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ISSN on-line: 1982-6737
DOI: 10.17058/agora.v17i2.6563
Recebido em 24 de Setembro de 2015 Aceito em 17 de Março de 2016 Autor para contato: [email protected]
Resumo: Pedro Weingärtner foi um artista gaúcho que viveu na transição do século
XIX para o século XX. Teve sua trajetória marcada entre as idas e vindas entre Brasil
e Europa, bem como a vivência dessas duas culturas. Em sua vasta produção artística
retratou, entre outros temas, a imigração europeia. Dessa forma, esta pesquisa visa
compreender três pinturas de Weingärtner que contemplem essa temática. As pinturas
serão entendidas também como um patrimônio artístico e iconográfico, portador de
uma memória, e que retrata uma identidade teuto-brasileira. Isso ocorre,
principalmente, ao representar os imigrantes europeus no processo de
estabelecimento das primeiras colônias no Sul do Brasil, ou ainda ao representá-los
dentro de seus espaços de sociabilidade e lazer, como no caso dos bailes do Kerb.
Abstract: Pedro Weingärtner was a gaucho artist who lived in the transition from the
nineteenth to the twentieth century. Had its trajectory marked between the comings
and goings between Brazil and Europe, and the experience of these two cultures. In
his vast artistic production portrayed, among others, the European immigration. Thus,
this research aims to understand three paintings Weingärtner that address this issue.
The paintings are also understood as an artistic and iconographic heritage and that
carries a memory and portraying a German-Brazilian identity. This is primarily to
represent the European immigrants in the process of establishment of the first colonies
in southern Brazil, or to represent them in their spaces of sociability and leisure, as with
the Kerb's dances.
patrimônio cultural e artístico brasileiro. Tratam-se de: como um patrimônio cultural, e que carecem de
“[...] instituições de memória que colecionam, atenção e de estudo por parte da disciplina da
documentam, preservam, exibem e interpretam história, uma vez que as pinturas também guardam
evidências materiais e informações associadas para o uma memória, elas também representam um passado
benefício público”. (RAMOS, 2010, p. 99). Nesse e uma época. As telas tratam de uma memória
sentindo, é justificável refletir sobre a transmissão de representada tanto individual – a do próprio pintor –
lembranças e de memórias como fontes de quanto uma memória coletiva, ao ser apropriada pelo
reconstrução do passado pelos artefatos oriundos de poder público e utilizada como representação de
museus, acervos e demais espaços de preservação determinada cultura de uma específica etnia.
A memória apresenta um duplo caminho: o da seria daquele que as pintou. Saber quem fez a obra,
lembrança e o do esquecimento – que não se faz o porquê fez, em que circunstâncias, em que contexto
menos importante. Na relação memória- foram elaboradas, são fatores fundamentais para as
esquecimento os silêncios e as ausências também pesquisas que possuem nas pinturas sua fonte
revelam. Essa relação, igualmente, se manifesta nas principal. As imagens ao longo do século XIX
pinturas e, da mesma forma, pode ter um significado. colaboraram para a formação de uma identidade
Quais os motivos que levaram o artista a retratar visual do Brasil. Uma possibilidade, nesse sentido,
“isso” e esquecer de representar “aquilo”? Pois, essas seria refletir sobre as pinturas de Pedro Weingärtner
questões geram uma necessidade de aliar ao estudo como uma forma de construção de uma identidade
das iconografias a relação da biografia do pintor com para o imigrante europeu. Algumas de suas pinturas
o seu contexto e a sua produção, para termos pistas possuem um teor político, como por exemplo,
sobre os motivos de apresentar (ou não) Tempora Mutantur (1898). Essa pintura ao ser
determinados elementos e signos nos seus trabalhos adquirida pelo governo do Estado – no intuito de ficar
O uso do patrimônio como fonte na imigrantes, no Rio Grande do Sul, busca reforçar a
historiografia, vindo desde sua origem terminológica, imagem do imigrante trabalhador que vence, apesar
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das dificuldades, a natureza selvagem. Outro atelier. Gostava de retratar o que seu olhar captava,
exemplo refere-se a tela Vida Nova (1893), que tinha gosto por pinturas narrativas e bem detalhadas,
representa a identidade do imigrante europeu ao sempre partindo de esboços prévios ou mesmo de
chegar no Novo Mundo para construir as primeiras fotografias. Pintou temáticas regionais, como o
moradias, as primeiras vilas, possuindo assim a imigrante, o gaúcho, a vida cotidiana e social rio-
identidade do imigrante que traz consigo o progresso. grandense e as paisagens. Retratou também os
Assim, as imagens também adquirem um sentido de temas clássicos e mitológicos. Weingärtner viveu
patrimônio iconográfico e cultural. entre a transição do século XIX para o XX, morrendo
em Porto Alegre, no ano de 1929. (GUIDO, 1956).
[...] Podemos ver nas imagens não apenas o Nas linhas que seguem três pinturas de Pedro
que elas procuraram mostrar no passado, sua
circulação e seus usos sociais, mas também Weingärtner serão analisadas no intuito de discutir o
aquilo que posteriormente se buscou nessas processo de representação e identidade do imigrante
imagens, como monumentos visuais. Nessa
perspectiva, a identificação e o estudo da europeu, na região Sul do país.
iconografia relacionada ao processo de
construção de uma visualidade para os bens
simbólicos da nação adquirem densidade 2 Tela Tempora Mutantur (1898)
própria. A noção de patrimônio, por si só
problemática, ao invés de ser tomada como
um elemento estático e imutável da análise Na primeira imagem, Tempora Mutantur1,
histórica apresenta-se então como um
processo social, construído no tempo e no pintada em Roma, no ano de 18982, estaria sendo
espaço, por práticas e representações
apresentada a dificuldade vivida pelos imigrantes
diversas, em que se destacam. (TURAZZI,
2009, p.54). recém-chegados ao Estado do Rio Grande do Sul. O
cenário foi retratado como um ambiente agreste, em
É factível pensar de que forma as pinturas de
uma zona serrana de colonização, onde uma vasta
artista Pedro Weingärtner podem ser utilizadas como
mata que contorna a pintura aparece como um
fonte de estudo da história. O artista retratou uma
indicativo do trabalho que os imigrantes teriam tido
sociedade em construção, retratou a chegada de
pela frente. A tela traz o início do processo de
imigrantes europeus no Rio Grande do Sul e em
colonização alemã no Sul do país, e remete a ideia de
Santa Catarina, a forma que os imigrantes se
dificuldade e até de desilusão, em um momento de
estabeleceram no Sul do país, as suas práticas
pausa do trabalho ao cair da tarde, que fica marcado
cotidianas e culturais, as festas e bailes, o interior de
pelo rosado do céu ao fundo da tela. O visível
vendas e demais símbolos socioculturais do
trabalho braçal, típico do labor rural, e necessário aos
imigrante. Todas essas representações elucidam a
imigrantes que têm por pretensão se estabelecer na
vida cotidiana e a cultura dos europeus que chegaram
colônia, caracterizou essa obra. Os sulcos abertos na
ao Brasil, além de mostrar aspectos da formação da
terra para o provável plantio, e os troncos caídos ao
sociedade gaúcha, na transição do XIX para o século
chão no segundo plano da pintura, demonstram parte
XX. No entanto, essas pinturas não podem ser vistas
do esforço físico feito pelos personagens ao longo do
como verdades absolutas ou retratos inquestionáveis,
dia, o que acentua o discurso do imigrante
mas, sim, podem ser investigadas como uma forma
trabalhador.
de representação de uma determinada época, como
uma memória intencionalmente produzida, e que
resulta em um patrimônio iconográfico.
Pedro Weingärtner foi um pintor de origem
alemã, nascido no Rio Grande do Sul, em 1853. 1
Esse quadro teria tido sua inspiração na pintura O Ângelus, de
Millet.
Iniciou seus estudos no Brasil, mas aprimorou sua 2
Em 1899, Weingärtner expôs o quadro na litografia da família,
técnica na Europa, sendo neste último local onde tendo de imediato uma boa repercussão da mídia. No mesmo
ano a tela foi adquirida por Borges de Medeiros para ficar
viveu boa parte de sua vida e estabeleceu o seu exposta no Palácio do Governo. (GUIDO, 1956).
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Figura 1: Tempora Mutantur, 1898. do Rio Grande do Sul. Essa pintura possui por norte
um tom melancólico, onde os colonos aparecem
desprovidos de otimismo e heroicidade. O quadro
também estaria ligado ao discurso do imigrante
trabalhador, já que esse aspecto foi bastante pontual
nessa representação. A escolha por retratar uma
cena de trabalhadores do campo seria um reflexo de
como estavam fazendo, na mesma época, muitos
pintores realistas europeus. (BOHNS, 2008).
São vastas e plurais as interpretações que
uma obra de arte permite ao pesquisador inferir. Essa
Fonte: Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado pintura foi marcada pelo tom pessimista que
Malagoli. Porto Alegre, RS. apresentou as desventuras do trabalho no campo dos
imigrantes europeus que chegavam ao Rio Grande do
Pedro Weingärtner tinha gosto pela pintura Sul, na segunda metade do século XIX. Evidenciou
narrativa e pelo detalhe em suas obras. Isso aparece também o trabalho como uma parte formadora da
em quase todas as suas produções. A tela Tempora identidade desses imigrantes, tal qual uma narrativa
Mutantur seria uma narrativa: Weingärtner teria visual de um discurso que pretende colocar esse tipo
retratado um casal que perdeu tudo na Europa, sendo social como o provedor do progresso e da civilização,
essa a inspiração do pintor. Os personagens teriam pois eles estariam vencendo, apesar do cansaço, a
vindo para a colônia após o homem perder seu vasta e exuberante natureza brasileira.
dinheiro no jogo, tratando-se também de um desafeto É possível, nesse caso, compreender as
do artista, conforme foi narrado em uma carta do imagens como uma memória produzida
próprio pintor a um amigo. (GUIDO, 1956, p. 92-93). intencionalmente. Onde um indivíduo que representa
Outro aspecto de destaque seria a postura do a sua memória – seja ela ora individual ou ora
personagem masculino e a sua expressão de coletiva – ou ainda uma memória individual que se
cansaço. Teriam – os dois personagens da tela – tornou coletiva no momento que determinados grupos
trabalhado exaustivamente o dia todo, pois, observa- (nesse caso os teuto-brasileiros) passam a se
se que a mulher analisa em suas mãos os calos dos identificar com a memória individual de Weingärtner,
primeiros dias de trabalho de sua vida com uma certa e a (re)apropriam. Ou ainda, quando o Governo do
expressão de desgosto. Assim, cansaço e o Estado adquiriu essa pintura para a exposição nos
desamino, assinalam a expressão do casal na espaços públicos do Rio Grande do Sul, nesse
pintura. No entanto, é possível notar que a sentido, buscou também torná-la um patrimônio
representação da tela remete ao processo de trabalho artístico, além de uma memória do grupo teuto, que
rural, mas também ao desbravamento da mata foi narrada por meio das telas e dos pincéis.
brasileira, e a possibilidade de trazer o progresso e a As articulações entre memória individual e
civilização para um terreno tortuoso como o coletiva são abordadas a partir do momento em que,
apresentado na pintura. embora o indivíduo traga consigo a lembrança, a
O próprio cenário de Tempora Mutantur é outro mesma está sempre interagindo com a sociedade,
fator de destaque. Foi retratado o modo de vida pois: “[...] nossas lembranças permanecem coletivas
desses primeiros imigrantes, apresentando as casas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de
simples ao fundo da tela com fumaça saindo das eventos em que somente nós estivemos envolvidos e
chaminés. O cenário seria um elemento importante objetos que somente nós vimos”. (HALBWACHS,
para a interpretação dos costumes e representações 2006, p. 30). Já a memória individual estaria
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vinculada a diferentes contextos e participantes, Weingärtner também como parte da sua vivência
podendo ocorrer uma transposição da memória enquanto descendente de imigrantes alemães.
pessoal ao convertimento de um conjunto de Na pintura a seguir o processo de colonização
acontecimentos compartilhados por um ou mais será novamente representado, ainda que tenha sido
grupos, sendo assim, ela transmutaria de individual retratado de forma bastante distinta da tela Tempora
para coletiva. (HALBWACHS, 2006, p. 29-30). Dessa Mutantur, evidenciando o início do processo de
forma, a memória coletiva representa a memória de colonização em Nova Veneza, Santa Catarina.
um grupo, onde cada indivíduo deve se identificar
com ela. Tratando-se da memória que o pintor 3 Tela Vida Nova (1893)
pretendeu exprimir na arte, pode-se afirmar que:
A pintura intitulada Vida Nova, de 1893,
O processo de recordar é uma das principais representa a instalação dos primeiros imigrantes
formas de nos identificarmos quando
narramos uma história. Ao narrar uma história, europeus ao chegarem no Estado de Santa Catarina.
identificamos o que pensamos que éramos no Esse quadro foi bastante representativo da vida
passado, quem pensamos que somos no
presente e o que gostaríamos de ser. As cotidiana, dos aspectos culturais, e do modo de vida
histórias que relembramos não são
dos colonos recém-chegados. É possível observar
representações exatas do nosso passado e
nos moldam para que se ajustem às nossas como era a vida desses imigrantes no início da
identidades e aspirações atuais. Assim,
podemos dizer que nossa identidade molda colonização, as suas vestimentas simples, a
nossas reminiscências; quem acreditamos plantação e a colheita, o desmatamento necessário
que somos no momento e o que queremos
ser afetam o que julgamos ter sido para o seu assentamento e o fogo de chão. Todos
(THOMSON, 1997, p. 57).
esses elementos foram retratados pelo pintor Pedro
Weingärtner com uma grande riqueza de detalhes. A
A memória foi colocada não apenas como uma
pintura mostra o início da organização espacial da
possibilidade de lembrar o passado, mas
colônia de Nova Veneza, trazendo todos afazeres
principalmente de construir uma memória desejada, e
cotidianos que estruturavam a vida no local.
uma representação do passado. Refletindo acerca da
Tarasantchi discorre sobre a visita do pintor em Santa
memória, Ramos considera:
Catarina, ao final do século XIX: “[...] Weingärtner
costumava embrenhar-se pelo interior, tendo chegado
Coletiva, individual, ou social, a memória pode
ser vista como um sistema em que se cruzam até Santa Catarina. Foi lá que um dia vislumbrou o
estruturas culturais, políticas e econômicas
como códigos de representação. Isso quer surgimento de Nova Veneza e o flagrou numa pintura
dizer que as representações do passado e do magnífica que chamou de Vida Nova”.
presente, bem como as idealizações do
futuro, também convivem na memória, (TARASANTCHI, 2009, p.116).
conferindo ao indivíduo identidade cultural e
grupal. Logo, é por estar inscrita na cultura e
ser produtora de processos culturais que a
memória é sempre um reviver, ou seja, um
repensar, que com imagens, quer com
conceitos, com práticas, objetos ou ideias.
(RAMOS, 2010, p. 103).
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Figura 2: Vida Nova, 1893 (Nova Veneza). imigrantes. Foi por meio das atividades rurais que as
colônias foram se formando. Sobre o retrato do
imigrante associado ao trabalho agrícola, bem como
as construções das suas moradias, conforme discorre
Tramontini, parece ter sido esse o cenário que
também foi retratado por Weingärtner em Vida Nova:
vão dando contorno ao cenário em formação, expectador, pois são minuciosamente executados, e,
além disso, trazem uma riqueza de informações sobre
mostrando a estrutura física da comunidade europeia
que se estabeleceu nessa região. A natureza também o modo de vida dos primeiros habitantes. Como eram
as primeiras casas, as vestes, o terreno e as
se estaca no primeiro plano, onde é possível perceber
algumas árvores fazendo sombra e muitos troncos atividades diárias são aspectos retratados na pintura,
e que fornecem um material visual significativo sobre
cortados, que representam o desmatamento
necessário para o estabelecimento dessas novas a imigração europeia em Santa Catarina.
A última tela analisada nesta pesquisa
famílias. Uma pequena horta, homens trabalhando
com carroças cheias de madeira e feno, além das aprofunda aspectos socioculturais da vida dos
roupas estendidas nos varais, são elementos que vão imigrantes europeus no Rio Grande do Sul, uma vez
que representa o baile do Kerb, um espaço de
formulando como era a vida cotidiana dos imigrantes,
e a forma que esse grupo vivia. sociabilidade dos teuto-brasileiros.
construção da colônia. Além disso, vê-se diversos designa uma espécie de festa religiosa – ao menos
troncos de árvores cortadas e espalhadas sobre o em sua origem – e também familiar. O Kerb foi uma
chão de terra batida. Quase todas as casas mostram das maiores festas da colônia alemã, tendo uma
“os afazeres de seus moradores e as atividades que duração de até três dias, ainda que seus preparativos
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era cuidadosamente elaborada, desde a decoração É o momento em que vão começar as danças:
várias senhoras, garotos e cavalheiros estão
até a alimentação, que era sempre abundante e farta. sentados em redor da ampla sala; duas
Roupas novas também eram feitas ou compradas meninas, no chão, brincam, em primeiro
plano. À direita observa-se um grupo no qual
para a utilização no baile, já que marcavam o status um homem de botas, sentado, segura o
social da pessoa ou da família. O período de trabalho queixo com uma das mãos e observa, ao que
parece vivamente interessado. Junto dele,
era interrompido e somente retomado após o final da toda de claro na sua vaporosa toilette antiga,
de leque escuro na mão enluvada e de
festividade, os parentes e amigos vinham de longe
chapéu, formosa jovem de tipo germânico
para participar da missa e da comemoração. Ficavam olhava sorrindo para um grupo de moças e de
homens à esquerda. (GUIDO, 1956, p. 61).
hospedados com os parentes mais próximos, e
também ajudavam nos preparativos. (WOLFF; Estão presentes na tela Kerb dois tipos sociais
FLORES, 1994, p. 208). que contribuíram para a formação étnico-cultural do
Essa pintura possui aspectos diferentes das Estado: o gaúcho e o imigrante alemão, que
outras duas obras apresentadas anteriormente, pois interagem no mesmo ambiente. Do lado direito da tela
está sendo representado um ambiente interno, onde nota-se um grupo de imigrantes possivelmente
um número maior de personagens foi apresentado. estabilizados financeiramente, o que fica evidente
Além disso, foi possível notar a interação entre os devido a vestimenta fina, aos sapatos e chapéus,
indivíduos da tela – demarcando a importância do demarcando a importância das vestes e acessórios
baile como espaço social da colônia. Essas festas como símbolos do status social de uma família. No
desempenhavam um importante papel na lado esquerdo da pintura identifica-se um grupo de
sociabilidade dos imigrantes, pois além de simbolizar gaúchos conversando animadamente com algumas
um ambiente para conversar e dançar, o arranjo de moças, provavelmente convidando-as para uma
casamentos ou contratos de negócios também eram dança.
discutidos e fechados através destes bailes. Essa representação contribuiu para a
formulação de uma identidade distinta daquelas vistas
Figura 3: Kerb, 1892. nas imagens anteriores. Os imigrantes aparecem
agora em um momento de confraternização e de
lazer, longe do trabalho rural. Mostra uma cultura do
imigrante trazida da Europa se propagando na nova
colônia, e não apenas isso, mas mostra a interação
cultural dos grupos sociais distintos. Traz ainda –
embora do lado de fora da festa – o personagem
negro, que não participa desse espaço, pois o baile
seria o local de manutenção identitária alemã.
Discorrendo sobre a importância dos clubes –
especificamente o Orpheu – entre as sociedades
teuto-brasileiras enquanto espaços de sociabilidade e
Janeiro, RJ.
As novas sociedades usavam, de início, como
seu espaço de lazer, a sede da Sociedade
Essa pintura apresenta relevantes informações Orpheu, tornando-a a mais concorrida das
sociedades do centro urbano leopoldense.
das cenas da cultura e do cotidiano do Rio Grande do Banquetes, bailes, festivais, teatro, concertos,
Sul, do final do século XIX, ao mostrar a festa kerb, tudo acontecia em seus salões. Era o
“espaço-mor” da sociabilidade, nesse período,
tradicional dos colonos, em Novo Hamburgo. Guido e, portanto, o espaço de visibilidade das elites
descreve a cena da seguinte forma: leopoldenses. Isso possibilitava ao Clube
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Patrimônio iconográfico: um olhar para as pinturas 81
abrigar os diferentes segmentos sóciopolíticos retratar uma identidade onde o imigrante vem
urbanos de São Leopoldo porque eram todos
oriundos de uma mesma matriz: a elite teuto- trazendo a civilização e o progresso através do
brasileira. (RAMOS, 2000, p. 233). trabalho rural e da construção das primeiras colônias.
Já a pintura Kerb segue em outro sentido, ela mostra
Nesse sentindo, a produção de uma identidade
um momento de lazer e de prazer em um espaço de
pode também ser conflitante, já que nem sempre a
sociabilidade, onde é viável perceber aspectos sociais
identidade ajuda a incluir ou torná-la parte do grupo,
e culturais bem acentuados nessa pintura,
mas também ela tem o poder de excluir. No caso
principalmente referente às vestes e a interação da
dessa tela, a personagem negra que espia a festa da
comunidade com o espaço social.
janela, parece não fazer parte da identidade formada
Foi possível questionar onde a própria
dentro do ambiente que ocorre o baile Kerb, onde os
memória do pintor estava representada nas telas.
colonos aproveitam o espaço para reafirmar a sua
Sabendo que Weingärtner era filho de imigrantes
identidade e a sua cultura. A festa é uma forma de
alemães, também se pôde inferir sobre a memória e a
expressão e de manutenção dos vínculos sociais e
própria percepção de imigração que o pintor possuía.
afetivos, de encontro dos pares. Durval Muniz de
Sendo ele um filho de imigrantes – que ao chegarem
Albuquerque Júnior ao fazer uma revisão da literatura
ao Brasil passaram, igualmente, por dificuldades –
sobre o significado das festas as discute como uma
torna-se um indício dos motivos que levaram
mescla entre a brasilidade e o europeu, e como um
Weingärtner a retratar os imigrantes de determinada
jogo de força entre os dominados e os dominantes:
maneira. Assim, seus trabalhos também podem ser
“[...] o evento festivo [...] permite acessar práticas e
considerados respingos de sua memória e de sua
significações do mundo dos dominados, práticas e
própria trajetória enquanto artista plástico e
significações em conflito e muitas vezes rebeldes,
descendente de alemães.
mas sempre de resistência às práticas e significações
Percebeu-se, ao longo da análise da imagem
das elites sociais”. (JÚNIOR, 2011, p. 141). Já Vania
do imigrante europeu, que Weingärtner representou a
Inês Avila Priamo afirma sobre as festas Kerb e
dificuldade que esses primeiros colonos passaram na
Kolonie, em Nova Hartz, que: “Estes espaços de
tentativa de estabelecimento e de colonização da
sociabilidade possuem normas de conduta, sejam
região Sul do país. O trabalho duro na terra foi
eles espaços formais [como clubes, sociedades,
simbolicamente exposto na pintura Tempora
maçonaria, igrejas] ou informais [como bares, ruas,
Mutantur, perceptível nas expressões do casal: o
parques e praças]. Estas normas podem ou não ser
homem cansado e a mulher refletindo sobre as mãos
obedecidas”. (PRIAMO, 2013, p. 154). A festa
calejadas. A pintura Vida Nova apresentou o
também serve como ponto de ajuda mútua, como um
imigrante se estabelecendo no território de Santa
local de formação de redes sociais, fundamentais no
Catarina para o início da colonização. O
período da segunda metade do século XIX e início do
desmatamento, as primeiras moradias simples, o
século XX.
estilo de organização social, o cenário e a ocupação
estão presentes nessa obra. Já a tela Kerb, que trata
Considerações finais
de um momento mais positivo desse grupo étnico se
comparado a pintura Tempora Mutantur, pois, retrata
As três pinturas investigadas nesta pesquisa
o lazer e o espaço de sociabilidade do grupo teuto-
destacam o imigrante europeu em situações distintas.
brasileiro. Apresenta uma tradicional festa que foi
Tempora Mutantur e Vida Nova representam cenários
inserida pelos próprios imigrantes na região Sul, e
externos, onde mostram a vida rural. Ambas as telas
que perdura até a atualidade. No entanto, o colono
apresentam o imigrante em processo de
mostrado como o pequeno proprietário se
estabelecimento, e vão dando destaque ao trabalho
estabelecendo, o trabalhador inesgotável voltado a
no campo e ao processo de agricultura. Buscam
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BOHNS, Neiva Maria Fonseca. Realidades TURAZZI, Maria Inez. Iconografia e Patrimônio: O
simultâneas: Contextualização histórica da obra de Catálogo da Exposição de História do Brasil e a
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