SKYLAB e A PSICANALISE
SKYLAB e A PSICANALISE
SKYLAB e A PSICANALISE
discografia de Rogério Skylab, que já ultrapassa hoje seus 30 anos de duração. A letra de sua
música Parafuso na Cabeça (Skylab IV, 2004) tem relação especial com a elaboração teórica de
Além do Princípio do Prazer. Da canção, de 4 minutos, podemos extrair pelo menos 3
aproximações com a clínica psicanalítica: 1. a compulsão à repetição e sua intensificação a
partir da pulsão de morte, 2. a natureza inconsciente da repetição e 3. a libido como substância
indiferenciada. Além disso, em um pequeno texto ficcional publicado em 2019, Skylab narra
uma história de tema semelhante, o que possibilita um diálogo intertextual.
Põe um aparelho no seu dente; Coloca a argola na orelha; Depois põe esse
piercing na tua língua; Injeta silicone no teu peito; Faz uma porção de
tatuagem; Encosta na tua pele ferro quente; Imprime no teu corpo uma
palavra; E põe um parafuso na cabeça.
Até aqui, trata-se de um comportamento recorrente de manipulação das partes do corpo, uma
após a outra. Com o último verso da estrofe — “E põe um parafuso na cabeça” —, porém, os
versos anteriores parecem ressignificados como pertencentes não à um grupo de procedimentos
estéticos, mas como partes de um processo de automutilação, que se aproxima sempre e cada
vez mais de um extremo intolerável: o parafuso na cabeça. O parafuso aqui aparece como um
elemento inesperado, surge como um salto drástico no rumo da letra. O efeito disso é que tal
figura se distancia do resto da estrofe e assume uma posição transcendente, como uma meta ou
um limite localizado no horizonte. É uma premonição da morte. A letra da primeira estrofe é
cantada mais uma vez, com uma voz mais aguda e pesada, e logo após a repetição, ao invés da
ponte instrumental que ouvimos anteriormente, a música dá lugar a uma interferência abrupta
de uma segunda estrofe, mais violenta e explícita:
Faz uma trepanação no cérebro; Puxa, corta, rasga e aperta; O teu sexo, o teu
sexo; Faz um pieling, põe um marca-passo; Se mutila todo e fica vesgo;
Introduz um córneo na tua testa; E põe um parafuso na cabeça.
Podemos interpretar essa mudança abrupta no fluxo musical como uma descarga libidinal, forte
o bastante para que não possa ser contida. Isso nos leva à segunda aproximação: a natureza
inconsciente da repetição. Seguindo a concepção da psicanálise dos sistemas consciente e
inconsciente, eu e não-eu, mesmo e diferente, a música se faz ouvida pela voz de um outro, em
uma fala imperativa. É como se recebêssemos, indefesos, a letra como ordens a serem
seguidas, os desejos e ações nunca emanando do próprio sujeito, e sim desse mecanismo
externo, inconsciente. A perspectiva da letra pode ser contraposta a um segundo texto, também
de Skylab, talvez ainda mais próximo da perspectiva psicanalítica:
Houve uma época que eu fumava dois maços por dia e uma amiga me garantiu
que a maconha era tiro e queda pra acabar com o vício. Recorri à maconha
como um último recurso. Então, vim a saber, através de recentes estudos
científicos, que a cocaína, muito usada pela medicina para fins de
entorpecimento, atuava como um inibidor. Eu fui tentando tudo pra me livrar
da dependência. Como eu sou um leitor voraz, encontrei um texto que
exaltava os efeitos profiláticos do sexo. Mergulhei de cabeça. Estava
realmente decidido a tentar de tudo pra largar o cigarro, a maconha, a cocaína,
o sexo. Até que me apresentaram a cachaça. E depois o crack. Depois os
livros. Depois a música. O futebol. A televisão. O automóvel. A internet. Eu
ia tentando de tudo pra fugir da dependência. Até que me apresentaram a
morte. E eu também fiquei viciado em morte. Mas não pensem que acabou.
Eu continuo tentando me livrar da dependência.
O pequeno texto nos apresenta agora a perspectiva do sujeito. Não mais do inconsciente que dá
ordens, mas do Eu que as recebe. Isso evidencia-se no fato de que o eu lírico nunca tem
consciência dos motivos reais de seu vício, sendo sempre uma compulsão adquirida na
tentativa de lidar com alguma outra.
Texto realizado para a disciplina de Psicanálise II, lecionada pelo professor Marcus André
Aluno: Luis Felipe Pereira Fuks
PUC-RIO, 2023