Redacoesnotamil Paiva 2020
Redacoesnotamil Paiva 2020
Redacoesnotamil Paiva 2020
Natal, RN
2020
REDAÇÕES NOTA MIL DO ENEM: UM ESTUDO ANALÍTICO DA
MASSIFICAÇÃO DE SUA ESTRUTURA E CONTEÚDO
Natal, RN
2020
PAIVA, R. I. S. Redações nota mil do ENEM: um estudo analítico da massificação de sua
estrutura e conteúdo. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem). Ufrn/PPgEL: Natal
(RN), 2020.
BANCA EXAMINADORA
Acreditando que somos e estamos nesse mundo uns com os outros, sociáveis e
pertencentes, compreendo que, nesta trajetória, muitas foram as pessoas que cruzaram e/ou
permaneceram em meu caminho. A todos esses, quero agradecer, recordar suas passagens,
permanências, e tentar, por meio de palavras, registrar todo o meu zelo e apreço. Registrar,
inclusive, toda a felicidade que transborda do meu coração.
Começo, pois, destacando a presença constante de Deus na minha vida. É Ele quem
sustenta meus pensamentos e meus sonhos e em quem busco forças. Ao Deus que eu tenho
como um amigo, como fortaleza e a quem eu agradeço a possibilidade de ser quem venho sendo
e de aprender com isso.
Aos meus pais e irmão, que são os pilares da minha vida e que participaram com
presença constante deste caminho, agradeço com muito zelo e amor, ainda que as palavras não
sejam suficientes.
À Neuma, minha mãe, que com seu colo amoroso, suas palavras doces, sensíveis e
consistentes, seu apoio, seu carinho e sua doçura, segurou minha mão e me acolheu nos
momentos de desespero. Quem soprou, com nobreza, esperanças que foram determinantes para
que eu seguisse, em meu coração. Agradeço, além disso, pelos momentos que vibrou, sorriu e
comemorou cada pequena vitória desta trajetória e por ter zelado por ela junto comigo em todos
os momentos.
Ao José, meu pai que, durante todo este processo, esteve sempre por perto me
oferecendo apoio e presença constantes e me assegurando da existência de minhas capacidades.
Quem deixa o coração se revelar por entre as palavras mais firmes e precisas que foram
essenciais para que eu confiasse que posso ir bem longe, que posso alcançar meus sonhos e
objetivos, na medida em que eu desejo, estabeleço minhas metas e sigo em busca deles.
Ao Rodrigo, meu irmão, meu amigo, meu exemplo de determinação, de perseverança,
de força e, principalmente, de coragem, agradeço por muito, por tudo e por tanto. Sei que meus
passos seguem mais firmes, mais precisos e mais confiantes a cada vez que tenho a certeza, por
meio de nossa amizade e cumplicidade que temos um ao outro sempre. Seu cuidado e seu zelo
foram e são um dos meus melhores combustíveis, não só nesta etapa, mas em toda a minha
vida.
Às minhas avós: obrigada! À vovó Teresa, que partiu desta vida, na qual foi exemplo
de luta e superação, e que hoje, acredito, está olhando e zelando por mim de um lugar bem
melhor; e à vovó Anita, que, com seu olhar experiente, seu amor e seu testemunho de vida, me
ensina muito sobre o que sou e sobre o que quero ser. Em nome delas, registro minha gratidão
pela oportunidade de ter convivido com meu avô Alcebíades e por ter conhecido, ainda que não
em vida, um pouco sobre meu avô Antônio. Aproveito, em nome dos meus avós, para agradecer
aos meus familiares que se fizeram presentes (das mais variadas formas) durante a execução
deste projeto. Vocês foram e são muito importantes.
Dentre algumas pessoas, quero agradecer a alguns amigos, em especial, que estão em
minha vida e que, mesmo diante dos desencontros e dos caminhos diferentes que a vida nos
impõe, se fazem presente e ajudam a colorir, com cores vibrantes, minha vida.
À Maria Clara, minha amiga, pelo companheirismo na graduação, na especialização, no
mestrado, nos projetos presentes e futuros e na vida. Nossa amizade é reflexo de luz em minha
vida. Eu agradeço por muito e, inclusive, pela oportunidade de ter cruzado seu caminho e por
todo o apoio recíproco e verdadeiro que sempre trocamos. Além de agradecer pela leitura e pela
revisão deste trabalho, sei que eu o confiei em ótimas mãos.
Ao Victor, meu amigo, por todas as vezes que nos mostramos que a amizade vai muito
além da presença, do presente e do constante. Nós somos e, acredito, sempre seremos a nossa
constância. Sempre irei agradecer a você por poder compartilhar momentos, sentimentos e
amizade.
À Jéssica, minha amiga, por todas as vezes que você acreditou em mim, me incentivou
e deixou claro, com sua naturalidade e precisão, que não tinha dúvida alguma do meu potencial.
Por muitas vezes, você enxergou momentos em que eu precisava relembrar do quanto eu era
capaz.
Aos amigos, anjos, que transbordam meu coração e que, tenho certeza, sabem quem são:
vocês são os sorrisos, as alegrias, os dilemas e toda a autenticidade possível. Vocês foram, até
quando não sabiam, apoio, colo e alento nos momentos em que o peso não só pesava como
também fazia barulho. Aos meus amigos, minha lealdade e meus sinceros sorrisos.
Ainda nesse contexto, quero destacar as minhas amigas Bruna, Maria Luiza e Rebecca,
que chegaram até minha vida por meio das palavras, das Letras e do desejo por fazer a diferença
na educação. Vocês foram muito importantes durante as etapas que nutriram o desejo por essa
pesquisa, além de serem importantes na minha vida.
À minha orientadora, Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos, agradeço a receptividade,
paciência e zelo desde o primeiro momento em que ouviu minhas ideias e considerou orientá-
las e, também, por seu empenho em cultivar as sementes do conhecimento. Sua orientação foi
crucial para a concretização desta etapa.
Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte e ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos da Linguagem. Nesses lugares pude compartilhar, compreender e
formar meus objetivos.
Com muito carinho, agradeço ao Grupo de Pesquisa em Estudos do Texto e do Discurso
– GETED de que faço parte. Pertencendo ao grupo, percebi o quanto é importante o apoio e a
presença de quem vive o caminho com passos semelhantes. Então, a todos os integrantes, aqui
representados por Liliane, Maiara e Adenilton, meu muito obrigada.
Aos amigos do curso de Psicologia, projeto em que decidi me aventurar, quero endossar
o quanto sou feliz e grata nesse “lugar” onde fui muito bem acolhida e que fez uma significante
diferença numa etapa primordial da conclusão deste trabalho.
Aos colegas que fiz na Secretaria de Educação a Distância – SEDIS, em nome de José
Correia e Letícia Torres, meu agradecimento pelas palavras de encorajamento, pela
oportunidade de aprendizados e pelo ambiente saudável de trabalho que toda a equipe se esforça
para preservar.
Agradeço, também, a todos os professores que fizeram parte de minha vida. Vocês
despertaram meu apreço pela licenciatura, me encorajaram e me proporcionaram incríveis
momentos de crescimento. Assim, aos professores do ensino básico, do ensino superior e mais
especificamente da banca de qualificação e de todos os momentos de troca de conhecimento
durante o mestrado: vocês são incríveis e necessários. Obrigada!
De um modo bem especial, agradeço aos que eu não citei diretamente ou que não
pertencem aos espaços que apontei, mas que foram importantes. Muitas pessoas passaram pelo
meu caminho durante esses dois anos, muitos ficaram brevemente, outros demoraram um pouco
mais, assim como muitos permanecem. A todos, pelas palavras pontuais, sorrisos, convivência,
vivências, sou grata.
Por fim, aos sonhos dos estudantes que, em sua grande maioria, perpassam pela escrita
da redação do ENEM. Minha gratidão é, também, minha torcida pela concretização de todos
esses caminhos sonhados.
“A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que
ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê.”
Arthur Schopenhauer
RESUMO
The context of textual production of the Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) is one of
the main mobilizers of the preparatory years for candidates, including with regard to teaching
Portuguese in the final years of high school. Based on the impacts caused by the exam, this
research aims at the analytical study of the writing of grade one thousand composition, taking
as a hypothesis the massification of the structure and content of the texts. The research has the
general objective: to investigate how the students' structural and content choices, as well as the
use of the other's voice, influence the argumentative logic for the success of the grade one
thousand composition. As specific objectives, we delimit: i) to identify the structural and
content marks found in the texts and which are presented with greater recurrence; ii) to
characterize the use and recurrence, in the analyzed texts, of the insertion of the voice of others;
iii) determine, in a comparative way, the functionality of these voices inserted in the
argumentative logic of the composition; and iv) show in which aspects the structural, content
choices and the insertion of others' voices constitute what we consider as massification. For
that, we resort to the contributions of Charaudeau (2009) about the organization of
argumentative texts as well as the argumentative logic; Authier-Revuz (1990, 2004) on the
reflections of enunciative heterogeneity shown; de Adorno (1985), for the discussion on
massification, and Pêcheux (1995) on the subject's position to characterize the place of the
speech of the candidate authors in the composition. The corpus consists of 32 (thirty-two)
composition, equally spread over four years (2014, 2015, 2016 and 2017). The results show
that, in all years, there is a standardization in structure and content that is not attributed to what
the five competencies suggest in their entirety, in addition to a recurrence of the use of the
explicit insertion of the other's voice to compose the argumentative logic. As for the issue of
structural and content massification, we observe that there is a recurrence of the construction
of a molded and pre-established “form” of writing so that candidates, in the preparatory years
for the exam, activate the need to shape their texts so that they occupy the position of “model”
composition, considered here whit the maximum score.
AD – Análise do Discurso
EM – Ensino Médio
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
GETED – Grupo de Estudos do Texto e do discurso
LDB – Lei de Diretrizes de Base
NGM - Nomenclatura Gramatical Brasileira
SISU – Sistema de Seleção Unificado
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 17
INTRODUÇÃO
Acreditando, sempre, que o conhecimento só pode se enraizar e dar frutos quando
semeado e cuidado, consolidamos uma etapa da formação acadêmica obtendo como fruto a
finalização deste estudo. Não consideramos a conclusão deste trabalho o fim da reflexão, que
deve ser perpetuada, deve ganhar novas perspectivas e visões e, acima de tudo, deve dar outros
frutos, servindo, dessa forma, ao nosso modo de enxergar e compartilhar o conhecimento.
Esta dissertação é fruto de inquietações acerca de pontos da produção da redação do
Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, mais precisamente a partir de análises preliminares
contidas em trabalhos anteriores sobre as redações nota mil, consideradas como modelo de texto
ideal. Com o título de “redação nota mil”, esses textos ganham as salas de aula, as estampas de
cartilhas de preparação para a prova e outros lugares que as atestam como escrita modelo para
o êxito no exame. Essas inquietações também abarcam as possibilidades de escritas que, embora
delimitadas pelas cinco competências, entre outros mecanismos, tornam-se eficientes para a
proposta da redação do exame.
Observando a língua como uma produção social, entendemos seu mecanismo de
funcionamento como um constante movimento de construção e reconstrução. Nesse sentido,
Geraldi (1999, p. 14) afirma que “a miséria social e a miséria da língua confundem-se”,
tornando ambos os objetos passíveis de carências muito semelhantes. Podemos compreender,
então, que um dos problemas do processo de ensino-aprendizagem está atrelado ao fato de os
objetivos da instituição escola ser, dessa forma, uma provável miséria, pois esquece que a
educação é um problema social e não puramente pedagógico. Esse fato interfere diretamente
nas possíveis medidas de mudanças.
Nesse contexto, nos anos 90, alguns trabalhos que trataram de redações de vestibulares
se destacaram, como os trabalhos de Costa Val (1991) “Redação e textualidade”, e Pécora
(1999) “Problemas de Redação”. Ambos os trabalhos colocam como foco principal o estudo
analítico da escrita, mais precisamente da composição e da construção de redações. Esses
trabalhos, levando em consideração as metodologias adotadas, bem como os resultados são
tidos, atualmente, como referências para novos trabalhos que queiram tratar de escrita escolar
e, mais precisamente, da escrita de redações.
O trabalho de Costa Val (1991) é voltado para o estudo da natureza do texto e dos fatores
envolvidos em sua produção e recepção e comparou cem redações elaboradas por candidatos
ao curso de Letras na UFMG em 1983. Essa comparação objetivou o estabelecimento de um
diagnóstico para levantar questões sobre o ensino de redação nas escolas. Os resultados
encontrados destacam, principalmente, a falta de informatividade dos textos, o que muito se
18
assemelha ao que propomos para nossa análise, uma vez que as redações nota mil do ENEM
muito se assemelham às analisadas pela autora, no que diz respeito, por exemplo, ao conteúdo.
No que diz respeito ao trabalho de Pécora (1999), realizou-se, a partir da análise de 6000
redações, um diagnóstico dessas produções no que concerne aos problemas mais recorrentes
nos textos. Esse trabalho resultou numa listagem de problemas que foram encontrados no
corpus e organizados analiticamente, como, por exemplo, problemas na formulação das
orações, na domínio das regras de recursos gráficos e da norma culta, bem como problemas de
grafia e de transcrição da oralidade. Em suma, esses problemas foram atrelados, também, ao
senso comum que constituem os textos analisados.
Essas pesquisas a que tivemos acesso no contexto de elaboração desta dissertação nos
mostraram que, embora quase 30 (trinta) anos depois, ainda nos deparamos com os mesmos
problemas contextuais, composicionais, de ausência de informatividade, presença exarcebada
do senso comum e influência que esses diagnósticos exercem no Ensino de Língua Portuguesa.
Outras pesquisas tidas como referência para este estudo se pautaram num objeto que
resgata a heterogeneidade enunciativa. Além disso, essas pesquisas investigaram, em redações,
a exemplo de Borges (2005), “A Heterogeneidade Discursiva em redações escolares”, e de
Busse (2006), “A Heterogeneidade Discursiva em redações produzidas por vestibulandos”.
Ambos se sustentam em uma perspectiva da Análise do Discurso e selecionaram o corpus nas
esferas escolares ou adjacências. O primeiro delimitou a escolha em torno de redações de
vestibulares e o segundo de redações escolares. As escolhas dos autores nos impulsionaram
para abordarmos outra vertente das redações dessa esfera, optando, então, pelas redações nota
mil do ENEM.
Seguindo, contemplamos o trabalho de Soares (2014) “A Redação na Prova do ENEM:
uma análise dialógica do discurso”, que analisa propostas de redação do ENEM, considerando
a constituição histórica, estrutura composicional e estilo na relação com vestibulares que não
aderiram ao ENEM como processo seletivo e com documentos oficiais. Esse estudo resultou na
observação de que há, nesse contexto de produção, fatores que limitam a relação do sujeito com
o texto; e o de Jesus (2015) “A autoria em redações nota mil no ENEM”, que analisa como os
candidatos se constituem como autores de suas redações. Esse trabalho verificou que os sujeitos
se constituem por meio da constante utilização de paráfrases dos textos motivadores.
Por fim, consideramos o trabalho de Lima e Piris (2017), “A argumentação no ENEM:
análise de uma redação nota mil”, que visou à ampliação da compreensão acerca dos tipos de
argumentos presentes nas redações do ENEM, cujo resultado apontou para a constatação de que
os argumentos são autorizados por determinada formação discursiva, o que denuncia uma certa
19
Portuguesa. Além disso, o levantamento de pesquisas na área foram de grande motivação para
que o trabalho fosse pensado.
Esta pesquisa é vinculada ao GETED – Grupo de Estudos do Texto e do Discurso, que
vem abarcando pesquisas que desenvolvem reflexões bastante relevantes sobre o que se produz
no Ensino Superior e em diversos níveis de escolaridade. O Grupo vem tratando as questões
que envolvem leitura e escrita como necessárias e fundamentais e compreendendo essas
questões como formas de aprendizado que produzem mudanças em diversas relações, a
exemplo, principalmente, da relação do sujeito com o saber.
Partindo da perspectiva de pesquisas do GETED, destacamos os trabalhos de França
(2018) e de Miranda (2019). Ambos os trabalhos, assim como este, problematizam a escrita,
com a diferença de que focam na modalidade de escrita acadêmica. A pesquisa de França (2018)
tem como objeto a relação dialógica entre o sujeito e o discurso outro que constrói a filiação
teórica na escrita do pesquisador em formação, especificamente em teses de doutorado. Esse
trabalho teve como resultados a confirmação da hipótese que sugeriu ser possível, pela
materialidade da escrita, observar distintos arranjos familiares que são definidos a partir do
diálogo que o pesquisador estabelece com a voz do outro em diferentes níveis de alteridade.
Por outro lado, a pesquisa de Miranda (2019) tem como objeto arranjos linguísticos que
engendram os discursos no processo de produção escrita do pesquisador em formação. Os
resultados desse estudo também confirmam a hipótese sugerida, que definia ser possível
observar diferentes arranjos linguísticos definidos a partir das formas de articulação do outro
mobilizado pelo pesquisador em formação.
Em ambos os trabalhos, foi possível observar, entre outras questões, aspectos que
focalizam a mobilização das escolhas dos autores, ponto esse que também objetivamos nesta
pesquisa uma vez que as escolhas estruturais e conteudísticas dos candidatos que se submetem
à escrita das redações do ENEM são primordiais para que possamos analisar se a hipótese por
nós sugerida é verdadeira. Essas pesquisas, portanto, contribuíram muito para o nosso processo
de construção, análise e escrita.
Para esta pesquisa, assumimos a hipótese de que há, na escrita das redações nota mil,
uma massificação da estrutura e do conteúdo. Essa hipótese surgiu de algumas leituras e
análises prévias a respeito das redações nota mil aqui analisadas, assim como das pesquisas e
estudos já citados. Essas leituras nos levaram a perceber essas redações como sendo mais
semelhantes do que indicam as próprias competências que regem o texto.
O corpus da pesquisa é constituído por 32 redações nota mil do Exame Nacional do
Ensino Médio, distribuídas, igualmente, por quatro anos, 2014, 2015, 2016 e 2017. O recorte
21
temporal foi feito com base na disponibilidade do veículo em que buscamos essas redações,
que passaram a ser disponibilizadas em 2014. Essas redações foram obtidas por meio do site
G1.
Para que a pesquisa fosse executada, partimos das seguintes questões:
Objetivos específicos:
A partir disso, mapeamos uma breve reflexão a respeito do ensino de língua portuguesa
nos últimos anos do Ensino Médio, uma vez que o exame supracitado teve seu primeiro objetivo
voltado para uma análise do EM anualmente. Essa reflexão tem o intuito de gerar questões
provocativas para futuros trabalhos que venham a abordar os impactos sociais desse contexto
de produção textual. Para tanto, apontamos, previamente, a percepção das escolhas dos
22
candidatos para a composição das estratégias argumentativas tomando como base o resultado
dessas redações, sempre atentando para a massificação dos argumentos, os quais podemos
observar pois são modelos do que deve ser feito para a obtenção da nota máxima.
Essa reflexão pautada na análise da inserção da voz alheia também resultou numa
amostra da origem da maioria das citações que são utilizadas pelos candidatos, provocando uma
busca por discursos inseridos no ambiente escolar visto que, atualmente, a preparação para o
ENEM se dá desde o início do Ensino Médio. Os alunos se preparam para a prova durante cerca
de três anos, tempo considerável para reunirem, principalmente estando inseridos em ambientes
nos quais circulam vários gêneros, vozes de outrem para constituírem suas redações bem como
reafirmarem, consolidarem e modelarem suas próprias convicções.
Para que pudéssemos atender ao objetivo perseguido pela pesquisa, nos ancoramos nas
perspectivas da Análise do Discurso. Essa perspectiva tem como objetivo o estudo do discurso
para refletirmos sobre as questões que implicam aspectos contextuais e ideológicos, as escolhas
dentro das possíveis possibilidades e as congruências, bem como do estudo do texto, para,
especificamente, analisarmos esses textos, seus contextos de produção e seus elementos pré e
pós textuais. Mais adiante, foi feita uma maior contextualização da perspectiva adotada.
Posteriormente à delimitação das linhas de pesquisa e de suas especificidades,
compreendamos, também, o arcabouço teórico em que nos ancoramos. Para que pudéssemos
desenvolver as análises a fim de responder as questões de pesquisa, recorremos às contribuições
de Charaudeau (2009) acerca da organização de textos argumentativos e da lógica
argumentativa; de Authier-Revuz (1990, 2004) sobre reflexões da heterogeneidade enunciativa
mostrada; de Adorno (1985), para a discussão sobre massificação; e, também, de Pêcheux
(1995), sobre a posição do sujeito, para caracterizar o lugar do discurso dos candidatos autores
nas redações.
Quanto aos aspectos organizacionais, esta dissertação está dividida em seis seções. Na
primeira, são abordados os aspectos introdutórios da pesquisa. Na segunda, tem-se um
panorama de contextualização do ENEM, partindo de um breve histórico da educação brasileira
tendo em vista as perspectivas do exame, uma discussão a respeito dos caminhos percorridos
pelo sujeito até chegar à redação do ENEM e a delimitação da produção mediada pelas cinco
competências. Ademais, na terceira seção, são expostas as bases teóricas fundamentais para a
execução da pesquisa.
Na seção seguinte, são abordados os aspectos metodológicos propriamente ditos,
partindo dos que compõem a pesquisa tanto nos moldes de análises quanto de organização dos
dados, seguidos do detalhamento dos caminhos percorridos. Na quinta seção, são analisados os
23
dados que identificam e descrevem a proposta de redação, a estrutura das redações e os dados
que expõem as escolhas dos candidatos no que concerne às estratégias argumentativas e à
proposta de intervenção. Na sexta seção, por fim, estão as considerações finais e os demais
aspectos linguísticos imprescindíveis para o entendimento da pesquisa acompanhados de uma
breve reflexão provocativa para trabalhos futuros que se proponham a ampliar essa temática.
24
como novas vertentes e perspectivas, mas, nos ensinos primários e secundários, a questão do
ensino ainda era problemática. Até que, em 1959, com o intuito de acabar com as diversas
formas de nomenclaturas abordadas ao bem querer dos professores, o governo federal decidiu
unificar o sistema a partir da portaria de Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB).
A solução norteada pela NGB não foi satisfatória pois só dizia respeito às nomenclaturas
e não ao ensino em sua totalidade. Foi, então, criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que determina que “a educação é direito de todos e será dada no lar e na escola” (Art.
2). Essa lei também passa a se comprometer com a qualidade do ensino quando atenta para as
especificidades, problemas e dificuldades de cada região com um currículo mais flexível.
Na década de 60, com o novo modelo econômico, o povo conquistou o direito à
educação sistemática. Mas, essa mudança não foi apenas educacional. Com a ditadura militar e
a busca pelo desenvolvimento do capitalismo, escolas foram fechadas, iniciou-se uma
perseguição a professores e alunos acusados de comunismo, acabou-se com a liberdade de
imprensa, entre outros fatores que caracterizam não apenas uma mudança educacional, mas
sociopolítica. Com isso, o objetivo da escola passou a ser a de formar indivíduos que
auxiliassem o governo na expansão industrial.
Com essas mudanças ao longo da história, o alunado foi mudando o caráter elitista das
escolas públicas e esta começou a dar espaço a uma parcela da população de menor poder
aquisitivo, enquanto a elite passou a procurar ainda mais as escolas particulares. Os professores
começaram a sentir essa diferença e também foram mudando. Esses profissionais que antes
também eram da elite também passaram por alterações, como a inserção nas camadas mais
populares, já que os prestígios do magistério foram perdidos com a nova política salarial.
A consequência desse cenário resultou na mudança da qualidade do ensino, que se
tornou menos refinada. Nesse contexto, as concepções de linguística europeia e norte-
americana começam a chegar no Brasil, mas foram administradas por professores que não
tinham formação em linguística, causando várias distorções. Kato (1988, p. 52) reflete um
pouco sobre isso:
Em virtude da falta de formação específica da maioria dos professores
de Linguística da década de 1963-1973, muitas aberrações podem ter
sido cometidas em nome dela. Assim, a ciência passa a ser questionada
por culpa de uma legislação precipitada e dessa formação precária que
levou muitos professores treinados nessa época, e também autores de
livros didáticos, a proporem e utilizarem propostas pedagógicas em
cima de conceitos e princípios mal compreendidos.
27
Numa época em que o governo militar decidiu fazer face ao que o contexto solicitava,
que era a instalação de faculdades particulares sem se preocupar com a formação dos docentes,
enquanto a rede de ensino público se ocupava da demanda dos grandes números de analfabetos
que chegavam, a Lei de Diretrizes e Bases 5692/71 estabeleceu a língua nacional como
instrumento de comunicação e expressão da cultura brasileira. Com essa nova perspectiva, os
professores se viam na dualidade contraditória de “baixar o nível” do ensino ou aderir à
reprovação em massa.
Consonante a isso,
Nesse sentido, surgiram algumas discussões, como a de continuar ou não com o ensino
por meio de regras gramaticais, e os professores que seguiam por esse caminho passaram a ser
vistos com outros – negativos – olhos. Esse contexto deixou a visão língua como um sistema
em segundo plano ou para os mais desprestigiados; no lugar disso, ensinavam-se os elementos
de comunicação e as funções de linguagem. Também surgiram livros didáticos que já vinham
com respostas prontas e objetivas, sem que fossem necessárias grandes reflexões. Segundo
Geraldi (1999, p. 93), ocorria uma grande “parafernália didática”. Os autores da maioria desses
manuais didáticos estavam voltados para exercícios e o trabalho de ensino baseado na oralidade,
na comunicação e nas questões práticas desse mecanismo. Com isso, havia um claro
esquecimento de que o objetivo do professor de português era também ensinar a língua escrita.
Foi só por volta do final dos anos 70 que começaram a inserir redações em provas de
exames e vestibulares, buscando, nisso, a solução para o estado do ensino naquela época, o que
acarretava na interpretação errônea de que a melhoria da expressão dos alunos se daria a partir
do domínio das técnicas de escritas dessas redações, reduzindo todo um projeto de ensino.
28
Nessas redações, cobrava-se o uso da língua padrão e, com isso, “o aluno é levado a reproduzir
estereótipos ou generalidades sobre os mais variados assuntos, compondo, então, a redação (e
não a produção de um texto) com base na imagem que ele assimilou do gosto e da visão de
língua do professor” (UCHÔA, 1993, 65).
Durante a segunda metade dos anos 80, algumas mudanças puderam ser vistas quando
os professores, mestres e doutores, começaram a publicar suas pesquisas questionando o ensino
por essa perspectiva e, a partir de 1985, foi constatado, com base nos resultados dos
vestibulares, que os alunos não respondem bem ao processo seletivo, alegando que eles
redigiam textos mal e, quase sempre, pareciam não entender o que liam. Nesse contexto,
surgiram as modalidades de disciplinas, cursinhos e afins voltados única e exclusivamente para
a produção de redações.
Dando um salto, chegamos à década de 90, quando aconteceu o que pode ser
considerado uma evolução no que concerne às produções textuais nos vestibulares. As redações
começaram a ganhar outros focos, como a variação dos textos cobrados e as diferentes
linguagens, e o aluno começou a ser direcionado para a escrita do seu próprio texto.
Geraldi (1999) traz à tona, de forma recorrente, que a utilização do texto em sala de
aula, frente ao que é feito, deve ser sugerida a partir de um contexto existente e não como objeto
meramente elaborado para correção do professor. Quando o fim é unicamente esse, o
aluno/sujeito passa a escrever com base na nota que espera receber e não na funcionalidade, no
papel comunicativo real de seu texto. Se levarmos isso até os anos finais do Ensino Médio, o
foco será as produções textuais de exames de seleção deixando de lado, talvez, alguns processos
de subjetividade e criatividade que poderiam ser melhor desenvolvidos.
Esse padrão de ensino é “resumido” em processos seletivos que cobram textos com
finalidades fictícias e a diferença, nesses casos, é que o aluno não conhece o “avaliador”, mas,
por outro lado, conhece as características e “receitas” dos possíveis gêneros cobrados. Essas
avaliações de textos que não se inserem em contexto real algum levam a avaliação para um
campo puramente da construção da linguagem baseada em correções separadas que olham para
pontos independentes do texto e não para sua totalidade como uma unidade.
Ainda com base nas palavras de Geraldi (1999), é necessário que o sujeito seja
constituído como quem escreve alguma coisa para alguém e, para isso, no ensino deve haver
subsídios para que os sujeitos tenham o que dizer, tenham motivação para dizer e tenham em
mente para quem irão dizer, destacando, por esse viés, um ensino construtivo. Quando
refletimos as contribuições de Geraldi para o ensino, podemos fazer uma ponte para essas
avaliações sistêmicas e, com isso, podemos enxergar que há um desencontro entre as
29
perspectivas e, ainda que a avaliação sistêmica esteja em outros moldes e tenha fins específicos,
ela, certamente, reflete o ensino.
Tomemos como exemplo dessa conjuntura de ensino o ENEM, que está em vigor no
Brasil desde 1998, surgiu com o intuito de avaliar o desempenho dos estudantes no final do
Ensino Médio e que, a partir de 2009, passou a ser utilizado como instrumento de seleção para
as universidades públicas brasileiras, bem como critério para o cálculo de bolsas de gratuidade
em universidades particulares. Hoje, o ENEM é o instrumento de um dos maiores processos
seletivos no Brasil, o Sistema de Seleção Unificada (SISU), e seu crescimento ano após ano é
nítido uma vez que não se volta apenas para os alunos concluintes do EM, mas, também, para
todos egressos do EM que desejem ingressar no Ensino superior.
2.3 Discussão sobre os caminhos percorridos pelo sujeito até chegar à redação do ENEM
Nessa perspectiva, observamos que esses candidatos são compostos, em grande maioria,
por concluintes do Ensino Médio, mas alunos das mais variadas modalidades de ensino do país
e dos mais variados níveis também disputam as vagas disponíveis. Quando pensamos nesse
perfil de candidato, logo nos remetemos às diretrizes dos ensinos nas aulas de português nos
anos finais do ensino médio voltadas para a produção textual do ENEM uma vez que um maior
número de aprovados também gera prestígio, visibilidade e interesse de novos alunos para as
escolas que saírem na frente nessa “corrida”.
Por isso, entender que há uma via de mão dupla nessa troca de conhecimento faz com
que entendamos a necessidade das escolas que os seus alunos se saiam bem nas provas,
consigam boas notas e se destaquem, pois, com isso, as próprias escolas irão se destacar. A
consequência disso, supomos, são os recorrentes manuais disponíveis de diversas formas na
internet, nos cursinhos preparatórios e nas aulas de português do Ensino Básico. É nesse
mecanismo de “receita” de aprovação que os alunos se baseiam e, claro, não podemos
responsabilizá-los já que o sistema vem funcionando e trazendo resultados satisfatórios.
Quando falamos em funcionamento, não estamos alegando que seja um funcionamento
positivo ou negativo. O intuito desta reflexão inicial é, justamente, pôr em questão quais são os
possíveis contextos envolvidos, quais as perspectivas que podem ser observadas e por meio de
quais ópticas se corroboram o desenvolvimento da escrita, do processo criativo dos candidatos.
Mas, devemos recordar que, no que concerne aos encaminhamentos dados, as escolhas não são
tão vastas assim quando as opções giram em torno de inovação.
aleatória e sim como uma base de sustentação que demonstre a capacidade do candidato de
relacionar áreas, fatos, opiniões e afins.
A quarta competência relaciona os conhecimentos do candidato com um texto
dissertativo-argumentativo, solicitando que sejam explicitados os conhecimentos a respeito
desse modelo de texto por meio dos mecanismos linguísticos que o compreende. Nessa
competência, mecanismos como os coesivos e argumentativos são primordiais uma vez que são
componentes imprescindíveis à composição de um texto dissertativo-argumentativo.
Por fim, a quinta competência diz respeito à elaboração de uma proposta de intervenção
para o tema proposto: essa proposta deve sintetizar a tese, os argumentos elencados e, consoante
a isso, desenvolver uma espécie de solução para a problemática discutida. A única ressalva para
essa proposta é a de que se deve respeitar os Direitos Humanos; no mais, espera-se que o
candidato elabore uma forma de “intervenção” para que o problema seja amenizado, sanado ou
refletido.
São essas as cinco competências que norteiam e direcionam os alunos para caminhos de
correções semelhantes. O que já deixamos posto desde esta descrição é que não compreendemos
as cinco competências como fatores limitantes uma vez que elas são, dentro de uma perspectiva
mais abrangente, responsáveis por garantir correções equitativas e não textos composicional e
conteudisticamente muito semelhantes, a ponto de dificultar, no processo de leitura, o
reconhecimento de suas diferenças.
34
Para compor a filiação epistemológica em que esta pesquisa se pauta, trazemos à luz a
perspectiva teórica francesa da Análise do Discurso. Com base nos postulados de Maingueneau
(1997), a escola francesa de análise do discurso está filiada a uma determinada tradição
intelectual europeia que tem como hábito unir uma certa reflexão do texto a uma reflexão sobre
história. Por volta de 1960, essa corrente iniciou uma reflexão estruturalista a respeito da
escritura; essa articulação se deu entre a linguística, o marxismo e a psicanálise.
Compreendemos que a Análise do Discurso surgiu como base interdisciplinar já que não
era uma preocupação só dos linguistas, mas de historiadores e de alguns psicólogos. Sob a
expectativa de articular o linguístico e o social, a Análise do Discurso alarga seus objetivos para
outras áreas do conhecimento e, com isso, inicia-se uma proliferação dos usos da expressão
“análise do discurso”.
As escolhas dentro dessa perspectiva do conhecimento, devem, portanto, abarcar
algumas dimensões que são apontadas por Maingueneau (1997) que dizem respeito ao quadro
das instituições em que o discurso é produzido; aos embates históricos, sociais, além de outros
que se cristalizam no discurso; e ao espaço próprio que cada discurso configura para si mesmo
no interior de um interdiscurso.
Se partirmos dos pontos em que as formas verbais e não verbais da linguagem estão por
toda a parte, que por todos os lugares as pessoas estão fazendo uso dela, se comunicando,
dialogando, entre outras coisas, chegamos à máxima de que é pela interação linguística de
homens que falam que se interessa a Análise do Discurso (ORLANDI, 2003, p. 15). Entretanto,
para que possamos chegar ao que se pesquisa hoje e quais as perspectivas atuais da AD,
35
precisamos nos voltar à história e refazer o percurso que compõe as três fases da Análise do
Discurso que, desde o seu começo, no século XXI, até os dias atuais, sofreu grandes mudanças.
A primeira fase se destaca pelos estudos analíticos mais basilares e mais estáveis e,
dentro dessa perspectiva, as variações de sentido, por exemplo, eram bem menores. A partir de
Mussalim e Bentes (2004), compreendemos que os discursos eram produzidos com base em
contextos de produções mais homogêneos e estáveis. Com isso, discursos que não estivessem
nesses aspectos limítrofes de homogeneidade não eram abarcados pela primeira fase da AD.
Isto posto, chegamos à construção de conceito de máquina discursiva. Pêcheux (1995)
considerava que os processos discursivos eram gerados por máquinas discursivas, ou seja, por
condições estáveis de produção.
Na segunda fase, as máquinas discursivas dão lugar à formação discursiva que é definida
como “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço
que definiram em uma época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística
dada, as condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 1997, p. 43). Ou seja, as
formações discursivas limitam ou determinam o lugar social que o sujeito ocupa e o que pode
ou não ser dito nele. Com isso, foram ampliadas as possibilidades de análises que envolviam os
discursos e a estabilidade que outrora era considerada foi perdida.
Na terceira fase da AD, o conceito de interdiscursividade é implantado, ocupando,
definitivamente, o lugar das máquinas discursivas, conceito que foi deixado para trás. Essa
interdiscursividade, somada à desconsideração que fazia alusão à independência do discurso,
resultou na reflexão que determina a simultaneidade pelas quais atravessam as formações
discursivas. A interdiscursividade se torna uma das principais teses da AD e, no que concerne
às pesquisas atuais, Pêcheux (1995) reflete que essas tornaram seu objeto o trabalho da
heterogeneidade discursiva a partir do jogo das contradições sócio-históricas. Nessa fase, o
discurso não é constituído de forma independente, mas em relação com o(s) outro(s).
Com base nessa descrição da história da AD, enveredamos nossa reflexão para o que
constitui a perspectiva teórica francesa, chamada por Maingueneau (1997) de “escola francesa
de análise do discurso”. A AD francesa se insere num quadro que passa a articular o social e o
linguístico, ampliando, dessa forma, esse campo para outras áreas de conhecimento. É a partir
disso que se inicia a delimitação de seus próprios campos para se chegar em sua própria
especificidade (BRANDÃO, 1991). Entretanto, para que seja constituída essa especificidade,
com base nos postulados de Maingueneau (1997), Brandão (1991, p. 17) apresenta algumas
dimensões, quais sejam
36
Assim, essas dimensões determinam que os estudos que propiciam resultados referentes
à linguagem não devem ser feitos única e exclusivamente em relação ao seu sistema interno
uma vez que devem atentar para os modos de constituição das formações ideológicas
(BRANDÃO, 1991). Portanto, a constituição do objeto não é puramente linguística no
concernente às análises, mas é, também, determinada por contextos, modos de produção,
épocas, atravessamentos ideológicos, entre outros, e tudo isso precisa ser levado em
consideração nos estudos.
o quadro das instituições em que o discurso e produzido, as quais
delimitam fortemente a enunciação ideológicos de Estado na
conceituação do termo "formação ideológica". E será da Arqueologia
do saber que Pêcheux extraíra a expressão "formação discursiva", da
qual a AD se apropriara, submetendo-a a um trabalho específico
(BRANDÃO, 1991, p. 18).
Cada grupo dispõe da ideologia que convém ao papel que ele deve
preencher na sociedade de classe: papel de explorado (a consciência
―profissional‖, ―moral‖, ―cívica‖, ―nacional‖ e apolítica altamente
―desenvolvida‖); papel de agente da exploração (saber comandar e
dirigir-se aos operários: as ―relações humanas‖), de agentes de
repressão (saber comandar, fazer-se obedecer ―sem discussão‖, ou
saber manipular a demagogia da retórica dos dirigentes políticos), ou de
profissionais da ideologia (saber tratar as consciências com o respeito,
ou seja, o desprezo, a chantagem, a demagogia que convêm, com as
ênfases na moral, na virtude, na ―transcendência‖, na nação, no papel
da França no mundo etc.). (ALTHUSSER, 1983, p. 79-80).
Essa perspectiva defendida por Althusser é pautada na reflexão dele sobre os Aparelhos
Ideológicos de Estado (AIE). Segundo ele, para que as classes dominantes continuem no poder,
elas precisam gerar “mecanismos de perpetuação ou de reprodução das condições materiais,
ideológicas e políticas de exploração” (ALTHUSSER, 1970 apud BRANDÃO, 1991, p. 23).
Para essa perspectiva, o Estado possui aparelhos repressores (ARE), como o governo, a
administração, o Exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc., e aparelhos ideológicos (AIE),
como a religião, a escola, a família, o direito, a política, o sindicato, a cultura e a informação.
37
São por meio desses mecanismos, e com base na perspectiva citada, que a ideologia é
constituída por Althusser. Vejamos:
discurso como um conjunto de enunciados que dizem um “a mais”. Nossas investigações são
pautadas nessas relações de constituição instáveis.
Por essa razão, corroboramos o caminho que diz respeito ao estudo da linguagem como
um fenômeno que deve ser estudado não apenas em relação ao seu sistema interno, mas
objetivando as especificidades que são cobradas dos usuários. Do mesmo modo, devem ser
analisados aspectos que envolvem a formação ideológica que se manifesta por meio de uma
competência socioideológica, os processos que gerenciam as produções discursivas e a reunião
dessas concepções no que pudemos verificar em nosso corpus.
É, portanto, com base nesses pressupostos analíticos que permeiam nossa filiação
epistemológica no que concerne à Análise do Discurso, que selecionamos os conceitos já
apresentados, de forma basilar, a exemplo do conceito de heterogeneidade, para que
compreendamos a pluralidade dos discursos e a sua não homogeneização, assim como o olhar
para um sujeito que não é apático ao texto, mas está inserido em um contexto e pertence a uma
(ou mais) ideologia. Esses dois últimos conceitos citados são melhor apresentados a seguir.
3.2 Construção do conceito de massificação a partir dos estudos basilares que norteiam
a pesquisa
Neste bloco, organizamos os conceitos primordiais das análises de forma que, juntos,
possam contribuir para a reflexão no que tange ao que chamamos de massificação.
Esses questionamentos ancoraram o que, mais adiante, foi estudado pela linguista
Authier-Revuz (1990, 2004) no concernente à presença do interdiscurso. A autora se pautou
nos postulados da AD e refletiu sobre esses elementos interdiscursivos que, juntos, explicitam
a presença de outras vozes compondo os discursos que norteiam os textos. Dessa forma, chega-
se ao que se conhece como os mecanismos linguísticos que nos permitem materializar essas
reflexões.
Para explicitar os mecanismos linguísticos que determinam as inserções de outras vozes,
e considerando que as heterogeneidades enunciativas são divididas em constitutiva e mostrada
(esta podendo ser marcada e não marcada), nos pautamos na heterogeneidade enunciativa
marcada e na afirmação de que quase nenhum discurso é homogêneo. Consideremos que
“sempre sob as palavras, ‘outras palavras’ são ditas: é a estrutura material da língua que permite
que, na linearidade de uma cadeia (discursiva), se faça escutar a polifonia não intencional de
todo discurso” (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 28).
Em concordância com isso, apontamos a heterogeneidade enunciativa mostrada
ocorrendo quando “no fio do discurso que, real e materialmente, um locutor único produz, um
certo número de formas, linguisticamente detectáveis no nível da frase ou do discurso,
inscrevem, em sua linearidade, o outro” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 12). Ou seja, trata-se de
um mecanismo linguístico de inserção de outro discurso de forma explícita e material em que
se pode recuperar, por meio de aparatos limítrofes, exatamente o que foi pontuado como voz
do outro.
Além disso, reiteramos que a heterogeneidade mostrada pode ser marcada ou não
marcada. A heterogeneidade marcada diz respeito a formas explícitas que podem ser facilmente
recuperadas por meio de marcas linguísticas. Exemplo dessas formas encontramos no discurso
direto ou indireto, na modalização autonímica, na autonímia, nas aspas, na glosa, no itálico e
na entonação. Por outro lado, existem as formas não marcadas cujo reconhecimento ou
interpretação cabem ao receptor pois elas não estão explícitas no texto. Como exemplo dessa
manifestação temos o discurso indireto livre, a ironia, a antífrase, a alusão, o pastiche, a
imitação, as metáforas, os jogos de palavras e a reminiscência.
Nesse sentido, partimos do ponto crucial de que cada texto é proveniente de outros
textos, que todo dizer é proveniente de outros dizeres. O que altera os contextos são as formas
como esses outros discursos aparecem ou são organizados dentro do texto e todas essas escolhas
partem das necessidades do texto em questão. O autor fará suas escolhas ancorado em suas
intenções e, ao leitor, cabe não necessariamente decifrar as intenções reais dos autores, mas,
buscar, linguisticamente, as intenções recuperáveis.
40
É importante salientarmos que não foram nas intenções em que nos ancoramos para o
seguimento das análises da pesquisa, mas em formas explícitas de introduções de outros dizeres
no texto, como a heterogeneidade enunciativa, que é parte primordial das análises. Apontamos,
sempre, aquilo que pode ser retirado do texto não por meio de especulações, mas por vias
linguísticas. As escolhas teóricas, portanto, são base para que isso seja possível.
Com base no exposto, nas análises, focamos mais precisamente no discurso direto, no
discurso indireto e na modalização em discurso segundo (MAINGUENEAU, 2004).
Observemos os exemplos seguintes, retirados das redações que compõem o corpus da pesquisa,
atentando para as partes negritadas.
(1) “O ornamento da vida está na forma como um país trata suas crianças”. A frase do sociólogo
Gilberto Freyre deixa nítida a relação de cuidado que uma nação deve ter com as questões
referentes à infância.
(2) De acordo com Karl Marx, filósofo alemão do século XIX, para que esse incentivo ocorresse,
criou-se o fetiche sobre a mercadoria: constroi-se a ilusão de que a felicidade seria alcançada a partir da
compra do produto.
Em (2), o conteúdo explicitado pelo autor da redação é introduzido pela modalização
em discurso segundo. Nesse caso, o enunciador, de forma discreta e simples, indica que não é
o responsável pelo enunciado. Nesse tipo de inserção sempre haverá um modalizador, como,
por exemplo “conforme”, “de acordo com”.
(3) O filósofo italiano Norberto Bobbio afirma que a dignidade humana é uma qualidade intrínseca
ao homem, capaz de lhe dar direito ao respeito e à consideração por parte do Estado.
Em (3), o conteúdo explicitado pelo autor da redação é introduzido por outro tipo de
mecanismo linguístico, o que é considerado como discurso indireto. Nesse caso, não se
distinguem as vozes com as aspas, mas com a introdução do pensamento a que se quer fazer
alusão a partir das próprias palavras do autor da redação.
Na análise das redações, foi feita a classificação e a distinção de todos os casos de
discurso direto, discurso indireto e modalização em discurso segundo, além da investigação das
formas como esses elementos linguísticos contribuem nas estratégias argumentativas e no
desdobramento das relações intratextuais.
41
Partindo dos tópicos anteriores, neste, chegamos à representação do que traçamos como
materialização do discurso em que podemos, linguisticamente, buscar as pistas e os mecanismos
linguísticos que apontam para traços discursivos. A redação do ENEM é caracterizada como
um texto argumentativo e, portanto, recorremos à organização do texto argumentativo que é
estudada por Charaudeau (2009).
Nessa perspectiva, sabemos que a argumentação foi feita como arte de seduzir desde a
Antiguidade clássica e que, ao longo do tempo, foi categorizada, em partes, como pertencente
ao raciocínio em que seria livre das 5 concepções da psicologia humana e, em partes, como
constituinte da persuasão que se configura na capacidade de conquistar o outro pelo sentimento
afetivo.
Isto posto, sabemos que não é de hoje que se têm relatos de tentativa e de consolidação
das mais variadas formas de se argumentar. E sobre esses mecanismos que, embora atual no
contexto, também parte dos mesmos pressupostos e aspectos que caracterizaram o que
chamamos de arte de seduzir na Antiguidade. Compreendamos, de antemão, em que consiste a
argumentação para Charaudeau (2009, p. 205):
c) Para que haja argumentação, é necessário que exista:
– uma proposta sobre o mundo que provoque um questionamento, em
alguém, quanto à sua legitimidade [...].
– um sujeito que se engaje em relação a esse questionamento
(convicção) e desenvolva um raciocínio para tentar estabelecer uma
verdade (quer seja própria ou universal, quer se trate de uma simples
aceitabilidade ou de uma legitimidade) quanto a essa proposta.
– um outro sujeito que, relacionado com a mesma proposta,
questionamento e verdade, constitua-se no alvo da argumentação.
Trata-se da pessoa a que se dirige o sujeito que argumenta, na esperança
de conduzi-la a compartilhar da mesma verdade (persuasão), sabendo
que ela pode aceitar (ficar a favor) ou refutar (ficar contra) a
argumentação.
No que diz respeito à organização do “dispositivo argumentativo” ou texto
argumentativo, este é dividido em três momentos, quais sejam: o propósito (que seria a
proposta), a proposição e a persuasão. Nesse quadro, notamos que, para que a argumentação se
desenvolva é, antes, preciso que se prove a veracidade do propósito por meio do
desenvolvimento de um quadro persuasivo e, só então, a proposição se complementará, pois
sozinha não seria suficiente.
43
formas que esses textos estão se tornando ou, por outro lado, refletir sobre os aspectos
explorados e desenvolvidos se darem com base em suas “funções”.
Adiante, buscamos, no referido autor, no que tange à organização da lógica
argumentativa, seus componentes e suas relações. Por essa perspectiva, destacamos os
elementos de base da relação argumentativa que são elencados pelo autor. Esses elementos, que
destacamos mais à frente, são primordiais para o estabelecimento e para a manutenção da lógica
argumentativa (CHARAUDEAU, 2009).
Segundo Charaudeau (2009, p. 209), “toda relação argumentativa se compõe de pelo
menos três elementos: uma asserção de partida (dado, premissa), uma asserção de chegada
(conclusão, resultado), e uma (ou várias) asserção de passagem que permite passar de uma a
outra (inferência, prova, argumento).”. Com base nisso, observemos cada uma delas e as pontes
que foram feitas em nossa análise:
a) A asserção de partida (A1)
Como toda asserção, ela constitui uma fala sobre o mundo que
consiste em fazer existirem seres, em atribuir-lhes propriedades, em
descrevê-los em suas ações ou feitos.
Essa asserção (A1), que é configurada sob a forma de um
enunciado, representa um dado de partida destinado a fazer admitir uma
outra asserção em relação à qual ela se justifica. Pode, portanto, ser
chamada dado ou premissa (“proposição colocada antes(…); fato do
qual decorre uma consequência”).
b) A asserção de chegada (A2)
Essa asserção (A2) representa o que deve ser aceito em
decorrência da asserção de partida (A1) em decorrência da relação que
une uma à outra.
Essa relação é sempre uma “relação de causalidade” pelo fato
de que a asserção de chegada (A2) pode representar a causa da premissa
(“A1 porque A2”), ou sua consequência (“A1, portanto A2”).
Essa asserção pode ser chamada de conclusão da relação
argumentativa; ela representa a legitimidade da proposta.
c) A asserção de passagem
A passagem de A1 a A2 não se faz de modo arbitrário. Ela deve
ser estabelecida por uma asserção que justifique a relação de
causalidade que une A1 e A2.
Essa asserção representa um universo de crença sobre a maneira
como os fatos se determinam mutuamente na experiência ou no
conhecimento de mundo. Esse universo de crença deve, portanto, ser
compartilhado pelos interlocutores implicados pela argumentação, de
maneira a ser estabelecida a prova da validade da relação que une A1 e
A2, o argumento que, do ponto de vista do sujeito argumentante,
deveria incitar o interlocutor ou o destinatário a aceitar a proposta como
verdadeira. (CHARAUDEAU, 2009, p. 209, grifos do autor).
45
Quando trazemos esses pontos para as redações analisadas, observamos que a lógica
argumentativa deve estar presente nesses textos uma vez que eles precisam de uma tese (A1),
de uma proposta de intervenção (A2) e de argumentos (asserção de passagem) que sustentem
essa tese e ancorem a proposta de intervenção. Dentre os modos de organização dessa lógica e
de sua efetivação, compreendemos que estas não configuram um modo arbitrário, mas
logicamente possível de ser estabelecido.
3.2.4 A massificação
Neste tópico, reunimos a composição das reflexões teóricas até aqui expostas para que
pudéssemos chegar ao conceito de massificação que representa os efeitos de sentido resultantes
das escolhas recorrentes dos candidatos.
Podemos depreender, da reflexão de Adorno e Horkheimer (1985) em “A dialética do
esclarecimento”, o fenômeno tratado como “Indústria Cultural”, que é o que nos liga à criação
de um conceito específico para explicitar a massificação sugerida. A Indústria Cultural retrata
uma cultura de massa que surge a partir de uma enganosa sensação de consumo. Esse consumo
é satisfatório para interesses bem maiores que os particulares. Inicialmente, elencamos que “a
cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as revistas
constituem um sistema. Cada setor é coerente a si mesmo e todos são em conjunto (ADORNO,
HORKHEIMER, 1985, p.113).
Essa semelhança sugere uma padronização entre os próprios elementos desses setores,
assim como a interligação deles. Essa padronização é resultado das necessidades que os
consumidores vêm, ao longo do tempo, solicitando. Surgem, portanto, como uma espécie de
resposta ao que vem sendo necessidade de consumo e é exatamente por causa desses fatores
que essa padronização é aceita em larga escala e, principalmente, reverberada e bem avaliada
pelos consumidores. Esse ciclo de solicitação e de respostas cada vez mais vai se tornando
coeso no meio social.
Dessa forma, a Indústria Cultural, a partir do que chamamos de ciclo, estabelece uma
espécie de manipulação do indivíduo consumidor. Uma vez que esse indivíduo está inserido
num ambiente de consumo, passa a consumir e, posteriormente, a necessitar que o ciclo se
repita; mas, quanto mais o ciclo se repete, menos opções e menos controle sobre isso ele terá,
sendo fadado ao confinamento dos padrões estabelecidos e sem resistência sobre eles.
Para Adorno e Horkheimer (1985, p. 143),
A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários,
não apenas os bárbaros. A cultura industrializada faz algo mais. Ela
exercita o indivíduo no preenchimento da condição a qual ele está
46
O resultado desse jogo de manipulação resulta nessa dominação que a indústria exerce
sobre o indivíduo consumidor que, sem que perceba, é levado ao lugar de dominado, deixando
seu individual de lado para acatar as demandas do coletivo, que significa a dominação da
indústria. Se considerarmos que esse coletivo não representa, em nenhum grau, a
individualidade, mas que, pelo contrário, abandona o individual e determina o coletivo,
entendemos que ninguém é totalmente contemplado, mas sim “domado”.
Quando trataram da individualidade, os autores afirmaram que “na Indústria, o
indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é
tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão.
[...] o que domina é a pseudo-individualidade” (ADORNO E HORKHEIMER, 1985, p. 144).
Em resumo, não se trata de uma escolha racional ou pacífica, mas de uma dominação
excludente: o indivíduo é tolerado mediante sua dominação, o que acarreta a domação de sua
identidade incondicional com o universal. O que entendemos, a partir disso, é que o indivíduo
passa a ser uma peça na construção do coletivo como base, sustentação, e não como beneficiário
desse meio.
Bosi (1992) , ao refletir sobre o tema, traz algumas premissas que dizem respeito ao que
é culturalmente massificado nos dias atuais, como o que se conhece por culturas de massa ou
culturas para a massa. Nos mais basilares exemplos de consumo, como jornais de notícias em
massa, propagandas que são diariamente consumidas e afins. Ainda sobre esse processo, Bosi
(1992, p. 321) diz que
Em termos diacrônicos, não parece que esse tipo de consumo de bens
simbólicos tenha mudado muito da década de 60 para a de 70. A censura
e a massificação persistem; persistem as receitas de sucesso junto ao
grande público; continua a publicidade intensa e insidiosa lançando
mão de todos os recursos para motivar e estimular a venda de seus
produtos.
Trazendo isso para as questões desta pesquisa, podemos compreender que essa indústria
cultural, em paralelo ao objeto aqui provocado, constata o quanto a sensação que sugere a
mobilização da massa predomina em detrimento, nesse caso, das próprias experiências e
repertório estrutural e conteudístico dos candidatos. Em outras palavras, o repertório de
conteúdos e o repertório estrutural, no que tange à produção de um texto argumentativo, são
deturpados pela forma cristalizada ao longo dos anos, contribuindo para a manutenção do
mesmo processo do consumo massificado.
47
Adiante,
Essa discussão ancora os mecanismos linguísticos que descrevemos e refletimos até aqui
uma vez que todos esses aspectos só podem ser linguisticamente explorados a partir deles.
Logo, a massificação ocorre, nos dados desta pesquisa, refletida na recorrência de escolhas
linguísticas semelhantes, em um processo seletivo que abarca milhares de candidatos, assim
como na escolha de vários outros aspectos que tratamos neste estudo, como, por exemplo,
questões de paragrafação, de estratégias argumentativas, organização estrutural, etc.
49
4 CAMINHOS METODOLÓGICOS
Charaudeau (2009) foi fundamental para que analisássemos a lógica argumentativa das
redações. Para tanto, utilizamos o que nos seus estudos está posto como asserção de partida
(dado, premissa), asserção de chegada (conclusão, resultado) e uma (ou várias) asserção de
passagem. Esses fatores são fundamentais para que compreendamos a lógica argumentativa.
Esses pontos destacados nas redações analisadas nos garantiram a possibilidade de
observar que a lógica argumentativa deve estar presente nesses textos uma vez que eles
precisam de uma tese (A1), de uma proposta de intervenção (A2) e dos argumentos (asserção
de passagem) que sustentem essa tese e ancorem a proposta de intervenção.
responsáveis pelas questões de estrutura, pelas questões de conteúdo e por uma reflexão
conclusiva de ambas as análises.
Na primeira subseção, dedicada à análise estrutural dos textos, os dados contemplados
foram os que compreendem a identificação e a descrição do formato de proposta de redação tal
como os que compõem a tessitura textual. Esses dados dizem respeito à ambientação e às
orientações a que os candidatos são submetidos no dia da prova e, também, à constituição dos
textos de forma que sejam evidenciadas as marcas que mais se repetem e que podem ser
facilmente recuperadas.
Essa análise foi realizada a partir da divisão em dois subtópicos, que foi iniciada por
uma detalhada descrição de como as propostas de redação são apresentadas nos cadernos de
questões, fazendo um resgate de como elas são expostas na prova. Posteriormente, fizemos as
análises das redações que se constituíram por meio de uma categoria que objetiva a
identificação, descrição, análise, reflexão e efeitos de sentidos da estrutura nos textos do corpus.
A análise das propostas de redação seguiu a seguinte sequência: os textos motivadores
foram apresentados, descritos e interpretados. Seguindo, comparamos a composição das
propostas de redação no que dizia respeito à mudança de gêneros entre os textos motivadores,
a permanência de alguns e a quantidade desses textos, assim como algumas outras semelhanças
e diferenças observadas. As propostas também foram analisadas de forma que propusemos
algumas hipóteses em relação a elas, como a de que as propostas vão além da apresentação de
temas.
No que concerne à análise da estrutura dos textos, seguimos por meio de uma categoria
que perpassa todos os detalhes estruturais dos textos, fazendo, inicialmente, um levantamento
de como o texto é organizado e de quais elementos se repetem em todos eles. Para isso,
utilizamos uma redação, integralmente, de cada ano. A descrição feita sustenta a reflexão com
as sugestões de efeitos de sentido dessas estruturas. Para tanto, recorreremos, no concernente à
toda base linguístico-discursiva, aos estudos de Charaudeau (2009). Nessa perspectiva, as
competências que servem de critérios para as avaliações das redações do ENEM nos nortearam,
assim como as questões expostas no Manual do Candidato.
Na categoria de análise seguinte, componente da segunda subseção analítica,
objetivamos os dados que expõem as escolhas dos candidatos no que diz respeito às estratégias
argumentativas, à composição da lógica argumentativa e à proposta de intervenção de forma
que o conteúdo seja notadamente observado. Com base nessa perspectiva, foram mobilizados
os objetivos responsáveis pela caracterização de como se dá a utilização e a recorrência da
inserção da voz alheia e que determina, de forma comparativa, a funcionalidade dessas vozes,
53
Esta seção é dedicada à análise dos dados que foram previamente propostos e que dizem
respeito à identificação das marcas estruturais que compõem os textos, atentando para as que
se repetem; à caracterização de como se dá a utilização e a recorrência, nos textos analisados,
da inserção da voz alheia; e à determinação, de forma comparativa, da funcionalidade dessas
vozes inseridas na lógica argumentativa das redações. Dessa forma, em duas subseções, estão
divididas essas propostas de análises e seus desdobramentos.
O Texto I dos textos chamados motivadores é maior que os demais textos que veremos
ao longo da análise dessa proposta; sua estrutura corresponde a um texto dissertativo-
argumentativo e essa característica estrutural tem competência, por si só, para ilustrar como se
constrói e se desenvolve uma ideia. Ilustração essa de grande valia para a construção da redação.
56
O Texto II dos textos motivadores traz dados que explicitam como outras regiões do
mundo lidam com as questões sobre a publicidade infantil. Nesse texto, os candidatos possuem
acesso às várias formas de enxergar a temática nas perspectivas legislativas de outros países, o
que garante uma interessante comparação da relação que outros lugares têm com a mesma
temática que enfatiza o abuso da publicidade infantil no Brasil. Segue o texto:
Logo, podemos considerar que, em 2014, a “ilustração” dos textos motivadores se deu
em torno da apresentação da proposta que foi subsidiada por um texto argumentativo que
endossava a afirmação que compõe o tema; em seguida, foi feita uma comparação mundial em
relação ao tema proposto, que carrega significativas diferenças entre as localidades que são
muito potentes para embasar uma argumentação. Por fim, foi apresentada a consolidação de um
ponto de vista sobre o próprio tema.
Nessa sequência, a hipótese que a descrição nos sugere é a de que o candidato, quando
em contato com a proposta de redação, é submetido não simplesmente ao tema, mas aos dados,
argumentos e contra-argumentos. Isto posto, caberia a esse candidato reunir todas as
informações dadas com o conhecimento prévio que já carrega para se concentrar nas escolhas
estruturais e conteudísticas que precisará fazer para organizar essas informações e elaborar sua
redação.
Seguindo, em 2015, o tema foi "A Persistência da Violência contra a Mulher na
Sociedade Brasileira". Vejamos como foi apresentada a proposta:
Como vimos no Texto motivador II da proposta de 2014, esses textos também solicitam
outras competências de leitura pois trazem as informações a partir de outros gêneros textuais.
Na proposta de 2015, diferente da de 2014, há mais um texto motivador que se
assemelha aos Textos II e III, já descritos, por solicitar outras competências de leitura. Nesse
texto, há um conjunto de informações sobre os dados que abarcam a lei Maria da Penha, como
a quantidade de processos julgados, prisões em flagrantes, números de vítimas e afins. Vejamos:
Em suma, a proposta de redação foi composta por textos motivadores que abordaram
dados das crescentes mortes de mulheres em decorrência de violência, gráficos com os mais
variados tipos de relatados em balanço feito em 2014 a respeito dessa questão, apelo ao fim da
violência e um apanhado de números de ocorrências dessa problemática ou outros aspectos que
envolvem a implementação da Lei Maria da Penha no Brasil desde que foi criada.
Nessa proposta, os candidatos foram expostos a diversos dados, tipos de violência e
impactos causados pela lei que rege esse tipo de crime. O aporte foi disponibilizado em larga
escala no que tange aos dados e à necessidade de se debruçar sobre o tema, corroborando a
proposta bem como os resultados das soluções criadas para combater esses aspectos.
Se compararmos essa proposta com a de 2014, notamos algumas diferenças, como o
número de textos motivadores e uma maior diversidade de gêneros. Notamos que há um
aumento de informações, não se atendo ao desenvolvimento de um ponto de vista ou de mais
de um, mas textos que se voltam muito mais para uma numerosa quantidade de informações.
A proposta de 2016, cujo tema foi "Caminhos para combater a intolerância religiosa no
Brasil”, diferentemente dos anos de 2014 e 2015, já começa pelos textos motivadores. Os
Textos motivadores I e II, que observamos a seguir, são compostos por um parágrafo único.
Vejamos:
O Texto I apresenta como o tema está articulado às leis brasileiras, enquanto o Texto II
delimita o que é liberdade de expressão e o que é crime no concernente aos caminhos religiosos,
compondo um movimento de situar os candidatos das leis brasileiras que fazem referência ao
tema.
O Texto motivador III é o recorte da lei contra o sentimento religioso no Brasil. Nesse
sentido, são expostas as especificações do artigo, a pena e as informações secundárias em torno
desse tópico da legislação, como vemos abaixo:
60
passa, em 2016, a construir o pensamento até se chegar em uma afirmação como forma de tema,
e não mais a apresentação desse tema e as informações que os textos podem adicionar ao tema.
Quando observamos, especificamente, esse último tema, nos deparamos com uma
questão importante, que diz respeito às possibilidades de caminhos que o candidato possui.
Reflitamos que, nessa proposta, foi apresentado um tema que envolve medidas legislativas,
permissões e criminalizações. Sugerimos que o que “sobra”, dentre os dados, para os
candidatos, é discorrer sobre o que já está devidamente afirmado. As discussões, nesse caso, se
restringem à reiteração do tema e os argumentos tenderão a endossar essa opinião.
Essa especificidade implica que, quando se apresenta um tema em que a diversidade de
diálogos que os textos podem conter é restrita, os próprios temas podem corroborar a ideia de
massificação. Isso porque o caminho esperado é x e os candidatos que não seguem esse caminho
correm um grande risco de tangenciarem o tema ou de infringirem os direitos humanos já que
se trata de questões delicadas.
Para ilustrar o endossamento a que nos referirmos, reflitamos sobre trechos de algumas
propostas de intervenção das redações nota mil de 2014, que foram elaboradas a partir do tema
“Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”:
(4) Infere-se, portanto, que a intolerância religiosa é um mal para a sociedade brasileira. Sendo assim, cabe ao
Governo Federal construir delegacias especializadas em crimes de ódio contra religião, a fim de atenuar a prática
do preconceito na sociedade, além de aumentar a pena para quem o praticar [...]
(5) Convém, portanto, que, primordialmente, a sociedade civil organizada exija do Estado, por meio de protestos, a
observância da questão religiosa no país [...]
(6) Urge, portanto, que indivíduos e instituições públicas cooperem para mitigar a intolerância religiosa [...]
Nas propostas de intervenção das redações nota mil apresentadas, há uma reiteração do que já
foi dito de alguma forma, seja no tema, seja nos textos motivadores, seja na ideia que a proposta de
redação já estabelece. Isso faz com que os textos, como já dissemos, sigam para um único caminho.
Nesse caso, por exemplo, na maioria das redações, observamos a reiteração da necessidade de se
fiscalizar o que já se existe legislativamente e, em alguns outros, nos deparamos com mais propostas
nesse sentido.
Por fim, descrevemos a proposta de 2017, cujo tema foi “Desafios para a formação
educacional de surdos no Brasil". Assim como em 2016, a proposta começa pelos textos
motivadores. O Texto motivador I menciona o capítulo IV da Constituição, do direito à
educação de forma íntegra, situando o candidato legislativamente, como também aconteceu em
um dos textos da proposta de redação de 2016. Vejamos:
62
Os Textos motivadores II e III estão na mesma categoria dos textos das outras propostas
que descrevemos no que se relaciona à necessidade de outras habilidades para ler e interpretar
os textos, já que esses textos solicitam a integração de variadas competências de leituras. O
Texto II é um gráfico que traz o levantamento das matrículas de surdos na Educação Básica
(entre 2011 e 2016), enquanto o Texto III é uma imagem indagando quais são as oportunidades
para os surdos no Brasil, mesmo os que investem na própria carreira. Vejamos:
textos, estão as ideias centrais que podem servir de possibilidade para a escrita da redação; logo,
além de podermos considerar as propostas como “teses iniciais”, podemos considerar, nos
textos motivadores, os argumentos a serem desenvolvidos.
Neste subtópico, realizamos as análises da estrutura das redações nota mil. Essas
análises foram feitas por meio de uma categoria que perpassa a identificação da forma estrutural
identificando a composição e descrevendo essas estruturas, seguida da análise que ancora a
reflexão com as possibilidades de efeitos de sentido que essas estruturas provocam nos textos,
compõe o nosso corpus. Para tanto, recorremos aos estudos de Charaudeau (2009) já que esses
estudos foram a base para que pudéssemos destacar, analisar e interpretar os traços linguísticos
da estrutura desses textos argumentativos. Nessa perspectiva, as competências que servem de
critérios para as avaliações das redações do ENEM foram importantes, juntamente com algumas
questões do Manual do Candidato.
Sob critérios metodológicos, a análise do corpus no que diz respeito à busca por dados
que corroborem a hipótese sugerida e que dizem respeito ao mapeamento, descrição e
interpretação dos dados, foi exposta, nesta seção, por meio de 4 (quatro) redações integralmente
apresentadas, sendo uma redação de cada ano analisado (2014, 2015, 2016 e 2017). Também
apresentamos quadros que apontam para a descrição da análise de todos os textos. Como
método de organização, as redações citadas ao longo do trabalho, seja integralmente ou seja em
parcialmente, serão intituladas da letra R + um número de 1 a 8 (número referente ao modo
como as redações foram organizadas na seção de Anexos) + o ano que pertence. Logo, a R1-
2014, por exemplo, se refere à Redação nota mil do ENEM 2014 e está inserida na primeira
posição de uma organização de oito redações deste ano, assim como a R1-2015 se refere à
Redação nota mil do ENEM 2015 e está inserida na primeira posição de uma organização de
oito redações do ano citado.
É importante salientar que chamamos de marcas estruturais o modo como o texto é
composto e dividido, ou seja, toda a sua teia de escolhas, desencadeamentos e composição. O
mapeamento das redações nos mostra que a forma estrutural desses textos segue um padrão
semelhante entre as redações de um mesmo ano e, também, entre o conjunto das 32 redações.
Atentamos, nessa análise, para a presença ou não de título; quantidade de parágrafos;
quantidade de períodos por parágrafos; sequência das ideias, evidenciando de que modo a tese,
os argumentos e a proposta de intervenção foram organizados; presença ou não de discurso
direto ou indireto; e a forma como os recursos linguísticos expressam esses discursos.
65
Ainda com base no que norteia a escritura dos textos, apontamos algumas escolhas que
visivelmente recorreram à Cartilha do Participante, anualmente disponibilizada para que os
candidatos se preparem para a execução das redações. Essa cartilha é responsável por apresentar
as cinco competências (descritas anteriormente) e para elencar questões importantes do texto,
como os critérios eliminatórios e os mecanismos imprescindíveis em sua composição. Mais
adiante apresentamos alguns pontos que achamos de grande importância para nossa análise.
Inicialmente, encontramos, na cartilha, os conceitos de Tema, Tese, Argumentos e
Proposta de Intervenção, com uma possível sinalização da sequência lógica desses aspectos. O
que não é posto nesse contexto é a obrigatoriedade da sequência em que estão postos esses
conceitos, embora todas as 32 redações tenham o seguido o que é apresentado na Imagem 2 –
Direcionamento dos componentes obrigatórios (cf. página 41).
Outro ponto observado que nos pareceu bastante pertinente para o andamento da análise
diz respeito à forma de tratamento das escolhas dos candidatos com a questão da titulação nas
cartilhas. O título, nessas cartilhas, é determinado como algo opcional. Observemos na Imagem
19 que segue abaixo.
Por fim, apontamos outra grande questão que norteia essa análise no que diz respeito às
estratégias argumentativas e como os mecanismos são apresentados e apontados na cartilha.
Vejamos na Imagem 20.
66
É importante pontuar, de início, que a abusiva publicidade na infância muda o foco das crianças
do que realmente é necessário para sua faixa etária. Tal situação torna essas crianças pequenos
consumidores compulsivos de bens materiais, muitas vezes desapropriados para determinada
idade, e acabam por desvalorizar a cultura imaterial, passada através das gerações, como as
brincadeiras de rua e as cantigas. Prova disso são os dados da UNESCO afirmarem que cerca de
85% das crianças preferirem se divertir com os objetos divulgados nas propagandas, tornando
notório que a relação entre ser humano e consumo está “nascendo” desde a infância.
É fundamental pontuar, ainda, que o crescimento do Brasil está atrelado ao tipo que infância que
está sendo construída na atualidade. Essa relação existe porque um país precisa de futuros adultos
conscientes, tanto no que se refere ao consumo, como às questões políticas e sociais, pois a atenção
excessiva dada à publicidade infantil vai gerar adultos alienados e somente preocupados em
comprar. Assim, a ideia do líder Gandhi de que o futuro dependerá daquilo que fazemos no
presente parece fazer alusão ao fato de que não é prudente deixar que a publicidade infantil se
torne abusiva, pois as crianças devem lidar da melhor forma com o consumismo.
Dessa forma, é possível perceber que a publicidade infantil excessiva influencia de maneira
negativa tanto a infância em si como também o Brasil. É preciso que o governo atue
iminentemente nesse problema através da aplicação de multas nas empresas de publicidade que
ultrapassarem os limites das faixas etárias estabelecidos anteriormente pelo Ministério da Infância
e da Juventude. Além disso, é preciso que essas crianças sejam estimuladas pelos pais e pelas
escolas a terem um maior hábito de ler, através de concessões fiscais às famílias mais carentes,
em livrarias e papelarias, distando um pouco do padrão consumista atual, a fim de que o Brasil
garanta um futuro com adultos mais conscientes. Afinal, como afirmou Platão: “o importante não
é viver, mas viver bem”.
Fonte: Dados da pesquisa.
Com base nas marcações, observamos que, em negrito, no primeiro parágrafo, temos a
tese “Dessa forma, é válido analisar a maneira como o excesso de publicidade infantil pode
contribuir negativamente para o desenvolvimento dos pequenos e do Brasil.”. Essa é a tese a
ser sustentada com base no que sugere Charaudeau (2009) a respeito da necessidade, isto é,
para que haja argumentação de algo que gere um questionamento, uma reflexão.
Em seguida, no segundo e no terceiro parágrafos, em itálico, apontamos os pontos de
sustentação da argumentação. Ambos os argumentos foram desenvolvidos no limite de um
único parágrafo. Destacamos, também, que os pontos de sustentação estão alocados, em ambas
as ocorrências, no início do parágrafo. Os parágrafos, portanto, já são iniciados pelos tópicos
frasais a serem desenvolvidos.
Posteriormente, sublinhado, encontramos a proposta de intervenção que, por meio do
que sugerem as competências, deve propor uma espécie de “solução” para o contexto problema
que a proposta de redação aborda. A proposta em questão aparece no último parágrafo e é
responsável, além da solução proposta, por uma reflexão acerca do tema, da discussão e do
desenrolar dos argumentos. Outro ponto importante, posto na proposta de intervenção, é a
68
atribuição dada ao governo que media a solução estabelecida pelo candidato: “É preciso que o
governo atue…”. Essa atribuição, veremos mais adiante, é uma recorrência constante nesses
textos.
Os pontos que estão grifados com negrito mais itálico são referentes às inserções de
vozes alheias que refletimos a partir dos estudos de Authier-Revuz (1990, 2004) e Maingueneau
(2004) por meio da delimitação dos discursos direto, discurso indireto e modalização em
discurso segundo. Na primeira ocorrência, no primeiro parágrafo, “'O ornamento da vida está
na forma como um país trata suas crianças'. A frase do sociólogo Gilberto Freyre deixa nítida a
relação de cuidado que uma nação deve ter com as questões referentes à infância”, a frase é
incluída no início do parágrafo, seguida da explicação do fio condutor do pensamento do
sociólogo com o tema.
Na ocorrência seguinte, logo no segundo parágrafo, “’Prova disso são os dados da
UNESCO afirmarem’ que cerca de 85% das crianças preferirem se divertir com os objetos
divulgados nas propagandas, tornando notório que a relação entre ser humano e consumo está
‘nascendo’ desde a infância.”, a informação vem por meio dos dados de uma instituição. O
desenvolvimento do argumento desse parágrafo é ancorado por essa informação.
Na terceira e última ocorrência da inserção da voz alheia, “Assim, a ideia do líder
Gandhi de que o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente parece fazer alusão ao fato
de que não é prudente deixar que a publicidade infantil se torne abusiva, pois as crianças devem
lidar da melhor forma com o consumismo.”, a modalização em discurso segundo, que remete
ao líder Gandhi, também aparece como fechamento da ideia de um parágrafo. Nesse caso, a
modalização também conclui o argumento.
Para que possamos compreender os quadros de cada bloco de análise das redações,
devemos nos atentar para as informações contidas neles que são: presença ou não de título,
quantidade de parágrafos, como estão organizadas a sequência das ideias; e ocorrência ou não
de uma das modalidades discurso direto, discurso indireto ou modalização em discurso
segundo. Observemos o Quadro 2 que contém as informações do bloco de análise das redações
de 2014:
1
As abreviações “DD”, “DI” e “MDS” correspondem, respectivamente aos conceitos de discurso direto, discurso
indireto e modalização em discurso segundo.
69
O quadro das análises de 2014 nos mostra que mais da metade das redações optaram
por acrescentar o título em seus textos. Como dissemos anteriormente, essa é uma questão
opcional já que o título não acrescenta influência às perspectivas que norteiam a correção do
texto, mas só interferem, como é citado no próprio manual, na contagem de linhas.
As redações seguem um padrão de quatro parágrafos, como mostramos na redação
exposta integralmente. Esses parágrafos são divididos de forma que comportem, em sequência,
a tese, os argumentos, geralmente um em cada parágrafo do desenvolvimento, e a proposta de
intervenção no último. Dentre as redações analisadas de 2014, apenas uma fugiu ao padrão dos
quatro parágrafos, compondo-se de 5, e, nessa redação, o padrão é seguido, como nas outras,
com o acréscimo de um parágrafo que reflete sobre a proposta, uma espécie de continuação
dela.
Em 2014, das 8 redações analisadas, 5 optaram pela inserção do discurso alheio a partir
do discurso direto, discurso indireto ou modalização em discurso segundo e, nessa categoria,
houve variação nas escolhas, como a utilização de mais de uma das configurações em uma
mesma redação, assim como a utilização de uma única configuração mais de uma vez.
Com base nessa descrição, percebemos o quanto as redações são parecidas, o quanto as
escolhas fazem parte dos direcionamentos a que os candidatos têm acesso e o quanto a
previsibilidade do texto é norteada por esses direcionamentos. Não obstante, as redações de
2014 também refletem uma certa parcela de diferenças, sugerindo, talvez, que os principais
pontos que as sugestões presentes nos manuais norteiam são mais padronizadas do que as que
não são sugeridas tão claramente nesses materiais.
Seguindo nossa análise, observemos o Quadro 3:
O Brasil ainda não conseguiu se desprender das amarras da sociedade patriarcal. Isso se dá porque,
ainda no século XXI, existe uma espécie de determinismo biológico em relação às mulheres.
Contrariando a célebre frase de Simone de Beavouir “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, a
cultura brasileira, em grande parte, prega que o sexo feminino tem a função social de se submeter ao
masculino, independentemente de seu convívio social, capaz de construir um ser como mulher livre.
Dessa forma, os comportamentos violentos contra as mulheres são naturalizados, pois estavam dentro
da construção social advinda da ditadura do patriarcado. Consequentemente, a punição para este tipo
de agressão é dificultada pelos traços culturais existentes, e, assim, a liberdade para o ato é aumentada.
Além disso, já o estigma do machismo na sociedade brasileira. Isso ocorre porque a ideologia da
superioridade do gênero masculino em detrimento do feminino reflete no cotidiano dos brasileiros.
Nesse viés, as mulheres são objetificadas e vistas apenas como fonte de prazer para o homem, e são
ensinadas desde cedo a se submeterem aos mesmos e a serem recatadas. Dessa maneira, constrói-se
uma cultura do medo, na qual o sexo feminino tem medo de se expressar por estar sob a constante
ameaça de sofrer violência física ou psicológica de seu progenitor ou companheiro. Por conseguinte,
o número de casos de violência contra a mulher reportados às autoridades é baixíssimo, inclusive os
de reincidência.
Pode-se perceber, portanto, que as raízes históricas e ideológicas brasileiras dificultam a erradicação
da violência contra a mulher no país. Para que essa erradicação seja possível, é necessário que as
mídias deixem de utilizar sua capacidade de propagação de informação para promover a
objetificação da mulher e passe a usá-la para difundir campanhas governamentais para a denúncia de
agressão contra o sexo feminino. Ademais, é preciso que o Poder Legislativo crie um projeto de lei
para aumentar a punição de agressores, para que seja possível diminuir a reincidência. Quem sabe,
assim, o fim da violência contra a mulher deixe de ser uma utopia para o Brasil.
Fonte: Dados da pesquisa.
“Ademais, é preciso que o Poder Legislativo crie”. Como veremos, esse processo de cobrança
de resoluções advindas do poder público é bastante recorrente nas propostas de intervenção.
Grifados com a marcação negrito mais itálico, a inserção da voz alheia é iniciada com
um dado, “De acordo com o Mapa da Violência de 2012, o número de mortes por essa causa
aumentou em 230% no período de 1980 a 2010.”, ponto que serve como ancoragem para o
desenvolvimento da tese que diz respeito ao crescimento da violência contra a mulher nas
últimas décadas. Seguindo, encontramos um pensamento, no segundo parágrafo e primeiro
campo de argumentação, utilizando-se de discurso direto, de Simone de Beavouir: “Não se
nasce mulher, torna-se mulher”, que vai ser posto como um pensamento contrariado pela
sociedade machista.
Nessa última questão, a frase é refutada, pois, segundo o texto, a sociedade põe a mulher
como submissa ao homem independentemente do convívio social e de alguns outros fatores e
isso acaba sendo base para a dificuldade que é posta quando se trata de punições para os
referidos casos uma vez que o sistema patriarcado é majoritariamente edificado pela sociedade.
Sintetizando os aspectos vistos até aqui, o Quadro 4, a seguir, sintetiza os dados obtidos
a partir das redações de 2015 analisadas.
Quadro 4 – Composição estrutural das redações de 2015
QUANTIDADE DE DD, DI OU
ANO 2015 TÍTULO SEQUÊNCIA DAS IDEIAS
PARÁGRAFOS MDS?
R1-2015 X 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R2-2015 SIM 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R3-2015 SIM 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R4-2015 SIM 4 TESE > ARG >PROPOSTA NÃO
R5-2015 SIM 5 TESE > ARG >PROPOSTA NÃO
R6-2015 X 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R7-2015 X 4 TESE > ARG >PROPOSTA NÃO
R8-2015 X 5 TESE > ARG >PROPOSTA NÃO
Fonte: Autoria própria.
Nas análises das redações de 2015, algumas ocorrências seguem semelhantes com as de
2014, como a utilização dos títulos. Em 2015, metade dos candidatos optaram por inserir o
recurso, quantidade bem semelhante ao visto nas redações de 2014, enquanto a outra metade
optou pela utilização da primeira linha já para o início do texto. Em 2015, houve a
predominância de quatro parágrafos enquanto apenas duas redações foram compostas por cinco
parágrafos.
No que diz respeito à utilização da inserção da voz alheia por meio do discurso direto,
do discurso indireto e da modalização em discurso segundo, apenas 4 redações optaram pelas
estratégias citadas. As escolhas referentes às estratégias citadas foram feitas de forma variada.
72
É indubitável que a questão constitucional e sua aplicação estejam entre as causas do problema.
Conforme Aristóteles, a poética deve ser utilizada de modo que, por meio da jsutiça, o equilíbrio seja
alcançado na sociedade. De maneira análoga, é possível perceber que, no Brasil, a perseguição
religiosa rompe essa harmonia; haja vista que, embora esteja previsto na Constituição o princípio da
isonomia, no qual todos devem ser tratados igualmente, muitos cidadãos se utilizam da inferioridade
religiosa para externar ofensas e excluir socialmente pessoas de religiões diferentes.
Infere-se, portanto, que a intolerância religiosa é um mal para a sociedade brasileira. Sendo assim, cabe
ao Governo Federal construir delegacias especializadas em crimes de ódio contra religião, a fim de
atenuar a prática do preconceito na sociedade, além de aumentar a pena para quem o praticar. Ainda
cabe à escola criar palestras sobre as religiões e suas histórias, visando a informar crianças e jovens
sobre as diferenças religiosas no país, diminuindo, assim, o preconceito religioso. Ademais, a
sociedade deve se mobilizar em redes sociais, com o intuito de conscientizar a população sobre os
males da intolerância religiosa. Assim, poder-se-á transformar o Brasil em um país desenvolvido
socialmente, e criar um legado de que Brás Cubas pudesse se orgulhar.
Fonte: Dados da pesquisa.
Nas marcações da R1-2016, percebemos que, seguindo o mesmo padrão dos outros
textos, a tese que vai ser defendida durante o texto está no primeiro parágrafo. A diferença em
relação às outras redações expostas é que a tese é introduzida com base na reflexão referente a
um escrito de Machado de Assis; logo depois, ela é introduzida: “a postura de muitos brasileiros
73
frente a intolerância religiosa é uma das faces mais perversas de uma sociedade em
desenvolvimento.”. Essa tese pode nos remeter à discussão inicial que tivemos a respeito de um
caminho esperado nesses textos, que é se voltar para a “reiteração” da temática, o endossamento
dos argumentos já apresentados ou novas formas de se dialogar a respeito. Nesse caso, há uma
valorização dessa reiteração com base em um “motivo”.
Adiante, no segundo parágrafo, em itálico, observamos o primeiro ponto de sustentação
da argumentação, “É indubitável que a questão constitucional e sua aplicação estejam entre as
causas do problema”. Essa afirmação vai ser retomada pela marca “de maneira análoga”, que
segue logo na sequência, e é refletida logo após sua inserção com base no dito por Aristóteles,
segunda inserção da voz alheia desse texto.
Do mesmo modo, no terceiro parágrafo, o tópico “Segundo pesquisas, a religião afro-
brasileira é a principal vítima de discriminação, destacando-se o preconceito religioso como
principal impulsionador do problema.” servirá como norte para o segundo argumento. Nesse
caso, o argumento é refletido com base em outra voz demarcada, dessa vez, de Durkheim,
terceira aparição de uma heterogeneidade mostrada e marcada da redação.
Prosseguindo, temos a proposta de intervenção também no último parágrafo, como
pudemos observar em todas as redações analisadas até então. A reflexão e as questões
resolutivas dessa redação também atribuíram a solução aos poderes públicos “Sendo assim,
cabe ao Governo Federal construir delegacias especializadas em crimes de ódio contra religião,
a fim de atenuar a prática do preconceito na sociedade, além de aumentar a pena para quem o
praticar”, reforçando a recorrência dessa atribuição já mencionada na análise dos outros textos.
Para compor a análise do conjunto de dados das redações de 2016, observemos o Quadro
6, a seguir.
Quadro 6 – Composição estrutural das redações de 2016
QUANTIDADE DE DD, DI OU
ANO 2016 TÍTULO SEQUÊNCIA DAS IDEIAS
PARÁGRAFOS. MDS?
R1-2016 SIM 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R2-2016 SIM 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R3-2016 X 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R4-2016 X 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R5-2016 SIM 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R6-2016 SIM 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R7-2016 X 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
R8-2016 X 4 TESE > ARG >PROPOSTA SIM
Fonte: Autoria própria.
Nas redações de 2016, tivemos uma notável diferença em relação às análises dos outros
dois anos já apresentados. As congruências permaneceram no que diz respeito ao número de
candidatos que optou pela inserção de um título, enquanto a outra metade optou por iniciar o
74
Hodiernamente, esse mito assemelha-se à luta cotidiana dos deficientes auditivos brasileiros, os quais
buscam ultrapassar as barreiras as quais os separam do direito à educação. Nesse contexto, não há
dúvidas de que a formação educacional de surdos é um desafio no Brasil o qual ocorre,
infelizmente, devido não só à negligência governamental, mas também ao preconceito da sociedade.
A Constituição cidadã de 1988 garante educação inclusiva de qualidade aos deficientes, todavia o
Poder Executivo não efetiva esse direito. Consoante Aristóteles no livro "Ética a Nicômaco", a
política serve para garantir a felicidade dos cidadãos, logo se verifica que esse conceito encontra-se
deturpado no Brasil à medida que a oferta não apenas da educação inclusiva, como também da
preparação do número suficiente de professores especializados no cuidado com surdos não está
presente em todo o território nacional, fazendo os direitos permanecerem no papel.
Portanto, indubitavelmente, medidas são necessárias para resolver esse problema. Cabe ao Ministério
da Educação criar um projeto para ser desenvolvido nas escolas o qual promova palestras,
apresentações artísticas e atividades lúdicas a respeito do cotidiano e dos direitos dos surdos. - uma vez
que ações culturais coletivas têm imenso poder transformador - a fim de que a comunidade escolar e
a sociedade no geral - por conseguinte - conscientizem-se. Desse modo, a realidade distanciar-se-á do
mito grego e os Sísifos brasileiros vencerão o desafio de Zeus.
Fonte: Dados da pesquisa.
75
Esta subseção é composta pela análise dos dados que expõem as escolhas dos candidatos
no que concerne mais restritamente à composição da lógica argumentativa e à proposta de
intervenção de forma que o conteúdo seja notadamente observado. A partir dessa perspectiva,
esta análise ancora os objetivos responsáveis pela caracterização de como se dá a utilização e a
recorrência da inserção da voz alheia e que determina, de forma comparativa, a funcionalidade
dessas vozes, bem como a caracterização da recorrência dos mecanismos linguísticos e
conteudísticos das propostas de intervenção que englobam as marcas estruturais e
conteudísticas observadas nos textos.
Para atingir as intenções estabelecidas, dividimos a análise em dois momentos.
Primeiramente, descrevemos o que diz respeito às análises referentes à inserção das vozes
alheias, atentando para a construção dos textos e, portanto, objetivando a marcação das
inserções, assim como da composição da lógica argumentativa dos textos; e, posteriormente,
focamos na análise dos mecanismos de estratégias linguísticas e de conteúdo das propostas de
intervenção; por fim, apresentamos alguns aspectos conclusivos referentes à seção.
(7) “O ornamento da vida está na forma como um país trata suas crianças”. A frase do sociólogo Gilberto
Freyre deixa nítida a relação de cuidado que uma nação deve ter com as questões referentes à infância.
(8) Assim, a ideia do líder Gandhi de que o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente parece
fazer alusão ao fato de que não é prudente deixar que a publicidade infantil se torne abusiva, pois as
crianças devem lidar da melhor forma com o consumismo.
(9) Afinal, como afirmou Platão: “o importante não é viver, mas viver bem”.
R4-2014 De acordo com Karl Marx, filósofo Introdução da voz alheia para
alemão do século XIX, para que esse ancorar o argumento
incentivo ocorresse, criou-se o MDS
fetiche sobre a mercadoria: constroi-
se a ilusão de que a felicidade seria
alcançada a partir da compra do
produto.
(10) “De acordo com o Mapa da Violência de 2012, o número de mortes por essa causa aumentou em
230% no período de 1980 e 2010.”
(11) “Contrariando a célebre frase de Simone de Boavouir ‘não se nasce mulher, torna-se’, a cultura
brasileira, em grande parte, prega que o sexo feminino tem a função social de se submeter ao masculino,
independente de seu convívio social, capaz de construir um ser como mulher livre.”
Em (10), observamos um dado: “De acordo com o Mapa da Violência de 2012, o número
de mortes por essa causa aumentou em 230% no período de 1980 a 2010.”. Essa citação sustenta
a tese do texto, que relata o crescimento da violência contra a mulher nas últimas décadas. Essa
ancoragem foi apresentada por meio da modalização em discurso segundo.
Em (11), encontramos um pensamento, no segundo parágrafo e primeiro campo de
argumentação, de Simone de Beavouir, introduzido a partir do discurso direto: “Não se nasce
mulher, torna-se mulher”. Essa inserção foi representativa para explicitar o quanto esse
pensamento é refutado em larga escala numa sociedade machista.
Nessa última questão, o pensamento é utilizado para refutar a sociedade que coloca a
mulher como submissa ao homem independente do convívio social ou de alguns outros fatores,
o que acaba sendo base para a dificuldade de estabelecer punições aos referidos agentes dos
casos que envolvem a violência contra a mulher. Isso se sustenta no sistema patriarcal que é
majoritariamente edificado pela sociedade.
80
R2-2015 De acordo com o sociólogo Émile MDS Introdução da voz alheia para
Durkheim, a sociedade pode ser concluir o argumento
comparada a um “corpo biológico”
por ser, assim como esse, composta
por partes que interagem entre si.
R6-2015 De acordo com o site “Mapa da MDS Introdução da voz alheia para
Violência”, nas últimas três décadas ancorar o argumento
houve um aumento de mais de 200%
nos índices de feminicídio no país.
(12) “Brás Cubas, o defunto-autor de Machado de Assis, diz em suas ‘Memórias Póstumas’ que não
teve filhos e não transmitiu a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.
(13) “Conforme Aristóteles, a poética deve ser utilizada de modo, por meio da justiça, o equilíbrio seja
alcançado na sociedade.”
(14) “De acordo com Durkheim, o fato social é a maneira coletiva de agir e de pensar.”
No exemplo (12), a tese da redação é introduzida por meio da reflexão resgatada de uma
obra de Machado de Assis. A referência é feita por meio do discurso indireto que explicita que
o personagem de sua obra não havia tido filhos e, portanto, não transmitiu a nenhuma criatura
o legado da nossa miséria. Essa reflexão é concluída com o posicionamento do autor da redação
que determina que, no contexto posto como tema da redação, essa postura de não deixar
herdeiros é positiva visto que “muitos brasileiros frente a intolerância religiosa é uma das faces
mais perversas de uma sociedade em desenvolvimento”.
Na segunda inserção, (13), localizado no segundo parágrafo, observamos o primeiro
ponto de sustentação que observamos na argumentação desse texto, “É indubitável que a
questão constitucional e sua aplicação estejam entre as causas do problema”. A afirmação posta
será retomada logo após sua inserção a partir do dito por Aristóteles, que é a segunda inserção
da voz alheia desse texto, inserida por meio da modalização em discurso segundo.
Em (14), inserção resgatada do terceiro parágrafo, o tópico “Segundo pesquisas, a
religião afro-brasileira é a principal vítima de discriminação, destacando-se o preconceito
religioso como principal impulsionador do problema.” servirá como norte para o segundo
argumento. Essa citação sustenta um argumento que é refletido com base em outra voz
demarcada, dessa vez, de Durkheim, terceira inserção de uma voz alheia de forma explícita por
meio da modalização em discurso segundo.
82
R2-2016 De acordo com Albert Camus, MDS Introdução da voz alheia para
escritor argelino do século XX, se ancorar o argumento
houver falhas na conciliação entre
justiça e liberdade, haverá
intempéries de amplo espectro.
R3-2016 Além disso, é cabível enfatizar que, MDS Introdução da voz alheia para
de acordo com Paulo Freire, um concluir o argumento
seu livro "Pedagogia do Oprimido",
é necessário buscar uma "cultura de
paz".
R4-2016 Sob essa conjectura, a tese marxista MDS Introdução da voz alheia para
disserta acerca da inescrupulosa ancorar o argumento
atuação do Estado, que assiste
apenas a classe dominante.
R5-2016 Em primeiro plano, é necessário MDS Introdução da voz alheia para
que a sociedade não seja uma ancorar o argumento
reprodução da casa colonial, como
disserta Gilberto Freyre em
“Casa-Grande Senzala”.
83
(15) “Consoante Aristóteles no livro ‘Ética a Nicômaco’, a polícia serve para garantir a felicidade dos
cidadãos”
(16) “No entanto, segundo o pensador e ativista francês Michel Foucault, é preciso mostrar às pessoas
que elas são mais livres do que pensam para quebrar pensamentos errôneos construídos em outros
momentos históricos.”
84
O trecho que compõe o excerto (15) diz respeito ao início da argumentação que está no
terceiro parágrafo da redação. Esse trecho traz o que aponta Aristóteles a respeito de a política
servir para garantir a felicidade dos cidadãos. Essa ideia é utilizada para apontar sua deturpação
no território brasileiro, uma vez que é afirmado que, no contexto apresentado, os direitos
permanecem no papel. Essa inserção se deu pela modalização em discurso segundo.
No quarto parágrafo da redação, encontramos (16), o tópico “Outrossim, o preconceito
da sociedade ainda é um grande impasse à permanência dos deficientes auditivos nas escolas.”,
que servirá como norte para o segundo argumento defendido no texto. E, para compor a reflexão
desse argumento, a voz de Michel Foucault é inserida também pela modalização em discurso
segundo para determinar a necessidade de alertar as pessoas quanto à liberdade que possuem.
R4-2017 Nesse sentido, algo deve ser feito DI Introdução da voz alheia para
concluir o argumento
para alterar essa situação, uma vez
que milhares de surdos de todo o país
têm o seu direito à educação
vilipendiado, confrontando,
portanto, a Constituição Cidadã de
1988, que assegura a educação
como um direito social de todo o
cidadão brasileiro.
(17) Segundo o pensamento de Claude Lévi-Strauss, a interpretação adequada do coletivo ocorre por
meio do entendimento das forças que estruturam a sociedade, como os eventos históricos e as relações
sociais.
87
(18) Outras medidas devem ser tomadas, mas, como disse Oscar Wilde: “O primeiro passo é o mais
importante na evolução de um homem ou nação.”
No exemplo acima, é nítida a separação entre a voz de autoridade e a voz do autor da
redação. Essa separação é marcada pelo uso das aspas que caracteriza o discurso direto. No
excerto, percebemos que, comparando-o às hipóteses de escolhas, a objetividade é uma das
hipóteses mais interessantes, visto a ausência de espaços para desenvolver um pensamento. O
autor inicia o trecho falando sobre “medidas”, no plural, que deveriam ser tomadas; ao utilizar
a conjunção adversativa “mas”, contraria esse plural enfocando que a o mais importante é o
primeiro passo e, para não precisar dizer isso e em seguida justificar com base em algum
argumento sua proposição, já insere a fala propriamente dita de autoridade.
As inserções feitas a partir do discurso indireto “são apresentadas sob a forma de uma
oração subordinada substantiva objetiva direta, introduzida por um verbo dicendi2 (‘contaram-
2
Entende-se que os verbos dicendi são os responsáveis por introduzir o discurso alheio.
88
nos que…’)” (MAINGUENEAU, p. 150, 2004). O que torna esse tipo de inserção diferente do
discurso direto é o sentido do verbo introdutor pois condiciona uma espécie de direcionamento
ao discurso citado.
Vejamos um exemplo a partir do excerto (19):
(19) Brás Cubas, o defunto-autor de Machado de Assis, diz em suas "Memórias Póstumas" que não teve
filhos e não transmitiu a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
Podemos observar, em (19), a oração subordinada substantiva objetiva direta “que não
teve filhos e não transmitiu a nenhuma criatura o legado da nossa miséria” sendo introduzida
por um verbo dicendi “diz” Essa configuração estrutural é a que caracteriza o discurso indireto.
Outro ponto interessante ao qual queremos remeter esses resultados é o de que as vozes
encontradas Simone de Beauvoir, Aristóteles, Gandhi, Foucault, Gilberto Freyre, Durkheim,
etc. não são vozes de especialistas nos assuntos das redações supracitadas. Isso reafirma o que
já sugerimos ao longo do trabalho de que a legitimidade dos argumentos ou do discurso é feita
por uma referência conhecida, de um dado comprovado, de uma teoria enraizada, mas que não
precisam, necessariamente, estar ligados diretamente ao tema abordado, o que determina com
mais exatidão que o candidato teria se preparado especificamente para aquele tema.
Outro ponto importante é que os trechos inseridos não necessariamente compõem a voz
do autor, mas, muitas vezes, são excertos que se tornaram “frases de efeito” reverberadas na
sociedade e repassadas em sites e outros meios de circulação. O que reforça, também, que essas
inserções não legitimam a leitura da obra ou o conhecimento da totalidade do que é dito. Não é
preciso, por exemplo, ler Simone de Beauvoir para sair por aí reafirmando que “não se nasce
mulher, torna-se mulher.”; não há espaço nesses textos para grandes discussões ou para que a
reflexão seja feita a partir do próprio dizer, o que acaba produzindo um efeito de simplificação.
Adiante, constatamos que as maiores recorrências de inserções são feitas por meio de
movimentos de introdução e fechamento de argumentos, o que significa que a argumentação
das redações está, mais uma vez, ao longo dos anos, desenvolvendo uma espécie de necessidade
de uma referência maior e conhecida para garantir sua legitimidade.
Considerando Charaudeau (2009), analisamos a inserção dessas vozes a partir da
lógica argumentativa. Observando a Imagem 6, que sintetiza o que já foi discutido
anteriormente sobre as relações argumentativas, temos que alguns componentes necessários
para constituir a sequência lógica argumentativa versam sobre a asserção de partida, asserção
de passagem e asserção de chegada. Todas as redações analisadas seguem a linearidade de
Tese > Argumentação > Proposta de Intervenção. Essa sequência permitiu que pudéssemos
enxergar mais facilmente às relações argumentativas e à efetivação delas.
89
Para ilustrar o que sugerimos com essa questão, vamos nos ater a dois exemplos de
redações do ano de 2014 sob a proposta de redação “Publicidade infantil em questão no Brasil”.
Para tanto, com base no primeiro exemplo, observamos que a Asserção de partida (A1) da
redação é composta pela citação direta do sociólogo Gilberto Freyre, como destacamos:
A afirmação que inicia o parágrafo deixa claro o teor em que o texto vai se pautar: a forma
como o país trata suas crianças e a relação entre o Estado e a questão a ser analisada. Essa afirmação
é explicada, no mesmo parágrafo, alegando que o sociólogo se refere à relação de cuidado que uma
nação precisa ter com as questões referentes à infância.
O segundo argumento que é utilizado para a sustentação do ponto de vista diz respeito ao
crescimento do país atrelado ao tipo de infância que vem sendo construída, vejamos:
(21) É fundamental pontuar, ainda, que o crescimento do Brasil está atrelado ao tipo que infância que está
sendo construída na atualidade. Essa relação existe porque um país precisa de futuros adultos conscientes,
tanto no que se refere ao consumo, como às questões políticas e sociais, pois a atenção excessiva dada à
publicidade infantil vai gerar adultos alienados e somente preocupados em comprar. (Asserção de passagem)
(22) Assim, a ideia do líder Gandhi de que o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente parece
fazer alusão ao fato de que não é prudente deixar que a publicidade infantil se torne abusiva, pois as crianças
devem lidar da melhor forma com o consumismo. (Asserção de passagem)
90
Baseado nisso, o argumento (asserção de passagem) é sustentado pela conclusão de que hoje
é necessário cuidar das crianças e do que tange à publicidade abusiva para que futuramente elas
sejam consumidores mais conscientes. Notadamente, observamos que a ideia de Gandhi não se
refere diretamente ao tema proposto nem tem relação com a tese elencada. A ideia entra, de forma
análoga, com o intuito maior de que apareça uma “voz conhecida” para compor a sustentação da
argumentação da redação.
Por fim, na proposta de intervenção, em que consideramos A2, há soluções que versam sobre
a atuação do governo frente a essa publicidade excessiva e, também, a uma conscientização que
começa em casa a partir de leituras. Nas conclusões, o candidato fecha seu raciocínio trazendo Platão,
com a citação direta “o importante não é viver, mas viver bem”. Assim como nos outros casos, a
citação não é destrinchada, explicada, mas relacionada de forma análoga e sintética com o contexto,
vejamos:
(23) Dessa forma, é possível perceber que a publicidade infantil excessiva influencia de maneira negativa tanto
a infância em si como também o Brasil. É preciso que o governo atue iminentemente nesse problema através
da aplicação de multas nas empresas de publicidade que ultrapassarem os limites das faixas etárias
estabelecidos anteriormente pelo Ministério da Infância e da Juventude. Além disso, é preciso que essas
crianças sejam estimuladas pelos pais e pelas escolas a terem um maior hábito de ler, através de concessões
fiscais às famílias mais carentes, em livrarias e papelarias, distando um pouco do padrão consumista atual, a
fim de que o Brasil garanta um futuro com adultos mais conscientes. Afinal, como afirmou Platão: “o
importante não é viver, mas viver bem”. (Asserção de chegada)
Essa análise sugere uma escrita delimitada por setores nos quais cada parágrafo que
contém uma voz alheia, sozinho, exerce sua função contextual que poderia ser aplicado em
qualquer outro. Ou seja, a redação é montada por pedaços e não há uma relação lógica entre as
vozes que são inseridas já que elas não se relacionam umas com as outras e não necessariamente
seu conteúdo é, de fato, relacionável com a tese da redação, mas, quase sempre, a relação é feita
pela ideia que se pode abstrair na construção de uma analogia.
Em outro exemplo da mesma proposta de redação, trazemos os trechos de outra
redação. O primeiro argumento é sustentado pelo filósofo Karl Marx, vejamos:
(24) A partir da mecanização da produção, o estímulo ao consumo tornou-se um fator primordial para a
manutenção do sistema capitalista. De acordo com Karl Marx, filósofo alemão do século XIX, para que
esse incentivo ocorresse, criou-se o fetiche sobre a mercadoria: constroi-se a ilusão de que a felicidade
seria alcançada a partir da compra do produto. Assim, as crianças tornaram-se um grande foco das
empresas por não possuírem elevado grau de esclarecimento e por serem facilmente persuadidas a realizarem
determinada ação. (Asserção de passagem)
O argumento diz respeito ao fato de o estímulo ser um fator primordial para a manutenção
do capitalismo e a ideia de Marx também entra como ideia análoga, e não de autoridade no assunto,
91
já que Marx trata do fetiche à mercadoria e não necessariamente da relação entre publicidade abusiva
e o público infantil.
Fato interessante é que, independente da voz em que se faça presente na redação, a proposta
de intervenção versa sobre um mesmo desfecho trazendo os mesmos agentes promotores de solução
com saídas resolutivas muito semelhantes, vejamos:
(25) Logo, o Estado deve estabelecer um limite para os comerciais voltados ao público infantil por meio da
proibição parcial, que estabelece horários de transmissão e faixas etárias. Além disso, o uso de personagens
de desenhos animados em campanhas publicitárias infantis deve ser proibido. Para efetivar as ações estatais,
instituições como a família e a escola devem educar as crianças para consumirem apenas o que é necessário.
Apenas assim o consumo consciente poderá se realizar a médio prazo. (Asserção de chegada)
Esse direcionamento analítico será mais bem explorado no próximo tópico, mas,
adiantamos que nossa sugestão a partir do que foi observado diz respeito ao quanto as assertivas
de passagem que dizem respeito à voz alheia não são desenvolvidas ou melhor utilizadas, mas
apenas encaixadas para a valorização do texto. Isto posto, podemos chegar a outro ponto
intrigante da construção dessas redações: se a lógica argumentativa estabelece que A1, a partir
das assertivas de passagem, deve caminhar para chegar na A2 de forma lógica, é, no mínimo,
chamativo a forma como as propostas de intervenção (A2) são semelhantes e possuem
praticamente o mesmo elemento em todas as redações.
A fim de complementar a análise, fizemos um levantamento das vozes apresentadas no
intuito de fazer uma síntese das mais utilizadas e de quais fazem uma relação mais direta com
o tema abordado.
No que concerne à proposta de redação “Publicidade infantil em questão no Brasil”,
temos as seguintes vozes presentes nos textos analisados: Gilberto Freyre; Gandhi; Platão;
Conforme a OMS; Sérgio Buarque de Hollanda; Karl Marx; Michel Foucault; Pierre Bourdieu.
Na proposta "A Persistência da Violência contra a Mulher na Sociedade Brasileira": o Mapa da
Violência de 2012; Simone de Beauvoir; Émile Durkheim; Oscar Wilde; Sérgio Buarque de
Hollanda; Pierre Bordieu; o Mapa da Violência. Na proposta “Caminhos para combater a
intolerância religiosa no Brasil”: Machado de Assis; Albert Camus; Albert Einstein; Karl Marx;
Paulo Freire; Karl Marx; Gilberto Freyre; Zygmunt Bauman; Zweig; Immanuel Kant; Adorno.
E, por fim, na proposta “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”: Aristóteles;
Machado de Assis; Schopenhauer; Johm Locke; Talcott Parsons; Constituição Cidadã de 1988;
ONU; São Tomás de Aquino; Norberto Bobbio; Claude Lévi-Strauss; Zygmunt Bauman; Helen
Keller.
92
Esse levantamento nos trouxe o dado de que a análise chegou a um total de 30 vozes
encontradas no corpus de nossa pesquisa, conforme descrito anteriormente. Dessas trinta vozes,
a mais utilizada foi a de Karl Marx, seguida de Gilberto Freyre, de Sérgio Buarque de Hollanda,
de Pierre de Bourdieu, do Mapa da Violência e de Machado de Assis. Como dito anteriormente,
a maioria dessas vozes, com algumas poucas exceções, não são de estudiosos dos temas
propostos ou de autores que escrevem ou escreveram sobre esses temas. No que concerne às
vozes que versam diretamente sobre os temas, temos, como exemplo, Simone de Beavouir, que
traz questões sobre as mulheres e foi utilizada em uma redação cujo tema retrata a violência
contra a mulher.
Com base nisso, entendemos que as assertivas de passagem são “encaixadas” pois todas,
independentemente de onde foram inseridas, do tema ou da subjetividade do candidato, se
deslocam para uma mesma formatação conteudística de proposta de intervenção. Ou seja, a
utilização da voz alheia, por exemplo, é introduzida sem critérios fundamentais como a
especialidade no assunto ou o desenvolvimento do dizer, mas como parte de uma lacuna que
precisa ser preenchida, como veremos nas análises do próximo tópico.
Para compor nosso quadro de análise, outro dado que foi encontrado, durante as análises,
diz respeito às propostas de intervenção, aspecto que é solicitado no que concerne a produção das
redações. Nesses trechos que, geralmente, ocupam o último parágrafo das redações, é necessário que
o candidato pense numa solução para o problema em que compete a proposta de redação.
O que se pode observar ao longo da análise de todos os textos é que há uma prevalência de
atribuição de responsabilidade aos governantes em todos os contextos-problemas em que são postos
nas propostas. Quando o texto apresenta mais de um responsável por gerar as soluções, a maior
dívida continua sendo atribuída ao Estado. Essa estratégia, quase sempre atrelada à utilização de
modalizadores, nos chamou atenção por sua recorrência. Vamos observar como isso se dá a partir
de trechos das propostas de intervenção das redações analisadas.
Organizamos a apresentação dos trechos por anos de análise; dessa forma, os próximos
quatro quadros apresentam trechos pertencentes às redações, respectivamente, de 2014, 2015, 2016
e 2017. Em negrito, estão as marcas linguísticas que atestam a estratégia utilizada.
93
R8-2015 O Estado pode contribuir nessa conquista ao investir em ONGs voltadas à defesa dos direitos
femininos e ao mobilizar campanhas e palestras públicas em escolas, comunidades e na mídia,
objetivando a exposição da problemática e o debate acerca do respeito aos direitos femininos
Fonte: Autoria própria.
Quadro 15 – Trechos das propostas de intervenção das redações de 2016
Redação Fragmento da proposta de intervenção
R1-2016 Sendo assim, cabe ao Governo Federal construir delegacias especializadas em crimes de ódio
contra religião, a fim de atenuar a prática do preconceito na sociedade, além de aumentar a pena
para quem o praticar
R2-2016 Torna-se imperativo que o Estado, na figura do Poder Legislativo, desenvolva leis de
tipificação como crime hediondo aos atos violentos e atentados ao culto religioso
R3-2016 Sendo assim, é indispensável a adoção de medidas capazes de assegurar o respeito religioso e o
exercício de denúncia. Posto isso, cabe ao Ministério da Educação, em parceria com o
Ministério da Justiça, implementar aos livros didáticos de História um plano de aula que
relacione a aculturação dos índios com a intolerância religiosa contemporânea, com o fito de
despertar o senso crítico nos alunos; e além disso, promover palestras ministradas por defensores
públicos acerca da liberdade de expressão garantida pela lei para que o respeito às diferentes
posições seja conquistado
R4-2016 Convém, portanto, que, primordialmente, a sociedade civil organizada exija do Estado, por meio
de protestos, a observância da questão religiosa no país. Desse modo, cabe ao Ministério da
Educação a criação de um programa escolar nacional que vise a contemplar as diferenças religiosas
e o respeito a elas, o que deve ocorrer mediante o fornecimento de palestras e peças teatrais que
abordem essa temática
R5-2016 Ao Ministério Público, por sua vez, compete promover ações judiciais pertinentes contra atitudes
individualistas ofensivas à diversidade de crença. Assim, observada a ação conjunta entre população
e poder público, alçará o país a verdadeira posição de Estado Democrático de Direito.
R6-2016 Além disso, é preciso que o poder público busque ser o mais imparcial (religiosamente) possível,
a partir de acordos pré-definidos sobre o que deve, ou não, ser debatido na esfera política e
disseminado para a população
R7-2016 O Estado, nesse contexto, carece de fomentar práticas públicas, tal como a inserção na grade
curricular do conteúdo "Moral e Ética", por meio do engajamento pedagógico às disciplinas de
Filosofia e Sociologia, a fim de que seja debatido a temática do respeito às manifestações religiosas
e que seja ressignificado a mentalidade arcaica no que tange à tolerância às religiões
R8-2016 Então, o governo federal deve deixar obrigatória para todos os colégios (públicos e privados) a
disciplina Ensino Religioso durante o Ensino Fundamental
Fonte: Autoria própria
Quadro 16 – Trechos das propostas de intervenção das redações de 2017
Redação Fragmento da proposta de intervenção
R1-2017 Cabe ao Ministério da Educação criar um projeto para ser desenvolvido nas escolas o qual
promova palestras, apresentações artísticas e atividades lúdicas a respeito do cotidiano e dos direitos
dos surdos. - uma vez que ações culturais coletivas têm imenso poder transformador - a fim de que
a comunidade escolar e a sociedade no geral - por conseguinte - conscientizem-se.
R2-2017 Além disso, é imprescindível que o Poder Público destine maiores investimentos à capacitação
de profissionais da educação especializados no ensino inclusivo e às melhorias estruturais nas
escolas, com o objetivo de oferecer aos surdos uma formação mais eficaz.
95
R3-2017 Por fim, ativistas políticos devem realizar mutirões no Ministério ou na Secretaria de
Educação, pressionando os demiurgos indiferentes à problemática abordada, com o fito de
incentivá-los a profissionalizarem adequadamente os professores – para que todos saibam, no
mínimo, o básico de Libras – e a efetivarem o estudo da Língua Brasileira de Sinais, por meio da
disponibilização de verbas e da criação de políticas públicas convenientes, contrariando a teórica
inclusão da primeira escola de surdos brasileira.
R4-2017 Nesse sentido, urge que o Estado, por meio de envio de recursos ao Ministério da Educação,
promova a construção de escolas especializadas em deficientes auditivos e a capacitação de
profissionais para atuarem não apenas nessas escolas, mas em instituições de ensino comuns
também, objetivando a ampliação do acesso à educação aos surdos, assegurando a estes, por fim, o
acesso a um direito garantido constitucionalmente.
R5-2017 Dessa maneira, é preciso que o Estado brasileiro promova melhorias no sistema público de
ensino do país, por meio de sua adaptação às necessidades dos surdos, como oferta do ensino de
libras, com profissionais especializados para que esse grupo tenha seus direitos respeitados.
R6-2017 Logo, é necessário que o Ministério da Educação, em parceria com instituições de apoio ao
surdo, proporcione a este maiores chances de se inserir no mercado, mediante a implementação
do suporte adequado para a formação escolar e acadêmica desse indivíduo – com profissionais
especializados em atende-lo -, a fim de gerar maior igualdade na qualificação e na disputa por
emprego. É imprescindível, ainda, que as famílias desses deficientes exijam do poder público a
concretude dos princípios constitucionais de proteção a esse grupo, por meio do aprofundamento
no conhecimento das leis que protegem essa camada, para que, a partir da obtenção do saber, esse
empenho seja fortalecido e, assim, essa parcela receba o acompanhamento necessário para atingir a
formação educacional e a contribuição à sociedade.
R7-2017 É fundamental, portanto, a criação de oficinas educativas, pelas prefeituras, visando à
elucidação das massas sobre a marginalização da educação dos surdos, por meio de palestras de
sociólogos que orientem a inserção social e escolar desses sujeitos. Ademais, é vital a capacitação
dos professores e dos pedagogos, pelo Ministério da Educação, com o fito de instruir sobre as
necessidades de tal grupo, como o ensaio em Libras, utilizando cursos e métodos para acolher esses
deficientes e incentivar a sua continuidade nas escolas, a fim de elevar a visualização dos surdos
como membros do corpo social
R8-2017 Para que isso ocorra, o Ministério da Educação e Cultura deve realizar a inserção de deficientes
auditivos nas escolas, por meio da contratação de intérpretes e disponibilização de vagas em
instituições inclusivas, com o objetivo de efetivar a inclusão social dos indivíduos surdos, haja vista
que a escola é a máquina socializadora do Estado
Fonte: Autoria própria.
Destacamos, consoante ao exposto, que na grande maioria dos casos, a atribuição ocorre
de forma direta; entretanto, em algumas ocorrências, a responsabilidade do governo é
perpassada por outros dizeres, como em alguns exemplos em que se define que cabe aos pais
cobrarem do Estado ou, como em outros casos que se referem ao governo a partir de seus
ministérios ou como prefeituras e poderes locais. É importante salientar que, de forma direta
(grande maioria dos casos) ou indireta, há a reverberação dessa responsabilidade em todas as
redações analisadas.
Na R7-2014, por exemplo, a responsabilidade é dividida entre pais e “ações do
governo”; o foco não se estabeleceu num “dever” do Estado, mas, principalmente, na iniciativa.
O que acontece, de igual modo, na R8-2014, que parte da divisão da responsabilidade do
Estado. Nessa, o autor cita os responsáveis pela formação das crianças, além das atribuições do
governo.
Esses dados demonstram que, conforme as reflexões de Adorno (1995), os resultados
estruturais e conteudísticos que se repetem nas redações acabam por ser reverberados ao
provável sucesso do texto. Atribuir a responsabilidade, na grande maioria das vezes de forma
modalizada, ao Estado, nas propostas de intervenção, é o produto que vem ganhando êxito nesse
“comércio”. Assim, essa estrutura parece se cristalizar, ou seja, ganhar forma e força ao longo
dos anos como regra, embora essa atribuição também não seja solicitada nas competências.
Ainda nessa questão, os exemplos que diferem dos demais acabam por nos apontar
possibilidades de inserção dos diferentes também nessas redações modelos. Ou seja, cabe algo
que saia dos padrões que são benquistos, mas, para isso, a mentalidade do aspecto criativo
dentro da escritura das redações precisa ser refletida nos âmbitos preparatórios.
Dentro da questão exposta, que limita uma semelhança unânime nas redações, de
atribuírem responsabilidade ao Estado, apontamos a forma como essa estratégia é
linguisticamente posta. Na maioria dos textos, essa atribuição é feita de forma modalizada, com
uma grande quantidade da utilização, por exemplo, do verbo DEVER. Para entendermos quais
relações pudemos fazer a partir disso, entendamos um pouco a respeito dos modalizadores a
partir de Neves (2006, p. 244), para quem uma das características dos modalizadores
é expressar alguma intervenção do falante na definição da validade e do
valor de seu enunciado: modalizar quanto ao valor de verdade,
modalizar quanto ao dever, restringir o domínio, definir a atitude e, até,
avaliar a própria formulação linguística.
Isso posto, entendemos o que se considera por uma intervenção do falante na definição
da validade/do valor daquilo que é dito por ele. Isso pode definir a expressão discursiva do
falante em seu próprio texto, ou seja, sua posição, sua atitude e as formações de sentido que
97
podem ser retiradas de sua formulação linguística. Por meio de modalizadores, é possível
recuperar posições, opiniões e individualidades únicas e precisas nos textos.
Considerando a utilização dos modalizadores numa óptica que expressa as estratégias
argumentativas, é possível
Considerar a modalização como fenômeno argumentativo é também
reconhecer que a avaliação, ou ponto de vista, expressa pela
modalização ocorre sempre em função da interlocução ou do
interlocutor. Isso significa que, ao realizar uma avaliação, o locutor o
faz em função do outro, deixando pistas do que deseja ou de como quer
que seu discurso seja lido (NASCIMENTO, 2010, p. 32).
O interlocutor deixa, com a utilização dos modalizadores, espécies de pistas para que
seu locutor possa retirar do enunciado aquilo que ele quis dizer ou, de forma mais clara, aquilo
que disse. Essa exposição do ponto de vista, embora pareça em algumas vezes, não tem a
intenção de se mascarar, muito pelo contrário, é feita pensando na leitura e interpretação do
interlocutor de forma que a posição do enunciador seja marcada e explícita.
Vejamos, como exemplo, o Excerto (26):
(26) Logo, o Estado deve estabelecer um limite para os comerciais voltados ao público infantil por meio
da proibição parcial, que estabelece horários de transmissão e faixas etárias.
O exemplo (26) nos mostra claramente que a opção sugere uma ausência de dúvida já
que, buscando a etimologia e o sentido que esse enunciado ganha, é compreensível afirmar que
“o Estado deve” soa como obrigação a que precisa obedecer, e não uma atitude que deixe espaço
para outras opções. Essa questão deixa clara a posição que o enunciador possui diante do
enunciado.
Nas redações que analisamos, essa recorrência é muito constante. O fato de
explicitamente deixar claro o quanto as soluções que constam nessas propostas estão atreladas
ao Estado é replicado anualmente. A solução não abrange grandes discussões e,
independentemente da tese defendida, dos argumentos e de todo o contexto, acabam por se
encaixar em todos os textos.
Sobre os modalizadores encontrados e com base em alguns estudos, como o de
Nascimento (2005), esses modalizadores são divididos em modalização epistêmica, deôntica e
avaliativa. A modalização deôntica é a que vamos nos deter a princípio. Nessa modalização,
“seus modalizadores indicam que o falante considera o conteúdo da proposição como algo que
deve ou precisa ocorrer obrigatoriamente” (NASCIMENTO, 2010, p. 33), que é, exatamente, o
98
que podemos subtrair da posição do modalizador DEVER nas propostas de intervenção e que
mostramos no excerto da R4-2014.
No caso do modalizador DEVER, que aparece em larga escala nas propostas de
intervenção mostradas nos quadros 13, 14, 15 e 16, é passível de interpretação o quão o modo
de obrigatoriedade está instaurado nas posições dos enunciadores. O efeito de sentido que é
provocado pela recorrência dessa utilização é o de que o Estado é o responsável principal, ou o
maior, pelas soluções de todos os problemas que são postos nas propostas de intervenção.
Até em casos em que a obrigatoriedade é dividida ou em que mais sujeitos aparecem
como responsáveis por algum contexto da proposta de intervenção, o Estado ganha o maior
peso. Vejamos no excerto (27):
(27) Deve partir do Governo uma adequação ao projeto pedagógico brasileiro: aulas de filosofia e
sociologia, colocadas na base da escola, ensinariam aos jovens como a mídia de comporta.
Embora nesse exemplo também apareçam os pais ao final, o autor deixa claro que a iniciativa
deve partir do Governo, sugerindo que a maior responsabilidade continua sendo a que reverbera
nossos resultados. Essa constatação também resulta num modo bastante geral de elaborar a
proposta, sem que os candidatos se preocupem em desenvolver as soluções ou explorar as
especificidades de cada uma delas.
Ademais, também percebemos, em número menor de ocorrências, a utilização da
expressão “é necessário” e a utilização do verbo “caber”. Essas ocorrências também partem dos
mesmos pressupostos concluídos com a utilização do verbo “dever”, que ocasionam um efeito
de sentido que reflete a ausência de dúvidas ou a certeza do exposto, ou seja, essas utilizações
reforçam o posicionamento dos autores para a obrigatoriedade de as soluções estarem
destinadas ao Estado.
Vejamos o excerto (28):
(28) Entretanto, é necessário que o Governo reforce o atendimento às vítimas, criando mais delegacias
especializadas, em turnos de 24 horas, para o registro de queixas
(29) Sendo assim, cabe ao Governo Federal construir delegacias especializadas em crimes de ódio contra
religião, a fim de atenuar a prática do preconceito na sociedade, além de aumentar a pena para quem o praticar
alheias por meio do discurso direto, discurso indireto e modalização em discurso segundo
endossam esse resultado que confere uma massificação de escolhas estruturais.
Também não creditamos todas as cristalizações aos Manuais do Candidato uma vez que
as sugestões lá postas não engessam as possibilidades por meio de obrigatoriedades. O caso que
citamos, da utilização da mesma sequência de ideias, que ocorre em todas as redações
analisadas, é compreendido por nós como uma sugestão posta nos manuais. O que é
determinante como critério de obrigatoriedade é a presença dos elementos, mas não na
sequência em que é apresentada, mostrando que as escolhas coletivas também vão formando
essa cristalização ao longo dos anos.
Podemos compreender, olhando para os quadros e interpretando as análises feitas, que
nos dois primeiros anos analisados havia uma padronização, mas esta abria espaço para outras
possibilidades que foram observadas em algumas redações analisadas. Vamos tomar como
exemplo a inserção da voz alheia nas redações de 2014 e 2015, resumidas no Quadro 17.
Quadro 17 – Marcas estruturais das redações nota mil de 2014 e 2015: inserção da voz alheia
Valores obtidos de 8 (oito)
Ocorrência de DD, DI ou Nenhuma ocorrência de DD,
redações de 2014 e 8 (oito)
MDS DI ou MDS
redações de 2015
2014 5 3
2015 4 4
Fonte: Autoria própria.
Por outro lado, as redações dos dois últimos anos analisados se tornaram cada vez mais
engessadas no que diz respeito a todos os aspectos estruturais que concerne às escolhas dos
candidatos, principalmente no que diz respeito à inserção da voz alheia. Vejamos no Quadro
18.
Quadro 18 – Marcas estruturais das redações nota mil de 2016 e 2017: inserção da voz alheia
Valores obtidos de 8 (oito)
Ocorrência de DD, DI ou Nenhuma ocorrência de DD,
redações de 2016 e 8 (oito)
MDS DI ou MDS
redações de 2017
2016 8 0
2017 8 0
Fonte: Autoria própria.
Os quadros nos mostram que as escolhas referentes à forma de inserção da voz alheia
feitas pelos candidatos se massificam ao longo do tempo. Acreditamos que isso corrobora a
hipótese de que a divulgação das redações nota mil, anualmente, é importante para fazer a
101
manutenção das escolhas citadas. Nessa explanação, em 2014 e 2015, a estratégia analisada não
foi unânime entre os candidatos, diferente dos anos 2016 e 2017, nos quais todos optaram por
sua utilização.
Com um olhar um pouco mais refinado sobre nossa discussão teórica, baseada em
Adorno e Horkheimer (1985), essa massificação estrutural se correlaciona de forma direta com
o que refletimos sobre as necessidades que surgem ao longo do tempo como parte importante
do ciclo da Indústria Cultural. Reiterando a relação que estabelecemos, a Indústria Cultural,
nessa perspectiva, é a que reflete um sujeito consumidor dentro de um ciclo em que esse sujeito
passa a consumir e, em determinado momento, passa a sentir necessidade de que esse ciclo se
repita. No entanto, quanto mais ocorre a repetição desse ciclo, menos influenciador dele o
sujeito será, possuindo cada vez menos controle sobre ele e sendo fadado ao confinamento dos
padrões estabelecidos.
Com base na recorrência das escolhas até aqui apontadas, compreendemos que a
recorrência dessas escolhas se desenvolve à medida que vai “dando certo”. Ou seja, essa
estrutura de texto que é estabelecida como modelo vem se erguendo e ganhando um espaço
crucial porque, ao longo do tempo, vem se tornando necessidade para a obtenção da nota
máxima e a cada ano o ciclo que solicita a escrita desses textos modelos vem se firmando.
A massificação para que apontamos, em suma, nos mostra uma cíclica necessidade que
é reforçada anualmente com a nota máxima das redações modelos que têm, em seu conteúdo e
sua estrutura, os aspectos que são previamente esperados. Em outras palavras, a busca por esse
padrão vem ganhando força a partir dos exemplos de textos modelos que não se tornam apenas
um construto de possibilidades, mas um caminho, o que sugerimos quando chamamos as
redações que constam em nosso corpus de muito semelhantes.
No que diz respeito à massificação do conteúdo, vimos que isso versa sobre a
recorrência de utilização de vozes, argumentos, lógica argumentativa e propostas de
intervenção muito semelhantes ou, em alguns casos, paráfrases uma da outra. Algumas
propostas de intervenção, por exemplo, podem ser facilmente trocadas entre as redações com
apenas pequenos ajustes e, ainda assim, os textos continuam fazendo sentido.
Ao nos depararmos com a estratégia de inserção das vozes, que é uma questão
importante em nossas análises, encontrada como sugestão na cartilha do participante,
percebemos o quanto ela é acatada (como mostrado nas análises) e o quanto contribui com
nossa hipótese da massificação. No Quadro 19, as vozes estão distribuídas por entre os temas
das redações que analisamos e nessa divisão, podemos perceber o quanto algumas vozes se
repetem por entre os anos, além de reiterar o que pontuamos nas análises sobre a ausência de
102
vozes especialistas nos temas explicitados. As vozes, portanto, na maioria das vezes, são
genéricas e não ligadas diretamente aos temas.
Quadro 19 – Vozes encontradas nas redações nota mil do ENEM 2014, 2015, 2016 e 2017
Essas afirmações nos colocam em meio a reflexões que versam sobre a formação dos
candidatos ou sobre a facilidade de compor textos tão semelhantes. Isso porque as redações que
compõem nosso corpus são de diversos lugares do país, feitas por candidatos que não
necessariamente estão na mesma faixa etária, nível escolar, condições contextuais semelhantes,
mas que possuem singulares pontos de partida e, provavelmente, têm acesso aos textos modelos,
aos manuais de redação e a outros materiais referentes às redações nota mil, por exemplo.
Essas questões que identificam as regiões em que os candidatos moram ou
características mais pessoais de escrita parecem não surgir nos textos analisados, muito pelo
contrário, em muitos casos, as redações são tão semelhantes que parecem ter sido escritas pelo
mesmo sujeito. Essa percepção é justificada a partir do que tratamos aqui como massificação e
de como os textos são semelhantes não só nas questões estruturais, mas também nas questões
de conteúdo.
104
Quadro 20 – Trechos das propostas de intervenção de redações nota mil dos anos 2014, 2015, 2016 e 2017
repassadas e configuradas como exemplo e caminho. Não se pode, nesse contexto, atribuir
responsabilidades aos candidatos, mas, talvez, gerar reflexões sobre os critérios que envolvem
o contexto de produção.
Essas características foram levantadas e resgatadas das análises anteriores e, aqui, de
forma mais profunda, relacionadas ao objetivo de mostrar em quais aspectos as escolhas
estruturais, conteudísticas e a inserção da voz alheia constituem o que consideramos como
massificação. Essa relação configura os reflexos que podemos notar da massificação dos textos.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
suficiente para que afirmemos a existência de um engessamento maior ao longo dos anos de
forma generalista, notamos, no intervalo de tempo em que nos debruçamos, que isso acontece.
Notamos, ainda, o exposto no que diz respeito à forma de introduzir a voz alheia, visto que as
inserções nos dois primeiros anos analisados são muito semelhantes entre eles, assim como nos
dois últimos também são.
No que concerne ao nosso segundo momento de análise, vimos que a massificação
sugerida é reafirmada pela recorrência da utilização de vozes, argumentos, lógica argumentativa
e composição da proposta de intervenção. No caso das propostas de intervenção, por exemplo,
em todas as redações analisadas notamos a atribuição de responsabilidade ao Estado, além de
outras ocorrências que muito se assemelham ao ponto de que possamos facilmente trocar as
propostas com algumas alterações e garantir que as redações continuem fazendo sentido.
A recorrência da utilização da voz alheia é ponto fundamental para corroborar a hipótese
de massificação uma vez que, na composição das redações, essa estratégia aparece em demasia,
principalmente nas redações dos dois últimos anos que compõem nossas análises, nas quais há
a utilização do recurso em todos os textos. A forma de inserir essas vozes, sempre ancorando
ou fechando um pensamento, também é recorrente e, na maioria das ocorrências, não há uma
explanação, discussão ou explicação do pensamento.
Esse bloco de análise nos permitiu pontuar que as formas de unir, relacionar e
complementar os conteúdos a partir de mecanismos linguísticos seguem um caminho bem
semelhante. Mecanismos que achamos na forma de inserção das vozes, em alguns recursos
utilizados nas propostas de intervenção, além de outras ocorrências ao longo das composições
textuais.
Como consequência dos resultados das análises, concluímos que, a partir de um
refinamento na busca pelas pistas e nos caminhos em que a pesquisa nos levou, observamos
que a massificação da estrutura e do conteúdo que apontamos nos textos se relacionam
diretamente com os estudos de Adorno e Horkheimer (1985), com base no ciclo da Indústria
Cultural. Isso reitera que o ciclo proveniente da Indústria Cultural estabelece uma espécie de
manipulação do indivíduo consumidor uma vez que esse indivíduo já se mantém naquele
determinado ambiente de consumo, consome e, ao longo do tempo, passa a necessitar daquele
tipo de consumo, alimentando e renovando o ciclo. O fato é que a manutenção desse ciclo,
embora pareça, não é controlada pelo sujeito, mas pelos padrões que vão se estabelecendo.
Essas estruturas textuais e, portanto, a forma de inserir e relacionar os conteúdos que
são referenciadas como modelos ao longo dos anos se erguem e ganham um crucial espaço
exatamente pelo fato de que essas construções vêm ganhando um status de necessidade do
108
coletivo já que consideramos o êxito nessas redações como ponto fundamental para grande
parte da população. O que podemos suscitar como determinante de maiores reflexões não é
necessariamente a cristalização que vem tomando forma e se replicando ano após ano, mas a
forma como o produto desse contexto vem ganhando relevância, vem se fortificando e se
tornando cada vez mais um modelo e de que forma essas considerações serão postas em sala de
aula, que intuitos seguirão e como serão gerenciadas ao longo dos anos.
Outras questões foram levantadas a partir do processo de produção do projeto de
pesquisa, no decorrer das análises e, inquietantemente, na finalização da dissertação. Questões
como i) de que forma essa massificação e essa decisão pelas mesmas formas de dizer estão
chegando, por exemplo, ao ensino básico?; ii) como os professores estão lidando com as novas
demandas do Ensino Médio que, nos anos finais, passam a se voltar para uma profunda
preparação para o ENEM, sobretudo, nas aulas de português, para a produção textual do
Exame?; iii) quais são as vozes que sustentam essa hipótese ou de que forma isso pode afetar
negativamente ou positivamente as formas de se ensinar a escrita de textos?.
Muitas são as inquietações resultantes da escrita deste trabalho, uma vez que os
resultados mobilizam outras camadas mais profundas que requerem mais observação para que
sejam acessadas e desenvolvidas. Isso nos impulsiona a sugerir que as reflexões mobilizadas ao
longo desse trabalho e que não foram contempladas possam tornar-se frutos em outras
pesquisas.
Isso nos levou de volta à epígrafe que rege esta dissertação: “a tarefa não é tanto ver
aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo
vê.”, dizer proferido por Arthur Schopenhauer. A relação que estabelecemos com a pesquisa diz
exatamente sobre estarmos imersos nessa Indústria ou, por outro lado, sobre pertencermos de
forma direta ou indireta aos caminhos que nos levam ao Exame Nacional do Ensino Médio.
Essas questões não estão escondidas, muito pelo contrário, são visíveis e, por vezes, levantadas
no meio social, dentro de setores responsabilizados. Nesta pesquisa, tentamos evidenciar essas
questões por uma óptica mais particular e, literariamente, também singular, uma vez que
estamos imersos em nossas próprias subjetividades.
109
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, Lívia Márcia Tiba Rádis. Autoria, discurso e sujeito: uma questão de singularidade
ou originalidade?. Interfaces, Guarapuava, v. 2, n. 2, p.22-30, 2011. Disponível em:
http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/19796/1/2011_art_lmtrbaptista.pdf. Acesso em:
10 jan. 2020.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.308-345:
Cultura brasileira e culturas brasileiras.
CAVALCANTE, Leila Pacheco Ferreira; OLIVEIRA, Ricardo Castro de.; REALI, Aline Maria
de Medeiros Rodrigues.; TANCREDI, Regina Maria Simões Puccinelli. (2006). ENEM 2005
– Pressupostos teóricos desenho metodológico e análise dos resultados. Revista de Ciências
Humanas, 6(2), 309-319.
COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1991. v. 1. 133p.
GERALDI, João Wanderlei. O texto na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Ática, 1999.
GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Org.). Métodos de Pesquisa. Porto
Alegre: Editora da Ufrgs, 2009. 120 p. (Educação a Distância).
GINZBURG, Carlo. Mitti Emblemi Spie: Morfologia e Storia. Torino, Einaudi. Tradução
brasileira: Mitos Emblemas Sinais: Morfologia e História. F. Carotti (trad.). São Paulo:
Companhia das Letras, 1986.
JESUS, Joseilda Martins de. A autoria em redações nota mil no ENEM. In: xix congresso
nacional de linguística e filologia, 2015, Rio de Janeiro. Cadernos do CNLF. Rio de Janeiro:
Cifefil, 2015. v. 11, p. 9-28. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/xix_cnlf/cnlf/11/_Cad_CNLF_XIX_11.pdf#page=9. Acesso em:
21 abr. 2020.
MALDIDIER, Denise. A Inquietação do Discurso: (Re) Ler Michel Pêcheux Hoje. Campinas:
Pontes, 2003.
MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa; o imaginário sobre os comunistas nos jornais. Rio
de Janeiro, Campinas: Revan & Ed. UNICAMP, 1998.
NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do. Jogando com as vozes do outro: a polifonia – recurso
modalizador na notícia jornalística. Tese de Doutorado. em Letras – área de Linguística e
Língua Portuguesa. 183f. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2005.
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP,
2000. Texto e Gramática. São Paulo: Contexto, 2006.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Traduzido por
Eni Pulcinelli Orlandi, Lorenço Chacon J. filho, Manoel Luiz Gonçalves Corrêa e Silvana M.
Serrani, 2. ed., Campinas: Editora da Unicamp, 1995.
PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso. Tradução de Eni Orlandi. In: GADET,
Françoise; HAK, Tony (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra
de Michel Pêcheux. 2 ed. Campinas: Unicamp, 1993. p. 61-161
PÉCORA, Alcir. Problemas de Redação. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 122p.
SILVEIRA, Fernando Lang da; BARBOSA, Marcia Cristina Bernardes; SILVA, Roberto da.
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): uma análise crítica. Revista Brasileira de Ensino
de Física, v. 37, n. 1, p.1101-1 – 1101-5, 2015. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbef/v37n1/1806-1117-rbef-S1806-11173710001.pdf. Acesso em: 10
jan. 2020.
SOARES, Nathalia Maria. A redação na prova do ENEM: uma análise dialógica do discurso.
2014. 145 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Faculdade de Ciências e Letras, Universidade
Estadual Paulista ", Araraquara, 2014. Disponível em: http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-
pos/linguistica_lingua_portuguesa/3111.pdf. Acesso em: 21 abr. 2020.
UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão. Reflexões sobre o estado atual do ensino da língua portuguesa
no 1º e 2º graus. In: Cadernos pedagógicos e culturais, vol.2, 2/3. Niterói: Centro Educacional
de Niterói, mai/dez, 1993, p. 307-16.
112
ANEXOS
ANEXO A - REDAÇÕES NOTA MIL 2014
R1-2014:
Por um bem viver
“O ornamento da vida está na forma como um país trata suas crianças”. A frase do sociólogo Gilberto Freyre
deixa nítida a relação de cuidado que uma nação deve ter com as questões referentes à infância. Dessa forma,
é válido analisar a maneira como o excesso de publicidade infantil pode contribuir negativamente para o
desenvolvimento dos pequenos e do Brasil.
É importante pontuar, de início, que a abusiva publicidade na infância muda o foco das crianças do que
realmente é necessário para sua faixa etária. Tal situação torna essas crianças pequenos consumidores
compulsivos de bens materiais, muitas vezes desapropriados para determinada idade, e acabam por
desvalorizar a cultura imaterial, passada através das gerações, como as brincadeiras de rua e as cantigas. Prova
disso são os dados da UNESCO afirmarem que cerca de 85% das crianças preferirem se divertir com os objetos
divulgados nas propagandas, tornando notório que a relação entre ser humano e consumo está “nascendo”
desde a infância.
É fundamental pontuar, ainda, que o crescimento do Brasil está atrelado ao tipo que infância que está sendo
construída na atualidade. Essa relação existe porque um país precisa de futuros adultos conscientes, tanto no
que se refere ao consumo, como às questões políticas e sociais, pois a atenção excessiva dada à publicidade
infantil vai gerar adultos alienados e somente preocupados em comprar. Assim, a ideia do líder Gandhi de que
o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente parece fazer alusão ao fato de que não é prudente deixar
que a publicidade infantil se torne abusiva, pois as crianças devem lidar da melhor forma com o consumismo.
Dessa forma, é possível perceber que a publicidade infantil excessiva influencia de maneira negativa tanto a
infância em si como também o Brasil. É preciso que o governo atue iminentemente nesse problema através da
aplicação de multas nas empresas de publicidade que ultrapassarem os limites das faixas etárias estabelecidos
anteriormente pelo Ministério da Infância e da Juventude. Além disso, é preciso que essas crianças sejam
estimuladas pelos pais e pelas escolas a terem um maior hábito de ler, através de concessões fiscais às famílias
mais carentes, em livrarias e papelarias, distando um pouco do padrão consumista atual, a fim de que o Brasil
garanta um futuro com adultos mais conscientes. Afinal, como afirmou Platão: “o importante não é viver, mas
viver bem”.
R2-2014:
A publicidade infantil movimenta bilhões de dólares e é responsável por considerável aumento no número de
vendas de produtos e serviços direcionados às crianças. No Brasil, o debate sobre a publicidade infantil
representa uma questão que envolve interesses diversos. Nesse contexto, o governo deve regulamentar a
veiculação e o conteúdo de campanhas publicitárias voltadas às crianças, pois, do contrário, elas podem ser
prejudicadas em sua formação, com prejuízos físicos, psicológicos e emocionais.
Em primeiro lugar, nota-se que as propagandas voltadas ao público mais jovem podem influir nos hábitos
alimentares, podendo alterar, consequentemente, o desenvolvimento físico e a saúde das crianças. Os brindes
que acompanham as refeições infantis ofertados pelas grandes redes de lanchonetes, por exemplo, aumentam
o consumo de alimentos muito calóricos e prejudiciais à saúde pelas crianças, interessadas nos prêmios. Esse
aumento da ingestão de alimentos pouco saudáveis pode acarretar o surgimento precoce de doenças como a
obesidade.
Em segundo lugar, observa-se que a publicidade infantil é um estímulo ao consumismo desde a mais tenra
idade. O consumo de brinquedos e aparelhos eletrônicos modifica os hábitos comportamentais de muitas
crianças que, para conseguir acompanhar as novas brincadeiras dos colegas, pedem presentes cada vez mais
caros aos pais. Quando esses não podem compra-los, as crianças podem ser vítimas de piadas maldosas por
113
parte dos outros, podendo também ser excluídas de determinados círculos de amizade, o que prejudica o
desenvolvimento emocional e psicológico dela.
Em decorrência disso, cabe ao Governo Federal e ao terceiro setor a tarefa de reverter esse quadro. O terceiro
setor – composto por associações que buscam se organizar para conseguir melhorias na sociedade – deve
conscientizar, por meio de palestras e grupos de discussão, os pais e os familiares das crianças para que
discutam com elas a respeito do consumismo e dos males disso. Por fim, o Estado deve regular os conteúdos
veiculados nas campanhas publicitárias, para que essas não tentem convencer pessoas que ainda não têm o
senso crítico desenvolvido. Além disso, ele deve multar as empresas publicitárias que não respeitarem suas
determinações. Com esses atos, a publicidade infantil deixará de ser tão prejudicial e as crianças brasileiras
poderão crescer e se desenvolver de forma mais saudável.
R3-2014:
Criança: futuro consumidor
A propaganda é a principal arma das grandes empresas. Disseminada em todos os meios de comunicação, a
ampla visibilidade publicitária atinge seu principal objetivo: expor um produto e explicar sua respectiva
função. No entanto, essa mesma função é distorcida por anúncios apelativos, que transformam em sinônimos
o prazer e a compra, atingindo principalmente as crianças.
As habilidades publicitárias são poderosas. O uso de ídolos infantis, desenhos animados e trilhas sonoras
induzem a criança a relacionar seus gostos a vários produtos. Dessa maneira, as indústrias acabam
compartilhando seus espaços; como exemplo as bonecas Monster High fazendo propaganda para o fast food
Mc Donalds. A falta de discussão sobre o assunto é evidenciada pelas opiniões distintas dos países. Conforme
a OMS, no Reino Unido há leis que limitam a publicidade para crianças como a que proíbe parcialmente – em
que comerciais são proibidos em certos horários -, e a que personagens famosos não podem aparecer em
propagandas de alimentos infantis. Já no Brasil há a autorregulamentação, na qual o setor publicitário cria
normas e as acorda com o governo, sem legislação específica.
A relação entre pais, filhos e seu consumo se torna conflituosa. As crianças perdem a noção do limite, que lhes
é tirada pela mídia quando a mesma reproduz que tudo é possível. Como forma de solucionar esse conflito, o
governo federal pode criar leis rígidas que restrinjam a publicidade de bens não duráveis para crianças. Além
disso, as escolas poderiam proporcionar oficinas chamadas de “Consumidor Consciente” em que diferenciam
consumo e consumismo, ressaltando a real utilidade e a durabilidade dos produtos, com a distribuição de
cartilhas didáticas introduzindo os direitos do consumidor. Esse trabalho seria efetivo aliado ao diálogo com
os pais.
Sérgio Buarque de Hollanda constatou que o brasileiro é suscetível a influências estrangeiras, e a publicidade
atual é a consequência direta da globalização. Por conseguinte é preciso que as crianças, desde pequenas,
saibam diferenciar o útil do fútil, sendo preparados para analisar informações advindas do exterior no
momento em que observarem as propagandas.
R4-2014:
A Revolução Industrial, ocorrida inicialmente na Inglaterra durante o século XVIII, trouxe a necessidade de
um mercado consumidor cada vez maior em função do aumento de produção. Para isso, o investimento em
publicidade tornou-se um fator essencial para ampliar as vendas das mercadorias produzidas. Na sociedade
atual, percebe-se as crianças como um dos focos de publicidade. Tal prática deve ser restringida pelo Estado
para garantir que as crianças não sejam persuadidas a comprar determinado produto.
não possuírem elevado grau de esclarecimento e por serem facilmente persuadidas a realizarem determinada
ação.
Para atingir esse objetivo, as empresas utilizam da linguagem infantil, de personagens de desenhos animados
e de vários outros meios para atrair as crianças. O Conselho Nacional de Direitos de Criança e do Adolescente
aprovou uma resolução que considera a publicidade infantil abusiva, porém não há um direcionamento
concreto sobre como isso vai ocorrer. É imprescindível uma maior rigidez do Estado sobre as campanhas
publicitárias infantis, pois as crianças farão parte do mercado consumidor e devem ser educadas para se
tornarem consumidores conscientes.
Logo, o Estado deve estabelecer um limite para os comerciais voltados ao público infantil por meio da
proibição parcial, que estabelece horários de transmissão e faixas etárias. Além disso, o uso de personagens
de desenhos animados em campanhas publicitárias infantis deve ser proibido. Para efetivar as ações estatais,
instituições como a família e a escola devem educar as crianças para consumirem apenas o que é necessário.
Apenas assim o consumo consciente poderá se realizar a médio prazo.
R5-2014:
A publicidade infantil tem sido pauta de discussões acerca dos abusos cometidos no processo de disseminação
de valores que objetivam ao consumismo, uma vez que a criança, ao passar pelo processo de construção da
sua cidadania, apropria-se de elementos ao seu redor, que podem ser indesejáveis à manutenção da qualidade
de vida.
O sociólogo Michel Foucault afirma que “nada é político, tudo é politizável, tudo pode tornar-se político”. A
publicidade politiza o que é imprescindível ao consumidor à medida que abarca a função apelativa associada
à linguagem empregada na disseminação da imagem de um produto, persuadindo o público-alvo a adquiri-lo.
Por outro lado, a criança necessita de um espaço que a permita crescer de modo saudável, ou seja, com
qualidade de vida. Os abusos publicitários afetam essa prerrogativa: ao promoverem o consumo exarcebado,
causam dependência material, submetendo crianças a um círculo vicioso de compras, no qual, muitas vezes,
os pais não podem sustentar. A felicidade é orientada para um produto, em detrimento de um convívio social
saudável e menos materialista.
R6-2014:
Desde o fim da Guerra Fria, em 1985, e a consolidação do modelo econômico capitalista, cresce no mundo o
consumismo desenfreado. Entretanto, as consequências dessa modernidade atingem o ser humano de maneira
direta e indireta: através da dependência por compras e impactos ambientais causados por esse ato. Nesse
sentido, por serem frágeis e incapazes de diferenciar impulso de necessidade, as crianças tornaram-se um alvo
fácil dos atos publicitários.
Por ser uma questão de cunho global, as ações de propagandas infantis também são vivenciadas no Brasil.
115
Embora a economia passe por um período de recessão, a vontade de consumir pouco mudou nos brasileiros.
Com os jovens não é diferente, influenciados, muitas vezes, por paradigmas de inferioridade social impostos
tanto pela mídia, quanto pela sociedade, além de geralmente serem desprovidos de uma educação de consumo,
tornam-se adultos desorganizados financeiramente, ao passo que dão continuidade a esse ciclo vicioso.
Diante desse cenário, os prejuízos são sentidos também pela natureza, uma vez que o descarte de materiais
gera poluição e mudança climática na Terra. No entanto, o Brasil carece de medidas capazes de intervir em
ações publicitárias direcionadas àqueles que serão o futuro da nação, hoje, facilmente manipulados e
influenciados por personagens infantis e pela modernização em que passam os produtos. Em outras palavras,
é preciso consumir de maneira consciente desde a infância, para que se construam valores e responsabilidade
durante o desenvolvimento do indivíduo.
Dessa forma, sabe-se que coibir a propaganda voltada ao público infanto-juvenil não é a melhor medida para
superar esse problema. Cabe aos pais, cobrarem ações do governo – criação de leis mais rigorosas – além de
agirem diretamente na formação e educação de consumo dos filhos: impondo limites e dando noções
financeiras ainda enquanto jovens. Ademais, as escolas têm papel fundamental nesse segmento. É
imprescindível, também, utilizar a própria mídia para alertar sobre os problemas ambientais decorrentes do
consumo em larga escala e incentivar o desenvolvimento sustentável.
R7-2014:
Mais família e menos mídia
Em Esparta, importante pólis grega, os meninos eram exaustivamente treinados para serem guerreiros que
defenderiam sua cidade. Hoje, no Brasil, as crianças não tem essa preocupação: crescem e no futuro, podem
escolher suas profissões. Porém, a publicidade infantil tem influenciado, não só este, mais inúmeros outros
aspectos dos jovens, e não deveria.
No Brasil, é comum que se ligue a televisão e esteja passando alguma propaganda com teor apelativo aos
jovens: publicitários usam de inúmeros meios para atrair a atenção das crianças, e conseguem. Estas, cada vez
mais conectadas a todo tipo de mídia, acabam se influenciando pelo que é divulgado na televisão e pedem aos
seus pais que compre o que foi ofertado. O problema é que cabe aos pais escolher qual brinquedo o filho deve
ter, por exemplo, e não ao grande empresário. Este tem como finalidade o lucro, enquanto aqueles querem o
crescimento de seus jovens. Dessa forma, é comum que os donos de empresas criem brinquedos que não têm
a menor intenção de ensinar nada às crianças. Os pais, pelo contrário, tendem a escolher, por exemplo, os
brinquedos que passem a seus filhos conhecimentos que julguem necessários. Com a publicidade infantil, os
empresários tomam para si, funções que cabem aos pais, e por isso este tipo de publicidade deve ter fim.
Muitas pessoas, porém, pensa que esta é uma forma de censura, similar à que Vargas implantou com o
Departamento de Imprensa e Propaganda, mas não é. Crianças ainda estão na fase de aprendizado básico e,
pela falta de maturidade, não desenvolveram censo crítico: ao verem propagandas fantasiosas, acham que o
produto é maravilhoso e desejam adquiri-lo no mesmo instante. Não sabem, porém, que o refrigerante possui
muito corante – e pode desencadear uma alergia, ou que o brinquedo é muito frágil, e logo se quebrará. Os
pais, por esses motivos, não irão comprar os produtos, o que, em muitos casos, deixará o filho desapontado.
Sabendo que as crianças não têm censo crítico para selecionar o que é bom através da publicidade infantil,
observa-se que estas devem ser pouco, ou nada, divulgadas.
Vendo a questão publicitária sob esta ótica, um implemente à lei deve ser colocado em prática. Deve partir do
Governo uma adequação ao projeto pedagógico brasileiro: aulas de filosofia e sociologia, colocadas na base
da escola, ensinariam aos jovens como a mídia de comporta. Com o tempo, e a maturidade, as crianças verão
que os pais estão, na maioria dos casos, corretos na formação que lhe deram. Dessa forma, a sociedade irá
crescer e se desenvolver de forma mais humana e menos financeira.
116
R8-20114:
Amor à venda
A vitória do capitalismo na Guerra Fria gerou muitas consequências para o mundo, sendo uma delas a
competição desenfreada das multinacionais por novos mercados. Um dos principais alvos desse cenário são
as crianças, indivíduos facilmente manipuláveis devido a sua pequena capacidade de julgamento crítico. Sua
inocência é, dessa forma, cruelmente convertida em lucro, fato que não deve ser permitido nem tolerado.
A infância é uma fase de formação e aprendizagem, sendo necessário, portanto, que os bons costumes sejam
cultivados. É, também, uma fase em que tudo é novo e interessante. Dessa forma, os produtos apresentados
em comerciais inevitavelmente seduzirão meninos e meninas que, por sua vez, passarão a pautar sua felicidade
naquilo que podem adquirir.
A ausência cada vez maior dos pais na vida dos filhos é outro fator que torna urgente a intervenção do Estado
nos meios de comunicação. A presença constante o carinho paterno são, hoje, raros às crianças e, cientes
disso, tentam compensar o desfalque lhes dando tudo o que pedem, desde carrinhos de controle remoto a
iPhones. Mal sabem que o que estão fazendo é fomentar uma indústria que, aos poucos, aprisiona seus filhos
ao materialismo e escraviza-os aos gostos do capitalismo.
A proteção das crianças brasileiras quanto às investidas do mercado deve, portanto, ser promovida não apenas
pelo Estado, mas também por aqueles que são responsáveis por sua formação. Ao primeiro cabe apresentar
projetos de lei que limitem o teor persuasivo das propagandas. Sua aprovação contaria com a aprovação da
população. Além disso, disciplinas extras poderiam ser criadas com o respaldo na atual LDB (Lei de Diretrizes
e Bases da Educação), para que houvesse a conscientização desses “pequenos cidadãos” no que se refere a
problemática do consumo excessivo. Vale ainda citar o papel dos pais, aos quais cabe a importante função de
ser um bom exemplo, afinal, a verdadeira felicidade não pode ser mediada por elementos materiais e sim pelo
amor.
Fonte: G1. Leia redações do Enem que tiraram nota máxima no exame de 2014. 2015. Disponível
em: http://g1.globo.com/educacao/enem/2015/noticia/2015/05/leia-redacoes-do-enem-que-tiraram-
nota-maxima-no-exame-de-2014.html. Acesso em: 10 jun. 2019.
117
O Brasil ainda não conseguiu se desprender das amarras da sociedade patriarcal. Isso se dá porque, ainda no século
XXI, existe uma espécie de determinismo biológico em relação às mulheres. Contrariando a célebre frase de Simone
de Beavouir “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, a cultura brasileira, em grande parte, prega que o sexo
feminino tem a função social de se submeter ao masculino, independentemente de seu convívio social, capaz de
construir um ser como mulher livre. Dessa forma, os comportamentos violentos contra as mulheres são
naturalizados, pois estavam dentro da construção social advinda da ditadura do patriarcado. Consequentemente, a
punição para este tipo de agressão é dificultada pelos traços culturais existentes, e, assim, a liberdade para o ato é
aumentada.
Além disso, já o estigma do machismo na sociedade brasileira. Isso ocorre porque a ideologia da superioridade do
gênero masculino em detrimento do feminino reflete no cotidiano dos brasileiros. Nesse viés, as mulheres são
objetificadas e vistas apenas como fonte de prazer para o homem, e são ensinadas desde cedo a se submeterem aos
mesmos e a serem recatadas. Dessa maneira, constrói-se uma cultura do medo, na qual o sexo feminino tem medo
de se expressar por estar sob a constante ameaça de sofrer violência física ou psicológica de seu progenitor ou
companheiro. Por conseguinte, o número de casos de violência contra a mulher reportados às autoridades é
baixíssimo, inclusive os de reincidência.
Pode-se perceber, portanto, que as raízes históricas e ideológicas brasileiras dificultam a erradicação da violência
contra a mulher no país. Para que essa erradicação seja possível, é necessário que as mídias deixem de utilizar sua
capacidade de propagação de informação para promover a objetificação da mulher e passe a usá-la para difundir
campanhas governamentais para a denúncia de agressão contra o sexo feminino. Ademais, é preciso que o Poder
Legislativo crie um projeto de lei para aumentar a punição de agressores, para que seja possível diminuir a
reincidência. Quem sabe, assim, o fim da violência contra a mulher deixe de ser uma utopia para o Brasil.
R2-2015:
Parte desfavorecida
De acordo com o sociólogo Émile Durkheim, a sociedade pode ser comparada a um “corpo biológico” por ser,
assim como esse, composta por partes que interagem entre si. Desse modo, para que esse organismo seja igualitário
e coeso, é necessário que todos os direitos dos cidadãos sejam garantidos. Contudo, no Brasil, isso não ocorre, pois
em pleno século XXI as mulheres ainda são alvos de violência. Esse quadro de persistência de maus tratos com esse
setor é fruto, principalmente, de uma cultura de valorização do sexo masculino e de punições lentas e pouco
eficientes por parte do Governo.
Ao longo da formação do território brasileiro, o patriarcalismo sempre esteve presente, como por exemplo na
posição do “Senhor do Engenho”, consequentemente foi criada uma noção de inferioridade da mulher em relação
ao homem. Dessa forma, muitas pessoas julgam ser correto tratar o sexo feminino de maneira diferenciada e até
desrespeitosa. Logo, há muitos casos de violência contra esse grupo, em que a agressão física é a mais relatada,
correspondendo a 51,68% dos casos. Nesse sentido, percebe-se que as mulheres têm suas imagens difamadas e seus
direitos negligenciados por causa de uma cultural geral preconceituosa. Sendo assim, esse pensamento é passado
de geração em geração, o que favorece o continuismo dos abusos.
Além dessa visão segregacionista, a lentidão e a burocracia do sistema punitivo colaboram com a permanência das
inúmeras formas de agressão. No país, os processos são demorados e as medidas coercitivas acabam não sendo
tomadas no devido momento. Isso ocorre também com a Lei Maria da Penha, que entre 2006 e 2011 teve apenas
33,4% dos casos julgados. Nessa perspectiva, muitos indivíduos ao verem essa ineficiência continuam violentando
118
as mulheres e não são punidos. Assim, essas são alvos de torturas psicológicas e abusos sexuais em diversos locais,
como em casa e no trabalho.
A violência contra esse setor, portanto, ainda é uma realidade brasileira, pois há uma diminuição do valor das
mulheres, além do Estado agir de forma lenta. Para que o Brasil seja mais articulado como um “corpo biológico”
cabe ao Governo fazer parceria com as ONGs, em que elas possam encaminhar, mais rapidamente, os casos de
agressões às Delegacias da Mulher e o Estado fiscalizar severamente o andamento dos processos. Passa a ser a
função também das instituições de educação promoverem aulas de Sociologia, História e Biologia, que enfatizem
a igualdade de gênero, por meio de palestras, materiais históricos e produções culturais, com o intuito de amenizar
e, futuramente, acabar com o patriarcalismo. Outras medidas devem ser tomadas, mas, como disse Oscar Wilde:
“O primeiro passo é o mais importante na evolução de um homem ou nação.”
R3-2015:
Violação à dignidade feminina
Historicamente, o papel feminino nas sociedades ocidentais foi subjugado aos interesses masculinos e tal paradigma
só começou a ser contestado em meados do século XX, tendo a francesa Simone de Beauvoir como expoente.
Conquanto tenham sido obtidos avanços no que se refere aos direitos civis, a violência contra a mulher é uma
problemática persistente no Brasil, uma vez que ela se dá- na maioria das vezes- no ambiente doméstico. Essa
situação dificulta as denúncias contra os agressores, pois muitas mulheres temem expor questões que acreditam ser
de ordem particular.
Com efeito, ao longo das últimas décadas, a participação feminina ganhou destaque nas representações políticas e
no mercado de trabalho. As relações na vida privada, contudo, ainda obedecem a uma lógica sexista em algumas
famílias. Nesse contexto, a agressão parte de um pai, irmão, marido ou filho; condição de parentesco essa que
desencoraja a vítima a prestar queixas, visto que há um vínculo institucional e afetivo que ela teme romper.
Outrossim, é válido salientar que a violência de gênero está presente em todas as camadas sociais, camuflada em
pequenos hábitos cotidianos. Ela se revela não apenas na brutalidade dos assassinatos, mas também nos atos de
misoginia e ridicularização da figura feminina em ditos populares, piadas ou músicas. Essa é a opressão simbólica
da qual trata o sociólogo Pierre Bordieu: a violação aos Direitos Humanos não consiste somente no embate físico,
o desrespeito está –sobretudo- na perpetuação de preconceitos que atentam contra a dignidade da pessoa humana
ou de um grupo social.
Destarte, é fato que o Brasil encontra-se alguns passos à frente de outros países o combate à violência contra a
mulher, por ter promulgado a Lei Maria da Penha. Entretanto, é necessário que o Governo reforce o atendimento
às vítimas, criando mais delegacias especializadas, em turnos de 24 horas, para o registro de queixas. Por outro lado,
uma iniciativa plausível a ser tomada pelo Congresso Nacional é a tipificação do feminicídio como crime de ódio e
hediondo, no intuito de endurecer as penas para os condenados e assim coibir mais violações. É fundamental que o
Poder Público e a sociedade – por meio de denúncias – combatam praticas machistas e a execrável prática do
feminicídio.
R4-2015:
Conserva a Dor
O Brasil cresceu nas bases parternalistas da sociedade europeia, visto que as mulheres eram excluídas das decisões
políticas e sociais, inclusive do voto. Diante desse fato, elas sempre foram tratadas como cidadãs inferiores cuja
vontade tem menor validade que as demais. Esse modelo de sociedade traz diversas consequências, como a
violência contra a mulher, fruto da herança social conservadora e da falta de conscientização da população.
da postura machista da sociedade e a permissão velada para o seu acontecimento. Esses constantes casos são frutos
do pensamento machista que domina a sociedade e descende diretamente do paternalismo em que cresceu a nação.
Devido à postura machista da sociedade, a violência contra a mulher permanece na contemporaneidade, inclusive
dentro do Estado. A mulher é constantemente tratada com inferioridade pela população e pelos próprios órgãos
públicos. Uma atitude que demonstra com clareza esse tratamento é a culpabilização da vítima de estupro que,
chegando à polícia, é acusada de causar a violência devido à roupa que estava vestindo. A violência se torna dupla,
sexual e psicológica; essa, causada pela postura adotada pela população e pelos órgãos públicos frente ao estupro,
causando maior sofrimento à vítima.
O pensamento conservador, machista e misógino é fruto do patriarcalismo e deve ser combatido a fim de impedir
a violência contra aquelas que historicamente sofreram e foram oprimidas. Para esse fim, é necessário que o Estado
aplique corretamente a lei, acolhendo e atendendo a vítima e punindo o violentador, além de promover a
conscientização nas escolas sobre a igualdade de gênero e sobre a violência contra a mulher. Cabe à sociedade civil,
o apoio às mulheres e aos movimentos feministas que protegem as mulheres e defendem os seus direitos, expondo
a postura machista da sociedade. Dessa maneira, com apoio do Estado e da sociedade, aliado ao debate sobre a
igualdade de gênero, é possível acabar com a violência contra a mulher.
R5-2015:
Por um basta na violência contra a mulher
A violência contra a mulher no Brasil ainda é grande. Entretanto, deve haver uma distinção entre casos gerais (que
ocorrem independentemente do sexo da vítima) e casos específicos. Os níveis de homicídios, assaltos, sequestros e
agressões são altos, portanto, o número de mulheres atingidas por esse índice também é grande. Em casos que a
mulher é vítima devido ao seu gênero, como estupros, abusos sexuais e agressões domésticas, as Leis Maria da
Penha e do Feminicídio, aliadas às Delegacias das Mulheres e ao Ligue 180 são meios de diminuir esses casos.
O sistema de segurança no Brasil é falho. Como a violência é alta e existe uma enorme burocracia, os casos
denunciados e julgados são pequenos. Além do mais, muitas mulheres têm medo de seus companheiros ou
dependem financeiramente deles, não contando as agressões que sofrem. Dessa forma, mais criminosos ficam livres
e mais mulheres se tornam vítimas.
Alguns privilégios são necessários para garantir a integridade física e moral da vítima, como a Lei Maria da Penha,
que é um marco para a igualdade de gênero e serve de amparo para todo tipo de violência doméstica e já analisou
mais de 300 mil casos. Há também medidas que contribuem para reduzir assédios sexuais e estupros, como a criação
do vagão feminino em São Paulo e a permissão para que ônibus parem em qualquer lugar durante a noite, desde
que isso seja solicitado por uma mulher.
Também é alarmante os casos que envolvem turismo sexual. Durante a Copa do Mundo de 2014, houve um grande
fluxo de estrangeiros para o Brasil. Muitos vêm apenas para se relacionar com as mulheres brasileiras, algo ilegal,
que que prostituição é crime. Não bastasse, o pior é o envolvimento de menores de idade. Inúmeros motivos
colocam crianças e adolescentes nessa vida, como o abandono familiar, o aliciamento por terceiros e até sequestros.
Portanto, para reduzir drasticamente a violência contra a mulher, deve ocorrer uma intensificação na fiscalização,
através das Leis que protegem as vítimas femininas. No que se refere à punição dos criminosos, deve ocorrer o
aumento das penas ou até atitudes mais drásticas, como a castração química de estupradores (garantindo a
reincidência zero). Para aumentar o número de denúncias, a vítima deve se sentir protegida e não temer nada. Por
isso, mobilizações sociais, através de propagandas e centros de apoio devem ser adotadas. Todas essas medidas
culminariam em mais denúncias, mais julgamentos e mais prisões, além de diminuir os futuros casos, devido às
prisões exemplares.
120
R6-2015:
O feminismo é o movimento que luta pela igualdade social, política e econômica dos gêneros. Hodiernamente,
muitas conquistas em prol da garantia dessas igualdades já foram alcançadas – a exemplo do direito ao voto para as
mulheres, adquirido no Governo Vargas. Entretanto, essas conquistas não foram suficientes para eliminar o
preconceito e a violência existentes na sociedade brasileira.
De acordo com o site “Mapa da Violência”, nas últimas três décadas houve um aumento de mais de 200% nos
índices de feminicídio no país. Esse dado evidencia a baixa eficiência dos mecanismos de auxílio à mulher, tais
como a Secretaria de Políticas para as mulheres e a Lei Maria da Penha. A existência desses mecanismos é de suma
importância, mas suas ações não estão sendo satisfatórias para melhorar os índices alarmantes de agressões contra
o, erroneamente chamado, “sexo frágil.”
Mas, apesar de ser o principal tipo, não é só agressão física a responsável pelas violências contra a mulher. Devido
ao caráter machista e patriarcal da sociedade brasileira, o preconceito começa ainda na juventude, com o tratamento
desigual dado a filhos e filhas – comumente nota-se uma maior restrição para o sexo feminino. Além disso, há a
violência moral, ainda muito frequente no mercado de trabalho. Pesquisas comprovam que, no Brasil, o salário dado
a homens e mulheres é diferente, mesmo com ambos exercendo a mesma função. Ademais, empresas preferem
contratar funcionários do sexo masculino para não se preocuparem com uma possível licença maternidade.
É evidente, portanto, que ainda há entraves para garantir a segurança da mulher brasileira. Desse modo, o Estado
deve, mediante a ampliação da atuação dos órgãos competentes, assegurar o atendimento adequado às vítimas e a
punição correta aos agressores. Além disso, cabe às empresas a garantia de igualdade no espaço laboral, pagando
um salário justo e admitindo funcionários pela sua qualificação, livre de preconceitos. Por fim, é dever da sociedade
o respeito ao sexo feminino, tratando igualmente homem e mulher. Assim, alcançar-se-á uma sociedade igualitária
e de harmonia para ambos os gêneros.
R7-2015:
É inegável o fato de que, na sociedade brasileira contemporânea, a igualdade de gêneros é algo que existe apenas
na teoria. Medidas como a criação da Lei Maria da Penha e da Delegacia da Mulher, apesar de auxiliarem na
fiscalização contra a violência ao sexo feminino e na proteção das vítimas, são insuficientes e pouco eficazes, algo
comprovado através da alta taxa de feminicídios ocorridos em nosso país, além dos enormes índices de relatos de
vítimas de violência.
O aumento notório de crimes contra a mulher realizados na última década deve-se a inúmeros fatores. A completa
burocracia presente nos processos de atendimento às vítimas de estupro, por exemplo, refuta mulheres que
apresentam traumas e não recebem acompanhamento psicológico adequado, sendo orientadas a realizar o exame
de corpo de delito, procedimento, por vezes, invasivo. Além disso, é comum que o relato da vítima tenha sua
veracidade questionada, não recebendo a atenção necessária. Com o afastamento de possíveis denúncias, não há
redução no número de assassinatos e de episódios violentos.
A cultura machista em que estamos inseridos dissemina valores como a culpabilização da vitima: muitas vezes, a
mulher se cala porque pensa que é a culpada pela violência que sofre. Acredita-se, também, que apenas a violência
física e sexual deve ser denunciada, ou que a opressão moral é algo comum. A passividade diante de tais situações
cede espaço para o crescimento de comportamentos violentos dentro da sociedade.
Tendo em vista as causas dos altos índices de violência contra a mulher no Brasil, é necessário que haja intervenção
governamental para aprimorar os órgãos de defesa contra tais crimes, de modo a tornar o atendimento mais rápido
e atencioso. O mais importante, no entanto, é atingir a origem do problema e instituir em escolas aulas obrigatórias
sobre igualdade de gênero, apresentando de forma mais simples conceitos desenvolvidos, por exemplo, por Simone
de Beauvoir, de modo a desconstruir desde cedo ideias preconceituosas que são potenciais estimulantes para futuros
comportamentos violentos.
121
R8-2015:
A submissão da mulher em uma sociedade patriarcalista como a brasileira é um fato que tem origens históricas. Por
todo o mundo, a figura feminina teve seus direitos cerceados e a liberdade limitada devido ao fato de ser considerada
“frágil” ou “sensível”, ainda que isso não pudesse ser provado cientificamente. Tal pensamento deu margem a uma
ampla subjugação da mulher e abriu portas a atos de violência a ela direcionados.
Nessa perspectiva, a sociedade brasileira ainda é pautada por uma visão machista. A liberdade feminina chega a ser
tão limitada ao ponto que as mulheres que se vestem de acordo com as próprias vontades, expondo partes do corpo
consideradas irreverentes, correm o risco de seres violentadas sob a justificativa de que “estavam pedindo por isso”.
Esse pensamento perdura no meio social, ainda que muitas conquistas de movimento feministas – pautados no
existencialismo da filósofa Simone de Beauvoir – tenham contribuído para diminuir a percepção arcaica da mulher
como objeto.
Diante disso, as famílias brasileiras com acesso restrito à informação globalizada ou desavisadas a respeito dos
direitos humanos continuam a pôr em prática atos atrozes em direção àquela que deveria ser o centro de gravitação
do lar. A violência doméstica, em especial física e psicológica, é praticada por homens com necessidade de
autoafirmação ou sob influência de drogas (com destaque para o álcool) e faz milhares de vítimas diariamente no
país. Nesse sentido, a criação de leis como a do feminicídio e Maria da Penha foram essenciais para apaziguar os
conflitos e dar suporte a esse grupo antes marginalizado.
Paralelo a isso, o exemplo dado pelo pai ao violentar a companheira tem como consequência a solidificação desse
comportamento psicológico dos filhos. As crianças, dotadas de pouca capacidade de discernimento, sofrem ao ver
a mãe sendo violentada e têm grandes chances de se tornarem adultos violentos, contribuindo para a manutenção
das práticas abusivas nas gerações em desenvolvimento e dificultando a extinção desse comportamento na
sociedade.
Desde os primórdios, nas primeiras sociedades formadas na Antiguidade até hoje, a mulher luta por liberdade,
representatividade e respeito. O Estado pode contribuir nessa conquista ao investir em ONGs voltadas à defesa dos
direitos femininos e ao mobilizar campanhas e palestras públicas em escolas, comunidades e na mídia, objetivando
a exposição da problemática e o debate acerca do respeito aos direitos femininos. É importante também a criação
de um projeto visando a distribuição de histórias em quadrinhos e livros nas escolas, conscientizando as crianças e
jovens sobre a "igualdade de gênero" de forma interativa e divertida.
Fonte: G1. Redação no Enem: leia textos que tiraram nota mil em 2015. 2016. Disponível em:
https://g1.globo.com/educacao/noticia/leia-redacoes-do-enem-2015-que-tiraram-nota-maxima.ghtml.
Acesso em: 10 jun. 2019.
122
É indubitável que a questão constitucional e sua aplicação estejam entre as causas do problema. Conforme
Aristóteles, a poética deve ser utilizada de modo que, por meio da jsutiça, o equilíbrio seja alcançado na sociedade.
De maneira análoga, é possível perceber que, no Brasil, a perseguição religiosa rompe essa harmonia; haja vista
que, embora esteja previsto na Constituição o princípio da isonomia, no qual todos devem ser tratados igualmente,
muitos cidadãos se utilizam da inferioridade religiosa para externar ofensas e excluir socialmente pessoas de
religiões diferentes.
Infere-se, portanto, que a intolerância religiosa é um mal para a sociedade brasileira. Sendo assim, cabe ao Governo
Federal construir delegacias especializadas em crimes de ódio contra religião, a fim de atenuar a prática do
preconceito na sociedade, além de aumentar a pena para quem o praticar. Ainda cabe à escola criar palestras sobre
as religiões e suas histórias, visando a informar crianças e jovens sobre as diferenças religiosas no país, diminuindo,
assim, o preconceito religioso. Ademais, a sociedade deve se mobilizar em redes sociais, com o intuito de
conscientizar a população sobre os males da intolerância religiosa. Assim, poder-se-á transformar o Brasil em um
país desenvolvido socialmente, e criar um legado de que Brás Cubas pudesse se orgulhar.
R2-2016:
A locomotiva de Marx
De acordo com Albert Camus, escritor argelino do século XX, se houver falhas na conciliação entre justiça e
liberdade, haverá intempéries de amplo espectro. Nesse sentido, a intolerância religiosa no Brasil fere não somente
preceitos éticos e morais, mas também constitucionais estabelecidos pela Carta Magna do país. Dessa forma,
observa-se que a liberdade de crença nacional reflete um cenário desafiador seja a partir de reflexo histórico, seja
pelo descumprimento de cláusulas pétreas.
Mormente, ao avaliar a intolerância religiosa por um prisma estritamente histórico, nota-se que fenômenos
decorrentes da formação nacional ainda perpetuam na atualidade. Segundo Albert Einstein, cientista
contemporâneo, é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito enraizado. Sob tal ótica, é indubitável
que inúmeras ojerizas religiosas, presentes no Brasil hodierno possuem ligação direta com o passado, haja vista os
dogmas católicos amplamente difundidos no Brasil colônia do século XVI. Assim, criou-se ao longo da
historiografia, mitos e concepções deturpadas de religiões contrárias ao catolicismo, religião oficial da época,
instaurou-se, por conseguinte, o medo e as intolerâncias ao diferente. Desse modo, com intuito de atenuar atos
contrários a prática da religiosidade individual, cabe ao governo, na figura do Ministério da Educaçao, a
implementação na grade curricular a disciplina de teorias religiosas, mitigando defeito histórico.
Além disso, cabe ressaltar que a intolerância às crenças burla preceitos constitucionais. Nessa perspectiva, a
Constituição Brasileira promulgada em 1988, após duas décadas da Ditadura Militar, transformou a visão dos
123
cidadãos perante seus direitos e deveres. Contudo, quase 20 anos depois de sua divulgação, a liberdade de diversos
indivíduos continua impraticável. À vista de tal preceito, a intolerância religiosa configura-se uma chaga social que
demanda imediata resolução, pois fere a livre expressão individual. Dessa maneira, cabe ao Estado, como gestor
dos interesses coletivos, a implementação de delegacias especializadas de combate ao sentimento desrespeitoso e,
até mesmo violento, às crenças religiosas.
Destarte, depreende-se que raízes históricas potencializam atos inconstitucionais no Brasil. Torna-se imperativo que
o Estado, na figura do Poder Legislativo, desenvolva leis de tipificação como crime hediondo aos atos violentos e
atentados ao culto religioso. Ademais, urge que a mídia, por meio de novelas e seriados, transmita e propague a
diversidade religiosa, com propósito de elucidar e desmistificar receios populacionais. Outrossim, a escola deve
realizar debates periódicos com líderes religiosos, a fim de instruir, imparcialmente, seus alunos acerca da
variabilidade e tolerância religiosa. Apenas sob tal perspectiva, poder-se-á respeitar a liberdade e combater a
intolerância de crença no Brasil, pois como proferido por Karl Marx: as inquietudes são a locomotiva da nação.
R3-2016:
O Período Colonial do Brasil, ao longo dos séculos XVi e XIX, foi marcado pela tentativa de converter os índios
ao catolicismo, em função do pensamento português de soberania. Embora date de séculos atrás, a intolerância
religiosa no país, em pleno século XXI, sugere as memas conotações de sua origem: imposições de dogmas e
violência. No entanto, a lenta mudança de mentalidade social e o receio de denunciar dificultam a resolução dessa
problemática, o que configura um grave problema social.
Nesse contexto, é importante salientar que, segundo Sócrates, os erros são consequência da ignorância humana,
Logo, é válido analisar que o desconhecimento acerca de crenças diferentes influi decisivamente em
comportamentos inadequados contra pessoas que seguem linhas de pensamento opostas. À vista disso, é
interessante ressaltar que, em algumas religiões, o contato com perspectivas de outras crenças não é permitido.
Ainda assim, conhecer a lei é fundamental para compreender o direito à liberdade de dogmas e, portante, para
respeitar as visões díspares.
Além disso, é cabível enfatizar que, de acordo com Paulo Freire, um seu livro "Pedagogia do Oprimido", é
necessário buscar uma "cultura de paz". De maneira análoga, muitos religiosos, a fim de evitar conflitos, hesitam
em denunciar casos de intolerância, sobretudo quando envolvem violência. Entretanto, omitircrimes, ao contrário
do que se pensa, significa colaborar com a insistência da discriminação, o que funciona como um forte empecilho
para resolução dessa problemática.
Sendo assim, é indispensável a adoção de medidas capazes de assegurar o respeito religioso e o exercício de
denúncia. Posto isso, cabe ao Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Justiça, implementar aos
livros didáticos de História um plano de aula que relacione a aculturação dos índios com a intolerância religiosa
contemporânea, com o fito de despertar o senso crítico nos alunos; e além disso, promover palestras ministradas por
defensores públicos acerca da liberdade de expressão garantida pela lei para que o respeito às diferentes posições
seja conquistado. Ademais, a Polícia Civil deve criar uma ouvidoria anônima, tal como uma delegacia especializada,
de modo a incentivar denúncias em prol do combate à problemática.
R4-2016:
O ser humano é social: necessita viver em comunidade e estabelecer relações interpessoais. Porém, embora
intitulado, sob a perspectiva aristotélica, político e naturalmente sociável, inúmeras de suas antiéticas práticas
corroboram o contrário. No que tange à questão religiosa no país, em contraposição à laicização do Estado, vigora
a intolerância no Brasil, a qual é resultado da consonância de um governo inobservante à Constituição Federal e
uma nação alienada ao extremo.
Não obstante, apesar de a formação brasileira ser oriunda da associação de díspares crenças, o que é fruto da
colonização, atitudes preconceituosas acarretam a incrédula continuidade de constantes ataques a religiões,
principalmente de matriz africana. Diante disso, a união entre uma pátria cujo obsoleto ideário ainda prega a
124
supremacia do cristianismo ortodoxo e um sistema educacional em que o estudo acerca das disparidades religiosas
é escasso corrobora a cristalização do ilegítimo desrespeito à religiosidade no país.
Sob essa conjectura, a tese marxista disserta acerca da inescrupulosa atuação do Estado, que assiste apenas a classe
dominante. Dessa forma, alienados pelo capitalismo selvagem e pelos subvertidos valores líquidos da atualidade,
os governantes negligenciam a necessidade fecunda de mudança dessa distópica realidade envolta na intolerância
religiosa no país. Assim, as nefastas políticas públicas que visem a coibir o vilipêndio à crença – ou descrença, no
caso do ateísmo – alheia, como o estímulo às denúncias, por exemplo, fomentam a permanência dessas incoerentes
práticas no Brasil. Porém, embora caótica, essa situação é mutável.
Convém, portanto, que, primordialmente, a sociedade civil organizada exija do Estado, por meio de protestos, a
observância da questão religiosa no país. Desse modo, cabe ao Ministério da Educação a criação de um programa
escolar nacional que vise a contemplar as diferenças religiosas e o respeito a elas, o que deve ocorrer mediante o
fornecimento de palestras e peças teatrais que abordem essa temática. Paralelamente, ONGs devem corroborar esse
processo a partir da atuação em comunidades com o fito de distribuir cartilhas que informem acerca das alternativas
de denúncia dessas desumanas práticas, além de sensibilizar a pátria para a luta em prol da tolerância religiosa.
R5-2016:
Tolerância na prática
A Constituição Federal de 1988 – norma de maior hierarquia no sistema jurídico brasileiro – assegura a todos a
liberdade de crença. Entretanto, os frequentes casos de intolerância religiosa mostram que os indivíduos ainda não
experimentam esse direito na prática. Com efeito, um diálogo entre sociedade e Estado sobre os caminhos para
combater a intolerância religiosa é medida que se impõe.
Em primeiro plano, é necessário que a sociedade não seja uma reprodução da casa colonial, como disserta Gilberto
Freyre em “Casa-Grande Senzala”. O autor ensina que a realidade do Brasil até o século XIX estava compactada
no interior da casa-grande, cuja religião era católica, e as demais crenças – sobretudo africanas – eram
marginalizadas e se mantiveram vivas porque os negros lhe deram aparência cristã, conhecida hoje por sincretismo
religioso. No entanto, não é razoável que ainda haja uma religião que subjugue as outras, o que deve, pois, ser
repudiado em um estado laico, a fim de que se combata a intolerância de crença.
De outra parte, o sociólogo Zygmunt Bauman defende, na obra “Modernidade Líquida”, que o individualismo é
uma das principais características – e o maior conflito – da pós-modernidade, e, consequentemente, parcela da
população tende a ser incapaz de tolerar diferenças. Esse problema assume contornos específicos no Brasil, onde,
apesar do multiculturalismo, há quem exija do outro a mesma postura religiosa e seja intolerante àqueles que dela
divergem. Nesse sentido, um caminho possível para combater a rejeição à diversidade de crença é descontruir o
principal problema da pós-modernidade, segundo Zygmunt Bauman: o individualismo.
Urge, portanto, que indivíduos e instituições públicas cooperem para mitigar a intolerância religiosa. Cabe aos
cidadãos repudiar a inferiorização das crenças e dos costumes presentes no território brasileiro, por meio de debates
nas mídias sociais capazes de descontruir a prevalência de uma religião sobre as demais. Ao Ministério Público, por
sua vez, compete promover ações judiciais pertinentes contra atitudes individualistas ofensivas à diversidade de
crença. Assim, observada a ação conjunta entre população e poder público, alçará o país a verdadeira posição de
Estado Democrático de Direito.
R6-2016:
Profecia futurística
Em meados do século passado, o escritor austríaco Stefan Zweig mudou-se para o Brasil devido à perseguição
nazista na Europa. Bem recebido e impressionado com o potencial da nova casa, Zweig escreveu um livro cujo
título é até hoje repetido: “Brasil, país do futuro”. Entretanto, quando se observa a deficiência das medidas na luta
contra a intolerância religiosa no Brasil, percebe-se que a profecia não saiu do papel. Nesse sentido, é preciso
entender suas verdadeiras causas para solucionar esse problema.
125
A princípio, é possível perceber que essa circunstância deve-se a questões políticas-estruturais. Isso se deve ao fato
de que, a partir da impunidade em relação a atos que manifestem discriminação religiosa, o seu combate é
minimizado e subaproveitado, já que não há interferência para mudar tal situação. Tal conjuntura é ainda
intensificada pela insuficiente laicidade do Estado, uma vez que interfere em decisões políticas e sociais, como
aprovação de leis e exclusão social. Prova disso, é, infelizmente, a existência de uma “bancada evangélica” no poder
público brasileiro. Dessa forma, atitudes agressivas e segregacionistas devido ao preconceito religioso continuam a
acontecer, pondo em xeque o direito de liberdade religiosa, o que evidencia falhas nos elementos contra a
intolerância religiosa brasileira.
Outrossim, vale ressaltar que essa situação é corroborada por fatores socioculturais. Durante a formação do Estado
brasileiro, a escravidão se fez presente em parte significativa do processo; e com ela vieram as discriminações e
intolerâncias culturais, derivadas de ideologias como superioridade do homem branco e darwinismo social.
Lamentavelmente, tal perspectiva é vista até hoje no território brasileiro. Bom exemplo disso são os índices que
indicam que os indivíduos seguidores e pertencentes das religiões afro-brasileiras são os mais afetados. Dentro dessa
lógica, nota-se que a dificuldade de prevenção e combate ao desprezo e preconceito religioso mostra-se fruto de
heranças coloniais discriminatórias, as quais negligenciam tanto o direito à vida quanto o direito de liberdade de
expressão e religião.
Torna-se evidente, portanto, que os caminhos para a luta contra a intolerância religiosa no Brasil apresentam
entraves que necessitam ser revertidos. Logo, é necessário que o governo investigue casos de impunidade por meio
de fiscalizações no cumprimento de leis, abertura de mais canais de denúncia e postos policiais. Além disso, é
preciso que o poder público busque ser o mais imparcial (religiosamente) possível, a partir de acordos pré-definidos
sobre o que deve, ou não, ser debatido na esfera política e disseminado para a população. Ademais, as instituições
de ensino, em parceria com a mídia e ONGs, podem fomentar o pensamento crítico por intermédio de pesquisas,
projetos, trabalhos, debates e campanhas publicitárias esclarecedoras. Com essas medidas, talvez, a profecia de
Zweig torne-se realidade no presente.
R7-2016:
É notória a necessidade de ir de encontro à intolerância religiosa no país vigente. Diante disso, averigua-se, desde o
período da colonização brasileira, um esforço etnocêntrico de catequização dos indígenas nativos, como forma de
suprimirem suas crenças politeístas. Tal processo de aculturação e subjugo acometeu também os negros africanos,
durante todo contexto histórico de escravidão, os quais foram, não raro, coisificados e abominados por suas religiões
e cultos. Por essa razão, faz-se necessário pautar, no século XXI, o continuismo desse preconceito religioso e dos
desdobramentos dessa faceta caótica.
Segundo Immanuel Kant, em sua teoria do Imperativo Categórico, os indivíduos deveriam ser tratados, não como
coisas que possuem valor, mas como pessoas que têm dignidade. Partindo desse pressuposto, nota-se que a
sociedade brasileira, decerto, tem ido de encontro ao postulado filosófico, uma vez que há uma valoração negativa
às crenças de caráter não tradicionais, conforme a mentalidade arcaica, advinda de uma herança histórico-cultural,
como o Candomblé, o espiritismo e o Islamismo. Tal realidade é ratificada ao se destacar a agressão física e moral
oriunda de um movimento promovido pelo Pastor Lucinho, no Rio de Janeiro, o qual incitou um levante contra a
manifestação religiosa do Candomblé, segundo notícia da Folha de São Paulo. Por essa razão, torna-se inegável a
discriminação velada e, não raro, explícita existente contra às diversas religiões no Brasil.
Como desdobramento dessa temática e da carência de combate às díspares formas de intolerância religiosa, faz-se
relevante ressaltar a garantia de liberdade de culto estabelecida na Constituição de 1988. Nesse sentido, de acordo
com o Artigo 5º da Carta, todos os indivíduos são iguais perante a lei, sem distinção de nenhuma natureza, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de assegurar a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à
segurança. O que se nota, pois, na contemporaneidade, é a inoperância desse direito constitucional e do
cumprimento da laicidade estatal, haja vista a mínima expressividade desse Estado, ainda em vigor, no que tange à
proteção do cidadão e à legitimidade da livre manifestação religiosa no país.
126
Por tudo isso, faz-se necessária a intervenção civil e estatal. O Estado, nesse contexto, carece de fomentar práticas
públicas, tal como a inserção na grade curricular do conteúdo "Moral e Ética", por meio do engajamento pedagógico
às disciplinas de Filosofia e Sociologia, a fim de que seja debatido a temática do respeito às manifestações religiosas
e que seja ressignificado a mentalidade arcaica no que tange à tolerância às religiões. É imperativo, ainda, que a
população, em parceria com as escolas, promovam eventos plurissignificativos e seminários, por meio de
campanhas de caráter popular, para que diversos líderes religiosos orientem os civis, sem tabus e esteriótipos, sobre
suas crenças, de modo a mitigar a intolerância religiosa de modo efetivo. Só assim, o país tornar-se-á mais plural e
justo.
R8-2016:
O Brasil é um país com uma das maiores diversidades do mundo. Os colonizadores, escravos e imigrantes foram
essenciais na construção da identidade nacional, e também, trouxeram consigo suas religiões. Porém, a diversidade
religiosa que existe hoje no país entra em conflito com a intolerância de grande parte da população e, para combater
esse preconceito, é necessário identificar suas causas, que estão relacionadas à criação de estereótipos feita pela
mídia e à herança do pensamento desenvolvido ao longo da história brasileira.
Primeiramente, é importante lembrar que o ser humano é influenciado por tudo aquilo que ouve e vê. Então, quando
alguém assiste ou lê uma notícia sobre políticos da bancada evangélica que são contra o aborto e repudiam
homossexuais, esse alguém tende a pensar que todos os seguidores dessa religião são da mesma maneira. Como já
disse Adorno, sociólogo que estudou a Indústria Cultural, a mídia cria certos esteriótipos que tiram a liberdade de
pensamento dos espectadores, forçando imagens, muitas vezes errôneas, em suas mentes. Retomando o exemplo
dos evangélicos, de tanto que são ridicularizados por seus costumes e crenças na televisão e na internet e pelos
jornais destacarem a opinião de uma parte dos seguidores dessa religião, criou-se um modelo do "típico evangélico",
que é ignorante, preconceituoso e moralista, o que, infelizmente, foi generalizado para todos os fiéis.
Além disso, percebe-se que certos preconceitos estão enraizados no pensamento dos brasileiros há muito tempo.
Desde as grandes navegações, por exemplo, que os portugueses chamavam alguns povos africanos de bruxos. Com
a vinda dos escravos ao Brasil, a intolerância só aumentou e eles foram proibidos de praticarem suas religiões, tendo
que se submeter ao cristianismo imposto pelos colonos. É por isso que as práticas das religiões afro-brasileiras são
vistas como "bruxaria" e "macumba" e seus fieis são os que mais denunciam atos de discriminação (75 denúncias
entre 2011 e 2014).
Portanto, é possível dizer que, mesmo existindo o artigo 208 do código penal, que pune os crimes de intolerância
religiosa, ela ainda é muito presente. Para combatê-la, é preciso acabar com os esteriótipos, ensinando desde cedo a
respeitar todas as religiões. Então, o governo federal deve deixar obrigatória para todos os colégios (públicos e
privados) a disciplina Ensino Religioso durante o Ensino Fundamental. Outro caminho é o incentivo das prefeituras
para que a população conheça as religiões como elas realmente são, e não a imagem criada pela mídia nem aquela
herdada desde a época colonial, promovendo visitas aos centros religiosos, palestras e programas na televisão e no
rádio.
Fonte: G1. Leia redações nota mil do ENEM 2016. 2017. Disponível em:
https://g1.globo.com/educacao/noticia/leia-redacoes-nota-mil-do-enem-2016.ghtml. Acesso em: 10 jun.
2019.
127
Hodiernamente, esse mito assemelha-se à luta cotidiana dos deficientes auditivos brasileiros, os quais buscam
ultrapassar as barreiras as quais os separam do direito à educação. Nesse contexto, não há dúvidas de que a formação
educacional de surdos é um desafio no Brasil o qual ocorre, infelizmente, devido não só à negligência
governamental, mas também ao preconceito da sociedade.
A Constituição cidadã de 1988 garante educação inclusiva de qualidade aos deficientes, todavia o Poder Executivo
não efetiva esse direito. Consoante Aristóteles no livro "Ética a Nicômaco", a política serve para garantir a felicidade
dos cidadãos, logo se verifica que esse conceito encontra-se deturpado no Brasil à medida que a oferta não apenas
da educação inclusiva, como também da preparação do número suficiente de professores especializados no cuidado
com surdos não está presente em todo o território nacional, fazendo os direitos permanecerem no papel.
Outrossim, o preconceito da sociedade ainda é um grande impasse à permanência dos deficientes auditivos nas
escolas. Tristemente, a existência da discriminação contra surdos é reflexo da valorização dos padrões criados pela
consciência coletiva. No entanto, segundo o pensador e ativista francês Michel Foucault, é preciso mostrar às
pessoas que elas são mais livres do que pensam para quebrar pensamentos errôneos construídos em outros
momentos históricos. Assim, uma mudança nos valores da sociedade é fundamental para transpor as barreiras à
formação educacional de surdos.
Portanto, indubitavelmente, medidas são necessárias para resolver esse problema. Cabe ao Ministério da Educação
criar um projeto para ser desenvolvido nas escolas o qual promova palestras, apresentações artísticas e atividades
lúdicas a respeito do cotidiano e dos direitos dos surdos. - uma vez que ações culturais coletivas têm imenso poder
transformador - a fim de que a comunidade escolar e a sociedade no geral - por conseguinte - conscientizem-se.
Desse modo, a realidade distanciar-se-á do mito grego e os Sísifos brasileiros vencerão o desafio de Zeus.
R2-2017:
Na obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o realista Machado de Assis expõe, por meio da repulsa do
personagem principal em relação à deficiência física (ela era “coxa), a maneira como a sociedade brasileira trata os
deficientes. Atualmente, mesmo após avanços nos direitos desses cidadãos, a situação de exclusão e preconceito
permanece e se reflete na precária condição da educação ofertada aos surdos no País, a qual é responsável pela
dificuldade de inserção social desse grupo, especialmente no ramo laboral.
Convém ressaltar, a princípio, que a má formação socioeducacional do brasileiro é um fator determinante para a
permanência da precariedade da educação para deficientes auditivos no País, uma vez que os governantes
respondem aos anseios sociais e grande parte da população não exige uma educação inclusiva por não necessitar
dela. Isso, consoante ao pensamento de A. Schopenhauer de que os limites do campo da visão de uma pessoa
determinam seu entendimento a respeito do mundo que a cerca, ocorre porque a educação básica é deficitária e
pouco prepara cidadãos no que tange aos respeito às diferenças. Tal fato se reflete nos ínfimos investimentos
governamentais em capacitação profissional e em melhor estrutura física, medidas que tornariam o ambiente escolar
mais inclusivo para os surdos.
Em consequência disso, os deficientes auditivos encontram inúmeras dificuldades em variados âmbitos de suas
vidas. Um exemplo disso é a difícil inserção dos surdos no mercado de trabalho, devido à precária educação recebida
por eles e ao preconceito intrínseco à sociedade brasileira. Essa conjuntura, de acordo com as ideias do
contratrualista Johm Locke, configura-se uma violação do “contrato social”, já que o Estado não cumpre sua função
de garantir que tais cidadãos gozem de direitos imprescindíveis (como direito à educação de qualidade) para a
manutenção da igualdade entre os membros da sociedade, o que expõe os surdos a uma condição de ainda maior
exclusão e desrespeito.
128
Diante dos fatos supracitados, faz-se necessário que a Escola promova a formação de cidadãos que respeitem às
diferenças e valorizem a inclusão, por intermédio de palestras, debates e trabalhos em grupo, que envolvam a
família, a respeito desse tema, visando a ampliar o contato entre a comunidade escolar e as várias formas de
deficiência. Além disso, é imprescindível que o Poder Público destine maiores investimentos à capacitação de
profissionais da educação especializados no ensino inclusivo e às melhorias estruturais nas escolas, com o objetivo
de oferecer aos surdos uma formação mais eficaz. Ademais, cabe também ao Estado incentivar a contratação de
deficientes por empresas privadas, por meio de subsídios e Parcerias Público-Privadas, objetivando a ampliar a
participação desse grupo social no mercado de trabalho. Dessa forma, será possível reverter um passado de
preconceito e exclusão, narrado por Machado de Assis e ofertar condições de educação mais justas a esses cidadãos.
R3-2017:
No Brasil, o início do processo de educação de surdos remonta ao Segundo Reinado. No entanto, esse ato não se
configurou como inclusivo, já que se caracterizou pelo estabelecimento de um “apartheid” educacional, ou seja,
uma escola exclusiva para tal público, segregando-o dos que seriam considerados “normais” pela população. Assim,
notam-se desafios ligados à formação educacional das pessoas com dificuldade auditiva, seja por estereotipação da
sociedade civil, seja por passividade governamental. Portanto, haja vista que a educação é fundamental para o
desenvolvimento econômico do referido público e, logo, da nação, ela deve ser efetivada aos surdos pelos agentes
adequados, a partir da resolução dos entraves vinculados a ela.
Sob esse viés, pode-se apontar como um empecilho à implementação desse direito, reconhecido por mecanismos
legais, a discriminação enraizada em parte da sociedade, inclusive dos próprios responsáveis por essas pessoas com
limitação. Isso por ser explicado segundo o sociólogo Talcott Parsons, o qual diz que a família é uma máquina que
produz personalidades humanas, o que legitima a ideia de que o preconceito por parte de muitos pais dificulta o
acesso à educação pelos surdos. Tal estereótipo está associado a uma possível invalidez da pessoa com deficiência
e é procrastinado, infelizmente, desde o Período Clássico grego, em que deficientes eram deixados para morrer por
serem tratados como insignificantes, o que dificulta, ainda hoje, seu pleno desenvolvimento e sua autonomia.
Além do mais, ressalte-se que o Poder Público incrementou o acesso do público abordado ao sistema educacional
brasileiro ao tornar a Libras uma língua secundária oficial e ao incluí-la, no mínimo, à grade curricular pública.
Contudo, devido à falta de fiscalização e de políticas públicas ostensivas por parte de algumas gestões, isso não é
bem efetivado. Afinal, dados estatísticos mostram que o número de brasileiros com deficiência auditiva vem
diminuindo tanto em escolas inclusivas – ou bilíngues -, como em exclusivas, a exemplo daquela criada no Segundo
Reinado. Essa situação abjeta está relacionada à inexistência ou à incipiência de professores que dominem a Libras
e à carência de aulas proficientes, inclusivas e proativas, o que deveria ser atenuado por meio de uma maior gerência
do Estado nesse âmbito escolar.
Diante do exposto, cabe às instituições de ensino com proatividade o papel de deliberar acerca dessa limitação em
palestras elucidativas por meio de exemplos em obras literárias, dados estatísticos e depoimentos de pessoas
envolvidas com o tema, para que a sociedade civil, em especial os pais de surdos, não seja complacente com a
cultura de estereótipos e preconceitos difundidos socialmente. Outrossim, o próprio público deficiente deve alertar
a outra parte da população sobre seus direitos e suas possibilidades no Estado civil a partir da realização de dias de
conscientização na urbe e da divulgação de textos proativos em páginas virtuais, como “Quebrando o Tabu”. Por
fim, ativistas políticos devem realizar mutirões no Ministério ou na Secretaria de Educação, pressionando os
demiurgos indiferentes à problemática abordada, com o fito de incentivá-los a profissionalizarem adequadamente
os professores – para que todos saibam, no mínimo, o básico de Libras – e a efetivarem o estudo da Língua Brasileira
de Sinais, por meio da disponibilização de verbas e da criação de políticas públicas convenientes, contrariando a
teórica inclusão da primeira escola de surdos brasileira.
R4-2017:
A formação educacional de surdos encontra, no Brasil, uma série de empecilhos. Essa tese pode ser comprovada
por meio de dados divulgados pelo Inep, os quais apontam que o número de surdos matriculados em instituições de
129
educação básica tem diminuído ao longo dos últimos anos. Nesse sentido, algo deve ser feito para alterar essa
situação, uma vez que milhares de surdos de todo o país têm o seu direito à educação vilipendiado, confrontando,
portanto, a Constituição Cidadã de 1988, que assegura a educação como um direito social de todo o cidadão
brasileiro.
Em primeira análise, o descaso estatal com a formação educacional de deficientes auditivos mostra-se como um
dos desafios à consolidação dessa formação. Isso porque poucos recursos são destinados pelo Estado à construção
de escolas especializadas na educação de pessoas surdas, bem como à capacitação de profissionais para atenderem
às necessidades especiais desses alunos. Ademais, poucas escolas são adeptas do uso de libras, segunda língua
oficial do Brasil, a qual é primordial para a inclusão de alunos surdos em instituições de ensino. Dessa forma, a
negligência do Estado, ao investir minimante na educação de pessoas especiais, dificulta a universalização desse
direito social tão importante.
Em segunda análise, o preconceito da sociedade com os deficientes apresenta-se como outro fator preponderante
para a dificuldade na efetivação da educação de pessoas surdas. Essa forma de preconceito não é algo recente na
história da humanidade: ainda no Império Romano, crianças deficientes eram sentenciadas à morte, sendo jogadas
de penhascos. O preconceito ao deficiente auditivo, no entanto, reverbera na sociedade atual, calcada na ética
dilitarista, que considera inútil pessoas que, aparentemente menos capacitadas, têm pouca serventia à comunidade,
como é caso de surdos. Os deficientes auditivos, desse modo, são muitas vezes vistos como pessoas de menor
capacidade intelectual, sendo excluídos pelos demais, o que dificulta aos surdos não somente o acesso à educação,
mas também à posterior entrada no mercado de trabalho.
Nesse sentido, urge que o Estado, por meio de envio de recursos ao Ministério da Educação, promova a construção
de escolas especializadas em deficientes auditivos e a capacitação de profissionais para atuarem não apenas nessas
escolas, mas em instituições de ensino comuns também, objetivando a ampliação do acesso à educação aos surdos,
assegurando a estes, por fim, o acesso a um direito garantido constitucionalmente. Outrossim, ONGs devem
promover, através da mídia, campanhas que conscientizem a população acerca da importância do deficiente
auditivo para a sociedade, enfatizando em mostrar a capacidade cognitiva e intelectual do surdo, o qual seria capaz
de participar da população economicamente ativa (PEA), como fosse concedido a este o direito à educação e à
equidade de tratamento, por meio da difusão do uso de libras. Dessa forma, o Brasil poderia superar os desafios à
consolidação da formação educacional de surdos.
R5-2017:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos – promulgada em 1948 pela ONU – assegura a todos os indivíduos
o direito à educação e ao bem-estar social. Entretanto, o precário serviço de educação pública do Brasil e a exclusão
social vivenciada pelos surdos impede que essa parcela da população usufrua desse direito internacional na prática.
Com efeito, evidencia-se a necessidade de promover melhorias no sistema de educação inclusiva do país.
Deve-se pontuar, de início, que o aparato estatal brasileiro é ineficiente no que diz respeito à formação educacional
de surdos no país, bem como promoção da inclusão social desse grupo. Quanto a essa questão, é notório que o
sistema capitalista vigente exige alto grau de instrução para que as pessoas consigam ascensão profissional. Assim,
a falta de oferta do ensino de libras nas escolas brasileiras e de profissionais especializados na educação de surdos
dificulta o acesso desse grupo ao mercado de trabalho. Além disso, há a falta de formas institucionalizadas de
promover o uso de libras, o que contribui para a exclusão de surdos na sociedade brasileira.
Vale ressaltar, também, que a exclusão vivenciada por deficientes auditivos no país evidencia práticas históricas de
preconceito. A respeito disso, sabe-se que, durante o século XIX, a ciência criou o conceito de determinismo
biológico, utilizado para legitimar o discurso preconceituoso de inferioridade de grupos minoritários, segundo o
qual a função social do indivíduo é determinada por características biológicas. Desse modo, infere-se que a
incapacidade associada hodiernamente aos deficientes tem raízes históricas, que acarreta a falta de consciência
coletiva de inclusão desse grupo pela sociedade civil.
130
É evidente, portanto, que há entraves para que os deficientes auditivos tenham pleno acesso à educação no Brasil.
Dessa maneira, é preciso que o Estado brasileiro promova melhorias no sistema público de ensino do país, por meio
de sua adaptação às necessidades dos surdos, como oferta do ensino de libras, com profissionais especializados para
que esse grupo tenha seus direitos respeitados. É imprescindível, também, que as escolas garantam a inclusão desses
indivíduos, por intermédio de projetos e atividades lúdicas, com a participação de familiares, a fim de que os surdos
tenham sua dignidade humana preservada.
R6-2017:
Sob a perspectiva filosófica de São Tomás de Aquino, todos os indivíduos de uma sociedade democrática possuem
a mesma importância, além dos mesmos direitos e deveres. No entanto, percebe-se que, no Brasil, os deficientes
auditivos compõem um grupo altamente desfavorecido no tocante ao processo de formação educacional, visto que
o país enfrenta uma série de desafios para atender a essa demanda. Nesse contexto, torna-se evidente a carência de
estrutura especializada no acompanhamento desse público, bem como a compreensão deturpada da função social
deste.
O filósofo italiano Norberto Bobbio afirma que a dignidade humana é uma qualidade intrínseca ao homem, capaz
de lhe dar direito ao respeito e à consideração por parte do Estado. Nessa lógica, é notável que o poder público não
cumpre o seu papel enquanto agente fornecedor de direitos mínimos, uma vez que não proporciona aos surdos o
acesso à educação com qualidade devida, o que caracteriza um irrespeito descomunal a esse público. A lamentável
condição de vulnerabilidade à qual são submetidos os deficientes auditivos é percebida no déficit deixado pelo
sistema educacional vigente no país, que revela o despreparo da rede de ensino no que tange à inclusão dessa
camada, de modo a causar entraves à formação desses indivíduos e, por conseguinte, sua inserção no mercado de
trabalho.
Além disso, outra dificuldade enfrentada pelos surdos para alcançar a formação educativa se dá pela falta de apoio
enfrentada por muitos no âmbito familiar, causada pela ignorância quanto às leis protetoras dos direitos do
deficiente, que gera uma letargia social nesse aspecto. Esse desconhecimento produz na sociedade concepções
errôneas a respeito do papel social do portador de deficiências: como consequência do descumprimento dos deveres
constitucionais do Estado, as famílias – acomodadas por pouca instrução – alimentam a falsa ideia de que o
deficiente auditivo não tem contribuição significante para a sociedade, o que o afasta da escolaridade e neutraliza a
relevância que possui.
Logo, é necessário que o Ministério da Educação, em parceria com instituições de apoio ao surdo, proporcione a
este maiores chances de se inserir no mercado, mediante a implementação do suporte adequado para a formação
escolar e acadêmica desse indivíduo – com profissionais especializados em atende-lo -, a fim de gerar maior
igualdade na qualificação e na disputa por emprego. É imprescindível, ainda, que as famílias desses deficientes
exijam do poder público a concretude dos princípios constitucionais de proteção a esse grupo, por meio do
aprofundamento no conhecimento das leis que protegem essa camada, para que, a partir da obtenção do saber, esse
empenho seja fortalecido e, assim, essa parcela receba o acompanhamento necessário para atingir a formação
educacional e a contribuição à sociedade.
R7-2017:
Segundo o pensamento de Claude Lévi-Strauss, a interpretação adequada do coletivo ocorre por meio do
entendimento das forças que estruturam a sociedade, como os eventos históricos e as relações sociais. Esse
panorama auxilia na análise da questão dos desafios para a formação educacional dos surdos no Brasil, visto que a
comunidade, historicamente, marginaliza as minorias, o que promove a falta de apoio da população e do Estado
para com esse deficiente auditivo, dificultando a sua participação plena no corpo social e no cenário educativo.
Diante dessa perspectiva, cabe avaliar os fatores que favorecem esse quadro, além de o papel das escolas na inserção
desse sujeito.
Em primeiro plano, evidencia-se que a coletividade brasileira é estruturada por um modelo excludente imposto
pelos grupos dominantes, no qual o indivíduo que não atende aos requisitos estabelecidos, branco e abastado, sofre
131
uma periferização social. Assim, ao analisar a sociedade pela visão de Lévi-Strauss, nota-se que tal deficiente não é
valorizado de forma plena, pois as suas necessidades escolares e a sua inclusão social são tidas como uma obrigação
pessoal, sendo que esses deveres, na realidade, são coletivos e estatais. Por conseguinte, a formação educacional
dos surdos é prejudicada pela negligência social, de modo que as escolas e os profissionais não estão capacitados
adequadamente para oferecer o ensino em Libras e os demais auxílios necessários, devido a sua exclusão, já que
não se enquadra no modelo social imposto.
Outro ponto relevante, nessa temática, é o conceito de Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman, que explica a
queda das atitudes éticas pela fluidez dos valores, a fim de atender aos interesses pessoais, aumentando o
individualismo. Desse modo, o sujeito, ao estar imerso nesse panorama líquido, acaba por perpetuar a exclusão e a
dificuldade de inserção educacional dos surdos, por causa da redução do olhar sobre o bem-estar dos menos
favorecidos. Em vista disso, os desafios para a formação escolar de tais deficientes auditivos estão presentes na
estruturação desigual e opressora da coletividade, bem como em seu viés individualista, diminuindo as
oportunidades sociais e educativas dessa minoria.
Logo, medidas públicas são necessárias para alterar esse cenário. É fundamental, portanto, a criação de oficinas
educativas, pelas prefeituras, visando à elucidação das massas sobre a marginalização da educação dos surdos, por
meio de palestras de sociólogos que orientem a inserção social e escolar desses sujeitos. Ademais, é vital a
capacitação dos professores e dos pedagogos, pelo Ministério da Educação, com o fito de instruir sobre as
necessidades de tal grupo, como o ensaio em Libras, utilizando cursos e métodos para acolher esses deficientes e
incentivar a sua continuidade nas escolas, a fim de elevar a visualização dos surdos como membros do corpo social.
A partir dessas ações, espera-se promover uma melhora das condições educacionais e sociais desse grupo.
R8-2017:
Educação inclusiva
Durante o século XIX, a vinda da Família Real ao Brasil trouxe consigo a modernização do país, com a construção
das escolas e universidades. Também, na época, foi inaugurada a primeira escola voltada para a inclusão social de
surdos. Não se vê, entretanto, na sociedade atual, tal valorização educacional relacionada à comunidade surda, posto
que os embates que impedem sua evolução tornam-se cada vez mais evidentes. Desse modo, os entraves para a
educação de deficientes auditivos denotam um país desestruturado e uma sociedade desinformada sobre sua
composição bilíngue.
A princípio, a falta de profissionais qualificados dificulta o contato do portador de surdez com a base educacional
necessária para a inserção social. O Estado e a sociedade moderna têm negligenciado os direitos da comunidade
surda, pois a falta de intérpretes capacitados para a tradução educativa e a inexistência de vagas em escolas inclusivas
perpetuam a disparidade entre surdos e ouvintes, condenando os detentores da surdez aos menores cargos da
hierarquia social. Lê-se, pois, é paradoxal que, em um Estado Democrático, ainda haja o ferimento de um direito
previsto constitucionalmente: o direito à educação de qualidade.
Além disso, a ignorância social frente à conjuntura bilíngue do país é uma barreira para capacitação pedagógica do
surdo. Helen Keller – primeira mulher surdo-cega a se formar e tornar-se escritora – definia a tolerância como maior
presente de uma boa educação. O pensamento de Helen não tem se aplicado à sociedade brasileira, haja vista que
não se tem utilizado a educação para que se torne comum aos cidadãos a proximidade com portadores de deficiência
auditiva, como aulas de Libras, segunda língua oficial do Brasil. Dessa forma, torna-se evidente o distanciamento
causado pela inexperiência dos indivíduos em lidar com a mescla que forma o corpo social a que possuem.
Infere-se, portanto, que é imprescindível a mitigação dos desafios para a capacitação educacional dos surdos. Para
que isso ocorra, o Ministério da Educação e Cultura deve realizar a inserção de deficientes auditivos nas escolas,
por meio da contratação de intérpretes e disponibilização de vagas em instituições inclusivas, com o objetivo de
efetivar a inclusão social dos indivíduos surdos, haja vista que a escola é a máquina socializadora do Estado.
Ademais, a escola deve preparar surdos e ouvintes para a convivência harmoniosa, com a introdução de aulas de
Libras na grade curricular, a fim de uniformizar o laço social e, também, cumprir com a máxima de Nelson Mandela
132
que constitui a educação como segredo para transformar o mundo. Poder-se-á, assim, visar a uma educação, de fato,
inclusiva no Brasil.
Fonte: G1. Enem 2017: leia redações nota mil. 2018. Disponível em:
https://g1.globo.com/educacao/noticia/leia-redacoes-nota-mil-do-enem-2017.ghtml. Acesso em: 10 jun.
2019.