Livro 2 - Destino O Rei Amaldiçoado - Chris HL

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P2 - Capítulo 01

Mergulhei em sono profundo,


enquanto imagens nítidas do
quarto de Lohan surgiam
diante de mim, algo
completamente distinto de
qualquer sonho que já tivera
antes. Ao piscar os olhos,
deparei-me com um vasto
deserto à minha frente.
Enquanto percorria as areias,
ansiando por ir cada vez mais
longe, percebi minha
consciência oscilar, a ponto de
eu me questionar se o que
estava vivenciando era
mesmo real. À medida que me
distanciava, as imagens se
tornavam menos nítidas, até
que finalmente afundei nas
areias, precipitando-me no
vazio.
Neste espaço vazio, apenas
cordas de energia flutuavam
no meio da escuridão,
enquanto diferentes sons
ecoavam de todos os lados. O
sentimento dentro de mim era
como uma correnteza
turbulenta. Apurei meus
ouvidos na tentativa de filtrar
os diferentes sons até
reconhecer as notas.
— Ai... — Uma pontada de dor
invadiu minha cabeça. A
música estava desaparecendo,
dando lugar a um ruído alto e
penetrante. Institivamente
coloquei as duas mãos contra
meus ouvidos implorando que
o som desaparecesse.
Senti um toque quente sobre
minhas mãos e forcei-me a
abrir os olhos. Lohan estava
por cima de mim, suas mãos
sobre as minhas. Ele dizia
coisas que eu não conseguia
ouvir. Pelo movimento de
seus lábios, parecia estar
chamando por mim. Minha
respiração estava acelerada,
minha cabeça parecia que ia
explodir. Lohan desceu os
lábios sobre os meus, e o calor
do seu beijo acordou a loba
dentro de mim. Enquanto eu
me concentrava na voz de
Lisa, o som ensurdecedor foi
desaparecendo.
— Minha cabeça dói. — Arfei
assim que os lábios dele
deixaram os meus.
— O que aconteceu? —
Perguntou-me preocupado.
Ele encostou a testa dele
contra a minha enquanto
tentava entender o que se
passava dentro de mim.
— O barulho estava muito
alto. Achei que ia ficar surda.
— Barulho? — Ele se afastou
um pouco, seus olhos atentos
a mim. — Não há nenhum
som forte por aqui.
Eu não podia acreditar nisso.
O som era tão alto que era
quase tangível. Senti-me
desamparada ao pensar que
eu pudesse estar
enlouquecendo.
— O que há de errado
comigo? — Perguntei ao
Lohan. É como se eu tivesse
vivenciado uma crise
enquanto dormia, o que
inicialmente me fez acreditar
que era algo psicológico. No
entanto, tudo estava indo
maravilhosamente bem na
minha vida. Eu estava com o
meu companheiro e não havia
mais uma situação estressante
o suficiente que justificasse o
desencadeamento de uma
nova crise.
— Eu não sei, mas vamos
descobrir juntos. Está tudo
bem agora! — Disse-me com a
voz gentil. Assenti
ligeiramente a cabeça e ele me
puxou contra ele abraçando-
me amorosamente enquanto
passava as mãos sobre os
meus cabelos.
— O que se passa dentro de
mim quando tenho essas
crises? O que você sente de
mim? — Perguntei a ele. Eu já
me sentia muito mais calma.
— Um pouco de tudo. Medo,
alegria, raiva, dor dentre
vários outros sentimentos que
ficam embaralhados. É
confuso...
Por muitas vezes achei
incrível que o meu
companheiro pudesse ter um
vislumbre do que eu sentia,
mas isso era diferente agora.
Temia que o meu problema
começasse a afetá-lo também
por conta da ligação que
temos.
— Não quero que se preocupe
comigo. — Disse-me, quase
como se pudesse ler os meus
pensamentos. Isso me
assustou um pouco. Enterrei o
meu rosto em seu peito. Eu
sabia que não podia bloqueá-
lo assim, mas me sentia um
pouco melhor quando
escondia o meu rosto.
— Por acaso, você pode ouvir
os meus pensamentos?
— Não preciso ler os seus
pensamentos para entender o
que se passa com você. —
Apertei-me ainda mais contra
ele. Até onde ele sabia sobre
tudo o que me aconteceu
quando estávamos
separados?
— Eu juro que não deixei o
William se aproveitar de mim.
— Sussurrei com um pouco de
peso na consciência ao me
lembrar das tentativas
inconvenientes do William de
me tocar. Eu queria que Lohan
soubesse que eu jamais o
trairia.
— Eu sei. Do contrário eu não
o teria deixado viver. Não se
preocupe, ninguém voltará a
te assediar de novo. Você me
pertence! — Sua voz estava
calma. Afastei meu rosto e
encarei seus olhos negros com
um sentimento profundo de
admiração. Ele era calmo,
racional, gentil e o mais
importante, ele era meu!
— Sim, eu sou sua! — Eu não
conseguia deixar de sorrir.
Meu coração transbordava de
amores por esse homem.
Minha cabeça já nem doía
mais.
— Você realmente sabe como
me deixar louco. — Ele sorriu
lindamente e eu sabia o que
estava pensando. Ele adorava
me ver feliz, tanto quanto eu
amava ver esse sorriso em seu
lindo rosto. Isto deixava
nossos lobos em êxtase.
Eu poderia ficar o dia inteiro
trocando carícias e beijos com
o meu companheiro, mas
haviam algumas questões que
nos impediam de fazer isso,
dentre eles, minha barriga
que estava roncando
insistentemente implorando
por comida. Eu sabia que não
precisava pedir, podia ver
pelo rosto do meu
companheiro que ele sabia o
que eu queria.
Ele me levou primeiro ao
lugar onde eu poderia fazer as
minhas necessidades. Fiquei
muito satisfeita em ver que o
banheiro dele era
relativamente normal, que
tivesse todos os principais
componentes ao qual eu já
estava acostumada. Amplo e
espaçoso, com uma grande
banheira que mais se parece
com uma piscina. Ele me
puxou para dentro da água e
me deitei em seus braços.
— Que temperatura
agradável. — Comentei. As
águas eram mornas, um
pouco mais quentinho do que
a temperatura externa.
Parando para pensar, desde
que cheguei a esse mundo não
havia sentido frio e nem calor.
— Essa é a melhor época do
ano. — Comentou Lohan.
Estava atento a todas minhas
reações como se achasse
fascinante me ver
descobrindo o seu mundo.
Me enrolei em torno de uma
grande toalha e continuei
seguindo-o enquanto ele me
apresentava ao restante do
quarto. O guarda roupas dele
é bem grande. Fiquei surpresa
quando ele o abriu, revelando
uma fileira interminável de
roupas, todas pretas.
— Todas as suas roupas são
mágicas? Como pode isso? —
Me aproximei de uma camisa
com um designer mais básico
e cheirei-a. O cheiro forte dele
me dizia que era feito dos
seus pelos. Mesmo que ele
tivesse quase meio milênio de
vida, ainda assim era muito
pelo que precisaria extrair
para montar um guarda
roupas assim. Lembrei-me da
fraqueza que senti quando
podaram os pelos da minha
loba e me questionei se
realmente valia a pena ter
tantas roupas dessa forma.
— Não é difícil. Em breve esse
armário estará cheio de peças
brancas também. — Olhei
para ele confusa. Como assim
em breve?
— Achei que levasse tempo
até se conseguir extrair pelos
suficientes para se costurar
uma roupa mágica.
— Basta extrair uma mecha.
Depois disso os pelos passam
por uma técnica mágica de
cultivo para que continuem
crescendo indefinidamente
fora do corpo. É possível criar
um estoque relativamente
rápido de fios dessa forma
sem muito esforço.
— Então todos os lobos aqui
tem suas roupas a partir dos
seus pelos? —
Se era tão fácil obter fios para
tecer, então não fazia sentido
usar outro tipo de material.
Lohan assentiu em
confirmação tirando um
conjunto do armário e
começou a vesti-lo.
Olhei novamente para aquela
camisa e, levada pela
tentação, peguei-a e a vesti.
Virou praticamente um
vestido. Minha loba ficou
exultante em termos nosso
corpo impregnado com o
cheiro dele.
— Fico bem de preto! — Sorri
enquanto puxava a gola da
camisa dele contra o meu
nariz para cheirá-la. Eu
definitivamente amava esse
cheiro.
— Você fica bem de qualquer
forma. — Sua voz saiu
provocante e acabei virando
meu rosto pra ele. Havia um
sorriso brincalhão em seus
lábios e seus olhos me
sondavam como se estivesse
hipnotizado.
— O que mais há? —
Perguntei com entusiasmo.
Agora que eu estava aqui, ele
não precisava me esconder
mais as coisas. Eu queria ver
com meus olhos tudo que ele
prometeu me revelar. —
Quero que me mostre tudo!
— Como resistir a um pedido
desses?
Ele pegou na minha mão e me
levou até um bloco cristalino
no lado mais distante do
quarto. Atravessamos o bloco
como se fosse uma mera
ilusão. Havia uma imensa
varanda, com um jardim que
parecia sair de um conto de
fadas. Tantas flores
diferentes, tantos cheiros
maravilhosos...
— Uau! Que vista! —
Sussurrei caminhando em
direção até a extremidade da
varanda. Raios luminosos
provindos de uma estrela tão
brilhante quanto o sol
irradiava sobre uma paisagem
que parecia o mais belo
quadro que eu já tinha visto.
Não tão distante, um grande
mar de águas cristalinas de
um azul esverdeado. As ondas
suaves se desmanchavam
contra uma faixa de areia de
coloração prateada.
— Nossa! Isso é um palácio de
verdade? — Desse lugar é
possível ter um vislumbre da
imensa construção em que
nos encontrávamos.
Estávamos na parte mais alta,
no terceiro andar. Era difícil
mensurar o tamanho que se
estendia para os lados ou para
trás.
Olhei para o meu
companheiro que se
aproximava lentamente de
mim. Ele era mesmo um rei?
Isso era tão inacreditável que
minha mente ainda custava a
aceitar isso.
— Nosso lar. — Disse-me
colocando sua mão sobre a
minha cabeça e acariciando-a.
Senti meu rosto esquentar e
desviei o olhar encarando um
pouco mais da paisagem. O
céu é de um azul mais claro
que no meu mundo e haviam
algumas nuvens de coloração
amarelada e brilhantes.
Nos entornos é possível
vislumbrar árvores
gigantescas, algumas muito
mais altas do que o lugar em
que eu e Lohan estávamos.
Com copas imensas, suas
folhas possuem as mais
diversas cores.
— A maior parte da alcateia
constrói suas casas nessas
árvores. — Comentou Lohan.
—Essa é Luríon, a cidade real,
e ela vai muito além do que
seus olhos podem enxergar. É
apenas uma pequena fração
do meu domínio, a nação dos
lobos em Celestria, também
chamada de Éldrim.
Eu não costumava me enganar
quando o assunto é
sentimentos, mas, diferente
do que eu pensava, Lohan não
era solitário. Todos os lobos
nesse mundo são seus súditos
e pensar nisso era um pouco
assustador para mim. Eu tinha
tantas perguntas, mas o medo
de fazê-las era maior do que a
minha curiosidade. Eu
precisava ir processando isso
pouco a pouco, ou poderia
mesmo acabar
enlouquecendo.
— Venha! Vamos comer! —
Chamou-me serenamente
pegando na minha mão.
Atravessamos o bloco de
cristal de volta ao quarto dele.
Assim que pisamos no quarto,
Lohan soltou a minha mão e
caminhou em direção a porta
de entrada do quarto.
Como se eu fosse uma criança
descobrindo as coisas, virei-
me novamente para o bloco.
Parecia tão físico, mas o
atravessamos como se fosse
apenas uma projeção. Estiquei
minha mão na intenção de
explorar aquilo, mas
surpreendentemente ela não
o atravessou. O bloco é um
pouco gelado e
completamente palpável
agora, e não pude deixar de
me questionar como Lohan
fazia para atravessá-lo.
O cheiro de comida no ar fez
minha barriga tornar a roncar.
Virei-me novamente para
Lohan. Duas senhoras de
médio porte e cabelos brancos
passavam por ele de cabeças
baixas com bandejas de
alimentos na mão, uma delas
usando um vestido castanho
claro e a outra um vestido
cinza. Eu podia perfeitamente
imaginar como eram seus
lobos só por conta de suas
roupas.
Elas colocaram a comida por
cima de uma mesa redonda
que fica próxima a uma das
janelas e, antes de saírem,
elevaram os seus olhos na
minha direção. Os olhos de
ambas eram em tons de
castanho e me sondavam com
curiosidade. Ambas trocaram
olhares entre si e sorriram,
antes de saírem
silenciosamente.
— Parece bom! — Comentei
com Lohan enquanto me
sentava ao lado dele na mesa.
A variedade de pratos pelo
menos tinha aparência
apetitosa, embora eu não
pudesse reconhecer pelo
cheiro quais eram os
ingredientes que os
compunham. — Companheiro,
porque ninguém olha para
você? É proibido olhar
diretamente para o rei?
— Sim. — Respondeu com
uma voz mais séria. Ele pegou
um pedaço de algum tipo de
tortilha e elevou-o até minha
boca. Timidamente aceitei o
gesto e mordi aquele pedaço
atenta a explosão de sabores
na minha boca. Tinha um
pouco de acidez e um toque
agridoce ao mesmo tempo.
Era estranhamente bom! —
Neste mundo, você é a única
que tem permissão para olhar
para mim.
— Por quê? — Perguntei logo
após engolir o que estava na
minha boca. Os olhos de
Lohan estavam sérios como se
minha pergunta o tivesse
incomodado. Ele baixou o
olhar, seus lábios se
entreabriram algumas vezes
como se estivesse incerto em
como responderia a minha
pergunta.
— Neste mundo, todos os reis
e rainhas nascem com uma
profecia. A minha profecia é
que definiu que as coisas
deveriam ser assim.
Muitas coisas se passaram
pela minha cabeça com essa
informação. Uma delas é a
lembrança do julgamento em
que Lohan disse que havia
uma profecia a meu respeito.
Isso significa que eu estava
mesmo destinada a ser a
rainha dele. Outra coisa que
não pude deixar de pensar é
que eu não conceberia um
filho ao Lohan tão fácil quanto
eu gostaria, a não ser que a
profecia de um novo rei
surgisse.
Por fim, perguntei-me se a
questão da longevidade de
Lohan está relacionado ao
cumprimento da profecia. Se a
rainha dele nasceria séculos
depois, necessariamente ele
deveria viver esse tempo para
que a profecia se cumprisse.
Lembrei-me de quando ele
reclamou sobre eu ter
demorado e acabei soltando
uma risada suave. Aquela
pergunta fazia todo o sentido
para mim agora.
— E qual é a sua profecia? —
Tudo isso era muito
intrigante. Eu mal podia
esperar para saber toda a
verdade! Voltando ao velho
Lohan, meu companheiro
preferiu ignorar a minha
pergunta como se não tivesse
me ouvido.
— Companheiro, por que não
me responde? Achei que não
guardaria mais segredos de
mim. — O silêncio dele era
frustrante.
— Não fica assim, minha
rainha. — Lohan colocou a
mão sobre a minha. Ouvi-lo
me chamar de rainha me
deixou um pouco
envergonhada, o suficiente
para apagar o sentimento
ruim que se formava dentro
de mim. — Só penso que
ainda não é hora para você
saber disso. Há uma ordem
para tudo, e há outras coisas
que precisa aprender e
descobrir primeiro antes
disso.
Este era um argumento
válido. Muitas vezes para se
entender a lógica final de uma
coisa, é necessário estudar o
caminho primeiro. Assim
como todos os resultados
matemáticos tinham uma
fórmula antes, todo o
presente tem um passado por
trás. Agora que eu estava com
o meu companheiro, não
precisava ter pressa. Confiava
plenamente de que ele me
guiaria da melhor forma
possível.
P2 - Capítulo 02
— Ei, você não tem que
trabalhar? — Perguntei rindo.
Ele estava mordiscando
minha orelha de uma forma
que me fazia cócegas.
Passamos a maior parte do
dia em seu quarto namorando
e ele não dava sinais de que ia
parar.
— Não quero trabalhar. —
Respondeu amorosamente. —
Não pretendo me separar de
você tão cedo!
— Então me leva junto.
Adoraria conhecer a sua
rotina. Quero saber tudo
sobre o meu companheiro! —
Sorri para ele e acabei sendo
presa a um longo e demorado
beijo. Isso é tão bom...
Nada nos interrompia neste
quarto, a não ser que o meu
companheiro o permitisse. Ele
podia emitir ordens a
distância aos seus servos por
meio de telepatia, parecido
com a comunicação mental
dos lobos com o alfa, só que
para ele não parecia haver um
limite de distância para isso.
Como rei, ele mostrou para
mim que podia fazer o que
quisesse e me manteve
trancada com ele por vários
dias consecutivos. O único
contato que tínhamos com o
exterior era da entrada de
servos quando ele próprio
solicitava por algo.
— Um rei pode mesmo ficar
tanto tempo isolado? Isso não
vai te trazer problemas? —
Perguntei enquanto
jantávamos.
— Tudo está sob o meu
controle. — Respondeu
confiadamente. — O que não
cabe a mim, o conselho e os
alfas dos clãs podem lidar.
— O que é o conselho? —
Agora que ele mencionara
esse nome, me veio à mente
que Horace o convocou a falar
com o conselho logo que
chegamos.
— O conselho é composto
pelos anciões de maior
sabedoria, em sua maioria
antigos alfas e reis. Eles são
responsáveis pela ordem e o
cumprimento das leis de
Éldrim.
— Antigos reis? Quer dizer
que seus ancestrais ainda
estão vivos? — Perguntei
perplexa.
— Apenas meu avô, meu
bisavô e meu tataravô, que é
também o ancião mais velho
do conselho com mais de sete
mil anos.
— E o seu pai? — Havia um
misto de sentimentos dentro
de mim. Há coisas que eu
deveria aceitar sem
questionar, porque não dava
para processar só pela razão.
— Meu pai está morto. —
Respondeu Lohan tão baixo
que eu quase não o ouvi. A
sensação que tive é que essa é
uma ferida profunda no
coração dele. Não quis
perguntar as circunstâncias
porque tinha certeza de que
ele não iria me responder.
— Todos vocês vivem tanto
assim? De onde vim, se
chegarmos a cem anos é
muito. — Respondi
desanimada. Não é que eu
almejasse viver milênios. Eu
gostava do ciclo do mundo de
onde vim. Era natural e
inevitável, só que é
completamente incompatível
com a realidade do meu
companheiro. Eu não
envelheceria do lado dele e
isso era triste.
— Depende do resultado do
teste da provação. Geralmente
os seres de maior poder
conseguem desacelerar o seu
relógio biológico e viver por
milênios, mas a maioria da
população comum não vive
por mais do que dois a quatro
séculos. — Respondeu Lohan
me olhando profundamente.
— Uma das coisas que
teremos que trabalhar com
você é o seu potencial para
passar nesse teste. Preciso
que viva muito tempo ao meu
lado, minha rainha.
— O que é esse teste? O que
terei que fazer? — Perguntei
um pouco mais animada. Eu
precisava agarrar até mesmo
a mínima chance que eu tinha
em viver mais tempo com o
meu companheiro.
— O teste da provação é uma
prova particular que todo ser
mágico pode realizar quando
desperta o seu poder. Sobre o
que você terá que fazer, não
há como prever. O teste é
individual, e uma vez que se
entra na câmara dos deuses
qualquer coisa pode
acontecer. O que há para ser
feito é diferente para cada um.
— Câmara dos... deuses? —
Repeti pausadamente. —
Realmente existem?
Lohan parou de comer por um
instante e cruzou as mãos
sobre a mesa. De alguma
forma, eu sentia que ele
acreditava nisso, não sei se
pelo seu olhar ou por sua
expressão. Minha hipótese se
confirmou com as palavras
que ele pronunciou:
— De onde veio esse mundo?
De onde vem toda a magia?
Nunca os vimos, mas sabemos
que há uma força maior que
controla tudo isso. O destino
está escrito por essa força e as
profecias dadas aos
sacerdotes são a única forma
como sabemos o que querem
e esperam de nós. Nossa
liberdade é diretamente
afetada pelas bençãos e
maldições que nos conectam
ao nosso destino. Quem
escreve o nosso destino?
Somos nós ou eles?
— Os dois. — Respondi. É
confuso, mas real. Como
lobos, quem determinava
quem seriam nossos
companheiros? Qual o
critério? É o único detalhe
sobre a fé na deusa luna que
eu nunca encontrei respostas
para refutar. — Achei que eu
tinha escolhido você, mas eu
já era o seu destino, não é?
Ele assentiu afirmativamente
com a cabeça. Era como se até
mesmo nossas escolhas já
tivessem sido escritas por
algo maior, além da nossa
compreensão.
— Eliza Singer, você é o meu
milagre! — Falou Lohan
amorosamente. Havia um
brilho especial em seus olhos
negros. — A probabilidade de
eu encontrar minha
companheira nas condições
impostas pelos deuses era
quase nula e sem garantias.
Eu poderia facilmente ter
perdido você.
— O que quer dizer?
— Não vê? — Ele segurou
minha mão com firmeza e
aproximou o rosto do meu. —
Éramos de mundos diferentes,
incapazes de nos encontrar e
reconhecer um ao outro como
companheiros. Ainda assim
você me encontrou quando
ninguém sabia que eu estava
lá e ainda por cima escolheu
me amar mesmo sem nunca
ter me visto e contra todas as
possibilidades. Foi você quem
cumpriu as condições para
que pudéssemos estar juntos
agora, neste momento. O
único nome que encontro
para isso é milagre!
O amor só acontece quando
ambos escolhem se amar. Sim,
escolhi amá-lo, e mesmo que
ele não dissesse que escolheu
me amar também, eu sabia
que tinha feito a mesma
escolha que eu, ou do
contrário, jamais teríamos nos
encontrado pessoalmente. Ele
escolheu continuar se
encontrando comigo na
cachoeira todos os dias,
escolheu estar lá por mim
sempre que eu precisava dele
e escolheu me salvar. Seus
gestos valiam muito mais do
que dizer um milhão de vezes
que me ama, mas ainda assim,
eu esperava que um dia, pelo
menos uma vez, ele pudesse
pronunciar essas palavras
para mim.
Resolvi usar as informações
que eu tinha para persuadi-lo.
Era melhor que agíssemos
logo para ganhar tempo na
frente, do que deixar o tempo
passar e perder a chance de
vivermos um longo futuro
juntos. Meu apelo quanto a me
preparar para a provação
surtiu efeito e ele finalmente
decidiu que era hora de sair
do quarto.
— Não vou te deixar sair
assim. — Ele bloqueou o meu
caminho e percorreu
visualmente o meu corpo. Eu
estava só com a camisa dele,
mas pensei que estava coberta
o suficiente. Os olhos
desaprovadores dele me
diziam que não.
— O que eu uso então? —
Perguntei inocentemente.
Meu vestido era a única roupa
que eu tinha. Ele fora levado
pelas servas faz uns dois dias
e ainda não o tinham trago de
volta. Junto com o vestido,
elas levaram várias mexas de
pelos da minha loba.
— Até que suas roupas
fiquem prontas, você ficará
aqui. — Seu tom impositivo
não deixava margem para
discussão. Fiquei parada
vendo-o sair. As portas se
fecharam automaticamente
após sua saída e não pude
deixar de procurar uma
maçaneta, ou algum botão de
controle. Não conseguia
entender como a porta
funciona. É como se tivesse
um sensor de presença que só
funcionava com ele.
Foi inútil tentar, assim como
foi inútil todas as minhas
tentativas de sair para a
varanda. Eu estava presa aqui
dentro.
— Pelo menos é uma prisão
confortável e tem o cheiro
dele. — Falei comigo mesma
sorrindo enquanto saltava
sobre a cama e abraçava o
travesseiro dele. Eu não
conseguia me cansar ou ficar
entediada aqui, ainda mais
quando ele estava comigo.
Lohan não demorou a voltar.
Sai da cama rapidamente
assim que vi a porta se
abrindo. Ele estava
carregando alguns papeis e
materiais de escrita na mão e
dois de seus guardas o
seguiam de perto, cada um
deles com uma pilha de livros
nos braços. Eles deixaram os
livros sobre uma das mesas de
Lohan e então saíram de
cabeça baixa ignorando
completamente a minha
presença. Não pude deixar de
achar que Lohan os tinha
proibido de me espionar,
diferente das servas que
quando vinham, sempre
davam um jeito de olhar para
mim.
— Livros? O que tem neles? —
Me aproximei animadamente
pegando um deles, mas assim
que o abri, senti uma pontada
de decepção. Não é à toa que
Lohan não sabia ler, já que a
escrita daqui é
completamente diferente da
do meu mundo. — Confuso!
Eu não conseguia enxergar
um padrão lógico para a
variedade de símbolos na
minha frente. Virei as páginas
esperando que tivesse pelo
menos uma gravura que
pudesse servir de referência,
mas não encontrei.
— A sua primeira função
como a futura rainha de
Éldrim é aprender o nosso
idioma. — Falou Lohan com
suavidade. — Aprenderá a ler
e escrever na nossa língua.
Aprenderá sobre nossa
cultura, nossa história...
— E quem vai me ensinar?
Você? — Com um professor
lindo desses eu não sabia se
conseguiria prestar atenção,
mas o desafio era um tanto
quanto empolgante. — Eu já
te disse que sou uma boa
aluna?
Lohan riu suavemente e me
fez me sentar de frente para
ele. Fiquei surpresa com o
método inicial que ele usou
para me mostrar sua escrita,
baseado na pronuncia do meu
mundo.
— Como vocês sabem a língua
do meu mundo? — Perguntei
curiosa. Quase todos os
guardas e servos
conversavam com ele na
minha língua.
— A sua língua se tornou a
segunda língua oficial dos
lobos a partir do reinado do
meu pai. Ele foi o precursor
do projeto de trazer os lobos
de volta a esse mundo. Como
tal, ele achava que os lobos de
seu mundo teriam mais
facilidade de se adaptar aqui e
serem ajudados se
pudéssemos compreendê-los.
Então realmente havia um
projeto para se trazer os lobos
de volta. Era algo que eu já
imaginava por conta da
necessidade de se colocar um
fim no Devorador, só que não
tinha ideia de como o meu
companheiro pretendia
executar isso. Não seria nada
fácil convencer o outro lado a
deixar tudo para vir morar em
um mundo desconhecido e
meu companheiro já tinha
mencionado que é para os que
desejam isso, que não seria
algo forçado.
— Eraply ou Lucon? — Se o
pai dele era o precursor de
um projeto desses, também
era, provavelmente, um dos
fundadores da magia dos
portais.
— Lucon. — Respondeu
Lohan sorrindo. — O nome
dele era Lucon Black. Você é
realmente bem atenta.
— Eu falei que sou boa aluna!
— Toda a nossa língua foi
adaptada a escrita desse
mundo. Após algumas horas
de explicação eu já começara
a decorar a pronuncia dos
símbolos. — Foi Lucon que
aprendeu o nosso idioma?
— Sim. Meu pai sempre foi
fascinado pelo povo do outro
mundo. Ele adorava assisti-
los, observar seu padrão de
vidas, comportamento e
anotava cuidadosamente
todas as informações que
conseguia. Assim que
dominou a língua, a ensinou
adiante e implementou-a em
todas as escolas de Éldrim.
Claro, nem todos conseguem
fluência e muitos acabam
esquecendo-a com o tempo
por não praticarem, então não
espere conseguir conversar
com qualquer lobo desse
reino em seu idioma nativo.
A falta de prática leva ao
esquecimento. Perguntei-me
se o motivo de todos no
palácio falarem no meu
idioma era para evitar que
isso acontecesse. Como se
lesse meus pensamentos,
Lohan explanou essa questão.
— Assim como meu pai,
assumi a função de observar o
outro lado e encontrar uma
forma de cumprir com essa
missão. Para tal, ordenei que
todos que trabalham para
mim apenas se dirigissem a
mim no idioma do outro
mundo. Desta forma, todos
estarão preparados quando o
dia chegar.
— E vai chegar? — Se o pai
dele foi o precursor disto, se o
próprio Lohan assumiu a
função de colocar isso para
frente é porque acreditam que
isso vai acontecer.
Dificilmente alimentamos
uma crença e lutamos tanto
por algo pelo qual não se tem
expectativas de que possa
acontecer. Não podia deixar
de pensar que isso tem a ver
com a profecia de Lohan, que
Lucon recebeu antes que o
novo rei, seu filho, nascesse.
— Precisa chegar! — Sua voz
saiu um pouco carregada. Eu
finalmente conseguia
entender o peso que havia em
seus ombros. — O problema
do Devorador começou em
Éldrim, meu território, e como
o atual rei é meu dever
colocar um fim a isso antes
que tome proporções
catastróficas.
— Me conta mais sobre a
história e sobre o seu pai. —
Pedi colocando minhas mãos
sobre a dele. Dava para ver
que Lucon foi alguém muito
importante na vida do meu
companheiro. Considerando o
quão incrível meu Lohan é, eu
sabia Lucon fora um bom pai,
bem como um rei nobre e
gentil. — Preciso muito saber
como as coisas chegaram a
esse ponto.
— Meu pai era apenas uma
criança quando o Devorador
surgiu. Naquela época, houve
o monitoramento em torno do
Devorador, mas meu avô não
deu muita atenção ao
fenômeno. Era algo que nem
ele, nem qualquer outro rei de
Celestria tinham o poder de
destruir, então foi realizado
apenas o isolamento mágico
da área com o objetivo de
impedir que seres mágicos
desavisados se aproximassem
e também para restringir
drasticamente a quantidade
de energia mágica que o
Devorador recebe.
— Se existe um isolamento
que impede os seres mágicos
desse lado de chegarem na
barreira, como foi que se
iniciaram as invasões dos
monstros sombrios no outro
mundo? — Perguntei atenta.
Não faz sentido termos
invasões se a barreira está
isolada.
— As primeiras invasões
foram só por conta de estudos
experimentais. Com o passar
dos séculos, o Devorador foi
só crescendo e intensificando
a sua força, o que tornou o
problema uma preocupação
de nível mundial. Foi quando
finalmente os reis e rainhas se
uniram para estudar o
fenômeno. Cobaias
começaram a ser enviadas
para a barreira e monitorados
para que pudéssemos
finalmente descobrir do que
se tratava.
A partir desse ponto, eu já
compreendia um pouco o
desenrolar da história. Essas
cobaias foram,
provavelmente, os primeiros
monstros sombrios a
atravessar. Foi também
quando a luta dos clãs
começou. Se Luna não tivesse
desaparecido pouco antes das
invasões começarem, talvez a
história fosse outra e
saberíamos a verdade sobre
esse mundo. A coincidência de
seu desaparecimento bater
com o início das invasões é o
motivo pelo qual se acredita
naquele mundo que ela nos
deixou o poder de lobo junto
com a função de lutar contra o
mal. Foi após ela que surgiram
os primeiros alfas, herdeiros
de sua liderança.
Luna não foi chamada de
deusa por nada. Ela era tida
por imortal. Seus filhos e
netos envelheceram e
morreram, mas ela continuou
com uma aparência jovem, o
que fez com que fosse
idolatrada como um ser
imortal. A história se divide
em determinado ponto.
Alguns acreditam que ela não
suportou perder gerações de
amados e tirou a própria vida
para que pudesse se
reencontrar com eles. Outros
afirmam que ela
simplesmente se cansou de
viver no meio de humanos e
voltou para o lar dos deuses.
Eu sempre fui muito cética
quanto a tudo isso, e esse é
um dos motivos pelo qual eu
tanto procurava pela verdade.
— E por que as invasões
continuam? — Essa era uma
questão importante. Com um
estudo minucioso foi possível
descobrir os efeitos do
Devorador, para que se
alimenta e como se alimenta.
De alguma forma descobriram
a origem e a causa de seu
aumento. Não tendo mais o
que desvendar, não fazia
sentido continuar enviando
cobaias. — Não usam mais a
barreira de isolamento?
— As causas são inúmeras,
mas a principal é que não
temos mais o completo
controle territorial dela. A
barreira começou no
território dos lobisomens,
mas seu crescimento atual se
estende atravessando o
território dos monstros e
alcançando a terra das bruxas.
Apenas temos controle sobre
o que está em nossas terras.
Eu não podia julgá-lo. É
notável o controle que tem,
considerando que não há
lobos em invasões. De
repente, uma coisa se passou
pela minha cabeça e olhei
profundamente o meu
companheiro com meu
coração angustiado.
— Lohan, quando foi que você
se tornou rei? — Geralmente
há duas formas de se assumir
a liderança entre os
lobisomens. A primeira é pela
transferência gradativa de
poderes e funções e a segunda
é por herança repentina em
caso de falecimento.
— Faz aproximadamente
duzentos e noventa e seis
anos. — Respondeu-me. Se eu
fizesse essa pergunta de outra
forma, ele provavelmente não
responderia, mas ansiava por
desvendar isso. A pergunta na
verdade era sobre quando o
pai dele morreu, e a época
coincide com o período do
aparecimento do único lobo
sombrio que já atravessou
pelas barreiras. O lobo em
questão era negro, assim
como Lohan. Isso não podia
ser coincidência. O pai de
Lohan havia se suicidado!
P2 - Capítulo 03
Lucon, o homem que amava
os lobos no outro mundo se
perdeu para o Devorador. O
que o teria levado a uma
atitude tão extrema? Tentei
desviar meus pensamentos
para outras questões no
intuito de esconder do meu
companheiro a tristeza que se
alastrava dentro de mim. Eu
queria ser a luz dele, não a
sombra que o faria reviver
suas piores dores.
— Não faz tanto tempo assim.
— Desviei o olhar e forcei um
sorriso enquanto apertava as
minhas mãos nervosamente
uma contra a outra. — É triste
ter que carregar o peso de
algo que não começou em
você. Seu avô que foi o
responsável no início disso,
não é?
— Sim. Meu avô preferiu
simplesmente ignorar o
problema achando que se
resolveria sozinho com o
passar do tempo.
— Na verdade ele aumentou o
problema mesmo que sem
querer. — Comentei após uma
análise racional. O Devorador
nasceu por um motivo. Se ele
tivesse sido usado da forma
correta desde o início, teria
sido a solução do problema
que surgiu com a travessia de
Luna. — O isolamento que
criaram para ser a solução é
também o que intensificou o
problema do Devorador. Se
quando Luna atravessou e
criou o Devorador, monstros
sombrios tivessem sido
criados, Luna teria sido morta
antes mesmo de ter tido seus
primeiros filhos e
consequentemente o
Devorador teria sido extinto
também.
— Não havia como o meu avô
saber disso. Além disso, esse
tipo de solução seria muito
cruel dada a situação. —
Comentou Lohan. Apesar de
todos os problemas e do peso
que havia em seus ombros, os
olhos dele eram ternos. —
Luna foi apenas uma pobre
vítima que acidentalmente
parou em terras
desconhecidas. Além disso, ela
não atravessou sozinha. Ela
estava grávida.
— Grávida? Então a lenda do
quinto filho é real. — Eu
estava pasma diante dessa
informação.
— Luna veio de uma linhagem
forte do clã dos lobos
sacerdotais. Seu companheiro
não era menos importante,
sendo um dos filhos do alfa de
um dos maiores clãs, a dos
lobos cinzentos. O fruto de seu
ventre foi uma loba pura, o
seu maior amor e o motivo
dela continuar sobrevivendo
mesmo depois de ter perdido
contato com o seu mundo e
com o seu companheiro. As
condições no outro mundo
eram desfavoráveis a ela, e
tanto ela quanto sua cria
viviam na fome e na miséria.
Para que sua menina pudesse
sobreviver, ela suportou a dor
de rejeitar o seu companheiro
para que pudesse encontrar
um novo parceiro que
pudesse dar um lar a elas.
Infelizmente ela não
encontrou a sorte que
procurava, invés disso, foi
arrastada na lama por um
negócio sujo e imoral. Isso
deu a ela o sustento que
precisava para que sua filha
pudesse continuar vivendo e,
para não prejudicar o nome e
o futuro de sua criança, ela
optou por esconder sua
maternidade de forma que a
sua filha pudesse ter outro
tipo de vida. Sobre os demais
filhos você já deve conhecer a
história.
Assenti a cabeça. Lohan
acabara de me mostrar a
história da origem do meu
povo de forma pura e simples.
Luna teve mais quatro filhos e
todos com homens diferentes.
Que vida lamentável que
minha ancestral teve...
— E o que aconteceu com a
primeira filha de Luna? — Se
ao menos essa criança tivesse
tido um futuro melhor, então
os sacrifícios de sua mãe não
terão sido em vão.
— A garota cresceu forte e
saudável. Sua formosura era
ainda maior que o de sua mãe.
Ela se casou com um homem
rico e teve vários filhos e
filhas.
— Todos do mesmo homem,
eu espero... — Sussurrei
comigo mesma, mas a julgar
pelo olhar de Lohan, as coisas
não foram bem assim. — Não
me diga que ela...
— Sim. — Lohan suspirou
pesadamente. — Ela ficou
viúva alguns anos depois. Ela
já tinha dois filhos quando
tornou a se casar.
Posteriormente acabou tendo
um caso nada mais nada
menos do que com o segundo
filho de Luna, meio irmão
dela. Esse envolvimento
pecaminoso foi o que deu
origem à maldição da lua.
— Acho que eu preferia não
saber disso. — Tampei meu
rosto com minhas duas mãos.
Era vergonhoso saber que eu
descendia de uma situação
dessas. Será que eu
conseguiria apagar essa
história da minha cabeça?
— Eliza, essa não é a sua
história. Você não tem do que
se envergonhar.
— É fácil falar! — Rangi
enquanto olhava diretamente
no rosto dele. Ele parecia se
divertir com a minha reação e
isso me fazia pensar no quão
vermelho o meu rosto estava.
— Aliás, como é que você sabe
tanta coisa sobre o que
aconteceu?
— Fácil. — Ele pegou um livro
na mão e elevou-o. — Se
quiser saber mais está tudo
registrado nos livros. Com o
poder certo, os instrumentos
certos e as referências
necessárias, toda a história a
partir de Luna até o
surgimento dos portais foi
minuciosamente pesquisado e
desvendado.
Fiz muitas perguntas após
isso, mas ele se negou a me
contar qualquer coisa mais.
Ele propositalmente lançou
informações que eu
considerasse relevantes só
para atiçar a minha
curiosidade. Era um típico
método para estimular
aprendizagem e devo dizer
que funcionou. Saber que nos
livros daqui eu encontraria a
resposta a tudo que ele não
queria me falar me deixou
extremamente motivada a
ponto de que eu não queria
parar.
— Já chega por hoje,
companheira! — Disse-me
Lohan em um tom
provocativo, me tocando em
partes que tiravam a minha
atenção sobre o que eu estava
fazendo. Ele tinha muita
paciência na hora de me dar
aulas, mas quando era a hora
dele, eu não tinha escapatória.
Os dias se tornaram
repetitivos em uma rotina
simples que, além das
necessidades essenciais,
incluíam estudo intensivo e
muito namoro. Eu não tinha
nada do que reclamar, meu
professor era simplesmente
maravilhoso e fazer tudo com
ele era como estar em um
sonho. Permaneci por quase
um mês dessa forma. Volta e
meia Lohan saia e me deixava
sozinha no quarto,
principalmente nas
madrugadas enquanto eu
dormia e nos momentos em
que comecei a fazer exercícios
sozinha. Comecei a me
questionar por quanto tempo
mais ele me manteria presa
aqui. Eu desejava muito
conhecer o resto do palácio
bem como o mundo lá fora.
— Meu rei... — Estávamos
deitados de frente um para o
outro e comecei a traçar
suaves círculos em seu
peitoral com o meu indicador.
— Quando minhas roupas vão
ficar prontas?
As roupas é a desculpa que ele
me dera para que eu não
pudesse sair. Do jeito que ele
falara inicialmente, achei que
seria mais rápido confeccioná-
las.
— Já estão, pelo menos uns
quatro trajes. Coloquei
urgência total nisso. — Disse-
me ele sorrindo de um jeito
travesso. Sentei-me na cama e
fulminei-o com meu olhar.
— Você estava me enrolando?
Lohan, isso não é certo! —
Adverti-o em um tom irritado.
Eu queria muito sair um
pouco. Por que ele fez isso
comigo?
— Mas aí eu perderia esse seu
visual sexy. — Olhei
desconcertada para ele,
sentindo meu rosto
esquentar. Ele realmente
gostava que eu usasse as
camisas dele? Os dedos dele
começaram a brincar através
da minha pele, mas virei-me
contra ele deixando claro que
isso me deixara chateada. Ele
não me levou a sério, invés
disso me puxou contra ele e
continuou me provocando.
— Farei com que tragam suas
novas roupas amanhã cedo.
— Mesmo? — Perguntei
timidamente. Minha loba já
estava muito agitada com as
provocações dele.
— Sim, minha rainha! —
Sussurrou no meu ouvido. Ele
realmente sabia como me
provocar. Eu simplesmente
amava quando ele me
chamava assim.
Assim como prometido, recebi
meus primeiros conjuntos de
roupa logo na manhã do dia
seguinte. Era muito bom
poder me vestir com minhas
próprias roupas, apesar disso,
sei que sentiria muita falta do
cheiro de Lohan em mim.
— Como estou? — O vestido
branco era relativamente
simples. As alças eram finas e
o comprimento ia perto do
joelho.
— Maravilhosa! — Seus olhos
me sondaram por completo.
Havia aprovação neles. Me
aproximei, peguei em sua mão
e fiz novamente o pedido que
a tanto eu queria.
— Vai me levar para conhecer
a sua casa agora? Quero ver
tudo!
— O que eu não faço por
você? — Disse-me com um
daqueles lindos sorrisos que
me deixava entusiasmada.
O tour me deixou
especialmente animada. Tudo
dentro do palácio era alto,
espaçoso, e cheio de
corredores. Mesmo me
esforçando para tentar gravar
onde ficava cada coisa, sentia
que levaria tempo até andar
por aqui sem me perder.
— Que cozinha enorme! —
Comentei admirada. Eu sabia
que era uma cozinha por
conta dos diferentes aromas
de comida. Utensílios e
panelas eram similares, mas o
formato da área em que os
alimentos eram cozidos era
bem diferente dos
convencionais fogões. Eram
circulares e dividido por
níveis.
Nunca pensei que uma
cozinha pudesse ser tão
grande. Era maior do que o
refeitório do colégio Siram e
tinha portas para diversas
direções. Haviam quase trinta
mulheres preparando coisas e
circulando para lá e para cá.
Quando entramos, todos
desviaram o olhar para o
chão.
— Aqui é ala comum entre os
blocos que dividem o palácio.
Toda a área que te mostrei
anteriormente faz parte dos
aposentos reais que
pertencem somente a mim.
— Há mais alguma área
comum? — Perguntei curiosa.
Lembro que no caminho
passamos por algumas portas
no caminho que Lohan não
abriu para mim. Disse-me que
eram áreas que eu deveria
evitar.
— Algumas. — Respondeu me
guiando novamente pelos
corredores. Inevitavelmente
me peguei observando cada
detalhe pelo caminho. Nesse
lugar imenso, toda a
arquitetura era simples, e
ainda assim, elegante.
Abrindo uma porta um pouco
além da cozinha, me deparei
com fileiras intermináveis de
armários, todos repletos de
livros. Era a maior biblioteca
que eu já tinha visto na minha
vida. A biblioteca era circular
e ocupava os três andares do
palácio.
— O segundo e o terceiro
andar são só para registros.
Nada muito empolgante para
se ler. Aquela parte no canto
esquerdo é a zona real e
pertence a mim, então se
quiser vir ler aqui dentro,
pode se acomodar ali.
Ele apontou para um canto
cuja a única delimitação é um
pequeno degrau. É bem
iluminado por conta de duas
grandes janelas que havia de
frente. Possuí algumas
poltronas luxuosas recobertas
com aquele material branco e
fofo, algumas estantes nos
entornos e uma mesa no
centro esculpida em pedra
branca.
— O tipo de cantinho que eu
amo. — Comentei com
satisfação. Era no extremo
oposto às demais mesas e
cadeiras e me daria a
tranquilidade necessária caso
eu precisasse ler alguns livros
aqui.
Saindo da biblioteca, entrei
em um corredor aberto e bem
iluminado que leva até o
jardim. Meus pés descalços
sentiam satisfação em pisar
no chão na área externa,
recoberto por um tipo de
grama baixa e aveludada.
— Pode vir aqui sempre que
quiser. Esse pátio em
especifico pertence
exclusivamente a mim. Ele é
delimitado por cozatas
vermelhas, aquelas plantas de
formato helicoidal. — Precisei
focar muito minha visão para
conseguir enxergar o lugar
para onde ele estava
apontando. As plantas em
questão formam uma cerca
viva, mas não são muito altas.
Qualquer um pode saltar
facilmente por cima.
— E o jardim além disso?
— Área comum, mas prefiro
que não o frequente por um
tempo. — Ele me olhou com
seriedade e algo me dizia que
isso era mais uma ordem do
que um pedido. Mesmo que eu
quisesse dar uma de rebelde,
ele saberia por conta da
marca. Apenas sorri e assenti,
afinal, "por um tempo"
significa que é apenas
temporário.
— Me leva para conhecer o
mar? — Pedi entusiasmada.
Eu podia sentir a brisa úmida
vindo em nossa direção.
— Vamos correr então! —
Disse-me ele tomando forma
de lobo. Fiz o mesmo,
deixando Lisa sair. Ela, mais
do que eu, queria isso.
"É tão bom poder se
transformar sem se preocupar
com a questão das roupas!" —
Falei a ela.
"Tranquilidade é liberdade!"
— Respondeu-me de volta.
Ela, mais do que eu, odiava
preocupações desnecessárias.
Ela só queria correr e fazer as
coisas que ama sem se
preocupar com mais nada.
A sensação de poder correr ao
lado do meu companheiro
nesse mundo é simplesmente
maravilhosa! Ele corria em
ritmo lento para que eu
pudesse acompanhá-lo.
Jamais pensei que encontraria
alguém mais rápido que eu, e
era inevitável que eu pensasse
que, nesse mundo, eu
provavelmente seria a loba
mais lerda por não ter
genética pura.
O mar ficava há apenas quinze
minutos de corrida do palácio.
A areia prateada cintilava de
leve. É lisa e extremamente
escorregadia nas áreas
molhadas. Como se eu tivesse
voltado a ser criança, corri em
direção à areia molhada e me
joguei escorregando por
vários metros antes de parar.
— Isso é muito divertido! —
Exclamei rindo assim que
voltei para a forma humana.
Caminhei cuidadosamente até
a faixa seca tentando não
escorregar, voltei a correr e
me joguei novamente na faixa
molhada dessa vez indo direto
para dentro da água.
— Minha pequena travessa!
— Lohan havia voltado a
forma humana e se sentara na
parte seca. Ele estava rindo e
sua risada me deixou
hipnotizada.
— Isso é incrível! — Deslizei
algumas vezes para dentro da
água enquanto eu tentava
sair. Sorte a minha que quase
não havia ondas, ou do
contrário, eu estaria me
revirando enquanto tentava
sair. Meus pés continuavam
escorregando e acabei
desistindo e me jogando de
vez para dentro.
— Hmmm, a água é doce. —
Comentei após um mergulho
rápido. Não doce de potável,
mas doce de ter um sabor
adocicado mesmo. Era
gostosa, mas não pude deixar
de me perguntar sobre o que
tinha dentro dela e se eu
realmente podia ingerir isso.
— No meu mundo a água do
mar é salgada.
— Se está preocupada, não
precisa. O adocicado vem de
uma planta aquática
predominante dessa região,
que é, inclusive, um dos
principais ingredientes para
as nossas sobremesas.
Ele se aproximou da água e
saltou para dentro nadando
até o meu lado. Acabei
parando um pouco mais no
fundo por conta dos meus pés
não terem apoio na areia
escorregadia.
— Isso é mais doce! — Disse
ele segurando-me contra ele e
me beijando. Envolvi os
braços em torno do pescoço
dele enquanto nos beijávamos
apaixonadamente.
— As melhores experiências
da minha vida estou tendo ao
seu lado. — Comentei
enquanto olhávamos
profundamente nos olhos um
do outro. É muito difícil não
sorrir quando estou ao lado
dele. — Obrigada por me
mostrar o seu mundo e por
me deixar fazer parte dele,
companheiro!
P2 - Capítulo 04
Acho que se não fosse por
Lohan, eu teria demorado um
pouco mais a conseguir sair
da água. A inclinação fazia
com que toda a faixa próxima
ao mar se tornasse um
escorredor mais liso do que
piso ensaboado. O segredo
para caminhar pela areia
molhada é afundar a ponta
dos dedos nela. Eu não tinha
ideia do que essa estranha
areia é composta, mas foi só
depois disso que descobri o
quanto era pesada. Eu
provavelmente não teria
forças para carregar um balde
cheio dessa areia, mesmo com
a força da minha loba. Fazer
castelo de areia nessa praia é
algo completamente fora de
cogitação.
— Por que não me leva para
conhecer a cidade? Adoraria
ver como é a alcateia! — Pedi
a ele depois que retornamos
ao pátio do palácio.
— Inviável no momento. —
Respondeu-me com a voz
suave.
— Quando então? — Insisti.
Quase não havia guardas no
caminho por onde passamos,
e quase não conheci ninguém
desde que vim a este mundo.
Eu podia jurar que Lohan
ordenou que os guardas se
afastassem dos lugares onde
ele me levaria. Em um
contexto normal, eu acharia
romântico que pudéssemos
fazer um passeio a dois sem
sermos incomodados, mas eu
sabia que nenhum de nós dois
éramos normais. Por algum
motivo, ele estava tentando
me afastar das pessoas, e isso
ficou claro por conta de
proibições como essa. —
Quando vou poder conhecer
outras pessoas?
— Não está satisfeita comigo?
— Perguntou-me com a voz
um pouco mais séria.
— Lohan, não é isso! Eu só
quero conhecer mais sobre as
pessoas com quem convive.
Você está com vergonha de
me apresentar a eles? —
Minha respiração ficou pesada
e baixei o olhar. Lembranças
de como William me rejeitara
por conta da opinião das
pessoas me vieram a mente.
Será que as pessoas aqui
teriam uma opinião ruim de
mim, a meio humana do outro
mundo?
— Não é isso! — Disse ele
tocando minha face e
elevando-a para que eu
pudesse olhar em seus olhos.
— Você é o meu maior
tesouro e não me importo que
todos saibam disso. Como
meu tesouro, devo protegê-la
e, até que eu tenha certeza de
que será seguro para você,
peço que continue sob minha
guarda e acate os meus
conselhos.
Ele realmente sabia como
convencer uma garota. Seu
maior tesouro, é? É por causa
de cantadas como essa que eu
ficava sorrindo de amores o
tempo inteiro. Como se
quisesse me dar um mimo por
conta de não poder realizar o
meu último pedido, ele me
mostrou uma escada no pátio
que levava ao segundo andar.
Entramos num corredor com
vários acessos e paramos de
frente a uma grande porta
dupla de madeira.
— É o que estou pensando? —
Perguntei ansiosa. Ele sorriu
para mim como se dissesse
que sim e convidou-me a abrir
a porta. — A sala mágica!
Ali no centro estava a cama, as
paredes todas como espelhos
que não refletem nada e o teto
brilhante como se ele inteiro
fosse uma lâmpada.
— Chamamos de centro de
observação e invocação. —
Explicou-me. Dito isso fechou
a porta e caminhou até a cama
se sentando em cima dela com
as pernas cruzadas.
— Minha caixa do tesouro! —
Estive tão distraída no último
mês que sequer tinha parado
para perguntar a ele o que
fizera com ela. Estava por
cima da mesma prateleira
perto da porta, no mesmo
lugar que ele o havia colocado
quando vim aqui pela
primeira vez.
— Deixei aí como um
lembrete. — Disse-me
suavemente esticando a mão
em minha direção. Aproximei-
me dele atendendo o seu
chamado.
— Lembrete de quê? —
Perguntei curiosa enquanto
me sentava ao lado dele.
— De nunca desistir. — Assim
que ele disse isso, toda a
parede da sala começou a
brilhar, revelando imagens de
incontáveis paisagens. Era
como uma sala de vigilância e
monitoramento, mas haviam
milhares de telas espalhadas
pelas paredes. Os mais
diversos sons se sincronizam
pelo que tinham em comum
entre si. O barulho de águas
correndo era tudo o que se
podia ouvir.
— É daqui que você me via?
— Meus olhos começaram a
vasculhar essas paredes
mágicas procurando entre as
imagens a que correspondia a
minha cachoeira. Era quase
impossível encontrá-la. Além
disso, não fazia ideia de como
ele poderia me ouvir falar
com ele assim. O som das
águas é tão alto que abafaria
qualquer conversa que
rolasse do outro lado.
— Chamamos zona de
reflexão mágica
interdimensional. Eu só
preciso projetar minha
consciência mágica para que a
conexão com as fontes
demarcadas aconteça e esse
lado espelhe tudo o que está
do outro lado.
— Bem, vou chamar de
monitor mágico. — Tudo
nesse mundo já era complexo
demais para mim não as
simplificar. — Como
conseguia me ouvir?
Assim que perguntei isso, uma
única imagem tomou conta de
toda a parede. Era a cachoeira
que eu gostava de ir, a nossa
cachoeira. Doces lembranças
invadiram minha memória
enquanto me lembrava de
todos os momentos em que
fui até ali conversar com ele, o
meu senhor misterioso.
— Posso me focar somente
em um ponto especifico.
— Mas para isso precisa parar
de monitorar as demais
fontes. Como vai ouvir se
alguém disser aquelas
palavras mágicas?
— Aquelas palavras mágicas
não precisam ser ouvidas.
Elas ativam automaticamente
a pedra de invocação e recebo
o alerta consciente,
independentemente de onde
estiver ou o que estiver
fazendo.
— Tipo um alarme
disparando? — Ele sorriu,
mas não respondeu. Aposto
que não sabia do que eu
estava falando.
— É como uma ligação
telefônica. — Disse ele,
tentando traduzir de uma
forma que nós dois
compreendíamos. — As
palavras mágicas são como os
números a serem discados e a
pedra de invocação é o
receptor final. Tudo que
preciso fazer é atender a
ligação para completá-la.
— Oh! — Mostrei os
polegares para cima para
indicar que compreendi. Meu
companheiro sem dúvidas é o
melhor!
— Todo esse lugar é uma
complexa estrutura criada
única e exclusivamente para
isso. A informação de como
ativá-la finalmente chegou ao
outro lado e espero que os
resultados possam vir em
breve.
— Qual o plano,
companheiro? — A resposta
dele veio com a imagem que
apareceu no monitor mágico.
É a cachoeira de Arches onde
lhe apresentei Damian. Não
havia ninguém lá, mas eu
sabia o que ele queria dizer
com isso.
— Aquele alfa é o mais aberto
entre eles a aceitar a ideia de
migrar para esse mundo.
Contei-lhe a verdade sobre
quem eu era, sobre o projeto e
sobre o Devorador. Se o maior
clã daquele mundo abraçar a
causa, todos os demais
acabarão por segui-lo.
— Uma guerra só se vence
com os aliados certos. —
Lembrei-me do que ele me
dissera a respeito dos meus
amigos. — Então ele soube
que você é um rei antes de
mim? O que mais ele sabe que
eu não sei?
— Você deveria pensar no que
tem vantagem. Damian não
sabe como este mundo é. —
Definitivamente ele acertou o
ponto principal. Não importa
quantas informações Damian
tenha sobre o projeto, eu fui a
primeira a atravessar para
esse lado e ver a magia deste
mundo com meus próprios
olhos.
— Para alguém com uma
missão tão grande, você
parece bem tranquilo. — Ele
poderia ter me pedido para
espalhar a informação no
outro mundo, mas invés disso,
escolheu apenas uma pessoa
para confiar. É como se não
tivesse pressa.
— Há um jeito certo de se
fazer as coisas. Apressá-las é
um risco que nem sempre dá
certo. Além disso, agora tenho
algo que eu não tinha antes, a
brecha que me permite
atravessar ao outro lado no
momento de interferência.
Não é um evento raro, e tenho
muitos anos pela frente para
ir preparando o caminho.
— Sobre o surgimento da
brecha, — achei que devia
aproveitar que ele estava
aberto a responder para
terminar de sanar minhas
outras curiosidades — você
tem alguma ideia de como ela
surgiu e o porquê surgiu?
— Há hipóteses. — Ele olhou
para o alto, para o teto. Segui
seu olhar, mas não havia nada
lá além da luz. Não consegui
olhar muito tempo para cima
por causa dessa claridade. —
Depois da primeira vez que
fui ao seu mundo, solicitei um
pedido de vistoria urgente aos
fundadores do projeto. Eles
eram os únicos capacitados a
dizer o que havia acontecido
com a pedra de invocação.
Eraply e Willow vieram
pessoalmente verificar. De
início, estavam céticos sobre
eu ter atravessado, mas isso
mudou depois que mostrei os
seus brincos como prova. Essa
foi, sem dúvida, a notícia mais
surpreendente do último
milênio.
— E eles descobriram o que
ocasionou a brecha? — Já não
me surpreendia em nada
saber que Eraply também está
vivo. Questões relativas à
idade já nem faziam mais
parte dos meus
questionamentos.
— Apenas hipóteses. — Falou
ele com seriedade. — De
acordo com Eraply, a magia
essencial continua a mesma,
contudo Willow detectou algo
nas inscrições mágicas que ela
criou. Disse que houve uma
ruptura no ponto de chamado.
Concluiu-se que foi por eu
forçar uma travessia
concidentemente quando
havia uma interferência
mágica de forte intensidade
do outro lado.
Indiretamente ele estava
admitindo o seu amor por
mim. Ele tentou forçar uma
travessia para o outro lado só
para me ver e me consolar?
Isso era irracional demais
para alguém que sempre age
de forma paciente e pensada.
Fiquei imensamente feliz com
essas pequenas pistas que ele
deixava escapar sobre o
quanto ele queria estar
comigo naquela época.
— Por que o eclipse causa
essa interferência? E como
descobriu que podia
atravessar ao outro lado e
voltar?
— Não é o eclipse que causa a
interferência, mas a
interrupção da projeção
direta da lua sobre a terra. O
portal foi criado para ser
usado em uma noite sem lua
porque a luz refletida pela lua
precisa estar alinhada com a
área de atuação mágica, mas a
magia desse lado só se
conecta ao outro quando essa
reflexão é prejudicada. O que
o eclipse proporcionou, foi
uma potencialização
temporária que permitiu
elevar o fluxo mágico deste
mundo para o outro, e
somente com o acesso a esse
fluxo é que eu conseguiria
ativar o portal do outro lado
sem tocar na pedra. — Era
engraçado pensar nele
discando o número para fazer
a ligação e ele próprio atender
e completar a chamada. Só
mesmo a magia para fazer
algo assim. — Sobre como
soube que eu conseguiria
voltar na primeira vez, é
simples. Antes de vir para
essa sala naquela noite,
Horace me disse que o cristal
de previsões mostrou que eu
me atrasaria para uma
importante reunião que
ocorreria na manhã do dia
seguinte e que o conselho
estava irritado por conta
disso. Como eu poderia chegar
na reunião se não pudesse
voltar? Era algo que eu queria
descobrir.
— Esse cristal de previsões
não falha? — Uma vez que se
sabe o que pode acontecer, é
possível mudar suas decisões.
Ele saber que se atrasaria não
é necessariamente uma
desculpa para saltar entre
mundos e achar que tudo
daria certo.
— Nunca falha. Ele só prevê
algo quando realmente vai
acontecer. Geralmente é
usado apenas para prever
condições climáticas e
pequenos incidentes.
Raramente ele mostra algo
sobre alguém. Foi uma
surpresa muito grande
quando ele previu algo a meu
respeito, por isso entendi
aquilo como um sinal.
— Companheiro, — a
lembrança de como ele voltou
ao meu mundo para me salvar
fez o meu coração acelerar —
nem sempre apressar as
coisas dá errado. Você
atravessou para me encontrar
antes da interferência se
repetir.
A memória para ele
provavelmente não era tão
boa quanto foi para mim. Ver
alguém que gosta correndo
para a morte deveria tê-lo
lembrado do que aconteceu
com pai, e isso mais do que
justifica a fúria com que me
abordou naquela época. Por
mais estúpida que eu tenha
sido, teria feito tudo de novo
porque o resultado valeu a
pena.
— Poderia ter dado errado se
eu não tivesse ajuda desse
lado. Foi um risco muito alto,
mas necessário. Se algo
tivesse acontecido com você,
provavelmente eu teria
desistido de tudo. — Alguém
que sempre opta pelo
caminho seguro escolheu
viver novamente o risco por
minha causa. Como não me
emocionar?
— Você realmente precisava
ter corrido esse risco? Se a
brecha torna possível
atravessar para o outro lado,
por que não mandar outro em
seu lugar? — Na época eu não
sabia que ele tinha
incontáveis súditos e guardas
à sua disposição. Qualquer um
deles poderia correr o risco
no lugar dele.
— Eu tentei, mas não deu
certo. — Disse ele acariciando
minha bochecha e me olhando
profundamente. — Desde que
me encontrei com você pela
primeira vez, quis te alcançar
de novo, mas acabei
comprovando que ninguém
além de mim consegue
atravessar. Quando a invasão
dos monstros sombrios
aconteceu e você foi
encurralada, eu mesmo tentei
atravessar de novo para estar
ao seu lado e te proteger, mas
não consegui. O
funcionamento da brecha
ainda não está claro para
mim.
— Mas você se comunicou
comigo naquela vez. Mesmo
não conseguindo estar
presente, você falou comigo e
fortaleceu a minha mente
salvando minha vida. Como
fez aquilo?
— Aquilo foi outro fenômeno
inexplicável. Senti meu poder
extravasar para o outro lado,
mas não consegui replicar isso
outras vezes. Inicialmente
achei que a interferência
causada pelo eclipse era a
única condição que permitia a
travessia completa, então
decidi esperar pelo próximo
eclipse para ir te buscar, só
que você me fez perder a
cabeça bem antes disso.
Quando pensei que iria te
perder antes mesmo de ter a
chance de te reencontrar,
novamente o inexplicável
aconteceu e consegui
atravessar para o seu mundo,
mesmo sem a interferência. É
como se os céus tivessem
interferido a nosso favor.
— Por que quis tanto chegar
em mim? Você ainda não
sabia que eu era a sua
companheira, não é? — Para
mim isso é amor sincero, mas
eu precisava ouvir as palavras
da boca dele.
— Você não tem ideia de
como a sua presença afetou a
minha vida.
— Me conta então! — Pedi
docemente. Eu estava
morrendo de curiosidade de
desvendar os pensamentos
dele, de saber o que se
passava na sua mente e em
seu coração em relação a
como ele me via e me vê.
Infelizmente não tive a
resposta que eu queria. Lohan
sorriu maravilhosamente para
mim e me puxou para um
beijo. Essa era a mesma
resposta que ele sempre me
dava.
— Só mais uma pergunta. —
Levantei a mão assim que ele
se afastou. Eu estava
muitíssimo satisfeita que meu
companheiro estivesse
finalmente respondendo
minhas dúvidas. Não podia
deixar essa oportunidade
passar. — Você me disse uma
vez que nunca se deve baixar
a guarda para uma bruxa. Se
as bruxas não são confiáveis,
porque a Willow está sempre
envolvida? Ela não só ajudou
no projeto, como também veio
aqui ajudar a desvendar a
brecha e a recarregar a magia
na pedra de invocação. Você
não poderia ter pedido isso a
esse tal de Eraply? Quem é
ele?
— Achei que seria só mais
uma pergunta. — Ele riu
suavemente, mas não colocou
isso como um obstáculo para
que eu obtivesse as respostas
que buscava. — Eraply é o rei
das fadas. Embora tenho sido
um dos fundadores do
projeto, ele já o abandonou.
Como não se importa mais
com o que fazemos, a
comunicação com ele é
complicada e somente deve
ser feita se estritamente
necessário. Bruxas por outro
lado são astutas e
oportunistas. Elas observam
friamente tudo e até mesmo
mentem para alcançar seus
objetivos sórdidos e egoístas.
Willow é diferente, ela não só
é a mais forte como também
comanda o reino das bruxas.
Como rainha das bruxas ela
tem um código moral mais
forte e objetivos mais dignos.
Ela não mente, mas está
sempre omitindo informações
para usar como moeda de
troca.
— Então é uma aliada que se
compra. — Lembrei-me de
como ela pediu por minhas
joias em troca de ajudar
Lohan. — E o que usou em
troca da informação sobre a
brecha?
— Os seus brincos.
— Quê? Achei que ia guardá-
los para ter uma lembrança
minha! — No fim das contas
ele perdeu meus brincos bem
antes que eu perdesse o
manto dele.
— É o que Willow queria. Ela
adora joias e disse que as
pedras nos brincos tem muito
potencial de suportar
inscrições mágicas avançadas.
A informação sobre a brecha
era o mais importante
naquele momento. Além
disso, se ater a lembranças
não faz sentido quando se
pode vivenciá-las no presente.
Diferente de mim, ele podia
me ver e ouvir. Realmente
eram situações bem
diferentes. Acho que se ele
estivesse no meu lugar,
também iria querer uma
prova de que é real. Suspirei
fundo e deixei passar. Vendo
que eu não tinha mais
perguntas, ele me mostrou
como fazia para atravessar as
paredes de monitoramento
para o lago. Era um
encantamento que, assim
como o portal, só se ativava
com as palavras certas. Essas
palavras são a chave do
conjurador e, somente quem
conhece essa chave, pode usá-
lo.
Repeti várias vezes essas
palavras na minha cabeça
tentando decorá-las. Depois
disso, olhei o lago prateado
cujas águas são tão densas
que é impossível afundar
nelas. No fim das contas, o
azul infinito que me parecia o
céu e que me dava a sensação
de que o lago também é
infinito não passava de uma
ilusão. Mesmo sabendo que
esse lugar se encontra entre
quatro paredes, ainda tive a
curiosidade em encontrar o
fim.
Caminhei pelo lago por um
tempo em direção oposta à
sala de monitoramento. Por
mais que eu caminhasse, não
conseguia me afastar daquela
construção. Por várias vezes
olhei para trás, atordoada.
— Como é possível? —
Perguntei ao Lohan que
estava parado acompanhando
meus movimentos. Havia um
limite para o quanto eu
conseguia me afastar dele.
— Há uma força mágica que te
puxa de volta sem que você
perceba.
— Ótimo! Parece um bom
lugar para se fazer esteira! —
Brinquei. Claro que ele não
entendeu. Nem todas as
palavras do outro mundo
fazem parte do dicionário
dele, ainda mais se tratando
de recursos tecnológicos. — É
um objeto que os humanos
usam para se exercitar. Você
caminha indefinidamente sem
sair do lugar.
— É interessante e até mesmo
confuso a forma como os
humanos replicam a nossa
magia sem usar magia. —
Comentou Lohan pensativo.
Confuso para mim era isso
tudo. Tecnologias sempre tem
uma lógica por trás, mas isso
aqui buga a cabeça de uma
forma que a esteira não faz.
Para se retornar à sala de
monitoramento não é
necessário conjurar nada. A
passagem é livre, bastando
passar pela parede de nuvem.
É por isso que Lohan tinha me
dito que a porta fica do outro
lado em minha primeira
experiência nesse lugar.
O tour terminou exatamente
onde começou, no quarto de
Lohan. Ele me explicou que a
porta principal reage à
presença do rei, e que apenas
quando eu fosse oficialmente
coroada como rainha, a porta
se abriria e se fecharia
sozinha para mim. A porta de
cristal que dá para a varanda
funciona da mesma forma.
Não há lugar mais seguro e
exclusivo do que este, já que
ninguém entra ou saia a não
ser pela vontade do rei.
Não pude deixar de me
perguntar quando Lohan se
casaria comigo e me faria a
sua rainha oficialmente. A
resposta que ele me deu foi
bem simples e direta:
— Quando você passar pela
provação!
P2 - Capítulo 05
A provação tem uma
importância muito maior do
que simplesmente aumentar o
tempo de vida dos seres
mágicos. Ela estabelece uma
conexão profunda entre o
usuário, sua natureza mágica
e as bênçãos deste mundo.
— Por que está me trazendo
com você hoje? — Lohan
havia me acordado e me
pedido para acompanhá-lo até
a sala de monitoramento. Era
a primeira vez que tinha feito
isso.
— Você vai descobrir em
breve. — Ele se sentou na
cama e os monitores mágicos
foram inicializados. Sentei ao
lado dele e deitei minha
cabeça em seu ombro. Quando
comecei a pegar no sono, uma
das telas foi ampliada
ocupando uma grande
extensão da parede. Acordei
imediatamente ao reconhecer
a cachoeira.
"Não tem ninguém!" —
Concluí voltando a fechar
meus olhos. Poucos minutos
depois, uma voz a chamou
minha atenção.
— Irmã, hoje vim
acompanhado como eu disse
que faria. — Coloquei-me de
pé imediatamente ao ouvir
essa voz e me aproximei da
imagem. Nicolas parecia estar
olhando para nós. Ao lado
dele estava Lorraine, e pouco
atrás Liam e Annie.
— Oi! Sentiu saudades? —
Disse Annie acenando para
mim. Fiz que sim com a
cabeça enquanto deixava as
lágrimas descerem. Era tão
bom poder olhar para eles!
— Obrigada! — Sussurrei
para Lohan e continuei
acompanhando o que me
diziam.
Eles me explicaram que o
período de férias do meio de
ano estava acabando e
queriam falar comigo antes
que as aulas recomeçassem.
Além disso, me trouxeram
uma novidade muito
interessante.
— Não trouxemos o resto da
banda para vir falar com você
porque decidimos não revelar
a eles o seu segredo. —
Explicou-me Nicolas. —
Queríamos que soubesse que
o seu perfil da Lisa continua
bombando, ainda mais agora
que o seu álbum está para ser
lançado essa semana. Estou
especialmente empolgado,
ainda mais porque você me
deixou fazer parte dele.
— Estamos muito ansiosos
pelos seus novos sucessos,
Lisa. Como sua grande fã serei
uma das primeiras a adquiri-
lo. — Disse Lorraine.
— Eu que serei! — Disse
Annie. Elas quase começaram
a brigar entre si por conta de
quem era a maior fã. Annie
saiu na frente quando disse
que tinha um CD autografado,
mas Nicolas ganhou em todos
os demais quesitos. Nicolas
batia de frente com Damian,
isso era fato.
— Enfim, como pode ver as
expectativas aqui estão bem
altas. — Comentou Liam
assim que aquela divertida
situação foi apaziguada. —
Queríamos vir juntos aqui
para te desejar sucesso!
— E também te dizer que você
faz muita falta! — Disse Annie
com os olhos lacrimejantes.
A despedida foi tocante e
assim que eles deixaram a
cachoeira, toquei meus dedos
no monitor. Queria muito
poder abraçá-los e respondê-
los. Será que Lohan também
se sentia assim quando era eu
que conversava com ele do
outro lado?
— Eles entraram em contato
mais vezes? — Perguntei ao
Lohan. Senti uma necessidade
urgente de saber sobre tudo o
que aconteceu depois da
minha partida.
— Sim, mas acho que perdi
algumas vezes. Diferente de
você, eles não sabem quando
há alguém olhando ou não.
— E nas vezes que você os
viu, o que disseram?
— Damian é mais fácil
encontrar. Eu combinei um
horário para o caso dele
querer falar comigo e parece
que em algum momento ele
repassou essa informação
para o Nicolas de forma que
ficou mais fácil encontrá-los.
Sobre o conversado, foram
informações que queriam que
chegasse a você. O que
aconteceu no dia em que
partirmos foi ocultado ao
máximo já que as
testemunhas foram
ordenadas a manterem sigilo.
O alfa também investigou
todas informações que seus
amigos tinham, mas não
tomou nenhuma medida
punitiva contra eles porque
não houve consequências
mais graves. Penso que ele
entende que estava errado em
querer te forçar a algo que
não queria.
— E você tem alguma
novidade do filho dele? —
Não é que eu quisesse me
preocupar, mas William
sofrera um golpe tremendo
naquele dia e eu sabia que
isso podia afetar o alfa ou
mesmo Caroline.
— Não muitas. Parece que se
isolou ignorando suas funções
e não tem tido muito contato
com o clã.
— E os meus pais? Como será
que estão fazendo para lidar
com o meu agente? Eu acho
estranho que o álbum será
lançado como se tudo
estivesse normal, mesmo eu
tendo desaparecido e não
podendo fazer parte do
evento de lançamento.
— Essa é a principal
informação que Damian
trouxe para mim. — Lohan
estava sério. Se ele sabia de
todas essas informações, por
que não tinha me contado
nada antes? — Seus pais não
estão lidando bem com a sua
partida. Eles entraram em
conflito com Damian por não
ter agido para te impedir. Sem
saber como justificar a sua
ausência, disseram ao seu
agente que você havia falecido
e exigiram que a informação
não fosse vazada.
— Agora entendo porque
Marcos e sua família estão se
dedicando tanto em fazer do
álbum um lançamento de
sucesso. Devem se culpar de
não terem participado de meu
suposto enterro e pensam no
álbum como uma forma de me
prestarem sua última
homenagem. — Eu os
conhecia bem o suficiente
para saber que Marcos faria
algo assim. Não acredito que o
álbum seria lançado tão
rápido se eu estivesse lá. Eles
estariam me cobrando um
milhão de coisas e, se eu não
as fizesse, ficariam adiando
até o momento em que eu
pudesse participar.
Na caixa que entreguei para
minha mãe estavam não são o
acesso às minhas contas
bancárias como todos os meus
registros de direitos autorais,
contratos e tudo o que eu
tinha de mais valor. No fim, se
o lançamento for um sucesso,
é ela que receberá a minha
remuneração.
— Eu não entendo porque
meus pais entraram em
conflito com o Damian.
Expliquei-lhes
detalhadamente em cartas
tudo a nosso respeito. Tudo
que não está nas cartas,
Damian poderia ter-lhes
explicado.
— Não há explicações para
tudo. — Disse Lohan
suavemente. — Eu levei algo
importante dos seus pais. É
natural que não aceitem isso
bem.
— Se eu era realmente
importante para eles, podiam
ter demonstrado isso mais.
Eles sempre foram muito
ausentes e frios comigo. — Me
aproximei de Lohan e sentei
no colo dele. Ele me envolveu
em um abraço apertado e
beijou suavemente a minha
testa. Lohan sim é que sabia
demonstrar amor. Ele me
dedicava uma das coisas que
mais me fez falta em todos os
anos que vivi: Presença!
Sempre quis ter alguém que
dedicasse tempo para se fazer
presente na minha vida.
Acabei dormindo na sala
mágica e acabei acordando
antes do Lohan. O rosto dele
estava sereno como se
estivesse tendo bons sonhos.
Me esgueirei para fora da
cama e caminhei até a caixa
do tesouro.
— Está tudo aqui! — Fiquei
feliz quando abri a caixa e vi
que não faltava nada. Sentei-
me no chão e comecei a olhar
as fotos, procurando
especificamente pelas poucas
fotos que eu tinha com os
meus pais. Se eles pudessem
vir para este mundo também
conforme o projeto, eu
poderia voltar a vê-los. Quem
sabe meus amigos também,
mas isso era um sonho
distante. Guardei as fotos na
caixa e peguei as cordas da
minha Preciosa. Elas estavam
enroladas todas juntas e
coloquei-as no pulso como se
fosse uma pulseira. Eu sentia
falta de tocá-la.
— O que está fazendo? —
Lohan estava sentado na cama
olhando fixamente para mim.
— Explorando o meu tesouro.
Companheiro, que tipo de
instrumentos esse mundo
tem? Queria muito um violão!
— Lobos não são exatamente
os mais versáteis com música,
mas posso mandar fazerem
um para você se você puder
me passar o projeto.
— O projeto, é? — São vários
instrumentos que aprendi a
tocar. Eu poderia desenhar
cada um deles, mas seria só a
estrutura externa. Se ia
funcionar do jeito que eu
gostaria já era outra história.
— Bem, não precisa ser um
violão. Me consiga algo
tocável que eu aprendo
rápido!
— Acho que você tem outras
coisas mais importantes para
aprender primeiro. — Disse-
me ele seriamente. — Mas
considere o seu desejo uma
promessa. Receberá um
instrumento como
recompensa assim que passar
pela provação.
— Poxa! — Como eu poderia
viver sem a minha música?
Impossível! Tudo de mais
importante para o meu futuro
girava em torno dessa tal de
provação. Agora eu estava
mais determinada do que
nunca a passar nesse teste. —
E se eu falhar no teste? Serei
punida?
— Falhar não é uma opção
para você! Lobos comuns
podem sempre tentar de novo
num próximo ano, mas seres
mágicos com profecias não
tem uma segunda chance.
— Que injusto! Por que isso?
— Era muito pressão. Eu
adorava desafios, mas este era
um de vida ou morte. Eu não
podia me dar ao luxo de
perder.
— Não é tão injusto, porque
as bençãos concedidas
também são diferenciadas.
Um lobo comum não vive
tantos anos e nem recebe os
mesmos poderes. Somos
especialmente agraciados
pelos céus para governar, de
forma que falhar fecha para
sempre a porta da câmara dos
deuses. Mas não é tão ruim
quanto parece. Dificilmente
um ser mágico enfrenta uma
provação com que não possa
lidar.
A pressão de se fazer a
provação era muito maior do
que a de se fazer um
vestibular para faculdade. Eu
precisava de foco! Lohan tinha
razão, tudo o que quisesse
podia deixar para depois.
Tirei as cordas de preciosa do
pulso e coloquei-as na caixa.
Assim que fechei a caixa, um
fio dourado brilhante saiu
dela flutuando pelo ar. A
forma como ondulava acima
da minha cabeça chamou a
minha atenção.
— O que é isso? — Perguntei-
me elevando minha mão em
direção a ele. Assim que
encostei o dedo no fio, um
som como de um sino ecoou
no ar. — É bonito!
— Do que você está falando?
— Perguntou Lohan intrigado.
Continuei pressionando o fio,
e ondas de luz se dispersaram
no ar enquanto o som
ressoava.
— Não está ouvindo? —
Inesperadamente Lohan
agarrou minha mão no ar e
me puxou para ele. Seus olhos
me sondavam preocupados.
— O que há de errado?
— Eu que pergunto isso. O
que você está vendo?
— O fio... — Olhei novamente
para cima, mas não havia mais
nada. Pisquei algumas vezes
incapaz de acreditar que o fio
tivesse simplesmente
desaparecido do nada. —
Bem, estava aqui. Quando eu
encostava nele, ele tilintava.
— Não há nada disso aqui. —
Falou ele firmemente. Foi
então que tudo se tornou um
breu.
A sensação era como de
mergulhar no vazio. Eu me
sentia presa e sufocada. No
meio do nada, comecei a
cantarolar. Uma luz surgiu, e
mergulhei em direção a ela
esperando encontrar a minha
liberdade do outro lado.
— Como assim não há nada de
errado? Tem certeza que a
examinaram direito? — Era a
voz de Lohan. Ele parecia
muito bravo.
— Companheiro... — Abri
meus olhos. Um homem e
duas mulheres estavam de
cabeças baixas diante de
Lohan. Parecia aterrorizados.
— Como está? — Lohan
ignorou completamente
aquelas pessoas e veio até
mim.
— Me sinto bem. — Eu não
tinha palavras para definir. Eu
me sentia revigorada, como se
tivesse tido a melhor noite de
sono de todas. A expressão no
rosto de Lohan se suavizou
quando sentiu através da
marca que eu realmente
falava a verdade.
— De qualquer forma, pedirei
que mais alguns curandeiros e
sacerdotes experientes te
examinem. — Disse ele. —
Isso que você tem não é
normal.
Assenti em concordância.
Várias pessoas vieram me ver,
incluindo alguns anciões do
conselho. Era a primeira vez
que eu tinha visto tantos
rostos novos e isso me deixou
animada de início. Eu me
sentia importante! Com o
passar das horas isso foi se
tornando cansativo. Todos
sempre acabavam chegando
na mesma conclusão.
Ninguém encontrou nada de
errado comigo!
— Talvez sejam efeitos
colaterais passageiros por
conta da mudança de mundo.
— Sugeriu um.
— Não, não é isso! — Lohan
descartou isso imediatamente.
— Isso já vem de antes dela
vir para cá.
— Talvez seja uma
incompatibilidade entre a
benção do companheiro e a
maldição da lua. — Sugeriu
outro.
— É uma hipótese a se
considerar. Continuem
investigando! — Ordenou
Lohan friamente
dispensando-os. Eu nunca
tinha visto o meu
companheiro tão estressado.
— Posso ir para o quarto
agora? — Eu já estava
cansada de tantos testes e
exames estranhos. Comecei a
me sentir como um rato de
laboratório.
— Deve! — Ele me pegou nos
braços dele e me senti um
pouco constrangida. Uma vez
ou outra fazer isso podia ser
até romântico, mas repetir
isso sempre fazia com que eu
me sentisse muito mais
vulnerável do que eu
realmente era.
— Não precisa disso! Estou
bem! Posso ir andando. —
Pedi suavemente em vão.
Lohan me ignorou
completamente. Assim que
me desceu sobre nossa cama,
desviou o olhar.
— Você não deve sair do
quarto por um tempo. Vou te
manter em observação.
Sempre que sentir alguma
coisa, me relate
imediatamente.
Por que ele está pedindo para
eu relatar? Ele não deveria
sentir quando há algo de
errado comigo?
— Lohan, eu já cansei de ficar
presa! — Ficar estudando a
maior parte do dia era muito
exaustivo. Eu queria poder
sair para distrair a cabeça
quando me sentisse
mentalmente cansada.
— Não importa! Você
pertence a mim, então terá
que viver nas minhas
condições. — Respondeu
impositivamente. Ele não era
nem capaz de olhar nos meus
olhos e isso me deixou muito
triste.
— Lohan, por acaso eu sou a
sua prisioneira? —
Questionei-o. Não é assim que
eu imaginava que seriam as
coisas.
— Se prefere ver dessa forma,
então sim. Você é minha
prisioneira!
P2 - Capítulo 6
Resolvi evitar trocar palavras
com Lohan nas horas que se
seguiram. Eu me sentia
péssima por ter discutido com
ele e algo me dizia que ele se
sentia da mesma forma. Ele
parecia muito angustiado
quando se deitou ao meu lado
mais tarde. Depois de muito
hesitar, passou os braços em
torno de mim me puxando
para um abraço.
— Sinto muito, minha
pequena! Não queria te deixar
triste.
— Eu sei. — Sussurrei de
volta. Eu sabia que ele só
estava preocupado comigo,
sabia que ele só queria o meu
bem, mas ainda assim me
sentia triste e não conseguia
evitar isso.
— Vou te acompanhar de
perto pelos próximos dias. Se
eu perceber que está mesmo
bem, eu retiro a sua restrição.
— Tudo bem! — Me virei para
ele e olhei ternamente em
seus olhos. — Por agora... só
me beija logo!
Ele sorriu satisfeito antes de
atender o meu pedido. Tudo
bem ficar aqui dentro quando
eu o tinha por perto. Ele
voltou a ser meu professor
integral pelos dias que se
seguiram.
— Sua leitura está impecável.
— Elogiou-me. Eu já
conseguia reconhecer todos
os símbolos e pronunciá-los.
Entender o significado de
todas as palavras era a parte
complicada ainda.
— O que é isso? — Ele deixou
um livro grosso na minha
frente e abri-o. Só de passar o
olho pelo conteúdo já obtive
as respostas que eu queria. —
Já sei! Um dicionário!
Achei que o livro seria como
um presente pelo meu avanço
mais foi mais o contrário. Com
meus conhecimentos um
pouco mais avançados, tive
que começar a usar mais o
dicionário já que Lohan foi,
aos poucos, diminuindo o
tempo de suas aulas para
exercer o seu próprio
trabalho. Apesar disso,
sempre me mantinha por
perto como se eu fosse uma
criança pequena a ser vigiada.
"Talvez ele realmente me veja
assim." — Espiei-o pelo canto
do olho. Ele estava analisando
alguns papeis enquanto
traçava algum tipo de
diagrama com sua caneta
mágica sobre um papel
amarelado. Sua caneta parecia
com a ponta de um osso, e
escrevia na cor que Lohan
mentalizava. Esse era só um
dos vários artigos curiosos
que ele tinha, mas eu me
esforçava ao máximo para não
ficar lhe fazendo perguntas e
interrompendo-o. Para lhe
provar que eu estava bem,
tentava sempre mostrar o
máximo de maturidade
possível.
Tornei a me concentrar no
livro que eu estava lendo. Era
o primeiro livro com gravuras
até agora. Fiquei um tempão
analisando o mapa de
Celestria gravado nas
primeiras páginas. Fiquei
pasma enquanto comparava o
tamanho de Éldrim com os
demais territórios.
"Quase o dobro do tamanho
do segundo maior território."
— Comentei com Lisa. Éldrim
é tão grande que faz divisa
com muitos reinos diferentes.
"Tão grande quanto o nosso
companheiro!" — Respondeu
ela orgulhosa. Eu já não sabia
dizer se isso era algo bom,
pois tamanho maior significa
também muito mais
responsabilidade. Quão
trabalhoso deve ser lidar com
tudo isso?
Coloquei o dedo por cima de
Luríon, o lugar em que eu me
encontrava e tracei um
caminho em direção ao
território dos monstros. O
território vizinho é uma
região estreita próximo da
costa e se alarga em direção
das montanhas. Mentalmente,
eu já conseguia imaginar onde
o Devorador estava. Continuei
arrastando meu dedo pela
região costeira indo em
direção ao território das
bruxas.
"Não é tão grande." — Pensei.
O território das bruxas era
cerca de um décimo do
tamanho do território dos
lobisomens. Se o livro trata
dos seres mágicos e seus
territórios, talvez houvesse
uma explicação para os
critérios de divisão territorial
mais à frente. Assim que virei
a página, escutei um som
como o soprar de uma flauta.
— O que... — Parei o que
estava dizendo e espiei meu
companheiro pelo canto do
olho. Ele ainda estava
concentrado e não parecia ter
ouvido o mesmo que eu.
Voltei minha atenção
novamente para o livro e
voltei à página ao mapa.
"Livro mágico?" — Perguntou
minha loba ouvindo o mesmo
que eu. Era o mesmo som de
antes. Virei apressadamente
as próximas páginas do livro e
então o sopro suave se tornou
como uma ventania. O som
era, até mesmo, irritante.
— O que está fazendo? —
Perguntou Lohan ao meu lado
me pegando de surpresa. Seu
rosto estava a centímetros do
meu.
— Você é mesmo rápido! —
Eu ainda estava me
recuperando do susto quando
larguei o livro. Sorri para ele,
dei-lhe um beijo rápido na
bochecha surpreendendo-o de
volta. Pelo seu olhar eu podia
ver que não esperava por isso.
— Estava só estudando, mas
comecei a pensar demais. —
Eu não queria preocupá-lo de
novo, ainda mais quando eu já
estava há dias sem ter tido
nenhum desses sintomas
estranhos.
— No que estava pensando?
— Perguntou-me seriamente.
Se ele tinha visto minha
preocupação, era algo do tipo
que eu precisava mostrar a ele
se quisesse disfarçar. Voltei as
páginas do livro até o mapa. O
estranho som havia
desaparecido completamente,
o que me deixou
momentaneamente aliviada.
— Estava pensando sobre o
Devorador. É por aqui que ele
fica? — Tracei uma linha
próximo da costa que ia desde
o clã dos lobos sacerdotais de
Éldrim, passava pelo estreito
do território dos monstros até
o começo do território das
bruxas.
— Quase isso. — Respondeu
traçando a própria linha e me
mostrando a verdadeira
extensão. Parte do Devorador
estava sobre a água em alguns
pequenos pontos, muito
similar ao que ocorria no
outro mundo. Estranhamente
o Devorador parecia ser
maior aqui nesse mundo do
que do outro lado. — Não
pense muito sobre isso. —
Pediu-me carinhosamente.
Assenti de leve e ele me beijou
na testa antes de voltar ao seu
trabalho.
Continuei explorando o livro,
cujos primeiros capítulos
explanam o território de
Éldrim. É vasto e abrange
todos os tipos de topografias,
desde costas litorâneas,
deserto, montanhas, vales,
planícies, lagos...
Haviam quarenta e quatro
clãs ao longo de Éldrim, sendo
Luríon o maior de todos.
Desta, uma imensa porção são
terras exclusivas do rei. Lohan
é, sem dúvidas, muito rico.
"Nem acredito que cheguei a
falar com ele que eu queria
ajudar com o sustento. Que
vergonha! Não me admira a
forma como ele riu de mim
aquela vez." — Lisa riu com o
meu pensamento. Ela estava
sempre feliz desde que
viemos para cá.
Através desse livro acabei
descobrindo muitas
curiosidades interessantes.
Uma delas é que o idioma que
eu estava aprendendo me
abriria todas as portas deste
mundo. A língua mágica é
exercida em todos os
domínios de Celestria onde,
lobisomens, fadas, vampiros,
sereias, elfos, dentre outras
raças coexistem de forma
pacífica, regidos por um
código mundial criado pelos
seres da mais alta hierarquia,
os celestiais. Os celestiais são
os chamados seres de luz e
possuem asas como de anjos.
Eles vivem em cidades no céu,
e geralmente só são vistos
quando descem para cumprir
tarefas ou quando surgem
conflitos de grande escala.
Os celestiais são também os
construtores das famosas
câmaras dos deuses.
Questionei Lohan sobre isso e
descobri que os celestiais não
são o topo da hierarquia. Eles
apenas seguem ordens e,
embora não saibam como as
câmaras operam, entende-as
como uma ponte que une o
mundo ao divino. Há uma
câmara dos deuses perto de
cada cidade real, em cada um
dos territórios com uma única
exceção, o território dos
monstros.
O território dos monstros não
é tido como um domínio.
Trata-se de uma terra sem lei.
Nele, estão todas as criaturas
problemáticas que foram
banidas e isoladas dos demais
domínios e também é onde há
a maior concentração de
criaturas consideradas
primitivas, tais como orcs,
ogros, globins, etc...
Considerando todas
informações, era certo dizer
que aquele lugar é a fonte
geradora de monstros
sombrios que atravessam
para o outro lado.
À medida que os dias foram se
passando, comecei a perder a
conta de quanto tempo eu
estava aqui. Alguns sons
invadiam minha cabeça em
momentos inesperados, mas
eu já estava me acostumando
a eles. Por causa disso,
conseguia agir naturalmente
de forma que o meu
companheiro não precisasse
se preocupar. Graças a isso,
em pouco tempo a restrição
de ficar somente no quarto foi
removida.
"Isso de novo?" — Minha loba
resmungou. Ela sempre
reclamava dos sons estranhos
que eu ouvia ressoando na
minha cabeça. Desta vez era
muito mais forte, mas usei-o
para escrever algumas notas
em um rascunho.
— Isso é a minha alma me
dizendo para não parar de
compor. — Brinquei com ela.
Eu estava sozinha no quarto
porque Lohan já estava mais
tranquilo em me deixar
sozinha. Ele tirava apenas um
curto momento no final do dia
para explicar as dúvidas que
eu anotava no papel. Acontece
que geralmente eu não tinha
nada para perguntar já que
usava todo o papel que ele me
dava para escrever partituras
novas e traduzir minhas
músicas.
— Companheiro, preciso de
mais papel! — Corri até ele
assim que o vi entrando no
quarto. Ele franziu a testa e
olhou para a bagunça que eu
fizera sobre a sua mesa.
— Deveria brincar menos e
estudar mais. — Disse-me
com seriedade.
— Mas isso é uma forma de
estudo! — Mostrei a ele uma
das últimas músicas que
traduzi para tentar provar o
meu ponto. — Me ajuda a
gravar o significado das
palavras com mais facilidade.
— Mas isso lhe tira do foco. —
Apesar da repreensão, uma
pilha de novos papeis foi
trazido ao quarto momentos
depois.
— Muito obrigada, meu rei
lindo, gentil e maravilhoso!
— O que mais você quer? —
Ele não levou meus elogios
muito a sério. Talvez já
estivesse acostumado aos
"puxa-sacos".
— Querido, você bem que
podia me arranjar uma
professora. — Ele não estava
tão mais presente como no
início, e muitas coisas ainda
eram complicadas para mim.
Eu já conseguia me virar
sozinha, mas seria muito mais
rápido se eu tivesse alguém
para me dar o significado sem
que eu precisasse ficar
procurando o significado das
palavras. Mesmo com o
dicionário, muitas coisas
ainda eram incertas sobre as
traduções. — Claro que não
há professor melhor do que
você, mas é que você tem
muitas responsabilidades e
acho que assim vai ser bom
para nós dois. Ambos
conseguiremos nos focar
melhor nos nossos afazeres.
A expressão no rosto dele se
suavizou quando me
expliquei. Ele ainda parecia
relutante quanto a me deixar
ter contato com outros lobos
já que eu só conseguia sair do
quarto quando ele estava
comigo. Não que isso fosse
ruim, é só que uma presença
diferente poderia me dar uma
visão diferente das coisas.
Embora Lohan não tenha
discordado abertamente,
começou a passar mais horas
de novo ensinando-me nas
semanas que se seguiram. Há
coisas que somente o tempo
podiam provar, e um deles era
o ponto de vista do meu
companheiro.
— Ainda quer uma
professora? — Perguntou-me
casualmente quando me viu
pegar um novo livro da pilha
que ele separara para mim.
— Você, sem dúvidas, sabe o
que faz. — Respondi a ele
sorrindo. A minha velocidade
de interpretação havia
avançado tanto que eu quase
nem usava mais o dicionário.
Livros que eu demorava
semanas para ler, agora
levava dias ou mesmo horas.
Cheguei a esse ponto muito
antes do que eu esperava e
percebi que é isso que Lohan
viu em mim... potencial!
Embora não tenha me dito
isso diretamente, era nítido
que negou o meu pedido por
acreditar na minha
capacidade.
— Neste caso, acho que é
hora.
— De quê? — Perguntei
curiosa.
— Praticar conversação. —
Disse-me em seu idioma
nativo.
— Oh, não! — Eu não tinha
entendido completamente
suas palavras, só o suficiente
para saber que voltaria a ficar
confusa por mais algum
tempo. Queria estar errada,
mas não. Lohan parou
completamente de falar
comigo no meu idioma. Além
disso, só me respondia
quando eu falava na sua
língua e isso me deixava
doida. Meu companheiro
sabia ser cruel também.
P2 - Capítulo 7
Quando descobri o calendário
de Celestria, por volta do meu
terceiro mês neste mundo,
minha vida se tornou mais
organizada. Consegui criar um
cronograma de longo prazo,
mas não o fiz sozinha. Lohan
definiu pessoalmente
objetivos que eu precisava
cumprir dentro de
determinado período de
tempo. Alguns eram
desafiadores, mas bem
empolgantes. Se eu
conseguisse cumpri-los,
passaria para a fase seguinte.
Portas se abririam para mim a
cada etapa, seja conhecer
novas pessoas, seja ser
apresentada à família dele ou
mesmo para iniciar um
treinamento especial de lobo.
Isso me deixava ansiosa para
atender às expectativas dele.
Sentei-me perto dele na
biblioteca e enquanto ele ia
lendo relatórios chatos, eu
mergulhava um pouco mais
na história de Luna. Havia
muito mais da história de
minha ancestral que me
fizeram vê-la com outros
olhos. Luna não conhecia o
idioma humano. Até o
nascimento de sua criança,
sobreviveu a base da caça. Ela
passou um tempo observando
cautelosamente os humanos
de longe enquanto aprendia
seus costumes e seu idioma.
Quando sua primeira filha
nasceu, ela sabia que não
podia alimentá-la só com
carne. Por meses seu leite
materno foi o suficiente, mas
quando a criança começou a
crescer, mais coisas
precisavam ser
incrementadas em sua dieta,
coisas que ela não podia dar a
não ser que começasse a
trabalhar.
Luna percebeu que os
humanos adoravam carne. Ela
começou a trocar sua preciosa
caçada por coisas de que
precisava. Ela era ingênua
demais para a malícia
humana, então facilmente se
aproveitavam de sua
inocência para enganá-la e
roubá-la.
Apesar de toda a tragédia que
sua vida foi, ela continuou
vivendo. Seus filhos eram sua
motivação e a lealdade deles
para com ela a tornaram a
primeira líder. Luna aprendeu
com a vida. Com a ajuda de
seus filhos ela se tornou
grande e veio a se tornar dona
de muitas terras.
Aos poucos ela foi banindo de
suas terras a maioria da
comunidade humana que
tanto a maltratou e, em seu
território foram se
multiplicando seus filhos,
netos, bisnetos...
Os filhos de Luna por não
terem tido a chance de passar
pelo mesmo teste de provação
que a mãe, tiveram suas vidas
curtas. Luna foi ficando para
trás e ainda assim,
permaneceu de pé lutando em
prol da segurança de seus
descendentes.
Quanto as luas, foi uma forma
como as terras foram
inicialmente divididas entre
os herdeiros de seus quatro
filhos. Como concidentemente
cada filho dela nasceu em uma
lua diferente, chamaram os
quatro clãs pelo nome das
luas, o que não tem
interferência alguma na
questão dos poderes dos
lobos.
Os filhos e filhas de sua
primeira prole acabaram
encontrando companheiros
entre os descendentes de seus
outros filhos. Foi um processo
de adaptação natural para
sobrevivência do gene mágico
do lobo. Apesar de toda a
miscigenação com os
humanos no começo da
história, o gene do lobo
sempre prevaleceu
dominante.
— Companheiro, se Luna tinha
os pelos de coloração castanho
e o companheiro dela de
coloração cinza, de onde veio
os pelos avermelhados ou o
branco como o que tenho?
Como sempre Lohan
simplesmente puxou outro
livro grosso e o entregou para
mim. Ele podia ter todo o
tempo do mundo, mas eu
ainda ansiava voltar a treinar
com a minha loba também.
— Não pode me resumir? —
Olhei para a grossura do livro
e perguntei-me se valia a pena
lê-lo só passar saciar uma
simples curiosidade.
— Não me olhe assim,
pequena. Esse você vai querer
ler. Fala também sobre a
origem dos portais mágicos e
sobre os emissários enviados
ao outro mundo para avisá-los
sobre o comando de ativação.
— Então outros lobos
atravessaram depois de Luna?
Como? — Perguntei animada.
Ele só gesticulou para o livro e
se afastou voltando aos seus
afazeres. Claro... o livro!
Eu já tinha perdido a conta de
quantos livros tinha lido
desde que cheguei aqui.
Treinar que era bom, nada!
Explorar pessoalmente esse
mundo, nada! De qualquer
forma ele não me deixaria
pular etapas. Havia um
cronograma a ser cumprido
então simplesmente abri o
livro e comecei a lê-lo.
Rapidamente fiquei presa em
uma leitura que durou quase
três dias.
Os reis mais poderosos de
Celestria se uniram para criar
uma magia de fenda artificial.
O rei das fadas, a rainha das
bruxas, o rei dos tritões, a
rainha das ninfas e o rei
celestial. O objetivo era trazer
os descendentes dos lobos de
volta por eles para que o
Devorador pudesse ser
erradicado. Rapidamente
perceberam que era inviável.
Demandava-se muito poder
mágico para abrir uma fenda
e mantê-lo aberto mesmo que
por poucos segundos era
quase impossível.
Após isso, a rainha das bruxas
Willow, o rei das fadas Eraply
e o novo rei dos lobisomens,
Lucon, se uniram para
formular uma nova estratégia
em torno da criação dos
portais. Levou-se centenas de
anos para o projeto ser
concluído. Para que pudesse
dar certo, os recursos certos
deveriam ser enviados para o
outro lado e as águas que se
conectariam ao lago prateado
deveriam ser demarcadas por
meio de uma fusão mágica.
A ideia era como pescar peixe.
Lança-se a isca e puxa-se o
peixe que o fisgar. É por isso
que Lohan falou que os
portais só funcionavam para
um lado. A estrutura inteira
tinha sido projetada para isso,
mas, para que eu e Lohan
conseguimos estar juntos,
uma brecha surgiu
magicamente.
"O poder do amor" — Pensei
comigo mesmo. Nosso amor
nos conectou um ao outro e
ele pôde vir me buscar. Isso
era tão especial! Balancei
minha cabeça algumas vezes
afastando meus pensamentos
de garota apaixonada e voltei
a devorar a história no livro.
Para o projeto dar certo,
Lucon reuniu os recursos. É o
que Éldrim, com sua vasta
extensão territorial, podia
oferecer. A rainha das bruxas,
especializada em joias, criou
os artefatos mágicos
implementando os selos e
magias necessários em vários
objetos que, quando tocassem
as águas, liberariam a magia
de Eraply marcando a fonte e
criando a conexão. É assim
que a rede de pesca seria
criada.
Para que o plano desse certo,
alguém precisaria ser o
responsável por levar os
artefatos para o outro lado.
Mais uma vez os principais
reis se uniram, e estes foram
convencidos que criar a fenda
artificial resolveria todos os
problemas. O primeiro
emissário foi escolhido e, por
unanimidade, decidiu-se que
deveria ser um lobo de grande
confiança. Apenas um lobo
poderia ganhar a confiança de
outro lobo. A missão não era
difícil. Ele precisaria passar
pela fenda, marcar as fontes
de água e anunciar o comando
a todos para que soubessem
como atravessar.
Com as fontes demarcadas,
seria muito mais fácil saber o
que se acontece do outro lado
sem usar magias complexas
provindas de poderes
espirituais. A conexão seria
possível por meio do sistema
de reflexão mágico, e é desta
forma que o lobo de confiança
enviado se comunicaria com o
seu rei.
Os artefatos estavam prontos,
tudo estava preparado.
Através da união dos grandes
reis, a fenda artificial foi
criada e o primeiro emissário
atravessou. O nome dele era
Rowan, herdeiro alfa do clã
dos lobos vermelhos. Logo no
primeiro dia, a primeira fonte
foi demarcada. Assim que a
conexão foi estabelecida, os
primeiros testes foram
realizados e eram
promissores. O projeto tinha
tudo para funcionar.
Como não se esperava que os
descendentes de Luna
viessem por bem, a ideia era
usar a crença deles a favor do
projeto. Rowan se anunciaria
como um sacerdote vindo dos
céus a mando da deusa Luna e
profetizaria as invasões. Com
a comunicação entre os lados,
os monstros certos seriam
enviados pelo Devorador para
que a mensagem de Rowan
fosse vista como divina. Após
ganhar a confiança deles, ele
os convenceria que a "grande
mãe" os espera do outro lado
do portal.
Sorri enquanto admirava a
astúcia desses reis envolvidos.
Com uma estratégia dessas,
como que o plano não deu
certo? Descobri isso algumas
páginas depois.
O primeiro problema surgiu
dias depois, ao perceber que
não haviam mais fontes sendo
demarcadas. A dias se
tornaram semanas, as
semanas se tornaram meses e
o ritmo de demarcação das
fontes era demasiadamente
lento. Após mais de um ano,
apenas quatro fontes haviam
sido demarcadas, e não fora
algo proposital.
Através do sistema de
observação das águas,
descobriram que Rowan havia
perdido todas as memórias.
Assim que atravessou a fenda
artificial ele não se lembrou
mais quem era ou o porquê
estava lá. A mensagem nunca
foi transmitida e isso levou os
reis a se reunirem mais uma
vez. A escolha de um segundo
emissário foi feita e medidas
novas para a preservação de
memórias foi implementado.
Dessa vez, o lobo a ser
enviado foi escolhido pela
bruxa Willow. Segundo ela, o
lobo em questão era um dos
poucos nas condições mágicas
necessárias para a
implementação de um selo de
preservação de memórias. Seu
nome era Cian, um jovem que
descendia entre uma mulher
do clã dos lobos nevados, e
um homem do clã dos lobos
sacerdotais.
Como já se pode imaginar,
Cian levou vários artefatos
com ele, mas assim como
Rowan, ele nunca completou a
missão. O selo de preservação
de memória não funcionou. A
vida de ambos foi
relativamente curta. Ambos
emissários morreram
assassinados. Rowan cerca de
vinte e dois anos depois,
vítima de arma de fogo
humana e Cian cerca de seis
anos depois, condenado pelo
próprio clã por traição, por se
juntar aos rebeldes que
queriam destronar o alfa da
época. Em teoria, ambos
sobreviveram por tempo
suficiente para gerar
descendência, lobos mais
poderosos e puros e isso
acabou piorando
drasticamente o problema
com o Devorador.
Foi após os emissários que o
Devorador cresceu até chegar
no território das bruxas. A
ideia das fendas artificiais
caiu em descrédito perante os
reis e foi abandonada. O custo
benefício de se enviar mais
lobos ao outro lado não valia a
pena.
Comecei a comparar as
informações que eu tinha
daqui com as que estudei do
outro lado. Ao longo da
história do meu mundo, os
genes mais fortes sempre
acabavam encontrando
companheiros entre os mais
fortes, o que me faz acreditar
que uma das coisas que
determina o companheiro
predestinado seja o fator
genético. Provavelmente
todas as famílias principais
dos clãs, alfas, betas e gamas
descendem de Rowan e Cian.
A julgar pelo meu pelo branco,
eu tinha quase certeza que
descendia de Cian. O pelo
castanho avermelhado de
William veio de Rowan.
Fechei o livro com uma
sensação de que havia alguma
coisa errada. Mesmo que com
o passar dos anos, mais e mais
fontes fossem demarcadas até
que quase toda a área fosse
coberta, não havia como a
informação sobre o comando
para se abrir os portais
chegasse ao outro lado. Por
que mesmo depois que tudo
deu errado, o projeto
permaneceu ativo?
Aproximei-me
cautelosamente do meu
companheiro. Ele estava
sentado em sua poltrona
analisando uma série de
documentos. Passei os braços
em torno do pescoço dele e
beijei várias vezes sua
bochecha tentando chamar a
atenção para mim.
— Diga, companheira. — Ele
parou o que estava fazendo e
agarrou meu braço direito
puxando-me para o colo dele.
— Companheiro, terminei de
ler o livro.
— E o que quer saber?
— Há alguma profecia sobre o
retorno dos lobos? — Para
mim é a única coisa que
justificaria a criação e
manutenção do projeto. —
Você é o rei que trará os lobos
de volta?
— Minha pequena, por que
você é tão esperta? — Embora
suas palavras fossem gentis,
havia tristeza em sua face. —
Eu não sei a resposta para isso,
a profecia não é clara.
— E qual é a sua profecia? Vai
me dizer dessa vez? — Algo
nos meus olhinhos curiosos o
convenceu.
— Eu sou o rei destinado a
destruir o Devorador!
P2 - Capítulo 8
Fiquei um tempo no espelho
admirando os traços do lindo
vestido que recebi pela
manhã. Era longo e elegante e
com uma costura muito
delicada. Ainda era um pouco
estranho usar roupas sempre
da mesma cor. Sentia que
nunca me acostumaria com
isso.
— Um vestido especial para
uma ocasião especial. — Disse
ele me envolvendo com seus
braços. — Parece uma rainha!
— Bem, não posso dizer que
você se parece com um rei
porque você já é um. — Virei-
me para ele e olhei em seus
olhos. — O mais lindo de todos,
meu amor!
O primeiro objetivo que
Lohan me impôs eu já o havia
conquistado, o domínio do
idioma mágico. Com isso, falar
ou não no idioma mágico se
tornou opcional. Com a
primeira meta cumprida,
Lohan definiu que já era hora
de me apresentar oficialmente
ao conselho como a sua
companheira. Eu estava tão
ansiosa com isso que mal
consegui dormir.
Caminhei de mãos dadas com
Lohan, atravessando por uma
das portas proibidas para
mim. Um grande corredor nos
levou a um grande pátio
central. No meio do pátio, uma
uma torre circular
ligeiramente mais baixa do
que a construção que a cerca
atraiu a minha atenção. É para
lá que estávamos indo.
O caminho em direção à
entrada estava cercado por
guardas de ambos os lados.
Eles formaram um corredor
vivo e iam se ajoelhando à
medida que Lohan e eu
passávamos. Bizarramente, ao
final do caminho, demos de
cara com a parede.
— Não vai me dizer que a
porta está do lado de dentro?
— Não há porta dessa vez! —
Disse-me ele me puxando com
ele através da parede. —
Sistema de inscrição mágico.
Apenas os nomes impressos no
quadro estão permitidos a
atravessar.
Ele apontou para uma
tabuleta de pedra fixado na
parede por onde passamos.
Além da data de hoje, uma
série de nomes que
comporiam a reunião. Passei o
olho pela lista. Dos sessenta
nomes inscritos, um em
especial me chamou a
atenção.
— Willow? A rainha das
bruxas está aqui?
— Meu avô a convidou. —
Explicou-me ele com o
semblante sério. — Willow
tem uma amizade peculiar
com ele e uma curiosidade
muito grande a seu respeito.
— Por quê? — Tirando o fato
de que me tornei a
companheira predestinada de
um rei, eu não tinha mais
nada de especial.
— Você é muito mais especial
do que acredita. Acho que já
está na hora de você saber a
verdade sobre mim. — Disse-
me Lohan atraindo meu olhar
para ele.
— É algo mais sobre a
profecia? — A separação
entre mundos fazia com que
companheiros predestinados
surgissem apenas no mundo
ao qual se pertence. Sempre
me perguntei porque Lohan e
eu éramos a única exceção,
um elo surgido entre mundos
diferentes.
— Ela ainda não sabe sobre o
rei amaldiçoado? — Proferiu
uma voz grave não tão longe
de nós. Lohan abaixou a
cabeça e se calou frente a
presença que se aproximava.
— Rei amaldiçoado? — Essas
palavras me fizeram olhar
para aquele homem. Ele
parecia ter a mesma idade do
meu pai, mas como eu sabia
que nesse mundo as
aparências enganam, precisei
procurar por outros traços
que pudessem evidenciar a
identidade dele. — Você é o
avô do Lohan?
Lohan e ele tinham alguns
traços e características faciais
similares. Os cabelos do outro
eram mais claros e seus olhos
castanho claros, muito
diferente dos olhos negros de
Lohan. Pela postura
imponente e autoritária e pela
forma como foi Lohan quem
abaixou o olhar, só podia ser
um ancestral dele, por isso
supus isso.
— A criança é esperta. —
Aquele homem sorriu de leve.
— Sou Edward Black. Fico
intrigado em perceber que o
meu neto ainda não lhe contou
sobre a sua maldição.
— Cale-se! — Rosnou Lohan.
— É justo que ela saiba onde
está pisando. Pobre criança,
deve pensar que todos a estão
evitando quando na verdade
todos fogem é do rei. Até
quando pretendia esconder a
verdade?
— O que quer dizer? — Voltei-
me para ele, mas Lohan
bloqueou o meu caminho. —
Lohan, eu quero saber!
Lohan parecia perturbado,
mas não me segurou quando o
contornei para me aproximar
de Edward.
— Senhor, — fiz uma
referência educada, conforme
fora instruída anteriormente
sobre como me portar diante
dos anciões — não quero ser
rude, mas apenas me conte a
verdade se estiver bem
intencionado.
— Criança, tudo o que penso é
no bem da minha família e de
Éldrim. Se você está
relacionada à profecia sobre o
fim do Devorador e da
maldição de Lohan, é
imprescindível que conheça o
seu papel.
Meu papel? Senti um aperto
no coração, não só por ouvir
que o meu companheiro é
amaldiçoado, mas por sentir
recair sobre os meus ombros
o mesmo peso que Lohan
vinha carregando. Como a
futura rainha, eu deveria
arcar também com a
responsabilidade em torno do
Devorador. Não tinha
percebido isso até o momento
em que as ouvi da boca de
Edward.
— Qual a maldição do meu
companheiro? — No momento
era tudo o que eu queria
saber. — Por que você disse
que todos fogem do rei?
— Venha! Você logo
descobrirá! — Segui-o
prontamente e Lohan não
teve escolha a não ser nos
seguir de perto. Lohan ficou
ao meu lado e segurei na mão
dele. Estava fria e, de alguma
forma, eu podia sentir que ele
estava abalado.
— Não importa o que seja, eu
sempre vou te amar da
mesma forma! — Falei-lhe
gentilmente. Se os seus medos
eram em relação a como eu ia
me portar diante dele se
soubesse, quis declarar a ele
que não tinha com o que se
preocupar. Seus olhos
encontraram os meus por um
instante e ele sorriu
suavemente.
Logo em frente, adentramos
para o centro da torre. O que
vi diante de mim é uma
estrutura circular
impressionante, em que cada
detalhe é chique e bem
trabalhado, revelando a
importância do lugar. Dividida
em seis patamares, cada
patamar contém nove tronos.
Ao todo, cinquenta e quatro
lobos compõe o chamado
"Conselho dos Anciões".
Edward caminhou até um dos
tronos no térreo, se sentando
ao lado de um homem de
cabelos grisalhos e pele
levemente enrugada. Ao lado
dele, um senhor distinto é
quem me olhava com mais
atenção. Seus cabelos brancos
compridos desciam quase até
ao chão. Sua avançada idade
não era tão notável quanto
pensei que seria, já que seu
porte físico estava longe de
ser tão frágil quanto a de um
idoso em meu mundo.
Haviam três guardas
imponentes posicionados
atrás dos tronos deles. Me
aproximei amistosamente
prestando reverência diante
desses homens que um dia já
foram reis.
— Desejo bençãos dos céus e
sabedoria elevada a todos os
anciões! — Falei-lhes
respeitosamente.
— Levanta-te! — Ordenou o
ancião que julguei ser o
tataravô de Lohan. Acatei-o e
Lohan se aproximou ficando
ao meu lado. Aqui dentro é ele
quem olhava para o chão e eu
não conseguia entender o
motivo pelo qual, mesmo ele
sendo o rei, ele tinha que fazer
isso.
— Devo olhar para o chão
também? — Perguntei a ele
confusa com esse gesto. Ele
não me instruíra a isso.
— Não será necessário! —
Quem respondeu foi Edward.
— Apenas Lohan pode nos
intimidar, então apenas ele
deve baixar o olhar em nossa
presença.
Intimidar? Será que isso
estava ligado ao poder que ele
tem como o atual rei? Nesse
instante, uma sombra negra
surgiu no chão vindo em
nossa direção. Uma figura
feminina deslumbrante saiu
de dentro da sombra. Alta e
charmosa, Willow trajava um
longo vestido preto com
características sensuais. Sua
energia já me era familiar.
— Willow. — Sussurrei
encarando-a nos olhos
enquanto se aproximava de
mim de forma invasiva.
— Que bom que se lembra de
mim! — Disse ela sorrindo de
orelha a orelha. — Tão linda!
Ela colocou suas mãos nas
minhas bochechas e encarou-
me com tanta atenção que
parecia estar lendo até as
profundezas da minha alma.
Suas mãos eram quentes e
seus olhos esverdeados
profundos e enigmáticos.
Seria errado se eu reagisse?
— Não a toque! — Exigiu
Lohan. Antes que sua mão
alcançasse Willow, ela sumiu
como uma sombra e
reapareceu atrás de mim
tocando nos meus ombros.
Senti meu corpo inteiro se
arrepiar com o susto. Essa
coisa que Willow consegue
fazer com sombras era
assustador.
Willow novamente teve que
se afastar enquanto Lohan se
colocava atrás de mim me
abraçando contra ele. Willow
reapareceu a poucos metros
de nós.
— Não torne a encostar na
minha companheira ou farei
com que veja o que é o
verdadeiro desespero. —
Lohan a ameaçou. Willow
soltou uma risada sinistra
enquanto caminhava ao nosso
redor.
— Por mais tentador que seja,
vou deixar passar dessa vez. —
Disse ela parando e se
sentando em um trono negro
que ela fez surgir do nada
atrás dela. Foi quanto notei
um símbolo negro parecido
com um olho fechado no seu
antebraço esquerdo. Se bem
me lembro, trata-se da marca
psíquica.
Respirei fundo e atentei-me
aos demais. O olhar de todos
recaia não sobre ela ou Lohan,
mas sobre mim. Vendo que
Willow se aquietara, Lohan
começou oficialmente as
apresentações. Ele foi curto e
direto, e sua apresentação não
levou mais do que cinco
minutos. Como não deu
detalhes profundos, supus
que a história sobre como nos
conhecemos e o que ele andou
fazendo em meu mundo já
haviam sido explicados em
outra reunião em que não
estive presente.
O que se seguiu foi um debate
complexo. Os
questionamentos que
levantaram me davam a
sensação de que eu estava
entrando em um campo
minado:
— Nosso rei já não foi
amaldiçoado o suficiente?
Como pode uma meia humana
ser a próxima rainha? Isso faz
parte da maldição? —
Questionou um.
— De certo não podemos
aceitar esse sangue impuro.
Isso sem dúvidas enfraquecerá
a descendência real! —
Reafirmou outro. Me encolhi
nos braços de Lohan
enquanto suportava o
julgamento de todos a meu
respeito.
— Acho que estão se
esquecendo que a garota ainda
passará pela provação. A
benção que receberá é que
determinará se é digna ou não.
— Disse outro ancião. Os
antigos reis, todos me
miravam calados como se
estivessem considerando
todas as opiniões antes deles
próprios se manifestarem.
Lisa estava especialmente
agitada dentro de mim
enquanto eu mesma me
questionava se não havia
mirado alto demais, mesmo
que sem querer. Escolhi amar
Lohan, mas jamais pensei que
poderia prejudicá-lo por isso.
— Independentemente do que
pensem, é ela a pessoa que os
céus escolheram para mim! —
Proferiu Lohan em tom firme.
— Ela é a única com o poder
de olhar nos meus olhos!
Essa última afirmação me
prendeu completamente.
Sempre achei estranho que
Lohan não permitisse que
ninguém o olhasse
diretamente nos olhos.
— O que tem seus olhos? —
Perguntei a ele. Minha
respiração estava acelerada, a
inquietude me tomara
completamente ao me
recordar de todos os fatos
que, até então, tentei ignorar.
— É a minha maldição. —
Respondeu com a voz baixa
próximo ao meu ouvido. —
Qualquer um que olhar
diretamente para eles, sentirá
o mais profundo desespero
enquanto mergulha em um
abismo de terror sem fim.
— Dizem que é desejável
reviver seus piores pesadelos
a encarar esse abismo. —
Respondeu Edward
mostrando que além de nos
ouvir, também entendia o
meu idioma. — A profecia do
meu neto diz que ele será o rei
mais poderoso de todos, bem
como aquele que encontrará o
caminho para destruir o
Devorador. A expectativa de
todos quanto ao seu
nascimento só não foi maior
do que o choque de se
descobrir que, além da maior
benção, ele viria ao mundo
com a pior das maldições.
Além de ser o rei
amaldiçoado, Lohan é
conhecido como o lobo
solitário, cujos olhos
amaldiçoados afastam todos
pelo medo e cuja companheira
ele jamais conheceria.
— Mas ele me conheceu!
Lohan, você me encontrou! —
Virei-me para ele e encarei
seus olhos. Havia um vazio
muito grande neles que me
fez compreender aquela
sensação de solidão que
sempre senti emanando dele.
Eu não havia me enganado!
— Quando um rei nasce, uma
profecia nasce junto com ele, a
de sua rainha. — Disse-me
acariciando gentilmente meus
braços e encostando sua testa
contra a minha. — Isso não
aconteceu comigo. Em lugar
disso, recebi três calamidades
que se somariam a minha
maldição. A primeira diz que a
maldição em meus olhos
perdurará enquanto o
Destruidor existir, a segunda é
que eu jamais encontraria a
minha companheira
predestinada e a terceira é um
prenúncio de destruição. Se
em meu reinado eu não
cumprir com o meu propósito,
o Devorador irá consumir e
destruir Éldrim.
— O que mudou? Se isso é
verdade, como nos
conhecemos? — Questionei-o.
O fato de eu estar aqui era a
prova de que é possível
combater a maldição que o
afligiu.
— O sacrifício do meu filho. —
Respondeu Edward. — O
desaparecimento de Lucon fez
com a profecia da nova rainha
finalmente surgisse. Quando
olho para você criança, me
pergunto o que meu filho tem a
ver com você. Como as ações
dele conectaram o seu destino
ao de Lohan?
Eu queria muito perguntar
qual é a minha profecia, mas a
pergunta que Edward fez me
deixou em pânico. Como o
suicídio de Lucon está
conectado a mim?
Rapidamente encontrei a
resposta para isso, mas é algo
que eu temia pronunciar em
voz alta. Senti minhas
lágrimas transbordando
enquanto eu mirava o meu
companheiro implorando por
dentro para que ele me tirasse
daqui.
— Parece que ela sabe! —
Disse o tataravô de Lohan. —
Convém a todos saber.
Lohan assentiu e se afastou
alguns passos de mim. Seus
olhos estavam frios de uma
forma como eu nunca tinha
visto e algo me dizia que ele,
mais do que todos os outros,
queria respostas para isso.
— Se você sabe, diga-nos! —
Disse Lohan firmemente. Isso
me desarmou completamente
e senti-me desamparada.
— Em meu mundo há um
relato..., — Minha voz falhou.
Respirei fundo tentando
encontrar forças para
continuar o relato — de um
lobo negro zumbi que invadiu
pelas fronteiras sombrias há
quase trezentos anos atrás. É o
seu pai, não é?
Lohan apenas confirmou
minha teoria assentimento
positivamente a cabeça uma
vez. O que fez Lucon tomar
uma atitude tão drástica?
Acho que eu tinha a resposta
para isso agora. Seu filho
estava amaldiçoado e sua
maldição só se quebrará com
o fim do Devorador. É
impossível dizer a dor que
Lucon carregava dentro de si
por conta disso. Somente um
amor muito grande de pai
poderia tê-lo levado a fazer o
que fez.
— Aquele lobo era tão
poderoso que grandes nomes
no clã da lua nova morreram
para tentar detê-lo, mas
apenas uma família conseguiu
sucesso, os Singer. Eu descendo
dos lobos que arrancaram a
cabeça de Lucon. — Baixei
meu olhar e deixei as lágrimas
fluírem. Eu era incapaz de
encarar os olhos do meu
companheiro.
Os Singer apenas se
estabeleceram dentro do clã
após a invasão do lobo negro.
Foi quando seu estilo de luta e
técnicas de combate foram
reconhecidos. Como o Beta e
seus herdeiros haviam
morrido em batalha contra o
lobo, os Singer ocuparam a
posição. Foi graças a essa
posição que eu pude vir ao
mundo. Meu pai jamais teria
se tornado diplomata e
conhecido minha mãe se não
fosse por ser da família do
beta. Eu não seria eu se
tivesse nascido de outra
família.
— Não chore, criança! —
Inesperadamente quem veio
me confortar foi a Willow. Ela
se levantou e veio até mim.
Elevei meu olhar quando senti
sua mão acariciando minha
cabeça. — Seu destino é muito
mais brilhante do que imagina!
Minha filha, não lute contra o
chamado! Ouça-o e encontre a
si mesma!
Olhei-a desnorteada tentando
entender como eu a ouvia se
ela sequer tinha aberto a boca.
Willow sorriu e se afastou.
"O chamado? Do que ela está
falando?" — Senti-me
cambalear enquanto uma
enxurrada de sons invadia a
minha cabeça. Minha
consciência se esvaziou
completamente enquanto o
mundo ao meu redor mudava
para preto e branco e depois
para um vazio completo.
Nunca antes eu tinha tido uma
crise tão forte!
P2 - Capítulo 9
Uma voz sussurrava meu
nome constantemente no
meio do caos sonoro. Era uma
voz doce, gentil e, ao mesmo
tempo, sedutora. A forma
como me chamava me fazia
querer segui-la, mas ela
insistia em se manter no
escuro.
— Eliza! Eliza! — Continuou
me chamando.
— Onde? Onde você está? —
Gritei com todas as minhas
forças. Meus sentidos sempre
foram bem aguçados, mas isso
fugia completamente das
minhas capacidades. Não
parecia ter uma direção certa,
mas também não parecia vir
de mim como quando falo
com Lisa.
— Eliza! — Chamou
novamente, mas desta vez foi
diferente. Ela estava
cantarolando meu nome.
— A música... — Ordenei o
som e concentrei-me. Os
diferentes sons ao meu redor
começaram a se alinhar
enquanto eu as ordenava e
harmonizava. Tudo começou a
fazer sentido quando aquela
voz tornou a me chamar. Era a
minha própria voz! Assim que
a reconheci, vi a mim mesma
na minha frente. Estiquei
minha mão em direção a ela e
minha própria imagem fez o
mesmo. Diferente de mim, ela
tinha um sorriso iluminado.
— Eu sou você! Me encontre!
— Disse meu reflexo para
mim. Assim que nossos dedos
se tocaram, uma forte luz
tomou conta de tudo.
— Quente! — Sussurrei. Tudo
na minha cabeça estava muito
confuso quando abri meus
olhos.
— Finalmente! — Era a voz de
Lohan. Sua respiração estava
pesada enquanto ele me
apertava contra ele. — Minha
pequena, o que aconteceu?
— Companheiro, eu estou
sufocando. — Falei-lhe
tentando sair de seu aperto.
Imediatamente ele afrouxou
os braços. Enquanto eu
puxava o ar para dentro, olhei
o ambiente em volta.
Estávamos no quarto dele e
eu estava presa no meio de
um casulo de cobertores. Me
esgueirei para fora dos
cobertores e enxuguei o suor
do meu rosto.
— Você estava gelada, por
isso te cobri. — Explicou-se
ele. Será que ele precisava
mesmo me envolver com
tantos cobertores?
— O que aconteceu? E a
reunião?
— Você não lembra? —
Perguntou-me em um tom
sério. Isso me fez puxar da
memória os últimos
acontecimentos. Um aperto
grande tomou conta de mim
enquanto eu olhava para o
meu companheiro e me
lembrava que foi a minha
família a responsável por dar
cabo no pai dele.
— Eu sinto muito! — Senti as
lágrimas escapando e baixei a
cabeça. — Sinto muito pelo
que aconteceu com o seu pai!
— Você não tem culpa. —
Disse ele ternamente
colocando a mão sobre o meu
queixo e elevando o meu rosto
para que eu pudesse olhá-lo
nos olhos. — Não foi a sua
família que o matou, foi o
Devorador. O que seus
ancestrais fizeram foi libertá-
lo para que ele pudesse partir
em paz. Sou grato a eles por
isso!
As palavras dele me
acalmaram um pouco. Ele
tinha razão, o lobo sombrio
era só um zumbi controlado
pelo Devorador. O pai dele já
havia partido antes disso.
Mesmo sabendo disso, eu não
conseguia não ficar triste.
— Lohan, porque o seu pai
atravessou na barreira? Ele
não sabia que morreria se
fizesse isso?
— Ele sabia, mas pensou que
pudesse ter uma chance. — A
voz de Lohan se tornou séria e
sombria. Ele apertou mais os
braços a minha volta e eu
sentia a dor emanando dele.
Uma ferida ainda não
cicatrizada...
— De quê? — Tudo que eu
queria era compreendê-lo.
Não podia mais fechar meus
olhos se quisesse ajudá-lo de
agora em diante.
— De acabar com o
Devorador. — Era como se o
ambiente tivesse esfriado
alguns graus enquanto eu
compreendia aonde ele queria
chegar. Se o projeto dos
portais fracassasse, só havia
mais uma forma de se acabar
com o Devorador.
— Ele queria matar a todos do
outro lado? Por quê? Ele não
queria resgatá-los? — Afastei-
me de Lohan e encarei-o
novamente nos olhos. Era
horrendo pensar que Lucon
recorreria a algo assim.
— Não havia perspectiva de
que o plano dos portais daria
certo. Eu estava doente
naquela época. Não suportava
mais ficar sozinho e não tinha
mais vontade de viver. Minha
mãe não conseguiu lidar com
a situação e acabou morrendo
primeiro. Ela se culpava por
gerar a criança amaldiçoada e
por não dar o filho que o meu
pai merecia. Tudo o que
aconteceu foi demais para o
meu pai suportar. No dia em
que enterrou minha mãe, ele
me fez prometer que
continuaria vivendo e jurou
que acabaria com a maldição
para que eu pudesse
encontrar a minha felicidade.
Eu não fazia ideia do que ele
pretendia fazer, ninguém
fazia...
— Ele provavelmente pensou
que com o poder de um rei,
ele conseguiria fazer isso sem
envolver sacrifícios. —
Ponderei imaginando como a
história continuava. Lucon era
gentil demais para mandar
um exército de lobos se matar
na barreira só para
exterminar o outro lado.
Seriam mortes demais, então
preferiu lidar com tudo
sozinho.
— Ele não estava pensando
direito e acabou se aliando às
criaturas erradas. Além disso,
o poder do rei foi transmitido
para mim assim que ele
morreu no Devorador. Mesmo
que ele pudesse atravessar
com os poderes, não
conseguiria usá-los
devidamente já que perderia
o acesso à fonte dele.
— E qual é a fonte do poder
do rei? — Perguntei intrigada.
— De onde vem o poder dos
alfas? — Perguntou de volta.
— Do juramento. — Respondi
confiante. Ele acenou
negativamente a cabeça me
deixando um pouco confusa.
— Devoção pela lealdade e
obediência. — Respondeu-me
seriamente. — O juramento é
só uma forma de forçar a
conexão primária do bando ao
seu líder. Uma vez ligados, o
sentimento de submissão e
afeição nasce e isso une a
todos em prol do coletivo. O
alfa como o cabeça é quem
controla isso, bem com o
poder mágico que recebe do
bando. Para o rei isso é
diferente. Não preciso da
submissão e da lealdade de
ninguém, apenas preciso que
eles existam. O poder mágico
de cada lobo de Éldrim está
ligado a mim e é isso que me
torna tão poderoso. Só que no
outro mundo, eu perco acesso
ao poder que emana de
Éldrim.
O número de lobos da Terra é
extremamente inferior ao de
Éldrim. Além disso, a geração
de lobos que vive do outro
lado é muito mais fraca
devido a hibridização com
humanos. Isso torna o poder
do rei insuficiente para
magias mais poderosas no
outro lado, algo que Lucon
não sabia.
— O que te fez continuar com
o projeto dos portais? — Não
pude deixar de questionar
isso. Se até mesmo Lucon
tinha jogado a toalha, Lohan
como a principal vítima tinha
tudo para desistir e recorrer a
medidas mais extremas.
— Esperança! Meu pai
cumpriu o que me prometeu
quando trouxe esperança para
a minha vida, então decidi
honrá-lo mantendo o seu
desejo de resgatar a todos. Até
o último momento, não
desistirei de fazer isso da
forma correta.
Agora que eu conhecia a
maldição e as calamidades,
também compreendia a
gravidade da situação e o
motivo pelo qual Lohan tinha
o projeto como uma
necessidade a ser cumprida,
não apenas um capricho.
Só havia uma escolha: Ou o
Devorador perece ou Éldrim.
Se Éldrim cair, então
provavelmente esse mundo
também pereceria logo após.
— Lohan, a última invasão
que teve foi planejada, não é?
— Foi grande demais para ser
considerado aleatório.
Monstros ocasionais sempre
passam, mas hordas inteiras...
— Por que você é tão esperta?
— O tom de voz ranzinza com
que ele perguntou isso me fez
perceber que não foi um
elogio. Ele estava claramente
preocupado. — Como chegou
a essa conclusão?
— Você disse a Damian que as
invasões só iam piorar. Isso
significa que medidas de
controle estão sendo adotadas
por alguém.
— É exatamente isso. —
Confirmou-me ele com a voz
baixa. — Quando o projeto
dos portais foi descartado
pelos demais reis, alguns se
uniram para um projeto
alternativo de controle
populacional. Isso visa
controlar o tamanho do
Devorador enquanto o
período de trégua for vigente.
— E o que seria esse tempo de
trégua? — É uma pergunta
que me dava até medo de
fazer. É como datar um dia
para um genocídio, e isso era
extremamente perturbador.
— Décadas, séculos ou
milênios talvez. Quem sabe
quanto tempo vou reinar? —
Disse Lohan sorrindo
suavemente. Sei queria me
tranquilizar com isso, mas
posso dizer que não deu
muito certo. O pânico ainda
inquietava o meu coração.
— Willow faz parte do plano
de controle? — Várias bruxas
invadiram meu mundo na
última invasão. Era lógico que
eu pensasse que a rainha das
bruxas tinha envolvimento.
— Não, ela está do nosso lado.
— Então por...
— Aquilo é outra coisa. —
Interrompeu-me ele. —
Diferente de nós lobos, bruxas
não tem senso de bando e
unidade. Elas apenas se aliam
conforme objetivos e
ambições, o que as torna
difíceis de serem monitoradas
e controladas. Sobre o que
realmente aconteceu ainda
está sendo investigado, mas
sabemos que existe uma
ordem de bruxas malignas
com propósitos ocultos em
torno do Devorador.
— E você acha que eu era
realmente um alvo? — Quanto
mais eu sabia sobre isso, mais
preocupada ficava. Por algum
motivo, eu acabava tendo que
lutar com elas, e mesmo
quando fui resgatar o grupo,
fui prontamente focada. Elas
sequer se importaram que
outros estivessem escapando
enquanto me miravam. — É
que não entendo porque
várias delas vieram
especificamente para cima de
mim naquela invasão.
— Isso também está sendo
investigado. Acho melhor
parar com suas perguntas por
hoje. — Respondeu-me
nervosamente cortando o
assunto. Parecia agitado e tive
a impressão que seus olhos se
tornaram ainda mais negros
do que já eram. Assenti
levemente a cabeça e forcei
um sorriso. Eu ainda estava
atribulada por dentro, mas
Lohan não parecia ter
percebido isso.
"Há algo errado!" — Disse
minha loba dentro de mim.
"Já notei isso!" — Respondi a
ela. Lohan me puxara para
junto dele e me beijava
intensamente. Tentei retribuir
seus beijos na mesma
intensidade, só que o meu
interior ainda estava um caos.
Geralmente ele me conforta
quando eu não estou bem
antes de pensar em avançar
dessa forma.
— Fiquei tão preocupado com
você! — Disse-me olhando em
meus olhos enquanto
posicionava seu corpo contra
o meu. — Eu prometo que vou
descobrir o que você tem e
vou encontrar a cura.
— Confio em você,
companheiro! — Disse-lhe em
voz baixa ao mesmo tempo
que encarava profundamente
seus olhos em busca de mais
sinais.
Esperei Lohan dormir antes
de me esgueirar para fora da
cama. Olhei diversas vezes no
espelho do banheiro para ter
certeza que a marca ainda
estava lá. Mesmo que
parecesse intacta, Lohan não
estava mais me sentindo e é
isso me deixava preocupada.
Um brilho discreto vindo da
orelha chamou a minha
atenção.
"Por que estou com os
brincos?" — Puxei meus
cabelos e encarei surpresa os
brincos de diamante, os
mesmo que Lohan disse ter
dado para Willow. Não pude
deixar de pensar que eles
eram a causa de Lohan não
me sentir mais.
Imediatamente comecei a tirá-
los, mas fui interrompida por
uma mão forte prendendo o
meu pulso.
— Não faça isso! — Pediu
Lohan com a voz séria.
— Desculpe, te acordei? —
Não queria admitir que
esperei ele dormir de
propósito para vir verificar
isso. Não queria que ele visse
o quanto eu estava
desconfiada.
— Coloque de volta! —
Ordenou através de um
comando. Não tive escolha a
não ser colocar de volta o
brinco que eu já tinha tirado.
— Por quê? — Perguntei
baixando meu olhar
entristecida. Era muito
melhor se ele tivesse me
explicado o porquê eu deveria
usá-los do que emitir um
comando desses. — Meus
sentimentos te incomodam?
Minhas crises estão te
afetando?
Ele se calou. Claramente não
pretendia responder a essa
pergunta.
— Lohan, eu sinto muito! —
Em vez de trazer luz, só
trouxe mais preocupações
para ele. Eu queria ser forte,
queria dizer que tudo ficaria
bem, mas não conseguia. Tudo
já era confuso e complicado
demais e eu só adicionara
mais um peso nos ombros
dele. Agachei-me no chão
encostando minhas costas
contra a parede e desabei em
lágrimas. Nunca tinha me
sentido tão fraca e impotente
em toda a minha vida.
— Minha lobinha branca, não
diz isso! Tudo vai se resolver
em breve! — Lohan se sentou
ao meu lado e me puxou para
o colo dele. Sentia como se
fosse uma criança sendo
ninada em seus braços e isso
era constrangedor. — Willow
nos deu uma dica importante
sobre o que você tem.
— O que ela disse? —
Perguntei timidamente
enquanto esfregava minhas
mãos nos olhos para tentar
para as lágrimas.
— Ela disse que a sua essência
atual é incompatível com o
destino que te espera. Em
outras palavras, você somente
ficará bem depois que passar
pela provação.
— O que me impede de passar
logo pela provação? — Se a
provação era o problema, eu
deveria resolvê-lo o quanto
antes.
— Bem, geralmente se espera
o despertar do lobo aos
dezoito. Mesmo que você já
tenha o lobo, talvez sua idade
seja um empecilho para a
realização do teste.
— Mas eu já recebi o
chamado! — As palavras de
Willow se tornaram claras na
minha cabeça depois do que
Lohan me disse.
— Que chamado? — Elevei
meu olhar encontrando os
olhos dele. Parecia realmente
confuso quanto a isso.
— Antes de eu perder a
consciência, Willow me disse
que eu devia parar de lutar
contra o chamado. Esses sons
na minha cabeça são o
chamado, não? Isso deve ter a
ver com a provação.
— É impossível! — Disse-me
Lohan. Parecia perturbado. —
Nunca ouvi falar sobre uma
câmara chamando alguém.
Por acaso andas ouvindo sons
estranhos mais vezes?
— Algumas. — Admiti
arrependida por ter falado
demais. Não conseguia mentir
para ele, e como ele me
perguntou diretamente eu
não tinha como omitir.
— Por não me contou? —
Mais do que preocupação,
percebi que eu o tinha
chateado.
— Eu só não queria preocupá-
lo ainda mais, companheiro.
Sei que errei. Me perdoa sim?
— Beijei suavemente seus
lábios várias e várias vezes
até que ele relaxou.
— Agora que não posso senti-
la, preciso que seja ainda mais
aberta comigo. Pode fazer isso
por mim?
— Desde que faça o mesmo
comigo! — Falei-lhe
seriamente. Eu entreguei a ele
tudo de mim. Esperava que no
mínimo ele nunca me faltasse
com a verdade. Ele assentiu a
cabeça positivamente uma vez
enquanto olhávamos nos
olhos um do outro. Dessa
forma o nosso acordo foi
selado.
P2 - Capítulo 10
Não era grande, nem muito
chamativo. A câmara dos
deuses é uma construção
quadrada de paredes brancas,
sem janelas e cuja a porta de
entrada ocupa metade da
parte frontal. Havia inscrições
em baixo relevo por toda a
porta, a maioria desenhos de
todos os principais elementos
que compõe a magia deste
mundo.
— Vamos tirar a prova! —
Disse-me Lohan me
incentivando a tocar na porta.
Caso eu preenchesse as
condições necessárias, a porta
se abriria para mim e eu
poderia entrar e fazer o teste.
Graças a conversa que tive
com o meu companheiro, ele
achou que deveríamos
averiguar essa questão do
chamado. No mesmo dia ele
me trouxe aqui. Levamos
quase uma hora de corrida do
palácio até esse lugar. A
câmara é cercada por
florestas e alguns guardas
vigiam a câmara
constantemente para garantir
ordem e pacificação. Lobos de
todos os clãs, de todas as
direções costumam vir aqui
todos os dias para a realização
do teste, mas no momento a
área foi delimitada
exclusivamente para mim.
"Algo está estranho." — Falei
com Lisa. Sons estranhos
começaram a invadir minha
cabeça como se estivessem
repelindo minha
aproximação. Não havia
beleza, nem harmonia no
chamado. Hesitantemente
estiquei minha mão e toquei
na porta da câmara.
— O que deveria acontecer?
— Perguntei a Lohan confusa.
Absolutamente nada ocorreu.
— As inscrições ganhariam
um brilho de acordo com a
quantidade de poder mágico
que possui e, se fosse o
momento, a porta se abriria. É
estranho que as inscrições
sequer tenham brilhado.
— O que isso significa?
— Provavelmente poder
mágico insuficiente. — Disse
Lohan pesadamente. Recuei a
mão de imediato. Não é
possível que eu não tinha o
mínimo necessário para fazer
o teste. Eu era uma das mais
fortes no meu mundo! Se eu
não consigo, provavelmente
ninguém do outro lado
conseguiria também.
— Pode ser por conta da
idade como você mencionou.
— Decidi que deveria me
manter otimista. Por algum
motivo eu era a destinada de
Lohan, e isso me dava um
propósito para continuar
lutando. — Apenas me guie,
companheiro! Farei o que for
necessário!
— Por ora vamos voltar! —
Apesar da firmeza em suas
palavras, eu podia sentir que
ele estava inseguro. Não podia
deixar toda a
responsabilidade para ele.
Senti que deveria encontrar
minhas próprias respostas
também.
"Estou me acomodando!" —
Comentei com Lisa enquanto
pegava um livro na biblioteca
mais tarde. Antes eu
procurava não depender de
ninguém, mas de repente
coloquei expectativas demais
em cima do meu
companheiro.
"A culpa é minha!" — Disse-
me Lisa. Ela se culpava por
não ser forte o bastante.
"Vamos ficar mais fortes! Não
vamos desistir!" — Eu estava
convicta com relação a isso.
"Uma luta só se perde quando
paramos de lutar!" —
Respondeu-me de volta. Era o
nosso lema de vida.
Perseverar até atingir uma
meta, não importa os
obstáculos que apareçam.
Assim que abri o livro sobre
câmara dos deuses, ouvi um
som. Não era como uma
flauta, mas como a corda de
um violão.
"Parece que Preciosa está com
a gente!" — Comentei com ela.
Sorri enquanto virava as
páginas. O som de cordas
continuava ressoando de
forma clara e límpida, e isso
era um alento. Sentia minhas
ideias clareando enquanto
avançava na leitura.
O livro sobre a câmara dos
deuses denota desde a
antiguidade. O que me
chamou a atenção, é que as
câmaras atuais não são as
originais. As antigas câmaras
eram muito mais rigorosas
quando às provações e
demandavam um poder que
excluía grande parte da
população, que não tinha as
qualificações mínimas
necessárias para adentrá-las.
Novas câmaras mais
inclusivas foram construídas
por conta disso, e as antigas
foram deixadas de lado e
acabaram se tornando ruínas.
— Parece pensativa! — Disse-
me Lohan se sentando do meu
lado. Seu semblante estava
abatido e parecia cansado.
— Muito trabalho hoje? —
Perguntei preocupada. Nesses
últimos dias estávamos
passando pouco tempo juntos,
e como não recebi instruções
específicas, fiquei explorando
todo o tipo de conteúdo sobre
as câmaras, procurando uma
solução para o meu caso.
— Um pouco. — Sua voz soou
baixa. Ele segurou minha mão
e sorriu para mim. Acho que a
parte que nos
reencontrávamos era a
melhor parte do dia para nós
dois.
O meu lado não foi muito
produtivo. Estudar muito era
cansativo, ainda mais quando
não havia absolutamente nada
na literatura sobre chamados
que eu pudesse usar como
referência para o meu caso.
Um pensamento em particular
me perturbava muito.
— Companheiro, que tipo de
poder a Willow controla? — A
rainha das bruxas parecia
saber muito mais sobre mim
do que eu mesmo. Pensei que
talvez conseguisse encontrar
respostas mais coerentes se
eu seguisse as pistas que ela
me dava.
— Willow tem duas
naturezas. Seu poder
elementar é as trevas e seu
poder astral é o psíquico. —
Respondeu-me com o olhar
atento a mim. — Por que quer
saber?
— Está explicado como ela se
comunica mentalmente. —
Comentei me lembrando das
vezes que a ouvi só na mente.
— Comunicação telepática
com outras raças só é possível
através de contato físico, ou
só conseguirá ouvir ruídos. —
Disse ele. — Por isso ela te
tocou para se comunicar com
você na reunião.
— Entendi! Os seres precisam
estar na mesma frequência...
— Na minha cabeça tal poder
é comparável com ondas de
rádio. — Você também tem
poderes telepáticos, não é?
Por que não se comunica
comigo mais vezes?
— Pelo mesmo motivo. —
Disse-me ele em um tom
sério. — Sua mente tem uma
resistência natural ao meu
poder, então tenho
dificuldades de me comunicar
a distância com você.
— Porque sou meio humana.
— Concluí. Ele assentiu a
cabeça confirmando minha
teoria. Fiquei um pouco triste
por saber que eu também não
estava na mesma frequência
que Lohan.
— Espera! — A primeira vez
que Willow se comunicou
mentalmente comigo foi no
meu mundo. Se eu ouvi
Willow aquela vez é porque
ela realmente me tocou, e se
ela me tocou é porque eu
realmente estava sendo
puxada pelo portal por ela,
algo que, de acordo com
Lohan, não deveria acontecer
por conta da natureza mágica.
— O que foi? — Lohan me
perguntou preocupado.
Mordisquei os lábios
enquanto pensava se deveria
ou não o questionar a respeito
disso. — Companheira, temos
um acordo, lembra? Seja
sincera!
— Lohan, Willow teve filhas?
— Ela havia me chamado de
filha ao menos duas vezes. Era
desconfortável pensar na
hipótese de que eu talvez
tivesse algum parentesco com
ela.
— Não. Embora Willow nunca
tenho gerado descendência,
muitas bruxas em seu reino
são chamadas por ela de
filhas. Mais do que rainha, ela
é tratada como mãe por essas
bruxas.
— Não é possível! —
Murmurei. Me recusava a
acreditar que eu pudesse ser
uma bruxa.
— Companheira, me diga o
que te aflige! — Exigiu ele.
Assenti de leve enquanto
tomava coragem de dizer isso
em voz alta.
— Willow me chamou de
filha. — Revelei. — Você acha
que a câmara não se abriu
para mim porque fui no lugar
errado? Você acha que talvez
o meu teste seja na câmara
dos deuses do território das
bruxas?
Enquanto eu estava morrendo
de nervosismo quanto a isso,
Lohan começou a rir
descontraidamente como se
eu tivesse contado uma
grande piada. Senti meu rosto
esquentar de vergonha. Será
que eu tinha pensado longe
demais?
— Willow provavelmente só
te chamou assim porque você
é bonita! Willow tem
fascinação por coisas belas. —
Disse Lohan quando se
recompôs. — Além disso, é
impossível que você seja uma
bruxa.
— Por quê? — Perguntei
seriamente. A possibilidade
ainda era real na minha
cabeça. Se eu podia ser meio
humana, por que não podia
ser meio bruxa também?
— Ou você é um lobo, ou você
é uma bruxa. — Lohan se
levantou e caminhou até o
corredor da biblioteca. Minha
mente já estava cansada antes
mesmo dele voltar. Eu já o
tinha visto fazer isso várias
vezes e sabia ao que isso
levaria. — Você, sem dúvidas,
é uma loba. Leia isso e
entenderá!
Lohan deixou cair um livro
grosso sobre a mesa. Suspirei
profundamente antes de
pegá-lo e guardá-lo na estante
de próximas leituras. Depois
disso, peguei na sua mão e
acompanhei-o até uma sala
com vista para o jardim, o
lugar preferido dele para
refeições. Enquanto
comíamos, ele largou os
talheres e se levantou
bruscamente.
— Lohan, o que está
acontecendo? — Perguntei
enquanto me colocava de pé
também. O olhar dele estava
distante e ele parecia agitado.
— Alguém pronunciou as
palavras. — Disse ele. — É a
primeira vez. Tenho que ir!
Eu queria ter-lhe dito que ia
junto, queria ter implorado
que me esperasse, mas em um
piscar de olhos ele não estava
mais à minha vista. Ele era
muito rápido! Corri atrás dele
tão rápido quanto pude.
Precisava ver com meus
próprios olhos quem, em sã
consciência, iria querer deixar
tudo para vir para cá. Uma
lista de nomes se passou pela
minha cabeça, mas de todos, o
rosto no monitor mágico de
Lohan é o que eu menos
esperava.
— Alfa Clark? — Perguntei
perplexa. Clark olhava para
água com o semblante
abatido. Estava com olheiras
profundas como se tivesse
dormido muito pouco nos
últimos dias. Me aproximei de
Lohan enquanto tentava
entender o que estava
acontecendo. Ele estava no
centro da sala de
monitoramento, sentado por
cima da cama com as pernas
cruzadas e tocando uma
grande pedra similar a uma
obsidiana em formato de
obelisco.
A pedra estava numa posição
invertida, como se tivesse
saído do teto brilhante em
direção ao chão, similar a uma
estalactite. Sua ponta estava a
centímetros da cama e foi
então que compreendi o
motivo da cama ser tão baixa.
A pedra de invocação possuía
várias inscrições que
brilhavam em uma coloração
prateada.
— Essa é a pedra de
invocação responsável pelos
portais. — Me apresentou ele.
Apesar de saber que, de
tempos em tempos, Lohan
vinha até aqui para recarregá-
la dando-lhe força mágica
para que continue operante,
essa é a primeira vez que eu a
vi pessoalmente. — Ela
aparece sempre que as
condições para o chamado são
cumpridas.
Ele olhava atentamente o
monitor enquanto me
explicava isso. As condições
foram cumpridas, mas ele não
estava abrindo o portal.
Talvez estivesse esperando
para ter certeza que isso não
era uma brincadeira do alfa.
— Eliza, você é muito valiosa.
— Disse o alfa Clark com o
rosto triste. Será que ele
estava apenas chamando
nossa atenção quando disse as
palavras mágicas? — Eu
sempre soube disso, desde
que te vi pela primeira vez.
Você brilhava tanto que
conseguiu fazer o meu
sobrinho Nicolas chamar
alguém de amigo pela
primeira vez na minha frente.
Você também foi capaz de
fazer meu filho prestar
cuidados médicos a alguém
pela primeira vez desde a
morte da mãe dele. Você fez
minha filha voltar a falar
depois de tantos anos e depois
de passar por nossas vidas
como uma chama brilhante,
você simplesmente partiu.
Agora eu preciso te pedir um
último favor, e desta vez sou
eu quem me curvo diante de
você...
As palavras do alfa Clark
mexeram comigo de uma
forma que eu não conseguia
explicar. Pelo seu olhar, eu
conseguia ver uma dor
profunda perfurando seu
coração. Depois de todos
esses meses, jamais pensei
que ele viria falar comigo,
nem que seria o primeiro a
pronunciar as palavras
mágicas.
Clark se curvou em reverência
e depois se afastou da água.
Instantes depois voltou com
um homem desacordado em
seus braços. Ele se inclinou
ligeiramente para a água, a
dor gritante em seu olhar. Eu
nunca o tinha visto tão
vulnerável. William estava
desacordado, e algo me dizia
que o chamado tinha a ver
com ele.
— Meu filho disse que não
consegue viver em um mundo
em que você não existe. Ele
não consegue superar o que
aconteceu e do jeito que ele
está, eu vou acabar perdendo-
o a qualquer momento, então
para que ele pelo menos
possa continuar vivendo,
peço-vos humildemente que o
aceitem em seu mundo. Sei
que ele errou muito, mas ele é
outra pessoa agora e eu
prometo que não causará
problemas, desde que possa
estar perto de você. Lohan,
seja quem você for, peço que
tenha misericórdia e perdoe o
meu atrevimento e minhas
tolas decisões. Como um pai
fiz e sempre farei o que for
preciso pelo bem-estar dos
meus filhos. Não peço que me
entenda, mas apenas receba o
meu filho como seu
subordinado se puder aceitar
esses sentimentos. Willow,
Eraply, Lucon. Willow, Eraply,
Lucon...
Olhei para o meu
companheiro, um sentimento
de aflição em meu coração ao
pensar que de todas as
pessoas, talvez William seja a
última que ele aceitaria no
reino dele como subordinado.
Esse sentimento se foi embora
rapidamente. A energia de
Lohan era serena enquanto
ele impunha as duas mãos
sobre a pedra e pronunciava
aquelas estranhas palavras,
que agora eu podia
compreender.
— Por todas as forças que
regem o universo, ouça as
vozes que clamam do outro
lado. O rei ordena: Abra-se!
Observei atentamente pelo
monitor mágico o que
acontecia do outro lado. As
águas se partiram em dois
assim como foi quando Lohan
e eu atravessamos. O fundo do
rio brilhou por um breve
instante dando lugar a uma
massa prateada, que agora eu
sabia que provinha desse lago.
O alfa Clark observou aquilo
com grande surpresa e
hesitou um pouco antes de
tomar coragem de se
aproximar daquilo e
posicionar seu filho
desacordado sobre a fenda.
Enquanto William afundava, o
alfa pegou uma mala flexível,
colocou por cima do corpo do
filho e então recuou.
Tirando as mãos da pedra de
invocação, as águas daquele
rio voltaram ao seu fluxo
normal. O alfa permaneceu
nas margens, o desamparo
estampado em sua face ao ver
seu filho desaparecer de sua
vista.
— Eu trago ele. — Disse-me
Lohan atravessando as
paredes. Mesmo sem poder
acompanhar os movimentos
dele, eu sabia que William
estava aqui, deste lado, neste
mundo. Continuei olhando
para o alfa Clark. De certa
forma ele fora bom para mim,
então não conseguia não
sentir pena.
— William ainda não sabe que
o mandei para outro mundo.
Não quis contar a ele que isso
era possível porque eu sabia
que ele iria atrás de você no
mesmo instante que soubesse
e eu não podia perdê-lo.
Acontece que ontem ele
tomou excesso de
comprimidos para dormir e se
eu não tivesse visto a tempo,
não sei o que teria acontecido.
Percebi que não podia mais
ignorar os sentimentos dele.
Caroline também têm estado
deprimida. Ela sente muito a
sua falta e prometi que a
levaria para te ver no futuro.
Prepararei John para assumir
a liderança do clã e se tornar o
próximo alfa. Será uma
transição lenta e pode levar
muitos anos, mas eu juro que
reunirei minha família de
novo. Por favor, cuidem do
meu filho até lá!
Seu coração estava
despedaçado, e eu queria
muito a oportunidade de lhe
dizer que tudo ficaria bem,
que esse mundo é
incrivelmente lindo e que ele
não precisava se preocupar.
Toquei minha mão sobre o
monitor enquanto o via dar as
costas, prestes a partir.
— Eu prometo! — Falei
suavemente. Algo mágico
aconteceu, eu sabia disso no
instante em que vi o alfa se
virar de volta como se
estivesse procurando por
algo. Ele tinha me ouvido?
Clark sorriu e assentiu com a
cabeça olhando para mim. A
tensão em seu corpo se esvaiu
e foi então que eu tinha
certeza que ele tinha me
ouvido.
P2 - Capítulo 11
Achei que era impossível se
comunicar com o outro lado.
Lohan, sendo poderoso como
é, apenas conseguiu fazê-lo
uma vez e acidentalmente.
Será que eu estou imaginando
coisas? Comecei a duvidar de
mim mesma. Não tinha como
uma loba fraca como eu
conseguir fazer algo assim.
— O que está fazendo? —
Perguntou-me Lohan. Minhas
mãos ainda estavam sobre o
monitor, agora desligado.
Olhei para trás. O obelisco
havia sumido e William estava
deitado desacordado sobre a
cama.
— Como ele está? —
Perguntei correndo até Lohan.
Ele estava observando
atentamente o visitante, como
se estivesse estudando suas
condições vitais. O rosto de
William estava muito pálido.
— Ele vai ficar bem. — Assim
que terminou de pronunciar
essas palavras, a porta da sala
em que estávamos se abriu.
— Majestade, recebemos o
seu chamado. — Disse Horace
se aproximando com mais um
guarda ao lado dele.
— Leve esse homem e seus
pertences ao setor de
cuidados especiais e me
avisem assim que ele acordar.
— Ordenou ele.
Aqueles homens prontamente
fizeram o que lhes fora
ordenado. Ver William nesse
estado lamentável fez com
que todas as mágoas que eu
sentia em relação a ele
ficassem para trás. Meus
sentimentos quanto a tê-lo
por perto ainda eram
contraditórios. Esperava que
tudo se resolvesse da melhor
forma possível, enquanto
pensava sobre como poderia
ajudá-lo.
— Também sinto pena. —
Comentou Lohan segurando
minha mão.
— É por isso que o aceitou? —
Perguntei intrigada. O alfa não
só pedira que William fosse
aceito aqui, mas também que
se tornasse um subordinado
de Lohan. Com tantos
guerreiros tremendamente
fortes a disposição dele e
tantos empregados bem
treinados, William
dificilmente encontraria um
espaço aqui.
— Eu o aceitarei como o
diplomata do clã de Siram. Ele
aprenderá sobre esse mundo
e seus costumes para que
possa falar aos seus quando
vierem para cá.
Lohan falou essas palavras
com tanta segurança que até
parecia que planejara isso
com antecedência. Poderia ele
ter previsto que isso
aconteceria?
— E agora? — Eu ainda me
sentia preocupada com o
estado de William. Se ele
havia tentado suicídio, é
porque estava
psicologicamente destruído.
— Não há mais nada que
possamos fazer no momento.
Vamos voltar e descansar
também. Assim que o
visitante acordar serei
avisado.
— Tudo bem. — Me sentia
comovida em ter um
companheiro tão bom. A
serenidade no rosto dele
mostrava que ele não via
William como rival, mas um
potencial aliado.
Não tardei em dormir nos
braços de meu companheiro.
Eu sempre me sentia segura e
quentinha quando ele estava
comigo e acabava
adormecendo rápido. Acordei
sendo balançada suavemente
por ele. Ele não precisou me
dizer nada para eu saber do
que se tratava.
— Vamos! — Falei a ele
colocando-me imediatamente
de pé.
Enquanto nos
aproximávamos, logo notei a
comoção em torno do local
aonde William fora levado. O
som de rosnados incessantes
preenchia todo o ambiente
exterior, fazendo o meu
coração se agitar. Lohan
sinalizou com a cabeça para
que eu abrisse a porta e
aproximei a mão da maçaneta
com um pouco de receio
quanto ao que eu encontraria
do outro lado.
Espiei pela greta da porta. Um
pequeno lobo de coloração
castanho avermelhado em
posição defensiva no canto da
sala, claramente confuso e
amedrontado. Dois lobos
imponentes e grandes
estavam cercando-o sem
fazerem qualquer tipo de
movimento, e haviam outros
três guardas em forma
humana mais atrás.
— Repito, não estamos aqui
para te machucar. — Disse
Horace ao lobo de William.
Horace estava recostado
calmamente contra a cama e
todos os demais lobos e
guardas esboçavam a mesma
tranquilidade que ele, como se
estivessem lidando com uma
simples birra de criança.
— Podem deixar comigo! —
Falei a eles terminando de
entrar na sala.
Os olhos do lobo de William
foram de encontro aos meus e
de imediato, ele ignorou os
lobos em sua frente e veio
correndo até mim. Ele parou a
meio metro, ao notar o
homem que estava atrás de
mim e abaixou a cabeça
apavorado.
— Não fica assim William,
ninguém aqui quer o seu mal.
— Falei suavemente me
aproximando dele e passei a
mão em sua cabeça. Sorri e
deixei o espírito otimista de
Lisa tomar conta da minha
personalidade no intuito de
passar uma imagem mais
amigável e acalmá-lo. — Bem-
vindo à Celestria, o mundo
onde todo tipo de magia
acontece!
O efeito foi imediato.
Tomando forma humana
enquanto se levantava, sua
respiração foi ficando mais
calma enquanto mirava meu
rosto. Seus olhos pareciam
querer desabar enquanto
elevava uma de suas mãos em
minha direção.
— Senti tanto a sua falta! —
Disse-me com a mão a poucos
centímetros do meu rosto,
mas não teve coragem de me
tocar.
— Eu sei. Seu pai nos contou.
Disse que você não estava se
comportando bem e por isso
te mandou para cá. Por
enquanto, só quero que saiba
que está seguro. Sei que deve
estar cheio de perguntas, mas
não se apresse. Prometo que
encontrará suas respostas!
— Meu pai me mandou para
cá? — A confusão ainda era
nítida em seu olhar, mas pelo
menos não estava mais tão
apavorado. — E onde é aqui
exatamente?
— Luríon, capital real do
reino de Éldrim, território dos
lobisomens. Este lugar em
específico é o palácio real.
— Palácio... — William recuou
um pouco, encarando melhor
o ambiente a sua volta. Ele
ainda se sentia intimidado
pela presença de tantos
guardas. Ao perceber isso,
Lohan rapidamente tomou
uma atitude.
— Deixem-nos a sós! —
Ordenou ele com seriedade.
— Como desejar, Majestade!
— Respondeu Horace. Todos
os guardas se retiraram
imediatamente e o silêncio
tomou conta do ambiente
enquanto William tentava
processar tudo isso.
— Lohan é um rei? —
Perguntou ele pausadamente.
— Sim. — Quem respondeu
foi o próprio. Ele estava muito
tranquilo quando se
aproximou de William e
colocou a mão no ombro dele
de forma amigável. — A
pedido do seu pai, a partir de
agora você viverá aqui como
meu subordinado. Permitirei
que continue vendo minha
companheira, que ficará a
cargo de lhe contar a verdade
que envolve nossos mundos,
mas entenda uma coisa. Ela é
a minha mulher e, portanto,
será a sua rainha. Como tal,
deverá se portar com
dignidade e respeito. Ações
invasivas não serão tolerados,
está claro?
— Entendido! — William
respondeu um pouco
hesitante. Lohan assentiu com
a cabeça para mim e depois
saiu da sala deixando-me a
sós com William.
— Por que não me rejeitou
depois que parti? — Perguntei
seriamente a ele. Mais do que
sentir pena, eu estava
preocupada. Ele perdera
completamente o contato com
a antiga vida e agora teria que
assistir a mulher que acredita
ser a sua companheira estar
ao lado de outro homem. —
Você realmente acha que está
melhor assim?
— Eu não sou tão forte quanto
gostaria. — Sussurrou. Dito
isso elevou o olhar. Apesar de
sua situação lamentável, havia
um sorriso suave em seu
rosto. — Depois que partiu,
nada mais fazia sentido para
mim. Eu não queria mais
existir, não queria mais
continuar sentindo a dor e
acabei mergulhando no vazio.
Agora, só de poder te olhar
voltei a me sentir vivo. Mesmo
que eu apenas possa te
observar, ainda é melhor do
que nada.
Definitivamente William
estava louco. Se eu era tão
importante, porque ele não se
portou corretamente comigo
antes? Tem pessoas que só
dão valor ao que perdem, e
William era claramente uma
dessas.
— Se você entende que é só
isso que terá de mim, posso te
oferecer minha companhia e
te guiar. Desde que se
comporte, terá a minha
amizade e nada mais!
— Isso me basta! Eu posso...
— Ele esticou os braços
sinalizando o que queria.
Havia muita expectativa em
seu olhar. Suspirei
profundamente antes de me
aproximar e abraçá-lo. Suas
mãos se apertaram a minha
volta e ele começou a fungar.
William estava chorando.
Senti que era meu dever
ajudá-lo a superar isso.
Em seguida, fiz William se
sentar na cama e ofereci a ele
um copo de água. Fiquei de pé
na frente dele esperando que
ele tomasse a iniciativa de
fazer as perguntas, mas ele
ficou o tempo todo apenas
olhando para mim sem dizer
nada.
— Está melhor agora? — Ele
não chorava, mas também não
sorria. Parecia perdido em
pensamentos.
— Eu não sei por onde
começar... — Disse-me com a
voz baixa, me devolvendo o
copo vazio.
— Parece que elas vão cuidar
disso. — Apontei para as duas
senhoras que adentravam o
cômodo. Desde que vim a este
mundo, era quase sempre os
mesmos rostos que eu via e
acabei por decorar seus
nomes.
— Com licença! — Disse a
mais velha. O nome dela é
Vera e ela é a serva de maior
confiança de Lohan. Ela não só
esteve presente no
nascimento dele como ajudou
a cuidar pessoalmente da
criança. Em suas mãos estava
uma bandeja de alimentos. —
O rei ordenou que déssemos
os cuidados primários ao
visitante.
— Acho que é melhor fazerem
a poda primeiro. — Olhei para
Janine, a serva que estava logo
atrás. Em suas mãos havia
uma tesoura e uma bandeja.
— Certo! — Respondeu Janine
se aproximando e dei espaço a
ela que ficou encarando
William de frente enquanto
esperava ele tomar forma de
lobo.
— William, vire lobo um
pouco. — Pedi. Ele parecia
incomodado com a
proximidade de Janine. — A
poda é para que sejam
confeccionadas mais roupas
mágicas para você!
— Mas eu já tenho minha
roupa! — Olhei para a
bermuda que ele estava
usando e fiz uma negativa
com a cabeça.
— Só isso é pouco. Confie em
mim, sim? Tenho muitas
peças já! Veja! — Rodopiei
mostrando meu conjunto. Eu
estava toda de branco, com
uma calça comprida e uma
camisa de manga curta.
— Isso é... — Ele apurou o
olfato e esfregou os olhos
como se quisesse ter certeza
de que estava acordado.
— Esse é o mundo da magia,
esqueceu? As técnicas
mágicas aqui são muito mais
avançadas em todos os
sentidos de forma que todos
os lobos desse mundo só
usam roupas mágicas. Agora,
por favor, seja colaborativo
com a Janine!
Ele olhou atentamente para a
roupa das mulheres. Janine
tinha um vestido comprido de
cor predominantemente
castanho claro enquanto o
vestido de Vera era cinza.
Assim que a compreensão lhe
alcançou, ele desceu da cama
e tomou forma de lobo.
— Obrigada! — Falei a elas.
Peguei a bandeja de Vera e
coloquei-a sobre a mesa. Ela e
Janine se retiraram
silenciosamente. William
ainda estava na forma de lobo.
Parecia atordoado que tivesse
sido tão rápido e fácil. — Não
se preocupe, essas poucas
mechas de pelo bastam. Ainda
essa semana você deve
receber o primeiro par de
roupas. Por enquanto pode
usar as que seu pai lhe
mandou.
Puxei a mala que havia sido
deixada de baixo da mesa e
coloquei de frente para ele.
Ele ainda estava sem reação
então achei que deveria deixá-
lo um pouco sozinho. Pela
minha própria experiência, eu
sabia como tudo isso podia
ser confuso e difícil de
processar.
— Aonde você vai? — Ele
perguntou logo atrás de mim.
Eu estava abrindo a porta
prestes a sair.
— Vou te dar espaço. Coma, se
vista e relaxe um pouco.
— Fica comigo! — Pediu-me
com a voz baixa. — Por favor!
— William, eu não me
demoro, tudo bem? — Ele não
me respondeu. Parecia muito
nervoso, mas eu não podia
ajudar muito nesse momento.
Deixei o quarto e fui até a sala
de refeições comer com o meu
companheiro. Ele estava
olhando pela janela para o
jardim enquanto tomava uma
xícara do seu chá predileto.
Era feito com uma erva de
nome doriatan que, segundo
ele, o ajudava a pensar com
mais foco. Ele sempre
colocava uma colher pequena
de goma doce feita de algas e
uma pitada de raiz de cozata
vermelha em pó. Mesmo com
as adições, eu não conseguira
aprender a gostar do chá que
ele tomava. Tinha um gosto
forte como de remédio que
me fazia ficar salivando muito.
Apesar disso, eu acabava
sempre fazendo o chá para
tomar também, simplesmente
para acompanhá-lo.
— O que tem em mente? —
Perguntei antes de colocar
uma golada de chá de
doriatan para dentro.
— Quero testar a câmara dos
deuses com o nosso visitante.
— Disse-me, ainda com o
olhar distante. — Se a porta se
abrir para ele, a seu tempo se
abrirá para você também.
Ademais, colocarei um de
meus guardas a disposição
para ensinar-lhe o nosso
idioma e treiná-lo enquanto
isso.
— Pretende esperar ele
dominar o idioma primeiro?
— Perguntei intrigada.
Realmente havia necessidade
disso?
— Não necessariamente.
Creio que o teste dele esteja
relacionado com a capacidade
que ele terá em aceitar que
você não pertence a ele.
Ambos sabemos que ele ainda
não está preparado para isso.
— Achei que não fosse
possível prever o que ocorre
na provação.
— Em alguns casos é possível
desvendar, ainda mais quando
se conhece a história e as
fraquezas do lobo que será
provado. — Ele dissera sua
especulação com tanta certeza
que acabei ficando mais
curiosa.
— E o que foi o seu teste? O
que você teve que
experimentar?
— Tive que enxergar a minha
própria maldição. Tive que ser
capaz de suportar o que todos
os outros viam em mim
sempre que olhavam nos
meus olhos, mesmo que sem
querer. Quando eu olho para o
meu reflexo, eu não a enxergo,
mas isso não vale para os
outros. Foi somente na
provação que descobri o quão
desesperador é e comecei a
ser mais prudente. Eu
guardava muita raiva dos
outros por conta da maldição,
então o teste perdurou até
que compreendi o meu povo e
aceitei o meu destino. Graças
a provação obtive um dos
valores mais importantes
para um rei, a empatia!
P2 - Capítulo 12
Os primeiros dias de William
foram os mais difíceis. Lohan
e eu mostramos o palácio e
explicamos algumas regras
básicas sobre como as coisas
funcionariam. No mesmo dia,
designou um guarda de nome
Jason para ser o encarregado
do visitante. Jason ficaria à
sombra de William por um
tempo. Mas do que ensiná-lo,
Jason se tornou o guia dele.
Precisei ficar perto de William
por muitas horas nos
primeiros dias. Ele não queria
aceitar Jason e seu
temperamento estava muito
instável. Por vezes, ria consigo
mesmo enquanto se
perguntava se não estava
louco. Outras vezes chorava, e
em outras, saia correndo com
seu lobo sem rumo pelas
redondezas. Pobre Jason, com
o tanto de trabalho que
William estava dando a ele,
merecia até um aumento.
William somente começou a
se portar de forma mais
natural a partir do quinto dia
e foi graças à intervenção de
Lohan. Ele o levou para ver a
sala mágica, lhe mostrou todo
o sistema de monitoramento e
permitiu que William ficasse
um tempo vendo um pouco do
seu mundo.
— Seu pai prometeu que virá
para este lado com Caroline,
para reunir sua família
novamente. É seu dever guiá-
los quando isso acontecer. —
A seriedade nas palavras de
Lohan fez William finalmente
acordar. Ele saiu da sala com
um olhar completamente
diferente de quando entrou.
— Você é mesmo incrível! —
Elogiei meu companheiro. —
William já estava me deixando
maluca e eu não tinha mais
ideia de como lidar com ele.
— Vai poder relaxar um
pouco de agora em diante. —
Disse ele pegando nas minhas
mãos afetuosamente. —
Companheira, como está se
sentindo ultimamente? Voltou
a ter alguma crise?
Ele me perguntava isso todos
os dias desde que comecei a
usar os brincos. Sorri para ele
e fiz uma negativa com a
cabeça. Embora alguns sons
adentrassem minha mente de
vez em quando, eram
harmoniosos e não me
causavam nenhum problema.
Isso não era tão diferente de
quando a inspiração vinha e
eu entrava em transe
enquanto compunha minhas
músicas.
— Esses brincos eram para
estabilizar os meus sintomas?
— Não conseguia pensar em
outro motivo para Lohan ser
tão incisivo quanto a eu ter
que usá-los direto.
— Sim. — Confessou. — Não
queria te dizer até ter certeza
de que funcionaria.
— Nunca baixe a guarda para
uma bruxa! — Exclamei rindo.
Eu podia compreendê-lo
melhor agora, mas ainda
sentia que tinha algo o
incomodando quanto a isso.
— Exato! O mais importante
para mim é saber que você
está bem! — Ele beijou minha
testa suavemente e depois
caminhou até a porta.
— Aonde você vai? — Ele
estava sempre indo para lá e
para cá ultimamente a ponto
de mal cruzarmos nossos
caminhos durante o dia. Eu
também estive cheia de
preocupações e sentia que
não estava dando atenção
devida ao meu
relacionamento. — Quero
fazer algo junto com você!
— Sinto muito, mas tenho
uma reunião agora. Te
encontro no jantar, minha
lobinha branca! — Ele saiu em
seguida me deixando com o
coração apertado.
— Reunião? — Essa simples
menção trouxe dentro de mim
memórias importantes. Tudo
de ruim que foi dito, cada
gesto que me incomodou se
passavam na minha mente
enquanto eu abria minha
caixa do tesouro. Depois
disso, corri até Lohan.
Precisava interceptá-lo o
quanto antes. Agarrei a mão
dele com força enquanto me
desculpava. — Me perdoe! Eu
deveria ter percebido antes,
devia ter visto os sinais.
— Do que está falando? — Ele
se virou. Seus olhos
percorreram os meus como se
tivesse tentando ler a minha
mente. Parecia intrigado.
— Sobre a maldição. Se eu
tivesse percebido, não teria
demorado tanto para te
devolver isso! — Inseri o
estojo com as lentes sobre a
mão dele. — Não gosto de te
ver de cabeça baixa diante de
quem quer que seja, então por
favor, não faça mais isso!
— Você trouxe? — Ele parecia
surpreso enquanto abria a
caixa de lentes.
— Trouxe o kit completo, as
lentes, o produto de limpeza e
até mesmo... — Ele
interrompeu minha fala com
um beijo.
— Obrigado, minha pequena,
mas não sei se isso vai dar
certo aqui. — Disse-me
pesarosamente enquanto
afastava o rosto do meu.
— Por que diz isso? — Se deu
certo do outro lado, porque
não daria nesse?
— Quanto maior o meu poder,
mais forte também é a
maldição. Temo que as lentes
não suportem contê-las nesse
mundo.
Não pude deixar de rir e isso o
deixou desnorteado. A teoria
dele faria sentido se as lentes
fossem um item mágico, mas
esse não era o caso.
— As lentes não contêm a sua
maldição, apenas escondem
os seus olhos. Não precisa de
magia para isso. Tenha mais
fé, companheiro! — Peguei o
estojo de sua mão e fiz com
que ele se ajoelhasse. Eu
mesmo colocaria as lentes
nele.
Lohan piscou os olhos
algumas vezes assim que
posicionei as lentes. Ele se
levantou lentamente e parecia
incerto quanto a isso.
— O que está esperando? —
Perguntei. Ele estava parado
de frente para mim. Sua
respiração parecia mais
pesada. Ele não precisou me
responder, o som de passos se
aproximando me dizia tudo.
— Vossa Majestade, do que
precisa? — Um guarda se
ajoelhou perante Lohan
prestando reverência.
— Quero que olhe nos meus
olhos. — Disse Lohan de
forma incisiva. O guarda ficou
completamente sem reação ao
som dessas palavras. A cor lhe
fugira do rosto enquanto
colocava a cabeça contra o
chão e implorava por
misericórdia.
— Majestade, se fiz algo que
lhe desagradou, peço que me
perdoe. Não me puna dessa
forma, por favor!
— Isso não é uma punição. —
Lohan disse com a voz gentil
enquanto se aproximava do
guarda. — Você é um de meus
servos mais leais. É por causa
disso que preciso que confie
em mim e faça o que te pedi.
Eu podia sentir o pavor
emanando daquele guarda.
Mesmo que os sinais físicos
não fossem claros, sua energia
se retraiu completamente
enquanto ele relutantemente
elevava o rosto. Lohan
esperou pacientemente, até
que os olhos daquele guarda
se encontraram com os dele.
— Majestade, sua maldição...
— Os olhos daquele guarda
começaram a lacrimejar
enquanto um sorriso brotava
no seu rosto. — Eu posso te
ver! Eu posso mesmo te ver!
O que se seguiu é algo que eu
realmente não esperava.
Lohan sorriu e deixou que as
próprias lágrimas
transbordassem. Eu nunca
tinha visto ele chorar, então
me senti extremamente
tocada com a cena.
— Eu sei! Pode ir agora! —
Disse Lohan a ele. O guarda
não tirou os olhos de Lohan
enquanto se retirava. Ele não
conseguia esconder sua
felicidade, não sei se por
consideração ao seu rei ou se
foi por ter sido poupado.
— Acho que todos vão querer
olhar para seu lindo rosto
agora. Fico até com ciúmes. —
Brinquei enquanto enxugava
minhas lágrimas.
— É tão bom! — Lohan disse
em um tom baixo. Aproximei-
me dele e ele lançou-me um
olhar gentil. — Eu sempre
quis que meus súditos
pudessem me olhar nos olhos
sem sentir medo. Esse
sentimento...
Lohan colocou a mão direita
sobre o coração. Eu podia
entendê-lo. Quantas pessoas
que ele ama foram afetadas
por sua maldição? Quão
solitário e triste foi sua vida
por não poder ser visto nem
pelos próprios pais? Me
pergunto quantas vezes ele já
se torturou por conta disso,
quantas vezes já chorou em
silêncio por ser amaldiçoado
com algo que fazia com que
todos o temessem e o
evitassem.
— Companheiro, vou dar um
jeito de nunca mais lhe faltar
lentes até que a maldição
possa ser quebrada de uma
vez por todas! — Eu precisava
fazer algo quanto a isso. As
lentes que eu dei a ele tinham
apenas um ano de validade, e
alguns meses já tinham se
passado. Além disso, me
descuidei quanto aos
cuidados por não fazer ideia
do quanto elas poderiam ser
importantes, então não sabia
até quando ele conseguiria
usá-las.
— Confio em você! — Disse-
me com um sorriso
estonteante. Essa frase
costuma ser minha.
O sorriso com que prosseguiu
para a reunião só não foi
maior do que o sorriso que
estava quando nos
reencontramos para o jantar.
Eu ainda estava incerta
quanto a como conseguiria
novas lentes para ele, se havia
os elementos necessários
nesse mundo e alguém em
Celestria teria a destreza para
fabricá-las.
— No que está pensando? —
Perguntou ele. Eu mal tocara
no meu prato de comida.
Lohan é importante demais
para mim, então não
conseguia não me preocupar.
— Só estava me perguntando
em como o conselho reagiu
com as novidades. — Esse era
o meu pensamento
secundário, então não menti.
— Os anciões são muito
racionais. Eles querem uma
explicação para tudo mesmo
para o que não há. Desde o
outro mundo eu não entendia
como isso funciona, e mesmo
agora eu não entendo. O que
eu sei, é que este é mais um
milagre das suas mãos. —
Lohan colocou sua mão sobre
a minha. Do jeito que ele falou
parecia que é algo grande,
mas não era nada demais. Um
par de lentes não custava
praticamente nada perto do
que eu tinha. Eu poderia
comprar milhares delas para
ele. — Minha lobinha, saiba
que agora todo o conselho é
favorável a você.
— É bom ouvir isso. — Falei-
lhe timidamente. Por dentro,
não pude deixar de ficar triste.
Eu me sentia uma farsa
completa. Se eu não
conseguisse entregar mais
lentes para o Lohan, o que
pensariam de mim? Temia
que meu companheiro ficasse
desapontado comigo também
por conta disso e arrependi-
me de alimentar expectativas
nele que talvez eu não
pudesse cumprir.
Usar os brincos não foi de
todo ruim. Lohan não ficaria
se preocupando comigo
desnecessariamente. Eu podia
lidar com esses sentimentos
sozinha. Afastei essas
preocupações por hora. A
provação deveria ser a minha
prioridade.
"Você ainda está pensando
nisso?" — Questionou-me Lisa
ao me ver pegar o livro sobre
bruxas na biblioteca logo na
manhã do dia seguinte. Lohan
o havia separado para mim e
sentia uma necessidade
urgente de lê-lo.
"Algum vez já me enganei?" —
Perguntei a ela seriamente.
Geralmente meu erro era
questionar minha própria
intuição, algo que eu não
deveria fazer de novo. Sempre
fui boa em pressentir as
coisas, como se tivesse um
sexto sentido. Minha mãe
sempre me diz que eu tinha
sensibilidade a energias e eu
não acreditava nisso até que
percebi que era a única a
sentir Lohan pelas águas.
Comecei a ler o livro
ansiosamente, mas esse
sentimento se foi tão rápido
quanto veio.
— Que merda! — Eu não era
de xingar, mas senti-a
extremamente constrangida
pelo conteúdo. Esse livro, sem
dúvidas, era impróprio para
menores de idade. Fechei
meus olhos e apertei minhas
mãos com força rezando aos
céus para não ser uma bruxa.
Minha prece foi interrompida
ao som da porta se abrindo.
Abri meus olhos e
acompanhei as presenças que
adentravam a biblioteca.
— Não pode ir lá! —
Exclamou Jason atrás de
William. Assim que me viu,
William correu até mim
invadindo a área exclusiva de
Lohan.
— Oi. — Disse-me ele. Jason
parou antes do degrau,
incerto quanto a se deveria
invadir também para tirar o
intruso. Parecia aguardar
ordens antes de fazer um
movimento mais ousado. —
Você está vermelhinha. O que
estava lendo?
— Oi. — Respondi de volta
fechando livro e desviando o
olhar. — É só um livro sobre
bruxas. Nada demais! Se
quiser lê-lo um dia, trate de se
empenhar nos estudos.
— Você vem sempre aqui? —
Perguntou ele.
— Quase todos os dias. Não
tenho muito o que fazer no
momento além de estudar.
— Quero estudar aqui então.
— Proferiu confiadamente.
— Claro, mas fora da minha
área! — Apontei para a escada
que era a única coisa que
limitava o acesso entre a área
comum e a área real. — Se
fizer bons avanços talvez eu
permita o seu acesso. Jason,
tire o intruso por favor!
Defina metas de
aprendizagem diários e
apenas o permita se
aproximar se ele os cumprir.
— Como quiser! — Disse ele
tomando coragem de entrar.
— Sério isso? — William
reclamou enquanto era
arrastado para fora.
— Você queria poder olhar
para mim, então tudo bem,
mas terá que fazê-lo de longe!
Se ficar por perto só vai
atrapalhar a mim e a si
mesmo. Se for um bom aluno
serei generosa, não se
preocupe. Se esforce e terá
mais tempo comigo!
— É melhor cumprir sua
palavra! — Disse-me com um
olhar quente. Oh, que
saudades dos olhos frios dele!
Ele e Jason se sentaram em
uma mesa que tinha visão
para a área em que eu estava.
Mudei de poltrona ficando de
costas para eles enquanto
voltava a ler o livro.
"Agora entendo porque Lohan
disse que jamais se deve
baixar a guarda para uma
bruxa." — Comentei com
minha loba. Jamais pensei que
era algo nesse sentido. O dom
pérfido ao qual chamam de
sedução era uma
característica natural comum
em todas as bruxas.
"Para que elas precisam
disso?" — Lisa questionou
enquanto eu pulava as
páginas, apenas passando o
olho de relance para ver se
não estava perdendo nenhum
detalhe relevante. Haviam
capítulos inteiros que tratam
só sobre técnicas que as
bruxas tem para seduzir
homens de qualquer espécie e
levá-los para cama. Eu
definitivamente não leria isso!
"Encontrei!" — Após algumas
páginas, consegui entender o
porquê Lohan disse que eu
não podia ser uma bruxa.
Bruxas apenas geram bruxas.
Para eu ser uma bruxa, minha
mãe tinha que ser uma bruxa
também bem como a minha
avó, minha bisavó e assim por
diante.
O dom da sedução é uma
característica natural
essencial que toda bruxa tem
em prol da continuidade da
espécie. Elas seduzem machos
de qualquer espécie, desde
que sejam fortes o suficiente,
apenas para poderem
procriar, já que não possuem
um macho da própria espécie.
Assim, independente da raça
que for o macho, a prole
sempre herdará as
características da mãe e será
uma bruxa.
Bruxas são consideradas
criaturas vulgares tanto pela
forma de agir como de se
portar. Não são criaturas que
se prendem a casamentos ou
companheiros como os lobos,
pelo contrário, são livres e
não se comprometem com
ninguém. Há um critério para
escolha dos homens que
querem seduzir, a força!
"Acho que somos bruxa!" —
Disse Lisa rindo por dentro.
Mesmo que brincando, não
pude deixar de suspirar
profundamente. Bruxas tem a
capacidade de sentir energia
mágica de todas as criaturas.
Elas naturalmente procuram
as criaturas com maior poder
para seduzir e procriar. O
objetivo é gerar filhas com
maior capacidade mágica.
— É muito estranho! —
Murmurei comigo mesma.
Bruxas tem beleza, charme e
talentos natos em áreas
especificas, no objetivo de se
tornarem objetos de atração e
admiração. Tanto isso quanto
a questão de sensibilidade a
energias são coisas que eu
tenho. Para qualquer bruxa,
Lohan é um prato cheio, e isso
me fazia pensar se havia algo
mais por trás da atração que
senti por Lohan desde o
começo. Lembro-me de como
Lisa disse-me que ele é digno,
completamente hipnotizada
pela energia poderosa dele e
de como me permiti ser dele
tão facilmente, o que ia contra
a natureza de um lobo com
companheiro.
— No que está pensando? —
Lohan proferiu perto do meu
ouvido. Instantaneamente o
livro caiu da minha mão pelo
susto. Como ele podia ser tão
sorrateiro?
— Às vezes penso que você é
realmente um fantasma. —
Resmunguei enquanto me
agachava para pegar o livro.
Lohan colocou um prato cheio
de comida sobre a mesa da
frente e se sentou na poltrona
ao lado.
— Queria ver o que tanto
prendera a atenção da minha
companheira para ela não ter
vindo almoçar comigo. —
Disse-me de forma
descontraída. Seus olhos se
tornaram brincalhões
enquanto pegava o livro da
minha mão e abria-o. —
Parece que está muito
interessada em aprender com
ele.
— Pulei essa primeira parte
toda. Era conteúdo impróprio
para alguém de menor como
eu. — Desviei meu olhar. Eu
definitivamente não precisava
de truques baixos para
seduzir o meu Lohan.
— Como ainda pode ser tão
tímida? Você não parece se
importar com conteúdo
impróprio quando estamos na
cama. — Sussurrou ele perto
do meu ouvido de forma
provocativa.
— Fala sério! Não precisa
falar disso aqui! — Escondi
meu rosto com as duas mãos.
Eu adorava meus momentos a
dois com o meu companheiro,
só que agir é uma coisa e falar
abertamente sobre isso é
outra coisa completamente
diferente para mim.
— Sua timidez te deixa
irresistível, companheira! —
Ele riu de leve e se afastou um
pouco. Respirei fundo
tentando me recompor.
Precisava colocar na minha
cabeça que eu não era mais
uma criança, e sim uma
mulher. Preciso começar a
agir com mais maturidade! —
E então, o que aprendeu com
o livro até agora?
— Só que você tinha razão. —
Falei em um tom mais sério.
Por mais que eu achasse que
tinha algo errado comigo, não
podia negar que era
improvável eu ser uma bruxa.
Bruxas nascem bruxas
independentemente de qual
espécie sejam os pais. O gene
que predomina
completamente é o da mãe, de
forma que não existe
hibridização. Eu não seria
filha dos meus pais e também
não haveria espaço para eu
ter uma loba se eu fosse uma
bruxa.
— E o que tem em mente
agora que sabe disso? —
Perguntou-me ele, atento a
minha expressão
determinada.
— Quero entender mais sobre
a natureza mágica dos lobos!
— Meu objetivo era chegar na
fonte sobre a minha
capacidade. Provavelmente
em Lisa eu encontraria a
chave para abrir as portas da
câmara da provação.
P2 - Capítulo 13
Não foi fácil explicar as coisas
para o herdeiro estúpido. Se
ele fosse um pouco mais
inteligente, talvez eu não
passasse tanta raiva!
— Minha nossa, como você se
formou no colégio? —
Reclamei. Não importa
quantas vezes eu tentava
explicar o alfabeto, ele não
conseguia gravar nem as
silabas mais simples.
— Sou melhor com a prática!
— Disse ele presunçosamente
enquanto se curvava na
minha direção. — Sou um
mestre em imitação.
— Me imite então, seu
estúpido! — Resmunguei na
língua mágica.
— Me imite então, seu
estúpido! — Repetiu ele de
forma límpida e perfeita.
— Interessante! Acho que já
sei como lidar com você! —
Respondi sorrindo satisfeita.
Pelo visto o caminho inverso
seria mais fácil para ele.
Repassei essa informação ao
Jason. Ele já estava pelejando
a quase meio mês para tentar
passar o básico quanto a
escrita e não conseguia. Por
causa disso, ele estava a ponto
a desistir e precisei intervir.
— Vai me abandonar de
novo? — Perguntou ele
frustrado enquanto me via
sair.
— Voltaremos ao esquema
anterior! — Obviamente ele
não me entendera. Se ele
quisesse conversar comigo de
agora em diante, devia dar um
jeito de aprender. Admito que
fui bem mais cruel do que
Lohan, mas incentivos assim
acabavam funcionando.
O que não imaginei é que uma
simples mudança de didática
podia ter um resultado tão
drástico. Com poucos dias
William já conseguia elaborar
frases por conta, e com uma
semana e meia já
conversávamos relativamente
bem na língua mágica. No fim
das contas, algo de genial ele
herdou do alfa Clark.
— Sou muito bom, não sou? —
Disse ele em um tom
presunçoso após passar na
prova que lhe passei. — Na
prática pego tudo com
facilidade.
Estávamos sentados no
jardim debaixo de uma das
árvores. O dia estava
espetacularmente belo
tornando todo o cenário em
volta uma inspiração para um
bom diálogo.
— Eu vejo! O que você quer? —
Eu prometera uma
recompensa caso ele
conseguisse conversar por
uma hora inteira com Jason e
comigo sem cometer erros.
Jason fez perguntas aleatórias,
a maioria sobre o outro
mundo. A forma como
conversavam me fez pensar
que não eram mais como um
guia e aprendiz, mas dois
bons amigos.
— Quero que cante uma
música para mim! — Pediu ele
animadamente.
— Estou sem instrumentos.
— Não me importo! Faça-o
sem! — Ele parecia até um
pouco ansioso. Jason me
olhou com curiosidade,
provavelmente se
perguntando o motivo pelo
qual seu aprendiz pedira algo
tão notoriamente simples. Se
ele soubesse o quanto me
pagavam para cantar no meu
mundo, conseguiria entender
o quão valioso é a minha voz.
— Acho que vai gostar disso...
— Respirei fundo contei o
tempo na cabeça e iniciei uma
apresentação à capela. Era
algo antigo e ao mesmo
tempo, novo. A música era um
dos meus maiores sucessos,
só que traduzida e
harmonizada conforme o
idioma desse mundo.
— Oh, isso foi divino! — Disse
Jason boquiaberto.
— Eu disse que ela é
maravilhosa! — Disse William
cutucando Jason.
Definitivamente já eram bons
amigos ou no mínimo
camaradas. — Ela bem que
podia se apresentar nas festas
daqui.
— Festas? — Perguntei
curiosa. Nunca tinha ouvido
falar de nenhuma desde que
cheguei.
— Jason me levou a algumas
festas na cidade. São
animadas, mas a parte musical
é péssima. Qual a graça de se
dançar só com o som de
tambores e flautas?
William e Jason começaram a
discutir na minha frente sobre
a festa que foram no fim de
semana passada. Até mesmo
William podia sair, mas eu
tinha que ficar entre os limites
que Lohan me impôs. Isso era
frustrante!
— Aonde você vai? —
Perguntou ele vendo que eu
estava me levantando. Eu não
queria ficar ouvindo sobre
aventuras que eu não podia
ter.
— Só vou treinar um pouco. —
Respondi categoricamente. No
início, somente estudar era
satisfatório, mas senti que
estava enferrujando, então
comecei a fazer exercícios
periódicos duas vezes ao dia,
sozinha. Não queria perder a
boa forma e Lisa também
precisava correr
rotineiramente. Quando notei
que os brincos modificados
com magia não eram
repelidos durante a
metamorfose, percebi que não
haviam empecilhos para
voltar um pouco à rotina que
eu tinha no outro mundo.
— Vou treinar com você! —
Insistiu ele. Eu não tinha
desculpas para recusar isso
então deixei que ele fizesse o
que quisesse.
Após uma corrida de meia
hora e alguns exercícios de
aquecimento, fiquei frente a
frente com William. Não
importa quantas vezes eu o
derrubasse, ele sempre se
colocava de pé e tentava algo
novo para revidar.
— Você tem movimentos
impressionantes. — Elogiou
Jason enquanto nos assistia
treinar na forma humana.
Depois de quase três horas
praticando, parece que
William finalmente desistiu.
Ele estava estirado no chão
em forma de lobo, tentando
acelerar sua recuperação. — É
diferente do estilo que
praticamos.
— Você pode treinar comigo?
Esse aqui já deu o que tinha
para dar. — Pedi a ele.
— Sinto muito, mas não
posso, a não ser que o rei me
permita fazê-lo.
— Entendo. — Baixei a
cabeça. Eu já havia pedido ao
Lohan por isso, mas ele
sempre desviava do assunto.
Não adiantaria pedir
novamente.
— Não vai querer treinar com
ele. — William disse assim
que tomou forma humana de
novo. Ele rodou o braço
esquerdo como se quisesse
ter certeza de que estava tudo
no lugar. — Falo por
experiência.
Franzi a testa enquanto
encarava Jason. Ele era tão
paciente para ensinar que
parecia ser mais gentil do que
eu. Aproximei-me dele e
encarei-o de frente. Era alto,
um perfil relativamente
jovem, rosto ovalado e
cabelos pretos curtos e
encaracolados. Seus olhos são
castanho claros e sua pele
bronzeada tem um tom muito
bonito.
— Sua Majestade, acho que
não deveria se aproximar
tanto. — Disse ele com a voz
trêmula. Seus olhos se
desviaram dos meus como se
estivesse envergonhado.
— Só estou querendo
entender. — A energia dele
era, sem dúvidas, forte, mas
não parecia ser tão poderoso
a ponto de eu não conseguir
lidar com ele em um
treinamento. — Por que não
podemos treinar?
— Os níveis de resistência,
força e velocidade dele são
muito superiores. — Disse-me
William se colocando entre
mim e Jason. Eu podia sentir o
calor irradiando de sua pele,
seu rosto a um palmo do meu.
— A de todos aqui são. Somos
extremamente frágeis em
comparação.
— Isso só significa que temos
que ter mais atenção e
técnica. — Proferi
confiadamente.
— Não é assim tão simples.
Enquanto tentamos derrubá-
los com dezenas de golpes,
apenas um golpe de um lobo
puro é capaz de nos derrubar.
— Insistiu. Em vez de me
intimidar, a ideia só me
deixou mais empolgada. Eu
pessoalmente adorava
desafios.
— Certo! — Esse é um motivo
a mais para eu continuar
treinando, mesmo que
sozinha. Afastei-me alguns
passos disposta a continuar
com meus exercícios. Comecei
a proferir uma série de golpes
contra uma árvore e,
enquanto eu intensificava a
energia de Lisa através do
meu corpo, senti uma energia
familiar se aproximando e
virei meu rosto em sua
direção.
"Dessa vez te notei,
companheiro!" — Pensei
enquanto o observava correr
em forma de lobo em nossa
direção. Ele era
extremamente rápido, mas
seus movimentos eram tão
leves que não faziam qualquer
som. A velocidade com que
tomava forma humana
enquanto se juntava a nós era
tão incrível que se eu não
tivesse visto com meus
próprios olhos, não teria
acreditado.
— Majestade! — Jason fez
uma reverência assim que
notou a presença ao seu lado,
poucos segundos após mim.
William demorou um pouco a
seguir meu olhar e acabou
sendo pego de surpresa. Era
engraçado ver que eu não era
a única a passar por isso.
— Companheiro, já está livre?
— Corri até ele, mas a
seriedade em seus olhos
negros desfez completamente
o meu sorriso.
"Fizemos algo errado?" —
Perguntou-me Lisa inquieta.
— Vocês dois, me
acompanhem! — Ordenou ele
de forma imponente. William
e eu nos entreolhamos e dei
de ombros deixando claro que
eu não fazia ideia do que ele
queria. Ele não se explicou,
apenas se virou e tive que
apressar os passos para
conseguir acompanhá-lo.
— Penso que é o momento de
saberem a verdade sobre o
vínculo que houve entre
vocês. — Disse Lohan
fechando a porta da sala onde
adentramos. É um espaço
relativamente pequeno em
comparação com os demais
cômodos do palácio, mas
aconchegante. Havia uma
grande janela voltada para o
jardim, algumas poltronas em
torno de uma mesa redonda e
um armário de meia altura em
madeira de coloração
avermelhada.
Essas poucas palavras fizeram
William se agitar. Tive que
bloquear a visão dele para que
não olhasse por engano nos
olhos de Lohan. Baixando o
olhar, recusou-se a se sentar
enquanto Lohan tirava de
uma das gavetas do armário
uma espécie de pergaminho
antigo. Ele abriu-o sobre a
mesa de centro e sentei-me no
sofá puxando o pergaminho
para analisar o seu conteúdo.
— Minha profecia? — Meu
coração começou a bater forte
em meu peito ao ler o título
do conteúdo. A contagem dos
anos em Celestria era
diferente, mas, pelo que eu já
aprendera, sabia que a data
do pergaminho era de quase
trezentos anos atrás. O título
dizia "A rainha que quebrará a
maldição!" — Achei que a sua
maldição estava atrelada à
existência do Devorador.
— Existem diferentes
interpretações para isso. —
Disse Lohan se sentando ao
meu lado. — Continue lendo e
entenderá.
— A rainha predestinada terá
o cordão do destino cortado e
entregue a outro homem. Uma
vez que o falso vínculo for
consumado, o rei a perderá
para sempre a chance de se
religar a ela.
Meu coração batia forte
dentro de mim. Olhei para
William desconcertada. Ele
parecia querer desabar,
incapaz de acreditar que o
nosso vínculo sempre foi só
uma farsa.
— Eu não posso aceitar isso!
— Disse ele se virando de
costas e socando a parede
com força. Sangue escorreu
entre os seus dedos enquanto
ele tentava conter a sua
frustração. — Por que me
parece que eu sou o
amaldiçoado?
— Você teve mais
oportunidades que eu. —
Disse Lohan com a voz séria.
— Minhas chances de
encontrar minha rainha eram
quase nulas.
O destino de Lohan foi muito
mais complicado do que o
dele. Primeiro achou que não
tinha uma companheira,
depois descobriu que sua
companheira teria o vínculo
ligado a outro homem.
De fato, William teve todas as
vantagens. Além de me
encontrar primeiro, ele sentia
o vínculo e, se tivesse agido
bem, teria consumado a
ligação tornando-a real. Por
várias vezes quis ir além
comigo e, se eu tivesse cedido
e acasalado com ele, Lohan e
eu não poderíamos mais ser
companheiros e era
assustador para mim pensar
que essa possibilidade existiu.
Lohan olhou para mim e
assentiu como um incentivo a
que eu continuasse a leitura.
Respirei fundo com um pouco
de receio do que eu
encontraria.
— A rainha predestinada
somente encontrará e
reconhecerá o seu rei se
puder desabrochar, de forma
que a maldição do rei não
mais a afetará. Pela marca do
rei o vínculo será ligado, mas
somente pela destruição do
Devorador será restaurado. Se
a rainha desconhecida
emergir, as calamidades do rei
não mais o irão afligir.
— Entende o que significa? —
Perguntou-me Lohan assim
que terminei de ler. — Desde
o começo, foi você que me
encontrou. Sem saber onde ou
quando você nasceria, ou
mesmo como você se
pareceria eu não tinha a
menor chance de te encontrar.
Se não bastasse, com nosso
vínculo cortado meu lobo
jamais a reconheceria como
companheira então eu estava
completamente às cegas. A
única pista válida que eu tinha
sobre quem seria a minha
companheira é que ela seria
capaz de olhar em meus olhos,
e mesmo para isso as
condições eram restritas.
— Se eu pudesse
desabrochar? Mas não
entendo o que isso quer dizer.
Desabrochar em que sentido?
— Um milagre! Agora eu
entendia melhor o motivo
pelo qual o meu companheiro
e todos os servos dele
referiam a mim dessa forma.
— Eu não sei ao certo. Eu
poderia ter perdido você sem
sequer ter tido a chance de te
encontrar. Algo que você fez
mudou o destino a nosso
favor, mas cabe a você
descobrir o que é. — Disse-me
ele gentilmente. Eu realmente
não fazia ideia do que isso
significa, mas só conseguia
pensar em uma resposta: o
amor! Nada conecta mais duas
pessoas do que a capacidade
de se amarem, mesmo em
condições adversas.
— Minha loba só o chama de
companheiro por conta da
marca? — Ele não me
respondeu diretamente, mas
não precisava. Coloquei minha
mão sobre a minha marca,
que de repente se tornara
ainda mais preciosa. Eu quase
podia ver o fio que me liga ao
Lohan, colado em mim por
conta dela. O que aconteceria
comigo se essa cola fosse
removida?
Era doloroso só de imaginar a
possibilidade de perder o
vínculo. Eu somente teria
verdadeiramente o meu
companheiro de volta se o
Devorador fosse destruído.
Agora eu estava mais certa do
que nunca sobre o que eu
deveria fazer depois que
passasse pela provação.
— Quanto a você ser a rainha
que acabará com a maldição,
isso está subentendido no
ponto em que diz que as
calamidades não irão mais me
afligir. Não há consenso no
conselho quanto a isso. Alguns
acreditam que você tem o
poder de quebrar a maldição
nos meus olhos. Quando você
me deu as lentes e me disse
com tanta certeza para confiar
em você, eu o fiz por conta
disso. Por outro lado, a maior
parte do conselho acredita
que você será a parte chave
para a destruição do
Devorador e, por
consequente, da maldição que
me aflige. Essa é a opinião
mais considerada por conta
da terceira calamidade. Você é
o tesouro de Éldrim, a
garantia de que não seremos
destruídos.
P2 - Capítulo 14
Eu podia compreender
perfeitamente o motivo pelo
qual Lohan demorou tanto a
me dizer essas coisas. O peso
que dantes ele carregava
sozinho agora estava também
sobre meus ombros. A
responsabilidade é imensa! O
Devorador não é um
problema de dias ou meses, é
algo milenar. Em teoria,
haviam duas formas de se
destruir o Devorador, mas
para mim só havia uma. Eu
jamais consideraria a
destruição do outro mundo,
então decidi dar apoio
incondicional ao projeto de
trazer os lobos a esse mundo.
- Acho que já é o momento. -
Disse Lohan. Ele afagava meus
cabelos gentilmente enquanto
eu pegava no sono.
- De quê? - Bocejei recusando-
me a abrir os olhos.
- Dele tentar a provação.
Fazia quase um mês desde
que Lohan nos contou a
verdade sobre a minha
profecia. Nos primeiros dias
William estava estranho, mas
depois voltou a agir como se
nada daquilo importasse. Ele
continuava carente da minha
atenção e acho que é isso que
incomodava Lohan. Mesmo
não admitindo, acho que ele
sentia ciúmes pelo tempo que
eu passava com William, por
isso decidiu chamar-nos
naquele dia para conversar
sobre aquilo. Foi uma forma
sensata de marcar território.
William foi completamente
surpreendido quando o
chamamos para correr no dia
seguinte. De frente para a
câmara, ele nos olhava
confuso tentando entender o
motivo de estarmos ali.
- Por que estamos aqui
exatamente? O que é esse
lugar? - Seus olhos percorriam
a porta da câmara intrigado
com os símbolos presentes
nela. Embora tivesse
avançado bem nas últimas
semanas na escrita, ainda
haviam muitos símbolos que
ele não conseguia ler.
- Chamam de câmara dos
deuses. É parte do ritual desse
mundo que todo lobo adulto
passe por isso. Digamos que é
uma versão mais evoluída do
lunakatan. - Falei com ele em
um tom descontraído. Não
queria que ele tivesse medo
de tentar. Diferente de mim,
se ele fracassasse poderia
tentar de novo após um ano.
- É impossível saber o que te
espera lá dentro, -
complementou Lohan - mas se
você superar o teste receberá
bençãos.
- Que tipo de bençãos estamos
falando? - Perguntou William
intrigado.
- Eu já mencionei que o meu
companheiro tem quase meio
milênio de idade? - Ri um
pouco sem jeito. Essa
diferença de idade ainda era
perturbadora. - É por conta da
provação que Luna viveu
tanto tempo. Longevidade é
um dos dons que vai receber.
Assim como eu, parecia que
nada mais surpreendia
William quanto a esse mundo.
Em vez de se deixar
perturbar, ele começou a rir.
- Tá bom, vou fingir que
acredito. O que eu faço? - Ele
colocou a mão na porta
enquanto falava isso. A porta
imediatamente brilhou de
leve e abriu uma brecha.
William foi literalmente
sugado para dentro depois
disso. Foi tudo tão rápido que
ele não teve tempo nem de
pedir ajuda.
- Então é assim que funciona?
Acho que ele não precisa mais
que o respondamos, não é? -
Lohan sorriu. Parecia tão bem
humorado quanto eu. Se
William podia fazer a
provação, eu também poderia
fazer um dia. - Quanto tempo
demora?
- Alguns minutos. -
Respondeu-me calmamente. -
O tempo lá dentro funciona
diferente daqui de fora.
Comecei uma contagem
mental. O tempo que
precisamos esperar foi de
aproximadamente três
minutos. Quem saiu da
câmara não foi o William, mas
o lobo dele.
- Caramba! - Fiquei pasma. O
lobo de William estava bem
maior em comparação com o
que era. Mais do que isso, a
energia dele também mudara.
Isso só podia significar uma
coisa.
- Sim, ele passou! - Confirmou-
me Lohan olhando para mim
como se tivesse previsto o que
eu estava pensando. - Não
imaginei que a benção iria tão
longe.
- O que quer dizer? - Antes
que ele me respondesse,
William tomou forma humana
e se ajoelhou na frente de
Lohan. - Majestade, sinto que
nunca lhe agradeci
devidamente pela forma com
que me acolheu. Obrigado!
Havia humildade e um
profundo respeito na voz dele.
O que aconteceu com o
William que eu conhecia?
- Levante-se! Posso ver que foi
agraciado com humildade. -
Disse Lohan circundando-o. -
E se tornou um lobo completo.
Algo mais?
- O vínculo falso, - William
olhou diretamente para mim -
ele não existe mais.
- Oh! Isso é bom! - Comentei.
William não sofreria mais por
minha causa. Ele estava livre
das amarras que o prendiam a
mim e nem precisou sofrer
com a dor de me rejeitar.
- Só porque não é mais minha
companheira, não significa
que vai se livrar de mim.
Amigos, lembra? - Disse-me
sorrindo com entusiasmo.
- Acordo é acordo! - Sorri de
volta.
- Você já passou pela câmara?
- Perguntou ele olhando para
a porta. - A experiência é
sinistra.
- Ainda não. - Me aproximei da
porta e a toquei. Como
previsto, não aconteceu
absolutamente nada. - Acho
que ela não se abre ainda
porque não sou oficialmente
adulta.
- Podemos debater sobre isso
quando voltarmos. - Disse
Lohan nos apressando. Ele
tinha razão, haviam muitos
lobos apenas nos esperando
sair para poderem entrar
também.
Não achei que o percurso de
retorno seria tão deprimente
para mim. William estava
muito mais rápido que eu
agora. Eu me sentia minúscula
perto dele e de Lohan. Lohan
acabou desacelerando e me
fazendo ficar na sua frente
por conta de o William não
estar se segurando. Como se
fosse um lobo recém
despertado, ele só queria
correr. Rapidamente
desapareceu de nossa vista.
Olhei de relance para Lohan.
Considerando o seu olhar
firme, estava claro que ele o
autorizara a isso. Agora
William estava na mesma
frequência que ele e isso me
dava um pouco de inveja.
- Como é possível que ele seja
um lobo completo agora? -
Perguntei ao Lohan. Eu estava
intrigada com isso até agora. -
E seus genes humanos?
- Bem vinda ao mundo da
magia! - Ironizou ele
enquanto adentrava o palácio.
- Isso é bom, não é? Significa
que os lobos do outro lado
voltarão às suas raízes! - Eu
estava com muitas questões
na cabeça, mas Lohan não
parecia estar disposto a
respondê-las. Parecia estar
com tanta pressa que era até
difícil segui-lo. Seu destino
final era o nosso quarto. Ele
pegou as lentes em sua
escrivaninha e colocou-as
apressadamente. -
Companheiro, eu estava
pensando...
- Depois a gente conversa. -
Ele interrompeu-me
claramente impaciente. Sem
dizer mais nada, saiu do
quarto. Fiquei tão atordoada
com isso que não corri a
tempo e acabei com as portas
fechadas na minha cara.
- Ótimo! Fiquei presa! -
Resmunguei comigo mesmo
batendo algumas vezes contra
a porta. A parte mais irritante
desse quarto era eu não poder
entrar e sair quando eu bem
entendia.
"O que deu nele?" - Perguntou
minha loba tão preocupada
quanto eu. Eu queria saber
isso tanto quanto ela.
Minha preocupação foi dando
lugar a um sentimento de
frustração com o passar das
horas. Eu esperava
ansiosamente que Lohan
abriria as portas para mim em
algum momento, mas isso não
aconteceu.
- Se eu tirar os brincos para
ele sentir que quero sair ele
vai ficar bravo, não é? - Lisa
não respondeu a isso. Ela se
irritava mais do que eu por
termos que usar os brincos,
mas só ficaríamos livre deles
depois que eu passasse pela
provação.
Tomei um longo e demorado
banho enquanto cantarolava
as melodias que me surgiam
na mente. Minha barrica
começou a roncar de fome
enquanto eu me enxugava e
me vestia. Após me arrumar,
sentei-me de frente para a
porta e fiquei esperando. Era
o nosso horário de jantar
juntos, então eu tinha certeza
que ele vinha me buscar.
"Ele não vem..." - Falei
tristemente com Lisa mais de
uma hora depois. Me sentei na
cama desanimada. A sensação
que eu tinha era similar às
primeiras vezes que esperei
ser pega na escola pelos meus
pais e eles não apareceram.
Diferente daquela época, eu
não podia simplesmente sair
caminhando sozinha.
- Companheiro! - Levantei-me
de imediato ao ver a porta se
abrindo. Me aproximei dele
um pouco nervosa. - Estou
pronta para jantarmos.
Eu sequer almoçara, então
estava faminta. Lohan franziu
a testa e desviou o olhar.
- Eu já jantei. - Disse-me ele
com a voz baixa.
- Sério? - Por mais que isso me
chateasse, tentei deixar
passar dessa vez. - Entendo.
Vou ver se consigo algo para
comer com a Vera.
Me esforcei ao máximo para
me manter otimista enquanto
saia pelas portas. Eu não sei o
que se passava na mente dele,
mas não queria fazer
acusações ainda. Lohan não
era assim.
- Espera! - Ele segurou o meu
pulso. Evitei olhar para ele ou
tenho certeza que desabaria
em lágrimas.
- Precisa de algo? - Perguntei
com a voz baixa.
- Não, nada! Vou deixar a Vera
avisada. - Respondeu em um
tom sério soltando o meu
pulso. Bem como ele me
prometeu, assim que cheguei
na sala de refeição, Vera
estava lá colocando alguns
alimentos sobre a mesa.
- Senhorita, você está bem? -
Perguntou-me ela. Enquanto
eu comia, lágrimas rolavam
até o meu prato. Cada
colherada que eu dava era
estranhamente saboroso e
amargo ao mesmo tempo.
- Vera, você notou algo de
estranho no Lohan hoje?
- Estranho em que sentido?
Para mim ele parecia o
mesmo de sempre.
- Entendo. - Se eu quisesse
descobrir o que aconteceu eu
precisava perguntar
diretamente para ele.
Terminei de comer
rapidamente e voltei para o
quarto determinada a
esclarecer o motivo pelo qual
ele estava me ignorando. Bati
na porta várias vezes
enquanto o chamava.
- Companheiro! Sou eu! Abre,
por favor! - Porta de merda!
Reclamei por dentro
enquanto a chutava. Nunca
tinha ficado tão irritada com
ela. Depois de algum tempo
esperando em vão, comecei a
caminhar sem rumo pelos
corredores em busca de
algum guarda que pudesse
avisar ao meu companheiro
que eu estava do lado de fora.
"Nem sei porque ainda tento."
- Tudo era vazio e silencioso
durante a noite. Eu
provavelmente não
encontraria ninguém a não
ser nas áreas comuns, portas
proibidas para mim. Não
queria parecer desesperada,
então caminhei ao único lugar
que me restara.
A sala mágica tinha luz demais
para eu pensar em dormir
nela. Peguei minha caixa do
tesouro e me sentei sobre a
cama, abrindo-a e pegando
minhas lembranças. Sentia
falta dos meus amigos e até
mesmo da escola. Sentia falta
de Caroline e dos meus
demais alunos atrevidos.
- Me sinto tão presa! -
Reclamei comigo mesmo
guardando as recordações de
volta na caixa. Antes eu podia
correr livremente com Lisa
até onde tivesse vontade. Não
havia cercas e nem limites tão
estreitos. - Definitivamente
me tornei uma prisioneira!
Mesmo o William podia correr
livremente por Luríon, curtir
festas e até treinar de
verdade. O meu contato com
as pessoas era muito restrito
e eu não podia esvaziar minha
mente tocando até a exaustão
como costumava fazer. Deitei
na cama e abracei a caixa
contra mim, desejando
ardentemente encontrar
respostas para Lohan fazer
isso comigo. Sem perceber, eu
adormecera e estava
sonhando. Não eram sonhos
comuns, eram memórias.
- O que achou, filha? -
Perguntou minha mãe
carinhosamente. Ela e meu pai
estavam abraçados olhando
para mim enquanto eu
dedilhava empolgada o violão
que acabara de ganhar de
presente deles.
- Que som incrível! Obrigada! -
Respondi com voz de criança.
Eu tinha acabado de fazer sete
anos quando ganhei a
Preciosa. Antes disso eu só
tocava piano.
Preciosa era especial. Foi nela
que mergulhei no mundo das
composições enquanto
aprendia a tocá-la. Para
qualquer som que me vinha
na minha mente, ela estava ali
ao meu alcance para tornar
real. Por mais que eu a usasse,
ela nunca falhou comigo. Até
quando a levei para Siram,
cada pedaço dela ainda era
original, até mesmo suas
cordas eram as mesmas de
quando a ganhei, diferente
dos violões que eu usava nos
shows, cujas cordas estavam
sempre sendo trocadas para
se manter o melhor som.
Preciosa não precisava disso,
ela era única.
"Eu falhei com você!" -
Lamentei enquanto imagens
dela sendo destroçada me
vinham nas memórias.
Enquanto eu chorava por ela,
uma luz muito forte ofuscou
minha visão. Fechei meus
olhos com força e quando os
abri, estava na sala mágica.
Tudo não passara de um
sonho.
- Lohan... - Ele estava sentado
na cama ao meu lado. Os
monitores mágicos estavam
desligados. Acho que ele não
quis me acordar. - A quanto
tempo está aqui?
- Não muito. - Respondeu
seriamente. Seu rosto estava
inexpressivo. Soltei a caixa
enquanto me sentava. Eu a
apertara com tanta força que
as arestas deixaram marcas
em meus braços.
Fiquei olhando para ele um
tempo perguntando-me sobre
o que fiz de errado para ele
estar tão frio. Esperava que
ele se explicasse ou que pelo
menos me pedisse desculpas,
mas isso não aconteceu.
- Quer ir para o quarto? -
Perguntou-me após alguns
instantes de silêncio. Baixei o
olhar. Depois de todo o
infortúnio, eu não tinha mais
certeza se eu queria entrar lá
de novo.
- Quero o meu próprio quarto.
- Falei decidida. Lisa não
parava de resmungar dentro
de mim, revoltada com a
minha decisão, mas eu não
voltaria atrás.
- Você está chateada? -
Perguntou-me franzindo a
testa, sem nem considerar o
meu pedido.
- O que acha? - Soltei irritada.
Ele se calou como sempre. Eu
não conseguiria conter
minhas lágrimas por muito
tempo. Peguei minha caixa do
tesouro e saí a passos rápidos
da sala.
P2 - Capítulo 15
Assim que virei o corredor,
olhei para trás. Ele nem
sequer tentou me impedir.
Geralmente nos filmes o
cavalheiro corre atrás da
donzela magoada, mas isso
não aconteceu. Em toda a
minha vida eu costumava
correr sozinha quando ficava
triste e ninguém vinha atrás
de mim me consolar, então
não sei porque pensei que
dessa vez seria diferente. O
pior é que eu não tinha ideia
de para onde ir agora a essa
hora da noite. Eu me recusara
a ir para o quarto e não
pretendia voltar até ele, então
não sobrou muitas opções.
Desci até o jardim e comecei a
caminhar sob a luz do luar. A
lua, sem dúvidas, é a coisa
mais similar ao meu mundo
neste cenário noturno. Mesmo
o céu estrelado era
completamente diferente.
Passei por cima das cozatas
ultrapassando o limite do
jardim de Lohan e continuei
caminhando em direção ao
mar.
Quem liga para limites? Dane-
se tudo! Eu precisava esvaziar
minha mente. Sentia como se
estivesse prestes a entrar em
uma crise. Vários sons
invadiam minha cabeça, mas
estranhamente eu consegui
me manter consciente.
Permaneci caminhando na
beira da praia, deixando-me
levar pelo som que ficava cada
vez mais alto na minha
cabeça.
"O chamado!" — Concluí.
Parecia que a cada passo que
eu dava o som ficava um
pouco mais alto. Era como um
sensor de proximidade, me
avisando que eu estava indo
na direção certa.
"Por que é tão longe? Já é
dia?" — Reclamei com Lisa.
Foi só então que percebi que
não estava ouvindo-a faz um
bom tempo.
A claridade no ambiente me
dizia que já era o ápice do dia.
Minhas pernas estavam
cansadas e eu me sentia tonta.
Eu não fazia ideia de onde
estava ou o quanto eu me
afastara de casa. Olhei
assustada para a paisagem em
volta. Era como um pântano.
Meus pés estavam submersos
em águas rasas e eu ainda
abraçava minha caixa com
força contra mim.
— LISA! — Gritei com todas
minhas forças. Achei que
estava consciente, mas em
algum momento eu me perdi
completamente.
"Você teve outra crise!" —
Respondeu-me ela momentos
depois para o meu alivio.
Meu coração estava acelerado
e sentia-me sufocada pelo
forte odor do ambiente. Não
haviam mais sons na minha
cabeça e eu conseguia pensar
com clareza agora. Mesmo
com o mal cheiro,
intensifiquei meus sentidos
em busca de uma direção. O
primeiro passo era sair daqui
o quanto antes.
— Impossível! — Murmurei.
Eu estava frustrada por não
conseguir determinar as
direções. Eu não tinha
referência alguma e tudo
parecia igual para onde quer
que eu olhasse.
"Tire os brincos. Nosso
companheiro irá nos
localizar!" — Sugeriu Lisa.
Deixei-me levar por suas
ideias e assim que coloquei
uma mão no meu brinco
direito, lembrei-me de como
ele parecia frio noite passada.
— Ele vai ficar muito bravo
com a gente. — Eu já não me
sentia bem, não queria passar
por uma desavença com ele
agora. Decidi caminhar em
linha reta e ver até onde isso
ia dar. Após alguns metros,
meu corpo afundou ainda
mais na água escura e fiquei
submersa até a cintura.
— Se não sabe como andar
aqui dentro, não deveria ter
entrado. — Olhei em direção à
voz. Uma mulher estava
caminhando na minha direção
com um grande cesto
pendurado contra a lateral
direita do seu corpo.
— Oi, sou Eliza. É que eu me
perdi. Pode me ajudar? — Pedi
a ela. Seus cabelos castanho
escuros estavam presos em
um coque. Seu rosto é
arredondado, seus olhos
castanhos claros e a pele
parda. Era um pouco mais alta
que eu e tinha um sorriso
gentil no rosto.
— É por isso que estou aqui.
Estava por perto colhendo
alguns garangos quando ouvi
o seu grito.
Ela estava de frente para mim.
Olhei de relance o conteúdo
que carregava. Haviam alguns
bichos esverdeados pequenos
em sua cesta, com cabeça
parecida com polvo, mas em
vez de tentáculos, possuem
três caldas. Com aparência
pegajosa, exalavam um odor
mais forte que a do pântano
em que estávamos.
— Nunca comeu um garango?
— Perguntou com um sorriso
simpático. — Sei que parece
nojento, mas com o preparo
certo, se torna uma das
especiarias mais apreciadas
em nossa vila. Você veio para a
festa?
— Festa? — Perguntei
confusa.
— Todos estão vindo para a
festa. Achei que você estava
aqui por isso. De vez em
quando alguém se perde por
aqui.
— É, eu vim para a festa! —
Menti. Só queria sair daqui o
quanto antes.
— Ótimo! Me acompanhe! —
Disse ela docemente.
Tentei pisar no mesmo lugar
que ela para não afundar de
novo. Andamos por quase um
quilômetro antes de eu avistar
terra firme. Foi um alivio
imenso sentir a brisa límpida
que vinha de fora.
— É só seguir reto naquela
direção por três quilômetros e
meio e subir a colina que
chegará à vila. — Observei na
direção que ela apontara. Se
eu me transformasse, correria
o percurso rapidamente, mas
não conseguiria fazê-lo sem
deixar a caixa para trás. Eu já
estava cansada demais para
pensar em ir caminhando até
lá. Eu só queria parar um
pouco e relaxar. — Estarei
vendendo garangos secos
durante a festa caso queira
experimentar.
— Obrigada! — Ela assentiu e
deu meia volta. Era admirável
que ela conseguisse achar
esses bichinhos pequenos no
meio dessa água lamacenta.
— Que alívio! — Falei comigo
mesma assim que avistei uma
planície, cerca de meio
quilômetro depois. Haviam
plantações de grãos para
todos os lados e várias trilhas
que passavam no meio.
Sentei-me em cima de uma
pedra, estiquei as pernas e
coloquei a caixa ao lado. Eu
não tinha ideia do porque
inventei de arrastar a caixa
comigo para tão longe. Nem
sei o que se passava na minha
cabeça para eu ter feito algo
assim.
Enquanto eu massageava
minhas pernas, fiquei um
tempo observando um grupo
de trabalhadores carregando
enormes cestas de grãos
recém apanhados. Eles
trabalhavam com muito
empenho e sintonia entre si.
Era admirável a velocidade
com que os campos estavam
sendo colhidos.
— Que legal! — Todos os
cestos cheios estavam
alinhados em cima de várias
carroças, ao longo de uma
estrada central. Quando me
perguntei sobre o que iria
puxá-las, vários homens
foram se transformando em
lobos e passando a cabeça
sobre a corda frontal. —
Carroça puxada por lobos.
Essa é nova!
Depois que os homens
partiram com as cargas, as
mulheres que ficaram
aproveitaram para relaxar.
Todas elas tinham roupas em
diferentes tons de cinza,
alguns até meio misturados
com um degradê para branco,
indícios que essa era a cor
predominante dessa alcateia.
Uma delas ficou olhando para
mim por um tempo enquanto
tomava água do seu cantil.
Inesperadamente ela cruzou o
campo e se aproximou de
mim.
— Oi, sou Doralice. Nunca te vi
por aqui. Veio para festa? —
Perguntou-me. De cabelos
pretos e encaracolados, seu
porte é médio e seu perfil
curvilíneo, pela bronzeada,
rosto ovalado e olhos
castanho escuros. Se fosse no
outro mundo eu apostaria que
tem a mesma idade que eu,
mas não daria palpites por
aqui para não cair em engano.
— Oi, me chamo Eliza. Estava
só de passagem pelas bandas.
— Respondi de forma
amigável. — Que festa é essa
do qual tanto estão falando?
— É a nossa festa da colheita
anual. — Respondeu-me
Doralice. — É o principal
evento do nosso clã. Nesse ano
os grãos demoraram um pouco
a amadurecer e agora estamos
correndo contra o tempo para
terminar a colheita antes que a
festa comece.
— E quando ela começa?
— Depois de amanhã, no início
da lua cheia. Já que está por
aqui, por que não participa
com a gente? — Ela parecia
um tanto quanto empolgada.
Seja lá o que for essa festa,
parecia importante para eles.
— Sinto muito, mas não vai
dar! Preciso voltar para a
minha cidade porque estou
sem recursos. — Não sei como
os produtos eram negociados
nesse mundo, mas sei que em
qualquer lugar eu dificilmente
conseguiria estadia e
alimentação sem algo a
oferecer em troca. Meus
tesouros não eram
negociáveis. Diferente do que
pensei, ela não ficou
desapontada.
— O que acha de trabalhar nos
campos conosco? Estamos
precisando de mão de obra e
eles nos pagam por cesta
colhida.
— Devo tentar? É que eu
nunca fiz isso!
— É fácil! Eu te ensino!
"Absolutamente não! Temos
que voltar para o nosso
companheiro!" — Advertiu-
me Lisa. Eu estava
estranhamente animada por
conhecer e interagir com
outras pessoas. Não queria
voltar agora. Se eu perdesse
essa oportunidade, quando eu
poderia fazê-lo de novo?
Doralice foi me mostrando o
que eu deveria fazer enquanto
aguardávamos os homens
voltarem com as cestas vazias.
Ninguém questionou o que
uma desconhecida como eu
estava fazendo no meio deles.
Coloquei minha caixa junto
com as coisas de Doralice
antes de pegar um cesto vazio
para mim. Segundo ela, todos
aqui eram confiáveis e
ninguém tocaria na minha
caixa sem minha permissão.
"Quanta resistência!" —
Pensei enquanto via os
trabalhadores a todo vapor,
mesmo após o cair da noite.
Depois de tanto tempo aqui eu
já estava esgotada! Me
obriguei a continuar colhendo
com eles, mas meu ritmo era
extremamente inferior ao
deles. Em média, a cada oito
cestos que Doralice colhia, eu
só conseguia entregar um.
— Obrigada! — Falei com
Doralice enquanto ela me
passava um pouco de água
para beber. Minha visão
noturna não era tão boa
quanto o deles e acabei
parando antes de todos. Olhei
para o céu enquanto relaxava
e esperava que Doralice me
passasse mais instruções.
— Meta cumprida! Amanhã
serão os campos do outro lado!
— Disse-me ela sorrindo. —
Hora do pagamento. Me
acompanhe!
Segui Doralice de perto.
Adentramos ao final de uma
fila. Eu era a última e fiquei
um pouco envergonhada
enquanto ouvia os resultados
impressionantes dos demais
trabalhadores. Alguns haviam
colhido mais de cem cestas ao
longo do dia.
— Doralice, você foi bem hoje.
Noventa e quatro cestos. Aqui
está o seu pagamento. — Disse
uma mulher de meia idade, de
longos cabelos escuros, pele
em tom médio e olhos
castanho-esverdeados.
— Amanhã farei melhor! —
Disse ela pegando algumas
pedrinhas coloridas na mão. O
pagamento aqui era em
pedras?
— Novata, você nunca fez isso,
não é? — Aquela mulher
percebeu meus olhos curiosos
e se voltou para mim.
— Eliza, essa é a Eulina,
supervisora e responsável por
esses campos. — Doralice me
apresentou a ela.
— Eliza, é? Contabilizei oito
cestas. É um começo. — Eulina
me entregou duas pedrinhas
pequenas. — Veio para a
festa?
Era engraçado como todos me
perguntavam a mesma coisa.
Parecia que tinham muitas
expectativas quanto ao
evento. Olhei as pedrinhas na
minha mão me perguntando
se eu conseguiria um prato de
comida com elas. Eu estava
morrendo de fome. Minha
barriga roncou e Doralice
começou a rir.
— Agradeço, mas acho não
vou poder ficar para a festa.
Sabem me dizer quanto isso
vale? Consigo comprar uma
refeição? — Eu só queria
saber se conseguiria encher a
barriga. O resto não me
importava no momento.
Inesperadamente Eulina
começou a rir também. Me
senti como se fosse a piada da
noite.
— Você é engraçada, jovem.
Você realmente não conhece as
celédrias? — Perguntou
Eulina. — Você deve ser de
alguma família bem abastada
então. Quantos anos você tem?
Quando eu estava prestes a
responder olhei para as
minhas roupas. Eu não podia
dizer a verdade. Assim como
na lua cheia, os lobos em
Éldrim só despertam na lua
cheia mais próxima do
aniversário de dezoito.
— Tenho dezoito! —
Respondi. Faltava cerca de um
mês e meio para o meu
aniversário, então eu já podia
me considerar uma adulta. —
Celédrias são essas pedras?
Por algum motivo que eu não
sabia explicar, ambas ficaram
extremamente sérias depois
do que falei. Doralice em
especial me olhou como se
estivesse com pena, e isso era
muito desconfortável.
— Tadinha! — Disse Doralice
fazendo uma negativa com a
cabeça. — Seu companheiro
deve ser terrível. Não me diga
que você fugiu de casa?
— Meu companheiro é o
melhor! — Retruquei um
pouco irritada. Não gostei da
forma como ela se referiu ao
meu Lohan.
— Apenas companheiros
muito obsessivos marcam sua
companheira em idade tão
precoce. — Explicou Eulina
tomando partido de Doralice.
— Geralmente os lobos
aprofundam o relacionamento
antes de fazerem algo assim.
Em muitos clãs, a marcação é
até proibida por conta da
objetificação da loba marcada.
É o tipo de invasão que só
atrapalha o relacionamento.
Afinal de contas, de onde você
é?
A explicação dela trouxe
sentido às suas insinuações.
Minha marca esteve exposta o
tempo todo, então era natural
que tenham feito algum tipo
de análise prévia quanto a
isso. Neste mundo, todos os
lobos machos tem o poder de
marcar as suas companheiras,
mas era incomum ver uma
mulher marcada. Mesmo as
empregadas mais velhas no
palácio não tinham marcas,
então era realmente estranho
alguém de idade tão jovem
como eu ter uma.
— Sou de Luríon. — Respondi
mais suavemente. Eu entendia
que elas não criticaram Lohan
por mal. Não tinha como elas
saberem a verdade por trás da
minha marca.
— Luríon? Achei que fosse de
algum clãs das redondezas. —
Disse Doralice surpresa. — Se
veio de tão longe, você precisa
ficar para a festa!
— Estou de acordo! Pode ficar
na minha casa se não tiver
onde se hospedar. — Disse-me
Eulina com gentileza.
— Espera aí! Como assim de
longe? Onde eu estou
exatamente? — Eu estava
tremendamente assustada
com o comentário de Doralice.
— Não sabe? Aqui é a alcateia
do vento Norte. — Respondeu
Eulina em um tom
preocupado. Ambas me
olhavam com muita atenção.
Forcei um sorriso para
esconder o meu pânico.
— Parece que andei um
bocado. Vou ficar para a festa
então. Não tenho muito a
oferecer no momento, então
agradeço imensamente por
sua hospitalidade. — Falei
com Eulina.
P2 - Capítulo 16
Coloquei as pedrinhas que
recebi dentro da minha caixa
e acompanhei Eulina de perto.
Doralice se despediu de nós
assim que adentramos a vila e
seguiu por outro caminho.
Diferente de Luríon, as casas
da vila eram
predominantemente feitas de
pedra. Poucas eram as
árvores com habitações nas
raízes e galhos.
A estrada principal era
imensamente larga, com
muitas barracas em fase final
de montagem nas laterais
dela. Eulina parecia muito
popular. Muitas pessoas a
cumprimentavam e puxavam
assunto com ela pelo caminho.
Para ser sincera eu não estava
muito atenta ao que acontecia
ao meu redor. Estava
concentrada demais enquanto
raciocinava sobre como vim
parar neste lugar. Se minha
memória não me falha, a
alcateia do vento Norte é o
território vizinho do clã dos
lobos sacerdotais. Isso fica há
dias de viagem de Luríon. Por
quanto tempo eu estava
perambulando perdida
naquele estado? Para onde eu
estava indo exatamente?
Respirei profundamente
enquanto tirava meus brincos.
Por algum motivo, eu estava
indo em direção ao Devorador
e isso era muito perigoso. Não
conseguia não me perguntar
se isso tinha algo a ver com a
minha profecia.
"Companheiro, me encontre!"
— Implorei dentro de mim
enquanto guardava os brincos
na caixa. Eu estava com muito
medo por não entender o que
estava acontecendo comigo e
muito aflita imaginando o
quanto Lohan deveria estar
preocupado com meu
desaparecimento. Eu
precisava de ajuda!
— Por que segura isso com
tanta força? Tem algum
tesouro escondido dentro? —
Perguntou-me Eulina com a
voz brincalhona.
— Sim, é o meu maior tesouro.
Mas são apenas coisas
sentimentais, nada de muito
valor. — Respondi. — Parece
que você é bem popular.
— É porque sou a irmã mais
nova do alfa. — Respondeu-
me enquanto adentrava uma
grande caverna.
Surpreendentemente dentro
da caverna haviam dezenas de
moradias cavadas nas rochas.
— Bem-vinda à minha casa!
Eulina abriu a porta de uma
das moradias mais próximas à
entrada da caverna. Assenti
agradecida enquanto
adentrava na casa dela. A sala
era surpreendentemente
grande. O cheiro de comida no
ar foi o que mais chamou
minha atenção.
— Yslara, venha aqui um
instante! — Chamou Eulina.
Logo uma jovem apareceu.
Seu rosto era meigo. Seus
cabelos eram longos e claros,
seus olhos eram azuis e sua
pele era clara. — Quero que
conheça a Eliza. Ela ficará aqui
em casa por alguns dias. Eliza,
essa garota é a Yslara. Ela
perdeu os pais em uma
epidemia que assolou o clã há
alguns anos e eu a adotei.
— Oi, Eliza! — A voz da garota
era tão meiga quanto o seu
perfil juvenil. O sorriso dela
era tímido, e pelas roupas que
vestia, eu podia dizer que
ainda não tinha sua loba.
— É um prazer conhecê-la. —
Esbocei um sorriso sincero.
— Fazendo mexido de
garango? Alguma ocasião
especial? — Perguntou Eulina.
Fiquei cética quanto ao que
ouvi. Esse cheiro tão bom era
daquele bichinho nojento?
— Parece que temos uma
convidada especial de Luríon,
então fomos convidadas a
comer na casa principal hoje.
Vou levar mexido de garango a
pedido do seu avô.
— Será que é quem estou
pensando? — Perguntou
Eulina. Yslara sorriu em
confirmação. — Oh, levarei
Eliza conosco. Talvez elas se
conheçam!
— Não conheço muitas
pessoas. De quem estamos
falando exatamente? —
Perguntei intrigada.
— Fiona Mellin, bisneta do alfa
de Luríon. — Explicou Eulina.
— Ela é a representante oficial
de Luríon em todos os
principais eventos de Éldrim, e
seu nome tem ainda mais
prestígio devido a boa relação
que tem com o rei.
Boa relação com o rei, é? Eu
estava especialmente curiosa
agora em saber quem é essa
tal Fiona.
— Acho que a Eliza precisa de
um banho antes de irmos. —
Comentou Yslara ao ver o meu
estado.
— Pode deixar que eu a ajudo!
Termine o mexido enquanto
isso. — Falou Eulina.
A casa tinha uma ventilação
bem escassa por conta das
pouquíssimas janelas. Tirando
a cozinha e o banheiro
principal, os quartos não
tinham janelas. A iluminação
provinha toda das tochas
mágicas, principal fonte de
iluminação noturna desse
mundo. Embora parecesse
com fogo, não era quente. Eu
podia colocar a mão nas
chamas sem me queimar. Elas
reagiam conforme a escuridão
do ambiente. Quanto mais
escuro, mais forte eram, e em
ambientes claros, elas
praticamente se apagavam.
Não eram alimentadas por
combustível ou por energia,
mas por runas mágicas
inseridas nas bases que
funcionavam como receptores
da magia presente no ar. Os
anões são os responsáveis por
fundir as bases e os elfos é
que inserem as runas e
comercializam o produto
final.
— Você trouxe alguma roupa
com você? — Perguntou-me
Eulina enquanto eu me despia
para entrar debaixo da água.
— Não! Na verdade, não tenho
quase nada comigo.
— Vou pegar algumas peças
de Yslara emprestado. Como
vocês tem um tamanho
parecido, acho que servirá em
você!
— Muito obrigada! — Eu
estava realmente grata por
toda atenção que ela vinha me
demonstrando. Ela estava me
fornecendo todo o essencial
que eu precisava e ainda foi
além. Ela se prontificou a
levar minhas roupas para
lavagem especial e quando
tentei lhe dar minhas duas
pedrinhas para ela como
pagamento, ela não aceitou.
— Por que está fazendo tudo
isso por mim? Você nem me
conhece! — Perguntei a ela
enquanto ela penteava meus
cabelos e os trançava.
— Sempre quis ter filhos com o
meu companheiro, mas não
tive essa benção. — Falou ela
pesarosamente. — Meu
companheiro faleceu tem
muitos anos e com ele o meu
sonho de ser mãe. Sempre que
vejo jovens como você e Yslara,
penso em como seria bom se eu
tivesse tido filhas e netas.
— Você teria sido uma ótima
mãe! — Falei com ela
sorrindo. Ela sorriu de volta e
depois me deixou sozinha no
quarto. Não demorou muito
para retornar. Acompanhei-a
até a sala e me aproximei de
Yslara que estava de pé
próxima da porta.
— Obrigada por ter me
emprestado sua roupa! —
Agradeci a ela. A peça havia
servido perfeitamente em
mim. Era um vestido simples,
de um cinza azulado com
detalhes em branco nas
bordas.
— Não foi nada! — Disse-me
ela em um tom gentil. Ela
estava com um vestido um
pouco mais comprido de uma
cor clara, parecido com
champanhe. Seu cabelo estava
preso em coque e as mãos
dela estavam escondidas atrás
de seu corpo enquanto seus
olhos miravam o chão com
timidez.
— Meu irmão está nos
chamando. — Disse Eulina
como se tivesse acabado de
receber uma mensagem
telepática. — Yslara, ele quer
que você toque para ele. Pegue
o seu tilim e eu cuido de levar a
comida!
Essa conversa prendera
completamente a minha
atenção. Yslara saiu e voltou
com um instrumento com oito
cordas. Tinha um tamanho
mediano entre violão e o
ukelele, e embora tivesse um
braço, o corpo era triangular
similar a uma balalaica. As
cordas eram todas semi
transparentes como nylon,
mas eram brilhosas. Senti
uma vontade imensa de
perguntar sobre, mas não tive
tempo. Eulina passou com um
caldeirão quente na mão e
apressou-nos.
Enquanto eu as seguia, não
conseguia tirar o olho do
instrumento. Podia dizer que
me simpatizara ainda mais
com Yslara só por saber que
ela tinha inclinação para a
área musical.
— Eles estão só te esperando!
— Um homem de aparência
mais velha que guardava a
entrada avisou-nos. A
moradia em que entramos era
muito grande. A escavação
das paredes se estendia por
uns quatro metros de altura.
Algumas empregadas
circulavam em diferentes
direções e uma delas parou
Eulina pegando o caldeirão da
mão dela.
— Leve um prato extra. —
Sussurrou Eulina para a
empregada, que me encarou
curiosa e assentiu
positivamente antes de se
retirar. Subimos dois
patamares de escada e
paramos em um grande
cômodo totalmente aberto
para o exterior.
Nove homens, dez mulheres e
quatro crianças de diferentes
faixas etárias estavam
sentados em torno de uma
imensa mesa conversando
animadamente. Haviam
algumas plantas espalhadas
pela varanda que dava um
charme extra ao ambiente.
Era possível ver tanto o céu
quanto a vila deste lugar.
— Finalmente está aqui. Venha
irmã! Sente-se conosco! —
Chamou um dos homens que
supus ser o alfa.
Curiosamente, ele não estava
na cabeceira e sim um ancião
que provavelmente era o avô
ou bisavô deles.
— Família, trouxe uma
convidada comigo hoje. Espero
que não se importem! — Disse
Eulina de forma descontraída
pegando na minha mão e
fazendo eu me aproximar com
ela. Admito que eu precisava
dessa ajuda para ter coragem
de me aproximar. Yslara por
outro lado simplesmente
tomou assento ao lado de uma
das crianças como se já
estivesse acostumada com
isso. — Ela também veio de
Luríon.
— Oi, meu nome é Eliza Singer.
É um prazer estar com vocês
hoje! — Eu estava muito
nervosa com tantas pessoas
me olhando. Não sabia bem
como deveria me portar.
— Uma conterrânea. Venha,
querida! Sente-se perto de
mim! — Chamou-me uma
mulher com voz fina e
melodiosa que supus ser a
Fiona. Ela é alta, magra e
muito bonita. Seus cabelos são
castanho ondulados, sua pele
clara e seus olhos castanho-
claros. Seu rosto arredondado
é harmonioso e seus lábios
volumosos. Trajava um
vestido fino e decotado de
uma coloração bem próxima
ao preto.
— Com licença! — Falei
timidamente tomando
assento no lugar vazio mais
próximo a ela.
— Sou Fiona Mellin, —
confirmou-me ela sua
identidade — e esse aqui é o
meu primo Ayden, mas
imagino que você já deva nos
conhecer.
Olhei para o homem do meu
lado, de aparência tão juvenil
quanto ela. Ele tinha traços
familiares a ela e seus olhos se
prenderam a mim de forma
enigmática.
— Você é mesmo de Luríon?
Nunca te vi antes. Acho que se
eu tivesse conhecido uma
mulher tão bonita me
lembraria. — Disse Ayden
com a voz espontânea e
alegre.
— Sou muito jovem ainda e
não costumo sair muito de
casa. — Respondi em tom
baixo. Não admiti
publicamente que eu não os
conhecia e também não
queria dizer a verdade sobre
quem eu era. Não achava que
seria apropriado ou seguro
fazê-lo, uma vez que todos
eles eram completos
desconhecidos para mim.
Felizmente não fui mais
interrogada, mas me vi no
meio de uma janta agitada e
barulhenta. Haviam conversas
para todos os lados sobre as
novidades dos clãs, sobre a
abundância das colheitas
deste ano e alguns detalhes da
grande festa que estava para
acontecer. Não me atentei
porque eu só queria saber de
uma coisa: comer!
Enquanto eu repetia pela
terceira vez, um som em
especial chamou minha
atenção. Yslara começou a
dedilhar as cordas de seu
instrumento. Ela havia
terminado com seu prato e
estava de pé perto do ancião
na cabeceira da mesa. O
instrumento estava deitado
sobre a mesa enquanto era
tocado, uma posição de tocar
mais próxima ao da cítara do
que de um violão. Eu não
conseguia tirar meus olhos
das cordas, enquanto tentava
urgentemente compreender
como o instrumento
funcionava. Dó, mi, lá, ré, sol...
Enquanto a melodia fluía, eu
decorava o som de cada uma
daquelas cordas. Quando
terminei de comer, eu já
entendia perfeitamente bem o
seu funcionamento e como
fazer soar as notas que eu
tanto conhecia. A melodia no
ar era extremamente simples
e até mesmo um pouco triste.
Yslara tinha uma
desenvoltura extremamente
básica e pouco evoluída de
como lidar com o
instrumento. Ela não usava
arranjos e nem efeitos, mas
mesmo o mais simples tinha a
sua beleza quando bem
executado.
— Você evoluiu bem. — Disse
aquele ancião a ela.
— Agradeço o elogio, mas
ainda estou muito longe de
tocar como a minha mãe. —
Respondeu ela com
humildade.
— Gosta de música? —
Perguntou Ayden perto do
meu ouvido. — Você não tirou
os olhos do instrumento.
Gostar é pouco! Eu era uma
profissional, mas agora nada
me restou da minha antiga
carreira. A famosa Lisa em
breve não passaria de uma
recordação, não só para mim
quanto para os fãs que deixei
para trás.
— A música é a minha vida. —
Falei com a voz baixa. É algo
que eu jamais abdicaria nem
aqui e nem em qualquer outro
lugar. — É com música que sou
boa.
— Mesmo? — Quem
perguntou isso foi Eulina. Os
olhos de todos se voltaram
para mim e isso me deixou
desconfortável. Assenti
positivamente a cabeça uma
vez.
— Sabe tocar isso? —
Perguntou Yslara com os
olhos brilhando.
— Nunca toquei esse
instrumento em específico, mas
acho que consigo algo. Posso
tentar? — Perguntei a ela. —
Caso não se importem, claro...
— Vá em frente! — Disse o
ancião consentindo. Levantei-
me e caminhei até Yslara. Ela
parecia um pouco ansiosa
enquanto me passava o
instrumento.
Diferente de como ela fez,
peguei o instrumento da
mesma forma que eu pegava
meu violão e puxei uma das
cadeiras vazias me sentando
para ter um melhor apoio.
— Vou testar primeiro. —
Expliquei-lhes enquanto
dedilhava as cordas e sentia o
som. Não demorou muito para
eu conseguir fazer as cifras
enquanto desenvolvia o
arpejo com a outra mão. Não
foi difícil de pegar. Parecia
muito mais complexo a vista
do que realmente era.
"Acho que vou pedir um
desses pro Lohan!" —
Comentei com Lisa enquanto
tocava uma de minhas
melodias. O som era um
pouco mais suave do que do
violão. Era agradável e
perfeito para
acompanhamento vocal.
— Isso foi maravilhoso! —
Comentou Yslara assim que
terminei de tocar. Foi só então
que notei a expressão no
rosto de todos. — Nunca vi o
tilim ser tocado desta forma
antes.
— A melodia também é
fascinante. — Comentou o
ancião. Todos pareciam
concordar com isso. O silêncio
se estendeu por alguns
segundos enquanto me
olhavam como se quisessem
ouvir mais.
— Como agradecimento pela
hospitalidade, gostaria de
cantar algumas canções para
vocês. — Pedi. Assim que o
ancião consentiu, voltei a
dedilhar o tilim, dessa vez
soltando a minha voz. Essa
era a minha primeira
apresentação de verdade
nesse mundo. Eu me sentia
especialmente emocionada
com a receptividade deles em
relação às minhas músicas.
Parei após a terceira canção.
— Isso foi magnifico! —
Comentou Ayden. — Já fui em
muitas festas, mas é a primeira
vez que ouço uma música
assim.
— É a voz mais linda que já
ouvi. — Comentou o ancião
com os olhos brilhando.
— Eliza, certo? Adoraríamos
que tocasse na abertura da
nossa festa. — Comentou o
irmão de Eulina, o alfa que eu
ainda não sabia o nome.
— O orçamento destinado aos
músicos é bom. Vai ganhar
muito mais do que coletando
grãos no campo. — Comentou
Eulina como se quisesse
ajudá-lo a me convencer
disso.
— Será um prazer tocar na
festa! — Respondi sorrindo.
Se eu quisesse voltar a
trabalhar com música,
precisava começar em algum
lugar e esse tipo de festa seria
o palco perfeito para isso. Eu
mal podia esperar!
P2 - Capítulo 17
Devia ter ido com Yslara
quando tive chance, mas não.
Achei que seria mais
interessante acompanhar os
adultos do que as crianças,
mas me arrependi
amargamente disso. Enquanto
se embebedavam,
conversavam sobre os mais
diversos assuntos que não
conversariam na frente de
crianças. O álcool já lhes subia
na cabeça e falavam no meu
idioma nativo como se
achassem que, com isso,
pudessem esconder seus
assuntos das crianças
curiosas.
Encheram meu copo uma vez,
mas eu apenas fingia beber na
frente deles para evitar que
me perturbassem. Se eu
tivesse que provar algo com
álcool pela primeira vez, com
certeza não seria aqui e nem
nessas circunstâncias.
Enquanto isso, tentei me
manter no canto mais isolado
torcendo para ficar invisível
até o momento de ir embora.
Aprendi alguns nomes, e até
pegava uma ou outra
informação de mais
relevância quanto a como
funcionaria a festa. Foi
quando descobri o motivo
pelo qual colocavam tanta
expectativa na festa desse
ano. Fazia quase uma década
que não festejavam por conta
de uma doença desconhecida
que destruiu a vida de quase
um quinto da alcateia. Mesmo
a doença tendo sido
completamente erradicada há
alguns anos, deixaram de
festejar por um tempo por
conta do luto.
A festa desse ano era o
retorno de sua antiga e
gloriosa tradição e esperavam
muitas pessoas de todas as
partes por conta disso. Ela
não se tratava apenas de uma
comemoração de
agradecimento pelas colheitas
e pela vida, mas a
oportunidade perfeita de
negociar sua produção local
enquanto as expunha tanto da
forma natural quanto por
meio de alimentos
preparados. Comecei a pegar
no sono quando um assunto
captado pelos meus ouvidos
atraiu a minha atenção.
— Ouvi dizer que nosso rei
anda sumido. Ele passa bem?
— Comentou o alfa Zerich à
Fiona iniciando uma nova
fofoca.
— Ele está muito bem! —
Respondeu Fiona com a voz
um pouco mais animada que o
normal. — Conversei com ele
semana passada. Ele está mais
perto do que nunca de acabar
com o Devorador.
— Mesmo? Isso é realmente
verdade?
— Que fique só entre nós, mas
parece que o rei aprendeu a
atravessar para o outro
mundo. Ele me confirmou
pessoalmente que já trouxe
dois mestiços para cá.
— E como esses mestiços são?
Você já os viu? — Perguntou o
ancião. Engoli em seco. De
repente me bateu uma
vontade imensa de beber um
pouco...
— Ainda não. O rei está
escondendo-os muito bem,
mas acho que é porque são só
um experimento para ver se
darão certo desse lado. —
Falou Fiona. — No mais, já
sabemos o que vai acontecer
se isso falhar.
— E o que vai acontecer? —
Não pude deixar de perguntar.
O assunto era perturbador,
mas ainda assim tentei
simular uma voz um pouco
mais animada para não
levantar desconfianças.
— Sabe, o plano de
aniquilação. — Disse Ayden se
aproximando e se sentando
do meu lado. — Todos os
presos de todos os povos de
Celestria serão o exército da
destruição. Se eu fosse Lohan,
já teria autorizado isso a
muito tempo.
"Lohan nunca autorizaria uma
atrocidade dessas!" — Pensei,
completamente horrorizada
que um plano tão hediondo
assim existisse.
— Bobagem! — Falou um tio
de Eulina. — Não queremos
ficar devendo nada aos outros
povos. Assuntos internos
devem ser resolvidos de
dentro.
— Falando nele, qual foi a
última vez que veio em nossa
festa? — Perguntou uma das
mulheres que parecia ser a
mais jovem entre eles. —
Seria fantástico se ele pudesse
comparecer esse ano.
— Ah, isso faz muito tempo!
Tem mais de três séculos se
não me falha a memória. —
Comentou o ancião se
voltando para Fiona. — Foi na
época que vocês estavam
juntos, não é?
— Foi sim! — Disse Fiona
descendo o copo sobre a
mesa. — Ele não mudou
muito desde aquela época,
então com certeza não virá.
Virei meu copo e dei uma
golada na bebida. Minha loba
rosnava irritada dentro de
mim depois de ouvir que
Fiona já esteve em um
relacionamento com o meu
Lohan. Acabei cuspindo o
liquido de volta no copo. Era
amargo e ardido. Eca!
Larguei o copo para lá e me
aproximei sorrateiramente de
Eulina. Queria sair daqui o
quanto antes!
— Senhora, estou um pouco
cansada. Seria indelicado de
minha parte se eu me
retirasse agora? — Sussurrei
perto do ouvido dela.
— De forma alguma. Yslara já
deve estar em casa. É só bater
na porta que ela a abrirá para
você! — Respondeu um pouco
mais alto do que devia.
— Já vai? Está cedo! —
Comentou Fiona.
— Bebe mais com a gente. —
Pediu outro.
Ignorei seus apelos tentando
me despedir da forma mais
respeitosa possível. Apurei
meu faro para ter certeza
sobre onde devia ir. O cheiro
de Yslara ainda estava fresco
na maçaneta da porta. Bati
algumas vezes na porta antes
que ela fosse aberta.
— Obrigada! — Agradeci a ela
assim que abriu.
— Conseguiu escapar da
cilada? — Perguntou-me ela
rindo após ver a expressão
exausta em meu rosto.
— Podia ter me avisado! —
Falei um pouco desanimada.
— Na minha vez ninguém
avisou. — Ela deu de ombros.
— Mesmo eu não bebendo,
ainda é difícil entender o que
falam. Não sou muito fluente
no outro idioma.
— A pronúncia deles também
não é tão boa e o sotaque é
terrível! Você não perde nada
por não entender. — Me sentei
no sofá. Me sentia abatida
enquanto tentava ignorar o
ciúme que ardia dentro de
mim.
— Você entende? —
Perguntou-me curiosa.
— Como não entenderia? É o
meu idioma nativo. — Falei
com ela.
— Desculpe, não entendi. —
Disse ela rindo. — Mas acho
incrível que você consiga falar
com tanta segurança. A
maioria dos jovens de hoje em
dia tem dificuldades para isso.
Eu estava tão cansada que
nem estava mais conseguindo
raciocinar direito. Acabei
dormindo no sofá enquanto
ela falava comigo. Quando
acordei, estava deitada na
cama e Yslara estava sentada
perto de mim me olhando
com curiosidade.
— Que horas são? —
Perguntei confusa. Como o
quarto não tinha janelas, não
dava para ter muita noção se
era dia ou noite.
— Por volta do meio-dia. Pelo
visto você estava cansada
mesmo. Eulina não quis te
acordar e pediu que eu
tomasse conta de você! Vamos
almoçar juntas?
— Sim, por favor! — Coloquei-
me de pé, mas me senti um
pouco tonta me obrigando a
sentar na cama. Pisquei os
olhos algumas vezes e
comecei a enxergar um fio de
luz ondulando no ar. Segui o
fio até a minha caixa e a abri.
A luz que saia da caixa era tão
forte que ofuscou
completamente a minha visão.
Fechei os olhos por um
instante e quando os reabri,
não havia luz alguma.
"Que confuso!" — Pensei
enquanto encarava o
conteúdo da caixa.
— O que é isto? — Perguntou
Yslara pegando uma das fotos
no topo. Ela acompanhara
meus movimentos,
provavelmente curiosa com o
que eu estava fazendo. Pelo
seu olhar, estava claro que ela
não viu a mesma luz que eu.
— Uma imagem de mim e
meus pais. Não os vejo faz um
certo tempo.
— Queria ter uma lembrança
assim dos meus. Como se faz
uma dessas?
— É complicado de explicar.
Melhor irmos comer. — Yslara
assentiu e devolveu a foto.
Depois me guiou até a cozinha
e me mostrou as coisas que
ela fez. Parece que cozinhar é
uma das coisas que ela mais
gosta.
Ela me contou um pouco da
sua história. Seus pais tinham
um restaurante. Ele era o chef
e a mãe ficava tocando para
entreter os clientes. Ela
aprendeu um pouco do ofício
dos seus pais, só que sentia
que não era o suficiente.
— Me ensina a tocar como
você! — Pediu ela
inesperadamente.
— Não vou ficar muito tempo.
— Queria considerar o
pedido, mas era difícil.
— Você vai ter que ensaiar
para tocar amanhã, não é? Só
me explica como faz enquanto
isso. O resto eu treino sozinha!
— Yslara parecia determinada
quanto a isso. Se ela estava
disposta, não via porque não o
fazer.
Não sabia ainda quanto tempo
eu tinha de apresentação
então escolhi um repertório
relativamente grande para
ensaiar, escolhendo apenas as
músicas mais alegres. Passei a
tarde inteira com ela me
alternando entre explicar o
que eu fazia e treinar. Quando
Eulina entrou em casa, Yslara
estava concentrada tentando
imitar a última canção que eu
lhe mostrei. Eu já estava
cansada de tocar, então fiz
uma pausa e fiquei só
olhando-a enquanto lhe
passava instruções.
— Parece que o dia hoje foi
produtivo. — Falou-me Eulina
mais tarde quando estávamos
a sós. Yslara já tinha ido
dormir, mas eu não conseguia
fazer o mesmo ainda. — Por
que não vai dormir também?
Está ansiosa para a
apresentação de amanhã?
— Nem tanto. — Eu já estava
acostumada a me apresentar
para públicos. Uma vez que eu
subia no palco e deixava os
sentimentos de Lisa
transbordarem, tudo se
tornava fácil e espontâneo. —
Posso te perguntar uma coisa?
— O que gostaria de saber? Se
for quanto a...
— Qual a história da Fiona
com o rei? — Interrompi-a. Eu
não conseguia esquecer
aquela estranha conversa da
noite anterior.
— Bem, não existe segredo
quanto a isso. Todos sabem
que Fiona foi a amada de
Lohan. — Senti um aperto em
meu peito quando ouvi isso.
Corri para o meu quarto e
tirando os brincos da caixa,
coloquei-os de volta na minha
orelha.
— Por que fugiu? —
Perguntou Eulina entrando no
quarto. Eu estava com muito
ciúme e não queria que Lohan
sentisse isso. Tanto tempo de
vida, é óbvio que eu não tinha
sido o primeiro amor dele,
mas era doloroso escutar isso
de qualquer forma.
— Pode me contar a história?
Eu gostaria de saber tudo. —
Fingi um sorriso enquanto
pedia isso docemente a ela.
Jamais pensei que me
importaria tanto com o
passado de Lohan até que
conheci a mulher por quem
ele foi apaixonado.
— Você é mesmo curiosa,
hein. — Ela riu e se sentou na
cama.
— E quem não tem
curiosidade em saber mais
sobre o rei amaldiçoado?
Nosso rei é um tanto quanto
misterioso. — Comentei me
sentando ao lado dela.
— Diz isso porque é jovem,
não conhece todos os lados
dele ainda. Quando Lohan
ainda não era o nosso rei, ele
costumava viajar muito. Ele
nunca declarou abertamente,
mas todos sabiam o motivo.
Como nasceu sem
companheira, decidiu
encontrar uma moça por
conta, mas sempre que ele
começava a se interessar por
alguém, a moça encontrava
seu próprio companheiro
predestinado. Fiona foi a
primeira moça que ele
encontrou, cujo companheiro
não estava mais vivo.
Enquanto namoravam, Lohan
e ela iam juntos em festas por
todos os clãs. Aos olhos de
todos eles eram um casal
perfeito!
— E o que deu errado? —
Perguntei intrigada.
— Ela terminou com ele. —
Disse Eulina com a voz triste.
— Depois que viu os olhos
dele sem querer, ficou
aterrorizada e manteve
distância dele por um certo
tempo. Lohan a amava tanto
que entrou em profunda
depressão por conta disso. Ele
se isolou por anos e nunca
mais foi o mesmo depois
disso. Ouvi dizer que ele
desistiu completamente de
encontrar uma companhia
feminina e que não queria
mais viver.
— Foi nessa mesma época
que ele perdeu o pai? — Toda
a crise existencial de Lohan foi
por conta de um coração
partido?
— Foi logo depois disso. —
Confirmou-me ela. — Por
conta do luto, Fiona e ele se
reaproximaram. Ela ainda o
tinha no coração e acho que
ele também, já que até hoje
são bons amigos. Penso que só
conseguirão ficar juntos de
novo se a maldição dele for
quebrada um dia.
— Mas por que eles ficariam
juntos de novo? E a profecia
da rainha? — O jeito que ela
falou me incomodou muito.
Será que gostavam tanto
dessa tal Fiona para
continuarem torcendo por
ela?
— É uma profecia que veio de
fonte duvidosa. Acho que
ninguém além do próprio rei
acredita nela. Todos dizem
que só um milagre faria tal
profecia se cumprir.
— Poderia me explicar o que
quis dizer com a profecia vir
de fonte duvidosa?
— É porque a profecia veio de
uma criança na cerimônia de
despedida do rei Lucan. Uma
criança que sequer tem o lobo
e também não passou pela
provação não é sondável,
então não é algo fácil de
aceitar. Geralmente as
profecias vem de visões
enviadas através da
sacerdotisa oficial do reino,
mas não foi o que aconteceu.
— E quem era essa criança?
— Essa história era um tanto
quanto intrigante.
— Ninguém sabe. Ela
desapareceu sem deixar
vestígios logo após profetizar
da rainha predestinada ao
novo rei. Alguns acham que é
um fantasma, outros que era
apenas uma pegadinha de mal
gosto, mas o rei Lohan
acreditou veementemente ser
o espírito de uma antiga
sacerdotisa do clã.
Infelizmente, não há como
provar nada. Tudo é questão
de fé!
Fé, uma palavra tão simples,
mas com um significado tão
profundo. É nisso que o meu
companheiro tanto se apoiou
para continuar vivendo. Ele
acreditou em uma profecia
que ninguém mais acreditava
e esperou pacientemente pelo
seu cumprimento. Por conta
disso, encontrou o seu
milagre. Suspirei
profundamente. Não tinha
porque eu ficar chateada com
Lohan. O que aconteceu entre
ele e Fiona é algo do passado.
Eu sou o presente e futuro
dele!
— Parece que não tem mais
perguntas. Curioso que em
Luríon não se fale muito sobre
isso. Achei que o assunto fosse
conhecido em toda Éldrim.
— Isso é diferente para uma
jovem ingênua e ignorante
como eu. — Comentei em um
tom suave. — Obrigada pela
sua atenção!
— Se não for pedir muito,
pode me ajudar a organizar as
tendas de grãos amanhã cedo?
— Claro que sim! Você me
acolheu aqui por esses dias. É
o mínimo que posso fazer!
— Passo aqui cedo para te
acordar. O dia amanhã vai ser
agitado! Descanse bem!
P2 - Capítulo 18
Eu literalmente madruguei.
Não era um horário muito
diferente de quando eu
costumava me levantar para ir
até a cachoeira. Caminhei com
Eulina e Yslara até uma
grande área aberta pouco
além do centro da vila onde
armaram as tendas de
exposição. Os preparativos
estavam a todo vapor. Passei
horas ajudando a carregar
coisas, com apenas uma pausa
para a refeição matinal. A
cidade estava ficando cada vez
mais lotada com o passar do
tempo.
Perto do horário de almoço,
fui direcionada até o centro
onde ocorreria a abertura
oficial da festa da colheita.
Uma grande rocha em forma
de meia lua estava sendo
enfeitada e um patamar de
madeira sendo montado de
frente. Aquele seria o palco
para uma noite de
apresentações musicais e
muita dança. Além de eu ser a
última a me apresentar na
noite, eu teria o maior tempo
entre todos os artistas. Era o
cenário mais favorável
considerando que aqui eu não
passava de uma novata
desconhecida.
— Você consegue entreter o
público por uma hora inteira?
— Perguntou-me o alfa após
me passar algumas
instruções.
— Moleza! — Respondi
sorrindo.
Em seguida, fui liberada por
Eulina para ensaiar em casa.
Yslara voltou comigo e ficou
me ouvindo enquanto
preparava algo para
almoçarmos. Passei o
repertório inteiro que eu faria
enquanto cronometrava o
tempo.
— Ainda não consigo acreditar
que estou te ouvindo antes de
todos. Você é muito talentosa!
— Disse-me ela empolgada. —
O show desse ano vai entrar na
história! É inovador!
— Não é para tanto! — Me
sentia lisonjeada, mas tinha
para mim que não importa o
quanto eu fosse boa em algo,
sempre havia algo em que eu
poderia melhorar. — Posso
fazer uma modificação no seu
tilim?
De início ela ficou confusa
com o meu pedido, mas logo
acatou a sugestão que eu lhe
dei. Com muito cuidado,
conseguimos inserir uma alça
improvisada. Isso facilitaria
minha performance. Depois
que almoçamos, a ensinei
mais um pouco e tirei as
dúvidas que ela tinha quanto
ao meu jeito de tocar. Era o
mínimo que eu podia fazer
por ela se dispor a me
emprestar o seu tilim. Perto
do cair da noite, Eulina voltou
trazendo com ela a minha
roupa.
— A festa desse ano vai ser
grande. A cidade está lotada!
— Comentou ela. — Eliza, se
arrume logo. É a sua primeira
festa, então não quero que
perca nada!
— É para já! — Respondi indo
direto até o quarto. O meu
vestido estava novamente
branco e não tinha mais
aquele odor do pântano.
Arrumei meu cabelo em um
penteado simples e perguntei-
me se havia algo mais que eu
poderia fazer para melhorar o
meu visual.
"É a primeira vez que me
apresentarei a um público
grande sem o meu disfarce!"
— Comentei com Lisa.
"É bom podermos ser nós
mesmas sem nos preocupar!"
— Respondeu-me
imediatamente de volta. Fui
até a minha caixa e tirei as
cordas da Preciosa colocando-
as em volta do meu pulso. Nós
três começamos juntas no
outro mundo, então iríamos
iniciar igualmente juntas em
nosso primeiro show de
verdade em Celestria.
Peguei minhas duas
pedrinhas de celédrias e
segurei-as na mão antes de
voltar para a sala. Yslara e
Eulina estavam juntas na
cozinha tostando grãos em
enormes panelas.
— Vai na frente! Eu levo o
tilim para você depois. —
Disse-me Yslara quando
percebeu que eu estava
olhando para elas.
— Tem certeza que não
precisam de ajuda? —
Perguntei preocupada. Não
teria graça ir para a festa
sozinha.
— Só vai! — Disse Eulina
jogando alguns temperos em
uma das panelas. Fiz
conforme ela me ordenou.
Assim que sai da casa, vi
Fiona, Ayden e um sobrinho
de Eulina caminhando juntos
em direção à festa. Recuei um
pouco torcendo para não me
virem e esperei que saíssem
da caverna antes de eu sair
também.
"Antes só do que mal
acompanhada!" — Pensei
enquanto olhava ao longe o
caminho que estavam indo só
para pegar o caminho oposto.
Apesar de não ter nada contra
ela, ainda preferia evitar
Fiona por conta da irritação
da minha loba.
Caminhei por um tempo na
área de exposições
observando o tipo de alimento
que produziam e vendiam.
Alguns, embora parecidos
com coisas do meu mundo,
tinham um cheiro bem
diferente.
Logo que o sol começou a se
pôr, caminhei pela rua
principal passando pelas
barracas de comida. Tinha
tanta gente passando que se
eu não tivesse atenção
poderia acabar sendo
atropelada e pisoteada.
Apurei meu olfato para
escolher os aromas mais
interessantes e observei
atentamente como era feito o
pagamento nas barracas.
A maioria das coisas eram
mais caras do que o que eu
podia pagar. Caminhei um
pouco mais em frente e acabei
parando de frente para a
barraquinha de garangos
secos ao reconhecer nela a
mulher que me ajudara no
pântano. Ela vendia garangos
em saquinhos de diferentes
tamanhos. O menor me
custaria exatamente as duas
pedrinhas que eu tinha na
mão, mas sentia a necessidade
de retribui-la de alguma
forma pelo que ela fez por
mim.
— Oi, me vê um pequeno por
favor! — Pedi a ela.
— Oi, que bom te ver de novo!
— Disse-me ela toda animada.
— Aqui está! Espero que goste!
— Obrigada! — Falei a ela
enquanto lhe entregava as
pedrinhas. — Por ter me
ajudado aquele dia! Acho que
não te agradeci devidamente
pelo que fez por mim.
— Quero um pacote maior. —
Uma voz imponente irrompeu
por trás de mim. Estremeci
quando as mãos dele se
prenderam em minha cintura.
Minha respiração se acelerou
enquanto meu coração se
agitava em meu peito. Elevei
meu rosto e notei os olhos de
meu companheiro fixos em
mim.
— Aqui está! — Disse a
mulher. Lohan desviou o olhar
de mim por um instante e
entregou a mulher uma
pedrinha um pouco maior de
coloração avermelhada.
— Fica com o troco! — Disse
ele.
— É muito! Tem certeza disso?
— Perguntou a mulher
surpresa. Pelo seu olhar, eu
diria que a pedra tinha um
valor bem alto. Lohan
assentiu e, me travando
contra ele, me arrastou até
uma das ruas paralelas para
longe das multidões. Assim
que ele me soltou, virei-me
para ele. Por cima de suas
roupas pretas estava uma
grande capa cinza com um
capuz. Ele estava com as
lentes de contato e na lateral
de seu corpo havia uma bolsa
de tecido preto pendurada.
Abri o saquinho em minhas
mãos, tirei um garango seco e
levei-o a boca. Enquanto eu o
mastigava, comecei a chorar.
Eu não sabia como lidar com a
aparição repentina de Lohan.
Queria muito abraçá-lo, mas
não sabia até que ponto ele
estava chateado comigo.
— Não está feliz em me ver?
— Foi a primeira coisa que me
perguntou. Sua voz grave saiu
mais alto do que de costume,
mas ele não parecia irritado.
Só de olhá-lo, eu podia sentir
o quanto estava preocupado.
— Pelo contrário, eu estou
muito feliz! Eu estava tão
perdida! — Ele me observou
em silêncio enquanto eu
terminava de comer meus
garangos. Até que não eram
tão ruins. Assim que terminei,
ele esticou o saco maior em
sua mão oferecendo-o para
mim. Em vez de pegá-lo,
rodeei meus braços em torno
dele e o abracei com força.
— Minha pequena, você
realmente me assustou! —
Sua voz soou mais gentil. Seus
braços me rodearam
retribuindo o abraço e ele
beijou minha cabeça
ternamente. — Nunca mais
fuja de mim!
— Eu não queria fugir! Eu
juro! Eu nem sei como vim
parar aqui! — Ele me afastou
dele imediatamente. Seu olhar
estava sério enquanto
analisava os brincos nas
minhas orelhas. — Eu só os
tirei por um tempo para que
você pudesse me localizar,
mas os estou usando certinho
como pode ver!
— Não é isso! — Disse ele
tirando um dos brincos da
minha orelha. — Você disse
que não sabe como veio parar
aqui. Foi outra crise?
— Sim. Acho que essa foi a
mais forte que já tive. Quando
recuperei a consciência estava
no meio de uns pântanos que
tem perto dessa vila.
— A pedra trincou. — Disse
Lohan olhando atentamente o
brinco em sua mão. — Parece
que o seu problema não é
energia insuficiente, mas o
excesso dela.
— Como assim? — Perguntei
confusa. Seria mesmo possível
eu ter tanta energia mágica
mesmo sendo uma meia
humana?
— Eu não sei ainda. Eu não
entendo nem como você
conseguiu percorrer quase
dois mil quilômetros em
menos de um dia. Levei quase
dois dias para chegar aqui
desde que te senti e olha que
eu sou o lobo mais rápido de
Éldrim. O que quero saber é
para onde estava indo quando
estava inconsciente? Como
ninguém te viu?
— Se você sendo quem é não
tem respostas para isso, eu
muito menos. — Falei um
pouco nervosa. — Já que
estamos por aqui, podemos ao
menos aproveitar a festa?
— É a melhor opção para o
momento. Depois da longa
corrida que fiz, preciso de
uma pausa. Só temos que ser
discretos quanto a nossa
identidade.
— Eu não tenho problemas
com isso já que ninguém sabe
quem sou. É você que precisa
se cuidar, ainda mais com sua
ex-namorada presente na
festa. — Falei secamente e
desviei o olhar.
— Então é por isso que sentiu
ciúmes? — Lohan soltou um
riso descontraído enquanto se
divertia passando seus dedos
sobre os meus lábios. — Fiona
é passado!
— Assim espero! — Respondi
friamente. Ele parece ter
gostado da minha reação, já
que finalmente me puxou
para junto dele e me beijou
apaixonadamente. Retribuí de
imediato. Mesmo gostando da
experiência de conhecer
outras pessoas e lugares,
ainda assim senti muita falta
dele.
— Minha pequena, nunca
mais desapareça assim! —
Disse-me encarando meus
olhos com profundidade.
Assenti positivamente com a
cabeça. Não era algo que eu
podia prometer já que não
controlava as crises, mas
tentaria ter mais cuidado.
— Como faz para esconder a
sua energia? — Perguntei
enquanto caminhávamos de
volta para a rua principal. Um
dos motivos pelo qual não o
identifiquei logo que me
abordou foi por conta disso.
Sua energia parecia contida e
não exalava aquele ar
majestoso de superioridade
de sempre.
Lohan sorriu e puxou a manga
da sua camisa expondo uma
pulseira por alguns segundos.
Era de prata. A pulseira
suprimiu sua energia o
suficiente para que deixasse
de ser intimidadora. Com a
capa cinza escondendo suas
vestes negras e com as lentes
que usava, podia facilmente se
passar por um lobo comum.
As pessoas evitavam o rosto
do rei por conta da maldição,
então não conheciam a sua
aparência. Lohan parecia se
divertir enquanto passava
pelas multidões sem ser
reconhecido.
— Prove este! É o meu
preferido! — Disse Lohan me
passando alguns bolinhos que
acabara de comprar. Estavam
quentinhos e a fumaça que
saia deles tinha um cheiro
levemente adocicado.
— É muito bom! — Tive
vontade de chorar quando
notei que o recheio tinha um
gosto similar ao de chocolate.
— Posso ter mais deles?
Lohan sorriu e me passou
mais alguns bolinhos. Eu
adorava a forma como ele me
mimava. Por várias vezes,
parou para comprar coisas
para eu experimentar
simplesmente porque fui
atraída pelo aroma. Após isso,
caminhamos até centro
atraídos pelo som da música
que ecoava. Parei perto da
roda de dança e observei a
forma como as pessoas
dançavam felizes ao som de
batidas.
— Quer dançar? — Perguntou
Lohan perto do meu ouvido.
— Não conheço esse estilo de
dança. — Os movimentos
eram repetitivos, mas não
pareciam tão fáceis de serem
executados.
— Eu te ensino se quiser.
— E você sabe? — Perguntei
animada. Ele sorriu e me
puxou junto com ele. Era
muito divertido vê-lo
dançando. Fui imitando seus
gestos até que os nossos
passos sincronizaram.
— Isso foi muito divertido! —
Eu estava rindo muito
enquanto nos afastávamos um
pouco. A felicidade que eu
sentia não cabia dentro de
mim.
— O que mais quer fazer? —
Perguntou-me sorrindo de um
jeito que me desmanchou
completamente. Ele parecia
estar tão feliz quanto eu!
— Esperar. — Respondi
olhando para o palco. — Não
falta muito para a minha vez.
Fui convidada pelo alfa a me
apresentar esta noite.
— Nesse pouco tempo aqui
você já conheceu o alfa? Como
consegue conexões
importantes com tanta
facilidade?
Nem eu tinha respostas para
isso. Inevitavelmente meu
caminho sempre acabava se
cruzando com pessoas de
grande nome.
— Participei da colheita dos
campos da família dele logo
que cheguei para conseguir
algum dinheiro. A irmã dele
que é quem estava
supervisionando foi quem me
abrigou nesse tempo que
estou aqui. Acabei jantando na
casa do alfa a convite dela, e
me apresentei como forma de
agradecer pela hospitalidade.
Eles adoraram a minha
música e deu no que deu. —
Resumi em poucas palavras
tudo o que me acontecera no
tempo que estivemos longe
um do outro e Lohan assentiu
satisfeito com a explicação.
— Devo agradecê-los
pessoalmente por isso. —
Disse ele suavemente.
— Posso agradecer por mim
mesma. Farei um grande
show para animar a festa e
não vou cobrar nada! —
Comentei sorrindo. — Você
não precisa se expor se não
quiser.
— Se assim deseja, estarei por
perto para te apoiar. — Disse-
me sorrindo e acariciando
amorosamente a minha
bochecha. Sua presença, seu
apoio, seus gestos de carinho...
Definitivamente, meu
companheiro é o melhor!
P2 - Capítulo 19
— Eliza, finalmente te achei!
— A voz de Yslara soou
urgente atrás de mim. —
Estava te procurando para te
entregar o tilim. Eulina disse
que você já pode ir se
aquecendo no espaço
reservado para os artistas.
— Obrigada! — Assim que
Yslara me entregou o
instrumento, foi que notou
que eu estava acompanhada.
Ela olhou curiosa para o
homem na minha frente e
resolvi tomar a iniciativa de
apresentá-lo. — Yslara, esse é
o meu amado companheiro.
Ele veio de Luríon para me
encontrar.
— Prazer em conhecê-la! —
Disse Lohan a ela. Yslara não
conseguia tirar os olhos do
rosto dele.
— Igualmente! Você tem muita
sorte em ter a Eliza como
companheira. Trate-a bem,
viu? — Disse Yslara em um
tom mais sério. Esse negócio
da minha marca dar uma
imagem de que tenho um
companheiro opressor era
muito cômico.
— Eu reconheço a minha
sorte! Não se preocupe! Ela
será tratada como uma rainha.
— Respondeu Lohan olhando
fixamente para mim.
Mordisquei meu lábio inferior
enquanto tentava conter a
vontade de rir.
— Yslara, pode me mostrar o
caminho? — Pedi a ela. Não
queria que ela continuasse
encarando meu Lohan por
mais tempo.
— Claro! Por aqui! — Não
consegui tirar os olhos de
Lohan enquanto eu me
afastava dele. Estava
especialmente feliz por ele
estar aqui para assistir ao
meu show.
Yslara me fez entrar em uma
pequena caverna na lateral da
rocha que estruturava os
fundos do palco. Havia um
grupo conversando em roda
no centro enquanto
aguardavam a sua vez. Dois
homens e uma mulher
compunham o trio, todos com
vestes predominantemente
brancas com listras cinzas ou
amarronzadas. Nenhum deles
tinha a roupa toda branca
igual eu. Procurei um canto
mais isolado onde me sentei e
comecei a repassar algumas
músicas. O som do meu
instrumento acabou atraindo
a atenção deles.
— Gostei do som. — Disse o
homem mais baixo deles se
aproximando. — Posso me
juntar a você?
— Sem problemas! — Falei
timidamente. Ele pegou uma
espécie de tambor e se
aproximou. Enquanto eu
tocava, ele começou a bater
levemente em seu
instrumento, fazendo uma
batida suave para a minha
música. Inesperadamente os
demais do grupo dele se
aproximaram e se juntaram a
mim.
— Vocês são muito bons! —
Comentei animada. Eram
como meus freelancers
preferidos. Tinham um
talento para acompanhar
perfeitamente minha música
só de ouvido.
— Você também é! —
Comentou a garota. — Você
quem compôs essas músicas?
— Sim. Faz parte do meu
ofício. Trabalho como cantora
tem alguns anos. — Respondi.
— Então essas melodias tem
letras? Adoraríamos ouvi-las!
— Comentou o rapaz do
tambor.
— E as pessoas gostam? É um
estilo meio diferente do som
que estamos acostumados. —
Perguntou o outro cara do
grupo.
— De onde vim minhas
músicas fazem muito sucesso.
Espero que aqui também
façam! — Comentei de forma
simpática.
— Ventos de Inverno, é a vez
de vocês! — Uma voz
masculina chamou-os da
entrada da caverna.
— Vamos indo! — Disse a
garota cujo instrumento era
similar a uma flauta.
— Boa apresentação! — Falei-
lhes gentilmente enquanto os
via partir. Eu seria a próxima
a me apresentar. Aproveitei o
momento que eu estava
sozinha para fazer um
aquecimento vocal. Depois
disso, fiquei de pé próximo à
entrada ouvindo o grupo dos
Ventos de Inverno tocando.
O som era agradavelmente
bom. Além das batidas, o
rapaz do tambor soltava
versos no meio da música
bem próximo ao tradicional
rap. Era diferente, e isso me
fez sorrir.
— Que som mais sem graça!
Como eles são tão populares no
clã deles? — Perguntou um
homem ao outro, não tão
longe de onde eu estava. Era a
dupla que se apresentou antes
dos Ventos de Inverno.
— Ouvi dizer que se
inspiraram em um grupo
élfico. — Comentou o outro.
— É tolice imitar outros povos
quando temos um estilo
próprio que nos define.
Suspirei fundo. Era normal
que sempre houvessem
pessoas para achar defeito no
trabalho dos outros. Nem eu
escapava de receber críticas,
então podia esperar que
minha apresentação dividisse
opiniões.
Não precisei ser chamada. Me
aproximei do palco sozinha
para assistir o resto da
apresentação mais de perto.
Tive vontade de bater palmas
quando terminaram, só que
como ninguém parecia querer
fazê-lo, pensei que talvez não
fosse costume daqui.
— Ei, podemos te
acompanhar? — Pediu o rapaz
do tambor. Os outros olharam
para mim empolgados.
Pareciam não querer sair do
palco.
— Não tenho como pagá-los
por isso. — Respondi a ele.
— Não nos importamos. —
Disse a garota se
aproximando de mim. — Os
benefícios de se fazer parte do
espetáculo são mais
importantes.
— Entendo! — Assenti como
consentimento. Eles eram
talentosos o suficiente para
me acompanharem, então o
som ficaria incrível! Pareciam
acreditar fortemente que
aumentariam a própria
popularidade se tocassem
comigo. Não sei se atingiriam
o que queriam, mas lhes
garantiria que pelo menos não
se arrependessem de fazê-lo.
"Vamos, Lisa!" — Deixei que
minha loba inundasse o meu
espírito enquanto subia no
palco e me posicionava.
Sorrindo amigavelmente,
encarei as multidões com
confiança. Eram numerosos,
mas em quantidade bem
inferior do que em alguns
estádios ao qual eu já me
apresentei. Estavam
distraídos, então chamei a
atenção para mim com
entusiasmo.
— Oi pessoal, sou a Lisa e
estou aqui para animá-los essa
noite! Minhas músicas são
originais de minha autoria.
Espero que curtam o meu som!
Comecei a contar o tempo
com os pés e fiz uma
introdução com o tilim que
atraiu olhares. Assim que
soltei a voz, o povo que estava
disperso foi se ajuntando e se
aglomerando cada vez mais
perto do palco.
Sorri animada para o grupo
que me acompanhava. Eles
pareciam ainda mais
empolgados do que eu.
Começaram tocando
suavemente para não
atrapalhar, mas rapidamente
pegaram confiança. Mesmo
sem microfone, me esforcei ao
máximo para ser ouvida por
todos. Tanto o clima quanto o
formato circular da rocha
atrás favoreciam a
propagação do som, que
somado a excelente audição
dos lobos, permitia que minha
voz fosse ouvida a uma
grande distância. Me sentia
grata por isso e
principalmente pela
receptividade do público.
"Nosso Lohan está sorrindo
para nós!" — Comentou Lisa.
Eu o avistara de relance na
lateral não tão longe do palco.
Lancei um beijo no ar em
direção a ele antes de iniciar a
próxima música. Embora eu
não conseguisse fazer minhas
coreografias enquanto tocava,
fiz o máximo possível para
mostrar a eles um pouco de
dança também. Isso tornava o
espetáculo muito mais
emocionante.
"Mais um, mais um, mais um!"
— Começaram a gritar mais e
mais pessoas, assim que
terminei o repertório. O alfa
Zerich estava prestes a subir
para tomar a palavra quando
foi pego de surpresa com esse
pedido. Ele não precisou me
dizer nada. Eu podia ver em
seus olhos que ele queria
agradar ao público então
assenti para ele enquanto
tomava um pouco de água e
depois brinquei um pouco
com o público enquanto
introduzia a próxima música.
Para mim, a próxima canção
teria que ser a última. Eu já
não conseguia cantar mais tão
alto como no começo. Eu
podia sentir o desgaste vocal
por conta do esforço que eu
precisava fazer para ser
ouvida e não havia muito o
que fazer quanto a isso.
— Meu público maravilhoso,
obrigada pela atenção! —
Curvei-me em agradecimento
antes de me retirar do palco.
Era algo que eu sempre
gostava de fazer após os meus
shows.
— Minha nossa! Que reação!
Todos adoraram! —
Comentou a garota com a
flauta correndo para me
alcançar.
— Você é ainda melhor em
público do que parecia. Como
consegue lidar tão bem com
tantas pessoas te olhando? —
Perguntou o rapaz mais alto
do grupo.
— Depois de um tempo a gente
se acostuma. Fortaleça seu
espírito para aumentar a
confiança! — Olhei de relance
para o homem que se
aproximava sutilmente. —
Vocês também foram ótimos
me acompanhando! Preciso ir
agora! Meu companheiro me
espera!
— Espero que consigamos nos
apresentar juntos de novo um
dia! — Disse o garoto do
tambor.
— Seria ótimo! — Acenei e
sorri para eles enquanto me
afastava.
— Que bom que cheguei a
tempo para ver isso. —
Sussurrou Lohan perto do
meu ouvido enquanto me
abraçava. — Você estava
maravilhosa!
— Me empolguei ainda mais
porque você estava aqui para
me ver. — Respondi esticando
um pé e lhe roubando um
beijo. Isso despertou nele
aquele sorriso provocante e
eu podia ver em seus olhos o
desejo brilhando. Eu amava
provocá-lo, mesmo quando
sabia que não era o momento.
O alfa Zerich não se demorou
muito no discurso. Apenas
mencionou sobre a
importância que o evento tem
para a vila e convidou a todos
que conhecessem a área de
exposições. Também passou
algumas informações
relevantes sobre a
programação da festa para os
próximos dias.
Inesperadamente ele
convidou a Fiona para falar
também.
— Ela sempre discursa em
seu nome? — Perguntei ao
Lohan intrigada que ela
começou a falar sobre como o
rei gostaria de estar presente
e tal...
— Vou resolver isso. — Assim
que ele disse isso, tirou a
pulseira de prata colocando-a
em sua bolsa. Baixando o
capuz, tirou a capa e
entregou-a para mim antes de
seguir em frente abrindo
caminho entre a multidão.
"Assim ele vai se expor. O que
eu faço?" — Fiquei parada no
lugar observando suas costas
enquanto ele se afastava cada
vez mais de mim. Não foi ele
quem disse para termos
cuidado quanto as nossas
identidades? Por que resolveu
se revelar?
— ACHO QUE POSSO FALAR
POR MIM MESMO! — Sua voz
irrompeu em alto e bom som
cortando o discurso de Fiona.
Sua energia avassaladora
preencheu o ambiente e todos
as pessoas baixaram o olhar,
mesmo que
inconscientemente.
— Essa voz... — Fiona
intensificou o olfato enquanto
Lohan se aproximava dela. Ela
se ajoelhou em reverência
imediatamente após o
reconhecimento. Todos, até
mesmo o alfa Zerich se
ajoelharam também. Acho que
fui a única que não o fez.
— Levantem-se! — Ordenou
ele com a voz autoritária.
Senti que havia um comando
por trás, mas como eu já
estava de pé não fez efeito em
mim. Observei-o atentamente
admirando a sua forte postura
enquanto iniciava o discurso.
Ele introduziu citando as
dificuldades passadas pela
alcateia, e citou alguns
detalhes só para mostrar que
estava sempre atento a tudo.
"Não acredito que ele está
fazendo isso. Exibido!" —
Resmunguei com a minha
loba. O que mais me chateava
era que ele me deixou para
trás e estava lá se exibindo
lado a lado com ex-namorada
dele. Fiona sorria feliz
enquanto colava nele. O pior é
que ele não parecia se
importar com a proximidade
dela.
— Que bonito... quando quer
ele sabe falar. — Murmurei
comigo mesma em ironia. O
discurso motivacional estava
perfeito. Ele fechou com chave
de ouro tecendo elogios sobre
a organização do evento e
falando suas experiências com
a festa até o momento. O
problema é que suas
experiências foram comigo,
mas em nenhum momento ele
me citou. Comecei a caminhar
sorrateiramente entre as
pessoas tentando escapar de
fininho. Eu estava morrendo
de ciúmes de que era Fiona ao
lado dele, não eu.
"Espere só, companheiro!" —
Eu pretendia dar gelo nele por
um tempo. Enquanto eu
conseguia sair do aperto, uma
voz me chamou no meio dos
sussurros no fundo.
— Eliza, para onde está indo?
O rei está ainda está
discursando. É errado se
retirar enquanto o rei fala.
Você pode acabar sendo
punida! — Falou Eulina me
interceptando e bloqueando a
minha passagem. Parecia
preocupada. Não tão longe de
nós estava Yslara, que ouvia
muito empolgada o restante
do discurso.
— Estou vendo! — Não
consegui esconder meu mau
humor, o que chamou a
atenção de Yslara. O sorriso
no rosto dela se desfez
enquanto ela se voltava para
mim.
— Onde está o seu
companheiro? — Perguntou
ela olhando para os lados. —
Você o perdeu? Por isso está
assim?
— Não o perdi. Ele está
discursando! — Rangi
enquanto lhe devolvia seu
tilim. — Levante a cabeça e vai
reconhecê-lo.
Imediatamente Yslara fez o
que pedi. Eulina tentou
impedi-la, mas não conseguiu
fazê-lo a tempo.
— É ele mesmo! — Comentou
Yslara com espanto. — O rei é
o seu companheiro? Mas por
que posso olhar nos olhos dele?
E a maldição?
— Escondida
momentaneamente. —
Comentei irritada. Eulina não
parecia acreditar no que
estava ouvindo e acabou
elevando a cabeça e olhando
diretamente para o Lohan
também.
— Minha nossa! — Sussurrou
colocando a mão sobre a boca.
— Isso é real? Isso significa
que você é... — Ela não
conseguiu terminar a frase de
tão perplexa que estava.
— Algo do tipo. — Respondi
prevendo seus pensamentos.
Estava atordoada demais para
conseguir dizer qualquer
coisa mais. — Agora que sabe
quem sou, será que posso me
retirar? Com licença!
Rodeei Eulina e quando achei
que finalmente ia conseguir
escapar, fui pega pelo
comando do rei, que se
mostrou estar mais atento aos
meus movimentos do que eu
podia prever.
— Eliza Singer, venha aqui
agora! — Ordenou ele.
Congelei por dentro enquanto
meu corpo involuntariamente
dava meia volta. Ele
interrompeu o final do
discurso só para me chamar?
Me sentia como uma criança
levando bronca do professor
na frente da turma. Tentei
fingir que não era comigo e
lutar contra o comando, mas
era doloroso demais. Meu
corpo se contorceu um pouco
antes de ceder a esse poder
que era muito mais forte que
eu.
Os olhos dele estavam fixos
em mim enquanto a multidão
abria passagem ao
perceberem que o comando
era para mim. Assim que
fiquei de frente para ele, o
comando se desfez e ele
esticou a mão para mim.
Joguei a capa na mão dele,
cruzei os braços e fulminei-o
com o olhar.
— Queria algo mais? —
Comentei após ver como ele
franzia a testa enquanto
encarava a capa que eu lhe
devolvera. Como ele não
respondeu, me virei disposta
a me retirar, mas acabei sendo
pega e puxada para os braços
dele. Ele me abraçou com
força por trás me prendendo
contra ele. — Lohan aqui, não!
Implorei com a voz baixa. O
olhar de todos estava em mim,
mas diferente do que foi no
show, não parecia ser algo
bom agora.
— Você tentou fugir antes que
eu chegasse na melhor parte
do discurso. Não lhe dei
autorização para isso,
companheira. — Sussurrou no
meu ouvido.
— Companheira? — Repetiu
Fiona ao nosso lado elevando
o olhar na minha direção e me
encarando perplexa.
— Eu, rei Lohan ordeno a
todos que elevem os seus rostos
e olhem nos meus olhos! —
Proferiu ele em alta voz. O
comando poderoso que ele
evocou espalhou o medo e o
pânico nas multidões. Muitos
choravam de pavor enquanto
involuntariamente erguiam
seus rostos com receio do que
enfrentariam. Tal medo só
não foi maior do que a
admiração que sentiram ao
poderem olhar para seu rei
pela primeira vez sem serem
afetados. Agora os que ainda
choravam era de alegria.
— A maldição foi quebrada?
— Perguntou Fiona admirada.
— Isso é um milagre! — Disse
Zerich a poucos metros de
nós.
— Quero aproveitar a ocasião
para que todos conheçam o
motivo de eu estar aqui hoje.
Caro povo, conheçam a minha
companheira, a futura rainha
de vocês!
P2 - Capítulo 20
Um misto de sentimentos
tomou conta de mim depois
dessa declaração inusitada. Eu
realmente não esperava que
ele fosse fazer algo do tipo. No
fundo, eu gostaria de ser
reconhecida publicamente
como a companheira dele, só
que o título de rainha ainda
era demais para mim. Eu
sequer sabia ainda o que
significava ser uma rainha.
Parei de fazer força para
tentar sair dos braços dele e
deixei que me envolvesse
enquanto desviava o olhar
para o chão. Senti meu rosto
esquentar e tive vontade de
me esconder. Passei de garota
manhosa à obediente no
mesmo instante agora que eu
não tinha mais como correr.
"Me ajuda, Lisa!" — Implorei.
Eu queria aquela confiança e
coragem dela agora, mas ela
estava se divertindo demais
para fazer a parte dela
funcionar.
Lohan foi rápido em encerrar
seu discurso depois disso.
Meu corpo junto ao dele
enviava faíscas entre nós de
forma que ficava difícil nos
concentrar, e isso era
recíproco. Assim que
anunciou sua retirada, a
multidão abriu um grande
corredor para ele passar.
Segurei a mão dele com força
e, enquanto caminhava ao seu
lado, todos iam se ajoelhando
em reverência perante nossa
passagem.
— Para onde está me
levando? — Perguntei em voz
baixa. Eu ainda estava um
pouco atordoada com o rumo
que as coisas tomaram com a
exposição dele.
— Para a minha residência. —
Proferiu com um sorriso
sedutor.
— Você tem casa aqui?
— Não só aqui. Há moradias
reais em todos os clãs de
Éldrim.
"Ostentação demais!" —
Pensei comigo mesma.
— Lohan, você não gostou
nem um pouquinho de se
sentir normal mais cedo? —
Era tão bom poder se
misturar, mas ele estragara
isso completamente ao nos
expor. Acho improvável que
Yslara ou Eulina me tratassem
da mesma forma depois disso.
— Eu entendo que goste de se
misturar, mas ambos sabemos
que não somos pessoas
normais. A presença de um rei
nessa festa é mais benéfica
para o clã do que a de um
simples viajante. Não foi
assim que você se sentiu
enquanto cantava para todos?
Ele tinha razão. Quando subi
no palco, minha prioridade
era dar uma força para o
evento ao animar o público.
Era parte de quem eu era,
assim como ser rei é o que ele
é!
"Caverna particular?" —
Pensei quando ele parou na
frente de uma rocha, cuja
passagem estava bloqueada
com uma grande pedra
esverdeada. Ele traçou
desenhos na pedra, como se
tivesse digitando uma senha e
então me puxou com ele
através da pedra.
— Acho que nunca vou me
acostumar com isso! —
Comentei. Era sempre
estranho a sensação de se
atravessar objetos sólidos. O
interior era muito diferente
do que eu esperava. Não
parecia que estávamos dentro
de uma caverna. Era um
espaço consideravelmente
amplo, quente e iluminado.
Havia um jardim inteiro
dentro dessa rocha.
— Gostou? — Perguntou-me
ao ver a minha expressão. Eu
estava boquiaberta. Soltei a
mão dele e corri pelo gramado
luminescente em direção a um
pequeno lago. Uma árvore de
tamanho médio com flores
brancas brilhantes à beira do
lago dava um charme extra a
esse cenário mágico. Uma
brisa suave balançava meus
cabelos enquanto eu me
agachava e tocava na água.
— É quentinha mesmo! —
Mesmo vendo o vapor que
saia da água, ainda assim
fiquei admirada ao confirmar
que as águas eram realmente
termais. — Que casa incrível!
— Essa não é minha casa, é só
o jardim. Minha casa está ali!
— Assim que ele comentou
isso, virei-me para ele e
observei a direção ao qual ele
estava apontando. Havia uma
pequena escadaria que dava
para uma construção branca
de tamanho médio com várias
janelas azuladas voltadas para
o jardim.
— Suas casas nos outros clãs
são assim também? —
Perguntei abismada. Mágico e
maravilhoso era como eu
descreveria tudo que estava
vendo.
— São exatamente iguais, até
porque são a mesma! —
Comentou ele sorrindo
brilhantemente.
— Como assim? — Dizer que
são a mesma casa é o mesmo
que dizer que eu estava em
todos os clãs ao mesmo
tempo. Isso era simplesmente
impossível!
— Aquela porta pelo qual
passamos cria uma ruptura
para um espaço confinado
entre dimensões, que é onde
estamos. Não estamos em
nenhum clã agora, e sim em
um espaço extra dimensional.
Esse foi um presente que
meus antepassados
receberam dos celestiais. —
Explicou ele.
— Por que você teve que
correr até aqui então? Não
podia simplesmente ter ido ao
clã mais próximo, entrado
nesse espaço e saído por
aquela porta? — Apontei para
o lado onde entramos.
— Não funciona assim. Só
podemos sair pelo mesmo
lugar em que entramos. Posso
criar quantas portas eu quiser
para esse lugar, mas a saída é
sempre no mesmo lugar onde
a magia de abertura foi
ativada.
— Então se outra pessoa
ativar a porta magicamente
em outro clã seria possível
sair em outro lugar? —
Teorizei.
— Meu tataravô já questionou
exatamente isso aos celestiais.
— Lohan riu suavemente e
deixando suas coisas de lado,
tirou a camisa dele. Desviei o
olhar de seu peitoral e voltei a
encarar a água para conseguir
me atentar ao resto da sua
explicação. — O poder de
ativar a porta foi dado
somente ao rei, uma vez que
ativar mais de uma porta ao
mesmo tempo é letal ao
portador. Se a fenda que leva
a esse lugar fosse duplicada,
durante a saída seríamos
sugados para duas direções
diferentes e partidos ao meio.
— É... isso não seria muito
legal! — Fiquei arrepiada só
de imaginar a possibilidade.
— Venha nadar comigo,
companheira. — Sussurrou
perto do meu ouvido. — Quer
que eu tire suas roupas ou
você mesmo as tira?
— Lohan... — Gemi após o
movimento repentino dele,
que não me deu tempo de
responder. Ele já tinha
tomada a decisão por conta,
então não sei porque se deu
ao trabalho de perguntar. Sua
mão desceu por baixo da
minha saia enquanto sua boca
descia ferozmente sobre a
minha. Meu coração disparou
em meu peito com cada toque
ousado que fazia enquanto me
despia. A água parecia ainda
mais quente enquanto nos
entrelaçávamos
apaixonadamente, com beijos
e carícias. Lohan ainda estava
muito enérgico enquanto me
levava em seus braços até a
casa e me descia sobre a cama
dele. Ele não parecia querer
parar tão cedo.
"Eu realmente o preocupei,
não é?" — Perguntei para a
minha loba. Ele dormira me
abraçando com força contra
ele de forma que fiquei
desconfortável e não
conseguia pegar no sono,
mesmo estando exausta.
Fui capaz de sentir todo o
amor e toda a necessidade
que tínhamos um do outro,
então não conseguia entender
o motivo pelo qual ele estava
tão estranho e distante na
madrugada em que tive minha
crise. Será que o problema
tinha sido comigo? Foi algo
que eu tinha feito? Por mais
que eu pensasse, não
conseguia me lembrar de
nada que justificasse ele ter
me evitado. Enquanto
ponderava sobre isso, acabei
pegando no sono.
Havia um cheiro delicioso de
comida no ar que fez minha
barriga roncar enquanto eu
despertava. Assim que abri
meus olhos, fiquei
emocionada com o que vi.
Meu companheiro estava
olhando fixamente para mim
com uma bandeja de comida
em mãos. Ser servida na cama
dessa forma não era algo que
eu esperaria de um rei como
ele.
— Bom dia, companheiro! —
Disse-lhe enquanto me
sentava. Joguei uma mexa de
cabelo para trás da orelha
timidamente enquanto ele
posicionava a bandeja no meu
colo.
— Vou te servir hoje, minha
rainha. — Disse-me
amorosamente enquanto
passava um dos braços pelas
minhas costas me firmando.
Pegando um bolinho na mão,
levou-o até a minha boca e
ficou me olhando atentamente
enquanto eu mastigava a
comida.
— Não vai comer também? —
Ele estava me dando tudo que
estava na bandeja. Desse jeito
não sobraria nada para ele.
— Já comi mais cedo. Você
estava dormindo tão
profundamente que não quis
te acordar. — Assenti
ligeiramente a cabeça e sorri.
Meu companheiro sempre
encontrava um jeito de me
surpreender.
— Quais são os seus planos
para hoje? — Perguntei
ocasionalmente. A festa
duraria mais dois dias e como
ele não me dissera nada sobre
irmos, supus que gostaria de
ficar até o final.
— Me reunirei com o alfa na
casa dele agora a tarde.
Depois disso vamos
aproveitar um pouco mais as
festividades.
— Posso ir ver a Eulina e a
Yslara enquanto isso? —
Lohan assentiu suavemente.
Terminei de comer e
novamente fui surpreendida
quando ele abriu o guarda
roupas e tirou um conjunto
roupas para eu vestir.
— Coloquei o essencial aqui
dentro antes de sair de
viagem. — Explicou ele.
Essa era uma forma muito
cômoda de se viajar sem levar
malas. Além das várias roupas
dele, haviam alguns conjuntos
para mim e tudo mais que eu
precisaria. Ele se atentara a
todos os detalhes, mostrando
que fazia tudo sempre
pensado para que nada
fugisse ao seu controle.
Vesti uma calça comprida e
uma blusa, penteei
cuidadosamente meus cabelos
antes de sair com ele. Nossa
presença chamava a atenção
por onde quer que
passássemos. Mesmo que
ninguém se aproximasse,
ficavam nos observando de
longe e sorrindo. Havia
respeito genuíno na forma
como todos se portavam, uma
sensação muito diferente da
minha vida de celebridade
que, quando eu baixava a
guarda, era rapidamente
cercada e sufocada.
Bati a porta da casa de Eulina
e aguardamos. Quem abriu a
porta foi Yslara que foi pega
de surpresa com a nossa
presença inesperada.
— Ooo... — Ela estava tão
nervosa que não conseguia
encontrar as palavras. Sem
saber o que fazer se ajoelhou
em reverência. — Majestade,
perdoe as palavras rudes que
eu lhe disse ontem.
— Aquilo não foi rude.
Levante-se, criança! Sou grato
pela forma como cuidaram da
minha companheira. Deixo-a
em suas mãos mais um pouco.
— Dito isso se voltou para
mim. — Depois que eu
terminar a reunião passo aqui
para te pegar.
— Combinado! — Sorri para
ele e peguei Yslara pelo braço
enquanto entrava. Ela ainda
estava sem reação. Troquei
um último olhar com meu
companheiro antes dele
seguir o caminho dele. Eu
mesmo encostei a porta já que
Yslara estava completamente
perdida. — Você está bem?
— Eu estou sim... — Gaguejou
de leve.
— Não precisa ficar assim.
Finge que não sabe quem é o
meu companheiro. Eu ainda
sou a mesma Eliza que
conheceu, tudo bem? — Ela
assentiu com a cabeça, mas
não parecia muito convencida
disso. — Que tal mais uma
aula com o tilim?
Os olhos dela se iluminaram
imediatamente. Sorri ao ver a
animação com que ela correu
para pegar o seu instrumento.
Sentei-me no sofá de frente
para ela.
— A Eulina não está? —
Perguntei enquanto ela
posicionava seu tilim em seus
braços da mesma forma que
eu fazia.
— Ela está fazendo
negociações com alguns
compradores. Não deve voltar
tão cedo.
— Entendo. — Ela era alguém
importante dentro desse clã,
era natural que estivesse
ocupada, ainda mais nesses
dias.
Fiquei aliviada ao ver Yslara
se soltando aos poucos e
voltando a ser o que era
comigo. Ela tinha muito
empenho em aprender, então
se concentrava e se atentava
ao máximo em tudo que eu
lhe mostrava. Como que
acabei dando aulas de novo?
Mesmo em outro mundo, essa
profissão insistia em me
perseguir.
Assim que bateram na porta
algumas horas depois, eu
sabia que era ele. Minha loba
conseguia sentir
perfeitamente a sua energia.
Antes de eu sair, Yslara pediu
que eu esperasse.
— Eliza, não se esqueça disso!
— Disse ela voltando
instantes depois com a minha
caixa.
— Obrigada por me lembrar!
Te vejo na festa! — Falei com
ela. Quando me virei, os olhos
do meu companheiro estavam
congelados no objeto na
minha mão. — O que foi?
Ele não me respondeu.
Pegando na minha mão,
levou-me de volta para a sua
residência e me fez sentar de
frente para ele antes de dizer
o que lhe incomodava.
— Como isso chegou aqui? —
Perguntou-me ele com os
olhos fixos novamente na
caixa.
— Eu saí do palácio com ela,
lembra? Depois que a crise
passou, eu ainda estava
segurando-a da mesma
maneira. — Ele pegou a caixa
da minha mão e abriu-a.
Parecia ansioso.
— Está tudo aí dentro! —
Falei-lhe incisivamente.
Exceto as cordas da Preciosa
que ficaram ao lado das
minhas roupas de ontem. — O
que há de errado?
— Saber que você percorreu
essa distância toda em pouco
tempo já é demais, mas saber
que fez isso sem virar lobo é
completamente injustificável.
Não tem como! — Falou-me
seriamente. Ele estava certo.
Eu teria perdido a caixa logo
que virasse lobo. Não sei por
que motivos eu não a soltei
durante a crise, mas sentia-me
grata por isso. Eu odiaria
perder todas essas
lembranças que separei com
tanto carinho.
— Bem, deve haver algo. Você
que conhece da magia desse
mundo deve saber de algum
método.
— Por terra, apenas cristais
de teletransporte. É a única
forma que conheço! — Algo
em seu olhar me dizia que
esses cristais não eram tão
simples assim. — Mas eles
não existem em Éldrim.
— Algum feitiço talvez? —
Elevei as mãos até meus
brincos. Poderia ser alguma
brincadeira de mal gosto de
Willow?
— Somente é possível evocar
feitiços a distância por meio
de objetos que já são feitos
com tal finalidade. Estudei
muito bem esses brincos
antes de decidir que era
seguro para você usá-los.
Além disso, tenho quase
certeza que nem mesmo
Willow faria essa distância
que você fez em tão pouco
tempo.
Engoli em seco. Um detalhe
importante me ocorreu de
que a coisa era muito pior do
que ele pensava.
— A que horas eu saí da sala
mágica? — Perguntei a ele.
Precisava calcular certinho
para ter certeza de que eu não
estava enganada. — E a que
horas você me sentiu de
novo?
— Por volta das três e meia da
manhã. — Ponderou
enquanto me estudava. —
Comecei a te sentir perto das
oito da noite, no mesmo dia.
Considerando que fiquei
caminhando por pelo menos
uma hora consciente e que
quando acordei nos pântanos
era por volta do meio dia, o
que me ocorreu se tornava
ainda mais injustificável. Me
levantei com o coração
acelerado e fiquei de costas
para ele. Como eu poderia lhe
dizer a verdade?
— O que foi? O que está me
escondendo? — Ele me
rodeou e segurou minhas
mãos contra as deles. Fechei
os olhos e fiz uma negativa
com a cabeça. Eu não queria
ter que confessar isso. —
Temos um acordo de sermos
sinceros um com o outro,
lembra?
— E você vai me dizer o
porquê você estava tão
estranho comigo naquele dia?
Você me esqueceu trancada
no quarto, jantou sem mim e
depois me deixou do lado de
fora. Você estava me
evitando?
— A questão aqui não é sobre
mim, mas sobre você. — Ele
rosnou. Parecia irritado. —
Vai me contar por bem ou
terei que te obrigar?
— Não vai mesmo me dizer?
— Senti minhas lágrimas
começando a descer. Lohan
era sempre tão bom comigo
que suas mudanças de
comportamento repentinas
me assustavam. Era um lado
dele que eu não gostava de
ver.
— Eliza, eu só quero o seu
bem. — Falou-me com uma
voz mais gentil. Sua mão
direita foi até o meu queixo e
ele elevou-o gentilmente para
que eu pudesse olhar em seus
olhos. Pude sentir o afeto
emanando deles e isso me deu
forças para ceder primeiro.
— Não quero que fique
chateado e irritado comigo.
— Eu não vou. Te prometo! —
Assenti e respirei fundo
tentando conter as minhas
lágrimas.
— É que escapei de propósito
no começo. Na verdade, só
queria andar um pouco perto
da praia até me sentir melhor
e depois eu ia voltar.
— E... — Incentivou-me a
continuar. Estava muito
atento.
— Enquanto eu caminhava
comecei a ouvir um som e
acabei seguindo o som por um
tempo. Não percebi que
estava perdendo a consciência
pelo caminho. Quando dei por
mim, estava caminhando no
meio do pântano e o som na
minha cabeça tinha sumido,
mas eu ainda estava chateada
com o que aconteceu entre
nós, então não quis tirar os
brincos logo. Encontrei a
mulher dos garangos que me
ajudou a sair dos pântanos, e
depois sentei perto dos
campos de grãos e fiquei
observando os camponeses
trabalhando. Lá uma moça me
viu, me perguntou se eu
estava ali por conta da festa e
acabou me chamando para
ajudar no trabalho. Achei que
seria uma boa distração e
fiquei a tarde inteira ajudando
a colher grãos.
— Está me dizendo que não
tirou os brincos logo, é isso?
— A respiração dele estava
pesada. Não daria para me
esquivar da verdade.
— Sim, é isso! É que eu estava
chateada. Quando acordei o
dia estava no ápice, mas só
tirei os brincos de noite
porque foi quando finalmente
descobri onde estava. Só que
naquele momento eu não
tinha noção da proporção do
problema. Até cheguei a
pensar que estava andando
sem rumo há dias.
— Está de sacanagem comigo?
Tem ideia de como fiquei
preocupado por não te
encontrar? — Rosnou.
— Você disse que não ia se
irritar comigo! — Murmurei.
— Eu não fiz por mal...
— Me desculpe! — Disse
suspirando profundamente e
me puxou para um abraço. O
calor do seu corpo me
confortou e parece que o meu
calor o acalmou. Ele se
demorou longamente no
abraço enquanto parecia estar
pensando sobre o que
aconteceu.
— Fiquei apavorada achando
que eu pudesse estar indo em
direção do Devorador. —
Confessei. — Acha que tem
alguma chance dos meus
chamados estarem ligados ao
Devorador?
Ele não me respondeu, mas
senti os braços dele se
apertando com mais força em
volta de mim. Não insisti no
assunto. Essa incerteza era
algo claramente doloroso para
nós dois.
P2 - Capítulo 21
No início eu queria ficar para
a festa, mas agora que eu
estava na festa, tinha vontade
de ir logo embora. Em todas
as noites, tive que ficar
vigiando o meu companheiro
o tempo inteiro. Não me
sentia à vontade de sair de
perto dele por conta da
mulher que insistia em andar
perto de nós.
— E uma pedra enorme tinha
rolado na frente do caminho.
Quando eu estava prestes a
contorná-la Lohan
simplesmente a quebrou na
minha frente como se não
fosse nada. Lembra disso? —
Fiona parecia entusiasmada
enquanto conversava sobre
coisas que aconteceram no
passado. Agora que ela
conseguia olhá-lo, não tirava
os olhos dele e isso me
irritava. Não... o que me
irritava mais é que ele não
colocava limites nela.
— Não era tão grande como
você conta. — Comentou
Lohan rindo. Fiquei à margem
das conversas. Eu só podia
marcar território impondo
minha presença.
— Ei, vamos dançar um
pouco? Por conta dos velhos
tempos! — Pediu ela. Apertei
minha mão com mais força em
torno do braço de Lohan para
que ele entendesse que eu não
gostava da ideia.
— Me parece bom. —
Respondeu Lohan olhando
sorridente para ela.
— Vamos todos para a roda!
— Comentou Ayden. —
Vamos animar as coisas!
Um grupo local cuidava do
som das batidas nessa última
noite de festa. Acabei
perdendo meu companheiro
por uns instantes e sendo
puxada a dançar com Ayden.
"São só amigos!" — Repeti
inúmeras vezes na minha
cabeça enquanto via Fiona
dançar perto de Lohan. Ela
dançava tão bem que me senti
impelida a mostrar que eu
podia fazer melhor.
— Olha, você leva jeito para
isso! — Comentou Ayden
sorrindo para mim. Treinei
muita dança com Liliane,
então tinha mobilidade e
confiança para pegar passos
com certa destreza.
— Eu era uma artista
profissional. Dançar fazia
parte do meu ofício. — Me
expliquei. De início eu só
cantava e tocava, mas quando
o meu nome cresceu no
mundo, Liliane me obrigou a
me apresentar com
coreografias elaboradas nas
músicas mais agitadas e
deixar a parte instrumental
por conta de outros.
— Encantadora! — Comentou
ganhando um pouco mais de
proximidade. Isso me
incomodou, mas não o afastei
porque percebi que Fiona e
Lohan estavam exatamente da
mesma forma. Não queria
fazer cena na frente dos
outros então reprimi o meu
ciúme. Não importa o quanto
Fiona e Lohan fossem
próximos, sou eu que ele
levava para a sua casa depois
de tudo e sou eu quem dormia
ao lado dele.
Havíamos acabado de deixar a
festa e quando estávamos
prestes a entrar Lohan me
soltou e olhou para o alto.
— Quem é? — Ouvi-o
sussurrar para si mesmo
enquanto andava de um lado
ao outro inquieto.
— O que aconteceu? —
Perguntei a ele. Era difícil vê-
lo perder a compostura dessa
forma.
— Terei que mandar outros
em meu lugar. — Falou mais
consigo mesmo do que em
resposta a mim. Após isso,
fechou os olhos e evocou um
comando. Assim que ouvi as
palavras, compreendi o que
estava acontecendo.
Alguém do outro mundo
dissera as palavras mágicas e
Lohan estava sendo obrigado
a abrir o portal a distância,
sem nem saber quem eram e
quantos eram. Eu sabia que
fazê-lo de longe demandava
muito mais poder, então
fiquei ao lado dele para o caso
dele precisar de mim para
algo.
— Pelo visto não foram
muitas pessoas. — Comentei,
vendo que ele encerrara a
conjuração rapidamente.
— Duas. — Comentou com
um sorriso. — Como rei, eu
deveria estar lá para recebê-
los.
— Quem veio? — Perguntei
curiosa. Eu só conseguia
pensar no alfa Clark e
Caroline, mas parecia cedo
demais para ele ter
conseguido passar a liderança
do clã adiante. Ele não
respondeu. Acho que ele
mesmo esperava a resposta
para isso já que não conseguia
ver o que se passava.
— Você vai descobrir quando
voltarmos. — Respondeu-me
após alguns instantes. Ele
estava sorrindo o que
alimentou ainda mais minhas
expectativas. — Mandei
William junto com meus
guardas para guiar os recém-
chegados, sua primeira
missão como diplomata.
— Ainda não acredito que
mais pessoas vieram do outro
lado. Isso é bom! — É como se
o plano de trazer de volta os
lobos tivesse entrado
finalmente em fase inicial.
Lohan não me deixou mais
pistas. No dia seguinte, sai
com ele para nos
despedirmos. Finalmente
iriamos voltar. Abracei Eulina
com força, mas me demorei
mais com a Yslara. Eu sentia
muita simpatia por ela.
— Venha me visitar quando
for em Luríon. — Pedi a ela.
Eu gostava muito do jeito e da
energia positiva que emanava.
Se havia alguém que eu
pudesse chamar de amiga
nesse mundo, era ela.
— Posso mesmo? —
Perguntou com os olhos
brilhando.
— Deve! Somos amigas, não
somos? Os amigos devem se
visitar!
— Sim! Obrigada! — Disse ela
com empolgação. — Te
visitarei com certeza!
Acenei para alguns rostos
mais conhecidos enquanto
nos afastávamos. Eu já estava
preparada para tomar forma
de lobo para correr com o
meu companheiro, mas antes
ele me fez voltar com ele para
a residência.
— Não estávamos de saída?
Por que retornamos? —
Perguntei intrigada. Ele não
precisou me explicar. Quando
o vi tirando as lentes percebi
o motivo.
— Só alguns detalhes finais.
— Ele colocou o estojo da
lente sobre a mesa e sorriu. —
Preciosidades que preciso
cuidar com carinho. Te vejo
de noite, pequena!
Dito isso, ele virou lobo e
correu em direção à saída. Foi
tão rápido que não tive tempo
de alcançá-lo.
— SÉRIO? LOHAN! — Não
adiantava gritar. Ele fechou a
porta me deixando trancada
aqui dentro com a sensação
de ter sido deixada para trás.
Não me sentia no direito de
me chatear porque eu sabia
que se eu fosse junto, só iria
atrasá-lo.
Eu tinha plena consciência de
que no meu ritmo e
capacidade, levaríamos muito
mais tempo para voltar, mas
ainda assim eu queria correr
com ele. Deveria ter
imaginado que ele tinha esse
tipo de plano na cabeça.
Estava calmo demais...
Sem ter o que fazer, eu só
podia esperar que ele fizesse
esse caminho de volta por nós
dois. Aproveitei para explorar
o jardim e a casa, algo que eu
ainda não tinha tirado tempo
para fazer direito.
— Parece que já estava tudo
planejado! — Sussurrei para a
minha loba quando abri os
armários da cozinha. Haviam
vários alimentos e alguns
frascos de bebida disponíveis
para quando eu sentisse fome.
Peguei alguns biscoitos,
desembrulhei-os e comi-os
antes de voltar para o jardim.
Sem nada para fazer, eu só
conseguia pensar em uma
coisa: cantar!
Eu adorava fazer isso sempre
que estava sozinha. Aqui eu
conseguia soltar a minha voz
com tudo sem me preocupar
com mais nada. Quando
comecei a ficar rouca, me
joguei nas águas quentinhas e
fiquei flutuando um tempo
olhando para cima. Diferente
de toda a paisagem, o teto era
escuro. Os limites eram
nítidos, e quase se podia ver
as bordas das placas
acinzentadas que compunham
a estrutura que delimitava
esse espaço.
Eu não tinha noção alguma do
tempo nesse lugar. Voltei para
a casa e me joguei na cama.
Era o tipo de situação que
podia ser bom por algumas
horas, mas depois de um
tempo a sensação que eu
tinha é de que iria
enlouquecer.
— Ele disse que nos
encontraríamos à noite. Por
que está demorando tanto? —
Resmunguei comigo mesma.
Fechei meus olhos e adormeci
um pouco, não por tempo
suficiente para começar a
sonhar.
— Sentiu minha falta? — Uma
voz sedutora sussurrou perto
do meu ouvido.
— Muita! — Abri meus olhos.
O rosto dele estava a
centímetros do meu. — Até
onde você chegou hoje?
— Estou no clã alcateia verde.
Quer dar uma volta?
— Mesmo? — Abri um imenso
sorriso. — Vai como rei ou
como ou um simples
visitante?
— Visitante. Ninguém me viu
entrar aqui. — Disse ele
sorrindo de volta. Me levantei
super animada. Vesti um
short, uma blusa e amarrei o
meu cabelo. Lohan colocou as
lentes, a pulseira e a capa
dele.
Assim que saímos pela porta,
me dei conta do porque o
lugar se chama alcateia verde.
Só havia natureza em volta.
Diferente de Éldrim, não havia
uma única construção em
pedras e tijolos. A porta da
residência real fica
secretamente por baixo de
uma raiz. Ele me puxou com
ele rapidamente em direção a
uma trilha onde nos
misturamos com as pessoas
que passavam.
— Meu pai sempre me trazia
para comer aqui quando
vínhamos. É bom ver que
ainda estão abertos. —
Estávamos de frente para um
restaurante cuja estrutura era
formada por numa fenda
entre duas árvores. — Venha!
Entramos e ele escolheu uma
mesa com vista para um
pequeno córrego nos fundos.
Não havia um mar por perto,
mas vários córregos pequenos
como esse corriam por
diversos pontos por onde
passamos. Toda a estrutura e
todas as casas deste clã
estavam nas próprias árvores,
entre raízes ou em fendas
como esta. As ruas são
predominantemente ladrilhos
de pedras recobertas por
algum tipo musgo.
— Dois especiais da casa e dois
chás de doriatan! — Pediu
Lohan à moça que veio nos
atender. Ela anotou o pedido e
se retirou apressadamente
assim que percebeu um grupo
um pouco maior adentrando o
restaurante.
— Vamos ver se adivinho. Foi
aqui que você aprendeu a
gostar desse chá. — Falei com
ele. A forma como sorriu me
dizia que eu acertara em
cheio.
— Sim. Foi aqui que o meu pai
me apresentou o chá. Ele não
gostava muito, mas como era
uma das bebidas mais
famosas do lugar, ele pensou
que eu deveria experimentar.
Me apaixonei desde o
primeiro gole.
Parece que eu era do time de
Lucon. Um dos maiores
benefícios que tive por estar
fora nesses últimos dias foi
não ter que tomar esse chá.
Esperava mesmo que o
especial da casa compensasse
o gosto da bebida.
— Gosto quando fala do seu
pai. Eu teria amado conhecê-
lo! — Coloquei minha mão na
mão de Lohan. Me sentia
ainda mais próxima dele
quando ele se abria assim
para mim.
Não demorou muito para o
pedido chegar. O especial da
casa parecia um tipo de sopa,
com muitas ervas diferentes.
Assim que coloquei a primeira
colher na boca, segurei o
conteúdo na boca só para
sentir a ardência.
— Picante! Amei! — Essa foi
uma surpresa boa. O sabor era
bom e quente!
— Prove o chá agora! —
Sugeriu. Ele ainda não tinha
encostado um dedo na sua
comida. Estava mais
interessado em não perder
nenhuma das minhas reações
e isso era muito fofo.
Assim que dei a primeira
golada no chá, a picância se
reverteu e senti uma pontada
na cabeça como se o meu
cérebro estivesse congelando.
— Frio! Como isso é possível?
— Enquanto eu falava, uma
pouco de fumaça saiu da
minha boca. Parecia que eu
tinha entrado em clima de
inverno.
— Quer mesmo que eu te
explique o que acontece? —
Perguntou-me de forma
provocativa.
— Melhor não. Vai tirar a
magia da coisa! — Brinquei.
Foi só depois que sofri mais
algumas vezes com isso que
Lohan pediu um doce que,
segundo ele, neutralizava o
efeito congelante. Eu curti
esse lado implicante e
brincalhão dele. Pra ser
sincera, era melhor a
sensação do congelamento
com o chá porque pelo menos
eu não ficava salivando tanto,
mas ainda sim experimentei o
doce.
— Não gostou? — Perguntou
ele curioso.
— Não muito! — Parei depois
da primeira mordida. O gosto
era enjoativo e um pouco
puxado para menta. Eu
detesto o gosto de menta!
Tomei o resto do chá de
doriatan que tinha um sabor
melhor do que o doce.
— O próximo prato vai
compensar por esse. —
Comentou ele pegando o doce
da mão. Enquanto ele o
mastigava, um grupo com três
rapazes jovens se aproximou
da mesa em que estávamos. O
que estava no meio era o mais
alto deles e tinha uma postura
convencida denotando que
era o líder do grupo.
"Encrenca a vista!" —
Comentei com minha loba. Era
o tipo de coisa que eu farejava
com precisão.
— Ei, forasteiros. Não devem
saber disso porque não são
daqui, mas esse aí é o meu
lugar. — Comentou o líder
nos encarando como se fosse
o dono do lugar.
— É mesmo? Não vi seu nome
escrito na mesa. — Respondeu
Lohan de forma debochada
enquanto o encarava de volta.
— Tem várias outras mesas
vazias aqui. Não podem
simplesmente se sentar em
uma delas? — Sugeri em um
tom amigável.
— Olha aqui gracinha, a gente
gosta desse lugar aqui. Se
quiser fazer companhia para
gente eu não ligo, mas o cara
aqui tem que se mandar.
— Não acha muito presunçoso
de sua parte determinar quem
fica ou sai? — Eu estava
começando a ficar irritada.
Podia sentir pelo olhar de
Lohan que ele estava prestes a
colocar esses caras no lugar.
Assim que o vi fechar a mão
de punho, fiz o primeiro
movimento primeiro. Não
queria que me Lohan se
expusesse de novo e
estragasse o resto da nossa
noite. — E outra, só o meu
companheiro tem o direito de
me chamar de gracinha. Faça
o favor de se retirar se não
quiser que eu quebre a sua
cara.
Coloquei-me de frente para
ele e encarei-o olho a olho
deixando transbordar a
ferocidade da minha loba.
Permiti que a energia dela
excedesse um pouco para
criar uma atmosfera mais
intimidadora. Pelo menos no
meu mundo isso costumava
funcionar bem, mas aqui o
cara na minha frente e seus
amiguinhos só acharam graça.
— A garota é marrenta! Que
fofa! — Ele esticou a mão em
minha direção em um
movimento invasivo, o tipo de
coisa que eu odiava. Com um
simples movimento de
autodefesa, torci o punho dele
e peguei o seu braço
lançando-o com força contra o
chão.
— Qual é? Você sabe quem eu
sou? — Ele rapidamente se
colocou de pé e os amigos
dele me rodearam também.
Percebi que Lohan estava
prestes a tirar sua pulseira,
mas sinalizei que esperasse
enquanto sussurrava no ar
para que confiasse em mim.
Ele se recostou
divertidamente contra a
cadeira e fez como pedi.
— Um covarde? Um homem
contra uma mulher já é injusto,
mas não acha que três contra
um não é um pouco demais?
Que tal um duelo justo, só eu e
você? Quem vencer fica com a
mesa. — Ele sorriu perante o
desafio e sinalizou para que os
amigos dele se afastassem. —
Faz um tempo que não luto,
então estou um pouco
animada. Será que posso saber
qual a idade do meu oponente?
— Tenho vinte e dois anos. Não
pense em me subestimar por
isso. Você não me conhece!
— Só um pouco mais velho que
eu, não vai ser tão injusto
então. Tudo bem se eu bater
um pouco nele? — Perguntei a
segunda parte diretamente
para o Lohan. Ele analisou
bem a situação antes de
consentir. Parecia um pouco
preocupado, não sei se comigo
ou com o outro.
P2 - Capítulo 22
Foi de comum acordo não
usarmos forma de lobo e que
não devíamos causar tumulto
dentro do restaurante. Saímos
para a rua dos fundos e me
alonguei um pouco enquanto
algumas pessoas se
aglomeravam a nossa volta.
— Quando quiser! — Falei
tomando posição.
— Uma pena eu ter que
machucar esse rostinho tão
lindo e delicado! — Disse ele
partindo para cima de mim.
"Ele é rápido!" — Pensei
enquanto me desviava do
primeiro ataque. Lisa me
emprestou o máximo possível
de sua energia para que eu
conseguisse me aproximar da
velocidade que ele tinha. Os
golpes dele também era
ferozes. Continuei estudando
seus movimentos enquanto
me desviava. Sorri ao
perceber que o adversário era
cheio de brechas. Seus
movimentos eram fortes, mas
muito previsíveis.
Pow! Acertei-lhe um golpe
que o desestabilizou e
mantive a sequência. Senti
que se eu parasse, ele
conseguiria revidar. Mesmo
mirando em alguns pontos
fracos, ele não caia. Quanta
resistência!
"Não pare!" — Pensei comigo
mesmo. Ele estava em estado
defensivo enquanto respirava
ofegante. Concentrei-me em
atacar sem dar brechas até
que finalmente consegui
derrubá-lo.
— Que truques de merda! —
Rangeu furioso antes de
quebrar as regras e deixar seu
lobo sair de vez. A situação
estava começando a sair do
controle. Que saco! Por que os
homens não aceitam
simplesmente perder?
Quando o lobo começou a me
rodear, Lohan fez um
movimento rápido se
colocando entre mim e ele.
— Já chega! — Lohan ordenou
com sua voz imponente. —
Recue!
Aquele lobo estremeceu e
obedeceu ao comando. Todos
ficaram chocados ao ver como
aquele rapaz presunçoso
obedeceu ao homem na frente
dele. Enquanto olhavam para
Lohan, ninguém parecia ter
entendido nada.
— Não sei quem você é e nem
me importo, mas você sabe
quem eu sou? — Lohan
proferiu rodeando aquele
lobo. Pela forma como sorriu,
parecia ter feito algum tipo de
comunicação mental, uma vez
que o lobo voltou a forma
humana e se prostrou em
humildade perante Lohan.
— Majestade, me perdoe! —
Disse ele com a voz
tremulando. — Fui estúpido e
arrogante. Aceito qualquer
punição!
— Certo! Peça desculpas para
a minha companheira. Agora!
— Assim que Lohan disse isso,
aquele homem rastejou e,
descendo a cabeça até o chão,
implorou o meu perdão.
— Ele é o rei mesmo? —
Comentavam as pessoas entre
si. Os amigos do valentão já
nem estavam mais a vista, de
tão apavorados que ficaram
ao verem o amigo se
humilhando.
— Abram caminho! —
Ordenou algumas vozes mais
ao fundo. Rapidamente corri
até o meu companheiro e me
escondi atrás dele. Uma
sequência de guardas foi
abrindo passagem e um
homem grande e imponente
passou no meio. Como se
soubesse quem Lohan é desde
o começo, manteve a cabeça
baixa enquanto se
aproximava.
— Majestade, vim assim que
me chamou! — Disse aquele
homem se ajoelhando perante
Lohan.
— Vô? Por que está aqui? — O
rapaz encrenqueiro se
aproximou daquele homem.
Ambos pareciam atordoados
enquanto olhavam um para o
outro, a compreensão
passando pelo rosto daquele
senhor.
— Edvan, o que você fez?
Arranjando confusão de novo?
— Ele parecia muito irritado.
— Seu neto atrapalhou minha
noite com a minha
companheira. Como pretende
me compensar por isso? —
Disse Lohan calmamente.
— Vossa Majestade, não sabia
que viria. Sinto muito não lhe
ter feito uma recepção
apropriada e sinto muito pelo
meu neto insolente. Peço que
tenha misericórdia e permita
que eu o puna e discipline
pessoalmente.
Todos em volta encaravam a
cena perplexos. Mesmo vendo
o alfa se humilhando, ainda
pareciam alimentar dúvidas,
provavelmente porque
podiam olhar Lohan
diretamente. Enquanto Lohan
ponderava sobre o pedido, o
alfa desse clã subiu o olhar e
me encarou com curiosidade.
Ele parecia ter a idade do meu
pai. Tinha um olhar forte e
uma postura mais dura, bem
diferente do alfa Zerich.
— Alfa, ele é mesmo o rei? O
rei não é amaldiçoado? Por
que a gente consegue olhar nos
olhos dele? — Sussurrou uma
criança inocente que
acompanhava a trama junto
aos pais.
— Os olhos? — O alfa elevou o
olhar e encarou Lohan. Não
importa onde Lohan fosse, a
reação de todos ao ver seu
rosto não muda. Estavam
vislumbrados! — É um
milagre!
— Meu milagre está aqui! —
Lohan me puxou para frente
dele. — Companheira, este é
um velho amigo, o alfa Ruan.
— Prazer em conhecê-lo. —
Falei timidamente.
— Não, o prazer é nosso por
ter a honra de ter a presença
de vocês em nosso meio.
Permita-me lhes oferecer toda
a hospitalidade que merecem!
— O tom de Ruan era nobre e
respeitoso. Lohan assentiu em
concordância.
A notícia de que o rei estava
na alcateia e que sua maldição
estava contida se espalhou
rapidamente. Em tempo
recorde, organizaram uma
pequena festividade de frente
para a casa do alfa. A presença
do meu companheiro era
capaz de mover as pessoas de
uma forma inacreditável.
— Parece que o alfa tem
muito apreço por você! —
Comentei com Lohan
enquanto nos banhávamos
juntos. Já era início de
madrugada quando
retornamos.
— Temos uma história. —
Respondeu sem dar mais
detalhes.
O alfa Ruan não só nos dera
uma recepção incrível como
também nos convidara para a
refeição matinal do dia
seguinte. Lohan aceitou
imediatamente. Como
compensação pelo
inconveniente ocasionado
pelo seu neto, Ruan deu ao
Lohan um bom estoque do
chá de doriatan que ele tanto
gosta.
— Sobre o que aconteceu,
espero não ter atrapalhado. —
Falei timidamente para ele.
No momento de tensão acabei
me deixando levar pelos meus
sentimentos, mas depois que
parei para pensar, achei que
ter desafiado um
desconhecido pareceu ser
uma forma imatura de lidar
com as coisas.
— Não se preocupe, tudo já
estava sob controle. Além
disso, antes de vocês
começarem a luta eu já tinha
acionado a intervenção do
alfa. — Lohan me acomodou
em seus braços e deitei a
cabeça em seu peito. Eu já
estava muito sonolenta. —
Acho admirável a forma como
você luta. Foi divertido de ver!
— Mesmo? — Sussurrei
deixando-me levar pela
sonolência e acabei dormindo
em seus braços.
A refeição no dia seguinte foi
um verdadeiro banquete. A
casa do alfa fica dentro da
maior árvore da alcateia. O
cheiro amadeirado é muito
forte por conta de tudo dentro
ser em madeira. A família de
Ruan é bem grande. Tirando
os anciões, ele tem quatro
filhas e dois filhos, todos com
companheiros e todos com
seus próprios filhos, uns que
ainda eram crianças e outros
já em idade adulta. Um dos
netos de Ruan também já
tinha uma filha. Fiquei
completamente perdida no
meio de tantos rostos novos,
mas fui bem saudada e
acolhida.
"Lohan parece outra pessoa."
— Comentei com minha loba.
Ele conversou cordialmente
por horas. Nunca consegui
fazê-lo conversar assim
comigo. Não conseguia tirar
os olhos dele. Estava
vislumbrada ao perceber em
como ele podia ser social.
Pude perceber pelo teor da
conversa que havia mais
motivos para se prolongar na
visita. O primeiro é o longo
tempo sem visitar essa
alcateia, e o principal é que é a
primeira vez que ele podia
conversar com seus amigos
olho no olho, sem toda aquela
tensão por conta da maldição.
Fiquei muito feliz por ele.
Senti que fiz bem, que acertei
em alguma coisa ao lhe dar as
lentes. Eu queria ajudar o meu
companheiro para que não se
sentisse tão solitário, mas na
época que o fiz não tinha a
mínima ideia da extensão do
problema, então sentia que
meu acerto foi apenas um
acaso. Acabamos ficando para
o almoço também e nos
despedimos em seguida.
Lohan ainda tinha um longo
caminho a percorrer.
— Muito bem! — Disse-me ele
vendo que eu
voluntariamente entrei atrás
dele em sua residência
mágica, mesmo sabendo que
ficaria presa ali. — Não me
espere tão cedo. Vou correr
direto até Luríon e só chegarei
de madrugada.
— Não é muito cansativo
correr por tanto tempo? — Eu
já estava novamente sob o seu
olhar, então se ele quisesse
fazer o percurso de pouco em
pouco eu não me importaria,
até porque eu estava gostando
de conhecer mais territórios.
— Não é problema para mim.
Tenho energia mágica de
sobra para isso. O que eu não
tenho, posso pegar
emprestado. — Ele sorriu
lindamente para mim. —
Além disso, temos algo
importante para lidar quando
chegarmos.
— É mesmo! — Ele acabara
de me lembrar sobre os novos
moradores que vieram do
outro lado. Novamente fui
tomada pela curiosidade de
saber quem eram. — Nesse
caso, faça uma boa viagem,
companheiro!
— E você fique bem! — Ele
me olhou profundamente.
Mesmo que eu tivesse uma
nova crise, não teria como sair
daqui. Acho que de todos, esse
era o lugar mais seguro para
eu estar sozinha.
Assim que ele partiu, decidi
dar o dia para a Lisa. Um dia
solitário já era o suficiente
para mim. Tomei forma de
lobo e deixei que ela se
exercitasse livremente até se
cansar. Correr loucamente
pelo jardim a deixou feliz. Em
todas as jornadas estávamos
sempre juntas, mas pela
primeira vez, achei que
deveria deixar minha
consciência humana dormir
um pouco. Lohan se
demoraria e não tinha como
Lisa se colocar em perigo aqui
dentro.
"Bom divertimento!" — Aos
poucos fui apagando minha
mente, me permitindo me
esvair. Era sempre Lisa que se
retraia e se escondia. Sempre
me perguntei sobre como era
a sensação, e a experiência é
melhor do que eu podia
imaginar. Para mim era como
um quadro em branco. Um
mundo sem cores, sem forma
e sem expressão. Eu não
precisava pensar, fazer ou
sentir as coisas.
Um mundo assim... que graça
tem? Eu era o tudo e o nada ao
mesmo tempo. Não tinha
forma e nem um propósito.
Não tinha sentimentos,
portanto não havia dor, ou
felicidade, amor ou raiva.
Mesmo quando eu pensava no
que me importa, sentia que
nada importava, nem mesmo
o Lohan. Qual a graça de se
viver em um mundo assim?
Concentrei-me em encontrar
minha respiração, depois em
ganhar forma e então decidi
colorir esse mundo escuro.
Comecei a cantar e dançar
livremente nesse espaço
vazio, que foi se tornando
cada vez mais quente e
iluminado.
"ELIZA, ACORDE!" — Assim
que ouvi a voz de Lisa, voltei
minha consciência para o
corpo. Senti que ela estava
muito inquieta. — O que você
fez?
Ela havia parado no meio do
gramado. A forma como
víamos as coisas mudara
completamente, os detalhes,
as cores, a textura...
Para onde quer que eu
olhasse, havia uma nitidez
como se minha visão de antes
fosse ruim e só agora eu
pudesse enxergar as coisas de
verdade.
O que houve com os meus
olhos? Eu queria encontrar a
resposta para essa pergunta
tanto quanto ela. Corri para
dentro de casa na forma de
lobo e me olhei no espelho. Eu
parecia exatamente a mesma
loba e ao mesmo tempo
diferente. Ao olhar em meus
próprios olhos, conseguia
sentir a mim mesma.
"Sente isso?" — Perguntou-
me Lisa. Estávamos em uma
profunda conexão espiritual
uma com a outra e com o
nosso redor. É como se tudo
ao nosso redor exalasse uma
energia própria e tivéssemos
a percepção dessa energia.
Respirei profundamente
enquanto tomava forma
humana.
A percepção que eu tinha do
ambiente foi se modificando e
voltando a como era antes,
como se o poder manifestado
estivesse ligado à minha loba.
Assim que puxei a energia
dela para a minha forma
humana, me vi entrando
novamente naquele mesmo
mundo de nitidez. Enquanto
eu admirava os mínimos
detalhes de cada coisa ao meu
redor, fui pega por um foco de
luz brilhante. Era forte,
pulsante e melodiosa. O
mesmo som de sempre
começou a ecoar na minha
cabeça enquanto eu seguia na
direção daquela luz. Estiquei
minha mão e, assim que
toquei no objeto, a luz
desapareceu. O silêncio se
instaurou e minha visão
voltou ao normal.
— Lisa, está vendo isso? —
Em minhas mãos estavam as
cordas da Preciosa.
P2 - Capítulo 23
Eu tinha algo em que me
concentrar agora. Toda essa
experiência sobrenatural era
a melhor pista que eu tinha
sobre mim mesma. Tentar
replicá-la era a minha
principal meta no momento.
As cordas de preciosa
estavam em meu pulso
enquanto eu puxava a energia
de Lisa. Por mais que eu me
concentrasse, os resultados só
começaram a vir quando
iniciei exercícios
respiratórios.
A imagem nítida que chamei
de visão espiritual aparecia
por alguns segundos e logo
desaparecia. Era uma
tentativa de acerto e erro,
enquanto eu tirava a
experiência necessária para
fazer melhor numa próxima.
Não dormi, não conseguia! A
experiência era emocionante
e até mesmo excitante demais
para eu querer parar.
"Conseguimos!" — Lisa estava
entusiasmada. Ela e eu
estávamos completamente
conectadas enquanto eu
caminhava pelo jardim com a
minha visão espiritual. Me
aproximei da árvore de flores
brilhantes e estendi minha
mão em direção a uma flor.
— Onde está a minha mão? —
Sussurrei comigo mesma. Meu
braço estava brilhando junto
com a Preciosa, e se misturara
com a luz ambiente se
tornando invisível. Minha
respiração se acelerou pelo
medo e então minha visão
voltou ao normal. — Ainda
está aqui.
Apertei minhas mãos uma
contra a outra tomada por
ansiedade. Não sabia até
ponto tudo isso era real ou se
era só um surto psicológico
como os sons na minha
cabeça. Seja o que fosse, eu
precisava me aprofundar
nisso se eu quisesse
compreender o que era.
Da forma como eu estava,
fechei meus olhos e comecei
um novo exercício
respiratório. Rapidamente
consegui controlar a
ansiedade, mas uma nova
energia tirou o meu foco
quebrando o novo ciclo que
eu estava começando.
— Ainda acordada,
companheira? — Lohan
acabara de entrar, indícios de
que finalmente chegara em
seu destino final. Eu me sentia
cansada, mas não tinha sono
algum.
— Estava entretida
admirando os detalhes do
jardim. — Respondi sorrindo
para ele. Isso era realmente
verdade. Ademais, pretendia
omitir o motivo e as demais
experiências até que
aprendesse a controlar isso.
— Também não tenho noção
das horas aqui, então não
achei que já estivesse tão
tarde.
— Você teve alguma crise
nova? — Seu olhar estava
sério.
— Não tive. — Respondi
firmemente. — Você parece
cansado!
Não fisicamente, mas eu
conseguia sentir que sua
energia estava mais fraca. Ele
sorriu e esticou a mão, um
convite a acompanhá-lo. Não
saímos direto, em vez disso
retornamos para a casa. Ele se
jogou contra a cama me
puxando contra ele e me
abraçou.
"Realmente estava cansado."
— Pensei. Não deu nem dois
minutos para eu sentir pela
sua respiração e pela
serenidade da sua energia que
já tinha apagado. O calor dele
junto ao meu corpo acalmou
minha loba e,
consequentemente, fui
pegando no sono também.
Isso não perdurou muito.
— Companheira, hora de
levantar! — Lohan acariciava
meu rosto gentilmente
enquanto soprava seu hálito
fresco perto do meu ouvido.
Era melhor que qualquer
sonho que eu tivesse.
— Só mais cinco minutos. —
Murmurei me recusando a
abrir os olhos.
— O preparo para a refeição
da manhã já foi feito. Os novos
hóspedes serão convidados
em breve para nos
acompanhar. Esteja pronta
para recebê-los.
— Oh! — Levantei-me em um
pulo como se tivesse tomado
uma descarga elétrica. Tinha
até esquecido que já
estávamos de volta. — Como
eu estava dizendo, só preciso
de cinco minutos para ficar
pronta!
Ele riu suavemente ao ver a
minha reação e aguardou.
Corri até o guarda-roupas.
Comparei as opções que tinha
com a roupa que eu estava e
desisti de me trocar. Pegaria
algo mais no meu gosto direto
no meu quarto mais tarde.
Joguei uma água no rosto e
penteei meus cabelos
deixando-os soltos.
Maquiagem não era algo que
tínhamos aqui, então era
difícil fazer melhor que isso.
— Podemos ir! — Falei com
ele segurando sua mão. Fiquei
encarando-o animadamente,
mas ele não se movia. Segui
seu olhar. Ele parecia curioso
quanto ao acessório que eu
estava usando. — Gostou do
meu acessório? Última
tendência!
Elevei meu pulso e exibi
minha Preciosa. Ele sorriu
serenamente, mas parecia
intrigado por eu estar usando
uma embolação de fios
aparentemente sem graça no
pulso.
— Você o usou na sua
apresentação. Essas cordas
tem algum significado para
você?
— Isso é o que sobrou do meu
instrumento preferido. É uma
lembrança muito valiosa. A
usei na apresentação pelo
significado que esse
instrumento teve no início da
minha carreira. É como um
amuleto da sorte!
Ele assentiu como se
compreendesse meus
sentimentos e finalmente nos
movemos. Tudo se tornou um
breu assim que saímos. Após
alguns passos, Lohan abriu
uma porta e um feixe de luz
adentrou mostrando um
pouco mais do espaço em que
estávamos confinados.
Parecia que estávamos dentro
de um armário, mas ao sair,
dei por mim que era só um
espaço estreito localizado
bem de baixo da escada, um
lugar que eu jurava que não
tinha nada de importante.
Enquanto caminhávamos para
a sala de refeições, comecei a
respirar de forma mais calma
e profunda, tentando elevar os
meus sentidos. Por algum
motivo, a visão espiritual se
tornara um vício. Eu já não
achava que enxergava tão
bem sem ela, e ansiava que
aquele estado fosse algo
constante em minha vida.
Deixei que a energia de Lisa
me invadisse a cada passo,
algo que eu já fazia
corriqueiramente para elevar
meus sentidos passaria a ter
uma nova finalidade. Sentei-
me à mesa perto do meu
companheiro e continuei meu
exercício espiritual. Pude
sentir algumas presenças
caminhando na direção de
onde estávamos, mas uma
essência em especial me fez
levantar de imediato
enquanto meus olhos
transbordavam em lágrimas.
— Companheira, está tudo
bem? — Perguntou Lohan se
levantando comigo.
— Por que não me contou
antes? Meus pais! São meus
pais! — Eu não precisava vê-
los ou sentir seu cheiro para
reconhecê-los. A energia deles
era inconfundível para mim!
— Vai com calma,
companheira! — Lohan
segurou-me me impedindo de
correr em direção daquele
familiar energia. — Como
soube que são eles?
— Do mesmo jeito que eu te
percebia através das águas. Eu
os sinto! — Esclareci, sem
conseguir tirar os olhos do
corredor. Eu estava
empolgada demais! Ainda
parecia irreal demais para eu
acreditar. Eles deixaram tudo
para vir atrás de mim? Esse
simples pensamento me fazia
chorar de emoção.
— De tão longe? — A surpresa
em sua voz me fez perceber
que fui muito mais longe com
o meu dom do que o previsto.
Ignorei completamente minha
percepção energética e apurei
meus ouvidos e meu olfato.
Demorou-se cerca de minuto
antes que eu começasse a
ouvir os passos deles e
somente senti seus cheiros
quando já estavam
adentrando no mesmo
ambiente que eu e Lohan.
Estavam acompanhados por
Horace.
— Pai, mãe! — Me soltei de
Lohan e corri até eles. Ambos
estavam trajados nas mesmas
roupas mais formais que
sempre costumavam usar.
Assim que me viram, sorriram
como se estivessem só
fazendo uma visita casual.
Para mim, esse reencontro era
surpreendentemente mágico!
— Nem acredito que estão
aqui! Senti muita saudade de
vocês!
Envolvi os dois em um abraço
conjunto. Mamãe passou a
mão suavemente sobre a
minha cabeça e suspirou
profundamente.
— Nós também sentimos,
querida! Podia ter sido mais
clara conosco dos seus planos.
— Vocês me impediriam! —
Soltei-me deles e olhei
profundamente para seus
rostos. Não conseguia deixar
de sorrir. — Quero que
conheçam o meu
companheiro!
Lohan se aproximou de nós a
passos lentos. Senti que meus
pais se retraíram um pouco
frente a presença imponente
dele.
— Rei Lohan, agradeço por
nos receber. — Disse meu pai
em um tom formal e cortês.
Ele e minha mãe se curvaram
em reverência perante ele,
mais cientes sobre meu
companheiro do que eu podia
imaginar.
— Permita-me dizer que a
nossa menina não poderia
estar em melhores mãos. —
Disse minha mãe de forma
humilde e respeitosa. —
Obrigada por cuidar dela!
— Não precisam ser tão
formais. Somos uma família
agora! — O tom descontraído
de Lohan fez meus pais
relaxarem. Ele pousou
suavemente a mão em minhas
costas e elevou a outra mão
dele oferecendo apertos de
mão aos meus pais. Era um
cumprimento do outro
mundo. Sorri orgulhosa por
ter um companheiro tão
atencioso. — Bem vindos à
Éldrim!
— Soubemos que a nossa
menina andou dando trabalho
nesses últimos dias. Sinto
muito por isso! — Comentou
minha mãe um pouco
envergonhada. Pelo visto
William abriu a boca e contou
geral.
— Ela não me dá trabalho.
Vocês a criaram bem. Por
favor, sentem-se conosco! —
Convidou Lohan
educadamente.
Meus pais trocaram olhares
entre si várias vezes durante a
refeição sem abrir a boca
nenhuma vez. Pelo que eu
bem os conhecia, estavam
avaliando e planejando. Eu
tinha muitas perguntas a
fazer, mas não queria ser a
primeira a quebrar o silêncio.
Ao término da refeição, meu
pai foi o primeiro a se
manifestar:
— Majestade, preciso
conversar com você.
— Estou ciente! — Respondeu
Lohan educadamente. — Me
acompanhe!
Senti que havia algo mais
profundo nesse diálogo e não
pude deixar de me levantar
junto com eles. Queria
acompanhá-los, mas minha
mãe me segurou com um
pedido inesperado.
— Filha, porque não me
mostra um pouco deste lugar
e me conta sobre a sua nova
vida. — Ela pediu com tanto
jeito que eu não tive como
negar. Respirei
profundamente enquanto via
meu pai acompanhar Lohan,
me perguntando o que de tão
importante tinham a tratar
que não queriam que eu
ouvisse.
— Mãe, você não faz ideia de
como estou feliz por ter você e
o papai aqui. — Comentei
enquanto caminhava pelo
jardim com ela. Eu já havia
mostrado os principais
lugares que eu frequentava e
falado resumidamente tudo o
que tinha a dizer sobre como
tudo era mágico por aqui. Ela
não precisava de explicações
profundas e complexas para
compreender a situação,
então sempre tínhamos uma
abordagem rápida e direta em
nossos diálogos.
— Posso ver isso em seu rosto
querida.
— Agora que já lhe mostrei
tudo, me diz a verdade. Por
que vieram? — À primeira
vista me deixei enganar para
ser feliz por um instante, mas
sabia que não tomariam uma
decisão dessas só por minha
causa.
— Viemos para ficar perto de
você. — Respondeu-me
suavemente. Ela
definitivamente não era boa
em mentir.
— A mando de Damian, certo?
O que exatamente o meu pai
está tratando com o meu
companheiro? — A prioridade
dele não foi passar um tempo
comigo, mas debater algum
assunto como se estivesse em
uma missão. Para o meu
próprio bem, eu os conhecia
demais para não permanecer
me iludindo. — Não tente me
enganar! Ainda sou sua filha,
lembra?
Ela riu suavemente enquanto
me olhava com orgulho. Em
vez de ir direto ao assunto
começou com um apelo
emocional. O que prendeu
minha atenção foi o fato dela
contar um pouco sobre o que
aconteceu depois que
desapareci. Ela já desconfiava
que tinha algo acontecendo,
mas cumpriu com a sua
promessa de esperar para
abrir a caixa.
— Você realmente sofreu? —
Nunca a tinha visto expressar
seus sentimentos de forma
tão clara.
— É claro que sim! Foi difícil
demais abrir a caixa que me
deste, ver todas as suas
conquistas e bens na minha
mão e imaginar que eu jamais
voltaria a ver a minha única
filha. Eu não consegui lidar
bem com aquilo. Recusei-me a
aceitá-las então a única coisa
que tirei foram as suas cartas.
— E o que aconteceu depois?
Ela continuou o relato. Tudo a
meu respeito se tornou um
grande problema, a começar
por Marcos. De começo ele se
recusou a aceitar que eu
pudesse ter morrido. Minha
mãe teve que alegar que sofri
um suposto acidente de carro
quando estava indo até
Arches visitá-los e o médico
do clã forneceu um falso
atestado de óbito a pedido do
meu tio, o beta do clã.
Quanto a Damian, ele se
reuniu com todos os Singer
para prestar-lhes devido
esclarecimento de sua
participação na minha partida
e revelou-lhes toda a verdade
por trás dessa história. Foi
uma reunião aparentemente
acalorada, cheio de atritos e
discussões.
— Ele pretende mesmo vir?
— Perguntei surpresa. De
acordo com minha mãe, o
assunto mais discutido não foi
nem sobre mim, mas sobre a
intenção de Damian de trazer
todos do seu clã a esse
mundo. Parece que o meu
companheiro tinha razão
quanto a Damian ser o alfa
certo para confiar o primeiro
passo do projeto.
— Há muitas questões a
serem resolvidas antes do
próximo passo, mas ao que
tudo indica, o plano irá para
frente. Eu e o seu pai só nos
adiantamos um pouco.
Viemos preparar o caminho e
negociar os termos com o rei.
— Imagino que já exista uma
proposta então. — Sempre
desconfiei das conversas
entre Lohan e Damian, e sobre
todo o mistério que faziam.
Havia um plano, e eu
realmente queria saber qual é.
De longe, William notou-nos
de pé no jardim e começou a
se aproximar. Pelo semblante
feliz, eu diria que é o
momento de pausa dos seus
estudos.
— Receberemos o dobro do
território que antes e todo o
suporte para reconstrução. —
Confessou minha mãe sem
fazer rodeios. — Seu pai foi
discutir o projeto e os termos
de segurança. Precisamos de
garantias de que nosso clã se
reestabelecerá sem
problemas aqui.
— O mesmo vale para Siram.
— Comentou William ao ouvir
as palavras da minha mãe.
Havia um claro consenso
entre eles e isso me deixou
muito curiosa sobre o que
conversaram nesses dias em
que estive fora. — E para
todos os clãs. Estou aberto a
convencer meu pai para
migrar o clã todo para cá. Só
preciso conseguir me
comunicar com ele de alguma
forma.
— Lohan pode atravessar em
dia de eclipse lunar. É só
enviar uma carta por ele. —
Sugeri. — Mas você tem
certeza disso?
— Absoluta! — Disse-me ele
convicto. — Não acordei um
único dia aqui preocupado
com guerra nas fronteiras,
monstros sombrios e coisas
do tipo. É o tipo de realidade
que quero para o meu clã.
Sem pressões, sinto que
encontrei minha identidade
de lobo e perspectivas reais
de futuro.
— Graças as conversas que eu
e seu pai tivemos com ele, nos
convencemos de que isso é
realmente o melhor. —
Comentou minha mãe. —
Assim que Damian receber a
primeira confirmação, serão
enviados os primeiros
responsáveis pela parte
estrutural e ele anunciará na
próxima grande conferência a
sua retirada oficial para este
mundo.
P2 - Capítulo 24
Quanto maiores as
expectativas, maiores também
as responsabilidades. Lohan
se manteve especialmente
ocupado nos dias que se
seguiram, entre reuniões,
estudos em grupo, e tudo mais
que o projeto exigia. Agora
que a possibilidade era real,
havia uma mobilização grande
em fazer tudo acontecer.
"Então esse é o esboço final?"
— Pensei enquanto me
colocava ao lado de Lohan. Eu
tinha acabado de entrar com
minha mãe no escritório dele.
William e meu pai estavam
fazendo observações em cima
de um mapa.
A distribuição das terras era
baseada em um mapa que
meu pai trouxera consigo do
outro mundo. Caso todos os
clãs viessem, o
posicionamento dos clãs
ficaria exatamente igual ao
que era do outro lado, só que
com o dobro do território em
comparação ao que já tinham.
Os clãs fariam vizinhança com
Luríon, tornando mais
acessível o suporte direto do
rei. Mesmo com uma proposta
tão ousada, todos os clãs
incorporariam apenas um
terço das terras pessoais
pertencentes ao Lohan, mais
uma prova de como Lohan é
rico.
— Me parece bom. —
Comentou meu pai. — Se
importa se eu for fizer a
inspeção da área
pessoalmente?
— Eu já pretendia sugerir
isso. Enviarei uma equipe de
confiança para fazer a
demarcação das terras. Vocês
podem acompanhá-los. — Ele
olhou especificamente para o
meu pai e William, denotando
que eu não estava inclusa.
Seria divertido sair um pouco,
mas desde minha última crise,
Lohan ficou ainda mais
protetor. Uma equipe extra de
guardas foi reposicionada nos
entornos do jardim de Lohan
para garantir que eu não
passaria desapercebida.
Do mesmo jeito que entrei em
silêncio da sala, saí em
silêncio. Eles eram
plenamente capazes de lidar
com aquilo, enquanto eu tinha
um caminho próprio a
enfrentar. Tornei a biblioteca.
Eu procurava livros
específicos que pudessem
explanar sobre o dom que eu
tinha. Por mais que eu
vasculhasse os livros de lobos,
não conseguia encontrar nada
sobre visão apurada, sexto
sentido, percepção energética
e essas coisas.
— Você realmente gosta desse
lugar. — Comentou minha
mãe enquanto se aproximava
de mim. Uma serva havia sido
designada a ela para lhe
esclarecer dúvidas e lhe
ensinar tudo o que precisasse,
mas minha mãe era muito
criteriosa e rígida com a sua
rotina e definiu horários
específicos para estudo. Fora
desse horário, ou estava com
o papai ou comigo.
Deixei o livro que eu estava
lendo sobre a mesa e olhei
firmemente para ela. Desde
que chegou, senti que algo a
incomodava, mas não
conseguia descobrir o que era.
Eu não era tão sagaz quanto
ela, mas estava longe de ser
uma tola.
— É dever de uma rainha
aprender tudo sobre o seu
povo e o mundo em que
vivem. — Comentei
seriamente. — Mãe, por que
está passando tanto tempo
comigo?
— Por que você é minha filha.
— Respondeu suavemente se
sentando de frente para mim.
— Você só me dava atenção
assim quando eu ficava
doente... — Parei o que estava
dizendo quando finalmente
captei o que podia ser a
resposta que eu procurava. —
Mãe, por acaso você sabe?
— Sobre as suas crises? — Ela
esboçou um sorriso gentil. —
Esperava que a iniciativa de
me contar viesse de você,
então decidi apenas observar.
— Como soube? Foi o William
ou o meu companheiro? —
Não podia ter sido outro.
Eram os únicos que
acompanharam de perto meus
piores momentos.
— Os dois. Lohan reuniu-nos
para tratar sobre isso. Ele está
muito preocupado e
procurando em cada mínimo
detalhe pistas para tentar
desvendar o que se passa com
você. Infelizmente seu pai e eu
não tínhamos informações
úteis a respeito.
— Mas William tinha. —
Minha mãe assentiu em
confirmação. — Eu estou
bem! Estão se preocupando
em excesso.
— Eu não diria isso. Ninguém
desaparece e reaparece em
terras longínquas por conta
de uma simples crise. — Ela
parou de falar ao perceber
que isso não me afetava e
começou a me sondar. —
Parece que você sabe mais do
que quer nos contar.
Eu me sentia extremamente
calma. Desde que comecei a
fazer exercícios para fazer
aflorar os meus dons, todos os
sintomas cessaram, até
mesmo os sons na minha
cabeça. Comecei a acreditar
que a mensagem de Willow
sobre não lutar contra o
chamado para me encontrar
se referia aos meus próprios
poderes. Era como se
estivessem presos sufocando
dentro de mim e quisessem
sair.
— Mãe, eu sou sua filha
mesmo? — Não havia nada na
literatura dos lobos sobre
esse tipo de poder que eu
tinha, mas tinha certeza que
encontraria algo se
pesquisasse nos livros sobre
bruxas. Esse era o único
motivo pelo qual ainda
relutava em ir mais a fundo, o
medo de descobrir que eu
podia mesmo, de alguma
forma, ser uma bruxa.
— É claro que é! Você nasceu
de mim, é sangue do meu
sangue. Por que pergunta
isso? — Ela parecia até um
pouco ofendida com minhas
desconfianças e eu podia
sentir por sua energia que
falava a verdade.
— De onde vem o meu pelo
branco? Isso não vem dos
Singer e nem da família da
vovó. — Pelos meus
conhecimentos atuais, eu
sabia que de alguma forma eu
descendia de Cian, o último
emissário. Mas ele morreu em
pouco tempo e gerou uma
descendência mais restrita. Os
pelos da minha mãe são
castanho claros, mas seu
focinho e suas patas são de
colocação branca.
— Acho que você sabe a
resposta para isso. — Disse-
me ela em um tom mais
formal.
— Só pode ser do vovô. — O
pai biológico que minha mãe
nunca conheceu. — Você sabe
algo sobre ele?
— Eu já tentei investigar a
genealogia dele uma vez. —
Admitiu. — Quando eu era
mais jovem, planejei
encontrar a família do meu
pai. Pensava que talvez os
parentes dele fossem
melhores comigo, mas
descobri que o meu pai era
órfão. Ele foi executado por
conta dos crimes que cometeu
então minhas investigações
não deram em nada.
— Essa sagacidade que você
tem... — Bruxas são astutas e
bonitas, então podia dizer que
minha mãe tinha grande
potencial para ser uma. O
problema é que não existem
bruxos homens, quanto mais
bruxas lobas, então como eu
poderia descender de uma?
Por mais impossível que
parecesse, algo dentro de mim
me dizia que Cian fora
escolhido por Willow com
segundas intenções e que o
que estava acontecendo
comigo não era um acaso. Eu
tinha certeza que Willow
tinha as respostas para tudo o
que estava acontecendo
comigo, mas como eu
conseguiria perguntar sobre
isso para ela? Não é como se
eu pudesse simplesmente dar
um telefonema ou trocar
emails. Eu precisava
encontrar as respostas por
mim mesma.
— O que tem isso? —
Perguntou minha mãe.
— Bem, sou esperta e bonita
por sua causa. Puxei isso de
você! — Respondi esboçando
um sorriso tranquilo. Ela
relaxou imediatamente e
sorriu de volta.
— Você não voltou a ter mais
crises, não é mesmo? Sinto
que encontrou uma resposta.
— Sim. — Admiti. Eles
estavam se preocupando
muito comigo pelas minhas
costas e queria, de alguma
forma, passar-lhes segurança.
— Percebi que exercícios de
concentração e meditação
equilibram minhas energias e
inibem as crises. Me
acompanha?
Eu geralmente fazia esse tipo
de exercício sozinha, em cada
momento e de todas as formas
possíveis. Como eu não
precisava mais esconder isso,
me sentei no chão, cruzei as
pernas e fechei meus olhos.
Senti a presença de minha
mãe se sentando de frente
para mim, e o silêncio que se
estendeu me dizia que ela
estava fazendo o mesmo.
"Está um pouco animada
demais hoje!" — Comentei
com Lisa enquanto me
conectava com ela.
"Estou atenta a você! Sinto
que está certa!" — Comentou
rindo. — "Sou uma loba
bruxa!"
"Somos uma loba bruxa!" —
Ri de volta com essa loucura
sem fundamento. Agora que
eu aceitava a possibilidade e
abrira minha mente, sentia
muito mais facilidade em
harmonizar minha energia
interior com o exterior.
Ampliei minha percepção
energética enquanto sentia
todas as presenças que
haviam nos arredores. Podia
dizer para onde iam, quem
eram os mais fortes ou mais
fracos e até mesmo como
estavam se sentindo.
Abri meus olhos, a visão
espiritual ativa. Olhei por um
tempo para minha mãe. Ela
tinha uma energia mágica
fraca e, embora estivesse
meditando de olhos fechados,
podia dizer com toda certeza
que não estava se
concentrando.
"Ela está inquieta e vai abrir
os olhos." — Pensei. Ela abriu
os olhos poucos segundos
depois, assim como previ.
— Parece que você também
não está à vontade em fazer
isso aqui. — Disse-me ela. Eu
senti que ia se colocar de pé e
ela realmente o fez.
"Ela vai se sentar na poltrona
a esquerda de frente para a
janela!" — Pensei enquanto
ela ainda olhava para mim.
Em seguida, ela se moveu e
fez exatamente isso.
"Acho que podemos
acrescentar previsão de
intenção na lista de poderes!"
— Comentei com Lisa. Ela
estava rindo orgulhosa
pensando em como éramos
especiais enquanto eu me
colocava de pé. Ainda era um
desafio me movimentar com a
visão espiritual ativa, mas
sentia que um dia seria
possível torná-la minha visão
natural. Quanto mais eu
explorava esse poder, mas
fácil era manuseá-lo de novo.
— Pelo contrário. —
Comentei com minha mãe. —
Já alcancei o estado de
equilíbrio.
— Rápido assim?
— Sim. — Respondi
seriamente acompanhando o
olhar dela. De onde estávamos
era possível ver de relance
meu pai e William treinando
juntos. O fato de William ter
se tornado um lobo completo
despertou o interesse dele. —
Quando partirão?
— Amanhã. — Respondeu
minha mãe suavemente. — A
previsão de retorno é daqui a
três semanas.
— E você vai junto, não é? —
Minha mãe estava sempre
perto do meu pai. Mais do que
companheira ou amiga, ela é a
secretária dele, seu braço
direito e seu maior suporte.
— Sim. — Confirmou-me.
— E não podem deixar isso
para depois do ano novo? —
Ela fez uma negativa com a
cabeça e explicou que
queriam apressar o ritmo por
conta do eclipse que ocorreria
ao terceiro mês do próximo
ano.
Pensei que poderia
comemorar essa data com
eles dessa vez, mas eu estava
enganada. Embora a
contagem dos dias em ambos
mundos fosse a mesma, a
forma como comemoravam a
virada era muito diferente e
descobri isso quando o dia
chegou. Não usavam branco,
não faziam festa e não se via o
ano novo como um dia de
deixar o velho para trás para
abraçar o novo.
No ano novo deste mundo, os
lobos se reúnem com suas
famílias para rezar e pedir
bençãos. É um dia de jejum e
silêncio, o dia em que exaltam
os antigos e as gerações que
se foram, e agradecem pelas
vidas presentes e vindouras.
Entre a hora nona, até a meia-
noite, fiquei ao lado do meu
companheiro que se ajoelhou
perante o memorial de seu
pai, feito ao lado do tumulo de
sua mãe. Honrei o silêncio e
rezei em meu coração com
ele. Depois da meia-noite, ele
segurou minha mão e me
levou até a varanda de seu
quarto, cujo jardim tinha um
espaço perfeito para admirar
o céu noturno e a cidade de
Luríon ao mesmo tempo.
Entre a meia-noite e a hora
terceira, era o tempo dedicado
de aclamar o presente e o
futuro.
Ele se sentou sobre um banco
na parte frontal da varanda e
me fez me sentar em seu colo.
Seus braços me envolveram
em um abraço gentil e,
fechando os olhos, parecia
estar agradecendo. Eu podia
dizer isso pela forma como
sorria. Fechei meus olhos
também para fazer meu
próprio agradecimento. Pelo
presente, pela vida do meu
companheiro que tanto amo,
obrigada!
P2 - Capítulo 25
Lobos e bruxas são bem
diferentes no modo de ser
portar. Lobos gostam de ficar
em bandos, de correrem
acompanhados e tem uma
forte necessidade natural de
encontrar um par romântico
para compartilhar a sua vida.
Bruxas por outro lado
preferem seguir seus próprios
caminhos de forma mais
solitária e dificilmente se
ajuntam em grupos sem
segundas intenções. São
criaturas apenas para casos
de uma noite e que
dificilmente se apegam a algo
ou alguém que não seja sua
própria prole.
Diferente do que eu pensava,
não conseguia encontrar
referências sobre meus
poderes nos livros sobre
bruxas. A questão de
percepção de energia que
todas as bruxas possuem é
unicamente para determinar a
força de um macho
apropriado para
acasalamento. É similar ao
instinto de lobo, onde se
determina a força de um
adversário por instinto.
Não é que eu quisesse parar
de pesquisar, mas os livros de
Éldrim sobre bruxas além de
genéricos, denotavam-nas
sempre como criaturas
asquerosas. Eu não conseguia
acreditar de todo nisso. Sob
minha percepção, elas não
eram tão diferentes assim dos
humanos. Parei um pouco de
ler e puxei a energia de Lisa. A
visão espiritual me
demandava pouco poder
mágico, então eu já conseguia
mantê-lo ativo por longas
horas graças ao treinamento
intensivo que realizei nas
últimas semanas.
Saí da biblioteca procurando
pelo meu companheiro.
Depois do ano novo, eu
sempre o perdia de vista pela
parte da tarde e não
conseguia encontrá-lo. Lohan
dificilmente me dava
satisfações ou explicações do
que fazia e isso me
incomodava muito mais do
que eu gostaria. Para acalmar
minha loba, achei que já era
momento de dar uma
verificada.
No momento, ele com certeza
não estava em qualquer um
dos aposentos reais. Expandi
minha percepção enérgica
tomando ciência da posição
de todos os guardas nos
entornos e, ainda assim, não o
encontrei.
"Sinto seu rastro!" — Avisou-
me Lisa quando me aproximei
de uma das portas proibidas.
Aonde ela levava eu não tinha
ideia, mas pretendia
descobrir. Abri-a o suficiente
para conseguir passar e tomei
o cuidado com tudo em que
tocava para não deixar o meu
cheiro. Caminhei lentamente
usando minha percepção para
evitar qualquer presença pelo
caminho.
Enquanto eu caminhava por
um longo e grande corredor
desconhecido, comecei a
sentir meu companheiro e
podia dizer que ele não estava
sozinho. Minha loba rosnou
por dentro quando percebeu
que ele parecia feliz enquanto
conversava com uma mulher.
"Eles só estão conversando."
— Lembrei-a. Além disso não
estavam a sós. Havia mais
duas pessoas com eles. Eu não
podia me aproximar mais do
que isso. Havia presenças
demais no caminho entre mim
e Lohan, então achei melhor
recuar.
Comecei a me alongar no
jardim para iniciar o meu
treinamento de rotina. Eu
queria muito testar minhas
novas habilidades com algum
lobo de verdade, mas eles não
tinham permissão de duelar
comigo. Graças ao
aprimoramento da minha
visão espiritual descobri que
sentiam medo sempre que eu
lhes pedia por isso, e não era
de mim. Eles temiam pelo que
o meu companheiro faria com
eles caso o desacatassem.
"Queria que ao menos meu
pai estivesse aqui para eu
pedir isso a ele." — Comentei
com Lisa. Meus pais e William
acabaram se demorando mais
do que o previsto enquanto se
aprofundavam no
mapeamento da área. Não que
isso me importasse tanto. Eu
já estava acostumada a ficar
em segundo plano.
— Oi! Preciso que faça algo
por mim! — Falei para um dos
guardas que estava mais
perto. Ele me encarou de volta
com uma expressão
angustiada.
— Se for sobre treinar de
novo, não podemos...
— Não é isso! — Mostrei um
sorriso simpático enquanto
gesticulava ao outro guarda
que se aproximasse. — Eu já
entendi que não podem
treinar comigo, mas isso não
significa que não podem me
ajudar. Poderiam ao menos
me mostrar como fazem?
Posso aprender ao menos
olhando? Só um pouco, por
favor!
Ambos os guardas olharam
um para o outro. Algo me
dizia que estavam aguardando
a permissão do rei para isso.
Após alguns segundos, o
guarda assentiu com a cabeça
e convidou o seu colega para
um combate. Sentei-me
passivamente e observei o
duelo amistoso.
"Direita, esquerda, chute
frontal..." — Através da minha
visão, eu podia dizer a
intenção de cada um ao
realizar seus movimentos. Até
mesmo os blefes e as falsas
investidas podiam ser
previstas. Isso me deixava
especialmente empolgada!
Os movimentos deles eram
fortes e ágeis. Assim que um
deles notou que eu estava
sorrindo, parece ter tomado
isso como um incentivo e
começou a exibir movimentos
mais elaborados. A luta estava
cada vez mais intensa,
enquanto eu estudava
criteriosamente o padrão de
seus movimentos.
— Incrível! Vocês são bem
fortes mesmos! — Elogiei-os
ainda sorrindo para levantar a
moral deles. — Podem me
mostrar um pouco do
treinamento de lobo também?
— Não há problemas! — O
guarda que fiz a solicitação
sorriu confiante. Assim que
viraram lobos, começaram
mostrando através de uma
corrida o quanto eram
rápidos. Pareciam estar
começando a se divertir
também com isso. O perdedor
tomou a defensiva enquanto o
ganhador da corrida começou
a rodeá-lo.
"Ataque por cima pela
direita..." — Assim como
previ, o lobo deu um grande
salto pela direita. Por conta de
ser apenas uma
demonstração, eles estavam
evitando usar as garras e os
dentes, mas, ainda assim, os
movimentos eram
impressionantes. Mesmo
podendo prever o que fariam,
me perguntava se eu teria
agilidade suficiente para
reagir em um combate real
com qualquer um deles.
— Já é o suficiente? —
Perguntou o guarda que
abordei inicialmente, após
desfazer a transformação. Ele
havia perdido após ter sido
tocado algumas vezes em
áreas mais vitais, como se a
vitória fosse determinada por
um sistema de pontos.
— Foi sim. Agradeço muito
pela demonstração! —
Coloquei-me de pé
imediatamente. Por mais que
eu quisesse me aperfeiçoar,
meu corpo atual tinha limites.
Escolhi uma árvore como
oponente e comecei a desferir
socos e chutes básicos
enquanto mantinha minha
visão ativa. Ainda era
inacreditável pensar que eu
tinha tal poder e que em
poucas semanas alcancei a
proficiência necessária para
mantê-lo ativo por tanto
tempo.
Não pretendia aprimorar
golpes ou movimentos, e sim a
velocidade e a resistência. Eu
me alternava constantemente
entre socos e chutes em
ambos os braços e pernas,
tentando aumentar ao
máximo a velocidade e o
ritmo. Permaneci fazendo isso
por horas até que, por fim,
deixei-me cair exausta
enquanto a escuridão tomava
conta do ambiente.
— Acho que foi um bom
treino. — Sussurrei comigo
mesma enquanto desfazia a
visão espiritual. Eu estava
ofegante, meus músculos
doíam enquanto eu me
forçava a ficar de pé. Era
satisfatório sentir que estava
evoluindo, mesmo que só um
pouco.
"Agora só preciso aprender
em como lidar com você!" —
Elevei o braço e olhei a
Preciosa em meu pulso
direito. Eu a usava sempre
enquanto tentava descobrir
como fazê-la brilhar de novo.
Do mesmo jeito que não tive
mais sintomas sonoros na
minha cabeça, Preciosa
também não manifestou
nenhum sinal mágico de novo.
— Brilha, Preciosa! —
Sussurrei com jeitinho. Eu já
tentara com movimentos
impressionantes, emitindo
ordens, cantei para ela e até
mesmo busquei conexão
espiritual. Todas as minhas
tentativas até o momento
fracassaram. — O que você
quer de mim?
"Tudo bem, isso não é uma
derrota!" — Pensei comigo
enquanto me colocava
novamente de pé. Se a batalha
fosse fácil, vencê-la não ia ter
a mesma graça. Sorri comigo
mesma enquanto caminhava
para a sala de refeições. Lohan
já estava lá, só esperando por
mim.
— O dia foi satisfatório? —
Perguntou-me assim que me
viu. Ele sinalizou para que
trouxessem a comida
enquanto eu me sentava ao
seu lado.
— Nada novo. Li um pouco e
treinei como sempre faço. E
você?
— Nada novo também. Muito
trabalho e uma reunião chata
pela parte da tarde.
"Chata, é? Ele parecia muito
contente conversando com
aquela tal mulher." — Rangeu
minha loba irritada dentro de
mim. Lisa é muito ciumenta!
Desviei o olhar enquanto
continha minha própria
irritação. Não é a primeira vez
que ele se encontrava com ela
e eu sabia que não seria a
última.
— Fiona sempre vai nessas
suas reuniões? — Perguntei
tentando conter o ciúme na
minha voz.
— Só as de assunto externo.
Ela é uma boa mediadora. —
Comentou Lohan confirmando
a minha hipótese. Senti o
olhar dele preso em meu
rosto, enquanto sua mão
deslizava por sobre a minha.
— Como soube?
— Ela é a única que, — apurei
o meu faro, virei-me para ele e
comecei a cheirá-lo — tem a
coragem de grudar no meu
homem.
Franzi o nariz e esfreguei-o
como sinal de repulsa. O
cheiro dela nele era sutil e
quase imperceptível, mas o
suficiente para me incomodar.
Lohan além de não levar
minha reclamação a sério
ainda sorriu. Esse
definitivamente não é o tipo
de sorriso que eu gostava de
ver nele.
— Teve algum sintoma
estranho hoje? — Ele me
perguntava isso toda noite e
eu sempre respondia a mesma
coisa.
— Não, sequer um som. —
Trazer meus poderes à tona
foram o melhor remédio para
o meu problema. — Estou
curada, não vê? Quando vou
poder tirar os brincos?
— Mesmo que seja verdade
que esteja curada, permaneça
usando-os por precaução. —
Respirei profundamente
enquanto encarava a comida
que haviam acabado de
colocar na minha frente com
certo desânimo. Sem as crises,
a única função do brinco era
impedi-lo de me sentir. Será
que, no fundo, é isso que
Lohan queria?
— Companheiro, vou
amadurecer e me tornar
melhor. Quero que tenha
orgulho de me ter ao seu lado.
— Comentei seriamente. Se
ele considerava meus
sentimentos um
inconveniente é porque eu
ainda não era boa o bastante.
Um dia eu queria poder ajudá-
lo, ser eu a mediar as reuniões
e não aquela mulher. Eu
queria mostrar a ele que
posso ser a melhor
companheira e também a
melhor rainha.
— Isso não é necessário! —
Sua resposta me pegou de
surpresa. Seu olhar parecia
irritado, como se o que falei o
tivesse incomodado.
— Companheiro? Eu disse
algo errado? — Não pude
deixar de questioná-lo ao vê-
lo se levantar. Sem me
responder, saiu sem sequer
tocar na comida. Senti meu
coração se apertar em meu
peito enquanto tentava
entender o motivo dele ter
fugido de mim dessa forma.
"Se eu lhe dissesse sobre
meus poderes e reafirmasse
minha desconfiança quanto a
eu ser uma bruxa, ele me
odiaria? Talvez ele até já
esteja desconfiado..." —
Ponderei. Senti minhas
lágrimas transbordando
enquanto a insegurança
invadia o meu coração. O
principal motivo de eu não ter
dito nada a ele ainda é pelo
medo dele me desprezar se
soubesse.
Lisa se retraiu dentro de mim,
tomada pela mesma angústia.
Pior do que não ser uma loba
completa seria se eu fosse
uma meia bruxa. Mesmo que,
em hipótese, isso fosse
impossível, eu sabia que eu
não era normal e que sempre
havia uma primeira vez para
tudo. Depois de tudo pelo que
passei, já não duvidava de
mais nada.
Eu não sentia mais fome.
Enxugando minhas lágrimas,
coloquei-me de pé, mas logo
fui surpreendida ao som de
passos se aproximando. Pega
de surpresa, comecei a chorar
de novo. Lohan estava com
um embrulho grande na mão
e meus pais estavam logo
atrás dele também com
presentes.
— O que é isso? Pai, mãe,
quando vocês voltaram? — Eu
realmente não esperava por
isso...
— Não podíamos perder o seu
aniversário, querida! — Disse
minha mãe se aproximando
primeiro e me abraçando. —
Feliz aniversário!
— Como assim meu
aniversário? Já é meu
aniversário? — Eu estava tão
focada ultimamente em
aprender a manusear meus
novos poderes que tinha
perdido completamente a
noção dos dias.
— Dezoito é uma data
importante. Em que mundo
você estava para não ter visto
seu dia chegar? — Perguntou
uma voz um pouco mais atrás.
Era o William. Em suas mãos
estava um bolo e um buquês
de flores brancas,
praticamente a mesma coisa
que lhe falei que recebi de seu
pai no ano anterior. — Estava
sem ideias então copiei uma.
Espero que não se importe!
Fiz que não com a cabeça
enquanto abria o embrulho
nas mãos da minha mãe. Fui
surpreendida por um kit com
alguns cosméticos e
maquiagem. Ri comigo mesma
ao me lembrar em como
minha mãe prezava por eu
estar sempre bem arrumada
ao me encontrar com pessoas
importantes. Em minha
posição atual e, considerando
o presente, ela estava me
dizendo de forma indireta que
eu tinha a obrigação de
continuar fazendo-o. Olhei
para Lohan enquanto
perguntava a ela sobre isso.
— Quando? — Queria ter
certeza que o uso desses itens
tinha a ver com quem era o
meu companheiro.
— Todos os dias! —
Respondeu-me assentindo
uma vez com a cabeça, me
confirmando o que eu já
imaginava. Lohan era essa
pessoa importante!
— Companheira, não chore!
— Disse Lohan se
aproximando passando um
braço por trás de mim e me
beijando na testa. — Não te
disse nada porque eles
queriam fazer uma surpresa.
— É que estou muito feliz! —
Como que eu não ia chorar?
Senti-los aqui comigo me fez
me sentir amada, e isso não
tem preço.
Um dos motivos pelo qual não
me atentei ao meu aniversário
é porque não esperava ter
nenhum tipo de
comemoração. Uma vez
perguntei ao Lohan sobre sua
data de aniversário, mas ele
não me disse. Em sua
concepção, depois de tantos
anos de vida, comemorações
do tipo perdem sentido.
— Você é muito sentimental!
— Comentou William
colocando o bolo e as rosas
sobre a mesa. Ele estava rindo
de mim, mas não de uma
forma debochada. — Sempre
achei isso muito fofo!
— Feliz aniversário, filha! —
Disse meu pai tomando o
lugar da minha mãe e me
entregando uma caixa. Dentro
da caixa, haviam outras duas
caixas o que me deixou
desconcertada. — Uma é de
Damian. Você saberá qual é
assim que a abrir.
Assenti para meu pai e abri a
primeira caixa. Dentro tinha
um par de pantufas fofinhas
com cara de gatinho, o tipo de
coisa que eu amava usar
dentro de casa. Olhei para
meu pai e suprimi o riso.
— Simples, mas adorável. O
tipo de coisa que gosto! —
Falei-lhe suavemente e puxei-
o para um abraço. —
Obrigada, pai!
— Você pode ser uma mulher
agora, mas sempre será a
minha garotinha! —
Comentou ele com a voz
baixa.
— Nunca achei que fosse
ouvir algo assim de você,
Robert Singer! — Brinquei.
Ele pigarreou e desviou o
olhar. Provavelmente eu
nunca mais ouviria algo assim
da boca dele. Deixei a caixa de
lado por um instante
enquanto colocava as
pantufas. — Ficou perfeito!
Agora vamos ver o que
Damian me mandou.
— E então? — Perguntou
William curioso vendo que eu
congelara no lugar. Lohan
espiou a caixa junto comigo,
mas não parecia entender o
porquê da minha reação.
— Que inútil! É a cara dele! —
Comentei rindo enquanto
retirava alguns CDs de dentro.
Eram os três álbuns que
produzi, incluindo o último
que gravei. Esse tipo de coisa
era algo mais para
colecionadores. A maioria das
pessoas preferia
simplesmente ouvir as
músicas por meio de
aplicativos online. — Então é
assim que ficou a capa do meu
último álbum?
Pela foto escolhida e pela
edição de fundo, parecia que
eu estava dançando nas
estrelas. Tinha ficado muito
bonita!
— Pense neles como troféus.
— Comentou minha mãe. —
São lembranças de conquistas
importantes que você teve no
outro mundo.
Eu já havia interpretado as
intenções dele antes mesmo
que minha mãe precisasse
explicar. Mantive minha
animação enquanto
vasculhava o fundo da caixa.
Havia algumas páginas de
revistas rasgadas e até mesmo
algumas manchetes
impressas.
— Parece que realmente foi
um sucesso! — Comentei
enquanto sondava as páginas.
Tanto comentários de críticos
quanto de fãs só teciam
elogios. Dentre as páginas,
notícias sobre as últimas
tendências que colocavam
algumas das músicas no topo
entre as mais ouvidas. — Foi
uma grande finalização para a
minha curta carreira.
— E quem disse que a sua
carreira precisa acabar? —
Disse Lohan chamando minha
atenção para ele. Ele sorriu e
me estendeu o seu embrulho.
Não precisei abri-lo para
saber do que se tratava. Era
um tilim! — Mesmo aqui
neste mundo, você pode
continuar brilhando.
P2 - Capítulo 26
— Então essa é a famosa
câmara dos deuses? —
Perguntou meu pai intrigado
com a construção na sua
frente. Agora que eu fiz
dezoito, implorei para o meu
companheiro para eu vir aqui
tentar de novo. Ele dissera
anteriormente que se casaria
comigo depois que eu
passasse pela provação e eu
queria muito isso!
Fiz o pedido a ele na noite
anterior, depois da janta de
comemoração. Quando meus
pais ouviram sobre isso,
fizeram questão de nos
acompanhar. Depois de verem
os benefícios disso através de
William, eles também
decidiram tentar.
— Vá em frente, estou com
você! — Disse-me Lohan
gentilmente. Assenti com um
pouco de ansiedade e me
aproximei da porta. Lisa
estava entusiasmada com a
possiblidade de nos
tornarmos uma loba completa
e podermos viver muito
tempo ao lado de nosso
companheiro. Assim que
coloquei a mão na porta, senti
meu mundo desabar.
— Não deu! Por que não deu?
O que me falta? — Retraí a
mão trêmula e me aproximei
do meu companheiro. O
desamparo estava estampado
igualmente no rosto dele, e
ainda assim, ele me abraçou
para me confortar.
— Não sei, talvez seja por
conta da maldição da lua. —
Sugeriu, claramente inquieto
com tudo isso.
— Acha mesmo? — Elevei o
meu olhar. Talvez se eu
percebesse que o problema
não era especificamente
comigo, eu me sentisse
melhor.
— Há uma forma de
descobrirmos. — Segui o
olhar do meu companheiro.
Mesmo sem olhar
diretamente para Lohan, meu
pai compreendeu a situação e
se aproximou da porta. Assim
que ele a tocou, a porta
brilhou de leve e ele foi
sugado para dentro.
— Mas o quê... — O desespero
da minha mãe durou pouco.
Antes que terminasse de
pronunciar a pergunta, o lobo
de meu pai saiu da câmara.
Lobos da lua nova costumam
ter um porte menor que dos
demais clãs por causa do
despertar precoce, mas o lobo
que saiu da câmara era
tremendamente maior do que
o que entrou. O que me
preocupou é que a porta da
câmara não havia sequer se
fechado ainda.
— O que aconteceu? Ele não
falhou, certo? — Perguntei
para o Lohan. Claramente a
questão não tinha nada a ver
com a maldição da lua, mas
minha preocupação com o
meu pai era maior do que a
minha tristeza.
— Ele passou. Sempre que
alguém sai na forma de lobo
significa aprovação, na forma
humana reprovação.
— Mas por que foi tão rápido?
— Levou poucos segundos e
isso era muito menos tempo
do que William passou lá
dentro.
— Por que ele já passou antes
mesmo de entrar. Situações e
experiências pelo qual já
passou ao longo da vida são
um atalho para o teste. —
Comentou Lohan olhando
atentamente para o lobo do
meu pai. Robert caminhou a
passos lentos até minha mãe
e, quando desfez a
transformação, seus olhos
estavam brilhando de emoção.
— Querido, você está bem? —
Perguntou minha mãe
preocupada. Inesperadamente
meu pai a puxou num abraço
enquanto a chamava de
maneira completamente
diferente.
— Companheira! — Disse
meu pai sorrindo. É a
primeira vez que o vi sorrir
em toda a minha vida. —
Companheira!
— O lobo dele evoluiu
quebrando a maldição da lua e
o vínculo do companheiro
pode ser sentido claramente
agora. — Explicou Lohan
enquanto eu me emocionava
com a cena.
— Então foi isso? —
Perguntou minha mãe ao meu
pai. — Você consegue sentir o
vínculo comigo agora?
Ele assentiu entusiasmado e a
puxou para um beijo. Ambos
pareciam perdidos um no
outro, e como não se
desgrudavam, acabei
intervindo.
— Mãe, sua vez! — Alertei-a.
Teriam tempo de sobra
depois para o que quer que
quisessem fazer juntos.
— Certo! — Disse ela sorrindo
de uma forma que raramente
fazia. Ela se aproximou da
porta e, assim que a tocou,
aconteceu praticamente o
mesmo que com o meu pai.
"Fiquei para trás!" —
Comentei com Lisa enquanto
observava a loba de minha
mãe se aproximar de meu pai.
Ele tomou novamente forma
de lobo e começaram a trocar
carícias e lambidas. Me sentia
imensamente feliz por eles,
me sentia mesmo, só que o
meu coração estava
destroçado.
— É melhor voltarmos agora.
— Disse-nos Lohan em um
tom sério. Meus pais tomaram
dianteira como se tivessem
recebido ordens para isso e
fiquei sozinha com ele.
— Companheiro, por que não
deu certo comigo? —
Finalmente deixei as lágrimas
saírem. Até mesmo a câmara
dos deuses me desprezou e o
sentimento de ficar de lado
era frustrante. — Me perdoa!
Eu queria ser o melhor para
ele, mas me sentia uma
completa decepção. A vontade
que eu tinha era de bater na
porta até ela abrir para mim,
mas eu sabia que forçar algo
poderia acabar em maldição e
é um risco que eu não podia
correr. Eu não teria outra
chance!
— Não me peça desculpas de
novo! — Falou-me em um tom
irritado, antes de tomar forma
de lobo. Ele começou a me
rodear. Parecia muito
impaciente enquanto me
aguardava. Respirei fundo e
fechei os olhos. Meu
aniversário tinha sido
inesquecível, mas agora toda a
minha alegria virou fumaça e
cinzas.
Lisa se retraíra dentro de
mim, mas sentia que tinha
algo muito mais profundo
nessa história. Ela estava com
medo dele, do nosso
companheiro. Ela estava com
medo dele nos rejeitar por
não conseguirmos fazer a
provação. Se não é por conta
da idade, eu já não tinha ideia
nem previsão de quando
poderia e se poderia tentar de
novo algum dia.
"Preciso da sua energia!" —
Pedi a ela. Como ela poderia
ser forte se eu mesmo estava
fraquejando? Um grunhido
impaciente me fez reabrir os
olhos e cambaleei para frente,
um pouco tonta.
— Não consigo. — Sussurrei,
minha respiração pesada. Meu
coração batia a mil enquanto
aqueles sons que achei que
estavam sob controle
invadiram minha cabeça com
tudo. — Lohan, me ajuda!
Foi tudo o que consegui dizer
antes de perder a consciência.
Tempestade e calmaria, frio e
calor, coragem e medo. Eu
sentia os extremos indo e
vindo e, por vezes, decidiam
trabalhar juntos para me
atormentar. Eu sentia que o
tempo estava acabando, como
se minha vida estivesse presa
a um ponteiro de relógio, só
esperando dar a hora para
escapar de minhas mãos.
— Dezoito é uma idade
importante para o início da
jornada de lobo, mas é o
tempo limite para uma bruxa
se provar. Siga o chamado! —
Os ecos dessa voz em minha
cabeça me despertaram. Puxei
o ar para dentro enquanto me
sentava e coloquei a mão
sobre o meu coração. Ainda
batia...
— Shhh! Calma pequena,
estou aqui! — A voz de Lohan
soou gentil enquanto seus
braços me rodeavam. —
Calma...
— Lohan, eu... — Minha voz
saiu um pouco rouca. Era
difícil encontrar palavras para
o que eu estava sentindo.
Todo o meu corpo tremia
contra o dele enquanto eu
desatava em lágrimas. Ele me
abraçou com mais força
envolvendo-me com o seu
calor e aos poucos minha
respiração foi se acalmando.
— O que foi isso? Outra crise?
— Eu sentia o coração dele
batendo rápido, mas sua voz
soou calma e serena.
— Não, foi pior! Foi muito
pior! — Comentei enquanto
me afastava de seu abraço.
Não estávamos sós, minha
mãe e meu pai estavam
conosco na mesma sala, junto
com alguns médicos do clã.
Não queria falar sobre o que
ouvi na frente de todos eles.
"Era a minha própria voz." —
Comentei com a minha loba.
No fim, todas as pistas que
recebi da rainha das bruxas
tinham um significado.
"Devemos ir até a câmara das
bruxas!" — Sugeriu Lisa.
Imediatamente afastei essa
ideia da cabeça. Eu era
claramente uma loba e ainda
assim, não consegui passar
pela provação aqui. Se o
problema era dupla natureza,
o mesmo ocorreria se eu
tentasse entrar na câmara das
bruxas. Por conta da minha
loba, a passagem seria
bloqueada, afinal, se eu não
posso ser uma loba completa,
como poderia ser uma bruxa
completa? Uma natureza
conflitava com a outra.
— O que aconteceu dessa vez?
— Lohan me pressionou
enquanto os médicos saiam.
Imagino que, como nas outras
vezes, eles não foram de
grande ajuda.
— Filha, acho que já passou
da hora de nos dizer o que
você sabe. — Pressionou
minha mãe. — E eu sei que
sabe de algo que não quer nos
contar. Eu te conheço!
Como eu poderia explicar-lhes
sobre algo que nem eu
compreendia? Eu nasci de
lobos, cresci como loba. Como
poderia dizer-lhes que uma
tinha uma bruxa dentro de
mim? Engoli em seco e baixei
o olhar. Eu não tinha coragem
de pronunciar isso em voz
alta.
— Eliza, conte-nos o que te
preocupa. — A voz de Lohan
soou de forma dura e
autoritária. Não era um
pedido, e sim uma ordem do
rei. Senti meu cérebro
buscando minhas maiores
preocupações enquanto
minha boca se movia de forma
involuntária.
— Eu vou, eu vou morrer. —
Por mais que eu tentasse
resistir, era forte demais.
Sentia-me ofegante por lutar
contra isso enquanto punha
as informações mais
relevantes para fora. — Meu
tempo está acabando. Se eu
não seguir o chamado e me
provar, eu vou morrer. Eu não
quero te deixar, companheiro!
Assim que terminei de dizer
isso, o comando se desfez.
Minha maior preocupação não
era nem a morte, mas sim, o
que eu deixaria para trás.
Lohan esperou tanto tempo
para me encontrar, como eu
poderia deixá-lo? Lohan me
soltou e deu as costas
caminhando contra a parede.
Ele não queria que eu olhasse
para ele agora, mas eu podia
senti-lo. Medo, pânico, raiva...
— Ele estava tomado por
sentimentos ruins e não
queria demonstrar.
— Tem certeza disso? —
Perguntou meu pai após um
curto momento de silêncio.
Estavam atordoados demais
com o que eu disse.
— Quase certeza... —
Murmurei com tristeza. — É o
que sinto dentro de mim.
— E o que é esse chamado? —
Perguntou minha mãe. — Se
para você se provar você só
tem que segui-lo é só fazer
isso. Se tem alguém que
consegue tudo é você!
— Acho que os chamados são
as crises, os sons na minha
cabeça. — Expliquei. — Mas
não consigo interpretá-los.
Não sei o que significam ou o
que esperam de mim.
— Há algum bloqueio? Tem
algo te atrapalhando a ouvi-lo
claramente? — Perguntou
meu pai.
— Eu não sei... — Pensei nos
brincos, mas quando eu
estava com eles eu fui mais
longe no chamado do que em
qualquer outro momento. Se
Willow estava tentando me
ajudar, ela não os daria para
mim na intenção de me
atrapalhar. Olhei para Lohan,
ele estava respirando muito
rápido e inesperadamente
saiu da sala e fechou a porta
com força. Parecia furioso!
— Ele só está preocupado. —
Comentou minha mãe
seguindo meu olhar. Eu não
conseguia parar de olhar a
porta e pensar que o meu
companheiro poderia saber
de algo que eu não sabia. —
Nós todos estamos!
— Eu vou encontrar a
resposta, eu prometo! — Falei
com ela enquanto despertava
minha visão espiritual. Lisa
também estava determinada a
não deixar o nosso
companheiro. Eu quase podia
ouvi-la uivando dentro de
mim enquanto me implorava
por tentar tudo ao nosso
alcance.
— Aonde você vai? —
Perguntou minha mãe
correndo atrás de mim.
— Pesquisar! — Respondi
sucintamente enquanto
seguia a passos rápidos para a
biblioteca, atrás da única pista
que eu tinha.
Meu pai resolveu nos seguir
também e não os impedi de
verem o mesmo que eu.
Pegando o livro sobre
territórios, abri na página do
mapa de Celestria.
— Esse é o mapa desse
mundo? — Perguntou minha
mãe enquanto eu procurava
por uma região específica.
— Alcateia do Vento Norte. —
Posicionei o dedo em cima do
território enquanto eu lhes
explicava o meu raciocínio. —
Quando vocês vieram a esse
mundo, eu tinha tido uma
crise e acordei neste lugar. É a
única pista que tenho sobre o
que os chamados querem de
mim.
— E o que esse lugar tem de
especial? — Perguntou o meu
pai.
— Não é o lugar, mas a
direção em que eu
inconscientemente estava
indo. — Deslizei o dedo várias
vezes mais à frente do mapa.
— Aqui está o Devorador, a
parte da barreira sombria que
está neste mundo.
Minha mãe puxou o livro da
minha mãe enquanto
encarava atordoada a
informação que eu lhes
transmitira. Traçando uma
linha reta de Luríon até a
tribo do vento Norte, mais a
frente eu acabaria topando
diretamente com o
Devorador.
Expliquei-lhes para eles tudo
o que eu sabia sobre o
Devorador que eles ainda não
sabiam e peguei o livro de
volta. Medidas de proteção me
impediriam de alcançar o
Devorador pela terra dos
lobos, então eu teria que
adentrar o território dos
monstros. Era um lugar de
alta periculosidade por conta
do tipo de criaturas que vivem
ali, por isso as fronteiras são
muito bem guardadas. Havia
apenas uma estreita
passagem segura para se
atravessar aquele lugar.
Trata-se de um túnel
subterrâneo que liga o
território dos lobos ao
território das bruxas.
"Então é isso!" — Pensei com
minha loba. Meu objetivo final
não era a barreira sombria, e
sim o território das bruxas.
Quando pensei nisso, um
ponto brilhante começou a
piscar no mapa.
— O chamado... — Sussurrei
enquanto marcava
mentalmente o lugar. Logo a
luzinha ficou fraca e
desapareceu. Uma coisa eu
tinha certeza, é ali que eu
precisava ir!
P2 - Capítulo 27
"Ele não veio de novo!" —
Resmunguei com a minha
loba. Eu não conseguia me
encontrar com o meu
companheiro nos últimos
dias. Eu queria pedir a ele que
me levasse até aquele lugar,
mas ele havia desaparecido!
— Por que ninguém me
ajuda? Preciso falar com meu
companheiro! — Falei com os
meus pais. Eles me olharam
com pena, mas se mantiveram
firmes.
— Ele está ocupado tentando
encontrar uma solução para o
seu caso. Confie nele! — Disse
minha mãe suavemente.
Ele é quem deveria confiar em
mim! Decidi que eu não
abriria minha boca até que ele
viesse pessoalmente me
encontrar! Suspirei
profundamente antes de subir
para o quarto, para um outro
quarto que ele mandara
arrumar para mim antes de
desaparecer.
— Companheiro, é tão ruim
dormir sem você comigo! —
Esse não era o nosso quarto,
não tinha o cheiro dele! Isso
me deixava ainda mais triste.
Quando acordei na manhã
seguinte, o cheiro de Lohan
estava forte. Abri os olhos
rapidamente ao sentir a
presença dele comigo.
— Companheiro! Você voltou!
— Eu estava radiante! Lohan
estava sentado na beirada da
cama, seus olhos me
sondando com seriedade.
— Se arrume. Seja rápida!
Temos que ir para uma
reunião agora!
— Me espera! — Pedi ao vê-lo
se levantar. Tantos dias sem
nos vermos, esperava ao
menos uma demonstração de
carinho. Tropecei para fora da
cama enquanto tentava
chegar até ele às pressas. —
Companheiro, estou feliz que
você está aqui!
Falei com ele emocionada
pegando em sua mão. Nossos
olhos estavam fixos um no
outro e eu não conseguia
deixar de sorrir. Comecei a me
sentir desconfortável ao
perceber que o sentimento
não parecia recíproco. Os
olhos dele pareciam frios e a
expressão dele era de
irritação.
— Rápido! — Exigiu. — Já
estão nos esperando!
Ele puxou sua mão e saiu do
quarto para me dar espaço.
Embora eu não pudesse vê-lo
diretamente, sentia que
estava na porta me
esperando. Fiz conforme ele
mandou e assim que o
encontrei, ele começou a
caminhar a passos rápidos a
ponto de estar difícil
conseguir acompanhá-lo.
"Que pressa é essa?" —
Perguntei para minha loba
enquanto pegava sua energia
e ativava minha visão
espiritual. Meu companheiro
estava inseguro e muito triste.
Não pude deixar de pensar
que eu era a causa do
sofrimento dele. Decidi que
deveria falar sobre o chamado
com ele assim que o assunto
da reunião fosse resolvido.
Assim que adentramos na
torre, ele parou e gesticulou
que eu entrasse primeiro.
Segui na frente e ele na minha
retaguarda. Passei meu olho
de relance sobre o quadro na
entrada, um pouco
decepcionada que o nome de
Willow não estivesse lá.
Queria muito perguntar
algumas coisas para ela. Em
vez disso, o nome de outra
mulher, estava gravado no
final de tudo.
— Ilysia é a sacerdotisa oficial
de Éldrim. — Explicou-me
Lohan assim que meus olhos
viram uma senhora de porte
médio, cabelos brancos e pele
em tom claro um pouco
enrugada, de pé, no centro da
torre. Seu longo vestido era
uma mistura de branco e
cinza, e descia até o chão. —
Ela foi a responsável por
profetizar três gerações reais.
— Entendi. — Sussurrei para
ele enquanto caminhava de
frente para todos os anciões.
Cumprimentei-os
respeitosamente e fiquei
olhando para aquela senhora,
cujos olhos não saiam de mim.
— Eu a trouxe conforme o
solicitado. — Disse Lohan em
alto e bom som.
Inesperadamente aquela
senhora se aproximou de
mim. Sua energia espiritual
era forte, uma vez que sua
aura energética estava
expandida muito mais do que
a de todos os outros
presentes. Algo em seu olhar
me dizia que tinha algum tipo
de poder misterioso, assim
como eu.
— Criança, deixe-me ver a sua
mão! — Disse aquela senhora
se aproximando de mim.
Assim que estiquei minha
mão direita para ela, ela virou
a palma para cima. Enquanto
deslizava os dedos por minha
mão, eu conseguia ver a
energia dela tocando a minha
energia, como se tivesse me
lendo.
— Como consegue conectar as
nossas energias assim? —
Perguntei a ela curiosa.
Inesperadamente ela sorriu.
— Consegue ver isso também?
— Perguntou-me olhando
diretamente nos meus olhos.
Fiz que sim com a cabeça e
sorri também. Ela continuou
explorando minha energia, e a
esperança se acendeu dentro
de mim ao perceber que
talvez ela tivesse uma
resposta mais clara ao que
estava acontecendo comigo.
Minutos depois ela soltou a
minha mão. Seu olhar estava
perturbado, mas seu
sentimento era um misto de
dúvida e pena.
— E então? — Perguntou o
avô de Lohan se levantando.
— Ela é mesmo a nossa rainha
ou é uma farsa?
— Como? — Deixei escapar
um rosnado. Dei por mim que
o objetivo aqui não era ajudar,
mas avaliar a veracidade da
profecia. Me senti um pouco
traída ao perceber que tinha
sido levada por Lohan até
uma armadilha. Eu sabia que a
profecia ao meu respeito veio
de fonte duvidosa, mas
chamar a sacerdotisa para
reafirmá-la apenas deixava
claro o que pensavam de mim.
Para eles eu não era digna!
— Se você não pode passar
pela provação e se tornar uma
loba completa, não tem a
menor possibilidade de você
ser a rainha. — Disse um
outro ancião de um andar
superior. Respirei fundo
tentando conter a irritação
para não fazer nada
impensado. Eu podia sentir
que o coração de todos estava
balançado por conta disso.
— A profecia é real! —
Afirmou a sacerdotisa Ilysia
em alto e bom som. — Mas ela
é maleável e inconstante. A
profecia é apenas um dos
caminhos escritos no destino
da garota.
— E quais são os outros? —
Perguntou Lohan. Sua voz
soava urgente.
— Não há como saber, isso
depende das escolhas que ela
fará. — Disse a anciã com a
voz carregada de angustia. —
A energia espiritual da garota
é a mais forte que já presenciei,
mas sua loba é fraca. Temo que
ela jamais encontre o caminho
para se tornar uma loba
completa.
— Isso significa que ela jamais
passará pela provação porque
sua loba não tem potencial
para isso? — Perguntou um
dos anciões. Senti um toque
de malicia não só no seu tom
de voz como na sua energia.
— Ela não é digna de se tornar
rainha!
— Essa escolha não pertence a
você! — Exclamou Lohan
irritado. Ele observou tudo
pacientemente, mas parece
que até ele tinha limites.
— Ela é fraca! Como se fará
ser respeitada? — Questionou
Edward a Lohan.
Senti meus punhos se
fechando, enquanto minhas
garras escapavam de minha
mão. Lisa estava
simplesmente furiosa por ter
sido chamada de fraca tantas
vezes. Lisa era linda e forte, e
eu não permitiria que
ninguém ousasse a humilhá-la
na minha frente.
— EU NÃO SOU FRACA! —
Rosnei furiosa. — Para
começo de conversa eu nunca
pedi para ser rainha, e essa
não é uma posição que me
interessa! Só o que me importa
é o meu companheiro e a nossa
relação pertence somente a
mim e a ele!
— Eliza, cale-se perante os
anciões! — Ordenou Lohan
através do comando do rei. A
seriedade de sua voz e seus
olhos acusadores me
deixaram ainda mais irritada.
Me senti humilhada por seu
comando e decidi que se eu
não podia falar, também não
ficaria aqui para ouvir tanta
asneira. Na frente de todos,
tomei forma de lobo e fugi,
mas não consegui ir longe.
Assim que atravessei para
fora, os guardas na entrada
colocaram-se em círculo a
minha volta me impedindo de
ir adiante. Ameacei-os
rosnando e mostrando os
meus dentes, mas isso não os
intimidou.
— Precisa nos acompanhar! —
Exclamou um deles para mim
como se tivesse acabado de
receber ordens. Voltei a forma
humana a contragosto. Por
mais forte que eu pensasse
ser, eu nunca conseguiria
lidar com tantos deles.
— Para onde? — Questionei-o.
— Por ordens do rei, você está
presa por violação de código
de conduta! — Respondeu-me
se colocando ao meu lado
esquerdo. Eu estava
atordoada demais em ouvir
isso para reagir. Meu
companheiro ordenou minha
prisão? Sério isso?
— Não dificulte as coisas ou
teremos que ser rudes. —
Disse o outro guarda que se
posicionara a minha direita.
Me sentia minúscula perto
deles, e a dor dentro de mim
me diminuía mais ainda.
Depois de tanta humilhação, a
prisão foi a gota d'água.
Abaixei a cabeça e caminhei
lentamente escoltada pelos
guardas ao longo dos
corredores. Pensei que não
tinha como ser pior que isso,
mas eu estava enganada.
Adentramos por um corredor
escuro do lado oposto aos
aposentos reais e senti que
estávamos descendo ao
subterrâneo. Abrindo a porta
no final do corredor, fui
empurrada rudemente para
dentro e eles fecharam a porta
atrás de mim.
— Escuro! — Resmunguei. Eu
não conseguia ver nada.
Apurando os meus sentidos,
aos poucos comecei a
vislumbrar as dimensões do
lugar. Não havia sequer uma
cama para me deitar, ou um
banheiro decente para fazer
as necessidades. De um
pequeno buraco no chão,
subia um mal cheiro que
tornava o ambiente sufocante.
"Como ele pôde fazer isso com
a gente?" — Choramingou
Lisa. Meu coração doía ainda
mais do que o dela. Tomei
forma de lobo e me espremi
em um dos cantos contra a
parede. Dessa vez era Lisa que
teria que suportar a minha
dor. Eu era incapaz de aceitar
o que estava acontecendo.
"Não vai, fica comigo! Não
quero ficar sozinha!" — Ela
me implorava constantemente
enquanto choramingava. Por
mais que eu tentasse retrair
minha consciência, ela não me
permitia fazê-lo.
"Lisa, me perdoe!" — Sentia
que a culpa de estarmos aqui
era minha. Eu deveria ter
segurado a minha língua,
deveria ter suprimido os
meus impulsos. Lisa estava
muito brava, mas o controle
sempre pertenceu a mim, bem
como as decisões finais.
À medida que as horas iam
passando, minha esperança
quanto a sair daqui se esvaiu.
Minha barriga não parava de
roncar e eu estava com sono.
Permiti-me dormir um pouco,
torcendo para que, quando
acordasse, tudo não passasse
de um pesadelo.
"Quando esse pesadelo vai
acabar?" — Falei com Lisa
colocando-me de pé. Eu havia
dormido por um longo tempo
e estava sedenta. Me movi em
direção ao cheiro de comida.
Uma bandeja com alimentos e
água havia sido deixado perto
da porta.
— EI! QUERO FALAR COM O
REI! EI! — Bati inúmeras
vezes na porta enquanto
gritava. Por mais que eu
pedisse ou implorasse por
isso, ninguém me respondia.
Me sentei frustrada com as
costas contra a porta e puxei a
bandeja para perto de mim.
Permiti que as lágrimas
descessem enquanto eu
mastigava um pedaço de pão
seco.
— Espero que não façam nada
com meus pais... — Sussurrei
comigo mesma. Temia que
minhas ações os
comprometessem e eles
fossem punidos de alguma
forma por minha causa. Eu
geralmente suportava bem as
coisas quando era comigo,
mas se fosse com alguém que
amo a história era
completamente diferente. —
Lohan, é melhor que você
tenha uma boa justificativa!
Me sentia ferida, magoada.
Tantos dias sem vê-lo e,
quando ele volta, me leva para
uma armadilha, deixa que me
humilhem e ainda por cima
me joga em uma prisão como
se eu fosse uma criminosa.
Até os presos no meu mundo
recebiam um tratamento mais
digno e acomodações
melhores.
Tomei umas boas goladas de
água antes de puxar a energia
de Lisa. Tive dificuldades em
lidar com o meu choro e
controlar a minha respiração.
Depois de várias tentativas
frustradas, consegui alcançar
o equilíbrio e ampliei minha
percepção energética ao
mesmo tempo que ativava
minha visão espiritual. Não
havia um único guarda por
perto, nem nos corredores e
nem acima de mim. Não é à
toa que ninguém me
respondia.
— Lohan... onde você me
trancou?
P2 - Capítulo 28
Eu já havia dormido e
acordado inúmeras vezes
nesse tempo trancada. A
angústia e dor foi sendo
substituído por decepção e
raiva. A porta nunca se abria
quando eu estava acordada,
como se soubessem
exatamente quando eu estava
dormindo para deixar o
mínimo de comida e água
para eu continuar
sobrevivendo. Decidi que se
fosse para continuar assim,
preferia morrer então parei
de comer o que vinha.
— Desse jeito você vai morrer
de fome! — Comentou uma
voz masculina do lado de fora
da porta. Foi a primeira
pessoa a se aproximar
enquanto eu estava acordada
e para o meu
descontentamento, não foi o
meu Lohan.
— É o objetivo! — Retruquei
de volta.
A porta se abriu em seguida e
uma luz suave adentrou me
fazendo semicerrar os olhos.
Quanto tempo eu estava sem
ver luz alguma?
— Me acompanhe! — Disse-
me Edward Black com a voz
calma. Rastejei no chão em
direção a ele. Eu já não tinha
lágrimas para chorar e
precisava me agarrar a
qualquer esperança de sair
um pouco.
— Vão finalmente parar a
tortura e me executar de vez?
— Perguntei seriamente
enquanto me colocava de pé.
— Criança, você não sabe o
que é tortura. — Respondeu
ainda de forma calma. —
Estou te chamando porque
penso que já é hora de você
saber a verdade.
— A verdade? — Não
conseguia não ficar
desconfiada, mas lhe devia
uma. Foi por causa dele que
soube sobre a maldição que
Lohan me escondia. Eu estava
determinada a ouvir o que
quer que fosse. Eu precisava
erguer a cabeça e continuar
lutando se quisesse vencer!
Segui-o de perto enquanto
sondava os arredores. Não
havia ninguém pelo caminho
por onde passamos. Me
perguntava se conseguiria
fugir ou se seria prudente
tentar fazê-lo. Decidi ver o
que o avô de Lohan queria
primeiro e se eu percebesse
que voltaria para aquela
prisão horrorosa, eu tentaria
a fuga, não importa o preço
que eu tivesse que pagar por
isso. Adentramos um cômodo
de tamanho médio similar a
um escritório convencional.
Tinha um armário com livros
e pergaminhos na lateral e
uma mesa principal bem
organizada perto da janela.
— Sente-se! — Disse Edward
apontando para a cadeira na
sua frente. Ele sentou-se por
trás da mesa e colocou um
pergaminho enrolado na sua
frente. — Abra!
Imediatamente estiquei
minha mão até o pergaminho
e fiz o que ele me pediu. Assim
que o abri, senti minhas mãos
vacilarem de leve enquanto
analisava a imagem
desenhada nele.
— Sou eu? — Perguntei
hesitante. Havia uma loba
branca desenhada nele.
— Você acha que Lohan te
encontrou por acaso? —
Perguntou-me Edward
seriamente. — Acha que foi
um milagre? Foi tudo
premeditado. Esse
pergaminho foi entregue a ele
a mais de nove anos atrás.
Quando Lohan o recebeu, lhe
disseram que a loba da
profecia em breve
despertaria. Sabendo que
estava para vir e como seria,
você se tornou o alvo dele!
Senti minha loba grunhir
raivosa. Em outras palavras,
Edward estava me dizendo
que Lohan não ia me
encontrar na cachoeira por
gostar de mim ou coisa do
tipo, mas porque eu poderia
ser a pessoa que ele estava
procurando. De certo que uma
loba toda branca como eu era
rara no outro lado, contudo o
mesmo não valia para este
mundo. Havia vários clãs de
lobos brancos, então porque
observar justo a mim?
— Isso apenas significa o
quanto ele estava ansioso
para me encontrar. Um
companheiro predestinado é
sempre especial. — Respondi
sorrindo confiadamente
enquanto Lisa me emprestava
sua energia. Ativei minha
visão espiritual para observar
as intenções dele. Para mim,
estava claro que ele queria
desmerecer a relação que eu
tinha com Lohan. A pergunta
é: por quê?
— É uma pena que não
consiga enxergar. Ele não
procurava a companheira,
mas a pessoa que teria o
poder de neutralizar suas
calamidades. Você é somente
uma ferramenta útil nas mãos
dele.
Ele parou de falar por um
instante. Estava atento as
minhas reações, procurando
brechas para me testar e me
envenenar com seus jogos
sujos. Eu podia sentir
claramente suas intenções e
não pretendia cair em seus
truques. Eu confiava no meu
companheiro, confiava no
nosso amor.
— Todo lobo procura por uma
companhia. Eu amo o Lohan, e
isso me basta! — Respondi
por fim. Queria ver até onde
ele chegaria nessa história.
— Mas ele ama outra pessoa.
— Disse Edward se colocando
de pé de frente para a janela e
gesticulou para que eu me
aproximasse. Senti meu
coração bater forte de
ansiedade enquanto eu o
obedecia.
"Isso não é verdade! Não é!"
— Senti minha loba vacilar
dentro de mim enquanto
observávamos nosso
companheiro de longe. Ele
estava sentado ao lado de
Fiona no jardim. Estavam
conversando e sorrindo um
para o outro.
Senti meus olhos
lacrimejando enquanto eu
perdia o foco e minha visão
espiritual se esvaia. Lohan
parecia feliz com outra
enquanto sua companheira
deveria estar encarcerada
naquelas condições
horrendas. Como eu não
vacilaria?
"Ele é nosso!" — Lisa estava
furiosa. Ela queria rasgar a
garganta de Fiona. Reprimi
completamente o seu instinto
enquanto eu a punha no lugar.
Decidi que era hora de ignorar
os meus sentimentos e agir
somente pela razão. Eu não
estava em condições de fazer
outra cena no momento.
Respirei fundo enquanto
puxava a energia de Lisa
novamente.
— Eles se encontram sempre,
todas as tardes. — Disse
Edward tentando colocar
mais fogo na lenha que já
estava em brasa viva. —
Agora que Fiona pode olhar
nos olhos dele, não há mais
empecilhos para o amor deles.
Como uma ferramenta, você já
fez a sua parte!
— Não, eu não fiz! — Se ele
queria jogar comigo, eu
jogaria de volta. Voltei para
cadeira, me sentei e sorri para
ele de forma debochada. Se eu
não conseguisse sentir as
intenções dele eu estaria
chorando igual idiota, mas no
momento que decidi apenas
pensar e raciocinar, dei por
mim o quanto isso era
ridículo. — Talvez não saiba,
mas as lentes que dei para o
Lohan não vão durar mais do
que alguns poucos meses. O
tempo de vida útil deles é
curto e logo ninguém mais
poderá olhar nos olhos dele
novamente além de mim.
— Parece que você não é tão
imatura quanto eu pensava.
— Disse Edward se sentando
em sua cadeira. — Aonde
quer chegar?
— Posso ser uma ferramenta
como você falou, mas sou
muito preciosa não só para
ele, mas para Éldrim. Acha
sensato tentar me colocar
contra o meu companheiro?
Saiba que minhas escolhas
podem não só salvar Éldrim
mas também condená-la. — A
sacerdotisa foi clara quando
disse que o meu destino tem
muitos caminhos. A terceira
calamidade de Lohan era um
prenuncio de destruição. No
meio disso tudo, eu era a peça
chave, mesmo que eu não
compreendesse como isso se
daria. — Acha que Fiona é
melhor do que eu? Vamos ver
até onde conseguem chegar
sem mim.
— Isso é uma ameaça? —
Edward estava muito sério,
tanto ou mais que eu. A
astúcia de uma bruxa estava
no meu sangue, eu podia
sentir isso perfeitamente
agora.
— Apenas um aviso amigável.
— Eu não podia mais
respeitar esse cara, não
conseguia. Não importa que
tivesse sido um rei no
passado, nem ele e nem
ninguém pisariam novamente
na minha loba e nos meus
sentimentos sem razão. —
Achei necessário explicar isso,
por que você gosta de se fazer
de cego. Não soube lidar com
o Devorador no começo e
deixou que chegasse a essas
proporções. Lohan e eu somos
a solução, mas você mente
para tentar nos separar. Isso
não é muito sábio!
— Cuidado com o que fala! —
Finalmente consegui irritar
ele, apenas por lhe devolver
um pouco do seu veneno.
— Acha que sou idiota? Não
sou tão fraca quanto pareço.
Eu posso ver claramente
através de você! Preciso saber
aqui e agora. Você me quer
como aliada ou como inimiga?
— Me inclinei para frente e
encarei os olhos dele com
confiança. — Só lembrando a
você que é o destino de
Éldrim que está em jogo!
— Como você é petulante! —
Ele estava muito insatisfeito
com minhas palavras. Acho
que jamais imaginaria que eu
o confrontaria de frente dessa
forma.
— Entendi! — Falei-lhe
quando percebi que pretendia
me liberar. Ele estava prestes
a se levantar.
— Entendeu o que? —
Perguntou ele atordoado.
— Escolheu a coisa certa. Não
precisa se levantar, eu
conheço a saída. — Falei
confiante enquanto me
colocava de pé. Quando eu
estava colocando minha mão
sobre a maçaneta da porta,
resolvi jogar uma última vez
com ele. Ele estava confuso e
até mesmo um pouco
assustado com a forma como
eu conseguia lê-lo. Senti
intenções destrutivas
enquanto ele olhava o
pergaminho na frente dele. —
Um último aviso amigável. Se
eu fosse você, não destruiria
esse pergaminho. Lohan pode
perguntar por ele.
Em cheio! As intenções dele
mudaram completamente
enquanto eu fechava a porta
atrás de mim. Lisa ria
divertidamente dentro de
mim enquanto seguíamos a
passos rápidos em direção ao
nosso companheiro. Mesmo
reconhecendo a malícia de
Edward, não podia negar que
Lohan estava vacilando muito.
Eu precisava entender suas
verdadeiras intenções com
aquela mulher.
"Nossa hora de sermos
sorrateiras!" — Comentei com
Lisa. Lohan não podia me
sentir com os brincos, mas
seus sentidos apurados me
detectariam rapidamente se
eu me aproximasse demais.
Ampliando minha percepção
energética, evitei todos os
guardas nos derredores, me
coloquei contra o vento
enquanto caminhava
sorrateiramente em minha
forma de lobo pelo jardim dos
fundos. Nesse momento era
bom ser uma loba pequena, já
que era mais fácil achar
lugares para me esconder.
Eu podia vê-los claramente, e
senti o momento em que a
desconfiança se instalou em
Lohan. Eu sabia cada um dos
movimentos que pretendia
fazer, onde pretendia olhar e
como o faria. Graças a isso, eu
podia facilmente evitá-lo
enquanto ganhava
proximidade.
— O que há de errado? —
Perguntou Fiona. Lohan
estava de pé amplificando os
sentidos enquanto me
procurava. Me agachei atenta
e controlei minha respiração.
Eu já podia ouvi-los e vê-los
perfeitamente. Eu sentia como
Lohan estava ansioso, mas os
sentimentos da Fiona eram
bem diferentes.
— Nada! — Disse Lohan
sondando a área visualmente
uma última vez. — Devo ir
agora!
— Por quê? — Perguntei em
alto e bom som em tom de
deboche enquanto voltava
para a forma humana. — Já
peguei você dois em flagra!
Podem continuar!
— Eliza... — Lohan parecia
surpreso ao me ver. Mas do
que surpreso, ele estava
extremamente feliz. Senti meu
coração amolecer e acabei
perdendo a visão espiritual.
Estávamos a cerca de trinta
metros um do outro, mas ele
cruzou a área em um instante.
— Não me toque! — Rosnei
quando ele esticou os braços
na minha direção. — Olha
como estou suja por sua
causa! Não pense que vou te
perdoar fácil! Parece que você
estava se divertindo sem mim,
mas adivinhe, não achei
nenhum pouco divertido ser
presa naquele lugar escuro e
repugnante. O que tem a dizer
em sua defesa, Lohan Black?
Encarei-o raivosamente e
torcia para que tivesse uma
boa explicação. Eu estava
muito irritada e não aceitaria
silêncio como resposta.
— Eu não me diverti. Acha
que eu quis fazer aquilo? —
Disse ele pesarosamente.
— As ordens vieram de você,
então sim, eu acho! — Cruzei
os braços e me afastei alguns
passos. Mesmo que
sutilmente, eu podia vê-lo se
aproximando cada vez mais
de mim.
— Eu realmente sinto, mas
não tive escolha. A punição
podia ter sido muito pior se
eu não tivesse intervindo.
Cidadãos normais são
executados quando
desrespeitam os anciões, e
outros por muito menos
passam décadas na prisão. A
reunião do conselho tem
regras muito rígidas.
— E o que fiz de errado? — Eu
ainda não conseguia entender
isso. Não ataquei ninguém,
não xinguei ninguém. Tudo
que fiz foi defender a minha
loba e sair antes que pisassem
mais em mim. — Eu deveria te
agradecer por me levar para
aquele covil para ser
humilhada?
A respiração de Lohan estava
acelerada. Ele estava inquieto
enquanto o silêncio se
estendia entre nós. Acho que
ele mesmo entendia o quanto
tudo isso era ridículo. Havia
desamparo em seu olhar,
então decidi negociar os
termos antes que ele recuasse.
— Melhor me alimentar muito
bem para compensar por toda
a fome que passei naquela
prisão. Talvez eu te perdoe
depois disso... — Ele sorriu
lindamente depois que lhe
disse isso e desviei o olhar,
enquanto sentia minha cara
esquentar. Eu não conseguia
ficar com raiva dele, era
impossível!
— Seu pedido é uma ordem,
minha rainha!
P2 - Capítulo 29
Tomei um bom e longo
demorado banho em meu
quarto. A sensação de estar
limpa e cheirosa é muito boa!
Enquanto passava o creme
hidrante na minha pele, não
conseguia tirar da cabeça os
últimos acontecimentos. Por
qual motivo Edward queria
me fazer acreditar que Fiona
era o amor de Lohan? O que
ele ganha com isso?
Vesti-me, penteei meus
cabelos fazendo um penteado
um pouco mais jeitoso e
comecei a passar maquiagem.
Minha mãe me dera um bom
presente, pois essas coisas me
ajudavam a me sentir mais
segura de mim. Eu era bonita,
e não perdia para Fiona em
nada. Senti a energia de Lohan
se aproximar da porta e sorri
enquanto retocava o batom.
- Companheira, eu... - Ele ficou
mudo assim que viu a forma
como eu me produzira para
ele.
- O jantar, certo? Vamos! -
Essa percepção de intenção
era uma arma e tanto. Me
aproximei do meu
companheiro e estiquei meus
pés aproximando meu rosto
do dele. Em vez de beijá-lo
diretamente, apenas sorri e
recuei. Minha intenção era só
provocá-lo.
- Assim não! - Disse ele me
puxando contra ele e
reivindicando o beijo não
dado. Seu beijo ardente e
apaixonado não deixava
dúvidas do que sentia por
mim.
- Sinto muito! Falhei em te
proteger. - Disse-me com a
voz carregada de tristeza.
Seus dedos deslizavam
suavemente por meus braços
enquanto seus olhos me
sondavam com ternura.
- Preciso te dizer uma coisa. É
importante! - Falei
suavemente para ele. - Mas
depois da janta. Estou faminta
agora!
Lohan assentiu e tomei a
iniciativa de segurar a mão
dele. Estava feliz por estar de
volta ao nosso quarto e mais
ainda por estar perto dele.
Assim que avistei a mesa de
jantar, um casal se levantou
imediatamente atento a nós.
Podia dizer que meus pais não
estavam nem um pouco
preocupados por eu ter
desaparecido por alguns dias.
- Majestade! - Meus pais
cumprimentaram Lohan
respeitosamente antes de se
sentarem de novo.
"Definitivamente eles estão
muito bem. Me preocupei por
nada!" - Pensei enquanto me
sentava. Comi em silêncio
atenta aos sentimentos e
reações deles. Esperava que
fizessem ao menos uma
pergunta sobre o que passei
ou como me senti. Esperava
que tivessem o bom senso de
perguntar se eu ao menos eu
estava bem.
- Vocês realmente são meus
pais? - Perguntei abismada
depois que terminei a
refeição. Eles estavam a ponto
de sair da mesa sem trocar
uma única palavra comigo.
- De novo com isso, filha? -
Perguntou minha mãe com
um pouco de indignação. - Se
está chateada com o que
aconteceu, sinto dizer, mas
você mereceu.
- Soubemos que desrespeitou
o conselho dos anciões. -
Interviu meu pai se colocando
ao lado da minha mãe. -
Alguns poucos dias presa é
uma punição branda. Você
saiu antes até do previsto. Não
te criamos para agir por
impulso!
- Pelo visto vocês não me
criaram muito bem então. -
Murmurei. A verdade é que eu
praticamente me criei
sozinha. Como podia esperar
que eles me compreendessem.
- Filha... - Minha mãe suspirou
profundamente. Seus
sentimentos eram confusos,
mas superficiais. Não parecia
me levar a sério.
Olhei atentamente para os
dois. Eles não vieram por
conta, mas a mando de
Damian. Provavelmente meu
pai só me salvou daquela vez
porque Damian mandou.
Damian não estava aqui, então
não podia contar com eles
mais para nada. Agora só o
que lhes importava era a
missão deles.
- Quando me deram a
Preciosa, pensei que eram os
melhores pais do mundo, mas
vocês nunca foram em um
recital e nunca foram em
único show que fiz. Vocês
tanto queriam que eu me
dedicasse a música, mas
quando decidi ser cantora
vocês viraram as costas para
mim. Pai, quando minha loba
despertou, lembra do que me
disse? Que se eu não
aguentasse o treinamento eu
não era digna de ser sua filha.
Eu tinha só doze anos naquela
época! Para mim nada foi fácil,
mas eu provei o meu valor e
superei cada obstáculo com
garra. Não vivi tudo isso para
permitir que um bando de
velhos que não sabe nada
sobre mim me humilhem e
digam que não sou digna!
- Filha, você está sendo muito
prepotente! - Reclamou meu
pai. Ele estava preocupado
com o que Lohan pensaria.
Meu companheiro por outro
lado escutava meus desabafos
em silêncio, com um
sentimento interno de culpa e
preocupação.
- Estou? Agora você é um lobo
de verdade, acha que
consegue me enfrentar e me
vencer? Talvez agora você
tenha alguma chance!
- Você será redirecionada
para um treinamento mais
apropriado. - Lohan
finalmente interviu. - Sua loba
precisa ficar mais forte, e já
consegui uma instrutora para
você.
- Acha que Fiona é adequada
para me instruir? - Perguntei.
Estava cética quanto a isso.
- Como sabe que é ela? - Ele
fez uma negativa com a
cabeça e baixou o olhar. -
Bem, posso te garantir que
não conheço outra pessoa
mais adequada.
Havia uma certa admiração e
confiança dentro de Lohan ao
pensar nela. Queria que ele
tivesse a mesma confiança por
mim. Comecei a dedilhar a
mesa enquanto organizava
meus pensamentos. Eu ainda
precisava seguir o meu
chamado, então não tinha
tempo para ficar fingindo
treinar com Fiona. Por outro
lado, eu queria muito
entender as pretensões de
Fiona e saber se ela estava de
complô com Edward para me
separar do meu companheiro.
- Muito bem! - Esbocei um
sorriso falso e assenti com a
cabeça. - Fiona tem alguns
séculos de vida a mais que eu.
Deve saber o que faz.
Ela podia ter muito mais
experiência e maturidade do
que eu, mas eu também tinha
algo que ela não tinha.
Preparação para combate real
e experiência em batalha.
Quando Éldrim viveu a última
guerra, nem mesmo o pai de
Fiona havia nascido. Eu não
conhecia sua história, mas o
pouco que eu sabia do seu
histórico e sobre a sua vida de
viagens e festas, podia dizer
que viveu um porcentual alto
de sua vida numa comodidade
que eu nunca tive o luxo de
ter. No entanto, se ela me
respeitasse, eu a respeitaria.
Como amiga de Lohan, é o
mínimo que podia oferecer.
Eu podia dizer que ficaram
muito satisfeitos com minha
resposta positiva. Meus pais
ficaram um pouco aliviados,
mas não podia dizer o mesmo
de Lohan. A preocupação que
sentia não o deixara por um
único instante o que me dava
certeza de que eu era a
culpada disso.
- Você está bem? - Perguntou-
me assim que entramos no
quarto. Percebi sua intenção
de me abraçar por trás e me
esquivei. Eu não estava com
humor para isso.
- Você deveria confiar mais
em mim, companheiro! -
Sentei-me na cama e desfiz a
visão espiritual. Eu já havia
ultrapassado meus limites
para um dia e comecei a sentir
a exaustão por conta disso.
Precisava desse poder para
lidar com a minha suposta
rival. - Eu sou mais forte do
que pensa. Não entrei na sua
vida para ser um fardo, mas
para te ajudar, mesmo que eu
seja só uma ferramenta para
você usar.
- O que quer dizer com isso? -
A voz dele saiu irritada. Eu
não precisava ler a sua
energia para saber que se
sentiu ofendido.
- Não se irrite, companheiro.
Só estou repetindo o que seu
avô me disse. - Olhei para ele
seriamente. Eu precisava
estabelecer uma comunicação
o quanto antes para que tudo
ficasse claro entre nós. Chega
de maus entendidos!
- Meu avô? - Lohan franziu a
testa e se aproximou a passos
lentos. Depois disso, se
agachou de frente para mim e
pegou nas minhas mãos. - O
que mais ele te disse?
- Era sobre isso que eu queria
te falar. - Respondi-lhe
suavemente. - Edward me
mostrou um pergaminho com
um desenho de uma loba
branca, disse que você sabia o
que procurar e que nossa
relação não foi um milagre,
mas algo premeditado. Ele
disse que você só queria me
encontrar porque precisava
de mim para neutralizar suas
calamidades, que sou só um
instrumento para ser usado.
- Algo mais? - Ele
definitivamente estava
irritado. Suspirei
profundamente e deslizei para
os braços dele.
- Sim, mas é melhor você não
saber. - Eu não queria que ele
achasse que considerei as
palavras do avô dele, ou que
estava com ciúmes. Também
não queria envolver Fiona
sem ter certeza de que ela
realmente tinha segundas
intenções.
- Minha pequena, se ele anda
enchendo sua cabeça de
dúvidas, preciso saber o que é.
- Então não precisa, porque
em nenhum momento duvidei
de você! - Falei-lhe
amorosamente. Ele me
envolveu em seus braços e
habilmente me posicionou
sobre a cama jogando o corpo
dele por cima do meu. - Eu te
amo, Lohan. Só preciso que
confie em mim tanto quanto
eu confio em você! Pode fazer
isso?
Ele me encarou por um
momento com profundidade e
afetuosidade. A forma como
sorria me desarmou
completamente. Seus lábios
desceram sobre os meus com
certa urgência e senti em cada
gesto, em cada toque, o
quanto sentiu minha falta
também.
"Ele é meu!" - Eu e Lisa
pensamos juntas enquanto
nos levantávamos na manhã
seguinte. Lohan ainda dormia
profundamente quando
deslizei para fora da cama.
Tomei um banho rápido e,
enquanto me vestia, notei
minha caixa do tesouro que
agora estava guardada dentro
do armário. Nela eu tornei a
guardar as cordas da Preciosa,
e não as peguei mais desde
que tentei passar pela
provação na última vez.
- Companheira... - Murmurou
Lohan enquanto abria os
olhos.
- Bom dia, companheiro! -
Respondi sorrindo enquanto o
via esticar a mão na minha
direção. Me aproximei dele
mesmo sabendo que seria
puxada para seus braços. Eu
gostava disso, gostava da
forma como me agarrava e me
abraçava.
- Acordou mais cedo. -
Sussurrou ainda sonolento.
- É que dormi um pouco
demais nos últimos dias.
Quero curtir um pouco minha
liberdade e aproveitar esse
dia iluminado. - Respondi de
volta enquanto tentava me
libertar dos braços dele.
- Ainda não. - Ele me apertou
ainda mais enquanto
mordiscava o meu ouvido de
leve. Isso fazia cócegas.
Quanto mais eu ria, mais
implicante Lohan ficava.
- E agora? - Perguntei um
pouco ofegante. Eu já havia
me rendido completamente e
ele parecia muito satisfeito e
acordado depois de ter me
levado ao limite. Ele apenas
sorriu e me arrastou com ele
para o banho. Eu havia me
esquecido completamente do
quanto ele podia ser enérgico.
Comi o dobro do que
normalmente eu comeria para
recuperar minhas forças e
depois fui até o jardim pegar
um pouco de luz. Me sentia
tão radiante quanto a estrela
brilhante que me aquecia.
- Parece bem animada! -
Comentou William dando as
caras novamente.
- Oh, achei que tinha morrido.
Parece que passa bem! -
Comentei rindo. Acenei para
ele e ele se aproximou.
- Se diz isso, significa que
sentiu minha falta.
- Senti. - Admiti. - Você é meu
amigo!
- E como você está? -
Perguntou-me
amigavelmente. Pela postura
dele, eu diria que estava bem
feliz com o reconhecimento
que eu lhe dei. Ele mal
conseguia esconder o seu
sorriso.
- É uma pergunta complicada.
- Meu estado de espírito atual
era ótimo, mas isso podia
mudar de uma hora para
outra dado tudo o que eu
estava vivendo. - Há algumas
pedras no meu caminho, mas
já avisto o final. Vou ficar
bem!
- É bom saber! - William olhou
para trás, Jason estava
sinalizando para ele voltar ao
treinamento. - Eliza, se
precisar de um ombro amigo,
estou aqui.
- Tenho certeza disso! - Falei-
lhe. Ele sorriu alegre antes de
voltar ao que estava fazendo.
Nesses meses, enquanto
descobríamos esse mundo
juntos e provavelmente por
ele ser o único além de mim
que pertencia ao outro
mundo, encontramos
compreensão um no outro e
comecei a vê-lo com simpatia.
Depois que ele passou pela
provação, ele se tornou muito
mais humilde e maduro e isso
foi o decisivo para minha
decisão de perdoá-lo e aceitá-
lo como amigo. Mesmo depois
que meus pais vieram,
William parecia mais próximo
a mim do que meus próprios
pais.
Por falar neles, esse é o
horário que se dedicam ao
estudo linguístico. Eu
provavelmente não os veria
antes do anoitecer. Me
alonguei um pouco antes de
iniciar uma corrida de
aquecimento pelo jardim ao
mesmo tempo que trazia à
tona minha visão espiritual. A
pessoa por quem eu esperava
não demorou a aparecer.
- Olá, Eliza! Você parece bem
disposta. - Comentou uma voz
feminina. Olhei para Fiona
que se aproximava a passos
rápidos com um sorriso
amigável. É a primeira vez que
a vi no jardim pessoal de
Lohan. - Isso é bom!
- Oi, Fiona. Estava só te
esperando! - Sorri de volta,
mas mantive uma distância
segura. - Se vai me ensinar,
saiba que não gosto que
peguem leve comigo.
- Acho que podemos começar
o seu treinamento depois de
um teste básico. Preciso ver
suas habilidades primeiro
para eu saber a melhor forma
de lhe ensinar.
Eu sempre me punha além
dos meus próprios limites,
então sabia o quanto esse tipo
de teste podia ser inútil. Fiona
não conseguiria me levar além
do que meu corpo já me
permite fazê-lo. Para evoluir
eu precisava seguir o
chamado, mas decidi me dar
um dia com ela somente para
conhecê-la. Precisava fazer
isso por mim e por Lohan.
- E o que gostaria que eu
fizesse? - Perguntei
seriamente, já prevendo que
tínhamos diferentes
concepções quanto ao que é
habilidade.
"Corrida!" - Pensei antes
mesmo dela precisar falar.
- Vamos apostar uma corrida,
de ponta a ponta do jardim.
Quero verificar a velocidade
da sua loba.
- Certo! - Eu compreendia que
não tinha como eu ganhar,
mas acima disso queria ver
até onde ela queria chegar.
Lisa detestava perder, então
eu estava por conta.
Tomei forma de loba e
caminhei ao lado de Fiona até
a posição inicial. Ela
gesticulou com a cabeça como
se dissesse para eu ir na
frente e tomei a dianteira
assim que notei as intenções
dela. Corri o mais rápido que
pude, mas perdi
miseravelmente.
- Muito lento! Recém-
transformados correm muito
mais do que isso. - Embora ela
dissesse sua avaliação com
uma certa tristeza na voz, eu
conseguia sentir sua alegria
por dentro, como se ela
quisesse mesmo isso. Eu já
não tinha dúvidas de que ela
me via como um rival,
desejando se sobressair sobre
mim para provar que podia
ser uma fêmea melhor que eu.
- Recém-transformados tem a
mesma idade que eu. Não é
um critério de comparação
plausível. - Falei com um
toque de ironia na voz. - O que
mais quer testar?
- Resistência. Torne a forma
de loba e coloque-se em
posição defensiva! - Mesmo
prevendo que levaria um
golpe daqueles, fiz conforme
ela me mandou.
- Existem cinco escalas de
força. Aplicarei a mais básica.
Você precisa se manter firme
no lugar, sem se mover. -
Explicou-me ela antes de
tomar forma de lobo.
Assenti a cabeça
decisivamente. Eu podia
sentir a verdade na sua voz.
Era um desafio para mim, mas
precisava ver por mim o que
era considerado o golpe mais
fraco. Firmei minhas patas e
deixei a energia de Lisa fluir
através do meu corpo. Ela
estava me passando o máximo
de força pois queria se provar
capaz.
Assim que Fiona se
transformou em lobo, ela se
posicionou a menos de um
metro de mim. Tomando
propulsão nas patas, se lançou
contra o meu corpo. Assim
que o corpo dela colidiu com o
meu, senti minhas patas
deslizando enquanto uma dor
aguda me invadia.
Imediatamente perdi minha
visão espiritual a cambaleei
alguns passos para trás.
Parecia que eu tinha sido
atropelada por uma moto.
"Está errado isso!" -
Choramingou Lisa enquanto
nos agachávamos. Mesmo
com a cura de lobo, eu não
conseguiria continuar por
pelo menos uma hora.
P2 - Capítulo 30
- Sinto muito! - Disse Fiona se
agachando perto da minha
loba. - Não quis te machucar!
Tomei forma humana
enquanto permitia a energia
de Lisa continuar fluindo
dentro de mim. Como perdi
minha percepção espiritual,
não sabia se ela estava sendo
sincera, mas uma coisa eu
podia dizer. Que se explodam
seus critérios de força!
- Não precisa se segurar. Sei o
que deve estar pensando. Não
tenho a velocidade mínima de
um lobo comum, nem a
resistência e também não
terei a força. Todos sabem
disso, não precisa se
desculpar.
- Ainda assim, sinto muito!
Lohan pediu que eu te
treinasse sem te machucar,
mas dadas as suas condições é
impossível!
- Podemos conversar um
pouco enquanto me recupero?
- Perguntei-lhe
amigavelmente. Suportando a
dor, sentei-me e aguardei sua
resposta. - Você é a melhor
amiga do meu companheiro.
Quero te conhecer um pouco!
- Sem problemas! -
Respondeu-me se sentando de
frente para mim. Controlando
minha respiração, reativei
meus poderes. - Mas não sei
se vai querer me conhecer.
- Diz isso porque você já foi a
namorada do meu
companheiro ou porque você
ainda tem sentimentos por
ele? - Seus sentimentos
estavam claros para mim.
Lohan aceitou William mesmo
sabendo que ele me amava
porque sabia que eu pertencia
somente a ele. Da mesma
forma, não importa como
Fiona se sente, desde que os
sentimentos e o amor de
Lohan sejam só para mim.
- Não é bem assim. - Disse ela
um pouco constrangida.
- Edward já me contou tudo,
não precisa fingir. Sei que
almeja o meu companheiro! -
Quando mencionei o nome do
Edward, senti o interior dela
se agitar. Ela definitivamente
não esperava por isso. - Sei
mais de você do que pensa
então não precisa mais fingir
nada na minha frente!
- Eu não pretendo tomar o seu
companheiro de você. -
Respondeu ela com
sinceridade. - Eu entendo que
vocês pertencem um ao outro.
Essa é a decisão dos céus.
- Mesmo que eu lhe diga que
viverei milênios ao lado de
Lohan? - Eu não podia afirmar
isso com certeza, mas
precisava desvendar a última
coisa que me intrigava. -
Edward já deveria ter lhe
precavido que é impossível
me enganar. Sei o que
pensam, sei que estão felizes
por acharem que não vou
passar pela provação, mas
estão errados. Te aconselho a
seguir em frente. Não adianta
esperar, seu dia não vai
chegar.
- Será mesmo? - Fiona estava
um pouco perturbada por ter
sido lida dessa maneira. A
forma como eu a sentia era
algo que lhe fugia a razão e a
irritava. - Sua loba é muito
fraca. Você não viverá mais do
que algumas décadas. Posso
esperar pacientemente a
minha vez. Quando você se
for, sou eu quem estará ao
lado dele.
Assim como Edward disse, na
concepção deles eu era
apenas uma ferramenta a ser
usada e descartada. Quando
eu me fosse a meu tempo,
daria lugar ao que
consideravam o ideal para o
reino. Eu deveria estar feliz
em saber que não
interfeririam na minha
relação com meu
companheiro, mas não estava.
Pelo restante de minha vida,
ela pretendia respeitar o elo
do companheiro e isso era
uma atitude aparentemente
louvável.
- Você já teve um
companheiro, não é? Se sabe o
que o vínculo provoca, deve
imaginar que a minha loba
não aceitará que ele seja de
outra, nem mesmo no futuro.
Sinto estragar seus planos,
mas não pretendo morrer tão
rápido.
- Você me surpreendeu. -
Disse Fiona sorrindo com
certa malicia. - Nunca
imaginei que uma criança
como você pudesse ser tão
esperta. Pois bem, se você
quer falar de companheiro,
acho que deveria saber como
o meu morreu. Nosso amado
Lohan o executou.
Essa é uma informação muito
pesada. Se eu não soubesse
como ela se sentia, poderia
até mesmo acreditar na sua
insinuação. Ela queria me
fazer acreditar que Lohan o
matou para ficar com ela.
- Ambas sabemos que ele
merecia morrer. - Falei
confiadamente.
- Ele te contou isso? - Proferiu
relutantemente.
- Não deveria ficar surpresa.
Lohan é o meu companheiro.
Não temos segredos! - Era um
blefe e tanto. Senti a forma
como Fiona se sentiu atacada
e sabia que ela pretendia
revidar. Eu realmente queria
ouvir o que ela tinha a dizer.
- E você aceita que ele
continue me amando? - Disse
Fiona de forma provocativa. -
Por que realmente duvido que
ele tenha te contado sobre
isso.
Era difícil distinguir se isso
era uma mentira ou uma
verdade. É como se Fiona
realmente acreditasse nisso.
Ou ela estava se enganando
ou Lohan estava me
enganando.
- Lohan ama a mim. - Rosnei.
Tentei manter a calma, mas
estava difícil. Minha visão
espiritual estava começando a
falhar.
- Ele já te disse isso alguma
vez? Ele já te disse que a ama?
Por que até onde ele me
prometeu, ele nunca diria isso
para outra mulher além de
mim. Consegue se garantir
que ele a ama mais do que a
mim?
Isso me enfureceu
completamente. Lohan nunca
tinha me dito que me ama,
então era difícil não duvidar.
Parece que Fiona estava
muito mais bem armada que
eu e me atingira em cheio. Ela
era claramente louca por ele,
e se sentia segura demais de
si.
- Se você o ama tanto, não
deveria ter terminado com
ele. Sua vez já passou, Fiona.
- É neste ponto que você
perde. - Fiona sorriu com
confiança. - Mesmo eu tendo
terminado com ele, ele fez o
possível e o impossível para
me reconquistar e me provar
o seu amor. Ele me queria ao
lado dele, e até hoje eu o
tenho nas mãos. Sou sempre
eu que estou ao lado do rei,
não você!
"Já posso rasgar a garganta
dela?" - Rosnou Lisa
furiosamente dentro de mim.
Era difícil manter o controle
dadas as circunstâncias.
Mesmo meu julgamento já
estava sendo prejudicado à
medida que minha mente
nublava por sentimentos
ruins.
- Eu aceito... - Falei com Fiona
assim que recuperei a
compostura. - Desde que você
prove que é melhor do que eu.
Você quer ser o futuro do meu
companheiro, prove que é
mais forte! Se você não for
mais forte que uma simples
mestiça como eu, então você
não o merece!
- Eu sou mais forte que você! -
Entoou confiante. Eu consegui
tentá-la, mas ainda não era o
suficiente.
- Veremos! - Falei
confiadamente. - Aguarde
mais um pouco. Enquanto
isso, aproveite essa linda
visão do céu.
Me deitei passivamente na
grama e sorri confiadamente
enquanto recuperava
completamente a minha
percepção. Eu conseguia
sentir a presença de Lohan e a
intenção dele de vir até aqui
verificar como estávamos nos
saindo.
- Quanto tempo? - Perguntou
ela com certa impaciência.
- Só mais alguns minutos. - A
pancada de antes já não doía
mais tanto. Coloquei-me de pé
à medida que a energia de
Lohan se aproximava.
- É isso que você estava
esperando? - Sussurrou ela
assim que Lohan apareceu a
nossa vista. - Você sabia?
- Sei muito mais do que pensa.
- A confiança que eu exalava
definitivamente a irritava.
Seus olhos não conseguiam
mais esconder suas intenções.
- Pelo visto pararam o
treinamento. - Disse Lohan
caminhando assim que se
colocou de frente para nós
duas. - Algum problema?
- É inútil! - Falei
propositalmente ao mesmo
tempo que Fiona. Sobre isso
pensávamos exatamente
igual.
- Expliquem-se. - Lohan estava
com o semblante sério. Estava
bem insatisfeito com nossa
resposta conjunta.
- Majestade, sinto dizer, mas
ela não tem nem os atributos
mínimos que uma loba
deveria ter para iniciar o
treinamento. Sua loba é
extremamente fraca e frágil,
então é impossível para mim
fazê-lo nas condições que me
impôs. Sinto desapontá-lo.
- Em minha defesa, - intervim
antes que Lohan pudesse dar
a sua resposta - os critérios de
avaliação dela são falhos. A
verdadeira força se manifesta
na fraqueza. Ser capaz de
vencer mesmo em
desvantagem é que é ser forte.
Eu não sou fraca e posso
provar isso.
Eu estava desafiando Fiona e
deixei isso bem claro, não só
para ela quanto para Lohan.
- É imprudente. - Disse Fiona a
Lohan. Ele parecia
compartilhar da mesma
opinião.
- Está com medo de perder
para uma loba incompleta? -
Perguntei para Fiona. - Ou não
acha que consegue provar que
é melhor que eu?
- E há algo que você possa
fazer que eu não possa? -
Perguntou-me seriamente
enquanto lutava para manter
a compostura. - Por que há
muitas coisas que posso fazer
que você não pode.
- Vejamos... - Deixei a energia
de Lisa transbordar numa
semitransformação. É algo
que eu nunca tinha visto
ninguém mais fazer além de
mim. - Você consegue
controlar sua transformação
dessa forma?
Inesperadamente Fiona soltou
um riso contido que me
incomodou. Olhei para ela
desconcertada e esperei uma
explicação plausível. A
semitransformação tinha
muitas vantagens para a
mobilidade.
- Você conseguir fazer isso só
prova o quanto a sua loba é
fraca. - Disse ela seguramente.
- Sua loba deve ser mais forte
que você, não o contrário. Se
você tem a força para
controlá-la dessa forma, é
porque ela é mais fraca
demais.
Mesmo Lohan não dizendo
nada, eu podia sentir que ele
concordava com isso, e isso
levou Lisa ao desespero.
Enquanto ela se retraía dentro
de mim acreditando mesmo
nessas palavras, estendi a
mão a ela?
"Lisa, lembra o que eu te disse
quando você despertou?" -
Perguntei a ela.
"Que você é quem manda!" - A
tristeza emanava dela. O
instinto de um lobo é
dominar, mas a nossa relação
sempre foi diferente.
"E o que foi que eu te disse
depois, assim que começamos
a treinar com o papai?"
"Que isso não é uma
hierarquia, mas uma sinergia.
Que você podia ser a cabeça,
mas eu sou o seu coração."
"Se eu sou forte, você também
é forte!" - Respondi
confiadamente. - "Porque
somos uma só!"
- Sinergia. - Pronunciei em
alto e bom tom. - A relação
que tenho com a minha loba é
algo que você jamais terá nem
que viva milênios, e isso não é
fraqueza, é força. Essa ponte
construí desde a fundação,
antes que ela despertasse
dentro de mim. Não é algo que
você entenderia. Eu, Eliza
Singer, a desafio a um duelo e
assumo todas as
consequências dessa escolha.
Nunca mais permitirei que
você ou qualquer outro pise
na minha preciosa loba.
- Não posso permitir isso! -
Disse Lohan com a voz séria.
Mais do que preocupado, há
uma coisa mais profunda
dentro dele que me
incomodou profundamente.
- Companheiro, não preciso da
sua preocupação, mas da sua
confiança. - Respondi com a
mesma seriedade mostrando
que eu não estava de
brincadeiras. - Além disso,
minha loba exige o direito de
marcar território, ainda mais
quando essa fêmea já deixou
claro suas intenções de tê-lo
de volta.
- Isso é verdade? - Lohan
olhou para Fiona com
severidade.
- Lohan, somos amigos desde
criança. Você me conhece
melhor que ninguém então
sabe perfeitamente a resposta
para essa pergunta.
- Eu consinto com o duelo. -
Rosnou Lohan insatisfeito. -
Não se excedam!
Lohan estava inseguro e
preocupado, mas eu precisava
provar o meu valor. Não
importa o quanto isso fosse
difícil, eu seguiria até o fim.
"Você é forte! Sem você não
sou nada. Além disso, o poder
espiritual que possuo vem de
você, e é algo que a loba da
Fiona não tem. Não somos
mais fracas, apenas temos
armas diferentes!" - Falei
animadamente com Lisa
enquanto eu chamava por
Fiona na forma humana,
mostrando que eu queria
começar o duelo assim.
"Vamos mostrar para ela!" -
Rosnou Lisa. A energia dela
fluía abundantemente pelo
meu corpo enquanto eu fazia
o primeiro movimento. Eu já
analisara previamente o tipo
de técnica de combate que
tinham nesse mundo através
de observações, mas sabia que
precisava ser cautelosa.
Enquanto trocávamos golpes,
percebi que Fiona não estava
me levando a sério, e isso me
irritou. Decidi que iria pegar
pesado. Ela tinha uma
percepção notável de como se
defender e se posicionar,
mostrando que não era
qualquer lutadora meia boca.
Percebi que ia dar mais
trabalho do que eu gostaria,
mas não me deixei intimidar.
Eu podia ler cada um dos
movimentos que pretendia
fazer, bem como todas as suas
intenções. Por vezes era difícil
desviar, mas continuei me
movendo. Percebendo que
não conseguiria me atingir tão
fácil, ela começou a se irritar e
foi elevando o nível.
"Já aprendi!" - Sorri enquanto
desviava de seu braço
golpeando-o na articulação ao
mesmo tempo que dava uma
joelhada em seu abdômen
com tanta a força que eu
tinha. Ela recuou a tempo
impedindo que eu
continuasse minha sequência
de ataques.
Não parei. Ela estava mais
lenta por conta da dor e usei
disso para finalmente lhe
aplicar minha melhor
sequência de golpes. Ela
tentou revidar, mas eu
sempre conseguia escapar e
lhe acertar, vez após vez. Eu
sentia por suas intenções que
ela não se reprimia mais.
Se recusando a cair, aumentou
a força e a velocidade dos seus
golpes. Mesmo lendo suas
intenções, tive que amortecer
as pancadas que eu não me
desviaria ao mesmo tempo em
que contra atacava.
"Vamos fazê-la cair!" - Eu e
Lisa dissemos em conjunto
enquanto redirecionávamos
toda nossa força e energia
para o próximo chute. Quando
a atingi no estômago, ela voou
cerca de dois metros para
trás, mas conseguiu cair de pé.
Eu podia ver em seu rosto que
estava com dor.
- Parece que te subestimei.
Como consegue evitar todos
os meus ataques? Ninguém
nunca conseguiu isso! -
Rosnou. Ela não conseguia
aceitar essa humilhação.
Podia vê-la olhando de
relance para Lohan, o
desespero tomando conta
dela.
Eu sentia a surpresa
emanando da energia de
Lohan. Parece que nem ele
esperava um resultado desses.
- Sinergia com minha loba,
querida! - Sorri enquanto
tentava circular em torno
dela. - Ainda acha que é uma
fraqueza? Todos os poderosos
instintos dela fluem por cada
parte do meu corpo em minha
forma humana.
Fiona soltou um rosnado.
Estava se sentindo
encurralada.
- Você tem alguns séculos de
experiência a mais que eu.
Como pode perder para uma
simples criança que nem um
lobo completo é ainda? - Ri
em deboche. Não pretendia
parar de provocá-la. Um dos
segredos para desarmar um
adversário era tirar toda a sua
concentração, e nada melhor
do que isso do que gerar
irritação. - Se já estou assim
agora, imagina quando eu
chegar na sua idade!
"Vai se transformar!" - Previu
minha loba. Eu sabia que
chegaria nesse ponto, e se
chegasse, eu provavelmente
perderia por conta da imensa
desvantagem entre nossos
lobos. Mesmo com minhas
técnicas para ganhar
mobilidade, eu não teria
chance se o combate se
estendesse, então esperei
pacientemente pelo momento
certo para colocar o plano em
ação. Assim como quando se
luta contra monstros
sombrios, o segredo é ser
rápida!
Abri uma brecha proposital
para provocar Fiona. Consegui
irritá-la a ponto que, seu
primeiro movimento seria um
salto direto. Deixei a energia
de Lisa extravasar em
preparação ao momento.
Precisava ser rápida e precisa!
Usei a semitransformação
para me impulsionar e
rotacionar meu corpo.
Transformei-me enquanto me
posicionava por trás e finquei
os dentes afiados de Lisa em
torno do pescoço dela com
força. Em vez de ceder, senti
que ela pretendia reagir e
afundei ainda mais meus
dentes deixando claro que eu
não permitiria isso.
"Ela não vai parar! Está sem
controle!" - Lisa me alertou.
Um lobo por instinto prioriza
a sua vida, mas a loba de
Fiona era orgulhosa demais
para admitir perder para a
minha loba.
"Desista, Fiona!" - Implorei
em pensamento me
recusando a ceder também e
sabendo que, se isso não
parasse aqui, encontraria
minha derrota em pouco
tempo. Depois de chegar tão
longe eu não podia recuar!
Lisa colocou toda a força e
energia na mandíbula para
estraçalhar o pescoço dela.
- Eliza, solte-a! - Ordenou
Lohan através de um
comando. Senti meu corpo
inteiro tremer de medo
enquanto meus dentes se
afrouxavam. Eu não reagiria a
tempo, estava condenada!
Mesmo sabendo as intenções
da loba de Fiona, mesmo
sabendo que ela estava louca
para contra-atacar, meu corpo
estava à mercê por conta do
comando de Lohan. Assim que
minha boca deixou o pescoço
dela, ela se virou bruscamente
e acertou suas garras afiadas
contra mim. Não satisfeita, se
lançou contra mim me
mandando para longe.
Senti o sangue escorrer pela
minha barriga, a dor
excruciante me impedia de
me mover. Se antes eu tinha
sido atropelada por uma
moto, parece que agora um
caminhão inteiro me atingiu.
Eu estava atordoada e
perdera completamente a
minha visão espiritual.
- Sua loba é fraca! - Reafirmou
Fiona de pé na minha frente, a
raiva perceptível em sua voz. -
Até mesmo o potencial de
cura dela é muito inferior.
Mantive meus olhos abertos.
Ela estava se esnobando
enquanto exibia o seu
pescoço. Dava para se ver os
buracos dos meus dentes, mas
nem sangrava mais, diferente
de mim que ainda podia sentir
o sangue jorrando. Pisquei os
olhos algumas vezes, um
pouco tonta, enquanto
redirecionava toda minha
energia para o ferimento. Não
conseguia acreditar que, para
proteger Fiona, Lohan me
colocou em perigo. Como se
não fosse suficiente isso, vi-o
saindo com Fiona e me
deixando para trás. Meu
coração se quebrou mais uma
vez.
P2 - Capítulo 31
O coração de Lisa não
suportou ver Lohan saindo
com outra mulher enquanto
estávamos machucadas e
sangrando. Parecia que ele
tinha escolhido ela ao invés de
mim. Tomei forma humana e
decidi suportar a dor sozinha.
As garras de Fiona rasgaram a
lateral da minha barriga até o
começo das minhas costas.
Era um corte relativamente
profundo.
— Só me cura! — Sussurrei
lembrando-a de não vacilar.
Eu pressionava meu
ferimento com força enquanto
deixava as lágrimas
escaparem.
— Eliza! — Era a voz de
William. Ele estava ao meu
lado me puxando para os
braços dele. — Se mantenha
acordada. Vou cuidar de você!
Rodeei os braços em torno do
pescoço dele enquanto
deixava que me levasse. Ele
correu em direção a ala
médica e me desceu sobre
uma das camas.
— Você viu tudo? —
Perguntei com a voz vacilante
enquanto o acompanhava
vasculhando os frascos de
medicamentos.
— Muitos viram. — Disse ele
com seriedade pegando um
frasco e um tecido limpo na
mão. Ele umedeceu o pano
com aquele líquido e,
levantando minha blusa
ensanguentada, começou a
limpar a ferida. Sua
respiração estava acelerada e
seus dedos levemente
trêmulos.
— Tenha piedade, isso dói
muito! — Choraminguei
colocando minha mão sobre a
dele para bloquear seus
movimentos.
— Por que a desafiou? —
Perguntou William fazendo
movimentos mais suaves. —
Não acha que foi loucura?
— Eu já estava cansada de
ouvir os outros falando que a
minha loba é fraca. Além
disso, aquela mulher disse
que Lohan ama mais ela do
que a mim. Como eu podia
aceitar isso calada? Mesmo
sendo loucura, não me
arrependo. Eu venci a luta!
Mostrei para ela que sou a
melhor!
— Como você ganhou se você
é que está na pior? —
Perguntou ele preocupado
enquanto largava o pano e
juntava algumas ervas em um
frasco. Essa pergunta me
lembrou que Fiona
provavelmente estava certa
em suas provocações e isso é
algo com que eu não
conseguia lidar.
— Por que o idiota do meu
companheiro me mandou
largar ela. — Falei entre
soluços. — Eu a mordi com
força porque sabia que se a
soltasse ela me atingiria, mas
Lohan usou o comando para
proteger ela. Ele realmente
prefere ela, não é? Fiona tinha
razão, Lohan não me ama!
A dor que eu sentia por
dentro era muito mais forte
do que a dor externa. De
repente, tudo que Edward e
Fiona me disseram eram
verdades na minha cabeça.
Para que Fiona ficasse bem,
Lohan me deixou vulnerável.
Como meu macho, era dever
dele me proteger, mas ele
preferiu proteger a ela.
— Está falando bobagem! —
Disse William suavemente. Ele
manipulara algumas ervas
para eu tomar, provavelmente
analgésicos, mas as recusei. A
dor era um lembrete para eu
parar de ser ingênua.
— Estou é? Então por que ele
está com Fiona agora e não
comigo? Por que é você que
está cuidando de mim e não
ele?
— Tome seu remédio
primeiro e depois eu te
explico.
— Isso é confiável? —
Choraminguei um pouco antes
de abrir a boca. Ele despejou o
conteúdo dentro e engoli a
mistura amarga com certo
desgosto.
— É sim! Você não é a única
que está aprendendo as coisas
aqui. — Ele deixou frasco de
lado e se sentou na beirada da
cama. Ele me olhava com
gentileza, um calor nos olhos
que fez meu interior se agitar.
Estranhamente meu corpo
começou a ficar mais quente,
mas não era uma sensação
boa. — Você sempre foi
importante para mim, Eliza,
mesmo agora. Detesto te ver
chorando assim.
Ele segurou minha mão e
acariciou as costas dela.
Parecia pensativo.
— Antes você não parecia se
importar quando eu chorava.
— Me importava mais do que
você pode imaginar, mas eu
preferia fingir que não. Por
que acha que eu estava
sempre te evitando? —
Definitivamente era melhor
eu não pensar nisso agora. A
questão não era mais sobre
William e eu, mas sobre mim e
Lohan.
— Sobre antes, ainda me deve
a explicação. — Lembrei-o. Me
sentia muito inquieta e não
estava gostando nada da
sensação. É como se tivesse
um caldeirão fervente
escondido dentro de mim,
cujo vapor estava começando
a extravasar.
— Assim que Fiona te feriu,
Lohan me deu ordem
imediata para eu cuidar de
você. Ele não queria te deixar,
mas estava furioso demais
enquanto arrastava Fiona dali.
Ele não gosta que você veja o
pior lado dele. Acho que ele
tem medo de te assustar e que
você perceba que ele não é tão
gentil quanto parece.
— O que quer dizer? — Minha
respiração se acelerou
enquanto Lisa saía novamente
de sua toca.
— Por que acha que ele some
de vez em quando? Ele está
desesperado tentando
encontrar uma solução para o
seu problema. Ele odeia a si
mesmo por não saber como te
ajudar, e por vezes perde o
controle e se isola até se
acalmar de novo. Ele surtou
quando você disse que podia
morrer, e depois fez isso de
novo quando você ficou presa.
Ninguém sequer ousava a se
aproximar dele por medo.
— Você não parece ter medo
dele. — William falava tudo
isso com tanta tranquilidade
que parecia mais um conto
fictício.
— Já tive, e muito! Mas vejo
de perto a forma como Lohan
te defende e te protege, e isso
me fez confiar nele. Precisa
ver quando você desapareceu.
Ele ficou louco. Gritava com os
guardas o tempo inteiro.
Todos os guardas que
deveriam estar de prontidão
nos arredores naquela noite
foram oprimidos de uma
forma que até eu tive dó.
Nenhum deles viu você sair, e
olha que todos juraram
chorando que não largaram
dos seus postos por um
segundo. Lohan foi impiedoso
ordenando a prisão imediata
deles até que você aparecesse.
Disse que pagariam com a
vida se algo lhe acontecesse.
— Isso não é a cara do Lohan.
— Eu já não chorava mais.
Quando imaginava isso me
sentia, de certa forma,
amparada.
— Isso só mostra o quanto ele
se importa com você! —
Reafirmou William. — Ainda
duvida que ele te ama?
— Não. Obrigada por me
contar isso! Em troca, vou te
revelar algo que ninguém
mais sabe. É uma coisa que
descobri logo depois que
meus pais passaram pela
provação, só que ainda não
tive a oportunidade de contar
para o Lohan por conta de
tudo que aconteceu.
— E o que seria? —
Perguntou ele com
curiosidade.
— Eu já sei porque tenho as
crises e já sei aonde o
chamado quer me levar. Eu
descobri como me provar!
— Mesmo? Isso é incrível! —
William apertou minha mão
com mais força e sorriu. Eu já
não me sentia mais aflita e
podia sorrir com confiança de
volta.
— Estou segura de que ficarei
bem agora! Meu companheiro
não precisará mais se
preocupar comigo. Contarei
tudo a ele essa noite!
— É realmente um alivio
saber disso. — Senti meu
coração disparar no momento
que William elevou minha
mão e beijou as costas dela,
não por causa do gesto dele,
mas devido à presença
imponente que adentrava o
cômodo em que estávamos.
— Saia! — Proferiu Lohan
com a voz autoritária. William
acatou-o de imediato, se
curvando respeitosamente
antes de sair.
— Companheiro! — No
impulso e desejo pela
presença dele, tentei me
sentar, mas a dor me fez
recuar de imediato. Gemi de
dor, enquanto me acomodava
de novo um pouco ofegante.
— Não se force! — Disse ele
se sentando perto de mim.
Seu olhar estava frio, mas a
mão que deslizava pela minha
cabeça estava quente. — Você
passou dos limites!
— Eu que passei? — Eu não
gostei nadinha do olhar de
repreensão em seu rosto. —
Eu sabia exatamente o que
estava fazendo. Quem estava
perdido é você!
— Eu? — Ele franziu a testa e
recuou.
— Claro! Eu só me machuquei
porque você defendeu aquela
mulher. Pela primeira vez
você me fez duvidar de você!
— Em que você duvidou de
mim? — Ele manteve os olhos
fixos em mim e sua respiração
estava um pouco mais pesada,
como se estivesse ansioso.
— Se lembra do que te contei
sobre seu avô? Ele me disse
que você ama a Fiona e me
mostrou vocês dois no jardim
conversando felizes. Ele
queria me fazer acreditar que
vocês têm uma relação
romântica enquanto
desmerecia minha loba. A
Fiona fez o mesmo! Ela disse
que você a ama mais do que a
mim, então minha loba ficou
furiosa! Quando você a
defendeu deixando-a me
machucar, achei mesmo que
fosse verdade.
Lohan parecia muito irritado.
Se eu não tivesse tão focada
em me curar, já teria ativado a
minha visão espiritual. Queria
muito saber o que se passa na
mente dele, mas ele não abria
a boca.
— Não vai dizer nada? —
Sussurrei um pouco inquieta.
Achei que esclarecer as coisas
seria bom, mas parecia só ter
piorado tudo. — Você me ama
tanto quanto eu te amo, não é?
Lohan suspirou
profundamente enquanto
desviava o olhar e não pude
deixar de encarar isso como
um mau sinal. Depois disso, se
inclinou como se fosse me
beijar. Colocando suas mãos
carinhosamente sobre os
meus ombros, desceu seus
lábios até o meu pescoço e foi
me beijando suavemente.
Fechei meus olhos enquanto
inalava seu cheiro
maravilhoso e me sentia
relaxar com a sensação do seu
toque sobre a minha pele.
"Isso não!" — Proferiu minha
loba desesperada dentro de
mim, a energia dela tomando
conta de todo o meu corpo
enquanto sentíamos as
intenções de nosso
companheiro. Ele pretendia
remover a marca.
— Não faz isso! — Empurrei-o
com todas as minhas forças
enquanto tentava escapar
dele. A dor que eu sentia era
mínima em comparação com
o meu desespero. —
Companheiro, eu faço o que
você quiser, vou ser uma boa
garota, mas não tira a marca!
Por favor, Lohan, não tira o
nosso vínculo!
— Eliza, não se mexa! —
Proferiu o comando em um
tom autoritário fazendo meu
corpo congelar no lugar. Os
olhos dele estavam severos
enquanto tornava a
reaproximar a boca do meu
pescoço. Ele estava convicto
de sua decisão de remover a
marca e isso era demais para
mim!
"Ele não nos quer mais?" —
Lisa choramingava
desesperada. A marca é a cola
que liga nossos destinos. Se
ele a removesse, o vínculo do
companheiro seria cortado e
minha loba não mais o
reconheceria. A dor da minha
loba era como se estivesse
sendo rejeitada pelo nosso
companheiro, tão forte e
desesperadora que a dor de se
ir contra o comando não
significava absolutamente
nada.
Assim que me libertei da
ordem, tomei forma de lobo e
mordi meu companheiro para
afastá-lo de mim. Lohan era o
meu mundo, a razão de eu ter
deixado tudo para vir a esse
mundo. Sem ele, tudo
perderia sentido. O que eu
faria sem ele? O que seria de
mim se o homem que amo me
rejeitasse?
— Eliza, se acalme! Eu não
quero te machucar! — Disse
ele me segurando com força,
mas eu não queria ouvi-lo. Sua
intenção não mudara por
nenhum momento, mesmo
quando implorei, mesmo em
meio as lágrimas, mesmo eu
deixando claro que eu não
queria isso. Estava
determinado e eu não
aceitaria isso. Enquanto eu
choramingava tentando sair
de seus braços e fugir de todo
jeito possível, um guarda
apareceu na porta.
— DEIXE AÍ E SAIA! — Gritou
Lohan furioso para ele. O
guarda jogou um cordão de
prata em cima da cama e
desapareceu com a mesma
velocidade que veio.
— Não faz isso, por favor!
Lohan, eu te amo! Eu vou me
comportar de agora em
diante, eu prometo! Lohan,
por favor! — Implorei uma
última vez assim que tomei
forma humana por conta da
prata. Meu apelo não lhe
alcançou o seu coração.
Ele me prendera de tal forma
que eu não conseguia me
movimentar. Quando as
presas dele se afundaram no
meu pescoço, senti meu
mundo ruir. Todo meu corpo
estremeceu enquanto Lohan
sugava sua essência de volta.
Eu podia sentir como se a
parte dele que estava em mim
estivesse se esvaindo. Lisa se
retraiu completamente e não
me respondia mais.
Abandonada por Lohan e por
ela, encarei a luz brilhante que
apareceu no teto acima de
mim enquanto eu perdia toda
a sensibilidade do meu corpo.
Segui a luz procurando o fim
do túnel. Não havia mais dor,
não havia tristeza, apenas
uma sensação de calmaria
profunda, como se a
tempestade tivesse passado.
De frente para mim, vi meu
companheiro descer meu
corpo sobre a cama.
— Eu morri? — Perguntei a
ele. Ele não me ouviu. Tentei
tocá-lo, mas minhas mãos o
atravessaram. Decidi me
deitar sobre meu corpo
desacordado tentando voltar
para ele, mas foi em vão. Já
imaginei inúmeras vezes
como seria a minha morte,
mas todas elas eram mortes
honrosas em batalha. Nunca
que eu poderia imaginar que
encontraria o fim nas mãos do
meu próprio companheiro, o
homem que mais amei.
P2 - Capítulo 32
Já era a décima vez que Lohan
estava me examinando de
forma impaciente. Seus olhos
lacrimejavam enquanto um
rosnado desesperado
escapava de sua boca. Eu não
sentia raiva, nem mágoa, mas
havia apego suficiente dentro
de mim para que me negasse
a procurar uma saída para o
mundo além.
— Vou ser o fantasma que vai
puxar o seu pé de noite! —
Falei em seu ouvido.
Obviamente ele não me ouviu.
Sua respiração estava pesada
enquanto averiguava mais
uma vez minha pulsação. —
Não sabe reconhecer um
cadáver?
— Estou aqui, Majestade! —
Proferiu o médico de
confiança do Lohan assim que
adentrou a sala.
— RÁPIDO! — Gritou Lohan.
— Preciso saber o que está
acontecendo? Por que ela
desmaiou?
Havia muita dor e desespero,
tanto na sua voz, quanto em
seu olhar. Isso só foi
aumentando à medida que
mais e mais pessoas
apareciam para me examinar.
Aparentemente eu ainda
estava viva, mas minha
respiração e batimentos
cardíacos estavam lentos.
— Se estou viva, por que
estou fora do meu corpo? —
Perguntei para a anciã que
viera mais tarde. Já era tarde
da noite quando ela chegou,
mas estranhamente eu via
tudo tão claro como se ainda
fosse dia. Assim como todos
os que vieram antes, ela não
parecia me ver ou ouvir.
— Receio que ela não vá mais
acordar! — Ela foi a primeira
que deu uma resposta
negativa. — Seu corpo astral
perdeu a ligação com o corpo
mortal. Este é um corpo sem
alma.
— Parece que a velha sabe de
algo. — Sussurrei comigo
mesma. Rodeei ela algumas
vezes enquanto a analisava.
Ela foi chamada por ser a
sacerdotisa mais dotada de
Luríon.
— Como resolver isso? Deve
haver uma forma? — A dor na
voz de Lohan era perceptível.
— Nem a sacerdotisa real tem
a força espiritual para reparar
um dano desses. —
Respondeu a anciã com certo
pesar. — Receio não poder
ajudá-lo. Sinto muito,
Majestade!
— SAIA! — Rugiu Lohan
furioso. Ele bateu a porta com
força assim que ficamos a sós
e voltou-se para o meu corpo.
Descendo os dentes sobre
meu pescoço, parecia estar
tentando me marcar de novo.
Após várias tentativas inúteis,
lágrimas começaram a
transbordar de seus olhos. É a
primeira vez que o vi
chorando tão aflito.
— Volta para mim! —
Implorou enquanto descia os
lábios desesperadamente
sobre os meus. — Eliza, me
perdoa!
— Parece que esse negócio de
beijo de amor só funciona em
filmes. — Comentei enquanto
ficava frente a frente com ele.
Perdendo o controle, lançou-
se no chão enquanto a energia
do seu lobo transbordava.
Após a transformação, uivou
de dor por um longo tempo.
As lentes que lhe dei saltaram
de seus olhos e se
estraçalharam no chão após a
transformação.
— O que você fez,
companheiro? Como vai olhar
nos olhos das outras pessoas
de novo sem isso? — Ele havia
cuidado das lentes com muito
zelo até agora. Era perceptível
que ele não estava pensando
direito. Eu queria sentir pena,
mas não conseguia sentir
nada. Me sentia vazia como se
meu coração tivesse ficado
para trás no meu corpo.
O lobo caminhou inquieto ao
redor da cama antes de subir
nela e se deitar ao lado do
meu corpo. Ele colocou a
cabeça sobre o meu peito e
continuou choramingando
incapaz de me deixar.
— Já vai amanhecer
companheiro! Por quanto
tempo vai continuar assim? —
Agora nossa situação era
completamente oposta em
relação a como foi no começo.
Desta vez era eu que o via e
ouvia e ele não. Que ironia do
destino!
Eu não me sentia cansada por
ficar tanto tempo de pé e
também não sentia sono.
Poderia ficar indefinidamente
olhando o desenrolar de tudo
isso, mas isso não me levaria a
lugar algum.
— Vou dar uma volta. Vê se
dorme um pouco! — Falei
para ele antes de sair. Ele não
pregara os olhos a noite
inteira. Era uma cena
lamentável.
Não havia nenhuma presença
próxima ao quarto em que
estávamos. Continuei
caminhando e atravessando
paredes até que encontrei
uma presença conhecida.
Vera, a serva de maior
confiança de Lohan estava
chorando.
— Você deveria levar a comida
assim mesmo. Ele não vai te
fazer mal. — Insistiu a mulher
que estava com Vera,
tentando consolá-la.
— Ele deu ordens para
ninguém se aproximar. Mesmo
que eu leve os alimentos, ele
não vai comer. Por que isso foi
acontecer justo agora? —
Lamentou Vera.
— Você está com medo que ele
acabe daquela forma de novo,
não é?
— Aquela garota é o tesouro
dele. Nosso rei não vai
suportar perdê-la também.
— Deve haver algo...
Me afastei delas. Onde eu ia,
todos comentavam e se
questionavam sobre o que
realmente estava
acontecendo. Acabei até
topando com algumas servas
que estavam rezando por
mim. Continuei circulando, até
que acabei no quarto dos
meus pais.
— Dona Mara, você está
mesmo chorando? —
Perguntei intrigada. Minha
mãe estava aos prantos nos
braços do meu pai. Parece que
a notícia se espalhara como
fogo. Depois de Lohan uivar
de dor por tanto tempo noite
passada, não era de se
admirar que todos já
soubessem.
— Nossa filha vai ficar bem,
ela é forte! — Disse meu pai a
ela com certa convicção.
Apesar das palavras de
consolo, seus olhos estavam
levemente vermelhos, não sei
se por se preocupar comigo
ou por causa da dor que
minha mãe parecia estar
sentindo. Provavelmente a
segunda opção...
— Querido, eu quero vê-la!
Por que não posso ver a
minha própria filha?
— Não podemos ir contra o
rei. Precisamos esperar um
pouco mais.
Fiquei observando-os por
mais um tempo. Eles não
tinham ideia do que
aconteceu, mas sabiam que
era grave. Quando
mencionaram o nome de
William e sobre ele ter me
prestado socorro, decidi que
devia procurá-lo também.
Encontrei-o no jardim com
alguns guardas em volta. Ele
estava sentado olhando
fixamente para o palácio e
Jason estava de pé atrás dele.
A fofoca era completamente
diferente do que se ouvia
dentro do palácio.
— Acho bem feito para ela. —
William rosnou furioso.
— Para quem? De quem estão
falando? — Perguntei
intrigada.
— O alfa Trevor deve estar
enchendo os ouvidos do
conselho para tirarem a
bisneta dele da prisão. —
Comentou um dos guardas.
— Não vai dar em nada. Ela
machucou a companheira do
rei e o deixou furioso. Se
alguém contrariar as ordens
do rei, vai acabar do mesmo
jeito ou pior do que ela. —
Comentou outro guarda.
— Aonde você vai? — Jason
perguntou vendo William se
levantar.
— Não importa o que o rei
diga, preciso ver como ela está.
Não consigo mais ficar parado!
— Respondeu com o olhar
determinado. Os guardas
tentaram segurar William,
mas ele era cabeça dura
demais para ouvi-los.
— Esse é o William teimoso
que eu conheço! — Comentei
enquanto o seguia de perto.
Ninguém ousou a acompanhá-
lo. Tinham medo demais de
fazê-lo.
Enquanto ele se aproximava
da porta, ouvi um rosnado
furioso de dentro. Lohan
parece ter emitido comandos
mentais para William, que
recuou alguns passos e não
abriu a porta.
— Ela disse que ia te contar!
— Gritou William do lado de
fora. Estava trêmulo. — Você
precisa saber!
Poucos segundos depois a
porta se abriu. Lohan parecia
possesso. Seus olhos estavam
vermelhos enquanto um
rosnado escapava de sua boca.
William se ajoelhou de cabeça
baixa imediatamente, mas não
recuou.
— Fale! É melhor que seja
importante! — O tom de
Lohan era ameaçador. É uma
face dele que eu,
definitivamente, não conhecia.
— É sim, Majestade! —
William gaguejou de leve. —
Ela disse que ia te contar à
noite, que queria te dizer faz
um tempo...
— Seja direto!
— Ela encontrou a solução
das crises, a resposta do
chamado. Ela disse que tinha
descoberto o que era e...
— Quando? — Lohan agarrou
violentamente a gola da
camisa de William. Mais um
pouco, e William seria afetado
pelos olhos amaldiçoados.
Percebendo o perigo, William
fechou os olhos
momentaneamente.
— Ela me contou ontem
pouco antes de você entrar.
Disse que descobriu logo
depois que os pais passaram
pela provação. Majestade, por
favor! — William fechou os
punhos e firmou a voz.
Parecia decidido. — Estou
preocupado com ela. Todos
estão! Você não é o único que
ama ela!
De alguma forma a
sinceridade de William tocou
o coração de Lohan. Ele não só
o soltou como abriu a porta
dando a entender que ele
podia entrar.
— Você tem conhecimentos
médicos, não é? Acha que
pode fazer algo? — A voz de
Lohan estava mais contida do
que antes, mas sua respiração
ainda estava pesada. William
se aproximou do meu corpo e
começou a fazer algumas
aferições básicas.
— Não parece ter nada de
errado. — Comentou ele. —
No momento sua pulsação
está normal. Ela respira com
tranquilidade e as feridas de
ontem estão se curando
rapidamente.
— Mas eu não sinto a sua
loba. — Respondeu Lohan
com a voz embargada. — E ela
não acorda desde que tirei a
marca.
— O quê? Por que tirou a
marca? — William estava
atônito. Ele não tinha
percebido o detalhe mais
importante.
— Eu precisava dar a ela uma
chance. — Respondeu Lohan
tombando as costas contra a
parede e se sentando no chão
com a cabeça baixa. — Me
fizeram acreditar que a marca
podia ser o motivo dela não
conseguir passar pela
provação, que a existência da
energia de um lobo provado
dentro dela pudesse ser o
bloqueio que a impedia de
adentrar a câmera. Por
motivos egoístas, quis mantê-
la ligada a mim enquanto
procurava outra forma de
resolver a essa questão, mas
minha pequena estava
sofrendo. Ela queria de todo o
jeito provar sua força e seu
valor, mesmo que não
precisasse fazê-lo. Eu não
queria isso, não precisava que
me provasse nada porque ela
já é o meu tudo. Depois do que
aconteceu, pensei que deveria
colocar os sentimentos dela
acima dos meus. Se eu era o
obstáculo, achei que deveria
sair do seu caminho por um
momento, mas jamais pensei
que isso aconteceria. Eu não
consegui dizer a ela, não
consegui confessar que eu era
o culpado! Tinha medo que
ela me odiasse se descobrisse.
Ela me implorou para que eu
não fizesse isso, mas eu não a
ouvi. Eu achei que estava
fazendo o certo...
Lohan desabou. Parecia ter
entrado em choque. William
não sabia como lidar com essa
confissão então se calou e
persistiu em continuar me
examinando.
— Companheiro, você
realmente me ama muito, não
é? Quando vai me dizer isso?
— Me sentei ao lado dele. Eu
não podia tocá-lo, não podia
consolá-lo. De uma coisa eu
tinha certeza nesse momento,
eu precisava voltar para o
meu corpo de alguma forma.
— Não sei o que te disseram,
mas desistir não é uma opção.
Você não a tirou de mim para
isso! — Disse William com
seriedade. — Não acho que o
problema é a marca porque
ela estava confiante de que
encontrou a resposta. A
provação faz milagres, não é?
Temos que ajudá-la a
completar o seu chamado se
quisermos tê-la de volta.
— Você tem razão! — As
palavras de William
acordaram Lohan, fazendo
com que se erguesse no
mesmo instante. — Investigue
isso já. O que quer que ela
tenha descoberto, precisamos
saber!
— Sim, Majestade! — Disse
William convicto se retirando
logo a seguir. Algo no olhar de
Lohan mudou. É como se
finalmente tivesse deixando
as emoções de lado e
começado a usar a cabeça.
— Companheira, você precisa
voltar para mim. Eu preciso
de você! — Disse enquanto
me pegava em seus braços.
Decidi que o acompanharia de
perto, onde quer que fosse. Se
Lisa estivesse comigo,
provavelmente estaríamos
olhando atrás de cada uma
das portas proibidas,
explorando tudo o que antes
não podíamos, mas no estado
que eu estava não tinha
desejos e nem vontades. Tudo
que me restava era a
consciência de que eu
precisava voltar, e estar com
Lohan é onde eu tinha a
melhor chance de encontrar
respostas.
Lohan levou meu corpo de
volta para o nosso quarto e
deitou-me sobre a cama dele.
Seu olhar estava fixo sobre
mim me analisando, mas eu
podia dizer que estava
puxando memórias, rastros
que pudesse usar de
referência. Momentos depois,
ele caminhou até a porta para
que ela se abrisse para as
pessoas que chegaram.
— Majestade, — meus pais o
reverenciaram humildemente
— viemos assim que chamou.
— Preciso de uma
informação. Depois que vocês
dois passaram pela provação,
perceberam algo diferente na
Eliza? Ela disse algo sobre o
chamado ou fez algo suspeito?
— A pesquisa. Foi logo no dia
seguinte. — Minha mãe disse
após trocar olhares com o
meu pai. Ela era bem
detalhista, e seu excelente
raciocínio e memória eram as
coisas que meu pai mais
admirava nela. — Ela disse
que ia pesquisar a única pista
que tinha. Ela nos explicou
algumas coisas enquanto nos
mostrava um mapa e apontou
para um lugar especifico
dizendo que era o chamado
como se estivesse em transe.
— Me mostrem! — Ordenou
Lohan tomando a frente.
Acompanhei a trama de perto.
Minha mãe foi rápida em
encontrar o livro. Ela o abriu e
começou a explicar
detalhadamente tudo que lhes
falei. Lohan observou em
silêncio até o fim da
explicação.
— Ela parou o dedo aqui. —
Disse minha mãe. A precisão
com que marcara o lugar era
formidável. — Majestade, há
algo importante nesse lugar?
A área marcada é dentro do
território das bruxas, não tão
longe da fronteira do
território dos monstros. Se
encontra quase alinhado com
a extremidade do Devorador,
mas um pouco mais afastado
do mar.
— Eu investiguei
minuciosamente esse mesmo
trajeto depois que busquei a
Eliza na alcateia dos Ventos
do Norte. Não encontrei nada
nessa rota mencionada e na
área que indicaste também
não possui absolutamente
nada além de um deserto
extenso e sem vida.
— É mesmo? — Perguntei
para o Lohan colocando-me
na frente dele. — Se há um
deserto, cave as areias até
encontrar o que preciso. Não
ignore essa informação!
— Minha filha tinha um olhar
determinado como se tivesse
entendido algo mais, só que
não quis nos dizer. —
Comentou o meu pai.
Lohan permaneceu calado,
mas não passivo. Um ancião
se aproximou a passos
rápidos atendendo o seu
chamado telepático e o
reverenciou de cabeça baixa.
— Quero que investigue essa
área e descubra se há algo. —
Lohan pegou o livro e apontou
para o deserto marcado. —
Procure em todas as fontes
possíveis e seja rápido!
— Entendido! Farei isso agora
mesmo!
— Há mais informações? —
Lohan tornou a questionar
meus pais. — Além do
chamado ela parece ter
compreendido a resposta para
as crises dela. Qualquer
informação agora, mesmo que
mínima, é crucial para que
possamos ajudá-la.
Minha mãe como sempre, não
deixava passar nada. Ela
contou tudo que lhe falei
sobre ter encontrado a chave
para controlar os meus
sintomas, sobre a questão do
equilíbrio das energias. Isso
intrigou Lohan e o levou a um
dos lugares que eu menos
esperava.
P2 - Capítulo 33
A figura alta, formosa e de
belas curvas estava um trapo.
Seus cabelos castanhos
ondulados estavam
bagunçados, sua pele clara
estava cheia de hematomas e
ferimentos. A prisão que
Fiona estava não era tão
diferente da que fiquei. Em
seu braço, um bracelete de
prata com inscrições mágicas.
Sem o selo mágico, a prata era
apenas um pequeno
incomodo para um lobo deste
mundo. Uma tocha mágica foi
acesa por um guarda,
enquanto Lohan se
aproximava dela a passos
firmes.
- Lohan, querido, você veio!
Eu sabia que não me deixaria
aqui. - Fiona soltou um riso
singelo, enquanto fazia pose.
- Parece que não apanhou o
suficiente. - Lohan agarrou o
pescoço dela e apertou-o com
força. Assim que ela começou
a sufocar, ele a soltou.
- Se não veio me soltar, o que
veio fazer aqui? - Disse Fiona
um pouco ofegante. - Por tudo
o que já vivemos, não pode me
perdoar?
- Você sabia muito bem o que
lhe aconteceria se a
machucasse. - Proferiu Lohan
com uma voz fria. - Mas você
ousou a mentir para a minha
companheira. Eu deveria te
matar por isso!
- Mentir? Parece que você não
conhece a sua companheira.
Ela é astuta feito uma bruxa, e
me manipulou para que eu lhe
dissesse coisas que eu nunca
diria.
- Como ousa caluniá-la? -
Lohan rosnou. Percebi que
precisou de muito controle
para segurar seu lobo e não
matar Fiona ali mesmo. - Lhe
ordeno que conte, palavra por
palavra, de tudo que
conversaram ontem.
Foi um comando poderoso.
Fiona tentou se flagelar para
conter sua voz e precisou ser
segurada pelos guardas. O
comando foi tão poderoso que
Fiona proferiu cada palavra
exatamente como foram ditas.
- Como ousou a dizer tais
coisas para a minha
companheira? Você que é a
manipuladora! - Lohan estava
furioso e isso era perceptível
não só pela sua postura, como
pela sua voz. - Eu jamais disse
que te amo! Você sabe o que
essas palavras significam para
mim e ainda assim usou isso
para fazer a minha
companheira duvidar de mim.
A morte seria um presente
para você! - Lohan agarrou o
queixo dela violentamente
antes de pronunciar um
último comando. - Fiona, olhe
nos meus olhos!
- Não, tudo menos isso! - Ela
estava desesperada enquanto
lutava contra o comando.
Assim que os olhos dela
encontraram os dele, seu
corpo começou a tremer
violentamente a ponto de o
guardas terem dificuldades de
segurá-la. Seus gritos eram
extremamente altos e um dos
guardas teve que colocar um
pano na boca dela para conter
parte do som, tornando-o
suportável. Menos de um
minuto depois ela começou a
convulsionar. Por fim,
desmaiou de olhos abertos,
com lágrimas de sangue.
- Isso foi pesado,
companheiro. Achei que
fossem amigos! - Falei-lhe
enquanto acompanhava seus
passos. Estávamos voltando
para o palácio, mas eu não
conseguia tirar os olhos dele.
Parecia frio e insensível tal
qual o alfa Clark me dissera
uma vez. Por conta do amor
que eu sentia, eu não era
capaz de vê-lo assim. Sem
sentimentos para
atrapalharem meu
julgamento, essa face dele se
tornou clara.
À medida que ele subia as
escadas para o nosso quarto,
seu olhar ganhava vida
enquanto sua respiração
acelerava sutilmente. Ele se
aproximou da porta com certa
ansiedade e assim que ela se
abriu, seus olhos foram de
encontro ao meu corpo, ainda
inerte.
- Alguma mudança? -
Perguntou Lohan para a
minha mãe. Ele a deixara aqui
para que cuidasse de mim.
- Não, Majestade! - Disse ela
cabisbaixa. Ela olhava
fixamente para meu corpo
com os olhos cansados. - Eu a
limpei e consegui alimentá-la
com um pouco de caldo.
- Vá descansar! Ficarei com
ela agora! - Disse Lohan com a
voz séria. Minha mãe se
levantou e se curvou
humildemente diante de
Lohan antes de deixar o
quarto. Assim que a porta se
fechou, Lohan caminhou até o
meu corpo e se deitou ao meu
lado. Seus olhos estavam
tristes e toda a sua postura
rígida se desmanchou
enquanto me abraçava.
- Há tantas coisas que nunca
te contei. - Sussurrou com a
voz cansada. - Tinha medo do
que pensaria de mim. Fui um
tolo inseguro. Não importa o
quão duro eu fosse, não
importa os segredos que você
descobria, você sempre sorria
de novo me transmitindo o
mais puro e terno amor.
Minha pequena, você é a
minha luz. Como posso viver
sem você?
- Lohan, se quiser me contar
agora, sou toda ouvidos! -
Falei-lhe. Guardaria cada uma
dessas palavras para quando
eu voltasse para o meu corpo.
- Eu nunca amei Fiona. -
Confessou após um tempo de
silêncio. - Você disse a ela que
não tínhamos segredos, mas
tenho muitos. Sua confiança
integral em mim me fez me
sentir como se eu a estivesse
enganando, e não é isso.
Conheci Fiona quando eu era
criança, mas nunca a vi como
mulher. Eu era uma criança
muito ressentida, não tinha
amigos. Fiona foi a única
criança que se aproximou de
mim, mas sei que ela só fez
isso a mando dos pais. Apenas
quando meu lobo despertou
que a necessidade de uma
companhia surgiu, mas Fiona
era a última opção na minha
cabeça. Ela estava sempre
perto de mim por interesses
familiares, mas nunca senti
que era sincera. Conheci
várias mulheres bonitas na
minha juventude, mas era
difícil agradar meu lobo. Ele
tem critérios muito rígidos e
quando uma se encaixava, ou
ela me evitava por conta da
maldição ou tinha um
companheiro.
- Se Fiona era a sua última
opção, como foi que ficaram
juntos? - Se ele começou a
história, esperava que ao
menos terminasse.
- Não sei como soube que o
companheiro de Fiona
merecia a morte, mas isso foi
um fato. Naquela época,
algumas crianças começaram
a desaparecer de Luríon e
eram encontradas mortas
poucos dias depois, todas com
sinais de tortura. O pai de
Fiona já era o alfa na época.
Ele encontrou dois suspeitos,
mas para não condenar um
inocente, chamou meu pai
para que os fizessem
confessar. O homem que
confessou o crime pelo
comando foi condenado a
morte e fui chamado para
aplicar a sentença. Como
aprendiz e futuro rei, era a
minha função exercer justiça e
aplicar esse tipo de pena.
Fiona estava lá para assistir a
execução, mas assim que viu o
condenado ser trazido, a
conexão do companheiro
ocorreu. Ela nem o conhecia,
mas correu até ele e implorou
para que eu não o matasse.
Seu pai cuidou de retirá-la do
local para que a execução
ocorresse, mas as lágrimas
dela pelo medo de perder o
seu companheiro me fizeram
sentir culpa e achei que
precisava compensá-la de
alguma forma. Decidi que
daria a chance de sermos
amigos de verdade e comecei
a passar mais tempo com ela.
Íamos em festas por todos os
cantos de Éldrim e ela me
mostrou que eu podia me
divertir mesmo com a
maldição. Eu não sei como
surgiu o boato, mas em pouco
tempo todos diziam que
estávamos namorando.
Sempre achei que ela
espalhou isso
propositalmente, mas a ideia
não me soou tão mal depois
de um tempo. Nem um de nós
dois tínhamos companheiros,
nos dávamos bem e ela estava
sempre me ajudando com o
trabalho. Como nossas
famílias tinham uma relação
sólida, pensei que deveria
tentar. Com os anos fui me
apegando a ela, conhecendo
sentimentos que eu
acreditava ser amor. Isso
durou muitos anos até uma
noite em que bebemos um
pouco além da conta em uma
das festas aqui da cidade. Ela
não soube seguir de acordo
com as regras e olhou nos
meus olhos. A maneira como
ela reagiu, a forma como me
disse que eu era um monstro,
isso acabou comigo. Pensei
que jamais conseguiria ser
feliz de novo, enquanto todos
os que pensava amar me
deixavam. No dia em que meu
lobo recebeu sua profecia por
aquela criança, ele decidiu
que esperaria por você. Ele
estava confiante de que você
viria para nós e ele estava
certo. Depois que meu pai
morreu, Fiona tentou se
reaproximar de mim
inúmeras vezes para reatar,
mas ela não era você e nunca
seria a rainha que eu
esperava. Aceitei a presença
dela pela história que tivemos
e por trabalharmos juntos,
mas isso é tudo.
- Entendo. - Respondi. Ele
falara de coração por achar
que eu não o estava ouvindo.
Eu realmente duvidava que
ele me diria tudo isso se eu
estivesse acordada.
- Sobre o que meu avô te
mostrou, Fiona havia me
convencido a encontrá-la no
jardim dizendo que tinha uma
boa notícia para me dar a seu
respeito. Ela disse que o
conselho iria te soltar e
começamos a conversar sobre
você. Eu estava feliz sim, mas
por falar dos momentos que
vivemos juntos. Minha
lobinha branca, o meu sorriso
pertence só a você, eu
pertenço a você! Nunca mais
duvide disso! Saiba que
quando te ordenei soltar
Fiona, não era para defender
ela, mas você! Se você a
matasse, muitos pediriam a
sua cabeça e você acabaria
presa de novo. Mesmo que
fosse só por alguns dias que é
o máximo que o conselho
consegue passando por cima
de mim, eu não podia deixar
que isso acontecesse! Por
outro lado, confiei que Fiona
tivesse maturidade suficiente
para saber que se te ferisse,
eu pediria pela cabeça dela.
Minha rainha, Fiona nunca
mais será um problema para
você! Qualquer um que ousar
a te machucar, enfrentará a
minha ira.
Ele inclinou a cabeça para me
beijar e deslizou os lábios
suavemente na lateral do meu
pescoço. Parecia estar me
saboreando enquanto se
embriagava com o meu cheiro
e relaxava. Sua respiração foi
ficando cada vez mais calma
enquanto pegava no sono.
- Durma tranquilo
companheiro. Jamais
duvidarei de você de novo,
mas preciso sair um pouco. Há
algo importante que preciso
fazer enquanto isso. - Falei-lhe
antes de me virar.
Durante o dia, percebi que
não tinha dificuldade
nenhuma de lidar com a
velocidade de Lohan e até
mesmo ultrapassá-lo. Eu
pretendia testar todos os
limites para alcançar o meu
objetivo. Saltei pela janela e
flutuei até o chão antes de
começar a correr. Tudo ao
meu redor começou a se
passar tão rápido que, se eu
estivesse em meu corpo,
tenho certeza que não
passaria de um borrão. No
entanto, eu podia ver
nitidamente o detalhe de
tudo, e acompanhar o trajeto
de forma acelerada como se
eu estivesse em uma
velocidade normal.
"Ouço o som!" - Pensei
enquanto passava pelo que
me parecia ser os limites da
fronteira dos lobos. A entrada
da caverna que liga o
território dos lobos ao
território das bruxas era
vigiada de ambos os lados.
Ignorei todas as presenças e
desacelerei assim que
vislumbrei o deserto que
Lohan mencionara. O deserto
era extenso e não havia nada
além de areias vermelhas e
foscas.
- O som está mais forte. -
Minha voz se misturava a
ondas luminosas no ar.
Comecei a segui-las, certa de
que estava próxima do meu
alvo.
- É aqui! - Falei olhando para o
chão com desconfiança. Todas
as ondas luminosas
convergiam para o mesmo
lugar. O som aleatório se
tornou uma música melodiosa
e doce. Nunca tinha ouvido
nada assim antes, e não pude
deixar de comparar o som as
lendas do outro mundo em
torno do canto da sereia. Um
som que atrai, que chama, que
podia me deixar em transe:
Esse era o chamado!
- Mesmo podendo ouvir,
parece que estou imune de
entrar em transe nessa forma.
O que será que tem aqui? -
Mergulhei na areia. Do mesmo
jeito que eu atravessava
paredes, ou flutuava pelo teto,
pensei que podia mergulhar.
Realmente funcionou!
Menos de um metro abaixo da
camada de areia, topei com a
parte superior de uma
construção soterrada. Parecia
ter um tipo de campo
energético em volta que me
impedia de atravessá-lo.
Comecei a rodeá-lo, era
quadrado e não tão grande.
Mesmo com toda a areia, eu
tinha uma percepção clara do
que se tratava: Uma câmara
dos deuses!
Essa não é a câmara das
bruxas que fica próxima à
capital, mas as ruínas de uma
das antigas câmaras que
datam da origem deste
mundo. Não é à toa que não
havia nada no mapa que
estudei. A maioria das
câmaras antigas já não existia
mais e as poucas visíveis
estavam em ruínas. Dado o
campo enérgico em torno
desse bem como a forma
como me chamava, eu diria
que estava bem ativa, algo que
teoricamente não deveria
acontecer.
Eu não conseguia atravessar a
construção e nem tocar na
porta. Precisava estar
fisicamente aqui, mas me
perguntava se Lohan
conseguiria desvendar isso
sem mim. Eu mesmo não
conseguiria se não tivesse
ouvido o chamado com
clareza. Elevei-me até a
superfície novamente. Não
havia referência alguma que
eu pudesse usar para
encontrar esse lugar sem o
chamado.
- Parece que terei que
resolver isso por mim mesma.
Hora de voltar! - Diferente de
como foi na ida, quando
pensei onde queria estar,
voltei em um salto. Lohan
ainda dormia, mas parecia
inquieto. Aproximei-me dele e
fitei o seu rosto por um longo
tempo. Volta e meia se
remexia como se estivesse
tendo um pesadelo.
- Companheira... - Murmurou
apertando seus braços com
mais força em torno do meu
corpo. De repente, abriu os
olhos com a respiração
acelerada e afrouxou os
braços. Um olhar de
desespero tomou seu rosto
enquanto verificava os sinais
vitais do meu corpo. Sua
respiração normalizou depois
de perceber que meu o
coração ainda batia.
- Que companheiro atencioso
que eu tenho! - Comentei
vendo a forma como ele
ajeitava meu corpo
cuidadosamente na cama e
me cobria.
- Por favor, acorde! - Implorou
olhando fixamente meu rosto
pálido. Rangendo os dentes,
seus punhos se fecharam
enquanto se virava e saía
exasperado pelas portas.
- Majestade, o que faz aqui? -
Perguntou o ancião assustado
a ver a forma rude como
Lohan adentrou seu local de
trabalho. - Era só me chamar
que eu teria ido até você!
- Alguma evolução? -
Perguntou Lohan claramente
impaciente.
- Atualmente não há nada lá,
contudo, nos livros mais
antigos encontrei uma
menção de que aquele lugar
pode ter sido o berço de uma
das mais antigas e poderosas
civilizações.
- Qual civilização? - Perguntou
Lohan seriamente.
- Impossível descobrir. Todos
os registros e livros mais
antigos se perderam na
guerra da maldição de Fer, de
quase treze mil anos atrás. Se
quiser ir mais a fundo, precisa
pedir informações aos outros
reinos. Como tal região está
atualmente no território das
bruxas, creio que Willow
possa saber algo.
- Continue procurando! -
Ordenou Lohan se voltando
novamente para a porta. - Não
deixe passar nada.
- Não vai ouvir o conselho
daquele ancião e perguntar
para a Willow? - Perguntei ao
Lohan em vão. Ele estava na
biblioteca, no patamar de
registros. Eu sabia que era
tarde da noite pela posição da
lua no céu, mas Lohan não
dava sinais de que pretendia
parar.
O andar de registros estava
uma bagunça, vários
pergaminhos e documentos
espalhados pelo chão
enquanto Lohan vasculhava
impacientemente cada
arquivo em potencial. Ele
rugiu furioso antes de descer
para a biblioteca. Quem é que
fosse arrumar e organizar
tudo, ia ter muito trabalho.
- Mudou o foco, companheiro?
- Perguntei colocando-me ao
lado dele e analisando junto o
livro em suas mãos. Era
impressionante a velocidade
com que passava as páginas e
lia o conteúdo.
O livro em suas mãos era
sobre energia espiritual.
Tratava sobre emoções,
núcleo energético, corpo
astral e algumas coisas mais
que para qualquer pessoa
comum não faria sentido
algum.
- Plano energético? - Ele virou
a página antes que eu
conseguisse ir mais a fundo
no assunto, mas captei o
suficiente para entender que
toda a experiência que eu
estava vivenciando era apenas
um entre vários andares de
planos espirituais. Como subir
ou descer, eu não tinha a
resposta para isso.
- O que você me esconde,
companheira? - Sussurrou
Lohan para si mesmo. Estava
procurando livros específicos
sobre poderes espirituais. Era
algo muito restrito entre
lobos, apenas pessoas com
energia espiritual profunda
tinham a capacidade de se
tornar sacerdotes e
compreender o conteúdo
daquelas páginas. Lohan foi
selecionando diferentes livros
e abrindo-os sobre a mesa.
Estava claramente atribulado.
- Como você sabia que eu
pretendia tirar a sua marca?
Como você leu as intenções de
Fiona? Como previu cada um
dos movimentos dela? Que
tipo de poderes você tem? -
Ele sussurrava várias
perguntas do tipo para si
enquanto vasculhava os livros
atrás de respostas.
- Posso te dizer o que consigo
fazer, mas não os motivos. -
Comentei ao seu lado. Sua
evolução para me levar ao
meu chamado era lenta.
Depois de um tempo, uma
alma corajosa decidiu ver
Lohan pessoalmente. Vera
estava trêmula enquanto
adentrava a biblioteca. Antes
de dizer qualquer coisa,
Lohan rosnou furioso.
- Não ordenei a todos que
mantivessem distância? O que
faz aqui?
- Majestade, estou muito
preocupado com você! Faz
quase dois dias que não come
nada. - A voz de Vera
tremulava. - Se você ficar
doente, não conseguirá fazer
nada por ela.
- EU NÃO ESTOU COM FOME!
SAIA! - Gritou Lohan
exasperado. Eu podia ver o
lobo dele através de seus
olhos negros.
- Tenho um recado para te
dar. - Disse Vera se mantendo
firme. - A senhora Mara pediu
para lhe dizer que mesmo que
Vossa Majestade não queira
comer, a filha dela precisa ser
alimentada. Mesmo que
ignore suas próprias
necessidades básicas, não
pode ignorar as de sua
companheira.
A expressão no rosto de
Lohan se abrandou e o lobo
em seus olhos se retraiu.
Deixando os livros de lado, se
aproximou de Vera e colocou
a mão gentilmente em seu
ombro.
- Obrigado! Leve o almoço até
o quarto. Eu mesmo farei isso!
- A voz de Lohan estava suave
e gentil, completamente
oposto à antes.
As servas o seguiram de perto
deixando a comida por cima
da mesa mais próxima da
cama e saíram do quarto logo
em seguida. Pegando-me em
seus braços, Lohan se sentou
comigo próximo a mesa me
apoiando cuidadosamente em
seu colo. Toda gentileza e
amor podia ser vista em cada
um de seus gestos, na forma
paciente e cuidadosa com que
me alimentava para que eu
não engasgasse com o caldo.
- Sempre me perguntei como
podia me sentir do outro lado.
Você sempre sabia quando eu
estava olhando para você,
desde a primeira vez. O que
eu não fazia ideia é de que sua
excelente percepção
energética é derivada de sua
elevada força espiritual. Você
sempre foi única,
companheira. Você é mais
forte do que acredita, mais
forte do que todos podem
imaginar. Eu acredito em você
e acredito que conseguirá
superar tudo isso!
Ele me fez beber um pouco de
água e me limpou
cuidadosamente. Seus lábios
beijaram minha testa
carinhosamente enquanto me
colocava de volta na cama.
- Você também precisa comer,
companheiro! - Se eu pudesse
sentir algo, tenho certeza que
estaria com raiva. Lohan
apenas bebeu alguns goles de
água enquanto as servas
voltavam para retirar as
coisas que trouxeram. Se ele
continuasse dessa forma,
acabaria morrendo antes de
mim.
P2 - Capítulo 34
Edward estava olhando pela
janela feito uma estátua desde
que Lohan entrou em sua sala
particular. Lohan se sentou
comodamente e se manteve
silencioso por um logo tempo
enquanto encarava as costas
de seu avô.
— As chuvas chegarão mais
cedo esse ano. — Comentou
Edward momentos depois. Ele
se virou lentamente e se
sentou na poltrona ao lado de
Lohan.
— Há tempestades a
caminho? — Perguntou Lohan
com a voz séria.
— Uma ventania fraca, nada
com que não possamos lidar.
— Respondeu Edward com
uma voz monótona.
— Fique de olho em Darius e
Velton. — Disse Lohan com a
voz fria. — Acho que fazem
parte do movimento.
— Já mandei guardas para os
seguirem secretamente. —
Respondeu Edward.
— Que conversa enigmática.
— Me agachei entre os dois.
Do jeito que falavam, parecia
que havia algo grave
acontecendo. — Hein,
companheiro. Que negócio de
movimento é esse?
— Sua companheira ainda não
acordou? — Perguntou
Edward momentos depois. —
O conselho está
especialmente preocupado
com a situação dela.
— E você? — Perguntou
Lohan friamente. — Também
está preocupado com ela?
— Ela te contou? — Edward
se esparramou na poltrona.
Parecia bem mais à vontade
agora.
— Por que tentou fazê-la
acreditar que eu amo Fiona? O
que ganha com isso?
— Fiz isso por ti. —
Respondeu Edward
suavemente. — Era apenas a
introdução de uma ideia para
um plano de longo prazo.
— Parece desapontado. —
Comentou Lohan. — Ela não
atendeu às suas perspectivas?
— Pelo contrário. A garota é
sagaz e possui algum tipo de
poder sobrenatural de
previsão. Quando notei sua
habilidade, decidi colocá-la
em prova e pude confirmar
minhas suspeitas.
— Já relataste isso ao
conselho? — Perguntou
Lohan cruzando os braços.
— Absolutamente não. Estão
alvoraçados por conta do que
aconteceu com Fiona, sem
compreender como uma loba
incompleta de outro mundo
derrotou uma das guerreiras
loba mais bem avaliadas do
reino. É perspicaz mantermos
as habilidades da garota em
sigilo, entende?
— Minha companheira nos
ajudou com um de nossos
grandes problemas sem nem
saber. — Comentou Lohan
com o rosto inexpressivo. —
Os que menosprezam a ideia
de trazermos os lobos do
outro mundo pôr considerá-
los inferiores devem estar se
mordendo de raiva.
— Estão quase sem
argumentos. — Comentou
Edward. — Todos os lobos
que vieram do outro lado e
passaram pela provação se
tornaram tão ou mais fortes
do que os originais de base de
Celestria. O movimento está
sendo sufocado por conta de
todos esses acontecimentos.
Em breve deixarão de ser um
problema.
— Quanto a Fiona...
— Deve ordenar a sua
execução. — Disse Edward
interrompendo-o. — A vida
do rei e da rainha é sagrado e
não deve ser ameaçada por
ninguém. Se não a usar de
exemplo, não tratarão a futura
rainha com o respeito devido.
Isso é consenso no conselho,
ainda mais depois da forma
covarde com que Fiona se
portou após perder o duelo.
— Agora a aceitam como a
minha rainha? — Perguntou
Lohan com um semblante
mais tranquilo e animado.
— A profecia é real e a garota
é mesmo a tal rainha
predestinada. Isto basta para
o conselho!
— Qual era o seu plano? —
Perguntou Lohan após um
longo tempo de silêncio. —
Para que queria usar a minha
companheira?
— Como a decisão de ambos é
firme, não tenho mais porque
guardar isso. — A voz de
Edward se tornou afável
enquanto seus olhos miravam
o teto com um brilho de
tristeza. — Para mim todos os
reis são amaldiçoados, e tu
foste o mais privilegiado entre
todos, não por ser o mais
poderoso, mas por não ter
tido em seu destino a dor da
perda de um companheiro.
Como reis somos agraciados
com vida longa, mas elas se
vão muito cedo, junto com um
pedaço da nossa alma.
Quando a profecia da rainha
apareceu, torci para que não a
encontrasse. Se ligar a alguém
é profundo, belo e viciante. É
o sentimento mais
extraordinário de todos, e
quanto mais tempo você o
tem, quanto mais se acostuma
com ela, mas amargo e
doloroso é o rompimento.
— Não consigo ver as coisas
dessa forma. Minha existência
sem minha companheira era
vazia e triste. Um único
minuto com ela vale mais do
que todos os anos que
sobrevivi sem ela.
— Você já percebeu que um
rei sempre surge logo após a
morte da rainha anterior? —
Edward o questionou com
suavidade. — Quando uma
rainha morre, o rei de certa
forma morre junto. Sua alma e
seu coração já não são os
mesmos e a sucessão ocorre
automaticamente após isso.
Recebi os poderes de rei
poucos dias depois da morte
de minha mãe, seu pai
recebeu os meus poderes
horas depois que perdi a
minha amada e você...
— Meu pai se matou poucos
dias depois da morte da
minha mãe. — Disse Lohan
cabisbaixo. — Eu entendo os
seus pensamentos, mas ainda
assim minha escolha é a
mesma. Minha Eliza é minha
maior dádiva, meu maior
tesouro. Jamais abriria mão de
ter isso com ela.
— Sobre o plano, — Edward
resolveu finalmente ser direto
— por não passar pela
provação a garota não viverá
muito. Pensei em convencê-la
a aceitar outra mulher em sua
vida, para que depois que ela
partisse, a outra pudesse estar
ao seu lado para ajudá-lo a
lidar com a dor. Quanto
menos tempo, menos apego,
então achei que havia
esperança. Acontece que ela é
tão teimosa quanto o meu
neto.
— E eu adoro isso nela. —
Disse Lohan colocando-se de
pé. Ele apertava seu peito
esquerdo com o semblante
distante e sorria de forma
triste.
— Tudo o que está dentro de
você, coloque para fora. Vocês
dois precisam disso. —
Comentou Edward sem se
mover um centímetro. —
Liberte-se, Lohan!
Suas palavras foram como um
empurrão em Lohan. Ele se
moveu e correu. Seus pés
ligeiros alcançaram o nosso
quarto em um instante.
Ajoelhando-se ao lado do meu
corpo, segurou minha mão
firmemente contra o seu peito
como se quisesse que eu
sentisse as batidas de seu
coração.
— Conversei com meu avô
agora a pouco. Somos
próximos por causa do
objetivo comum que temos de
honrar Lucon, realizando o
maior projeto da vida dele. —
Sua voz era suave e lenta,
como se ainda buscasse
palavras para introduzir sua
confissão. — Algo que ele me
disse me fez perceber o
quanto o tempo que temos é
precioso.
— Eu sei, companheiro. Eu
ouvi tudo! — Falei-lhe
enquanto sobrepunha minha
mão espiritual sobre minha
mão de carne. Queria tanto
sentir o coração dele
batendo...
— Quando eu era criança, tive
uma babá a quem estimava
muito. Ela era doce e gentil e
passava mais tempo comigo
do que minha própria mãe.
Uma vez lhe perguntei o que
era o amor. Ela me disse que é
um sentimento de afeto
profundo que une duas
pessoas. Inocentemente eu
disse que a amava, mas ela me
disse que eu não deveria dizer
essas palavras se não pudesse
olhar nos olhos da pessoa
enquanto as dizia. Naquele
mesmo dia, ela morreu. Foi
assassinada enquanto voltava
para casa. Guardei o ensino
dela como uma verdade por
muito tempo, enquanto me
perguntava sobre o que era o
amor. Eu acreditava que só
descobriria se amava ou não
uma pessoa olhando nos olhos
dela, mas quando minha mãe
adoeceu, percebi que isso não
é verdade. Em seu leito, ela se
desculpou inúmeras vezes
comigo dizendo que me
amava. Ela achava que eu a
culpava pela maldição porque
nunca disse a ela que a amava.
Contrariando os ensinos de
minha babá, eu o fiz. Mesmo
sem olhar nos olhos dela,
disse do fundo do meu
coração que a amava. Naquela
mesma noite, ela morreu.
Desde a primeira vez que te
vi, senti o mais profundo e
lindo sentimento que já havia
sentido em toda minha vida.
Eu queria estar com você
sempre, todos os dias. Queria
poder te tocar, te abraçar e te
fazer feliz tanto quanto você
me fazia feliz. Eu sentia
tristeza e raiva quando te via
triste, me sentia preocupado
quando estava em perigo e
sentia a sua falta a cada
instante quando eu não podia
te ver. Eu não tinha dúvidas
do que sentia, mesmo antes
de olhar em seus olhos.
— E o que você sente,
companheiro? Me diz! — Ele
parecia relutante em
continuar a história. Descendo
seus lábios até os meus,
beijou-os longamente. Sempre
que eu dizia que o amava, era
isso que ele fazia comigo.
Sempre vi isso como a forma
dele de dizer que me ama,
mas queria que ele fosse além.
— Companheiro, diga as
palavras!
Afastando o rosto, ele sorriu.
Seus olhos brilhavam
enquanto acariciava meu
rosto com gentileza. Sua
respiração estava acelerada,
como se estivesse tentando
encontrar forças e eu sabia
que estava lutando para se
libertar.
— Minha lobinha branca,
quando olhei nos seus olhos,
quando vi o nosso amor
refletido nos olhos um do
outro, quis muito te dizer
como eu me sentia, mas não
consegui. As duas pessoas a
quem declarei meu amor
partiram assim que eu o fiz e
essas palavras acabaram se
tornando um tabu para mim.
Algo dentro de mim temia que
se eu as dissesse, você me
deixaria também. Sei que te
magoei por isso, sei que fui
um covarde egoísta, mas é que
não posso te perder! Eu não
consigo mais segurar isso
dentro de mim, não dá. Eliza,
eu te amo! Te amo mais do
que tudo, mas do que pensei
que seria capaz. Meu amor, eu
te imploro, volte para mim!
— Lisa, sei que está aí. Você
ouviu isso, certo? — Falei ao
lado do ouvido do meu corpo.
Meu corpo não reagia e não
demonstrava qualquer sinal,
mas se ele estava se curando
tão rapidamente, é porque
Lisa tinha feito a sua parte.
Lohan permaneceu olhando
fixamente para mim por um
longo tempo. Segurando suas
lágrimas, colocou-se de pé e
saiu do quarto com um olhar
determinado. Eu sabia que
continuaria procurando por
respostas sobre o chamado.
Talvez até tomasse a iniciativa
de procurar a resposta em
outros reinos. A questão é que
eu já tinha todas as respostas,
então cabia a mim resolver
isso.
— LISA! ACORDE! NÃO VÊ
QUE O NOSSO COMPANHEIRO
PRECISA DE NÓS! — Gritei
com todas as minhas forças.
Inesperadamente, uma luz
piscando prendeu minha
atenção. Caminhei até a caixa
onde estavam as cordas da
Preciosa implorando para
minhas mãos a alcançarem.
Assim que toquei as cordas,
uma luz forte preencheu todo
o ambiente e consegui
enxergar uma coisa que antes
eu não via.
Um cordão prateado saía do
umbigo do meu corpo e se
conectava a mim. Foi quando
dei por mim que a ligação
entre meu corpo astral e meu
corpo carnal não estava
destruída, apenas desligada.
Quando toquei o cordão,
ondas luminosas o
atravessaram e consegui
voltar a sentir a minha loba,
como se ela tivesse acabado
de acordar de um sono
profundo.
— Lisa! Foi você, não foi?
Você me expeliu com os
poderes espirituais para
suportar a dor sozinha. Você
estava tentando me proteger,
não é? Isso não é necessário!
Veja as minhas memórias! —
Enquanto eu transmitia a ela
tudo o que presenciara, o
cordão prateado foi se
iluminando e fui puxada
subitamente de volta para o
meu corpo.
"Nunca mais faça isso!" —
Repreendi Lisa. Apesar disso,
eu estava imensamente feliz
por poder estar de volta e por
recuperar todas as minhas
emoções. Cada uma das
palavras e gestos de meu
companheiro transmitiam
uma sensação de conforto,
amor, alegria e tantas outras
coisas boas que eu me sentia
flutuando.
"Ele nos ama, ele nos ama!" —
Lisa estava radiante comigo.
Ela não parava de chamá-lo
dentro de mim, ansiando estar
com ele.
"Temos algo a fazer antes!" —
Levantei-me e fui até a caixa
em que estava as cordas da
Preciosa pegando-as na mão.
Por algum motivo, ela estava
ligada ao meu chamado. A luz
que emitira tantas vezes, o
fato de eu ter segurado tão
firmemente a caixa que ela
estava quando segui o
chamado aquela vez, tudo
eram indícios de que eu
precisava dela.
"E o nosso companheiro?" —
Perguntou Lisa preocupada.
Eu precisava fazer isso,
precisava resolver essa
questão não só por mim, mas
principalmente por ele.
Caminhei até a mesa de
estudos e, pegando uma folha
e uma caneta mágica, escrevi
um recado para que não se
preocupasse comigo se
voltasse antes de mim:
"Meu amado Lohan, suas
palavras me deixaram feliz, eu
precisava ouvi-las. Eu também
te amo e por causa disso
seguirei o meu chamado.
Confie em mim, companheiro,
me provarei e voltarei para
você para que possamos viver
uma longa e feliz vida juntos!"
Dobrei a folha e coloquei-a
sobre a cama. Lisa estava se
questionando o mesmo que
eu. Como chegaríamos à
câmara dos deuses se não
sabíamos nem como sair do
quarto? A resposta para isso
recebi de Willow. Respirei
fundo e fechei os meus olhos,
enquanto deixava os sons
invadirem a minha mente. A
melodia doce emitida pela
câmara fluía de forma
harmoniosa em minha mente,
enquanto eu me entregava ao
chamado.
P2 - Capítulo 35
A melodia de repente estava
alta, tão alta que despertei.
Quando abri os meus olhos
estava ofegante e até mesmo
um pouco tonta. Olhei em
volta, um pouco surpresa que
isso tinha dado mesmo certo.
"Lisa, conseguimos!" —
Dobrei meus joelhos sobre a
areia. A areia vermelha,
diferente do que eu imaginava
era fria, tanto quanto o vento
que soprava os meus cabelos.
Tirando Preciosa do pulso e
colocando-a perto de mim,
tomei forma de lobo e
comecei a cavar. Quanto mais
fundo eu cavava, mais rápido
meu coração disparava. Cavei
até que a parte superior da
porta estivesse exposta.
Não conseguiria descobrir a
câmara toda, ainda mais com
o vento trabalhando contra
mim, sempre soprando de
volta a areia que eu tirava.
Esperava que apenas um
pedaço da entrada fosse o
suficiente. Tomei forma
humana e, colocando a
Preciosa no pulso, aproximei
minha mão da porta com
certa ansiedade.
"Minha nossa!" — Pensei
assustada. Um vendaval se
formou a minha volta
enquanto a areia que cobria a
porta era lançada ao longe.
Quando dei por mim, a porta
estava completamente
destampada e todos os
símbolos escritos na porta
estavam brilhando tão forte
que me vi obrigada a fechar
meus olhos.
Quando os abri de novo, eu
estava em um salão de uma
caverna, sem qualquer
entrada ou saída visível.
Preciosa estava brilhando no
meu pulso e meu corpo estava
tomado com os pelos brancos
da Lisa. Várias cordas
luminosas estavam flutuando
no ar perto de mim, emitindo
os mais variados sons. Até
mesmo as pequenas
estalagmites a minha volta
faziam o seu próprio barulho,
tornando o ambiente sonoro
caótico e confuso. Atentei-me
a cada um dos sons,
identificando as notas.
Uma luz suave saía da palma
da minha mão quando a
estiquei em direção a
primeira corda. Assim que a
toquei, tudo ficou em silêncio.
Agora eu tinha espaço para
criar a minha própria música.
Assim como fora no outro
mundo, Preciosa, Lisa e eu
estávamos juntas nesse
processo de criação musical.
Deixei que os sentimentos de
Lisa me invadissem e a alegria
transbordasse na mais bela
criação que eu fizera até hoje.
Enquanto a melodia ecoava
pela caverna, um calor intenso
tomou o meu corpo e tudo a
minha volta começou a
brilhar.
Comecei a caminhar no meio
da luz, sem saber aonde
estava indo. A cada passo que
eu dava, minha visão ficava
mais clara. A luz deu lugar ao
vasto deserto. Olhei para trás,
somente para encontrar a
porta da câmara fechada.
— Eu falhei? — Perguntei
atordoada. Lohan dissera
claramente que sair como
lobo era aprovação e em
forma humana era
reprovação. Eu não estava na
minha forma de lobo.
Me ajoelhei na areia, um
sentimento de aflição muito
grande enquanto as lágrimas
cegavam a minha visão. Lohan
disse que como futura rainha
eu só teria uma chance. Se eu
conseguisse, receberia grande
benção, do contrário,
maldição.
"Eu falhei mesmo, Lisa? Eu
falhei?" — Não houve
resposta. Até mesmo a
Preciosa sumira do meu
pulso. Eu estava
completamente só!
— LISA! — Gritei com todas
as minhas forças ao perceber
que eu não mais a sentia. Por
mais que eu procurasse por
ela dentro de mim, não a
encontrava. Então essa é a
maldição que recebi? Perder a
minha loba?
"Lisa, me responde, por
favor!" — Implorei entre
lágrimas. Qualquer coisa
menos isso!
— ME DEVOLVE ELA, ME
DEVOLVE! — Bati minhas
mãos desesperadamente
inúmeras vezes contra a porta
da câmara. Eu poderia
suportar qualquer outra coisa,
mas não suportaria viver sem
a minha loba.
Não importa o quanto eu
suplicasse, a câmara se
recusava a me responder.
Jamais pensei que seguir o
chamado me tiraria algo tão
precioso. Eu não conseguia
parar de chorar, enquanto me
permitia ser enterrada pela
areia. O vento aos poucos
soprava tudo de volta ao seu
devido lugar.
— Filha, me dê a mão! —
Pediu suavemente uma voz
feminina. As areias já estavam
me cobrindo até a cintura
quando Willow apareceu. Ela
estava com um vestido preto
longo com mangas levemente
caídas e compridas de modelo
ombro a ombro e uma fenda
lateral na saia. Olhei para ela
desamparada. Desejava
morrer aqui mesmo. Perder a
minha loba significava perder
o meu companheiro também e
eu não poderia suportar isso.
— Mas minha loba... —
Solucei inconformada.
— Ela ainda está com você!
Venha comigo e eu lhe
explicarei tudo!
Willow podia ter utilizado
diversos métodos para me
forçar a sair daqui, mas estava
inclinada acima de mim,
esticando a mão na minha
direção de forma amigável,
deixando claro que não me
forçaria a nada. Eu não tinha
mais nada a perder, então
decidi confiar nela e peguei
sua mão. Uma fumaça negra e
inodora começou a circular ao
nosso redor quando Willow
me abraçou. Fechei meus
olhos, e permiti-me ser
levada.
— Aonde estamos? —
Perguntei para ela. Passei um
longo tempo na escuridão
total enquanto era levada. Ao
meu redor, um pequeno
cômodo que não continha
nada além de um grande
tapete vermelho redondo com
detalhes em dourado.
— Em meu palácio, —
respondeu Willow com
suavidade — mais
especificamente em uma das
salas de isolamento mágico.
Aqui, nenhuma magia é capaz
de adentrar ou sair, tornando-
nos invisíveis ao mundo. Isso
é necessário para a sua
segurança.
— Por quê? Minha segurança
importa tanto assim?
— Mais do que imagina. Eliza,
você é provavelmente a bruxa
mais poderosa que surgiu
após mais de cinquenta mil
anos. Suas origens acabaram
de se solidificar e estão e
emitindo ondas de magia
muito poderosas. Isso é um
chamariz perigoso para as
bruxas maléficas.
— Bruxa, eu? — O estresse
me fez rir de desgosto. Eu não
queria ser uma bruxa, eu era
uma loba! Nada disso fazia
sentido. Eu estava tão confusa,
que sentia que estava
enlouquecendo.
— Olhe para as suas marcas!
— Disse-me Willow
invocando aquele misterioso
trono das sombras e se
sentando nele. Suspirei
profundamente antes de virar
o meu rosto. Realmente havia
uma marca no meu antebraço
direito.
— Que marca é essa? —
Perguntei, incapaz de
reconhecer o símbolo. Willow
não respondeu. Parecia estar
esperando. Tive que repassar
mentalmente algumas vezes
as palavras dela antes de
captar que usara o termo no
plural. Por instinto, olhei no
meu braço esquerdo e havia
outra marca, ambas
completamente
desconhecidas para mim.
— Você, assim como eu, é uma
bruxa com dois núcleos de
poder, ou origens, se você
achar mais fácil dizer assim.
Eles são a fonte dos seus
poderes. O símbolo em seu
braço direito é de seu núcleo
elemental: a luz! Em seu
esquerdo está o seu núcleo
astral, o espiritual. A maioria
das bruxas só tem uma
origem, mas você não só tem
duas como também as mais
raras que existem. Se não
fosse pouco, as suas origens já
estão no último estágio de
evolução de tanta devoção
que você já coletou.
— Eu não entendo, é confuso!
— Eu estava atordoada
demais com essas
informações. Era demais para
mim processar e até mesmo
irrelevante considerando que
apenas uma única coisa me
importava no momento. —
Cadê a minha loba? Você disse
que ela ainda está comigo.
Onde ela está?
— Ela é o receptáculo que
originou uma de suas origens.
Liberte-a e você a encontrará.
— Libertar? — Olhei para as
marcas, confusa. Eu não tinha
ideia de como fazer isso que
Willow falou.
Colocando-se de pé, Willow
deixou deslizar as mangas do
vestido expondo seus dois
braços. Fiquei confusa em só
encontrar uma marca, a
psíquica, exposta no lado
esquerdo. Onde estava a sua
outra origem?
Surpreendentemente o trono
de sombras por detrás dela se
desmaterializou virando uma
energia quase imperceptível
que seguiu em direção ao
braço direito dela. Uma marca
negra em espiral se formou e,
mesmo sem nunca a ter visto
antes eu sabia que era a
marca elemental das trevas.
— O primeiro passo que você
precisa ter para libertar a sua
origem é liberar o seu poder
enquanto imagina o
receptáculo. Você tem alguma
ideia de qual é a origem da
sua loba?
— Espiritual. — Falei
confiadamente. — Eu uso a
energia dela para conseguir
sentir os outros e prever suas
intenções.
— Interessante! Parece que já
andou aprendendo algumas
magias por conta. Muito bem,
sinta o seu poder espiritual e
imagine o receptáculo.
Quando começar a fluir em
você, liberte-o!
Mais fácil falar do que fazer.
Fechei meus olhos e tentei
controlar a minha respiração
como eu fazia. A energia
dentro de mim estava
imensamente turbulenta e eu
não tinha ideia de como fazê-
la se acalmar sem a minha
loba para me ajudar.
"Lisa, preciso de você!" —
Minha respiração se acalmou
enquanto me lembrava da
sensação de tê-la comigo e de
vermos o mundo com outros
olhos, juntas. — "Bem vinda
de volta!" — Pensei abrindo
meus olhos.
"Eliza, o que houve comigo? O
que houve conosco?" — Ela
estava agitada dentro de mim.
Olhei para o braço esquerdo e
o símbolo espiritual tinha
desaparecido.
"Eliza, estou diferente!" —
Disse-me ela enquanto eu
compartilhava as minhas
memórias com ela.
"Em que sentido?" — Ela
parecia exatamente a mesma
para mim.
— Sua loba evoluiu quando
sua origem se solidificou. —
Disse Willow calmamente
como se tivesse ouvido tudo o
que eu e Lisa conversávamos
mentalmente. — Ela é o
receptáculo mais formidável
que já vi até hoje.
"O que ela quer dizer com eu
ser um receptáculo?" —
Perguntou-me Lisa confusa.
Nem eu mesmo sabia a
resposta para isso.
— Um receptáculo é um
frasco vazio a ser preenchido,
geralmente uma ferramenta
de grande relevância para
exposição da proficiência da
bruxa. Pode ser uma colher
para uma bruxa cozinheira,
uma vassoura para uma bruxa
faxineira, um pincel para uma
bruxa pintora e assim por
diante. Quando o frasco enche,
ele se torna uma origem. Você,
cara loba, foi uma das
ferramentas que Eliza usou
para isso.
— Minha loba não é uma
ferramenta! — Não sei o que
me irritava mais, o fato de
Willow realmente ler a minha
mente ou o fato dela se referir
a minha loba como um objeto.
— Ela é e seja grata por ser
assim, ou do contrário você
não a teria mais. O que você
fez é algo sem precedentes.
Inconscientemente você
salvou uma parte sua que não
deveria existir, quebrando
todas as leis naturais que
regem uma bruxa.
— Mas eu não sou uma bruxa,
sou uma loba! — Um misto de
sentimentos tomava o meu
coração. Não é que eu não
conseguisse acreditar, eu só
não queria. Aceitar as
palavras de Willow implicaria
que estive a minha vida
inteira enganada sobre mim
mesma e eu perderia o senso
de identidade.
— Não, você sabe que é uma
bruxa, só não entende o
porquê. Você se pergunta
como pode ser uma bruxa se
tem uma loba, e como tem
uma loba se é uma bruxa.
Posso explanar isso para você,
mas a história é longa.
"Eliza, não quero ouvir
histórias! Quero voltar para o
nosso companheiro!" — Ela
estava tão perturbada e aflita
quanto eu. Meu desejo era
apagar tudo o que ouvira de
Willow e voltar para o meu
Lohan que, provavelmente,
estava esperando por mim. O
que eu mais queria, minha
loba, já obtive de volta, então
era hora de agradecer e me
despedir.
— Se você o fizer, colocará a
você e o seu companheiro em
risco. É isso mesmo que você
quer? — Perguntou Willow
lendo meus pensamentos
novamente. Isso
definitivamente era muito
irritante!
— O que quer dizer com isso?
— Acreditando ou não, se a
vida do meu companheiro
está em risco, eu não podia
simplesmente ignorar.
— Os brincos que carrega,
sabe para que servem? —
Willow me rodeou puxando
meus cabelos para trás,
expondo minhas orelhas. —
Seu companheiro nunca lhe
disse, não é mesmo?
— Não eram para me ajudar
com os sintomas? —
Perguntei confusa.
— Os seus supostos sintomas
são parte do chamado e eu
jamais atrapalharia isso. Eu de
fato inseri uma inscrição para
ajudar a estabilizar a sua
energia, mas o objetivo
principal dos brincos é te
esconder. Do mesmo jeito que
seu companheiro não te
sentia, ninguém mais poderia
te ver ou te encontrar por
quaisquer outros métodos, e
Lohan sabia muito bem disso
quando os aceitou.
— E por que eu precisaria me
esconder?
— Porque você é a rainha da
profecia e sua aparição coloca
em risco a existência do
Devorador. Há muitas
entidades malignas que não
querem que o Devorador seja
destruído e farão de tudo para
te encontrar e te matar. As
bruxas maléficas em
especifico, são a minha maior
preocupação. Eu e Lohan
estamos trabalhando juntos a
mais de um século para
rastreá-las e matá-las, mas
elas sabem se esconder muito
bem. Elas querem você, e não
são as únicas. Quando você
passou pela provação, sua
poderosa magia terminou de
destruir todos os selos
mágicos que inseri nos
brincos. Como não controla o
seu poder, está emitindo
ondas que vão atrair todos os
seus inimigos para você e
trazer mais problemas e
preocupações para o seu
companheiro lidar. Além
disso...
— Além disso? — Incentivei-a
a continuar. Ela parara sua
explicação subitamente e
parecia estar ponderando se
me contava ou não.
— Você não tem ideia do
poder que tem, filha. Agora
que se tornou uma bruxa, sua
magia está instável, e se você
não a controlar, poderá ferir
gravemente o seu
companheiro de formas que
prefiro não mencionar. Sou a
sua melhor saída agora!
Quero te ensinar e te guiar
para que controle isso e
alcance o estágio ômega.
Ela me dizia tantos termos e
coisas que eu não entendia.
Tudo o que eu precisava no
momento era de uma razão, o
resto viria no momento certo.
— Por que quer me ajudar? O
que você ganha com isso? —
Uma coisa que Lohan me
ensinara é a sempre
desconfiar de uma bruxa.
Mesmo que Willow fosse
diferente por ser a rainha, ela
provavelmente tinha suas
próprias ambições ocultas.
— Não se esqueça que você
também é uma bruxa.
Realmente acredita nisso? —
Willow sorriu me lembrando
quem eu sou. Maldito poder
de ler mentes! — Exclua de
sua mente todos os conceitos
que aprendeu dos lobos sobre
bruxas e os reaprenda
comigo. Te mostrarei que não
somos tão perversas e
egoístas como contam as
tradições dos lobos. Sobre o
meu motivo oculto, é o mesmo
que todos os reis em Celestria
querem e algo que só você
pode dar, porque em ti, reside
o poder capaz de colocar um
fim no Devorador!
P2 - Capítulo 36
O que eu sou? De acordo com
Willow, sou nada mais nada
menos que a última bruxa de
linhagem ancestral. Há dois
tipos de bruxas, as
hereditárias e as ancestrais.
As bruxas hereditárias são as
que herdam a natureza da
mãe de forma fixa e contínua.
Uma bruxa do fogo sempre
dará origem a outra bruxa do
fogo, uma de água a uma bebê
com poderes de água e assim
por diante. As bruxas
ancestrais, por outro lado, são
capazes de obter qualquer
tipo de origem através de
semeadura e cultivo, que
ocorre ao longo de gerações.
Esse foi o motivo pelo qual
meus antepassados não são
bruxas. Elas carregaram a
semente, a cultivaram e a
passaram adiante. Gerações
sem poderes são
fundamentais para o
crescimento da semente, mas
apenas florescerá e dará
frutos nas mãos de quem
adubá-la o suficiente para
fazê-la frutificar. O adubo é a
chamada devoção, e é
necessário coletar muita
energia do tipo para que a
semente cresça e desabroche.
Há mais de um motivo pelo
qual Lohan jamais cogitou que
eu pudesse ser realmente uma
bruxa. O primeiro é que
bruxas ancestrais estavam
teoricamente extintas desde a
última grande guerra que
ocorreu há quase treze mil
anos atrás. A guerra foi
apenas o término do
extermínio das bruxas
ancestrais, que começou
muito antes disso. Temidas
por seus poderes, as sementes
das bruxas ancestrais eram
destruídas quando estão em
fase de semeadura. As
gerações sem poderes de
bruxa eram as mais
vulneráveis, e foram através
delas que tal poder foi
teoricamente dizimado.
— Levei mais de mil de anos
tentando rastrear uma
semente, na esperança de que
esse poder não havia se
perdido.
— Cian, não é? — Perguntei
seguindo o raciocínio. Ela
confirmou imediatamente.
— Cian era da linhagem de
uma bruxa ancestral, a última
esperança de recuperar o
elemento mágico perdido, a
luz. Ele é a quarta geração que
acompanhei e ajudei a
proteger. Como precisei me
envolver, não conseguiria
manter a semente em segredo
por muito tempo.
— Por isso sugeriu enviá-lo
como emissário ao outro
mundo? Para mantê-lo seguro
e escondido? — Perguntei
intrigada. As histórias sobre
como obtive meus poderes me
prendeu muito mais do que
achei que faria.
— É apenas um dos motivos.
— Comentou Willow
sorrindo. — O outro foi minha
a contribuição real para o
projeto de Lucon. O efeito
colateral da perda de
memória pela fenda artificial
era irremediável e eu tinha
plena ciência disto. Admito
que enganei os reis no
objetivo de levar a última
semente desse mundo ao
outro, mas foi uma mentira
nobre e necessária. Se meu
plano oculto ocorresse
conforme deveria, algum dia
uma bruxa poderosa nasceria
e criaria a brecha para tornar
o projeto de Lucon possível.
— Mas quem criou a brecha
não fui eu, foi o Lohan, e por
causa da minha loba.
Willow começou a rir de
forma divertida e isso me
deixou muito desconfortável!
— Filha, não se iluda! Não foi
o Lohan que criou a brecha na
pedra de invocação. Como
precursora do projeto, fui a
responsável por todas as
inscrições mágicas. Quando vi
uma transcrição no ponto de
chamado gerado por magia de
luz eu soube, no mesmo
instante, que a semente tinha
desabrochado.
— Mas eu não fiz nada! Eu
nem sei usar magias! —
Retruquei.
— A magia de uma bruxa é
movida pelo desejo. Dentro de
seu coração, você queria estar
desesperadamente com o
homem que estava do outro
lado, e o seu poder agiu para
realizar o seu desejo. Isso é
algo fácil de se comprovar.
— Como? — Desafiei-a.
— Alguém mais além de
Lohan consegue atravessar
para o outro lado? — O
questionamento de Willow foi
certeiro. Se não bastasse, ela
fez outra pergunta ainda mais
instigante. — Lohan consegue
atravessar sempre quando
quer?
A resposta para ambas
perguntas era a mesma. O
próprio Lohan já me dissera
que só ele consegue
atravessar. Quando eu estava
na guerra tendo que enfrentar
as bruxas sombrias, Lohan
disse que tentou atravessar,
mas não conseguiu.
— Só ele consegue porque o
caminho que você criou foi
feito exclusivamente para ele.
— Explicou Willow. — Além
disso, você detém a chave
desse caminho. Se não for a
sua vontade, ele não se abre. É
o seu poder que nutre a
brecha e, sem ele, Lohan não
pode fazer nada.
Mesmo querendo discordar,
eu não poderia. Eu ativara
minha visão espiritual quando
Willow começou as
explicações e sabia que tudo o
que estava me dizendo é
verdade, ou pelo menos ela
acreditava ser. A primeira vez
que Lohan atravessou, no
fundo do coração eu desejava
ardentemente sua companhia.
Eu estava sofrendo muito e
não queria ficar só, então
meus pés me guiaram até a
cachoeira, até ele.
Quando Lohan tentou
atravessar na guerra e não
conseguiu é porque no fundo
eu não o queria lá. Eu ainda
não conhecia a sua aparência
e, com tantos lobos por perto
ele poderia acabar se
tornando um alvo, e meu
coração sabia disso. Contudo,
quando implorei por ajuda,
meu desejo criou um caminho
para que o poder de rei dele
me alcançasse.
Quando ele atravessou pela
segunda vez, eu o chamei
diretamente. Meu desejo era
que ele viesse me encontrar,
que eu pudesse estar com ele
de novo. Como eu usava
minhas magias eu não
compreendia, mas a
necessidade de aprender veio
ao saber que, de mim,
dependia o sucesso do projeto
de trazer os lobos de volta a
esse mundo. Sem mim, não
importa o quanto Lohan
tentasse atravessar para o
outro lado de novo, ele não
conseguiria. Sem mim, o plano
de avisar Damian e Clark
sobre os preparativos
falharia.
— Agora você entende o
porquê sua segurança é tão
importante. — Disse Willow
em um tom um pouco mais
sério. — Se você morrer, o
projeto morre junto restando
apenas o plano de aniquilação.
Estremeci ao ouvir isso.
Imaginar todos os reinos se
unindo para enviar tropas em
massa para o outro lado me
deixou inquieta. Meus amigos
da banda, Damian, meus
alunos... eu precisava salvá-
los!
— Quanto tempo? — Essa era
uma pergunta chave. Não
queria ficar longe do meu
companheiro, mas agora
compreendia a importância
de aprender a controlar o meu
poder com Willow.
— Isso dependerá só de você!
— Ela parecia bem satisfeita
por perceber que eu estava
cedendo.
— Eu posso ao menos avisá-lo
de que estou aqui? — Lohan
ficaria desesperado se não
tivesse notícias minhas. Eu
precisava que ao menos
soubesse que eu ficaria bem.
— Não. Se o fizer, ele virá
imediatamente te pegar pois
não aceitará que fique aqui.
Ademais, ninguém pode saber
quem você é se quiser ficar
segura, nem mesmo o seu
companheiro.
— Mas... — Sentia-me
encurralada. No momento, eu
me preocupava muito mais
com Lohan do que comigo. Eu
vi o que ele passou nos dias
que eu estava desacordada, e
não queria dar mais
preocupações para ele.
— A sua segurança é a maior
preocupação dele, e lhe dou
total garantia de que nada de
mal lhe ocorrerá enquanto
estiver sob o meu teto. Precisa
ter em mente o que é mais
importante no momento.
Por mais difícil que a escolha
fosse, por Lohan, pelo projeto
e pelo futuro eu precisava
ficar. Senti Lisa choramingar
por dentro comigo e jurei a
mim mesma dar o meu
melhor para voltar para
Lohan o quanto antes. Lendo
meus pensamentos, Willow
sorriu e assentiu
positivamente com a cabeça.
— De agora em diante, você se
chamará Liz. — Disse-me ela
tirando meus brincos
cuidadosamente. — Ninguém
pode saber a sua verdadeira
origem ou sobre sua loba.
Após me nomear, Willow
criou uma história que eu
deveria decorar. Para todos, a
bruxa Liz será só uma jovem e
humilde aprendiz de origem
espiritual e talentos
promissores. Todos os anos,
Willow escolhia a dedo uma
aprendiz para compor a sua
família e, nesse ano, eu seria
apresentada à casa como a
bruxa de sua escolha. Assumir
uma nova identidade era
imprescindível para me
esconder sem levantar
desconfianças.
Willow me deixou na câmara
de isolamento enquanto
infundia novamente os selos
mágicos de ocultação nos
meus brincos. Ela me dera
uma importante missão
enquanto isso: Materializar a
minha origem de luz!
"Vem para mim, Preciosa!" —
Eu tentava de todas as formas
encontrá-la dentro de mim.
Sempre que eu achava que
estava tendo avanços,
percebia que a energia que
estava conjurando é a
espiritual, não a de luz. Se Lisa
era o meu coração, então o
que a Preciosa significava
para mim?
Deitei-me sobre o tapete e
fiquei olhando para o teto
escuro recordando-me de
todos os momentos em que a
Preciosa fez parte da minha
vida. Se eu estava triste eu a
tocava, se estava com raiva eu
a tocava, se estava me
sentindo solitária eu a tocava.
Não só nos maus momentos,
mas também nas alegrias ela
estava comigo dando vida às
minhas emoções. Preciosa não
era só uma válvula de escape
para sentimentos confusos,
mas uma balança que me
permitia encontrar o
equilíbrio emocional, mental e
espiritual. Ela é a conexão, a
ponte entre todas as partes
que fazem parte de mim.
— Eu te sinto! — Disse
elevando a mão. Uma luz
radiante saía por ela. Minha
mão não era só a fonte da luz,
mas a própria luz.
"É por isso que não fomos
vistas quando saímos." —
Comentei com Lisa me
lembrando sobre o que
William dissera sobre os
guardas de Lohan não terem
me visto passar. Eu também
podia apostar que a alta
velocidade com que me movi
entre os lugares eram poderes
advindos da minha magia de
luz.
Enquanto a energia da
Preciosa fluía em mim, sentei-
me e imaginei-a em meus
braços em sua forma original.
Lágrimas transbordaram de
meus olhos ao vê-la se
materializar na minha frente,
mas diferente de sua cor
natural, o corpo era todo
branco e luminoso.
— Que saudade! — Falei
rindo e chorando ao mesmo
tempo enquanto dedilhava as
cordas. Estavam
afinadíssimas, com o som
mais impressionante do que
qualquer violão de marca.
Toquei-a por muito tempo, até
meus dedos se cansarem, até
meu corpo não suportar mais
se sustentar. Assim que
Willow entrou na sala de
novo, questionei-a sobre a
Preciosa.
— Consegui materializar
minha origem de luz como
você falou, só que não
entendo uma coisa. Como o
meu instrumento ganhou
corpo completo? Minha avó
destroçou-a deixando-a em
pedaços, então minha origem
não deveria ter sido afetada?
— O receptáculo é material,
mas a energia devocional não.
Ela não se quebra, apenas se
redireciona e se concentra em
outra parte de sua escolha.
Um mero fragmento basta
para a solidificação do núcleo,
e após isso ele se reconstrói.
Minha origem de trevas
também é assim, apenas um
pequeno fragmento do
primeiro trono real, o símbolo
que se perpetuou por
gerações por meio de uma
tradição.
Quando Willow chegou mais
perto, percebi que trazia
consigo mais do que o meu
par de brincos. Em suas mãos,
um vestido vermelho escuro
de um modelo mais
apropriado para uma bruxa.
Ela me entregou o vestido,
dando a entender que eu
deveria vesti-lo.
— Acho que está um pouco
apertado! — Falei com ela.
Estava bem justo ao meu
corpo. Era comprido, com
uma fenda lateral, mas pelo
menos o decote era discreto.
— Essa será a sua cor. —
Disse Willow esboçando um
sorriso que me deu arrepios.
É uma cor chamativa e
elegante que combina
perfeitamente com o seu
perfil. Uma cor bem escolhida
é parte da identidade de uma
bruxa.
— Eu preciso mesmo ser
chamativa? Não posso usar
uma cor mais básica? — Sei
que essa coisa de sedução faz
parte das bruxas, mas eu não
via porque fazer isso. Eu já
tinha o meu companheiro!
— Isso vai depender de
quanto tempo vai querer
passar por aqui. —
Indiretamente ela estava
dizendo que a forma como me
visto interfere no meu
aprendizado. Isso não fazia o
menor sentido para mim.
— Liz, você sabe o que é a
devoção? Você sabe a
importância que ela tem no
desenvolvimento,
estabilização e evolução de
suas origens?
— Não faço ideia! — Respondi
com sinceridade. Eu sabia o
quanto era importante para
um alfa ter isso, mas o motivo
pelo qual a devoção era tão
importante e porque todas as
bruxas precisavam coletá-las
ainda era desconhecido para
mim. Willow soube resumir
tudo muito bem.
No conceito de Celestria,
devoção é um tipo de energia
direcional que pode ser
gerado por qualquer criatura
viva, mágica ou não. Um
pensamento, um sentimento
ou mesmo uma atitude em
relação a alguém envia um
tipo de energia a essa pessoa,
seja positiva ou negativa.
Contudo, apenas criaturas
mágicas podem armazenar e
converter essa força.
Existem diferentes fontes de
obtenção de devoção. Para um
lobo, é o poder que vem da
lealdade, para as bruxas vem,
principalmente, da admiração.
Sempre que uma pessoa
admira algo produzido por
uma bruxa ou a própria bruxa
em si, ela emite a energia
devocional e esta é coletada
pelo receptáculo.
— Todo o tipo de arma é
válido para se obter a
admiração, até mesmo o
próprio corpo. — Disse
Willow. — Sempre que
alguém admira a sua beleza,
por exemplo, você recebe
devoção, e é por isso que a
forma como nos vestimos e
nos apresentamos importa
tanto.
O que para outros povos pode
ser opcional, para as bruxas é
uma necessidade em todas as
fases de sua vida. Desde o seu
nascimento, a bruxa é
treinada para desenvolver um
talento que precisará usar
enquanto cresce, para coletar
um mínimo de energia se
quiser desenvolver suas
origens bem como os próprios
poderes. Para mim, a
proficiência se deu na música.
Por volta dos dezesseis anos,
o receptáculo redireciona
toda a devoção coletada para
a estruturação da origem,
também chamado de o
despertar da bruxa. É também
a idade pelo qual as bruxas
passam pela provação. O
objetivo é solidificar a origem
para que a sua forma final se
complete. Mesmo após a
solidificação, a coleta de
devoção é necessária para
estabilizar e evoluir o núcleo.
Quanto mais devoção, mais
forte a origem se torna bem
como os poderes mágicos
advindos dela.
Caso uma bruxa não tenha o
mínimo de devoção até os
dezoito anos para se provar, o
receptáculo não é capaz de
completar a formação da
origem e começa a se
desfazer. Enquanto se desfaz,
a bruxa é acometida com
sérios distúrbios e acaba
encontrando a morte antes
dos dezenove. O mesmo vale
para o oposto como foi o meu
caso. Se devoção demais for
coletada e a origem não se
solidificar a tempo pela
provação, a bruxa passa pelos
mesmos sintomas e acaba
encontrando o mesmo fim de
quem não coletou devoção
suficiente.
Willow colocou os brincos na
minha mão e me explicou o
motivo pelo qual o brinco
ficava preso a mim, mesmo
quando eu tomava forma de
lobo. Uma inscrição mágica
inserida no pino provoca um
travamento por magia que
somente sai se houver o
desejo de tirá-lo.
— Eu mudei a inscrição e
agora somente você poderá
colocá-lo ou tirá-lo. Eles
continuarão te escondendo ao
mesmo tempo que ocultam o
seu real poder.
Bruxas tem uma sensibilidade
natural a energias e forças.
Para não chamar a atenção,
esconder a minha força era o
mínimo, mas isso de nada
adiantaria se outras bruxas
psíquicas pudessem ler a
minha mente.
— Esses brincos também vão
me proteger de leitura de
mente? — Eu realmente
queria essa privacidade.
— Principalmente disso. —
Confirmou-me ela, sorrindo.
Coloquei o acessório na
mesma hora. Eu
definitivamente não os tiraria
tão cedo.
P2 - Capítulo 37
O palácio de Willow tinha um
estilo bem diferente do de
Lohan. Toda a estrutura
possuía muitas curvas, com
colunas arredondadas,
escadas que subiam em meio
círculo, e todas as mesas das
cômodas que passei eram
redondas. Haviam as mais
variadas obras de arte em
cada canto do palácio,
pinturas, esculturas, tapetes, e
até mesmo o piso no chão de
cada cômodo tinha detalhes
artísticos, gravuras e
mosaicos.
— Mais fabuloso do que uma
exposição de artes. —
Comentei com Willow
enquanto a seguia. Meus olhos
viam beleza em tudo e acho
que esse era justamente o
objetivo.
— Cada obra que você admira
gera devoção para a artesã
que a criou. — Disse Willow
sorrindo. — Willow exalava
charme e graça não só no seu
sorriso e beleza, mas em toda
a sua desenvoltura e forma de
andar. Cada movimento que
fazia era elegante e gracioso,
tal qual uma verdadeira
rainha. — Este será o seu
quarto!
A porta em questão não tinha
fechadura. Antes de
entrarmos, Willow traçou um
desenho nela com os dedos.
Não era preciso visão
espiritual para visualizar as
letras, uma espécie de código.
— O que são? — Perguntei
curiosa vendo como a
inscrição rapidamente
desaparecia.
— Magia de selo. Quando você
tiver experiência suficiente
para fazê-lo, saberá lê-lo
quando estiverem ocultas e
até mesmo quebrá-las. O selo
que coloquei na porta
autoriza apenas a minha e a
sua passagem, de forma que
nenhuma outra bruxa poderá
invadir o seu espaço sem a
sua permissão.
— Mas se eu puder quebrá-la
quando tiver experiência, o
que impede as outras de
fazerem o mesmo?
— A mais simples regra de
todas, o nível de poder. Selos e
inscrições apenas podem ser
lidos, modificados ou
quebrados por alguém de
poder maior. Se eu criei o selo,
apenas eu ou uma bruxa mais
poderosa que eu pode
modificá-lo ou quebrá-lo, e só
existe uma bruxa em toda
Celestria com esse potencial.
— E... — Quase fiz uma
pergunta estúpida. Pretendia
perguntar como ela tinha
tanta certeza que eu era mais
poderosa do que ela, mas
então lembrei que não só as
inscrições na pedra de
invocação foram modificadas
por mim, como os selos que
ela inserira anteriormente nos
meus brincos foram
quebrados. Ela não precisava
de mais provas do que isso!
— Venha! — Disse-me em um
tom gentil. Ela abriu a porta e
entrei logo após ela. O quarto
não era muito grande, mas era
bem aconchegante. Diferente
do resto do palácio, o designer
era bem básico. A cama era
maior que uma de solteiro e
menor que uma de casal. A
colcha por cima era branca e
macia, tal qual os que Lohan
costuma usar.
— Eu vir aqui sempre foi
parte dos seus planos, não é?
— Comentei ao ver o armário
completamente abastecido
com diversas roupas e
vestidos, todas em vermelho
escuro, no mesmo tamanho.
Haviam vários itens de beleza
sobre a mesa e até mesmo
alguns frascos de perfume,
como se tudo tivesse sido
montado previamente para
me receber.
— Sim. Adquiri tudo isso
desde o momento que te vi
pela primeira vez. — Ela abriu
uma das portas do armário e
me aproximei para ver o que
tinha dentro. Estava vazio. —
Guarde sua origem de luz
aqui. Tenha o cuidado para
que ninguém mais saiba de
sua existência.
A luz é considerada um
elemento perdido no reino
das bruxas, Aradia. Ter a
marca da luz em meu braço
seria revelar a todos que eu
sou uma bruxa ancestral e
isso é o tipo de atenção que eu
não precisava no momento.
Fiz como ela me ordenou, mas
não consegui segurar minha
dúvida.
— Por que materializar a
origem? É só para esconder a
marca? — Uma vez
materializado, a marca
desaparece, mas quase todas
as bruxas pareciam preferir
ter suas origens dentro de si.
Logo captei o sentido lógico
disso. Se as origens são a fonte
do poder de uma bruxa, o
melhor era guardá-las em
segurança, e que lugar mais
seguro do que dentro do
próprio corpo? Para que tirá-
lo então?
— Sei o que te preocupa, filha,
mas para o seu caso é
desnecessário. Uma origem só
responde à sua criadora,
então ninguém mais além de
você consegue acessar e usar
os poderes dela. Além disso, a
origem e você estão
conectados intimamente, não
importa a distância. Mesmo
sem ela dentro de você, você
consegue acessar e usar os
seus poderes, ou mesmo
trazê-la de volta para dentro
de si com um simples desejo.
— Porém... — Incentivei a
colocar o resto para fora. Não
conseguia não desconfiar.
Tudo que é bom demais tem
um "mas" na história para
atrapalhar.
— Núcleos são extremamente
fortes e, dependendo do
estágio evolutivo, se tornam
indestrutíveis. Este ainda não
é o seu caso, pois os seus
núcleos não estabilizaram.
Assenti pensativa. Era
exatamente isso o que eu
queria saber. Enquanto olhava
para a nova forma da
Preciosa, me recordava da vez
que minha avó a quebrou em
pedaços. Agora ela não era só
um violão comum, mas uma
parte importante de mim.
Dessa vez se ela fosse
destruída, seria o seu fim.
Jurei a mim mesma nunca
mais permitir que alguém a
toque.
— Imagino que seus
pensamentos ainda estão uma
bagunça, mas em breve você
se acostumará com tudo isso.
Te deixarei a sós um pouco.
Em algumas horas, o dia
nascerá e voltarei aqui para te
guiar até o refeitório e te
apresentarei às suas irmãs. —
A voz de Willow era calma e
graciosa. Quanto mais eu
olhava para ela, mas admirada
ficava com seu ar nobre, digna
da rainha que é. Senti minhas
bochechas corando enquanto
a via se afastar, pensando que
eu queria ser como ela.
— Minha professora é linda!
— Sussurrei.
"Foi seduzida fácil!" —
Comentou minha loba rindo
dentro de mim.
Droga! Baixei a guarda! Sacudi
minha cabeça algumas vezes
enquanto me recompunha.
Agora que eu estava sozinha,
podia organizar minhas ideais
com um pouco mais de calma.
Deitei-me na cama enquanto
repassava mentalmente tudo
que aprendi sobre mim. No
meio disso, imagens do meu
companheiro vinham com
frequência na minha cabeça, e
em vez de focar no que
precisava, eu só conseguia
pensar nele.
"Meu amor, já sinto sua falta!"
— Senti as lágrimas
transbordando. Agora que eu
estava sem a marca, o vínculo
entre nós estava cortado e,
por conta disso, Lisa não
estava tão inquieta. Apesar
disso, eu e Lisa chamávamos
por ele, não por conta de um
vínculo, mas pelo amor que
sentíamos.
Consegui transformar a dor
da separação em força e
determinação. Ficar chorando
e me lamentando não ia me
devolver ao meu
companheiro, e sim, controlar
meus poderes e estabilizar
minhas origens.
Após fazer minha higiene
pessoal e necessidades,
sentei-me de frente ao
espelho para arrumar meus
cabelos e me maquiar. Seja
qual a bruxa que desenvolvia
esses cosméticos, podia dizer
que fazia um trabalho incrível.
"Uma verdadeira bruxa!" —
Comentou Lisa toda satisfeita
enquanto olhávamos o
resultado final de nossa
produção. Para ser Liz, eu
incorporaria mais do meu
lado diva, bela e com um leve
toque de sensualidade. Eu
precisava trazer à tona um
pouco mais da minha
personalidade de estrela se
quisesse enganar minhas
irmãs e viver nesse palácio de
forma tranquila.
— Parece que você entendeu
a essência. — Disse-me
Willow adentrando o quarto.
O sorriso em seu rosto bem
como seu olhar me dizia que
estava muito satisfeita em me
encontrar assim.
— Fiz o meu dever de casa. —
Comentei me lembrando de
todos os livros que li em
Éldrim sobre bruxas quando
comecei a desconfiar que
pudesse ser uma.
Antes de irmos ao refeitório,
Willow começou a falar um
pouco sobre as outras bruxas,
segundo ela, minhas "irmãs".
Palavras como "filha" ou
"irmãs" em nenhum momento
me incomodou, pelo
contrário. Passava uma ideia
de família e esse, sem dúvidas,
era o meu ponto fraco. Eu
sempre desejei encontrar o
meu lugar, pertencer a um
grupo que compartilha afeto,
proteção e afinidades, numa
ligação especial que somente
o conceito de família é capaz
de fornecer.
Ouvir um pouco sobre a
personalidade delas me deu
um pouco de alívio. Pareciam
pessoas normais, não a
monstruosidade que os livros
de Éldrim faziam parecer.
Algumas instruções
específicas me deixaram em
alerta.
— Não abaixe a cabeça, não
demonstre fraqueza e não
siga ordens de ninguém além
de mim! Não se deixe enganar
pela simpatia delas ou vão te
usar para interesses próprios.
A competição é natural e
saudável, mas cada uma delas
tem as suas próprias metas e
objetivos, então foque-se
apenas em você!
Do jeito que ela falou parecia
egoísmo, mas apenas quem
está dentro entende isso. Ser
uma bruxa é uma corrida
desde o início da vida. Como
em qualquer corrida, se você
parar, outros vão te passar e
coletar o prêmio primeiro.
Com tantas bruxas
competindo entre si por
admiração, era difícil coletar
devoção suficiente para si.
Isso me fazia me perguntar o
quanto de devoção era
necessário para estabilizar e
evoluir um núcleo. Pelo
contexto, eu compreendia que
era muita!
— Uma vez que a sua marca
espiritual fica no seu braço
esquerdo, isso dará a
entender que você é canhota,
então use predominante a
mão esquerda na frente delas.
Além disso, evite falar no seu
idioma nativo. Ninguém irá te
entender.
Quando ela mencionou essa
questão sobre idiomas é que
percebi o quão natural ela
falava na minha língua e que
isso era algo incomum nos
demais territórios, já que esse
conhecimento pertencia
especificamente à Éldrim.
— Por que fala tão bem o meu
idioma? — Perguntei curiosa.
— Para Éldrim, e na função de
precursora, essa foi uma
forma amistosa de declarar
apoio ao projeto e fortalecer a
aliança com os lobisomens,
mas a verdade é outra. Eu
sabia que a semente que
enviei voltaria para mim um
dia e esperava estabelecer
uma boa comunicação quando
isso ocorresse.
Basicamente ela estava
dizendo que aprendeu o outro
idioma unicamente por minha
causa. Eu não conseguia tirar
os olhos de Willow, enquanto
tentava interpretar o que eu
estava sentindo em relação a
isso.
— Como tinha tanta certeza
que eu viria? — Mesmo que
eu despertasse do outro lado,
eu vir para esse lado ainda
dependia de Lohan, a não ser
que isso não fosse bem uma
verdade. Ou isso, ou ela
manipulou o Lohan... — Por
acaso, o desenho da loba
branca que Lohan recebeu
veio de você?
— Então você sabe sobre o
desenho? — Willow sorriu. —
Sim, de fato o desenho veio de
mim, mas a história é longa.
Te contarei em outro
momento. No momento,
recolha a origem de sua loba.
Estamos chegando no
refeitório.
"Me desculpe Lisa..." — Pensei
enquanto assentia para
Willow.
"Parece que nos falaremos
pouco daqui para frente.
Apenas faça o que tem que
fazer!" — Respondeu-me
convicta. Fechei meus olhos
por um instante e me
concentrei no desejo de ter
meu núcleo de volta. Senti a
energia se movendo e, assim
que parei de senti-la e ouvi-la,
abri meus olhos e notei a
marca espiritual no meu
braço.
Todas bruxas costumam
manter os núcleos dentro de
si, principalmente as que
acabam de passar pela
provação e cuja a origem
ainda está em estado mais
frágil. Assim sendo, elas
estranhariam se não vissem a
marca no meu braço. Manter
Lisa recolhida é essencial para
me manter discreta de agora
em diante, e provavelmente
eu só poderia ficar liberando-
a quando estivesse a sós no
meu quarto.
Estávamos chegando ao
refeitório e eu sabia disso por
causa do som das conversas.
Não era necessário ter
instintos apurados para ouvir.
Eram tantas bruxas reunidas
em um só lugar que mais
parecia uma festa do que uma
refeição matinal.
— A rainha está aqui!
— A mãe está aqui!
Disseram várias vozes assim
que nos notaram. O refeitório
é grande, com três fileiras de
mesas compridas, todas
retangulares com bordas
arredondadas. Vinte e oito
bruxas estavam sentadas ao
longo de uma única mesa,
preenchendo cerca de um
terço dos lugares. As outras
mesas estavam
completamente vazias o que
deu a entender que haviam
muito mais bruxas na família
do que as que se faziam
presentes. Todas as mulheres
sorriram e se levantaram de
seus lugares como uma forma
respeitosa de receber sua
rainha.
— Atenção! Nossa família
acaba de crescer! — Falou
Willow de forma meiga. —
Esta é a Liz, a nova irmã de
vocês. Como podem perceber,
sua natureza é astral, e sua
origem é espiritual. Acho que
não preciso explicar o motivo
de tê-la escolhida esse ano,
certo?
Todas as bruxas começaram a
rir compartilhando de algo
que eu não compreendia.
Apenas sorri com confiança
enquanto me apresentava a
elas, conforme Willow me
instruíra a fazer.
— Oi irmãs, sou a Liz. Antes de
tudo, gostaria de lhes explicar
um pouco sobre a minha
história. Sou uma bruxa órfã.
Fui abandonada quando bebê
próximo às fronteiras de
Éldrim e acabei sendo
encontrada e criada por um
casal de lobos. Não conheci
minha mãe, mas nossa rainha
acredita que sou filha de Fanly.
Como tive pais lobos, estou me
descobrindo como bruxa
agora, então peço-vos um
pouco de paciência.
Segundo Willow, Fanly é uma
conhecida bruxa errante de
origem espiritual cujo
paradeiro e a história são
desconhecidos para a maioria
das bruxas. A verdade é que
Fanly fez parte da ordem das
bruxas maléficas e acabou
sendo morta por uma ação
conjunta entre ela e Lohan,
mas isso é algo que somente
ela e os lobos que
participaram do ataque ao
esconderijo sabem. Como
bruxas espirituais são raras,
elas acabavam se tornando
bem conhecidas e, portanto,
Fanly era a pessoa perfeita
para atribuir parentesco
tornando minha história
incontestável.
Por eu não conhecer muito
das tradições das bruxas,
Willow achou que seria
convincente eu dizer que fora
adotada por lobos. Isso traria
mais autenticidade à minha
história e reduziria os
questionamentos que
pudessem aparecer quanto ao
meu comportamento.
Me senti como se estivesse em
um concurso de miss, cercada
por inúmeras bruxas e todas
elas esbanjavam simpatia,
beleza e carisma. Cada uma
delas tinham detalhes que as
faziam únicas, seja a cor da
pele ou cabelo diferentes, seja
uma orelha pontuda ou
dentes um pouco mais
afiados. Mesmo o gene da mãe
sendo dominante, alguma
característica elas acabavam
herdando de seus pais. Acabei
sendo arrastada por elas que
me fizeram sentar bem no
meio de todas.
— Prova os meus bolinhos. —
Dizia uma.
— O meu chá é o mais
saboroso de Celestria. — Dizia
outra.
— Posso fazer uma massagem
em você? Tenho mãos mágicas!
— Outra voz soou por trás de
mim. Eram tantas vozes
falando ao mesmo tempo que
era difícil até pensar.
Claramente todas elas
queriam ter a chance de
coletar uma devoção extra
comigo.
— Calma, minhas filhas! Ela
acabou de chegar. Todas terão
a sua vez! — Falou Willow se
sentando na cabeceira da
mesa. Ela estava rindo
suavemente de uma forma
doce e novamente me peguei
admirando-a. Willow tinha
um sorriso brilhante!
Todas as bruxas à minha volta
se organizaram e se sentaram,
mas não deixaram a novata
aqui em paz. Ficavam fazendo
perguntas como qual o grau
de evolução da minha origem,
que tipo de talento eu tinha,
em que área eu coletava
devoção, em que eu
trabalhava dentre várias
outras perguntas. Elas não me
davam tempo de responder,
pois antes de uma terminar de
perguntar a outra também já
estava fazendo a própria
pergunta.
— Sou cantora e compositora.
Coleto devoção com minhas
músicas. — Disse-lhes
sorrindo. Eu era tão linda
quanto elas e queria devolver
o carisma a nível. — Eu
costumava fazer
apresentações na minha terra.
— Conseguiu muita devoção
desse jeito?
— Você podia me levar na sua
próxima apresentação! Sei
dançar muito bem!
Definitivamente eu não sabia
lidar com tanta conversa, mas
toda essa situação era muito
divertida. Enquanto
comíamos, teci elogios de
alguns pratos e atentei-me ao
que cada uma queria me
mostrar. Se eu podia admirar
seus trabalhos e isso não me
custava nada, não via porque
não o fazer. Isso as deixava
felizes também, e reforçava o
conceito de irmandade.
Uma coisa que me chamou a
atenção é que não haviam
servas no palácio. Todas as
bruxas ajudavam com todos
os tipos de tarefas domésticas
e faziam isso de bom grado.
Haviam bruxas cozinheiras,
bruxas faxineiras, bruxas
tecelãs, bruxas escritoras e
assim por diante. Cada um se
especializava em uma área, e
cada trabalho bem feito tinha
potencial para gerar devoção
adicional. Quanto ao meu
quarto, eu mesmo teria que
arrumá-lo e limpá-lo sempre,
mas pelo menos minhas
roupas, uma das bruxas que
adorava lavar e passar se
ofereceu para fazer o serviço.
— Aonde estão as outras? —
Perguntei de curiosidade para
a bruxa que se oferecera para
cuidar das minhas roupas. O
nome dela é Bell.
— Com a lua cheia chegando,
muitas acabam indo mais cedo
até as zonas movimentadas
para vender suas mercadorias
e expor o seu trabalho. As
outras de nós preferem ir
somente nos dias de lua cheia
que é quando a festança de
verdade acontece. — Disse-me
ela de forma suave.
— E o que são essas zonas
movimentadas? — Perguntei
curiosa.
— Você nunca foi? São os
melhores lugares para se
coletar devoção.
— A gente te leva! Você precisa
conhecer!
— Esse mês ela não irá. —
Interpôs Willow atenta. — Liz
precisa aprender algumas
coisas antes de frequentar
aqueles lugares.
Algo me dizia que "aqueles
lugares" não eram coisa boa.
Provavelmente eram os
lugares que elas procuravam
machos para seduzir. Um sinal
de alerta se acendeu dentro
de mim dizendo para nunca
pisar "naqueles lugares".
Sempre havia um caminho
alternativo para buscar, tudo
é questão de escolha!
P2 - Capítulo 38
Após a refeição, acompanhei
Willow de perto. Ela queria
fazer alguns testes primeiro
para determinar com precisão
o meu nível de poder atual e o
potencial de evolução. Esse
seria o ponto de partida para
determinar o que me faltava
para estabilizar as minhas
origens e o quanto eu
precisaria para chegar nesse
tal nível ômega que ela
mencionou.
Estávamos num ambiente
completamente escuro. Eu
não conseguia ver nada além
da grande esfera de quase um
metro de diâmetro no centro
da sala. A esfera era azulada e
tinha um brilho suave.
— Coloque as duas mãos
sobre o orbe. — Ordenou
Willow colocando uma das
mãos nas minhas costas e me
dando um leve empurrão de
incentivo. Me aproximei a
passos lentos, com um pouco
de receio do que eu iria
descobrir. E se o que eu tinha
não fosse o suficiente?
Assim que coloquei a mão, a
sala inteira se iluminou. O
orbe mudou de cor se
tornando branco e radiante, e
havia uma grande quantidade
de fios dourados no ar,
circulando em grande fluxo
como um rio ao meu redor.
— O que é isso? — Perguntei
curiosa. Era bonito de olhar. A
cada corrente dourada que
sumia para dentro do meu
corpo, outras incontáveis
chegavam de várias direções.
— Filha, de onde vem tanta
devoção? — Olhei atrás para o
rosto de Willow. Havia
espanto em seu olhar. — Eu
nunca vi algo assim antes.
Acabei tirando as mãos do
orbe e me virando para ela. Eu
não precisava ler a sua
energia para saber o quanto
estava impressionada, seu
olhar já dizia tudo. Só nisso,
percebi que era algo bom.
— Sou muito famosa no meu
mundo. Milhões de pessoas já
me ouviram cantar. —
Comentei supondo que é disto
que veio toda essa devoção de
que Willow fala.
— Me acompanhe! — Disse
ela seriamente. Segui-a de
perto. Eu ainda queria
entender em que ponto estava
para saber quando eu
conseguiria voltar para o meu
companheiro.
— Uma sala de isolamento? —
Estávamos exatamente na
mesma sala para onde ela me
trouxe no dia anterior. Willow
suspirou profundamente e
sorriu.
— Você é realmente algo sem
precedentes. — Comentou ela.
No ritmo que está, em menos
de um ano chegará ao estágio
final de evolução.
— Um ano? — Franzi a testa
um pouco insatisfeita. Isso era
tempo demais longe de Lohan.
Me doía só de imaginar e
definitivamente eu não
conseguiria aguentar tudo
isso.
No lugar de respostas, acabei
tendo mais uma aula. A
devoção é colhida de várias
formas possíveis e cada forma
podia ser feita mais de uma
vez. Foi como compreendi
verdadeiramente o quão
grande era o fluxo de devoção
que vinha até mim. Como bem
supus a fama era o iceberg e a
minha voz era só a ponta dele.
Era difícil enumerar todas as
formas que eu colhia devoção.
Começando pela aparência,
cada pessoa que me via, seja
por fotos, entrevistas, shows
ou publicidade de produtos e
admirava algo em mim me
gerava devoção.
A segunda forma e, sem
dúvidas, a principal, é através
do trabalho. Admirar minha
voz era apenas uma das
formas, a principal adivinha
de cada música que eu
escrevia. Cada trabalho que eu
realizava que era admirado,
coletava uma devoção
adicional. Cada música que
criei que as pessoas gostavam,
me gerava energia adicional.
Uma única pessoa podia me
gerar dezenas ou até centenas
de feixes de energia provindas
da devoção. Considerando a
tecnologia e a forma como as
informações se espalham no
outro mundo pelo meio
online, meu trabalho de forma
geral, seja como cantora,
compositora ou modelo
estava amplamente difundido
me gerando uma corrente
gigantesca de devoção.
Uma terceira e última forma
de se colher devoção é por
meio da sedução. No desejo é
de onde vem a energia mais
forte e é o motivo principal
pelo qual as bruxas optam por
esse caminho. Uma única
noite de paixão dá mais
devoção do que semanas
expondo trabalhos artísticos
nas chamadas ruas
movimentadas. Além disso,
quanto mais poderoso o
macho seduzido, mas
poderosa é a devoção
coletada. De acordo com
Willow, um rei como Lohan
provavelmente me gerou
muito mais energia em nossa
primeira vez pelo desejo
acumulado do que minhas
irmãs conseguem em anos de
trabalho. Senti meu rosto
esquentar enquanto pensava
nisso.
— Além disso, há devoção que
surge pelo nome. —
Comentou Willow expondo o
próprio caso. — O meu poder
de trevas é o segundo
elemento mais raro e, assim
como a luz, demanda um nível
extremamente elevado de
devoção para criá-lo e
estabilizá-lo. Consegue
imaginar de onde consegui
isso?
A pergunta dela me deixou
pensativa. Enquanto eu
olhava para a marca em seu
braço, lembrei-me de que seu
receptáculo é um trono. Se a
devoção coletada se deu pelo
nome, a primeira coisa que
me passava pela cabeça é a
profecia.
— A profecia, o nome da nova
rainha, certo? — É o tipo de
informação que se espalha
como fogo pelo mundo todo.
— Você se torna famosa só
pelo status com que nasceu.
— Muito bem! — Disse-me ela
satisfeita. — Como rainha,
minha fama se espalha
rapidamente e isso é um
atalho para a coleta de
devoção. O mesmo vale para
filhas de bruxas de grande
renome. Elas precisam lutar
muito menos para alcançar
seu espaço do que aquelas
que nasceram das bruxas
inferiores. A devoção pelo
nome tem grande impacto na
coleta de devoção e isso é algo
que você também tem.
A profecia da rainha
predestinada é o que me torna
famosa nesse mundo. Uma vez
que já fui apresentada
oficialmente como a
companheira de Lohan, os
boatos e notícias sobre a
rainha com o poder capaz de
anular a maldição
provavelmente já se
espalharam por toda Éldrim,
fazendo com que o meu nome
fosse amplamente comentado
e admirado entre os lobos. A
quantidade de devoção
provinda disso é incalculável.
— Só existem três bruxas ao
longo de toda história que
chegaram suas origens ao
estágio ômega, e todas elas
levaram milhares de anos e
inúmeras gerações para
conseguir alcançar isso. Você
conseguir alcançar esse feito
em idade tão jovem é algo que
foge a minha compreensão.
Filha, o que você está fazendo
para continuar recebendo um
fluxo tão gigantesco? Você não
está trabalhando e nem se
expondo e há um limite para a
quantidade de devoção que o
nome consegue trazer, e é
algo ínfimo em comparação
com a enxurrada que vem
recebendo. Qual o segredo?
— Internet, eu acho... —
Comentei um pouco inquieta.
Ela me olhou confusa por
conta do termo que eu usara.
Não pude deixar de pensar
que se existisse isso nesse
mundo, as bruxas dominariam
as redes sociais, blogs e canais
de vídeo. — Internet é algo
que no outro mundo é capaz
de conectar todas as pessoas
ao mesmo tempo, onde
estiverem. Qualquer trabalho
que faço pode chegar ao
mundo inteiro através deste
recurso. Recentemente mais
um álbum de músicas meu foi
lançado e tem sido
amplamente comentado do
outro lado. Se a devoção
consegue atravessar de
alguma forma, acho que pode
ser esse o motivo.
Pelo menos é a única coisa
que fazia sentido na minha
cabeça. Esse é um método de
coleta de devoção cômodo. Eu
fazia a minha parte e minha
equipe cuidava do resto.
Mesmo após a minha partida,
tenho certeza que Liliane
continuava mantendo o perfil
da Lisa vivo divulgando
vídeos e fotos minhas que ela
tinha armazenado. Sorri ao
pensar que cada curtida podia
estar me gerando uma
devoção extra. Humanos são
realmente muito úteis!
— Não existe barreiras para a
devoção. Sejam mundos ou
dimensões diferentes,
absolutamente nada retém
essa energia de chegar ao seu
destino. — Comentou Willow.
Ela estava especialmente
pensativa, e isso me deu
tempo para assimilar outra
coisa.
— Willow, por que você
precisa que eu chegue ao nível
ômega. Não posso focar em só
estabilizar minhas origens? —
Do jeito que Willow falou
sobre as bruxas que
alcançaram o nível ômega,
estava claro que ela não era
uma delas. Como minha
prioridade ainda era controlar
o meu poder e voltar para o
Lohan o quanto antes, o nível
da origem pouco me
importava.
— Dois motivos. O primeiro é
que sua origem de luz é
preciosa demais para ter
pontos fracos. O nível ômega
não só a deixará indestrutível,
como também a sua loba.
Você é a primeira bruxa que
possui uma origem que se
materializa dentro de você,
sem contar que você pode
assumir a forma de sua
origem. Entende as
implicações disso?
Indestrutibilidade? Isso é
demais! Acho que Lisa se
sentirá da mesma forma que
eu ao descobrir isso. Imaginar
que em minha forma de lobo
eu serei indestrutível significa
que, dificilmente, alguém
conseguirá me matar. Seria o
auge no quesito de segurança!
— E o segundo? — Perguntei
atenta. Me sentia extasiada
enquanto ainda assimilava as
implicações e as
possibilidades advindas da
primeira possibilidade.
— O básico sobre a evolução.
Quanto mais evoluída a sua
origem, maior o seu poder.
Eu entendia que meu poder
era precioso, principalmente o
meu elemento luz, mas queria
compreender o alcance disso
e o porquê era tão importante.
— Preciso de aplicações
práticas. — Pedi à Willow. —
O que posso fazer com esse
poder se ele evoluir ainda
mais?
— Não percebe o que você já
faz? — Ela me desafiou a
pensar por mim mesma e foi
isso que fiz. O que eu tinha de
especial? O que eu fazia até o
momento que não parecia ter
uma explicação lógica, mas
era de grande importância? A
primeira pista que Willow já
mencionara é a brecha que
criei entre mundos, mas
claramente haviam mais
coisas.
— Posso... quebrar maldições?
— Senti meu coração se
acelerar enquanto pensava
sobre as lentes que dei para o
Lohan. Quando o dei a ele,
desejei ardentemente que as
lentes resolvessem o seu
problema seja o que fosse,
sem ter a mínima ideia de que
em seus olhos residisse uma
maldição tão poderosa.
Inconscientemente devo ter
usado uma magia de luz nelas,
a única coisa que explica o
fato de um objeto meramente
material ter o poder de
esconder uma maldição
daquelas.
— Mais do que isso, quando o
seu receptáculo despertou na
origem de luz, você se tornou
automaticamente imune a
qualquer maldição. Mesmo a
maldição da lua que você já
tinha, a mesma que fez sua
loba despertar precocemente
fora quebrada, e é por isso
que você não só pôde sentir o
vínculo do companheiro como
também olhar nos olhos
amaldiçoados de Lohan sem
ser afetada.
— Se sou imune a maldições,
por que o vínculo com o meu
verdadeiro companheiro não
foi reestabelecido? — Se isso
fosse verdade, eu e Lohan
deveríamos nos reconhecer
sem a marca. Eu desejava isso,
então essa maldição deveria
ter sido quebrada.
— É porque esse problema
não é uma maldição, mas
outra coisa.
— Que coisa?
Willow não era só inteligente,
como também muito
observadora. Ela não tinha
uma resposta precisamente
comprovada, mas todas as
observações e conclusões que
fez eram extremamente
lógicas. Como uma das
precursoras do projeto, ela
tinha todas as informações
compartilhadas de Éldrim. O
questionamento era simples:
Se a maioria dos lobos estava
em Éldrim e o vínculo do
companheiro provoca a
ligação entre parceiros
compatíveis, por que todos os
lobos do outro mundo
começaram a se ligar entre si?
A lógica seria que os parceiros
ideias pudessem estar em
Éldrim!
— Por conta da sua profecia, é
possível afirmar que o que
interrompe a ligação é o
Devorador. Ele é como uma
lâmina afiada que corta o
cordão que liga os destinos
através do vínculo do lobo. As
pontas soltas acabam se
reorganizando e se
conectando entre si. —
Concluiu Willow me dando
um tempo para pensar sobre
isso.
Se ela estiver certa, não sou só
eu que tive meu vínculo
cortado e entregue a outro,
mas praticamente todos eles.
Assim como eu, todos estão
sujeitos a terem parceiros
originais em Éldrim.
— Deve haver uma forma de
se restaurar o vínculo
original. — Comentei. A marca
era só uma cola. Esperava que
tivesse uma cura para isso, e
talvez o meu poder de luz
conseguisse fazê-lo.
— Há uma forma, mas isso
não vale para o seu caso. — O
que ela viu que eu não vi
ainda? Por que isso não serve
para mim? Ela rapidamente
me deu uma resposta. —
Quanto ao seu antigo
companheiro com quem sua
'ponta solta' se ligou, soube
que ele perdeu a ligação com
você quando passou pela
provação. O mais possível é
que a reestruturação de seu
lobo a esse mundo o
reconectou ao seu vínculo
original.
— Então ele terá uma nova
chance? — Eu estava
espantada com isso, mas de
uma forma positiva. — Lohan
sabe dessas coisas que você
está me dizendo?
— Possivelmente, mas pelo
que conheço dele, não deve se
pronunciar até que a teoria se
confirme.
Não pude deixar de pensar em
meus pais. Eles tiveram a
reestruturação de seus lobos
também, só que mantiveram o
vínculo entre si. A resposta
para isso também estava na
minha profecia. O
acasalamento entre eles selou
o vínculo ligando-os
permanentemente, e isso
provavelmente vale para
todos do outro lado que
oficializaram seus vínculos
dessa forma. É por isso que se
eu tivesse sido de William,
teria perdido o meu Lohan.
— Seu lobo jamais passará
pela reestruturação porque
você é uma bruxa. —
Lembrou-me Willow do
motivo pelo qual o mesmo
não valia para mim. — Não
importa o quanto queira se
conectar ao seu companheiro,
o vínculo continuará sendo
cortado vez após vez pela
mesma lâmina, e é por isso
que, para você e Lohan, é tão
essencial que o Devorador
seja destruído.
O Devorador é como uma
doença e a marca de Lohan
em mim é como um remédio
que lida apenas com os
sintomas, sem remover a
causa. Se evoluir para o
estágio final for minha melhor
chance para lidar com a causa,
eu o farei!
— Quanto ao poder de
quebrar maldições, eu posso
curar os olhos do meu
companheiro? — Se as
calamidades não mais o irão
atingir comigo ao seu lado,
significa que eu poderei lidar
com os demais problemas
dele. Eu precisava acreditar
nisso!
— Se você atingir o nível
ômega, não há maldição que
não possa quebrar. É disso
que se trata a magia de luz!
P2 - Capítulo 39
Tive informações demais para
processar em um único dia.
Adentrei o meu quarto e me
sentei de frente ao espelho,
passando um pano umedecido
em meu rosto para remover a
maquiagem. Eu estava
mentalmente exausta.
Enquanto fazia isso, liberei a
origem de Lisa e deixei-a
sondar minhas memórias.
"Vou ser indestrutível? Então
vou ser a loba mais forte de
Éldrim!" — Lisa estava rindo
feito uma criança quando viu
isso, o que me deixou de bom
humor. Ela sofreu muito
quando insistiram em chamá-
la de loba fraca.
"Você já é, a única loba bruxa
de toda Celestria!" —
Respondi me colocando de pé.
Pensei em como descobrimos
nossa primeira magia
espiritual juntas. Isso significa
que posso usar magia em
minha forma de loba. Tem
como ser mais apelão que
isso?
"Me deixa sair!" — Implorou
super empolgada. Tirei
minhas roupas e acabei rindo
enquanto cedia o meu corpo a
ela, que estava morrendo de
curiosidade em saber se
mudara em algo.
Assim que me transformei,
Lisa subiu com as patas
dianteiras em cima do banco
para se olhar no espelho. Ela
estava exatamente igual a
antes de passarmos pela
provação, no mesmo tamanho
e mesmas características
físicas. Não nos sentíamos
mais fortes e nem mais
rápidas, mas a nossa energia
mágica realmente estava
diferente, muito mais grossa e
densa, nos envolvendo
completamente como um
escudo.
Diferente do que pensei, Lisa
não estava desapontada em
não ter mudado, acho que por
conta do apelido carinhoso
que Lohan nos deu de lobinha
branca. Lisa gostava de ser a
pequena dele e gostava de
como o belo e grande lobo
negro de Lohan se impunha e
a cobria como um macho
atento e protetor.
"Quero correr e testar os
nossos novos poderes!" — Ela
estava com a rabo abanando
enquanto tudo o que eu fazia
é absorver a sua felicidade. No
fim das contas, a nossa
provação foi muito mais
surpreendente do que eu
poderia imaginar.
"Ainda não é o momento.
Preciso me adaptar ao local
primeiro e aprender muitas
coisas antes." — Respondi-lhe
enquanto tomava o controle
de volta. Precisava conhecer o
território, a estrutura do local,
seu funcionamento e ademais
informações e encontrar
brechas. O trabalho pela
frente seria longo se eu
quisesse realmente dar uma
escapada de vez em quando.
O dia seguinte seria o meu
primeiro dia de aula oficial
como bruxa e eu precisava
descansar. Eu daria
novamente vida à minha
rotina de cronogramas
apertados e exaustivos, tudo
para poder voltar o mais
rápido para ele...
— Lohan, meu amor... —
Suspirei ainda inconformada
em não poder vê-lo. Como ele
estava sem mim? Será que
ficaria bem? Era impossível
pensar nele sem me
preocupar, sem sentir a dor
da separação ou pensar em
tudo o que aconteceu nos dias
em que estive desacordada
para ele. Como eu poderia
relaxar se ele provavelmente
estava desesperado se
perguntando onde eu estava?
Eu não merecia isso, não
merecia ficar feliz às custas da
dor dele.
"Sinto muito!" — Pensei,
deixando que as lágrimas
fluíssem. Isso tudo era
necessário se eu quisesse ter
o poder de quebrar a
maldição dele. Deitei-me na
cama e fiquei olhando para o
teto branco.
"Estamos fazendo isso por ele.
Ele vai entender e vai nos
perdoar. Ele nos ama!" — Me
dizia Lisa.
"Sim, você está certa!" —
Respondi desviando minha
atenção para o padrão mágico
oscilante no teto. É um...
relógio?
Quanto mais eu analisava as
formas, mas certeza tinha
disso. Como não havia notado
antes? O teto todo é como um
imenso relógio, cujos
ponteiros e números
luminescentes apenas podiam
ser vistos quando se encara
aquilo com mais atenção.
Recordei-me das últimas
instruções que Willow me deu
quanto aos horários das
refeições e das aulas. Quando
perguntei a ela sobre como
saberia as horas, ela apenas
riu e me liberou dizendo que
em breve eu descobriria.
Acima de mim estava a
resposta.
"Então é isso..." — Pensei
enquanto meus olhos se
fechavam.
Comecei a me lembrar dos
primeiros dias que passei
nesse mundo com Lohan. Foi
muito bom quando finalmente
deixei todas as minhas
preocupações de lado. Nada
de escola, nada de trabalho,
nada de atividades
domésticas, treinamento e
nada de lutar. Eram dias
tranquilos onde tudo o que eu
precisava fazer era deixar
Lohan me envolver
completamente com seu amor
e atenção. Será que esses dias
voltarão?
"Estou tão cansada..." — Me
remexi várias na cama
enquanto pegava no sono.
Quando acordei, o ambiente
estava relativamente claro.
Pensei que ainda não tinha
anoitecido ainda, mas quando
olhei para o alto, saltei da
cama e corri para me arrumar.
Eu havia perdido a janta do
dia anterior e estava prestes a
perder a refeição matinal
também.
— Merda, vou chegar
atrasada! — Grunhi enquanto
saía do quarto apressada.
"Esqueceu de mim!" —
Lembrou-me Lisa. Recolhi a
sua origem enquanto descia
as escadas correndo. Para o
meu desapontamento, o
refeitório já estava vazio e o
resto da comida estava sendo
recolhida. Aproximei-me de
uma das bruxas, esperando
ainda conseguir algo.
— Com licença! Posso pegar
um pãozinho? — Pedi com
jeitinho. Aquela bruxa se
virou lentamente para mim e
me encarou por longos
segundos antes de me dar
qualquer resposta.
— Você é a novata, não é? —
Perguntou-me com gentileza.
Seu conjunto estiloso azul
turquesa e seu porte físico a
faziam parecer uma modelo.
Alta, magra, pela parda,
cabelos lisos compridos de
cor castanho médio e olhos
cor de mel. O que mais se
destaca nela são suas orelhas
grandes e pontudas,
provavelmente élficas. Tão
linda...
— Ah, sim! Sou a Liz, prazer!
— Sei quem você é! — Disse
ela rindo. — Todas só falam de
você desde ontem. Sou a Agnes.
— Agnes... — Repeti enquanto
gravava o seu rosto. Eu não a
tinha visto no dia anterior. O
que mais me chamou a
atenção é a marca de trovão
em seu braço direito.
Pessoalmente é a primeira vez
que eu a tinha visto. Para me
familiarizar, eu precisaria
observar melhor os elementos
das outras bruxas de agora
em diante.
— Aqui. — Disse ela esticando
a bandeja em minha direção.
— Ajudo na cozinha de vez em
quando, mas minha principal
função é gerenciar a
biblioteca. Se precisar de ajuda
para encontrar livros
específicos é só me procurar.
— Certo! Obrigada! —
Agradeci enquanto pegava
alguns itens na bandeja.
Observei-a com atenção uma
última vez antes de me virar e
voltar a correr. Eu
provavelmente precisaria
recorrer a Agnes muitas
vezes, mas minha prioridade
no momento era não me
atrasar para a aula.
Fui comendo enquanto
procurava pela porta de
entrada do palácio. É a melhor
referência que eu tinha a
respeito de onde fica o
escritório de Willow. Embora
ela tenha feito um tour
completo pelo palácio comigo
no dia anterior, tudo ainda era
muito novo e confuso.
"Direita ou esquerda?" —
Pensei um pouco ansiosa
antes de fazer a escolha
errada. Assim que parei em
um beco sem saída, dei meia
volta. Não é porque Willow ia
me dar aulas particulares nos
primeiros dias que eu iria
abusar de sua boa vontade.
Ela é alguém importante
demais e seu tempo é valioso,
e...
— Ai! — Gemi. Uma das
portas do corredor tinha sido
aberta bruscamente bem na
hora que eu estava passando e
dei de cara com ela.
— Não te percebi. Sinto muito!
— Ouvi uma voz dizer do
outro lado. A bruxa fechou a
porta com o pé, uma vez que
suas mãos estavam ocupadas
com uma pilha de roupas
dobradas. De baixa estatura,
aparência formosa, pele
escura e cabelos pretos
cacheados. Usava um curto
vestido roxo e seus olhos cor
de avelã me encaravam
curiosos.
Choraminguei enquanto
esfregava o nariz, não pela
dor do impacto, mas como um
lamento pelo resto do meu
pão que acabou caindo no
chão.
— Está tudo bem! Acontece...
— Respondi um pouco
atordoada ao perceber uma
mancha de sangue na minha
mão. Meu nariz estava
sangrando, algo que não
deveria acontecer com uma
batidinha de nada como essa.
Quando eu ia pedir para Lisa
me curar, lembrei-me de que
a recolhi para a marca. É como
se ela estivesse selada dentro
de mim. Pelo visto, sem ela,
sem meus poderes de lobo
também.
— Não acredito! — Aquela
bruxa começou a me rodear,
seus lábios se curvando em
um sorriso enquanto seus
olhos brilhavam de
admiração. — O vestido que fiz
ficou tão lindo em você! Então
você é a...
Ela parou o que estava
dizendo. Provavelmente
esqueceu o meu nome e não
queria me chamar de novata
ou coisa do tipo. Ela é outra
bruxa que eu não tinha
conhecido ainda.
— Liz, prazer. Foi você quem
fez essa roupa? — Perguntei
educadamente. Apesar da dor
no nariz ter diminuído, eu
sentia que ele ainda estava
sangrando. Eu estava tão
acostumada com a minha loba
que tudo sem ela era muito
estranho. Me sentia insegura e
vulnerável, indícios da
dependência que adquiri dela.
Sem o olfato e a percepção
dela, dificilmente eu
conseguiria me localizar com
facilidade dentro do palácio.
— Sim, sou uma bruxa
costureira. Vim buscar uma
nova leva de roupas para
vender na zona movimentada
da cidade neutra. Sobre o
vestido, o que achou dele? É do
seu gosto?
— É bem bonito! — A costura
é bem feita, o designer é
elegante e o toque de
sensualidade é discreto. A cor
não era a minha preferida,
mas Willow a escolhera para
mim, então não é algo que eu
podia reclamar.
— Sempre que precisar, fale
comigo! Se tiver um pedido
específico, costurarei no seu
gosto. Aqui é o meu ateliê. —
Memorizei a porta
mencionada. Depois dessa
experiência, não tinha como
eu esquecer. Provavelmente
pediria modelos ainda mais
discretos no futuro, mas, por
hora, eu precisava encontrar
Willow.
— Agradeço! Com certeza
procurarei você! — Falei-lhe
acenando com a cabeça antes
de passar por ela e seguir em
frente.
— Procurando pelo escritório
da Willow? — Sua voz tornou
a soar de perto. Olhei para o
lado e ela estava tentando
acompanhar o meu ritmo.
Seus olhos continuavam
brilhando e tive a impressão
de que ela queria algo a mais
comigo. Parei
momentaneamente quando
notei uma marca psíquica em
seu braço.
— Sim. — Respondi
desconfiada. Será que ela
estava tentando me sondar
por não conseguir ler a minha
mente, ou será que ela estava
lendo a minha mente e por
isso sabia aonde eu queria ir?
Considerando os brincos em
minha orelha, é improvável a
segunda hipótese. De
qualquer forma, achei melhor
me manter alerta, afinal, eu
não sabia ainda até que ponto
eu poderia confiar em uma
bruxa. — Como sabe o que
estou procurando?
— Você é nova aqui. Willow
sempre dá uma certa atenção
particular aos novatos. Pela
pressa, posso ver que está
atrasada. Permita-me mostrar
onde é.
— Será de grande ajuda! —
Respondi um pouco mais
calma. Eu ampliara minha
percepção energética usando
meus poderes espirituais para
ler o seu espírito. Por algum
motivo, eu não conseguia ver
suas reais intenções, mas
senti que estava sendo
sincera.
Acabei aceitando sua boa
vontade e segui-a de perto
tentando decorar o máximo
possível de referências pelo
caminho.
— É naquela porta. — Disse-
me apontando a direção com a
cabeça. — Sobre Willow, não
se preocupe! Ela não vai te
culpar por se atrasar. Na
verdade, ela é bem flexível e
são os alunos que escolhem o
próprio ritmo, então se você se
atrasar ou faltar, ela não vai se
importar. Há muito tempo pela
frente afinal.
Muito tempo pela frente, é? A
quem eu queria enganar? O
que realmente me preocupava
não é sobre gastar o valioso
tempo de Willow, mas o meu!
Para quem vive tanto, gastar
décadas para ir aprendendo
as coisas deve ser normal,
mas para alguém com baixa
expectativa de vida, o tempo é
tudo.
Agora que passei pela
provação, perguntei-me
quanto tempo eu viveria.
Como supostamente sou uma
bruxa de alto nível,
provavelmente poderei viver
com o meu companheiro por
um longo tempo assim como
eu queria. Eu realmente
precisava apressar tanto as
coisas? Sorri para aquela
bruxa. Por algum motivo, suas
palavras me confortaram.
— Antes que eu esqueça, me
chamo Janet. Espero que
possamos nos encontrar de
novo em breve!
— Igualmente! — Respondi
vendo-a se virar em direção a
porta de saída. Isso era
apenas o início.
P2 - Capítulo 40
Willow, em minha percepção,
é o conceito de professora
ideal. Sua abordagem é
extremamente prática e ela
sempre tira todas as minhas
dúvidas, me explicando tudo o
que eu quero saber, muito
diferente do Lohan que só
sabia ficar me dando livros e
mais livros para ler.
Eu estava extremamente
focada em todas as horas que
passei treinando com Willow,
e no restante do tempo em
vez de ficar perambulando ou
me dedicando a correr atrás
de devoção como as demais
bruxas faziam, — algo que eu
definitivamente não precisava
— ficava na biblioteca
estudando.
O primeiro passo foi entender
o básico sobre as bruxas para
compreender mais acerca de
mim mesma. Comecei
entendendo sobre a natureza
dos poderes de uma bruxa.
Haviam duas categorias de
natureza. A elemental que
consistia em água, terra, fogo
e ar como os elementos mais
comuns, trovão como
elemento incomum, trevas e
luz como elementos raros. Os
elementos comuns é o poder
essencial de mais de noventa
por cento de todas as bruxas
em Celestria.
A segunda natureza que uma
bruxa pode ter é a astral, que
por si só é mais incomum em
relação ao elemental. Cerca de
apenas onze por cento das
bruxas tem poderes astrais, e
dentro desta categoria, estava
o poder psíquico e o
espiritual, sendo o psíquico
muito mais comum de se
desenvolver.
O curioso é que uma bruxa
elementar podia ter uma
origem astral, mas nunca o
contrário. Isso acontece
porque, diferente da natureza
elemental, a natureza astral
não é só hereditária. Assim
como foi com Willow e
comigo, caso a receptáculo
original colha muito mais
devoção do que o necessário
para desenvolver uma origem,
ela é direcionada na formação
de uma segunda origem,
sempre de poder astral. Isso
ocorre porque é impossível
ter duas origens de mesma
natureza. Assim sendo, não é
possível ter duas origens
elementais, ou as duas origens
astrais ao mesmo tempo.
Como bruxa ancestral, minha
semente vinha sendo
cultivada e nutrida por
inúmeras gerações,
aumentando a chance de se
converter em um elemento
raro. Quanto mais poderoso é
o elemento, mais devoção
também é necessária para
trazer à tona a sua origem. Eu
já tinha uma forte
predisposição, e foi a minha
carreira como cantora que
permitiu a quebra da
hibernação, fazendo a
semente germinar e crescer.
Quanto ao receptáculo, é
geralmente algo com
significado profundo na
geração da devoção. Preciosa
foi o primeiro fundamento
para a minha carreira, e foi
por ela que aprimorei meu
talento pela música e iniciei
minhas composições, que
vieram a se tornar minha
principal fonte de devoção.
Por causa disso, ela se tornou
meu primeiro receptáculo.
Quanto a Lisa, ela foi um
acidente feliz em meu destino.
Se eu fosse uma loba comum,
minha origem bruxa teria
despertado antes da minha
loba, então eu nunca a teria.
Por conta da maldição da lua,
Lisa despertou muito antes do
que deveria, e como a
natureza Bruxa é soberana,
minha loba teria sido
suprimida e desaparecido
após a minha provação se eu
não a tivesse tornado um
receptáculo. Ela sim é o que
eu podia chamar de milagre!
Quando o meu primeiro
receptáculo colheu devoção
mais que suficiente para
despertar, começou a
transbordar originando um
segundo receptáculo. Sem
saber, ao usar o nome da
minha loba como nome
artístico e assumir a
personalidade dela para
performar em público, eu
acabei direcionando essa
energia excedente para ela.
Ambos os receptáculos se
encheram criando minhas
origens, e na idade de
maturação, despertaram. A
época do despertar coincide
com o tempo em que tive
minha primeira crise. Isso me
fez perceber que eu já vinha
recebendo o chamado desse
lado desde aquela época, sem
fazer a mínima ideia do que se
tratava. Emoções fortes
pareciam ser o gatilho que me
permitia escutá-lo, mesmo no
outro mundo.
De súbito, acabei
compreendendo o motivo de
Willow estar tão confiante de
que eu viria até ela. Enquanto
o meu poder crescia e o
tempo de me provar se
esgotava, naturalmente
haveria a intensificação do
chamado e eu poderia acabar
entrando em transe e vindo
parar neste mundo mesmo
sem Lohan ter interferido.
"Parece que não podemos
subestimar a astúcia de
Willow!" — Comentei com
Lisa. Ela concordou
prontamente. Depois de muita
ponderação, decidi liberá-la
sempre que eu estivesse em
ambientes mais solitários,
mesmo fora do quarto.
O plano da rainha das bruxas
fora melhor arquitetado do
que eu podia imaginar. Para
confirmar minha suspeita, eu
precisava entender o que é
exatamente o chamado e
porque me provei em uma
câmara que deveria estar em
ruínas ao invés da câmara
oficial das bruxas.
Olhei através de várias fileiras
de livros, imaginando se eu
seria capaz de encontrar a
resposta para isso sem ajuda.
A bibliotecária Agnes, é
também uma bruxa escritora.
Assim como ela com o
elemento trovão, quase todas
as filhas de Willow que
habitam em seu palácio tem
elementos mais incomuns, e
as poucas que tem um
elemento comum, ou são
extremamente dotadas ou
possuem um segundo
elemento.
No momento, Agnes estava
sentada na recepção
escrevendo manuscritos. Ela é
uma das poucas que ficou
para trás. Quanto mais perto
da lua cheia, menos bruxas
circulam pelo palácio. Agnes
foi quem me mostrou onde
encontrar os livros de
principiante que andei lendo.
Eu não queria interrompê-la,
ainda mais para perguntar
algo tão específico quanto
chamados e câmara das
bruxas ancestrais. Ela
provavelmente desconfiaria e
Willow deixou claro a
importância de se manter
segredo. Comecei a procurar
por mim mesma, mas logo fui
interrompida.
— Você realmente não vai até
a cidade neutra? —
Perguntou-me Agnes. Ela
estava de pé ao meu lado.
Por conta da euforia dos
últimos dias, acabei ouvindo
muitas coisas das bruxas
sobre as zonas movimentadas.
A cidade neutra é a principal
delas. Ela é grande e abrange
praticamente um território
inteiro. É uma zona onde
povos de todas as regiões do
mundo vão para fazer
negociações de todos os tipos
de itens e recursos e também
para participar das festas
mais badaladas de Celestria.
Aparentemente a lua cheia
tem um poder místico não só
para o despertar dos lobos.
Sendo uma época de
intensificação da magia, é
capaz de deixar os povos com
mais euforia e energia, e as
bruxas em especial tem o seu
poder de charme e sedução
aumentado. Para as zonas
movimentadas, a lua cheia é o
dia de maior concentração de
pessoas, motivo pelo qual
todas as bruxas costumam ir
para lá tentar a sua sorte.
— Não. — Respondi
devolvendo o livro para
prateleira usando a mão
esquerda. — Meu foco inicial
é aprender mais sobre os
meus poderes.
— Ao final do terceiro
corredor na prateleira à
direita há uma seção exclusiva
sobre magia espiritual. Boa
leitura! — Dito isso ela se
virou e saiu. Agnes é uma
bruxa séria, mas atenciosa,
então tive uma boa impressão
dela.
"Finalmente ficamos
sozinhas!" — Comentei com
Lisa. Foi algo muito difícil de
se alcançar nos últimos dias.
Senti que Lisa estava doida
para sair e correr, mas seria
algo muito difícil de dar a ela
por um bom tempo.
Explorando um pouco mais os
arredores, descobri que
haviam várias barreiras
protetoras cercando a
propriedade de Willow, uma
para o jardim e outra
diferente para o palácio.
Apenas os inscritos podem
adentrar, e ninguém entra e
sai sem que a rainha saiba.
Me concentrei na leitura por
algumas horas aproveitando o
sossego, mas logo perdi a
concentração. Meu corpo
começou a ficar quente como
se eu estivesse pegando fogo.
Incomodada com a sensação,
larguei o livro de lado e corri
para o meu quarto. Sentia-me
ofegante quando entrei.
— Preciso me refrescar! —
Falei comigo mesmo
enquanto enchia a banheira
com água gelada. Mergulhei
dentro na esperança de aliviar
o calor, mas não funcionou.
Me sentia mal, uma sensação
horrível!
"Estamos doentes?" —
Perguntou Lisa igualmente
preocupada. Ela enviava sua
energia para me curar, mas
não parecia estar surtindo
efeito algum.
— Só há um jeito de
descobrir! — Como a água
gelada não funcionou, tornei a
me vestir e resolvi procurar
por Willow. Ela
provavelmente saberia o que
está acontecendo comigo.
Não fui nada sutil ao sair do
meu quarto correndo,
descalça e sem me arrumar
enquanto ativava minha visão
espiritual. Quase não havia
pessoas no palácio, e rezei
para que Willow também não
tivesse saído para a cidade
neutra. Minha prece foi
prontamente atendida.
Rapidamente detectei a
poderosa energia de Willow
vindo de seus aposentos.
Assim que ela sentiu minha
proximidade, veio ao meu
encontro.
— Preciso de ajuda! — Disse-
lhe assim que os nossos olhos
se cruzaram. Sem me
perguntar mais nada, ela
assentiu com a cabeça e
sinalizou que eu a
acompanhasse. Ela me levou
até a cozinha e me preparou
um chá. Observei atentamente
como ela o fazia para o caso
de eu precisar disso de novo
em outro momento.
— Isso irá ajudá-la a aliviar os
sintomas. — Disse me
entregando a xícara.
— O que é que eu tenho? —
Perguntei assim que tomei o
conteúdo em uma golada só.
Estava desesperada demais
para aplacar o calor. Não
conseguia parar de suar.
— Esse calor que está
sentindo é porque a sua
origem não está estabilizada.
Enquanto não resolver isso,
toda lua cheia será acometida
pelos mesmos sintomas. Vá
para o quarto e descanse.
Amanhã cedo esse incômodo
já terá passado.
Incômodo? Essa era uma
palavra amena. Isso estava
mais para tortura!
— Obrigada! — Falei a ela e
fiz conforme ela me pediu. Me
deitei na cama, mas não
conseguia dormir de jeito
nenhum. A inquietação e o
fogo dentro de mim
diminuíram gradativamente,
apenas se tornando
suportáveis.
Assim que o novo dia
começou a nascer, o cansaço
fez meu corpo ceder e acabei
adormecendo. Quando
acordei, Willow estava
sentada do meu lado olhando
para mim.
— Se arrume e desça até a
sala de isolamento. — Disse-
me suavemente. — Há mais
uma coisa importante que
preciso que saiba sobre você!
— Sobre mim? — Minha voz
saiu meio rouca. Minha
garganta estava seca e minha
cabeça doía um pouco. Willow
assentiu antes de se retirar.
Me arrumei com um pouco de
ansiedade e recolhi a Lisa
antes de sair do quarto.
Enquanto eu descia as
escadas, percebi que o fluxo
de bruxas no palácio
aumentara em muito.
"Como elas conseguem ir e
voltar tão rápido da cidade
neutra?" — Perguntei-me. O
número de bruxas
desconhecidas aumentou
exponencialmente. Pela forma
que me cumprimentavam e
tentavam prender a minha
atenção, eu diria que já
tinham ouvido falar de mim
pelas outras.
— Com licença, a mãe me
espera! — É o que eu sempre
dizia a elas para tentar me
livrar das investidas. Quando
me aproximei da porta da
sala, Willow a abriu para mim.
Dentro, estava uma bruxa que,
diferente das beldades que se
via pelo palácio, tinha uma
aparência mais velha.
— Filha, permita-me
apresentá-la Zaila, a
sacerdotisa real do reino das
bruxas. — Disse-me Willow.
Zaila deu um sorriso
simpático enquanto se
aproximava de mim a passos
rápidos, o que era engraçado
considerando a sua aparente
idade. Eu podia dizer por sua
energia que ela estava
encantada em me ver.
— Esperei muito tempo para
te conhecer. — Disse-me Zaila
pegando na minha mão. Notei
que seu braço direito tem o
símbolo do elemento
espiritual.
— Oh, prazer! — Eu me sentia
extremamente desconfortável
com a forma como Zaila me
olhava, cheia de perspectiva e
admiração. Tive um mal
pressentimento quanto a isso,
o que logo se confirmou pelas
palavras da própria Willow.
— Filha, foi Zaila quem fez a
sua profecia.
Engoli em seco enquanto
encarava os olhos brilhantes
da anciã. Alternei meu olhar
entre ela e Willow enquanto
ponderava nas implicações
disso, caso fosse verdade.
— Não! Foi uma criança que
profetizou isso para o meu
companheiro, certo? —
Precisava ser. Não podia
aceitar que minha profecia
viesse de uma bruxa. Isso
implicaria que sou a futura
rainha não dos lobisomens,
mas das bruxas.
— A criança é só uma
mensageira nossa. Por
crianças não terem seus lobos,
o rei Lohan não poderia
descobrir que a criança era,
na verdade, uma bruxa. Foi
um planejamento minucioso
para colocá-la no caminho
dele e tirá-la de lá
misteriosamente. — Explicou-
me Willow cautelosamente. —
Era essencial que ele soubesse
da profecia, uma vez que o
destino de vocês dois estão
ligados.
Meu coração batia forte em
meu peito e eu não conseguia
discernir as implicações que
isso teria no meu futuro. Não
podia aceitar isso! O destino é
meu, então as escolhas são
minhas!
— Por que está me contando
isso?
— Para que entenda que
estou de olho em você a mais
tempo que possa imaginar.
Desde que a sua profecia
surgiu eu sabia que a semente
que implantei no outro
mundo despertaria. O enigma
que nos levou até você era
simples de desvendar. Em
primeiro, só há um poder
capaz de anular as
calamidades do rei Lohan, e
este vem do elemento luz.
Dessa forma eu sabia que a
rainha da profecia seria uma
bruxa do outro mundo,
portanto, descendência de
Cian. O segundo aspecto do
enigma foi o mais intrigante.
Como uma bruxa seria capaz
de formar um elo de
companheiro? É por isso que
lhe afirmei com tanta
segurança que uma de suas
origens é uma loba, e que ela
ainda estava em você, já que a
profecia é clara sobre isso.
Para isso ser possível, a
rainha da profecia teria de
descender dos amaldiçoados
da lua nova. Zaila é uma bruxa
com talentos para
adivinhações e oráculo e foi
ela quem te rastreou de forma
que pudéssemos alertar
Lohan a ficar de olho em você
através do desenho da loba
branca. Obviamente não
demos mais pistas de onde
você viria ou o momento
porque poderia alertar as
bruxas maléficas espiãs sobre
você.
— De novo essa história de
bruxas maléficas? Como tem
tanta certeza que estão atrás
de mim? — Ela estava sempre
me levando para câmaras de
isolamento para
conversarmos e sempre
fazendo tanto segredo como
se tivesse alguém que pudesse
nos escutar ou ver. Se fazia
isso, é porque provavelmente
não confiava em todas as suas
filhas.
— A última grande invasão
que houve em seu mundo,
todas as bruxas que
adentraram e foram atrás de
você, acha que foi acaso? —
Senti meu coração acelerar
com as lembranças do ataque
enquanto Willow terminava
de expor uma verdade que eu
custava a aceitar. — Lohan
estava furioso quando me
contatou pedindo que eu
investigasse sobre isso.
Descobri que, de alguma
forma, você entrou na mira
das bruxas maléficas depois
que descobriram que Lohan
supostamente abriu uma
brecha ao outro lado por
causa de uma garota. O
Devorador só quer uma coisa,
energia mágica. Bruxas são
especialmente sensitivas a
isso e como você era como um
farol ambulante, elas iam
atrás de você. Zaila não é a
única bruxa com fortes
poderes de previsão e visões,
há mais bruxas assim. Quando
se entende o que procurar fica
fácil localizar, e tenha certeza
que a pessoa que sacrificou
todas aquelas bruxas estava
procurando por você.
Então as bruxas realmente
estavam atrás de mim, a loba
branca, a garota com
potencial para ser a rainha da
profecia. Agora eu
compreendia o motivo de
Willow esconder isso de
todos, até mesmo de Lohan.
Quanto menos pessoas
souberem disso, menor a
chance de eu acabar exposta,
e mais segura eu ficaria até
que eu alcançasse o nível que
me permitiria não ser mais a
presa, e sim a caçadora.
— Willow, seja mais clara, por
favor! O que quer de mim? —
Toda essa longa explicação
não podia ser por nada.
— Apenas que saiba a
verdade! Você é a bruxa com
maior potencial de me
substituir no futuro, e precisa
ter em mente essa
possibilidade. Isso não é uma
obrigação visto que o seu
destino tem muitos caminhos
e isso o torna maleável. O final
depende apenas das escolhas
que fará.
— A minha escolha sempre
será o meu companheiro! —
Falei convicta.
— Imaginei que diria isso.
Fique tranquila, filha! O único
motivo que a profecia veio de
nós é porque você é uma
bruxa, mas isso não significa
que não possa ser a rainha de
Éldrim. Sua profecia não traz
especificações, e esse é o
ponto chave dessa conversa
aqui. Apenas tenha em seu
coração que você é minha
filha inestimável e que Aradia
sempre estará de braços
abertos para você!
P2 - Capítulo 41
Acordei de mau humor no dia
seguinte. Lisa deu chilique
depois que soube que, em
teoria, sou a herdeira do trono
das bruxas. Para piorar, o
refeitório amanheceu lotado,
tanto que se eu não tivesse
chegado mais cedo, teria tido
dificuldades em achar um
lugar para sentar. Se não
bastasse, a novata aqui se
tornou alvo de perguntas e
pedidos assim como no
primeiro dia.
Eu poderia me calar e focar só
em comer e admirar o que
tinham a me mostrar, mas
preferi abrir a boca e dar
respostas, mesmo que
cautelosas. Era isso ou ficar
ouvindo sobre as realizações
conquistadas na lua cheia,
coisas que eu definitivamente
não queria saber. Poucos dias
aqui e eu já estava morrendo
de saudades da época em que
eu podia simplesmente
escolher um canto isolado e
me sentir invisível.
Tantos rostos novos... —
Pensei assim que consegui me
esquivar para fora sem ser
seguida. Willow falou sobre
esquecer os conceitos que
aprendi sobre bruxas e
reaprende-los, certo? Pois
bem! Resolvi fazer uma lista
mental de algumas coisas
impertinentes:
A primeira é que bruxas
adoram falar. Elas se
entusiasmam muito quando
contam vantagem dos seus
feitos, e coisas como o tipo de
homem que seduziram e
como o faziam era o assunto
em alta. Tive a impressão de
que elas veem machos como
troféus. Segundo: elas te
tratarão muito bem até te
verem como concorrência...
— Oi, novata! Ouvi dizer que é
musicista como eu. Sou Molly
Alberon, filha da grande
cantora Penny. — A bruxa na
minha frente é mais baixa que
eu, de pele clara e cabelos
brancos ondulados. Seus
grandes olhos prateados são
chamativos e algumas sardas
em seu rosto davam um
charme extra ao perfil dela.
Ela se colocou na minha
frente, e embora a
apresentação tenha sido
cordial, a expressão
carrancuda no rosto dela me
dizia que ela não estava muito
satisfeita que eu tenha vindo
para o palácio de Willow.
"Mesmo? Nunca ouvi falar..."
— Prazer em te conhecer,
Molly. Sou a Liz. — Tentei soar
o mais amigável possível, mas
o sorriso de deboche no rosto
dela me deixou ainda mais
mal humorada do que eu já
estava. Hoje definitivamente
não era um bom dia.
— Não tenho interesse em
quem você. Só vim te dizer que
o mundo da música não terá
espaço para uma novata como
você. Fique longe do meu
caminho!
— Como quiser! — Respondi
em um tom monótono antes
de desviar a rota e pegar
outro caminho.
Sei que eu deveria manter as
aparências, agir como uma
diva e incorporar uma
personalidade mais simpática
para tentar me parecer mais
com uma bruxa, mas era
impossível sem a Lisa. Após
vários dias tendo pouco
contato com a minha loba, a
influência que ela tinha em
mim se tornara cada vez mais
clara. Sempre achei que
estava no controle, mas talvez
não fosse bem uma verdade.
— Ei, não me ignore! — Ouvi
aquela bruxa reclamando. Não
é isso que ela queria? — Eu
não estava falando desse tipo
de caminho. EI! NÃO
PRECISAVA DESVIAR! VOCÊ É
BURRA OU O QUÊ?
— Talvez eu seja... —
Respondi com indiferença.
Nunca gostei de chamar a
atenção e geralmente não me
importo com que pessoas que
não acrescentam nada em
minha vida pensam, então por
que tentar ser o que não sou?
Eu podia tolerar muitas
coisas, mas não era tão
ingênua e mansa quanto a
minha loba. Coisas pequenas e
insignificantes era melhor eu
nem me dar ao trabalho.
Eu estava a caminho da minha
primeira aula prática sobre
magia espiritual, ministrada
pela sacerdotisa Zaila. Não foi
tão difícil achar a sala, pois só
havia um acesso dentro do
palácio para o subterrâneo,
que é onde Zaila preferia ficar.
O difícil foi lidar com a
professora quando me
aproximei.
— Minha primeira aluna
depois de tantos anos. Que
emocionante! — Disse-me
Zaila me abordando no
corredor e me puxando para
dentro de uma pequena e
escura sala.
— Mas e as outras? — Não é
possível que eu fosse a única
com poderes espirituais aqui
além de Zaila. Sei que é um
poder raro, mas nem tanto
assim.
— Minhas filhas e posteriores
gerações já tomaram o próprio
rumo. A única bruxa espiritual
além de nós que ainda faz
parte da família é a filha de
uma amiga, mas ela não tem
muito interesse em aprender,
só em ganhar dinheiro. Ela
trabalha com a mãe em um
negócio muito lucrativo de
vendas de poções espirituais,
então raramente aparece.
Se fosse no outro mundo, a
pessoa seria reprovada por
faltas e até expulsa da escola.
Parece que esse negócio de
cada aluno poder ditar o seu
próprio ritmo é realmente o
padrão da escola de Willow.
Zaila fechou a porta e a sala
ficou um breu. Como se
estivesse enxergando
normalmente, ela
rapidamente chegou em mim
e fez com que eu me sentasse
no chão de frente para ela.
— Por que isso? — Perguntei
com interesse. Eu esperava
uma sala cheia de engenhocas
mágicas tal como o cristal de
previsões, mas não havia
absolutamente nada além de
nós duas e a completa
escuridão.
— Para um melhor
desenvolvimento de sua
habilidade astral, é necessário
que se desprenda dos sentidos
físicos e foque-se apenas nos
sentidos espirituais. Não veja
com os olhos do corpo, mas da
alma...
A longa explicação de Zaila
trouxe sentido a muitas
coisas. Aprimorando minhas
habilidades espirituais, eu
poderia até mesmo lutar de
olhos fechados com extrema
eficácia. Uma coisa que me
chamou a atenção é que, com
o aumento da experiência, eu
poderia ter um melhor
controle sobre os meus
sonhos e até mesmo alcançar
previsões mais avançadas,
assim como ela fazia.
Fiquei tão imersa na aula que,
quando a encerramos já era
noite. Eu não queria parar, e a
depender dela
continuaríamos com os
exercícios práticos noite
adentro, mas se eu me
demorasse mais perderia a
janta, e Lisa me perturbaria a
noite inteira se eu ficasse de
estômago vazio.
Zaila é uma pessoa dócil e
extremamente entusiasmada,
mas tive a impressão de que
isso tem a ver com o conceito
que ela tem sobre eu ser a tal
rainha da profecia dela.
Preferia que ela ignorasse
completamente esse fato,
assim como eu mesma
pretendia fazer.
"Ótimo, a janta ainda não foi
servida!" — Era estranho
tentar falar com Lisa e não
obter respostas. Sentei-me na
mesa em que Willow estava.
Ela estava conversando com
algumas bruxas, mas assim
que me notou, sorriu para
mim e começou a me
perguntar sobre o meu dia.
Isso chamou a atenção das
demais para mim e notei um
rosto nada amistoso entre
elas.
"Molly..." — Ela me encarava
como que se quisesse atear
fogo em mim. Não era só
impressão, senti que ela
realmente queria fazer isso.
Foi só então que notei uma
marca do elemento fogo em
seu braço direito.
Aparentemente Molly não é
pouca coisa, dado que
também há uma marca
psíquica em seu braço
esquerdo. Alguém para eu
tomar cuidado...
— Ela é obcecada pela Willow.
— Comentou uma voz familiar
perto do meu ouvido. Olhei
para o lado e vi Janet, a bruxa
costureira. Ela me olhava com
aqueles mesmo olhos
brilhantes que da última vez.
— Ela já percebeu o carinho
que Willow tem por você e vai
te focar. Se quiser evitá-la, é só
andar comigo.
— Por que está querendo me
ajudar? — Perguntei de volta.
Eu não tinha muito a oferecer
e dificilmente alguém se
presta a algo sem ganhar nada
por isso.
— Porque quero te conhecer
melhor. — As palavras de
Janet eram tão firmes quanto
seu sorriso. Suspirei
profundamente pensando no
que responder. Eu queria me
dar bem com todas ao mesmo
tempo em que me mantenho
na minha, mas é só isso!
— Agradeço, mas acho que
dou conta sozinha. — Não é
pessoal, na verdade, eu só não
queria ter amigas bruxas. Em
breve eu deixaria esse reino e
não voltaria a vê-las, então
não fazia sentido me ater a
relações inúteis.
Janet não disse mais nada até
o momento que me levantei
para ir para o meu quarto. Sua
voz soou baixa, mas
perfeitamente audível.
— Liz, eu realmente quero ser
a sua amiga.
— Preciso pensar sobre isso. —
Respondi de volta. Eu estava
com coisas demais na cabeça.
Não liberei minha loba logo
que fiquei sozinha. Resolvi
tomar um banho antes e me
deitar. Apenas quando me
senti relaxada é que trouxe
Lisa de volta para dentro de
mim. O que eu previ,
aconteceu:
"Mais uma amiga! Ela quer ser
a nossa amiga!" — De tantas
coisas para falar sobre tudo o
que aconteceu, sobre a aula
proveitosa que tive, é claro
que ela ia pensar justamente
nisso!
"Lisa, agora não!" — Pedi
educadamente.
"Mas eu quero..."
— Não queira nada! —
Interrompi-a. — Essa escolha
é minha!
Enfim, eu não queria, mas
finalmente surtei. Lisa não
merecia isso, ela não tinha
culpa, mas não consegui
evitar:
"Acha que está sendo fácil
para mim lidar com tudo isso
sozinha? Para você é fácil, é
como se estivesse dormindo a
maior parte do tempo."
Tudo era novo para mim em
Aradia, e isso me deixou
extremamente perdida. Lidei
com tantas coisas difíceis,
lidei com pais ausentes, lidei
com o menosprezo de muitas
pessoas incluindo os maus
tratos de alguém a quem
minha loba um dia já chamou
de companheiro, lidei com
todas as verdades sobre
Lohan e esse mundo, mas não
conseguia lidar com as
verdades a respeito de mim
mesma. A ficha estava caindo,
e quanto mais ciente eu ficava
a respeito de tudo, pior eu me
sentia.
"Eliza..." — Minha loba
absorvia a minha aflição,
assim como eu fazia com a dor
e os sentimentos dela na
época em que era ela quem
não conseguia lidar com as
dificuldades.
— Só me escute! —
Interrompi-a. Eu precisava
colocar para fora os
sentimentos que estavam me
sufocando. — Estou em crise
de identidade. Estou em um
reino desconhecido, cheio de
bruxas desconhecidas a
minha volta, aprendendo que
sou algo que nunca pedi para
ser. Estou sozinha de novo,
Lisa!
"Então deixe-a ser a sua
amiga!" — Falou Lisa em um
tom firme e autoritário, algo
que jamais havia feito antes.
— "Se não posso estar com
você o tempo todo, deixe que
as pessoas boas fiquem ao seu
lado."
— Mas.... — Não é que eu não
quisesse isso, mas já estava
cansada de perder a todos a
quem eu me apegava. Deixei
muitos amigos e pessoas
queridas para trás quando
vim a esse mundo. O rosto e
as memórias preciosas que eu
tinha com cada um deles
ficaram enraizados
permanentemente dentro de
mim, e mesmo que eu
quisesse evitar pensar nisso,
sentia uma falta tremenda
deles. Se eu me apegasse às
bruxas, quando eu voltasse
para o meu companheiro elas
se tornariam o meu passado e
eu voltaria a me sentir assim.
Eu não quero isso! Tudo é tão
passageiro e fugaz!
"Você não gosta de se sentir
só, então não fique!" —
Ordenou-me Lisa mais uma
vez. — "Apenas visite-as
quando tiver saudade. Nosso
companheiro não vai se
importar. Além disso, os
nossos amigos um dia virão
para esse mundo também e
nos reencontraremos com
eles. Não importa quanto
tempo leve, temos tempo de
sobra agora."
"Tempo..." — Esse é um
conceito que vinha me
perseguindo muito nos
últimos dias. Acho que só o
tempo poderia curar o meu
espírito abalado.
P2 - Capítulo 42
A segunda lua cheia me fez
sorrir e, por mais
desconfortável e doloroso que
fosse lidar com aquela
estranha queimação, eu
precisava me apegar a algo, e
a dor física tinha sido a minha
fuga naquele momento.
Provavelmente eu só queria
me punir.
Nos dias que se seguiram
comecei a pegar mais pesado
comigo, a treinar além do
deveria, simplesmente para
não ter que suportar a culpa
que eu sentia por ter
abandonado o meu
companheiro. O vazio me
acompanhou mais do que
nunca, já que decidi não
liberar a minha loba em
minhas tristes e solitárias
noites.
Quanto a Janet, não lhe dei
uma resposta positiva, mas
também não fiz nada para
impedir a sua aproximação.
Embora eu mantivesse uma
fachada amigável com todas
as bruxas da família de
Willow, meu coração ainda
estava destroçado, como se
algo além do vínculo me
ligasse ao meu companheiro.
A saudade, bem como a
necessidade que eu tinha de
estar com ele é algo que, sem
o vínculo mágico, não deveria
ser tão forte. Será que o amor
é realmente mais forte que o
vínculo do companheiro? Se
eu pudesse ao menos mandar
alguma carta para ele, ou se
pudesse contatá-lo de alguma
forma...
- Filha, lamento, mas não
posso ajudá-la com isso. -
Disse-me Willow ternamente.
Sempre que podia, ela me
dava aulas particulares, sendo
a responsável por me ensinar
sobre os meus poderes de luz.
Apesar das suas instruções, eu
tinha muita dificuldade em
usar magias e controlar esse
poder elemental, então não
havia conseguido dominar um
único feitiço de luz ainda,
mesmo já tendo se passados
mais de dois meses.
- Por favor, eu preciso ao
menos vê-lo, mesmo que de
longe. - Insisti com ela. Eu não
conseguia mais disfarçar o
que estava sentindo.
- Ele vai ficar bem. Acho que é
melhor terminarmos com a
aula de hoje. Vá para o quarto
e descanse. - Disse-me
calmamente.
Além das aulas sobre magia
de luz, teóricas e práticas, eu
ainda tinha aulas conjuntas
com as outras irmãs sobre
conduta, todas ministradas
por Willow, então eu vinha
passando muito tempo com
ela, o suficiente para saber
que ela não recusava o meu
pedido por mal. Eu entendia o
ponto de vista dela de que
uma comunicação secreta
agora ou qualquer pista que
eu deixasse só iria voltar a
provocar emoções fortes no
meu companheiro e piorar
tudo. Apesar disso, eu não
conseguia tirar a ideia da
cabeça de que precisava me
encontrar com Lohan de
qualquer jeito.
Observei atentamente a
estrutura do lugar e as demais
bruxas durante as semanas
que se seguiram. A maioria
das irmãs mais velhas já nem
estudavam mais, então
estavam sempre dispersas
pela propriedade particular
de Willow, sendo quase
impossível tentar sair sem ser
vista por alguém.
A partir de um ponto, não há
mais o que aprender na teoria,
e a evolução de suas origens e
de suas magias se torna algo
completamente pessoal.
Muitas dessas irmãs mais
antigas até ajudam com
disciplinas específicas, e por
acaso descobri que Janet
ensina algumas matérias para
bruxas psíquicas, e é esse o
motivo pelo qual Molly a
respeita.
Umas das coisas que percebi
ao longo desse tempo é o
desaparecimento de algumas
irmãs e o aparecimento
ocasional de rostos
desconhecidos. Achei que era
quebra de segurança, mas
logo descobri a verdade.
Quando elas engravidam,
preferem seguir suas vidas
longe do palácio. Era mais
fácil preparar suas crias para
a jornada bruxa fora de um
ambiente com tanta
competitividade.
Algumas delas acabavam
voltando para o palácio
quando suas filhas passavam
pela provação e eram
selecionadas por Willow.
Outras se acostumavam a
viver sozinhas e não voltavam
mais, mas essa era uma
escolha pessoal. Apesar disso,
muitas delas tinham gerações
de descendência aqui dentro,
e entendi que o propósito de
Willow com isso é criar um
refúgio seguro para os de
elemento incomum, uma
tentativa de preservar esses
elementos de serem extintos.
"Estou aprendendo tanto
sobre elas, mas tão pouco
sobre mim..." - Pensei
enquanto caia no sono. Sem
minha loba gulosa, eu não me
importava tanto com as
refeições e até as pulava com
certa frequência. Foi então
que sonhei com o meu
companheiro. Sem conseguir
me mover vislumbrei um
grande lobo negro, exausto,
correndo em um deserto sem
fim, tão magro que suas
costelas estavam visíveis. Era
possível ver em seus olhos
que já estava a muito, muito
tempo sem dormir.
- Companheiro! - Acordei
sobressaltada. Lágrimas
escorreriam pelas minhas
bochechas enquanto eu me
colocava de pé e me
aproximava da janela. Em dois
dias a lua cheia aconteceria,
minha terceira lua cheia em
Aradia.
Eu estava longe de estabilizar
minhas origens, mas um
pensamento se passou pela
minha cabeça. A lua cheia
seria a oportunidade perfeita
para tentar uma fuga
sorrateira. Como a maioria
das bruxas deixa o castelo em
direção às zonas
movimentadas nesse período,
essa era a melhor chance que
eu tinha de passar
despercebida. Talvez não
conseguisse nem sair do
território de Willow antes de
ser pega, mas eu precisava ao
menos tentar.
Enxuguei minhas lágrimas
enquanto um plano se
desenvolvia em minha mente.
Até mesmo o trajeto, já estava
definido. Cada corredor, cada
saída, tudo eu já havia
analisado com calma
previamente só esperando
pela oportunidade.
"Nunca me senti tão rebelde!"
- Pensei. Era como sair de casa
na surdina para ir a uma festa
e voltar antes que possam
perceber, o tipo de coisa que
jamais pensei que faria em
vida. A parte de voltar antes
de ser notada seria
complicada, mas, se ao menos
eu conseguisse não me expor
em Éldrim, provavelmente
Willow não iria me deixar de
castigo.
Eu sempre fui uma garota
passiva e sem grandes
ambições, cuja a única meta
era ter uma vida tranquila.
Longe de mim ser essa garota
agora. Com tantas mudanças
em minha vida eu precisava
me adaptar se quisesse
sobreviver nesse mundo.
Assim que o dia começou a
clarear, coloquei um vestido
um pouco mais curto do que
de costume e uma maquiagem
mais pesada para esconder as
minhas olheiras. Após a
refeição matinal me dirigi
para a aula conjunta de
conduta. Podiam se contar
nos dedos a quantidade de
alunas na aula do dia.
Inesperadamente, a aula seria
ministrada por Janet, não por
Willow.
- Willow estará ocupada pelos
próximos dias, então estarei à
frente da aula de hoje. O tema
é: como influenciar decisões
através da linguagem
corporal. - Anunciou ela. Eu
não tinha dons psíquicos,
então nunca tinha visto uma
aula dela. Fiquei realmente
surpresa com a forma prática
com que abordou o assunto e
como se fazia respeitar. A
postura de autoridade e
respeito que ela demonstrava
é apenas uma das coisas que
pretendia ensinar.
- Essa é fácil! - Exclamou Molly
de forma arrogante. Ela era a
última da fila a demonstrar
como podia fazer pose. O
exemplo era sobre como dizer
através do corpo: "Estou
interessado em você," de uma
forma que provoque desejo
no alvo.
- Muito bem! - Janet elogiou a
turma, mas ao olhar para mim
fez uma negativa com a
cabeça. A sedução realmente
não era a minha praia, então
permaneci indiferente a isso.
- Vamos simular outra
situação agora. Imaginem que
vocês estão à frente de um
negócio importante. Para fazer
dar certo, vocês precisam
conseguir a cooperação de
alguns fornecedores, mas entre
eles há raças que não te
respeitam por você ser uma
bruxa. Vocês precisam mostrar
que sabem o que faz, e se
fazerem serem vistas e
respeitadas. Qual postura
vocês adotariam?
- Hahaha! Liz não precisa
aprender isso! É bobona
demais, então nunca vai usar
isso! - Disse Molly desfilando
na minha frente e se
esnobando como se fosse
melhor do que eu. Se ela
soubesse quantas vezes já
usei isso...
Admito que não havia
participado muito da aula até
agora, mas se há algo que sei
quando quero é me impor.
Como cantora ou mesmo
como modelo, algumas
posturas já eram parte de
quem sou.
Na minha visão, a confiança é
o conceito da nova
abordagem. Coloquei uma
mão sobre a minha cintura,
ergui meu rosto, sorri com
confiança e fiz o olhar mais
poderoso que consegui. Toda
a minha desenvoltura foi feita
para exalar poder e elegância.
- Ponha-se no seu lugar, Liz! -
Reclamou Molly me
empurrando. - Você está
ridícula!
- Não, ela está perfeita! - Disse
Janet sorrindo emocionada.
Caminhei alguns passos para
frente mantendo a postura
firme e confiante e derrotei
Molly, sem precisar dizer uma
única palavra. - Molly, sua
postura está muito vulgar...
Para desviar a atenção de
Molly sobre mim, Janet
começou a repreendê-la e
corrigi-la. Molly estava
sempre implicando comigo,
mas nunca me importei.
Willow também não levava as
imaturidades de Molly a sério,
mas Janet parecia ter
realmente se incomodado.
Sorri agradecida e ela e ela
assentiu com a cabeça antes
de ir para o último tópico e
encerrar a aula.
Após o almoço, procurei a
sacerdotisa Zaila para
continuar o meu treinamento
espiritual. Zaila é uma
senhora boazinha demais, o
tipo de professora que os
alunos dominam. Assim que a
aula se encerrou, saí
caminhando pelo túnel
subterrâneo, liberando a
origem de Lisa após mais de
um mês sem falar com ela.
Além dos meus dons
espirituais, eu precisava dos
sentidos de lobo se quisesse
sair furtivamente.
"Não vai dizer nada?" -
Perguntei para ela. Eu podia
senti-la, mas ela estava
retraída e quieta demais.
"Você não quer que eu diga.
Ficarei em silêncio, mas não
me deixe tanto tempo mais
sem você!" - Respondeu-me
de uma forma que tocou o
meu coração. Eu estava
preparada para uma briga,
não para isso.
"Sinto muito!" - Era um
pedido de desculpas sincero.
Lisa era parte do meu coração
e eu a tranquei achando que
me sentiria melhor, mas isso
não aconteceu. As palavras
dela me fizeram mais uma vez
desatar em lágrimas.
"Qual o plano?" - Ela já havia
visto minhas intenções, mas
não captara os detalhes.
"Willow está ocupada com
algo. Com a lua cheia perto, o
palácio se esvaziou e as
poucas bruxas restantes
devem estar se encaminhando
para o refeitório para jantar. O
momento é perfeito." -
Expliquei-lhe. A rota já estava
pré-determinada.
Aproveitando a aula com
Zaila, acessei os túneis e eu já
tinha visto anteriormente que
ele tem uma saída para o
jardim. Assim que eu saísse,
me encaminharia para a
pequena vila nos fundos
destinada aos visitantes, mas
que no momento estaria
deserta. Passando por ela, há
uma floresta. Assim que eu
encontrasse a barreira que
delimita a propriedade de
Willow, procuraria por
brechas, e se não encontrasse,
tentaria criar uma.
"Saída logo a frente!" - Alertou
minha loba ao detectar o
cheiro sutil de flores vindo do
jardim. Devo dizer que a
bruxa jardineira fazia um
excelente trabalho com o
cultivo delas.
- Estava te esperando. Que tal
irmos jantar juntas? - A voz de
Janet ecoou do meu lado tão
logo coloquei o primeiro pé
para a área externa.
- Como você... - Eu não tinha
palavras para descrever a
frustração que eu senti ao vê-
la ali, recostada contra a
parede como se tivesse
previsto o que eu faria. O pior
foi não ter detectado nem a
sua presença e nem o seu
cheiro. Poderia os meus
sentidos de lobo terem
enfraquecido?
"Não é isso. Ela escondeu o
cheiro dela de alguma forma."
- Disse-me Lisa.
- Willow me avisou que você
provavelmente tentaria uma
fuga e me pediu para ficar de
olho em você. - Explicou-se ela
se aproximando a passos
moderados e ficando de frente
para mim. - Achei que você
estava diferente na aula hoje
então imaginei que se fosse
tentar algo, sairia por aqui. É
uma rota inteligente, mas
previsível.
- Eu preciso fazer isso! - Falei-
lhe determinada. Por que
Willow mandou justamente
ela para ficar de olho em
mim? Até que ponto Willow
confia em Janet?
- Talvez precise, mas não é o
momento. Se realmente quiser
continuar com isso, que tal
fazer isso do jeito certo? Eu
posso ajudar você!
- Não fale as coisas como se
soubesse o que estou passando!
Você não sabe nada sobre
mim! - Falei-lhe me virando de
costas e chutando o chão com
frustração.
- Não, eu sei perfeitamente
quem você é, afinal, sou a
criança que levou a profecia ao
seu companheiro, o rei Lohan!
P2 - Capítulo 43
Encarei Janet atentamente,
completamente cética.
Poderia mesmo Janet ter sido
capaz de enganar o meu
companheiro quando lhe
entregou a profecia?
— Acho que finalmente prendi
a sua atenção. Posso te contar
tudo o que quer saber depois
do jantar. — Ela sorriu
satisfeita e gesticulou que eu a
acompanhasse. — Enquanto
caminhávamos lado a lado em
direção ao salão de refeições,
não pude deixar de lhe
questionar como ela fizera
para enganar meus sentidos
de lobo.
— Como você fez para
esconder o seu cheiro? — Lisa
é quem estava mais curiosa
quanto a isso.
— Usei uma poção feita por
bruxas espirituais. Se você
dominar magias de selo,
poderá aplicar o efeito
diretamente em si mesma.
— Essa é a primeira dica? —
Perguntei um pouco mais
animada. A frustração de
momentos antes se
desmanchara completamente.
Janet riu e assentiu com a
cabeça uma vez. É disso que
ela estava falando sobre me
ensinar a escapar do jeito
certo.
— Sobre a sua loba, se não
quiser ficar prendendo-a
sempre, não precisa. Todos já
sabem que você é uma bruxa
espiritual e ninguém mais vai
duvidar de sua natureza.
Podem até questionar seus
motivos, mas a escolha é sua.
Senti Lisa ficar radiante
dentro de mim, a ponto que o
meu maior questionamento
nem tinha a ver com o fato
dela saber sobre a minha loba.
— Eu posso mesmo? Mas
Willow não me disse nada
sobre isso.
— É porque ela gosta que
pensemos por nós mesmos.
Desenvolver o próprio
raciocínio e tomar as próprias
decisões é algo que faz parte
da natureza das bruxas.
— Por que está me ajudando?
— O que ela ganha com isso?
Eu não tinha muito a oferecer,
pelo contrário. Eu só vim
dando trabalho a todas desde
que cheguei.
— Acho que eu já te disse. Liz,
eu quero ser sua amiga. É
notável a dificuldade que está
tendo em se encaixar e penso
que se você tiver uma amiga
ao seu lado vai ser muito mais
fácil. Mesmo que não seja eu,
deixe sempre sua loba por
perto.
Eu queria retrucar de alguma
forma, encontrar desculpas
para desacreditar de suas
palavras, mas senti a
sinceridade emanando dela,
do seu espírito. Nos sentamos
para comer juntas, e assim
como o previsto, as que
estavam a nossa volta me
questionaram curiosas sobre
a verdadeira forma da minha
origem espiritual e se não era
arriscado demais o manter
fora do corpo.
— Não se preocupem, minha
origem está muito bem
escondida! — É tudo o que eu
podia dizer a elas. Elas
realmente não faziam ideia do
quanto...
Acho que é a primeira vez que
fiquei tão feliz em jantar
desde que cheguei. Lisa estava
com muito apetite, e
entusiasmada em ver como as
bruxas eram sociais. Ela gosta
desse tipo de coisa muito mais
que eu, e seu humor me
afetou de forma positiva. Janet
tinha razão, e comecei a me
questionar sobre os motivos
pelo qual não fiz isso antes. Eu
estava sendo cautelosa
demais!
— No seu quarto ou no meu?
— Perguntou ela enquanto eu
a seguia de perto para fora do
refeitório.
— Acho que tudo bem ser no
meu. — Eu já não tinha mais
nada a esconder de qualquer
forma, então tomei a frente.
Eu me sentiria mais à vontade
no meu cantinho.
Assim que eu ia abrir a porta,
Janet colocou uma mão no
meu ombro e apontou para o
lugar em que Willow colocou
o selo que bloqueia a porta de
abrir para pessoas a quem o
quarto não pertence.
— Por que não substitui o selo
da Willow com o seu? —
Sugeriu ela. — Vai aumentar a
segurança.
— Substituir? — Willow é
tremendamente forte. Como o
meu selo poderia ser mais
seguro que o dela?
— Com a sua magia única! —
Sussurrou enquanto me
empurrava para dentro
empolgada. — Assim que
fechei a porta do quarto, Janet
já estava no armário
admirando a Preciosa. — É
tão linda! Que instrumento
maravilhoso!
Pigarreei chamando a atenção
dela. Ainda queria explicações
sobre o seu terceiro conselho
do dia.
— Bem, é disso que estamos
falando. — Janet apontou para
a minha origem de luz antes
de recuar e se sentar na cama
de pernas cruzadas. — Você é
a única bruxa de magia de luz,
portando sua magia tem uma
natureza única com o qual
ninguém conseguirá romper o
selo.
— Oh, então é assim que
funciona? — Perguntei
curiosa.
— Acho que você deveria se
aprofundar em magias de selos
e inscrições. Essa é a parte
mais complexa e lucrativa no
que diz respeito a ser uma
bruxa, e ainda assim são
poucas as bruxas que se
empenham em dominar a área.
Você é estudiosa e inteligente,
então com certeza vai adorar.
— Lucrativo com o que
exatamente?
— Poções, carimbos,
amuletos... — Sentei-me ao
lado dela atenta a sua
fascinante explicação.
Neste mundo bruxas tem
predominância no que diz
respeito a selos e inscrições
mágicas. Quanto a porta, por
exemplo, qualquer um pode
selar sua entrada de intrusos,
basta comprar um carimbo
mágico e fazer a inserção
manual dos nomes. Para o
carimbo funcionar, uma bruxa
de grande poder inscreveu
uma magia para que ele sirva
para tal finalidade. Quanto
mais poderosa a magia de
inscrição no carimbo, mais
forte e seguro é o selo e mais
caro o objeto se torna.
— A nossa rainha, Willow,
como uma bruxa das trevas,
tem o poder de fazer pequenas
maldições. Suas poções
amaldiçoadas é de onde vem
grande parte dos seus ganhos.
Poções de esquecimento,
poções de alteração de
memória, poções de sono
dentre vários outros. A outra
parte de sua fortuna vem da
venda de joias de proteção,
assim como os brincos que
você está usando. Essas joias
são conhecidas como amuletos.
— Continuou ela me
mostrando que, se eu seguir
por esse caminho, meu
potencial de lucro será
enorme.
Como Willow é a bruxa
psíquica mais forte do reino,
suas joias não somente são as
que mais protegem como
também as mais caras. Minhas
magias em específico tem um
potencial de valorização
tremendamente maior.
Proteção contra maldições
com minha magia de luz,
proteção contra espionagem,
e até mesmo a capacidade de
confundir os sentidos como o
que Janet fez quanto ao
cheiro. Se eu realmente for
ver o Lohan, confundir os
sentidos dele me permitirá
me aproximar ainda mais sem
ser pega. Quanto mais eu
ouvia a respeito disso, mas
vontade eu tinha de aprender.
— Não é algo fácil, e para
quem não gosta de estudar é
chato, mas se você conseguir
vai valer a pena. Eu mesmo
acabei desistindo e preferindo
fazer o que realmente gosto,
que é designer de moda e
costura.
— Acho que vale a pena
averiguar. — Respondi
pensativa. Mesmo se eu não
gostar, precisava no mínimo
dominar as magias mais úteis
da área. — Agora mudando
um pouco de assunto, quero
saber a verdade sobre a
entrega da profecia.
Por mais eficaz que Janet
fosse em levantar assuntos de
interesse, eu não esqueceria
dessa questão.
— Liz, te prometi que
responderia tudo o que
quisesse saber, mas não
negociei os termos ainda.
Quero uma coisa em troca.
— E o que seria? — Ergui uma
sobrancelha. Eu deveria saber
que isso não sairia de graça.
Ela é uma bruxa afinal...
— Quero saber sobre o outro
mundo. Sempre tive
curiosidade sobre isso. —
Acabei soltando um riso
descontraído. Bem quando eu
estava começando a
desconfiar, ela me vem com
algo tão humano e simples.
— Fechado! — Estendi a mão
para ela, mas ela não
entendeu o gesto. — No outro
mundo trocamos apertos de
mão quando cumprimentamos
alguém, mas também quando
fechamos um acordo. Não quer
saber mais sobre o outro lado?
Janet sorriu e apertou a minha
mão, um símbolo para o
começo oficial da nossa
relação. Depois disso ela me
deu explicações básicas a
começar em como funciona o
recebimento de uma profecia.
Basicamente o sacerdote real
responsável começa a receber
sonhos constantes com uma
mensagem. Esses sonhos só
desaparecem quando a
mensagem é escrita no
pergaminho, e um símbolo de
autenticação mágico vindo
dos céus aparece assim que a
última palavra profetizada é
escrita. Este símbolo no
pergaminho é provavelmente
o motivo de Lohan ter
confiado plenamente na
autenticidade da profecia que
recebeu.
— A forma de me colocar e
tirar de lá foi toda elaborada
minuciosamente por Willow.
Não lembro de todos os
detalhes, mas sei que quando
me aproximei ele estava de
joelhos, em lágrimas, sozinho,
de frente ao túmulo de seus
pais. Quando me aproximei, ele
me olhou confuso, mas falei
confiadamente de que o
sacrifício de Lucon não foi em
vão, que a sua rainha surgirá.
O rei dos lobos estava tão
abalado com tudo que não
percebeu quando foi pego na
minha magia de confusão
mental. Deixei o pergaminho
nas mãos dele e corri de volta
até Willow, que me retirou
furtivamente de lá.
Basicamente foi isso!
— Como assim você usou
magia de confusão mental?
Você não era só uma criança?
— Sou chamada de a bruxa
prodígio da minha geração.
Minha mãe me usou de modelo
para as suas criações, então
acabei enchendo o receptáculo
muito cedo. No momento em
que o receptáculo se enche é
quando a natureza da bruxa se
firma, e desde que a natureza
esteja definida já é possível
usar magias. Minha vez de
perguntar as coisas agora!
Como é o outro mundo? O que
o difere do nosso? Quais as
coisas que você mais gostava
do outro lado? Qual...
— Calma! — Interrompi-a
rindo. Ela estava falando
rápido demais. Considerando
que ela também fora a
primeira pessoa a me dar o
toque de que não precisamos
ter pressa, vê-la se afobando
era cômico.
Comecei lhe dizendo sobre o
desenvolvimento da ciência e
da tecnologia no lugar da
magia e exemplifiquei sobre o
uso tecnológico nos clãs como
auxiliar no combate de
monstros em invasões.
— Há algo que sempre tive
curiosidade em saber sobre
isso. — Disse-me ela um
pouco mais séria. — Como
será que as criaturas que
atravessam o Devorador
continuam se movendo mesmo
depois de mortas? Se elas se
movem e possuem certa
consciência estratégica, será
que não estão vivas ainda? Não
há alguma maneira de salvá-
los?
— Estão mortos! — Disse-lhe
assertivamente. — Sabemos
disso porque eles não sangram.
O coração deles não bate e a
luz já lhes fugiu dos olhos. Eles
são incapazes de se comunicar
verbalmente e em cada ação só
há desejo assassino, mostrando
que lhes falta vontade própria.
— E sobre as outras coisas? —
Perguntou-me um pouco
hesitante sobre o que mais eu
contaria. Decidi que deveria
falar só sobre as coisas
positivas agora.
Falei a ela sobre os lugares
mais impressionantes e o que
eu mais gostava neles, e
também sobre o
funcionamento político e
cultural. Também lhe falei
sobre o estilo das roupas
utilizado pelos humanos e
também sobre o
funcionamento das minhas
lojas preferidas, algo que a
interessou muito. Por último,
contei-lhe um pouco sobre a
vida que eu levava e minha
profissão.
— Eu adorava subir nos
palcos, encher as multidões de
euforia e também emocioná-
las com minhas músicas. —
Elevei minha mão enquanto
me lembrava de todos aqueles
sorrisos, imaginando como se
o público estivesse na minha
frente, ao alcance de minhas
mãos. Isso me passava uma
sensação de calma e alegria.
— Olhando para trás, vejo que
tudo era tão mais simples
naquela época...
— Liz, sua mão... — Abri meus
olhos e notei um brilho
envolvendo-a. Sentindo que
conseguiria manipular a
reflexão da luz em torno dela,
concentrei-me um pouco mais
produzindo o efeito de
invisibilidade que eu tanto
queria aprender. Janet me
olhou abismada enquanto
esticava a mão dela em
direção à minha. Quando ela a
tocou, minha magia envolveu
também a mão dela
produzindo o mesmo efeito e
acabamos rindo juntas. Tudo
era somente uma ilusão!
"Oba!" — Gritou minha loba
entusiasmada dentro de mim.
Se Lisa estivesse na minha
frente estaria dançando
freneticamente. Em meus
sentimentos, encontrei a
chave para finalmente
desenvolver a minha magia de
luz.
P2 - Capítulo 44
Resolvi ouvir os conselhos
que recebi. Se eu quisesse dar
uma escapada deveria fazer
isso da forma correta, e a
esperança de conseguir fazê-
lo se acendeu junto da
necessidade de aprender e
aperfeiçoar a magia. Antes o
meu foco era em controle
para a estabilização das
origens, mas assim que
percebi o quanto a magia
poderia ser divertida e útil,
nasceu dentro de mim uma
paixão natural por ela. Pela
primeira vez, me senti
realmente feliz por ser uma
bruxa.
Aproveitei os dias mais
solitários da terceira lua cheia
para estudar um pouco mais
sobre as magias de luz que eu
queria dominar. Estudar foi
uma forma de distrair a minha
mente da pior noite até agora
no que diz respeito aos
sintomas que eu vinha
sentindo na lua cheia.
Terminado a calmaria, resolvi
procurar pelo livro sobre as
magias de ocultação, mas não
sabia se estavam na área de
magias espirituais, ou nos
livros de inscrições e selos. A
coleção era ampla e eu iria me
demorar demais se quisesse
procurar por conta.
— Agnes, sabe me dizer em
que livro está as magias de
ocultação de sentidos? —
Agnes estava focada
escrevendo e eu não queria
interrompê-la, mas eu
realmente precisava da ajuda
dela. Antes que ela me
respondesse, uma bruxa que
estava por perto se
aproximou com um sorriso
simpático.
— Sei qual livro é. Se quiser,
posso te mostrar onde fica.
— Obrigada! Será de grande
ajuda! — Respondi-lhe
agradecida. Agnes suspirou
profundamente e elevou o
olhar me fitando de forma
piedosa enquanto eu me
afastava. Naquele momento
não entendi o que aquele
olhar significava, apenas
quando minha suposta
salvadora pegou em mãos o
livro que eu procurava.
— Uma pena para você! Estou
a fim de ler ele hoje. — Riu ela
levando o livro consigo.
Fechei minhas mãos em
punho. Lisa estava com
vontade de pegar o livro à
força, mas essa seria uma
atitude particularmente
suspeita.
Aquela bruxa se juntou a um
grupo de bruxas em uma das
mesas no centro da biblioteca,
mas em vez de ler o livro,
colocou-a debaixo de uma
pilha. Pior que não o ler, era
não ler nenhum dos livros que
elas tinham sobre a mesa.
Invés disso, ficavam de
conversa fiada. Mesmo a
biblioteca tendo uma regra
para silêncio, não é algo que
costumam respeitar, uma das
incontáveis críticas que eu
tinha em relação ao lugar.
— Você vai lê-lo ou não? —
Perguntei-lhe friamente
enquanto batia a mão sobre a
mesa chamando a atenção
para mim.
— Independentemente se vou
lê-lo ou não, eu o peguei
primeiro. Vá caçar outra coisa
para ler! — Disse ela em um
tom implicante antes de me
ignorar e voltar a conversar
com as outras, que viam a
tudo isso como uma
brincadeira engraçada.
Funguei irritada antes de sair
da biblioteca à procura de
Willow. Ela finalmente havia
retornado seja lá do que tenha
feito, mas continuava ocupada
demais para me dar aulas.
Assim que detectei sua
presença, invadi seu escritório
sem bater na porta. Ela estava
de pé perto da janela, perdida
em pensamentos.
— Ora, se não é a minha
querida filha caçula. Em que
posso ajudá-la? — Perguntou-
me calmamente com um
daqueles sorrisos lindos que
só ela sabe dar. Com uma
atitude tão cordial, era
impossível sair cuspindo
minhas reclamações, então
respirei fundo e questionei-a
com a voz branda.
— Tenho algumas críticas em
relação às regras da biblioteca
e espero que possa me ajudar
com isso. Em primeiro,
porque não posso tirar os
livros para ler no quarto? O
ambiente na biblioteca é
barulhento demais para se
estudar. Além disso, por que
as outras bruxas podem reter
um livro simplesmente por
pegarem ele primeiro?
— Filha, os livros não podem
ser retirados da biblioteca
para evitar perdas e danos
por mal uso. Nem todas suas
irmãs são responsáveis como
você. — Todos os livros eram
escritos e transcritos
manualmente, e por essa
dificuldade é que eles são
muito mais valiosos que no
meu mundo. Será que eu
poderia usar a minha
autoridade de suposta futura
rainha para passar por cima
das regras? — Sobre a
questão da retenção, se
emprestássemos os livros isso
seria muito pior, não acha?
— Realmente, mas ainda
assim... — Em um esquema de
empréstimo, se a pessoa
cismasse de implicar comigo,
na hora de devolver uma
amiga pegaria e depois ela de
novo e eu nunca teria acesso
ao conteúdo desejado. A
impossibilidade de tirar o
livro da biblioteca bem como
a regra de tê-lo que devolver
ao devido lugar antes de sair é
algo benéfico considerando o
contexto, mas eu ainda não
conseguia me conformar com
a malícia daquela bruxa.
— Eu já te disse desde o
primeiro dia. Este ambiente é
competitivo, e para evitar
situações que não gosta você
precisa ficar mais esperta. A
própria convivência cotidiana
é parte do seu treinamento de
bruxa, quer goste ou não.
— Bem que você podia abrir
uma exceção para mim... —
Pedi com jeitinho. — Por
favor!
Willow riu e foi até um dos
armários abrindo um
compartimento superior. Dali
ela tirou um livro de aspecto
muito antigo e esticou-o na
minha direção.
— Apenas esse livro. Fique
com ele por enquanto e leia-o
sempre que se sentir
frustrada.
— Do que se trata? É
importante para o meu
aprendizado? — Olhei a capa.
Era preta e não continha
nenhum título ou
identificação.
— Você vai descobrir ou, do
contrário, te direi com clareza
no momento certo. — Disse-
me atiçando a minha
curiosidade.
Peguei o livro e assenti para
Willow antes de me
direcionar ao meu quarto. Tão
logo encontrei uma posição
confortável na minha cama,
abri o livro com muito
cuidado com medo dele se
desmanchar na minha mão.
Seja quem for que escreveu o
livro, tinha uma caligrafia
muito rebuscada, mas o que
mais me surpreendeu mesmo
é a idade da obra. Trata-se de
uma cópia feita a mais de mil
anos de uma obra de mais de
treze mil anos atrás. O começo
era um lamento.
"Ai de mim, uma das últimas
sobreviventes. Antes não
tivesse te conhecido, indecisa
eu não estaria, mas agora
darei minha vida por você,
para proteger o amor que
fizemos nascer!"
Essas não eram as primeiras
palavras da obra, mas as
últimas. Por algum motivo, a
pessoa que fez a cópia as
colocou na folha de rosto.
Acho que é algo que
considerou como um ponto-
chave na história. Se o fosse,
eu precisaria procurar, nessa
chave, o que quer que Willow
queira me mostrar com a
obra.
O início da história conta
sobre bons tempos, em uma
sociedade antiga onde as
bruxas podiam escolher o
amor em vez dos seus
poderes. Trata-se da antiga
civilização das bruxas
ancestrais. Nela, a autora de
nome Lydia conta um pouco
sobre a vida que levava.
Nesta civilização, o sonho de
conhecer o amor tomava o
coração das jovens bruxas,
que optavam por não colher
devoção e não despertar.
Diferente de como é com as
bruxas comuns, bruxas
ancestrais e homens de
diferentes raças conviviam
juntos nessa civilização, até
que o grande desastre de
quinze mil anos atrás ocorreu.
De dentro para fora, aquela
civilização foi extinta, através
de infiltrados que
prometeram o amor e
entregaram a destruição.
"Que cruel!" — Lisa estava
muito brava e não é por
menos. O medo do poder
advindo da semente, que se
provou ser muito forte após
inúmeras gerações de não
despertos, fez com que alguns
povos se unissem para
derrubá-las, por medo do que
essa civilização poderia se
tornar se crescesse ainda
mais. Após serem traídas
dessa forma, não me admira
que as bruxas não queiram se
comprometer mais. A história
se mostrou impiedosa para
com as que tentaram ser
diferentes.
A própria autora, uma das
poucas sobreviventes
ancestrais, pertencente à
geração desperta, vagou sem
rumo por várias nações,
coletando devoção no intuito
de evoluir seu poder de luz
para a última fase.
No meio da obra, Lydia faz
uma viagem a um passado
ainda mais distante, em um
mundo governado pela
desordem e caos, um mundo
cheio de guerras
intermináveis por buscas
territoriais e poder. Neste
mundo, os céus interviram
conferindo aos escolhidos de
cada raça o poder para
governar os seus.
Então são citados nomes de
grande relevância, tais como
Selene e Ariandel, as gêmeas
ao qual a primeira profecia
real das bruxas foi realizada,
onde luz e trevas surgiram
para governar o reino das
bruxas. Ambas as gêmeas
governaram por mais de três
mil anos. Elas foram as
primeiras bruxas ômegas da
história.
Vários nomes de reis antigos
foram citados, e foi então que
descobri que os Black não
faziam parte da primeira
geração de famílias reais. Na
verdade os "Black" sequer
foram citados em toda obra,
invés disso o nome dos
"Feralis" era tido com muito
respeito pela escritora como a
família suprema sobre os
lobisomens.
Uma curiosidade muito
grande sobre a história antiga
se ascendeu em mim por
causa das referências
utilizadas pela autora,
referências essas que não
pude compreender
totalmente por não conhecer
a história.
Por que a autora tinha uma
necessidade tão grande de
evoluir para o modo ômega?
Por que a história de Selene e
Ariandel importa tanto? Seria
isso o que Willow queria que
eu descobrisse?
Passei dias interpretando
cada uma das páginas do livro
em busca de explicações, e até
mesmo reli a obra pensando
que devia ter deixado algo
importante escapar. A parte
final trata apenas da grande
guerra territorial de mais de
treze mil anos atrás. A guerra
envolveu o povo com o maior
território do mundo, Éldrim.
Naquela época não existia o
território dos monstros, então
Éldrim fazia fronteira direto
com o território das bruxas
que era ainda maior e mais
vasto que atualmente.
Nessa guerra, vários dos
povos que fazem fronteira
com Éldrim, incluindo as
bruxas, se uniram em um
planejamento de longo prazo
para pegar seus adversários
desprevenidos e avançar suas
fronteiras. Tal guerra resultou
na extinção completa da
família real, os Feralis, que se
colocaram na linha da frente
em prol de seu povo. Nem
mesmo a morada dos Feralis
foi poupada. O palácio real,
antes era situado próximo ao
clã dos lobos sacerdotais, mas
foi completamente destruído,
restando somente cinzas.
Lembrei-me de quando o
ancião disse ao Lohan sobre
não haver registros mais
antigos a essa guerra, e agora
entendo o motivo.
Nessa batalha feroz, a autora
considera errônea a decisão
dos povos em contrariar a
vontade divina que dividiu a
terra, e diz que o céu iria puni-
los por tal afronta. Ela escolhe
dar a vida dela lutando ao
lado dos Feralis. A partir
dessa decisão, a história da
autora se encerra. Tal diário
foi enviado à rainha das
bruxas da época, Ellis. Embora
ela não tenha participado
diretamente da guerra, fechou
os olhos ao que estava
acontecendo. Arrependida,
adicionou ao diário um
resumo sobre o final da
guerra como um lembrete às
gerações vindouras.
No dia que a família escolhida
dos céus para reinar sobre
Éldrim foi extinta, uma grande
maldição se espalhou por toda
Celestria, atingindo até
mesmo os povos não
envolvidos. Os únicos imunes
à maldição foram os lobos,
enquanto os demais viram sua
população se reduzir
drasticamente, resultando na
morte de até um terço da
população nos territórios
mais atingidos.
Ellis acredita que a luta de
Lydia por Éldrim fez com que
coletasse a admiração que lhe
restava para atingir o estágio
final, e que em seu último
suspiro de vida ela foi a
responsável por lançar a
magia que protegeu Éldrim de
ser pega pela maldição.
Tal maldição foi chamada de
maldição de Fer, e ela resultou
em uma nova guerra, onde os
povos que dantes ignoraram a
situação se uniram para punir
todos os envolvidos pela
morte dos Feralis. Apenas
quando todos os culpados
foram encontrados e
executados, a maldição
desapareceu.
No dia em que devolvi o livro
para Willow, ela me
questionou se eu havia
descoberto o porquê o livro é
tão importante. Minha
resposta única parece tê-la
satisfeita:
— Este livro é o diário da
minha ancestral.
P2 - Capítulo 45
Alguns meses depois,
sétima Lua Cheia de Liz.
A xícara em minha frente
fumegava. O dia que tanto
causava euforia para minhas
irmãs era o meu maior
trauma. Sentia arrepios na
pele só de ver a lua ficar
redonda no céu noturno. Toda
lua cheia era o mesmo
sofrimento e isso parecia
estar ficando pior a cada vez.
— Você não vai de novo? —
Reclamou Janet ao me ver
tomando o meu chá. Nos
tornamos amigas próximas.
Sua magia é de natureza
psíquica e seus vestidos roxos
sempre tem detalhes novos
por conta da sua necessidade
constante em aprimorar suas
técnicas de costura.
Vários são os poderes
derivados de uma bruxa
psíquica sendo estes empatia
psíquica, hipnotismo,
inteligência melhorada,
influência e conexão
telepática, e por Janet
apresentar talentos na área
desde pequena, ela fora a
criança escolhida para levar
minha profecia ao Lohan. Uma
de suas habilidades psíquicas
a tornava um cofre de
segredos, a resistência mental.
Por esse e outros motivos ela
tem a confiança absoluta de
Willow e é a única além de
Zaila que sabe a verdade
sobre mim.
— Dessa vez ela vai! — Disse
Willow. Ela estava em frente
ao espelho provando o
vestido preto que Janet fizera
para ela. Era elegante e
sensual ao mesmo tempo.
Hoje a rainha me levará
pessoalmente para conhecer a
cidade neutra, uma cidade que
não se encontra nos mapas
tradicionais de Celestria.
Trata-se de uma cidade
flutuante, com poucos portais
de entrada disponíveis por
terra. A forma mais
convencional e fácil para se
chegar lá é através das pedras
de teletransporte.
— A mãe conseguiu um lugar
para eu apresentar minhas
músicas. — Me expliquei. —
Como você bem me disse, já
passou da hora de eu começar!
Sorri com singeleza enquanto
tomava o meu chá. Comecei a
tomá-lo durante o dia para
retardar um pouco o início
dos sintomas. Eu ansiava
estabilizar minhas origens
logo, mas sentia que faltava
algo importante para isso, só
não sabia dizer o que era.
Quanto aos motivos pelo qual
aceitei ir para a cidade neutra
nessa lua cheia eram vários. O
primeiro é que minhas irmãs
sempre me questionavam por
eu não estar indo colher
devoção como elas. Eu
acabava me destacando por
conta dos murmúrios que isso
gerava, e achava isso
especialmente problemático.
O segundo motivo é que
Willow me convencera de que
eu alcançaria o estágio final
mais rápido se eu coletasse
devoção adicional nas zonas
movimentadas. Como
incentivo, ela conseguira me
encaixar nas apresentações de
um estabelecimento de
renome da cidade neutra.
O último motivo é de eu ter
evoluído significativamente
minhas habilidades mágicas.
Já conseguia usar a visão
espiritual direto, produzir
uma ampla gama de selos e
inscrições e também realizar
algumas magias mais
avançadas de luz. Por conta
disso, eu tinha a segurança de
que poderia me defender ou,
no mínimo, me esconder se
alguma eventualidade
surgisse.
Levantei-me e caminhei
graciosamente até a cozinha
colocando o restante do chá
em um frasco que eu levaria.
Após isso, fui para o quarto
fazer a minha própria
produção. Nesse tempo aqui
não treinei apenas magia,
como também sinais
corporais. Toda a questão de
postura, elegância e
graciosidade, coisas que nos
tornavam mais femininas e
charmosas eram parte das
disciplinas comuns que eu
fazia com as demais irmãs
mais novas.
Olhei-me no espelho. Meu
cabelo estava ainda mais
longo e ondulando nas pontas.
Minha maquiagem não era
mais tão neutra quanto eu
costumava usar no outro
mundo. O meu vestido
vermelho era longo e
recatado. Eu não queria
exposição sensual, até porque
meu objetivo era encantar
pela minha voz e minhas
músicas, não pelo meu corpo.
"Maravilhosa!" — Lisa
adorava minhas produções.
Era algo que se tornara
rotineiro. Sorri satisfeita com
minha imagem e então fui me
encontrar com Willow. Ela já
estava pronta, passando dicas
para Janet que iria um pouco
mais tarde hoje.
— Boa sorte, irmã! — Disse-
me ela com um sorriso
deslumbrante.
— Para você também! —
Respondi sorrindo de volta. A
ideia de voltar a me
apresentar me deixava
ansiosa e empolgada. Em
minhas costas estava a
Preciosa dentro de uma capa
que Janet fez para ela. Desde
que aprendi a controlar minha
magia, consegui fazer a
Preciosa parar de brilhar e
parecer um instrumento
normal. Para isso, coloquei
um selo nela de ocultação de
origem.
Inscrições mágicas podiam
ser comparados com
programação. É uma
sequência de símbolos
mágicos inseridos sobre um
objeto para atribuir uma
função que se deseja. É algo
que demanda muito estudo e
poder mágico, a depender do
objetivo programado.
Selos por outro lado são bem
mais simples, já que não era
necessária tanta lógica para
confeccioná-los e aplicá-los.
Trata-se da inserção de magia
direta com propósitos
específicos. Obviamente que
tudo tem suas limitações
dentro da natureza da bruxa.
Caminhei ao lado de Willow
até o Centro da cidade real
das bruxas. Um imenso cristal
fica cravado no meio da praça,
sendo ele o recurso que as
bruxas tem para ir e voltar
rapidamente das zonas
movimentas. O famoso cristal
de teletransporte é um item
irremovível, uma vez que está
enraizado no chão, com veios
de magia invisíveis que o
conecta a outros cristais de
teletransporte espalhados
pelo mundo.
Por cristais de teletransporte
serem itens de utilidade
pública, são fortemente
guardados na maioria dos
territórios, com exceção à
cidade neutra. Alguns reinos
como Éldrim preferiam nem o
ter, uma vez que o cristal é
também uma abertura
perigosa na segurança
territorial já que qualquer um
pode vir e ir a qualquer cristal
por eles.
— É só concentrar magia em
sua mão ao tocá-la e dizer o
seu destino. — Explicou-me
Willow indo na frente. —
Cidade Neutra.
O cristal começou a brilhar de
leve e Willow foi sugada de
uma forma parecida com o
que ocorria com a câmaras
dos deuses. Assim que ela
desapareceu, copiei o seu
gesto. Não tive tempo nem de
assimilar a transição, de tão
rápido que a movimentação
ocorreu. Com minha magia de
luz, eu conseguia atingir super
aceleração, mas a experiência
era completamente diferente.
Rapidamente fui puxada por
Willow para longe do cristal.
Como pessoas iam e
chegavam a todo instante, não
podíamos nos demorar para
não sermos atropeladas. O
fluxo era intenso e acabei
esbarrando em várias pessoas
enquanto lutava para
encontrar um caminho.
— Esta é a Cidade Neutra.
Fique de olho em tudo e todos e
não baixe a guarda! —
Alertou-me Willow. Assenti
enquanto olhava todas as
grandes construções ao meu
redor. Haviam edifícios mais
altos, algo que eu não via em
Éldrim ou Aradia. Algumas
fadas e vampiros voavam
acima de nossas cabeças,
alguns casais de elfos
conversavam e riam
praticamente do nosso lado e
até criaturas temíveis nas
invasões do outro mundo
circulavam pelas ruas com
naturalidade.
Haviam representações de
praticamente todas as raças, e
em um número
particularmente absurdo. Era
um cenário completamente
novo e empolgante, então não
consegui não sorrir enquanto
continuava seguindo Willow
pelas largas ruas, tomadas por
multidões.
Caminhamos por quase meia
hora antes que Willow
parasse de frente a uma
construção triangular tingida
de vermelho escuro, com um
símbolo de lua cheia na ponta
superior. Aparentemente
pequeno e sem janelas, a
única entrada é uma porta
mágica feito em um cristal
negro. Mesmo sem placas, eu
sabia que era o nosso destino
final, o "Trígono Lunar".
Willow se aproximou da porta
e acompanhei seus dedos
escrevendo uma espécie de
senha. Após isso ela pegou na
minha mão e me puxou com
ela para dentro.
O som de batidas animadas
ecoava alto em todo o
ambiente, que possui um
tamanho completamente
surreal. O teto parecia um céu
estrelado e brilhante, mas as
estrelas se moviam de acordo
com o som.
O ambiente interno tem um
tamanho muito superior ao
maior local onde já fiz um
show ao vivo no outro mundo.
Uma escada desce até a área
inferior, onde há centenas de
mesas espalhadas. Se eu
apurasse bem a minha visão,
conseguiria vislumbrar um
palco no fundo onde uma
banda tocava preenchendo
todo o ambiente com um som
similar ao da balada. Se não
bastasse, haviam cinco
andares superiores
localizados nas laterais com
visão de todo o ambiente
abaixo. Pareciam ser bem
mais reservadas, então supus
que deveriam ser algum tipo
de área vip.
— Eidon, permita-me
apresentar minha filha, Liz. —
Willow subira comigo até o
segundo andar para me
apresentar ao dono do
Trígono Lunar. Eidon é alto,
de feições maduras, orelhas
pontudas e lábios finos de
coloração azulada. Ele estava
de pé encarando a
movimentação e somente
olhou para nós no momento
em que Willow se pronunciou.
Os olhos dele percorreram
primeiro Willow e depois a
mim. Ele nem piscava,
enquanto parecia apreciar a
visão à sua frente.
— É bom vê-la de novo,
Willow. Está encantadora
como sempre! Então, essa é a
jovem bruxa do qual você
tanto me falou? — Eidon me
rodeou como se estivesse me
estudando. Mantive a postura
e o sorriso no rosto enquanto
fingia que não me incomodava
com o desejo que se acendia
dentro desse macho.
— Os termos são favoráveis a
você! Não precisará pagar
nada se os seus clientes não
gostarem dela, mas lhe
garanto que não se
arrependerá depois que a
ouvir.
— Assim espero! Tenho
convidados importantes hoje,
então não posso correr riscos.
— Você sempre tem
convidados importantes. —
Willow sorriu sedutoramente
enquanto o bajulava. — Afinal,
esta é a melhor casa noturna
que existe em Celestria.
— Leve a garota até Stella. A
apresentação dela começará
em breve! — Cedeu Eidon
desviando o olhar. Claramente
havia sido fisgado pelo
charme de Willow.
— Perfeitamente! —
Respondeu Willow.
— Tem tempo que não
conversamos. Passe aqui
depois, tenho ótimas bebidas
dessa vez. — Eidon convidou
Willow com uma postura um
pouco menos dominante
enquanto nos virávamos.
Willow apenas piscou para ele
e seguiu caminho.
De acordo com Willow, o
Trígono Lunar é considerado
o estabelecimento mais
badalado e seguro, já que a
entrada é restrita, permitida
apenas para pessoas
consideradas superiores entre
os reinos e seus
acompanhantes. Dessa forma,
escórias e problemáticos
dificilmente entram, então eu
poderia me apresentar com
tranquilidade sem ser
assediada por conta de ser
uma bruxa.
Stella é uma mulher bonita,
aparentemente uma mistura
de elfo com vampira. De perfil
alto, pele clara, cabelos pretos
lisos e orelhas pontudas, seus
olhos são violeta, e um sorriso
caloroso se abriu em seu rosto
assim que viu Willow,
revelando suas presas
pontiagudas. A forma
amistosa que ela e Willow se
falavam fazia parecer que
eram grandes amigas. Se não
fosse pela minha visão
espiritual, eu teria acreditado
mesmo nisso.
Assim que Willow me deixou
com Stella, ela desapareceu
misteriosamente me deixando
à minha própria sorte. Era de
se esperar, já que ela tinha a
própria devoção para coletar.
Stella tem uma voz bonita,
mas eu senti que tinha uma
certa aversão às bruxas. Ela
foi me passando instruções
precisas sobre o tempo de
apresentação e me explicou
um pouco sobre os recursos
do palco mágico. Eu nem
precisaria fazer muito esforço,
algumas pedras mágicas
captariam o som e os
espalhariam por todo o
estabelecimento, algo
próximo à caixas de som do
meu mundo.
Fiz um aquecimento vocal nos
fundos e depois tomei mais
um pouco chá. A noite estava
se iniciando, e logo o calor
tomaria o meu corpo. Quando
percebi que a outra banda
estava começando a se retirar,
tirei a Preciosa
cuidadosamente da capa e
subi no palco.
As pessoas não pareciam tão
interessadas em quem estava
tocando ou cantando, e sim
em conversar, beber e dançar.
Eles só queriam o som, então
não fiz uma apresentação
longa.
— Oi, me chamo Liz e estarei
com vocês até às nove da noite.
Aproveitem o som! — Havia
um relógio por cima do palco.
Eu teria quase duas horas de
apresentação por conta da
confiança que Eidon tem em
Willow, mas se minha
performance não agradasse,
poderiam me substituir bem
antes disso.
Obviamente que eu não estava
aqui para ser substituída.
Seria muito humilhante
considerando quem eu era no
outro mundo. Deixando
transbordar toda a animação
de Lisa, comecei o show com
músicas mais animadas.
Por conta da visão espiritual,
eu sabia como o público
estava se sentindo por dentro,
o que agradava mais ou
menos. Após uma série de
músicas de estilos diferentes,
encontrei a chave para
prender a atenção dos
ouvintes. Além disso, descobri
que podia usar meus poderes
espirituais para fortalecer as
emoções transmitidas e
intensificar o efeito no
público, uma pequena trapaça
admito, mas essa é parte da
essência de uma bruxa.
"Sucesso!" — Dizia Lisa por
dentro. As pessoas finalmente
estavam olhando para mim.
Eu podia sentir todos os tipos
de emoções, e algumas eram
até mesmo um pouco
desconfortáveis para mim.
Mantive a carisma e continuei
tocando e cantando enquanto
era invadida pelo fogo.
Ignorando os sintomas
horrendos, mantive o meu
profissionalismo até o final da
hora marcada. Curvei-me
diante do público como já era
de costume e saí do palco
sorrindo e acenando ao som
de gritos e urros.
P2 - Capítulo 46
"Está piorando!" — Comentei
com Lisa um pouco ofegante.
Achei que me acostumaria,
mas a cada lua cheia parecia
queimar mais forte. Toda a
minha pele ficava
extremamente sensível como
se eu estivesse torrando no
sol quente. Além disso, eu
acabava sendo invadida por
um forte desejo pelo meu
companheiro e lembrar de
nossos momentos juntos
parecia aliviar um pouco o
desconforto.
"Vamos sair!" — Sugeriu Lisa
pensando o mesmo que eu.
Me movi sorrateiramente em
um canto isolado nos fundos
e, deixando a energia da luz
invadir o meu corpo, utilizei
magia de invisibilidade. Assim
que detectei uma brecha, usei
minha aceleração para cruzar
o lugar em um instante. Uma
coisa boa sobre esse tipo de
porta mágica é que a saída é
sempre liberada como se não
houvesse uma porta ali.
Rapidamente deixei o trígono
lunar e alcancei a pedra de
teletransporte. Todos os
meses que passei treinando
magia valeram a pena!
— Aradia. — Sussurrei assim
que toquei a mão na pedra.
Mantive minha invisibilidade
ativa enquanto percorria as
ruas da cidade real do
território das bruxas. Assim
que devolvi a Preciosa para o
armário, tirei o meu vestido
chamativo e coloquei a roupa
branca de loba.
A magia de luz foi muito mais
difícil de começar a aprender
e levei meses até conseguir
controlá-la de fato. Mais
complicado ainda foi o fato de
haver pouca coisa na
literatura a respeito, então
tive que ir aprendendo as
magias que eu queria por
conta.
Faz poucas semanas que senti
que finalmente tinha
alcançado domínio sobre as
magias que eu focara, a
invisibilidade e a
superaceleração e, desde
então, finalmente comecei a
ver Lohan escondido quando
eu sabia que Willow não
estava no palácio. Eu não
conseguia mais suportar a
distância e estava preocupada
em como ele estava lidando
com o meu desaparecimento.
A primeira vez o vi a distância.
Ele estava no jardim
organizando uma nova equipe
de busca. Seu semblante era
sombrio e seu corpo parecia
bem mais magro e abatido.
Aquilo me doeu do fundo do
coração, mas eu não podia me
aproximar. Não podia dizer
"estou aqui" ou estragaria
todo esforço e sacrifício que
fiz até agora. A segunda vez
que o procurei, não o
encontrei. Ele havia saído e eu
não tinha ideia de onde o
encontraria. Esperava ter um
pouco mais de sorte desta vez.
Deixando a energia da minha
origem de luz fluir pelo meu
corpo, ganhei invisibilidade e
ativei a superaceleração.
Neste modo, todo o meu
corpo se move consciente pela
minha vontade, podendo
variar a velocidade de acordo
com a quantidade de energia
empregada. Tudo é
extremamente nítido, bem
similar à quando eu estava
fora do meu corpo. Acredito
que aprendi essa magia mais
rápido justamente por já
saber a sensação.
"É bom estar em casa!" —
Comentou Lisa enquanto eu
entrava sorrateiramente no
palácio de Lohan no modo
invisível. Daqui, minha visão
espiritual já tinha alcance
sobre o meu alvo. Pela
sensação que sua energia
emitia, eu sabia que estava
dormindo, mas não em seu
quarto. Caminhei lentamente
pelos corredores evitando as
demais presenças e assim que
alcancei a sala mágica,
empurrei a porta o mais
sutilmente possível.
Lohan estava deitado sobre a
cama perto da minha caixa do
tesouro. Várias fotos minhas
estavam espalhadas sobre a
cama perto dele. Pela posição
que estava, eu tinha certeza
que havia apagado por
exaustão. Por mais que eu
quisesse me aproximar, decidi
manter uma certa distância de
segurança entre nós. Inseri
previamente um selo em
minhas roupas para esconder
o meu cheiro e som como
precaução, mas mesmo com
isso eu sabia que os instintos
super aguçados dele iriam
agir se eu me aproximasse
demais.
"Como eu queria contar tudo a
ele!" — Ele claramente sentia
tanta falta minha quanto eu a
dele.
Enquanto eu me focava em
estabilizar meu núcleo e
controlar a minha magia para
voltar para ele, ele se focava
em me procurar,
provavelmente temendo pela
minha segurança, uma
preocupação que eu não
precisava ter em relação a ele.
Isso era muito injusto!
Um desejo ardente cresceu
dentro de mim enquanto eu
olhava o rosto dele. As chamas
dentro de mim ficaram mais
quentes e senti minha
respiração acelerar. Por conta
disso, pensei que era o
momento de sair, mas o
inesperado aconteceu. Lohan
acordou bruscamente e eu
sentia pela sua energia que já
havia percebido que não
estava só.
Senti-me paralisada quando o
vi se levantar e institivamente
me coloquei contra a parede
enquanto me focava em
manter a minha invisibilidade.
Um rosnado feroz escapou da
boca dele e com um
movimento rápido alcançou a
porta e fechou-a. Ele estava a
poucos metros de mim,
apurando seus sentidos ao
máximo e bloqueando a
minha saída.
"Está desconfiado. Ele sabe
que há alguém por perto!" —
Comentou Lisa ao ler a
energia dele.
"Está vindo!" — Meu coração
estava acelerado em meu
peito enquanto o via se
aproximar de mim. Segurando
o desejo ardente de beijá-lo
acelerei para o lado oposto,
mas sua cabeça seguiu meu
movimento como se tivesse
me sentido.
"Ele deve me sentir!" — Disse
Lisa. Isso faz sentido, já que eu
ainda tenho um lado lobo.
Como rei, ele tem uma
conexão especial com todos os
lobos. Testando a teoria, selei
a origem de Lisa de volta para
o meu braço esquerdo
enquanto tornava a me
mover. Desta vez ele não
seguiu o meu movimento, mas
continuou bloqueando a
passagem de saída como se
estivesse em estado de alerta
máximo.
— Quem se atreve a invadir o
meu domínio? Apareça agora
ou encontrará a morte! —
Rosnou novamente de forma
ameaçadora antes de tomar
forma de lobo. Ele começou a
rodear a sala e algo me dizia
que estava recrutando
guardas para bloquear a
entrada.
"Tudo bem..." — Eu havia
tomado uma decisão.
Acalmando a minha
respiração, deixei a
construção silenciosamente e
deslizei sobre o lago prateado.
Assim que me posicionei no
centro, libertei novamente a
origem de Lisa, assim não
haveria marca alguma em
meus braços.
Eu compreendia que não
podia me revelar como bruxa
ainda, mas não podia mais
deixar meu companheiro
sofrendo sem notícias minhas.
Enquanto um plano se
estruturava na minha mente,
removi todos os selos de
ocultação, desfiz a magia de
invisibilidade e esperei.
Assim que o lobo de Lohan
detectou claramente a minha
presença, ele atravessou a
parede. O choque tomou seu
rosto no mesmo instante em
que me viu. Sorri para ele
enquanto cruzávamos os
olhares e isso o fez tomar
forma humana. Eu sentia,
dentro dele, que parecia não
acreditar que estava me
vendo.
— Isso não é um sonho,
companheiro! Estou aqui. —
Disse-lhe gentilmente
estendendo a mão para ele.
Em um piscar de olhos ele
atravessou o lago e me puxou
para os seus braços travando
meu corpo contra o dele. Sua
respiração estava acelerada
enquanto encostava sua testa
contra a minha. A
profundidade em seu olhar, o
amor que sua energia exalava,
isso era demais para mim...
— Onde você esteve? Por que
demorou tanto para voltar
para mim? — Sua voz soou
urgente e sua respiração
estava muito acelerada.
— O que importa é que estou
aqui agora. — Falei-lhe e,
deixando meus desejos
assumirem, inclinei-me para
beijá-lo. Assim que os meus
lábios alcançaram os dele, ele
me beijou longa e
apaixonadamente.
— Você está bem? —
Perguntou um pouco
ofegante. Nossos corações
estavam a mil e eu só queria
mais dele. — Preciso saber
tudo o que lhe aconteceu.
— Companheiro, podemos
conversar depois? Agora eu só
preciso de você! Senti tanto a
sua falta! — Tornei meus
lábios aos dele. Eu estava
tomada por desejo, uma
sensação inexplicável. Como
se Lohan se sentisse da
mesma forma, ele me puxou
contra ele segurando minhas
pernas enquanto meus braços
rodeavam o seu pescoço e nos
beijávamos com intensidade.
Deitando-me sobre a cama,
empurrei as fotos para o chão
para ganhar espaço. As mãos
dele percorriam o meu corpo
enquanto chupava
suavemente o meu pescoço.
Minhas mãos trabalhavam
para despi-lo enquanto o seu
calor aliviava a queimação em
meu corpo.
— Minha pequena. — Disse-
me enquanto afastava o rosto
ofegante. Nossos olhos se
cruzaram e sorrimos um para
o outro. Eu podia sentir a
felicidade transbordar dele e
isso era recíproco. — Nunca
mais me deixe!
— Eu serei sempre sua,
Lohan, somente sua! — É tudo
o que eu podia prometer no
momento. Os lábios dele
tornaram os meus com certa
urgência. Eu não precisava de
técnicas de sedução, não
precisava agir de forma que
me deixasse desconfortável.
Aqui eu só precisava ser eu, só
precisava ser a Eliza.
— Que falta você me fez,
minha rainha! — Ele havia se
desmanchado ao meu lado.
Olhávamos um para o outro
com tanto amor, que eu não
queria mais sair do lado dele.
Por algum motivo, enquanto
ele tomava o meu corpo, o
fogo que me queimava foi se
apagando, e agora eu me
sentia muito melhor.
Afundei minha cabeça em seu
peito, me enterrando no calor
do seu abraço. Queria gravar
essa sensação, precisava levar
o máximo disso comigo. Eu
ainda sentia que minhas
origens estavam instáveis,
sentia a turbulência dentro de
mim então precisava voltar
para Aradia.
Mais do que estabilizar o meu
núcleo, eu queria dominar
minha magia para ficar mais
forte e meu companheiro
nunca mais ter que se
preocupar comigo. Além
disso, quando eu alcançasse o
meu estágio final eu poderia
libertar meu companheiro de
sua maldição e esse era o meu
principal estímulo para que
eu aceitasse a minha natureza
de bruxa e continuasse me
esforçando em aprender
magia.
— Eu te amo, companheiro!
— Sussurrei timidamente
contra o seu peito. Nos
sentíamos tão completos e
ligados um ao outro. Não
importa quantas magias eu
aprendia ou via, nada
superava isso.
— Eu também te amo,
companheira! — Respondeu
amorosamente enquanto
deslizava uma das mãos pelos
meus cabelos. — Você me
deixou louco de preocupação.
Você está bem?
Respirei profundamente antes
de afastar meu rosto para
encarar os olhos dele. Eu não
queria que se preocupasse
mais comigo, não queria que
ficasse correndo atrás de mim
quando eu partisse de novo.
— Companheiro, eu segui o
meu chamado e consegui me
provar. Você não precisa mais
se preocupar comigo.
— Então por que está me
olhando assim? — Ele colocou
a mão sobre o meu queixo
enquanto acariciava meus
lábios com o polegar. — Você
ainda parece preocupada.
— Eu estou, mas é com você!
Você me faz ficar preocupada,
companheiro. Sei que não tem
comido direito e sei que não
tem tido hora certa para
dormir. Você tem que se
cuidar mais! — Falei-lhe com
certa irritação. Isso o fez rir
suavemente, o que era
encantador. — Lohan, é sério!
— Se está preocupada comigo,
então cuide de mim, minha
rainha! — Disse aproximando
os lábios da minha testa e
beijando-a com ternura. Toda
a minha irritação se
desmanchou imediatamente.
Ele era tão bom para mim!
— Bem, comece dormindo um
pouco então! — Falei
seriamente a ele elevando
minha mão até o seu rosto. —
Posso ver que está cansado.
Não se afadigue mais, não por
minha causa.
— Durma comigo,
companheira! — Disse-me
suavemente. — Eu nunca
mais quero me separar de
você!
— Estarei aqui do seu lado.
Feche os olhos, meu amor. —
Sussurrei suavemente
enquanto usava magia
espiritual para acalmá-lo.
Enquanto ele pegava no sono,
fui deslizando meus dedos
suavemente pelo seu rosto,
desenhando uma magia de
selo de sono profundo. Não
surtiria efeito por muito
tempo, mas o suficiente para
eu conseguir sair daqui.
Quase todas as magias bruxas
requerem proximidade
mínima. Para inscrições e
selos é necessário contato
físico, e quando aplicada
diretamente em alguém é
facilmente interrompido e
quebrado se o usuário tiver
muita força mágica. Lohan é
poderoso demais, e se eu
também não o fosse, nunca
conseguiria usar um truque
bobo desses nele.
— Nunca baixe a guarda para
uma bruxa! — Sussurrei em
seu ouvido com seriedade. Ele
era completamente
vulnerável para mim, com
todas as brechas e aberturas
possíveis. Eu não tinha
orgulho de fazer isso, mas eu
precisava ir, mesmo que eu
não quisesse. Olhei meu
companheiro em sono
profundo com um aperto no
coração enquanto me vestia.
"Ele foi esperto!" —
Comentou Lisa. A porta estava
sendo vigiada, e não por
presenças comuns.
— Vão mesmo ficar de
prontidão? — Falei com meus
pais assim que abri a porta.
— Filha! — Mamãe não se
segurou e me puxou para um
abraço, e olha que ela detesta
abraços. Para ela me abraçar
assim, é porque a preocupei
para valer. — Minha menina,
onde você estava?
— É uma longa história, mãe.
Queria muito contar tudo
agora, mas ainda não posso.
— Por quê? — Quem
perguntou foi o meu pai.
Baixei a cabeça. Não poderia
demorar muito, ou Lohan
acabaria despertando e me
prendendo aqui.
— Eu resolvi parte dos meus
problemas e encontrei as
respostas que procurava, mas
não estou completamente
curada ainda. — Como
explicar para eles sobre a
instabilidade das minhas
origens? Eles não
entenderiam! — Ainda há algo
que preciso fazer antes de
poder voltar. Ficar aqui é
muito perigoso para todos, e é
por isso que preciso ir. Eu
prometo que estarei bem,
então peço que confiem em
mim.
Mesmo dizendo isso, eu sentia
que meus pais estavam
relutantes em me deixar ir. Eu
sentia que as ordens deles
foram muito específicas e eles
pretendiam cumpri-las. Neste
caso, eu só precisaria correr!
Assim que os despistasse
sumiria em um instante.
— Filha, você não pode
passar! Seja lá qual o seu
problema, é melhor
enfrentarmos juntos. Seu
companheiro é forte e ele vai
protegê-la! — Proferiu minha
mãe com o rosto sério.
— E quem vai protegê-lo? —
Perguntei no mesmo tom de
voz que ela usou comigo. Eu
ainda temia o que quer que
Willow tenha dito sobre
colocar o meu companheiro
em perigo. Ela sabia algo que
eu não sabia ainda, e eu já
confiava nela o suficiente para
preferir não arriscar. —
Avisem-no para não me
procurar, para confiar em
mim e que voltarei quando
estiver curada. Por favor,
garantam que ele coma bem e
se cuide até que eu volte!
Antes que eu terminasse de
falar, comecei a me mover
prevendo os movimentos
deles. Não importa que os
meus pais fossem lobos
completos agora, eu também
não era uma loba comum.
Passando agilmente entre os
dois, tomei forma de lobo e
comecei a correr.
Imediatamente eles se
transformaram em lobos
também e iniciaram uma
perseguição. Usei minha visão
espiritual para acompanhar a
movimentação dos guardas
externos e evitá-los. Meus
pais parecem tê-los alertado,
já que uma grande quantidade
deles estava se movendo para
criar um cerco e me impedir
de sair.
Usei magia de luz produzindo
aceleração moderada,
conseguindo deixar meus pais
para trás e furar o cerco.
Pensei que os guardas
correriam atrás de mim, mas
não o estavam fazendo. Foi
quando notei que estava
sendo perseguida pelo meu
próprio companheiro. A
energia dele se aproximava
rapidamente. Se ele me
alcançasse e tivesse contato
físico comigo, poderia emitir
um comando e eu
provavelmente não
conseguiria escapar sem me
revelar como uma bruxa. Eu
ainda tinha receio de como ele
reagirá quando souber,
principalmente por conta de
todo o preconceito que os
lobos tem em relação às
bruxas.
"Sinto muito companheiro,
mas agora sou mais rápida
que você!" — Pensei enquanto
ampliava minha magia de
aceleração. Comecei a correr
muito mais rápido em uma
direção aleatória,
aumentando novamente a
distância entre mim e ele. Eu
só precisava despistá-lo por
um instante para usar minhas
magias sem que ele as notasse
claramente.
Ouvi um uivo de lamento,
como se ele estivesse
implorando que eu parasse.
Lisa choramingou por dentro
e compartilhei da mesma
tristeza. Assim que ouvi o som
da água correndo, segui na
direção do rio e, me lançando
por trás de uma árvore, usei a
invisibilidade e a
superaceleração. Quando
Lohan chegasse às margens
do rio, pensaria que pulei
dentro para despistar o meu
cheiro. Acontece que ele
nunca me encontraria.
"Sinto muito, companheiro!"
— Pensei enquanto entrava
no meu quarto e me jogava
em cima da cama. Deixei que
as lágrimas transbordassem,
dando a mim e Lisa a chance
de expulsar a dor dentro de
nós.
P2 - Capítulo 47
Eu nunca levantava cedo
depois da noite de lua cheia, e
não é por eu ter tido alivio dos
sintomas que faria exceção.
Queria ficar o dia inteiro no
quarto, mas infelizmente eu
tinha aula com Willow pela
parte da tarde. Me produzi
toda como sempre fazia e,
colocando um vestido mais
discreto, desci até o refeitório
para o almoço.
Os dias de pós lua cheia eram
os piores. O palácio tornava a
lotar e, quando eu me
atrasava, dificilmente
conseguia encontrar um lugar
para me sentar na mesa.
Felizmente, Janet guardara
um lugar para mim. Ela
acenou de longe chamando a
minha atenção e sorri a ela em
agradecimento enquanto eu
me aproximava.
— Como foi a apresentação
ontem? — Perguntou assim
que me sentei ao seu lado.
— Boa, eu acho. — Respondi
bocejando. Dormi por poucas
horas e ainda estava com
muito sono. — E você?
Conseguiu vender muitas
roupas?
— Não tantos, mas várias
pessoas pararam para admirá-
las. Eu diria que fui muito bem!
Sua ideia de elevar os preços e
colocá-los como produtos para
alta classe foi realmente boa.
Fiz Janet criar uma marca
para o seu trabalho. Se o
objetivo é atenção, é só criar o
marketing certo, expor os
produtos de uma forma mais
requintada e limitar o grupo
de compradores. Geralmente
tudo o que é exclusivo, chama
muito mais a atenção. O fato
de muitos não terem
condições de comprá-los, gera
desejo e anseio, não pela
roupa em si, mas pelo que
usá-la representa. Assim, os
trabalhos de Janet seriam
mais admirados, não somente
no momento das vendas,
como também por conta do
tipo de pessoas que os usarão.
— Liz, você é muito egoísta! —
Reclamou uma bruxa atrás de
mim. Molly sempre arrumava
encrenca comigo, então eu já
estava acostumada com as
suas reclamações. Tudo o que
eu fazia ou deixava de fazer,
ela achava ruim. Todos
sabiam que ela sentia ciúmes
da atenção especial que
Willow me dava. Esboçando
um sorriso e mantendo a
postura, virei-me para ela.
— É claro que sou! Só viu isso
agora? — Eu sempre
concordava com tudo o que
ela falava, e ela sempre se
irritava com isso. Era
divertido!
— Da próxima vez me chama.
— Disse ela em um tom um
pouco mais suave. Ela desviou
o olhar, claramente
incomodada por ter que
apelar a mim para algo.
— Chamar para o quê? — Sua
atitude realmente me deixou
intrigada.
— Para me apresentar com
você! Não está sabendo da
repercussão que teve? — Molly
é uma bruxa musicista como
eu. Eu sempre achei que ela
me via como rival, então foi
uma grande surpresa vê-la
implorando para se
apresentar comigo. Nem em
mil anos eu esperaria ver isso
dela. — Posso fazer de graça!
— Eu não sei se voltarei a me
apresentar lá de novo. — Falei
com sinceridade.
— Voltará sim! — A voz de
Willow soou graciosa
chamando a atenção de todos.
— Eidon quer você no horário
nobre na próxima lua cheia.
Grandes nomes estão pedindo
especificamente por você!
— Ouvi dizer que o rei dos
Elfos ficou fascinado com a sua
voz. — Disse uma outra bruxa
se juntando a conversa. — Até
mesmo o príncipe dos mares
pediu para te ouvir de novo.
A lua cheia é o único momento
do mês em que sereias e
tritões conseguem
desenvolver forma humana
completa e curtir um pouco
dos prazeres terrestres. Se
supostamente esse tal
príncipe dos mares me viu
cantar, deve ter pego só o final
da apresentação já que me
apresentei mais cedo.
Obviamente duvidei das
palavras dela.
— E como você sabe disso? —
Questionou Janet curiosa.
— Tenho meus contatos. — O
olhar e a forma como sorriu
me dizia que essas
informações vieram de algum
pobre macho que ela seduzira.
— Ela é uma garota de muitos
truques e não nos conta nada.
— Reclamou Molly. —
Chamam-no no beco de a
bruxa misteriosa. Todos só
falam em como ela cativou
grandes nomes e depois
desapareceu misteriosamente.
— Pelo que conheço dela,
aposto que voltou para casa
depois da apresentação. —
Comentou Agnes se juntando
a conversa. — Você é muito
boba, Liz. Se eu tivesse tantos
machos fortes de olho em mim,
eu aproveitava.
— E quem disse que não
aproveitei? — Sorri
misteriosamente enquanto
lançava a dúvida no ar. Com
um tempo de convivência com
as bruxas, era inevitável
acabar pegando algumas
características delas.
— Sério? — Janet parecia
surpresa. Ela não era a única
curiosa, mas não pretendia
dar mais detalhes. Bruxas
amam fofocas, e isso é algo do
qual eu nunca aprenderia a
lidar. O que me preocupou
mesmo foi o silêncio de
Willow. Não pude deixar de
pensar que estava insatisfeita
com a minha travessura.
Estava certa de que levaria
uma bronca daquelas, mas
Willow não chamou a minha
atenção nenhuma vez, nem
depois da aula e nem após a
janta. Eu claramente estava
mais preocupada do que ela e
acabei tomando a iniciativa
por conta de chamá-la para
conversar em privado.
— Então... — Balbuciei
enquanto me aproximava dela
a passos lentos. Ela se sentara
elegantemente em sua
poltrona e apenas me olhava
pacientemente.
— Coragem filha, o que quer
me dizer? — Perguntou-me
calmamente ao ver que eu não
conseguia me abrir.
— Sobre o que fiz na noite
anterior, não vai dizer nada?
— Você sabe que não deveria
ter ido vê-lo, certo? —
Perguntou Willow
passivamente. Assenti.
Embora concordasse na
teoria, não me arrependia em
nada.
— Eu só queria que ele
soubesse que estou bem, mas
não revelei nada sobre o que
sou e onde eu estou. — Tentei
me justificar. A energia de
Willow continuava serena
como se já soubesse disso e
não se importasse. — Não
está nem um pouco brava
comigo?
— Liz, você é uma adulta
capaz de tomar as próprias
decisões. Eu nunca dou
ordens às minhas filhas,
apenas conselhos. Se você
entende o que fez, não precisa
se justificar para mim. Apenas
pense com cuidado sobre o
que fará daqui em diante.
— Tenho uma coisa para
perguntar. — É algo que
estava na minha cabeça e eu
não conseguia tirar. — Sobre
os sintomas, quando me deitei
com o meu companheiro, eles
aliviaram. Por que não me
contou sobre isso?
— Se deitar com ele fez
alguma diferença para
estabilização das suas
origens? — Perguntou Willow
seriamente. Fiz que não com a
cabeça. — E você acha que vai
conseguir ir até ele de novo
aliviar os sintomas numa
próxima sem acabar presa?
Engoli em seco. Lohan
definitivamente não cairia no
mesmo truque duas vezes.
Não sei nem se conseguiria
vê-lo de novo depois do que
aconteceu. Deixei a todos
muito alertas com a minha
visita inusitada.
— Com certeza que não! —
Admiti.
— Você também nunca irá
aceitar aliviar os sintomas
com outro que não seja o seu
companheiro, estou certa?
Não se iluda, o meu silêncio
tem justificativa.
— Esses sintomas, eles vão
durar até quando? Você disse
que é até minhas origens
estabilizarem, então o que
mais preciso fazer para isso
acontecer?
— Seduzir. — Respondeu
Willow com uma única e
massacrante palavra.
— Seduzir? — Não é nem uma
palavra que eu gostava de
ouvir, quanto mais de pensar
em fazer.
— Uma bruxa não é como um
lobo, portanto a provação não
funciona da mesma forma. Um
lobo vive em bandos e agem
em conjunto, então a
provação deles favorece
exatamente isso. A nossa
natureza por outro lado, é
muito mais competitiva e
solitária. Não precisamos
provar valor como os lobos
para passar pela provação,
apenas juntar o mínimo
necessário de devoção.
Portanto, a nossa provação
começa antes da câmara dos
deuses, ela ganha forma
depois da passagem na
câmara, mas apenas se
completa quando aceitamos a
nossa natureza de uma forma
geral. Você tem aceitado
quase todos os lados de sua
natureza bruxa, mas ainda lhe
falta uma coisa, a sedução.
Sedução não é só uma
característica que praticamos,
ela é uma essência, uma força
dentro de nós. Se quiser um
atalho para estabilizar suas
origens e parar os sintomas
mais cedo, precisa fazer isso.
— E por que não posso fazer
isso com o meu companheiro?
— Eu estava muito insatisfeita
com os termos. Preferia arder
em brasas do que deixar outro
homem me tocar.
— Porque Lohan te ama! A
sedução só funciona se pelo
menos uma mínima parte do
outro lado reconhece que não
deveria fazer isso.
Basicamente ela estava
dizendo que não posso
seduzir alguém que já me
quer e me deseja
previamente. Nenhuma parte
de Lohan vai me negar, então
isso não se enquadra na
habilidade da sedução. Eu não
sei se ria ou se chorava de
desespero por descobrir isso.
Acho que uma parte de mim
preferia não saber.
— E o que devo fazer? — Eu
estava em um beco sem saída.
Esperava que Willow me
apontasse uma direção mais
aceitável.
— Minha opinião é que você
deveria voltar ao Trígono
Lunar na próxima lua cheia,
encantar um macho forte e
gentil e se entregar a ele, mas
isso é apenas minha opinião
como a rainha. Como mãe, não
posso negar sua natureza de
lobo e essa questão de
fidelidade ao companheiro.
Assim sendo, apenas suporte
os flagelos com coragem e
espere. Depois que passar
pelas doze luas, você se
livrará deles.
— Dozes luas? Tenho de
aguentar os flagelos por dozes
luas cheias? — Compreendi
que negar a sedução sendo
bruxa era o equivalente a
negar o vínculo do
companheiro como lobo.
Apenas a forma de castigo é
diferente.
— Sim, as origens se
estabilizam automaticamente
após a décima segunda lua
cheia, sem exceção. Até lá, os
sintomas vão ficando cada vez
mais fortes e insuportáveis. Se
você conseguir aguentar,
encontrará o seu livramento
no final.
É por isso que Willow disse
que levaria quase um ano
para eu completar minha
evolução. Isso não estava
ligado a devoção que eu
precisava, mas aos flagelos da
sedução. De certa forma, me
senti enganada por descobrir
isso só agora.
— Você não me levou ao
Trígono para colher devoção,
não é? — Estava claro que
havia algo mais profundo
nessa história do que ela
deixava transparecer.
— Devoção é essencial, filha.
Por mais devoção que você
tenha, nunca é demais coletar
mais. Mesmo que alcance o
estágio ômega após a
estabilização das suas origens,
não quer dizer que não exista
um patamar de evolução
acima, só que nunca ninguém
chegou além, por isso é
considerado historicamente
como o estágio final. Mas
você, minha filha, já provou
que tem a capacidade de
quebrar paradigmas e
reescrever conceitos. Estou
ansiosa para ver até onde
poderá ir. — Ela sorriu após o
seu discurso, claramente
tentando desviar minha
atenção para não responder a
minha pergunta principal.
— Esses supostos grandes
nomes que a minha irmã
mencionou, você sabia que
estariam lá naquela noite, não
é? — Eu não deixaria esse
assunto morrer. Pressionaria
Willow até que ela
confessasse suas reações
intenções.
— Digamos que eu tinha
minhas suspeitas. — Willow
desfez o sorriso e suspirou
profundamente. Seu olhar
estava distante, claramente
incomodada pela minha
insistência. Eu não podia ler a
mente dela, e embora
consegue ler os sentimentos
que são exalados por sua
energia externa, não
conseguia prever suas
intenções já que ela usa joias
com todos os tipos de
proteção possíveis. Uma pena
que, para ela, eu não precisava
de truques para desvendar
certos sinais corporais.
— Willow, eu não vou seduzir
ninguém! Se está tentando
preparar um caminho para
mim para isso, não vai dar
certo!
— Filha, você não está com
pressa de voltar para o seu
companheiro? Se você aceitar
o que precisa fazer, estará
liberada imediatamente. —
Falou-me ela calmamente,
mas ainda com o rosto sério.
— Tenho certeza que Lohan
prefere me esperar por mais
tempo do que me ter de volta
nessas condições. — Falei
decididamente.
— Eu entendo isso e essa
decisão cabe apenas a você.
Porém, ainda peço que
continue coletando devoção
no Trígono. Seu nome foi
muito pedido ao Eidon e
quero manter boas relações
com ele, afinal, lá ainda é um
ótimo lugar de coleta não só
para mim, como também para
as suas irmãs.
— Entendido! Continuarei me
apresentando, mas é só isso!
— Agora que tudo estava
esclarecido, não pude deixar
de me empolgar. Eu amava me
apresentar, e saber que meu
nome estava sendo
requisitado dessa forma em
um lugar como aquele podia
ser um salto para a minha
carreira nesse mundo. Eu só
teria que suportar o flagelo
durante a apresentação mais
uma vez.
— Sobre o seu pagamento. —
Willow tirou um pequeno
saco da manga de seu vestido
e o abriu revelando algumas
pedras de celédria que, pela
cor e formato, supunha que
valiam muito. — Vou retê-lo e
distribuí-lo entre suas irmãs
com punição pelo que fez
noite passada. Está bom para
você?
— Perfeitamente! — Não é
como se eu precisasse disso.
Willow e minhas irmãs me
davam tudo então era justo
compensá-las por isso. —
Muita obrigada!
A punição em vez de me
desanimar, foi um incentivo a
continuar trabalhando no
Trígono. Se havia uma coisa
que eu sabia, é ser grata, e se
com o meu trabalho eu
poderia ajudar quem me
ajuda, então faria ainda
melhor na próxima!
P2 - Capítulo 48
Mês seguinte, oitava Lua
cheia de Liz...
Sentei-me no chão, trêmula,
enquanto suportava a
queimação agonizante do
flagelo. O trígono estava
extremamente lotado por
conta do horário nobre, e
minha vez de me apresentar
estava quase chegando, mas
eu não conseguia me
concentrar. Tomei o restante
da minha garrafa de chá e
respirei profundamente
várias vezes antes de tirar
Preciosa da capa e me
levantar.
"Estou com você!" — Disse-
me Lisa deixando sua energia
fluir em mim. Ela me ajudaria
a suportar a agonia. Uma vez
no palco, tudo seria muito
mais fácil. Como se eu não
estivesse para morrer por
dentro, sorri animadamente
enquanto acenava para o
público.
— Que público maravilhoso
que temos essa noite! —
Comecei a dedilhar as cordas
da Preciosa em introdução
enquanto terminava de
chamar a atenção dos
presentes. — Para quem não
me conhece, me chamo Liz e
hoje estarei me apresentando
até uma hora da manhã!
Dediquei muito tempo no
último mês não só a traduzir o
resto do meu repertório como
também para traduzir outras
músicas incríveis de grande
sucesso do meu mundo.
Queria ter sempre algo novo
para trazer quando fosse
chamada a vir aqui. Comecei
soltando a voz com uma
música inédita enquanto
deixava minha magia
espiritual fluir.
O público estava bem
receptivo, na verdade parece
que muitos estavam
especialmente curiosos como
se tivessem vindo apenas por
conta de boatos. Embora o
tempo de apresentação fosse
meia hora mais curto, ainda
assim sentia que ia passar
sufoco para ir até o final.
Entreguei tudo de mim, com
todo o meu coração, até o
último minuto.
Senti que meu vestido estava
enxarcado com o meu suor
quando me curvei perante o
público em agradecimento
antes de sair. Esse gesto era
algo que os intrigava, no bom
sentido. A visão que tinham a
meu respeito era, no geral,
positiva, pelo menos é isso
que suas energias exalavam.
Assim que desci para os
fundos, deixei-me desabar no
chão ofegante. Forcei-me a
guardar minha Preciosa na
capa e abracei-a com força
enquanto recostava minhas
costas contra a parede e
fechava os olhos. Sentia que
estava para morrer.
— Você está bem? — Soou
uma voz masculina a poucos
metros de mim. Eu estava um
pouco tonta quando abri os
meus olhos. Havia uma
presença imponente, sua
energia era quase tão
avassaladora quanto a de
Lohan.
— Vou ficar! — Tentei forçar
um sorriso, mas não consegui
mantê-lo. O homem se
aproximou e se colocou de
frente para mim. Alto, magro,
de rosto ovalado e feições
maduras, seus longos e lisos
cabelos são dourados e suas
orelhas grandes e pontudas.
Seus olhos cor de mel se
prenderem aos meus
enquanto um sorriso suave
brotava em seu rosto
revelando uma fileira de
dentes extremamente brancos
e alinhados.
"Minha nossa, como é lindo!"
— Pensei encantada. Desviei o
meu olhar com um pouco de
remorso por admirar um
homem que não fosse o meu
Lohan.
"Pelo visto não estavam
mentindo para nós." — Disse
Lisa concluindo o mesmo que
eu ao estudar a energia dele.
Dado o seu nível de poder
mágico, este macho
provavelmente é o rei dos
Elfos.
— Queria te encontrar
pessoalmente para
parabenizá-la. Nunca tinha
ouvido algo tão sublime. Seu
talento é digno da minha
devoção.
— Obrigada, senhor... — Eu
não fazia ideia de como
chamá-lo.
— Galadriel. — Respondeu
em um tom amistoso. — Pode
me chamar de Galadriel.
— Galadriel... — Sussurrei
comigo mesma tentando
gravar o nome. Eu realmente
não estava conseguindo me
concentrar. Não era só por
conta da agonia do flagelo,
mas tudo nesse homem era
extremamente atraente, não
só a aparência como a sua voz.
— Agradeço sinceramente os
seus elogios, mas preciso ir
agora.
Forcei-me a ficar de pé.
Precisava me isolar o quanto
antes. Deveria voltar à Aradia
antes que a situação fugisse
do meu controle.
— Você não me parece nada
bem. Quer que eu te
acompanhe? — Perguntou
suavemente. Era uma
proposta gentil e eu sentia em
sua energia que não tinha
segundas intenções, mas
minha cabeça não estava
conseguindo não interpretar
isso de forma errada. Apenas
fiz uma negativa com a cabeça
e saí a passos rápidos.
Não havia um único espaço
isolado para eu ficar invisível
e acelerar. Além disso, a
cidade estava tão lotada que
estava difícil conseguir abrir
passagem. Enquanto eu me
espremia entre as criaturas na
rua buscando
desesperadamente uma
passagem, uma mão quente
tocou o meu ombro esquerdo
me dando apoio por trás. Era
novamente o Galadriel, e ele
não estava olhando para mim,
mas para frente enquanto
estendia sua mão direita
acima de mim criando um
escudo mágico a nossa volta.
Eu não ousaria a questionar
ou negar a sua gentileza, já
que eu estava realmente
precisando de ajuda agora. Ele
caminhou por trás de mim
abrindo caminho até que
chegamos em uma rua menos
movimentada.
— Não deveria andar por aí
assim. É perigoso! — Disse ele
desfazendo o escudo.
— Assim como? — Perguntei
confusa me virando para ele.
A onda súbita de calor fez com
que eu me afastasse um passo.
— Exalando esse cheiro forte.
— Comentou com os olhos
calorosos. — Sedução! Esse
tipo de magia pode acabar
atraindo a escória até você e te
colocando em apuros.
— Não é proposital. —
Sussurrei frustrada descendo
o olhar até o chão. — Eu não
deveria ter vindo...
Essa era a oitava lua cheia e
eu já estava assim. Não queria
nem imaginar como seriam as
próximas.
— Você é diferente. — Disse
ele encurtando a distância
entre nós dois. Institivamente
dei outro passo para trás. —
Por que está aguentando os
flagelos? Não sabe que é pior?
— Pior em que sentido? Isso
vai passar sozinho se eu
aguentar, certo? — Os olhos
dele me encaravam com um
pouco de pena. Antes que
dissesse qualquer coisa a
mais, uma outra presença
imponente se aproximou.
— Liz, por que fugiu de novo?
— Era Willow. Ela se colocara
ao meu lado e, embora sua
pergunta parecesse uma
bronca, sua voz estava serena.
— Eidon está bem insatisfeito
por você desaparecer
novamente após as
apresentações. Há muitos que
querem cumprimentá-la.
— Willow, eu não tenho como
ficar. Eu não estou bem e só
quero ir para casa.
— Está muito forte? —
Perguntou-me com doçura.
— Demais! — Respondi
fracamente. Eu mal me
aguentava ficar de pé.
— Venha, vou te levar para
casa. — A sua voz estava
meiga e a forma protetora
como se posicionara ao meu
lado fez o meu coração se
iluminar. Mesmo não tendo
filhos biológicos, Willow tinha
muito jeito para mãe. —
Agradeço por ter cuidado da
minha filha até aqui, Galadriel.
Eu assumo agora!
— Liz, espero poder vê-la se
apresentar de novo. — Foi a
última coisa que o ouvi dizer
enquanto Willow e eu nos
afastávamos. Espiei-o sobre
os ombros e assenti
positivamente a cabeça uma
vez. Os olhos dele estavam
fixos em mim como se
quisesse perguntar alguma
coisa, mas não o quisesse
fazer na frente de Willow.
Willow não só me ajudou a
chegar ao cristal de
teletransporte, como também
me acompanhou até o meu
quarto. Assim que coloquei a
Preciosa no armário, tirei
minha roupa suada e me
deitei no chão frio esperando
encontrar ao menos um pouco
de alivio.
— Por que não me disse que
sedução é uma magia? —
Questionei-a de olhos
fechados.
— Achei que já tivesse
entendido isso. — Disse ela se
sentando no chão ao meu lado
e tirando uma mecha de
cabelo úmido do meu rosto.
Seu toque era tão gentil... — A
sedução é uma magia exalada
naturalmente de uma bruxa,
amplificada em dias de lua
cheia. Embora pareça grande
coisa, a sedução é uma magia
extremamente fraca e é por
isso que é necessário
aprender e aliar outras
técnicas à prática. Sei que
parece absurdo para você,
mas esse tipo de prática é
essencial para a sobrevivência
da raça.
— Sedução não parece uma
magia fraca. Galadriel disse
que era perigoso para mim
andar exalando isso.
— Não, filha, sedução é fraco.
Esse tipo de magia só afeta de
verdade criaturas
extremamente débeis
magicamente. Com seus
poderes, você pode escapar
facilmente desse tipo de
criatura. Além disso, escolhi o
ponto mais seguro para você
atuar. Todos os que
frequentam o trígono lunar
são fortes o suficiente para
resistir facilmente a esse tipo
de encantamento.
— Entendi. — Parece que
Willow sabe o que faz, mas
ainda assim era o tipo de coisa
que ela deveria ter me
contado a muito tempo. Ela
me aconselhou a sempre ficar
de olho em tudo e todos, mas
não imaginei que fosse por
isso. De qualquer forma, eu
não pretendia voltar mais
para a Cidade Neutra. Eu já
não estava nem aguentando o
flagelo agora, quanto mais
numa próxima. Como
conseguiria me apresentar de
novo?
Me contorci em agonia pelo
resto da madrugada sem
conseguir pegar no sono. Não
existia magias e nem
remédios que pudessem me
apagar desse estado para eu
sentir nada. O flagelo era mais
forte e não me permitiria
passar sem implicar uma
profunda tortura em meu
corpo. Os primeiros minutos
de luz do dia eram o meu
momento mais feliz. Eu
finalmente conseguia fechar
os olhos e descansar.
Geralmente dormia até perto
do almoço, mas dessa vez não
acordei. Depois de todo o
estresse, quando reabri os
olhos já era noite. Minha
barriga estava roncando forte
quando me levantei para fazer
minha higiene pessoal e me
vestir.
O horário da janta já havia
passado, então fui até a
cozinha para preparar algo
por conta para comer.
Enquanto grelhava alguns
legumes, senti uma intenção
assassina se aproximando.
"Ela está muito brava!" —
Disse-me Lisa. A energia de
Molly estava vindo
diretamente na minha direção
como se soubesse que estou
aqui. Molly é uma bruxa do
fogo e psíquica. Filha de uma
artista renomada, ela ganhou
fama por conta de quem a
mãe é e conseguiu
desenvolver uma segunda
origem.
Desliguei o fogo e olhei
atentamente para a porta.
Pensei em fugir com minha
invisibilidade, mas se eu
recuasse, não saberia o que
ela quer. Assim que entrou,
tive que mover a cabeça para
o lado para desviar da lâmina
incendiada que ela lançou
contra mim.
— Quanta agressividade! —
Ela nunca tinha partido para
um ataque direto antes. —
Isso é jeito de tratar a sua
irmã?
— Você não é minha irmã! —
Disse ela com a voz irritada.
— Por que Willow sempre te
trata de forma especial? Tenho
duas origens, sou forte, bonita,
inteligente e perfeita, então
por que não consigo a mesma
atenção que você?
— Justamente por isso! — Dei
razão a ela para ver se
aliviava um pouco do
ressentimento que ela
emanava. — Eu sou boba,
ingênua e atrapalhada. É
normal que as mães deem mais
atenção aos filhos que não
conseguem andar com as
próprias pernas ainda.
— E ainda assim você
conseguiu o melhor palco da
cidade, conseguiu toda a
atenção que deveria ser para
mim. — Reclamou.
— Se está assim porque não te
chamei para se apresentar
comigo, posso corrigir isso
ainda. Na próxima podemos
nos apresentar juntas! —
Sugeri amigavelmente. Eu não
conseguia confiar em Molly,
desde o começo achava sua
energia muito perturbadora
então eu preferia evitá-la.
— Não vai ter próxima vez! —
Senti sua intenção e prevendo
sua próxima magia, desviei-
me a tempo de ser acertada
por uma bola de fogo.
Infelizmente minha comida já
era, e isso me deixou de mal
humor.
— Molly, você não quer brigar
comigo. Não teme o que a mãe
fará com você? — Perguntei
enquanto me desviava de
outro ataque.
— A mãe não está. Ninguém
virá te socorrer! — Disse ela
maliciosamente. Ampliei o
alcance da minha visão
espiritual e notei que haviam
duas bruxas espalhadas não
tão longe em guarda para
impedir qualquer um de se
aproximar.
— Com quem você está se
envolvendo? — Perguntei ao
perceber que eu não conhecia
a energia de nenhuma delas.
Tais bruxas provavelmente
não pertenciam ao palácio e
todas tinham a mesma
energia ruim que Molly estava
emanando.
— Se Willow te deu um brinco
com inscrições de proteção e
resistência mental, é porque
vocês estão escondendo
alguma coisa. Seja o que for,
vou descobrir o que é! — Disse
a garota concentrando muita
energia numa magia de
explosão.
Corri até a mesa mais próxima
derrubando-a no chão e me
escondi atrás dela enquanto
inseria nela uma inscrição
rápida de resistência ao fogo.
Assim que o fogo começou a
tomar conta de tudo, projetei
um escudo com magia de luz a
minha volta e, aproveitando a
falta de visibilidade que o fogo
gerava, fiquei invisível
mantendo meu escudo e me
reposicionando mais próximo
à Molly. Ela tinha um sorriso
sinistro em seu rosto
enquanto se aproximava da
mesa e mantinha sua magia
ativa, achando que eu estava
sendo tostada ali atrás.
— Uma pena! — Sussurrei
enquanto lhe acertava um
forte golpe na nuca, fazendo-a
desmaiar. Como minha
energia mágica era muito
mais poderosa que a dela,
selei sua consciência
deixando-a em coma induzido
e me movi em direção às
outras invasoras.
"Merda!" — Pensei ao sentir
Agnes correndo na direção do
perigo sem saber. Parece ter
ouvido algo estranho e veio
averiguar. Desfiz minha
invisibilidade antes de sair da
cozinha e corri a passos
rápidos em direção a ela.
— Agnes, corre! — Gritei
quando ela estava prestes a
virar o corredor e ser pega
por uma magia. A bruxa que
estava em prontidão
esperando Agnes se assustou
com a minha voz e se virou
para mim. Ela estava
completamente coberta dos
pés à cabeça com uma roupa
verde, e só o que se via eram
seus olhos castanho-escuros.
Mesmo sem ver sua marca, eu
sabia por suas intenções que
sua magia era do ar.
Prevendo sua magia, desviei-
me das lâminas de vento e
corri em sua direção. Bruxas
eram tão confiantes com suas
magias que tinham uma séria
desvantagem para combate
físico de curto alcance. É com
isso que eu contava, mas fui
surpreendida ao ver a forma
veloz com que ela se desviou
de mim.
— Liz, o que está acontecendo?
— Perguntou Agnes assustada
ao encarar a batalha que se
iniciara em sua frente.
— Invasoras! Alerte as outras!
— Pedi. Agnes estava
invocando uma magia de raio
em sua mão direita no intuito
de me ajudar, mas eu não
precisava disso. Só queria ter
certeza de que não haviam
mais invasoras espalhadas
pelo palácio e que as demais
irmãs ficariam bem. — Agnes,
não interfira! Vá! — Ordenei
de forma imponente! — Pode
haver mais delas por aqui. Eu
cuido dessa!
Agnes assentiu e saiu
correndo. A bruxa na minha
frente estava muito brava,
mas ao mesmo tempo
confiante ao perceber sua
aliada se aproximando por
trás. Fingi que não havia
percebido a energia da outra
enquanto partia para cima da
bruxa do ar. Ela era hábil e
conseguia usar sua magia de
vento não só à longa distância
como também para
impulsionar e agilizar
movimentos físicos. Era
extremamente bem treinada,
mas nada com que meu poder
de previsão de intenção não
conseguisse lidar.
"É o seu fim!" — Pensei assim
que ela saltou no ar. Ela
parecia estar desviando do
meu golpe, mas na verdade
estava desviando do ataque
de raio que vinha por trás de
mim. Eu planejei
cuidadosamente meu
movimento para colocá-la
onde eu queria e ela caiu
como uma amadora. Pegando-
a no ar, joguei-a na minha
frente usando-a como escudo
para bloquear o raio de me
atingir.
— Ops! Era para mim? —
Zombei enquanto a bruxa do
ar caia inconsciente na minha
frente após ser atingida por
sua própria aliada.
A outra entrou em choque
assim que percebeu o que fez.
Claramente era mais jovem e
inexperiente e aproveitei-me
de seus sentimentos lançando
uma poderosa magia
espiritual contra ela para
amplificar o que sentia e
exacerbar o seu desespero.
Isso a deixou paralisada e, me
movendo rapidamente até ela
a golpeei com força na cabeça.
Puxando as duas bruxas
desacordadas até Molly, selei
suas consciências e me
coloquei de prontidão para o
caso de haverem mais delas
vindo. O objetivo de mantê-las
vivas é deixar que Willow
invadisse suas mentes para
procurar respostas sobre o
que elas queriam comigo.
"Que fome!" — Reclamou Lisa.
Resistir ao flagelo e ainda ter
que lidar com essas pilantras
me deixou sem energia. Assim
que eu ia me agachar para
sentar, senti um grupo de
bruxas correndo em minha
direção. Felizmente, aliadas!
Aviso de mudança de
narrador.
Serão postados 4 capítulos no
dia 21/11/23, em decorrência
da mudança de narrador para
a visão de Lohan (dois a
seguir e dois no horário de
sempre). Uma interrupção
dos acontecimentos para uma
viagem ao passado na
perspectiva de Lohan é
necessário para um melhor
entendimento do que virá.
Obs.: Atentem-se à mudança
de visão entre personagens
que ocorrerá com mais
frequência até a finalização da
parte 2.

Nota: A parte 2 tem 86


capítulos. Ao publicar o
último, farei a contagem de
votos e a capa mais votada
(epílogo entre parte 1 e 2)
será mostrada antes de
entrarmos na parte final da
história.

Agora, fiquem com algumas


imagens fofinhas geradas pelo
midjourney, imagens em
diferentes estilos que se
aproximam a como eu
imagino o casal, mas sintam-
se livres para imaginá-los
como vocês quiserem!
Obrigada pela atenção!
P2 - Capítulo 49
Visão de Lohan.
Aproximadamente dois
anos antes...
— Majestade! O seu jantar
está servido! — Avisou-me
Vera, uma das poucas servas
que eu permitia entrar em
minha presença sem ser
convidada. Ela esteve comigo
desde que eu era criança e a
forma como zelava pelo meu
bem estar não mudara em
nenhum momento. Ao longo
dos últimos séculos ela
sempre aparecia nos mesmos
horários, me lembrando de
seguir uma rotina chata e
programada.
Olhei para ela, um sentimento
de vazio e indiferença dentro
de mim. Vera não era
diferente dos outros na forma
de se relacionar comigo. Ela
evitava fazer perguntas e
estava sempre olhando para
baixo com o rosto tenso.
— Entendido. Pode se retirar!
Levantei-me e caminhei até a
mesa de jantar. Olhei as
opções sobre a mesa. Um dia
já gostei de cada um dos
pratos, mas depois de comê-
los tantas vezes eu já não
sentia mais prazer em fazer
isso. Comer, era como
continuar vivendo. Para mim
não era mais do que uma
obrigação, só mais uma
maldição em minha vida
monótona.
"Pelo menos não temos
reunião hoje. Podemos caçar!"
— Falou meu lobo, Ray,
dentro de mim.
Caçar geralmente acabava me
deixando mais tediado. Os
animais são lentos e fracos
demais. Por um tempo eu
gostava de acompanhar os
guardas para procurar
fugitivos, mas a criminalidade
caiu drasticamente depois
disso. Para o resto, meus
homens eram eficientes até
demais e dificilmente me
traziam problemas.
"Vamos observar! Quem sabe
algo novo acontece!" —
Respondi para o meu lobo
enquanto caminhava até o
centro de observação e
invocação. Não é como se
gostasse de fazer isso, mas
passar as noites acordado
fazendo monitoramento era a
desculpa perfeita para evitar
as reuniões matinais chatas e
repetitivas do conselho.
Ampliando meus sentidos,
projetei minha consciência na
zona de reflexão mágica
interdimensional e me deitei
comodamente sobre a cama.
Assim como tudo em minha
vida, o som que preencheu o
ambiente era extremamente
repetitivo e tedioso. Eu já
estava tão acostumado com o
som e com as paisagens que
nem me incomodava mais em
ficar olhando.
Antes quando eu vinha,
pegava um livro na biblioteca
para ler enquanto esperava o
horário da vigília encerrar.
Depois de ler praticamente
todos eles uma dezena de
vezes, eu já não tinha mais
vontade de fazê-lo mais. Na
verdade, não sentia vontade
de fazer nada. Odiava não ter
mais nada para fazer sozinho,
odiava não ter uma
companhia para passar o
tempo e odiava ter que
continuar vivendo, ou por
assim dizer, sobrevivendo!
"Ouça isso!" — Alertou meu
lobo. Coloquei-me de pé e,
amplificando os meus
sentidos, encontrei uma voz
doce e melodiosa. Parecia que
alguém estava cantando. Meu
lobo estava inquieto, tomado
pelo desejo de encontrar a
dona dessa voz. Era difícil
lutar com ele quando ele se
propunha a algo. Ray sempre
foi extremamente forte e
dominador.
Concentrei-me em remover
todas as imagens em que eu
não encontrava nada.
Reduzindo as opções,
rapidamente localizei de onde
vinha o som.
"Algo novo!" — Exclamou
meu lobo, Ray, empolgado
com a visão à nossa frente.
Uma jovem mulher estava
sentada sobre uma rocha no
meio do fluxo de água que
descia perto de uma
cachoeira. Estava olhando
para lua enquanto cantava
uma canção bela e
estimulante.
— Maravilhosa! — Sussurrei
admirando cada um de seus
traços belos e delicados. Seu
corpo nu estava banhado
sobre a luz do luar, seus
cabelos negros e úmidos
desciam ondulando por sua
pele clara.
"Quero ela!" — Grunhiu meu
lobo dentro de mim. Ele nunca
tinha me dito algo assim antes
sobre nenhuma mulher. Por
algum tempo no passado,
procurei alguém que pudesse
agradá-lo, mas era uma
missão quase impossível.
— Você só quer o que não
pode ter. — Respondi com
seriedade enquanto
continuava admirando a
garota. Parecia tão pequena e
frágil e, ao mesmo tempo, tão
forte! Quando ela terminou
sua canção, percebi que
minha respiração estava mais
acelerada. Eu não queria que
ela parasse, não queria que
ela se fosse!
"Ela não deve estar sozinha!"
— Comentou meu lobo.
Pensei o mesmo, ainda mais
vendo a forma como a garota
parou de cantar e olhava para
os lados como se estivesse
procurando por alguém.
Mudei meu ângulo de visão
procurando por quem quer
que estivesse por perto. Lobos
costumam correr em grupo,
mas pelo visto, esse não era o
caso da garota.
Se não havia ninguém, então o
que ela estava procurando?
Quanto mais eu observava o
olhar desconfiado da garota,
mais meus instintos me
diziam que ela estava
procurando por mim, o que
teoricamente era impossível.
A garota estremeceu antes de
se jogar na água e nadar até a
margem. A visão de seu corpo
se transformando fez o meu
coração disparar. A loba
branca iniciou uma corrida e,
assim que sumiu da minha
vista, meu lobo rosnou com
ferocidade dentro de mim:
"MINHA!" — O poder que ele
liberou foi tão forte que não
contive a transformação.
Assumindo o controle, ele se
aproximou da imagem da
cachoeira desejando
ardentemente atravessar para
o outro lado e perseguir a
pequena loba branca.
"Ray, já chega!" — Reprimi-o
assumindo novamente a
forma humana. A loba da
garota é branca, exatamente
como do desenho que eu
recebi de Willow há quase
nove anos atrás. Mesmo que
supostamente eu acreditasse
que a sacerdotisa de Willow
esteja certa com a sua
previsão, haviam milhares de
lobas brancas em meu reino,
não só adultas como para
nascer. Não fazia sentido
pensar que a minha
companheira estaria
justamente do outro lado
entre os lobos mestiços.
— Já sou amaldiçoado demais
para aceitar que os céus me
dariam alguém que eu nunca
vou ter. — Não havia a menor
chance de eu conseguir ter
contato com a garota. Por que
me iludir?
Deixei o centro de observação
antes do horário. Meu humor
ficou instável nos dias que se
seguiram por causa do meu
lobo. As imagens da bela
garota continuavam
invadindo minha cabeça e isso
é algo que nunca tinha
acontecido comigo antes.
"Ray, ela não vai voltar!" — As
horas se tornaram dias, e os
dias viraram semanas
enquanto Ray continuava
ansioso me fazendo passar
mais tempo no centro de
observação do que eu tinha o
costume de fazê-lo.
"O que temos a perder?" —
Resmungou. Eu não tinha
argumentos quanto a isso. Já
não tínhamos nada, nem
mesmo esperança. Com tempo
sobrando e poucas atividades
acontecendo recentemente,
eu não tinha desculpas para
contrariar os anseios de meu
lobo.
A noite iniciara nublada, mas
quando a chuva começou a
cair tornei a dividir as áreas
observando outros pontos. Se
ela não ia até lá nem quando o
céu estava aberto, quanto
mais em uma noite chuvosa.
Nenhum lobo gosta de sair
para correr na chuva.
"Quero ver a cachoeira!" —
Disse Ray algum tempo
depois. Eu já nem estava
prestando atenção em mais
nada. — "Escuto a voz dela!"
Imediatamente voltei o foco
para uma única imagem. A
garota estava de pé próximo à
margem. A chuva escorria por
sua pele nua enquanto seu
olhar estava fixo sobre a
queda.
"Tão bela!" — Pensei
enquanto acompanhava o
trajeto da água escorrendo
pela sua pele, imaginando
como se fosse minha mão a
fazer aquele trajeto. Já vi a
imagem de muitas mulheres
nuas por esses monitores,
mas nunca nenhuma tinha me
excitado dessa forma. Na
verdade, nenhuma prendera
meu interesse como essa
garota fazia.
— Não precisa ser agora.
Trarei os suprimentos
amanhã e aproveito para
averiguar. De qualquer forma,
vamos precisar da barraca. —
Disse a garota, provavelmente
conversando com a sua loba.
Do nada, a garota começou a
olhar para os lados como se
tivesse sentido uma presença.
Tomando forma de loba,
começou a sondar a área.
"O que acha que ela está
procurando?" — Perguntei ao
Ray. Ele acompanhou a loba
com mais afinco que eu,
absolutamente fascinado com
o seu porte delicado e beleza.
A pequena loba já tinha
rodado tudo umas três vezes
insistindo em encontrar algo
ou alguém que não estava ali.
"Acho que ela está nos
procurando!" — Respondeu-
me Ray depois que ela foi
embora.
Mantive essa hipótese em
minha mente enquanto
aguardava a volta da garota,
sabendo que eu tornaria a vê-
la na próxima madrugada.
Diferente de como eu vinha
fazendo, dividi minha magia
de projeção consciente
abrindo imagens de diferentes
zonas, não somente da
cachoeira. Das outras vezes, a
garota não pareceu ter
percebido minha energia até o
momento em que eu me
foquei somente nela, então
decidi que deveria testar isso.
"Aí está ela!" — Exclamou Ray
animado assim que viu a
garota se aproximando na
forma humana com a mão
cheia de coisas. Deixando tudo
no chão, pegou um objeto
mágico que emitia uma forte
luz e começou a caminhar por
toda a área como se estivesse
fazendo uma ronda. Por fim,
parou de frente para a
cachoeira e deu um suspiro de
alivio.
— Parece seguro. —
Sussurrou a garota antes de se
virar para trabalhar com as
coisas que trouxera.
— Parece que ela não nos
percebe quando dividimos
nosso poder em mais zonas.
Ray concordou com a minha
ponderação e estava
impaciente pela parte final do
teste, contudo, ainda não era o
momento. Se eu projetasse o
meu poder em um lugar só e
ela realmente me percebesse,
eu poderia acabar
assustando-a e eu não queria
que ela fosse embora logo.
Observei atentamente cada
movimento da garota. Depois
que ela escolheu uma área
com boa visualização do céu,
preparou o terreno e montou
algum tipo de barraca. Pela
forma como analisava cada
peça, parecia ser a primeira
vez que fazia isso. Assim que o
seu trabalho foi concluído, ela
sorriu com satisfação e
alongou os braços antes de se
aproximar de novo da
margem da água.
"Agora!" — Exigiu Ray
nervoso. Como a garota já
tinha finalizado,
provavelmente iria embora.
Concentrei minha magia
apenas na zona da cachoeira e
atentei-me. Como o esperado,
a garota olhou para os lados,
sua respiração se acelerando.
Elevando uma mão até o seu
coração, ela parecia ansiosa.
— Ela nos sente! Como isso é
possível? — Isso nunca tinha
acontecido antes, em todos
esses séculos! A garota tirou
seu calçado e, amarrando o
objeto da luz mágica em sua
calça, saltou na água e nadou
até a queda da cachoeira.
Atravessando a queda,
escalou na rocha como se
estivesse procurando por
algo.
"Esperta!" — Pensei mudando
o ângulo de visão. Ela
encontrou uma abertura na
rocha por trás da queda
d'água. Engatinhando para
dentro da caverna, utilizou
seu objeto de luz para
explorar o interior. Ela não
estava simplesmente fazendo
um reconhecimento de área,
estava procurando por algo
ou alguém. Ela estava
procurando por mim!
Um misto de alegria e tristeza
invadiu o meu coração que
estava começando a
descongelar. Comecei a me
animar quando percebi que
ela me sentia, só que esse
sentimento se foi quase no
mesmo instante. Isso não
adiantaria de nada, pois, por
mais que ela me procurasse,
jamais me encontraria.
— Então por que o meu
coração continua batendo
rápido assim? — Perguntou
ela após perceber que eu não
estava ali. Negando-se a
desistir, tirou suas roupas no
meio da escuridão. Eu só
conseguia ver sua sombra
tomando forma de lobo. Após
vasculhar e farejar a área
minuciosamente mais uma
vez, saiu da caverna e foi
embora.
Senti como se eu tivesse sido
deixado para trás. Sentei-me
na cama com um estranho
sentimento de frustração e
elevei a mão ao meu peito
esquerdo.
— Por que isso está
acontecendo comigo? — Eu
nunca tinha me sentido assim
antes. Por que eu me
importava tanto? Saí da
central de monitoramento
decidido a não procurar mais
aquela garota. Ela mexia
comigo de uma forma que eu
não compreendia e sentia que
estava começando a perder o
juízo.
Eu costumava dormir pela
manhã, mas não consegui
pregar meus olhos. Não
importa o quanto eu tentasse
não pensar nela, eu não
conseguia tirá-la da cabeça.
"Achei que não ia voltar, mas
até pulou a janta para vir mais
cedo!" — Ray estava se
divertindo em me ver doido,
apesar de ele ser o maior
culpado por eu estar assim.
Ali estava eu, novamente
dividindo imagens e
esperando a garota voltar. Se
ela armara uma barraca é
porque planejava algo com
ela. A resposta demorou
menos do que eu imaginava.
Ela apareceu mais cedo do
que das outras vezes e se
aproximou da cachoeira.
Pouco depois, uma loba de
pelos castanho claros se
aproximou por detrás dela.
Deixando duas bolsas caírem
de seu pescoço, a loba branca
subiu as patas dianteiras em
cima de uma grande pedra na
margem e começou a uivar
para a lua cheia.
"MINHA!" — Rosnou Ray
encantando com o uivo dela.
Era tão melodioso e belo
quanto a voz da garota.
A outra loba parecia um
pouco desajeitada enquanto
se colocava do lado dela e
iniciava seu próprio uivo. Em
vez de se deixar atrapalhar
pelo jeito da novata, a loba
branca sincronizou o uivo
dela à outra de forma
harmônica e agradável. Deixei
Ray sair tomando forma de
lobo e comecei a uivar
também. Ray estava com o
rabo abanando enquanto
acompanhava a loba voltar à
forma humana depois da
serenata para a lua.
— Grave profundamente a
sensação que está sentindo
para usar sempre que quiser
se transformar. Depois disso,
lembre-se da sensação de ser
humana, de como é mover as
mãos, os pés... — Explicou ela
para a outra. Ignorando
completamente a novata que
tomava forma humana,
foquei-me completamente na
bela visão da garota, seu belo
corpo completamente exposto
para mim.
Ambas iniciaram uma
conversa, deixando claro que
a loba branca foi a guia de
primeira transformação da
outra. Sobre a conversa delas
eu tirara importantes
informações. A garota gostava
da cachoeira, mas não era
muito perto da casa dela. Ela,
assim como eu já tinha
notado, é diferente dos outros
lobos e não gosta de correr
em bandos.
Fiquei encantando vendo a
garota brincando na água e
precisei desviar minha
atenção para outra zona,
contra a vontade de Ray. Senti
meu membro endurecer
enquanto me imaginava ali
com ela e entendia que isso
era inapropriado. Eu sequer
me recordava quando foi a
última vez que tive qualquer
fantasia do tipo com alguma
mulher, e era um incomodo
tremendo perder o controle
sobre os meus pensamentos
dessa forma.
Assim que a garota começou a
conversar com a novata sobre
comida, tornei a procurá-la.
Ambas estavam vestidas,
sentadas em torno de uma
fogueira enquanto faziam uma
refeição. Eu não conseguia vê-
la completamente desse
ângulo, mas podia ouvi-la
muito bem.
Quando a novata falou sobre a
sua ansiedade para sentir o
seu elo do companheiro,
desfiz a magia das demais
zonas e foquei-me somente na
bela garota, desejoso por
saber mais sobre ela.
— Você já é apaixonada por
ele e seu coração já bate forte
por ele, então você não deve
sentir muita coisa nova. Acho
que a única diferença em
relação ao atual é a sensação
de uma força estranha te
puxando em direção a ele
quando se veem, a capacidade
de sentir como se o cheiro
dele fosse o mais forte de
todos e vai ter uma voz na sua
cabeça dizendo
"companheiro!" o tempo todo.
Ray ficou furioso ao perceber
que a garota já tinha um
companheiro. A forma como
ela se expressou não deixava
dúvidas quanto a isso. Todas
sempre tinham! Eu era o
único destinado a ficar
sozinho.
— Parece romântico! — Disse
a novata. Senti que não
conseguiria conter meu lobo
se ficasse ouvindo coisas do
tipo e decidi desfazer a magia.
— É chato! É irritante! —
Falou a garota, o que me fez
revogar da decisão de sair e
me prendeu novamente à
cena. A garota parecia ainda
mais irritada do que eu e isso
me deixou intrigado.
— Como é possível existir o
elo entre duas pessoas e elas
não se apaixonarem? Eu não
entendo! — Perguntou a
novata. Não pude deixar de
me perguntar a mesma coisa.
Eu desejava tanto encontrar a
minha companheira e a garota
estava desprezando o dela.
— Se lembra da questão que
te falei entre escolher entre
razão e emoção? Se você
quiser escolher um só você
pode também, e se você
pensar racionalmente demais
sobre um tema emocional, é
isso que acontece. —
Respondeu a garota com um
pouco de seriedade.
— E você não quer se
apaixonar?
— Não por ele. Apesar dessa
coisa de vínculo, há uma parte
dentro de mim que fica feliz
que ele também não me
aceite. Isso torna tudo mais
fácil, já que aumenta o poder
de convencimento sobre o
lado que desesperadamente
anseia por ele.
"Ela está esperando por nós!"
— Disse Ray todo satisfeito
depois de ouvir o depoimento
da garota. Meu coração batia
forte em meu peito ao pensar
que essa garota não queria se
apaixonar pelo seu elo porque
sentia que não era verdadeiro.
Talvez Ray estivesse mesmo
certo. Talvez a garota
realmente seja a minha rainha
predestinada!
P2 - Capítulo 50
Visão de Lohan. Passado...
Depois de me iludir e me
desiludir logo em seguida ao
vê-la partir, esperei
ansiosamente nos próximos
dias a garota voltar para
desarmar a barraca, mas isso
não aconteceu. Comecei a ter
problemas de insônia e por
vezes trocava o dia pela noite
e a noite pelo dia. Eu não
ligava para o tempo que
passaria aqui, eu só precisava
vê-la de novo!
Acabei adormecendo na
central de madrugada
enquanto acompanhava a
cachoeira e acordei no início
da tarde. Enviei uma ordem
para Vera colocar uma
refeição sobre a mesa
enquanto me levantava,
pronto para sair.
"A cachoeira!" — Exigiu Ray
dentro de mim. Ele sempre
me obrigava a olhar uma
última vez para a zona de
reflexão, e sempre se
desapontava ao ver que ela
não estava lá. Ainda assim,
projetei minha energia mágica
e acabei tendo uma grande
surpresa.
— Linda... — Sussurrei assim
que a vi. Meu coração
acelerou enquanto eu me
aproximava da imagem. Eu
podia vê-la deitada sobre a
rocha que fica no meio da
corredeira, dessa vez com
roupas de banho. O sol batia
em sua pele clara, uma cena
absolutamente maravilhosa.
— Está aqui! — Falou ela um
pouco assustada logo após
sentir a minha presença. Ela
se lançou na água, nadou até a
margem e olhou para os lados
desconfiada. Depois se
inclinou para a água e o seu
rosto parecia estar a
centímetros do meu. Achei
que seria como todas as
outras vezes, mas dessa vez
foi diferente. As pessoas
estavam sempre olhando para
baixo na minha presença,
sempre me evitavam, mas ali
estava o rosto da garota,
frente a frente com o meu.
Mesmo sabendo que ela não
podia me ver de fato, a falsa
de sensação se sentir que
estávamos olhando um para o
outro derreteu o meu coração.
Se não fosse pouco, uma
melodia suave brotou dos
lábios da garota enquanto
continuava olhando para mim.
Ela estava cantando... para
mim?
"Quando me aproximo, meu
coração dispara
Às vezes penso que
enlouqueci
Mesmo que eu não te veja,
sinto o teu olhar
O que se passa do outro lado,
não posso afirmar
Continue a me olhar, sempre a
me acompanhar
Não há problemas se não
puder falar
Tudo bem ser assim, eu
estarei aqui
Você será minha sombra, eu
serei tua luz."
— Ela realmente sabe que
estou aqui! — Exclamei
perplexo. A garota deixou
claro que sentia que eu estava
olhando para ela através da
água e foi muito além. Ela
declarara que estaria ali por
mim, mesmo que não pudesse
me ouvir.
"Eu serei sua sombra e você
será minha luz!" —
Respondeu Ray ao último
verso da canção. Eu e meu
lobo já estávamos
completamente vislumbrados
com a canção e a garota ainda
foi muito além ao começar a
conversar comigo.
— O que acha? — Perguntou
para mim. — Essa música é
para você! Acabei de inventar
agora, então precisa de
ajustes. Gosto muito de
cantar, mas acho que você já
sabe. Permita-me apresentar-
me oficialmente a você. Meu
nome é Eliza e minha loba é a
Lisa.
— Eliza... — Sussurrei,
elevando minha mão ao meu
peito esquerdo. Meu coração
se agitou dentro de mim de
uma forma que nunca pensei
ser possível. Ray estava
babando por ela.
"Minha Lisa!" — Disse Ray
com afobação, querendo
novamente reivindicar posse
sobre a loba branca dela.
— Como não consigo te ver,
vou te chamar de senhor
fantasma. Não vou deixar você
sentir minha falta de novo,
está bem?
— Realmente pode cumprir
isso? — Não queria me iludir
de novo. — Saiba que não se
deve mentir para um rei!
Nunca!
— Eu sei que está por aí,
consigo sentir isso, mas minha
loba acha que estou doida.
Vamos fazer uma aposta com
ela? Minha ideia é a seguinte,
saia por um tempo, até o pôr
do sol, que tal? Então veremos
o pôr do sol juntos. Se fizer
como falei, prometo terminar
a sua música e virei te visitar
mais vezes de agora em
diante, tudo bem? Pode ir
agora! E não vale espiar, hein.
— Combinado! — Falei
prontamente. Eu já ia sair
para comer mesmo. A troca
era justa. Eu a perderia de
vista por um instante em
troca de poder vê-la mais
regulamente.
Ao término da refeição, olhei
pela janela para o jardim.
Ainda faltava quase uma hora
para o horário combinado.
— Poder retirar as coisas,
Vera! — Falei suavemente
para a minha serva.
— É impressão minha ou
Vossa Majestade está de bom
humor hoje? — Perguntou-me
Vera sorrindo suavemente.
Foi só então que parei para
estudar a mim mesmo e
percebi que eu também estava
sorrindo. Nem me lembrava
qual foi a última vez que eu
havia sorrido assim.
— Talvez. — Tentei soar um
pouco mais sério. Levantei-me
e caminhei a passos rápidos
de volta à central de
observação. Eu queria muito
saber o que ela estava
fazendo, saber se estava
mesmo lá esperando eu
voltar. Resolvi dar uma
espiada. Se ela não soubesse,
não seria quebra de acordo.
Projetando minha consciência
em várias zonas, encontrei a
silhueta da garota deitada
dentro da caverna que há por
trás da cachoeira. Ela trouxera
todas aquelas coisas para
dentro e parecia estar
dormindo. Mesmo na
escuridão, mesmo sem uma
imagem clara dela, não
conseguia deixar de olhar seu
perfil enquanto acompanhava
a posição do sol em outra
zona. Assim que o momento
chegou, desfiz a projeção nas
demais zonas me focando
somente no lugar em que ela
estava.
Quase imediatamente a garota
se moveu. Saltando para fora
da caverna, nadou até a sua
pedra favorita e se sentou em
cima dela.
— Bem no pôr do sol. — Disse
ela soltando um longo suspiro.
Não estava mais tão inquieta,
pelo contrário. A forma como
seus olhos esverdeados
brilhavam enquanto admirava
a vista era tudo o que eu
conseguia ver nesse
momento. — Se eu soubesse
que esse lugar tinha essa
visão tão privilegiada, já teria
vindo outras vezes nesse
horário.
— Faça-o mais vezes então! —
Proferi, atento a minha
própria visão privilegiada. Os
últimos raios de seu sol
incidiam sobre seu lindo rosto
e um sorriso encantador
brotou de seus lábios.
— Minha loba acredita em
você agora. Quer saber como
fiz? Não olhei as horas
nenhuma vez enquanto me
distraia com a barraca. Depois
me escondi na escuridão da
caverna e fechei meus olhos
até te sentir de novo. Eu não
sabia que era o pôr do sol,
deixei que você me avisasse.
Como você cumpriu sua parte,
cumprirei a minha e virei aqui
conversar sempre que eu
puder.
— Muito bem pensado, Eliza!
É bom saber que tem palavra!
Ela se manteve em silêncio,
mas isso não me importava,
desde que eu pudesse
continuar olhando para ela.
Depois de um tempo
pensativa, começou a cantar
uma linda e alegre melodia.
Desde que nasci fui tratado de
forma privilegiada, afinal eu
era o herdeiro escolhido de
uma nação. Sempre fui
cercado de mimos e agrados e
sempre era ouvido e acatado.
Contudo, nunca me senti tão
especial quanto agora,
sabendo que ela estava
cantando lindamente só para
mim, mesmo sem saber quem
eu sou.
— Eu vou indo. — Disse-me
ela fazendo Ray rosnar
descontente dentro de mim.
Assim que ela começou a
puxar assunto e conversar
sobre a sua rotina, Ray se
acalmou. Para quem disse que
estava indo, ficou um bom
tempo falando assuntos
aleatórios com um sorriso
divertido no rosto, e isso me
deixou entusiasmado. Tudo o
que saía da boca dela eu
gravava em meu coração, que
parecia ter ganhado vida
novamente depois de
conhecê-la.
— Não pare! — Pedi ao ver
que a postura da garota
mudara. Parecia que
realmente ia partir dessa vez.
— Quero saber mais sobre
você!
— Sinto muito, mas só
poderei vir de novo na sexta-
feira. Estarei aqui pela
madrugada, por volta das
duas. É que aqui é meio longe
de onde moro para ficar indo
e vindo a qualquer hora. Acho
que semana que vem posso
vir mais vezes, então é isso.
Boa noite, senhor fantasma!
— Boa noite! — Respondi
melancolicamente vendo-a se
afastar.
"Menos de cinco dias," pensei.
O que são esses poucos dias
perto de te todos os anos que
já vivi. Ah, que engano! Nunca
o tempo passou tão devagar.
Enquanto eu tentava
trabalhar, ficava pensando
nela e o tempo não passava.
Minutos pareciam horas e foi
assim o que descobri o real
significado da palavra
impaciência. Nunca precisei
apressar nada, sempre fiz as
coisas no meu tempo e do
meu jeito. Era agoniante não
ter controle de algo!
"Até parece que vou esperar
até às duas!" — Pensei
enquanto ia até a central de
monitoramento na noite de
quinta-feira, logo após a janta.
Usei a magia de reflexão de
forma dividida para que, se
Eliza chegasse antes, não visse
que me antecipei. Não queria
parecer desesperado.
"E quem está desesperado?"
— Ray proferiu em um tom
raivoso se esquivando da
própria culpa. Ele estava
ainda mais ansioso do que eu.
Como um presente dos céus, a
garota realmente se antecipou
chegando quase uma hora
antes.
A pequena loba branca se
aproximou da água fazendo a
sua verificação. Após isso
tomou forma humana. Por
algum motivo, seu semblante
estava triste e isso me deixou
inquieto.
— É claro que não está, falta
quase uma hora para o
horário marcado. — Disse ela
em alta voz, respondendo algo
para a sua loba. Sua voz
estava um pouco rouca, e algo
em seu olhar me dizia que
havia chorado muito antes de
vir para cá.
— Não fique triste, eu estou
aqui! — Queria tanto que ela
me ouvisse! Eu podia ao
menos tentar demonstrar
isso. Concentrei minha magia
toda na zona da cachoeira
enquanto ela se agachava para
tomar água.
— Oh! — Pronunciou ela em
um tom surpreso ao me sentir
enquanto abria levemente as
mãos deixando toda a água
que pegara escapar entre seus
dedos. — Chegou cedo! Achei
que teria tempo de sobra para
me vestir primeiro.
"Para que ela precisa se
vestir?" — Perguntou Ray
insatisfeito, vendo a forma
como ela cobria a parte
superior de seu corpo com os
braços. Ela parecia
envergonhada, muito
diferente das outras vezes que
veio.
Seu comportamento era
completamento oposto ao que
eu conhecia sobre a cultura do
outro lado. Como a maioria
dos lobos mestiços não
possuem roupas mágicas,
estavam sempre correndo em
bando e interagindo nus. Por
muitas vezes, já vi os mestiços
nadando em águas pelas mais
diversas zonas após a corrida,
e nunca ninguém pareceu
preocupado em se cobrir. Eu
realmente pensei que era
normal interagirem assim
entre si. Será que eu estava
errado?
— Neste caso, preciso
perguntar. — Disse ela com a
voz um pouco hesitante. —
Você é o senhor fantasma ou
senhora fantasma? Assim, se
você for senhor fantasma,
será que pode sair um pouco e
esperar eu me vestir
primeiro? Não é muito
educado um homem espiar
uma mulher sem roupa, mas
claro, se você não for um
homem então acho que não
tem problema.
— Certo! — Desfiz a magia
momentaneamente me
sentindo um pouco culpado.
Ela não tinha ideia de quem
estava do outro lado, então foi
um erro meu pensar que ela
não se importava.
"Mas eu quero vê-la! Exigiu
Ray agitado." — Lutei contra
seu instinto selvagem
torcendo para a garota não se
chatear por saber que eu era
um homem.
"Já deu tempo!" — Ray tornou
a reclamar depois de alguns
minutos. Projetei novamente
minha energia mágica sobre a
zona, mas não encontrei a
garota.
— Eu sabia! — Funguei. Eu
constrangera a garota, então é
claro que ela iria fugir. Eliza
não é como os outros. Uma
loba que corre sozinha, que
não se importa em correr na
chuva e que ainda consegue
sentir o meu poder...
Senti que estava perdendo o
controle até que Eliza saiu
timidamente de trás de uma
árvore, devidamente vestida.
À medida que ia se
aproximando lentamente, vi
em suas feições o quanto
estava envergonhada.
— Veja como estou por sua
causa! Eu nunca tinha
chorado assim de vergonha
em toda a minha vida!
Enquanto ela se sentava na
margem, notei o rubor em seu
rosto. Saber que eu era um
macho a deixou
extremamente tímida e o jeito
como ela enxugava as
lágrimas era simplesmente
adorável!
— Que fofa! — Toquei a mão
sobre a imagem de seu rosto,
tomado por uma vontade
insana de beijá-la!
— Tirando meu pai, você é o
primeiro homem que já me
viu nua. Senhor fantasma, das
próximas vezes que eu vier,
espero ter tempo de me vestir
primeiro então espere o
horário marcado para
aparecer, tudo bem? Se eu me
envergonhar assim de novo
eu não volto mais!
Eu deveria me incomodar por
ela ter ameaçado, a mim, o rei
dos lobos, mas não consegui.
Ray estava exultante demais
por saber que nenhum outro
macho estranho além de mim
viu seu lindo corpo. Isso tinha
um forte significado explicito:
a garota ainda é virgem!
— Vou entender que você
concordou. Como foi a sua
semana? A minha foi ótima!
As provas estavam fáceis
como sempre... — Eliza
começou a falar mais sobre a
sua vida enquanto eu fazia
uma negativa com a cabeça. É
claro que não concordei com
nada, ainda mais agora que
Ray e eu compactuávamos da
mesma opinião. Ela é minha!
Assim sendo, seu belo corpo
pertenceria somente a mim de
agora em diante bem como o
direito de admirá-lo.
Claro, ela não precisava saber
disso. Seria estúpido espantar
a minha garota, então decidi
que só concentraria a magia
na zona no horário que ela
marcasse comigo. Eu a
admiraria em segredo!
Para o meu contentamento,
minha lobinha entendeu que
pertencia a mim e veio me ver
nos dias que se seguiram. Seu
jeito espontâneo e divertido
de me contar as coisas fazia a
espera pelo dia seguinte valer
a pena. O sentimento dentro
de mim era único, uma
felicidade verdadeira que
quebrou completamente
minha rotina amarga e
tediosa. Ela trouxera a luz que
me prometera através do seu
sorriso, sua voz e suas belas
músicas. Quanto mais eu a via,
mais de sua presença eu
queria.
— Gosto de vir aqui, senhor
fantasma. Quando não venho
sinto que meu dia não está
completo.
— Sinto o mesmo, minha
pequena loba branca! —
Respondi hipnotizado por
suas feições e movimentos.
Ela estava me dizendo que
viria no dia seguinte na parte
da tarde com alguns amigos e
queria que eu os conhecesse.
Franzi a testa. Teria uma
reunião obrigatória do
conselho nesse horário sobre
um problema grave que
surgiu em um dos clãs do
sudoeste.
— Eu não sei se o senhor é
alguém ocupado, mas se for,
não precisa ficar o tempo todo
comigo. Caso seja possível, ao
menos dê uma passada rápida
para conhecê-los, tudo bem?
— Farei o possível! —
Prometi. Geralmente eram os
outros que acatavam minhas
vontades, mas aqui estava eu
cedendo aos desejos de outra
pessoa.
— Senhor, você está falando
rápido demais, não consigo te
entender. — Ela deu uma
risada gostosa e sorriu de um
jeito contagiante. Se ela
soubesse como esse jeito
alegre e extrovertido dela me
deixava excitado, duvido que
ficaria brincado comigo assim.
— Brincadeira, tá?
— Quero ver brincar assim
comigo aqui! — Desafiei-a.
"Corajosa!" — Disse Ray
vendo a forma aberta e
brincalhona com que a garota
continuava nos provocando.
Eliza pegou a barraca de
dentro da caverna e começou
a montá-la novamente do lado
de fora, mas não fechou a boca
por um instante sequer
enquanto trabalhava. Ela
falava não só de coisas do seu
cotidiano, mas descrições bem
humoradas de locais e objetos
do seu mundo.
O problema com o qual o
conselho queria minha
opinião no dia seguinte era
um pouco mais complexo do
que eu imaginava. Não era o
tipo de decisão que se toma
por impulso, mas eu não
conseguia me concentrar
devidamente quando minha
cabeça estava em outro lugar.
Emiti ordens precisas
telepaticamente ao alfa do clã
dos lobos cinzentos enquanto
acelerava meus passos até a
central torcendo para minha
garota e seus amigos ainda
estarem lá.
O rosto dela foi a primeira
coisa que vi quando ativei a
magia. Ela estava encantada
admirando o pôr do sol, mas
assim que notou minha
energia, olhou para mim.
— Por falar em momento... —
Disse ela tentando chamar
atenção do rapaz que estava
ao lado dela. — Nicolas...
— Diga! — O rapaz desviou o
olhar do pôr do sol e olhou
para ela com curiosidade.
— O senhor fantasma está
aqui. — Disse ela e ele. O rosto
dele foi tomado por confusão
enquanto tentava sentir o
mesmo que a garota.
— Tem certeza? — Perguntou
ele cético. Eliza manteve a
positividade enquanto
introduzia uma conversa
comigo.
— Senhor fantasma, esse é o
meu amigo Nicolas. Minha
amiga Annie você já viu, é
aquela que está ali tirando
fotos ao lado do companheiro
dela, o Liam. Todos eles fazem
parte de uma banda musical.
— Oi, amigos da Eliza. Estão
sob o meu favor agora! —
Falei satisfeito enquanto
estudava o rosto de cada um
deles. Se minha garota
gostava deles, então eu os
trataria de forma especial
também.
— O que está fazendo? — O
rapaz a questionou,
claramente incapaz de sentir
o mesmo que ela. Ela era
única, sem dúvidas, mas por
mais que eu tentasse
desvendar o motivo, não
conseguia encontrar uma
explicação lógica para ela ser
capaz de sentir a minha
energia.
— Conversando com o senhor
fantasma, claro! Ele
geralmente não responde,
mas não me importo. Basta eu
saber que ele está aqui!
— Eliza, não há nada! Eu
nunca tinha te visto falar com
tanta emoção. Você conversa
com a água com muito mais
naturalidade do que com seus
próprios amigos. Você não o
vê e não o ouve, então Eliza,
ele não existe!
— Como ousa a questionar a
minha garota? — Rosnei
irritado. — Eliza, não acredita
nele!
Eu temia que ela começasse a
duvidar de si mesmo e de
mim, mas meu receio se foi na
forma como ela olhou para
mim e se desculpou. Meu
coração se derreteu mais uma
vez com a sua declaração.
— Desculpe, senhor fantasma!
Parece que meu amigo não
percebe que você está aí. Mas
eu sinto a sua presença. —
Quando ela colocou a mão
sobre o seu coração, fiz o
mesmo. — Ele bate muito
mais rápido quando você
aparece e eu fico muito feliz.
— Eu também, minha
pequena loba branca! Eu
também... — Era a primeira
vez que ela se declarara
abertamente para mim.
Estávamos ligados um ao
outro de alguma forma e eu
estava cada vez mais
confiante. Apesar disso, sentia
meu coração se apertar
sempre que tentava entender
como isso era possível. O que
ela sabia sobre mim? Uma
coisa é eu me sentir assim,
mas por que ela parecia sentir
o mesmo se ela não sabe
absolutamente nada sobre
mim?
Inesperadamente o rapaz a
puxou para um abraço o que
deixou meu lobo
imediatamente irritado. Senti
ciúmes, não por ele abraçar
sua amiga, mas por eu não
poder fazer o mesmo.
Constantemente sinto o
desejo de tocá-la, sem ter o
alcance e poder para fazê-lo.
Tudo parecia tão certo e tão
errado ao mesmo tempo, mas
Ray ignorava completamente
todas as minhas
preocupações, me obrigando a
me desprender dos
pensamentos e me ater ao
momento.
— Eliza, você não está criando
alguém que não existe como
uma fuga pela rejeição do seu
companheiro?
— O quê? Não! — Ela o
empurrou e se afastou dele.
Parecia chateada, e com
motivo!
— Eliza, eu sei o que é ter uma
ligação com um companheiro
indesejado, sei o que é ficar
desesperado procurando por
fugas, mas se apaixonar por
uma pessoa imaginária não
vai te ajudar. Eliza, você tem
amigos de verdade, caso
queira se abrir e conversar.
Nós sempre vamos estar ao
seu lado!
— Apaixonada por mim, é? —
Esperava que a garota o
contradissesse, mas ela não o
fez, o que me deixou ainda
vislumbrado. Sempre que eu
pensava ter chegado ao ápice
da satisfação, a garota me
mostrava que era possível ir
além.
— Por que, Eliza? —
Perguntei-lhe. O
questionamento era, de certa
forma, mais para mim do que
para ela. A garota, mesmo sem
conseguir me ver, mesmo sem
saber quem sou e como sou,
se dirigia a mim de forma
mais aberta e confiante do
que com os próprios amigos, a
quem ela podia ver e tocar.
Por quê?
Ela me deu tanto que eu já
não tinha dúvidas de que
havia encontrado o mais
precioso tesouro.
"Obrigado pelas informações,
caro Nicolas! Está perdoado,
afinal, foi você quem me fez
perceber o quão especial sou
para a Eliza!"
P2 - Capítulo 51
Visão de Lohan. Passado...
- Eliza, você me deixou
viciado! - Sorri comigo mesmo
enquanto caminhava até a
central novamente. Aquele
pequeno cômodo se tornou o
meu lugar preferido e fazer
monitoramento não era mais
uma obrigação, mas um
entretenimento.
Minha loba branca vinha me
ver quase todos os dias, e
agora estava me dando a
notícia sobre seu excelente
desempenho acadêmico.
Mesmo sendo uma mestiça, eu
sentia orgulho da confiança
que ela exalava.
- Enfim, tenho uma novidade
que talvez não goste. -
Continuou ela. - Quinta-feira
da semana que vem
acontecerá a formatura do
terceiro ano, onde os alunos
prestam juramento ao alfa. No
sábado depois disso é o baile
de fim de ano. Eu não
pretendo ir para o baile, até
porque não seria legal ir sem
um parceiro. Meus colegas
geralmente me evitam,
pensam que sou estranha
então não acho que vou fazer
falta lá.
- Você não é estranha, você é
especial! Seus colegas é que
não te entendem! - Ela sempre
mantinha um sorriso no rosto,
mesmo quando me contava
coisas tristes como essa. Algo
me dizia que ela queria ir ao
baile e eu daria tudo para
realizar o seu desejo e
acompanhá-la como o seu
parceiro.
- Apesar de eu ser estranha,
consegui a admiração do beta.
Ele me acha forte. Devido a
formatura do seu filho, o
Nicolas, ele dará uma semana
de treinamento preparatório e
irei com a família dele
participar.
- Você não tem só a admiração
do beta, você tem a admiração
de um rei. - Respondi um
pouco desanimado por saber
que não a veria pelos
próximos dias. Já não
conseguia prestar tanta
atenção ao que ela estava
dizendo com Ray inquieto
dentro de mim.
Ela se foi embora, mas
consegui ao menos captar que
pretendia voltar na noite do
baile escolar. Minha rotina
sem ela era vazia e os dias
pareciam se passar mais
lentamente. Ela me trouxe
mais um daqueles
sentimentos que eu não
estava acostumado a sentir, a
saudade! Todos os
sentimentos que achei
estarem mortos dentro mim
despertaram após o
surgimento dela, e eu não
tinha mais dúvidas de que
estava apaixonado.
Era o dia do tal baile e decidi
jantar mais cedo. Enquanto
comia, veio até minha
presença um dos guardas
mais leais ao meu avô. Seu
nome é Horace. Edward
sempre o enviava como
mensageiro para avisos mais
sérios por conta de ser o
único guarda que não tem
medo dos meus olhos
amaldiçoados. Sempre que eu
via Horace, sabia que o
assunto era insatisfação do
conselho a respeito de algo.
- Um eclipse lunar parcial
ocorrerá entre o final da noite
e o início da próxima
madrugada, segundo a
previsão da sacerdotisa Ayla.
- Veio só para me dizer isso? -
Respondi friamente. Eu estava
com pressa de ir para a
central.
- O Conselho percebe que
Vossa Majestade andas
distraído e instável nesses
últimos tempos. - Respondeu
Horace normalmente sem se
deixar abalar pelo meu tom de
voz. - Eles pedem para te
lembrar da reunião de
amanhã e querem saber o
motivo pelo qual vai se
atrasar.
Dentre as reuniões matinais
de rotina, duas reuniões por
mês exigiam meu
comparecimento obrigatório,
salvo por motivos realmente
justificáveis. Do contrário,
eles eram duros em me
aplicar sanções e, mesmo eu
sendo o rei, não estava salvo
de ter que acatar certas
medidas. Eu não podia
reclamar, afinal, são eles que
fazem toda a parte trabalhosa
e burocrática do meu
trabalho.
- Me atrasar? - Senti a tensão
tomar conta do meu corpo. Se
eles querem um motivo é
porque estavam certos de que
isso iria acontecer. - Ayla
previu isso também?
- Sim! - Respondeu Horace. - O
conselho está muito
insatisfeito com o seu atraso,
então tenha uma boa
justificativa para lhes dar.
- Eu ainda não sei o motivo.
Diga ao conselho que esperem
até que eu saiba.
As previsões realizadas por
meio do cristal nunca falham.
Por conta disso, Ray me fez
correr até a central, uma
certeza absoluta de que era
algo ligado à nossa pequena.
Eliza é a única que tinha o
poder de me tirar de meus
deveres, e ainda assim, para
eu me atrasar para uma
reunião obrigatória é porque
algo grave iria acontecer.
- Esteja bem! - Implorei com
um mal pressentimento. Fazia
muitos dias sem vê-la e a falta
de notícias sobre ela só
aumentava o desespero que
eu sentia.
O fim de tarde nublado deu
lugar a uma noite escura.
Graças a minha excelente
visão noturna pude
vislumbrar o vulto da garota
se aproximando perto da
meia-noite. O sentimento de
alivio por vê-la logo se desfez
quando ela se aproximou.
Pela forma como estava
arrumada, parecia que tinha
ido ao baile, mesmo que
tivesse me dito que
provavelmente não o faria. Ela
caminhava descalça de forma
desajeitada, como se estivesse
com dor. Seu vestido estava
úmido de suor, colado ao
corpo e destacando suas belas
curvas. Em uma situação
normal isso teria me deixado
imediatamente excitado, mas
as lágrimas no rosto dela
fizeram o meu coração doer.
Ela se deixou cair de joelhos
perto da margem e mergulhou
o rosto na água.
- O que te aconteceu? -
Perguntei aflito desejando
ardentemente puxar seu rosto
para fora da água e abraçá-la
contra mim. No instante que
ela ergueu novamente o rosto,
gritou com todas as forças e
começou a chorar.
Seu grito mexeu com todos os
meus sentidos e não contive a
explosão de energia do meu
lobo que se forçou a assumir o
controle. Ray estava
desesperado arranhando as
paredes, desejando
desesperadamente saltar para
o outro lado e confortar a
nossa pequena.
- Parece que não poderemos
ver o eclipse juntos, senhor
fantasma. O tempo não está
ajudando. Aconteceram tantas
coisas...
"NÃO SORRIA!" - Gritei por
dentro em desespero. O
sorriso forçado em seu rosto
era o mais doloroso e mortal
que eu já tinha visto. Eu
queria, urgentemente, saber o
motivo pelo qual ela estava
chorando, queria confortá-la.
Ela era a minha alegria, minha
luz! Simplesmente não podia
suportar vê-la assim!
- Faz um tempo que não
venho, mas sinto dizer que
não sou uma boa companhia
hoje.
- Não chore! - Ordenei
completamente impotente
após reassumir forma
humana, antes que Ray
destruísse parte da zona de
reflexão.
Muitos são os que em
lágrimas julguei e executei. Eu
estava muito acostumado a
ver lágrimas, elas fazem parte
da minha vida desde o meu
nascimento. Minha mãe
sempre chorava por causa da
minha maldição, as pessoas
sempre choravam e gritavam
quando olhavam para mim e
mesmo as que não me viam,
sabiam muito bem como
implorar suplicantes numa
tentativa enfadonha de tocar
o meu coração inacessível. No
entanto, nenhuma lágrima me
afetou tanto quanto as
lágrimas da única garota que
sempre me tratou com
sorrisos sinceros e bom
humor. Eliza é a única que deu
tudo para mim sem pedir
nada em troca.
- Senhor fantasma, caso não se
importe, poderia se virar um
pouco? - Ela tentou
novamente forçar um sorriso
e isso me destruiu. Ela
claramente não queria que eu
me preocupasse, queria
carregar o peso de seu
sofrimento sozinha. Mal sabia
ela que estava fazendo
exatamente o oposto.
- Sim, eu me importo! Não
pense que vou tirar os olhos
de você! - Mesmo com
relutância, dividi minha
energia abrindo a imagem de
outra zona aleatória,
enquanto mantinha meus
olhos fixos nela. Assim que o
vestido dela caiu sobre os
seus pés, meu interior se
encheu de fúria.
Haviam vários hematomas
espalhados pelo seu corpo
como se tivesse sido
espancada. Quando saltou na
água, notei os ferimentos em
seus pés por ter vindo
descalça na forma humana,
provavelmente uma tentativa
de proteger sua loba de seu
sofrimento. Desajeitadamente
conseguiu entrar na caverna
atrás da queda. Estrava
tremendo muito quando saiu
da água.
"Quem foi o desgraçado que
ousou a machucar a minha
garota?" - Pensei furioso,
permitindo que o monstro
que há em mim ganhasse
espaço. Enquanto meus
pensamentos giravam em
torno de como eu faria com
que o agressor dela pagasse
caro e no tipo de torturas que
o infligiria, um lamento dela
me trouxe de volta a mim. Eu
já estava perdendo o
controle...
- Definitivamente não volto
para a água de novo. -
Cochichou enquanto
engatinhava em direção às
coisas que escondera lá
dentro. Concentrei novamente
meu poder em uma única
zona só para que ela soubesse
que estou aqui, que não a
abandonei. Ela parecia
extremamente frágil enquanto
se enrolava em volta de uma
toalha e entrava em um saco
de dormir.
"Ela está com frio! Quero
aquecê-la!" - Disse Ray
institivamente, desejando
cuidar dela. Por mais que eu
também quisesse isso, eu e
Eliza estávamos a mundos de
distância.
Ray estava inconformado de
não podermos fazer nada.
Para piorar, a garota começou
a chorar. Ray novamente
explodiu em fúria e liberou
ondas extremamente
poderosas de energia mágica
por todo o meu corpo. Tirei os
olhos da garota enquanto
tentava reprimir minha
transformação. Quando olhei
para trás, a pedra de
invocação estava
completamente exposta.
- Como assim? - Me aproximei
da pedra intrigado. Ela
deveria aparecer somente
quando as palavras mágicas
são pronunciadas. Mesmo
quando eu tinha que
recarregá-la, precisava
pronunciar as palavras para
fazê-la aparecer, no entanto,
nem eu nem a garota
dissemos nada. Liberei meu
poder na pedra enquanto
pronunciava o comando para
abrir o portal, na esperança
de que este realmente se
abrisse onde a garota estava e
que ela viesse até mim.
- Por todas as forças que
regem o universo, ouça as
vozes que clamam do outro
lado. O rei ordena: Abra-se! -
Me atentei à imagem onde
projetei minha consciência, e
intensifiquei o poder liberado
torcendo para isso dar certo.
"Venha!" - Rugiu Ray para a
garota liberando o poder do
rei, esperando que a garota,
de alguma forma, nos ouvisse
e se aproximasse do portal
milagroso que se abrira na
queda.
- O REI ORDENA, ELIZA,
VENHA ATÉ MIM! - Gritei em
voz alta esperando que minha
voz de alguma forma chegasse
nela. No entanto, a garota
parecia completamente alheia
ao portal enquanto soluçava.
Parecia estar adormecendo.
- Não durma! - Rosnei
soltando-me da pedra e
correndo até o lago onde ela
deveria atravessar.
Curiosamente, o portal estava
aberto desse lado também,
algo que não deveria
acontecer. Continuei enviando
meu poder à distância
enquanto me aproximava do
portal.
"Vamos para lá!" - Exigiu Ray
ansioso com a oportunidade
extraordinária que apareceu
diante de meus olhos.
Enfiei meu braço perto portal
para um teste e, assim que
confirmei que realmente tinha
conexão reversa, recuei. Eu
não sabia o que aconteceria se
atravessasse, mas uma coisa
eu tinha certeza. Se eu me
atrasaria para reunião do
conselho é porque eu
conseguiria retornar.
Voltei à central pegando a
manta que cobria a cama
antes de correr de volta ao
portal e me lancei nele sem
pensar duas vezes. Meu
coração se acelerou assim que
o cheiro da garota encheu
minhas narinas. Eu sempre a
via e ouvia, mas o cheiro... era
tão maravilhoso quanto ela!
Mal conseguia acreditar que
ela estava ali, bem na minha
frente. Era como um milagre,
um milagre tão
impressionante que era até
difícil acreditar que era real.
Olhei de relance para o portal
atrás, ainda aberto. Sentia
como se meu poder tivesse se
esvaído drasticamente e não
sabia quanto tempo
conseguiria mantê-lo. Ray só
queria uma coisa, que
pegássemos a nossa garota e a
levássemos de volta com a
gente.
"Não posso fazer isso ainda!" -
Pensei enquanto eu me
aproximava dela. Ela estava
tremendo e a forma como se
encolheu deixava claro que
sentiu que algo poderoso se
aproximava dela. Apesar disso
ela não reagiu, indícios do
quão mal ela estava se
sentindo.
Deitei-me ao seu lado e
abracei-a contra o meu corpo.
Desde que a vi tremendo, o
instinto de aquecer e cuidar
da minha fêmea se apoderou
de mim.
- Você está sempre sorrindo e
vive me contando coisas
bobas. Por que não me diz o
que te aflige, lobinha branca? -
Falei-lhe, enquanto
aproximava meu nariz de seus
cabelos para sentir melhor o
seu cheiro delicioso.
- Senhor fantasma? Você está
aqui mesmo? - Assim que ela
reconheceu de quem se
tratava, se remexeu em meus
braços tentando se virar. O
pânico tomou conta de mim
ao pensar que, se ela olhasse
em meus olhos e não fosse a
minha rainha da profecia, eu a
deixaria pior do que já estava.
Tudo o que eu queria agora é
protegê-la e desvendar a dor
em seu coração.
- Shhh! Não se vire! - Ordenei-
lhe travando seus
movimentos com minhas
mãos.
- Mas eu quero te ver! - Sua
voz chorosa quase me
convenceu. Eu não suportava
vê-la chorar, mas para nós
dois, era melhor que o nosso
primeiro contato fosse assim.
- Se você me ver não
poderemos mais conversar.
Não tenho muito tempo.
Apenas me conte tudo. - Falei-
lhe mais suavemente. Eu não
queria intimidá-la, só queria
que soubesse que estou aqui
com ela e por ela. Por não
saber quanto tempo meu
poder ia suportar manter o
portal aberto, não podia
aceitar me prolongar. Ela era
o meu foco!
- Eu não sei se consigo. -
Sussurrou. Parecia que queria
voltar a chorar e, movido pelo
anseio em desvendá-la,
bloqueei sua visão enquanto
me reposicionava e a puxava
para os meus braços. Ela
apertou a toalha com força ao
redor do corpo enquanto eu a
colocava em meu colo. Nessa
distância, os hematomas em
sua pele estavam ainda mais
evidentes e isso agitou o meu
lobo deixando-o transtornado.
Por impulso, desci minha mão
livre sobre sua pele enquanto
estudava o seu estado. A
marca em seu pulso estava
mais escura, mas felizmente
as lesões eram todas
superficiais. Ainda assim, jurei
a mim mesmo me vingar de
quem é que tenha feito isso
com a minha garota.
- Quem te machucou assim? -
Eu ansiava por saber quem
era o meu inimigo, mas ao
mesmo tempo não podia
ignorar o estado dela e ainda
precisava ser cuidadoso para
não a assustar. Sua pele
estava fria e suas mãos
trêmulas. Rapidamente ajeitei
a manta em torno dela e a
abracei contra o meu corpo
para aquecê-la.
- Senhor fantasma, de onde
você é? - Perguntou-me
enquanto se aconchegava em
meus braços. Parecia bem
mais calma, indícios claros do
quanto confiava em mim. Eu
não queria desapontá-la.
- Do outro lado, em um mundo
que existe além daquilo que
vocês chamam de fronteiras
sombrias.
- E como você chegou aqui? -
Sua voz doce quase me tirou
do foco do que vim fazer.
Senti como se ela estivesse me
enrolando e coloquei na lista
de coisas que eu pediria
prestação de contas quando
ela estivesse melhor.
- Não vim falar de mim. -
Repreendi-a. Eu estava
preocupado demais para
permitir que ela continuasse
se desviando do assunto. -
Preciso entender o que se
passa dentro de você. Não
quero que me diga só as
coisas boas, mas que me conte
as ruins também. Quero que
desabafe comigo suas
tristezas e que não sorria para
mim se não estiver bem.
- Você realmente quer saber? -
Perguntou-me com a voz um
pouco ansiosa.
- Sim! - Não imagina o
quanto...
A respiração dela acelerou no
momento em que começou a
me falar sobre seus pais e
sobre a sua origem. São coisas
que ela nunca tinha me
revelado e fiquei surpreso em
saber que ela era uma
amaldiçoada da lua nova, um
novo enigma a ser
desvendado dentre todas as
surpresas que essa garota me
trouxe. Os colegas dela não a
evitavam só porque era uma
recém chegada no clã, mas
também porque pensavam
que ela não tinha e que nunca
teria sua loba.
Eu não conseguia assimilar
essa informação. Ela era tão
jovem, conseguira a Lisa tão
cedo e, ainda assim, sentia um
vínculo do companheiro. Essa
garota definitivamente não é
normal.
Ray estava certo de que ela é a
nossa rainha, e quis muito
tirar minha mão de seus olhos
para ter uma confirmação,
mas não consegui. Eu estava
inseguro e com medo,
sentimentos estes que por eu
quase nunca os ter tido, não
sabia lidar.
Foi então que ela começou a
contar sobre o seu suposto
companheiro e a forma
estúpida que ele agia com ela.
Tomei cada uma de suas
dores imaginando como me
sentiria se fosse comigo. Me
irritei por saber que ela
cogitou dar uma chance ao
cretino, mas eu compreendia
que havia o poder do vínculo
agindo e ela não tinha culpa
de se sentir confusa.
Embora a história tivesse sido
bem resumida, ela o fez de
uma forma em que tudo fazia
sentido. Ela me deu nomes,
motivos e circunstâncias. Ela
explanou seus pensamentos
de forma clara e compreendi
que a maioria dos seus
hematomas viera de alguém
em quem eu não podia,
simplesmente, descontar
minha ira. Isso não significa
que eu não poderia protegê-la.
Eu faria absolutamente tudo
por ela se ela me permitisse.
- Lobinha branca, você quer
vir comigo? - Ray queria que a
levássemos de qualquer jeito,
mas sentia que ela ainda não
estava preparada. A forma
como ela hesitou e se calou
provava isso. Eu
provavelmente não
conseguiria lidar com a sua
rejeição se ela começasse a
me odiar por forçá-la. O que
ela pensa sobre mim me
importa demais!
"Ela está dormindo!" -
Comentou Ray. A respiração
da garota estava suave e a
expressão em seu rosto
serena. Coloquei-a
cuidadosamente de volta no
saco e deslizei meus dedos
suavemente em seu rosto,
completamente maravilhado
em poder tocá-la assim.
- Eliza, você é minha! Não se
esqueça disso! - Falei
enquanto me agachava para
beijar seus lábios. É algo que
eu queria muito fazer há
tempos. Antes de cumprir
meu objetivo, senti o poder
que mantinha o portal aberto
vacilar. Era como se eu
estivesse perdendo a conexão
com o outro lado.
Rapidamente tirei os brincos
da garota e corri para o portal.
Não tive dúvidas de que, por
pouco, não fiquei preso do
outro lado. Marquei o tempo
em que isso aconteceu e
comecei a fazer uma análise
detalhada tentando encontrar
o motivo pelo qual eu estava
perdendo a conexão com esse
mundo. O tempo coincidiu
exatamente com o fim do
eclipse lunar.
No meio das minhas
ponderações e anotações, o
dia estava clareando e isso me
fez voltar a atenção
novamente para a garota,
arrependido de tê-la deixado.
Ela estava tão feliz se
agarrando a manta que eu
deixei para trás que me senti
um tolo por achar que ela
poderia me desprezar. O
sorriso deslumbrante em seu
rosto enquanto se aproximava
da água me dizia que ficaria
bem.
- Você realmente veio, não é?
Ficou me esperando acordar?
O que nos separa? Por que
não podemos nos encontrar
sempre?
- É mais complicado do que
imagina, pequena!
Queria muito que ela pudesse
me ouvir. Eu sequer tive a
chance de lhe dizer como vir
até mim. Estava tão focado em
compreendê-la e consolá-la
que esqueci de lhe passar a
informação mais vital.
Ela se calou por um instante
como se estivesse
conversando mentalmente
com a sua loba e, elevando as
mãos até as orelhas,
finalmente notou que eu
levara seus brincos.
- Então foi uma troca? Meus
brincos são valiosos, então
cuide bem deles. - O sorriso
no rosto dela fez valer a pena
todo o risco que corri por ir
até ela. - Em troca cuidarei
bem disso.
Ela apertou as mãos em torno
da manta com mais força
como se eu tivesse lhe dado
algo de valor inestimável.
Uma simples manta ganhou
um enorme significado para a
garota simplesmente porque
fui eu que lhe dei. Como meu
coração não se derreteria?
- Minha pequena, você
realmente consegue me tirar
do sério! - Enquanto eu me
perdia nela, recebi um aviso
telepático do meu avô me
lembrando que eu já estava
atrasado para a reunião.
Queria ficar mais tempo com
minha pequena, mas não
podia.
- Já sinto sua falta! - Disse-me
ela docemente. - E nem posso
te chamar de senhor fantasma
mais, porque sei que é alguém
de carne e osso. Me sinto
muito melhor graças a você.
Obrigada!
Me senti imensamente feliz,
tanto por ela dizer que sentia
minha falta quanto por saber
que eu cumprira meu objetivo
de consolá-la.
- Também sinto sua falta! -
Respondi com sinceridade
enquanto me virava pronto
para cumprir com as minhas
obrigações. Olhei para os
brincos na minha mão. Os
peguei da garota porque a
pedra neles não existia em
meu mundo. O conselho não
queria uma justificativa para o
meu atraso? Eu a tinha e com
provas!
P2 - Capítulo 52
Visão de Lohan. Passado...
Eliza não era mais só uma
visão que eu tinha por
algumas horas do dia, mas um
objetivo. Comecei a trabalhar
insistentemente em encontrar
uma forma de ir até ela de
novo, ou mesmo de enviar
alguém em meu nome.
O conselho não foi muito útil
com as respostas que eu
procurava, na verdade, a
rainha das bruxas, Willow, foi
a única que, de fato, me deu
alguma informação útil. Ainda
assim, estava longe de ser o
suficiente.
— Aí está você! Feliz ano
novo! — A garota se vestira e
se arrumara na minha frente
achando que eu não estava
vendo. Eu amava ver a forma
em como ela se empolgava em
se apresentar bem diante de
mim. — Estou bonita?
— Maravilhosa! — Respondi
encantado. — Feliz ano novo,
minha lobinha branca!
— Obrigada por passar o ano
novo comigo! Talvez você
tenha muitas coisas para
fazer, mas está aqui comigo.
Isso quer dizer que sou
importante para você, certo?
— Mais do que você pode
imaginar!
— Não sinta vergonha, por
favor! Você também é
importante para mim!
— Eu sei, minha pequena!
Posso ver!
O rosto dela ganhou um rubor
tímido enquanto ela fugia da
minha presença envergonha.
Como ela podia ser tão fofa?
"Minha!" — Ray falou
entusiasmado. Se ela estivesse
ao nosso alcance agora, não
escaparia ilesa.
— Falei que era para você não
ficar com vergonha, mas
quem ficou sou eu. Isso é
como eu me sinto, senhor
fantasma. Quando poderemos
nos encontrar pessoalmente
de novo?
— Assim que eu descobrir
como fazer a brecha
funcionar! Espero que o mais
breve possível!
— Não importa se não puder
ser logo, vou continuar te
esperando.
Meu coração se aquecia
sempre que ela me dizia
coisas assim. A forma como
nos apaixonamos um pelo
outro e mantínhamos esse
relacionamento nessa
distância era algo que não
tinha explicação. Eu a queria
só para mim e ouvir dela que
ela me esperaria fazia
florescer dentro de mim um
sentimento de esperança, algo
que achei que tivesse morrido
no deserto vazio que era o
meu coração.
Ela continuou vindo se
encontrar comigo
regularmente, sempre no
mesmo horário. Sempre que
não vinha ou decidia aparecer
em um horário diferente me
avisava de antemão. Ela
sempre se importava em me
deixar confortável e em não
me fazer esperar à toa. Mal
sabia ela que eu sempre
chegava muito antes dela,
porque não queria perder um
único segundo de sua
presença.
Eu detestava quando ficava
dias sem vê-la e me atentava
ainda mais quando nos
reencontrávamos. Na última
viagem que fizera, revelou
que seu suposto vínculo tinha
ido atrás dela por medo de
que ela fugisse para outro clã.
Toda minha irritação por
saber sobre o outro se foi no
momento em que ela disse
que só não se mudou por
minha causa. Como eu queria
dizer a ela para ir sem medo,
que eu estaria lá, que aonde
quer que ela fosse, eu a
encontraria.
— Você sabe que aquele
homem não me trata bem.
Mesmo sendo o meu
companheiro predestinado,
ele começou a namorar outra
garota. Eu queria não ser
afetada por isso, queria me
libertar dessa maldição só que
não posso. Você conhece
alguma forma de me ajudar?
— Seus olhos estavam
brilhando como se
implorassem por mim. Claro
que eu iria ajudá-la! Ela é
minha!
— Minha doce Eliza, não se
preocupe com essas coisas
agora! Você tem a mim, o rei!
Quando eu conseguir te ter
em meus braços vou te tratar
tão bem que você vai se
esquecer que um dia já sentiu
algo por esse imbecil! Você
não precisa dele, ouviu?
— Acho que seria mais fácil se
ele não ficasse me rondando,
me mantendo
propositalmente por perto. —
Confessou ela. — Senhor
misterioso, eu não quero que
se preocupe demais comigo.
Sou mais forte do que pareço,
então não é essa maldição que
vai me parar. Vou superar isso
e serei livre para escolher
quem amar.
Novamente ela reforçou a
ideia de sentir o falso vínculo
como uma maldição. Ouvi-la
falar dessa forma sempre me
deixava um pouco atordoado.
É como se ela soubesse que
não deveria estar ligado ao
seu companheiro, como se
entendesse que aquilo estava
errado.
"Minha!" — Disse Ray
novamente, cada vez mais
confiante de que ela é a nossa
prometida. Enquanto eu
observava a minha garota, ela
adormeceu às margens da
água com uma parte do braço
direito para dentro da água.
Fiquei admirando por um
longo tempo o seu rosto
sereno e adorável. Eu queria
tanto poder tocá-la! Estiquei a
mão para a imagem à minha
frente e inesperadamente a
mão dela se moveu ao mesmo
tempo, como se estivesse
reagindo a mim.
"Você será minha sombra, eu
serei tua luz!" — Ouvi uma
voz suave sussurrar dentro da
minha cabeça.
"Eu serei tua sombra, você
será minha luz." — Meu lobo
respondeu a essa voz quase
de imediato.
Meu coração acelerou
incontrolavelmente em meu
peito junto com a
compreensão de que a loba
dela se comunicara de alguma
forma com o meu lobo. No
instinto de tentar tocá-la,
coloquei as duas mãos sobre a
imagem projetada. Como se
ela estivesse respondendo a
mim, ela esticou os braços e
acabou rolando para dentro
da água.
— Não! — Rugi inquieto com
medo dela se afogar. Senti um
alivio enorme ao vê-la subir
rapidamente até a superfície.
— Por favor, não ria de mim.
— Falou-me docemente antes
de nadar para a margem.
Assim que saiu da água,
começou a rir de forma
descontraída. — Tudo bem,
pode rir um pouco.
Como eu poderia rir depois
que você me deu um susto
desses? Como eu poderia rir
depois de nos comunicarmos
magicamente dessa forma? Eu
queria respostas imediatas ao
que aconteceu, certo de que
essa comunicação não fora só
uma coincidência. Devia haver
uma explicação para isso, tem
que ter!
Enquanto eu procurava
respostas desesperadamente
sem encontrá-las, os dias
foram se passando e as
promessas que ela me fazia só
deixavam o meu lobo mais
impaciente. No dia em que ela
completou dezessete anos, em
vez de presenteá-la fui eu que
recebi um presente. Ela disse
claramente que não se
importa em como eu me
pareço, que ela não se
assustaria porquê gosta de
mim! Ela admitiu
abertamente que gosta de
mim! Se não bastasse isso,
ainda me pediu para levá-la
comigo da próxima vez que
nos encontrássemos.
Eu tanto hesitei em trazê-la
porque queria que a decisão
viesse dela. O silêncio quanto
a minha proposta não era um
'não', mas um 'preciso pensar'
e a resposta veio a seu tempo.
Ao afirmar isso com todas as
palavras, não me deu só uma
resposta, mas declarou o seu
amor por mim. Eu era tudo o
que ela teria desse lado,
quando do outro ela era
alguém com família, amigos,
conexões importantes e um
trabalho aparentemente bem
remunerado.
Tal alegria que ela me dera
rapidamente foi substituído
por um sentimento de
preocupação profundo,
quando ela parou de ir me ver
dois dias depois. Ela sempre
me avisava quando não viria,
e por não o ter feito eu só
conseguia pensar que algo
muito errado havia
acontecido. Ray estava me
deixando doido, e por mais
que eu quisesse ir atrás dela,
não conseguia. Se o cristal de
invocação fosse um de meus
súditos, já teria sido
executado por insubordinação
e traição.
A cada dia que se passava sem
notícias, mais preocupado eu
ficava. Comecei a procurá-la
em outras zonas enquanto
mantinha a imagem da
cachoeira aberta em um
canto. Fiz isso inutilmente por
vários dias, até que um dia,
uma canção suave trouxe
novamente um pouco de
alivio ao meu coração.
Desfazendo todas as imagens
inúteis, foquei meu poder na
garota que estava sentada no
lugar de sempre, balançando
os pés dentro da água.
— Senhor misterioso, que
bom que veio! — Disse ela
sorrindo e chorando ao
mesmo tempo. — Me perdoe
por não ter podido vir te ver
nos últimos dias e por não ter
avisado antes. Também peço
desculpas se lhe preocupei
com o meu sumiço. Senti
muito a sua falta!
— Se sente muito, então não
faça mais isso! — Ordenei. Ela
não deveria assustar o rei
assim! — Você também me fez
uma tremenda falta, pequena!
Estava quase enlouquecendo
aqui!
Meu lobo que o diga. Essa
garota realmente conseguia
trazer à tona todos os meus
sentimentos de forma
extrema. A mais intensa
alegria, a mais intensa dor, a
maior preocupação de todas
bem como o maior alivio.
— Aconteceu uma coisa
alguns dias atrás e eu perdi o
manto que você deixou
comigo. Sinto muito por isso
também. Eu disse que ia
guardá-lo com cuidado, mas
falhei. — Disse-me ela, com os
olhos se enchendo de
lágrimas.
— Se for por isso não se
preocupe! Te darei quantos
mantos você quiser! — Eu
odiava vê-la chorando, odiava
o sentimento de impotência
de não poder fazer nada! —
Por favor, me conte o que
aconteceu! Preciso saber!
— Eu fui seguida? —
Perguntou ela assustada
intensificando os sentidos.
Antes de ter certeza, pulou na
água e nadou até a queda.
Enquanto deslizava para
dentro da caverna, um lobo
macho de coloração castanho
avermelhado apareceu.
— O que aconteceu? — Rosnei
inquieto vendo a garota se
esgueirar para dentro da água
apavorada. Parecia tão
vulnerável que meu extinto
era querer envolvê-la
protetoramente. Em vez de
me responder, ela sussurrou
um pedido.
— Você pode me avisar
quando ele se for? Saia por
um momento quando o lobo
que me seguiu for embora,
assim, saberei que a área está
segura.
— Por você faço qualquer
coisa! — Respondi mudando o
meu ângulo de visão. Eu não
poderia ver ela e o lobo pela
imagem ao mesmo tempo,
mas escolhi uma zona em que
pudesse pelo menos ouvir
minha garota enquanto
vigiava o lobo.
Seja quem for, sabia
exatamente quem estava
procurando e era persistente.
Ele sondou minuciosamente
toda a área, e por ter
encontrado vestígios da Eliza,
recusou-se a ir embora. Certo
de que ela estava em algum
lugar nos arredores, até
mesmo saltou na água
procurando por entre as
rochas a presença dela. Após
voltar para a margem, tomou
forma humana. Quando vi que
usava uma bermuda feita a
partir dos próprios pelos,
concluí que poderia ser o tal
suposto companheiro da
minha garota, o filho do alfa.
Gravei nitidamente o rosto
dele enquanto meu lobo se
enchia de fúria por dentro.
Por menosprezar a minha
garota, por assustá-la,
pretendia puni-lo
devidamente um dia.
— Eliza! Eu sei que está por
aqui! Apareça! — Gritou
aquele homem.
— Por que ele? — Ouvi a voz
da minha garota choramingar
e voltei novamente o ângulo
de visão para ela. Ela estava
extremamente pálida e tremia
muito. Estava congelando e
vê-la naquele estado deixou o
meu lobo maluco.
— Foi esse o idiota que
roubou meu manto. Ele é o
herdeiro alfa, o companheiro
que te falei. — Sussurrou
enquanto tremia de frio. —
Usei o seu manto para me
proteger de ser abusada por
ele, mas não acho que terei
mais truques para usar se ele
me emboscar de novo. Estou
com medo!
— ELE TENTOU ABUSAR DE
VOCÊ? — Rugi. A energia de
Ray explodiu enquanto ele
tomava o controle. As garras
dele se fincaram com força
contra o chão só por imaginar
o que minha pequena deve ter
passado para estar dessa
forma.
"Se esse homem ousar a tocar
na minha fêmea, ele morre!"
— Rosnou Ray furioso,
andando de um lado ao outro
nervosamente.
— Eliza, eu ordeno que
apareça agora! Eu prometo
que não lhe farei nada! —
Aquele homem gritou.
— Será que devo acreditar
nele? — Ela perguntou para
mim, criando coragem de sair
da água gelada. Ao vê-la de pé,
tive certeza de que não
aguentaria mais se esconder
daquela forma. Ela estava tão
apavorada que preferiu
congelar na água para
mascarar ao máximo o seu
cheiro e reduzir riscos. Eu
queria muito estar lá para
aquecê-la e protegê-la, queria
muito evitar que aquele
homem a encontrasse e a
machucasse.
— Vai! Se ele descumprir sua
promessa lhe darei a morte
mais longa, dolorosa e cruel
de todas! — Exclamei
enquanto reprimia o meu
lobo. A vida dela era
prioridade e estava claro que
ela não estava pensando
direito quanto a isso.
— Ele não vai desistir. Se eu
não aparecer tenho certeza
que as coisas ficarão piores
para mim. Preciso aceitar a
oferta de paz. Tentarei voltar
o mais breve possível e te
explicarei tudo com calma,
prometo. — Falou-me com
suavidade, mais preocupada
em me tranquilizar do que a
ela mesma.
Estive tão focada nela, em
acompanhar seus
movimentos que não reparei
no que acontecia atrás de
mim. Assim que ela saltou
para fora, o movimento que
fez chamou a atenção do
homem que saltou na água
atrás dela. Pegando-a com
cuidado, nadou de volta para a
margem e, tirando-a da água,
fez o que eu não conseguia
fazer daqui ao abraçá-la
contra ele para tentar aquecê-
la.
— Eliza, por que fez isso?
Você está congelando! Ficou o
tempo todo escondida na
água? — A voz do homem,
bem como toda a postura
corporal era a forma correta
de um macho se preocupar
com a sua fêmea. Me senti
inquieto ao perceber que, por
mais que ele tivesse tido
atitudes incoerentes, parecia
realmente se importar com
ela. No fim das contas, eles
tinham algo que eu não tinha:
o vínculo!
"Ela é minha! É minha!" —
Reclamou Ray irritado. Ele
odiava ver outro homem
tocando a nossa garota dessa
forma.
A garota se transformou sem
tirar as roupas, estilhaçando-a
em pedaços só para não se
mostrar para ele. Após isso
começou a correr. O homem
se transformou logo em
seguida e ficou de forma
protetora na retaguarda dela.
Se ela ficasse segura até eu
poder buscá-la, talvez eu
pudesse mostrar alguma
misericórdia a ele.
Assim que ela se foi, virei-me
enquanto desfazia a magia de
projeção consciente. Foi
quando notei que o cristal de
invocação estava ali.
— Não! — Implorei enquanto
corria até ele. Ele já não
respondia mais, enquanto
retrocedia ao seu lugar. A
brecha havia novamente
surgido e eu não a enxerguei a
tempo. Senti-me
extremamente frustrado
imaginando que eu poderia
tê-la encontrado novamente e
não aproveitei.
Como ele se ativa? Por que ele
se ativa sem o comando? Eu
não podia deixar de pensar
que tinha algo a ver com a
ligação que eu e a garota
tínhamos, como se os céus
quisessem nos dar uma
chance de fazer a nossa
história acontecer.
Para o meu alivio, a garota
voltou a me encontrar
regularmente depois disso e
estava feliz. Conseguira se
livrar de seu companheiro
indesejado ao mesmo tempo
que atingia uma posição de
destaque dentro do clã me
provando, mais uma vez, o
quanto ela é especial.
Queria dizer que eu tinha
muito orgulho dela pela
posição que alcançara, mas
não podia. Eu não queria que
ela se arriscasse com um
trabalho tão perigoso. A vida e
a segurança dela eram mais
importantes para mim do que
qualquer outra coisa. Ela me
avisou que se não aparecesse
para me ver em dias
combinados, é por conta de
alguma convocação de
emergência. Esperava que
isso nunca fosse acontecer,
que eu encontrasse uma
forma de trazê-la para mim
primeiro, mas nesse ponto os
céus não me foram favoráveis.
P2 - Capítulo 53
Visão de Lohan. Passado...
Na primeira madrugada em
que a Eliza não veio me
encontrar sem aviso prévio,
comecei a procurá-la em
todas as zonas dentro das
fronteiras de Siram. Logo
descobri que uma invasão de
média magnitude estava
acontecendo e convoquei
imediatamente os meus
guardas que servem próximo
à fronteira com o território
dos monstros a irem até lá
averiguar o que estava
acontecendo. Ordenei a eles
que matassem qualquer um
que se aproximasse da
barreira sombria. Eu não
podia ir pessoalmente até ela,
mas a ajudaria da forma como
podia.
Não consegui pregar o olho e
ignorei completamente meus
afazeres reais enquanto
permanecia procurando-a.
Quando finalmente a
encontrei, fui tomado
imediatamente por uma
angústia sufocante. Ela estava
lutando sozinha, contra duas
bruxas zumbis do elemento
fogo. Vi-a se ferir na minha
frente sem conseguir fazer
nada para evitar e isso era
aterrorizante.
— Ela até que é forte! — Ray
comentou orgulhoso ao vê-la
arrancar habilmente a cabeça
de umas das bruxas. Ela
parecia estar assumindo o
controle da luta, prestes a
arrancar a cabeça da outra
bruxa, mas então recuou,
claramente tonta. Seus
movimentos estavam muito
mais lentos e ela parecia ter
dificuldades de se focar.
Quando mudei o ângulo de
visão percebi que uma
terceira bruxa zumbi estava
se aproximando.
"Psíquica!" — Concluí comigo
mesmo vendo minha lobinha
perder o controle e se atirar
na água. Incapaz de reagir,
estava afundando para a
morte e isso me levou ao
limite da loucura. Eu faria
absolutamente qualquer coisa
para salvá-la.
— Willow, Eraply, Lucon! —
Pronunciei invocando por
conta a pedra e concentrando
todo o meu poder nela em
uma tentativa desesperada de
abrir uma brecha para
atravessar. Por mais poder
que o meu lobo me transmitia,
o portal não se abria por nada.
Essa não era a primeira vez
que eu tentava fazer isso, mas
me empenhei como nunca,
disposto a dar todo o meu
poder por uma única chance.
"Eu a sinto!" — Disse Ray
conectando-se a loba dela. O
portal não se abriu, mas de
alguma forma a conexão entre
nossos lobos voltou a ocorrer
misteriosamente.
"Lute!" — Ordenei para a
minha lobinha enviando
minha força a ela e
trabalhando em desfazer
todos os zumbidos em sua
mente. Mantive-me focado em
manter a mente dela livre e
em lhe emprestar o máximo
de poder que eu conseguia
por essa fraca conexão. —
"Estou com você!"
"Estou exausto!" — Comentou
Ray se encolhendo dentro de
mim após cumprir o seu
papel. Sentei-me aliviado
assim que minha lobinha
branca derrotou sua última
adversária. A conexão era
ruim, não tinha sintonia e
meus poderes não tinham a
mesma força do outro lado.
Isso demandou tanto poder
que precisei pegar
emprestado muito mais do
que geralmente o fazia.
— Como você está aqui? —
Perguntou a garota se
aproximando da água. Ela
estava chorando. Por que está
chorando, minha lobinha?
Queria tanto colocá-la em meu
colo e abraçá-la, dizer que o
pior já passou e que tudo
ficaria bem. — Você veio me
procurar por que não fui te
encontrar na cachoeira?
Aconteceu uma emergência,
uma invasão massiva pelas
fronteiras e acabei tendo que
vir lutar. Não sei porque as
bruxas estão atrás de mim. Já
acabei com quatro delas.
Espero que não tenha mais.
Quatro? Por que tantas bruxas
atravessaram? Senti que
precisava entrar em contato
com Willow o quanto antes,
mas não conseguia tirar os
olhos dela. Ela parecia
cansada, e sei que o que vi era
apenas uma fração de tudo o
que ela já tinha enfrentado.
— Oh, eu sei que falei que não
podia me espiar sem roupas,
mas vou abrir uma exceção
dessa vez porque você me
salvou.
Eu amava admirar seu corpo,
mas era a última coisa que eu
pensava em fazer nessas
circunstâncias. Analisando os
danos que sofrera, atentei-me
à queimadura em seu braço,
preocupado com a dor que ela
pudesse estar sentindo. Eu
detestava vê-la se machucar!
— Ainda não acabou. Preciso
continuar lutando. Muito
obrigada pela ajuda, senhor
misterioso!
— Não faz isso! Não lute mais!
— Eu estava atribulado. Não
basta o que já passou? — Ao
menos fique por perto onde
eu possa te ver. Por favor, eu
imploro!
Infelizmente, meus apelos não
a alcançaram. Ela vestiu um
daqueles trajes estranhos
antes de sair correndo. Não
consegui parar de olhar para a
imagem, ansiando por
atravessar e ir atrás da minha
lobinha. Eu não podia perdê-
la! Por vezes, já começava a
duvidar de que conseguiria
fazer a brecha funcionar de
novo e isso só me deixava
mais estressado e
extremamente arrependido
de não tê-la trago quando tive
a oportunidade.
Meu coração se encheu de
fúria quando a vi novamente
momentos depois, com uma
marca vermelha em sua face
esquerda. Pior do que vê-la
voltar ainda mais machucada
do que partiu, foi descobrir
que isso fora feito pelo
homem que deveria tê-la
protegido. Ele só não fez nada
para salvá-la como ainda a
machucou mais. Como se isso
não bastasse, ele ainda teve a
coragem de tratá-la de forma
rude e desrespeitosa na
minha frente.
— Esse moleque realmente
está implorando pela morte!
— Rugi. Ray concordou
prontamente, louco de
vontade de estraçalhar aquele
tolo. Acho que eu nunca tinha
sentido tanta raiva em toda a
minha vida.
— Viu, senhor misterioso. Ele
nunca acredita em mim!
Ainda bem que tenho você! Ai!
— Assim que aquele homem
forçou o rosto dela a se virar
para ele, senti o sangue
escorrendo pelas minhas
mãos. O ódio foi tanto que
acabei infligindo dano a mim
mesmo para me conter.
— Volte para a base! Não
precisamos mais de você aqui.
— Disse aquele homem
friamente.
— Você não bateu em mim
porque saí sozinha? Vai
mesmo me mandar voltar
desacompanhada? E se eu for
atacada de novo? — Lágrimas
e mais lágrimas, e tudo o que
eu podia fazer é ficar olhando,
impotente.
— Você não é forte suficiente
para lidar com tantas bruxas
sozinha? Precisa de reforço
para quê? — Assim que ele a
soltou, Eliza se virou e saiu
correndo sem nem olhar para
trás. Enquanto eu observava
aquele rosto desprezível
jurando a mim mesmo vingá-
la, um dos guardas se
aproximou dele.
— Senhor, não acha que está
pegando pesado demais com a
garota?
— Eu preciso. — Toda frieza
no olhar daquele homem se
foi no mesmo instante, seus
olhos foram ficando
vermelhos enquanto tentava
conter as próprias lágrimas.
— É o único jeito de fazê-la
desistir disso. Ela é
importante demais para viver
uma vida se arriscando em
batalhas. Um susto agora a
salvará no futuro.
"Ele se importa!" — Falei com
Ray. Isso me deixou
atordoado. Se ele se preocupa
com ela, porque age de forma
tão incoerente? Entrei em
conflito comigo mesmo, pelo
medo dela perceber isso e se
reaproximar dele. Eu deveria
ser egoísta e torcer para ele
continuar sendo um estúpido?
Ou deveria torcer para ele
agir bem e correr o risco de
perdê-la? Ele ainda é o
companheiro dela afinal, e eu,
um simples observador, o
intruso.
Tentei conter o restante da
minha cólera enquanto eu me
encaminhava até a sala de
comunicação. Era o tipo de
lugar que eu ia só em
situações de urgência e,
somente em último caso. Essa,
sem dúvidas, era uma dessas
situações. Eu detestava ter
que implorar qualquer coisa
para quem quer que seja,
principalmente a ela.
— Que surpresa, rei dos
lobos! — Respondeu Willow
atendendo o chamado por seu
espelho mágico. Em seu rosto,
aquele sorriso pretencioso
que sempre me enojava. —
Segundo contato pessoal em
menos de um ano. Que
situação extraordinária! A que
devo a honra desta vez?
— Há muitas bruxas
atravessando pelo Devorador
ao outro lado. Preciso que
averigue isso e veja se tem
alguma relação com a ordem
das bruxas malignas.
— Em troca de quê? —
Perguntou ela tão calmamente
como se o tema fosse
insignificante.
— Achei que se importasse
mais com as suas filhas. As
bruxas malignas podem estar
sequestrando-as e matando-
as no Devorador para
propósitos obscuros.
— Esse é o ponto, caro Lohan.
— Eu não tinha tempo para os
seus jogos estúpidos. Eu
detestava a forma como ela
brincava com suas
informações para tirar o
máximo que conseguisse de
mim. — Minhas filhas, minha
preocupação! Obviamente já
estou averiguando sobre isso,
mas não é algo que tem a ver
com você. A não ser que me
diga seus motivos, não lhe
darei informação alguma.
— Uma vez que as bruxas que
atravessam estão indo atrás
de alguém com quem me
importo, isso se tornou uma
preocupação minha! — Por
mais que eu quisesse
esconder meus motivos, não
tinha tempo a perder.
Precisava resolver isso e
voltar para a central.
— Finalmente admitiu. —
Disse Willow sorrindo
misteriosamente.
— Então você já sabia. —
Concluí.
— É óbvio, caro Lohan. Você
atravessou entre mundos
trazendo de volta consigo os
brincos de uma mulher. — Ela
sorriu com tanta satisfação
que parecia saber de muito
mais do que dizia. — Sobre o
seu pedido, lhe devolverei
informação com informação.
As bruxas maléficas parecem
estar testando novas
manobras de burlar o
controle do Devorador sobre
os zumbis. Possivelmente as
bruxas enviadas podem ter
inscrições de monitoramento,
então se estão indo atrás da
sua prometida, talvez já
saibam sobre a sua existência.
As bruxas maléficas são uma
entidade que visa estudar e
usar o Devorador para
finalidades ocultas. Willow e
meus subordinados estão em
constante contato em uma
ação conjunta contra a ordem.
Em muitos casos especiais, eu
mesmo liderava a minha
equipe para aumentar a
chance de sucesso das
operações.
As bruxas maléficas
trabalham nas sombras, e a
rede é tão bem elaborada que
é extremamente difícil se
chegar ao cabeça de tudo.
Sempre que uma bruxa da
ordem é pega, ou não tem
informações ou tem um selo
de suicídio que se ativa
quando alguma informação
importante começa a escapar.
Dentre os avanços da ordem
das bruxas maléficas,
sabemos que estão
aprendendo a extrair energia
mágica do Devorador para
ganho de poder pessoal e para
amplificação de poções
mágicas. Não sabemos o
objetivo final, mas nada de
bom pode advir de uma
entidade que descarta vidas
para fins experimentais.
— Se algo acontecer...
— Nem ouse a me ameaçar!
— Interrompeu-me ela. —
Faça a sua parte e eu faço a
minha! Se estão mandando
bruxas para o outro lado, vou
descobrir onde e vou
interferir. Tenha certeza de
que também não quero que
nada aconteça com a rainha
da profecia. Dela depende o
futuro de Celestria.
Dito isso Willow desligou sem
fazer qualquer imposição para
agir. Geralmente ela pedia
algo em troca de fazer favores,
mas ela não o fez.
— Não é estranho? —
Perguntei ao Ray enquanto
voltávamos à central. Willow
estava certa demais de que
Eliza é a rainha da profecia.
Como podia ter tanta certeza
se eu mesmo ainda não tive a
confirmação? O que ela está
nos escondendo?
Eu não consegui dormir nada
nos últimos dias e também
pulei muitas refeições. Minha
concentração falhou diversas
vezes enquanto continuava
procurando por ela. Quando
Ray detectou sua voz numa
canção fraca e triste, era como
se o meu próprio mundo
tivesse desmoronado, como se
eu pudesse sentir toda a dor e
solidão que ela transmitia.
— Você não está sozinha! —
Proferi concentrando toda
minha magia na zona em que
ela estava. Ela parecia tão
exausta e indefesa que me
senti o pior rei do mundo.
Mesmo com todo o meu
poder, eu não era capaz de
fazer nada pela única pessoa a
quem eu mais queria amparar
e proteger. Do que me servia
minha posição agora e do que
me servia ser quem sou?
— Você me encontrou de
novo? Então você não está
mesmo preso a um lugar
específico. É bom saber. — Ela
se animara imediatamente só
por saber que eu estava
olhando para ela. Como podia
se contentar com tão pouco?
Eu queria dar a ela o mundo,
queria lhe dar tudo, mas
apenas saber que eu estava
olhando para ela já lhe era
suficiente.
— Minha pequena, você
realmente me tira do sério. Já
chega de lutar! — Supliquei.
Eu estava acostumado a dar
ordens, nunca a implorar, mas
se ela pudesse me ouvir, eu
abaixaria minha cabeça e até
mesmo me ajoelharia
humildemente.
— Me mandaram aqui para
Soriar para ajudar, mas a
equipe em que eu estava me
deixou para trás. Me disseram
que eu estava atraindo muitos
monstros. Eu pensava que era
forte, mas estou no limite. Não
sei se consigo continuar
sozinha, se devo voltar, ou se
espero aqui até que apareça
outros lobos para eu me
juntar a eles. Tenho medo de
encontrar outra equipe e de
me dispensarem também.
Fico me perguntando se eles
têm razão, se eu realmente
estou atraindo os monstros.
Essa é a minha primeira
batalha de verdade contra
monstros sombrios. Sem um
padrão comparativo de como
é, não tenho como dizer se é
verdade o que disseram. Para
mim, isso é o normal.
— Apenas volte para casa! —
Pedi. O cansaço e a impotência
me levaram ao limite. Eu não
conseguia mais pensar direito
e não tinha ideia do que fazer.
Um uivo distante chamou a
atenção dela que, saindo de
minha vista correu
novamente em direção ao
perigo. — Por que ainda faz
isso? Você realmente quer me
deixar louco!
Sentei-me no chão encostando
as costas contra a cama. Eu
não suportava mais de tanta
preocupação. Por Éldrim,
ninguém se aproxima do
Devorador e os lobos que
enviei para o território dos
monstros já haviam
controlado a situação e feito
os desordeiros recuaram por
hora. Willow também havia
posicionado bruxas em torno
dos limites da barreira que
margeia o Devorador em seu
território, de forma que
ninguém mais conseguisse
atravessar. O que eu podia
fazer desse lado eu já fiz.
Agora dependia de os lobos
do outro lado controlarem a
situação.
— Acho que estão me
seguindo mesmo. As bruxas
me amam. — Disse minha
pequena voltando com duas
bruxas em seu encalço. Será
mesmo que as bruxas a
estavam seguindo? Seria isso
algo relacionado aos testes
que Willow mencionou?
Espero mesmo que seja só
uma coincidência e que não
aconteça nada com a minha
pequena, ou juro juntar o meu
exército para devastar Aradia
e exterminar aquela raça
desprezível!
Mesmo exausta, Eliza tentava
manter o bom humor comigo
para não me preocupar. Ri
comigo mesmo de desespero
enquanto segurava a vontade
de chorar e comecei a rezar
aos céus que enviassem
alguém para proteger minha
pequena.
Ela estava quase sem energia
mágica, tendo que lutar
sozinha contra duas bruxas.
Eu podia ver claramente isso
por seus movimentos, que
estavam muito mais lentos e
em sua respiração ofegante.
— Por favor, céus! —
Continuei rezando enquanto
esperava a brecha aparecer
novamente. A pedra de
invocação não aparecia por
conta e tentei novamente
invocá-la de forma forçada. Se
eu ao menos pudesse enviar a
ela um pouco do meu poder
de novo...
— Não! — Gritou Ray
desesperado ao ouvi-la uivar
de dor. Lisa fora atingida por
um golpe e, enquanto
mancava para trás, se jogou
bruscamente de lado para
evitar ser pega de novo e
acabou caindo de mal jeito.
Ela gemia de dor, incapaz de
se levantar e senti minha
cabeça rodar enquanto
acreditava tê-la perdida. Ray
se encolheu completamente
dentro de mim, incapaz de
assistir a morte dela.
Caí de joelhos implorando em
lágrimas pela vida dela. O
milagre veio através de
alguém que teria minha
gratidão e benevolência
eternas.
— Você aguentou bem. —
Disse o homem que matara a
última bruxa. Ele a pegou
cuidadosamente nos braços,
os olhos tomados de
preocupação e afeto.
— Pai! Pai, estou tão cansada.
Eu não aguento mais! — O
choro da garota fez Ray reagir
novamente.
— Para você estar assim é
porque a coisa é séria mesmo.
Onde doí?
— Tudo, pai! — A voz dela
falhou enquanto perdia a
consciência. Se eu pudesse,
suportaria a dor no lugar dela.
Se eu pudesse, trocaria de
lugar com ela só para que não
tivesse que sofrer o que
estava sofrendo.
Suspirei profundamente
agradecendo aos céus pelo pai
da garota ter ido em seu
socorro e chegado a tempo.
Ele a levou de volta consigo e
eu sabia que ela ficaria bem
agora. Recostando minha
cabeça contra a cama, o sono
pelos diversos dias sem
dormir finalmente me venceu.
P2 - Capítulo 54
Visão de Lohan. Passado...
(Aviso de capítulo + hot!)
Por conta de tudo que
aconteceu a ela, supus que
levaria tempo para que eu
pudesse vê-la de novo.
Geralmente eu não ficava feliz
por errar, mas essa foi a
exceção. Fui agraciado com
sua bela voz, me chamando
novamente a encontrá-la, em
uma zona bem distante de
onde a vi pela última vez. Ela
estava radiante, muito
diferente daqueles olhos
cansados e aparência
maltratada de quando estava
na guerra.
Os olhos dela estavam
inundados de emoção quando
me sentiu o que me deixou
ainda mais tocado. Ao lado
dela, um homem que ela
apresentou como o seu amigo,
o alfa de Arches. Eu já o
conhecia, mas não sabia que
eles eram próximos e que ele
tem tanto apreço pela minha
pequena. Isso era notável não
só por suas palavras, mas pela
forma como seus olhos
brilham de admiração quando
ele a olha. Por ele ser o
responsável pela decisão que
salvou a vida da minha amada,
jurei a mim mesmo
recompensá-lo devidamente
quando tivesse a
oportunidade.
Esperava que ela ficasse
segura de agora em diante,
esperava que ela fosse tomar
juízo e parar de se meter em
perigo desnecessário. Depois
de mais uma semana sem vê-
la, imaginei que ela me traria
boas notícias, mas invés disso
resolveu me deixar louco mais
uma vez.
— Oi, eu preciso te ver!
Preciso muito te ver de
verdade! Por favor, eu sei que
está aí, precisa estar...
— Minha lobinha branca,
estou aqui! Se acalme e me
diga o que está acontecendo!
— A aflição em seu rosto e o
desespero em seus olhos me
desarmaram mais uma vez.
Em vez de me dizer logo,
verteu em lágrimas ao mesmo
tempo que uma tempestade
se formava acima de sua
cabeça.
Enquanto ela chorava, senti
como se meu coração tivesse
se partindo em dois. Foi como
na primeira vez que a vi
chorar, a dor dela me
alcançando e me trazendo
uma angústia inexplicável.
"A brecha!" — Disse Ray
quando nossos olhos notaram
a pedra de invocação
descendo, como se a dor que
nos conecta fosse a chave para
o surgimento da brecha.
Imediatamente emiti o
comando de abertura.
— Funciona, por favor! —
Elevei o meu pedido como
uma prece enquanto olhava
para a imagem na zona de
reflexão.
"Está aberto!" — Ray
sinalizou para mim. Todas as
inscrições na pedra brilhavam
mostrando que ela estava
ativa e eu sentia meu poder
sendo direcionado. Apesar
disso, nossa pequena ainda
estava chorando esperando
por mim, mas o portal não se
abria do outro lado para ela
atravessar. Imediatamente me
soltei da pedra e corri até o
lago prateado, onde encontrei
o portal aberto.
— Como isso é possível? — O
portal se abrira somente
desse lado. O significado disso
era claro para mim. O nosso
poder não estava conseguindo
chegar o suficiente ao outro
lado porque não estava
havendo a interferência. Esse
era um caminho só de ida
para o outro mundo, e isso é
um imenso problema. Eu
queria muito ir até lá, mas se
eu atravessasse, não sabia
quando conseguiria voltar.
"Grason, Billy, venham
imediatamente até a sala de
monitoramento!" — Ordenei a
dois dos meus guardas de
confiança que estavam mais
próximos ao local.
"Sim, Majestade!" —
Responderam em conjunto
enquanto eu retornava para
ver como minha pequena
estava. Ela ainda estava
chorando muito e o impulso
de largar tudo e correr até ela
era tremendamente forte.
Como rei, eu não podia me
arriscar em um caminho tão
incerto, não quando havia
outras possibilidades a serem
testadas.
"Entrem! Estão proibidos de
olhar a imagem da zona de
reflexão." — Ordenei
mentalmente aos guardas
assim que os senti à porta.
— Majestade! — Ambos
entraram e se ajoelharam
perante mim.
— Ordeno que atravessem
pelo portal no lago prateado.
Billy, traga para mim a garota
do outro lado. Grason, você
ficará e contará aos lobos do
outro lado sobre o comando
de abertura antes de voltar.
Ninguém tem permissão de
olhar para a garota. Rápido,
estamos sem tempo!
Mesmo hesitantes, eles
tiveram que me obedecer
porque emiti as ordens por
meio do comando do rei. Eu
sabia que assim que
chegassem ao outro lado,
provavelmente eu perderia
conexão com eles e o
comando se desfaria, mas
esperava realmente que
nenhum deles tivesse a
audácia de olhar o corpo da
minha garota. Ai deles se o
fizessem!
"Majestade, não estamos
conseguindo atravessar o
portal." — Avisou-me Grason.
Imediatamente saí para fora,
apenas para constatar que
isso era, de fato, verdade.
Ambos se alternavam em
subir em cima da abertura
disforme prateada, mas
nenhum deles estava
passando.
— Continuem tentando! —
Ordenei em alto e bom som.
Voltei para a sala e, tocando a
pedra, intensifiquei o poder e
continuei observando a
imagem. As primeiras gotas
de chuva começaram a cair
sobre a garota enquanto ela
parava de chorar. Nisto, os
olhos da garota estavam
perdendo o brilho e sendo
tomados por uma sombra
negra e vazia. Péssimo sinal!
— Você mora do outro lado da
barreira, não é? Se não pode
vir, será que posso ir até você?
Espero conseguir atravessar,
então por favor, espere por
mim!
"Ela não está pensando
direito, não sabe o que está
fazendo!" — Disse Ray
preocupado. A garota tomou
forma de lobo e começou a
correr, só que ela não estava
indo em qualquer direção, e
sim para o lado em que se
encontra o Devorador.
— Por que está fazendo isso
comigo de novo? — Arquejei,
o sentimento de desespero
fazendo meus sentidos se
turvarem. Ela não podia me
esperar um pouco mais? Sem
o eclipse eu ficaria preso e
com os meus poderes
limitados. Eu ainda não
entendia o suficiente sobre a
brecha ou sobre a
interferência para ter certeza
de que tudo daria certo.
"Precisamos ir ou ela vai
morrer!" — Avisou-me Ray,
perturbado. Tínhamos um mal
pressentimento de que, desta
vez, ninguém iria salvá-la.
— Recuem! — Ordenei aos
dois guardas enquanto
caminhava em direção ao
portal. — Avisem ao meu avô
que irei ao outro mundo e me
demorarei a voltar.
— Majestade, por favor, pense
melhor sobre isso! — Pediu
Bill, mas ignorei
completamente o seu apelo.
Eu estava convicto do que
fazer, pois sabia que se a
perdesse, eu me perderia
também.
Ambos se ajoelharam diante
de mim enquanto eu pisava
para dentro do portal. Meu
corpo rapidamente foi puxado
para o outro lado e tomei
forma de lobo enquanto
nadava para chegar na
superfície. A transposição foi
como um salto em águas
normais, e assim como eu
havia imaginando, a conexão
entre mundos estava fechada.
"Fracos!" — Ray reclamou
enquanto se ligava a todos os
lobos desse mundo. Embora o
poder de rei tivesse sido
drasticamente reduzido, pelo
menos ainda funcionava. O
maior problema de se ter os
poderes limitados dessa
forma não era nem ficar preso
temporariamente desse lado,
mas sim, a dificuldade de
rastrear a minha lobinha. A
chuva caía torrencialmente
lavando quaisquer vestígios
da passagem dela.
Comecei a correr velozmente
na direção em que ela foi,
numa procura desenfreada.
Demorei a conseguir sentir a
loba dela fracamente, mas não
conseguia fazer a ligação
telepática para lhe avisar que
eu estava aqui, para que
voltasse para mim.
"Encontrei!" — Pelo cheiro,
ela passara há pouco tempo. O
Devorador já podia ser visto à
distância e acelerei meus
passos ao máximo assim que a
avistei. Ela acabara de
atravessar a cerca e parou
numa distância perigosa do
Devorador. Sua presença
atrairia todos os tipos de
criaturas que o Devorador
tivesse armazenado, mas ela
parecia completamente alheia
a isso enquanto se
posicionava para pegar
impulso, direto para a morte!
"Preciso colocá-la em seu
devido lugar!" — Pensei
quando a alcancei no último
instante. Por toda a
preocupação, por todo o
desespero que me fez passar,
meu lobo estava possesso.
Ela caiu na minha frente,
parecia um pouco atordoada.
Saltei por cima dela, antes que
ousasse a fazer qualquer
outro movimento estúpido.
Queria muito dar-lhe uma
lição agora mesmo, mas as
sentinelas do Devorador já
estavam aparecendo,
reagindo à nossa
proximidade. Assim que a
toquei, consegui conectar meu
lobo ao dela, permitindo a
comunicação mental.
"Não olhe!" — Ordenei por
meio de um comando quando
vi que queria se virar. —
"Corra! Não pare até que
esteja segura em casa! Em
hipótese alguma olhe para
trás!"
Cobri a retaguarda dela para
que nenhum monstro a
seguisse. Enquanto eu os
eliminava, mais e mais
monstros surgiam,
provavelmente atraídos pela
minha poderosa energia
mágica. Mesmo com o poder
do rei tão limitado, meu lobo
em si era tremendamente
poderoso.
Continuei eliminando-os
impiedosamente enquanto
recuava de pouco em pouco.
Os números não paravam de
surgir, um inconveniente
extremamente irritante. Eram
tão fracos e lentos que
preferia que viessem de uma
vez para eu puder ir logo atrás
da minha lobinha.
Quando finalmente pararam
de surgir, comecei minha
própria perseguição. Assim
que a alcancei, minha raiva se
desfez imediatamente ao
perceber a quão frágil e
cansada ela parecia.
Permaneci atrás dela lhe
dando apoio, até que ela
parou na frente de uma
pequena casa numa clareira
às margens da área urbana.
Ela despencou no chão, o
coração batendo acelerado em
seu peito devido à exaustão e
tive pena.
"Minha!" — Ray se colocou
por trás dela, a pata dianteira
apoiada em suas costas. Ele
queria reivindica-la, e é
exatamente isso que eu
pretendia fazer. Apenas
esperei que ela recuperasse o
fôlego antes. Eu já tinha
aguentado mais do que era
capaz!
"Vá em frente e abra!" —
Ordenei por meio de um
comando antes de tirar a pata
dela e recuar um passo.
Imediatamente ela tomou
forma humana. Seu rosto
estava baixo e ela parecia
extremamente envergonhada
enquanto pegava uma chave
escondida em um vaso e abria
a porta.
Tomei forma humana e entrei
logo atrás dela a tempo de
impedir que caísse
novamente. Segurei-a
firmemente em meus braços e
fiquei admirando seus belos
traços. Ela estava de olhos
fechados, seu corpo úmido
por conta da chuva e do suor
da intensa corrida, exalando
um cheiro forte e delicioso.
— Lobinha branca, você está
bem? — Ela parecia tão mole
em meus braços que meu
coração se comoveu
profundamente. Meu instinto
de proteção era maior do que
o de dominação.
— Não é justo! Você está
vestido e eu não. — Disse ela
reagindo às minhas palavras.
Quando ela tocou sua mão em
meu peito, senti meus
músculos se enrijecerem
enquanto meu coração
disparava e ela começou a rir
suavemente como se tivesse
notado a minha reação.
— O que é engraçado? —
Perguntei-lhe um pouco
incomodado, esforçando-me
em relaxar para que ela não
percebesse o quanto estava
mexendo comigo. Ela não
respondeu, mas parecia feliz
enquanto elevava os olhos e
me via, pela primeira vez.
"Perto demais!" — Hesitei ao
perceber que ela estava a
ponto de olhar em meus
olhos. Foi um instinto
involuntário. Se ela não fosse
a minha rainha, o que eu
faria? Se ela visse minha
maldição e tivesse medo? Eu
não suportaria ser odiado, não
por ela.
"É ela!" — Encorajou-me Ray
enquanto a mão dela tocava
suavemente meu rosto me
pedindo para não desviar o
olhar. Mesmo depois que
nossos olhos se encontraram,
ela continuou sorrindo.
— Seus olhos são tão tristes e
solitários. São como um céu
sem estrelas. — Sua voz doce
incendiou o meu coração.
Suas palavras alcançaram o
fundo da minha alma e queria
muito lhe dizer que ela é a
estrela que eu tanto esperava
em meu céu solitário. Apesar
disso, as palavras entalaram
no fundo da minha garganta,
enquanto eu segurava a
imensa vontade de chorar de
alegria.
Ela realmente podia me ver
por completo! Eu ainda não
conseguia acreditar que isso
fosse verdade, custava
acreditar que meio maior
sonho, meu maior anseio
estava bem na minha frente,
em meus braços.
"Minha!" — Rosnou Ray
impondo-me novamente seu
desejo selvagem.
Rapidamente identifiquei o
quarto da garota pelo cheiro e
a desci sobre sua cama. Eu
não conseguia parar de olhar
para ela, não queria mais
perder seus olhos de vista. Eu
estava hipnotizado e, ao
mesmo tempo, um pouco
inseguro. Ela não sabia quase
nada sobre mim, então talvez
não estivesse preparada para
me aceitar ainda.
— E não está com medo? —
Questionei-a. Precisava ter
certeza absoluta da sua
aceitação. Era a primeira vez
que ela me via e não queria
que tivesse quaisquer
arrependimentos.
— E por que eu teria medo?
Se você quisesse o meu mal
não teria ido atrás de mim.
Você sempre esteve comigo
quando eu mais precisava,
sempre me salvando, então
por que eu teria medo?
Suas palavras apenas me
lembraram de todo o
desespero que me fez passar.
E se eu não tivesse
conseguido atravessar? O que
teria sido de mim se ela
tivesse morrido?
Ela escolheu a morte só para
tentar estar comigo e eu
escolhi ficar preso desse lado
para salvá-la. Como rei e como
seu verdadeiro companheiro,
eu não lhe daria mais
escolhas. Ela pertenceria a
mim e estaria sob o meu olhar
de agora em diante!
— Por que queria me ver? Por
que estava disposta a jogar a
sua vida fora só para me
encontrar do outro lado? Se
você estava disposta a jogar a
sua vida fora, dê-a para mim.
— Dar a você? — Suas
bochechas coradas, indícios
claros de que ela sabia
exatamente do que eu estava
falando. Ela balançou a cabeça
de forma negativa algumas
vezes e, embora relutante, não
parecia estar com medo.
— Isso não foi um pedido. —
Resolvi deixar minhas
pretensões claras. Isso não
era um assunto discutível.
Imediatamente tirei a minha
camisa jogando-a de lado e
comecei a explorar seu lindo
corpo visualmente. De perto
era ainda mais tentador e
irresistível.
"Minha lobinha é tímida!" —
Gargalhou Ray quando a viu
tentar puxar o lençol para
tentar se cobrir. É claro que
eu não deixei! Seu pequeno
corpo estava preso abaixo do
meu, suas mãos
completamente imobilizadas.
— Me solta! — Pediu-me
bravamente com as bochechas
ainda mais vermelhas. Suas
reações eram muito
divertidas e só me deixava
ainda mais excitado. Eu estava
duro de tanto desejo, mas
achei que valia a pena
provocá-la mais um pouco. É o
troco por todas as
brincadeiras que não consegui
revidar antes.
— Você precisa se
responsabilizar por mim. —
Aproximei meu rosto do dela
para incitá-la. — Sua
impaciência me obrigou a vir
para este lado e agora estou
preso por sua causa.
Responsabilize-se!
— Eu vou! Eu vou! Mas me
solta primeiro, por favor! —
Insistiu mais uma vez, mas
seu corpo me dizia
exatamente o contrário. Ela
nem tentava mais resistir.
— Te soltar? Será que não
deixei claro que a sua vida
agora me pertence? — Esse
era meu o ultimato, pois eu já
não estava aguentando me
segurar mais. Aproximei meus
lábios do dela, louco para
provar deles.
Por mais desculpas que ela
desse para si mesmo, não
podia negar o que estava
sentindo. Ela também me
queria e a forma como
retribuiu o meu beijo apenas
confirmava isso. Beijar seus
lábios quentes e macios foi
ainda mais delicioso do que
eu podia imaginar. Meu lobo
ficou louco depois de
experimentar o sabor dela. Eu
só queria senti-la por
completo enquanto provava
cada parte dela.
Enquanto eu descia minha
boca lentamente pelo seu
corpo, chupando-a e me
deliciando, usei minhas mãos
para procurar pelos seus
pontos fracos. Eu queria
provocá-la, levá-la ao limite
assim como ela fazia comigo.
A cada gemido que dava, meu
lobo ficava mais ansioso
querendo completar logo o
ato do acasalamento. Reprimi-
o por mais um tempo,
deixando minha pequena
ditar o ritmo.
Assim que ela abriu
voluntariamente as pernas
para mim eu sabia que ela
queria isso e que estava
pronta. Terminei de me despir
e me encaixei entre suas
pernas.
— Tão molhadinha... —
Sussurrei de prazer enquanto
meu grande membro
deslizava lentamente para
dentro de seu pequeno corpo.
Estava tão apertada que fiquei
com medo de me apressar e
machucá-la.
As mãos dela subiram até
meus braços pressionando-os
enquanto fechava os olhos,
mostrando com isso que
estava desconfortável. Tanto
sua postura quanto o cheiro
exalado me confirmaram que
esta é realmente a sua
primeira vez. Queria dar a ela
a melhor experiência possível,
então segurei meu desejo me
movendo lentamente até que
ela se acostumasse com a
sensação.
Começando a se sentir
confortável, ela abriu os olhos
novamente e a forma como
sorriu me pegou de jeito.
Como não amar essa garota
tão incrível? Aumentei, aos
poucos, a velocidade dos
meus movimentos, uma
sensação de prazer
indescritível que eu queria
fazer perdurar o máximo de
tempo possível. A cada nova
estocada, ela gemia de prazer
me incentivando a ir cada vez
mais rápido e fundo.
Quando ela se desmanchou de
prazer, gozei junto sentindo
uma satisfação imensa pelo
momento maravilhoso que ela
me proporcionou. Meu lobo
estava calmo e alegre por
termos completado o
acasalamento, mas ele queria
mais. Ele queria marcá-la para
reivindicar também o nosso
vínculo de companheiros.
"Quero que primeiro ela
admita que me pertence!" —
Expliquei-lhe enquanto
abraçava minha pequena
contra mim enchendo-a de
beijos. Ela estava tão esgotada
que em poucos minutos
apagou em meus braços.
Parecia que eu estava
sonhando. Nunca tinha me
sentido tão feliz em toda a
minha vida.
Eu estava tão relaxado ao lado
dela que acabei adormecendo
logo em seguida. Acordei
assim que a senti deixar os
meus braços, com Ray
rosnando aborrecido por
nossa lobinha estar
escapando de nós.
Acompanhei os movimentos
dela, admirando-a, enquanto
me entusiasmava de novo.
Quando ela esticou seu corpo
de forma graciosa tentando
pegar uma toalha no armário,
fui completamente arrebatado
e me movi agilmente em seu
encontro.
"Deliciosa!" — Grunhiu Ray
enquanto eu rodeava a mão
em torno dela. Ela estremeceu
em meus braços e me olhou
confusa, então decidi ajudá-la
para que visse que não tinha o
que temer. Eu jamais a
forçaria!
Assim que lhe entreguei a
toalha, o estômago dela
roncou e sua reação tímida
me deixou ainda mais
empolgado.
— Uhn... vou pedir algo para
comermos. Imagino que você
também esteja com fome.
Ela não fazia ideia do quanto!
Pressionei-a com mais força
contra mim encaixando seu
corpo no meu e virei seu rosto
gentilmente com a outra mão,
esperando encontrar o rubor
em suas bochechas que me
deixava caidinho. Sua feição
serena junto com seus olhos
dóceis e seu sorriso tímido me
cativaram de uma forma que
não consegui mais segurar o
meu entusiasmo.
— Eu realmente estou com
fome. — Aproximei meus
lábios do ouvido dela
provocativamente para que
percebesse que não
estávamos falando do mesmo
tipo de comida. — De você!
Mordisquei de leve seu ouvido
descendo meus lábios até que
encontrasse os dela. Ela
retribuiu meus beijos de
forma terna abrindo todas as
brechas possíveis para mim,
numa postura de submissão
completa. Ray adorou isso na
nossa pequena e, levado pelos
nossos instintos, nos amamos
mais uma vez, aprofundando
ainda mais a nossa ligação.
Assim que entramos no banho
em seguida, fiquei admirando
sua feição delicada e deixando
que ela conhecesse o seu
macho enquanto eu a
acariciava. Estávamos
completamente perdidos um
no outro.
— Você.... — Ela mordiscou o
lábio de um jeito fofo e
desviou o olhar. — Disse que
eu deveria me responsabilizar
por você, mas também disse
que a minha vida é sua agora.
Então você também deveria se
responsabilizar por mim,
certo?
A minha escolha já fiz muito
antes do que ela podia
imaginar. Agora ela precisava
fazer o mesmo e senti que
uma decisão tão importante
quanto essa deveria ser feita
olho a olho. Fiz com que ela
voltasse o rosto para mim,
cheio de satisfação por minha
pequena estar dando esse
passo.
— Então você admite que me
pertence? — Perguntei-lhe
desejoso, só esperando as
palavras certas para
concretizar, de uma vez por
todas, o vínculo.
— Sim, eu admito. — Disse-
me de um jeito adorável.
— Era exatamente o que eu
queria ouvir. Você é minha!
Permiti que Ray
compartilhasse a consciência
comigo para que pudéssemos
reivindicá-la. Estávamos
igualmente ansiosos por esse
momento. Travei seu corpo
contra a parede e desci meus
dentes em seu pescoço,
liberando minha energia para
dentro dela. Ela não lutou
contra o meu poder, mas o
falso vínculo sendo
desmanchado lhe gerou dor e
precisei firmá-la até conseguir
me ligar completamente a ela.
Quando senti que minha
energia a tomara, Ray
imediatamente reconheceu na
loba dela o vínculo de
companheiro, da mesma
forma que a profecia disse
que aconteceria.
— Companheiro? —
Perguntou ela atordoada. Ela
não fazia ideia que me
pertencia e que sempre fomos
um do outro, então era
normal que ficasse confusa.
Decidi que até que
voltássemos, não me revelaria
para ela. Eu temia a forma
como reagiria, temia que
mudasse seu jeito de ser
comigo se soubesse a verdade.
Eu a amava exatamente assim
como ela é e queria que
confiasse em mim o suficiente
para perceber que não precisa
mudar.
— Sim, companheira. —
Respondi-lhe firmemente. Eu
finalmente encontrara e me
conectara à minha rainha
predestinada!
P2 - Capítulo 55
Visão de Eliza. Nona lua
cheia.
Sabe o ditado que diz que
boca fechada não entra
mosca? Por pior que as coisas
pareçam, sempre pode piorar!
Aqui estava eu, nona lua cheia,
novamente no Trígono depois
de ter prometido a mim
mesma que não voltaria a esse
lugar, e tudo porque me
prontifiquei com Willow a
ajudá-la a encontrar as
conexões de Molly.
Depois da invasão ao palácio
de Willow, descobriu-se que
Molly contatou alguém no
Trígono que a incitou a me
atacar. Sondando a mente das
bruxas que ajudaram Molly,
descobriu-se que eram
subordinadas dessa pessoa e
que, provavelmente, estavam
relacionadas com a ordem das
bruxas maléficas.
Willow tinha certeza de que
essa pessoa estava de olho em
mim e que voltaria até aqui, e
como a trouxa aqui já tinha
prometido ajudá-la, tive que
vir mesmo com o meu corpo
ardendo em chamas, em uma
agonia praticamente
insuportável. Eu não tinha
ideia de como encontraria
forças para subir no palco.
Tudo o que eu precisava fazer
era cantar e Willow e algumas
de minhas irmãs mais velhas
cuidariam do resto.
"Eu consigo!" — Repeti a mim
mesma esvaziando minha
quinta garrafa de chá do dia.
Essa coisa parecia não estar
surtindo efeito algum, mas
Willow me garantiu que se eu
não tomasse, ia ser muito
pior. Eu realmente não
conseguia imaginar nada pior
do que o que eu já estava
sentindo.
Eu estava ofegante quando
subi no palco. Não sei por qual
razão Eidon me deu o horário
nobre novamente. A
tendência deveria ser trocar
os artistas para trazer
novidades ao público, não os
repetir. Deixando Lisa
transbordar, vesti uma
máscara para esconder minha
agonia e dei o melhor de mim.
Diferente das outras vezes,
não consegui me concentrar
em cantar e estudar o espírito
do público com meus poderes
ao mesmo tempo. Ou era um
ou outro, então preferi
dedicar todo o meu esforço na
apresentação. Sem trapaças,
mostraria a eles uma
verdadeira apresentação, cujo
meu talento como afinação,
presença de público e carisma
eram minhas principais
armas.
"Eu realmente consegui!" —
Estava impressionada comigo
mesmo por ter conseguido
levar a apresentação até o
final sem vacilar. Me curvei
para o público, sorri e acenei a
eles antes de sair, ao som
vibrante do meu nome de
bruxa sendo aclamado por
parte da plateia.
Em algum dado momento
cogitei virar professora, mas
parece que nasci mesmo é
para ser cantora. Lisa ria por
dentro, orgulhosa de quem
erámos e compartilhei da
mesma alegria enquanto
cambaleava em direção a
saída. Eu estava suando
muito, meu corpo trêmulo
como se estivesse febril.
Apesar disso, eu não sentia
frio, ao contrário, o calor era
infernal. Senti como se estive
assando em brasas quentes.
— Já vai fugir de novo? Dessa
vez não! — Fui interceptada
no caminho por um homem
alto, magro de pele
extremamente branca, rosto
ovalado, olhos escuros e
avermelhados, cabelo preto
curto e liso e caninos
extremamente pontudos. Suas
vestes carmesins tinham um
emblema, e não tive dúvidas
de que se tratava de um lorde
vampiro, uma posição entre
os vampiros equivalente a um
alfa para os lobos.
— Sinto muito, mas não estou
dando autógrafos hoje! —
Comentei com um sorriso de
escárnio. A forma com que ele
me olhava bem como o desejo
exalado em sua energia me
dizia que ele me queria de
janta, só que de forma alguma
eu daria o gostinho do meu
sangue a ele.
— Posso ver claramente que
você precisa de alguém.
Prometo ser gentil! — Disse-
me confiadamente
bloqueando o meu caminho
enquanto eu tentava passar
por ele.
— Não estou interessada! —
Falei secamente. Eu não me
interessava em manter uma
fachada de bruxa simpática.
— Estou de saída! Vai abrir
passagem ou terei que abrir à
força?
— Quer mesmo brigar contra
mim? — Perguntou ele com
um sorriso maligno. Ele
estalou os dedos e fui rodeada
por outros quatro vampiros.
Brigar contra um até que ia,
mas do jeito que eu estava
mal, não sei se conseguiria
nocautear todos eles. Recuei
um passo e olhei em volta só
para perceber que eu estava
sozinha.
Peguei um caminho menos
movimentado achando que
sairia mais fácil, mas no lugar
em que eu estava, todos em
volta estavam preocupados
com outras coisas obscuras,
então ninguém ligaria para o
fato de eu estar sendo
intimidada, sendo ainda mais
irrelevante para eles por eu
ser uma bruxa.
— Isso é um pouco covarde,
não acha? — Perguntei
irritada.
— É assim que eu ajo,
bruxinha gostosa. Não parece
mais tão arrogante agora, não
é mesmo? — Soltando um riso
sombrio, ele deu um passo em
minha direção e todos os seus
capangas fizeram o mesmo.
Senti minhas pernas
vacilarem enquanto tateava a
Preciosa, me perguntando se
deveria absorver sua origem
de volta para protegê-la. Eu
não queria me revelar agora,
mas se lutar era a minha única
saída, eu o faria.
— Não toquem em mim! —
Reclamei assim que as mãos
daquelas capangas me
travaram. Apenas o toque
deles me deixou atordoada ao
ponto de eu cair de joelhos.
Que tipo de poder era esse?
"Veneno!" — Disse-me Lisa
enquanto se focava em me
curar. O veneno paralisante
de um vampiro vinha de suas
presas, mas parece que eles o
extraíram e o aplicaram em
mim por alguma agulha
escondida. Como eu não
conseguia manter meu poder
espiritual ativo de forma
constante por causa do
flagelo, não percebi a intenção
até que foi tarde demais.
"Merda!" — Pensei quando as
capangas começaram a me
arrastar por corredores ainda
mais isolados. O Trígono era
muito maior e mais
misterioso do que eu pensava.
— Escolhi a melhor suíte para
nós dois. Tenho certeza que
você vai adorar! — Disse
aquele homem — Grave o
nome do homem que vai te
tomar, bruxinha. Pode me
chamar de Lorde Alex!
Fiz questão de decorar o
nome, mas para outra coisa.
Pode ter certeza que se esse
cara não morresse hoje, eu
daria um jeito nele mais cedo
ou mais tarde!
"Só mais um pouco!" — Disse-
me Lisa. Os capangas de Alex
pararam de frente para um
quarto e, enquanto ele o abria,
fui recuperando a
sensibilidade nos dedos.
Sutilmente utilizei meu dedo
médio para inscrever uma
magia na palma de minha mão
de neutralização de veneno.
Antes que os imbecis me
arremessassem para dentro,
usei uma poderosa magia
espiritual fazendo com que os
dois capangas que me
seguravam estremecessem de
medo. Assim que afrouxaram
o aperto, libertei meu poder
de lobo para um embate físico
enquanto usava magia de
aceleração para nocautear os
dois capangas afetados e
depois me foquei nos dois
vampiros que nos seguiam
por trás.
Meu objetivo era abrir uma
brecha entre eles para
escapar usando a aceleração,
mas o flagelo liberou uma
nova onda de dor tão intensa
que perdi conexão com
minhas origens.
O flagelo geralmente vinha em
ondas, umas mais fortes e
outras fracas, sempre com um
pequeno intervalo de alívio
entre elas. Eu estava no pior
momento e fiquei
completamente incapacitada.
— Bruxinha, você é realmente
interessante. — Disse Alex
pegando meu pulso e me
puxando para o braço dele. —
Habilidades fascinantes. Eu
não ousaria te enfrentar se não
estivesse em um estado tão
lamentável.
— Não me toque! — Sussurrei.
A proximidade do corpo dele
com o meu me deixou sem ar.
Segurei o choro e parei de
lutar momentaneamente
enquanto era arrastada.
Estava reunindo forças para
trazer a Preciosa de volta para
mim e fazer uma
superaceleração no próximo
intervalo. Eu me revelaria,
mas pelo menos me salvaria
desse cafajeste!
— Não te falei que é perigoso
sair andando por aí exalando
esse cheiro? — Disse-me uma
voz conhecida enquanto
minha consciência voltava.
Meus olhos foram de encontro
a um homem super charmoso
que estava de pé ao meu lado,
cujos olhos me olhavam com a
mesma gentileza que da
última vez que nos
encontramos.
— O que faz aqui? —
Perguntei um pouco confusa
me forçando a me sentar e
olhando a minha volta. Até
momentos atrás eu estava na
pior, mas agora todos os
vampiros que me intimidaram
estavam caídos inconscientes
no chão ao meu lado. Ele
nocauteara os três restantes
de forma que não notei
quando ou como isso
aconteceu.
— Achei que precisava de
ajuda. Estava errado? —
Perguntou ele de um jeito
espirituoso.
— Eu só estava esperando um
intervalo de alívio para dar
conta dos outros três! —
Respondi enquanto puxava a
Preciosa para perto de mim.
No momento em que minha
consciência se esvaiu
temporariamente, ela fora
arrancada de mim e a alça da
capa estava presa na mão de
um dos capangas. — De
qualquer forma, muito
obrigada!
Se não fosse por Galadriel, eu
acabaria tendo que me
revelar. Não queria ter dívidas
com ele, mas não podia negar
o bem que me fizera,
independentemente das
intenções que tinha por trás
desse gesto.
— Claro, acredito! — Ele
parecia se divertir, mas não
ousou a me questionar mais e
acabou ganhando um ponto
comigo por causa disso. — Se
quer me agradecer tenho uma
ideia melhor.
— E o que seria? — Eu estava
com dificuldades até mesmo
para me levantar agora.
Percebendo isso, ele me
estendeu a mão, mas neguei-
me a pegá-la até que ele
revelasse o que queria.
— Há uma comoção grande
nas ruas hoje. Alguns lobos
apareceram para uma missão
conjunta com Willow e eles
sempre acabam causando
rebuliço por conta da
agressividade com que atuam.
É perigoso sair lá fora no
momento, então me deixe
protegê-la até a situação se
normalizar.
— Me proteger de quê? —
Perguntei um pouco cética. Se
os lobos estão lá fora, eu
estaria mais segura lá do que
aqui. — Lobos são sérios e
ordeiros, e creio que não me
farão mal sem motivos.
— Parece que você tem uma
concepção equivocada. Lobos
detestam bruxas, e você como
uma deveria saber disso. Eles
não precisam de desculpas
para intimidá-las e é por isso
que bruxas rodam o mundo
todo, mas nunca pisam em
Éldrim. Elas não são bem-
vindas lá! — Ele se agachou
perto de mim, seus olhos me
sondavam enigmáticos. —
Essas misteriosas ações
conjuntas são o único
momento de trégua. Se você
não estiver na missão, talvez
até mesmo se torne um alvo.
— Willow tem uma boa
relação com o rei dos lobos. —
Comentei. Não conseguia
aceitar as palavras de
Galadriel. Se fossem verdade,
eu seria odiada pelo meu
próprio povo, pelos lobos. Não
conseguia nem pensar na
possibilidade de Lohan me
desprezar por eu ser quem
sou.
— Tem certeza disso? Até onde
sei, Lohan apenas a suporta. —
Respondeu-me seriamente.
Engoli em seco. Por mais que
eu quisesse refutá-lo, eu sabia
que ele tinha razão. — E
então?
Ele tornou a estender a mão
para mim. Não é como se eu
quisesse aceitar, mas me
sentia mal demais, e recusar
agora poderia me levar a
outra situação desastrosa.
Assim que minha mão tocou a
dele, ele me puxou me
ajudando a ficar de pé.
Segurando firmemente minha
mão, me apoiou para que eu
andasse ao seu lado sem cair.
— Aonde estamos? —
Perguntei um pouco tonta
identificando o ambiente
enquanto ele fechava a porta
atrás de mim. Tirei a Preciosa
apoiando-a em uma mesa de
centro e me sentei no grande
e espaçoso sofá que tinha
perto da mesa.
— Uma sala privada. Aqui seu
cheiro não atrairá ninguém. —
Respondeu-me sentando-se
do meu lado.
— Meu cheiro é tão forte
assim? — Perguntei abismada.
Willow disse que a sedução
era fraca, então por que
Galadriel sempre me alertava
sobre isso?
— Os flagelos intensificam a
sedução. — Ele começou a se
explicar. — Quanto mais luas
se passam, mais forte a
sedução se torna para facilitar
com que as bruxas atinjam o
seu objetivo final. Muitas até
suportam os flagelos
propositalmente somente para
conseguir encantar homens
mais fortes só com essa magia.
Em qual lua você está?
— Nona! — Sussurrei cansada
me deitando de lado no sofá.
Fechei meus olhos, torcendo
para que o dia amanhecesse o
quanto antes. — E não quero
seduzir ninguém. Só quero que
essa coisa passe logo.
— E como espera que isso
passe? — Perguntou-me ele de
forma serena.
— Willow me disse que sempre
passa depois da décima
segunda lua. Só tenho que
aguentar um pouco mais.
— Ela te disse isso? —
Perguntou em um tom mais
sério. — Acha que consegue
suportar as últimas luas? Isso
não é brincadeira.
— Eu não sou brincadeira! —
Por mais que eu estivesse sem
forças, continuei debatendo.
Queria deixar claro que não
tinha intenções do tipo para
que ele não ousasse sequer a
cogitar sobre. — Se deitar com
alguém não é brincadeira. Eu
acredito no amor, então dane-
se a sedução!
— Você é realmente uma
bruxa estranha. — Disse-me
ele tomando uma atitude que
me pegou completamente
desprevenida. Deitando-se
por trás de mim, me puxou
contra seu corpo. Antes que
eu tivesse a chance de reagir,
ele se explicou no intuito de
me acalmar. — Não se
preocupe, prometo que não
farei nada com você! O toque
entre nossos corpos vai ao
menos aliviar um pouco da sua
dor.
Senti-me entre a cruz e a
espada. Eu não queria
qualquer contato físico com
um estranho, mas de fato o
corpo dele parecia ser como
um bloco de gelo muito
atrativo. O contato me trouxe
um pouco de refresco e
consegui relaxar um pouco.
— Por que está fazendo isso
por mim? — Perguntei-lhe
com a voz baixa. O que ele
ganha com isso? Nós mal nos
conhecíamos e ele sendo
quem é não tinha porque se
preocupar dessa forma com
uma mera bruxa.
— Eu não sei. Só sinto que você
é maior do que meus olhos
podem enxergar e isso me
deixa intrigado. —
Respondeu-me com
sinceridade. — Liz, você
poderia me dizer qual o
elemento do seu instrumento?
— Como? — Seu
questionamento me pegou
completamente de surpresa.
Nenhuma de minhas irmãs
sabia que o meu instrumento
é uma origem, então como ele
poderia saber?
— Seu instrumento tem uma
energia muito poderosa. Não
importa o quanto queira
escondê-lo, elfos possuem uma
sensibilidade forte a energias
elementais.
— Elfos ou o rei dos elfos? —
Resmunguei inquieta
tentando desviar o assunto.
Minha inscrição de ocultação
era poderosa e somente quem
fosse mais poderoso que a
minha inscrição conseguiria
ver o que há por detrás dela.
— Liz, então você sabe quem
eu sou... — Ele parecia tão
atordoado quanto eu estava
até momentos atrás. —
Willow te contou?
— Ela precisa? Bruxas são
sensitivas a energia e a sua é
forte demais para um elfo
comum. Tenho boas
referências para poder afirmar
que você vem de uma família
real.
— E sabendo disso não vai
tentar me seduzir? — Ele
estava tão desnorteado com
isso que até deixou de lado
sua curiosidade quanto a
minha origem.
— Absolutamente não. Achei
que já tivesse deixado claro a
minha forma de pensar.
— Para mim uma bruxa falar
que acredita no amor é o
mesmo que um vampiro falar
que vai se tornar vegetariano.
É uma filosofia que sempre
morre antes mesmo de dar
certo.
— Acho que eu posso me dar
ao luxo disso. — Primeiro
porque eu também era uma
loba e segundo porque eu já
tinha tanta devoção que a
sedução não me faria falta.
— Eu nunca me envolvo com
bruxas, mas e se eu lhe disser
que estou disposto a abrir uma
exceção para você? —
Questionou-me ele ao mesmo
tempo que uma nova onda de
queimação se iniciava. — Ouvi
dizer que a devoção de um rei
vale muito mais.
— Não, obrigada! — Tentei
me manter firme. Se não fosse
a ajuda de Lisa e sua
insatisfação quanto ao contato
de Galadriel, não sei se
conseguiria negar isso tão
fácil, não com meu corpo
ardendo por um desejo insano
por causa dessa porcaria de
flagelo. — Vou vencer as doze
luas e provar a todos que nós
bruxas não precisamos seduzir
para ser completas.
Galadriel não respondeu a
isso, na verdade, o silêncio se
perpetuou até o amanhecer.
Sempre que eu me contorcia
de dor, Galadriel me abraçava
mais forte e chegou a um
ponto que acabei me
agarrando nele para me
refrescar, feito filhote de
panda, e isso foi muito
constrangedor.
— Sinto muito! — Fui a
primeira a voltar a falar, assim
que os sintomas começaram a
passar, sinal de que o dia
estava clareando. Soltei-o
imediatamente e, colocando-
me de pé observei o estado
dele. As roupas dele estavam
completamente enxarcadas
com o meu suor, mas seu
semblante continuava sereno
como se não se importasse
que eu o tivesse sujado dessa
forma.
— Não sinta! A iniciativa veio
de mim.
— Neste caso, muito obrigada!
Por tudo! — Por ter dado um
jeito naqueles vampiros
inconvenientes, por ter me
protegido do perigo e por ter
se rebaixado a ser o bloco de
gelo refrescante para um
simples bruxa desconhecida
como eu. Eu queria oferecer a
ele a minha gratidão, fazer
promessas de que iria
recompensá-lo por sua
gentileza um dia, mas se tem
uma coisa que aprendi nessa
história toda é a não abrir a
minha boca.
Todas as decisões partiram
dele, em nenhum momento
pedi por nada, então não tinha
porque eu me sentir em
dívida com ele. Em meu
mundo muitas pessoas
pagariam caro por uma
chance de serem abraçados
por mim, e, com esse
pensamento, decidi deixar
tudo por isso mesmo.
— Você não precisa ir agora.
— Disse ele vendo-me pegar a
Preciosa e colocá-la nas
minhas costas. — Coma
comigo primeiro para recobrar
suas forças.
— Agradeço, mas tudo o que
preciso agora é da minha
cama e de umas boas horas de
sono.
Galadriel não tentou forçar
nada. Me olhando de forma
calma se levantou e caminhou
até a porta destravando-a com
sua senha mágica. Assim que
eu ia sair, ele bloqueou a
passagem com o braço me
fazendo olhar novamente
para ele. Senti arrepios
quando percebi por sua
energia que tinha um desejo
claro de me beijar.
Reprimindo suas intenções
ele não o tentou fazer, invés
disso de sua boca saiu uma
proposta extremamente
tentadora.
— Liz, se quiser minha ajuda,
posso te abraçar nas próximas
luas para aliviar seus flagelos,
até que isso acabe.
— E o que quer em troca? —
Perguntei curiosa.
Dificilmente alguém fazia
favores assim a troco de nada.
— De você ficar bem. Apenas
isso! — Respondeu-me
sucintamente. A sinceridade
em sua energia era
convidativa e se não fosse o
lampejo de desejo que
vislumbrei até um momento
atrás, talvez eu o tivesse
considerado.
— Galadriel, eu te agradeço, só
que depois do perigo que
passei nesse lugar, eu não
pretendo voltar. Para o meu
próprio bem, vou me isolar em
meu quarto nas próximas
vezes. — Saí do cômodo
passando por debaixo do
braço dele e decidi tomar meu
rumo. — Estou indo agora. Foi
realmente um prazer conhecê-
lo!
— Igualmente! Tenha cuidado!
— Ele fechou a porta
novamente assim que saí,
como se quisesse me impedir
de enxergar os sentimentos
dentro dele. Por um instante
ele havia se sentido muito
incomodado com a minha
resposta, mas no segundo
seguinte parece ter ficado
imensamente satisfeito como
se tivesse mudado de ideia e
visto que era melhor assim.
P2 - Capítulo 56
O dia se iniciara chuvoso em
Aradia, caindo com
intensidade sobre mim.
Deixando a chuva me lavar,
caminhei a passos moderados
pelas ruas que estavam
relativamente desertas,
provavelmente por conta de
ser manhã pós lua cheia.
Assim que passei pelos
portões da propriedade de
Willow, ela detectou minha
presença e apareceu em suas
sombras me interceptando na
porta de entrada do palácio.
Ela não me perguntou nada,
nem fez qualquer tipo de
declaração, apenas me puxou
para um abraço. Eu não sabia
como me sentir quanto a isso
e retribui o seu gesto. Senti
por sua energia que eu a
preocupara de alguma forma.
— Bem-vinda de volta, filha!
— Disse ela de um jeito doce.
— Aconteceu algo? —
Perguntei um pouco inquieta.
Algo me dizia que sua
preocupação tinha a ver com a
missão realizada.
— Nada com que precise se
preocupar. Venha, a mesa está
posta. Suas irmãs te esperam!
Ergui a sobrancelha
desconfiada, mas não
retruquei. Não é como se elas
me esperassem, apenas
coincidiu de eu chegar
justamente no horário da
refeição matinal. Eu não
queria comer, na verdade só
queria dormir um pouco mas
forcei-me e trocar minhas
vestes molhadas em meu
quarto e depois desci ao
primeiro andar para me
encontrar com elas.
— Bom dia, Liz. — Disse-me
Janet quando me sentei ao
lado dela.
— Bom dia! — Respondi de
volta soltando um longo e
cansado bocejo.
— Noite longa? — Falou-me
de forma provocativa.
— Demais! — Respondi sem
dar muito crédito à sua
insinuação. Meus olhos se
fechavam constantemente
enquanto eu me forçava a
mastigar a comida e engoli-la.
Mal conseguia prestar atenção
no que Janet estava me
falando de tão cansada que eu
estava.
— Meus vestidos estão cada
vez mais populares. A segunda
princesa das fadas levou vários
deles noite passada. Ela foi até
lá só para comprá-los, acredita
nisso? — Comentou ela com
orgulho.
— Sempre acreditei que
conseguiria. Você tem muito
talento para isso! — Sussurrei
baixando a cabeça contra a
mesa. Janet não me perturbou
mais, invés disso se voltou
para outras irmãs que
estavam conversando sobre
suas conquistas.
O falatório era tanto que
minha cabeça estava
começando a doer. Suspirei
profundamente decidida a
voltar para o quarto antes que
eu acabasse apagando com a
cabeça dentro do prato de
comida. Um simples
movimento meu fez com que
várias irmãs se voltassem
para mim. Bloqueando o meu
caminho, começaram a
implicar comigo de forma
persistente.
— Liz, você é a única que
nunca consegue ninguém.
Deveria mudar seu jeito de se
vestir. — Me disse uma delas
puxando a saia do meu
vestido em desaprovação. Eu
gostava de me vestir de forma
decente e não pretendia
mudar isso.
— Liz, talvez você devesse
passar menos tempo em livros
e mais tempo procurando
públicos. — Disse outra me
cutucando pelas costas.
— Liz, do jeito que você é séria
e sem graça, nunca ninguém
vai te querer.
— Liz, não é melhor focar em
evoluir suas origens agora e
em estudar depois?
"Que irritantes!" — Reclamou
Lisa.
Diferente delas, eu focava a
maior parte do meu tempo
treinando magia e estudando.
Elas não tinham o mesmo foco
que eu nas aulas e, fora delas,
só queriam falar de homens
enquanto aprimoravam suas
artes e talentos.
— Acho que não perceberam
que passei a noite fora. —
Resolvi provocá-las de volta.
Abrindo um sorriso travesso,
fiz uma insinuação no intuito
de fazê-las calarem a boca. —
Estive a madrugada inteira
nos braços de um lindo elfo
chamado Galadriel. Vocês o
conhecem?
— Galadriel, o rei dos elfos?
— Isso é mesmo verdade? —
Perguntou Janet surpresa.
— É claro que é! Para se ter o
melhor tem que ser diferente!
— Todas elas tinham padrões
similares que as faziam serem,
de certa forma, comuns. Por
causa disso, ficavam pegando
no meu pé por eu não querer
ser como elas. Com uma
simples insinuação, deixei-as
de queixo caído dando a
entender que não havia
problema algum em eu ser
como sou.
O efeito foi além do esperado.
Além de não me pressionarem
mais, muitas até começaram a
imitar a minha rotina, o que
foi extremamente divertido de
se ver. Era comum se
espelharem em quem tinha os
melhores resultados, mas a
forma como fizeram isso era
muito descarada.
Há uma semana da décima lua
cheia, Willow me chamou em
privado. Eu imaginei o que ela
ia pedir, já que ela fez um
apelo inicial jogando um saco
relativamente volumoso de
celédrias na minha frente.
— Este é o seu pagamento da
última apresentação. Eidon te
deu uma bonificação extra
como um incentivo para você
voltar.
— Isso não vai mais
acontecer. — Falei
firmemente. Os flagelos eram
cada vez mais intensos, e
temia sequer conseguir ficar
de pé numa próxima. — Não
porque eu não queira, mas
porque não posso.
— O que disse para suas
irmãs, era mentira por acaso?
— Perguntou ela em um tom
um pouco mais sério.
— Sobre o Galadriel? Foi
verdade, mas ele não fez nada
comigo. Ele me abraçou para
me ajudar a sofrer menos com
os flagelos e foi só isso!
Willow deu um sorriso
singelo, como se o que eu
tivesse contado não lhe fosse
uma surpresa.
— Então vai mesmo levar isso
até o fim? — Assenti a cabeça
positivamente. Ela deveria
saber que eu jamais deixaria
outro que não seja o meu
companheiro me tocar dessa
forma.
— Passarei os próximos
flagelos trancada em meu
quarto. Não me colocarei em
riscos desnecessários, ainda
mais agora que sei que os
flagelos além de me deixarem
vulnerável, ainda intensificam
a sedução.
— Você é mesmo esperta. —
Comentou Willow com a voz
muito séria, algo incomum
vindo dela. — Se quer
suportar a dor, faça-o com
coragem! Nas próximas vezes
será tão forte que você
implorará pela morte, e se o
fizer uma única vez, terá que
fazer as coisas do meu jeito!
— Achei que não desse
ordens para as suas filhas,
apenas conselhos... —
Lembrei-a de suas próprias
palavras.
— Há um limite para o que
uma mãe consegue suportar
antes de tomar medidas mais
drásticas.
— Certo, mãe! — Abri um
sorriso frente ao desafio. Eu
provaria a ela que consigo, eu
precisava! — Mas se eu
resistir com coragem, você me
deixará fazer as coisas do meu
jeito!
— Fechado! — Willow parecia
muito satisfeita não só com o
fato de eu ter aceitado os
termos, como também por tê-
la chamada de mãe. De certa
forma eu me sentia em família
aqui, e não podia negar a
importância que Willow
estava tendo nessa
importante fase de
descobrimento na minha vida.
Ela, sem dúvidas, era como
minha segunda mãe!
Quando a décima lua cheia
chegou, os sintomas
começaram a tomar conta de
mim mais cedo do que o
esperado. Antes mesmo de
anoitecer, eu já estava me
revirando de dor na cama.
— Que atenciosa! —
Murmurei ao ver Willow
entrar em meu quarto. Não
achei que ela fosse levar nossa
aposta a sério, mas ali estava
ela se fazendo presente,
pronta para me vigiar. Senti
que estava em um inferno de
brasas, e minha consciência
oscilava.
Eu queria muito perder a
consciência de alguma forma
e não sentir nada, mas soube
que isso era impossível a não
ser pela própria morte. Do
contrário, o flagelo age
mantendo minha mente ativa
e além de suportá-lo, também
teria que aguentar a dor
latente de ser golpeada.
Se houvesse algo a se fazer ou
qualquer forma de se burlar o
flagelo sem ceder à sedução,
tenho certeza que Willow me
diria. Ela me olhava com pena
enquanto enxugava meu suor.
— Seja forte! — Disse-me
Willow por várias vezes,
enquanto eu gritava e me
contorcia. Por muitas vezes
achei que estava morrendo,
mas a morte não chegava.
Nenhuma vez em toda a
minha vida pensei que
passaria por esse tipo de
tortura.
— Seja forte! — Willow
continuou repetindo várias
vezes a mim, me lembrando o
acordo que fizemos, não só na
décima, como também na
décima primeira lua cheia,
quase um mês depois. Eu não
conseguia parar de gritar
enquanto chorava
desesperadamente. A voz dela
ecoava em minha cabeça em
meio a um sofrimento ainda
mais insuportável.
Willow tinha razão, eu queria
morrer. Sempre que a
sensação de que estava
desfalecendo vinha, eu
implorava por dentro que ela
chegasse logo, para aliviar a
tortura sem fim. Reprimi
meus lábios inúmeras vezes,
me recusando
veementemente a dizer isso
em voz alta.
Qualquer coisa era melhor
que isso e por incontáveis
vezes vacilei em meus
princípios desejando que
qualquer macho me tocasse,
só para isso acabar de uma
vez por todas. Por muitas
vezes durante o flagelo me
arrependi de não ter aceitado
a proposta de Galadriel, e por
várias vezes duvidei de mim
mesma. Se não fosse a minha
loba comigo, sofrendo junto e
me lembrando de sermos
fortes pelo nosso
companheiro, não sei o que
seria de mim.
— Filha, você conseguiu! —
Disse-me Willow acariciando
meus cabelos molhados. Eu
estava chorando
desesperadamente. Os
sintomas da décima primeira
lua estavam cessando, mas a
sensação torturante ficou
gravado em cada uma das
minhas células. Pensar que
isso poderia ser ainda pior na
próxima me levou ao
desespero total.
— Mãe, eu vou te ouvir! Faço
o que você quiser, mas por
favor, não me deixa sofrer isso
de novo! — Implorei entre
lágrimas. Eu jamais pediria a
morte, mas estava
desesperada demais
procurando uma outra saída.
Eu provavelmente nunca mais
iria querer admirar uma lua
cheia em toda a minha vida.
— Vai mesmo fazer o que eu
quiser? Vai mesmo seguir
todas as minhas ordens e
conselhos? — Perguntou com
a voz terna.
— Sim, mãe, eu prometo! —
Falei-lhe, as lágrimas não
paravam de descer enquanto
meu corpo cedia à exaustão.
Quando acordei já era tarde
da noite. A cada flagelo que eu
tinha que suportar eu acabava
acordando mais tarde. Eu
estava limpa, de roupas
trocadas e Willow estava
sentada ao meu lado. Quando
vi o seu olhar confiante me
lembrei de que, em um
momento de fraqueza, fiz uma
promessa a ela que não sabia
se poderia cumprir.
— Precisa se hidratar. —
Disse Willow me entregando
um copo de água fresca.
— Obrigada! — Disse-lhe
aceitando o gesto. Enquanto
eu bebia a água, fiquei
esperando-a se manifestar,
temendo que ela quisesse que
eu resolvesse logo essa coisa
de sedução. No entanto, as
palavras que ela me disse a
seguir tocaram
profundamente o meu
coração.
— Darei a você a chance de
seduzir o seu próprio
companheiro, mas você
precisa seguir o meu plano se
quiser fazer isso dar certo. De
vocês dois dependerá o
sucesso do plano, e se falhar,
me eximo de qualquer
responsabilidade.
P2 - Capítulo 57
"Isso é realmente possível?"
— Perguntou minha loba
dentro de mim. Meu coração
batia forte em meu peito
enquanto Willow me contava
sobre o seu perspicaz plano.
Se isso desse certo, em breve
eu tornaria aos braços de meu
companheiro e ele poderia me
impedir de sofrer o último
flagelo, o pior de todos.
— Filhas, daremos uma
grande festa em nosso palácio!
— Anunciou Willow à todas as
irmãs na manhã do dia
seguinte. — Receberemos
muitos convidados ilustres
então preciso da participação
e apoio de todas.
Obviamente todas vibraram
de empolgação. De tempos em
tempos, Willow gostava de
dar grandes festas, e mesmo
sem um motivo específico
para tal, ninguém a
questionou. Todas estavam
mais preocupadas em saber o
tipo de convidados que
receberíamos e em ter a sua
própria chance com cada um
deles.
Muitas perguntas surgiram
dentro de mim por causa do
plano de Willow e voltei a me
questionar sobre as coisas
que ela me dissera no começo
de tudo. Se havia uma chance
com Lohan, porque ela não
me permitiu executá-la antes?
Por que tive que sofrer o
flagelo de onze luas cheias
antes dela me dar essa
chance?
Desconfiada, decidi estudar
por conta sobre os flagelos e
com a ajuda de Agnes,
encontrei um livro velho e
empoeirado em um canto
perdido na biblioteca que
trata sobre o assunto. As
páginas velhas revelaram
segredos sobre a estabilização
das origens que, até então, eu
não tinha prestado a atenção
devida.
"Origens instáveis só
oferecem risco ao próprio
usuário." — Assim que li isso,
me senti traída e enganada
por Willow. Se isso é verdade,
então por quê Willow me
disse que o meu companheiro
estava em risco?
Senti raiva enquanto
continuava lendo sobre os
flagelos, pois achava que
minha magia instável era o
motivo de eu ter que ficar
longe de Lohan. Ela me fez
guardar segredo dele, me fez
ficar longe dele quando eu
podia simplesmente ter
aliviados os sintomas com ele
para reduzir a tortura e
agonia. Mais do que nunca, eu
queria chegar até o final do
livro para ter uma base para
confrontar Willow.
Minha visão mudou horas
depois, quando cheguei na
parte chave. Fascientum,
assim era o nome dado ao
último flagelo. O flagelo final é
um golpe extremamente cruel
e não pude deixar de chorar
enquanto, finalmente,
compreendia os motivos de
Willow.
— Willow, você é mesmo
gentil... — Sussurrei comigo
recordando de cada palavra
dela, cada gesto e de como
escrevera o meu caminho até
esse momento.
Fascientum, o último flagelo
não possuí fugas e, diferente
dos outros flagelos, não tem
um prazo para acabar. Ele te
obriga ao ato contra a sua
vontade, e não cessa até que
seja concretizado. Willow
estava protegendo a mim e ao
Lohan ao mesmo tempo, ao
aconselhar que eu mantivesse
distância e segredo. Mais do
que compreender a natureza
de uma bruxa, ela tinha em
mente todos os aspectos que
compõe a natureza de um
lobo.
"Não há nada mais brutal para
um lobo do que ver seu
companheiro sofrendo sem
poder fazer nada." — Lisa
afirmou acompanhando o
meu raciocínio. Se eu tivesse
escolhido o caminho mais fácil
para mim, eu destroçaria
ainda mais o coração do meu
companheiro. Lua após lua,
ele veria eu me contorcer e
gritar de dor enquanto
agonizo, sem conseguir fazer
absolutamente nada para me
curar. Quanto maior o flagelo,
menos ele poderia fazer por
mim e, na décima segunda lua,
qualquer ação de sua parte
seria insuficiente. A
preocupação a dor, o
desespero o colocaria sob
uma difícil escolha. Me ver
agonizar indefinidamente sem
resolução ou me entregar a
outro homem. Tanto um
quanto o outro caminho eram
inaceitáveis para um lobo,
mas não existe uma terceira
escolha.
Se Willow tivesse me dito logo
a verdade desde o começo, eu
teria compreendido a
importância de se manter o
segredo de Lohan, contudo,
esconder isso de mim foi uma
forma de misericórdia. O
fascientum chegaria de
qualquer forma, e ela apostou
tudo nesse estágio final
porque em momento algum
Lohan precisaria sofrer
enquanto é forçado a tomar
uma escolha impossível. Se
Lohan sofresse, eu sofreria
com ele. Além disso, se eu
soubesse de antemão que
poderia ser violada contra a
minha vontade, eu sofreria
muito por antecipação e
talvez tivesse feito alguma
escolha precipitada.
Eu não fazia ideia de como
Willow combinaria as coisas
com Lohan e nem os detalhes
mais profundos do plano, mas
depois do que descobri,
confiava plenamente em sua
lógica e que ela optaria pelo
caminho com a melhor
probabilidade. A chance que
ela daria a mim e ao Lohan
era no momento ideal, sem
mais nem menos, e decidi que
não voltaria a questioná-la.
O objetivo da festa era
replicar a ocasião ao qual
Lohan compareceu sozinho à
Aradia, há aproximadamente
dez anos, quando Willow lhe
prometeu uma informação
inestimável quanto ao futuro
em troca dele vir e participar
da festa dela. Na ocasião
Lohan topou o risco, mas para
trazê-lo de novo eu seria a
moeda de troca.
Pouco me importava quem
seriam os outros convidados.
Eu só conseguia pensar em
Lohan, e trabalhei
arduamente com minhas
irmãs nas semanas que se
seguiram para deixar a casa
em ordem. Eu mesma limpei e
preparei o lugar em que
Lohan ficaria hospedado e fiz
compras na cidade para
recebê-lo da melhor forma
possível.
— Liz, você parece animada
para a festa. — Disse-me
Janet. Eu estava ajudando-a
com a decoração da grande
área de festas que fica no
segundo jardim, lateral ao
primeiro jardim. É no terceiro
jardim que a maioria dos
convidados ficam hospedados,
em uma área completamente
separada ao palácio de
Willow. Na moradia de
Willow, apenas ela, suas filhas
e convidados especiais tinham
permissão para entrar.
— Mais do que imagina! — Eu
não conseguia parar de sorrir.
Faltava seis dias para a
próxima lua cheia, três dias
para o início da festa. As aulas
vespertinas já tinham sido
canceladas até segunda
ordem para que nos
dedicássemos apenas em
deixar tudo o mais perfeito
possível.
— Irmãs, vocês não vão
acreditar! — Agnes chegou de
fininho por trás de nós. Ela
estava responsável por
auxiliar na cozinha. — Haverá
um jantar de recepção hoje à
noite. Isso só pode significar
uma coisa...
— Alguns convidados virão
mais cedo! — Falou Janet
entusiasmada. Meu coração
batia forte enquanto me
perguntava se Lohan seria um
desses convidados. — Por que
a mãe não nos avisou antes?
Não estamos preparadas!
— Parece que não serão
muitos, mas pelo cardápio eu
diria que são muito
importantes! — Agnes
comentou toda sorridente.
Essa informação se espalhou
como fogo em palha. Durante
o almoço, todas ficaram em
cima de Willow, perguntando
avidamente sobre quem
seriam e quais os planos dela.
Willow foi bem direta em
informar a todas suas
pretensões.
— Alguns reis e príncipes
virão, mas darei uma
vantagem apenas às nove
filhas mais novas de os
recepcionarem hoje à noite já
que elas não participaram da
última grande festa que dei.
Ademais terão suas chances
nos outros dias. — Disse ela
resolutamente e depois
anunciou a programação.
Enquanto as outras novatas
serviriam comes, bebes e
ofereceriam massagens e
agrados, a mim caberia a
parte da apresentação
musical.
Eu já não tinha dúvidas de que
Lohan estaria ali, ainda mais
quando Willow me chamou a
acompanhá-la para a sala de
isolamento, logo após a
refeição. O meu sorriso logo
se desfez enquanto ela
apresentava os riscos de se
seguir com esse plano e que
eu deveria ter em mente que
Lohan poderia me rejeitar.
Ela não me informou as
consequências disso porque,
para ela, eu ainda desconhecia
o fascientum, mas eu sabia
muito bem o que aconteceria
se Lohan não fizesse o que
deveria. Outro o faria no lugar
dele e o peso disso recairia
somente sobre mim e meu
companheiro.
"Acha mesmo que ele vai nos
rejeitar?" — Lisa estava
inquieta dentro de mim.
Willow tinha razão. As
chances de isto acontecer
eram muito altas, tendo em
vista o pouco tempo que eu
tinha e todos os passos que
ela me ordenou a seguir se
quiséssemos fazer isso
funcionar. Eu estava
apavorada, mas não queria
deixar transparecer para não
dar preocupações a Willow,
ainda mais quando ela já
estava fazendo tanto por mim.
— Você é uma bruxa! —
Lembrou-me Willow. Lobos
odeiam bruxas e Lohan não é
diferente. Precisa estar
preparada para aceitar que
nem tudo ocorra da forma
como espera.
— Entendido! — Respondi
baixando a cabeça. O amor, a
paixão que eu sentia por ele
me fez ficar cega quanto aos
aspectos que Willow
enumerou. Agora eu temia
não somente não conseguir
conquistá-lo de novo, mas que
ele sequer quisesse aderir ao
plano e que me rejeitasse
antes disso. Meu objetivo era
convencê-lo, mas será que eu
conseguiria?
"Ele nos ama! Ele fará isso!"
— Disse Lisa confiadamente.
Se eu não acreditasse em
nosso amor, em que me
apoiaria?
— Agora que você entende,
tenho que te anunciar que ele
já está chegando à nossa
cidade. Irei recepcioná-lo e
trazê-lo até você, mas não se
revele até que eu autorize. Se
esconda nos fundos com a sua
magia de luz.
— Sim, mãe! — Respondi
enquanto inseria os selos de
ocultação em meu vestido e
ativava a invisibilidade.
"Lisa, desculpe-me por
prendê-la, mas é necessário!"
— Falei-lhe antes de recolher
sua origem. Ela estava ansiosa
por vê-lo, mas compreendia
perfeitamente a situação em
que estávamos.
Fiquei agitando os dedos no
ar impacientemente enquanto
esperava o retorno deles.
Quando Willow abriu a porta
da sala, fiquei imóvel
tentando conter minha
respiração enquanto
acompanhava os movimentos
de meu companheiro, que
entrou na frente. Ele estava
diferente, estava sem barba e
com os cabelos curtos.
— Onde ela está? — Proferiu
nervoso assim que Willow
trancou a porta. — Estou aqui,
vim sozinho e segui todas as
instruções que me passou!
Agora quero que me devolva
ela!
— Paciência, caro Lohan. Eu
disse que a tinha em minha
posse, mas em nenhum
momento falei que era minha
prisioneira. — Respondeu
Willow na maior
tranquilidade. — Ela está aqui
por vontade própria.
— E por que ela faria isso? —
Perguntou Lohan em um tom
ameaçador. Ele estava agitado
e impaciente, e eu me sentia
da mesma forma.
— Pergunte a ela. Deixarei
que vocês dois se entendam a
sós. — Dito isso, Willow abriu
a porta e saiu. Lohan olhou em
volta atordoado antes de
tentar abrir a porta e
perceber que estava trancado.
— Maldita bruxa! — Rosnou
furioso socando a porta! Com
o consentimento de Willow,
caminhei em direção a ele
enquanto desfazia meu
ocultamento e minha
invisibilidade.
— Companheiro, olhe para
mim! — Pronunciei
gentilmente fazendo-o se
virar. Havia uma pitada de
pânico em seus olhos
enquanto ele me sondava. Ele
passou os olhos por meu
vestido e parou seu olhar na
marca espiritual no meu
braço esquerdo. — É
exatamente isso que está
pensando. Eu sou uma bruxa!
Eu podia ler suas intenções,
sabia o que estava sentindo e
todos os sentimentos
contraditórios que rodeavam
o seu coração.
— Você... não pode ser! — A
respiração dele estava
acelerada, o sentimento de
recusa invadindo o seu
coração me deixou insegura.
— Qual o seu nome de bruxa?
De todas as perguntas que
podia me fazer, sua primeira
pergunta me deixou confusa.
Eu responderia a todas as
suas perguntas agora, não
tinha mais porque me
esconder.
— Liz. — Respondi com
sinceridade enquanto me
aproximava mais um passo
dele, ávida por abraçá-lo.
— NÃO SE APROXIME! —
Rugiu furioso. Não sei o que se
passava em sua mente e os
sentimentos dentro dele eram
confusos. Apesar disso, a
postura agressiva e o seu
olhar como se estivesse com
nojo de mim me abalaram de
uma forma que eu não sabia
nem como continuar.
Simulei tantas vezes nosso
reencontro em minha mente,
pensei tantas vezes no que
diria e como me explicaria a
ele, mas em nenhum
momento cogitei que ele
realmente fosse me rejeitar
por eu ser uma bruxa.
— Lohan, eu te amo! — Falei-
lhe insistindo em me
aproximar, mas ele recuou
prontamente deixando claro
que não queria contato algum
comigo. Quando ele rosnou
raivosamente para mim, senti
que ele estava me rejeitando e
agradeci que Lisa não
estivesse comigo para assistir
a isso, ou ela não suportaria.
Observei-o atentamente por
mais um instante na
esperança de que isso fosse
um engano, mas ele não deu
sinais de mudança. Pela sua
postura parecia que ia me
atacar a qualquer momento.
Como lidar com isso? Estive
tão ansiosa e animada
pensando que ia vê-lo, mas
agora queria
desesperadamente fugir dele.
Minhas lágrimas
transbordavam enquanto eu
corria até a porta.
"Não aguento isso!" — Pensei
enquanto meus dedos
trêmulos desfaziam o selo de
Willow.
— Aonde pensa que vai? —
Antes que eu conseguisse
abrir a porta, Lohan me
agarrou por trás e me jogou
contra a parede prendendo-
me com o corpo dele. Seu
toque era tão feroz quanto sua
voz. — Ainda não terminamos
aqui.
— O que temos a discutir? Eu
sou uma bruxa e não posso
mudar isso! Se não me quer
por isso, o que eu posso fazer?
— Eu não conseguia nem
olhar para ele enquanto
chorava inconsolavelmente.
— Não chora, minha pequena!
— Sua voz era autoritária,
mostrando que ainda estava
com raiva, mas o sentimento
de preocupação nesse
instante se sobrepunha à sua
fúria. Seus dedos deslizaram
suavemente pela minha face
enxugando ternamente
minhas lágrimas. — Quando
foi que eu disse que não te
quero? Só acho que você me
deve muitas desculpas.
Ergui a cabeça, enxergando a
luz de esperança que eu
procurava. O rosto dele ainda
estava sério e eu entendia que
sua raiva era justificável. Ele
tinha razão, eu o fiz passar
por muitas coisas por minha
causa.
— Sinto muito por te deixar
tão preocupado, sinto muito
por não ter lhe contado as
coisas e sinto muito por ter
fugido de você. Companheiro,
eu só quis te proteger e fui
egoísta em não pedir a sua
opinião. Me perdoa, por favor!
— É só isso? — Perguntou-me
franzindo a testa.
— É. Por acaso esqueci de
mencionar algo? — Perguntei
um pouco confusa. Eu podia
sentir as desconfianças dele,
mas esperava que me dissesse
o que deixara assim.
— É só mesmo isso? —
Questionou-me novamente.
Embora não estivesse mais
tão alterado, eu podia sentir
que não havia me perdoado
ainda. — Se é, por que
demorou tanto a me contar?
Por que me dizer isso só
agora?
— Não te contei antes porque
não queria te preocupar e
achei que eu podia resolver
tudo sozinha. Recentemente
descobri que não posso, que o
meu problema não vai
simplesmente passar. Eu
preciso da sua ajuda,
companheiro, só você pode
me salvar! — Falei-lhe
seriamente, a aflição dentro
de mim transbordando em
minha voz.
— Te salvar? Você ainda não
está curada? — Sua voz saiu
mais suave e ele afrouxou o
aperto imediatamente. Seus
olhos se fixaram aos meus
cheios de preocupação e neles
pude ver que ele sabia,
exatamente, qual era o meu
problema.
— Como eu poderia? — Toda
a raiva dentro dele se esvaiu
completamente. Foi então que
compreendi sua atitude feroz.
Eu tinha dito que voltaria para
ele quando estivesse curada, e
só havia uma forma de me
curar disto. Ele realmente
pensou que eu o tinha traído?
— Companheiro, eu já
suportei onze flagelos e ainda
há mais um. Eu não aguento
mais isso!
— Minha Eliza! — Ele me
puxou para seus braços e me
abraçou com força. A forma
como beijava a minha cabeça
repetidamente e a maneira
como seu coração se comoveu
me fizeram me sentir muito
amada.
— Não se importa que eu seja
uma bruxa? — Questionei-o,
ainda um pouco insegura. Ele
desceu os lábios dele até os
meus e beijou-me com paixão.
A forma como ele explorava
minha boca impiedosamente
me dizia que ele não se
importava nem um pouco com
isso. Novamente as lágrimas
me escaparam, agora de
alegria enquanto eu retribuía
o seu beijo quente.
— Você é a minha
companheira e a mulher que
eu amo, e essa é a única
verdade que me importa. —
Sussurrou amorosamente
enquanto segurava minha
face me fazendo olhar
diretamente para ele. — Eliza,
não permitirei que nada nos
separe de novo. Seja você uma
loba ou uma bruxa, você me
pertence!
P2 - Capítulo 58
Sim, eu pertencia a ele!
Pertencíamos um ao outro, e
suas palavras me comoveram
profundamente, uma
recompensa doce após todo o
sofrimento que suportei. Ele
sorriu circundando os braços
a minha volta e me abraçou
ternamente. Fechei meus
olhos me deixando envolver
por seu calor, por seu cheiro,
por sua presença. O silêncio se
estendeu enquanto nos
perdíamos um no outro,
incapazes de nos separar.
— Não vai me perguntar mais
nada? — Tomei a iniciativa de
quebrar o silêncio. Ele deveria
estar cheio de dúvidas, mas
seu espírito exalava
compreensão e certezas.
— Você é uma bruxa
ancestral. — Disse ele
suavemente. — Eu já havia
cogitado essa possibilidade.
— Mesmo? — Perguntei
curiosa.
— Eu sempre cogito todas as
hipóteses, e espero que os
fatos se alinhem para que as
possibilidades sejam
descartadas. Poucos dias
depois do seu
desaparecimento, descobri
que a área no deserto ao qual
você recebeu o tal chamado é
um território da antiga
civilização de bruxas
ancestrais, e foi desde então
que a hipótese surgiu. Fui
averiguar pessoalmente a
área e, como não encontrei
nada, acabei deixando a ideia
de lado.
— Havia sim, mas por baixo
da areia. O chamado me levou
a uma câmara dos deuses que
estava soterrada. — Expliquei
enquanto saía do seu abraço.
— Descobri que os chamados
são um mecanismo exclusivo
inserido na câmara das bruxas
ancestrais para atrair as
gerações despertadas.
As gerações, cuja semente
está dormente, não despertam
como bruxa. Para tal, elas
passam pela provação na
terra dos ancestrais de seu
pai. Após várias gerações
adormecidas, muitas vezes a
semente acabava esquecida,
então quando finalmente
desperta, um lembrete sonoro
era o guia necessário para que
as bruxas ancestrais
compreendessem que já
preenchiam os requisitos e
que deveriam se encaminhar
para a provação.
— Bem, essa informação eu
desconhecia. — Ele elevou a
mão e a posicionou em meu
braço esquerdo, analisando a
marca com mais cuidado. —
Assim como desconheço como
você pode ser uma loba e uma
bruxa ao mesmo tempo.
— Companheiro, — apontei
meu indicador para a marca
espiritual — permita-me
apresentá-lo novamente à
minha loba.
— Está dizendo que sua loba
se tornou a sua origem
espiritual? — Assenti
positivamente enquanto
liberava minha origem
trazendo Lisa de volta para
dentro de mim. — Certo... isso
é algo sem precedentes.
— Willow me disse o mesmo.
— Comentei rindo. A
expressão surpresa no rosto
de Lohan era impagável. —
Ela me disse que salvei a
minha loba quando ela
despertou primeiro que a
minha origem por conta da
maldição da lua.
— Então... — Ele parecia estar
ponderando sobre o passado
quando desviou o olhar para o
meu braço direito. É como se
finalmente tivesse encontrado
respostas para tantas
perguntas perdidas em sua
mente.
— É isso mesmo! Minha
primeira origem é a luz.
Quando despertei como
bruxa, me tornei imune a
maldições, e é por isso que
senti o vínculo do
companheiro e que pude
olhar em seus olhos.
Companheiro, quando minhas
origens se estabilizarem vou
ter o poder para quebrar a sua
maldição! — Ele estava tão
perplexo que não conseguia
encontrar as palavras. Sorri
confiadamente para ele e
peguei em suas mãos. — Sei
que o preocupei, mas lhe
garanto que não foi em vão.
— Eliza, minha maldição não
é simples. É uma maldição de
mais alto nível.
— Meu poder também! — Dei
de ombros enquanto
mantinha o meu entusiasmo.
— Pelo menos foi isso que
Willow me falou. Ela disse que
tenho devoção para ser
ômega! Parece que o mundo
humano me deu uma colheita
farta!
— Você não existe! — Lohan
deu um daqueles sorrisos que
eu tanto adorava. Ele estava
vislumbrado. — Como fui
arranjar uma companheira
tão especial assim? Sem
dúvidas, todos os séculos de
espera para te encontrar
valeram a pena!
Inesperadamente ele começou
a rir e desviou o olhar e isso
me deixou curiosa.
— Por que está rindo?
— Como não poderia? É
irônico, não? Sou chamado de
o rei amaldiçoado, mas sou o
rei mais abençoado que já
existiu em Éldrim! —
Tomando uma atitude um
pouco mais ousada, me
empurrou contra a parede
travando-me com seus braços
enquanto aproximava o rosto
do meu, fazendo o meu
coração disparar novamente.
— Afinal se minha
companheira é uma bruxa
nível ômega, provável que
viva mais tempo do que eu.
Companheira, você cumpriu
com sua palavra e viverá
muito tempo ao meu lado!
O sorriso divertido em seus
lábios e seus olhos
brincalhões me deixaram
hipnotizada. Lisa estava rindo
orgulhosa dentro de mim, me
impedindo de pensar direito.
Engoli em seco incapaz de
processar essa informação
enquanto encarava seus
lábios sedutores numa imensa
vontade de beijá-lo. Senti meu
rosto esquentar enquanto
desviava o olhar. Não era hora
de pensar nisso!
— Mas antes, temos que dar
um jeito no meu problema. —
Lembrei-o enquanto tentava
acalmar a minha loba.
— Se fui chamado é porque há
um plano. Qual é? — Disse
Lohan seriamente, voltando o
foco ao que importa.
— Willow fez uma porção de
esquecimento. Somente
poderei tentar seduzi-lo se
você não se lembrar de mim. É
um plano com muitos riscos,
mas eu preciso tentar! Você
está disposto a beber a poção?
— Farei isso! — Lohan me
disse sem hesitar. — Onde
Willow está?
"Eu sabia que ele ia aceitar!"
— Disse-me Lisa radiante. É
sempre ela que me lembrava
sobre como o amor entre mim
e Lohan era mais forte que
qualquer coisa. Ela confiava
plenamente nele e tinha
certeza absoluta de que o
plano daria certo.
— Me acompanhe! — Falei
com ele tomando a frente e
inserindo a inscrição de
abertura na porta. — Como
outras poderão nos ver, finja
que não me conhece e
mantenha distância até que
voltemos a ficar a sós de novo.
— Tudo bem! — Respondeu
mudando completamente sua
postura. Mordisquei o lábio de
leve antes de abrir a porta.
Ampliando o meu poder
espiritual, retirei-me
secretamente com ele
enquanto o guiava até a sala
em que Willow me ordenou
levá-lo no caso dele aceitar
isso.
— Que surpresa, vieram antes
do que previ! — Comentou
Willow sorrindo. Ela estava
sentada confortavelmente em
sua poltrona quando abri a
porta. Lohan entrou na frente
e começou a estudar a sala em
que estávamos. Senti por seu
espírito que parecia
compreender algo que, até
então, eu desconhecia.
Rodeando a sala, se sentou em
um lugar muito específico,
uma poltrona um pouco mais
distante de onde Willow
estava.
— É bom que tenha
entendido, vai me poupar o
trabalho de ter de explicar
algumas coisas. — Disse
Willow serenamente
mantendo o sorriso no rosto
como se fosse sua marca
registrada. Certifiquei-me de
bloquear a porta
magicamente para que
ninguém mais entrasse e me
reaproximei de Lohan ficando
de pé ao lado dele.
— A festa está armada? —
Perguntou Lohan seriamente.
— Sim. — Respondeu Willow
sem dar mais detalhes.
— Será que agora eu posso
saber os detalhes? —
Perguntei curiosa. Lohan
segurou minha mão
suavemente e voltou seu olhar
para mim.
— Este cenário é o mesmo de
quando cheguei há quase dez
anos atrás. Todas as
condições que Willow me
impôs cumprir para te
entregar batem com minhas
ações da época. A
especificação da roupa com
que eu teria que vir, o corte do
cabelo o dia em relação à lua
cheia...
Era uma recriação completa
do cenário, para que Lohan
não levantasse desconfianças.
Na época, ele veio sozinho
porque não queria que outros
lobos fossem tentados pelas
bruxas. Além disso, chegou
por conta três dias antes do
início da festa para tentar
convencer Willow a passar-
lhe a informação sem que ele
tivesse que ficar. Ele sequer
trouxe roupas naquela época,
pois pensava que conseguiria
negociar outras condições e ir
embora logo.
— Lohan, quando te exigi
naquela ocasião que
participasse da festa como
única condição pela
informação, já tinha em mente
que a sua companheira é uma
bruxa. O plano que estou lhes
passando agora começou
naquela mesma época, um
cenário que criei para dar a
vocês uma oportunidade hoje.
— Explicou Willow
suavemente. — Se Lohan não
tivesse ficado naquela época,
também não ficaria hoje
depois de beber a poção,
portanto, suas ações passadas
refletem nessa chance que
estão tendo.
— Te julguei mal e peço
perdão por isso. — Havia
gratidão na voz de Lohan,
quando ele compreendeu a
bondade por trás das ações de
Willow.
— Sempre tive uma boa
comunicação com o seu pai.
Para mim você é uma criança
boa, então me preocupo
contigo, ainda mais sabendo
que sua felicidade refletirá na
felicidade da minha filha.
— Não temos muito tempo,
não é? — Disse Lohan
analisando a claridade no
ambiente. — Há coisas que
precisam ser ajeitadas. Há
uma brecha nas inscrições
que cercam suas
propriedades e consigo me
comunicar com os meus lobos.
Isso precisa ser resolvido.
Lohan descreveu
detalhadamente o problema
para que Willow soubesse
como fazer a correção. Ela
desapareceu e voltou
instantes depois. Lohan
assentiu positivamente como
confirmação de que o
problema fora resolvido e
passou sugestões e detalhes
que, se Willow acatasse,
aumentaria o poder de
convencimento sobre ele ficar.
— Eliza será designada a te
servir enquanto estiver aqui.
Sua loba ficará escondida e ela
não poderá olhar em seus
olhos. Há algo que ela pode
fazer para conseguir te
conquistar mais fácil? —
Perguntou Willow trazendo
uma questão importante à
conversa.
— Ela não precisa fazer nada
para me conquistar, basta ser
ela mesma. — Respondeu
Lohan com confiança. Isso
aqueceu o meu coração e me
encheu de coragem. — Meu
único pedido é para que não a
designe para mim. Deixe que
ela me escolha!
— Farei dessa forma. Há algo
que falei com a minha filha e
que repito a você. Se isso
falhar, me eximo de qualquer
responsabilidade. Você terá
que conviver com suas
escolhas!
— Não vai falhar! Eu confio na
minha companheira. —
Troquei olhares com Lohan e
sorrimos um para o outro.
Com o momento chegando,
era hora de me despedir dele.
— Até mais tarde,
companheiro! — Falei-lhe
amorosamente enquanto
soltava sua mão. Ele assentiu
e enquanto eu saia, vi Willow
se aproximar dele com a
poção de esquecimento e um
lenço. Ele pegou o lenço e
usou-o para limpar as mãos
que eu tocara. O meu cheiro
precisava desaparecer para
que quando suas memórias
voltassem no tempo, o cenário
fosse o mais próximo ao que
ele estava na época.
Assim que ele começou a
tomar a poção fechei a porta e
recolhi a origem da minha
loba. Levaria alguns minutos
para o efeito da poção se
completar, tempo suficiente
para acertarem os últimos
detalhes. De acordo com
Willow, o termo de quebra da
maldição de esquecimento
que Lohan bebeu é o
cumprimento do objetivo.
Depois que eu conseguisse
seduzi-lo e ele me curasse,
suas memórias voltariam
automaticamente.
Voltei para o meu quarto e
comecei a me arrumar para a
janta de recepção. Não fiz uma
maquiagem pesada e mantive
o meu próprio estilo,
utilizando um vestido mais
discreto com mangas
levemente compridas para
esconder a minha marca
espiritual.
Pegando a Preciosa, saí do
quarto em direção ao
pequeno salão no terceiro
jardim, nos fundos do palácio.
Alguns chalés ficam dispostos
em volta de um lago, lugar
onde reis e príncipes ficam
hospedados quando vem.
Perto dos chalés, a vila onde
se hospedam os demais
convidados.
Uma ponte se estende para
dentro do lago em direção a
uma construção suntuosa em
uma ilha no centro. Aquele
salão é dedicado a receber os
convidados mais ilustres.
Minhas oito irmãs escolhidas
já estavam no local, ajeitando
nervosamente os detalhes
finais. Antes de entrar, olhei
para o céu nublado me
perguntando se quando
Lohan veio naquela vez,
também estava assim.
— Liz, chega aqui! — Chamou-
me Leda, a segunda filha mais
nova de Willow. Ela parecia
assustada com algo. Todas as
demais olharam para mim e
correram para perto
formando uma roda de fofoca.
— O que aconteceu? —
Perguntei ao perceber que
todas elas estavam tensas.
— Não está sabendo? A irmã
Fran viu o rei dos lobos
entrando com Willow no
palácio. Não sei porque a mãe
o chamou, ainda mais depois
do que aconteceu na última
festa.
— Estamos morrendo de medo
dela nos designar a servi-lo. —
Disse-me Leda. Suas mãos
estavam trêmulas. — Soube
que Judite foi designada na
última festa e ficou chorando
por meses. Ela entra em pânico
só de ouvir falar o nome dele.
Fofoqueiras! Resolvi me
aproveitar disso e colocar
mais lenha na fogueira para
garantir que nenhuma de
minhas irmãs se aproximaria
do meu Lohan. Só eu podia
tentar seduzi-lo!
— Da tribo onde cresci, todos
sempre dizem o quão perigoso
é olhar nos olhos amaldiçoados
do rei. Dizem que quem os vê,
mergulha em um abismo de
desespero sem fim. Conheço
uma loba que quase morreu só
por olhar para ele, punida a
fazê-lo simplesmente por
irritá-lo.
— Mesmo? — Perguntou Leda
ainda mais apavorada. Assenti
positivamente com a cabeça
mantendo o olhar sério.
— Se ele faz isso com os
próprios súditos, imagina o
que não é capaz de fazer
conosco que somos bruxas. —
Murmurou outra, apavorada.
— Você cresceu em uma tribo
de lobos, não é? Algum
conselho? — Perguntou Leda.
Todas olharam com
expectativa para mim. Sei que
o que quer que eu falasse,
todas as minhas outras irmãs
iriam saber rapidamente.
Bruxas não sabem ficar de
boca fechada, e isso era uma
vantagem para mim nesse
momento.
— Mantenham a cabeça baixa
quando ele estiver por perto.
Evitem se aproximar demais,
ele odeia isso. Lobos tem
ouvidos muitíssimo apurados,
então em nenhum momento
falem dele ou mencionem o
nome dele.
— Vamos fingir que ele não
existe! Ele é só um lobo
arrogante, não merece a nossa
hospitalidade!
— Cuidado, com o que fala! Vai
que a mãe descobre e te
seleciona para servir ele como
punição? — Comentou Leda
novamente.
— Não se preocupe, conversei
com a mãe antes de vir para
cá. Ela disse que cada uma de
nós vai poder escolher a quem
servir. Se o convidado aprovar,
a designação será permanente.
— Comentei no objetivo de
acalmá-las. O efeito foi o
esperado. Sorri por dentro ao
perceber que todas elas
preferiam servir a uma pedra
do que ao meu Lohan. Adeus
concorrência!
P2 - Capítulo 59
Visão de Lohan. Flashback
do desaparecimento de
Eliza.
Desde que apresentei minha
amada ao conselho, tudo
começou a dar errado. As
palavras de Willow foram
como uma praga, que me
perseguiu duramente por
muito tempo. Após oferecer
ajuda me entregando os
brincos como um amuleto de
proteção e estabilização,
disse-me:
"A essência atual da garota é
incompatível com o destino
grandioso que a espera. Se
você realmente quer ajudá-la,
pare de atrapalhá-la. Ela não
conseguirá se provar
enquanto você estiver no
caminho dela."
Eu desacreditei
completamente de suas
palavras naquele momento e
ignorei o seu alerta, mas
assim que a primeira tentativa
da minha pequena de
adentrar a câmara falhou,
decidi consultar os sábios em
busca de respostas.
Rapidamente eles chegaram
em um consenso comum de
que, se eu estava
atrapalhando-a de passar pela
provação, é porque a minha
energia essencial estava
circulando pelo corpo dela
por conta da marca. Como a
energia de alguém que já
passou pela provação estava
circulando dentro de alguém
não provado, a porta da
câmara poderia não reagir ao
toque dela.
Eu não queria remover a
marca, não podia me permitir
desfazer meu tão precioso
vínculo, então procurei por
respostas que não
contradissessem a minha
vontade egoísta. Manter
minha companheira ligada a
mim era uma necessidade, e
pensar em quebrar isso,
mesmo que temporariamente,
me deixou atribulado, então
continuei ignorando a
informação por mais um
tempo.
Quando vi os olhinhos tristes
e desapontados da minha
companheira em ver o lobo de
William passar pela provação
e ela não, fui incapaz encará-
la. Eu me sentia culpado,
sentia que a desapontaria se
dissesse que a culpa é minha.
Eu a evitei enquanto tentava
lidar com a minha própria
culpa, a evitei pelo medo de
que ela percebesse a verdade
e não me perdoasse.
Eu não suportava a ideia de
ser a causa de seu sofrimento.
Ela era como uma flor
delicada, e temia que uma
palavra errada minha pudesse
soprá-la para longe de mim.
Eu podia suportar tudo,
menos a ideia de perdê-la, e
esse medo me impediu de ser
o homem que ela precisava
naquele momento. Assim que
percebi o meu erro, corri
atrás dela, mas ela já havia
desaparecido.
Meu maior temor havia se
tornado realidade. Eu a
magoei de verdade e ela se foi.
Foram horas extremamente
difíceis, o sentimento como se
meu coração estivesse se
rasgando com a ideia de que
tinha sido abandonado pela
pessoa que mais amo. Tão
logo voltei a senti-la, a
persegui, tão rápido quanto o
meu corpo me permitiu fazê-
lo. Eu a traria de volta, eu
encararia meus receios e não
fugiria mais. Infelizmente, os
eventos que se seguiram me
fizeram recuar.
Os perigos que a rondam são
muitos, mas disso eu podia
protegê-la. O problema é a
força desconhecida que a
persegue, um inimigo invisível
que insistia em me tirar do
sério. A incerteza pelo
desconhecido e a insegurança
fizeram com que eu me
calasse mais uma vez. Eu
queria tanto dizer a ela tudo o
que eu sabia, mas não queria
que ela se atormentasse com
os mesmos problemas e
preocupações que eu. O
sorriso no rosto dela é que me
dava forças para continuar
enfrentando tudo.
Quando os pais dela
apareceram, mudaram
rapidamente a forma como as
coisas aconteciam. Quando
eles se provaram, a dor nos
olhos dela e o pedido de
desculpas que escapou de
seus lábios me deixou muito
infeliz. Ela não tinha culpa de
nada. Eu detestava vê-la se
desculpando, detestava o fato
dela achar que não era
suficiente para mim quando
na verdade, eu é que não era
bom o bastante para ela. Ela
se culpava por não poder se
provar e por me causar
preocupações, e eu me
culpava por ser incapaz de lhe
dizer a verdade, por meu
egoísmo fazer mal à pessoa a
quem mais me importo. O
silêncio, esse foi o meu maior
erro.
Quando ela me disse que
poderia morrer por não
passar pela provação, perdi o
controle completamente.
Como aceitar o fato de que
poderia perdê-la? Só de
imaginar vendo-a se
machucar eu já me deixava
mal, quanto mais pensar que
ela poderia realmente morrer.
O pior lado de Ray emergiu e
me isolei completamente para
que ela não visse o monstro
que há em mim. Eu sentia que
era o culpado por isso, então
como eu poderia encará-la?
Como ver aqueles olhinhos
tão lindos e não me sentir um
fracasso de companheiro?
Foi então que meu avô me
contatou, dizendo que
sacerdotisa real estava a
caminho e ela poderia ter uma
outra solução para o
problema que me
atormentava. Contive minha
fera interior o suficiente para
comparecer naquela reunião
com ela, mas então tudo deu
errado. Minha pequena elevou
a voz para os anciões e os
afrontou, algo estritamente
proibido. Antes que
proferissem uma sentença
severa, intervi para protegê-
la, mas a decisão final foi logo
retirada de minhas mãos.
Eu daria absolutamente tudo
para trocar de lugar com ela.
Mais do que isso, implorei que
me permitissem ser
penalizado junto com ela. Se
ao menos pudéssemos estar
juntos, eu poderia confortar a
minha pequena. Contudo, uma
ameaça proferida pelo
conselho me fez recuar. Se eu
insistisse em intervir, a pena
dela seria multiplicada em até
dez vezes. Precisei recuar
para amenizar o dano.
"Isso é ridículo!" - Pensei
antes de deixar o conselho. Se
eu perdesse o controle lá
dentro, seria trancafiado de
novo e não estaria lá pela
minha pequena quando a
soltassem. Muitas são as vezes
que já me acorrentaram em
uma prisão escura como
punição por violação quando
eu era mais jovem, o que me
fez ficar cauteloso em relação
a como lidar com o conselho.
Em uma semana eu teria
minha pequena de volta, e
então me desculparia
devidamente com ela. Só
esperava que ela pudesse me
perdoar, que pudesse
compreender o motivo pelo
qual precisei intervir.
"Rei Lohan..." - Chamou-me a
sacerdotisa Ilysia via telepatia
me fazendo parar.
"Diga, e é melhor que seja
importante." - Alertei-a. Eu
ainda estava profundamente
irritado com todos os que
fizeram minha pequena se
chatear, incluindo ela. Se algo
acontecesse com Eliza, sinto
que seria capaz de matar
todos eles.
"Só queria dizer uma coisa que
enxerguei sobre o destino da
garota, algo que não consta na
profecia que recebeste." - Parei
imediatamente e olhei para
trás. Ilysia correu para me
alcançar e esperei que se
aproximasse.
"E o que seria?" - Sua atitude
cautelosa e a forma como se
aproximou de mim para que
ninguém mais nos ouvisse
demonstrava que, o que quer
que fosse, ela queria que
somente eu soubesse.
"O caminho final leva ao ponto
de origem. Ela jamais será um
lobo completo, mas fará
ressurgir o poder original."
- O que isso quer dizer? -
Perguntei-lhe em voz baixa.
- Significa que ela nasceu para
ascender ao trono. - Minha
respiração ficou pesada
enquanto a via se afastando. A
compreensão do porque ela
não queria dizer isso em voz
alta na frente do conselho dos
anciões me alcançou. O que
ela estava insinuando é que
Eliza não precisa de mim para
se tornar rainha, os céus já a
escolheram.
Perante o conselho dos
anciões, isso seria tido como
uma afronta à ordem natural
de Éldrim, e Eliza seria tida,
no mínimo, como uma
impostora. Pior do que a
resposta dos anciões, seriam
as ações do movimento anti-
mestiços, que se tornariam
mais fortes se isso vazasse.
Não consegui processar a
informação, não conseguia,
ainda mais com todas as
coisas que vinham
acontecendo ao mesmo
tempo. Corri novamente para
a floresta e me isolei até
conseguir colocar os meus
pensamentos em ordem. Os
problemas não paravam de
acumular, e só consegui me
acalmar de novo quando me
avisaram que a minha
pequena seria liberada.
Por algum motivo que eu não
conseguia explicar, os
obstáculos continuavam
surgindo no caminho do
nosso amor. Sejam os anciões,
seja o meu avô, ou mesmo
Fiona, eu não permitiria que
ninguém fizesse a fizesse
chorar de novo. Eu seria capaz
de começar uma guerra por
ela, por sua segurança, mas
me sentia incapaz de remover
um único obstáculo de seu
caminho, eu mesmo.
Tudo mudou quando percebi
que eu me tornara o motivo
de suas lágrimas. Ela duvidou
de mim, ela duvidou do meu
amor por causa do meu
próprio egoísmo, então
finalmente aceitei que a única
solução era sair de seu
caminho para que ela pudesse
se provar.
Achei que estava certo
naquele momento, que o
problema era mesmo a marca
e fui teimoso, contrariando a
vontade de minha
companheira e a vontade do
meu lobo. O preço de se
remover a marca foi alto
demais. Achei que a tivesse
perdido para sempre, e senti
que morreria ali, com ela,
naquele quarto.
Quando a pior fase passou,
uma nova tão preocupante
quanto a anterior me
acometeu. Por conta de todas
as minhas falhas, Ray
começou a me odiar deixando
os meus poderes instáveis, e
eu sabia que sua fúria só se
dissiparia quando eu
encontrasse uma maneira de
trazer a minha Eliza de volta.
Era uma corrida contra o
tempo.
Decidi engolir o meu orgulho
e procurar em outros reis a
resposta para a civilização
perdida no deserto do
território das bruxas. Antes de
ir para a sala de comunicação,
olhei para Mara, que se
aproximava a passos rápidos
após atender o meu chamado.
- Majestade, do que precisa? -
Disse-me se curvando diante
de mim.
- Quero que cuide da minha
companheira sempre que eu
não puder fazê-lo. Escolha
alguns pratos na cozinha para
você e ela e me acompanhe.
- Agradeço, Majestade! - Disse
ela seguindo prontamente
minhas ordens. Não havia
ninguém mais confiável para
cuidar da minha pequena do
que a própria mãe. Poucos
minutos depois, ela voltou
com uma bandeja de
alimentos na mão. Eu ficaria
fora investigando, então ela
ficaria trancada no meu
quarto por um certo tempo.
Mara seguiu os meus passos.
Assim que a porta se abriu,
deixei que entrasse e quando
eu ia dar meia volta, um som
de impacto me deixou
aturdido. A bandeja de
alimentos caíra das mãos dela
e todos as coisas nela se
espalharam pelo chão.
- Onde ela está? Onde? -
Perguntou Mara com a voz
aflita correndo até a cama. No
momento em que entrei tive a
mesma reação que ela. A cama
onde minha amada deveria
estar se encontrava vazia.
Elevei os meus sentidos e tive
certeza de que ela não estava
por perto.
- Onde? - Sussurrei comigo
mesma enviando ordens a
todos os meus guardas que a
procurassem imediatamente.
"Edward, venha até o meu
quarto imediatamente!" -
Ordenei ao meu avô através
de um comando mental.
"Ela acordou." - Ray se
manifestou voltando a ser
como antes.
"Espero que seja isso!" -
Respondi, preocupado que ela
pudesse ter sido sequestrada
de alguma forma. Me
empenhei demais em mantê-
la sob a minha proteção,
fechando todas as brechas
para que ficasse segura dos
seus inimigos, então não
podia ser isso. Me aproximei
de Mara. Ela estava agachada
ao lado da cama analisando
um pedaço de papel.
- Majestade, é a caligrafia da
minha filha! O que diz? - Ela
me passou a folha, cujas
palavras foram escritas no
idioma de Celestria.
- Ela acordou. - Falei-lhe
emocionado. Ray estava certo,
nossa pequena voltou para
nós. Mas onde ela estava
agora?
Meus dedos se apertaram em
torno do bilhete enquanto eu
ponderava sobre como ela
saiu novamente sem ser vista.
Por que ela não veio falar
comigo primeiro? Por que
tantas coisas continuam
acontecendo?
"Nós só a atrapalhamos até
agora. Precisamos confiar nela
dessa vez." - Disse Ray um
pouco sério. - "Ela prometeu
que voltará para nós!"
Depois do pesadelo que vivi
nos últimos dias, senti que
podia ao menos respirar um
pouco. Pelo menos ela estava
acordada e parecia saber o
que fazer.
- Estou aqui! - Avisou meu avô
assim que chegou,
contornando a bagunça no
chão. Bastou um olhar rápido
para compreender a situação.
- Como ela saiu do quarto? -
Perguntei a ele sem me virar.
Não conseguia tirar os olhos
do bilhete. Esse quarto tem
uma blindagem mágica até
mesmo nas janelas e deveria
responder somente ao rei. Se
ela estava trancada aqui, não
tinha como ter simplesmente
desaparecido. - Há alguma
brecha?
- Só existem duas formas
possíveis. - Ponderou ele.
Como ele viveu aqui por
muito mais tempo do que eu,
era o único que poderia
enxergar algo que eu não
pudesse estar vendo. - Ou ela
de alguma forma foi
reconhecida pelo sistema
como a rainha ou ela tem um
poder que excede a quem fez
a blindagem, o que considero
improvável.
Em meu coração ela sempre
foi e sempre será a minha
rainha. Lembrei-me de que
me declarei para ela antes de
deixar esse quarto mais cedo.
Pelo bilhete, ficou claro que
ela estava me ouvindo e essa
nossa ligação pode ter
confundido o sistema de
alguma forma, mesmo que ela
não tivesse passado pelo rito
da coroação. Mais do que isso,
as palavras ditas pela
sacerdotisa sobre Eliza ter
nascido para o trono
começaram a se repetir na
minha cabeça.
- Coloque a todos em alerta
máximo. Preciso saber aonde
ela foi! - Falei firmemente. Eu
não pretendia impedir minha
pequena, mas somente me
sentiria seguro se pudesse
acompanhar seus passos. Há
muitos perigos que ela
desconhece, então, enquanto
ela cumpre o seu chamado, eu
pretendia ficar em sua
retaguarda como a sua
sombra, guardando-a e
protegendo-a do mal.
P2 - Capítulo 60
Visão de Lohan. Flashback
do primeiro reencontro
com Eliza após a provação.
Desde que ela se foi, tudo
parecia estar dando errado.
Eu não conseguia me
concentrar em nada, não
conseguia me acalmar e tinha
sérios problemas com insônia.
Ela era o meu tudo e, sem ela
ao meu lado, me sentia
incompleto.
Ray estava no controle,
correndo a dias quase sem
pausas, procurando-a em vão.
Ele não conseguia ficar
parado, não podíamos. Ela já
deveria ter voltado, já deveria
ter passado pela provação.
Sua ausência me deixava
louco e temia que algo grave
tivesse lhe acontecido.
— Majestade... — Vera correu
ao meu encontro assim que
me viu me aproximar de casa.
— Eu sei! — Interrompia-a.
Eu sabia exatamente o que ia
me dizer, que preciso comer
que preciso descansar, que
precisava manter as
esperanças. Como eu poderia
pousar minha cabeça sobre
um travesseiro com
tranquilidade se minha amada
poderia estar passando por
dificuldades?
— Devo...
— Não! — Interrompia-a
novamente. — Retire-se!
Senti que estava a ponto de
perder o controle de novo.
Caminhei a passos rápidos até
a sala de monitoramento. Por
muito tempo não acompanhei
mais a situação do outro lado,
ainda mais depois de falhar
miseravelmente em abrir a
brecha no último eclipse. A
missão estava paralisada até
que eu reencontrasse a minha
pequena. Sentia que sem ela
não conseguia fazer mais
nada.
Bati a porta com força assim
que entrei. Ouvi-a ranger mais
ignorei. Precisava vê-la,
precisava encontrar forças
para continuar minhas buscas.
Peguei a caixa do tesouro
dela, suas memórias
preciosas.
"Por que você me deixou?" —
Pensei enquanto deslizava os
dedos em sua imagem. Senti a
fraqueza tomar conta de mim
enquanto lágrimas
transbordavam de meus
olhos. — "Que saudade! Por
favor, preciso de que me dê
uma pista! Só preciso saber
que está bem!"
Sentei-me na cama e comecei
a passar foto por foto, um
desejo ardente de tê-la
comigo de novo. Memórias
invadiam minha cabeça junto
com a dor da incerteza. Queria
acreditar que ainda estava
viva, eu precisava. Não
poderia continuar vivendo em
um mundo sem ela, sem a
minha companheira.
"ACORDE!" — Gritou Ray em
minha cabeça ao sentir uma
presença oculta por perto. A
energia dele invadiu meu
corpo enquanto eu assumia
uma postura ofensiva.
Ninguém tinha a permissão de
se aproximar desse lugar! Em
um rápido movimento,
coloquei-me de pé e saltei até
a porta bloqueando a única
passagem de saída.
"Guardas, temos um invasor!
Cerquem a área e tragam os
melhores para a sala de
monitoramento!" — Mandei
uma mensagem coletiva à
equipe que estava de
prontidão.
"Entendido!" — Respondeu
Billy, o chefe responsável pela
guarda do turno.
Os sentidos de Ray não se
enganam. Eu não podia sentir
o cheiro, não podia ouvir o
seu som, mas sabia que estava
aqui, em algum lugar. Poucas
são as criaturas que podem se
camuflar a esse nível, e lobos
não é uma delas. Qualquer
invasor que se atreva a
colocar-se em minha presença
desta forma não passaria
ileso.
Apurei meus sentidos ao
máximo, mas não conseguia
enxergar nenhuma
característica típica de
camuflagem como sombras ou
distorções. Minha pouca
percepção era uma interação
suave com minha própria
frequência, o que era muito
estranho.
"Se moveu!" — Disse-me Ray
tão atordoado quanto eu. Era
como se aquela presença
tivesse saltado bem na minha
frente, mas não havia
qualquer indício visual,
olfativo ou sonoro.
"Sumiu!" — Comentei
atordoado. Eu havia perdido
contato com a frequência
como se eu tivesse ficado a
sós novamente. De todas as
criaturas mágicas,
desconhecia uma que tivesse
o poder de me confundir
dessa forma. O que seria? Um
fantasma?
— Quem se atreve a invadir o
meu domínio? Apareça agora
ou encontrará a morte! —
Rosnei em tom de ameaça
mostrando que eu não estava
para brincadeiras. Ray nunca
se engana! Com os guardas de
prontidão do lado de fora,
encontraria quem quer que
fosse, mesmo que tivesse que
revirar cada milímetro desse
lugar.
Eu já estava louco o suficiente
com o desaparecimento da
minha amada. Me incomodar
é a última coisa que alguém
deveria fazer comigo nesse
momento.
Independentemente do
invasor se entregar ou não, eu
não teria misericórdia.
Comecei a rodear o cômodo,
atento para não ser pego
desprevenido. Eu realmente
não estava com paciência para
lidar com esse tipo de coisa e
Ray em especial estava louco
para descontar suas
frustrações.
"Apareceu!" — Ray gritou
impaciente, meu coração
disparando em meu peito, um
pressentimento estranho que
me fez atravessar a parede
imediatamente.
"Me diz que ela não é um
fantasma. Me diz que ela não
morreu!" — Pedi ao Ray,
vendo a imagem vívida de
minha amada, parada no meio
do lago prateado, como se
tivesse vindo do outro lado.
Ray estava tão perdido quanto
eu. Se ela tivesse passado por
nós, saberíamos
imediatamente. Então... como
ela chegou ali?
É por isso que não a
encontrávamos? Ela não
estava nesse mundo? Se ela
estava do outro lado, como
conseguia atravessar? Tantas
perguntas, tantas dúvidas,
mas apenas uma certeza,
proclamada pela sua voz doce
me chamando.
— Isso não é um sonho,
companheiro! Estou aqui. —
Assim que sua mão se moveu,
me movi o mais rápido que
pude para agarrá-la. Eu
precisava mais do que da sua
presença e do seu cheiro,
precisava senti-la junto de
mim, sentir que estava mesmo
comigo. Ainda não conseguia
acreditar que era real, que ela
estava bem, que voltara para
mim. Apertei-a com força
jurando a mim mesmo que
nunca mais a perderia de
vista.
— Onde você esteve? Por que
demorou tanto para voltar
para mim? — Sussurrei
completamente sem forças.
Ela era real, eu podia tocá-la,
podia senti-la claramente
agora. Senti que ia desabar em
lágrimas, a alegria de tê-la de
volta viva não cabia em mim.
— O que importa é que estou
aqui agora. — Disse ela com
tanta doçura que fiquei
completamente hipnotizado.
Ela se inclinou para me beijar
e assim que os nossos lábios
se tocaram, meu coração
disparou e um desejo de tê-la
invadiu cada célula do meu
corpo. Não era hora para isso,
eu precisava de respostas!
— Você está bem? —
Perguntei-lhe assim que
nossos lábios se afastaram. O
cheiro dela estava tão intenso
que me senti completamente
embriagado, com dificuldade
de me concentrar em
qualquer coisa senão no
desejo incontrolável que
surgia dentro de mim. —
Preciso saber tudo o que
aconteceu.
— Companheiro, podemos
conversar depois. Agora eu só
preciso de você! Senti tanto a
sua falta! — Ela tornou a me
beijar e não consegui me
segurar mais. Ray foi
arrematado primeiro,
implorando dentro de mim
para reivindicarmos o corpo
dela. Não lutei contra e deixei
meus instintos selvagens
assumirem enquanto avisava
aos guardas que recuassem.
— Minha pequena. — Eu
estava completamente sem ar,
completamente enfeitiçado
por ela, por essa atração, por
esse calor. — Nunca mais me
deixe!
— Eu serei sempre sua,
Lohan, somente sua! — Disse
me deixando ainda mais
excitado.
"Minha! Minha! Minha!" —
Meu lobo repetia em minha
cabeça empolgado enquanto a
tomávamos. Eu estava tão
contente por tê-la em meus
braços que ignorei
completamente a minha
fadiga.
"Ainda parece um sonho!" —
Pensei, completamente
satisfeito com a minha fêmea.
Deslizei para o lado dela e
fiquei admirando o seu rosto
sereno, seu olhar meigo, seu
sorriso encantador.
— Que falta você me fez,
minha rainha! — Falei-lhe
com todo o meu coração. Eu
finalmente a tinha de volta.
Ela enterrou a cabeça em meu
peito e envolvi-a com meus
braços. Que sensação
maravilhosa!
— Eu te amo, companheiro!
— Disse-me timidamente
derretendo o meu coração
como só ela é capaz de fazer.
— Eu também te amo,
companheira! Você me deixou
louco de preocupação. Você
está bem? — Perguntei-lhe
ansiando por preencher as
lacunas sobre o tempo em que
estivemos separados.
Ela voltou novamente seu
olhar para mim e sorriu, mas
havia algo errado. O sorriso
dela era um daqueles sorrisos
tristes que só me deixava mais
preocupado.
— Companheiro, eu segui o
meu chamado e consegui me
provar. Você não precisa mais
se preocupar comigo. — Suas
palavras me pareciam firmes,
mas não senti confiança em
seu olhar. Seus olhos
brilhavam tanto enquanto me
encaravam que achei que ela
fosse chorar.
— Então por que está me
olhando assim? Você ainda
parece preocupada.
— Eu estou, mas é com você!
Você me faz ficar preocupada,
companheiro. Sei que não tem
comido direito e sei que não
tem tido hora certa para
dormir. Você tem que se
cuidar mais! — Não pude
deixar de rir. Ela falava isso
com tanta certeza como se
tivesse ficado perto de mim o
tempo inteiro me observando.
Ela estava certa, e sua
preocupação era realmente
tocante. — Lohan, é sério!
— Se está preocupada, cuide
de mim, minha rainha! —
Beijei suavemente sua testa
enquanto ponderava se devia
ou não acreditar nela. Ainda
sentia que havia algo errado,
mas não conseguia descobrir
o que é. No fundo, eu queria
acreditar que era só isso.
— Bem, comece dormindo um
pouco então! — Disse ela
serenamente enquanto tocava
meu rosto com gentileza.
Senti Ray relaxar dentro de
mim, completamente
submisso ao desejo de nossa
fêmea. — Posso ver que está
cansado. Não se afadigue
mais, não por minha causa.
— Durma comigo,
companheira! Eu nunca mais
quero me separar de você! —
Impus como condição me
recusando a fechar os olhos.
— Estarei aqui do seu lado.
Feche os olhos, meu amor. —
O jeito que ela sussurrou isso
foi como um encanto.
Imediatamente emiti uma
ordem mental ao Robert e
Mara avisando-os que se
colocassem de prontidão de
frente para a saída e
impedissem que minha
companheira travessa
desaparecesse de novo. Agora
que eu a tinha de volta, não
podia correr mais riscos.
Em sono profundo, vozes de
alerta vinham incessantes na
minha cabeça. Eu não acordei,
não conseguia. Em fúria, Ray
explodiu trazendo minha
consciência de volta. Quando
dei por mim, ele é quem
estava no controle, correndo
desesperadamente pelos
corredores.
"Majestade, ela está rápida
demais! Não estamos
conseguimos detê-la!" —
Avisou-me Robert.
"Deixem comigo!" — Disse a
todos os meus guardas inúteis
enquanto compreendia
rapidamente a situação. Ray
estava furioso com nossa
pequena travessa. Como ela se
atreve a tentar fugir de novo?
"Vou colocá-la em seu lugar."
— Disse Ray apressando os
passos. Eu já conseguia vê-la
correndo na minha frente. Ela
não escaparia mais de mim, e
quando eu a pegasse, a
colocaria de castigo para
aprender a não ficar
brincando assim comigo. Eu
acreditei nela, deixei meu
coração completamente
aberto. Como ela podia ser tão
cruel?
Meu coração batia rápido e,
por mais que eu corresse, não
conseguia alcançá-la. Seus
passos eram tão velozes e
graciosos que mal faziam
barulho. Senti em meu
coração uma angústia me
dominar perante o
sentimento de impotência.
Nesse ritmo, eu a perderia de
novo, e eu não podia suportar
isso.
"Volte, por favor!" — Uivei
com todo o meu coração,
esperando que ela entendesse
o meu chamado, a minha dor.
Eu estava cansado de me
preocupar, cansado de sofrer
com a sua ausência. Ela era
minha, então porque insistia
em se afastar? Todos sempre
fugiam de mim, todos sempre
preferiam ficar distantes.
Achei que ela fosse diferente,
que preencheria a solidão em
meu coração, mas estava
trazendo tanta dor que eu já
não estava mais conseguindo
lidar com isso.
"Perdemos ela!" — Disse Ray
angustiado, incapaz de
compreender como poderia
existir outro lobo mais rápido
do que ele. Eu era o rei, o lobo
mais forte e poderoso de
todos, mas a nossa lobinha
branca simplesmente nos
deixou comendo poeira. Os
rastros dela desapareceram
no rio, e continuei correndo
pela margem procurando por
seu cheiro, me recusando a
desistir.
"Majestade, estamos aqui!" —
Anunciou Billy assim que
chegou no local que eu lhe
ordenara.
"Procurem-na! Ao sinal de
qualquer pista, me avisem
imediatamente!" — Ordenei
deixando que a guarda se
espalhasse. Eles rapidamente
abrangeriam toda a área. No
meio deles, um casal de lobos
se aproximou de mim e se
curvaram.
"A culpa não foi de vocês" —
Falei a eles. Através da ligação
mental, eu sentia a angustia
deles e o remorso. A filha
deles estava além da nossa
compreensão. Baixei a cabeça
e fechei os olhos, admitindo a
minha própria culpa. — "Sinto
muito, ela foi mais rápida do
que eu!"
Se eu não tivesse baixado a
guarda, se eu tivesse corrido
mais talvez pudesse ter feito
algo. Se nem eu consegui detê-
la, como poderia cobrar isso
dos meus guardas? Ao ver do
que minha pequena era capaz,
pude enfim perceber o quão
rude e exigente fui com meus
subordinados. Eu estava
errado!
"Ela nos disse que não está
curada ainda. Disse que assim
que resolver o seu problema
irá voltar!" — Disse-me
Robert. Mara me descreveu a
conversa que tiveram e isso
me fez relaxar um pouco. Ela
não estava me abandonando,
pelo contrário, tudo o que
fazia era pensando em mim.
"Ela vai ficar bem!" — Ray se
consolara dentro de mim.
Recordei em como ela
confundiu nossos sentidos ao
invadir a sala e o quão rápido
ela escapou. Com sua
capacidade atual e poderes
que fugiam da nossa
compreensão, sua segurança
não era mais a nossa
preocupação. Decidi que era
hora de confiar e esperar.
P2 - Capítulo 61
Visão de Lohan. Flashback
da operação conjunta. Nona
lua cheia de Liz.
- "Se espalhem! Vamos fechar
o cerco!" - Ordenei a todos os
lobos que vieram comigo para
a cidade neutra. Todos se
dividiram em grupos e
seguiram prontamente o meu
comando.
Willow sorriu antes de
desaparecer nas sombras e
fazer o próprio movimento.
Ela acabara de nos repassar
não só a imagem da bruxa
maléfica a ser caçada, como
um objeto que estava
impregnado com o cheiro dela
para que pudéssemos usar
para rastreá-la.
As palavras que Willow me
dissera há algumas semanas
martelavam na minha cabeça,
enquanto eu corria pelas ruas
lotadas da cidade em minha
forma de lobo, a raiva
queimando dentro de mim:
"Mesmo que não queira que
ninguém saiba, eu já sei que
sua amada companheira
desapareceu. A bruxa que
quero que cace tem a sua
companheira como alvo!" - Foi
o que Willow disse para me
persuadir após me contatar
pedindo ajuda em outra
colaboração conjunta.
Na ocasião, eu estava me
negando a participar alegando
que estava muito ocupado
com outra coisa mais
importante. Eu realmente
estava. Mesmo que eu
acreditasse no potencial da
minha companheira, eu não
conseguiria ficar
completamente calmo até
descobrir onde ela estava ou o
que estava fazendo. Os
segredos que a rodeavam
ainda tiravam o meu sono.
Desde que Eliza desapareceu,
fui extremamente cauteloso
com as buscas no intuito de
esconder o seu
desaparecimento de todos
que não estavam envolvidos.
Não queria que a notícia se
espalhasse pois temia que a
informação chegasse até as
bruxas maléficas. Se elas
descobrissem que a minha
companheira estava sozinha,
longe da segurança dos meus
domínios, começariam a caçá-
la e temia que a encontrassem
antes de mim.
Pelo visto, falhei
miseravelmente já que Willow
não só sabia sobre isso como
foi a pessoa a me informar
que minha Eliza já era um
alvo. Eu caçaria e
exterminaria a qualquer um
que ousasse a pensar em
machucar a minha
companheira.
"Detectei um rastro ao Sul!" -
Alertou-me Dimitri, um dos
lobos que estava sempre a
frente comigo nas operações
conjuntas. Ele não era tão
rápido e forte como meus
chefes da guarda, mas seu
faro, intelecto e concentração
o tornavam notáveis em
situações como essa.
Emiti novas ordens a todos
diminuindo a área de busca e
realocando as equipes de
forma mais inteligente.
Precisávamos ter estratégia
para fazer isso dar certo, já
que diferente das outras
vezes, as condições eram
desfavoráveis. A cidade
neutra é um caos, e isso se
intensificou ainda mais por
ser lua cheia. O número
elevado de seres atrapalhava
não só a locomoção como
também dificultava o
rastreamento. Eram tantos
aromas e tipos de cheiro que
qualquer mera distração
poderia causar confusão.
"Acho que estamos chamando
muita atenção! Ela já deve
saber que estamos aqui!" -
Alertou novamente Dimitri. O
cheiro da bruxa desapareceu
misteriosamente. - "Ela deve
ter percebido nossa
movimentação e que
estávamos atrás dela, e usou
uma porção para ocultar o seu
cheiro."
Truques dessa natureza
tinham uma duração curta e
as poções para isso eram
extremamente caras porque
só podiam ser feitas por
bruxas espirituais. Não
existem tantas dessa natureza
no reino das bruxas, tornando
o artigo raro e valioso. Isso
era a prova de que estávamos
chegando perto e do quanto
essa bruxa estava
desesperada em escapar de
nós.
"Agora que sabemos sua
possível localização, fechem
os entornos e fiquem de olhos
bem abertos. Farei a busca
visual dentro do círculo!" -
Ordenei aos meus lobos
adentrando a zona
demarcada. Me movi em alta
velocidade intensificando
todos os meus sentidos,
mantendo-me em alerta total.
"Ninguém escapa de nós!" -
Disse Ray raivosamente,
assim que detectou o nosso
alvo. Visualmente, só era
possível ver as costas de uma
mulher encapuzada que se
agarrava a um Orc numa
tentativa desesperada de usá-
la como disfarce. A energia da
mulher exalava o medo, típico
de uma presa que sabe que
está sendo perseguida, e a
ausência de cheiro vindo dela
confirmavam os instintos
aguçados do meu lobo.
Aproximei-me
sorrateiramente da minha
presa, enquanto sinalizava
mentalmente para que meus
demais lobos viessem
também.
Todos ao redor gritaram
quando saltei contra a bruxa,
incapacitando primeiro os
seus braços para que não
pudesse usar magias. Ela
gritava desesperadamente
enquanto todos fugiam
apressadamente por medo de
acabarem envolvidos. Tomei
forma humana, baixando o
capuz da bruxa e confirmando
novamente algo que eu já
sabia.
- O que o rei dos lobos quer
comigo? - Riu aquela bruxa
sinistramente. Agarrei seu
pescoço com força e rosnei
ameaçadoramente fazendo-a
tremer de medo.
- Por que está atrás da minha
companheira? - Questionei-a
assim que meus lobos se
posicionaram em círculo à
nossa volta, causando uma
atmosfera ainda mais temível
e intimidadora.
- Não sei do que está falando. -
Sorriu ela em desdém. Apertei
minhas garras contra a pele
de seu pescoço perfurando-a
em diversos pontos,
mostrando que eu não estava
para brincadeiras.
Imediatamente o desespero
tomou o seu semblante. - Eu
realmente não sei do que você
está falando!
Mesmo nessas circunstâncias,
a bruxa insistia nisso como se
fosse uma verdade. Minha
paciência estava se esgotando.
Se ela não me daria
informações úteis, não fazia
sentido deixá-la viva. Eu
estava furioso demais por ter
participado disso para nada.
- Espere! - Pediu Willow,
tomando forma ao meu lado. -
Deixe-me sondar a mente dela
primeiro!
- Para quê? Você nunca
encontra nada! - Reclamei
apertando ainda mais minha
mão em torno do pescoço
daquela bruxa. Ela estava
sufocando quando Willow me
deu um importante alerta.
- Ela pode não nos levar à
líder, mas se enviou bruxas
para caçar a sua companheira
é porque alguma informação
ela tem sobre ela.
- Certo! - Soltei o pescoço da
bruxa e ela começou a tossir
incontrolavelmente. Willow se
agachou perto dela colocando
uma mão sobre a cabeça dela
e traçando uma magia que
permite conexão psíquica
profunda. Fechando os olhos,
começou a explorar as
memórias da mulher.
- Não... - Sussurrou trêmula
alguns instantes depois,
desfazendo a conexão.
- O que foi? O que você viu? -
Exigi saber. Se ela me trouxe
para tudo isso, esperava que
tivesse ao menos uma
informação relevante.
- Emboscada! Eles estão
esperando-a. Eles vão matá-
la! - Disse Willow se
colocando de pé. Ela estava...
preocupada? Por que ela
parecia tão preocupada?
Willow não deveria se
importar tanto com a Eliza.
Algo no olhar dela me agitou,
e meu coração acelerou
incontrolavelmente em meu
peito, o medo me invadindo
ao pensar na possibilidade de
Eliza estar caminhando para
uma armadilha.
- Quem? Onde? - Senti que
minha voz tremulou. Por
algum motivo, eu tinha
certeza de que ela falava
sobre a minha companheira.
Willow esticou a mão em
direção a minha cabeça e
permiti que ela me tocasse.
Imagens da bruxa pega se
encontrando com um
poderoso grupo de
mercenários em um dos becos
dessa cidade invadiu minha
cabeça. Ela estava
conversando com eles sobre
uma mulher que queria que
trouxessem até ela, viva ou
morta. Tirando um desenho
da bolsa, entregou a eles.
Pude ver claramente o rosto
de minha companheira
desenhado naquele papel.
Minha Eliza, sem dúvidas, era
o alvo!
- Isso foi a pouco tempo. -
Disse Willow olhando para o
alto. - Colocarei minha equipe
atrás desses mercenários.
Eu estava tão furioso que não
estava pensando direito. Eu
queria respostas, queria que
Willow me explicasse muitas
coisas, mas ela desapareceu
antes que eu processasse os
fatos.
Transmiti as memórias ao
meu grupo e ordenei que eles
caçassem e matassem todos
os mercenários dessa
lembrança. Assim que eles se
dispersaram, voltei-me
novamente para a bruxa. Ela
estava muito pálida,
rastejando pelo chão numa
tentativa inútil de fugir de
mim.
- Ninguém vai te ajudar! - Falei
raivosamente para ela.
Diferente de nós lobos, bruxas
não tem muito senso de
unidade. Quando uma era
emboscada, dificilmente
outras arriscavam a cabeça
para ajudar. Ela estava
sozinha e eu não teria
piedade. - Se tivesse
respondido minhas perguntas,
eu poderia considerar te
poupar, mas por mentir para
mim, é o seu fim!
- Mas eu não menti! Eu juro
que não sei quem é a sua
companheira! - Disse-me ela
completamente apavorada.
- Então por que mandou um
grupo de mercenários caçá-la?
- Perguntei-lhe
impacientemente enquanto
agarrava novamente o seu
pescoço. De acordo com
Willow, não era a primeira
vez que ela mirava minha
Eliza, antes ela já havia
enviado bruxas maléficas para
isso, que acabaram sendo
apanhadas por Willow em
suas buscas pessoais.
- Sua... companheira? - Ela
começou a rir, como se tivesse
enlouquecido. Isso me
enfureceu e agarrei o seu
pescoço novamente.
Pretendia torturá-la com a
minha maldição e arrancar o
máximo de informações
possíveis. - Então aquela vadia
é a sua companheira? Ela já
era!
No momento em que essas
palavras saíram da boca da
bruxa, minha fúria foi tão
grande que perdi o controle e
acabei quebrando o frágil
pescoço dela. Não só ousou a
profanar o nome de minha
companheira como também
por ameaçá-la. Ela merecia
morrer!
"Ainda não era a hora!" -
Reclamei com Ray vendo o
cadáver da bruxa desabar na
nossa frente. Ela poderia ter
muito mais informações úteis,
mas a fúria vinda do meu lobo
naquele momento era maior
do que qualquer coisa.
- Merda! - Rugi tentando
encontrar um pouco de
coerência em meio aos
sentimentos primitivos
dentro de mim.
"Majestade, o novato começou
a agir por conta. O que
faremos?" - Reportou-me um
de meus lobos me trazendo
ainda mais problemas. Eu não
estava com paciência para
lidar com imaturidades.
"William, volte para o seu
grupo agora!" - Ordenei
enquanto tomava forma de
lobo. Ele teimosamente
insistiu em vir quando soube
que a operação tinha a ver
com a segurança da Eliza e eu
apenas aceitei trazê-lo porque
prometeu não atrapalhar e
seguir todas as ordens.
"Mas Majestade, não é mais
preferível encontrar ela aos
mercenários?" - Respondeu-
me William mentalmente
ignorando completamente a
minha ordem. - "Se eles estão
por aqui então ela também
deve estar!"
"Encontre-a então!" -
Consenti. Eu estava tão fora
de mim por conta dos últimos
acontecimentos que não
consegui enxergar o mais
óbvio. Deixei que os demais
lobos continuassem
procurando os mercenários
enquanto começava minha
própria busca pela minha
amada.
Eu não sabia o que minha
doce companheira estaria
fazendo em um lugar tão
depravado quanto este, mas
comecei a sentir que ela
realmente estava aqui e
comecei a procurá-la
loucamente em cada canto,
enquanto tentava encontrar
uma resposta para todas as
questões que perambulavam
em minha mente.
"Majestade, acho que tenho
uma pista. Estou de frente
para um lugar, e acho que ela
está aqui, só que não consigo
entrar para averiguar." -
Disse-me William menos de
meia hora depois de iniciar
sua busca particular. Nenhum
dos meus lobos encontrara
qualquer mercenário e eu
ainda corria sem rumo sem
saber ao certo onde procurá-
la.
"Estou a caminho!" - Disse-
lhe, meu coração acelerado de
ansiedade, na esperança de
que ele realmente estivesse
certo.
Alcancei-o em um instante.
William estava em sua forma
humana de frente para uma
construção de fachada
triangular, conversando
amigavelmente com uma
bruxa, perguntando a ela mais
sobre o local e de como entrar
lá dentro. Ele nem percebeu a
cilada em que estava se
metendo e de como a bruxa
estava tentando seduzi-lo.
Definitivamente não foi uma
boa ideia trazê-lo.
- Explique-se! - Interrompi-o.
Minha presença afugentou a
bruxa que correu para longe
de William e ele suspirou
profundamente olhando as
costas daquela mulher vil.
- Eu estava quase
convencendo-a a me levar
para dentro com ela. -
Resmungou incomodado.
- Claro, para ser a refeição
carnal de sua luxuria sórdida.
Não seja tão inocente! Bruxas
não valem nada!
- Mas ela era tão simpática!
Não me parecia ser uma má
pessoa. - Insistiu. Ele ainda
não sabia muito sobre esse
mundo, então eu não podia
culpá-lo por sua ignorância.
- Chega de enrolação! Me
explica logo o porquê você
acha que a Eliza está lá
dentro.
- Quando eu estava passando
por aqui, ouvi um casal saindo
desse lugar falando sobre uma
apresentação que assistiram.
Estavam dizendo que a
cantora é a mais notória e
única que já viram se
apresentar aqui até hoje.
Abordei-os e perguntei a eles
sobre a cantora e a descrição
bate com a Eliza. Além disso,
quando lhes perguntei o nome
da cantora disseram que se
chamava Liz. Acho que podem
ter confundido um pouco, já
que o pseudônimo dela é Lisa,
mas é quase a mesma coisa,
certo?
- Tem diferença. - Ponderei
olhando para a porta mágica
do estabelecimento. Embora
eu nunca tenha vindo, a
fachada bate com a descrição
do lugar mais badalado de
Celestria, o trígono lunar. -
Mas é uma boa pista! Vale a
pena averiguar.
Me aproximei do
estabelecimento e toquei na
porta. Qual era mesmo a
senha? Por mais que eu
vasculhasse a memória não
conseguia me lembrar. Recebi
um convite do proprietário
quando virei rei, mas ignorei
completamente e o joguei
fora. Nunca imaginei que um
dia iria precisar entrar aqui.
- O poder da lua nos une ao
cosmos. - Disse-me William se
colocando ao meu lado. - Me
disseram que essa é a senha,
mas não consegui entrar.
Acho que precisa de...
Antes que ele terminasse de
falar, terminei de inserir a
senha e comecei a entrar. Ele
entrou logo atrás de mim e
seguiu-me na retaguarda.
Para se adentrar o trígono era
necessário estar inscrito no
sistema ou estar com alguém
inscrito. É um lugar para a
elite e, felizmente, eu era da
elite.
- Caramba. É gigante! Parecia
tão minúsculo de fora! - Disse
William atordoado. - Parece
que estou em uma boate
mágica.
- Será que dá para calar a
boca? Não é hora para isso! -
Rosnei concentrado em
procurar por ela. Já não
bastava as batidas irritantes,
não precisava de mais uma
voz perturbando a minha
concentração. Comecei a
caminhar pelo ambiente, mas
fui parado pelo caminho.
Antes que eu atacasse aquele
homem inconveniente, ele se
apresentou, me obrigando a
me segurar.
- Oras, a que devo a honra da
ilustre presença do rei dos
lobos em meu humilde
estabelecimento? - Sentia um
rosnado subindo pela minha
garganta, um insistindo
incontrolável vindo de Ray
que se debatia dentro de mim
dizendo que minha Eliza
esteve aqui. Ele queria
desesperadamente sair para
procurá-la.
- Viemos aqui para ver a
famosa cantora Lisa. Ela ainda
está por aqui? - Perguntou
William ao meu lado me
trazendo de volta para a
razão. Se Eliza realmente
estava se apresentando aqui,
ninguém melhor do que o
proprietário para nos
informar sobre isso.
- Vocês devem estar se
referindo à bela Liz. Realmente
temos uma cantora que se
apresentou aqui hoje com esse
nome, mas sua apresentação
terminou a quase uma hora. -
Ele parecia estar ponderando
algo consigo mesmo. Seu
olhar estava baixo, mas o
sorriso presunçoso em seu
rosto me enojava.
- E onde ela está agora? -
Perguntei com impaciência. -
Queremos encontrá-la!
- Entrem para a fila, até
porque vocês não são os
únicos. Muitos homens
importantes estão atrás dela.
Com a aparência que ela tem e
o seu talento, não é de se
admirar que tantos homens
desejem ter a sua vez com ela. -
Rosnei furioso para ele. Não
gostava do tom de voz que ele
estava usando. Era deveras
desrespeitoso!
- Vou repetir uma última vez.
Onde ela está? É melhor que
me dê uma resposta aceitável
ou juro que vou rasgar sua
garganta. - Ameacei aquele
homem.
- Já ouvi muitos boatos sobre
você, mas parece que você é
muito pior do que dizem. -
Disse ele dando um passo
para trás e mudando a
postura. Ele parecia sério
enquanto fazia uma
sinalização. Vários seguranças
começaram a correr até nós,
mas não me deixei intimidar. -
Não entendo o motivo pelo
qual o rei dos lobos estaria tão
interessado justamente em
uma bruxa.
- Uma bruxa? - Perguntou
William atordoado. Engoli em
seco pensando sobre isso
enquanto recriava caminhos e
hipóteses a respeito de minha
amada. Ela realmente podia
ser....
- Sim, uma bruxa! - Confirmou
aquele homem em resposta ao
questionamento de William. -
Como insistem tanto em saber,
Liz decidiu passar essa noite
com um dos meus mais ilustres
clientes em uma de nossas
salas privadas. Se quiserem
tentar a sorte numa próxima,
fiquem à vontade, mas se o rei
dos lobos insistir em causar
tumulto, o banirei para sempre
desse estabelecimento.
A postura, suas palavras, sua
energia. Eu sabia que ele
falava a verdade e é isso que
tornava tudo tão difícil...
- Afinal de contas ela não é
quem procurávamos. Sinto
muito pela pista falsa! - Disse-
me William, constrangido,
aguardando as próximas
ordens.
Senti meu coração se
despedaçar dentro de mim
enquanto Ray uivava
dolorosamente insistindo que
deveríamos arrombar cada
uma das portas desse
estabelecimento e pegar a
nossa garota de volta. Ele
tinha tanta certeza que era
ela, mas minha parte humana
se recusava
desesperadamente a acreditar
nisso.
- Majestade, acho que é
melhor irmos. - Disse-me
William assim que os
seguranças nos cercaram. O
dor em meu peito não
cessava, minha respiração
estava ofegante enquanto eu
lutava contra o meu lobo
caminhando em direção a
saída.
"Eliza jamais me trairia! Ela
prometeu que sempre seria
somente minha, então não
tem como essa Liz ser ela!" -
Reclamei com o meu lobo
tentando trazê-lo de volta
para o meu lado.
Precisava me distrair com
outras coisas agora e esquecer
a hipótese de que Eliza
pudesse realmente ser essa
tal de Liz. Se ela fosse mesmo
uma bruxa, em dado
momento teria que se
entregar a alguém por conta
da sedução e mesmo isso
sendo compreensível dado a
sua natureza, eu não sei se
conseguiria aceitar isso.
Como aceitar que minha
fêmea se permitiria a um
papel desses? Como aceitar
que minha Eliza estava com
outro homem em vez de estar
comigo? Eliza era pura e
honesta, e eu não queria que
nada manchasse a imagem
perfeita que eu tinha dela.
"Senhor, até agora só
encontramos um mercenário.
Ele morreu se recusando a
nos dizer aonde estão os
outros." - Disse-me Dimitri me
trazendo de volta para a
realidade.
Certo! Independentemente de
tudo, eu protegeria e amaria
minha Eliza até o fim. Ela
ainda estava correndo perigo,
e eu não descansaria
enquanto não tirasse de seu
caminho todos os que
ousassem a querer o seu mal.
Era a única coisa que eu podia
fazer por minha amada nesse
momento, enquanto
aguardava ansioso que ela
cumprisse sua palavra e
voltasse para mim.
P2 - Capítulo 62
Visão de Lohan. Jantar de
recepção.
Afinal, descobri que a bruxa
Liz é realmente a minha Eliza
e não quis magoá-la
perguntando-lhe diretamente
sobre o que aconteceu aquela
noite no Trígono. No
momento certo, ela se abriria
e me contaria sobre isso e
sobre tudo mais que lhe
aconteceu. O importante no
momento é que eu finalmente
a reencontrara, mas ela
precisava de mim mais do que
nunca e não há nada que eu
não faria por ela.
Em minhas mãos, a poção de
esquecimento. Minha pequena
me olhava com tanta
expectativa que eu não queria
desapontá-la mostrando
qualquer sinal de insegurança
então a tomei prontamente.
Mesmo sendo ela, eu me
conhecia o suficiente para
saber o quão improvável seria
eu me deitar com uma bruxa.
Apesar disso, eu não tinha
escolha a não ser seguir o
plano. É a única alternativa
que tínhamos.
Coloquei-me em posição
enquanto esperava a poção
amaldiçoada fazer efeito. Meu
lobo estava certo de que a
escolheria de novo e eu
precisava confiar nisso. Não
poderíamos permitir que ela
caísse nas mãos de outro,
ainda mais depois de tudo o
que ela deve ter sofrido para
se manter fiel a mim!
Comecei a me sentir tonto,
minha cabeça começou a
rodar enquanto eu pensava
nela. Ela? Em quem eu estava
pensando mesmo? Coloquei-
me de pé, meu coração
agitado. Sentia como se algo
tivesse sido tirado de mim,
mas não sabia o quê.
— Merda! Bruxa maldita, o
que você fez comigo? —
Rosnei furioso para a mulher
que não parava de falar,
sentada a quase cinco metros
de distância de onde eu
estava.
— Rei Lohan, não precisa se
ofender se não está satisfeito
com os meus termos. Basta
recusar e pronto! Não estou te
obrigando a nada! — Disse ela
calmamente. A tontura se
dispersou rapidamente.
Willow não tinha se movido
do lugar e eu não me
recordava de ter ingerido
nada estranho. Acho que foi o
cansaço pela viagem longa...
— Os termos... — Respirei
profundamente e tornei a me
sentar, analisando a situação,
tentando encontrar o que me
irritava.
"Perdi o contato com o
bando!" — Disse Ray
identificando qual o
problema. Um instante atrás
mandei mensagem para o
meu avô, mas a resposta não
veio. Prometi a Willow uma
remessa de pedras valiosas
em troca da informação, mas
ela insistia que só queria que
eu ficasse para a sua festa.
Quando ela me chamou a vir
pessoalmente na semana
anterior, garantiu-me que a
informação não me
decepcionaria, que é o tipo de
mensagem que eu daria
qualquer coisa para obter.
— Nem estou pedindo muito.
A festa que estou organizando
é grande, com vários nomes
importantes, representações
de quase todos os reinos. Não
despreze a aliança que temos
e represente Éldrim nesse
evento. É um pedido
extremamente simples em
troca de informações tão
valiosas.
Eu desprezava a ideia de
participar de uma festa, cheia
de bruxas nefastas tentando
de todos os truques sujos para
enganar e seduzir machos.
Reis eram o aperitivo favorito
delas e não sei o que seria
capaz de fazer se alguma
ousasse a tocar em mim. Não
queria guerra com Willow,
mas juro que revidaria pesado
se alguém tentasse algo,
independentemente de esse
ser o território dela.
— Informações? Não era
apenas uma só? Como posso
garantir que elas realmente
valem a pena? — O apelo de
Willow sobre representar
Éldrim acabou mexendo um
pouco comigo. Considerando
a aliança que tínhamos para
concretização do projeto de
Lucon, seria realmente
desrespeitoso recusar o
convite.
— De fato, a informação
primordial é uma só, a outra é
um estudo com aplicação
prática. — Disse-me Willow
suavemente. — Como sinal de
boa vontade, lhe darei o
parecer sobre o estudo.
Aparentemente, nos dias de
eclipse ocorre uma
interferência no outro mundo.
Andei estudando essa
interferência por muitos anos
e tenho quase certeza de que,
em pouco tempo, será
possível fazer um caminho
reverso através do sistema de
portais.
— Atravessar para o outro
lado? — Perguntei em êxtase.
Há séculos tenho feito
monitoramento esperando
por uma chance. Se o que
Willow disse está certo, o
plano de Lucon finalmente
daria um passo adiante depois
de ter ficado tanto tempo
estagnado.
— Sim, é fato! Te interessou?
— Ela se levantou e de relance
eu podia ver o sorriso
confiante em seu rosto. — Se
meu estudo te interessou,
posso lhe afirmar que a
informação que tenho é ainda
mais valiosa para você.
— Mais valioso do que isso?
— Perguntei intrigado. O que
podia ser mais valioso do que
uma chance real de acabar
com o Devorador? As palavras
de Willow me deram algo que
há muito tempo eu havia
perdido, esperança!
— Sim, caro Lohan! Você é o
rei destinado a destruir o
Devorador. Todas as
descobertas estão se
alinhando para isso. Se
cumprir com os meus termos,
prometo que farei isso
acontecer.
Informações ditas por bruxas
sempre me deixavam
desconfiado, mas Willow era
diferente. Ela quase nunca
fazia promessas, mas se o
fazia, é porque cumpriria.
Willow é a bruxa mais ética
que eu conhecia, não que eu
conhecesse muitas...
— E quais são os termos? —
Eu jamais fecharia um acordo
sem ouvir tudo até o final. Há
sempre a chance de haver
uma armadilha no meio.
— Já que chegou mais cedo,
participe da recepção que
darei hoje à noite. Há mais
convidados que se
anteciparam e sua
participação dará mais
credibilidade à minha festa.
Além disso, quero sua
participação na festa do
começo ao fim. Isso reforçará
a ideia pública de que estamos
em bons termos. A última
condição é que não saia dos
muros que cercam minha
propriedade até o momento
de ir embora. A cidade estará
agitada esses dias e não quero
seus olhos amaldiçoados
pegando ninguém
desprevenido em meu
território.
— Só isso? — Perguntei
desconfiado após ela se calar.
Estava óbvio que ela não
queria que eu contatasse meu
bando, só não conseguia
entender o que ela ganha com
isso. Considerando o que ela
já me dera, ponderei
brevemente os prós e os
contras e achei que os termos
eram suaves. — Farei isto!
Willow começou a explanar
alguns detalhes sobre a
suposta brecha, prendendo
minha atenção por um tempo.
Havia uma lógica por trás que
me permitiu acreditar que era
real. Depois disto, se levantou
e me pediu para segui-la.
Pensei que fosse me levar aos
meus aposentos, mas, ao invés
disso, foi receber um de seus
convidados que acabara de
chegar. Baixei meu olhar
assim que vi quem estava
adentrando na casa de
Willow. Não era alguém que
eu podia me dar ao luxo de
ofender com a minha
maldição.
— Galadriel, é uma honra
recebê-lo em minha residência.
— O tom de Willow era muito
mais terno e amistoso do que
o tom de voz que usara
comigo. Algumas bruxas
estavam de prontidão por
perto, todas elas diferentes
das bruxas que me guiaram
até o escritório de Willow.
— Agradeço imensamente o
convite. — Dois servos do rei
dos elfos se colocaram à
frente e, ajoelhando-se
respeitosamente, ofereceram
alguns presentes à Willow. —
Um pequeno agrado para uma
grande rainha. Espero que seja
do teu agrado!
— Vindo de você, não há como
eu não gostar. — Disse Willow
calorosamente. As bruxas que
a acompanhavam pegaram os
presentes e se retiraram.
— Olha, se não é Lohan Black,
o rei dos lobos. Que surpresa!
— Falou ele assim que me viu.
Galadriel tinha quase o dobro
da minha idade, porém,
menos tempo de reinado do
que eu. Famoso por seu
coração nobre, tinha um
hábito considerado
repugnante para nós lobos, a
poligamia.
— Digo o mesmo, Galadriel, rei
dos elfos! — Forcei um
sorriso. Mais detestável do
que ficar olhando para baixo
era ter que fingir aparências.
Eu preferia me calar e não me
relacionar do que fingir
amistosidade, e esse era um
dos motivos para ser
considerado o lobo mais
solitário de Éldrim.
Galadriel é um olheiro de
mulheres, um colecionador de
esposas. Até onde eu sabia, ele
já tinha se casado com uma
mulher de cada uma das raças
mágicas existentes em
Celestria, com uma única
exceção. Bruxas! É uma
coleção impossível de se
completar, uma vez que
bruxas não se comprometem
e, além disso, as regras que
ele tinha para si eram muito
rígidas, que iam desde beleza
e talento, como força,
inocência e pureza. De
inocentes e puras as bruxas
não tem nada!
— Estou especialmente
ansioso pelo jantar de
recepção. — Disse Galadriel se
voltando novamente para
Willow e me deixando de lado
numa atitude sensata. —
Reforço o meu pedido para que
designe Liz para mim.
— Caro Galadriel, minha filha
mais nova é independente
demais para acatar ordens
minhas, mas como já
discutimos, pavimentei o
caminho e lhe preparei esta
vantagem. Coloquei-a na
apresentação de recepção hoje,
mas isso é o máximo que
consigo fazer por você. Boa
sorte!
— É o suficiente! —
Respondeu Galadriel com
cerca confiança.
"Realmente uma surpresa!
Parece que o famoso olheiro
de Celestria encontrou a
última peça para a sua
coleção." — Comentei curioso
para Ray. Realmente havia
uma bruxa que preenchesse
os requisitos dele?
"Parece que temos um show
interessante para assistir." —
Disse-me Ray que, até a
pouco, estava encolhido de
tédio.
— Me acompanhem! — Disse
Willow tomando a frente.
Surpreendi-me por não haver
outras bruxas nos rondando.
Estava calmo demais!
"Ouça isso!" — Disse Ray
chamando minha atenção a
um som doce e melodioso
ecoando no ar. Era realmente
belo de se ouvir! Enquanto eu
atravessava a ponte do lago
do jardim nos fundos, o som
ficava cada vez mais alto.
"Quero ela!" — Disse Ray
assim que viu a figura frágil e
delicada da garota que estava
tocando e cantando de pé, em
um canto isolado do salão.
Seus longos cabelos negros
desciam próximos à cintura
ondulando nas pontas,
contrastando com sua pele
clara, e seus olhos
esverdeados eram meigos e
puros.
Eu podia vê-la
completamente, seu olhar
estava fixo no alto como se
estivesse perdida em sua
própria melodia. Seu vestido
vermelho era comprido e
discreto, bem diferente do
tipo de vestimenta ousado
que as outras oito bruxas no
ambiente estavam usando.
"Está louco? Ela é uma bruxa!"
— Repreendi meu lobo. Ele
jamais tinha me dito algo
assim antes. Por algum
motivo inexplicável, ele estava
vislumbrado e isso me deixou
muito inquieto. Desviei o
olhar e percebi que os olhos
de Galadriel também estavam
presos na garota, ignorando
completamente as outras
bruxas que começavam a se
aglomerar em volta dele
entusiasmadas. — "Além
disso já tem alguém de olho
nela."
— Todos vocês, sintam-se à
vontade! Minhas filhas
cuidarão de recebê-los
adequadamente! — Willow
englobou não só a mim e
Galadriel, como os servos
dele, que pareciam bem
empolgados com as mulheres
que os rodeavam. Funguei e
me afastei até a mesa mais
isolada do salão.
Como se a música fosse um
chamariz poderoso, volta e
meia fiquei espiando a garota
pelo canto dos olhos. Liz,
como Willow disse que se
chamava, tinha um jeito
distraído e livre. Ela parecia
ignorar completamente as
presenças que adentraram o
salão, como se não se
importasse com nada além de
sua própria música.
"Acho que não teremos
problemas com as bruxas!" —
Comentei com Ray. Nenhuma
delas se aproximou de mim,
ao contrário. Pareciam fingir
que eu não estava e elas até
ficaram propositalmente de
costas me deixando à vontade
para olhar para onde eu
quisesse.
No começo sorri com
satisfação, mas quando
Willow voltou com mais dois
convidados importantes, o
sentimento dentro de mim
mudou. Dentre os que Willow
trouxera estava o terceiro
príncipe do território dos
vampiros e o herdeiro real do
reino das fadas. Soube disso
pela forma como Willow os
apresentou às suas filhas.
Ambos tinham apenas um
servo consigo. Além de
chegarem juntos,
conversavam entre si como se
fossem bons amigos.
"Até aqui nos evitam!" — O
tom de Ray era claramente
uma reclamação. Todas as
bruxas se aglomeravam em
volta dos demais convidados,
tratando-os com bebidas e
aperitivos refinados,
esbanjando sorrisos, simpatia
e atenção. Até mesmo meros
servos estavam bem servidos
e recebendo massagens, mas a
mim ninguém sequer
perguntou se eu queria comer
ou beber algo.
Instantes depois, Willow
retornou com outro
convidado importante, Oldor,
o rei dos dragões. Dragões são
metamorfos, assim como os
lobos. Ele estava em sua
forma humanoide e o rosto
feroz me dizia que havia
acordado de sua hibernação a
pouco tempo.
O território dos dragões é o
menor entre todos em
Celestria, tendo em vista a
pouca capacidade
proliferativa e a ampla
participação que tinham em
guerras e conflitos
desnecessários. Tratam-se de
criaturas temíveis e bem
dominadoras. Tanto a
transformação quanto as
poderosas magias de sua
forma mágica demandam
muito poder, e por conta disso
passam por longos períodos
de sono para recarregar e
acumular energia mágica.
Willow o apresentou às suas
filhas e depois sentou-se
confortavelmente perto de
onde os seus convidados
estavam aglomerados. Após
Oldor ser apresentado, foi o
único que se aproximou de
mim para me cumprimentar.
Levantei-me assim que ele
ficou de frente para a mesa
em que eu estava.
— Lohan! — Preferiu ele no
mesmo tom rude de sempre.
O conheci quando eu era
apenas criança e tornei a
tratar com ele pouco depois
que assumi o reinado.
— Oldor, como está? —
Perguntei no mesmo tom
sério.
— Veio pelas beldades? Jamais
imaginaria que o rei dos lobos
estivesse interessado na
vantagem. — Disse ele
puxando a cadeira e se
sentando sem ser convidado.
— De que vantagens estamos
falando exatamente? —
Questionei-o, certo de que
acabei me metendo em uma
enrascada sem querer.
— As novinhas. — Ele apontou
para algumas das bruxas que
estavam no ambiente. —
Todas fresquinhas, as
escolhidas por Willow nos
últimos nove anos. Quem viesse
na recepção hoje tomaria a
dianteira com elas.
— É mesmo? Não estou
sabendo! — Comentei um
pouco irritado por
concidentemente ter me
antecipado no pior momento.
Oldor é conhecido por ser
mulherengo e cruel. Se Willow
realmente ofereceu essa
vantagem, não me admira que
ele esteja aqui. Só mesmo uma
notava ingênua para cair nas
garras dele.
Ele começou a puxar assunto
enquanto olhava lascivamente
para as garotas. Se eu não
fosse ofendê-lo, já teria me
levantado e me retirado, mas
Oldor era esquentado demais
e sem dúvidas cortaria
relações com Éldrim se eu o
fizesse. Enquanto os minutos
passavam, ele foi ficando
impaciente.
— Por que nenhuma delas está
vindo nos servir? — Reclamou
insatisfeito.
— É porque você está comigo.
Elas estão me evitando. —
Falei sucintamente.
— Você é mesmo o rei
amaldiçoado. Azar o seu! —
Disse ele se levantando e se
sentando em uma mesa mais
perto dos demais. Só dele se
afastar, duas bruxas que
estavam implorando por
atenção não recebida
correram imediatamente até
ele, comprovando mais uma
vez que eu era o problema.
— Liz, toque aquela música
sobre recomeço! — Pediu
Galadriel em alto tom, assim
que a garota parou de
dedilhar seu instrumento de
cordas em uma pequena
pausa. Galadriel não tirava os
olhos de Liz, enquanto
ignorava completamente as
três bruxas ao seu redor,
deixando que seus servos as
distraíssem.
— Tudo bem! — Respondeu
Liz amigavelmente com um
sorriso singelo no rosto. Era
encantador, mas pelo visto eu
não era o único pensando
assim. Diferente de como
vinha fazendo, Liz soltou a voz
com empolgação e começou a
balançar o corpo
graciosamente numa dança
única ao mesmo tempo que
tocava. Como se presos pela
voz marcante da garota e por
seus movimentos, todos os
convidados a olhavam
hipnotizados. Liz era o centro
das atenções, e por algum
motivo que eu não sabia
explicar, isso me incomodou
profundamente.
Assim que ela terminou, o
príncipe das fadas pediu outra
canção específica e Liz
prontamente atendeu o
pedido. Isso se repetiu mais
vezes, indícios de que Liz é
relativamente famosa. Desviei
o olhar irritado. Ela já tinha
fãs demais e não precisava de
mais alguém admirando sua
performance.
— Não, não pare! — Pediu o
príncipe das fadas, Helgon.
— Toque outra! — Exigiu
Oldor, quase como uma
ordem.
Tornei a olhar para ela.
Mantendo o sorriso gentil, se
curvou ligeiramente para o
público antes de encostar seu
instrumento contra a parede.
— Estou com fome! Darei uma
pausa e retorno em breve! —
Disse ela de um jeito
extrovertido. Ela ignorou
completamente as
reclamações e saiu do salão
como se não se importasse
com as opiniões
contraditórias.
— Liz, a bruxa misteriosa foge
novamente. Quem aposta que
ela não volta? — Disse Helgon.
Curiosamente Galadriel
assentiu a cabeça em
concordância. Ray começou a
rir por dentro com o rumo da
conversa. Aparentemente Liz
se apresentou algumas vezes
no principal palco de
Celestria, mas sempre
desaparecia após os shows.
Todas as outras bruxas
pareciam irritadas, mas
ninguém abria a boca para
fofocar de Liz porque Willow
estava por perto. Se não fosse
por isso, tenho certeza que
estariam inventando todos os
tipos de coisas para deturpar
a imagem da concorrência.
— Ela vai voltar! — Disse
Willow com confiança
quebrando o silêncio. Até
então era só uma observadora
atenciosa.
Bem como previsto, Liz voltou
com um prato de comida em
uma mão e um taça cheia de
bebida na outra mão.
Passando reto por todos, veio
em minha direção com a
cabeça baixa, uma atitude que
me pegou completamente
desprevenido.
"Ela cheira tão bem!" —
Comentou Ray vendo-a puxar
a cadeira e se sentar de frente
para mim. De perto, sua
fragrância era muito mais
marcante.
— Majestade, sinto que minhas
irmãs estão sendo rudes por
não o servir. Peço que perdoe a
indelicadeza delas. — Disse-
me docemente esticando os
alimentos na minha direção.
Olhei atentamente seu rosto.
Seu olhar estava baixo, mas
sentia que seu sorriso era
genuíno. Apesar disso, não
conseguia não ficar
desconfiado.
— Não quero! — Respondi
seriamente a ela. — Saia!
— Não está envenenado, se é
isso que está pensando. —
Disse ela desfazendo o
sorriso. Parecia um pouco
ofendida. — Só achei que se
veio de tão longe, deve estar
cansado e com fome. Se algo
não lhe agradar, me avise que
busco outra coisa.
A garota parecia muito
relaxada diante de mim,
puxando um petisco do meu
prato e mastigando-o na
minha frente como se
quisesse provar que não tinha
nada de errado.
"Ela perdeu a noção do
perigo!" — Falei ao Ray,
irritado. Eu sentia que o olhar
dos outros estava sobre nós e
me sentia desconfortável com
isso.
— Saia! — Ordenei mais uma
vez em um tom ameaçador.
Ela continuou mastigando o
alimento fingindo que não
tinha me ouvido, como se
simplesmente não se
importasse. Assim que
engoliu o que estava na boca,
puxou o prato como se fosse
retirá-lo. Involuntariamente
estiquei a mão impedindo-a.
Quando nossas mãos se
tocaram, senti um frio na
barriga e meu coração
começou a bater muito forte.
— Majestade, pensei que não
quisesse! — Disse-me ela
inocentemente puxando a
mão.
— Não quero a sua presença!
— Rosnei, puxando o prato de
volta para perto de mim. A
agitação no meu estômago só
podia ser fome.
— Bom apetite! — Disse ela
despretensiosamente se
afastando e pegando
novamente seu instrumento.
Como se minhas palavras não
a tivessem abalado, voltou a
se apresentar normalmente
com a mesma atitude
inabalável de antes. Tão
delicada e forte ao mesmo
tempo, Liz não parecia ser
uma bruxa normal.
P2 - Capítulo 63
Visão de Eliza
Minhas irmãs disseram que
iam ignorar o rei Lohan, mas
não achei que levariam isso ao
extremo. Sequer estavam
dando-lhe o que comer ou
beber e, como Willow não as
repreendeu por isso, achei
que devia tomar uma atitude.
A seriedade na voz de Lohan
era algo ao qual eu já estava
acostumada. Alguém cujas
interações sociais eram
prejudicadas por conta da
maldição, reagia com muito
mais intensidade a qualquer
aproximação e contato físico
com estranhos.
Eu não esperava que fosse
fácil, pelo contrário. Acho que
eu me decepcionaria um
pouco com ele se o
conquistasse rápido demais.
Eu era uma completa estranha
para ele agora e ainda por
cima uma bruxa. Se ele fosse
fácil para mim poderia ser
para qualquer uma das
minhas irmãs.
Continuei me apresentando,
focando na minha música
para esconder o meu coração
agitado. Eu não queria que
Lohan visse de cara que eu
gosto dele, ou com certeza me
evitaria. Precisava fazer isso
gradativamente, com o
máximo de naturalidade
possível.
- Ei, novinha, não precisa ficar
tão longe de nós. Não vamos te
morder! - Exclamou
sorridente um dos convidados
glutões de Willow, tentando
chamar minha atenção.
"Eu não teria tanta certeza
disso!" - Pensei enquanto
estudava o espírito deste
homem. Ele é grande, em
todos os sentidos. Seu olhar
era mais rude do que o seu
tom de voz, e sua energia era
como a de uma besta, pronta
para devorar sua presa.
- Atenha-se apenas a observar
de longe! Já estou fazendo
demais ao me apresentar de
graça hoje para vocês. - Sorri
com um pouco de deboche
enquanto me afastava um
pouco mais.
- Como ousa? - Rosnou ele
furioso.
- Aqui não existem empregadas
e, assim sendo, sirvo a quem eu
quiser e se eu quiser. - Mantive
minha voz firme e comecei a
dedilhar a próxima canção.
Ouvi aquele homem retrucar
alguma coisa sobre eu
merecer uma punição, mas
ignorei completamente
enquanto começava uma nova
canção.
"Acho que está bom!" - Pensei
olhando de relance pela
janela. Já era perto da meia-
noite e minha voz já estava
começando a ficar rouca.
Enquanto guardava a Preciosa
na capa, dei uma espiada
rápida nas energias no
ambiente. A de Lohan
continuava no mesmo lugar e
sentia que estava com tanta
vontade de fugir daqui quanto
eu.
- Linda apresentação. Acho que
nunca vou me cansar da sua
voz. - Falou-me uma presença
gentil que se aproximara
sozinho de mim. Virei-me
para Galadriel, que estava
parado de pé por trás.
- Não costumo dar autógrafos,
- não nesse mundo - mas posso
abrir uma exceção para um fã
tão dedicado.
- Já vai correr de novo? -
Perguntou no mesmo tom
divertido que eu usara com
ele.
- Não tenho muito para onde
correr. Moro ali do lado. -
Apontei em direção ao palácio
de Willow. Não queria ficar
dando muita atenção para
Galadriel, mas não poderia ser
rude considerando o quanto
eu devia a ele. - Além disso,
estou aguardando as próximas
instruções de Willow. Se eu não
fizer certinho, minhas irmãs
vão ficar me perturbando por
um bom tempo.
- Entendo. - Galadriel sorriu.
Senti que parecia satisfeito.
Olhei suplicante para Willow
que permanecia sentada
imóvel apenas nos
observando. Como se tivesse
compreendido o meu pedido
de socorro, ela se levantou e
chamou a atenção de todos os
convidados, batendo
suavemente uma colher na
taça.
- Queridos visitantes, é com
grande alegria que eu e
minhas filhas recebemo-los.
Filhas, aproximem-se de mim.
- Com licença! - Falei a
Galadriel, contornando-o.
Minhas irmãs se enfileiraram
e fiquei na ponta extrema
esquerda por ser a mais nova.
- Minhas filhas, como vocês
nunca participaram de
nenhuma grande festa, coloco-
vos a serviço dos nossos
convidados. Não farei
designações específicas para
não ser injusta, então
escolham a quem servir tendo
em mente que os
acompanharão até o final de
sua estadia aqui.
Fiquei olhando minhas irmãs
correndo alegres em direção
aos convidados que mais lhe
deram atenção, como se
tivessem chegado a um
consenso entre si a respeito
de quem serviriam. Embora
Galadriel não tivesse sido
muito receptivo, três delas
correram até ele, duas foram
as que se colocaram ao lado
de cada um dos príncipes e
uma agarrou o braço do
homem rude com espírito
feroz.
Lohan ficou abandonado no
canto dele, sozinho, cheio de
sentimentos contraditórios
por dentro. Ele claramente
não queria ser tratado por
uma bruxa, mas estava se
sentindo completamente
sozinho e rejeitado, e esses
sentimentos o abalaram.
- Filha, - Willow se virou para
mim. O olhar de todos os
convidados estava sobre mim
e, tirando o meu Lohan, cada
um deles alimentava
expectativas a meu respeito -
falta só você.
- Preciso mesmo servir a
alguém? Não pode me
incumbir de outra tarefa? -
Não queria correr logo até o
Lohan para não ficar muito na
cara. Willow percebeu o meu
jogo e sorriu com gentileza
enquanto colocava uma mão
em minhas costas.
- Filha, todas as suas irmãs já
estão incumbidas das demais
atividades. Não veja isso como
um trabalho, mas como uma
oportunidade para ganhar
experiência. Você ainda é
muito nova para entender isso,
então apenas ouça o conselho
de sua mãe e faça como pedi. -
Willow parecia estar falando
só comigo, mas alto o
suficiente para os potentes
ouvidos de Lohan ouvirem.
- E se ainda assim eu não
quiser? - Cruzei os braços
mantendo uma postura mais
rígida.
- Então farei uma designação
obrigatória. - Respondeu
Willow firmemente em um
tom mais alto para que todos
a ouvissem. - Melhor escolher
alguém se não quiser que eu
escolha por você!
"Acho que já atuei o
suficiente." - Pensei, mas sem
me apressar.
Olhei um a um todos os
convidados presentes,
evitando Lohan. Pela sua
energia, eu diria que estava
olhando para mim com
frustração por achar que eu
também o estava rejeitando.
Foi só após isso que sorri
graciosamente e virei as
costas para os convidados em
direção à mesa em que Lohan
estava. Senti a postura dele se
enrijecer enquanto mantinha
os olhos fixos em mim.
Mantive meu olhar baixo e
curvei-me respeitosamente
diante dele.
- Majestade, permita-me servi-
lo.
- Não! Saia! - Pronunciou
secamente. Sorri ao sentir
que, no fundo, ele se sentia
orgulhoso por ter sido
escolhido por mim. Foi
quando compreendi o motivo
pela qual ele não queria a
designação. Assim como eu
me sentia especial por ele ir
na cachoeira só para me
encontrar, ele se sentia
especial por ter alguém
fazendo o mesmo por ele.
Escolhas pessoais tem muito
mais significado!
- Majestade, acho que podemos
nos ajudar. - Sussurrei de uma
forma serena para que só ele
ouvisse, colocando termos
para ele não pensar que eu
queria seduzi-lo, memo sendo
esse o meu propósito. - Se
você não me aceitar, Willow
designará outra bruxa a servir
você e me colocará a serviço de
algum daqueles pervertidos. Só
quero um pouco de paz e acho
que você também.
Ele grunhiu de leve e cruzou
os braços. Como não
respondeu verbalmente,
interpretei isso como um sim.
Senti que o olhar de todos
estava sobre nós enquanto
cochichavam entre si, alguns
desapontados, mas minhas
irmãs em especial pensavam
que eu era doida.
- Assim, sem querer te
pressionar, mas estou com um
pouco de sono. Posso te
mostrar logo seus aposentos
para eu poder me retirar?
- Eu dito os termos. -
Determinou colocando-se pé. -
Me mostre o caminho!
- Sim, Majestade! - Assenti
sorridente e dei meia volta.
Ele me seguiu mantendo uma
distância considerável entre
nós, e aceitei isso para que ele
permanecesse confortável.
Ignorando os murmúrios,
retirei-me sentindo-me
imensamente feliz por estar
tão perto do homem que amo.
Contornei o lago em direção
aos chalés, indo diretamente
ao que arrumei
exclusivamente para ele. -
Todas essas moradias são
exclusivas a convidados da
realeza. Você vai ficar nesse
aqui.
- Por que esse em específico?
Quem o escolheu? - Eu estava
de frente para a porta e ele
havia parado a alguns metros
de distância, desconfiado.
- Acabei de escolher! -
Respondi virando-me para
ele, tomando cuidado de não
olhar em seus olhos. - Ele é o
mais retirado, na frente tem
uma vista linda do jardim e do
lago e por trás tem uma
pequena área florestal se
quiser esticar as pernas do seu
lobo. Do jeito que se isolou na
janta, achei que esse seria mais
o seu perfil. Estou errada? Se
achar ruim, posso te colocar
naquele geminado ou no de
que está de frente para a praça
na vila.
- Esse está ótimo! - Disse ele
retrocedendo de imediato.
Meu Lohan era tão previsível...
- Esse é um dos chalés que
arrumei, então posso te
garantir que está bem
limpinho. Se tiver algo
faltando, é só me dizer que vou
conseguir para você. - Falei-
lhe enquanto inscrevia o
nome de Lohan na porta, para
que só ele pudesse entrar.
- Chame Willow! - Ordenou
seriamente assim que eu
terminei. Fiquei
completamente atordoada
quando percebi o quanto ele
estava insatisfeito. O que fiz
de errado agora?
- Só se me explicar o motivo! -
Cruzei os braços e pisei o pé
irritada.
- Pelo que sei esse é o seu
primeiro ano. Como uma
novata como você pode ser a
responsável por selar minha
porta? Isso é inconcebível!
Qualquer um vai conseguir
entrar em meus aposentos!
- Oh, isso? Acho que ninguém
está interessado em invadir
seus aposentos, Majestade. -
Minha afirmação o pegou de
jeito. Senti seu espírito se
irritar com minha petulância,
mas ao mesmo tempo estava
ferido por conta da verdade
por trás das minhas palavras.
- Com exceção a mim, claro, já
que vou ter que servi-lo.
- Chame Willow! - Ordenou
rispidamente sem dar o braço
a torcer.
- Se é sobre o selo, não se
preocupe! - Dei um sorriso
orgulhoso puxando a manga
do meu vestido para cima e
lhe mostrando a minha marca
espiritual. - A fiz com meu
poder espiritual, e além da
sacerdotisa real, só há uma
irmã além de mim no palácio
com poder espiritual, mas ela é
mais fraca que eu. Assim sendo,
posso te garantir que ninguém
conseguirá quebrar o meu selo,
e nem mesmo Willow
conseguirá entrar em seus
aposentos se você não o
permitir.
Inscrições e selos só podem
ser alterados ou anulados por
um poder maior de mesma
categoria ou uma inferior de
força opositora. Uma inscrição
de fogo poderia ser anulada
por uma de água e anular uma
de vento, por exemplo.
Contudo, origens astrais não
tem oposição além delas
mesmas.
Embora eu tenha dito que
marquei a porta com o poder
espiritual, na verdade o fiz
com a minha origem luz, o
elemento do topo da
hierarquia que vence as
trevas e que não possui
oposição. Desta forma,
absolutamente ninguém em
Celestria conseguiria
perturbar o sono do meu
Lohan. Embora outros seres
como fadas e elfos possuam
magia elementar, sua forma
de interação e manipulação
eram diferentes dos de uma
bruxa, tornando sua natureza
incompatível com o tipo de
inscrição que eu fizera.
- Não está sendo prepotente? -
Perguntou-me ele de forma
mais branda.
- Majestade, não confunda
confiança com prepotência.
Quando se luta para chegar
onde se está, é mais do que
merecido se orgulhar de seus
feitos. Sou uma cantara
famosa, escrevi muitas
composições que são um
sucesso. Diferente de você, eu
não caí de berço no topo, mas o
alcancei por meu próprio
mérito.
Ele fungou irritado, mas não
retrucou minhas palavras.
Invés disso abriu a porta
adentrando a moradia. Entrei
logo após ele, mas acabei
presa contra a parede pelo
pescoço.
- Não entre se não for
chamada! - Rosnou furioso.
Contudo, estava de olhos
fechados, prova de que não
queria me machucar.
- E como pretende me chamar?
Como vou saber que precisa de
algo? - Perguntei com
naturalidade. Embora seus
dedos estivessem firmes em
meu pescoço, ele não o estava
apertando com força.
- Esse é o ponto. Eu não preciso
de você! Não quero ser
incomodado em nenhum
momento, ficou claro?
- Perfeitamente, Majestade! -
Não me deixei abalar. É o tipo
de atitude que eu esperava e
queria dele. O fato dele não
ser fácil tornava o desafio
muito mais emocionante e me
fazia sentir mais especial por
conta desse homem íntegro
ser o meu companheiro. Ele
afrouxou os dedos e me
soltou, mas eu ainda tinha
mais a dizer. - Assim, isso é
mais benéfico para mim do que
para você, já que não vou ter
trabalho com um cara teimoso
e rude como você, só que se eu
não o fizer, você vai passar
fome porque acho que mais
ninguém além de mim virá.
Bem, é você que sabe! Adeus!
Me virei e antes de passar
pela porta, ele pegou no meu
braço me parando.
- Quero minha refeição as sete.
Bata na porta antes de entrar
e, em hipótese alguma, toque
em mim. - Ordenou em um
tom um pouco mais brando.
- Mas é você que está tocando
em mim! - Falei
inocentemente puxando o
meu braço e desfiz minha
expressão amigável. - Não o
faça! Também não gosto de ser
tocada por estranhos! Se você
o fizer de novo, vou puni-lo
com pão seco e água! Se quiser
discutir mais termos, faremos
isso amanhã. Estou com sono,
então com licença!
Eu não queria ir, não queria
deixá-lo, mas precisava
ganhar a confiança dele
mostrando, de alguma forma,
que eu não era como as
minhas irmãs. Eu sabia
exatamente o porquê ele
detestava as bruxas, então
precisei ser forte e assumir
uma postura que o fizesse me
tolerar. Saí a passos rápidos e
não olhei para trás. Senti que
ele ficara confuso, mas era
bem esse o objetivo. Seu
coração estava começando a
ser abalado. Agora era uma
questão de tempo, até que eu
pudesse tê-lo de volta para
mim.
P2 - Capítulo 64
Visão de Lohan
Que bruxa mais petulante!
Como ela ousa dar as costas a
mim, um rei? Como ela ousa a
querer ditar qualquer coisa?
Se ela acha que sou tolo
estava muito enganada! É
claro que ela estava só
jogando comigo! Ela é astuta,
e eu quase tinha certeza que
ela se preparara para me ter
como alvo desde o começo. Se
ela acha que conhece a
natureza do lobo, teria um
grande imprevisto. Pretendia
surpreendê-la e desmascará-
la!
"Não, acho que ela é
diferente!" — Disse Ray.
Parecia um pouco ansioso,
mas a dúvida permeava o seu
coração tanto quanto no meu.
Quando ela foi pressionada a
escolher, Ray a quis,
implorando por dentro que
ela viesse até nós. De alguma
forma o desejo dele foi
atendido e desde então um
sentimento estranho começou
a borbulhar dentro de mim.
"Não se deixe seduzir!
Amanhã você verá que ela não
é o que pensa!" — Falei-lhe
incisivamente. Por mais bela e
talentosa que Liz fosse, ela
não é a minha companheira.
Prometi a mim mesmo que
esperaria pela minha rainha e
não queria distrações pelo
caminho.
Percorri a sala e subi as
escadas em direção ao quarto.
De fato, ela deixara a
arrumação impecável, bem do
jeito que gosto. Próximo a
uma grande janela, uma mesa
com uma cadeira. Aproximei-
me, sentei na cadeira e olhei
para fora. As grades
semitransparentes não eram
um empecilho para a bela
vista frontal do jardim. De
longe, eu podia enxergar a
garota caminhando em
direção ao palácio de Willow.
"Ele é insistente!" —
Resmungou Ray ao ver
Galadriel se aproximar da
garota interceptando-a.
Galadriel não é alguém de
casos, então estava evidente
que ele via Liz como alguém
que queria como esposa. O
que será que ele viu nela?
Liz acabou parando e ficaram
conversando por um tempo.
Eu não conseguia tirar os
olhos, irritado por ela estar
dando assunto àquele homem.
Liz não fez nenhum
movimento ousado, e
manteve uma distância
aceitável, diferente de
Galadriel que insistia em
querer se aproximar.
"Por que tenho a impressão
de que é ele quem está
tentando seduzi-la e não o
contrário?" — Questionei Ray
intrigado. Galadriel estava
oferecendo algo a ela, mas ela
fez um movimento negativo
com a cabeça se recusando a
aceitar. Qualquer bruxa ficaria
muito satisfeita em ter um rei
a bajulando, mas esse não
parecia ser o caso dela.
"Eu falei que ela é diferente!"
— Disse Ray mais uma vez.
"Ainda não acredito nisso!" —
Respondi irritado saindo de
perto da janela e me jogando
sobre a cama. O dia foi
tranquilo, mas eu me sentia
exausto como se estivesse
dormindo mal a tempos. Por
que eu me sentia assim? Corri
em velocidade moderada até
aqui, tive boas pausas de
descanso, então tal cansaço
não fazia sentido. Além disso,
a comida que Liz me trouxera
na janta estava tão gostosa! A
comida geralmente só parecia
ter um gosto tão bom quando
fico realmente faminto.
"Droga, aposto que ela me
envenenou!" — Murmurei
fechando os olhos, como se a
exaustão viesse toda de uma
vez. Não senti cheiro de
qualquer substância ou traços
de energia mágica na comida,
mas meu corpo apagou de um
jeito que, há tempos, não
fazia.
Quando acordei, um cheiro
apetitoso permeava o
ambiente em que eu estava.
Levantei-me abruptamente ao
reconhecer a energia da
garota que adentrara os meus
aposentos, sem que eu lhe
desse permissão. Ela estava
de pé de frente para a janela, e
sobre a mesa uma refeição
bem diversificada.
— Por que entrou sem o meu
consentimento? — Rosnei
furioso. Essa garota estava
pedindo por problemas.
— Ah, mas Vossa Majestade
me disse que eu não podia
entrar sem bater e eu bati
antes de entrar! Além disso,
você disse que eu deveria vir às
sete, mas já são quase oito e
você ainda estava dormindo.
Você também disse que eu não
podia te tocar e eu não te
toquei. Não desrespeitei
nenhum dos seus termos, então
porque está tão zangado?
Ela com certeza me
envenenou! Como que não
ouvi a sua batida? Como não
notei sua presença antes?
Como não acordei com a
aproximação dela? Olhei para
a comida na mesa
desconfiado, me perguntando
se era seguro ingerir aquilo.
— Se não quiser não tem
problema. Eu como! — Falou
ela como se soubesse
exatamente o que eu estava
pensando. Sentando-se na
mesa, começou a fazer o
próprio prato me ignorando
completamente. — Até porque
escolhi te trazer só as coisas
que eu mais gosto.
O sorriso em seu rosto me
incomodou profundamente.
Parecia estar se divertindo
enquanto se apoderava da
minha refeição, como se esse
fosse o seu propósito desde o
início. Assim que ela virou o
bule e começou a encher sua
xícara, fui pego de surpresa
pelo aroma familiar da minha
bebida preferida, a única que
eu ainda tinha gosto de tomar.
Ela virou a xícara e começou a
tomar o chá silenciosamente,
enquanto olhava serenamente
para o jardim.
— Me dá! — Ordenei
colocando a mão sobre a
xícara dela. Se ela havia
bebido o chá, é porque era
seguro tomá-lo.
— Esse é meu! — Resmungou
ela com o semblante
insatisfeito. — Por acaso você
gosta desse chá?
— Gosto! — Minha resposta
resoluta a fez afrouxar a mão,
o que permitiu que eu pegasse
a xícara para mim. — Agora
saia!
Ela cruzou os braços, mas
como quem sabe o que é bom
para si, me obedeceu e saiu da
minha cadeira. Assumi o
lugar, bem como o prato que
ela fizera para ela. Alguns dos
itens já estavam mordiscados,
prova de que não havia nada
perigoso neles.
— Por que não fez o seu
próprio prato? Você é um rei,
não se importa de comer os
restos de outros? — Não havia
nada de errado em tomar de
volta algo que já me pertencia.
— Eu deveria puni-la por tocar
na minha refeição. Sinta-se
grata por eu deixar por isso
mesmo!
O chá de doriatan me deixou
de bom humor. Curiosamente
o gosto da garota era o
mesmo que o meu, não só a
concentração, mas até o
tempero era igual. Fiz minha
refeição calmamente
enquanto observava a vista na
minha frente. Era o tipo de
momento de calmaria que
minha mente precisa para
começar o dia bem.
Como se me conhecesse a
tempos, a garota ficou parada
sem dizer uma única palavra.
Mirei-a de relance, ela estava
olhando para o jardim tão
compenetrada quanto eu.
— Por que você escolheu servir
a mim? — Perguntei-lhe,
quebrando o momento de
silêncio que se instaurara. Eu
estava realmente intrigado
com isso. Se ela quisesse
seduzir alguém importante,
ela deveria ter apostado em
alguém que já está de olho
nela.
— Porque você é o único
naquele lugar que não tinha
segundas intenções comigo. —
Respondeu a garota
calmamente. Seu olhar sério
era um sinal do quanto isso a
incomodava. — Com meu
instrumento e com a minha
voz tenho toda a devoção que
preciso. Todo o resto é
descartável!
— Mas você parece ter uma
relação amistosa com o rei dos
elfos. Ele não é o tipo de pessoa
que te forçaria a algo que não
queira. — Não conseguia
deixar de pensar que
Galadriel foi o macho que
supriu a sua sedução, e que é
por isso que ele considera Liz
inocente o suficiente para ser
a sua esposa.
— Não tenho qualquer relação
com ele. — Falou ela
incomodada. A forma como se
colocou na defensiva fez
parecer que eu a tinha
ofendida.
— Não minta! Quando ele te
abordou ontem no jardim,
vocês ficaram conversando por
quase uma hora.
— E como sabe? Estava me
espionando? — Ela sorriu
como se estivesse se
divertindo com isso.
— Não há nada de estranho
nisso. Preciso saber se a bruxa
que me serve é confiável.
— E existe alguma bruxa
confiável na sua concepção? —
Implicou ela. Nada do que eu
dizia parecia afetá-la. — Sobre
Galadriel, não o evito por
gratidão. Há alguns meses me
apresentei no Trígono e passei
muito mal depois de uma
apresentação. Antes de
conseguir sair acabei cercada
por um grupo de vampiros. Me
envenenaram e me arrastaram
com eles. Galadriel me ajudou
a lidar com eles e me deixou
descansar em sua sala privada
até que eu me recuperasse
para poder voltar para casa
em segurança.
— Não precisava ter me
contado isso. Não tenho
interesse na sua história.
— Mesmo? — Perguntou em
um tom brincalhão. — Então
acho que você é a pessoa certa!
— Para quê?
— Para contar minhas
histórias, claro! Vai ser mais
fácil me expressar sabendo que
não se importa. — Ela deu um
sorriso travesso e começou a
falar sobre um monte de
coisas aleatórias sobre os
meses que passou aqui. Seu
jeito alegre era contagiante, e
mesmo não querendo admitir,
eu queria ouvi-la.
— Você não tem nada melhor
para fazer? — Interrompi-a,
vendo que não pretendia
parar. Eu deveria expulsá-la,
mas não conseguia. Eu não
conseguia me cansar de sua
falação, provavelmente
porque era muito raro alguém
conversar comigo assim tão
abertamente. As pessoas
geralmente me evitam, mas
contrariando a todos ela
estava tão à vontade perto de
mim que fazia parecer que
somos amigos íntimos de
longa data.
— Você tem? — Questionou
me pegando de surpresa. Sua
ignorância quanto ao senso de
perigo a tornava tão inocente
que era até difícil manter uma
postura agressiva. Seria muito
covardia!
Como não respondi, ela
continuou contando sobre
suas experiências, sobre sua
relação com suas irmãs e
sobre como Willow arranjou
suas apresentações no
Trígono. Ela parecia esconder
algumas coisas sobre si e
certos detalhes não faziam
sentido completo para mim.
Como podia ser famosa se sua
popularidade entre a classe
alta adivinha de suas recentes
apresentações? Sentia que a
verdade estava no seu
passado, de antes dela ser
acolhida por Willow, mas ela
não mencionou nenhuma vez
sua vida antes daqui e eu não
queria perguntar para não
parecer que eu estava
interessado.
— Majestade, o que gostaria
de almoçar? — Perguntou-me
do nada após falar sobre como
ela achava o sistema de
inscrição mágico fascinante.
Fingi que não tinha ouvido, o
que a fez me questionar de
novo, batendo sobre a mesa
na minha frente antes de o
fazê-lo. — Majestade, há algo
específico que queira para o
almoço?
"Vai mesmo fazer isso?" —
Perguntou-me Ray. Meu
coração batia forte enquanto
eu tomava a decisão de tirar a
máscara da garota. Ela era
perigosamente cativante e
sabia esconder muito bem
suas intenções. Se eu fingisse
dar a ela o que ela quer,
provavelmente conseguiria
fazê-la se revelar.
— Você! — Falei-lhe
sedutoramente agarrando o
seu braço e puxando-a para o
meu colo. Cheirei seu pescoço
com certa malicia, enquanto
percorria minha mão por sua
perna puxando a saia de seu
vestido para cima. — Quero
me deliciar com você! —
Sussurrei perto do seu ouvido.
O coração da garota batia
muito rápido e sua respiração
se acelerou como se estivesse
assustada. Ela deveria estar
encantada por eu querê-la,
deveria estar aproveitando a
brecha que lhe dei para tentar
me seduzir, mas não o estava
fazendo.
Como ela não se movia,
comecei a mordiscar seu
ouvido para provocá-la,
enquanto minha mão
deslizava pela pele lisa e
sedosa de sua coxa. Assim que
elevei suas saias expondo
completamente suas pernas,
subi minha mão até a parte
superior do vestido baixando
a manga para expor seus
ombros e inclinei-me
suavemente tocando meus
lábios em sua pele exposta.
— Para com isso! — Pediu-me
com a voz aflita. Como se
tivesse voltado a si, moveu as
mãos contra o meu peitoral
tentando me empurrar, uma
atitude clara de resistência.
Olhei desconcertado a face da
garota. Os olhos dela estavam
fechados e ela respirava com
certa dificuldade. Não havia
um sorriso em seus lábios,
pelo contrário. Ela
pressionava os dentes com
força como se estivesse...
brava!
"Falei que ela é diferente!" —
Ray estava animado. Esperava
que ela se revelasse, mas,
aparentemente, ela não usava
uma máscara. Afrouxei os
braços liberando-a e ela se
levantou imediatamente. Sem
dizer uma única palavra,
começou a reunir
nervosamente tudo o que
estava sobre a mesa. Seus
movimentos eram rígidos e
impiedosos.
"Ela realmente está brava!" —
Pensei. Isso era evidente em
sua postura e no jeito com que
reuniu tudo e correu para
fora.
O comportamento dela me
deixou perplexo, colocando
por terra todos os conceitos
que eu tinha sobre bruxas. Ou
ela era muito boa em atuar ou
ela realmente foi sincera
desde o começo.
P2 - Capítulo 65
Visão de Lohan
Fiquei olhando pela janela nas
horas que se seguiram,
esperando que ela voltasse.
Ela não me trouxe o almoço e
não dava sinais de que traria
minha janta.
"Ela deve me odiar!" — Falei
com Ray. Eu afastara a única
companhia honesta e a única
bruxa que queria me servir.
Eu já estava me virando em
direção a cama quando Ray
notou a sombra da garota se
aproximando a passos rápidos
do chalé.
Desci a escada para a sala
inferior e esperei. Ela bateu na
porta algumas vezes e
aguardou. Eu estava
ponderando sobre o que fazer
quando senti que a garota
estava se afastando. Corri até
a porta, abrindo-a, só para ver
as costas da garota tomando
caminho contrário. Ela nem
insistiu...
— POR QUE NÃO ENTROU? —
Gritei para chamar sua
atenção. Ela o fizera
descaradamente sem o meu
consentimento mais cedo. Por
não fez o mesmo agora de
novo?
Ela parou. Baixando a cabeça,
fez o caminho de volta e
colocou-se de frente para
mim. Pela sua expressão, eu
diria que ainda estava muito
chateada.
— Seu jantar! — Ela esticou a
bandeja para mim. Havia um
pão seco e um copo de água
em cima.
— Realmente está me
punindo? — Reclamei. Quando
ela me ameaçou, não levei a
sério, afinal, como uma mera
bruxa poderia pensar em
destratar um rei? Nunca
pensei que ela cumpriria com
a sua palavra. — Não tem
medo que eu reclame com
Willow da sua falta de
hospitalidade ou que peça
para me designar outra
pessoa?
— Não! — Respondeu-me
seriamente.
— Por que está tão brava? —
Eu não conseguia
compreender isso. Como uma
bruxa, ela deveria no mínimo
se sentir lisonjeada que um
rei a desejou.
"Você não é o único rei que a
deseja." — Lembrou-me Ray.
Liz parecia de outro mundo.
Seu padrão de
comportamento não se
encaixava a nenhum
estereótipo.
— Achei que o rei dos lobos
seria diferente dos outros.
Jamais imaginei que é só outro
pervertido! — Havia decepção
em seu tom de voz. Apesar de
sua postura rígida, suas
bochechas estavam levemente
coradas, mostrando que ela
tinha um lado tímido também.
Não me deixei abalar por seu
insulto, já que eu o merecia e
admitia isso. Além disso, o
jeito manhoso de Liz era
muito fofo, então suas
palavras surtiram um efeito
contrário, me fazendo ter
vontade de rir.
— Só estava testando suas
intenções. Fiquei satisfeito com
o resultado e posso dizer que
seu comportamento é
adequado a me servir. —
Respondi. O tom de voz que
saiu de minha boca me
surpreendeu, e foi então que
percebi que estava sorrindo.
Ela mordiscou os lábios e
sorriu como se estivesse
aliviada com isso. Ela
realmente estava bem por eu
lhe dizer que estava só lhe
testando? É o mesmo que
dizer que eu não a queria de
verdade. Por que ela ficou
feliz com isso?
— Bem, mesmo que Vossa
Majestade não seja um
pervertido, ainda assim
conforme-se com a sua
punição. Já lhe aviso que se
ousar a me tocar de novo, no
que depender de mim você vai
morrer de fome! — Ameaçou-
me mais uma vez.
— Quero rever o acordo. —
Falei-lhe decisivamente. —
Entre, vamos conversar!
Ela suspirou profundamente
antes de me obedecer. Assim
que entrou, deixou a bandeja
sobre a bancada da cozinha e
se aproximou de mim. Sentei-
me no sofá e fiz um gesto
convidando-a a se sentar na
poltrona de frente.
— E então? — Perguntou-me
de um jeito tímido. Seus olhos
estavam fixos em minhas
mãos como se estivesse
vigiando os meus
movimentos.
— Eu retiro as restrições que
impus, mas quero que respeite
o meu espaço. — Falei-lhe.
Depois do que aconteceu, eu
não tinha mais motivos para
desconfiar. — Você disse que
podemos nos ajudar. Quero
refeições decentes e traga-me
sempre aquele chá de doriatan.
— E o que ganho em troca? —
Perguntou-me com um tom
mais ousado.
— Esses termos são seus. Do
que precisa?
— Se não tiver planos, quero
que me acompanhe até a
biblioteca amanhã. Não
precisa fazer nada, só fique por
perto. Prometo servi-lo com
toda a hospitalidade se o fizer.
Os termos são superficiais e
curiosamente simples. O que
ela ganhava com isso? Era
difícil encontrar pistas, mas
decidi levar o acordo adiante
e ver com os meus próprios
olhos.
— Fechado! É só isso? — Ela
assentiu a cabeça sorrindo
genuinamente. Como podia
ficar feliz com tão pouco?
— E você, Majestade? Há algo
mais que queira de mim? —
Perguntou-me após um tempo
de silêncio. Não queria mais
nada, só que ficássemos
assim. Me sentia
estranhamente confortável
em tê-la por perto,
provavelmente por conta da
naturalidade com que ela me
trata. Não sentia medo
emanando de sua energia, não
sentia aquela submissão típica
de um servo e também não
sentia a formalidade
sufocante por conta de eu ser
quem eu sou.
— Liz, qual a sua idade? —
Por vezes me parecia que ela
tinha a positividade e a
inocência de uma criança. Por
outro lado, tinha um porte
feminino atraente e a mente
aguçada de uma mulher.
— Tenho dezoito. Quase não
me provei a tempo.
Como se fosse a deixa, ela
novamente começou a
conversar sobre coisas
aleatórias, gostos pessoais, as
primeiras impressões sobre
Aradia, e até mesmo algumas
dificuldades que passou não
só na cidade neutra quanto
aqui no palácio. Mesmo nas
coisas tristes, ela mantinha o
bom humor e isso era
cativante.
— Melhor eu ir agora. Acho
que já falei demais!
"Não, não falou!" —
Resmungou Ray. Não
queríamos que ela se fosse
agora. O tempo parecia passar
rápido demais quando ela
estava por perto.
— Sim. Preciso descansar
agora! — Falei-lhe
seriamente. Não que eu
estivesse cansado. Não tinha
muita coisa para fazer nesse
lugar.
— Há toalhas limpas no
armário e o banheiro está
abastecido com produtos de
higiene, caso queira se banhar.
Quer que eu encha a banheira
para você?
— Não será necessário. Pode ir
agora!
— Tudo bem, amanhã cedo eu
volto! Bom descanso,
Majestade! — Dito isso ela
saiu às pressas, sem me dar
tempo de resposta. Ela
provavelmente não queria
que eu notasse o rubor em
suas bochechas. Liz o que
você estava pensando? Achou
mesmo que eu não iria notar?
— Bom descanso também,
Liz! — Sussurrei assim que
ela desapareceu. Levantei-me
e caminhei até a bandeja que
Liz deixou para trás. Pegando
um pedaço do pão, comecei a
mastigá-lo, saboreando-o
como se fosse o melhor pão
do mundo. Eu me sentia
estranhamente feliz e isso era
tão confuso. Nem me lembro
qual foi a última vez que me
senti assim.
"É uma pena que seja uma
bruxa!" — Pensei enquanto
me deitava. Em breve eu iria
embora e os dias aqui não
seriam mais do que
lembranças a serem
esquecidas pelo tempo.
Dessa vez acordei antes de ser
surpreendido. A porta estava
rangendo quando detectei
uma presença estranha
entrando. Sentei-me na cama
apurando os sentidos. Logo
Liz apareceu com uma
bandeja com uma boa
variedade de alimentos e um
bule de chá quentinho.
— Acordou cedo hoje. Não é
tão dorminhoco quanto pensei.
— Implicou colocando a
travessa sobre a mesa. —
Trouxe sua refeição! Está no
seu agrado?
— Dá para o gasto. —
Respondi seriamente me
sentando na cadeira. Mesmo
tendo uma área própria para
refeições no andar inferior,
ela novamente trouxera a
comida para cima, como se
soubesse que gosto de comer
apreciando a paisagem e o
tempo. Ela organizou os itens
sobre a mesa e encheu a
xícara para mim.
— Por que gosta desse chá? —
Perguntei curioso depois de
saborear um gole. Novamente
estava do jeito que gosto. —
Esse não é um sabor muito
apreciado.
— No começo eu não gostava.
— Admitiu olhando o chão
com um certo pesar. — Mas
passei a tomar sempre porque
esse chá me faz me lembrar de
casa. Alguém muito próximo a
mim o tomava todas as
manhãs, dizendo que acalma a
mente e ajuda a...
— Manter o foco. — Completei
admirado.
— Exatamente isso! — Disse
ela sorrindo com satisfação.
— É uma pessoa sensata! —
Era curioso que existisse
alguém com um gosto tão
parecido com o meu. É alguém
que eu provavelmente iria
gostar de conhecer.
— Você parece com fome! Vou
pegar mais algumas coisas e já
volto. — Disse ela se virando.
— Não precisa. Fique aqui!
Isso é o suficiente!
— Irei assim mesmo,
Majestade. — Disse
teimosamente. Ser
contrariado deixou o meu
lobo irritado. A garota ignorou
o rosnado que escapou de
meus lábios e saiu
calmamente pela porta
mostrando que não me levava
a sério. Se fosse outra pessoa,
provavelmente meu lobo teria
ficado transtornado, mas tive
a impressão de estar mais
nervoso do que ele.
"Vai mesmo deixar por isso
mesmo enquanto aquela
bruxa passa por cima de nós?"
"Aquela bruxa é minha! Não é
esse tipo de punição que darei
a ela." — Disse Ray como se
estivesse enfeitiçado pela
garota. Senti o desejo dele
extravasando para o meu
corpo e isso me deixou
encabulado.
"Alguém tão forte não pode se
deixar seduzir tão fácil!" —
Resmunguei enchendo outra
xícara de chá. Ray estava
muito estranho e eu não
estava gostando nada disso.
Acompanhei os movimentos
da garota pelo jardim. Ela não
demorou a voltar. Em suas
mãos uma caixa meio grande
para o seu porte. De repente,
me veio à cabeça que Liz tem
mais força e preparo físico do
que uma bruxa comum, e não
pude deixar de me perguntar
sobre a vida que levava antes
de vir parar aqui.
— Majestade, voltei. — Posso
ver! — Sentiu minha falta?
— Não! — Murmurei
enquanto descia as escadas
para encontrá-la. Abrindo a
tampa da caixa, tirou várias
garrafas com bebidas e
vasilhas com bolinhos e
outras guloseimas e começou
a encher os armários da
cozinha.
— Também senti a sua! —
Disse ela em de um jeito
extrovertido fechando a caixa
e levando-a para cima. Segui-a
de perto para ver o que
queria. Ela arrumou a cama e
depois abriu o armário e
começou a guardar coisas
nele.
— O que está fazendo? —
Perguntei inquieto.
— Como veio sem nada, tomei
a liberdade de comprar
algumas roupas e calçados
para você. Espero que sejam do
seu agrado. Se quiser que eu
lave suas roupas também...
— Não! — Interrompi-a. De
certo que não tomei um
banho desde que cheguei
aqui, mas não pretendia vestir
nada trazido por uma bruxa,
quanto mais deixar que uma
toque nas minhas roupas. Vai
saber o tipo de magia sórdida
que embutiria nelas. — Pode
levar embora!
— Elas não são do seu agrado?
— Perguntou-me
inocentemente pegando uma
camisa preta e abrindo-a para
mim. — Elas são do seu
tamanho, certo?
— Por que está gastando o seu
dinheiro comigo? Não pedi que
fizesse isso! — Eu não queria
ofendê-la diretamente, mas
não pretendia aceitar o seu
gesto.
— Eu sei! Eu só achei que se
sentiria mais à vontade. Falei
que te serviria com toda a
hospitalidade, não foi?
Não respondi a isso. Ela não
parecia ter más intenções,
então achei que seria rude se
eu falasse abertamente o que
penso. Virando-se, dobrou a
camisa e terminou de esvaziar
a caixa. O último item é uma
pequena caixa retangular de
madeira com cerca de um
palmo de comprimento. O
jeito que ela segurou a caixa e
a guardou com cuidado fez
parecer que era algo valioso.
— O que é? — Perguntei
esticando a mão por cima dela
e agarrando a caixa.
— Um presente, mas não pode
ver agora! — Ela tentou pegar
a caixa da minha mão, mas
não deixei. Elevei ao alto e me
diverti vendo-a tentar agarrá-
la sem conseguir alcançar.
— Poxa! É seu de qualquer
forma. Se você quebrar vai
ficar sem! — Assim que ela se
deu por derrotada cruzou os
braços e fez um biquinho fofo.
— Vejamos! — Baixei a caixa
para abri-la, e após algumas
tentativas falhas a garota
começou a rir. A vontade que
eu tinha era de quebrar a
caixa para sanar a
curiosidade, mas não queria
perder o que quer que ela
tivesse colocado dentro.
— É claro que coloquei uma
inscrição mágica de tranca
para evitar trapaças. Você só
vai poder abri-la depois da
festa. — Ela riu se sentindo
vitoriosa e, suspirando fundo,
guardei a caixa de volta no
armário.
"Liz, é melhor que vala a pena,
ou do contrário, descobrirá do
pior jeito o que é perder!"
P2 - Capítulo 66
Visão de Eliza
O jeito mal humorado do meu
Lohan não me afetava. Eu
conhecia o seu coração, podia
sentir suas emoções e sabia
que minha presença já o
estava afetando de forma
positiva. Enquanto ele
caminhava passivamente ao
meu lado, podia sentir a
energia de várias irmãs nos
espionando de relance. Eu
queria mais é que elas nos
vissem mesmo, e não me
importei em pegar o caminho
mais movimentado para tal
finalidade.
— Entra! Já perguntei para a
Willow e ela disse que não tem
problema. — Falei a ele,
vendo-o hesitar na porta da
biblioteca.
Passei por algumas
prateleiras procurando um
livro específico sobre história.
Puxando-o, fui até uma mesa
de canto e sentei-me nela.
Abri o livro e comecei a
folhear as páginas.
— Por que queria que eu
viesse? — Perguntou ele se
sentando de frente para mim.
— Acho que já lhe mencionei,
mas eu passo a maior parte do
meu tempo livre estudando.
Venho aqui ler sempre, mas
ultimamente tenho tido
dificuldades com isso. Quando
minhas irmãs me veem, elas
vêm me importunar. Você
estando comigo, vou ter
sossego para ler sem ser
interrompida.
— É isso? Bela utilidade você
me arranjou. — Havia
zombaria em sua voz, mas
podia sentir que ele achava
graça nisso. — Por que não lê
no seu quarto?
— As regras da biblioteca são
rígidas. Nenhum livro pode
sair daqui, e todos os livros
devem ser guardados no
mesmo lugar de que foram
tirados antes de sairmos. Além
disso, — suspirei
profundamente. Minhas irmãs
sabiam ser malvadas quando
queriam... — se minhas irmãs
veem que quero ler algo em
específico, elas dão um jeito de
pegá-lo antes só para implicar,
mesmo que não queiram lê-lo.
— Bruxas não costumam ser
muito intelectuais, não é? —
Perguntou depois que eu já
tinha lido alguns capítulos.
Seus olhos sondavam a
biblioteca, mas não haviam
muitas presenças no
momento. As que tinham, se
sentaram bem longe de nós e
ainda de costas.
— Elas estão evitando a
biblioteca porque viram que
você veio comigo. Aqui nessa
casa as informações correm,
dão a volta e ainda repetem o
percurso.
Um riso suave brotou dos
lábios de Lohan fazendo o
meu coração acelerar. Tentei
focar minha atenção
novamente na história, mas
estava difícil manter a
concentração sabendo que ele
não tirava os olhos de mim.
— Por que está lendo isso? É
história básica. — Perguntou
pegando o livro das minhas
mãos e percorrendo as
páginas de forma ligeira. No
livro consta um resumo
básico sobre vários reis e
rainhas deste mundo, de
várias eras. Infelizmente, não
falava sobre os primeiros reis
e também não parecia chegar
ao ponto da história que eu
desejava.
— Estou tentando descobrir
mais sobre a Willow. Sinto que
ainda não a conheço bem. —
Willow tem estendido a mão
para mim muito antes de eu
saber que ela existia. Ela
estava sempre fazendo tudo,
por todas, se preocupando e
guiando da melhor forma que
podia, mas o que estávamos
fazendo por ela? Não havia
apenas um reino para cuidar,
mas outros problemas que
não pertenciam somente a ela
e que ela parecia estar
carregando sozinha. —
Majestade, todos os reis e
rainhas nascem com uma
profecia, certo? Qual a profecia
de Willow?
— Você realmente não sabe?
— Fiz um sinal negativo com a
cabeça. — É uma informação
fácil de conseguir, então por
que está perguntando isso
justamente para mim?
— É que eu não sei em quem
confiar. — Admiti. Diferente
de Willow, eu não podia ler
mentes. Mesmo tendo um
poder espiritual forte, minhas
origens ainda estavam
instáveis, então nem sempre
eu conseguia atravessar o
bloqueio de algumas irmãs
que continham joias de
proteção espiritual mais
fortes. Assim como foi com
Molly, talvez outra irmã tenha
contato com as bruxas
maléficas, então eu não podia
correr riscos. — Não fiz
muitas amigas. As outras
bruxas me acham estranha e
as que me tratam melhor, não
sei se conseguiriam guardar
segredos. São todas muito
fofoqueiras!
Janet e Agnes eram
provavelmente as únicas a
quem eu recorreria, mas elas
são tão próximas a Willow
que tenho certeza que
contariam tudo para ela sobre
o que estou investigando, e eu
não queria que Willow
soubesse.
— Willow é a rainha
benevolente cuja a sucessão
não virá de seu ventre.
— Por que não? — Perguntei
apreensiva. Se eu acreditasse
nisso, teria que acreditar que
eu realmente teria que
assumir essa coroa e isso é
algo que eu não podia aceitar!
— Isso está errado, não está?
— A verdade está clara!
Willow ao longo de milênios foi
incapaz de conceber. Todos
sabem que ela está destinada a
nunca ser mãe.
— Isso com certeza está
errado! — Há algo que eu e
Willow tínhamos em comum,
um jeito particularmente
incomum de se lutar contra o
destino. — O destino pode ser
mudado!
Ninguém podia dizer que
Willow não era mãe, porque
ela tinha o coração de uma.
São muitas as filhas que ela
acolheu em sua casa e ajudou
a criar e a guiar. Ela
pessoalmente dedicava tempo
e esforço a ensinar a todas,
mesmo que houvessem
escolas em Aradia que
poderiam muito bem fazer o
mesmo.
— Não, ele não pode! — Disse
Lohan em um tom sério. Esse
Lohan cético do passado é um
tanto quanto diferente do
Lohan que conheço.
— Tem certeza que acredita
nisso? Você não é o rei sem
uma rainha, destinado a nunca
encontrar a sua companheira?
— Engraçado que você sabe
sobre a minha profecia e não
sabe sobre a sua própria
rainha. — Respondeu em um
tom perturbado, colocando-se
na defensiva. Sua voz estava
extremamente agressiva. —
Você também vai me dizer que
nunca vou encontrá-la?
— Não, pelo contrário. Você
vai encontrá-la! — Falei
firmemente. Conheço a
história dele, sei que muitas
pessoas tentaram
desacreditar a credibilidade
da profecia da rainha
predestinada, mas ele se
agarrou firmemente nela
porque precisava acreditar
que havia esperança para o
seu futuro.
— Liz... realmente acredita
nisso? — Perguntou com a voz
mais suave. Senti que minha
resposta o comovera, como se
ele não esperasse por isso.
— Sim! Eu sou a pessoa que
acredita que escolhas podem
mudar o destino. — Uma
escolha, ou mesmo um
conjunto de escolhas de
pessoas diferentes podem
reverter uma situação. A
escolha de Willow em mandar
a semente, a escolha de Lucon
ao se sacrificar, a escolha de
Lohan de acreditar que me
encontraria bem como a
minha própria vontade de
querer escolher o meu
próprio destino nos levaram a
esse momento hoje. Tirando
apenas um elemento da
equação, o resultado seria
muito diferente. — O destino
pode definir onde nascemos, se
seremos líderes ou servos, ou se
seremos lobos ou bruxas, por
exemplo. Aceitar o destino e
trilhar o caminho mais fácil é
uma opção, mas isso não
significa que não possamos
quebrar paradigmas e traçar a
nossa própria história. Isso não
é lutar contra o destino,
apenas redefini-lo.
— Você fala isso com muita
convicção. — Não havia
irritação em sua voz, nem
qualquer outro tipo de
expressão, mas eu podia
sentir a surpresa emanando
de sua energia. — A
autoaceitação faz parte do
processo de crescimento.
— Não discordo! A
autoaceitação de quem somos
nos traz o conhecimento para
mudar o que não queremos. Eu
sou uma bruxa, conheço a
minha natureza, mas se vou
segui-la é uma escolha
somente minha. Eu vou
reescrever os conceitos e
provar que é possível ser forte
de forma completamente
honesta!
— Isso é só uma utopia. —
Disse-me com a voz pesarosa.
Parecia estar com pena de
mim.
— Não, não é! — Eu já fiz
acontecer, meu amor... — Em
breve você concordará comigo!
— Muito bem, Liz, você me
convenceu! Ficarei de olho em
você e veremos se conseguirá
alcançar o futuro que deseja.
— Vou te deixar orgulhoso
então! — Elevei meus olhos
levemente só para poder ver o
sorriso no rosto dele. Lohan
podia se fazer de difícil, mas
eu sabia que tudo o que ele
precisava era se sentir normal
com pessoas que não o vissem
como o rei amaldiçoado, mas
simplesmente como Lohan. Eu
vi com meus próprios olhos o
como ele podia ser sociável,
era só saber como tratá-lo.
O que inicialmente era apenas
uma seção de estudos acabou
se tornando uma discussão
filosófica profunda. Desta vez,
foi Lohan que deu suas
próprias opiniões sobre coisas
que julgava incoerentes no
sistema. Fiquei ouvindo-o,
empolgada, não deixando de
dar minha própria opinião.
Quando dei por mim, o dia já
estava escuro.
Coloquei o livro de volta ao
local que eu o pegara e
caminhei pelo corredor do
palácio a passos moderados,
acompanhando o ritmo de
Lohan. Assim que pisamos no
jardim, olhei para o céu e
recuei. Falei que o trataria
com hospitalidade, mas já
havia passado da hora que ele
costuma jantar em Éldrim.
— Majestade, vou pegar o seu
jantar. — Falei-lhe enquanto
me virava. — Se quiser ir na
frente...
— Eu te espero! —
Interrompeu-me.
— Certo! Não demoro! —
Assim que comecei a andar,
senti a mão dele agarrando o
meu braço.
— Liz, pegue uma porção extra
e jante comigo! — Ordenou-
me de um jeito mais
imponente. Assenti
ligeiramente a cabeça sem
olhar para ele, e, assim que
me soltou corri para dentro.
"Espero que ele não tenha
percebido!" — Pensei
colocando minhas costas
contra a parede fria enquanto
tentava controlar a minha
respiração. Meu coração
estava muito acelerado e eu
não conseguia parar de sorrir.
Lohan tinha me convidado a
jantar com ele!
— Quem está flertando com
quem afinal? — Sussurrei
comigo mesmo enquanto
corria até a cozinha.
Fui verificando a qualidade
dos alimentos e provando
algumas coisas antes de
separá-los e colocá-los na
bandeja. Peguei os pratos e
talheres e, antes de conseguir
sair, várias bruxas começaram
a me rodear feito pernilongos.
Começaram a implicar com o
fato de terem me visto andar
tranquilamente com Lohan e
até mesmo por ele e eu
conversamos de boa na
biblioteca.
— Liz, como o rei dos lobos é?
Como você faz para ele te
tratar bem assim?
— Liz, fala seus truques para a
gente!
— Liz... — A forma como se
aglomeravam a minha volta
era muito irritante. Todas elas
estavam ansiando por um
pouco de devoção extra.
— Respondo vocês em outro
momento. — Falei seriamente.
— Fui designada a servi-lo e
preciso levar o jantar até ele
agora, ou ele ficará muito
zangado. Com licença!
Embora lutassem por um
espaço, dificilmente tentavam
passar por cima da outra em
território já marcado.
Ninguém ousou a me segurar
ou tentar me sabotar. Era o
tipo de ética que me fazia ter
esperança de que elas ainda
têm salvação.
Encontrei Lohan no jardim,
parado, olhando para o alto.
Ele não reagiu a minha
aproximação. Eu não queria
olhar para o céu e mirar
aquela bola brilhante
ganhando uma forma cada vez
mais redonda. Não conseguia
mais olhar para a lua sem
pensar no sofrimento que
passei e no que ainda viria.
— Vamos! — Disse-me
firmemente assim que me
posicionei ao lado dele, e
ainda manteve os passos mais
lentos só para que eu pudesse
acompanhá-lo.
— Por que você mesmo não
cozinha para mim? —
Perguntou curioso pelo fato
de eu sempre percorrer um
longo caminho para levar a
comida até ele. Todos os
chalés tem suas próprias
cozinhas e todas as bruxas
designadas provavelmente as
usam para cozinhar para seus
hóspedes e ter a devoção pela
comida somente para si.
— Eu já fui boa em cozinhar,
mas não tive tempo de
reaprender. — Comentei com
um sorriso misterioso,
deixando-o ainda mais
confuso. Eu sentia que ele
queria uma explicação mais
aprofundada, mas eu não
pretendia dá-la, assim como
eu sabia que ele também não
o perguntaria, mesmo que
quisesse saber.
Pretendia subir as escadas e
servi-lo em seu quarto, mas
ele não deixou. Pegando a
bandeja da minha mão,
colocou sobre a mesa na
cozinha e começou a
organizá-la por conta. Fiquei
um pouco atordoada que ele
estivesse fazendo isso, porque
na posição que estávamos
aqui, era o meu dever servi-lo.
— Sente-se! — Ordenou no
mesmo tom autoritário como
vinha fazendo. Sentei-me na
cadeira indicada e ele se
sentou de frente a mim.
Sempre soube que ele era
organizado, mas não
conseguia não aproveitar o
teatro para implicar com ele.
— Obrigada! Você leva jeito
para arrumação. Acho que
nasceu na família errada! —
Ele não riu. Senti seu olhar
fixo em mim como se
estivesse me estudando e
planejando, e isso me deixou
um pouco inquieta. Servi o
prato dele primeiro antes de
encher o meu próprio prato.
Assim que terminei, ele pegou
o meu prato e colocou o prato
dele no lugar.
— Só por garantia. — Disse-
me de um jeito sério antes de
começar a comer. Me senti um
pouco frustrada pensando
que ele me chamou para
comer com ele só porque
queria ter certeza de que os
alimentos não estavam
envenenados ou enfeitiçados.
Será que se eu mesma fizesse
toda a comida ele ainda agiria
dessa forma ou continuaria
desconfiado?
Comi em silêncio, de cabeça
baixa, pensando em
estratégias para os próximos
dias. No dia seguinte a festa se
iniciaria na parte da noite com
apresentações teatrais e
artísticas, enquanto parte dos
convidados começariam a
chegar. Eu só teria
participação na penúltima
noite, um dia antes da lua
cheia completa.
Terminei de comer antes dele,
mas ele não me permitiu me
levantar primeiro.
Terminando de comer ele
simplesmente se retirou
silenciosamente e subiu até o
andar superior. Recolhi a
louça e levei até a cozinha
para lavá-la. Me animei
precipitadamente, já que de
romântico o jantar não teve
nada!
Senti que era melhor eu ir! O
clima entre mim e Lohan se
esfriara demasiadamente e
isso me incomodou. Se ele
estava me evitando
propositalmente, achei que
era melhor não o pressionar
demais.
— Liz, venha aqui! —
Chamou-me assim que
comecei a abrir a porta para
sair. Segui o seu comando e
me aproximei da porta do
banheiro. Senti um cheiro de
aroma de banho e decidi me
manter do lado de fora por via
das dúvidas.
— Majestade, precisa de algo?
— Perguntei timidamente.
— Traga-me um conjunto de
roupas limpas e uma toalha!
— Ordenou-me com
autoridade.
Fui até o armário e depois de
pegar os itens solicitados, bati
suavemente na porta do
banheiro antes de entrar.
— Com licença! — Falei
espiando pela greta da porta.
As roupas de Lohan estavam
no chão, e ele estava
mergulhado na banheira. Eu
podia ver suas costas largas,
seus ombros e braços fortes,
mas evitei olhar para cima,
porque sabia que ele estava
com a cabeça virada na minha
direção, me encarando
fixamente.
Deixei as roupas e a toalha em
cima da bancada e virei-me
pronta para me retirar.
Contudo, um pedido
inesperado emitido por ele
acabou me deixando nervosa.
— Liz, quero que faça uma
massagem em mim!
— Mas você está no banho! —
Fiquei de costas para ele. Se
eu me virasse, ele ia perceber
o rubor na minha face frente
as lembranças quentes que
invadiram a minha cabeça.
Quantos banhos já tomamos
juntos...
— Eu cumpri minha parte e te
acompanhei até a biblioteca.
Cumpra a sua parte e me dê a
sua hospitalidade. Não se
iniba, é só um trabalho comum
de uma serva. É o tipo de coisa
que recebo sempre. — Falou-
me com um ar convencido.
"Mentiroso!" — Pensei ainda
me recusando a me virar.
Tinha quase certeza de que
isso era uma vingança por
usá-lo para assustar minhas
irmãs. Acho que ele não
gostou nada do papel que
desempenhou e, pela
intensidade de sua energia, eu
diria que isso era só o começo.
P2 - Capítulo 67
Visão de Lohan
Liz tinha uma confiança e
positividade admiráveis. Era
como a primeira luz da
manhã, cujo o brilho finda a
noite escura trazendo a
sensação de recomeço e
esperança. Seu jeito cativante
mexia comigo muito mais do
que eu gostaria, e eu
precisava aliviar isso de
alguma forma.
— Liz, não me faça repetir! —
Falei seriamente. Ela ainda
estava parada de costas, perto
da porta.
— Majestade, eu nunca fiz
uma massagem. Quer que eu
chame uma de minhas irmãs
para isso?
— Se não sabe, aprenda! Tente
até que eu me dê por satisfeito!
— Depois que ela me
encantou daquela forma, eu a
faria trabalhar em dobro para
mim. A culpa era dela do meu
lobo estar tão agitado, então
ela deveria arcar com as
consequências disso e acalmá-
lo. — Feche os olhos e venha,
ou irei até aí te buscar!
Ela se virou lentamente, com
os olhos fechados igual eu
ordenei. Ela parecia um pouco
nervosa enquanto apertava
suas mãos uma contra a outra.
Assim que ela entrou em meu
alcance, peguei sua mão
delicada e a coloquei sobre o
meu ombro.
Mantive-me alerta enquanto
ela se posicionava e começava
a fazer pressão em meus
músculos, primeiro sobre os
ombros e depois deslizando
suavemente em direção ao
meu pescoço. Ela claramente
não sabia o que estava
fazendo, e ainda assim senti
meu corpo relaxar como se
fosse a melhor massagem que
eu já recebera na vida.
— É assim mesmo? —
Perguntou-me com a voz
baixa. Seu jeito tímido era um
dos truques mais poderosos
para me desarmar e deixar o
meu lobo maluco.
"Não vou fazer isso!" — Me
comuniquei com Ray. Ele
queria que eu a puxasse para
o banho conosco. Eu mal
conhecia Liz e ela me odiaria
se eu fizesse algo assim. Além
disso, ela não era a nossa
companheira. Se eu quisesse
uma aventura, com certeza
não seria com uma bruxa.
— Péssimo! Continue tentando.
— Respondi seriamente
espiando-a pelo canto do olho.
Ela mantinha os olhos
firmemente fechados e
mordiscara o lábio inferior de
uma forma muito atraente. Eu
simplesmente não queria que
ela parasse.
— Pelo menos me diz onde
estou acertando ou errando,
senão como vou saber como
melhorar?
— Você é uma bruxa
espiritual, não é? Tente
adivinhar! — Desafiei-a.
— Como se fosse fácil! — Ela
reclamou parando o que
estava fazendo. — Se não vai
me ajudar também não te
ajudo!
— Aqui quem manda sou eu!
— Rugi pegando-a no braço e
puxando-a com força de volta.
Ela acabou desequilibrando e
caiu dentro da banheira, por
cima de mim.
— Lohan, seu idiota! —
Reclamou assim que tirou a
cabeça de dentro da água. Sua
expressão irritada me divertiu
e me deixou ainda mais
estimulado. — Me solta!
— Quem você chamou de
idiota? — Rosnei
ameaçadoramente. Ela se
agitou em meus braços
enquanto eu a forçava a se
virar de costas para mim.
— Lohan, olha o que você fez
comigo! Meu vestido está
encharcado e minha
maquiagem arruinada! Você
passou dos limites! — Ela
continuou agitada tentando
sair, mas mantive meu aperto
firme em seus braços. Não
pretendia deixá-la ir agora, ou
meu lobo sairia do controle.
— É a sua punição por não
saber ser hospitaleira e me
dar uma boa massagem. —
Falei-lhe perto do ouvido. A
respiração dela estava tão
acelerada quanto a minha. —
Vou te ensinar como fazer uma
massagem!
Ela parecia paralisada.
Aproveitei-me disso e peguei
seus longos cabelos
cuidadosamente, jogando-os
por cima do seu ombro. Logo
em seguida, abri a parte de
trás do seu vestido expondo
suas costas.
"É linda..." — Pensei enquanto
deslizava minhas mãos por
sua pele macia. Meu lobo se
tranquilizou imediatamente
com o contato e senti que ela
reagiu da mesma forma.
— É bom? — Perguntei vendo
a maneira como ela relaxara.
— Você realmente sabe fazer
uma massagem! — Disse-me
com satisfação, tão diferente
da forma rebelde com que
reclamara comigo antes. — Se
continuar assim, posso te
perdoar por ter me molhado
toda.
— E desde quando preciso do
seu perdão? — Ela não reagiu
às minhas palavras, nem
quando pressionei minha mão
com mais força. Eu deveria
enxotá-la por seu
atrevimento, deveria
destroçá-la por ter encantado
o meu lobo dessa forma vil,
mas nenhum sentimento ruim
brotava em meu coração
quando ela estava comigo. É
como se estivéssemos ligados,
como se ela fosse a minha
outra metade.
"Como ela pode ser tão
ingênua?" — Reclamei com o
Ray. Ela adormecera
enquanto eu fazia a
massagem. Como podia ficar
tão tranquila perto de mim?
Ninguém é tão maluco para
baixar a guarda assim na
minha presença!"
"Minha!" — Pediu Ray
enquanto eu acomodava a
garota em meus braços. A
expressão em seu rosto estava
muito suave, e quanto mais eu
a olhava, mais tentado eu me
sentia a ouvir a voz do meu
lobo. Fiquei deslizando meus
dedos por seu rosto,
contemplando-a enquanto era
tomado por uma excitação
fora do comum.
— Parece que estou ficando
louco! — Sussurrei. Meu
coração batia forte em meu
peito e eu não estava sabendo
lidar com essa situação. Ray
havia perdido o juízo e eu não
tinha muita experiência com
mulheres.
— Liz, não deveria confiar
tanto assim em mim. — Falei-
lhe soltando-a bruscamente
enquanto me colocava de pé e
pegava a toalha enrolando-a
em torno da minha cintura.
Liz acordou assustada
cuspindo água enquanto se
dava conta sobre o que havia
acontecido.
— Podia ter me acordado
primeiro. — Choramingou
tossindo água e se levantou
um pouco trêmula.
— Tola! A culpa foi sua! —
Peguei as roupas limpas e saí
do quarto deixando-a sozinha.
Liz oferecia um tipo de perigo
muito maior do que as que
atacam diretamente. Eu não
podia me permitir pensar nela
dessa forma.
— Lohan, me passa uma
toalha, por favor. — Sua voz
soou baixa e suplicante. Ela
estava na porta do banheiro,
mas desviou o olhar para o
chão assim que viu que eu
estava me vestindo. Tanto o
cabelo dela quanto o seu
vestido estavam respingando,
molhando o chão todo ao
redor dela.
— Nós não somos amigos nem
nada do tipo. Não volte a me
chamar pelo nome. — A
repreendi antes de pegar uma
toalha seca e jogar na direção
dela. Eu não pretendia fazê-lo
de início, mas quando vi seus
olhos tristes não consegui
recusá-la.
Ela agarrou a toalha no ar e se
fechou dentro do banheiro.
— Tanto faz! — Sussurrei
comigo mesmo ignorando-a.
Precisava colocar minha
cabeça no lugar, mas com ela
por perto era muito difícil.
Aguardei que ela saísse para
expulsá-la, mas a forma como
apareceu me deixou
completamente sem palavras.
— Você molhou meu vestido
todo, e essa era a única roupa
seca que eu tinha para me
vestir. — Explicou-se
nervosamente. Ela estava com
a minha camisa suja e a toalha
estava enrolada em sua
cabeça prendendo seus
cabelos molhados.
— Quem te deu permissão
para pegar a minha roupa? —
Ela conseguiu, ela realmente
me tirou do sério. Como eu
queria dar uma lição nessa
garota! — Tire isso agora!
— Eu não! Vou usar o que se
eu tirar isso? — Disse ela
teimosamente. — A culpa de
eu estar assim é sua.
Responsabilize-se!
— Você... — Afastei-me dela
enquanto tentava reprimir a
irritação que eu estava
sentindo. Eu sequer conseguia
pensar direito. — É melhor
você ir!
— Tudo bem! — Respondeu-
me com suavidade. Quando
ela começou a descer as
escadas do jeito que estava,
não consegui manter a
postura. Ela ainda estava com
a minha camisa e eu não podia
deixá-la percorrer o jardim
dessa forma.
— Volte! Use uma das camisas
que me trouxe e me devolva a
minha. — Falei-lhe friamente.
A camisa lhe cobria o corpo
muito melhor do que o tipo de
vestimenta que as outras
bruxas usavam, mas esse não
era nem o problema. Estava
mais preocupado com o que
pensariam de mim se vissem
uma bruxa com uma roupa
tão pessoal minha, feito a
partir do meu lobo. Minha
reputação seria gravemente
prejudicada!
"Deixe-a usar!" — Rosnou
meu lobo irritado. Ver a
garota usando algo dele
gerava um sentimento maior
de posse e o excitava, e
provavelmente esse era o
principal motivo de eu estar
tão agitado.
— E por que não posso usar
essa? — Perguntou-me de um
jeito inocente. — Ela é tão
macia!
— Ela está suja! Pegue uma
das camisas limpas. Você não
quer sair por aí cheirando a
lobo suado. — Retruquei.
— Por que não? Eu gosto do
cheiro. — Ela puxou a gola
superior da camisa em
direção ao seu nariz, deu uma
boa cheirada e sorriu com
satisfação.
— Bruxa maliciosa! — Rosnei.
Era como se conhecesse cada
uma das minhas fraquezas,
como se soubesse exatamente
como me deixar louco. A
vontade que eu tinha era de
agarrá-la a força e puni-la
duramente para ela parar de
me provocar. — Vai tirar ou
eu tiro?
Minhas ameaças não a
intimidaram. Ela manteve a
mesma expressão animada
enquanto ia vagarosamente
até o armário escolher outra
peça sem o mínimo de pressa.
— A preta ou a cinza? —
Perguntou-me na maior cara
de pau. Cada uma de suas
mãos com um modelo.
— Qualquer uma! Só faça logo!
— Era o meu ultimato.
— Então vire-se! Vou me
trocar.
— Não vou ficar de costas para
você! — Eu estava tão
zangado! Será que ela
realmente não via o perigo em
que estava se metendo?
— Espero que não esteja
pensando que vou ficar sem
roupa na sua frente. Não sabe
que é errado um homem espiar
uma mulher sem roupas?
— Então use o banheiro! —
Rangi.
— O chão está molhado. E se
eu escorregar? — Falou em
um tom meloso que não
combinava em nada com ela.
Agora estava claramente
implicando de propósito.
— BANHEIRO, AGORA! —
Ordenei, apontando para a
porta, mostrando que isso não
estava em discussão.
— Não precisava ficar tão
bravo... — Sussurrou
escolhendo a camisa preta
antes de seguir as minhas
ordens.
Sentei-me na cama e fiquei
aguardando. Os minutos se
passavam e isso ia me
deixando cada vez mais
estressado. Ela estava
demorando muito para
alguém que só foi se trocar.
Depois de meia hora, resolvi
verificar o que ela estava
fazendo e quando abri a porta,
encontrei-a de joelhos
enxugando o restante da água
no chão.
— Estou quase terminando. —
Disse ela em um tom baixo e
retraído. Ela já havia vestido a
camisa preta e seus cabelos
levemente úmidos estavam
soltos e penteados. Observei-a
atentamente concluir o que
estava fazendo. Eu não estava
mais bravo.
Ela espremeu a toalha na pia e
pegou o seu vestido também.
Segurando ambos na mão,
passou por mim sem dizer
uma única palavra. Ela desceu
as escadas com tanta pressa
que parecia estar fugindo, e
por algum motivo isso me
deixou triste.
— Pode me preparar um de
chá antes de ir? — Pedi, antes
que ela abrisse a porta.
Mesmo ela tendo tirado a
minha camisa, eu ainda me
sentia desconfortável por
pensar nela saindo dessa
forma, suas lindas pernas
expostas acima do joelho. Eu
não deveria me importar,
deveria ignorar esse
sentimento perturbador, mas
não conseguia.
Ela não respondeu, mas virou-
se e foi até a pequena cozinha
aquecer um pouco de água.
Fiquei olhando-a trabalhar de
costas, mantendo o
profissionalismo e o silêncio
como deveria ter sido desde o
começo. Pessoalmente, eu não
estava gostando nada dessa
postura.
— Durma aqui essa noite. —
Tomei coragem de pedir
enquanto ela me entregava
uma xícara de chá. — Estenda
o seu vestido, até amanhã
estará seco para você usá-lo.
— Não. Prefiro ir agora. Vai
saber que outras coisas você
fará comigo se eu adormecer
aqui. — Falou ela em um tom
aborrecido.
— Não confia em mim?
— Eu deveria?
— Não. — Admiti. Ela
assentiu com a cabeça sem
olhar para mim e pegando
suas coisas, partiu sem olhar
para trás. Senti meu lobo
choramingar por dentro, uma
sensação terrível de
abandono e perda. Liz, o que
você está fazendo comigo?
P2 - Capítulo 68
Visão de Liz
Lohan queria jogar duro? Eu
também sabia fazer isso!
Queria que soubesse a
diferença entre me ter por
perto e não me ter. Tinha
certeza absoluta de que
sentiria minha falta! Assim
que entrei no meu quarto,
encontrei Willow de pé perto
da janela. Ela se virou para
mim e sondou o meu estado.
— Parece que teve bons
avanços hoje. — Comentou
enquanto se aproximava.
— Lohan está confuso, cheio
de sentimentos
contraditórios. Posso sentir
que ele me quer com muita
intensidade, mas há um lado
dele que ainda me despreza, e
esse lado é forte o suficiente
para impedi-lo de ir mais
longe comigo. — Expliquei-
lhe.
— Parece que você já tem um
plano para lidar com isso.
— Mais ou menos. A maioria
do tempo estou tentando ser
eu mesma, mas sinto que se
eu fizer só isso, talvez não
consiga a tempo. Mãe, você já
se apaixonou?
Lembro que demorei um
pouco a admitir a mim mesma
que estava apaixonada pelo
Lohan. Eu era completamente
inexperiente e estava cheia de
sentimentos contraditórios
por causa de William. Precisei
alimentar meus sentimentos
pelo senhor misterioso por
um tempo para ter certeza de
que ele era a pessoa que eu
buscava. A atração, mesmo
que pelo primeiro olhar não
basta para prender uma
pessoa, mas um conjunto de
atitudes e experiências
fortaleçam a ligação.
— O amor não é para nós
bruxas. — Disse-me ela de
forma melancólica, um tom
que apenas a vi usar quando
ficamos mais próximas.
— Isso não responde a minha
pergunta. — Insisti. Algo me
dizia que ela pelo menos sabia
o que era o sentimento.
— Já sim, mas é algo que
prefiro não recordar. Não são
só as bruxas que não querem
se relacionar seriamente,
machos de outros povos
também não tem interesse em
bruxas dessa forma. Talvez as
coisas fossem diferentes se
existissem machos de nossa
própria espécie.
— Isso parece o tipo de
desculpa que se dá a si mesmo
quando algo não sai como se
espera. Além disso, Galadriel
discordaria de sua afirmativa.
— Willow se calou e sorriu.
Ela provavelmente não
esperava que eu discordasse
dela usando o exemplo que
ela mesmo colocou sobre
mim.
Eu sabia que Willow tentaria
trazer outros convidados
antecipadamente por causa de
Lohan, para tentar me
empurrar para ele levantando
o mínimo de desconfiança,
não só nele, como nas minhas
irmãs. O que não imaginei é
que Galadriel estaria entre
eles, e o motivo se tornou
óbvio depois das várias
abordagens que tive dele
desde que chegou.
Do mesmo jeito que Willow
me escondeu o fascientum,
Galadriel também o estava
fazendo. Quando o conheci,
ele provavelmente pretendia
me falar algo sobre isso, mas
ao perceber a minha
ignorância, decidiu se calar e
me propôs aliviar os meus
sintomas com ele, sabendo
que a décima segunda lua
chegaria e eu estaria
completamente à mercê dele.
Como eu tolamente lhe disse
em que lua estava, aqui estava
ele tentando se aproximar,
sem imaginar que eu já
descobrira a verdade.
— Galadriel é só um recurso
para te ajudar nos seus
objetivos. — Disse-me Willow
passivamente. — Lohan já
percebeu que ele tem um
interesse romântico em você e
se você souber usar isso da
forma correta, poderá obter
algumas vantagens.
"Me ajudar nos meus
objetivos ou como plano
alternativo?" Quis muito
perguntar isso para ela. Se ela
permanecia escondendo o
fascientum de mim é porque
Galadriel era provavelmente o
plano B dela. Eu não queria
um plano B, mas não podia
reclamar abertamente sobre
isso. Tudo o que eu podia
fazer é me empenhar ao
máximo para fazer acontecer
o único plano aceitável.
— Não pretendo usar
qualquer outro para chegar
em Lohan. É errado!
— É você quem sabe. De
qualquer forma, o conselho foi
dado. — Willow tocou o meu
ombro esquerdo gentilmente
e sorriu antes de se retirar.
Mesmo tendo dispensado o
conselho de Willow, sentia-me
um pouco insegura enquanto
levava a refeição matinal de
Lohan na manhã seguinte. Se
Lisa estivesse comigo seria
muito mais fácil. Ela era o meu
coração, sempre me enchendo
de positividade e confiança. Se
ela estivesse comigo, talvez eu
conseguisse conquistar Lohan
muito mais fácil, mas se eu a
liberasse, Lohan sentiria a
frequência dela dentro de
mim e isso poderia prejudicar
os planos.
Enquanto eu tentava
equilibrar os alimentos em
uma mão para abrir a porta,
Lohan a abriu para mim. Ele
parecia tenso, a ansiedade
evidente não só na sua
energia como na sua voz.
— Chegou mais tarde hoje. Já
são quase oito! — Reclamou.
Senti seu olhar me fulminar,
mas ignorei passando por ele
e colocando os alimentos
sobre a mesa da cozinha.
— Como a festa vai começar
hoje à noite, a cozinha está
agitada então tive que esperar
abrir um espaço para poder
fazer o seu chá. — Expliquei-
me enquanto organizava as
coisas na mesa.
— Poderia ter feito o chá aqui.
— Seu tom estava
especialmente rude hoje.
— Não queria incomodá-lo. —
Falei-lhe suavemente. —
Minha presença te irrita e não
quero ser um infortúnio. Bom
apetite, Majestade!
Curvei-me respeitosamente
antes de caminhar até a porta
para sair. Precisava de
algumas horas comigo mesma
para pensar sobre o que fazer.
Sentir a raiva vinda da energia
dele não era algo com o qual
eu conseguia lidar fácil.
— Aonde pensa que está indo?
Eu ainda não terminei!
— Vou para a biblioteca.
Depois volto para recolher a
louça.
— E não vai me pedir para te
acompanhar hoje? Não quer
me usar de repelente de
bruxas?
— Majestade, hoje não será
necessário. Minhas irmãs estão
preocupadas demais com a
festa que está para começar,
portanto, a biblioteca ficará
naturalmente vazia e ninguém
irá me importunar. Com
licença! — A preparação da
festa foi feita com bastante
antecedência, mas alguns
retoques finais são feitos só
na véspera, bem como a
própria produção pessoal.
— Liz, fique! — Ordenou de
forma imponente me
deixando surpresa. — O que
tanta procura naquele lugar?
Tenho uma biblioteca inteira
na cabeça, talvez eu posso te
ajudar.
— Você realmente quer me
ajudar? — Virei-me surpresa.
Lohan estava sendo como gelo
e fogo, por vezes muito frio, e
em outras muito quente. Era
completamente oposto ao
Lohan terno e paciente que se
mostrava para mim quando
estávamos juntos.
— Sente-se e me conte! Não
tenho nada para fazer mesmo.
— Embora eu estivesse
evitando o seu rosto, sabia
que um sorriso se abriu no
rosto dele no momento em
que me sentei de frente para
ele. — E então?
Eu não sabia por onde
começar porque faltavam
muitas peças no meu quebra-
cabeças mental. Ele tomou
alguns goles de chá e comeu
alguns biscoitos enquanto
aguardava, sem fazer pressão.
— Faz alguns meses, eu sofri
um atentado. — Comecei a
explicação. Por ter sido fácil
de lidar, não foi algo que
considerei preocupante para
mim, mas havia uma história
por trás que eu estava
realmente empenhada por
descobrir, principalmente
porque tinha certeza de que
haviam mais infiltradas das
bruxas maléficas no palácio.
Por qual motivo mais Willow
sempre trata os assuntos mais
confidenciais na câmara de
isolamento? — Uma de
minhas irmãs trouxe duas
bruxas maléficas para dentro
do palácio e eu era o alvo.
— Você? Por quê? —
Perguntou-me seriamente.
— Por que Willow me trata de
forma um pouco especial. Ela
me deu esses brincos de
proteção, então elas acharam
que eu estava escondendo
alguma informação
importante.
— E você está? — Lohan
parecia tenso. É como se o
pouco bom humor dentro dele
tivesse evaporado após
minhas palavras.
— A questão não é essa. O que
quero saber é quem as enviou e
porque as enviou. Willow não
conseguiu encontrar nada na
memória delas. É como se o
essencial tivesse sido apagado.
— É sempre assim. — Lohan
bufou. — Ela nunca descobre
nada. As bruxas maléficas
funcionam em uma rede onde
ninguém tem acesso direto à
líder. Todas que participam
são contadas por terceiros.
— Não acho que seja assim.
Nenhuma organização
conseguiria crescer tanto sem
um líder de nome e com
objetivos claros. Penso que
algumas das memórias
essenciais são alteradas ou
mesmo apagadas quando elas
são pegas. — Isso estava me
intrigando, principalmente
porque detectei rastros de
magia das trevas quando
apaguei a consciência delas.
— Desde a invasão, comecei a
estudar profundamente sobre
os demais elementos mágicos e
suas capacidades, e
compreendi que os poderes
psíquicos não conseguem
apagar ou alterar memórias a
tal nível e de forma
programada. Só há uma coisa
com potencial para isso:
Maldições!
Contudo, todas as maldições
podem ser quebradas,
portanto, o que quer que
esteja na memória das bruxas
presas pode ser recuperado.
Me perguntava se é por isso
que Willow queria tanto que
eu elevasse o meu nível e
controlasse a minha magia de
luz. Não era somente sobre a
maldição de Lohan...
— Essa é a sua conclusão? —
Perguntou-me após um tempo
de ponderação. — Está
desconfiada de sua rainha?
— Não dela, mas acredito
fielmente que a cabeça por
trás das bruxas maléficas é
uma bruxa das trevas, alguém
com poder de trevas igual ou
até mesmo superior ao de
Willow, já que o poder dela
não é capaz de penetrar as
maldições das bruxas
capturadas. Conhece alguma
bruxa assim que esteja viva?
— Não tenho certeza. —
Lohan estava pensativo.
Todas minhas ponderações
tinham um sentido lógico e
podia dizer que ele também
enxergava isso. — É por isso
que estava lendo sobre
histórias dos reis e rainhas e
suas profecias? Acha que é
alguma antepassada de
Willow?
— Sim. — Admiti em voz
baixa. Willow era poderosa,
mas quem quer que esteja por
trás disso era mais, portanto,
alguém que viveria muito
mais tempo que a própria
Willow. Diferente do que foi
com Lohan, eu não conhecia
mãe, avó ou bisavó de Willow
e sequer ouvira menções.
— Eu já cogitei algo do tipo,
mas sem provas não há como
fazer acusações. A resposta
deve vir da própria Willow. —
Admitiu ele, cruzando os
braços sobre a mesa e se
inclinando na minha direção.
Ele estava me estudando.
— Justamente por ela não
dizer que acredito ainda mais
que seja isso. Acho que ela está
tentando lidar com a verdade
sozinha, como se o fardo
pertencesse somente a ela. —
Willow fez tanto por mim que
eu queria poder fazer algo por
ela também. Talvez ela tivesse
vergonha de admitir isso, que
alguém que lhe é importante
esteja causando mal ao seu
reino e trazendo desgraça ao
nome de sua família. Se o
fosse, faria sentido ela tentar
lidar com isso sozinha.
— Penso que deve parar de
investigar isso. — Disse-me
Lohan seriamente. — Se você
já foi alvo uma vez, quanto
mais se aprofundar nisso, mais
risco correrá de ser atacada de
novo.
— Eu não tenho medo!
— Deveria. De qualquer forma,
isso não tem nada a ver com
você, então não quero você
bisbilhotando esses assuntos.
Deixe que eu e Willow
cuidemos disso! — Pelo seu
tom de voz, me soou mais
como uma ordem do que um
conselho.
"Tem tudo a ver comigo! Eu
sou a garota que coloca em
risco a existência do
Devorador. Eu sou o alvo
delas!" — Queria muito dizer
isso a ele, mas tive que
segurar a língua por hora.
Minha maior preocupação no
momento era lidar com o
fascientum, e não brigar com
Lohan sobre o que eu posso
ou não fazer.
— Está preocupado comigo?
— Perguntei um pouco mais
animada.
Lohan não respondeu, mas eu
sentia por sua energia o
quanto minha história o
afetara. Agora ele parecia
muito mais com o meu Lohan,
o homem protetor e terno que
não precisava de palavras
para mostrar seu amor.
P2 - Capítulo 69
Visão de Lohan
Liz se sentou no sofá e ajeitou
o cabelo atrás da orelha. Nem
a maquiagem escondia o
rubor de sua face, enquanto
seus olhos esverdeados
miravam o chão de forma
tímida. Seu longo vestido
vermelho escuro era discreto,
mas destacava cada uma de
suas curvas tornando-a
atraente de um jeito
particularmente especial.
Observei cada um de seus
traços antes de me sentar ao
lado dela. Senti-a estremecer
de leve com a proximidade,
mas ela não se afastou.
- Realmente deveríamos ter
nos retirado tão cedo da festa?
- Perguntou-me suavemente. -
Há muitas pessoas importantes
presentes. Você não deveria
aproveitar a oportunidade
para tratar assuntos
importantes?
- Ninguém que vem a uma
festa de Willow estaria
interessado em tratar de
negócios ou assuntos sérios. -
Respondi sem esboçar reação.
- Compareci como Willow
queria e fui visto por quase
todos. Minha permanência
poderia acabar estragando o
clima de festa, então acho que
fizemos bem em sair mais cedo.
Depois que Liz me revelou
sobre ter sido alvo, decidi que
deveria ficar de olho nela
enquanto estivesse aqui. A
festa traria muitas pessoas
estranhas para dentro, e se
alguém quisesse atingi-la,
seria o momento ideal.
Liz parece não ter percebido
minhas reais intenções, mas
me acatou quando pedi que
ficasse por perto para o caso
de eu precisar. Por vezes, ela
mostrava aquela
personalidade extrovertida e
começava a me contar coisas
aleatórias, mas em outras ela
simplesmente ficava parada
em silêncio, apenas marcando
presença.
Quando precisou voltar ao seu
quarto para se arrumar para a
festa, acompanhei-a e esperei-
a na recepção do palácio de
Willow. Quando a vi
caminhando em minha
direção fiquei vislumbrado.
Ela estava radiante e o seu
sorriso fez o meu coração
disparar novamente.
Durante a festa, ela ficou
obedientemente ao meu lado,
incumbida de me fornecer
suporte e alimentação segura.
Enquanto ela estava alheia
aos acontecimentos,
permaneci atento às pessoas
cujas intenções estavam
voltadas para ela. Cada gesto,
cada aproximação, cada olhar,
nada passava despercebido
por mim. Quando percebi que
minha presença não seria
mais o suficiente para
afugentar os interessados em
se aproximar dela, decidi
trazê-la de volta comigo.
- Majestade, ainda precisa de
algo ou posso me retirar para
os meus aposentos?
- Me chame de Lohan de agora
em diante. - Pedi. Me
arrependi de tê-la proibido de
se dirigir a mim pelo meu
nome. Majestade é formal
demais e, vindo dela, me
soava estranho e
desconfortável. - Quero que
fique aqui hoje à noite!
- Ficar aqui? Por que Vossa
Majestade me pede uma coisa
dessas? - Ela parecia surpresa
com o meu pedido. Quando
veio pela manhã estava certa
de que sua presença era um
incomodo para mim, então
não podia culpá-la por pensar
assim considerando tudo o
que aconteceu entre nós.
- Só acho que não é muito
seguro você sair de noite. Não
posso perder a minha única
serva.
- Majestade, você está me
subestimando.
- Lohan. - Rangi. - Não me
chame mais de Majestade!
- Lo-han... - Pronunciou lenta e
provocativamente. - Não sou
tão fraca quanto pareço.
- Será mesmo? - Com um
rápido movimento a joguei
contra o sofá de costas contra
mim. Travei suas mãos atrás
de suas costas e a prendi com
o meu corpo. - Você é lenta,
inocente e vulnerável. Se fosse
outro já estaria morta.
Ela nem reagiu. Invés disso,
permaneceu sorrindo como se
o meu conselho fosse uma
brincadeira.
- Mas não é outro, é você! - Os
lábios dela se entreabriram,
parecia querer rir. - Você disse
que não quer perder a sua
única serva, então não vai me
fazer mal.
- Não esteja tão certa disso! -
Apertei-a com mais força e
rosnei perto do ouvido dela.
Esse jeito inocente dela era
preocupante e me fazia
querer dar-lhe uma lição para
deixar de ser tão boba. Uma
hora acabaria se metendo em
sérios problemas e eu não
estaria por perto para ajudá-
la.
- Lohan, acho que já chega
disso, certo? Vai me segurar
até quando, ou quer que eu
peça desistência da função
para a Willow?
- Você não vai a lugar algum. -
Rosnei irritado. Elevando-a
por sobre meus ombros,
carreguei-a até o quarto e
lancei-a sobre a minha cama. -
Vai dormir aqui, entendido?
Isso não está em discussão.
- Lohan, você está sério
demais. - Disse-me rindo,
enquanto tentava se levantar.
- Se eu ficar na sua cama, você
vai dormir onde?
- Aqui também! - Falei-lhe
empurrando-a de volta e
cobrindo-a completamente
com o cobertor. - Fique aí por
um minuto!
- Por que um minuto? - Sua voz
saiu abafada. Ela estava tão
tranquila que nem parece que
tinha sido ameaçada, o que só
mostra o quanto confia em
mim. No início, isso me
incomodou muito, mas agora
eu apreciava isto.
Tirei as roupas agilmente e
tomei forma de lobo.
Provavelmente Ray seria
muito mais persuasivo com
sua aparência imponente do
que eu. Bruxas geralmente
tremem de medo e fogem ao
ver um lobisomem tomar
forma de lobo. Eu não queria
assustar Liz a esse ponto, mas
ela realmente estava pedindo
por isso.
- Já deu um minuto, estou
saindo. - Disse ela puxando o
cobertor para baixo e
destampando a cabeça.
Quando ela se sentou, comecei
a rodeá-la e ameaçá-la com
meus rosnados, destacando
meus dentes afiados. - Oh,
entendi. Quer mesmo que eu
fique, né? Então boa noite,
lobinho preto!
"Lobinho preto?" - Pensei
desnorteado. Ray ficou
espantado com a audácia da
garota em diminuí-lo. A
garota simplesmente se
deitou procurando uma
posição confortável e fechou
os olhos. Não havia um único
pingo de medo em sua
energia.
"Vou assumir!" - Disse Ray de
forma imponente. Recuei sem
me preocupar mais em
ocultar o meu poder,
deixando minha real aura à
mostra. Ela era tão
avassaladora que mesmo os
que não tinham sensibilidade
à energia como as bruxas, se
curvavam de medo. Ray saltou
por cima da cama ao lado da
garota e aproximou o rosto do
dela ainda em atitude
agressiva.
- Será que dá para parar de
rosnar? Não consigo dormir
com esse barulho no meu
ouvido! - Reclamou a garota
colocando a mão na cara do
meu lobo e empurrando-o. Tal
ousadia deveria fazer Ray
estilhaçar a mão da garota,
mas invés disso ele
choramingou e se deitou ao
lado dela colocando a cabeça
por cima do corpo dela.
- Bom garoto! Melhor assim,
certo? - Disse ela afagando a
cabeça do Ray como se
estivesse tratando-o como um
animal de estimação. Isso me
deixou furioso, mas Ray
parecia não se importar, ao
contrário, o coração dele
estava agitado de felicidade.
"Me devolve o controle!" -
Ordenei com impaciência.
"Não!" - Disse-me
decisivamente. Ray era muito
mais poderoso e, no momento
em que lhe passei
completamente o controle, eu
só o teria de volta se ele me
repassasse ou se abrisse
brechas para eu tomá-lo.
Teimosamente ele fortaleceu
suas defesas e se espremeu
contra o corpo da garota
lambendo o pescoço dela.
Ela riu divertidamente e me
abraçou deixando o meu lobo
extremamente satisfeito.
Nunca em meus sonhos mais
loucos imaginaria que uma
bruxa se portaria de forma tão
calma e segura perto de um
lobo. Não só não se importou
com a ameaça como
rapidamente pegou no sono,
dormindo como se sentisse
completamente segura e
calma na presença de Ray. O
calor do corpo de Liz deixou
Ray confortável e o fez pegar
no sono. Assim que baixou a
guarda, retomei o controle e
voltei para a forma humana.
- Você é muito inconsequente,
Liz. Não percebe o que está
fazendo comigo? - Sussurrei,
admirando o rosto sereno e
belo da garota. Sua respiração
estava suave e seus braços
continuavam em volta de mim
tocando minha alma e
extinguindo a fúria que senti
com sua atitude insolente e
despreocupada.
Eu deveria soltá-la, devia me
afastar o quanto antes para
evitar essa atração perigosa,
mas eu não conseguia. Eu não
queria dormir, queria
continuar olhando para ela,
continuar sentindo-a perto de
mim. Por não tomar uma
atitude quando devia, acabei
adormecendo sem perceber e,
quando acordei, ela não
estava ao meu lado.
- Vista-se com calma. Não vou
olhar. - Disse-me ela com a
voz gentil ao notar meus
movimentos. Virei-me e
encontrei Liz de costas para
mim, perto da janela, olhando
para o jardim. Na mesa ao
lado, uma refeição estava a
minha espera.
"Ela não parece brava." -
Respondeu Ray aos meus
medos. Acabei dormindo com
ela completamente despido.
Do jeito que Liz era, esperava
encontrar um pão seco, mas a
mesa estava repleta de coisas
que eu gostava.
"Deve haver alguma coisa
envenenada. Provavelmente o
meu chá!" - Pensei me
sentando cautelosamente na
cadeira após ter me vestido.
Liz serviu minha xícara, sua
expressão estava serena, mas
ela não dizia nada, e isso me
deixou ainda mais inquieto.
- Não coloquei nada no seu
chá! - Disse ela em um tom
sério, vendo a forma como eu
cheirava o chá
persistentemente.
- Não está chateada? -
Perguntei resolvendo confiar
nela.
- Você não fez nada comigo.
Vou deixar essa passar desta
vez. - Falou-me suavemente. -
Mas se fizer mais alguma coisa
é melhor se responsabilizar
por mim.
- Por que eu deveria me
responsabilizar por você?
- Você já me fez tomar banho
com você e também já me fez
dormir com você. Se eu acabar
me apaixonando, a culpa será
sua, então você deve se
responsabilizar por mim. - Não
pude deixar de rir. Se
apaixonar? Uma bruxa? Que
bobagem!
- Você tem um ótimo senso de
humor. - Comentei enquanto
apreciava o meu chá. Ainda
estava quente.
- Lohan, isso não é brincadeira.
Estou falando sério! - Ela
parecia irritada.
- Liz, você está mesmo se
apaixonando por mim? -
Perguntei preocupado. Isso
não podia acontecer. Ela não
era a minha companheira e
jamais poderia ser a rainha de
Éldrim!
- Estou! - Disse-me
firmemente me deixando
encabulado. Eu não esperava
que ela fosse admitir isso.
- Liz, não diga bobagens!
- E por que é bobagem? Não
posso gostar de você?
- Não, você não pode! Além
disso, mal nos conhecemos,
então é muito cedo para você
se apaixonar! Não tenho
qualquer afeição do tipo por
você e jamais me envolveria
com uma bruxa. Não alimente
expectativas, ou só irá se
machucar.
Ela não respondeu, mas
parecia querer chorar e isso
me machucou. Mordiscando o
lábio inferior, desceu as
escadas e saiu correndo para
fora. Acompanhei seus passos
pela janela e me dei conta de
que realmente a feri quando
Galadriel tentou interceptá-la,
mas ela o evitou.
"Eu também gosto dela!" -
Disse Ray chateado. Ele a
queria e a desejava tanto que
reivindicaria o corpo de Liz se
eu me deixasse abalar por
sentimentos tão primitivos e
irracionais.
"Problemas à vista!" -
Galadriel se aproximava a
passos firmes do meu chalé.
Parecia irritado. Após bater
insistentemente na porta por
um tempo, decidi que deveria
recebê-lo.
- O que fez com ela? -
Perguntou em um tom bravo.
- Por que ela estava chorando?
- Isso não é da sua conta! -
Respondi no mesmo nível. Ele
teve a ousadia de se mostrar
diante de mim sem o devido
respeito, então não tinha
porque eu mostrar qualquer
cordialidade.
- Rei Lohan, Liz não é como as
outras bruxas. Se você não
deseja tê-la por perto,
convença-a a me servir. Em
troca colocarei meus dois
servos pessoais a sua
disposição e você não terá que
lidar mais com bruxas.
- Não fui eu que pedi para ela
vir, ela o fez por conta. Se faz
tanta questão de tê-la ao seu
lado, convença-a você!
- Não a culpe, ela deveria estar
ao meu lado, mas você foi
impertinente ao aparecer
antes da hora sem ser
convidado! - Reclamou
Galadriel com uma postura
mais ofensiva.
- Liz sabe que você e Willow
estavam tramando pelas
costas dela? Será que eu
deveria contar a ela? - De
certo que cheguei alguns dias
antes do que deveria e
atrapalhei o plano dos dois,
mas isso foi só uma infeliz
coincidência. Felizmente, Liz
era mais esperta que eles. - Eu
sei que Liz não é como as
outras bruxas. Posso ver o
quanto ela é especial. O que faz
você achar que é digno de tê-la
como esposa?
Meu lobo estava muito
irritado, não só com a falta de
respeito e a invasão de
Galadriel, como dele ter tido a
arrogância de me acusar de
coisas das quais não cabia a
mim resolver.
- Ela precisa de mim! - Insistiu
Galadriel. Sua postura mudou
completamente depois que
ameacei contar a Liz de seus
planos com Willow. Apesar
disso, insistia em algo que eu
não pretendia ajudá-lo.
- Liz é adulta e é livre para
escolher o que achar melhor
para ela.
- Ela não sabe o que é melhor
para ela. Ela não imagina o
que vai acontecer com ela. -
Galadriel respirou
profundamente antes de
forçar entrada e fechar a
porta. Deixei que o fizesse
porque parecia querer revelar
algo muito importante. - Eu
não queria ter que dizer isso,
mas não tenho opções.
- E o que vai acontecer com
Liz? - Eu tinha quase certeza
que ele pretendia me contar
algo em relação às bruxas
maléficas. Se Liz era
realmente um alvo, talvez
Willow considerasse que ela
estaria mais segura ao lado de
Galadriel do que aqui, e é por
isso que o estava ajudando.
- Lohan, o que te direi, espero
ter a sua palavra de que não
revelará nada a ela. - A voz de
Galadriel soou firme. Mantive
meus olhos para baixo
enquanto ponderava sobre
sua condição.
- Não farei isso! - Liz confiava
em mim. Se ele me contaria
algo que a envolvesse, eu
contaria a ela,
independentemente do que
seja.
- Então não posso lhe dizer.
Para o bem dela, fique longe do
nosso caminho! - Disse
Galadriel se retirando em
seguida. Sua ameaça não me
afetou. Liz jamais seria dele,
porque ela estava apaixonada
por mim!
P2 - Capítulo 70
Visão de Liz

Lohan se negava a me aceitar


porque eu era uma bruxa. Me
sentia muito só e estava com
saudades da minha loba.
Peguei a Preciosa e comecei a
dedilhar algumas músicas,
buscando alivio para o meu
coração ferido. O meu tempo
estava se esgotando e a festa
dessa noite seria a penúltima
para a lua cheia. Eu não
conseguia pensar claramente
numa forma de convencer
Lohan a se deitar comigo
antes disso, e até começava a
duvidar de que seria possível.
Continuei tocando e cantando,
deixando as emoções ruins
fluírem para longe de mim. Eu
precisava colocar a cabeça no
lugar e manter as esperanças
enquanto formulava um novo
plano. Talvez se eu mostrasse
a ele mais sobre mim, talvez
se eu revelasse algo...
"Definitivamente não!" —
Pensei seriamente. Ele não
podia me querer
completamente. Se ele me
levasse completamente a
sério, isso não funcionaria.
Mantive meus dedos
trabalhando na minha música
enquanto recordava de todas
as vezes que fui na cachoeira,
de quando Lohan era só o
meu senhor misterioso, que
eu não conhecia nem a voz ou
o rosto. Naquela época eu não
fazia ideia do quanto a minha
vida mudaria.
Dentro de mim, um
sentimento doce brotou, uma
esperança de que se alguém
sem rosto de um mundo
diferente do meu veio a se
tornar o meu companheiro,
um lobo teimoso poderia
gostar de uma bruxa. O que
era mais difícil afinal? Em
meio aos meus devaneios,
uma melodia suave brotou de
meus lábios
"Quando me aproximo, meu
coração dispara
Às vezes penso que
enlouqueci
Mesmo que eu não te veja,
sinto o teu olhar...
Enquanto eu cantava a música
que fiz para o meu amado, a
porta do meu quarto se abriu
bruscamente. Além de mim,
apenas Willow conseguiria
entrar, mas ela jamais
apareceria de forma tão
brusca. Olhei para o homem
que se aproximava com
ferocidade de mim. O que
Lohan estava fazendo aqui?
Por que estava aqui? Como
conseguiu entrar? Os olhos
dele estavam tomados de
raiva quando agarrou o meu
braço e o apertou.
— Como você conhece esse
idioma? — Perguntou ele na
língua do mundo em que vim.
Ele estava do lado de fora me
ouvindo? Me senti petrificada.
— Lohan, me solta! Está me
machucando! —
Choraminguei tentando me
livrar do aperto dele. Se
continuasse assim ia acabar
quebrando o meu braço. —
Lohan, por favor!
— Então me responde, como
conhece esse idioma? —
Perguntou mais uma vez com
ferocidade.
— Me solta que eu te digo.
Prometo! — Ele afrouxou os
dedos e corri até a porta do
quarto fechando-a
rapidamente antes que
alguma irmã percebesse a
comoção.
— E então? — Em um
segundo ele se colocou atrás
de mim. Sua voz era muito
ameaçadora e senti calafrios
ao ler seu espírito e perceber
que estava disposto a me
machucar para me tirar a
verdade.
— Como não conheceria?
Todas as escolas de Éldrim o
ensinam. — Sussurrei
mantendo a cabeça baixa. Pelo
menos eu tinha uma história
compatível com o que minhas
irmãs sabiam. Se ele
procurasse respostas com
outra, a história coincidiria.
— Está me dizendo que
cresceu em Éldrim? —
Perguntou-me em um tom
ainda mais feroz.
— Eu cresci no meio dos lobos
achando que eu era um lobo.
— Eu não conseguia mentir
fácil, não para ele. Ao mesmo
tempo, precisava ter cuidado
com as informações que eu
transmitia. — Eu somente vim
para Aradia quando Willow
foi me buscar.
— Quem são seus pais? De
que clã você veio? —
Perguntou-me insistindo
nessa questão. Decidi me calar
a mentir, mas ele não aceitou
isso muito bem.
— Liz, você está surda? — Ele
me jogou contra a parede e
me travou. Ele queria me
assustar, ele queria me
machucar de verdade. Eu
sentia isso emanando dele.
Fechei meus olhos a tempo
quando percebi suas
intenções. Ele ergueu o meu
queixo de forma rude. — Abra
seus olhos!
Senti minhas lágrimas
transbordando. A intenção
dele era clara e não era boa.
Ele estava furioso e eu
precisava continuar
mantendo minha identidade
em segredo.
— Não... — Sussurrei aflita,
perdendo completamente o
controle sobre os meus
poderes espirituais. Meu orbe
já estava instável e, com
minhas emoções negativas
aflorando, eu não conseguia
mais me concentrar em
manter o meu poder ativo.
— Liz, eu não estou
brincando. É melhor começar
a me dizer as coisas, ou
pararei de ser gentil com
você!
— Por quê? O que foi que eu
te fiz? — Confrontei-o
enquanto tentava me libertar.
Seu aperto era forte e
doloroso. — Acha que quero
estar aqui? Acha que eu quero
ser uma bruxa?
— E o que você quer de
verdade? — Perguntou-me
seriamente próximo ao meu
ouvido. — Quais são suas
verdadeiras intenções, Liz?
— Eu só quero ir para casa! —
Falei-lhe entre lágrimas, a real
verdade do que havia em meu
coração. Ele me soltou e
recuou um passo. Deixei
minhas costas deslizarem
contra a parede e sentei-me
no chão abraçando meus
joelhos e escondendo o meu
rosto.
Toda a esperança que eu
estava alimentando se fora
frente ao comportamento
agressivo dele. Ele nunca
tinha agido assim comigo, e eu
não tinha o direito de culpá-lo
por agir com desconfiança,
afinal, ele não se lembra de
mim. O que eu faria se isso
falhasse? Com um pouco de
coragem elevei um pouco o
meu rosto e forcei minha voz
a sair.
— Lohan, eu só quero voltar
para minha casa, para Éldrim!
Isso é tão errado?
— Éldrim não é mais o seu lar.
Eu não quero voltar a te ver
de novo, Liz. — Disse ele
friamente antes de se retirar
do quarto. Eu não conseguia
mais pensar, não conseguia
enxergar uma luz para seguir,
ou um apoio para segurar.
Deitei-me onde estava,
incapaz de tomar qualquer
atitude. Eu poderia suportar a
rejeição do mundo todo, mas
vindo do meu companheiro
era ainda mais doloroso do
que as provações que eu vinha
enfrentando.
Permaneci inerte até que as
lágrimas cessaram por um
instante. Me levantei e olhei o
relógio mágico no teto.
Mesmo que Lohan dissesse
que não queria mais me ver,
era o horário do almoço e eu
ainda era a pessoa designada
a servi-lo. Precisava ser forte,
não podia simplesmente
desistir.
Enquanto eu carregava a
bandeja de comida, senti que
algo estava estranho quando
me aproximei do chalé. Havia
um cheiro de comida no ar e
uma energia a mais ali dentro.
Quando abri a porta, minha
bandeja foi para o chão pelo
golpe impiedoso de Lohan.
— Será que não deixei claro
que não quero mais te ver! —
Disse-me em um tom rude me
empurrando para fora e
acabei perdendo o equilíbrio e
caindo para trás. Ele fechou a
porta na minha cara e
permaneci no chão,
completamente atordoada. Eu
não sabia o que era mais
doloroso, o tombo ou ver uma
de minhas irmãs ali dentro
cozinhando para ele. Ele
pedira outra designação para
Willow?
Senti como se estivesse
enraizada no chão. Eu não
conseguia me mover, não
queria. Como que fui estragar
tudo dessa forma?
— Liz, você está bem? — Uma
voz perguntou-me com
gentileza. Galadriel se
agachara perto de mim e
parecia estar fazendo uma
checagem visual. Eu não
conseguia responder a isso,
me sentia tão vazia! — Me dá
a sua mão!
Minha mão? Por que ele
queria a minha mão? Eu não
conseguia responder, não
queria. Não queria fazer
absolutamente nada, senão
apagar minha existência para
deixar de sentir qualquer
coisa. Após algum tempo sem
resposta, Galadriel puxou o
meu braço direito. Usando
algum truque mágico, fez
surgir um pouco de água na
palma de sua mão e tocou o
ralado na lateral da minha
mão.
— Magia de cura? —
Perguntei um pouco mais
consciente dos fatos, ao notar
o machucado desaparecendo.
Era até mais eficaz que a cura
de lobo.
— Alguma parte mais dói? —
Perguntou-me calmamente.
Fiz que não com a cabeça e ele
se levantou e estendeu a mão.
Não me movi. Por mais
atencioso que fosse sua
atitude, eu não podia aceitá-la.
Queria ficar plantada aqui até
Lohan se acalmar e me aceitar
de novo.
— Liz, não gosto de te ver no
chão. — Galadriel se abaixou e
me pegou nos braços dele.
Fiquei um pouco inquieta de
início, mas quando senti que
só estava preocupado e que
não tinha intenções ruins,
deixei que me levasse. —
Soube que vai se apresentar
hoje à noite. Estou ansioso
para te ouvir de novo.
Seu jeito de se portar era doce
como o seu olhar. Havia
verdade em cada uma de suas
palavras, e isso me estimulou.
Lohan uma vez me disse que
minha voz era um farol que
me guiou até ele. Se eu
cantasse essa noite com todo
o meu coração, eu seria capaz
de tocá-lo?
— Apenas por meia hora dessa
vez. Tenho muitas irmãs
querendo mostrar o seu
talento também.
— A meia hora mais
importante da noite! — Disse
ele me descendo até o chão de
frente ao jardim principal.
— Não é para tanto! Tenho
muitas irmãs muito talentosas
também! De qualquer forma,
obrigada pela preocupação.
Me sinto melhor agora! —
Falei a ele sorrindo
suavemente. Em suas
palavras, encontrei uma dica
valiosa para tentar
impressionar Lohan. — Te
vejo na festa!
Corri de volta ao meu quarto e
peguei a Preciosa novamente
enquanto pensava sobre as
músicas que Lohan mais
gostava. Ensaiei por um
tempo antes de começar a me
preparar para a festa. Minha
apresentação seria a quinta da
noite, então eu teria algum
tempo para tentar me
reaproximar de Lohan depois
disso.
Escolhi um dos meus vestidos
preferidos para vestir.
Diferente do que eu vinha
usando, o vestido era um
pouco mais curto, cerca de um
palmo acima dos joelhos, com
a saia com um caimento leve,
mangas caídas mostrando
todo o contorno dos meus
ombros e o decote discreto
em coração. O busto era todo
detalhado e um cinto
destacava a minha cintura.
Passei uma maquiagem um
pouco mais forte. Me sentia
bonita, me sentia atraente e
feminina, e o principal, me
sentia mais como a grande
cantora Lisa que um dia eu fui.
Me dirigi ao local da festa no
segundo jardim com a
Preciosa. A festa começaria ao
pôr do sol, mas já haviam
muitas pessoas no local no
momento. Minha chegada
atraiu vários olhares, não só
das minhas irmãs que já se
faziam presentes, como de
vários convidados. Eu não
sabia quem eram, tampouco
me importava já que o meu
único foco é o meu
companheiro.
Mantive-me atenta dessa vez,
esperando o aparecimento de
Lohan. Sempre que sentia que
alguém desconhecido tinha
intenção de vir até mim, eu
começava a caminhar em
direção oposta. Em uma
dessas fugas, acabei
esbarrando em Galadriel.
— Liz, você está maravilhosa!
— Disse-me ele gentilmente
pegando a minha mão direita.
Embora ele tivesse vindo com
servos, eu sempre acabava
encontrando Galadriel
sozinho. É como se estivesse
sempre de olho em mim e se
aproximasse a cada
oportunidade que tinha.
— Obrigada! — Respondi
enquanto ele beijava minha
mão de forma educada.
Apesar de saber que havia
interesse da parte dele, ele
sabia ser cauteloso, não
insistir e nem fazer
movimentos ousados. Sua
sutileza era um ponto forte, e
sua presença neste momento
ajudou a dispersar os
inconvenientes que queriam
vir até mim.
"Está aqui!" — Pensei
enquanto sentia a energia de
Lohan. Algo me dizia que a
primeira coisa que vira
quando entrou fui eu. Puxei
minha mão de volta e tentei
fingir que não notara a
presença dele. Eu queria
muito me aproximar dele, mas
a fúria em seu espírito não se
extinguira, então eu tinha
certeza que ele não abriria
espaço para mim.
— Liz, quer se sentar comigo?
— Convidou Galadriel
gentilmente vendo que eu não
me afastara dele como
costumava fazer. Assenti a
cabeça positivamente e ele
tornou a pegar minha mão
enquanto me puxava com ele.
Dois eram os motivos pelo
qual eu aceitei isso. O
primeiro é que Galadriel seria
meu novo repelente. Sua
presença imponente ajudava a
afastar os machos
indesejados. O segundo é que
eu precisava saber se Lohan
tinha sentimentos por mim, se
sentiria ciúmes.
Tirei a Preciosa das costas e
apoiei-a na mesa enquanto eu
me sentava ao lado de
Galadriel. Depois foquei-me
em sentir Lohan, que estava
sozinho de pé em um dos
cantos. Era quase instintivo as
pessoas evitarem passar perto
dele ou mesmo olhar para ele,
como se seus espíritos os
alertassem do perigo. Se
Lohan estava com ciúmes, era
difícil saber, porque a raiva
que exalava ainda tinha a
mesma intensidade de antes.
Galadriel tinha uma postura
relaxada enquanto me falava
um pouco sobre o seu reino,
Gondolin. Me forcei a escutá-
lo por educação, mesmo que o
meu coração estivesse
tomado por ansiedade.
— Gondolin parece ser um
lugar lindo. — Comentei
enquanto apertava minhas
mãos uma contra a outra
discretamente por baixo da
mesa.
— Se quiser conhecê-lo
pessoalmente, posso lhe
apresentá-lo. Você será a
minha convidada de honra.
— É muito atencioso de sua
parte, Galadriel. Conheço
pouco de Celestria, e penso que
seria interessante me
aventurar um pouco, mas
tenho outras coisas mais
importantes a lidar no
momento. Um dia, quem sabe...
— Não queria ser mal
educada recusando
diretamente. Galadriel era
alguém de coração bom, eu
podia sentir isso com clareza.
Galadriel ficou em silêncio por
um tempo. Seus olhos me
sondavam com curiosidade,
provavelmente percebera a
minha ansiedade aumentar. A
próxima apresentação era a
minha.
— Vou me preparar para a
minha vez. — Disse a ele
colocando-me de pé.
— Liz, você me acompanharia
ao baile de amanhã? — Soltou
ele de repente, pegando
novamente minha mão
enquanto se levantava
também. Seu rosto estava a
centímetros do meu e minha
primeira reação foi recuar um
passo e desviar o olhar. Ele
era lindo e gentil, mas meu
coração já tinha dono.
— Agradeço o convite, mas
não acho que participarei do
baile. — Respondi
suavemente. Puxei minha mão
e peguei a Preciosa,
colocando-a na frente, entre
mim e Galadriel. — Não vai
ser um bom dia para mim.
— Entendo. — Disse ele
calmamente. Em seu espírito,
tive o claro vislumbre de que
ele sabia exatamente o que
me aconteceria. Ele ansiava
por me ter por perto no
momento. — Boa
apresentação!
Assenti e sorri amigavelmente
antes de me retirar e me
colocar de prontidão. O baile
da lua cheia é a programação
principal da festa de Willow.
Começaria na parte da tarde,
sem horário previsto para o
término. Com minhas
experiências anteriores, eu
sabia que meus sintomas
começariam ainda mais cedo
e que a sedução estaria nas
alturas. Ir ao baile não seria
nada seguro para mim, ainda
mais sabendo que, a qualquer
momento, meu corpo sofreria
uma paralisia total por causa
do fascientum e eu ficaria
completamente indefesa.
"Minha vez! Não é o mesmo
sem você, Lisa, mas vou dar o
meu melhor!" — Respirei
profundamente enquanto
trocava com minha irmã de
antes e tomava posição.
— Olá! Para quem não me
conhece, me chamo Liz e
cantarei para vocês por um
tempinho. Espero que
apreciem a minha música! —
Falei amigavelmente
enquanto dedilhava a
Preciosa.
Deixei a música envolver a
todos em um ritmo alegre e
animado. Eu queria mostrar
positivismo, queria trazer
bons sentimentos a todos essa
noite, principalmente ao meu
amado. Ele parecia me ouvir
atentamente de onde estava,
mas antes que eu terminasse
de me apresentar, ele se
retirou como se minhas
músicas o tivessem
incomodado.
Meu coração se chateou e,
mudando o plano original,
toquei as últimas músicas com
melodias mais tristes e letras
mais melancólicas. Assim que
a apresentação terminou
curvei-me como de costume,
mas, sem dizer nada e nem
tecer agradecimentos, acelerei
meus passos e saí o quanto
antes do local da festa.
Entrei em meu quarto me
jogando sobre minha cama e
comecei a chorar. Eu
precisava da alegria e
confiança da minha loba e
precisava da perseverança e
da sensatez da Eliza. Contudo,
eu era só a Liz agora, uma
bruxa confusa e impotente. O
fascientum me pegaria e eu
estaria arruinada.
Se eu rastejasse até Lohan e
implorasse, será que ele me
ouviria ou só me desprezaria
ainda mais? Se ao menos eu
conseguisse mentir, se
conseguisse inventar e
sustentar uma história na
frente dele...
Eu não gostava de jogos, de
truques, mas estava
desesperada! Apesar disso,
não tinha forças continuar
lutando.
"Não dá, eu não consigo! Meu
tempo acabou..." — Pensei
enquanto sentia o meu corpo
começar a esquentar. Olhei as
horas, já passavam da meia-
noite. Os sintomas começaram
muito antes do que previ.
Deitei novamente a cabeça e
abracei o meu travesseiro,
completamente desamparada
e sem forças. Eu não
conseguia parar de chorar, e
não fazia questão nenhuma de
esconder isso da presença que
adentrava o meu quarto.
Willow se aproximou
suavemente e se sentou de
frente para mim tirando as
mexas de cabelo do meu rosto
e colocando-os para trás.
— Já começou, não é? —
Perguntou ela docemente.
Assenti levemente a cabeça.
— Ele pretende ir embora
assim que amanhecer.
Quando ela me disse isso,
senti o meu mundo desabar.
Lohan me deixaria, e
provavelmente quando
percebesse a verdade já seria
tarde demais. E se ele me
desprezasse depois? Mesmo
que não o fizesse, o que me
acontecesse estaria entre nós
pelo resto de nossas vidas e
temia que isso afetasse a
nossa relação.
— Willow, eu o perdi, eu o
perdi! — Falei entre lágrimas.
— Vai mesmo desistir? Não
vai tentar procurá-lo?
— Ele não vai me aceitar! Ele
me odeia! — A raiva no
espírito de Lohan, eu não era
capaz de lidar com ela. Eu não
era capaz de quebrá-la. —
Mãe, me ajuda! Eu não sei o
que fazer!
— Então durma, filha! Depois
que os sintomas piorarem,
terá dificuldades para isso.
Confie em mim e prometo que
darei um jeito!
— Mesmo? — Olhei para ela
esperançosa. Ela acariciou
minha cabeça gentilmente
antes de se levantar. Se
Willow pudesse realmente me
ajudar, se ela conseguisse
fazer Lohan me perdoar eu
faria de tudo para retribuí-la e
compensá-la. Mais do que
minha eterna gratidão, ela
seria minha eterna mãe do
coração.
P2 - Capítulo 71
Visão de Lohan
Uma bruxa pode se
apaixonar? Isso é mesmo
possível? Eu realmente achei
que Liz estava brincando, mas
quando ela saiu chorando dei
por mim que seus
sentimentos dela são reais e
isso me confundiu. Procurei
por Willow. Eu precisava
encontrar Liz e pelo menos
explicar a ela o motivo pelo
qual a nossa relação não era
possível.
Fiz a mesma ameaça a Willow
que fiz à Galadriel. Se Willow
não quisesse me ajudar,
revelaria à Liz sobre o plano
que ela e Galadriel armaram.
Minha ameaça surtiu efeito
imediato. Willow me disse
que eu tinha autorização para
ir até lá, mas não me explicou
o caminho. Ela apenas me
entregou uma joia e disse
para levá-la comigo,
provavelmente a chave de
acesso do quarto dela.
Precisei seguir o cheiro de Liz,
mas o que me guiou na reta
final foi a voz linda e
melodiosa dela. Estava
cantando músicas tristes e
fiquei parado na porta
ouvindo-a. Não queria que
parasse.
Ela ficou cerca de um minuto
inteiro em silêncio, e coloquei
a mão na maçaneta pensando
que era o momento de
encontrá-la, mas então uma
nova melodia começou, não
no idioma de Celestria, mas no
idioma do outro mundo.
Como isso é possível? A
pronúncia dela era impecável,
tão natural como se ela fosse
nativa do outro lado. Meu
coração acelerou em meu
peito quando dei por mim que
havia sido enganado.
Nenhuma bruxa comum
conhecia aquele idioma, como
ela poderia sabê-lo?
Resolvi confrontá-la, tirar
toda a verdade dela. Minha
entrada súbita a pegou
desprevenida, mas ela não
podia mais me enganar. Se
havia algo que eu odiava, é
que mentissem para mim.
Quando ela finalmente me
revelou, senti que não era
sincera e isso me deixou ainda
mais irritado. Agora nem fazia
mais questão de esconder o
quão bem sabia o outro
idioma.
— Como não conheceria?
Todas as escolas de Éldrim o
ensinam. — Ela olhava pra
baixo e sua voz vacilou como
se estivesse mentindo.
— Está me dizendo que
cresceu em Éldrim? —
Confrontei-a. O que uma
bruxa como ela estaria
fazendo em meu reino? Isso
seria inaceitável!
— Eu cresci no meio dos lobos
achando que eu era um lobo.
Eu somente vim para Aradia
quando Willow foi me buscar.
— Disse-me com mais
firmeza.
"Ela diz a verdade!" — Ray
dizia dentro de mim. Ele tinha
um instinto muito aguçado
quanto a isso, ainda assim, eu
ainda não conseguia acreditar
na Liz. Por que ela omitira o
seu passado de mim? O que
queria esconder?
— Quem são seus pais? De
que clã você veio? —
Precisava tirar a prova. A
depender de sua resposta, eu
teria certeza de que ela estava
me enganando. Ela se
manteve calada, uma
confirmação de que estava
realmente me escondendo
algo. Se ela estiver mentindo
para mim, eu jamais a
perdoaria!
— Liz, você está surda? — Eu
estava possesso, virei-a para
que ficasse de frente para
mim e a prendi contra a
parede. Já chega de ser
bonzinho! Se não me dissesse
por bem, seria por mal. Ela
merecia uma lição para
aprender a me respeitar e me
temer. Como se soubesse o
que eu pretendia fazer, ela
estava de olhos fechados. —
Abra seus olhos!
Minha ordem não a afetou. Ela
não se movia, e a única reação
vinda dela eram as lágrimas
que desciam em sua face. Isso
deixou o meu lobo inquieto.
Ele queria que eu parasse,
mas eu não podia fazê-lo
agora. Liz invadira a minha
vida me fazendo pensar nela
de forma especial, mas ela era
uma mentirosa e isso colocava
em dúvida a veracidade da
nossa relação. Tudo entre nós
poderia ser uma farsa! Mesmo
a sua declaração dizendo que
estava apaixonada por mim
podia ser outra maldita
mentira.
— Não... — Disse ela
fracamente.
— Liz, eu não estou
brincando. É melhor começar
a me dizer as coisas, ou
pararei de ser gentil com
você! — Eu queria expor seus
jogos, expor suas verdadeiras
intenções ou acabaria
entrando em desarmonia com
o meu lobo por um tempo.
— Por quê? O que foi que eu
te fiz? — Perguntou-me
fracamente enquanto tentava
se libertar dos meus braços.
— Acha que quero estar aqui?
Acha que quero ser uma
bruxa?
— E o que você quer de
verdade? — Suas palavras me
desarmaram. Por um breve
momento, senti pena, mas não
podia recuar agora. Ela ainda
havia me enganado e isso não
é algo que eu tolerava. —
Quais são suas verdadeiras
intenções, Liz?
— Eu só quero ir para casa! —
Não sei se foram suas
lágrimas ou sua resposta, mas
meu coração se quebrou. Sua
voz era tão firme quanto a sua
energia, e por isso eu sabia
que não estava mentindo.
Assim que a soltei, ela se
desmanchou em lágrimas.
"O que foi que eu fiz?" — Ver
Liz naquele estado tocou o
meu coração mais do que eu
gostaria. Enquanto eu
ponderava sobre o que fazer,
Liz elevou o rosto. Seus olhos
lacrimejantes miravam
minhas mãos e ela parecia
estar tentando criar coragem
para me dizer algo mais.
— Lohan, eu só quero voltar
para minha casa, para Éldrim!
Isso é tão errado? — Sua voz
era doce e sincera e eu podia
ver isso com clareza agora.
Ray estava furioso comigo,
exigindo que eu corrigisse a
situação e realizasse o desejo
da garota. Como eu poderia
levá-la para Éldrim? Mesmo
que ela tivesse crescido lá, ela
ainda é uma bruxa, e nossas
fronteiras são muito restritas
a elas. Eu não podia abrir
exceções se quisesse me fazer
ser respeitado.
— Éldrim não é mais o seu lar.
Eu não quero voltar a te ver
de novo, Liz. — Eu precisava
sair do quarto o quanto antes,
precisava me afastar da
garota ou acabaria perdendo
completamente a razão. Liz é
uma fraqueza que eu não
podia ter, não eu sendo quem
sou.
Rastreei o cheiro de Willow.
Ela estava exatamente no
mesmo lugar, sentada em seu
escritório, lendo um livro
velho.
— Voltou rápido. — Disse ela
suavemente sem olhar para
mim.
— Quero que me designe
outra bruxa. — Exigi.
— Algum motivo específico?
— Perguntou ela como se isso
fosse irrelevante.
— Não importa! Apenas o faça
se quiser que eu fique até o
final da sua festa.
— Como quiser! — Disse ela
calmamente. A forma como
seu sorriso se alargou me
dizia que era exatamente isso
que ela queria.
"Mas ela quer isso!" —
Lembrou-me Ray. Eu me
colocara no caminho de seus
planos com o rei dos elfos.
Abandonar Liz abriria
oportunidades para Galadriel
agir. Por um instante, quis
recuar e desistir. Mesmo Ray
dizendo que queria a garota,
havia um abismo muito
grande entre mim e ela. Era
melhor que aceitássemos isso
logo!
Retornei ao chalé, meus
sentimentos estavam
confusos de forma como
nunca estiveram antes. Eu
sentia falta da garota, da sua
presença marcante. Como se
Willow não quisesse perder
tempo, uma bruxa
desconhecida estava vindo em
direção ao chalé, com um
cesto de ingredientes na mão.
Eu não queria recebê-la, mas
ela bateu na porta com tanta
insistência que acabei
abrindo-a.
— Rei Lohan, Willow me
designou a servi-lo até a festa
de amanhã. Me chamo Bethan,
sou uma bruxa cozinheira e
vim preparar-lhe um almoço.
— Entre, mas não dirija uma
palavra a mim e nem me
incomode. — Ordenei-lhe
seriamente. Ela estremeceu,
claramente amedrontada com
a minha ameaça e minha
energia. Parecia querer fugir,
mas engolindo em seco
acelerou os passos até a
cozinha e começou o seu
preparo.
Sentei-me no sofá e observei-
a trabalhando. Não podia
deixar de compará-la com Liz.
Ela estava muito nervosa, e
isso era bem perceptível em
seus movimentos enquanto
preparava os ingredientes.
Diferente de Liz, que é aberta
e descuidada, ela sentia a real
pressão de se cozinhar para
um rei e se importava demais
com as aparências.
"Ela está vindo!" — Alertou-
me Ray, sentindo a presença
familiar da Liz se
aproximando da porta. Meu
coração disparou dentro de
mim. Até a pouco estava
pensando nela, e sabia que
não conseguiria ser firme com
ela se a deixasse entrar.
Bethan ia perceber isso, e
talvez até pensaria que sou
mole. Liz já me alertou quanto
as bruxas serem fofoqueiras, e
se o boato se espalhasse,
poderia dizer adeus ao
sossego. Não queria que as
bruxas enxergassem
aberturas em mim. Assim que
Liz começou a abrir a porta,
precisei agir.
— Será que não deixei claro
que não quero mais te ver! —
Falei-lhe expulsando-a.
Minhas mãos tremerem
levemente quando a vi
desequilibrando para trás e
fechei a porta imediatamente.
Ouvi o som da queda e
encostei a testa contra a
porta. Queria muito me
desculpar e puxá-la para
dentro.
"Ela estava preocupada que
ninguém fosse nos alimentar."
— Disse Ray me fazendo olhar
para toda a comida
derramada sobre o chão. A
louça estava quebrada, e senti
que fui imprudente e egoísta.
A bandeja estava entre mim e
ela, então foi a primeira coisa
que acertei antes de empurrá-
la para fora. Eu não estava
pensando direito naquele
momento. Liz me fazia ficar
assim.
"Ela ainda está lá, e não está
mais sozinha!" — Grunhiu
Ray me trazendo de volta para
a realidade.
Espiei pela janela inferior e a
figura frágil de Liz no chão me
causou remorso. Ela parecia
em choque, e não respondia a
Galadriel, que insistia em se
manter perto. Provavelmente
Willow até alertara a ele sobre
a minha decisão de dispensar
Liz.
Liz deveria ter sido avisada,
mas os olhos confusos dela
me diziam que não. Minha
atitude apenas abriu brecha
para Galadriel tomar
território e, quando ele a
pegou nos braços levando-a
consigo, senti meus punhos se
apertarem, uma imensa
vontade de correr até lá e
pegar a minha Liz de volta.
"Sua Liz?" — Meu lobo que
estava zangado até a pouco
riu por dentro ao acompanhar
meus pensamentos. A tanto
discordávamos disso, mas Liz
estava em meus pensamentos
e em meu coração, e isso eu
não podia ignorar.
— Não posso! — Sussurrei
comigo mesmo frustrado. Liz
ainda é uma bruxa e eu não
podia me esquecer disso.
— Rei Lohan, o almoço está
servido. Espero que tenha uma
boa refeição! — Disse-me
Bethan de olhos baixos se
ajoelhando diante de mim. Liz
nunca me mostrou tanto
respeito, mas eu gostava disso
nela, de seu jeito informal e
despreocupado. Droga! Eu
não conseguia parar de
pensar nela, de compará-la...
Me movi até a mesa. O cheiro
dos alimentos bem como o
seu aspecto visual não me
atraía em nada, mesmo que
organizados de forma bela e
impecável. Quando comecei a
minha refeição, os sabores em
minha boca não me davam
prazer, como se estivesse
faltando algo importante. Eu
sabia que a refeição estava
limpa porque vigiei
minuciosamente Bethan
trabalhando.
— Está do seu agrado? —
Perguntou-me ela. Parecia
ansiosa e até mesmo
apavorada. Provavelmente viu
o meu descontamento.
— Está com medo que eu te
expulse como fiz com a sua
irmã? — Perguntei a ela.
— Por que eu teria medo?
Diferente da minha irmã, eu sei
seguir ordens e posso fazer
qualquer coisa que a Vossa
Majestade quiser. — Embora
ela dissesse isso com firmeza,
não havia verdade em suas
palavras. O cheiro do medo
que ela exalava era forte e
desagradável.
— Não gosta da Liz? —
Perguntei com um pouco de
suavidade. Não queria
espantá-la sem conseguir
algumas informações
primeiro.
— Liz está a pouco tempo na
casa e tem tido atenção
especial da rainha. Ela fica
dando uma de boa garota, mas
todas nós sabemos que ela é a
pior de todas. Ela até feriu
uma de nossas irmãs mais
queridas alegando que fora
atacada, e o pior é que a nossa
rainha acreditou nela. Liz é....
— Cale-se! — Ordenei. Assim
como Liz falou, suas irmãs
eram todas muito fofoqueiras.
Bethan era ainda mais
desagradável do que eu tinha
imaginado. Eu já não queria
comer mais nada feito por ela.
— Ouvi dizer que Liz veio de
Éldrim. O que sabe sobre isso?
— O que todos sabem. Liz foi
abandonada quando bebê
perto das fronteiras de Éldrim,
encontrada e criada por um
casal de lobos.
— E quem é a mãe dela? —
Perguntei um pouco ansioso.
Isso significa que a história de
Liz era autêntica. Ela
realmente cresceu em meu
reino, e isso explica o porquê
seu comportamento é tão
diferente de uma bruxa
comum.
— Uma bruxa de nome Fanly.
Ela era bem conhecida, mas a
muito tempo ninguém sabe o
paradeiro dela. Como você é
um lobo, imagino que não deve
conhecê-la.
Fanly. Sim, eu sabia quem era.
Em uma operação contra as
bruxas das trevas que fiz há
cerca de dezoito anos atrás,
havia uma bruxa espiritual
com uma bebê em seus
braços. Fanly implorou que
tivéssemos misericórdia de
sua filha, e prometeu
colaborar se poupássemos a
criança. Antes que dissesse
algo útil, começou a cuspir
sangue e desfaleceu.
Lembro-me de ter tirado a
criança dos braços de Fanly
pessoalmente. A criança
parecia não ter mais que
algumas semanas, estava fria
e pálida e não estava
respirando. Entreguei-a para
Willow que me confirmou que
a criança estava morta. Como
poderia aquela bebê morta
ser a Liz?
— Arrume as coisas e saia se
não quiser morrer! — Ordenei
à Bethan. Minha voz irritada a
assustou, e ela rapidamente
organizou tudo e se retirou.
Se a história fosse certa, eu
era um dos responsáveis por
Liz ter ficado órfã. A idade
daquele bebê bate com a
idade de Liz. Eu não fui
enganado por Liz, e sim pela
rainha das bruxas. Por alguma
razão, ela mentiu para mim
dizendo que a criança havia
morrido. Será que ela
realmente pensou que eu faria
mal a um bebê? Mais do que
isso, como aquela bebê foi
acabar parando em Éldrim?
Um sentimento de culpa se
misturou com a raiva dentro
de mim enquanto eu me
deslocava para o local da
festa. Eu só fiz mal à Liz, então
que direitos eu tinha de
pensar nela? Mesmo
pensando dessa forma,
quando meus olhos a viram
perto de Galadriel me senti
traído. Ele estava beijando a
mão dela, e ela não fez nada
para afastá-lo. Ela estava tão
linda, e não era para mim, mas
para ele.
Isso só se comprovou quando
ela se sentou ao lado dele.
Como não sentir raiva? Ela
disse que estava apaixonada
por mim, mas estava abrindo
espaço para outro homem. Eu
não conseguia tirar os olhos
dela, mas ela não olhou nem
uma única vez na minha
direção.
"Você a magoou! Peça
desculpas!" — Reclamou Ray.
Diferente de mim, ele via Liz
com outra perspectiva. Ele
conseguia enxergar o
desconforto dela em estar
naquela mesa, e ampliara
completamente meus sentidos
para que eu pudesse ouvir o
que estavam conversando. Liz
não estava dando assunto ao
Galadriel e nem a mesma
atenção que dava a mim.
Senti uma tremenda
satisfação quando a vi negar o
convite de Galadriel sobre ser
a sua parceira no baile.
Quando ela subiu no palco e
começou a cantar tão
lindamente, fiquei
hipnotizado e finalmente
desisti de mentir para mim
mesmo. Eu gostava dela, eu
realmente a queria, mas isso
não podia acontecer. Era
melhor para nós dois que não
alimentássemos mais esse
sentimento.
Enquanto eu saía, Willow
estava chegando
acompanhada. Ela se colocou
no meu caminho e sinalizou
ao macho que a esperasse lá
dentro.
— Aonde você vai? —
Questionou-me ela.
— Não posso mais ficar. —
Respondi com a voz
derrotada. Quando vim até
aqui negociar com Willow,
jamais pensei que ficaria tão
encantado por uma de suas
filhas. Isso é inaceitável! —
Partirei amanhã cedo.
— Esperou por tantos dias
pela informação e vai se
retirar faltando apenas um
dia? Não quer saber o que
tenho a revelar?
— Não! — Falei
decisivamente rodeando-a.
Enquanto eu me trocava no
chalé colocando minhas
vestes de lobo de volta, um
pingente caiu do meu bolso.
Era a mesma joia que Willow
me dera para que eu tivesse
acesso ao quarto de Liz. Eu
fiquei tão fora de mim
naquele momento que nem
me lembrei de devolver isso à
Willow. Coloquei o pingente
ao lado da caixa que Liz me
dera de presente. Eu não
poderia aceitar aquilo. Eu não
queria recordações da garota.
P2 - Capítulo 72
Visão de Lohan
Deitei na cama. Pretendia
dormir um pouco para
recobrar as forças para a
longa corrida que se iniciaria
no dia seguinte, mas eu não
conseguia pegar no sono. Ray
não queria que fôssemos
embora, e eu não conseguia
parar de pensar na garota.
Levantei inquieto e me sentei
próximo à janela. A lua
iluminava o jardim, que
estava desértico por conta do
horário. Quem não estivesse
dormindo, estava agora em
sua própria festa particular.
Respirei fundo decidido a
partir imediatamente. Depois
pensaria em um jeito de
tentar convencer Willow a me
passar as informações e me
ajudar. Antes que eu me
virasse, notei uma sombra
escura cruzando rapidamente
o jardim.
Willow se posicionara de
frente ao chalé, mas sorri ao
vê-la tentar inutilmente
empurrar a porta. Assim como
Liz falou, nem mesmo Willow
poderia entrar sem que eu
permitisse. Fui ao seu
encontro, mas não esbocei
sutilezas ao confrontá-la.
— O que você quer?
— Não fique se achando, não
estou aqui por você! —
Respondeu-me no mesmo tom
de voz.
— Então por quem seria? —
Perguntei. Eu era o único
nesse lugar.
— Liz. — Disse ela entrando e
se sentando na poltrona
lateral ao sofá. — Minha filha
está sofrendo e não consigo
ficar só olhando sem fazer
nada.
— Isso não é problema meu!
— Tem certeza? —
Confrontou-me de um jeito
que nunca tinha feito antes.
Ela estava sempre mostrando
simpatia e gentileza, mas,
dessa vez, seu tom era
extremamente ameaçador. —
Você já reparou que Liz nunca
me chamou de Majestade?
Nem a mim nem a quaisquer
outros convidados. Isso é
porque o único que ela
reconhece como seu rei é
você!
— Aonde quer chegar? —
Rangi. Odiava a forma como
ela dava voltas,
provavelmente porque seu
argumento alcançava o meu
coração. Liz realmente parecia
ter uma consideração especial
por mim e eu detestava
pensar que Liz estivesse
sofrendo.
— Você já deve ter percebido
que Liz não é como as outras
bruxas porque ela não tem o
coração de uma. A garota
cresceu no meio de lobos
acreditando que era um lobo,
sonhando em encontrar o seu
companheiro predestinado só
para despertar e descobrir
que não é uma loba, e sim
uma bruxa. A garota não quer
estar aqui, ela quer voltar
para casa, em Éldrim. Ela é
incapaz de entender e aceitar
que aqui é o seu lugar agora.
Minha razão já estava no
limite e eu nunca tinha me
sentido assim antes. Se eu
pudesse, colocaria Liz na
palma de minhas mãos, a
seguraria firmemente e a
levaria de volta comigo, mas
ela seria rejeitada em Éldrim e
ela sofreria ainda mais do que
está sofrendo agora.
— Não posso fazer nada
quanto a isso. — Respondi
com firmeza. Mesmo que Liz
quisesse viver como um lobo,
seguir o caminho de um lobo,
ela fracassaria, por que no fim
era apenas uma bruxa e eu
não era o seu rei. Willow é sua
rainha e é ela quem deveria
decidir sobre isso.
— Eu sei! Por que acha que eu
estava em acordo com
Galadriel? — Willow sorriu de
forma maliciosa e a vontade
que tive é de agarrá-la pelo
pescoço e estrangulá-la.
Pensar que ela estava jogando
com alguém como a Liz me
deixava realmente enfurecido.
— Se isso é tudo, vou me
retirar! Não pretendo perder
mais um minuto com você! —
Resmunguei dando as costas e
me afastando a passos
rápidos.
— Pobre garota, ela não sabe
o que a espera hoje. — A voz
de Willow soou fria a ponto de
me causar arrepios. — Ela
resistiu fielmente a todas as
luas cheias por quase um ano,
achando que se suportasse a
sedução, ela se livraria dela.
Liz suportou a sedução? Então
Liz...
— Ela não sabe do
fascientum? — Isso me deixou
perplexo e senti meu coração
acelerar em meu peito de
preocupação. Virei-me para
Willow. Ela estava olhando
para o chão, a seriedade em
seu semblante era uma coisa
raríssima de se ver.
— Ela não faz ideia! —
Respondeu ela. — Liz é muito
pura. Não aceita a ideia da
sedução e eu não queria que
ela carregasse o peso de uma
decisão dessas. É por isso que
coloquei Galadriel no caminho
dela, mas Liz acabou se
apegando a você. Você
atrapalhou os planos que
tínhamos para salvá-la, então
deveria se comprometer com
ela agora.
Fascientum, também
conhecido pelo mundo como
atração fatal, é um flagelo
cruel que explode quando a
sedução não é completada. O
poder de sedução é
aumentado exponencialmente
enquanto o próprio corpo
entra em colapso. Os
feromônios exalados atrairão
machos mesmo a grandes
distâncias, e como ela será
incapaz de reagir, se tornará
uma presa fácil a quem chegar
primeiro. Não havia situação
mais repugnante e cruel. Senti
meu corpo todo tremer de
raiva só de imaginar alguém
tocar um dedo que seja em
Liz.
— Eu não posso... —
Sussurrei. Por mais que eu
abominasse o pensamento de
vê-la machucada, ela não é e
nunca será a minha
companheira. Jamais poderia
me deitar com ela se minha
rainha prometida está, em
algum lugar, esperando por
mim!
— Não estou pedindo que
você faça isso com ela, mas
como o rei que ela aceita, é
seu dever garantir que ela não
será destroçada por um
homem sem controle. Como já
deve ter percebido, há muitos
interessados que já a
conhecem e alguns que até
mesmo vieram por
perceberem que ela está a
ponto de colapsar, só
esperando uma chance de tê-
la para si. Escolhi Galadriel
porque sei que ele saberá ser
gentil, mas há também
pessoas como Oldor e Mefisto
que, se chegarem nela
primeiro, não sei do que serão
capazes. Como você é o único
em quem ela confia, só você
pode fazer o plano voltar ao
seu caminho original e
entregá-la nas mãos de
alguém mais digno.
Willow me colocou contra a
parede. Como eu poderia ir
embora sabendo que Liz está
em apuros? Seria covardia
demais abandoná-la agora
que está em seu momento
mais crítico.
— E qual é o seu plano? — Eu
ao menos a ouviria, mas se o
seguiria é algo que decidiria
quando chegasse o momento.
— É bem simples. Leve-a ao
baile e, quando ela começar a
perder a consciência,
entregue-a nas mãos de quem
você achar que não vai
machucá-la. Ela não confia em
mim, então se eu tentar
conduzi-la, ela vai desconfiar.
Se vier de você...
— Se ela não quer ir ao baile,
por que não deixa o Galadriel
ir ao quarto dela quando a
hora chegar? Você me deixou
entrar, então é só fazer o
mesmo por ele.
— A joia que te dei não é para
entrar no quarto dela, mas
uma permissão para circular
pelo meu palácio. Liz é
teimosa, ela se trancou no
quarto e colocou o seu
próprio selo na porta, de
forma que nem mesmo eu
consigo acessá-lo. Ela vai ficar
agonizando indefinidamente
se você não for ajudá-la.
Aparentemente seu nome é o
único com permissão para
entrar, e sendo o único em
quem ela confia, não há outro
que possa fazer isso. —
Insistiu.
— Entendi. — Senti meus
punhos se fecharem. O
pensamento da Liz sofrendo
era demais para mim. —
Considere feito!
— Muito bem! Quando puder,
vá vê-la. Ela não está muito
bem. —Willow se levantou e
se aproximou de mim. — Se
você não a salvar, se
arrependerá pelo resto da
vida.
Embora suas palavras me
soassem como uma ameaça,
me calei porque ela tinha
razão. Liz ficou gravada
dentro de mim, e eu não podia
simplesmente evitá-la mais.
Se o fizesse, ficaria
imaginando por muito tempo
todos os finais que ela teve,
me corroendo por não ter
feito nada quando eu podia.
Eu já tinha culpas demais em
relação a ela.
"Não quero que a entregue a
outro! Ela é minha!" —
Rosnou Ray dentro de mim
enquanto eu analisava as
possibilidades. Por mais que
eu detestasse ver Liz com
Galadriel, dentre os que eu
conhecia, ele, de fato, parecia
ser a melhor opção.
Pouco antes do amanhecer,
invadi silenciosamente o
quarto de Liz. Ela estava
dormindo no chão apenas
com uma camisola fina e sua
respiração estava muito
pesada. Seu rosto parecia
cansado e eu não queria
acordá-la. Do jeito que estava,
sabe-se lá quanto tempo levou
para conseguir adormecer.
"Minha!" — Disse Ray
animado. A camisola da garota
estava enxarcada de suor,
grudando em seu corpo e
revelando muito mais do que
eu deveria ver. O seu delicioso
cheiro estava tão forte que
fiquei imediatamente
excitado.
"Não!" — Embora eu me
negasse a aceitar isso, não
conseguia parar de olhar para
os belos traços e curvas da
garota. Ela começou a gemer
baixinho enquanto se remexia
no chão. Engoli em seco,
completamente atraído por
sua beleza inigualável. Para
mim Liz é única de muitas
formas. É como se fosse a
única mulher que eu fosse
capaz de enxergar de verdade.
— Dói... isso dói! — Gemeu
baixinho se contorcendo no
chão. Eu não sabia o que fazer
para ajudá-la. Ela estava
agonizando, mas eu ainda não
havia tomado uma decisão. A
ideia de levá-la comigo ao
baile era realmente a melhor
opção se eu quisesse avaliar
outros candidatos uma última
vez antes de fazer uma
escolha.
Sentei-me ao lado de Liz e
fiquei olhando-a, esperando
que acordasse. Ela continuou
se revirando inquieta, mas
seus olhos apenas se abriram
perto do horário do almoço.
Ela piscou os olhos algumas
vezes quando percebeu que
eu estava por perto, como se
quisesse ter certeza de que
não estava delirando.
— Lohan... — Sussurrou meio
rouca enquanto se sentava.
Ela avaliou o seu estado e
puxou a saia de sua camisola
para baixo com uma mão
enquanto tentava tampar seus
seios com a outra, não que
isso ajudasse muito. Suas
bochechas estavam vermelhas
e ela mordiscava os lábios de
um jeito tímido. Cada pequeno
gesto que ela fez deixava meu
lobo ainda mais louco. Desviei
o meu olhar, ou acabaria
perdendo o controle.
— Liz, eu sinto muito! —
Falei-lhe com sinceridade. Eu
a machucara, eu a fizera
chorar. Desde então me sentia
muito mal por isso e precisava
colocar isso para fora. —
Estava pensando que, se você
quiser mesmo, abrirei uma
exceção a você e te levarei
para Éldrim comigo.
— Mesmo? Quero muito! — A
voz dela estava muito
animada. Acabei virando meu
rosto para ela. Ela estava
sorrindo de um jeito que me
deixou vislumbrado. —
Obrigada, Majestade!
— Antes preciso pegar a
informação que Willow tem
para me passar. Por hora,
quero que volte a me servir.
Você virá ao baile comigo!
— Acho que não é uma boa
ideia eu ir ao baile. — Disse-
me com hesitação.
— Liz, você confia em mim?
— Imediatamente ela acenou
afirmativamente com a
cabeça. Liz era realmente
muito tola. Como podia
confiar tanto em alguém que
mal conhece e que tanto a fez
chorar? — Se você confia em
mim, então vá ao baile
comigo. Não deixarei que
ninguém te machuque. Isso é
uma promessa!
— Neste caso, adoraria ir ao
baile com você!
"Pare de sorrir desse jeito!" —
Pensei, incapaz de lidar com a
felicidade da garota. Eu não
entendia como ela podia ficar
tão feliz com isso. Depois de
tudo o que a fiz passar, ela
deveria, no mínimo, ter medo
de mim.
— Me espere, por favor! —
Pediu ela de forma doce. Vou
tomar banho e me trocar.
Não respondi a isso. Não
conseguia mais tirar os olhos
dela, nem mesmo enquanto se
afastava em direção ao
banheiro. Ela era tão linda que
era difícil controlar as batidas
do meu coração.
Liz se demorou bastante, não
só no banho, mas tentando se
maquiar. Suas mãos tremiam
e ela suava tanto que a
maquiagem borrava antes
mesmo de secar. Embora o
que estava lhe acontecendo
fosse nítido, em nenhum
momento ela se abriu sobre
isso, como se não quisesse me
preocupar.
— Não vai dar certo! — Falou
ela frustrada removendo sua
maquiagem. Eu não queria
apressá-la, ainda faltava
quase uma hora para o início
do baile, mas achei que não
havia sentido dela fazer todo
esse esforço.
— Você não precisa disso,
você é linda naturalmente. —
Fui franco. Ela sorriu de um
jeito tímido e guardou as
coisas.
— Eu queria ficar bonita para
você! — Disse ela de um jeito
fofo.
— Assim como ficou ontem
para o Galadriel?
— Não foi para ele, foi para
você também! Só que você
saiu antes de eu terminar a
minha apresentação.
— E você notou que eu estava
lá?
— Desde o começo, cada
movimento. Você ficou o
tempo inteiro recostado na
parede da lateral esquerda, a
cerca de três metros da
entrada. Só que você ainda
estava muito bravo comigo,
não é? Fiquei com receio de
me aproximar.
— Liz, você realmente está
apaixonada por mim? —
Perguntei abismado. Na
ocasião ela não havia olhado
para mim uma única vez, e
ainda assim estava atenta a
mim de alguma forma.
— Eu sei que eu não deveria,
mas não consigo evitar.
Lohan, eu gosto de você!
Não respondi a isso. Eu
gostava dela, mas jamais
poderia aceitá-la dessa forma.
Ray podia até reclamar, mas
quando encontrássemos a
nossa companheira ele se
esqueceria que um dia já
desejou outra. Depois que
meu pai morreu, prometi a
mim mesmo que esperaria
por minha rainha e pretendia
cumprir isso.
Liz não se incomodou com o
meu silêncio. Ela ficou
tentando armar um penteado
em seus cabelos úmidos.
Mesmo seu vestido já estava
começando a ficar molhado de
suor, e eu sabia que ela estava
sofrendo muito, mas ela se
recusava a mostrar isso em
seu semblante.
— Desculpe, queria ser a
parceira mais bonita do baile,
mas acho que fica para outra
oportunidade. — Disse ela
timidamente caminhando até
mim. Seu vestido era
relativamente curto, de um
tecido mais fresco e caimento
mais leve. Seus olhos
aparentavam cansaço e seu
cabelos estavam
completamente soltos sem
qualquer tipo de penteado.
Ela evitou usar saltos, invés
disso estava com uma
rasteirinha confortável. Sua
figura natural era tão atraente
para mim quanto a Liz
produzida.
— Você está perfeita! —
Elogiei-a. Ela sorriu e agarrou
o meu braço com certa
intimidade.
Deixei-a se agarrar a mim.
Não conseguia ver malícia em
sua atitude, pelo contrário.
Seu gesto era uma tentativa
de buscar segurança e apoio e
ela via isso em mim, me
mantendo como seu alicerce
enquanto se forçava a
caminhar comigo ao mesmo
tempo que lutava contra o seu
pior flagelo.
P2 - Capítulo 73
Visão de Lohan

Quando adentrei o salão de


festas com ela ao meu lado,
vários convidados presentes
notaram imediatamente o
cheiro que Liz exalava.
Mantive-me numa posição
protetora enquanto analisava
o perfil de cada um dos
presentes.
O número de convidados
importantes mais do que
duplicou em relação aos
outros dias. Reis e rainhas,
príncipes e princesas, chefes e
seus principais subordinados,
representantes de quase
todas as raças estavam
reunidos, todos com os trajes
mais requintados possíveis
querendo se sobressair
enquanto se alegravam com
uma das festas de mais alto
nível em que já estive
presente. Willow não estava
entre eles, o que é muito
estranho dado o nível de
organização e recursos que
disponibilizou para o evento.
Observei com cuidado o
ambiente, identificando entre
os presentes todos os que não
estavam acompanhados.
Dentre eles, Galadriel parecia
querer se manter por perto,
os olhos atentos em Liz, mas
não ousou a se aproximar
porque ela estava comigo.
Além dele, dois reis e vários
príncipes estavam com a
atenção presa em Liz, sem
contar os demais líderes
inferiores. Se não bastasse, as
bruxas presentes que
tentavam sua sorte com eles,
fulminavam as costas de Liz,
como se implorassem por
dentro que ela se retirasse.
Não só elas, mas até mesmo as
convidadas femininas
encaravam Liz com olhos
julgadores, dado a aparência
simples dela em comparação
com o alto padrão da festa.
Isso realmente me deixava
irritado!
"Tão inocente!" — Pensei
olhando preocupado para Liz.
A sedução era involuntária e
ela não fazia ideia do efeito
que estava causando. Sua
única preocupação era
suportar a dor e se hidratar.
Tive que acompanhá-la
diversas vezes para buscar
água e, com isso, ficava
perdendo o foco sobre o meu
objetivo.
— Sinto muito! — Disse ela
me estendendo um prato com
algumas iguarias. Ela havia
acabado de esvaziar outro
cantil de água.
— Não está com fome? — Ela
fizera um prato para mim,
mas ela mesmo não havia
comido nada.
— Não estou me sentindo
bem. Não vou conseguir
comer nada. — Disse-me
fracamente com os olhos
voltados para baixo,
lacrimejantes. Suas palavras
eram completamente opostas
ao sorriso no rosto dela.
— Então não se preocupe em
me alimentar. Se não vai
comer, eu também não vou. —
Ela assentiu lentamente. Mas
seu sorriso já não era mais o
mesmo.
— Por que me trouxe ao
baile? — Questionou-me com
um pouco mais de seriedade,
como se tivesse visto que
tinha algo errado.
— Eu não conseguiria
aproveitar a festa se você não
estivesse ao meu lado. Quer
dançar? — Sugeri tentando
desviar a sua atenção. Eu não
queria que ela começasse a
desconfiar.
— Quero sim! — Ela voltou a
sorrir e pegou na minha mão.
Coloquei a outra mão na
cintura dela enquanto a
puxava para a pista de dança.
Fechei meus olhos enquanto
elevava a cabeça deixando-a
se alinhar em meu corpo. Ela
deitou sua cabeça contra o
meu peito enquanto nos
movíamos lentamente na
pista.
Eu não precisava ver o que
estava acontecendo para
entender que éramos o centro
das atenções. O rei lobo
dançando com uma bruxa
causou uma onda de
murmúrios, e até mesmo
rumores infundados
começaram a ser levantados.
— O rei Lohan não estava em
um relacionamento? Por que
está aqui com outra? —
Questionou um convidado ao
outro, não tão longe, sem se
preocupar se estava sendo
ouvido por mim.
— Ouvi dizer que ele havia
encontrado a sua
companheira. Era tudo
mentira? — Sussurrou uma
das princesas ao seu par,
enquanto dançavam.
— Talvez depois de tanto
tempo sem encontrar alguém,
ele tenha perdido o juízo.
Não sei de onde vinham essas
fofocas, mas ninguém sabia
mais de mim do que eu
mesmo. Pouco me importava
o que estavam falando ou
pensando. Ignorei a tudo e
todos por um momento,
gravando a doce sensação de
Liz em meus braços.
— Obrigada! — Disse-me,
depois de nos retirarmos ao
fim da música. Mesmo
sofrendo, ela parecia muito
feliz e isso valia tudo para
mim!
— Por que está me
agradecendo?
— A verdade é que eu sempre
quis participar de um baile
com alguém especial. Há
pouco mais de dois anos,
participei de um baile na
escola do meu clã, mas tive
que ir sozinha porque
ninguém quis me chamar. Foi
solitário e triste, e não
consegui aproveitar nada.
Aqui, agora, você realizou o
meu sonho e é por isso que
lhe agradeço. — Sua voz
estava tão fraca que quase não
ouvi o final.
— Lobos tolos! Morreriam de
inveja de você se te vissem
agora. — Falei-lhe, tentando
animá-la novamente. Ela
forçou um sorriso, mas este
não se sustentou. Seus olhos
estavam se fechando
enquanto seus lábios se
moviam implorando um
pedido de socorro.
— Lohan, me ajude... —
Sussurrou antes de desmaiar
em meus braços. O fascientum
veio muito mais cedo do que
eu esperava, a sedução mais
forte, o encanto capaz de
seduzir até mesmo reis estava
começando a ser emitido.
"Merda!" — Olhei em volta,
preocupado, ao sentir as
várias presenças mais fracas
começando a perder o
controle. Peguei Liz em meus
braços e corri em direção à
saída do salão o mais rápido
que pude.
— Entregue a garota! Você
não a quer! — Disse o rei
Oldor bloqueando a minha
passagem.
— Está errado! Ela é minha!
Ela me escolheu! — Rosnei
para ele de forma
ameaçadora. Ele parecia
insatisfeito, mas acabou
recuando. Como rei ele podia
resistir, mas isso era diferente
dos lordes que apareceram no
lugar em que ele estava. Sem
conseguir uma abertura para
sair, comecei a ficar
encurralado.
— Leve-a a um local seguro.
Eu te cubro. — Disse Galadriel
se posicionando por trás de
mim e estendendo um escudo.
Estávamos causando uma
comoção indesejada na
entrada e nem as bruxas à
frente da organização da
festam estavam conseguindo
lidar com a confusão.
— Não, é você quem precisa
levá-la! — Falei-lhe, mesmo
hesitando por dentro. Por
mais que eu tivesse analisado
as opções, não consegui
encontrar alguém que
considerasse digno. Em todos
eles Ray encontrava defeitos e
achei que o melhor para o
momento seria seguir o plano
original de Willow. — Eu te
cubro. Faça o que for preciso
para salvá-la!
— Farei isso! — Disse ele
seriamente sem desfazer o
escudo. — E é por isso que não
posso levá-la comigo. Não
quero Liz só por um momento,
a quero como esposa por uma
vida. Isso não vai funcionar
para parar a sedução o que me
torna incapaz de salvá-la.
Por que ele estava me dizendo
isso somente agora? Não
havia tempo para pedir isso a
outro. Meu coração batia forte
e meu único objetivo no
momento era colocar Liz em
um local seguro. Ergui o olhar
e pisei firme em frente. As
criaturas estavam tão
hipnotizadas pelo encanto de
Liz que não cobriram seus
olhos devidamente. Se meu
olhar amaldiçoado podia
protegê-la agora, eu o usaria
impiedosamente contra
qualquer um que ousasse a
entrar em meu caminho.
— Saiam! — Rosnei
expandindo a energia de Ray.
Minha aura imponente fez
com que recuassem um
pouco. Passo a passo, mostrei
que eu não estava para
brincadeiras.
"Se preferem do pior jeito,
que seja!" — Elevei Liz
usando-a de isca para que o
olhar deles se elevassem. Os
que foram pegos, gritaram de
desespero se livrando do
encanto e permaneci
caminhando a passos firmes.
— Aguente só mais um pouco!
— Sussurrei abraçando-a
contra mim. Ela estava
ardendo em meus braços.
Quando cheguei na porta do
meu chalé, virei-me para a
única presença que ousou a
me seguir até aqui.
— A garota me deve.
Entregue-a! — Exigiu o
primeiro príncipe dos
vampiros, Mefisto. — Essa
mera bruxa ousou a machucar
o meu melhor amigo. Ela deve
arcar com as consequências
disso.
— Até onde sei, é você quem a
deve então, afinal, — coloquei
Liz cuidadosamente contra a
porta e me virei para ele —
ela é quem foi atacada.
Liz me contara um episódio
de um cerco de vampiros.
Parece que eu teria a chance
de realizar minha própria
vingança por ela.
— A garota usou a sedução
para atraí-lo. Se ela quem
começou, ela é quem deve
terminar. Não se meta no meu
caminho!
— Ou o quê? — Desafiei-o. A
franja loira de Mefisto estava
caída em seus olhos de forma
que ele conseguia se esconder
do meu olhar. A postura dele
era muito agressiva, deixando
claro que lutaria para pegar
Liz. Percebi que Mefisto era
um dos interessados em Liz,
mas ele estava de conversa
fiada com outras bruxas e
tinha um jeito muito imaturo
de se portar.
— Do rei dos elfos eu até posso
entender que intervenha, mas
de você? O que ganha
protegendo essa bruxa? É uma
ninguém!
— Isso não é problema seu! Liz
é a minha protegida e se ousar
a se aproximar, não terei
piedade! — Transformei-me
em lobo permanecendo perto
de Liz e rosnei para Mefisto.
Ele não se deixou intimidar,
invés disso partiu para a
ofensiva. Defendi-me de suas
presas envenenadas atento às
presenças que estavam na
espera escondidos por cima
do telhado. Vampiros tinham
um jeito covarde de
emboscar, mas eu não seria
enganado!
"Fracos!" — Rosnou Ray
depois que dilacerei os dois que
tentaram me pegar de
surpresa. Mefisto parecia
furioso, visto que eu não só
frustrara os seus planos como
também matara os seus
subordinados. Ele não queria
me enfrentar pois sabia que
não tinha chances, apenas
queria abrir uma brecha para
que os seus lacaios pegassem
Liz e voassem com ela para
longe.
— Lohan, Lohan, Lohan... —
Liz começou a sussurrar o
meu nome sem parar, com
certo desespero. Parecia estar
tentando recobrar a
consciência.
"Vamos resolver logo isso!" —
Insistiu Ray assumindo o
controle e partindo para cima
de Mefisto, que projetou suas
asas negras e resolveu fugir
pelo ar.
— COVARDE! — Rugi após
voltar para a forma humana.
Olhei para Liz. Felizmente o
sangue daqueles infelizes não
respingou nela.
Entrei com Liz descendo-a
sobre a cama antes de ir até o
banheiro me lavar da sujeira
que aqueles vampiros
deixaram em mim. Mesmo em
outro cômodo, eu ouvia
perfeitamente os sussurros
persistentes dela, insistindo
em chamar por mim, como
um pedido pessoal de que
queria que fosse eu a fazer
isso.
"Deve haver outro!" — Pensei,
procurando em minhas
memórias opções a quem eu
pudesse chamar.
"Nós podemos fazer isso!" —
Disse Ray de forma insistente.
— NÃO! — Fechei meus
punhos com raiva. Liz que me
perdoe, mas ela não é a nossa
companheira. Eu não podia
fazer isso!
"Ela está sofrendo!" — Ray
chamou minha atenção. Os
gemidos de Liz começaram a
se tornar gritos de dor e corri
até ela preocupado. Ela estava
se contorcendo de dor sobre a
cama e isso me despedaçou.
Até eu encontrar alguém,
quanto tempo mais ela ficaria
agonizando?
Esse único momento de
fraqueza e hesitação foi o
suficiente para a sedução da
garota me atingir. Eu não
deveria ter aberto brechas,
mas era tarde demais.
Busquei forças em Ray para
suportar isso, mas ele já havia
perdido o controle, ansiando
tanto pela garota que não
consegui segurá-lo. Ele é
quem devia ser o mais forte,
mas foi o primeiro a cair.
— Jamais pensei que um dia
seria seduzido por uma bruxa!
— Rosnei com ferocidade
saltando em cima da garota.
Eu não conseguia me segurar,
por mais que eu tentasse
resistir, não conseguia lutar
sozinho sem a ajuda de Ray.
Desci minha boca
selvagemente provando os
lábios dela, e isso só elevou o
poder que a sedução tinha
sobre mim. Enquanto eu
rasgava o vestido dela, utilizei
um pedaço dele para vendá-la.
Ela não podia olhar para mim.
Pior do que olhar em meus
olhos amaldiçoados sem
querer, seria ver o corpo que
guardou com tanto afinco ser
violado depois de todo o
sofrimento que suportou.
Enquanto eu a beijava,
tentava convencer a mim
mesmo de que deveria parar,
de que deveria continuar
esperando pela minha
prometida. Isso era inútil!
Meu descontrole só piorou
enquanto a fúria me invadia
por ter sido pego por esse
feitiço estúpido.
— Liz, você vai se arrepender
de ter confiado em mim! —
Falei-lhe enquanto começava
a tomar o seu corpo. Eu não
conseguia deixar de chupá-la,
de explorar cada parte dela
como se fosse o mais delicioso
alimento. Agora não tinha
mais volta, Liz seria minha!
P2 - Capítulo 74
Visão de Liz
Haviam clarões, meus
sentidos estavam turvos
enquanto um fogo
incontrolável me consumia.
Sentia-me ofegante, sedenta, a
sensação de dormência
tomava os meus membros
deixando-me incapaz de
reagir. Movida pelo desespero
de não conseguir me mexer,
lutei contra o fascientum,
tentando reassumir o controle
sobre o meu corpo.
— Lohan! Lohan... — Ele é o
único que podia me salvar.
Reuni todas as forças
restantes que tinha para
chamar por ele. Eu precisava
continuar confiando nele, que
ele não iria me desapontar.
Em meus poucos momentos
de lucidez eu conseguia sentir
o seu cheiro, ouvir a sua voz e
isso acalmou o meu espírito.
Definitivamente ele estava
comigo, então todos os meus
medos se foram e deixei-me
levar completamente.
— Jamais pensei que um dia
seria seduzido por uma bruxa!
— Disse-me ele em um tom
feroz. Ouvi um som de rasgo e
então as poucas visões lúcidas
desapareceram. Eu não
conseguia ver mais nada. Ele
propositalmente cobrira a
minha visão, provavelmente
para que eu não corresse o
risco de olhar em seus olhos
acidentalmente.
Senti como se as primeiras
gotas de chuva estivessem
caindo sobre mim no
momento em que ele começou
a me beijar. Minha sede aos
poucos foi sendo saciada por
sua boca, e o incêndio que me
consumia foi se tornando
ameno à medida que sentia
meu corpo ser tomado de
forma selvagem e agressiva.
As sensações eram
tempestuosas, como se eu
estivesse sendo varrida por
um furacão.
O fogo que me consumia se
dissipou no mesmo instante
em que Lohan se desmanchou
sobre mim. Meu corpo reagiu
de prazer junto ao dele, de
uma forma longa e intensa.
Ele estava ainda mais
ofegante do que eu, e foi só
depois disso que a minha
mente clareou. As ondas de
calor que me acometiam
haviam se dissipado, e a
forma como minha energia
respondia a mim me dizia que
eu estava finalmente livre.
Eu nunca tinha sentido tanto
controle sobre a minha
energia mágica. Eu não
conseguia deixar de sorrir ao
perceber que o meu
companheiro conseguira.
Imediatamente liberei minha
origem espiritual. Eu não
precisava mais esconder Lisa.
"Bem vinda de volta!" — Falei
a ela me sentindo novamente
completa. Eu tinha tudo de
volta, o controle, minha loba e
o meu companheiro. Eu não
podia ser mais feliz do que
isso!
"Nosso companheiro é o
melhor!" — Disse-me Lisa
entusiasmada. Agora que eu
recuperara os movimentos do
corpo, eu só queria o mesmo
que ela. Queria sentir mais de
Lohan. Elevei minhas mãos
até ele e toquei suavemente o
seu peito. O coração dele
estava tão acelerado quanto o
meu, como se estivessem
sincronizados entre si.
Inesperadamente Lohan
agarrou minhas mãos e
travou-as contra a cama
enquanto começava uma nova
rodada. Levada por essa
paixão, retribui prontamente
os seus beijos e assim que ele
soltou minhas mãos, me
prendi completamente a ele.
Seu cheiro gostoso me deixou
extasiada. Depois de meses
longe dele e após vários dias
me reprimindo, não queria
nada mais do que amá-lo.
— Você conseguiu! Você me
salvou! — Sussurrei
amorosamente entre um beijo
e outro. Ele acreditou em nós
quando bebeu aquela poção
amaldiçoada e de que eu seria
capaz de conquistá-lo. Não
havia palavras para descrever
a felicidade que eu sentia.
Ele reagiu as minhas palavras
me puxando com força contra
ele enquanto se encaixava no
meio das minhas pernas. Sua
boca explorava meu corpo de
forma agressiva, com chupões
e mordidas. Só então percebi
o quanto eu estava dolorida.
Seja lá como a sedução
funcionava, já deveria ter
passado! Uma pontada de dor
me deixou ofegante e tentei
empurrá-lo, em vão. Lohan
não parecia querer parar.
Seus movimentos eram fortes
e incontroláveis, como se ele
estivesse... furioso!
— Lohan, já chega, por favor!
— Meu corpo implorava por
uma pausa. Eu não fazia ideia
de quanto tempo já estávamos
aqui. Estive semiconsciente a
maior parte do tempo e meus
olhos vendados não
ajudavam.
— Você não queria isso?
Agora aguenta sua bruxa
traiçoeira! — Disse-me com
ferocidade. — Eu odeio ser
enganado!
— Lohan, eu nunca te
enganaria... — Minha voz saiu
baixa enquanto segurava um
gemido de dor. Eu o seduzi, e
Lohan também cumpriu a
parte dele, então a maldição
dele já deveria ter sido
quebrada. — Lohan, eu te
amo!
Subi as mãos até meus olhos.
Queria tirar a venda o quanto
antes. Queria olhar em seus
olhos para que ele visse quem
eu era de verdade e pudesse
se lembrar de mim. Ele não
me permitiu fazê-lo. Suas
mãos travaram as minhas com
força contra a cama e ele não
dava sinais de que iria parar.
— Você não precisa mais me
enganar! Você já me seduziu.
Estou dando a você o que você
tanto queria. Para que
continuar mentindo?
— Lohan, por que você está
agindo assim? Você não é
assim! Lohan, eu realmente te
amo!
— Quem foi o primeiro? —
Rosnou ele perto do meu
ouvido. Foi só então que
entendi o motivo pelo qual ele
estava tão furioso. Ele estava
com ciúmes! Essa era uma
reação nova para mim, um
lado dele que eu ainda não
conhecia.
— Você realmente não se
lembra? — Eu não conseguia
acreditar em como Lohan
podia ser infantil quando está
com ciúmes. Ele estava me
punindo por achar que eu já
tinha sido de outro? — Foi
você, Lohan. Você foi o meu
primeiro. Eu pertenço
somente a você!
— Por que continua
mentindo? O que ganha com
isso? — Sua voz tremulou e
ele me soltou, finalmente
cessando a sua punição.
Parecia estar fazendo o
possível para recuperar o
controle. Eu não tinha mais
porque me esconder ou fingir.
— Lohan, eu já te pertenço
desde que você me
reivindicou no outro mundo.
— Falei-lhe gentilmente
enquanto elevava a mão para
tirar a venda que cobria meus
olhos.
— Como? — Havia descrença
em sua voz. — Por favor, não
diga mais nada! Acho que
você já foi longe o suficiente
com suas mentiras!
Lohan recuou e se sentou na
beirada da cama, de costas
para mim. Ele parecia muito
chateado, não sei se comigo
ou consigo mesmo.
— Mesmo? — O dia tinha se
findado, a luz da lua cheia
penetrava pelas janelas me
permitindo vê-lo
perfeitamente, mas eu
precisava que ele me visse
também. — E se eu lhe disser
que sou a sua rainha
predestinada?
— Se você fosse ela, você
poderia... — Ele virou-se para
me confrontar e acabou
cruzando o olhar com o meu.
— Olhar nos seus olhos sem
ser afetada pela sua maldição?
— Completei o que ele ia falar.
Elevei a mão direita até o seu
rosto e sorri. Ele havia
congelado, completamente
atordoado que isso estivesse
mesmo acontecendo.
— E você não está com medo?
— Perguntou-me ansioso,
aproximando o rosto do meu,
encarando-me olho a olho da
mesma forma que fez quando
olhei em seus olhos pela
primeira vez.
— Por que eu teria medo do
meu companheiro? — Lohan
estava completamente
perdido. Sua respiração
estava acelerada e parecia
custar a acreditar que minhas
palavras eram reais.
Aproveitei-me que baixou a
guarda e joguei-o por baixo de
mim. — Lembre-se de mim,
Lohan, da sua lobinha branca.
— Minha lobinha? Você é
mesmo a minha
companheira? Isso não pode
ser verdade... — Ele ainda
estava confuso, contudo, o
sentimento de esperança
inundava o seu coração
enquanto seus olhos
começavam a lacrimejar,
como se estivesse rezando
para que tudo o que lhe
revelei seja verdade.
Decidi remover meus brincos
para que Lohan elevasse sua
percepção da minha energia.
Com minhas origens estáveis,
o fluxo de energia em mim
não mais se espalharia pelos
arredores. Além disso, agora
eu tinha o controle e o
treinamento para mantê-los e
até mesmo reprimi-los.
Encarei-o profundamente
enquanto deixava a energia de
Lisa transbordar para que ele
a sentisse.
Assim que os brincos caíram
de lado, os olhos de Lohan se
estreitaram. Ele finalmente
havia captado com clareza a
loba dentro de mim. Deixei
escapar um sorriso travesso
enquanto me jogava para fora
da cama e tomava forma de
lobo. Caminhei em volta da
cama e ele me seguiu com o
olhar, completamente
vislumbrado.
— Volte! — Ordenou por meio
de um comando como se
quisesse tirar a prova de que
isso é mesmo real.
— Assim não tem graça! —
Disse-lhe assim que tomei
forma humana e então
caminhei obedientemente em
direção a ele. Agora eu sentia
que tinha o poder de lutar
contra o comando, mas não
quis fazê-lo. Também poderia
logo quebrar sua maldição de
esquecimento com a minha
magia de luz, mas estava
amando ver as reações dele.
— Companheiro, ninguém
mais poderá nos separar de
novo!
— Liz, que tipo de bruxaria é
essa? — Mesmo atordoado,
ele me puxou e me jogou
novamente por baixo dele.
Sua voz estava séria e ele não
conseguia parar de olhar nos
meus olhos. — Como isso é
possível?
— É a vontade dos céus. —
Falei a ele inclinando meu
rosto contra o dele e beijando
seus lábios. — E a nossa!
Quantas vezes preciso dizer
que te amo e que pertenço
somente a você para que
acredite em mim?
Ele franziu a testa enquanto
me estudava. Sorrindo de
forma encantadora, ele fez a
sua própria escolha. Sua boca
desceu contra o meu pescoço
e seus dentes penetraram a
minha pele. Apenas fechei os
olhos e deixei a energia dele
invadir o meu corpo. Dessa
vez a sensação foi bem menos
dolorosa e passou muito mais
rápido do que na primeira
vez.
— Companheira... —
Sussurrou assim que afastou
sua boca.
— Companheiro! — Respondi
de volta extasiada. Finalmente
o nosso vínculo foi
reestabelecido e isso deixou
Lisa radiante. Ela não parava
de chamá-lo dentro de mim.
— Eliza, minha Eliza! —
Disse-me ternamente. Pelo
seu olhar e pela forma como
seu espírito se acalmou, eu
diria que finalmente havia se
lembrado de tudo. Parece que
Willow foi um pouco mais
longe na maldição que deu a
ele. Não bastava o ato de ser
seduzido, ele precisava
escolher me amar de verdade,
me escolher para ser dele.
Lohan desceu os lábios dele
sobre os meus. Retribuí
prontamente seus beijos, mas
no momento que suas mãos
me apertaram com força
contra ele, deixei escapar um
novo gemido de dor.
— Vai com calma,
companheiro! Acho que você
já fez estrago demais por um
dia. — Implorei, enquanto o
empurrava. Ele apertara as
mãos justo em cima de um
dos meus hematomas mais
doloridos.
— Sinto muito! — Disse-me
enquanto se afastava. Seus
olhos percorreram o meu
corpo com certo remorso e
aproveitei a trégua para
avaliar a gravidade do meu
estado.
— Parece que você se
empolgou um pouco demais.
— Resmunguei. Haviam
manchas escuras espalhadas
por todo o meu corpo. Não fui
polpada em nenhum lugar.
"O que está esperando para
me curar?" — Reclamei com
Lisa. Eu quase podia jurar que
ela não estava fazendo esforço
nenhum para isso.
"Mas são marcas de amor!" —
Riu ela. Senti minha cara
esquentar enquanto puxava o
lençol da cama para me
cobrir. Agora que eu podia
parar e pensar, não conseguia
não sentir vergonha enquanto
pensava nas coisas que Lohan
fez comigo para conseguir me
deixar neste estado.
— Eu realmente adoro isso
em você! — Sussurrou ele
perto do meu ouvido com um
daqueles sorrisos sedutores
que fazia o meu coração bater
mais rápido. — Não sabe a
falta que me fez, minha
lobinha branca.
— Poxa! Não se arrepende
nenhum pouco de ter me
torturado assim? — Escondi
meu rosto. Como lidar com
isso?
— Pense nisso como uma
retratação por ter escondido
tantas coisas de mim e por
toda a preocupação que me
fez passar. — Ele riu
suavemente e me puxou para
o seu colo me envolvendo em
um abraço gentil. — Além
disso, sua punição ainda está
bem longe de acabar.
— Como pode ser tão cruel?
— Resolvi encará-lo
novamente e lhe lancei um
olhar irritado. Minha raiva
passou no mesmo instante
que vi o brilho nos olhos dele.
Ele parecia querer chorar e
seu sorriso era tão... gentil!
— Minha rainha, você está
bem agora?
— Estou, graças a você! Por
um momento, cheguei a
duvidar que conseguiríamos.
Achei que me desprezasse.
— Pelo contrário! Me
apaixonei tão rápido por você
de novo que não estava
sabendo lidar com isso. Assim
como na primeira vez que te
vi, meu lobo sabia que era
você.
— Mesmo sem o vínculo? —
Perguntei emocionada.
— Meu lobo pode não sentir o
vínculo, mas ele percebe a
nossa ligação. Eliza, você é
mais especial para mim do
que pode imaginar.
— Companheiro, então eu fiz
certinho o meu papel? —
Perguntei lembrando de todos
os momentos em que
passamos juntos nesses
últimos dias e nos erros que
acreditei ter cometido.
— Até demais! — Ele riu
suavemente e deslizou a mão
em meu rosto com carinho. —
Liz, a bruxa mais linda e única
de todas. Muito obrigado!
— Pelo quê? — Perguntei-lhe
curiosa. Era eu que devia
agradecer. Ele estava sempre
ali por mim, sempre me
salvando quando eu mais
precisava.
— Por muitas coisas, por me
amar tanto, por se manter fiel
a mim e também por me
contar tudo o que lhe
aconteceu desde que nos
separamos. Não faz ideia do
quanto eu queria saber sobre
isso.
— Imaginei que iria querer
saber. Companheiro, não
quero que tenhamos mais
segredos. Quero que sempre
saiba tudo sobre mim!
— Por falar em segredos, até
que ponto você sabia sobre o
fascientum?
Mais do que preocupação,
havia curiosidade em sua voz.
O fascientum, assim como os
flagelos, era algo que eu não
queria sequer mencionar, mas
meu companheiro merecia
saber a verdade. Eu jamais
tornaria a omitir qualquer
coisa dele.
— Até depois de passar pelo
décimo primeiro flagelo,
absolutamente nada. Eu
realmente achei que se eu
pudesse suportar os flagelos,
ele passaria sozinho depois de
todas as luas, só que a cada
lua ficava mais insuportável.
Depois de implorar ajuda a
Willow, ela me disse que te
chamaria para me ajudar,
para nos dar uma
oportunidade. Isso me deixou
um pouco desconfiada e
resolvi pesquisar mais sobre
isso por conta na biblioteca.
Quando descobri, fingi que
não sabia porque Willow já
tinha me dito que te chamaria.
Ela estava me ajudando como
podia e eu valorizei isso.
— Minha pequena, você
sofreu muito, não é?
— Demais! Mas isso é passado
agora. O importante é que
agora estou livre disso e posso
voltar para casa com você!
— Temos que agradecer a
Willow devidamente depois.
Ela planejou cada detalhe
para fazer isso funcionar e
ainda soube me persuadir
com inteligência. Ela também
calculou o tempo para não ser
demais, nem de menos, e até
mesmo a história que criou
para você foi feita para mim.
— Minha história? —
Perguntei confusa.
— Sim, sobre a criança de
Fanly. Fanly é uma bruxa
maléfica que morreu há quase
vinte e nove anos, mas como
eu não me recordava dos
últimos dez anos, achei
mesmo que você pudesse ser
a bebê dela. Acontece que o
bebê dela morreu no mesmo
dia que ela. Colocar essa
história sobre você foi uma
decisão arriscada de Willow.
Provavelmente as bruxas das
trevas que invadiram o
palácio atrás de você o
fizeram por desconfiar de sua
origem, não por terem
descoberto quem você é. Essa
história não foi feita para
enganar suas irmãs, mas a
mim.
Isso era só mais um indício de
que realmente haviam espiãs
das bruxas maléficas aqui no
palácio. Agora eu tinha o
poder para descobrir quem
eram e desmascará-las.
— Willow pensou em nós dois
com tanto cuidado. —
Respondi admirada com a
complexidade do plano que
Willow armou. — Quero
muito retribui-la! Vou
quebrar a maldição das
bruxas maléficas prisioneiras
e ajudar Willow a chegar à
cabeça das bruxas maléficas.
— Do reino dos lobos ela terá
todo o suporte que precisar
para agir. — Lohan falou
firmemente. — Mas agora,
você precisa descansar. Posso
ver o quanto o flagelo te
consumiu.
Das outras vezes foi muito
pior porque suportei a tortura
até o final, mas Lohan não
precisava saber os detalhes.
Assenti afirmativamente e
fechei meus olhos. Ele me
deitou cuidadosamente e me
abraçou de forma protetora.
Nada mais nos separaria!
P2 - Capítulo 75
Visão de Eliza

"Isso é sufocante!" — Pensei,


sentindo-me inquieta e
abrindo os olhos. Meu
companheiro dormia
serenamente com os braços
em volta de mim,
completamente alheio a
comoção que se formava do
lado de fora do chalé. Dezenas
de espíritos se reuniam, e não
pareciam ter boas intenções.
Tentei sair sutilmente dos
braços de Lohan para ir até a
janela verificar, mas ele me
abraçava com tanta firmeza
que não tive opções a não ser
acordá-lo.
— Querido, será que você
pode me soltar um pouco. —
Disse-lhe enquanto o
empurrava sem sutilezas e
tentava me afastar.
— Uhn... — Grunhiu me
agarrando e me puxando de
volta. Agora não eram só os
braços, mas jogou também
uma perna por cima de mim
me prendendo ainda mais a
ele.
— Querido, o que você
aprontou? Acho que tem
gente querendo te matar.
Acorda! — Usei uma magia
espiritual para agitar o seu
espírito sonolento e ele abriu
os olhos imediatamente.
— O que você disse? —
Perguntou-me
completamente desperto
agora.
— Querido, sinto alguns
espíritos raivosos lá fora e
também há muitos se
juntando por curiosidade.
Você aprontou alguma coisa?
— Bem... — Ele me soltou e se
sentou. Por seu espírito,
percebi o sentimento de culpa
se formando dando a
entender que ele sabia
exatamente qual o delito que
cometera. Coloquei-me de pé
e comecei a caminhar até a
janela, mas antes que eu a
alcançasse, ele me pegou e me
puxou para trás.
— O que foi? — Perguntei
tentando sair de seus braços.
— Não posso deixar que
ninguém te veja assim. —
Sussurrou perto do meu
ouvido enviando arrepios por
todo o meu corpo.
— Companheiro, não se
preocupe! Ninguém vai nos
ver! — Ele não parecia muito
convencido, então voltei-me
para ele e resolvi me explicar.
— Lembra do selo que
coloquei na porta com o seu
nome? Acho que é a única
mentira que realmente senti
firmeza em te contar,
provavelmente porque eu já a
repeti centenas de vezes
indiretamente.
— Do que está falando? —
Perguntou com os olhos fixos
em mim.
— Além de você e Willow,
apenas duas pessoas sabem
que tenho uma origem de luz.
A verdade é que o selo que fiz
na porta foi com o meu
elemento luz, assim como a
inscrição de magia de
blindagem que fiz em todo o
chalé. Também inseri magias
de ocultação de presença nas
janelas. Do outro lado,
ninguém consegue ver
presenças vivas deste lado, e é
por isso que ninguém irá nos
ver. Eu queria que você
tivesse o máximo de
privacidade e segurança
enquanto estivesse aqui,
entende?
Lohan sorriu e afrouxou os
braços. Embora não dissesse
nada, senti uma onda de
carinho emanando de dentro
dele, bem como admiração.
Aproximei-me da janela para
ver a comoção externa e ele
veio comigo me abraçando
por trás.
— Você matou alguém? —
Perguntei perplexa, vendo
dois corpos cobertos por um
tecido escuro no chão. Em
volta dos corpos, uma roda
grande de expectadores. O dia
estava apenas começando a
clarear e, sendo um dia de pós
lua cheia, era inacreditável a
quantidade de presenças que
se reuniram aqui em um
horário desses.
— Só dois vampiros tolos que
se colocaram no meu
caminho. Não podia permitir
que se aproximassem de você!
— Disse-me ternamente.
Embora compreendesse que
poderia haver consequências
pelos seus atos, era nítido que
não estava nem um pouco
arrependido do que fizera.
— Uhn... os aliados daqueles
vampiros realmente querem a
sua cabeça! — Falei-lhe,
vendo um grupo com três
vampiros poderosos, dois
machos e uma fêmea,
conversando entre si em volta
dos corpos.
— E o que mais você percebe?
— Perguntou-me animado,
como se a informação que eu
tinha lhe passado fosse
irrelevante.
— Não queira saber! — Falei-
lhe seriamente. Uma comoção
deste nível e com tantas
testemunhas não podia ter um
final muito bom. A pessoa
mais indicada e a única apta a
decidir sobre o caso não
estava presente e isso é o que
mais me preocupava.
— Pelo visto, não pretendem
esperar pela rainha das
bruxas. — Comentou Lohan
quando um deles se moveu
para perto da porta. Ele
começou a bater
insistentemente e a chamar o
nome de Lohan em tom de
ameaça. — Minha única
preocupação é que não a vi
nem no baile de ontem.
— Willow não apareceu na
festa? — Perguntei-lhe,
inquieta.
— Não, pelo menos enquanto
estávamos lá. — Respondeu-
me ele com os olhos atentos
ao que ocorria do lado de fora.
Como não respondíamos, os
vampiros pareciam querer
partir para o arrombamento.
— Vamos ignorá-los por hora.
Ninguém vai conseguir entrar
de qualquer forma! — Falei-
lhe confiadamente me
afastando da janela e pegando
uma camisa dele no armário
para me vestir. Meu vestido
estava despedaçado pela
cama e pelo chão, então não
tive outra opção.
— Vista isso! — Pediu Lohan
substituindo a camisa em
minha mão por sua camisa
mágica de lobo. — Se
tivermos que encarar esse
público, pelo menos todos
verão que você é minha.
— Vai mesmo me deixar sair
assim? — Perguntei vestindo
a camisa dele sem cerimônias.
Eu amava usar as peças dele,
amava o cheiro dele.
— Eliza, você é tão linda que
vão te admirar de todo jeito,
independente da roupa que
vista. O que ninguém além de
mim pode ver é você sem elas.
— Lohan! — Resmunguei
sentindo o meu rosto queimar
de vergonha. Ele não
precisava ficar comentando
esse tipo de coisa, ainda mais
em uma situação tão tensa
quanto essa. Lohan deu uma
risada suave enquanto
terminava de se vestir e se
reaproximou da janela. Mais
pessoas se uniram para tentar
arrombar a blindagem, mas
não obtiveram sucesso até
agora.
— Qual a consequência do
que fez? — Perguntei a ele,
vendo que haviam mais
curiosos se aproximando.
Felizmente, um rosto
amigável acabara de chegar e
começou a discutir com o
grupo de ataque. Só esperava
que Galadriel não se metesse
em problemas por nossa
causa.
— Em tese, não deveria
acontecer absolutamente
nada. Legítima defesa em
território estrangeiro é
permitido pelas leis de
Celestria. Como minha
companheira e futura rainha
de Éldrim, é meu dever
protegê-la de pessoas mal
intencionadas, então não há
nada o que temer.
— Mas aqui sou apenas uma
bruxa. — Lembrei-o. — Sinto
que tramaram algo muito
mais complexo para acusá-lo,
e vejo que há testemunhas
falsas para apoiá-los. Se
Willow não aparecer para
interceder, o que pode
acontecer?
— Em tese, a herdeira ao
trono deve assumir o papel de
juíza. Como não há uma, eles
podem solicitar a lei de
mediação. Se reunirem pelo
menos metade dos reis ou
herdeiros dos reinos de
Celestria, podem fazer um
julgamento conjunto.
— Acho que eles têm isso ali.
— Ponderei sentindo mais
duas presenças imponentes se
aproximando do local, dentre
eles aquele rei glutão que
parecia muito irritado por ter
sido convocado. — Parece que
foi tudo bem armado.
— Isso realmente está muito
estranho. — Disse Lohan com
um pouco mais de seriedade.
Ele estava começando a se
preocupar, mas eu me sentia
estranhamente calma. Meus
pensamentos estavam tão
organizados e calmos quanto
a minha poderosa energia
mágica.
— Não se preocupe! Vou
encontrar Willow. — Falei
com ele, certa de que poderia
fazer isso. Fechei meus olhos
e ampliei minha zona de
percepção espiritual. Quando
mais eu expandia minha
percepção, mas compreendia
o imenso poder que habita em
mim agora. No começo foi
muito confuso, mas mantive o
foco excedendo todos os
limites inimagináveis.
— E então? — Perguntou-me
ele assim que abri meus olhos.
— Não poderemos contar com
Willow. — Falei-lhe
angustiada. — Ela está
desacordada sendo levada
para algum lugar perto das
fronteiras com o território dos
monstros. Nós não somos os
únicos em apuros.
— Você realmente evoluiu. —
Suas palavras eram tão
intensas quanto o seu olhar.
— Você ainda não viu nada!
Eu poderia buscá-la e trazê-la
de volta em minutos, mas
seria muito arriscado
considerando a força da
presença que está com ela
neste momento. Para resgatá-
la teremos que ter cautela,
então é melhor resolvermos a
nossa situação primeiro.
— Pelo visto as bruxas
maléficas estão envolvidas
nisso. — Ponderou Lohan
olhando novamente para a
multidão do lado de fora. —
Acha que os vampiros se
aliaram a elas?
— Não creio. — Falei
estudando com cuidado todas
as energias. — Eles podem até
estar sendo usados e
manipulados por elas, mas
acho que tem seus próprios
objetivos. Como não
conseguiram o que queriam
comigo, querem se aproveitar
que você se envolveu para
desmoralizá-lo e enfraquecer
Éldrim.
Lohan rosnou irritado
enquanto encarava os
vampiros ali fora com os olhos
mais negros do que de
costume. Ele fechou os
punhos com força enquanto
tentava impedir o seu lobo de
sair.
— Calma, companheiro!
Apenas espere! — Pedi-lhe
docemente envolvendo
minhas mãos em torno de seu
braço. — Eu tenho um plano
infalível e eles já convocaram
a minha própria testemunha.
— A sua testemunha? —
Perguntou suavemente
enquanto tornava a relaxar.
Não é algo que eu queria usar,
mas a situação pedia por isso.
Agora que eu era uma bruxa,
conseguia raciocinar com
mais agilidade e calma, e
traçar estratégias funcionais
com mais facilidade.
— Sim. — Sorri
animadamente vendo a
sacerdotisa Zaila ser trazida
até aqui por um grupo de
irmãs. Até mesmo minha cara
Janet estava vindo com elas. A
situação não podia ser mais
favorável e eu já havia
previsto que fariam isso.
Como não conseguiram
passar pela blindagem,
consideraram que deveriam
trazer alguém de grande
poder espiritual para forçar a
abertura da porta. Uma pena
para os que desconheciam a
real natureza da minha magia.
— Quem é a anciã? —
Perguntou Lohan desnorteado
vendo Zaila se aproximar da
porta.
— A bruxa espiritual mais
forte de Aradia depois de
mim, nada mais, nada menos
que a bruxa sacerdotal de
Aradia. — Dito isso virei-me
para Lohan e estiquei minha
mão até a testa dele, fazendo
inscrições que o deixaram
curioso.
— O que está...
— Não se mexa! —
Interrompi-o. — São
inscrições de proteção. Com
minha magia de luz e meu
nível atual, consigo criar
barreiras permanentes não só
contra poderes astrais, mas
resistência a qualquer magia
elemental. Agora é a minha
vez de cuidar de você
também!
Qualquer magia de inscrição,
poções ou coisas de natureza
mágica costumam ter tempo
de vida útil, de acordo com a
força do conjurador e a
complexidade da inscrição.
Quanto mais fraco o poder da
bruxa, menor o tempo de
duração desta. Esse era
também um dos motivos pelo
qual a pedra da invocação
precisa ser constantemente
recarregada, ou que os selos
de proteção que Willow
colocou em meus brincos
precisassem de manutenção
periódica.
Quando Liz frutificou dentro
de mim como uma bruxa
ômega, era como se uma
terceira consciência habitasse
em mim agora, uma
consciência silenciosa, mas
presente o tempo inteiro, que
me dá confiança a respeito de
minhas origens e o alcance
delas. É desta forma que eu
tinha tanta certeza de que
minhas inscrições são
permanentes agora!
— Oh! Que meigo! — Disse ele
rindo junto comigo. — Você
está mesmo certa que isso
funciona assim?
— Absoluta! Eu sinto
claramente! Não subestime a
bruxa Liz! — Disse-lhe
terminando a inscrição e
repetindo o processo em mim
mesma. Após a solidificação
das origens e a elevação da
minha percepção bruxa, senti
claramente como a blindagem
que fiz no chalé se
intensificou bem como todas
as propriedades novas que ela
ganhou. Esse é um dos
motivos pelo qual não tornei a
colocar os brincos de Willow.
Aqui dentro, nada nos alcança,
mas achei necessário criar a
blindagem sobre os nossos
corpos para manter essa
mesma segurança quando
saíssemos.
— Eles são tão irritantes! —
Reclamou Lohan por conta
dos gritos de ameaça,
convocando-nos a sair.
Estavam frustrados que nem
mesmo Zaila conseguira
romper com a minha
inscrição.
— Hora de sairmos,
companheiro! Estamos juntos,
mas quero tomar a frente e
resolver isso sozinha. Há
coisas que ainda não tive
tempo de te contar, então não
se assuste quando me ouvir
pronunciá-las. Apenas saiba
que, independentemente do
que ouvir, minha escolha
sempre foi e sempre será
você!
P2 - Capítulo 76
Visão de Lohan
Meu corpo não lutou contra a
magia colocada nele. Acho que
o único inconveniente sobre
as inscrições de proteção é a
perda dos benefícios da marca
como o acesso aos
sentimentos e localização de
minha amada. Pelo menos o
vínculo não foi afetado. As
palavras de minha
companheira quanto a sua
vontade eram firmes, mas de
forma alguma eu a deixaria
enfrentar isso sozinha. Eu era
o culpado disto estar
acontecendo e não poderia
permitir que minha pequena
se expusesse em meu lugar.
— Lohan! Confie em mim! —
Insistiu pisando firmemente o
pé no chão e cruzando os
braços de um jeito fofo. Ela
sempre fazia isso quando
perdia a paciência e queria se
impor, sem fazer ideia do
quanto esse gesto era
excitante para mim. — Sou
uma bruxa, então agora tenho
a astúcia completa de uma. Se
insistir que deve se colocar na
minha frente vou te botar
para dormir!
— Você não se atreveria! —
Falei-lhe aborrecido. Meu
dever como seu macho era
protegê-la, não o contrário.
— Eu já fiz uma vez! — Disse
ela com um sorriso travesso.
— Você... — Grunhi enquanto
puxava da memória tal
ocasião que ela mencionara.
Só havia uma vez que eu
apagara tão pesadamente, e
me culpei muito na ocasião
por tê-la perdido porque
dormi. — Nunca mais use
magias do tipo em mim!
— Então pare de ser teimoso!
— Insistiu, se mantendo firme
na frente da porta de saída. Eu
queria tirá-la dali e abrir
passagem na frente, mas o
escudo de luz que ela projetou
ao redor de si era
impenetrável. — Vê, estou
realmente forte agora! Se você
me ama, confie em mim mais
uma vez!
— Certo! Mas ficarei por perto
caso precise de mim! — Cedi,
após o forte apelo emocional
que ela fez, mesmo não
estando muito satisfeito com
o acordo. Ela sorriu triunfante
desfazendo o escudo e se
aproximou de mim com os
olhos afetuosos, cujo brilho
neles alcançava até a sombra
mais escura do meu coração.
— Meu companheiro é o
melhor! Só mais uma coisa. —
Ela disparou e voltou tão
rápido que meus olhos afiados
mal conseguiram
acompanhar. — Coloque isso!
Em minhas mãos ela
depositou a caixinha que
tanto me despertara
curiosidade. Sorri por
finalmente poder abri-la. Sem
minhas memórias, eu não
teria ideia do que se trata o
conteúdo da caixa, mas agora
com a maldição de
esquecimento quebrada, o
objeto tinha um sentido
maravilhoso. Não é à toa que
ela me pediu para esperar o
fim da festa para abri-lo.
— Um par de óculos. É do
meu gosto! — Falei-lhe ao
reconhecer o produto. Eu não
precisava perguntar para ter
certeza de que esconderia a
minha maldição.
— Que bom! Pedi que
confeccionassem um sem grau
especialmente para você. Não
deixei de pensar em você um
minuto desde que nos
separamos. Depois que
descobri que seu problema
não tem nada a ver com a cor
dos seus olhos, penso que os
óculos podem ser mais
confortáveis para você usar. É
mais fácil colocar e tirar, não
causa irritação aos olhos se
você se descuidar e é bem
mais durável. Também
ponderei sobre a sua maldição
muitas vezes, e penso que
talvez você veja benefícios
nela e não queira quebrá-la de
todo. Claro, se optar por
quebrar a maldição, estou
aqui para isso, mas quis te dar
isso para que tome a decisão
sem pressa. Estou ao seu lado
para o que achar melhor,
companheiro!
— Obrigado! — Falei-lhe
emocionado. Eliza não
cansava de me surpreender e
era realmente encantador
perceber a cada dia o quanto
ela pensa em mim. Eu valorizo
cada um dos seus cuidados.
Eliza é extraordinária e eu me
sentia a pessoa mais sortuda
do mundo por tê-la para mim.
Coloquei meus óculos, pronto
para exibir meu incrível
presente em público. —
Companheira, eu te amo
demais!
— Eu também te amo! —
Disse ela sorrindo de uma
forma que, a vontade que eu
tinha era de ignorar toda a
comoção externa, puxá-la de
volta para o quarto e amá-la
intensamente mais uma vez.
Eliza se virou e abriu a porta.
A postura que assumiu assim
que saiu enquanto todos os
olhares se voltavam para ela
era completamente diferente
da Eliza terna de segundos
atrás.
— ACHO QUE JÁ CHEGA! —
Gritou ela com autoridade.
Todos ficaram chocados, não
só com seu tom de voz, mas
com a energia poderosa que
ela fez questão de mostrar. —
Quem deu a vocês o direito de
fazer toda essa comoção aqui
tão cedo?
Sorri orgulhoso enquanto me
aproximava dela por trás,
exalando a mesma aura
poderosa e intimidadora de
minha companheira. Minha
aproximação causou vários
murmúrios, mas ninguém
ousou a fazer qualquer
movimento ofensivo. Para
evitar o meu olhar,
mantiveram os olhos fixos
nela.
— O rei Lohan desrespeitou o
tratado de paz fundamental
que diz que não deve haver
interferências ou conflitos
pessoais em territórios que não
lhe pertencem. — Disse
Mefisto sem se aproximar,
claramente intimidado. — É
direito meu exigir que ele seja
punido pelo que fez aos meus
subordinados. Eles não eram
pessoas quaisquer, mas lordes
de grande importância.
— O que meu pobre marido fez
para merecer ser morto de
forma tão horrenda? —
Choramingou a vampira
fêmea se agachando perto de
um dos cadáveres com a voz
chorosa. Pelo perfil, diria que
é irmã do Mefisto. — Mesmo
que por acaso tivessem tido
desavenças, ele não precisava
tê-lo matado.
— Pare de ser falsa! —
Exclamou Eliza de forma
intimidante. — Você sequer
está sofrendo. Quer mesmo que
eu acredite na sua atuação?
— E quem você pensa que é?
— Reclamou Mefisto! — Você
não tem autoridade para
julgar nada aqui, então o que
importa o que você acredita ou
não? Como não encontramos a
rainha das bruxas, solicito aos
convidados reais presentes, um
julgamento por mediação.
A partir desse ponto
começava a minha
preocupação. Olhei no rosto
de cada um dos reis, rainhas e
príncipes que vieram para a
festa e ficaram hospedados
aqui, e que tragicamente
acabaram caindo de cara em
uma situação constrangedora
e forçada como essa.
Dentre eles, Galadriel parecia
ter sido o único que percebeu
a marca no pescoço de Eliza.
Ele virou o rosto e olhou em
meus olhos. Havia
compreensão neles quando
viu que podia me ver
diretamente sem ser afetado
pela maldição. Era como se já
soubesse de algo, e não pude
deixar de me questionar se
Willow revelara algo para ele
antes de desaparecer. Mesmo
que o tivéssemos como aliado,
só ele não seria o suficiente
para aplacar os ânimos. Como
um sábio líder, manteve-se
calado esperando o
desenrolar dos fatos e uma
abertura certa para se
expressar.
— Quem eu sou? Por favor,
quem você pensa que é aqui?
Como a mãe não está presente,
acho que está na hora de
deixar as coisas claras por
aqui. — Disse ela mantendo a
postura imponente. — A mãe
não estando presente, eu, Liz
Singer, herdeira legítima ao
trono de Aradia segundo
profecia da sacerdotisa real,
julgarei o caso em questão.
Entrei em choque quando
ouvi isso e parece que não fui
o único. Tal revelação
despertou o interesse da
maioria dos presentes, que a
encararam surpresos, outros
atordoados, mas não mais do
que eu. Como ela podia ser a
herdeira do trono das bruxas?
Ela é a minha rainha! Como eu
poderia aceitar isso?
"Nós somos a escolha dela!"
— Lembrou-me Ray. Sim,
Eliza nos disse isso! Mesmo
que isso supostamente seja
verdade, mesmo que a sua
profecia tenha vindo da
sacerdotisa do reino das
bruxas e levado a mim de
forma duvidosa, sua escolha é
Éldrim, não Aradia. Ela disse
que escolhas podem mudar o
destino e eu acreditava
fielmente nisto agora. Ela é a
prova viva do quanto isso é
real!
"Liz, você não mentiu quando
me disse na biblioteca que me
provaria o seu ponto. Estou e
sempre estarei de olho em
você, meu tesouro!" — Passei-
lhe essa mensagem
telepaticamente, mantendo
minha mão suavemente em
suas costas. Ela sorriu
ligeiramente, mas sua atenção
ainda estava presa no
momento.
— Não riam irmãs! — Disse
Eliza calmamente. — Sei que
muitos de vocês estão levando
isso na brincadeira, consigo ler
o espírito de cada um de vocês
presentes. Podem até duvidar
de mim, mas não podem
duvidar das palavras da nossa
sacerdotisa, a Zaila.
Agora eu entendia o bom
humor no coração de minha
amada por ver a anciã ser
trazida até aqui. Posso dizer,
pelo sorriso de Zaila, que ela
estava verdadeiramente feliz
em se colocar ao lado de Eliza
e testemunhar suas palavras,
como se esperasse por isso há
muito tempo.
— Sim! A profecia da garota
como rainha é real. Eu mesmo
a recebi. — Confirmou Zaila.
— Ela é especial!
— Então como ninguém a
ouviu antes? — Perguntou
Mefisto cético. Existe uma
regra em Celestria que exige
que todas as novas profecias
devem ser anunciadas
publicamente. Mefisto estava
tremendo de raiva e
frustração e nenhuma das
outras autoridades de nome
ousou a se pronunciar
enquanto aguardavam mais
esclarecimentos. Nem mesmo
os irmãos de Mefisto
permaneceram ao lado dele.
— Provavelmente todos já a
ouviram, com uma pequena
alteração na fonte em que ela
foi espalhada. — Resolvi me
pronunciar, a compreensão
sobre tudo clara como a água
agora. — Afinal o destino da
rainha de Aradia está ligado
ao meu, pois ela é também a
minha rainha predestinada!
Quem duvida, olhe minha
marca no pescoço dela e olhem
diretamente nos meus olhos e
confirmem o grande poder que
ela tem.
Fiz questão de esboçar com
orgulho que Eliza me
pertencia. Como se fosse a
deixa, todos que evitaram
olhar para mim resolveram
confirmar em meu olhar a
veracidade de minhas
palavras, realmente surpresos
em perceber que tudo o que
eu falei é verdade.
Os murmúrios se espalharam
a tal ponto que ninguém mais
estava me evitando. Mesmo as
bruxas que ficavam rindo
pelos cantos achando que isso
é uma loucura, estavam
abismadas com essa
revelação.
Eu não precisava ter poderes
espirituais para saber o
quanto estavam espantados, o
rosto e expressões de todos
diziam isso. Até os mais
inexpressivos estavam
boquiabertos, e pareciam não
acreditar que isso está
realmente acontecendo. O rei
dos lobos ser o companheiro
da herdeira das bruxas? Quem
iria acreditar? Até para mim
isso soava como loucura!
Parece que a minha rainha
ficará ainda mais famosa em
toda Celestria depois de hoje,
não só pelo direcionamento
da sua profecia, mas pelo
impacto que tais revelações
irão gerar, algo que, sem
dúvidas, será comentado por
muito tempo em todos os
reinos.
— Permita-me fazer um
último esclarecimento antes de
começar esse julgamento. —
Eliza dobrou as mangas da
camisa e, elevando a mão
direita, invocou a sua origem
de luz. Um feixe de luz
brilhante adentrou em seu
braço direito revelando a
marca de seu preciosíssimo e
raro elemento. Logo em
seguida, a sua marca
espiritual apareceu
claramente em seu braço
esquerdo, ao mesmo tempo
que perdi a frequência de sua
loba. Apesar disso, ainda
sentia perfeitamente o vínculo
que me ligava a ela. — Sou
uma bruxa ancestral, nível
ômega, com origens de luz e
espiritual. Parem de me
subestimar!
As ondas de energia que ela
liberou logo a seguir eram tão
poderosas que mesmo eu
fiquei inclinado a querer me
curvar. Embora eu não o
tivesse feito, todas as bruxas
presentes se ajoelharam
reconhecendo a autoridade e
o poder emanados dela. Elas,
com sua alta sensibilidade à
energia mágica, estavam
todas tensas de olhos no chão.
Algumas até tremiam e
suavam, possivelmente
arrependidas por não terem
levado Liz a sério antes.
Imagino que muitas delas
estavam se recordando de
todas as vezes que
atormentaram e
importunaram a minha
companheira, temendo o
futuro que teriam.
Não só as bruxas, o espanto e
reconhecimento vinham de
todas as grandes autoridades.
Mesmo as rainhas e princesas
que olharam minha
companheira com desdém no
baile, estavam agora
intimidadas. Tal revelação era
tão espantosa que um silêncio
mortal se instaurou. Ninguém
mais duvidava dela, não
emitiam sons e nem se
moviam. Aproveitando-se da
calmaria, Eliza caminhou até
os cadáveres e analisou o
rosto deles.
— A situação é clara e nem
preciso explaná-la. Meu
companheiro estava
incumbido de me proteger e
esses homens tentaram me
atacar. Esse homem em
específico já atentou contra
mim mais de uma vez, e temos
o rei dos elfos aqui presente
que estava na primeira ocasião
e pode atestar isso.
— É fato o que ela diz! Eu
mesmo o nocauteei na
primeira ocasião por conta de
sua má conduta. — Disse
Galadriel assentindo com a
cabeça com os olhos fixos em
minha amada, mas de uma
forma diferente de antes.
Havia um respeito evidente
tanto em sua postura quanto
em seu olhar.
"Parece que matamos o infeliz
que ousou a tentar emboscar
a nossa fêmea!" — Falou Ray
contente dentro de mim.
Embora eu não tenha podido
protegê-la aquela vez, senti
uma imensa satisfação em
saber que a tinha vingado.
— Além disso, como podem ver
esses dois corpos estão
exatamente de frente para a
residência em que Lohan e eu
passamos a noite juntos, uma
prova clara de que eles é que
nos perseguiram até aqui. O
único que tem o direito de me
tocar é o Lohan, então eles não
tinham autorização para vir.
Lohan fez exatamente o que eu
e Willow o autorizamos a fazer
que é me proteger a qualquer
custo até que as minhas
origens estabilizassem.
Concluo isso lembrando-vos de
algo essencial. A vida de uma
rainha é sagrada, então esses
dois tiveram exatamente o
final que mereciam!
Reis e rainhas de profecias
tem uma benção especial dos
céus. Caso fossem mortos
antes da nova geração
profetizada surgir, havia o
risco de uma maldição terrível
recair sobre todos os
responsáveis pela morte,
maldição tão poderosa que
acabava, em muitos casos,
afetando toda Celestria. As
principais guerras deste
mundo aconteceram por
conta dessas maldições, e isto
criou a poderosa crença de
que a vida de reis e rainhas
são sagrados.
Fiquei admirado que em tão
pouco tempo, minha
companheira não só tenha
aprendido a dominar seus
poderes tão bem, como
também adquiriu informações
como essa para usar a seu
favor. Dado o tipo de público
que ela devia convencer, esse
foi o argumento ideal, algo
que nenhum rei ou rainha
presentes iriam contestar.
Dessa forma, ela mostrou a
sabedoria de um futuro líder,
mesmo com a sua pouca
idade, surpreendendo ainda
mais os presentes ao mesmo
tempo em que adquiria o
respeito deles.
— Nem todos os responsáveis
por atentar contra a sua
segurança em seu território
foram penalizados. O primeiro
príncipe dos vampiros era o
cabeça disto. — Expus Mefisto
me aproveitando da
autoridade que minha amada
estava exercendo sobre todos.
A situação era completamente
favorável a ela e a mim, e
ninguém questionava isso.
Mefisto tremeu de medo o que
me deu uma imensa
satisfação.
— Não aplicarei penalizações
no momento. Levarei o caso
para a mãe e ela decidirá isso
posteriormente. — Disse Eliza
com certa pressa, como se
quisesse finalizar isso logo,
sinal de que detectara algo
que a preocupou. — Peço
perdão a todos os presentes
pelo inconveniente causado
por esse indivíduo. Agradeço a
todos em nome da mãe por
estarem aqui fazendo parte
deste grandioso evento e
informo-vos que um grande
banquete será servido no salão
de festas mais tarde. Por favor,
aproveitem o restante da
estadia.
Me parecia que muitos
queriam fazer perguntas, ou
mesmo cumprimentar a
herdeira do trono de Aradia.
No entanto, Eliza não deu
espaço para isso. Ela se virou
e caminhou até uma bruxa
que estava ao lado da
sacerdotisa Zaila. Mantive-me
por perto, atento.
— Janet, preciso que você tome
à frente dos preparativos da
despedida. Preciso ir atrás da
mãe.
— E você sabe onde ela está?
— Perguntou aquela bruxa, a
preocupação nítida em sua
voz.
— Sei exatamente onde ela
está. Não se preocupe, trarei a
mãe de volta! — Disse Eliza
suavemente colocando a mão
no ombro daquela bruxa para
confortá-la. Pela forma como
se olhavam, me pareciam
próximas, provavelmente
amigas.
"Ela me é familiar!" — Pensei,
observando atentamente os
traços faciais da bruxa.
"A criança que nos entregou a
profecia!" — Disse Ray
reconhecendo-a. Enfim, a
verdade ressurgiu de onde eu
menos esperava.
P2 - Capítulo 77
Visão de Eliza
Se eu não fizesse um
movimento mais ousado,
acabaria ficando presa pelas
importantes presenças que
tinham a clara intenção de se
aproximar. Eu precisava de
alguém confiável que pudesse
lidar com eles, e não havia
bruxa melhor e mais sensata
do que Janet. Embora Zaila
tivesse bastante sabedoria, ela
não tinha pulso firme para
lidar com as minhas irmãs.
— Me encontre no escritório
de Willow. — Sussurrei para
Lohan numa língua que só nós
dois entenderíamos. Dito isso,
fiquei invisível na frente de
todos e usei superaceleração.
Haviam dois problemas que
eu precisava lidar que eram
muito mais importantes do
que ficar aqui dando
explicações adicionais aos
convidados. O primeiro, é a
interceptação das espiãs. Eu
podia descobrir claramente
quem eram, e uma delas
estava se movendo com a
nítida intenção de repassar
minha revelação a alguém
suspeito.
— Parece que cheguei tarde
para a festa. — Proferiu meu
companheiro assim que
adentrou o ponto de encontro.
Seus olhos estavam atentos às
nove bruxas que nocauteei e
selei a consciência. Com meus
poderes, resolvi o problema
em um instante. Continuei
lendo o espírito de todos que
estavam nos arredores,
procurando mais alguém que
pudesse ser um problema.
— Uma delas quase alcançou
o dispositivo de comunicação.
— Expliquei ao Lohan. — São
todas espiãs. Não sei a quem
queriam contatar, mas penso
que não é prudente deixar as
informações a nosso respeito
vazarem até que Willow esteja
de volta em segurança.
— E o que estamos
esperando? — Perguntou-me
de forma branda. Eu ainda
estava ponderando sobre as
opções.
— Eu não quero te levar. —
Admiti suspirando
profundamente. — Mas sei
que você não vai aceitar isso.
— É bom que saiba! —
Respondeu-me em um tom
sério. — Se for enfrentar
quem quer que seja, irei junto
para te proteger. Jamais me
perdoaria se algo lhe
acontecesse por eu não estar
com você.
— A questão é que quero
evitar o enfrentamento. —
Levantei-me enquanto lhe
explicava o meu ponto. —
Meu amor, você está disposto
a se conter e me deixar tomar
a frente disso? Está disposto a
me deixar fazer as coisas do
meu jeito?
— Eliza, você...
— Me escute primeiro, certo?
O que Willow nos deu,
devemos retribuí-la, mas para
isso é necessário saber
primeiro o que ela realmente
quer. Willow parou de se
mover, então acho que já está
no esconderijo, só que ela
ainda está inconsciente. Não
sei exatamente quem é a
bruxa que orquestrou isso,
mas sinto que não quer fazer
mal a ela.
— Qual o seu plano? —
Perguntou ele tocando meu
rosto carinhosamente. Lohan
estava cedendo a mim e isso
me fez sorrir. Meu imponente
e forte macho não estava mais
dizendo não para mim. Senti
que estávamos elevando
nossa confiança ao ponto que
sempre desejei.
— Vamos espionar. — Mirei
as bruxas inconscientes por
um instante. — Por
experiência sei que as
melhores informações nos são
dadas quando pensam que
não há ninguém olhando.
— Quando não há... — Ele
parou o que estava dizendo,
provavelmente com medo da
resposta que encontraria. A
forma como ele me olhou é
como se implorasse que eu
fosse clara, mas seus
sentimentos quanto a isso
eram contraditórios.
— Lembra quando fiquei
inconsciente depois que você
removeu a minha marca? —
Ele assentiu a cabeça
ligeiramente. — Minha loba
me expeliu para fora do corpo
e fiquei te seguindo feito um
fantasma. Vi tudo o que você
disse e fez, companheiro!
Acho que se não fosse aquilo,
você nunca teria me explicado
sua relação com Fiona ou dito
que me ama, não é mesmo?
Lohan engoliu em seco.
Provavelmente estava se
perguntando até que ponto eu
vi. Decidi me antecipar antes
que ele fizesse a pergunta que
estava entalada dentro dele.
— Tudo! Até o que você fez
com a Fiona.
— E você não ficou com medo
de mim? — Questionou-me.
Parecia aflito.
— Companheiro, você é bom
para mim. Não importa
quantos lados você tenha,
amarei cada um deles! Seja
nos bons ou maus momentos,
nos acertos e nos erros,
sempre estarei ao seu lado!
— Minha pequena, eu
realmente não queria que
tivesse me visto perder o
controle. — Apesar de estar
profundamente comovido
com minhas palavras, ainda
havia um certo pesar em sua
voz. — Não gosto de pensar
que te assustei.
— Não me assustei, mas você
me preocupou. — Apesar de
eu não sentir nada naquele
estado, eu tinha plena ciência
da implicação das ações dele.
— Tive medo que morresse
de fome antes de eu conseguir
voltar.
Lohan riu suavemente e me
puxou para um beijo. Seus
lábios se moviam
vigorosamente sobre os meus,
um sentimento profundo de
amor e desejo sendo
manifestado neles.
"Eu te amo!" — Disse-me
mentalmente por meio da
telepatia de lobo enquanto
ainda me beijava.
"Eu também te amo!" —
Respondi, direcionando o meu
pensamento a ele, torcendo
para ele me ouvir. Pela forma
como aprofundou o beijo,
parece que funcionou.
— Pronto, agora podemos
fazer a espionagem. — Disse
ele sorrindo com confiança.
Nesse momento era eu que
estava olhando para ele
confusa, buscando um sentido
em suas ações.
— Comunicação? — Perguntei
enquanto minha mente
rapidamente desvendava o
gesto dele.
— Exatamente! Se vamos
fazer a espionagem juntos, a
melhor forma de nos
comunicarmos sem nos
revelarmos é através da
telepatia de lobo. Parece que
você aprendeu direitinho
como faz, companheira!
Não pude deixar de rir ao
perceber que por trás daquele
beijo tinha uma intenção mais
profunda, algo que não pensei
antes. Como loba,
praticamente não tive
experiências com telepatia e
as poucas mensagens que
recebi foram dele, mas nunca
respondi porque não fazia
ideia de como fazer ou se
funcionaria.
Eu sabia que comigo esse
poder só funciona ao contato,
mas quando estávamos juntos
não fazia sentido tentar me
comunicar assim se eu
poderia simplesmente falar.
Sempre pensei na telepatia
como uma utilidade à
distância, mas ali estava o
meu companheiro me
mostrando que haviam mais
formas inteligentes de usá-la.
— É hora de irmos então. —
Falei-lhe enquanto inseria
selos de camuflagem nele.
Após fazer o mesmo comigo,
peguei na mão dele. — A
superaceleração pode ser
confusa, mas não solte minha
mão por nada. Quando eu
começar a correr, corra
comigo.
— Como quiser, minha
rainha! — Ele apertou minha
mão com mais força,
mostrando que havia
entendido a mensagem. Algo
me dizia que mesmo que eu
quisesse, não conseguiria
separá-lo de mim tão fácil.
Envolvi a nós dois com minha
magia e comecei a correr.
Mesmo sem ter explicado a
ele como fazer isso, seus
movimentos me
acompanharam sem
problemas. A primeira vez
que tentei trazer Willow em
superaceleração comigo em
um treinamento, ela acabou
soltando minha mão pelo
caminho e, por conta da
desaceleração abrupta e
perda da proteção que a
magia oferece, acabou caindo
de mal jeito e começou a
vomitar. Depois disso ficou
mais de semana desaparecida
se recuperando.
— Está tudo bem? —
Perguntei após pararmos
próximos a uma montanha
rochosa.
— É uma experiência um
tanto única. — Disse ele
sorrindo. Parecia bem
satisfeito em compreender o
tipo de poder que eu tinha.
— Willow está dentro daquela
montanha. — Expliquei a ele.
— Há muitas presenças ali,
então terei que nos encobrir
com a invisibilidade, mas você
não me verá, o que coloca em
risco a capacidade de ficarmos
juntos na superaceleração.
— Isso é fácil de se resolver.
— Disse ele me pegando
repentinamente em seus
braços. — Eu corro por nós
dois.
— Companheiro... — Senti-me
embriagada com o seu cheiro
e meu coração disparou com a
proximidade de nossos rostos.
Lohan sorriu e precisei
desviar o olhar para tornar ao
foco do que realmente
importa. — Seu lobo consegue
rastrear Willow durante a
superaceleração?
— Ele consegue! —
Respondeu Lohan com
confiança. Assenti envolvendo
o pescoço dele com meus
braços, concentrei minha
energia de luz ao nosso redor
em uma magia de
invisibilidade e, assim que
ativei a magia de aceleração,
ele começou a correr. Mesmo
sem vê-lo, eu conseguia sentir
claramente o calor de seu
corpo e seu coração batendo.
Se não fosse isso, pensaria
que estou voando. Me
pergunto se eu realmente
conseguiria voar com minha
magia, algo que pretendia
descobrir em algum
momento.
Lohan ignorou
completamente as quatro
bruxas pelo qual passamos
através dos estreitos
corredores da caverna. Nossa
passagem foi tão rápida que,
para elas, a sensação deve ter
sido como uma suave brisa
passando, já que nenhuma das
bruxas levantou qualquer
desconfiança sobre a nossa
intrusão. Até agora tudo ia
bem.
"É aqui, certo?" — Perguntou-
me Lohan mentalmente. Ele
parou de frente para um
cristal que veda a entrada de
uma das salas na caverna. É
exatamente onde Willow está!
"Vou modificar a inscrição!"
— Tentei descer de seus
braços, mas ele não me
permitiu, invés disso, se
aproximou da porta para que
eu pudesse ler a magia
embutida e fazer a minha
parte.
Havia uma poderosa inscrição
de trevas ali. Se eu a
quebrasse, levantaria
suspeitas. Comecei a desenhar
uma sutil alteração
programada com a minha
magia de luz. A alteração
desapareceria assim que
entrássemos, então seria
impossível a quem fez a
blindagem nos descobrir.
"Está feito!" — Avisei Lohan
que, imediatamente,
atravessou o cristal. Ele
caminhou a passos
moderados, de forma sutil e
silenciosa como só ele sabe
fazer. Willow estava deitada
inconsciente em uma cama
com alguns ferimentos no
corpo. Todas as joias de
proteção dela haviam sido
removidos, e um bracelete
com um poderoso selo de
supressão de magia estava em
seu braço esquerdo.
Perto de Willow, uma mulher
estava sentada em uma
cadeira esperando sua refém
acordar. Ela parecia ser uma
mulher de meia idade, de
cabelos prateados como os de
Willow, mesmo estilo de
trajes pretos e uma aura tão
imponente quanto. Assim
como eu, aquela mulher
pressentia claramente que
Willow despertaria a qualquer
momento, dado a marca
espiritual perceptivelmente
visível em seu braço
esquerdo.
"Ela é a avó de Willow." —
Explicou-me Lohan. Eu não
precisava olhar o braço
direito daquela senhora para
saber que havia uma origem
de trevas ali. — "Todos
achavam que ela havia se
suicidado depois de perder a
sua filha. Parece que foi tudo
encenação."
"E como a mãe de Willow
morreu?"
"Ela morreu durante um
parto, junto com a criança que
ela esperava." — Explicou-me.
— "Você estava certa, a
cabeça das bruxas maléficas é
a ancestral de Willow!"
P2 - Capítulo 78
Um silêncio perturbador
tomou conta do ambiente
assim que Willow abriu os
olhos. Ela piscou algumas
vezes para a presença ao lado
dela e desviou o olhar. Era
como se já esperasse por isso.
Sua avó também não esboçou
qualquer reação, mas após um
longo tempo caladas, ela
finalmente abriu a boca.
— Tentei ser tolerante com
você por ser sangue do meu
sangue. — Retrucou a velha
com arrogância na voz. — Por
que insiste em se colocar no
meu caminho e proteger o rei
dos lobos?
Willow respondeu a isso com
silêncio. Ela claramente não
queria discutir, como se
percebesse que seria inútil.
Seu rosto estava inexpressivo
e seu olhar vazio.
— Você criou a ocasião
perfeita e ele veio sozinho. A
oportunidade era perfeita para
completarmos a nossa
vingança. Se você não tivesse
se colocado no meu caminho, o
rei dos lobos estaria morto
agora.
— Chandra, você não teme os
céus? Não teme a desgraça que
poderia trazer sobre o nosso
próprio povo?
— Maldições podem ser
revertidas. A morte dele
poderia ser usado em nosso
benefício se jogarmos certo.
Além disso, o nosso povo já
está em desgraça desde que
perdemos as sementes
ancestrais. Quantas bruxas
morrem todos os anos por não
conseguirem completar
devoção suficiente para
solidificar suas origens?
Estamos cada vez mais fracas e
é questão de tempo até que as
bruxas sejam erradicadas.
— Está errada...
— Estou? Olhe para você,
incapaz de continuar a
descendência das bruxas das
trevas. Por causa de sua
profecia, minha Evelyn foi
forçada a engravidar vez após
vez para originar uma bruxa
das trevas capaz de impedir a
extinção deste poder. Quantas
irmãs você perdeu antes que a
nossa família sucumbisse?
O silêncio perdurou e senti
um aperto em meu coração
quando Willow fechou os
olhos. Mesmo que não
houvesse lágrimas, pude
sentir o quanto esse assunto a
machucava.
"Do que a Chandra está
falando?" — Questionei
Lohan.
"Eu não sei bem." —
Respondeu-me. Era como se
ele estivesse me escondendo
algo, mas não senti que estava
mentindo.
— Isis, Oriana, Ai...
— Chega! — Implorou Willow,
finalmente cedendo a dor em
seu coração. Lágrimas
desciam de seus olhos, mas
ela não ousou a fazer
qualquer momento ofensivo.
Ela estava plenamente ciente
de sua situação.
— O poder das trevas exige
muita devoção para a geração
da origem. Você teve a sorte de
ter a profecia e a beleza mais
sublime do reino, mas e suas
irmãs? Elas não tiveram
chance alguma! Aqueles lobos
se proliferam igual praga o
que lhes deu o maior domínio
de terras e um campo farto
para a coleta de devoção, mas
se recusam a nos ajudar. Sua
mãe se humilhou perante o
Edward Black e implorou que
ele permitisse salvar ao menos
uma de suas irmãs abrindo
espaço para coleta de devoção
em Éldrim, mas ele foi duro e
intransigente. Apenas uma
parte de Éldrim seria o
suficiente para sanar todos os
problemas de devoção que
temos, mas eles se recusam a
abrir fronteiras e nossa
população decaiu
enormemente por conta disso.
Você jurou comigo que se
vingaria por suas irmãs e por
sua mãe, mas abandonou
nosso rancor para ajudar
nossos adversários, e pra quê?
Tudo porque se apaixonou pelo
filho do nosso maior inimigo!
Senti os braços de Lohan se
apertarem em volta de mim.
Acho que nossos sentimentos
nesse momento eram iguais.
Jamais esperávamos esse tipo
de revelação. A inquietude me
dominou enquanto eu tentava
imaginar até onde essa
discussão levaria.
— Chandra, não diga o que
não sabe. Eu jamais ousaria!
— Interpôs Willow cerrando
os dentes. — Eu sei que nós
bruxas não temos o direito de
nos apaixonar.
— Acha que sou uma tola? Por
que mais você romperia com a
nossa aliança e se colocaria ao
lado de Lucon? Eu percebi a
forma como você alimentava
sua afeição por Lucon por ele
te tratar bem. Não intervi
porque pensei que isso
acabaria no momento em que
ele encontrasse a companheira
dele e seu amor fosse
esmagado, mas jamais
imaginei que, apesar disso você
continuaria amando-o em
segredo, fazendo de tudo não
só por ele, mas por sua família.
E isso por quê? Só porque ele
abriu uma exceção para você
te permitindo acesso à Éldrim?
Achou mesmo que era
especial? Mesmo após a morte
dele, você continua se aliando
aos nossos inimigos e ajudando
um rei que, diferente de Lucon,
não tem o mínimo de respeito
por nenhuma de nós. Ele caça
bruxas igual caça presas
animais no meio da floresta.
Lohan é tão cruel e implacável
quanto Edward!
Percebi Lohan estremecer e
me segurar com mais força.
Eu sabia que estava com raiva
pela forma como Chandra
falava sobre ele, mas o que
mais o afetava era a
insegurança quanto ao que eu
pensaria. Ele se importa
demais com o que eu penso e
sinto em relação a ele.
Elevei minha cabeça e assim
que toquei seu rosto, procurei
seus lábios e beijei-os
suavemente como uma forma
de acalmá-lo. Não queria que
agisse precipitadamente só
para defender o seu orgulho.
Meu beijo parece tê-lo
acalmado, já que afrouxou o
aperto em torno de mim.
Como Willow não respondeu,
Chandra suavizou a voz.
Claramente não queria brigar
seriamente com a neta,
provando mais uma vez que
elas ainda têm uma ligação
afetiva.
— Willow, nós bruxas temos
sentimentos, então é normal
nos apaixonarmos em algum
momento. — Disse Chandra
com uma voz um pouco mais
suave. — Poderia ser por
qualquer outro, menos pelo
nosso inimigo! Pense no seu
povo! Você trai o seu povo e
até os ajuda a nos caçar, e a
troco de quê?
— Apenas as bruxas cruéis.
Você tem muitas aliadas
loucas, vó. O reino das bruxas
não precisa de pessoas assim!
— Respondeu Willow com a
voz fria.
— Elas ao menos são úteis.
Pelo propósito, vale até mesmo
o uso da escória.
— Mas a escória não são os
únicos. Sei que morreram
muitas inocentes na barreira
na última invasão. — Disse
Willow em um tom acusativo.
— Acha que eu as sacrifiquei?
— Chandra franziu a testa e se
levantou colocando-se de
costas para Willow. Da
posição que estava, parecia
que estava olhando
diretamente para mim e
Lohan, como se tivesse nos
descoberto, mas eu sabia por
seu espírito que esse não era
o caso, apenas uma
coincidência. — Elas
voluntariamente deram suas
vidas pela causa.
— E por que elas fariam isso?
O que você disse para enganá-
las? — Perguntou Willow
cética se esforçando para se
sentar. Ela colocou uma mão
imediatamente sobre o peito.
Parecia estar com dor.
— Eu apenas lhes apresentei
uma solução para os seus
problemas.
— O Devorador jamais será
uma solução! Aquela
monstruosidade pode nos
destruir um dia!
— Willow, lhe darei uma
última chance e lhe direi tudo
o que descobri. Depois disso, ou
se alia novamente a mim, ou te
manterei em cárcere e
reassumirei o controle do reino
das bruxas. Não permitirei que
continue interferindo em meus
planos e salvando aquele
maldito rei dos lobos. Está de
acordo?
— E eu tenho alguma escolha?
— A insatisfação estava
evidente tanto no rosto
quanto na voz de Willow.
Apesar disso, ela estava
confiante e isso intrigava
Chandra, que realmente não
fazia ideia da principal carta
na manga de Willow, eu.
— Tenho aliadas posicionadas
estrategicamente em toda
Aradia, todas elas com
maldições de obediência.
Nenhuma irá me trair, ou
morrerão no processo. Já está
tudo nos conformes para
retomada do palácio, então
não seja tão confiante. —
Advertiu Chandra virando-se
novamente para Willow e
agarrando o seu queixo. O
movimento foi um pouco mais
agressivo, mas como Willow
não reagiu, Chandra
simplesmente a soltou. —
Ninguém irá te salvar, Willow.
Você está sozinha!
Willow se manteve calada,
mas seu olhar silencioso
falava mais do que mil
palavras. Era confiante e forte,
mostrando que ela jamais iria
ceder.
— As bruxas que se
sacrificaram na barreira o
fizeram para distribuir
devoção para suas crias.
Graças a tanto tempo de
estudo, descobri que a devoção
das mães pode ser extraída e
redistribuída. Uma morte pode
salvar de três a quatro vidas.
— Desde quando? —
Perguntou Willow. Parecia um
pouco mais interessada no
assunto.
— Faz quase três anos desde o
primeiro teste de sucesso. Acho
que foi o melhor que consegui
até agora. A magia extraída do
Devorador é instável, e todas
as bruxas que o provaram
enlouqueceram, mas diferente
de se extrair poder, extrair
devoção das que estão se
tornando zumbis não provoca
danos às bruxas que a
recebem. Isso não é incrível? Se
eu tivesse descoberto isso
antes, suas irmãs não
precisavam ter morrido.
Podemos usar o Devorador a
nosso favor, e é por isso que ele
não pode ser destruído.
Salvaremos centenas de bruxas
de desfalecer em tenra idade
por meio desse método.
Me senti comovida de certa
forma. Eu não fazia ideia de
que tantas bruxas morriam
por ano simplesmente por
não coletarem devoção
suficiente para formar a sua
origem, muitas inocentes
simplesmente por nascerem
com um elemento poderoso
demais para formação e
outras, provavelmente, por
virem de mães humildes e
terem dificuldades de
encontrar um espaço para si.
Minha percepção de não
competir com minhas irmãs
por devoção estava correta.
Elas precisavam disso muito
mais do que eu. Além disso,
quantas irmãs desfalecem por
causa de outra irmã egoísta
que não se contenta em
simplesmente sobreviver?
Muitas insistem em continuar
brigando pela devoção só para
aumentar o próprio poder. A
competitividade pela busca de
devoção é realmente cruel.
— Não vai dizer nada? —
Chandra incitou Willow. Ela
esperava ansiosamente que
sua neta voltaria para o seu
lado após essa revelação, no
entanto, depois de ouvi-la,
Willow simplesmente voltou a
se deitar e fechou os olhos
como se tudo não passasse de
bobagens. O silêncio que se
formou me deu tempo para
questionar Lohan a respeito
de algo que me incomodou
nessa história.
"Por que Éldrim não pode
ajudar Aradia?" — Perguntei a
ele.
"Aprender com os erros e não
os repetir. Essa é a essência
do reinado dos Black." —
Respondeu-me com
suavidade.
"Me explique!" — Pedi-lhe
enquanto tentava descer dos
seus braços. Novamente, ele
não me permitiu fazê-lo.
"No passado, a fronteira de
Éldrim já foi aberta, e por
causa disso, os lobos sofreram
o maior golpe na história
desde o nosso surgimento. As
bruxas não querem apenas
mostrar seus talentos, elas
também querem seduzir.
Quem elas procuram para
isso?"
"Os mais fortes!" — Respondi
entendendo onde ele queria
chegar. Os lobos funcionam
como unidade, e o cabeça da
unidade é o alfa do clã. Uma
vez que o alfa fraqueje, o clã
inteiro sofre junto.
"Muitos alfas e herdeiros
acabavam caindo nas mãos de
bruxas, muitas vezes por não
perceberem seus truques.
Quando a última grande
guerra estourou, vários dos
clãs sucumbiram. Até mesmo
a família real da época foi
reduzida a cinzas, e tudo por
conta das desestabilizações
que as bruxas,
propositalmente, provocaram
nos clãs. Um companheiro é
importante demais para um
lobo, principalmente para o
alfa, e qualquer coisa
envolvendo traição é capaz de
destruir uma alcateia. Isso é
algo que as bruxas nunca vão
ser capazes de entender ou
respeitar, por isso que foi
necessário cortar o mal pela
raiz e endurecer as normas."
"Sem possibilidades de isto
mudar?" — Perguntei
esperançosa. Éldrim ainda
podia ser a solução para todos
os problemas. Dessa forma, o
propósito das bruxas
maléficas cairia por terra e a
ameaça seria extinguida.
"Nenhuma! Até mesmo
Willow reconheceu uma vez
que jamais pediria por isso.
Ela sabe bem que seu povo
não é muito adepto a seguir
certas regras." — Respondeu-
me Lohan com seriedade,
mostrando que não havia
discussão para tal assunto.
O que Chandra falou é um
problema grave. Se eu
abandonasse Aradia e a
função real, quem assumiria
após Willow? O elemento
trevas seria perdido após ela.
As bruxas acabariam se
extinguindo mais cedo ou
mais tarde devido ao seu
enfraquecimento.
Também não conseguia parar
de pensar em todas as vidas
inocentes que eram perdidas
todos os anos por conta dessa
coisa de coleta de devoção.
Era peso demais para
carregar em idade tão
precoce, uma perspectiva de
futuro muito mais
desesperadora do que uma
prova de vestibular. Para as
bruxas, isso é questão de vida
ou morte.
Como a rainha da profecia,
senti como se o peso sobre
isso recaísse também sobre
mim. Eu não podia
simplesmente virar as costas
para o meu próprio povo e
ignorar um problema tão
grande que a muito tempo
aflige Aradia. Seria egoísmo
continuar achando que tudo o
que importa é o meu
companheiro. Pela primeira
vez, meu coração se dividiu e
eu não sabia mais se deveria
ser somente a esposa de
Lohan e rainha de Éldrim.
Livro 2- Capítulo 79
Enquanto Willow se recusava
a responder, continuei
pensando em todas as
possibilidades. Eu não
conseguia parar de pensar em
como a tecnologia do meu
mundo poderia ser útil em
Celestria, mas haviam muitos
problemas. O primeiro é a
aceitação dessa tecnologia por
todos os reinos, a segunda é a
instalação e manutenção dos
componentes necessários
para fazer isso funcionar e o
terceiro é o tempo que levaria
para isso.
Me pergunto se os lobos do
outro lado teriam mão de
obra capacitada e capaz de
implementar fábricas desse
lado, e se aqui tínhamos o
mesmo tipo de matéria prima
que do outro lado. Mesmo que
conseguíssemos implementar
facilmente a energia elétrica,
será que conseguiríamos
produzir os tão sofisticados
celulares em série?
"No que está pensando?" -
Perguntou-me Lohan. Parecia
preocupado que eu não
tivesse sinalizado para
agirmos ainda.
"Em alguma solução." -
Respondi, um pouco
relutante. - "Se trouxéssemos
a tecnologia do outro lado
para esse mundo, talvez fosse
possível para as bruxas
coletarem devoção de Éldrim
sem atravessar fronteiras,
apenas com talento."
"Tecnologia não funciona
desse lado." - Respondeu-me
Lohan de imediato.
"E como você sabe disso?" -
Questionei-o. Precisávamos
da tecnologia, da internet,
então eu não podia
simplesmente desistir da ideia
sem ter certeza. Mesmo que
houvesse uma mínima chance
disso dar certo, eu tentaria.
"Seus pais trouxeram muitas
coisas, mas nada funcionou. O
motivo deles demorarem mais
nas medições e demarcações
das terras também foi por
isso, pois tiveram que fazer
tudo manualmente. Eles
podem te explicar melhor
sobre isso."
"Entendo." - Respondi-lhe um
pouco desanimada. Eu
acreditava nele, mas ainda
assim era frustrante. Mesmo
que eu gastasse todo o meu
dinheiro do outro lado para
tentar trazer a tecnologia para
esse mundo, seria inútil.
- Como pode ser tão teimosa! -
Chandra quebrou o silêncio. -
Estou lhe dizendo que, depois
de tantos séculos, eu
finalmente encontrei uma
solução e você decide
simplesmente ignorar isso.
Você realmente se importa
com o seu povo?
- Eu me importo, e é por isso
que não posso compactuar
com as suas ideias. - Sussurrou
Willow. Acho que se não fosse
pela minha audição de lobo,
eu não a teria ouvido. - Mesmo
que não diga, consigo ver todas
as falhas nisto.
- Oh, é mesmo? Esclareça! -
Falou Chandra um pouco
irritada se sentando ao lado
de Willow e puxando-a
rudemente pelo braço,
obrigando-a a abrir os olhos e
encarar a senhora irritada à
sua frente.
- Se você estivesse tão segura
de que isso funciona, estaria
pegando a devoção para si,
não entregando-a a jovens sem
origens. Você me disse que uma
bruxa das sombras de nível
ômega, em tese, tem a
capacidade de lançar uma
maldição que retarda a
formação da origem
aumentando o tempo de coleta
de devoção, então por que não
evoluir a si mesmo e evitar
danos maiores? Ou pretende
simplesmente sacrificar vidas
indefinidamente para salvar
outras? Isso só indica que as
técnicas que diz ter descoberto
ainda estão em fase
experimental, a ponto de você
não querer assumir os riscos
para si mesma.
- O que não quer dizer que a
possibilidade não exista. Não a
descarte! - Retrucou Chandra.
Estava muito incomodada
com a forma como Willow a
encurralou.
- Nunca dê por certo algo que
ainda não se concretizou, e isso
é algo que aprendi da mamãe.
Não devemos contar com uma
monstruosidade como o
Devorador, que ou
desaparecerá, ou nos
destruirá. Devemos contar com
nós mesmos! Além disso, esse
tipo de trapaça possivelmente
não será tolerado pelos céus.
Por acaso, algumas de suas
cobaias já passou pela câmara
dos deuses?
Chandra ficou em silêncio.
Mesmo que supostamente as
bruxas tivessem absorvido
devoção suficiente para a
formação de origens, não quer
dizer que elas realmente
seriam geradas, afinal, tal
devoção não lhes pertence de
fato. Tudo que vem fácil, vai
fácil...
- Pelo seu silêncio, já encontrei
a resposta. - Disse Willow
sorrindo de forma forçada. - E
o que acontece se essa devoção
for dada para a evolução de
origens já estabilizadas?
Suponho que haja conflitos não
resolvidos, não é mesmo?
O tom de Willow era de
desdém. Ela claramente não
queria discutir tais absurdos
com Chandra. Embora não
suportasse o caminho que sua
avó tomou, ela também não
alimentava raiva por ela em
seu coração. É o que
chamamos de amar sem
concordar e, se ela ainda
discutia e a repreendia, é
porque ainda tinha anseio de
que sua avó tivesse salvação.
Eu entendia como Willow se
sente porque já me senti
assim.
- E por acaso tem solução
melhor? Tanto tempo no poder
e eu nunca te vi fazer nada!
- Nem todos os problemas se
resolvem logo. Há coisas que
apenas planejamento e tempo
podem corrigir. - Disse Willow
em um tom suave elevando
uma mão até o rosto de
Chandra e tocando-lhe a
bochecha de forma afetuosa. -
Se você não fosse tão teimosa,
se não insistisse em sempre ir
contra mim por raiva, saberia
que há esperança para Aradia.
Vó, eu vou acabar com a sua
divindade. Farei com que o
Devorador que você tanto
venera desapareça!
Plaft! A mão de Chandra
pesou sobre Willow, em um
tapa tão forte que marcou o
belo rosto dela. Willow não se
deixou abalar, em vez disso
sorriu e elevou o rosto com
confiança frente à ameaça de
Chandra.
- Definitivamente destruirei
todos os que ousarem a se
colocar em meu caminho e
protegerei o Devorador custe o
que custar. Se eu tiver que ir
contra a minha própria neta,
eu o farei!
- Seus planos nunca vão dar
certo. - Willow pronunciou
com confiança. - Aradia jamais
tornará às suas mãos e, não
importa o quanto deseje
destruir a rainha da profecia,
você jamais poderá fazer isso.
Eu sei que estou do lado certo e
nada me fará mudar de
opinião.
- Pobre criança, eu realmente
ainda tinha alguma esperança
em você. Como prefere assim,
não me culpe por ser cruel.
Ninguém virá te salvar, você
está sozinha!
"Lohan, me solte! Preciso
intervir!" - Pedi. Chandra
estava prestes a inserir uma
maldição em Willow, e eu não
a permitiria fazer isso. Com o
poder suprimido, Willow não
seria capaz de resistir.
Saí dos braços de Lohan
disposta a fazer Chandra
engolir suas próprias palavras
e lhe mostrar que estava
errada! Willow não está e
nunca estará sozinha, não
enquanto eu vivesse!
Enquanto Chandra invocava a
maldição, Willow tentou
desesperadamente lutar para
escapar. Soltei-me de Lohan e
disparei me interpondo entre
elas e segurei o pulso de
Chandra com força.
- Nunca mais coloque um dedo
na minha mãe! - Falei-lhe
raivosamente empurrando-a
para trás.
Chandra parecia estar em
choque enquanto Willow me
olhava com aqueles olhos
ternos de sempre. Ela estava
verdadeiramente emocionada,
e eu podia sentir isso
emanando dela.
- Willow está só! Eu, o rei dos
lobos, sou aliado dela e vim
salvá-la! - Disse Lohan
agarrando ferozmente os
braços de Chandra por trás,
em uma ação conjunta
comigo. Lohan provavelmente
pensou o mesmo que eu, que
precisávamos calar essa velha
ignorante. Chandra realmente
não nos percebeu até que
fosse tarde demais.
- Lohan, cuidado! - Alertou-o
Willow. Meus olhos
acompanharam Chandra
aproveitando a proximidade
com Lohan para tocar-lhe com
um objeto amaldiçoado. Ela
estava rindo confiante,
esperando que o rei
desmoronasse.
- Era para acontecer algo? -
Perguntou Lohan, sem
emoção, mantendo Chandra
firmemente presa para não
escapar.
- Seu... - Chandra estava
furiosa que o seu objeto não
surtiu efeito. Evocando
sombras, começou a desferir
golpes numa tentativa de se
libertar.
- Acho que já chega! Está
querendo morrer? - Rosnou
Lohan em um tom ameaçador,
incomodado em me perder de
vista por causa dos ataques
inúteis de Chandra.
- Por que meu poder não
funciona contra você? -
Chandra estava muito
atordoada. Lohan poderia tê-
la matado facilmente, mas não
o fez em consideração à
Willow e ao meu pedido. -
Como chegaram até aqui?
Como me encontrou?
- Minha companheira é a
bruxa mais forte de Celestria.
Como não a encontraríamos? -
Pronunciou Lohan em tom de
orgulho olhando-me
profundamente. Sorri para ele
e voltei-me para Willow.
Assim que desfiz o selo de
supressão e a libertei do
bracelete, a compreensão
parece ter tomado o rosto
daquela senhora.
- Obrigada, filha! - Willow
passou a mão gentilmente
sobre a minha cabeça antes de
se levantar e caminhar até a
sua avó. De frente para ela,
acenou negativamente com a
cabeça enquanto desabafava. -
Vó, a mulher que a senhora
tanto procurou para destruir é
também a última bruxa
ancestral, a profetizada como
a próxima rainha de Aradia.
Ela despertou com o poder de
luz e espiritual. Sabendo disso,
algo mudou na sua concepção?
- BRUXA OU NÃO, SE ELA
AMEAÇA O DEVORADOR, ELA
PRECISA MORRER! - Gritou
Chandra exasperada. Os olhos
dela estavam arregalados e
ela jamais imaginou que seria
encurralada dessa forma.
Apesar de tudo, ela insistia em
manter posição,
provavelmente por conta do
orgulho e pela veneração que
tem para com o Devorador.
- Senhora, como pretende me
matar? Eu praticamente
acabei de despertar e já sou
uma bruxa nível ômega.
- É mentira! É mentira! -
Cuspiu Chandra. Ela não
queria dar o braço a torcer.
Havia tanto ódio em seu olhar
que dificilmente retrocederia.
Ela não queria apenas
encontrar a solução para as
bruxas, ela queria se vingar de
Éldrim pela perda da sua
família, e o Devorador é a
maior ameaça ao reino dos
lobos.
Percebi que o ódio que ela
sente pelos lobos não cessaria
tão fácil, não importa o que
disséssemos. Provavelmente é
por isso que Willow ocultou
os seus planos, agindo de
forma silenciosa, o que fez
com que Chandra achasse que
ela não estava fazendo nada.
- O ódio separa as pessoas, o
amor as une. Juntas, eu e
Willow encontraremos a
solução para Aradia. Agora,
durma! - Assim que toquei a
mão no rosto de Chandra, sua
consciência foi selada. É tudo
o que eu podia fazer por
Willow no momento.
Me sentia frustrada e
impotente diante delas. Me
sentia angustiada em não ter
uma solução real para
apresentar para Chandra e
convertê-la para o nosso lado.
Do que me adiantava ter esses
poderes se eu não poderia
usá-los para salvar minhas
irmãs? Tive para mim que era
hora de crescer e assumir a
função que o destino colocou
em minhas mãos. Eu faria de
tudo ao meu alcance, não só
para salvar Éldrim, como
também Aradia!
Livro 2 - Capítulo 80

Visão de Lohan
Chandra nunca imaginaria
que a minha companheira
seria uma bruxa. É assim que
Willow protegeu Eliza, muito
antes de ela nascer. Ao me
entregar a profecia, ela fez
com que o mundo a admitisse
apenas como uma loba. Dessa
forma, a bruxa Liz se manteria
em oculto, livre das
perseguições das bruxas
maléficas. Ela, de fato, estava
segura em Aradia, e acabei me
tornando o único alvo
exposto.
Eliza apagou a consciência de
uma ex-rainha com um
simples toque. Não sei como
ela fazia isso, mas sei que é
algo que eu não gostaria de
experimentar. Ela cresceu
tanto nesses meses que
estivemos longe um do outro
que parecia ser outra pessoa.
Ela sempre me disse que é
uma boa aluna, mas sua
evolução é mais que boa, é
excepcional!
"Forte!" - Grunhiu meu lobo
orgulhoso da nossa fêmea. Eu
me sentia da mesma forma, e
não conseguia tirar os olhos
dela. Ela estava de mãos
dadas com Willow, e seus
olhos esverdeados brilhavam
de preocupação enquanto
analisava os ferimentos dela.
- Mãe, você está bem? Dói? -
Sua voz gentil tocou Willow,
que ignorando a própria dor a
puxou para um abraço. Jamais
imaginei presenciar esse tipo
de situação, onde minha
companheira abraçaria a
rainha das bruxas com tanto
afeto chamando-a de mãe.
- Vocês realmente vieram me
salvar... - Disse Willow
emocionada, um sorriso
estonteante surgindo em seus
lábios. Antes eu detestava os
sorrisos de Willow, mas
depois de tudo o que vi e ouvi,
finalmente vi beleza nele. -
Não se preocupem, vou ficar
bem!
"Uma aliada confiável" -
Pensei enquanto me
aproximava. Eliza tinha razão,
esse negócio de observar
escondido é realmente
revelador.
- Então você foi capturada
enquanto tentava impedir as
bruxas maléficas de
invadirem a festa? - Perguntei.
Havia uma movimentação
pelos fundos ao qual eu era o
alvo. Willow agiu sozinha para
impedi-la, mas não foi só por
mim. Ela precisava garantir
que nada atrapalhasse o plano
de ajudar a minha
companheira.
- Sim. Assim que notei a
movimentação resolvi
interferir. Lutei contra a
minha avó, mas perdi por ter
sido traída pelas minhas
próprias filhas. Atrasei-as o
máximo que pude, mas acho
que tentarão armar algo para
cima de você novamente.
- Bem, elas não serão um
problema mais. Já prendi
todas as espiãs. Além disso, a
armação delas não funcionou.
- Disse Eliza com confiança. -
E se você quiser saber o nome
das restantes, a fonte está
bem na sua frente.
Willow entendeu
imediatamente onde Eliza
queria chegar e se agachou
tocando Chandra e invadindo
as memórias dela após a
remoção dos amuletos de
proteção.
- Parece que as bruxas
maléficas não serão mais um
problema. - Comentei ao ver a
expressão de Willow suavizar.
Diferente das outras vezes
que ela tentava sondar
memórias, dessa vez parecia
ter conseguido tudo o que
buscava.
- Não serão. Agora sei quem
são e onde estão. Vamos pegar
todas elas. - Disse Willow após
terminar o que estava
fazendo.
- No que precisar da minha
ajuda, pode contar comigo. -
Ofereci amistosamente.
- Será de grande valia. -
Respondeu Willow
consentindo. Ela e suas filhas
não precisariam se arriscar
mais. Eu tinha os números e a
ação conjunta dos lobos era
muito eficaz no que diz
respeito a caça às bruxas. -
Vamos voltar!
- E as outras bruxas no túnel?
- Perguntou Eliza a ela.
- Sele a consciência delas.
Enviarei algumas filhas mais
tarde para prendê-las.
Como se fosse a deixa, Eliza se
aproximou do cristal e, antes
de sair, sorriu para mim como
se dissesse que já volta.
Assenti a cabeça ligeiramente
em concordância e então ela
desapareceu.
No instante seguinte, Willow e
eu nos encaramos
brevemente, mas ela parecia
um pouco sem jeito para dizer
qualquer coisa.
Provavelmente estava se
perguntando se eu ouvira o
que disseram a respeito dela
ter sido apaixonada pelo meu
pai. Obviamente eu não diria
nada a respeito, pois não
queria constrangê-la ainda
mais.
Se fosse em outro tempo, eu
teria zombado dela
impiedosamente, explanando
o ridículo que é uma bruxa se
apaixonar. Acontece que a
minha Eliza é uma bruxa, e eu
não queria engolir minhas
próprias palavras novamente.
- Obrigado por ter cuidado da
minha amada! - Falei-lhe por
fim. - Estou em dívida com
você!
- Você veio até aqui para me
salvar. Estamos quites! -
Respondeu-me desviando o
olhar.
- Sobre a festa que você deu,
sobre você ter ajudado a mim
e a ela...
- Não vamos falar sobre isso.
Pense que eu estava jogando
com vocês. Estava interessada
em saber se um lobo podia se
apaixonar e amar uma bruxa.
Você venceu o jogo e isso é
tudo!
- Claro... - Não pude deixar de
rir de suas palavras. Ninguém
gastaria uma fortuna tão
grande para criar um cenário
como aquele simplesmente
para jogar. Foi quando dei por
mim de mais uma verdade
sobre Willow.
Muitos são os recursos que ela
tirou de Éldrim ao longo dos
anos através das nossas
negociações. Eu pensava que
ela era uma oportunista e
ambiciosa, que eu estava
comprando a ajuda dela o
tempo inteiro, mas eu estava
errado. Willow literalmente
reverteu tudo o que recebeu
de mim naquele evento, uma
festa dada em favor de mim e
Eliza. Nunca foi para ela! O
tabuleiro oculto de Willow é
revestido de bondade e
benevolência, bem como diz a
profecia sobre ela.
Poucos minutos depois, minha
amada retornou. A serenidade
em seu olhar dizia que a
tarefa fora concluída sem
contratempos.
- Sobre as bruxas, eu não
queria que minhas irmãs
tivessem o trabalho de vir até
aqui só para isso, então já
levei as aliadas de Chandra ao
palácio juntando-as com as
espiãs. - Disse-nos ela com um
sorriso travesso. Logo a seguir
ela se aproximou de mim
timidamente em uma postura
muito mais dócil, como se
esperasse a minha aprovação.
Senti uma imensa vontade de
agarrar ela de jeito e apertar
sua boca com força contra a
minha. Como ela podia ser tão
adorável?
- Muito bem! - Falei-lhe
colocando a mão em sua
cabeça e afagando o seu
cabelo sedoso. Depois me
aproximei de Chandra
pegando-a e jogando-a por
cima de meus ombros. Estava
ciente de que era hora de
retornarmos.
- Acha que ainda há tempo
para o discurso de
encerramento? - Perguntou
Willow um pouco sem jeito.
Ela ainda é a anfitriã da festa,
então o seu desaparecimento
poderia ser visto como uma
indelicadeza.
- Provavelmente sim. O
banquete de despedida foi
adiado devida a um certo
infortúnio, então ainda há
tempo. - Respondeu Eliza
enquanto se aproximava, se
colocando entre mim e ela.
Eliza explicou rapidamente
sobre o ocorrido para Willow
enquanto dávamos as mãos.
Willow captou facilmente as
informações e prometeu dar
uma sanção adequada à
Mefisto. Uma vez envolvidos
pela magia de aceleração,
começamos a correr juntos.
Todos os infortúnios estavam
ficando para trás, assim como
todos os obstáculos que
atormentavam meus
pensamentos e o meu
coração. Minha Eliza estava ao
meu lado novamente, e desde
que permanecêssemos juntos,
tudo podia ser enfrentado. Eu
tinha confiança nela, em nós
dois.
- Coloquei as outras espiãs em
seu escritório particular. -
Disse Eliza à Willow no
momento em que
desaceleramos, em frente ao
palácio. Willow assentiu
pedindo a tutela de Chandra e
entreguei-a a ela. Ela
desapareceu nas sombras e
retornou meio minuto depois.
- Ainda dá tempo. Vamos ficar
apresentáveis. - Disse ela
tocando suavemente no
ombro da minha pequena. -
Agora que se revelou, preciso
que me acompanhe para se
despedir dos convidados. É o
apropriado para a situação.
- Entendo. Como quiser, mãe!
- Respondeu ela à Willow, que
tornou a sorrir antes de
desaparecer novamente em
suas sombras.
- Você vem comigo? -
Perguntou-me ela pegando na
minha mão e puxando-me
junto para dentro do palácio.
Estávamos em direção ao
quarto dela. Assim que
chegamos na porta, ela parou
um momento e mexeu no selo
mágico presente na porta.
Acompanhei seus
movimentos. Ela abriu a porta
para mim e assim que
entramos ela foi em direção
ao armário e pegou um
vestido vermelho comprido e
elegante lá de dentro.
Retirando a camisa, devolveu-
a para mim enquanto
declarava suas intenções.
- Vou tomar um banho e me
trocar para o encerramento.
Se arrume também e me
encontre em vinte minutos.
Alterei o selo de Willow na
porta para permitir a sua
entrada, então venha me
encontrar depois que
terminar.
- Para permitir...
- Anda! Estamos sem tempo! -
Interrompeu-me ela me
empurrando em direção à
porta. Saí para fora do quarto
dela um pouco atordoado.
Achei que ela já tinha trocado
o selo para permitir somente
a minha entrada.
"Aquela bruxa mentiu para
nós." - Disse Ray rindo
enquanto nos
encaminhávamos para o
chalé. Sempre achei que
Willow não mentia, mas ela
propositalmente me fez
pensar que eu era a única
saída de Liz e eu acreditei.
Suspirei fundo. Não é que eu
fui enganado, eu que me
deixei enganar.
Eu adorava aquela bruxinha
fofa, e gostava de pensar que
ela também gostava de
alguém como eu, um lobo
ranzinza e pouco sociável.
Eliza me fez viver a
experiência de me apaixonar
duas vezes, e eu não
conseguia deixar de sorrir
enquanto me lembrava de
cada uma de suas ações
nesses últimas dias.
"Pão seco e água..." - Pensei
enquanto olhava para a
cozinha. Ela se fez de difícil de
propósito só para me atiçar, e
ainda ficou com raiva quando
me atirei em cima dela. Não
conseguia parar de rir
enquanto subia as escadas e
revivia as memórias de todas
as vezes que minha pequena
me deixou sem palavras nesse
lugar. Tão corajosa...
Não esperei a banheira encher
para me banhar. Enquanto
esfregava o meu corpo, pensei
na massagem desajeitada
dela, no jeito que ela se
desmanchou completamente
nos meus braços quando a
puxei para a banheira.
"Duvido que ela teria
chamado outra bruxa para me
fazer a massagem!" - Pensei
enquanto me secava. Eu só
pensava nela naquele
momento, só queria ter
contato com ela. Certeza que
se eu tivesse aceitado sua
proposta, ela teria ficado
aborrecida.
"Ela é especial!" - Ray puxou
as suas próprias memórias
enquanto nos vestíamos com
nossa roupa de lobo. O jeito
tranquilo com que abraçou e
se aconchegou ao meu lobo
quando a obriguei a dormir
em nossa cama, só mesmo ela
para fazer algo assim.
Calcei um par de sapatos,
penteei meus cabelos e
coloquei novamente os óculos
que ganhei dela. O cheiro dela
ainda estava na minha camisa,
me fazendo sorrir igual bobo
enquanto eu saía do chalé
para reencontrá-la.
Quando adentrei novamente
em seu quarto, fui pego de
surpresa com sua figura
deslumbrante, de pé,
colocando os últimos
acessórios. Ela estava
radiante. Seus cabelos
estavam presos em um coque
revelando a linha de seu
pescoço e ombros, assim
como a minha marca nela. Ela
virou o rosto e sorriu tão
lindamente que meu coração
começou a bater fora de
ritmo.
- Bem na hora. Vamos? -
Perguntou-me docemente
estendendo a mão na minha
direção. Assim que peguei em
sua mão, saímos juntos e
encontramos Willow pelo
caminho. Ela estava dentro
dos padrões, usando um longo
vestido preto e maquiagem
pesada para esconder a
maioria de seus machucados.
Minha amada colocou-se ao
lado dela e caminharam
juntas em direção ao salão.
Fiquei apenas como
expectador, seguindo-as.
Permanecendo à sombra de
minha amada, eu já não me
sentia ansioso ou
desconfortável. Eu não
precisava pensar sobre o
futuro brilhante que
tínhamos, pois ele se iniciava
no presente.
Livro 2 - Capítulo 81
Visão de Lohan
Como se tivessem sido
avisadas previamente,
diversas bruxas se alinharam
de frente à entrada ao salão
de festas para receber Willow.
Diferente de Éldrim onde os
súditos se apresentam diante
do rei em postura de
submissão, a interação da
rainha das bruxas e seu povo
era completamente diferente.
As bruxas se juntaram em
volta de Willow alvoroçadas,
com sorrisos e abraços.
- Estou tão feliz que esteja
aqui! Obrigada por trazê-la de
volta, Liz!
- Obrigada, irmã! - Disseram
várias delas em conjunto. Uma
em especial cutucou minha
Eliza intimamente e
começaram a rir juntas.
- Venha, quero te apresentar
ao meu companheiro. - Disse
Eliza puxando aquela bruxa
para perto de mim enquanto
Willow adentrava primeiro.
- Ainda não acredito em tudo
isso. - Respondeu aquela
bruxa encarando-me curiosa. -
Como a herdeira das bruxas
pode ser companheira do rei
dos lobos?
- Isso importa? - Eliza deu de
ombros e voltou-se para mim.
- Querido, essa é minha amiga,
Agnes. Ela me ajudou muito
enquanto estive aqui.
- Não é para tanto! Você fez
praticamente tudo sozinha. Eu
só dei algumas dicas.
- Você é a bruxa escritora que
cuida da biblioteca, não é? -
Lembrei-me vagamente de Liz
fazendo menções dela em
suas histórias.
- Para alguém que disse que
não se importa, você até que
estava bem atento às minhas
histórias, companheiro. - Eliza
riu com singeleza e pegou no
meu braço.
- Estou sempre atento a você,
companheira. Agnes, certo? É
um prazer conhecê-la!
- Nossa, nem acredito que o rei
dos lobos está sendo tão legal
comigo. - Balbuciou ela. Não
sabia se estava surpresa ou
encantada. Acho que a
segunda opção, porque Eliza
rapidamente me puxou para
dentro com ela depois disso.
- Não precisa ser tão gentil
com todas que se
aproximarem. - Murmurou ela
fazendo biquinho. Eliza não
sabia do perigo que corria por
fazer essas caras fofas. Suas
reações realmente me tiravam
do sério.
"Mais tarde!" - Falei com Ray
controlando meus impulsos.
- Tratarei bem a todos que te
tratarem bem. - Expliquei-me.
Sempre tive consideração por
todos a quem minha amada
gostava, e, para o bem dela, eu
não mudaria isso.
- Meu companheiro é mesmo
maravilhoso. - Disse ela
elevando seu rosto em direção
ao meu. Sorrimos um para o
outro enquanto outra bruxa
se aproximava de nós
entusiasmada. Ela estava com
uma bandeja na mão cheia de
aperitivos.
- Vocês realmente ficam bem
juntos! Obrigada por trazer a
mãe de volta para nós, Liz. -
Depois disso, ela olhou
diretamente para mim. - Acho
que talvez não se lembre de...
- Você é a criança que me
enganou. - Interrompi-a com a
voz séria. Ela estremeceu um
pouco e desviou o olhar sem
graça. - Te reconheci assim que
te vi.
- Parece que a sua memória é
boa. Então, sobre isso, a ideia
não foi minha... - Tentou se
justificar nervosamente.
- Obrigado! - Agradeci
deixando-a desnorteada. Se as
bruxas não tivessem me
enganado, eu não teria tido
esperanças para o futuro e
alimentado tantas
perspectivas para a minha
rainha. Foi graças a elas que
posso segurar a mão de minha
amada e desejar a vida.
- Olha, o rei dos lobos não é tão
assustador quanto dizem. Mas
eu já sabia disso! - Disse ela
dando uma piscadela para
nós. Eliza respondeu a isso
com uma risada suave e pude
sentir pelo olhar o quanto
gostavam uma da outra.
- Ela é a bruxa que você disse
ser a sua melhor amiga? -
Perguntei diretamente para
minha pequena. Lembro de
como ela me contou com
carinho sobre alguém que
sempre a defendia e que a
ensinou a ser mais esperta.
- Sim, o nome dela é Janet.
Também foi ela quem fez as
roupas que te arranjei.
- Oras, o que estão falando de
mim pelas minhas costas? -
Perguntou ela fazendo uma
cara mais séria.
- Que você é a minha irmã
chata. - Implicou Eliza. - A que
mais gosto!
- É, eu já sabia disso! -
Respondeu com um sorriso
convencido. Aproximando-se
um pouco mais da minha
amada, sussurrou orgulhosa
algo que eu já tinha notado. -
Aqui entre nós, acho que nunca
mais vão implicar com você.
Veja só como estão todas te
olhando?
Nenhuma das bruxas parecia
acreditar em tudo o que
aconteceu. Desde que
entramos, não paravam de
espiar Eliza pelo canto dos
olhos, enquanto serviam a
todos os presentes. Acho que
mais surpresos em saber sua
identidade e o quão forte Eliza
é, foi descobrirem que ela e eu
somos um casal. Estavam tão
abaladas que até se
esqueceram de ficar tentando
seduzir os visitantes.
- Não é pra tanto... - As
bochechas de Eliza ganharam
um leve rubor. Mesmo com
tantas mudanças, ela
continuava sendo ela mesma,
mantendo o mesmo jeitinho
doce e inocente.
Janet riu estendendo a
bandeja e Eliza pegou
rapidamente alguns biscoitos
e os colocou na boca
apressadamente.
- Isso vai dar? - Perguntou
Janet mantendo a bandeja
esticada. - Nem de entrada, né?
Olhei para a minha
companheira e ela mastigava
os biscoitos com satisfação,
enquanto estendia lentamente
a mão de volta para a bandeja
para pegar mais.
- Não sou eu, é a minha loba.
Ela está faminta! - Balbuciou
enquanto enchia a mão
novamente e me oferecia um.
- Oh, é mesmo? - Perguntei
perto do seu ouvido.
- Acho que Willow precisa de
mim. Vou até ela ajudar a
cumprimentar a todos. Sente-
se em uma das mesas e
aproveite o banquete,
companheiro. - Disse ela às
pressas, antes de se afastar de
mim. Eu não sabia o que
estava sentindo, mas podia
imaginar perfeitamente.
Olhei atentamente o ambiente
à minha volta. Nem todos os
convidados que estavam
presentes no baile estavam
aqui hoje, mas alguns dos
mais importantes
permaneceram. Notei o olhar
de muitos seguindo minha
Eliza, enquanto ela se afastava
de mim. Ela não era uma
rainha qualquer, mas alguém
com o poder de abalar a
estrutura de Celestria, alguém
com quem ninguém gostaria
de mexer, mas que ao mesmo
tempo não podiam ignorar.
De onde estava, eu podia
ouvir Willow passando de
mesa em mesa, esclarecendo
duvidas superficialmente e se
desculpando pelos
inconvenientes. Os
convidados adoravam essa
atenção individual que ela
dava, mas explicações mais
profundas não podiam ser
feitas com poucas palavras.
Podíamos esperar uma
reunião global em breve e,
sem dúvidas, temas sensíveis
virão à tona quando isso
acontecer.
Caminhei aleatoriamente
entre as mesas procurando
um lugar para me sentar e
acompanhar os
acontecimentos. Eu sempre
fui só um observador recluso,
mas até nisso minha Eliza
mudou minha vida.
- Ei, Lohan, sente-se conosco! -
Ouvi uma voz me chamar a
poucos metros de onde eu
estava. Olhei para o príncipe
das fadas, Helgon, e para as
demais presenças em torno da
mesa antes de assentir e me
aproximar.
- Estamos discutindo algumas
coisas, mas quem melhor para
saber as respostas do que o
envolvido. - Comentou o rei
dos anões assim que me
sentei. Ele é o único que
estava com uma companhia
feminina ao seu lado. Sua
rainha cumprimentou-me
com um aceno de cabeça e
retribuí o gesto.
Sentei-me ao lado do herdeiro
dos duendes, que me
cumprimentou cordialmente
com um sorriso gentil.
Galadriel também estava com
eles, observando a interação
em silêncio, mas a curiosidade
era nítida em seu olhar.
- Acho que é a primeira vez que
nos sentamos tão próximos,
não é? - Sorri meio sem jeito
pela forma como todos na
mesa encaravam meus olhos.
Ainda era inacreditável
pensar que eu poderia levar
uma vida normal de agora em
diante.
- Claro, sua arma não está
apontada diretamente para
nós. - Disse Helgon em um tom
brincalhão. - Não precisa se
inibir, aqui somos todos da
realeza. Vamos ter uma
conversa mais informal, certo?
Assenti em concordância
enquanto permitia que uma
das bruxas me servisse. Elevei
uma xícara de chá aos meus
lábios enquanto os estudava e
antecipava mentalmente as
respostas para as perguntas
que provavelmente me
fariam.
- Ela é do outro mundo? -
Perguntou Galadriel primeiro.
- É sim, seu verdadeiro nome é
Eliza e ela foi a primeira a
atravessar para esse lado. -
Senti que estava sorrindo. É
inevitável falar de minha
amada sem me sentir feliz.
- Ah, eu sabia! Finalmente o
projeto que o meu tataravô
participou está dando os
primeiros passos. Ele vai
adorar saber disso!
- Willow realmente mandou
uma semente ancestral para o
outro lado? Bem esperto da
parte dela. - Comentou o rei
dos anões. Não é como se
precisassem de explicações,
eles próprios já haviam
deduzido os fatos.
- E como vocês vieram a se
tornar um casal? - Perguntou-
me a rainha dos anões
curiosa. - O rei dos lobos com a
herdeira das bruxas? Isso é
mesmo possível?
- Me pergunto isso até hoje. -
Respirei fundo e espiei minha
pequena pelo canto dos olhos.
Seria isso uma pegadinha dos
céus ou há um propósito
maior para isso? Me
relacionar com uma bruxa era
ainda mais louco do que me
relacionar com uma mestiça
do outro mundo. - Eu só sei
que amo aquela garota
loucamente.
- Até a pouco tempo não
parecia isso. - Disse-me
Galadriel.
- É porque eu não me lembrava
dela. Tomei uma maldição de
Willow para esquecê-la, só
para dar uma chance a ela de
me seduzir. - Nem acredito
que eu estava admitindo isso
assim, em voz alta. - Antes de
tudo, eu não tinha ideia de que
ela é uma bruxa.
- Não é qualquer um que se
arriscaria a isso. Você tem
coragem! - Elogiou-me o
príncipe dos duendes. Podia
dizer que era sincero.
- E como você não sabia que
ela é uma bruxa? Por acaso,
você já havia se apaixonado
por ela antes da idade de
despertar o lobo? - Perguntou-
me o rei dos anões.
- Como você soube que ela é a
rainha da profecia que
recebeste? Aliás, como
conseguiu marcá-la para você?
- Perguntou Helgon
entusiasmo se interpondo. -
Essa coisa de marca não é só
para lobos?
- O que vocês acham? -
Repliquei cruzando as mãos
sobre a mesa. O caso dela é
inédito, não é como se fossem
compreender apenas
debatendo hipóteses entre si.
- Acho que não tem como ela
ser a sua companheira se não
tiver um lobo. - Galadriel
tornou a se manifestar após
um tempo ponderando sobre
o assunto em silêncio. - Agora
entendo o motivo pelo qual
Willow me pediu para ajudá-
los.
- Willow fez isso? - Questionei-
o. Eu estava ciente de que se
Galadriel não tivesse saído do
caminho, as coisas poderiam
não ter dado tão certo. Willow
me conhecia bem, soube como
me influenciar e Galadriel foi
só mais uma das peças que ela
moveu para fazer o plano dar
certo. Eu compreendi isso
desde que recuperei a
memória.
Quanto mais eu pensava em
todos os eventos, mas tinha
certeza do quão bem
preparada e empenhada
Willow estava em fazer isso
acontecer. Eu apenas fui
chamado no momento do
último flagelo, o fascientum,
porque essa é a arma mais
eficaz para um rei teimoso
como eu. Ela não só me
colocou no caminho da Liz no
momento certo, como criou
um caminho em que eu
tivesse exposição prolongada
à atração fatal, tudo para que
eu não tivesse escapatória.
Claro que, para o plano de
Willow funcionar, eu
precisaria me apegar à minha
pequena, e Liz fez um trabalho
muito bem feito nesse sentido.
- Sim. Um dia antes do baile ela
me procurou para me dizer
que você e ela já pertencem um
ao outro, e que se eu quisesse
mesmo ajudá-la, deveria
convencê-lo a lidar com o
fascientum. Depois que a vi se
esforçando tanto para estar ao
seu lado, quando a vi
dançando tão feliz em seus
braços no baile, percebi que os
sentimentos dela realmente te
pertencem e acabei fazendo
exatamente o que Willow me
pediu. Meus parabéns, rei
Lohan!
Senti que seus parabéns não
eram sinceros. Posso dizer
que o rei dos elfos não estava
muito satisfeito em ter sido
usado, mas também não
estava bravo.
Ele se levantou da mesa
despedindo-se
respeitosamente antes de
caminhar até a saída. Parando
na porta, pousou os olhos na
minha Eliza, encarando-a
profundamente. Percebendo
que estava sendo vigiada, ela
acabou virando a cabeça e
sorriu amistosamente para
ele. Ele sorriu de volta e fez
um aceno em despedida antes
de deixar o local.
- Parece que ele gostava
mesmo dela. - Comentou
Helgon. Galadriel foi uma peça
útil e sou grato por isso, mas
se algum dia resolvesse se
colocar em meu caminho eu
teria que me impor.
Olhei novamente para a
minha Eliza, que permanecia
alheia a tudo isso enquanto
continuava acompanhando
Willow de perto, como uma
filha obediente. Foi quando
decidi que jamais permitirei
que ninguém a tire de mim,
que qualquer um que ousar a
se colocar no caminho desse
amor será meu inimigo. Isso
não vale somente para
Galadriel, mas também para o
conselho dos anciões e o meu
próprio povo. Aquela mão que
prometi segurar, eu não a
soltaria mais.
Livro 2 - Capítulo 82
Visão da Eliza

- Estou tão cansada! -


Murmurei enquanto arrastava
meus pés, meus olhos se
fechando contra a minha
vontade. Era mesmo para os
convidados se demorarem
tanto? A ideia inicial era
despedi-los com uma
suntuosa refeição matinal,
mas muitos acabaram ficando
até tarde da noite. Minhas
bochechas estavam cansadas
por ter que ficar sorrindo o
tempo todo.
"Ninguém mandou abrir a
boca!" - Riu Lisa. Para
resolver o problema com
Mefisto rápido, achei que a
solução mais fácil era me
revelar como a herdeira das
bruxas. Eu havia me
esquecido completamente que
Eliza Singer nunca pega o
caminho mais fácil. As
consequências sempre
vinham depois...
- Você foi muito bem hoje! -
Disse Lohan me fazendo
desequilibrar enquanto me
pegava agilmente em seus
braços.
- Mesmo? - Perguntei-lhe
passando os braços pelo seu
pescoço. Quando ele sorriu,
senti minhas bochechas
esquentarem. Ele fica tão
charmoso de óculos...
- Ainda tem energia? -
Sussurrou sedutoramente
enquanto me descia sobre a
cama dele.
- Não. - Murmurei puxando o
lençol e me cobrindo. Não
podia permitir que ele
estragasse outra obra prima
de Janet.
- Mesmo? - Perguntou-me
novamente instantes depois.
Ele havia tirado a camisa e se
deitado atrás de mim,
rodeando os braços a minha
volta e aproximado nossos
corpos ao máximo. Depois
começou a me acariciar de
forma provocativa e eu sabia
que não iria parar até que eu
cedesse.
- Lohan... - Gemi me virando
para ele. Assim que nossos
olhos se encontraram, ele
elevou a mão até meu rosto e
começou a acariciar minhas
bochechas de forma terna.
- Descanse, meu amor.
Amanhã teremos um dia
longo.
Ele aproximou os lábios dos
meus beijando-me
ternamente antes de me
abraçar contra ele e fechar os
olhos. Eu realmente senti
muita falta disso, de dormir
aconchegada ao corpo dele.
Seu calor era como um
calmante natural.
Embora eu estivesse cansada,
ele dormiu primeiro. Senti
que ainda haviam coisas
preocupando-o, e isso o levou
ao limite. A impotência de não
poder ajudá-lo, eu não queria
voltar a sentir isso. Não o
permitiria mais caminhar
sozinho, não quando eu
estava ao lado dele.
Adormeci logo a seguir,
acordando ao som de passos
agitados. Lohan estava no piso
inferior andando de um lado
para o outro. O ambiente
ainda estava escuro, mas era
nítida a figura de Willow,
sentada perto dele.
- Querida, te acordei? - Lohan
parou o que estava fazendo e
esticou a mão na minha
direção.
- Aconteceu algo? - Perguntei
enquanto descia a escada e ia
de encontro a eles.
- O restante das bruxas
maléficas estão se movendo
de maneira suspeita e se
hospedando nos arredores da
cidade. Creio que em breve
tentarão invadir o palácio
para resgatar sua líder. O
confronto é inevitável. -
Respondeu-me Willow, a
preocupação evidente em sua
voz.
- Estou solicitando reforços,
mas temo que não chegarão a
tempo. - Disse Lohan
enquanto segurava minha
mão e me abraçava de forma
protetora.
- Elas não começaram a agir
antes por conta dos
convidados poderosos aqui
presentes. Se eles se
envolvessem, elas não teriam
chance, mas como
praticamente todos já foram
embora, estamos por conta.
- Quantas são? - Perguntei
enquanto ponderava sobre
nossas opções.
- As bruxas associadas à
Chandra totalizam em mais de
mil entre as que não foram
capturadas, mas quantas
dessas resolveram se juntar
para o ataque eu não sei ao
certo. Temo que muitas
inocentes vão acabar
envolvidas nisso.
A maioria das Bruxas não são
preparadas para a guerra.
Quando não estão
trabalhando para coletar
devoção, elas vivem a vida de
forma divertida e
despreocupada, e é por isso
que Willow estava sempre
contando com Lohan.
Tratando-se das bruxas
maléficas, usariam tudo e
todas para a causa, incluindo
reféns.
- Vamos agir antes delas. -
Sugeri. Provavelmente eu não
teria poder mágico suficiente
para lidar com todas de uma
vez, mas eu não estava
sozinha.
- É o plano. - Falou Willow.
Lohan me puxou para o sofá e
sentei em seu colo enquanto
ouvíamos a estratégia de
Willow. Em suma, ela
pretendia usar Chandra de
isca para uma armadilha de
duas etapas. Como eu
rapidamente dominei a lógica
por trás do sistema de
inscrição, eu seria
responsável pela primeira
parte, enquanto Willow
inscreveria a parte chave da
armadilha. Antes que ela
tivesse tempo de explicar a
parte final do plano, uma
presença se aproximou
correndo, desviando a nossa
atenção.
- Willow, invadiram a prisão! -
A voz de Janet soou
desesperada do lado de fora
enquanto batia na porta de
forma insistente. Abri a porta
para ela e para a presença que
a acompanhava, cuja energia
fraca e os ferimentos em seu
corpo eram sinais da difícil
situação que enfrentara.
- Caelia, você está bem? E as
outras? - Perguntou Willow
correndo até ela para prestar
socorro. Caelia estava com a
respiração pesada, os olhos
cobertos de lágrimas. Ela
acenou negativamente com a
cabeça várias vezes, incapaz
de falar.
- Ela foi a única que
sobreviveu. - Explicou Janet
com pesar na voz. - Todas as
bruxas maléficas que estavam
aprisionadas foram libertas e
estão vindo para o palácio.
- Não há tempo! - Willow nos
olhou, apreensiva, sua
respiração acelerada. Nunca a
tinha visto dessa forma.
- Então eu vou ganhar tempo!
Siga com o plano. - Falei-lhe
determinada.
- Não sem mim! - Lohan
agarrou minha mão enquanto
eu me virava. Tirando os
óculos, deixou-os para trás e
acenou positivamente com a
cabeça uma vez, uma
permissão direta para
entrarmos em ação.
- Cuidem-se! - Disse-nos
Willow enquanto eu envolvia
a mim e Lohan com minha
magia de aceleração.
- Ainda há tempo. - Comentei
com ele enquanto nos
posicionávamos na entrada.
Rapidamente encontrei a
inscrição de Willow conforme
ela me descreveu e comecei a
fazer as modificações. Meu
coração batia forte enquanto
eu sentia centenas de
espíritos agressivos se
aproximando de todos os
lados.
- Vou distraí-las até você
terminar. - Disse-me Lohan
saindo dos muros que cercam
a propriedade em direção à
rua. Enquanto ele caminhava,
os primeiros raios luminosos
começavam a despontar no
horizonte e as primeiras
bruxas já podiam ser vistas.
Me mantive escondida usando
a invisibilidade, meus dedos
tremiam enquanto me
concentrava em não errar
nada. Magia de inscrição é
como programação, um
símbolo errado na fórmula e
não irá funcionar como
deveria.
- Parece que teremos nossa
vingança antes do esperado. -
Ouvi uma voz soar à distância.
Eu não tinha tempo de olhar
quem era, mas sentia que
alimentava um ódio profundo
pelo meu companheiro. Ela
não era a única.
"Por favor, fique bem!" -
Implorei. Eu não podia largar
isso, não enquanto não
terminasse. O plano de Willow
era o mais eficaz no que diz
respeito a abater todas
usando o mínimo de esforço e
com o mínimo de perdas.
Ampliei minha percepção
espiritual para acompanhar a
situação. A maioria das
minhas irmãs já estavam
correndo de volta para os
seus quartos, onde
permaneceriam trancadas até
que a situação estivesse
controlada. As que entendiam
mais sobre como lutar
estavam em volta de Willow
cobrindo-a de qualquer
eventualidade.
- Pelo quê? Por eu ter pego a
líder de vocês? - Questionou
Lohan em tom de deboche. -
Ou por todos os capachos dela
que já matei?
- Então foi você que a
capturou? Não fique tão
confiante, não vejo seus lobos
de estimação com você. O que
acha que pode fazer sozinho
contra todas nós? Lhe garanto,
rei amaldiçoado, de hoje você
não passa! - Gritou aquela
bruxa com confiança. Vários
risos começaram a ser
ecoados no ar em volta dela,
uma cena sinistra e
aterrorizante, digna de um
filme de terror.
- Acho que posso fazer mais
sozinho do que todas vocês
juntas. - Disse Lohan de forma
imponente. - Eu estava mesmo
com tédio de só caçar presas
fracas. Vamos ver se vocês me
dão ao menos um pouco de
diversão.
Tomando forma de lobo,
começou a avançar sem medo.
Ele exalava tanta confiança e
autoridade que até eu fiquei
admirada. As poucas bruxas
que baixaram a guarda já
começaram a gritar por terem
sido pegas na maldição, e só
por isso, outras já se
desestabilizaram. Como
enfrentar um oponente tão
forte sem poder olhá-lo
diretamente?
"Nossa..." - Pensei,
completamente fisgada por
sua confiança inabalável.
Lohan era muito rápido e
habilidoso. Ele não tinha
medo e sabia o que estava
fazendo. Me senti muito mais
calma depois disso. Parece
que eu conseguiria terminar
isso sem contratempos.
- Nossas magias não estão
fazendo efeito. - Reclamou
uma delas, completamente
apavorada enquanto Lohan ia
incapacitando uma a uma
numa velocidade
surpreendente.
- Vamos fechar o cerco! -
Gritou o que parecia ser a
líder.
"Oh, não! Isso não é bom!" -
Espiei a luta de relance
enquanto aplicava a minha
energia sobre a inscrição,
finalizando a primeira etapa.
Lobos naturalmente são bem
resistentes à magias, e com a
minha inscrição,
Lohan estava ainda mais
protegido, não só de magias
elementais como de poderes
astrais. Mesmo assim, existem
inúmeras formas de se
contornar isso. Poderiam
tirar-lhe o oxigênio, danificar
seus órgãos internos por
golpes consecutivos e o que
pretendiam fazer primeiro,
selar os seus movimentos.
O muro de terra formado em
volta dele pela ação das
bruxas foi tão rápido que ele
não teve tempo de reagir. Um
segundo grupo de bruxas
rapidamente se mobilizou
para selar a prisão enquanto
outras convocavam magias de
água para inundar a prisão.
Pretendiam asfixia-lo. Quando
eu ia me mover para resgatá-
lo, o som de golpes fortes
contra a parede rochosa foi o
prenúncio de sua fuga.
"Esse é o nosso macho!" -
Disse-me Lisa rindo orgulhosa
ao vê-lo sair ileso,
completamente disposto a
mais um round. Ele estava em
sua forma humana, e o sorriso
em seu rosto me dizia que as
bruxas estavam dando conta
de entretê-lo.
"Hora do show!" - Pensei
entrando no campo de visão
delas.
- Rei Lohan, há mais delas
vindo. - Gritei chamando a
atenção dele. Fiz o olhar mais
desesperado que pude
enquanto dava prosseguindo
à fase dois do plano. - Não
vamos conseguir desse jeito!
Precisamos recuar até que os
reforços cheguem.
Lohan escondeu o sorriso
enquanto corria de volta para
dentro dos muros, se
desviando dos feitiços e
suportando a zombaria das
que pensavam que ele estava
arregando.
- Elas não vão conseguir entrar
aqui. - Falei em alto e bom
som de forma provocativa,
antes de correr com Lohan em
direção ao palácio de Willow.
Em tese, poderíamos manter a
blindagem para que nunca
entrem, mas então
começariam a capturar reféns,
algo que queríamos evitar.
Por bem, a blindagem se
manteve exatamente igual e,
como previsto, elas estavam
preparadas. Uma chave criada
por Chandra confundia a
blindagem de trevas criando
uma brecha para que
entrassem, e então a invasão
das bruxas malignas para
tomar o palácio e resgatar sua
líder começou.
Livro 2 - Capítulo 83
Visão da Lohan
Sentei-me perto da janela
enquanto esperava minha
amada se arrumar para a
guerra. A primeira etapa do
plano de Willow estava indo
conforme o planejado. As
bruxas que estão
atravessando pela blindagem
estão sendo marcadas. Se
começassem a ser derrubadas
nessa etapa, não
conseguiríamos pegar todas
ao mesmo tempo, já que as
demais recuariam assim que
as primeiras fossem
debilitadas. Por outro lado,
por atravessarem sem
aparentemente sofrer
consequências, elas ganharam
confiança e estão vindo em
peso, cercando o palácio por
todos os lados.
- Bem melhor agora! - Eliza
exclamou satisfeita enquanto
dava uma volta completa. É a
mesma roupa de loba que
usava no dia em que
desapareceu. Com todas as
magias que podia usar à uma
distância segura, não
compreendia o motivo pelo
qual ela iria querer tomar
forma de lobo.
- Vai demorar? - Perguntei-lhe
com seriedade.
- Ainda chateado porque
acabei com a sua diversão? -
Questionou-me enquanto se
dirigia para a porta. Eu não,
mas Ray por outro lado... - Ah,
vamos! A melhor parte está
para começar! Não seja
impaciente!
- E quem disse que estou
sendo impaciente? Apenas
acho isso uma perda de
tempo.
- Mesmo? Você, o senhor
paciente, que sempre me
pedia para esperar? - Seu
semblante era como se tivesse
ficado brava, mas até mesmo
essa expressão era adorável.
Como eu poderia reclamar? -
Além disso, o seu método é
assustador.
- Assustador? - Travei no
lugar. Eu estava mesmo
assustando a minha pequena?
"Melhor se conter um pouco!"
- Censurei Ray. Senti ele se
retraindo, apreensivo.
- Vamos! Vou fazer a
blindagem reversa. - Chamou-
me de forma mais serena.
Assenti e acompanhei-a,
obedientemente. Eu deveria
saber que atacar bruxas de
forma tão descuidada não
seria algo que ela gostaria de
assistir.
- Estão todos dentro? -
Perguntou Willow assim que
nos aproximamos dela. Ela
estava agachada de frente
para o corpo desacordado de
Chandra.
- Aparentemente sim. A
armadilha está finalizada? -
Perguntou Eliza de volta.
- Sim! Podemos iniciar a fase
final.
Eliza assentiu e, elevando a
mão direita, recitou um
encantamento para ativar sua
inscrição alterando a barreira
dos muros para agir de dentro
para fora, fazendo com que
toda a propriedade de Willow
se tornasse uma grande
prisão. É disso que se trata a
blindagem reversa.
- Está feito! A marcação
também está ativa. - Eliza
sorriu confiante. Nunca
imaginei que a minha
companheira se tornaria essa
mulher tão poderosa.
Definitivamente sou um lobo
de sorte.
- Elas estão atacando o palácio
em conjunto por todos os
lados. A barreira do palácio
está prestes a cair. - Disse-nos
Agnes, uma das bruxas que
ficou de vigília. Além dela,
dezenas de bruxas estavam de
prontidão a nossa volta para
agir se necessário.
- Eu sinto. Enviei muito poder
mágico para reforçá-la, mas
não consigo aguentar mais do
que isso. - Disse-nos Willow.
Seu olhar estava cansado e
não é pra menos. A armadilha
que confeccionou não é
qualquer armadilha, é a
ARMADILHA!
- Se espalhem! As coisas vão
ficar agitadas agora. -
Alertou-as Eliza. Peguei
Chandra e levei-a até a
entrada da porta principal.
Eliza e Willow se colocaram
juntas de frente para porta,
onde as bruxas continuavam
berrando agitadas do lado de
fora.
- Vamos, Willow, apareça!
Queremos ver o seu belo rosto!
- Gritou uma.
- Majestade, atenda o seu povo!
Entregue-nos o inimigo e
podemos deixar essa passar. -
Insistiu outra.
- Se entregarmos a Chandra,
vocês irão embora? - Willow
fingiu estar negociando.
- Parece que estamos
começando a nos entender.
Chandra é um começo. Acho
que podemos poupar algumas
crianças com isso, mas
somente iremos embora se nos
der a cabeça do rei dos lobos.
- Vocês estão com reféns? -
Perguntou Willow
demonstrando preocupação.
- É claro que sim! Willow, sei
que é uma mulher de negócios.
Não vai querer ver o que
faremos com elas se você se
recusar a colaborar.
- É um blefe. - Assoprou Eliza
em direção à ela. Willow
assentiu e continuou jogando.
- Por favor, não as
machuquem. Entregarei
Chandra, mas não façam nada
com elas, por favor!
- Ótimo! Vamos nos afastar da
porta. Você tem um minuto
para nos entregá-la ou
começaremos a matá-las, uma
por uma.
- Elas realmente são burras
assim? - Cochichei com minha
pequena. Não é possível que
as bruxas maléficas cairiam
numa atuação tão fajuta.
- Elas são idiotas o suficiente
para tentar atacar Willow na
casa dela, então não estou
surpresa. Acho que estão
confiantes por causa dos
números. - Respondeu-me ela
dando de ombros.
Consegui abater pelo menos
duas dezenas enquanto estava
ganhando tempo para ela, mas
ainda havia centenas
espalhadas pelo jardim,
aproximadamente setecentos
de acordo com o
levantamento das bruxas que
estão vigiando, e pelo menos
um décimo disso são
prisioneiras que escaparam
da prisão.
Eliza sinalizou para Willow
que o acesso estava liberado,
ao que Willow prontamente
abriu uma brecha na barreira
de frente à porta e usou sua
magia das sombras para
entregar o corpo desacordado
de Chandra.
Quando uma bruxa marcada
tocar no corpo dela, uma
maldição psíquica se
espalhará como nuvem por
todo o jardim colocando a
todas em sono profundo.
- Começou! - Avisou-nos Eliza.
Me aproximei da janela, a
tempo de ver uma densa
nuvem negra se espalhando
rapidamente. As bruxas mais
próximas de Chandra já
estavam desacordadas, as
demais estavam correndo
freneticamente na esperança
de escapar daquilo.
Era impossível escapar pois
não havia para onde fugir.
Todas que passaram pelo
portão e receberam a
marcação serão pegas. Uma a
uma iam caindo, e já não
haviam risadas zombeteiras,
apenas uma gritaria
desenfreada. O cheiro do
medo sendo exalado por elas
era forte e repulsivo.
- Parece que deu certo! - Disse
Agnes ao meu lado.
- Deu certo mesmo! Vencemos!
- Entoou outra bruxa. Todas
que estavam por perto
começaram a comemorar, e
todas que se espalharam para
vigiar por outros ângulos
vinham correndo até Willow
aliviadas, se juntando a
comemoração.
- Que bom! - Willow sorriu
com suavidade, permitindo
que suas filhas se
aconchegassem em volta dela.
Não pude deixar de notar o
senso de irmandade e família
que elas têm. A fragilidade, as
emoções, tudo as tornavam
tão humanas que senti
remorso pela forma genérica
como eu as enxergava. O
problema é que nunca me
permiti conhecê-las de
verdade.
Willow se virou, e quando
estava prestes a sair pela
porta, Eliza a bloqueou. O
olhar sério no rosto dela era
indício que alguma coisa tinha
dado errado.
- Nem todas caíram. Várias
estão recobrando a
consciência e há alguma coisa
estranha na energia delas.
- O único jeito de suportar a
maldição é a elevação da
resistência psíquica.
Provavelmente todas as bruxas
que estão se levantando
possuem esse elemento astral.
- Mas não é necessário ter um
poder psíquico maior que o seu
para isso? - Perguntou Eliza
um pouco confusa. Isso é
porque ela desconhece todas
as atrocidades pesquisadas
por essa entidade maligna.
- Por que acha que vieram
atrás de sua líder com tanta
urgência? - Willow suspirou
antes de explicar o seu
próprio questionamento. - Um
dos experimentos que as
bruxas maléficas fazem em
torno do Devorador são poções
de quebra de limite mágico. A
poção permite sugar até a
última gota de energia mágica
da origem em troca de grande
elevação momentânea de
poder. Esse é o trunfo delas!
Como Chandra é a única que
sabe como fazer essa e outras
poções, as bruxas maléficas
necessitam dela.
- Algo assim deve ter
consequências graves. -
Ponderei.
- Fadiga extrema, coma ou
morte, a depender da
quantidade de energia
explorada no tempo de
duração da poção. - Explanou
Willow. Parecia estar
pensando no que fazer.
- Companheiro, é a nossa
hora. - Eliza se dirigiu
diretamente a mim.
- Eu vou com vocês. - Interpôs
Willow.
- Não, mãe! Você ainda está
muito machucada. Além disso,
você precisa proteger a
barreira e manter minhas
irmãs seguras. Eu e Lohan
damos conta! - Havia tanta
convicção quanto gentileza na
voz dela.
- Você a ouviu, nem pense em
sair! - Rosnei para Willow
dando ênfase à vontade de
minha amada. - Apenas fiquem
seguras!
- É a primeira ameaça gentil
que você me faz. - Willow riu,
seus olhos marejando
enquanto recuava. Troquei
olhares com minha
companheira enquanto
saíamos para o jardim.
Uma fraca névoa pairava pelo
ar enquanto eu tomava forma
de lobo e começava a
perseguição. Minha
companheira, mesmo em sua
forma humana, conseguia ser
mais rápida que eu por causa
de sua magia, o que é
realmente impressionante.
"Acho que ela não precisa de
nós!" - Comentei com Ray.
Eliza desapareceu da minha
visão e a velocidade com que
o restante das bruxas ia
caindo inconsciente era
assustadora. Bem como
Willow disse, todas com o
elemento psíquico.
"Onde ela está?" - Ray estava
agitado, tentando se apossar
do controle. Bastou piscar
uma vez para que a
perdêssemos complemente de
vista. Continuei correndo,
procurando pelos rastros, por
sua frequência, até que a
avistei próximo ao lago dos
fundos, caminhando
passivamente enquanto era
cercada por meia dúzia de
bruxas.
- Molly, você ainda pode se
render. - Ouvi-a dizer à
distância com minha potente
audição. Ela realmente estava
tentando negociar com elas?
Por quê?
- E perder a oportunidade de
me vingar? Como pode uma
novata fracote como você
aparecer sozinha aqui? Você é
retardada ou o quê?
"Mostra para elas, pequena!" -
Pensei, observando
atentamente os movimentos
dela. Seu rosto inabalável me
fez acreditar que estava tudo
sob controle. No instante
seguinte, aquelas bruxas
começaram a conjurar magias
elementares em direção a ela.
"Ela escapa fácil!" - Riu Ray
dentro de mim. Estávamos
confiantes disso, mas por
algum motivo, Eliza não
estava se movendo, nem
dando sinais de que iria
reagir. Elas a pegaram?
"Não vai dar tempo!" - Pensei
desesperado, iniciando uma
corrida em direção a ela.
Algum truque aquelas
malditas bruxas usaram, ou
do contrário minha pequena
não ficaria completamente
inerte na mira das magias
delas.
De repente, uma grande
explosão ocorreu, bem onde
minha pequena estava, e eu
não pude fazer absolutamente
nada. Ela ainda estava ali, no
meio do fogo, eu podia sentir.
Se não bastasse, uma
sequência de raios foi
disparada na direção dela, que
ainda permanecia sem reação.
A intensidade e magnitude da
explosão, a sequência de
ataques que lançaram
sequências, nem mesmo eu
sairia ileso. Rezei aos céus que
isso fosse só um pesadelo
enquanto saltava contra uma
das bruxas de dupla natureza,
fazendo-a cessar sua ofensiva.
Eu não podia perdê-la, ainda
mais agora que acabei de
recuperá-la. Minha pequena,
por favor, esteja bem!
Livro 2 - Capítulo 84

Visão da Eliza
Enquanto eu selava a
consciência delas uma a uma,
detectei um grupo de bruxas
se reunindo no fundo do
jardim. Uma energia
conhecida me fez desacelerar
e me revelei por completo,
enquanto ganhava
proximidade delas. Molly não
tinha envolvimento direto
com as bruxas maléficas, mas
por causa de suas ambições,
acabou sendo usada por elas.
- LIZ, SUA VADIA! - Gritou ela
assim que me viu. Sorri e me
aproximei a passos lentos. A
raiva em seus olhos me dizia
que poucas palavras não iriam
tocá-la, mas pelo menos eu
tentaria.
- Molly, você gosta tanto da
Willow, mas está se aliando
aos inimigos e atacando a casa
dela. Não é isso que uma filha
deveria fazer com a própria
mãe.
- E o que você sabe sobre ter
uma mãe? Você é só uma órfã
ridícula que não sabe o próprio
lugar. O que faço ou deixo de
fazer não é da sua conta!
- Vamos pegar ela! -
Murmurou uma das bruxas
maléficas para Molly. Ela
concordou sem qualquer
hesitação e todas começaram
a correr estrategicamente a
minha volta fechando o cerco.
- Molly, você ainda pode se
render. - Fiz uma última
tentativa. Senti que estavam
debochando de mim.
Pareciam não ter notado que a
única origem visível em mim é
o meu elemento luz. Pela
forma descuidada como
agiram, eu diria que ainda não
sabiam quem eu sou de
verdade.
- E perder a oportunidade de
me vingar? Como pode uma
novata fracote como você
aparecer sozinha aqui? Você é
retardada ou o quê?
"Duas de natureza psíquica
única e quatro de dupla
natureza sendo duas de fogo,
uma de vento e uma do
elemento trovão." - Pensei
enquanto deixava Lisa cuidar
da parte de análise de
intenção.
"Vão atacar em simultâneo.
Vento e fogo, magias fortes." -
Disse-me ela.
"Muito fortes? Acha que
conseguem nos arranhar?"
"Definitivamente não!" - Riu
Lisa enquanto tomávamos
forma de lobo, a menos de um
segundo do impacto final.
"Quente, mas suportável!" -
Pensei. Era a primeira vez que
eu testava a indestrutibilidade
da minha origem espiritual. A
ocasião surgiu, achei que valia
a pena brincar também.
"Elas não vão parar? Que
tédio!" - Lisa pensou,
enquanto suportávamos uma
sequência de magias que mal
faziam cócegas. O mais
desconfortável era conseguir
respirar nesse calor.
Mesmo com toda a potência
que as magias tinham por
conta de elas terem usado a
poção, eu sequer conseguia
sentir medo. Meu instinto de
lobo sempre me alertou
quando eu tinha que lidar com
inimigos fortes ou situações
perigosas, mas a sensação que
eu tinha era como a de caçar
coelhos.
"Oh, acho que preocupamos
alguém!" - Olhei meu
companheiro correndo
desesperado e se lançando
contra a bruxa que insistia em
disparar magias de raios
contra mim. Enquanto ele
lidava com ela, finalmente
resolvi me mover e caminhei a
passos firmes em direção à
Molly.
- MONSTRO! - Gritou uma
delas desesperada enquanto a
figura de minha loba saía das
chamas, completamente ilesa.
Virando-se para fugir,
tropeçou e caiu de cara no
chão. Antes de se levantar,
usei a superaceleração para
abatê-la e rosnei para as
demais mostrando que teriam
o mesmo destino se
tentassem fugir.
- O que você é? - Balbuciou
Molly, os olhos arregalados,
incrédulos. Ela tremia mais
que as outras. Fui tomando
forma semi-humana enquanto
lançava uma magia espiritual
que exacerbou o medo no
espírito de minhas oponentes,
incapacitando-as. Todas
caíram no chão, tremendo
tanto que eram incapazes de
falar.
- Eu sou Eliza Singer, a loba
bruxa, a rainha predestinada! -
Rosnei em minha forma semi-
humana, enquanto ganhava
proximidade com ela.
Me agachei no chão e, assim
que toquei a testa de Molly,
ela perdeu a consciência sem
que eu sequer precisasse usar
uma magia para isso. Não sei
se foram minhas palavras ou a
energia poderosíssima que fiz
questão de mostrar, mas o
fato é que ela finalmente se
tocou de que eu era alguém
com quem não podia mexer.
Quando olhei para trás, Lohan
já tinha cuidado das outras,
mas ele não foi tão gentil
quanto eu.
- Nunca mais faça isso! -
Repreendeu-me tomando
forma humana e vindo a
passos firmes na minha
direção. Ele parecia muito,
mas muito bravo.
- Fazer o quê? - Perguntei-lhe
inocentemente enquanto
terminava de voltar para a
forma humana também. Eu
esperava uma bronca
daquelas, mas isso não
aconteceu. Seus braços me
rodearam e ele me abraçou
com força.
- Nunca mais me assuste
assim... - Sussurrou,
enterrando seu rosto no meu
pescoço.
- Companheiro, eu sou forte.
Você não precisa mais temer
pela minha segurança.
- O que você fez exatamente?
Como resistiu àquilo? -
Perguntou-me, afastando-se
um pouco. Suas duas mãos
quentes seguravam meu rosto
com suavidade, enquanto
nossos olhos se encontravam.
Os olhos negros dele estavam
brilhando pelas lágrimas que
se acumulavam no canto dos
olhos. Elevei minha mão e as
enxuguei gentilmente.
- Não sabe que a minha
origem é indestrutível? Acho
que o título de loba mais forte
de Celestria pertence a mim
agora.
- Mesmo? - Ele riu
suavemente e me puxou para
um beijo. Seus lábios se
moviam de forma selvagem
sobre os meus, em um dos
beijos mais longos e intensos
que já me deu. Faíscas
eletrizavam a minha pele
enquanto o prazer invadia
cada célula do meu corpo.
Afastei-me ofegante,
absorvendo todo o amor
exalado pela energia dele. -
Para mim, não há rainha mais
digna no universo do que
você.
- Mesmo? - Perguntei-lhe, sem
conseguir conter a felicidade
dentro de mim. Sempre
pensei que não era o
suficiente para ele, mas agora
não havia mais medo, ou
insegurança. Sorríamos como
bobos um para o outro.
É como um raio de esperança
após um dia escuro, um
momento de calmaria após
uma tempestade turbulenta.
- Eu te amo pra sempre! -
Falou-me com todo o coração.
- Eu também te amo, pra
sempre! - Falei-lhe, enquanto
aproximávamos novamente
nossos lábios, em outro beijo
longo e demorado.
- AEEEE! - Sons de palmas e
gritos de torcida eram
ecoados perto de nós. Senti-as
se aproximando, mas não as
permitiria interromper esse
momento tão lindo.
Eu e Lohan nos afastamos
momentaneamente, rindo.
Olhei para todas as irmãs que
se aglomeravam à nossa volta,
Willow na frente do grupo.
- Você sabe, elas são bem
fofoqueiras. Aposto que vão
contar para todo mundo que
você me ama. - Sussurrei para
o Lohan em um tom
brincalhão.
- Ótimo! É isso mesmo que eu
quero! - Respondeu-me com
aquele sorriso que eu tanto
amo e que fazia o meu coração
bater mais rápido.
- Vamos, não parem! - Willow
disse-nos enquanto se
aproximava. - Estamos em
família.
- Achei que tínhamos lhe dito
para esperar lá dentro. O que
faz aqui? - Questionou Lohan.
- Rei Lohan, deveria saber que
não acato ordens de ninguém,
ainda mais dentro do meu
território. Esse é o nosso lar,
então é claro que íamos lutar.
Assenti em concordância. Se
não fosse Willow, eu e Lohan
ainda estaríamos lutando, e
não trocando beijos
despreocupadamente.
Quando percebi que ela não
pretendia ficar parada, resolvi
confiar nela e acho que foi
melhor assim.
- Ela cobriu o outro lado. -
Expliquei. - Nós conseguimos.
Nós vencemos!
- Corremos para cá assim que
ouvimos a explosão. Que bom
que estão bem! - Disse-nos
Agnes.
- Eu falei que não tinha nada
com que se preocupar. -
Interpôs Janet. - Nossa irmã
daria conta de todas sozinha.
- Menos, Janet. - Me senti um
pouco tímida. Ela sempre
punha muita expectativa em
mim.
O que me chamou a atenção
foi o rosto de Willow. Ela
estava quase sempre
sorrindo, mesmo nas piores
situações, mas agora parecia
séria. Ela me olhava com
muita intensidade, mas o
sentimento dentro dela era
completamente incompatível
com sua expressão. Ela
estava... maravilhada!
- Mãe? - Olhei-a
desconcertada. Foi ela quem
me disse que minha origem se
tornaria indestrutível, então
não compreendia o motivo
pelo qual estava tão surpresa.
- Eu só não imaginei que iria
testemunhar o poder original
com os meus próprios olhos.
Eu tinha o meu palpite, mas
você acabou de me confirmar
isso.
- O poder original? Fala do
poder ancestral? - Perguntei
curiosa. Willow não
respondeu, apenas sorriu.
Agora é o meu companheiro
que estava estranho. Ele
alternava o olhar entre mim e
Willow, perplexo. Algo no que
Willow falou mexeu
profundamente com ele.
- O que... - O que quer que ele
ia perguntar, Willow
prontamente o interrompeu
com um aceno de mão.
- Não se preocupe, rei Lohan.
Antes de partirem, eu te darei
suas respostas, afinal, vocês
precisam saber o motivo pelo
qual nasceram um para o
outro.
"E precisa de um motivo?" -
Pensei, completamente
confusa. Lisa estava se
indagando o mesmo que eu.
Nós simplesmente nos
amávamos, e não precisa
haver um motivo ou razão
para isso.
- Do que eles estão falando? -
Janet assoprou perto do meu
ouvido. Dei de ombros. Eu
realmente não fazia ideia.
- Agora a parte chata. -
Resmungou uma de minhas
irmãs, olhando todas as
bruxas caídas à nossa volta.
- Não vamos fazer isso
sozinhas. - Disse Willow. -
Chamem todas! Pela maldição
lançada ser de ampla área, o
efeito não vai durar muito.
- Sim, mãe!
O trabalho pela frente era
longo. Reunir todas as bruxas
malignas, selar seus poderes,
recuperar a prisão e consertar
todos os danos gerados pelo
enfrentamento. Fiquei feliz de
não ter que carregar ninguém,
mas passei muito tempo
produzindo um novo sistema
de blindagem extremamente
elaborado para a prisão na
cidade. Dessa vez, nem que
quisessem, conseguiriam
invadir.
- Ficou excelente! - Elogiou-
me Willow verificando a
eficácia da blindagem que
inscrevi com a minha magia
de luz. Ela estava testando
também o sistema que
implementei, que, para
abertura e fechamento, era
essencial tanto as chaves
marcadas quanto um fator de
autenticação, no caso, um selo
da rainha. - Um tipo de
trabalho bem feito como esse
vale uma fortuna. Penso que
você nunca vai ter que se
preocupar com dinheiro.
- Ela não precisa trabalhar.
Tudo que é meu é dela! -
Grunhiu Lohan. Ele havia
ajudado a carregar as bruxas,
mas tão logo anoiteceu, ficou
do meu lado acompanhando-
me terminar o que eu estava
fazendo.
- E se eu quiser trabalhar,
companheiro? Eu posso,
certo? - Pedi com jeitinho. Ele
não concordou, mas também
não recusou.
- Podemos analisar isso em
outro momento. - Respondeu-
me com suavidade. A
escuridão tomou o ambiente,
as tochas mágicas foram
danificadas na invasão, e até
serem trocadas, seria difícil
trabalhar na parte da noite. -
Agora, temos outra coisa mais
importante para resolver.
- Eles estão chegando? -
Perguntou Willow, atenta aos
sinais corporais de Lohan.
- Sim. Solicito autorização
para entrada em Aradia.
- Permissão concedida.
Devemos ir recebê-los! -
Lohan concordou e esticou a
mão na minha direção.
Segurei sua mão prontamente,
ciente de que o golpe final
estava para ser dado e, com
isso, a aliança entre os lobos e
bruxas teria fim.
Livro 2 - Capítulo 85
A bruxas de elite de Willow se
mobilizaram para evacuar a
área central. Foi necessário
para evitar que a confusão se
instalasse, mas isso não
impediu que as bruxas se
aglomerassem próximas ao
cerco, curiosas em saber o que
aconteceria. Lohan, Willow e
eu erámos os únicos próximos
ao cristal de teletransporte, só
aguardando a travessia da
guarda real convocada por
Lohan.
Suspirei profundamente
enquanto me recordava sobre
a discussão que tiveram horas
antes, logo que a transferência
das bruxas capturadas foi
finalizada. Embora tenhamos
tido um avanço muito grande
no que diz respeito às bruxas
maléficas, muitas delas não
haviam participado da
invasão e, enquanto
estivessem à solta por aí,
continuariam oferecendo
riscos.
Willow teve o trabalho árduo
de ir identificando todas
prisioneiras que iam sendo
levados, só para listar as que
faltavam ser capturadas. Ela
ficou absorvendo memórias e
repassando todos os tipos de
informações ao Lohan, e
juntos julgaram necessário
agir agora, então os lobos
partirão em uma operação
para a captura das restantes,
antes que fujam ou se
escondam.
Uma vez que as informações
coletadas por Willow fiquem
defasadas, o trabalho de busca
teria que ser reiniciado, e é
isso que queríamos evitar.
Dessa vez, o mal das bruxas
maléficas será erradicado
para sempre de Celestria.
- Não se mexa. - Disse-me
Lohan com firmeza se
posicionando atrás de mim e
me abraçando de forma que
os meus braços ficassem
cobertos pelos braços dele.
- Por quê? - Perguntei curiosa
me deixando envolver. Mesmo
que ele não me respondesse,
eu pretendia acatá-lo só pelo
prazer de estar no calor de
seus braços. Sentia a energia
do vínculo atravessando o
meu corpo, me deixando feliz
e relaxada.
- Não quero que vejam a sua
origem. - Sussurrou próximo
ao meu ouvido, bem no
momento em que os
primeiros lobos começaram a
aparecer. Mordisquei meus
lábios, um pouco nervosa,
enquanto a compreensão me
vinha à mente. Lohan não
queria que os lobos
soubessem que sou uma
bruxa e eu não podia culpá-lo.
Centenas de lobos
apareceram em questão de
minutos, tomando forma
humana e se colocando de
frente a mim e Lohan em
posição de submissão e
respeito.
- Prontos para agir conforme
suas ordens, Majestade! -
Disse-nos o homem que
estava mais à frente. Apesar
da baixa estatura, tinha uma
energia forte e um espírito
valente.
- Eles foram ao reino mais
próximo para pegar o cristal
de teletransporte. Era a forma
mais rápida de chegarem aqui.
- Explicou-me Lohan em voz
baixa.
Antes de Lohan se pronunciar,
um deles saiu da formação e
correu para perto de mim.
Imediatamente Lohan rosnou
raivosamente para ele, mas
ele não pareceu levá-lo a
sério.
- William? O que faz aqui? -
Perguntei surpresa. Ele sorriu
mantendo uma distância de
segurança, seus olhos me
sondando aliviados.
- Exatamente! O que faz aqui?
- Questionou Lohan em tom
de ameaça.
- Majestade, ele quis vir de
todo jeito. Sabes bem como o
novato é teimoso. - Disse um
dos guardas da primeira
fileira, imagino que um dos
líderes.
- Não consegui te ver da
última vez que foi à Luríon,
então quando soube que você
poderia estar aqui, eu tinha
que vir ver. Parece que
finalmente te pegamos. -
Disse-me William, um
sentimento de alegria claro
não só na sua voz, quanto na
sua energia.
- Se você não a viu, a culpa foi
sua. Se não tivesse bebido
tanto aquela vez, poderia ter
ajudado no cerco. - Implicou
Lohan. - Soube que teve uma
ressaca daquelas.
- E eu soube que ela te deixou
comendo poeira. - Caçoou
William de volta sem se deixar
abalar. - Eu realmente queria
ter visto isso.
- Por que me parece que
viraram bons amigos? - Deixei
escapar uma gargalhada. Era
muito engraçado a forma
infantil como ambos estavam
se atacando.
- Já que fez questão de vir, é
melhor se preparar. Os
próximos dias serão
cansativos.
- Não posso só escoltar ela de
volta? - Pediu com uma
postura mais informal. - Até
porque se você vai comandar
a todos, alguém precisa ficar e
proteger ela.
- A Eliza não precisa da
proteção de ninguém, ainda
mais de um peso morto como
você.
- Hein, seus guardas
aguardam ordens. - Lembrei
meu companheiro de que não
estávamos sozinhos.
- Certo! - Ele limpou a
garganta e cobriu-me ainda
mais, marcando território
sobre mim. - Dividam-se
conforme o combinado.
Lembrem-se, vocês estão em
Aradia, o território delas,
então não façam confusão
desnecessária e evitem
qualquer tipo de interação
adversa com as cidadãs locais.
Capturem todas as bruxas
listadas, de preferência com
vida.
Willow deu um passo à frente
e começou a passar nomes,
localizações mais prováveis e
outras descrições essenciais.
Mesmo com algo tão sério,
Willow ainda tinha muita
elegância na postura e na
forma de falar e se expressar.
Definitivamente uma figura
feminina forte e inspiradora.
- Agora vão! - Ordenou Lohan
tão logo todas as informações
foram repassadas.
Todos tomaram forma de lobo
e se agruparam com
eficiência. Grupos começaram
a correr em todas as direções,
alguns pegando novamente o
cristal de teletransporte.
- Você também! - Lohan
ordenou ao William, que
ainda não se mexera do lugar.
- Alcanço vocês depois. Se
quiser bater um papo com a
minha companheira, cumpra
com o trabalho primeiro.
- Sim, Majestade! - Respondeu
William, acenando para mim
antes de tomar forma de lobo
e correr atrás do último grupo
a sair. Mesmo sem querer
causar confusão, muitas
bruxas estavam alvoraçadas
com os grupos de lobos
atravessando as ruas. Era
inevitável o sentimento de
indignação vindo delas, dado
a rivalidade que existe entre
as raças.
- Preciso ir, pequena. Venho te
buscar assim que
terminarmos com isso.
- E eu não posso ir com você? -
Perguntei um pouco
desanimada. Não há como
identificar espíritos de bruxas
que não conheço, mas eu
poderia, ao menos, dar
suporte.
- Você será mais útil aqui.
Além disso, se você usar seus
poderes na frente dos outros
lobos vai chamar muita
atenção. Para o nosso próprio
bem, vamos deixar isso em
oculto por enquanto.
- Se você diz... - Respondi me
virando para ele. Ele tocou a
testa dele contra a minha e
ficou acariciando os meus
braços de forma terna.
- Não fuja de mim de novo,
tudo bem? - Pediu-me
suavemente.
- Não vou, eu prometo! Cuide-
se, e volte logo para mim,
companheiro! - Ele assentiu e
me deu um beijo de despedida
antes de tomar forma de lobo
e iniciar a sua própria
perseguição. Como ele já tinha
experiência nesse tipo de
missão, eu só podia acreditar
que tudo daria certo.
- Vamos voltar, filha. Preciso
organizar algumas coisas
antes de partir também. -
Disse-me Willow de forma
calma e serena.
- Vai me deixar também? -
Perguntei, mais preocupada
do que chateada. Preferia que
ela não fosse, principalmente
por conta de todos os
ferimentos das últimas
batalhas que enfrentou. Além
disso, se algo lhe acontecesse,
sobraria para eu assumir a
coroa e eu não queria isso.
- Preciso ir para garantir que
tudo ocorra bem. Além disso,
pode haver esperança para
muitas delas, já que
escolheram não participar da
invasão. Preciso conhecer
seus motivos para dar-lhes
um julgamento justo. Quanto
a você, fique e proteja as suas
irmãs. É a última
oportunidade que terão de
passar um tempo juntas,
então aproveite ao máximo.
Willow sempre levava todas
com muita consideração. Me
senti tocada por ela ver o meu
lado também. Em breve eu
voltaria para Éldrim e tudo
que vivi em Aradia ficaria
para trás. Quando cheguei,
não quis me apegar a nada
para não sentir saudades, mas
falhei miseravelmente. Todas
as doces memórias e as
amizades que fiz, eu as levaria
comigo, mas dessa vez as
coisas seriam diferentes.
Sempre que eu sentisse
saudade, eu viria visitá-las.
Entrei no meu quarto e
comecei a selecionar as coisas
que queria levar. Alguns
vestidos que Janet costurou
com tanto carinho para mim,
lindas joias que Willow me
deu e até mesmo um livro que
recebi de Agnes.
Se eu precisasse de
maquiagem de qualidade, eu
já sabia com quem comprar,
além disso, as melhores
essências e perfumes, sem
dúvidas, são fabricadas pelas
bruxas. Talvez eu conseguisse
convencer Lohan a, pelo
menos, aceitar colocar uma
rede de lojas dos produtos
fabricados por elas nos clãs
em Éldrim. Isso ajudaria
muito com a questão da
devoção, e nem precisaria
envolver os mesmos riscos do
passado.
"Tudo dará certo de agora em
diante!" - Disse-me Lisa com
otimismo enquanto eu
encarava a minha mala. Agora
tínhamos mais do que só a
vontade, mas o poder para
efetuá-la.
Em minha mão, um colar com
um grande pingente, uma
pedra vermelha, grande e bem
lapidada. Eu o havia
comprado desde que soube do
potencial dessa pedra em
receber inscrições. Eu o daria
à Willow, um simples
presente em comparação a
tudo o que recebi.
No dia seguinte, me sentei na
biblioteca para estudar. Como
não haviam livros para
aprendizado de bruxas na
biblioteca de Lohan, tive que
aproveitar esse tempo para
tirar o resto das dúvidas que
eu tinha e, bem
provavelmente, teria que vir
aqui com certa frequência se
quisesse continuar
aprimorando meus poderes.
Dessa vez minhas irmãs, além
de não me perturbarem, ainda
me traziam os livros que eu
queria. Era divertido interagir
com todas elas quando não
ficavam implicando comigo o
tempo inteiro. Além disso,
agora eu me sentia à vontade
em respondê-las com
honestidade, e a maioria das
perguntas eram em torno do
meu romance com Lohan.
Por muitos dias, permaneci
consultando minuciosamente
na literatura a forma correta
de se fazer inscrições para a
criação de artefatos. Quando
senti segurança, iniciei o
longo processo de inscrever
no pingente a função que eu
queria designar a ele.
Trabalhar com coisas
pequenas é difícil, e por
muitas vezes precisei quebrar
a sequência e reiniciá-la.
Willow deveria ser
incrivelmente habilidosa para
conseguir fazer isso com
coisas ainda menores, algo
que eu não me imaginava
conseguir fazer nem com
décadas de treino.
Esperava rever o meu
companheiro logo, mas as
semanas de busca foram se
prolongando. Que tipo de
dificuldades ele encontrou?
Será que estão todos bem?
Olhei para o céu noturno, a
lua crescente indicando que
mais de meio mês já havia se
passado desde que o vi pela
última vez. Por algum motivo,
eu não estava ansiosa. É como
se eu sentisse que tudo havia
acabado e que ele já estava
voltando para mim.
Repousei a cabeça sobre o
travesseiro tranquilamente,
tomada por boas sensações.
Meus sonhos foram
interrompidos assim que
minha loba interior reagiu
com a proximidade do meu
companheiro. Abri meus
olhos e virei-me para a
presença dele, que caminhava
sorrateiramente na minha
direção.
- Companheiro, você voltou. -
Sussurrei, ainda sonolenta.
- Acho que está na hora de
voltar para casa. - Disse-me
ternamente se sentando na
beirada da cama e, pousando
a mão dele sobre a minha
cabeça, sorriu com deleite
enquanto me mirava com
amor.
- Acabou? - Perguntei-lhe
aliviada.
- Sim. Acabou!
Livro 2 - Capítulo 86
- Senti tanto a sua falta. -
Sussurrei, acariciando o seu
rosto. Sua respiração estava
calma e sua feição serena.
Meu grande e imponente
homem simplesmente apagou
na minha cama. Mal cabíamos
nós dois juntos no espaço,
então decidi me levantar e
procurar por Willow. Se
Lohan voltou, provavelmente
a rainha também.
Caminhei pelos corredores
escuros, segurando o colar na
minha mão. Não precisei
ativar meu dom espiritual
para encontrá-la, pois ela
pensou o mesmo que eu.
Estávamos de frente uma para
a outra, a certeza de que nos
separaríamos em breve nos
levou a procurar uma à outra.
- Filha, você pode me
acompanhar? - Perguntou-me
gentilmente.
- É para isso que estou aqui,
mãe. - Respondi caminhando
em sua direção enquanto
escondia o colar atrás do meu
corpo. Em vez de irmos para a
sala de isolamento ou o
escritório dela como
costumávamos fazer, ela me
levou até o túnel subterrâneo,
parando de frente a uma
parede em um corredor sem
saída.
- Grave essa posição, ela
pertence apenas às
prometidas de Aradia. - Disse-
me suavemente, escrevendo
algo na parede. Logo a seguir,
ela o atravessou e segui-a de
perto.
- Não creio... - Fiquei
completamente sem reação. O
lugar que Willow queria me
mostrar é outra dessas zonas
mágicas malucas. Estávamos
literalmente flutuando no
meio de um espaço vazio,
cheio de luzinhas brilhantes
como estrelas à nossa volta.
- Esse é o jardim celestial. -
Disse-me Willow sorrindo
lindamente, flutuando em
direção a uma das luzes. -
Você controla aonde você
quer ir com os pensamentos.
Essas luzes são tesouros
deixados aqui por rainhas do
passado. Foi onde encontrei o
diário de Lydia, sua ancestral.
- Mas aquele diário não é uma
cópia?
- Sim, uma cópia que eu fiz do
diário original deixada neste
lugar pela rainha Ellis. Veja! -
Willow esticou a mão em
direção a uma luz perto dela.
Assim que a tocou, um livro
apareceu, de aspecto muito
mais novo e conservado do
que a cópia que ela fez. - Cada
tesouro neste espaço é
guardado pela benção de
conservação da primeira
rainha de luz, Ariandel. Os
livros com os segredos mais
valiosos estão neste lugar.
Olhei para todas aquelas
luzes, me perguntando quais
delas eram os livros.
Conhecimento é um tesouro
inestimável, então
compreendia muito bem o
porquê de estarem aqui.
Como se o lugar lesse as
minhas intenções, vários
pontos pareciam brilhar mais
fortes, como se dissessem:
"somos o que você procura!"
- O que exatamente você quer
me mostrar nesse lugar? -
Perguntei-lhe, fascinada.
Algum motivo para me trazer
aqui ela tinha.
- Por que não me diz primeiro
o que você tem para me
mostrar?
- Eu? - Perguntei
completamente perdida.
- Há um tesouro na sua mão,
certo? - Disse-me Willow
rindo suavemente. Se ela não
tivesse me dito isso, não teria
percebido que o colar na
minha mão que tentei
esconder, estava brilhando de
forma chamativa. Que benção
dedo duro essa da Ariandel!
- Bem... - Estiquei a mão para
frente e a abri, soltando o
colar no vazio. Imediatamente
ele se transformou em uma
dessas estrelinhas brilhantes.
- É um presente que fiz para
você, mãe.
- Um presente? - Willow se
aproximou daquela luz,
capturando-a com a sua mão
livre. - É lindo!
- O colar é um amuleto de
proteção contra maldições. -
Expliquei. - No pingente de
pedra, inseri a função de
quebrar maldições pequenas
quando ativado. O limite é de
quase dez. Queria ter feito
algo mais eficiente, mas, com
o meu conhecimento atual, é
tudo o que consegui.
- É perfeito! - Disse-me
Willow colocando o colar em
seu pescoço e admirando-o,
emocionada. - Um verdadeiro
tesouro. Obrigada!
- Não, sou eu que preciso
agradecer, por tudo o que fez
por mim. Se não fosse você, eu
nunca teria conseguido me
provar, não teria encontrado
um refúgio seguro e muito
menos voltado a salvo para o
meu companheiro. Saiba que
farei de tudo ao meu alcance
para compensá-la.
- Não fiz isso por
compensação. O que fiz é o
mínimo que uma mãe faria
por uma filha. Além disso, não
agi completamente
desinteressada, já que eu
preciso de você viva e bem
para podermos salvar Aradia.
Embora minha avó não saiba,
eu tenho um plano há muito
tempo e agora você faz parte
dele.
- Eu? No que precisa de mim?
- Perguntei ganhando
proximidade dela. Será que
realmente existe uma solução
para Aradia? Em vez de me
responder diretamente,
Willow esticou o diário para
mim, como se dissesse que,
dentro dele, está a resposta
para a minha pergunta.
- Leve-o com você para
Éldrim. Há um capítulo desse
diário que não transcrevi para
a cópia que fiz. Nele está a
base do meu plano, o mesmo
que Lydia e Ellis tinham
naquela época. Quando você
ler vai entender, e se estiver
de acordo com o propósito,
venha me procurar
novamente. Além disso, neste
lugar há muito livros incríveis
que você vai adorar conhecer.
- Não se preocupe, mãe,
prometo visitar você e as
irmãs com frequência! - Ela
não precisava jogar uma isca
para me atrair, os
sentimentos que eu tinha já
fariam isso acontecer por
conta.
Ficamos olhando fixamente
nos olhos uma da outra por
um longo tempo, apenas
sorrindo. Não precisávamos
de palavras para transmitir o
que estávamos sentindo. A
conexão que criamos, é algo
que permaneceria, e só nós
duas sabíamos o quão
verdadeiro é.
- Agora, um presente para o
rei Lohan. - Disse ela
flutuando até outra luz
brilhante. Assim que a tocou,
outro livro apareceu.
- Do que se trata? - Perguntei
curiosa.
- São as respostas que ele
busca, algo que vocês dois
precisam descobrir juntos.
Venha, vamos voltar! Tenho
certeza que ele está te
esperando.
Eu não diria isso. Deixei-o
dormindo na minha cama e
esperava que ele ainda
estivesse dormindo
tranquilamente, descansando
da jornada longa que teve.
- Companheiro? - Deixei
escapar assim que atravessei
de volta. Ele estava andando
energicamente de um lado ao
outro. Abracei o livro com
força e comprimi os lábios.
Willow estava certa!
- Eu só, não queria me separar
de você. - Explicou-me com
um pouco de hesitação. -
Rastreei o seu cheiro até aqui.
- Companheiro, você não
deveria ficar andando
despreocupadamente pelo
palácio da Willow, ou vai
acabar assustando as minhas
irmãs. - Repreendi-o
seriamente.
- Não vou, estou de óculos,
não está vendo? - Defendeu-se
prontamente. Suspirei
profundamente encarando-o
com um pouco mais de
humor. Eu não me referia à
maldição, mas a presença
grande e intimidadora dele.
- Está tudo bem! - Disse-nos
Willow tocando-me
suavemente no ombro. -
Comam conosco antes de
partirem. Enquanto a refeição
da manhã está sendo
preparada, acompanhem-me!
Tenho algo importante a
dizer.
Eu e Lohan nos entreolhamos,
a compreensão tácita de que
ela pretendia nos dizer sobre
a sua insinuação de que havia
um motivo para Lohan e eu
ficarmos juntos. Meu
companheiro parecia um
pouco nervoso, então segurei
firmemente a sua mão. Suas
mãos sempre quentes
estavam suando frio, numa
ansiedade que ele não
conseguia esconder.
Adentramos no escritório de
Willow e nos sentamos juntos
de frente a ela. A tochas
mágicas estavam se apagando
à medida que os primeiros
raios luminosos adentravam
as janelas.
- O que quis dizer sobre ter
visto o poder original? Por
que minha Eliza fará ressurgir
esse poder? Do que se trata? -
Perguntou Lohan
contrariando completamente
minhas expectativas em
relação ao teor da conversa.
Por que essa questão é
relevante?
- Então você já descobriu o
ponto chave da profecia dela. -
Disse Willow sorrindo com
satisfação. - Eliza é a rainha
que quebrará a maldição e
fará ressurgir o poder
original. Vocês lobos
realmente não sabem do que
se trata? A história se perdeu
tanto assim?
- Seja mais direta. - Grunhiu
Lohan com certa impaciência.
Meu senhor paciente virou
uma criança. Como pode isso?
- Isso está mesmo na minha
profecia? Como não li isso? -
Questionei-os com a sensação
de que fui enganada
novamente.
- Eu também não sabia. A
sacerdotisa Ilysia foi quem me
confidenciou isso depois que
leu a sua mão. - Explicou-se
Lohan.
- É porque a profecia dela veio
com informações divergindo.
Os sonhos de Zaila eram
inconstantes, mas ela viu
claramente esse caminho,
então não podíamos ignorar.
Inicialmente pensei que era
por você desabrochar com o
poder de luz, mas isso já
estava explicito no restante da
profecia, e informações não
costumam vir duplicadas.
Para eu ter certeza do que se
trata, pedi para Zaila não
inserir essa parte na
transcrição da profecia
original. Quando os céus
selaram a profecia sem essa
informação, foi quando tive
certeza do motivo. A
divergência ocorreu por conta
da sua dupla natureza e não
cabia a nós, bruxas, profetizar
algo que pertencia aos lobos
fazê-lo.
A natureza dos lobos é ter um
companheiro, uma companhia
para amar e ser fiel. A
natureza das bruxas é
completamente oposta, e eu
fico no meio do caminho,
dividida entre duas naturezas
conflitantes. Provavelmente é
por isso que o meu destino
também se dividiu,
permitindo que eu tivesse
uma escolha entre minhas
naturezas.
- Então o poder original
provém dos lobos, e a
concretização desse ramo
profético somente se
consolidará se eu escolher
viver como um lobo, e não
como uma bruxa. - Ponderei.
- Exatamente. - Confirmou
Willow. - A resposta disso
também está no diário em sua
mão.
- Certo, agora complicou... -
Deixei escapar enquanto
repassava todas as
informações do que li.
- Esse é o motivo pelo qual ela
nasceu para mim? -
Questionou Lohan
acompanhando o nosso
raciocínio. - Mas eu realmente
não faço ideia de que poder é
esse.
- Não tem mesmo? -
Questionou Willow olhando
seriamente para ele. - Não
percebe que há algo que ela
faz que mais nenhum lobo
faz?
Lohan e eu nos entreolhamos,
meu coração disparou quando
finalmente me dei conta do
que se trata o poder original.
A capacidade de controlar
completamente a
transformação, optando por
ficar no meio do caminho, a
semitransformação. Eu fiquei
um tempo na forma semi-
humana quando enfrentei
Molly de frente, e acho que foi
isso que impressionou
Willow. Ela ainda não tinha
me visto fazer isso.
- Hein, companheiro, e essa
história de que eu poder fazer
isso é porque a minha loba é
fraca? - Cutuquei-o,
implicando.
- Eu nunca disse isso! -
Replicou, desviando o olhar
incomodado.
- Mas concordou quando a
Fiona disse. Acha que eu não
sabia disso? - Ele engoliu em
seco e não pude deixar de rir
junto com a minha loba.
"Viu como você é incrível,
Lisa? Nós temos o poder
original!" - Seja lá o que isso
significa, senti o orgulho
emanando da energia dela.
- A resposta disso está na sua
genealogia. - Willow deu a
dica que me fez pensar um
pouco mais a fundo. - O
motivo pelo qual a semente
acabou entre os lobos.
- Ah... - Suspirei. Não é uma
informação clara no livro, mas
dava para subentender pelo
contexto. - Está falando do
caso de amor da minha
ancestral e o motivo pelo qual
ela deu a vida por Éldrim na
última grande guerra, certo?
A família que ela mais
respeitava, uma família que se
extinguiu, mas que também
havia deixado sua própria
semente para trás, nessa
história de amor que eu
adoraria conhecer mais a
fundo.
- Sim. Os lobos perderam toda
a história e registros antigos
durante a guerra. Até que se
reestabeleceram e que um
novo rei foi escolhido, a
história sobre eles foi se
perdendo e sendo esquecida,
mas jamais pensei que os
lobos se esqueceriam tanto
sobre o legado deles. Eliza, se
eu ainda tinha dúvidas, todas
elas desapareceram no
momento em que te vi
naquela forma. O sangue que
corre em suas veias é o que o
sangue dos Black procura
para procriar, o motivo pelo
qual o vínculo de vocês está
correto.
- Será que vocês duas podem
ser mais claras do que isso? -
Lohan estava tão nervoso que
até a sua voz falhava. Eu
mesmo custava a acreditar
nisso, então achei que Willow
é quem devia anunciar a
verdade.
- Rei Lohan, a sua
companheira descende da
primeira família real, os
Feralis.
Livro 2: Epílogo
"Então é isso mesmo." -
Pensei, atenta às reações do
meu companheiro. Ele ficou
completamente paralisado,
como se o que Willow disse
fosse surreal demais para ser
levado em conta.
- Isso é muito mais do que eu
podia imaginar. - Sussurrou
mais para si mesmo. Parecia
extasiado.
- Isso é ruim? - Eu queria
tanto desvendar os
pensamentos dele...
- Pelo contrário, isso é uma
reafirmação do quão
importante você é. Eliza, meu
amor, se você realmente
descende dos Feralis, então
ninguém mais poderá te
diminuir. Willow, há alguma
forma de se provar isso? -
Lohan estava deslumbrado.
Seus olhos brilhavam, e o
sentimento de satisfação em
sua energia era tão forte que
era quase palpável. Eu
realmente não entendia o
motivo pelo qual algo de um
passado tão distante podia ser
relevante.
- Leia isso! É um livro escrito
por Selene, a primeira bruxa
das trevas. Nele, ela retrata
minuciosamente tudo sobre
os Feralis, incluindo a
característica única que eles
tinham em comparação aos
outros lobos. O poder original,
também chamado de controle
absoluto, é algo que somente
os Feralis possuem. Quero que
fique com ele, um presente
para que Éldrim recupere
uma parte importante de sua
história. Se quiser comparar
as informações desse livro
com a da literatura antiga dos
outros povos, verá que são as
mesmas. Eliza, sem dúvidas,
despertou novamente o gene
dos Feralis. - Willow estendeu
a mão oferecendo-o e Lohan o
pegou prontamente,
segurando o livro com
firmeza.
- Obrigado! - Ele sorriu
sutilmente enquanto encarava
a capa do livro. - Graças a
você, agora sei como lidar
com o conselho.
É isso aí, pessoal, fim do
livro 2.
Agradeço a todos que
acompanharam a leitura até
aqui, e por todas as devoções
que me deram por capítulo
🤭. Infelizmente não coletei
devoção suficiente a tempo
para desenvolver a minha
semente e me tornar uma
bruxa, mas quem sabe a
próxima geração... rsrs
🤣🤣🤣

Não se preocupem, a parte


final vem em sequência!
Como o próprio nome
sugere (A PROMETIDA), o
último destino de Eliza é
sobre ela mesmo e a missão
que irá desempenhar, não
só por Éldrim, como por
Aradia.

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