Metodos em Demografia

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Ana Isabel Ribeiro

Título
Métodos em Demografia

Autor
Ana Isabel Ribeiro

Editor
Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto
Rua das Taipas 135, 4050-600 Porto
(+351) 222 061 820

Design
Rogério Ribeiro

ISBN
978-989-35351-0-3

Todos os direitos estão reservados


O conteúdo deste livro não pode ser reproduzido, exibido, publicado ou redistribuído sem
a prévia autorização dos autores.
MÉTODOS
EM DEMOGRAFIA
Ana Isabel Ribeiro
ÍNDICE
9 ÍNDICE DE FIGURAS
11 ÍNDICE DE TABELAS
14 AGRADECIMENTOS
16 PREFÁCIO

Capítulo 1:
18 INTRODUÇÃO À DEMOGRAFIA
18 Definição e objeto de estudo
20 História da demografia: das contagens à consolidação da demografia
25 Teorias da população
30 Teoria da transição demográfica
34 Transição epidemiológica
36 Bibliografia e leituras complementares

Capítulo 2:
38 DADOS DEMOGRÁFICOS: FONTES DE QUALIDADE
39 Recenseamentos
39 Aspetos gerais
43 Os recenseamentos em Portugal
47 Alternativas aos recenseamentos tradicionais
49 Registo civil
49 Aspetos gerais
51 Registo civil em Portugal
52 Estatísticas sobre as migrações
54 Inquéritos demográficos domiciliares
54 Inquéritos temáticos
56 Estimativas da população
56 Dados secundários internacionais
57 Qualidade da informação
57 Equação de concordância
57 Razão de masculinidade nos nascimentos
59 Qualidade de dados de idade
59 Índices de preferência digital
59 Índice básico de preferência digital
60 Índice de Whipple
62 Índice combinado de Myers
64 Métodos de redução do problema e ajustamento dos dados imperfeitos
65 Bibliografia e leituras complementares
66 Exercícios práticos

Capítulo 3:
68 COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO POR SEXO E IDADE
69 Idade
69 Pirâmide etária
74 Índices-resumo e grupos funcionais
76 Idade mediana
78 Índice de dissimilaridade
80 Sexo
81 Bibliografia e leituras complementares
82 Exercícios práticos

Capítulo 4:
84 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO
84 Divisões territoriais
85 Densidade populacional
86 Distribuição absoluta e percentual
86 Rankings
87 Índice de redistribuição
88 Índice de concentração
90 Urbanização e definição de áreas urbanas
91 Mapeamento da população e Sistemas de Informação Geográfica
94 Bibliografia e leituras complementares
95 Exercícios práticos
Capítulo 5:
96 COMPOSIÇÃO SOCIOECONÓMICA E CULTURAL
96 Características etnoculturais
96 Raça e etnia
97 Língua
98 País de nascimento e nacionalidade
98 Religião
99 Características socioeconómicas
99 Escolarização
101 Analfabetismo
102 Escolaridade
103 Condição perante o trabalho
104 Setor de atividade
105 Ocupação
105 Situação na profissão
106 Rendimento
106 Índices multivariados
108 Índice de diversidade
109 Índice de segregação
110 Índice de GINI e curva de Lorenz

Capítulo 6:
116 CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO
116 Componentes do crescimento da população
119 Projeções e modelos de crescimento populacional
119 Crescimento aritmético
121 Crescimento geométrico
122 Crescimento exponencial
124 Crescimento logístico
124 Método das componentes
125 Bibliografia e leituras complementares
126 Exercícios práticos
Capítulo 7:
128 MORTALIDADE
128 Considerações gerais
129 Causas de morte e classificação internacional das doenças
131 Taxa bruta de mortalidade
132 Taxas específicas de mortalidade
133 Taxa bruta de mortalidade e proporção de mortes por causa
134 Padronização de taxas
134 Método direto de padronização
139 Método indireto de padronização
141 Comparação entre métodos
142 Comparação de taxas
142 Contingência dos pequenos números
144 Mortalidade mensal
145 Mortalidade materna e infantil
149 Bibliografia e leituras complementares
150 Exercícios práticos

Capítulo 8:
154 FECUNDIDADE, REPRODUÇÃO E NUPCIALIDADE
155 Taxa bruta de natalidade
156 Razão criança-mulher
156 Taxa de fecundidade geral
156 Taxa específica de fecundidade
157 Índice sintético de fecundidade
158 Reprodução
159 Nupcialidade e divórcio
160 Bibliografia e leituras complementares
161 Exercícios práticos
Capítulo 9:
164 MIGRAÇÕES
164 As migrações ao longo da história
166 Especificidade das migrações como fenómeno demográfico
168 Taxa bruta de emigração
169 Taxa bruta de emigração temporária
169 Taxa bruta de imigração
169 Taxa de crescimento migratório
170 Atratividade populacional por município e região em Portugal

Capítulo 10:
174 ESPERANÇA DE VIDA
174 Enquadramento histórico
176 Conceitos introdutórios
177 Construção de tábuas de mortalidade completas
185 Construção de tábuas de mortalidade abreviadas
190 Bibliografia e leituras complementares
191 Exercícios práticos

Capítulo 11:
194 SAÚDE E MORBILIDADE
194 Esperança de vida saudável
197 Prevalência e incidência
199 Anos de vida potencialmente perdidos
199 Método usando o limiar etário dos 70 anos
201 Método usando a esperança de vida
203 Anos de vida vividos com incapacidade
204 DALYs, Disability-Adjusted Life Years
204 QALY, Quality-adjusted life years
206 Bibliografia e leituras complementares
207 Exercícios práticos

210 CORREÇÃO DOS EXERCÍCIOS PRÁTICOS


221 PIRÂMIDES ETÁRIAS USANDO MICROSOFT EXCEL
224 MAPEAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO USANDO QGIS
ÍNDICE DE FIGURAS
20 Figura 1. Interações entre as diversas componentes da demografia.

21 Figura 2. Evolução da população mundial (em milhões) nos últimos 12 mil anos
(Fonte dos dados: Roser, Ritchie & Ortiz-Ospina (2013)).

23 Figura 3. Evolução da população francesa entre 1350 e 1770


(Fonte dos dados: Dupâquier (1988)).

28 Figura 4. Teoria da População de Malthus.

32 Figura 5. Representação esquemática das fases da Teoria de Transição Demográfica

47 Figura 6. Métodos usados na Europa para enumerar a população entre 2010 e 2011
(Fonte dos dados/adaptado de: Valente (2010)).

63 Figura 7. Proporção (%) de idades terminadas em cada um dos dígitos


(Government of Nepal, 2012).

70 Figura 8. Pirâmide etária da população portuguesa à data dos censos 2011


(Fonte dos dados: INE).

70 Figura 9. Pirâmide etária sobreposta da população portuguesa à data dos censos


2011 (barras a cheio) e população mundial em 2011 (Fonte dos dados: INE e ONU).

71 Figura 10. Gráfico circular e gráfico de área representando a população portuguesa


por ciclos de vida (Fonte dos dados: INE).

72 Figura 11. Pirâmide etária típica de cada fase da transição demográfica.

72 Figura 12. Pirâmide etária da população italiana em 1931


(Fonte dos dados: Instituto Nacional de Estatística Italiano, ISTAT).

73 Figura 13. Pirâmide etária da freguesia das Lajes na ilha Terceira em 2001
(Fonte dos dados: INE).

73 Figura 14. Pirâmide etária da freguesia de Santo André em Santiago do Cacém em


2011 (Fonte dos dados: INE).

93 Figura 15. Diferentes tipos de mapas: densidade de pontos, coropleto, símbolos


proporcionais e mapa de fluxos.

111 Figura 16. Curva de Lorenz para o índice de GINI com base na escolaridade no
município do Porto.

120 Figura 17. Reta representando um crescimento aritmético.

121 Figura 18. Linha quebrada (quase curva) representando um crescimento geométrico.

122 Figura 19. Curva representando um crescimento exponencial.

124 Figura 20. Curva representando um crescimento logístico.


136 Figura 21. Estrutura etária de diferentes populações padrão.

146 Figura 22. Categorização das taxas de mortalidade infantil e fetal.

157 Figura 23. Taxas específicas de fecundidade em Portugal, entre 1971 e 2020
(Fonte dos dados: INE).

167 Figura 24. Número anual de emigrantes portugueses, por sexo (1970-1988)
(Fonte dos dados: INE).
ÍNDICE DE TABELAS
26 Tabela 1. Cronologia de algumas das principais conceções em torno do
crescimento demográfico (Inspirada em Weeks (2012) e Bandeira (1996)).

40 Tabela 2. Tópicos a incluir nos censos de acordo com as recomendações das


Nações Unidas (Fonte da informação: ONU (2017)).

43 Tabela 3. Principais contagens, numeramentos e “recenseamentos” em Portugal


anteriores a 1864 (Fontes: Morais & Alarcão (1976), Valério (2001)).

44 Tabela 4. Lista de recenseamentos modernos em Portugal (1864-2021)


(Fonte: INE (2009-2014)).

50 Tabela 5. Tópicos prioritários no registo de nascimentos e óbitos segundo as


Nações Unidas (Fonte: ONU (2014)).

54 Tabela 6. Alguns dos inquéritos temáticos realizados em Portugal.

63 Tabela 7. Exemplificação do cálculo do índice de Myers.


(Fonte: Government of Nepal, 2012).

75 Tabela 8. Índices-resumo da estrutura etária da população


(Fontes: Rowland (2013) e Nazareth (2014)).

77 Tabela 9. Idade das vítimas de cancro da mama em Portugal no triénio 2015-2017


(Fonte dos dados: INE).

79 Tabela 10. Exemplificação do cálculo do índice de dissimilaridade


(Fonte dos dados: INE).

86 Tabela 11. Ranking da população portuguesa por distritos em 1991 e 2011


(Fonte dos dados: INE).

88 Tabela 12. Exemplificação do cálculo do índice de redistribuição em Portugal entre


1991 e 2011 (Fonte dos dados: INE).

89 Tabela 13. Exemplificação do cálculo do índice de concentração em Portugal em


2011 (Fonte dos dados: INE).

100 Tabela 14. Indicadores de escolarização mais utilizados.

105 Tabela 15. Grandes Grupos da Classificação Portuguesa das Profissões (CPP/2010)

107 Tabela 16. Alguns dos índices de privação socioeconómica mais utilizados
atualmente (Fontes da informação: UK Data Service (2012-2021);
Ribeiro et al (2017); Ribeiro et al (2018); Rey et al (2009)).

108 Tabela 17. Exemplificação do cálculo do índice de diversidade


(Fonte dos dados: INE).

109 Tabela 18. Exemplificação do cálculo do índice de segregação


(Fonte dos dados: INE).
111 Tabela 19. Exemplificação do cálculo do índice de GINI com base na escolaridade
no município do Porto (Fonte dos dados: INE).

123 Tabela 20. Comparação de taxas e tempos de duplicação para vários modelos
de crescimento.

130 Tabela 21. Classificação de doenças proposta por Graunt (Fonte: Laurenti (1991)).

131 Tabela 22. Classificação de doenças de Bertillon.

134 Tabela 23. Óbitos por causa de morte (% em relação ao total) em Portugal nos
anos de 2018 e de 1930 (Fontes: INE; Rodrigues, Moreira & Henriques (2010)).

135 Tabela 24. Estatísticas necessárias para o cálculo das taxas específicas de
mortalidade: população e óbitos por grupo etário (Fonte dos dados: INE & Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística).

138 Tabela 25. Exemplo de padronização de taxas de mortalidade por idade pelo
método direto.

139 Tabela 26. Exemplo de padronização de taxas de mortalidade pelo método direto,
usando duas variáveis de padronização (sexo e idade) (Fonte: Rowland (2003)).

141 Tabela 27. Exemplo de padronização de taxas de mortalidade pelo método indireto.

142 Tabela 28. Vantagens e desvantagens de cada um dos métodos de padronização.

143 Tabela 29. Exemplo ilustrativo do Problema dos Pequenos Números


(Fonte dos dados: INE)

145 Tabela 30. Indicadores de mortalidade mensal em Portugal ao longo do ano de 2013
(Fonte dos dados: INE).

158 Tabela 31. Cálculo do índice sintético de fecundidade com idades individuais e com
grupos quinquenais.

175 Tabela 32. Tábua de mortalidade de Graunt (Londres) (Fonte: Birch (1759)).

178 Tabela 33. Tábua de mortalidade completa para ambos os sexos, Portugal (2011-2013)
(Fonte de dados: INE).

186 Tabela 34. Tábua de mortalidade abreviada para ambos os sexos, Portugal (2011-2013)
(Fonte de dados: INE).

195 Tabela 35. Esperança de vida e esperança de vida saudável em Portugal (2014)
(Fonte dos dados: EUROSTAT).

196 Tabela 36. Exemplificação do cálculo da esperança de vida saudável para Portugal
2011-2013 (Fonte dos dados: INE & EUROSTAT).

198 Tabela 37. Causas do aumento ou diminuição da prevalência.


200 Tabela 38. Exemplificação do cálculo dos AVPP/YLL (Portugal, 2011-2013, ambos
os sexos) com base na diferença entre a idade do óbito e o limite de 70 anos
(Fonte dos dados: INE).

202 Tabela 39. Exemplificação do cálculo dos AVPP/YLL (Portugal, 2011-2013, ambos
os sexos) com base na diferença entre a idade do óbito e a esperança de vida
(Fonte dos dados: INE).

203 Tabela 40. Seis principais contributos para os anos de vida vividos com incapacidade
(AVI/YLD) em Portugal e no Mundo em 2018 (Fonte dos dados: Institute for Health
Metrics and Evaluation).
AGRADECIMENTOS

Este trabalho não teria sido possível sem a ajuda e colaboração de várias pessoas
e instituições.

Em primeiro lugar agradeço aos meus Professores da Licenciatura em Geografia da


Faculdade de Letras da Universidade do Porto por me terem dotado das ferramentas
demográficas básicas que tive a oportunidade de aplicar e maturar ao longo da minha
carreira científica e académica.

De seguida, agradeço ao Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e seu


presidente, Professor Doutor Henrique Barros. Foi nesta instituição que dei os primeiros
passos enquanto investigadora e docente da unidade curricular de Demografia. Agradeço
igualmente aos estudantes, cujo feedback constante durante as aulas me fez questionar
conceitos e interpretações e me ensinou a comunicar o conhecimento de uma forma
simples, mas rigorosa.

Agradeço também à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) pelo financiamento de


múltiplas bolsas e mais recentemente pela atribuição de um contrato de investigadora
(CEECIND/02386/2018), proporcionando-me a oportunidade de colaborar com várias
instituições internacionais de renome e de investir na minha carreira científica e pedagógica.

Finalmente agradeço à minha família, especialmente os meus pais, Ana Paula da Silva
Correia e José Rodrigues Ribeiro, pelo apoio incondicional, pelos conselhos e lições
de vida.

Um agradecimento especial ao meu pai, que teve a oportunidade de ler versões preliminares
deste livro e de dar as suas sugestões e críticas.

14
15
PREFÁCIO

Muitas pessoas pensam que a demografia é simplesmente matemática aplicada à contagem


das populações. Embora a componente quantitativa esteja subjacente à demografia,
na realidade a demografia é uma ciência fundamental para a compreensão da sociedade.
Como o sociólogo Auguste Comte afirmou, a “Demografia é o destino” (“Demography is
destiny”). Uma afirmação considerada por muitos como exagerada, mas que enfatiza a ideia
de que as transições demográficas têm um impacto profundo sobre as sociedades, podendo
gerar progresso e abundância, mas também crises e retrocessos.

Grande parte dos eventos marcantes da vida de um indivíduo – nascimento, casamento,


educação/formação, trabalho, gravidez, reforma e morte – são de natureza demográfica
e têm implicações na composição e no crescimento da população. De facto, quase todas
as questões que orientam as nossas vidas são questões intrinsecamente demográficas:
Em que ano nascemos? Com que idade iremos casar? Quantos filhos iremos ter e com
que idade? Quantos anos iremos viver ou qual a probabilidade de chegarmos aos 100 anos
de vida?

A demografia é o estudo da população humana. A demografia é uma disciplina por si


só, mas ela é também uma ferramenta ancilar de muitas ciências sociais e humanas,
desde a geografia, passando pela história, economia e sociologia, até à saúde pública
e à epidemiologia.

Com este livro pretendo promover e reforçar o conhecimento dos conceitos, métodos
e problemáticas em torno da população, visando alcançar uma audiência alargada, uma
vez que a demografia é uma ferramenta de análise de alunos e profissionais de vários
ramos científicos.

16
Em paralelo, este livro pretende colmatar uma lacuna no conhecimento, que é a quase
ausência de livros e materiais que aprofundem as teorias e ferramentas demográficas mais
caras à saúde pública. Apesar de existirem diversos livros nacionais e estrangeiros de
demografia, destacando-se, em Portugal, os trabalhos de J. Manuel Nazareth (Demografia.
A ciência da população, 2004) e de Mário Leston Bandeira (Demografia. Objeto, teorias
e os métodos, 2004), é patente uma escassez de recursos que se debrucem sobre as teorias
e métodos demográficos mais usados em saúde pública, que naturalmente estão centrados
no cálculo da morbilidade e da mortalidade.

Este livro resulta da minha experiência pedagógica enquanto docente de Demografia no


Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (Porto, Portugal) e na Universidade
Agostinho Neto (Luanda, Angola), onde lecionei demografia a profissionais e investigadores
de saúde pública, com diversos backgrounds, incluindo-se aqui médicos, enfermeiros,
engenheiros, geógrafos, nutricionistas, psicólogos, entre outros.

O livro divide-se em 11 capítulos e pretende fornecer uma visão teórica e instrumental da


ciência da população. Todos os capítulos começam com a exposição de conceitos e teorias
demográficas e terminam com a quantificação da dinâmica e do estado da população,
através da aplicação de métodos matemáticos sob a forma de exercícios práticos.

Ana Isabel Ribeiro


Porto, 2023

17
CAPÍTULO 1:
INTRODUÇÃO À DEMOGRAFIA

DEFINIÇÃO E OBJETO DE ESTUDO

Demografia é o estudo da população. Etimologicamente, o termo tem origem grega


e deriva da junção das palavras demos, povo ou população, e graphein, escrever. Embora
a palavra demografia já tivesse sido usada antes com um significado algo distinto1, foi
o estatístico belga Achille Guillard (1799-1876) quem, pela primeira vez, a usou para batizar
a área científica até então designada como estatística humana. Depois de a lançar no seu
artigo “Statistique humaine. Conservation des enfants, naissances frustrannées”, publicado
em 1854 na francesa Révue du XIXe Siècle, consagrou-a no ano seguinte na sua obra
fundamental “Eléments de statistique humaine, ou démographie comparée”. Em ambos os
contextos, Guillard define demografia como “o conhecimento matemático das populações,
dos seus movimentos gerais e do seu estado físico, civil, intelectual e moral”. É paradoxal
que o novo termo tenha sido mais rapidamente aceite pelos estatísticos alemães do que
pelos franceses.

Interessa ainda referir que, embora a paternidade do termo seja atribuída a Guillard, a origem
da demografia enquanto ciência é comumente atribuída ao inglês John Graunt (1620-1674)
com a publicação em 1662 da primeira obra de cariz demográfico, intitulada “Natural and
Political Observations upon the Bills of Mortality”.

1 Por exemplo, em 1839, um certo capitão Bonnet editou uma “demografia universal e europeia”, que consistia
numa tabela que permitia comparar simultaneamente a evolução cronológica dos acontecimentos nos vários
países (Bonnet, 1839).

18
Desde o início, a demografia tem sido definida de diferentes formas por diferentes autores,
quer usando definições sucintas, quer mais abrangentes, refletindo a expansão do âmbito
do seu estudo que, desde a segunda metade do século XX, tem vindo a tornar-se cada
vez mais diverso e complexo. Weeks (2002), por exemplo, define-a simplesmente como
“o estudo científico da população”, enquanto Ross (1982) conceptualiza a demografia
como “o estudo quantitativo das populações humanas e das mudanças resultantes dos
nascimentos, óbitos e migrações”.

Segundo Siegel & Swanson (2004), a demografia preocupa-se atualmente com cinco
aspetos chave da população humana:

• Tamanho: número de unidades (pessoas) na população num dado momento e local.

• Distribuição: organização da população no espaço num dado momento, do ponto de


vista geográfico e/ou de acordo com a pertença a um determinado tipo de aglomerado
populacional (ex.: urbano vs. rural).

• Composição demográfica: num sentido lato, refere-se à distribuição da população por


sexo e idade, mas num sentido mais alargado aqui se incluem também características
sociais e económicas. De facto, o conceito de variável demográfica não é consensual.
Todos os demógrafos concordariam que idade, sexo, raça, ano e local de nascimento são
características demográficas. Estas características habitualmente não mudam (ou mudam
de forma previsível) ao longo da vida dos indivíduos. Porém, são também estudadas
em demografia certas características sociais e económicas, como a nacionalidade,
a escolaridade, o rendimento ou o estado civil, que podem mudar ao longo da vida de
cada um. Alguns defendem ainda que variáveis demográficas são todas aquelas sobre
as quais são feitas perguntas no censo da população.

• Dinâmica da população: diz respeito ao crescimento da população e às suas


componentes. As componentes da dinâmica da população incluem os nascimentos, os
óbitos e as migrações. Porém, num sentido mais alargado, incluem-se aqui o casamento
e o divórcio, como processos que influenciam os nascimentos e a formação e dissolução
familiares; e ainda a doença ou morbidade, como processo que influencia a mortalidade.

• Determinantes e consequências da dinâmica da população: num sentido mais amplo


(e aqui a demografia é muitas vezes rotulada “estudos populacionais” ou “demografia
aplicada”), a demografia também envolve o estudo da relação entre a dinâmica
da população e variáveis de ordem socioeconómica, política, biológica, genética
e geográfica. Um exemplo disso é o estudo dos determinantes sociais e económicos que
explicam a queda da fecundidade e as consequências sociais desse declínio.

Interessa referir que estes cinco aspetos estão interligados e influenciam-se mutuamente.
Por exemplo, os baixos níveis de fecundidade causados por mudanças sociais e culturais
alteram a composição da população, tornando-a mais envelhecida e reduzida em termos de
dimensão, o que pode gerar múltiplas consequências sociais e económicas. Esta relação
intricada entre diferentes dimensões da demografia está patente na Figura 1.

19
Mortalidade e natalidade

Movimentos migratórios

Dinâmica da população

Composição etária

Figura 1. Interações entre as diversas componentes da demografia.

Por outras palavras, a demografia envolve o estudo da população, da sua dimensão, estrutura
e distribuição espacial, e das alterações espaciais e temporais causadas por mudanças nos
padrões de fecundidade, migração e mortalidade. Assim, entender os fatores responsáveis
por essas alterações faz também parte do âmbito de estudo da demografia.

As populações podem ser estudadas num ponto temporal específico (o estado da população),
avaliando-se a sua estrutura, distribuição e dimensão, mas também ao longo do tempo
(a dinâmica da população), analisando-se o seu crescimento.

A demografia também reúne duas características que a distinguem de outras ciências


humanas. A primeira é que a demografia estuda grupos de indivíduos (populações)
e não indivíduos isolados. Em segundo lugar, a demografia é tendencialmente uma ciência
numérica e quantitativa, procurando descrever a população através de contagens, medidas
de tendência central, tabelas e gráficos.

Além dos demógrafos, profissionais de outras áreas – agronomia, economia, geografia,


história, biologia, saúde pública e epidemiologia, políticas sociais, entre outras – estão
igualmente interessados no estado e na dinâmica da população. Por esse motivo, muitos
demógrafos também são geógrafos, economistas, epidemiologistas, biólogos, etc. No fundo,
qualquer ciência social, centrada nas populações humanas, necessita de conhecer a sua
composição, dimensão e evolução. E, da mesma forma, qualquer atividade de planeamento
requer uma análise do crescimento, tamanho e composição da população.

Apesar de cada uma destas disciplinas ter linguagem própria, existe um conjunto de
conceitos e métodos que deverão constituir a língua franca de quem estuda as populações
humanas. Este livro, embora atribua uma maior ênfase aos métodos usados em saúde
pública, pretende igualmente precisar os conceitos e métodos chave da análise demográfica
na atualidade.

HISTÓRIA DA DEMOGRAFIA: DAS CONTAGENS À CONSOLIDAÇÃO DA


DEMOGRAFIA

A demografia enquanto disciplina nasce da constatação de que as estatísticas da população


revelam aspetos chave das sociedades humanas. O nascimento da demografia e a sua
consolidação andam de mãos dadas com o surgimento e a gradual melhoria das estatísticas
da população, nomeadamente dos recenseamentos e dos registos de eventos vitais
(nascimentos, óbitos). Estes progressos nas estatísticas populacionais são relativamente
recentes – basta pensar que o primeiro recenseamento moderno surge apenas no século
XVIII – mas a prática de contagens e de registos de população data da Antiguidade.

20
De facto, as primeiras preocupações com a contagem das populações surgiram com
as grandes civilizações e impérios - sumérios, egípcios, gregos e romanos - pois, até
então, a contagem da população não suscitava interesse dada a sua reduzida dimensão
e o crescimento incipiente.

Durante muito tempo, a dispersão condicionada pelo clima e pela capacidade do homem
nómada em lidar com a Natureza manteve bastante baixos os efetivos populacionais
(Figura 2). Outro motivo tem a ver com o estilo de vida caçador-coletor envolver a recolha
dos alimentos que a Natureza espontaneamente oferece. Ora, esta só pode comportar
um número relativamente reduzido de indivíduos até atingir a sua capacidade de carga -
o tamanho populacional máximo que o meio ambiente pode sustentar indefinidamente de
forma a atender às necessidades de alimento, habitat e água, entre outras.

Fazendo a possível reconstituição da população mundial desde o aparecimento da nossa


espécie até ao Neolítico, ou seja, há 10 000 anos atrás, os dados existentes sugerem que
esta nunca tenha ido além dos 4 milhões (McEvedy & Jones, 1978), o que é equivalente
a uma densidade populacional de 0,03 habitantes por quilómetro quadrado. A nossa espécie
remonta ao Paleolítico (200 a 130 mil anos a. C.), com o aparecimento em África do Homo
sapiens. A escassez de comida, causada pelas alterações climáticas, desencadeou as
grandes migrações para a Ásia, para a Europa (onde durante muitos milhares de anos
coexistiu com o muito mais antigo Homo neanderthalensis) e, há cerca de 12 mil anos, para
o continente americano.

7700 milhões em 2019

7000 milhões 7000 milhões em 2011

6000 milhões 6000 milhões em 1999

5000 milhões 5000 milhões em 1987

4000 milhões 4000 milhões em 1975

3000 milhões 3000 milhões em 1960

2000 milhões 2000 milhões em 1928


1650 milhões em 1900

1000 milhões 990 milhões em 1800


600 milhões em 1700

10,000 BCE 8,000 BCE 6,000 BCE 4,000 BCE 2,000 BCE 0 2000

Figura 2. Evolução da população mundial (em milhões) nos últimos 12 mil anos (Fonte dos dados:
Roser, Ritchie & Ortiz-Ospina (2013)).

21
No Mesolítico (por volta de 10 000 a.C.), o grande crescimento das zonas florestadas obrigou
o homem a procurar as regiões à beira dos lagos, dos rios e dos mares, condições que
favoreceram a invenção da agricultura e a sedentarização. A riqueza em recursos alimentares
e madeireiros levou ao fabrico de utensílios e propiciou o crescimento demográfico.
No Neolítico (entre 8 000 e 5 000 a.C.), fruto da melhoria das condições de alimentação
e de habitação decorrentes da sedentarização da população e do surgimento da agricultura,
a população começou a crescer a um ritmo mais acelerado, crendo-se aliás que as primeiras
cidades no Médio Oriente já tenham surgido por volta de 9000 a.C.

É nesta época, com a fundação dos grandes impérios, que surgem as primeiras contagens
da população. O número de habitantes era uma questão de extrema importância para os
impérios: quanto maior a população, maior o poder militar e maiores as receitas fiscais,
pelo que o Estado precisava de realizar regularmente contagens da população. Existe
controvérsia na identificação do primeiro recenseamento (ou censo) dos tempos antigos2,
uma vez que os registos desapareceram e as menções existentes são essencialmente de
carácter literário, pelo que pouco se sabe ainda acerca da dinâmica populacional neste
período da história.

No Egipto Antigo consta que, na primeira dinastia, cerca de 3 mil anos antes da nossa era,
terá tido lugar um dos primeiros recenseamentos da história, seguido de recenseamentos
bienais e anuais nas dinastias seguintes (Nazareth, 2004). Outros defendem que o primeiro
censo foi realizado na China - em 2238 a.C., o imperador Yao mandou realizar um censo da
população e das lavouras cultivadas (INE, 2009-2014). Há também registos de um censo
do povo judaico no tempo de Moisés, cerca de 1700 a.C., e de recenseamentos anuais
realizados pelos egípcios, no século XVI a.C. (INE, 2009-2014).

É, contudo, aos romanos que devemos o termo recenseamento (de censere, ou seja,
estimar). Os romanos realizaram o seu primeiro recenseamento no século VI a. C., repetindo-
se a operação durante mais de 500 anos com periodicidade quinquenal, ocasionalmente
interrompida por guerras e perturbações políticas, tendo fins principalmente militares
e fiscais (Nazareth, 2004).

As vicissitudes – guerras e invasões, epidemias e alterações climáticas – que acompanharam


o fim do Império Romano (séculos IV e V), e que tiveram correspondência na Ásia Oriental,
levaram ao declínio da população mundial. Esta tendência de declínio populacional sofre
uma inversão apenas a partir do século VII, motivada pelo Ótimo Climático Medieval3,
por desenvolvimentos na agricultura e pela consolidação da sociedade medieval e do
cristianismo, religião que condenava a contraceção e o aborto (amplamente usados na
sociedade romana).

2 Não confundir estes recenseamentos com os recenseamentos modernos, exaustivos, com periodicidade
decenal e assentes em princípios rígidos. Os recenseamentos como os conhecemos atualmente surgem apenas
no século XVIII.
3 Período que se estendeu entre 900 e 1250, aproximadamente, e que se caracterizou por temperaturas
bastante acima do habitual, especialmente no Hemisfério Norte. Seguiu-se-lhe a chamada Pequena Idade do
Gelo, que – com interrupções – se estendeu até à Revolução Industrial.

22
Embora, após a queda do Império Romano, a prática de contagens populacionais fosse
pouco comum, na Idade Média (e sobretudo na Baixa Idade Média) realizaram-se diversas
contagens na Europa que merecem menção. No reinado de Carlos Magno (768-814)
e nas repúblicas italianas, séculos XII e XIII, tiveram também lugar contagens da população.
No século XI efetuou-se na Inglaterra o maior registo estatístico da época (finalizado em
1086), o Doomsday Book, encomendado por Guilherme, o Conquistador, com vista a estimar
a quantidade de impostos.

Na Península Ibérica, em Portugal, após a aquisição da nacionalidade tivemos, por exemplo,


no século XIII o Rol de Besteiros de D. Afonso III, continuado por D. João I, quase dois
séculos depois, culminando em 1527 no numeramento dos fogos realizado sob as ordens
de D. João III; na Catalunha, então parte da Coroa de Aragão, houve também vários censos
de fogos nos séculos XIV e XV; em Castela e Valência, já no século XVI, tiveram lugar os
chamados vecindarios.

O crescimento populacional da Baixa Idade Média (1000-1250) foi interrompido no século


XIV pelo regresso das epidemias – a peste negra, com os seus surtos recorrentes – e pelas
más colheitas causadas pelos longos invernos que caracterizaram a época. A peste negra
chega à Europa por volta de 1348. No continente africano, atingiu apenas a zona norte
(Marrocos, Argélia, Tunísia, Egipto e Líbia). Na Europa matou entre 30 a 60% da população
e, em Portugal, crê-se que a peste tenha matado um terço dos residentes.

30000000

25000000

20000000

15000000

10000000

5000000

0
1350

1400

1457

1500

1550

1560

1580

1600

1620

1650

1680

1700

1715

1730

1740

1750

1760

1770

Figura 3. Evolução da população francesa entre 1350 e 1770 (Fonte dos dados: Dupâquier (1988)).

23
Embora nenhuma dessas epidemias tenha sido tão mortal como a primeira, a doença
voltou à Europa em cada geração até ao início do século XVIII. Porém, ao contrário do que
sucedera antes, as crises de mortalidade que marcaram o período 1350-1750 não impediram
o crescimento dos efetivos populacionais mundiais, ainda que de forma irregular e bastante
moderada, como se vê na Figura 3, referente a França. Foi com estas sucessivas crises de
mortalidade que ressurgiu o interesse na dinâmica da população.

Foi também por esta altura, mais concretamente no século XVI, em consequência da
Reforma, que se começaram a registar sistematicamente três eventos demográficos
essenciais: nascimentos, óbitos e matrimónios. Os registos paroquiais foram tornados
obrigatórios na Inglaterra em 1538, após a separação da Igreja de Roma, coincidindo no
tempo com a adoção dessa medida na Alemanha nas áreas de confissão luterana. Noutros
países protestantes, nomeadamente na Escandinávia, embora algumas paróquias por
iniciativa própria os fizessem há muito, só se tornaram universais no final do século XVII.
Por sua vez, no mundo católico, em 1563, o Concílio de Trento também decretou para os
párocos a obrigação de efetuar e manter atualizados registos dos batismos, casamentos
e sepulturas nos livros de assento paroquiais.

Em meados do século XVII, tirando partido do aparecimento destes registos, dá-se


o nascimento da demografia como ciência. John Graunt (1620-1674) é considerado o pai da
demografia, devido à sua obra “The Natural and Political Observations made upon the Bills
of Mortality” (1662) acerca da mortalidade em Londres, pioneira na aplicação de técnicas
quantitativas ao estudo de processos sociais. As Bills of Mortality, boletins semanais,
começaram a ser compiladas pelas paróquias londrinas no século XVI e continham
informação acerca das datas das sepulturas (e dos batismos) e, a partir de 1629, também
das causas da morte.

A obra de Graunt incidiu essencialmente nas causas de mortalidade, seguindo-se capítulos


com dados sobre fecundidade, migração, alojamentos e famílias. Foi nesta obra que se
divulgaram pela primeira vez um conjunto de leis demográficas ainda atuais, entre as quais
o excesso de nascimentos masculinos, a existência de padrões sazonais na mortalidade
e ainda a mortalidade em excesso no primeiro ano de vida. Graunt conseguiu inclusivamente
estimar a população de Londres da época, 384 mil habitantes, contrariando a opinião de
muita gente que acreditava que esta atingia a casa dos milhões.

Além disso, Graunt construiu a primeira, ainda que rudimentar, tábua de mortalidade (tema
explorado no capítulo 10), hoje amplamente usada para o cálculo da esperança de vida.
Importa referir que ele não detinha qualquer educação formal na área e trabalhou grande
parte da vida como comerciante de roupas e tecidos. Depois da publicação desta obra, foi
em 1662 eleito membro da Royal Society, instituição destinada à promoção do conhecimento
científico fundada em 1660 em Londres. Com Graunt e o impulso do seu discípulo William
Petty (1623-1687), dá-se ainda o nascimento da chamada aritmética política, desenvolvida em
torno da Royal Society, que consiste no estudo das estatísticas económicas e demográficas
dos países e estados.

24
Apesar da mencionada longa história de contagens populacionais, estas tinham
essencialmente fins fiscais, militares e religiosos, não fornecendo, portanto, uma visão
global do estado da população. Em contrapartida, os recenseamentos modernos obedecem
a normas estritas e universais, devendo ter uma periodicidade fixa, ser exaustivos, enumerar
toda a população e ser realizados por um organismo e um pessoal especializados. Foi no
século XVIII, com a expansão da aritmética política e a noção de que as estatísticas são
factos indispensáveis às sociedades modernas, que a ideia de recenseamento e da melhoria
das estatísticas nacionais se impôs (Bandeira, 2004). O primeiro recenseamento moderno
ter-se-á realizado na Suécia/Finlândia (1749), estendendo-se de seguida à Noruega em
1760 e à Dinamarca em 1769. Os EUA seguiram o exemplo nórdico, com a realização de
recenseamentos obrigatórios desde 1790.

Na primeira metade do século XIX, encontramos assim as condições ideais para


a consolidação da demografia. Um dos personagens mais marcantes dessa época foi
o médico inglês William Farr (1807-1883), responsável pelo General Register Office, que
teve um papel fulcral na melhoria das estatísticas vitais, na organização de recenseamentos,
no desenvolvimento de sistemas de classificação de dados estatísticos e ainda na introdução
de métodos e conceitos demográficos essenciais na atualidade, como são a população
média, a probabilidade de morte e de sobrevivência e a taxa de mortalidade, entre outros
(Bandeira, 2004). Nesses tempos, a demografia dedicava-se essencialmente ao estudo da
mortalidade e do crescimento demográfico. O interesse pela fecundidade e nupcialidade
surgiu mais tarde, já no final do século XIX e princípios do século XX.

Como se referiu no capítulo introdutório, na atualidade, a demografia expandiu o seu âmbito


e adquiriu um carácter mais explicativo, procurando cada vez mais perceber a relação
entre os fenómenos demográficos e as circunstâncias biológicas, sociais e económicas das
sociedades. Paralelamente, abriu-se a novos temas e questões e a novas áreas do saber,
entre as quais a saúde pública. Tal não implicou perda de identidade enquanto ciência,
antes pelo contrário, mas sim avanços metodológicos e concetuais resultantes da exposição
a novos problemas e desafios.

TEORIAS DA POPULAÇÃO

Para lidar com problemas populacionais é fundamental compreender os “porquês” e os “para


quês” dos factos e dos números, ou seja, é necessária uma perspetiva demográfica que
relacione os factos com teorias sobre como o mundo funciona demograficamente. Embora
a demografia seja uma ciência de natureza técnica centrada no desenvolvimento e na
aplicação de modelos matemáticos e biomédicos ao estudo da dinâmica da população, tem
também um lado teórico (não menos importante) que relaciona os processos demográficos
(crescimento, natalidade, mortalidade, migrações) com eventos reais de cariz social.

A história da demografia foi acompanhada de debates teóricos acerca do crescimento


demográfico, uns defendendo que o crescimento da população é benéfico (populacionistas),
outros sugerindo que pode ser prejudicial ao desenvolvimento social e económico
(antipopulacionistas). A Tabela 1 apresenta de forma esquemática e cronológica a evolução
das principais perspetivas doutrinárias em torno do tema do crescimento da população.

25
Tabela 1. Cronologia de algumas das principais conceções em torno do crescimento demográfico
(Inspirada em Weeks (2012) e Bandeira (1996)).

Data Doutrina Autor/Acontecimento

1300 a.C. “Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra.” Génesis (Antigo Testamento)

Promoção do crescimento populacional, mas também do


500 a.C equilíbrio entre população e recursos, recorrendo Confúcio
a migrações organizadas.
Estabilidade na quantidade e na estrutura social da
360 a.C. Platão
população.
340 a.C. Número de crianças deve ser limitado por lei. Aristóteles
Crescimento da população necessário para a expansão de
50 a.C Cícero
Roma.
100 Preocupação com a diminuição da natalidade em Roma. Plínio o Jovem
Defesa do casamento e da procriação, mas também da
400 Santo Agostinho
abstinência para os não-casados.
1280 Celibato não é melhor que o casamento e a procriação. São Tomás Aquino
Crescimento populacional fomenta a prosperidade
1377 Ibn Khaldun
económica, ao aumentar tanto a oferta, como a procura.
O poderio económico de uma nação depende da sua
1500-1800 capacidade produtiva exportadora e esta aumenta com Mercantilismo
a população.
A maior das riquezas que qualquer país pode possuir
1615 Montchrestien
é a inesgotável abundância dos seus homens.
O tamanho da população depende da produtividade
1700-1800 Fisiocratismo
da terra, que assegura os meios da subsistência.
O crescimento populacional é mais rápido que o dos
1793 Hong Liangji
recursos alimentares.
O progresso tecnológico e uma melhor distribuição
1793-1795 da riqueza permitirão a continuação do crescimento Godwin e Condorcet
populacional.
A população cresce exponencialmente, enquanto os
1798 recursos alimentares crescem aritmeticamente. Resultado: Malthus
pobreza.
Diminuição do apoio aos pobres no Reino Unido.
1834 Revisão das “Poor Laws”
Separação dos casais nas workhouses.
A pobreza não é consequência do crescimento populacional,
1844 Karl Marx
mas sim da sociedade capitalista.
Defesa da hereditariedade da inteligência e, por inerência,
1869 do melhoramento da espécie humana por procriação Francis Galton
seletiva.

Defesa do controle dos nascimentos e da contraceção,


Malthusian League
1877 por considerar que o excesso populacional é a causa da
(R.Unido)
pobreza.
Divisão dos países em 3 grupos em função dos seus
1929 Warren Thompson
padrões de crescimento populacional.
1930s Liberalização do uso do preservativo. EUA e Europa Ocidental
Teoria da transição demográfica: todos os países passam
1945 Frank Notestein
por sucessivas fases de crescimento populacional.
“The Population Bomb”: a superpopulação leva ao
1968 esgotamento dos recursos não renováveis e à degradação Paul Ehrlich
do meio-ambiente.
Teoria da transição epidemiológica: os estados de saúde
1971 Abdel Omram
e a dinâmica e estrutura populacionais estão interligados.

26
De facto, já na Antiguidade alternavam atitudes populacionistas e antipopulacionistas.
Confúcio (551-479 a.C.), Platão (428-348 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) consideravam que
o crescimento populacional excessivo baixava o nível de vida e levava à pobreza. Platão, por
exemplo, defendia a ideia de população estacionária, de crescimento zero, como uma forma
de garantir o desenvolvimento da nação, a democracia e a divisão do trabalho. Já para os
romanos, o poder de Roma e a extensão do seu império exigiam uma atitude populacionista.
Cícero (106-43 a.C.), por exemplo, referia que o crescimento da população assegurava
a substituição das perdas causadas pelas guerras e garantia que fosse possível colonizar
novos territórios. Do mesmo modo, os hebreus consideravam positivas a multiplicação
e a densidade populacionais.

A Idade Média na Europa, que se seguiu ao declínio de Roma e à sua transformação


de uma sociedade pagã numa sociedade cristã, foi marcada pelo triunfo das posições
populacionistas. A religião cristã defendia o casamento e a procriação – “crescei e multiplicai-
vos” – condenando sem apelo o divórcio, o aborto e o infanticídio. Porém, interessa referir
que a defesa da abstinência sexual e a exaltação do casamento preconizadas pelo mundo
cristão podem ser vistas como atitudes moderadamente populacionistas. Simultaneamente,
no mundo muçulmano defendia-se o crescimento da população, considerando que este
estimulava o desenvolvimento económico.

Na Idade Moderna, entre os séculos XV e XVII, dominada pelos ideais mercantilistas


e colonialistas, ainda dominava o ideal populacionista. A riqueza das nações e dos negócios
dependia da existência de um estado forte e um exército poderoso, o que era facilitado pela
existência de uma população numerosa. Esta posição não é de todo surpreendente visto
que, durante este período, o crescimento da população ainda era lento e constantemente
ameaçado por crises de mortalidade, causadas por epidemias, guerras e más colheitas.

A discussão em torno do crescimento da população e o reaparecimento de ideias


antipopulacionistas foram avivadas pela emergência da ciência demográfica e pelo grande
crescimento demográfico registado na Europa do século XVIII, em particular nas cidades,
como consequência da revolução industrial, que fez baixar a idade do casamento, e dos
progressos da medicina. Esta época foi marcada por um acelerado crescimento da população,
mas também pelo aumento da pobreza e das desigualdades sociais. O mercantilismo gerou
riqueza para uma pequena elite, mas não para a maioria das pessoas.

Foi neste contexto que Thomas Robert Malthus (1766-1834), um abastado economista
britânico, publicou em 1798 um livro que a posteridade irá conhecer pelo nome de
“Ensaio sobre o Princípio da População” e que reavivou o debate entre populacionistas
e antipopulacionistas. Claramente antipopulacionista, Malthus defendia que as consequências
do crescimento populacional seriam inevitavelmente a pobreza e a miséria, porque
a população acabaria por exceder a oferta de alimentos, devido ao instinto do ser humano
em se reproduzir.

Malthus preconizava a existência de duas “leis naturais” divergentes: a da população que,


quando não é travada, cresce em progressão geométrica (1, 2, 4, 8, 16, 32…) e a das
subsistências, que aumenta apenas em progressão aritmética (1, 2, 3, 4, 5, 6…). Malthus
formulou-as nos seguintes termos: “quando a população não é controlada duplica todos os

27
25 anos, crescendo de período em período, segundo uma progressão geométrica, enquanto
os recursos têm tendência a crescer em progressão aritmética.” (Nazareth, 2004).

A polémica em torno da sua obra acentuou-se com a segunda edição do ensaio e com
a inclusão do capítulo do “grande banquete da natureza”, onde Malthus abertamente
condenava a assistência aos pobres:

 “Um homem que nasce num mundo ocupado, se não lhe é possível obter dos seus pais
os meios de subsistência... e se a sociedade não tem necessidade do seu trabalho,
não tem direito a reclamar a mínima parte de alimentação e, na realidade, está a mais.
No grande banquete da natureza não existe talher disponível para ele; a natureza diz
para ele se ir embora e não tardará a executar esta ordem salvo se recorrer à compaixão
de alguns convivas do banquete. Se estes se apertarem para dar lugar, outros intrusos
se apresentarão reclamando os mesmos favores. A notícia de que existem alimentos
para todos os que chegam enche a sala de numerosas pessoas. A ordem e a harmonia
da festa são perturbadas, a abundância que reinava anteriormente transforma-se em
fome e a alegria dos convivas é aniquilada pelo espetáculo de miséria e de penúria que
reinarão em todas as partes da sala e pelos clamores inoportunos daqueles que estão
furiosos por não encontrarem os alimentos que lhes tinham prometido.”
 (retirado de Nazareth, 2004)

Ele acreditava que só seria possível ajustar a progressão da população à progressão


dos recursos, através do controlo dos nascimentos (o que ele chamava de obstáculos
preventivos, aqui se incluindo a abstinência e o casamento tardio) ou, se este fosse ineficaz,
de inevitáveis crises de subsistência (obstáculos positivos ou catástrofe malthusiana).
A Figura 4 representa esquematicamente as leis subjacentes à teoria da população de Malthus.

População

Produção alimentar
Quantidade

Catástrofe malthusiana

Tempo

Figura 4. Teoria da População de Malthus.

28
Praticamente contemporâneas e coincidentes com as teses de Malthus, foram as opiniões
expostas em 1793 na China por Hong Liangji, filósofo e conselheiro do imperador Jiaqing,
através do ensaio “Sobre a Governação e o Bem Estar do Império”, onde mostrava
preocupação com a insustentabilidade do rápido crescimento populacional do país, face ao
menor crescimento dos recursos alimentares, mas acreditava que o problema poderia ser
aliviado pelas consequências demográficas de catástrofes naturais como cheias, secas
e pestes.

Também na Ásia, mas no Japão, onde recenseamentos da população eram conduzidos


de seis em seis anos desde 1726, medidas antinatalistas que poderiam ter sido descritas
como malthusianas – envolviam nomeadamente o casamento tardio e o infanticídio –
e que eram motivadas pela escassez de recursos naturais próprios, agravada pela política
de isolamento exterior do Japão, foram drasticamente implementadas a partir do início do
século XVIII, assegurando deste modo um crescimento populacional zero durante mais de
um século (McEvedy and Jones, 1978).

A teoria da Malthus acabou por ser em grande medida desmentida no século XX, visto
que a população mundial não cresceu ao ritmo previsto (a natalidade nas grandes cidades
acabou por abrandar devido ao uso de métodos anticoncecionais) e inovações nos métodos
de produção agrícola e industrial melhoraram sensivelmente os níveis de abastecimento
e alimentação.

Interessa referir que, em simultâneo com Malthus, outros autores – como William Godwin
e Condorcet – defendiam o pensamento oposto, ou seja, que o progresso tecnológico,
conjugado com uma melhor distribuição da riqueza, iria permitir que o crescimento
populacional prosseguisse, sem que tal comprometesse o aumento do nível de vida.
No mesmo sentido, embora de uma forma mais radical, se pronunciaram os teóricos socialistas
e marxistas, defensores de uma sociedade sem classes. Como se esperaria, Karl Marx
e Engels discordaram profundamente da visão de Malthus e argumentaram que a melhoria
das condições de vida só seria alcançada através de mudanças na estrutura social –
passagem do capitalismo para o socialismo e o comunismo.

No final do século XIX e início do século XX, o malthusianismo renasceu (neomalthusianismo)


e as práticas de controlo de natalidade, agora ironicamente assentes na contraceção (que
Malthus condenava) e não na restrição moral, começaram a ser promovidas na Europa
e nos EUA. Surge a Malthusian League, criada em 1877 no Reino Unido, que promovia
a prática da contraceção e o planeamento familiar. A partir do Reino Unido, o movimento
alastrou a outros países, chegando aos centros urbanos portugueses no início do século XX.

Aproximadamente na mesma altura, influenciada pela teoria da seleção natural de Darwin,


surge a eugenia – designação atribuída por um dos seus fundadores, o estatístico britânico
Francis Galton (1822-1911) – que preconizava o aperfeiçoamento da espécie humana,
através de casamentos seletivos e da esterilização dos “unfit to reproduce”, designação
ampla que, tanto podia abranger criminosos, como pessoas com os mais diversos tipos de
deficiência, ou frequentemente também minorias étnicas. Embora a sua aplicação integral
mais sinistramente conhecida tenha ocorrido sob o regime nazi na Alemanha, algumas
medidas foram também implementadas nos EUA, na Suíça e na Escandinávia.

29
Em 1932 é publicado um livro polémico (“Admirável Mundo Novo” ) que via o sexo como uma
atividade recreativa e não reprodutiva. Embora as ideias neomalthusianas tenham circulado
essencialmente em círculos minoritários (feministas, anarquistas), foram progressivamente
assimiladas pelas sociedades, contribuindo (segundo alguns) para a queda dos níveis de
fecundidade nos países de alto rendimento.

Hoje, o debate sobre superpopulação continua. Apesar do cunho negativo associado ao


malthusianismo, as ideias de Malthus continuam a ser debatidas na atualidade, associadas
a ideologias ambientalistas de combate à degradação ambiental e desperdício. De facto,
a preocupação com os problemas ambientais trouxe mais atenção às consequências do
crescimento da população mundial. Exemplos famosos desse pensamento neomalthusiano
são as obras “The Population Bomb” (1968), de Paul R. Ehrlich e o relatório do Clube de
Roma, “Limits to Growth” (1972), escrito por uma equipa do MIT (Massachusetts Institute
of Technology). Ambos os trabalhos previram um desastre para a humanidade, devido ao
rápido crescimento da população, ultrapassando o suprimento de recursos.

As controvérsias acerca do crescimento populacional, iniciadas por Malthus e alimentadas


por Marx, deram também lugar a um conjunto de ensaios sobre a população durante os
séculos XIX e XX. O estatístico belga Adolphe Quételet (1796-1874) era da opinião que
o crescimento populacional geométrico não se poderia manter por um período de tempo
muito longo e o compatriota Pierre-François Verhulst (1804-1849) desenvolveu essa ideia,
sugerindo que o crescimento populacional seguia uma curva logística, ou seja, depois de um
aumento, a população tendia a estabilizar, a atingir um estado estacionário.

De diversos estudos sobre a dinâmica demográfica das populações europeias e da


constatação de que existiam desigualdades geográficas nos regimes de crescimento da
população – possível devido à maior abundância de informação quantitativa – nasceu na
primeira metade do século XX um conjunto de pressupostos e de conteúdos que dão corpo
àquilo que ficou conhecido como Teoria da Transição Demográfica.

TEORIA DA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA

A demografia do século XX foi dominada por reflexões acerca da teoria da transição


demográfica que, mais do que uma teoria, é um conjunto de generalizações acerca dos
padrões de crescimento populacionais observados no mundo ocidental. Apesar de ser
ainda alvo de críticas, é difícil descrever as tendências nacionais de natalidade, mortalidade
e crescimento populacional sem o recurso a essa teoria.

Vários autores contribuíram para o nascimento da referida teoria, nomeadamente John Stuart
Mill (que defendia que a população estabilizaria à medida que as pessoas procurassem
progresso social, cultural e moral) e Arsène Dumont (defensor da ideia de capilaridade
social, isto é, do desejo inato do homem em subir na hierarquia social, o que implicaria
menos descendência).

Porém, a ideia da existência de uma transição de altas para baixas taxas de natalidade
e mortalidade, com um aumento intersticial nas taxas de crescimento, levando a uma
população maior no final da transição do que no início, emerge em 1929 com Warren

30
Thomson (1887-1973). Thomson, com base em informação de diversos países referente ao
período 1908-27, criou três grupos de acordo com o padrão de crescimento populacional:
grupo A (norte da Europa, Europa Ocidental e Estados Unidos), que experimentava um
declínio no crescimento da população; grupo B (Itália, Espanha e países eslavos da Europa
Central), onde já começavam a reduzir-se a natalidade e especialmente a mortalidade;
e o grupo C (resto do mundo), onde não existia evidência de redução na mortalidade e na
natalidade. Contudo, foi Frank Wallace Notestein (1902-1983) quem, 16 anos depois, lançou
o termo transição demográfica e rebatizou os grupos de países A, B e C.

A teoria da transição demográfica destaca a importância do desenvolvimento económico


e social como mecanismo regulador. Inicialmente aplicada aos países de alto rendimento,
foi rapidamente alvo de generalização, visto que todos os países do mundo se encaixavam
numa das fases propostas. As diferenças entre países e a evolução das variáveis-chave da
teoria da transição demográfica – nascimentos e óbitos – seriam o produto de diferenças
geográficas e temporais na modernização. A modernização – aumento no nível de vida,
urbanização, industrialização e automação, e melhoria da infraestrutura de saúde pública –
é o motor da transição demográfica e é aquilo que a transforma numa teoria e não apenas
numa mera descrição de eventos.

Segundo a teoria da transição demográfica, todos os países já passaram ou terão de passar


(pelo menos) por quatro fases de evolução, representadas esquematicamente na Figura 5:

1ª fase (“quase-equilíbrio antigo” ou “de pré-transição”) Mortalidade e fecundidade elevadas,


sendo a segunda imposta pela primeira. O crescimento natural da população é muito
reduzido. Predominou até ao século XVIII na Europa e na América do Norte.

2ª fase (“declínio da mortalidade”) – Diminuição da mortalidade, especialmente da infantil,


como consequência da melhoria das condições de higiene, alimentação e saúde. Como
a fecundidade permanece elevada, o número de nascimentos excede em muito o número
de óbitos, pelo que é grande o crescimento natural da população. Esta fase coincidiu com
as revoluções industriais europeia e norte-americana.

3ª fase (“declínio da fecundidade”) – Diminuição da natalidade, como consequência do


planeamento familiar/contraceção e da escolarização da mulher. Como a mortalidade
continua a diminuir, embora a ritmo mais moderado, o crescimento natural da população
continua positivo, embora desacelere. Esta fase iniciou-se no final do século XIX na Europa
e na América do Norte.

4ª fase (“quase-equilíbrio moderno”) - Equilíbrio entre uma mortalidade e uma fecundidade


ambas baixas, mas oscilantes. Logo, o crescimento natural é bastante baixo. Esta fase
dominou a Europa e a América do Norte durante grande parte do século XX.

Mais tarde, com a constatação que muitos países apresentavam uma queda no número
de nascimentos particularmente acentuada, foi proposta uma quinta fase no modelo da
teoria da transição demográfica, que recebeu o nome de fase “pós-transição”, em que
o nível de fecundidade é tão baixo que não garante a substituição das gerações, pelo que
o crescimento demográfico é negativo. Esta fase está a ocorrer em alguns países europeus,
como é o caso de Portugal.

31
1º fase 2ª fase 3ª fase 4ª fase 5ª fase
quase-equilibrio antigo declínio da mortalidade declínio da fecundidade quase-equilibrio moderno pós-transição

40

Taxas de natalidade e mortalidade (/1000 hab.)

30

20

10

Áreas remotas India, Filipinas, Áustria, Dinamarca, Portugal, Alemanha,


EXEMPLOS Chade, Mali, Niger
(populações tribais) Honduras Suécia Japão

Taxa de Natalidade Alta Alta Decrescente Baixa Muito baixa

Taxa de Mortalidade Decréscimo


Alta Decréscimo rápido Baixa Baixa
moderado

Crescimento natural Estável; Crescimento Estável; Crescimento


Crescimento rápido Crescimento abranda Decréscimo lento
lento lento

Necessárias menos
crianças devido
São necessárias crianças para a agricultura,
Causas para a redução da Planeamento familiar;
muitas das quais morrem;
alterações na mortalidade infantil; Casamento tardio e melhoria do estatuto social
Religião/sociedade encoraja a natalidade;
natalidade Escolarização da e económico da mulher
Ausência de planeamento familiar.
mulher; Planeamento
familiar

Doenças, fomes
Causas para Melhoria dos cuidados de saúde, sistemas de
e conhecimentos Bons cuidados de saúde
alterações na água e saneamento e alimentação
médicos insuficientes > melhoria do estado de saúde da população
mortalidade > redução da mortalidade infantil
> elevada mortalidade

Figura 5. Representação esquemática das fases da Teoria de Transição Demográfica.

Todos os países de baixo rendimento já passaram ou estão a passar pela 2ª fase e muitos
já chegaram à 3ª fase. A totalidade dos países de alto rendimento encontra-se na 4ª e última
das fases clássicas da transição demográfica e alguns já entraram mesmo na pós-transição.
Porém, importa lembrar que estes países não transitaram ao mesmo tempo entre as várias
fases da transição demográfica.

32
Por exemplo, Portugal é um caso particular4, caracterizado pelo tardio recuo da mortalidade
(finais do século XVIII), decorrendo a queda da fecundidade (meados do século XX) num
espaço de tempo mais curto que a generalidade dos países europeus. Contudo, Portugal
“recuperou” o atraso com grande rapidez e é hoje um dos países mais envelhecidos do
mundo – apresentando uma esperança de vida elevada e níveis de fecundidade muito
baixos. Outra característica específica da transição demográfica portuguesa é o dualismo
entre o Sul (onde a evolução seguiu de perto o modelo europeu) e o Norte do país, onde se
manifestou mais tardiamente a queda da natalidade, sendo esta clivagem interpretada por
diversos autores como resultante das diferenças entre as duas regiões do país, em termos
de prática religiosa e de estrutura social (Bandeira, 1996).

A maioria dos países da Africa Subsaariana, nomeadamente as ex-colónias portuguesas,


também apresenta um padrão de progressão na transição demográfica bastante particular,
com uma passagem da fase 2 para a fase 3 extremamente lenta. Por outras palavras, em
comparação com outras regiões do mundo, a África Subsaariana apresenta um declínio
extremamente lento na fecundidade. Embora as taxas de mortalidade tenham diminuído,
as taxas de fecundidade permaneceram altas, levando a uma alta dependência de jovens.

Porém, a teoria da transição demográfica foi e é alvo de um conjunto de críticas:

a. A evolução das estruturas socioeconómicas é apontada como a única causa da transição


demográfica, desvalorizando-se os fatores culturais, políticos, religiosos e morais, que
durante muito tempo sustentaram os elevados níveis de fecundidade.

b. Parâmetros não ajustados a todas as sociedades, pois mesmo dentro da Europa existem
grandes diferenças entre as datas de início da queda da natalidade e da mortalidade
e os seus níveis de partida variam muito de país para país.

c. Omissão do papel das migrações externas e da nupcialidade, importantes mecanismos


reguladores da fecundidade.

d. A ideia da homeostase (estacionaridade populacional), de que muitos discordam dizendo


que o natural é existir uma sucessão de transições, e não apenas uma que culmina num
estado de equilíbrio.

e. Etnocentrismo, ou seja, a ideia de que o que aconteceu nos países de alto rendimento
irá acontecer da mesma forma nos restantes países..

Em todo o caso, a ideia central da teoria da transição demográfica, que é a de interpretar


os efeitos da modernização nos comportamentos demográficos, parece estar mais do
que demonstrada pelos factos. Apesar de existirem variantes e de persistirem críticas
a determinados aspetos da teoria, a transição demográfica é considerada um modelo
demográfico incontornável.

4 Nem sequer enquadrável no chamado modelo de transição mediterrâneo, proposto por CJ. C. Chesnais para
Grécia, Itália, Espanha e Portugal (Bandeira, 1996).

33
TRANSIÇÃO EPIDEMIOLÓGICA

Sendo a demografia a ciência que estuda as populações humanas, a epidemiologia “o estudo


da ocorrência e da distribuição dos estados (incluindo os determinantes que os influenciam)
ou eventos de saúde em populações específicas e a aplicação desse conhecimento no
controlo de problemas de saúde” (Porta, 2008) e a saúde pública “um conjunto de medidas
organizadas destinadas a prevenir a doença, promover a saúde e a prolongar a vida da
população” (Porta, 2008), é notória a sobreposição entre estas disciplinas.

Aliás, a evolução da saúde da população, sintetizada na teoria da transição epidemiológica


não pode ser desligada do modelo que resume a evolução estatística das populações
humanas, a teoria da transição demográfica. A teoria da transição epidemiológica
é o modelo explicativo que o egípcio Abdel Omran (1971) propôs e que interpreta as dinâmicas
evolutivas observadas no perfil de morbimortalidade da população. Segundo Omran (1971),
a “teoria da transição epidemiológica sublinha a complexa mudança nos padrões de saúde
e de doença e as interações entre esses padrões e seus determinantes, e as consequências
demográficas, económicas e sociológicas”. Ainda de acordo com Omran, as diferentes
sociedades humanas passam sucessivamente pelos seguintes estádios evolutivos:

1. Era das pestes e da fome – Taxas de mortalidade altas e flutuantes, esperança de


vida igualmente variável, mas tendencialmente baixa, e períodos de crescimento
populacional. Esta transição deveu-se à substituição das sociedades de caçadores
coletores por sociedades agrárias, no Neolítico. Tal fez com que as pessoas vivessem
junto dos animais e deu azo à propagação de doenças infeciosas que se transmitiam
através da água contaminada e do contacto entre os humanos e os hospedeiros dos
animais. A disponibilidade de alimentos era pouca e pouco diversa, pelo que a população
sofria de carências nutricionais.

2. Era do recuo das grandes pandemias – As taxas de mortalidade diminuíram fortemente


à medida que a frequência de epidemias diminuía. A esperança de vida aumentou de 30
para 50 anos e o crescimento populacional assumiu um ritmo exponencial. Esta transição
coincidiu com a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX na Europa e América do Norte)
e caracterizou-se pela alteração dos padrões de mortalidade e doença – o peso das
doenças infeciosas diminuiu e estas foram substituídas pelas doenças crónicas – e foi
acompanhada de alterações na estrutura etária da população, pois as doenças que
atingiam os mais jovens diminuíram e a mortalidade por doenças crónicas em idades
mais avançadas aumentou, uma vez que a industrialização e a urbanização deram lugar
a novas exposições e fatores de risco. Os motivos da segunda transição são diversos,
elencando-se os seguintes: melhoria das condições de vida, serviços de saneamento,
melhor alimentação e higiene pessoal, menos sobrepopulação, avanços na medicina
e saúde pública, melhor entendimento das doenças infeciosas com a revogação da teoria
miasmática e o nascimento da teoria dos germes, uso de antissépticos e pasteurização,
redução na fecundidade (aumentando o intervalo entre os nascimentos e diminuindo
a mortalidade infantil) e ainda aumento da longevidade.

34
3. Era das doenças degenerativas causadas pelo Homem – Nesta fase, as pandemias
infeciosas são definitivamente substituídas por doenças crónicas e degenerativas
e os agentes infeciosos deixam de ser os maiores contribuintes para a morbimortalidade,
sendo substituídos pelas causas antropogénicas. A redução da mortalidade fez com
que a esperança de vida superasse os 50 anos. A fecundidade passou a ditar
o crescimento populacional. Nos países de alto rendimento, esta transição marca o
fim do século XIX e o início do século XX. Neste período dá-se também uma drástica
redução na mortalidade infantil.

4. Era das doenças degenerativas tardias – Surge numa publicação mais recente de
Olshansky & Ault (1986) e descreve a fase em que muitos países se encontram desde
os anos 60. Caracteriza-se pelo avançar da idade da morte, devendo-se os incrementos
na esperança de vida sobretudo ao aumento da sobrevivência dos mais velhos.
O padrão de causas de mortalidade mantém-se, com o predomínio das doenças crónicas
e degenerativas.

Daqui se tira que os estados de saúde e a dinâmica e a estrutura populacionais interagem


entre si e são fruto das circunstâncias políticas e socioeconómicas. Se, até ao século XIX,
a prioridade das políticas de saúde pública era melhorar as condições de saneamento com
o fim de diminuir a mortalidade por causas infeciosas (revolução sanitária), agora a grande
prioridade em saúde pública é alterar comportamentos promotores de doença – como
a má alimentação e o sedentarismo – e desenvolver mecanismos de combate às novas e às
reemergentes epidemias que a globalização mundial tem tornado recorrentes. A demografia
é, pois, fundamental no planeamento de qualquer serviço, inclusive dos serviços de saúde.

No planeamento dos serviços de saúde, a combinação de variáveis demográficas permite


fazer um diagnóstico da região em questão, através do cálculo de medidas como taxas de
mortalidade geral/infantil ou por causas, esperança de vida e taxas de morbilidade e mesmo
de incapacidade/deficiência. O apuramento das necessidades de saúde pode ser feito
também através de indicadores, como a proporção de população por equipamento, o número
de médicos por habitante e a taxa de cobertura da rede de saneamento e água potável.
Além disso, a demografia apresenta ferramentas que permitem prever a estrutura, dimensão
e crescimento da população, o que ajuda a orientar as políticas de saúde. A etapa de
avaliação de um plano em saúde implica muitas vezes analisar novamente o comportamento
dos indicadores que lhe deram origem. Finalmente, na própria investigação epidemiológica,
a demografia interage determinantemente no desenho, análise e interpretação dos resultados
de um estudo.

35
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

Bandeira, M. L. (1996). Teorias da população e modernidade: o caso português. Análise


Social, 31(135), 7-43.

Bandeira, M. L. (2004). Demografia. Objecto, Teorias e Métodos. Escolar Editora.

Bonnet. (1839). Démographie universelle (-européenne.) Carte élémentaire présentant


le tableau chronologique et synchronistique de l’histoire universelle (-européenne.).

Graunt, J. (1939). Natural and political observations made upon the bills of mortality.
The Johns Hopkins Press.

Guillard, A. (2013). Eléments de statistique humaine ou démographie comparée. Ined.

INE (2009-2014, 16 abr. 2020). Breve história dos Censos. Instituto Nacional de Estatística.
https://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=CENSOS&xpgid=censos_bhistoria

Lundquist, J. H., Anderton, D. L., & Yaukey, D. (2014). Demography: the study of human
population. Waveland Press.

Malthus, T. R. 1798. The Essay of the Population Principle. Oxford World’s Classics reprint:
xxix, Chronology.

McEvedy, C., & Jones, R. (1978). Atlas of world population history. Penguin Books Ltd.

McFalls, J. A. (2007). Population: A Lively Introduction. Population Bulletin, 62(1).

McKeown, R. E. (2009). The epidemiologic transition: changing patterns of mortality and


population dynamics. American journal of lifestyle medicine, 3(1_suppl), 19S-26S.

Nazareth, J. M. (2007). Demografia: a ciência da população. Editorial Presença.

Olshansky, S. J., & Ault A. B.(1986). The Fourth Stage of the Epidemiologic Transition:
The Age of Delayed Degenerative Diseases. The Milbank Quaterly, 64(3), 355-391.

Omran, A. (1971). The Epidemiologic Transition: A Theory of the Epidemiology of Population


Change. The Milbank Memorial Fund Quarterly, 49(4), 509-538. doi:10.2307/3349375.

Porta, M. (2008). A dictionary of epidemiology. Oxford University Press.

Roser, M., Ritchie, H., & Ortiz-Ospina, E. (2013, 1 set. 2021). World Population Growth.
Our World in Data.
https://ourworldindata.org/world-population-growth

Ross, J. A. (1982). International Encyclopedia of Population. Free Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

Weeks, J. R. (2012). Population: An introduction to concepts and issues. Cengage Learning.

36
37
CAPÍTULO 2:
DADOS DEMOGRÁFICOS: FONTES DE QUALIDADE

Para compreender e analisar o estado e dinâmica da população, é necessário ter acesso


a estatísticas demográficas de qualidade. A disponibilidade de estatísticas demográficas
tem aumentado drasticamente desde nos anos 70 devido a desenvolvimentos tecnológicos,
designadamente uma melhor capacidade computacional e a expansão da internet,
e à adoção de políticas mais transparentes de acesso e divulgação de dados em muitos
países.

Os dados demográficos podem provir de fontes primárias ou secundárias. As fontes


primárias são aquelas expressamente criadas para recolher informação demográfica
(ex.: censos). Fontes secundárias são as que resultam da análise e/ou da harmonização dos
dados primários (ex.: Demographic Yearbook da ONU, Organização das Nações Unidas,
publicado desde 1948).

Em demografia existem inúmeras fontes de informação, mas as mais relevantes são os


recenseamentos (ou censos), o registo civil e, no caso dos países de baixo rendimento,
os inquéritos demográficos baseados em amostras da população. Os factos referentes ao
movimento da população – nascimentos, óbitos, migrações – são regra geral obtidos através
de sistemas de observação contínua como o registo civil, ao passo que os factos referentes
ao número de efetivos populacionais e suas características são obtidos tendencialmente
através da realização periódica de recenseamentos.

38
RECENSEAMENTOS

Aspetos gerais

Os recenseamentos da população e da habitação (ou, simplesmente, censos) são


apontados nas respetivas recomendações mundiais, editadas pela ONU, como as operações
estatísticas “mais complexas e colossais que qualquer país pode realizar”. Realizar um
recenseamento requer o mapeamento de todo o país, a mobilização e o treino de um exército
de recenseadores, a realização de uma campanha pública massiva, a listagem de todas
as famílias e alojamentos, a coleta de informações individuais, a compilação de grandes
quantidades de questionários e a análise e disseminação dos dados. Apesar disso, a prática
de recenseamentos é praticamente universal. Estima-se que 97% dos países utilizem censos,
enumerando assim 99% da população mundial (Lundquist, Anderton, & Yaukey, 2014).

Nos nossos dias, e segundo os Princípios e Recomendações da ONU (2017), os censos


da população são entendidos como “processos normalizados de planeamento, recolha,
compilação, avaliação, disseminação e análise de dados demográficos, económicos
e sociais no menor nível geográfico possível, referentes a um momento temporal específico
e abrangendo a totalidade de pessoas de um país ou de uma zona geográfica bem delimitada
dentro um país”. Por extensão, os censos da habitação são “processos normalizados de
planeamento, recolha, compilação, avaliação, disseminação e análise de dados relacionados
com as condições das habitações disponíveis para as famílias num momento temporal
específico e abrangendo a totalidade de um país ou de uma zona geográfica bem delimitada
dentro um país”.

Como foi referido anteriormente, os primeiros censos datam de antes da nossa era, sendo
então realizados com fins militares e fiscais, pelo que mulheres, crianças (e escravos) não
eram normalmente enumerados. Data de 1853, com a realização do Congresso Internacional
de Estatística em Bruxelas, o início da normalização internacional dos recenseamentos da
população e a recomendação para a sua realização decenal. Atualmente, a ONU recomenda
que cada país realize pelo menos um censo a cada 10 anos e que este deverá ter lugar em
anos terminados em zero. Destaca ainda cinco princípios base dos censos:

• O recenseamento deve ser individualizado, ou seja, cada unidade estatística é enumerada


individualmente e as suas características deverão ser registadas em separado.

• O recenseamento deve ser universal, devendo incluir todos os indivíduos presentes


e residentes no país e, no caso do recenseamento da habitação, todos os edifícios
e alojamentos, independentemente do seu tipo.

• O recenseamento deve ser simultâneo, no sentido em que toda a informação recolhida


deverá reportar-se a um mesmo momento temporal de referência (ano/mês/dia/hora),
designado momento censitário5. A necessidade de estabelecer um dia de referência
para os dados prende-se com a necessidade de garantir o maior rigor na contagem da
população, minimizando o risco de omissões ou de duplicações nas contagens.

5 Para a maioria dos dados, será o dia do censo; em alguns casos (informação acerca de fecundidade
e mortalidade), pode ser um período anterior ao censo (por exemplo, de duração 1 ano).

39
• O recenseamento deve ter uma periodicidade definida, devendo ser realizado em
intervalos de tempo regulares, pelo menos de 10 em 10 anos, para que a informação
possa ser comparável ao longo do tempo e entre países.

• O recenseamento deve disponibilizar informação para pequenas áreas geográficas


e pequenos grupos populacionais, fornecendo informação detalhada, mas garantindo
ainda assim a confidencialidade individual.

Embora o conteúdo dos recenseamentos varie de país para país e ao longo dos tempos,
atualmente, um conjunto mínimo de informações é considerado fundamental, de forma
a garantir comparabilidade internacional:

• Informação geográfica, com referência à localização de todos os elementos recenseados


(indivíduos, famílias, alojamentos e edifícios).

• Informação demográfica (ex.: sexo, idade, estado civil).

• Informação sociocultural e socioeconómica (ex.: nacionalidade, escolaridade).

• Informação sobre a habitação (ex.: existência de saneamento, número de habitantes do


alojamento).

Interessa referir que o âmbito das questões dos recenseamentos tem vindo a alargar-se.
Por exemplo, muitos países já incluem questões acerca da presença de incapacidade (esta
variável surge pela primeira vez nas recomendações de 2000), de variáveis como a religião ou
a etnia (normalmente opcionais, dependendo muito a inclusão do seu reconhecimento como
relevantes pelos decisores nacionais) e ainda de informação sobre a fecundidade (serve
essencialmente para avaliar a qualidade da informação, através do cruzamento com dados
do registo civil ou de questionários, sendo por isso comum em países de baixo rendimento).
A Tabela 2 apresenta a lista de variáveis obrigatórias segundo as últimas recomendações
da ONU.

Tabela 2. Tópicos a incluir nos censos de acordo com as recomendações das Nações Unidas
(Fonte da informação: ONU (2017)).

1. Características geográficas e das migrações internas


Local de residência habitual*
Local onde estava presente no momento censitário*
Local de nascimento*
Duração da residência*
Local de residência anterior*
Local de residência num dado momento no passado*
População total*
Urbano e rural*
Localidade*
2. Características das migrações internacionais
País de nascimento*
País de cidadania*
Aquisição de cidadania
Ano ou período de chegada ao país*
40
3. Características familiares e do alojamento
Relação de parentesco entre o chefe da família e os restantes membros*
Composição do alojamento e da família*
Status do alojamento e da família
4. Características demográficas e sociais
Sexo*
Idade*
Estado civil*
Características etnico-culturais
Religião
Língua
Etnia
Pertença a povo indígena
Incapacidade*
5. Fecundidade e mortalidade
Nados-vivos*
Crianças residentes*
Data de nascimento do último nado-vivo*
Nascimentos nos últimos 12 meses*
Óbitos entre crianças nascidas nos últimos 12 meses*
Idade, data ou duração do primeiro casamento
Idade materna à data do nascimento do primeiro nado-vivo
Óbitos no alojamento nos últimos 12 meses*
Orfandade materna ou paterna
6. Características educacionais
Literacia*
Frequência da escola*
Nível de escolaridade*
Área de estudo/formação e qualificações
7. Trabalho
Condição perante o trabalho*
Situação na profissão*
Ocupação*
Setor de atividade*
Local de trabalho
Setor institucional do emprego
Duração do trabalho
Produção própria de bens
Rendimento
9. Trabalho agrícola
Produção própria de bens agrícolas
Características dos trabalhos agrícolas durante o último ano
* Temas obrigatórios. Os restantes são recomendados, mas opcionais.

41
A realização de um censo envolve múltiplas etapas, a saber: definição do enquadramento
legal e administrativo; campanhas de sensibilização; desenvolvimento do(s) questionário(s);
atualização e produção de cartografia; definição das áreas de enumeração; pré-teste (censo
piloto); análise de dados; avaliação da qualidade da informação; e difusão da informação.

Um aspeto a decidir na realização de um censo é se se deve recolher informação acerca da


população residente no momento censitário (habitantes de facto ou população presente) ou
apenas daqueles que lá residem habitualmente (habitantes de jure ou população residente).
Normalmente registam-se ambas, mas atribui-se maior importância à população de jure,
sendo usada a população de facto para se obter uma noção das migrações internas.

Os censos da população visam a cobertura total da população de um país e constituem


a forma mais completa de obtenção de dados estatísticos sobre uma população. Porém,
apresentam uma série de limitações relacionadas com:

• Erros de informação - Nomeadamente, erros de contagem por omissão (comum entre


populações nómadas) ou por dupla contagem (comum quando pessoas têm mais do que
uma residência); e erros de conteúdo (quando não são fornecidas todas as informações
pedidas ou estas são inexatas, como é frequente com a idade ou a raça/etnia).

• Periodicidade demasiado longa - Os censos são muito espaçados e, devido ao tempo


de processamento da informação, os resultados preliminares dos censos só são
disponibilizados passados vários meses e os resultados definitivos depois de vários
anos.

• Privacidade - O conteúdo do questionário é limitado por uma série de considerações


relacionadas com a privacidade. As leis proíbem questões intrusivas – por exemplo,
relacionadas com o rendimento – e os ficheiros do censo não podem ser ligados a outras
bases de dados. As tabelas cruzadas são produzidas salvaguardando a privacidade dos
indivíduos, pelo que muitas vezes não é possível cruzar múltiplas variáveis ao nível de
pequenas áreas (ex.: população por local de residência, sexo, idade e religião).

• Cobertura temática - Dada a dimensão da operação censitária e a necessidade de


minimizar o número de não-respostas (missings), o questionário do censo só pode
cobrir um conjunto de tópicos essenciais, pelo que inquéritos baseados em amostras
representativas nacionais são essenciais para obter informação sobre tópicos mais
específicos, como saúde, condições habitacionais, etc.

• Custos demasiado elevados - Dificilmente podem ser reduzidos, a menos que se use
outras formas de enumeração ou recenseamentos de menor qualidade.

Dada a inevitabilidade de erros de coleta e como forma de minimizar o seu impacto, as


operações censitárias são acompanhadas de procedimentos de controlo de qualidade.
Existem várias formas de validar e/ou corrigir os erros associados aos censos, como
inquéritos amostrais de qualidade pós-censo, validação de dados e comparação com outras
fontes de informação.

42
Nos inquéritos de qualidade pós-censo, um conjunto de áreas é amostrada e enumerada com
especial cuidado e os resultados são depois comparados com os obtidos no censo global.
Os métodos de validação, por outro lado, incluem técnicas simples que impedem o registo
de informação implausível (ex.: uma mulher com 25 anos que diga ter 20 filhos). Finalmente,
nos países com boa infraestrutura estatística, é possível comparar a informação do censo
com, por exemplo, dados do registo civil. Assim, por exemplo, o número de crianças com
menos de 10 anos que foram contabilizadas num censo deverá ter alguma correspondência
com o número de nascimentos/óbitos infantis que ocorreram nos 10 anos precedentes.

Os recenseamentos em Portugal

Em Portugal, data de 1864 (contabilizando 4,2 milhões de habitantes) a realização do


primeiro recenseamento normalizado segundo as recomendações internacionais. Antes
dele, realizaram-se “numeramentos”, “contagens” e mesmo “recenseamentos” que, por não
serem exaustivos6 e não terem sido realizados obedecendo aos princípios estatísticos hoje
exigíveis, não podem ser considerados equivalentes à série de recenseamentos iniciada em
1864 (Tabela 3).

Tabela 3. Principais contagens, numeramentos e “recenseamentos” em Portugal anteriores


a 1864 (Fontes: Morais & Alarcão (1976), Valério (2001)).

Data Nome População

1422 Rol de Besteiros de D. João I 1 043 274

1527 Numeramento de Fogos de D. João III 1 262 376

1636 Contagem de Homens Válidos 1 100 000

1732 Lista do Marquês de Abrantes, corrigida por A. Balbi 2 143 368

1770 Censo Eclesiástico 2 850 444

1776 Censo de Pina Manique 3 352 310

1801 Censo do Conde de Linhares 3 115 330

1811 Censo do Investigador Portuguez 2 876 602

1820 Censo do Almanach Portuguez 7 3 296 5808

1838 Censo de 1838 de Marino Miguel Franzini 3 224 474

1841 Censo de 1841 de Marino Miguel Franzini 3 737 103

1861 Numeramento 4 035 330

6 Era comum registarem apenas os fogos ou os homens válidos, consoante o objetivo a que se destinavam.
Mais tarde, durante o liberalismo, estes “recenseamentos” tornaram-se muito mais frequentes (realizaram-se 16
entre 1835 e 1862), pois era neles que se baseava o número de deputados a eleger em cada província do Reino.
7 Tal como os censos de 1838 e 1841 (para além de outros não mencionados na tabela), o censo de 1820,
publicado em 1826 no periódico Almanach Portuguez, foi da responsabilidade de Marino Miguel Franzini
(1779-1861), cuja longa vida foi pautada por uma atividade incansável e pioneira, ainda pouco conhecida da
generalidade dos portugueses, que não se restringiu à demografia, mas abrangeu áreas tão diversas como a
cartografia, a hidrografia, a meteorologia, a sismologia, a matemática, a economia e a política, entre outras.
8 Apenas o Continente.

43
Embora as orientações já indicassem que os recenseamentos deveriam ser realizados de
10 em 10 anos, o censo seguinte apenas se realizou em 1878, seguindo-se o de 1890.
A partir de então, os recenseamentos da população têm vindo a realizar-se, com algumas
exceções, em intervalos regulares de 10 anos. Por exemplo, a turbulência vivida com
a implantação da República em 1910 motivou a não realização do censo nesse ano, o qual
acabou por ter lugar em 1911.

Após a criação do Instituto Nacional de Estatística (INE) em 1935, os recenseamentos


passaram a ser realizados por este instituto, o primeiro em 1940. Outro marco importante
ocorreu em 1970 quando, em simultâneo com o Recenseamento da População, se realizou
o primeiro Recenseamento da Habitação. Mais recentemente, com o objetivo de harmonizar
com o calendário censitário da União Europeia (UE), o recenseamento de 1980 foi transferido
para 1981. O último censo realizado em Portugal teve lugar em 2021.

Até hoje realizaram-se em Portugal, seguindo as recomendações internacionais, dezasseis


recenseamentos da população e seis recenseamentos da habitação, remontando (como
atrás se referiu) a 1970 a primeira realização simultânea dos dois tipos de recenseamentos
(Tabela 4).

Tabela 4. Lista de recenseamentos modernos em Portugal (1864-2021) (Fonte: INE (2009-2014)).

Data Nome População

1 de janeiro de 1864 I Recenseamento Geral da População 4 188 410

1 de janeiro de 1878 II Recenseamento Geral da População 4 550 699

1 de dezembro de 1890 III Recenseamento Geral da População 5 049 729

1 de dezembro de 1900 IV Recenseamento Geral da População 5 423 132

1 de dezembro de 1911 V Recenseamento Geral da População 5 960 056

1 de dezembro de 1920 VI Recenseamento Geral da População 6 032 991

1 de dezembro de 1930 VII Recenseamento Geral da População 6 825 883

12 de dezembro de 1940 VIII Recenseamento Geral da População 7 722 152

15 de dezembro de 1950 IX Recenseamento Geral da População 8 441 312

15 de dezembro de 1960 X Recenseamento Geral da População 8 851 289

XI Recenseamento Geral da População


15 de dezembro de 1970 8 568 703
e I Recenseamento Geral da Habitação

XII Recenseamento Geral da População


16 de março de 1981 9 852 841
e II Recenseamento Geral da Habitação

44
XIII Recenseamento Geral da População
15 de abril de 1991 9 862 540
e III Recenseamento Geral da Habitação

XIV Recenseamento Geral da População


12 de março de 2001 10 356 117
e IV Recenseamento Geral da Habitação

XV Recenseamento Geral da População


21 de março de 2011 10 617 575
e V Recenseamento Geral da Habitação

XVI Recenseamento Geral da População


19 de abril de 2021 10 343 066
e VI Recenseamento Geral da Habitação

Do ponto de vista metodológico, os censos portugueses utilizam uma metodologia de


recolha de dados exaustiva, isto é, todas as unidades estatísticas do universo que se
pretende analisar são contactadas para a obtenção de informação. As unidades estatísticas
a caracterizar são o edifício, o alojamento, o agregado (conceito introduzido no censo de
2021 para substituir a noção de família) e o indivíduo. Interessa referir que os censos em
Portugal são de resposta obrigatória (Lei nº 22/2008 de 13 de maio), sendo a não resposta
punida por coima.

Toda a informação recolhida refere-se ao “momento censitário”, que corresponde a um dia


e hora específicos e claramente identificados. Esse momento censitário correspondeu, no
último censo, a 19 de abril de 2021, muito embora, como se vê na Tabela 4, tenham existido
distintas datas de referência ao longo das décadas. O censo contabiliza tanto a população
presente como a população residente. Em relação ao último recenseamento, realizado em
2021, dada a pandemia causada pela COVID-19, apostou-se ainda mais na resposta online
e os questionários em papel deixaram de ser distribuídos por norma. Quando a resposta
pela Internet era impossível, outras formas de participação nos Censos 2021 estavam ao
dispor, nomeadamente: telefone, e-Balcão nas juntas de freguesia e autopreenchimento dos
questionários em papel, entregues pelos recenseadores, cumprindo um rigoroso protocolo
de saúde pública.

Portugal usa o método de entrega/recolha de questionários, o que requer um conjunto


de recenseadores locais que entregam pessoalmente os questionários e as instruções
de preenchimento. A cada um é atribuída uma área geográfica bem definida e delimitada
cartograficamente, designada secção estatística, contendo em média cerca de 300
alojamentos. O recenseador entrega o questionário no envelope e tem de fazer uma segunda
visita para o recuperar o questionário preenchido. No caso de o preenchimento ter sido feito
online − o envelope entregue contém um código de acesso ao questionário online − quando
o recenseador recebe a notificação de que o questionário já foi respondido, pode aceder
à informação e fica, portanto, dispensado de voltar ao alojamento.

Para assegurar a recolha de dados, é criada uma estrutura vasta e bem organizada, que
engloba o INE e as suas delegações, bem como as câmaras municipais e juntas de freguesia.
Antes da realização do censo, é necessária a elaboração e a execução de um conjunto de
instrumentos de apoio e de operações prévias: base cartográfica, enquadramento legal,
questionário e operações experimentais.

45
Um desses instrumentos é a base cartográfica de referência, denominada em Portugal BGRI
(Base Geográfica de Referenciação da Informação). Esta divide o território das freguesias
em pequenas unidades territoriais estatísticas − secção estatística, subsecção estatística
e lugar − e é um instrumento essencial de apoio, pois serve para planear e executar o trabalho
de campo e constitui a base para a difusão dos resultados. A secção estatística, por exemplo,
é uma unidade territorial contínua dentro de uma freguesia, com cerca de 300 alojamentos
destinados à habitação, e constitui a área de trabalho do recenseador. Já a subsecção
estatística é a unidade mínima de disseminação de dados e identifica a mais pequena área
homogénea de construção (ou não), dentro da secção estatística, correspondendo grosso
modo ao quarteirão nas áreas urbanas e ao lugar (ou parte dele) nas áreas rurais.

Além disso, como a realização de recenseamentos implica necessariamente um forte


envolvimento e apoio das autarquias locais, é fundamental dispor de um instrumento legal
que clarifique e facilite as várias tarefas e a participação dos intervenientes nas mesmas.
Esse documento especifica, por exemplo, o momento censitário, a cobertura da operação,
regras e punições, entre outros aspetos.

A construção do questionário é outra das atividades prévias à operação censitária.


O questionário é o instrumento de recolha da informação, pelo que o seu desenho, a formulação
das questões e os seus formatos são cruciais para o sucesso de um recenseamento.

Antes do censo, são ainda realizadas operações experimentais que têm o objetivo de testar
e avaliar as opções técnicas e organizativas que melhor garantam o sucesso da realização
do censo. Os primeiros testes, usualmente levados a cabo na preparação de uma operação
censitária, dizem respeito aos questionários. O objetivo é testar a aceitação e o entendimento
das perguntas e respetivas instruções por parte da população, assim como conhecer
a opinião da população sobre a organização e o desenho dos questionários. Em Portugal,
um ano antes da operação censitária é efetuado um censo piloto, podendo ser realizadas
outras operações experimentais adicionais.

Durante a operação censitária, para assegurar a fiabilidade dos censos, é necessário um


sistema de avaliação da sua qualidade e de deteção e correção de eventuais erros. De resto,
o sucesso da operação censitária depende da disponibilidade e colaboração das pessoas
para responderem no momento em que tal lhes é solicitado, pelo que é necessário montar
um programa de comunicação que assegure que todos os aspetos da recolha de dados são
conhecidos e aceites, com vista à colaboração do público em geral.

Os censos são operações que, para além das dificuldades nos trabalhos de recolha,
apresentam um volume de dados para tratamento extremamente pesado, quer no que respeita
à transferência de suporte papel para suporte informático, quer em termos de codificação de
algumas variáveis, quer ainda na validação e correção dos dados introduzidos em ficheiros.

Além do trabalho de avaliação da consistência da informação efetuado na fase do


tratamento dos dados (validações, correções), procede-se ainda a uma análise final da
informação contida nos ficheiros e nos quadros de apuramento previstos para publicação ou
disponibilização.

46
Alternativas aos recenseamentos tradicionais

Num recenseamento tradicional, todos os indivíduos são enumerados diretamente e as suas


características são registadas através do preenchimento de um ou vários questionários.

Porém, por motivos de ordem prática e económica, alguns países adotam outras formas
de recensear a população. Veja-se que, entre 2010 e 2011, cerca de metade dos países
europeus usaram alternativas aos recenseamentos tradicionais, nomeadamente registos,
uma combinação de registos e censo tradicionais e rolling census (Figura 6).

Misto (enumeração universal + registos) Registos


Tradicional (enumeração universal) Rolling Census

Islândia

Finlândia

Rússia

Noruega

Suécia
Estónia

Letónia

Dinamarca
Lituânia

Irlanda Bielorrúsia

Países
Baixos
Reino Unido
Polónia

Ucrânia
Alemanha
Bélgica

Luxemburgo República
Checa
Moldávia
Eslováquia

Áustria
Hungria
França Suíça Roménia
Eslovénia
Croácia

Bósnia
e Hezegovina Sérbia

Bulgária

Itália
Montenegro
Macedónia
Albânia
Portugal
Espanha

Grécia

Figura 6. Métodos usados na Europa para enumerar a população entre 2010 e 2011
(Fonte dos dados/adaptado de: Valente (2010)).

47
Alguns países deixaram de necessitar de realizar censos decenais (Áustria, Dinamarca,
Finlândia, Israel, Japão, Noruega e Suécia), ao adotar um sistema de registo populacional
onde a informação provém de registos administrativos (saúde, segurança social, finanças,
etc.). Neste sistema, cada pessoa tem um número de identificação único em todos os
registos, o que permite que a informação destes registos (nascimentos, casamentos, morte,
etc.) seja relacionada e atualizada no registo populacional central. Isto significa que estes
dados podem ser usados para análise longitudinal.

A informação base compilada pelos registos populacionais são nascimentos, casamentos,


mortes, nacionalidade e migração, mas podem também conter informação sobre família
e alojamentos. Em alguns países nórdicos, o registo populacional inclui ainda informação
sobre saúde, escolaridade, emprego e rendimento. Este método exige uma colaboração
estreita entre os institutos de estatística, os registos e a administração pública e obriga
a uma supervisão legislativa estrita.

Outro método alternativo ao recenseamento tradicional é o chamado rolling census, aplicado


somente em França. Em traços gerais, os municípios franceses são divididos em cinco
grupos e o censo é aplicado num determinado ano aos municípios de um destes grupos,
no ano seguinte a outro grupo de municípios e assim sucessivamente até, decorridos cinco
anos, toda a população ficar enumerada. Completado o quinquénio, a operação é repetida
de novo. As estimativas da população são produzidas com base em médias móveis.

Países como o Canadá usam um recenseamento constituído por dois questionários. Aqui,
um questionário mais longo é aplicado a uma amostra da população, enquanto o questionário
breve é aplicado à totalidade. O questionário curto é usado para fins de contagem da
população, enquanto os questionários longos permitem explorar aspetos mais específicos,
muito embora isso impeça a disponibilização de informação para pequenas áreas.

Finalmente, existe ainda um modelo de recenseamento misto que resulta da combinação


de registos e enumeração, atualmente usado em países como Espanha, República Checa
ou Itália. Estes recenseamentos baseiam-se em registos e em questionários aplicados
para colmatar falhas de informação existentes nesses registos. O método aumenta a
precisão da enumeração e dos registos. Existem variantes deste modelo, nos quais não
existe enumeração universal, mas se combinam registos e inquéritos (ex.: Países Baixos).
Este modelo tende a ser transitório, enquanto não é possível basear a enumeração da
população exclusivamente em registos administrativos.

Interessa referir que as recomendações internacionais apontam para a necessidade de


reformulação do modelo censitário, de forma a permitir a progressiva transição para um
modelo menos pesado e dispendioso e capaz de disponibilizar informação com periodicidade
mais curta do que a decenal.

48
REGISTO CIVIL

Aspetos gerais

Os recenseamentos decenais fornecem apenas informação sobre a dimensão e estado


da população no momento censitário, não fornecendo informação sobre a dimensão da
população durante o período intercensitário, nem tão pouco sobre eventos permanentes
como os nascimentos, óbitos e migrações que têm reflexo nas características da população.

Assim, com vista a complementar a informação censitária, os demógrafos usam regularmente


informação proveniente dos registos, especialmente registos de eventos vitais como os
óbitos e os nascimentos.

Segundo as Nações Unidas, o registo civil consiste no “registro contínuo, permanente,


obrigatório e universal da ocorrência e características de eventos vitais e outros eventos de
civis, conforme previsto em decreto, lei ou regulamento, de acordo com os requisitos legais
em cada país” (ONU, 2014). Os princípios que regem o registo civil são:

• Cobertura universal, devendo incluir todas as informações de eventos civis que ocorrem
em todas as áreas geográficas e em todos os grupos populacionais do país.

• Continuidade, devendo os dados refletir flutuações de curto prazo, incluindo sazonais,


bem como tendências a longo prazo.

• Confidencialidade, devendo ser salvaguardadas as informações pessoais nos microdados


das estatísticas civis e em quaisquer relatórios estatísticos associados.

• Disseminação regular dos dados, devendo fornecer (a) contagens sumárias mensais
ou trimestrais de eventos vitais com rapidez, de forma a fornecer informações para
programas de intervenção em saúde e para o cálculo de estimativas de população,
entre outros usos; e (b) tabelas cruzadas com cada tipo de evento vital de acordo com
características demográficas e socioeconómicas.

O registo de indivíduos remonta à Antiguidade, mas na altura poucos possuíam o título de


cidadãos (homens livres). A prática usual do registo civil deveu-se a hábitos do clero católico,
desde os primeiros séculos do cristianismo, procedendo-se ao registo dos batismos, a fim
de se fazer respeitar os impedimentos matrimoniais e, ainda, dos óbitos para o cumprimento
de cerimónias fúnebres.

De acordo com as Nações Unidas, os registos de morte e nascimento deverão conter um


conjunto mínimo de informação (listada na Tabela 5), podendo depois ser completados com
informação obtida de forma indireta.

49
Tabela 5. Tópicos prioritários no registo de nascimentos e óbitos segundo as Nações Unidas
(Fonte: ONU (2014)).

Nascimentos
Data do nascimento
Data de registo
Local do nascimento
Local de registo
Natureza do parto (simples, gemelar)
Assistência (médico, enfermeira parteira, sem assistência, etc.)
Características da criança
Sexo
Peso à nascença
Características da mãe
Idade (ou data de nascimento)
Estado civil
Escolaridade
Local de residência habitual
Nados-vivos ao longo da vida
Nados vivos ainda vivos ao longo da vida
Mortes fetais ao longo da vida
Data de nascimento do último nado-vivo
Data de casamento
Características do pai
Idade (ou data de nascimento)
Estado civil
Escolaridade
Local de residência habitual
Óbitos
Data de ocorrência
Data de registo
Local de ocorrência
Local de registo
Causa de morte
Certificador
Idade (ou data de nascimento)
Sexo
Estado civil
Local de residência habitual
Local de residência habitual da mãe (no caso de óbitos infantis)

50
As estatísticas do registo civil, em particular as estatísticas vitais de nascimentos e óbitos,
são importantes para estimar o tamanho e o crescimento da população, já que estes números
só são por norma obtidos à data dos censos em intervalos decenais, e para avaliar/delinear
programas governamentais de saúde pública e de saúde materno-infantil.

Embora as operações censitárias exijam enormes esforços financeiros, estes são pontuais,
ao passo que um registo civil exige a manutenção de um sistema burocrático ininterrupto
em cada localidade, que envolve gastos permanentes. Por esta razão, em muitos países
de baixo rendimento o registo civil é ausente ou apresenta fraca qualidade. Apenas 25% da
população mundial vive em países com um sistema de registo de nascimentos e óbitos de
qualidade.

Interessa referir que, em países que não possuem um sistema adequado de registo civil
(como sucede ainda em muitos países africanos), são realizados censos e inquéritos
que, por esse motivo, frequentemente incluem também questões acerca dos óbitos e dos
nascimentos ocorridos entre os residentes do agregado familiar.

Registo civil em Portugal

Em Portugal, a partir de 1536 (ou seja, ainda antes do Concílio de Trento que instituiu
a obrigação de manter registos paroquiais em todas as igrejas), a Igreja Católica tornou-se
responsável pelo registo dos nascimentos (ou melhor, dos batismos), casamentos e óbitos,
nos livros de assento paroquiais.

Só séculos mais tarde, através de um decreto de 16 de maio de 18329, surge a tentativa


de criar um registo civil independente da Igreja Católica, ampliando-o assim aos cidadãos
não-católicos. Porém, apesar da legislação, a ideia teve dificuldade em se concretizar.
O estado português acabou por desistir de manter um registo civil exclusivamente laico
com um decreto de 28 de novembro de 1878, que entregou aos párocos a tarefa de registo
da esmagadora maioria da população, deixando aos administradores de concelho os atos
respeitantes à minoria não-católica (Ventura, 2013-2021).

O registo civil em Portugal foi oficialmente instituído pelo “Código do Registo Civil” de 18
de fevereiro de 1911, logo após a implantação da República, sendo também determinado
que todos os registos paroquiais anteriores a 1911 gozassem de eficácia civil e fossem
transferidos das respetivas paróquias para as recém-instituídas conservatórias do registo
civil.

Em Portugal, são factos sujeitos a registo civil, entre outros: o nascimento e o óbito,
a filiação (ligação do filho com seus pais, seja biologicamente ou por adoção), o casamento,
a adoção, as convenções antenupciais (ex.: escolha do regime de bens que vigorará durante
o matrimónio), a regulação do exercício do poder paternal (definir o destino dos filhos, fixar
a pensão de alimentos e o regime de visitas do progenitor que não tem a cargo a criança),
a inibição ou suspensão do exercício do poder paternal, a interdição e a inabilitação
definitivas10, a tutela de menores ou interditos.

9 Trata-se do decreto nº 23 de Mouzinho da Silveira, que revolucionou todo o sistema administrativo português
e que foi publicado nos Açores, em plena guerra civil entre liberais e miguelistas.
10 A interdição é a declaração por sentença judicial de que um determinado indivíduo fica impedido, à face da

51
Às conservatórias compete também o registo de casamentos e óbitos ocorridos no
estrangeiro, quando tenham no seu arquivo o assento de nascimento de algum dos nubentes
ou do falecido, e a receção dos pedidos de emissão, substituição e cancelamento do cartão
de cidadão.

Mais recentemente, em Portugal, foi posto em funcionamento o SICO (Sistema de


Informação dos Certificados de Óbito), tornado obrigatório a partir de 1 de janeiro de 2014
para a emissão dos certificados de óbito, que visa uma melhor articulação entre todas as
entidades envolvidas (nomeadamente, Ministério da Saúde, Ministério Público e Ministério
da Administração Interna), para a melhoria da qualidade e do rigor da informação e da
rapidez de acesso aos dados da mortalidade. Com o arranque desse sistema, começaram
a ser disponibilizadas online pela Direcção-Geral de Saúde, em tempo real, informações
acerca do número total de óbitos diários, acompanhadas da discriminação das causas
externas e da mortalidade neonatal.

As estatísticas vitais (mortes, nascimento, nupcialidade), bem como as que dizem respeito aos
fluxos migratórios, saem regularmente na publicação anual do INE, Estatísticas Demográficas
(início 1967). Já as Estatísticas de Saúde (desde 1969), com uma periodicidade igualmente
anual, dão mais importância às causas de morte. As Estatísticas Demográficas têm maior
desagregação geográfica (município ou mesmo freguesia), enquanto as Estatísticas de
Saúde se ficam pelo nível da NUT 311. A nível internacional, as estatísticas do registo civil
são publicadas e compiladas regularmente nas publicações da Organização Mundial de
Saúde, “World Health Report” e “World Health Statistics”, e na da ONU, “Population and Vital
Statistics Report”.

ESTATÍSTICAS SOBRE AS MIGRAÇÕES

Em contextos em que não existem registos exaustivos e atualizados da população residente,


como é o caso de Portugal e da maioria dos países, a observação e análise dos fluxos
migratórios internacionais exige o recurso a uma multiplicidade de fontes e ao ajustamento
dos dados de forma a assegurar a comparabilidade de conceitos e de resultados. Assim,
a informação relativa às migrações é aquela que apresenta, regra geral, pior qualidade
e maior heterogeneidade entre países, até devido às diferentes definições de nacionalidade
e de estatuto migratório.

Fixemo-nos no caso português. Até 1988, a recolha de informação estatística por parte do
INE, a respeito do fenómeno migratório, provinha da emissão do passaporte de emigrante e,
portanto, limitava-se ao fluxo de emigrantes portugueses para os países estrangeiros. Deste
modo, com a abolição nesse ano do referido passaporte (os emigrantes passaram a poder
usar um passaporte comum), houve uma interrupção da série estatística até então existente.

lei, de poder exercer diretamente e por si os seus direitos, por se encontrar incapaz de governar a sua pessoa
e os seus bens. Podem ser inabilitados todos aqueles que sofram de doença mental, de surdez-mudez ou de
cegueira, e em que, embora com permanência, a sua gravidade não seja suficiente para os impedir de praticarem
certos atos de gestão da sua pessoa e bens. Podem ainda ser inabilitados todos os que se tornem dependentes
de drogas ou álcool e ainda os que pratiquem com frequência atos ruinosos ou despesistas e sem justificação na
gestão dos seus bens (prodigalidade).
11 NUT, Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos.
52
A alternativa encontrada foi a inclusão em 1992 de um módulo sobre emigração no
Inquérito ao Emprego (efetuado por amostragem aos alojamentos familiares). Esse módulo
foi o Inquérito aos Movimentos Migratórios de Saída (IMMS), de periodicidade trimestral.

Simultaneamente, e apesar de já desde 1975 se monitorizar nas Estatísticas Demográficas


do INE a população estrangeira com residência legalizada, foram envidados esforços junto
do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) para que se procedesse a uma recolha
sistemática de informações acerca da entrada de estrangeiros em Portugal.

Assim, a partir de 1999, no âmbito de um protocolo de cooperação entre o INE e o SEF, passou
a dispor-se de informações detalhadas e atualizadas sobre os pedidos de autorização de
residência e a emissão do título de residente, pelo que se passou a controlar estatisticamente
o fenómeno da imigração. Persistem, no entanto, dificuldades na articulação entre os dois
organismos, até porque o conceito de “estrangeiro residente” continua a não ser idêntico
para ambos: o SEF segue a definição legal em vigor, ao passo que o INE remete para uma
duração da permanência em território nacional igual ou superior a um ano.

Refira-se que, para além destes organismos, intervêm também na gestão da emigração
de nacionais e no processo de entrada, permanência e saída de estrangeiros em território
nacional, entidades como a Direção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades
Portuguesas (emissão de vistos de estudo, de estada temporária e de trabalho), a Inspeção
Geral de Trabalho (regularização da situação de trabalhadores estrangeiros), o Secretariado
Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (recenseamento eleitoral de emigrantes
e de residentes estrangeiros12) e a Direção Geral dos Registos e Notariado (naturalização
de cidadãos estrangeiros).

Contudo, ainda têm sido detetadas algumas fragilidades nos vários processos de recolha de
informações sobre os fenómenos migratórios, tanto ao nível da cobertura, como ao nível da
qualidade da informação recolhida.

INQUÉRITOS

Uma importante fonte alternativa de informação demográfica é o inquérito. Os inquéritos são


instrumentos comumente usados em investigação em ciências sociais, pelo que não são
exclusivos da demografia. A demografia começou a utilizar inquéritos à medida que assumiu
um maior interesse na qualificação e explicação dos fenómenos demográficos e também
com o crescendo do interesse pela caracterização da população e pelo estudo da situação
demográfica nos países de baixo rendimento onde não existem estatísticas de qualidade.

Um inquérito é um levantamento estatístico realizado numa amostra de indivíduos sobre um


assunto social político, cultural ou demográfico. A grande diferença entre censos e inquéritos
é que os primeiros são exaustivos enquanto os inquéritos interrogam apenas uma parte da

12 Podem votar nas eleições portuguesas, para os órgãos das autarquias locais, desde que recenseados em
Portugal, cidadãos da União Europeia e, desde que tenham título de residência há pelo menos dois ou três anos,
cidadãos do Brasil, de Cabo Verde e de mais alguns países, essencialmente da Europa Nórdica e da América
Latina.

53
população (amostra). Em consequência dessa diferença, os censos não podem exceder
uma dimensão razoável (limitando assim o âmbito da informação recolhida), enquanto os
inquéritos podem ser mais extensos e ambiciosos, abordando temas mais específicos e com
mais detalhe.

Inquéritos demográficos domiciliares

Como referido atrás, manter um registo civil permanente é particularmente difícil em países
de baixo rendimento. Assim, nestes países, os inquéritos demográficos são normalmente
usados como alternativa. É verdade, claro, que estes inquéritos não permitem a monitorização
e a análise permanentes dos eventos vitais, nem apresentam a qualidade de um registo
civil. Porém, podem fornecer dados nacionais detalhados através de questões de natureza
retrospetiva.

Embora alguns inquéritos sejam feitos por entidades nacionais, há exemplos muito
relevantes de inquéritos realizados por agências internacionais, como as Demographic and
Health Surveys (Inquéritos Demográficos e de Saúde, DHS, iniciados em 1984 cobrindo
a população em geral), levadas a cabo pela consultora ORC Macro para a United States
Agency for International Development (USAID); as Living Standards Measurement Study
(LSMS, iniciados em 1980), realizadas com a assistência técnica do Banco Mundial; e as
Multiple Indicator Cluster Surveys (Inquéritos de Indicadores Múltiplos, MICS, iniciados em
1995, cobrindo indicadores de saúde materna e infantil), realizadas pela United Nations
Children’s Fund (UNICEF). Estes programas são desenvolvidos em países de África, Ásia,
América Latina, Caraíbas e Médio Oriente.

A metodologia adotada nestes inquéritos é comparável entre si e segue normas rígidas.


Recolhem uma ampla gama de dados objetivos (biomarcadores e antropometria) e auto-
relatados, com um forte foco em indicadores de fecundidade, saúde reprodutiva, saúde
materna e infantil, mortalidade, nutrição e comportamentos de saúde. O desenho de amostra
para os inquéritos baseia-se normalmente em amostragens probabilísticas multi-etapa por
estratos.

Inquéritos temáticos

Além dos inquéritos demográficos, tendencialmente realizados em países de baixo


rendimento, muitos países realizam sondagens regulares acerca de temas específicos de
interesse para a sociedade. Em Portugal, entre outros, destacam-se os inquéritos nacionais
de saúde e ainda inquéritos nacionais anichados em operações europeias, como o inquérito
às condições de vida e rendimento, o inquérito ao emprego, etc. Na Tabela 6 listam-se
alguns dos inquéritos realizados em Portugal na atualidade.
Tabela 6. Alguns dos inquéritos temáticos realizados em Portugal.

Designação Descrição

Inquéritos Nacionais de Saúde Realizado periodicamente por amostragem e por


entrevista, com o objetivo de se obterem indicadores
sobre o estado de saúde e fatores que o determinam
para a população residente em Portugal. O 1º INS foi
realizado em 1987.

54
Inquérito à Educação e Formação de Adultos A maioria dos países realiza periodicamente este
(União Europeia: AES), tipo de inquéritos, cujas informações alimentam
depois bases de dados internacionais, como a da
Organização Mundial de Saúde.

Inquérito às Condições de Vida e Rendimento Realizado desde 2004 (anual). Tem cariz transversal
(União Europeia: EU-SILC), e longitudinal, inclui indivíduos com 16 anos ou mais
e reúne variáveis relacionadas com o rendimento,
condições do alojamento, bem como algumas
informações sobre incapacidades físicas e estado
de saúde. Tem sido bastante usado em estudos
epidemiológicos. O último EU-SILC (2019) incluiu
a totalidade dos estados membros e alguns países da
EFTA.

Inquérito ao Emprego Realizado desde 1974 (trimestral), inclui uma


(União Europeia: Labor Force Survey), amostra de indivíduos com 15 anos ou mais; é deste
questionário que provem a maioria das estatísticas
do emprego, rendimentos e desemprego em
Portugal.

European Social Survey (ESS) Nasceu em 2001 e trata-se de um instrumento de


aplicação bianual/transversal para medir atitudes,
comportamentos e padrões comportamentais da
população de mais de 30 países. Inclui indivíduos
com 15 anos ou mais.

Inquérito às Deslocações dos Residentes Realizado desde 2009 (trimestral) e referente


às viagens turísticas, aos turistas e às dormidas
associadas às viagens. Este inquérito é realizado
em todos os países da União Europeia e permite
reunir informação harmonizada, com o objetivo de
auxiliar a tomada de decisão nas políticas com ele
relacionadas (turismo, transportes, etc.), ao nível
nacional e comunitário. O questionário incide sobre
os residentes de um dado alojamento selecionado de
forma probabilística (não há limites etários).

Inquérito aos Movimentos Migratórios de Saída Realizado desde 1992 (anual). Surgiu em 1992 da
(IMMS) necessidade de obter informação estatística relativa
à emigração em Portugal, após a entrada em vigor
do Decreto-lei n.º 438/88, de 29 de novembro, que
aboliu o passaporte de emigrante. O passaporte
de emigrante era, até então, a fonte administrativa
utilizada para a recolha de informação estatística
relativa ao fluxo emigratório de nacionais. O IMMS
é utilizado como método de recolha da informação
estatística relativa ao movimento emigratório dos
residentes em Portugal e funciona como um módulo
anexo ao Inquérito ao Emprego (IE). Trata-se de um
inquérito por amostragem que visa obter informação
estatística sobre o movimento emigratório dos
residentes em Portugal, quer sejam portugueses ou
não, que deixam anualmente Portugal para trabalhar
ou viver no estrangeiro. O questionário incide sobre
os residentes de alojamentos selecionados de forma
probabilística (não há limites etários).

55
ESTIMATIVAS DA POPULAÇÃO

Uma estimativa populacional é um cálculo do tamanho de uma população entre momentos


censitários, sendo bastante comum que essas estimativas sejam efetuadas com periodicidade
anual. A maioria dos países produz estimativas da população precisamente para poder
dispor de informação com um espaçamento temporal não muito dilatado, uma vez que entre
dois censos consecutivos medeia normalmente uma década e, em muitos países, ocorrem
modificações apreciáveis no tamanho e na estrutura da população – quer a nível nacional,
quer em determinadas regiões − durante um intervalo de tempo com essa dimensão.

As estimativas envolvem o tratamento e a compatibilização de dados de diferentes


proveniências, incorporando as seguintes informações: i) Componentes da mudança
populacional, incluindo migração, fecundidade e mortalidade; ii) Resultados apurados
nos censos de população e também de habitação; iii) Informações complementares que
refletem mudanças no tamanho da população, como o número de unidades habitacionais,
de endereços postais, de eleitores registados, de matrículas escolares e de contadores de
água, entre outros.

Em Portugal, as estimativas da população são publicadas anualmente e referem-se


à população residente no dia 31 de dezembro do ano em questão e também à população
média nesse ano. Estas estimativas são produzidas por sexo e ano de idade, a nível nacional
e de NUT I e II; e por sexo e grupo etário quinquenal, também a nível de NUT III e de município.
Devido às incertezas associadas aos dados de base, não são produzidas estimativas de
população para unidades administrativas mais pequenas, como as freguesias.

DADOS SECUNDÁRIOS INTERNACIONAIS

Existem algumas organizações que têm vindo a compilar informação demográfica


internacional, listando-se abaixo algumas das mais relevantes:

• ONU, com as publicações anuais “Demographic Yearbook” e “Statistical Yearbook”


(esta última incluindo também variáveis não estritamente demográficas); a publicação
“Population Bulletin”, que inclui vários estudos populacionais; e a publicação “World
Population Prospects”, que disponibiliza estimativas e projeções populacionais.

• Population Reference Bureau (PBR), uma organização não-governamental americana,


fundada em 1929, que disponibiliza dados demográficos brutos e por eles trabalhados.

• International Data Base (IDB), uma base de dados online que contém tabelas
com informação socioeconómica e demográfica de vários países do mundo, da
responsabilidade do US Census Bureau.

• Eurostat, que publica informação comparada para todos os países da União Europeia ao
nível das NUT, proveniente de censos, estimativas da população e inquéritos europeus.

• Organização Mundial de Saúde, que, entre outros, publica a “WHO Mortality Database”,
uma compilação de dados de mortalidade por idade, sexo e causa da morte,
reportados anualmente pelos estados membros, provenientes dos seu sistemas de
registo civil.

56
QUALIDADE DA INFORMAÇÃO

Como referido ao longo deste capítulo, embora existam diversos sistemas de recolha
de informação demográfica, estes não estão livres de erros e imprecisões. Para manter
o rigor das análises demográficas, é comum procedermos a uma análise da qualidade da
informação. Embora existam métodos muito diversificados, adaptados aos diferentes tipos
de erros, apresentam-se a seguir algumas das técnicas mais utilizadas na identificação de
erros, quer nos censos, quer nos registos vitais. Estes procedimentos não costumam ser
aplicados em países onde a maior parte da população é escolarizada e a qualidade das
estatísticas é alta, mas apenas nos países de baixo rendimento.

Equação de concordância

O método da equação de concordância é um dos mais utilizados e procura verificar se existe


ou não concordância entre as informações provenientes dos vários sistemas de informação
demográfica existentes.

Assenta no princípio de que o crescimento da população depende de quatro variáveis –


os nascimentos e óbitos (ou seja, crescimento natural) e a imigração e emigração (crescimento
migratório). Assim, se dispusermos da população no início (Px ) e no final (Px+t ) de um
dado período temporal e conhecermos também o número de nascimentos (N ), óbitos (O ),
emigrantes (E ) e imigrantes (I ) que ocorreram nesse mesmo período, o valor de (Px+t ),
também denominado população final (ou esperada), deverá ser o resultado do somatório da
população inicial (Px ) , e dos nascimentos (N ), óbitos (O ), emigrantes (E ) e imigrantes (I ),
conforme a equação abaixo:

Px+t = Px + N − O + I − E

em que Px+t denota a população final (ou esperada), Px a população inicial, N os


nascimentos, O os óbitos, I os imigrantes e E os emigrantes.

A situação mais comum é existirem diferenças entre os dois membros da equação, devido
à falta de qualidade dos dados. A não concordância pode dever-se a má qualidade dos
recenseamentos, do registo civil ou dos sistemas de monitorização das migrações.
Nos países de alto rendimento com um registo de eventos vitais eficiente e recenseamentos
de qualidade, as diferenças encontradas advém normalmente do registo incompleto ou
errado dos movimentos migratórios, cuja contabilização rigorosa enfrenta problemas difíceis
de ultrapassar, mesmo em países onde os registos populacionais gozam de particular
fiabilidade.

Razão de masculinidade nos nascimentos

Na generalidade dos países, o quociente entre os nascimentos masculinos e femininos,


chamado razão de sexos ou razão de masculinidade, situa-se em 105 (105 rapazes por
cada 100 raparigas).

Nascimentos masculinos
Razão de masculinidade = × 100
Nascimentos femininos

57
Assim, valores fora desse intervalo podem sugerir que tenha ocorrido de algum tipo de
subregisto. Porém, se o número de nascimentos observados não é suficientemente grande,
alguns desvios podem ser consequência direta de flutuações aleatórias. Assim, em função
do número de nascimentos observados, é necessário precisar a incerteza desse valor para
populações pouco numerosas.

Para um total de 1000 nascimentos temos, em teoria, 512 nascimentos masculinos e 488
nascimentos femininos, ou seja, uma proporção de rapazes de 51,2%.

Os limites do intervalo de confiança a 95% são determinados por

Limite do intervalo de confiança = 0,512 ± 1,96 √ ( 0,512 × 0,488) ⁄ n )

onde 1,96 é a constante associada à margem de erro de 5%, n é o total de nascimentos,


0,512 é probabilidade de nascimentos masculinos e 0,488 a probabilidade de nascimentos
femininos.

Estes limites estão expressos em termos de proporção de rapazes. Para os converter em


razões de masculinidade, aplicam-se as seguintes expressões:

Limites da razão da masculinidade

Limite superior = [ Limite do intervalo de confiança superior ⁄


( 1 − Limite do intervalo de confiança superior ) ] × 100

Limite inferior = [ Limite do intervalo de confiança inferior ⁄


( 1 − Limite do intervalo de confiança inferior ) ] × 100

Para testar estas relações, consideremos o seguinte exemplo: Segundo dados do registo
civil, no ano de 1890, nasceram na Mealhada (distrito de Aveiro) 141 rapazes e 147 raparigas.
Que poderemos afirmar acerca da qualidade dos dados, atendendo à aparentemente
anómala razão de masculinidade que eles evidenciam?

141
Razão de masculinidade = × 100 = 96
147

Limites de confiança

0,512 ± 1,96 √ ( 0,512 × 0,488) ⁄ 288

0,512 ± 0,058

Limite estatístico superior = 0,570 Limite estatístico inferior = 0,454

58
Limites da razão de masculinidade

0,570
Limite superior = × 100 = 133
1 − 0,570

0,454
Limite inferior = × 100 = 83
1 − 0,454

Perante os resultados obtidos, apesar de terem nascido mais raparigas do que rapazes na
Mealhada, o que resulta numa relação de masculinidade de 96 por 100 raparigas, este valor não
é significativamente diferente da proporção esperada, pois (dado o quantitativo populacional)
a relação de masculinidade poderia variar entre 83 e 133 por cada 100 raparigas, sem que se
pudesse afirmar que diferia significativamente do valor esperado (105).

Qualidade de dados de idade

Nos censos é bastante comum que as idades declaradas difiram em alguns anos da idade
real. Por exemplo, tem sido detetada a preferência digital por valores terminados em “0”
ou “5” e também por números pares, assim como diferenças significativas entre sexos no
impacto desse arredondamento das idades. Interessante também referir que, em algumas
culturas, evitam-se números muito específicos como o 13 (Ocidente) e o 4 (Ásia Oriental)
(Swanson & Siegel, 2004) e dá-se preferência a outros, como o “3”, em países como
a Coreia e a China.

Também se tem reportado que, de um modo geral, se tende a exagerar a idade declarada
relativamente aos mais idosos. Pelo contrário, há uma tendência para não reportar a idade
“0” uma vez que muitos não consideram “0” uma idade e/ou não consideram ainda os recém-
nascidos como parte do agregado familiar. Mais, a existência de leis relacionadas com
a idade da reforma, idade de emancipação e idade de voto, pode também levar a sobre registo
dessas idades. Interessa referir que estes fenómenos são mais comuns em comunidades
com baixos níveis de escolaridade.

ÍNDICES DE PREFERÊNCIA DIGITAL

Apresentam-se a seguir alguns dos índices utilizados para detetar e comparar a preferência
digital em idades em censos e inquéritos demográficos. Para todos eles, assume-se que os
valores corretos estão retangularmente distribuídos, ou seja, que num intervalo de idades
relativamente pequeno os efetivos de cada idade deverão ser praticamente iguais ou que
(caso variem) o façam de maneira regular, isto é, aumentem ou diminuam linearmente com
a idade.

Índice básico de preferência digital

O mais simples destes índices é o índice básico de preferência digital. Para o seu cálculo,
seleciona-se um intervalo de idades centrado na idade para a qual se quer apurar se
há ou não preferência digital (ou o oposto). Por regra, o intervalo é de 3 ou de 5 anos
(necessariamente um número ímpar).

59
O índice calcula-se dividindo os efetivos (P) da idade em causa pelo valor médio dos efetivos
do intervalo de idades, sendo habitual multiplicar o quociente por 100.

Um índice superior a 100 indica atração; inferior a 100, aversão a esse valor numérico.
Por exemplo, assumindo um intervalo de 5 anos, se quisermos calcular o índice de preferência
digital para a idade 55, basta dividir o número de efetivos com idade 55 (P55) pelo número
médio de indivíduos com idades 53 a 57, conforme indicado na equação abaixo.

P55
Índice (55 anos; intervalo 5 anos) = × 100
1
× ( P53 + P54 + P55 + P56 + P57 )
5

Consideremos um exemplo. Em 2011, residiam no Nepal 392742 indivíduos com 23 anos,


416539 com 24, 612362 com 25, 388253 com 26 e 355076 com 27 anos de idade.

O índice básico de preferência digital para a idade de 25 anos é dado pela fórmula abaixo
e indica um sobrerrelato da idade de 25 anos. Por outras palavras, o número de indivíduos
com idade de 25 anos é cerca de 41% superior ao número esperado.

612362
× 100 = 141
1
× ( 392742 + 416539 + 612362 + 388253 + 355076 )
5

Conclusão muito semelhante é obtida quando usamos um intervalo de 3 anos para o mesmo
cálculo, conforme se vê abaixo:

612362
× 100 = 130
1
× ( 416539 + 612362 + 388253 )
3

Já para a idade de 24 é de 88, indicando um sub-relato desta idade. Por outras palavras,
o número de indivíduos com idade de 66 anos é inferior ao número esperado.

416539
× 100 = 88
1
× ( 392742 + 416539 + 612362 )
3

Índice de Whipple

Desenvolvido pelo demógrafo norte-americano George Chandler Whipple (1866-1924)


e adotado pela ONU, é de cálculo semelhante aos índices básicos, embora difira destes por
se aplicar às idades no seu todo e não a uma idade em particular.

60
O método padrão consiste em comparar as idades terminadas em 0 e em 5 (consideradas
preferenciais) com a totalidade das idades num intervalo padrão de quarenta anos que
vai dos 23 aos 62 anos − embora esta escolha seja algo arbitrária, partiu-se do princípio
que as idades fora deste intervalo são mais afetadas por erros de comunicação e que,
especialmente nas mais avançadas, a variação dos efetivos populacionais não é tão linear.

A fórmula de cálculo é a seguinte, em que P diz respeito ao número de efetivos das idades
indicadas. No denominadordivide-se por cinco o número de efetivos com idades entre 23
e 62 visto que temos 5 vezes mais idades no denominador do que no numerador.

P25 + P30 = ... + P55 + P60


Índice de Whipple = × 100
1 × ( P + P + P ... + P + P + P )
23 24 25 60 61 62
5

O índice de Whipple é também frequentemente calculado para avaliar a preferência pelo


dígito “0” apenas, sendo a equação para tal a seguinte

P30 + P40 + ... P60


Índice de Whipple = × 100
1 × ( P + P + P ... + P + P + P )
23 24 25 60 61 62
10

Tal como no índice anterior, o afastamento do valor 100 indica a existência de preferência
digital nas declarações de idades, neste caso, pelas idades terminadas em 0 ou 5, a situação
mais comum. O índice varia teoricamente entre 100 (ausência total de concentração) e 500
(caso limite em que todas as pessoas se declaram em idades terminadas em 0 e 5).

A ONU estabeleceu os seguintes padrões de qualidade: bastante preciso (<105), preciso


(105 – 110), razoável (110-125), mau (125-175) e muito mau (>175).

Vejamos um exemplo baseado nos dados do último recenseamento angolano (2014).


A população total com idades entre os 23 e os 62 anos foi de 8 932 347 e a população total
com idades terminadas em 5 e 0 dentro do intervalo dos 23 aos 62 anos foi de 1 895 096.
O índice de Whipple obtido foi de 106, o que nos permite classificar este recenseamento
como preciso.

1 895 096
Índice de Whipple = × 100 = 106
1 × ( 8 932 347 )
5

O índice de Whipple pode ser adaptado, de modo a averiguar se há preferência por outros
dígitos, designadamente pelos números pares, situação que também tem sido detetada em
alguns censos e países.

61
Índice combinado de Myers

Os índices anteriores apresentam geralmente um viés decorrente de não terem em conta


que, em virtude do efeito da mortalidade, ocorre uma diminuição gradual dos efetivos
populacionais ao longo de cada década de idades, sendo de esperar que o efetivo seja
máximo nas idades terminadas em 0 e mínima nas terminadas em 9. Por exemplo, numa
população fechada (isto é, em que não haja migrações), para o grupo etário dos 30-39 anos,
será de esperar que haja mais pessoas com 30 anos de idade do que com 31, mais pessoas
com 31 do que com 32 e assim por diante, sendo o efetivo mínimo correspondente à idade
dos 39 anos. Como isto sucede em todos os grupos etários decenais, será de esperar que
idades com terminação 0 sejam ligeiramente mais frequentes que as com terminação 1
e assim por diante até à terminação 9.

Para compensar este viés, usa-se o método desenvolvido por Myers em 1940, em que essa
diminuição gradual dos efetivos populacionais é corrigida de um modo bastante engenhoso.
Como consequência, o processo de cálculo é mais elaborado do que o dos índices anteriores,
seguindo-se os seguintes passos, para idades compreendidas entre 10 e 89 anos:

a. Somar a população com idades terminadas em cada um dos dígitos de 0 a 9, entre os


10 e os 89 anos.

b. Somar a população com idades terminadas em cada um dos dígitos de 0 a 9, entre os


20 e os 89 anos.

c. Multiplicar cada uma das somas obtidas em a), respetivamente, pelos coeficientes
1, 2, …, 9, 10.

d. Multiplicar cada uma das somas obtidas em b), respetivamente, pelos coeficientes
9, 8, …, 1, 0.

e. Para cada um dos dígitos, somar os valores obtidos em c) e em d), obtendo as somas
combinadas.

f. Adicionar as somas combinadas, obtendo assim a soma combinada total.

g. Calcular (%) a proporção de cada dígito, dividindo a sua soma combinada pela soma
combinada total.

h. Subtrair 10% à proporção de cada dígito, obtendo assim o desvio em relação


ao esperado.

i. Finalmente, ó valor do índice de Myers é obtido dividindo por dois a soma dos valores
absolutos dos desvios.

O valor do índice de Myers pode, teoricamente, variar entre 0 e 90, indicando o primeiro
valor a ausência de preferência/aversão por qualquer dígito e o segundo, que todas as
idades foram declaradas com o mesmo dígito final.

62
Na Tabela 7 apresenta-se o cálculo do índice de Myers para o último censo (2011) do
Nepal. O resultado obtido sugere que pelo menos 15,64% das idades do censo devem estar
erradas, em virtude de preferência digital, particularmente por dígitos terminados em 0 e 5.
O mesmo se pode concluir do gráfico abaixo (Figura 7), onde está representada a distribuição
das idades em função dos diferentes dígitos.

Tabela 7. Exemplificação do cálculo do índice de Myers. (Fonte: Government of Nepal, 2012).

(5) (6) (7) (9) (10)


(1) (2) (3) (4)
= (1) × (3) = (2) × (4) = (5) + (6) = (7) ÷ (8) = |(9) - 10|

Proporção
Soma Soma Desvios em
População População Ponderação Ponderação Soma combinada
Dígitos ponderada ponderada relação a
10-89 20-89 para (1) para (2) combinada de cada
(1) (2) 10%
dígito

0 3830398 3018650 1 9 3830398 27167850 30998248 17,61 7,61

1 1583189 1020609 2 8 3166378 8164872 11331250 6,44 3,56

2 2404335 1609259 3 7 7213005 11264813 18477818 10,49 0,49

3 1702527 1073612 4 6 6810108 6441672 13251780 7,53 2,47

4 1720705 1043600 5 5 8603525 5218000 13821525 7,85 2,15

5 3116882 2464357 6 4 18701292 9857428 28558720 16,22 6,22

6 1715574 1069482 7 3 12009018 3208446 15217464 8,64 1,36

7 1460021 922573 8 2 11680168 1845146 13525314 7,68 2,32

8 2060331 1376707 9 1 18542979 1376707 19919686 11,31 1,31

9 1096177 683886 10 0 10961770 0 10961770 6,23 3,77

(8) (11)
176063575 15,64
= ∑(7) = ∑(10) ÷ 2

20

18

16

14

12

10

0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Figura 7. Proporção (%) de idades terminadas em cada um dos dígitos (Government of Nepal, 2012).

63
Além disso, os desvios calculados para cada dígito permitem identificar aqueles que
atraem as preferências, assim como aqueles de que há uma certa aversão por parte dos
respondentes. Interessa referir, que – mesmo tendo em conta que este índice corrige o viés
causado pelo efeito da mortalidade – não é expetável ter exatamente 10% em cada dígito
e que ligeiras flutuações são perfeitamente normais, podendo resultar de eventos passados
(migrações, epidemias, etc.) que afetaram desproporcionalmente determinadas idades.

MÉTODOS DE REDUÇÃO DO PROBLEMA E AJUSTAMENTO DOS


DADOS IMPERFEITOS

Apesar de não existir uma única solução para o problema da preferência digital, uma das
mais simples consiste em perguntar simultaneamente a idade e a data de nascimento.
Com efeito, perguntar apenas a data de nascimento também pode conduzir a um excesso
de anos de nascimento terminados em zero e cinco, introduzindo um erro semelhante ao
associado à pergunta sobre a idade.

Além desta abordagem, que ocorre a montante aquando da recolha da informação, existem
outros métodos matemáticos para corrigir o viés de relato, nomeadamente:

• Estimar o número de efetivos de cada idade com base na informação proveniente dos
registos vitais de nascimentos e óbitos, através da aplicação de fatores de correção
calculados com base no desfasamento verificado entre os dados de nascimentos
e óbitos e as contagens do censo.

• Agrupar as contagens idade a idade em grupos etários quinquenais ou decenais por


forma a minimizar as irregularidades dentro de cada grupo etário.

• Interpolar as contagens ao longo de grupos etários, nomeadamente através do uso de


médias móveis, de funções polinomiais ou de multiplicadores de Sprague.

64
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

Bandeira, M. L. (2004). Demografia. Objecto, Teorias e Métodos. Escolar Editora.

Government of Nepal. (2012). National Population and Housing Census 2011 (National
Report), Government of Nepal, National Planning Comission Secretariat, Central Bureau
of Statistics.

INE. (2009-2014, 16 abr 2020). Censos em Portugal de 1864 a 2011. Instituto Nacional
de Estatística.
https://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=censos_historia_pt

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt

Lundquist, J. H., Anderton, D. L., & Yaukey, D. (2014). Demography: the study of human
population. Waveland Press.

Morais, J. J. P., & Alarcão, A. (1976). A população de Portugal. Caderno do Centro de Estudos
Demográficos, 2, INE.

Nazareth, J. M. (2007). Demografia: a ciência da população. Editorial Presença.

Siegel, J. S. and & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography.
Elsevier; 2004.

ONU. (2017). Principles and Recommendations for Population and Housing Censuses.
United Nations – Department of Economic and Social Affairs Statistics Division.

ONU. (2014). Principles and Recommendations for a Vital Statistics System, Revision 3.
United Nations.

ONU. (2005). Household Sample Surveys in Developing and Transition Countries. United
Nations. Department of Economic and Social Affairs Statistics Division.

Valente, P. (2010). Census taking in Europe: how are populations counted in 2010? Population
& Societies (467), 1.

Valério, N. (2001). Estatísticas históricas portuguesas. Instituto Nacional de Estatística.

Veiga, T. R., and Henriques, F. C. (2003). Os censos de 1991 e 2001 na perspectiva do


utilizador – Algumas reflexões globais. Revista de Estudos Demográficos, 34, 5-15.

Ventura, J. (2013-2021, 17 abr 2020). Livros Paroquiais e Registo Civil. Tombo.


https://tombo.pt/conteudo/livros-paroquiais-e-registo-civil

65
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f.

1. Considere os dados abaixo referentes ao número de nascimentos ocorridos em


três municípios portugueses no ano de 1890.

Município Nascimentos masculinos Nascimentos femininos


Aveiro 350 325
Almodôvar 151 181
Vila Verde 577 469
Fonte dos dados: INE

1.1. Calcule a razão de masculinidade dos nascimentos e os respetivos intervalos de


confiança para os três municípios.

1.2. Com base nos resultados obtidos, comente a qualidade dos dados do registo civil
nestas três localidades.

2. Considere os dados abaixo referentes aos dois mais recentes censos realizados
em Portugal (2011) e na Índia (2011).

2.1. Calcule os valores do índice de Whipple e do índice básico de preferência digital (2


idades à escolha) para a totalidade das áreas e de forma desagregada por área rural e
urbana, no caso da Índia.

2.2. Adicionalmente, calcule o índice combinado de Myers e represente graficamente as


proporções de cada dígito.

2.3. Comente os resultados, discutindo as diferenças entre os países e entre diferentes


níveis de ruralidade.

Índia Índia
Idade Portugal Idade Portugal
Total Rural Urbano Total Rural Urbano
<1 96761 20311234 14884690 5426544 51 145233 7885966 4897835 2988131
1 94151 21755197 15731709 6023488 52 144244 7735164 4889862 2845302
2 96527 23056268 17065758 5990510 53 145385 5590790 3362750 2228040
3 96674 23974041 17778869 6195172 54 136804 6394912 3847481 2547431
4 98534 23710038 17525634 6184404 55 141349 15607546 10898605 4708941
5 103616 26054230 19294779 6759451 56 137406 7071837 4490778 2581059
6 102517 25654245 19041426 6612819 57 131697 4599026 2775906 1823120
7 104771 24826640 18149844 6676796 58 134948 6718934 4457250 2261684
8 108312 26968373 20206981 6761392 59 132251 5148712 3238975 1909737
9 105871 23424638 17114582 6310056 60 131443 17810689 13096491 4714198
10 116057 30552107 22687766 7864341 61 129562 6026813 4023713 2003100

66
Índia Índia
Idade Portugal Idade Portugal
Total Rural Urbano Total Rural Urbano
11 115378 24740946 17851313 6889633 62 132822 5745143 3958007 1787136
12 111425 27877307 20589319 7287988 63 123218 3994105 2545532 1448573
13 110868 24280683 17490173 6790510 64 117696 4086957 2667502 1419455
14 110867 25258169 18185923 7072246 65 122138 13022352 9771237 3251115
15 109927 25899454 18593646 7305808 66 116021 4511946 3132575 1379371
16 109576 24592293 17433799 7158494 67 111492 2605082 1693052 912030
17 113106 21217467 14448773 6768694 68 105273 3548373 2471777 1076596
18 115571 27958147 19559614 8398533 69 96777 2767230 1847629 919601
19 117070 20859088 13866640 6992448 70 99443 10986280 8376640 2609640
20 116632 28882735 19978794 8903941 71 101412 3084183 2122979 961204
21 115758 19978972 12952796 7026176 72 101225 2250929 1514640 736289
22 116039 23528225 15742514 7785711 73 97876 1366536 844391 522145
23 115768 19154055 12391339 6762716 74 96482 1520914 948950 571964
24 117868 19880235 12769603 7110632 75 96159 4772346 3497157 1275189
25 120191 27768078 18881232 8886846 76 88143 1667133 1108540 558593
26 127300 20076997 12914351 7162646 77 85413 835048 507424 327624
27 131808 16709350 10451269 6258081 78 83248 1068415 697401 371014
28 137211 22127016 14730861 7396155 79 76743 889561 573195 316366
29 139566 14732524 9090557 5641967 80 71425 3784938 2851018 933920
30 144439 30399029 20870895 9528134 81 63850 1027816 700733 327083
31 147281 13823245 8512794 5310451 82 59801 603793 388663 215130
32 151198 17613544 11567758 6045786 83 52941 380185 224362 155823
33 162139 12764541 8163530 4601011 84 49871 423497 255106 168391
34 168510 13994592 8796802 5197790 85 43827 1264798 896870 367928
35 170282 28422631 19443380 8979251 86 38395 447898 286266 161632
36 167193 15827717 10277082 5550635 87 32302 221411 130167 91244
37 162337 11692231 7314107 4378124 88 27307 235640 148689 86951
38 164089 17471758 11732906 5738852 89 22525 213420 135996 77424
39 160782 11726347 7295232 4431115 90 18840 833072 621449 211623
40 157660 28528992 19843604 8685388 91 12942 258297 173293 85004
41 154142 11567894 7204399 4363495 92 8870 153561 100081 53480
42 152330 13380642 8687455 4693187 93 7388 94630 59685 34945
43 153848 9334352 5869523 3464829 94 5807 106974 69479 37495
44 155118 9626232 5976027 3650205 95 4506 272534 198396 74138
45 156622 23872961 16396175 7476786 96 3776 120268 81063 39205
46 157824 10992678 6964766 4027912 97 2939 71413 46220 25193
47 152343 7951297 4832885 3118412 98 1996 104511 73026 31485
48 152299 11649592 7692893 3956699 99 1385 64571 46964 17607
49 151206 7851799 4801509 3050290 100 1526 605778 407464 198314
50 150694 21462422 15033860 6428562

Fonte dos dados: INE & Office of the Registrar General & Census Commissioner, India.

67
CAPÍTULO 3:
COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO POR SEXO E IDADE

As variáveis sexo e idade assumem uma posição central em demografia. Estas podem ser
objeto de estudo por si só, podem ainda servir como variáveis explicativas para diversos
fenómenos demográficos ou até, como foi discutido no capítulo anterior, podem mesmo ser
utilizadas para avaliar a qualidade da informação de recenseamentos, registos e inquéritos.

As variáveis sexo e idade são essenciais para a compreensão da natureza e do funcionamento


das diferentes sociedades. São inclusivamente fundamentais para planear os serviços
e cuidados de saúde e de apoio à população.

É sabido que uma população envelhecida ou muito jovem pesa mais sobre os serviços de
saúde do que uma população adulta. A existência de um grande contingente de população
jovem significa também que existe uma enorme necessidade de investimento no emprego
e na educação. Da mesma forma, a presença de um grande contingente populacional jovem
adulto do sexo feminino – fecundidade alta – exige uma aposta nos cuidados materno-
infantis. No extremo oposto, populações envelhecidas, como a da maioria dos países
europeus atualmente, geram preocupação em torno da sustentabilidade do sistema de
pensões e obrigam a um aumento da provisão de serviços de saúde.

A composição etária tem também reflexos na dinâmica da população. Uma população


envelhecida vai seguramente estar associada a maiores taxas de mortalidade e a baixos
níveis de crescimento natural, ao passo que uma população jovem favorece a natalidade,
potenciando o crescimento natural. As idades em que acontecem determinados eventos,
como o casamento, a mudança de casa ou o primeiro filho, são igualmente fundamentais
para explicar a dinâmica das populações e para o planeamento das sociedades.

Neste capítulo iremos centrar-nos nas abordagens mais comuns para sumariar, numerica
e graficamente, a composição da população por sexo e idade.

68
IDADE

A idade é possivelmente a variável demográfica mais importante em análise demográfica.


Em demografia, a idade diz respeito à idade completa, ou seja, à idade relativa ao último
aniversário celebrado. Por exemplo, uma criança com 12 anos e 11 meses será classificada
como tendo a idade de 12 anos. Isto quer dizer que a informação da idade diz respeito a um
intervalo temporal de 12 meses. Assim, a idade 12 anos incluiu indivíduos que acabaram
de fazer 12 anos, mas também aqueles a quem lhes falta apenas um dia para atingir os 13
anos de idade.

Para obter informação mais exata é comum questionar a data de nascimento, a idade do
indivíduo ou uma combinação de ambas as informações. Ainda assim, a informação de idade,
como vimos no capítulo anterior, está sujeita a erros na sua declaração pelo próprio ou por
um familiar – exagero nas idades dos idosos, arredondamento para idades terminadas em
0 e 5, atração/aversão por certos dígitos e erros de cobertura de certos grupos populacionais
(nomeadamente, para escapar à incorporação militar). Comparar populações de acordo com
a estrutura etária é uma análise frequente em demografia, existindo inúmeras ferramentas
utlizadas para esse fim, como a pirâmide etária, as medidas de tendência central e os
indicadores sumários de envelhecimento e de dependência.

PIRÂMIDE ETÁRIA

A melhor forma de analisar a distribuição da população por sexo e idade é através de uma
representação gráfica inconfundível da ciência demográfica – a pirâmide etária. Este gráfico
recebe o nome de pirâmide pois, nas primeiras fases da transição demográfica, assumia
uma forma piramidal: uma base larga que se estreita até chegar ao topo, refletindo elevadas
taxas de natalidade e mortalidade. Hoje, como iremos ver, a maioria dos países europeus
apresenta “pirâmides” com uma forma completamente distinta.

A construção da pirâmide etária obedece a um conjunto de convenções a registar:

As idades ou grupos etários são representados num eixo vertical e os efetivos de cada sexo
em dois semieixos horizontais, o da esquerda para o sexo masculino e o da direita para
o feminino. Os grupos etários mais jovens são representados na base da pirâmide e os mais
idosos (ex.: 85 anos ou mais) no seu topo.

Os efetivos populacionais (de cada idade ou grupo de idades) são representados por
retângulos de largura constante, cujo comprimento é proporcional ao efetivo populacional.

Os efetivos populacionais podem ser apresentados em termos absolutos ou relativos.


Para facilitar comparações entre locais, grupos sociais e períodos temporais diferentes,
é preferível usar valores relativos, ou seja, as percentagens (proporções) de cada grupo
etário e sexo em relação ao efetivo total.

Para facilitar a leitura e a interpretação da pirâmide etária, paralelamente à inscrição num


dos lados das sucessivas idades/grupos etários (0-4, 5-9…), por vezes coloca-se no outro
lado os anos de nascimento correspondentes (2016-20, 2011-2015…).

69
85
85eemais
mais
80
80--84
84
75
75--79
79
70
70--74
74
65
65--69
69
60
60--64
64
55
55--59
59
50
50--54
54
45
45--49
49
40
40--44
44
35
35--39
39
30
30--34
34
25
25--29
29
20
20--24
24
15
15--19
19
10
10--14
14
55--99
00--44

5,00
5,00
5,00 4,00
4,00
4,00 3,00
3,00
3,00 2,00
2,00 1,00
1,00
1,00 0,00
0,00
0,00 1,00
1,00
1,00 2,00
2,00
2,00 3,00
3,00
3,00 4,00
4,00
4,00 5,00
5,00
5,00

Figura 8. Pirâmide etária da população portuguesa à data dos censos 2011 (Fonte dos dados: INE).

85eemais
85 mais
80--84
80 84
75--79
75 79
70--74
70 74
65--69
65 69
60--64
60 64
55--59
55 59
50--54
50 54
45--49
45 49
40--44
40 44
35--39
35 39
30--34
30 34
25--29
25 29
20--24
20 24
15--19
15 19
10--14
10 14

55--99
00--44

5,00
6,00 4,00 4,00
3,00 2,002,00 1,00 0,00
0,00 1,00 2,00
2,00 3,004,00 4,00 5,00
6,00

Figura 9. Pirâmide etária sobreposta da população portuguesa à data dos censos 2011
(barras a cheio) e população mundial em 2011 (Fonte dos dados: INE e ONU).

70
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1960 1970 1981 1991 2001 2011

0-14 15-64 65 ou mais 0-14 15-64 65 ou mais

Figura 10. Gráfico circular e gráfico de área representando a população portuguesa por ciclos
de vida (Fonte dos dados: INE).

O resultado final deverá ser uma pirâmide como a que se apresenta na Figura 8, denominada
pirâmide simples, esta referente à população portuguesa à data dos censos de 2011. Porém,
sempre que queremos fazer comparações ao longo do tempo, entre regiões ou entre grupos
populacionais (ex.: de acordo com estado civil, nacionalidade), podemos usar as chamadas
pirâmides sobrepostas, onde se sobrepõem duas ou mais pirâmides. A Figura 9 apresenta
a pirâmide portuguesa sobreposta à pirâmide etária da população mundial, sendo nítidas
grandes diferenças, com Portugal a apresentar uma base da pirâmide estreita e um topo
alargado, denotando a presença de uma população envelhecida, e a população mundial
a apresentar ainda uma base alargada e uma forma tipicamente piramidal, reflexo da
predominância de crianças e jovens em grande parte do mundo.

As pirâmides etárias podem ser desenhadas manualmente, mas atualmente são usados
programas como o Microsoft Excel, SPSS ou R para produzir o mesmo resultado de forma
mais rápida e eficaz. No Anexo 2 é explicado passo a passo o processo de gerar uma
pirâmide etária em Microsoft Excel. Atenção que, embora a pirâmide seja a representação
gráfica da estrutura etária da população mais convencional, esta pode ser representada
também por gráficos circulares e gráficos de área, estes últimos particularmente úteis
para comparar ao longo do tempo o peso relativo dos grandes grupos etários (Figura 10).
Como se deixou já antever, a forma da pirâmide é a referência em relação à qual se fazem
comparações. Embora não exista uma terminologia padrão, é comum definir três grandes
tipos de pirâmides etárias, cada um associado a um determinado período da teoria da
transição demográfica, já explorada no Capítulo 1 (Figura 11):

Pirâmide em acento circunflexo ou expansiva – Pirâmide típica dos países de baixo


rendimento, em que a mortalidade e a natalidade são elevadas, apresentando a pirâmide
uma base muito larga e um topo reduzido, ou seja, uma população jovem. É a pirâmide
típica da primeira e da segunda fases do modelo de transição demográfica.

Pirâmide em urna ou constritiva – Pirâmide típica dos países de alto rendimento, da


quarta fase do modelo de transição demográfica. A mortalidade e a natalidade são baixas,
originando uma base reduzida, com fraca proporção de jovens (isto é, um envelhecimento na
base), e um topo empolado, com elevada proporção de idosos, ou seja, um envelhecimento
também no topo (pirâmide com duplo envelhecimento).

71
Pirâmide em sino ou estacionária – Pirâmide intermédia entre as duas anteriores,
característica dos países da terceira da fase da transição demográfica. Apresentam um
grande número de adultos, devido aos baixos níveis de mortalidade, mas ainda têm um
elevado peso da população infantil, o que garante a manutenção da população.

65
idade

15

Fase 1 - expansiva Fase 2 - expansiva Fase 3 - estacionária Fase 4 - constritiva

Figura 11. Pirâmide etária típica de cada fase da transição demográfica.

As pirâmides etárias são também um instrumento útil para analisar o impacto de eventos
históricos na estrutura da população – guerras, epidemias, vagas migratórias – e até mesmo
a qualidade dos dados de idade/sexo. Quando estes episódios causam muitas mortes ou
grande redução na fecundidade, surge o que se designa por classes ocas: grupos etários
cujo número de indivíduos é inferior aos dos grupos anterior e posterior. A pirâmide da Figura
12, referente à população italiana em 1931, reflete na perfeição a diminuição da fecundidade
ocorrida na I Guerra Mundial, na qual a Itália participou de maio de 1915 a novembro de 1918.

85 ou mais 1846-…
80-84 1847-1851
75-79 1852-1856
70-74 1857-1861
65-69 1862-1866
60-64 1867-1871
55-59 1872-1876
50-54 1877-1881
45-49 1882-1886
40-44 1887-1891
35-39 1892-1896
30-34 1897-1901
25-29 1902-1906
20-24 1907-1911
15-19 1912-1916
10-14 1917-1921
5-9 1922-1926
0a4 1927-1931
8,00 6,00 4,00 2,00 0,00 2,00 4,00 6,00 8,00

Figura 12. Pirâmide etária da população italiana em 1931 (Fonte dos dados: Instituto Nacional
de Estatística Italiano, ISTAT).

Além disso, algumas irregularidades patentes nas pirâmides etárias permitem detetar
a ocorrência de outros fenómenos demográficos, nomeadamente em localidades pequenas,
como é o caso de migrações seletivas de certos grupos populacionais. Por exemplo, a presença
de uma base militar numa localidade pode traduzir-se numa pirâmide desequilibrada com
um elevado número de efetivos masculinos em idade ativa, como acontece, por exemplo,
na freguesia das Lajes, ilha Terceira (Figura 13), particularmente entre os 15 e os 24 anos
de idade.

72
85 anos ou mais
85 ou mais
80 a 8480-84
anos
75 a 7975-79
anos
70 a 7470-74
anos
65 a 6965-69
anos
60 a 6460-64
anos
55 a 5955-59
anos
50 a 5450-54
anos
45 a 4945-49
anos
40 a 4440-44
anos
35 a 3935-39
anos
30 a 3430-34
anos
25 a 2925-29
anos
20 a 2420-24
anos
15 a 1915-19
anos
10 a 1410-14
anos
5-9
5 a 9 anos
0 a 40anos
a4
8,00
6,00 6,00 4,00 4,00 2,00
2,00 0,00
0,00 2,00 2,004,00 6,00
4,00 8,006,00

Figura 13. Pirâmide etária da freguesia das Lajes na ilha Terceira em 2001 (Fonte dos dados: INE).

85
85ou
85 anos oumais
ou mais
mais
80 a 8480-84
anos
80-84
75 a 7975-79
anos
75-79
70 a 7470-74
anos
70-74
65 a 6965-69
anos
65-69
60 a 6460-64
anos
60-64
55 a 5955-59
anos
55-59
50 a 5450-54
anos
50-54
45-49
45 a 4945-49
anos
40 a 4440-44
anos
40-44
35 a 3935-39
anos
35-39
30 a 3430-34
anos
30-34
25-29
25 a 2925-29
anos
20 a 2420-24
anos
20-24
15 a 1915-19
anos
15-19
10-14
10 a 1410-14
anos
5-9
5 a 9 anos
5-9
0 a 40anos
a0-4
4
8,00
6,00
6,00 6,00 4,00 4,00 2,00
2,00 0,00
0,00 2,00 2,004,00 6,00
4,00 8,006,00

Figura 14. Pirâmide etária da freguesia de Santo André em Santiago do Cacém em 2011
(Fonte dos dados: INE).

Em localidades suburbanas é também comum encontrar pirâmides denominadas bimodais,


com elevado número de crianças e de adultos em idade fértil, destacando-se dos outros
grupos etários. Em Portugal, há um claro caso bimodal, a freguesia de Santo André (Santiago
do Cacém), patente em ambos os sexos: um nos 50-59 anos de idade e outro pelos 30-34
anos. Tal deve-se à chegada em massa de trabalhadores nos anos 70 e 80, ocasionada pela
criação do complexo petroquímico de Sines. Em consequência disso, aliás, a população
registou um crescimento vertiginoso: de 2058 em 1970 passou a 5778 em 1981 e a 10751
em 1991 (Figura 14).

73
Índices-resumo e grupos funcionais

Em análise demográfica, quando se quer ter uma visão rápida da evolução ou da diversidade
das estruturas populacionais, opta-se por agrupar as idades num número reduzido de
grupos, de modo a tornar mais funcional a análise; daí a designação de grupos funcionais.
Para estudar a estrutura etária da população é frequente usar três grupos etários: os jovens
(0 aos 14 anos), os adultos (15 aos 64 anos) e os idosos (65 anos ou mais).

Com base neles, obtêm-se índices-resumo que nos permitem avaliar o grau de envelhecimento
ou rejuvenescimento de uma população. Os índices de dependência (índice de dependência
de jovens, idosos e total) estabelecem uma relação entre a população supostamente produtiva
e a não produtiva (ou seja, dependente) e permitem avaliar grosseiramente os encargos da
sociedade com jovens e idosos. Interessa referir que, durante o período de transição (fases
2 e 3 da teoria da transição demográfica), os índices de dependência de jovens aumentam,
começando depois a diminuir. O índice de dependência de idosos mantem-se baixo ao
longo da transição, mas começa depois a aumentar, até igualar o nível de dependência de
jovens. Em sociedades na 5ª fase da transição demográfica, onde os óbitos superam os
nascimentos, os níveis de dependência de idosos tendem a ser superiores aos de jovens.

Devido ao aumento da importância do fenómeno do envelhecimento da população na


Europa e na América do Norte, têm sido desenvolvidos índices que refletem o peso da
população idosa (com mais de 64 anos) e muito idosa (com mais de 84 anos), como o índice
de envelhecimento, o índice de longevidade e o índice de pressão sobre os cuidadores
(caretaker ratio)13.

Importa referir que os limites definidos para os intervalos de idade são bastante grosseiros
e amplos e não devem ser lidos de forma estrita. Além disso, são limites que mudam ao
longo do tempo e de acordo com o contexto social e geográfico. Em muitos países de baixo
rendimento, por exemplo, é comummente usado o limiar dos 60 anos para definir população
idosa.

Os principais índices-resumo das estruturas demográficas são apresentados na Tabela 8.


A listagem não é exaustiva e pretende apenas instruir o leitor acerca dos indicadores mais
utilizados atualmente.

13 Este indicador baseia-se na ideia de que são normalmente as filhas que assumem a responsabilidade de dar
apoio emocional e instrumental aos seus pais.

74
Tabela 8. Índices-resumo da estrutura etária da população (Fontes: Rowland (2013) e Nazareth (2014)).

Índice Fórmula Descrição

Percentagem de P0−14
× 100% Mede a percentagem de jovens em relação à população total.
jovens P

Percentagem de
P15−64 Mede a percentagem de indivíduos potencialmente ativos em relação à população
potencialmente × 100%
P total.
ativos

Percentagem de P≥65
× 100% Mede a percentagem de indivíduos idosos em relação à população total.
idosos P

Percentagem
P≥85
de idosos muito × 100% Mede a percentagem de indivíduos idosos muito idosos em relação à população total.
P
idosos

Compara diretamente a população jovem com a população idosa, permitindo uma


P0−14 leitura do tipo ‘por cada 100 idosos existem X jovens’. Utilizado para medir o grau de
Índice de juventude × 100%
P≥65 envelhecimento demográfico. Trata-se de uma razão e não de uma proporção
(o numerador não está contido no denominador).

O valor é inverso do indicador anterior, pois diz-nos quantos idosos existem por
Índice de P≥65
× 100% cada 100 jovens. É um indicador utilizado para medir o grau de envelhecimento
envelhecimento P0−14
demográfico.

Índice de
P0−14 Mede os encargos potenciais que pesam sobre a população ativa, em termos dos
dependência de × 100%
P15−64 jovens – ‘por cada 100 potencialmente ativos existem X jovens’.
jovens

Índice de
P≥65 Mede os encargos potenciais que pesam sobre a população ativa, em termos dos
dependência de × 100%
P15−64 idosos – ‘por cada 100 potencialmente ativos existem X idosos’.
idosos

Mede os encargos potenciais que pesam sobre a população ativa, em termos do


Índice de P0−14 +P≥65
× 100% conjunto dos jovens e dos idosos – ‘por cada 100 potencialmente ativos existem
dependência total P15−64
X jovens/idosos’.

Indicador que relaciona a metade mais jovem da população potencialmente ativa com
Índice de juventude P15−39
× 100% a metade mais velha. Mede o grau de envelhecimento da população potencialmente
da população ativa P40−64
ativa.

Índice de
P20−29 Relaciona o volume potencial da população que está a entrar na idade ativa com
renovação da × 100%
P55−64 o volume potencial da população que se está a reformar.
população ativa

Índice de P≥75 Indicador do envelhecimento demográfico que compara o peso dos idosos mais
× 100%
longevidade P≥65 jovens com o peso dos idosos menos jovens.

Índice de
P15−64 Relaciona o número de indivíduos em idade ativa (15 a 64 anos) com o número
sustentabilidade × 100%
P≥65 de indivíduos idosos (65 anos ou mais).
potencial

Índice de
pressão sobre P≥80 Relaciona o número de indivíduos com 80 anos ou mais com a população feminina
f × 100%
os cuidadores P50-64 entre os 50 e os 64 anos (população potencialmente cuidadora).
(‘caretaker ratio’)

75
Idade mediana

Enquanto os indicadores anteriores focam em aspetos particulares da população (comparando


jovens com idosos, dependentes com população adulta, etc.), medidas de tendência central
como a média, a moda e a mediana fornecem um valor que resume a estrutura etária da
população. Quando lidamos com dados não agrupados, o cálculo destas medidas é muito
simples. Por exemplo, se tivermos 5 indivíduos com idades 10, 11, 11, 12 e 16, a idade
média equivale à soma de todos os valores a dividir por 5, portanto 12; a moda será o valor
mais comum (neste caso, 11 anos) e a mediana será o valor do meio - neste caso, 11 anos.

Porém, as estatísticas demográficas – estimativas da população intercensitárias e dados


provenientes do registo civil (ex.: mortalidade) – são disponibilizadas normalmente de
forma agrupada, impedindo o uso dos métodos convencionais de cálculo da mediana e não
permitindo o cálculo da média.

Para lidar com esta limitação, e uma vez que o valor da mediana é muito útil para medir
o grau de envelhecimento populacional, desenvolveram-se métodos para permitir a sua
estimativa, mesmo quando apenas se dispõe de quantitativos populacionais englobados
por grupos etários. Interessa referir que, nesse domínio, a mediana apresenta até algumas
vantagens sobre a média: não é afetada por valores extremos e pode ser calculada mesmo
quando temos dados agrupados com grupos etários terminais (ex.: 80 anos ou mais).

Para a sua obtenção, aplica-se a expressão matemática

Idade mediana = l + ( N2 −F ) × ( fi )
em que
l é o limite inferior de idade do grupo etário que contém o meio;
N é a população total;
F é a frequência cumulativa de todos os grupos etários até ao grupo etário que contém o meio;
f é a frequência do grupo etário que contém o meio;
i é a dimensão do grupo etário que contém o meio (5 ou 10, para grupos etários quinquenais
ou decenais, respetivamente).

De acordo com esta expressão, a determinação da idade mediana pode ser efetuada através
da sequência de passos que adiante se exemplifica, recorrendo aos dados (Tabela 9) de
mortalidade por cancro da mama em Portugal no triénio 2015-2017.

76
Tabela 9. Idade das vítimas de cancro da mama em Portugal no triénio 2015-2017
(Fonte dos dados: INE).

Grupo etário (A) Frequência (B) Frequência cumulativa (C)


0-4 0 0
5-9 0 0
10 - 14 0 0
15 - 19 1 1
20 - 24 0 1
25 - 29 7 8
30 - 34 25 33
35 - 39 90 123
40 - 44 189 312
45 - 49 266 578
50 - 54 383 961
55 - 59 409 1370
60 - 64 422 1792
65 - 69 543 2335
70 - 74 513 2848
75 - 79 567 3415
80 - 84 638 4053
85 ou mais 1162 5215

Passo 1: Listar a frequência de pessoas em cada grupo etário (coluna B).

Passo 2: Listar a frequência cumulativa de cada idade. A frequência cumulativa é a soma


das frequências até à idade em questão (inclusive). No exemplo em questão, a frequência
cumulativa para o grupo etário 35-39 é a soma 33 + 90 = 123. A frequência cumulativa do
último grupo etário deverá ser igual a N (neste caso, 5215).

Passo 3: Determinar o meio da distribuição, dividindo a população total por dois. Isto
é importante porque a idade desta pessoa – o indivíduo que está no meio desta distribuição
ordenada por ordem ascendente – corresponde à idade mediana da população. Na tabela
acima, o meio é 5215/2 = 2607,5.

Passo 4: Identificar o grupo etário em que o meio está localizado. Para tal, identifica-se
o primeiro grupo etário que tem uma frequência cumulativa maior que N /2, que é o grupo
dos 70-74 cuja frequência cumulativa é 2848, tendo o imediatamente anterior (65-69)
a frequência cumulativa de 2335. Obtemos então os seguintes parâmetros da expressão de
calculo da mediana: F = 2335, f = 513 e l = 70.

Passo 5: Resolver a equação

Idade mediana = 70 + ( 5215


5
− 2335
5
) × ( 513 ) = 72,7 anos

77
Agora, algumas palavras sobre o significado dos termos da expressão matemática utilizada.

Em ( N2 − F ) estamos a determinar quão distante deverá estar o meio da distribuição


relativamente ao primeiro indivíduo (i.e., o mais novo) do grupo etário onde o meio se inclui.
O que, no caso em apreço, quer dizer que, começando nos 70 anos, existem 272,5 pessoas
antes do indivíduo do meio.

Por outro lado, o quociente ( i ) exprime a diferença média de idades entre pessoas de
f
idades imediatamente contíguas do grupo etário que contém o meio, admitindo que as idades
se encontram uniformemente distribuídas. Neste caso é 0,00975 anos, ou seja, cerca de
3,6 dias.

Ao multiplicarmos 272,5 por 0,00975 obtemos 2,7 anos, significando isso que – admitindo
que as idades se encontram uniformemente distribuídas no grupo etário − o indivíduo do
meio da distribuição é 2,7 anos mais velho que o indivíduo mais novo do grupo etário 70-74.
Assim, somando 70 a este valor, obtemos que a idade mediana das vítimas de cancro da
mama em Portugal no triénio 2015-2017 era de 72,7 anos.

Quando se dispõe de dados não agrupados por grupos etários, mas se pretende estimar
a idade mediana com precisão superior à unidade, podemos igualmente seguir este método
- nesse caso, i seria igual a 1.

Vem a talhe de foice referir que também é comum calcular o valor da idade mediana, não
para toda a população, mas apenas para a população ativa. Na sequência de passos desse
cálculo, como é óbvio, não são tidos em conta os grupos etários dos mais jovens, nem dos
mais idosos.

Índice de dissimilaridade

Medida simples e versátil que pode ser usada para sumariar e comparar estruturas etárias de
duas populações. Mede a não correspondência entre duas distribuições etárias percentuais,
revelando que proporção de uma dada população deveria ser redistribuída pelos grupos
etários, para que esta correspondesse à distribuição etária da população padrão (ou de
comparação).

O índice de dissimilaridade varia entre 0 e 100. Um valor de zero significa que não há
diferenças entre as populações, enquanto um valor de 100 diz-nos que as populações são
totalmente diferentes. Porém, não nos permite dizer qual das populações é mais envelhecida
ou mais jovem, pois faz uso de valores absolutos de diferenças.

O índice de dissimilaridade ID é dado pela seguinte expressão matemática:


n
ID = 0,5 ∑ | xi − yi |
i=1
em que
x representa a distribuição percentual da população padrão usada;
y representa a distribuição percentual da população a ser comparada com a população
padrão;
i representa uma dada categoria, geralmente um grupo etário;
n é o número total de categorias.

78
Em traços gerais, o índice de dissimilaridade é, portanto, metade da soma das diferenças
percentuais dos dois grupos a comparar. A divisão por dois justifica-se por estamos a lidar
com diferenças absolutas; doutra forma, estaríamos a contar duplamente as diferenças −
equivale a considerar uma única vez as diferenças positivas e as correspondentes diferenças
negativas.

Interessa referir também que, quanto maior for o número de grupos etários, maior tenderá
a ser o valor do índice de dissimilaridade, razão por que apenas são diretamente comparáveis
índices de similaridade baseados em idêntico número de grupos etários.

No exemplo da Tabela 10 calcula-se o índice de dissimilaridade entre Portugal e os Açores.


O valor obtido (9,3) revela que existem algumas diferenças entre a composição etária das
duas populações e que para que estas se tornassem equiparáveis teríamos que redistribuir
cerca de 9,3% da população pelos grupos etários. Complementando o que atrás foi referido,
atente-se que, se estivéssemos a trabalhar com grandes grupos etários (0-14, 15-64, 65 ou
mais), o valor do índice de dissimilaridade baixaria para 7,1.

Tabela 10. Exemplificação do cálculo do índice de dissimilaridade (Fonte dos dados: INE).

% População % População Diferenças


Grupos etários
Portugal (A) Açores (B) absolutas |A-B|
0 - 4 anos 4,28 5,01 0,73
5 - 9 anos 4,80 5,58 0,78
10 - 14 anos 5,17 6,04 0,88
15 - 19 anos 5,37 6,66 1,29
20 - 24 anos 5,30 7,08 1,77
25 - 29 anos 5,43 7,27 1,84
30 - 34 anos 6,32 7,54 1,22
35 - 39 anos 7,47 8,28 0,80
40 - 44 anos 7,74 7,68 0,07
45 - 49 anos 7,30 7,03 0,27
50 - 54 anos 7,31 7,16 0,15
55 - 59 anos 6,75 6,11 0,64
60 - 64 anos 6,27 5,18 1,08
65 - 69 anos 5,70 4,04 1,66
70 - 74 anos 4,75 3,27 1,48
75 - 79 anos 4,21 2,64 1,56
80 - 84 anos 3,26 2,06 1,20
85 - 89 anos 1,77 0,94 0,84
90 - 94 anos 0,63 0,32 0,31
95 - 99 anos 0,14 0,09 0,05
100 e mais anos 0,04 0,03 0,01
Soma das diferenças 18,64
Índice de dissimilaridade 9,32

79
SEXO

A informação do sexo, à semelhança da informação acerca da idade, assume enorme


relevância em demografia, visto que influencia diversas dimensões, determinando,
por exemplo, a ocorrência de muitas doenças e causas de morte e os níveis de desigualdade
social; e influenciando os níveis de nupcialidade e fecundidade da população.

Ao contrário da informação da idade, a informação acerca do sexo é menos sujeita a erros.


O principal problema relacionado com a qualidade dos dados sobre o sexo obtidos em censos
diz respeito à diferença de cobertura entre os dois sexos. Nos países de alto rendimento,
essa diferença é insignificante, por haver pouca ou nenhuma razão para que um sexo seja
mais relatado do que o outro. Porém, historicamente, têm-se registado casos de sub-relato
de um dos sexos. Em algumas culturas, nomeadamente na China, verifica-se um excesso
de homens em relação a mulheres devido à política do filho único (iniciada em 1979)
e à preferência pela descendência masculina, o que atualmente tem implicações no mercado
nupcial do país e, subsequentemente, nos níveis de fecundidade. Noutras sociedades,
em oposição, há sub-relato de indivíduos do sexo masculino, nomeadamente como forma
de proteção contra espíritos demoníacos (acontece no Nepal) ou então para evitar o serviço
militar.

Independentemente destes erros de cobertura, existem irregularidades na distribuição dos


sexos. É notório que as pirâmides etárias nunca são simétricas. Em primeiro lugar, porque
nascem mais homens do que mulheres (por cada 100 mulheres nascem 105 homens), pelo
que a base da pirâmide é sempre maior do lado masculino do que do feminino. Os motivos
pelos quais nascem mais rapazes do que raparigas ainda não são inteiramente conhecidos.
Entre outras teorias, alguns cientistas acreditam que o desequilíbrio de sexos no nascimento
resulta de um mecanismo evolutivo para compensar o maior número de mortes masculinas
que ocorrem desde a conceção até à idade adulta.

Em segundo lugar, porque a mortalidade, fator essencial da redução dos efetivos dos
diferentes grupos etários, é sempre mais precoce nos homens do que nas mulheres
(mortalidade em excesso masculina); consequentemente, à medida que avançamos na
idade, a superioridade masculina inicial vai desaparecendo. Normalmente, nos 20-30 anos
a importância dos dois sexos é igual, ao passo que nos últimos grupos etários o sexo feminino
tem sempre maior volume populacional do que o masculino. Outros fatores que afetam
a distribuição da população por idades, como as migrações e as guerras, tendem a acentuar
ainda mais estas assimetrias.

Frequentemente, completa-se a análise das pirâmides etárias com o cálculo e a análise da


proporção de homens ou da correspondente razão de masculinidade (ou razão de sexos),
já referida no capítulo anterior, a qual é também frequentemente calculada para estimar o peso
da população masculina ou feminina em vários fenómenos demográficos, nomeadamente
na mortalidade, no emprego ou nas migrações.

80
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

Bandeira, M. L. (2004). Demografia. Objecto, Teorias e Métodos. Escolar Editora.

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt

ISTAT (n.d., 30 ago 2021). Banche dati e sistemi informativi. Instituto Nazionale di Statistica.
https://www.istat.it/it/dati-analisi-e-prodotti/banche-dati

Nazareth, J. M. (2007). Demografia: a ciência da população. Editorial Presença.

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

81
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f

1. Usando os dados fornecidos, construa a pirâmide etária dos municípios de Paços de


Ferreira (distrito do Porto) e de Alcoutim (distrito de Faro) no ano de 2015 e discuta as
diferenças. Para este exercício, siga as instruções do Anexo 2.

Paços de Ferreira Alcoutim


Homens Mulheres Homens Mulheres
Total 28136 28569 1114 1204
0 - 4 anos 1189 1037 25 23
5 - 9 anos 1459 1413 26 34
10 - 14 anos 1598 1586 27 22
15 - 19 anos 1917 1887 33 52
20 - 24 anos 1910 1817 44 29
25 - 29 anos 1956 1743 43 39
30 - 34 anos 1947 1850 22 38
35 - 39 anos 2130 1971 41 45
40 - 44 anos 2363 2287 75 49
45 - 49 anos 2310 2454 68 58
50 - 54 anos 2277 2422 89 65
55 - 59 anos 2016 2130 79 72
60 - 64 anos 1581 1696 79 88
65 - 69 anos 1330 1418 104 98
70 - 74 anos 897 1032 75 105
75 - 79 anos 655 840 85 128
80 - 84 anos 406 606 104 97
85 e mais anos 195 380 95 162
Fonte dos dados: INE

2. Com base nos dados fornecidos referentes aos municípios de Vinhais (distrito de
Bragança) e de Mafra (distrito de Lisboa) no ano de 2015, calcule os seguintes indicadores
e comente os resultados obtidos:

 2.1. Idade mediana da população e idade mediana da população em idade ativa.

 2.2. Indicadores-resumo da estrutura etária.

 2.3. Índice de dissimilaridade entre as áreas.

82
Vinhais Mafra
Total 8289 81961
0 - 4 anos 175 4316
5 - 9 anos 196 5206
10 - 14 anos 253 5345
15 - 19 anos 308 5036
20 - 24 anos 299 4308
25 - 29 anos 361 4542
30 - 34 anos 346 6071
35 - 39 anos 406 7894
40 - 44 anos 392 7770
45 - 49 anos 454 5629
50 - 54 anos 550 4930
55 - 59 anos 585 4344
60 - 64 anos 601 3742
65 - 69 anos 593 3540
70 - 74 anos 687 3183
75 - 79 anos 768 2576
80 - 84 anos 614 1982
85 e mais anos 701 1547
Fonte dos dados: INE

3. A tabela abaixo faz uma retrospetiva da distribuição da população portuguesa por grupos
etários desde o censo de 1960 até ao de 2011. Com base nos dados fornecidos, comente
a evolução da estrutura etária da população portuguesa nos últimos 50 anos, recorrendo
para tal ao cálculo dos indicadores etários que considera mais relevantes.

Ano Total 0-14 15-64 65 ou mais


1960 8 889 392 2 591 955 5 588 868 708 569
1970 8 611 125 2 451 850 5 326 515 832 760
1981 9 833 014 2 508 673 6 198 883 1 125 458
1991 9 867 147 1 972 403 6 552 000 1 342 744
2001 10 356 117 1 656 602 7 006 022 1 693 493
2011 10 562 178 1 572 329 6 979 785 2 010 064
Fonte dos dados: INE/PORDATA

83
CAPÍTULO 4:
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO

A forma como a população se encontra distribuída no espaço (por regiões ou por áreas
urbanas/rurais) tem implicações diversas, pelo que foram desenvolvidas diferentes formas
de exprimir essa distribuição.

Embora as estatísticas nacionais globais sejam de enorme relevância, a análise da composição


e dinâmica das populações exige normalmente o acesso a informação subnacional, ao
nível de regiões, municípios e mesmo freguesias. De facto, estudar a população usando
unidades geográficas mais pequenas permite aprofundar o entendimento das sociedades,
nomeadamente quando existem grandes desigualdades sociodemográficas dentro dos
países. Aliás, o uso de estatísticas subnacionais tem-se tornado ainda mais relevante nos
últimos anos, levando inclusivamente à emergência de um novo ramo da demografia aplicada,
de nome geodemografia, que tem atraído especial atenção de geógrafos e profissionais de
saúde pública dada a inerente ligação da sua atividade à gestão de um dado território.

Os métodos discutidos nos restantes capítulos deste livro aplicam-se também a pequenas
áreas geográficas e, portanto, não serão revisitados neste capítulo. Neste capítulo iremos
incidir nas formas de organização territoriais, apresentar indicadores sumários acerca da
distribuição geográfica da população e terminar com uma breve apresentação de conceitos
básicos de mapeamento e de Sistemas de Informação Geográfica (SIG).

DIVISÕES TERRITORIAIS

Interessa referir que existe uma grande diversidade de divisões territoriais a serem
usadas no mundo. Algumas são de natureza administrativa/geopolítica, como os distritos,
municípios e freguesias em Portugal. Somam-se a estas, divisões funcionais que visam
delimitar os territórios de acordo com um critério cultural, social ou físico que lhes imprime
homogeneidade (em função de predominância etnolinguística, de níveis de urbanização
ou de tipos climáticos, por exemplo). E existem ainda as divisões estatísticas, destinadas
a harmonizar as unidades de divulgação de informação estatística, e as divisões censitárias,

84
cujas fronteiras são normalmente delimitadas durante essas operações. Em Portugal, são
exemplos de divisões estatísticas as NUT e de divisões censitárias, as secções e subsecções
estatísticas, unidades operacionais do recenseamento da população (para mais pormenores,
ver Capítulo 2).

Interessa referir que (em Portugal, como noutros países) as divisões territoriais têm vindo
a sofrer alterações (criação, extinção, fusões, alterações das fronteiras) ao longo do tempo,
o que lança desafios ao estudo de séries temporais de dados referentes a estas unidades
geográficas. Normalmente, a solução passa por agregar as áreas, de forma a gerar unidades
territoriais com fronteiras comparáveis ao longo do tempo, embora tal inevitavelmente
implique alguma perda de informação relevante e nem sempre seja de solução fácil.

DENSIDADE POPULACIONAL

A densidade populacional é uma quantidade definida pela razão entre a população


e a superfície do território. O número de pessoas por quilómetro quadrado dá uma noção
de concentração ou de vazio numa dada área, da pressão populacional sobre os recursos
e o ambiente.

População total
Densidade populacional =
Área total

Trata-se de uma medida simples, mas que pode ser enganadora, pois normalmente inclui
no denominador áreas onde a população não pode residir, como reservas naturais, áreas
comerciais e industriais e mesmo corpos de água, levando a valores de densidade populacional
artificialmente baixos. Para contornar esta situação, é prática corrente subtrair à área total
a área das zonas desabitadas, como acontece na construção de mapas dasimétricos
(ver secção sobre Sistemas de Informação Geográfica).

Por outro lado, é comum duas localidades, regiões ou mesmo países apresentarem
valores de densidade populacional praticamente idênticos, suscitando a ideia de que são
semelhantes. Porém, o regime de ocupação do território pode ser totalmente díspar. Basta
imaginar uma localidade constituída por habitações unifamiliares que ocupam o território de
forma contínua e outra com um enorme arranha-céu habitado por múltiplas famílias, mas
rodeado por espaços de lazer com parques e jardins. É perfeitamente possível que o valor
da densidade populacional destas localidades seja semelhante.

Outro problema desta medida prende-se com o facto de dar uma falsa noção de
homogeneidade. Por exemplo, segundo as estimativas populacionais de 2020 publicadas
pelo INE, a Região Norte de Portugal tinha uma densidade populacional de 168 habitantes
por km2, mas cidades como o Porto ou Vila Nova de Gaia apresentavam uma densidade
populacional de 5236 e 1781 habitantes por km2, respetivamente. Em Portugal, país
relativamente pequeno, existem municípios do Alentejo com densidades populacionais da
ordem dos 5 habitantes por km2, mas, por outro lado, nas grandes áreas metropolitanas,
a densidade populacional é 1000 vezes maior, chegando aos 7800 hab/km2 na Amadora.

85
DISTRIBUIÇÃO ABSOLUTA E PERCENTUAL

Outra forma de analisar a distribuição territorial da população de um país ou região passa


por olhar para a distribuição absoluta e percentual da população através das diferentes
unidades territoriais que o compõem – distrito, NUT, etc. Esta é a abordagem mais simples
e rudimentar, mas ainda assim extremamente útil. Basta atender que conhecer o número
absoluto de habitantes de uma dada área geográfica é essencial para o planeamento dos
serviços e equipamentos.

RANKINGS

Os rankings, ordenação das unidades territoriais em função da população residente, é outra


forma de analisar a distribuição da população, especialmente útil para efetuar comparações
ao longo do tempo através das mudanças de posição no ranking entre momentos distintos.
No exemplo da Tabela 11 apresenta-se o ranking da população dos distritos portugueses
nos censos de 1991 e de 2011, sendo possível constatar que a maioria dos distritos alterou
a sua posição no ranking, embora de forma ligeira.

Tabela 11. Ranking da população portuguesa por distritos em 1991 e 2011 (Fonte dos dados: INE).

População População Ranking Ranking


Distrito (ou região autónoma) Mudança
2011 1991 2011 1991
Lisboa 2252719 2064739 1 1
Porto 1816908 1658987 2 2
Braga 849311 765351 4 3 −1
Setúbal 854886 722001 3 4 +1
Aveiro 713083 662436 5 5
Santarém 452209 447415 7 6 −1
Coimbra 426952 430866 9 7 −2
Leiria 469643 430192 6 8 +2
Viseu 375640 402378 10 9 −1
Faro 446140 346596 8 10 +2
Região Autónoma da Madeira 264236 253593 11 11
Viana do Castelo 244149 250617 13 12 −1
Região Autónoma dos Açores 247194 239984 12 13 +1
Vila Real 205675 235938 14 14
Castelo Branco 194318 215206 15 15
Guarda 159162 187961 17 16 −1
Évora 165688 174541 16 17 +1
Beja 151885 169426 18 18
Bragança 135243 157555 19 19
Portalegre 117357 134247 20 20

86
ÍNDICE DE REDISTRIBUIÇÃO

Existem também algumas medidas sumárias da distribuição da população. Uma delas


é o índice de redistribuição, variante do índice de dissimilaridade discutido no capítulo
anterior, que mede a diferença entre duas distribuições percentuais, permitindo por exemplo
comparar, através de um único valor numérico, a distribuição geográfica da população em
dois momentos distintos.

Pode ser obtido através da expressão matemática

n
IR = 0,5 ∑ | xi − yi |
i=1

em que
x é a distribuição percentual da população no primeiro momento;
y é a distribuição percentual da população no segundo momento;
i é uma dada unidade geográfica, podendo ser município, região, etc.;
n é o número de unidades geográficas.

O índice de redistribuição é igual a metade da soma das diferenças absolutas entre as duas
distribuições percentuais. Os passos para a obtenção deste parâmetro são os seguintes:

• Calcular a percentagem da população total que corresponde a cada unidade geográfica


no momento 1 e no momento 2;

• Calcular a diferença absoluta entre essas percentagens;

• Somar as diferenças;

• Dividir por 2 a soma das diferenças para obter o índice.

Varia entre 0 e 100 (%) e dá-nos a percentagem de população que teria de ser redistribuída
para que a distribuição populacional fosse idêntica nos dois momentos.

A Tabela 12 exemplifica o cálculo do índice de redistribuição da população portuguesa entre


1991 e 2011, tomando por base os distritos e as regiões autónomas. O valor resultante foi de
3,38 o que sugere que não tenha havido grandes mudanças de um censo para o outro pois,
para que em 2011 tivéssemos a mesma distribuição espacial que em 1991, apenas 3,38%
da população teria de ser redistribuída.

Em todo o caso, para garantir a comparabilidade dos índices de redistribuição intercensitários


de um determinado país ou região, é importante que o número e a delimitação das unidades
geográficas consideradas sejam mantidos. Por exemplo, se tivéssemos considerado
a distribuição da população pelos municípios portugueses teríamos obtido um índice maior do
que aquele que obtivemos anteriormente e se, pelo contrário, Portugal estivesse subdividido
pelas NUT II o valor deste índice seria certamente mais baixo. Pelos mesmos motivos,
é inviável comparar valores de índices de redistribuição entre países ou regiões diferentes.

87
Tabela 12. Exemplificação do cálculo do índice de redistribuição em Portugal entre 1991
e 2011 (Fonte dos dados: INE).

Distrito % População % População Diferença


(ou região autónoma) em 2011 (A) em 1991 (B) |A-B|
Aveiro 6,76 6,66 0,11
Beja 1,44 1,70 0,26
Braga 8,06 7,69 0,36
Bragança 1,28 1,58 0,30
Castelo Branco 1,84 2,16 0,32
Coimbra 4,05 4,33 0,28
Évora 1,57 1,75 0,18
Faro 4,23 3,48 0,75
Guarda 1,51 1,89 0,38
Leiria 4,45 4,32 0,13
Lisboa 21,37 20,75 0,62
Portalegre 1,11 1,35 0,24
Porto 17,23 16,67 0,56
Santarém 4,29 4,50 0,21
Setúbal 8,11 7,26 0,85
Viana do Castelo 2,32 2,52 0,20
Vila Real 1,95 2,37 0,42
Viseu 3,56 4,04 0,48
Açores 2,34 2,41 0,07
Madeira 2,51 2,55 0,04
Índice de redistribuição 3,38

ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO

Outra medida da distribuição da população é o índice de concentração. Assemelha-se


formalmente ao índice anterior, mas exprime a relação entre a população e a área disponível.
O índice de concentração compara a percentagem da população total residente em cada
unidade geográfica com a percentagem da área total que essa mesma unidade geográfica
ocupa. Pode ser obtido através da seguinte expressão:

n
IC = 0,5 ∑ | xi − yi |
i=1

em que
x é a percentagem da população total em cada unidade geográfica;
y é a percentagem da área total que corresponde a cada unidade geográfica;
i é uma dada unidade geográfica, podendo ser um município ou região;
n é o número de unidades geográficas.

Um índice de valor zero denotaria que cada região/município continha uma proporção da
população total equivalente à proporção de área total que ocupa, isto é, uma densidade
populacional uniforme em todo o país. Por oposição, um índice perto de 100 indicaria que

88
a população estava concentrada em apenas numa região. O valor máximo deste índice é
igual a 100 menos a percentagem de área total da região com mais população14.

Adiante exemplifica-se o cálculo do índice de concentração para os distritos portugueses


em dois momentos, 1991 e 2011 (Tabela 13). Vemos que, para além de ter havido um ligeiro
aumento na concentração da população, o seu valor é bastante considerável: quase 50%.
O que significa que cerca de metade da população portuguesa teria de ser distribuída pelos
vários distritos, por forma a que o número de residentes em cada fosse proporcional à área
ocupada pelo distrito. Este valor tão elevado espelha bem as grandes assimetrias regionais
na densidade populacional em Portugal – Alentejo e Interior Norte e Centro vastos, mas
vazios, face ao litoral Norte e Centro, de menor área, mas onde se concentra a população.

Tabela 13. Exemplificação do cálculo do índice de concentração em Portugal em 2011


(Fonte dos dados: INE).

Distrito População População Área Diferença Diferença


(ou região autónoma) em 2011 (A) em 1991 (B) (C) 2011 (A-C) 1991 |B-C|

Aveiro 6,76 6,66 3,05 3,71 3,61


Beja 1,44 1,70 11,10 9,66 9,40
Braga 8,06 7,69 2,90 5,15 4,79
Bragança 1,28 1,58 7,18 5,89 5,59
Castelo Branco 1,84 2,16 7,25 5,41 5,09
Coimbra 4,05 4,33 4,29 0,24 0,04
Évora 1,57 1,75 8,03 6,46 6,27
Faro 4,23 3,48 5,39 1,15 1,90
Guarda 1,51 1,89 5,99 4,48 4,10
Leiria 4,45 4,32 3,82 0,64 0,51
Lisboa 21,37 20,75 3,00 18,37 17,75
Portalegre 1,11 1,35 6,59 5,47 5,24
Porto 17,23 16,67 2,60 14,63 14,07
Santarém 4,29 4,50 7,33 3,04 2,83
Setúbal 8,11 7,26 5,50 2,61 1,76
Viana do Castelo 2,32 2,52 2,45 0,13 0,07
Vila Real 1,95 2,37 4,70 2,75 2,33
Viseu 3,56 4,04 5,44 1,87 1,39
Açores 2,34 2,41 2,53 0,19 0,12
Madeira 2,51 2,55 0,87 1,64 1,68
Índice de concentração 46,8 44,3

14 Porquê esta subtração? Imagine-se um país composto apenas por duas regiões: uma pequena, ocupando
apenas 5% da área do território e outra ocupando todo o resto (95% da área do país); o máximo possível de
concentração seria toda a gente viver na região mais pequena. Ora, se calcular o IC, este será 95% (e não
100%). Já por se exemplo essa região tivesse 10% da área do país e toda a gente vivesse nela, o índice seria
90%. Neste caso limite, o índice mede a diferença entre a % da população total que essa região deveria ter (se
a distribuição fosse uniforme), ou seja, apenas 5% ou 10%; e a % da população do país que ela efetivamente
tem, que neste caso hipotético é 100%.

89
URBANIZAÇÃO E DEFINIÇÃO DE ÁREAS URBANAS

Uma das mais importantes tendências que se verificam na distribuição da população


é a desta se concentrar nas cidades (urbanização). A urbanização refere-se ao aumento
da percentagem de população residente em áreas urbanas e ao consequente crescimento
do número de moradores urbanos, do tamanho das cidades e da área total ocupada
por localidades urbanas. Uma vez que a urbanização se intensifica, o desenvolvimento
sustentável depende cada vez mais da gestão bem-sucedida do crescimento urbano,
especialmente em países de baixo e médio rendimento, onde se espera que o processo de
urbanização seja mais rápido.

Segundo as Nações Unidas (ONU, 2019), atualmente mais de metade (55%) da população
mundial vive em cidades, mas prevê-se que essa proporção vá atingir os 68% em 2050.
Em 1959 eram apenas 30%. Em Portugal a proporção é 65%, mas tem vindo a aumentar
continuamente desde os anos 60, quando ainda era 35%. Existe claro uma grande
variabilidade a nível do globo. A América do Norte é o continente com maior proporção de
população urbana (82%), seguido da América do Sul (81%) e da Europa e Oceânia (74%).
Na Ásia, a população urbana ronda os 50% e em África é ainda inferior (43%). Daí se
esperar que, até 2050, sejam precisamente os países africanos e asiáticos a contribuir mais
para o aumento da população urbana mundial.

Interessa referir que as definições do que é uma área “urbana” e do que é uma área “rural”
variam imenso de país para país, mas também de acordo com a organização e a área do
conhecimento. Segundo a ONU, uma localidade (ou lugar) é um aglomerado populacional no
qual os habitantes vivem perto uns dos outros e que possui uma designação (ONU, 2017).
Tal inclui indiferentemente cidades, vilas e aldeias, etc. Uma grande localidade normalmente
faz parte de um aglomerado urbano que contém a cidade, mas também a área periférica
suburbana adjacente. Assim, o aglomerado urbano não é equivalente à localidade, sendo
uma outra forma de organização territorial que pode incluir mais do que uma localidade.

As localidades urbanas tendem a ser definidas com base no número de habitantes, densidade
populacional e existência de equipamentos e funções administrativas, havendo também
uma multiplicidade de definições. Existem países, altamente povoados, em que o critério
da dimensão populacional não é suficiente para distinguir entre áreas urbanas e rurais, pois
muitas zonas densamente povoadas podem exibir padrões sociais e económicos tipicamente
rurais. Assim é comum complementar a definição com critérios estruturais como a presença/
ausência de saneamento, escolas, serviços de saúde, equipamentos recreativos, etc.

Em Portugal, o território é dividido em localidades e estas são subsequentemente dicotomizadas


em rurais (<2000 habitantes) e urb anas (>=2000 habitantes). Algumas destas localidades são
classificadas como cidades. O INE define cidade como “aglomerado populacional contínuo,
com um número de eleitores superior a 8000, possuindo pelo menos metade dos seguintes
equipamentos coletivos: instalações hospitalares com serviço de permanência; farmácias;
corporação de bombeiros; casa de espetáculos e centro cultural; museu e biblioteca; instalações
de hotelaria; estabelecimentos de ensino preparatório e secundário; estabelecimentos de
ensino pré-primário e infantários; transportes públicos, urbanos e suburbanos; parques ou
jardins públicos”. Portugal possui ainda dois aglomerados urbanos (Lisboa e Porto).

90
Além disso, o INE disponibiliza dois indicadores para determinar o nível de urbanidade
e ruralidade das freguesias portuguesas:

• Tipologia das áreas urbanas, uma classificação tripartida das freguesias do território
nacional em áreas predominantemente urbanas (APU), áreas medianamente urbanas
(AMU) e áreas predominantemente rurais (APR). Esta classificação baseia-se em
critérios morfológicos (ocupação do solo), na densidade populacional e na dimensão
absoluta da população.

• Grau de urbanização, que permite repartir o território em três categorias (áreas


densamente povoadas, áreas medianamente povoadas e áreas pouco povoadas),
essencialmente através de critérios de densidade e dimensão populacional.

MAPEAMENTO DA POPULAÇÃO E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA

Quando o objetivo é estudar e apresentar indicadores acerca da distribuição da população num


dado território, os mapas constituem ferramentas essenciais de investigação e comunicação.
Basta pensar no nascimento da epidemiologia e dos Sistemas de Informação Geográfica
(SIG), a partir do trabalho pioneiro do médico John Snow, que mapeou todos os óbitos por
cólera ocorridos na cidade de Londres em 1854, permitindo identificar a origem da infeção –
uma bomba de água localizada em Broadstreet – e tomar medidas de mitigação do risco.

Até aos anos 60, os mapas eram construídos utilizando técnicas de desenho manuais, o que
limitava a sua produção. Nos anos 1980, surgem os primeiros programas de mapeamento
em meio digital, os SIG, impulsionando assim o uso de mapas enquanto ferramenta essencial
no entendimento da distribuição dos fenómenos sociais e demográficos. Os SIG são uma
classe especial de sistemas de informação que mantêm o registo de eventos e objetos, mas
também onde esses eventos e objetos acontecem ou existem. Os SIG foram desenvolvidos
para recolher, armazenar, organizar, manipular e analisar informações geográficas.

Em demografia, os SIG são essencialmente usados como ferramentas de representação


visual de informação demográfica através de símbolos. Atualmente, dependendo do objeto
de estudo, podem usar-se diferentes técnicas de mapeamento e visualização da informação,
entre as quais:

Mapa coropleto: O termo "coropleto" vem das palavras gregas "choros" (local) e "plethos"
(intensidade). Assim, um mapa coropleto é um mapa temático que representa, através de
diferentes cores ou intensidades de cor, dados quantitativos – razões, proporções e taxas
– atribuídos a áreas. As informações quantitativas são geralmente agrupadas em classes,
utilizando-se essencialmente quatro tipos de critérios de classificação: quebras naturais,
quartis, desvios padrão e intervalos iguais. Num mapa coropleto, as classes correspondentes
a valores mais elevados do fenómeno a caracterizar são representadas com tons mais escuros
e as correspondentes a valores mais baixos, com cores mais claras. Não há regra fixa para
determinar o número de classes a usar para mapear uma determinada variável. Depende da
complexidade do fenómeno em estudo. No entanto, é geralmente recomendado não exceder
10 classes (o olho humano não pode distinguir mais de 10 intensidades de cor, nem mais de
12 cores) e não ficar abaixo de 4 classes (muito generalista).

91
Mapa de densidade de pontos: É usado para representar valores absolutos (ex.: número
de habitantes ou de óbitos). Neste mapa, um ponto pode indicar qualquer previamente
definida quantidade; por exemplo, 100 habitantes. O leitor deve ter cuidado em não
interpretar os pontos como locais reais, pois estes são por regra arbitrariamente colocados
e espaçados no mapa. Ao construir o mapa de densidade de pontos, é muito importante
escolher um tamanho de ponto apropriado (não pode ser muito pequeno, nem muito grande)
e um número apropriado de pontos, o que depende do valor que atribuímos aos pontos.

Mapa de símbolos proporcionais e gráficos: Usa símbolos cujo tamanho varia de acordo
com a magnitude da variável que representa. Os símbolos mais usados são círculos (cujo
raio é proporcional à raiz quadrada do valor da variável), quadrados (cujo lado é proporcional
à raiz quadrada do valor), triângulos e esferas. Esses mapas também podem conter gráficos
(geralmente de barras ou circulares) para representar uma variável categórica. Nesse caso,
os gráficos podem variar de tamanho de acordo com o valor absoluto da variável e a área
das barras/setores varia de acordo com os valores relativos de cada classe.

Mapa de fluxos: Os mapas de fluxo representam, com linhas de largura diferente,


os atributos quantitativos de fenómenos lineares como as migrações. Como geralmente têm
direção e sentido, muitas vezes as linhas são terminadas por setas cujo sentido coincide
com o do fluxo, ao passo que a largura exprime a magnitude do fenómeno.

A seguir apresentam-se exemplos destes tipos de mapas (Figura 15). O uso de SIG envolve
um conjunto de conhecimentos relacionados com a cartografia, o que foge ao escopo deste
livro. Os interessados em aprofundar esta temática poderão recorrer aos livros de leitura
complementar indicados abaixo. Além disso, este livro faz-se acompanhar de um tutorial
(Anexo 3) a realizar em software livre e gratuito, de forma aos leitores poderem ter um
primeiro contacto com as técnicas e métodos de mapeamento.

92
0,2% - 0,6%
0,7% - 1,0%
1 Ponto = 26 000
1,1% - 2,5%

266026 - 800000

800001 - 2000000 5
10
2000001 - 5842307 15

Figura 15. Diferentes tipos de mapas: densidade de pontos, coropleto, símbolos proporcionais
e mapa de fluxos.

93
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

Aikins, E R. W., & Ribeiro, A. I. (2020). Elements of Health and Medical Geography. Kendall
Hunt Publishing Company.

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

ONU. (2019). World urbanization prospects: the 2018 revision CD-ROM Edition. Department
of Economic and Social Affairs. United Nations.

ONU. (2017, 10 set 2021). Population density and urbanization. United Nations.
https://unstats.un.org/unsd/demographic/sconcerns/densurb/default.htm

94
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f

1. Com base nos dados fornecidos, calcule o índice de redistribuição para o período 1981-
2011 e o índice de concentração em 1981 e em 2011, para os municípios que constituem
o distrito de Bragança. Explique os valores obtidos e interprete os resultados.

Município Residentes em 2011 Residentes em 1981 Área (km2)


Alfândega da Fé 5104 7925 322
Bragança 35341 35380 1174
Carrazeda de Ansiães 6373 11420 279
Freixo de Espada à Cinta 3780 5717 244
Macedo de Cavaleiros 15776 21608 699
Miranda do Douro 7482 9948 487
Mirandela 23850 28879 659
Mogadouro 9542 15340 761
Torre de Moncorvo 8572 13674 532
Vila Flor 6697 9719 266
Vimioso 4669 8500 482
Vinhais 9066 16142 695
Fonte dos dados: INE

2. Supondo que tinha acesso à informação necessária ao nível do município, seria


apropriado comparar o índice de redistribuição da população entre 1991 e 2011 do
distrito de Braga, com o correspondente índice de redistribuição do distrito do Porto?
Justifique a sua resposta.

3. Seguindo os passos descritos no tutorial do Anexo 3, construa um mapa temático com


base em informação demográfica disponível no Recenseamento Geral da População
e Habitação de Angola (2014), referente à proporção de residentes com ensino superior.

95
CAPÍTULO 5:
COMPOSIÇÃO SOCIOECONÓMICA E CULTURAL

Apesar de não serem variáveis demográficas clássicas, as variáveis sociais, económicas


e culturais são de enorme transcendência na compreensão das sociedades e da dinâmica da
população, e no planeamento. Algumas delas são inclusivamente importantes determinantes
distais (ação indireta, ao contrário dos fatores proximais) da saúde e do bem-estar da
população. Note-se que algumas das variáveis clássicas antes referidas (caso da idade)
não são modificáveis, pelo que as desigualdades a elas devidas não podem ser evitadas.
Pelo contrário, as desigualdades causadas por diferenças socioeconómicas e culturais podem
e devem ser evitadas ou minimizadas. Este tópico tem aliás recebido grande atenção nas
últimas décadas.

Neste capítulo, iremos definir as variáveis socioeconómicas e culturais mais comuns e abordar
os indicadores mais utilizados para caracterizar a composição da população em termos sociais,
económicos e culturais. Começaremos com indicadores mais descritivos e unidimensionais,
como as proporções, e apresentaremos depois índices multivariados e outros indicadores
mais complexos usados para caracterizar o nível de desigualdade social e económica de um
dado contexto espácio-temporal.

CARACTERÍSTICAS ETNOCULTURAIS

Raça e etnia

Embora raça e etnia tenham sido amplamente negligenciadas nas estatísticas oficiais da
maioria das nações durante a maior parte do século passado, hoje um grande número de
países tenta caracterizar as suas populações através de algum tipo de classificação racial
ou étnica. Existem, no entanto, muitas áreas do mundo em que as tensões étnicas dificultam
a obtenção desses dados. Mais, as próprias definições de raça e etnia são controversas
e variam de país para país, não existindo qualquer definição padrão, o que faz com que
a informação sobre raça e etnia seja uma das menos precisas, para além de dificilmente
comparável entre países diferentes.

96
Cada país implementa e desenvolve as suas definições e terminologias de forma a ir ao
encontro das suas necessidades estatísticas e administrativas. No entanto, há várias décadas
que as Nações Unidas emitem recomendações sobre a realização de operações censitárias
com vista a garantir qualidade e comparabilidade internacional. Na documentação produzida
pela ONU é desaconselhado o uso do termo “raça” e as questões relacionadas com a etnia
são entendidas como tópicos não prioritários, dada a referida dificuldade em obter informação
internacionalmente comparável.

As Nações Unidas estabelecem que um grupo étnico é um conjunto de indivíduos que


consideram ter uma origem ou cultura em comum, o que pode ter expressão na existência de
uma língua ou religião diferentes das populações com que coabitam ou que lhes são vizinhas.
A maioria dos países deixou de usar o termo raça, usando preferencialmente os termos etnia
ou minoria, devido à conotação negativa do termo raça, especialmente na Europa, onde
é comummente associado à Alemanha Nazi ou ao passado colonizador. Outro desafio que se
coloca na obtenção da informação da etnia diz respeito ao grande número de indivíduos que
possuem mais do que uma origem étnica. Por via desta situação, muitos países (ex.: USA)
permitem que os cidadãos selecionem múltiplas categorias étnicas no recenseamento.

Por causa destes constrangimentos, muitas nações não incluem questões relacionadas com
raça e etnia nos recenseamentos e inquéritos à população. Portugal, por exemplo, não inclui
qualquer questão a este respeito nos censos. A nível mundial, de acordo com dados referentes
ao ano 2000, entre 147 países, apenas 54% incluíam nos censos uma questão acerca da
etnia, variando esta proporção entre 70% em África e 37% na Europa (ONU, 2003).

Não existem muitos indicadores específicos de caracterização da distribuição étnica e rácica,


fazendo-se esta predominantemente através da análise da sua distribuição percentual.
Acrescem os índices de dissimilaridade e de segregação, discutidos adiante neste capítulo,
sobretudo usados para comparar a distribuição dos indivíduos por grupos étnicos entre
diferentes áreas geográficas.

Língua

A língua é uma variável comummente recolhida nos recenseamentos da população, sendo


considerada um dos indicadores demográficos mais sensíveis da origem étnica e da
nacionalidade do indivíduo, pois tende a persistir no tempo. Consequentemente, as informações
acerca da língua são frequentemente usadas quando as informações acerca da etnia não
estão disponíveis ou são de qualidade duvidosa.

Existem essencialmente três formas de avaliar a língua de um indivíduo: i) língua falada em


casa ou língua materna (indicador de origem étnica/nacionalidade); ii) língua falada atualmente
(indicador de origem étnica/nacionalidade, mas também de imersão e integração cultural); iii)
línguas aprendidas (indicador de capacidade linguística).

Tal como com a etnia, a caracterização da população em termos de língua faz-se


predominantemente através da análise da sua distribuição percentual ou de indicadores
acerca da sua distribuição territorial, como os índices de dissimilaridade e de segregação.

97
País de nascimento e nacionalidade

O local de nascimento, ou naturalidade, é uma das perguntas mais frequentes em censos


populacionais. No caso português, os cidadãos nacionais respondem à questão, indicando
a localidade (município e freguesia), e os estrangeiros apenas indicam o país de nascimento.
Ao contrário da língua, o país de nascimento pode não ser um bom indicador de etnia.
Em países multiétnicos, como a Espanha, o mero conhecimento de que alguém nasceu em
Espanha não nos permite saber se a pessoa é basca, catalã, castelhana ou galega.

A nacionalidade é o vínculo jurídico de direito público interno entre uma pessoa e um


Estado. A nacionalidade pode ser adquirida pela pessoa natural no momento do nascimento
(aquisição originária) ou posteriormente, por meio da naturalização, quer voluntária, quer
imposta (aquisição derivada ou secundária).

Os critérios seguidos na aquisição da nacionalidade portuguesa experimentaram uma


mudança com as transformações decorrentes da revolução do 25 de abril. Se antes
se considerava que (com a única exceção dos filhos do corpo diplomático estrangeiro)
qualquer criança nascida em território português adquiria automaticamente a nacionalidade
portuguesa (jus soli - "direito do solo"); após 1981, o critério base passa a ser nacionalidade
dos pais, independentemente de o nascimento ter ocorrido em Portugal ou no estrangeiro
(jus sanguinis - "direito de sangue"). Tal introduz naturalmente desafios quando desejamos
comparar a distribuição da população por nacionalidade ao longo do tempo.

A caracterização da população em termos de país de nascimento e nacionalidade também


se faz através da análise da sua distribuição percentual ou de indicadores acerca da sua
distribuição territorial, como os índices de dissimilaridade e de segregação.

Religião

A religião está relacionada com a nacionalidade e a etnia, mas apresenta valor adicional
,pois determina padrões comportamentais, nomeadamente em relação à natalidade,
nupcialidade, mortalidade e migrações. As Nações Unidas classificam a religião como um
tema não prioritário. Cada país que pergunta a religião no seu censo deve usar a definição
mais adequada às suas necessidades administrativas e estatísticas. Tal como a etnia,
a existência de uma questão acerca da religião tem sido alvo de debate devido a receios
de que a informação seja usada de forma incorreta e mal-intencionada, nomeadamente em
países onde existem conflitos religiosos, onde a prática religiosa (ou de uma determinada
religião) sofre algum tipo de coação ou onde existe uma religião oficial. Em Portugal,
os campos acerca da religião são de resposta facultativa.

Também neste caso, a caracterização desta variável recorre à análise da sua distribuição
percentual ou ao uso dos índices de dissimilaridade e de segregação.

98
CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÓMICAS

Alguns poderão questionar por que é que aspetos relacionados com as condições sociais
e económicas da população são relevantes no ensino e na investigação demográficas.
As condições socioeconómicas têm sido alvo de estudo na demografia, nomeadamente
enquanto fatores determinantes da dinâmica da população. Basta pensar que o modelo
teórico paradigmático da demografia, a teoria da transição demográfica, apresenta como
propulsor dessa transição mudanças sociais e económicas que ocorrem no seio das
populações (como é o caso da escolarização das mulheres, que antecedeu o declínio da
fecundidade). Interessa referir também que este subcapítulo trata das características sociais
e económicas como se fossem relativamente independentes, mas estas estão intimamente
relacionadas.

Escolarização

A participação de indivíduos no ensino, especialmente aqueles pertencentes a faixas etárias


mais jovens, é um indicador-chave do nível de avanço socioeconómico de uma sociedade.

A escolarização refere-se à frequência regular de qualquer instituição educacional


credenciada, pública ou privada, para instrução sistemática em qualquer nível de ensino,
durante um período bem definido e recente - seja na ocasião do censo ou durante o ano
letivo mais recente. De acordo com a Classificação Internacional Normalizada da Educação
(do inglês: International Standard Classification of Education - ISCED), a educação inclui
todas as atividades deliberadas e sistemáticas projetadas para atender às necessidades de
aprendizagem. A instrução em competências específicas que não fazem parte da estrutura
educacional reconhecida do país normalmente não é considerada "frequência escolar" para
fins de censo.

Interessa referir que matrícula escolar e frequência escolar são noções distintas, se bem que
geralmente muito relacionadas. Um aluno pode estar matriculado numa instituição de ensino
e não frequentar as aulas por vários motivos.

Em Portugal, estes indicadores baseiam-se nas estatísticas do censo, onde existe uma
questão sobre a frequência escolar, e em estatísticas de natureza administrativa provenientes
da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, que disponibiliza informação acerca
do número de alunos inscritos nos diversos níveis de escolaridade.

Alguns dos indicadores de escolarização mais usados encontram-se listados na Tabela 14.
Em traços gerais, temos taxas brutas de escolarização, onde não se especifica a idade ou
o nível de ensino; e taxas específicas de escolarização por idade e nível de ensino, destinadas
a estudos mais específicos ou rigorosos. Importa salientar que, apesar da denominação
taxa, a maioria destes indicadores são na realidade proporções e expressam-se em termos
de percentagem.

99
Tabela 14. Indicadores de escolarização mais utilizados.

Designação Fórmula Descrição

E × 100%
P

Taxa bruta de em que: Relação percentual entre o número de alunos a frequentar


escolarização qualquer nível de ensino e a população total.
E = Número de alunos de todas as
idades a frequentar qualquer nível
de ensino
P = População total

E
Taxa bruta de ∑34
a = 5 Pa
escolarização
(denominador Relação percentual entre o número de alunos a frequentar
em que:
restrito à qualquer nível de ensino e a população em idade escolar
população em E = Número de alunos de todas as (5 - 34 anos).
idade escolar) idades a frequentar qualquer nível
de ensino
∑34
a = 5 Pa = População total

Ea
× 100%
Pa
Taxa específica de Relação percentual entre o número de alunos a frequentar
escolarização em que: qualquer nível de ensino com uma dada idade e a população
por idade dessa mesma idade.
Ea = Número de alunos com a idade a
a frequentar qualquer nível de ensino
Pa = População total com a idade a

El
× 100% Relação percentual entre o número de alunos a frequentar um
Pa
dado nível de ensino e a população com idade para frequentar
Taxa específica de esse mesmo nível de ensino.
escolarização por em que: (Por exemplo, embora teoricamente qualquer pessoa possa
nível de ensino El = Número total de alunos a frequentar estar a frequentar o ensino secundário, é mais provável que
o nível de ensino l isso aconteça em indivíduos com idades entre os 14 e os
Pa = População total com idade para 18 anos.)
frequentar esse nível de ensino

Eal
× 100%
Pa
Taxa específica de Relação percentual entre o número de alunos com uma
escolarização por em que: determinada idade a frequentar um dado nível de ensino e a
nível de ensino Eal = Número total de alunos com idade a população com idade para frequentar esse mesmo nível de
e idade a frequentar o nível de ensino l ensino.
Pa = População total com idade para
frequentar esse nível de ensino

100
Além destes indicadores, e porque a proporção de alunos a frequentar o ensino está
relacionada com os níveis de juventude e de envelhecimento da população, é comum utilizar
medidas padronizadas de escolarização. Nestas, utiliza-se uma estrutura etária padrão
e aplica-se a esta as taxas específicas de escolarização por idade, de forma a obter uma taxa
única (ao invés de taxas específicas para um x número de grupos etários) já ‘corrigida’, que
permite estabelecer comparações entre países e regiões com estruturas etárias distintas.
O tema da padronização de taxas será aprofundado no Capítulo 7.

Analfabetismo

A alfabetização tem sido historicamente definida como a capacidade de ler e escrever,


distinguindo entre pessoas “alfabetizadas” e “analfabetas”. Um alfabetizado é alguém que
pode ler e escrever uma frase curta e simples sobre a sua vida cotidiana. Portanto, uma
pessoa capaz de ler e escrever apenas o seu próprio nome deve ser considerada analfabeta,
assim como uma pessoa que sabe ler, mas não consegue escrever. O idioma (ou idiomas)
em que uma pessoa pode ler e escrever não é um fator para determinar a alfabetização.
Um morador da Inglaterra que sabe ler e escrever em francês, mas não em inglês, seria
considerado alfabetizado.

É preferível que os dados sobre alfabetização sejam obtidos para todas as pessoas com
10 ou mais anos de idade, pois essa é a idade em que é suposto que qualquer criança
já saiba ler e escrever. Assim, um dos indicadores mais usados, a taxa de analfabetismo,
também chamada taxa bruta de analfabetismo ou taxa geral de analfabetismo, é definida do
seguinte modo:

I × 100%
P

em que
I corresponde ao número de indivíduos com 10 anos ou mais que não sabem ler nem escrever
P é o número total de indivíduos com 10 anos ou mais

Nos países em que foram feitos grandes avanços na educação nos últimos anos, a taxa bruta
de analfabetismo ainda pode ser alta, devido à inclusão das coortes menos alfabetizadas.
Deste modo, a apresentação de índices de analfabetismo para grupos etários, não apenas
fornece uma indicação da magnitude do problema de analfabetismo para os diferentes
segmentos etários da população, mas também fornece algumas indicações da eventual
mudança histórica no analfabetismo. Para tal, é comum calcular a taxa específica de
analfabetismo por grupo etário:

Ia
× 100%
Pa

em que
Ia corresponde ao número de indivíduos que não sabem ler nem escrever com a idade a
Pa é o número total de indivíduos com a idade a

101
Este indicador apresenta algumas limitações. Primeiro, em países de alto rendimento, com
elevados níveis de literacia, a taxa de analfabetismo tem perdido grande parte do seu interesse
enquanto indicador de desenvolvimento social. Segundo, o conceito de saber ler e escrever
pode ser interpretado de diferentes formas em diferentes países e tal pode dar origem a um
sub-relato diferencial. Terceiro, enquanto num país com altos níveis de analfabetismo, uma
pessoa não terá muita relutância em intitular-se analfabeta ao responder a um inquérito ou
censo, num país com elevado nível de alfabetização, muitos analfabetos poderão hesitar em
se identificar como tal, por ser uma situação socialmente não muito bem aceite, podendo-se
considerar até estigmatizante.

Atendendo a estes constrangimentos, para avaliar a qualidade da informação acerca da


alfabetização, poderão ser realizados testes de escrita e leitura para verificar a validade da
informação de literacia reportada pelo indivíduo. Por exemplo, os resultados obtidos nos EUA
revelam boa concordância entre a informação autorrelatada e a obtida por testes objetivos.

Escolaridade

A escolaridade é uma importante medida das características socioeconómicas da população,


particularmente nos países de alto rendimento. À medida que as economias desses países
se tornaram tecnicamente mais sofisticadas, as suas necessidades de força de trabalho
foram além da alfabetização básica, pelo que é fundamental recolher informação sobre
o nível máximo de escolaridade alcançado. Segundo a ONU, a escolaridade é o nível mais
alto de escolaridade concluído no país em que a educação foi recebida, pelo que todos os
países deverão incluir no seu censo questões acerca da escolaridade para indivíduos com
idade igual ou superior a 5 anos.

Normalmente, a escolaridade é medida, não pelo número de anos que uma pessoa
passou na escola, mas pelo nível mais alto que ele foi capaz de concluir. Para fins de
comparação internacional, são necessários os dados do censo populacional para três níveis
de ensino: primário, secundário e pós-secundário. Além disso, para garantir uniformidade,
é recomendado que os países classifiquem os níveis de escolaridade de acordo com
a Classificação Internacional Normalizada da Educação (ou classificação equivalente).

A distribuição da população por nível de escolaridade é normalmente expressa através


de proporções do número de pessoas que atingiram pelo menos um determinado nível de
ensino em relação à população com a idade em que era suposto ter sido alcançado esse
mesmo nível de ensino, sendo estes pontos de corte diferentes de país para país.

g+
Da
× 100%
Pa

em que
g+
Da corresponde ao número de pessoas com idade a que concluíram o nível g ou mais
Pa corresponde à população com idade a

102
Em Portugal calculam-se frequentemente as seguintes proporções:

• Proporção da população residente com pelo menos o ensino básico completo: população
residente com 15 ou mais anos de idade, com o 3º ciclo do ensino básico concluído, em
relação à população residente com 15 ou mais anos de idade. Expressa-se através de %.

• Proporção da população residente com o ensino superior completo: população residente


com 21 ou mais anos de idade, com ensino superior concluído, em relação à população
residente com 21 ou mais anos de idade. Expressa-se através de %.

Condição perante o trabalho

Embora todas as pessoas consumam bens e serviços, apenas parte da população de um


país está envolvida na produção desses bens e serviços. Obviamente, os mais jovens, os
mais velhos e os incapacitados física ou mentalmente não se envolvem em tais atividades
económicas.

À população que está envolvida na produção de bens e serviços chamamos população ativa.
Assim, os ativos são a mão-de-obra disponível para trabalhar, incluindo-se na população
ativa os trabalhadores que estão empregados e os desempregados. O desempregado
é quem está à procura de emprego, seja novo emprego ou primeiro emprego.

Por sua vez, a população empregada, segundo o INE, inclui qualquer indivíduo com idade
mínima de 15 anos que, no período de referência, se encontrava numa das seguintes
situações: a) tinha efetuado trabalho de pelo menos uma hora, mediante pagamento
de uma remuneração ou com vista a um benefício ou ganho familiar em dinheiro ou em
géneros; b) tinha um emprego, não estava ao serviço, mas tinha uma ligação formal com
o seu emprego; c) tinha uma empresa, mas não estava temporariamente ao trabalho por
uma razão específica; d) estava em situação de pré-reforma, mas encontrava-se a trabalhar
no período de referência.

Com base nesta dicotomização, são calculadas as taxas de emprego e de desemprego.


A taxa de emprego exprime a relação entre a população empregada e a população ativa:

População empregada
× 100
População ativa

Do mesmo modo, a taxa de desemprego define a relação entre a população desempregada


e a população ativa:

População desempregada
× 100
População ativa

103
Além destes indicadores, é também comum calcular a taxa de atividade, que estabelece
a relação entre a população ativa e a população total:

População ativa
× 100
População total

Esta taxa pode também ser restrita aos indivíduos em idade laboral (no caso português,
os que possuem idade igual ou superior a 15 anos), usando a expressão seguinte:

População ativa ≥ 15 anos


× 100
População ≥ 15 anos

Em oposição, é também comum calcular a taxa de inatividade, que é a relação entre


a população inativa em idade ativa (com 15 ou mais anos de idade) e a população total em
idade ativa. No grupo dos inativos incluem-se pensionistas, estudantes, donas de casa,
entre outros.

População inativa ≥ 15 anos


× 100
População ≥ 15 anos

Setor de atividade

Além da informação sobre se um indivíduo exerce ou não atividade, é recomendado


obter-se informação acerca do tipo de atividade exercida. As profissões são normalmente
categorizadas em grupos; no caso português, de acordo com a Classificação das Atividades
Económicas, sendo frequente usar os seguintes indicadores para os três grandes setores
de atividade:

• Proporção da população empregada no setor primário (agricultura, produção animal,


caça, floresta e pesca)

População empregada no setor primário


× 100
População empregada

• Proporção da população empregada no setor secundário (indústria, construção, energia


e água)

População empregada no setor secundário


× 100
População empregada

• Proporção da população empregada no setor terciário (serviços)

População empregada no setor terciário


× 100
População empregada

104
Ocupação

A profissão, ou ocupação, refere-se ao tipo de trabalho realizado durante o período de


referência pela pessoa empregada (ou o tipo de trabalho realizado anteriormente, se
a pessoa estiver desempregada), independentemente do setor de atividade ou situação na
profissão. Exemplos de profissões são professor, operário fabril, engenheiro, jardineiro, etc.

Existem várias classificações nacionais e internacionais de profissões, sujeitas a revisões


periódicas. Uma das mais usadas é a Classificação Portuguesa das Profissões (CPP/2010),
a qual é compatível com a Classificação Internacional do Tipo de Profissões (CITP/
ISCO/2008), garantindo assim estatísticas padronizadas internacionalmente. A codificação
inicia-se no nível Grande Grupo (um dígito), desce ao Subgrande Grupo (dois dígitos),
ao Subgrupo (três dígitos), ao Grupo Base (quatro dígitos) e termina na Profissão (cinco
dígitos) – ver Tabela 15.

Tabela 15. Grandes Grupos da Classificação Portuguesa das Profissões (CPP/2010).

Código Grupo profissional


0 Profissões das Forças Armadas
1 Representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos
2 Especialistas das atividades intelectuais e científicas
3 Técnicos e profissões de nível intermédio
4 Pessoal administrativo
5 Trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores
6 Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura, da pesca e da floresta
7 Trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices
8 Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem
9 Trabalhadores não qualificados

Situação na profissão

A situação na profissão refere-se à relação de dependência ou independência de um


indivíduo ativo, no exercício da profissão. Muito embora existam outras, os trabalhadores
tendem a posicionar-se numa destas três categorias:

• Empregador (Pessoa que, trabalhando sozinho ou com um ou alguns parceiros, exerce


um emprego por conta própria e, nessa condição, tenha envolvido continuamente −
incluindo o período de referência - uma ou mais pessoas para trabalhar para ela como
funcionário).

• Empregado (Pessoa que trabalha num local em que o contrato explícito ou implícito
de emprego concede ao titular uma remuneração básica independente da receita da
unidade para a qual ele trabalha).

• Trabalhador por conta própria (Pessoa que trabalha num local em que a remuneração
depende diretamente dos lucros - ou do potencial de lucros - decorrentes das transações
de mercado com os bens e serviços produzidos).

105
Rendimento

Estatísticas sobre o rendimento e riqueza refletem a distribuição de recursos dentro de uma


população ou sociedade. O rendimento pode ser medido ao nível do agregado familiar ou
para cada membro do agregado e pode ser expresso em termos de rendimento anual ou
de rendimento mensal. Apesar de ser uma informação de enorme valor, está sujeita a erros
e pode ser considerada uma variável de natureza sensível.

Por sua vez, a riqueza representa os recursos disponíveis para uma pessoa ou família
e é normalmente medida pelo número de bens que uma pessoa ou família possuem
(ex.: casas, carros, investimentos, etc.). As medidas de riqueza tornaram-se úteis porque
geralmente fornecem uma imagem mais abrangente do bem-estar económico do que as
medidas de rendimento. A informação sobre rendimento e riqueza provém geralmente de
censos e inquéritos temáticos.

Índices multivariados

As características socioeconómicas de uma população são indicativas de progresso social,


qualidade de vida, saúde e bem-estar. Nas últimas décadas, complementando a utilização
dos indicadores singulares, tem havido um esforço para a criação de indicadores sumários
que incorporem as diferentes dimensões sociais e económicas num único índice, que possa
depois ser mais facilmente interpretado.

Um dos índices mais conhecidos é o Índice de Desenvolvimento Humano, muito embora


este não inclua apenas variáveis de ordem social e económica. Este índice foi desenvolvido
nos anos 90 pelas Nações Unidas para fornecer uma noção mais holística do progresso
socioeconómico das nações. O índice resulta da soma de um conjunto de indicadores
referentes à longevidade da população (medido através da esperança de vida à nascença),
à escolaridade (baseado nas taxas de alfabetização e de escolarização) e ao nível de vida
(estimado com base no PIB per capita) e varia entre 0 (pior) e 1 (melhor).

Este índice é usado predominantemente para comparações internacionais - para estudos


subnacionais e locais tende-se a usar índices de privação socioeconómica. A noção de
privação socioeconómica está longe de ser consensual. Até o momento, a conceptualização
mais usada parece ser a proposta por Townsend na década de 70, que considera que
a privação é um conceito: 1) relativo (“...estado de desvantagem observável e demonstrável
em relação à comunidade local ou à sociedade ou nação em geral, a que um indivíduo,
família ou grupo pertence”) e 2) multidimensional (“…o conceito de privação cobre as várias
condições, independentes do rendimento, vivenciadas por pessoas pobres”) (Townsend,
1987). Resumindo, privação é um conceito mais amplo que pobreza, pois abarca muito
mais do que o rendimento disponível; a privação refere-se à carência de bens considerados
fundamentais num determinado contexto espácio-temporal (Ribeiro et al, 2017). A privação
socioeconómica da vizinhança é também medida usando índices multivariados.

Por incluir uma ampla gama de variáveis, considera-se que elas refletem melhor a natureza
multidimensional da privação. Os índices multivariados de privação começaram a ser
desenvolvidos na década de 70 no Reino Unido, mas atualmente quase todos os países

106
europeus têm o seu próprio índice de privação ou usam uma medida já estabelecida, como
o índice de Carstairs & Morris, o índice de Townsend ou o Índice de Privação Europeu. A
Tabela 16 sumaria a forma de cálculo de cada um desses índices, muito embora para sua
melhor compreensão se recomende a leitura dos trabalhos metodológicos originais.

Tabela 16. Alguns dos índices de privação socioeconómica mais utilizados atualmente (Fontes
da informação: UK Data Service (2012-2021); Ribeiro et al (2017); Ribeiro et al (2018); Rey et al
(2009)).

Índice Fórmula
Índice de Privação Europeu Soma ponderada de oito variáveis pré-selecionadas com base em critérios
Portugal (Censo 2011) teóricos e estatísticos depois de normalizadas para a média nacional (z-score):
% de alojamentos ocupados por não-proprietários
% de alojamentos sem retrete
% de alojamentos com 5 divisões ou menos
% de residentes em trabalhos de colarinho-azul (ou seja, operários)
% de residentes com baixo nível de escolaridade (≤6 anos)
% de residentes a trabalhar por conta própria ou por conta de outrem
(i.e. não empregadores)
% de residentes desempregados à procura de emprego
% de residentes estrangeiros

Índice de Privação Europeu Soma ponderada de oito variáveis pré-selecionadas com base em critérios
Portugal (Censo 2001) teóricos e estatísticos depois de normalizadas para a média nacional (z-score):
% de alojamentos ocupados por não-proprietários
% de residentes com baixo nível de escolaridade (≤6 anos)
% de alojamentos sem retrete
% de alojamentos sem duche/banheira
% de alojamentos com 5 divisões ou menos
% de residentes em trabalhos de colarinho-azul (ou seja, operários)
% de residentes desempregados à procura de emprego
% de residentes mulheres com 65 anos ou mais

Índice de Carstairs & Morris Soma ponderada de quatro variáveis normalizadas (z-score):
% de homens desempregados à procura de emprego
% de residentes que não possuem carro próprio
% de residentes em alojamentos sobrelotados
% de residentes de baixa classe social (ou seja, operários)

Índice de Townsend Soma ponderada de quatro variáveis normalizadas (z-score):


% de desempregados à procura de emprego
% de alojamentos que não possuem carro próprio
% de alojamentos não ocupados por proprietários
% de alojamentos sobrelotados

Índice de Rey Construído usando análise de componentes principais e quatro variáveis:


Rendimento médio da família
% de população com 15 anos ou mais e com ensino secundário completo
% de residentes em trabalhos de colarinho-azul (ou seja, operários)
Taxa de desemprego

Índices de privação Indicador constituído por dezenas de variáveis cobrindo sete grandes domínios:
socioeconómica do rendimento, emprego, educação, saúde, crime, barreiras à habitação e serviços,
Reino Unido e ambiente.

107
ÍNDICE DE DIVERSIDADE

Este indicador mede o quão diversa é uma população em relação a uma ou mais variáveis, em
particular variáveis de natureza socioeconómica e cultural. É usado para analisar a distribuição
da população de acordo com variáveis categóricas como a língua, a ocupação, a religião, etc.
Se estivermos a lidar com variáveis contínuas (por exemplo, idade e rendimento), a diversidade
é normalmente expressa através de parâmetros estatísticos convencionais como o desvio
padrão e o intervalo interquartil. Após normalização, este índice varia entre 0 (homogeneidade
total, todos os elementos pertencem à mesma categoria) e 1 (heterogeneidade total, os
elementos estão distribuídos de forma equitativa por todas as categorias).

O cálculo do índice de diversidade (Aw ) é simples, baseando- se na expressão

Aw = 1 − [ ( x1 )2 + ( x2 )2 + ( x3 )2 ... + ( xn )2 ]

em que xn denota a proporção da população total na categoria n.

O valor máximo do índice é igual a 1 menos o inverso do número total de categorias (n ),


ou seja:

1
Aw máximo = 1 −
n

Para facilitar comparações, é possível normalizar o índice de forma a fixar o valor máximo
em 1, recorrendo-se à expressão

Aw
Aw normalizado =
Aw máximo

Na Tabela 17 exemplifica-se o cálculo deste indicador, utilizando dados acerca da distribuição


da população com 15 anos ou mais, de acordo com religião, provenientes do último
recenseamento português (2011) e referentes às NUT 3 do Cávado e de Grande Lisboa.

Tabela 17. Exemplificação do cálculo do índice de diversidade (Fonte dos dados: INE).

Cávado Grande Lisboa


Religião Contagem % ou Xn Contagem % ou Xn
Total 342763 1728386
Católica 308897 0,90 1204830 0,70
Ortodoxa 941 0,00 16366 0,01
Protestante 1181 0,00 25373 0,01
Outra cristã 3177 0,01 47663 0,03
Judaica 49 0,00 884 0,00
Muçulmana 194 0,00 11933 0,01
Outra não cristã 523 0,00 11620 0,01
Sem religião 9924 0,03 206272 0,12
Aw 0,19 Aw 0,50
Aw máximo 0,875 Aw máximo 0,875
Aw normalizado 0,21 Aw normalizado 0,57

108
Os índices de diversidade do Cávado (0,19) e da Grande Lisboa (0,50) são substancialmente
diferentes, o mesmo sucedendo com os correspondentes valores normalizados - 0,21
e 0,57, respetivamente - obtidos pela sua divisão pelo valor máximo possível do índice, que
é 0,88, pois a religião está subdividida em oito categorias (1 – 1/8 = 0,875). Estes resultados
revelam que a população de Grande Lisboa é muito mais heterogénea na religião do que
a do Cávado.

ÍNDICE DE SEGREGAÇÃO

O índice de segregação é uma outra versão do índice de dissimilaridade, mas mede em


que medida um determinado grupo populacional (classe social, religião, etc.) tem uma
distribuição espacial diferente de um outro grupo populacional. Normalmente, compara-
se a distribuição de um grupo maioritário com a de um grupo minoritário. Quanto maior
a diferença na distribuição percentual dos dois grupos, maior a segregação espacial.

Existem diversos indicadores de segregação, muito embora todos eles partam do índice
de dissimilaridade. Os índices de segregação são particularmente utilizados em estudos
urbanos, ao nível de pequenas áreas geográficas, para identificar por exemplo a existência
de guetos ou de forte segregação espaço-social.

O valor mínimo teórico do índice de segregação é 0 (não há segregação) e o máximo


é de 100 (total segregação). O seu valor mede a percentagem de população que deveria
mudar de local de residência de forma a que a população ficasse equitativamente distribuída
no espaço.

A Tabela 18 exemplifica o cálculo do índice de segregação de acordo com a escolaridade


(ensino superior vs. outros) para o município do Porto em 2011, usando como unidade
geográfica a freguesia. O índice obtido foi de 15,21 o que significa que 15,21% da população
teria que ser redistribuída de forma a obter-se uma distribuição uniforme do nível de
escolaridade.

Tabela 18. Exemplificação do cálculo do índice de segregação (Fonte dos dados: INE).

% população com % população sem nível


Freguesia Diferenças absolutas
ensino superior de ensino superior
Aldoar 5,98 5,24 0,75
Bonfim 9,93 10,29 0,36
Campanhã 5,45 16,13 10,68
Cedofeita 12,02 8,51 3,52
Foz do Douro 7,30 3,86 3,44
Lordelo do Ouro 10,65 9,01 1,65
Massarelos 3,94 2,55 1,40
Miragaia 0,56 0,96 0,40
Nevogilde 4,08 1,55 2,53
Paranhos 18,48 18,69 0,21
Ramalde 17,50 15,57 1,93
Santo Ildefonso 3,08 4,01 0,92
São Nicolau 0,20 0,98 0,77
Sé 0,47 1,74 1,26
Vitória 0,34 0,93 0,59
Índice de segregação 15,21

109
ÍNDICE DE GINI E CURVA DE LORENZ

Ao passo que os indicadores anteriores se centram na ideia de diversidade e segregação,


o índice de GINI assenta na ideia de desigualdade. É amplamente aplicado na estimativa
da desigualdade de rendimentos, mas também tem sido aplicado ao estudo da segregação
espacial da população. Este indicador foi desenvolvido pelo estatístico e demógrafo italiano
Corrado Gini (1884-1965) e tem por base a curva de Lorenz.

A curva de Lorenz mostra em que medida uma dada distribuição é desigual em comparação
com uma distribuição equilibrada. A curva de Lorenz é um diagrama de dispersão com
eixos de igual comprimento onde se representa a distribuição cumulativa de duas variáveis.
Estas variáveis podem ser, por exemplo, a população e o rendimento (caso queiramos
avaliar desigualdade de rendimento) ou a distribuição geográfica de um grupo maioritário
e de um minoritário (caso queiramos avaliar segregação espacial). O resultado será um
gráfico de forma quadrada com valores entre 0 e 1 em cada um dos eixos e com uma linha
diagonal desde o topo até ao fim do gráfico que indica ausência de diferença entre as duas
distribuições cumulativas.

Para melhor compreensão vamos considerar o exemplo anterior acerca da distribuição


geográfica da população com ensino superior completo e sem ensino superior completo
nas 15 freguesias do Porto em 2011 (Tabela 19, Figura 16). Para obter o índice de GINI,
é necessário:

1. Calcular a proporção de população com (X ) e sem (Y ) ensino superior completo em


cada freguesia (colunas B e C) e a razão entre essas proporções (X /Y ) (coluna D).

2. Ordenar os dados de forma a que as razões X /Y surjam de forma descendente. Isto


organizará a tabela de tal forma que permitirá representar as proporções cumulativas
sob a forma de uma curva de Lorenz.

3. Calcular as proporções cumulativas de cada população (colunas E e F). Caso os primeiros


valores sejam superiores a 0 (o que é bastante comum), inserir acima uma linha com o
valor zero de forma a que a curva de Lorenz tenha a sua origem nesse valor.

4. Para obter o produto de Xi ×Yi +1 da coluna G, multiplicar a primeira célula da coluna E


(ignorando o zero) pela segunda célula da coluna F; depois, multiplicar a segunda pela
terceira e assim sucessivamente.

5. Para obter o produto de Xi +1 ×Yi da coluna H, multiplicar a segunda célula da coluna E


(ignorando o zero) pela primeira célula da coluna F; depois, multiplicar a terceira pela
segunda e assim sucessivamente.

6. Somar os valores das colunas G e H e subtrair o total da coluna H do total da coluna G.


O resultado foi 0,22, valor este que mede o desvio em relação à curva de Lorenz, a qual
representa uma situação de ausência absoluta de desigualdade.

110
Tabela 19. Exemplificação do cálculo do índice de GINI com base na escolaridade no município
do Porto (Fonte dos dados: INE).

PROPORÇÃO
LOCALIDADE PROPORÇÕES
RAZÃO ENTRE CUMULATIVA
PRODUTOS CRUZADOS
Ensino Níveis PROPORÇÕES Ensino Níveis
Área geográfica
superior inferiores superior inferiores
i X Y X /Y Xi Yi Xi ×Yi +1 Xi +1×Yi
A B C D E F G H
Origem 0,0000 0,0000
Nevogilde 0,0408 0,0155 2,64 0,0408 0,0155 0,0022 0,0018
Foz do Douro 0,0730 0,0386 1,89 0,1138 0,0541 0,0091 0,0083
Massarelos 0,0394 0,0255 1,55 0,1533 0,0795 0,0252 0,0218
Cedofeita 0,1202 0,0851 1,41 0,2735 0,1646 0,0697 0,0626
Lordelo do Ouro 0,1065 0,0901 1,18 0,3800 0,2547 0,1167 0,1120
Aldoar 0,0598 0,0524 1,14 0,4399 0,3071 0,2035 0,1888
Ramalde 0,1750 0,1557 1,12 0,6149 0,4628 0,3995 0,3700
Paranhos 0,1848 0,1869 0,99 0,7997 0,6497 0,6018 0,5841
Bonfim 0,0993 0,1029 0,96 0,8990 0,7526 0,7126 0,6998
Santo Ildefonso 0,0308 0,0401 0,77 0,9298 0,7927 0,7460 0,7415
Miragaia 0,0056 0,0096 0,58 0,9354 0,8023 0,7592 0,7532
Vitória 0,0034 0,0093 0,36 0,9388 0,8116 0,9133 0,8061
Campanhã 0,0545 0,1613 0,34 0,9933 0,9729 0,9836 0,9709
Sé 0,0047 0,0174 0,27 0,9980 0,9902 0,9980 0,9902
São Nicolau 0,0020 0,0098 0,21 1,0000 1,0000
SOMAS 1,0000 1,0000 5,54 5,32
Índice de Gini
(soma de G 0,22
menos soma de H)

1,00

0,90

0,80
superior

0,70
superior

0,60
ensino
ensino

0,50
% cumulativa
% cumulativa

0,40

0,30

0,20

0,10

0,00
0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00

% cumulativa outros
% cumulativa níveis
outros de ensino
níveis de ensino

Figura 16. Curva de Lorenz para o índice de GINI com base na escolaridade no município do Porto.

111
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

(2012-2021) UK Data service. University of Essex, University of Manchester and Jisc.


https://ukdataservice.ac.uk/

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt.

INE (2011, 10 set 2021). Classificação Portuguesa das Profissões: 2010. Instituto Nacional
de Estatística.
https://www.ine.pt/xurl/pub/107961853

Rey, G., Jougla, E., Fouillet, A., & Hémon, D. (2009). Ecological association between a
deprivation index and mortality in France over the period 1997 – 2001: variations with spatial
scale, degree of urbanicity, age, gender and cause of death. BMC Public Health, 9 (1), 33.
doi:10.1186/1471-2458-9-33

Ribeiro, A. I., Mayer, A., Miranda, A., & de Pina, M. d. F. (2017). The Portuguese Version of
the European Deprivation Index.: An Instrument to Study Health Inequalities. Acta Médica
Portuguesa; Vol 30, No 1 (2017): JanuaryDO - 10.20344/amp.7387.

Ribeiro, A. I., Launay, L., Guillaume, E., Launoy, G., & Barros, H. (2018).
The Portuguese version of the European Deprivation Index: Development
and association with all-cause mortality. PloS one, 13(12), e0208320.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0208320

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

ONU. (2003). Ethnicity: A Review of Data Collection and Dissemination Social and Housing
Statistics Section Demographic and Social Statistics Branch. United Nations Statistics
Division.

ONU. (2017). Principles and Recommendations for Population and Housing Censuses.
United Nations – Department of Economic and Social Affairs Statistics Division.

ONU. (2021). United Nations.


https://unstats.un.org/

Townsend, P. (1987). Deprivation. Journal of Social Policy, 16 (2), 125-146. doi:10.1017/


S0047279400020341

112
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f.

1. Com base nos dados fornecidos referentes à distribuição da população de acordo com
etnia nos Estados Unidos em 2010, determine o índice de diversidade normalizado para
as várias regiões. Interprete e comente os resultados obtidos.

Etnia País Nordeste Centro-Oeste Sul Oeste

Brancos 197326434 38161349 52166928 68862630 38135527

Negros ou Afro-
37926254 6143605 6871170 21664983 3246496
americanos
Índios Americanos e
2263342 122721 389633 742752 1008236
Indígenas do Alasca

Asiáticos 14661639 3102932 1736401 3218659 6603647

Nativos do Havai e povos


497233 18135 25808 70597 382693
das ilhas do Pacífico

Duas etnias ou mais 5604592 777640 1078071 1775288 1973593

Hispânicos 50478611 6992048 4661732 18228136 20596695

Total 308758105 55318430 66929743 114563045 71946887

Fonte dos dados: United States Census Bureau

113
2. Com base nos dados fornecidos, referentes à distribuição espacial da população de
Lisboa em função do nível de escolaridade, determine o índice de segregação e o índice
de GINI. Interprete e comente os resultados obtidos, estabelecendo uma comparação
com os resultados obtidos para a cidade do Porto (Tabelas 18 e 19 e Figura 16).

Freguesia Ensino superior Outro nível Freguesia Ensino superior Outro nível
Ajuda 13448 2136 Prazeres 5807 2289

Alcântara 10796 3147 Sacramento 508 234

Alto do Pina 7067 3266 Santa Catarina 2721 995

Alvalade 5386 3483 Santa Engrácia 4291 958

Ameixoeira 9671 2192 Santa Isabel 4524 2351

Anjos 7257 2104 Santa Justa 804 87


Santa Maria de
Beato 10586 1843 5768 2773
Belém
Santa Maria dos
Benfica 27525 9296 39247 11789
Olivais
Campo Grande 6922 3592 Santiago 491 128
Santo
Campolide 12164 3296 11398 3859
Condestável
Carnide 15880 7436 Santo Estêvão 1248 263

Castelo 310 45 Santos-o-Velho 2928 1092


São Cristóvão e
Charneca 8694 1241 1096 245
São Lourenço
Coração de São Domingos
2434 1255 20565 13180
Jesus de Benfica
São Francisco
Encarnação 1663 589 4520 3500
Xavier
Graça 4687 1100 São João 12472 2715
São João de
Lapa 4902 3098 7689 4038
Brito
São João de
Lumiar 23945 17218 5751 4047
Deus
São Jorge de
Madalena 254 139 12781 5634
Arroios
Mártires 209 163 São José 2089 657

Marvila 35198 2904 São Mamede 3228 2192

Mercês 3187 1158 São Miguel 1334 197


Nossa Senhora
9366 5917 São Nicolau 949 282
de Fátima
Pena 3538 948 São Paulo 2161 567
Penha de São Sebastião
10031 2749 3520 2822
França da Pedreira
São Vicente de
Prazeres 5807 2289 2896 643
Fora
Sacramento 508 234 Sé 655 255

Santa Catarina 2721 995 Socorro 2759 306

Fonte dos dados: INE

114
115
CAPÍTULO 6:
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO

Os conceitos introduzidos anteriormente referem-se à descrição/estado da população num


dado momento, mas a própria estrutura da população por idade e sexo, nesse momento,
é o resultado dos nascimentos, das mortes e das migrações decorridos antes.

A dinâmica da população decorre da intensidade das entradas (nascimentos e imigração)


e das saídas (mortes e emigração). Em demografia, estes são os chamados fatores dinâmicos,
enquanto os descritos anteriormente (sexo, idade) são habitualmente denominados fatores
estáticos. Os fatores dinâmicos descrevem os três determinantes do movimento da
população, conhecidos em demografia como fecundidade, mortalidade e migrações.

COMPONENTES DO CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO

Em demografia, crescimento populacional significa mudança no tamanho da população,


sendo esta entendida como a diferença entre o tamanho da população em dois momentos
distintos. Assim, o crescimento populacional (absoluto) é a diferença entre os efetivos
populacionais no fim Pn e no início P0 do período em análise.

C = Pn − P0

Assumindo uma população fechada, não afetada por migrações externas, o crescimento
populacional traduz o balanço entre os nascimentos (N ) e as mortes (O ), ocorridos num
dado período de tempo (t ).

C = Nt − Ot

116
Contudo, a maioria das populações não é fechada e, numa população aberta, existem quatro
modos de alterar o tamanho de uma população – entradas (nascimentos e imigração, I )
e saídas (mortes e emigração, E ). Assim, a equação do crescimento populacional deve
ser ampliada:

C = Nt − Ot + It + Et

A diferença entre o número de nascimentos e óbitos chama-se crescimento natural ou saldo


fisiológico e à diferença entre a imigração e a emigração dá-se o nome de crescimento
migratório ou saldo migratório.

Ambas são mais frequentemente expressas em termos relativos, sob a forma de taxas.
A vantagem de usar taxas prende-se com o facto de permitirem comparar o crescimento
populacional entre épocas e zonas geográficas distintas. É expectável que, num país grande,
os valores do crescimento absoluto sejam superiores aos de um país pequeno, pelo que só
os valores do crescimento relativo (ou seja, das taxas) nos permitem responder à pergunta
acerca de qual desses países regista um crescimento populacional mais rápido.

A taxa de crescimento efetivo (TCE ) obtém-se dividindo o crescimento absoluto pela


população média ou a meio do período considerado (Pm ) (ver página 118), regra geral um
ano, exprimindo-se normalmente através de uma percentagem

Pn − P0
TCE = × 100%
Pm

Por sua vez, a taxa de crescimento natural calcula-se conforme a equação

Nt − Ot
TCN = × 100%
Pm

Analogamente, a taxa de crescimento migratório pode ser obtida através de

It − Et
TCM = × 100%
Pm

Deste modo, a taxa de crescimento efetivo (TCE ) pode também ser obtida simplesmente
somando as duas taxas anteriores:

TCE = TCN − TCM

Atente-se no facto de os valores destas taxas (assim como dos correspondentes crescimentos
absolutos) não serem necessariamente positivos. Por exemplo, Portugal em grande parte
deste início de milénio tem registado taxas de crescimento efetivo anuais negativas (perde
população), resultado das igualmente negativas taxas de crescimento natural e migratório.
Como acontece com qualquer indicador demográfico, esta tendência não pode ser
generalizada a todo o território português, existindo áreas onde este saldo continua a ser
positivo.

117
POPULAÇÃO MÉDIA VS. POPULAÇÃO A MEIO DO ANO
Admitindo que, como é habitual, se pretende calcular a taxa de crescimento
populacional anual, o procedimento mais correto consiste em usar como
denominador, não o efetivo populacional no início do ano, mas sim a “population
at risk”, isto é, a população exposta aos eventos que determinam a variação do
tamanho da população durante esse ano: nascimentos, mortes e migrações.

Para a exprimir, coexistem duas medidas alternativas, de significado distinto,


mas cujos valores numéricos são praticamente idênticos: a população média
(“mean population”) e a população a meio do ano (“mid-year population”).

A mais conveniente medida seria, em princípio, a população média, entendida


como a média aritmética dos efetivos populacionais determinados em diferentes
momentos do ano em questão. Como é óbvio, a precisão da sua estimativa
é fortemente dependente do grau de variabilidade da população ao longo do
ano e, principalmente, do número de vezes em que computou ou estimou
a população durante esse ano.

Em alguns países – caso da Alemanha – são divulgadas estimativas mensais da


população residente, noutros dispõe-se apenas da população em cada trimestre,
mas na maioria das situações somente se conhece a população no início (P0 )
e no fim (P1 ) de cada ano, sendo a população média, neste último caso, obtida
fazendo simplesmente a média aritmética desses dois valores extremos:

P1 − P0
Pm =
2

Por sua vez, a população a meio do ano é, por norma, o efetivo populacional
no dia 1 de julho, parâmetro que vários institutos nacionais de estatística
disponibilizam. A sua utilização, como medida da população exposta aos
eventos demográficos ocorridos no decurso do ano, justifica-se por ser razoável
supor que a população aumenta ou diminui de modo regular.

Assim, o valor da população a meio do ano seria em princípio uma boa medida
da população média, nos casos em que não se dispõe dos valores intermédios
necessários para a estimar. Porém, nas situações em que a população residente
varia sazonalmente ou de forma muito irregular, o valor da população no dia
1 de julho poderá ser tão pouco representativo da população média anual, como
a população no dia 1 de janeiro ou no dia 31 de dezembro.

Resta referir que, dado que em grande número de áreas geográficas as variações
anuais dos efetivos populacionais são modestas, a opção por uma ou por outra
das medidas acima referidas não se traduz em diferenças significativas nos
valores das taxas de crescimento populacional.

118
As taxas que acabamos de definir usam como denominador a população média ou a meio
do período a que se referem. Contudo, quando o objetivo é efetuar previsões de crescimento
populacional, como veremos de seguida, são calculadas outras taxas de crescimento, que
usam como denominador ou referência a população no início do período.

Interessa também referir que, em todas as medidas do crescimento populacional, é importante


garantir que as mudanças observadas se devem de facto (e exclusivamente) a variações no
número de efetivos populacionais. Outros fenómenos, nomeadamente alterações nos limites
das unidades geográficas (extremamente comuns a nível subnacional), erros diferenciais
de cobertura nas contagens populacionais e mudanças nas tipologias de classificação da
população15 podem introduzir vieses nas estimativas de crescimento populacional obtidas.

PROJEÇÕES E MODELOS DE CRESCIMENTO POPULACIONAL

Em várias situações precisamos de medir o ritmo de crescimento de uma população para


a estimar num determinado momento, passado e/ou futuro. Este cálculo envolve o uso de
modelos matemáticos de crescimento.

Os modelos matemáticos de crescimento mais conhecidos são o crescimento aritmético,


o crescimento geométrico, o crescimento exponencial e o crescimento logístico. Todos se
baseiam no princípio de que, se as tendências de crescimento no passado estão de acordo
com um determinado princípio matemático, podemos, com alguma segurança, fazer previsões
para momentos em relação aos quais não dispomos de dados. É sabido, no entanto, que
estes modelos simplistas não podem ser aplicados mecanicamente às populações atuais,
em que o crescimento populacional é afetado por uma infinidade de fatores que geram
instabilidade nas tendências de crescimento.

Crescimento aritmético

Uma população cujo crescimento é aritmético (2, 4, 6, 8…) tem sempre a mesma variação
absoluta anual. Por exemplo, se uma população inicialmente de 200 000 habitantes aumentar
anualmente 5000 habitantes, nos anos seguintes será sucessivamente 205 000, 210 000,
215 000…

É na assunção deste modelo de crescimento que foi definida a taxa de variação anual da
população r 16 ou taxa de crescimento aritmético

Pn − P0
n
r =
P0

em que n é o número de anos decorridos entre as duas contagens populacionais.

15 Isto no caso de se estar a estudar a variação temporal de estratos da população. Exemplos: população rural
vs. urbana, população agrupada por setores de atividade, etc.
16 Frequentemente expressa também sob a forma de uma percentagem.

119
No caso mais comum, em que as duas contagens são separadas de um ano, faz-se
simplesmente
P1 − P0
r =
P0

Note-se que, embora o crescimento anual absoluto (C ) seja constante, as taxas anuais de
variação da população não o são, pois o denominador é alterado de ano para ano, à medida
que a população (P0 ) varia.

O crescimento aritmético traduz uma tendência linear no crescimento populacional –


daí chamar-se também crescimento linear – pois graficamente assume a forma de uma reta
(Figura 17).

35000

30000

25000
população
população

20000

15000

10000

5000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Figura 17. Reta representando um crescimento aritmético.

São muito raros os exemplos de populações atuais que variem de acordo com as premissas
do crescimento aritmético – aliás, este normalmente só tem aplicação prática em contextos
empresariais e financeiros. Contudo, como atrás se referiu, uma das medidas mais usadas em
demografia, nomeadamente pelos institutos nacionais de estatística, a taxa de variação anual
ou taxa de crescimento aritmético, é definida com base neste modelo de crescimento.

De qualquer modo e com as reservas já manifestadas, a taxa de crescimento aritmética pode


ser aplicada ao efetivo populacional atual, com o intuito de efetuar a previsão da população
daqui a n anos:

Pn = P0 + r × n × P0 ou Pn = P0 × ( 1 + r × n )

em que
Pn é a população no final do período
P0 é a população no início do período (o ano inicial usado para o cálculo de r )

120
Desta equação pode ser derivada a expressão que dá um parâmetro muito usado em
estudos demográficos, o tempo de duplicação td ou “doubling time”, entendido como o tempo
necessário para que a população duplique, assumindo o mesmo ritmo de crescimento:

1
td =
r

Tendo em conta o que atrás foi dito, a aplicabilidade destas equações na previsão da
evolução futura de quantitativos populacionais restringe-se a períodos relativamente curtos,
onde não tenham ocorrido grandes mudanças nos fatores demográficos.

Crescimento geométrico

De acordo com o modelo de crescimento geométrico, o que se mantém constante ao longo


dos anos é a taxa de crescimento anual, o que forçosamente implica (para que o valor do
numerador acompanhe as variações registadas no denominador) que as variações absolutas
não o sejam.

Para a mesma taxa anual, o crescimento geométrico (desde que positivo) conduz, com
o decorrer do tempo, a efetivos populacionais maiores que o crescimento aritmético pois,
enquanto no modelo aritmético a variação absoluta anual é constante, no modelo geométrico
os incrementos absolutos anuais têm de aumentar continuamente, para que o valor da taxa
se mantenha – grosseiramente teremos 2, 4, 8, 16...

O modelo geométrico produz uma linha quebrada (Figura 18) que se assemelha a curva
suave.

455000

405000

355000

305000

255000
população

205000

155000

105000

55000

5000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Figura 18. Linha quebrada (quase curva) representando um crescimento geométrico.

121
A taxa de crescimento anual (r ) é dada por:

n
Pn 1⁄n Pn
r = ( P0
)
− 1 ou r = √
P0
− 1

ou, se as duas contagens estivem separadas de um ano, simplesmente

P1
r = − 1
P0

Para estimar a população futura, ao fim de n anos, esta taxa poderá ser aplicada à população
no início do período:

Pn = P0 × ( 1 + r )n

Da equação pode-se também obter uma expressão para o tempo de duplicação, segundo
este modelo de crescimento:

ln 2
td =
ln ( 1 + r )

Crescimento exponencial

Ao contrário dos modelos anteriores, em que os incrementos são associados a um momento


específico (por norma, o final de cada ano) o modelo de crescimento exponencial baseia-se
no conceito de que o crescimento se dá continuamente17, ao longo de todo o período em
análise, embora a sua curva de variação populacional (Figura 19) se assemelhe bastante
à linha quebrada do crescimento geométrico, em particular, se os intervalos de tempo deste
forem pequenos.

1205000

1005000

805000
população

605000

405000

205000

5000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Figura 19. Curva representando um crescimento exponencial.

17 Daí se chamar também crescimento contínuo.

122
A correspondente taxa de crescimento anual (r ) é dada por:

P
ln ( Pn0 )
r =
n

que, se as contagens estiverem separadas de um ano, se converte em

P
r = ln ( P10 )
Para estimar a população futura, ao fim de n anos, esta taxa pode ser aplicada à população
no início do período:

a
Pn = P0 × e rn

em que e é uma constante matemática (= 2,71828…), por vezes designada número de Euler.

A correspondente expressão para o tempo de duplicação (td ) é bastante simples

ln 2
td =
r

Quando a população cresce lentamente, os valores da taxa de crescimento para os diferentes


modelos são muito semelhantes, como se pode ver na Tabela 20.

De acordo com o esperado, a rapidez do crescimento aritmético – expressa através de um


maior tempo de duplicação - é inferior à prevista pelos outros dois modelos de crescimento,
em que os incrementos anuais absolutos aumentam continuamente.

Tabela 20. Comparação de taxas e tempos de duplicação para vários modelos de crescimento.

Taxa de crescimento anual (%) Tempo de duplicação (anos)


ANO POPULAÇÃO
Aritmético18 Geométrico Exponencial Aritmético Geométrico Exponencial

2020 100 000 1,4880


1,4771 1,4663 67,20 47,27 47,27
2022 102 976 1,4662

Por outro lado, é possível constatar também que, embora para taxas anuais idênticas
o crescimento exponencial seja mais rápido que o geométrico, os valores da população
previstos e os tempos de duplicação assumindo crescimento exponencial são rigorosamente
iguais aos obtidos assumindo crescimento geométrico, desde que as taxas de crescimento
de ambos (agora necessariamente diferentes) sejam calculadas a partir dos mesmos valores
populacionais.

Nessas condições, verifica-se aliás a seguinte relação entre as duas taxas:

rgeométrico = e rexponencial − 1

18 No modelo aritmético, para que o crescimento absoluto permaneça constante, as taxas de crescimento anual
têm de diminuir com o tempo. Neste caso, apresentam-se os valores para 2020-2021 e 2021-2022.

123
Crescimento logístico

Com a constatação de que as populações não crescem infinitamente, outros modelos


matemáticos de crescimento começaram a receber atenção. O mais conhecido é a curva
logística, descoberta no século XIX pelo estatístico belga Verhulst e redescoberta mais tarde
pelo geneticista Raymond Pearl na década de 1920. Pearl constatou que o crescimento da
população da mosca da fruta seguia uma curva logística, a qual também se adequava às
tendências de crescimento da população dos Estados Unidos.

A curva logística é uma curva em “S”, em que no período inicial o crescimento populacional
é lento, seguindo-se um período de crescimento exponencial e, por fim, um plateau
(Figura 20).
população

tempo

Figura 20. Curva representando um crescimento logístico.

A curva logística é um modelo mais realista do crescimento da população a longo prazo,


muito embora, como qualquer modelo matemático, não seja capaz de prever com segurança
as tendências futuras, visto que também não tem em conta a multiplicidade de componentes
envolvidas na dinâmica da população.

Método das componentes

Os modelos anteriores ignoram as componentes da dinâmica da população, ao passo


que os métodos mais robustos para estimar o crescimento da população têm em conta
os nascimentos e os óbitos, a emigração e a imigração, assim como a estrutura etária
e a distribuição da população por sexo.

Em primeiro lugar, é feita uma projeção da evolução de cada um destes indicadores, tendo
em conta as variáveis de que dependem. Obtida a evolução futura de cada componente da
dinâmica populacional, torna-se possível prever os valores de cada uma ao longo de uma
janela temporal, o que permite estimar os efetivos populacionais nos momentos pretendidos.
Apesar da incerteza inerente a este método, até porque a evolução futura de algumas das
componentes (o caso mais flagrante são as migrações) é difícil de prever, é o mais usado
pelos institutos de estatística na produção das projeções da população.

124
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

Lundquist, J. H., Anderton, D. L., & Yaukey, D. (2014). Demography: the study of human
population. Waveland Press.

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

125
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f.

1. Usando os valores das tabelas abaixo, provenientes das Estatísticas Demográficas


2014, publicadas pelo INE, calcule para o país e para cada uma das suas NUT II, os
valores das taxas de crescimento natural, de crescimento migratório e de crescimento
efetivo nos anos de 2009 e de 2012. Comente os resultados obtidos.

A. M. R. A. R. A.
Portugal Norte Centro Alentejo Algarve
Lisboa Açores Madeira

População residente a 31 de dezembro (Nº)

2009 10 573 479 3 705 980 2 337 787 2 808 205 762 068 445 824 246 900 266 715
2010 10 572 721 3 693 585 2 331 642 2 822 761 758 707 451 304 246 757 267 965
2011 10 542 398 3 687 224 2 316 169 2 827 050 754 385 446 140 247 194 264 236
2012 10 487 289 3 666 234 2 298 938 2 818 388 748 699 444 390 247 549 263 091
2013 10 427 301 3 644 195 2 281 164 2 807 525 743 306 442 358 247 440 261 313
2014 10 374 822 3 621 785 2 263 992 2 809 168 733 370 441 468 246 353 258 686

Variação Populacional (Nº)

2009 10 465 − 6 574 − 4 020 16 100 − 2 584 5 736 230 1 577


2010 − 758 − 12 395 − 6 145 14 556 − 3 361 5 480 − 143 1 250
2011 − 30 323 − 6 361 − 15 473 4 289 − 4 322 − 5 164 437 − 3 729
2012 − 55 109 − 20 990 − 17 231 − 8 662 − 5 686 − 1 750 355 − 1 145
2013 − 59 988 − 22 039 − 17 774 − 10 863 − 5 393 − 2 032 − 109 − 1 778
2014 − 52 479 − 22 410 − 17 172 1 643 − 9 936 − 890 − 1 087 − 2 627

Saldo Natural (Nº)

2009 − 4 943 1 028 − 7 791 5 778 − 4 158 109 353 − 262


2010 − 4 573 731 − 7 953 6 271 − 4 119 351 253 − 107
2011 − 5 992 − 54 − 8 017 5 807 − 3 963 − 64 373 − 74
2012 − 17 757 − 4 406 − 10 913 3 005 − 4 518 − 673 284 − 536
2013 − 23 756 − 6 309 − 11 683 835 − 4 850 − 1 050 − 102 − 597
2014 − 22 423 − 6 273 − 11 059 1 616 − 4 785 − 929 0 − 993

Saldo Migratório (Nº)

2009 15 408 − 7 602 3 771 10 322 1 574 5 627 − 123 1 839


2010 3 815 − 13 126 1 808 8 285 758 5 129 − 396 1 357
2011 − 24 331 − 6 307 − 7 456 − 1 518 − 359 − 5 100 64 − 3 655
2012 − 37 352 − 16 584 − 6 318 − 11 667 − 1 168 − 1 077 71 − 609
2013 − 36 232 − 15 730 − 6 091 − 11 698 − 543 − 982 −7 − 1 181
2014 − 30 056 − 16 137 − 6 113 27 − 5 151 39 − 1 087 − 1 634
Fonte dos dados: INE

126
2. Segundo os dados disponibilizados pelo INE à data dos censos, o município de Alcochete
apresentava uma população de 10169 habitantes em 1991 e de 13010 habitantes em
2001. Com base nesta informação:

 2.1 Determine a taxa de crescimento médio anual usando os métodos aritmético,


geométrico e exponencial para o período 1991 e 2001;

 2.2 Estime a população para os anos de 2011 e de 2021;

 2.3 Visite o website do INE e confronte o valor estimado para 2011 e 2021 com os
obtidos nos resptivos censos. Comente os resultados obtidos.

127
CAPÍTULO 7:
MORTALIDADE

CONSIDERAÇÕES GERAIS

O evento que determina a mortalidade é a morte ou óbito. Talvez porque a morte seja um
evento preciso, facilmente definível, e ocorra apenas uma vez para cada indivíduo, as técnicas
usadas para analisar a mortalidade têm uma longa história e são mais desenvolvidas do que
as relacionadas com a fecundidade e as migrações. Os estudos de mortalidade remontam
aos trabalhos pioneiros realizados por Graunt (1662) e William Farr (1851), este conhecido
por propor a primeira classificação internacional de doenças (CID).

Para fins estatísticos, óbito é definido pelo INE como a “cessação irreversível das funções
do tronco cerebral”. Também pode ser definido como o “desaparecimento permanente de
qualquer sinal de vida em qualquer momento após o nascimento com vida”. Embora esta
definição exclua os óbitos que antecedem o nascimento, estes são também registados
(os denominados óbitos fetais). Para o INE, o óbito fetal corresponde à “morte de um
produto da fecundação antes da expulsão ou extração completa do corpo da mãe,
independentemente da duração da gravidez”. O óbito é assinalado pela circunstância do
feto, depois de separado, não respirar, nem manifestar quaisquer outros sinais de vida tais
como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou contrações efetivas de
qualquer músculo sujeito à ação da vontade. Aqui se incluem nados-mortos, mas também
abortos espontâneos e planeados.

128
As estatísticas de mortalidade assumem um papel central na prática e investigação em saúde
pública. Além de essenciais na medida e na previsão dos efetivos populacionais, permitem
caracterizar populações do ponto de vista epidemiológico, monitorizar tendências e padrões
de doenças e ainda, do ponto de vista mais prático, o estabelecimento de orientações com
vista à promoção da saúde, alocação de recursos, planeamento de serviços e definição
de prioridades na política de saúde. As estatísticas de mortalidade servem de substituto
às estatísticas de saúde em países onde as segundas não existem ou são incompletas.
O aumento da sobrevivência deve-se em grande parte à recolha e sistematização de
estatísticas da mortalidade, análise de tendências e análise de diferenças entre países
e regiões. Tal permitiu identificar fatores de risco e áreas prioritárias de intervenção.

Conforme referido no capítulo 2, o registo civil é o sistema mais importante para contar
mortes. Porém, em países sem registo civil estruturado, é comum obter informação de
mortalidade através de questionários demográficos domiciliários, onde são frequentemente
incluídas questões retrospetivas acerca do número de óbitos no agregado familiar no ano
anterior. O óbito é normalmente registado à data do evento e no local de residência do
falecido (de jure).

No caso português, a principal fonte de estatísticas de mortalidade são as Estatísticas


Demográficas do INE, entidade que compila a informação proveniente dos certificados de
óbito. A causa disponibilizada é a causa básica de morte, considerada a que corresponde
à doença/evento que dá início à cadeia de acontecimentos que culmina na morte. A causa
básica de morte é classificada atualmente de acordo com a Classificação Internacional
de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (ICD-10), da responsabilidade da
Organização Mundial de Saúde. As causas consecutivas a e causa direta de morte também
são muitas vezes registadas e dizem respeito às causas mais imediatas, as causas que
levaram diretamente à morte. No entanto, normalmente apenas a causa básica de
morte é divulgada. As causas de mortalidade externa são classificadas de acordo com
o acontecimento (ex.: acidente de carro, queda, etc.) e não de acordo com o ferimento.

CAUSAS DE MORTE E CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DAS DOENÇAS

Embora a Classificação Internacional de Doenças (CID) remonte ao século XIX (1893),


desde a Antiguidade que existia preocupação em classificar as doenças e as causas de
morte.

No entanto, a primeira tentativa sistemática conhecida foi a preconizada por John Graunt,
e apareceu na sua afamada publicação de 1662, "Natural and Political Observation Made
Upon the Bills of Mortality", onde analisou a mortalidade de Londres, a partir dos dados
registrados nas paróquias, segundo variáveis como sexo, idade e causa.

A classificação de Graunt, que compreendia 83 causas de morte, claramente padecia de


uma série de problemas, pois não seguia um critério claro. Por vezes, usava um critério
etiológico (por exemplo, plague, shot, drowned ); noutras, referia-se às circunstâncias que
levaram à morte (abortive and still born, starved ) (Tabela 21).

129
Tabela 21. Classificação de doenças proposta por Graunt (Fonte: Laurenti (1991)).

Abortive and stillborn French-Pox Purples and spotted fever


Aged Frighted Quinsie and sore throat
Ague and feaver Gowt Rickets
Apoplex Grief Rising of the Lights
Bleach Hanged and made away with themselves Rupture
Blasted Head-Ach Scal’d-head
Bleeding Impostumes Sciatica
Bloody flux, scouring ad flux Itch Scurvey
Burnt Jaundies Shingles
Calenture Jaw-faln Shot
Cancer, Gangrene and Fistula Killed by several accidents Smothered and stifled
Canker, sore mouth and thrush King’s Evil Sores, ulcers, broken and brused limb
Childbed Leprosy Spleen
Chrisomes and infants Lethargy Starved
Cold and cough Livergrown, spleen and rickets Stitch
Colick and wind Lunatique Stone and Strangury
Consumption and cough Meagrom Stopping pf the stomach
Convulsion Measles Surfet
Cramp Mother Swine-Pox
Cut of the Stone Murthered Teeth and worms
Dropsy and Tympany Overlay and starved at Nurse Thrush
Drowned Palsie Tissick
Excessive Drinking Piles Vomiting
Executed and Prest to Death Plague Wen
Fainted in a bath Plague in the Guts Wolf
Falling-sickness Planet Worms
Flox and small Pox Pleurisie Sodainly
Found dead in the streets Poysoned

Depois desta primeira sistematização das doenças, entre os séculos XVII e XIX, outras
tentativas foram feitas por vários médicos e cientistas: Platter, Sydenham, Linneu (“Genera
Morborum” ), Francois de Lacroix (”Nosologia Methodica” ), Vogel, Cullen (“Synopsis
Nosologiae Methodicae” ), etc. Estas classificações, contudo, quase sempre não passavam
de exercícios médicos, à maneira de trabalhos académicos, sem aplicações aparentes.

Acima de tudo, não havia uma classificação universalmente aceite, o que dificultava
e praticamente impedia a comparação entre países da informação sobre a frequência das
causas de morte. No século XIX, surgiram as primeiras tentativas nesse sentido.

Em 1855, o epidemiologista inglês William Farr (1807-1883), o precursor da estatística


médica, propôs uma classificação com base na localização anatómica, hoje entendida como
o fundamento estrutural para a classificação das doenças. Porém, a classificação de Farr
não foi aceite. Só em 1893, com a obra do demógrafo e estatístico francês Jacques Bertillon
(1851-1922), é que se adotou a primeira classificação internacional das doenças.

130
A classificação de Bertillon apresentava 14 grupos ou capítulos que, em conjunto,
compreendiam 161 categorias ou causas de morte (Tabela 22). Esta é a base da atual CID
que vai hoje na sua 10ª revisão.

Tabela 22. Classificação de doenças de Bertillon.

I Doenças Gerais

II Doenças do Sistema Nervoso e Órgãos dos Sentidos

III Doenças do Aparelho Circulatório

IV Doenças do Aparelho Respiratório

V Doenças do Aparelho Digestivo

VI Doenças do Aparelho Geniturinário e seus anexos

VII Estado Puerperal

VIII Doenças da Pele e do Tecido Celular

IX Doenças dos Órgãos da Locomoção

X Vícios de Conformação

XI Primeira Idade

XII Velhice

XIII Afecções Produzidas por Causas Externas

XIV Doenças Mal Definidas

TAXA BRUTA DE MORTALIDADE

A mortalidade pode ser expressa usando diferentes tipos de taxas e indicadores. Uma das
medidas mais simples e básicas é a taxa bruta de mortalidade. A taxa bruta de mortalidade
(M ) corresponde ao risco que os indivíduos de uma população têm de morrer, no decorrer
de um dado período, geralmente 1 ano. É o quociente entre o total de óbitos (O ) no decurso
de um ano e a população média desse ano (ou, na sua falta, a meio do ano), P , sendo
normalmente expresso por 1000 habitantes:

O
M = × 1000
P

Como as taxas brutas são afetadas pela estrutura etária, não é válido comparar populações
distintas usando taxas brutas, mas sim taxas padronizadas (abordadas adiante).

Interessa referir que, se disponíveis, deverão usar-se no denominador pessoas-tempo


em risco. Porém, com estatísticas agregadas de mortalidade tal não é possível, sendo em
alternativa a população média (como vimos) uma boa aproximação da população em risco.

131
Às vezes, para representar um período mais longo e/ou obter estimativas mais estáveis,
é calculada uma taxa média anual, a partir de óbitos ocorridos durante dois ou três anos.
Essas taxas podem ser calculadas de maneiras diferentes, como adiante se exemplifica com
a taxa média anual para um triénio.

Assim, podemos simplesmente somar os óbitos e as populações médias anuais do período


em estudo e dividir essas somas uma pela outra:

O1 + O 2 + O 3
M = × 1000
P1 + P2 + P3

Outro procedimento, que normalmente produz valores semelhantes, passa por dividir a
média aritmética dos óbitos anuais pela população média no ano intermédio:

1 (O + O + O )
1 2 3
3 × 1000
M =
P2

TAXAS ESPECÍFICAS DE MORTALIDADE

A mortalidade mostra variações significativas em relação a certas características dos


falecidos e a certas características do evento causador do óbito, pelo que é fundamental ter
em conta estas diferenças quando analisamos as taxas de mortalidade.

Tendo em vista a estreita relação entre idade e risco de morte, a idade pode ser considerada
a variável demográfica mais importante na análise da mortalidade. Nenhuma outra
característica geral do falecido ou do evento oferece uma pista tão definida quanto ao risco
de mortalidade. Outras características do falecido, como sexo, estatuto socioeconómico
e local de residência, são também elementos de importância primordial.

Em conformidade com o que foi atrás dito, as taxas específicas são aquelas que apresentam,
no numerador e/ou no denominador, outras especificações, para além da área de estudo
ou do período temporal. Essas especificações podem ser sexo, idade, nível de instrução,
ocupação, rendimento, causa de morte, etc.

Assim, a taxa específica de mortalidade por idade expressa o risco de morte numa dada
idade ou faixa etária (a) e é obtida através da razão entre o total de óbitos nessa idade ou
grupo etário, num dado período, e a população desse grupo etário ou idade no meio do
período em estudo. É também normalmente expressa por 1000 habitantes:

Oa
Ma = × 1000
Pa

As taxas de mortalidade específicas por idade são sucessivamente calculadas para os


diferentes grupos etários quinquenais ou decenais, embora excecionalmente, devido ao
habitual excesso de mortalidade no primeiro ano de vida, sejam calculadas essa taxa e a do
quadriénio de 1 a 4 anos de idade, em vez de globalmente a do primeiro quinquénio.

132
Conhecidas as taxas específicas por idade, também é possível obter a taxa bruta de
mortalidade pois, no fundo, a taxa bruta de mortalidade nada mais é que a média
O
ponderada das taxas específicas por idade ( P a ), com pesos tanto maiores quanto maior
a
a proporção dos efetivos ( Pa ) de cada grupo etário (a):
P

∞ Oa Pa

a=0
( Pa )( P )

Por exemplo, numa população mais jovem, será atribuído maior peso às taxas específicas
das idades entre os 0 e os 14 anos, o que dará um valor mais baixo para a taxa bruta
de mortalidade do que o registado em populações mais envelhecidas. É isto que justifica
a necessidade de padronizar taxas por idade. Analogamente, podem ser definidas taxas
específicas por sexo, sexo e idade, nível de escolaridade, etc.

TAXA BRUTA DE MORTALIDADE E PROPORÇÃO DE MORTES POR CAUSA

A decomposição em taxas de mortalidade por causa, estando as causas de morte


geralmente agrupadas de acordo com a CID, tem importantes e óbvias implicações médicas.
A mortalidade por causa de morte pode ser analisada mediante dois diferentes parâmetros:
taxas de mortalidade específicas por causa e mortalidade proporcional.

As taxas de mortalidade por causa de morte (Mc ) são obtidas usando a fórmula abaixo,
sendo neste caso habitualmente expressas em óbitos por 100 000 habitantes:

Oc
Mc = × 100 000
P

Do mesmo modo que as restantes taxas, o denominador é a população média do ano em


causa, mas como existem causas de morte que não atingem os dois sexos (ex.: cancro da
próstata, cancro do útero), o denominador é nesse caso restrito à população de facto em
risco de desenvolver a doença. Tal como a taxa bruta de mortalidade global, as taxas de
mortalidade por causas são fortemente afetadas pela estrutura etária da população, pelo
que normalmente se procede também à sua padronização por idade.

Por sua vez, para obter a proporção de mortes por causa, basta ter a distribuição dos óbitos
por causa de morte, pelo que pode ser calculada mesmo em períodos e locais em que
a informação populacional não está disponível. Essa proporção mede o peso relativo das
diferentes causas de morte e resulta da seguinte fórmula:

Oc
× 100%
O

Na Tabela 23 apresenta-se a distribuição da proporção de mortes por causa nos anos de 2018
e de 1930 em Portugal, sendo notória a passagem de uma fase da transição epidemiológica
marcada pelo predomínio das doenças transmissíveis para a fase atual, em que predominam
as doenças não transmissíveis do tipo crónico.

133
Tabela 23. Óbitos por causa de morte (% em relação ao total) em Portugal nos anos de 2018
e de 1930 (Fontes: INE; Rodrigues, Moreira & Henriques (2010)).

CAUSAS 2018 1930

Algumas doenças infeciosas e parasitárias 1,8 23,6

Tumores (neoplasias) malignos 24,6 2,7

Doenças do aparelho circulatório 29,0 15,5

Doenças do aparelho respiratório 11,7 9,4

Doenças do aparelho digestivo 4,3 14,2

Sintomas, sinais e resultados anormais de exames clínicos e de laboratório não


6,2 nd
classificados em outra parte

Causas externas de mortalidade 4,6 2,4

PADRONIZAÇÃO DE TAXAS

A mortalidade e a morbilidade são altamente dependentes de fatores demográficos,


especialmente da idade e do sexo. Para a generalidade das causas de morte, uma população
mais idosa terá necessariamente mais mortes do que uma população jovem. Assim sendo,
a comparação direta de taxas brutas entre duas populações não é viável, se estas não forem
semelhantes em termos de distribuição etária, condição que raramente é satisfeita.

A padronização, em contrapartida, permite-nos determinar as taxas de mortalidade que


seriam esperadas se as duas populações tivessem exatamente a mesma estrutura de idades
e géneros. Por definição, padronização é um conjunto de técnicas usadas para eliminar,
tanto quanto possível, os efeitos de diferentes estruturas etárias ou de outras variáveis,
quando se comparam populações distintas (Porta, 2008). Embora a padronização seja feita
normalmente para a idade e/ou sexo, também pode ser aplicada a variáveis como nível de
escolaridade, ocupação, rendimento, religião, entre outras.

As taxas padronizadas podem ser calculadas pelo método direto ou pelo método indireto,
os quais irão ser apresentados de seguida. Resumidamente, no método de padronização
direta é usada uma estrutura etária padrão, enquanto na padronização indireta é usado um
conjunto padrão de taxas específicas por idade.

Método direto de padronização

No método direto de padronização é calculada uma média ponderada das taxas específicas
na população em estudo, usando como pesos a distribuição (por idade, sexo, etc.) de
uma certa população padrão. A taxa padronizada pelo método direto diz-nos qual seria
a taxa bruta na população estudada, se essa população tivesse a mesma distribuição que
a população padrão, no que respeita às variáveis para as quais o ajuste foi realizado.

Para melhor compreensão do método direto de padronização iremos utilizar um exemplo


e desenvolvê-lo passo a passo: o cálculo da taxa de mortalidade padronizada do Brasil pelo
método direto, usando como padrão de referência a estrutura etária e as taxas específicas
da população portuguesa (Tabela 24).

134
No ano em questão (2018), o Brasil tinha uma taxa bruta de mortalidade de 6,14 por mil
habitantes, enquanto a taxa bruta portuguesa era quase o dobro: 11,05 por mil.

Contudo, é do conhecimento geral que a população portuguesa é uma das mais envelhecidas
do mundo, ao passo que a população brasileira ainda é relativamente jovem, tendo essa
diferença nas pirâmides etárias certamente reflexo na diferença existente a nível das taxas
brutas de mortalidade. Só assim se compreende que haja mais óbitos por mil habitantes
em Portugal do que no Brasil, apesar de as taxas específicas de mortalidade portuguesas
serem – com a única exceção do grupo dos muito idosos – invariavelmente inferiores às
correspondentes brasileiras.

Tabela 24. Estatísticas necessárias para o cálculo das taxas específicas de mortalidade:
população e óbitos por grupo etário (Fonte dos dados: INE & Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística).

Idades População (2018) Óbitos (2018) Taxas de mortalidade


(anos)
Portugal Brasil Portugal Brasil Portugal Brasil
0-4 430 461 14 787 557 355 36 172 0,8247 2,4461
5-9 466 754 14 537 829 40 2 914 0,0857 0,2004
10 - 14 510 351 15 182 024 52 4 156 0,1019 0,2737
15 - 19 552 744 16 439 846 122 17 970 0,2207 1,0931
20 - 24 538 705 17 294 780 170 25 716 0,3156 1,4869
25 - 29 547 330 17 068 593 240 23 942 0,4385 1,4027
30 - 34 576 115 17 296 659 339 26 702 0,5884 1,5438
35 - 39 685 764 16 661 965 499 32 493 0,7277 1,9501
40 - 44 801 116 14 879 035 1 072 37 993 1,3381 2,5535
45 - 49 775 377 13 281 287 1 790 48 638 2,3086 3,6621
50 - 54 749 983 12 293 932 2 700 66 613 3,6001 5,4184
55 - 59 728 938 10 746 091 3 949 85 184 5,4175 7,9270
60 - 64 668 754 8 797 470 5 300 106 044 7,9252 12,0539
65 - 69 618 173 6 823 731 6 953 119 799 11,2477 17,5562
70 - 74 538 440 4 938 529 9 513 128 747 17,6677 26,0699
75 - 79 426 156 3 376 250 13 312 137 968 31,2374 40,8643
80 - 84 351 182 2 191 860 20 067 138 858 57,1413 63,3517
85 ou mais 310 274 1 897 462 47 092 240 295 151,7755 126,6402
TOTAL 10 276 617 208 494 900 113 565 1 280 204 11,0508 6,1402

Por esse motivo, a grande questão a que pretendemos dar resposta é: ‘‘Qual seria a taxa
bruta de mortalidade do Brasil, se a população do Brasil tivesse a mesma estrutura etária
que a população de Portugal?’’.

A padronização pelo método direto segue genericamente estes cinco passos:

1. Escolher a população padrão, aquela cuja distribuição etária será o padrão de comparação
de todas as populações a padronizar.

2. Listar as contagens de cada grupo etário da população padrão, assim como as taxas
específicas por idade da população a padronizar.

135
3. Calcular o número esperado de óbitos que ocorreriam na população padrão, caso esta
fosse sujeita às taxas específicas de mortalidade da população a padronizar.

4. Somar o número de óbitos esperados, para obter o número total de óbitos que seriam
esperados na população padrão.

5. Calcular a taxa bruta padronizada por idade, dividindo pela população padrão total
a soma do número de óbitos esperados (e multiplicando depois por 1000).

Os passos envolvidos podem ser resumidos na seguinte fórmula:

∑ Ma Pa
taxa padronizada (método direto) =
P

em que
P é a população padrão total;
Pa é a população padrão de um determinado grupo etário;
Ma é a taxa específica de mortalidade para um determinado grupo etário, na população
a padronizar, ou seja, ( Oa ).
Pa

Em relação à escolha da população padrão há alguns aspetos a considerar. Populações


padrão são populações reais ou fictícias usadas para remover o efeito de variáveis
confundidoras como a idade. As populações-padrão podem ser internas (por exemplo,
se quisermos comparar taxas de mortalidade do mesmo país em diferentes épocas,
padronizamo-las relativamente à estrutura etária vigente numa dessas épocas) ou externas
(quando se usam populações que não coincidem geograficamente com aquela que se quer
padronizar).

O uso de populações padrão externas é o mais comum, particularmente quando queremos


produzir resultados comparáveis internacionalmente. Uma delas é a População Padrão
Europeia (a de 1976 ou a mais atual, de 2013), usada em estudos e estatísticas de âmbito
europeu, sendo também muito usada a População Padrão Mundial, da Organização Mundial
de Saúde, nomeadamente para estudos e estatísticas de âmbito mundial.

Importa referir que a utilização de populações padrão diferentes leva a resultados igualmente
diferentes, pelo que a população padrão a usar deve ser aquela que permitirá comparações
mais úteis e lógicas, ou seja, em princípio uma que tenha uma distribuição etária o mais
próxima possível do conjunto das populações em estudo.

136
10

9 WHO World Standard (%)

8 2013 EU Standard Population

7 1976 EU Standard Population

5
%

0
0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80-84 +85

Figura 21. Estrutura etária de diferentes populações padrão.

As agências internacionais têm criado populações padrão standard de forma a haver


coerência e possibilidade de comparação entre estudos (Figura 21). A População Padrão
Mundial é substancialmente mais jovem que as europeias, pois tenta refletir a pirâmide etária
mundial e o continente europeu tem uma população consideravelmente mais envelhecida
que a do resto do mundo. A diferença é particularmente evidente com a nova versão de
2013 da População Padrão Europeia, criada de forma a haver maior semelhança entre taxas
padronizadas e taxas não padronizadas nos diversos países da União Europeia.

Retomando o nosso exemplo, o resultado final (Tabela 25) mostra que, se o Brasil tivesse
a estrutura etária de Portugal, a sua taxa bruta de mortalidade seria de 12,88 por mil, um
número que é mais do dobro do observado, 6,14 por mil. Seria, por outro lado, superior
à de Portugal (12,88 vs. 11,05 por 1000), o que está em sintonia com os valores igualmente
superiores de quase todas as taxas específicas, como atrás se referiu.

137
Tabela 25. Exemplo de padronização de taxas de mortalidade por idade pelo método direto.

População padrão Taxas específicas do Óbitos esperados na


(Portugal) Brasil (/1000 residentes) população padrão
Idades (anos)
A B A × B ÷ 1000

0-4 430 461 2,4461 1 053


5-9 466 754 0,2004 94
10 - 14 510 351 0,2737 140
15 - 19 552 744 1,0931 604
20 - 24 538 705 1,4869 801
25 - 29 547 330 1,4027 768
30 - 34 576 115 1,5438 889
35 - 39 685 764 1,9501 1 337
40 - 44 801 116 2,5535 2 046
45 - 49 775 377 3,6621 2 840
50 - 54 749 983 5,4184 4 064
55 - 59 728 938 7,9270 5 778
60 - 64 668 754 12,0539 8 061
65 - 69 618 173 17,5562 10 853
70 - 74 538 440 26,0699 14 037
75 - 79 426 156 40,8643 17 415
80 - 84 351 182 63,3517 22 248
85 ou mais 310 274 126,6402 39 293
Óbitos esperados na população padrão (Portugal) 132 320
População padrão total (Portugal) 10 276 617
Taxa padronizada (/1000) para a idade (Brasil) 12,88

Menos frequentemente, padroniza-se taxas para variáveis adicionais, caso do sexo.


Sabemos, por exemplo, que o Kuwait apresenta elevados níveis de emigração masculina na
idade ativa. Na Tabela 26 temos o cálculo da taxa padronizada por sexo e idade para o país.

138
Tabela 26. Exemplo de padronização de taxas de mortalidade pelo método direto, usando duas
variáveis de padronização (sexo e idade) (Fonte: Rowland (2003)).

População padrão Taxas específicas por sexo


Óbitos esperados
Idade Reino Unido e grupo etário
(A)
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens (F) Mulheres (G)
(B) (C) (D) (E) B x (D/1000) C x (E/1000)
0-4 1929315 1834123 3,50989 3,25380 6772 5968
5-9 2002186 1903095 0,39345 0,19965 788 380
10-14 1894505 1795130 0,47623 0,22435 902 403
15-19 1809664 1712612 0,89814 0,35621 1625 610
20-24 1950076 1852716 0,87024 0,48452 1697 898
25-29 2339288 2238302 0,65189 0,48285 1525 1081
30-34 2465502 2377074 0,72196 0,32991 1780 784
35-39 2166124 2123148 0,97676 0,71056 2116 1509
40-44 1906308 1897234 1,54056 1,30009 2937 2467
45-49 2064945 2064792 2,73508 2,57561 5648 5318
50-54 1726587 1739328 4,49144 3,35151 7755 5829
55-59 1478284 1508086 7,17866 7,57146 10612 11418
60-64 1354592 1417652 16,49640 13,24313 22346 18774
65-69 1242151 1404094 26,23409 29,23182 32587 41044
+70 2526114 4078438 78,29812 90,21719 197790 367945
Total 28855641 29945824 296879 464428
Óbitos esperados (homens) 296879
Óbitos esperados (mulheres) 464428
Óbitos esperados (total) 761307
População padrão total 58801465
Taxa padronizada para idade e sexo
12,95
(óbitos esperados total/população padrão total) x 1000

O valor obtido (12,95 por mil) não é, como se esperaria19, rigorosamente coincidente com
o da taxa de mortalidade apenas padronizada para a idade (12,75), e muito diferente
e superior ao da taxa bruta (apenas 2,18 por mil), pois a população do Kuwait é muito jovem.

Método indireto de padronização

É usado quando as taxas específicas por idade da população a estudar são estatisticamente
instáveis e/ou desconhecidas, situação comum em países de baixo rendimento. É também
muitas vezes usado quando queremos comparar os níveis de mortalidade de pequenas
áreas (ex.: municípios) com os níveis de mortalidade de uma área maior (ex.: país).

No método indireto, as taxas específicas da população padrão são aplicadas aos efetivos
de cada grupo etário da população em estudo, para obter os óbitos esperados nesta última,
os quais representam o número de óbitos que ocorreriam, caso a população em estudo
tivesse as mesmas taxas de mortalidade específicas que a população padrão.

19 Como refere Rowland (2003), a diferença advém da desigualdade entre as taxas (quer a bruta, quer a
padronizada por idade) dos dois sexos – a taxa bruta masculina é 10,3 por mil e a feminina, 15,5 por mil.

139
Seguidamente, é obtido o parâmetro razão padronizada de mortalidade, RPM (ou SMR,
Standardized Mortality Ratio), dividindo o número de óbitos registados pelo número de óbitos
esperados. Finalmente, a taxa de mortalidade padronizada pelo método indireto é calculada,
multiplicando o SMR pela taxa bruta da população padrão.

Este procedimento exige apenas um conjunto padrão de taxas de mortalidade específicas


e, na população a padronizar, os efetivos de cada grupo etário e o número total de óbitos.

O cálculo da taxa de mortalidade padronizada pelo método indireto envolve os seguintes


passos (exemplificados na Tabela 27):

1. Escolher uma população padrão e obter as taxas específicas de mortalidade por grupo
etário dessa população padrão.

2. Listar os efetivos de cada grupo etário da população a padronizar.

3. Calcular o número esperado de óbitos na população a padronizar, multiplicando


a população de cada grupo etário pelas taxas específicas de mortalidade da população
padrão, e somar os óbitos esperados.

4. Calcular a razão entre os óbitos observados e os óbitos esperados. O resultado é a


Razão Padronizada de Mortalidade (RPM ou SMR ).

Assim, a RPM pode ser obtida pela seguinte fórmula:

O
RPM =
∑ Ma Pa

em que
Ma é a taxa específica de mortalidade de um determinado grupo etário, na população padrão;
O são os óbitos totais registados na população a padronizar;
Pa é o efetivo de um determinado grupo etário da população a padronizar.

Uma razão de 1 (ou 100, uma vez que a RPM é habitualmente expressa em termos de
percentagem) significa que o número de óbitos esperado é idêntico ao número de óbitos
registado. A RPM mede assim o grau de similitude entre populações, assumindo que ambas
(a padrão e a padronizada) têm as mesmas taxas de mortalidade específicas.

Usando a expressão abaixo, é possível converter a RPM numa taxa de mortalidade,


padronizada pelo método indireto, por exemplo, expressa em óbitos por 1000 habitantes.

Taxa de mortalidade padronizada (método indireto ) = RPM × M

em que M é a taxa bruta de mortalidade da população padrão.

140
Tabela 27. Exemplo de padronização de taxas de mortalidade pelo método indireto.

Taxas específicas de
mortalidade (/1000) População a padronizar Óbitos esperados
Idades da população padrão (Brasil) (Brasil)
(anos) (Portugal)

A B A × B ÷ 1000
0-4 12195 14 787 557 12195
5-9 1246 14 537 829 1246
10 - 14 1547 15 182 024 1547
15 - 19 3629 16 439 846 3629
20 - 24 5458 17 294 780 5458
25 - 29 7484 17 068 593 7484
30 - 34 10178 17 296 659 10178
35 - 39 12124 16 661 965 12124
40 - 44 19910 14 879 035 19910
45 - 49 30661 13 281 287 30661
50 - 54 44259 12 293 932 44259
55 - 59 58217 10 746 091 58217
60 - 64 69722 8 797 470 69722
65 - 69 76751 6 823 731 76751
70 - 74 87252 4 938 529 87252
75 - 79 105465 3 376 250 105465
80 - 84 125246 2 191 860 125246
85 ou mais 287988 1 897 462 287988
Óbitos esperados no Brasil ( = TOTAL ) 959332
Óbitos observados (Brasil) 1280204
Razão padronizada de mortalidade 1,334
Taxa padronizada (/1000) pelo método indireto (Brasil) 14,75

Como se vê, a taxa pelo método direto é 12,88 por mil e a obtida pelo método indireto
é 14,75. Não são iguais, nem tal seria de esperar, pois o seu cálculo baseia-se em estruturas
etárias e taxas de mortalidade específicas diferentes, mas ambas corretamente mostram
que a mortalidade no Brasil é superior à portuguesa, ao invés do que a taxa bruta sugeria.

Comparação entre métodos

A Tabela 28 sumaria as principais vantagens e desvantagens associadas a cada um dos


métodos de padronização.

141
Tabela 28. Vantagens e desvantagens de cada um dos métodos de padronização.

PADRONIZAÇÃO DIRETA PADRONIZAÇÃO INDIRETA

É o método preferível, pois usa as Bom poder estatístico para detetar


taxas de mortalidade específicas da excesso de acontecimentos em grupos
população em estudo, em vez das pequenos, sendo por isso preferível
taxas de uma população padrão. quando se lida com reduzido número
VANTAGENS de pessoas/óbitos.
Podem ser efetuadas comparações
válidas entre diferentes populações, Pode ser aplicada mesmo quando se
desde que ambas usem a mesma desconhecem as taxas específicas por
população padrão. estrato da população em estudo.

Impossível de efetuar quando se Ainda assim exige que tenhamos os


desconhecem as taxas específicas por efetivos populacionais por escalões
estrato da população em estudo. etários na população padrão.

Problema dos números pequenos, se Não permite comparações tão válidas


DESVANTAGENS
a população/óbitos da população em entre populações diferentes ou entre
estudo ou de determinados grupos anos diferentes, a menos que a
etários for reduzida, pois as taxas estrutura etária dessas populações
específicas usadas terão uma grande seja semelhante.
incerteza.

COMPARAÇÃO DE TAXAS

Uma questão que frequentemente se levanta é saber se a taxa de mortalidade de uma


dada zona geográfica ou grupo populacional (étnico, social…) pode ser considerada maior
(ou menor) que outra – por exemplo, responder à pergunta sobre se a taxa de mortalidade
de um município ou província é superior/inferior à de um município/província vizinho ou à do
conjunto do país. Algo semelhante sucede quando se pretende comparar taxas da mesma
área geográfica, mas de anos diferentes, para ver se a mortalidade desceu ou subiu.

A resposta a questões deste tipo, envolvendo comparação de taxas, não pode ser dada
olhando simplesmente para os seus valores e vendo qual deles é o maior, pois qualquer
valor é passível de uma incerteza cuja dimensão depende do tamanho da população ou do
número de óbitos.

Uma das formas de contornar este problema é associando ao valor da taxa um intervalo de
confiança a 95% (IC95%), o que significa que é inferior a 5% o risco de o valor verdadeiro da
taxa ficar fora desse intervalo de confiança. Adicionalmente, pode-se também usar um teste
estatístico – normalmente o T-test – para comparar diretamente os valores das taxas ou
ainda modelos de regressão. São métodos cuja exploração está fora do âmbito do presente
trabalho, pelo que se aconselha a leitura de obras estatísticas dedicadas ao tema.

CONTINGÊNCIA DOS PEQUENOS NÚMEROS

Independentemente de se tratar de taxas brutas ou padronizadas, um problema


frequentemente encontrado tem a ver com a oscilação de valores provocada pela
circunstância de lidarmos com: 1) populações de pequena dimensão (em denominador) ou
2) com um pequeno número de óbitos/eventos (em numerador).

142
Assim, é bastante comum encontrar taxas de mortalidade (ou qualquer tipo de taxas)
de uma determinada área geográfica (uma freguesia, um município ou mesmo um país)
cujos valores oscilam muito ao longo do tempo, não porque haja uma genuína variação da
mortalidade, mas apenas porque um aumento ou diminuição aleatórias de um ou dois óbitos
é suficiente, face ao pequeno número de óbitos registados ou à reduzida população, para
alterar apreciavelmente o quociente que nos fornece a taxa.

Exemplificando com a evolução da taxa de mortalidade por meningite, em Portugal, durante


2011-2014 (Tabela 29), todos concordarão que seria completamente falaciosa qualquer
tendência temporal que se pretendesse extrair das (inevitáveis) flutuações anuais da taxa.

Tabela 29. Exemplo ilustrativo do Problema dos Pequenos Números (Fonte dos dados: INE).

Ano 2011 2012 2013 2014


Número de óbitos por meningite 6 1 5 3
População média total 10 557 560 10 514 844 10 457 295 10 401 062
Taxa bruta de mortalidade por meningite/100000 0,06 0,01 0,05 0,03
Variação da taxa em relação ao ano anterior --- - 83% + 400% - 40%

Mas, mesmo tratando-se de uma doença mais comum ou mesmo da mortalidade global, o
mesmo tipo de instabilidade de valores de taxas seria encontrado se as calculássemos para
áreas geográficas de pequena dimensão populacional. Atente-se no seguinte:

• A taxa bruta de mortalidade em Portugal é de 10 por mil.

• Para uma freguesia com 100 habitantes20, tal equivaleria a 1 morte anual.

• Bastaria uma morte adicional, para a taxa de mortalidade dessa freguesia atingir 20 por mil
(o dobro da média nacional), ao passo que uma morte a menos daria uma taxa de 0 por mil.

Como lidar com estas situações? Há várias formas de evitar ou, pelo menos, minimizar
o problema dos pequenos números, a saber:

1. No caso de causas pouco frequentes, opta-se frequentemente por calcular taxas trianuais
(ou quinquenais, etc.) – a taxa média de três ou cinco anos consecutivos é muito menos
sujeita a flutuações estatísticas do que uma taxa anual.

2. No caso de áreas geográficas muito pequenas, é comum agregar áreas vizinhas, de


modo a que o número de casos e de habitantes seja maior. Uma outra possibilidade
é “suavizar” a taxa, tendo em consideração os valores da vizinhança, através de métodos
matemáticos adequados, como o bayesiano.

3. No caso de não ser possível ou conveniente a agregação de áreas ou a junção de anos


consecutivos, calcula-se para a taxa um intervalo de confiança a 95% (IC95). A comparação
do valor da taxa com o do IC95 permite assim saber o grau de credibilidade da mesma,
levando a que não possa ser considerada fiável se baseada num pequeno número de óbitos
(O) – pois, grosso modo, a incerteza associada à taxa é inversamente proporcional a √O.

20 Antes da fusão de freguesias em 2013, havia 115 freguesias com menos de 100 habitantes em Portugal.

143
4. Finalmente, quando se calculam taxas padronizadas, o problema pode ainda ser
atenuado pela utilização do método da padronização indireta.

MORTALIDADE MENSAL

Ganha importância crescente estudar também variações da mortalidade em períodos mais


curtos do que um ano. Porém, as taxas de mortalidade mensais não podem ser calculadas
de forma idêntica, visto que os meses têm durações diferentes (logo, desigual tempo em
risco). O mês de fevereiro, por exemplo, tem somente 28 dias, pelo que se não ajustarmos
o número de óbitos para a dimensão do mês acabamos por subestimar o risco de morte em
fevereiro, por sinal um mês que tendencialmente (pela frequência com que ocorrem vagas
de frio) tem uma mortalidade elevada em Portugal.

Para ajustar o número de óbitos à dimensão do mês, é usual aplicar a conversão seguinte:

365 ou 366
Om ×
(12 × nm )

Nesta fórmula, o número de óbitos de cada mês (Om ) é multiplicado por um fator corretor
que depende do tamanho do mês. Esse fator é o quociente entre o número de dias do ano
(365 ou 366, consoante seja comum ou bissexto) e o produto de 12 pelo número de dias do
mês (nm ) em questão (28, 29, 30 ou 31). Deste modo, corrige-se o efeito da duração do mês,
obtendo-se o número de óbitos que deveriam ter ocorrido se o mês tivesse a duração média
de 366/12 ou 365/12, isto é, aproximadamente 30,5 ou 30,4 dias.

Em termos práticos e para um ano comum, o número de óbitos de meses com 31 dias
é multiplicado por 0,981 (ou seja, ligeiramente reduzido), o de meses com 30 dias é multiplicado
por 1,014 (ou seja, ligeiramente aumentado) e o do mês de fevereiro é multiplicado por
1,086, ou seja, é aumentado em quase 9%, o que compensa o efeito de ser um mês mais
curto que todos os outros.

Posteriormente, o número de óbitos corrigido poderá ser dividido pela população para obter
uma taxa de mortalidade mensal.

Também pode ser calculado um parâmetro alternativo, o chamado índice mensal de


mortalidade (IMM) usando a expressão abaixo, em que O corresponde ao número de
mortes anuais:

365 ou 366 × Om
IMM ×
O × nm

Equivalente a…

Om
nm
IMM ×
O
365 ou 366

144
Um IMM de valor 100 corresponde a uma mortalidade igual à média anual e um índice
superior ou inferior a 100, a uma mortalidade respetivamente superior ou inferior à
média anual.
Tabela 30. Indicadores de mortalidade mensal em Portugal ao longo do ano de 2013
(Fonte dos dados: INE).

Taxa
População Taxa bruta Óbitos
Óbitos ajustada IMM
média anual mensal ajustados
mensal
Janeiro 10458 10 457 295 100,0 10268 98,2 116

Fevereiro 9504 10 457 295 90,9 10331 98,8 116

Março 9979 10 457 295 95,4 9798 93,7 110

Abril 8493 10 457 295 81,2 8617 82,4 97

Maio 8334 10 457 295 79,7 8183 78,3 92

Junho 8206 10 457 295 78,5 8326 79,6 94

Julho 9171 10 457 295 87,7 9005 86,1 101

Agosto 7983 10 457 295 76,3 7838 75,0 88

Setembro 7479 10 457 295 71,5 7588 72,6 85

Outubro 7926 10 457 295 75,8 7782 74,4 88

Novembro 8466 10 457 295 81,0 8590 82,1 97

Dezembro 10544 10 457 295 100,8 10353 99,0 117

TOTAL 106543 10 457 295 --- --- --- ---

A Tabela 30, referente ao ano de 2013 em Portugal, mostra que os meses com excesso
de óbitos foram os meses de Inverno (dezembro, janeiro, fevereiro e março) e ainda julho,
um mês com níveis de mortalidade geralmente baixos, mas que em 2013 coincidiu com
uma onda de calor particularmente letal.

MORTALIDADE MATERNA E INFANTIL

Uma das medidas mais conhecidas e usadas em demografia é a taxa de mortalidade infantil.
Essa taxa é efetivamente um dos mais sensíveis indicadores de saúde. Funciona como uma
medida do desenvolvimento humano e social de um país, muito embora possa não ser muito
útil para comparar entre si países em fases mais avançadas da transição epidemiológica
e demográfica.

A taxa de mortalidade infantil traduz o número de óbitos de crianças com menos de 1 ano
de idade (O 0 ) observados durante um determinado período de tempo, geralmente um ano,
referido ao número de nados vivos do mesmo período (N ), e é habitualmente expressa em
número de óbitos de crianças com menos de 1 ano por 1000 nados-vivos.

O0
× 1000
N

145
Muito embora a taxa se refira aos óbitos de crianças menores de um ano, devido
à grande desigualdade na distribuição dos óbitos no decorrer do primeiro ano de vida,
é comum subdividir temporalmente este período (Figura 22) e definir para cada subdivisão
o correspondente indicador de mortalidade infantil.

1 ano

Mortalidade infantil
Mortalidade pós-neonatal

28 dias

Mortalidade neonatal
Mortalidade neonatal tardia

7 dias

Mortalidade neonatal precoce

Mortalidade perinatal
Nascimento

Mortalidade fetal (in utero)


Mortalidade fetal tardia

28 semanas de gestação

Abortos/mortalidade fetal precoce

Conceção

Figura 22. Categorização das taxas de mortalidade infantil e fetal.

Com efeito, os óbitos infantis estão principalmente concentrados nas primeiras semanas
de vida. Esta distribuição, contudo, pode variar de população em população, pelo efeito
conjugado de diversas fatores/causas determinantes, geralmente classificados em duas
grandes categorias: endógenos e exógenos.

As causas exógenas dizem respeito aos fatores ambientais e às condições socioeconómicas


gerais da população, que levam a uma maior prevalência de mortes por doenças infeciosas,
problemas nutricionais, problemas relacionados com cuidados hospitalares insuficientes
e acidentes diversos. Estas afetam mais a mortalidade pós-neonatal.

146
Já os fatores endógenos referem-se às condições relacionadas com a gestação e parto
(cobertura e qualidade da assistência pré-natal e perinatal, deformações congénitas,
traumatismos causados pelo parto, etc.). Afetam mais a mortalidade perinatal e neonatal.

Assim, para medir a mortalidade infantil usam-se convencionalmente os seguintes


indicadores, todos expressos por mil nados-vivos:

• Taxa de mortalidade neonatal - número de óbitos em crianças com menos de 28 dias de


idade relativamente ao total de nados-vivos no mesmo período.

O<28 dias
× 1000
N

• Taxa de mortalidade neonatal precoce (TMNP ) - número de óbitos em crianças com


menos de 7 dias de idade relativamente ao total de nados-vivos no mesmo período.

O<7 dias
TMNP = × 1000
N

• Taxa de mortalidade neonatal tardia - número de óbitos em crianças com 7 dias ou mais
e menos de 28 dias de idade relativamente ao total de nados-vivos no mesmo período.

O<7−27 dias
× 1000
N

• Taxa de mortalidade pós-neonatal - número de óbitos em crianças com 28 dias ou mais


e menos de 1 ano, relativamente ao total de nados-vivos no mesmo período.

O≥28 e <365 dias


× 1000
N

Como referido anteriormente, os países recolhem também informação acerca da


mortalidade fetal, ou seja, antes da expulsão do feto. Com base nela, são ainda calculados
outros indicadores:

• Taxa de mortalidade perinatal - quociente entre a soma dos óbitos em crianças de menos
de 7 dias de idade (mortalidade neonatal precoce) com o número de fetos-mortos com
28 semanas ou mais de gestação e a soma do número de nados-vivos com o número de
fetos-mortos com 28 semanas ou mais de gestação, no mesmo período.

f
O<7 dias +O≥28 dias
× 1000
f
N +O≥28 dias

147
• Taxa de mortalidade fetal tardia (TMFT ), número de fetos-mortos com 28 ou mais
semanas relativamente ao total de nados-vivos e de fetos-mortos com 28 ou mais
semanas do mesmo período.

f
O≥28 dias
TMFT = × 1000
f
N +O≥28 dias

Outro indicador relevante é a mortalidade materna, uma importante causa de morte evitável.
Refere-se ao número de óbitos maternos ocorridos durante a gestação ou no período de um
ano após o seu termo, independentemente da duração ou da localização da gravidez, mas
devido a causas diretas ou indiretas com ela relacionadas (excluem-se causas acidentais ou
incidentais). A taxa de mortalidade materna (TMM ) calcula-se da seguinte forma:

óbitos maternos
TMM = × 1000
N

O número de nados-vivos surge no denominador por ser uma boa aproximação do efetivo
populacional das gestantes expostas ao risco de morte por causas maternas. Idealmente,
devia ser calculado em relação ao número de mulheres que conceberam, mas não é possível
estimar esse parâmetro.

148
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt

Laurenti, R. (1991). Análise da informação em saúde: 1893-1993, cem anos da


Classificação Internacional de Doenças. Revista de saúde pública, 25, 407-417.

ONU. (2021). United Nations.


https://unstats.un.org/

Porta, M. (2008). A dictionary of epidemiology. Oxford University Press.

Rodrigues, T., Moreira, M. J., & Henriques, F. (2008). A população portuguesa. Das longas
permanências à conquista da modernidade. População e Sociedade, 21.

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

149
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f

1. Usando os dados da publicação do INE, Estatísticas Demográficas 2014, determine


para o quinquénio 2009-2013 os valores médios anuais das taxas brutas de mortalidade
para as cinco principais causas de morte, em homens e em mulheres. Comente
os resultados.

Ano População média


2013 10457295
2012 10514844
2011 10557560
2010 10573100
2009 10568247
Fonte dos dados: INE

Óbitos Óbitos Óbitos Óbitos Óbitos


Causa
2013 2012 2011 2010 2009
Total 106545 107612 102848 105954 104434
Doenças do aparelho circulatório 31420 32761 31565 33693 33314
Tumores malignos 25860 25690 25536 24917 24277
Diabetes mellitus 4544 4867 4536 4744 4603
Doenças do aparelho respiratório 12611 13893 11917 11776 12170
Doenças do aparelho digestivo 4567 4525 4538 4627 4607
Outras causas 27543 25876 24756 26197 25463
Acidentes, envenenamentos e violências 4187 3909 4062 4488 4409
Fonte dos dados: INE

2. Na tabela abaixo apresentam-se a população e os óbitos observados nos EUA e no


México em 1950.

Taxa específica de
População Óbitos
mortalidade (/1000)
Grupo etário
México USA México USA México USA

0-9 7644584 29363256 217275 130123 28,4221 4,4315


10-19 5742075 21735866 16983 17988 2,9576 0,8276
20-29 4318940 23724088 24195 36273 5,6021 1,5290
30-39 2978934 22763393 24364 54869 8,1788 2,4104
40-49 2283220 19274438 25746 106908 11,2762 5,5466
50-59 1356239 15507308 23777 199244 17,5316 12,8484
60-69 888268 11062411 30347 307624 34,1642 27,8080
70+ 531417 7266601 54898 598153 103,3049 82,3154
Total 25743677 150697361 417585 1451182 - -
Fonte dos dados: Nações Unidas

150
 2.1. Determine a taxa bruta de mortalidade dos EUA e do México. Comente os resultados.

 2.2. Assumindo os EUA como padrão, determine a taxa de mortalidade padronizada


pelo método direto no México em 1950. Comente os resultados, fazendo um contraponto
com os valores obtidos na alínea 2.1.

 2.3. Apesar de, na generalidade das situações, ser preferível usar o método direto
de padronização, o método indireto é usado em algumas situações. Indique-as.

3. Com base na informação abaixo referente aos níveis de mortalidade por doenças
circulatórias em Portugal (padrão) entre 2015-2017 e à distribuição etária da população
da Ribeira Grande (Açores), determine a razão padronizada de mortalidade e a taxa de
mortalidade padronizada pelo método indireto desta localidade, sabendo que ocorreram
237 óbitos em 2015-2017. Interprete e comente os resultados obtidos.

Taxas específicas População residente


Grupo etário
Portugal (/1000) Ribeira Grande
0-4 0,01317655 5922

5-9 0,00613363 7416

10-12 0,00445959 7261

15-19 0,01791645 7658

20-24 0,02405955 7719

25-29 0,03315580 8055

30-34 0,05902526 8207

35-39 0,11920790 8678

40-44 0,24476894 7806

45-49 0,40203428 6295

50-54 0,62122700 5805

55-59 0,99528977 5375

60-64 1,51907988 3920

65-69 2,45876380 2818

70-74 4,39497251 1986

75-79 9,10891182 1573

80-84 18,34588321 1110

85 ou mais 54,35731831 607

Taxa bruta Portugal 3,137587


Fonte dos dados: INE

151
4. Usando os dados abaixo retirados das Estatísticas Demográficas do INE de Portugal
para os anos de 2003, 2005 e 2014, determine os correspondentes valores do índice
mensal de mortalidade. Represente os índices graficamente e identifique os meses em
que este fenómeno demográfico tem menor e maior intensidade em Portugal, discutindo
as diferenças entre os anos em estudo.

Mês 2014 2005 2003


Janeiro 10680 11891 10618
Fevereiro 9465 12427 9162
Março 9358 11106 9475
Abril 8714 8180 8423
Maio 8017 7920 8790
Junho 7713 7506 8016
Julho 7810 7516 7917
Agosto 7940 7830 10111
Setembro 7645 7211 7527
Outubro 8447 7728 8148
Novembro 8519 8388 9572
Dezembro 10482 9761 11036
Fonte dos dados: INE

152
153
CAPÍTULO 8:
FECUNDIDADE, REPRODUÇÃO E NUPCIALIDADE

A fecundidade (também chamada natalidade), assim como a estrutura familiar, são temas
de grande importância na demografia do presente. Atualmente, os contrastes internacionais
em termos de crescimento populacional são em grande medida explicados pelos diferentes
níveis de fecundidade entre nações e continentes.

Por exemplo, nos países de baixo rendimento, ainda subsistem elevadas taxas de natalidade,
o que garante famílias de grande dimensão e um ritmo de crescimento acelerado, havendo
por isso uma grande preocupação em controlar o número de nascimentos. Nos países de alto
rendimento, vive-se a situação oposta: as baixas taxas de natalidade têm lançado alertas,
motivados pelo declínio dos efetivos populacionais, pelo envelhecimento da população
e pelas ameaças pendentes sobre a sobrevivência futura dos sistemas de pensões e de
apoio social.

NATALIDADE, FECUNDIDADE E REPRODUÇÃO

Se a morte é um evento inevitável, o nascimento depende da vontade do homem e não


somente de leis biológicas, mas também comportamentais – papéis, valores, costumes,
condições de vida, acesso às informações.

Segundo o INE, nascimento ou nado-vivo “é a expulsão ou extração completa, relativamente


ao corpo materno e independentemente da duração da gravidez, do produto da fecundação
que, após esta separação, respire ou manifeste quaisquer outros sinais de vida, tais como
pulsações do coração ou do cordão umbilical ou contração efetiva de qualquer músculo
sujeito à ação da vontade, quer o cordão umbilical tenha sido cortado, quer não, e quer
a placenta esteja ou não retida.”

154
Ou seja, segundo esta definição, a idade gestacional não é relevante. Por outro lado,
os demógrafos usam múltiplos termos para se referir ao mesmo fenómeno: nascimento,
fecundidade, reprodução e natalidade.

A informação acerca do número de nados-vivos provém essencialmente do registo civil, mas


em países com um sistema de registo incipiente é comum obter esta informação de censos
populacionais (pois é perguntada a idade de todos os indivíduos, sendo possível estimar
assim o número de nascimentos num determinado ano) e de inquéritos demográficos onde
se incluem questões acerca da fecundidade.

A análise da fecundidade apresenta mais desafios do que o estudo da mortalidade, que


é um evento único que se refere a um único indivíduo. Isto acontece porque a fecundidade não
afeta toda a população, mas apenas a população fértil, tornando a definição do denominador
mais complexa; afeta mulheres e homens de forma diferente devido às características
biológicas dos dois sexos; é um fenómeno que afeta uma díada (pai e mãe), mas também
diz respeito ao nado-vivo; e é um evento que pode ocorrer múltiplas vezes ao longo da vida
de um individuo, inclusivamente mais do que uma vez num ano.

Existe uma multiplicidade de indicadores de natalidade. Estes, à semelhança dos referentes


à mortalidade, podem ser baseados em informação observada e, portanto, calculados
diretamente com base nos dados, ou em alternativa ajustados e assim baseados numa
situação hipotética que permita fazer uma correção dos registos.

Taxa bruta de natalidade

É a medida mais simples e direta de fecundidade. É o número de nados-vivos (N ) num dado


período dividido pela população média (P ) nesse período.

É normalmente expressa em permilagem, adotando-se regra geral como denominador


a população a meio do ano, como uma aproximação ao número de pessoas-ano.

N
TBN = × 1000
P

Porque inclui no denominador população de todas as idades e sexos, esta taxa não
é estritamente uma medida de risco. Além disso, é muito afetada pela estrutura etária da
população, visto que uma população mais jovem estará tendencialmente associada a um
maior número de nascimentos. Uma forma de minimizar o problema passa pelo uso de
técnicas de padronização, amplamente discutidas no capítulo referente à mortalidade.

Tal como acontece com a mortalidade, por vezes é relevante produzir uma taxa de natalidade
média anual baseada em registos de vários anos consecutivos. Para o seu cálculo, aplicam-
se as fórmulas do Capítulo 7 (Subcapítulo: Padronização de taxas), obviamente substituindo
no numerador os óbitos pelos nascimentos.

Finalmente, e estabelecendo mais uma vez uma comparação com os indicadores de


mortalidade, é comum também calcular indicadores de natalidade mensais. Como foi referido
antes, estes têm que ser ajustados ao desigual número de dias de cada mês.

155
Razão criança-mulher

Em países com registos civis incipientes, é possível calcular um indicador aproximado de


natalidade baseado somente em informação censitária. Após divisão por cinco (porque
o numerador representa 5 anos de nascimentos, em vez de um único ano), a razão entre
o número de crianças com idade inferior aos 5 anos e o número de mulheres em idade fértil,
ambos apurados no censo populacional, pode ser interpretada como uma estimativa da
taxa de fecundidade geral de 2,5 anos antes, muito embora tenda a subestimá-la, por via
do efeito da mortalidade infantil. Também subestima ligeiramente o número de mulheres em
idade fértil na data de referência, porque omite as mulheres que possam ter falecido nesse
intervalo de idades, mas que, entretanto, possam ter gerado crianças.

P0−4
f
× 1000
P15−49

Taxa de fecundidade geral

A taxa de fecundidade geral (TFG ) constituiu um refinamento da taxa bruta de natalidade.


É o quociente entre o número de nados-vivos (N ) e a população média feminina em idade
f
fértil num determinado período de tempo (P15−49 ).

N
TFG = f
× 1000
P15−49

O período fértil é normalmente definido pelo intervalo de 15 a 49 anos de idade, mas pode
ser iniciado antes em países em que a gravidez na adolescência é relevante. Esta taxa,
porém, não permite distinguir as idades em que o fenómeno assume maior expressão.
De facto, na maioria dos países, são raros21 os nascimentos ocorridos entre as idades de 45
e 49 anos; daí também por vezes se restringir o denominador às idades entre 15 e 44 anos.

Taxa específica de fecundidade

Uma vez que a taxa de fecundidade varia fortemente com a idade da mulher, é extremamente
útil obter medidas de fecundidade por idade ou grupo etário. A taxa específica de fecundidade
por idade da mulher (TEFa ) é o quociente entre o número de nados-vivos de mães de uma
determinada idade/grupo etário (Na) e o número de mulheres nessa mesma idade/faixa
etária (Paf )

Na
TEFa = × 1000
Paf

em que a designa o grupo etário.

21 Contudo, em Portugal e num contexto de quase estagnação da natalidade, a taxa de fecundidade aos 45-49
anos quase triplicou entre 2011 e 2020.

156
200

180

160

140

120

100

80

60

40

20

0
15 - 19 anos 20 - 24 anos 25 - 29 anos 30 - 34 anos 35 - 39 anos 40 - 44 anos 45 - 49 anos
1971 1981 1991 2001 2011 2020

Figura 23. Taxas específicas de fecundidade em Portugal, entre 1971 e 2020. (Fonte dos dados: INE).

O padrão das TEF em Portugal tem o formato que se apresenta acima (Figura 23),
constatando-se que, ao longo do tempo, o pico da fecundidade tem vindo a migrar para
idades cada vez mais avançadas – hoje situa-se no grupo etário dos 30-34 anos, quando em
1981 ocorria entre os 20 e os 24 anos.

Além das taxas específicas por idade, são também frequentemente calculados indicadores
acerca da idade materna, como as idades média e mediana das mães; da ordem dos
nascimentos, como a taxa de fecundidade do primeiro, segundo, terceiro filho e assim por
diante; e ainda taxas de fecundidade de acordo com o estado civil (casado vs. não casado).
Finalmente, é também possível calcular indicadores de fecundidade paterna, utilizando as
expressões matemáticas precedentes, mas substituindo os efetivos maternos por paternos.

Índice sintético de fecundidade

É o indicador de fecundidade mais usado pelos demógrafos. Traduz o número médio de


crianças nascidas por mulher em idade fértil (dos 15 aos 49 anos de idade), admitindo que
as mulheres estariam submetidas às taxas específicas de fecundidade vigentes. Ou seja,
o número médio de filhos nascidos por mulher diz respeito a uma geração hipotética que, em
todo o seu período reprodutivo, vivenciaria as taxas específicas de fecundidade observadas
no ano de referência.

O seu valor é a soma das taxas específicas de fecundidade por idade, entre os 15 e os 49
anos, registadas num determinado período (habitualmente um certo ano). No caso mais
comum de se usar grupos etários quinquenais, é necessário multiplicar o somatório das taxas
específicas de fecundidade por cinco, porque a taxa específica de fecundidade corresponde
a nascimentos durante um ano, mas cada grupo etário tem 5 anos de dimensão.

45 -49

ISF = 5 × ∑ TEFa /1000


a =15 -19

Através deste exemplo hipotético (Tabela 31), eis o motivo dessa multiplicação por 5:

157
Tabela 31. Cálculo do índice sintético de fecundidade com idades individuais e com grupos
quinquenais.

Idade Número de nascimentos Número de mulheres Taxa específica de fecundidade


30 30 100 0,3
31 25 100 0,25
32 20 100 0,2
33 15 100 0,15
34 10 100 0,1
Índice sintético de fecundidade
(0,3+0,25+0,2+0,15+0,1) = 1,00

30-34 100 500 Índice sintético de fecundidade


100/500=0,20 0,20×5 = 1,00

O valor mínimo do índice sintético de fecundidade, para que haja substituição de gerações,
é 2,1. São necessários 2 filhos por mulher para que estes substituam o pai e a mãe. Claro que
tal implica que ambos sobrevivam até à idade dos pais. Como isso nem sempre acontece,
o valor 0,1 é adicionado, para compensar os efeitos da mortalidade prematura, assim como
do desigual número de rapazes e raparigas à nascença. Este valor é usado atualmente
na maioria das nações, mas no período pré-transição, devido à elevada mortalidade,
era necessário um índice sintético de fecundidade de 6 para que a população não diminuísse
(Rowland, 2014). Por outras palavras, o valor mínimo do índice sintético de fecundidade
varia em função dos níveis de mortalidade prematura de um dado local.

Atualmente (2020 - INE), o ISF português, 1,40 crianças por mulher em idade fértil, está
muito abaixo do necessário para garantir a renovação da população. A título de comparação,
nos anos 60 esse valor era de cerca de 3 crianças/mulher.

Reprodução

O índice sintético de fecundidade refere-se ao número total de crianças nascidas por


mulher em período fértil. Considerando apenas os nascimentos femininos, é possível obter
o número médio de filhas nascidas por mulher, o qual fornece uma medida aproximada da
autorreprodução feminina. Para a refletir, é definida a taxa bruta de reprodução (TBR ).

Depreende-se disto que a taxa bruta de reprodução é semelhante ao índice sintético de


fecundidade, mas apenas dos nascimentos femininos – número médio de filhas nascidas
por mulher em idade fértil. O cálculo envolve determinar as taxas específicas de reprodução
TEFaf e a sua soma para a totalidade da idade fértil, obtendo-se assim a taxa bruta
de reprodução.

Na
TEFaf = × 1000
Paf

45 -49

TBR = 5 × ∑ TEFaf /1000


a =15 -19

Neste caso, o valor mínimo para a substituição de gerações é aproximadamente 1.

158
NUPCIALIDADE E DIVÓRCIO

Embora a nupcialidade por si só não afete o crescimento ou a diminuição da população,


uma vez que influencia a fecundidade, é uma variável fundamental e é considerada um
determinante importante da natalidade.

Num esforço para padronizar a classificação do estado civil, a maioria dos países que
realizam censos populacionais usa as seguintes categorias gerais, aplicáveis a quase todas
as culturas: (1) solteiro/a (nunca casado/a), (2) casado/a e sem separação legal, (3) viúvo/a
e não se casou, (4) divorciado/a e não se casou novamente e (5) casado/a, mas legalmente
separado. Além disso, é comum incluir questões acerca da união de facto, para indivíduos
que vivem juntos sem que haja uma relação matrimonial entre ambos.

Outras categorias de estado civil, embora não tão comuns, podem ser necessárias em
países/culturas onde existem práticas como concubinato, poligamia, levirato (casamento do
irmão do marido falecido com a sua viúva), sororato (casamento da irmã da falecida esposa
com o seu viúvo).

Uma das formas mais comuns de medir a nupcialidade de uma população é através da taxa
bruta de nupcialidade, quociente entre os casamentos/matrimónios (M ) num dado período
e a população média desse período. É também habitual exprimi-la por 1000 habitantes.

M
× 1000
P

Porém, essa taxa não é a ideal para comparar populações com diferentes estruturas etárias
e de género, pois a probabilidade de casar depende muito da idade e do estado marital
anterior. Novamente é comum utilizar-se métodos de padronização para a idade e o sexo.

Um parâmetro semelhante, igualmente com algum impacto na fecundidade, é a taxa bruta


de divórcio ou de divorcialidade, o quociente entre o número de divórcios (D ) num dado
período temporal e a população média nesse período.

D
× 1000
P

Em áreas com dados mais detalhados, as medidas mais utilizadas são a taxa geral de
nupcialidade e a taxa geral de divorcialidade. Em ambas, a população de referência é restrita
às pessoas em idade de casar. Geralmente, ambas as taxas são expressas como o número
de casamentos/matrimónios ou divórcios por 1000 pessoas com 15 anos ou mais.
M × 1000
P≥15 anos
D × 1000
P≥15 anos

Estas taxas são frequentemente calculadas em separado para homens e para mulheres.
Além disso, são também comumente calculadas taxas específicas por idade e por sexo,
uma vez que a frequência do casamento e divórcio varia muito de acordo com estas duas
variáveis, sendo também por vezes determinada a idade média ou mediana de casamento.

159
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

160
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f

1. Usando os dados fornecidos, determine a taxa bruta de natalidade, taxa de fecundidade


geral, índice sintético de fecundidade e taxa bruta de reprodução em Portugal em 2000,
2005, 2010 e 2013. Comente os resultados obtidos.

Ano Grupo etário Nados-vivos totais Nados-vivos femininos População feminina


TOTAL 120071
15 - 49 anos 119928 57746 2612568
15 - 19 anos 7376 3556 341954
20 - 24 anos 24622 11747 392662,5
2000 25 - 29 anos 40142 19344 398390,5
30 - 34 anos 31952 15467 379667
35 - 39 anos 13284 6398 387537,5
40 - 44 anos 2395 1142 364629
45 - 49 anos 157 92 347727,5
TOTAL 109457
15 - 49 anos 109374 52779 2600720
15 - 19 anos 5447 2625 287970,5
20 - 24 anos 16774 8118 344622,5
2005 25 - 29 anos 34128 16287 401621
30 - 34 anos 35162 17073 410399,5
35 - 39 anos 14755 7152 390247,5
40 - 44 anos 2950 1454 396124
45 - 49 anos 158 70 369735
TOTAL 101507
15 - 49 anos 101438 49878 2533601,5
15 - 19 anos 3999 1958 279512,5
20 - 24 anos 13261 6572 291190
2010 25 - 29 anos 26849 13165 341963
30 - 34 anos 35167 17308 404511,5
35 - 39 anos 18401 9013 418936,5
40 - 44 anos 3587 1763 396858,5
45 - 49 anos 174 99 400629,5
TOTAL 83121
15 - 49 anos 83058 40698 2439274,5
15 - 19 anos 2813 1382 268764,5
20 - 24 anos 9283 4514 281632,5
2013 25 - 29 anos 20135 9871 299716
30 - 34 anos 28938 14048 361357,5
35 - 39 anos 17997 8903 422733
40 - 44 anos 3698 1887 405586
45 - 49 anos 194 93 399485
Fonte dos dados: INE

161
 NOTA: Os dados populacionais referem-se à população residente média anual. Os
correspondentes valores da população total são 10 289 898, 10 503 330, 10 573 100 e
10457295, respetivamente, para 2000, 2005, 2010 e 2013.

2. A taxa de fecundidade geral é fortemente influenciada pela estrutura etária da população


feminina, pelo que, para poderem ser feitas comparações válidas entre regiões ou
países com estruturas etárias muito dispares, é comum proceder-se a padronizações
destes indicadores. Considerando os dados do INE, relativos a 2019, determine para os
Açores a taxa de fecundidade geral, sem e com padronização para a idade, e comente
os resultados obtidos. Use Portugal como padrão.

Nascimentos Nascimentos População feminina População feminina


Grupo etário
(Portugal) (Açores) (Portugal) (Açores)

15 - 19 anos 2048 86 266770 7320

20 - 24 anos 8844 301 271585 7887

25 - 29 anos 18695 510 274604 8477

30 - 34 anos 28160 667 287895 8496

35 - 39 anos 22075 444 349384 9289

40 - 44 anos 6315 116 410162 10102

45 - 49 anos 386 5 415572 9303


Fonte dos dados: INE

162
163
CAPÍTULO 9:
MIGRAÇÕES

As migrações têm grande impacto no tamanho e no crescimento das populações. Em muitos


países do mundo, é aliás o saldo migratório positivo que garante a estabilidade ou mesmo
o crescimento da população. As migrações são, contudo, a componente da dinâmica de
população de mais difícil medição.

Quando falamos de migrações referimo-nos a três situações muito distintas, embora todas
elas envolvendo a mudança de residência da pessoa migrante: 1) emigração (saída da
unidade espacial de observação para um país diferente); 2) imigração (entrada na unidade
espacial de observação de pessoas oriundas de um país diferente) e 3) migrações internas
(entradas e saídas na unidade espacial de observação de pessoas provenientes de outras
unidades espaciais do mesmo país).

Importa também distinguir entre migrações temporárias e permanentes. A emigração


temporária diz respeito a indivíduos que se ausentaram com a intenção de permanecer no
estrangeiro por um período igual ou inferior a um ano, sendo a sua magnitude quase sempre
superior à da permanente. Esta última – a que assume uma maior relevância demográfica –
diz respeito aos indivíduos que se ausentaram com a intenção de permanecer no estrangeiro
por um período superior a um ano.

AS MIGRAÇÕES AO LONGO DA HISTÓRIA

Sem as migrações, a nossa espécie, o Homo sapiens, continuaria confinada à África


Oriental, região do globo onde se terá originado há cerca de 300 000 anos e a partir de onde,
através de sucessivas vagas, alastrou para o resto do Mundo, quer ocupando territórios
anteriormente vazios, quer substituindo ou misturando-se com populações de outros
hominídeos (Homo erectus e Homo neandertalensis), eles próprios também inicialmente
originários da ÁfricaOriental e emigrando depois para outras zonas de África e para a
Eurásia. Utiliza-se, aliás, frequentemente as designações “Out of Africa I” e “Out of Africa II”,

164
a respeito das migrações dos nossos antecessores hominídeos e do próprio Homo sapiens,
respetivamente.

Estas primitivas migrações foram certamente determinadas por fatores ambientais, como
secas, inundações e alterações climáticas, ou por crescimentos populacionais excessivos
que exauriram os recursos existentes nas regiões onde viviam. É bom de ver que estamos
a falar de populações humanas recolectoras, uma vez que a agricultura só começou a ser
praticada há uns 10 mil anos.

Contudo, a motivação ecológica nunca deixou de ser a causa determinante da maioria das
migrações populacionais, ao longo dos tempos. A colonização grega e fenícia no Mediterrâneo,
as invasões bárbaras e vikings no 1º milénio, as colonizações europeia na América e na
Oceânia e russa na Sibéria e Ásia Central (séculos XVI – XX) e, mais recentemente, as
sucessivas vagas de emigração Sul-Norte e Leste-Oeste, que tiveram como destinatários os
países ricos da Europa Ocidental e da América do Norte, são alguns dos mais elucidativos
exemplos de deslocações populacionais, frequentemente intercontinentais, cujo principal
motor foi a procura de locais que pudessem assegurar uma melhoria das condições de vida.

Na mesma categoria deverá ser integrado o êxodo das populações rurais para as cidades,
iniciado na Europa do século XVIII com a Revolução Industrial, mas generalizado a todos
os continentes com o passar dos tempos, que ainda é um fenómeno demográfico muito
importante nos países mais pobres da América Latina, Ásia e África.

O panorama das migrações, contudo, não ficaria completo se não fossem mencionadas
também as migrações forçadas, ou seja, aquelas em que populações inteiras (ao arrepio
da sua vontade) foram obrigadas a abandonar as suas terras ancestrais, quer de um modo
definitivo, quer temporário.

Basicamente, este tipo de migrações tem por origem dois fenómenos distintos,
a escravatura22 e a expulsão de populações. A primeira, embora seja praticada há milénios,
só adquiriu alguma relevância demográfica com a constituição dos primeiros impérios
e, nomeadamente, o Império Romano, que a praticou em larga escala, trazendo para
a metrópole como escravos, às centenas de milhar, prisioneiros de guerra e populações
submetidas. Contudo, foi na época da expansão europeia, que acompanhou e se seguiu
aos descobrimentos marítimos, que o comércio de escravos africanos produziu em poucos
séculos transformações demográficas radicais em vastas áreas do globo e, em particular,
nos continentes africano e americano.

A nova composição étnica não foi revertida com o fim da escravatura, tendo esta aliás sido
prolongada por migrações, em condições frequentemente não muito diferentes das do
trabalho escravo, de milhões de trabalhadores indianos, chineses e javaneses para trabalhar
nas plantações das Guianas, África do Sul, Malásia, Sri Lanka e outras colónias britânicas
e holandesas, só para citar as deslocações de maior envergadura.

22 Não nos referimos obviamente à escravatura como resultado de dívidas ou de punição por outros crimes,
já que esta era praticada sobre elementos da própria população e, por isso, não determinava normalmente a
deslocação do escravizado para outro país ou região.

165
Por sua vez, o fenómeno da expulsão de populações – embora demograficamente menos
relevante, porque muito mais localizado no espaço e no tempo – não deixa de ter importância
em certos contextos espaciais e temporais. São sobejamente conhecidas as limpezas étnicas
levadas a cabo no decorrer da guerra civil jugoslava, as deportações de povos inteiros
ordenadas por Estaline durante e após a 2ª Guerra Mundial, assim como a expulsão para
a Alemanha de cerca de 15 milhões de alemães da Polónia, Checoslováquia e outros países
do leste europeu, entre 1945 e 1948. Mas muitos outros processos semelhantes ocorreram
no século XX e nos séculos precedentes: a expulsão dos judeus e dos mouros da Península
Ibérica ou a dos gregos da Turquia em 1923, o confinamento dos índios norte-americanos
nas reservas e as sangrentas trocas de populações entre a Índia e o Paquistão por ocasião
da independência e partilha da Índia em 1947 são apenas mais alguns exemplos.

Um outro tipo de migrações, que não sendo formalmente migrações forçadas, dificilmente
podem ser consideradas como resultando da livre opção dos deslocados, são as vagas de
refugiados desencadeadas por perseguições religiosas e étnicas, guerras entre estados,
guerras civis, redefinição de fronteiras e independência de novos estados. Embora, mais
uma vez, essas situações não sejam de agora – basta lembrar a diáspora judaica causada
por séculos de intolerância religiosa ou a mais recente diáspora palestiniana originada pela
criação do estado de Israel – os séculos XX e XXI, com as duas guerras mundiais e uma
série de outros conflitos de maior e menor escala, ficaram marcados pela deslocação de
milhões de pessoas em vários continentes, em fuga da devastação e das violações de direitos
humanos provocadas pelas fações em combate ou simplesmente porque as alterações
políticas as transformaram em cidadãos de segunda no seu próprio país de origem.

ESPECIFICIDADE DAS MIGRAÇÕES COMO FENÓMENO DEMOGRÁFICO

A relevância das migrações como fenómeno demográfico pode ser aferida pelos mais recentes
números publicados pelas Nações Unidas (UN, 2017). A meio de 2017, contabilizavam-se
em todo o mundo cerca de 257,7 milhões de migrantes23, o que correspondia a 3,4% da
população mundial – por outras palavras, um em cada 30 habitantes do nosso planeta. Esse
número não parou de crescer nas últimas décadas, quer em termos absolutos, quer mesmo
em termos relativos: em 1990, o número de migrantes (152,5 milhões) era pouco mais de
metade do atual e correspondia a 2,9% dos residentes no planeta.

Como seria de esperar, os principais destinos internacionais das migrações (UN, 2017)
são os países mais ricos. A proporção de 3,4%, estimada a nível mundial, reparte-se muito
desigualmente: 14,1% de imigrantes nos países de alto rendimento, contra apenas 1,4%
e 1,6%, respetivamente, nos países de médio e de baixo rendimento.

Se excluirmos o caso especial do Vaticano, cuja população é inteiramente imigrante, as


duas mais elevadas proporções de imigrantes em relação à população total situavam-se
em países ricos do Golfo Pérsico: Emirados Árabes Unidos (88,4%) e Kuwait (75,5%).
Considerando o fenómeno oposto e complementar, a emigração, os países com maiornúmero

23 Esse número refere-se apenas a migrações internacionais, não incluindo, portanto, os efetivos das migrações
internas. Desse número, 25,9 milhões (ou seja, 10% do total) eram refugiados, proporção ainda assim algo
inferior à verificada em 1990, altura em que os refugiados eram mais de 12% dos migrantes.

166
de emigrantes, em relação à sua população eram a Palestina (77,3%), Porto Rico (51,7%) e a
Bósnia-Herzegovina (47,3%), dois dos quais em que a motivação económica era claramente
superada pela procura de segurança face a conflitos políticos e militares.

Pela sua dimensão e, principalmente, porque são muito mais difíceis de contabilizar com
rigor do que fenómenos demográficos como a mortalidade e a natalidade, as migrações são
uma “dor de cabeça” frequente para quem efetua estudos demográficos, nomeadamente
quando se pretende estudar a evolução, ao longo de um intervalo temporal dilatado, dos
efetivos, da estrutura etária e da composição étnica da população de um país ou região.

Até porque, especialmente no caso das migrações por motivos económicos, a sua presença
pode conduzir a desvios sistemáticos e significativos na distribuição de uma população de
um país por idade, sexo e área geográfica, cujo impacto na dinâmica populacional (como já
referimos) dificilmente se pode subestimar. Isso é consequência da seletividade deste tipo
de migrações: de um modo geral, envolvem apenas determinados setores da população
ativa e apresentavam até há bem pouco, em Portugal, uma clara predominância do sexo
masculino (Figura 24).

60000

50000

40000

30000

20000

10000

homens mulheres

Figura 24. Número anual de emigrantes portugueses, por sexo (1970-1988) (Fonte dos dados: INE).

Por esse motivo, de modo análogo aos fenómenos demográficos já anteriormente abordados,
as migrações podem e devem ser quantificadas com a maior precisão possível, para
o que foi definido um conjunto de indicadores que exprimem as diversas modalidades deste
fenómeno. Contudo, pela sua maior relevância e porque são os únicos que se encontram
normalmente disponíveis nas estatísticas nacionais, abordaremos sucinta e unicamente os
indicadores que medem a emigração e a imigração internacionais.

167
Segundo o Observatório das Migrações (Pires et al, 2018), Portugal atualmente encontra-
se entre os países que detêm um maior número total de emigrantes (em 27º lugar com
2,3 milhões de emigrantes), valor que se torna mais expressivo quando olhamos para os
números relativos (13º lugar no mundo e primeiro lugar na União Europeia com 21,9% da
população), i.e., ponderando o número de emigrantes de acordo com a população do país
de origem. Em contrapartida, a proporção de imigrantes na população residente (apenas
8,5%) era em Portugal das mais baixas da União Europeia.

Refira-se que estas taxas de emigração e de imigração representam o número total de


migrantes, independentemente de quando ocorreu a sua partida ou chegada ao país em
questão, sendo por isso por vezes designadas taxas de emigração/imigração stock, nada
tendo a ver com as taxas que se passará a definir, as quais correspondem às novas saídas/
entradas no decorrer de um determinado ano, tendo por isso valores significativamente mais
baixos.

TAXA BRUTA DE EMIGRAÇÃO

A taxa bruta de emigração, entendida como a taxa bruta de emigração permanente24,


é o quociente entre o número de emigrantes permanentes (EP ) durante um determinado
intervalo de tempo – normalmente um ano – e a população média (P ) do país de proveniência
dos emigrantes, durante o mesmo intervalo de tempo. Vem normalmente expressa através
do número de emigrantes permanentes por 1000 habitantes.

TBE = EP × 1000
P

A Figura 25 mostra a evolução deste indicador em Portugal desde a década de 70.

6,00

5,00

4,00

3,00

2,00

1,00

0,00
1976 1980 1984 1988 1992 1996 2000 2004 2008 2012 2016 2020

Figura 25. Taxa bruta de emigração em Portugal (Fonte dos dados: INE).

24 Por vezes e para certos propósitos, é igualmente definida uma taxa bruta de emigração (ou imigração) total,
a qual inclui também os emigrantes temporários.

168
Uma outra variável que é frequente considerar no estudo do fenómeno da emigração é a
proporção de cada um dos destinos no total de emigrantes. Embora essa proporção não
assuma importância quando o que se pretende é quantificar os efetivos populacionais que
abandonam o país de origem, fornece, contudo, importantes pistas para a previsão da futura
evolução do fenómeno migratório.

TAXA BRUTA DE EMIGRAÇÃO TEMPORÁRIA

A taxa bruta de emigração temporária é o quociente entre o número de emigrantes temporários


(ET ) durante um determinado intervalo de tempo – normalmente um ano – e a população
média (P ) do país de proveniência dos emigrantes, durante o mesmo intervalo de tempo.
Também vem normalmente expressa através de permilagem.

TBET = ET × 1000
P

TAXA BRUTA DE IMIGRAÇÃO

A taxa bruta de imigração, também chamada taxa bruta de imigração permanente, é o


quociente entre o número de imigrantes permanentes (IP ) durante um determinado intervalo
de tempo – normalmente um ano – e a população média (P ) do país de destino dos imigrantes,
no mesmo intervalo de tempo. Também é habitual usar a permilagem.

TBI = IP × 1000
P

Tal como sucede com a emigração, além do número total de imigrantes permanentes entrados
no país durante um ano, é frequentemente útil conhecer o peso relativo – a proporção – de
cada um dos países de onde eles provêm. No caso português, por exemplo, as estatísticas
divulgadas pelo INE normalmente permitem a discriminação entre os imigrantes provenientes
de países da União Europeia e os que provêm do resto do Mundo.

TAXA DE CRESCIMENTO MIGRATÓRIO

Conforme referido no Capítulo 6, o quociente da diferença entre o número de imigrantes e o


número de emigrantes pela população média, dá-nos a taxa de crescimento migratório (TCM )
para um determinado intervalo de tempo, normalmente um ano. Esse mesmo parâmetro
pode também ser determinado simplesmente subtraindo, uma pela outra, as taxas brutas de
imigração e de emigração.

TCM = TBI − TBE

Durante 2019, segundo o INE, o saldo migratório foi positivo (o número de imigrantes superou
em 44 506 o número de emigrantes), traduzindo-se numa taxa de crescimento migratório de
+0,43%. A título de comparação, no ano anterior esse saldo tinha sido quatro vezes menor
(11 570). O saldo migratório verificado em 2019 foi determinante para que, pela primeira
vez desde 2009, a taxa de crescimento efetiva tivesse sido positiva (+0,19%), uma vez que
a taxa de crescimento natural continuou a ser negativa (-0,25%).

169
ATRATIVIDADE POPULACIONAL POR MUNICÍPIO E REGIÃO EM
PORTUGAL

O confronto, a nível de município ou de região, das informações acerca da residência


e da naturalidade dos habitantes de um determinado país, fornece também informações
importantes sobre eventuais desequilíbrios entre os locais de origem e de destino, plasmados
quer no fenómeno da imigração, quer no das migrações internas.

De acordo com os resultados do Censo 2011, em Portugal, quase quatro em cada dez
(38,5%) residentes eram naturais de um município diferente daquele em que residiam ou
eram mesmo naturais de um outro país. Contudo, esta proporção diferia imenso de município
para município português.

Moreira & Maias (2017) sintetizaram a informação proveniente do Censo 2011 em Portugal,
categorizando os municípios portugueses em cinco classes de um parâmetro designado
atratividade populacional, equivalente à proporção da população de um determinado
município que não é natural desse município.

• Às duas primeiras classes (atratividade baixa e muito baixa) correspondia uma proporção
de não naturais inferior a 34,1% e nelas se enquadravam mais de ¾ dos municípios
portugueses, correspondendo às duas regiões autónomas e às regiões Norte, Centro
e Alentejo, excluindo alguns municípios isolados, localizados principalmente no litoral.

• Do lado oposto, os municípios com atratividade alta e muito alta, onde a proporção de
naturais variava entre 46,2 e 70,6% dos residentes, eram apenas 1/8 dos municípios
portugueses e localizavam-se quase exclusivamente na Grande Lisboa (e áreas
limítrofes) e no Algarve, a par de alguns municípios da Área Metropolitana do Porto
e dos casos particulares do Entroncamento e de Sines.

Um fenómeno complementar (e de certo modo oposto) é a chamada repulsividade


demográfica, expressa através da proporção da população natural de um determinado
município ou região que reside fora dessa unidade geográfica. Em Portugal (Moreira & Maias,
2017) e considerando apenas as migrações internas, a região com maior repulsividade
demográfica era em 2011 o Alentejo, com quase um terço dos seus naturais a viverem
noutras regiões de Portugal; seguindo-se as regiões Centro (17,8%) e Algarve (14,7%).

A inclusão da emigração, contudo, alteraria substancialmente este panorama, uma vez que
há regiões – o caso mais flagrante são os Açores – em que o esse fenómeno (que se pode
também considerar uma forma de repulsividade demográfica) tem uma expressão numérica
muito superior ao das migrações para outras regiões do país.

170
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt

Lundquist, J. H., Anderton, D. L., & Yaukey, D. (2014). Demography: the study of human
population. Waveland Press.

Moreira, H., & Maias A. (2017). Naturalidade versus Residência em Portugal. Revista de
Estudos Demográficos, 56, 65-93.

Pires, R. P., Pereira, C., Azevedo, J., Vidigal, I., & Veiga, C. M. (2018). Emigração Portuguesa.
Relatório Estatístico 2018.
https://doi.org/10.15847/CIESOEMRE052018

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

UN (2017). United Nations, Department of Economic and Social Affairs. International migrant
stock : The 2017 revision.
https://www.un.org/en/development/desa/population

Weeks, J. R. (2012). Population: An introduction to concepts and issues. Cengage Learning.

171
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f

1. Na tabela seguinte, apresentam-se dados relativos ao fenómeno migratório em Espanha


durante o ano de 2020. Analise-os e responda às seguintes questões que com eles se
relacionam:

Emigrantes oriundos de Espanha (2020) Imigrantes entrados em Espanha (2020)

Destinos principais Nº Origens principais Nº

Bulgária 4 918 França 14 010

França 18 285 Itália 14 198

Itália 8 262 Alemanha 10 664

Portugal 6 632 Roménia 14 981

Alemanha 14 085 Reino Unido 36 105

Roménia 32 434 Marrocos 45 241

Reino Unido 30 958 EUA 9 895

Marrocos 16 381 Honduras 18 711

EUA 9 953 Nicarágua 9 376

Argentina 4 861 Argentina 19 747

Brasil 4 278 Brasil 9 497

Colômbia 9 644 Colômbia 52 673

Equador 5 930 Equador 9 976

Peru 4 059 Peru 19 631

China 5 667 Venezuela 32 696

Outros países 73 130 Outros países 148 320

TOTAL 249 477 TOTAL 465 721

Fonte dos dados: INE

 1.1. Determine as taxas brutas de emigração e de imigração.

 Nota: A população residente em Espanha em 1 de julho de 2020 era estimada em


47 353 756 pessoas.

 1.2. Calcule a taxa de crescimento migratório.

 1.3. Calcule as proporções relativas dos cinco países que forneceram mais imigrantes
a Espanha e dos cinco destinos mais populares da emigração espanhola.

172
173
CAPÍTULO 10:
ESPERANÇA DE VIDA

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

Uma outra forma de exprimir os níveis de mortalidade de uma população é através da


esperança de vida. Saber, para diferentes idades alcançadas, quantos anos se espera que as
pessoas ainda possam viver é uma informação de grande importância. A esperança de vida
é um indicador de desenvolvimento, mas também uma medida amplamente usada por um
grande número de especialistas para outros fins: atuários, para avaliarem e administrarem
riscos; demógrafos, para efetuarem projeções da população; epidemiologistas, para medirem
sobrevivências, etc.

A esperança de vida fornece igualmente uma medida resumo do estado de saúde da


população e, visto que o seu cálculo obedece a métodos rigorosos e universalmente
estabelecidos desde há muito tempo, as esperanças de vida são diretamente comparáveis
entre populações, sexos, áreas geográficas e ao longo do tempo.

O cálculo da esperança de vida envolve a construção de uma tábua de mortalidade.


Uma tábua de mortalidade é um instrumento que permite calcular a probabilidade de morte
e sobrevivência de uma população em função da idade.

A noção de tábua de mortalidade foi introduzida por John Graunt em 1662. Na Tabela 32
apresenta-se a tábua de mortalidade construída por ele para a população de Londres,
onde se pode observar o número de sobreviventes para diferentes idades. Nesta época,
em Londres, segundo as suas estimativas, apenas 25% dos indivíduos sobreviviam até
aos 26 anos e apenas 1% até aos 76 anos. A tábua de mortalidade de Graunt é relevante,
não pelos arcaicos métodos estatísticos empregados, mas pelo facto de introduzir a ideia
de ser possível utilizar informação de mortalidade de rotina para estimar probabilidades de
sobrevivência em diferentes idades.

174
Tabela 32. Tábua de mortalidade de Graunt (Londres) (Fonte: Birch (1759)).

From whence it follows, that of the said 100 conceived there remains alive at six years end 64.

At Sixteen years end 40 At Fifty six 6

At Twenty six 25 At Sixty six 3

At Thirty six 16 At Seventy six 1

At Fourty six 10 At Eighty six 0

Embora Grant tivesse produzido estas estimativas da proporção de sobreviventes, os


métodos de construção da tábua de mortalidade eram ainda muito rudimentares e pouco
claros. Duas décadas após o falecimento de Graunt, o astrónomo Edmund Halley (1656-
1742) desenvolveu um método mais rigoroso, ainda hoje aplicado. Halley foi um astrónomo
inglês, a primeira pessoa a conseguir prever o regresso de um cometa (precisamente aquele
que depois recebeu o seu nome), mas que curiosamente também manifestava interesse
pela geofísica, pela meteorologia, pela oceanografia e pela demografia, entre outros ramos
do saber. A tábua desenvolvida por ele é conhecida por Breslaw Table (1693), uma vez que
se baseou em dados recolhidos em Breslau25 pelo professor Carl Neumann e enviados
à Royal Society no ano anterior, por sugestão do matemático alemão Gottfried Leibniz.

Breslau foi selecionada visto que a tábua de mortalidade desenvolvida por Halley assenta
no pressuposto de que a população é estacionária (igualdade entre número de óbitos e de
nascimentos e ausência de migrações) e Breslau – cidade situada longe das principais rotas
comerciais – cumpria quase na perfeição este pressuposto, ao contrário do que sucedia com
Londres e Dublin, duas cidades de cujas tábuas de mortalidade já então se dispunha, mas
que Edmond Halley excluiu por não satisfazerem esses critérios.

Desde então, foram divulgadas várias tábuas, a maioria sobre países europeus, em
particular os países escandinavos. Nos Estados Unidos, o cálculo de tábuas completas
começou oficialmente em 1900-02, associado aos Recenseamentos da População, com
periodicidade decenal. Atualmente, as tábuas de mortalidade, sobretudo as abreviadas,
calculam-se anualmente, sendo a esperança de vida um dos indicadores-chave em análise
demográfica e em temas de natureza económica, como é o cálculo da idade da aposentação.
Em Portugal, a publicação anual das tábuas abreviadas iniciou-se em 1945.

Como veremos mais adiante, a construção destas tabelas requer a existência de um sistema
de registo civil fidedigno que garanta que todos os nascimentos e falecimentos sejam
notificados correta e atempadamente. Contudo, se tal é normalmente possível nos países
de alto rendimento, em grande parte dos países de baixo rendimento estas estatísticas não
são suficientemente fiáveis e, em alternativa, os cálculos da esperança de vida baseiam-se
em outras fontes, como inquéritos domiciliários e censos populacionais.

25 Breslau localiza-se na Polónia e designa-se presentemente Wroclaw, mas era na altura uma cidade
maioritariamente alemã.

175
CONCEITOS INTRODUTÓRIOS

A tábua de mortalidade é uma ferramenta estatística que combina as taxas de mortalidade


nas diferentes idades, embora transformando-as previamente num indicador similar, os
quocientes de mortalidade. Através da associação de um conjunto de funções básicas,
permite medir o fenómeno da mortalidade e deduzir as probabilidades de sobrevivência e a
esperança média de vida, em qualquer idade. As tábuas de mortalidade são normalmente
calculadas, quer para cada sexo em separado, quer também para o conjunto dos dois sexos.

O conceito de população estacionária é a base de construção das tábuas de mortalidade.


Uma população estacionária apresenta as seguintes características:

a. O tamanho da população mantém-se constante, pois existe um igual número de óbitos


e de nascimentos, garantindo um crescimento natural nulo.

b. A estrutura etária da população é constante e apenas as taxas específicas de mortalidade


afetam diferentemente os grupos etários.

c. A população é fechada às migrações, não existindo, portanto, movimentos de imigração


nem de emigração, o que – combinado com o crescimento natural nulo – garante
a estabilidade dos efetivos populacionais.

Estas três condições simplificam o cálculo das medidas de mortalidade e sobrevivência


e permitem comparações entre países com diferentes estruturas etárias e, como tal, os
resultados são de mais imediata utilização.

Na tábua de mortalidade são calculados quocientes de mortalidade, probabilidades


de sobrevivência e esperanças de vida de uma coorte de indivíduos. Uma coorte é, por
definição, um conjunto de indivíduos que vivenciaram conjuntamente um determinado
evento (nascimento, casamento, etc.) num certo momento ou intervalo de tempo.

Embora se usem coortes hipotéticas para a construção da maioria das tábuas de mortalidade,
também é possível usar tábuas baseadas em coortes reais, ou seja, indivíduos de uma
mesma geração são de facto seguidos desde o nascimento até à morte. Às tábuas baseadas
em coortes reais chamamos de tábuas de coorte (ou longitudinais ou de geração).

Porém, visto que as anteriores obrigam ao seguimento de cada indivíduo desde o nascimento
até ao fim da vida, as tábuas mais usadas são as tábuas de momento ou transversais. Estas
assentam na análise transversal de uma geração fictícia (normalmente 100 000 indivíduos),
sujeita às taxas específicas de mortalidade observadas para cada idade (ou grupo etário)
num dado ano (ou, mais comummente, num período de dois ou mais anos). Por exemplo,
a taxa de mortalidade entre os 80 e os 81 anos para uma tábua de mortalidade referente
ao ano de 2019, irá assentar nos níveis de mortalidade de uma coorte nascida em 1939.
A consequência disto é que, na maioria dos casos, a esperança de vida estimada usando
tábuas de momento será inferior à da coorte nascida no ano a que a tábua de mortalidade
se refere, pois o processo de cálculo utilizado não tem em conta as melhorias normalmente
verificadas nos níveis de sobrevivência, com a elevação do nível de vida e os progressos
da Medicina.

176
Consoante a amplitude do intervalo de idades no qual assenta a informação que permite
o cálculo das taxas de mortalidade específicas, as tábuas são também classificadas em dois
tipos: completas ou abreviadas. As primeiras contêm dados para cada idade singular (idade
ano a ano) desde o nascimento até ao limite superior adotado (normalmente 85 anos) e as
segundas para grupos de idades quinquenais ou mesmo decenais, usando-se estas quando
não se dispõe dos valores dos óbitos e das populações para cada idade individual, como
frequentemente sucede quando se pretende calcular a esperança de vida a nível municipal
ou mesmo regional.

Se a informação se reporta só a um ano do calendário, designam-se tábuas anuais. Para


evitar as oscilações anuais dos óbitos recorre-se à média de óbitos de dois, três ou mais anos
consecutivos (ex.: 2018-2020). Neste caso, recebem o nome de tábuas plurianuais. De um
modo geral, para minimizar o impacto das flutuações de mortalidade (como as ocasionadas
por eventos extremos episódicos, como epidemias ou vagas de frio/calor) é privilegiada
a utilização de tábuas plurianuais, em detrimento das anuais.

CONSTRUÇÃO DE TÁBUAS DE MORTALIDADE COMPLETAS

À primeira vista, as tábuas de mortalidade parecem complicadas, dado o sem-número de


colunas encimadas por símbolos algo exóticos. Porém, no fundo, a construção de uma tábua
de mortalidade envolve apenas repetir várias vezes uma série de operações aritméticas
simples, o que com a ajuda de um computador é uma tarefa rápida e pouco complexa.

Esta secção visa fazer uma descrição detalhada, passo a passo, da construção de uma
tábua de mortalidade completa e do consequente cálculo das esperanças de vida, para
diferentes idades. Iremos partir da tábua de mortalidade para ambos os sexos para Portugal
(2011-2013) para exemplificar esses passos (Tabela 33).

177
Tabela 33. Tábua de mortalidade completa para ambos os sexos, Portugal (2011-2013)
(Fonte de dados: INE).

Sobreviventes em 100 000 nados-


População real a meio do período

Número médio de pessoas vivas

Total de anos completos vividos


Probabilidade de sobrevivência
Taxa específica de mortalidade

Esperança de vida à idade x


Quociente de mortalidade

entre as idades x e x +1
Óbitos reais no período

com idade x ou mais


Óbitos esperados
vivos na idade x
considerado
Idade exata

por idade
x Px Dx Mx qx px lx dx Lx Tx ex

0 92651,5 848 0,00305086 0,00304467 0,99696 100000 304 99797 8071292 80,71

1 97591,0 73 0,00024934 0,00024931 0,99975 99696 25 99683 7971495 79,96

2 97796,5 54 0,00018406 0,00018404 0,99982 99671 18 99662 7871812 78,98

3 98158,0 41 0,00013923 0,00013922 0,99986 99652 14 99645 7772150 77,99

4 99260,0 39 0,00013097 0,00013096 0,99987 99638 13 99632 7672505 77,00

5 99653,5 36 0,00012042 0,00012041 0,99988 99625 12 99619 7572873 76,01

6 103004,0 27 0,00008738 0,00008737 0,99991 99613 9 99609 7473253 75,02

7 104290,0 33 0,00010548 0,00010547 0,99989 99605 11 99599 7373644 74,03

8 104929,0 33 0,00010483 0,00010483 0,99990 99594 10 99589 7274045 73,04

9 106822,0 38 0,00011858 0,00011857 0,99988 99584 12 99578 7174456 72,04

10 107129,0 31 0,00009646 0,00009645 0,99990 99572 10 99567 7074878 71,05

11 111680,0 36 0,00010745 0,00010744 0,99989 99562 11 99557 6975311 70,06

12 115233,0 33 0,00009546 0,00009545 0,99990 99552 10 99547 6875754 69,07

13 112491,0 34 0,00010075 0,00010074 0,99990 99542 10 99537 6776207 68,07

14 110862,0 47 0,00014132 0,00014131 0,99986 99532 14 99525 6676670 67,08

15 110357,5 67 0,00020237 0,00020235 0,99980 99518 20 99508 6577145 66,09

16 109618,5 59 0,00017941 0,00017939 0,99982 99498 18 99489 6477637 65,10

17 109286,5 68 0,00020741 0,00020738 0,99979 99480 21 99470 6378148 64,11

18 111527,5 108 0,00032279 0,00032274 0,99968 99459 32 99443 6278678 63,13

19 114258,0 107 0,00031216 0,00031211 0,99969 99427 31 99412 6179234 62,15

20 115406,5 131 0,00037837 0,00037830 0,99962 99396 38 99378 6079823 61,17

21 115892,5 126 0,00036240 0,00036234 0,99964 99359 36 99341 5980445 60,19

22 114801,5 143 0,00041521 0,00041512 0,99958 99323 41 99302 5881104 59,21

23 114746,0 156 0,00045317 0,00045307 0,99955 99281 45 99259 5781802 58,24

24 115356,0 147 0,00042477 0,00042468 0,99958 99236 42 99215 5682543 57,26

25 116066,5 167 0,00047961 0,00047950 0,99952 99194 48 99171 5583328 56,29

26 118426,5 150 0,00042220 0,00042211 0,99958 99147 42 99126 5484157 55,31

27 124135,5 182 0,00048871 0,00048859 0,99951 99105 48 99081 5385031 54,34

28 129514,0 175 0,00045040 0,00045030 0,99955 99057 45 99034 5285951 53,36

29 134054,0 178 0,00044261 0,00044251 0,99956 99012 44 98990 5186916 52,39

30 138196,5 237 0,00057165 0,00057149 0,99943 98968 57 98940 5087926 51,41

31 142399,0 239 0,00055946 0,00055930 0,99944 98912 55 98884 4988987 50,44

32 145949,5 238 0,00054357 0,00054342 0,99946 98856 54 98829 4890103 49,47

33 148598,5 310 0,00069539 0,00069514 0,99930 98802 69 98768 4791273 48,49

34 157557,0 353 0,00074682 0,00074654 0,99925 98734 74 98697 4692505 47,53

35 166147,5 405 0,00081253 0,00081220 0,99919 98660 80 98620 4593808 46,56

36 168611,5 451 0,00089160 0,00089120 0,99911 98580 88 98536 4495188 45,60

178
37 167793,0 471 0,00093568 0,00093524 0,99906 98492 92 98446 4396652 44,64

38 164476,0 525 0,00106399 0,00106342 0,99894 98400 105 98348 4298206 43,68

39 162532,5 571 0,00117105 0,00117036 0,99883 98295 115 98238 4199858 42,73

40 162196,5 632 0,00129884 0,00129799 0,99870 98180 127 98117 4101621 41,78

41 159142,0 703 0,00147248 0,00147140 0,99853 98053 144 97981 4003504 40,83

42 155074,5 784 0,00168521 0,00168379 0,99832 97909 165 97826 3905523 39,89

43 153112,5 812 0,00176776 0,00176620 0,99823 97744 173 97657 3807697 38,96

44 153019,5 950 0,00206945 0,00206731 0,99793 97571 202 97470 3710040 38,02

45 154168,0 1006 0,00217512 0,00217275 0,99783 97369 212 97264 3612569 37,10

46 155622,0 1113 0,00238398 0,00238114 0,99762 97158 231 97042 3515306 36,18

47 156920,0 1266 0,00268927 0,00268566 0,99731 96927 260 96796 3418264 35,27

48 155680,5 1365 0,00292265 0,00291839 0,99708 96666 282 96525 3321467 34,36

49 153550,0 1466 0,00318246 0,00317740 0,99682 96384 306 96231 3224942 33,46

50 152936,0 1580 0,00344371 0,00343779 0,99656 96078 330 95913 3128711 32,56

51 151945,5 1679 0,00368334 0,00367657 0,99632 95748 352 95572 3032798 31,67

52 147956,5 1783 0,00401695 0,00400889 0,99599 95396 382 95204 2937227 30,79

53 144258,0 1980 0,00457514 0,00456469 0,99544 95013 434 94796 2842023 29,91

54 142962,0 1973 0,00460029 0,00458973 0,99541 94579 434 94362 2747226 29,05

55 139798,0 2113 0,00503822 0,00502556 0,99497 94145 473 93909 2652864 28,18

56 138144,0 2181 0,00526262 0,00524881 0,99475 93672 492 93426 2558955 27,32

57 136329,0 2365 0,00578258 0,00576591 0,99423 93180 537 92912 2465529 26,46

58 132360,0 2403 0,00605168 0,00603342 0,99397 92643 559 92364 2372617 25,61

59 131768,5 2477 0,00626604 0,00624647 0,99375 92084 575 91797 2280253 24,76

60 132554,0 2667 0,00670670 0,00668429 0,99332 91509 612 91203 2188457 23,92

61 130898,0 2903 0,00739252 0,00736530 0,99263 90897 669 90563 2097254 23,07

62 127900,5 3062 0,00798016 0,00794845 0,99205 90228 717 89869 2006691 22,24

63 127401,0 3196 0,00836205 0,00832723 0,99167 89511 745 89138 1916822 21,41

64 121762,5 3389 0,00927762 0,00923479 0,99077 88765 820 88355 1827684 20,59

65 114751,0 3554 0,01032380 0,01027079 0,98973 87946 903 87494 1739328 19,78

66 116100,5 3653 0,01048804 0,01043333 0,98957 87042 908 86588 1651834 18,98

67 113908,0 3981 0,01164975 0,01158229 0,98842 86134 998 85635 1565246 18,17

68 107623,0 4258 0,01318801 0,01310162 0,98690 85137 1115 84579 1479610 17,38

69 101499,5 4299 0,01411830 0,01401933 0,98598 84021 1178 83432 1395032 16,60

70 96880,5 4572 0,01573072 0,01560796 0,98439 82843 1293 82197 1311599 15,83

71 96403,0 4911 0,01698080 0,01683784 0,98316 81550 1373 80864 1229403 15,08

72 97266,5 5529 0,01894794 0,01877011 0,98123 80177 1505 79425 1148539 14,33

73 96735,0 6189 0,02132630 0,02110130 0,97890 78672 1660 77842 1069114 13,59

74 94158,5 6859 0,02428175 0,02399049 0,97601 77012 1848 76088 991272 12,87

75 93446,5 7551 0,02693520 0,02657727 0,97342 75165 1998 74166 915184 12,18

76 92800,0 8153 0,02928520 0,02886258 0,97114 73167 2112 72111 841018 11,49

77 87222,0 8879 0,03393257 0,03336647 0,96663 71055 2371 69870 768907 10,82

78 82267,0 9687 0,03925025 0,03849478 0,96151 68684 2644 67362 699038 10,18

79 79265,5 10199 0,04288961 0,04198916 0,95801 66040 2773 64654 631676 9,57

80 74870,0 10963 0,04880905 0,04764626 0,95235 63267 3014 61760 567022 8,96

81 69580,5 11462 0,05491002 0,05344275 0,94656 60253 3220 58643 505262 8,39

82 61413,5 12071 0,06551763 0,06343942 0,93656 57033 3618 55224 446619 7,83

83 54217,5 12521 0,07698006 0,07412692 0,92587 53415 3959 51435 391395 7,33

84 48964,0 12617 0,08589304 0,08235613 0,91764 49455 4073 47419 339960 6,87

85 240754,0 112045 0,15513069 1 0 45382 45382 292542 292542 6,45

SOMAS 100000 8071292

179
Note-se que os valores obtidos nesta exemplificação não são rigorosamente iguais aos
encontrados nas estatísticas nacionais, pois o INE aplica funções matemáticas mais
complexas, no cálculo de algumas funções para as idades mais avançadas - para mais
informações sobre os métodos utilizados, consultar a informação metodológica disponibilizada
pelo INE. Aliás, existe grande variabilidade dos métodos usados pelos vários departamentos
de estatística nessas situações limite, sendo a opção por uma ou por outra expressão
matemática fundamentalmente determinada pelas dinâmicas populacionais vigentes numa
ou noutra região geográfica e numa ou noutra época.

Passo 1: Calcular taxas específicas de mortalidade por idade (Mx )

O primeiro passo para o cálculo de uma tábua de mortalidade é obter o número de indivíduos
(Px ) de cada idade (x ) e o correspondente número de óbitos anuais (Dx ). Para reduzir
o impacto de flutuações aleatórias no número de óbitos anuais, como atrás se referiu,
é normalmente considerado o número total de óbitos em vários anos consecutivos, obtendo-
se a partir dele a média anual. Neste caso, será considerado o número de óbitos durante
o triénio 2011-2013, usando-se como referência a população residente em Portugal a meio
desse triénio.

Esta informação permitirá o cálculo das taxas específicas de mortalidade (Mx ) para cada
idade, usando a expressão:
Dx
Mx =
Px

Exemplificando (Tabela 33), a taxa de específica de mortalidade para a idade de 4 anos será

D4 13
M4 = = = 0,00013097
P4 99260

em que o valor de D4 resulta da divisão por três – média aritmética – do número total (39) de
óbitos de crianças com 4 anos de idade durante o triénio em questão.

Passo 2: Calcular o quociente de mortalidade entre idades exatas (qx )

A taxa específica de mortalidade é seguidamente convertida na função básica26 de qualquer


tábua de mortalidade, o quociente de mortalidade (qx ), também designado probabilidade de
um indivíduo com idade x morrer antes de atingir a idade x + 1.

Na maioria dos casos, a conversão é efetuada mediante a aplicação da relação matemática (1)

Mx
qx = (1)
1 + 0,5 × Mx

26 É aliás bastante comum que as tábuas de mortalidade omitam as colunas iniciais com a população e os
óbitos reais, assim como as correspondentes taxas de mortalidade específicas, iniciando com o quociente de
mortalidade, por ser este o único parâmetro a ser usado no cálculo das seguintes colunas da tábua.

180
Assim, por exemplo, o quociente de mortalidade entre as idades dos 4 e dos 5 anos é dado por:

q4 = 0,00013097
= 0,00013096
1 + 0,5 × 0,00013097

Como se vê, o valor obtido é praticamente idêntico ao da taxa específica de mortalidade


para a idade dos 4 anos. A grande semelhança entre os dois valores não surpreenderá,
pois o termo em denominador é praticamente igual a 1, já que a parcela “0,5 × 0,00013097”
é muito pequena.

Porém, importa entender como foi deduzida a relação matemática utilizada, para
compreender o porquê da sua utilização. Como atrás se referiu, o quociente de mortalidade
é a probabilidade de um indivíduo morrer durante o ano de vida a que se refere. Por outras
palavras e usando o exemplo anterior, é a probabilidade de um qualquer indivíduo residente
em Portugal, que tivesse completado os 4 anos de idade no dia 1 de janeiro de 201227
(às 00h00), morrer entre essa data e o dia 31 de dezembro de 2012 (às 24h00). Admitindo
que o risco de ele morrer não é diferente do de outras pessoas da mesma idade, essa
probabilidade pode obter-se simplesmente dividindo o número de mortes de pessoas com
4 anos de idade ocorridas durante o ano de 2012 – em rigor, para minimizar as flutuações
aleatórias, utiliza-se antes a média anual de óbitos no triénio 2011-2013 – pela população
em risco, ou seja, todas as pessoas que a 1 de janeiro de 2012 tinham 4 anos de idade.

Assim, teríamos

q4 = D4
P4 (1.1.2012)

Porém, para sabermos qual a população que tinha completado 4 anos de idade no dia
1 de janeiro, temos de somar às pessoas que ainda permanecem vivas a meio do ano (que
é aquele de que dispomos, P4) o número de pessoas de 4 anos que faleceram no decorrer
desse meio ano. Admitindo que o risco de morrer é uniforme ao longo do 5º ano de vida,
podemos estimar esse número como sendo igual a metade dos óbitos ocorridos durante
esse ano e assim teremos

q4 = D4 D4
=
D P4 + 0,5 × D4
P4 + 4
2

Se dividirmos agora por P4 o numerador e o denominador da fração, obtemos por sua vez

D4
q4 = P4 M4
=
P4 + 0,5 × D4 1 + 0,5 × M4
P4

que é, nada mais, nada menos, a expressão (1).

27 O ano de 2012 é o ano central do triénio 2011-2013 para o qual se está a calcular a esperança de vida.

181
Por outro lado, como se referiu, na dedução da expressão do quociente de mortalidade
assumiu-se que o risco de morrer se encontra uniformemente distribuído ao longo de um
ano da vida, suposição que (tendo em conta que o intervalo de tempo é pequeno) não
introduz um apreciável erro na estimativa. Existe, contudo, uma exceção importante,
o primeiro ano de vida, visto que a mortalidade infantil tende a concentrar-se nos primeiros
meses ou semanas.

Assim, para o cálculo de quociente de mortalidade durante o primeiro ano de vida (q 0 ),


é frequente os serviços nacionais de estatística utilizarem expressões que têm em conta
a variação da mortalidade no decorrer desses 12 meses de vida iniciais. Outra alternativa
é usar como quociente de mortalidade a taxa de mortalidade infantil, uma vez que esta se
baseia na população no início e não a meio do ano.

Neste exemplo, à semelhança do procedimento adotado pelo INE, iremos utilizar a expressão
(2), que atribui maior peso às mortes nos primeiros meses de vida,

q0 = M0
(2)
1 + 2 × M0
3

obtendo como resultado

0,00305086
q0 = = 0,0030447
2
1+ × 0,00305086
3

Finalmente, como não é habitual dispor de valores suficientemente fiáveis dos efetivos
populacionais para idades individualizadas iguais ou superiores aos 85 anos, é comum
agrupá-los num grupo etário aberto (85 anos ou mais), para o qual o quociente de mortalidade
ou probabilidade de não sobrevivência (∞q 85) é, por definição, igual à unidade.

∞q 85 = 1

Passo 3: Calcular a probabilidade de sobrevivência entre idades exatas (px )

Para obter a probabilidade de um grupo de indivíduos de x idade sobreviverem até atingirem


a idade x +1, basta subtrair a 1 o valor do quociente de mortalidade anteriormente calculado.
É o complementar do quociente de mortalidade.

px = 1 − qx

As tábuas apresentadas terminam na idade dos 85 e mais anos, à qual corresponde


obviamente uma probabilidade de sobrevivência igual a 0.

No exemplo em questão, a probabilidade de sobreviver até fazer um ano de idade é dada por

p 0 = 1 − 0,00304467 = 0,99695533 ≈ 0,99696

182
Passo 4: Calcular o número de sobreviventes na idade x (lx)

O parâmetro lx representa o número de sobreviventes em determinada idade x da coorte


original de 100 000. O seu valor é obtido usando a probabilidade de sobrevivência entre
essa idade x e a idade imediatamente anterior (x − 1) e multiplicando-a pelo número de
sobreviventes de idade x − 1.

lx = lx − 1 × px − 1

Por definição, no momento do nascimento, o número de sobreviventes (l 0 ) é 100 000


e assim o número de sobreviventes ao atingir 1 ano de idade, no nosso exemplo, é

l1 = l 0 × p 0 = 100000 × 0,99696 = 99696

Ou seja, a esmagadora maioria da coorte (99,7%) permanece viva ao fim de um ano. Para
outras idades, parte-se do correspondente número de sobreviventes da idade anterior.
Assim, por exemplo, o número de sobreviventes com a idade de 40 anos é dado por

l40 = l 39 × p 39 = 98295 × 0,99883 = 98180

Repare-se que, aos 40 anos de idade, a proporção de sobreviventes ainda é quase 98,2%,
só descendo abaixo dos 50% na avançada idade de 84 anos.

Passo 5: Calcular o número de óbitos esperados entre as idades x e x + 1 (dx)

A função dx é obtida multiplicando o número de sobreviventes na idade x pela probabilidade


de um indivíduo com idade x morrer antes de atingir a idade x + 1, ou seja, o quociente de
mortalidade (qx).

dx = lx × qx

Em alternativa, pode-se simplesmente fazer a diferença entre o número de sobreviventes


em cada uma das idades x e x + 1.

dx = lx − lx + 1

Assim, por exemplo, o número de óbitos esperados entre os 3 e os 4 anos de idade,


na coorte de 100 000 de que se partiu, é dado por

d 3 = l3 × q3 = 99652 × 0,99986 = 14

ou, em alternativa, por

d3 = l 3 × l 4 = 99652 × 99638 = 14

Como seria de esperar, o número de óbitos esperados no grupo etário aberto dos 85 anos ou
mais é exatamente igual ao dos sobreviventes no início desse grupo etário. No final, a soma
dos óbitos esperados deverá perfazer 100 000 visto que toda a coorte terá de desaparecer.
Aliás, essa possibilidade de verificação dos cálculos efetuados é a principal vantagem que
advém de introduzir esta coluna.

183
Passo 6: Calcular o número médio de pessoas vivas entre as idades x e x + 1 (Lx )

Embora se disponha já do número de pessoas (de entre as 100 000 iniciais) que supostamente
atingiram cada uma das idades possíveis (lx), como se fez ver na fundamentação do cálculo
do quociente de mortalidade, é necessário ter em conta que entre duas idades exatas
consecutivas há uma diminuição gradual do número de sobreviventes.

Assim, e baseando-se igualmente na hipótese de a probabilidade ou risco de morrer ser


constante ao longo de cada ano de idade, o número médio de pessoas vivas (de entre as
100 000 da coorte fictícia inicial) entre duas idades consecutivas x e x +1, representado por
Lx , pode ser obtido fazendo a média aritmética do número de sobreviventes lx e l x+1 nessas
duas idades.

Lx = 1 × ( lx + lx + n )
2

Como seria de esperar, para o cálculo do número médio de pessoas vivas durante
o primeiro ano de vida usa-se uma fórmula ligeiramente diferente que dá um peso maior aos
sobreviventes à idade exata de 1 ano, visto que a mortalidade infantil tende a concentrar-se
nos primeiros dias/semanas de vida. Na metodologia seguida pelo INE, é dado o peso de
2/3 aos sobreviventes no final do ano e apenas 1/3 aos 100 000 indivíduos recém-nascidos
– expressão (3). Outras entidades optam por pesos ligeiramente diferentes.

L 0 = ( lx + 2 × l 1 ) ÷ 3 (3)

No exemplo em apreço, o número de sobreviventes entre o nascimento e o 1º ano de vida


será então

L 0 = ( 100000 + 2 × 99696 ) ÷ 3 = 99797

Por último, a expressão matemática que permite o cálculo do número médio de pessoas
vivas para o grupo etário final (85 anos e mais) corresponde ao quociente entre número de
sobreviventes no início desse grupo etário e a taxa específica de mortalidade por idade para
esse grupo

L 85
∞L 85 =
∞M 85

que, no exemplo que temos vindo a seguir, dá

45382
∞L 85 = = 292542
0,15513069

184
Passo 7: Calcular os anos completos que se espera serem vividos a partir da idade x (Tx )

A penúltima coluna da tábua de mortalidade informa-nos, para cada idade x e em função


do número de pessoas inicialmente com essa idade (lx ), o total de anos completos que
se espera serem vividos a partir dessa idade. Essa função (Tx ) obtém-se fazendo a soma
dos valores de Lx a partir dessa idade, uma vez que essa soma representa a distribuição
esperada de sobreviventes, em cada uma das idades iguais ou posteriores à idade x,
da coorte inicial de indivíduos com essa idade.


Tx = ∑ Lx + i
i=0

Por exemplo, o total de anos que se espera viver a partir dos 75 anos de idade será dado por

T 75 = L 75 + L 76 + L 77 + L 78 + L 79 + L 80 + L 81 + L 82 + L 83 + L 84 + ∞L 85
= 74166 + 72111 + 69870 + 67362 + 64654 + 61760 + 58643 + 55224 + 51435
+ 47419 + 292542 = 915184

Note-se que o valor de T 0 tem forçosamente de ser igual à soma de todos os valores que
compõem a coluna L x .

Passo 8: Calcular a esperança de vida à idade x (ex)

A coluna final da tábua de mortalidade fornece o número de anos de vida que os indivíduos
de idade x poderão esperar viver, ou seja, por outras palavras, a sua esperança de vida (ex )
ao atingirem essa idade. Calcula-se fazendo o quociente entre o total de anos se espera
ainda viver (Tx ) e o número de pessoas inicialmente com nessa idade (lx ).

Tx
ex =
lx

No exemplo em questão, a esperança de vida ao nascimento é dada por

T0 8 071 292
e0 = = = 80,71 anos
l0 100 000

ao passo que a esperança de vida na idade de 65 anos é dada por

T65 1 739 328


e 65 = = = 19,78 anos
l 65 87 946

CONSTRUÇÃO DE TÁBUAS DE MORTALIDADE ABREVIADAS

Como atrás se referiu, o uso de tábuas de mortalidade abreviadas é comum quando não
se dispõe de quantitativos populacionais (ou óbitos) para cada idade individualmente
considerada, mas apenas para grupos etários, normalmente quinquenais. Essa situação
é frequente em países com registos populacionais pouco sistemáticos ou fiáveis ou quando

185
a unidade geográfica pretendida é pequena (por exemplo, município), muitas vezes em
virtude da aplicação de regras de confidencialidade dos registos de base populacional.

O processo de cálculo é em tudo semelhante ao adotado nas tábuas completas, embora


a circunstância de se lidar com grupos etários e não idades individuais obrigue a pequenas
adaptações na simbologia e nas expressões matemáticas e processos de cálculo utilizados.
Por esse motivo, a sequência de passos que conduzem ao preenchimento das colunas
será apresentada de uma forma bastante mais sucinta, apenas se detendo nas alterações
introduzidas no procedimento adotado para as tábuas completas.

Antes do mais, é costume inserir uma coluna adicional contendo a dimensão do grupo etário
(n), parâmetro que será incorporado na simbologia das diferentes funções calculadas. Como
atrás, construir-se-á a tábua de mortalidade (neste caso, abreviada) para ambos os sexos
para Portugal (2011-2013) (Tabela 34).

Tabela 34. Tábua de mortalidade abreviada para ambos os sexos, Portugal (2011-2013)
(Fonte de dados: INE).

Total de anos completos vividos com idade


Número médio de pessoas vivas entre as
Taxa específica de mortalidade por idade

Sobreviventes em 100 000 nados-vivos


Óbitos reais no período considerado
População real a meio do período

Probabilidade de sobrevivência

Esperança de vida à idade x


Dimensão do grupo etário

Quociente de mortalidade

Óbitos esperados

idades x e x +n
Idade exata

na idade x

x ou mais
Grupo etário

x n nPx nD x n Mx nq x np x lx n dx nL x Tx ex

0 0 1 92651,5 848 0,00305086 0,00304467 0,99696 100000 304 99797 8068018 80,68

1-4 1 4 392805,5 207 0,00017566 0,00070239 0,99930 99696 70 398642 7968221 79,93

5-9 5 5 518698,5 167 0,00010732 0,00053646 0,99946 99626 53 497994 7569578 75,98

10 - 14 10 5 557395,0 181 0,00010824 0,00054106 0,99946 99572 54 497726 7071585 71,02

15 - 19 15 5 555048,0 409 0,00024562 0,00122737 0,99877 99518 122 497286 6573859 66,06

20 - 24 20 5 576202,5 703 0,00040669 0,00203136 0,99797 99396 202 496475 6076573 61,13

25 - 29 25 5 622196,5 852 0,00045645 0,00227964 0,99772 99194 226 495405 5580098 56,25

30 - 34 30 5 732700,5 1377 0,00062645 0,00312735 0,99687 98968 310 494066 5084693 51,38

35 - 39 35 5 829560,5 2423 0,00097361 0,00485622 0,99514 98658 479 492095 4590626 46,53

40 - 44 40 5 782545,0 3881 0,00165315 0,00823174 0,99177 98179 808 488876 4098532 41,75

45 - 49 45 5 775940,5 6216 0,00267031 0,01326300 0,98674 97371 1291 483627 3609655 37,07

50 - 54 50 5 740058,0 8995 0,00405148 0,02005430 0,97995 96080 1927 475582 3126028 32,54

55 - 59 55 5 678399,5 11539 0,00566972 0,02795238 0,97205 94153 2632 464185 2650446 28,15

60 - 64 60 5 640516,0 15217 0,00791914 0,03882699 0,96117 91521 3553 448722 2186260 23,89

65 - 69 65 5 553882,0 19745 0,01188280 0,05769989 0,94230 87968 5076 427149 1737538 19,75

70 - 74 70 5 481443,5 28060 0,01942769 0,09263903 0,90736 82892 7679 395262 1310389 15,81

75 - 79 75 5 435001,0 44469 0,03407578 0,15700385 0,84300 75213 11809 346543 915127 12,17

80 - 84 80 5 309045,5 59634 0,06432063 0,27705263 0,72295 63404 17566 273105 568584 8,97

85 - ∞ 85 ∞ 240754,0 112045 0,15513069 1 0 45838 45838 295479 295479 6,45

SOMAS 100000 8068018

186
Passo 1: Calcular taxas específicas de mortalidade por idade (nMx)

O cálculo das taxas específicas de mortalidade ( nMx) para cada grupo etário apenas difere
do adotado nas tábuas completas na medida em que, quer a população real a meio do
período considerado (no exemplo em causa, 2011-2013), quer os óbitos ocorridos, dizem
respeito ao grupo etário e não a uma idade individual, pelo que a expressão a utilizar apenas
difere da anterior na introdução do símbolo n.

nD x
n Mx =
nPx

Exemplificando com o grupo etário dos 25- 29 anos, teremos

5D25 284
5M25 = = = 0,00045645
5P25 622 196,5

em que o valor de 5D25 resulta da divisão por três – média aritmética - do número total (852)
de óbitos de pessoas com 25 – 29 anos durante o triénio em questão.

Passo 2: Calcular o quociente de mortalidade entre as idades exatas x e x +n (nqx)

Nas tábuas abreviadas, o quociente de mortalidade (n qx) representa a probabilidade de um


indivíduo com idade x morrer antes de atingir a idade x + n, sendo n o tamanho do respetivo
grupo etário, podendo (tal como nas tábuas completas) ser calculado a partir das taxas
específicas de mortalidade, mediante a aplicação de relações de conversão adequadas.

Na generalidade dos grupos etários, a conversão é efetuada mediante a aplicação da relação


matemática (4)

n × nMx
nqx = (4)
1 + 0,5 × n × nMx

em que a multiplicação das taxas específicas de mortalidade por n tem em conta que as
primeiras são anuais, enquanto o grupo etário tem uma dimensão superior.

Exemplificando com as idades 30 e 35 anos, teremos

5 × 5M 30 5 × 0,00062645
5q 30 = = = 0,00312735
1 + 0,5 × 5 × 5M 30 1 + 0,5 × 5 × 0,00062645

No caso do primeiro e do último grupo etário, o processo de cálculo é em tudo idêntico ao


adotado nas tábuas completas, adotando-se para o primeiro a expressão (5)

187
1M 0
1q 0 = (5)
1 + 2 = 1M 0
3

e tendo o último, por definição, valor unitário.

Passo 3: Calcular a probabilidade de sobrevivência entre as idades exatas x e x +n (n px)

Tal como antes, obtém-se subtraindo a 1 o correspondente quociente de mortalidade

n px = 1 − n qx

Passo 4: Calcular o número de sobreviventes na idade x (lx )

De modo idêntico ao adotado nas tábuas completas, este cálculo pressupõe multiplicar entre
si o número de sobreviventes do grupo etário imediatamente anterior e a probabilidade de
sobrevivência durante o grupo etário correspondente.

lx = lx − 1 × n px −1

O valor inicial da função, correspondente ao momento do nascimento, é novamente 100 000.

Passo 5: Calcular o número de óbitos esperados entre as idades x e x +n (ndx )

De modo idêntico à função equivalente nas tábuas completas, o número de óbitos


esperados obtém-se simplesmente multiplicando o número de sobreviventes na idade x
pela probabilidade de probabilidade de um indivíduo com idade x morrer antes de atingir
a idade x+n, ou seja, o quociente de mortalidade.

nd x = l x × nqx

Passo 6: Calcular o número médio de pessoas vivas entre as idades x e x e x +n (nLx )

O número médio de pessoas vivas entre duas idades consecutivas x e x+n , nLx , também
se baseia na média aritmética do número de sobreviventes lx e lx+n nessas duas idades,
multiplicada pela diferença (n ) entre as duas idades.

nL x = 1 × ( lx + lx+n ) (6)
2

O valor é multiplicado pela amplitude do intervalo, uma vez que em cada grupo etário
existem várias coortes (no grupo etário dos 1-4 anos, existem quatro coortes diferentes;
nos seguintes, cinco), representando este valor o número total de sobreviventes das várias
coortes.

Exemplificando para o grupo etário dos 30-34 anos, teríamos

5L30 = 1 × ( l30 + l35 ) × 5 = 1 × ( 98968 + 98658 ) × 5 = 494066


2 2

188
Para se compreender melhor o que esse valor representa, admitindo que os 310 óbitos
esperados28 se distribuíram de maneira uniforme pelos cinco anos que compõem o grupo
etário, ou seja, morrendo 62 pessoas durante cada ano de idade e a meio dele estando
ainda vivas 31 dessas pessoas (isto é, metade), os 98 968 indivíduos iniciais (com 30 anos
exatos) dariam lugar a uma população média de 98 937 pessoas com 31 anos de idade, 98
875 com 32 anos, 98 813 com 33 anos, 98 751 com 34 anos e, finalmente, 98 689 com 35
anos.

Somando os efetivos dessas cinco coortes, obtém-se para número médio de pessoas
vivas desse grupo etário, 494 065, ou seja, exatamente o mesmo28 resultado obtido com
a expressão (6).

Para o cálculo do número de sobreviventes no primeiro ano de vida e no último grupo


etário (neste exemplo, os maiores de 85 anos) usa-se expressões análogas às das tábuas
completas:

l85
L 0 = ( lx + 2 × l 1 ) ÷ 3 e ∞L 85 =
∞M85

Passo 7: Calcular os anos completos que se espera serem vividos a partir da idade x (Tx )

Tal como antes, esta obtém-se simplesmente somando o número médio de pessoas vivas
em cada grupo etário com idade igual ou superior a x.


Tx = ∑ nLx+n
i=0

Assim, o total de anos que se espera viver a partir dos 50 anos de idade será dado por

T50 = 5L50 + 5L55 + 5L60 + 5L65 + 5L70 + 5L75 + 5L80 + ∞5L85 = 475582 +
4641185 + 448722 + 427149 + 395262 + 346543 + 273105 + 295489 = 3126028

Passo 8: Calcular a esperança de vida à idade x (ex)

De modo idêntico ao das tábuas completas, obtém-se fazendo o quociente entre o número
de anos de vida completos que se espera que vivam a partir da idade x (Tx ) e o número de
sobreviventes nessa idade (lx ):

Tx
ex =
lx

No exemplo em questão, a esperança de vida ao nascimento é dada por

T0 8 068 018
e0 = = = 80,68 anos
l0 100 000

valor que, por sinal, não difere sensivelmente do obtido recorrendo à tábua completa.

28 O valor exato de 5d 30 não é 310, mas sim 309,51, o que introduz uma ligeira diferença nos valores
apresentados, como resultado dos arredondamentos.

189
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

Bellhouse, D. (2011). A new look at Halley's life table. Journal of the Royal Statistical
Society. Series A (Statistics in Society), 174 (3), 823-832.

Birch, T. (Ed.). (1759). Collection of Yearly Bills of Mortality, from 1657 to 1758 Inclusive.
A. Miller.

Carrilho, M. J., & Patrício L. (2011). Tábuas de Mortalidade em Portugal. Revista de


Estudos Demográficos, 36, 41-69.

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt

Nazareth, J. M. (2007). Demografia: a ciência da população. Editorial Presença.

OMS (2014). World Health Organisation.


https://www.who.int/healthinfo/statistics

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S., & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

190
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f

1. Utilizando os dados da tabela abaixo, construa as tábuas de mortalidade completas


para Portugal (2011-2013), para homens e mulheres separadamente, e obtenha as
correspondentes estimativas da esperança de vida à nascença.

Mx Mx
Idade exata Idade exata
Homens Mulheres Homens Mulheres

0 0,00332965 0,00274212 43 0,00245278 0,00111441


1 0,00028180 0,00021568 44 0,00290434 0,00127996
2 0,00023494 0,00013156 45 0,00311194 0,00129789
3 0,00017919 0,00009736 46 0,00341976 0,00141424
4 0,00013757 0,00012402 47 0,00378463 0,00166718
5 0,00013100 0,00010938 48 0,00421690 0,00172149
6 0,00006950 0,00010614 49 0,00468406 0,00179044
7 0,00012456 0,00008536 50 0,00496988 0,00202874
8 0,00010540 0,00010423 51 0,00542035 0,00206159
9 0,00009721 0,00014114 52 0,00604063 0,00212647
10 0,00009072 0,00010253 53 0,00678097 0,00253793
11 0,00011038 0,00010436 54 0,00684010 0,00253880
12 0,00013574 0,00005329 55 0,00741979 0,00284740
13 0,00013353 0,00006658 56 0,00770253 0,00304197
14 0,00018296 0,00009807 57 0,00856634 0,00326156
15 0,00024230 0,00016063 58 0,00895828 0,00342973
16 0,00023075 0,00012512 59 0,00917315 0,00368321
17 0,00026163 0,00015030 60 0,00981396 0,00393199
18 0,00046956 0,00017051 61 0,01054135 0,00455261
19 0,00040374 0,00021842 62 0,01159564 0,00473076
20 0,00051404 0,00023957 63 0,01193906 0,00520856
21 0,00052392 0,00019759 64 0,01344418 0,00570222
22 0,00061135 0,00021635 65 0,01509846 0,00629082
23 0,00067610 0,00022782 66 0,01522626 0,00656230
24 0,00061105 0,00023755 67 0,01707369 0,00720744
25 0,00070157 0,00025817 68 0,01901460 0,00841657
26 0,00064953 0,00019638 69 0,02011283 0,00924255
27 0,00067548 0,00030424 70 0,02268146 0,01014567
28 0,00062359 0,00028046 71 0,02346226 0,01181656
29 0,00065147 0,00024002 72 0,02656151 0,01298237
30 0,00083823 0,00031636 73 0,02975246 0,01480191
31 0,00077299 0,00035630 74 0,03322993 0,01749389
32 0,00075444 0,00034307 75 0,03751637 0,01911391
33 0,00103303 0,00037562 76 0,03888247 0,02234191

191
34 0,00107872 0,00043251 77 0,04609231 0,02535119
35 0,00114212 0,00050017 78 0,05223472 0,03032665
36 0,00130701 0,00049717 79 0,05638490 0,03387108
37 0,00133185 0,00056070 80 0,06358542 0,03897183
38 0,00150392 0,00064947 81 0,07129481 0,04442873
39 0,00169303 0,00067798 82 0,08467372 0,05397082
40 0,00180102 0,00082381 83 0,09872883 0,06436540
41 0,00215755 0,00082123 84 0,10960759 0,07272958
42 0,00240413 0,00099952 85+ 0,17774613 0,14459005
Fonte dos dados: INE

2. Abaixo apresenta-se a tábua de mortalidade portuguesa abreviada para ambos os sexos


1990-1991, com algumas células deliberadamente vazias. Transcreva ou calcule os
seguintes indicadores:

 2.1. Esperança de vida à idade exata de 65 anos.

 2.2. Probabilidade de morrer entre as idades exatas de 40 e 45 anos.

 2.3. Óbitos esperados entre o nascimento e o primeiro ano de vida.

 2.4. Número total de óbitos esperados.

 2.5. População total com idade de 55 ou mais.

 2.6. Número médio de sobreviventes entre idades exatas de 50 e 55 anos de idade.

Idade exata
no início do nqx npx lx ndx nLx Tx ex
grupo etário
0 0,01082 0,98918 99 279 7 408 808
1 0,00306 0,99694 395 067 7 309 529
5 0,00200 0,99800 492 583 6 914 463
10 0,00202 0,99798 199 491 593 6 421 879
15 0,00485 0,99515 98219 476 489 905 5 930 286
20 0,00629 0,99371 97743 615 487 178 5 440 380
25 0,00673 0,99327 97128 654 484 006 4 953 203
30 0,00765 0,99235 96474 738 480 527 4 469 196
35 0,0092 0,99080 95736 881 476 480 3 988 669
40 0,98780 94856 1157 471 385 3 512 189
45 0,01786 0,98214 93698 1673 464 308 3 040 804
50 0,02745 0,97255 92025 2526 2 576 496
55 0,04174 0,95826 438 155 2 122 686
60 0,06308 0,93692 415 291 1 684 531
65 0,09921 0,90079 80353 381 837 1 269 240
70 0,15945 0,84055 72381 333 054 887 404
75 0,26999 0,73001 60840 263 135 554 350
80 0,42849 0,57151 44414 174 492 291 214
85+ 1 0 25383 116 722 116 722
Fonte: Adaptado de Carrilho & Patrício (2004)

192
3. Com base nas taxas específicas de mortalidade por grupo etário fornecidas referentes
à população de Espanha entre 2013-2015 e nas instruções fornecidas ao longo deste
capítulo, construa a tábua de mortalidade correspondente de forma a obter os valores da
esperança de vida à nascença.

Grupo etário nMx

0 0,002779408

1-4 0,000138399

5-9 0,000082222

10 - 14 0,000088508

15 - 19 0,000175846

20 - 24 0,000262017

25 - 29 0,000298119

30 - 34 0,000387885

35 - 39 0,000559185

40 - 44 0,000979592

45 - 49 0,001804817

50 - 54 0,003030630

55 - 59 0,004717077

60 - 64 0,006974919

65 - 69 0,010277493

70 - 74 0,015996027

75 - 79 0,028554689

80 - 84 0,052351804

85+ 0,133614865

Fonte dos dados: Instituto Nacional de Estatística de Espanha

193
CAPÍTULO 11:
SAÚDE E MORBILIDADE

ESPERANÇA DE VIDA SAUDÁVEL

Uma das principais limitações do indicador esperança de vida (para além da possibilidade
de ser mal interpretado e da dificuldade do seu cálculo para pequenas áreas geográficas)
prende-se com o facto de nada dizer sobre se os anos de vida que se espera ainda viver
serão vividos ou não com saúde.

Com o intuito de medir o tempo que se espera ainda viver livre de doenças e de incapacidades,
foram desenvolvidos os indicadores esperança de vida saudável (HLE, healthy life expectancy
ou healthy life years) e esperança de vida livre de incapacidade (DALY, disability-free life
years ou disability-free life expectancy). Em ambos, o enfoque deixa de ser apenas na
quantidade de anos vividos, mas principalmente na qualidade com que são vividos.

Na Tabela 35 compara-se a esperança de vida à nascença em Portugal e a correspondente


esperança de vida saudável. Em Portugal, em 2014 e nas mulheres, a esperança de vida
saudável à nascença era de apenas 55,4 anos (menos de 2/3 dos anos de vida esperados),
uma das mais baixas da Zona Euro.

194
Tabela 35. Esperança de vida e esperança de vida saudável em Portugal (2014)
(Fonte dos dados: EUROSTAT).

Esperança de vida (anos) Esperança de vida saudável (anos) % de anos de vida saudáveis

Mulheres 84,4 55,4 65,7%

Homens 78,0 58,3 74,8%

As esperanças de vida saudáveis são normalmente calculadas através do método de Sullivan


(Sullivan, 1971), tendo por base a tábua de mortalidade abreviada, combinada com um
elemento adicional: a proporção de indivíduos com boa ou má saúde em cada grupo etário.

Esta informação, na Europa, provém do “European Union Statistics on Income and Living
Conditions” (EU-SILC), já mencionado antes, e mais concretamente das questões acerca de:

Limitações auto-percebidas nas atividades diárias – conceito operacionalizado por


meio do indicador GALI (GALI – Global Activity Limitation Indicator), para averiguar se
o inquirido tem há 6 ou mais meses as suas capacidades limitadas para fazer atividades
consideradas habituais para a generalidade das pessoas, devido a um problema de
saúde. As três categorias de resposta possíveis são: “Sim, severamente limitadas”,
“Sim, algo limitadas”, “Não”.

Presença de doença crónica - conceito operacionalizado através de uma pergunta


questionando se o inquirido sofre de uma doença ou problema de saúde prolongado
(de duração igual ou superior a 6 meses, sendo a resposta dicotómica (“Sim”, “Não”).

Auto-percepção do estado de saúde - conceito é operacionalizado através de questão


sobre como o inquirido considera o seu estado de saúde (“Muito bom”, “Bom”, “Razoável”,
“Mau” e “Muito mau”). Considera-se saudável quem respondeu “Muito bom”, “Bom”
ou “Razoável”.

Obtida esta informação, a esperança de vida saudável é determinada seguindo quatro


passos simples, cuja aplicação ao exemplo usado no capítulo anterior se pode apreciar na
Tabela 36.

195
Tabela 36. Exemplificação do cálculo da esperança de vida saudável para Portugal 2011-2013
(Fonte dos dados: INE & EUROSTAT).

vivas entre as idades x e x +n

Prevalência de incapacidade

Total de anos completos vividos


Esperança de vida à idade x

Esperança de vida saudável


sem incapacidade entre idades
Número médio de pessoas

Anos completos vividos sem


incapacidade entre idades

% anos saudáveis
Idade exata
Grupo etário

exatas

exatas
x nLx ex π HLE %HLE

0 0 99797 80,68 0,000 99797 5954244 59,5 73,8

1-4 1 398642 79,93 0,000 398642 5854447 58,7 73,5

5-9 5 497994 75,98 0,000 497994 5455805 54,8 72,1

10 - 14 10 497726 71,02 0,000 497726 4957811 49,8 70,1

15 - 19 15 497286 66,06 0,069 462973 4460085 44,8 67,8

20 - 24 20 496475 61,13 0,069 462219 3997112 40,2 65,8

25 - 29 25 495405 56,25 0,097 447351 3534894 35,6 63,3

30 - 34 30 494066 51,38 0,119 435272 3087543 31,2 60,7

35 - 39 35 492095 46,53 0,155 415820 2652270 26,9 57,8

40 - 44 40 488876 41,75 0,155 413101 2236450 22,8 54,6

45 - 49 45 483627 37,07 0,257 359335 1823350 18,7 50,5

50 - 54 50 475582 32,54 0,325 321018 1464014 15,2 46,8

55 - 59 55 464185 28,15 0,405 276190 1142997 12,1 43,1

60 - 64 60 448722 23,89 0,405 266990 866807 9,5 39,6

65 - 69 65 427149 19,75 0,563 186664 599817 6,8 34,5

70 - 74 70 395262 15,81 0,563 172730 413153 5,0 31,5

75 - 79 75 346543 12,17 0,715 98765 240423 3,2 26,3

80 - 84 80 273105 8,97 0,715 77835 141659 2,2 24,9

85 - ∞ 85 295479 6,45 0,784 63824 63824 1,4 21,6

SOMAS 8068018 5954244

Passo 1: Adicionar à tábua de mortalidade informação acerca da prevalência de


incapacidade (ou outra condição de saúde não saudável) (π)

Para cada grupo etário (e sexo), é necessário incluir a prevalência de incapacidade no


período em estudo. Normalmente essa informação, para além de não estar discriminada por
grupos etários quinquenais, o que pode levar à necessidade de fazer interpolação dos dados
em falta, não se encontra disponível para pessoas com idade inferior a 16 anos. Assim, para
os mais jovens, assume-se uma prevalência da incapacidade nula.

Passo 2: Calcular o número de anos completos vividos sem incapacidade entre idades
exatas

Este valor é obtido multiplicando a proporção de pessoas livres de incapacidade ( 1 − π )


pelo número de sobreviventes entre idades exatas (nLx ):

( 1 − π ) × nLx

196
Passo 3: Calcular o total de anos completos vividos sem incapacidade em idades
exatas

À semelhança do procedimento adotado no cálculo da esperança de vida (Capítulo 10),


é feito o somatório dos valores da coluna construída no passo anterior, a partir de cada um
dos grupos etários, o que equivale à utilização da seguinte expressão matemática:

∑ (( 1 − π ) × n Lx )

Passo 4: Calcular a esperança de vida saudável (HLEx)

Também como no cálculo da esperança de vida, o valor da esperança de vida saudável para
uma determinada idade exata x é obtido dividindo o total de anos completos vividos sem
incapacidade em idades exatas, pelo número de sobreviventes nessa idade (n Lx ), o que
equivale à utilização da seguinte expressão matemática:

∑ (( 1 − π ) × nLx )
lx

Finalmente, pode-se ainda estimar a proporção de anos vividos de forma saudável (última
coluna), dividindo entre si os valores da esperança de vida saudável e da esperança de vida:

HLEx
× 100
ex

PREVALÊNCIA E INCIDÊNCIA

Antes de passarmos à explicação de alguns dos indicadores sumários mais utilizados para
medir a carga de doença na população, nomeadamente os anos de vida perdidos por morte
prematura, por incapacidade e os DALY (Disability Adjusted Life Years), é fundamental
precisar com maior rigor duas medidas epidemiológicas muito utilizadas e que servem de
base para o cálculo destes indicadores. Essas medidas são a prevalência e a incidência.

A prevalência pode ser definida como o número de pessoas afetadas numa população, num
dado momento, dividido pelo número de pessoas dessa população nesse mesmo momento,
ou seja, a proporção da população afetada pela doença naquele momento.

Número de pessoas afetadas nt


Pt × =
Número total de pessoas Nt

Em que é que a prevalência difere da outra medida habitualmente usada, a incidência?

A prevalência é uma espécie de fotografia da população num dado momento, em que vemos
quem tem a doença e quem não tem. Não tem em conta quando a doença se desenvolveu
(alguns indivíduos podem ter desenvolvido a doença ontem, outros há 20 anos atrás), nem
portanto a sua duração. Consequentemente, o numerador da expressão anterior inclui uma

197
miscelânea de pessoas cuja doença se desenvolveu em diferentes épocas, pelo que não
é uma verdadeira medida do risco. Se o quisermos medir, teremos de usar a incidência,
porque esta inclui apenas os novos casos, num período específico durante o qual estes
eventos ocorreram.

O que pode fazer variar a prevalência? O seu valor aumenta através do aumento da
incidência, ou seja, adicionando novos casos. A prevalência pode, porém, também diminuir,
devido à morte ou à cura dos doentes (em menor escala, pode dever-se ainda à longa
duração da doença, à emigração de saudáveis/imigração de casos, à melhoria dos meios
de diagnóstico e ao aumento da declaração). A cura e a morte têm exatamente o mesmo
efeito sobre a prevalência. Há assim uma situação dinâmica, em que o surgimento contínuo
de novos casos (incidência) aumenta a prevalência, enquanto a morte ou a cura a fazem
diminuir (Tabela 37).
Tabela 37. Causas do aumento ou diminuição da prevalência.

Aumento Diminuição

• Longa duração da doença • Curta duração da doença

• Aumento da sobrevida (sem cura) • Alta letalidade

• Aumento da incidência • Diminuição da incidência

• Imigração de casos • Emigração de casos

• Emigração de saudáveis • Imigração de saudáveis

• Melhoria dos meios de diagnóstico • Aumento da taxa de cura

• Aumento da declaração da doença

Esta questão da diminuição da prevalência é um aspeto importante na saúde pública


e na medicina clínica. Por vezes, a introdução de certas medidas induz um aumento da
prevalência, o que não significa que estas tenham sido malsucedidas, pois conseguiram
prevenir a morte, acontecimento que fazia cair o valor da prevalência.

Por sua vez, a incidência, como vimos, mede a frequência com que surgem novos casos.
A taxa de incidência de uma doença é calculada dividindo o número de novos casos de
doença ocorridos durante um período específico de tempo pelo número de pessoas que
compõem uma população em risco de desenvolver a doença, no mesmo intervalo de tempo.

Definida deste modo, a taxa de incidência (It ) é uma medida de risco associada a uma
população ou ao subgrupo desta29 que pode desenvolver a doença: escalão etário, sexo,
exposta a determinado fator ambiental, etc. Tal reflete-se no denominador da taxa, onde
(a par da duração da exposição, normalmente expressa em anos) surge o número de
pessoas em risco de desenvolver a doença, ou seja, pessoas que poderão ser contadas
também no numerador.

29 Na taxa de incidência do cancro da próstata, em denominador surge apenas a população masculina.

198
Nº de eventos novos durante um intervalo de tempo (n) n
It × =
Nº de pessoas em risco (N) × duração da exposição (D) N ×D

No caso comum de nem todas as pessoas estarem expostas ou serem monitorizadas


ao longo de todo o período, o denominador consistirá num somatório de produtos “pessoas
× tempo”.

Existe uma relação entre a incidência e a prevalência, aproximadamente válida para uma
situação estável, em que as taxas se mantêm e a emigração é igual à imigração

P = I ×D

sendo, portanto, possível estimar a duração média da doença (D) dividindo a prevalência
pela incidência.

Atenção que, nesse cálculo, a unidade de tempo em que vem expressa a duração média da
doença é determinada pela unidade da taxa de incidência – por exemplo, se este for uma
taxa anual, a duração será também em anos. Por outro lado, há que ter em atenção que
as duas taxas terão de ser expressas de modo idêntico – ambas por mil ou por 100 mil, por
exemplo.

ANOS DE VIDA POTENCIALMENTE PERDIDOS

Uma forma indireta de quantificar o impacto das doenças na esperança de vida faz uso do
indicador Anos de Vida Potencialmente Perdidos (AVPP; em inglês YLL, Years of Life Lost),
que estima o número de anos de vida não vividos porque a morte ocorreu prematuramente.
Este indicador é um complemento importante à informação sobre taxas de mortalidade.
O total de AVPP pode ser calculado por causa, sexo, região, fator de risco ou outra variável
de interesse.

Para aumentar a comparabilidade do indicador, em vez de exprimir os AVPP/YLL em


termos absolutos, é normal calcular taxas por 1000 habitantes ou proporções em relação
ao total. Existem dois métodos de cálculo dos AVPP: um usa o limite arbitrário de 70 anos,
considerando prematuras as mortes ocorridas antes, outro tem por base a esperança de
vida à idade do óbito.

Método usando o limiar etário dos 70 anos

De acordo com o primeiro método - o mais simples - os AVPP/YLL obtêm-se multiplicando


o número óbitos ocorridos (globais ou por uma dada causa) numa determinada idade (ou,
mais frequentemente, grupo etário), por sexo ou globalmente, pelo número de anos que
faltariam para atingir os 70 anos, se a morte não tivesse ocorrido, como se demonstra na
Tabela 38. Enumeram-se a seguir os passos:

199
Tabela 38. Exemplificação do cálculo dos AVPP/YLL (Portugal, 2011-2013, ambos os sexos) com
base na diferença entre a idade do óbito e o limite de 70 anos (Fonte dos dados: INE).

Anos que faltaria viver até aos


Dimensão do grupo etário

Óbitos anuais no grupo etário

período (até aos 70 anos)


População real a meio do
Óbitos reais no período

AVPP/YLL no grupo etário


Idade média da morte
considerado
Idade exata
Grupo etário

70 anos
x n nD x n Px

0 0 1 848 0,5 69,5 283 19645 92651,5

1-4 1 4 207 3,0 67,0 69 4623 392805,5

5-9 5 5 167 7,5 62,5 56 3479 518698,5

10 - 14 10 5 181 12,5 57,5 60 3469 557395

15 - 19 15 5 409 17,5 52,5 136 7158 555048

20 - 24 20 5 703 22,5 47,5 234 11131 576202,5

25 - 29 25 5 852 27,5 42,5 284 12070 622196,5

30 - 34 30 5 1377 32,5 37,5 459 17213 732700,5

35 - 39 35 5 2423 37,5 32,5 808 26249 829560,5

40 - 44 40 5 3881 42,5 27,5 1294 35576 782545

45 - 49 45 5 6216 47,5 22,5 2072 46620 775940,5

50 - 54 50 5 8995 52,5 17,5 2998 52471 740058

55 - 59 55 5 11539 57,5 12,5 3846 48079 678399,5

60 - 64 60 5 15217 62,5 7,5 5072 38043 640516

65 - 69 65 5 19745 67,5 2,5 6582 16454 553882

70 - 74 70 5 28060 72,5 0 9353 0 0

75 - 79 75 5 44469 77,5 0 14823 0 0

80 - 84 80 5 59634 82,5 0 19878 0 0

85 - ∞ 85 ∞ 112045 - 0 37348 0 0

SOMAS 342279 9048600


AVPP/YLL
(/1000) 37,83

1. Listar o número de óbitos30 por grupo etário.

2. Estimar a idade média da morte31 para cada grupo etário, somando ao ano inicial metade
da sua dimensão.

3. Obter, para cada grupo etário, o número de anos que faltariam para atingir os 70 anos,
subtraindo aos 70 anos a idade média da morte desse grupo etário.

4. Calcular o número de AVPP/YLL em cada grupo etário, multiplicando os anos que


faltariam para atingir os 70 anos pelo número de óbitos ocorridos anualmente nesse
grupo etário.

30 Se partirmos (como é o caso) de uma tábua de mortalidade, em que se usa o número de óbitos de um
triénio, torna-se necessário dividi-los por 3.
31 A média aritmética entre as idades iniciais de cada grupo etário e do grupo etário subsequente é uma
medida aproximada da idade média a que ocorrem as mortes no grupo etário, na falta de dados mais exatos.
A aproximação é bastante razoável, com a única exceção do primeiro ano de vida.

200
5. Finalmente, obter os AVPP/YLL totais, somatório dos valores dos vários grupos etários.

6. Adicionalmente, calcular a correspondente taxa (normalmente expressa por 1000


habitantes), dividindo os AVPP/YLL totais pelo efetivo total da população até aos 70
anos.

Recorda-se que, embora se tenha exemplificado com a tábua de mortalidade de Portugal


2011-2013, este método não requer a construção de uma tábua de mortalidade, bastando
dispor do número de mortes ocorridas por grupo etário para o ano em questão e, no caso de
se pretender a correspondente taxa, os efetivos populacionais de cada grupo etário.

Por outro lado, quando se pretende comparar causas de morte, também é comum dividir
os AVPP/YLL associados a cada causa – em cujo cálculo apenas são utilizados os óbitos
associados a essa causa – pelos AVPP/YLL totais, obtendo assim a proporção atribuível
a cada causa.

Método usando a esperança de vida

Embora o Instituto Nacional de Estatística use a metodologia anterior para estimar os anos
de vida perdidos, os AVPP/YLL são normalmente calculados com base na esperança de
vida, o método adoptado pelo consórcio Global Burden of Disease (GBD).

O GBD é um consórcio de investigadores que produz estatísticas atualizadas sobre a carga


global da doença, quantificando a carga de mortalidade prematura e de incapacidade para
as principais doenças ou grupos de doenças, e produzindo medidas-resumo da saúde da
população, como os DALY (Disability Adjusted Life Years), que discutiremos adiante.

Segundo esta equipa, os AVPP/YLL devem ser entendidos como a distância entre a idade
do óbito e a esperança média de vida nessa idade, pelo que o cálculo envolve o uso de uma
tábua de mortalidade ou requer que se disponha da esperança de vida em cada idade ou
grupo etário.

Apresentam-se os passos (exemplificados na Tabela 39) para o cálculo dos AVPP/YLL e da


respetiva taxa, segundo esta metodologia:

201
Tabela 39. Exemplificação do cálculo dos AVPP/YLL (Portugal, 2011-2013, ambos os sexos) com
base na diferença entre a idade do óbito e a esperança de vida (Fonte dos dados: INE).

População real a meio do período


Esperança de vida à idade média
Esperança de vida à idade x
Dimensão do grupo etário

Óbitos anuais no grupo etário


Óbitos reais no período

AVPP/YLL no grupo etário


Idade média da morte

(até aos 70 anos)


considerado
Idade exata
Grupo etário

da morte
x n nD x ex nPx

0 0 1 848 80,68 0,5 80,30 283 22699 92651,5

1-4 1 4 207 79,93 3,0 77,95 69 5379 392805,5

5-9 5 5 167 75,98 7,5 73,50 56 4092 518698,5

10 - 14 10 5 181 71,02 12,5 68,54 60 4135 557395

15 - 19 15 5 409 66,06 17,5 63,60 136 8670 555048

20 - 24 20 5 703 61,13 22,5 58,69 234 13754 576202,5

25 - 29 25 5 852 56,25 27,5 53,82 284 15284 622196,5

30 - 34 30 5 1377 51,38 32,5 48,95 459 22470 732700,5

35 - 39 35 5 2423 46,53 37,5 44,14 808 35649 829560,5

40 - 44 40 5 3881 41,75 42,5 39,41 1294 50981 782545

45 - 49 45 5 6216 37,07 47,5 34,80 2072 72113 775940,5

50 - 54 50 5 8995 32,54 52,5 30,34 2998 90979 740058

55 - 59 55 5 11539 28,15 57,5 26,02 3846 100079 678399,5

60 - 64 60 5 15217 23,89 62,5 21,82 5072 110678 640516

65 - 69 65 5 19745 19,75 67,5 17,78 6582 117023 553882

70 - 74 70 5 28060 15,81 72,5 13,99 9353 130832 481443,5

75 - 79 75 5 44469 12,17 77,5 10,57 14823 156640 435001

80 - 84 80 5 59634 8,97 82,5 7,71 19878 153198 309045,5

85 - ∞ 85 ∞ 112045 6,45 88,9 3,22 37348 120377 240754

SOMAS 1235031 10514844


AVPP/YLL
(/1000) 117,46

1. Listar o número de óbitos32 por grupo etário.

2. Estimar a idade média da morte33 para cada grupo etário, somando ao ano inicial metade
da sua dimensão, com exceção do último grupo etário, em que é adicionada ao ano
inicial desse grupo a esperança média de vida nesse ano.

3. Estimar a esperança de vida à idade média da morte em cada grupo etário, através da
média aritmética das esperanças de vida na idade inicial desse grupo e na idade inicial
do grupo etário seguinte.

4. Calcular o número de AVPP/YLL para cada grupo etário, multiplicando a esperança de


vida à idade média da morte nesse grupo pelo número de óbitos anuais ocorridos no
grupo etário.

32 Ver nota de rodapé 30.


33 Ver nota de rodapé 31.

202
5. Calcular o total de AVPP/YLL, somando os AVPP/YLL de cada grupo etário.

6. Calcular a taxa de AVPP/YLL, dividindo o total de AVPP/YLL pela população total.

Como seria de esperar, o valor da taxa de AVPP/YLL, calculado com base na esperança de
vida, é bastante superior (mais do triplo) ao obtido anteriormente (e aliás usado pelo INE),
que se baseava na expetativa de que o indivíduo – independentemente da idade já atingida
– não ultrapassasse os 70 anos de idade, ignorando por esse motivo o contributo para o total
de AVPP/YLL de todos os indivíduos que ultrapassem essa idade.

Do mesmo modo que no método anterior, também é possível obter valores discriminados
por causa de morte e calcular o impacto de cada causa nos AVPP/YLL globais.

Anos de vida vividos com incapacidade

Para estimar os Anos Vividos com Incapacidade (AVI) ou Years Lived with Disability (YLD) para
uma determinada causa, sexo e grupo etário, o número de casos de doença/incapacidade
(I, “number of incidence cases”) é multiplicado pela duração média (L, “average length of
the disease, until remission or death”) da doença em anos e por um fator de ponderação
(DW, “disability weight”) que reflete o impacto da doença sobre a saúde/incapacidade dos
indivíduos, expresso numa escala numérica de 0 (perfeita saúde) a 1 (morte).

YLD = I × DW × L

Os fatores de ponderação são disponibilizados pelo GBD e foram estimados com base em
informação recolhida em inquéritos aplicados à população de vários países, selecionados de
forma a constituírem uma amostra representativa da população mundial.

Recentemente, contudo, uma nova metodologia de cálculo foi introduzida pela GBD,
recorrendo à prevalência (assumida como aproximadamente igual ao produto da incidência
pela duração da doença, como atrás se referiu), em vez da incidência:

YLD = P × DW

em que P representa o número de casos de prevalência da doença ou incapacidade.

Na Tabela 40 comparam-se os maiores contributos para os YLD em Portugal e no Mundo.

Tabela 40. Seis principais contributos para os anos de vida vividos com incapacidade (AVI/YLD)
em Portugal e no Mundo em 2018 (Fonte dos dados: Institute for Health Metrics and Evaluation).

Portugal Mundo

Causa Contributo para o YLD Causa Contributo para o YLD

Dores lombares 11,2% Dores lombares 7,4%

Depressão 6,8% Depressão 5,5%

Diabetes mellitus 6,6% Dores de cabeça 5,4%

Ansiedade 5,5% Problemas de audição 4,7%

Dores de cabeça 5,2% Diabetes mellitus 4,3%

Osteoartrite 3,7% Doenças ginecológicas 3,4%

203
Ao contrário do que poderia supor, em Portugal, o contributo conjunto das doenças do
sistema circulatório não excede os 5% (sendo o maior o da doença isquémica do coração,
com apenas 1,13%, pelo que não surge na tabela), ao passo que os diferentes tipos de
doenças cancerígenas somados não iam além dos 2%.

Uma perspetiva obviamente muito diferente se retiraria da análise dos AVPP/YLL por causa
de morte, tendo em conta que esses dois grupos de causas são os que mais contribuem
para os “anos de vida potencialmente perdidos”. Seria, portanto, muito redutor ter apenas
em consideração os óbitos ou a incapacidade para a estimativa do peso das doenças na
esperança de vida saudável, como se verá a seguir.

DALYS, DISABILITY-ADJUSTED LIFE YEARS

O indicador DALY (Disability-Adjusted Life Years), introduzido em 1993, combina as


estimativas dos anos de vida perdidos por morte prematura (AVPP ou YLL) com as dos
anos de vida vividos/perdidos com doença e/ou incapacidade (AVI ou YLD), tendo-se vindo
a tornar numa das mais usadas medidas sumárias do estado da saúde da população.

Um DALY equivale a um ano de vida saudável perdido. Esta medida é universalmente usada
por investigadores e decisores e permite comparações entre países e regiões, entre sexos
ou mesmo entre fatores de risco. O seu valor resulta simplesmente da soma dos YLL com
os YLD:
DALY = YLL + YLD

QALY, QUALITY-ADJUSTED LIFE YEARS

O DALY, atrás mencionado, foi o primeiro dos indicadores do estado de saúde das populações
a combinar dados de mortalidade e de morbilidade. O seu aparecimento foi consequência do
aumento da esperança de vida nos países de alto rendimento e do crescente impacto das
doenças crónicas e agudas na qualidade de vida das populações e nos sistemas de saúde.

A pressão dos custos de saúde, consequência do envelhecimento das populações, levou


à criação de outros indicadores, que valorizam particularmente a “vida com qualidade”,
entendida como ausência de doença… e, portanto, custos de saúde nulos ou baixos.
Um desses indicadores, o QALY (Quality-adjusted life years), é aliás usado por entidades
governamentais como o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), pertencente
ao Ministério da Saúde britânico, para avaliar a relação custo-benefício dos possíveis
tratamentos de doenças.

O seu cálculo é complexo, envolvendo métodos desenvolvidos na área económica.


Considera-se que 1 QALY é “um ano vivido com perfeita saúde”, valor que tende para zero
em função da crescente gravidade da doença. Como é óbvio, os indivíduos mais velhos e
com mais morbilidades somam menos anos (a sua esperança de vida saudável é menor)
para o QALY que os mais jovens e de melhor saúde.

O QALY, aliás, é uma medida altamente controversa. Algumas críticas incidem sobre
o facto de a sua aplicação cega nas decisões sobre tratamentos poder ir contra os interesses

204
individuais de cada paciente; outras, sobre os valores limite calculados para o custo dos
tratamentos de cada doença, por muitos considerados demasiado baixos.

Uma crítica ainda mais contundente tem a ver com a possibilidade de serem desvalorizados
os tratamentos dos pacientes em pior estado de saúde e mais idosos, uma vez que os
seus valores de QALY são mais baixos, sendo pelo contrário priorizados os tratamentos
dos pacientes mais jovens e com doenças mais facilmente remissíveis. A isto respondem os
defensores do QALY que os recursos de saúde são cada vez mais limitados.

O grau de controvérsia deste e de indicadores similares levou inclusive a que, nos EUA,
o programa conhecido por “Obamacare” proibisse o uso dos QALYs na decisão sobre os
tratamentos a adotar para as diferentes doenças.

205
BIBLIOGRAFIA E LEITURAS COMPLEMENTARES

EUROSTAT. (n.d.). EUROSTAT. European Union.


https://ec.europa.eu/eurostat/web/main/home

Gordis, L. (2009). Epidemiology, 4th ed. Saunders/Elsevier.

IHME. (2020). Institute for Health Metrics and Evaluation. University of Washington.
http://www.healthdata.org

INE. (n.d.). Instituto Nacional de Estatística.


https://ine.pt

Rowland, D. T. (2003). Demographic methods and concepts. Oxford University Press.

Siegel, J. S. & Swanson, D. A. (2004). The Methods and Materials of Demography. Elsevier.

Sullivan, D. F. (1971). A single index of mortality and morbidity. HSMHA health reports, 86(4), 347.

206
EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Nota: Dado o grande número de dados, recomenda-se o uso de uma folha de cálculo para
realizar os exercícios. Os dados estão depositados nesta página web:

https://figshare.com/s/49ac84b1319ec78c4b1f

1. Com a positiva evolução da esperança de vida, interessa cada vez mais saber se os
anos de vida são vividos de forma saudável. A tabela abaixo apresenta a proporção
de pessoas a viver sem incapacidade em cada um dos grupos etários. Partindo desta
informação e da informação contida na tábua de mortalidade abaixo, determine:

 1.1. A esperança de vida saudável à nascença.

 1.2. A proporção de anos de vida vividos de forma saudável, à nascença.

Tábua de mortalidade abreviada portuguesa


(Homens & Mulheres, 2015-2017) (Fonte: INE)

Idades nLX Tx

0 anos 99809 8077622

1 - 4 anos 398626 7977813

5 - 9 anos 498011 7579187

10 - 14 anos 497815 7081176

15 - 19 anos 497479 6583361

20 - 24 anos 496724 6085882 Prevalência de doença crónica por grupo etário


25 - 29 anos 495861 5589158 segundo dados de 2016 do questionário
EU-SILC
30 - 34 anos 494796 5093297 (Fonte: EUROSTAT)

35 - 39 anos 493334 4598501 Idades Prevalência

40 - 44 anos 490787 4105167 16-24 anos 17,2%

45 - 49 anos 486438 3614380 25-34 anos 18,9%

50 - 54 anos 479255 3127942 35-44 anos 24,4%

55 - 59 anos 468492 2648687 45-54 anos 37,4%

60 - 64 anos 453252 2180195 55-64 anos 54,8%

65 anos ou mais 1726943 4772591 65 anos ou mais 72,1%

2. Considere a seguinte situação: ‘Um indivíduo desenvolve um transtorno relacionado


com o uso de álcool aos 40 anos de idade e, consequentemente, morre aos 60 anos de
idade. De acordo com Salomon et al. 2013, esta condição apresenta uma ponderação
(disability weight) de 0,5. Além disso, à data do óbito, a esperança média de vida para
um indivíduo de 60 anos era de 25 anos.’ Com base nos dados fornecidos, indique para
este indivíduo os anos de vida perdidos por morte prematura e por incapacidade e o total
de DALYs.

 2.1. AVPP

 2.2. AVI

 2.3. DALY

207
3. Com base na informação abaixo, referente aos óbitos por neoplasias malignas, por
doenças circulatória e por causas externas em Portugal, determine os anos de vida
potencialmente perdidos (AVPP) e a taxa de AVPP, associados a cada causa e compare
o peso das duas causas em relação ao total de AVPP. Use para os cálculos o método de
cálculo baseado no limiar teórico de 70 anos. Comente os resultados obtidos.

Tumores Doenças Causas externas


Todas as causas
Grupo etário (neoplasmas) do aparelho de lesão e População
de morte
malignos circulatório envenenamento

0 a 4 anos 286 12 7 21 426903

5 - 9 anos 45 14 4 8 486308

10 - 14 anos 47 8 3 13 519945

15 - 19 anos 124 18 8 62 557038

20 - 24 anos 202 32 15 104 537923

25 - 29 anos 248 69 24 103 550693

30 - 34 anos 323 91 39 130 603319

35 - 39 anos 586 172 95 184 718085,5

40 - 44 anos 1093 367 209 227 811887,5

45 - 49 anos 1730 682 332 261 763046,5

50 - 54 anos 2908 1294 506 343 755265,5

55 - 59 anos 3928 1889 712 312 718683

60 - 64 anos 5152 2496 1000 298 656246

65 - 69 anos 6889 3078 1514 343 613340,5

70 - 74 anos 9097 3498 2266 352 515873,5

75 - 79 anos 13115 3937 3722 534 425838,5

80 - 84 anos 19692 4386 6168 684 348327,5

85 e mais anos 44706 5460 15739 1287 291577

Fonte dos dados: INE

208
Anexo 1:
CORREÇÃO DOS EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Capítulo 2
1.1.

Razão de Masculinidade
Município Nascimentos masculinos Nascimentos femininos
e IC95%

Aveiro 350 325 108; (90-122)

Almodôvar 151 181 83; (85-130)

Vila Verde 577 469 123; (93-118)

1.2.

Os resultados revelam que, apesar da razão de masculinidade de Aveiro (108) ser diferente
do valor esperado (105), situa-se dentro do intervalo de confiança a 95% desse valor, pelo
há razões para admitir que o registo dos nascimentos apresenta boa qualidade.

Por sua vez, a razão de masculinidade de Almodôvar (83) situa-se fora e abaixo do intervalo
de confiança a 95% dos valores desse parâmetro, pelo que há razões para admitir que tenha
havido sobre registo dos nascimentos femininos.

Finalmente, a razão de masculinidade de Vila Verde (123) situa-se fora e acima do intervalo
de confiança a 95% dos valores desse parâmetro, pelo que há razões para admitir que tenha
havido sobre registo dos nascimentos masculinos.

2.1.

Índice de Whipple (Índia): 171 (mau)

Índice de Whipple (Índia, áreas rurais): 181 (muito mau)

Índice de Whipple (Índia, áreas urbanas): 153 (mau)

Índice de Whipple (Portugal): 101

Índice básico de preferência digital (Índia)

55 anos: 199

65 anos: 231

Índice básico de preferência digital (Índia, áreas rurais)

55 anos: 216

65 anos: 246

209
Índice básico de preferência digital (Índia, áreas urbanas)

55 anos: 161

65 anos: 177

Índice básico de preferência digital (Portugal)

55 anos: 102

65 anos: 103

2.2.

Índice de Myers (Índia): 12,97%


20,0
18,0 17,1
15,4
16,0
14,0
12,0 10,4
9,4 9,2
10,0 8,1 8,1
7,4 7,3 7,6
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Índice de Myers (Portugal): 0,46%

20,0
18,0
16,0
14,0
12,0 10,2 10,1 10,1
9,8 9,8 9,9 10,0 10,0 10,0 10,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

2.3.

Os dados relativos às idades em Portugal apresentam muito boa qualidade, patentes nos
índices de preferência digital e de Whipple próximos de 100 e no valor do índice de Myers,
que revela que apenas 0,46% das idades foram reportadas de forma errada. Pelo contrário,
os dados relativos às idades na Índia apresentam muito má qualidade, patentes nos índices
de preferência digital e de Whipple muito acima de 100 e no valor do índice de Myers, que
revela que perto de 13% das idades foram reportadas de forma errada. Na Índia, verificou-
se ainda que este padrão é mais acentuado nas zonas rurais, que apresentaram um índice
de Whipple acima de 175, revelando muito má qualidade da informação, potencialmente
explicado pelos maiores níveis de iliteracia entre os residentes das zonas rurais.

210
Capítulo 3
1.

85 e mais anos
80 - 84 anos
75 - 79 anos
70 - 74 anos
65 - 69 anos
60 - 64 anos
55 - 59 anos
50 - 54 anos
45 - 49 anos
40 - 44 anos
35 - 39 anos
30 - 34 anos
25 - 29 anos
20 - 24 anos
15 - 19 anos
10 - 14 anos
5 - 9 anos
0 - 4 anos

8,00 6,00 4,00 2,00 0,00 2,00 4,00 6,00 8,00

2.

Indicadores Vinhais Mafra

Idade mediana 58,46 38,90

Idade mediana da população ativa 45,43 39,55

% jovens 7,53 18,14

% idosos 40,57 15,65

% adultos 51,90 66,21

índice de dependência de jovens 14,50 27,40

índice de dependência de idosos 78,17 23,64

índice de dependência de total 92,68 51,04

índice de envelhecimento 538,94 86,29

índice de juventude 18,55 115,89

índice de renovação da população ativa 55,65 109,45

índice de juventude da população ativa 66,62 105,44

índice de longevidade 61,94 47,59

Índice de dissimilaridade 29,98

211
Capítulo 4
1.

Índice de redistribuição: 8,7

INTERPRETAÇÃO: Para que em 2011 tivéssemos a distribuição espacial de 1981, bastaria


que 8,7% da população fosse redistribuída pelo território.

Índice de concentração em 1981: 11,5

Índice de concentração em 2011: 18,0

INTERPRETAÇÃO: Verificou-se um aumento da concentração da população entre 1981 e


2011. Tomando, por exemplo, o valor do índice de concentração de 2011 (18,0%), para que
a população dos municípios fosse proporcional à área dos mesmos (ou seja, a densidade
populacional fosse a mesma em todos os municípios), 18% da população teria de ser
redistribuição pelos municípios do distrito de Bragança.

2.

Não seria apropriado visto que os distritos de Braga e do Porto são compostos por um
diferente número de municípios (14 em Braga e 18 no Porto) e é sabido que quanto maior o
número de unidades territoriais maior a probabilidade de ter valores mais altos de índice de
redistribuição.

3.

Ver Anexo 3

Capítulo 5
1.

Índices de diversidade
Nordeste 0,57

Centro-Oeste 0,44

Sul 0,67

Oeste 0,73

2.

Índice de GINI Lisboa: 0,30

Índice de GINI Porto: 0,23

Índice de segregação para Lisboa: 21,9

Índice de segregação para Porto: 15,2

212
Os resultados, mais exatamente os referentes ao índice de GINI pela sua maior
comparabilidade, sugerem que a população de Lisboa está ligeiramente mais segregada do
que a do Porto.

Curva de Lorenz

0,9

0,8

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0
0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1

213
Capítulo 6
1.

A. M. R. A. R. A.
Portugal Norte Centro Alentejo Algarve
Lisboa Açores Madeira
Taxa de crescimento efetivo (%)
2009 0,10 -0,18 -0,17 0,57 -0,34 1,29 0,09 0,59
2010 -0,01 -0,34 -0,26 0,52 -0,44 1,22 -0,06 0,47
2011 -0,29 -0,17 -0,67 0,15 -0,57 -1,15 0,18 -1,40
2012 -0,52 -0,57 -0,75 -0,31 -0,76 -0,39 0,14 -0,43
2013 -0,57 -0,60 -0,78 -0,39 -0,72 -0,46 -0,04 -0,68
2014 -0,50 -0,62 -0,76 0,06 -1,35 -0,20 -0,44 -1,01
Taxa de crescimento natural (%)
2009 -0,05 0,03 -0,33 0,21 -0,54 0,02 0,14 -0,10
2010 -0,04 0,02 -0,34 0,22 -0,54 0,08 0,10 -0,04
2011 -0,06 0,00 -0,34 0,21 -0,52 -0,01 0,15 -0,03
2012 -0,17 -0,12 -0,47 0,11 -0,60 -0,15 0,11 -0,20
2013 -0,23 -0,17 -0,51 0,03 -0,65 -0,24 -0,04 -0,23
2014 -0,22 -0,17 -0,49 0,06 -0,65 -0,21 0,00 -0,38
Taxa de crescimento migratório (%)
2009 0,15 -0,20 0,16 0,37 0,21 1,27 -0,05 0,69
2010 0,04 -0,35 0,08 0,29 0,10 1,14 -0,16 0,51
2011 -0,23 -0,17 -0,32 -0,05 -0,05 -1,14 0,03 -1,37
2012 -0,36 -0,45 -0,27 -0,41 -0,16 -0,24 0,03 -0,23
2013 -0,35 -0,43 -0,27 -0,42 -0,07 -0,22 0,00 -0,45
2014 -0,29 -0,44 -0,27 0,00 -0,70 0,01 -0,44 -0,63

2.

Ano População taxa aritmético taxa geométrico taxa exponencial


1991 10169 2,79% 2,49% 2,46%
2001 13010
2011 15851 16645 16645 VALOR REAL 17569
2020 18408 20777 20777

Capítulo 7
1.

CAUSA TAXA DE MORTALIDADE 2013-2009


Doenças do aparelho circulatório 3,09
Tumores malignos 2,40
Diabetes mellitus 0,44
Doenças do aparelho respiratório 1,18
Doenças do aparelho digestivo 0,43

214
2.

2.1.

Taxa bruta EUA: 10 por 1000 habitantes

Taxa bruta México: 16 por 1000 habitantes

2.2.

Taxa padronizada México: 19 por 1000 habitantes

2.3.

Deve ser usado na ausência de informação de mortalidade por grupo etário e/ou quando
lidamos com pequenos números de casos e/ou populações.

3.

RPM Ribeira Grande: 2,3

Taxa padronizada pelo método indireto Ribeira Grande: 7,1 por 1000

4.

Índice de Mortalidade Mensal

2014 2005 2003

JAN 120,0 130,3 114,9

FEV 117,7 150,7 109,8

MAR 105,1 121,7 102,5

ABR 101,2 92,6 94,2

MAI 90,1 86,8 95,1

JUN 89,6 85,0 89,6

JUL 87,8 82,3 85,7

AGO 89,2 85,8 109,4

SET 88,8 81,6 84,2

OUT 94,9 84,7 88,2

NOV 98,9 95,0 107,0

DEZ 117,8 106,9 119,4

215
200

180

160

140

120

100

80

60

40

20

0
15 - 19 anos 20 - 24 anos 25 - 29 anos 30 - 34 anos 35 - 39 anos 40 - 44 anos 45 - 49 anos

1971 1981 1991 2001 2011 2020

Capítulo 8
1.

Taxa bruta de natalidade (/1000)

2000: 11,7

2005: 10,4

2010: 9,6

2013: 7,9

Taxa de fecundidade geral (/1000)

2000: 45,9

2005: 42,1

2010: 40,0

2013: 34,1

216
Índice sintético de fecundidade (filhos por mulher)

2000: 1,55

2005: 1,42

2010: 1,39

2013: 1,21

Taxa bruta de reprodução (filhas por mulher)

2000: 0,75

2005: 0,69

2010: 0,69

2013: 0,59

2.

Taxa de fecundidade geral (/1000)

- valor bruto: 34,9

- valor padronizado: 32,6

Capítulo 9
1.1.

TBE (/1000): 5,27

TBI (/1000): 9,83

1.2.

TCM (/1000): 4,56

1.3.

Emigrantes oriundos de Espanha (2020) Imigrantes entrados em Espanha (2020)

Destinos principais % do total Origens principais % do total

Roménia 13,00 Colômbia 11,31

Reino Unido 12,41 Marrocos 9,71

França 7,33 Reino Unido 7,75

Marrocos 6,57 Venezuela 7,02

Alemanha 5,65 Argentina 4,24

217
Capítulo 10
1.

Esperança de vida à nascença:

Homens – 77,4 anos

Mulheres – 83,8 anos

2.

2.1.

Esperança de vida à idade exata de 65 anos: 15,8 anos

2.2.

Probabilidade de morrer entre as idades exatas de 40 e 45 anos: 0,0122

2.3.

Óbitos esperados entre o nascimento e o primeiro ano de vida: 1082

2.4.

Número total de óbitos esperados: 100 000

2.5.

População total com idade de 55 ou mais: 2 122 686

2.6.

Número médio de sobreviventes entre idades exatas de 50 e 55 anos de idade: 453809

(tolerância de 10 unidades para cima ou para baixo, em virtude de arredondamentos)

3.

Esperança de vida à nascença: 83,0 anos

Capítulo 11
1.

1.1.

53,7 anos

1.2.

66,5%

218
2

2.1.

AVPP = 25

2.2.

AVI = (60 - 40) × 0,5 = 10

2.3.

DALY = 35

3.

AVPP Taxa AVPP (/1000) % total

Todas as causas de morte 307457,50 35,26 100,00

Tumores (neoplasmas) malignos 114655,00 13,15 37,29

Doenças do aparelho circulatório 49855,00 5,72 16,22

Causas externas de lesão e envenenamento 51202,50 5,87 16,65

219
Anexo 2:
PIRÂMIDES ETÁRIAS USANDO MICROSOFT EXCEL

Passo 1: Calcular a proporção de população em cada um dos grupos etários e sexo, dividindo
o número de efetivos de cada um dos grupos etários e sexo pela população total de ambos
os sexos. De forma a que as barras referentes ao sexo masculino fiquem posicionadas do
lado esquerdo, como dita a convenção, coloque um sinal menos nas proporções calculadas
para o sexo masculino.

Passo 2: Selecionar os dados e escolher um gráfico de barras horizontal da listagem de


gráficos disponíveis no MS Excel.

220
Passo 3: Para que o gráfico fique com um aspeto de pirâmide, é importante fazer alguns
ajustes, nomeadamente:

Formatar o eixo dos x de forma a que os rótulos surjam à esquerda ao invés de aparecerem
no eixo central.

Formatar o eixo dos x de forma a que o rótulo das percentagens não apresente valores
negativos.

Formatar a série de dados de forma a que as barras surjam de forma alinhada e não
desfasada.

221
Remover elementos desnecessários (como legendas), ajustar a dimensão do gráfico e
alterar cores e tamanhos de letra.

222
Anexo 3:

MAPEAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO


USANDO QGIS

Neste tutorial pretende-se ensinar a navegar e a usar as principais ferramentas disponíveis


no software QGIS, para serem capazes de construir um mapa temático com base em
informação demográfica disponível no Recenseamento Geral da População e Habitação de
Angola (2014).

PASSO 1: Instalação do software QGIS 3.10

Certifique-se que está ligado à internet para ser possível fazer download do software.

Aceda à página do projeto oficial do QGIS http://www.qgis.org/.

Clique em Download Now.

Escolha Long term release, QGIS Standalone Installer Version 3.10.34

Execute a aplicação exe.

Na Escolha de Componentes deixe por defeito e faça Instalar.

PASSO 2: Ambiente de trabalho do QGIS, ferramentas e funcionalidades

Depois da instalação, abra o programa QGIS e crie um novo projeto. Este será o aspeto do
ambiente de trabalho que surgirá no ecrã.

34 Esta era a versão mais recente disponível à data de construção deste tutorial. Porém, periodicamente, saem
novas versões do software pelo que poderá selecionar a versão mais recente.

223
De seguida, carregue os mapas no formato shapefile (encontram-se numa pasta zipada,
que deverá descomprimir, no seguinte local: https://figshare.com/articles/online_resource/
MAPEAMENTO_DA_DISTRIBUI_O_DA_POPULA_O_USANDO_QGIS_Tutorial_/16553976
usando os passos Camada>Adicionar camada vectorial… . Depois deverá selecionar a
fonte dos dados vetoriais35.

Para começar, adicione a camada referente às províncias de Angola (‘provincias.shp’) e


aprecie o resultado. Repita o procedimento para as camadas ‘AGO_roads.shp’ e ‘cidades.
shp’.

Repare que o mapa estradas é um mapa de linhas e o mapa cidades é um mapa de pontos.

35 Num modelo vetorial, cada objeto do mundo real é classificado num tipo geométrico: pontos, registados como
pares de coordenadas simples; linhas, registados como séries de pares de coordenadas ordenadas; e polígonos,
registados como uma ou mais linhas que se fecham para formar uma área poligonal.

224
3. De seguida, carregue os mapas no formato raster, usando o comando Camada>Adicionar
camada raster….. Adicione a camada raster36 referente ao relevo de Angola (‘AGO_msk_alt.
vrt’) e aprecie o resultado.

4. Para ligar e desligar temas, use a check box da secção Camadas. Aqui também pode
alterar a ordem de visualização das camadas, arrastando as camadas para cima ou para
baixo. Experimente ligar e desligar mapas e alterar a ordem por que são apresentados.

5. O QGIS também dispõe de um conjunto de ferramentas de navegação, como o zoom


in, zoom out e zoom full que lhe permitem ver com maior detalhe certas áreas geográficas.
Experimente, por exemplo, fazer um zoom in na área da província de Luanda.

36 Num modelo raster (também chamado modelo matricial), o espaço é dividido em células geralmente quadradas,
ou seja, numa matriz. A variação geográfica de um dado fenómeno (ex.: relevo) é expressa, atribuindo diferentes
valores/propriedades a essas células.

225
6. Cada camada vetorial, tem uma tabela de atributos associada onde informação referente
a cada objeto geográfico está armazenada. Pode aceder à tabela de atributos, clicando
com o botão direito do rato sobre a camada de informação e clicando de seguida em Abrir
tabela de conteúdos’ Também pode aceder diretamente à tabela de atributos, usando
o botão Abrir tabela de conteúdos localizado na Barra de Atributos. Experimente abrir
a tabela de conteúdos do mapa das províncias de Angola.

7. Uma forma de inquirir os objetos presentes nos temas carregados, é usando a função
Identificar Elementos, localizada na barra de atributos. Esta ferramenta permite-lhe visualizar
os atributos de cada objeto geográfico. Clique numa das províncias angolanas e observe o
resultado.

8. Na barra de atributos também encontra a função Medir Linha, Medir Angulo e Medir Área.
Explore estas funções.

226
9. Na secção Camadas, pode igualmente alterar a simbologia (cores, transparência,
contorno, adicionar etiquetas) de cada camada.

Para tal, clique duas vezes sobre a camada e aceda às Propriedades. Aqui terá acesso
a vários separadores. Experimente, por exemplo, alterar a cor da camada referente às
províncias de Angola em Simbologia e adicionar os nomes das mesmas em Etiquetas (Single
Label>NAME).

Pode também editar as propriedades da camada raster. Porém, as opções disponíveis são
ligeiramente diferentes. Por exemplo, em Simbologia, pode ajustar as cores da imagem; no
separador Pirâmides, pode acelerar a visualização de um raster e, no separador Histograma,
pode verificar as estatísticas do raster.

10. Como em qualquer software, é possível gravar um projecto através do comando Guardar
como. O ficheiro resultante tem a extensão ‘.qgz’. O ficheiro do projeto de QGIS NÃO contém
dados geográficos, contém apenas as referências relativas ao LOCAL onde se encontram os
dados geográficos presentes no projeto. Em caso de necessidade, por exemplo, se alguns
dados geográficos mudarem de localização no file system, o ficheiro ‘.qgz’ pode facilmente
ser editado para fazer as correções em causa.

Experimente gravar o seu projeto com o nome ‘Tutorial1_nome.qgs’.

227
PASSO 3: JUNÇÃO DE TABELAS

1. Os softwares SIG permitem integrar informação gráfica e tabular através de uma operação
de junção, desde que esteja presente um atributo em comum.

2. No ficheiro ‘dados_demográficos.csv’ são fornecidos dados relativos ao censo angolano


de 2014 ao nível da província, caso da proporção de residentes com ensino superior. Adicione
esta tabela ao seu projeto (usando as especificações abaixo) e inspecione-a.

Como pode ver, existe um código unívoco de nome ID, que é semelhante ao código
OBJECTID que encontra no mapa de províncias que já se encontra no seu projeto QGIS.
É este código que permitirá trazer a informação demográfica para a tabela de atributos
do mapa das províncias. Nota: Caso este código estivesse ausente, teria de o adicionar
previamente ao ficheiro .csv e só depois adicionar o ficheiro .csv ao projeto QGIS.

3. Recorra às Propriedades da camada províncias e escolha União. Clique em +. Surgirá


uma janela Adicionar União Vetorial onde deve definir qual a tabela com que se vai fazer
a junção e quais os campos de cada uma a ser utilizados na junção (ID e OBJECTID).
Observe novamente a tabela de atributos do mapa de províncias e verifique que os dados
dos censos foram acrescentados.

228
PASSO 4: CONSTRUÇÃO DE UM MAPA TEMÁTICO

Com esta informação, já podemos construir um mapa temático que mostre as diferenças
na proporção de população com ensino superior (variável ‘prop_ensinosup’) ao longo das
províncias angolanas.

Para a construção do mapa temático, deverá aceder às Propriedades da camada províncias


e manipular a simbologia. Sugere-se as especificações abaixo: Símbolos Graduados com
critério de classificação da variável por Quantil (contagem igual).

Existem outros métodos de classificação de distribuições de variáveis contínuas, tais como


as quebras naturais (minimiza variância intra-classe e maximiza a inter-classes), os intervalos
iguais e os desvios padrão. Pode também optar por outras rampas de cor.

Caso estivesse a lidar com uma variável do tipo categoria (ex.: nome, religião predominante,
etc.), teria de usar Categorizado e atribuir cores distintas.

229
PASSO 5: PREPARAÇÃO DO LAYOUT

Com base no mapa temático acima, pretende-se agora criar uma imagem que possa ser
impressa e integrada num documento/relatório. Tal envolve a construção de um layout onde,
além o mapa propriamente dito, deverá incluir uma legenda, o norte geográfico, a escala
e quaisquer outros elementos necessários à correta interpretação do mapa.

Comece por adicionar o mapa das províncias no modo Nova Composição de Impressão,
em Adicionar Mapa à Composição. Insira também a legenda, o norte geográfico e a escala.
Pode inserir e editar estes elementos na Barra de Ferramentas situada na lateral esquerda.

Quando estiver satisfeito com o layout pode exportar em Composição > Exportar como
imagem…

Grave o mapa em formato tiff (300 dpi).

PASSO 6: TRABALHO AUTÓNOMO

Usando a publicação do Recenseamento Geral da População e Habitação (2014),


que se encontra disponível na mesma pasta (https://figshare.com/articles/online_
resource/MAPEAMENTO_DA_DISTRIBUI_O_DA_POPULA_O_USANDO_QGIS_
Tutorial_/16553976), selecione um indicador demográfico à escolha, ao nível da província,
e produza um mapa temático seguindo os passos de 3 a 5.

230

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