FINAL Tese PaulaDieb
FINAL Tese PaulaDieb
FINAL Tese PaulaDieb
CENTRO DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
João Pessoa – PB
2019
PAULA DIEB MARTINS
João Pessoa – PB
2019
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação
UFPB/BC
Tese aprovada em 29 de julho de 2019
AGRADECIMENTOS
À minha professora orientadora Dra. Doralice Sátyro Maia que com sua
competência, pontualidade, apontamentos assertivos, conselhos e permanente
incentivo me conduziu, ao longo desses últimos quatro anos, na elaboração deste
trabalho;
Às professoras Dras. Lívia Miranda e Jovanka Baracuhy pela firme disposição de
participarem da Banca de Qualificação e pelas preciosas contribuições feitas na
ocasião;
Ao professor Dr. Rafael Faleiros de Pádua e à professora Dra. Kainara Lira dos
Anjos pela firme disposição de participarem dos trabalhos da banca examinadora;
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela
concessão da Bolsa de Doutorado, incentivo fundamental que possibilitou a
dedicação exclusiva à pesquisa e às demais atividades acadêmicas;
Aos coordenadores e secretários do PPGAU/UFPB pela pronta ajuda na resolução
de questões institucionais e burocráticas;
À Prefeitura Municipal de João Pessoa e ao Sindicato da Indústria da Construção
Civil de João Pessoa pela disponibilização do material solicitado para a realização
da pesquisa;
Ao Cartório Carlos Ulysses por ter permitido a realização de uma longa pesquisa
documental em seus arquivos e aos seus funcionários pela ajuda nas buscas e nas
leituras dos Livros de Notas e dos Registros Imobiliários;
À Eliane Campos pelas aulas de ArcGis e pelo auxílio fundamental na execução dos
mapas;
Aos amigos do GeUrb e ao amigo Demóstenes Moraes pelas conversas, incentivos,
discussões e orientações tão importantes para o desenvolvimento desta tese. Com
eles, tudo ficou mais leve e divertido;
Aos meus amigos “da vida” que sempre estão ao meu lado, me apoiando, nos
momentos tristes e alegres;
E, por fim, agradeço à minha família e, em especial à minha mãe, pelo amor
incondicional e suporte emocional.
RESUMO
This research investigates which transformations and relationships between the real estate
industry – realized by local companies - and government actions exist in the process of
production of the intraurban space of a non-metropolitan reality in the beginning of the 21st
century and how they impact the urban space restructuring. The thesis defended is that the
structure of the non-metropolitan agglomerate suffers intense transformations from the
partnership between local real estate agents and the government to increase the valuation
and the consolidation of new residential areas in cities, which are complexified, modifying the
urban structure based on the center-suburbs model. In this context, location becomes a
merchandise, mobilized and qualified by abstract aspects, created from interests, discourses
and actions from such urban agents. João Pessoa, city located in the Northeast of Brazil, is
characterized as a non-metropolitan reality and is the empirical object of this study, because
it has shown, in the recent years, an intense real estate production originated and operated
predominantly locally. This way, this research aims to investigate and identify the
repercussions of the recent transformations of real estate production and the governmental
actions in the urban space restructuring between 2005 and 2015. To that effect, an initial
bibliographic research was made about the main topics and research object, followed by a
documentary research in municipal archives, property deeds registers, civil construction
union and also in databases from the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
Ministério das Cidades and Relação Anual de Informações Sociais. The acquisition of an
extensive data set - related to real estate, Tax Reports on Real Estate Transfers,
Incorporation Registry and Real Estate Registry, real estate market launches, among others
- made it possible to create graphs, tables and maps that revealed processes and supported
the case. Such elements made possible a quantitative analysis of the process of production
of space and, thus, a confirmation of the thesis. It affirms that, around year 2000, a deep
change started in the intraurban structuring process of João Pessoa, which encompasses
the redefinition of the urban centrality in the suburbs as a direct result of real estate
developers in search of higher location yields.
Keywords: Urban space restructuring. Real state production. Urban suburb. João
Pessoa/PB.
RESUMEN
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 16
INTRODUÇÃO
1
Um problema constante na realização da pesquisa documental desta tese consistiu na
dificuldade de acesso aos dados necessários com informações completas ou cujas datas se
inserissem totalmente no recorte delimitado. Devido a isso, foram utilizadas algumas bases
de dados referentes aos anos 2006 e 2017, posto que as mesmas não possuíam informações
relativas aos anos de 2005 e 2015 e, ao mesmo tempo, consistiam em materiais essenciais
para o desenvolvimento das análises.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 22
2
Dada à sua visível subordinação à metrópole Recife. Além disso, pode-se afirmar, também,
que a mesma não se caracteriza como uma realidade metropolizada (FERREIRA, 2016),
tendo em vista que não possui características próprias de metrópoles no seu espaço urbano,
nos seus signos e nos hábitos e comportamentos de seus habitantes. Mesmo não sendo
elemento de análise desta tese, traz-se essa caracterização da cidade para melhor situar o
leitor.
3
Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pb/joao-pessoa/panorama>. Acesso em
11 mai. 2018
4
Vale ressaltar que, segundo o estudo da Topografia Social da João Pessoa (PMJP, 2009),
a Zona Sul da cidade é composta por 26 bairros, possuindo assim perímetro divergente
daquele apresentado acima e utilizado nesta tese. A opção pela sua não utilização nesta
pesquisa se deu tanto pelo fato da delimitação ter se baseado apenas nas localizações dos
bairros em relação ao norte geográfico, quanto por entender que a mesma não possui
relações diretas com o processo espaço-temporal de urbanização da cidade, aqui estudado.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 23
Figura 01 - Mapa da mancha urbana de João Pessoa com delimitação da Zona Sul
Tais interesses, por sua vez, assumem uma nova dinâmica diante das
mudanças recentes e mais amplas na política e economia do Brasil, resultando assim
em intensas transformações no processo de (re)produção do espaço da Zona Sul de
João Pessoa, onde houve a intensificação e a expansão da produção imobiliária,
assim como a realização de relevantes obras de infraestrutura e equipamentos
públicos.
Ao se investigar as alterações recentes ocorridas na mencionada área da
cidade, se constatou um esforço na promoção de sua ocupação, tanto pelo poder
público quanto pela iniciativa privada. Desde o início do século XXI, a atuação do
poder público para a promoção da Zona Sul pode ser visualizada a partir de alterações
na legislação urbana - como no Decreto Municipal nº 5844, publicado em janeiro de
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 24
A primeira parte teve como objetivo definir o setor imobiliário e seus agentes e
caracterizar a reestruturação no setor (PEREIRA, 2011a) em João Pessoa, com base
nos dados quantitativos da base RAIS referentes às empresas atuantes na cidade,
abrangendo número e porte dos estabelecimentos e quantidade de pessoas
empregadas, e nas informações da “Pesquisa de Mercado do Setor de Lançamentos
Imobiliários”5, cedida pelo Sindicato da Construção Civil de João Pessoa
(SINDUSCON/JP).
As análises realizadas apontaram para mudanças nas relações de produção
do setor e em seus produtos ofertados, assim como para dinâmicas de expansão e
intensificação da produção imobiliária, sobretudo, da residencial, tanto em bairros
habitados predominantemente pela população de alta e média renda, como naqueles
habitados predominantemente pela população de baixa renda.
A segunda parte abordou, inicialmente, a investigação acerca das obras
públicas empreendidas pelo governo local – municipal e estadual - em João Pessoa
entre os anos de 2005 e 2015, dentre as quais destacaram-se a construção de
grandes equipamentos urbanos na Zona Sul da cidade, tais como o Trevo das
Mangabeiras, o Viaduto do Geisel, o Centro de Convenções e a Avenida Perimetral).
Em seguida, foram identificadas as mudanças na legislação urbana do
município, abordando o caso do bairro Altiplano Cabo Branco, assim como os
aumentos nos índices de aproveitamento das construções em lotes urbanos de João
Pessoa.
Com isso, foi possível discutir as possíveis relações existentes entre a atuação
do poder público local e a promoção de novas áreas para a produção imobiliária, à luz
das contribuições de autores que discutem as coalizões de crescimento que se dão
entre o poder público e privado, como Gottdiener (1993) e Logan e Molotch (2015).
Apesar de não terem sido firmadas Parcerias Público-Privadas durante o
recorte temporal abordado, a análise indicou uma mudança de postura do governo
local, o qual focou mais em uma “economia política do lugar”, do que em uma
“economia política do território”, tal qual assinalou Harvey (2005). As grandes
intervenções realizadas, apesar de pontuais, refletiram em boa parte do território da
5
Realizada mensalmente pelo tecnólogo em negócios imobiliários e corretor de imóveis Fábio
Henriques.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 28
CAPÍTULO I
A PRODUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO E A REESTRUTURAÇÃO
DA REDE URBANA NO SÉCULO XXI
A ciência urbana possui uma diversa e longa produção que, de acordo com
Gottdiener (1993), abrange sete tipos de abordagens6, as quais organizam-se dentro
de duas perspectivas, que o autor intitula “convencional” e “alternativa”.
A perspectiva “convencional”, que abrange a Ecologia Urbana, a Geografia
Urbana e a Economia Urbana, compreendeu estudos desenvolvidos
predominantemente nos Estados Unidos, caracterizados, de uma maneira geral, pela
análise de padrões e situações urbanas de modo superficial, sem uma apreensão
completa de suas causas e dos seus aspectos, apesar das melhorias nas análises de
dados estatísticos e das análises descritivas (GOTTDIENER, 1993).
A produção da perspectiva “alternativa”, que consiste no Estruturalismo
Marxista, na Economia Política Urbana, no Neo-Weberianismo e na Perspectiva da
Produção Do Espaço, foi originada em meados do século XX por meio do trabalho de
intelectuais que encontraram imprecisões e limitações ideológicas em estudos
realizados sob a perspectiva “convencional” na apreensão de questões urbanas da
época (GOTTDIENER, 1993).
De acordo com Soja (1993), a nova e “alternativa” perspectiva deu origem ao
que o ele denominou de “Geografia Humana Crítica Pós-Moderna” ou ao que outros
autores, como Brenner (2010), intitularam como “Teoria Crítica Urbana” que, mais do
que uma expressão utilizada para definir trabalhos acadêmicos de esquerda ou radical
6
Analisadas por Gottdiener (1993) e Soja (19933).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 33
7
Compreendendo as produções de Henri Lefebvre, David Harvey, Manuel Castells, entre
outros.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 34
gerais de produção - provocam mudanças no espaço da cidade que, por sua vez, se
mostra cada vez mais densa e concentrada, sobretudo de serviços especializados, e
com intenso fluxo imaterial, o que faz com que novas relações de distância e
proximidade entre localidades sejam reconfiguradas e que apareça assim uma nova
forma de produção do espaço.
Ao abordar a importância da urbanização para o sistema capitalista, Harvey
(2011) afirma que a mesma passa a ser considerada um grande negócio para o
capitalismo diante dos problemas advindos do crescimento da população urbana e da
dificuldade de absorção de excedentes de capital.
Cumpre ressaltar que a utilização da urbanização como estratégia para resolver
tais problemas se deu desde as transformações urbanas realizadas em Paris, na
segunda metade do século XIX, onde os excessos de mão de obra e capital
excedentes foram absorvidos através de uma intervenção em ampla escala urbana -
abrangendo tanto a cidade como seus subúrbios – possibilitada pela participação de
instituições financeiras e sistemas de crédito (HARVEY, 2015).
No entanto, desde a década de 1970, em decorrência da integração mundial
do mercado financeiro, que o papel da urbanização como negócio entrou em uma
nova fase de ampliação e se tornou um processo global, marcado por booms
imobiliários e espetaculares projetos de urbanização em diversos países, implicando
assim intensas alterações nos espaços urbanos, marcadas por sucessivas
destruições criativas8 da terra, sob uma lógica especulativa e de espoliação. A
ascensão do capital financeiro e a possibilidade de mobilização permitida pelo mesmo
aprofundaram a lógica da mercadoria na produção da cidade à medida que, dentre
outros fatores, a terra e os bens imobiliários adquiriram maior capacidade de
mobilização através de títulos de propriedade monetizados (HARVEY, 2011).
Deste modo, construir moradias e intervir no espaço urbano, são atividades
que, ao longo do tempo, foram adquirindo cada vez mais força tanto nos usos dos
espaços quanto no próprio processo de acumulação de capital, de modo que o
aumento da população urbana fez com que produzir o “urbano” se tornasse cada vez
mais um processo intrínseco à acumulação do capital (HARVEY, 2011). De acordo
com Carlos (2017),
8
Sobre Destruição Criativa, ver Schumpeter (2017).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 45
9
A renda do setor industrial apenas superou a da agricultura décadas mais tarde, em 1956
(OLIVEIRA, 1972).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 50
10
De acordo com Cano (1985, p. 17), “São Paulo é efetivamente o centro dinâmico da
economia nacional, e, assim sendo em muitas passagens chamo essa região de pólo, [...]. O
conjunto das restantes unidades federadas é aqui denominado “Brasil, exclusive São Paulo”,
“periferia nacional”, ou “Resto do Brasil””.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 51
miséria, assim como não modificou a capacidade de “centro dominante” de São Paulo
na economia nacional, de modo que o mesmo teve papel ativo na condução do
processo de industrialização em grande parte do território brasileiro. De acordo com
Cano (1985):
A [política] de industrialização, por “substituição regional de
importações”, não se dava conta, naquele momento, de que o
processo de industrialização do país já dera seus passos
fundamentais em São Paulo, e, portanto, “vedaria caminhos já
percorridos” à periferia nacional.
Mais ainda, não se dava conta, também, de que a etapa de instituição
da industrialização pesada no País se fizera de forma fortemente
oligopolizada, com grande predominância do capital estrangeiro:
portanto, o processo de acumulação de capital na indústria tinha agora
determinantes maiores que não se submeteriam a uma política de
interesses especificamente regionais (p. 299).
É possível constatar assim que as disparidades socioeconômicas existentes
entre as regiões brasileiras resultam dos seus respectivos processos de
desenvolvimento econômico, tornando-se cada vez mais acentuadas com a
integração do mercado nacional e o fortalecimento e crescimento de São Paulo, cujo
salto em relação às demais regiões, ocorreu no início do século XX, quando o mesmo
expandiu suas exportações de café e desenvolveu sua indústria com os excedentes
produzidos, enquanto as demais regiões passavam por um momento de
enfraquecimento nas exportações.
Deste modo, apesar das políticas de integração e desenvolvimento, vale
ressaltar que, no Brasil, o meio técnico científico informacional11 se apresentou
geograficamente de modo diferencial: na região onde a divisão do trabalho era mais
intensa ele ocorreu de forma contínua, já nas demais áreas, ocorreu de maneira
dispersa. Como bem afirmou Santos (2008),
[...] assistimos, no Brasil, a um fenômeno paralelo de metropolização
e de desmetropolização, pois, ao mesmo tempo, crescem cidades
grandes e médias, ostentando ambas as categorias, incremento
demográfico parecido, por causa em grande parte do jogo dialético
entre criação de riqueza e de pobreza sobre o mesmo território (p. 60).
A expansão do capitalismo no Brasil pós-1930 ocorreu, portanto, de forma
desigual e combinada, onde a ascensão da economia urbano-industrial se deu sobre
uma “base capitalística de acumulação razoavelmente pobre” e, mais
especificamente,
11
Santos (2008) o define como o período em que o processo de formação do território é
marcado pela intensa presença da ciência, da informação e da técnica.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 55
12
Vale ressaltar que, de meados do século XIX à década de 1930, o estado de São Paulo
apresentou um processo de industrialização concentrado decorrente dos ganhos na economia
do café, que possibilitou mudanças tanto nos sistemas de engenharia quanto no social.
13
Tendo em vista que o rendimento conquistado no campo era menor que o salário mínimo
que se ganhava trabalhando nas áreas urbanas (OLIVEIRA, 1972).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 57
14
De acordo com Cano (2008), a Crise Fiscal brasileira foi desencadeada pela crise
econômica internacional que começou no início da década de 1970, com o aumento do preço
do petróleo e, cujo desenrolar culminou na elevação da taxa de juros da política fiscal dos
Estados Unidos. Tal mudança, resultou em um considerável corte no financiamento externo
do Brasil, que influiu diretamente na diminuição da ação do Estado e na estagnação do
desenvolvimento industrial.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 58
De acordo com Cano (2008, p. 16), ao longo das duas mencionadas décadas,
houve um processo de “acomodação social e o crescimento econômico”, no qual foi
possível observar uma diminuição parcial “das diferenças absolutas entre as regiões
“mais ricas” e as “mais pobres” do país” e, também, um aumento do desemprego,
sobretudo nas regiões periféricas.
No final do século XX e nas primeiras décadas do século XXI, o Brasil viveu um
processo de redemocratização e teve sua economia política caracterizada por dois
momentos: um período de estagnação (1980-1998) e outro de crescimento econômico
(a partir de 1999) (ROLNIK, 2015). No período compreendido entre 1991 e 2000, o
PIB brasileiro a preços de mercado apresentou o crescimento anual médio de 2,6%.
Já entre os anos de 2001 e 2010 o incremento anual médio aumentou para 3,6%
(IBGE, 2012).
Nesse contexto, ocorreu a ascensão de um novo padrão geográfico de
acumulação no qual o mercado imobiliário urbano assumiu papel central na utilização
do capital excedente, a partir da “intensificação geográfica do capital”. Houve então
uma mudança da dinâmica de acumulação e dos fluxos de capitais, os quais deixaram
de se fundamentar na produção do espaço urbano e se voltaram para a reprodução
do espaço urbano, isto é, para os espaços já urbanizados, caracterizando assim um
novo modo de acumulação “urbano” (SANTOS, 2015).
Com a migração do capital para o setor financeiro, o setor produtivo e o
crescimento da economia em geral se enfraqueceram, de modo que os processos de
valorização passaram a estar cada vez mais vinculados ao capital financeiro e,
portanto, a um processo especulativo. Além disso, destacou-se um processo de
reconcentração do capital industrial na região Sudeste-Sul15 e o enfraquecimento do
processo de expansão territorial da produção industrial, visto que o mercado se tornou
cada vez mais competitivo com a abertura econômica mundial.
Durante a década de 1990, o peso da competição internacional, em
função da simultânea abertura de mercado e da elevação das taxas
de juros, determinou um processo de renovação forçada do parque
industrial instalado no Brasil. A centralização do capital, após uma
15
Segundo Santos (2015, p. 170), “[...] o fenômeno de desconcentração industrial ocorreu
atrelado a uma transformação do papel de São Paulo, como centro dessa aglomeração,
aumentando ainda mais sua influência nos mercados periféricos”, o que levou tal espaço
urbano a assumir uma nova função no processo de acumulação do capital como centro de
decisão e gestão de negócios, em que se destacaram um inédito grau de concentração
geográfica do capital e uma nova centralização capitalista que reafirmam a condição de centro
e, ao mesmo tempo, renovam o conteúdo de algumas de suas regiões.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 60
Tabela 03 - Total absoluto do déficit habitacional brasileiro por região em 2007, 2011 e 2015
e crescimento percentual entre 2007 e 2015
Tabela 03 - Total absoluto do déficit habitacional brasileiro por região em 2007,
2011 e 2015 e crescimento percentual entre 2007 e 2015
Regiões 2007 2011 2015 Crescimento 2007-2015
Norte 614583 613188 627376 2%
Nordeste 2056826 1937074 1924333 -6%
Sudeste 2156007 1984196 2430336 13%
Sul 645093 583875 697636 8%
Centro-Oeste 382866 463635 506822 32%
Brasil 5855375 5581968 6186503 6%
Fonte: Fundação José Pinheiro. Elaboração da autora (2018).
Como vimos no item anterior, as regiões brasileiras são muito diferentes entre
si, devido a situações passadas que influenciaram diretamente nas suas
transformações. Contudo, Santos (2008) afirma que
Há uma lógica comum aos diversos subespaços. Essa lógica é dada
pela divisão territorial do trabalho em escala nacional, que privilegia
diferentemente cada fração do território em um dado momento de sua
evolução (p. 67).
Em meio a esse processo, à medida que o capitalismo avançou, emergiu a
tendência de especialização das funções nos territórios, surgindo relações de
complementaridade entre regiões, com base na nova divisão do trabalho, o que levou
à ampliação do processo de urbanização.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 63
16
Do século XVI ao XIX, a região Nordeste foi a área mais populosa e povoada do Brasil.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 64
local das atividades mais modernas, o que fez dela local atrativo em relação às
cidades e povoados do interior (GONÇALVES, 1999).
No século XIX, outro produto voltado para a exportação passou a ser cultivado
no Nordeste: o algodão, cuja produção e comercialização, fez da mencionada região
a sua mais importante produtora e exportadora mundial naquele período 17. Seu cultivo
esteve diretamente relacionado ao afastamento do maior exportador do produto, os
Estados Unidos da América, o que levou a Inglaterra a estimular sua produção
agrícola em outros países.
O cultivo do algodão tanto consolidou ocupações já existentes no interior do
Estado da Paraíba, como estimulou o surgimento de novas vilas e povoados em tal
área. Porém, a expansão territorial da produção ocasionou problemas no transporte
do produto, já que não havia estradas de boa qualidade e sistemas de transporte.
Deste modo,
[...], na década de 1870 do século XIX, fruto da política de
modernização implementada no país, com o estímulo do capital inglês,
começam a ser implantadas no Nordeste as primeiras obras de
infraestrutura, como a iluminação pública, as estradas de ferro e o
aparelhamento dos portos, além das primeiras fábricas de algodão.
Em 1900, o setor têxtil estava em pleno desenvolvimento, gerando
empregos e fazendo aumentar a produção agrícola e comercial, o que
concorreu muito para o crescimento das cidades e vilas das áreas que
produziam algodão (GONÇALVES, 1999, p. 31).
Com isso, pode-se afirmar que, o cultivo e exportação do algodão no Nordeste
estimulou o desenvolvimento da rede urbana da Paraíba a partir da instalação de
infraestrutura e da consolidação da ocupação da sua região interiorana, assim como,
intensificou a relação interestadual – com Pernambuco, por exemplo – com a
instalação da ferrovia. Como salientou Silva (2004), nesse período a urbanização não
se restringiu ao adensamento populacional, como até então vinha ocorrendo, e
passou a “se tornar um elemento de um processo mais amplo: a modernização” (p.
35). No entanto, a entrada do capital estrangeiro e nacional no território paraibano
para a realização de obras de infraestrutura, como a instalação da ferrovia, se deu em
decorrência de interesses outros que o desenvolvimento interno da Paraíba:
A construção da rede ferroviária, por sua vez, não atendeu às
necessidades de interligação do território paraibano, o que viria a
favorecer o pequeno produtor, mas acentuou o processo de
17
A cultura da cana-de-açúcar no Nordeste entrou em declínio no século XIX, após a queda
na exportação do açúcar, que perdeu mercado diante do monopólio do mercado europeu
assumido pelos holandeses, ao desenvolver uma indústria açucareira em sua colônia nas
Antilhas.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 65
capitais regionais -, foi realizada uma análise das dinâmicas populacionais, assim
como de dados referentes aos números de estabelecimentos existentes.
Em relação ao aumento populacional (Tab. 05), observa-se que entre os anos
2000 e 2010 as Capitais Regionais A – com destaque para o município de João
Pessoa - apresentaram crescimento percentual maior que o nacional, o da Região
Nordeste e da metrópole Recife que, juntamente com Campina Grande, apresentou o
menor percentual em relação aos demais municípios analisados. O que denota maior
crescimento populacional nos aglomerados não-metropolitanos.
18
A versão da CNAE utilizada foi a 2.0, que passou a ser aplicada a partir do ano de 2006.
As seções de atividades econômicas classificadas compreendem: Agricultura, Pecuária,
Produção Florestal, Pesca e Aquicultura; Indústrias Extrativas; Indústrias de Transformação;
Eletricidade e Gás; Água, Esgoto, Atividades de Gestão de Resíduos e Descontaminação;
Construção; Comércio, Reparação de Veículos Automotores e Motocicletas; Transporte,
Armazenagem e Correio; Alojamento e Alimentação; Informação e Comunicação; Atividades
Financeiras, de Seguros e Serviços Relacionados; Atividades Imobiliárias; Atividades
Profissionais, Científicas e Técnicas; Atividades Administrativas e Serviços Complementares;
Administração Pública, Defesa e Seguridade Social; Educação; Saúde Humana e Serviços
Sociais; Artes, Cultura, Esporte e Recreação; Outras Atividades de Serviços; e Serviços
Domésticos; Organismos Internacionais e Outras Instituições Extraterritoriais.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 70
Água, Esgoto,
Atividades de
Profissionais,
Alojamento e
Alimentação
Científicas e
Construção
Imobiliárias
Município
Atividades
Atividades
Técnicas
Gráfico 01 - Crescimento médio percentual anual do PIB no Brasil e dos Estados da Rede
Urbana de Recife (2002-2015)
0 1 2 3 4 5
Fonte: Sistema de Contas Regionais 2015 (IBGE, 2017). Elaboração da autora (2018).
brasileiras com base nos dados do Censo Demográfico do ano de 2010 referentes a
435 municípios inseridos nas 63 concentrações urbanas mais populosas do país. O
resultado consistiu na definição de 11 tipos intraurbanos relativos às diferentes
condições de vida da população nas cidades brasileiras, os quais foram aplicados a
cada concentração urbana envolvida, possibilitando uma análise de tais condições em
uma escala mais detalhada, menor que a do município.
A concentração urbana de João Pessoa, de acordo com metodologia utilizada
na pesquisa, é constituída por 6 municípios – João Pessoa, Conde, Santa Rita,
Bayeux, Cabedelo e Lucena – com uma população de 1.034.615 habitantes. Sua
forma urbana foi caracterizada como “litorânea” – com forma alongada alinha à costa
litorânea, dentre outras características - e “Zonal” – pois apresenta áreas vizinhas com
distintos tipos de condições de vida, formando zonas (Fig. 02).
CAPÍTULO 2
DA ESTRUTURAÇÃO PERIFERIZADA À REPRODUÇÃO DO
ESPAÇO PERIFÉRICO: Expansão e fragmentação em João Pessoa
Como foi visto no capítulo anterior, muitos processos – sejam eles políticos,
econômicos e sociais – decorrentes dos movimentos de expansão e intensificação do
capital - estão diretamente relacionados com as mudanças e permanências que a
cidade apresenta ao longo do tempo. Desse modo, a cidade consiste em um complexo
elemento que expressa o processo de desenvolvimento do urbano, apresentando
diferentes papéis no decorrer do processo de produção capitalista, sem alterar sua
essência, que consiste na sua capacidade de centralização.
Localizada em uma região caracterizada como “periférica” da economia
brasileira – o Nordeste -, João Pessoa apresentou significativas transformações em
sua estrutura intraurbana ao longo do século XX, decorrentes de fatores e processos
que ocorreram mundialmente, nacionalmente e regionalmente. Seu espaço
intraurbano, apesar de não ser semelhante ao de metrópoles como São Paulo,
apresenta especificidades relevantes para o estudo de dinâmicas urbanas que
emergem no final do século XX e início do século XXI, como as de dispersão
(MONCLÚS, 1998; REIS, 2006), de fragmentação (BOTELHO, 2007; SANTOS, 2008)
e de periferização urbana (CORRÊA, 1986; SIERRA, 2004).
Com base na discussão acerca das referidas dinâmicas, o capítulo ora
apresentado, busca identificar as especificidades do processo de produção e
estruturação do espaço urbano de João Pessoa, a fim de caracterizar como vem
ocorrendo o processo de periferização na “periferia nacional” desde meados do século
XX, momento caracterizado pela formação da sociedade urbana brasileira (SANTOS,
2008).
Cumpre ressaltar que a estruturação do espaço urbano é aqui entendida como
processo contínuo de formação da estrutura da cidade e do urbano, a qual consiste
no modo como se localizam e se relacionam os usos do solo no espaço da cidade ao
longo do tempo (SPOSITO, 2004).
Assim como muitas outras cidades do território brasileiro, João Pessoa,
expandiu-se de forma mais latente a partir de meados do século XX, de forma
descontínua, em decorrência principalmente da atuação da política habitacional com
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 76
19
Base de dados cadastrais dos imóveis de João Pessoa desenvolvida pela PMJP e cedida
pela mesma para subsidiar pesquisas desenvolvidas pelo GeUrb/UFPB.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 77
Além disso, foram obtidas imagens satélites da cidade dos anos de 2005 e 2017
a fim de monitorar e analisar a expansão urbana de João Pessoa durante o
mencionado recorte temporal.
No entanto, vale ressaltar que, o sensor remoto orbital fornece apenas uma
visão sinóptica (ALMEIDA, 2009), isto é, uma visualização de diversos elementos do
conjunto de uma só vez, de forma resumida e sintética, limitando assim a realização
de uma análise das mudanças na escala intraurbana de forma detalhada. Desse
modo, dada a indisponibilidade de aerofotos que permitissem uma visão minuciosa da
área no recorte temporal da pesquisa20, fez-se necessário relacionar a análise das
imagens às informações coletadas nas etapas mencionadas anteriormente, a fim de
apreender o processo de ocupação da periferia urbana de João Pessoa de modo mais
completo.
Observou-se assim que as recentes mudanças na produção imobiliária em
decorrência da ascensão do capital financeiro na economia e da atuação do Estado
neoliberal com políticas neodesenvolvimentistas, provocou na cidade mudanças
intensas na produção do espaço periférico brasileiro que passou a atrair, concentrar
e centralizar cada vez mais ações de diversos agentes. A aproximação com o espaço
intraurbano de João Pessoa, através da análise da formação de sua estrutura urbana
e das recentes mudanças que nela ocorreram, apontou para uma mudança no
paradigma centro-periferia.
20
A Prefeitura Municipal de João Pessoa disponibiliza online o levantamento aéreo da cidade
realizado no ano de 1998. Disponível em:
<http://geo.joaopessoa.pb.gov.br/digeoc/htmls/foto.html>. Acesso em 01 fev. 2018.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 78
21
Estratégia capitalista para abertura de novas frentes ou novos espaços de reprodução do
capital que se apoia na desvalorização de áreas ocupadas, de modos de vida e de valores
existentes ao mesmo tempo que cria novos desejos e necessidades de consumo relativos ao
ambiente construído para a sociedade.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 80
22
De acordo com Sposito (2004), a expansão urbana do território pode ser analisada sob duas
perspectivas: a objetiva, que corresponde àquela “referente à expansão da base territorial
sobre a qual se assenta a cidade e se instituem os usos e apropriações do tipo urbano” (p.
59), ou a subjetiva, a qual analisa a partir de uma forma urbana específica, as territorialidades
instituídas e as mudanças/permanências nas práticas socioespaciais dos citadinos.
23
Como afirma Sposito (2004), a dinâmica urbana envolve ainda outras dimensões, tais como
o desenvolvimento urbano e o crescimento urbano, os quais, apesar de possuírem conteúdos
conceituais diferentes, não devem ser analisados separadamente, mas como uma parte
inseparável de um amplo processo de produção do espaço.
24
O território é aqui entendido de acordo com Sposito (2004) que o define não apenas como
base física de assentamento da cidade, mas como dimensão material sobre a qual incidem
condições jurídicas, infra estruturais e de uso e apropriação daqueles que a utilizam.
25
Na Europa, tal ruptura ocorreu ainda no século XIX.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 81
26
Grosso modo, Von Thünen identificou áreas periurbanas com características de uma
periferia rural-urbana, cada vez mais com suas atividades agrícolas e pecuárias voltadas para
o consumo na cidade e, Lênin identificou a consequente mudança do campo e dos grupos
sociais que nele habitavam em função do avanço do capitalismo sobre tais espaços.
WEHRWEIN, G. S. The Rural-Urban Fringe Economic Geography. 1942; LÊNIN, V. L. El
desarrollo des Capitalismo em Russia. Moscou: Editorial Progresso, 1979.
27
LÊNIN, V. L. El desarrollo des Capitalismo em Russia. Moscou: Editorial Progresso, 1979.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 83
28
PRYOR, R. J. Defining the Rural-Urban Fringe Social Forces. 1968.
29
WEHRWEIN, G. S. The Rural-Urban Fringe Economic Geography. 1942.
30
CLAWSON, M. Urban Sprawl and Speculation in Urban Land. In a Geography of Urban
Places, 1970.
31
SINCLAIR, R. Von Thünen and Urban Sprawl Annals of the Association of American
Geographers, 1967.
32
JUILLARD, R. Brasil e Europa. Dois tipos de organização do espaço periurbano. Boletim
baiano de geografia, 1961.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 84
Embora tenha sido fundada no final do século XVI, João Pessoa teve seu
território limitado pelas suas unidades morfológicas originais até o término do século
XIX. A cidade caracterizou-se durante os três séculos como um aglomerado
populacional vinculado ao campo, que desempenhava funções administrativa,
comercial e religiosa e onde a vida social se organizava em torno dos bairros e da
igreja. Como bem definiu Maia (2000), nesse período, João Pessoa se configurava
como uma cidade “tradicional” ou “histórica”.
A partir do século XIX, uma série de mudanças no âmbito político, econômico
e social deu início a um período de transformação do cenário urbano brasileiro.
Acontecimentos como a Independência do Brasil (1822), a criação da Lei de Terras
(1850), a abolição da escravatura (1888), a Proclamação da República (1889), a alta
comercialização do algodão, assim como a substituição dos engenhos por usinas,
fizeram com que as cidades assumissem uma nova posição no cenário econômico e
político do país, quando parte da população do campo passou a residir nas mesmas,
especialmente a elite agrária, formando assim uma elite urbana que, paulatinamente,
inseriu na sociedade novos valores, em detrimento daqueles pregados pelas antigas
oligarquias rurais. Esses processos de passagem de uma sociedade escravocrata
para uma sociedade de trabalho livre e a institucionalização da terra como propriedade
- símbolo de poder político e econômico – se fizeram necessários dada a instituição
do modo capitalista de produção.
De acordo com Sposito (2004), nesse período, destacou-se como marco para
se entender a lógica da estruturação das cidades brasileiras e a sua expansão
territorial a promulgação da Lei de Terras, em 1850, que instituiu o princípio jurídico
da propriedade privada da terra33. Nesse momento, surgiu o proprietário de terras e o
loteador. De acordo com a autora, a estrutura interna das cidades até a promulgação
da mencionada lei consistia em “[...] uma área nuclear mais densamente ocupada e
um anel periurbano marcado por uma mescla de usos rurais e urbanos, pouco definido
do ponto de vista morfológico” (p. 296). Após a promulgação da Lei de Terras, o
espaço urbano produzido passou a anteceder a ocupação urbana propriamente dita.
Áreas desocupadas passaram a ser loteadas, apesar da vida urbana na cidade ainda
33
Anteriormente, a distribuição das terras era feita através de concessões.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 87
Fonte: IHGP (Mapa de João Pessoa de 1929); Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (Mapa
de João Pessoa de 1944); Oliveira, 2006 (Mapa do traçado de João Pessoa em 1972).
Elaboração da autora (2018).
34
Do total de pessoas contempladas, apenas pequena parte fazia parte das faixas de renda
de interesse social, que correspondia a até 5 salários mínimos (VEIGA, 2009).
35
Além disso, vale ressaltar que neste período o BNH, através do Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo (SBPE), financiou também habitações unifamiliares de alto padrão
construtivo para a população de renda mais elevadas, localizadas, principalmente, nos bairros
situados na zona Leste da cidade (LAVIERI e LAVIERI, 1999).
36
Cumpre ressaltar, que tal política habitacional não foi uma iniciativa pioneira em relação à
produção da habitação de interesse social em João Pessoa. No período compreendido entre
os anos de 1935 e 1963, a partir da atuação de instituições como - IAPs, IPASE, FCP e
Montepio – foram construídas um total de 899 novas moradias, compreendendo 15
empreendimentos, caracterizados por um padrão construtivo simples, no qual as residências
unifamiliares eram implantadas de forma isolada nos lotes. Tal produção destinada a
categorias profissionais específicas e se localizou em áreas adjacentes ao centro urbano da
cidade, não ocasionando assim um processo de periferização (LAVIEIRI e LAVIERI, 1987
apud CAVALCANTI, 1999).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 91
Figura 04 - Mapa de João Pessoa com localização (por bairro) dos conjuntos habitacionais
do BNH (1964-1986)
SANTA RITA
CABEDELO
BAYEUX
CONDE
cidade, tendo em vista que, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 1970,
em João Pessoa havia apenas 38.663 domicílios permanentes. Os conjuntos
apresentavam predominantemente grande porte, com centenas de habitações sendo,
portanto, implantados em locais com grandes lotes ou glebas disponíveis e com menor
preço. Por ocupar novas áreas, conforme mencionou Cavalcanti (1999), os conjuntos
geralmente não possuíam infraestrutura urbana adequada, como saneamento básico
e pavimentação e/ou apresentavam incipientes serviços de abastecimento de água e
de transporte coletivo. Tais situações decorriam do fato da mencionada política
habitacional, se limitar apenas à construção do imóvel, encarregando os governos
municipais e estaduais a posterior instalação das infraestruturas e serviços
necessários.
Essa ampla escala de produção, que se caracterizou por conjuntos
habitacionais compostos por residências unifamiliares ocupando grandes extensões
de terra, contribuíram para a alteração das áreas limítrofes do perímetro urbano
incorporando inclusive grandes glebas rurais, de modo que, entre os anos de 1972 e
1983, de acordo com Oliveira (2006), a área da cidade dobrou de tamanho. As terras
rurais foram transformadas em urbanas, pois passaram a ser providas com os serviços
e equipamentos de uso coletivo.
Ainda nas décadas de 1960 e 1970, através de ações do programa nacional de
desenvolvimento e crescimento urbano, outras relevantes alterações no entorno da
malha urbana de João Pessoa influíram diretamente em sua estruturação. Foram elas:
a implantação do Campus da Universidade Federal da Paraíba e do Distrito Industrial,
na Zona Sul de seu território; e a criação de um anel rodoviário (BR 101/ BR 230) que
corta o espaço intraurbano da cidade, ligando-o aos municípios vizinhos (Bayeux,
Santa Rita e Cabedelo).
Deste modo, é possível afirmar, que o programa nacional de desenvolvimento
e dinamização da economia, atuou diretamente na produção do espaço urbano local
e, de fato, transformou a cidade “tradicional” de outrora, em cidade “modernizada”,
caracterizada pela expansão territorial e desconcentração do seu centro tradicional,
pelo surgimento de novas centralidades e pela diversificação de atividades e
interesses sociais (MAIA, 2000).
Nesse momento, novas tendências de crescimento de seu território foram
estabelecidas, apresentando visivelmente a estratificação do uso do espaço da
cidade, marcado pelo aumento das distâncias sociais: na direção leste e norte, se
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 93
Figura 05 - Mapa de João Pessoa com divisão territorial do Código de Obras (PMJP, 1971)
SANTA RITA
CABEDELO
Legenda
Zona Urbana
Zona Suburbana
BAYEUX Zona Rural
CONDE
dimensões maiores na zona urbana, para onde também foram definidos padrões e
tipologias construtivas distintas daquelas especificadas para a zona suburbana.
Art. 530 No setor suburbano somente serão permitidos lotes cujas as
dimensões mínimas de oito metros (8,00m) de testada e duzentos
metros quadrados (200,00m2) de área.
§ 10 - Serão ainda permitidos no setor suburbano lotes populares
destinados a construção geminadas com as dimensões mínimas de
quatorze metros ( 14,OOm) de testada e trezentos e cinqüenta metros
quadrados (35O,OOm2) de área.
§ 20 - Serão também permitidos no setor suburbano, loteamentos de
terrenos para construção de casas em série, quando apresentado o
plano de conjunto para construção imediata, este não contenha mais
de seis casas para cada série e seja aprovados Dela Diretoria de
Fiscalização de obras (PMJP, 1971).
Anos mais tarde, em 1974, foi elaborado o PDU que, segundo Oliveira (2006),
buscou disciplinar o processo de urbanização da cidade com a definição do uso e
ocupação do solo urbano e do sistema viário e, mais especificamente, incentivar a
promoção da expansão em direção à zona sul do território de João Pessoa. Como
bem ressaltou o mencionado autor: “a proposta do uso do solo vai provocar um rígido
controle da organização do espaço intra-urbano e trouxe como consequência uma
segregação espacial do tecido urbano” (p. 99).
Posteriormente, com a desconstrução do PDU, foi instituído pela Lei n° 2.102,
de 31 de dezembro de 1975, o Código de Urbanismo que integrou o Plano Diretor
Físico do Município e reuniu um conjunto de normas disciplinadoras e ordenadoras
referente ao uso e ocupação do solo. Dentre as determinações da mencionada Lei,
no âmbito desta pesquisa, destacou-se a divisão do território da cidade com fins de
adequação à legislação de cobranças de impostos e de planejamento e regulação das
obras e serviços a serem realizados. Ao todo, foram delimitadas quatro áreas – a Área
Urbana, a Área de Expansão Urbana, a Área de Interesse Urbano e a Área Rural -
que, apesar de diferentes entre si, eram consideradas integradas pela legislação que
as instituiu (Fig. 06).
A Área Urbana consistia no conjunto de lotes com edificações contíguas aos
aglomerados urbanos localizados em logradouros contemplados com pelo menos dois
itens de melhoramento37 instalados ou distantes até 100 metros dos mesmos. A Área
de Expansão Urbana foi definida como aquela composta por espaços a serem
37
Os melhoramentos citados na lei, consistiam em: escolas ou postos de saúde distantes no
máximo 3km dos imóveis; rua meio fio ou pavimento, com canalização de águas pluviais;
sistema de abastecimento de água potável; rede de esgoto sanitário; iluminação pública.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 96
Figura 06 - Mapa de João Pessoa com divisão territorial do Código de Urbanismo (1975)
SANTA RITA
CABEDELO
Legenda
Área Urbana
Área de Expansão
Urbana
BAYEUX Área de Interesse
Urbano
Área Rural
CONDE
38
Os equipamentos básicos citados na lei, consistiam em: escolas ou postos de saúde
distantes no máximo 3km dos imóveis; rua meio fio ou pavimento, com canalização de águas
pluviais; sistema de abastecimento de água potável; rede de esgoto sanitário; iluminação
pública.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 98
Figura 07 - Mapa de João Pessoa com divisão territorial do Código de Urbanismo (1979)
SANTA RITA
CABEDELO
Legenda
CONDE
Contudo, Maia (1994) afirma que em tal momento, ainda era possível identificar
áreas com características rurais em João Pessoa, tanto naquelas classificadas pelo
Plano Diretor (PMJP, 1992) como Área Rural quanto no setor denominado como Área
Urbana:
Se a área rural do município de João Pessoa foi sendo engolida pelo
tecido urbano, isto não significa a sua completa extinção. Mesmo que
as instituições públicas concebam a não existência de uma população
rural no município de João Pessoa, ou considerem o total da área
deste município como urbano, nota-se que além da existência de
alguns vestígios de áreas caracteristicamente rurais – identificados
pelo Plano Diretor Municipal, na extremidade sul – permanecem e ao
mesmo tempo são recriados subespaços rurais nas áreas ocupadas
pela malha urbana. Encontram-se pela cidade unidades produtivas
típicas do campo: currais, estábulos, vacarias, granjas e pocilgas que
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 101
áreas centrais das grandes cidades em detrimento das suas zonas periféricas. O
mercado imobiliário se destacou cada vez mais como local de absorção dos
excedentes com geração de lucro, substituindo estratégias de desenvolvimento
econômico extensivo (SANTOS, 2015).
Assim, conforme explicitado por Santos (2015), o padrão de ampliação do
capital vinculado à expansão geográfica da cidade sofreu alterações significativas a
partir da década de 1980, quando o pacto desenvolvimentista do governo, em vigor
desde 1950, entrou em crise. No Brasil, as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas,
de uma maneira geral, pela diminuição dos financiamentos habitacionais e pelo
aumento dos índices de desemprego e do empobrecimento da população.
No período compreendido entre meados das décadas de 1980 e 2000, a
política de habitação nacional passou por intensa modificação, em que no lugar de
uma “Política de Estado”, na qual se insere a atuação do BNH, deu-se início uma
“Política de Governo”, caracterizada pela ausência de uma política definida e objetiva
e pela presença de programas diversos e específicos, desenvolvidos de acordo com
cada mandato presidencial (BONATES, 2007).
Dentre as novas definições a respeito das políticas habitacionais do
mencionado período, vale ressaltar que as atribuições referentes a elas foram
descentralizadas e distribuídas entre instituições diversas, como a Caixa Econômica
Federal (CEF) e o Banco Central, assim como foi concedida autonomia para criação
de novos programas de habitação social pelos governos locais (estaduais e
municipais) com a utilização de recursos próprios (BONATES, 2007).
De acordo com Bonates (2007), a produção estatal da habitação social, nas
últimas décadas do século XX e primeira do século XXI, em João Pessoa, sofreu um
arrefecimento em relação ao período de atuação do BNH. Entre os anos de 1987 e
2006, foram financiadas pelo poder público cerca de 17.500 unidades habitacionais,
as quais foram implantadas predominantemente em bairros da Zona Sul (Fig. 10) e
englobaram tanto habitações unifamiliares como multifamiliares (edifícios com quatro
pavimentos, em média). Nesse momento, a verticalização das construções, que se
deu devido às dimensões mais reduzidas e altos preços dos terrenos, foi também
utilizada como solução para melhor aproveitamento da área passível de construção
do lote, para racionamento dos materiais, da mão-de-obra e, consequentemente, dos
custos.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 104
Além disso, vale ressaltar que, em tal período, houve também a produção
habitacional realizada por empresas privadas – como cooperativas habitacionais e
incorporadoras – por meio de financiamento pela CEF com recursos de programas
habitacionais do governo. A produção, diferentemente, daquela realizada pelo poder
público, voltou-se para um público diversificado, geralmente com rendimento médio,
compreendeu um total de 4.536 unidades habitacionais e localizou-se, em sua
maioria, em áreas mais centrais e valorizadas da cidade – como nos bairros de
Manaíra, Miramar, Expedicionários, entre outros (BONATES, 2007).
Figura 10 - Mapa de João Pessoa com localização (por bairro) dos conjuntos de habitação
social financiados por agentes públicos entre 1987 e 2006
SANTA RITA
CABEDELO
BAYEUX
CONDE
Como bem ilustra o mapa de João Pessoa que aponta os bairros onde foram
implantados os conjuntos habitacionais construídos entre os anos de 1987 e 2006, a
produção de habitação social em João Pessoa, em tal momento, ocupou espaços já
urbanizados da cidade e, portanto, não induziu dinâmicas de expansão e dispersão
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 105
alugar imóvel em outros locais da cidade. Surge assim uma nova dinâmica geográfica
de expansão, que se distingue do padrão expansionista apresentado nas décadas
anteriores, caracterizado como “condição de investimento de excedentes sem
apresentar elevado grau de concorrência e mesmo de conflito entre segmentos sociais
e capitalistas entre si” (SANTOS, 2015, p. 171).
Deste modo, foi latente o papel preponderante desempenhado pelo Estado na
estruturação do território de João Pessoa, seja através da implementação de políticas
públicas de desenvolvimento - entendido como crescimento -, seja pela regulação do
uso e ocupação do solo. A atuação do poder público, a partir de meados do século
XX, promoveu a dispersão, ao permitir a expansão urbana de maneira descontínua
em relação ao tecido urbano existente, e o processo de periferização que, como
explica Sierra (2004), assume, na atualidade, um caráter mais complexo, difícil de ser
apreendido por apresentar porosidades e não possuir limites precisos.
39
Tal processo, de acordo com Shimbo (2010), esteve diretamente relacionado ao fato de que
a precificação no mercado financeiro tinha como base a projeção de futuros empreendimentos
em terras de sua propriedade.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 108
40
Os dados da tabela, pertencentes ao banco de dados do Ministério das Cidades, apresenta
os quantitativos tomados desde o início do PMCMV até a data de 31 de maio de 2016.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 109
Tabela 08 - Unidades entregues pelo PMCMV nas cidades que compõem a RMJP
Tabela 08 - Unidades entregues pelo PMCMV nas cidades que compõem a RMJP
Cidades da RMJP Unidades Habitacionais Entregues do PMCMV
Faixa 1 Faixa 2 Faixa 3
Alhandra -- 413 3
Bayeux -- 866 10
Caaporã 30 8 1
Cabedelo -- 226 46
Conde -- 243 7
Cruz do Espírito Santo -- 1 --
João Pessoa 3.833 24.470 1.118
Lucena -- 65 2
Pedras de Fogo 47 216 10
Pitimbu -- 1 --
Rio Tinto -- 70 5
Santa Rita 50 8.027 38
Fonte: Ministério das Cidades (2016). Elaboração da autora (2018).
Figura 11 - Mapa de João Pessoa com localização (por bairro) dos empreendimentos do
PMCMV Faixa 1 entre 2009 e 2016
SANTA RITA
CABEDELO
BAYEUX
CONDE
41
Termo utilizado pelo IBGE.
42
Nenhuma média das classes de rendimento nominal mensal da pessoa responsável pelo
domicílio referente aos bairros da cidade apresentou valor que se inserisse na Classe A, isto
é, acima de 20 salários mínimos.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 111
Figuras 12 e 13 - Mapas da distribuição das classes de renda por bairro de João Pessoa/PB
em 2000 e em 2010
43
De acordo com Panizza e Fonseca (2011), os critérios são os seguintes: forma, tamanho,
tonalidade, localização do objeto, textura e estrutura.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 114
BAYEUX
CONDE
CABEDELO
SANTA RITA
BAYEUX
CONDE
44
Tais bases de dados foram desenvolvidas pela Secretaria de Planejamento da PMJP e,
correspondem às datas de 27 de dezembro de 2006 e 27 de fevereiro de 2017.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 116
CABEDELO
SANTA RITA
BAYEUX
CONDE
CABEDELO
SANTA RITA
BAYEUX
CONDE
45
Esse assunto será aprofundado no Capítulo 4 desta tese, o qual abordará a atuação dos
agentes privados e a valorização imobiliária em João Pessoa.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 118
Tabela 09 - Quantidade dos Vazios Urbanos por tipos de proprietários e por anos
Tabela 09 - Quantidade dos Vazios Urbanos por tipos de proprietários e por
anos
Vazios urbanos por tipo de proprietário 2006 2017
unidade % unidade %
Vazios Urbanos Privados (Und.| %) 40.407 22,86% 29.861 16,06%
Vazios Urbanos Públicos Municipais 1.788 1,01% 692 0,37%
(Und.|%)
Vazios Urbanos Públicos Estaduais 1.854 1,04% 615 0,33%
(Und.|%)
Vazios Urbanos Públicos Federais 24 0,01% 31 0,15%
(Und.|%)
Vazios Urbanos Indefinidos (Und.|%) 15 0% 4 0%
Total De Vazios Urbanos em João 44.088 24,94% 31.203 16,79%
Pessoa (Und.|%)
Total De Lotes Em João Pessoa 176.723 100% 185.841 100%
(Und.|%)
Fonte: PMJP (2006, 2017). Elaboração da autora (2018).
Outra incoerência aqui constatada, foi a de que ocupação mais intensa dos
vazios urbanos, entre 2006 e 2017, se deu em bairros da Zona Sul, em áreas
espacialmente periféricas, sobre as quais não incidem os mencionados institutos 46 e
que possuem preços mais reduzidos.
Deste modo, é possível concluir que, apesar da existência de instrumentos
legais que visem ao fim da especulação imobiliária, essa prática ainda se mantém
presente na realidade urbana de João Pessoa quase uma década após a sua
instituição na legislação municipal, ao mesmo tempo, que áreas urbanas de ocupação
recente passam a ser incorporadas na atuação de diversos agentes privados.
De uma maneira geral, atualmente, é possível identificar intensos contrastes
socioespaciais ao se observar as periferias de muitas cidades brasileiras, tal como
afirmou Corrêa (1986). Nelas, encontra-se desde conjuntos habitacionais construídos
pelo poder público destinados à população de baixa renda e removida de favelas até
46
De acordo com o Plano Diretor de João Pessoa (PMJP, 2009), os mencionados institutos
podem ser exigidos daqueles proprietários cujos lotes inutilizados, subutilizados ou sem
edificação, estejam localizados nas Zonas de Adensamento Prioritários e nas Zonas de
Restrições Adicionais, visto que são elas que possuem melhores condições relativas à
qualidade ambiental, à topografia e às infraestruturas.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 119
CAPÍTULO 3
AGENTES DIVERSOS, AÇÕES COORDENADAS: O setor imobiliário,
o Estado e as coalizões de crescimento em João Pessoa
47
Instituída pelo Decreto n° 76.900/75, a RAIS consiste num registro administrativo anual
obrigatório para os estabelecimentos brasileiros, com ou sem vínculos empregatícios, para
fins administrativos e estatísticos, acompanhando assim o mercado de trabalho formal. A
partir da década de 1990, ela se consolidou como um censo do mercado de trabalho formal
devido à ampliação decorrente da utilização do meio eletrônico para a realização das
declarações, na qual houve uma cobertura de aproximadamente 97% do setor organizado da
economia. Seus dados, disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do
Brasil, abrangem todos os municípios do país e classifica as atividades de acordo com a
convenção da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), estabelecida pela
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 126
Deste modo, apesar de não ter havido nenhum acordo legal, por meio de uma
Parceria Público-Privada, por exemplo, foi possível constatar que houve de fato uma
convergência na ação dos agentes públicos e privados em direção à promoção
imobiliária da Zona Sul, desencadeando assim um processo de reestruturação do
urbano e da cidade em João Pessoa.
Comércio 207%
Varejista e
Com. Varej. de Outros 69%
Reparação de
Produtos Com. Varej. de Material de
Objetos
Pessoais e Construção, Ferragens e 57%
Domésticos Ferramentas Manuais
Construção 41%
Preparação do Terreno 20%
Demolição e Preparação do 25%
Terreno
Sondagens e Fundações 17%
Destinadas À Construção
Construção de Edifícios e 46%
Obras de Engenharia Civil Edificações (Residenciais, 47%
Industriais, Comerciais e de
Serviços)
Obras Viárias 140%
Obras de Arte Especiais -50%
Obras de Montagem -50%
Obras de Outros Tipos 37%
Obras de Infraestrutura para 0%
Energia Elétrica e para Construção de Estações e -33%
Telecomunicações Redes de Distr de Energia
Elétrica (Desativado)
Obras para Telecomunicações 500%
Obras de Instalações 16%
Instalações Elétricas 50%
Instalações de Sistemas de Ar 25%
Condicionado, de Ventilação e
Refrigeração
Instalações Hidráulicas, -67%
Sanitárias, de Gás e de
Sistema de Prevenção Contra
Incêndio
Outras Obras de Instalações 0%
Obras de Acabamento -36%
Atividades 174%
Imobiliárias Incorporação e Compra e 260%
Venda de Imóveis Incorporação e Compra e 260%
Venda de Imóveis
Aluguel de Imóveis -12%
Aluguel de Imóveis -12%
Atividades Imobiliárias por 34%
Conta de Terceiros Corretagem e Avaliação de 60%
Imóveis
Administração de Imóveis por 29%
Conta de Terceiros
Condomínios Prediais 192%
Condomínios Prediais 192%
Fonte: Base de dados RAIS (1995; 2005). Elaboração da autora (2018).
60
40
20
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Recursos FGTS, FA, FDS, OGU, FAT, SBPE Subsídio do FGTS PMCMV
49
A lei n° 4.951, de 16 de dezembro de 1964, instituiu os condomínios em edificação e as
incorporações imobiliária. Sobre a mesma, ver Botelho (2007).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 139
50
Tal classificação teve seus critérios definidos através do texto “Nota Metodológica para
Definição dos Números Básicos de MPE” elaborado pelo Sebrae, no qual o porte dos
estabelecimentos foi definido em função do número de pessoas ocupadas e de acordo com o
setor em que a atividade econômica se insere (SEBRAE, 2006).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 141
em João Pessoa, assim como nas configurações das empresas e suas respectivas
atividades desempenhadas no setor.
A partir da análise dos percentuais relativos aos portes das empresas entre
2006 e 2015 (Graf. 04, 05 e 06), foram identificadas algumas dinâmicas relevantes em
determinados grupos de atividades que compõem o setor.
No grupo “Incorporação de Empreendimentos Imobiliários”, o maior aumento e
concentração deu-se na quantidade de microempresas, apesar de ter havido a
abertura de novas empresas de todos os portes.
No grupo “Construção de Edifícios”, o quadro percentual em relação ao porte
das empresas pouco se alterou diante do considerável aumento do número de
estabelecimentos, que ocorreu de forma aproximadamente proporcional entre as
empresas de diferentes portes.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 143
Média Empresa
27
71% 424
83% Grande Empresa
Pequena
Empresa
Pequena
Empresa
60
23 78%
96%
51
Os quantitativos de vínculos empregatícios anuais levantados pela base RAIS têm o dia
31/12 como referência.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 145
52
Os VGVs indicados no Gráfico foram deflacionados/ajustados com base no Índice Geral de
Preços do Mercado da Fundação Getúlio Vargas (IGM-M/FGV) para dezembro de 2015.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 147
Gráfico 09 - Valor Geral de Vendas em João Pessoa (de dezembro de 2006 a 2015)
R$3.500.000.000
R$3.000.000.000
R$2.500.000.000
R$2.000.000.000
R$1.500.000.000
R$1.000.000.000
R$500.000.000
R$0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Imóveis de Uso Residencial Imóveis de Uso Comercial
Tal fato tem relação direta com as modificações nos tipos e tamanhos dos
empreendimentos que passaram a ser ofertados: houve aumento na quantidade de
apartamentos ofertados por empreendimento, assim como, uma diminuição nas suas
áreas privativas. A partir de 2009, os apartamentos com dois quartos foram aqueles
lançados/construídos em maior quantidade, enquanto que anteriormente, prevaleciam
na produção imobiliária local aqueles com três quartos ou mais.
Além da diminuição do número de cômodos nos apartamentos, observou-se
também a diminuição da sua área privativa: anteriormente, a maioria dos
apartamentos de dois quartos ocupava em média uma área de 70m², porém, nos anos
mais recentes, passou a ser construída com aproximadamente 50m².
Deste modo, como afirmou Capel (2013), os incorporadores conseguem
aumentar a quantidade de imóveis por empreendimento, aumentando assim os seus
ganhos, visto que o preço do metro quadrado aumenta devido ao aumento do número
de ambientes e equipamentos de uso comum oferecidos.
Nesse período, foram lançados produtos imobiliários inéditos no mercado
imobiliário de João Pessoa denominados como “condomínio-clubes”, “condomínio-
resorts”, entre outros. Tais empreendimentos caracterizaram-se pela oferta de novos
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 149
equipamentos de lazer e segurança, assim como pelo alto padrão construtivo alinhado
às novas tecnologias da construção civil.
Para além das mudanças no quadro de produtos ofertados no mercado
imobiliário local, vale destacar ainda a considerável expansão geográfica de sua
produção na cidade. Os lançamentos imobiliários da cidade que, em 2006,
localizavam-se em apenas 11 dos 60 bairros da cidade, passaram a ocorrer, no ano
de 2015, em 36 deles, expandindo-se para áreas, até então, caracterizadas como
espacialmente periféricas, ocupadas por conjuntos habitacionais populares -
compostos em sua maioria por edificações unifamiliares -, autoconstrução, ocupações
irregulares e grandes lotes e glebas desocupados (Fig. 18).
Figura 18 - Mapa de João Pessoa com localização (por bairro) dos lançamentos imobiliários
entre os anos 2006 e 2015 (referência: mês de dezembro de cada ano)
53
De acordo com os dados da Secretaria de Infraestrutura da PMJP, as obras de urbanização
compreendem a construção de praças, parques, passeios e calçadas.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 153
54
Apesar do recorte temporal da pesquisa ora apresentada compreender o período de 2005
a 2015, ao longo do levantamento das obras de habitação de interesse social promovidas pela
PMJP, observou-se que todos os empreendimentos entregues nos anos 2016 e 2017, foram
contratados em anos anteriores, sendo a maioria de 2013. Deste modo, os mesmos foram
incluídos, a fim de se obter um quadro mais completo dos investimentos e ações no setor de
habitação social por parte da mencionada instituição.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 155
55
Disponíveis no Portal da Transparência do Governo do Estado da Paraíba.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 156
56
Gottdiener (1993) utiliza o termo “rede”, pois acredita que o mesmo, como uma trama,
descreve melhor a convergência da ação e da estrutura associadas ao setor da propriedade
enquanto linha de frente da reestruturação espacial.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 161
Além disso, cabe ressaltar ainda que a ação do Estado na promoção da Zona
Sul de João Pessoa não se limitou à realização das mencionadas obras (Fig. 26). Sua
atuação se deu também por meio da alteração da legislação urbana incidente sobre a
mesma ao modificar o zoneamento e macrozoneamento urbano e, assim, permitir uma
maior ocupação dos lotes, maior índice de aproveitamento e novos tipos de uso do
solo.
Figura 26: Mapa com localização de grandes obras públicas realizadas em João Pessoa
(2005-2015)
Deste modo, pode-se afirmar que, em relação à legislação que incide sobre a
Zona Sul, houve não apenas o aumento da área zoneada e diminuição das áreas de
preservação ambiental, mas também a complexificação do zoneamento de uso e
ocupação do solo, visto que a área passou a ser constituída por novas zonas que
abrangem tipologias diversas daquelas até então determinadas para o local.
As mudanças realizadas na década de 2000 no Plano Diretor e no Código de
Urbanismo pelo poder público municipal, de uma maneira geral, não apenas
atualizaram as delimitações do perímetro urbano da cidade, mas possibilitaram e
acarretaram a intensificação da ocupação do solo com usos urbanos, que se
materializou na implantação de grandes edificações, no aumento do fluxo de veículos,
na necessidade de criação de novas vias, no desmatamento das áreas de proteção
ambiental e na extinção das áreas de produção agrícola, sobrepondo a reprodução
do espaço urbano aos recursos naturais da área e os interesses particulares da
iniciativa privada aos interesses da sociedade, principalmente na Zona Sul.
Além dessas modificações, há que se destacar alterações realizadas no marco
regulatório urbano em um setor específico da mencionada zona, as quais
transformaram definições restritivas em relação ao uso e ocupação do solo de uma
área localizada até então em uma Zona de Restrição Adicional (ZRA) no bairro
Altiplano Cabo Branco.
Em 8 de janeiro de 2007, o Decreto n° 5.844 da PMJP delimitou uma área
dentro da ZRA e a definiu como Zona de Adensamento Prioritário (ZAP), com índice
de aproveitamento chegando a 4 em determinado setor do bairro, permitindo assim a
construção de edifícios altos, com a condição de acordo prévio com a PMJP, no
tocante à instalação de infraestrutura viária e de drenagem.
Posteriormente, em 29 de novembro de 2010, foi publicado o Decreto n° 7.073,
que modificou a classificação da zona da Quadra 1, do referido bairro, de Zona
Especial de Preservação para Zona Axial 3 e, ainda, delimitou na mencionada quadra
uma área específica, a qual foi definida como Setor Residencial Especial.
Tais mudanças no zoneamento da quadra repercutiram diretamente no futuro
uso e ocupação do seu solo à medida que aumentaram os índices máximos de
ocupação, diversificaram os usos do solo permitidos e consentiram a construção de
edifícios com mais de cinco pavimentos, com índice de aproveitamento 3 e apenas
30% de área permeável mínima (FERNANDES, 2013).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 165
Esse último decreto não poderia ser realizado, visto que, de acordo com o
Artigo 170 do Código de Urbanismo de João Pessoa, a alteração das zonas e setores
estabelecidos só pode ser realizada a partir de uma revisão sistemática do Plano
Diretor Físico da cidade, o que não for realizado.
Os dois recentes decretos realizados pelo poder público municipal, que
alteraram as definições de uso e ocupação de 15% da área do bairro Altiplano Cabo
Branco, ocorreram em um importante período, no qual a produção imobiliária assumiu
um papel relevante na economia e política nacionais, provocando intensas
transformações no espaço urbano das cidades brasileiras. Nesse contexto, como
afirma Rolnik (2015),
A derrogação de um dos elementos essenciais do planejamento
urbano modernista, o zoneamento, através da sua flexibilização
seletiva, também faz parte do ideário neoliberal. Assim como nas
relações de trabalho, trata-se da criação de um ambiente menos
regulado e com mais liberdade de ação para o mercado. Entretanto,
não se trata de suspender ou substituir o zoneamento, instrumento
construído à imagem e semelhança do mercado, mas de abrir as
possibilidades de exceção, [...] (p. 329).
Deste modo, o ideário neoliberal se mostra presente não apenas nas mudanças
no setor econômico/produtivo, como foi analisado na primeira parte deste capítulo,
mas também atinge a regulação e legislação urbana, flexibilizando-a em função de
interesses do mercado.
Ao se ampliar a permissão para a edificação de forma densa, inclusive com a
verticalização, em parte da área em estudo, a terra passou a ser utilizada pelos
proprietários fundiários e pelos promotores imobiliários como meio direto de adquirir
riqueza, ou seja, conferindo o que nos esclarece Gottdiener (1993), ela se tornou alvo
da manipulação dos capitalistas “através de poderes monopolistas, a fim de criar as
condições para realização de renda e a produção de um meio ambiente de valores
[...]” (p. 178).
De acordo com entrevista realizada por Fernandes (2013) com o Secretário de
Planejamento da PMJP foi confirmado que, na época da publicação do Decreto
5844/2007, houve um diálogo entre o Estado e os promotores imobiliários locais
acerca da utilização de um setor do Altiplano Cabo Branco para a criação de uma
novo lugar da cidade que se destinasse ao desenvolvimento do setor imobiliário local.
Segundo o ex-secretário, naquele momento, a área do Altiplano Cabo Branco era vista
pelos planejadores municipais como um estoque de área edificável dentro da cidade
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 166
enquanto, do outro lado, os agentes privados afirmavam que havia uma saturação dos
espaços passíveis de construção na cidade.
Nota-se assim discursos inconsistentes dos dois lados para justificar tal
deliberação. Se houvesse realmente uma saturação de terrenos disponíveis nos
outros bairros da cidade, as construtoras e incorporadoras locais não teriam
construído neles ao longo dos anos seguintes. De acordo com os quantitativos de
Alvarás de Construção e de Cartas de Habite-se, foram emitidos pela PMJP 816
alvarás e 14.691 habite-ses referentes a edificações localizadas nos bairros litorâneos
entre 2007 e 2017. A desproporção entre tais números relativos às construções e às
unidades imobiliárias produzidas, para as quais foram emitidas as Cartas de Habite-
se, aponta para a existência de um intenso processo de verticalização na área.
O discurso do poder público, por sua vez, contradisse os valores paisagísticos,
culturais e ambientais da área reconhecidos pela própria instituição desde a
publicação do Código de Urbanismo da cidade, na década de 1970. Além disso, até o
ano de 2007, como afirmou Fernandes (2013), o bairro não apresentava
pavimentação em boa parte de suas ruas e possuía sistema de drenagem e
esgotamento instalados, o que significa dizer que, mesmo que fosse considerada
pelos técnicos e secretários da PMJP como estoque de área edificável, o espaço do
bairro Altiplano não foi adequadamente planejado e preparado pelos mesmos para
tanto, de modo que a mudança no zoneamento da área acarretou uma série de obras
de infraestrutura e de mobilidade urbana que ocorreu simultaneamente ou, até
mesmo, posteriormente à construção dos edifícios altos.
Até o início deste século, o bairro possuía uma infraestrutura mínima e poucos
equipamentos, os quais foram instalados na década de 1970 como pré-requisito para
a implantação do Conjunto Habitacional do Altiplano Cabo Branco. No entanto, com a
delimitação da ZAP no interior da sua área, houve uma intensificação da atuação tanto
do poder público quanto dos agentes privados para a instalação de infraestrutura
urbana adequada diante da demanda criada pelo adensamento da sua ocupação.
Dentre as obras empreendidas, destacaram-se: a duplicação das duas principais
avenidas de acesso ao bairro, realizadas pela PMJP (Fig. 27); a instalação da rede de
esgotamento sanitário pela Companhia de Água e Esgoto do Estado da Paraíba
(CAGEPA); a implantação da rede de gás pela empresa PBGás – empresa de
economia mista; e a pavimentação de vias internas do bairro efetuada pelas
construtoras como contrapartida social (FERNANDES, 2013).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 167
CAPÍTULO 4
A (RE)PRODUÇÃO DA LOCALIZAÇÃO: Dinâmicas e estratégias na
promoção e valorização imobiliária em João Pessoa
Figura 28 - Mapa de João Pessoa com localização dos bairros de Gramame e Altiplano
Cabo Branco
57
A pesquisa documental referente ao bairro Gramame foi realizada no Cartório Carlos
Ulysses e a pesquisa referente ao bairro Altiplano Cabo Branco foi efetuada no Cartório
Eunápio Torres.
58
Para que as variações registradas nos preços dos terrenos e imóveis retratassem aumentos
reais, foi abstraído o índice de inflação/deflação do preço anunciado, com a utilização do
Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
para os últimos meses pesquisados, isto é, março de 2015 para os dados do ITBI. Em
seguida, foram calculados os preços médios anuais referentes aos metros quadrados dos
terrenos, das casas e dos apartamentos de cada bairro inserido no banco de dados das guias
de ITBI.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 173
Por ser recurso natural, e não o produto do trabalho privado, a terra não possui
valor. Sua não reprodutibilidade, juntamente com a instituição da propriedade privada
fundiária, torna-a um bem monopolizável, possibilitando ao seu proprietário a
obtenção de uma renda referente à parcela de solo que possui. Como definiu Marx
(2017), a renda fundiária no capitalismo não é uma propriedade intrínseca ao solo,
mas mais-valia, ou seja, o produto de um excedente de trabalho não pago, que é
apropriado pelo proprietário fundiário a partir da condição de monopólio que possui
sobre a sua parcela de terra ou, de acordo com Topalov (1979), as rendas “son
ganancias extraordinarias localizadas, producidas por un proceso de valorización del
capital, donde una parte de las condiciones para esta [valorización] no se pueden
reproducir y son monopolizables” (p. 135).
No espaço urbano, a renda é capitalizada e expressa através do preço de
venda e de aluguel de imóveis e terrenos, assim como nas taxas pagas pelos serviços
públicos cobradas pelo Estado (BOTELHO, 2008). Contudo, apesar da forma
monetária que assume, entender como a renda se forma e é manipulada pelos
agentes urbanos envolve uma análise mais profunda, tendo em vista que o solo
urbano, ou o bem imóvel, consiste num valor de uso complexo, articulado a diversos
elementos.
Segundo Jaramillo (2009), a categoria Renda da Terra consiste no elemento
determinante do uso e ocupação do lote, visto que, geralmente, nele se estabelece
aquele tipo que gera a maior renda ao seu proprietário. Deste modo, a abordagem da
renda fundiária no estudo do espaço urbano:
[...] oferece uma possibilidade de abordagem do urbano que permite a
análise de fenômenos importantes, como a hierarquização dos usos
do solo, o papel do setor imobiliário para a acumulação do capital e
para a reprodução das relações de produção capitalistas, além de ser
um importante instrumento para o entendimento do processo de
segregação sócio-espacial e fragmentação do espaço no urbano
(BOTELHO, 2008, p. 25).
O conceito da Renda Fundiária, de acordo com Smolka (1979), consiste num
importante referencial para o estudo de dinâmicas de valorização imobiliária em
realidades urbanas brasileiras ao ser utilizado para a análise de processos efetuados
pelo capital, de criação e ampliação dos alicerces sobre os quais ocorre a apropriação
da renda.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 174
59
Vale ressaltar que, além das abordagens de Marx e Ricardo, houve ainda contribuições
anteriores relativas ao estudo da renda da terra no âmbito das ciências econômicas no período
compreendido entre o final do século XVII e início do século XIX, a partir da obra de fisiocratas
- como William Petty, Richard Cantillon, François Quesnay e Anne Robert Jacques Turgot -,
além de clássicos como Adam Smith e Robert Malthus (ALMEIDA e MONTE-MÓR, 2017).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 175
A primeira, cujo predomínio se deu até o início do século XIX, foi marcada pelas
relações sociais de tipo feudal. A segunda cuja hegemonia perdurou ao longo dos
séculos XIX e XX (até 1975), distinguiu-se pela relevância adquirida pelos
construtores e pela propriedade da terra na “construção da cidade” e, posteriormente,
pela emergência dos promotores imobiliários. A terceira fase, que se constituiu através
do processo de reestruturação capitalista, na década de 1970, foi marcada pela
importante presença do agente financeiro, o qual passou a intervir diretamente na
produção imobiliária.
A classe capitalista dos proprietários de terra é composta por diversos grupos,
dentre os quais destacam-se as instituições - políticas, religiosas, financeiras -,
proprietários corporativos relacionados a variados tipos de atividades econômicas e
proprietários individuais. Mesmo diante de uma composição tão heterogênea, pode-
se afirmar que a mesma compõe de fato uma relevante classe capitalista tendo em
vista o fato de que seus agentes tratam seu bem imóvel como um bem financeiro, no
qual a renda é considerada como um juro sobre o investimento realizado na aquisição
da terra (HARVEY, 2013a). Além disso, há que se destacar o fato de que
O mercado fundiário molda a alocação do capital à terra e, desse
modo, molda a estrutura geográfica da produção, da troca e do
consumo, a divisão técnica do trabalho no espaço, os espaços
socioeconômicos da reprodução e assim por diante. Os preços da
terra criam sinais aos quais os vários agentes econômicos podem
responder. O mercado fundiário é uma força poderosa que contribui
para a racionalização das estruturas geográficas em relação à
competição (HARVEY, 2013a, p. 535).
Contudo, de acordo com Botelho (2007), diante da heterogeneidade da classe
dos proprietários fundiários é possível ainda discriminar aqueles que de sua
propriedade auferem renda e os que não o fazem, assim como, também, identificar os
pequenos e grandes proprietários. Diante de tais características, o autor constata que,
no capitalismo atual, a renda fundiária acaba assumindo diversas formas, de acordo
com o tipo de proprietário do imóvel. Nessa conformidade, a propriedade fundiária
[...], não é a renda de uma classe particular, nem mesmo de uma
fração distinta da burguesia. A renda pode assumir a forma de preço
ou aluguel para o proprietário fundiário que cede o terreno; de aluguel
do imóvel se vai para as mãos de um rentista imobiliário; e de
sobrelucro de promoção se for apropriada por um promotor. Hoje a
renda pode também aparecer como um rendimento individual
consumível, ou como um lucro pertencente diretamente a uma
empresa, ou mesmo como um recurso do Estado [...] (p. 73-74).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 183
60
A Lei n° 4591, de 16 de dezembro de 1964, define e especifica as responsabilidades
jurídicas do incorporador como, sucintamente, o profissional responsável para a escolha e
aquisição do terreno, definição do empreendimento imobiliário e do seu respectivo processo
produtivo e detenção do financiamento para viabilizar a construção e comercialização do
empreendimento.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 184
61
Construído na década de 1980 como um marco na ocupação do setor extremo sul de João
Pessoa, o conjunto habitacional consistiu, até o final do século XX no limite/fronteira sul da
zona urbana da cidade, visto que a área compreendida entre o mesmo e o limite territorial
administrativo da cidade – o bairro Gramame - passou a ser urbanizado apenas a partir do
século XXI.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 185
62
As demais áreas da cidade que não foram classificadas como bairros pela Lei No. 1.574/98
não foram inseridas nos perímetros dos bairros ora delimitados e foram caracterizadas pela
legislação como áreas de preservação em alguns casos e em outros foram simplesmente
desconsideradas.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 186
dos últimos vinte anos e aquisição), continha as localizações dos seus registros
anteriores (i.e. a indicação do Livro de Notas em que se encontrava, assim como a
página e a matrícula ou número de ordem do imóvel), possibilitando assim realizar
investigação histórica acerca de cada propriedade existente no bairro.
Segundo Araújo (2017), a Certidão Vintenária 63 é um documento que contém
relevantes informações para se reconstituir os processos de desmembramentos e/ou
remembramentos que se deram em determinada gleba, tendo em vista que a mesma
[...] contém o histórico do imóvel registrado nos últimos vinte anos,
computado a partir da abertura da matrícula da propriedade ou do
imóvel no cartório. A informação principal é a relação dos proprietários
anteriores – filiações de domínio – a última aquisição da propriedade
e os limites territoriais da área desmembrada, objeto de compra e/ou
venda (p. 107-108).
Sendo assim, de acordo com os dados obtidos, investigou-se, posteriormente,
nos Livros de Notas, os primeiros registros de compra e venda dos imóveis,
documentados de forma manuscrita. A consulta a tais fontes de informações consistiu
muitas vezes num desafio ou, em outros casos, não pôde ser efetuada, devido ao
péssimo estado de conservação dos livros (que chegavam a apresentar páginas
incompletas), à inexistência do livro ou do registro referenciado na Certidão Vintenária,
à caligrafia ilegível, às informações relevantes com unidades de medidas agrárias
diversas (braças), às descrições subjetivas acerca dos limites das propriedades,
utilizando como referência nomes de outros proprietários ou marcos físicos de figuras
religiosas ou marcos arquitetônicos que não existem mais. Contudo, a fim de se
comparar informações, dirimir algumas dúvidas e se chegar a possíveis conclusões,
buscou-se auxílio da cartografia produzida no período estudado, a qual possibilitou a
reconstituição das antigas propriedades rurais.
Os registros de imóveis mais antigos que foram encontrados datam da década
1930 e, de uma maneira geral, correspondem às primeiras averbações das
propriedades que, na maior parte dos casos, se tratavam de notas relativas às suas
transações de compra e venda.
Nesse âmbito, foram detectadas cinco propriedades rurais compondo boa parte
da área do bairro, são elas: a Propriedade Alagoinha, a Propriedade Ponta de
63
Ainda de acordo com Araújo (2017), tal documento é relevante também pelo fato de consistir
num comprovante, não apenas da situação de legalidade da propriedade, mas de sua origem.
Sua obrigatoriedade nos registros de incorporação de loteamentos foi estabelecida pela Lei
n° 9.758/99, no Art. 18º, inciso II.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 188
Fonte: Arquivo dos Registros Imobiliários do Cartório Carlos Ulysses. Elaboração da autora
(2019). Execução Eliane Campos (2019).
64
Sabiniano Alves do Rêgo Maia que, na carreia política, foi prefeito das cidades paraibanas
de Mamanguape, de Guarabira e de Campina Grande.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 189
65
Apesar da mudança de atividade principal, vale ressaltar que a empresa ainda possui como
atividade secundária a criação de bovinos para corte e seus sócios possuem empresas no
Estado do Tocantins voltada para essa mesma atividade.
66
Filho de José Américo de Almeida (1887-1980), importante romancista, ensaísta, poeta,
cronista, político, advogado, professor universitário, folclorista e sociólogo brasileiro. Na
política, ocupou cargos diversos, dentre os quais se destacam o de Ministro dos Transportes
(1930-1934 e 1953-1954) e Governador da Paraíba (1951-1956).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 191
67
Foi vereador de João Pessoa (1956-1968).
68
Propriedade rural com cerca de 2.000ha, a Fazenda Cuiá, corresponde a uma das
construções mais antigas da área periférica sul de João Pessoa, construída em 1938. Foi
parcialmente loteada e ocupada pelo Conjunto Habitacional Valentina de Figueiredo e pelo
Loteamento Planalto da Boa Esperança na década de 1980.
69
Devido à imprecisão de informações na base de Cadastro de Imóveis Rurais do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), assim como nas certidões e registros
encontrados em cartórios, não foi possível quantificar as empresas e classificar as granjas
existentes de acordo com as atividades nelas realizadas – produção agrícola, avícola ou
pecuária, usos recreativos etc. - no referido recorte temporal.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 193
Boa parte da área urbana do bairro foi classificada como ZNA que, segundo o
Artigo 13 da Lei Complementar nº 054, de 23 de dezembro de 2008, do Plano Diretor
de João Pessoa, “[...] é aquela onde a carência da infra-estrutura básica, da rede
viária e o meio ambiente restringem a intensificação do uso e ocupação do solo e na
qual o limite máximo de construção é o índice de aproveitamento básico” (p. 8). Ou
seja, apesar de ter sido definida como área urbana, boa parte do bairro, ainda em
2008, não apresentava infraestrutura adequada para uma ocupação urbana mais
densa.
Cumpre destacar que, como coloca o Plano Diretor de João Pessoa (PMJP,
2008), a Área Rural é aquela atribuída para o desenvolvimento de atividades
primárias, para a expansão do tecido urbano e, também, para a proteção de
mananciais. Já a ZPA tem como finalidade preservar, manter e recuperar com a
imposição de normas diferenciadas para uso e ocupação do solo em áreas com
relevantes características paisagísticas, ambientais, históricas e culturais.
A publicação de uma versão atualizada do Código de Urbanismo de João
Pessoa (PMJP, 2005) no ano de 2005, propô um novo Zoneamento de Uso e
Ocupação do Solo para diversas áreas da cidade, dentre elas a do bairro Gramame70,
o qual passou a ser subdividido nas seguintes zonas: Zona Residencial 2 (ZR2), Zona
Especial de Preservação 2 (ZEP2), Zona de Especial de Preservação Natural, Zona
Industrial 1 (ZI1), além de uma área sem zoneamento.
Posteriormente, em 2012, foi publicada outra versão do mencionado
instrumento, na qual foram detectadas algumas mudanças no zoneamento de uso e
ocupação da área referente ao bairro em questão, tais como: a diminuição da área
sem zoneamento e a da Zona Especial de Preservação Natural, devido ao aumento
do perímetro da ZR2 e à inserção de uma Zona de Grandes Equipamentos (ZGE);
além disso, parte da área inserida ZEP2, passou a ser classificada como ZI1 (Fig. 31).
Acredita-se que a mudança de grande parte da área do bairro classificada em
1992 como Área Rural para Zona Não Adensável, em 2008, se deu em decorrência
do processo de implantação dos loteamentos no bairro, tendo em vista que, de acordo
70
Conforme foi abordado no segundo capítulo desta tese, as versões anteriores do Código
de Urbanismo de João Pessoa, publicadas na década de 1970, não apresentaram
zoneamento de uso e ocupação do solo urbano para a área do Gramame, tende em vista que
a mesma era classificada na época como Zona Rural do município.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 195
71
De acordo com a Lei Federal n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979, os parcelamentos
urbanos deveriam obrigatoriamente ser servidos por infraestrutura básica composta por vias
de circulação, instalações iluminação pública, esgotamento sanitário, escoamento das águas
pluviais, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de
circulação. Porém, tais determinações não são aplicáveis ao caso dos loteamentos de
Gramame, pois os mesmos não foram realizados em glebas urbanas inseridas em área
urbana do município e sim em área rural.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 196
72
De acordo com o artigo 89, da Seção I, do Capítulo III: “Os planos de parcelamento serão
executados de maneira a se obter a mais conveniente disposição para os logradouros
públicos ficando estabelecidos que da superfície a ser loteada o mínimo de 10% serão
destinados a praças e jardins públicos e 5% para equipamentos comunitários”.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 197
Fonte: Arquivo dos Registros Imobiliários do Cartório Carlos Ulysses Elaboração da autora
(2019). Execução Eliane Campos (2019).
Ltda.
Parque do N.B.C. Comércio 2002 1998 44,93 1.060
Fazenda
Sol I Construção e
Incorporação Ltda.
Parque do Companhia 2002 1999 36,46 1.033
Sol II Agropecuária
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 199
Nordestina de Leite
Ltda.
Condomínio Park Cowboy -- 2015 14,43 426
Park Cowboy Construção e
Incorporação Ltda.
Girassol Construtora Polo 1997 1991 7,7 127
Ltda.
Monte das Marés 1998 1997 11,8 359
Oliveiras Incorporações de
Imóveis Ltda.
Caminho do Particulares 1999 1998 10 274
Mar
Cidade Companhia Avícola 2000 1999 52 1.389
Prop. Gravatá
Pecuária Ltda.
Prop.
Rangel
Construções Civis
Propr.
Ltda.
e
Fonte: Arquivo dos Registros Imobiliários do Cartório Carlos Ulysses. Elaboração da autora
(2018).
73
Informações encontradas nos documentos inseridos na pasta do Registro do Loteamento
Novo Milênio.
74
A PMJP, através do Decreto No. 6.973, de 20 de agosto de 2010, para fim de
desapropriação, declarou de utilidade pública o imóvel. E, posteriormente, em 17 de abril de
2012, por meio do Decreto No. 7.517, criou no local uma unidade de conservação municipal,
o Parque Natural Municipal do Cuiá.
75
Disponível em: <https://mp-pb.jusbrasil.com.br/noticias/2841473/mppb-entra-com-acao-
civil-publica-para-anular-o-laudo-de-avaliacao-e-da-indenizacao-da-fazenda-cuia>. Acesso
em: 1 mai. 2019.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 202
76
No capítulo 3, foram abordadas as coalizões relativas à contratação de obras públicas,
implantação de grandes equipamentos urbanos na cidade e alterações na legislação de uso
e ocupação do solo do município.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 203
Além disso, outra estratégia para diferenciação dos lotes inseridos nos
condomínios fechados em relação àqueles localizados nos demais loteamentos
vincula-se à manipulação da sua localização a partir da divulgação publicitária: apesar
se situarem em Gramame, os dois condomínios fechados foram vinculados - seja
através do próprio nome, seja por meio da sua campanha publicitária - a outros bairros
próximos, porém menos periféricos, com ocupação consolidada e com melhor
infraestrutura urbana, tais como Geisel e Valentina.
A denominação do condomínio como “Geisel Privê” associa-o diretamente ao
Ernesto Geisel, bairro localizado em área menos periférica que Gramame, cuja
ocupação é marcada pelo uso residencial unifamiliar e pelo comércio e serviço mais
diversificado78.
O Condomínio Park Cowboy, por sua vez, através de suas peças publicitárias,
vincula sua localização ao bairro Valentina, apesar de se situar de fato no Gramame
(Fig. 34). Ademais, há que se destacar, que a vinculação dos empreendimentos aos
bairros próximos ao Gramame é algo recorrente também nos discursos de
construtores e agentes imobiliários que atuam em tal área da cidade, fato este que
pode ser corroborado por meio da consulta aos endereços de alguns
empreendimentos listados na “Pesquisa de Mercado do Setor de Lançamentos
78
Apesar de apresentar ocupação urbana consolidada, um setor específico do mesmo, que
tem apresentado intensa produção imobiliária nos últimos anos, vendo sendo denominado
pelos agentes envolvidos como “Geisel Nobre”, buscando assim diferenciar-se do padrão de
ocupação original do bairro decorrente da produção do BNH, implantado na década de 1970.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 204
79
De acordo com dados do ITBI (PMJP, 2005, 2010 e 2015) e da “Pesquisa de Mercado do
Setor de Lançamentos Imobiliários” contratada pelo Sinduscon/JP e elaborada mensalmente
pelo tecnólogo em negócios imobiliários e corretor de imóveis Fábio Henriques.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 205
Gráfico 11 - Quantidade de alvarás emitido pela PMJP por ano para construções de
edificações em Gramame (2005-2015)
400
300
200
100
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Alvará Residencial Alvará Comercial Alvará Industrial Alvará Instituicional
80
Em 2017, empresas de construção de civil do Estado da Paraíba de pequeno e médio porte
criaram o Associação dos Construtores Leves (ACL) a fim de se organizar para obter maior
representatividade relativa aos seus interesses e desenvolver parcerias junto a determinadas
instituições públicas e aos fornecedores de materiais.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 207
Conforme foi discutido no terceiro capítulo desta tese, a análise dos dados da
base RAIS/CAGED constatou um aumento significativo das micro e pequenas
empresas relacionadas às atividades de construção e incorporação em João Pessoa
entre meados das décadas de 2000 e 2010. Os novos agentes caracterizam-se como
uma classe diversificada composta por advogados, médicos, aposentados, entre
outros profissionais, que encontraram no setor imobiliário um novo espaço para
investimento de capital.
De acordo com os dados dos lotes do Gramame que constam nas bases
cadastrais da PMJP referentes aos anos 2006 e 2017, observou-se que, ao longo de
tais anos, houve intensas mudanças relativas à propriedade de terras no bairro. No
intervalo de 11 anos, foram criados cerca de 2.300 lotes por meio da realização dos
loteamentos. Além disso, constatou-se uma desconcentração da posse de terras e,
ao mesmo tempo, o aumento da quantidade de construtoras e incorporadoras atuando
na área: em 2006, 10 empresas do setor imobiliário possuíam 54% dos lotes do bairro;
em 2017, 228 empresas do mencionado setor detinham apenas 37,7% deles.
No entanto, do total dos lotes pertencentes às empresas, 70% concentravam-
se ainda nos antigos proprietários loteadores das glebas, o que implica afirmar que,
apesar de ter havido o aumento e a diversificação das empresas atuantes em
Gramame, os antigos proprietários fundiários permanecem sendo os maiores
possuidores de terras urbanas do bairro e, até mesmo, da cidade. Apesar das
mudanças no quadro geral de distribuição da propriedade fundiária, é nítida a
permanência e representatividade dos proprietários fundiários mesmo diante de um
novo momento marcado por intensa e diversificada produção capitalista da habitação.
Dentre as características desse novo quadro de empresas – construtoras e
incorporadoras - proprietárias de lotes urbanos em Gramame destacam-se,
principalmente, as seguintes: a maioria delas tinha sede em João Pessoa - das 228
empresas, apenas 16 localizavam-se em cidades próximas como Campina Grande e
Recife -, constituía sociedade recente - cerca de 85% delas foi aberta a partir de 2005
- e possuía capital social reduzido – menor que R$ 500.000.
De acordo com Jaramillo (2009), no mercado capitalista, existe um dispositivo
mercantil que articula o custo da produção das técnicas de verticalização e os variados
preços do espaço construído de acordo com sua localização na cidade. A interação
dessas duas variáveis modula simultaneamente tanto o preço dos terrenos como a
altura ou a densidade predominante nas diversas áreas da cidade, na qual os
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 208
Figura 36 - Construção do Residencial Irmã Dulce (PMCMV 1) com grande parte da área de
entorno desocupada
81
Cf. página 106, no Capítulo 2 desta tese.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 210
De modo geral, observa-se uma célere ocupação que, apesar de ter como
condicionante essencial a política nacional de aumento do crédito disponível e da
demanda solvável, apresenta especificidades locais relativas à produção imobiliária
que, por sua vez, influem diretamente no espaço socialmente produzido na área e, de
forma mais ampla, na cidade.
A transformação da área rural remanescente em urbana, a partir da construção
de habitações para grupos de baixa renda ocorre através da atuação de novos
agentes locais – dentre os quais se destacam as empresas de pequeno porte - com a
construção de empreendimentos que materializam os interesses capitalistas na
obtenção de sobreganhos, por meio da racionalização da construção, da manipulação
da Renda Diferencial Residencial (JARAMILLO, 2009) – ao vincular a localização do
imóvel a um bairro próximo mais “valorizado” – e da Renda de Monopólio de
Segregação – ao lançar condomínios horizontais fechados como produtos
diferenciados e de uso exclusivo.
Ao mesmo tempo, diante de tantas mudanças, observou-se a existência nítida
de práticas de especulação fundiária e permanência da concentração fundiária dos
lotes – agora urbanos – no patrimônio de proprietários das antigas glebas rurais.
Assim, nota-se que a ocupação urbana da área do bairro Gramame, consiste não
apenas em um processo de expansão da produção imobiliária no território de João
Pessoa, mas na ampliação – e não transformação - das formas de atuação de um
heterogêneo grupo de agentes privados na produção do espaço sob a lógica
mercantil.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 212
82
Composto pelos bairros Cabo Branco, Tambaú, Manaíra, Jardim Oceania, Aeroclube,
Bessa e Intermares, sendo este último localizado fora dos limites municipais de João Pessoa
(VASCONCELOS FILHO, 2003).
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 213
Composto pelos bairros Altiplano Cabo Branco, Portal do Sol, Penha, Ponta do
Seixas, Costa do Sol e Barra de Gramame, o Litoral Sul de João Pessoa, desde o
início do século XXI, tem sido alvo de investimentos públicos 83 - através de mudanças
na regulação do solo e implantação de infraestruturas e equipamentos - e privados –
por meio do lançamento de novos produtos imobiliários.
De acordo com Barbosa (2005), os interesses dos agentes urbanos se voltaram
para a área em decorrência do estoque de terras não edificadas que a mesma
apresentava e, também, da sua proximidade e facilidade de acesso à área urbana
consolidada da cidade. Para o autor, a recente valorização das terras do Litoral Sul
consiste na expansão do processo de consolidação do setor de residência das
camadas de alta renda que ocorreu no Litoral Norte na década de 1980. Contudo,
diferentemente do momento anterior que foi marcado pela verticalização das
edificações, no início do século XXI, a ocupação do Litoral Sul se caracterizou pela
implantação dos condomínios fechados horizontais que, ao se somar a determinados
aspectos existentes no local - tais como as amenidades ambientais e as mudanças
no uso e ocupação do solo -, provocou transformações no conteúdo social do espaço,
intensificando a segregação e os conflitos socioespaciais e produzindo um espaço
cada vez mais complexo.
Localizado na parte norte do Litoral Sul, o Bairro Altiplano Cabo Branco está
assentado em uma área de 225,6 hectares sob o Tabuleiro Costeiro da Formação
Barreiras,
[...] onde se apresentam falésias ativas que sofrem pressão, tanto dos
processos erosivos naturais provindos da energia das ondas que
retiram sedimentos e instabilizam a falésia, quanto da construção de
elementos urbanos sobre ela (BARBOSA, 2015, p. 18).
Desde o início do século XXI, o referido bairro tem apresentado intensas
transformações decorrentes de alterações na legislação urbana, que até então
protegia a área e caracterizava-a como patrimônio ambiental e paisagístico do Estado
da Paraíba – conforme foi mencionado no capítulo 3.
De acordo com Barbosa (2005) e Fernandes (2013), a área onde está
localizado o referido bairro correspondia às propriedades Oiteiro, Enseada Cabo
Branco e Timbó e foi loteada parcialmente pela primeira vez em 1938, com o
Loteamento Jardim Bela Vista.
83
Cf. terceiro capítulo desta tese.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 214
II Investimentos
Imobiliários Ltda.
Visão Panorâmica Visão 1990 9,30 --
III Investimentos
Imobiliários Ltda.
Residencial Incorplan 2001 16,58 96
Timbó e
Enseada
(Condomínio
Prop.
Cabo
Residencial Villa
Real)
Colinas dos Incorplan 2003 4,89 61
Enseada
Cabo
Fonte: Barbosa (2005) e Fernandes (2013). Elaboração da autora (2019). Execução Eliane
Campos (2019).
84
Não se pode afirmar que o Edifício Vila do Alto se insere nessa condição tendo em vista
que não foi identificado o ano de sua construção.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 219
à área permeável. Contudo, tais parâmetros não impedem futuras negociações para
ampliação da ZAP, tendo em vista que o remembramento de terrenos poderia
viabilizar a construção de novos empreendimentos. Como bem explicou a autora:
[...], se a maior justificativa é o tamanho da gleba, nada impediria que
houvesse negociações entre os proprietários das terras e os
empreendimentos imobiliários, para remembrar determinados lotes e
viabilizar a construção desses empreendimentos. Desse modo,
construtores e representantes de corretoras imobiliárias atuantes na
área compartilham a opinião de é [sic] que se libere futuramente o
adensamento de outras áreas do Bairro (FERNANDES, 2013, p. 114).
Contudo, ao observar o parcelamento da ZAP do Altiplano Cabo Branco, nota-
se que foram inseridas em tal zona algumas quadras com lotes de tamanho padrão
(15mx30m), o que contradiz a justificativa da PMJP em relação aos critérios utilizados
para o estabelecimento dos limites da área.
Vale ressaltar que, de acordo com o cadastro imobiliário da PMJP, em 2006,
um ano antes do Decreto entrar em vigor, as incorporadoras que mais possuíam lotes
no Altiplano Cabo Branco eram a Visão Investimentos Imobiliários Ltda., empresa
responsável por três loteamentos realizados entre as décadas de 1970 e 1990 no
bairro, e a HM Construções e Incorporações Ltda., empresa aberta em João Pessoa,
no ano 2000.
De acordo com o Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral, disponível
no website da Receita Federal, o atual nome empresarial referente ao Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica da HM Construções e Incorporações Ltda. é Andrade
Marinho Empreendimentos Imobiliários Ltda.. Esta empresa, desde 2008, participa da
sociedade empresarial que compõe o grupo Alliance, cuja produção teve
protagonismo no Altiplano Cabo Branco após a publicação do referido Decreto
Municipal em 2007.
De acordo com os dados da base cadastral de imóveis da PMJP de 2006, os
lotes que a HM Construções e Incorporações Ltda. possuía correspondiam àqueles
de dimensões menores que foram incluídos na ZAP e que, consequentemente, não
se inseriam na justificativa da PMJP para a delimitação da área. Diante de tais fatos
e das contradições nas explicações dadas pelo poder público, é plausível cogitar que
pode ter havido a participação de empresas na delimitação do perímetro da zona
adensável e verticalizável do bairro.
O fato das referidas empresas possuírem tal quantidade de terrenos no bairro
já no ano de 2006 aponta, assim como ocorreu no bairro Gramame, para possíveis
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 220
85
Ao todo, foram realizadas 57 incorporações imobiliárias.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 222
consumo do espaço construído voltado para um público consumidor com alto poder
aquisitivo.
O interesse em promover a expansão geográfica da produção imobiliária, de
acordo com Botelho (2007), pode ser entendido como uma forma de enfrentar os altos
preços do solo localizado nos bairros que possuem uma ocupação urbana bem
servida por infraestrutura e ocupada por grupos de alta renda.
Quando houve a modificação do zoneamento em parte do bairro Altiplano Cabo
Branco, a área não possuía – como foi mencionado anteriormente – infraestrutura
urbana adequada para o porte das edificações e para a população que viria a residir
no local e, até então, a mesma não havia sido alvo de disputa por empresas atuantes
no mercado de edifícios altos e de alto padrão construtivo, até porque a legislação
vigente não permitia. Assim, os empresários locais puderam adquirir imóveis na área
a preços menores em relação a outros bairros já verticalizados e habitados por grupos
sociais de alta renda, mesmo que naquele local pretendessem construir edifícios
luxuosos com um padrão inédito na cidade.
De acordo com dados obtidos em pesquisas nos ITBIs emitidos pela PMJP, o
m² de um terreno no Altiplano Cabo Branco era avaliado em média por R$ 60,00,
enquanto que em 2010 tal média atingia cerca de R$ 305,00. Em Manaíra, em 2005,
o preço médio do m² do terreno já era avaliado em aproximadamente R$ 400,00.
Os preços do solo são influenciados de forma permanente pela legislação
urbana, fato que se torna visível quando se modifica a regulação existente, a qual
pode gerar efeitos diretos nas áreas sobre as quais incide e, também, efeitos indiretos
em outros locais externos às suas determinações, visto que sua incidência se dá em
uma estrutura interconectada de usos do solo. Porém, vale ressaltar que:
Aunque les cambie la norma a esos terrenos, su precio no crece. En
otras palabras: no es suficiente que las normas autoricen una actividad
en un lugar para que ella aparezca. Para que eso ocurra es necesario
que la estructura del mercado lo haga posible (JARAMILLO, 2009, p.
311).
A valorização da área do Altiplano Cabo Branco, resultante da atuação do
Estado e dos promotores imobiliários com participação direta dos proprietários
fundiários, tem como base a manipulação das rendas fundiárias que ocorre tanto na
produção quanto no consumo do espaço urbano. As rendas primárias diferenciais –
vinculadas ao processo produtivo do bem imóvel - são aumentadas à medida que
passa a ser instalada infraestrutura urbana no bairro, seus acessos são melhorados e
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 223
uma nova denominação para ela: “Altiplano Cabo Branco Nobre”. Ao acrescentar o
adjetivo “nobre” ao nome do bairro para caracterizar e distinguir o local de implantação
dos empreendimentos de luxo que estavam sendo construídos, os agentes
imobiliários criaram subjetivamente uma nova localização, um novo setor ou, até
mesmo, um novo bairro dentro daquele existente, diferenciando-o e dotando-o de um
status superior às demais áreas.
Ao criar uma localização “exclusiva”, que proporciona “qualidade de vida” e se
propõe como uma nova forma de morar na cidade, os agentes imobiliários, além de
diferenciar seus produtos em relação aos demais ofertados pelo mercado, buscam
transformá-lo em um relevante elemento para a explicitação da condição econômica
do grupo social capaz de arcar com os altos preços cobrados para ali residir. Desta
forma, o imóvel passa a definir o estilo de vida do seu proprietário. A seguir, foram
transcritas algumas passagens de textos das peças publicitárias dos
empreendimentos, retratando bem tais estratégias:
O Ultramare – Class Club Residence traz um novo conceito de
moradia para João Pessoa – o residencial club – um conjunto de itens
que privilegia o lazer, o bem estar e qualidade de vida de seus
condôminos, com o objetivo de elevar a segurança e a privacidade do
grupo social (Texto retirado do book do empreendimento. Disponível
em: <<pt.slideshare.net/AllianceEmpreendimentos/ultramare>>.
Acesso em 21 mar. 2019).
O bairro mais elegante de João Pessoa é o ambiente perfeito para um
empreendimento como você nunca viu igual. Localizado no melhor do
Altiplano, o Mansões Wellington Barreto, da Alliance, oferece luxo,
exclusividade e conforto para quem já sabe o que é melhor (Texto
retirado do book do empreendimento. Disponível em: <<
https://alliance.com.br/imovel/mansoes-wellington-barreto/book>>.
Acesso em 21 mar. 2019).
Lazer para todos, ou melhor, para poucos como você.
O ambiente em si, já é motivo para celebrar.
Esta vai ser sua nova vida. Saboreie cada momento.
Luxuoso e imponente: o estilo que você escolheu para viver.
Sala de estar virou sala de bem-estar.
Sabe aquelas mansões que a gente só vê nos filmes? É onde você vai
morar.
A casa dos seus sonhos cabe num apartamento. (Disponível em: <<
https://alliance.com.br/imovel/mansoes-heron-marinho/book>>
Acesso em 21 mar. 2019).
Segundo Sposito (2004), no contexto da sociedade de consumo, é fundamental
provocar o desejo, a partir de uma – falsa - ideia de necessidade, de modo cada vez
mais convincente e intensa através do marketing. De acordo com a autora, tal
estratégia torna ainda mais complexo o processo de estruturação da cidade,
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 227
Figura 44 - Imagem aérea do bairro efetuada anteriormente à construção dos edifícios altos
Vale ressaltar ainda que outro fator subjetivo trabalhado pelos incorporadores
na promoção de um empreendimento consiste na transformação do valor de troca do
imóvel em objeto de negociação, o que faz com que possa ser adicionado sobre o
preço cobrado uma taxa referente aos futuros aumentos que serão apropriados pelo
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 229
então proprietário. Segundo Smolka (1979), tal estratégia vai além da venda de um
novo estilo de morar ou novo produto, “desviando-se, assim, a atenção sobre o nível
do preço em favor da valorização esperada, isto é, a variação futura de seu preço” (p.
16).
Ao se observar o quantitativo de alvarás de construção - discriminados por uso
da edificação - emitidos pela PMJP ao longo dos anos, constatou-se que a produção
imobiliária no bairro se voltou principalmente para o uso residencial. Outro aspecto
relevante da produção imobiliária é que não houve um aumento significativo em
relação à quantidade de alvarás de construção emitidos entre 2005 e 2017 (Gráf. 13).
Gráfico 14 - Quantidade de Cartas de Habite-se emitidas pela PMJP por ano para o bairro
Altiplano Cabo Branco
400
300
200
100
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: PMJP (2018). Elaboração da autora (2018).
uso comuns e privativo das unidades habitacionais e são arquivados no cartório com
um conjunto de documentos exigidos pela mencionada lei.
O RI assegura ao adquirente do imóvel que as características construtivas da
edificação serão contempladas na sua construção, assim como garantem que as
documentações e demais requisitos estão de acordo com as exigências legais.
Para a realização desta pesquisa, foram disponibilizados pelo Cartório os
termos de formalização dos RIs, os quais continham informações sobre os
incorporadores, a descrição do empreendimento imobiliário e das respectivas
unidades habitacionais e áreas de uso comuns e, por fim, o custo global da obra
calculado de acordo com a NBR 12.721.
Um dado relevante constatado na pesquisa foi que, apesar da intensa produção
de nos setores verticalizáveis do bairro - definidos como ZAP e ZA3 -, houve também
no Altiplano Cabo Branco uma acentuada construção de edifícios de menor porte –
com gabarito compreendido entre 2 e 5 pavimentos -, localizados nos setores do bairro
cuja regulação do uso e ocupação não sofreram alterações. Entre 2005 e 2015, foram
incorporados e construídos ao todo 57 empreendimentos no bairro, dos quais 32
caracterizavam-se como empreendimentos multifamiliares de uso exclusivamente
residencial com até 5 pavimentos, com quantidade reduzida de unidades habitacionais
– variando entre 6 e 22 apartamentos –, com áreas privativas entre 50m² e 80m² e
poucas áreas de uso comum, tais como, hall social, escadas e garagens descobertas
(Fig. 46).
86
Dentre as finalidades para as quais se destina essa norma, destaca-se aquela que define
critérios para avaliação dos custos das incorporações imobiliárias.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 233
87
Como mencionado anteriormente neste capítulo, de acordo com dados da Receita Federal,
o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica da HM Construções e Incorporações Ltda. tem,
atualmente, como nome empresarial Andrade Marinho Empreendimentos Imobiliários Ltda.
88
O alto investimento da Alliance na produção imobiliária não foi exclusivamente direcionado
ao Altiplano Cabo Branco, apesar de ter ocorrido majoritariamente nele. A empresa lançou
ainda outros empreendimentos de padrão semelhante em outros bairros de João Pessoa e
em mais três cidades: Cabedelo, Campina Grande e Natal.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 234
Fonte: PMJP (2017). Elaboração da autora (2019). Execução Eliane Campos (2019).
Acredita-se aqui que tal afirmação pode ser utiliza também para a escala
intraurbana, no processo de reestruturação da configuração urbana, das divisões
sociais e econômicas na cidade, diante da atuação dos agentes urbanos no processo
de produção e consumo da habitação na cidade.
De acordo com Jaramillo (2009), a Renda de Monopólio de Segregação é
induzida através da segregação espacial, a qual serve como uma mecanismo de
explicitação do alcance social do seu consumidor que se dispõe a pagar altos preços
para habitar em uma área considerada diferenciada e/ou privilegiada e, ao mesmo
tempo, de exclusão de grupos sociais que não podem pagar para ter acesso a tais
espaços. Como bem explica o autor,
El consumo de vivienda no escapa a estas pautas de gasto conspicuo,
encaminado a hacer explícita la diferencia social y, por el contrario, es
uno de los elementos de mayor relevancia a este proceso. Pero no
solo se limita al consumo del espacio construido en sí mismo, es decir,
edificaciones más o menos costosas, sino a la localización de ellas en
el espacio urbano: los grupos de mayores ingresos se reservan para
su implantación habitacional ciertos sectores precisos de la ciudad,
con exclusión de las otras categorías sociales. De esta manera,
habitar en estos lugares específicos se convierte en una muestra de la
pertenencia a las capas más elevadas. Estos espacios urbanos
adquieren de esta manera esta carga de significación (p. 164).
Com isso, ao identificar e analisar algumas das recentes mudanças que
ocorreram no Altiplano Cabo Branco é possível constatar que as mesmas vão além
da alteração do seu espaço construído. A partir desse período, uma série de
equipamentos e infraestruturas foram instalados no bairro, o seu sistema viário foi
melhor integrado ao da cidade, o tráfego se tornou mais intenso, novos moradores
com diferentes níveis de renda passaram a habitar no local, o setor terciário passou a
se instalar em sua área ou próximo a ela, entre outros aspectos.
Antes do início do processo de verticalização e adensamento no Altiplano Cabo
Branco, grande parte das relações capitalistas de produção dos imóveis residenciais
ocorria por encomenda, isto é, por uma demanda específica através de contratos
firmados entre os construtores e os proprietários dos lotes, para a construção de suas
residências. Após as alterações na legislação urbana referente a um setor do bairro,
as relações que passaram a predominar foram aquelas caracterizadas como produção
de mercado que, segundo Rufino (2016b, p. 121), ocorre “quando a produção da
habitação se organiza em sua totalidade por relações estritamente capitalistas e se
objetiva o mercado”.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 238
relação aos bairros próximos, por meio da criação de uma nova localização
privilegiada no espaço intraurbano de João Pessoa.
Ao analisar os empreendimentos produzidos nos dois bairros mencionados,
identificou-se uma tendência de diferenciação entre os empreendimentos lançados no
Gramame – condomínios horizontais, edifícios multifamiliares, habitação de interesse
social produzida pelo Estado – e, ao mesmo tempo, uma tendência de
homogeneização relacionada aos empreendimentos lançados no Altiplano Cabo
Branco “Nobre” – condomínios-clubes, com diversos equipamentos e serviços,
construídos com alto-padrão construtivo e semelhantes soluções projetuais, o que
reafirma por sua vez a segregação socioespacial ao serem produzidas para um grupo
social específico.
Contudo, apesar de serem processos essencialmente diferentes e separados
espacialmente, ambos fazem parte de um único mercado e estão articulados
coletivamente no espaço intraurbano de João Pessoa.
Jaramillo (2009), com base na Semiologia, afirma que a cidade, tal como a
linguagem, consiste em uma articulação coletiva composta por articulações
individuais. Deste modo, para se entender o espaço urbano deve-se considerar a
existência de uma ordem coletiva estruturada – um código - relativa aos usos nos
diversos setores/zonas do espaço construído:
De esta manera, cada lugar concreto en una ciudad, y por lo tanto
cada lote de terreno, tiene potencialidades diversas de sostener
procesos de consumo de espacio construido. Estas diferencias no
dependen en principio ni del constructor del espacio construido
tomado individualmente, ni de su usuario, ni del propietario del terreno:
esto está determinado por un proceso global que escapa al control de
cada uno de estos agentes particulares (p. 117).
Para além das divisões que estruturam o espaço urbano, deve-se ressaltar o
fato de que na produção do ambiente construído, neste início de século, estão
envolvidas, também, mudanças nos papéis desempenhados e nas interações
existentes entre os agentes urbanos, reorganizações no processo produtivo e
alterações nos produtos ofertados, que envolvem desde aspectos materiais a
questões simbólicas. Tais alterações influem diretamente na produção e no consumo
do espaço.
Nesse contexto, observou-se não apenas o relevante protagonismo do
incorporador na criação e promoção dos produtos ofertados, mas a atuação de novos
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 240
aparência imparcial, age segundo os interesses dos capitalistas, sendo portanto “[...]
um aliado necessário para a sua reprodução [do capital] frente à propriedade
imobiliária”, como complementa Botelho (2007, p. 83).
Com a análise dos preços do metro quadrado de terrenos, apartamentos e
casas comercializados ao longo dos três primeiros meses dos anos 2005, 2010 e 2015
em João Pessoa com base nos dados obtidos nas guias de ITBIs emitidas pela PMJP
foi possível visualizar os movimentos de valorização referentes a tais bens imóveis
localizados por bairros.
De modo geral, houve aumento dos preços dos imóveis em praticamente todos
os bairros da cidade, contudo, algumas especificidades devem ser ressaltadas. Na
Zona Sul, apesar do preço do solo ser mais barato, os imóveis apresentaram em
média um percentual de aumento de preço consideravelmente maior que os bairros
da Zona Norte, área onde se localizam os terrenos mais caros da cidade (Tab. 14).
89
Não foram atribuídos percentuais médios de valorização para alguns bairros, pois não
houve transações comerciais suficientes referentes aos imóveis neles situados, durante o
recorte temporal utilizado na coleta de dados de ITBIs, para a realização dos cálculos dos
percentuais. Alguns desses bairros, também, não apresentaram novas construções por se
tratarem de áreas de preservação ambiental.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 242
Figura 49 - Mapa de João Pessoa com valorização percentual do m² de terrenos por bairro
(2005-2015)
Centro
Altiplano
Gramame
90
Não foi possível obter o percentual médio de valorização do bairro Altiplano Cabo Branco,
pois não houve transações comerciais de apartamentos localizados no bairro entre os meses
pesquisados de 2005.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 243
Centro
Altiplano
Portal do
Sol
Gramame
fictício, passa a ser cada vez mais suplantada e impulsionada também através da
atuação de tais agentes, que se beneficiam com os sobreganhos de localização.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 248
CONCLUSÕES
histórico, porém essencialmente diferente dele, nos mais variados aspectos: desde o
seu processo histórico de formação e consolidação, até a sua morfologia, seu
conteúdo e suas funções urbanas.
Por se tratar de um processo recente, ainda em formação, muitas são as
questões e os aspectos a serem levantados e analisados a seu respeito: quais tipos
de estabelecimentos comerciais e de serviços que se instalam nesses espaços
periféricos e por que o fazem? Existe um padrão de ocupação e localização utilizado
neles? Quais os agentes privados responsáveis pela implantação de tais edificações?
Quem são os proprietários dos estabelecimentos? Quais os grupos sociais que
frequentam ou utilizam tais estabelecimentos?
Além disso, cabe também questionar as recentes mudanças e permanências
relativas ao centro principal e histórico, abrangendo também os agentes que nele
atuam, os usos do solo que perduram e/ou resistem, as políticas e os programas
voltados para a sua manutenção e ocupação, suas funções urbanas e sua ocupação.
Deste modo, apesar da confirmação da tese ora proposta, a constatação de
uma redefinição da centralidade no espaço intraurbano, produzida sob uma nova
lógica, com nova forma e conteúdo, em um curto intervalo de tempo, expande as
possibilidades de investigação acerca das repercussões do intenso processo de
produção imobiliária e sua capacidade de controle dos usos do solo e de monopólio
das localizações.
O IMOBILIÁRIO E A REESTRUTURAÇÃO URBANA: a cidade de João Pessoa/PB no século XXI 256
REFERÊNCIAS
IBGE. Censo Demográfico: 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. Disponível em:
<https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-demografico/demografico-2000/inicial>.
Acesso em: 02 nov. 2017.
LAVIERI, J. R.; LAVIERI, M. B. F. Evolução urbana de João Pessoa – pós 60. In:
GONÇALVES, R. C.; LAVIERI, M. B. F.; LAVIERI, J. R.; RABAY, G. (Org.). A
questão urbana na Paraíba. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1999. p. 39-66.
__________. Para entender a crise urbana. São Paulo: Expressão Popular, 2015.