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ÍNDICE

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

O DIABO NOS DISCURSOS DE MONSENHOR


BERGOGLIO, BISPO EM BUENOS AIRES
As origens do mal na cultura pós­‑moderna . . . . . . . . . . . . . . . 21
Jesus também foi tentado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
As práticas mágicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Os demónios da amargura e do ressentimento . . . . . . . . . . . 31
Entre os sepulcros, como o endemoninhado . . . . . . . . . . . . . . 33
A linguagem das trevas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Os ídolos provocam a morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
O caminho do Inferno está cheio de boas intenções . . . . 41
Atentos à mentira que seduz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
O espírito da inércia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
A antinomia entre luz e trevas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
O inimigo interior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Os vários espíritos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
A tentação da pseudoespiritualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

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O falso triunfo do Inferno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

O espírito do mal desvia da missão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

O diabo é o pai da discórdia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

O diabo persegue a Igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

A sedução do caminho mais fácil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

O poder das trevas e a cultura da morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

A força da oração para a «guerra de Deus» . . . . . . . . . . . . . . . 78

A tentação de se fechar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

A sedução do «alimento que não perdura» . . . . . . . . . . . . . . . 84

As trevas da mentira e a mundanidade espiritual . . . . . . . 87

Nunca dialogar com o diabo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

O DIABO NOS DISCURSOS DO PAPA FRANCISCO


Quem não prega ao Senhor prega ao diabo . . . . . . . . . . . . . . . 97
A amargura que o diabo nos oferece . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
O diabo quer roubar a esperança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
A tentação dos mexericos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
Como se vence o diabo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Satanás também se disfarça em anjo de luz . . . . . . . . . . . . . 114
O diabo existe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
Anjos e demónios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Em luta contra o príncipe das trevas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
O fascínio da mentira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Os três degraus da sedução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
Resistir à tentação do diabo com a palavra de Deus . . . . 141
A perseguição educada do príncipe deste mundo . . . . . . 145
O pai da mentira atua nas trevas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
Quem faz a guerra é o maligno, que quer matar todos . 152
O diabo e a ovelha tresmalhada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156

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A luta contra o império de Satanás . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160

Como contrariar a tentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164

A tentação da mundanidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170

Satanás é um adulador hipócrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175

Reconhecer a nossa vulnerabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

Oratio ad sanctum Michael Leone XIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

Oração a São Miguel Leão XIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187

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INTRODUÇÃO

O DIABO EXISTE

«O demónio existe também no século xxi. Devemos apren-


der do Evangelho como lutar contra ele.» Estas palavras,
pronunciadas pelo Papa Francisco na homilia da missa
matutina celebrada na capela da Casa Santa Marta, a 11 de
abril de 2014, anunciam de forma essencial três linhas
estruturais do pensamento do Santo Padre no que diz
respeito ao diabo. Em primeiro lugar, o diabo existe; em
segundo, o diabo está ativo, inclusivamente hoje, no iní-
cio do terceiro milénio; e, portanto, em terceiro devemos
aprender a travar de forma eficaz a nossa luta espiritual
contra os poderes das trevas.
A quem pensa que estes argumentos se adequam mais
à Idade Média, mas estão totalmente ultrapassados na era
da Internet, do Facebook e do WhatsApp, o Papa Francisco
responde, perentório, que «não devemos ser ingénuos»,
porque o diabo também existe no século xxi!

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P A P A F R A N CISCO

A EXISTÊNCIA DO DIABO

A existência do diabo pertence ao património da doutrina


da Igreja Católica e funda­‑se nos ensinamentos das Sagra-
das Escrituras, da tradição e do magistério eclesial.
O Catecismo da Igreja Católica (CIC) afirma claramente
a existência do diabo (diábolos, aquele que divide; ou então
satan, satana, aquele que acusa) enquanto anjo caído:

Por trás da opção de desobediência dos nossos primei-


ros pais, há uma voz sedutora, oposta a Deus, a qual,
por inveja, os faz cair na morte. A escritura e a tra-
dição da Igreja veem neste ser um anjo decaído, cha-
mado Satanás ou diabo. Segundo o ensinamento da
Igreja, ele foi primeiro um anjo bom, criado por Deus.
«Diabolus enim et alii daemones a Deo quidem natura
creati sunt boni, sed ipsi per se facti sunt mali. De facto,
o diabo e os outros demónios foram por Deus criados
naturalmente bons; mas eles, por si, é que se fizeram
maus» (CIC, 391).

Este anjo é caído juntamente com os outros espíritos


criados que seguiram as suas pegadas nefastas, em virtude
de uma escolha livre com a qual «radical e irrevogavelmente
recusaram Deus e o seu Reino» (CIC, 392), cometendo um
pecado imperdoável devido ao «caráter irrevogável da sua
opção» e não por «uma falha da infinita misericórdia de
Deus» (CIC, 393).

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O DI A BO E XISTE

A AÇÃO DO DIABO

É Jesus quem oferece a descrição mais esclarecedora e es-


sencial da ação satânica, quando diz que o diabo «foi assas-
sino desde o princípio, e não esteve pela verdade, porque
nele não há verdade. Quando fala mentira fala do que lhe
é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira» (Jo, 8, 44).
Nesta afirmação lapidar são indicadas as duas armas com
as quais o diabo atinge a salvação das almas: por um lado,
a fúria assassina; por outro, a sedução mentirosa.
Da primeira temos indicações desde o início das Escri-
turas, quando se descreve o homicídio de Caim pelo seu
irmão Abel (cf. Gen, 4, 3–16): é o primeiro homicídio da
História, a partir do qual se desencadeou a espiral de vio-
lência que ensanguentou a história humana até aos dias
de hoje.
Ainda antes deste fratricídio dramático, encontra­‑se
porém o pecado original dos nossos progenitores (cf. Gen,
3, 1–15): ludibriada pela voz sedutora da serpente, Eva cede
à tentação de comer o fruto proibido do Éden, induzindo
depois Adão a fazer o mesmo, voltando a percorrer os
passos da rebelião luciferina original, em virtude de uma
armadilha que o diabo lhe estende, como hábil mentiroso
que é.
Eis, portanto, que a história humana — ou, melhor,
a meta­‑história original, a que aparece nos primeiros onze
capítulos do livro do Génesis — aparece desde o início mar-
cada pela ação do demónio que tenta conduzir as almas
para a perdição eterna, utilizando as armas da violência

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homicida e da mentira sedutora. À luz destas origens


bíblicas, não parece de facto estranho que o próprio Jesus
aponte, como já lembrámos, o diabo como o assassino e o
mentiroso.
No entanto, é mais uma vez ao Catecismo da Igreja
Católica que devemos recorrer, se quisermos definir melhor
a ação do diabo:

No entanto, o poder de Satanás não é infinito. Satanás


é uma simples criatura, poderosa pelo facto de ser
puro espírito, mas, de qualquer modo, criatura: im-
potente para impedir a edificação do Reino de Deus.
Embora Satanás exerça no mundo a sua ação, por ódio
contra Deus e o Seu reinado em Jesus Cristo, e embora
a sua ação cause graves prejuízos — de natureza espi-
ritual e indiretamente, também, de natureza física —
a cada homem e à sociedade, essa ação é permitida pela
Divina Providência, que com força e suavidade dirige
a história do homem e do mundo. A permissão divina
da atividade diabólica é um grande mistério. Mas «nós
sabemos que tudo concorre para o bem daqueles que
amam a Deus» (Rm, 8, 28). (CIC, 395).

Por estas palavras, parece claro, portanto, que o diabo


tem o poder de atuar sobre a história humana, até ao fim
do mundo, por autorização divina: mesmo permanecendo
como «um grande mistério», a ação satânica imbrica no
caminho da salvação que qualquer homem é chamado,
com a graça de Deus, a percorrer.

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O DI A BO E XISTE

COMO LUTAR CONTRA O DIABO

Neste terceiro ponto — que segue logicamente as reflexões


introdutórias que fizemos quanto à existência e à ação do
diabo — concentra­‑se sobretudo o ensinamento do Papa
Francisco, em coerência com a profunda atenção pastoral
que sobre o mesmo tema o ministério episcopal, em pri-
meiro lugar (em Buenos Aires, na Argentina, de 1999 a
2013), e depois o petrino (de 2013 até hoje), também lhe
concederam.
Jorge Mario Bergoglio — seja enquanto arcebispo seja
enquanto pontífice, não se concentra particularmente, de
facto, nos argumentos que poderiam aduzir «provas» e
razões para defender a existência do diabo —, talvez para
responder precisamente aos detratores que objetam que,
tendo chegado ao século xxi, seria necessário abandonar
estas crenças «medievais», prefere, em vez disso, concentrar­
‑se na ação do diabo. Porquê? Porque está convencido de
que as consequências da ação satânica estão diante dos
olhos de todos — basta de facto observar a espiral de ódio
e de violência que parece envolver cada vez mais o mundo
contemporâneo, para se lembrar de que o mal existe — e de
que o passo a dar consiste em reconhecer quem está por trás
desta explosão de mal. Só assim se poderá divisar a verda-
deira causa derradeira da dor, do sofrimento, da angústia
e do pecado que agrilhoam o coração do Homem de hoje,
procurando oferecer­‑nos uma resposta adequada.
Se por trás do mal está o demónio, assassino e men-
tiroso, devemos reconhecer nele o inimigo por excelência

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do género humano, preparando­‑nos para travar, cada um


por seu lado, uma luta espiritual diária. Luta que se revela
bem árdua, visto que, como lembra São Paulo, «Porque não
é contra os seres humanos que temos de lutar, mas con-
tra os Principados, as Autoridades, os Dominadores deste
mundo de trevas, e contra os espíritos do mal que estão nos
céus» (Ef, 6, 12). É um combate difícil, porque o Inimigo
se esconde, não quer que o descubramos, oculta­‑se habil-
mente nas rugosidades da vida quotidiana, procurando
atingir as almas com as suas armas mortíferas — fúria
homicida e sedução mentirosa —, sem que estas se aper-
cebam, enganando­‑as aos poucos. Daí os constantes apelos
do Papa Francisco à vigilância, a não sermos «ingénuos»,
a não nos deixarmos surpreender, mas a confiar na prece
e no abandono total e confiante na Divina Misericórdia.

APRENDER COM O EVANGELHO, MAS NÃO SÓ

Para aprender a lutar contra o diabo, o Papa Francisco faz


sobretudo referência ao Evangelho, procurando nos ensina-
mentos de Jesus todas as palavras que possam iluminar as
circunstâncias concretas e atuais em que o Homem contem-
porâneo é chamado a travar o seu próprio combate espiritual.
Optámos por apresentar as intervenções de Bergoglio
por ordem cronológica — em primeiro lugar reunindo,
portanto, as homilias e os discursos pronunciados na qua-
lidade de arcebispo de Buenos Aires e, depois, analisando
o material disponível ao longo do pontificado seguinte —,

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O DI A BO E XISTE

convictos como estamos de que, em paralelo com uma


intensificação da ação do diabo no mundo de hoje, o Santo
Padre também está a aumentar os seus apelos à luta espiri-
tual contra o Inimigo, não perdendo a oportunidade de nos
alertar contra os príncipes deste mundo.
Visto que a palavra do Papa se apresenta sempre como
um ensinamento simples, direto, concreto — em linha
com a atenção pastoral prioritária de que já falámos —, mas
atingindo um património imenso que a precede e funda,
optámos, pelo contrário, pela construção de uma espécie de
percurso «a duas vozes», em que as palavras de Francisco
ecoassem através de um texto das Escrituras, dos Patriarcas
da Igreja, dos Santos, da Sagrada Tradição, do Magistério…
de modo a fazer ressoar ainda melhor e mais profunda-
mente a sua mensagem.
Uma mensagem muito urgente, extremamente atual,
mas sempre marcada pela esperança e pela fé nas palavras
de Jesus, que, remetendo a ação do diabo para as seduções
da carne e para o «espírito do mundo», afirma: «Pois o
pão de Deus é aquele que desce do Céu e dá a vida ao mun-
do» (Jo, 6, 33).

NOTA PARA O LEITOR

O texto que reúne as homilias e os discursos de Jorge Mario


Bergoglio na qualidade de arcebispo de Buenos Aires é: Papa
Francisco, Nei tuoi occhi è la mia parola. Omelie e discorsi di

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Buenos Aires 1999–2013, Rizzoli, Milão 2016; no presente


volume vem indicado nas notas simplesmente como Nei tuoi
occhi è la mia parola.
Para os outros textos do Papa Francisco citados na pre-
sente obra, quando não especificado de outro modo, a fonte
é o site: http://w2.vatican.va/content/vatican/it.html.
Para os textos de outros pontífices e do Magistério da
Igreja Católica, a fonte é o site: www.vatican.va, tendo estes
sido traduzidos livremente em português.
No que diz respeito às citações de textos patrísticos e
medievais faz­‑se referência às versões reportadas no site:
www.monasterovirtuale.it, igualmente traduzidas de forma
livre em português.

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O DIABO NOS DISCURSOS
DE MONSENHOR BERGOGLIO,
BISPO EM BUENOS AIRES

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AS ORIGENS DO MAL
NA CULTURA PÓS­‑MODERNA

Nesta cultura globalizada atracam nas nossas margens os


destroços daquela que alguns definiram como «cultura
do naufrágio», ou seja, elementos da modernidade que se
demitem, e da sua posteridade, que vai ganhando terreno.
Tentemos reconhecer e definir algumas das suas carate-
rísticas.

Messianismo profano. Manifesta­‑se sob diversas formas, sin-


tomáticas das várias abordagens sociais ou políticas. Por ve-
zes consiste numa deslocação do ethos dos atos do singular
para as estruturas, de modo que não será o ethos a enfor-
mar as estruturas, mas estas últimas a produzirem o ethos.
É por isso que o caminho de salvação sociopolítico privilegia
a «análise das estruturas» e das ações político­‑económicas
que delas derivam. Esta lógica baseia­‑se na real convicção
de que o ethos é um elemento fraco, ao passo que, pelo con-
trário, as estruturas têm um valor sólido e seguro. Trata­‑se
de uma tensão ato­‑estrutura. Quando o ethos não mantém

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a tensão devida entre o ato — ou seja, o que provém da in-


terioridade do indivíduo — e a estrutura, desloca­‑se em di-
reção às estruturas, por natureza mais estáveis e robustas.
Falta assim o sentido pessoal do fim (o bem das pessoas,
Deus) e permanece apenas a força da «quantidade» carate-
rística das estruturas.

Relativismo. Fruto da incerteza perpassada de mediocri-


dade: é a tendência atual para desacreditar os valores ou,
pelo menos, de propor um moralismo imanente que põe o
transcendente em segundo plano, substituindo­‑o por falsas
promessas ou objetivos contingentes. O afastamento das
origens cristãs transforma os valores em mónades, lugares­
‑comuns ou simples nomes.
O relativismo é a possibilidade de fantasiar sobre a rea-
lidade, de a conceber como dominável por uma ordem ins-
trumentalizada, numa espécie de jogo. Leva a atribuir valor
às coisas e a considerá­‑las apenas com base numa impres-
são subjetiva: põe de lado as regras práticas, concretas, ob-
jetivas.
A ética e a política são reduzidas à física. Não existe o
bem e o mal em si, apenas cálculos de vantagens e desvan-
tagens. O desvio da razão moral comporta que o direito já
não possa fazer referência a uma imagem fundamental de
justiça, tornando­‑se, pelo contrário, num espelho das ideias
dominantes.
Tal ensimesmamento subjetivista dos valores leva­‑nos
a «avançar no sentido do consenso conjuntural». Mesmo
neste caso produz­‑se uma degradação: um «aplanamento

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O DI A BO E XISTE

para baixo», por meio do consenso negocial. Avança­‑se à


custa de negociações. No fim de contas, triunfa a lógica da
força.
Por outro lado, instaura­‑se o reino da opinião. Faltam
certezas e convicções. Vale tudo; daqui ao vale nada, o passo
é curto.
O Homem de hoje vive num estado de desenraizamento
e de abandono. Foi conduzido até aqui pelo seu desejo des-
medido de autonomia, legado da modernidade. Perdeu a
base de algo que o transcenda.

É um novo niilismo que «universaliza» tudo, anulando e


aviltando as particularidades, ou, pelo contrário, afirmando­
‑as com uma violência capaz de provocar a sua destruição.
Lutas fratricidas. Internacionalização completa dos capitais
e dos meios de comunicação, desinteresse face a apostas
sociopolíticas concretas e à participação verdadeira na cul-
tura e nos valores.
Gostamos de nos iludir pensando que possuímos uma
individualidade autónoma, não discriminada… e acabamos
por nos tornar num número, nas estatísticas do marketing,
um alvo da publicidade.
A unilateralidade do conceito moderno de razão: tem
direito a chamar­‑se «razão» apenas à razão quantitativa (as
geometrias como ciências perfeitas), à razão do cálculo e da
experimentação.

A mentalidade tecnicista e a procura do messianismo pro-


fano são dois traços expressivos do Homem moderno, que

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podemos definir perfeitamente como «homem gnóstico»:


detentor do saber, mas privado de unidade; e, por outro
lado, com necessidade do esotérico, neste caso secula-
rizado, ou seja, profano. Neste sentido, poderia dizer­‑se
que a educação corre o risco de se tornar gnóstica e eso-
térica, quando não é capaz de aplicar o poder da técnica
consoante a unidade interior criada pelos verdadeiros fins
e pelos meios usados a uma escala humana. Uma crise
semelhante não pode ser ultrapassada por algum tipo de
«retorno» (daqueles que a modernidade agonizante tentou
de todas as formas), mas apenas pela via do transbordar
interior, ou seja, do próprio núcleo da crise, assumindo­‑a
na sua totalidade, sem se fechar no seu interior, mas, pelo
contrário, transcendendo­‑a de dentro.

A falsa hermenêutica institui a suspeita. Espalha­‑se a falácia,


uma mentira que indispõe, com a sua estrutura aparen-
temente incontestável. Os seus efeitos prejudiciais mani­
festam­‑se no tempo.
Ou então transforma­‑se a verdade e tudo o que é nobre
em caricatura, agigantando de forma subtil ou cruel uma
perspetiva e deixando muitas outras na sombra. Assim se
desvaloriza o bom. É sempre fácil, em público ou em pri-
vado, achincalhar um valor: a honestidade, a não­‑violência,
o pudor; mas isto conduz inevitavelmente ao esvaziamento
de significado desse valor e à consequente instauração do
antivalor relativo, bem como ao aviltamento da vida.
Em alternativa recorre­‑se ao slogan, que, com uma rica
linguagem verbal e visual, valendo­‑se dos conceitos mais

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apreciados e mais brilhantes, absolutiza uma parte e detur-


pa o todo.
A pós­‑modernidade já não implica uma aversão face ao
facto religioso e muito menos o relega para o âmbito do
provado. Dá lugar a um deísmo diluído que tende a reduzir
a fé e a religião à esfera «espiritualista» e à subjetividade
(de que deriva uma fé sem devoção). Noutros lugares sur-
gem instâncias fundamentalistas que põem a nu a impotên-
cia e a superficialidade.
Esta transcendência miserável, incapaz até de assumir
os limites da imanência, é simplesmente fruto da própria
incapacidade de alcançar um limite humano e de pôr a mão
nalguma ferida.
Em ligação estreita com o paradigma do deísmo ocorre
um processo de esvaziamento das palavras: palavras sem
peso próprio, palavras que se tornam carne. São esvaziadas
dos seus conteúdos; nesse ponto, Cristo deixa de existir como
pessoa, passando a ser uma ideia. Produz­‑se uma inflação
de palavras. É uma cultura nominalista. A palavra perdeu o
seu peso, está vazia. Falta­‑lhe a base, falta­‑lhe a «faísca» que
a torna viva e que consiste precisamente no silêncio1.

Hoje tem­‑se a sensação de que, por alguma fenda, o fumo de


Satanás entrou no templo de Deus. Há a dúvida, a incerteza,
a problemática, a inquietação, a insatisfação, o confronto.

1 Nei tuoi occhi è la mia parola, pp. 22–24.

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Não se confia na Igreja [...]. A dúvida entrou nas nossas


consciências e entrou por janelas que, pelo contrário, de-
viam estar abertas para a luz [...]. Acreditamos em algo
sobrenatural [o diabo], que veio ao mundo precisamente
perturbar, asfixiar os frutos do Concílio Ecuménico.

Papa Paulo VI, Homilia na Solenidade


dos Santos Pedro e Paulo, 29 de junho de 1972

Recusando a verdade conhecida sobre Deus com um ato


de própria e livre vontade, Satanás torna­‑se «mentiroso»
cósmico e «pai da mentira» (Jo, 8, 44). Este vive na nega-
ção radical e irreversível de Deus e procura impor [...] aos
homens a sua trágica «mentira sobre o bem» que é Deus.
No livro do Génesis encontramos uma descrição precisa
dessa mentira e falsificação da verdade sobre Deus, que
Satanás (sob a forma de serpente) tenta transmitir aos pri-
meiros representantes do género humano [...]. Nesta con-
dição de mentira existencial, Satanás torna­‑se, segundo
São João, também «assassino», ou seja, destruidor da vida
sobrenatural que Deus desde o início enxertara nele e nos
outros seres.
[...] A influência do espírito maligno pode «ocultar­‑se»
de forma mais profunda e eficaz: passar despercebido cor-
responde aos seus «interesses»; a capacidade de Satanás
no mundo é a de levar os homens a negarem a sua exis-
tência em nome do racionalismo.

Papa João Paulo II, Audiência Geral, 13 de agosto de 1986

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