habitacional (loteamentos abertos, empreendimentos.
loteamentos fechados, habitação de
interesse social).

25
Valor do solo e das unidades da área Plano Local de Habitação
estudada ao longo do tempo. de Interesse Social de
Maringá e Sarandi, teses,
dissertações e artigos
anteriores, imobiliárias de
Maringá e Sarandi

Entrevistas semiestruturadas com Empresas privadas,


agentes identificados. Prefeitura Municipal de
Maringá, Prefeitura
Municipal de Sarandi.

Procedimento de análise
Comparativo da aprovação e implantação dos empreendimentos
ao longo do tempo e das alterações legislativas de cada município
(linhas do tempo).

Identificação dos agentes produtores dos empreendimentos,


tipologias identificadas e mercado consumidor e comparativo com
a dinâmica imobiliária identificadas na bibliografia (tabelas e
gráficos).

Identificação das alterações do valor do solo urbano ao longo do


recorte temporal e comparativo com os resultados dos
mapeamentos anteriores (mapeamentos e gráficos).

Análise das atas e agentes envolvidos nas alterações legislativas


urbanísticas e comparativo com os agentes produtores do espaço
estudado.

Triangulação entre os resultados encontrados com as declarações


dos diferentes agentes nas entrevistas.

Fonte: elaborado pela autora

Para a seleção das informações levantadas, os critérios foram: a


localização dos produtos imobiliários - sendo considerados para a pesquisa
somente empreendimentos que se encontrem adjacentes ao limite do
perímetro urbano entre as duas cidades - “borda conurbada” -, e o uso desses
produtos, sendo considerados para o estudo somente os empreendimentos
imobiliários voltados à moradia e executados dentro do recorte temporal
estabelecido.
A partir do protocolo para a orientação da coleta de dados, foram
realizados os levantamentos nas fontes primárias documentais de origem
pública (prefeituras municipais) e privada (empresas construtoras,
incorporadoras e imobiliárias). Primeiramente, foi levantado o arcabouço
legislativo urbanístico dos dois munícipios parte do objeto de pesquisa, de

26
modo a compreender como a regulação do solo urbano se desenvolveu no
recorte temporal estabelecido. Para isso, foram analisadas as Leis referentes
as disposições de Uso e Ocupação do Solo Urbano, Perímetro Urbano,
Sistema Viário e Parcelamento do Solo Urbano de Maringá e Sarandi.
Posteriormente, foram levantadas informações de fontes privadas, permitindo
identificar dados sobre os empreendimentos imobiliários residenciais da borda
conurbada - agentes produtores e consumidores e possíveis coalizões público-
privada para suas aprovações e execuções. Por fim, foram levantados os
dados referentes ao valor do solo urbano para que sejam compreendidas,
dentro do período temporal, as variações referentes ao valor de troca desses
espaços, entendendo este valor como indicativo dos impactos do recente
dinamismo imobiliário sobre o território.
Com a sistematização e o prévio reconhecimento dos dados coletados,
foram realizadas entrevistas semiestruturadas, nas quais o entrevistador seguiu
um roteiro prévio no qual puderam ser inseridas questões de acordo com o
desenvolvimento da entrevista, estando o entrevistado livre para respondê-las
ou não (DUARTE, 2004). Manteve-se como critério para as entrevistas que os
entrevistados fossem agentes públicos e privados relacionados com o processo
de produção da área específica. Desse modo, os agentes foram representantes
do poder público, como da Secretaria de Planejamento e Urbanismo de
Maringá (SEPLAN), Instituto de Pesquisa e Planejamento (IPPLAN) e a
Secretaria Municipal de Urbanismo de Sarandi, bem como agentes privados -
proprietários fundiários dos terrenos da borda conurbada, construtoras,
incorporadoras e imobiliárias. Essas entrevistas permitiram a identificação dos
interesses dos agentes na produção da borda conurbada, bem como a
compreensão do posicionamento Estatal diante da dinâmica da borda.
Devido ao fato de lidar com seres humanos, as entrevistas
semiestruturadas foram submetidas à aprovação do Comitê Permanente de
Ética em Pesquisa com Seres Humanos (COPEP) e todos os entrevistados
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual a autora se
comprometeu a não relevar nomes ou a transcrição integral das entrevistas.
Os dados documentais coletados foram esquematizados em tabelas,
gráficos e mapas que estruturaram a apresentação e análise dos resultados.
Alguns trechos das entrevistas foram utilizados para indicar similaridades ou

27
discrepâncias das declarações com os resultados dos dados secundários
obtidos no levantamento documental ou com as declarações de outros
agentes.

28
Mapa 1 - Objeto de estudo.
Fonte: Base da Prefeitura Municipal de Maringá e Prefeitura Municipal de Sarandi, elaborado pela autora.

29
ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

A partir do exposto, a dissertação se organiza em três capítulos. O


capítulo 1 tratou da produção do espaço urbano de modo geral, identificando e
descrevendo os agentes vinculados a produção bem como suas estratégias
mercadológicas e rentistas no sistema capitalista. Na sequência do mesmo
capítulo, se apresentou as práticas brasileiras vinculadas à um processo
histórico de concentração de terras – “nó da terra” (MARICATO, 2011) - até a
configuração do setor imobiliário nacional e, por fim, tratou do dinamismo
imobiliário do recorte temporal determinado, desde suas bases na década de
1990 até seu declínio em 2016, bem como os novos produtos financeiro-
imobiliários desse período.
O capítulo 2 tratou sobre os aglomerados urbanos e a conurbação, suas
formações dentro do processo de metropolização nacional e os efeitos
socioterritoriais derivados dos mesmos. Também neste capítulo foi abordada a
conceituação de cidade média, bem como sua inserção na rede urbana
brasileira, tendo em vista o objeto de estudo. O capítulo se encerrou com
exemplos do dinamismo na produção do espaço de borda de cidades
brasileiras para além das grandes metrópoles, de modo a inserir o estudo de
caso dessa pesquisa no contexto nacional.
O capítulo 3 tratou do objeto de estudo iniciando-o pela caracterização
da área metropolitana de Maringá e sua formação histórica, para,
posteriormente, dedicar-se a análise e resultados da pesquisa sobre a borda
conurbada de Maringá-Sarandi, de modo a caracterizar os produtos, agentes,
estratégias e mecanismos utilizados na produção do espaço desta área no
período mais recente de dinamismo do setor imobiliário nacional, bem como
identificando os efeitos sobre a valorização fundiária da dinâmica no contexto
específico da borda conurbada. Por fim, apresentou-se a discussão acerca dos
resultados obtidos, bem como as conclusões, de modo a responder ao objetivo
central da pesquisa.

30
CAPÍTULO 1 – A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO
BRASIL E A RECENTE DINÂMICA IMOBILIÁRIA

A produção do espaço urbano, para além do aspecto físico, impresso no


território, está intrinsecamente vinculada as relações sociais que se estabelecem
nele (LEFEBVRE, 2001; LOGAN; MOLOTCH, 1987; RIBEIRO, 1997; CORRÊA,
2004; BOTELHO, 2007; HARVEY, 2014). A partir disso, entende-se que as
transformações sociais, laborais e econômicas implicam em transformações na
produção do território urbano:

“Se consideramos a cidade como obra de certos ‘agentes’ históricos e


sociais, isto leva a distinguir a ação e o resultado, o grupo (ou grupos) e seu
produto, sem com isso separá-los. Não há obra sem uma sucessão
regulamentada de atos e ações, de decisões e de condutas, sem
mensagens e sem códigos. Tampouco há obra sem coisas, sem uma
matéria a ser modelada, sem um lugar, uma ‘natureza’, um campo e um
meio” (LEFEBVRE, 2001, p. 54).

Para Lefebvre (2001), em sua obra de 1968, “O direito à cidade”, que teve a
cidade de Paris como objeto de estudo, a produção do espaço da cidade capitalista
se deu em função de um duplo fenômeno – a industrialização e a urbanização,
sendo um resultado do outro. A prática industrial alterou drasticamente o sistema
laboral, até então manufatureiro, e intensificou a expansão do território,
especialmente diante do êxodo rural. Assim sendo, a indústria foi indutora e induzida
pela urbanização, acarretando efeitos de explosão - no que se refere a expansão
dada pela urbanização de terrenos periféricos e o aumento da densidade
populacional - e explosão do tecido urbano, marcada pela intensificação de usos nos
centros, de modo a condensar e dispersar simultaneamente as cidades
(LEFEBVRE, 2001, RIBEIRO, 1997).
A partir disso, o presente capítulo abordou, inicialmente, a exploração da
cidade como mercadoria, caracterizando quais os agentes, como atuam e quais
suas ações sobre o espaço urbano. Posteriormente, se direciona para a realidade
brasileira, em uma aproximação da atuação desses mesmos agentes dentro de uma
sociedade tipicamente patrimonialista e clientelista, para, por fim, narrar o percurso
do que aqui se chama de “recente dinâmica imobiliária” e como a mesma influenciou
na produção do espaço urbano no contexto nacional.
31
1.1. A produção capitalista do espaço urbano: estratégias e agentes

Diante da consolidação do sistema capitalista sobre o território, bem como


dos complexos processos econômicos e urbanos decorrentes dele – industrialização
e metropolização, por exemplo -, destacaram-se agentes modeladores da cidade
que controlam a maneira como a sociedade se estabelece no meio urbano e que, na
demanda do sistema em que se insere, traçam estratégias de viés rentista por meio
da terra e da venda de diferenciados produtos urbanos, especialmente a moradia
(CORRÊA, 2004; RIBEIRO, 1997):

“As transformações urbanas geradas pelas mudanças econômicas


permitem que a propriedade fundiária ganhe um novo conteúdo. Se antes
era apenas um bem patrimonial, ela passa a ser mercadoria que circula com
a finalidade de proporcionar rendas. Isso incentiva que as moradias sejam
produzidas, mas sob o controle do proprietário de terrenos” (RIBEIRO,
1997, p.148).

Esses agentes sociais que “fazem e refazem” as cidades (CORRÊA, 2004) ou


agentes modeladores do espaço urbano (RIBEIRO, 1997), possuem diferentes
papéis e interesses na produção do espaço, de modo a imprimi-los no território e
transformar o meio urbano.
As práticas dos agentes sociais sobre o espaço induzem processos de
transformação no sentido físico como a incorporação de novas porções de terra ao
tecido urbano, densificação dos usos do solo, renovação urbana de determinadas
áreas e deterioração de outras, que, de modo coercitivo ou não, impactam no
conteúdo social e econômico das cidades (CORRÊA, 2004).
Corrêa (2004) categoriza cinco principais agentes sociais na produção do
espaço: os proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os
promotores imobiliários – que extraem renda da terra -, o Estado e os grupos sociais
excluídos. Dentre esses agentes, destaca-se o Estado, uma vez que exerce função
de conciliação entre os demais, por meio da regulação do solo no processo de
produção do espaço inserido no sistema capitalista:

“Posterga-se que o mercado não é um mecanismo capaz de gerar uma


distribuição ótima das atividades no espaço. Pelo contrário, o seu
funcionamento, gerando ineficiências no uso do solo, é responsável pelo
estabelecimento de desigualdades sociais. Resumidamente, o mercado
fundiário é visto como imperfeito, tornando necessária a intervenção do
Estado para corrigir tais imperfeições” (RIBEIRO, 1997, p.70)

32
Contudo, conforme tratado posteriormente, especialmente no nível local, esse
agente sofre pressão diante do conflito de interesses e finda por beneficiar a classe
rentista (LOGAN E MOLOTCH, 1987; CORRÊA, 2004; BOTELHO, 2007).
Os proprietários fundiários – agentes que desempenham papel decisivo para
a produção do espaço -, possuem a terra rural e, quando para a obtenção de lucros,
a transformam em terra urbana. Esses agentes, portanto, podem ser considerados
monopolistas, tendo em vista que detêm a propriedade da base para a produção
imobiliária Os proprietários fundiários interferem nas regulamentações do Estado
sobre o solo, uma vez que seus interesses estão diretamente relacionados a elas. A
partir da urbanização da terra rural, os promotores imobiliários são os responsáveis
por incorporar, financiar, construir e comercializar os produtos (CORRÊA, 2004;
RIBEIRO, 1997).
Assim sendo, para Ribeiro (1997) o “mercado imobiliário” é formado pelos
proprietários da terra, incorporadores, construtores, financiadores e investidores
imobiliários, ou seja, é a aliança entre o proprietário da terra e o promotor imobiliário.
Por sua vez, Botelho (2007) chama de “setor imobiliário” o conjunto de agentes
formado pelo mercado imobiliário, bem como pelos consumidores, produtores e
comerciantes de materiais de construção, empresários da área e equipes de projeto.
A complexidade de funcionamento e as transformações de demanda desse
setor refletem em profundas transformações do espaço urbano, como a alteração da
paisagem urbana por meio da inserção de novas tipologias e de novos produtos,
como é o caso dos condomínios fechados, por exemplo. Ribeiro (1997) destaca que,
no Brasil, essas mudanças urbanas foram marcadas pela produção dos
incorporadores imobiliários1, que, apesar de atuarem no país já durante a década de
1950 (ROLNIK, 2015), tiveram sua atividade regulamentada pela Lei nº4.591/1964.
De acordo com Botelho (2007), a ação do incorporador se consolida no país com a
Lei nº 4380 de 1964 que instituiu o Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
O incorporador, desse modo, define-se como o agente que “comprando o
terreno e detendo o financiamento para construção e comercialização, decide o
processo de produção no que diz respeito às características arquitetônicas,

1Ribeiro (1997) apresenta os representantes da incorporação imobiliária de acordo com o Instituto de


Desenvolvimento do Estado da Guanabara, sendo eles “investidores imobiliários, os incorporadores
definidos na Lei nº4591/64, as cooperativas habitacionais, as instituições de previdência e assistência
social, como as do Banco do Brasil, Clubes Militares, de funcionários públicos e outros, as fundações,
as CEHABS, as sociedades de economia mista (RIBEIRO, 1997, p.93).
33
econômico-financeiras e locacionais” (RIBEIRO, 1997, p.94), ou seja, a partir da
compra da terra, o incorporador detém todo o processo de produção, desde a
construção até a venda do produto.
Logan e Molotch (1987) classificam os agentes rentistas produtores do
espaço urbano em três categorias, sendo elas: os empresários fortuitos,
empresários ativos e especuladores estruturais. Os empresários fortuitos, de acordo
com os autores, são aqueles que não são envolvidos pela atividade de produção e
que eventualmente herdam uma parcela de terras na qual podem produzir e obter
algum lucro. Os empresários ativos, em situação intermediária, estão envolvidos
com a produção do espaço, porém aguardam as diretrizes do Estado e as
oportunidades de criação para intervirem. Já os especuladores estruturais são
aqueles que exercem maior influência na regulamentação estatal e que
empreendem de maneira a favorecer seus negócios, seja pela interferência na
regulação do solo – como no Zoneamento – ou na definição e criação de conexões
viárias, entre outras questões legislativas de caráter urbanístico que influenciem
diretamente em seus lucros.
Quanto aos demais agentes não rentistas modeladores do espaço urbano, os
proprietários dos meios de produção são consumidores de grandes áreas para suas
instalações, desse modo, sua relação com a terra é temporária (CORRÊA, 2011).
Com a expansão urbana e a necessidade de relocação, as antigas áreas utilizadas
por eles tendem a ser loteadas e vendidas, permitindo a obtenção de grandes
lucros. Por fim, estão os grupos sociais excluídos, para os quais a produção do
espaço se dá em forma de resistência – autoconstrução, cortiços, loteamentos
ilegais, favelas, principalmente diante da ausência do Estado, ou então, se pela ação
deste, em bairros populares afastados das centralidades (CORRÊA, 2004; ROLNIK,
2015).
Ainda que esses agentes sejam determinantes na lógica de produção
capitalista, a complexidade das relações no meio urbano induz a ampliação e
reconhecimento de outros agentes que contribuem com a ação dos que produzem o
espaço. Nesse sentido, Logan e Molotch (1987) consideram as universidades,
museus, teatros e exposições, organizações de esportes profissionais, organizações
trabalhistas e corporações como auxiliares do processo de produção do espaço
urbano. Em concordância, Corrêa (2011), aponta também os bancos, companhias

34
de serviços, empreiteiras, empresas ferroviárias, firmas comerciais ou de serviços e
ordens religiosas. Esses agentes compõem a “coalizão de crescimento”2 (LOGAN;
MOLOTCH, 1987), que age de modo ideológico junto à população.
A seguir apresenta-se uma síntese dos diferentes agentes e suas atuações a
partir da bibliográfica utilizada:
Quadro 2 - Síntese dos agentes modeladores do espaço urbano

Agentes modeladores do espaço Função do agente Autor


urbano na bibliografia analisada
Proprietários dos meios de Permanência em grandes Côrrea (2004)
porções de terra urbana,
produção
produção de vazios com a
saída – não rentista
Proprietários fundiários Mercado imobiliário, Côrrea (2004), Ribeiro (1997)
geração de capital –
Promotores imobiliários Côrrea (2004)
agentes rentistas
Empresários fortuitos, empresários Logan e Molotch (1987)
ativos, especuladores estruturais
Capital de incorporação Ribeiro (1997)
Capital de construção
Incorporador imobiliário
Mercado imobiliário, consumidores, Setor imobiliário (além dos Botelho (2007)
agentes rentistas do
produtores e comerciantes de
mercado imobiliário, agrega
materiais de construção, demais agentes que
participam indiretamente da
empresários da área e equipes de
produção do espaço)
projeto
Estado Regulação e intermediação Corrêa (2004), Logan e Molotch
entre agentes
(1987)
Grupos sociais excluídos Resistência, luta pelo direito Corrêa (2004)
à cidade
Mídia social, empresas de Consenso urbano – Logan e Molotch (1987)
mobilidade e infraestrutura, máquina de crescimento
universidades, equipamentos
culturais e esportivos, organizações
trabalhistas, pequenos empresários
e corporações

Bancos, companhias de serviços, Côrrea (2011)


empreiteiras, empresas ferroviárias,
firmas comerciais ou de serviços e
ordens religiosas

2 Growth coalition (LOGAN E MOLOTOCH, 1987, P.63).


35
Banqueiros, empreiteiros e Harvey (2014)
construtoras
Fonte: Logan e Molotch (1987), Ribeiro (1997), Côrrea (2004), Botelho (2007), Côrrea (2011), Harvey (2014).
Organizado pela autora.

A produção do espaço urbano, portanto, não é resultado apenas da “mão


invisível do mercado”, mas sim fruto da ação de agentes sociais concretos e
históricos, dotados de interesses específicos, e dos conflitos e coalizões entre eles
(LOGAN; MOLOTCH, 1987, CORRÊA, 2011). Essas coalizões podem ser definidas
como:

“ (...) formações (arranjos) de grupos com algum poder, seja


decisório ou de pressão, com capacidade de direcionar uma agenda de
transformações na cidade com foco no desenvolvimento econômico, ou
melhor, um desenvolvimento econômico pelo urbano” (SILVA;
CLEMENTINO; ALMEIDA, 2017, p.8).

As coalizões acontecem quando, por exemplo, o Estado alinha-se ao


mercado de terras de modo a se beneficiar do seu funcionamento. Nessa situação, a
ação do Estado, constitui-se em ceder direitos e privilégios a partir das
regulamentações locais, destinadas, em grande parte, para a lógica do mercado de
terras. Para Logan e Molotch (1987), são essas coalizões que alimentam a “máquina
de crescimento urbano”3.
A teoria da “máquina de crescimento” defende que as coalizões de agentes
urbanos, especialmente na escala das municipalidades, permitem a dominação
capitalista do espaço por meio do consenso ideológico da população, baseado no
ideal de “progresso” e “desenvolvimento”, onde atua a “coalizão de crescimento”. A
dominação dos agentes rentistas sobre a produção do espaço é consentida,
portanto, a partir de transformações econômicas como a geração de empregos e o
aumento da atividade econômica (LOGAN; MOLOTCH, 1987).
Dentro da mesma lógica de dominação capitalista sobre o espaço, Vainer
(2002) caracterizou a cidade como “pátria, empresa e mercadoria”. A cidade é
mercadoria no momento em que suas localidades e os produtos representam
geração de renda para determinados agentes, é empresa no momento em que a
gestão urbana dá-se não somente pelo Estado, mas por meio de coalizões que
favorecem especialmente os interesses privados e é “pátria” quando a população, de

3 Growth machine (LOGAN E MOLOTOCH, 1987, p.13).


36
modo geral, consente com a dominação da produção a partir da ideologia do
desenvolvimento urbano.
A partir do exposto, compreende-se que a atuação dos agentes rentistas para
a produção do espaço urbano se dá através de práticas e estratégias próprias, que
resultam na formação das cidades.
Sabe-se que o capitalismo e a urbanização estabelecem uma relação de
dependência mútua, já que o capital se alinhou ao mercado imobiliário e assim a
cidade tornou-se mercadoria, além disso, “a urbanização tem sido um meio
fundamental para a absorção dos excedentes de capital e de trabalho ao longo de
toda a história do capitalismo” (HARVEY, 2014, p.92). O aumento demográfico nos
centros urbanos derivado da industrialização, como anteriormente colocado, resultou
na insurgência da moradia e na consequente formação de subúrbios para comportar
todo a população que veio do campo para a cidade. Para Lefebvre (2001), esse
processo desencadeou a “urbanização desurbanizada”, extrema substituição do
“habitar” para o “habitat”:

“Se definirmos a realidade urbana pela dependência em relação ao centro,


os subúrbios serão urbanos. Se definirmos a ordem por uma relação
perceptível (legível) entre a centralização e a periferia, os subúrbios serão
desurbanizados” (LEFEBVRE, 2001, p.27).

Ainda segundo Lefebvre (2006), os pavilhões franceses, concentrados nos


subúrbios parisienses, garantiram abrigo à massa populacional – “habitat” -,
contudo, a restringiu do usufruto da cidade, do envolvimento com a centralidade –
“habitar”:

“A massa, premida por múltiplas coações, aloja-se espontaneamente nas


cidades-satélites, nos subúrbios programados, nos guetos mais ou menos
‘residenciais’, tem para si apenas o espaço medido com cuidado, o tempo
lhe escapa” (LEFEBVRE, 2001, p.121).

Harvey (2014) aponta que o mesmo fenômeno de periferização se reproduziu


nos Estados Unidos da América quando o capital excedente foi aplicado na
suburbanização e militarização no país, resultando na formação dos “guetos” e
profunda segregação socioterritorial.
Não foi somente para os agentes rentistas que a insurgência da questão da
moradia mostrou-se significativa. O Estado, bem como ocorre no cenário brasileiro,
também obteve vantagens derivadas desse produto:

37
“A questão da moradia, sua insurgência nas condições do crescimento
industrial inicialmente ocultou e oculta ainda os problemas da cidade. Os
táticos políticos, atentos, sobretudo ao imediato, só viram e só veem essa
questão” (LEFEBVRE, 2001, p.81).

A questão da suburbanização e afastamento da centralidade, bem como a


insurgência da demanda habitacional, remetem diretamente a discussão acerca do
valor de uso e do valor de troca da terra urbana. O valor de uso está relacionado à
vida urbana e ao conceito lefevbriano de direito à cidade, enquanto o valor de troca
diz respeito a compra e venda dos espaços urbanos e consumo dos produtos e
lugares (LEFEBVRE, 2001).
Para Botelho (2007), no modo de produção capitalista, a mercantilização dos
espaços urbanos se dá pela superação histórica do valor de troca em relação ao
valor de uso, uma vez que é necessário comprar para depois usufruir. Dessa
maneira, o consumo do urbano insere-se na lógica de produção capitalista, diante da
existência da propriedade privada e da lógica de geração de capital excedente.
Para tratar do valor de uso e valor de troca no espaço urbano, faz-se
necessário caracterizar os capitais investidos no processo de produção do espaço.
De acordo com Ribeiro (1997), primeiramente, tem-se o capital construtor, que tem
na propriedade fundiária a base material para a produção de objetos imobiliários.
Para esse capital, no que se refere especificamente a construção de produtos
imobiliários, a inserção urbana de um terreno pouco influência no custo final
investido, especialmente quando se trata de moradias. Contudo, é a localização
desse imóvel – fruto do trabalho social ao longo do tempo - que permite a fixação de
preços e condições de comercialização, oferecendo possibilidades de sobrelucro ao
agente rentista produtor, de acordo com o aumento do valor de uso de onde seu
produto está inserido.
A questão da localização também obtém preponderância para os capitais
industrial, bancário e comercial, já que a terra se torna não somente suporte de
produção, mas também de circulação de mercadorias. Desse modo, esses capitais
aproveitam-se do efeito de aglomeração para a sua reprodução, e para isso
dependem do local em que se inserem (RIBEIRO, 1997).
Assim sendo, o valor de uso de uma determinada localidade, na ótica dos
agentes rentistas modeladores do espaço urbano, corresponde a obtenção de maior
ou menor lucro, não somente no que diz respeito ao produto, mas, especialmente, a

38
localização, visto que, em função da não reprodução da terra, uma localização é
única e exclusiva (LOGAN; MOLOTCH, 1987; RIBEIRO, 1997; VILLAÇA, 2012):

“Não pode haver duas esquinas da Avenida Paulista com a Rua Augusta,
da Avenida Presidente Vargas com a Rio Branco ou da Rua 42 com a
Broadway. A ‘casca’ pode ser reproduzida, é claro, num superestúdio de
cinema ou TV. Mas não é da casca que estamos falando, mas sim do
acesso a todo um sistema de recursos. Para reproduzir as localizações
acima, seria necessário reproduzir totalmente São Paulo, o Rio de Janeiro e
Nova York, inclusive, é claro, suas populações, suas atividades e suas
relações sociais. Entretanto, devemos reconhecer que é relativamente fácil
a reprodução de lotes periféricos, subequipados e distantes. Há milhares
deles numa metrópole brasileira, com localizações muito semelhantes,
embora dois deles nunca tenham localizações absolutamente iguais. Tais
localizações periféricas são aquelas que tem pouco trabalho incorporado,
ao contrário das localizações centrais” (VILLAÇA, 2012, p.38).

Villaça (2012) expõe que o valor da terra corresponde ao tempo de trabalho


demandado para a produção de uma determinada localização, enquanto que o
capital de monopólio, ou o sobrelucro gerado a partir desse trabalho, deriva-se da
sua existência diferenciada. O preço da terra-localização, portanto, é estipulado pela
combinação composta por três valores variantes de localização para localização
dentro de uma mesma cidade, sendo eles: a renda absoluta ou renda capitalizada, o
valor da terra-localização – correspondente ao trabalho social necessário para a
produção do determinado espaço -, e, por fim, o preço de monopólio, dado pela
exclusividade da localidade. Os componentes referentes ao valor de produção social
e ao monopólio são os que mais agregam no preço da terra urbana.
Conforme anteriormente exposto, os agentes sociais possuem diferentes
demandas sobre o solo urbano. Essa demanda diferenciada contribui para “que haja
uma tendência a se construir uma hierarquia de mercados fundiários em função dos
produtos finais, e consequentemente, uma hierarquia de uso do solo urbano”
(RIBEIRO, 1997, p.73). Essa hierarquização, conforme Botelho (2007) é
determinada pelo valor de uso da localidade e pela capacidade que os
consumidores têm que pagar pelo espaço – valor de troca -, sendo o mecanismo de
renda da terra contribuinte para a divisão social e econômica do espaço, ou seja,
para a segregação socioterritorial.
Ribeiro (1997) afirma que “o preço do solo urbano é um reflexo da disputa
entre agentes capitalistas para realizar o uso mais rentável da cidade” (RIBEIRO,
1997, p.128). O solo urbano ocupado pelas funções que mais podem pagar pelo seu
39
uso gera maior sobrelucro para os agentes do setor imobiliário. É nesse sentido que
Logan e Molotch (1987) salientam a pressão exercida por parte dos “especuladores
estruturais” sobre o poder do Estado na escala local, uma vez que as determinações
urbanísticas reguladoras afetam diretamente o seu lucro final. Para Harvey (2014), a
autonomia das menores escalas de poder dadas pela tendência neoliberal,
favoreceram a reprodução social em classes e a segregação nas cidades.
Para o produto moradia, a questão da localização vincula-se diretamente ao
valor de uso dado por diferenciações do espaço derivadas de atributos “objetivos –
desigualdades quantitativas, qualitativas, e locacionais do sistema de objetivos
imobiliários -, e em termos subjetivos dos diferentes conteúdos sociais e simbólicos
dos vários pontos do espaço urbano” (RIBEIRO, 1997, p.81). Assim sendo, o
mercado imobiliário se segmenta em praças de concorrência, tendo em vista que
cada produtor oferecerá um diferencial do seu produto, seja o contato com a
natureza, a proximidade com a praia, um menor tempo de deslocamento, entre
outros aspectos que ampliam o valor de uso de sua mercadoria (RIBEIRO, 1997).
A localização urbana, contudo, pode ser criada a partir da demanda
capitalista. As estratégias utilizadas por esses “especuladores estruturais”, nesses
casos, podem consistir em pressões por renovações urbanas sobre o Estado, a
inserção de novos equipamentos que ampliam a aglomeração, a transformação
legislativa do uso do solo, entre outras alternativas que aumentem o valor de uso de
determinada localização menos diferenciada (LOGAN; MOLOTOCH, 1987;
RIBEIRO, 1997; CORRÊA, 2004; BOTELHO, 2007). No caso da transformação de
uso do solo, por exemplo, um incorporador tem a possibilidade de comprar terrenos
por um preço determinado pelo “uso presente” e vender o produto final com o preço
determinado pelo “’uso transformado” (RIBEIRO, 1997, p.98).
Outra estratégia exposta por Logan e Molotoch (1987) para a criação de
localidades e valorização das mesmas é o “trabalho de fronteira”4, onde os limites
são extrapolados e os produtos ali edificados são vendidos como se pertencessem a
uma determinada área de prestígio, como exemplificado pelos autores: “cidades
suburbanas incorporadas às vezes devem sua própria criação ao esforço de

4 Boundary work (LOGAN E MOLOTCH, 1987, p.44)

40
empresários locais para aumentar sua propriedade e perspectivas de urbanização”
(p.44)5.
Os especuladores estruturais também influenciam nas definições do
zoneamento (LEFEBVRE, 2001; LOGAN; MOLOTOCH, 1987). A organização social
dentro da cidade, a partir de tais regulamentações, é fundamental para que se
amplie o valor de troca de determinadas localizações em detrimento da diminuição
do valor de uso em outras, normalmente mais afastadas das centralidades.
Desse modo, compreende-se que as táticas dos agentes rentistas na
produção do espaço urbano, principalmente no que diz respeito ao produto moradia,
tem como objetivo o aumento do lucro, ou seja, o sobrelucro. Ribeiro (1997),
identifica quatro tipos de sobrelucro: de conjuntura, de inovação, de urbanização e
de antecipação.
O sobrelucro de conjuntura diz respeito aos períodos dos booms imobiliários
marcados por transformações econômicas, onde ocorre a alta dos preços em função
do aumento da demanda solvável, normalmente gerada pela ampliação do crédito
imobiliário disponível (RIBEIRO, 1997; BOTELHO, 2007). Ribeiro (1997) salienta
que, uma vez que o mercado imobiliário é marcado por ciclos de crise e expansão,
as políticas fundiárias podem ser orientadas para a compra de um estoque de
terrenos com os lucros de conjuntura.
O sobrelucro de inovação ocorre quando os incorporadores compram terrenos
em áreas de submercado, como as bordas periféricas, e produzem moradias para
extratos de renda mais altos, oferecendo novos produtos que demonstrem algum
diferencial locacional, como condomínios-clube, transformando o uso do solo
daquela porção urbana. Esse tipo de empreendimento gera concorrência e, ao longo
do tempo, reduz as possibilidades de sobrelucro (RIBEIRO, 1997).
O sobrelucro de urbanização é gerado pela inclusão de zonas anteriormente
utilizadas para fins agrícolas ao tecido urbano. O incorporador investe grande
quantidade de capital e publicidade para atrair o público de mais alta renda para um
“novo modo de viver”, longe das problemáticas da metrópole. Ribeiro (1997) explica
que esse tipo de empreendimento só se torna vantajoso para os incorporadores
quando o custo para a sua execução é inferior a outro empreendimento destinado ao
mesmo público em porções já urbanizadas. O autor ainda indica a prática da compra

5 “Incorporated suburban towns sometimes owe their very creation to the effort of local entrepreneurs
to increase their property’s urbanization prospects” (LOGAN E MOLOTCH, 1987, p.44).
41
de grandes porções de terra e a construção de unidades a baixo preço para atrair a
demanda para o local inicialmente. Nos empreendimentos posteriores o preço é
elevado e os sobrelucros são atingidos.
Por fim, o sobrelucro de antecipação acontece a partir da intervenção do
Estado em uma ação de valorização de determinada área – construção de
equipamentos e infraestrutura, mudanças na legislação urbanística, por exemplo.
Esse sobrelucro pode ser explorado tanto pelo proprietário fundiário, como pelo
incorporador imobiliário. Se o detentor da informação de intervenção for o
proprietário fundiário, o mesmo pode aguardar a intervenção do Estado para vender
sua terra, aumentando consideravelmente seu valor. Caso queira fazer a venda
antes, pode negociar melhores condições com o incorporador imobiliário, tendo em
vista a concorrência gerada no mercado. Se a informação for detida pelo
incorporador, o mesmo pode fazer a compra da terra por um preço bastante inferior
ao que valerá após a intervenção, gerando lucros extraordinários (RIBEIRO, 1997).
Apesar das diversas estratégias para a criação de localizações e extração de
lucro, o capital imobiliário enfrenta limites à sua reprodução, caracterizados por
Ribeiro (1997) como “problema fundiário” e “problema de demanda solvável”,
especialmente acerca do produto moradia (RIBEIRO, 1997, p.86, RIBEIRO, 2007).
O primeiro problema, referente a questão fundiária, dá-se pela necessidade
do produto moradia fixar-se em um terreno – lote - e possuir uma lenta
obsolescência, havendo a necessidade de um novo terreno para a continuidade da
produção, diferente dos demais ramos capitalistas. Desse modo, o setor encontra-se
limitado pela propriedade privada. Para a continuidade da produção da mercadoria
moradia, por exemplo, é necessária a aplicação de determinada quantidade de
capital em um estoque fundiário (landbanks) que garanta a base de reprodução do
capital aplicado à construção no processo contínuo de relocalização e renovação do
espaço urbano (RIBEIRO, 1997; BOTELHO, 2007). Porém, para o agente produtor,
este “investimento fundiário pesará negativamente na rentabilidade de construção,
uma vez que significa a imobilização improdutiva de uma parte do capital empregado
na produção” (RIBEIRO, 1997, p. 87).
Além disso, o produtor imobiliário dificilmente consegue investir sozinho a
quantidade de infraestrutura necessária para que as terras se tornem construtivas,

42
sendo esse papel desempenhado fortemente desde 1964 pelo incorporador
imobiliário (RIBEIRO, 1997).
Para o estabelecimento do preço a ser pago pelo terreno para a construção
de moradias o incorporador considera o total do lucro do empreendimento previsto –
baseado nas condições de financiamento, velocidade de comercialização, número
de moradias e multiplicidade de usos –, o custo de produção e de comercialização, e
desse faturamento global desconta o valor que pode ser pago no terreno,
negociando diretamente com o proprietário fundiário (RIBEIRO, 1997).
A problemática referente a demanda solvável diz respeito ao preço final do
produto direcionado ao consumidor para fins de habitação:

“No caso do setor habitacional, a casa, além de um bem, reflete uma


necessidade básica do ser humano, que é ter um abrigo para sua
reprodução diária e familiar. Muitas vezes o aluguel é proibitivo,
principalmente para a população de baixa renda (a maior parte da
população brasileira). E num contexto de “habitações de mercado”, o
produtor capitalista espera receber de volta o capital empregado e um
adicional (a mais-valia). Ou seja, há um problema de “solvência da
demanda” nesse setor: quem necessita de uma casa quase nunca pode
pagar por ela um preço de mercado, que é esperado pelo produtor
capitalista a fim de realizar o valor de sua mercadoria” (BOTELHO, 2007,
p.89).

Desse modo, surge o capital de empréstimo ou capital fictício (HARVEY,


2014), financiado por agências bancárias que possibilitam a comercialização6. Nesse
sentido, o capital de empréstimo é concedido aos usuários finais que têm a
responsabilidade de amortizar o valor ao longo de um determinado prazo de tempo
acrescido dos juros correspondentes (RIBEIRO, 1997; BOTELHO, 2007).
A produção do espaço, além de mercadoria, é estratégia econômica,
especialmente para a recuperação de crises financeiras. Harvey (2014), diante de
seu estudo norte-americano, afirma que o capitalismo se recupera de suas
recessões construindo casas e comprando coisas para colocar nelas. De acordo
com Botelho (2007):

6
Harvey (2014) retrata o capital fictício ou o capital de empréstimo Marxista como o valor monetário dirigido
das instituições financeiras aos empreiteiros, proprietários de terras e construtoras para que construam
imóveis comercializáveis. Esse dinheiro, segundo o autor, é emprestado ao consumidor final para que pague
por meio de seus rendimentos acrescido de juros. O autor considera esse tipo de capital como uma prática
predatória e o denomina fictício uma vez que práticas de estímulo ao crédito – como o aumento do crédito de
alto risco no mercado que desencadeou a crise do subprime -, não fazem surgir o aumento da oferta real, mas
amplia as possibilidades de especulação dos empreendedores, diante dos preços elevados.
43
“A existência de ‘bolhas imobiliárias’ nas diversas economias capitalistas em
momentos que precedem crises é um indicador de que o setor imobiliário é,
num primeiro momento, um setor compensatório da economia, atraindo os
capitais excedentes, mas que, ao se sobrevalorizar e ‘explodir’ é
comumente o estopim das crises” (BOTELHO, 2007, p.26).

Tendo em vista os empréstimos imobiliários e considerando o mercado


imobiliário um mercado cíclico, marcado por momentos de recessão e expansão
como anteriormente exposto, o setor baseia sua lógica de recuperação das crises
em “práticas predatórias”, como a acumulação de capital fictício e consequente
desapropriação dos bens imobiliários das classes mais baixas (HARVEY, 2014).
Em booms imobiliários – normalmente após a recuperação de crises
financeiras e precedentes de novas – a produção imobiliária é menor que a
disposição de crédito no mercado, levando ao aumento da especulação por parte
dos empreendedores e consequente aumento de lucros de conjuntura. No estouro
das bolhas, geralmente são as classes menos favorecidas que arcam com as
consequências de tal especulação, como foi o caso da crise hipotecária do
subprime7 nos EUA que durou de 2007 a
2010 (HARVEY, 2014), posteriormente abordada.
Assim sendo, as estratégias dos agentes sociais de viés rentista no meio
urbano resultam, de acordo com Botelho (2007) em um processo triádico de
homogeneização – referente a padronização e repetição dos mesmos elementos
nas cidades -, a fragmentação, ou seja, um espaço composto por espaços
separados como é o caso dos condomínios e na hierarquização do meio urbano e
consequente segregação socioterritorial, marcada pela existência de guetos,
conjuntos de alto padrão e pela intensificação da relação centro-periferia dentro de
um mesmo núcleo.
Dentro da lógica de produção capitalista exposta, compreende-se que a
constituição social, econômica e estatal é de grande importância para a produção do
espaço, especialmente no que respeita a questão fundiária. Diante disso, faz-se
necessário compreender as raízes da problemática do processo em seus
respectivos contextos históricos e culturais, uma vez que “entender o urbano

7
Tipo de crédito imobiliário de “segunda linha”, ou seja, de maior risco, oferecido à mutuários que não se
qualificavam para o crédito de primeira linha – prime -, sob condições anteriormente consideradas ilegais (FIX,
2011).
44
significa, antes de tudo, entender a sociedade que o produz” (FERREIRA, 2013, p.
22).

1.2. Patrimonialismo e clientelismo: traços presentes na produção do espaço


urbano nacional

Diante da afirmativa da produção do espaço urbano como resultado das


relações sociais sobre o território, torna-se relevante o tratamento da formação
social e política brasileira. É importante destacar que o cenário abordado a seguir
não é exclusivamente brasileiro e deriva-se da inserção no país em uma dinâmica
mundial, com influência de atores internos e externos (FERREIRA, 2013). Nesse
sentido, serão abordados os conceitos de patrimonialismo e, dentro dele, o
clientelismo, que balizaram a divisão fundiária brasileira e seguem guiando a lógica
de produção capitalista no país (FAORO, 2012; MARICATO, 1996, 2011;
FERREIRA, 2013):

“Se tivéssemos que resumir o sentido que hoje teria o conceito de


patrimonialismo, poderíamos dizer que se trata da forma pela qual o Estado
– entendendo-se como tal todo o aparato político-administrativo de poder e
de governança no país – foi historicamente, e continua sendo, em certa
medida, instrumentalizado pelos setores dominantes para beneficiar seus
interesses particulares acima dos interesses coletivos” (FERREIRA, 2013, p.
13)

No Brasil, o patrimonialismo vinculou-se a questão fundiária desde o período


colonial, uma vez que “o produtor colonial não era burguês e nem senhor feudal”
(MARICATO, 1996, p.32) e o sistema produtivo já ocorria aos moldes capitalistas
antes de ser.
Faoro (2012), explica que as problemáticas em relação à terra brasileira têm
sua gênese no sistema de governo português do período colonial. Para ele, Portugal
não tinha um sistema feudalista, mas um estado patrimonial onde o rei era capaz de
“conduzir a economia como se fosse empresa sua” (FAORO, 2012, p.40), fato que
se comprova quando na vinda para o Brasil em 1808, o tesouro da Coroa foi trazido
como propriedade do monarca (FERREIRA, 2013). Nesse sentido, a camada
dominante mais próxima a ele, possuía poderes administrativos diante de
entendimentos e negociações.

45
As relações estabelecidas na metrópole do período colonial transferiram-se
para a colônia de modo a produzir o que Maricato (2011) chamou de “nó da terra”,
ou seja, a concentração fundiária responsável por problemas sociais brasileiros até
os dias atuais. A concessão das sesmarias, amplas porções de terra que exigiam
força de trabalho escravo para tornarem-se produtivas -, foi o impulso inicial da
consolidação de latifúndios. Nesse período, a terra possuía valor muito abaixo da
escravatura, e diante da quantidade de trabalho necessário para a produção, era
cedida pelo rei apenas àqueles de grandes posses (FAORO, 2012).
A terra somente adquiriu caráter mercadológico juntamente à emergência do
trabalho livre no Brasil, demonstrando a relação intrínseca entre as transformações
laborais e econômicas e a produção do espaço. Em 1850, com a Lei de Terras ou
Estatuto das Terras, se encerrou a concessão dos domínios das sesmarias e se
estabeleceu a devolução de glebas improdutivas para que a administração pública
realizasse a venda. A intenção era impulsionar uma colonização branca por meio
dos imigrantes europeus, baseada na pequena propriedade. Contudo, esse tipo de
colonização ocorreu somente no sul do país, enquanto grandes porções de terra
permaneceram sob o domínio dos latifundiários nas demais regiões (MARICATO,
1996).
A Lei de Terras de 1850 constituiu um aparato legal, conformado por
regulamentos e normas que asseguravam à terra o caráter de mercadoria e
distinguiu, de modo inédito, o solo urbano público do solo privado. Contudo, o
processo de demarcação das terras improdutivas a serem devolvidas foi demorado e
burocrático devido à resistência dos poderes locais ao cumprir as solicitações do
governo central, demonstrando, desde então, a força dos interesses privados sob
essa escala de poder (LOGAN; MOLOTCH, 1987). Nesse processo, amplas porções
de terra urbanas e rurais de posse pública foram transferidas para o privado, até a
proibição da prática pelo Código Civil em 1917 (MARICATO, 1996; FERREIRA,
2013), sessenta e sete anos depois.
Diante da concentração fundiária que se instaurou a partir daí, o proprietário
dos latifúndios tornou-se nobre, “senhor dos latifúndios”, com terras, posses e

46
principalmente poder político, especialmente após a Independência, consolidando o
coronelismo8 no cenário nacional (FAORO, 2012; FERREIRA, 2013):

“Os colonos, senhores de terra, proprietários de escravos, compunham as


câmaras municipais. Definidos como ‘homens bons’, além de grandes
produtores rurais, eles deviam, segundo as normas, residir na cidade,
adotar a religião católica, apresentar a pele branca e o ofício não manual.
Como autoridade municipal e representante da Coroa, esses latifundiários
juntamente com os burocratas administradores, tinham autoridade sobre o
destino das coisas e das pessoas (incluindo o poder de polícia). Eles
podiam até mesmo doar terras, as ‘datas’, porções de território que faziam
parte do patrimônio público municipal, sob forma de uma gleba de terra
(denominada rossio), que acompanhava a concessão e a autonomia
municipal” (MARICATO, 1996, p.36).

As posses, terras e poder político concentrado nas mãos da mesma figura


consolidaram o Estado patrimonialista brasileiro, marcado pela confusão entre a
coisa pública e a privada, e
“(...) como parte integrante de um processo que é capitalista, sem dúvida, e
de uma sociedade de classes, relações colocadas no favor, no privilégio e
na arbitrariedade caracterizam a formação da sociedade brasileira”
(MARICATO, 1996, p. 14).

A Lei de Terras também definiu o formato da mercadoria que guia a produção


do espaço urbano tal qual nos dias atuais: loteamentos fracionados, quadrangulares
e ortogonais. O aparato legal desenvolvido a partir de então, segundo Maricato
(1996), forneceu as bases necessárias para a formação do mercado imobiliário
capitalista, sendo a atividade empresarial imobiliária regulamentada em 1890.
No início do século XX, a concentração fundiária sob domínio da classe
dominante alinhada ao emergente mercado imobiliário expulsou a “massa sobrante”
e iniciou o processo de periferização nos centros urbanos, uma vez que esses
adquiriram uma importância inédita dentro de uma transformação econômica e
laboral, caracterizada por Ferreira (2013), como “keynesianismo peculiar”9.
A industrialização a baixos salários após 1930 - assim como observado
anteriormente por Lefebvre (2006) em Paris -, foi fundamental para a expansão e
8 O coronelismo fortaleceu-se na primeira República e é derivado da estrutura social patrimonial
brasileira. Caracteriza-se pela obtenção de privilégios por parte da sociedade oligárquica e
latinfundiária em troca de apoio político (FERREIRA, 2013, p.20).
9 O keynesianismo, de acordo com a teorias do economista John Maynard Keynes, implantou-se após

a crise econômica de 1929, como uma política onde o Estado exerce papel mediador no conflito entre
o capital e o trabalho, com objetivo de regular o sistema econômico e garantir o pleno emprego e uma
sociedade de consumo. No Brasil, esse sistema resulta em estratégia que utiliza o intervencionismo
Estatal para fortalecer o modelo econômico concentrador de renda a partir do baixo custo da força de
trabalho, em oposição à formação de uma sociedade de consumo de massa (FERREIRA, 2013,
p.18).
47
metropolização dos centros urbanos brasileiros, especialmente a partir de 1950.
Esse período foi marcado pela substituição das importações e implantação da
indústria de bens duráveis – veículos e eletrodomésticos -, e a ampliação das
infraestruturas de transporte, comunicação e energia indispensáveis para o
crescimento econômico nacional. Simultaneamente, via-se o crescimento do número
de “pobres urbanos” (RIBEIRO, 2017, p.83). Nesse sentido, a urgência pela questão
da moradia leva a produção da “cidade real”, marcada pela informalidade e
demanda dos agentes sociais excluídos em oposição a “cidade legal”, regulada pelo
Estado e alvo das estratégias do mercado imobiliário (MARICATO, 1996; RIBEIRO,
1997).
Assim como ocorre anteriormente em Paris (LEFEBVRE, 2001), a emergência
da questão da moradia nas cidades brasileiras após o processo de industrialização
também sinalizou vantagens para o Estado. O legislativo, conforme salienta Maricato
(1996), diante da situação de irregularidade na produção do solo nas metrópoles
brasileiras, não se porta de maneira a adequar à realidade urbana à lei.
A “cidade real” passa a ser fonte de inesgotável clientelismo político, uma vez
que a população carente recebe “benefícios” em forma de custódia, para
permanecer em seus imóveis irregulares. Contudo, de acordo com Ferreira (2013),
quando a irregularidade diz respeito ao setor dominante – como no caso de alguns
atuais condomínios fechados em áreas irregulares para ocupação, ou
empreendimentos privados -, “a confusão e promiscuidade permanentes entre
legalidade e ilegalidade permite que se criem leis locais ou outros mecanismos que
permitam legalizar a ilegalidade” (FERREIRA, 2013, p. 32).
Na década de 1960, as políticas brasileiras, enquanto não tocavam na
questão do “nó da terra” (MARICATO, 2011) e no potencial fundiário, transformaram
a produção do espaço e consolidaram ainda mais o mercado imobiliário no país por
meio de uma vigorosa produção de moradias seguida de um significativo número de
empregos, especialmente para os imigrantes que recorriam às cidades (MARICATO,
2011).
Políticas como o SFH (Sistema Financeiro da Habitação), materializada pelos
financiamentos do BNH (Banco Nacional de Habitação) entre a década de 1960 e
1980, cederam principalmente aos interesses privados, movimentando o setor
imobiliário através do crédito para a classe média em uma aliança de viés clientelista

48
entre o Estado e os agentes rentistas (MARICATO, 1996; ANDRADE; AZEVEDO,
2011; MARICATO, 2011):

“A política praticada pelo SFH combinou o atendimento dos interesses dos


empresários privados (construtores), promotores imobiliários, banqueiros e
proprietários de terra, com os interesses políticos clientelistas
(governadores, prefeitos, deputados e vereadores), quando não aconteceu
de estes fazerem parte daquele grupo. Na verdade, essa política foi
fundamental para a estruturação de um mercado imobiliário de corte
capitalista. Ela constituiu também um dos expedientes de concentração de
renda, uma vez que privilegiou a produção de habitação subsidiada para a
classe média em detrimento dos setores de mais baixa renda” (MARICATO,
1996, p.45).

A produção voltada principalmente para as classes médias na cidade legal,


ampliou a segregação urbana, favoreceu a valorização de determinadas
localizações, movimentou o setor imobiliário e, mais do que isso, estabeleceu a
“política do favor”, na qual moradias precárias e mal localizadas eram trocadas por
votos em períodos de eleição. Enquanto isso, em sua ação reguladora, o Estado
investiu em infraestrutura, especialmente a viária, de modo a ampliar o valor de uso
e garantir o acesso da população solvente e, consequentemente, a renda da terra
aos agentes interessados (MARICATO, 1996; FERREIRA, 2013).
Em 1979, diante do crescimento dos loteamentos clandestinos e a falta de
opções de moradia para a população trabalhadora, a Lei nº 6.766 – Lei Lehman -,
estabeleceu critérios de produção do espaço envolvendo agentes incorporadores,
construtores e financiadores, de maneira a evitar o modo de produção que envolvia
somente os proprietários de terra e os loteadores, permanecendo em vigência até os
dias atuais10. De acordo com Leonelli (2010) a Lei foi fruto de 40 anos de debate
acerca do combate da ilegalidade dos loteamentos. Definindo duas categorias de
parcelamento - loteamento e desmembramento, e sem reconhecer loteamentos
fechados como tipologia -, a Legislação teve base em três referenciais: qualidade
urbanística, legalidade e comercialização, tratando de “aspectos urbanísticos,
sanitários, penais, civis, registrários, administrativos, a serem observados por todos
os entes federativos no ato de parcelamento do solo urbano” (LEONELLI, 2010,
p.29).

10
Leonelli (2010) destaca que o Projeto de Lei 3.757/2000, sujeito à apreciação do Plenário o período de
desenvolvimento deste trabalho, apresentou a proposta de revisão da Lei de Parcelamento do Solo, propondo
meios para a aprovação de loteamentos fechados, flexibilização na aprovação de loteamentos e na
regularização de parcelamentos e loteamentos ilegais, um modo de “legalizar a ilegalidade” (Ferreira, 2013).
49
Ainda de acordo com a autora, a Lei nº.6766/79 prevê onde podem ocorrer os
loteamentos - sendo somente em zonas urbanas ou zonas de expansão urbana -,
requisitos urbanísticos e infraestrutura mínima exigida, percentual de áreas públicas,
tamanho mínimo dos lotes, faixas não edificantes, definição do papel de cada agente
na aprovação dos loteamentos, contratações de compra e venda e garantias dos
compradores e vendedores dos lotes e os tratamentos dados aos loteadores e
loteamentos irregulares. Sua aplicação se deu por todo o território nacional,
contribuindo para o combate a ilegalidade dos loteamentos:

“A primeira grande inovação desta lei é que, a partir de sua aprovação, há


uma legislação federal que passa a reger o parcelamento do solo para fins
urbanos em todo o território nacional. Apesar de seu caráter abrangente a
todo país, é previsto que os Estados, Distrito Federal e Municípios possam
estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo
municipal para adequação dessa lei às características regionais e locais.
Considera-se, portanto, a instância municipal como capaz de também
regular o parcelamento do solo, mas de forma complementar e não
concorrente” (LEONELLI, 2010, p.174).

Contudo, apesar dos avanços apontados por Leonelli (2010), como a


obrigatoriedade de áreas públicas para a aprovação de loteamentos e criminalização
dos loteadores irregulares, Maricato (2006) considera a Lei de viés fortemente
capitalista e excludente, longe de propor critérios satisfatórios ambiental e
socialmente, mas garantindo o investimento de diferentes capitais sobre a produção
do espaço e consequentemente, a extração de renda da terra.
Na década de 1980, a população urbana brasileira atingiu a marca de 73,3%
do total. Apesar das iniciativas para a mudança no padrão de urbanização da Lei nº
6.766/79, a reprodução irregular do espaço urbano foi constante nas bordas das
cidades metropolitanas. Posteriormente, essa produção de borda ganhou a
companhia de condomínios e loteamentos fechados aos moldes dos subúrbios
norte-americanos e dos equipamentos de serviço, como os shoppings centers,
caracterizando o avanço do mercado imobiliário também sobre as localizações
periféricas (MARICATO, 1996; 2011).
Apesar do exorbitante acréscimo populacional e a dificuldade do Estado para
solucionar a situação, suas regulações inscritas sobre o território foram de acordo
com a lógica capitalista, especulativa e segregadora do mercado imobiliário. A
produção da “cidade real”, caracterizada pelos loteamentos clandestinos e favelas,
não é alvo de rigor urbanístico nas grandes metrópoles brasileiras até que apresente
50
como empecilho para a reprodução do capital. Desse modo, tal rigor aplica-se
somente diante de microinteresses privados sobre a “cidade ideal”:

“A legislação urbana não emergirá senão quando se torne necessária para


a estruturação do mercado imobiliário urbano de corte capitalista. Os
códigos municipais de posturas elaborados no final do século passado,
tiveram o claro papel de subordinar certas áreas da cidade ao capital
imobiliário, acarretando a expulsão da massa trabalhadora pobre do centro
da cidade. A nova normatividade contribui para a ordenação do solo de
parte da cidade, mas também vai contribuir para a segregação espacial. A
escassez alimenta a extração da renda imobiliária” (MARICATO, 1996,
p.58).

O Estado, inserido na sociedade patrimonialista, favorece somente a cidade


legal pelas suas regulações urbanísticas. Ferreira (2013) explica que por meio de
determinações exclusivistas e segregadoras, são estabelecidas “áreas nobres” da
cidade que não podem ser ocupadas democraticamente. Na legislação, são
definidas, por exemplo, zonas exclusivamente residenciais de grandes lotes
mínimos, o espaço público é negado em substituição aos novos produtos
imobiliários - como os condomínios fechados - além do favorecimento constante ao
uso do automóvel particular.
O resultado das engrenagens clientelistas no funcionamento da máquina
pública é a “cidade partida”, segregada e hierárquica. Desse modo, as relações
baseadas no favor e materialmente projetadas em solo urbano, negam a
universalidade dos direitos e da cidadania, e repetem as estruturas patrimoniais
coloniais.
Após o fim do BNH11 em 1986, os movimentos pela Reforma Urbana 12
brasileira impulsionaram um novo processo de readequação da cidade, abordados
posteriormente. Em 1987, após a Assembleia Nacional Constituinte, de maneira
inédita a Constituição Federal recebe um capítulo dedicado a questão urbana e a

11 Diante da crise econômica e da alta da inflação, o Governo Sarney decreta o fim do Banco
Nacional de Habitação pela Lei 2.291/86, após 20 anos de funcionamento. Os mais de 10.000
funcionários e seus encargos foram absorvidos pela Caixa Econômica Federal e secretarias
governamentais (AZEVEDO; ANDRADE, 2011).
12 Os movimentos pela Reforma Urbana iniciaram em 1963 com o apoio do Instituto dos Arquitetos

Brasileiros e unificou demandas e lutas pelo direito à cidade juntamente à luta pela democratização
do país. Em 1987 esses movimentos compuseram o Fórum Nacional de Reforma Urbana, de modo a
propor uma agente unificada para as cidades brasileiras. Essa pressão levou à emenda popular pela
Reforma Urbana na Constituição Federal de 1988, aprovando artigos referentes às questões
urbanísticas. Atualmente os movimentos encontram-se fragmentados e mantidos apenas em debates
e discussões (MARICATO, 2011).
51
função social das cidades, contudo “entre a retórica e a prática vai um abismo”
(MARICATO, 2011, p.189).
A ausência de reformas no que diz respeito ao “nó da terra”, não permitiu
avanços na ordem urbana, e, no que diz respeito a estrutura social e política:

“O clientelismo político nunca esteve tão forte como na primeira década do


século XXI nas cidades brasileiras. Autoridades do executivo e do legislativo
agem como donas de pedaços das cidades e de seus moradores
desafiando qualquer perspectiva de impessoalidade e racionalidade (ainda
que nos limites da sociedade capitalista) no uso do fundo público ou
planejamento no uso e na ocupação do solo” (MARICATO, 2011, p. 132).

Na lógica capitalista mantida nas bases patrimonialistas brasileiras, a


repetição e cumprimento das demandas do setor imobiliário privado seguiu
produzindo o espaço das cidades e investindo fundos públicos na produção de
localidades (MARICATO, 2011). A autonomia dos munícipios garantida pela
Constituição Federal brasileira de 1988, assim como constatado por Logan e
Molotch (1987), impulsionaram as coalizões locais de modo a favorecer os
interesses particulares dos agentes nessa escala. A partir de meados de 1990,
contudo, em meio a mudanças econômicas, uma nova dinâmica atinge o setor
imobiliário brasileiro e, consequentemente, reflete na produção do espaço urbano,
de modo a reforçar esse paradigma (FERREIRA, 2013), e é sobre isso que será
tratado a seguir.

1.3. Panorama da recente dinâmica imobiliária brasileira: das bases ao


decrescimento (1994-2016)

As transformações nas formas de produção imobiliária (marcos regulatórios,


financeiros e urbanísticos, bem como os produtos imobiliários) -, especialmente a da
moradia, estão vinculadas às contradições internas do modo de produção anterior.
Assim sendo, os ciclos de boom e recessão do setor imobiliário, não se dão somente
em função de oscilações no mercado - dinâmica econômica -, mas representam
também transformações das relações entre agentes que produzem o espaço
(RIBEIRO, 1997). Conforme Fix (2011), quando tais formas são extraídas de um
determinado modelo e desenvolvidas dentro de diferentes estruturas sociais e
padrões de acumulação, obtêm resultados particulares para cada contexto onde se
inserem. Desse modo, serão tratadas neste item a dinâmica imobiliária ocorrida
52
desde meados da década de 1990 no contexto brasileiro, quando o país finalmente
se insere no mercado internacional e entra em um progressivo processo de
recuperação econômica com o Plano Real, demonstrando os efeitos das mudanças
sociais e econômicas sobre a produção no território.
Desde a gênese do sistema capitalista de produção, o espaço é parte
integrante do circuito de valorização do capital, seja pela extração da renda da terra
feita pelo proprietário fundiário, pelo parcelamento e loteamento ou verticalização
feita pelo incorporador, ou então, nas décadas recentes, pela sua inclusão em forma
de títulos nos circuitos do capital financeiro (BOTELHO, 2007).
A trajetória do financiamento imobiliário no Brasil é marcada por
transformações de caráter econômico e social, principalmente quando voltado à
habitação. No início do processo de industrialização nacional, a emergência da
moradia foi suprida com a produção privada de agentes agropecuários e mercantis
com intuito de extrair renda. Posteriormente, com a Lei do Inquilinato em 1942, que
congelou o valor dos aluguéis, a produção de residências para a camada
trabalhadora foi reduzida, gerando grande aumento da demanda e escassez de
oferta. Diante disso, realizou-se as produções dos IAPs (Institutos de Aposentadoria
e Pensões)13 e da Fundação Casa Popular (FCP)14. (BOTELHO, 2007; AZEVEDO;
ANDRADE, 2011; FIX, 2011).
Paralelamente a essa atividade, a partir de 1940, o capital de empréstimos
disponível no mercado possibilitou um boom construtivo nas principais metrópoles,
caracterizando uma produção elitizada e dando base para a regulamentação da
figura da incorporação imobiliária no ano de 1964, com a criação do SFH, conforme
exposto anteriormente.
O SFH e seu órgão financeiro, o BNH, foram instituídos no Brasil diante da
responsabilidade Estatal sobre a habitação assumida pelo regime militar. Para o
novo regime instaurado, a garantia da propriedade privada representou controle
sobre a massa trabalhadora, ainda que o apelo econômico da geração de empregos

13 Os Institutos de Aposentadoria e Pensão tinham como prioridade a seguridade social de seus


mutuários, de maneira a extrair renda de sua produção. Deste modo, a maior parte de seus recursos
foi destinada a atender as maiores faixas de renda (FIX, 2011).
14 Em função da ausência de uma fonte de financiamento exclusiva, a iniciativa estatal teve produção

pouco significativa, tendo produzido somente 16.694 unidades até o fim de 1960 (ANDRADE;
AZEVEDO, 2011).
53
tenha sido o principal elemento central na estratégia do governo militar (ANDRADE;
AZEVEDO, 2011; ROLNIK, 2015).
A produção do BNH foi subdivida em três linhas de mercado de acordo com a
“clientela” a ser atendida, compreendendo famílias de 1 a 10 salários mínimos:
mercado popular, mercado econômico e o mercado médio. Quanto à suas fontes de
financiamento, foram utilizados os fundos do FGTS (Fundo de Garantia por tempo
de Serviço) na produção de unidades habitacionais para famílias de 1 a 5 salários
mínimos, correspondentes a clientela do mercado econômico. Nesse tipo de
empreendimento, os responsáveis pela execução eram as COHABS (Companhias
de Habitação) estaduais. A produção era padronizada, localizada distante dos
centros urbanos, conforme as práticas mercadológicas de produção da moradia já
expostas (ANDRADE; AZEVEDO, 2011). O SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança
e Empréstimo) financiava as duas demais faixas de mercado, para famílias acima
dos 5 salários mínimos. A execução dos imóveis para essas faixas era feita por
construtoras e incorporadoras e os produtos financiados aos consumidores finais
pelo BNH.
A produção do banco teve forte viés clientelista e movimentou o mercado
imobiliário brasileiro por aproximadamente 20 anos, quando foi extinto em 1986
devido a alta da inflação, o aumento da inadimplência, bem como “a ruptura da
coalizão de interesses empresariais e políticos que se articularam para sua criação”
(ROLNIK, 2015, p.286). Apesar do apelo social inicial, a produção voltada para a
faixa popular foi de apenas 35% do total, sendo a maior parte direcionada ao
mercado.
Com o fim do BNH o país entrou em uma crise do financiamento habitacional
que durou até meados da década de 1990, quando alterações na estrutura
econômica propiciaram o ambiente adequado para um novo dinamismo do mercado
imobiliário (ROLNIK, 2015). Essa dinâmica se derivou da aproximação do capital
financeiro com o capital imobiliário, também chamada de financeirização do
imobiliário, que pode ser definida como “a transformação de imóveis em ativos
financeiros, no sentido de uma desabsolutização da propriedade imobiliária”
(BOTELHO, 2007, p.15), transformando-a cada vez mais em capital fictício (FIX,
2011; RUFINO, 2012):

54
“Da mesma forma que o capital ‘imobiliza-se no imobiliário’, o ambiente
construído e o solo, de bens imóveis, tornam-se ‘bens móveis’, que circulam
através dos títulos de propriedade que a cada momento podem ser
monetizados. Para que possa haver um valor de troca do espaço, é
necessário que haja também ‘intercambialidade’ de frações desse espaço, e
essa intercambialidade é conseguida através do fracionamento e
homogeinização de parcelas crescentes do espaço (a produção de “células”
praticamente intercambiáveis). Nesse sentido, a propriedade fundiária (e
suas metamorfoses em direção à transformação do título de propriedade em
uma ação negociável no mercado financeiro) assume importante papel na
circulação capitalista, sendo a garantia contratual de intercambialidade entre
compradores e vendedores, bem como a garantia legal de extração de
renda fundiária” (BOTELHO, 2007, p.24).

Ainda de acordo com Botelho (2007), o caráter de capital fictício dos títulos
imobiliários se dá pelo fato de tais títulos, quando adquiridos no mercado financeiro,
corresponderem à garantia de extração de renda a partir de um trabalho futuro. Tal
renda capitalizada circula através de instrumentos imobiliários de propriedade que
podem ser trocados, desse modo, o espaço que é capital fixo, passa a circular como
valor.
A financeirização não é uma forma exclusiva de reprodução do capital
imobiliário, mas a principal forma de reprodução de todo o sistema capitalista desde
a crise de 1970 que ocorreu após anos de desenvolvimento econômico pós-guerra.
A flexibilização do mercado, bem como a autonomia do sistema bancário e
financeiro e a tecnologia da comunicação que facilitou a operação das bolsas de
valores, alavancou o crescimento do sistema de compra e venda de títulos de
diferentes naturezas e a reprodução do capital fictício. A maior abertura do mercado
financeiro dos países capitalistas ocorreu paralelamente ao aumento do poder de
agentes financeiros como os fundos de investimento, os fundos de pensão, os
conglomerados financeiros e os tradicionais bancos, o que influencia na dinâmica de
financiamento imobiliário e, consequentemente, na lógica de reprodução do espaço,
“que exacerba a reprodução do capital em detrimento das necessidades da
reprodução social” (RUFINO, 2012, p.29; BOTELHO, 2007; SANFELICI, 2013).
Esse processo teve início nos países de maior desenvolvimento econômico,
espalhando-se posteriormente por todo o globo. No Brasil, diante das políticas
econômicas adotadas na década de 1990, a entrada de capitais especulativos
internacionais representou uma maneira de equilibrar as contas externas do país.
Em compensação, essa abertura significou um endividamento e dependência dos
fluxos oscilantes provenientes do exterior (FIX, 2011; BOTELHO, 2007).

55
Em 1994 a economia brasileira iniciou um processo de estabilização após a
crise da década de 1980. Em meio a afirmação de uma política neoliberal, marcada
por processos de estabilização monetária – Plano Real -, reformas estruturais,
abertura comercial, desregulamentação financeira, privatizações e instauração da
nova moeda, inserindo o Brasil na mundialização financeira. Ocorre, com isso, o
crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e da renda média da população.
Conforme exemplifica Ribeiro; Silva (2017), a proporção de brasileiros pobres, em
um comparativo entre os anos de 1993 e 1995 – antes e depois do Plano Real –,
diminuiu de 44,1% para 33,2%. Nas metrópoles esse número foi ainda mais
expressivo, caindo de 45,1% para 31,2%. Apesar disso, o crescimento apresentado
foi baixo e marcado pelo ciclo de crises internacionais. Para mais, houve o aumento
da dívida pública em função de tais ajustes econômicos e a diminuição dos gastos
públicos (FIX, 2011; RIBEIRO, 2017).
A transformação de um modelo industrial, conforme o inaugurado na década
de 1930, para um modelo de mercado aberto teve enormes reflexos na configuração
urbana dos países latino-americanos, como no caso do Brasil. Tais reflexos
atingiram não somente os aglomerados e as redes de cidades, como também e a
estrutura interna das aglomerações (RIBEIRO; SILVA, 2017).
Para Botelho (2007), na ascensão do estado neoliberal brasileiro e a sua
consequente diminuição no papel de agente investidor, provocou uma alteração no
setor da construção civil em relação ao praticado nas décadas anteriores. Em
contrapartida, a democratização do país permitiu o combate as relações de viés
clientelista historicamente estabelecidas e o código do consumidor abordou a
questão qualitativa da produção de moradias voltadas às classes mais baixas.
Contudo, o governo de Fernando Henrique Cardoso não alterou a estrutura do SFH,
diminuindo a questão da habitação social.
Nos primeiros anos da década de 1990, ainda em processo de estabilização
econômica, ocorre uma nova movimentação do modo de produção das
incorporadoras, baseado no autofinanciamento. Nesse sistema, as próprias
incorporadoras passaram a financiar sua produção, ampliando a oferta de produtos
para a alta renda (8 a 15 salários mínimos, com condições de investir na própria
casa). Esse tipo de provisão própria, de mercado restrito, não deixa outras opções

56
as classes de menor renda que o crescimento da “cidade real” (MARICATO, 1996;
BOTELHO, 2007):

“Utilizando um marco regulatório que havia sido promulgado em 1971, as


construtoras mobilizavam um capital excedente de famílias de alta renda
que desejavam investir no setor imobiliário para proteger seus recursos em
tempos de hiperinflação. Os ‘cooperados’ aportavam capital inicial e
também pagavam as prestações no lançamento do edifício. Com o edifício
pronto, eram convidados a migrar para o sistema hipotecário do SFH, que
àquela altura restringia suas operações apenas a imóveis já prontos. Com a
migração de parte dos devedores para o SFH, as construtoras dispunham
de mais capital e liquidez para novos empreendimentos. Para gerenciar
essas operações, as construtoras foram criando suas próprias companhias
subsidiárias de crédito e diversificando seu perfil e forma de gestão”
(ROLNIK, 2015, p.290).

Já em meados da mesma década começam a acontecer as mudanças no


setor imobiliário no que concerne as formas de financiamento da moradia e ao passo
em que são lançados instrumentos ou “produtos financeiros” (ROLNIK, 2015, p.287)
– como o CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e os FIIs (Fundos de
Investimento Imobiliário) -, bem como novas regras para o estabelecimento de
companhias securitizadoras de recebíveis e a instauração do regime de alienação
fiduciária, criando um ambiente propício para a introdução do mercado imobiliário no
mercado de títulos. Em definição, os novos produtos financeiros são instrumentos
inovadores que independem de intermediação bancária e oferecem rentabilidade
aos investidores (BOTELHO, 2007; ROLNIK, 2015).
O primeiro produto financeiro lançado no mercado foi o Fundo de
Investimento Imobiliário (FII), pela Lei nº 8.668 de 1993. O FII consiste em um
instrumento de desabsolutização da propriedade imobiliária, uma vez que a
propriedade privada é substituída pela parcelar, que garante ao investidor a extração
da renda sobre o imóvel. Esse tipo de fundo, lançado inicialmente na cidade de São
Paulo, abrange diversos tipos de produtos imobiliários, desde shoppings centers a
galpões industriais, e, no setor da moradia, desde conjuntos habitacionais a
condomínios de alto padrão. O interesse mercadológico nesse tipo de título é a
vantagem para ambas as partes interessadas:

“A vantagem do lado do emprestador de recursos seria a de que os FIIs


tornam o investimento imobiliário acessível aos pequenos e médios
investidores, através do fracionamento da emissão de cotas, dando maior
mobilidade às transações de investimento imobiliário, evitando os trâmites
de escrituras, certidões e etc. E do lado tomador final de recursos, a
vantagem seria a possibilidade de aumentar o número de emprestadores,
atuando no varejo do mercado, diminuindo a dependência com relação aos
57
grandes investidores (fundos de pensão e investidores institucionais
diversos)” (BOTELHO, 2007, p.170).

Já os Certificados de Recebíveis Imobiliários correspondem a títulos


negociáveis de crédito imobiliário com pagamento feito em dinheiro:

“Além de ser fonte de financiamentos, os CRIs podem, com a formação de


um mercado secundário de negociação desses créditos, se transformarem
em uma nova fonte de ganhos com especulação com papéis, elemento
fundamental da nova configuração do capitalismo contemporâneo, onde o
circuito financeiro ganha importância” (BOTELHO, 2007, p.179).

Ambos os produtos imobiliários se constituem em capital fictício que


representa a financeirização da propriedade imobiliária, contudo, como alertou
Botelho (2007), esses títulos são fundamentados em propriedades reais e os lucros
extraídos dependem da valorização do produto imobiliário.
A financeirização também atingiu política a habitacional, de modo que a
habitação deixou de ser reconhecida como direito, ou seja, “a função financeira se
sobrepõe à função social” (FIX, 2011, p.213). Especificamente em relação ao
produto habitacional, em 1995 foi lançado o Programa Carta de Crédito, permitindo o
financiamento individual ou associativo de até 500 unidades para famílias com renda
até 12 salários mínimos, podendo ser utilizados em compra ou ampliação de
moradias. Rolnik (2015) explica que o Programa que durou de 1995 a 1998
absorveu 76% dos recursos do FGTS (retomado a partir da estabilidade econômica
do país), alterando o caráter da produção habitacional das classes médias de um
modelo de construção de habitações novas baseado em prestadoras públicas, por
um modelo de financiamento ao mutuário final.
Com a estabilidade de preços alcançada em 1996, as famílias de classe
média e baixa passam a financiar o boom da produção habitacional no país por meio
do autofinanciamento - organizado em cooperativas ou então por meio de
consórcios imobiliários -, diante da possibilidade de planejamento para o
investimento na casa própria.
Em 1997, pela Lei nº 9.514 é criado o SFI (Sistema Financeiro Imobiliário),
“inspirado no modelo de hipotecas norte-americano reformado em 1970” (ROLNIK,
2015, p.287). Para Botelho (2007), a criação do SFI é o marco da financeirização do
mercado imobiliário brasileiro em um contexto de menor intervenção estatal,
baseado na crescente mercantilização das políticas habitacionais e de
58
financiamentos feitos sob as condições do mercado. Não se trata, contudo, de uma
substituição do SFH, mas de uma integração do sistema que necessitava de
renovação e as novas necessidades do mercado, ou seja, mantem-se no novo
Sistema financeirizado as fontes de financiamento do sistema anterior – FGTS e
SBPE.
O principal instrumento do SFI foi a figura da alienação fiduciária e a
securitização15 do financiador em relação ao mutuário:

“Para proteger a segurança da posse dos moradores, a lei brasileira não


permite a penhora do bem de família em caso de dívida, quando ele
representa a única propriedade da família e quando é efetivamente utilizado
para fins de moradia. Do ponto de vista dos investidores, essa proibição
representava um obstáculo para o desenvolvimento do financiamento
imobiliário no setor habitacional. Essa restrição foi superada com o advento
da possibilidade da venda de unidades habitacionais por meio de contratos
de alienação fiduciária, que mantêm a propriedade jurídica da unidade
habitacional com o credor até o pagamento total da dívida, momento em
que o tomador do empréstimo obtém o título de propriedade. Essa mudança
específica no direito privado brasileiro destravou a possibilidade de
mobilizar casas como garantia de operações financeiras (ROLNIK, 2015,
p.288).

Rolnik (2015) expõe que as operações referentes a securitização


representaram para os investidores uma maneira de captar recurso para a produção
imobiliária rentista à longo prazo, oferecendo um menor custo de crédito e a
possibilidade de abranger as classes de menor poder aquisitivo pelo desenho de um
marco confiável para o setor imobiliário, fomentando a oferta de habitação pelo
mercado. Diante da retomada de crescimento e do aumento de trabalhadores com
registro e consequente recuperação do FGTS, o mercado habitacional ganha novas
medidas regulatórias no início de 2000 que permitem a ampliação da concessão de
crédito, constituindo os antecedentes do programa Minha Casa Minha Vida.
No que diz respeito a habitação de interesse social, ainda no governo
Fernando Henrique Cardoso, foi lançado o PAR (Programa de Arrendamento
Residencial), onde o empreendedor privado era responsável por todo o
empreendimento – desde a compra do terreno até a construção -, e as prefeituras

15 O conceito de securitização aqui apresentado diz respeito ao processo pelo qual agentes
financeiros, empresas produtivas e Estado, emitem “títulos de dívida” com diversas finalidades. Os
títulos podem ter taxas e prazos de rendimentos negociados, tornando-se flexível a uma variedade de
agentes. Esse título substituiu o empréstimo convencional feito pelos bancos, minimizando os riscos
através de instrumentos de proteção que neutralizavam os riscos da perda de capital por meio da
volatilidade dos ativos securitizados. Os títulos são emitidos pelas Companhias Securitizadoras de
Créditos Imobiliários, instituídas pela lei do SFI, em forma de CRIs – Certificados de Recebíveis
Imobiliários (BOTELHO, 2007).
59
tinham o único papel de selecionar a demanda final, que seria financiada pela CEF
(Caixa Econômica Federal). Foi lançado também o PSH (Programa Social de
Habitação), pelo qual o Estado leiloava subsídios aos bancos de segunda linha para
a construção de casas em parceria com os municípios. Ambos os Programas
atingiram uma pequena escala de produção (ROLNIK, 2015).
Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil. A primeira
iniciativa de Lula no poder foi a criação do Ministério das Cidades, órgão que
assumiu a pauta da reforma urbana, envolvendo habitação, saneamento e
transporte. Nesse sentido, no que concerne a produção habitacional, a proposta
desde a campanha eleitoral, consistia no Projeto Moradia que fazia parte de um
conjunto de medidas de enfrentamento a questão social e geração de empregos. Em
2004 foi criada a Política Nacional de Habitação (PNH), prevendo dois novos
sistemas: o Sistema de Habitação Social e o Sistema de Habitação de Mercado,
com fontes distintas de recursos.
Dentro da PNH, o Projeto Moradia propunha a criação do SNH (Sistema
Nacional de Habitação), destinado a gerir fundos para a construção de casas para
famílias de baixa renda. Para a implementação do Sistema, era prioritária a
aprovação FNH (Fundo Nacional de Habitação), com recursos provenientes do
Orçamento Geral da União (OGU) e do FGTS. A aprovação de grande parte da
proposta só foi feita de fato em 2005, sob grande pressão popular, com a criação do
Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e seu fundo FNHIS
(Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social), com recursos destinados a
produção de habitação, regularização, urbanização, entre outros fins. A política
distribuída nas três escalas de governo, exigia o desenvolvimento de Planos Locais
de Habitação de Interesse Social (PLHIS), para que as prefeituras tivessem acesso
aos fundos.
Também em 2004, foram tomadas medidas para a ampliação do crédito e
dinamização da produção imobiliária. Além da manutenção da alienação fiduciária,
foi também regulamentado pelo Banco Central a aplicação dos fundos do SBPE e do
FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais) no empréstimo imobiliário,
e a instauração da MP do Bem, “que isentava os impostos a venda de imóveis,
desde que o resultado fosse aplicado imediatamente na compra de outro imóvel
residencial” (ROLNIK, 2015, p.289). Com essas iniciativas as aplicações que

60
utilizaram recursos do SBPE saltaram de 2 bilhões de reais de 2002 para 18 bilhões
em 2007. Além de que, uma decisão do conselho gestor do FGTS de 2005, permitiu
a ampliação do subsídio federal, dobrando o orçamento na área de habitação
(ROLNIK, 2015).
A aprovação do FNH diante de grande oposição na equipe econômica, foi
feita somente em 2006, juntamente com a consolidação da estratégia de incentivo
ao consumo dos trabalhadores, possibilitando a inclusão econômica da nova classe
média16, que representou um importante nicho de mercado (CARDOSO; ARAGÃO,
2013; ROLNIK, 2015). Para Fix (2011), o boom imobiliário desse ano deveu-se às
políticas de ampliação de crédito, bem como, à abertura de capital das empresas
construtoras e incorporadoras.
Rolnik (2015) considera que, apesar das medidas do início da década de
2000 terem ampliado os créditos habitacionais e garantirem o papel do setor privado
na produção de moradias, elas não representaram a financeirização desse produto,
uma vez que não houve a formação de um mercado de hipotecas - tal qual o norte-
americano -, nem a participação intensa do mercado financeiro. Contudo, a
financeirização que não afetou a produção, atingiu o processo de reestruturação das
empresas.
A partir do início dos anos 2000 as incorporadoras – algumas atuantes no
país desde 1954, como a Gafisa -, passaram por um processo de abertura de seus
capitais, recebendo fundos de investimento internacionais (SHIMBO, 2010; FIX,
2011; RUFINO, 2012). O interesse externo no investimento nas incorporadoras
imobiliárias brasileiras se deu em função da crise no mercado asiático, mexicano e
argentino no final da década anterior. O processo de compra de parte das empresas
pelos fundos de investimento, bem como o lançamento de seu capital na bolsa de
valores, “revelam o processo de tomada da incorporação residencial pelo setor
financeiro nos primeiros anos da década de 2000” (ROLNIK, 2015, p.292).
Ainda de acordo com Rolnik (2015), a nova injeção de capital permitiu que as
incorporadoras criassem landbanks, dentro de um plano de investimento de longo
prazo, ação que interferiu nos preços dos terrenos nas grandes cidades brasileiras.
Diante da recente disponibilidade de crédito, as incorporadoras passaram também a

16
Diante do cenário de estabilização econômica no país, a nova classe média, ou “baixa classe média”,
representou a população com recente poder de compra, para as quais foram destinados produtos populares,
uma vez identificada como um “novo nicho de mercado” (ROLNIK, 2015).
61
atuar na produção voltada para a “baixa classe média”, linha que historicamente era
atendida apenas por duas grandes incorporadoras nacionais – MRV e Tenda. Na
década de 1990 as incorporadoras Inpar, Rodobens e Rossi também passam a
atuar nesse mercado. As demais incorporadoras, voltadas a produção de alta renda,
criaram marcas exclusivas para essa linha crescente de produção somente diante
da dinâmica de abertura de capital do início dos anos 2000. Assim, o setor
capitalizado lidou com as barreiras da formação social brasileira por meio de
inovações como a variação geográfica, os novos produtos imobiliários –
condomínios fechados periféricos, condomínios voltados a “nova classe média”,
shoppings centers afastados das centralidades estabelecidas -, na reorganização
empresarial e na racionalização nos canteiros de obras (SHIMBO, 2010; FIX, 2011;
RUFINO, 2012; CARDOSO; ARAGÃO, 2013).
O estouro da bolha imobiliária na crise norte-americana do subprime fez com
que os investidores começassem a vender suas ações, ameaçando todo o setor
imobiliário e a principal estratégia do governo brasileiro.
Resumidamente, a trajetória que guiou a crise imobiliária americana de 2008
se iniciou na década de 1990 no governo Clinton pela iniciativa National Partners in
Homeownership, desenvolvida, em teoria, para o benefício das classes de menor
poder aquisitivo e minorias, em um contexto de estagnação salarial e de déficit de
políticas públicas de qualidade (FIX, 2011) A iniciativa foi financiada por empresas
emissoras e negociadoras de hipotecas patrocinadas pelo governo, Fannie May e
Freddie Mac. Porém, como explicou Harvey (2014), com o aumento de crédito de
risco no mercado, ampliou-se a especulação – típica da produção de capital fictício -
enquanto a produção de moradias não acompanhou a oferta crescente de crédito e
“diante de uma insuficiência da criação de valor por meio da produção, essa fantasia
levaria inevitavelmente a um final trágico. E foi o que aconteceu” (HARVEY, 2014,
p.101).
A partir disso, quando o sistema começou a entrar em colapso e os preços
dos imóveis começam a cair, as empresas financiadoras ligadas à “máquina de
crescimento urbano” (LOGAN; MOLOTCH, 1987), não cobraram os empreiteiros e
construtores securitizados, mas sim, a população consumidora final e de menor
poder aquisitivo para as quais abriram crédito, executando as hipotecas e resultando
em milhões de desabrigados e casas vazias (HARVEY, 2014; FIX, 2011).

62
Diante da crise que se aproximava a partir do colapso americano, a Caixa
Econômica Federal tentou comprar participações nas construtoras e incorporadoras
brasileiras, mas sob acusação de tentativa de interferir de modo estatal nas
empresas, não o fez. O setor privado passou a impor termos ao Estado para a
produção de moradias de baixo custo sob sua lógica (FIX, 2010; CARDOSO;
ARAGÃO, 2013; ROLNIK, 2015).
Assim o Ministério da Fazenda, juntamente ao setor da construção civil,
elaborou um “pacote habitacional” – derivado do modelo chileno e mexicano -,
visando atender os setores do mercado através de subsídios repassados
diretamente do Estado ao consumidor final, visto que sem a intervenção estatal o
mercado privado entraria em colapso. Inicialmente são propostas 200 mil unidades
voltadas às famílias entre 4 e 10 salários mínimos. A proposta totalmente
desvinculada a PNH, bem como desconsiderando a questão da concentração
fundiária e sem a obrigatoriedade da aplicação dos instrumentos do Estatuto das
Cidades17, quando apresentada ao presidente Lula, ganhou novos direcionamentos
com contornos clientelistas:

“O Minha Casa Minha Vida formula uma resposta para a questão urbana
não a partir das características intrínsecas ao problema, mas sim das
necessidades impostas pelas estratégias do poder e dos negócios. Alçou a
habitação a um ‘problema nacional’, mas o definiu segundo os critérios de
uma fração do capital, o circuito imobiliário e o poder” (FIX, 2011, p.233)

Em 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) é aprovado pela


Medida Provisória nº459 de 25 de março de 2009, transformando-se na Lei 11.977
de 7 de julho de 2009. O “pacote habitacional” inicialmente proposto pelo Ministério
da Fazenda, desse modo, tornou-se um “programa anticíclico” por meio da geração
de empregos. A proposta do presidente Lula aumentou as 200 mil para 1 milhão de
unidades habitacionais e agregou uma faixa da população que não se encaixa no
“setor econômico”, a faixa 1 (0 a 3 salários mínimos), para qual destinava-se
subsídio integral. Os moradores, selecionados pelas prefeituras a partir do cadastro
local, pagariam o “valor simbólico” de 5% da renda familiar (CARDOSO; ARAGÃO,
2013, ROLNIK, 2015).

17 Lei 10.257/2001 que dispõe sobre a função social do solo urbano a partir de instrumentos que
visam combater a especulação fundiária.
63
O Programa recebeu um total de R$34 bilhões de reais provenientes do
Orçamento Geral da União e do FGTS. Para as famílias de menor renda, o proposto
era a construção de 400 mil moradias, por meio do Fundo de Arrendamento
Residencial18 (FAR), o MCMV Entidades e o Programa Nacional Habitação Rural
(PNH-Rural) – os dois últimos desenvolvidos sob pressão dos movimentos sociais e
que corresponderam a 1% da produção total. Inicialmente desenvolvido para
cidades com população maior de 100 mil habitantes, a pressão política exercida
pelos deputados com bases eleitorais em cidades menores, levou a aprovação de
mais uma vertente, o MCMV-Sub 50, para cidades menores que 50 mil habitantes
(CARDOSO; ARAGÃO, 2013, ROLNIK, 2015).
Para a faixa 2 (3 a 6 salários mínimos), eram previstas a construção de 400
mil unidades, pelo Programa Nacional de Habitação Urbano (PNHU) e rural (PNHR),
com subsídios de até 20% do valor da unidade. Já para a faixa 3 (6 a 10 salários
mínimos), objetivou-se 200 mil unidades, com fundos do FGTS, cuja vantagem era o
financiamento com custos abaixo do mercado. Nessas modalidades a CEF
financiava a construção, mas a responsabilidade pela comercialização ficava a cargo
das empresas, bem como os riscos e responsabilidades sobre o financiamento
(CARDOSO; ARAGÃO, 2013; ROLNIK, 2015).
Com o lançamento do Programa, as incorporadoras e construtoras de capital
aberto recuperaram o valor de suas ações:

“Não há dúvida de que o setor imobiliário e, especialmente, as


incorporadoras financeirizadas e seus investidores foram altamente
beneficiados pelo programa, já que este não só os salvou da derrocada,
como impulsionou o valor e suas ações. Realizados seus lucros, essas
grandes empresas, que foram as que mais lançaram unidades no programa
em sua primeira fase, começam lentamente a deixa-lo na fase 2, voltando-
se para os nichos mais tradicionais de mercado. De qualquer forma,
impulsionado pelo programa, o crédito habitacional passou de 1,55% do PIB
do país, em 2006, para 3,48% em 2010 e 6,73% em 2013 (ROLNIK, 2015,
p.306).

O setor da construção civil teve crescimento expressivo com o lançamento do


Programa (47% entre 2003 e 2013), além da criação de 2,23 milhões de postos de
trabalho formais, permitindo concluir que como medida anticíclica, o Programa foi

18 Nesse tipo de financiamento a produção é por oferta, o que significa que a construtora seleciona o
terreno e o projeto, o aprova junto a prefeitura - de maneira a não agregar custos de incorporação -,
vende sua produção para a CEF, isentando-se dos riscos de inadimplência. O PMCMV permitiu
alterações urbanísticas para desburocratizar os usos dos terrenos, normalmente de propriedade das
construtoras (CARDOSO e ARAGÃO, 2013).
64
bem-sucedido (ROLNIK, 2015). Mais que isso, nas engrenagens clientelistas que
regem a sociedade e o estado brasileiro, o Programa representou uma significativa
estratégia eleitoral, levando a presidência no ano seguinte ao lançamento do
Programa a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, “mãe do Minha Casa Minha Vida”
(ROLNIK, 2015, p.306), além de mover as engrenagens do poder nas escalas locais
por meio da distribuição das casas feita pelas prefeituras.
Tamanho êxito inicial do Programa levou a sua renovação em 2011, MCMV-2,
e em 2014, a promessa do MCMV-3, garantindo a vitória de Dilma nas urnas em
2014 novamente, quando já estavam contratadas 3,5 milhões de unidades
habitacionais. De medida anticíclica e “pacote de financiamento de incorporadoras
financeirizadas” (ROLNIK, 2015, p. 308), o PMCMV torna-se o modelo de política
habitacional do país e a única maneira de acesso a casa própria, por meio do
mercado e de crédito hipotecário (ROLNIK, 2015). Contudo, já no ano de 2014
surgem os primeiros sinais de recessão no setor, quando o saldo disponível nos
fundos foi menor que a demanda de crédito que seguia sendo estimulada. Apesar
disso, o setor segue com a produção, sendo que em 2015 o número de contratações
do PMCMV chegava a 4,36 milhões de unidades, com 2,9 milhões de moradias já
entregues. Nesse mesmo ano, a crise econômica fica explicita na retração do crédito
imobiliário, mantido somente pelos bancos públicos. Diante disso, a CEF tomou
iniciativas para conter a demanda, como o aumento dos juros e a diminuição de
subsídios para imóveis novos e usados (CARDOSO; JAENISCH; ARAGÃO, 2017).
Em março de 2016, em meio a forte crise política dada pelo rompimento das
coalizões que fundamentaram os três mandatos anteriores do Partido dos
Trabalhadores (MENDES, 2018), a CEF volta a conceder maiores subsídios para os
imóveis, tentando novamente aquecer o setor por meio dos recursos do FGTS que
não haviam sido afetados como os do SPBE. A desaceleração também atingiu os
setores de securitização e de emissão de CRIs, que diante da baixa do mercado
imobiliário, voltaram-se para outros setores da economia. Diante do cenário
estabelecido, a alta dos preços dos imóveis urbanos foi estagnada após um
crescente que durava desde 2005. Com a adoção de medidas conservadoras
visando os cortes de gastos públicos, o lançamento do MCMV-3 foi adiado,
enquanto a queda do PIB foi substancial (-3,8%) e se perderam mais de 1,5 milhões
de postos de emprego. A situação econômica, alinhada as graves denúncias de

65
corrupção amplamente divulgadas pela mídia, que fundamentaram a crise política,
resultaram na culpabilização da presidente Dilma Rousseff até sua deposição no fim
do processo de impeachment em agosto de 2016, tornando imprevisíveis os novos
rumos do setor imobiliário no Brasil (CARDOSO; JAENISCH; ARAGÃO, 2017).

66
Figura 1- Síntese dos eventos que configuraram a recente dinâmica imobiliária brasileira
Fonte: Botelho (2007), Shimbo, (2010), Fix (2011), Rufino (2012), Sanfelici (2013), Rolnik (2015), Cardoso; Jaenisch; Aragão (2017). Organizado pela autora.

67
Ao longo do tempo, o dinamismo imobiliário provocou efeitos sobre o território
das cidades brasileiras. Para Botelho (2007) tanto os novos produtos imobiliários
quanto as possibilidades de autoconstrução da década de 1990 resultaram no
fortalecimento da fragmentação urbana. A especulação mercadológica do setor
imobiliário, bem como as formas de autofinanciamento das camadas de menor
poder aquisitivo feitas pela produção das cooperativas reforçaram a segregação
socioterritorial que marcou as metrópoles brasileiras até os dias atuais:

“O investimento imobiliário financeirizado, convém insistir aqui, constitui


peça chave dessa cidade cada vez mais avessa à apropriação e ao uso. O
caráter avassalador que o investimento imobiliário adquiriu, algumas de
cujas formas procuramos desvendar, acentuou formas de segregação,
fragmentou ainda mais o tecido espacial urbano (inclusive nas periferias) e
vem induzindo a práticas cotidianas cada vez mais privatizadas. Mais do
que isso, quase um decênio de aceleração do investimento imobiliário
pouco contribuiu para aplacar as imensas carências habitacionais no Brasil,
desmentindo cabalmente os discursos ideológicos com os quais se
procurou justificar toda sorte de medidas de estímulo ao crédito imobiliário e
à financeirização” (SANFELICI, 2013, p.281).

Os “novos produtos” construídos nas periferias – como os condomínios, em


paisagens monótonas, tratam-se de uma “urbanização sem cidade”, tal qual
Lefebvre (2001) chama de urbanização desurbanizada. Esses empreendimentos
instalados nas localizações periféricas sem qualidade de mobilidade satisfatória,
resultam em horas diárias de deslocamento dos consumidores nas maiores
metrópoles do país (FIX, 2011; RUFINO, 2012; SANFELICI, 2013).
O PMCMV, por sua vez, diante da grande disposição de decisões
arquitetadas pelo setor privado, manteve a lógica e as estratégias de reprodução
capitalistas expostas anteriormente: em busca de maiores rendas, foram escolhidas
as localizações de menor custo, ou seja, as periféricas, nas margens urbanas, onde
se instalaram os grandes conjuntos habitacionais horizontais e monótonos, ou os
“enclaves fortificados”, direcionados as faixas 1 e 2 do Programa – uma nova
tipologia habitacional para essa classe social, a do condomínio fechado. Bem como
anteriormente apresentado, o resultado foi o fortalecimento da segregação urbana,
do aumento da violência e dos extensos deslocamentos. Os empreendimentos
voltados a faixa 3, por outro lado, foram localizados em áreas com melhor
infraestrutura. Outro efeito colateral do programa foi o alto preço adquirido pelos
imóveis diante da oferta de crédito, demonstrando o sobrelucro de conjuntura obtido
pelas empresas (CARDOSO; ARAGÃO, 2013; ROLNIK, 2015).
68
Dessa maneira, sabe-se que a dinâmica imobiliária que ocorreu no país
desde meados da década de 1990 – a partir do processo de estabilização
econômica do país -, proporcionou um boom imobiliário que alavancou a entrada de
novos agentes na produção do espaço urbano, fato caracterizado pela abertura das
empresas brasileiras ao mercado internacional. Com isso, surgiram novos produtos
urbanos, explorando e criando novas localizações, em sua maioria periféricas, como
é o caso dos condomínios-clube para as classes de alta renda, condomínios
fechados para a “nova classe média” e os tradicionais componentes das periferias
urbanas, os bairros populares para os agentes sociais excluídos, produzidos pela
faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida.
Nas grandes metrópoles brasileiras, o movimento de produção periférica das
cidades nas últimas décadas é amplamente abordado pela bibliografia (SHIMBO,
2010; FIX, 2011; RUFINO, 2012; SANFELICI, 2013; CARDOSO; ARAGÃO, 2013;
ROLNIK, 2015,). Contudo, conforme exposto por Corrêa (2011), as dinâmicas de
produção do espaço variam de acordo com a escala demográfica e as
particularidades de cada lugar. Assim sendo, a mesma dinâmica que impactou as
periferias das grandes metrópoles brasileiras também se apresentou, mesmo que
tardia, nas cidades de menor porte, tornando necessária a pesquisa sobre suas
caracteristicas e seus efeitos, em maior ou menor escala, nesse tipo de território.
Tendo em vista a produção residencial periférica derivada do dinamismo
imobiliário analisado, bem como o “trabalho de fronteira” exposto por Logan e
Molotch (1987) para a criação de localizações, o próximo capítulo abordou os
processos de metropolização e conurbação entre núcleos urbanos e os efeitos
socioterritoriais desses fenômenos, bem como caracterizou as cidade média e as
transformações em cidades metropolitanas para além dos grandes centros
brasileiros, tendo como fonte o trabalho de outros pesquisadores. Com esta análise,
se obteve subsídios para o estudo dos efeitos da recente dinâmica imobiliária na
borda conurbada de Maringá e Sarandi, seus produtos, estratégias mercadológicas
e agentes envolvidos na produção desses espaços, objetivo desta pesquisa.

69
CAPÍTULO 2 – DINAMISMO IMOBILIÁRIO NAS BORDAS
CONURBADAS METROPOLITANAS

Com a exposição da relação direta entre as transformações sociais,


econômicas, políticas e históricas e a produção do território realizada no capítulo
anterior, tornou-se fundamental a compreensão dos processos que resultam ná área
analisada por esta pesquisa – as bordas conurbadas metropolitanas. Dessa
maneira, o presente capítulo destinou-se a reconhecer os conceitos geográficos
referentes a conurbação e metropolização, bem como às questões envolvidas nesse
tipo de formação. No mais, o capítulo ainda buscou caracterizar situações
fronteiriças no território nacional, para além das grandes metrópoles brasileiras.

2.1. A formação dos aglomerados urbanos metropolitanos: aspectos


geográficos e socioterritoriais

Os processos de modificação da estrutura laboral e da industrialização tardia


no Brasil, como anteriormente explorados, resultaram na vinda dos moradores do
campo para as cidades e na formação da “cidade real”, tal qual expõe Maricato
(1996). O contingente populacional que migrou para os núcleos urbanos nas
décadas posteriores – de 36,2% de população brasileira urbana em 1950 para
81,2% em 2000 e 84% em 2010 -, impulsionou a contínua produção do espaço
urbano, de modo a dotar as cidades de novo significado e desencadear novos
“arranjos espaciais”, ou seja, conjuntos urbanos aglomerados, centralizados e
complexos, especialmente após as iniciativas urbano-industriais da década de 1970
(MOURA, 2009; RIBEIRO; SILVA, 2017). Segundo Moura (2009):

“A formação dos arranjos espaciais tem estreitas relações – mas não


obrigatórias – com a origem e expansão das aglomerações urbanas,
decorrentes do processo de urbanização e metropolização, consideradas
como principais resultados dos movimentos concentradores do modelo
capitalista de produção. Podem também ter origem em projetos organizados
de ocupação, na presença de infraestruturas marcantes ou grandes projetos
de desenvolvimento, todos capazes de impulsionar o fenômeno da
urbanização concentrada” (MOURA, 2009, p.13).

A partir do fenômeno da industrialização tardia algumas das cidades


brasileiras, especialmente as capitais, se conformam como metrópoles - “cidade
70
mães”-, ou polos influentes sobre as cidades do entorno, que dominam grandes
espaços de produção e consumo em um processo bilateral de implosão e explosão
urbana, caracterizado por Lefebvre (2001) - as cidades implodem ao ponto que
concentram pessoas e aumentam sua densidade e explodem para além de seus
limites absorvendo seu entorno (MOURA, 2009; FREITAS, 2010). Ribeiro; Silva
(2017), explicam que os fenômenos de urbanização e metropolização brasileiras
ocorreram em um período de tempo próximo, resultando em um rápido processo de
urbanização e em uma “metropolização precoce”.
A partir disso, a influência socioeconômica dos polos sobre as cidades
próximas, ao longo do tempo, propiciaram o processo de configuração territorial de
conurbação urbana19, ou seja, a fusão de municípios distintos em uma única mancha
urbana que extrapola os limites políticos municipais:

“Iniciou-se então uma contradição entre a cidade como organismo físico e


socioeconômico e a do ponto de vista político-administrativo. Encarado
desse ponto de vista processo de conurbação ocorre quando uma cidade
passa a absorver núcleos urbanos localizados à sua volta, pertençam eles
ou não a outros municípios. Uma cidade absorve outra quando passa a
desenvolver com ela uma intensa vinculação socioeconômica. Esse
processo envolve uma série de transformações tanto no núcleo urbano
absorvido como no que absorve” (VILLAÇA, 2001, p.51).

Historicamente, o fenômeno urbano da conurbação - assim nominado pelo


planejador Patrick Geddes -, ocorre nas metrópoles industriais europeias como Paris
e Londres desde meados do século XIX. No Brasil, o fenômeno foi inédito até a
década de 1920 e intensificado após a década de 1950, bem como nos Estados
Unidos, onde a ocorrência frequente levou esses tipos de arranjos territoriais a
serem chamados de Standart Metropolitan Statistical Areas 20 (OLIVEIRA, 1973;
VILLAÇA, 2001).
A condição morfológica da conurbação é facilitada por conexões que
permitem a integração funcional e pela proximidade entre núcleos urbanos.

19
O fenômeno territorial da conurbação não é exclusivo das metrópoles, podendo acontecer em cidades
vizinhas, sem a preponderância de uma sobre a outra (OLIVEIRA 1973). Para a ocorrência do fenômeno sem a
presença de um núcleo – metrópole -, Villaça (2001) denomina como áreas urbanas em oposição ao núcleo
urbano. Exemplo desse tipo de conformação na mesma região de Maringá são as cidades de Arapongas e
Apucarana.
20
O conceito de Área Metropolitana passou a ser utilizado por publicações norte-americanas a partir da década
de 1950 e adotado pelo serviço de Recenseamento dos Estados Unidos na mesma década. Segundo Oliveira
(1973), o termo, nos Estados Unidos, corresponde ao fenômeno inglês – conurbation – e ao francês –
aglomeration.

71
Conforme Oliveira (1973), as conexões rodoviárias e ferroviárias, por exemplo,
tendem a provocar uma conexão inicialmente linear, “em corda”, de modo que,
conforme se intensifica a expansão, ocorre a absorção urbana:

“A absorção é um processo, em geral lento, de crescente transformação de


uma área urbana – nucleada ou não, com mais ou menos características de
cidade – em bairro ou conjunto de bairros da metrópole. Esses bairros ou
conjunto de bairros podem ser industriais ou residenciais ou ambos.
Caracteriza-se pelos seguintes processos fundamentais: em primeiro lugar,
a tendência à crescente homogeneização socioeconômica em oposição a
heterogeneidade que caracteriza a cidade, em segundo, ocorre uma
crescente polarização pelo centro metropolitano, e em terceiro, a inserção
no esquema geral da segregação metropolitana. Reduzidas cada vez mais
a bairros – por maiores que sejam -, as cidades subúrbios tendem a perder
sua segregação própria ou a não desenvolver a segregação apresentada
pelas cidades de interior, nas quais a diversidade social faz aparecer certa
diversidade de bairros segregados. Isso porque passam, lentamente, a
fazer parte de uma outra cidade” (VILLAÇA, 2001, p.65).

Ainda segundo Villaça (2001), são quatro “tipos puros” pelos quais a
conurbação urbana pode acontecer. Esses tipos podem ocorrer em um mesmo
núcleo em diferentes momentos históricos, de acordo com seu desenvolvimento.
Uma cidade pode, por exemplo, gerar um novo núcleo em seu entorno, a partir de
sua influência, ou fazer crescer um núcleo próximo estagnado, considerando fatores
como a posição geográfica e as conexões entre os dois núcleos.
Em sua descrição e classificação desses tipos para o mesmo fenômeno, o
autor explica que o primeiro ocorre pela absorção de núcleos distantes que nunca
atingiram a condição de cidades por nascerem como subúrbios, como é o caso dos
distritos nos municípios brasileiros. O segundo arranjo ocorre quando o polo surge
posteriormente a partir de algum elemento impulsionador, como uma estação
ferroviária, por exemplo, atraindo a expansão de outros núcleos urbanos próximos a
ele.
A terceira configuração ocorre quando polos independentes, a partir de sua
expansão, são absorvidos pela metrópole, ainda mantendo suas “características
interioranas” de município independente: centro tradicional forte, praças centrais e
variedade de tipos de bairros residenciais e classes sociais. A última forma, ocorre
quando pequenos núcleos do entorno são absorvidos pela metrópole e tornam-se
dependentes dela (VILLAÇA, 2001).
No que diz respeito a funcionalidade dessas cidades fundidas
morfologicamente, Oliveira (1973) classifica três tipos de conurbação: as inurbações

72
– correspondentes a fusão de indústrias e serviços -, as suburbações, onde o centro
industrial do município conurbado depende da cidade vizinha, e as interurbações,
quando ocorre uma dependência entre cidades, quando uma supre a necessidade
da outra.
Conforme o exposto, o processo de conurbação resulta em aglomerados
urbanos que funcionam como um sistema composto por municípios autônomos que
se integram não somente física, mas funcionalmente. Se um desses municípios que
compõem a área metropolitana se destaca no arranjo espacial formado, o mesmo
configura-se como uma metrópole (VILLAÇA, 2001, FREITAS, 2010):

“Corresponde à cidade principal de uma região, aos nós de comando e


coordenação de uma rede urbana que não só se destacam pelo tamanho
populacional e econômico como também pelo desempenho de funções
complexas e diversificadas (multifuncionalidade), e estabelecem funções
econômicas com várias outras aglomerações” (MOURA; LIBARDI; BARION,
2006, p. 133).

Constatada a existência desses arranjos urbanos em todo o Brasil, em 1973


foram criadas as primeiras regiões metropolitanas pela Lei Complementar nº.14,
segundo a Constituição Federal de 1967 (RIBEIRO; SILVA, 2017). Já em 1988, o
parágrafo 3º do artigo 25 da Constituição Federal atual determinou que os estados
se responsabilizassem pela criação de Regiões Metropolitanas (BELOTO, 2003;
FREITAS, 2009; VILLAÇA, 2012; RIBEIRO; SILVA, 2017). Segundo Freitas (2010),
os princípios para o estabelecimento de uma Região Metropolitana são a grande
concentração populacional urbana, a presença do fenômeno de conurbação,
determinado grau de urbanização e a presença de uma cidade polo com destaque
no cenário estadual e nacional. Contudo, a ausência de critérios efetivos
determinados pela Lei Federal, bem como a possibilidade de criação das mesmas
pelas Unidades Federativas, levou a criação de Regiões Metropolitanas – muitas
vezes por desejos políticos - que não atendem necessariamente a dinâmica regional
e comportam-se como aglomerados urbanos (MOURA; LIBARDI, BARION, 2006),
como é o caso de Maringá. A responsabilidade dos estados sobre a criação de
Regiões Metropolitanas e aglomerações dificultou a medição do fenômeno de
formação de áreas metropolitanas devido à ausência de critérios unificados entre
todos os estados:

73
“Uma cidade central não obrigatoriamente constitui uma Região
Metropolitana, mesmo aquela dotada de uma grande área de influência e de
um complexo arranjo espacial, quanto aos princípios de mercado,
transporte, administrativo, entre outros” (FREITAS, 2010, p.50).

O Estatuto das Metrópoles (Lei Federal 13.089/2015) institui também a


possibilidade dos estados de criarem aglomerados urbanos. De acordo com a lei:

“Art. 2º:
I – aglomeração urbana: unidade territorial urbana construída pelo
agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios limítrofes, caracterizadas por
complementariedade funcional, integração das dinâmicas geográficas,
ambientais, políticas e socioeconômicas” (BRASIL, Lei 13.089/2015).

Em definição, os aglomerados metropolitanos - ou áreas metropolitanas -, de


acordo com Moura; Libardi; Barion (2006) são manchas urbanas contínuas ou não,
nucleados por uma metrópole que concentra as maiores densidades de população e
de atividades e que mantem integração forte entre os municípios que compõem essa
área.
Segundo Braga (2005), do mesmo modo que as Regiões Metropolitanas, as
regulamentações para a criação de aglomerações metropolitanas não foram
unificadas pelos estados, sendo que, nas leis estaduais, muitas vezes é reproduzido
o texto da Lei Federal e não se estipula políticas de integração e desenvolvimento
unificado para esses arranjos urbanos.
Diante das contradições presentes na discussão acerca das definições sobre
as Regiões Metropolitanas, o conceito não será aplicado – ainda que o próprio
objeto de estudo seja legalmente uma RM. Em seu lugar, aplica-se o conceito de
área metropolitana, referindo-se ao arranjo espacial anteriormente explorado.
Assim sendo, a conurbação é uma característica fundamental para uma “área
metropolitana” e a consolidação da metrópole. Villaça (2001), ao analisar cidades
brasileiras como Campinas, Santos e Goiânia que apresentam a dinâmica de
aglomerados nucleados sem, até então, politicamente compor uma Região
Metropolitana, define as áreas metropolitanas:

“(...) são elas assentamentos, ou compartimentos territoriais estruturados


pelos deslocamentos dos seres humanos enquanto consumidores e
portadores da mercadoria força de trabalho, são, por isso cidades – por
maior e mais importantes e globais que sejam, e por mais que incluam
vários municípios. São um tipo particular de cidades, mas são cidades. Não
são regiões” (VILLAÇA, 2001, p.26).

74
Oliveira (1973), destaca que para que a conurbação – e a formação de uma
área metropolitana – ocorra, é necessária densidade populacional, expressa em
número de unidades ocupadas. Tal densidade concentrada é o que gera os
“problemas de justaposição”, de transportes, infraestrutura e de gestão
administrativa. Assim sendo, a vinculação socioeconômica dos munícipios
conurbados com a metrópole gera efeitos sobre o território e o cotidiano dos
habitantes do arranjo. No Brasil, 36% da população brasileira, ou seja, cerca de 70
milhões de pessoas, vivem em 300 municípios metropolitanos, justificando a
ocorrência das problemáticas decorrentes do arranjo (RIBEIRO, SILVA, 2017).
Além das questões vinculadas ao transporte e mobilidade cotidiana ou
rotineira que caracterizam o movimento pendular das áreas metropolitanas
(VILLAÇA, 2001), por oferecerem melhor condições de vida e atraírem a população
fornecedora de mão-de-obra, os polos tornaram-se espaços de gentrificação e
separação por classes sociais. A população que busca nas cidades polarizadoras
melhores oportunidades de trabalho e estudos, ao não conseguir se manter nas
metrópoles, se aloca nas cidades circundantes, fortalecendo a relação de
dependência (BELOTO, 2003, RODRIGUES, 2004, MOURA, 2009):

“Nessas densas regiões urbanizadas, o padrão de crescimento populacional


dos polos, que assumiram seletivamente funções mais qualificadas, cedeu
lugar ao crescimento elevado dos municípios periféricos, onde o valor da
terra era mais baixo. Estes passaram a absorver um elevado número de
pessoas pobres e de carências sociais, constituindo, no conjunto, espaços
nitidamente desiguais” (MOURA, 2009, p.27).

Desse modo, as metrópoles mantêm seu papel de “cidade-mãe” por meio da


conexão facilitada entre ela e os satélites, com a manutenção da população
trabalhadora na cidade centro e a concentração de serviços e equipamentos
culturais diante de todo o aglomerado (OLIVEIRA, 1973):

“Se, por um lado, as cidades polo geram problemas reais nas cidades a elas
periféricas, estas cidades periféricas, em alguns casos, se beneficiam da
proximidade do polo e/ou da continuidade urbana existente entre elas, para
criarem ou fortaleceram o seu comércio ou especializarem-se como cidades
industriais dentro da aglomeração urbana” (BELOTO, 2003, p.4).

Para além das questões sociais tangentes ao trabalho e deslocamento diário


ou rotineiro dos habitantes – movimento pendular -, outra questão de teor social é a
gestão e administração desses aglomerados urbanos nucleados:

75
“Para a análise de qualquer aspecto das conurbações metropolitanas,
convém destacar desde o início a seguinte questão: no Brasil, antes dessas
conurbações, a cada cidade correspondia um município, e vice-versa: a
cada município correspondia uma, e uma só, cidade. Há décadas isso
deixou de ocorrer. As conurbações metropolitanas se encarregam de
sepultar essa realidade de outrora, uma vez que vieram a constituir um novo
tipo de cidade. A partir delas, a uma cidade passaram a corresponder vários
municípios e, portanto vários prefeitos e várias câmaras municipais”
(VILLAÇA, 2012, p.229).

O Estatuto das Metrópoles (Lei 13.089/2015) tangencia a necessidade da


administração pública integrada de modo a viabilizar o desenvolvimento conjunto
dos municípios pertencentes aos aglomerados metropolitanos, deixando as
especificações para essas gestões a cargo da legislação estadual. Porém, tal qual
ocorre para as definições e estabelecimentos de Regiões e Aglomerados
Metropolitanos, os critérios para a gestão integrada não são decisivos, e as
metrópoles findam por estabelecer outros níveis de relação com as periferias, que
não necessariamente se referem ao desenvolvimento conjunto dessas
municipalidades fisicamente fundidas. Villaça (2012), trata, portanto, do “peculiar
interesse metropolitano” despertado pelos novos tipos de cidades gerados pelo
processo de conurbação onde as “áreas metropolitanas” representam uma total
descaracterização do conceito de “lugar” do município. Conforme o autor:

“Nenhuma cidade para de crescer no limite dos municípios. No entanto, do


ponto de vista político, a cidade termina abruptamente no limite do
município. Atravessa-se um córrego, ou uma avenida e, do lado de lá, o
prefeito é outro, os impostos territoriais são outros, os vereadores são
outros e as leis municipais são outras. Do ponto de vista social, econômico
e geográfico, o limite municipal é uma linha totalmente artificial e ilógica
(VILLAÇA, 2012, p. 234).

Diante dessa desintegração política entre os municípios de uma área


metropolitana, as novas possibilidades de geração de localizações, e, conforme
exposto no capítulo anterior, a manutenção da máquina de crescimento urbano na
lógica de produção capitalista do espaço21 (LOGAN; MOLOTOCH, 1987), o que
ocorre no território é a fragmentação e a periferização dos núcleos urbanos:

“Nesse movimento de expansão física e fragmentação política, atua


fortemente o circuito imobiliário, provocando a deterioração e recomposição
dos núcleos urbanos, e a periferização. Surgem deslocamentos de massa,
apoiados na oferta imobiliária, de infraestrutura e serviços, criando formas

21
Logan; Molotoch (1987), se referem em Urban Fortunes, a possibilidade de alterar os preços da terra quando
se ultrapassa um limite invisível. Os autores usam como exemplo o caso de Beverly Hills, onde porções vizinhas
não pertencentes aos seus limites foram vendidas como se pertencessem a cidade.
76
estratificadas pela renda e pelo estilo de vida, ativando o desenvolvimento
desigual, e engendrando uma dinâmica abrangente que extrapola o espaço
que circunscreve as cidades” (MOURA, 2009, p.32)

Dessa maneira, diferentemente do ocorrido em outros países - como os


Estados Unidos da América, onde a periferia se desenvolve servida por urbanização,
transporte e serviços -, o transbordamento urbano de uma cidade brasileira sobre a
outra, em seus primeiros anos de êxodo rural, ocorreu por meio de loteamentos
populares para os grupos sociais excluídos (CORRÊA, 2004), em contínua produção
da “cidade real” (MARICATO, 1996).
Todavia, a partir da década de 1990 e das transformações políticas e
econômicas de tendência liberal desse período, o processo de ocupação das bordas
rururbanas (LEFEBVRE, 2006) passou a ocorrer por meio de novos produtos
imobiliários. Nesse momento houve a modificação da estrutura periférica das
cidades não somente morfologicamente, como também socialmente. Surgiram
novas centralidades nas bordas urbanas destinadas aos altos e médios padrões
sociais, alterando a dinâmica de segregação recorrente das décadas anteriores
(VILLAÇA, 2001; MOURA, 2009; PIRES, 2011). Além disso, emergiu um padrão
urbano “tendendo a configurações cada vez mais expandidas e polinucleadas, cujas
características principais são a dispersão funcional e a fragmentação física,
decorrentes de mudanças e processos sociais” (PIRES, 2011, p.107).
Diante dessas transformações das bordas das cidades, também surgiu a
possibilidade de exploração de novas localizações pelo mercado imobiliário, dada
pela existência da conurbação. O “trabalho de fronteira” analisado por Logan e
Molotch (1987) diz respeito justamente a exploração da condição de conurbação,
mais especificamente da área limítrofe entre as duas cidades. Sabendo que os
limites políticos são diferentes, produtores imobiliários lançam empreendimentos no
território vizinho e os vendem como se pertencesse a metrópole. Caso de Beverly
Hills, conforme os autores. Esse tipo de estratégia de sobrelucro foi comum a
algumas áreas metropolitanas brasileiras nos últimos anos.
O fenômeno de metropolização e de transformação das bordas das grandes
metrópoles brasileiras, ocorreu também, ainda que tardiamente, nas áreas
metropolitanas de menor porte, devido às políticas de incentivo ao desenvolvimento
das cidades médias das décadas de 1970 e 1980 que inseriram as cidades na rede
urbana nacional e a ampliaram seus desempenhos no meio nacional e regional

77
(SANTOS, 2009), bem como devido as dinâmicas político-econômicas da década de
1990.
Essa tendência reforça a afirmação de Corrêa (2011) sobre a necessidade da
averiguação dos diferentes fenômenos urbanos em cidades de escalas, de modo
que se contribua para a compreensão sobre a dinâmica espacial como um todo,
bem como o papel de cada cidade na dinâmica urbana brasileira. Diante do exposto,
e sabendo que as cidades médias representam novas possibilidades de crescimento
urbano e econômico para o cenário nacional a partir da década de 1970, é
necessário que se defina para este trabalho, o conceito de cidade média e como as
mesmas se projetam nas dinâmicas nacionais.

2.2. Cidades médias, “cidades gentis”22

O conceito de cidade média, na geografia, carece de uma definição específica


para sua definição, conforme apontado por Araújo; Moura; Dias (2010), já que não
existem critérios unificados para a definição das mesmas. Contudo, há um consenso
sobre a importância da articulação regional, situação geográfica favorável e oferta de
bens e de serviços, desempenho de funções, qualidade de vida e infraestrutura para
a definição das mesmas. Essas cidades, conforme Santos (2009), podem fazer parte
de áreas metropolitanas ou compor centros submetropolitanos. Nesses centros,
normalmente, são desempenhados trabalhos intelectuais na área de ensino e
pesquisa – como a concentração de universidades -, ou então tornam-se suporte de
atividades agrícolas:

“ (...) as cidades médias aparecem como locais privilegiados pela oferta de


serviços qualificados e também por se constituírem em lugares que
geralmente representam oferta de bem-estar em comparação a outros
situados nos demais níveis da hierarquia urbana” (ARAÚJO, MOURA, DIAS,
2010, p. 59).

Nesse sentido, o conceito de cidade média não remete somente ao porte –


questão cuidadosa vista a variação desses números ao longo da história -, mas a
sua posição de intermediação na rede de cidades, entre as cidades maiores e
menores. Essa categoria de cidade, portanto, diferentemente das grandes
metrópoles, “não devem corresponder a uma relação de dominação, podendo

22
Termo utilizado por Steinberger, Bruna (2001).
78
também ser uma relação de estímulo e/ou dinamização, e, algumas vezes até
dependência” (ARAÚJO; MOURA; DIAS, 2010, p.60).
A partir da década de 1970, ocorre no Brasil um processo de
desmetropolização e desconcentração industrial, levando as cidades médias a um
novo patamar nas redes urbano-regionais brasileira. Esse processo marca o
desaceleramento demográfico nas grandes metrópoles e destinação da população
para as cidades médias, alterando a ordem urbana e social (BRAGA, 2005;
SANTOS, 2009; ARÁUJO; MOURA; DIAS, 2010):

“Esse quadro de crescimento dos centros de porte médio implica a


formação de aglomerações urbanas, formas de concentração urbana em
nível sub-metropolitano, normalmente envolvendo essa categoria de cidade,
que resultam em centros urbanos de maior dimensão, dando uma nova
configuração a ordem urbana (BRAGA, 2005, p. 2246).

Nessa mesma década, despontam planos federais para o desenvolvimento


das cidades médias. Segundo Steinberger; Bruna (2001), o inchaço das metrópoles
entre os anos 1950 e 1960 – e as consequentes problemáticas causadas pelo
acúmulo demográfico -, levaram o governo federal à elaboração de programas de
interiorização do desenvolvimento urbano nas décadas seguintes. Esses Planos
Nacionais de Desenvolvimento23 (PNDs) tinham prioridades setoriais e regionais de
desenvolvimento por meio da melhoria da qualidade de vida urbana, condições
habitacionais, mobilidade e saneamento e consideraram as cidades de porte médio
como “áreas de dinamização”, ou seja, áreas aptas de se tornarem polos, visando a
reestruturação do sistema de cidades no Brasil:

“Elas [cidades médias] têm sido apontadas como locais privilegiados para
se morar pela qualidade de vida que oferecem, para se investir pela
competitividade relativa que possuem e para se gerir porque ainda possuem
um tamanho considerado ‘governável’” (STEINBERGER, BRUNA, 2001, p.
72).

Ainda segundo as autoras, o incentivo nacional de desenvolvimento das


cidades médias iniciado em meados da década de 1970, levaram moradores e
empresários a migrarem das grandes metrópoles em busca de “cidades gentis”
(STEINBERGER, BRUNA, 2001, p.72), ou seja, boas cidades para se morar e

23
Foram três Planos Nacionais de Desenvolvimento – I PND (1972-1974), II PND (1975-1979), III PND (1980-
1985). Ver Steinberger, Bruna (2001).
79
investir, despontando um processo de transformação e reorganização das áreas
urbanas, e, a partir disso:

“(...) as políticas voltadas a esta questão foram esvaziadas, e o próprio


princípio do planejamento urbano-regional foi bastante enfraquecido em
favor de políticas públicas mais pontuais e voltadas para temas sociais mais
urgentes e menos estratégicos regionalmente. Com isso, as ações do
mercado ganharam força, inclusive para resolver aquelas questões que
seriam, em termos legais, direitos do cidadão e dever do Estado” (ARAÚJO,
MOURA, DIAS, 2010, p.62).

Assim, de acordo com Rodrigues (2004), essas cidades na década de 1990


passam a ser veiculadas na imprensa como uma nova possibilidade para a
qualidade de vida e de investimentos, já que oferecem o que as grandes metrópoles
dispõem sem os desconfortos como insegurança e problemas de mobilidade. Desse
modo, inseridas na rede urbano-regional brasileira, as cidades médias refletiram em
seus territórios as dinâmicas sociais, espaciais e imobiliárias anteriormente
descritas. Segundo Sposito (2003), as “novas formas de habitat” derivadas dessas
dinâmicas, alteraram o modelo de centralidade inter e intraurbana das cidades
médias, a partir da inserção dos novos equipamentos em suas bordas e da
redefinição de sua periferia.
Apesar da pouca efetividade da gestão dos PNDs da década de 1980 para o
estabelecimento de uma gestão regional, as cidades médias ainda se apresentam
como possibilidades para uma efetiva execução de planos de gestão, tendo em vista
que não tem problemas urbanos na mesma proporção das grandes metrópoles.
Para Araújo, Moura, Dias (2010), a questão central para o estabelecimento de
políticas que se voltem a escala específica dessas cidades é:

“Saber, por exemplo, de onde partem as decisões, qual o lugar da gestão,


da produção e do consumo, quais os sujeitos que tomam tais decisões,
onde se localiza cada um desses níveis, como ocorrem os movimentos
temporais e espaciais de articulação entre escalas a partir de cidades
médias ou em direção a elas, qual a amplitude dessas articulações entre
escalas a partir de cidades médias ou em direção a elas, qual a amplitude
dessas articulações no presente e quais as perspectivas futuras, e em que
medida esses movimentos e articulações diferem dos observados no
passado” (ARAÚJO, MOURA, DIAS, 2010, p. 64).

A nova inserção das cidades médias derivada das deseconomias e


precariedades urbanas nas grandes metrópoles, traz a emergência da discussão

80
acerca desses núcleos e seus fenômenos no meio técnico-científico, frente ao
aumento de sua participação na população nacional e do leque funcional que
passam a abranger, além de representarem um novo campo de atuação de
atividades nacionais ou de maior escala diante da concentração do capital
(ARÁUJO; MOURA; DIAS, 2010).
Dessa maneira, tendo em vista a ascensão das cidades médias brasileiras na
dinâmica imobiliária nacional nas últimas décadas, e, especificamente buscando
exemplificar a ocupação das bordas das áreas metropolitanas para além das
grandes metrópoles, é a que se dedicou o próximo item. Também buscou-se trazer
situações referentes às ocupações de bordas conurbadas de cidades de porte médio
nos últimos anos, sobre as quais, diante da pesquisa bibliográfica, percebeu-se que
são pouco abordadas pela pesquisa nacional, ampliando as possíveis contribuições
deste trabalho.

2.3. “O peculiar interesse metropolitano”24: a ocupação das bordas das


cidades brasileiras para além das grandes metrópoles

“Na virada para o século XXI, usos e ocupações diferenciados passaram a


disputar as mesmas áreas periféricas, nas quais se mesclam desde favelas
até condomínios fechados de luxo; desde indústrias de ‘fundo de quintal’ até
serviços expressivos da economia mundializada, como shoppings centers
etc. De fato, uma sucessão de eventos em simultaneidade, sob
temporalidades diversas, passa a conviver em proximidade e torna-se a
principal marca das aglomerações brasileiras” (MOURA, 2009, p. 34).

A heterogeneidade de produtos, formas e composição social que marcaram


as bordas urbanas a partir da década de 1990, conforme anteriormente exposto,
refletiram a constante criação de localizações do modo de produção do espaço no
sistema capitalista. Trata-se também do dinamismo da cidade exposto por Corrêa
(2004), evidente na criação e recriação de centros e produtos e de novidades
imobiliárias a partir da superlotação dos centros urbanos, como é o caso dos
loteamentos fechados, condomínios clube e shoppings centers cada vez mais
distantes dos centros tradicionais, vizinhos da “cidade real”, popular e ocupada
(MARICATO, 1996).

24
Termo utilizado por Villaça (2012).
81
Para Sposito (2003), esse movimento de suburbanização a partir da “fuga das
elites em busca de ares mais sadios e espaços mais amplos no campo” (SPOSITO,
2003, s.p.), é comum no Brasil desde o século XIX, e ficou explicita na criação de
bairros paulistas como Higienópolis e Avenida Paulista, e posteriormente em
condomínios fechados afastados do núcleo. Ribeiro (1997) e Ribeiro; Silva (2017),
apontaram esse movimento também no Rio de Janeiro da década de 1970, com a
incorporação da Barra da Tijuca na margem do município fluminense. O fenômeno
da expansão e criação de novos produtos cada vez mais periféricos, recorrente nos
grandes centros urbanos brasileiros, se desenvolveu por todo país, atingindo os
também as cidades de menor porte:

“Não raramente, nessas cidades, a ocupação da periferia foi sendo feita


irregularmente no século XX. Muitas vezes, a iniciativa privada se incumbiu
de implantar loteamentos sem atender as exigências da legislação urbana
(tamanho mínimo dos lotes, largura mínima das vias, definição de áreas
verdes, e de uso institucional, incorporação de infraestruturas mínimas, etc)
e, portanto, sem aprovar seus projetos e inviabilizando a legalização da
aquisição de seus lotes. Em outras vezes, é a falta de condições
econômicas para essa aquisição que explica a ocupação de áreas não
loteadas, gerando favelas, caracterizadas pela posse ilegal das terras
ocupadas” (SPOSITO, 2003, s.p.).

Na década de 1990, não somente cresceu a oferta de novos produtos nas


bordas metropolitanas, como também ocorreu a inversão do crescimento
demográfico, anteriormente concentrado nas cidades nucleares. Segundo Ribeiro;
Silva (2017), as cidades polarizadoras, nessa década, diminuíram seu ritmo de
crescimento urbano – 1,33% em média -, enquanto as cidades periféricas
apresentaram 3% de aumento populacional ao ano, o que significou aumento da
demanda residencial. Ainda assim, as cidades núcleo continuaram a exercer seu
papel concentrador dentro dos aglomerados, retendo a maior parte dos postos de
trabalho e apresentando um elevado estoque demográfico.
Os produtos da periferia das cidades médias, de acordo com Sposito (2003),
foram alterados a partir da década de 1980, quando ocorreram as primeiras
iniciativas para a implantação de condomínios fechados em suas bordas. Em 1990
essa nova forma de habitat se instaurou de maneira plena a partir do aumento de
unidades e do número de pessoas que passam a procurar por esse tipo de produto,
ainda que na contramão ao estabelecido pela Lei Federal nº6.766/79 e suas
disposições sobre o parcelamento do solo. Tal fenômeno foi associado pela autora a

82
uma nova tendência pós-verticalização, voltadas aos padrões de alto e médio poder
aquisitivo.
Dessa maneira, sabendo que a cidade é composta a partir da ação de
diferentes agentes, o Estado também atuou (e atua) fortemente no processo de
transformação das periferias urbanas por meio de investimentos públicos,
destinados principalmente ao sistema viário, bem como na permissividade de sua
regulação urbana. Leonelli; Campos (2018) apontaram que a função da regulação
Estatal sobre as cidades não está no impedimento da ação dos empreendedores,
mas no direcionamento das mesmas para o desenvolvimento da cidade como um
todo. A problemática encontrada pelas autoras está no fato de que “a vigência deste
arcabouço legislativo nem sempre é neutra e tão pouco objetiva, podendo
apresentar contradições, incoerência e favorecimento a grupos específicos”
(LEONELLI, CAMPOS, 2018, p. 37). Esse favorecimento pode ser percebido não
somente na formulação legislativa, como também na aplicação das leis. Nesse
sentido, o “peculiar interesse metropolitano” (VILLAÇA, 2012), permitido pelas
coalizões públicas e privadas, desperta a partir dos arranjos urbanos aglomerados,
como uma possibilidade de valorização e extração de sobrelucro também sobre as
periferias das cidades de menor porte:

“Os agentes do mercado imobiliário procuram conseguir dos governos


locais, as condições básicas para a viabilização de seus novos produtos.
Entretanto, o âmbito destas intervenções é variado e suas consequências
extrapolam os limites dos municípios, especialmente em regiões
metropolitanas. Os grandes empreendimentos, cada vez mais comuns em
tais regiões, costumam demandar uma reordenação da infraestrutura
regional, orientando em muitos sentidos a valorização de terras urbanas e
promovendo outras formas e padrões de urbanização” (PIRES, 2011, p.
108).

Leonelli; Campos (2018), verificam essa condicionante em um estudo de caso


sobre a cidade de Campinas, no estado de São Paulo. A cidade, que teve
crescimento contínuo até a década de 1940, cresce em 5,8% durante o processo de
desconcentração industrial brasileiro na década de 1970. Nessa fase houve a ação
da COHAB na expansão periférica da cidade por meio da criação de conjuntos
habitacionais populares distantes da mancha urbana central. Entre 1980 e 1990, os
condomínios horizontais fechados começaram a surgir direcionados à periferia,

83
promovendo a heterogeneidade desse espaço, tendência esta reforçada nas últimas
décadas e acompanhada pela produção de loteamentos populares:

“(...)até a década de 1990 a dispersão residencial de Campinas era típica


apenas das rendas mais baixas, expulsas dos centros urbanos valorizados.
A partir desse período passou a ser observada também a presença de
moradias de rendas médias e alta que ocuparam preferencialmente os
distritos do município” (LEONELLI, CAMPOS, 2018, p.39)

Tendo em vista a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº. 6.766/79) e o


impedimento desse tipo de empreendimento, as autoras elencaram uma série de leis
municipais que funcionam de modo a “(des)regrar” (LEONELLI, CAMPOS, 2018,
p.44) a Lei Federal para que se tenha a permissividade de aprovação desses
empreendimentos, de modo a favorecer os interesses privados, viabilizando a
construção do que as autoras chamaram de “Campinas sem limites”.
Pires (2011), em seu estudo também sobre a área metropolitana de
Campinas-SP, indica que o processo de metropolização da cidade se iniciou na
década de 1970 a partir de loteamentos irregulares, bairros populares e ocupações,
como em outras grandes cidades brasileiras. Já na mesma década foi aprovada a
“Lei do Loteamento Rural Fechado”. Já em 1990, iniciou-se o processo de inserção
de novos produtos fora da centralidade metropolitana, voltados a especialização e
crescimento da indústria, saúde, hotelaria e alimentação, diante da estruturação
internacional da cidade polo e a presença de amplo sistema de transportes. Tal
transformação metropolitana na década, conforme a autora, foi derivada da
existência de novos produtos financeiros imobiliários que viabilizaram esses novos
grandes empreendimentos, como os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). No
mesmo período ocorreu a significativa produção de lotes nos vetores de expansão
da área metropolitana, superando o centro urbano metropolitano, cujos lotes
voltaram-se para a expansão vertical. Nessa expansão, houve predomínio da
existência de condomínios fechados – inclusive os populares -, indicando o
surgimento das “novas formas urbanas” nas periferias dos aglomerados.
Ainda de acordo com a autora “no contexto metropolitano, a expansão urbana
de um município, em geral, é produto da dinâmica regional e produz impactos em
outros municípios” (PIRES, 2011, p. 123). Contudo, a ausência de regulação
integrada, faz com que as decisões acerca de loteamentos e produtos sejam

84
tomadas exclusivamente por um município. Nessa ausência, ocorre a flexibilidade do
papel do Estado a partir da criação de leis e instrumentos urbanísticos e a análise
caso a caso de cada empreendimento. Na cidade de Campinas, por exemplo, a
autora apontou alterações de leis voltadas a aprovação de loteamentos fechados e
estruturação viária durante o processo de aprovação de empreendimentos
específicos, evidenciando a coalização entre o estado e o mercado imobiliário no
contexto metropolitano.
Essa mesma condicionante foi demonstrada por Marinho; Leonelli (2017) em
estudo acerca de Indaiatuba, São Paulo. As autoras analisam a expansão da cidade
integrante da Região Metropolitana de Campinas, concluindo que o crescimento da
cidade, ocorreu aos moldes dos novos produtos imobiliários – condomínios fechados
ou enclaves residenciais -, de modo a conformar uma ”grande mancha urbana
fechada” nas bordas. O aumento expressivo desses produtos habitacionais – apesar
de existentes desde 1980 -, ocorreu a partir da década de 2000. A flexibilização
legislativa da cidade, como por exemplo, a concessão de áreas públicas para a
utilização exclusiva de condôminos dos loteamentos fechados, induz a continuidade
desse processo de produção do espaço ao se sobrepor as leis federais de
parcelamento fundiário, demonstrando o atendimento legislativo aos interesses
locais.
Alves; Chaveiro (2007), em estudo acerca do aglomerado de Goiânia e
Goianira no centro-oeste brasileiro, apontaram que a formação periférica na região
foi derivada da modernização agropecuária e da integração com outros mercados,
ocorrida na década de 1970, indicando, mais uma vez, a intensa relação entre a
formação do espaço e os processos sociais. Nas décadas de 1970 e 1980, a área
metropolitana periférica foi composta pela população operária e por ocupações
irregulares em terrenos clandestinos, geralmente autoconstruídas. Essa população,
como característico desse tipo de arranjo, era carente de infraestrutura e
demandava de longas horas de deslocamento.
A conurbação efetiva entre os dois municípios do estudo foi facilitada pela
existência de conexão rodoviária e apresenta produtos e composição social
heterogênea em sua margem. Nos primeiros anos do processo de conurbação, já
em 1970, a margem apresentou-se como alternativa de implementação de bairros
populares, afastados dos cuidados do poder público. Contudo, na década de 1990, a

85
valorização da área a partir da proximidade com o município polarizador, levou para
a borda conurbada novos produtos, como condomínios fechados, diante da alta
valorização da terra, que chegou a 100% em três anos. Essa expansão ocorreu
enquanto os vazios urbanos centrais existiam, alimentando a lógica da especulação
imobiliária.
O “peculiar interesse metropolitano” se expressou no aglomerado de Goiânia
e Goianira, quando os bairros presentes no território político-administrativo da cidade
periférica foi alvo de trâmites jurídicos a fim de que se tornem parte do município
polo:

“Os moradores afirmam não haver muita diferença para eles sobre esse
aspecto, apesar da maioria preferir que esta área passe a ser território
goianiense, por questões de valorização do terreno, e, principalmente,
devido a estrutura que eles acreditam melhorar, caso a área passe a
pertencer ao perímetro urbano de Goiânia. Há os que preferem que a
situação não se altere, principalmente para os impostos não se aumentem e
também porque dizem não acreditar nas possíveis melhorias quanto a
infraestrutura que Goiânia poderia oferecer. Por outro lado, os
especuladores, proprietários da área, têm muito interesse nesta mudança,
principalmente para que a área atinja altos valores e viabilize a reprodução
do capital num menor tempo. As prefeituras de cada cidade disputam a área
a fim de recolher mais impostos” (ALVES, CHAVEIRO, 2007, p.105/106)

Com a heterogeneidade de produtos que passam a ocupar as periferias


metropolitanas, especialmente na década de 1990, como demonstram os estudos
anteriormente apresentados, ficou clara a necessidade de reconsideração do termo
“periferia”, que, segundo Sposito (2003), são ligados aos termos de pobreza e
precariedade urbana na América Latina.
Diante das transformações das bordas das cidades brasileiras apresentadas
pelos casos analisados e visando a incipiência sobre a questão da conurbação em
áreas metropolitanas de menor porte, a pesquisa dedicou-se ao estudo da área
conurbada de Maringá e Sarandi. A área de estudo, assim como na área
metropolitana de Campinas, passou por um processo de ressignificação de seus
produtos imobiliários, ainda que tardiamente, se comparada aos demais exemplos
nacionais. Como no caso de Goiânia e Goianira, houve grande valorização do solo
mediante às transformações. Também de acordo com os exemplos citados, as
produções foram frutos de coalizões público-privado e ausência da administração

86
metropolitana, o que permitiu que a situação de ampliasse. Contudo, há um
diferencial na formação desse território.
Maringá é uma cidade nova planejada, com forte dinâmica local, enraizada
em sua produção imobiliária. Conformada em rede com a cidade de Sarandi e outros
municípios, conforme exposto a seguir, a cidade conformou-se como polo e, apesar
de jovem, configurou uma área metropolitana ao seu redor, inevitável desde sua
inserção, diante da proximidade dos núcleos urbanos e das conexões rodoviárias e
ferroviárias. Entre Sarandi e Maringá, na gênese, a separação era de apenas 7
quilômetros (REGO; MENEGUETTI; NETO, JABUR, RISSI, 2004).
Assim sendo, a seguir foi apresentado o estudo de caso do território
conurbado de Maringá com sua cidade-satélite, Sarandi, que, conforme já apontado
pela bibliografia (BELOTO, 2003, STRÖHER; SOUZA, 2011, SILVA, 2015), tem sido
alvo do “peculiar interesse metropolitano” por parte dos agentes locais desde a
década de 1970, e que à partir da década de 2000, se tornou locus de novos
agentes, produtos e estratégias imobiliárias que exploram a questão locacional de
proximidade com a metrópole, em nítido “trabalho de fronteira”, especialmente após
2010, no contexto da mais recente dinâmica imobiliária nacional.

87
CAPÍTULO 3 – OS REFLEXOS DA RECENTE DINÂMICA
IMOBILIÁRIA NA PRODUÇÃO RESIDENCIAL DA BORDA
CONURBADA DE MARINGÁ E SARANDI DE 2010 A 2016

Este capítulo apresentou os resultados da pesquisa, respondendo sua


questão central e cada um dos objetivos secundários. Dessa maneira,
primeiramente foi caracterizada a formação socioterritorial da área metropolitana de
Maringá e Sarandi, de modo a compreender a lógica de produção do espaço local
que se instalou desde sua gênese. Em seguida, iniciou-se a apresentação dos
resultados e discussões acerca dos empreendimentos imobiliários da borda
conurbada de Maringá e Sarandi no recorte selecionado da recente dinâmica
imobiliária deste território (2010 a 2016), suas tipologias, agentes produtores,
públicos alvos e demais características. Posteriormente, foram identificadas as
alterações legislativas anteriores ao período de boom imobiliário, e também ao longo
dele, bem como analisadas as atas dos Conselhos de cada uma das cidades, que,
junto com as declarações dos agentes produtores, corroboraram para a análise das
coalizões entre o mercado imobiliário e o Estado sobre a produção da borda
conurbada. Por fim, foi apresentada a análise da valorização fundiária do solo da
borda, de modo a compreender, através de um indicador, como a mais recente
dinâmica imobiliária afetou o território.

3.1. Caracterização socioterritorial da área metropolitana de Maringá e Sarandi:


da gênese a década de 2000.

Conforme anteriormente exposto, as metrópoles brasileiras – e todos os


problemas intrínsecos a elas – são fruto do duplo e quase simultâneo fenômeno de
urbanização e metropolização, intensificado no Brasil após a década de 1950
(RIBEIRO; SILVA, 2017). Contudo, diferentemente da “espontaneidade” típica da
formação dessas metrópoles – onde as periferias e ocupação de borda se
desenvolveram em função da polarização cultural, laboral e econômica de uma
cidade que então se tornou metrópole -, o território estudado tem sua gênese em um

88
projeto regional, com relações de apoio entre cidades – cidades destinadas a serem
núcleos de maior importância, patrimônios, centros comerciais e abastecedores
intermediários (REGO; MENEGUETTI; NETO, JABUR, RISSI, 2004) - e um caráter
fortemente capitalista, visto que se desenvolveu desde sua fundação como um
empreendimento imobiliário que envolvia diferentes interesses:

“Várias foram as razões para o resultado positivo da Paraná Plantations:


alto investimento dos acionistas da empresa; interesse político e econômico
de ambos os governos, britânico e brasileiro, de estreitarem as relações (de
um lado a expansão do modelo de transporte ferroviário numa ação indireta
ao modelo rodoviarista norteamericano que iniciava sua expansão, por
outro, facilidades em empréstimos internacionais); apoio do governo do
estado para legalizar as terras cujos títulos eram provenientes de grilagem,
ao mesmo tempo em que se ocuparia uma parte significativa do território
despovoado; as facilidades no pagamento dos lotes rurais por parte dos
colonos; a presença de um corpo técnico que garantia a correta
demarcação das terras; a experiência inglesa em colonizar territórios; e a
determinação do grupo de ingleses e brasileiros que constituíam a CTNP
em levar a cabo tal empreendimento (BELOTO, 2015, p.34).

Desse modo, o aglomerado urbano de Maringá se inseriu em uma rede de


cidades implantadas pela empresa inglesa Paraná Plantations e sua subsidiária
brasileira - Companhia de Terras Norte do Paraná - que em 1951, sob controle
acionário brasileiro, tornou-se Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (REGO;
MENEGUETTI; NETO; JABUR; RISSI, 2004). O projeto da Companhia, inicialmente,
foi a exploração do potencial agrícola do norte paranaense, especialmente o
cafeeiro, conectado ao estado de São Paulo através da rede ferroviária ampliada
pela colonizadora, mas posteriormente foi transformado em um plano imobiliário de
implantação de uma rede de cidades.
Dentro do ideal de social city de Ebenezer Howard25 visando a “região, o
crescimento limitado das cidades, o cinturão verde e a conexão ferroviária e
equivalência funcional entre os núcleos urbanos” (BELOTO, 2015, p.31), o plano que
começou a ser implantado em 1930, tinha como objetivo a descentralização urbana
e o loteamento em pequenas propriedades rurais, abastecidas por núcleos
próximos, até os quais os proprietários rurais pudessem caminhar para ter acesso a

25
Ebenezer Howard, pré-urbanista inglês ficou conhecido especialmente pelo modelo cidade-jardim,
desenvolvido em sua obra de 1898. O modelo social city, também desenvolvido por ele trata do equilíbrio
social entre cidade interdependentes e da integração entre cidade e campo, afastando-se do modelo de
subúrbio anteriormente discutido (BELOTO, 2015).

89
mercadorias de primeira necessidade (REGO; MENEGUETTI; NETO, JABUR,
RISSI, 2004).
Assim, partindo do sentido leste-oeste, Londrina, Maringá, Cianorte e
Umuarama -, posicionadas com distância aproximada de 100 quilômetros entre si,
foram estabelecidas como núcleos de maior importância intercalados por núcleos
urbanos de apoio aos produtores rurais, com cerca de 10 a 15 quilômetros de
distância entre eles26 (REGO; MENEGUETTI; NETO, JABUR, RISSI, 2004).

26
Esses núcleos, segundo Rego; Meneguetti; Neto, Jabur, Rissi, 2004, são Cambé, a 13 quilômetros de
Londrina, Rolândia, a 10 quilômetros de Cambé, Arapongas, a 12 da cidade anterior, Aricanduva, a 8,
Apucarana e Pirapó, 8, Cambira, 7, Jandaia do Sul, 6, Mandaguari, 10, Marialva, 13, Sarandi, 9 e Maringá, 7.

90
Figura 2 - Rede de cidades nas propriedades da Companhia Norte do Paraná. A última cidade implantada pelos
ingleses foi Mandaguari, leste de Maringá.
Fonte: Beloto (2015).

As cidades planejadas foram implantadas no cume do terreno no qual se


estabeleceu a rede rodoferroviária que escoava a produção agrícola.
Perpendicularmente, no sentido dos fundos de vale que abastecia o parcelamento
rural, foram implantadas as estradas vicinais de conexão. A Companhia implantou
os núcleos urbanos centrais próximos a cumeeira, como melhor pudesse adequá-lo
ao relevo, e subdividiu os terrenos até os fundos de vale em lotes rurais retangulares
abastecidos pelos cursos hídricos e conectados pelas estradas vicinais (BELOTO,
2015). Nas décadas seguintes, com a expansão urbana, esse traçado rural
condicionou a forma dos loteamentos nessas cidades (STRÖHER; SOUZA, 2011),
em conformação morfológica diferente dos centros tradicionais.
Dentro desse plano que se estendeu pela região, Maringá - um dos núcleos
principais - foi implantada pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, na
ocasião já de capital paulista. Seu pequeno núcleo pioneiro, o Maringá Velho, data
de 1942 e, tendo em vista a expansão rápida da primeira experiência urbana da
Região (Londrina) que logo após a implantação na década de 1930, demonstrou
insuficiência da malha urbana para o contingente populacional, um projeto mais
ambicioso foi pensado para Maringá. Em 1947 o projeto de Jorge de Macedo Vieira,
urbanista que desenhou a cidade, continha 400 quadras divididas em zonas
residenciais (principal, popular e operária), zona industrial, zona comercial,
dependências, armazéns e núcleos comerciais (REGO; MENEGUETTI; NETO;
JABUR; RISSI, 2004; BELOTO, 2005):

“Maringá desde sua origem foi um nicho de valorização imobiliária, já


determinada por sua função dentro da rede urbana e pela própria
característica do traçado urbano que lhe atribuía um valor adicional”
(BELOTO, 2005, p.70). 27

27
“Maringá desde su origen fue un nicho de valorización inmobiliaria, ya sea determinada por su función dentro
de la red urbana y por la propia característica del trazado urbano que le atribuya un valor adicional” (BELOTO,
2005, p.70).
91
Figura 3- Ante-projeto de Maringá por Jorge de Macedo Vieira
Fonte: Beloto (2015).
Legenda: azul - zona comercial; rosa - zona industrial e armazéns; amarelo - zonas residenciais principal,
popular e operária (principal ao centro, popular – oeste e operária – leste); azul escuro - centro cívico; vermelho
escuro - núcleos comerciais; verde – áreas verdes públicas.

Conforme com Rodrigues (2004), a divisão de zonas residenciais de acordo


com as condições econômicas de seus compradores já no Plano original, resultou
em uma segmentação socioterritorial que perdurou até os dias atuais. A valorização
de determinados espaços da cidade a partir da elitização dos mesmos, possibilitou a
venda a preços maiores, caracterizando a estratégia de sobrelucro sobre o valor de
uso, utilizada pela Companhia. Nos primeiros anos, as áreas destinadas as classes
mais baixas já ocupavam a periferia, fato que se intensificou nas décadas
posteriores, afastando a população cada vez mais do centro:

“Pressupomos que a definição inicial destes lugares diferenciados para a


moradia foi, por si só, um indicativo de segregação social que se originou do
deslocamento das camadas populares para as extremidades marginais
(bordas) da cidade. Esse antecedente aliado ao tempo histórico decorrido
(que já evidenciou uma ocupação de espaços distintos que abrigam
claramente, as classes altas, médias e baixas) demonstra processos de
exclusão a baixa renda não só dos melhores lugares da cidade, como
também dos seus próprios limites, afastando-a para os municípios vizinhos,
que até hoje são aglomerações urbanas desprovidas de infraestrutura
básica que, em Maringá, foi oferecida desde o início de sua fundação”
(RODRIGUES, 2004, p.19).

92
Em 1951 a cidade de Maringá tornou-se Município e, dessa forma, o controle
sobre o processo de expansão urbana passou da Companhia para a administração
pública (BELOTO, 2005). A partir disso, tratando-se de um empreendimento
capitalista, “o que ocorreu, inúmeras vezes, foi a presença no governo municipal
(executivo ou legislativo), de indivíduos que também atuavam no mercado
imobiliário” (RODRIGUES, 2004, p.47). Assim, durante o período de expansão, as
regulações estatais mantiveram a lógica da produção capitalista do espaço na
cidade, inclusive representando os interesses da CMNP. Conforme expõe Rodrigues
(2004):

“[A Companhia] Articulada com o poder público municipal, praticou


instrumentos de gestão do espaço eficientes o bastante para controlar a
ocorrência dos fenômenos considerados ‘indesejáveis’, como ocupações
irregulares, favelas, moradores de rua, que comprometeriam a estética
planejada para a cidade” (RODRIGUES, 2004, p.51).

Nesse sentido, segundo Silva (2015) o território nucleado pela cidade de


Maringá se enquadra na lógica da Máquina de Crescimento (LOGAN E MOLOTCH,
1987), uma vez que:
“Não se restringe ao movimento comum do capital imobiliário, o qual conta
com o Estado em seus planos privados de curto, médio e longo prazo, mas
vai além, em muitos momentos este capital é o próprio Estado” (SILVA,
2015, p.107).

Sarandi, nasceu como cidade secundária na hierarquia da rede urbana,


estabelecendo relação de dependência com o núcleo desde sua gênese (BELOTO,
2005). O seu projeto inicial, também datado de 1947, foi desenvolvido pela CMNP
em seus moldes tradicionais: malha ortogonal, praça principal e estação, projetada
para abrigar 2200 habitantes.

93
Figura 4- Plano inicial de Sarandi pela CMNP
Fonte: Ströher; Souza (2011).

Diferentemente da vizinha Maringá, Sarandi surgiu como patrimônio de


Marialva e se expandiu para além do traçado original antes mesmo de se tornar
município em 1981, quando já haviam sido aprovados 58% de seus loteamentos.
Seu expressivo crescimento deveu-se a proximidade com o polo e ao menor custo
do solo urbano se comparado a ele. Foi intensificado pela mecanização agrícola e a
forte geada que destruiu parte significativa dos cafezais paranaenses na década de
1970. Este fator ampliou o êxodo rural, bem como impulsionou a abertura da rodovia
376, que facilitou o acesso regional a cidade (STRÖHER; SOUZA, 2011; BELOTO,
2005; SILVA, 2015) e a conexão com a metrópole.

94
Figura 5 - Principais conexões rodoviárias entre Maringá e Sarandi. Em amarelo a PR 376 - Avenida Colombro
nos trechos urbanos, em branco o Contorno Norte e em azul o Contorno Norte, tracejado, ao extremo sul, o
Contorno Metropolitano previsto.
Fonte: Elaborado pela autora.

Com o exôdo rural da década de 1970 e a substituição da economia cafeeira


pela soja e pelo trigo, a população se direcionou para os centros urbanos nucleares,
como no caso de Maringá:

“Os setores produtivos não foram capazes de absorver um grande número


de trabalhadores disponível, gerando então o deslocamento da população
para os centros maiores, principalmente para Maringá. No decorrer de sua
evolução, essa situação trouxe grandes problemas para as cidades, pois a
população vinda do campo não se constituía em mão-de-obra qualificada,
portanto, com salários irrisórios, acabou gerando uma população à margem
das condições básicas de vida, e a produção de um solo urbano com
loteamentos sem nenhuma infraestrutura” (FIGUEIREDO, 1997, p.6).

Em Maringá, o dinamismo econômico do período de 1970 fez com que a


cidade alcançasse nova posição como centro econômico e comercial,
desencadeando um processo de transformação urbana marcado pela especulação
imobiliária. De acordo com Rodrigues (2004), a cidade foi beneficiária dos
programas de desenvolvimento urbano para cidades de porte médio, anteriormente
95
abordados, mantendo a estrutura segregadora do plano original e ampliando o
espaço com infraestrutura, transporte, rede de água, esgoto e equipamentos de
lazer. Essa infraestrutura, refletida no valor de uso, valorizou as áreas urbanas e
intensificou seu potencial especulativo. Segundo Silva (2015), a expansão urbana
maringaense da década de 1970 já apresentou traços de favorecimento ao setor
imobiliário, a partir do crescimento em formas racionais para a acomodação de
futuros loteamentos, distanciando-se das diretrizes do plano de Macedo Vieira.
Figueiredo (1997) demonstrou que a expansão maringaense determinou um
nível de consumo da cidade pela população em geral, engendrando um processo de
verticalização entre a década de 1970 e 1980, comandado por interesses da
burguesia local (FIGUEIREDO, 1997; SILVA, 2015). Em contrapartida, determinado
tal nível de consumo para Maringá, se iniciou o processo de periferização da
população que já não mais podia arcar com o custo de vida da metrópole.
Nesse sentido, Figueiredo (1997) explicou que:

“Grande parte da população de baixa renda acabou buscando nas cidades


próximas, de menor porte (mas que dispõem de um mínimo de serviços),
um custo de vida mais barato do que em Maringá. As cidades que orbitam
em torno de Maringá, abrigam uma população pobre, que foi empurrada
para a periferia, mas que diariamente dirige-se a ela para trabalhar”
(FIGUEIREDO, 1997, p.5).

Desse modo, abrigando a população não-solvente de Maringá, a cidade


vizinha Sarandi se expandiu em diferentes sentidos, orientado pela rede
rodoferroviária e pelo parcelamento rural. A porção noroeste dessa expansão atingiu
o limite com o município de Maringá, efetivando a conurbação entre as duas
cidades. (FIGUEIREDO, 1997; BELOTO, 2005; STRÖHER; SOUZA, 2011). Para
Rodrigues (2004), o processo de expulsão da população não solvente de Maringá foi
bastante eficaz neste período e, incorporado a ação do poder público para conservá-
lo, fez com que Maringá permanecesse sem a ocorrência de ocupações dos grupos
sociais excluídos. A periferização das cidades do entorno foi o que manteve Maringá
com suas características urbanísticas privilegiadas, extravasando a pobreza para
além de seus limites políticos-administrativos.
Na figura 7, é possível perceber que até 2010 houve a concentração das
classes de mais baixa renda (abaixo dos três salários mínimos) nas periferias da
cidade ou, com maior intensidade, nos municípios vizinhos.

96
Figura 6 - Distribuição socioespacial por renda do aglomerado Paiçandu-Sarandi-Maringá
Fonte: Silva, 2015, p.265 a partir de informações do IBGE 2010.

A partir da periferização de Maringá, o crescimento populacional e territorial


de Sarandi foi expressivo. Segundo Beloto (2005), em uma década após os eventos
que desencadearam o êxodo rural (1975), a cidade de Sarandi aumentou em doze
vezes sua área urbana e sua população aumentou em 716% - de 2139 para 19742
habitantes -, enquanto a de Maringá cresceu 172%. Esses valores representam a
inversão demonstrada por Ribeiro; Silva (2017) na relação de crescimento
metrópole-periferia.

97
Crescimento da população urbana de Maringá e
Sarandi ao longo das décadas
500000

400000

300000

200000

100000

0
1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000 2010 2019

Maringá Sarandi

Gráfico 1 - Crescimento da população urbana de Maringá e Sarandi ao longo das décadas.


Fonte: Figueiredo (1997), IBGE. Organizado pela autora.

O inchaço populacional, composto pela população que buscava por habitação


e um menor custo de vida próximo a metrópole, representou a segregação
intraurbana em classes sociais (FIGUEIREDO, 1997). Contudo, para os
empreendedores imobiliários, essa necessidade surgiu como possibilidade para a
geração de lucros.
A rigorosidade legislativa urbanística maringaense fez com que os
empreendedores imobiliários mantivessem a formalidade de seus empreendimentos
e transações imobiliárias em Maringá, porém, paralelamente a isso, a cidade de
Sarandi mostrou-se como território legalmente flexível, onde os empreendedores
produziram espaços sem infraestrutura para a população que não conseguiu
manter-se na metrópole (RODRIGUES, 2004). Tal flexibilidade urbanística funcionou
como um atrativo para os empreendedores imobiliários, que, ao passo em que
reservavam menos áreas públicas em seus loteamentos, conseguiam produzir um
maior número de lotes e consequentemente a realização de maior lucro (BELOTO,
2005).
No que diz respeito aos parâmetros de ocupação do solo, após a implantação
de ambas as cidades, Maringá contou com legislações urbanísticas que de fato
configuraram seu espaço atual, ainda que fortemente protagonizadas pelos agentes
do mercado imobiliário local (CORDOVIL; RODRIGUES, 2014), como a
obrigatoriedade de lotes urbanos mínimos de 450m² e caixas de vias locais e 14m.
Sarandi, por sua vez, antes da obrigatoriedade dos Planos Diretores Municipais

98
paranaenses, possuía apenas leis genéricas bastante flexíveis para o mercado
imobiliário (BELOTO, 2005; SILVA, 2015), assunto melhor abordado a diante.
Beloto (2005) apontou que os parâmetros urbanísticos não são foram os
únicos responsáveis pela discrepância entre as duas cidades, mas sim os interesses
mercadológicos. Enquanto em Maringá a legislação foi mais criteriosa – “cidade
planejada”, em Sarandi foi produzido um espaço de menor custo, configurando a
cidade como periferia.
O crescimento do espaço urbano expressivo de Sarandi nos primeiros anos
da cidade, foi possibilitado pelo acúmulo de terras rurais por parte de duas grandes
incorporadoras – Construtora Vicky e Imobiliária Sol -, dois dos principais agentes
imobiliários de Sarandi desde a década de 1970. Figueiredo (1997, p.9) apontou que
a produção dessas construtoras nos anos iniciais de expansão da cidade foi “sem
nenhuma infraestrutura e sem os serviços urbanos básicos que servem a
população”.

Figura 7 - Incorporadoras e Construtoras atuantes em Sarandi até 2008.


Fonte: Observatório das Metrópoles, PLHIS Sarandi, 2008.

99
Em 1980 o aumento populacional da área urbana de Maringá e Sarandi
permaneceu crescente (62,3% e 89,5%, respectivamente), superando a média
estadual de 56,9% e federal de 64,5%, no caso de Sarandi. Na década de 1990, o
aumento continuou expressivo tanto em Maringá como em suas duas cidades
satélites – Sarandi e Paiçandu. Esse crescimento levou até as primeiras iniciativas
regionais, como a criação de um plano metropolitano – METROPLAN28 -, e a
legalização de uma Região Metropolitana (SILVA, 2015).
Contudo, as iniciativas regionais aconteceram juntamente ao momento onde a
crise econômica nacional do fim da década de 1980 e início de 1990 – marcada pela
quebra da incorporadora Encol, uma das maiores do país no setor -, atingiu o
mercado imobiliário de Maringá. A queda levou às alterações legislativas no Plano
Diretor pró-mercado imobiliário, visando a emergência municipal e não efetivando a
gestão integrada. Essas alterações passaram a permitir a produção de loteamentos
fechados, ocupações em áreas de preservação, entre outras alterações em claro
atendimento ao setor imobiliário. Nessa mesma década, além da expansão da
cidade para novas áreas a partir de novos produtos imobiliários, também foram
engendrados planos de reestruturação urbana – baseados no consenso da
população e na força midiática, como exemplo do antigo pátio de manobras, o qual
veio a conformar o denominado Novo Centro em Maringá (SILVA, 2015).

28
O Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Metropolitano da Região de Maringá (METROPLAN)
tinha como objetivo o desenvolvimento integrado das cidades próximas Paiçandu, Maringá, Sarandi e Marialva,
conduzindo os Planos Diretores de acordo com a Legislação de 1988 (FLEURY E SILVA, 2015).
100
Figura 8 – Novo Centro de Maringá – antigo pátio de manobras da ferrovia.
Fonte: Tows (2015).

Já Sarandi em 1990, de acordo com Ströher; Souza (2011), passou por um


novo período de expansão devido ao aumento expressivo do Imposto Predial e
Territorial Urbano (IPTU) de Maringá, que expulsou a população financeiramente
desfavorecida para a cidade vizinha mais uma vez. Beloto (2003) apontou a criação
de 24 loteamentos nesse período, mantidos sob a mesma lógica das décadas
anteriores – baixa qualidade urbanística, sem continuidade viária -, e muitas vezes
sem o atendimento da Lei 6.766/79, ainda que já presente no Plano Diretor em vigor.
A ausência no cumprimento da Lei deveu-se a negociação direta entre as
construtoras e incorporadores e o poder municipal para a aprovação de seus
empreendimentos (STRÖHER; SOUZA, 2011). Entre 1990 e 2000 se intensificou a
conurbação entre Sarandi e Maringá a partir da produção de habitações sociais na
borda leste de Maringá, como posteriormente abordado.
Diante da dinâmica de conurbação da área metropolitana e o aumento
populacional significativo ao longo das décadas, em 1998, sob a Lei Complementar
Estadual nº83/1998 foi criada a Região Metropolitana de Maringá (RMM)29,
composta atualmente por vinte e seis municípios, contudo, o aglomerado se

29
De acordo com o Observatório das Metrópoles Núcleo UEM/Maringá, a composição original de 1998 da
RMM era Maringá, Ângulo, Mandaguari, Iguaraçu, Mandaguaçu, Paiçandu, Marialva e Sarandi. Acordos
políticos entre prefeitos e deputados levaram a inclusão de mais cidades, em 2002, Floresta (LC Estadual
nº13.565), em 2005, Astorga, Doutor Camargo, Itambé, Ivatuba, Presidente Castelo Branco, Lobato e Santa Fé
(Lei nº110/2005), em 2010, Atalaia, Bom Sucesso, Cambira, Floraí, Flórida, Jandaia do Sul, Munhoz de Mello,
Ourizona e São Jorge do Ivaí (Lei nº 127/2010) e em 2012, Nova Esperança (Lei nº 145/2012).
101
concentra na mancha formada por Sarandi, Maringá e Paiçandu somente,
compondo o que neste trabalho se chamou de “área metropolitana”, conforme
explicado no item 2.1. Segundo Rodrigues (2004), a criação dessa Região
Metropolitana tão abrangente envolveu os interesses políticos em detrimento de uma
gestão integrada e o benefício regional:

“No âmbito da RMM, acontece o processo comum aos demais espaços


metropolitanos brasileiros, em que a instituição da região ocorreu, como
adverte Moura, sem o devido desenvolvimento de uma ‘cultura do regional’
e tende, por isso, a reproduzir as brutais desigualdades entre municípios já
existentes, compondo um cenário em que o município sede centraliza o
poder político oriundo de todo o conjunto, a captação de recursos e técnicos
capacitados, a implementação de projetos e, ao menos nas experiências em
curso, inexistem mecanismos de políticas compensatórias que estenda a
todos os municípios da região os mesmos benefícios que a sede aufere”
(RODRIGUES, 2004, p.95).

A partir da década de 2000, de acordo com Silva (2015), a dinâmica


imobiliária presente nas grandes metrópoles brasileiras que se fortaleceu no período
– conforme anteriormente explorado -, impactou também o território metropolitano de
Maringá, porém, dentro das lógicas imobiliárias locais, marcadas pela presença de
agentes que formaram coalizões para a aprovação de seus empreendimentos,
visando o sobrelucro sobre novas localizações. Paralelamente, desde a década de
1990 planos estratégicos foram construídos por entidades maringaenses - Maringá
2020, Maringá 2030 e o Maringá 2047 (Masterplan), intensificando a lógica da
“máquina de crescimento” na cidade e refletindo nas cidades vizinhas,
especialmente Sarandi.
Silva (2015), apontou que no período de 2000 a 2013 as cidades polarizadas
por Maringá – com maior intensidade, Sarandi - continuaram moldadas pelas
decisões do mercado imobiliário do núcleo, contudo, a partir de novos produtos e
agentes. Desse modo, a cidade já historicamente vinculada ao polo, passou a fazer
parte das estratégias locacionais dos empreendedores, tornando-se parte do
território de sua metrópole – “Grande Maringá” (SILVA, 2015).

“Pode-se afirmar ainda que o recente quadro formado pela produção


imobiliária assistida, sobretudo em fins da década de 2000 até 2013 em
Maringá e Sarandi, associada aos caminhos percorridos pelo planejamento
urbano em ambos os municípios e ainda ao atual plano de consenso –
Masterplan -, revela uma nova estratégia vinda da cidade polo sobre o
território de Sarandi a qual podemos denominar de “Grande Maringá”. Esta
estratégia em médio prazo poderá vir acompanhada de um aprofundamento
dos impactos socioespaciais verificados neste território, se estiver ausente a

102
aplicação efetiva dos princípios contidos no plano diretor do município, bem
como a implementação dos instrumentos urbanísticos contidos no Estatuto
da Cidade, onde a extrema valorização do solo verificada em ambos os
municípios expulsará os mais pobres para porções ainda mais periféricas”
(SILVA, 2015, p.277).

A partir do exposto, sabe-se que a área metropolitana de Maringá passou por


um intenso processo de periferização desde a sua gênese. Posteriormente, com as
transformações econômicas e a impossibilidade de permanência na metrópole, as
classes de menor poder aquisitivo buscaram abrigo nas cidades vizinhas – Paiçandu
e Sarandi, com maior intensidade na segunda. Esse fenômeno, aliado a flexibilidade
legislativa urbanística de Sarandi, levou a um processo de ocupação do solo sem
infraestrutura ou qualidade urbanística. A cidade de Sarandi, portanto, até a década
de 1990 consolidou-se como periferia – no estrito termo da palavra adotado na
américa latina, local da população não solúvel (FIGUEIREDO, 1997; RODRIGUES,
2004; BELOTO, 2005; SILVA, 2015).
Todavia, o fenômeno de periferização metropolitano centro-periferia entre
Maringá e Sarandi passou por transformações diante da dinâmica imobiliária que
chegaram ao território no início de 2010. A conurbação entre os dois municípios –
inevitável diante da proximidade dos núcleos urbanos iniciais e das conexões
rodoviárias, bem como do papel polarizador de Maringá – gerou um novo território
de especial interesse para os agentes imobiliários a partir desta década. Vinculadas
uma a outra espacialmente, porém com arcabouço legal e valores de solo distintos,
Sarandi pareceu, novamente, um bom negócio para os novos agentes imobiliários,
porém não mais a partir de loteamentos irregulares e de baixa qualidade urbanística.
O advento das novas dinâmicas imobiliárias – injeção de crédito no mercado,
Programa Minha Casa Minha Vida -, resultou em um “trabalho de fronteira” entre
Maringá e Sarandi dado por produtos voltados a outro público alvo como
condomínios-clube, bairros planejados e condomínios fechados verticais. É a partir
da constatação desta dinâmica da borda conurbada, bem como de suas
características, que se desenvolveu o próximo item.

103
3.2. Heterogeneidade da produção residencial na borda conurbada de Maringá-
Sarandi entre 2010 a 2016: da habitação de interesse social ao condomínio-
clube sustentável

Para iniciar este item, entendeu-se importante expor inicialmente, mesmo que
brevemente, as características da ocupação da borda conurbada de Maringá e
Sarandi a partir da produção residencial iniciada na década de 1990, até fins da
década de 2000, para em seguida abordar o recorte temporal desta pesquisa - 2010
a 2016, fim do governo Dilma Rousseff -, quando foram identificados novos produtos
residenciais de diferentes tipologias – loteamentos abertos, loteamentos fechados
(condomínios-clube), loteamentos fechados verticais de seguimento econômico30 e
bairros populares. Os resultados, também expõem os agentes produtores, as
motivações para as definições das tipologias implantadas, bem como a dimensão da
incorporação imobiliária da área nesse período, dentre outras informações sobre as
empresas e seus empreendimentos.
Conforme exposto anteriormente, sabe-se que Sarandi manteve uma relação
de dependência com Maringá desde sua gênese. Todavia, ao longo das décadas o
território de Maringá foi valorizado a partir de iniciativas governamentais de
melhoramentos e expansão da infraestrutura, bem como pelo marketing urbano em
torno da “Cidade Canção” (CORDOVIL, 2010). Tal valorização acarretou um
contínuo processo de expulsão da pobreza para as bordas, tanto intra-urbanas – na
implantação de grandes conjuntos residenciais populares nas décadas de 1980 e
1990 –, como para as cidades vizinhas (RODRIGUES, 2004).
Segundo Cordovil (2010), a implantação dos grandes conjuntos habitacionais
maringaenses nas bordas da cidade, não se dava somente em função do valor
barateado da terra, como também à orientação do poder público municipal de locar
esses empreendimentos longe das áreas urbanas consolidadas de modo a
impulsionar a infraestrutura para áreas distantes e valorizar as terras vazias nos
interstícios, atraindo novos empreendimentos.

30
Para melhor caracterização do trabalho, o seguimento econômico corresponde aos produtos destinados as
faixas 2 e 3 do Programa Minha Casa Minha Vida, também chamado por Shimbo (2010) de habitação social de
mercado. Tais produtos visam o atendimento do novo nicho de mercado, a nova classe C.
104
Figura 9 - Implantação de bairros populares Cidade Alta (esq.) e Jardim Itapema (dir.) no que atualmente é a
borda conurbada de Maringá com Sarandi na década de 1990.
Fonte: Cordovil (2010).

Com as iniciativas para o afastamento dos bairros populares, a borda de


Maringá em relação a Sarandi, foi ocupada com caráter popular, por meio de
empreendimentos pulverizados entre o norte e o centro da borda que futuramente
conurbou-se à Sarandi. Na década de 1990, apesar da estagnação nacional sobre
as discussões acerca da produção de habitação social, a parceria estadual com a
Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), possibilitou a implantação de
6.640 unidades habitacionais na cidade, em sua maioria na divisa com Sarandi31,
acentuando o processo de conurbação entre as cidades (SILVA; SILVA, 2010).
Essa produção, ainda se afasta da principal temática de discussão nacional
sobre a produção residencial nesse período – que deu base aos fatos que
acarretaram a recente dinâmica imobiliária nacional – como a proximidade com os
modelos financeirizados na figura do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), por
exemplo. Apesar disso, é importante citar a disparidade entre os acontecimentos
locais e nacionais nesse período, uma vez que a efetividade da conurbação causada
pelos empreendimentos populares, em comparação ao ocorrido no território nas

31
Dos 17 conjuntos habitacionais da década de 1990, 10 estão inseridos na área objeto desta pesquisa, sendo
eles: Conjunto Residencial Guaiapó, Conjunto Habitacional Requião, Conjunto Habitacional Itatiaiá (norte da
borda), Conjunto Habitacional Sanenge III, Conjunto Habitacional Del Plata, Jardim São Silvestre (centro),
Conjunto Habitacional Sol Nascente, Conjunto Residencial João de Barro – Cidade Canção, Conjunto Residencial
João de Barro – Cidade Alta, Conjunto Residencial Cidade Alta (sul). Outros 4 dos 16 bairros, são adjacentes a
esses, especialmente norte. Suas escalas têm variação em número de unidades mas mantém a tipologia
horizontal e financiamento pelo Orçamento Geral da União (OGU). Para mais informações sobre essa produção
ver Silva; Silva (2015).
105
décadas seguintes, proporcionou um efeito socioterritorial peculiar, melhor abordado
posteriormente.

Mapa 2 - Conjuntos Habitacionais da COHAPAR em Maringá e Sarandi - 1990.


Fonte: Silva; Silva (2015), elaborado pela autora.

106
Figura 10 - Expansão de Maringá até 2000.
Fonte: Tows (2015).

Em Sarandi, destoando da produção explosiva da década de 1970 e 1980 32 -


quando a cidade ainda era patrimônio do município de Marialva -, a década de 1990
demonstrou diminuição da produção, aprovando somente 24 loteamentos, dos quais
7 eram limítrofes a borda. De acordo com Silva; Silva (2015), essa diminuição no
processo de expansão deveu-se à elaboração dos Planos Diretores das cidades
menores nesse período, que contiveram o ímpeto produtivo do mercado imobiliário a
partir de maior regulamentação. Além disso, deve-se destacar novamente a
desaceleração nacional frente a crise imobiliária do fim do Banco Nacional de
Habitação (BNH), sobre a qual tratou-se no capítulo 1. Durante a década de 2000, a
tendência de baixa produtividade do mercado na área de estudo perdurou,
despontando iniciativas pontuais33 em vazios urbanos deste território. Este quadro
alterou-se somente com o advento do PMCMV em 2009.

32
Beloto (2003) destaca que somente entre os anos de 1976 e 1980 foram aprovados 38 novos loteamentos.
33
Foram mapeados pela autora o Jardim Novo Bertioga na borda de Sarandi e o Loteamento de Chácaras
Aeroporto em Maringá, onde posteriormente veio a se instalar a entrada do Eco Garden Residence.
107
Figura 11 - Expansão urbana de Sarandi ao longo das décadas. Em 1990 a conurbação se efeitva com a
implantação dos Conjuntos Habitacionais Maringaenses e os loteamentos de Sarandi da década (sul).
Fonte: Ströher, Souza (2011).

Já no início da década 2010, tendo em vista o lançamento nacional do


Programa Minha Casa Minha Vida, a borda de Maringá permaneceu recebendo
empreendimentos populares, tal qual nas décadas anteriores, como é o caso dos
conjuntos residenciais Diego Rivera da empresa Washii Empreendimentos, Ataulfo
Alves e Dalva de Oliveira da Sial Engenharia34, porém em novo formato -
condomínios verticais do Programa Minha Casa Minha Vida faixa 2 e 3 - adjacentes
aos bairros populares na porção sul de Maringá, demonstrando os primeiros sinais
de verticalização na borda conurbada de Maringá e Sarandi.

34
Para mais informações sobre os empreendimentos e atuação das empresas no Programa Minha Casa Minha
Vida – faixa 1 em Maringá ver Marcon (2019).
108
Figura 12 - Localização dos empreendimentos MCMV faixas 2 e 3 da borda conurbada.
Fonte: elaborado pela autora.

Figura 13 - Implantação dos residenciais verticais MCMV faixas 2 e 3 em Maringá próximos a borda conurbada.
Da esquerda para direita Condomínio Ataulfo Aves (amarelo), Dalva de Oliveira (alaranjado) e Diego Rivera
(azul). Em pontilhado, na direita, o limite entre Maringá e Sarandi.
Fonte: elaborado pela autora sobre base do Google Earth (2019).

109
Figura 14 - Residencial Dalva de Oliveira - MCMV faixa 1.
Fonte: SIAL Engenharia (2020).

Posteriormente, a partir da permissividade de verticalização no centro da


borda dada por uma alteração legislativa de 2011, posteriormente explanada, a
Plana Empreendimentos lançou o condomínio vertical Infinity Club Residence (2015)
– 2 torres de 25 andares com 192 apartamentos na Avenida Colombo, de alto
padrão.

Figura 15 - Localização do empreendimento de alto padrão - Infinity Club Residence -, e dos mais recentes
empreendimentos da MRV na borda conurbada.
Fonte: elaborado pela autora.

110
Figura 16 - Implantação do Edifício de alto padrão na Avenida Colombo - Infinity Residence Clube, em
alaranjado. Em amarelo, o eixo da Avenida Colombo (trecho urbano da PR 376), em vermelho no canto direito o
limite entre os municípios de Maringá e Sarandi. Em branco, os edifícios da empresa mineira MRV de 2018.
Fonte: elaborado pela autora sobre base do Google Earth (2020).

Figura 17 - Condomínio Infinity Club Residence na Avenida Colombo, principal eixo de conexão de Maringá e
Sarandi. Destaque para a publicidade destacando a Avenida Colombo como boulevard, lei que foi revogada nos
últimos anos.
Fonte: Plana Empreendimentos (2020).

111
Quadro 3 - Empreendimentos verticais na borda conurbada em Maringá 2010 a 2016 - Minha Casa Minha Vida -
faixa 2 e 3 e alto padrão.

Empreendimentos verticais na borda conurbada em Maringá 2010 a 2016 –


Minha Casa Minha Vida – faixa 1 e alto padrão

Empreendimento Tip. Produtor/lançamento Ano Torres/ Número Terreno Bairro


Sede da empresa pav. de (m²) 35
unidades
Infinity Club Cond. Plana 2015 2/25 192 4840 Pq.
Residence vertical Empreendimentos/ Industrial
fechado São José dos Pinhais
alto
padrão
Conj. Habitacional Cond. SIAL Engenharia/ 2014 11/5 176 13.969 Pq.
Dalva de Oliveira vertical Cascavel Tarumã
fechado
MCMV
faixa 2
Conj. Habitacional Cond. SIAL 2014 12/4 197 13.555 Pq.
Ataulfo Alves Vertical Engenharia/ Tarumã
fechado Cascavel
MCMV
faixa 2
Residencial Diego Cond. Washii/Maringá 2012 6/5 120 6.932 Cidade
Rivera Vertical Alta
fechado
MCMV
faixa 3
Total de unidades 192
lançadas no
mercado

Total de unidades 685


residenciais (h.i.s e
alto padrão)

Fonte: Prefeitura Municipal de Maringá, Prefeitura Municipal de Sarandi, Plana Empreendimentos (2020), SIAL
Engenharia (2020). Elaborado pela autora.

Além deles, surgiram novos bairros residenciais implantados pela iniciativa


privada ocupando os vazios urbanos ainda existentes desde as décadas de 1980 e
1990, motivados pela possibilidade de financiamento pelo Programa Minha Casa
Minha Vida faixa 2, como no caso do Jardim Araucária (2012), Loteamento Madrid
(2012) e Jardim Nova América36 (2016). Houve também a expansão da faixa
conurbada em Maringá para o norte por meio dos jardins Novo Paulista I, II, III e IV,
em expansão desde meados de 2000. Nesses loteamentos foram edificadas, em
sua maioria, casas geminadas com possibilidade de financiamento pela faixa 2 do
Programa. Por fim, diante de aplicação do instrumento de Parcelamento, Edificação
Compulsório e IPTU Progressivo (PEUC), em 2015 foi loteado um grande vazio

35
Medição realizada em base cedida pela Prefeitura Municipal de Sarandi.
36
Nesse loteamento a incorporadora mineira MRV lançou em 2018 dois empreendimentos – Spazio Medelín e
Spazio Mendonzza – totalizando 12 torres de 8 pavimentos.
112
urbano mantido na borda desde a década de 1990, o atual Residencial Bom Jardim.
Juntos, esses loteamentos renderam cerca 1.877.000m² 37 de incorporação
imobiliária para fins residenciais na borda conurbada de Maringá com Sarandi na
última década.

Figura 18 - Loteamento Madrid, exemplo de loteamento econômico em Maringá


Fonte: acervo pessoal.

É importante destacar, que mesmo com seu território valorizado, com a


contínua verticalização das áreas centrais desde 1980, bem como com a
multiplicação de condomínios horizontais fechados em diversas partes do perímetro
urbano – inclusive rurais e periféricas - (TOWS, 2015), durante as últimas décadas a
borda conurbada de Maringá não alterou o caráter dos empreendimentos instalados
nela. Novas tipologias como os conjuntos habitacionais verticais e a proliferação de
casas geminadas, passaram a ocupar o território, mas mantendo o caráter de
produção popular periférica (ou econômica) no extremo leste da cidade. A real
modificação do período ocorreu, de fato, no território vizinho de Sarandi, adjacente
ao perímetro municipal de Maringá.
Conforme anteriormente exposto, o território de Sarandi, desde sua gênese
até o início da década de 2010, não havia experimentado o fenômeno dos “novos
produtos imobiliários” – condomínios-clube de alto padrão, condomínios fechados
verticais de seguimento econômico - que se proliferavam na cidade polo desde a

37
Medição realizada pela autora a partir dos limites dos bairros fornecidos no Portal GeoMaringá (2019) e do
aplicativo Google Earth (2019).
113
década de 1990. A cidade se manteve pouco verticalizada – os edifícios eram
centrais e comerciais -, e não se registraram modelos condominiais fechados –
verticais ou horizontais. Essa condição começou a se alterar no município de
Sarandi na década de 2010 – tardiamente, se comparado ao cenário nacional.
Logo no início da década, quando as possibilidades locacionais da borda
ainda não se destacavam para o mercado imobiliário, o Conjunto Residencial Mauá
do Programa Minha Casa Minha Vida faixa 1 – 0 a 3 salários mínimos, foi construído
com subsídios do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). A empresa
responsável pela obra foi a Monolux Construções Civis, de Maringá. Anteriormente
ao Programa, a construtora tinha como principal foco de mercado a construção
industrial, voltada à hotéis e também a participação em um condomínio-clube na
área rural de Maringá (Jardins de Monet Residence). De acordo com a Monolux 38, a
área onde se instalou o bairro Mauá já pertencia a empresa e com o advento do
PMCMV, pareceu uma boa oportunidade.
Foram construídas 343 unidades residenciais que atenderam 170 famílias
provenientes de área de risco do município e demais famílias cadastradas pela
Prefeitura. Após o Residencial Mauá, a mesma construtora ainda realizou outra obra
do mesmo tipo no município, conforme será retomado a seguir 39. Após as duas
experiências, a empresa declarou não possuir interesse em voltar a empreender na
faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida, devido à demora para a liberação de
verbas e aprovação de projetos. Ainda assim, demonstrou interesse em utilizar sua
propriedade de terras adjacentes a esses empreendimentos – parte dela na borda
conurbada - com foco na faixa 2 do Programa, voltada ao mercado econômico.
Ainda como resultado do Programa Minha Casa Minha Vida na cidade de
Sarandi foram implantados quatro condomínios verticais fechados, todos de
empresas maringaenses, voltados à faixa 2 do Programa Minha Casa Minha Vida.
Dois deles foram inseridos na porção central da borda conurbada – Torres do Sol,

38
Entrevista concedida à colaboradora Carolina Dieguez Cândido na pesquisa de iniciação científica realizada
pela autora entre 2015 e 2016 pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), na
Universidade Estadual de Maringá, com título “Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) na
área urbana do município de Sarandi de 2010 a 2016, orientada pela Prof.ª. Dr.ª. Beatriz Fleury e Silva, no
Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU).
39
Apesar da elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) para Sarandi, em 2008 –
melhor explicado nos itens seguintes -, os conjuntos habitacionais da faixa 1 do Programa Minha Casa Minha
Vida, Mauá e José Richa, foram instalados na penúltima área indicada para habitação social e em uma área fora
do perímetro urbano no momento da elaboração do PLHIS, respectivamente.
114
da empresa GRP Borges e Residencial Monte Líbano da M2 Arquitetura e
Construção, ambos lançados pela Imobiliária Sílvio Iwata – e um terceiro próximo a
borda, no sul do município – Residencial Arvoredo. O quarto empreendimento, Bela
Ville da CIA Maringá40, se afasta da área de estudo dessa pesquisa, localizado
próximo à centralidade urbana de Sarandi.
O Residencial Arvoredo, em maior escala, foi implantado pela Brassul
Construções Civis LTDA. em 2014. Conta com 16 torres residenciais e 265
apartamentos. Se localiza adjacente ao Conjunto Floresta e próximo ao Residencial
Mauá, na estrada que conecta (via Sarandi), à porção urbana aos condomínios
horizontais fechados da zona Sul. A empresa responsável por sua construção atua
no mercado desde 2001 e produziu em outras cidades da região de Maringá, como
em Marialva. Suas obras se enquadram no seguimento econômico do PMCMV faixa
2 – para famílias de 3 a 6 salários mínimos -, bem como no seguimento popular,
PMCMV faixa 1, para famílias de 0 a 3 s.m.

Figura 19 - Localização do Conjunto Residencial Mauá (PMCMV-faixa 1), Residencial Arvoredo (faixa 2) e do
Novo Centro Cívico de Sarandi. Fonte: elaborado pela autora.

40
Trata-se de um empreendimento misto, com 128 apartamentos e 16 casas e foi o pioneiro dessa tipologia na
cidade, em 2012 (Ver Silva, 2015).
115
Figura 20 - Implantação Conjunto Habitacional Mauá - MCMV faixa 1 (alaranjado) e Residencial Arvoredo -
MCMV faixa 2 (Azul). É possível ver a proixmidade com o Novo Centro Cívico de Sarandi (tracejado branco). A
esquerda, em vermelho, o limite entre as duas cidades. Fonte: elaborado pela autora sobre base do Google
Earth (2019).

Figura 21 - Conjunto Residencial Mauá. Ao fundo, Maringá.


Fonte: acervo pessoal.

116
Figura 22 - Residencial Arvoredo - Minha Casa Minha Vida 2.
Fonte: acervo pessoal.

O Condomínio Residencial Torres do Sol se localiza no Jardim Monte Líbano,


em Sarandi e foi implantado em 2013, pela GRP Borges. Conta com duas torres e
128 apartamentos. O empreendimento foi lançado pela imobiliária maringaense
Silvio Iwata, que de acordo com Silva (2015), instalou uma filial na cidade nesse
período atraída pelo crescimento imobiliário. Esses empreendimentos, próximos à
cidade polo, foram vendidos majoritariamente à população de Sarandi, mas contou
com 30% de compradores maringaenses que investiram no local. O sucesso de
vendas do Condomínio Torres do Sol levou ao lançamento de mais uma torre
residencial pela Imobiliária Silvio Iwata, realizada pela M2 Arquitetura e Engenharia,
em uma quadra adiante, com 20 apartamentos financiados pelo PMCMV faixa 2, o
Residencial Monte Líbano.

117
Figura 23 - Localização dos residenciais Torres do Sol e Monte Líbano (MCMV faixa 2).
Fonte: elaborado pela autora.

Figura 24 - Implantação dos residenciais MCMV faixa 2 em Sarandi - Torres do Sol (amarelo) e Monte Líbano
(azul). Ambos estão instalados em no bairro Monte Líbano, também realizado no período analisado, voltado ao
MCMV faixa 2. A esquerda, o limite entre as duas cidades.
Fonte: elaborado pela autora sobre base do Google Earth.

118
Figura 25 - Residencial Torres do Sol em Sarandi.
Fonte: Imobiliária Silvio Iwata (2020)

Quadro 4 - Empreendimentos populares e econômicos na borda conurbada de Sarandi de 2010 a 2016 - MCMV
faixas 1 e 2 (cond.)

Empreendimentos populares e econômicos na borda conurbada de Sarandi até 2016 –


Minha Casa Minha Vida – faixa 1 e 2 (cond.)

Empreendimento Tip. Incorporador Ano Torres/ Número Terreno Bairro


e/ou gabarito de (m²) 41
lançamento/ unidades
Sede da
empresa
Residencial Mauá Loteamento Monolux/ 2010 - 343 101.631 -
popular Maringá
aberto
Torres do Sol Cond. GRP Borges/ 2013 2 torres 128 7.917 Jardim Monte
Vertical Maringá (8 pav.) Líbano
fechado
economico
Arvoredo Cond. Brassul 2014 16 265 16.867 Conj.Floresta
Vertical Construções torres
fechado LTDA/ Maringá (4 pav.)
economico
Monte Líbano Cond. M2 Arquitetura 2016 1 torre 20 2.165 Jardim Monte
Vertical e Construtora (5 pav + Líbano
fechado /Imobiliária pilotis)
economico Silvio Iwata/
Maringá
Total de unidades 413
lançadas no
mercado
Total de unidades 756
residenciais (h.i.s e
seguimento
econômico)
Fonte: Prefeitura Municipal de Sarandi, empresas construtoras. Organizado pela autora (2020).

41
Medição realizada em base cedida pela Prefeitura Municipal de Sarandi.
119
Sob efeitos do PMCMV, tal qual ocorreu em Maringá, alguns vazios urbanos
da porção consolidada foram loteados e preenchidos quase praticamente em sua
totalidade com casas geminadas, passíveis de financiamento pela faixa 2 do
Programa. Esse é o caso do Residencial São José III, Jardim Rio de Janeiro e
Jardins Aurora I, II e III, Jardim Oriental, todos na porção norte da borda. Juntas,
essas áreas contabilizam mais de 1.000.000m² incorporados entre 2014 e 2016.
Esses empreendimentos, com exceção à tipologia de casas geminadas, seguem o
padrão morfológico e de subdivisão comuns na cidade na década de 1970 e 1980 –
longo lote rural subdivido em quadras similares -, porém com regulação efetiva e
reservando espaços de lazer, por exemplo.

Figura 26 - Localização dos loteamentos econômicos na porção norte da borda.


Fonte: elaborado pela autora.

Figura 27 - Loteamentos abertos - econômicos - porção norte da borda de Maringá e Sarandi. Na esquerda,
limite entre as duas cidades.
Fonte: Google Earth (2020).

120
Os empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida não foram os
únicos que trouxeram inovações nos produtos residenciais para a borda conurbada
de Sarandi. Em 2010 a tipologia de loteamentos horizontais fechados – os
condomínios-clube – inauguraram tanto a tipologia no município, como uma nova
área de expansão. Na borda sul do perímetro urbano de Sarandi, na divisa com
Maringá, próximo a uma área de chácaras conhecida como Vale Azul – atualmente
Chácaras Aeroporto – foi implantado o primeiro condomínio horizontal fechado do
Município, o Eco Garden Residence, produzido pela jovem empresa maringaense
EcoIngá Empreendimentos.
A empresa, que atua no mercado imobiliário desde maio de 2009, foi criada
pela iniciativa de dois jovens empresários, a partir da existência de terras já
pertencentes a família na cidade de Sarandi, adquirida nos primeiros anos de
colonização42. Desde seu início, a empresa tomou como missão “desenvolver
soluções imobiliárias inovadoras, seguras e rentáveis, que possibilitem às pessoas
viverem com qualidade de vida, mantendo a sustentabilidade da empresa”
(ECOINGÁ, 2020), e como visão “ser reconhecida no mercado imobiliário em que
atua como uma empresa de soluções sustentáveis e inovadoras para a vida urbana,
atuando com foco na qualidade e sustentabilidade” (ECOINGÁ, 2020).
O primeiro empreendimento da EcoIngá se localiza na borda conurbada,
estendido entre os perímetros municipais – portaria principal, salão de festas e parte
do setor recreativo em Maringá, em lote no bairro Chácaras Aeroporto e lotes
residenciais e demais infraestruturas no perímetro de Sarandi.

Figura 28 - Localização do Eco Garden Residence.


Fonte: elaborado pela autora.

42
Entrevista concedida à autora em 15/01/2020.
121
.
Figura 29 - Condomínio Eco Garden Residence (em branco), a entrada principal por Maringá e a porção
residencial em Sarandi. Acima, o Condomínio Eco Garden Wind (verde).
Fonte: elaborado pela autora sobre base do Google Earth, 2019.

Figura 30 - Porção residencial do Condomínio Eco Garden Residence (Sarandi), vista de Maringá.
Fonte: acervo pessoal.

A localização do empreendimento, como citado anteriormente, não se derivou


de uma escolha mercadológica, mas da propriedade dessas terras:

“A seleção da área não foi com base na localização, mas com o que a gente
tinha em mãos. Mas é claro que para a gente dar esse start de que vamos
fazer um empreendimento lá, nós fizemos, é claro, algumas avaliações se o
negócio era viável ou não. Sempre em um negócio você tem pontos contra
e a favor. Existiam muitos mais pontos contrários do que a favor”
(Informação verbal, Agente A).

122
As condicionantes do entorno da borda estabelecidas nas décadas anteriores
– produção popular e de conjuntos habitacionais -, pesaram sobre a decisão da
tipologia a ser desenvolvida pela empresa:

“Era uma região [referente a porção sul da cidade] que só tinha algumas
habitações populares, era uma região em que você tinha um acesso muito
precário, por décadas foi uma área que ficou estagnada, você tinha o
Contorno Sul [Maringá] que era apenas uma cicatriz que fazia uma divisão
na cidade, então para você convencer um cliente a comprar um terreno e ter
que passar por uma rodovia de movimento, que tem acidente frequente, são
empecilhos, e essa questão também dos empreendimentos populares, isso
atrapalha muito. Por que se você vai construir um empreendimento popular
ao lado de um empreendimento popular, ou mesmo próximo, tudo bem.
Agora se você vai construir um empreendimento de um nível mais alto, que
existem algumas habitações populares no entorno, você precisa contra
argumentar. Então por isso foi um condomínio fechado. Se fosse uma área
que não tivesse essa vizinhança, poderia ser aberto. Na verdade, acho que
teríamos ganhado mais dinheiro se fosse aberto, só que o fechado traz uma
valorização, ele traz um ânimo, a cidade falou ‘Pô, agora temos um
condomínio top’ e não é por nada, mas é o melhor de Maringá” (Informação
verbal. Agente A, grifo da autora).

Figura 31 - Entrada do Eco Garden na publicidade da empresa.


Fonte: EcoIngá (2019).

A partir dos estudos da empresa e a definição do tipo de empreendimento, o


projeto foi implantado na porção sul de Maringá e Sarandi em 2010. O Condomínio
Eco Garden Residence conta com área de 284.350m² de área, 18 quadras
residenciais com 365 lotes de 400 a 700m². Os valores da empresa, fortemente
ligados a responsabilidade sócio-ambiental, foram materializados por um bosque,
lago com mais de 30.000m², pista de caminhada, geração de energia limpa para as
áreas comuns com a turbina eólica, completa área de lazer e a reserva da mata ciliar
– correspondente ao fundo de vale do Ribeirão Pinguim – com 33.934,47m²
(ECOINGÁ, 2020).
123
Figura 32 - Publicação sobre as inovações tecnologicas do Condomínio Eco Garden Residence.
Fonte: EcoIngá (2016).

Toda a infraestrutura, critérios de sustentabilidade e tecnologia implantados


no condomínio foram desejos dos empreendedores para oferecer inovação nesse
tipo de empreendimento, segundo a empresa:

“No mercado imobiliário é difícil você inovar, como você vai inovar? É tijolo,
concreto e design. Só que o design você vai levar em consideração em um
momento em que você vai fazer uma casa, um prédio. Agora, em um
condomínio, é muro e portaria. Então o que a gente podia fazer? E era uma
época, em 2008, que a questão da placa fotovoltaica, de turbina eólica
estava começado a engatinhar [...], então a gente pensou em inovar com
características de, é claro, você ter um produto diferente, você conseguir
vender ele com mais argumentos de venda, então você tem uma praça top
com um gramadão, com várias quadras, com essa produção de energia
para diminuir o custo do condomínio, então é a pegada que a gente tenta
imprimir no DNA da empresa” (Informação verbal. Agente A).

Com localização certeira para compradores de Maringá ou Sarandi, a


empresa não visou atingir o público de classe mais alta com o empreendimento. No
início, ofereceu um custo benefício mais viável em relação aos valores de terrenos
dos condomínios de Maringá e, com isso, pretendia atingir o público de classes B e
C43, ou, segundo o Agente A:
“O público que já tem sua primeira casa, seu primeiro apartamento, e que
queria dar esse upgrade na vida de morar em um condomínio. Então a

43
A definição em classes do poder de consumo brasileiro é realizada por duas principais entidades no país: a
ABEP (Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa) e SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo
Federal). As entidades têm divergências em suas categorias de estratificação, portanto, para este caso,
considera-se as famílias com renda acima de 10 salários mínimos, não contempladas nas categorias do
Programa Minha Casa Minha Vida.
124
nossa ideia era vender, vamos dizer assim, para um público que tivesse um
dinheirinho para dar de entrada, que tinha um imóvel que ele podia vender
para comprar o terreno e começar a fazer a casa. Então hoje a gente vê que
entre os clientes que moram lá no Eco Garden, tem muito funcionário
público aposentado, muito gerente de banco, delegado, empresário, então
hoje parece que ele evoluiu” (Informação verbal. Agente A).

A evolução tratada pelo entrevistado, diz respeito a valorização do solo, sobre


a qual os incorporadores não tinham certeza no início, vista a questão da
localização, vizinhança e os riscos que corriam nas vendas desta tipologia inédita
em meio a produção popular, apesar do empenho de esforços e receita no
empreendimento. Ao longo do tempo, o loteamento e seus benefícios alcançaram o
sucesso de vendas e valorização inesperada para a empresa.
Apesar do início das atividades em 2009, juntamente ao lançamento do
Programa Minha Casa Minha Vida e no furor do boom imobiliário sentido nas
principais cidades do país desde 2005, as possibilidades financeiras que cercavam o
mercado não se relacionaram ao primeiro empreendimento da Eco Ingá. Os
empreendedores tinham capital e terras que eram utilizadas somente para plantação
de soja. Quanto ao mercado, declarou o Agente A: “hoje faço uma avaliação um
pouco melhor do mercado para fazer um lançamento, mas nesse momento eu não
tinha opção” (informação verbal, agente A).
Ainda de acordo com a empresa, apesar de ser um momento positivo para a
economia, quando as pessoas tinham dinheiro e que havia disponibilidade de capital
no mercado – somente em Sarandi, por exemplo, a ampliação do financiamento
imobiliário passou de R$61.836,00 em 2004 para R$132.771.486,00 em 2013, um
aumento de 214.615,5% (SILVA, 2015) – o sucesso do empreendimento deveu-se
muito mais a localização privilegiada e o diferencial do projeto. Não houve a
participação de grandes investidores na compra dos lotes, “nenhum investidor
comprou milhões de reais, eles compravam três, dois, um, era um investimento
pequeno” (informação verbal, Agente A).
Diante da aceitação da incorporação e da localização até então pouco
exploradas, a empresa continuou a empreender no local nos anos seguintes e
pretende continuar: “São áreas que ao longo dos anos, conforme as coisas foram
dando certo, a gente sempre teve a visão de reinvestir onde a gente estava
caminhando e conseguindo sucesso” (informação verbal, Agente A).

125
Para o empreendimento seguinte, a empresa alterou sua estratégia
apostando em uma nova tipologia, o loteamento aberto planejado, EcoValley, em
suas fases 1 (2013) e 2 (2014). A fase 1 conta com 575.956,61m² de terreno,
distribuídos em 868 lotes (sendo 90 comerciais e 778 residenciais) e 29.372,34m² de
área verde. Para tal empreendimento, a empresa apostou em uma melhor
infraestrutura, construindo avenidas amplas, pontes, ciclovias, praças e terrenos
acima de 300m². Já a fase 2, ainda não ocupada até o fim dessa pesquisa, conta
com um terreno de 480.000m², subdividido em 39 quadras 44. Apesar da
infraestrutura e planejamento do bairro que “parece um condomínio, mas é um bairro
planejado” (ECOINGÁ, 2020), a empresa se preparou para um padrão consumidor
diferente:

“A gente sabia que tinha que atender um público de renda mais baixa, pode-
se dizer assim C e D. Nós no começo tivemos alguns investidores, também
para poder pegar o volume de dinheiro necessário para construir a
infraestrutura, mas o público foi exatamente o que a gente estava mirando”
(Informação verbal. Agente A).

Diferentemente do ocorrido em seu primeiro empreendimento, o Eco Garden


Residence, onde o crédito imobiliário disponível não foi empenhado pela empresa
para a execução, nos lançamentos seguintes o crédito disponível foi utilizado:

“Quando começaram os outros empreendimentos, em 2013, a empresa já


era maior, tinha dinheiro no caixa, aí a gente acabou pegando dinheiro
emprestado para fazer outras áreas e produzir expansão. O problema aí foi
a crescente, foi como se fosse uma armadilha [...]. Em 2008 e 2009 no
mercado nacional de fato houve muitos lançamentos, ainda que o nosso
caso tenha sido por motivos pessoais. Mas a demanda nos fez realizar
novos lançamentos. O que atrapalhou o mercado foi a questão da corrente
de juros e isso deteriorou o caixa, as grandes construtoras de São Paulo
que quebraram [...]. Então foi uma somatória de fatores. Mas o mercado
ajudou, sim, o crescente da valorização. Mas é importante pensar que esse
crescente se deu devido a demanda, a falta de produto para o morador. Se
você ver nossos empreendimentos hoje, 90% está nas mãos de
compradores finais, pessoas que não tinham casa, não tinham terreno.
Vendemos terrenos para as pessoas que nunca tinham comprado
terrenos na vida, centenas. Então foi o momento de ganhar dinheiro e
estão até hoje com o terreno lá, esperando ganhar dinheiro para construir
uma casa, comprar outra” (Informação verbal. Agente A, grifo da autora).

A colocação do Agente A evidencia a ascensão da produção imobiliária


voltada ao novo nicho de mercado representado pela “nova classe média”, conforme

44
Informações obtidas da base DWG do Mapa atualizado de 2019 cedido pela Prefeitura Municipal de Sarandi.
126
explorado no Capítulo 1. As possibilidades de aquisição dessa nova demanda,
materializadas especialmente pelo Programa Minha Casa Minha Vida – faixa 2,
imprimiu o resultado final e o padrão dos empreendimentos abertos da empresa.
Conforme o entrevistado:

“Eu achei que teria um nível um pouco mais alto, mas ele bombou muito
pelo PMCMV, então se não tivesse o MCMV, seria completamente
diferente, acho que seria pior. Por que se têm pessoas morando hoje lá, e
as casas são boas, significa que tinha gente precisando de residência.
Então se você colocar uma casa de padrão maior, você ia atender quem?
[...]. Então como ele [o bairro] tinha essa localização próxima a Maringá e
essa característica de cidade dormitório, muita gente falou ‘ah, lá é próximo,
é um bairro legal, um bairro novo’. Por isso o MCMV, que no início me
preocupava muito, acabou fazendo o bairro crescer muito. Hoje você vai lá
e tem 500, 600 casas. Isso é fundamental. E conheço várias pessoas que
moram lá e não ficaram exclusivamente no MCMV. No MCMV, vamos dizer
que tenham casas de R$150.000, R$160.000, mas tem casas de
R$200.000, R$250.000, R$300.000. Mas em sua maioria hoje, são casas de
até R$200.000, e 70% por causa do PMCMV. [...]. Eu não queria que fosse
tão Minha Casa Minha Vida, eu tinha uma visão do Programa um pouco de
como são aqueles bairros mais antigos de Sarandi, que era muito
degradado. Então você olhava como era e falava ‘não, não pode’. Mas aí
como é um negócio novo, é um bairro novo, é um bairro bonito”.
(Informação verbal. Agente A, grifo da autora).

Figura 33 - Ponto de vendas da Ecoingá no EcoValley I. Destaque para o cartaz com o oferecimento do
Programa Minha Casa Minha Vida.
Fonte: Ecoingá (2016).

127
A tipologia horizontal do bairro, alinhada ao amplo financiamento que ocorreu
pelo Programa Minha Casa Minha Vida – faixa 2, resultou, em sua maioria, em
casas geminadas – terrenos subdivididos de 150m² - construídas em alvenaria e
com padrões estéticos bastante similares. Em contraponto, existem casas de terreno
não subdividido e que apresentam uma linguagem voltada à um maior padrão
aquisitivo. Apesar de essas características serem compatíveis a muitos outros
loteamentos populares que foram implantados na borda conurbada tanto em
Maringá, quanto em Sarandi, durante o período analisado, o bairro planejado da
Ecoingá se destaca por sua estrutura urbanística interna de qualidade, bem como
pela produção mais próxima aos padrões urbanísticos estabelecidos na cidade de
Maringá – caixas de vias de 14 metros, enquanto outros bairros de Sarandi têm 12
metros mínimos permitidos pela legislação até 2015, arborização, canteiros centrais
nas principais avenidas, espaços de lazer públicos, calçamento em paver e ciclovias,
por exemplo.

Figura 34 - EcoValley parte I. Ocupação por casas geminadas - terrenos subdivididos - com possibilidade de
financiamento pelo PMCMV faixa 2.
Fonte: acervo pessoal.

128
Figura 35 - Avenida principal do EcoValley parte I. Destaque para a largura, arborização e calçamento.
Para além dela, perímetro municipal de Marialva.
Fonte: Acervo pessoal.

Figura 36 - Portal de entrada EcoValley voltado para a via de conexão com Maringá.
Fonte: Acervo pessoal.

No ano de 2014, a Ecoingá ainda lançou um segundo condomínio horizontal


fechado na mesma área da borda na porção sul de Sarandi, adjacente ao primeiro,
com o nome Eco Garden Wind. O Condomínio conta com 140.000m² de área total,
200 lotes residenciais entre 360 e 600m², mantendo o mesmo partido utilizado no
primeiro. Em fase de obras, o anúncio no site da empresa diz:

129
“Seguindo o sucesso do Eco Garden, já em fase de implantação, a segunda
edição do condomínio, o Eco Garden Wind chega para atender os
consumidores que se identificam ao conceito de condomínio fechado com
um alto padrão de qualidade e sustentabilidade” (ECOINGÁ, 2020).

Figura 37 - Publicidade do Eco Garden Wind. Fonte:


Ecoingá, 2020.

A localização dos empreendimentos da Ecoingá na divisa entre as duas


cidades, sendo maior parte em Sarandi, teve suas conexões favorecidas com a área
urbana de Maringá, com acesso direto ao centro por meio das Avenidas Carmem
Miranda e Cerro Azul, respectivamente. Tal conexão facilitada possibilitou a venda
para o público maringaense, superando o público da cidade onde os
empreendimentos de fato se instalaram – Sarandi.

“Tivemos bastantes clientes de Sarandi. Por que Sarandi ela tem um perfil
que, aparentemente, e se você pegar dados do IBGE talvez comprove [ 45], e
é obvio, que visualmente o poder aquisitivo é bem menor que Maringá,
podemos dizer que é uma cidade pendular, satélite, dormitório mesmo, que
a maioria das pessoas que moram lá, moram lá por que não conseguem
morar em Maringá. Por exemplo, o IPTU do Eco Garden, se eu não me
engano é R$300,00, se você pegar o IPTU de um terreno em Maringá o
mais barato é R$1000,00, R$1500,00, R$ 2000,00 [ 46]. Fora ao transporte
coletivo, fora ao preço da construção, que tudo influencia, então vendeu
bem pra Sarandi, sim, mas a porcentagem, se você analisar de 100% de
compradores, eu diria que 25%. O restante foi Maringá, por que também em
Maringá existe essa questão. Mesmo você morando em Maringá, não
significa que você está com dinheiro sobrando para morar em Maringá. Mas
você mora em Maringá, o que quer dizer, você tem um pouco mais de
condição, você quer que seu filho estude em uma escola melhor, aí você
acaba comprometendo sua renda, e morando em um apartamento menor,
mas você poderia morar em uma casa melhor lá em Sarandi. Então a gente
pegou esse público que queria dar um upgrade na vida, que já tinha o
apartamento e acabou mudando para uma região que era mais periférica,

45
Ver dados referentes à renda no item 3.1.
46
De fato, uma das razões para a partida dos moradores de Maringá para Sarandi na década de 1990 foi o
aumento no valor do IPTU (RODRIGUES, 2004).
130
mais distante, mas que oferecia uma melhor qualidade de vida” (informação
oral).

Apesar de a empresa declarar o atendimento ao público das duas cidades, a


infraestrutura e acesso facilitados por Maringá tenderam a especulação locacional e
facilitou a venda para o público maringaense.
Os principais acessos facilitados aos empreendimentos da Ecoingá, até o
momento, concentram-se apenas no território maringaense, com total asfaltamento.
Como parte da pesquisa, foram realizados os trajetos respeitando o limite do
perímetro de cada cidade. O acesso pelo interior de Sarandi mostrou-se bastante
deficitário. Além da ausência de asfaltamento na via que contorna o Condomínio Eco
Garden até a chegada no Portal EcoValley, o percurso não tem segurança, não é
reconhecido pela população (que descarta lixo em alguns trechos) e se insere
completamente no meio rural.

Figura 38 - Conexões dos empreendimentos de borda ao sul de Sarandi com Maringá e Sarandi.
Fonte: elaborado pela autora com base do Google Earth.

131
Figura 39 – Acesso ao Condomínio Eco Garden Residence a partir estrada rural Octávio Colli em Sarandi.
Fonte: acervo pessoal.

Figura 40 – Acesso ao Portão de serviço Eco Garden Residence a partir de Sarandi.


Fonte: Acervo pessoal.

132
Figura 41 - Descarte de lixo na estrada rural Octávio Colli, acesso ao Portal EcoValley.
Fonte: Acervo pessoal.

Figura 42 - Acesso ao Portal EcoValley a partir de Sarandi.


Fonte: acervo pessoal.

133
Figura 43 - Entrada do EcoGarden a partir de Maringá.
Fonte: Acervo pessoal.

A respeito dos acessos, a empresa declarou:

“A entrada é por Sarandi ou por Maringá, em qualquer um dos dois, e em


um ponto como esse, duas cidades se conurbam [...] e a gente sempre
comentou que aquela região do Eco Garden é uma região que ao longo do
tempo vai se consolidar, tem avenidas agora que estão chegando no Eco
Garden e a maioria dos moradores, ainda não, mas futuramente, vão
preferir ir por Sarandi. Você sai do Eco Garden pela portaria de serviço e cai
na [Avenida] São Paulo [Maringá], então não precisa fazer o zigue zague
que hoje ele é obrigado a fazer por Maringá” (informação verbal, Agente A).

O planejamento das vias que integram os municípios por parte da cidade de


Maringá em relação Sarandi se deu, especialmente, em função da lógica de
funcionamento interna maringaense que é afetada pelo surgimento de novas
demandas metropolitanas, e em locais não planejados pelo poder público de
Maringá – como é o caso da nova área de expansão ao sul de Sarandi -, que
utilizam suas vias como principal eixo de deslocamento:

“Isso [novos loteamentos nessa área] no futuro, se repetindo, se


proliferando, vai gerar problemas terríveis para essa população [desses
empreendimentos]. Então a gente vê o seguinte, por exemplo, naquela
questão dos EcoValleys, qual a ligação deles com Maringá? É a Carmem
Miranda, Cerro Azul, centro de Maringá, então imagine se esses
loteamentos começarem a se replicar o que vai acontecer com a Cerro Azul

134
daqui há alguns anos? Vai ser uma via totalmente impraticável” (informação
verbal, Agente B). 47

A estratégia da Ecoingá Empreendimentos Imobiliários, não somente por sua


fortuita e ambígua localização - atraindo o público de Maringá e Sarandi
simultaneamente -, bem como no modelo, tipologia e investimentos realizados para
a qualidade da área, impulsionou outras empresas a empreenderem na área. Essas
empresas extrapolaram seus empreendimentos para o território rural de Marialva,
onde encontra-se a tríplice fronteira de Maringá-Sarandi-Marialva, ou melhor,
atravessando a avenida principal do Portal EcoValley.48

47
Entrevista concedida a autora em 16/12/2019.
48
Até o momento de encerramento desta pesquisa, Avenida 9314.
135
Figura 44 - Empreendimentos no perímetro municipal de Marialva. Em vermelho a tríplice fronteira entre os
municípios de Maringá, Sarandi e Marialva, o Condomínio Villagio das Águas (branco) e condomínio da empresa
curitibana Paysage (verde). Fonte: elaborado pela autora sobre base do Google Earth (2020).

Uma dessas empresas é a Aquila Loteadora e Imobiliária. Seu primeiro


empreendimento na cidade de Sarandi foi o Residencial Green Park 49 iniciado no fim
de 2012 e finalizado em 2014, único loteamento lançado pela construtora, até o

49
Empreendimento da Aquila Loteadora e Imobiliária, Vital Geotecnologia e Consultoria e Consólida Projetos,
todas empresas maringaenses (AQUILAONLINE.COM.BR, 2020).
136
momento, em seu site. Semelhante aos produtos imobiliários da Eco Ingá, a
empresa vende “um condomínio fechado cercado pelo verde da natureza e com todo
conforto e segurança que se pode oferecer” e também com “localização privilegiada,
há apenas dez minutos do centro de Maringá, bem na divisa de Marialva e
Sarandi” (AQUILA, 2020, grifo da autora). O condomínio conta 140 lotes residenciais
de 350 a 400m² e completa estrutura de diversão e lazer em 95.396m² de terreno.

Figura 45 - Entrada do condomínio Green Park Residence.


Fonte: Acervo pessoal.

Para a execução do empreendimento, fez-se necessário a construção da


ponte que transpusesse a divisa natural entre as duas cidades – o Ribeirão Pinguim.
Essa ponte foi executada no fim de 2012, sob iniciativa privada, antes do início das
obras do condomínio, garantindo o acesso à Avenida Carmem Miranda e ao centro
de Maringá para os moradores do condomínio e para os moradores que viriam para
a região, posteriormente, com o lançamento dos EcoValley I e II.

137
Figura 46 - Construção da ponte conectando a porção sul à Avenida Carmem Miranda.
Fonte: Aquila, 2020.

Figura 47 - Ponte sobrepondo o Ribeirão Pinguim.


Fonte: Acervo pessoal.

Apesar dos grandes investimentos, mais ao sul e completamente inserido na


no território municipal de Sarandi, até o encerramento deste trabalho o Condomínio
Green Park ainda possuía muitos lotes vazios. A construtora Aquila, por sua vez,
continuou seus empreendimentos na área – no perímetro municipal de Marialva -
como o Condomínio Villagio das Águas, com suas obras iniciadas em 2014 e em
desenvolvimento até os dias atuais, não obstante a crise que atingiu o setor
imobiliário. O condomínio se localiza em frente ao primeiro empreendimento, ainda
que em municípios diferentes. Adjacente ao segundo condomínio da Aquila, existe o
traçado prévio de mais um condomínio que, de acordo com o Agente A, pertence à
empresa curitibana Paysage, não atuante na região até então.

138
Figura 48 - Publicidade do Condomínio Villagio das Águas - Marialva.
Fonte: Aquila, 2020.

Figura 49 - Muros do condomínio Villagio das Águas.


Fonte: Acervo pessoal.Quadro 5 - Empreendimentos na borda conurbada de Sarandi (porção sul), período 2010
a 2016

Empreendimentos na borda conurbada de Sarandi (porção sul)

Empreendimento Tipologia Incorporação e/ou Ano Número Terreno (m²)


lançamento/ sede da de lotes
empresa
Eco Garden Cond. Eco Ingá Empreedimentos 2010 365 284.350
Residence Horizontal Imobiliários/ Maringá
Fechado
Residencial Green Cond. Aquila Loteadora e 2012 140 95.396
Park Horizontal Imobiliária / Maringá
Fechado
Eco Garden Wind Cond. Eco Ingá Empreedimentos 2014 200 140.000
Residence Horizontal Imobiliários/ Maringá
Fechado
EcoValley Lot. Aberto Eco Ingá Empreedimentos 2013 868* 575.956
(fase 1) planejado Imobiliários/ Maringá
139
EcoValley Lot. Aberto Eco Ingá Empreedimentos 2014 848* 480.000
(fase 2) planejado Imobiliários/ Maringá

Incorporações em execução no perímetro municipal de Marialva

Villagio das Águas Cond. Aquila Loteadora e 2014 - 181.97550


Horizontal Imobiliária / Maringá
Fechado
- Cond. Paysage 2015 - 138.53651
Horizontal Empreendimentos/Curitiba
Fechado

Total de unidades 2421


lançadas ao mercado
(sem
desmembramento)
Total de área 1.896.213,00
incorporada
Fonte: Prefeitura Municipal de Sarandi, EcoIngá (2020), Aquila (2020).
* Passíveis de desmembramento.

A produção imobiliária da porção sul de Sarandi conurbada ao polo Maringá,


propiciou a ocupação dispersa de toda a porção sul, para além da borda conurbada
com Maringá, enquanto vazios inseridos na área urbana permaneceram. Esses
empreendimentos, espalhados por toda a porção sul do município, também
possuem tipologia derivada da recente dinâmica imobiliária brasileira, especialmente
o PMCMV, como é o caso do Residencial José Richa (faixa 1), de 2014, da empresa
Monolux e do Jardim França (faixa 2) da também maringaense PRC
Empreendimentos. Ambos os empreendimentos foram implantados em área de
plena ocupação rural – especialmente o segundo caso -, apesar de inserida
recentemente no perímetro urbano de Sarandi pela LC Lei 315/2015, conforme
melhor explorado adiante.

50
Medida aproximada tomada via satélite pelo aplicativo Google Earth (2019).
51
Medida aproximada tomada via satélite pelo aplicativo Google Earth (2019).
140
Figura 50 - Residencial José Richa.
Fonte: Monolux (2019).

Figura 51 - Jardim França, da PRC, visto da estrada Octávio Colli.


Fonte: Acervo pessoal.

A partir de 2014, todo o cenário nacional imobiliário passou por uma


desaceleração, como explorado no capítulo 1. Os recentes empreendedores da área
estudada em questão, como empresas jovens e pouco habituadas a crises, sofreram
com tal processo, demonstrando, que, nesse sentido, a cidade acompanhou o
contexto nacional, tanto na queda de crédito, como no aumento da inadimplência.
De acordo com o Agente A:

“Nós éramos uma empresa nova, então como a gente nunca tinha passado
por uma crise, parecia que éramos um pouco inocentes, então quando a
empresa tinha caixa, acabou não retendo o caixa, acabou comprando novas
áreas. E nesses momentos de crise, o que acontece? O comprador
desaparece. E quem comprou quer vender. E quando tem mais vendedores
que compradores, o preço cai. Então nós tivemos uma desvalorização muito
grande dos nossos empreendimentos, dos nossos lotes, consequentemente
como era um empreendimento novo, nós tivemos uma inadimplência
grande, por que clientes que começaram a comprar parcelado, tinham pago
10, 20 parcelas, quando os juros começaram a crescer muito - o nosso

141
parcelamento é atrelado ao IGP-M [Índice Geral de Preços do Mercado] 52 -,
então em uma média que vinha em 2%, começou a vir em 10%, então as
famílias não estavam preparadas para absorver esse impacto da
valorização das parcelas, então isso começou a virar uma avalanche. Ao
invés de termos uma venda de 10, 20, 30 terrenos por mês, nós tivemos o
contrário, começamos a ter devoluções de 10, 20, 30 terrenos por mês,
então a partir do momento que a empresa estava estruturada, com um fluxo
de caixa positivo, em questão de 2, 3 anos o jogo virou totalmente. A gente
acabou perdendo 80% do recebível. Um endividamento nosso que era
totalmente tranquilo acabou ficando muito pior, por que também
aumentaram os juros do financiamento, então a dívida que era ‘um’, foi para
‘dois’. Nos últimos três anos estamos trabalhando para resolver isso, pra
resolver atraso de obra, por que nós tínhamos um fluxo de capital de um
empreendimento ao lado do EcoValley I e II que era pra demorar meses e
está há um ano e meio atrasado, ele vai ficar pronto daqui 4, 5 meses ainda.
Empreendimentos que vendemos muito parcelado e tínhamos 300
pagantes, hoje temos 25. Aí o que acontece, aí você tem que fazer outras
coisas, então nesse período a gente está só trabalhando para resolver. Mas
nessa retomada que vai ter de novo, de ganho de renda pelas famílias, que
diminuiu muitos juros e diminuindo o endividamento, voltando o mercado,
então isso vai acabar reestruturando o folego da empresa para novos
negócios, mas isso ainda vai levar provavelmente um ano, dois anos
(Informação verbal. Entrevistado A)”.

Tendo em vista que o mercado imobiliário é cíclico, e que os grandes


momentos de boom são seguidos por momentos de crise, conforme Harvey (2014),
o Agente A afirmou que sua empresa tende a permanecer no mesmo local e área
em seus empreendimentos futuros, porém, algumas modificações de estratégia se
fazem necessárias para a retomada e aceleramento das atividades. A Ecoingá, por
exemplo, atualmente planeja investir não somente em loteamentos para construções
particulares, mas em bairros completamente estruturados com uma quantidade de
residências e comércios já edificados, assim, diminuindo o prazo de ocupação dos
novos loteamentos, bem como acelerando o processo de retorno de seus
investimentos.
A partir da análise da produção da área conurbada, de sua dinâmica,
estratégias e agentes, fez-se necessário discutir sobre uma iniciativa pública e
privada que, ainda que não esteja inserida na borda – mas está próxima a ela - e
que não diga respeito a produção residencial, teve grande impacto sobre as
alterações da borda conurbada de Maringá e Sarandi, especialmente no que se
refere a definições legislativas e de valorização do solo, questões abordadas nos

52
O IGP-M é um índice com base em diversos fatores da economia como o índice de preços do Atacado, Índice
de Preços do Consumidor e Índice Nacional do Custo da Construção. A partir do seu cálculo mensal é possível
obter um indicador macroeconômico da economia brasileira e da inflação.
142
próximos itens. Trata-se da Operação Urbana Consorciada Novo Centro Cívico –
Eurogarden (Lei 946/2013), localizada no terreno do antigo aeroporto de Maringá.
O antigo aeroporto Gastão Vidigal foi desativado em 2001 por não ser mais
capaz de atender a demanda aeronáutica e pela impossibilidade de ampliação de
sua pista de pouso. O terreno, pertencente a União, tinha uma série de prerrogativas
jurídicas e contratuais que impediam o loteamento para vendas, permitindo apenas a
construção de edifícios públicos. No início da década de 2010, já se iniciavam as
primeiras especulações em torno da mudança do centro cívico de Maringá para o
local, de modo a desafogar a centralidade tradicional. Contudo, sob a condicionante
do não parcelamento da porção da União, o terreno adjacente ao aeroporto,
pertencente a um empresário maringaense, teria parte de seu valor de venda
comprometido em função de ausência de articulação viária com as demais partes da
cidade.
A partir daí a área foi idealizada como uma parceria público-privada, passou
pela aprovação de uma Zona Especial para sua implantação, para qual foi
desenvolvido ousado projeto urbanístico desenvolvido pelo escritório francês Archi5
nos seus 200 hectares. Além do centro cívico, o projeto contou com 90 torres
multifuncionais, shoppings entre outros elementos, além de ser peça em um
expressivo marketing urbano, típico da cidade de Maringá. O projeto teve seu
traçado viário aprovado e executado, porém, até o fim dessa pesquisa, ainda se
encontra como um vazio urbano próximo à área conurbada de Maringá e Sarandi.
Em uma complexa e controversa trama de ações, agentes e estratégias que
não cabem ser amplamente abordadas nessa pesquisa53, o marketing e divulgação
em torno do Novo Centro Cívico – Eurgarden repercutiu sobre a produção do espaço
de seu entorno (BATTISTAM, 2020). Se tal efeito não foi tão destacado na borda de
Maringá até então, na cidade vizinha ele foi evidenciado, não somente na produção
imobiliária como nas alterações legislativas que vigoram na cidade até o período de
fechamento desta pesquisa (junho/2020), conforme abordado no próximo capitulo.

53
O assunto OUC Novo Centro Cívico – EuroGarden é complexamente abordado pela produção acadêmica.
Para maiores e completas informações ver Cordovil; Rodrigues (2012), Amorim (2015), Silva (2015), Tows
(2015). Para ampla análise acerca do processo midiático e de marketing urbano em torno do projeto, ver
Battistam (2020).
143
Figura 52 - Projeto Eurogarden.
Fonte: Maringá Post, 2019.

A mais recente dinâmica imobiliária, ainda que não tenha reproduzido sobre a
borda conurbada os aspectos de financeirização, como as grandes metrópoles,
propiciou um aumento e alteração da dinâmica produtiva e a heterogeneidade dos
produtos imobiliários a partir da disposição de crédito e do Programa Minha Casa
Minha Vida. No total, durante o período analisado, foram implantados 48
empreendimentos de diferentes tipologias na borda conurbada de Maringá e
Sarandi, sendo 24 empreendimentos em Maringá, em sua maioria popular, da
década de 1990, e após 2010, para a faixa econômica. Em Sarandi, foram
identificados 17 empreendimentos, em sua maioria para a faixa econômica (75%),
apesar dos significativos 21% de empreendimentos de alto padrão, incomuns para a
cidade até então.

144
Produção por nicho de consumo na borda conurbada de Maringá de
1990 a 2016

7%

48%

45%

Alto padrão (lotemaneto de chácaras/ condomínio)


Econômico (loteamentos abertos)
Popular (Conjuntos habitacionais COHAPAR)

Gráfico 2 - Produção por nicho de consumo na borda conurbada de Maringá de 1990 a 2016.
Fonte: elaborado pela autora a partir de levantamentos.

Produção por nicho de consumo na borda conurbada de Sarandi de 1990 a


2016

62%
4%

75%
21%

13%

Alto padrão (lotemaneto de chácaras/ condomínio) Popular (loteamentos abertos)


Econômico (Loteamentos abertos) Econômico (Condomínio vertical)

Gráfico 3 - Produção por nicho de consumo na borda conurbada de Sarandi de 1990 a 2016.
Fonte: elaborado pela autora a partir dos levantamentos.

145
Mapa 3 - Empreendimentos da borda conurbada 1990-2016.
Fonte: Elaborado pela autora.

146
Figura 53 - Síntese temporal dos empreendimentos da borda conurbada de Maringá e Sarandi de 1990-2016.
Fonte: elaborado pela autora a partir dos levantamentos.

147
A partir do exposto neste item, notou-se a aproximação entre a metrópole e a
periferia da relação centro-periferia entre Maringá e Sarandi, a partir do surgimento
de um “terceiro território”, fragmentado – ao sul do perímetro conurbado -, que
concentrou os produtos de maior padrão da produção na cidade dormitório,
enquanto a borda pertencente a metrópole manteve suas características de
produção popular. A heterogeneidade permitida na borda transformar o território em
área de experimentação para diferentes estratégias e produtos imobiliários. Tal
dinâmica, como exposta a seguir, deve-se principalmente à legislação urbanística
que cada cidade, de maneira individual, dedicou a esta borda, conforme abordado a
seguir.

3.3. As coalizões público-privado: modelando a borda conurbada de Maringá-


Sarandi

Conforme abordado no Capítulo 1, a cidade é projeção social sobre o território


(LEFEBVRE, 2001) resultado da interação de agentes, de seus interesses e conflitos
(CORRÊA, 2004). A produção da cidade, por sua vez, se modifica a partir das
questões econômicas, políticas, sociais e de novas formas de aliança entre os
agentes modeladores do espaço urbano (LOGAN E MOLOTCH, 1987; RIBEIRO,
1997). De todos os agentes envolvidos na lógica de produção da cidade, o mais
atuante sobre ela é o Estado, através de seu papel regulador. No Brasil, a atuação
do Estado foi definitiva para a conformação da divisão fundiária – ainda persistente
em muitas unidades federativas -, desde Colônia portuguesa. O Estado militar da
década de 1960 por meio da criação do Sistema Financeiro Habitacional e do Banco
Nacional de Habitação, assumiu a figura de financiador e incorporador das cidades
brasileiras (MARICATO, 2011). A partir daí esse Estado regulador-financiador-
incorporador se renovou ao longo das décadas por meio de instrumentos legislativos
ou programas pró-crescimento que alavancam o setor imobiliário nacional.
Em 1988 a garantia de maior autonomia para os municípios brasileiros
delegou maior controle aos menores níveis do Estado. Porém, conforme Logan e
Molotch (1987), quanto menor o nível do Estado, maior a integração entre ele e os
demais agentes sociais modeladores do espaço urbano, dentre eles, o mercado
imobiliário.

148
É fundamental destacar que não se faz cidade sem o Estado. Também não se
faz cidade sem os demais agentes modeladores, porém, as decisões e atuação do
Estado definem a produção do espaço urbano, seja por sua regulação e fiscalização,
seja por sua flexibilização ou omissão.
Desta maneira, este item foi divido em duas partes. A primeira tratou da
legislação urbanística de Maringá e Sarandi, especialmente de suas definições para
as bordas conurbadas, avançando brevemente sobre a discussão do planejamento
metropolitano integrado das duas cidades, e trazendo aspectos das mudanças
legislativas desde a década de 1990, para possibilitar contextualizações com o
recorte temporal estudado nesta pesquisa – 2010 a 2016. Em seguida, foi analisada
a relação entre os agentes - Estado e mercado imobiliário -, de modo a exemplificar
as coalizões entre os mesmos na produção deste território. Para isso foram
analisadas as atas do Conselho Municipal de Gestão e Planejamento Territorial
(CMGPT) de Maringá e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU)
de Sarandi, bem como exploradas as declarações e narrativas dos agentes públicos
e privados entrevistados.

3.3.1. A Lei segue o produto: as alterações na legislação urbanística da


borda conurbada de Maringá e Sarandi entre 2010 e 2016

No início da década de 1990, juntamente à FAMEPAR (Fundação de


Assistência aos Municípios do Estado do Paraná)54, ocorreu a elaboração dos
Planos Diretores das cidades da área metropolitana de Maringá dentro do
METROPLAN. O órgão visava a integração regional dos municípios e passou a
elaborar os Planos Diretores das cidades consorciadas a partir de 1989 - inclusive
Paiçandu, Maringá e Sarandi - um ano após a autonomia municipal ser ampliada
pela Constituição Federal. Segundo Beloto (2003):

“Observa-se que, para um projeto de pretensões regionais, os planos


individualizados privilegiavam demasiadamente o caráter físico-espacial em
relação aos demais, tanto no diagnóstico, quanto nas estratégias de ação. A
única diretriz eminentemente regional constante nestes documentos dizia
respeito à questão do transporte coletivo e do sistema viário propriamente
dito. As demais diretrizes que abordavam a questão urbana, social,
econômica e institucional referem-se ao desenvolvimento intra-urbano”
(BELOTO, 2003, p.44).

54
Atual PARANÁCIDADES.
149
Dessa maneira, em 1991, na administração de Ricardo Magalhães Barros, foi
elaborado o primeiro Plano Diretor – dentro do período analisado - para Maringá sob
a lei 01/1991. Este plano alterava o zoneamento e perímetros urbanos, bem como
inaugurava instrumentos de IPTU Progressivo e Desapropriação com pagamento em
títulos da dívida pública, constante no artigo 182 da Constituição Federal de 1988 e
normatizados em 2001 pelo Estatuto das Cidades. O Plano limitou o perímetro
urbano aos Contornos Rodoviários Sul e Norte – de modo a não alcançarem os
limites municipais, com exceção para os bairros instalados para além dos contornos
rodoviários (ver Mapa 4) -, bem como diminuiu o potencial construtivo do centro
(SILVA, 2015).
De acordo com Beloto (2003), outra característica marcante do Plano de
Maringá aprovado em 1991, foi o aumento da porcentagem de área mínima
obrigatória para equipamentos comunitários nos novos loteamentos (10% da área
líquida para 10% da área bruta), diminuição do lote mínimo de 450m² para 300 a
360m², e a dimensão das vias de 12 para 14 metros de largura.55 Contudo, as
diversas alterações56 realizadas na legislação, bem como a aprovação de um novo
zoneamento que favorecia a expansão horizontal da cidade em 1994 – que segundo
Beloto (2003), havia sido fruto de clientelismo político de favorecimento do setor
imobiliário até a retomada da rigidez legislativa em 1999 - foram implantados os
conjuntos habitacionais que efetivaram a conurbação para além do perímetro urbano
estabelecido pela FAMEPAR.
No zoneamento da década de 1990, não foram definidas zonas específicas
para a implantação de habitações de interesse social, assim esses conjuntos
ocuparam áreas nas Zona Residencial 1 e 2 condicionadas :

“ II – Zona Residencial 2 – Constituída pelos imóveis cuja testada com o


logradouro público tenha efetivamente disponível a infraestrutura exigida
pela lei nº1735/84, do Parcelamento do Solo e Lei nº 1734/84, do Código de
Obras.
III – Zona Residencial 3 – Constituído pelos imóveis cuja testada com o
logradouro público tenha efetivamente disponível, no ato de solicitação das
licenças para a construção, rede de água, rede de esgotos sanitários,
sistema de drenagem de água pluviais, rede de energia elétrica,

55
Em 1999 passaram a ser 16 metros.
56
A lei foi revogada pela 49/94, 62/94, 95/95, 96/95, 99/95, 135/96, 158/96, 161/96, 182/97, 189/97, 169/97,
198/97, 214/97, 217,97, 231/98 e 241/98 em um total de 16 alterações.
150
pavimentação e arborização”. (Prefeitura Municipal de Maringá, Lei
Complementar nº3/91, Art. 6º) ”.

Notou-se, pela letra da Lei que, apesar de Maringá implantar os conjuntos


habitacionais da década de 1990 fragmentados à sua urbanização, de modo a
valorizar as terras intersticiais, o rigor urbanístico maringaense foi mantido,
diferentemente do que ocorria em Sarandi no mesmo período.
Sarandi demorou a tornar-se município - oficialmente somente em 1981,
anteriormente distrito de Marialva. Conforme Beloto (2003), seu primeiro conjunto de
leis foi o zoneamento da Lei 31/83 e Parcelamento do Solo da Lei 51/84. Essas leis,
contudo, não continham determinações para a área mínima dos lotes ou dimensão
das vias. Tais ausências abriram brechas para a produção imobiliária desregrada,
adentrando a década de 1990. De acordo com o Agente C57:

“E ele [o empreendedor imobiliário] sentiu que ali era uma mina de ouro e lá
ele fazia loteamentos, e aí ia fazendo essa aproximação [com Maringá] [...].
E foram fazendo loteamentos, e o processo de loteamento como é? Em
uma cidade pequena, o dono da terra vai lá e fala: ‘ah, quero fazer esse
loteamento, vai ter que aprovar na câmara’ – não tem legislação de uso do
solo nem nada disso – a câmara aprova. Não tem diretriz, não tem nada
disso, o empreendedor chega com um projeto. Foi um nicho de mercado,
inclusive com a possibilidade de maiores ganhos, por que quando você
exige uma infraestrutura completa, dimensionamento adequado de vias,
isso custa caro e você não consegue repassar na integridade” (Informação
verbal).

As leis da década de 1983 e 1984 perduraram até que em 1992 foi aprovado
o Plano Diretor de Sarandi, conforme elaborado pela FAMEPAR, contudo bastante
similar aos de outros municípios de pequeno porte paranaenses. Nessa década,
houve a desaceleração da produção em comparação às décadas anteriores 58 no
que se refere ao número de loteamentos, com aprovação de somente 24 ao longo
de toda a década, dos quais 7 se localizaram na borda limítrofe com Maringá
(BELOTO, 2003), o que reforçou a conurbação. Contudo, segundo a autora:

“Sarandi, durante a década de 1990, procurou gerar divisas econômicas,


buscando sair da condição de cidade-dormitório através de incentivos
fiscais para a implantação de novas indústrias e o desenvolvimento do

57
Entrevista concedida à autora em 21/02/2020
58
Apesar da diminuição do número de loteamentos na década de 1990, se comparada à produção das décadas
de 1970 e 1980, entre 1991 e 2000 Sarandi foi a cidade que mais cresceu no Brasil, com média anual de 4,52%,
enquanto a média brasileira foi de 1,63% e a paranaense de 1,39% (SILVA, 2015 com base nos dados do IBGE
2000).
151
comércio local. Experimentou ainda assim uma melhoria na estrutura da
saúde e educação, com a abertura do Hospital Regional de Sarandi e de
uma instituição de ensino superior” (BELOTO, 2003, p.56).

Nesse momento foram aprovadas as LC 03/92, referente ao Zoneamento e


LC 04/92 acerca do Parcelamento do Solo. Os lotes mínimos passaram a ser de
300m² - com exceção de habitação de interesse social, para as quais se permitia
250m² -, e a largura mínima das vias de 12 metros. Para Beloto (2003):
“A crítica que se faz a este padrão é que ele oficializa, de maneira geral, o
que vinha sendo aplicado na cidade, sem concatenar estes parâmetros aos
de Maringá, de forma a incentivar a implantação de loteamentos com a
mesma qualidade desta. Ao invés disso, reafirma-se a cidade de Sarandi
como um espaço periférico a Maringá. [...] Já o que ocorreu em Sarandi
após a aprovação das leis urbanas de 1992, provenientes do METROPLAN
foi a flexibilização do modelo urbanístico proposto, ora em forma de
alteração das leis vigentes, ora pelo descaso da fiscalização quanto à
abertura de loteamentos irregulares” (BELOTO, 2003, p.62/63)

Segundo Silva (2015), este Plano teve pouquíssima efetividade no município,


uma vez que fora “quase totalmente condenado às prateleiras” (SILVA, 2015, p.172).
A inobservância legal desse período diante da ampliação da expansão urbana
resultou em uma maioria de loteamentos que desrespeitaram os parâmetros da Lei
Federal 6766/79, sem o cumprimento das áreas mínimas definidas para lazer, por
exemplo, além de precária infraestrutura. A formação ilegal da cidade de Sarandi
desta década, segundo o Agente C, foi o que garantiu à região de Maringá a não
formação de favelas, como tipicamente conhecidas pelo Brasil, uma condição
diferenciada para uma área metropolitana:
“Se houvesse uma exigência de infraestrutura completa, de vias largas, na
mesma qualidade de infraestrutura de Maringá, provavelmente o cidadão
teria grande dificuldade de pagar por aquela terra. Então o que facilitou para
ele foi que a terra que o loteador comprou era muito barata. E também não
fazer infraestrutura, deixar sem asfalto, as vezes sem galeria, quer dizer,
essa precariedade é que possibilitou o acesso de muita gente a terra. E a
não formação de favelas – de loteamentos de baixa qualidade – mas não
favelas. Então, se por um lado você criou uma periferia com problemas, por
outro lado esses problemas são menores que em outras cidades. E aqui
essa facilitação da legislação de Sarandi, foi um colchão, um fator de
absorção da população, para não permitir isso no território” (Informação
verbal).

A coalizão estabelecida entre a gestão pública de Sarandi e o mercado


imobiliário ficou ainda mais evidente, quando, em 1996, o município aprovou uma lei
complementar que regularizava todos os loteamentos irregulares (BELOTO, 2003),
fato que foi recorrente nos anos posteriores.

152
Mapa 4 - Zoneamento de Maringá e Sarandi e Perímetro Urbano (LC 01/91 Maringá, LC 01/92 Sarandi).
Fonte: Silva (2015), PLHIS Sarandi 2008. Elaborado pela autora.

153
Já em 1997 foi criado em Maringá o IPPLAN – Instituto de Pesquisa e
Planejamento de Maringá para a elaboração de novo Plano Diretor. De acordo com
Silva (2015), a rigidez da equipe técnica para com o mercado imobiliário foi o que
levou ao fim do órgão no ano seguinte. Em 1999, sem as discussões e o processo
necessário para a elaboração de um PD, foram aprovadas as Leis Complementares
de Zoneamento (LC 331/99), Perímetro Urbano (LC 332/99), Parcelamento do Solo
(334/99), Sistema Viário (LC 333/99), e edificações e solo criado (LC 335/99).
No Zoneamento de 1999, as zonas residenciais foram divididas em seis
categorias – mantendo o padrão horizontal das áreas mais privilegiadas e centrais –
bem como criando uma Zona de Comércio e Serviços Setoriais (ou Zona de
Serviços), que substituiu a Zona Industrial presente na borda conurbada nos anos
interiores. A borda conurbada foi considerada inteiramente Zona Residencial 2:
“Zona Residencial Dois – ZR2, predominantemente residencial, com padrão de
ocupação unifamiliar ou bifamiliar de baixa densidade” (Art. 7º, LC 331/99, Maringá).
Os padrões de parcelamento do solo dessa zona eram de lotes mínimos 300m², com
gabarito máximo térreo+1. Nesse mesmo zoneamento constou uma Zona Especial
de Habitação de Interesse Social, demonstrando a inclusão de áreas para esse fim
no Município.
Além disso, a expansão urbana ultrapassou os limites dos Contornos Norte e
Sul, de modo que o perímetro urbano de Maringá fosse estendeu até o limite
municipal com Sarandi (ver Mapa 5). Nesse momento, vias como a Avenida Carmem
Miranda (que conecta Maringá a Sarandi), tornaram-se eixos de comércio e serviço
do tipo 2 – e via conectora na hierarquia viária - além de vários eixos de comércio de
serviço do tipo 1 na área. Anos depois, com a produção imobiliária realizada na
porção sul da borda conurbada de Sarandi, essas vias e o uso delas foram
fundamentais para garantir a integração do “terceiro território” e a cidade de
Maringá.

154
Mapa 5 - Zoneamento (LC 331/99 Maringá, LC 03/92 Sarandi) e Perímetro Urbano (LC 332/99 Maringá, LC 02/92 Sarandi)
Fonte: Silva (2015). Elaborado pela autora.

155
Em 2006, sob as normativas do Estatuto da Cidade, foi aprovado o novo
Plano Diretor Participativo para o município de Maringá (Lei 632/06). O Plano
instituiu um dos principais instrumentos participativos da sociedade civil
maringaense nas decisões de planejamento, o Conselho Municipal de Planejamento
e Gestão Territorial (CMGPT), iniciado em 2007, melhor abordado no próximo item.
Os instrumentos do Estatuto das Cidades foram aprovados por etapas, de 2007 até
2011, sendo o último em 2013, o qual tratou da Operação Urbana Consorciada Novo
Centro Cívico – Eurogarden (LC 946/13) (SILVA, 2015), revogada em 2018 (LC
1115/2018).
O atual Plano Diretor vem sendo aos poucos desconfigurado sob forte
pressão do mercado imobiliário, desconfiguração essa iniciada, segundo Silva
(2015), a partir de alterações na Lei de Parcelamento que criou a figura do
loteamento em áreas rurais, bem como pela liberação da área de contenção acima
do Contorno Norte pela Lei 199/10 59.
Sarandi, por sua vez, esteve sob as normativas do Plano Diretor de 1992 até o ano de
2009, quando aprovou seu novo Plano, vigente até o momento dessa pesquisa. Este Plano
começou a ser revisto em 2007 a partir do rigoroso Termo de Referência estabelecido pelo
PARANACIDADE, o qual não fazia distinção entre os portes e características das cidades.
Desta forma, segundo MOREIRA apud SILVA (2015, p.204), estes Termos se apresentaram
como verdadeiras amarras para as equipes consultoras que se viam obrigadas a elaborar
extensos diagnósticos.
Para Silva (2015, p.204):

“... mesmo que os planos diretores elaborados após 2005 no Paraná,


denominados participativos, tenham proporcionado algum debate e a
aprovação de um conjunto de leis urbanística nunca vista por muitos deles,
sobretudo os municípios entre 20 a 100 mil habitantes, estes ainda vieram
carregados de traços dos planos da década de 1960 e 1970 [...], onde
predominou a técnica e a ciência e menos a política e o envolvimento
popular”.

59
Apesar de não contemplada pelo recorte territorial desta pesquisa, tal alteração é importante demonstrativo
da força do mercado imobiliário na regulação Estatal maringaense. A antiga área de contenção foi
disponibilizada ao mercado imobiliário sob justificativa de diminuição do preço de terras na cidade, teve como
moeda de troca a obrigatoriedade de doação de 3% de cada loteamento para a produção de habitação social.
Contudo, no mesmo ano, a lei 835/10 derrubou a condicionante de doação e pouco a pouco a área passou a
ser amplamente explorada pelo mercado imobiliário (Silva, 2015).
156
Faz-se importante destacar que no momento de revisão do Plano Diretor de
Sarandi, o Observatório das Metrópoles – núcleo Maringá60, diante das
condicionantes de repasse habitacional do Fundo Nacional de Habitação de
Interesse Social (FNHIS) – abordado no Capítulo 1 – elaborou um Plano Local de
Habitação de Interesse Social (PLHIS) para o município, o qual não foi aprovado,
sendo desconsiderado como direcionador das políticas voltadas à moradia tanto em
relação do Plano Diretor, como em relação ao Programa Minha Casa Minha Vida.
A despeito do PLHIS, o Plano Diretor Participativo de Sarandi foi aprovado em
2009 pela lei 213/09. Como forma de garantir a gestão democrática estabelecida
pelo Estatuto das Cidades, foi instituído o Conselho Municipal de Desenvolvimento
Urbano (CMDU) de Sarandi, que passou a se reunir em 2008, com frequência não
definida, como foi possível constatar pelas atas, conforme abordado no a seguir.
Tendo em vista o crescimento fragmentado da cidade de Sarandi, o perímetro
urbano de 2009 (LC 214/2009) se deu em três porções de território. A primeira é da
urbanização central, a segunda compreendeu área ao norte do município,
abrangendo o bairro de chácaras Zaúna, já consolidado, e a terceira ao sul,
compreendendo o também consolidado bairro de Chácaras Aeroporto (Sarandi),
antiga Vale Azul, onde ao lado se instalou o condomínio Eco Garden Residence em
2010. Os limites dessas porções foram chamados pela lei de “limite do perímetro
urbano”. Além deles, foi aprovado um limite mais extenso, englobando as três áreas,
ao qual a lei chama de “limite da expansão urbana”.
No que diz respeito ao Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LC 217/2009)
na borda conurbada, são duas as definições que mais pesam nesta análise. A
extensa área definida como Solo Urbano de Interesse Social I (SU-IS/1) e a área
definida como Solo Urbano Estritamente Residencial (SU-ER) localizado no extremo
sul do novo perímetro urbano.
A SU-IS/1 de acordo com a Lei:

“Constituem áreas desocupadas situadas próximas a assentamentos


residenciais de média ou baixa renda parcialmente destituídos de
condições urbanísticas adequadas ou ocupadas inadequadamente,
propícias para o uso residencial onde se incentiva a produção de moradia
para essas faixas de renda, especialmente mediante a formação de
cooperativas habitacionais, consórcio imobiliário e/ou loteamento de
interesse social” (Sarandi, LC 217/2009, Art. 2º. Grifo da autora).

60
O Observatório das Metrópoles e um órgão do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia que pesquisa as
condicionantes territoriais e sociais das metrópoles brasileiras.
157
Nesse momento, já havia a possibilidade de aprovação de ZEIS no município,
contudo, o instrumento não foi utilizado. A definição legislativa por classe de renda –
sem definir o que compreende essas faixas “baixa” e “média” – resultou em uma
brecha legislativa para a produção, fato ampliado pela ausência do que seria
entendido como “incentivo”. Nesta Zona implantaram-se bairros de seguimento
econômico, com lotes de 250m² - permitidos para habitações de interesse social -
beneficiando o rendimento imobiliário. Curiosamente, o único bairro destinado a
faixa de 0 a 3 salários mínimos implantado na borda – o Mauá, primeiro do PMCMV
faixa 1 em Sarandi -, foi instalado em Solo Urbano Predominantemente Residencial
(SU-PR), cuja definição legislativa é “bairros residenciais unifamiliares”, e não se
encaixa nos padrões de parcelamento do bairro.
O SU-ER, por sua vez, de acordo com a letra da Lei:

“Constituem áreas estritamente residenciais, como tal definidas nos


loteamentos e condomínios registrados em Cartório, pelas chácaras ou
áreas de recreação similares” (Sarandi, LC 217/2009, Art. 2º. Grifo da
autora).

Apesar da tipologia ser incomum na cidade, a lei já prevê os condomínios na


Zona, onde de fato se instalou o Eco Garden Residence no ano seguinte.

158
Mapa 6 – Zoneamento (LC 888/11 Maringá, LC 217/09 Sarandi) e perímetro urbano (LC 332/99 Maringá e 214/09 Sarandi).
Fonte: Prefeitura Municipal de Maringá, Prefeitura Municipal de Sarandi, Silva (2015). Elaborado pela autora.

159
Em 2011, foi aprovada em Maringá a nova lei de Parcelamento, uso e
ocupação do solo (Lei 888/11). Esta lei criou a figura dos Eixos Residenciais (ERs)
dos tipos A, B e C, os quais permitem a construção de residenciais multifamiliares a
partir do pagamento de outorga onerosa (SILVA, 2015). Esses eixos contemplaram
vias, ou trechos de vias, permitindo a verticalização por várias porções da cidade,
indiscriminadamente. O interesse das empresas na transformação dos eixos para a
potencialização do lucro sobre os lotes, fica evidenciado nas diversas solicitações
que se seguiram logo no mesmo ano, para transformação de vias específicas em
Eixos Residenciais apresentadas nas reuniões do CMGPT, conforme visto nas atas
de 2011 a 2016, muitos deles negados pelos conselheiros.
No zoneamento de 2011, a borda conurbada permanece quase que
inteiramente como Zona Residencial 2. As alterações mais significativas para esta
análise, se deram na transformação da Zona de Comércio e Serviços Setoriais em
Zona Residencial 6, que permite “uso residencial unifamiliar e bifamiliar e comércio e
serviços e o uso residencial multifamiliar mediante outorga onerosa, além de
comércio e serviços vicinais”. Em 2015, diante disso, a Plana Empreendimentos
instalou a primeira torre na Avenida Colombo, com 25 pavimentos, em meio ao
entorno completamente horizontal. Além disso, foram aprovadas diversas Zonas
Especiais de Interesse Social (ZEIS) em lotes pulverizados no limite de bairros já
consolidados, entre outras áreas maiores, como onde foram instalados os
Residenciais Dalva de Oliveira e Ataulfo Alves (PMCMV faixa 2) e o Residencial
Diego Rivera – Minha Casa Minha Vida Faixa 361. É importante citar que as ZEIS em
Maringá atendem famílias de 0 a 6 salários mínimos, permitindo a edificação para o
mercado pela faixa econômica, ou seja, permitindo, para o futuro, a verticalização da
borda.
O favorecimento legislativo ao mercado imobiliário deste período, também
esteve presente através das alterações nas diretrizes viárias, visíveis nos traçados
das vias feitos por fora de terrenos que, em alguns anos, se tornaram condomínios
fechados e no atendimento as especificidades do traçado do projeto Eurogarden, por
exemplo (SILVA, 2015). Para mais, a lei 886/11 incluiu o Contorno Rodoviário Sul,

61
As ZEIS em Maringá não contemplam os produtos da Faixa 3 (6 a 10 salários mínimos). Apesar disso, o
Residencial Diego Rivera foi implantado em uma delas, representando uma brecha legislativa.
160
que faz a ligação de Maringá, Sarandi e Marialva, aprovado pelo Departamento
Nacional de Infraestrutura e Transporte em 2014, não executado até o momento.
Com a desativação do aeroporto Gastão Vidigal em 2001 e a aprovação da
OUC Eurogarden, o Zoneamento de 2011 criou a Zona Especial 16 – Novo Centro
Cívico, o que repercutiu em decisões municipais da cidade vizinha, especialmente
no recorte da borda.
Em 2012, após 3 anos de aprovação do Plano Diretor, Sarandi revisou suas
leis, motivada pela aprovação do Zoneamento de Maringá de 2011 e a aproximação
do Novo Centro Cívico da metrópole, como parte do projeto Eurogarden, conforme
declarou o secretário de urbanismo do município à Silva (2015). No mesmo ano uma
empresa imobiliária contratou uma assessoria técnica que estabeleceu diretrizes de
um plano participativo, que propunha a criação de uma centralidade em terrenos
obsoletos da atividade ferroviária, centrais na malha urbana. Para o projeto,
chamado Sarandi Metropolitana, foram propostos zoneamento e diretrizes viárias,
com maior integração com Maringá, mas que não foram aprovadas (SILVA, 2015).

Figura 54 - Proposta da centralidade do Sarandi Metropolitana. Além dela, o plano propunha espaços públicos e
requalificados na borda conurbada, inclusive um parque junto ao Ribeirão Pinguim, divisa natural entre as
cidades.
Fonte: Silva (2015).

161
Em 2014 algumas diretrizes do Sarandi Metropolitana foram retomadas em
nova discussão, porém o aprovado se afasta da proposta feita pela equipe técnica
em 2012.
Pela LC 312/15, de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano, foram
mantidas as áreas definidas como Solo Urbano de Interesse Social ao norte, ainda
sem nenhuma aprovação de ZEIS, bem como o mesmo texto da Lei de 2009.
Também foi aprovada outra ampla área de Uso Misto Tipo 1, que segundo a Lei, e
em sua amplitude:

“Destina-se à localização de estabelecimentos cujo processo produtivo


associado a métodos especiais de controle de poluição, não causem
inconvenientes à saúde, ao bem estar e segurança das populações
vizinhas, classificadas com índice de risco ambiental até 0,5” (Sarandi, LC
217/2009, Art. 2º. Grifo da autora).

Nos anos anteriores à aprovação da lei de 2015, a área definida como uso
misto foi ocupada com loteamentos populares voltados ao setor econômico. No
Zoneamento de 2015, na borda conurbada também constam áreas de uso
predominantemente residencial, que abarcam o Residencial Mauá e o Condomínio
Eco Garden Residence. Cabe citar o fato de o Residencial Mauá e o Residencial
José Richa, na mesma cidade, de mesma tipologia, ambos realizados pelo Minha
Casa Minha Vida faixa 1, pela mesma construtora, foram classificados em zonas
diferentes pela Lei de 2015. O primeiro, em Zona Predominantemente Residencial e
o segundo em Zona de Interesse Social, demonstrando a maior atenção legislativa
para com os acontecimentos da borda.
Ainda na borda conurbada, onde se consolidou o bairro Chácaras Aeroporto
muito antes de toda a movimentação imobiliária, foram dispostos o zoneamento dos
Solos Urbanos Especiais 1 e 2, que de acordo com o texto da lei permitem somente
chácaras urbanas, para as quais “não é permitido, ainda, o desmembramento”
(Sarandi, LC 217/2009, Art. 2º. Grifo da autora). Duas interpretações podem ser
realizadas deste fragmento da Lei: a primeira, seria uma garantia por parte da
Prefeitura da manutenção da população instalada ali há décadas, a qual, muitas
vezes, tira seu sustento de pequenas plantações e criações. A segunda diz respeito
a reserva de uma área em crescente valorização, evitando a especulação do
mercado imobiliário e a produção contrária a que se estabelece no entorno – de

162
maior padrão. A assertiva sobre isso somente poderá ser feita dentro de algumas
décadas, a partir da consolidação dessa nova área de expansão.
Vizinha às Zonas Especiais ainda constam Zonas de Uso Misto tipo 1 e 2, na
área dos Portais
Ecovalley, para as quais a lei mantem o texto de 2009, ou seja, um texto amplo e de
grande permissividade de usos. Para essas zonas foi permitido coeficiente de
aproveitamento 5 e gabarito de 8 pavimentos, em lotes mínimos de 300m².
Por fim, e mais importante para esta análise e para as futuras transformações
da borda, está o Solo Urbano Central (SU-CE/2). Esta classificação, inexistente na
lei de 2009 e estabelece em todo o entorno do condomínio Eco Garden Residence,
se expandindo para o sul e leste (ver Mapa 7). Apesar da pouca definição do tipo de
uso que a zona permite, o maior efeito está sobre seus parâmetros de uso do solo,
que permitem terrenos mínimos de 300m², com coeficiente de aproveitamento
altíssimo de 6 vezes o tamanho do lote e gabarito livre. Estes parâmetros são
maiores que os permitidos no Novo Centro em Maringá 62, que tem o maior
coeficiente e gabarito da metrópole.

62
Coeficiente de aproveitamento 4,5 ou 6 com outorga onerosa e gabarito máximo de cota 610 ou 650 com
outorga.
163
Mapa 7 – Zoneamento (LC 888/11 Maringá, LC 312/15 Sarandi) e perímetro urbano (LC 332/99 Maringá, LC 314/15 Sarandi).
Fonte: Prefeitura Municipal de Maringá, Prefeitura Municipal de Sarandi, Elaborado pela autora.

164
A intenção do atual zoneamento de Sarandi é seguir a proposta do projeto
Sarandi Metropolitana e criar uma nova centralidade para a cidade, contudo, não
inserida em seu núcleo urbano consolidado, mas na nova área de expansão
inaugurada ao sul. Muito desta decisão, conforme já salientado, se deve as
especulações acerca do novo centro cívico maringaense, contido pela OUC Novo
Centro Cívico-Eurogarden. Não somente é dado incentivo por parte da legislação a
empreender no local – no preço da terra, na permissividade de verticalização e no
alto índice de aproveitamento -, como a municipalidade traçou planos para a
mudança de seu próprio centro cívico para a porção sul da cidade, levada a cabo até
o traçado das vias, inserindo-o na borda conurbada. Sobre essa tentativa de
proximidade com o possível novo centro cívico de Maringá, o Agente B declarou:

“Maringá é uma cidade tão divulgada, promovida, está sempre na mídia e é


claro que tudo que acontece em Maringá repercute na região,
principalmente em municípios limítrofes. Então, a medida em que Maringá
anuncia um empreendimento colossal como aquele [Eurogarden], claro que
isso aí agita o mercado imobiliário e os empreendedores começam a
comprar áreas próximas para que no futuro lançar empreendimentos não
mais falando em Maringá, mas no Eurogarden” (Informação verbal).

Além do novo zoneamento, em 2015 Sarandi também aprovou nova Lei para
o sistema viário (LC 313/2015), na qual amplia a caixa das vias locais de 12 para 14
metros - mais próxima da realidade maringaense (16 metros) - e garantindo maior
qualidade urbanística para suas novas frentes de expansão, com vias coletoras de
16 metros e vias arteriais de 40 metros de largura. Muito diferente do que era
produzido em décadas anteriores, o município demonstrou maior cuidado com a
qualidade da produção atual. Nessa nova legislação, inclusive, é considerado o
Contorno Metropolitano Sul, o que vai ao encontro com a legislação atual de
Maringá. Além disso, em 2015 o perímetro também foi alterado, sendo ampliado
para o sul, gerando novas áreas para a expansão urbana entre a sua área
consolidada e a mais nova frente de expansão ao sul.
Apesar dos esforços sarandienses para garantir nova dinâmica imobiliária e
de produção da cidade, a aprovação da última lei coincidiu com o esfriamento do
mercado e a diminuição brusca da produção na região, ou seja, a legislação de 2015
não repercutiu grandemente sobre a produção analisada, ou seja, tal fator demanda
uma análise nos próximos anos.
165
Ainda que a integração social e territorial destas cidades seja visível, e que a
borda conurbada esteja em processo dinâmico de transformação e intersecção dos
territórios municipais, o ideal do planejamento metropolitano ainda está longe de
acontecer de maneira a resultar em um controle efetivo desses municípios
unificados. Assim como os Planos Diretores da FAMEPAR da década de 1990
privilegiaram o intra-urbano ao metropolitano, os Planos Diretores elaborados pelas
cidades nos anos seguintes repetiram tal lógica.
O entrevistado D63, representante da prefeitura de Sarandi, afirma já haver o
trabalho do planejamento a quatro mãos entre Maringá e Sarandi, uma vez que
certas continuidades viárias, como é o caso da Avenida São Paulo e Avenida Brasil,
são inevitáveis. Tais continuidades, são incentivos aos empreendedores imobiliários
que promoveram a expansão para o sul de Sarandi, conforme mencionado no
subitem 3.2., ainda que não realizadas até o momento. Porém, a integração do
planejamento se limita aí. Nem as opiniões públicas sobre o assunto se conciliam. O
entrevistado B, em nome da prefeitura de Maringá, teme a perda de controle da
qualidade da produção urbana maringaense pela ausência de diálogo entre as
cidades enquanto ocorre intensa produção imobiliária em um território ambíguo:

“E quais os riscos embutidos aí? É a perda do controle da gestão territorial


que a gente sente, socialmente falando, isso é Maringá, não é Sarandi, não
tem nada com a cidade com o núcleo urbano de Sarandi. São loteamentos
ligados exclusivamente a Maringá, só que eles não obedecem às diretrizes
de arruamento de Maringá, a nossa política de gestão territorial. Eles ficam
fora, fazem o que eles bem entendem, sem obedecer uma racionalidade em
termos de mobilidade, e acessibilidade, e etc.”.

“Tudo isso que nós estamos falando, na verdade o que isso significa: que
na eminência de acontecer essas coisas, ou na constatação de que essas
coisas estão acontecendo o poder público tem que se capacitar e se
preparar para enfrentar as consequências que virão, porque essa é a
função do planejamento, tentar antecipar as coisas que são previsíveis, e
tentar tomar medidas para que as coisas não aconteçam caoticamente mas
aconteçam dentro de uma normalidade de técnicas urbanísticas aceitáveis
[...]. O grande desafio que a gente percebeu no final da gestão passada é o
risco de perder a qualidade de Maringá, foram décadas e décadas
construindo essa qualidade através das diversas administrações e isso, em
função de influências externas, corre o risco de perder essa qualidade”
(Informação verbal, entrevistado B).

No encerramento desta pesquisa, ambas as cidades haviam iniciado suas


revisões dos Planos Diretores, em Maringá pelo IPPLAN (retomado no fim da

63
Entrevista concedida à autora em 04/11/2019.
166
década de 2010) e o de Sarandi pela Universidade Estadual de Londrina. De acordo
com o entrevistado B, há especial cuidado de Maringá com a borda conurbada,
diante das dinâmicas que ocorreram nela na última década.
De maneira geral, as alterações legislativas dentro do recorte temporal
analisado (ver imagem 55), demonstrou a presença do mercado imobiliário nos
direcionamentos e regulações do Estado. Em diferentes momentos, foram os
projetos e produtos que determinaram a Lei e não o contrário, como é possível se
constatar pela comparação entre as alterações legislativas e a produção. Assim, à
partir destas alterações, mesmo que as tipologias imobiliárias tenham sido alteradas,
novos agentes tenham ingressado no setor e uma nova dinâmica tenha atingido o
cenário nacional, a produção na borda conurbada de Maringá e Sarandi no período
de estudo (2010-2016) revela aproximações com o identificado por Silva (2015) para
os municípios de Sarandi e Maringá até 2014, ou seja, da permanência de uma
mesma lógica de coalizão entre o mercado e o Estado.
Contudo, apesar da análise das alterações legislativas possibilitar esta leitura,
ainda se faz necessário analisar a ação dos agentes a partir de suas narrativas e
das atas dos conselhos de ambas as cidades.

167
Figura 55 - Síntese temporal das alterações legislativas que afetaram a borda conurbada em Maringá e Sarandi.
Fonte: elaborado pela autora a partir dos levantamentos.

168
3.3.2. O narrado e o documentado: retratos da ação dos agentes imobiliários
na borda conurbada de Maringá e Sarandi de 2010 a 2016.

A coalizão entre Estado e mercado imobiliário não é inédita e nem pouco


exemplificada nos estudos sobre a produção do espaço urbano. O tema foi
abordado na teoria da máquina de crescimento urbano de Logan e Molotch (1987),
no empreendedorismo urbano de Harvey (2005; 2014), na cidade pátria, empresa e
mercadoria de Vainer (2002), na guerra dos lugares de Rolnik (2015) entre diversos
outros referenciais presentes ou não nesta pesquisa. No Brasil, a integração entre
esses agentes está no velho clientelismo político que move eleições, na expulsão
das classes não solváveis dos centros urbanos orquestradas pelos planejamentos
estratégicos e até na mais recente dinâmica imobiliária, na figura do Programa
Minha Casa Minha Vida, programa de salvamento do mercado imobiliário e de
adiamento da crise que se espalhou pelo globo. Na borda conurbada de Maringá e
Sarandi, esta engrenagem também foi percebida.
Especialmente na década de 2010, com o advento da mais recente dinâmica
imobiliária nacional, a borda conurbada de Maringá e Sarandi foi lócus da ação de
novos agentes no mercado imobiliário, especialmente na atuação em Sarandi.
Historicamente a cidade foi conformada por agentes imobiliários maringaenses que
produziram de maneira livre, diante da flexibilidade legislativa das décadas
anteriores, da demanda crescente e da possibilidade de maximização de lucro
(BELOTO, 2003; SILVA, 2015). Contudo, os agentes atuais – novos, em relação aos
das décadas anteriores - não encontraram o mesmo cenário. Os Planos Diretores
vigentes em 2010, ainda que favorecessem o mercado, evidente pela análise das
alterações legislativas, tinham maior rigidez e maior participação na produção
urbana, especialmente em Sarandi.
O Estado, por sua vez, também se beneficiou da atuação do mercado
imobiliário. Os dois agiram juntos, legislaram juntos, tanto que complexos estudos
técnicos do período temporal tratado foram retalhados no momento da aprovação
nas câmaras:
“No momento do Plano, o empresário precisa estar junto, por que o
vereador precisa de voto. Aí o empresário tem força para falar com o cara,

169
para falar ‘olha, precisa disso aqui assim, meu amigo, o seu eleitor mora
aqui, ele compra aqui, ele gasta aqui [...]’. Então quando você vai com as
duas alinhadas [teoria e prática], não tem nenhum instrumento público que
vai contra” (Informação verbal. Agente A).

Do mesmo modo que a produção depende do Estado, também depende do


mercado imobiliário. Porém, ainda que muitas vezes atendidos, os interesses de
ambos destoam:
“Burocracia é algo que atrapalha demais, o governo, o funcionalismo
público, essa parte de urbanismo, falta conhecimento. Os caras não
entendem, dificultam. O negócio é algo que tinha que incentivar. É uma
geração de caixa para a prefeitura, são novos moradores [...]. Por que daí
tem uma questão de peso político, partidarismo, e isso tudo vai
atrapalhando o trabalho, por que se ajudassem era outra realidade”
(Informação verbal. Agente A).

Na borda conurbada analisada por esta pesquisa, foi possível encontrar


momentos onde houve pleno apoio do Estado, com adaptações legislativas pró-
empreendimentos que ali aconteceram, bem como momentos onde o Estado
desaprovou e impediu a iniciativa privada. Também, e produzindo maiores efeitos,
foram notadas contrariedades entre a legislação maringaense e sarandiense, como
por exemplo, na aprovação do condomínio Eco Garden Residence, implantado entre
as duas cidades, conforme contatado em entrevistas e nas atas dos conselhos de
planejamento urbano e ambos municípios, analisadas a seguir.
O Conselho de Municipal de Desenvolvimento Urbano de Sarandi (CMDU) foi
implantado em 21 de dezembro de 2009 (Decreto 472/2009). Dentre os membros
presentes na formação do conselho, estavam representantes da igreja católica e
evangélica, representante da associação comercial, da imprensa, da associação
agropecuária e membros da prefeitura municipal de Sarandi, em nome de suas
secretarias.
Na ata de abertura dos trabalhos do CMDU constou a demanda da lei que
havia sido recentemente aprovada, tendo em vista a instalação do conjunto
Residencial Mauá, primeiro do Programa Minha Casa Minha Vida faixa 1 na cidade,
para o qual foi convocada reunião para análise :

“Empreendimento do Conjunto Residencial Mauá – Minha Casa Minha Vida,


do Governo Federal em Sarandi, e a Retificação da Redação da Lei
Complementar de Uso e Ocupação do Solo no Município de Sarandi,
Estado do Paraná, alterando o número de lotes [máximos por loteamento]
170
de 200 para 400, tendo em vista que no município já existem
loteamentos-condomínios, com número de lotes superiores ao limite
fixados” (PREFEITURA MUNICIPAL DE SARANDI. Ata CMDU de
21/12/2009, grifo da autora).

Na ata seguinte (11 de janeiro de 2010), sob a justificativa apresentada, a


alteração da Lei Complementar foi aprovada pelo Conselho. Tal alteração, não
somente possibilitou a implantação do bairro, como também regularizou bairros
irregulares, que como pode ser constatado, eram de conhecimento da Prefeitura. A
alteração legislativa, desse modo, ocorreu de acordo com o projeto.
Após tal aprovação, a próxima reunião registrada em ata ocorreu somente em
14 de junho de 2011, um ano e cinco meses depois. Dentre as pautas, foram
tratadas novas alterações na Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano, bem como, e
mais importante, o aumento do perímetro e das áreas de interesse social (que
conforme analisados, não dizem respeito a implantação de interesse social). A
atuação pró-mercado do CMDU foi tão expressiva em seus primeiros momentos que
no dia 08 de novembro de 2011, em meio as discussões das alterações legislativas,
um dos conselheiros demonstrou-se insatisfeito com a publicação das atas sem
assinaturas de todos os presentes, declarando que “não quer ser acusado de
favorecimento em negócios imobiliários”.
Em todo o ano de 2012 não foram registradas atas no livro de reuniões,
apesar de terem sido constatados diversos empreendimentos datando deste ano,
como o Portal EcoValley I, por exemplo. A primeira reunião de 2013 ocorreu no dia
25 de março, abordando novamente pautas de ampliação do perímetro urbano,
zoneamento das áreas destinadas ao financiamento da Caixa Econômica Federal,
de modo a “facilitar os processos de subdivisão e aprovação”. No ano de 2014
também não foram lavradas atas de registros das reuniões.
Em 2015 voltaram a ser discutidas alterações na Lei de Uso e Ocupação do
Solo Urbano, tal qual definiu-se no formato vigente. Na ata de 19 de maio de 2015,
diante de novas solicitações de alterações legislativas, constou a manifestação do
prefeito, presente na reunião deste dia, demonstrando a urgência de maior
intervenção Estatal sobre a produção urbana de Sarandi:

“o senhor Prefeito [Carlos Alberto de Paula Junior], no início da reunião,


pediu a palavra e disse a todos que as mudanças solicitadas são de grande
171
importância para a nossa cidade, pois com elas os atuais e futuros
governantes poderão organizar melhor seus projetos, a cidade vai ser
organizada e as mudanças seguirão Planos e Leis estabelecidas. O senhor
Prefeito disse ainda que quando um investidor vier para Sarandi saberá das
vantagens e também das obrigações pois hoje, para organizar o trânsito e
as edificações é muito difícil pois na época que os loteamentos foram feitos
não tinha uma lei criteriosa e hoje existe muitas dificuldades, por isso as
mudanças são necessárias e urgentes” (PREFEITURA MUNICIPAL DE
SARANDI, Ata do CMDU de 19/05/2015).

Nas demais atas registradas pelo CMDU, entre os anos de 2017 e 2018,
foram discutidas pautas como a criação de eixos de comércio e serviços de acordo
com solicitações de cidadãos sarandienses. Dentre tais solicitações, das aprovadas,
a que mais impacta sobre a borda foi a transformação da Estrada Octavio Colli, que
margeia o condomínio Eco Garden e conecta com o extremo sul por meio de
Sarandi, em eixo Industrial, bem como diversas vias do Jardim Ecovalley I. É
importante destacar que a zona em que a Estrada Octávio Colli se insere atualmente
é o Solo Urbano Central do Tipo 2, o que demonstra a incompatibilidade entre a
legislação e a produção da cidade, apesar dos esforços de reformulação.
Por meio da análise das atas do CMDU de Sarandi, é possível concluir que,
apesar de a entidade ser criada como instrumento de gestão democrática, a não-
regularidade das reuniões, bem como as temáticas tratadas, giraram, em sua grande
maioria, em torno de adequações pró mercado imobiliário na cidade. Além disso, a
forte presença de instituições religiosas, midiáticas, e setores comerciais e
agropecuários, exemplificam a máquina de crescimento de Logan e Molotch na
escala do Município.
Já em Maringá, o Conselho Municipal de Gestão e Planejamento Territorial
(CMGPT) demonstrou maior regularidade nos encontros e efetiva participação de
membros da comunidade e de instituições de ensino. O CMGPT foi implementado
em 2007, conforme estipulado pelo Plano Diretor Participativo de 2006. Dentre as
diversas questões apresentadas ao Conselho ao longo dos anos, muitas trataram da
transformação de vias em Eixos Residenciais de diferentes tipos, solicitações de
projetos por toda a cidade e análises de Estudos de Impacto de Vizinhança. Tal qual
ocorreu em Sarandi, passaram pelo Conselho alterações legislativas referentes ao
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano, analisadas e votadas pelos
conselheiros.

172
No que diz respeito a borda conurbada de Maringá com Sarandi, notou-se,
através das solicitações de empreendedores, o interesse despertado sobre o
território, especialmente após o aeroporto Gastão Vidigal ser desativado. Como
exemplo:

“protocolo nº1947/09, da empresa Monolux Construções Civis, referente a


modificação do zoneamento urbano no que tange ao Uso e Ocupação do
Solo, considerando que a Zona de Serviços – ZS foi estabelecida
(principalmente no que tange à altura das edificações) em função do
aeroporto Gastão Vidigal e tendo em vista a Zona Aeroportuária ter sido
transferida para outro local e que a região deve ser analisada no sentido de
ser potencializada para novos investimentos, os membros presentes do
Conselho foram desfavoráveis a proposta dos empreendedores”
(PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ, Ata do CMGPT, 12 de
novembro de 2007).

Mais tarde, nesta mesma zona – transformada em Zona Residencial 6 pela


LC 888/2011 - foram edificadas as duas torres de 25 pavimentos do condomínio
Infinity Club Residence, da construtora Plana, na Avenida Colombo, conforme
abordado no item anterior. O eixo da Avenida Colombo também sofreu modificações
diante da aprovação do dia 15 de junho de 2011 da proposta de estender a
verticalização da via até a divisa com o município de Sarandi.
Ainda no dia 15 de junho de 2011 foi apresentado ao Conselho o Relatório de
Impacto de Vizinhança (RIV) do Condomínio Fechado Eco Garden Residence sob
protocolo nº51466/2010, deliberado e aprovado no dia 04 de julho:

“Às 17 horas e 28 minutos o Conselho deliberou sobre o relatório de


Impacto de Vizinhança do Condomínio Fechado Eco Garden Residence,
protocolado em nome de Reis e Molina Empreendimentos Imobiliários
LTDA, sob o nº 51466/2010, depois de analisar e discutir o Conselho
decidiu aprovar o RIV, com abstenção da conselheira Mika Yada Naguchi,
com a condição de que a parte interessada atenda as seguintes exigências:
implantar o acesso principal ao empreendimento pela Rua Três, ficando a
cargo do empreendedor a regularização e execução da infraestrutura da
mesma, executar rotatória, trevo ou trincheira no entroncamento da Rua
Três com a Rua Carmem Miranda, doar a Prefeitura de Maringá a faixa de
fundo de vale com no mínimo 60 metros e a faixa da via paisagística
com 16 metros de largura, além das demais medidas descritas no
Relatório” (PREFEITURA DE MARINGÁ, Ata de 04 de julho de 2011 do
CMGPT. Grifo da autora).

Como abordado anteriormente, tratando-se um condomínio fechado entre


Maringá e Sarandi, a empresa não cumpriu com a condição de doação e trecho de
via paisagística, uma vez que essa porção foi incorporada entre seus muros. De
173
fato, o condomínio não disponibilizou a área de reserva par a construção, como
condizente com a Lei de Uso e Ocupação no que tange a reserva dos fundos de
vale.
Quando questionado sobre o processo de aprovação desse condomínio, o
representante da empresa declarou:

“Como são dois municípios diferentes, a gente não consegue unificar o lote.
Então a gente fez o condomínio separado em Sarandi, com entrada,
portaria, tudo em Sarandi. E aí nós compramos a chácara da frente e
fizemos uma chácara de lazer na frente que pertence ao condomínio Eco
Garden, então a aprovação foi cada uma no seu canto. Isso teve até um
debate entre Maringá e Sarandi, por que Maringá falou, ‘mas a entrada é
por Maringá, vai usar a infraestrutura de Maringá, e o condomínio é
Sarandi’, mas a gente sempre comentou que a entrada é por Maringá ou
por Sarandi, em qualquer um dos dois” (Informação verbal. Agente A).

A prefeitura de Maringá, sobre esse assunto, considerou uma problemática:

“Esse condomínio em particular [Eco Garden], teve um problema aqui,


quando eles foram tentar aprovar a parte de Maringá – por que eles
cortaram a via paisagística com o acesso – a gente exigiu que eles
deixassem a faixa da paisagística, mas aí ficou aquele problema jurídico,
que não poderia doar ao município por que se doar eles não ligam uma
coisa com a outra, então não foi doado, não foi reservado, mas ficou lá
incorporado na área deles e tenho certeza que jamais a paisagística vai
acontecer ali. Então é um processo que só tem problema, problema para
eles mesmos [Sarandi]. No futuro, já ouvi falar que eles têm a intenção de
fazer o novo centro cívico ali. Então como é que eles vão fazer o
planejamento de todo o centro cívico e da ocupação do entorno se você tem
esse enclave? Murado, ainda por cima” (Informação verbal. Agente B).

Já o município de Sarandi, nunca considerou como um problema a expansão


de seu território para o sul da borda conurbada, muito menos o tipo de
empreendimento que foi implantado. Para o Agente D64 a presença desses
empreendimentos ampliou a autoestima da cidade a partir da valorização dos
empreendimentos e da entrada dos novos produtos. Contudo, de acordo com o
entrevistado, o público sarandiense também precisou arcar com ônus da
permissividade dada a esses empreendimentos:

“Eu acredito que essas inovações imobiliárias são benéficas no Município


desde que sejam seguindo à risca o Plano Diretor, e nem todas ocorreram
dessa forma, sabe? Então acabam ficando alguns ônus para o município
cuidar. Loteamentos não terminados, loteamentos que tiveram infraestrutura

64
Entrevista concedida à autora em 04/11/2019.
174
não finalizadas e como há uma grande distância do polo central do
município, no perímetro urbano, mas existe uma grande distância pra
infraestruturas, como por exemplo, de esgoto e drenagem para você fazer a
emissão correta” (Informação verbal. Agente D).

Algumas das questões de infraestrutura, conforme explicou o entrevistado,


ficaram a cargo do município:

“Não deveria! Deveria ser contabilizada no momento da aprovação. Então


aconteceu de alguns desses loteamentos firmarem esse compromisso e
depois não realizarem” (Informação verbal. Agente D).

Sobre os demais produtos instalados na borda, como os condomínios


horizontais do Programa Minha Casa Minha Vida faixa 2 e os conjuntos
habitacionais da faixa 1, a Prefeitura de Sarandi ainda destacou:

“Isso ainda é benéfico, mas assim, criou muito mais demanda do que os
loteamentos [ao sul] em si. Nos verticais você cria um aglomerado de
pessoas e uma demanda de infraestrutura que o município nem sempre
estava preparado. Vagas em creche, posto de saúde, toda parte de
atendimento do município fica comprometida. E isso inseriu milhares de
pessoas do dia para a noite lá e o município não estava preparado nesse
momento, entendeu? Por isso a importância da realização desses Estudos
de Impacto de Vizinhança para a realização dos loteamentos e
condomínios, também para quando se fizer a aprovação estarem incluídos
de acordo com a capacidade do município”.

Apesar da importância do EIV reconhecida pela Prefeitura, alguns dos


empreendimentos estudados implantados em Sarandi não tiveram exigência do
estudo para sua aprovação ou contrapartidas estabelecidas pela Prefeitura, mas
acordos entre os empreendedores e a Prefeitura. Esses acordos em questão,
especialmente os que se referem aos “novos produtos imobiliários de Sarandi”, não
foram sequer mencionados nas atas do CMDU disponibilizadas para a pesquisa, a
despeito do impacto sobre o território.
Quando questionado em entrevista como foi a receptividade da prefeitura de
Sarandi, o empreendedor da porção sul explicou:

“A receptividade foi boa, eles gostaram bastante do projeto. As dificuldades


foram a burocracia, mas a ideia foi muito bem vista, acatada, eles gostaram
da pegada. Apesar de a gente não ter conseguido manter, por exemplo,
instalamos câmeras de segurança na cidade, criamos uma central de
monitoramento dentro da polícia militar” (Informação verbal, Agente A).

175
Questionado se tais ações eram condicionadas por algum EIV,
complementou:

“Não, isso foi uma ideia nossa, era um bairro longe, íamos colocar isso tudo
e acabou [...]. A nossa ideia era instalar, ir no poder público e falar ‘olha, tá
aqui, uma das melhores câmeras de segurança que existem no mercado,
tudo pronto, com a sala de monitoramento dentro da polícia militar’. Nós
demos até motocicleta para a polícia, para ajudar. ‘Ah, não tem motocicletas
para fazer ronda, só que aí o governo...’. Eles têm os problemas deles,
acabam não dando conta de tudo e o negócio acaba ficando na teoria. Foi
como te falei, falta um pouco. Mas eles gostaram bastante, ajudaram
nessas políticas aí, depois muda prefeito, troca outro, um tem prioridades,
o outro não tem, então isso acaba prejudicando, mas foi bom. Eles
gostaram dessas ideias aí” (Informação verbal, entrevistado A. Grifo da
autora).

Sobre as maiores dificuldades para lidar com a Prefeitura de Maringá e


flexibilidade legislativa de Sarandi, salienta-se a ausência de planejamento
integrado. A gestão integrada entre os dois municípios, ainda não alcançada apesar
dos esforços dos Planos da década de 1990, se tornou urgente nos últimos anos de
modo a ser reconhecida até pelo maior beneficiário desta ausência de integração - o
empreendedor imobiliário:

“As cidades precisam se comunicar, quando você está a 100, 20, 30


quilômetros, mesmo assim você precisa se comunicar, por que existe o
transporte interurbano. Agora, quanto mais quando você tem duas
cidades... pode-se dizer que são irmãs. E esse é o maior absurdo que pode
existir, Maringá, como uma cidade pujante, ela tinha que considerar Sarandi
como um irmão mais novo, é óbvio isso [...]. As conexões quando a gente
estava fazendo o estudo, tinham avenidas de Maringá que paravam de
frente para Sarandi, não tinha um estudo de continuidade [...]. E não adianta
Maringá jogar os problemas dela para Sarandi e fingir que não está
acontecendo nada. Sabe o que vai acontecer? Se não ajudar a desenvolver
Sarandi, a criminalidade vem para cá, se você for em qualquer cidade do
Brasil, é assim que acontece. Então ela [a metrópole] tem que ser muito
mais participativa” (Informação verbal, Agente A).

A coalizão entre o Estado e o mercado imobiliário na borda conurbada


estudada é nítida a partir das discussões – e ausência delas -, bem como é evidente
a ausência da gestão integrada entre os dois municípios que são afetados pela
produção deste terceiro território, “que tem vida própria”, ou seja, “que não é
controlado nem por Maringá e nem por Sarandi, mas em função de outros
interesses” (Informação verbal, Agente B). Sobre estes outros interesses que se
dedicou o próximo item, ao selecionar os impactos no valor do solo, como indicador

176
para demonstrar os efeitos na mais recente dinâmica imobiliária sobre a borda
conurbada de Maringá e Sarandi.

3.4. “Trabalho de fronteira”: os impactos sobre o valor do solo derivados da


dinâmica imobiliária instalada na borda conurbada de Maringá e Sarandi de
2010 a 2016

Conforme amplamente discutido no Capítulo 1, o valor da terra está


intrinsecamente relacionado a sua localização. É o que Villaça (2012) chama de
“terra-localização”, resultado de um trabalho social investido na formação de um
território. Assim sendo, dentre as estratégias do mercado imobiliário está a criação
de localizações dentro da cidade. Uma das maneiras de criar essas localizações é o
“trabalho de fronteira” (LOGAN, MOLOTCH, 1987), quando se aproveita a
proximidade com um território privilegiado para vender produtos imobiliários no
território vizinho. Os autores utilizam o exemplo de Beverly Hills, nos Estados
Unidos, e as cidades adjacentes, mas o caso de Maringá e Sarandi também
configurou um bom exemplo.
Como visto nos itens anteriores, a borda de Maringá e Sarandi antes de
2010, nunca configurou um espaço privilegiado para a implantação de produtos
habitacionais de alto padrão. Muito pelo contrário, na década de 1990 o território fora
ocupado pelos conjuntos habitacionais populares maringaenses e os típicos
loteamentos econômicos de Sarandi, com os padrões de urbanização mínimos.
Conforme o exposto, através do empreendimento Eco Garden Residence –
o primeiro condomínio da Ecoingá Empreendimentos, que deu início a exploração do
território e a conformação do “terceiro território”, instalado em Sarandi, mas
socialmente maringaense. Houve, por parte da empresa, uma iniciativa arriscada e
muito bem-sucedida, que diante dos esforços realizados para o diferencial do
empreendimento, possibilitou o alcance do principal objetivo: o sobrelucro:

“A motivação dessas empresas loteadoras, incorporadoras, construtoras, é


claro, nós vivemos em uma país capitalista, não é beneficente, é no objetivo
da realização de lucros. E dentro dessa cultura ou desse sistema
econômico em que vivemos, o objetivo é sempre a maximização do lucro,
né? Então, cada vez que você compra o produto pelo preço mais baixo e
consegue vender aquele produto transformado pelo preço mais alto você
maximizou o seu lucro, e isso, dentro da regra do jogo é o que prevalece,
177
então, é claro que o poder público tem mecanismos de até certo ponto,
intervir nesse processo, retirando através de impostos ou outros
mecanismos um pouquinho dessa ‘gordura’ que sobre em excesso, para
tentar canalizar isso em aplicações de interesse social. Mas também, isso
tem um limite, o município pode bastante, mas não pode tudo. Então a
gente acha que a motivação dessas empresas é essa mesmo, a realização
de lucros” (Informação oral, entrevistado B).

Dessa maneira, tornou-se fundamental compreender como esse sobrelucro


se deu ao longo dos anos, e, para tal, foi realizada a análise do valor do solo urbano
ao longo do tempo. Como abordado anteriormente, em 1990 o território de borda de
Maringá não era inteiramente compreendido pelo perímetro urbano. Também neste
período, predominou a inserção de conjuntos habitacionais neste território, de modo
a valorizar terras intersticiais, entre o centro e as bordas. Em Sarandi, por outro lado,
a ocupação alcançou o limite intermunicipal, especialmente ao norte da cidade.
Nessa década a porção sul da borda, onde mais se identificou inovações
imobiliárias, permanecia como terra rural.
Em 1999 foi consolidada a conurbação entre as duas cidades, quando
Maringá expandiu o perímetro urbano para além dos contornos rodoviários, até o
limite de seu perímetro municipal com Sarandi. O valor de solo desse momento,
tendo em vista questões como a ocupação de habitações populares e o aeroporto
Gastão Vidigal, fez com que a borda concentrasse os menores valores de solo da
cidade de Maringá, juntamente à porção do extremo oeste. É importante destacar
que a porção sul da borda de Maringá demonstrou valores maiores, bem como a
área industrial, imediata no acesso à cidade. O entorno do Aeroporto, dentre as
áreas da borda, teve o menor valor.

178
Mapa 8 - Valor do Solo 2000.
Fonte: Amorim (2015) com base em classificados. Elaborado pela autora.

Já em 2008, quando o Aeroporto Gastão Vidigal já estava desativado,


ocorreu um aumento e inversão dos valores de terra na borda de Maringá. A porção
norte passou a representar o menor valor da borda, a porção sul valor intermediário
e a área do aeroporto e seu entorno, obtiveram o maior valor de terra da borda em
Maringá. Sarandi, por sua vez, mantinha os maiores valores de terra em seu centro
urbano. A distribuição de valores na borda conurbada, como foi possível concluir, se
dava a partir da proximidade com as conexões viárias. O maior valor de terra
concentrava-se na adjacência da Avenida Colombo, principal conexão com Maringá.
Os bairros conurbados ao norte, muito por se vincularem com os conjuntos
populares de Maringá, possuíam os menores preços da cidade no período.

179
Mapa 9 - Valor de solo Maringá e Sarandi (2000).
Fonte: Amorim (2015) com base em classificados, PLHIS Sarandi (2008). Elaborado pela autora.

Mesmo com o início do boom imobiliário nacional em 2005, como visto no


Capítulo 1, a área metropolitana de Maringá demorou a receber os efeitos do ciclo
econômico e imobiliário em seu território. Contudo, a variação do valor do solo
constatada entre 2008 e 201265, bem como o aumento de empresas e de produtos
imobiliários no aglomerado (especialmente na borda conurbada), permitiram concluir
que os efeitos do boom chegaram à área conurbada – tardiamente -, mas chegaram.
Em relação ao levantamento de 2008, os valores de terra da borda
aumentaram em média 40% em Maringá. Já em Sarandi, os valores também
aumentaram e a lógica distributiva permaneceu a mesma em relação ao território
central consolidado. Porém, tendo em vista a ampliação do perímetro e a locação
dos empreendimentos da porção sul, foi possível constatar valores intermediários

65
Não foram consideradas nesta comparação questões econômicas mais complexas como alta da inflação e
desvalorização do real, porém, diante dos curtos espaços de tempo nos quais as análises foram analisadas, é
possível perceber o aumento expressivo ocasionado pelo recente dinâmica imobiliária.
180
dos preços de solo do município de Sarandi, em terras até pouco tempo rurais,
indicando a supervalorização dessas porções.

Mapa 10 - Valor do Solo Maringá e Sarandi (2012).


Fonte: Amorim (2015), Silva (2015). Elaborado pela autora.

Por fim, os levantamentos de 2017 e 2019 de Maringá e Sarandi,


respectivamente, demonstraram manutenção dos valores, mas contenção no
aumento, especialmente nos produtos vinculados ao Programa Minha Casa Minha
Vida faixa 2, setor econômico. Muito desse fato, deve-se a crise que em 2014 e
2015 afetou o setor imobiliário nacional e a área metropolitana.

181
Mapa 11 - Valor do Solo Maringá (2019) e Sarandi (2017). Fonte: elaborado pela autora a partir de pesquisa de
campo em imobiliárias e anúncios de terrenos online.

Valor do solo de uso residencial da borda conurbada de Maringá e Sarandi


ao longo do tempo (R$/m²)
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
2000 2008 2012 2017/19

Máx. Maringá Mín. Maringá Máx. Sarandi Mín. Sarandi

Gráfico 4 - Valor do solo de uso residencial da borda conurbada de Maringá e Sarandi ao longo do tempo
(R$/m²).
Fonte: elaborado pela autora com base de dados de PLHIS Sarandi (2008), Amorim (2015); Silva (2015) e
anúncios de vendas de terrenos online.

182
O gráfico 4 mostra que na década de 2010, quando houve a inserção dos
novos produtos imobiliários na cidade de Sarandi, a curva dos valores máximos na
borda do município se estreitou com a de Maringá. Esses valores dizem respeito aos
condomínios-clube instalados na porção sul. Como o processo de formação da
borda em Sarandi foi heterogêneo, existem produtos de valor inferior, como
evidenciado pela curva, majoritariamente concentrados junto a porção consolidada –
loteamentos econômicos -, e o Conjunto Residencial Mauá.
Maringá, por sua vez, apresentou crescente valorização do solo da borda a
partir de 2000, fato este vinculado à desativação do Aeroporto Gastão Vidigal. No
início de 2010 o ângulo da curva de acentuou como efeito da dinâmica imobiliária no
território – seja pelos acontecimentos ao sul de Sarandi, pelas melhorias do PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento) em bairros populares precários de
décadas anteriores, pela ocupação de vazios urbanos com o Programa Minha Casa
Minha Vida faixa 2 ou pela especulação sobre a Operação Urbana Consorciada
Novo Centro Cívico – Eurogarden, revogada apenas em 2018. Apesar da OUC, os
maiores preços concentram-se ao sul da borda, juntamente à nova área de
expansão imobiliária de Sarandi. Todavia, os terrenos em torno do aeroporto e ao
norte continuam em expansão.
Ainda que a crise de 2014 tenha afetado o mercado na área metropolitana
de Maringá, a curva dos valores de terrenos habitacionais de maior padrão segue
crescente. A estagnação se deu na curva dos valores mínimos, em Sarandi por se
tratar de bairros populares, sem articulação viária com Maringá e também em
Maringá nos bairros do setor econômico fortemente alavancados pelo MCMV faixa
2.
A histórica conformação popular da borda leste de Maringá não deteve o fato
do valor de solo da metrópole ser superior ao dos loteamentos econômicos da
cidade vizinha. Esse fato, após 2010, refletiu na distribuição da população por renda,
como visto no item 3.1. A borda do município que foi popular até a década de 1990,
abriga nos dias atuais a população de renda intermediária, afastando as classes
mais baixas para além de seus limites. Isso pode ser explicado pelo fato de a
infraestrutura, a legislação rígida do parcelamento e qualidade urbanística, os

183
valores de impostos como o IPTU, terem mantido a cidade de Maringá menos
acessível que a vizinha Sarandi. Afinal, conforme o Agente C:

“O poder de atração de Maringá é muito forte, como todo núcleo


metropolitano. O cidadão vem para o núcleo onde há emprego e
oportunidade. Mas o núcleo, com essa vida intensa, ele expulsa. Há uma
valorização, quanto mais procura tem, mais demanda, se há muita procura,
maior o preço dos imóveis. E aí, o que acontece? Vamos para a vizinhança”
(Informação verbal, Agente C).

Contudo, a vizinhança e a articulação entre as cidades não foram notadas


somente pela demanda, como também pelo incorporador. O representante da
Prefeitura de Sarandi, em entrevista, afirmou que uma nova vocação para a cidade
havia sido notada pelo mercado imobiliário nos últimos anos, o que apoio os
discursos para a criação de novas áreas de expansão nos últimos anos. A partir daí,
em 2010, foi inaugurada a nova frente de expansão, não somente a partir das
possibilidades legislativas amplas da cidade vizinha, como também a localização
adjacente à metrópole. Explorando tal condição, especialmente na porção sul, os
empreendedores imobiliários produziram e venderam seus empreendimentos como
pertencentes a cidade de Maringá, apesar de aprovados, legislados e instalados em
Sarandi.
O primeiro empreendimento a se apropriar da questão locacional foi o Eco
Garden Residence, da empresa EcoIngá. Conforme o empreendedor, a escolha da
localização não visou a proximidade, ou melhor, a adjacência do terreno à Maringá,
visto que eram terras de uso rural pertencentes a família, como já exposto. Porém,
esse empreendimento inaugurou uma tendência de mercado em contínua expansão,
não somente em Maringá e Sarandi, mas em demais cidades da Região
Metropolitana. Conforme os representantes da Prefeitura de Maringá entrevistados:

“Isso chegou para nós muito de leve. A gente sabia que estava sendo feito,
achava estranho, mas eu entendi. Por que o cara está fazendo isso?
Obviamente ele está aproveitando o valor locacional, está vendendo
Maringá, estando em Sarandi. Ele está pagando barato para fazer e está
vendendo caro, porque é um condomínio em Maringá, simples assim. Um
pedaço estar em Maringá era fundamental, ele não podia estar todo em
Sarandi [...]. Ele não vende como Sarandi” (Informação verbal. Agente C,
grifo da autora).

“Isso é a tal história, quando começa, não para mais [...]. Então é um
negócio muito complicado, a gente percebeu com esse tipo de processo – e
isso não aconteceu só em Sarandi, em Sarandi foi mais visível, mais intenso
184
-, mas estamos percebendo isso em relação Mandaguaçu em relação a
Iguatemi, de Paiçandu com relação a Maringá” (Informação verbal. Agente
B).

De fato, a inserção do condomínio Eco Garden Residence e a consequente


nova área de expansão, devido as conexões e ao afastamento da porção urbana
consolidada sarandiense, nem sequer permitem a compreensão do limite entre as
duas cidades. Para o visitante, ele nunca saiu de Maringá, apesar da fronteira.
Sobre esses empreendimentos imobiliários se afastarem da porção urbana central
de Sarandi, o Agente C comentou:

“Isso não importa para os especialistas, mas importa para o comprador.


Para eles, era melhor ainda. O cara não acessa Sarandi, ele entra no
condomínio por Maringá. O que provavelmente é uma estratégia do
empreendedor. Você está onde? Eu estou em Maringá, está ligado aqui a
Maringá. Eles provavelmente não colocaram uma plaquinha dizendo ‘Bem-
vindo a Sarandi’, muito pelo contrário, eles fizeram questão de dizer ‘Aqui é
Maringá’. Todas as vantagens para eles, o terreno lá é mais barato, a
legislação é mais frouxa, mais acessível. Está ligado a Maringá – não era
um sonho de ligação, mas de certa forma você está na Avenida Brasil, na
sequência da Avenida Brasil, praticamente”.

A Eco Ingá reconheceu seu ineditismo no local e a valorização do solo a


partir de seu primeiro empreendimento. A empresa não mediu ideias, esforços e
receita para criar um produto diferenciado capaz de atrair o público e alterar a
imagem da cidade de Sarandi como historicamente concebida. Nesse sentido, o
distanciamento entre a cidade consolidada e a nova área de expansão também foi
fundamental para o sucesso do empreendimento. Conforme o Agente A:

“E aí toda a estrutura que a gente colocou nele, áreas verdes grandes,


quadras e etc., isso acabou combatendo aquela ideia de que o vizinho é
ruim. Também não estava colado, então isso acabou ao longo dos
anos, valorizando e acabou limitando esse problema de vizinhança. A
partir dele começaram outros empreendimentos ali no entorno, começou a
valorizar a região. Era uma região que os empreendedores não só de
Maringá, mas de toda região, pensavam só em um determinado perfil de
empreendimento, aí quando você coloca um negócio que rompe, aí acaba
mudando o negócio, então valorizou a região” (Informação verbal, grifo da
autora).

O primeiro empreendimento não gerou lucros extremos a empresa, dada a


condicionante da inserção em meio rural e a infraestrutura investida para criar o tipo
de produto pretendido. Por se tratar de uma inovação no local onde se instalou, a
185
empresa ofereceu os terrenos em valores de mercado mais acessíveis que dos
condomínios maringaenses, próximos aos valores de bairros menos privilegiados da
metrópole. Além disso, o IPTU sarandiense – muito menos oneroso que o de
Maringá – também pesou no sucesso das vendas:

“A gente começou a se posicionar na venda, não colocamos preços altos,


a gente começou a vender terrenos parecidos com o preço dos terrenos de
rua, e quem não tinha dinheiro para comprar terreno em um condomínio
acabou comprando ali. Então, com o tempo ele foi ganhando preço, foi
ganhando. Hoje ele é um terreno barato, ele ainda vale o preço de um
terreno de rua, duzentos e poucos mil. Então foi um produto que casou
com aquele momento de mercado, tinha a demanda” (Informação verbal,
Agente A, grifo da autora).

Posteriormente, com o sucesso do primeiro empreendimento e a ampliação


da infraestrutura ao sul para os próximos, o aumento do preço da terra – até pouco
tempo antes, rural – foi muito perceptível, não somente nos novos bairros, mas no
entorno consolidado há anos:

“Sem dúvida, valorizou um absurdo, explodiu o preço. A gente foi investindo


em infraestrutura, construindo Avenida, ponte, outros empreendedores
foram vendo aquela infraestrutura e começaram a sair os outros
empreendimentos [...]. Então isso sem dúvida valorizou muito. Áreas rurais
também no entorno que o pessoal ficava até jogando lixo, muito caminhão
que ia lá e parava, isso acabou. Aquele bairro ao lado, que era um bairro
muito antigo, o Conjunto Vale Azul, um terreno lá custava R$5.000,00
quando a gente começou. Quando a gente começou a fazer o EcoValley ali
teve uma quantidade gigante de proprietários do Vale Azul que veio e falou
‘meu, graças a Deus vocês estão fazendo aquilo ali’. Hoje um terreno lá vale
R$200.000,00 [...]. Hoje você vai lá, têm chácaras maravilhosas, têm outros
empreendimentos, casas saindo. Morador de Maringá que quer morar em
um terreno maior, aí já tem casas ao lado, monitoramento, polícia...virou
uma área urbana. Um negócio que era em uma região abandonada se
transformou e valorizou muito. Para quem tem chácaras ali, eu conheci
alguns que mudaram da água para o vinho, tinha morador ali que tinha 3 ou
4 chácarazinhas e esperou o EcoValley ficar pronto para valorizar. Dá para
vender, construir a casa, a casa para um filho e casa para o outro filho.
Então foi um negócio que movimentou bastante, fora o nosso negócio, em
paralelo, o entorno todo” (Informação verbal, entrevistado A).

Quanto ao Estado, para a Prefeitura de Sarandi, como anteriormente


abordado, os empreendimentos tiveram seus revezes, mas também benefícios para
a população como um todo. Nas palavras do Agente D:

“Houveram residências, condomínios residenciais de um padrão mais


elevado, que de uma certa forma, foi bom para o município. Existe também
186
a questão do resgate da autoestima da população, mas existiram diversas
críticas de moradores que já estavam nesse meio conurbado, por que foi
realizada a ampliação do perímetro urbano posterior a inserção desses
bairros66”

“Houveram algumas críticas em relação a mudança de vocação da cidade.


De que as mudanças de zoneamento em relação a colocar alguns
empreendimentos com um padrão um pouco mais elevado também geraram
valor agregado ao imóvel, e aí acabaram ficando inacessíveis para algumas
pessoas. Mas na verdade, se você for pensar por outro lado, as pessoas
que moram no entorno também tiveram sua propriedade valorizada. E
assim, quando eu falo do resgate da autoestima, é que toda a ascensão
social de Sarandi era promovida através de a pessoa ter algum tipo de
sucesso em seu negócio em Sarandi, e aí quando ela tinha algum tipo de
ascensão social, ela se mudava para Maringá, e isso mudou” (Informação
verbal, Agente D).

Já para a Prefeitura de Maringá, os empreendimentos obtiveram todas as


vantagens locacionais e sociais do território maringaense, mas em uma competição
na qual saí em vantagem devido ao preço do solo, de impostos e demais questões
vinculadas ao município de Sarandi:

“Quer dizer: você usa todo o equipamento social, os serviços públicos, a


infraestrutura de Maringá, mas só que o preço do lote é diferente. Então
você cria uma concorrência totalmente desigual. E claro, isso do ponto de
vista comercial é um excelente negócio. As pessoas estão praticamente
dentro de Maringá, só a algumas centenas de metros, mas tem tudo que
ocorre em Maringá” (Informação verbal, Agente B).

A localização dos novos produtos imobiliários na borda conurbada de


Sarandi foram amplamente exploradas pela publicidade das empresas, que em
nítido trabalho de borda, identificaram seus empreendimentos como pertencentes a
Maringá, ou os vincularam às questões dos acessos e proximidade com ela. Quando
não citaram Maringá, exploraram questões típicas da urbanidade maringaense que
foram incorporadas em seus negócios, em uma continuidade paisagística no
território vizinho.
Como exemplo da exploração da proximidade com a localidade vizinha, tem-
se o anúncio do EcoValley I:

“Tão importante quanto planejar o futuro, é escolher um lugar para


concretizá-lo. O bairro onde a segurança e o lazer entram em harmonia com
a modernidade e a sustentabilidade chega a Maringá” (ECOINGÁ, 2020).

66
O entrevistado refere-se a cobrança de maior IPTU para áreas anteriormente rurais, como o caso do Vale
Azul, contemplado na ampliação do perímetro em 2009.
187
Bem como a questão da infraestrutura, qualidade urbana e paisagem:

Figura 56- Publicidade Ecoingá para EcoValley, explorando a questão paisagística.


Fonte: EcoIngá, 2020.

A mesma lógica publicitária foi seguida pela Construtora Aquila para o


Condomínio Residencial Green Park, totalmente inserido em Sarandi. A construtora
ainda explorou a variedade de compradores a partir da sua localização inter-
municipal:

188
“Um condomínio fechado cercado pelo verde da natureza e com todo
conforto e segurança que se pode oferecer. Localização é privilegiada, há
apenas dez minutos do centro de Maringá, bem na divisa de Marialva e
Sarandi” (AQUILA, 2020).

O condomínio ainda não finalizado Vilaggio das Águas, da mesma


construtora, também foi anunciado sob a mesma argumentação da localização
próxima a Maringá. Em um anúncio online de um terreno no condomínio, o vendedor
descreveu: “Localizado em frente ao Condomínio Green Park, próximo ao Conjunto
Cidade Alta. A 7000 metros da Catedral (10 minutos) e a 5km da Unicesumar” (OLX,
2020).
Até mesmo para empreendimentos não implementados na borda, como é o
caso do Jardim França - ao sudeste de Sarandi, em meio a ocupação rural -, foi
utilizada a dinâmica da borda para os anúncios:

“O Jardim França não é só um loteamento residencial, é o futuro das


cidades de Maringá e Sarandi. Localizado na divisa destas cidades, na
região sul de Maringá, o Jardim França está no centro da expansão que
aproxima as duas regiões metropolitanas. Próximo ao empreendimento,
será instalado o novo paço municipal de Sarandi, além de parques e outros
loteamentos. Já na região sul de Maringá, há projeto de revitalização de
parques e construção de prédios públicos, incluindo a nova Prefeitura [...].
Assim, o Jardim França se mostra uma ótima oportunidade de você, além
de viver bem, ter um investimento com retorno garantido” (PRC
Empreendimentos, 2020).

Em síntese, a borda conurbada de Maringá e Sarandi, especialmente após


2010, teve seu caráter transformado, a partir da instalação de novos produtos
imobiliários, derivados do último ciclo de boom do mercado e das dinâmicas
imobiliárias abordadas pelo primeiro capítulo. Tal alteração agregou valor ao solo
anteriormente popular de Maringá e, em Sarandi, inaugurou novas áreas de
expansão em meio ao uso rural - ainda que dentro do perímetro urbano. A
localização limítrofe a Maringá foi amplamente explorada pelo marketing das
empresas e têm, ao longo dos anos, mantido a crescente de valorização dos preços
dos empreendimentos de alto padrão. Quanto aos demais produtos, houve a
estagnação dos valores de mercado, e em determinados casos, até mesmo a baixa,
devido à desaceleração do Programa Minha Casa Minha Vida após a troca de

189
governo de 2016, e a consequente diminuição de crédito e da demanda
consumidora.
Outro fator determinante para o aumento dos preços – bem como utilizado
para a argumentação nas vendas – foi o lançamento do plano do Novo Centro
Cívico e Projeto Eurogarden em Maringá e, consequentemente, a tendência de
mudança do centro cívico de Sarandi para a borda, indicando um processo de
intersecção das duas centralidades urbanas, ainda distante de sua efetivação, mas
dentro do planejamento.
Esse território, entre Maringá e Sarandi, é um território transitório,
potencializado e em ascensão. Assim, em uma previsão de um futuro próximo, a
partir do analisado, conclui-se que a valorização a partir da localização foi
amplamente aproveitada no último ciclo de boom imobiliário e deve ser ainda mais
intensa durante os próximos anos e especialmente em um novo dinamismo do
mercado. Finalizando este capítulo com a metáfora propícia:

“Eu trataria temporalmente isso, não são territórios diferentes, são


territórios. É como você pegar um balde de leite e um com café, os dois aqui
em cima da mesa estão separados e eu vou despejando lentamente. Eu
termino com uma mistura marrom. Mas até ela ser marrom ela vai ganhando
formas diferentes. Eles não são territórios diferentes, mas são temporários”
(Informação verbal, Agente C).

Mais algumas gotas de café caíram sobre o leite. O balde ainda não encheu.

190
CONCLUSÃO

A cidade é resultado das interações dos agentes sociais sobre o território, e


no caso da borda conurbada de Maringá e Sarandi, foi da interação entre o Estado e
o Mercado Imobiliário desde a gênese das duas cidades, o que confere
características diferenciais ao território analisado por essa pesquisa, diante das
demais cidades médias nacionais. Maringá e Sarandi nasceram como projeto
imobiliário dentro de uma rede de cidades, onde a hierarquização de funções definiu
Sarandi como cidade de apoio e Maringá como núcleo polarizador. Além disso,
Maringá foi concebida a partir de ideais de cidade-jardim, o que ao longo dos anos a
consolidou como uma cidade planejada e que onerou no valor em seu território.
Sarandi, por sua vez, ao longo do tempo, lidou com o ônus da cidade polo, sendo o
receptáculo da população não solvente de Maringá e da produção imobiliária livre e
desregrada, que se deu em loteamentos muitas vezes ilegais, especialmente diante
de sua flexibilidade legislativa. Desse modo, até a década de 2000, Sarandi se
consolidou como periferia de Maringá, não somente no sentido geográfico do termo,
como também social.
Em 1990 se estabeleceu a inevitável conurbação entre as duas cidades.
Diferentemente da espontaneidade de muitas das metrópoles brasileiras, a
implantação em rede, a proximidade entre os dois núcleos urbanos iniciais e as
conexões rodoferroviárias entre elas, como principalmente o papel polarizador de
Maringá, impulsionou o crescimento de Sarandi até o limite municipal entre as duas
cidades. Maringá, que já nessa década lidava com o surgimento dos condomínios-
clube e intensa verticalização de seu centro, também contribuiu com a consolidação
de sua periferia social no sentido de Sarandi, instalando grandes conjuntos
habitacionais no limite com Sarandi, distante de sua porção consolidada, de modo a
valorizar as terras intersticiais em típica coalizão entre o agente Estado e o agente
Mercado Imobiliário, característica da sociedade patrimonialista brasileira refletida no
território. Todavia, a cidade não é estática, e os acontecimentos históricos, sociais e
econômicos – principalmente os econômicos, tendo em vista a cidade capitalista -,
alteram as formas de produção sobre o território.

191
A dinâmica imobiliária iniciada em meados de 1990 nas grandes capitais, que
tomou folego em 2005 quando explodiu o boom imobiliário e foi consolidada em
2009 no lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida, engendrou a alteração
da velha relação polo-periferia – no sentido estritamente social do termo - da área
metropolitana de Maringá, especialmente em sua borda conurbada com Sarandi.
Ainda que posteriormente, se comparada a demais cidades médias brasileiras, a
partir de 2010 a borda conurbada de Maringá e Sarandi passa por arranjos e
transformações provenientes da recente dinâmica imobiliária, ainda que dentro da
lógica local. Surgem novos agentes, novos produtos e principalmente novas
estratégias – ainda que balizadas pela velha lógica local de flexibilidade legal e na
coalizão entre o mercado imobiliário e o Estado, especialmente no que diz respeito a
Sarandi.
Até o início da década de 2010, Sarandi mantinha seu território formado por
loteamentos abertos voltados ao mercado econômico, com baixa qualidade
urbanística e conjuntos habitacionais, resultado do longo período de liberdade
produtiva dos agentes imobiliários maringaenses. Em 2009, quando foi formulado o
segundo Plano Diretor Municipal, houve a adequação do perímetro que permitiu a
implantação dos primeiros produtos imobiliários ao sul. Tal ampliação do perímetro
permitiu o surgimento de uma nova área de expansão onde foram instalados
produtos diferentes do comum à cidade – condomínios-clube, bairros planejados -,
que ocuparam o limite com Maringá na porção sul da borda, e, mais que isso, foram
vendidos como pertencentes à cidade polo.
Os agentes imobiliários desse “terceiro território” ao sul – afastado da cidade
consolidada de Sarandi - apesar de inserido em seu perímetro urbano e que utilizam
de todo o suporte viário, de lazer e de serviços de Maringá – exploraram a
localização privilegiada adjacente a metrópole para realizar lucros extraordinários
sobre a terra barateada sarandiense, a partir da fragmentação do espaço urbano –
totalmente desvinculado do tecido historicamente consolidado como socialmente
periférico -, e a partir de novos produtos, com paisagem e elementos que remeteram
a identidade maringaense, conectados inteiramente, ainda que não pertencente a
ela.

192
No primeiro empreendimento que utilizou o “trabalho de fronteira” (LOGAN,
MOLOTCH, 1987) sobre a borda na porção sul do território estudado, os
incorporadores, apesar de recém-chegados no território, agiram como
especuladores estruturais contando com a colaboração do Estado sarandiense para
a transformação do uso do terreno da família, de rural para urbano. A partir dessa
expansão de Perímetro Urbano, e as demais que vieram nos anos seguintes, foi
ampliada, juntamente a outros novos agentes, a fragmentação da cidade de Sarandi
a partir de produtos murados, voltados a si e à cidade de Maringá, em um clássico
exemplo lefevbriano de “urbanização desurbanizada”. No que diz respeito a cidade
em que se insere, esses empreendimentos contaram com o apoio do Estado de
Sarandi. Pode-se concluir, a partir das análises temporais entre as alterações
legislativas e aprovação dos empreendimentos, que a Lei se adequou ao projeto, e
não o contrário.
Nos demais empreendimentos analisados contidos na porção da borda junto
ao tecido consolidado de Sarandi, concluiu-se que houve a continuidade da tradição
de loteamentos econômicos no município, que preencheram vazios urbanos da
porção consolidada deixados nas décadas anteriores, apesar de apresentarem
novas tipologias residenciais, em sua maioria geminadas. Os edifícios voltados ao
Programa Minha Casa Minha Vida faixa 2, refletiram no território a tendência de
verticalização que se espalhou no Brasil com o Programa, mas não a mesma lógica
de exploração locacional dos agentes da porção sul. Esses empreendimentos
atraíram o público maringaense devido sua localização adjacente à metrópole, mas
o único sobrelucro derivado de suas instalações foi o de conjuntura, referente ao
boom imobiliário.
Já os empreendimentos ao sul obtiveram os quatro tipos de sobrelucro
elencados por Ribeiro (1997): o sobrelucro de conjuntura; o sobrelucro de inovação,
uma vez que inauguraram um novo território, socialmente pertencente a Maringá,
mas com valores de terra muito inferiores à mesma tipologia na metrópole; o
sobrelucro de urbanização, ao obterem o apoio do Estado para transformar terrar
rurais em terras urbanas; e o sobrelucro de antecipação, por terem sido instalados
em uma área onde planejou-se concentrar as duas novas centralidades

193
metropolitanas: a OUC Novo Centro Cívico Eurogarden e o Novo Centro Cívico de
Sarandi.
A implantação desses empreendimentos, quando analisados os valores de
solo ao longo do tempo, demonstraram, devido ao seu diferencial e localização, uma
valorização comparada a de porções centrais da cidade, de Sarandi consolidadas a
muitos anos e compatíveis aos maiores valores encontrados na borda dentro dos
limites de Maringá nos últimos anos. Tal crescimento e alteração da lógica polo-
periferia iniciada com a implantação desses produtos demonstra a expulsão das
classes não solváveis para além do reduto inicial, afastando-se cada vez mais dos
centros a partir da reinvenção da cidade e dos novos territórios de exploração do
mercado imobiliário.
A cidade de Sarandi, desse modo, mostrou-se uma “cidade gentil” para com o
mercado imobiliário e suas inovações – tanto produtivas, quanto de agentes -
agindo a favor do consenso e concordando com o desenvolvimento a partir da
expansão da cidade. Maringá, por outro lado, durante o período analisado, não se
atentou legalmente para o potencial do “trabalho de borda” derivado do encontro
entre os dois municípios, e atualmente lida com o ônus de um território crescente e
intrínseco a ela, mas não governado por ela. Nesse sentido, o “peculiar interesse
metropolitano” (VILLAÇA, 2012) se deu pela ausência do planejamento
metropolitano integrado. Tal qual nas décadas anteriores, onde a flexibilidade
legislativa sarandiense absorveu os ímpetos de realização de lucros do mercado
imobiliário de Maringá, atualmente segue a mesma lógica, se adequando a produtos
que, em muitas vezes, viram as costas para ela e expandem o território da “Grande
Maringá” para os limites sarandienses. Entretanto, dentre todas as estratégias
utilizadas e os novos agentes atuantes na área conurbada de Maringá e Sarandi, o
que mais se destacou foram as ausências do planejamento metropolitano integrado
e da aplicação dos instrumentos do Estatuto das Cidades, pouco aplicados em
Maringá e nem sequer citados pela legislação de Sarandi.
Concluiu-se também que as recentes dinâmicas imobiliárias, apesar de
tardiamente chegadas em Maringá e Sarandi, tiveram impacto sobre o território
analisado especialmente pelo Programa Minha Casa Minha Vida Faixa 2 e a injeção
de crédito no mercado, que permitiu o fechamento de vazios urbanos e mais que

194
isso, a criação de um novo território. Os produtos financeiros amplamente discutidos
e aplicados nas grandes metrópoles, não chegaram às cidades analisadas,
demonstrando o vínculo da produção residencial local com as tradicionais formas de
financiamento imobiliário, o que se explicitou com o momento do boom da produção
local ter sido sincronizado ao lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida.
Destacou-se o surgimento dos novos agentes dentro dessa dinâmica no território,
não somente maringaenses, como também provenientes de outras cidades e
estados, o que demonstra a expansão das atuações dessas empresas para outras
áreas de expansão, estratégia típica da recente dinâmica imobiliária.
A área metropolitana onde a borda conurbada analisada se insere ainda é
uma cidade de porte governável, em momento de revisão dos seus Planos Diretores
onde a produção do território pode ser regulada pelo Estado. Contudo enquanto tais
iniciativas não ocorrerem, essas cidades ainda serão partidas, segregadas e
hierárquicas, uma vez que cada município trata de maneira individual com uma
cidade única. Além disso, faz-se necessária a real implantação da gestão
democrática dessas cidades, de modo a reduzir a autoridade dos setores privados
sobre suas legislações e, consequentemente, ampliar o controle sobre a produção
de seus espaços urbanos.

195
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa pretendeu contribuir com a discussão acerca da produção dos


territórios metropolitanos das cidades médias brasileiras. Com foco na borda
conurbada de Maringá e Sarandi, buscou-se exemplificar as relações intermunicipais
– ou a inexistência delas - que afetam e alteram a produção territorial, e, mais que
isso, evidenciar a tendência de transformação dos territórios periféricos a partir da
crescente exploração locacional do mercado imobiliário. Dessa maneira, tais
resultados e discussões permeiam também na temática sobre a transformação da
periferia social das cidades médias brasileiras, assunto crescente no meio
acadêmico atual.
Mais uma vez, ressalta-se aqui a importância do estudo e compreensão
acerca dos diferentes arranjos e escalas de cidades brasileiras, de modo a favorecer
um planejamento urbano eficiente e efetivo para cada cidade em sua
individualidade, bem como em relação ás metrópoles – especialmente as novas
metrópoles -, ainda de porte governável e com grande potencial de gestão territorial
organizada e produtiva nas esferas espaciais, econômicas e sociais.
Desse modo, para próximas pesquisas, pretende-se aprofundar em modelos
de gestão democrática e integrada das metrópoles polarizadas pelas cidades
médias brasileiras, de modo a contribuir cada vez mais com a discussão acerca da
produção do espaço metropolitano nacional.

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Ocupação do Solo, que dispõe sobre o Perímetro Urbano no Município de Sarandi.
Sarandi, 2009.

___________. Lei Complementar nº 217/2009. Dispõe sobre o Parcelemanto, Uso e


Ocupação do Solo no Município de Sarandi. Sarandi, 2009.

___________. Lei Complementar nº 224/2009. Dispõe sobre o Plano Viário do


Município de Sarandi, em conformidade com a Lei Complementar do Plano Diretor
Municipal de dá outras providências. Sarandi, 2009.

___________. Lei Complementar nº 315/2009. Dispõe sobre a Lei


Complementar nº224/2009, de 01 de outubro de 2009 – “Plano Viário”.
Sarandi, 2015.

___________. Lei Complementar nº312/2015. Dispõe sobre a alteração da Lei


Complementar nº217/2009 – Do Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano.
Sarandi, 2015.

___________. Lei Complementar nº314/2015. Altera dispositivos da Lei


Complementar nº214/2009, que dispõe sobre o Perímetro Urbano do Município.
Sarandi, 2015.

205
ANEXOS

ANEXO 1 - INTRUMENTO DE COLETA DE DADOS – ENTREVISTAS


SEMIESTRUTURADAS.

ENTREVISTA COM REPRESENTANTES DA SECRETARIA DE URBANISMO DE


SARANDI

Entrevistado:
_____________________________________________________________________
Data: ___________________ Horário início: ________________ Horário fim: ________________
Pesquisador: _____________________________________________________________________

Sobre o perfil do entrevistado

1) Qual sua formação?

2) Qual cargo ocupa(ou) na Prefeitura?

3) Há quanto tempo exerce(u) a função (somatória de gestões)?

Sobre as transformações imobiliárias e a área conurbada

4) Na última década (2009 em diante) na borda conurbada da cidade de Sarandi em relação à Maringá,
apresentou diversas inovações imobiliárias no Município de Sarandi como condomínios fechados
horizontais, verticais e bairros sustentáveis. Qual a opinião da administração pública sobre esses
novos produtos imobiliários no território?

5) A administração pública considera essas inovações imobiliárias benéficas para o desenvolvimento


do Município de Sarandi como um todo? Por quê?

6) Desde meados dos anos 1990 o Brasil enfrentou um processo de reestruturação econômica que
permitiu um boom imobiliário na década de 2000. A administração pública considera essas
inovações imobiliárias como resultado das dinâmicas desse período – ampliação do crédito
habitacional no mercado, por exemplo -, ou como uma dinâmica específica da região? Se for uma
dinâmica específica da região, quais fatores levam a isso?

7) Sobre a localização desses novos produtos imobiliários na cidade de Sarandi, a administração


pública considera que a proximidade com o município de Maringá foi decisiva para a implantação
desses produtos ou existiram outras razões que impulsionaram esses empreendimentos nesse local?

8) Nos últimos 5 anos, houve a continuidade da demanda para a aprovação/implantação de produtos


imobiliários na borda conurbada com a cidade de Maringá? Se sim, quais os fatores que levam a
essa demanda?

206
9) As empresas imobiliárias responsáveis pelos novos empreendimentos na borda conurbada
não possuem histórico de atuação no município. Como a administração pública vê a
inserção dessas novas empresas na dinâmica imobiliária da cidade?

ENTREVISTA COM REPRESENTANTE DA SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO


URBANO E HABITAÇÃO/ CONSELHO MUNICIPAL DE GESTÃO E PLANEJAMENTO URBANO/
INTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO – IPPLAN

Entrevistado: _____________________________________________________________________
Data: ___________________ Horário início: ________________ Horário fim: ________________
Pesquisador: _____________________________________________________________________

Sobre o perfil do entrevistado


1) Qual sua formação?

2) Orgão atuante ou que atuou?

3) Há quanto tempo atuou na SEPLAN e quais as principais atividades realizadas?

Sobre a produção imobiliária na borda conurbada e as definições legislativas

4) A área conurbada de Maringá em relação à Sarandi historicamente foi ocupada por habitações sociais,
especialmente na década de 1990, característica mantida ao longo dos anos. Na borda de Sarandi, por sua vez,
especialmente na década de 2010, ocorreu a produção de novos produtos imobiliários como condomínios-clube,
condomínios verticais fechados e bairros sustentáveis. Como enxerga esse contraste do território intermunicipal?

5) Os empreendedores imobiliários maringaenses são os principais atuantes na produção do espaço do território


conurbado da cidade vizinha. A que vincula a atuação dessas empresas no território de Sarandi?

6) Como foi abordada a questão da borda conurbada na formulação do último Plano Diretor, ainda vigente no
Município de Maringá?

7) A SEPLAN/IPPLAN/CMGPT visava a integração da gestão metropolitana diante do processo de conurbação


dos dois munícipios?

207
8) Nos processos de aprovação de empreendimentos na borda conurbada tanto na cidade de Maringá como de
Sarandi ocorriam algum tipo de debate ou discussão intermunicipal?

ENTREVISTA COM REPRESENTANTE DO MERCADO IMOBILIÁRIO

Entrevistado:
_____________________________________________________________________
Data: ___________________ Horário início: ________________ Horário fim: ________________
Pesquisador: _____________________________________________________________________

Sobre o perfil do entrevistado


1) Qual sua formação?

2) Qual função(ões) exerce na empresa?

3) Há quanto tempo a empresa existe?

4) Qual o principal foco de produção da empresa?

Sobre a produção imobiliária na borda conurbada

5) A área conurbada de Maringá em relação à Sarandi historicamente foi ocupada por


habitações sociais, especialmente na década de 1990, característica mantida ao longo dos
anos. Contudo, na década de 2010, houve uma modificação dessa característica a partir das
inovações imobiliárias na porção sul da borda – condomínios fechados, bairros planejados.
Qual foi o critério da empresa para a seleção da localização para esses empreendimentos
imobiliários?

5) Qual o conceito definido para esses empreendimentos e por que foi selecionado?

6) Quais públicos a empresa visou atingir com esses empreendimentos? Os resultados foram
conforme o esperado?

7) Na visão da empresa, houve algum impacto dos novos empreendimentos sobre a cidade?
Quais?

8) Como foi a recepção do Poder Público à essas inovações imobiliárias na cidade quando
apresentadas para aprovação?

9) Em relação ao período temporal em que os primeiros empreendimentos foram implantados,


a empresa relaciona sua produção com a dinâmica imobiliária do país?

10) A empresa sentiu os efeitos da desaceleração imobiliária nacional que ocorreu de 2014 em
diante?

11) Diante do cenário atual, quais os planos de atuação da empresa?

208
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