9 Diná Tese
9 Diná Tese
9 Diná Tese
Florianópolis
2021
Diná Souza da Silva
Florianópolis
2021
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.
Inclui referências.
O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora
composta pelos seguintes membros:
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado
adequado para obtenção do título de doutor em Linguística.
A Deus, pelo dom da vida, por me sustentar e me guardar sob suas mãos, por ser presente nos
meus dias e me fazer senti-Lo através de minha fé!
Aos meus pais, José da Silva e Maria do Socorro de Souza da Silva, que me deram a vida e,
que, lutam, vibram, sentem, oram, agradecem e sorriem por mim todos os dias. Souberam
fazer de mim uma pessoa forte, disposta a enfrentar os obstáculos e conseguiram me fazer
sentir feliz e realizada. A vocês, minha eterna gratidão.
Aos meus irmãos, Débora, Daniele, Daniel, Dulcicleide e David pelo amor incondicional, e
por entenderem a minha ausência, por vibrarem com minhas vitórias e serem ombro amigo,
nas dificuldades.
Aos meus sobrinhos e sobrinhas, Gustavo, Gabriel, Ana Júlia, Ana Laís, Lívia Raquel, Maria
Valentina, Lola Maria e Dora por me fazerem feliz e sorrir sempre que os dias pareciam
nublados.
Ao meu amor, Antônio Nelson Moreno pela compreensão, em razão da minha ausência, do
meu silêncio, desassossego e cansaço durante esta etapa da minha vida.
Aos meus familiares pelas orações e palavras de ânimo constantes em minha vida.
À Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por ter concedido a mim a oportunidade
de contribuir com a academia, através do meu trabalho.
Aos colegas que compuseram as incursões a Várzea Queimada (Jaicós-Pi) em 2017, 20219 e
2021: Anderson Almeida da Silva, Natália de Almeida Simeão, Antônio Nelson Teixeira
Moreno, Kelly Samara Pereira Lemos, João Cunha e Silva Neto, Andrew Ira Nevins, Iago
Pedro Pires, Carlos Douglas Carvalho de Macedo, Diane Stoianov, Telma Franco, Bruna
Rodrigues da Silva, Nadia Fernanda Martins de Araujo.
À Banca, às professoras Dr.ª Cristine Gorski Severo (Presidente da Banca), Dr.ª Marianne
Rossi Stumpf, Dr.ª Bruna Crescêncio Neves e aos professores Dr. Anderson Almeida da Silva
e Dr. Andrew Nevins que gentilmente aceitaram o convite para compor a Banca de Avaliação
da minha tese, e deram valorosa contribuição para o seu enriquecimento.
Aos queridos colegas da Faculdade de Educação Ciências e Letras de Iguatu (Fecli – UECE)
pelo apoio e compreensão durante esta jornada, e em especial aos amigos do Curso de Letras
que comigo partilharam angústias, alegrias e incertezas.
Aos amigos de perto, agradeço a mão estendida, as madrugadas de estudo, os sorrisos que
colocaram em meus lábios, em meio às lágrimas, pela força, e, principalmente, por me
fazerem acreditar no meu potencial.
Aos amigos distantes, Carla Silva, Regina Araújo e Daiana Amaral obrigada pelas ligações,
mensagens e e-mails, que, coincidentemente, chegavam a mim, quando eu mais precisava.
Aos meus pets, Malu, Xuxa e Bombom por trazerem a paz, a calmaria e leveza a minha
vida!!!
Pode-se ter ou imaginar a fala sem um corpo, mas não se pode ter uma língua de sinais sem
um corpo. O corpo e a alma do usuário dessa língua, sua identidade humana única,
expressam-se continuamente no ato de comunicar-se (SACKS, 1998, p. 134).
RESUMO
In this research, I present two Brazilian communities, Várzea Queimada (Jaicós – PI) and
Caiçara (Várzea Alegre – CE), to then describe the profile of some of their deaf people, showing
how the relationships between the deaf and with the deaf support the use of a sign language,
typical of the aforementioned communities. The theme of this thesis is, on the one hand, the
interrelationship between deaf and hearing people as the basis that sustains a sign language and,
on the other, the intersection between gestures and signs. Thus, our main objective is to
inventory two emerging sign languages used in Várzea Queimada (Jaicós – PI) and Caiçara
(Várzea Alegre – CE). And, based on the proposed main objective, we have the following
specific objectives: a) Identify the relationships between signers in the communities of Várzea
Queimada and Caiçara; b) Show sociolinguistic aspects such as attitude and linguistic
transmission in the researched communities. c) Map the signs used by the deaf in the
aforementioned locations; d) Record the signs used by the deaf in Várzea Queimada and
Caiçara; and e) Analyze signs with specific characteristics to the investigated communities.
Regarding the research methodology, this work was developed taking into account the
methodological approach proposed by the Research and Documentation Guide for the INDL
published in 2014. In this research, we present the different forms of constitution of an
inventory and the methodological paths for carrying out the documentation and organization of
the data, making it clear that the proposal for identifying languages is structured around three
dimensions: (a) knowledge production: bibliographic or field research actions; (b)
documentation: broad record of the language and (c) social mobilization: involvement of the
language speakers of other strategic actors in the inventory process. As a result, we present
linguistic and sociolinguistic contributions relevant to issues related to emerging sign languages
in Brazil, their use and registration. The survey now carried out points to approximately twenty-
one sign languages used by deaf communities and isolated communities in Brazil, identified in
rural areas and in indigenous communities. It was also found that deaf people are motivating
users of these signs and hearing people, favorable users, who get used to using each of these
signed communication systems. In view of the above, it is necessary to insert the emerging sign
languages mentioned here on the map, as well as the hundreds of languages still hidden by the
majority representation of a monolingual country, that is, by the idea that we only speak
Portuguese. Perhaps this is the more significant possibility, in the medium term, to achieve
recognition of these languages as cultural heritage.
Keywords: Sign languages. Emerging Sign Languages. Scene. Sign Language of Caiçara.
Inventory.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Casamento religioso com interpretação da Libras para Língua de Sinais Caiçara
................................................................................................................................................ 23
Figura 02 – SINAL: CASA (em Libras, sinal considerado icônico) ..................................... 50
Figura 03 – SINAL: QUERER (em Libras, sinal considerado arbitrário) ............................. 50
Figura 04 – SINAL: TELEFONAR (em Libras, sinal considerado icônico)......................... 51
Figura 05 – SINAL: NÃO-TER (em Libras, sinal considerado arbitrário) ........................... 51
Figura 06 – SINAIS: ABRIL E APAGAR (mesma configuração de mão) ........................... 53
Figura 07 – SINAL: TER (ponto de articulação no corpo do sinalizante) ............................ 54
Figura 08 – SINAL (pessoa) PROCURAR (ponto de articulação fora do corpo do sinalizante)
................................................................................................................................................ 54
Figura 09 – SINAL: DANÇAR (rapidamente) ...................................................................... 55
Figura 10 – SINAL: CURSO ................................................................................................. 55
Figura 11 – SINAL: ACHAR (opinião) ................................................................................. 55
Figura 12 – SINAL: APRESENTAR..................................................................................... 56
Figura 13 – SINAL: SILÊNCIO ............................................................................................ 57
Figura 14 – SINAL: CALAR BOCA ..................................................................................... 57
Figura 15 – Expressões faciais de tristeza, raiva e surpresa. ................................................. 58
Figura 16 – SINAL: SÁBADO (ponto de articulação: frente à boca) ................................... 59
Figura 17 – SINAL: (pessoa) PASSAR. ................................................................................ 60
Figura 18 – Tipologia............................................................................................................. 64
Figura 19 – As disciplinas base da tipologia de língua de sinais. .......................................... 66
Figura 20 – Alfabeto manual produzido por uma Surda. ....................................................... 70
Figura 21 – Alfabeto manual da Língua de Sinais Pataxó. .................................................... 72
Figura 22 – Surdos da ilha de Martha's Vineyard demonstrando a MVSL (Martha´s Vineyard
Sign Language).. .................................................................................................................... 78
Figura 23 – Foto antiga de Martha´s Vineyard (sem data) ................................................... 79
Figura 24 – Martha´s Vineyard em 2018. .............................................................................. 80
Figura 25 ― Visão geral das Línguas de Sinais Rurais (SLs). .............................................. 86
Figura 26 – Princípios gerais da iconicidade ......................................................................... 92
Figura 27 – Uso do chão como recurso na língua de sinais emergente de Soure ................. 95
Figura 28 – Numerais da Língua de sinais Pataxó ................................................................. 96
Figura 29 – Numerais para quantidades em Libras (pessoas, coisas, animais)...................... 96
Figura 30 – Número 07 (Língua de Sinais Emergente de Porto de Galinhas) ....................... 96
Figura 31 – Sinais de VERÃO e INVERNO na LS de Pataxó .............................................. 97
Figura 32 – Sinais de Domingo e segunda-feira na LS de Pataxó ......................................... 98
Figura 33 – Sinal de ÁRVORE (Surdos Kaingang; Guarani, Terena e Pataxó) ................... 99
Figura 34 – Sinal Casa/OCA (Indígena) ................................................................................ 99
Figura 35 – ‘Para frente’ e ‘Para trás’ ou o ‘Sucessor’ e ‘Antecessor’ na Língua de Sinais Cena
................................................................................................................................................ 100
Figura 36 – Sinais de Agosto, Setembro e Dezembro (da esquerda para direita) ................. 101
Figura 37 – Mapeamento das Línguas de Sinais brasileiras ................................................. 108
Figura 38 – Sinal de árvore em Libras ................................................................................... 114
Figura 39 – Sinal árvore x imagem árvore ............................................................................ 115
Figura 40 – Sinal de Urso seguido de uma DI ...................................................................... 117
Figura 41 – DI do Sistema Solar ........................................................................................... 118
Figura 42 – Exemplo de TL .................................................................................................. 118
Figura 43 – Sinal Rico ........................................................................................................... 119
Figura 44 – TI do Aparelho reprodutor feminino .................................................................. 120
Figura 45 – Sinais com alto grau de iconicidade ................................................................... 122
Figura 46 – Modelo de construção analógico de Taub .......................................................... 123
Figura 47 – Imagem de uma Araucária .................................................................................. 125
Figura 48 – Sinalização. ......................................................................................................... 125
Figura 49 – Imagem de uma árvore em 3D. .......................................................................... 126
Figura 50 – Sinalização de ÁRVORE em 3D. ....................................................................... 126
Figura 51– Imagem de quatro árvores. .................................................................................. 126
Figura 52 – Sinalização da imagem de 04 árvores................................................................. 126
Figura 53 – Árvore com vento ............................................................................................... 126
Figura 54 – Sinalização da imagem de uma árvore ao vento................................................. 126
Figura 55 – Árvore no Crepúsculo......................................................................................... 127
Figura 56 – Sinalização de uma árvore com galhos retorcidos.............................................. 127
Figura 57 – Sinais com a Configuração de mão em “pinçar” ................................................ 128
Figura 58 – Mapa do Estado do Piauí ................................................................................... 146
Figura 59 – Placa indicativa do povoado de Várzea Queimada ........................................... 147
Figura 60 – Foto de uma rua de Várzea Queimada................................................................ 147
Figura 61 – Registro de uma casa em Várzea Queimada ..................................................... 148
Figura 62 – Fogão a lenha em Várzea Queimada. ................................................................. 149
Figura 63 – Recorte do Mapa de Várzea Alegre – CE a partir do IBGE (2010) .................. 150
Figura 64 – Registro de uma casa de um surdo com deficiência intelectual ......................... 151
Figura 65 – Crianças participando do momento de visita a Toca (Várzea Queimada) ........ 155
Figura 66 – Censo 01- surdos de Várzea Queimada (realizado entre 2019 e 2021) .............. 154
Figura 67 – Censo preliminar de Caiçara (realizado entre 2019 e 2021) .............................. 156
Figura 68 – Vocabulário básico segundo Swadesh (cf. Campbell, 1998) ............................ 160
Figura 69 – Modelos de Imagens utilizadas na Coleta de dados em Caiçara ........................ 162
Figura 70 – Cartões com cenas para serem colocadas na ordem (utilizados em Caiçara). .... 163
Figura 71 – Coleta de dados a partir da apresentação de cartões com imagens ilustrativas .. 163
Figura 72 – Outros recursos utilizados. ................................................................................. 164
Figura 73 – Conversas informais para coleta de dados em Várzea Queimada ..................... 165
Figura 74 – Contação de Narrativa (Tom e Jerry). ................................................................ 165
Figura 75 – Toca da Possibilidades (Várzea Queimada). ...................................................... 168
Figura 76 – Reunião com os surdos na Toca. ........................................................................ 169
Figura 77 – Registro da produção do Retrato Biográfico de Elizabete (surda de Várzea
Queimada) ............................................................................................................................ 169
Figura 78 – Registro da produção do retrato Biográfico da surda Rita (Caiçara).................. 170
Figura 79 – Metadados LS Caiçara. ....................................................................................... 174
Figura 80 – Mapa das três principais vizinhanças dos surdos da Várzea Queimada. ............ 179
Figura 81 – Mapa das principais residências dos surdos em Caiçara (Várzea Alegre – CE).179
Figura 82 – Exemplo de escrita na palma da mão– LS Caiçara ............................................ 185
Figura 83 – Exemplo de Contagem (quantidade) em LS Caiçara .......................................... 186
Figura 84 – Sinalização utilizando outras partes do corpo: perna e pé .................................. 187
Figura 85 – Número 08 em Língua de Sinais Cena ............................................................... 188
Figura 86 – Número 10 em Língua de Sinais Cena ............................................................... 188
Figura 87 – Sinal de DOMINGO em Língua de Sinais Cena ................................................ 189
Figura 88 – Sinal de SÁBADO em Língua de Sinais Cena ................................................... 189
Figura 89 – SINAL de TRABALHAR geral em Língua de Sinais Cena .............................. 190
Figura 90 – Sinal de Trabalhar na roça em Língua de sinais Cena ........................................ 190
Figura 91 – Sinal CASA (Cena e também em Libras) ........................................................... 191
Figura 92 – SINAL MANHÃ com expressão-corporal-intensidade – Língua de Sinais Cena
................................................................................................................................................ 191
Figura 93 – Sinal MUITO_quantidade (Cena) ...................................................................... 192
Figura 94 – SINAL DE LONGE em Língua de Sinais Cena................................................. 192
Figura 95 – Sinal de SEGUNDA E QUARTA na Língua de Sinais Caiçara ........................ 197
Figura 96 – Sinal SEMANA na Língua de Sinais Caiçara .................................................... 198
Figura 97 – Sinal ÁRVORE na Língua de Sinais Caiçara ..................................................... 198
Figura 98 – Imagem de Juremas ........................................................................................... 199
Figura 99 – Sinal de CASA na Língua de Sinais Caiçara ...................................................... 199
Figura 100 – Pronome interrogativo geral utilizado na LS Caiçara e na Cena ..................... 204
Figura 101 – Sinal QUAL (LS Caiçara) ............................................................................... 204
Figura 102 – Sinal QUEM (LS Caiçara) ............................................................................... 205
Figura 103 – Sinal POR QUE (LS Caiçara E Cena) ............................................................. 205
Figura 104 – Sinal EU (LS Caiçara e em Cena) .................................................................... 206
Figura 105 – Sinal VOCÊ (LS Caiçara e Cena) .................................................................... 206
Figura 106 – sinal EL@ (LS Caiçara e Cena) ...................................................................... 207
Figura 107 – Sinal NÓS-2 Cena ........................................................................................... 207
Figura 108 – Sinal MEU ou MINHA em Cena .................................................................... 208
Figura 109 – Sinal MANHÃ (Cena) ..................................................................................... 208
Figura 110 – Sinal MEIO_DA_MANHÃ em Cena .............................................................. 209
Figura 111 – Sinal MEIO-DIA (Cena) ................................................................................. 209
Figura 112 – Sinal de Tarde (Cena) ...................................................................................... 210
Figura 113 – Sinal em Libras para MENTE ......................................................................... 211
Figura 114 – Sinal PENSAR em CENA e na LS Caiçara .................................................... 212
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 20
2 COMUNICAÇÃO, LINGUAGEM E LÍNGUA: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E
CIÊNCIA LINGUÍSTICA ................................................................................................ 29
2.1 COMUNICAÇÃO HUMANA........................................................................................... 29
7.1.1 Conhecendo um pouco mais sobre Várzea Queimada: vida, costumes e tradições
................................................................................................................................................ 145
7.1.2 Conhecendo um pouco mais sobre Caiçara: seus valores e tradições .................... 150
7.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA ................................................................................ 152
8.6.1 Questões linguísticas preliminares sobre a Língua de Sinais de Caiçara .............. 193
8.7 CONHECENDO A CENA E A LS CAIÇARA A PARTIR DA LISTA DE SWADESH:
DIFERENÇAS DE SINAIS NAS LOCALIDADES ............................................................. 200
1 INTRODUÇÃO
No Brasil de hoje são falados por volta de 210 idiomas. As nações indígenas do país
falam cerca de 180 línguas, chamadas de autóctones, como o guarani, o tikuna, o
yanomami, o kaingáng; e as comunidades de descendentes de imigrantes, cerca de
outras 30 línguas, chamadas de alóctones, como o alemão, o italiano, o japonês, o
árabe, o polonês. As línguas africanas, embora formalmente extintas, sobrevivem no
léxico e em práticas sociais diversificadas dos descendentes dos antigos escravos. O
Brasil é, portanto, como a maioria dos países do mundo, plurilíngue e multicultural
(OLIVEIRA, 2003, p. 7).
1
O texto da presente Declaração foi inicialmente produzido no âmbito do PEN Internacional (Associação
Mundial de Escritores) e depois com o apoio de outras organizações, tendo contado com o patrocínio da
UNESCO. As instituições e organizações não governamentais signatárias da presente Declaração Universal dos
Direitos Linguísticos, reunidas em Barcelona de 6 a 9 de junho de 1996 (OLIVEIRA, 2003).
2
De acordo com o Site da Confederação Brasileira de Desporto Surdo (CBDS), dados obtidos em 2011 revelam
a existência de 135 Associações de Surdos no Brasil. Disponível em http://cbds.org.br/cbds/entidades-filiadas,
acessado em 20 de maio de 2021.
21
mergulhada em uma comunidade e cultura muito diferentes daquelas com as quais estava
acostumada a conviver. Todos estes fatos aconteceram no final da década de 1990. Naquela
época, no município citado, não existiam escolas para surdos, tampouco os surdos sabiam o que
era um “Tradutor Intérprete de Línguas de Sinais”, só sabiam que em todo município, existiam
02(duas) pessoas que “conseguiam se comunicar com surdos”.
Em abril de 2002, após a realização do I Seminário sobre Educação e Integração Social
dos Surdos em Iguatu – CE, idealizado por um surdo participante da comunidade surda de
Fortaleza – CE, modificou-se a maneira como os surdos viam as duas pessoas que “conseguiam
se comunicar com surdos”, os quais doravante passaram a ser vistos como Tradutores e
Intérpretes de Língua de Sinais devido à experiência tradutória e interpretativa que tiveram no
referido seminário. Neste mesmo ano, em outubro, foram criadas as primeiras salas de aula de
Educação Especial para surdos do citado município. Eram salas de alfabetização de Jovens e
Adultos (EJA), onde iniciei institucionalmente a minha atuação como intérprete.
Em 2005, após concluir a primeira graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia,
iniciei a atuação docente como professora da Educação Infantil em uma sala especial com
crianças surdas no mesmo município. Vale salientar que a partir da minha segunda graduação,
o Bacharelado em Tradução e Interpretação em Letras Libras 3 (UFSC/UFC), pude adquirir
conhecimentos específicos sobre a Libras, a Educação de Surdos, a Educação Bilíngue,
Tradução e Interpretação em Libras e ainda sobre a formação docente necessária para a atuação
em salas de aula com alunos surdos.
Em meio a minha participação na comunidade surda, conheci três famílias que ao todo
somavam-se 16 (dezesseis) pessoas surdas, moradores do Sítio Caiçara pertencente ao
município de Várzea Alegre – CE, usuárias de uma Língua de Sinais Emergente (LSE), a
Língua de Sinais de Caiçara; segundo Vilhalva (2009, p. 70) uma língua de sinais emergente
“refere-se àquela que surge conforme as necessidades de comunicação de um determinado
grupo”.
Por fazer parte da comunidade surda, durante alguns momentos de confraternização
vivenciados em finais de semana em que pude visitar a referida comunidade e que na
oportunidade estavam presentes surdos do citado sítio, identifiquei informalmente
3
Nesta direção, como mais um registro do momento de transição que estamos vivendo em relação à educação de
surdos e a formação de profissionais para atuarem nesta área, destaca-se a implementação dos Cursos de
Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras, modalidade à distância, promovido pela Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC, seguindo a orientação do Decreto Federal Nº 5.626/2005 em seu Capítulo III nos
artigos 4º à 13º, que tratam da formação do professor de Libras e do Instrutor de Libras.
23
aproximadamente 200 (duzentos) sinais utilizados especificamente pelos surdos que moram no
Sítio Caiçara, apontando para uma possível riqueza na referida língua, arraigada a traços
culturais e identitários daqueles surdos.
Em um desses momentos de confraternização, especificamente em 21 de Agosto de
2013, durante o casamento religioso de um surdo residente no Sítio Caiçara, e que
oportunamente estavam presentes muitos dos surdos moradores do referido sítio, presenciei
algo que aguçou minha curiosidade em pesquisar sobre línguas de sinais emergentes, uma
mediação em sinais que muito se assemelhou a uma interpretação da Libras para língua de
sinais emergente usada pelos surdos de Caiçara, de forma que o Pastor que realizava a cerimônia
sinalizava em Libras e um outro surdo, residente em Caiçara, durante toda a cerimônia
interpretava para a língua de sinais de Caiçara já que grande parte dos surdos presentes que
eram familiares do noivo desconheciam a língua de sinais nacional.
Figura 01 – Casamento religioso com interpretação da Libras para Língua de Sinais Caiçara
4
Para Roman Jakobson (1975, p. 64-5), existem três tipos de tradução: 1) A tradução intralingual ou
reformulação consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua. 2) A
tradução interlingual ou tradução propriamente dita consiste na interpretação dos signos verbais por meio de
alguma outra língua. 3) A tradução intersemiótica ou transmutação consiste na interpretação dos signos verbais
por meio de sistemas de signos não-verbais.
24
quando pessoas usuárias da Libras vão a referida comunidade e necessitam desta mediação para
estabelecer uma comunicação efetiva com os surdos que residem naquele sítio.
Anos depois de participar e conhecer a Língua de sinais Caiçara e ainda motivada pela
busca em conhecer mais sobre línguas de sinais em comunidades distantes dos centros urbanos,
me encontrei com os estudos sobre a língua de sinais Urubu Kaapor (KAKAMASU, 1963) bem
como o livro Índios Surdos: mapeamento das línguas de sinais do Mato Grosso do Sul
escrito por Shirley Vilhalva, que retrata um estudo sobre as comunidades linguísticas indígenas
de Mato Grosso do Sul, realizada numa perspectiva de mapear e registrar, por via do olhar de
como as línguas de sinais familiares está emerge no contexto plurilíngue, especificamente nas
aldeias Jaguapiru e Bororo das comunidades indígenas do município de Dourados no estado de
Mato Grosso do Sul.
No livro a referida autora adentra no espaço de regras que vem de uma cultura e língua
oral de uma etnia, pois o guarani: kaiowa, ñandeva e mbya sempre tiveram a oralidade como
"poder" dentro da comunidade e das Escolas Indígenas. Ressalta-se que ainda de acordo com
Vilhalva (2012) os estudos sobre sinais familiares trazem uma gama de informações a respeito
da comunicação que a família, quando tem um filho surdo, em que os pais são em sua maioria
ouvintes e começam a criar um meio de comunicação visual, usando todas as formas naturais
possíveis, como o apontamento e gestos naturais.
Ainda nesta perspectiva de me aprofundar nos estudos sobre as comunidades que
possuem uma língua de sinais própria, identifiquei a tese de Everton Pereira, publicada em
2013, pelo programa de Pós-graduação em Antropologia da UFSC, na qual encontramos a
descrição de uma pequena localidade chamada Várzea Queimada, localizada na zona rural de
Jaicós, Piauí. Na referida comunidade Pereira (2013) verificou o alto índice de surdos e o
surgimento de uma língua gesto-visual específica de Várzea Queimada (Jaicós-Pi) chamada de
Cena5. Outro ponto abordado na tese supracitada foi a interação entre surdos e ouvintes na
produção, circulação e manutenção de Cena.
Pereira (2013) para chegar às discussões com relação à Cena, se debruçou sobre
aspectos da sociabilidade de Várzea Queimada identificando assim que nas interações
cotidianas e nas rotinas de seus habitantes, transforma-a em uma comunidade de prática. Face
ao exposto, a Cena, dessa forma, compõe-se a partir da união de todos os elementos
5
Cena é o nome dado à linguagem gesto-visual, que faz uso de movimentos do corpo todo, expressões faciais e
outras possibilidades do entorno para construir o processo comunicativo (PEREIRA, 2013).
25
6
O nome oficial da etnia, originalmente “Urubu-Kaapor”, foi reduzido para “Kaapor” (Kakumasu, 1966). A
língua de sinais falada pelos Kaapor, contudo, continua sendo designada como “língua de sinais de Urubu -
Kaapor”, motivo pelo qual preservarei essas nomenclaturas distintas.
26
Esse potencial linguístico de ascensão, também foi vislumbrado por Souza e Segala
(2009, p. 27) que, ao discutirem a evolução das “línguas de sinais emergentes”, mencionam que
a maior parte das línguas de sinais “[...] nasceu do contato entre duas ou mais línguas ou de
uma língua e sistema de sinais caseiros ([denominada pelos autores de] Línguas de Sinais
Primárias), num processo de pidgin 7 seguido de crioulização 8 ”. Assim, no emaranhado de
definições e terminologias ao qual se submetem os “sinais caseiros”, percebe -se um terreno de
grande instabilidade, onde o surdo pode ser ora sujeito sem língua (LIMA, 2004; DALCIN,
2006) ora bilíngue (GESSER, 2006) e, por vezes, multilíngue (SILVA, 2008). Pode ter sua
comunicação ora valorizada/potencializada e ora reduzida/empobrecida. Se as (in) definições
propostas até o momento não ecoaram na história significa que os sujeitos ainda não se
apropriaram de seus significados (COSTA, 2007).
Com isso, centramos nossos questionamentos no sentido de responder a seguinte
problemática: Os moradores de Caiçara e de Várzea Queimada que não sabem Libras, falam
utilizando qual língua de sinais? Seriam “gestos” (PEREIRA, 1989; ALBRES, 2005; DALCIN,
2006; DI DONATO; COELHO; CARVALHEIRA, 2010) ou “mímicas” (LIMA, 2004)? Uma
“língua de sinais primária” ou “sinais emergentes” como um “ pidgin” (SOUZA; SEGALA,
2009; VILHALVA, 2009; DI DONATO; COELHO; CARVALHEIRA, 2010)? Ou poderia ser
considerada uma “língua” ou “variedade linguística” (SILVA, 2005; GESSER, 2006)?
A partir dos questionamentos elaborados, elencamos a seguinte hipótese: Existem
sinais utilizados pelos surdos das citadas localidades que não devem ser caracterizados apenas
como sinais caseiros ou gestos, mas sim como língua. Face ao exposto, o objeto de estudo desta
pesquisa consiste na língua de sinais usada na comunidade de Várzea Queimada/Jaicós-PI,
conhecida como Cena, e na língua de sinais utilizadas pelos surdos e ouvintes da comunidade
de Caiçara, em Várzea Alegre – CE.
Não obstante, considerando o objeto de estudo proposto, a problemática e a hipótese
acima citada, buscar-se-á por meio da pesquisa, inventariar e registrar os sinais utilizados pelos
surdos que moram na Comunidade de Várzea Queimada distante 25,6 Km do município de
Jaicós no Piauí (PI) e na Comunidade de Caiçara distante 14 Km do município de Várzea Alegre
no Ceará (CE), contribuindo para o conhecimento e reconhecimento das línguas de sinais do
7
Conforme Pereira (2006, p. 118), pidgin é uma forma de linguagem “inventada” para efeitos de comunicação
muito reduzida em contextos multilíngues em que uma das línguas é socialmente dominante.
8
Parâmetro adotado por DeCamp (1971, p. 16) para definir língua crioula, como “a língua nativa da maioria de
seus falantes” (traduzido do original).
27
país. Ressalta-se ainda que este estudo associar-se-á a outros estudos desenvolvidos no âmbito
do mapeamento e do registro de novas línguas.
Observa-se que, em todos os estudos encontrados, não se aborda de forma clara os
surdos, familiares e profissionais de surdos, com intuito de conhecer as suas representações
sobre os sinais emergentes utilizados na interação entre surdos e ouvintes no Sítio Caiçara,
advindo deste arcabouço a originalidade do estudo proposto.
Espera-se que esse estudo possa trazer contribuições pertinentes às questões
relacionadas as línguas de sinais emergentes, seu uso e registro. Os objetivos desta tese são:
Objetivo geral: inventariar duas línguas de sinais emergentes utilizadas em Várzea Queimada
(Jaicós-PI) e Caiçara (Várzea Alegre – CE).
sagrada egípcia foi estabelecida por meio dos hieróglifos apenas em 3.200 a. C. Todas as fontes
documentais supracitadas relatam a cultura e a história de cada um desses povos, de forma
oficial evidenciando primeiramente a necessidade do homem em comunicar-se e a preocupação
em manter vivo seu legado para as próximas gerações, bem como quando nos deparamos com
tais registros conseguimos identificar ou realizar relações sobre o que as pinturas pretendiam
significar. Ou seja, a comunicação é imprescindível para o ser humano.
Benveniste (1988a, p. 53) propõe que “os signos da sociedade podem ser integralmente
interpretados pelos signos da língua, jamais o inverso. A língua será, então, o interpretante da
sociedade”. Deste modo, entende-se que as formas de comunicação e, dentre elas, a linguagem,
nos revelam um pouco de quem nós somos e também da nossa história. Afinal, como vimos de
maneira breve acima, todo o registro que temos do nosso presente e passado foi registrado por
meio de algum tipo de linguagem, seja de uma pintura, seja de uma gravura ou de uma escrita.
Acredita-se que a linguagem cumpria aquilo que era o seu objetivo inicial, o de ser
representativa, ou seja, representar, expressar e externalizar nossos pensamentos e ações no
mundo, seja de um objeto, animal ou humano. No próximo tópico e ainda em complemento a
este, nos debruçaremos um pouco sobre os principais conceitos de linguagem e de que forma
estes se relacionam com as línguas de sinais.
2.2 A LINGUAGEM
9
No Dicionário de linguística e fonética, por exemplo, gestos são considerados traços paralinguísticos ou
extralinguísticos das línguas orais, ou seja, em seu sentido mais amplo, o termo se refere a qualquer coisa do
mundo (que não seja a língua) que está sendo usada - a “situação extralinguística”. A expressão “traços
extralinguísticos” pode significar quaisquer propriedades de tais situações, ou, em termos mais específicos,
propriedades da comunicação que não são claramente analisáveis em termos linguísticos (gestos, tom de voz
etc.). Alguns linguistas nomeiam a primeira classe de traços como metalinguísticos; outros nomeiam a segunda
classe como paralinguísticos. (CRYSTAL, 2000, p. 105-106).
32
sistematização da segunda no sentido de compreendê-la como tal e de que modo esta articula-
se. E sobre esta sistematização, trataremos no tópico a seguir.
10
O termo natural designa a característica natural das línguas orais sinalizadas utilizadas pelos seres humanos
em suas diversas interações sociais, e se diferencia do que se chama de “linguagem formal”, isto é, linguagens
construídas pelo ser humano, como as linguagens de programação de computador ou a linguagem matemática
(HARRISON, 2013).
33
formado por órgãos do corpo humano que, trabalhando em conjunto, permitem a emissão de
sons.
Quando estabelecem essa divisão, algumas línguas privam-se de receber o status de
língua natural, pois ao considerar uma língua apenas aquela que se permite um
desmembramento dos elementos unicamente sonoros, outras que não manifestam seu
pensamento por intermédio do som, postam-se apenas na condição de gestos, ou como alguns
autores da época denominavam eram apenas “mímicas” 11 . Evidentemente, a partir das
postulações aqui registradas não se objetiva fazer uma crítica contra os estudos referentes à
linguagem realizados na época em que a linguística foi reconhecida enquanto ciência da
linguagem, inclusive sabe-se que as pesquisas e descobertas na referida área desenvolveram-se
ao longo de anos. Não obstante, é indiscutível uma centralização em torno do som e
consequentemente da produção sonora e, por conseguinte, qualquer linguagem gestual ou
corporal funcionava como plano de fundo, como uma melodia que acompanha a letra de uma
língua sonora (CÂMARA Jr, 1973).
Na América além de Bloomfield (1970), destaca-se Sapir (1954-1969) por suas obras
“A linguagem introdução ao estudo da fala” e “Linguística como ciência”, as quais continham
um estudo linguístico de cunho antropológico e também mentalista. Sapir contribuiu para o
estabelecimento de uma teoria interpretativa dos sons, a saber, a Fonologia ou Fonêmica, pois
em suas obras ele ressalta propostas de descrição dos elementos da fala, os sons da linguagem,
a lei fonêmica, a co-influência entre as línguas e ainda o maior destaque em se tratando de
cenário mundial: a interdependência língua x cultura x pensamento, bem como a dedicação ao
estudo, descrição e preservação de línguas indígenas.
Na Europa, destaca-se Saussure (1972) pelo célebre Curso de Linguística Geral
(CLG), obra de grande referência no estudo da ciência linguística. Saussure propôs que para
estudar a língua primeiramente era necessário diferenciá-la da linguagem, pois para ele esses
conceitos não são a mesma coisa, visto que muitos autores da linguagem tratavam língua e
linguagem como se tivesse a mesma representação no mundo. Continuando, Saussure afirma
que a língua é senão parte essencial e um produto da linguagem, sendo ainda uma faculdade
dada pela natureza, tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita, já a língua por
sua vez é um princípio de classificação algo adquirido e convencional (SAUSSURE, 1972, p.
17).
11
Expressão de ideias, palavras ou sentimentos por meio de gestos expressivos que acompanham ou substituem
a fala (BIDERMAN, 1998, p. 630).
34
12
Saussure define o signo como a união do sentido e da imagem acústica. O que ele chama de “sentido” é a
mesma coisa que conceito ou ideia, isto é, a representação mental de um objeto ou da realidade social em que
nos situamos, representação essa condicionada pela formação sociocultural que nos cerca desde o berço. Em
outras palavras, para Saussure, conceito é sinônimo de significado (plano das ideias), algo como o lado
espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em oposição ao significante (plano da expressão), que é sua
parte sensível. Por outro lado, a imagem acústica “não é o som material, coisa puramente física, mas a
impressão psíquica desse som” (SAUSSURE, 1972, p. 80). Melhor dizendo, a imagem acústica é o
significante. Com isso, temos que o signo linguístico é “uma entidade psíquica de duas faces” (SAUSSURE,
1972. p. 80), semelhante a uma moeda.
35
e fenômenos universais, permitindo jogar novas luzes sobre o fenômeno geral acerca da
linguagem humana. As línguas de sinais apresentaram fenômenos interessantes não atestados
nas línguas faladas. Considerando as especificidades da sua modalidade, o que será estudada a
seguir, isto é, seu canal de transmissão são os sinais por meio de imagens motoras visuais e a
modalidade sonoro-auditiva das línguas faladas (GODOY, 2020).
Nos dias de hoje, vemos inúmeros trabalhos na área da língua de sinais, e no caso da
Libras, principalmente no âmbito educacional e gramatical. Contudo, a história dessa língua
revela um passado ignorado pelos tradicionais teóricos da linguagem, pois até pouco tempo não
apresentava nenhuma possibilidade científica de registro escrito, sendo recente a criação e
difusão da escrita de sinais. 13 Entretanto, as línguas de sinais postam-se como um meio de
comunicação tão completo e complexo como de uma língua oral, representando também uma
comunidade linguística, uma cultura.
O homem em seu estado primitivo estaria associado a dêixis, aos gritos e aos gestos.
Essa visão, compartilhada durante muito tempo pela comunidade científica trouxe, e
traz ainda, uma boa dose de rejeição às Línguas de Sinais das comunidades surdas,
associando-as à gestualidade primitiva e, portanto, à inferioridade (RAMOS, 2004).
13
Segundo Gesser (2009, p. 42), “até bem pouco tempo, a língua de sinais era considerada uma língua sem
escrita”. Isso se deu pelo fato de as línguas de sinais serem excluídas da sociedade, não sendo cogitadas como
objetos de pesquisa, o que ocasionou um atraso no processo de criação de sua escrita. Segundo Barreto &
Barreto (2012, p. 34-39), existem pelos menos em todo o mundo 07 (sete) sistemas de escrita que foram criados
para a representação das línguas de sinais, são eles: Notação Mimographie: publicado no ano de 1822, pelo
educador francês Roch Ambroise; Notação de William C. Stokoe: publicado pelo linguista e pesquisador
americano em 1965; Hamburg Notation System (HamNosys): teve sua primeira versão definida no ano de 1984
e foi baseado no sistema de Stokoe; Sistema S’Sign: criado por Paul Jouison, em 1990, e recuperado, após sua
morte, pela Drª. Brigitte Garcia; Notação de François Neve: criado pelo pesquisador bélgico, no ano de 1996,
também baseado no sistema de Stokoe; Sistema de Escrita das Línguas de Sinais (ELiS): criado no ano de
1997, pela Drª Mariângela Estelita Barros; Sistema de escrita SignWriting: criado pela norte-americana Valerie
Sutton, em 1974, na Dinamarca, que é o sistema de escrita de sinais mais utilizado atualmente.
37
O fato de existir uma lacuna na história da ciência da linguagem não significa que essa
língua não representava uma comunidade linguística, pelo contrário, ela era atrelada a uma
cultura, a cultura surda14, embora essa nomenclatura não fosse considerada na época. “A língua
de sinais é para os surdos uma adaptação única a outro modo sensorial, mas é também, e
igualmente, uma corporificação da identidade pessoal e cultural dessas pessoas” (SACKS,
1998. p. 64). Acrescenta-se que segundo trabalhos de antropólogos, em alguns povos
primitivos, acredita-se que a língua era coexistente às línguas orais, assim como a comunidade
indígena aqui do Brasil Urubu Kaapor 15 . Dentre os membros dessa comunidade, havia um
número considerado de surdos, e nela existia uma língua de sinais específica do local e a mesma
também é utilizada pelos membros ouvintes.
Face ao exposto, surge o seguinte questionamento: se em uma comunidade indígena,
sem contato direto com outras línguas de sinais, estabeleceu-se um sistema gestual capaz de
promover a comunicação plena entre surdos e ouvintes, como negar que possa existir a
possibilidade de que em outras comunidades também se adotou sistemas semelhantes em outras
épocas paralelamente às línguas orais? Não podemos provar, pois não existem muitos registros
que verifiquem essa possibilidade, mas sabemos há sim a perspectiva de um cenário linguístico
no qual as línguas de sinais podem ter sido utilizada e ter se desenvolvido juntamente às línguas
orais, principalmente quando pensamos no histórico de marginalização de muitas línguas
minoritárias16.
14
A cultura surda é definida como o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e modificá-lo a fim de torná-lo
acessível e habitável ajustando-o com suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades
surdas. [...] Isso significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo.
(STROBEL, 2009, p. 27).
15
No início dos anos de 1950 foi descoberto no Brasil um grupo indígena, por meio de pesquisas antropológicas,
os Urubu-Kaapor na floresta Amazônica (Maranhão), que falava uma variação da língua de sinais (RIBEIRO,
1996). Somente a partir da década de 1980 estudos linguísticos relacionados à Língua de Sinais Kaapor
Brasileira (LSKB) foram aprofundados (sobre a LSKB cf. KAKUMASU, J.; KAKUMASU, K., 1977). Dentre
os(as) estudiosos(as) que desenvolveram pesquisas sobre essa questão, destaca-se Lucinda Ferreira Brito (1995,
1993). A pesquisadora conviveu um mês com esse grupo indígena Urubu-Kaapor, registrou os dados coletados
e observados, documentando a sua experiência em filme. Segundo Brito (1993), a ideia da pesquisa surgiu
quando ela leu o artigo Urubu Sign Language de J. Kakumasu (1968). Nesse texto, J. Kakumasu defendeu que
"[...] a Língua de Sinais dos Urubu-Kaapor [...] [se constituía como] um veículo de comunicação intratribal e
não como meio de transação comercial” (apud RAMOS, [s.d.], p. 5). Brito (1993) averiguou que a Língua de
Sinais dos Urubu-Kaapor era uma legítima língua de sinais dos surdos, a qual foi criada pelos próprios índios
Urubu-Kaapor. Dessa maneira, "o interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, é que os ouvintes da
aldeia falam a Língua de Sinais e a língua oral, evidentemente, enquanto os surdos se restringem à Língua de
Sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam bilíngues, enquanto os surdos se mantêm monolíngues"
(RAMOS, [s.d.], p. 5).
16
Para Maciel (2012), as línguas minoritárias, classificadas como línguas de não prestígio e designadas de
línguas majoritárias chamadas de línguas de maior prestígio. Cavalcanti (1999) identifica cinco contextos
bi/multilíngues de minoria no cenário sociolinguístico brasileiro: comunidades indígenas, de imigrantes, de
fronteira, de surdos e dialetais/urbanas.
38
A partir deste ponto faremos um recorte sobre a evolução histórica da língua de sinais,
percorrendo as diferentes visões em relação a essa língua bem como aos surdos, em diversos
locais do mundo, utilizando como obra base Strobel (2010) citada por Goés e Campos (2013).
17
Oliver Sacks, neurologista norte-americano e autor de “Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos”
explica que os surdos foram considerados “estúpidos” por milhares de anos e considerados “incapazes” pela lei
ignorante – incapazes para herdar bens, contrair matrimonio, receber instrução, ter um trabalho adequadamente
estimulante”, negando-lhes direitos humanos fundamentais. A “mudez” neste caso não tem relação com uma
condição biológica, mas social e cultural. Face ao exposto a palavra “surdo” seria o termo mais apropriado e
capaz de minimizar a estigmatização das pessoas surdas, pois não focaliza em questões físicas ou biológicas,
39
Pedro Ponce Leon, na mesma época, estabeleceu um método formal para a educação
de surdos em um monastério de Valladolid, na Espanha, no qual inicialmente ensinava latim,
grego e italiano, conceitos de física e astronomia a dois irmãos surdos, Francisco e Pedro
Velasco, membros de uma importante família de aristocratas espanhóis. Francisco conquistou
o direito de receber a herança como Marquês de Berlanger e Pedro se tornou padre com a
permissão do Papa. Ponce de Leon criou métodos para educar surdos utilizando a datilologia 18,
escrita e oralização19 e criou também uma escola para professores surdos. Infelizmente, após
sua morte, não houve publicação e seu método caiu no esquecimento, pois a tradição na época
era guardar segredo sobre os métodos de educação de surdos.
Ainda de acordo com Góes e Campos (2013, p. 67) em 1613, Fray de Melchor Yebra,
de Madrid, escreveu um livro chamado Refugium Infirmorum, que descreve e ilustra o alfabeto
manual. Na Espanha, Juan Pablo Bonet (1579-1623) iniciou a educação de outro membro surdo
da família Velasco, Dom Luís, por meio de sinais, treinamento da fala e uso de alfabeto
datilológico. Seu método teve tanto sucesso que ele foi nomeado pelo rei Henrique IV como
“Marquês de Frenzo”. No ano de 1620, em Madrid, na Espanha, Juan Pablo Bonet publicou o
primeiro livro sobre a educação de surdos, Reduccion de las letras y arte para enseñar a hablar
a los mudos, no qual apresentava o seu método oral, entretanto vale ressaltar que Bonet defendia
também o ensino precoce de alfabeto manual aos surdos.
Compondo este leque das primeiras publicações em cenário mundial, temos o livro
Chirologia (linguagem natural das mãos) de Jonh Bulwer, publicado em 1644 (RAMOS, 2004).
Nele, o autor já propunha um método sistemático de estudo e descrição da língua de sinais no
Estados Unidos. A criação desse material tinha como objetivo principal promover a educação
de surdos utilizando-se de sua língua materna. Anos depois, em 1648, o mesmo autor lançou o
livro Philocopus (Amigo do Homem Surdo e Mudo) no qual dedicou os escritos aos seus
mas considera a surdez em relação as suas particularidades e à condição linguística diferenciada. Esta diferença
não diz respeito a um modo melhor ou pior de se comunicar, apenas diferente (FRANÇA, 2014).
18
A datilologia é uma forma de “escrita” que utiliza recursos da língua de sinais para designar palavras da língua
oral, uma vez que quando não existe um sinal para determinado conceito, a datilologia é utilizada para soletrar
palavras da língua oral. Nesse caso, diz-se que essas soletrações são empréstimos da língua portuguesa. O
alfabeto manual é a mera transposição para o espaço, por meio das mãos, dos grafemas da palavra da língua
oral (ROSA, 2005, p. 40).
19
Dorziat (2005) citada por Almeida (2013, p. 98) nos esclarece que a concepção do Oralismo visa a integração
dos surdos na comunidade de ouvintes, condicionando-os ao aprendizado e desenvolvimento da linguagem
oral. Considera-se que, para a boa comunicação, a pessoa com surdez deve oralizar bem, sendo o principal
objetivo dessa filosofia, como já foi apresentado, fazer uma reabilitação da criança surda em direção à
“normalidade”, à “não surdez”.
40
amigos surdos, afirmando e corroborando a ideia de que a língua de sinais era tão completa e
servia plenamente aos propósitos de comunicação humana assim como as línguas orais.
No ano de 1755, na Alemanha, Samuel Heinicke (1729-1790) foi o pioneiro do método
do oralismo puro ao obter sucesso no ensino a um jovem que aprendeu a falar, a ler os lábios e
a escrever. Em seguida Heinicke publicou a obra Observações sobre os Mudos e sobre a
Palavra e fundou, em 1778, a primeira escola de Oralismo Puro 20 para surdos em Leipzig na
Alemanha, que se opunha fortemente à utilização da língua de sinais, tornando-se conhecido
como o “padre do método alemão” (GOES; CAMPOS, 2013, p. 68). Na Europa, no século IX,
alguns autores também se dedicaram aos estudos e à descrição da língua de sinais, propondo
métodos de sinalização paralelos à fala. Na Inglaterra, destaca-se Watson pela produção do
livro Instruction of the deaf and dumb (RAMOS, 2004).
Na França, o Abade Charles Michel de L’Epée foi um educador filantrópico francês
do século XVIII que ficou conhecido como “pai dos surdos”, aproximando -se da comunidade
surda que vagava ao redor de Paris, aprendendo assim a língua de sinais usada pelos surdos
franceses. E foi a partir dessa língua que ele criou os “sinais metódicos”, que eram a junção da
língua de sinais usada pelos surdos com alguns sinais criados por ele para facilitar, em sua
opinião, o ensino do francês escrito aos surdos. Fruto deste método, L ’Epée publicou o livro:
A verdadeira maneira de instruir os surdos-mudos, apresentando uma metodologia de
descrição e ensino da língua de sinais utilizada no local, sendo o primeiro a respeitar em alguma
medida a língua usada por uma comunidade surda e a tentar usá-la nas práticas educacionais.
L’Epée considerava que
[...] a linguagem de sinais é concebida como a língua natural dos surdos e como
veículo adequado para desenvolver o pensamento e sua comunicação. Para ele, o
domínio de uma língua, oral ou gestual, é concebido como um instrumento para o
sucesso de seus objetivos e não como um fim em si mesmo (LACERDA, 1998, p. 3).
20
Oralismo puro ou estimulação auditiva foi desenvolvida na CLARK SCHOOL FOR THE DEAF no final do
século XIX. Para seus adeptos, a criança surda deve ser exposta à língua falada e aos sons, sempre usar aparelho
de amplificação sonora, se possível, e sofrer treinamento auditivo. O trabalho começa com o treinamento de
atenção para a leitura orofacial e inclui elementos sonoros isolados, combinações de sons, palavras e finalmente
a fala, devendo ter continuidade em casa, mediante o envolvimento de toda a família. Esta participação familiar
contínua é uma das características do oralismo (MOURA, 2014).
41
sintáticas e também o alfabeto manual inventado por Pablo Bonet. Tal obra posteriormente foi
completada com a teoria pelo Abade Roch-Ambroise Sicard.
Ainda em 1760, na Inglaterra, Thomas Braidwood fundou a primeira escola inglesa
para surdos em Edimburgo, na Grã-Bretanha, como academia privada, onde ensinava aos
surdos os significados das palavras e sua pronúncia, valorizando a leitura orofacial21 (GOES;
CAMPOS, 2013, p. 68)
Na Idade Contemporânea, em 1789, faleceu o Abade Charles Michel de L’Epée, tendo
fundado um total de 21 escolas para surdos na França e em outros países da Europa. Face ao
exposto no século XIX, o americano Thomas Hopkins Gallaudet parte à Europa para buscar
métodos de ensino aos surdos. Na França, Gallaudet impressionou-se com o método de língua
de sinais usado pelo abade Sicard. Inspirado na metodologia de L’Epée, na América, Gallaudet,
professor de surdo, decidiu, em companhia de alunos de alunos de L’Epee, criar a primeira
escola de surdos no Estados Unidos, em 1817. Ele levou um professor surdo francês para os
Estados Unidos e começou assim um trabalho educacional considerando a língua de sinais. Em
1864, Edward Gallaudet fundou a primeira universidade nacional norte-americana para surdos,
a “Gallaudet University” em Washington (GOES; CAMPOS, 2013, p. 69).
Em adendo, nos dias de hoje, a Gallaudet University é uma das principais
universidades do mundo e uma das mais avançadas em estudos de língua de sinais e formação
de profissionais que atuam na área. Ela possui a mais alta tecnologia em recursos tecnológicos
visuais, permitindo a exploração das mais rebuscadas produções e publicações em língua de
sinais.
Até aqui, traçou-se um desenvolvimento no que concerne aos estudos e descrição da
língua de sinais em diferentes continentes. Como pudemos observar, diferente dos estudos das
línguas orais, as produções em língua de sinais foram mais escassas, isso considerando as que
se conseguiu o acesso. Porém, essas publicações mostram que há uma tentativa de buscar uma
visibilidade para essa língua e para essa comunidade, seja para dar acesso ao cidadão surdo aos
diversos espaços sociais, seja para considerar essa língua visual espacial como uma língua
natural tão importante quanto uma língua oral.
21
A leitura orofacial (LOF) é feita de forma inconsciente ao se comunicar e atualmente tem sido utilizado com
frequência na avaliação de deficientes auditivos. O deficiente auditivo é capaz de “ler” a posição dos lábios e
captar os sons da fala de um locutor, porém é provável que até o melhor leitor labial só consiga entender 50%
das palavras articuladas (DELL'ARINGA; ADACHI; DELL'ARINGA, 2007).
42
Com um enfoque mais nacional, em 1855, o professor surdo francês Hernest Huet 22,
com experiência de mestrado e diversos cursos em Paris, chega ao Brasil sob a aquiescência do
imperador Dom Pedro II com a intenção de fundar uma escola para pessoas surdas e instruí-las
por meio da língua de sinais francesa. Huet contou com o apoio do Imperador para fundar a
escola de surdos no Rio de Janeiro, em 1857, o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), criado pela Lei Federal Nº 939, de 26 de setembro de 1857 e por este motivo a referida
data anualmente é comemorada como Dia Nacional do Surdo em todo país.
De acordo com Geciauskas, (2011, p. 39) dentre os muitos alunos que passaram pelo
Imperial Instituto dos Surdos Mudos, um deles ocupou um papel de destaque: Flausino José da
Costa Gama, que se destacou não somente pelo seu notável desempenho acadêmico, mas
também pelo seu envolvimento na elaboração da obra considerada a primeira de língua
brasileira de sinais: A Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos.
A obra em questão, além de apresentar a iconografia relativa à língua brasileira de
sinais, assunto que será aprofundado neste estudo, estruturava-se, em relação a alguns aspectos,
de forma semelhante a um dicionário.
A Libras e a ASL (Língua de Sinais Americana) de acordo com os estudos de Goes;
Campos (2013) foram influenciadas pela LSF (língua de sinais francesa). Todavia com o tempo
cada língua foi se transformando de acordo com os traços culturais de seu país. Face ao exposto,
entende-se que a organização da educação de surdos no Brasil está intimamente ligada ao
reconhecimento da língua de sinais como possibilidade de instrução para pessoas surdas.
Voltando a retrospectiva histórica proposta, na época da criação do INES, a língua de
sinais brasileira estava se constituindo, possuindo suas origens na LSF. Conforme exposto
anteriormente, por meio do professor surdo francês, Huet, que inicialmente instruía as pessoas
surdas, utilizando a língua de sinais francesa, dava aula para surdos com seus próprios métodos
de educação aprendidos no Instituto de Surdos-Mudos de Paris. Acrescenta-se que no INES
surgiu a época a mistura da língua de sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos de
várias regiões do Brasil, e deste modo a língua de sinais brasileira foi então se configurando
(GOES; CAMPOS, 2013).
22
Rocha (2007) diz que há controvérsias em relação ao primeiro nome de Huet. Em alguns documentos, aparece
ora como Ernest, ora como Eduard. Os dados registrados quanto a sua chegada ao Brasil também são
contraditórios. Os documentos assinados por ele e que se encontram no INES (Instituto Nacional de Educação
de Surdos) não revelam o seu primeiro nome. Porém, há o registro de funcionamento do Collegio Francez, de
sua propriedade, no período de 1845 a 1851, no Rio de Janeiro (GECIAUSKAS, 2011, p. 36).
43
Voltando para o âmbito mundial, enquanto os surdos brasileiros que tinham condições
de estudar no INES iam aprendendo e construindo por meio das relações constituídas, a língua
de sinais brasileira, em 1870, Alexander Graham Bell, foniatra e inventor do telefone, publicou
vários artigos criticando casamentos entre pessoas surdas, a cultura surda e as escolas
residenciais para surdos, alegando serem fatores que favorecem o isolamento e a segregação
dos surdos da sociedade. Bell era contrário à língua de sinais que, para ele, não propiciava o
desenvolvimento intelectual dos surdos.
Contudo, como tradicionalmente acontece com as minorias linguísticas e sociais, em
1880 aconteceu um evento que marcou a história da língua de sinais de uma forma negativa.
Nesta data, aconteceu o famoso Congresso de Milão, evento internacionalmente conhecimento
que possuía como pauta principal a extinção da língua de sinais. O II Congresso Internacional
de Surdo-Mudez causou impacto em todo o mundo com relação à educação de surdos. Esse
congresso foi organizado, patrocinado e conduzido por muitos especialistas ouvintes na área de
surdez, todos defensores do oralismo puro. Com o objetivo de tornar os surdos sujeitos
oralizados, eles propunham que a língua fosse banida das escolas de surdos e que nenhuma
pesquisa e produção sobre a língua fosse desenvolvida (ATAS DO CONGRESSO DE MILÃO,
2011). O que nos pareceu claro nesse evento era que os representantes e a maioria dos
participantes buscavam uma padronização dos sujeitos surdos, a meta era torná-los sujeito
falantes das línguas orais, não respeitando sua condição física, sua língua materna, sua cultura
e sua identidade surda.
Nessa época, sabemos que a repressão afetava diversos grupos sociais e linguísticos e
o mesmo aconteceu com a comunidade surda, pois a votação realizada no congresso decidiu,
pela maioria dos votos, que a língua de sinais deveria ser banida em nível internacional e isso
abriu uma lacuna de quase um século nos estudos das línguas visuais espaciais. Dos 164
representantes presentes ouvintes, apenas cinco dos Estados Unidos votaram contra o oralismo
puro. Destaca-se que Alexander Graham Bell teve grande influência no referido congresso.
Foi então organizada uma votação para escolher o método mais adequado para educar
surdos, se por meio do oralismo, da língua de sinais ou de ambos. Então, concluiu-se que o
método oral era o mais adequado para a educação de surdos e houve a proibição oficial da
língua de sinais, pois para os especialistas essa língua destruía a capacidade de fala dos surdos.
Os gestos deveriam ser banidos, bem como as práticas que utilizavam sinais simultâneos com
a fala também deveriam ser rejeitadas e, em detrimento delas, prevaleceria o “oralismo puro”.
Segundo Sacks (2010),
44
Uma das consequências disso foi que a partir de então professores ouvintes, e não
professores surdos, tiveram de ensinar os alunos surdos. A proporção de professores
surdos, que em 1850 beirava 50%, diminuiu para 25% na virada do século e para 12%
em 1960 [...] O oralismo e a supressão da língua de sinais acarretaram uma
deterioração marcante no aproveitamento educacional das crianças surdas e na
instrução dos surdos em geral (SACKS, 2010, p. 35).
A proibição do uso da língua de sinais entre os surdos foi realizada durante esse
congresso e as resoluções foram tomadas por um corpo expressivo de ouvintes. Os professores
surdos que já desenvolviam trabalhos significativos nessa área foram banidos das escolas, num
processo arbitrário que afetou profundamente suas vidas. Esta decisão estabeleceu uma
interdição incontestável e a língua oral passou a ser legitimada como o único acesso permitido
ao conhecimento.
Os professores surdos não tiveram o direito de votar e foram excluídos do congresso.
Talvez por esse motivo não houve menção da língua de sinais na evolução da ciência da
linguagem pois
Como vimos anteriormente, após o Congresso de Milão, o método oral tomou conta
de toda Europa - que conforme Lane (1989), se explica pela confluência do nacionalismo
vigente na época - e estendeu-se por todo o mundo permanecendo por quase um século. Deste
modo as línguas de sinais e pesquisas sobre a sua estrutura e o seu reconhecimento enquanto
língua foram retomadas apenas um pouco antes da década de 1940 ou mais tarde. Uma reflexão
que nos ocorre, é o que aconteceu para que ocorresse essa mudança radical de pensamento?
Infelizmente ainda não existem respostas claras, apenas indícios apontando para o
desenvolvimento da tecnologia das próteses reabilitadoras gerando uma expectativa de
superação da surdez, sobre lutas de poder entre surdos e ouvintes, resultando assim em uma
lacuna histórica a ser preenchida. Depois desse longo período de proibições, somente em 1940
surgiram algumas raras publicações referentes a gramática em língua de sinais (RAMOS, 2004).
45
Ferreira Brito (1993, p. 12) citada por Ramos (2000), aponta os trabalhos de Carrick
Mallery23, de 1882 a respeito das Línguas de Sinais indígenas das Américas e Austrália, como
os primeiros estudos linguísticos sobre Línguas de Sinais. Mallery (1882) considerava a “Plains
Sign Language – PSL/Língua de Sinais das Planícies Norte-Americanas” uma espécie de
pantomímica24. Apesar disso, porém, seu estudo torna-se importante para o avanço do estudo
linguístico das Línguas de Sinais por apresentar uma descrição bastante completa da PSL,
propiciando aos seus sucessores analisar inúmeros aspectos da mesma.
Alguns estudiosos tais como Voegelin (1958), Liung (1965) e Taylor (1975) analisam
a PSL em seus níveis linguísticos (gestêmico, morfêmico e lexêmico), discutindo os três
parâmetros, até então não mencionados neste livro: configuração de mão (forma), movimento
(‘motion’) e ponto de articulação (FERREIRA BRITO, 1993, p. 11).
Como data inicial dos estudos científicos das línguas de sinais dos surdos, e
especificadamente sobre a American Sign Language (ASL), temos os trabalhos realizados por
William C. Stokoe, linguista da Universidade Gallaudet, que teve suas pesquisas financiados
pelo governo norte-americano (RAMOS, 2000).
Stokoe (1960) retomou a pesquisa e descrição da língua de sinais americanas e
revolucionou mundialmente, trazendo uma nova perspectiva de ver e descrever a língua de
sinais. Ele comprovou que essa língua possui as mesmas propriedades gramaticais e
articulatórias das línguas orais, ou seja, era possível descrever uma língua sinalizada em termos
de aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos, e ainda que a língua de sinais atendia de
fato a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína no léxico, na sintaxe e na capacidade
de gerar uma infinidade de proposições. Seu estudo consistiu também em demonstrar que as
línguas de sinais possuem três parâmetros principais (localização, configuração de mão e
movimento executado) análogos aos fonemas da fala (KLIMA; BELLUGI, 1979).
Sua primeira publicação, Language Structure: An outline of the Visual Communication
Systems of the American Deaf, de 1960, é tida como marco, como prova cabal da importância
lingüística das Línguas de Sinais. Em 1965 ele publica, em coautoria com D. Casterline e C.
Cronoberg, o primeiro dicionário de Língua de Sinais (A Dictionary of American Sign
Language), inserindo definitivamente o estudo das Línguas de Sinais na ciência linguística.
23
Posteriormente reeditados por Umiker-Sebeok e Sebeok em 1978, em uma coletânea de dois volumes, com
estudos subsequentes críticos de outros autores.
24
A pantomima é uma representação que se realiza por meio de gestos, mímica e atitudes, sem a intervenção de
palavras. O termo provém de um vocábulo grego que significa “que tudo imita”. Disponível em:
http://conceito.de/pantomima#ixzz4YXjpsdEt, acessado em 10 fev. 2020.
46
Os Estados Unidos continuam até hoje sendo o centro mundial mais importante de
pesquisa linguística em Língua de Sinais, contando atualmente, inclusive, com pesquisadores
surdos em suas equipes, inaugurando um momento de trabalhos que trazem forte influência da
visão culturalista. A entrada de pesquisadores surdos no cenário da pesquisa linguística sobre
as Línguas de Sinais trouxe e continuará trazendo uma mudança qualitativa no trabalho que
vem sendo realizado até hoje.
De acordo com Klima e Bellugi (1979) a análise das propriedades formais da língua
de sinais americana realizada por Stokoe (1960) revelou que ela apresenta organização formal
nos mesmos níveis encontrados nas línguas faladas, incluindo um nível sublexical de
estruturação interna do sinal (análoga ao nível fonológico das línguas orais) e um nível
gramatical, que especifica os modos como sinais devem ser combinados para formarem frases
e orações.
Ao descrever os níveis fonológicos 25 e morfológicos da ASL, Stokoe apontou três
parâmetros que constituem os sinais e nomeou-os da seguinte forma: Configuração de mão
(CM), ponto de articulação (PA) ou locação (L) e Movimento. No tópico a seguir
aprofundaremos estes conceitos.
Os estudos sobre a língua de sinais americana se seguiram a outros, cujo objeto eram
as línguas de sinais utilizadas pelas comunidades de surdos em diferentes países, como França,
Itália, Uruguai, Argentina Brasil e muitos outros. Essas línguas de sinais são diferentes das
línguas orais utilizadas nesses países. Diferente do que ocorre com as línguas orais, as de sinais
fazem uso das mãos, do espaço, do movimento, do olhar e da expressão facial, o que deu origem
a algumas ideias equivocadas, consideradas mitos pelos estudiosos das línguas de sinais.
Markowicz (1980) aponta 06 mitos, assim como Quadros (1997, p. 46) e Karnopp (1994 p. 24-
32). Já Almeida (2013, p. 18-25) cita 08 mitos. Face ao exposto no Quadro 01, trataremos de
desmistificar tais concepções inadequadas.
25
A fonologia das línguas de sinais foi inicialmente referida por Stokoe (1960) como quirologia (quir- do grego,
significa mão) e querema para o correspondente fonema. Entretanto, estes termos não tiveram grande aceitação,
e deste modo na literatura, termos como fonética e fonologia continuam sendo usados para falar das unidades
mínimas das línguas de sinais (GESSER, 2009).
47
sob o ponto de vista linguístico, são complexas possuem uma abstrata estruturação nos diversos
níveis de análise.
Lucinda Ferreira Brito (1995, p. 12) afirma que “o estudo linguístico de uma língua de
modalidade gestual-visual pode afetar as teorias linguísticas por vários motivos: os próprios
preceitos teóricos que definiam a capacidade linguística associada à fala oral; a gramática
tradicional sendo obrigada a rever seus conceitos de arbitrariedade, de simultaneidade, do que
é central e o que é periférico”. Face ao exposto, acreditamos que as línguas de sinais podem
fornecer novas perspectivas teóricas sobre as línguas humanas, sobre os determinantes da
linguagem e o processo de aquisição e desenvolvimento de uma língua que apresenta certas
particularidades em relação às línguas orais.
Como vimos nos tópicos anteriores, a língua de sinais não foi considerada na história
da ciência linguística. A priori, ela foi denominada como mímica, uma espécie de linguagem,
mas não língua. Também, como colocamos, essa falta de visibilidade e descrição da língua se
sucedeu, em partes, pela própria proibição da língua nas escolas depois da decisão do congresso
de Milão.
Contudo, acreditamos que o estudo de uma língua visual espacial poderia alterar e
afetar as teorias linguísticas vigentes no século passado (FERREIRA BRITO, 1995), pois
precisaria de uma reformulação dos princípios universais e da própria concepção de gramática
de uma língua para dar conta das línguas com diferentes canais linguísticos. Desse modo, nesta
seção faremos uma explanação do que se apresenta de semelhante e diferente entre as línguas
visuais espaciais e as línguas orais, buscando indicar as propriedades das línguas de sinais que
comprometeriam as leis gerais da ciência linguística que na época serviam de referência para a
classificação das línguas naturais.
Ao levar em consideração o estudo de uma língua de modalidade linguística visual
espacial, as teorias tradicionais da linguística seriam afetadas (FERREIRA BRITO, 1995), tanto
nos pressupostos teóricos que definem o que é língua e linguagem, como em uma própria
revisão na concepção de gramática. Primeiramente, a própria noção de arbitrariedade do signo,
tão defendida por Saussure, seria colocada em questão. O autor afirma que o signo linguístico
é arbitrário; contudo, na língua de sinais, essa propriedade é contemplada em partes.
50
Na Libras há sinais arbitrários, cuja relação forma e sentido não apresenta nenhuma
conexão a qual um significante possa prever o significado no mundo. Todavia, muitos sinais
(palavras) na Libras são icônicos e convencionais, os quais a forma representa o significado no
mundo. Por exemplo:
A partir deste ponto, veremos que apesar da diferença existente entre línguas de sinais
e línguas orais, ambas seguem os mesmos princípios pelo fato de possuírem um léxico, isto é,
um conjunto de símbolos convencionais, e uma gramática, ou seja, um sistema de regras que
regem o uso destes símbolos. Diferentemente das línguas orais, os articuladores primários das
52
línguas de sinais são as mãos, que se movimentam no espaço em frente ao corpo e articulam
sinais em determinadas localizações nesse espaço. A seguir entenderemos algumas de suas
características fonológicas, morfológicas e sintáticas.
Conforme visto anteriormente, Stokoe (1960) investigou a formação do sinal e definiu
03 (três) parâmetros que eram realizados simultaneamente na formação de um sinal particular:
configuração de mãos, ponto de articulação (locação) e movimento. Um quarto parâmetro -
orientação –, que se refere à orientação das palmas das mãos, foi acrescentado por Battison
(1974). Estudos posteriores, como os de Baker e Padden (1978), incluíram traços não manuais,
como expressão facial, movimentos da boca e direção do olhar, como distintivos na língua de
sinais americana.
Segundo Kumada (2012 apud Sá, 1999, p. 138) no Brasil, as pesquisas sistematizadas
sobre a Libras tiveram início em 1981, com a linguista Lucinda Ferreira-Brito ao falar sobre
Bilinguismo para Surdos na 33ª Reunião Anual da SBPC, em Salvador (BA). Ferreira-Brito foi
a primeira linguista brasileira a investigar as línguas de sinais brasileiras, inclusive o sistema
linguístico de sinais utilizado pela comunidade indígena Urubu-Kaapor, situada a uma região
próxima do Rio Gurupi, no Estado do Maranhão que em 1968 foi pesquisada por Kakumasu
(FERREIRA-BRITO, 1986, p. 20).
Os sinais, na Libras, são formados a partir da combinação do movimento das mãos
com um determinado formato em um lugar específico, podendo este ser uma parte do corpo ou
um espaço na frente do corpo (FELIPE, 2001). Em outras palavras, na formação dos sinais da
Libras, os seguintes parâmetros são considerados: configuração de mãos, localização,
movimento, orientação das palmas das mãos e traços não-manuais.
As línguas de sinais apresentam nas suas estruturas, sobretudo no seu aspecto
morfológico, os parâmetros primários e secundários, combinados de forma sequencial ou
simultânea. Segundo Brito (1995, p. 36-41), os parâmetros primários são:
a) Configuração das mãos: são as diversas formas que as mãos assumem na realização de
sinais. Atualmente, o Núcleo de Aquisição de Língua de Sinais 26 registrou em seu site 124
possíveis configurações de mãos na Língua Brasileira de Sinais.
26
O Núcleo de Aquisição de Língua de Sinais – NALS – tem por objetivo se constituir em espaço físico para a
consolidação de grupo de pesquisa atuante na área dos estudos de aquisição de línguas de sinais. O núcleo objetiva
também consolidar um corpus com dados de aquisição de Libras e aquisição bilíngue, incluindo Libras e outra
língua, especialmente o português, possibilitando o acesso a dados por diferentes pesquisadores para a produção
de estudos nesta área. Constituir o corpus, transcrever e analisar os dados para contribuir no desenvolvimento de
teorias linguísticas, bem como possibilitar o desenvolvimento de estudos nas interfaces com outras áreas de
53
Na figura 06, você pode observar dois sinais distintos contendo a mesma configuração de mão.
estudo e aplicá-las à educação bilíngue e à inclusão social de surdos são perspectivas concretas deste núcleo de
investigação. O núcleo objetiva proporcionar o acesso à pesquisa a alunos da graduação e pós-graduação com o
cunho de investir na formação de pesquisadores. Saiba mais: http://nals.cce.ufsc.br.
54
c) Movimento é o parâmetro no qual as mãos descrevem no espaço ou sobre o corpo por meio
de linhas retas, curvas, sinuosas ou circulares em várias direções e posições, a maneira como
será realizado o sinal.
55
a) Configuração de mãos é a maneira como se articulam os sinais. Eles podem ser articulados
com apenas uma mão ou com as duas mãos em movimento (exemplos: sinais ACHAR (figura
10) e APRESENTAR (figura 11). Quando se utilizam as duas mãos e uma delas se movimenta
e a outra não, diferenciamo-las como mão dominante e mão de apoio respectivamente.
(exemplo: sinal CURSO, figura 10).
gramaticais semelhantes aos das línguas orais, elas são proporcionais a produção gestual dos
falantes surdos. Logo, para extrair os princípios gerais das línguas humanas, deve-se levar em
consideração os meios de produção e reprodução e qual canal é processado a linguagem. Uma
das relativizações a considerar é o próprio classificador da Libras.
Altamente contextual, a produção de uma cena no mundo não depende exclusivamente
de sinais prontos ou pré-estabelecidos. Ao contrário das línguas orais, as línguas de sinais são
convencionais aos atos proferidos no momento da ação, na qual cada cena é representada por
um classificador único ao momento de fala, das condições de produção, da descrição imagética
do objeto, manipulação do mesmo.
Quando a linguística da Libras busca uma descrição da língua em termos universais,
ela busca uma correlação com a descrição da estrutura da forma de uma língua, ou seja,
estabelecer uma sintaxe, morfologia, fonologia e semântica da Libras. Nos Estados Unidos,
conforme mencionamos acima, Stokoe (1960) propôs um modelo de descrição da ASL paralelo
aos níveis de descrição das línguas orais e esse método descritivo serviu de inspiração para
Ferreira Brito (1995) assim como para Karnopp e Quadros (2004) no detalhamento descritivo
da Libras.
Na sintaxe, por exemplo, diferentemente do português brasileiro, cuja ordem canônica
dos constituintes é SVO (sujeito, verbo, objeto); na Libras, essa ordem pode variar sem,
contudo, estabelecer um padrão fixo. “A língua de sinais brasileira apresenta certa flexibilidade
na ordem das palavras. Portanto, determinar a sua ordem básica não é tão trivial” (QUADROS
e KARNOPP, 2004, p. 135). É muito comum produções de expressões em ordem OSV, VOS,
SVO, SOV, de modo que, qualquer uma dessas formas pode representar um padrão formal
sintático. Na literatura, alguns autores apontam que, na Libras, apesar da assimetria referente à
ordem dos constituintes, a ordem mais comum é SVO, mas não canônica. Outra importante
característica da sintaxe da Libras é
processos de detalhamento e muitas pesquisas ainda estão sendo desenvolvidas para dar conta
das diversas produções e descrições em língua de sinais, ou seja, os estudos são muito recentes
comparados aos estudos das línguas orais. Esse retardamento, mais uma vez, é um reflexo da
exclusão da língua de sinais das histórias das pesquisas linguísticas e isso vai além de qualquer
proposição gramatical de uma língua, representa também uma escolha política por parte dos
linguistas da época.
Acreditamos que as diferenças até então apresentadas iriam requerer uma nova
contextualização do estudo da linguagem como um todo, pois durante séculos as únicas línguas
consideradas eram aquelas de modalidades orais. Sendo assim, considerar as especificidades
gramaticais de uma língua de modalidade diferente seria o mesmo que reestabelecer um novo
conceito do que é linguagem, do que é gramática e o até mesmo do que é língua, para que assim
pudessem dar conta de todas as línguas do mundo, sejam orais ou sinalizadas. Obviamente,
sabemos que assim como tudo no mundo, a busca de padrões é algo visado por qualquer ciência.
Os surdos e sua respectiva língua não representavam, para algumas classes, o padrão “ideal” de
sujeito e de língua, pois para muitos eles o consideravam deficientes e, portanto, sua produção
sinalizada era vista como forma de expressão de sujeitos que “não falavam”, pois não
produziam som.
Desse modo, o que percebemos, por meio das escolhas dos cientistas da linguagem,
não só se tratando do lugar da língua de sinais na ciência linguística, mas como o estudo de
línguas como um todo, é a correlação direta com a política da linguística. Desde a decisão e
postura de como estudar uma língua e qual meio de produção a descrever (seja pelos sons ou
pelos sinais), acreditamos ser um ato político. Nos dias de hoje, com o empoderamento de
diversos grupos sociais, entre eles os surdos, ser visto pela língua é ser visto enquanto sujeito,
portador de uma cultura, constituído de uma identidade surda. Se no século passado ele foi
marginalizado, com o decorrer dos anos, ele passou a ser reconhecer enquanto falante de língua
de sinais e membro de uma comunidade de fala. Essa autoridade, conquistada vagarosamente,
fez com que o cientista da linguagem repensasse:
Neste tópico trataremos de forma breve sobre a Tipologia das línguas de sinais a partir
do artigo Raízes, folhas e ramos – a tipologia de línguas de sinais de autoria de Ulrike Zeshan
(International Centre for Sign Languages and Deaf Studies University of Central Lancashire,
Preston, UK), contido no livro Questões Teóricas das Pesquisa em Línguas de Sinais –
resultado de uma seleção dos trabalhos divulgados no TISLR 9 ( Theoretical Issues in Sign
language Research 9) – 9º Congresso Internacional de Aspectos teóricos das Pesquisas nas
Línguas de Sinais que foi sediado pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC,
Florianópolis, SC, em dezembro de 2006. Deste modo, trataremos adiante de forma breve sobre
a tipologia em língua de sinais a partir das ideias de Zeshan (2009) publicadas no artigo
supracitado.
Pizzio (2011), em sua tese de doutorado, antes de apresentar dados sobre a tipologia
em línguas de sinais, elucidou o conceito de tipologia linguística, explana os tipos de pesquisas
existentes na área no intuito de inteirar os leitores sobre o assunto. Portanto, a seguir, a partir
dos estudos da cita autora apresentaremos três principais conceitos de tipologia a partir das
ideias de Croft (1990, 2003):
64
Whaley (1997), Song (2001), ou seja, a busca pelo que todas as línguas têm em comum e o que,
desse modo pode-se considerar como sendo esta, a verdadeira natureza da linguagem humana.
A tipologia de língua de sinais possui dois objetivos inter-relacionados, ambos
associados a metodologias diferentes. Assim temos a documentação detalhada de línguas de
sinais individuais em todo o mundo e esta, por sua vez, se sobrepõe, em linhas gerais, à pesquisa
descritiva correspondente em linguística de sinais, porém com um foco um tanto diferenciado.
Para Zeshan (2009) o estudo interlinguístico sistemático de amostras amplas de línguas de
sinais genética e geograficamente não relacionadas constitui uma nova tarefa sem precedentes
paralelos em linguística de sinais, mas sim em vários aspectos similares ao trabalho
correspondente na tipologia de língua falada. Esses dois tipos de investigação têm o objetivo
de conduzir a uma teoria de variação entre línguas de sinais, o que é o objetivo secundário mais
importante da tipologia de língua de sinais.
Face ao exposto, considerar os padrões de diferenças e semelhanças entre as línguas
de sinais nos possibilita, também, reavaliar a questão dos universais da linguagem, tanto para
as línguas de sinais quanto para as línguas faladas, bem como a questão das diferenças de
modalidade entre línguas de sinais, por um lado, e línguas faladas, por outro. Considerando a
pesquisa em tela, acrescento ainda que o arcabouço da tipologia de língua de sinais é
especialmente propício ao desenvolvimento de análises descritivas de línguas de sinais ainda
não documentadas, pois ela incorpora uma ampla perspectiva baseada no conhecimento já
existente sobre a diversidade tipológica entre as línguas faladas (ZESHAN, 2011).
Em suma, Zeshan (2008) sistematizou que para definir os objetivos da tipologia das
línguas de sinais, o aumento da documentação de línguas de sinais específicas, somadas a
trabalhos comparativos, com estes dados possibilitaria formular uma teoria sobre a “variação”
nas línguas de sinais. Seria possível, então, saber quais são os universais linguísticos
independentes da “modalidade” – se a língua é falada ou sinalizada – e quais são os traços que
são específicos das línguas de sinais, dado seu canal de comunicação.
Complementando ainda, Zeshan (2008) acrescenta que surgiu, assim, o interesse nas
“línguas de sinais de aldeia” ou “rurais”, um tipo “novo” que se oporia às línguas de sinais de
“comunidades surdas” ou de instituições de ensino. Deste modo, a descrição de algumas delas
apontou fenômenos que não estavam presentes em nenhuma língua conhecida, como numerais
subtrativos na língua de sinais de Mardin, que ele havia estudado. Segundo Zeshan (2008, p.
675), as línguas de sinais de aldeia seriam mais uma peça do mosaico de tipos diversos de
68
línguas de sinais a serem descritas e estudadas. Algumas destas línguas foram chamadas de
emergentes e foram estudadas para entender como surgiria uma língua.
Em suma para a tipologia de língua de sinais, é importante investigar explicações
voltadas as diferenças e semelhanças entre as línguas de sinais e é partindo desse pressuposto
que trataremos adiante de possíveis explicações considerando as diferenças e semelhanças
existentes entre a Cena e a língua de sinais da comunidade de Caiçara.
Durante muito tempo a comunidade científica trouxe, e traz ainda, uma boa dose de
rejeição às Línguas de Sinais das comunidades surdas, associando-as à gestualidade primitiva
e, portanto, à inferioridade, pois para eles o homem em seu estado primitivo estaria associado
a dêixis, aos gritos e aos gestos (RAMOS, 2004). E como vimos anteriormente, os estudos
relacionados à linguística focavam primeiramente no estudo dos sons.
O esforço em distanciar os “gestos” dos estudos linguísticos que compreendem as
línguas de sinais é visto por McCleary e Viotti (2011) como uma grande ironia. Para os autores,
tal ironia se dá, uma vez que cresce o interesse pela gestualidade que acompanha a fala das
línguas orais, fica cada vez mais evidente que a linguística das línguas sinalizadas está na
contramão. Contudo, conforme Cavalcanti (2007) essa é uma percepção recente que
corresponde ao momento atual onde o conceito tradicional de língua tem sido problematizado
e os “gestos” tanto na língua oral como na língua de sinais têm sido (re)pensados não apenas
como parte da gramática e organização discursiva, mas como indispensáveis a tais modalidades
de linguagem.
A linguagem oral, nos termos de Fedosse (2000b), é prenhe de gestos, por isso não é
de admirar que durante sua aquisição o gesto tenha um papel importante. Santana et al (2008,
p. 297-306) afirma que
[...]
Quando se afirma que os gestos manuais das crianças são mais complexos que os da
mãe ouvinte, deve-se levar em conta que a mãe privilegia outra forma de significação.
Para ela, a fala preencheria os vazios deixados pelo desconhecimento de um referente
gestual para as palavras da linguagem oral. Por isso, os gestos são inventados a partir
da percepção de cada interlocutor (SANTANA et al 2008, p. 297-306).
Kumada (2012) afirma que alguns sinais domésticos são altamente estruturados.
Consistem de um léxico com morfologia organizada e algumas regras sintáticas. Mayberry e
Eichen (1991) questionam se esses sinais podem funcionar como linguagem. Goldin-Meadow
(1979) estudou com detalhes os gestos produzidos pelas crianças surdas a fim de defender a
tese de que o ser humano é dotado de criatividade para a linguagem, mesmo sem ambiente
linguístico. Para a autora, o sinal doméstico é a prova disso. Seu sistema linguístico é
semelhante ao da linguagem oral (aspectos semânticos, sintáticos) e ele é produzido em
contexto semelhante às primeiras palavras dos ouvintes; ou seja, as mesmas propriedades
encontradas nas línguas naturais são encontradas nos sinais domésticos e são percebidas na
ausência do input linguístico convencional. Para Goldin-Meadow (1979), o interessante é que
as mães ouvintes produzem apenas gestos simples, enquanto os filhos surdos produzem gestos
bem mais complexos. Na surdez, a criança é “forçada” a criar símbolos.
Kegl, Senghas e Coppola (1999) citados por Kumada (2012) apoiam essa tese
baseando-se em outra evidência. Para os autores, os sinais domésticos podem ser considerados
mímicas, mas não contêm nenhum sistema gramatical. Essas mímicas são realizadas com o
corpo todo e a comunicação depende fortemente do contexto, sendo quase como sinais
individuais. As expressões faciais evidenciam afeto, mas não correspondem a um sistema
gramatical, diferente da língua de sinais; contudo, se uma criança que produz esses sinais
domésticos entrar em contato com outra criança que também produza sinais domésticos, estes
podem vir a tornar-se mais estruturados, mas somente entre aquelas crianças que possuem idade
inferior a sete anos. Os autores acrescentam que esses sinais domésticos não podem ser
considerados como um pidgin para a origem da crioulização, correlacionando o uso dos gestos
com a ausência do input linguístico e tomam estes gestos como evidência da capacidade
humana para a linguagem; mas essa capacidade para a simbolização só pode ser efetivada nas
interações sociais, na relação com o outro (DE LEMOS, 1982).
São as interações que propiciam a emergência dos gestos, e não apenas uma
capacidade biológica dada, a maturação de um órgão da linguagem. Kumada (2012) acrescenta
que a partir do momento em que a mãe atribui sentido e significado ao gesto do filho, vocal e
manual, este ganha um estatuto diferenciado: ele significa não só para a criança que o faz, mas
70
também para o interlocutor, que o interpreta. Isso ocorre tanto nos gestos da mãe quanto nos da
criança. São os interlocutores, nas interações dialógicas, que chegam a um acordo quanto ao
sentido do gesto e, a partir daí essa significação é convencionalizada.
Ainda para a autora, os gestos são interpretados pelo outro e, assim, internalizados,
que há a possibilidade de criação de outros gestos. Essa atividade de mão dupla é própria da
natureza dialógica e interativa da linguagem e é o que possibilita a criação de um sistema
gestual, próprio para cada situação, ou seja, podemos dizer que cada sujeito cria em seu entorno
familiar uma língua de sinais caseira. Deste modo, percebe-se que não é um input linguístico
que proporciona o desenvolvimento da linguagem, mas sim, a relação de interdependência entre
contexto social e linguagem, entre um signo e o seu sentido compartilhado por duas ou mais
71
Como vimos acima, vários autores já discorreram sobre língua de sinais emergentes.
As línguas de sinais emergentes são línguas que surgem objetivamente para conversar com os
surdos. Muitas vezes quando estas línguas são utilizadas percebe-se um número reduzido de
falantes, o que as torna de risco necessitando em caráter emergencial de mapeamento e registro,
sendo estas, patrimônio imaterial da sociedade.
75
3 LÍNGUAS EMERGENTES
Antes de nos aprofundarmos sobre esse novo termo Línguas de sinais Emergentes,
precisamos estabelecer o conceito de línguas emergentes. Neste contexto de grupos que falam
uma determinada língua, ou grupos que estão isolados de centros urbanos, ou ainda grupos
menores que vivem em aldeias e que, por alguma condição fisiológica, no caso a surdez, acabam
criando e utilizando uma forma visuo-espacial de comunicação.
Uma língua é considerada ameaçada quando há risco eminente de ela não ser mais
falada. As línguas que possuem um número pequenos de falantes também são consideradas
ameaçadas, ainda que não exista declínio na proporção de crianças que as aprendem, pois são
postos em contato com uma língua de um grupo dominante e que pela própria condição a qual
são expostas passam a utilizar aquela língua inicial de maneira menor, com menos falantes e
são utilizadas apenas em situações de comunicação emergencial.
Esse conjunto de fatores pode levar ao surgimento de uma língua totalmente nova,
distinta de todas as línguas que estiveram presentes na situação de contato em que essa nova
língua se formou; sendo essa nova língua, inclusive, ininteligível para os falantes monolíngues
das demais línguas.
As línguas emergentes são geralmente faladas por pequenos agrupamentos humanos
que se mantiveram em situação de grande isolamento. Muitos destas línguas emergentes já
desapareceram ou estão em vias de extinção, sem nenhum conhecimento de pesquisadores e
infelizmente sem o seu registro. Estas línguas que surgem em situação de emergência
infelizmente, em decorrência do não registro, passam a se encontrar em situação de risco, ou
seja ameaçada.
De acordo com Alves (2019), a cada quinze dias, uma língua morre. As mais
ameaçadas de desaparecimento são as línguas indígenas, cujos povos são os mais vulneráveis.
A partir do presente estudo, arrisco-me a dizer que as línguas de sinais de comunidades isoladas
e/ou emergentes também entram para esta contagem. Segundo Kuzmin, essa situação pode
resultar em uma séria redução da diversidade cultural e intelectual, que sempre foi a base da
vida humana em nosso planeta, uma vez que a extinção de línguas minoritárias significa a
extinção de conhecimentos vastos e essenciais nelas embutidos, especialmente o conhecimento
da natureza, do clima, doenças e perspectivas dos povos que vivem, por exemplo, no extremo
76
norte do planeta, nas regiões pouco acessíveis das selvas africanas, ou nas áreas de alta
montanha, isto é, nos territórios que estão agora no centro das atenções de grandes empresas e
políticos. Face ao exposto, é indiscutível que as línguas minoritárias devam ser cuidadas, por
mais difícil e dispendiosa que seja essa tarefa, afirma Evgeny Kuzmin em entrevista para Alves
(2019).
Com o advento da globalização, a internacionalização da economia, projetos de
desenvolvimento, migrações e do ciberespaço são elencados como causas da extinção das
línguas. De acordo com Oliveira (2019), estes desenvolvimentos, em geral feitos na velocidade
voraz do capitalismo, trouxeram deslocamentos culturais e territoriais inéditos na história sem
dar às comunidades linguísticas tempo para uma atualização estratégica de suas visões de
mundo, o uso de seus conhecimentos e suas linguagens. Ressalta-se que a perda pode ser de
âmbito ou ser uma descontinuidade intergeracional, sendo que no primeiro caso, há diminuição
paulatina dos espaços em que uma língua é usada.
Tanto em Várzea Queimada (Pi), quanto em Caiçara (Ce) as comunidades surdas
falantes de uma língua de sinais emergente, hoje são envoltos por uma diminuição paulatina
das suas línguas de sinais e uma das principais causas é o uso das tecnologias e
consequentemente a aprendizagem da Libras por meio de vídeos etc. De acordo com Alves
(2019) na Índia, por exemplo, o telugu, embora tenha 86 milhões de falantes - mais que o
italiano, por exemplo - está cada vez menos presente nas escolas, dado o avanço das
“englishmedium schools” no país.
No segundo caso, há diminuição da transmissão, quando os filhos já não falam ou não
querem falar a língua da família ou dos pais. Para Oliveira (2019) quase sempre estas perdas
estão interrelacionadas, ou ainda são motivadas por outros fatores sejam eles externos ou
internos a comunidade onde estes residem. Como fatores internos temos a própria mudança de
valores que cada indivíduo ao crescer vai adquirindo e como fatores externos temos o contato
destes indivíduos com outras realidades, como, por exemplo, o contato com outros falantes seja
na escola ou por meio de recursos digitais.
A UNESCO, em seu Atlas das Línguas em Perigo, considera cinco principais graus
para definição da vitalidade das línguas: vulneráveis, definitivamente ameaçadas, severamente
ameaçadas, criticamente ameaçadas e extintas. Em uma sexta categoria entrariam as
revitalizadas, muito poucas. Em geral uma língua entra num processo de perda quando mudam
as condições de vida de uma comunidade e quando uma língua mais poderosa começa a atrair
77
os falantes, porque espelha melhor ou parece espelhar melhor as novas condições de vida,
destaca Oliveira (2019).
Acrescenta-se que quando falamos em preservar uma língua, não estamos falando
apenas em conservar amostragens gravadas de uma língua em um instituto de pesquisa, mas de
uma mudança no comportamento linguístico de uma comunidade, de quando ela se torna capaz
de perceber a sua língua como um ativo político e econômico, e a partir daí interpreta, analisa
e começa paulatinamente a modificar o seu lugar no mundo utilizando e aprimorando a sua
língua para novos usos (ALVES, 2019). Neste sentido, o presente trabalho motiva-se em ser
esse motor para que ambas as comunidades envolvidas possam perceber a riqueza que está em
seu falar, nessas línguas de sinais emergentes.
Como vimos no tópico anterior, nenhum ser humano pode viver em uma situação em
que a comunicação não exista. Deste mesmo modo, quando pensamos nos surdos que vivem
em alguma situação de isolamento e distante de dos centros onde há um sistema de comunicação
reconhecido ou oficial dentro daquele grupo, identificamos assim nesses espaços uma língua
de sinais emergentes.
Um desses exemplos é a língua de sinais falada em Martha's Vineyard (Vinhedo de
Marta) que é uma ilha na costa nordeste dos EUA, no estado de Massachusetts. Com uma área
de 231,75 km2, Martha's Vineyard é a 57ª ilha dos Estados Unidos por área. Atualmente a ilha
hoje é predominantemente uma colônia de férias para veraneio.
Na década de 1970, Nora Groce, era estudante de pós-graduação na Brown University,
e passou três anos viajando para Martha's Vineyard no intuito de entrevistar os residentes mais
antigos da ilha e registrou os seus dados em seu livro, "Everyone Here Spoke Sign Language".
Muitos destes registros traremos a seguir. As informações contidas neste tópico advêm tanto do
citado livro quanto de uma pesquisa realizada por Almir Cristiano em 2018.
Marthas Vineyard é uma ilha isolada, e seus primeiros colonos vieram do sul da
Inglaterra. Dentre eles, havia um surdo chamado Jonathan Lambert (1694), que era carpinteiro
e agricultor. Jonathan casou-se com uma ouvinte, e geração após geração, seus filhos nasceram
com o mesmo gene para a surdez. Em 1710, a migração tinha praticamente cessado, e a
comunidade endogâmica criada continha uma alta incidência de surdez hereditária, que
persistiria por mais de 200 anos.
78
Fonte: mvmuseum.org27.
27
Imagens disponíveis em <https://mvmuseum.org/collections/photographs/>. Acesso em: 08 abr. de 2020.
79
completamente diferente. Todavia, havia uma igualdade rara entre surdos e ouvintes, e isto é
uma coisa notável e maravilhosa, pois os preconceitos sobre as pessoas surdas não existiam,
fazendo a comunidade da pequena ilha parecer o lugar perfeito para os surdos.
Cristiano (2018), em seu trabalho, cita algumas curiosidades sobre a ilha e os surdos:
havia surdos em todas as famílias; a maioria da população era bilíngue; as pessoas eram vistas
sinalizando mesmo quando não havia surdos presentes; os surdos trabalhavam na agricultura,
em lojas, em diversos postos de trabalho e também eram eleitos para cargos políticos, tornando-
se prefeitos e vereadores, uma coisa inédita no resto do país; os agricultores ouvintes
sinalizavam para seus filhos em campos abertos, onde a voz não alcançava; as crianças
sinalizavam umas para as outras enquanto a professora estava de costas; e os adultos
sinalizavam durante os sermões da igreja, para não fazer barulho.
28
Imagens disponíveis em <https://mvmuseum.org/collections/photographs/>. Acesso em: 08 abr. de 2020.
80
29
Imagens disponíveis em <https://mvmuseum.org/collections/photographs/>. Acesso em: 08 abr. de 2020.
81
30
Enquanto antropólogo do Serviço de Proteção aos Índios, Ribeiro esteve entre os Ka’apor em duas viagens, do
final de 1949 até abril de 1950 e em 1951. Ribeiro (1954 [1974]: 32) tinha a intenção de fazer uma terceira
viagem, mas nunca mais voltou aos Ka’apor. Huxley acompanhou a segunda expedição de Ribeiro.
31
A bouba, também conhecida como frambesia ou piã, é uma doença infecciosa que atinge a pele, ossos e
cartilagens. Esta doença é mais comum em países tropicais como o Brasil, por exemplo, e atinge especialmente
as crianças com menos de 15 anos, principalmente nas idades entre 6 e 10 anos. A causa da bouba é uma infecção
causada pela bactéria Treponema pertenue, uma subespécie da bactéria que causa sífilis. Porém, a bouba não é
uma doença sexualmente transmissível, nem causa a longo prazo problemas cardiovasculares como a sífilis.
Disponível em https://www.tuasaude.com/bouba/, acesso em 01/05/2021
83
povo ka’apor contaria com menos de 500 pessoas e destas, cinco eram surdas (mais de 1% da
população).
Godoy (2020, p.67) acrescenta
Nesta perspectiva entendemos que a língua ka’apor de sinais é utilizada com os surdos,
nas aldeias em que há surdos e nas que os surdos visitam. Todavia percebemos a partir de nossas
leituras sobre os Ka’apor que os ouvintes são peça fundamental da base social da língua, pois
constituem a maioria dos usuários desta língua, uma vez que os surdos são sinalizantes por
condição física, os ouvintes o são pela condição social que os liga aos seus patrícios surdos e
não obstante acrescenta-se que os surdos não têm nenhum acesso à língua falada.
Em suma pode-se dizer para a língua de sinais ka’apor o mesmo que foi dito para a língua de
sinais de Ban Khor, uma vila do nordeste da Tailândia por Nonaka (2012, p. 305):
Partindo desse pressuposto, compreendemos que a maioria dos surdos que vivem no
Brasil seja nas capitais ou nos municípios do interior, na sua maioria está isolada dentro suas
famílias ouvintes ou em micro-comunidades, comunicam-se por línguas de sinais criadas por
eles mesmos em interação com seu círculo familiar ou com os partícipes da comunidade. A essa
língua de sinais chamamos de Língua de Sinais emergentes.
Fusellier-Souza (2004), em sua pesquisa sobre língua de sinais emergentes,
compartilha e reafirma em seu estudo a ideia da existência de certos pontos características
funcionais entre gestos humanos e linguagem gestual emergente. Ou seja, para a autora existem
ligações entre os processos cognitivos, o processamento visual de informações e a forma gestual
de dois universos de representação: o verbal e o de imagens.
Essas línguas de sinais emergentes são estruturadas a partir de intenção semiótica de
comunicação e baseia-se na modalidade visuo-gestual. Neste contexto, as pessoas surdas e
ouvintes são protagonistas na co-construção de dizer a partir do corpo, ou seja, assim como na
maioria das línguas, as representações linguísticas surgem a partir das próprias experiências
sejam elas corporais, visuais e culturais.
Nesta perspectiva, essa língua visuo-gestual, criativa e emergente, permite aos seus
falantes que eles se encaixem o ambiente em que vivem e ouvem as pessoas se adaptarem ao
seu modo de falar sua linguagem de sinais. Esse processo comunicativo natural, usado toda vez
que uma criança surda nasce independentemente do local em que ela resida, merece para ser
estudado com mais profundidade, a fim de ser levado em consideração e que venha a ser
estudado em seus níveis linguísticos, antropológicos e sociolinguísticos, assim como a Libras
vem sendo estudada desde a sua oficialização em 2002.
No ano de 2001, Cuxac em suas pesquisas trouxe os princípios criativos da construção
da fala seja ela sinalizada ou oral, baseado no canal visual-gestual e iconicidade. Acrescentou
ainda que estes princípios criativos devem ser estudados no intui de preservar e registrar tais
línguas, bem como seguir guiando qualquer iniciativa educacional sobre a educação de surdos,
especialmente quando se trata de criar estratégias que favoreçam o ensino e a aprendizagem de
línguas de sinais e o português como segunda língua para surdos.
De Vos e Pfau (2015), em seu artigo Rural Sign Language, afirma que em vários
países, as línguas de sinais são espontaneamente emergidas em comunidades com alta
incidência de surdez, geralmente hereditária. Eles acrescentam que enquanto a incidência de
surdez congênita nos países em desenvolvimento é de aproximadamente 0,1%, a incidência nas
áreas rurais dos países em desenvolvimento é geralmente estimada em três a cinco vezes
85
citados autores compilaram todas as LSEs com publicações conhecidas na literatura. Esta tabela
agrega dados que já estavam disponíveis em outras tabelas idealizadas por De Vos & Pfau
(2015, p. 268), Silva & Quadros (2019, p. 22.118-22.121) e Le Guen (2019), Almeida-Silva &
Nevins (2020) atualizando-a posteriormente no Quadro 03 com novos dados obtidos durante a
elaboração desta tese.
As comunidades acima elencadas estão isoladas por várias gerações por questões
naturais que decorrem da localização ou modo de vida desta população, o que não pode ser
confundindo com os casos de negligência linguística.
Em contextos de LSEs, a maioria destes códigos surge da interação espontânea dos
surdos com os gestos utilizados pelos seus familiares ouvintes, ou seja, provavelmente estas
LSEs surgem como sinais caseiros, por isso, em todas essas comunidades com LSEs, a língua
de sinais é utilizada não só pelos surdos, mas é também compartilhada com os ouvintes.
Deste modo, alguém poderia se perguntar se na verdade estas LSEs não seriam uma
criação dos ouvintes, já que eles são os principais interlocutores dos surdos que compõem as
primeiras gerações destas línguas. Godoy (2020) em sua tese já afirmava que entre os Ka’apor,
não há uma interação privilegiada entre surdos, em detrimento dos ouvintes, isto se deve, em
boa parte, pelo pequeno número absoluto de surdos. Não existiria uma “comunidade surda” ou
um “povo surdo” inserido na sociedade ka’apor. Inclusive, conforme cita Godoy, os ouvintes é
que servem de modelo de aquisição dos sinais pelos surdos. Somado a isto, alguns dos sinais
existem na fala dos ouvintes como gestos (ou vice-versa).
Concorda-se em parte de que os ouvintes podem sim contribuir com a formação das
LSEs e, por isso, essas línguas não se desenvolveriam a partir de um input zero, já que os
interlocutores ouvintes forneceriam algum tipo de substrato gestual para que se iniciasse uma
comunicação caseira. Somado a esses fatos, de acordo com Almeida-Silva e Nevins (2020) na
ausência de surdos, nenhuma LSE surgiria, já que os surdos são os únicos responsáveis pela
emergência e beneficiados pela manutenção da língua ao longo das gerações. Portanto, a
interação com ouvintes, apesar de contribuir para a emergência de uma LSE, nunca poderá ser
responsável pela sua organização e fixação.
91
Cuxac (2001; 2005) propõe que o estudo de língua de sinais emergente seja analisado
a partir da extraordinária capacidade humana de linguagem. Certamente as línguas de sinais
atualmente utilizadas por surdos em diferentes países do mundo tiveram, como ponto de partida,
situações pragmáticas análogas àquelas observadas em surdos que utilizam línguas de sinais
emergentes.
Uma criança surda desde o nascimento, criada em um ambiente exclusivamente
sonoro, na grande maioria das vezes costuma não se beneficiar de modelos de língua utilizados
pelos adultos. Da mesma forma, para os pais ouvintes de uma criança surda é quase impossível
pôr em prática as estratégias de motivação contínua e adaptação que normalmente é realizada
de acordo com o desenvolvimento da linguagem de seu filho (VYGOTSKY, 1962).
As diversas solicitações e interações que não costumam passar pelo modo verbal,
colocam a criança surda em uma situação de dupla restrição, ou seja, que ela tenha que dizer
algo e não seja capaz de dizê-lo, bem como numa situação que demanda desejos, fantasias,
afetos sempre irão existir sofrimentos por ter que ser expressar e nem sempre saber se está
sendo compreendido. Esse motor de dizer ao outro, a comunicação, é tão poderosa, tão
profundamente enraizada no ser humano, que fazem com que as crianças surdas inventem o
processo inverso de se tornar os criadores de um novo falar para o adulto.
Susan Goldin-Meadow (1991), como pioneira, mostrou que antes da criança entrar na
escola, estas já estão tentando se comunicar com as pessoas ao seu redor por meio de gestos
chamados “homesigns” ou sinais caseiros (Ver quadro 02), dos quais eles mesmos são os
criadores sua conduta auditiva. Essas criações gestuais, evidências da capacidade humana de
categorizar, permitem a hipótese de estabilizações conceituais pré-linguísticas baseadas no
universo perceptivo-prático.
As fortes semelhanças nas formas gestuais utilizadas mostram que um processo de
iconização da experiência foi implementado e que esse processo se baseia na descrição dos
contornos da forma e/ou a linguagem corporal icônica de formas salientes de referentes
categorizados (CUXAC, 2001). Estes gestos usados para fins semióticos são um pouco como
boias e suportes lançados em direção do adulto (o outro, ou seja, o receptor da mensagem).
Cuxac (2000) em seus estudos também propõe a teoria da iconicidade, citado por
Vilhalva (2009), o processo de organização inicial do dizer, em qualquer língua de sinais,
92
emerge por um mesmo processo cognitivo a partir de três princípios: a construção do dizer a
partir do processo criativo de performance gestual, ou seja, a iconização da experiência
perceptivo-prática; as rotinas de transferência, passagem da ilustração específica para
categorização genérica - Sinais estabelecidos num grupo reduzido; e Categorias e
generalizações dos sinais gestuais nascendo dali uma língua de sinais, com todas as
propriedades de uma língua (CUXAC, 2000).
A partir das observações teóricas utilizadas pela autora, baseadas em Cuxac (2000) e
sua teoria sobre a iconicidade, infere-se que antes do agrupamento comunitário o indivíduo
surdo não dispõe de um sistema gestual linguisticamente organizado. Desse modo,
compreendemos essas formas de comunicação destes surdos isolados como “sinais emergentes”
e consequentemente em suas casas no seio familiar, estes criam uma forma de comunicação
interior, ou seja, tal comunicação emerge de forma caseira e posteriormente a depender das
redes sociais destes indivíduos, esta se expande e passa a ser de uso comunitário.
Assim, ao receber estas mensagens repassadas por estes sinais caseiros ( homesigns), o
adulto as agarra e as reutiliza, as recupera por conta própria, então o processo continua e se
torna compartilhado. Por outro lado, quando as famílias ouvintes não respondem às solicitações
de linguagem gestual da criança surda, esta pode interromper o processo criativo. No entanto,
mesmo que esta criança cresça fora do sistema educacional, e ainda se a família reutiliza os
sinais utilizados pela criança, uma língua de sinais emergente se instala e se torna estrutura na
vida adulta integrada às pessoas ouvintes (YAU, 1992; FUSELLIER-SOUZA, 2004).
Fusellier-Souza (2004), pioneira no estudo de Língua de Sinais emergentes no Brasil,
propôs um estudo linguístico detalhado de três línguas de sinais emergentes praticados por
adultos surdos brasileiros que nunca viveram em uma comunidade surda, nunca foram à escola
93
e sempre se integraram socialmente com a sua forma específica de comunicação. Tal estudo –
feito como parte de sua tese de doutorado intitulada Semiogênese das linguagens de sinais –
estuda as principais línguas de sinais praticadas por surdos brasileiros, revelando a relevância
epistemológica de uma abordagem tão icônica, contribuindo realçando assim usos, funções e
estruturas autenticamente linguísticas das línguas de sinais que atualmente vão emergindo do
escuro.
Após conceituarmos o que seriam as línguas de sinais emergentes, conheceremos no
tópico a seguir um pouco dos avanços percorridos para registro destas como patrimônio
linguístico e imaterial da humanidade
Neste tópico, traremos de forma breve algumas questões que nos chamou atenção
durante nossa pesquisa referente às línguas de sinais emergentes. É notório que os surdos se
utilizam de meios visuais para compreender o mundo ouvinte e constituir suas próprias
representações, uma vez que o acesso à informação por meio da experiência visual se relaciona
com as negociações para o estabelecimento de trocas linguísticas entre Línguas Orais e Línguas
de Sinais.
Sabemos que o contato com os ouvintes é uma vivência cotidiana na vida dos surdos
(KYLE; ALLSOP, 1982 apud ROSA; GOES; KARNOPP, 2004). Ferreira-Brito (1995) ressalta
que os usuários da Libras lançam mão de diversos tipos de empréstimo linguístico: lexical,
inicialização, itens lexicais de outras Línguas de Sinais, domínios semânticos e até empréstimos
de ordem fonética, e não obstante estes usos certamente ocorrem nas línguas de sinais
emergentes.
Quadros e Karnopp (2004) igualmente assinalam que, de forma geral, todas as Línguas
de Sinais e Línguas Orais, em algum momento, incorporam palavras estrangeiras em seu léxico.
Desse modo, o alfabeto manual da Libras é o instrumento utilizado para os empréstimos
lexicais. Por meio da soletração digital, representamos palavras ou termos para os quais não há
um sinal equivalente no uso dessa língua.
94
Entendemos que este recurso em algum momento assume uma função na interação
entre os usuários da língua de sinais. Reforça-se que em nossos dados o uso deste recurso
ocorreu de forma ocasional para soletrar nomes próprios de pessoas ou lugares, siglas, e algum
vocábulo que durante a interação não foi possível estabelecer um sinal.
Na Língua de Sinais Pataxó, Damasceno (2017), registra que uma das índias surdas
participantes da sua pesquisa marca a passagem dos meses, basicamente, distinguindo as
97
estações de verão e de inverno, apresentando sinais para CALOR e FRIO. Ferreira-Brito (1995)
discorreu acerca dos sinais para tempo em Libras e em Língua de Sinais Kaapor Brasileira
(LSKB), a partir de uma análise léxico-semântica, observando que, na LSKB, diferentemente
da Libras, o ano não é organizado em meses. Distintamente, as estações do ano assim como
seus fenômenos característicos (seca, verão, chuvas etc) influenciam a formação dos itens
lexicais que representam a passagem do ciclo anual. Deste modo, ANO, em LSKB, é um sinal
composto, organizado a partir dos sinais SOL-VERÃO.
Ferreira-Brito (1995) citada por Damasceno (2017) ressalta que a estação Verão é a
mais importante para a comunidade, dentre outros fatores, pelo fato de a mandioca, alimento
básico dos Urubus-Kaapor, ser cultivada nesse período, o que impacta significativamente na
vida dos moradores.
Em Língua de Sinais Pataxó para explicar sobre o mês de janeiro, Damasceno (2017)
assevera que se deve utilizar o sinal VERÃO, e se necessário realiza a contagem dos dedos e
produz o sinal VERÃO no sentido de identificar quantos meses faltam para essa estação. Os
sinais FRIO/INVERNO e CALOR/VERÃO, ilustrados na figura 31, consistem em referentes
de alguns períodos do ano que, em nossa cultura, é dividido em doze meses:
No que diz respeito aos dias da semana, na Libras, há um sinal para cada um dos sete
dias. Já na LS Pataxó, Damasceno (2017) registrou os sinais de DOMINGO e SEGUNDA. Para
os demais dias são mencionados, tomando-se como referência DOMINGO e SEGUNDA.
Realiza-se o sinal DOMINGO ou SEGUNDA, a depender da situação, acompanhado de uma
contagem com os dedos das mãos a fim de representar o dia da semana que se aproxima. Essa
contagem é feita num movimento vertical, com direção de baixo para cima, partindo sempre do
98
dedo mínimo. A filha mais velha fornece um exemplo, dizendo “falta hoje para amanhã ser
domingo”, sendo que essa estratégia sinaliza a ideia de futuro próximo (DAMAS CENO, 2017,
p. 12). Lebedeff e Souto (2013) relatam o caso de uma Língua de Sinais Caseira, compartilhada
por dois irmãos surdos do município de Jacaré dos Homens, que apresenta um sinal para cada
dia da semana.
Outro ponto importante e também notado aqui diz respeito aos verbos. Geralmente
eles apresentam a incorporação do instrumento, de maneira que, para indicar a ação de
trabalhar, no geral, faz-se uma sinalização de “retirar o suor da testa”, assim como percebido
também na LS Pataxó essa mesma forma de realização do sinal.
Anteriormente, havíamos falado sobre as questões culturais que envolvem essas
línguas, partindo sempre a criação dos sinais das diversas experiências que estes indivíduos
vivenciam. Um desses casos tão fascinantes que escolhi dentre tantos para, de forma
embrionária, apresentar aqui refere-se aos sinais que possuem a mesma forma de sinalização,
mas que em cada comunidade emergente passam a ter significados completamente diferentes,
motivados sempre pela questão cultural neles imbuídas.
Um primeiro sinal que emerge em meio às experiências visuais dos surdos é o sinal de
ÁRVORE que, em várias línguas de sinais emergentes, apresenta a sua variação de acordo com
o contexto geográfico que este se encontra inserido, conforme veremos na figura 33:
99
Deste modo, Almeida-Silva e Nevins (2020) acrescentam ainda que, na Cena, dias da
semana e meses do ano podem ser alcançados tomando como referência os meses que possuem
itens fixos, como os na figura 36 em que vemos da esquerda para direita os sinais referentes ao
mês de agosto (mês da festa do vaqueiro), mês de setembro (mês dos festejos em que se instala
uma roda gigante na cidade vizinha) e dezembro (mês dos presentes, fazendo referência aos
presentes recebidos no nascimento do menino Jesus). No caso de alguém se referir ao mês de
outubro ou novembro, meses que não possuem um item na língua, a Cena emprega uma
estratégia do tipo o mês que antecede + para frente, por exemplo: setembro + para frente =
Outubro e Dezembro + para trás = Novembro.
Sobre o uso do espaço para o estabelecimento do sistema pronominal, Almeida-Silva
e Nevins (2020) identificaram que os usuários da Cena usam a mesma estratégia que os falantes
de Libras, fazendo o uso da apontação ego-alinhada ao peito do sinalizador para identificar a
primeira pessoa, e as apontações ego-opostas para a segunda e terceira pessoa do discurso.
Sobre os referentes ausentes, os citados autores pontuaram que não foi possível identificar o
uso do mesmo tipo de apontações (pronominais).
102
De acordo com Maher (2013), além do português, são faladas, hoje no Brasil, mais de
222 línguas, dentre línguas maternas, línguas indígenas, línguas de imigração e línguas de
sinais. Os estudos estruturados sobre a língua de sinais brasileira iniciaram-se na década de
1980 com a pesquisadora Lucinda Ferreira Brito (1984), num estudo pioneiro no país, trazendo
algumas considerações iniciais sobre a língua de sinais dos indígenas Urubu-Kaapor (Língua
de Sinais Kaapor Brasileira - LSKB) do Maranhão. A autora compara a forma de comunicação
gesto-visual utilizada pelos indígenas com o que ela chama de língua de sinais dos centros
urbanos brasileiros, que posteriormente é definida como Libras, pontuando diferenças lexicais
entre as duas formas de comunicação.
De acordo com Godoy (2020), a língua de sinais ka’apor chamou a atenção muito
cedo. Mas esta notícia não causou grande impacto, gerando duas pesquisas muito curtas, do
missionário Kakumasu – inspirado pelas línguas de sinais das Planícies – e de Brito, que
conforme visto acima é considerada a pioneira no estudo da língua brasileira de sinais.
As línguas de sinais têm buscado, durante um longo período da história, alcançar o
status linguístico que lhe é direito e, apesar das conquistas mencionadas, ainda nos dias atuais
a Libras é facilmente colocada sob a suspeita de não ser uma língua assim como à língua
portuguesa. O monolinguismo, frequentemente, atribuído à língua de sinais como sendo uma
só para todos os países é um dos exemplos do seu não reconhecimento enquanto língua de fato.
As ideias apresentadas até aqui demonstram que essa necessidade constante de
autoafirmação da língua de sinais enquanto língua não é decorrente apenas do desconhecimento
de leigos na área, pois, conforme apontado por Sacks (1998, p. 33), mesmo a figura fulcral de
L’Épée não considerava como língua os sinais utilizados pelos surdos. Assim assevera -se de
forma semelhante o reconhecimento tardio da língua de sinais, os “sinais emergentes” podem
não estar sendo valorizados linguisticamente em decorrência de uma série de fatores sócio-
históricos envolvendo as representações sobre o surdo e sobre a língua de sinais.
A partir da defesa das línguas de sinais como línguas naturais das comunidades surdas
(QUADROS, 1997, p. 27) os movimentos em direção à reafirmação do surdo como integrante
de minorias linguísticas, e não mais como indivíduos patologizados e limitados, têm sido
constantemente discutidos (SANTANA; BERGAMO, 2005, p. 567).
Para Kamuda (2012), essa é uma percepção recente que corresponde ao momento atual
cujo conceito tradicional de língua tem sido problematizado (cf. CESAR; CAVALCANTI,
103
2007, p.62) e os “gestos” tanto na língua oral como na língua de sinais têm sido (re) pensados
não apenas como parte da gramática e organização discursiva, mas como indispensáveis a tais
modalidades de linguagem (McCLEARY; VIOTTI, 2011, p.289-304). Faz-se necessário saber
que outros estudos já se arriscaram neste campo do saber buscando desvendar o papel dos
“sinais emergentes” no cotidiano das mais diversas comunidades.
Segundo Vilhalva (2012, p. 70), emergente é o que emerge ou que surge conforme as
necessidades de comunicação. A autora também acredita no aspecto evolutivo dos “sinais
familiares” para os “sinais emergentes” e a transição para a língua de sinais, ou seja, “[...] a
língua emergente se encontra no rumo do desenvolvimento e seus sinais são criados conforme
a necessidade individual. Para Vilhalva (VILHALVA, 2012, p. 104), mesmo que cada família
tenha o seu “sinal emergente” ou mesmo que estejam em processo de aquisição da Libras.
Nonaka (2012, p. 56), afirma que ao redor do mundo foram encontradas várias
comunidades surdas usuárias de uma língua de sinais emergente, como por exemplo, na África,
Américas, Ásia, Caribe, Médio Leste, Austrália e Oceania (KAKUMASU, 1968; KUSTERS,
2012; 2012B; MEIR ET AL., 2010; NONAKA, 2004, 2007, 2009, 2010, 2011, 2012A, 2012B;
NYST, 2007, 2012; SANDLER ET AL., 2005).
A referida autora afirma ainda que a terminologia utilizada para tais línguas atualmente
é amplamente conhecida como línguas de sinais de vilas32 (ZESHAN, 2006) ou línguas de sinais
indígenas (WOODWARD, 2000) que espontaneamente se desenvolvem em comunidades com
altos índices de habitantes surdos com grau de parentesco real. Ressalta-se ainda que os lugares
onde essas línguas surgiram possuem natureza geográfica, cultural e linguística diversificados,
mas as naturezas de tais línguas se correlacionam com um tipo especial de comunidade de fala
(GUMPERZ, 1996) e de maneira específica a comunidade de sinais (NONAKA, 2007, 2009)
ou ainda “comunidade de assinatura compartilhada” (NYST, 2012).
Annelies Kusters (2009) e Shifra Kisch (2012b) citados por Nonaka (2012, p. 55)
acrescentam que nas comunidades de fala/sinais, não está relacionada a questão de deficiência
e/ou minoria linguística, mas sim a grupos de pessoas que compartilham de uma língua, cultura
e identidade locais como por exemplo famílias, tribos e/ou vilas. Pereira (2013) apresentou um
estudo antropológico sobre uma língua de sinais utilizada por aproximadamente 36 surdos na
comunidade de Várzea Queimada, zona rural de Jaicós interior do Piauí. Esta língua de sinais
foi denominada de Cena, sendo utilizada na referida comunidade tanto por pessoas surdas
quanto ouvintes.
32
Línguas de sinais de agrupamentos comunitários (Village Sign Language).
104
A partir dos estudos de Pereira (2013) e Zeshan (2006) e ainda nestas perspectivas
geográficas, apreende-se que existiriam em se tratando de comunidades surdas e suas
respectivas línguas de sinais, pelo menos 05 tipos, e a partir de nossos estudos pudemos incluir
mais um tipo de comunidade surda:
rurais ou indígenas. Os autores citados apresentam, ainda, uma tabela para caracterizar as
comunidades surdas urbanas, desligadas e rurais, conforme segue:
Pelo que pode se apreender e mesmo considerando o trabalho árduo dos que se
dedicam ao estudo de uma determinada língua e as dificuldades encontradas para sua
documentação, a maior parte das pesquisas realizadas sobre as línguas de sinais utilizadas pelos
surdos brasileiros não tem se debruçado na sua totalidade (ou pelo menos não nos dão elementos
para refletir) sobre a realidade linguística efetiva e sociocultural das localidades pesquisadas,
bem como de outras comunidades que utilizam línguas emergentes sendo que, em sua grande
maioria, apontam questões de ordem linguística, refletindo sobre as diferenças lexicais entre as
“línguas indígenas” e as “línguas nacionais”, mas não temos elementos suficientes para
pensarmos como essas línguas “indígenas” são us adas ou pensadas pelos moradores das
localidades.
Woodward (1996) e Nonaka (2004) citados por Quadros e Leite (2013), apresentam
um modelo tripartido de variedades de línguas de sinais, que será também útil para a discussão
da presente proposta: as línguas de sinais nacionais, que desfrutam de algum reconhecimento
e/ou políticas linguísticas que as colocam como língua oficial da comunidade surda de seus
106
Aldeia de Cachoeirinha
(Miranda –MS)
Coelho (2011) Língua de Sinais Índios Guarani- Kaowá
Vilhalva (2012) Lima Guarani -Kaiowá (Mato Grosso do Sul –
(2013) Brasil)
Língua de sinais Comunidades Charlize, Formigosa & Língua de Sinais da Pará – Brasil
nativa Isoladas Cruz (2016) Fortalezinha (PA)
Nonaka (2010) nos alerta para o risco de desaparecimento que estas línguas utilizadas
por comunidades surdas isoladas sofrem. Deste modo, urge processos de reconhecimento
dessas línguas como legítimas (tanto para o estado quanto para os estudos linguísticos), uma
vez que a própria estrutura dessas comunidades se posta como fragilizada e com crescente
influência das línguas nacionais, tendem a se modificar.
Face ao exposto, percebe-se que há muito a ser investigado sobre as línguas de sinais
emergentes e que tais estudos estão se evidenciando na atualidade e que para o fortalecimento
de tais línguas é necessário conforme Zeshan (2006) que haja uma documentação destas línguas
de sinais no intuito de fortalecer os estudos sobre a tipologia linguística das línguas de sinais.
Acrescenta-se a este fato as ideias de Quadros e Leite (2013), quando afirmam que é a
documentação que permitirá não apenas às comunidades usuárias dessas línguas, mas a toda
população do país, reconhecer o valor e a riqueza de suas particularidades linguísticas e das
perspectivas culturais nelas imbuídas.
110
5.1 ICONICIDADE
Iniciamos este tópico com questões iniciais sobre a linguística até chegarmos no
conceito de iconicidade. A linguística se relaciona com outras ciências, dentre elas, a semiótica
ou semiologia. Conforme Cunha, Costa, Martelotta (2009, p. 20-22), a linguística é
Nessa perspectiva, Pereira (2019) registra que a língua, como um sistema convencional
de representação de signos, é usada pelos membros de uma determinada comunidade, seja ela
de ouvintes ou de surdos. Na concepção de Benveniste (1989, p. 48), a língua é o principal
sistema que expressa ideias, uma vez que o signo tem a função de representar, ocupa o lugar de
outra coisa substituindo-a. Segundo o mesmo autor, os sistemas de signos têm em comum o
aspecto da significância, ou seja, a propriedade de significar.
Popularmente, conforme cita Amaral (2020, p. 59), a iconicidade foi tratada dentro da
ciência linguística como uma concepção contrária a um dos principais dogmas do
estruturalismo (GIVÓN, 2018), a saber, a arbitrariedade ‘do signo’. A referida ideia foi
difundida durante muitos anos e continua sendo, principalmente porque esta relação entre signo
icônico versus arbitrário, idealizada pelo famoso e intitulado, informalmente, “pai da
linguística” Ferdinand de Saussure.
111
Neste trabalho de pesquisa não nos propomos a tecer críticas ou comparações com os
conceitos clássicos já abordados, mas trazer para este trabalho de forma breve alguns dos
desdobramentos destas concepções que foram evoluindo ao longo dos anos, inseridos dentro de
diferentes abordagens teóricas.
Para iniciarmos nossa discussão sobre iconicidade, traremos a tela o precursor da
Linguística moderna, Ferdinand de Saussure, uma vez que quando ele se propôs a estabelecer
os limites da ciência da linguagem, não se deixou ficar na superfície. Preocupado, sobretudo
segundo o julgamento de Benveniste (1976), com a classificação lógica dos fatos da linguagem,
percebe que é preciso ir aos fundamentos, aos dados elementares a fim de situar cada elemento
na rede de relações que o determina. Deste modo, Saussure definiu língua, distinguindo-a de
linguagem e fala, e estabeleceu outros conceitos que são até hoje essenciais para a linguística
na compreensão de seu objeto de estudo.
Dentre as definições propostas por Saussure (1916), está a de signo linguístico, que se
forma a partir da junção do significante com o significado. Como vimos no capítulo 02, esses
dois elementos são considerados faces de uma mesma moeda: o significante é a imagem
acústica e o significado, o conceito inerente ao signo. Todavia, Saussure esclarece que a
associação dessas partes é arbitrária, ou seja, não há motivo para que, por exemplo, o
significante da palavra ÁRVORE [ahvori] corresponda ao seu significado [planta de tronco alto
com ramagem na parte superior].
Deste modo, ao tomar tal direção, Saussure (1916) exclui qualquer possibilidade de
que esse tipo de associação possa ser de algum modo, icônico, exceto no que diz respeito às
onomatopeias, as quais estão em número reduzido nas línguas.
Não obstante, Benveniste (1976), apresenta uma crítica a Saussure, pois observa que
o precursor da linguística moderna, ao pensar o princípio da arbitrariedade 33, embora declare
tratar da relação significante/significado, ele define a natureza do signo com base, de acordo
com seus exemplos, no significante e no objeto em si. Segundo ele, “Está claro que o raciocínio
33
Em todas as línguas, a relação entre a forma das palavras e o seu significado, assim como a forma da sentença
e os seus respectivos significados, é arbitrária, ou seja, convencionalizada. É, portanto, um sistema flexível e
versátil, considerando-se princípios mais gerais. Nas línguas de sinais, as palavras e suas relações com seus
significados também são arbitrárias. No entanto, há também um conjunto de sinais que apresentam motivação
icônica, ou seja, uma relação direta entre a forma e o seu significado (não-arbitrária). Mesmo assim, os estudos
indicam que, apesar da presença da iconicidade nas línguas de sinais intimamente relacionada com a
visualidade desse sistema linguístico, as palavras são convenvencionalizadas. Até mesmo um sinal que
apresenta motivação icônica acaba apresentando uma forma convencional. Por exemplo, o sinal de ÁRVORE
em diferentes línguas de sinais. Portanto, a arbitrariedade é uma propriedade inerente às línguas humanas
(QUADROS; KARNOPP, 2004).
112
é falseado pelo recurso inconsciente e sub-reptício a um terceiro termo, que não estava
compreendido na definição inicial. Esse terceiro termo é a própria coisa, a reali dade”
(BENVENISTE, 2006, p. 54).
Sob esta ótica, para Benveniste (2006), as partes constitutivas do signo não podem ser
consideradas arbitrárias. Desse modo, ele retoma os exemplos dados por Saussure e
esclarecendo que o significado (ideia) da palavra “boi é forçosamente idêntico na minha
consciência ao conjunto fônico boi”. Assim, para Benveniste, pode haver arbitrariedade quando
se considera a associação entre significante e coisa, mas não quando se leva em conta
significante e significado, posto que, entre estes, há uma completa simbiose.
Face ao debate proposto por Benveniste (2006), convém salientar que, de certo modo,
Saussure estava mesmo refletindo sobre a associação entre a imagem acústica e o conceito, mas
não tenha se dado conta de que a ideia retirada da realidade pode, de algum modo, ter
influenciado na construção do significante. Partindo deste ponto, entende-se a motivação de
Benveniste para afirmar que significante evoca o significado e vice-versa.
Teixeira e Cerqueira (2016) em seus estudos sobre sinais caseiros, apresenta os estudos
da antropóloga Janis Nuckolls (1999), afirmando que a matéria fônica tem um papel que vai
além da comunicação de mensagens. Segundo Nuckolls (1999), o som é simbólico e, por isso,
capaz de expressar nossos estados emocionais, percepção estética, relações que mantemos com
outros indivíduos e deste modo pode haver, sim, uma associação motivada entre significado e
significante.
No intuito de ilustrar tal questão, tomemos o exemplo da palavra mar, que segundo
Saussure (1916) citado por Cerqueira (2016, p. 14) não está ligada por relação alguma interior
à sequência M-A-R. Para tanto, não seria o caso dessa palavra, na sua constituição fonética, nos
remeter ao barulho das ondas que quebram na praia? Teixeira e Cerqueira (2016) ponderaram
a partir dos estudos saussurianos que o fonema [m], embora seja nasal no seu modo de
articulação, tem uma configuração oclusiva que nos permite, acusticamente, supor a formação
de uma onda marinha, enquanto os segmentos [a] e [h] podem ser associados ao desmanche da
onda e ao chiado das espumas que seguem em direção à praia.
Supostamente, Saussure e Benveniste não perceberam essa possibilidade nem mesmo
o fato de que a palavra boi, em português e em francês ( Boeuf), por possuir uma vogal
arrendondada, poder ser associada à estrutura circular do corpo desse animal. Do mesmo modo,
o vocábulo gordo possui esse mesmo fonema vocálico tanto em português como em francês
113
(gros). E é a esse modo de análise que postulam aqueles que estudam o simbolismo sonoro34,
mas como assinala Bolinger (1978 apud NUCKOLLLS, 1999) esse tipo de análise não ajuda a
resolver certos problemas, já que os chamados phonesthemes (fonestema: unidade sonora com
significado) não se prestam à formulação de regras, embora suscite questões importantes sobre
os processos históricos que resultam de padrões phonesthemic (fonestêmico).
Seguindo esta mesma perspectiva se a vogal arredondada dos vocábulos em português
e francês (boi/boeuf e gordo/gros) nos parece associar-se à forma mais ou menos esférica do
seu referente, o mesmo não pode ser dito nem em relação ao feminino desses lexemas
(vaca/vache) nem à tradução inglesa (bull), por exemplo.
Decerto, por este motivo, Saussure tenha sido categórico ao afirmar sobre a
arbitrariedade do signo linguístico, e esta é a prova que ele dá é a existência de línguas diferentes
e a diferença entre elas. Ele afirma que o princípio da arbitrariedade possibilita à língua uma
maior flexibilidade e produtividade e deste modo sublinha o inconveniente em se utilizar o
termo símbolo em lugar de signo, já que o primeiro revela um vínculo naturalmente metafórico
com seu significado.
Nuckolls (1999), entretanto, mesmo com as colocações de Saussure (1916), reconhece
a iconicidade como um fator significativo em muitos níveis da estrutura linguística, pois, de
algum modo, a língua estrutura-se a partir da realidade. Nesse sentido, alguns estudos vêm
mostrando que o fazer semiótico, diferente do que pensava Saussure, pauta-se no real, o que
torna a língua uma espécie de instrumento que, ao estruturar a experiência, estrutura o seu
próprio fazer (CHAMARELLI, 2005).
Não obstante, nas línguas humanas, conforme Amaral (2020), o fenômeno da
iconicidade pode se manifestar de diferentes maneiras, dentre elas pela ótica imagética ou por
uma ótica diagramática. O primeiro modelo, a ótica imagética, sempre foi atrelado à forma e ao
sentido que uma imagem evoca no mundo; já o segundo, a ótica diagramada, adota a concepção
do diagrama como analogia entre as relações das suas partes.
De acordo com Amaral (2020), a iconicidade é um fenômeno que foi abordado pela
teoria semiótica, tendo como principal expoente o filósofo norte americano Charles S. Peirce
(1932), que propôs uma divisão entre os dois modos em que a iconicidade pode se apresentar:
i) iconicidade imagética; ii) iconicidade diagramática. A primeira refere-se ao potencial
semiótico da “imagem” e sua correlação direta com a representação no mundo. Deste modo, se
34
Termo utilizado quando uma unidade de som vai além de sua função linguística contrastiva (NUCKOLLS,
1999).
114
pressupõe uma relação unilateral entre forma e significado como, por exemplo, uma foto, uma
estátua, ou mesmo o sinal ÁRVORE da libras:
Para apresentar essa ideia, originalmente explorada por Peirce (1932), Haiman (1985) descreve
o ícone “foto”, que é apontado, tradicionalmente, como um elemento que demonstra a relação
“translúcida” entre forma e sentido. Na foto, em um primeiro plano, notamos a relação nítida
entre a forma e o que ela representa; contudo, há muitos elementos que não estão presentes e
que evocariam ainda mais a referência implícita no momento em que a imagem foi registrada
(AMARAL, 2020). Esta não transparência também é observada no sinal ÁRVORE, que apesar
se evocar características do referente no mundo, não expressa todas a informações que a
imagem do objeto árvore evoca:
Face ao exposto, tem-se apenas um mínimo de informação a respeito das formas, mas
não do tamanho real das entidades representadas. Os movimentos, cheiros, planos de fundo,
não são apresentados, nem mesmo as cores são idênticas, pois o aparato máquina apenas faz
uma reprodução equivalente, mas não real (AMARAL, 2020). Se fossemos avaliar os inúmeros
exemplos de ícones, veremos que eles não são precisos, logo, são imperfeitos. Ou seja, quando
não há uma correlação perfeita, parece que há um contínuo entre um ícone menos icônico para
o mais icônico, em outras palavras “[…] um sinal que se assemelha a seu objeto com respeito
a mil detalhes é mais icônico do que um que se a ssemelha a ele em apenas cem” (HAIMAN,
1985, p. 10)35.
Porém, se a cada análise de ícone ficarmos destacando suas possíveis não correlações
com o referente, a própria natureza de iconicidade é questionável “e é bem possível que uma
35
Tradução feita por Amaral (2020), no original: “[...] a sign which resembles its object with respect to a
thousand details is more iconic than one which resembles it in only a hundred” (HAIMAN, 1985, p. 10).
116
semelhança atenuada possa ser percebida como semelhança nenhuma” (idem)36. Nesse ponto,
Greenberg (1966) citado por Amaral (2020) afirma que o ícone vai perdendo sua identidade
enquanto imagem e assume uma nova como um símbolo, em um processo diacrônico no qual
a mudança e convencionalização marcam a gramaticalização de diversos itens internos e
externos das línguas naturais.
Nessa perspectiva, segundo Quadros (2019) a iconicidade parece motivar, pelo menos
inicialmente a formação de vários sinais, e tais motivações podem aparecer até mesmo no nível
fonológico, remetendo a algum tipo de motivação, embora sem significado explícito. Sobre
estas perspectivas e aproximações da iconicidade com a língua de sinais discorreremos no
tópico a seguir.
36
Tradução feita por Amaral (2020), no original: “and very possibly an attenuated resemblance may come to be
perceived as no resemblance at all” (idem).
117
Abaixo será explorado o conceito de cada transferência, com exemplos da tese de Campello
(2008) citado por Luchi (2013).
37
Assim, conceitualmente, a semiótica, nesses termos, não se configura como a relação entre signos, mas em
uma teoria que se preocupa em “explicitar, sob forma de construção conceitual, as condições da apreensão e da
produção do sentido” (GREIMAS; COURTÉS [s/d], 2008, p. 453).
38
Figura que consiste no emprego da palavra cuja pronúncia imita o som natural da coisa significada” (Hypólito,
2008, p. 14), Sutton-Spence e Kaneko (2016, p. 166) afirmam que “expressões onomatopeicas podem ser
aplicadas a objetos que não produzem sons reais e são melhores compreendidas como formas criativas de
representar as experiências sensoriais de pessoas surdas, e não como representações incompletas do som”
(traduzido por Dias, 2020, p. 23).
122
A figura 40 proposta e analisada por Leite (2008, p. 36) mostra três sinais da Libras:
ÁRVORE; PENSAR e FATIAR. <FATIAR>. Observando-os, é impossível negar o seu aspecto
icônico. Analisando por partes, no sinal ÁRVORE, identificamos o solo (representado pela mão
passiva39), o tronco (representado pelo antebraço da mão/braço ativo) e a copa (representada
pela mão ativa), o que revela a alta iconicidade da configuração das mãos e da sua disposição
espacial. No sinal PENSAR, identifica-se, pelo lugar em que o sinal é realizado, a região à qual
atribuímos o ato de pensar (representada pela própria cabeça), o que revela à alta iconicidade
do ponto de articulação. Por fim no sinal FATIAR, identifica-se o objeto cortante (representado
pela configuração da mão ativa40 em “B”), o objeto cortado (representado pela mão passiva em
“C”) e a ação de cortar (representada pelo movimento da mão ativa, em relação à mão passiva),
o que numa análise breve revela a alta iconicidade não apenas da configuração de mão, mas
também do movimento do sinal e do ponto de articulação (a lateral da mão passiva).
39
Mão que apoia a mão ativa durante a produção do sinal.
40
Mão que serve de apoio para a mão ativa durante a produção do sinal.
123
Taub (2012) analisa a iconicidade nas línguas de sinais tanto na representação de sinais
e eventos concretos, quanto na combinação da iconicidade com metáfora e metonímia para
representar conceitos mais abstratos, ou seja, de forma simplificada a iconicidade é o que os
sinais parecem. Mas quando uma pessoa não sabe os sinais, muitas vezes, não reconhecem a
iconicidade nestes. Na verdade, segundo Quadros (2019), parece mais apropriado reconhecer
que as formas dos sinais lembram algo, incluindo informações de ordem mais conceituais e
culturais.
Para Leite (2008, p. 36) esse processo de construção de sinais fazendo uso de recursos
icônicos é altamente produtivo nas LSs, e está também presente nas LOs, embora de maneira
bem mais limitada (Taub, 2000). Taub propõe, então, um modelo de construção analógico para
0dar conta desse fenômeno produtivo, que envolve três dimensões distintas: seleção de imagem,
esquematização e codificação. O esquema apresentado na figura 36 proposto por Leite (2008,
p. 36), reproduzido de Taub (2000, p. 35), ilustra a aplicação do modelo proposto pela autora à
formação do sinal ÁRVORE da ASL.
Segundo Taub (2000), nosso conceito de árvore carrega todo o nosso histórico
(subjetivo) de interação com árvores, podendo envolver o conhecimento de suas formas,
cheiros, texturas, sons que produzem, além de todo conhecimento enciclopédico que pode ser
adquirido indiretamente sobre elas.
De todo esse potencial intrisicamente ligado às nossas experiências, é feita uma
seleção metonímica de um ou mais traços imagéticos para serem representativos do conceito
na língua. No caso da ASL – e, como veremos mais adiante, também da Libras, a figura 46
apresenta uma árvore que nasce perpendicularmente ao chão, com um tronco liso e uma copa,
124
sem referência, por exemplo, à raiz, folhas, frutos etc. Essa escolha é arbitrária, embora
motivada.
Leite (2008) aponta, por exemplo, que outras LSs escolhem outros traços para essa
representação, como a língua de sinais húngara, que seleciona apenas o solo e o tronco; a língua
de sinais turca, que seleciona apenas a copa; e a língua de sinais chinesa, que seleciona apenas
o tronco, como vemos no quadro 10 abaixo.
41
Os exemplos foram tirados de http://www.hallatlan.hu/en/ (língua de sinais húngara),
http://turkisaretdili.ku.edu.tr/en/wordlist.aspx# (língua de sinais turca), e Klima e Bellugi (1979) (língua de sinais
chinesa). Klima e Bellugi foram os primeiros a apontar a natureza arbitrária, embora motivada, dos sinais nas
LSs.
125
comprido vertical com a ponta alargada. Mesmo com essa esquematização, são mantidos
elementos estruturais suficientes para que os mapeamentos entre o domínio mais abstrato (o
sinal na Libras, na ASL e na Língua de sinais húngara) e o domínio mais concreto (a imagem
da árvore) sejam realizados.
Outra dimensão do processo de formação do sinal descrito por Taub (2000), então, é a
codificação. Na esquematização, recortes importantes são feitos diante da riqueza de detalhes
dos referentes, a fim de que o conceito possa ser representado sem uma violação dos princípios
de economia que toda língua exige. Já na codificação, esse recorte assume um caráter ainda
mais particular, uma vez que cada língua irá trazer um repertório convencional distinto de
formas potencialmente utilizáveis para a representação linguística do conceito. (LEITE, 2008).
Retomando as possibilidades de produções em língua de sinais propostas por Campelo
(2008) citadas por Luchi (2013), temos ainda tomando como base o exemplo do sinal ÁRVORE
a partir dos tipos de transferências:
Fonte: http://cta2009-2-
dominios- Fonte: Luchi (2013, p. 67)
morfoclimaticos.blogspot.com.
br /2009/05/dominio-
morfoclimatico-das-
araucarias.html
126
Fonte:
http://merielenalves.blogspot.co
m.br/2010/06/stills-da- Fonte: Luchi (2013, p. 68)
animacao-3das-aventuras-
de.html
Fonte:
http://aidobonsai.com/2009/06/
06/a-arvore-e-o-vento/0003-2/
Fonte: Luchi (2013, p.
127
67)42
Fonte: Fonte:
http://www.blog.colegioamparo
.org/wp-content/uploads
/2011/03/arvores-com-galhos- Fonte: Luchi (2013, p. 69)
retorcidos-30c97.jpg
42
A sinalização completa destes exemplos citados por Luchi (2013, p. 67-69) estão disponíveis em:
http://www.youtube.com/watch?v=rzhKtBOuUU&feature=youtu.be
128
que as formas dos sinais lembram algo, incluindo informações de ordem mais conceituais e
culturais.
Costa (2014), citado por Quadros (2019, p. 116-117), analisou um conjunto de
configurações de mãos em Libras e identificou vários elementos motivados por suas diferentes
formas na produção dos sinais. A seguir mostraremos alguns exemplos apontados por Costa
(2014).
Um primeiro exemplo é quando a configuração de mão que indica ‘pinçar’ aparece em
vários sinais que apresentam uma relação motivada pela forma do objeto.
A língua é um bem jurídico que deve ser preservado, resguardando-se os direitos linguísticos de seus
falantes (ANDRADE, 2021).
No rol dos direitos culturais, Andrade (2021) destaca que a língua como a expressão
viva de um povo, sendo, portanto, um traço distintivo do falante, seja no aspecto cultural,
temporal ou social. Essa convenção, nos itens 5 e 6, explicitou dois objetivos e inseriu a
diversidade linguística no rol de manifestação cultural:
sua história e a sua memória é reconhecido por meio de título de “Referência Cultural
Brasileira” emitido para cada língua incluída no Inventário Nacional da Diversidade
Linguística. E assim conforme o artigo 5 do citado decreto, ao ser incluída no INDL a língua
fará “jus a ações de valorização e promoção por parte do poder público” (BRASIL, 2010).
O INDL é o instrumento oficial de reconhecimento de línguas como referência cultural
brasileira e tem como objetivo a “identificação, documentação, reconhecimento e valorização
das línguas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 2010, Art. 1°). Por ser um instrumento com a
dupla finalidade de pesquisar as línguas e reconhecê-las como patrimônio cultural, o INDL deve
permitir o mapeamento, a caracterização e o diagnóstico das diferentes situações relacionadas
à pluralidade linguística brasileira (BRASIL, 2010, Art. 4°).
De acordo com Chacon (2014, p. 15) para que uma língua seja incluída no Inventário
é necessário, antes de tudo, produzir conhecimento sobre ela, documentar seus usos e realizar
um diagnóstico sobre as suas condições de vitalidade. Nesse sentido, foi elaborado o Guia de
Pesquisa e Documentação, que objetiva orientar a produção de conhecimento e documentação
sobre línguas, visando ainda a sua inclusão no inventário.
O referido Guia propõe um escopo de informações a serem produzidas sobre a língua,
um conjunto de orientações teórico-metodológicas e um formulário para a sistematização dos
resultados da pesquisa, podendo ser utilizado tanto para a produção de conhecimentos novos –
em situações de identificação de línguas ainda não estudadas – quanto para a sistematização de
conhecimentos já existentes, produzidos em outros contextos.
Nesta perspectiva, de acordo com Morello (2012), a política do inventário pode
abordar uma língua e seus usos de modo amplo, englobando o autorreconhecimento do falante
como parte dela, validado por seus pares. Com essa ação, o INDL permite que se reafirmem
vínculos identitários, e assim alavanca de forma importantíssima um mote para a produção e
disponibilização de novos sentidos, agora positivos, para o fato de se falar outra língua ou
pertencer a uma distinta comunidade linguística no Brasil.
Sabemos que, no Brasil, há mais de 250 línguas no Brasil atualmente – sejam elas
indígenas, de imigração, crioulas, afro-brasileiras ou de sinais – embora em número
infinitamente menor do que as cerca de 1.500 existente há quinhentos anos, são a expressão de
uma diversidade linguística que resistiu e que agora está disponível para que o cidadão
brasileiro possa com ela se identificar e nela investir simbolicamente, culturalmente,
economicamente (MORELLO, 2012).
133
Como vimos acima, embora a Língua Portuguesa seja a língua oficial e majoritária do
nosso país, o arcabouço linguístico supracitado decorre de fatores históricos, geográficos e
étnico-culturais que influenciam a conformação de elementos linguísticos que demarcam
identidades de grupos e processos históricos específicos de interesse para a política patrimonial.
De acordo com Chacon et al (2014, p. 14), a Política da Diversidade Linguística é
estruturada a partir de duas linhas de atuação, denominadas Reconhecimento e Apoio e
Fomento. A primeira acolhe todas as ações destinadas à inclusão de uma língua no INDL, em
atendimento ao Decreto Federal Nº 7.387/2010. Na segunda, agrupa ações que podem
contribuir para o fortalecimento e promoção das línguas e da diversidade linguística para além
do Reconhecimento como Referência Cultural do Brasil, que podem ser solicitadas a qualquer
momento e devem atender aos requisitos necessários para a inclusão de línguas no INDL.
Nesta perspectiva, o INDL propõe uma articulação a outras ações como a da
cooficialização de línguas, podendo assim, iluminar a configuração de um novo quadro para a
promoção das línguas brasileiras, caminhando na direção da consolidação social e política dessa
noção línguas brasileiras, não apenas como identificação de um povo, mas, sobretudo como
espaço de negociação e de fortalecimento das diversas comunidades linguísticas.
Chacon et al (2014, p. 16) acrescenta ainda que a execução da Política da Diversidade
Linguística envolve muitos atores, dentre estes os mais importantes deles são as comunidades
43
Pidgins são línguas formadas em situações de contato entre duas ou mais línguas, em que uma língua dominante
é profundamente reformulada em seu léxico, gramática e fonologia devido a um processo de aquisição parcial e
pela influência da(s) língua(s) falada(s) pelo grupo social que veio a adotar esse pidgin como língua materna. Ao
se tornar uma língua materna, a língua crioula também adquire características novas, tornando-se funcionalmente
equivalente a qualquer outra língua materna (CHACON et al, 2014, p. 14).
44
Grupos que vivem no estado do Amapá e falam uma língua crioula formada a partir do Francês, como língua
dominante, e de diferentes línguas africanas e indígenas da Guiana Francesa e Suriname (CHACON et al, 2014,
p. 14).
135
linguísticas, ou seja, os grupos de pessoas que falam determinadas línguas e que as reconhecem
como parte integrante da sua identidade, do seu modo de viver e de estar no mundo. Para ter
acesso às ações de preservação da diversidade linguística essas comunidades precisam atender
a um requisito fundamental: estarem interessadas na preservação da(s) sua(s) língua(s). São
estas comunidades que participarão da produção e validação dos conhecimentos sobre a(s)
língua(s); que irão solicitar à Comissão Técnica do INDL (CT-INDL) a inclusão da(s) língua(s)
no Inventário; e que irão mobilizar os demais poderes públicos para a implantação de ações e
políticas locais voltadas para o fortalecimento da(s) língua(s), assim como participar da
execução dessas ações.
ideia de que só falamos o Português, ou ainda que só exista uma língua de sinais – talvez
tenhamos a possibilidade mais significativa, em médio prazo, do alcance do reconhecimento
das línguas como patrimônio cultural.
Uma dessas comunidades linguísticas citadas anteriormente que lutam pelo
reconhecimento de línguas de minorias que hoje posta-se como campo para várias pesquisas, é
a voltada para o estudo, mapeamento e registro das línguas de sinais brasileiras como veremos
no tópico a seguir.
pesquisas sobre língua de sinais e surdez no Brasil – quanto no âmbito aplicado – oferecendo
fundamentos teóricos e empíricos para a criação de materiais didáticos para o ensino de Libras,
além de oferecer um registro da experiência de vida da comunidade surda brasileira e que, por
sua vez, poderá ser explorado pela própria comunidade surda45 como uma forma de promoção
da inclusão social.
Além dos aspectos acima propostos o Inventário Nacional da Libras especificamente,
objetiva a difusão, visibilidade, valorização e instrumentalização de políticas linguísticas
relacionados a essa língua. O Inventário Nacional de Libras apresenta várias frentes de
documentação:
45
Entende-se por comunidade surda brasileira usuária de Libras a partir da concepção de comunidade linguística
estabelecida no INDL, ou seja, é uma definição com base sociolinguística: [...] a língua serve para demarcar
posições e identidades sociais de coletividades e indivíduos, criando o tecido simbólico e comunicativo de uma
comunidade; por outro lado, as práticas sociais criam os contextos diversos de usos de uma língua, marcando a
sua evolução tanto estrutural e simbólica quanto com relação a normas e valores da sociedade (Guia do INDL,
material de apoio, CHACON et al., 2014, p. 4).
140
assegurar que os dados sejam coletados e organizados da mesma forma para garantirmos a
possibilidade de compará-los entre si indicando possivelmente diferenças e variações da Libras.
De acordo com Quadros (2016), os procedimentos criados no escopo do Inventário de
Libras do Estado de Santa Catarina da Região Metropolitana podem servir de referência para
constituição de outros projetos que envolva a coleta de dados de línguas de sinais não
diretamente relacionados com o Inventário de Libras de cada cidade.
A replicação do Inventário de Libras já está acontecendo em alguns locais do Brasil:
Ceará, Região Metropolitana de Fortaleza, na Universidade Federal do Ceará, sob Coordenação
de Rodrigo Machado; Alagoas, Região Metropolitana de Maceió, na Universidade Federal de
Alagoas, sob a coordenação do Jair Silva, com financiamento do CNPQ e no Distrito Federal,
em Brasília, na Escola Pública Integral Bilíngue Libras e Português Escrito de Taguatinga, por
meio de Projeto de Extensão, coordenado pelo Professor Messias Ramos Costa, da
Universidade se Brasília, com o apoio da Professora Sandra Patrícia de Faria do Nascimento,
da Secretaria de Educação do Distrito Federal, com patrocínio inicial da Secretaria de Cultura
do Distrito Federal.
Face ao exposto, a Libras passou a figurar dentro de uma política mais abrangente em
relação às línguas do país, por meio de sua documentação. No presente inventário, realiza-se
um mapeamento, identificando as situações de usos e as atitudes linguísticas, assim como
efetivamente o registro dessa língua constituindo um corpus. O trabalho do INLIBRAS
sobrepõe os objetivos do próprio INDL, ou seja, identifica, reconhece e salvaguarda a Libras,
abrangendo componentes linguísticos, socioculturais e políticos da Libras na comunidade de
surdos. De acordo com Quadros et al (2018, p. 16-17) o INLIBRAS apresentou os seguintes
resultados:
46
O Portal de Libras está disponível em www.portal.libras.ufsc.br
47
Vilhalva (2009, p. 70) pesquisadora surda focaliza os “sinais caseiros” indígenas, refe ridos no decorrer de sua
dissertação como “sinais emergentes”, e versa em prol da necessidade de valorização linguística dos “sinais
emergentes” na remodelação de políticas linguísticas que considerem o índio surdo como plurilíngue, com a
“[...] abertura de uma sala de recursos para o estudo das línguas: Guarani, Portuguesa, Sinais Emergentes e
Libras com tecnologia adequada a tais fins” (VILHALVA, 2009, p.103) e com o registro dessas manifestações
linguísticas.
142
7 METODOLOGIA
O termo mobilização social por sua vez, “envolve todas as ações que têm como
finalidade garantir o envolvimento dos falantes da língua e de outros atores estratégicos no
processo de inventário, permitindo que este seja, de fato, participativo” (CHACON, 2014, p.
29).
Face ao exposto, este trabalho foi desenvolvido atendendo o percurso metodológico
proposto pelo Guia de Pesquisa e Documentação para o INDL publicado em 2014. Não obstante
teve como base à pesquisa qualitativa de cunho descritivo consubstanciado pelo método da
narrativa.
143
Diante disso, buscou-se realizar durante nossa pesquisa, levantamento dos documentos
inerentes à questão de estudo como, por exemplo, teses, dissertações, artigos científicos
disponibilizados em periódicos na perspectiva de melhor compreender a problemática que
envolve o processo de comunicação utilizando línguas de sinais emergentes, ou seja, a língua
de sinais da Comunidade de Várzea Queimada e do Sítio Caiçara.
144
7.1.1 Conhecendo um pouco mais sobre Várzea Queimada: vida, costumes e tradições
Várzea Queimada, bem como a maioria das cidades onde seus habitantes circulam,
está localizada no centro-sul do Piauí, conhecido na divisão político-geográfica do estado como
“Alto Médio Canindé”. Isto é possível de ser visualizado nas definições apresentadas nos sites
oficiais brasileiros como, por exemplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
No mapa apresentado abaixo, Jaicós se localiza próximo à tríplice divisa entre os
estados de Pernambuco, Ceará e Piauí. A cidade de grande porte mais próxima a Jaicós - PI é
Petrolina – PE, distante cerca de 232 Km. Com relação à capital do Piauí, Teresina, a distância
soma 352 Km. Mesmo estando mais próximo de Petrolina, os habitantes de Jaicós recorrem a
Teresina para questões graves como, por exemplo, altas complexidades nas internações
hospitalares (PEREIRA, 2013).
146
Fonte: portalintegracao.com.br48.
De acordo com Pereira (2013) dentre as localidades rurais de Jaicós figura a Várzea
Queimada, que é tida como uma das mais populosas do município, juntamente com a
comunidade do Esquisito e do Croazal. Tais localidades vêm recebendo atenção privilegiada
das políticas públicas do município tendo oscilado, ao longo dos anos, os focos de atenção e
investimento, uma vez que os olhares estavam voltados para a localidade da Várzea Queimada,
o que provocou certo alvoroço na população e conflitos políticos com as demais comunidades,
principalmente as de igual porte.
48
Foto disponível em <https://portalintegracao.com.br/78-municipios-do-pi-fizeram-acordo-sobre-limites-
territoriais/mapa-do-piaui-com-todas-as-cidades-011387532466/>. Acesso em 13 maio 2021
147
As casas são, em geral, construídas com tijolos produzidos pelos próprios moradores,
em rituais coletivos de feitura com o barro do que eles chamam de Rio Morto, que demora
muitos dias e noites. Já o alicerce da casa é feito de troncos da carnaúba. Poucas coisas são
compradas. A maioria delas é extraída da flora local ou confeccionada pelos próprios
moradores, tudo é muito artesanal, o que faz por si só desse local muito original.
Sobre a estrutura, a maioria das casas se assemelha na distribuição dos cômodos: uma
antessala grande, com espaço livre para que as redes dos familiares sejam estendidas caso
necessário; uma cozinha que conta com pia, mesa e fogão a lenha e, atualmente, com alguns
produtos eletroeletrônicos (como geladeira); um quarto para o casal, geralmente os patriarcas
da família; e um amplo quintal, onde se criam como galinhas e porcos, e cultivam plantas para
temperos no uso cotidiano na cozinha. Na área externa da casa está localizado o banheiro,
quando a casa possui. Não há sistema de saneamento na localidade. Alguns moradores
construíram fossas artesanais em suas casas. Outros dispensam o banheiro e realizam suas
necessidades básicas na mata. Na ausência de banheiro, estruturas com troncos e galhos da
carnaúba são montadas no quintal, que servem para o banho da família residente na casa. O
banho é realizado, mesmo com a presença de banheiros, com baldes de água estocados quando
da dispensação pelo sistema de água local, que é jogada com pequenas latas de azeite sobre a
cabeça ou ombros, sendo que as residências que possuem chuveiro são poucas, a maioria dos
149
faz uso dessa técnica para o banho diário. Interessante que todas as casas utilizam o mesmo
recipiente para jogar água: latas de azeite cortadas no topo.
Com relação à feitura dos alimentos, as mulheres fazem uso de fogões a lenha, que
permanecem aquecidos durante todo o dia. Os homens da família (esposo ou filhos) são
responsáveis por coletar madeira da mata para que o fogo não se apague. Os alimentos são
cozidos com esse equipamento.
De alguma forma, há uma presença muito forte dos surdos nas formas de fazer e viver
em Várzea Queimada. Tudo é muito indicado e os partícipes dessa pesquisa possuem até o
nome de uma rua, a Rua dos Mudos (PEREIRA, 2013). Atualmente residem em Várzea
Queimada cerca de 1 mil habitantes e durante a realização desta pesquisa contabilizamos cerca
de 40 surdos distribuídos em aproximadamente 12 famílias. Tudo em Várzea Queimada é bem
detalhado, tudo traz uma história, todos os objetos, a sua localização traz em si um aspecto
histórico e cultural.
Pereira (2013) em sua tese descreve o local de maneira ímpar uma vez que a sua
pesquisa assumiu um caráter antropológico. Ressaltamos que tais detalhes supracitados foram
expostos considerando que muitos dos sinais produzidos e utilizados pelos surdos de Várzea
Queimada possuem entrelaçados e são partilhados a partir de uma linha tênue envolta de
aspectos históricos e culturais.
Sobre a Cena assim como Pereira (2013) não foi possível identificar quando esta
surgiu, apenas identificamos o ano de nascimento do primeiro surdo da comunidade, ou seja,
1950. A Cena, ao longo desses anos, veio se constituindo entre a Cena produzida pelas pessoas
150
não surdas sem estar interagindo com os surdos e a Cena produzida, vista e percebida pelos
surdos e os falantes de Várzea Queimada.
Em suma percebe-se que a citada comunidade possui uma complexidade de relações,
tendo como foco a atenção à relação entre os surdos, os ouvintes e a produção da Cena enquanto
língua.
De acordo com Temoteo (2012), sobre a história dessa comunidade, descobrimos que
uma das razões para o nascimento de tantos deficientes auditivos foi por conta de que muitos
são da mesma família, geralmente primos que se casaram entre si, sendo a surdez considerada
um fator hereditário por casamento consanguíneo.
Quanto aos aspectos linguísticos, observamos que a língua de sinais emergente
produzida e utilizadas pelos Surdos eram os mesmos em toda a comunidade e quando
investigávamos as causas daquele sinal ser usado daquela maneira, a explicação dada, muitas
vezes com motivações culturais, era a mesma por todos os surdos participantes. Deste modo,
observa-se que a unidade linguística dos sinais predomina. Neste mesmo contexto e ainda de
acordo com Temoteo (2012), perguntou-se sobre quem havia criado esses sinais e descobrimos
que foi, talvez, uma das primeiras Surdas da comunidade que já havia falecido. Os sinais eram
ensinados por ela mediante a tradição oral, no cotidiano dos Surdos, na convivência do dia a
dia, costume esse que permanece vivo entre os Surdos do Sítio Caiçara.
Em linhas gerais, nota-se que assim como Várzea Queimada, a citada comunidade
dista-se um pouco do centro urbano com maior movimentação e possui uma complexidade de
relações, tendo como foco a relação entre os surdos, os ouvintes e a produção desta língua de
sinais emergentes enquanto língua.
modo, a especificação das cinco categorias pode seguir uma lógica numérica ou sociocultural.
Como lógica numérica, lista-se as faixas etárias recomendadas para pesquisa:
Nas incursões realizadas, pudemos realizar censos preliminares com relação aos
surdos de Várzea Queimada (Jaicós-Pi) e da LS de Caiçara, informando como aspectos
principais as famílias, onde residem, se tem filhos surdos, a língua dominante e a quantidade
de homens e mulheres em cada uma dessas famílias, conforme figuras abaixo:
Figura 66 – Censo 01- surdos de Várzea Queimada (realizado entre 2019 e 2021)
49
Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
University College London, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Estadual do Ceará e
Instituto Federal do Ceará.
155
01 é sobrinha de surdo e 01 é
filha de surdo.
Utilizam a Cena, a Libras e a
Língua Portuguesa.
Adultos I 10 surdos
Adultos II 08 surdos Ouvintes irmãs de surdos.
02 ouvintes Cena e Língua Portuguesa.
Idosos 03 surdos
Fonte: Elaboração própria
50
Conforme Denzin e Lincoln (2006, p.17, a pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador
no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo. Essas
práticas transformam o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as
conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma
abordagem naturalistica, interpretativa, para mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas
em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as
pessoas e eles conferem.
156
Ressalta-se que as informações contidas nos quadros acima foram coletadas durante
as conversas informais e narrativas pessoais colhidas em nossas incursões. Com base nos dados
levantados, e seguindo o Guia de Pesquisa e Documentação do INDL, ao final da pesquisa em
Caiçara, quantificamos os participantes da pesquisa:
51
Segundo Quadros (2017) codas são crianças ou adultos filhos de pais surdos. Esses sujeitos estão naturalmente
expostos a dois mundos diversos: o mundo dos surdos e o mundo dos ouvintes. Os codas compartilham a
experiência de crescerem em famílias que utilizam uma língua de herança em casa que é, muitas vezes, diferente
daquela utilizada fora do ambiente familiar, na maioria da sociedade. Podemos chamá-los de bilíngues, pois os
codas transitam desde muito cedo nesses dois mundos e aprendem as línguas desses dois ambientes linguísticos
157
assim num período maior de pesquisa de campo. No nosso caso, como se tratar de línguas em
risco iminente de desaparecimento e ainda no intuito de uma documentação mais abrangente e
detalhada, optar-se-á pelo inventario básico, pois nos permite uma documentação mais rápida.
52
Ressalta-se que as coletas oficiais para a pesquisa ocorreram após a aprovação desta pesquisa pelo Comitê de
ética desta universidade
53
Nesta incursão fiquei impossibilitada de participar por ter sido submetida a um procedimento cirúrgico.
159
Como visto acima, nas incursões às comunidades, sempre se contou com a participação
de pessoas surdas e outros linguistas que pesquisam sobre a língua das referidas comunidades
e especificamente a Cena que hoje é objeto de estudo em várias instituições e grupos de
pesquisa. Acredito que este fato se deva ao número de falantes e residentes em Várzea
Queimada (Jaicós-PI) que a Cena possui diferenciando-se da LS de Caiçara que, de acordo com
a nossa última incursão em 2021, possui apenas 05 surdos residentes ainda no Sítio Caiçara -
Várzea Alegre (CE).
54
Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade
Estadual do Ceará (UECE) e Instituto Federal do Ceará (IFCE).
55
Nesta incursão fiquei impossibilitada de participar por ter sido submetida a um procedimento cirúrgico.
56
Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
University College London, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Estadual do Ceará e
Instituto Federal do Ceará.
57
Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Universidade Federal do Rio de Janeiro, University College
London, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Estadual do Ceará.
58
Link da reunião ocorrida
https://us04web.zoom.us/j/77600020746?pwd=YmJpcjBFSG1tdnQvcXpXalJpMU96QT09
160
59
Lista de Swadesh é um vocabulário básico ‘teoricamente’ comum a todos os idiomas, usada em glotocronologia
por comparação quantitativa entre dois idiomas de um mesmo grupo linguístico para obter-se uma data
aproximada da separação. Foi desenvolvida inicialmente pelo linguista norte-americano Morris Swadesh.” Fonte:
Wikipedia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_Swadesh. Acesso em 27 abr 2021.
161
Figura 70 – Cartões com cenas para serem colocadas na ordem (utilizados em Caiçara)
Nas figuras 69 a 72, vimos algumas formas que foram utilizadas para obtermos os
dados desta pesquisa. Utilizamos figuras, cards, vídeo de desenho animado Tom e Jerry e ainda
material concreto como o lápis na figura 72, pois, muitas vezes, os sujeitos da pesquisa não
conseguiam compreender o que estava sendo perguntado e precisou-se tentar de todas as formas
a produção dos sinais que queriam. Já havíamos tentado com uma das participantes que ela
sinalizasse sinais referente a cores, mostramos cartões com imagens, todavia não obtivemos as
respostas que desejávamos, respondendo com “eu gosto disso...” ou “eu não gosto disso...”. Na
figura 72, mostrou-se para cada cor um lápis referente a cor e pouco a pouco foi compreendido
pelo sinalizante que se tratava das cores e este foi apresentando os lápis aos interlocutores
criando também contextos que favorecessem o entendimento que buscávamos os sinais
referentes a cores.
No âmbito dos inventários, tendo em vista que é recente, é importante destacar que
durante a realização da presente pesquisa, sobretudo o percurso metodológico utilizado
evidenciou, ao longo deste trabalho, as dificuldades, os desafios, as adaptações necessárias para
o desenvolvimento desta e de outras pesquisas futuras que envolvam a documentação de línguas
de sinais de comunidades isoladas.
alpendres, ora na Toca. Tais atitudes foram tomadas no sentido de deixar que os participantes
se sentissem à vontade e ainda que estivessem ali onde a língua emerge.
um roteiro para que todos os temas interessantes à pesquisa sejam contemplados. Nas
entrevistas realizadas existem dados que são fundamentais para a documentação. Por exemplo,
as perguntas relacionadas ao contexto sociolinguístico da comunidade que utilizamos versam:
sobre os falantes, aquisição, transmissão, escrita e leitura, situações de uso, atitudes linguísticas,
as representações da comunidade com relação às línguas. Essas informações foram
contempladas nas entrevistas bem como conversas informais.
Como a proposta das entrevistas é que os sujeitos discorressem livremente sobre as
questões, registrou-se por escrito apenas por escrito o conteúdo da fala, bem como uma
documentação audiovisual, mesmo que esta seja mais onerosa. Uma vez que segundo Chacon
et al (2014) a manipulação dos registros após a realização de entrevistas demanda escutá-los
novamente, realizar transcrição de trechos ou da íntegra e, eventualmente, também os traduzir.
E deste modo, a utilização de entrevistas não foi utilizada para contemplar todo o universo da
pesquisa ou em grandes escalas, mas sim para levantamentos de caráter qualitativo e para
obtenção de informações específicas, com pessoas-chave da comunidade linguística
(lideranças, falantes de referência, professores, entre outros).
Já as questões relativas a atitudes linguísticas, por exemplo, podem ser contempladas
em entrevistas, uma vez que, dentre os objetivos do método, está o de identificar o que os
indivíduos pensam, sabem, compreendem e fazem (CHACON et al, 2014).
Dentre as entrevistas realizadas, algumas possuem um significado cultural de maior
destaque seja pela natureza dos temas das entrevistas seja pela relevância da pessoa entrevistada
para a comunidade linguística e língua de referência e deste modo, em alguns momentos as
entrevistas mais significativas foram gravadas em vídeo na língua de referência do inventário
e, posteriormente, passarão por edição, seguindo os procedimentos-padrão para o registro dos
usos sociais da língua conforme indicação do guia de documentação.
Face ao exposto Chacon et al (2014, p. 71) propõe alguns temas possíveis das
entrevistas e sua correspondência para itens específicos dos campos temáticos.
Além dos prontos acima mencionados, Chacon et al (2014) sugere ainda que os
inventários produzam “retratos biográficos” de certos membros da comunidade li nguística.
168
Durante a primeira incursão em cada uma das comunidades de forma espontânea gravamos
alguns surdos das comunidades pesquisadas realizando uma pequena autoapresentação de sua
história de vida e de seu contexto sociocultural.
60
A Toca das Possibilidades é o local de trabalho das artesãs e dos artesãos, projetada e construída em 2012,
durante a primeira fase do projeto, que contou com os arquitetos e bioconstrutores Henrique Pinheiro e Tomaz
Lotufo para, junto com Marcelo Rosenbaum. O uso de técnicas estruturais como o arco, a cúpula e o elementos
vazados de tijolos substitui o uso de madeira, material escasso na região. O projeto é um espaço de sombra, bem
ventilado com cobogós e aberturas nas paredes. A estrutura da cobertura é de carnaúba com um pátio central, que
na época de chuva concentra a água que cai sobre a cobertura e é armazenada em uma cisterna. As portas
pivotantes tem fechamento com o talo da folha da carnaúba e o sistema de abertura foi feito com freio de
bicicleta. Na Toca das Possibilidades, as mulheres de Várzea Queimada tecem o milagre com as próprias mãos.
Além de ser o local de trabalho é também o local de união e celebração da comunidade. Disponível em
https://agentetransforma.org.br/projetos/agtvarzeaqueimada/toca-das-possibilidades/ acessado em 10 de maio de
2021.
169
Foi muito interessante ver em cada narrativa as perspectivas de cada um dos sujeitos,
apontando fases da sua vida, bem como questões de foro íntimo relacionadas à relacionamento,
dificuldades, sonhos e conquistas.
170
61
Trabalha com instalações, ações e fotopesquisas. Graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal
de Pernambuco em 2007. Participou da 7ª Bienal do Mercosul (2009). Realizou exposições individuais no
Instituto Itaú Cultural e Galeria Vermelho (São Paulo), Furnas Cultural (Rio de Janeiro), Instituto Cultural Banco
Real e Fundação Joaquim Nabuco (Recife). Publicou a coleção Amor e Felicidade no Casamento, em co-autoria
com Yana Parente (2008).Em 2009, desenvolveu o projeto Documento Latinamerica – Condução à Deriva, com
pesquisa de imersão em países da America do Sul, através de bolsas da Funarte (Rio de Janeiro) e do Salão de
Artes Plásticas de Pernambuco. Recebeu o prêmio concurso de videoarte da Fundação Joaquim Nabuco.
Site: http://www.jonathasdeandrade.com.br/
62
Mais informações sobre o filme em https://cargocollective.com/jonathasdeandrade/jogos-dirigidos e
https://www.premiopipa.com/2020/10/assista-ao-novo-filme-de-jonathas-de-andrade-no-online-viewing-room-
do-artista/ Trailler disponível em https://vimeo.com/364403549
171
Várzea Queimada a maior parte dos vídeos de registros possuem no máximo 08 minutos. Já em
Caiçara os vídeos foram mais curtos de no máximo 06 minutos. Acredita-se que esse fato esteja
motivado pelo número de falantes, ou seja, em Várzea Queimada há um número maior de
participantes do que em Caiçara.
As amostras foram registradas em diferentes clipes. Tentou-se editá-las conforme
descrito no Suplemento Metodológico do Guia. Abaixo apresentamos os referentes a diferentes
temáticas da pesquisa, que também contam como documentação de usos sociais da língua e,
portanto, atendem ao que se pede para o produto final da documentação linguística (CHACON
et al, 2014). São eles:
63
Pereira (2013)
64
Temóteo (2008)
173
8 ANÁLISES E RESULTADOS
Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso entra na cabeça dele. Se você
falar com ele em sua própria linguagem, você atinge seu coração.
Nelson Mandela
Segundo Evans (2004), a densidade (estrutura da rede) refere-se aos contatos dos
indivíduos: quanto maior o número de pessoas em rede que se conhecem, maior sua densidade.
Quando pensamos na Cena, e na comunidade de Várzea Queimada concebemos esta densidade,
ou seja, a estrutura da rede, da teia que envolve os sujeitos sinalizantes da Cena. Já plexidade
(conteúdo da rede) à multiplicidade de conexões dos membros. Por exemplo, pode ter membros
que sejam vizinhos (rede uniplexa), ou também colegas de escola (rede multiplexa). Na rede
uniplexa, em Caiçara temos os familiares, surdos e ouvintes que utilizam a Língua de sinais de
Caiçara para se comunicar em um dado momento.
Em teoria a rede multiplexa seria observada quando os moradores de Várzea Queimada
passam a frequentar a única escola da comunidade, pois lá a língua utilizada como língua de
instrução é a Cena. Todavia com o advento das tecnologias onde os surdos bem como outros
sinalizantes de Várzea Queimada tem acesso à internet e consequentemente a Libras, esta
passa/passou a ser a “língua” de instrução na referida escola, e como veremos no tópico a seguir,
a Cena passou a ser vista como uma língua de menos prestígio, ou errada em relação a Libras.
Li Wei (1996) afirma que, por essa razão, geralmente interessam as análises das redes,
cujos laços estabelecem-se entre pessoas que interagem diretamente, o que limita a um número
entre 20 e 50 o total de participantes da rede analisada, ressaltamos que em Várzea queimada
temos atualmente em média 30 a 40 sinalizantes da Cena o que torna o nosso objeto de estudo
um campo exímio de análise.
Nessa discussão, autores como Milroy (2002) distingue ainda laços fortes dos fracos,
da seguinte forma: opõem-se, respectivamente, laços que conectam amigos e parentes, àqueles
que conectam conhecidos. Sobre este ponto cabe destacar que tanto em Várzea Queimada
quanto em Caiçara a maioria dos surdos sinalizantes destas línguas de sinais emergentes, são
familiares e de alguma forma tornam esses laços mais fortes.
Conforme Evans (2004), as redes sociais podem ser vistas tanto como um sistema de
relações pessoais com efeitos sobre os indivíduos ou como relações usadas pelas pessoas para
atingir seus objetivos. Esta primeira visão é a mais frequentemente adotada por sociolinguistas,
entre eles Milroy (1980), que fez uma análise do vernáculo, ou modalidade não padrão da
língua, durante o estudo de três bairros de classe trabalhadora (working-class neighborhoods)
de Belfast em seus padrões variáveis de realização vocálica, predominantemente. A
quantificação da variação, correlacionada à rede social dos informantes, revelou que o emprego
majoritário de alternantes vernaculares reflete os padrões de interação social entre as
179
comunidades em redes densas, multiplexas, que não poderiam ser explicados por gênero, idade
e classe social, dada a homogeneidade das comunidades em rede.
Figura 80 – Mapa das três principais vizinhanças dos surdos da Várzea Queimada.
Figura 81 – Mapa das principais residências dos surdos em Caiçara (Várzea Alegre – CE).
Como vimos acima e ainda Milroy (1980) complementa que diferentemente das
classes sociais mais abstratas, esses grupos sempre têm uma forte base territorial, e no estudo
por ela realizado em bairros habitados por pessoas que, em função de limitadas condições
socioeconômicas, não apresentam grande mobilidade territorial, assim tais indivíduos
interagem socialmente no próprio bairro o que contribui para desenvolverem um forte
sentimento de posse a ele, como se fossem os proprietários daquela área da cidade.
Em nosso caso, no tocante às comunidades investigadas nesse estudo, ambas são
compostas por um número significativo de usuários destas línguas de sinais emergentes e que
180
A língua de sinais de Caiçara e a Cena são utilizadas com os surdos, nas comunidades
bem como nos locais em que há surdos e nos que os surdos visitam. Entretanto em ambas as
comunidades, os ouvintes são peça fundamental da base social da língua, pois constituem a
maioria dos sinalizantes. Se os surdos são sinalizantes por condição física, os ouvintes o são
pela condição social que os liga aos seus patrícios surdos (GODOY, 2020). Em contraposição,
os surdos não têm nenhum acesso à língua falada.
Vale ressaltar que há diferentes graus de competência na sinalização entre os ouvintes.
Algumas pessoas dizem que não sabem sinalizar. Entretanto, ao encontrar um surdo, sinalizam.
Ao menos, sabem alguns sinais básicos o que promove a comunicação entre os membros da
comunidade.
Um dos principais aspectos observados em ambas as comunidades é que os sinais
durante pelo menos 03 gerações acompanharam seus falantes independente de ser surdo ou
ouvinte. De acordo com Almeida-Silva e Nevins (2020), a Cena surgiu na década de 50 com o
nascimento da primeira surda da comunidade em 1949, hoje ainda viva com 71 anos de idade.
Ela não é mais usuária da Cena da Várzea Queimada, pois há algumas décadas ela se mudou
para outra localidade chamada Peixe, e daí não acompanhou a evolução dos sinais, mas utiliza
gestos e se comunica com os surdos da Várzea com facilidade. Na figura 66, referente ao Censo
de Várzea Queimada inserido na metodologia, percebe-se que estamos já em 03 gerações desde
181
o nascimento da primeira surda e que principalmente nos falantes da terceira geração há uma
presença maior da Libras em detrimento do uso da Cena.
Na comunidade de Caiçara, a língua de sinais surgiu por volta do final década de 1940
com o nascimento dos primeiros surdos. Seguidamente na segunda geração com o nascimento
de mais surdos, e de acordo com familiares e moradores do sítio este fato ocorreu por questões
consanguíneas, ou seja, casamento entre familiares. Conforme visto no capítulo da metodologia
no ponto referente aos participantes da pesquisa, vimos que na terceira geração ainda não
registramos o nascimento de nenhum surdo, todavia identifica-se que quando os netos (terceira
geração) estão em contato com os sinalizantes da LS Caiçara, estes tendem a usá-la em sua
produção. Este fato é interessante e importante no tocante a preservação, valorização e
continuidade de uso da LS Caiçara.
De acordo com Godoy (2020), existem diferentes profundidades temporais e
regularidades na convivência de um ouvinte com surdos – sejam aparentados, vizinhos ou
amigos. O contato pode ser mais recente, quando um ouvinte passa a conviver regularmente
com um surdo depois de adulto. Outros interagem com algum surdo desde o nascimento. Alguns
têm contato intermitente com surdos que veem ocasionalmente, como, por exemplo, quando
vão a feira em Jaicós – PI e/ou Várzea Alegre – CE.
Há os que interagiam frequentemente com finados surdos em outras épocas, mas que
atualmente não convivem com um surdo. Assim, o contato atual esporádico com surdos não
significa, necessariamente, menor profundidade de uso dos sinais, que pode ter sido frequente
outrora.
Esta forma de língua de sinais – de meios não-institucionais – utilizada em ambas as
comunidades foi chamada de “língua de sinais de aldeia” ou “rural”. Devido ao seu uso
compartilhado entre surdos e ouvintes, assim como a língua de sinais ka’apor, a Cena e a língua
de sinais de Caiçara podem ser classificadas como uma “língua de sinais compartilhada”
(shared sign language) (NYST, 2012) ou uma “comunidade de fala/sinalização” (speec h/sign
community) (NONAKA, 2014).
As línguas vivem em constante contato uma com a outra e se “contaminam” mutuamente, constantemente
criando possibilidades novas e nunca sonhadas (RAJAGOPALAN, 2001).
182
língua linda, genuína que não pode ser esquecida, nem muito menos apagada da comunidade,
uma vez que constitui a identidade desta comunidade.
Ressalta-se que quando me refiro a chegada da Libras me refiro primeiramente a
Libras que é vista e estudada em ambientes educacionais. Por exemplo, em Caiçara a Libras
chegou quando os jovens da segunda geração entre (2004 e 2008) começaram a frequentar
escolas com a presença de intérpretes de Libras e traziam esses sinais para a comunidade.
Posteriormente com o advento das tecnologias, acesso à internet e mídias sociais o acesso a
Libras tornou-se mais frequente e presente nas comunidades.
Em Várzea Queimada –Pi, em nossa primeira incursão em 2017, dos 44 surdos que
contactamos apenas 04 estavam em contato direto com sinalizantes da Libras. Na última
incursão realizada em janeiro de 2021 do número de surdos residentes ainda em Várzea
Queimada (Jaicós-Pi), quase todos os surdos, independente da faixa etária, já inseriram sinais
da Libras em suas sinalizações.
Tal repartição, contudo, nem sempre é clara e como vimos acima, acaba colocando
uma língua em situação de desprestígio, e posteriormente o que pode acontecer é que a língua
desta comunidade vista como minoritária seja sobreposta pela língua dos centros urbanos. O
desafio é como estabelecer uma relação de valoração das duas línguas de sinais, sem implicar
na substituição de uma língua pela outra, por causa do prestígio dado a uma delas. E garantindo
a preservação de aspectos identitários das localidades pesquisadas.
Já em Caiçara, Temóteo (2008) registrou 444 sinais desta língua. Todavia nas visitas
realizadas em 2015, 2017 e 2019 pudemos registrar no total de 350 sinais. Ambos os registros
incluem itens de conteúdo e funcionais que serão publicadas posteriormente em forma de um
dicionário como contributo ao fortalecimento destas línguas, uma vez que junto ao léxico da
Cena e da Língua de sinais de Caiçara atualmente, por exemplo, ocorre a inserção lenta e
progressiva de alguns sinais da Libras na língua, conhecidos como os ‘sinais da Marcilene 65’
(em Várzea Queimada) e os “sinais da escola” (em Caiçara).
Nas duas comunidades pesquisadas foram significativos os depoimentos de alguns
moradores quanto a afirmação de que alguns surdos depois que começaram a aprender Libras
no cotidiano da escolarização vem, por sua vez, progressivamente modificando a sua língua de
sinais local.
Durante as visitas percebeu-se que essa entrada de sinais da Libras na Língua de Sinais
Cena e na Língua de Sinais de Caiçara é empreendida pelos surdos mais jovens que frequentam
escolas na comunidade e/ou na sede e na qual eles dispõem de aulas semanas de Libras, bem
como possuem acesso à internet e as diversas redes sociais.
No entanto, ainda que os surdos das citadas comunidades tenham acesso à Libras nas
escolas, o fato de que os surdos mais velhos não vão à escola e também os familiares ouvintes
não aprendem a Libras representa uma garantia para que estas línguas emergentes prossigam e
permaneçam vívidas e de certa forma resistentes as alterações/substituições dos sinais antigos.
Como em qualquer comunidade linguística onde há o contato entre línguas, e
principalmente duas línguas de sinais, há uma situação propícia para a ocorrência de
empréstimos (THOMASON & KAUFMAN, 1988; ADAM, 2012).
Nas falas dos surdos, há um quantitativo de preocupação de ambas as comunidades
pesquisadas, de que tanto a Cena quanto a Língua de Sinais de Caiçara sejam completamente
substituídas pela Libras. Todavia, no entendimento de autores como Almeida-Silva e Nevins
(2020) esse acontecimento é uma situação improvável ou impossível já que a língua não é de
uso exclusivo dos surdos.
65
É a professora de Libras da comunidade e Tia de Surdos.
185
Neste tópico, traremos de forma breve algumas questões que nos chamou atenção
durante essas análises iniciais referentes às línguas Cena e a Língua de Sinais de Caiçara numa
perspectiva embrionária de análise linguística.
Em Caiçara (Várzea Alegre – Ce), os surdos mais idosos e que não conhecem a Libras
e nem tiveram contato com o alfabeto manual utilizam da escrita da palma da mão para
demonstrar as letras do alfabeto ou escreverem alguma palavra conforme figura abaixo:
Entendemos que este recurso em algum momento assume uma função na interação
entre os usuários da língua de sinais. Reforça-se que em nossos dados o uso deste recurso
ocorreu de forma ocasional para soletrar nomes próprios de pessoas ou lugares, siglas, e algum
vocábulo que durante a interação não foi possível estabelecer um sinal.
Um ponto interessante é que quando a contagem, ou o quantitativo é maior que cinco
conforme figura abaixo, na Língua de Sinais de Porto de Galinhas – PE, verifica-se que a palma
das mãos fica em sentido oposto.
186
Na figura acima, identificamos que, além das formas já descritas acima, nos surdos
mais velhos que usam LS de Caiçara a contagem ocorre com a palma da mão virada para o
sinalizante com movimentos repetitivos até atingirem a quantidade desejada. No exemplo
acima, a sinalizante movimentou a mão 6 vezes porque queria demonstrar a quantidade 30
(trinta). Esta perspectiva merece atenção e certamente sugere a necessidade de um estudo
futuro.
Outro ponto importante e também notado aqui diz respeito aos verbos. Geralmente
eles apresentam a incorporação do instrumento. Dessa maneira para indicar a ação de trabalhar
no geral faz-se uma sinalização de “retirar o suor da testa”, assim como percebido também na
Cena identificamos várias formas de realizar o sinal TRABALHAR.
Todavia como Várzea Queimada é uma zona rural, em alguns momentos há a
diferenciação desta forma de trabalhar, havendo a incorporação do objeto que se usa para o
trabalho, como, por exemplo, trabalhar no roçado, faz-se a ação de usar uma enxada. Se estiver
referindo-se ao corte de cana, utiliza-se o corte e o movimento com o facão e assim por diante,
são tantas possibilidades que demonstram quão ricas são estas línguas.
190
Nesta figura 90, percebemos a iconicidade quando a motivação para a sua realização
é a enxada, da mesma forma que na comunidade as mulheres trabalham com a palha e que
quando vão falar que saíram para trabalhar na confecção de cestos de palha faz-se o movimento
sinalizado de entrelaçar a palha. Sobre estas questões motivacionais e consequentemente de
iconicidade, observemos a figura a seguir.
191
A partir da referida figura, podemos inferir que, na Cena, lança-se mão também além
da expressão de intensidade, do advérbio MUITO, seguido do seu correspondente em outras
construções usadas para indicar o quantitativo.
Na Cena nessa análise preliminar não foi possível identificar o uso do mesmo tipo de
apontações (pronominais) para falar sobre referentes ausentes. Nestes casos, quando querem
referir-se a pessoas que não estão presentes no contexto de fala, apontam para a localização real
mais provável dessa pessoa como, por exemplo, a direção da casa, ou a provável distância que
estamos do referente ausente, mas não observamos o uso dos pronomes de segunda e terceira
pessoa para referentes ausentes sem que a apontação esteja direcionada para a provável
localização real do referente.
Neste tópico conversaremos um pouco sobre algumas questões iniciais sobre a Língua
de Sinais de Caiçara, considerando-a sobretudo como um instrumento de construção e detecção
de uma visão de mundo, de uma ideologia, composta de um sistema de valores e aspectos
culturais peculiares desta comunidade.
Para Galisson (1978), citado por Timóteo (2008), as palavras organizam um universo
que forma a trama da cultura comum ou compartilhada pelos sujeitos falantes ouvintes: os
espaços léxico-culturais que recortam o mundo servem como balizas para aqueles sujeitos.
Partindo desse pressuposto, ressaltamos que um dos pontos de destaque na análise das
Línguas de Sinais de Caiçara foi a forte presença de sinais icônicos, independente dos
informantes Surdos pesquisados, a iconicidade é uma marca presente na “fala” dos Surdos ali
inseridos. Para Sacks (1998, p. 136):
No caso das línguas de sinais, aquilo que a distingue, seu “caráter”, é também
biológico, pois se alicerça nos gestos, na iconicidade, numa visualidade radical que a
diferencia de todas as línguas faladas. A língua emerge – biologicamente – de baixo,
da necessidade irreprimível que tem o ser humano de pensar e se comunicar. Mas ela
também é gerada, e transmitida – culturalmente – de cima, uma viva e urgente
incorporação da história, de visões de mundo, das imagens e paixões de um povo. A
língua de sinais é para os surdos uma adaptação única a um outro modo sensorial; mas
é também, e igualmente, uma corporificação da identidade pessoal e cultural dessas
pessoas.
culturalmente – de cima, uma viva e urgente incorporação da história, de visões de mundo, das
imagens e paixões de um povo.
Deste modo, deve-se mencionar que iconicidade conforme vimos em um tópico
anterior, em Linguística, possui interpretações variadas, mas convergentes. Quanto à
iconicidade Faulstich (2007, p. 153), afirma que:
Um ícone, do grego eikón (imagem, representação), é um signo que está numa relação
de semelhança, similaridade ou analogia com o objeto designado. Desde o princípio
resulta, portanto, uma relação de motivação entre um ícone e o respectivo referente.
Dito de um outro modo, um ícone é um signo que é determinado pelo seu objeto
dinâmico, em virtude da sua própria natureza interna. No desempenho da função, um
signo está dirigido a alguém e cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou
talvez um signo ainda mais desenvolvido. Este signo criado é o que se chama de
“interpretante” do primeiro signo.
o signo icônico solicita que o falante de uma língua tenha familiaridade com o objeto,
pois só assim poderá compor, em sua mente, as relações signícas, enquanto signo
lingüístico, imotivado, não exige do falante familiaridade com o objeto, porque
entende que o discurso da definição é claro o bastante para dizer o que a “coisa é”.
Para Quadros & Karnopp (2004, p. 32), tanto a iconicidade como a arbitrariedade é
determinada pelos falantes da Língua, assim, toda arbitrariedade é convencional, pois quando
um grupo seleciona um traço como característica do sinal, outro grupo pode selecionar outro
traço para identificá-lo e, somente por meio de informantes Surdos adultos é que tais traços
poderiam ser identificados em nossa pesquisa.
A iconicidade é um elemento ligado a forma, visto que o movimento que descreve as
configurações de mão. É entendido como indicativo para a realização do sinal, daí a relação
entre forma e ícone. A iconicidade em língua de sinais é um fenômeno de cognição, posto que
195
uma palavra língua de sinais Caiçara, sob a perspectiva do “objeto dinâmico”, é um signo
complexo, e a significação é um processo que se dá em cadeia de interpretantes de diferentes
tipos (FAULSTICH, 2007, p. 155).
Os Surdos do Sítio Caiçara possuem grande familiaridade com os elementos
pesquisados, visto que os sinais produzidos são o produto do vocabulário de sua Língua, da
expressão do conhecimento da comunidade ligado a outras formas de conhecimento acerca do
mundo, refletida na realização dos sinais típicos desta região.
Timóteo (2008) destacou alguns sinais em que se foi possível comprovar a iconicidade
nos sinais típicos da Língua de Sinais de Caiçara como, por exemplo, o sinal de BANANA. Na
região os surdos conhecem e consomem vários tipos de banana e por este motivo para este sinal,
eles utilizam outras sinalizações como, por exemplo, “banana - sapo”, “banana-nanica” e
“banana da terra”, também conhecida como “banana -pão”. Ressalta-se que o próprio sinal de
“banana” traz uma iconicidade em si, referindo -se ao ato de descascar a banana. Os tipos de
banana são icônicos por destacarem as características de cada banana, que pode ser pelo seu
formato, “gorda” e parecer com um sapo ou pelo seu tamanho, “pequena”.
Outro exemplo identificado por Timóteo (2008) é o sinal de cachaça. Para ele foram
encontradas a partir do conceito quatro outros sinais, duas delas são icônicas por identificarem
o sinal de “cachaça” com a “dose de cachaça”, com o pequeno copo onde se vende a dose, outro
sinal remete a pessoa que toma a cachaça e o último ao litro de cachaça.
Como análise inicial identificamos o empréstimo linguístico que diz respeito a
Soletração, e em nosso caso da Língua de Sinais da Caiçara há um diferencial. Esta é realizada
mediante o uso do dedo indicador para desenho das letras do alfabeto da língua portuguesa na
palma da mão ou no antebraço do receptor da mensagem, e até mesmo quando não há
entendimento no chão seja de terra batida com um graveto ou com o dedo. Também há
ocorrência de escrita das letras no ar.
Outro ponto é que os surdos e ouvintes usam os números e formas bastante peculiares
de se representar quantidades de horas, de dias de meses, de valores monetários, dentre outros
quantitativos. Os números são geralmente feitos conforme a contagem mostrando os dedos das
mãos, apenas pela quantidade e não com um sinal específico para os números como ocorre na
Libras.
Com relação à contagem do tempo, na Língua de Sinais de Caiçara encontramos
formas diferentes para a contagem dos meses, de anos e dos dias da semana conforme veremos
a seguir.
196
A contagem dos anos é feita por intermédio do uso do sinal de CHUVA - realizado
com as duas mãos + a quantidade de anos indicada pelo dedo das mãos. No meu primeiro
contato com a Língua de Sinais de Caiçara, identifiquei este sinal quando Dona Cássia
(falecida) ao rever meu marido sinalizou para ele: VOCÊ VIR AQUI CAIÇARA ANTES
CHUVA 4 FAZ TEMPO”. Então após analisar esta sinalização, identifiquei a contagem de anos
por meio da contagem e percepção das Chuvas fortes que no sertão do Ceará costumam
acontecer apenas uma vez em cada ano.
Sobre os meses do ano a forma de sinalizá-los está intrinsicamente ligado às tradições
culturais percebidas pelos moradores da comunidade e como resultado há a predominância de
sinalização para todos eles. A seguir veremos alguns deles:
MAIO
ABRIL
(dedo indicador toca os 2 ombros, semelhante a
chicotadas de Jesus)
AGOSTO
(sinal de fogos de artifício feito com o dedo indicador)
197
OUTUBRO
(sinal de marcar com X + colocar na Urna)
Acima, vimos os exemplos de quatro meses do ano, em que fica explícito que todos os
sinais estão relacionados a alguma data comemorativa que ocorre seja em âmbito local, seja
nacional.
Com relação aos dias da semana, segue-se a mesma motivação, bem como a contagem
com os dedos para SEGUNDA, TERÇA, QUARTA, já quinta e sexta não consegui identificar
qual a motivação. O SÁBADO relaciona-se ao dia que se lava roupas e o DOMINGO à missa.
Um sinal bastante intrigante não encontrado em nenhuma outra língua de sinais que
eu tenha pesquisado diz respeito ao sinal de SEMANA que, em Libras, quando sinalizamos
fazemos a alusão aos sete dias que a semana tem, mesmo com as variações dos sinais no Brasil
sempre há a perspectiva de sete dias. Já na LS de Caiçara, o sinal de SEMANA é indicado com
8 dedos, o que foge totalmente a qualquer padrão de iconicidade ou representatividade do
conceito na língua, elucidando a questão da arbitrariedade deste sinal. Chamou-me a atenção
quando para se referir a contagem de SEMANAS, os surdos de Caiçara tivessem uma forma de
representá-la. Faz-se o sinal de SEMANA + DEPOIS - 1 ou SEMANA + DEPOIS – 2 e
SEMANA + depois – 3.
198
66
Árvore de pequeno porte, dotada ou não de espinhos no tronco e galhos, de ocorrência natural na caatinga. A
espécie pertence à família Fabaceae, subfamília Mimosoideae, gênero Mimosa e recebe o nome científico
Mimosa tenuiflora (Mart.) Benth. Apresenta alguns sinônimos como Acacia hostilis Mart.; Mimosa cabrera
Karsten; Mimosa limana Rizzini; Mimosa nigra Huber; Acacia tenuiflora Wild., sendo seu basiônimo Acacia
tenuiflora Willd (TROPICOS, 2017).
200
No capítulo da metodologia vimos de que forma a Lista de Swadesh (100 palavras) foi
utilizada nesta pesquisa para a produção dos dados na Cena e na LS de Caiçara.
201
45. nome I I
46. estreito NI NI
47. novo I I
48. noite I I
49. não I I
50. velho I I
51. de outros I I
52. pessoa I I
53. Toque I I
54. chuva I I
55. vermelho I I
56. certo I I
57. rio I I
Lista de Swadesh Cena Língua de Sinais
Caiçara
58. corda I I
59. sal I I
60. mar NI NI
61. afiado I NI
62. curto I I
63. cantar I I
64. sentar I I
65. suave I I
66. serpente I I
67. neve NI NI
68. ficar de pé I I
69. Estrela I I
70. pedra I I
71. sol I I
72. cauda NI NI
73. fino I I
74. árvore I I
75. vomitar I I
76. caloroso I I
77. água I I
78. molhado I I
79. o que I I
80. quando I I
81. Onde I I
82. branco I I
83. quem I I
84. Largo I I
85. esposa I I
86. vento I I
87. com I I
88. mulher I I
89. madeira NI NI
90. Minhoca NI NI
203
91. Ano I I
92. amarelo I I
93. cheio I I
94. lua I I
95. irmão I I
96. gato I I
97. dança I I
98. porco I I
99. irmã I I
100. trabalhar I I
Legenda: I – identificado e NI – Não identificado
Fonte: elaboração própria.
Após este levantamento conforme Quadro 22, identificamos em ambas as línguas pelo
menos 88 sinais. Os sinais não identificados foram os seguintes: animal, pena, gelo, piolho,
estreito, mar, afiado, neve, cauda, madeira e minhoca.
Ressalta-se que a não identificação dos sinais não significam necessariamente que eles
não existam nas referidas línguas, mas que durante o processo de produção dos dados eles não
foram possíveis de serem elucidados. Por exemplo, com relação ao sinal MAR, acredita-se que
devido ao fato de ambas as cidades não serem próximas a regiões com praia, esse sinal não foi
revelado, diferentemente dos sinais de RIO e AÇUDE que já são parte das experiências dos
surdos de ambas as comunidades.
Por exemplo, para perguntar QUAL em LS Caiçara realiza-se o sinal de PENSAR (LS
Caiçara e Cena) com a mão esquerda e o sinal de QUAL com a mão direita conforme figura
abaixo:
Com relação ao estudo dos pronomes sabemos que este ainda pode ser expandido,
trouxemos a esta tese um excerto correspondente as principais ocorrências do uso pronominal
na Cena e na LS Caiçara.
Um aspecto interessante identificado durante nossa coleta diz respeito aos contextos
de sinalização do sinal MANHÃ e TARDE em cena. Na Figura 109, vemos sinal de MANHÃ.
Esta mesma configuração, mas com ponto de articulação diferente pode significar “o meio da
manhã”, ou seja, umas 09:30 ou 10:00 (ver figura 110)
Observa-se que o local que a surda sinaliza está voltado para o lado onde o sol nasce.
209
Seguidamente, temos o sinal de TARDE, que é quando o sol já está quase no horizonte,
mudando assim o ponto de articulação do sinal, conforme figura 112:
210
Quanto à realização desse sinal em Cena, foi observado que dependendo do local que
o sinalizante estivesse em relação ao Sol, durante a realização do sinal TARDE este modificaria
a orientação e direcionalidade em sua execução.
Com relação à sinalização de NOITE, verificamos a mesma configuração de mão, o
ponto de articulação é o espaço acima da cabeça e junto a estes parâmetros acrescenta-se uma
expressão correspondente a algo escuro. Este mesmo sinal foi observado na LS Caiçara.
67
Os modelos cognitivos são omnipresentes: em qualquer ato de categorização estão envolvidos, mais ou menos
conscientemente, um ou mais modelos cognitivos; mesmo nos casos de objetos ou situações desconhecidas ou
não-familiares, é possível começar a ter deles uma ideia através de modelos cognitivos parecidos. Uma
categoria pode envolver um complexo de diferentes modelos cognitivos: por exemplo, mãe remete, não só para
os domínios de nascimento e genético, mas também para os domínios nutritivo (e educacional), marital e
genealógico (cf. Lakoff 1987, p. 74-76) razão pela qual a mulher que alimenta e educa uma criança, mesmo que
a não tenha dado à luz, pode ser considerada como sua mãe.
211
Transição geracional existe na Nota-se que da primeira para a segunda geração em cada uma
língua de sinais cena e na das comunidades pesquisadas houve uma transição geracional
língua de sinais de caiçara? tanto na Cena quanto na Libras. Todavia quando pensamos na
terceira geração e ainda considerando os avanços tecnológicos
e o acesso da Libras pelas redes sociais percebe-se que as
línguas de sinais de cada uma das comunidades são utilizadas
quando adultos da primeira geração conversam com os da
terceira geração, o que pode ser importante no que tange a sua
preservação, valorização e uso.
Ao discutir a transmissão intergeracional, realizou-se a
caracterização dos falantes da língua (ouvintes, codas e
surdos), uma vez que os dados mais detalhados apresentados
nos ajudaram a entender melhor os aspectos que impactam
nessa transmissão, nos auxiliando a pensar em ações futuras
que visem colaborar para a preservação da vitalidade
linguística das línguas estudadas.
Tendência de uso da língua de Percebe-se que com a chegada da Libras a estas comunidades,
sinais cena x língua de sinais ambas as línguas vêm sofrendo desprestígio e é necessário
de caiçara sempre reforçar com seus falantes natos, que ela não é uma
língua errada, nem muito menos feia, mas ao contrário é uma
língua linda, genuína que não pode ser esquecida, nem muito
menos apagada da comunidade, uma vez que constitui a
identidade desta comunidade.
A discussão apresentada aqui é sobre o prestígio linguístico,
ainda mais por serem línguas de uma mesma modalidade, ou
seja visuo-espacial. Outras pesquisas com foco no Inventário
214
Sobre os itens lexicais nas -Uso de empréstimos linguísticos. Ex: Alfabeto manual escrita
línguas de sinais emergentes na palma da mão, chão ou outras partes do corpo;
brasileiras e relações com as - Sistema de Contagem numérica em Língua de sinais
línguas de sinais cena e língua emergentes, que tem como ponto que nos chama atenção a
de sinais de caiçara orientação da palma da mão e ainda o movimento realizado na
contagem;
- Produção de sinais referente ao tempo e clima em Língua de
sinais emergentes a partir de seus fenômenos característicos
(seca, verão, chuvas etc) influenciam a formação dos itens
lexicais que representam a passagem do ciclo anual. E ainda a
forte presença de sinais icônicos e iconicidade como um dos
elementos constitutivos destas línguas emergentes.
Questões linguísticas sobre a - Os sinais da Cena são produzidos com o corpo todo, com isso
Cena o que se quer dizer é que o espaço de sinalização é composto
por todas as regiões do corpo, tendo como predominante a
região do abdômen;
- Os números são realizados de forma contínua e caso
necessário com o uso de ambas as mãos;
- Quanto aos meses que não tem um sinal dedicado, eles
utilizam o sinal de PARA FRENTE ou PARA TRÁS junto
com o mês que tenha um sinal;
- Aos verbos, geralmente eles apresentam a incorporação do
instrumento, dessa maneira para indicar a ação de trabalhar no
geral faz-se uma sinalização de “retirar o suor da testa”, assim
como percebido também na Cena identificamos várias formas
de realizar o sinal TRABALHAR.
- Existência de gradações típicas de modificações adverbiais
realizadas por articuladores não-manuais como a face. Xavier
(2017) referindo-se à Libras, quanto ao uso de “sobrancelhas
franzidas, bochechas infladas, tronco inclinado, e mudanças no
número de mãos e duração do sinal” são recursos miméticos
metaforicamente vinculados a noção de intensidade;
- O uso do espaço para o estabelecimento do sistema
pronominal, por via da apontação ego-alinhada ao peito do
sinalizador para identificar a primeira pessoa, e as apontações
ego-opostas para a segunda e terceira pessoa do discurso.
Questões linguísticas - Forte presença de sinais icônicos;
preliminares sobre a Língua de - A contagem dos anos é feita por intermédio do uso do sinal
Sinais de Caiçara de CHUVA - realizado com as duas mãos + a quantidade de
anos indicada pelo dedo das mãos;
215
9 CONSIDERAÇÕES
reunimos um total de vinte e uma. E, nesse sentido, importa demarcar que muitos de seus
sinalizantes/usurários do quantitativo mencionado o fazem, possivelmente desconhecendo a
riqueza que estas línguas carregam.
Um dos principais aspectos observados em ambas as comunidades é que os sinais
durante pelo menos 03 gerações acompanharam seus falantes independente de ser surdo ou
ouvinte. Vale ressaltar que há diferentes graus de competência na sinalização entre os ouvintes.
Algumas pessoas dizem que não sabem sinalizar. Entretanto, ao encontrar um surdo, sinalizam.
Ao menos, sabem alguns sinais básicos o que promove a comunicação entre os membros da
comunidade.
Percebe-se que em Várzea Queimada (Jaicós-Pi) estamos já em 03 gerações desde o
nascimento da primeira surda e que principalmente nos falantes da terceira geração há uma
presença maior da Libras em detrimento do uso da Cena. Já em Caiçara (Várzea Alegre-Ce) na
terceira geração ainda não registramos o nascimento de nenhum surdo, todavia identifica-se
que quando os netos (terceira geração) estão em contato com os sinalizantes da LS Caiçara,
estes tendem a usá-la em sua produção. Este fato é interessante e importante no tocante à
preservação, valorização e continuidade de uso da LS Caiçara.
Com relação à chegada e uso da Libras nas comunidades pesquisadas, os surdos mais
jovens apresentam-se como empreendedores, pois frequentam escolas na comunidade e/ou na
sede e na qual eles dispõem de aulas semanais de Libras, bem como possuem acesso à internet
e as diversas redes sociais. No entanto, ainda que os surdos das citadas comunidades tenham
acesso à Libras nas escolas, o fato de que os surdos mais velhos não vão à escola e também os
familiares ouvintes pelo que se observou não aprendem a Libras, isto representa uma garantia
para que estas línguas emergentes prossigam e permaneçam vívidas e de certa forma resistentes
as alterações/substituições das mesmas.
É notório que os surdos se utilizam de meios visuais para compreender o mundo
ouvinte e constituir suas próprias representações, uma vez que o acesso à informação por meio
da experiência visual se relaciona com as negociações para o estabelecimento de trocas
linguísticas entre Línguas Orais e Línguas de Sinais.
Na Cena ocorre também a soletração, mas com um diferencial, esta é realizada
mediante o uso do dedo indicador para desenho das letras do alfabeto da língua portuguesa na
palma da mão ou no antebraço do receptor da mensagem, e até mesmo quando não há
entendimento no chão seja de terra batida com um graveto ou com o dedo. Também há
ocorrência de escrita das letras no ar.
219
dos sinais de RIO e AÇUDE que já são parte das experiências dos surdos de ambas as
comunidades.
Com relação aos pronomes ou expressões interrogativas nos dados produzidos e
coletados em Cena e LS caiçara identificou-se as seguintes expressões interrogativas:
PORQUE? COMO? O QUE? QUANDO? ONDE? QUEM? QUANTOS? E que estas
geralmente são realizadas a partir de um pronome interrogativo geral realizado com a palma
das mãos abertas acrescido de expressão não manual interrogativa.
Sobre os sinais referentes à MANHÃ, TARDE E NOITE em LS Caiçara e na Cena
são produzidos a partir da realização de um sinal que de acordo com o horário do dia modifica-
se a orientação e direcionalidade da palma da mão.
Alguns verbos em Cena e LS Caiçara apresentam incorporação o objeto ou da ação.
Identificamos também verbos com carga semântica relacionados ao cognitivo (PENSAR,
CONHECER, SABER) que são realizados a partir de um sinal base PENSAR acrescidos de
expressões relacionadas ao significado que se quer alcançar.
Em alguns tópicos da tese, mostramos que ambas as línguas, a exemplos de outras
línguas estáveis, dispõem de recursos linguísticos estruturais que são regularizados por uma
capacidade inata dos usuários de desenvolverem. Quanto à organização sociolinguística das
comunidades estudadas, esta posta-se de forma clara considerando o léxico já identificado,
abrindo espaço para discussões relevantes no âmbito educacional, sociolinguístico, linguístico
e político no que se refere ao contexto de línguas minoritárias.
Face ao exposto e embasados pelos dados obtidos na presente pesquisa, faz-se
necessário inserir no mapa das pesquisas linguísticas, as línguas de sinais emergentes aqui
citadas, assim como as centenas de línguas ainda ocultadas pela representação majoritária de
um país monolíngue, ou seja, pela ideia de que só falamos o português, talvez seja a
possibilidade mais significativa, em médio prazo para alcance do reconhecimento das línguas
como patrimônio cultural.
E como as línguas aqui estudadas emergem nas comunidades vivas, produtivas e
valiosas no tocante ao patrimônio imaterial que elas nos apresentam, ressalta-se que as
considerações e análises aqui propostas não esgotam as línguas aqui envolvidas, todavia abrem
espaços para pesquisas no campo fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático
tanto da Cena e quanto da LS Caiçara.
221
REFERÊNCIAS
BAKER, Charlotte. PADDEN, Carol. ASL: A Look at Its History, Structure, and
Community. Silver Spring, Md: TJ Publishers, Inc., 1978.
BARON, I.; HERSLUND, M. Semantics of the verb have. In: BARON, Irène; HERSLUND,
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Imagem 02
Fonte: https://cargocollective.com/jonathasdeandrade/jogos-dirigidos
240
Imagem 03
Fonte: https://www.premiopipa.com/2020/10/assista-ao-novo-filme-de-jonathas-de-andrade-no-
online-viewing-room-do-artista/
Imagem 04
Fonte: https://www.goethe.de/ins/br/pt/kul/sup/b20/21773237.html
241
Imagem 05
Fonte: https://cargocollective.com/jonathasdeandrade/jogos-dirigidos
Imagem 06
Fonte: https://cargocollective.com/jonathasdeandrade/jogos-dirigidos
242
APÊNDICES
243
Participante: ______________________________________________
Data de nascimento: ________________________________________
Título da pesquisa:
Inventário das línguas de sinais dos vilarejos brasileiros: o caso da Cena (Jaicós-Pi) e da língua
de sinais de Caiçara (Várzea Alegre – Ce)
Você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa de doutorado do Programa de Pós
Graduação em Linguistica da Universidade Federal de Santa Catarina que investigará sobre o
" Inventário das línguas de sinais dos vilarejos brasileiros: o caso da Cena (Jaicós-Pi) e da
língua de sinais de Caiçara (Várzea Alegre – Ce)."
O objetivo desta investigação é o de coletar amostras de produção da língua de sinais, diferentes
da Libras, utilizada por pessoas surdas e ouvintes de sua comunidade. Com isso, nós queremos
documentar línguas de sinais existentes no Brasil e analisá-las em termos de seu uso social, de
sua gramática e vocabulário. Além disso, as experiências narradas nessas gravações poderão
ser divulgadas à sociedade brasileira, como uma forma de promovermos uma real inclusão das
pessoas surdas, bem como o fortalecimento dessa língua de sinais tão rica utilizada por você
em sua comunidade.
Faremos entrevistas com você e coletaremos dados por meio de vídeos de diferentes formas.
Você vai contar sobre você, sobre onde estudou, falar histórias, realizar tarefas que vamos lhe
apresentar e conversar com outra pessoa que usa a mesma língua de sinais que você. Todas
estas atividades serão filmadas. Estas filmagens serão transcritas pela pesquisadora Diná Souza
da Silva, e serão postadas no Corpus de Libras, sob domínio da UFSC, de forma pública e
gratuita à comunidade interessada para fins de pesquisa, de estudo e aplicação pedagógica.
A participação neste projeto não apresenta nenhum risco, nem de nível mínimo da vida diária.
A única questão que você deve considerar é a divulgação de sua imagem em vídeo nas pesquisas
e trabalhos futuros que utilizarem o seu material como base de estudo. Nessas pesquisas, outras
pessoas farão análises e comentários sobre a sua produção em língua de sinais, e algumas
pessoas podem se sentir constrangidas com isso.
Este estudo não deverá beneficiar você diretamente, mas a sua participação certamente
contribuirá para a melhoria da vida das pessoas surdas no Brasil, por dois motivos: em primeiro
lugar, o estudo da sua produção vai nos ajudar a compreender melhor como funcionam as
línguas de sinais de vilarejos, beneficiando a educação de surdos e o ensino de libras como
primeira e segunda língua; em segundo lugar, o estudo de sua produção vai contribuir para
fortalecer a Libras no Brasil, pois uma língua documentada é muito importante para a formação
de professores dessa língua e para os estudos dessa língua.
244
Não haverá nenhum tipo de pagamento para a sua participação, mas se você tiver algum custo
decorrente da sua participação na pesquisa, você será devidamente ressarcido. Em caso de
algum dano resultante da sua participação na pesquisa, você tem direito a assistência e a
indenização.
Caso você queira, poderemos dar-lhe um pseudônimo substituindo o seu nome e informações
pessoais na identificação da gravação, independentemente de sua imagem aparecer na gravação.
Você indicará essa informação no Termo de Cessão de Filmagens.
Outros pesquisadores poderão ter acesso ao material de sua gravação para desenvolver suas
próprias pesquisas, após serem avaliadas pelo CEPSH, ou seja, eles também terão que submeter
seus projetos para a avaliação do CEPSH. Paralelamente a isso, eles também preencherão um
cadastro prévio no qual, além de detalharem seus vínculos institucionais, deverão encaminhar
um termo de responsabilidade dando ciência aos critérios que devem ser observados para a
utilização dos dados. Da mesma forma, isso se aplica ao uso dos dados por pesquisadores de
outros países por meio de cooperação internacional, havendo necessidade do projeto ser
submetido ao CONEP, caso isso se configure.
Com seu consentimento específico à integração do Corpus de Libras, os pesquisadores que
utilizarem os seus dados poderão fazer apresentações e publicações com os resultados do
estudo, mas sem apresentar as suas informações pessoais, caso você assim solicite. Com relação
à sua imagem, ela poderá ser veiculada nessas apresentações e publicações, tendo em vista a
importância das expressões faciais e corporais na produção da língua de sinais. Todos os clips
ou frames que incluem a sua imagem serão para apresentar exemplos da sua língua de sinais,
sem nunca comprometer a sua imagem pessoal.
Você pode interromper a sua participação neste estudo a qualquer momento. Caso em algum
vídeo ocorra alguma situação que lhe causou um constrangimento pessoal, você poderá solicitar
por e-mail aos coordenadores do projeto – ver dados abaixo indicados – que não incluam esse
dado no Corpus e, com a solicitação documentada no e-mail, nós garantiremos que esse dado
seja apagado do banco de dados. No entanto, como o material é de domínio público, não temos
como garantir que o vídeo já tenha sido acessado até a data da retirada dos dados.
Ressaltamos que a presente pesquisa seguirá os moldes do Inventário Nacional da Libras
aprovado pelo Comitê de Ética (CAAE: 17028413.0.0000.0121), que utiliza a metodologia de
coleta de dados do Inventario Nacional da Diversidade Linguistica (INDL).
Se você tiver qualquer dúvida ou problema de ordem ética, por sua participação na pesquisa,
poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da
Universidade Federal de Santa Catarina pelo telefone 37216094, e-mail
[email protected] ou no endereço:
Universidade Federal de Santa
Catarina – Reitoria II, Rua Desembargador Vitor Lima, nº 222, 4º andar, Sala 401 – Trindade
– CEP 88040400 – Florianópolis/SC
Você pode entrar em contato conosco a qualquer momento. Estaremos disponíveis para
responder a qualquer dúvida que possa surgir sobre este estudo. Se você tiver mais perguntas
sobre o projeto ou se você tiver algum problema relacionado com a pesquisa, você pode entrar
em contato com os pesquisadores principais do estudo:
Eu li este termo de consentimento e decidi que vou participar da pesquisa intitulada Inventário
das línguas de sinais dos vilarejos brasileiros: o caso da Cena (Jaicós-Pi) e da língua de sinais
de Caiçara (Várzea Alegre – Ce). Ficaram claras as implicações da minha participação nesta
pesquisa. Eu entendo que poderei interromper a minha participação na pesquisa, a qualquer
momento Minha assinatura também indica que eu recebi uma via deste documento em língua
portuguesa (de forma impressa ou digital assinada) e que tive acesso a sua versão em Libras.
___________________________ ______________________________ _______________
Nome do participante da pesquisa Assinatura do participante da pesquisa Data da Assinatura
Colaborador: ___________________________________
Título da pesquisa: Inventário de língua brasileira de sinais dos vilarejos brasileiros: o caso da
Cena (Jaicós-Pi) e da língua de sinais de Caiçara (Várzea Alegre – Ce)
**ATENÇÃO**
A sua privacidade é muito importante. Por causa disso, seus dados pessoais jamais serão
veiculados nesta ou em outras pesquisas que utilizarem as suas filmagens, caso você assim
determine. Ainda assim, é preciso ter clareza de que, ao consentir em participar desta
pesquisa, sua imagem ficará acessível ao público acadêmico.
Como os dados publicados na página são públicos, se você respondeu NÃO as questões
abaixo, exceto a primeira, você não estará participando deste Banco de Dados. Se você
respondeu SIM as questões, SIM ou NÃO a primeira questão, você passa a integrar o
Corpus da Língua Brasileira de Sinais na qualidade de participante.
1. Você deseja que seja criado um pseudônimo para ocultar a sua identidade pessoal quando
os seus dados tornarem-se objeto de pesquisa?
Sim _____ Não ______
2. Você permite que as suas filmagens sejam publicadas no Corpus de Língua Brasileira de
Sinais, de forma pública e de livre acesso mediante cadastro em nosso projeto?
Sim _____ Não ______
3. Você permite que as suas filmagens sejam transcritas pelos pesquisadores cadastrados no
projeto Constituição de Corpus da Língua Brasileira de Sinais?
Sim _____ Não ______
4. Podemos compartilhar as suas filmagens com outros pesquisadores que também desejam
estudar a Libras, surdez e educação de surdos academicamente?
Sim _____ Não ______
5. Você permite que fotos e trechos de suas filmagens sejam utilizados para apresentar os
resultados de pesquisas em publicações científicas, em eventos acadêmicos e em materiais
didáticos relativos ao ensino de Libras e à educação de surdos?
Sim _____ Não ______
Participante: ______________________________________________
Data de nascimento: ________________________________________
Título da pesquisa:
Inventário das línguas de sinais dos vilarejos brasileiros: o caso da Cena (Jaicós-Pi) e da língua
de sinais de Caiçara (Várzea Alegre – Ce)
Você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa de doutorado do Programa de Pós
Graduação em Linguistica da Universidade Federal de Santa Catarina que investigará sobre o
" Inventário das línguas de sinais dos vilarejos brasileiros: o caso da Cena (Jaicós-Pi) e da
língua de sinais de Caiçara (Várzea Alegre – Ce)."
O objetivo desta investigação é o de coletar amostras de produção da língua de sinais, diferentes
da Libras, utilizada por pessoas surdas e ouvintes de sua comunidade. Com isso, nós queremos
documentar línguas de sinais existentes no Brasil e analisá-las em termos de seu uso social, de
sua gramática e vocabulário. Além disso, as experiências narradas nessas gravações poderão
ser divulgadas à sociedade brasileira, como uma forma de promovermos uma real inclusão das
pessoas surdas, bem como o fortalecimento dessa língua de sinais tão rica utilizada por você
em sua comunidade.
Faremos entrevistas com você e coletaremos dados por meio de vídeos de diferentes formas.
Você vai contar sobre você, sobre onde estudou, falar histórias, realizar tarefas que vamos lhe
apresentar e conversar com outra pessoa que usa a mesma língua de sinais que você. Todas
estas atividades serão filmadas. Estas filmagens serão transcritas pela pesquisadora Diná Souza
da Silva, e serão postadas no Corpus de Libras, sob domínio da UFSC, de forma pública e
gratuita à comunidade interessada para fins de pesquisa, de estudo e aplicação pedagógica.
A participação neste projeto não apresenta nenhum risco, nem de nível mínimo da vida diária.
A única questão que você deve considerar é a divulgação de sua imagem em vídeo nas pesquisas
e trabalhos futuros que utilizarem o seu material como base de estudo. Nessas pesquisas, outras
pessoas farão análises e comentários sobre a sua produção em língua de sinais, e algumas
pessoas podem se sentir constrangidas com isso.
Este estudo não deverá beneficiar você diretamente, mas a sua participação certamente
contribuirá para a melhoria da vida das pessoas surdas no Brasil, por dois motivos: em primeiro
lugar, o estudo da sua produção vai nos ajudar a compreender melhor como funcionam as
línguas de sinais de vilarejos, beneficiando a educação de surdos e o ensino de Libras como
primeira e segunda língua; em segundo lugar, o estudo de sua produção vai contribuir para
fortalecer a Libras no Brasil, pois uma língua documentada é muito importante para a formação
de professores dessa língua e para os estudos dessa língua.
Não haverá nenhum tipo de pagamento para a sua participação, mas se você tiver algum custo
decorrente da sua participação na pesquisa, você será devidamente ressarcido. Em caso de
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algum dano resultante da sua participação na pesquisa, você tem direito a assistência e a
indenização.
Caso você queira, poderemos dar-lhe um pseudônimo substituindo o seu nome e informações
pessoais na identificação da gravação, independentemente de sua imagem aparecer na gravação.
Você indicará essa informação no Termo de Cessão de Filmagens.
Outros pesquisadores poderão ter acesso ao material de sua gravação para desenvolver suas
próprias pesquisas, após serem avaliadas pelo CEPSH, ou seja, eles também terão que submeter
seus projetos para a avaliação do CEPSH. Paralelamente a isso, eles também preencherão um
cadastro prévio no qual, além de detalharem seus vínculos institucionais, deverão encaminhar
um termo de responsabilidade dando ciência aos critérios que devem ser observados para a
utilização dos dados. Da mesma forma, isso se aplica ao uso dos dados por pesquisadores de
outros países por meio de cooperação internacional, havendo necessidade do projeto ser
submetido ao CONEP, caso isso se configure.
Com seu consentimento específico à integração do Corpus de Libras, os pesquisadores que
utilizarem os seus dados poderão fazer apresentações e publicações com os resultados do
estudo, mas sem apresentar as suas informações pessoais, caso você assim solicite. Com relação
à sua imagem, ela poderá ser veiculada nessas apresentações e publicações, tendo em vista a
importância das expressões faciais e corporais na produção da língua de sinais. Todos os clips
ou frames que incluem a sua imagem serão para apresentar exemplos da sua língua de sinais,
sem nunca comprometer a sua imagem pessoal.
Você pode interromper a sua participação neste estudo a qualquer momento. Caso em algum
vídeo ocorra alguma situação que lhe causou um constrangimento pessoal, você poderá solicitar
por e-mail aos coordenadores do projeto – ver dados abaixo indicados – que não incluam esse
dado no Corpus e, com a solicitação documentada no e-mail, nós garantiremos que esse dado
seja apagado do banco de dados. No entanto, como o material é de domínio público, não temos
como garantir que o vídeo já tenha sido acessado até a data da retirada dos dados.
Ressaltamos que a presente pesquisa seguirá os moldes do Inventário Nacional da Libras
aprovado pelo Comitê de Ética (CAAE: 17028413.0.0000.0121), que utiliza a metodologia de
coleta de dados do Inventario Nacional da Diversidade Linguistica (INDL).
Se você tiver qualquer dúvida ou problema de ordem ética, por sua participação na pesquisa,
poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da
Universidade Federal de Santa Catarina pelo telefone 37216094, e-mail
[email protected] ou no endereço:
Universidade Federal de Santa
Catarina – Reitoria II, Rua Desembargador Vitor Lima, nº 222, 4º andar, Sala 401 – Trindade
– CEP 88040400 – Florianópolis/SC
Você pode entrar em contato conosco a qualquer momento. Estaremos disponíveis para
responder a qualquer dúvida que possa surgir sobre este estudo. Se você tiver mais perguntas
sobre o projeto ou se você tiver algum problema relacionado com a pesquisa, você pode entrar
em contato com os pesquisadores principais do estudo:
Eu li este termo de consentimento e decidi que vou participar da pesquisa intitulada Inventário
das línguas de sinais dos vilarejos brasileiros: o caso da Cena (Jaicós-Pi) e da língua de sinais
de Caiçara (Várzea Alegre – Ce). Ficaram claras as implicações da minha participação nesta
pesquisa. Eu entendo que poderei interromper a minha participação na pesquisa, a qualquer
momento Minha assinatura também indica que eu recebi uma via deste documento em língua
portuguesa (de forma impressa ou digital assinada) e que tive acesso a sua versão em Libras.
___________________________ ______________________________ _______________
Nome do participante da pesquisa Assinatura do participante da pesquisa Data da Assinatura
Colaborador: ___________________________________
Título da pesquisa: Inventário de língua brasileira de sinais dos vilarejos brasileiros: o caso da
Cena (Jaicós-Pi) e da língua de sinais de Caiçara (Várzea Alegre – Ce)
**ATENÇÃO**
A sua privacidade é muito importante. Por causa disso, seus dados pessoais jamais serão
veiculados nesta ou em outras pesquisas que utilizarem as suas filmagens, caso você assim
determine. Ainda assim, é preciso ter clareza de que, ao consentir em participar desta
pesquisa, sua imagem ficará acessível ao público acadêmico.
Como os dados publicados na página são públicos, se você respondeu NÃO as questões
abaixo, exceto a primeira, você não estará participando deste Banco de Dados. Se você
respondeu SIM as questões, SIM ou NÃO a primeira questão, você passa a integrar o
Corpus da Língua Brasileira de Sinais na qualidade de participante.
1. Você deseja que seja criado um pseudônimo para ocultar a sua identidade pessoal quando
os seus dados tornarem-se objeto de pesquisa?
Sim _____ Não ______
2. Você permite que as suas filmagens sejam publicadas no Corpus de Língua Brasileira de
Sinais, de forma pública e de livre acesso mediante cadastro em nosso projeto?
Sim _____ Não ______
3. Você permite que as suas filmagens sejam transcritas pelos pesquisadores cadastrados no
projeto Constituição de Corpus da Língua Brasileira de Sinais?
Sim _____ Não ______
4. Podemos compartilhar as suas filmagens com outros pesquisadores que também desejam
estudar a Libras, surdez e educação de surdos academicamente?
Sim _____ Não ______
5. Você permite que fotos e trechos de suas filmagens sejam utilizados para apresentar os
resultados de pesquisas em publicações científicas, em eventos acadêmicos e em materiais
didáticos relativos ao ensino de Libras e à educação de surdos?
Sim _____ Não ______
AÇÚCAR
AMANHÃ
CACHORRO
CAFE
256
CELULAR
CERVEJA
CHEFE
257
NOME
OVO
258
PAGAR
PREFEITO
PROFESSOR
259
REFRIGERANTE
SÁBADO
SAL
SETEMBRO
260
SOL
TERESINA
TRAIR
261
VERGONHA
262
ÁGUA
ANO
ARROZ
263
AVIÃO
BOLO
CACHORRO
264
CASA
CUSCUZ
DOMINGO
FEIJÃO
265
FOGO
IDADE
LARANJA
266
MÃE
MÊS
PAI
267
SOL
TOMAR-
BANHO