38-Actas Da VI Reuniao Internacional de Camonistas
38-Actas Da VI Reuniao Internacional de Camonistas
38-Actas Da VI Reuniao Internacional de Camonistas
CTAS DA VI
REUNIÃO
INTERNACIONAL
DE CAMONISTAS
Seabra Pereira
Manuel Ferro
Coordenação
1 Almeida GARRETT, Obras de ... Porto, Lello & Irmão, 1963, v. I, p. 1043.
2 Ibidem, p. 1045.
3 Ibidem, p. 1047.
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e a responder-lhe, lembra os verdadeiros portugueses do passado, aqueles mesmos,
paradigmáticos, que estão n’ Os Lusíadas:
Qual era dentre nós, que se não pudesse chamar oprimido? Qual há dentre
nós, que se não possa chamar libertado? Qual foi o Português que não gemeu,
que não chorou ao som dos ferros? Qual é o Português que não folgará com a
liberdade? Nenhum por certo: os netos de Moniz, de Nun’Álvares, de Gama,
de Castro, de Pacheco, são o que sempre foram - Portugueses.4
Entrando, finalmente, no texto, afirma: “Os homens são iguais porque são livres;
e são livres porque são iguais.” e prossegue, corajosamente apontando erros e vícios
morais, causadores da corrupção dos costumes, para concluir que “o governo de
Portugal até ao dia 24 de Agosto era tirânico, despótico e injusto”.
No ano anterior, para festejar o nascimento de uma princesa, Garrett se dispusera
a escrever um “elogio dramático” intitulado “O amor da Pátria”, que ficou inacabado.
A peça tem como “lugar da cena” “Os Elísios”, espaço sem tempo, o que permite a
presença simultânea de personagens de épocas diversas: dois reis – D. João II e D.
Dinis –, aquele que foi a maior figura da história de Portugal no Oriente – Afonso
de Albuquerque –, Camões e a deusa da sabedoria – Minerva –, que os levou ao
“templo sacrossanto”, chamando-lhes “Dinis excelso, / Extremado João, vate sublime,
/ Guerreiro ilustre”. O fragmento dramático é ainda imaturo, mas nos breves dezassete
versos da fala de Camões a D. João II ressoa a sua voz de sujeito lírico dos excursos
d’ Os Lusíadas, a reiterar a consciência do valor do seu canto e o seu extremo amor à
pátria, pátria ingrata que não o soube reconhecer, mas de que ele diz: “um só momento
/ Nunca deixei de amar, adoro-a ainda”. No poema épico, pela voz de Vasco da Gama,
o Poeta sintetizara a caracterização do rei, em quatro versos impecáveis:
4 Ibidem, p. 1049.
5 Luís de CAMÕES, Os Lusíadas. Comentados por Augusto Epipphanio da Silva Dias, 2. Ed. Melho-
rada, Porto, Companhia Portugueza Editora, 1916, Canto IV, estr. 60.
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Antes mesmo de escrever O amor da Pátria, já estava Garrett rascunhando o seu
Bosquejo da história da poesia e língua portuguesa; é o que ele diz na sua “Advertência”,
escrita quase aos vinte e dois: “tanto o poema como as notas e o ensaio são da minha
infância poética; são compostos na idade de dezassete anos.” Data, pois, dos seus bem
verdes anos a admiração que nutre pelo poeta que
... foi para tão longe da ingratíssima pátria despicar-se de seu desamor com
a mais nobre vingança: a de levantar-lhe um padrão, com que não entram
as idades, e que conservará ainda o nome português quando já ele houver
desaparecido da Terra.6
Louva sua “erudição (pois sabia quanto se soube em seu tempo) [e] engenho dos
que vêm ao mundo de séculos a séculos”; considera todos os outros poetas pigmeus
perante aquele que
... abri[u] um caminho novo, cri[ou] a poesia moderna, d[eu] não só a Portugal,
mas à Europa toda um grande exemplo, e constitui[u]-se o Homero das línguas
vivas.7
Mas será depois de 1823, já exilado no Havre, que começará a escrever o seu
primeiro texto longo e bem realizado, que ele qualifica como “obrita” em carta a seu
amigo Duarte Lessa, acrescentando:
Terá totalmente razão o autor na caracterização que faz do seu poema? Não me
parece. Talvez concorde com o que ele considera o fundo histórico, mas não com ser
a ação a composição d’ Os Lusíadas. Começo por hesitar entre os dois sentidos básicos
da palavra composição, o dinâmico ou o estático: o acto de compor ou o seu efeito?
De qual deles diz Garrett que faz a análise poética? Não a vejo, nem de um, nem de
outro. Haverá, isso sim, a valorização da epopeia e do seu autor: deste, através do seu
comportamento, das suas atitudes, dos julgamentos feitos pelo narrador do poema
oitocentista; daquela, através da citação, da paráfrase e do pastiche, como já observou,
e muito bem, Carlos Reis. Na carta há pouco citada, de Julho de 1824, Garrett expõe
ao amigo como compôs o Camões, muito conscientemente:
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não usado nem conhecido em Portugal) mas não servilmente e com macacaria,
porque sobretudo quis fazer uma obra nacional. [...] Porventura me criticarão
a novidade de fazer um poema assunto de outro: sei que sou o primeiro que
me atrevo a isso [...]”.9
Esta inovação lhe agrada, e tanto, que mais tarde porá em Um auto de Gil Vicente a
representação das Cortes de Júpiter, com suas figuras e alguns de seus versos, trazendo à
cena, para o momento em que faz renascer o teatro português, o dramaturgo que “abriu
os fundamentos ao teatro das línguas vivas”. Mas não é tudo: também é personagem
das Cortes Bernardim Ribeiro (enxertado pela criação garrettiana que se fundamenta
em lendas que correm sobre o autor mais “romântico” do quinhentismo), definido
no Bosquejo como aquele a quem “o que lhe falta em sublime e culto sobeja-lhe em
brandura, e numa ingénua ternura que faz suspirar de saudade.” Não tão inovador era
o jovem autor em “fazer um poema assunto de outro”, pois que, no teatro, tinha pelo
menos três antecessores no século XVI, que faziam de um auto assunto de outro: Gil
Vicente, no Auto da Lusitânia, o Chiado, no Auto da Natural Invenção, e o próprio
Camões, no Auto de El-Rei Seleuco. O jogo da intertextualidade é bem antigo na
literatura portuguesa...
Por que trazer Camões para o presente, fazendo-o protagonista de uma história
triste num poema que tem “um tom e um ar de romance”, história triste de um
homem-cidadão-poeta, frustrado em seus três amores: Natércia está morta; a pátria,
por quem lutou, que tanto ama, “mãe descaroável”, o enjeitou; o poema, acolhido
com entusiasmo por D. Sebastião, que lhe promete fazer mercê, será esquecido
“no apreste / Da jornada fatal” que ocupava todo o “malfadado moço que em sua
cólera / Rei dera o céu ao povo lusitano”? A pergunta é meramente retórica, já que
a resposta, todos a sabem: pela projeção do retratado no retratador, ambos amantes
da pátria, ambos exilados, ambos poetas, enfrentando a dificuldade de imprimir-se.
Só a frustração amorosa ainda não os aproximava; viria mais tarde para Garrett.
Pelo desejo de reviver um momento histórico em descida, que tanto se assemelhava
ao que vivia, e ao mesmo tempo de recuperar as glórias celebradas no poema épico,
tentando injetar sangue vivo dos heróis do passado nas veias ressequidas dos homens
do presente. Em excelente ensaio sobre “Intertextualidade e ideologia: uma imagem
romântica de Camões”, Carlos Reis quase não nos deixa matéria a explorar, tal a
acuidade e detença com que trata de cada ponto levantado no poema. Retomo, pois,
algumas afirmações suas sobre a relação arquitextual entre o Camões e Os Lusíadas, e
que contribuem, sem que o explicite, para o reconhecimento da qualidade literária
do poema romântico:
... Garrett pretende tacitamente vincar que o cânone perfilhado não constitui
uma norma rígida, mas uma directriz de criação estética susceptível de consentir
a margem de originalidade que ajuste o poema a circunstâncias históricas e
ideológicas naturalmente diversas das que caracterizam a epopeia camoniana;
9 Ibidem.
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[...] a inflexibilidade de um modelo atentaria contra a liberdade criativa que a
viragem para o Romantismo começava a conquistar de modo irreversível.10
Para mim, apesar do léxico (do qual não encontro n’Os Lusíadas nem “pungir”,
nem “númen”), o que o texto cria em mim é o clima de melancolia, isolamento,
exílio, em suma, saudade. Dificilmente poderia dizer que esta é ou foi a minha
primeira impressão, hoje tão distanciada de mim como a felicidade do menino
pessoano que se pergunta: “E eu era feliz?” para responder-se: “Fui-o outrora
agora.” Agora – e creio que desde sempre – o que me fica é muito mais a emoção
criada pela presença insistente da Saudade do que pela camada significante através
da qual esta é expressa. E é esta Saudade, sinalizando à entrada do poema, que lhe
dá o tom, como diapasão usado para que se afinem os instrumentos e as vozes.
Talvez porque assim penso é que divirjo algum tanto da posição do meu colega e
amigo Carlos Reis, quando, falando da transição do intertexto à ideologia – e nisto
estamos de acordo! –, diz:
10 Carlos REIS, Construção da leitura, Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica / Centro
de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, 1982, p. 67.
11 Ofélia M. C. MONTEIRO, A formação de Almeida Garrett, Coimbra, Centro de Estudos Românicos,
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... é ao serviço dessa afirmação ideológica que naturalmente se encontram
as linhas de força do herói representado na epopeia, bem como as relações
intertextuais que ele inspira.13
Há mais de cinquenta anos recebi o legado e venho lutando para que se mantenha
e divulgue a língua e a cultura de Portugal na terra do Amazonas generoso.
13 Ibidem, p. 72.
14Almeida GARRETT, Camões. Apresentação crítica, notas e sugestões para análise literária de Teresa
Sousa de Almeida, Col. “Textos Literários”, Lisboa, Editorial Comunicação, 1986, p. 14.
15 Luís de Camões, Op. Cit., Canto X, estr. 21.
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