Infinito, Causalidade e Paradoxo - Alexander Pruss

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Observações:

Esta é uma tradução amadora. Não estão incluídas aqui a Bibliografia, Índice remissivo e Indi-
ce onomástico. Posso dizer que está completa. Mas, como esta obra foi traduzida de forma
amadora e o tradutor não é 100% preciso, alguns erros podem ser percebidos.

Traduzido por: Victor José Macedo de Souza. Graduando em Filosofia pela Universidade
Federal de Sergipe (UFS) – Campus de São Cristovão.

PRUSS, A. R. Infinity, causation, and paradox. Londres, England: Oxford University


Press, 2018.

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Conteúdo

Agradecimentos, 6

1. Infinito, Paradoxo e Matemática, 8


1. Paradoxo e Finitismo Causal, 8
2. Algumas notas matemáticas e lógicas, 12
3. Modalidade, 14
4. Finitismo: uma hipótese alternativa, 18
5. ∗ Definindo o Finito e o Contável, 27
6. Avaliação, 33
Apêndice: ∗Contando Coisas Futuras, 33

2. Regressões infinitas, 36
1. Como violar o finitismo causal, 36
2. Regressões Causais Infinitas, 37
3. Tipo (i): Regressões Incausadas, 38
4. Tipo (ii): Causalidade que passa por inúmeras etapas, 44
5. Tipo (iii): Causa externa que causa diretamente cada item, 45
6. ∗ Analogia com Axioma da Regularidade, 48
7. Avaliação, 49
Apêndice: ∗Dois tipos de violações do finitismo causal, 49

3. Supertarefas e Paradoxos Determinísticos, 53


1. Introdução, 53
2. Lâmpada de Thomson revisitada, 53
3. Ceifadores, 60
4. Universos newtonianos infinitos, 72
5. Outra Vida Eterna, 76
6. Viagem no tempo e loops causais, 77
3
7. Avaliação, 79

4. Loterias paradoxais, 81
1. Introdução, 81
2. Loterias justas contáveis e infinitas, 81
3. Construindo Loterias Paradoxais, 98
4. Objeções, 107
5. Avaliação, 112

5. Probabilidade e Teoria da Decisão, 115


1. Introdução, 115
2. Adivinhando com um número finito de erros, 115
3. Maçã de Satanás, 130
4. Paradoxo de Beam, 135
5. Avaliação de Paradoxos Teóricos da Decisão, 140
Apêndice: ∗Demonstração do Teorema da Seção 2.1, 140

6. O Axioma da Máquina de Escolha, 143


1. Menos introdução técnica, 143
2. ∗O Axioma da Escolha para Coleções Contáveis de Reais, 145
3. ∗Paradoxos do ACCR, 147
4. ∗ Um argumento a favor do ACCR, 148
5. ∗ Uma máquina de escolha, 152
6. Avaliação, 166
Apêndice: ∗∗Detalhes do rearranjo do sorteio, 167

7. Refinamento, alternativas e extensões, 171


1. Introdução, 171
2. Refinamento, 171
3. Alguns concorrentes do finitismo causal, 182
4. Por que o Finitismo Causal é Verdadeiro?, 194
5. Outras Extensões, 195

4
6. Avaliação Global, 199

8. Tempo e espaço discretos, 202


1. Introdução, 202
2. Finitismo Causal e Discrição, 202
3. Dois tipos de discrição, 203
4. Física, 207
5. Campos e Espaço Discreto, 215
6. Avaliação, 216

9. Uma primeira causa, 219


1. Introdução, 219
2. Uma causa não causada, 219
3. Compatibilidade com o Teísmo?, 222
4. Avaliação, 232

10. Conclusões, 234

Referências, 237

5
Agradecimentos

Sou especialmente grato a Ian Slorach, que me deu muitos comentários e críti-
cas muito perspicazes e úteis, tanto em meus argumentos no blog antes de co-
meçar a escrever este livro quanto enquanto eu estava enviando material para o
repositório GitHub do rascunho do livro. Estou também particularmente grato
a Miguel Berasategui, Blaise Blain, Trent Dougherty, Kenny Easwaran, Richard
Gale, Alan Hájek, James Hawthorne, Robert Koons, Jonathan Kvanvig, Arthur
Paul Pederson, Philip Swenson e Josh Rasmussen. Sou muito grato a outros lei-
tores do meu blog, bem como ao meu público na Universidade de Baylor, na
Universidade Católica da América, na Universidade de Oklahoma e no
workshop “Novos Teístas” pela paciência enquanto eu experimentava versões
desses argumentos, e por seu comentário crítico. Além disso, estou em grande
dívida com vários leitores anônimos deste manuscrito, cuja leitura cuidadosa re-
sultou em muitas melhorias no livro. As obscuridades restantes são obra minha.
Finalmente, sou muito grato a Christopher Tomaszewski pelo seu cuidadoso
trabalho na indexação deste volume.

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7
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Infinito, Paradoxo e Matemática

1. Paradoxo e Finitismo Causal


Uma lâmpada está acesa às 10:00. Seu interruptor é alternado infinitamente entre
10h e 11h, digamos às 10h30, 10h45, 10h52,5 e assim por diante. Nenhuma ou-
tra causa afeta o estado da lâmpada além do interruptor. Assim, após um núme-
ro ímpar de alternâncias a luz se apaga e após um número par ela acende. Qual é
o estado da lâmpada às 11:00? Parece não haver resposta para esta pergunta. No
entanto, a lâmpada está ligada ou desligada (Fig. 1.1).
Isto é conhecido como paradoxo da lâmpada de Thomson (Thomson 1954).
As respostas potenciais para um paradoxo como este enquadram-se em três
campos gerais: logicamente revisionista, metafísico e conservador. As respostas
logicamente revisionistas resolvem o paradoxo invocando uma lógica não clássi-
ca, digamos, uma em que a lâmpada pode estar acesa e apagada ao mesmo tem-
po, e pode usar o paradoxo como suporte para tal revisão. As respostas metafísi-
cas resolvem o paradoxo defendendo uma tese metafísica substantiva e geral,
como a de que o tempo é discreto, de que não existem infinitos reais ou de que é
metafisicamente impossível mover qualquer coisa (digamos, um interruptor) em
velocidades cujo limite é o infinito. (cf. Huemer 2016, 12.10.3), tese que explica
por que a história é impossível.
As respostas conservadoras, por outro lado, recusam-se a rever a lógica ou a
postular teses metafísicas substantivas, e apresentam-se em duas variedades. As
respostas conservadoras particularistas sustentam que a história particular (e pe-
quenas variantes dela) é impossível, por exemplo, precisamente porque é para-
doxal. As respostas conservadoras desativadas sustentam que a história tal como é
dada é possível e não há paradoxo nela.
Uma resposta particularista ao paradoxo da lâmpada de Thomson é simples-
mente que a história tal como é dada é impossível, uma vez que se a história fos-
se possível resultaria uma contradição: a lâmpada estaria acesa e apagada. Uma
resposta desanimadora, por outro lado, dada por Benacerraf (1962), observa
simplesmente que não há contradição em dizer que a lâmpada está acesa (ou
apagada, nesse caso) às 11h: simplesmente não podemos prever o indique que a
lâmpada terá a partir das informações fornecidas.

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Fig 1.1. Lâmpada de Thomson

Se os outros fatores forem iguais, as respostas conservadoras a um paradoxo são


preferíveis às metafísicas, enquanto as respostas metafísicas são preferíveis às lo-
gicamente revisionistas. No entanto, as outras coisas não precisam de ser iguais.
Por exemplo, embora uma dada resposta conservadora possa não invocar uma
tese metafísica, pode inesperadamente comprometer alguém com tal tese, e en-
tão os benefícios do conservadorismo são perdidos. Por exemplo, a solução de
Benacerraf está em tensão com o Princípio da Razão Suficiente. Pois mesmo que
não haja contradição no facto de a lâmpada estar acesa às 11 horas da manhã,
parece não haver explicação para o motivo pelo qual está acesa nessa altura (e se
estiver apagada, não há explicação para isso).
Além disso, se uma série de paradoxos são dados e cada um pode ser resolvi-
do por meio de uma resposta conservadora diferente, ainda assim poderia ser
preferível resolvê-los todos de uma só vez por meio de uma única hipótese me-
tafísica elegante que explica por que nenhuma das histórias paradoxais é possí-
vel. Pois é razoável preferir explicações unificadas dos fenômenos.
Neste volume, apresentarei uma série de paradoxos do infinito, alguns anti-
gos como a Lâmpada de Thomson e alguns novos, e oferecerei uma resposta
metafísica unificada a todos eles por meio da hipótese do finitismo causal, que
diz aproximadamente que nada pode ser afetado. por infinitas causas. Em parti-
cular, a história da lâmpada de Thomson está descartada, uma vez que o estado
final da lâmpada seria afetado por um número infinito de alternâncias de inter-
ruptores. E além de defender a hipótese como a melhor resolução unificada para
os paradoxos, apresentarei alguns argumentos diretos contra as regressões infini-
tas. Não é objetivo deste livro considerar todos os paradoxos do infinito – isso
seria uma tarefa infinita – ou mesmo todos os que foram descobertos até agora.
Em vez disso, considero um número suficiente para motivar o finitismo causal.1
A disponibilidade de uma solução metafísica elegante evita a necessidade de
recorrer ao revisionismo lógico. Mas precisaremos de estar constantemente à
procura de soluções conservadoras para os paradoxos. No entanto, no geral, o
finitismo causal proporcionará uma resolução superior. Além disso, precisare-
mos considerar hipóteses metafísicas concorrentes que resolvam alguns ou todos
os paradoxos. No entanto, verificar-se-á que cada uma das hipóteses concorren-
tes sofre de uma das seguintes deficiências: é mais ampla do que deveria ser, não
consegue resolver todos os paradoxos que o finitismo causal resolve, ou sofre de
ser ad hoc.

1 Para uma pesquisa mais completa, ver Oppy (2006).

9
Podem-se distinguir duas maneiras de resolver um paradoxo: pode-se resol-
vê-lo mostrando como um conjunto aparentemente incompatível de afirmações
é realmente compatível ou mostrando como uma suposição aparentemente plau-
sível não é mais plausível após exame, ou pode-se eliminá-la argumentando que
a situação paradoxal não pode ocorrer.2 Em alguns casos, eliminar um paradoxo
não é uma opção sustentável. Por exemplo, os paradoxos do movimento de Ze-
não podem ser resolvidos, digamos, mostrando que eles fazem suposições sobre
o tempo ou o movimento que podemos rejeitar, ou podem ser eliminados ao
sustentar que o movimento é impossível. Zenão, é claro, queria acabar com os
paradoxos, mas desde então a maioria dos filósofos preferiu resolvê-los.
Se matar ou resolver os membros de uma família de paradoxos é intelectual-
mente preferível depende dos detalhes da situação. Por exemplo, quando os pa-
radoxos ocorrem em situações das quais temos observações empíricas aparentes
- setas a voar e corredores mais rápidos a alcançar os mais lentos, como no caso
de Zeno - matar o paradoxo rejeitando a atualidade das situações é suscetível de
conduzir a um ceticismo inaceitável, como acontece com Zeno. Por outro lado,
quando os paradoxos ocorrem em situações que meramente intuitivamente pen-
samos serem metafisicamente possíveis, matar os paradoxos rejeitando a possibi-
lidade metafísica das situações pode ser muito mais sustentável, uma vez que é
improvável que as nossas intuições sobre a possibilidade metafísica sejam tão fi-
áveis como nossas observações empíricas.
Podemos ter uma certa preferência intuitiva por resolver um paradoxo em
vez de eliminá-lo. Mas, a menos que os paradoxos se baseiem num raciocínio lo-
gicamente inválido, será intelectualmente preferível matar todos os membros de
uma família de paradoxos de uma forma unificada, em vez de os resolver de uma
variedade de maneiras diferentes. Uma razão para isto é o simples facto de que
para resolver um paradoxo baseado num raciocínio logicamente válido temos de
rejeitar uma premissa plausível e, portanto, para resolver um certo número de
tais paradoxos temos de rejeitar um certo número de premissas plausíveis. Mas é
normalmente preferível fazer uma única suposição – especialmente se houver al-
guma razão independente para fazer a suposição além da necessidade de resolver
paradoxos – do que rejeitar uma série de premissas plausíveis.
A principal estratégia do livro, então, será como a de Zenão: em vez de optar
por uma série de soluções diferentes para diferentes paradoxos, todos eles serão
mortos através da única suposição do finitismo causal. Mas embora a tese da au-
sência de movimento que Zenão defende seja uma que temos razões empíricas
muito fortes para rejeitar, a tese do finitismo causal é compatível com as nossas
observações (embora defender isto exija algum trabalho na interpretação da físi-
ca moderna).
Durante a maior parte do restante do presente capítulo, depois de algumas
notas básicas importantes, tanto técnicas quanto filosóficas, considerarei uma

2 Agradeço a um leitor anônimo por esta distinção.

10
hipótese alternativa proeminente – o finitismo total – e argumentarei que, para
sair dos paradoxos, ela precisa estar casada com uma teoria particular do tempo,
a crescente teoria dos blocos, e que em qualquer caso causa sérias dificuldades
para a filosofia da matemática. Ainda no tema da filosofia da matemática, tam-
bém oferecerei uma aplicação intrigante do finitismo causal (e também do fini-
tismo) ao problema da definição do finito e do contável.
No Capítulo 2, considerarei regressões infinitas, o que nos dará alguma razão
para aceitar o finitismo causal independentemente dos paradoxos que ele pode
matar. Então, nos capítulos seguintes discutiremos vários tipos diferentes de pa-
radoxos causais: paradoxos não probabilísticos, loterias paradoxais, outros para-
doxos probabilísticos e teóricos da decisão e paradoxos ligados ao Axioma da
Escolha da teoria dos conjuntos. Às vezes também consideraremos o que será
visto como uma questão análoga: se a viagem no tempo e a causalidade retroati-
va são possíveis. Apresentarei então formas de refinar a tese aproximada do fini-
tismo causal à luz dos dados apresentados e argumentarei que várias alternativas
ao finitismo causal são insatisfatórias.
Finalmente, considerarei duas consequências potenciais do finitismo causal.
O facto de uma teoria ter consequências para além daquilo que se pretendia ex-
plicar dá alguma razão para pensar que a teoria não é ad hoc. Ao mesmo tempo,
tais consequências tornam a teoria mais vulnerável à refutação, uma vez que po-
de haver argumentos contra as consequências.
A primeira consequência aparente é que o tempo, e talvez também o espaço,
é discreto. Se isto realmente acontecer, isso é intrinsecamente interessante, mas
também prejudicial ao finitismo causal, na medida em que parece entrar em con-
flito com grande parte da física desde Newton. Consideraremos se a discrição do
tempo realmente se segue e se o tipo de discrição que é apoiado pelo finitismo
causal está de facto em conflito com a física, e argumentaremos que o finitismo
causal pode ser coerente com a física moderna.
A segunda consequência é mais clara. Se o finitismo causal for verdadeiro,
então não pode haver sequências causais infinitas inversamente e, portanto, deve
haver pelo menos uma causa não causada. Há também alguma razão para consi-
derar esta causa sem causa um ser necessário. Agora, a teoria mais proeminente
sobre a qual existe um ser necessário causalmente eficaz é o teísmo. Assim, o fi-
nitismo causal dá algum apoio ao teísmo. Curiosamente, isto nos forçará a con-
siderar se o teísmo, por sua vez, não prejudica o finitismo causal.
Ocasionalmente usarei a frase conveniente “infinitismo causal” para a nega-
ção do finitismo causal. Aproximadamente, portanto, o infinitismo causal sus-
tenta que é possível que algo tenha uma história causal infinita. (Observe que o
infinitismo causal não diz que realmente existe uma história causal infinita.) As-
sim, o objetivo do livro é defender o finitismo causal ou, equivalentemente, ar-
gumentar contra o infinitismo causal.
Deixe-me terminar esta seção observando que não considero a Lâmpada de
Thomson uma versão particularmente convincente de um paradoxo que motiva
11
o finitismo causal. Haverá mais discussão sobre isso no Capítulo 3, Seção 2. Mas
é um substituto útil para muitos dos paradoxos mais complicados que considera-
remos.

2. Paradoxo e Finitismo Causal


Precisaremos de alguma terminologia técnica e simbolismo como pano de fundo
geral para o livro, e isso será introduzido nesta seção. Além disso, o livro contém
algumas seções técnicas marcadas com “∗” e seções muito técnicas com “∗∗”.
Estes podem ser ignorados sem perda de continuidade. Observe que pode-se
presumir que qualquer subseção de algo marcado com um desses marcadores
tenha pelo menos esse nível de tecnicidade. Observe também que o Capítulo 6 é
técnico ou muito técnico como um todo, exceto por uma introdução e um re-
sumo menos técnicos.
Comece com a noção de conjuntos como coleções de objetos abstratos ou
concretos. A afirmação x ∈ A significa que x é um membro de A. Dizemos que
um conjunto A é um subconjunto de um conjunto B desde que todo membro
de A seja um membro de B, e que A seja um subconjunto próprio de B se é um
subconjunto de B que não inclui todos os membros de B. Para qualquer conjun-
to B e qualquer predicado F(x) escrevemos {x ∈ B : F(x)} para o subconjunto de
B que consiste em todos e apenas os xs tal que F(x) (às vezes, quando o contex-
to deixa B claro, apenas escrevemos {x : F(x)}).
Podemos comparar os tamanhos cardinais dos conjuntos da seguinte forma.
Se houver uma maneira de atribuir um membro diferente de B a cada membro
diferente de um conjunto A (ou seja, se houver uma função injetora de A para
um subconjunto de B), então dizemos que ||𝐴|| ≤ ||𝐵||, ou seja, a cardinalidade
de A é menor ou igual à de B. Por exemplo, se B é o conjunto de números reais
entre 0 e 1 inclusive, e A é o conjunto de inteiros positivos, então, para cada
membro n de A, podemos atribuir o membro 1/n de B (observe que se n e m são
membros diferentes de A, então 1/n e 1/m são membros diferentes de B).
Dizemos que A tem menos membros que B e escrevemos ||A|| < ||B||,
desde que ||𝐴|| ≤ ||𝐵|| mas não ||𝐵|| ≤ ||𝐴||. Dizemos que os conjuntos A e
B têm a mesma cardinalidade quando ||𝐴|| ≤ ||𝐵|| e ||𝐵|| ≤ ||𝐴||. O famoso
Teorema de Schröder-Bernstein (Lang 2002, p. 885) diz que sob essas condições
existe um emparelhamento biunívoco de todos os membros de A com todos os
membros de B.
Alguns conjuntos são finitos e outros são infinitos. Um conjunto é finito se
estiver vazio ou tiver o mesmo tamanho que algum conjunto da forma {1, ..., n}
para um inteiro positivo n. Caso contrário, o conjunto é infinito.
Conjuntos infinitos são em alguns aspectos semelhantes aos conjuntos finitos
e em outros diferentes deles. Tanto a sua semelhança como a sua dessemelhança
com conjuntos finitos são contra-intuitivas para muitas pessoas.

12
Uma maneira pela qual os conjuntos infinitos diferem dos finitos é que se A
e B são conjuntos finitos com A um subconjunto próprio de B, então A sempre
tem menos membros que B. Mas os conjuntos infinitos têm subconjuntos pró-
prios do mesmo tamanho que eles próprios.3 Por exemplo, se B é o conjunto {0,
1, 2, ...} de números naturais, então o subconjunto adequado A = {0, 2, 4, ...} de
números pares naturais tem o mesmo tamanho como B, como pode ser visto
juntando-os um por um como na Figura 1.2.
Por outro lado, tal como os conjuntos finitos diferem entre si em tamanho,
Georg Cantor descobriu que o mesmo acontece com os infinitos, se o tamanho
for definido como acima. Contudo, a diferença de tamanho entre conjuntos in-
finitos é mais difícil de gerar. Simplesmente adicionar um novo membro a um
conjunto infinito não resulta em um conjunto infinito maior. Mas dado um con-
junto A, também podemos formar o conjunto de potências ΡA de todos os sub-
conjuntos de A. E verifica-se que ΡA tem sempre estritamente mais membros
do que A – isto é agora conhecido como Teorema de Cantor.4

Figura 1.2 Correspondência entre números naturais e números pares naturais.

Se A é finito e tem n membros, então ΡA terá 2𝑛 membros (pois podemos gerar


todos os membros de ΡA considerando as 2𝑛 combinações possíveis de respos-
tas sim/não às perguntas “Devo incluir a no subconjunto?” como a varia entre

3 ∗∗Para ser mais preciso, isso só é verdade para todos os conjuntos infinitos de Dedekind. Se o Axi-
oma de Escolha Contável for falso, então pode haver conjuntos infinitos que não são infinitos de De-
dekind (Jech 1973, p. 81). Mas exemplos padrão de conjuntos infinitos, como os números naturais ou
reais, ainda são infinitos de Dedekind. Para simplificar, escreverei como se todos os conjuntos infinitos
fossem infinitos de Dedekind.
4 Aqui está uma prova. É claro que ΡA tem pelo menos tantos membros quanto A, já que para cada

membro x de A, o singleton {x} é um membro de ΡA. Portanto, tudo o que precisamos mostrar é que
A não tem pelo menos tantos membros quanto ΡA. Para uma reductio, suponha que exista uma fun-
ção f que atribua um membro diferente f(B) de A a cada membro diferente B de ΡA. Seja D o conjunto
de todos os membros x de A que são atribuídos por f a algum conjunto B tal que x não é um membro
de B, ou seja, D = {x ∈ A : ∃B(x = f(B) & x ∉ B)}. Seja x = f(D). Observe que x é membro de D se e
somente se existe um subconjunto B de A tal que f(B) = x e x não é membro de B. O único candidato
possível para um subconjunto B de A tal que f(B) = x é D, pois f atribui x a D e atribuirá algo diferente
de x a um B diferente de D. Assim, x é membro de D se e somente se x não for membro de D, que é
um contradição.

13
os membros de A) e n < 2𝑛 . Mas a afirmação cantoriana também se aplica a
conjuntos infinitos: em geral, ||𝐴|| < ||𝛲𝐴||.
Em particular, não existe um conjunto maior. Pois se A fosse o maior con-
junto, então ΡA seria ainda maior, o que seria uma contradição.
Conjuntos finitos ou do mesmo tamanho do conjunto de números naturais
{0, 1, 2, ...}, que serão denotados por ℕ, são chamados contáveis. Um exemplo
de conjunto incontável é Ρℕ. Outro é o conjunto ℝ de números reais, que na
verdade tem o tamanho de Ρℕ.
Finalmente, às vezes será conveniente falar em termos de pluralidades.
Quando eu digo

(1) Os membros do meu Departamento se dão bem

o sujeito gramatical de (1) é uma pluralidade, os membros do meu Departamen-


to. A forma verbal que concorda com essa pluralidade, “get”, está em conjuga-
ção plural. O sujeito da frase não é um objeto singular como o conjunto dos
membros do meu Departamento ou algum tipo de soma ou fusão mereológica
dos membros, pois isso exigiria um verbo singular, e não faria sentido dizer que
aquele objeto singular “se dá bem”.
Podemos quantificar sobre pluralidades. Podemos, por exemplo, dizer que
para qualquer pluralidade de membros do meu Departamento, os xs, existe uma
pluralidade, os ys, de pessoas em outro Departamento tal que cada um dos xs é
amigo de pelo menos dois dos ys. Acredita-se amplamente que a quantificação
plural evite o comprometimento ontológico com os conjuntos. Também evita
dificuldades técnicas com objetos que não formam um conjunto. Não existe um
conjunto de todos os conjuntos, mas faz sentido quantificar pluralmente e dizer
que todos os conjuntos são objetos abstratos.

Figura 1.3 Notação de intervalo.

Assumirei que as pluralidades têm seus elementos rigidamente. Ou seja, se 𝑥0 é


um dos xs, então em qualquer mundo possível onde existam os xs, 𝑥0 existe e é
um dos xs.

3. Modalidade
3.1 Possibilidade e necessidade metafísica
As fadas e a água feita de átomos de carbono têm algo em comum: não existem.
Mas aí termina a semelhança. Pois embora nenhum dos dois seja real, a fada é
possível, enquanto a água feita de átomos de carbono não o é.
14
O tipo de possibilidade em questão aqui não é meramente lógico. Nenhuma
contradição pode ser provada a partir da existência de uma fada, mas também
nenhuma contradição pode ser provada a partir da existência de água baseada
em carbono. Em cada caso, é necessário trabalho empírico para saber se o item
não existe.
Existem muitas teorias sobre a natureza da modalidade.5 Os argumentos des-
te livro não estão ligados a nenhuma teoria específica, mas sim a julgamentos in-
tuitivos sobre casos. Estes julgamentos intuitivos sobre os casos podem, eles
próprios, impor restrições sobre qual teoria da modalidade é plausível, embora,
claro, o leitor também descubra que a sua teoria da modalidade afecta o que
pensar sobre os casos. É por isso que apresento tantos casos paradoxais neste li-
vro: alguns casos podem agradar a alguns leitores, enquanto outros, a outros.

3.2 Princípios de rearranjo


3.2.1 DERROTABILIDADE

Se é metafisicamente possível ter um cavalo e dois burros numa sala, intuitiva-


mente também é possível ter dois cavalos e um burro numa sala. Lewis (1986,
Secção 1.8) tentou formular um “princípio de rearranjo” que justifica inferências
como esta (ver Koons 2014 para algumas formulações mais rigorosas). A ideia
básica por trás dos princípios de rearranjo é que:

(2) Dado um mundo possível com um certo arranjo de itens es-


paço-temporais não sobrepostos, qualquer “rearranjo” desses
itens que altere as quantidades, posições e orientações para al-
guma outra combinação de quantidades, posições e orientação
que seja geometricamente coerente e não sobreposto também
é metafisicamente possível.

Os princípios de rearranjo irrestrito não combinam bem com o finitismo causal.


Basta multiplicar o número de pressionamentos de botão e você passará de uma
luminária de cabeceira comum, desligada à noite e acesa de manhã, para a lumi-
nária paradoxal de Thomson. E mesmo que restrinjamos as mudanças na quan-
tidade a serem finitas, uma sequência causal infinita para frente inocente pode
ser transformada em uma sequência infinita para trás.
No entanto, muitos dos nossos argumentos a favor do finitismo causal de-
penderão de considerações de rearranjo. Isso não é trapaça?
Para ver o nosso caminho para uma resposta negativa, observe que os princí-
pios de rearranjo irrestrito acarretam muitos compromissos metafísicos pesados.
Eles excluem o teísmo clássico, uma vez que no teísmo clássico Deus é um ser

5 Em Pruss (2011) defendo uma explicação de poderes causais da modalidade, mas nada no presente
livro depende dessa defesa.

15
necessário, e uma situação que poderia coexistir com Deus poderia ser reorgani-
zada, digamos, multiplicando enormemente os males e removendo os bens, em
uma situação que não poderia coexistir com Deus (cf. Gulesarian 1983). Eles
apresentam um argumento a favor da possibilidade de um universo consistindo
de uma única noz que passa a existir em algum momento e, portanto, da possibi-
lidade de algo surgir do nada. Eles excluem as teorias aristotélicas das leis e da
causalidade, nas quais os exercícios dos poderes causais necessitam dos seus efei-
tos na ausência de causas contrárias. Eles não se enquadram bem na essenciali-
dade das origens evolutivas para os tipos naturais biológicos e na essencialidade
das origens para os indivíduos. E até descartam certas teorias colocacionistas de
objetos materiais. Pois os colocacionistas dirão que onde quer que você tenha
uma estátua de barro, você também terá um pedaço de barro, mas um princípio
de rearranjo irrestrito deveria permitir que você tivesse a estátua de barro sem o
pedaço!
Mesmo os filósofos de tendência humeana que se sentem desconfortáveis
com o teísmo e a essencialidade das origens e não têm problemas com as coisas
que passam a existir ex nihilo precisam restringir o rearranjo em bases metafísicas.
Por exemplo, Lewis (1986, p. 89) disse que todos os rearranjos são possíveis “se
o tamanho e a forma permitirem”. A preocupação é que possa acontecer que os
objectos materiais não possam interpenetrar-se, pelo que não se pode reorgani-
zar um mundo com um cavalo ao lado de uma vaca num mundo onde eles ocu-
pam a mesma localização. Esta restrição aparentemente puramente geométrica
precisa, na verdade, depender da metafísica dos objetos materiais em questão.
Talvez de facto um cavalo e uma vaca não possam ocupar a mesma localização,
mas temos boas razões para pensar que múltiplos bósons como os fotões po-
dem ocupar a mesma localização, uma vez que dois bósons podem ter o mesmo
estado quântico (Dirac 1987, p. 210). Portanto, o que significa a restrição de
“tamanho e forma permitirem” depende da metafísica dos objetos, nomeada-
mente se eles podem ser colocados no mesmo lugar.
Assim, princípios de rearranjo como (2) deveriam ser restringidos de alguma
forma, para que não atropelassem demasiada metafísica. Uma maneira de fazer
isso é estender a estratégia de Lewis, fornecendo uma lista de restrições metafísi-
cas específicas, como o seu “tamanho e forma permitirem”. Mas é difícil ver
como poderíamos ter justificação para pensar que a nossa lista de restrições está
completa.
Uma maneira melhor é estipular que os princípios de rearranjo são revogá-
veis, com o entendimento de que é melhor que os invalidadores dos princípios
de rearranjo sejam baseados em princípios, em vez de ad hoc. O teísmo, as visões
aristotélicas de causalidade, a essencialidade das origens ou o finitismo causal
poderiam, cada um, fornecer anuladores de princípios para casos particulares de
rearranjo. Mas se alguém descartasse a lâmpada de Thomson, dizendo que este
rearranjo específico da situação normal da lâmpada de cabeceira é impossível, is-
so seria ad hoc. Se, em vez disso, pudéssemos excluir a Lâmpada de Thomson,
16
bem como uma série de outros paradoxos por meio de um único princípio geral,
nomeadamente o finitismo causal, isso seria altamente preferível. E é esta a es-
tratégia do presente livro.
Ao mesmo tempo, há sempre um custo na introdução de outro princípio me-
tafísico, como o finitismo causal, que derrota casos particulares de rearranjo.
Mas o custo é superável.
Não quero que os argumentos deste livro fiquem reféns de um princípio par-
ticular de rearranjo. Em vez disso, quero confiar na plausibilidade intuitiva dos
rearranjos específicos que utilizarei.

3.2.2 PODERES CAUSAIS

Uma questão crucial na formulação de um princípio de rearranjo é quais propri-


edades são transportadas junto com os objetos à medida que são reorganizados.
Posso transformar uma sala com um burro zurrando em uma sala com dois bur-
ros zurrando. Mas não posso reorganizar um quarto com um burro solitário
num quarto com dois burros solitários. Uma coisa padrão a dizer é que as pro-
priedades que podem ser transportadas pelos itens que estão sendo reorganiza-
dos são as propriedades intrínsecas: a solidão não é intrínseca, mas o zurro pode
ser. Mas é notoriamente difícil definir uma propriedade intrínseca (ver Weather-
son e Marshall 2014).
Há, no entanto, uma escolha controversa que muitos dos nossos argumentos
exigirão, e esta é uma imagem dos objectos e das suas actividades como tendo
uma natureza causal que é transportada juntamente com o seu rearranjo. Quan-
do se reorganiza um interruptor de lâmpada de um local no espaço-tempo para
outro, o interruptor reorganizado continua a ter os mesmos poderes causais e,
quando colocado no mesmo contexto relevante (digamos, uma lâmpada), esses
poderes causais terão os mesmos efeitos. Se as propriedades intrínsecas são o
que pode ser levado junto com os rearranjos, então estou considerando os pode-
res causais como propriedades intrínsecas.
Esta é uma imagem muito intuitiva dos poderes causais. Está, no entanto, em
conflito com as opiniões humianas amplamente defendidas sobre as quais os
factos causais sobrevêm ao arranjo global da matéria no universo. Considero es-
te conflito como um argumento contra a visão humeana. A possibilidade de re-
organizar as coisas no mundo, mantendo fixos os poderes causais das coisas, é
intuitivamente mais segura do que as teorias humeanas de causalidade.
Um ponto forte de fazer um julgamento caso a caso sobre as possibilidades
de rearranjos de objetos poderosos, em vez de postular um único princípio geral,
é que cada um desses julgamentos pode ser avaliado separadamente por um lei-
tor humiano. O leitor pode decidir uma das três coisas sobre uma aplicação es-
pecífica de rearranjo:

17
(i) a aplicação é incompatível com o Humeanismo e suficientemente plausí-
vel para fornecer provas significativas contra o Humeanismo; ou
(ii) a aplicação é incompatível com o Humeanismo, mas não muito plausível
e, em vez disso, o Humeanismo fornece provas significativas contra esta
aplicação; ou
(iii)a aplicação pode ser tornada coerente com o humeanismo, por exemplo,
supondo muitos eventos de fundo análogos suficientes para fundamentar
leis causais que se aplicam também ao caso reorganizado.

Deixo tais julgamentos para o leitor.

4. Finitismo: uma hipótese alternativa


4.1 Tempo e finitismo

O finitismo sustenta que só pode haver um número finito de coisas (incluindo


substâncias e eventos). O finitismo, entretanto, permite infinitos potenciais. As-
sim, uma coleção de soldadinhos de brinquedo à qual um novo soldadinho de
brinquedo seria adicionado todos os dias seria potencialmente infinita, pois para
qualquer número n, eventualmente teria mais de n elementos. Mas de acordo
com o finitismo não existem infinitos reais. Sempre há apenas um número finito
de coisas.
O finitismo tem uma história filosófica impressionante, remontando pelo
menos às respostas de Aristóteles aos paradoxos de Zenão,6 e sendo a ortodoxia
filosófica geralmente aceita na Idade Média.
O resultado exato do finitismo depende de qual teoria do tempo ele está
combinado.
O eternalista pensa nas coisas passadas, presentes e futuras como todas onto-
logicamente iguais e acredita que (exceto alguma catástrofe) nossos tataranetos
existem e o grande cavalo de guerra de Alexandre, Bucéfalo, também existe. É
claro que os tataranetos e Bucéfalos não existem atualmente. Mas mesmo assim
eles realmente existem. O crescente teórico do bloco considera que a realidade não
se estende ao futuro, mas inclui o passado e o presente.7 Assim, nossos tatarane-
tos não existem (embora possa ser verdade que existirão), mas Bucéfalo sim. O
presentista, por outro lado, só aceita como existentes as entidades presentemente
existentes. Além disso, aproveitarei todas essas teses sobre o tempo para afirmar
que são necessariamente verdadeiras.
O finitismo mais o eternalismo implica diretamente o finitismo causal: se só
pode haver um número finito de coisas, e isso inclui o passado, o presente e o
6 É claro que, de forma degenerada, Parmênides era um finitista, pois pensava que só poderia haver
uma coisa.
7 Há também uma variante de Diekemper (2014) que inclui apenas o passado. Essa variante não será

útil para o finitista, e me limitarei à versão canônica que inclui o presente.

18
futuro, então é claro que nada pode ser afetado por um número infinito de cau-
sas. Assim, qualquer paradoxo excluído pelo finitismo causal será excluído pelo
finitismo mais o eternismo. Mas, infelizmente, o finitismo mais o eternismo
também implica que o futuro deve ser finito – que não pode haver um número
infinito de eventos futuros. Mas certamente é possível ter um futuro infinito
cheio de eventos ou substâncias diferentes, digamos, com um novo soldadinho
de brinquedo sendo produzido todos os dias para sempre. Assim, o finitismo é
implausível dado o eternalismo.
Dado o presentismo, por outro lado, o finitismo é compatível com sequên-
cias infinitas de causas, desde que em nenhum momento específico existam infi-
nitas causas. Assim, o finitismo mais o presentismo não fazem nada para excluir
as infinitas alternâncias do interruptor na Lâmpada de Thomson. Embora os ou-
tros paradoxos ainda não tenham sido discutidos, muitos deles também terão o
carácter diacrónico da Lâmpada de Thomson e, portanto, permanecerão intoca-
dos pelo finitismo presentista.
Isso deixa o bloqueio crescente mais o finitismo. Se for necessariamente ver-
dade que uma causa é anterior ou simultânea ao seu efeito, então o crescente fi-
nitismo em bloco implica finitismo causal e, portanto, pode excluir todos os pa-
radoxos que o finitismo causal pode. Dada a combinação de (a) teoria do bloco
crescente, (b) finitismo e (c) a tese de que as causas são temporalmente anterio-
res ou simultâneas aos seus efeitos, obtemos novamente o finitismo causal e,
portanto, podemos descartar todos os paradoxos que o finitismo causal pode
descartar.
A melhor aposta do finitista na remoção do paradoxo é, portanto, adoptar o
bloqueio crescente juntamente com a tese de que as causas são anteriores ou si-
multâneas aos seus efeitos.
Infelizmente, há um argumento poderoso contra a crescente teoria dos blo-
cos devido a Merricks (2006). Muitas pessoas têm pensamentos sobre que data
ou hora é, pensamentos que podem ser expressos em frases como: “Agora é
2012” ou “Já é meio-dia”. Se a teoria do bloco crescente for verdadeira, muitos
desses pensamentos estão no passado e a maioria tem um conteúdo que é obje-
tivamente falso. Na crescente teoria do bloco, o “agora” é a vanguarda da reali-
dade, a fronteira entre o real e o irreal. O pensamento expresso por “Agora é
2012” é verdadeiro se e somente se 2012 estiver na vanguarda da realidade. Mas
2012 não está na vanguarda da realidade. Além disso, o meu pensamento actual
de que agora estamos em 2018 não tem melhores provas do que o pensamento
“Agora estamos em 2012” que estava em 2012. Uma vez que a maioria dos pen-
samentos deste tipo, com o tipo habitual de evidência para eles, são falsos, eu
deveria estar cético sobre se estamos em 2018. E isso é um absurdo. O presen-
tismo escapa a este argumento ao negar que os pensamentos passados existam.
Versões de holofotes móveis do eternalismo, nas quais há algo como um “holo-
fote móvel” objetivo iluminando o “agora” também estão sujeitas a esta objeção:
a maioria dos pensamentos “É agora t” não são iluminados pelos holofotes, e
19
ainda assim “agora” implica tal “iluminação”. Mas o eternalismo teórico B (por
exemplo, Mellor 1998), que afirma que o “agora” é um mero índice, em vez de
uma expressão de uma propriedade objetiva mutável (como estar na vanguarda
da realidade ou ser “iluminado”), é não sujeito à objeção. Assim, a melhor aposta
do finitista na remoção do paradoxo requer a adopção de uma teoria do tempo
particularmente vulnerável.
Consideramos agora mais vantagens e desvantagens do finitismo vis-à-vis o
finitismo causal como uma forma de sair dos paradoxos.

4.2 Paradoxos não causais: uma vantagem?

Imagine o Hilbert’s Hotel – um hotel com infinitos quartos numerados 1, 2, 3,....


Você pode se divertir muito com isso. Coloque uma pessoa em cada cômodo e
pendure a placa: “Não há vaga. Sempre há espaço para mais.”8 Quando um no-
vo cliente solicitar um quarto, basta colocá-lo na sala 1 e dizer-lhe para dizer à
pessoa na sala para passar para a próxima sala e repassar a mesma solicitação.
Você pode até fazer com que um número infinito de pessoas desocupe o hotel e
ainda assim ele esteja lotado. Se todas as pessoas nas salas ímpares saírem, você
pode dizer a cada pessoa nas salas pares para irem para uma sala cujo número se-
ja metade do número do seu quarto.
Embora as histórias que contei envolvessem causalidade, isso era apenas para
dar vivacidade. Para ver a paradoxalidade, tudo o que precisamos de notar é que
os hóspedes podem deslocar-se (mesmo sem causa, se isso for possível) para ar-
ranjar espaço para um novo hóspede, e que cada segundo hóspede pode sair,
enquanto o hotel rapidamente recupera a sua plenitude.
A raiz desses paradoxos é que uma coleção infinita pode ser colocada em
correspondência biunívoca com um subconjunto próprio (cf. Figura 1.2, acima).
Se o finitismo for verdadeiro, então é claro que podemos descartar todos esses
paradoxos fora do tribunal. Isto fornece um argumento simples para o finitismo:
se o finitismo não for verdadeiro, então o Hotel de Hilbert é possível. Mas o
Hotel de Hilbert é absurdo e, portanto, impossível, então o finitismo é verdadei-
ro.
Mas embora o Hotel de Hilbert seja indubitavelmente estranho, o estranho e
o absurdo (ou impossível) são diferentes, como é provado pela estranheza do
ornitorrinco. Poderíamos apenas concluir do Hotel de Hilbert que o infinito é
mais espaçoso do que pensávamos anteriormente.
Poderíamos pensar que uma contradição absoluta pode ser provada no Hotel
de Hilbert. Por exemplo:

(3) O conjunto de salas pares é menor que o conjunto de todos os quartos.

8
A sugestão do sinal vem de Richard Gale.

20
(4) As duas coleções podem ser colocadas em correspondência um-para-um
(combinando a sala n para valores pares de n com a sala n/2).
(5) Duas coleções que podem ser colocadas em correspondência um a um
são do mesmo tamanho.
(6) Se A for menor que B, então A não é do mesmo tamanho que B.
(7) Portanto, as duas coleções são e não são do mesmo tamanho.

Supondo que “menor” e “mesmo tamanho” sejam usados univocamente em to-


do o texto, há duas maneiras de rejeitar o argumento. Primeiro, pode-se rejeitar
(3). É verdade que, para conjuntos finitos, um subconjunto próprio é menor que
seu superconjunto próprio. Mas não devemos esperar que isto seja verdade em
casos infinitos. Afinal, casos infinitos são diferentes de casos finitos. Alternati-
vamente, pode-se rejeitar (5) (é claro que aqui o “tamanho” não pode ser estipu-
lado como foi feito na Seção 2).
A questão de como avaliar o que é absurdo e o que é meramente estranho é
difícil. Embora eu não veja muito custo em rejeitar (3) ou (5), outros o farão. No
entanto, no caso em apreço há uma razão muito forte para rejeitar o finitismo e,
assim, aceitar a possibilidade de algo como o Hotel de Hilbert.
Um paradoxo relacionado é o seguinte. Intuitivamente, existem mais núme-
ros inteiros positivos do que números primos. Mas agora imagine uma coleção
infinita de folhas de papel, com um lado vermelho e outro verde. É tão claro
quanto qualquer coisa que o número de lados vermelhos é igual ao número de
lados verdes. Agora suponha que os lados verdes sejam numerados9 1, 2, 3, ..., e
suponha que o lado vermelho de um pedaço de papel que tem n no lado verde
contenha uma inscrição do enésimo número primo (ganhamos não fique sem
números primos: há um número infinito deles10). Então o número de lados ver-
melhos é igual ao número de primos, e o número de lados verdes é igual ao nú-
mero de inteiros positivos, e como o número de lados vermelhos é igual ao nú-
mero de lados verdes, concluímos que o número de primos é igual ao número de
inteiros positivos, o que contradiz a suposição de que existem mais inteiros posi-
tivos do que primos.
Negar a possibilidade de um infinito real mata o paradoxo. Mas também se
pode resolver o paradoxo dizendo que o argumento é uma reductio ad absurdum da
intuição inicial de que existem mais inteiros positivos do que números primos. E
negar a possibilidade de um infinito real apenas mata o paradoxo ao custo de
minar esta intuição inicial de uma forma diferente. Pois se os infinitos reais são
impossíveis, então parece não fazer sentido dizer que existem mais inteiros posi-

9 A “tinta” terá que ser de tipo não molecular, pois para caber números muito longos na página, os
numerais terão que ficar cada vez menores.
10 A prova clássica é uma reductio ad absurdum. Se houver um número finito de primos, seja p o produto

de todos eles. Então p + 1 é maior que todos os primos. Além disso, p + 1 não é divisível por nenhum
primo, pois produz resto um quando dividido por qualquer primo. Mas um número não divisível por
nenhum primo é primo. Então p + 1 é um primo maior que todos os primos, o que é um absurdo.

21
tivos do que números primos, uma vez que nenhuma pluralidade infinita pode
realmente existir. Consideraremos agora um argumento contra o finitismo numa
linha semelhante.

4.3 Matemática: Uma desvantagem


4.3.1 INFINITOS PRIMOS

Um argumento simples, baseado na matemática, contra o finitismo é: “Existem


infinitos números primos. Portanto, o finitismo é falso.” (Observe, também,
como este argumento não parece afetar o finitismo causal, uma vez que os nú-
meros parecem ser causalmente inertes.)
Mas talvez quando a finitista nos disse que não poderia haver uma infinidade
real de coisas, ela estivesse pensando em coisas concretas como quartos e não
em coisas abstratas como números?
Isto não é plausível, no entanto. Pois embora os argumentos do finitista se-
jam formulados em termos de coisas concretas, as intuições sobre o tamanho
que subscrevem argumentos como (3)-(7) aplicam-se igualmente no caso dos
abstracta. O facto de existirem tantos números pares como números naturais é
em si mesmo contraintuitivo, e o Hotel apenas torna isto mais vívido. Assim, o
finitista não pode permitir-se restringir a sua visão a entidades concretas, uma
vez que fazê-lo deixa paradoxos sem resposta que intuitivamente são exactamen-
te do mesmo tipo daqueles que ele resolve.
Além disso, a distinção entre objetos abstratos e concretos não é particular-
mente clara e, a menos que seja esclarecida, é difícil dizer por que exatamente se
pensaria que coleções infinitas de coisas concretas são um problema, mas cole-
ções infinitas de coisas abstratas não o são.
Por exemplo, um esclarecimento sobre a noção de concretude na literatura é
dado por Pruss e Rasmussen (2018), que dizem que uma entidade é concreta se e
somente se for possível para a entidade causar algo. Se isso estiver certo, então o
finitista que pensa que existem infinitos números primos precisaria responder
por que a posse de poderes causais exclui infinitos. Afinal de contas, embora os
quartos do Hotel de Hilbert presumivelmente tenham a possibilidade de causar
coisas (por exemplo, uma parede pode causar dor num punho), nada no parado-
xo dependia das possibilidades causais dos quartos. Poderíamos também dizer
que o Hotel Hilbert é impossível porque os quartos possivelmente têm cor.
Portanto, opor-se ao argumento insensato dos números primos com base
numa distinção entre abstracta e concreta não é promissor. Uma opção melhor,
contudo, é salientar que o argumento depende de uma interpretação platónica da
frase “Existem infinitos números primos”. Mas o platonismo não é a única posi-
ção na filosofia da matemática. Existem outras opções.
Mas nem todas as outras opções estão disponíveis para o finitista. O finitista
trabalha sob a deficiência especial de não apenas pensar que a infinidade dos ob-
jetos matemáticos não existe, mas pensar que nada com a estrutura relevante –
22
um aspecto central dessa estrutura sendo a infinitude – poderia existir. Assim, o
matemático é alguém que estuda situações impossíveis. Mas embora sempre te-
nha sido uma surpresa que algo tão rarefeito e abstrato como a matemática seja
aplicável ao mundo real, é um verdadeiro milagre que o estudo de coisas genui-
namente impossíveis seja de tanta relevância para nós. Como poderia a rainha
das ciências naturais ser o estudo de estruturas impossíveis?
Considere também que a matemática envolve provas de axiomas. Certos axi-
omas são controversos e, portanto, nem sempre são assumidos. Assim, em al-
guns contextos, os matemáticos fazem de tudo para sinalizar que não assumiram
o Axioma da Escolha numa prova. A razão para excluir axiomas das suposições
de uma prova é dupla. A primeira razão vem de preocupações epistêmicas sobre
a verdade do axioma. Como não temos certeza de que o Axioma da Escolha seja
verdadeiro, é mais seguro não assumi-lo. A segunda é teórica: mesmo que o axi-
oma dado fosse verdadeiro, estaríamos interessados em saber como seria se ti-
véssemos um sistema que não satisfizesse esse axioma.
Mas o finitista considera ter estabelecido, sob pena de absurdo, que não pode
haver infinitas coisas. Se isso estiver realmente estabelecido, então não temos
uma razão epistémica para excluir o Axioma da Finitude – de que existem ape-
nas um número finito de coisas – dos axiomas utilizados no nosso trabalho ma-
temático. E se o Axioma da Finitude for necessariamente verdadeiro, então a
questão de como seria se um sistema não conseguisse satisfazer o axioma é mais
uma questão de um lógico ou de um filósofo do que uma questão que o mate-
mático típico deve questionar. Embora alguns matemáticos de fato estudem co-
leções alternativas de axiomas para a teoria dos conjuntos, os matemáticos típi-
cos ficam felizes em assumir axiomas da teoria dos conjuntos que consideram
intuitivos. Da mesma forma, se o Axioma da Finitude fosse necessariamente
verdadeiro, então a maioria dos matemáticos activos deveria assumi-lo e estudar
as suas consequências, em vez de se envolver no estudo do contrafactual impos-
sível do que aconteceria se houvesse infinitos. A prática matemática resultante
seria muito diferente da nossa, e temos boas razões para duvidar da sabedoria
desta proposta ousada, dados os frutos que a prática matemática atual trouxe.

4.3.2 INFINITO POTENCIAL

A infinidade dos primos, embora impressionante, talvez não seja a maior dificul-
dade para o finitista. Um finitista pode adotar a visão de que os números natu-
rais, e seus subconjuntos infinitos, como os primos, podem ser considerados po-
tencialmente infinitos, não no sentido de que haja um potencial para gerar o
conjunto inteiro, mas sim no sentido de que nenhum não importa quantos
membros do conjunto tenham sido gerados, outro pode ser adicionado (ver
Craig 1979, p. 200 e Oppy 2006, pp. 263–4). Isto talvez pudesse até ser feito de
uma forma nominalista: não importa quantas caixas se tenha com um número

23
primo de laranjas em cada uma, poder-se-ia criar outra caixa com um número
primo diferente de laranjas.11
Mas temos um problema mais sério. Pois a matemática não se limita a afir-
mações sobre conjuntos infinitos particulares de números naturais. Também fala
sobre conjuntos de conjuntos de números naturais. Considere, por exemplo, o
conjunto de potências Ρℕ do conjunto de números naturais ℕ. Este é o conjun-
to de todos os conjuntos de números naturais (ou seja, o conjunto de todos os
conjuntos cujos membros são números naturais). Este conjunto de potências é
infinito, mas o Teorema de Cantor diz-nos que é um conjunto incontável e, por-
tanto, não pode ser gerado por uma sequência de adição sucessiva do tipo que
poderia ser usada para gerar o conjunto de todos os números primos. Conjuntos
como esses também não são raros na matemática: a prática matemática cotidiana
envolve-se em abstração após abstração, estudando alegremente conjuntos de
conjuntos de conjuntos em múltiplos níveis.
Poderíamos tentar identificar conjuntos de números naturais com métodos
para gerar um conjunto por adição sucessiva.12 Mas como existem incontáveis e
infinitos conjuntos de números naturais, terá que haver incontáveis e infinitos
métodos desse tipo. E isso violaria diretamente o finitismo. E pela razão cantori-
ana não se pode falar apenas de um método de geração de métodos: existem mé-
todos demais para que o conjunto de métodos seja gerado simplesmente adicio-
nando mais um de cada vez, da mesma forma que o conjunto de números pri-
mos de caixas de laranjas podem ser.

4.3.3 *SE-ENTÃO

Obviamente, o finitismo enfraquece o platonismo matemático. Para um exem-


plo concreto de como o finitismo pode minar outra visão plausível na filosofia
da matemática, vamos considerar a filosofia da matemática se-tenista, que sus-
tenta que as descobertas da matemática são condicionais necessárias, tais como:
“Necessariamente, se esses axiomas se aplicam a um sistema, então nesse siste-
ma existem infinitas entidades que contam como primos.” Nenhuma afirmação
é feita de que esses axiomas são válidos para um sistema e, portanto, nenhuma
afirmação é feita de que existem realmente infinitas coisas.
Mas uma proposição p implica uma proposição q desde que em todo mundo
possível onde p seja verdadeiro, q também seja verdadeiro, ou, equivalentemente,
desde que não exista nenhum mundo onde p seja verdadeiro mas q não o seja.
Assim, uma proposição impossível implica todas as proposições, uma vez que
não existe mundo onde uma proposição impossível seja verdadeira. Mas o fini-

11 Esta formulação não só é compatível com o finitismo, mas também o pressupõe, ao assumir que
existem apenas um número finito de caixas. Pois se tivéssemos um número infinito de tais caixas, po-
deria acontecer que todos os números primos estivessem representados entre as contagens caixa-
laranja.
12 Sou grato a Blaise Blain por esta sugestão.

24
tista afirma que é impossível que exista um número infinito de coisas. Assim,
quaisquer axiomas que impliquem que existem infinitos números primos impli-
cam todas as proposições. Portanto, dado o finitismo, não só é verdade que ne-
cessariamente se os axiomas da aritmética são verdadeiros então existem infini-
tos primos, mas também é verdade que necessariamente se os axiomas da arit-
mética são verdadeiros então acontece uma impossibilidade, e, portanto, que ne-
cessariamente se os axiomas da aritmética são verdadeiros, então existem círcu-
los quadrados e triângulos redondos.
O se-tenista finitista pode querer distinguir entre necessidades. Talvez haja
uma necessidade metafísica – a necessidade de dizer que a água é H2O e que na-
da pode ser a sua própria causa – e uma necessidade estritamente lógica, nomea-
damente a demonstrabilidade num sistema lógico. Os matemáticos não estão in-
teressados na afirmação de que é metafisicamente necessário que, se os axiomas fo-
rem válidos, então existam infinitos números primos. Em vez disso, o seu inte-
resse está na afirmação de que a condicional é logicamente necessária, de que se
pode provar a existência de um número infinito de primos a partir destes axio-
mas.
Isto empurra o se-tenista para uma versão do logicismo que sustenta que as
descobertas da matemática têm a ver com provabilidade lógica. É amplamente
considerado que o logicismo foi desacreditado pelos teoremas da incompletude
de Gödel (Hellman 1981). Mas a versão do logicismo que foi directamente desa-
creditada é aquela que identifica a verdade matemática com a demonstrabilidade,
dado que Gödel mostrou que em cada sistema lógico (recursivo) que contém
aritmética suficiente haverá verdades improváveis.
A versão do logicismo em discussão é diferente. Nenhuma afirmação é feita
de que verdades matemáticas sejam proposições demonstráveis. Em vez disso, a
actual versão do logicismo sustenta que o que os matemáticos descobrem é sim-
plesmente que algumas frases (digamos, certas frases condicionais materiais) po-
dem ser provadas. O verdadeiro objecto da matemática nesta perspectiva são as
provas ou a demonstrabilidade e não a verdade matemática.
Mas isto é seriamente implausível. Normalmente estamos interessados em
provas não pelo fato metamatemático de que algo pode ser provado, mas pelo
fato de sabermos que aquilo que pode ser provado – talvez uma condicional, se
o se-então estiver certo – é de fato verdadeiro. É certamente a verdade das con-
dicionais matemáticas que as torna aplicáveis, e a prova é apenas uma ferramenta
para aprender sobre a verdade.
Além disso, a prova não é a única técnica utilizada pelos matemáticos. Muitos
se envolvem em experimentação numérica. Por exemplo, a Conjectura de Gold-
bach diz que todo número inteiro par maior que dois é a soma de dois primos.
Isto foi verificado por computador, que todo número inteiro par maior que dois
até 4 × 1018 é a soma de dois primos (Silva 2015). Existe um argumento indutivo
direto (na ciência, não na matemática, sentido de “indutivo”) daí que todos os
inteiros pares maiores que dois são assim. No entanto, não há argumento induti-
25
vo correspondente nos experimentos de computador para ser demonstrável que
todos os números inteiros pares têm essa propriedade.13 Na verdade, o cientista
da computação Donald Knuth levou a sério a possibilidade de que a conjectura
de Goldbach seja verdadeira, mas não demonstrável.14 Podemos entender me-
lhor a experimentação numérica se considerarmos a matemática como uma bus-
ca pela verdade e não como uma provabilidade.
Em outras palavras, no espírito do se-tenismo, podemos supor que a mate-
mática trata de implicação ou de demonstrabilidade. A primeira explode (todas
as verdades são implicadas por axiomas que implicam infinitos) se o finitista es-
tiver certo de que infinitos reais são impossíveis, enquanto o último é insatisfató-
rio em geral.

4.4 Infinitos futuros

Para ter uma teoria que seja plausível, o finitista tem de levar em conta a possibi-
lidade de infinitos futuros. É certamente possível que uma moeda seja lançada
infinitamente, digamos, ou que alguém viva um número infinito de dias (diga-
mos, na vida após a morte). Para que o finitismo permitisse a possibilidade meta-
física de tais cenários, tivemos de aliar o finitismo a uma crescente teoria do blo-
co do tempo (ou presentismo – mas, como observado, isso não ajuda com para-
doxos suficientes) em vez do eternismo.
Mas pelo menos alguns dos paradoxos da contagem que motivam o finitismo
podem ser executados de uma forma diacrónica voltada para o futuro. Vejamos
primeiro o paradoxo sobre números naturais e primos que tornei vívidos com
pedaços de papel coloridos. Suponhamos agora que todos os dias, durante um
período de tempo infinito, um novo pedaço de papel será produzido, verde de
um lado e vermelho do outro. Suponha, ainda, que o lado verde do enésimo pe-
daço de papel terá n escrito nele, e o lado vermelho terá o enésimo primo escrito
nele.
Certamente faz sentido falar de quantos eventos de algum tipo acontecerão
num futuro infinito.15 Agora podemos executar este argumento:

(8) O número de faces verdes produzidas será igual ao número de faces ver-
melhas produzidas.
13 Para qualquer n para o qual a Conjectura de Goldbach é verdadeira, é provável que a Conjectura de
Goldbach seja verdadeira para n - tudo o que é necessário para provar que são muitas multiplicações
longas para verificar se duas somas primos nas quais n se decompõe são de fato primos. Portanto, exis-
te um argumento indutivo de que para cada n, é provável que a conjectura de Goldbach seja válida pa-
ra n. Mas não parece decorrer da afirmação de que a Conjectura de Goldbach é demonstrável para ca-
da n particular que é provável que ela seja válida para todo n.
14 Veja Knuth (2002). Uma questão semelhante surge com a Hipótese Riemann Zeta (RZH), e o lógico

Martin Davis especulou que RZH é um bom candidato para ser improvável (Jackson 2008, p. 571).
15 Principalmente se os eventos são produzidos por algum processo determinístico, como neste caso

podemos imaginar que seja o caso.

26
(9) O número de lados verdes produzidos será igual ao número de inteiros
positivos anotados.
(10) O número de lados vermelhos produzidos será igual ao nú-
mero de primos anotados.
(11) Todos os inteiros positivos e todos os primos serão anota-
dos.
(12) Portanto, o número de inteiros positivos é igual ao número
de primos.

Talvez um crescente teórico dos blocos negue que as afirmações sobre a conta-
gem de eventos ou objetos futuros, pelo menos quando esse número é infinito,
façam algum sentido. Mas isso seria uma reductio ad absurdum da posição. Pois cer-
tamente faz todo o sentido dizer que se eu lançasse uma moeda honesta um
número infinito de vezes, provavelmente daria cara com uma frequência infinita.
Em qualquer caso, de facto, podemos fazer sentido contar as coisas futuras, da-
do o presentismo ou o bloqueio crescente. Os detalhes técnicos são fornecidos
no Apêndice deste capítulo. Assim, as coisas futuras podem ser contadas mesmo
que não suponhamos sua existência real. Os paradoxos da contagem infinita,
portanto, só são eliminados pela suposição do finitismo quando esse finitismo
também requer números finitos de objetos futuros – e isso não é um finitismo
plausível.

5. ∗Definindo o Finito e o Contável


5.1 O finito

A definição matemática padrão de um conjunto finito é que S é finito se e so-


mente se S tem a mesma cardinalidade que o conjunto {0, 1, 2, ..., n} para algum
número natural n. Uma dificuldade desta definição é que ela pressupõe o concei-
to de número natural, e pode-se razoavelmente temer que os números naturais
sejam precisamente os números que contam os elementos de um conjunto fini-
to.
É verdade que podemos enunciar axiomas explícitos que os números naturais
satisfazem, digamos os Axiomas de Peano. Mas os números naturais não são a
única estrutura matemática que satisfaz estes axiomas. Por exemplo, os números
hipernaturais satisfazem os mesmos axiomas (cf. Robinson 1996), e ainda inclu-
em números que do nosso ponto de vista intuitivo são infinitos, e pelo Primeiro
Teorema da Incompletude de Gödel, qualquer conjunto semelhante de axiomas
não conseguirá caracterizar completamente os números naturais.16 Outra dificul-
dade é que a noção de uniformidade de cardinalidade depende de correspondên-

16A aritmética de segunda ordem caracteriza os números naturais, mas apenas em relação a uma teoria
de conjuntos de fundo (cf. Shapiro 1985, p. 735).

27
cias um-para-um, que dependem da teoria dos conjuntos de fundo – e novamen-
te temos o problema de que qualquer teoria dos conjuntos de fundo pode ser es-
tendida.
Alternativamente, podemos tentar caracterizar um conjunto finito como
aquele que fica menor quando um item é removido, ou seja, um conjunto cujos
elementos não podem ser colocados em uma correspondência biunívoca com
aqueles de um subconjunto próprio.17 Esta definição também depende da teoria
dos conjuntos de fundo para a noção de “correspondência um-para-um”.
Pode-se ficar satisfeito com as definições acima. Mas o finitismo causal torna
possível uma definição metafísica em vez de uma definição teórica dos conjun-
tos. Dado o finitismo causal, qualquer pluralidade de objetos que tenha um efei-
to conjunto deve ser finita. Então observe que se os ys são uma pluralidade finita
de objetos, e existe uma relação R tal que para cada x0 entre os xs existe um y0
entre os ys tal que x0 está em R a y0 e nada mais entre os xs está em R a y0, então
os xs também são uma pluralidade finita.
Podemos agora oferecer esta definição:

(13) Existem finitos xs se e somente se possivelmente houver ys


tais que (a) possivelmente os ys estejam todos na história cau-
sal de um único item e (b) possivelmente exista uma relação R
tal que para cada x0 entre No caso de xs, há um y0 entre os ys
tal que x0 está em R até y0 e nada mais entre os xs está em R
até y0.

Assumindo o finitismo causal, podemos argumentar que se os x satisfazem o la-


do direito de (13), existem um número finito deles. A condição (a) e o finitismo
causal garantem que existem um número finito de ys em alguns mundos possí-
veis. Mas como os elementos de uma pluralidade não variam entre os mundos
possíveis onde essa pluralidade existe, e como a finitude depende intuitivamente
apenas dos elementos de uma pluralidade, segue-se que existem um número fini-
to de ys em cada mundo possível onde os ys existem. A condição (b) garante en-
tão que em algum mundo possível não há mais xs do que ys e, portanto, que há
apenas um número finito de xs lá. E pelo mesmo raciocínio anterior, segue-se
que na verdade existem apenas um número finito de xs.
O inverso depende de algumas teses plausíveis sobre o que é possível. Plausi-
velmente, se houver um número finito de xs, é possível ter um número finito de
seres com mente, os ys, de modo que cada um dos ys pense exatamente em um
dos xs e cada um dos xs seja pensado por exatamente um dos sim. Também é
plausível que possamos exigir ainda que os seres mentais produzam um único

17Como observado anteriormente, isso define apenas um conjunto finito de Dedekind, mas dada uma
versão fraca do Axioma da Escolha, é equivalente à definição usual baseada em números naturais.

28
efeito em conjunto – talvez uma declaração de comissão sobre os xs. Então, se
deixarmos R ser a relação “é pensado”, o lado direito de (13) será satisfeito.
Assim, dado o finitismo causal, (13) é verdadeiro, e como o finitismo causal é
uma afirmação sobre o que é necessariamente o caso, o argumento pode ser
executado em qualquer mundo, e assim (13) é necessariamente verdadeiro. As-
sim, dado o finitismo causal, (13) é intencionalmente correto. Se é uma boa defi-
nição é outra questão.
E como bônus, uma vez que tenhamos uma definição metafísica do finito,
podemos obter uma definição metafísica do contável. Uma relação de ordenação
total é transitiva (se a ≤ b e b ≤ c então a ≤ c), antissimétrica (se a ≤ b e b ≤ a en-
tão a = b) e total (a ≤ b ou b ≤ a para todos a e b) relação. Então:

(14) Existem contáveis muitos xs se e somente se for possível ter


uma relação de ordenação total ≤ nos xs tal que para qualquer
b entre os xs existam apenas um número finito de a entre os
xs tal que a < b.

Observe que (13) parece banalizar o finitismo causal. Dado (13), é trivial que se
os ys estão na história causal de um único item, então há um número finito deles
- apenas deixe os xs serem os ys e deixe R ser a identidade. Mas a banalização
não está completa. Pois embora a afirmação do finitismo causal seja trivialmente
verdadeira, o que não é trivialmente verdadeiro é que a definição do finito satis-
faz as nossas crenças intuitivas sobre o finito.
Pode-se fazer algo semelhante com o finitismo em vez do finitismo causal.
Na verdade, dado o finitismo, podemos remover a condição (a) em (13). Mas
vimos que o finitismo não é satisfatório.

5.2 Modelos aceitáveis para os axiomas da aritmética

Um dos problemas mais profundos da filosofia da matemática é como nossas


mentes se conectam com as realidades matemáticas. O que faz com que a nossa
palavra “sete” se conecte a um objeto matemático específico e a nossa frase “o
conjunto dos primos” se conecte a outro objeto matemático específico? Uma
versão da dificuldade é o famoso problema de identificação de Benacerraf
(1965). Existem infinitos conjuntos de entidades matemáticas que poderiam de-
sempenhar o papel do conjunto dos números naturais, de modo que as mesmas
verdades matemáticas se apliquem a todos eles. Por exemplo, poderíamos identi-
ficar os números naturais 0, 1, 2, 3, ...com a sequência
∅,{∅},{∅,{∅}},{∅,{∅},{∅,{∅} }}, ..., onde o primeiro item da sequência é o
conjunto vazio e cada item da sequência é o conjunto de todos os itens anterio-
res, e então defina as operações aritméticas de acordo. Alternativamente, pode-
mos identificar os números naturais com a sequência ∅,{∅},{{∅}},{{{∅}}}, ...
e definir as operações aritméticas de acordo. Em ambas as definições, haverá in-
29
finitos primos, o Último Teorema de Fermat será válido, e de modo geral todas
as verdades aritméticas verdadeiras em uma dessas configurações serão verdadei-
ras na outra, porque haverá um isomorfismo (tecnicamente, equivalência ele-
mentar) entre eles.
Mas embora o problema de identificação de Benacerraf seja intrigante para a
filosofia da matemática, não é um grande problema para o típico matemático
profissional. Não importa para o matemático profissional típico qual construção
dos números naturais é usada, porque todos eles dão origem às mesmas verda-
des aritméticas. O teórico dos números em atividade pode dizer que está feliz
por ter sua teoria dos números interpretada em qualquer um desses modelos da
teoria dos conjuntos dos números naturais. Os modelos são todos equivalentes,
por isso não importa qual escolhemos.
Há, no entanto, um problema de identificação que é mais profundo que o de
Benacerraf. Do Primeiro Teorema da Incompletude de Gödel (Boolos e Jeffrey
1995, p. 188), juntamente com o Teorema da Solidez, aprendemos que axiomas
consistentes (especificáveis recursivamente) suficientes para fazer aritmética
subdeterminam verdades aritméticas, de modo que para quaisquer desses axio-
mas haverá uma sentença s isso é verdadeiro em alguns modelos dos axiomas e
falso em outros. Não é verdade que todos os modelos relevantes da teoria dos
conjuntos sejam isomórficos e, portanto, não podemos dizer alegremente que
não importa qual deles escolhemos. Existem infinitos modelos que são mutua-
mente não isomórficos.18
Ainda há um retiro disponível para o matemático trabalhador. Ela pode dizer
que está confiante nos seus axiomas favoritos, digamos os Axiomas de Peano da
teoria dos números ou os Axiomas de Zermelo-Fraenkel da teoria dos conjun-
tos, e tudo o que lhe interessa é a questão do que pode ser provado a partir des-
tes axiomas.
Mas a incompletude não deixa ninguém escapar tão facilmente. Pois a de-
monstrabilidade é em si uma noção matemática, e as provas de Gödel dos seus
teoremas da incompletude mostraram que é possível codificar sentenças e pro-
vas como números naturais. Um exemplo simples é usar um alfabeto e um con-
junto de símbolos de 90 caracteres ou menos e, em seguida, codificar cada letra e
símbolo como uma sequência de dois dígitos entre 10 e 99 (A = 10, B = 11, C =
13, etc.) e codifique uma sequência finita arbitrária de letras e símbolos como um
número decimal que consiste em strings dessas sequências de dois dígitos (por
exemplo, ABCA = 10111310). A propriedade de ser uma fórmula ou frase bem
formada torna-se equivalente a uma propriedade do número codificado que po-
de ser colocado na linguagem da aritmética, e a propriedade de ser uma prova de
alguma frase torna-se equivalente a uma relação aritmética entre a codificação do
número a suposta prova e o número que codifica a frase final.

18 Isso segue iterando aplicações de Primeira Incompletude e Solidez.

30
Uma lição da codificação é que a própria questão do que pode ser provado a
partir de alguns axiomas (especificáveis recursivamente) é uma questão aritméti-
ca. Assim, se tivermos uma subdeterminação do modelo da aritmética, corremos
o perigo de ter uma subdeterminação correspondente do que pode ser provado a
partir de quê, e o recuo para a demonstrabilidade não ajuda.
Poderíamos esperar que o perigo não se concretizasse, porque talvez todos os
modelos de aritmética que concordam com os nossos axiomas favoritos – diga-
mos, os Axiomas de Peano – também concordem sobre o que pode ser provado
a partir de quê. No entanto, o Segundo Teorema da Incompletude de Gödel
acaba com essa esperança. Pois, de acordo com o Segundo Teorema da Incom-
pletude, uma axiomatização consistente (especificável recursivamente) suficiente
para fazer aritmética não pode provar que é consistente, ou seja, não pode pro-
var uma afirmação aritmética que seja equivalente à afirmação de que a axiomati-
zação é consistente. Segue-se da Segunda Incompletude que existe um modelo
de axiomas segundo o qual os axiomas não são consistentes. Mas se os axiomas
são de facto consistentes, existe também um modelo – intuitivamente, um mo-
delo correcto – segundo o qual os axiomas são consistentes. Em outras palavras,
os modelos dos números naturais discordam sobre quais axiomatizações são ou
não consistentes. Mas a questão de saber qual axiomatização é ou não consisten-
te é precisamente uma questão sobre o que pode ser provado a partir de quê.
Pois uma axiomatização é consistente se e somente se uma contradição explícita
(digamos, que 0 = 0 e 0 ≠ 0) não pode ser provada a partir dela. Assim, assu-
mindo que a nossa axiomatização é consistente, os seus modelos discordam so-
bre se uma contradição pode ser provada a partir dela e, em particular, discor-
dam sobre a demonstrabilidade.
Nem podemos dizer que aquilo em que os modelos discordam é matemati-
camente ou filosoficamente desinteressante. Pois, como vimos, aquilo em que os
modelos discordam é uma das questões mais interessantes da matemática e da
sua filosofia: se os nossos axiomas favoritos da aritmética são consistentes. Se
não tivermos uma maneira de conectar nossos pensamentos sobre números (ou,
equivalentemente, sentenças) a uma família de modelos de aritmética que con-
cordem com a questão da consistência, teremos que dizer que a questão da con-
sistência é literalmente absurda – e que não parece plausível. 19
O recuo para o que pode ser provado a partir dos axiomas não escapa, por-
tanto, ao problema dos modelos de aritmética discordantes. Poderíamos ser ca-
pazes de resolver o problema dizendo que o nosso interesse na teoria dos núme-
ros não está nem em descobrir o que é verdadeiro para os números naturais nem
em descobrir o que é provável sobre eles, mas simplesmente em realmente gerar

19Poderíamos, é claro, acrescentar aos Axiomas de Peano a afirmação de que os Axiomas de Peano
são consistentes. Mas então o mesmo argumento da Segunda Incompletude aplicar-se-á aos Axiomas
de Peano suplementados com a afirmação de que são consistentes: os axiomas suplementados subde-
terminarão se os axiomas suplementados são consistentes, assumindo que de facto o são.

31
provas. Este parece ser um recuo dispendioso que mina as motivações da curio-
sidade matemática.
A explicação causal finitista do finito da Secção 5.1, contudo, vai de alguma
forma no sentido de resolver o problema da subdeterminação para a aritmética.
Para motivar isso, comece com o pensamento intuitivo de que existem números
naturais “genuínos” e, portanto, que existe uma demonstrabilidade “genuína”,
ou seja, demonstrabilidade por meio de provas que podem ser codificadas como
números naturais genuínos. números. Mas existem modelos de aritmética cha-
mados “não padronizados”, que acrescentam à aritmética números naturais que
do nosso ponto de vista “genuíno” são infinitos, mas mesmo assim satisfazem
os Axiomas de Peano.20 Esses números naturais infinitos podem então ser pen-
sados como codificações de “provas infinitas”.21 E não é surpresa que a demons-
trabilidade dependa de quais provas infinitas são permitidas, se houver. 22 Este
pensamento intuitivo sugere que, para sair do problema, precisamos de uma
forma de limitar os nossos números e provas para serem finitos.
E vimos na Secção 5.1 que o finitista causal (ou o simplicitador finitista) pode
dar uma explicação do finito. Podemos agora especificar que só consideramos
aceitáveis aqueles modelos M de aritmética que possuem esta propriedade:

(15) Para qualquer número natural n de M, existem apenas um


número finito de números naturais de M menores que n, onde
“finitamente muitos” é entendido metafisicamente de acordo
com o relato da Seção 5.1.

Isso não resolve o Problema de Identificação de Benacerraf: se um modelo satis-


faz (15), o mesmo acontecerá com qualquer modelo isomórfico a ele. Não de-
termina todos os axiomas da teoria dos conjuntos, uma vez que se pode ter mo-
delos desiguais da teoria dos conjuntos que partilham os mesmos números natu-
rais. Mas o que pode ajudar é o aspecto mais radical do problema da subdeter-
minação, o problema dos modelos que discordam sobre os números naturais e,
portanto, sobre a demonstrabilidade. Pois é uma tese metafísica bastante plausí-
vel, uma tese aparentemente não afetada pelos Teoremas da Incompletude, que
quaisquer dois modelos da Aritmética de Peano que satisfaçam (15) sejam iso-
mórficos e, portanto, pelo menos concordam em demonstrabilidade.

20 A aritmética não padronizada de Robinson (1996) será provavelmente mais familiar aos filósofos,
mas não exemplifica a variação relevante no que diz respeito à demonstrabilidade.
21 Cf. a frase “prova não padronizada” em Kunen (1980, p. 146).

22 Notoriamente, Leibniz pensava que havia provas infinitas e, de facto, baseou uma explicação da di-

ferença entre contingência e necessidade na diferença entre o que tem prova infinita e o que tem prova
finita. No entanto, Leibniz pensava que havia uma noção absoluta de prova infinita, ao passo que a li-
ção da Segunda Incompletude é que as infinitas provas que existem variam entre os modelos.

32
É claro que podemos inserir qualquer explicação metafísica do finito em (15).
Mas a explicação causal finitista que acabamos de apresentar está conveniente-
mente disponível.

6. Avaliação

Dadas algumas suposições adicionais, o finitismo implica finitismo causal e, por-


tanto, tem todos os benefícios do finitismo, que excluem paradoxos. Mas o fini-
tismo é um exagero. Os absurdos alegados como suportes para o finitismo po-
dem ser razoavelmente considerados simplesmente indicadores da estranheza do
infinito. O finitismo causal é uma tese mais modesta e essa é uma razão para
preferi-la.
Além disso, o finitismo põe em perigo a matemática. Não só as estruturas
matemáticas amplamente estudadas, como os números naturais, não são realiza-
das, mas, dado o finitismo, são coisas impossíveis, como uma molécula de água
com três átomos de hidrogénio ou uma rocha auto-causada. O finitismo causal
não tem tais problemas. É compatível com uma infinidade de entidades platôni-
cas causalmente inertes e é compatível com a existência de uma infinidade de en-
tidades concretas que são, digamos, devido ao seu arranjo espaço-temporal, in-
capazes de cooperar causalmente entre si.
Em seguida, se alguém tiver motivos para aceitar o eternalismo – a plena rea-
lidade de eventos e objetos passados e futuros – então deverá rejeitar o finitis-
mo. Pois é metafisicamente possível ter um universo que continuará por um fu-
turo infinito para gerar novas entidades, e dado o eternalismo esta possibilidade
é incompatível com o finitismo.
Neste capítulo, também vimos uma aplicação interessante do finitismo causal:
ele permite uma definição metafísica do finito. Essa aplicação mostra que há al-
gum benefício teórico do finitismo causal para a filosofia da matemática e, por-
tanto, fornece algumas evidências para o finitismo causal. No resto do livro, es-
pero aumentar o nível de evidência para um nível que considero bastante con-
vincente, principalmente através da resolução de uma série de paradoxos interes-
santes.

Apêndice: ∗Contando Coisas Futuras

Podemos dar uma definição precisa do que significa dizer que haverá n coisas (objetos, even-
tos, etc.) de algum tipo K, mesmo para n infinito, sem qualquer compromisso com a existência
real de coisas futuras. Para simplificar, assumirei que K é um tipo tal que se uma coisa for um
K, será sempre um K. (Se quisermos contar membros de algum tipo de estágio, como estudan-
tes, podemos simplesmente substituir um tipo de estágio K0 com o tipo não-estágio K0-em-
algum-futuro-tempo-ou-outro.) A definição que darei funcionará tanto devido ao presentismo
quanto ao bloqueio crescente.

33
Para prosseguir, seja F o conjunto de todos os conjuntos de tempos contendo pelo menos
um tempo futuro. Suponha S ∈ F. Então S é um conjunto de tempos com pelo menos um
tempo futuro sendo membro de S. Em seguida, digamos que um x atualmente existente ocu-
pa S exatamente temporalmente desde que x existiu, exista ou existirá e somente os tempos em S.
O conceito de ocupação temporal exata faz sentido tanto no bloco crescente quanto no pre-
sentismo. Nosso método de contar Ks futuros será contar quantas coisas existem que ocupam
exatamente temporalmente cada S em F, e então somar isso em todos os valores de S ∈ F.
Para ser mais preciso, suponha que para algum tempo futuro t em S, exista uma cardinali-
dade n (zero, finita ou infinita) tal que em t o seguinte será verdadeiro:

(16) Atualmente existem exatamente n Ks que ocupam S exatamente temporalmente.

Se assim for, então em todos os outros momentos futuros t' em S, (16) também será verdadei-
ro. Em outras palavras, se houver cardinalidade n satisfazendo (16) em um momento t em S,
essa mesma cardinalidade irá satisfazê-la em outros momentos em S. Para cada um dos Ks que
existirão em t e que ocuparão S exatamente temporalmente, também existe em t' e também
ocupará S exatamente temporalmente, e vice-versa, então a contagem de Ks que ocupam S
exatamente temporalmente não pode mudar entre os tempos em S. Neste caso, definirei nK(S)
como igual a n, e o argumento acima mostra que nK(S) não depende da escolha do tempo fu-
turo t em S.
A outra possibilidade é que em nenhum momento t em S exista uma cardinalidade n satis-
fatória (16). Por exemplo, se K é o conjunto tipo e S é o conjunto de todos os tempos, então
não haverá tal cardinalidade, pois não existe cardinalidade da coleção de todos os conjuntos. 23
Nesse caso, direi que nK(S) é indefinido.
Agora temos uma forma de contar o número de Ks que existirão. Se para algum conjunto
S de tempos contendo pelo menos um tempo futuro a quantidade nK(S) for indefinida, dize-
mos que não existirá cardinalidade de Ks. Mas se nK(S) for sempre definido, então dizemos
que a cardinalidade do número de Ks que existirá é a soma de nK(S) à medida que S varia sobre
os membros de F.24
É importante notar entre parênteses que a construção acima tem outro uso interessante.
Lewis (2004) perguntou se um presentista pode fazer afirmações como “Havia, há ou haverá
exatamente n vacas”, e forneceu uma técnica complicada de tradução de tempo aninhado para
um presentista fazer tais afirmações para números finitos n, mas observou que sua técnica fa-
lha para cardinalidades infinitas n. Minha técnica acima, entretanto, permite que um presentis-
ta faça contagem cruzada no tempo com cardinalidades finitas e infinitas. Tudo o que é neces-
sário é abandonar a exigência de que os conjuntos S em F contenham pelo menos um tempo
futuro, e então, em vez de dizer que em algum tempo futuro t em S a cardinalidade n irá satis-
fazer (16), diríamos que em algum tempo t em S a cardinalidade n satisfez, satisfaz ou irá satis-
fazer (16).

23 Por definição, apenas conjuntos possuem cardinalidades. Mas a coleção de todos os conjuntos não é
um conjunto, como segue do paradoxo de Russell. Pois se fosse um conjunto A, então pelo Axioma
da Separação poderíamos formar o subconjunto de Russell R = {x ∈ A : x ∉ x} de todos os membros
de A que não são membros de si mesmos. Então, R seria o conjunto de todos os conjuntos que não
são seus próprios membros e, portanto, teríamos R ∈ R se e somente se R ∉ R, uma contradição.
24 Se quisermos ser mais precisos, podemos deixar a cardinalidade do número de Ks igual à cardinali-

dade do conjunto {{S} × nK(S) : S ∈ F}, onde pensamos na contagem nK(S ) como um ordinal.

34
35
2
Regressões infinitas

1. Como violar o finitismo causal


O finitismo causal diz que não pode haver infinitas causas por trás de um efeito
(o texto é deliberadamente vago – nos esforçaremos para obter maior precisão
no Capítulo 7). Existem intuitivamente duas maneiras de violar isso:

(a) uma regressão causal infinita, ou


(b) um número infinito de causas cooperando entre si para produzir um úni-
co efeito.

(Fig. 2.1.) Na verdade, resultará ser um teorema que estas são as únicas duas ma-
neiras de violar o finitismo causal. O finitismo causal diz então que as violações
do tipo (a) são impossíveis, assim como as violações do tipo (b). Neste capítulo,
focarei nos argumentos contra as regressões causais, ou seja, violações do tipo
(a). Prosseguirei dividindo as regressão causais típicas em três tipos principais e
argumentando contra cada subtipo. Os argumentos diferem em força, mas será
mais simples assumir que não são possíveis regressões causais do que apenas que
não são possíveis regressões causais de um tipo particular. Em suma, teremos
bons argumentos contra o regresso e, portanto, alguma evidência do finitismo
causal em geral. Os argumentos deste capítulo não se concentram em paradoxos
e, portanto, apresentam um tipo diferente de evidência para o finitismo causal
do que será dado no restante do livro.
Dada uma formulação plausível da teoria dos grafos do finitismo causal, e
dada uma versão do Axioma da Escolha da teoria dos conjuntos, no Apêndice
deste capítulo está provado que (a) e (b) são as duas únicas maneiras de violar o
finitismo causal.

36
Fig. 2.1 As duas formas de violar o finitismo causal: regressão (esquerda) e cooperação infini-
ta (direita).

Assim, as violações do infinitismo causal vêm em duas variedades: regressões in-


finitas como (b) e casos em que infinitas causas trabalham juntas para um único
efeito. Talvez surpreendentemente, A Lâmpada de Thomson, com a qual o livro
começou, seja do segundo tipo. Cada acionamento do interruptor contribui cau-
salmente para o estado final da lâmpada. Mas não há regressão para trás, porque
embora cada acionamento do interruptor seja seguido por um número infinito
de acionamentos adicionais, ele é precedido por, no máximo, um número finito.

2. Regressões Causais Infinitas

As regressões causais infinitas parecem se dividir em três tipos principais:

(i) regride sem que nada fora da regressão cause os itens da regressão,
(ii) regride com algo fora da regressão agindo através dos itens da regres-
são como causas intermediárias, e
(iii) regride com algo fora da regressão causando diretamente todos os
itens da regressão.

Um exemplo de regressão do tipo (i) é dado pela explicação não-teísta da regres-


são causal infinita de Hume (1779) do universo: o estado atual é causado por um
anterior, que é causado por um ainda anterior, e assim por diante. As regressões
do tipo (i) distinguem-se dos tipos (ii) e (iii) por serem não causadas.
Um exemplo paradigmático de regressão do tipo (ii) é o caso da queda de
uma maçã causando a queda de uma maçã no chão em um universo com tempo
contínuo onde um número infinito de estados intermediários de queda da maçã

37
atuam como causas intermediárias. (Para uma discussão mais aprofundada de
tais casos, consulte o Capítulo 8.)
Um tipo (iii) de regressão surge em alguns cenários teístas. Tomás de Aquino
pensou que, embora na verdade Deus tenha criado um mundo com um passado
finito, ele poderia ter criado um mundo com um passado infinitamente longo.25
Além disso, ele pensava que Deus era diretamente a causa primária de todos os
eventos no mundo.
Formalmente, outras opções são possíveis. Por exemplo, pode-se imaginar
uma regressão infinita onde os itens pares são causados diretamente por um item
externo e os itens ímpares funcionam como causas intermediárias. Ou podería-
mos ter uma regressão semelhante ao tipo (iii), mas onde apenas uma coleção
inicial infinita de causas é causada pelo item externo. Mas é plausível que, se os
três tipos principais são impossíveis, os casos mais recônditos também o serão.
Por exemplo, se os itens pares são causas intermediárias, então, eliminando os
itens ímpares, obtemos uma regressão do tipo (ii).
Além disso, os meus argumentos aqui são apenas uma parte dos meus argu-
mentos gerais a favor do finitismo causal. Quanto mais casos de história causal
infinita pudermos excluir, mais provável será — pense nisso como um argumen-
to indutivo — que todas as histórias causais infinitas sejam impossíveis.
Consideramos agora os três tipos de regressão em ordem.

3. Tipo (i): Regressões não causadas


3.1 Vicio

Algumas regressões são viciosas. Explicar por que a terra não cai dizendo que
está nas costas de uma tartaruga é deixar sem resposta a questão de porque a tar-
taruga não cai. Acrescentar à história uma sequência infinita de tartarugas, uma
sob a outra, é afirmar uma regressão viciosa. Da mesma forma, infinitistas de
ritmo como Klein (1998), acreditar numa proposição com base na evidência de
outra proposição, e acreditar na segunda por causa de uma terceira, e assim por
diante ad infinitum, é ter uma regressão de justificação viciosa.
Mas nem todas as regressões são viciosas. Pelo que sabemos, existe o hoje, e
haverá o amanhã, e para cada dia haverá um próximo. Existe o número 0, o nú-
mero 1, o número 2 e assim por diante (bem como o número −1, o número −2
e assim por diante). Se tivermos provas de p, teremos provas de que p é verda-
deiro, e de que é verdade que p é verdadeiro, e de que é verdade que é verdade
que p é verdadeiro, novamente ad infinitum.

25Tomás de Aquino (1920, I.46.2) argumenta que não se pode provar que o passado é finito, e que não
se deve tentar para não “dar ocasião aos incrédulos de rir”. Se ele estiver certo sobre isso, este livro
pode pelo menos proporcionar alguma comédia ao leitor.

38
Parece haver uma maneira muito óbvia de dividir os casos que escolhi acima.
Os casos viciosos são regressões de dependência, regressões em que cada item
depende do seguinte: a posição da Terra depende da tartaruga e assim por dian-
te, a justificação de uma proposição depende de outra, e assim por diante. Os
virtuosos não são regredidos pela dependência; pode haver dependência, mas
numa direção inversa (a evidência para p normalmente não depende da evidência
para a verdade de p, mas vice-versa).
A causalidade é um tipo de dependência. Conseqüentemente, as regressões
causais infinitas são viciosas. E, plausivelmente, regressões viciosas são impossí-
veis.
Mas estamos avançando muito rapidamente. Pois, colocando entre parênteses
as considerações finitistas causais, parece possível haver uma regressão da justifi-
cação não viciosa, e a justificação envolve uma espécie de dependência. Seja pn a
proposição de que existem pelo menos n unicórnios no universo. Para simplifi-
car, suponha que pn seja verdadeiro para todo n, então há infinitos unicórnios.
Suponha ainda que existam infinitos observadores especialistas em unicórnios e
que o enésimo deles ateste para mim que pn é verdadeiro. Então a minha crença
de que existe pelo menos um unicórnio é justificada pela minha crença de que
existem pelo menos dois, o que por sua vez é justificado pela minha crença de
que existem pelo menos três unicórnios, e assim por diante (Fig. 2.2).

Fig. 2.2 O testemunho de especialistas em unicórnios.

Este caso difere de um regresso vicioso de justificação onde a justificação surge,


por assim dizer, do nada (ou do infinito?). Pois no nosso caso, toda a justificação
resulta de uma forma não paradoxal no testemunho dos observadores. Ainda as-
sim, é uma sequência infinita de relações de justificação, com pn sendo justificado
por pn + 1 para todo n. Este é um caso de sobredeterminação ao nível das eta-

39
pas da regressão: pn é justificado pelo depoimento do enésimo especialista, bem
como por pn + 1.
Casos semelhantes de sobredeterminação podem ser fabricados no caso de
causalidade. Suponha que existam infinitas luzes, numeradas 1, 2, ..., cada uma
equipada com seu próprio interruptor e detector de luz, e configuradas de modo
que a enésima lâmpada acenda se seu interruptor for pressionado ou o detector
de luz for ativado ou ambos. Além disso, o detector de luz da enésima lâmpada
aponta para a (n + 1) lâmpada e, portanto, acende a enésima lâmpada se a (n +
1)st estiver acesa. Suponha que todos os interruptores sejam pressionados simul-
taneamente. Então a primeira lâmpada está acesa porque detecta a segunda acesa
e a segunda está acesa porque detecta a terceira acesa, ad infinitum. Mas todos eles
também estão determinados a estar ligados por causa dos interruptores, e parece
não haver nada de cruel no caso.
Talvez, porém, em casos de sobredeterminação não devêssemos dizer que
temos dependência de cada um dos itens sobredeterminados. Em vez disso, de-
pendemos da disjunção de sobredeterminadores. Se sim, então não temos re-
gressões. Por exemplo, a justificativa de p1 depende da justificativa de p2 desvin-
culada do depoimento do perito 2, mas esta disjunção não obtém sua justificati-
va de p3 desvinculada do depoimento do perito 3. Da mesma forma, o acendi-
mento da lâmpada n depende do evento disjuntivo da lâmpada n + 1 acesa ou
do interruptor da lâmpada n pressionado. E talvez este evento disjuntivo não
deva ser considerado como dependente do evento disjuntivo da lâmpada n + 2
estar acesa ou do interruptor da lâmpada n+2 ser pressionado. Se esta sugestão
for bem sucedida, então o caso não é de facto um caso de regressão de depen-
dência.
Por outro lado, se estes casos de sobredeterminação são regressões de de-
pendência genuinamente não viciosas, então deveríamos enfraquecer o princípio
de que todas as regressões de dependência são viciosas. Em vez disso, devería-
mos dizer que aquelas regressões de dependência que não atingem o fundo em
algo fora da regressão são viciosas. No caso causal, as regressões do tipo (i) – re-
gressões não causadas – serão viciosas. E é plausível que não existam regressões
viciosas.

3.2 Regressões viciosas e o Princípio Hume-Edwards

Há uma intuição bastante robusta de que mostrar que uma teoria postula uma
regressão viciosa é uma objecção decisiva à teoria. Essa intuição está no cerne de
muitos argumentos filosóficos bem conhecidos, como o Terceiro Ser Humano26
ou o Regresso de Bradley (Bradley 1893). Mas se regressões viciosas fossem pos-
síveis, então o facto de uma teoria postular tal regressão não deveria ser uma ob-

26Platão (1996, 132a-b) apresenta uma versão que envolve uma regressão de grandezas, em vez de
humanidades.

40
jecção decisiva à teoria. Portanto, temos razões para pensar que regressões vicio-
sas são impossíveis.
Poderíamos simplesmente considerar a impossibilidade de regressões viciosas
como o fundo do poço, mas também poderíamos tentar derivar essa impossibi-
lidade de um Princípio de Razão Suficiente (ver Pruss 2006, Della Rocca 2010 e
Pruss 2017 para defesas do Princípio), com base que as regressões viciosas en-
volvem algo inexplicado, ou seja, porque toda a regressão ocorre - porque, di-
gamos, todo o pilar infinito de tartarugas que sustenta a Terra não cai. Isso se
ajusta particularmente bem à intuição de que as regressões viciosas são aquelas
que não chegam ao fundo em algo 27 fora da regressão. Pois é precisamente
quando é dada uma regressão que não chega ao fundo desta forma que não há
explicação da regressão como um todo.
Há, no entanto, uma objeção a esta linha de pensamento. Notoriamente,
Hume (1779) pensou que uma regressão causal seria autoexplicativa. Ele alegou
que se cada item de uma coleção fosse explicado causalmente, toda a coleção se-
ria explicada. Na literatura, isso é chamado de Princípio de Hume-Edwards28
(HEP) e, à primeira vista, parece muito plausível. Mas então, numa regressão,
cada item é explicado por um item anterior, de modo que Hume concluiu que
toda a colecção é assim explicada.
Pode-se argumentar, entretanto, que HEP é falso no caso de regressões cau-
sais infinitas. Para ver isso, suponhamos que o tempo seja denso – entre quais-
quer dois tempos, existe outro tempo. Agora imagine que uma partícula passa a
existir por alguma causa, de tal forma que sempre estritamente depois do meio-
dia a partícula existe, mas ao meio-dia e em horários anteriores a partícula não
existe. A existência da partícula em qualquer momento t depois do meio-dia po-
de ser explicada causalmente por meio da existência da partícula em um horário
intermediário t' entre meio-dia e t e a propensão da partícula para manter sua
existência. Mas seria absurdo concluir que a existência desta partícula em todos
os momentos depois do meio-dia tenha sido explicada por uma história que
nunca mencionou a causa ao meio-dia (cf. Pruss 1998).
Agora temos duas opções em relação ao HEP. A primeira opção, e creio que
mais plausível, é dizer que a plausibilidade inicial da HEP dependia de não se ter
pensado o suficiente sobre casos infinitos. Num caso finito, se cada item de uma
coleção tiver uma explicação causal, então haverá pelo menos uma explicação
fora da coleção, sob pena de circularidade explicativa. É então plausível que to-
das essas explicações externas, tomadas em conjunto, expliquem toda a coleção.
Contudo, num caso infinito, poderia haver explicações puramente internas.29 E
simplesmente não é plausível que aí teríamos uma explicação de toda a coleção.

27 Ou uma pluralidade de coisas. No nosso caso de regressão de lâmpada de detectores de luz com in-
terruptores sobredeterminados, o regresso atinge o fundo na pluralidade de interruptores.
28 Veja Edwards (1959).

29 A existência de uma diferença crucial entre casos finitos e infinitos parece ter sido notada pela pri-

meira vez por Rowe (1970).

41
Há também um movimento mais ousado que se poderia tomar. HEP é inici-
almente plausível. Podemos mantê-lo sem qualquer qualificação, desde que ne-
guemos a possibilidade de regressões infinitas. Assim, temos um argumento, do
HEP mais o facto de que regressões infinitas não são explicativas, para a impos-
sibilidade de regressões infinitas. Mas este argumento não é muito convincente,
pois o HEP não é muito convincente em infinitos casos.

3.3 Regressões e loops explicativos

Os loops explicativos são intuitivamente problemáticos, e vários autores (por


exemplo, Dummett 1986, Pruss 1998 e Meyer 2012) notaram semelhanças entre
loops explicativos e regressões infinitas (embora no caso de Meyer 2012, para
defender loops explicativos).
Suponha que sempre existiram galinhas e ovos, e cada galinha veio de um
ovo enquanto cada ovo veio de uma galinha. Então a pluralidade dos ovos é ex-
plicativamente anterior à pluralidade das galinhas, digamos, por causa deste prin-
cípio plausível:

(1) Se cada um dos ys tem pelo menos um dos xs explicativamente anterior a


ele, então os xs são explicativamente anteriores aos ys.

Mas exatamente pela mesma razão, a pluralidade das galinhas é explicativamente


anterior à pluralidade dos ovos.
Assim temos circularidade na prioridade explicativa: as galinhas são explicati-
vamente anteriores aos ovos e os ovos são explicativamente anteriores às gali-
nhas. Agora, plausivelmente:

(2) Não é possível haver circularidade na ordem de explicação quando o tipo


de explicação é mantido fixo.30

O caso das galinhas e dos ovos viola (2), uma vez que em ambas as direções a
explicação é fornecida pela causalidade eficiente. Conseqüentemente, a regressão
inversa infinita de galinhas e ovos é impossível.
Mas o mesmo é verdade para qualquer regressão infinita inversa. Se a1 é cau-
sado por a2, que é causado por a3 e assim por diante, então podemos rotular as
entradas de números ímpares como “galinhas” e as entradas pares como “ovos”,

30Duvido que a cláusula seja necessária, mas alguns pensam que é. Por exemplo, nas visões humeanas
das leis, acontecimentos particulares fundamentam as leis, mas as leis explicam nomicamente os acon-
tecimentos particulares. Isto cria uma circularidade explicativa, mas os tipos de explicação nas duas di-
reções são diferentes – fundamentação e subsunção nómica, ou metafísica e científica (Hicks e van
Elswyk 2015). Aqueles que pensam que a cláusula não é necessária pensarão que isto é uma refutação
do Humeanismo. Os humeanos pensarão que este é um argumento a favor da cláusula.

42
e o argumento prossegue.31 Conseqüentemente, regressões causais infinitas são
impossíveis.
A parte mais problemática do argumento é (1). Por exemplo, suponha que ys
sejam todos os descendentes de Carlos Magno e que xs sejam Carlos Magno e
todos os seus descendentes. Então cada um dos ys tem um x explicativamente
anterior a ele, ou seja, Carlos Magno. Mas embora seja claramente correto dizer
que Carlos Magno é explicativamente anterior aos seus descendentes, não é cla-
ramente correto afirmar que a pluralidade maior é anterior à menor.
Pode-se descartar o contra-exemplo de Carlos Magno mais descendentes adi-
cionando a (1) a condição de que xs e ys não têm entidades em comum. Isso
ainda será suficiente para levar nossa aplicação à regressão de galinhas e ovos.
Mas agora considere este caso: A causa B que causa C. Sejam xs A e C, e deixe
ys consistir apenas em B. Mais uma vez, não é claramente correto dizer que os xs
são anteriores a ys: um dos xs não é anterior a nenhum dos ys. O refinamento a
seguir, entretanto, também cuida deste caso:

(3) Suponha que (a) cada um dos ys tenha pelo menos um dos xs explicati-
vamente anterior a ele, (b) os xs e ys não tenham entidades em comum e
(c) cada um dos xs seja anterior a pelo menos um. do sim. Então os xs
são explicativamente anteriores aos ys.

No entanto, a substituição de (1) por (3) não fornece um argumento direto con-
tra a regressão infinita inversa das galinhas e dos ovos. Pois suponhamos que
Little é a última das galinhas e não tem ovos. Então (3) não nos permite concluir
que as galinhas sejam anteriores aos ovos, uma vez que uma das galinhas, nome-
adamente Little, não é anterior a nenhuma das galinhas. ovos.
No entanto, o argumento pode ser resgatado. Pois, certamente:

(4) Se uma regressão infinita inversa de galinhas e ovos é possível, então uma
regressão infinita bidirecional de galinhas e ovos também é possível.

Afinal de contas, é certamente possível que, além da regressão inversa, Little te-
nha um ovo, e esse ovo ecloda numa galinha, e assim por diante. Mas se tiver-
mos uma regressão infinita bidirecional de galinhas e ovos, então cada ovo tem
uma galinha antes dele e cada galinha é anterior a algum ovo, então as galinhas
são anteriores aos ovos, e da mesma forma os ovos são anteriores às galinhas,
em violação de (2). Assim, (3) e (4) juntos produzem um argumento contra re-
gressões infinitas inversas.
Embora haja alguma força neste argumento anti-regresso, essa força é dimi-
nuída pela necessidade de ter duas ressalvas em (3) além da condição básica
(3)(a), uma vez que (3) soa um tanto ad hoc.

31 Este argumento é baseado em ideias de Pruss (1998).

43
Esta é uma teoria empirista porque baseia o conhecimento do mundo dos
historiadores nas suas experiências sensoriais das evidências disponíveis. É uma
teoria ingênua porque não leva em conta as críticas que lhe foram feitas. has e
ovos. Pois o que parece mais questionável sobre os laços causais é a tentativa de
elevar-se com os próprios esforços. Um ciclo causal com uma causa abrangente
fora do ciclo parece menos problemático.

4. Tipo (ii): Causalidade que passa por inúmeras etapas

Um tipo de regressão infinita de causas é uma regressão infinita de causas inter-


mediárias entre uma causa inicial e um efeito final. A queda da maçã no chão é
causada pela quebra da maçã do galho. Mas, numa interpretação plausível da fí-
sica newtoniana — embora consideremos alternativas no Capítulo 8 —, existem
infinitas causas intermédias: a maçã está a meio caminho para baixo, a maçã está
a um quarto do caminho para baixo, e assim por diante. Nesta seção apresentarei
um argumento metafísico contra tais casos a partir de ideias de Robert Koons.32
Alguns casos de causalidade são derivados. Se eu apertar um botão que acen-
de as luzes e alerta os ladrões, pressionar o botão faz com que os ladrões sejam
alertados. Mas este é um exemplo derivado de causalidade: o pressionar do bo-
tão provoca o alerta dos ladrões, fazendo com que a luz acenda e pela luz fazen-
do com que os ladrões sejam alertados.
Podemos então oferecer este princípio de derivação plausível:

(5) Os casos derivados de causalidade devem, em última análise, basear-se em


casos fundamentais de causalidade.

O princípio (5) cria um sério problema para histórias como a da maçã. Pois o fa-
to de a maçã estar na metade do caminho é uma causa intermediária de ela estar
no chão e, portanto, o fato de a maçã se soltar do galho não faz com que a maçã
esteja fundamentalmente no chão. Na verdade, se entre quaisquer dois itens na
sequência de estados da maçã houver outro, não haverá quaisquer casos funda-
mentais de causalidade na sequência. Cada caso de causalidade na sequência pas-
sará por uma causa intermediária. E é implausível pensar que a causação dentro
da sequência estará fundamentada em alguma causação fundamental fora da se-
quência. Assim, a história da maçã viola o princípio (5), assim como outras se-
quências causais densas – sequências em que entre cada par de itens existe uma
causa intermediária.
De forma mais geral, os cenários em que algo causa um efeito através de uma
sequência causal infinita inversa de causas intermediárias violam o princípio da
derivação. Pois suponha que temos uma causa e através de uma sequência infini-

32 Ouvi estas ideias no nosso seminário conjunto sobre metafísica neo-aristotélica no outono de 2008.

44
ta inversa ..., c−3, c−2, c−1 de causas que levam a c0 = e. Então a causa cn é derivada
de a causa cn−1 e cn−1 causa cn, e, portanto, não há nada na sequência que a causa
não derivativamente.
A única maneira de reconciliar este tipo de sequência com o princípio da de-
rivação e a intuição de que a causalidade através de uma causa intermediária é
derivada parece ser supor que a causa de forma não derivada e, portanto, direta-
mente, todos os c−n. Assim, c−n será causado diretamente tanto por a quanto por
c−(n+1). Além disso,c−(n+1) deve ser estranho à causação de c−n por a, pois caso con-
trário, a causa de c−n por a será derivada. Portanto, este é um caso de sobrede-
terminação de c−n tanto por a quanto por c−(n+1), e é uma regressão do tipo (iii).
Além da plausibilidade intuitiva do princípio de derivação, uma razão para
aceitá-lo é que se negarmos o princípio de derivação, obteremos uma regressão
infinita de fundamentação metafísica: um caso derivado de causalidade funda-
mentado em um ou mais outros casos derivados de causalidade, ad infinitum.
Além disso, se pensarmos que a causalidade não se baseia em outros fenómenos
que não a causalidade, não haverá nada fora deste regresso fundamental que
fundamente todos os itens do regresso. Assim, curiosamente, o princípio da de-
rivação permite-nos mostrar que uma regressão causal com um primeiro elemen-
to implica uma regressão de fundamentação verdadeiramente viciosa sem um
primeiro elemento.

5. Tipo (iii): Causa externa que causa diretamente cada


item
5.1 Opções

Isto nos deixa com um último tipo principal de regressão. Este é um caso em
que existe uma causa externa que causa diretamente todos os itens da regressão.
Dois exemplos deste tipo de regressão foram mencionados até agora. A primeira
foi uma regressão não causal envolvendo sobredeterminação justificativa. A se-
gunda foi uma sugestão teísta de que Deus poderia criar um universo com um
passado infinito, com Deus causando diretamente cada item do mundo.
Consideremos o modelo teísta (Fig. 2.3). Haverá uma sequência infinita de
causas criadas..., c−3, c−2, c−1, com Deus sendo diretamente a causa de cada c−n.
Então, c−n tem duas causas aparentemente imediatas, Deus e c−(n+1). Para simpli-
ficar, tomarei c−(n+1) para incluir em si todas as criaturas que estão trabalhando
juntas para produzir c−n (assim, os itens na regressão podem ser pluralidades ou
somas mereológicas).
Existem agora quatro opções, dependendo de qual das duas causas, se hou-
ver, é causalmente suficiente para explicar c−n. Ser suficiente para explicar cau-
salmente não é o mesmo que ser causalmente suficiente. Por exemplo, uma fun-
ção de onda e um ato de medição podem ser suficientes para explicar causal-
mente por que um elétron foi detectado em um determinado local x, mas na
45
Mecânica Quântica indeterminística a função de onda e o ato de medição não
são causalmente suficientes para esse efeito específico, uma vez que muito a
função de onda e o ato de medição poderiam ter resultado na detecção do elé-
tron em um local diferente de x (suficiência causal, como uso a frase, implica
que a causa determina o efeito). Por outro lado, a função de onda por si só (ou o
ato de medição por si só) não é sequer suficiente para explicar causalmente o re-
sultado.
Suponha que a atividade causal de Deus seja suficiente para explicar causal-
mente c−n e c−(n+1) também. Então este é basicamente um caso de sobredetermi-
nação. Neste quadro, temos algo estruturalmente semelhante ao regresso de so-
bredeterminação justificativa que discutimos na Secção 3.1. Aqui, precisamos en-
tender a “sobredeterminação” num sentido ampliado, compatível com o fato de
a causalidade ser indeterminística. Assim, se um processo aleatório tem chance
de resultar no envenenamento fatal de Smith e outro tem chance de resultar no
estrangulamento de Smith, e ambos os processos disparam e causam seus efei-
tos, pode ser que a morte de Smith tenha sido “sobredeterminada” pelos dois
processos. , porque cada processo é suficiente para explicar causalmente a morte
de Smith, mesmo que nenhum dos processos determine o resultado, pois ne-
nhum dos processos é uma causa suficiente (nem os dois juntos são suficientes).
A seguir, suponha que Deus (ou Sua atividade causal) seja suficiente para ex-
plicar causalmente c−n, mas c−(n+1) não o seja. Se c−(n+1) desempenhar algum papel
aqui, deve ser como parte de uma causa sobredeterminante (no sentido fraco
acima) de c−n, uma vez que Deus é suficiente para explicar causalmente c−n. As-
sim, ainda haverá sobredeterminação: haverá algum d (talvez uma pluralidade) tal
que Deus é suficiente para explicar causalmente c−n, e c−(n+1) mais d são suficien-
tes para explicá-lo causalmente também. (Observe que d poderia até ser Deus.)
Da mesma forma, se c−(n+1) é suficiente para explicar causalmente c−n mas
Deus não é, também haverá algum tipo de sobredeterminação aqui.
Isso deixa uma última opção, onde nem c−(n+1) nem Deus são suficientes para
explicar causalmente c−n, mas eles trabalham juntos para explicar c−n. Aqui temos
uma regressão viciosa: c−1 é causado por Deus e c−2, e c−2 é causado por Deus e
c−3, e assim por diante. Nesta regressão apenas uma das duas causas da regressão
tem uma causa no nível anterior, uma vez que Deus não é causado. No entanto,
não deixa de ser um regresso vicioso. O caso é semelhante a este: imagine um
piso infinito e suponha que Jim derramou sobre ele um recipiente infinito de
óleo. No chão há infinitas pessoas em movimento, com a primeira se movendo
porque a segunda a impactou no chão onde Jim derramou óleo, a segunda im-
pactando a primeira porque a terceira a impactou no chão onde Jim derramou
óleo, a terceira impactando a segunda porque a quarta a impactou no chão onde
Jim derramou óleo, etc. Esta é uma regressão de impactos tão cruel quanto seria
se todas as pessoas estivessem flutuando em um vácuo sem óleo, mesmo que
apenas um dos dois itens em cada nível da regressão (ou seja, o movimento de

46
uma pessoa) é causado pelo nível anterior da regressão. As razões para negar re-
gressões não causadas aplicam-se igualmente a estes tipos de regressões.

5.2 Regressa com sobredeterminação externa

Portanto, as regressões do tipo (iii) dividem-se em duas opções: ou temos (iii-a)


um caso de algo como sobredeterminação (embora talvez de um tipo indetermi-
nístico) ou (iii-b) uma regressão viciosa de uma estrutura não sobredeterminante.
Nenhum dos dois tipos de regressão é muito discutido na literatura.
Neste ponto, deve-se notar um ponto fraco no argumento deste capítulo
contra as regressões causais. Não tenho um argumento direto muito convincente
contra os casos de sobredeterminação de regressões infinitas. Estas são regres-
sões onde cada item tem uma explicação causal última, nomeadamente em ter-
mos da causa externa, que juntamente com os itens da regressão sobredetermina
o efeito. Em certo sentido, essas regressões não são viciosas. No entanto, há al-
guma razão intuitiva para pensar que, se as regressões causais infinitas sobrede-
terminadas são possíveis, também o são as não sobredeterminadas. E o argu-
mento geral deste livro a favor do finitismo causal como uma explicação bastan-
te simples do que corre mal em todos os paradoxos causais do infinito dá uma
razão para negar também a possibilidade destes casos.
Contudo, mesmo que não exista um argumento muito convincente contra o
cenário da sobredeterminação, há uma razão intuitiva para ser cético em relação
a ele. Pois suponha que tenhamos uma regressão causal ..., c−3, c−2, c−1, com cada
item causando o próximo, e suponha que haja um item d fora da regressão tal
que d cause diretamente cada um dos c−n, e c−n é sobredeterminado por d e c−(n+1)
(a imagem será semelhante à Fig. 2.3, mas com d no lugar de Deus). Se isso for
possível, também deveria ser possível ter um cenário como o acima, onde as re-
lações causais acima mencionadas entre c−n e entre d e c−n são todas as relações
causais que existem. Vamos supor isso.
Então cada instância da influência causal de d é sobredeterminada por d e por
algo diferente de d. Mas algo que causa apenas de uma forma sobredeterminada
é causalmente ocioso, e deveria ser possível remover influências causalmente
ociosas. Assim, intuitivamente, deve haver um mundo possível como o descrito,
mas sem d, ou (se d for um ser necessário) sem que d tenha qualquer papel causal
relevante. Num mundo assim, temos uma regressão causal não causada. Mas es-
se é um tipo (i) de regressão, e há razões para pensar que tal é impossível.
Há um detalhe técnico aqui. Dada a essencialidade das origens, há alguma ra-
zão para pensar que se a influência causal de d fosse removida, o c−n não poderia
mais existir. Se assim for, então deveríamos dizer que existe um mundo possível
com uma regressão causal de c∗−n que é muito parecido com c−n, exceto que suas
origens causais não incluem d. (Compare: Indiscutivelmente, Sócrates não pode-
ria existir se os seus pais não existissem, mas em vez disso poderia existir alguém

47
muito parecido com Sócrates.) E isso é tudo o que é necessário para o argumen-
to.
Este não é um argumento muito forte. Ao remover a influência de d do
mundo, removemos aquilo que torna o regresso não vicioso, e isso dá motivos
para duvidar da possibilidade de remover d. Ainda assim, a intuição sobre a pos-
sibilidade de remoção de algo cuja influência é sobredeterminada tem alguma
força, e se combinarmos este argumento com o argumento indirecto de que é
mais simples e elegante negar uniformemente todas as regressões causais infini-
tas, obteremos uma forte consideração.

6. ∗ Analogia com Axioma da Regularidade

O Axioma da Regularidade na teoria dos conjuntos é uma parte padrão dos axi-
omas de Zermelo-Fraenkel (ZF). Formalmente, o axioma diz que todo conjunto
a contém um membro b tal que nenhum membro de b é membro de a (ou seja, a
∩ b = ∅). Segue-se, por exemplo, que nenhum conjunto pode ser membro de si
mesmo (pois se a ∈ a, então o único membro de {a} tem um elemento em co-
mum com {a}, nomeadamente a), bem como que existe nenhum conjunto de
todos os conjuntos (já que seria membro de si mesmo). Além disso, a Regulari-
dade exclui regressões de pertinência infinitas... ∈ a−3 ∈ a−2 ∈ a−1 ∈ a0. Pois se ti-
véssemos tal regressão, poderíamos formar o conjunto a = {an : n ≤ 0}, e obser-
var que todo membro an de a tem um membro em comum com a, nomeadamen-
te an−1, ao contrário da Regularidade.
A intuição por trás da Regularidade parece basear-se na ideia de que um con-
junto está fundamentado (pelo menos parcialmente) em seus membros. Suponha
agora que um conjunto a seja um contra-exemplo para Regularidade. Então cada
membro b de a tem uma de duas propriedades: ou b tem a si mesmo como
membro ou b tem algum outro membro de a como membro. É absurdo supor
que algo possa ser autofundado – isso seria como ser causado por si mesmo.33
Isso deixa a outra opção, que todo membro de a esteja fundamentado em pelo
menos um outro membro de a. A intuição por trás da Regularidade sustenta que
este tipo de relação de base é absurda, pelo menos no caso em que a relação de
base é constituída pela adesão ao conjunto.
Mas, sem dúvida, não há nada de especial na adesão a um conjunto aqui. Pa-
rece plausível que, assim como deveríamos excluir um conjunto de objetos, cada
um dos quais é baseado na associação a conjuntos em pelo menos um dos ou-
tros, deveríamos excluir todos os casos de um conjunto de objetos, cada um dos
quais é fundamentado (mesmo apenas parcialmente) em um dos outros. Mas fa-

33Descartes pensava que Deus era causado por si mesmo, embora esta não fosse uma visão dominante
na tradição monoteísta ocidental. É uma visão dominante de que Deus é um se, mas é razoável conside-
rar que isto expressa independência ontológica em vez de auto-enraizamento.

48
zer isso é descartar uma regressão de base de objetos, ..., x−3, x−2, x−1, x0, onde
xn−1 fundamenta xn para todo n ≤ 0. Pois se tivermos tal regressão de aterramen-
to, então o conjunto {xn : n ≤ 0} tem a propriedade de que cada membro desse
conjunto está fundamentado em algum outro membro, uma vez que xn está fun-
damentado em xn−1.
É ainda mais plausível pensar que existe pelo menos uma analogia entre cau-
salidade e fundamentação (Schaffer 2016). Diante disso, razões para rejeitar re-
gressões fundamentadas por analogia produzem razões (talvez mais fracas) para
rejeitar regressões causais.

7. Avaliação

Uma violação do finitismo causal deve incluir uma regressão causal infinita ou
um número infinito de cooperadores causais ou ambos. Vários paradoxos que
consideraremos nos capítulos subsequentes envolverão cooperação causal infini-
ta, enquanto o foco deste capítulo foi nas regressões causais infinitas.
Exemplos paradigmáticos de regressão causal vêm em três tipos. Primeiro,
temos a regressão infinita não causada, semelhante à explicação ateísta de Hume
do universo através de uma regressão infinita de causas. É plausível rejeitar as
regressões viciosas como impossíveis, e as regressões causais não causadas são
viciosas.
Em segundo lugar, temos uma regressão infinita – de facto, paradigmatica-
mente, uma sequência causal densa – de causas instrumentais, com uma causa
primeira que actua através destas causas instrumentais. Tal regressão é incompa-
tível com a ideia de que as relações causais estão fundamentadas em relações
causais fundamentais.
Terceiro, temos o caso mais complicado. Aqui temos uma regressão infinita e
um item fora da regressão que causa todos os itens da regressão. Algumas ver-
sões desta situação envolvem uma perversidade explicativa como no primeiro ti-
po de regressão, e podem ser contestadas de forma semelhante. Mas há uma ver-
são particularmente incómoda que envolve a sobredeterminação, em que cada
item da regressão é sobredeterminado por uma causa externa e pelo item anteri-
or da regressão. Aqui o argumento é mais fraco: sugiro que há boas razões para
se ter uma visão uniforme de todas as regressões e para sustentar que são todas
impossíveis. Contudo, este argumento tornar-se-á mais forte nos capítulos sub-
sequentes, à medida que nos deparamos com situações cada vez mais problemá-
ticas envolvendo histórias causais infinitas – regressivas ou não – dando-nos as-
sim boas razões para rejeitar a possibilidade de todas as histórias causais infini-
tas.

Apêndice: ∗ Dois tipos de violações do finitismo causal

49
Digamos que um nexo causal é um grafo direcionado cujos nós são relacionais causais, com
os nós sendo unidos por setas correspondentes a relações de causação parcial ou contribuição
causal (deixamos aberta a possibilidade de um nó estar conectado com infinitos nós). Se c e d
são dois nós em um nexo causal, digamos que c < d se e somente se houver uma sequência fi-
nita de setas de c a d, todas apontando na mesma direção, ou seja, c = c1 → c2 → ... → cn = d.
Dizemos agora que a história de um item e é um nexo causal H que contém e como um
nó e é tal que todos os outros nós c de H satisfazem c < e. Um nexo causal realiza-se desde
que todos os nós do nexo realmente existam e as setas correspondam à obtenção real de rela-
ções de causalidade parcial. Um nexo causal é possível desde que seja metafisicamente possí-
vel realizá-lo.
O finitismo causal pode ser considerado uma afirmação de que toda história possível tem
apenas um número finito de nós.34
O Axioma da Escolha Dependente é uma versão mais fraca particularmente plausível do
Axioma da Escolha. Ela afirma que se tivermos uma relação R em algum conjunto S tal que
para cada x ∈ S existe um y ∈ S com xRy, então existe uma sequência infinita contável x1, x2,
... tal que xnRxn+1 para todo n. Intuitivamente, você escolhe o primeiro elemento da sequência,
depois o próximo e assim por diante.

TEOREMA. Suponha o Axioma da Escolha Dependente. Então um histórico H de um item tem


infinitos nós se e somente se:

(a) tem um nó que possui setas apontando para ele de um número infinito de nós, ou
(b) tem uma sequência inversa infinita · · · → c3 → c2 → c1 → c0 onde todos os cn são distintos.

As condições (a) e (b) não são, obviamente, exclusivas. E é claro que se qualquer uma das
condições for válida, então H terá infinitos nós. Para provar o inverso, suponha que H tenha
infinitos nós, mas (a) seja falsa. Assim, cada nó de H tem no máximo um número finito de se-
tas apontando para ele. Para completar a prova devemos mostrar que existe uma regressão
como em (b).
Digamos que um caminho do nó a ao nó b em um grafo direcionado é uma sequência fini-
ta de nós x1, ..., xn tal que a = x1 e b = xn e há uma seta de xi a xi+1 para todo i (o caso trivial é
onde x1 = xn = a = b). Então o comprimento do caminho é n−1. Suponha que a história H se-
ja uma história de e. Então seja a profundidade d(a) de um nó a o comprimento do caminho
mais curto de a até e (Fig. 2.4).
Digamos que um ancestral de um nó b é qualquer nó a ≠ b a partir do qual existe um ca-
minho para b de profundidade estritamente decrescente, ou seja, um caminho a = x1 → ... →
xn = b tal que d(xi) > d(xi+1) para todo i (portanto d(xi) = d(b) + n − i, uma vez que a profundi-
dade de nós sucessivos em um caminho só pode diferir em um). Se ainda d(a) = d(b) + 1, en-
tão direi que a é pai de b.
Em seguida, seja In = {a: d(a) = n} para n ≥ 0. Observe que cada conjunto In é finito (isso
pode ser provado por indução usando o fato de que uma união finita de conjuntos finitos é
finita e cada nó tem apenas (a)), que os In são disjuntos e que sua união são todos os nós de H.
Sejam Ln = {a: d(a) ≤ n} e Mn = {a: d(a) ≥ n}. Então Ln ∪ Mn+1 são todos os nós de H para
qualquer n, e Ln é finito, sendo uma união dos n + 1 conjuntos finitos Ii para 0 ≤ i ≤ n.
Finalmente, seja N o conjunto daqueles nós de H que possuem infinitos ancestrais. Afir-
mo primeiro que e ∈ N, de modo que N não é vazio. Para cada nó c de H diferente de e tem

34 No Capítulo 7, Seção 5.1, consideraremos uma generalização disso.

50
um caminho para e, pois H é uma história. Existirá então um caminho de c a e de comprimen-
to mínimo, e é fácil ver que esse caminho terá profundidade estritamente decrescente, de mo-
do que c é um ancestral de e. Mas existem infinitos nós c diferentes de e em H (já que assumi-
mos que H tem infinitos nós), então e ∈ N.

Figura 2.4 Aqui, I1 = {a1, a2, a3}, L1 = {e, a1, a2, a3} e M2 = {a4, a5, ...}.

Afirmo agora que para qualquer n ≥ 0 e qualquer b ∈ In ∩ N, existe um nó a ∈ In+1 ∩ N tal


que H tem uma seta de a para b. Pois b tem infinitos ancestrais e, portanto, infinitos ancestrais
em Mn+2 (já que Ln+1 é finito e Ln+1 ∪ Mn+2 são todos os nós de H). Cada ancestral tem um
caminho para b de profundidade estritamente decrescente. Esse caminho deve cruzar o con-
junto finito In+1 imediatamente antes de terminar em b. Assim, b tem infinitos ancestrais, cada
um dos quais é ancestral de um pai de b. Como b tem apenas um número finito de pais, como
cada nó tem apenas um número finito de setas indo até ele, segue-se que pelo menos um dos
pais de b tem um número infinito de ancestrais e, portanto, pelo menos um dos pais de b está
em N. Mas todos os pais de b os pais estão em In+1, portanto a prova da reivindicação está
completa.
A afirmação mostra que todo membro de N tem pelo menos um pai em N. Agora defina a
relação R sobre N por xRy se e somente se y for pai de x. Esta relação satisfaz as condições
para o Axioma da Escolha Dependente, então existe uma sequência infinita c1, c2, ...tal que
cnRcn+1, ou seja, cn+1 é pai de cn para todo n. Esta é a regressão infinita desejada (como as pro-
fundidades de todos os membros da sequência são diferentes, os elementos da sequência são
diferentes).35

Esta prova é baseada nas sugestões de Will Brian e Daniel Herden sobre como provar o Lema de
35

König usando o Axioma da Escolha Dependente.

51
52
3
Supertarefas e paradoxos determinísticos

1. Introdução
Neste capítulo consideramos vários paradoxos centrados em processos determi-
nísticos (embora ocasionalmente consideremos uma variante indeterminística). A
primeira, a Lâmpada de Thomson, já foi apresentada no Capítulo 1, mas agora
será discutida com mais detalhes. Fornecerá algumas evidências do finitismo
causal, mas não muitas. A seguir, será considerado o paradoxo do Ceifador, que
será muito mais convincente. Ambos os paradoxos envolvem supertarefas: tare-
fas que têm um número infinito de eventos acontecendo dentro de um intervalo
finito. Em seguida, será apresentado um argumento newtoniano contra o fini-
tismo causal, mas veremos que as considerações newtonianas em geral apoiam o
finitismo causal (a física newtoniana é falsa, é claro, mas os argumentos usarão
apenas a possibilidade metafísica de tal física). Finalmente, haverá uma breve
discussão sobre o paradoxo de uma vida eterna após uma vida eterna, e serão
apresentados paralelos entre os paradoxos deste capítulo e o argumento do pa-
radoxo do Avô contra os loops causais e as viagens no tempo.

2. Lâmpada de Thomson revisitada


2.1 Introdução

Lembre-se de que a lâmpada de Thomson possui uma chave seletora que alterna
seu estado entre ligado e desligado. Às 10h, a lâmpada está desligada e seu inter-
ruptor é alternado de forma contável e infinita entre 10h e 11h. Na versão nor-
mal do cenário, as alternâncias se agrupam às 11h, ocorrendo, digamos, às
10h30, 10h45, 10h52,5 e assim por diante. Nada mais altera o estado da lâmpada.
Esta é uma supertarefa: um cenário onde infinitas coisas são feitas em um período
de tempo finito.
O paradoxo surge agora quando perguntamos se a lâmpada está acesa ou
apagada às 11h. Nenhuma das respostas parece satisfatória.

2.2 Finitismo causal

Conforme observado no Capítulo 1, o finitismo causal oferece uma resolução


clara para o paradoxo. Como um número infinito de causas não pode influenciar
53
uma coisa — o estado da lâmpada às 11h — o cenário é simplesmente impossí-
vel. Para transpor este ponto para um argumento a favor do finitismo causal, di-
gamos que:

(1) Se é possível que um número infinito de causas influencie uma coisa, é


possível que elas influenciem essa coisa da maneira que a história da
Lâmpada de Thomson diz que fazem.

Mas:

(2) Não é possível que as causas sejam arranjadas como na história da Lâm-
pada de Thomson.
(3) Portanto, não é possível que um número infinito de causas influencie uma
coisa; ou seja, o finitismo causal é verdadeiro.

No entanto, precisamos considerar respostas alternativas ao paradoxo.

2.3 Análise não padronizada

Gostaríamos de dizer: se a lâmpada está acesa ou apagada às 11h depende se “o


infinito é par ou ímpar”.36 Mas não faz sentido dizer que o infinito é par ou ím-
par. Afinal, ∞ = ∞ + ∞, o que sugeriria que ∞ é par, mas também ∞ = ∞ + ∞ +
1, o que sugeriria que ∞ é ímpar.
Mas isso foi muito rápido. Podemos fazer melhor com infinitos. A análise
não padronizada é uma forma matematicamente rigorosa de lidar com a aritmé-
tica com quantidades infinitas e infinitesimais, estendendo os números reais aos
números “hiperreais”, que são uma construção teórica dos conjuntos a partir dos
reais.37 Existe até um princípio de transferência que garante que as quantidades
hiperreais obedeçam aos análogos de todas as regras padrão da aritmética, desde
que se tenha o cuidado de traduzir os conceitos de acordo. Em particular, se N
for infinito, é falso que N = N + N, pois pelas regras ordinárias da aritmética, se
N for diferente de zero, podemos dividir ambos os lados por N e obter a falsi-
dade 1 = 1 + 1.
Os números reais ordinários ℝ são arquimedianos no sentido de que para ca-
da número real r existe um inteiro n tal que r < n. Mas os hiperreais ∗ℝ não são
arquimedianos, pois contêm valores infinitos. Isto pode parecer violar o princí-
pio da transferência, mas não é o que acontece. Pois ainda é verdade que para
cada número hiperreal r existe um hiperinteiro n tal que r < n. Os hiperinteiros
são um subconjunto dos hiperreais com propriedades como estas: qualquer nú-

36Meu filho disse algo assim quando lhe contei o paradoxo pela primeira vez.
37∗A construção depende do Axioma da Escolha, ou pelo menos de um caso especial do axioma do
Ideal Principal Booleano.

54
mero inteiro é um hiperinteiro; a soma, a diferença e o produto de quaisquer
dois hiperinteiros é um hiperinteiro, e a aritmética hiperinteira obedece às mes-
mas regras da aritmética inteira; e para cada hiper-real r, existe um hiperinteiro
único m tal que m ≤ r < m + 1. Se r é um infinito positivo, então é claro um hi-
perinteiro n tal que r < n será um hiperinteiro infinito. Portanto, a afirmação de
que os números reais são de Arquimedes tem um análogo no contexto hiper-
real, mas esse análogo apenas diz que os hiper-reais são “hiper-arquimedianos”.
Dados os hiperreais, podemos tentar resolver a lâmpada de Thomson dizen-
do que o número de alternâncias de interruptores será algum hiperinteiro infinito
N, e a lâmpada estará ligada ou desligada dependendo se N é par ou ímpar.
Na verdade, agora faz sentido dizer se N é par ou ímpar. Mas há outro pro-
blema. Na configuração usual, a enésima alternância ocorre aos 60 − 60/2n mi-
nutos após as dez horas. Se N for um hiperinteiro infinito tal que haja N alter-
nâncias, então a enésima alternância ocorreria 60 - 60/2N minutos depois das dez
horas. Como N é infinito, 60/2N é infinitesimal, onde um número α é infinitesi-
mal desde que α ≠ 0 e |α| < r para todo número real positivo r. Mas no nosso
paradoxo não houve alternâncias em momentos infinitesimais antes das 11h.
Cada alternância foi especificada para ocorrer em um determinado período de
tempo definido, positivo e com número real antes das 11h.
Além disso, o número de hiperinteiros entre 1 e N, onde N é infinito, é ga-
rantido como incontável – esses hiperinteiros não podem ser colocados em cor-
respondência biunívoca com os números naturais (Pruss 2014, Apêndice). Mas
especificamos que havia muitas alternâncias de botões.
A resolução de análise não padronizada, portanto, falha para a versão normal
da Lâmpada de Thomson. Pode fornecer uma resposta para uma versão alterna-
tiva na qual há um número hipernatural de alternância de botões, a maioria dos
quais ocorre em uma quantidade infinitesimal de tempo antes das 11h. Mas não
se resolve um paradoxo simplesmente dando uma solução para um paradoxo di-
ferente.

2.3 Relatividade especial

As alternâncias na lâmpada de Thomson precisam acontecer cada vez mais rápi-


do e sem limites: a quantidade de tempo disponível para a alternância é o espa-
çamento temporal entre as alternâncias, e isso fica cada vez menor, convergindo
para zero no limite. Se a chave precisar ser movida em um valor fixo em cada ca-
so, isso significa que a velocidade do movimento da chave aumenta sem limites
– e em particular eventualmente excede a velocidade da luz, violando a Relativi-
dade Especial. Temos, portanto, boas razões independentes para rejeitar a histó-
ria da Lâmpada de Thomson, independentemente de quaisquer hipóteses como
o finitismo causal.
Isto está correto, mas é apenas uma boa razão para rejeitar a afirmação de
que a história da Lâmpada de Thomson é verdadeira. Não é uma boa razão para
55
rejeitar a afirmação de que a história é metafisicamente possível. Um mundo go-
vernado pela física newtoniana, sem qualquer limite absoluto de velocidade, cer-
tamente parece metafisicamente possível.38
Além disso, podemos imaginar cenários muito semelhantes aos da Lâmpada
de Thomson, onde não há violações de um limite de velocidade absoluto. Por
exemplo, poderíamos imaginar um mundo onde existam partículas θ que tenham
a propriedade de que, quando duas delas se juntam, são invariavelmente aniqui-
ladas numa explosão de energia. Poderíamos então imaginar que às 10h00 um
alvo pegajoso não tem nenhuma partícula sobre ele, e um emissor de partículas
se move gradualmente mais perto do alvo entre 10h00 e 11h00, disparando uma
partícula θ às 10h30, 10:45, 10:52,5 e assim por diante, em velocidade subluz su-
ficiente para que cada partícula possa atingir o alvo antes que a próxima seja dis-
parada sem exceder a velocidade da luz. 39 A primeira partícula adere ao alvo.
Quando o segundo atinge, tanto ele quanto o primeiro são aniquilados. Então o
terceiro fica. Como resultado, temos uma alternância entre o alvo que contém
uma partícula θ e o alvo que não contém uma partícula, tal como no paradoxo
original.
No futuro, deixarei ao leitor essas modificações bastante fáceis de paradoxos
e, portanto, não me preocuparei muito com objeções relativistas.

2.5 A solução de Benacerraf e o Princípio da Razão Suficiente

Benacerraf (1962) argumenta que simplesmente não há absurdo se a lâmpada es-


tiver acesa ou apagada no final do experimento. Ambos os resultados são com-
patíveis com a história tal como é apresentada. Nenhum dos dois dá origem a
uma contradição. A história não determina qual dos dois resultados acontecerá,
mas a subdeterminação não é um paradoxo.
Este é o início de uma resolução, mas não é uma resolução completa. Afinal,
há pelo menos alguma razão para acreditar no Princípio da Razão Suficiente
(PRS)40, que sustenta que todo facto contingente tem uma explicação. Mas na
solução de Benacerraf nada explica por que é que a lâmpada tem o estado que
tem no final do cenário. Uma solução que exige a negação do PSR tem algum
custo.

38 Pode ser que naquele mundo não exista luz: pode ser que a natureza da luz esteja ligada às leis relati-
vísticas que a governam. Mas mesmo que nesse mundo não houvesse luz e, portanto, não houvesse
lâmpadas, poderia haver algo que se comportasse funcionalmente como uma lâmpada, e isso é tudo o
que é necessário para o paradoxo.
39 Por exemplo, suponha que a distância inicial até o alvo seja de um metro, e o emissor se mova em

direção ao alvo a um metro por hora, enquanto as partículas disparam a quatro metros por hora. En-
tão, às 10h30, o emissor estará a meio metro de distância do alvo, e a partícula alcançará o alvo em 7,5
minutos, bem antes da próxima emissão às 10h45. Na próxima emissão, o emissor estará a um quarto
de metro de distância do alvo, e a partícula atingirá o alvo em 3,75 minutos, o que é bem antes da pró-
xima emissão.
40 Ver, por exemplo, Pruss (2006), Della Rocca (2010) e Pruss (2017) para defesas.

56
Dependendo de como lemos a história original, talvez possamos encontrar
uma solução compatível com o PSR. Suponha que alienígenas venham e desli-
guem instantaneamente a lâmpada às 11h, de forma que a lâmpada se apague (ou
liguem a lâmpada instantaneamente, se preferirmos). Nesse caso, não há violação
do PSR e, no entanto, isto pode ser compatível com a minha história original.
Se a caixa alienígena é compatível com a história original depende de como
lemos a afirmação de que nada além de um botão alternado muda o estado da
lâmpada. Pois não está claro se a atividade dos alienígenas conta como uma mu-
dança no estado da lâmpada. Pois os alienígenas não vieram encontrar uma lâm-
pada acesa e, em vez disso, apagaram-na. Na verdade, para cada intervalo de
tempo em que a lâmpada estava acesa, havia um intervalo de tempo posterior
em que a lâmpada estava desligada, simplesmente por causa da alternância dos
botões e não por causa da intromissão de alienígenas. E então, às 11h, os aliení-
genas vieram e desligaram a lâmpada.
Contudo, o proponente de um paradoxo tem uma tarefa mais fácil do que o
resolvedor. Como observamos na subseção 2.3, não é possível resolver um pa-
radoxo mudando sua história de maneira relevante. Mas o proponente de um pa-
radoxo é livre para qualificar o paradoxo de formas adicionais para torná-lo mais
paradoxal. Neste caso, simplesmente estipulamos que nada além da alternância
afeta causalmente o estado da lâmpada, e descartamos os alienígenas indepen-
dentemente de ter que tomar qualquer decisão sobre a semântica da “mudança”.
(E as intuições por trás da premissa crucial (1) devem permanecer.)
Mas talvez haja outra forma de resolver o paradoxo sem negar o PSR. Parece
compatível até mesmo com a história revisada que existe uma lei da natureza que
sempre que uma lâmpada é acionada precisamente às 10h30, 10h45, 10h52,5 e
assim por diante, então seu estado às 11h é o oposto de seu estado antes das
10h30. Uma lei da natureza pode fazer o trabalho dos alienígenas. Este cenário
mostra que a história revisada (e original) da lâmpada não viola automaticamente
o PSR.
Se este cenário é possível depende se é possível ter uma lei da natureza de-
terminando de forma não causal o estado da lâmpada às 11:00. Em algumas vi-
sões aristotélicas, por exemplo, as leis da natureza são simplesmente declarações
sobre as regularidades no arranjo dos poderes causais na natureza, e a força ex-
plicativa das leis da natureza é derivada da atividade causal desses poderes. O ce-
nário revisto, ao limitar as influências causais à alternância de botões, também
exclui uma explicação baseada na lei.
Mas agora o paradoxo fica bastante pesado. Para responder a Benacerraf, o
proponente do paradoxo teve que supor uma tese metafísica controversa, a PSR.
Agora ela tinha que confiar ainda mais em uma tese controversa sobre as leis da
natureza. Em vez de ser um paradoxo, a história poderia ser vista como uma
evidência contra a conjunção do PSR com a visão aristotélica das leis. É certo
que ainda haverá algum custo para Benacerraf se tiver de rejeitar pelo menos
uma das duas teses controversas, mas o custo não é tão grande.
57
Além disso, quanto mais condições acrescentamos ao paradoxo, mais difícil é
argumentar a favor de algo como (1), nomeadamente que se um número infinito
de causas pode afetar algo, elas podem fazê-lo da forma como o paradoxo diz
que o fazem.

2.6 Dois contrafactuais

Há, contudo, outra maneira de pensar o paradoxo, sem referência ao Princípio


da Razão Suficiente. Comece com dois pensamentos. Se você pegar a situação
descrita e mudar o tempo de pressionamento de um dos botões, mantendo a or-
dem dos pressionamentos de botão inalterada, digamos, movendo o pressiona-
mento do botão 10:15 para 10:12 ou 10:17, isso não deve alterar o resultado em
11:00. A contribuição causal de um pressionamento de botão depende apenas da
posição temporal do pressionamento de botão na sequência de pressionamentos
de botão, e não do tempo exato:

(4) Para qualquer sequência alterada de horários de pressionamento de botão


dentro do período de 10h00 às 11h00 (ambos não inclusivos) que mante-
nha a mesma ordem mútua, implementar essa sequência no lugar da real
não teria afetado o estado da lâmpada às 11:00.

O segundo pensamento é este:

(5) Para qualquer pressionamento de botão na sequência real, remover esse


pressionamento de botão teria trocado o estado da lâmpada às 11:00.

Mas (4) e (5) não podem ser ambos verdadeiros. Imagine mudar os tempos de
pressionamento do botão da seguinte maneira: o pressionamento do botão 10:30
é alterado para 10:45, o de 10:45 para 10:52,5, o de 10:52,5 para 10:56,25 e assim
por diante. Por (4), isso não mudaria o estado da lâmpada às 11h. Mas essa mu-
dança tem o efeito líquido de remover o pressionamento do botão às 10h30 e,
por (5), isso mudaria o resultado às 11h. Esta mudança pode ser descrita de duas
maneiras: por um lado, como uma mudança que satisfaz as condições em (4) e,
por outro, como a remoção de um pressionamento de botão específico. E assim
os dois contrafactuais dão resultados opostos, apesar de terem antecedentes
equivalentes. Mas a única maneira de termos ambos:

(6) Se p fosse válido, q seria válido

(7) Se p' fosse válido, r seria válido

58
onde q e r são logicamente contraditórios enquanto p e p' são logicamente equi-
valentes é se p (e, portanto, p') for impossível. Mas se a história da lâmpada de
Thomson é possível, essa mudança nos tempos de pressionamento de botões
também o é.
No entanto, mesmo este argumento baseado em contrafactuais não é muito
convincente. A história original parece compatível, digamos, com a existência de
uma lei da natureza segundo a qual sempre que botões são pressionados às
10h30, 10h45, 10h52,5 e assim por diante, o resultado é que a lâmpada está acesa
às 11: 00, mas quando são pressionados às 10h45, 10h52,5 e 10h56,25, a lâmpa-
da se apaga às 11h. Neste caso, (4) é simplesmente falso: existem maneiras de
mudar o pressionamento de botões sem alterar sua ordem que não alteram o re-
sultado - e, entre parênteses, o “sem alterar sua ordem” não está fazendo ne-
nhum trabalho a menos que o botão as prensas têm algo mais para distingui-las
além de sua posição temporal. Alternativamente, poderia haver uma lei da natu-
reza que garantisse que cada sequência infinita e contável de pressionamentos de
botão entre 10h e 11h resultasse na lâmpada acesa às 11h, de modo que (4) é
verdadeiro, mas (5) é simplesmente falso.
Portanto, a história original não garante (4) e (5). Pode-se tentar argumentar
que, se for possível um número infinito de causas que trabalham em conjunto,
elas deveriam ser capazes de trabalhar em conjunto de uma forma que produzis-
se uma Lâmpada de Thomson para a qual ambos os contrafactuais sejam verda-
deiros, mas isto parece controverso.
Alternativamente, poder-se-ia defender uma explicação aristotélica das leis da
natureza fundamentadas nos poderes das coisas. Numa imagem aristotélica, (4) e
(5) parecem bastante plausíveis, dada a história da Lâmpada de Thomson. O ar-
gumento acima, invocando uma lei da natureza para minar os dois contrafactu-
ais, requer uma lei não-aristotélica, uma lei não baseada nos poderes das coisas,
uma vez que especificamos na história da Lâmpada de Thomson que as únicas
causas são os botões pressionados. Ainda assim, o argumento a favor de (4) e
(5), mesmo numa imagem aristotélica, pode depender demasiado de uma intui-
ção insatisfatoriamente fraca de que as mudanças de prensas não deveriam alte-
rar o resultado, mas as remoções de prensas sim.

2.7 Avaliação

O paradoxo da Lâmpada de Thomson não envolve qualquer contradição real


por si só. Somente se adicionarmos mais algumas hipóteses, como o Princípio da
Razão Suficiente ou os contrafactuais (4) e (5), é que encontraremos dificulda-
des. E mesmo estas dificuldades parecem basear-se numa explicação aristotélica
da causalidade.
O finitismo causal não tem dificuldade em decidir fora do tribunal a história
da Lâmpada de Thomson, mas dadas as suposições adicionais necessárias para

59
tornar a história realmente paradoxal, a quantidade de provas que a história for-
nece para o finitismo causal é pequena.
Além disso, como será geralmente o caso nestes paradoxos, o cético em rela-
ção ao finitismo causal também pode simplesmente bloquear o argumento a fa-
vor do finitismo causal, negando a condicional (1) de que se o finitismo causal
for falso, então a história paradoxal pode ser contada. No entanto, a condicional
é intuitivamente muito plausível – pelo menos sem que outras condições sejam
adicionadas à história de Lamp, como (4) e (5). Se um número infinito de causas
pode funcionar em conjunto, parece não haver razão para que não possam ser
organizadas da maneira alternada indicada pelo paradoxo – embora no Capítulo
7, Secção 3.5, consideremos uma forma alternativa de descartar o paradoxo. (e o
subsequente) invocando a discrição do tempo, a ideia de que um intervalo finito
de tempo (digamos, uma hora) só pode conter um número finito de vezes.
Ainda assim, a história da Lâmpada fornece algumas evidências do finitismo
causal. Por exemplo, há alguma razão para aceitar tanto o PSR como a imagem
aristotélica das leis.

3. Ceifadores
2.1 Introdução

A Lâmpada de Thomson envolvia uma supertarefa cujos eventos se agrupavam


na extremidade superior do intervalo temporal. Poderíamos reverter isso e supor
uma sequência infinita de alternância de interruptores em ..., 10h03,75, 10h07,5,
10h15 e 10h30, com a lâmpada apagada antes das 10h. Mais uma vez, podería-
mos perguntar se a lâmpada está acesa ou apagada às 11h.
Esta versão da Lâmpada de Thomson não apresenta nenhuma vantagem so-
bre a original. Assim como o original pode (na ausência de uma explicação aris-
totélica das leis) ser resolvido simplesmente supondo uma lei arbitrária da natu-
reza que determine o resultado ou negando o Princípio da Razão Suficiente, o
mesmo é verdade aqui.
O paradoxo do Ceifador, no entanto, dá uma reviravolta na história. Em nos-
sa versão não violenta do paradoxo,41 supomos que a lâmpada está apagada às
10:00, e que nada pode (ou pelo menos faz42) acendê-la, exceto o pressionamen-
to do interruptor por um Ceifador e nada pode (ou pelo menos faz) desligá-lo
depois de ligado. Um Ceifador é uma máquina que possui um alarme definido
para um horário específico. Nesse momento, o Ceifador ativa e olha para a lâm-

41Em algumas versões anteriores, o Ceifador tinha a tarefa de matar alguém.


42Os leitores teístas podem se preocupar com o fato de que necessariamente Deus pode acender qual-
quer lâmpada do mundo.

60
pada. Se a lâmpada estiver acesa, ela não faz nada e volta a dormir. Se a lâmpada
estiver desligada, entretanto, o Ceifador a ativará instantaneamente.43

Fig. 3.1 Algumas ativações representativas do Ceifador.

Suponha agora que existem infinitos Ceifadores (ou seja, acendedores de lâmpa-
das), com tempos de ativação em ..., 10h03,75, 10h07,5, 10h15 e 10h30 (Fig.
3.1).
Então a lâmpada acende às 11h. Pois se estava desligado às 11h, então deve
ter desligado às 10h30. Mas se estivesse desligado às 10h30, o Ceifador das
10h30 o teria ligado e, portanto, estaria ligado às 11h.
Mas se a lâmpada está acesa às 11h e apagada às 10h, como ela acendeu? So-
mente um Ceifador pode acender a lâmpada. Foi o que um Ceifador fez. Mas
qual deles? Digamos que foi aquele que foi ativado às 10h07,5. Então a lâmpada
devia estar apagada às 10h03.75. Mas então o Ceifador ativado às 10h03:75 teria
acendido a luz. Portanto, o Ceifador 10:07.5 não poderia ter sido aquele que
acendeu a luz. E exatamente o mesmo argumento funciona para todos os outros
Ceifador. Nenhum deles acendeu a luz, mas um deles deve ter ligado, o que é
uma contradição.
Observe que há algo mais acontecendo aqui do que na história da Lâmpada
de Thomson. Em Thomson's Lamp, até enriquecermos a história com o PSR ou
alguns contrafactuais, tudo o que tínhamos era que não podíamos dizer, a partir
da história, se a lâmpada estaria acesa ou apagada. Na história do Ceifador, surge
uma contradição se a lâmpada está acesa ou apagada às 11h.

3.2 Finitismo causal

O finitista causal pode descartar o paradoxo da seguinte forma. A atividade de


cada Ceifador de decidir (com base na observação do estado atual da lâmpada)
se deve ligar a lâmpada é causalmente anterior ao estado final da lâmpada às
11:00.44 Assim, há infinitas coisas impactando causalmente em um estado alvo,
ao contrário do finitismo causal.

43 Se a acção instantânea preocupa os leitores por razões de Relatividade Restrita, deixamos aos leitores
a tarefa de elaborar as suas histórias favoritas envolvendo partículas semelhantes às da Secção 2.4. Veja
Koons (2014) para uma dessas histórias
44 Os detalhes de como os Ceifadores impactam o estado final serão considerados quando tentarmos

refinar a tese do finitismo causal no Capítulo 7, Seção 2.3.

61
E exceto pelas preocupações com o infinito, deveria ser possível organizar os
Ceifadores conforme descrito. Afinal, cada Ceifador é possível e certamente ca-
da um pode disparar a qualquer momento entre 10h e 11h. Podemos, portanto,
executar um argumento de forma familiar:

(8) Se o finitismo causal for falso, então a história do Ceifador é possível.


(9) Mas a história é impossível.
(10) Portanto, o finitismo causal é verdadeiro.

3.3 A absurda objeção da conclusão

Antes de prosseguirmos na consideração das resoluções e variantes do paradoxo,


levemos a dialética um passo adiante. Poderíamos questionar (8) precisamente
por causa do sucesso do argumento que mostra o absurdo que se segue do Cei-
fador. A história é impossível, afirma-se, simplesmente porque dela decorre uma
impossibilidade (cf. Shackel 2005). Em particular, a história seria impossível
mesmo se o infinitismo causal fosse verdadeiro.
A objeção do absurdo é uma resposta muito poderosa ao argumento a favor
do finitismo causal, e teremos que nos preocupar com variantes ao longo do li-
vro.
Em resposta, podemos destacar razões para pensar que (8) é verdade. Obser-
ve que o absurdo da conclusão tirada da história do Ceifador é muito sensível à
disposição dos tempos de ativação no intervalo de tempo. Não há absurdo na
história do Ceifador invertido, onde os Ceifadores são ativados às 10h30, 10h45,
10h52,5 e assim por diante (Fig. 3.2). O Ceifador das 10:30 acende a luz, os Cei-
fadores posteriores não fazem nada e está tudo bem. E adicionar um único 10:00
(ou 9:59, se alguém estiver preocupado com a ação instantânea) Ceifador à histó-
ria original para obter a história Prefixada do Ceifador faz com que o absurdo da
história desapareça: o Ceifador das dez horas liga o luz e os posteriores não fa-
zem nada.
Portanto, se a razão pela qual a história do Ceifador era impossível é apenas a
conclusão absurda da história, as histórias invertidas e prefixadas do Ceifador
deveriam ser possíveis. Agora imagine o rebanho de Ceifadores por volta das
9h30 e suponha que cada um tenha um mostrador que pode ser configurado pa-
ra ajustar seu horário de ativação. Então (a) é impossível definir os mostradores
para os valores da história original do Ceifador, mas (b) qualquer conjunto finito
de mostradores pode ser definido para os valores dessa história, e (c) pode-se
definir todos os mostradores como nas histórias invertidas e prefixadas. Isso pa-
rece errado. Objetos físicos como mostradores geralmente devem poder ser em-
baralhados, movidos e recombinados de pequenas maneiras. É uma marca con-
tra a teoria de que torna a história do Ceifador impossível, mas as histórias inver-
tidas e prefixadas são possíveis.

62
Aqui está outro argumento de que se a história invertida do Ceifador é possí-
vel, a história original do Ceifador também deveria ser. Dada a história invertida,
na ausência de escrúpulos finitistas, deveríamos ser capazes de supor adicional-
mente um número infinito de consertadores com livre arbítrio indeterminístico45
ajustando os mostradores dos Ceifadores por volta das 9h30. Todos eles podem
optar por deixar os mostradores em paz. Mas certamente seria possível para to-
dos eles ajustarem os mostradores para as configurações da história original. Pa-
ra cada funileiro individual, o consertador poderia definir o mostrador de seu
Ceifador para a configuração que ele precisaria ter na história original. Mas como
os consertadores são independentes e indeterministicamente livres, o que os ou-
tros consertadores estão fazendo não afeta o que um deles pode fazer. Portanto,
não deveria haver dificuldade em todos eles definirem seus Ceifadores com os
valores necessários para o paradoxo original. Caso contrário, teremos que supor
alguma estranha força metafísica impedindo algumas configurações.
Poderíamos tentar dizer que a história do Ceifador invertido é possível, mas
apenas se os mostradores não estiverem disponíveis para um número infinito de
consertadores mexerem de forma independente. Mas isso é implausível.
E o análogo da história do Ceifador prefixado é ainda mais difícil de defen-
der. Para transformar uma história pré-fixada do Ceifador em uma história com-
pleta do Ceifador, tudo o que precisamos é de um botão de desativação Ceifador
das 10:00 e um consertador - ou mesmo apenas um processo aleatório - capaz
de pressionar esse único botão. Que uma história pré-fixada do Ceifador seja
possível, mas que seria impossível adicionar o botão desativar e mexer na histó-
ria é completamente implausível.
O finitismo causal, por outro lado, destrói todas as histórias variantes, pela
mesma razão que a original: o estado final da lâmpada depende de um número
infinito de eventos. Poderíamos, portanto, colocar o argumento para (8) da se-
guinte forma. Se o finitismo causal for falso, então as histórias do Ceifador in-
vertido e prefixado são possíveis. Mas se a história do Ceifador invertida ou pre-
fixada é possível, a história do Ceifador também o é.

3.4 Uma objeção de rearranjo

Suponha que o eternalismo seja verdadeiro, de modo que os eventos e objetos


futuros sejam totalmente reais. Então, enquanto o finitismo for falso, deveria ser
possível ter um número infinito de causas, mesmo dado o finitismo causal. Afi-
nal, um universo que continua para sempre, com uma sequência causal infinita,
deveria ser possível. Por exemplo, não há dificuldade em um Ceifador ser ativa-
do ao meio-dia de cada dia em um futuro infinito. Diante disso, por que não po-

45 Se pensarmos, como Hume, que a liberdade requer determinismo, então chamemos-lhe simplesmen-
te “quase-livre arbítrio”.

63
demos reorganizar os tempos de ativação não problemáticos dos Ceifadores em
tempos paradoxais?
É certo que a questão é mais complicada do que a ativação dos tempos de re-
arranjo que consideramos na Seção 3.3. Lá, imaginamos que os Ceifadores exis-
tiam antes das 10h e tinham mostradores onde combinações não problemáticas
de horários de ativação poderiam ser definidas. Esse experimento mental especí-
fico talvez não possa ser generalizado aqui. A mera existência de um número in-
finito de Ceifadores ajustáveis antes das 10h parece criar uma história causal in-
finita para o estado da lâmpada às 11h, mesmo que todos os horários de ativação
estejam definidos para depois das 11h. O fato de cada um dos infinitos mostra-
dores ser ajustado para depois das 11h00 contribui causalmente para que a lâm-
pada seja desligada às 11h00.
Em vez disso, suponha uma história não paradoxal em que um Ceifador pas-
sa a existir a cada dia de um futuro infinito, programado para partir ao meio-dia
daquele dia. O rearranjo sugere que, se isso for possível, então deveria ser possí-
vel que todos os Ceifadores surgissem antes das 10h e tivessem seus mostrado-
res ajustados como no paradoxo original.
No Capítulo 1, Seção 3.2, argumentei que os princípios de rearranjo deveriam
ser considerados anuláveis e que os melhores candidatos a invalidadores são os
princípios metafísicos. O finitismo causal é um tal princípio, e a invocação do
rearranjo no argumento de uma sequência futura de Ceifadores diários tem, por-
tanto, um invalidador razoável.
Além disso, observe que o rearranjo não é apenas uma questão simples de al-
terar os mostradores. É também uma questão de mudança quando os Ceifadores
vierem a existir. Em geral, o rearranjo temporal tem intuitivamente menos pro-
babilidade de preservar a possibilidade do que o rearranjo espacial, o movimento
dos mostradores, etc. Por exemplo, algumas versões dos argumentos cosmológi-
cos de Kalam começam com a defesa da suposição de que ¯ o passado deve ser
finito. Quaisquer que sejam os méritos destes argumentos, argumentar que o
passado poderia ser infinito porque o futuro poderia ser infinito e que uma infi-
nidade de acontecimentos orientados para o futuro poderia ser reorganizada
numa infinidade orientada para o passado simplesmente não parece muito con-
vincente. Assim, o custo da negação deste caso particular de rearranjo por um
finitista causal é inferior ao custo no caso de uma série de outros casos de rear-
ranjo.
O mesmo ponto vale para uma variante (compatível com a negação do eter-
nalismo) onde supomos um multiverso com uma infinidade contável de univer-
sos insulares causalmente isolados, cada um contendo um Ceifador, com o Cei-
fadores do enésimo mundo definido para 60/2n minutos após 10 :00 da manhã
de hoje. Um princípio de rearranjo irrestrito permitiria mover todos esses Ceifa-
dores para um único mundo paradoxal. Mas os rearranjos que transformam ob-
jectos causalmente isolados em coisas dentro de um único nexo causal parecem

64
mais problemáticos, e deveriam ser derrotados mais facilmente, do que aqueles
que simplesmente reorganizam as coisas dentro de um único nexo causal.
Vale a pena notar que o finitista completo está em melhor situação no que
diz respeito aos argumentos de rearranjo: ela nega todos os infinitos reais, e é
ainda mais difícil reorganizar o finito no infinito. Mas, como argumentei no Ca-
pítulo 1, existem boas razões para rejeitar o finitismo.

3.5 A objeção mereológica


3. 5. 1 FUSÃO

Hawthorne (2000) sugeriu que na história original a fusão - a soma mereológica


ou objeto agregado composto por todos os Ceifadores - tem um efeito que ne-
nhum dos Ceifadores tem. No nosso contexto, diríamos que a fusão acende a
luz, embora nenhum Ceifador o faça.
Mas quando um Ceifador vê que a luz já está acesa, ele não faz nada. Pode-
mos supor que ele nem sequer toca no interruptor. O argumento que apresen-
tamos implica que a luz está acesa em cada um dos momentos de ativação. Por-
tanto, nenhum dos Ceifadores faz nada. E ainda assim, misteriosamente, a luz
deve acender como resultado de sua atividade conjunta.
É certo que não há nada de absurdo no facto de uma fusão ter um efeito que
nenhuma parte fundamental tem. Nenhuma partícula numa rocha quebra a jane-
la, mas a rocha quebra. No entanto, quando a rocha quebra a janela, cada partí-
cula nela contida dá sua pequena contribuição e, devido ao tamanho do número
de Avogadro, essas contribuições causam um impacto significativo. No caso dos
Ceifadores, entretanto, está estipulado que os Ceifadores individuais não fazem
literalmente nada além de observar.
Supõe-se que as fusões nada mais sejam do que a soma de suas partes e, por-
tanto, a fusão não deveria ter quaisquer poderes causais além daqueles derivados
das partes. (Talvez a objeção de Hawthorne possa ser alterada para trabalhar
com um tipo diferente de todo, um todo orgânico. Em uma série de teorias de
todos orgânicos – digamos, Merricks (2001) – um todo orgânico pode ter pode-
res causais que vão qualitativamente além dos poderes causais das peças. Consi-
deraremos esta opção na Seção 3.5.2.)
Há uma resposta, no entanto, que invoca a teoria contrafactual da causalidade
de Lewis (1973). Tire os Ceifadores do mundo Ceifador, para que tenhamos um
mundo normal onde a lâmpada está apagada às 10:00 e permanece apagada. En-
tão temos o contrafactual:

(11) Se tivéssemos Ceifadores ativados às..., 10h07min5, 10h10,


10h15 e 10h30, a lâmpada estaria acesa o tempo todo depois das 10h.

Na teoria de Lewis, tal dependência contrafactual entre eventos não sobrepostos


é uma dependência causal. Isto produz um argumento de que o evento relatado
65
pelo consequente depende causalmente daquele relatado pelo antecedente. Mas
o evento relatado pelo antecedente parece ser precisamente a fusão dos eventos
de ativação do Ceifador.
Deveríamos, no entanto, considerar isto como uma reductio ad absurdum da
conjunção da teoria de Lewis com a tese de que a história do Ceifador é possível.
Pois está claro que os Ceifadores não podem, individual ou coletivamente, fazer
com que a lâmpada acenda. Poderia, é claro, acontecer que se a história do Cei-
fador se sustentasse, os Ceifadores individualmente imóveis fariam com que a
lâmpada se acendesse (um pouco mais a favor desta condicional será dito na Se-
ção 3.6.3). Mas como o consequente é impossível, esta é uma razão para negar a
possibilidade do antecedente.
Aqui está outra maneira de tornar vívida a natureza contra-intuitiva da histó-
ria de Hawthorne. Suponha que a lâmpada realmente tenha dois botões, um
vermelho que faz a lâmpada acender em vermelho e um verde que faz com que
ela acenda em verde. Digamos que um Ceifador seja, respectivamente, par ou
ímpar, desde que seja ativado aos 60/2n minutos após as 10:00 para, respectiva-
mente, um n par ou ímpar. E agora supomos que os Ceifadores pares estão pro-
gramados apenas para pressionar o botão vermelho, enquanto os ímpares estão
programados apenas para pressionar o botão verde. E ambos os tipos de Ceifa-
dores não fazem nada se a lâmpada já estiver acesa, independentemente da cor.
Na versão bicolor da história, assim como antes, a lâmpada fica acesa o tem-
po todo depois das 10h, e sempre da mesma cor. Mas que cor é essa? Ambos
são igualmente compatíveis com a história. Agora cada Ceifador é uma causa de-
terminística: seu comportamento é totalmente especificado. Então, se a fusão
dos Ceifadores fez com que a lâmpada acendesse, então temos uma de duas coi-
sas incríveis. Ou uma fusão de causas determinísticas é uma causa indeterminís-
tica, ou então a fusão faz com que a luz acenda, mas temos a garantia da ocor-
rência de um evento não causado - ou seja, o evento da luz ficar vermelha ou o
evento da luz ficar vermelha. sendo Verde. Postular eventos não causados já
conta contra uma teoria (veja a Seção 3.6.2), mas ser capaz de garantir a ocor-
rência de um evento não causado fazendo algo (digamos, ativar os Ceifadores) é
ainda mais estranho.

3. 5. 2 EMERGÊNCIA NECESSÁRIA DE TOTALIDADES ORGÂNICAS

Finalmente, pode-se também sustentar que quando você tem um número infini-
to de Ceifadores organizados como no paradoxo, você necessariamente obtém
um todo orgânico adicional que acende a luz, e é por isso que a história original
– que não tinha tal unidade orgânica nela -é impossível.
Mas existem dois tipos de histórias na literatura metafísica sobre como os to-
dos podem necessariamente surgir a partir das partes. A primeira história é sobre
fusões. Alguns afirmam que necessariamente toda pluralidade de coisas tem uma
fusão (universalismo mereológico), enquanto outros pensam mais fracamente
66
que isso acontece necessariamente sempre que alguém tem uma pluralidade de
coisas que satisfaz alguma condição adicional, como estar em contato físico mú-
tuo. Mas estas são fusões, e as fusões nada mais são do que a soma das partes.
Eles deveriam ser um almoço grátis, metafisicamente falando. E o que é metafi-
sicamente um almoço grátis nada mais faz do que as partes, e não é um todo or-
gânico.
A segunda história é que sempre que um conjunto de coisas tem o tipo certo
de interdependência mútua ou exibe o tipo certo de homeostase, elas formam
um todo orgânico (1995 fala das coisas tendo uma “vida” juntas). Esta história é
bastante plausível, mas inaplicável ao caso em questão. Além do alvo comum, os
Ceifadores não têm o tipo certo de interdependência para formar um todo ho-
meostático.
Portanto, não é plausível que um todo orgânico surja necessariamente, dada a
disposição dos Ceifadores.

3.6 Iluminação não causada


3. 6. 1 OBJEÇÃO

E se alguém simplesmente disser que, embora a luz deva estar sempre acesa de-
pois das 10h, não há nada que a faça acender? Isto compromete-nos com a pos-
sibilidade de eventos contingentes que têm um começo, mas não têm causa,
contrariamente ao Princípio Causal de que os eventos que têm um começo têm
uma causa, ou seja, que nada pode vir do nada. Apesar da plausibilidade intuitiva
do Princípio Causal, ele tem sido amplamente negado desde que Hume (1779)
sugeriu que podemos imaginar objetos surgindo do nada.
Minha resposta terá duas partes. Primeiro, revisarei brevemente algumas ra-
zões familiares para aceitar o Princípio Causal (há muito mais discussão sobre al-
guns dos pontos e objeções em Pruss 2006; além disso, um argumento adicional
para um Princípio Causal baseado em uma variante do paradoxo do Ceifador se-
rá será fornecido no Capítulo 9, Seção 2.3). Em segundo lugar, considerarei quão
plausível é considerar especificamente o evento do acendimento da lâmpada no
paradoxo como uma exceção ao Princípio Causal.

3. 6. 2 O PRINCÍPIO CAUSAL É VERDADEIRO

O Princípio Causal é muito plausível por si só. Não deveríamos negar tais prin-
cípios plausíveis sem uma boa razão.
Como prefácio, observe que certamente podemos formular uma sentença ló-
gica de primeira ordem estreitamente coerente e logicamente coerente que diz
que um objeto x (para simplificar, considerarei os eventos como um tipo de ob-
jeto nesta seção) surgiu do nada:

∃t(∀u(u < t → ∼ Existe em(x, u)) & ∃u(u ≥ t & Existe em(x, u))) & ∼ ∃y(Causas(y, x))
67
Mas argumentei no Capítulo 1, Secção 3, que essa coerência estritamente lógica
não é o mesmo que possibilidade, embora, claro, seja uma condição necessária
para a possibilidade. Da mesma forma, não poderíamos resolver afirmativamen-
te a questão de saber se algo pode ser autocausado, observando que
∃x(Causas(x, x)) é uma sentença estreitamente coerente logicamente da lógica de
primeira ordem.
Duas razões principais foram propostas para negar o Princípio Causal. Pri-
meiro, o facto de podermos imaginar uma situação é uma boa razão para pensar
que a situação é possível. Mas afirma-se que podemos imaginar um tijolo surgin-
do do nada. Afinal, não parece difícil imaginar: não há nada e depois há um tijo-
lo.
Na verdade, é muito difícil imaginar isso. Pois é realmente difícil imaginar
nada. Se for pedido às pessoas que imaginem estar numa sala sem nada (além de-
las mesmas), o que elas imaginam é uma sala vazia das características notáveis
das salas, como cadeiras e computadores. Eles geralmente não se imaginam com
falta de ar e morrendo no vácuo. Nem se imaginam flutuando na sala devido à
ausência de campo gravitacional. E muito provavelmente eles não imaginam a
sala totalmente escura, devido à ausência de luz.
Posso, é claro, colocar mais esforço na minha imaginação e tentar imaginar
uma sala escura e sem ar, sem campo gravitacional. Tenho algumas dúvidas de
que realmente tenha conseguido este exercício imaginativo. Posso realmente
imaginar a ausência de um campo gravitacional? Os campos gravitacionais e, a
fortiori, as suas ausências, não parecem ser temas adequados para a imaginação.
(É claro que podemos imaginar algo que represente um campo gravitacional, tal-
vez uma estranha névoa ondulada.) Suspeito que, na melhor das hipóteses, o que
estou imaginando é apenas um quarto escuro que estou rotulando mentalmente
como sem ar e sem campos gravitacionais. E se eu me esforçar ainda mais para
imaginar uma sala verdadeiramente vazia – vazia não apenas de ar, de campos
gravitacionais e de luz, mas também de seres mitológicos invisíveis de todos os
tipos, de hipotéticos campos físicos, e assim por diante – suspeito que estou
simplesmente fortalecendo meu rótulo mental para a sala: “Não há absolutamen-
te nada aqui”.
Mas é claro que a possibilidade de rotular mentalmente uma sala imaginada
como vazia dá muito pouca evidência da possibilidade de uma sala vazia. Da
mesma forma, alguém poderia rotular a imagem mental de uma pessoa com a
etiqueta “Este é um solteiro casado”.
Imaginar um objeto surgindo sem causa, porém, é ainda mais difícil do que
imaginar uma sala vazia. Pois não só se deve imaginar a ausência de uma causa
na localidade do objeto, como também se deve imaginar que não existem causas
distantes que produzam o objeto através de causação à distância, e também não
há causas não físicas. Isto vai muito além da competência da imaginação.

68
Suspeito que, no final, o argumento da imaginação se resume a uma simples
invocação de uma intuição: parece possível que um objecto venha a existir a par-
tir do nada. Não nego que tais intuições forneçam provas. Mas a intuição é con-
trariada pela intuição amplamente partilhada de que nada pode surgir do nada.
Uma segunda linha de pensamento é que a ciência nos dá razões para pensar
não só que as coisas podem acontecer sem causa alguma, mas também que acon-
tecem sem causa alguma.
Existem dois subargumentos aqui. O primeiro argumento é baseado em pares
partícula-antipartícula que surgem brevemente como flutuações quânticas. No
entanto, isto não deve ser considerado como algo que surge do nada. Pois o es-
tado de vácuo quântico do qual o par surge é algo com uma propensão – que
pode ser caracterizada probabilisticamente – para a produção de tais pares de
partículas. A atualização desta propensão soa como um processo causal.
O segundo subargumento baseia-se na ideia de que a cosmologia moderna (e
os outros argumentos a favor do finitismo causal, poderíamos acrescentar) nos
dá razões para pensar que o passado é finito. Quando combinamos isso com ar-
gumentos filosóficos contra uma causa eterna (seja infinitamente antiga ou
atemporal) do universo, como Deus, obtemos o argumento de que algo passou a
existir sem causa, a saber, o universo.
Este argumento também não é muito convincente. Para defender o argumen-
to, não seria necessário apenas argumentar que Deus não existe - em si uma tare-
fa difícil, embora o problema do mal esteja pelo menos disponível como argu-
mento (embora veja Dougherty e Pruss 2014 para uma das muitas respostas) -
mas também teríamos que argumentar contra hipóteses não-teístas sobre outras
causas eternas das quais o universo poderia ter surgido.46

3. 6. 3 A ILUMINAÇÃO DA LÂMPADA É REALMENTE INJUSTIFICADA?

A objecção ao meu argumento a favor do finitismo causal era que a iluminação


da lâmpada não tem causa. Mas será que a iluminação da lâmpada é realmente
injustificada? Claramente se não houvesse nenhum Ceifador lá, a lâmpada não
teria sido acesa. Na abordagem de causalidade de Lewis (1973), a existência de
tal relação contrafactual é suficiente para a causalidade. Dada essa teoria, a exis-
tência dos Ceifadores faz com que a lâmpada esteja acesa. Da mesma forma, nas
teorias manipulacionistas de causalidade (por exemplo, Woodward 2003), a pos-
sibilidade de manipular algo por meio de uma correlação é suficiente para a cau-
salidade. Mas, ajustando os mostradores dos Ceifadores ajustáveis para os horá-
rios paradoxais, em vez de configurá-los todos para algum tempo depois das
11h, podemos controlar se a luz estará acesa às 11h. Assim, numa abordagem

É tentador invocar o indeterminismo quântico como terceiro argumento para eventos não causados.
46

Mas os eventos quânticos indeterminados ainda são causados pelo sistema físico em que acontecem.

69
manipulacionista da causalidade, as configurações dos Ceifadores de fato fazem
com que a luz se acenda.
Mesmo à parte de tais teorias de causalidade, é plausível que contrafactuais
entre estados de coisas físicos não sobrepostos se mantenham devido a uma lei
da natureza que faz com que um estado ocorra quando o outro o faz, ou devido
a uma relação causal entre os estados. Mas podemos especificar que o mundo do
Ceifador não contém quaisquer leis adicionais da natureza além daquelas envol-
vidas na atividade individual do Ceifador. E assim é plausível que seríamos em-
purrados para uma relação causal. Mas está claro que o fato de a lâmpada estar
acesa não faz com que os Ceifadores existam ou sejam ativados, então ou os
Ceifadores estariam fazendo a lâmpada acender ou haveria uma causa comum, e
em ambos os casos o acendimento da lâmpada é causado.

3. 6. 4 UMA CORRELAÇÃO MISTERIOSA

Aqui está outra maneira de pensar sobre isso. Em mundos como no paradoxo
original, de acordo com a objeção em questão, a lâmpada acende sem causa logo
após as 10h. Em mundos normais onde os tempos de ativação do Ceifador são
definidos para uma hora posterior, a lâmpada permanece apagada depois das
10:00. Por que existe essa correlação misteriosa de modo que ajustar os mostra-
dores dos Ceifadores para os tempos paradoxais de alguma forma “faz” a lâm-
pada acender de forma não causal? Em vez de postular tais conexões misteriosas
entre existências distintas (para ecoar Hume), não é preferível aceitar o finitismo
causal? Pois não será surpresa que obtenhamos resultados estranhos quando
consideramos o que aconteceria no caso Ceifador se o caso Ceifador fosse im-
possível. E de acordo com o finitismo causal, a história do Ceifador – indepen-
dentemente de como os mostradores estão ajustados – é impossível.

3.7 Tempo discreto

Tal como a Lâmpada de Thomson, o paradoxo do Ceifador também pode ser


descartado se o tempo tiver de ser discreto. Discutiremos a discrição do tempo
com mais detalhes no Capítulo 8. Neste ponto, entretanto, quero explorar uma
sugestão especulativa de que o paradoxo do Ceifador pode ser executado em um
ambiente discreto.
Suponha que a lâmpada exista há um tempo infinito e que um Ceifador tenha
sido ativado hoje, outro ontem, outro no dia anterior e assim por diante. Então
parece que temos a mesma estrutura da história original, mas os Ceifadores estão
espaçados no tempo de tal forma que o tempo ainda pode ser discreto.
Mas agora consideremos como o argumento de que isto é um paradoxo fun-
cionaria neste cenário. A lâmpada esteve sempre acesa, pois se não estivesse ace-
sa há n dias, teria sido ligada há n + 1 dias. E da mesma forma nenhum dos Cei-
fadores ativou a lâmpada.
70
Onde, porém, está o paradoxo? O paradoxo original era que a lâmpada acen-
deu, mas nada a fez acender. Porém, no caso de uma lâmpada eterna, estar eter-
namente acesa sem que nada a acenda parece muito menos problemático.
Mas agora imagine um cenário em que não existam Ceifadores, mas haja uma
lâmpada sem causa que sempre esteve apagada. Então, nesse cenário, ainda te-
mos o seguinte contrafactual:

(12) Se houvesse um Ceifador sendo ativado a cada dia anterior,


a lâmpada estaria sempre acesa.

E exactamente pelas razões discutidas na Secção 3.6.3, há boas razões para pen-
sar que poderíamos elaborar a história do Ceifador de tal forma que esta depen-
dência contrafactual do estado da lâmpada em relação aos Ceifadores seria cau-
sal. Mas é claro que a dependência não pode ser causal, pelas razões discutidas
na Secção 3.5. Portanto, há algo paradoxal acontecendo, dada a suposição de que
a lâmpada sempre esteve acesa.
O problema é particularmente grave se mesmo estados de coisas eternos e
contingentes – como o facto de a lâmpada estar acesa – precisarem de ter uma
causa. Nossos Ceifadores são acendedores de lâmpadas. Mas também podemos
supor uma sequência infinita de escurecedores de lâmpadas. Suponha agora que
alguma causa c fez com que a lâmpada estivesse sempre acesa. Se houvesse uma
sequência infinita de escurecedores de lâmpadas em vez de uma sequência infini-
ta de acendedores de lâmpadas, então algo teria feito com que a lâmpada estives-
se sempre desligada. Mas como os escurecedores da lâmpada teriam evitado c de
acender a lâmpada e forçar algo a apagá-la?47

3.8 Avaliação

O paradoxo do Ceifador melhora significativamente a Lâmpada de Thomson.


Dá-nos uma boa razão para acreditar numa hipótese como o finitismo causal,
que nos permite descartar a história fora dos tribunais. Provavelmente a objec-
ção mais forte ao argumento é a de que o absurdo do paradoxo é em si a razão
pela qual a história deveria ser descartada. No entanto, isso não descarta varian-
tes como a história do Ceifador invertido, e temos boas razões para pensar que
se a história do Ceifador invertido é possível, a história do Ceifador também o é.
O finitismo causal, no entanto, exclui não apenas o Ceifador, mas também tais
permutações. Teremos, contudo, de considerar no Capítulo 7 se alguma outra

47Estou supondo aqui que se é necessário haver uma causa para a lâmpada estar acesa, deve haver uma
causa para ela estar desligada. Mas talvez apenas estados de coisas positivos precisem de ter causas.
Nesse caso, podemos supor que a lâmpada possui um interruptor que alterna entre duas cores, verme-
lho e azul, e temos uma sequência infinita de avermelhados versus uma sequência infinita de azuis, no
lugar dos acendedores e escurecedores.

71
hipótese poderá não funcionar melhor do que o finitismo causal, e teremos de
refinar aí o finitismo causal.

4. Universos newtonianos infinitos


4.1 Um argumento contra o finitismo causal e uma resposta

Aqui está um argumento rápido contra o finitismo causal. A física newtoniana é


possível. É claramente possível ter um universo infinito, com infinitas bolinhas
de gude. Mas num universo newtoniano, cada objeto com massa exerce uma
força gravitacional sobre todos os outros objetos. A aceleração é proporcional à
soma das forças. Assim, a aceleração de cada objeto é causada por um número
infinito de influências gravitacionais, ao contrário do finitismo causal.
Surpreendentemente, este argumento pode ser transformado num argumento
a favor do finitismo causal. Se o infinitismo causal for verdadeiro, o cenário aci-
ma é possível. Mas se o cenário acima for possível, também deveria ser possível
organizar os objetos massivos de qualquer outra forma geometricamente coeren-
te, mantendo ao mesmo tempo a física newtoniana. Aqui está um desses arran-
jos. Imagine o espaço dividido ao meio por um plano infinito (“o plano central”)
e chame as metades de metade “esquerda” e “direita”. Imagine que há uma bola
de gude no plano central, a metade esquerda do universo está vazia,48 e a metade
direita tem um arranjo de massas que tem densidade em grande escala aproxi-
madamente uniforme. Assim, todas as grandes regiões esféricas na metade direi-
ta do espaço contêm aproximadamente a mesma proporção entre massa e volu-
me.
Dado este cenário, a bolinha experimentará uma atração gravitacional de to-
das as massas à direita. Essa atração será infinita,49 e, portanto, resultará em uma
aceleração infinita da bola de gude para a direita. Suponha que as outras massas
sejam mantidas aproximadamente no lugar por outras forças e que haja um cor-
redor estreito para a bola de gude se mover para a direita. Então a bola de gude
se moverá para a direita, mas não importa a distância finita que ela se mova para

48 Ou quase vazio, com massas cada vez mais espalhadas à medida que nos afastamos do plano central,
se uma metade completamente vazia do espaço for impossível, digamos por que o espaço é relacional.
49 ∗A força gravitacional é inversamente proporcional ao quadrado da distância, então a atração de

massas mais distantes se dissipará. No entanto, a massa total contida numa esfera na metade direita do
espaço será proporcional ao cubo do raio da esfera. Imagine então uma esfera do espaço na metade di-
reita do espaço com a bola de gude em sua borda, com a esfera tendo um grande raio R. Pelo teorema
da casca de Isaac Newton (Schmid 2012), dada uma densidade exatamente uniforme, a força gravitaci-
onal será a mesma como a força de uma massa igual concentrada no centro. Dada uma densidade
aproximadamente uniforme, como no nosso caso, a conclusão ainda será aproximadamente verdadei-
ra. Como a massa total é (4/3)πR3ρ onde ρ é a densidade, e a distância até a nossa bola de gude é R, a
força para a direita na bola de gude será maior ou igual a aproximadamente Gm(4/3)πR3ρ/R2 =
(4/3)GπmRρ, onde m é a massa da bola de gude. Mas logo à direita da bola de gude existem esferas de
raio R arbitrariamente alto com densidade aproximada ρ. Segue-se que a força para a direita é infinita.

72
a direita, ela continuará a sentir uma força infinita para a direita. É verdade que,
uma vez que se mova para a direita, experimentará uma força para a esquerda
das massas agora à sua esquerda. Mas essa força será finita.50
Como resultado, a bola de gude terá que acelerar continuamente e infinita-
mente, e isso é impossível – a aceleração infinita contínua resultaria em um mo-
vimento infinito, mas onde estaria a bola de gude depois de se mover uma dis-
tância infinita para a direita? Então o cenário leva ao absurdo. No entanto, se o
infinitismo causal for verdadeiro, o cenário é possível. Portanto, o finitismo cau-
sal é, em vez disso, verdadeiro.
Assim, as considerações newtonianas não apenas não prejudicam o finitismo
causal, mas o apoiam. A impossibilidade de um universo newtoniano preenchido
uniformemente à direita com uma quantidade infinita de massa, juntamente com
uma aplicação plausível de rearranjo, nos dá razões para pensar que qualquer ce-
nário com infinitas massas interagindo gravitacionalmente é impossível, e isso,
por sua vez, nos dá uma razão para acreditar no finitismo causal.

4.2 Vara de Smullyan

Para outro argumento newtoniano, imagine um terreno plano infinito e perfei-


tamente impenetrável, com a gravidade caindo uniformemente em todos os lu-
gares.51 Deitada no chão está uma vara perfeitamente rígida com uma extremi-
dade exatamente onde você está, e não tem outra extremidade – a vara se esten-
de até o infinito. O terreno é impenetrável. Suponha que a barra tenha massa de
um quilograma. Isto é perfeitamente possível desde que a sua densidade diminua
com a distância desde o início: o primeiro metro da barra pode pesar meio qui-
lograma, o segundo um quarto, o terceiro um oitavo e assim por diante.52
O paradoxo agora ocorre quando acrescentamos que você coloca o dedo sob
a haste, perto da extremidade da haste, e tenta levantá-la levantando suavemente
o dedo. Se você tivesse uma vara que pesasse um quilograma e tivesse um cen-
tímetro de comprimento, talvez conseguisse levantá-la dessa forma com um
bom trabalho de equilíbrio. Mas se a haste tivesse um metro de comprimento e
você tentasse levantá-la levantando a ponta com um dedo, você falharia. A ex-
tremidade mais distante da haste permaneceria no chão e a extremidade mais
próxima subiria, com a haste girando e deslizando do seu dedo. No entanto, se a
vara for infinitamente longa, surpreendentemente você será capaz de realizar a
façanha. Pois como a haste é infinitamente longa, será impossível que ela gire

50 Podemos aproximar as massas à esquerda da bola de gude por uma coleção finita de planos infinitos,
e a força gravitacional de um plano infinito com densidade de área finita é finita (Hofmann-Wellenhoff
e Moritz 2006, p. 135).
51 Lembre-se de que a atração gravitacional de um plano infinito de densidade de área finita uniforme é

finita (Hofmann-Wellenhoff e Moritz 2006, p. 135).


52 Esta é uma versão modificada da haste de Smullyan (Smullyan 2008) sem exigir força infinita para

levantá-la.

73
para baixo a partir do seu dedo: qualquer ângulo para baixo, por menor que seja,
faria com que ela penetrasse no terreno impenetrável (Fig. 3.3).
Uma vez que se pode aplicar uma força suficiente para levantar um quilogra-
ma com um dedo, será possível levantar a vara infinitamente longa. Ela levantar-
se-á, perfeitamente paralela ao solo. Isto é paradoxal. Para ver o paradoxo mais
claramente, note-se que, desde que a densidade não diminua demasiado depressa
no primeiro metro, em qualquer ponto da elevação um grande binário desequili-
brado - talvez mesmo um binário infinito (o que é compatível com uma massa
total finita53) - tenta virar o lado comprido da vara para o chão. No entanto, a
haste permanece paralela ao chão.

Figura 3.3 Barra de Smullyan com densidade decrescente exponencialmente e, portanto, atra-
ção quase gravitacional decrescente exponencialmente.

Mas o torque no pivô é causado por um número infinito de ocorrências de força


gravitacional: a força gravitacional no primeiro metro da haste, a força gravitaci-
onal no segundo metro e assim por diante. Isso viola o finitismo causal. Na ver-
dade, de forma mais geral, o finitismo causal torna impossível ter uma barra infi-
nita feita de infinitas partes, cada uma das quais sujeita a uma força. Além disso,
parece que a incapacidade das infinitas peças da barra de penetrar no solo faz
com que a barra permaneça estacionária (mas veja a discussão das Tábuas de
Benardete no Capítulo 7, Secção 2.3 para algumas complicações).
Existe a preocupação de que este último argumento seja demasiado provado,
devido a uma extensão zenoniana. Pegue uma vara de um metro de comprimen-
to e segure-a por uma das pontas. Então, o torque na extremidade é causado pe-
la força gravitacional no primeiro meio metro, no próximo quarto de metro, no
próximo oitavo metro e assim por diante. Portanto, parece que o finitismo cau-
sal exclui até mesmo uma vara finita. Mas isso é muito rápido. Uma barra finita
no mundo real seria feita de um número finito de partículas e, portanto, haveria
apenas um número finito de forças gravitacionais para enfrentar.
Mas e se tivéssemos uma haste de um metro de comprimento que não fosse
feita de partículas? Afinal, a física clássica falava de hastes rígidas e contínuas.
No entanto, o argumento zenoniano acima sobre as forças gravitacionais mais o

53 ∗Se a densidade da haste na distância x for proporcional a 1/(x + 1)2, a massa total será finita, mas o

torque na extremidade será proporcional a∫0 𝑥𝑑𝑥/(𝑥 + 1)2 = ∞ . Por outro lado, se a densidade
na distância x for proporcional a 2−x, o torque total será finito.

74
finitismo causal ainda parece excluir tal vara. E ainda assim a física clássica pare-
ce ser possível.
Uma resposta é esta. No caso finito, não deveríamos pensar no torque total
na extremidade como causado por um número infinito de componentes reais.
Por uma questão de cálculo, dividimos conceitualmente as hastes em um núme-
ro infinito de partes. Mas, na verdade, uma haste contínua não teria partes – se-
ria um “simples estendido” – ou então seria subdividida à maneira aristotélica. A
subdivisão aristotélica faria com que a haste tivesse, na verdade, apenas um nú-
mero finito de partes reais, mas com cada parte capaz de ser dividida em duas.
Talvez os limites das partes reais sejam constituídos por descontinuidades numa
coisa extensa, e assim um finitista causal aristotélico poderia insistir que qualquer
barra rígida exibiria apenas um número finito de descontinuidades.
Isto leva a um outro problema, no entanto. E se a nossa barra infinita original
for um daqueles objetos rígidos contínuos e sem partes? (Nota: mesmo que te-
nha apenas um número finito de partes, então, assumindo que as partes são con-
tíguas, uma das partes será infinita, então podemos trabalhar com o caso mais
simples onde o todo é infinito.) Nesse caso, o finitismo causal não seria parece
aplicar-se, pela mesma razão que argumentei que não se aplicaria ao bastão finito
e inparável.
Mas pode haver razões adicionais para suspeitar de objetos infinitos e sem
partes em um ambiente físico clássico. Para entender como objetos finitos e sem
partes interagem classicamente com forças externas, podemos precisar de carac-
terísticas globais, como centros de massa. Mas se uma haste rígida sem partes in-
finita unidirecionalmente interagindo classicamente é possível, então uma haste
rígida sem partes bidirecionalmente infinita (isto é, estendendo-se ao infinito em
ambas as direções, sem extremidades) de densidade uniforme interagindo classi-
camente também deve ser possível. Mas uma haste isotrópica bidirecionalmente
infinita não tem centro de massa significativo. Todos os pontos nele estão no
mesmo nível. Se o finitismo causal requer uma rejeição separada de infinitos ob-
jetos inparáveis num cenário de física clássica, isso não parece um grande cus-
to.54

4.3 A condicional

A dificuldade em muitos argumentos deste livro reside na transição de uma


afirmação de possibilidade para outra. Existem arranjos não paradoxais de quan-
tidades infinitas de matéria no espaço newtoniano, digamos, aqueles em que o
arranjo da matéria é cada vez menos denso quanto mais longe se vai de algum
ponto fixo, e a diminuição na densidade é suficiente para garantir que a força
gravitacional total esteja em toda parte. finito. O argumento acima a favor do fi-
nitismo causal exige-nos então que digamos que se estes arranjos newtonianos
54 Sou particularmente grato a Ian Slorach pelos comentários em diversas versões desta seção.

75
não paradoxais são possíveis, o arranjo paradoxal (distribuição uniforme numa
metade do espaço) também é possível.
Contudo, não preciso defender a condicional se quiser apenas refutar o ar-
gumento de que a possibilidade da física newtoniana implica infinitismo causal.
Pois os nossos paradoxos newtonianos mostram que o princípio de que todo ar-
ranjo de massa matematicamente coerente pode ser dotado de leis newtonianas é
falso. Mas, na ausência de tal princípio, o finitista causal pode dizer que é metafi-
sicamente impossível que arranjos com um número infinito de massas sejam do-
tados de leis newtonianas.

5. Outro Eterno

Vida Se depois de cada dia de vida houver outro dia de vida, você terá a vida
eterna. E se você tem a vida eterna, sua vida não poderia ir além do que vai. Mas
se o finitismo causal for falso, poderia: depois da sua vida eterna, você poderia
ter outra vida eterna.
A maneira mais fácil de ver isso é com supertarefas. Seu funcionamento é
acelerado por um fator de dois, e assim você tem o primeiro dia de sua vida
eterna em doze horas do tempo externo. Então é acelerado por outro fator de
dois, então você tem o segundo dia da sua vida eterna em seis horas do tempo
externo. E assim por diante. Como resultado, você viveu sua vida eterna – com
cada dia de tempo interno seguido por outro dia de tempo interno – tudo em 24
horas de tempo externo. Mas então você poderá ter outra vida eterna após essas
24 horas.
O que o finitismo causal tem a ver com isso? Bem, é plausível que as nossas
vidas estejam necessariamente interligadas causalmente, de tal forma que o facto
de estarmos vivos nos dias anteriores contribui causalmente para estarmos vivos
nos dias posteriores – esta interligação causal está ligada ao facto de a vida ser a
vida de um único indivíduo. Se, porém, você tivesse duas vidas eternas, uma
após a outra, então a sua existência durante a segunda vida eterna teria entre suas
causas a sua existência durante cada um dos dias da primeira vida eterna. Mas is-
so exigiria infinitismo causal.
Pode-se também ser capaz de apresentar esse argumento sem qualquer acele-
ração. Podemos dar uma descrição matematicamente coerente de uma sequência
temporal que inclui duas vidas eternas. Supomos apenas que a dimensão tempo-
ral é modelada por duas cópias de uma linha do tempo comum, com cada ponto
da segunda linha do tempo vindo depois do primeiro. Marcando os membros da
segunda cópia com asteriscos, fica assim:

..., −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3,…; ... , −3∗, −2∗, −1∗, 0∗, 1∗, 2∗, 3∗, ... .

76
Agora suponhamos alguém que tenha uma vida incluindo os tempos 0, 1, 2, 3, ...
(assim como todos os tempos intermediários) e, em seguida, todos os tempos da
sequência temporal com asterisco. Tal pessoa tem uma vida eterna – e depois
outra. Mas, novamente, isso requer infinitismo causal para que cada dia da se-
gunda vida esteja causalmente conectado com todos os dias da primeira.
Essa linha do tempo duplicada é muito estranha. Mas é difícil ver por que al-
guém poderia descartar a possibilidade disso, além de algumas considerações fi-
nitistas ou finitistas causais sobre os eventos nele contidos.

6. Viagem no tempo e loops causais


6.1 Avôs e alternadores

Há uma semelhança entre os argumentos baseados no paradoxo a favor do fini-


tismo causal e alguns argumentos baseados no paradoxo do Avô contra a viagem
no tempo. O argumento do avô diz que se você pudesse viajar de volta no tem-
po, então seria possível voltar e matar seu avô antes que ele conhecesse sua avó
(correspondente), mas isso seria absurdo, então viajar para trás no tempo é im-
possível.
Tanto os argumentos do finitismo causal como os argumentos da viagem no
tempo estão sujeitos à mesma dificuldade, a objecção da conclusão absurda (ver
Secção 3.3 acima). No caso da viagem no tempo, a objeção diz que, em vez de
considerar o absurdo de matar o seu avô como prova contra a possibilidade de
viagem no tempo, deve-se simplesmente negar a condicional:

(13) Se a viagem no tempo for possível, então é possível que


você mate seu avô antes que ele conheça sua avó

alegando que tal assassinato é absurdo.55


Argumentei contra a resposta de conclusão absurda, mostrando que existem
variantes da história do Ceifador que têm as duas propriedades a seguir: (a) elas
não são inatamente paradoxais como a história original do Ceifador é, então a
resposta de conclusão absurda falha. para eles, e (b) se forem possíveis, a história
do Ceifador também o será. O mesmo movimento é possível no caso do Avô e,
na verdade, suspeito que seja parte da prevalência da intuição de que a história
do Avô é um argumento contra a viagem no tempo.
Para tornar a analogia mais clara, vamos considerar uma variante da história
do Avô que é semelhante ao paradoxo do Ceifador. Temos nosso velho amigo, a

55Tanto a versão específica do argumento do Avô que estou usando quanto esta resposta diferem do
argumento e da resposta dados no artigo clássico de Lewis (1976). Lewis considera um argumento ba-
seado em poderes – o que seria possível fazer – e a sua resposta é que o que é possível fazer depende
do contexto contextual. O presente argumento não é sobre poderes, mas sobre possibilidade metafísi-
ca.

77
lâmpada com interruptor. Esta lâmpada aparece repentinamente em um quarto
escuro às 10h. Às 11h, uma máquina do tempo o envia de volta às 10h, para que
apareça na referida sala escura. A lâmpada incorpora, portanto, um ciclo causal.
Até agora não temos nenhum paradoxo, a menos que os laços causais per se
contêm como paradoxos (lembre-se da discussão sobre regressões no Capítulo 2
e observe que se uma regressão infinita é absurda como tal, então certamente,
por maioria de razão, um laço causal também o é). Mas agora imagine um alter-
nador travesso, que como um Ceifador tem um tempo de ativação, mas os alter-
nadores, em vez de verificar o estado da lâmpada, simplesmente sempre alter-
nam o estado da lâmpada após a ativação. Na versão paradoxal da história, existe
apenas um alternador cujo horário de ativação é às 10h30. Além disso, supomos
que nada além de um alternador pode afetar o estado da lâmpada – em particu-
lar, a viagem no tempo não afeta o estado.
Temos agora um paradoxo. Às 10h31, a lâmpada tem o mesmo estado da-
quele em que o seletor a colocou. Este estado não muda entre essa hora e as
11h. Em seguida, a lâmpada viaja de volta para ter o mesmo estado às 10h. Nada
o afeta, então, até que o alternador comece a funcionar. Portanto, o estado da
lâmpada antes de o seletor começar a funcionar é o mesmo que o estado da
lâmpada depois que o seletor funciona nela, o que é um absurdo.
Novamente, podemos argumentar que, se a viagem no tempo for possível, a
história do Mischievous Toggler também é possível. Mas a história é impossível,
então viajar no tempo é impossível. Mais uma vez, a objeção absurda da conclu-
são aparece como uma negação da afirmação de que, se a viagem no tempo é
possível, a história do Mischievous Toggler também o é.
Existe agora uma analogia direta de nossas histórias invertida e prefixada.
Podemos supor que se um seletor for ativado quando a lâmpada não estiver por
perto - ou seja, antes das 10h ou depois das 11h - ele não fará nada. Podemos
adicionar à história do Mischievous Toggler um grande suprimento de alterna-
dores extras configurados para horários fora desse intervalo. E agora temos uma
variante Double Toggler, onde há dois alternadores configurados para serem ati-
vados em horários diferentes entre dez e onze horas, digamos, um às 10h30 e
outro às 10h45, e um monte de alternadores adicionais configurados para horá-
rios fora desse intervalo. Não há nada de contraditório na história do Double
Toggler. A lâmpada fica em um estado às 10h, depois em outro estado das
10h30 às 10h45 e depois volta ao estado original até as 11h.
Mas assim que aceitarmos a variante Double Toggler, realmente deveríamos
aceitar a história original do Single Toggler. Pois seria realmente misterioso se o
mostrador do segundo seletor tivesse que ser ajustado no intervalo entre dez e
onze horas, se o primeiro seletor tivesse um horário de ativação entre dez e onze
horas, mas nenhum dos outros o tivesse. Imagine os alternadores tendo livre ar-
bítrio indeterminístico e decidindo de forma independente. Suponha que todos,
exceto os dois últimos, tenham decidido definir seus tempos de ativação fora do
intervalo das dez às onze. Não deveríamos supor que uma força misteriosa exija
78
que os dois restantes ajustem seus mostradores para fora do intervalo crítico ou
ambos os ajustem para dentro. Portanto, deveríamos pensar que, assim como a
história do Single Toggler é impossível, a história do Double Toggler também o
é.
Esta é uma boa razão para negar a possibilidade de uma lâmpada cuja vida é
um ciclo causal e, mais genericamente, para negar a possibilidade de viagem no
tempo e de causalidade retroativa de um tipo que leva a ciclos causais.

6.2 Viagem no tempo e causalidade reversa sem loops causais

A história do Mischievous Toggler pode ser descartada simplesmente supondo


que os laços causais sejam impossíveis. Se a causalidade por omissão contasse
como parte de um ciclo causal, o mesmo seria verdade para a história original do
Avô. Pois então você não poderia viajar de volta no tempo para um local do es-
paço-tempo onde você teria o poder de matar seu avô antes de ele conhecer sua
avó, já que mesmo que você não exercesse esse poder - como é claro que você
não o fez, já que você realmente foi concebido – sua abstenção de matá-lo é
causalmente anterior à sua existência, mas sua existência é causalmente anterior à
sua abstenção de matá-lo.
Deveríamos, portanto, considerar o paradoxo para excluir todas as viagens
no tempo e causalidade retrógrada ou apenas o tipo de viagem no tempo e cau-
salidade retrógrada que envolve loops causais? A questão é paralela à questão de
saber se a história do Ceifador deveria nos levar a descartar todos os infinitos ou
apenas aqueles que funcionam juntos causalmente. No Capítulo 1, argumentei
que não deveríamos excluir todos os infinitos, porque fazê-lo cria dificuldades
na filosofia da matemática.
Não tenho um argumento filosófico igualmente poderoso para limitar a res-
trição da viagem no tempo a casos de loop causal, embora possa haver argumen-
tos teológicos baseados em casos como profecia (ver Pruss 2007) e oração sobre
acontecimentos passados.

7. Avaliação

O argumento mais poderoso a favor do finitismo causal neste capítulo é o ar-


gumento do Ceifador. É mais convincente do que a Lâmpada de Thomson, que
requer hipóteses auxiliares controversas para criar um verdadeiro paradoxo.
Existem também argumentos de apoio baseados em construções newtonianas,
bem como em intuições sobre a vida eterna. O finitismo causal (pelo menos
quando formulado apropriadamente – isto será refinado no Capítulo 7) resolve
todos eles, eliminando os paradoxos (na terminologia do Capítulo 1, Secção 1).
Essa é uma boa razão para acreditar no finitismo causal.

79
80
4
Loterias paradoxais

1. Introdução
Imagine uma loteria com um número infinito de bilhetes numerados 1, 2, 3, ..., e
suponha que a loteria seja justa no sentido de que todos os bilhetes têm a mesma
probabilidade de ganhar, sem que nenhum bilhete seja privilegiado sobre qual-
quer outro.
Depois de rever algumas informações básicas, veremos que tais loterias levam
a uma série de paradoxos fascinantes que discutiremos. A questão de como al-
guém poderia realizar tal loteria é difícil – é difícil imaginar, por exemplo, esco-
lher um bilhete uniformemente em uma urna infinita de maneira justa. Mas ofe-
recerei construções que mostram que, se o infinitismo causal for verdadeiro, en-
tão uma loteria justa e infinitamente contável é possível. Os paradoxos dar-nos-
ão razões para pensar que uma lotaria justa infinitamente contável não é possível
e, portanto, que o infinitismo causal não é verdadeiro. Ao longo do caminho,
também discutiremos loterias paradoxais que não são justas. A força dos argu-
mentos neste capítulo depende de quão plausível se considere a ideia de que os
nossos modos de raciocínio probabilístico deveriam funcionar em casos infinitá-
rios.

2. Loterias justas contáveis e infinitas


2.1 Antecedentes

Observe que em uma loteria justa com mais de n bilhetes, a probabilidade de


qualquer bilhete específico ganhar é menor que 1/n. Assim, em uma loteria justa
com um número infinito de bilhetes, a probabilidade de qualquer bilhete especí-
fico, digamos 842, ganhar será menor que 1/n para cada número natural positivo
n, uma vez que a loteria tem mais do que qualquer número finito n de bilhetes.
As probabilidades, entretanto, nunca são números negativos: elas devem estar
entre 0 e 1. Portanto, a probabilidade de obter um bilhete específico é um valor
p tal que 0 ≤ p < 1/n para cada n > 0. O único número real que satisfaz isso
condição é zero em si.56

56Pois se p fosse diferente de zero, então teríamos 1/p > n para todo número natural n. Portanto, 1/p
seria maior que todo número natural. Mas não existe nenhum número real maior do que qualquer nú-

81
Digamos que um infinitesimal positivo seja um valor maior que zero e menor
que 1/n para todo número natural positivo n (equivalentemente, é maior que ze-
ro e menor que todo número real positivo). Podemos então definir um infinite-
simal negativo α como um valor tal que −α é um infinitesimal positivo, e um in-
finitesimal como qualquer coisa que seja um infinitesimal positivo ou negativo.
Infinitesimais não são números reais. No entanto, é possível estender os nú-
meros reais de uma forma matematicamente rigorosa para adicionar infinitesi-
mais de uma forma que preserve todos os factos aritméticos padrão. Esses sis-
temas estendidos incluem os hiperreais (Robinson 1996), os surreais (Knuth
1974) e as séries formais infinitas de Laurent (Mendelson 2008, p. 219).57 Obser-
ve que quando adicionamos infinitesimais a um sistema aritmético, também pre-
cisamos adicionar números infinitamente grandes. Pois se α é um infinitesimal
positivo, de modo que α < 1/n para todos os inteiros positivos n, então 1/α > n
para todos os inteiros positivos n, então 1/α é infinito.
Se considerarmos a possibilidade de probabilidades infinitesimais, podemos
não querer dizer que a probabilidade de um determinado bilhete numa lotaria
justa infinita é zero. Em vez disso, poderíamos dizer que a probabilidade é zero
ou infinitesimal. Direi doravante que x é quase igual a y desde que x − y seja ze-
ro ou infinitesimal, e que uma proposição ou evento é quase certo desde que sua
probabilidade seja quase igual a 1. É, portanto, quase certo de que se perderá em
uma loteria justa infinita se alguém possuir um único bilhete – ou qualquer nú-
mero finito de bilhetes, nesse caso.
Há alguma razão intuitiva para preferir a visão infinitesimal da probabilidade
de ganhar numa loteria justa infinitamente contável à visão da probabilidade ze-
ro. Por exemplo, é intuitivamente mais provável que um dos bilhetes 1 e 2 ganhe
do que o bilhete 1 ganhe. Na visão de probabilidade zero, ambos os eventos têm
probabilidade zero, enquanto na visão infinitesimal podemos dizer que a proba-
bilidade de 1 ou 2 vencerem é 2α, que é maior que a probabilidade infinitesimal
α de que 1 vencerá.
Agora é hora de passar para alguns paradoxos de loterias justas infinitamente
contáveis.

2.2 Surpresa esperada

Suponha que você participe de uma loteria justa com um milhão de bilhetes,
numerados de um a um milhão, e obtenha o bilhete número dois. Esse é um
número de ingresso surpreendentemente pequeno. A maioria das pessoas obtém
um número de “tamanho mais representativo”, como 712718 (o número que

mero natural (isto é conhecido como propriedade arquimediana dos números reais): tal “número” pre-
cisaria ser infinito.
57 ∗Construções de hiper-reais e surreais usam versões do Axioma da Escolha. As séries formais infini-

tas de Laurent não exigem isso.

82
obtive quando pedi ao random.org que me desse um número de um a um mi-
lhão).
Agora suponha que você entre em nossa loteria de feira infinita e ganhe o bi-
lhete número dois. Isso é surpreendente (infinitamente mais!). Mas se o bilhete
número dois é surpreendente, então que bilhete não seria surpreendente? Não
seria surpreendente obter 712718 ou mesmo 10712718 ? Esses números ainda
são incrivelmente pequenos na escala de um ao infinito. Na verdade, qualquer
número obtido será surpreendentemente pequeno. Afinal, conseguir um número
tão pequeno como 10712718 seria incrivelmente surpreendente numa lotaria
712718
com, digamos, 1010 1010712718 bilhetes. Mas a nossa loteria infinita tem
infinitamente mais bilhetes do que isso, então, de fato, 10712718 é extremamente
surpreendente. E o mesmo argumento generaliza. Qualquer número obtido será
surpreendentemente pequeno, no sentido de que seria extremamente improvável
que você obtivesse um número tão pequeno.
Mas você pode apresentar esse argumento com antecedência e, portanto, de-
ve esperar racionalmente obter um número que o surpreenderá por sua peque-
nez. Isso é paradoxal (Hansen s.d.).
Não é paradoxal esperar ser surpreendido quando não se sabe que caracterís-
tica de um evento irá surpreendê-lo. Todos os anos, você verá uma série de notí-
cias que irão surpreendê-lo e, portanto, você pode esperar ser surpreendido. Mas
algo está ou estará racionalmente errado se você espera ser surpreendido de uma
maneira muito particular em uma ocasião específica, digamos, esperando ser sur-
preendido ao meio-dia da próxima quinta-feira ao obter uma medalha olímpica.
No caso da loteria infinita, porém, você espera ser surpreendido de uma maneira
muito particular: espera ser surpreendido pelo quão pequeno é o número que você
ganha. No entanto, nada dá errado racionalmente.
Este não é um paradoxo muito convincente. O custo de dizer que em con-
textos infinitários as nossas emoções de surpresa se comportarão de forma es-
tranha é bastante baixo. Afinal, está longe de ser claro que a surpresa seja o tipo
de coisa que deveria ser governada pela racionalidade. Mas passemos aos para-
doxos que tratam mais diretamente da racionalidade

2.3 Um jogo de adivinhação

Um número inteiro positivo N é escolhido por meio de uma loteria justa infinita
e não é revelado a você. Agora você é forçado a jogar o seguinte jogo para cada
inteiro positivo n: Você adivinha se N é maior que n; se acertar, você ganha um
dólar; caso contrário, você perde um dólar. Como você tem que jogar uma infi-
nidade de jogos, isso levará uma eternidade, ou pelo menos será uma supertare-
fa.
Para qualquer n específico, é claro que você deve adivinhar: “Sim, N > n”.
Afinal, a probabilidade de N ≤ n ser quase zero para qualquer n finito. Mas é cer-

83
to que se você seguir esta estratégia para cada n, então você ganhará exatamente
N − 1 vezes (ou seja, para n = 1, 2, ..., N − 1), e perderá infinitas vezes. Isso é
ruim.
Por outras palavras, uma lotaria justa e infinita produziria um Livro Holandês
infinito muito simples contra um agente racional: uma série de apostas, cada uma
das quais é claramente racional de realizar, mas que em conjunto dão uma perda
segura. Isto é paradoxal.

2.4 Simetria
2. 4. 1 SIMETRIA E LOTERIAS

Suponha que você e eu recebamos um bilhete de uma loteria justa e contabil-


mente infinita. Existem duas maneiras de preencher esta suposição. Primeiro, se
alguém puder escolher um único bilhete de uma loteria justa infinitamente con-
tável, poderá escolher dois (por exemplo, você escolhe um e realiza a loteria no-
vamente com apenas os bilhetes restantes). Neste caso, é garantido que os nos-
sos números de bilhetes são diferentes. Em segundo lugar, seria possível realizar
de forma independente duas loterias justas separadas e infinitas. Nesse caso, é
possível que os números dos nossos ingressos sejam os mesmos, mas é quase
certo que não serão. Não importará para nenhum dos meus argumentos abaixo
qual opção escolher.
De qualquer forma, olho para o meu bilhete e noto com surpresa o quão pe-
queno é o número. Percebo que existem infinitos números maiores e apenas um
número finito de números menores (ou iguais). Então tenho quase certeza de
que o número do seu bilhete é maior. Mas você está no mesmo barco: fica sur-
preso com o quão pequeno é o seu número e tem quase certeza de que o meu é
maior. E ambos podemos prever com antecedência que cada um de nós terá tais
probabilidades. Há algo muito paradoxal nisso.58
Uma maneira de destacar o paradoxo é esta. Seja p a proposição de que meu
número é menor e seja q a proposição de que seu número é menor. Então você
está numa posição epistêmica tão boa em relação a q quanto eu estou em relação
a p. No entanto, p e q são logicamente incompatíveis. Intuitivamente, nenhum de
nós tem mais probabilidade de estar certo do que o outro. Quando percebo que
nenhum de nós tem maior probabilidade de estar certo do que o outro, não de-
vo atribuir a p uma probabilidade maior do que 1/2. No entanto, eu deveria ter
quase certeza de p, pois, depois de saber o número que obtive, tenho quase cer-
teza de que o seu é maior.
Ou considere esta estranheza. Você receberá uma sequência de cem bilhetes
de uma loteria justa e contável. Ao adquirir o primeiro ingresso, você terá quase
certeza de que o próximo ingresso terá um número maior. Quando você conse-

58Esta é uma variante devida a Bartha (2011) do paradoxo subjacente ao argumento de Freiling (1986)
contra a hipótese do contínuo.

84
guir o segundo, terá quase certeza de que o terceiro será maior do que ele. E as-
sim por diante. Assim, ao longo da sequência você terá quase certeza de que o
próximo ticket será maior.
Mas certamente em algum momento você estará errado. Afinal, é incrivel-
mente improvável que cem bilhetes de loteria sejam classificados em ordem
crescente. Para deixar esse ponto claro, suponhamos que a forma como a se-
quência de ingressos é escolhida seja a seguinte. Primeiro, cem bilhetes são esco-
lhidos por meio de uma loteria justa e contável, seja a mesma loteria, caso em
que é garantido que sejam diferentes, ou loterias independentes, caso em que é
quase certo que serão todos diferentes. Em seguida, os cem ingressos são emba-
ralhados e você recebe um por um. No entanto, o argumento acima não é afeta-
do pelo embaralhamento, uma vez que o embaralhamento não afeta a justiça das
escolhas: em cada ponto você terá quase certeza de que o próximo bilhete que
você conseguir terá um número maior, havendo apenas um número finito de
opções para que fracasse e infinitamente muitas para que tenha sucesso, e com
todas as opções sendo igualmente prováveis.
No entanto, se você pegar cem números e embaralhá-los, é extremamente
improvável que eles estejam em ordem crescente. Portanto, você terá quase cer-
teza de alguma coisa e, ainda assim, muito provavelmente estará errado em vá-
rios casos, na verdade, em cerca de metade dos casos. E mesmo quando você es-
tiver quase certo disso, você será capaz de passar por esse argumento, ver que
em muitos dos julgamentos de que o próximo número é maior você estará erra-
do, e ainda assim isso não afetará sua quase certeza de que o próximo número é
maior. próximo número é maior. Isto é bastante paradoxal.

2. 4. 2 *SIMETRIA E UTILIDADE ESPERADA

A razão para levantar os paradoxos de simetria acima para loterias justas contá-
veis infinitas é em auxílio de um argumento de que loterias justas contáveis infi-
nitas são impossíveis. Mais adiante neste capítulo, argumentarei que se o infini-
tismo causal for verdadeiro, deveríamos ser capazes de ter loterias justas infinitas
e contáveis, portanto, o infinitismo causal deve ser rejeitado.
Mas existe um paradoxo de simetria muito semelhante que não envolve his-
tórias causais infinitas e, portanto, não é afetado pelo finitismo causal. Chalmers
(2002) oferece esta versão de dois envelopes do paradoxo de São Petersburgo:

Me apresentam dois envelopes, A e B. Disseram-me que cada um deles contém uma


quantia determinada pelo seguinte procedimento, realizado separadamente para cada
envelope: uma moeda foi lançada até dar cara, e se deu cara na enésima tentativa, 2 n é
colocado no envelope. Este procedimento é realizado separadamente para cada envelo-
pe. Recebo o envelope A e tenho a opção de manter A ou mudar para B. O que devo
fazer?

85
É claro que o paradoxo surge quando notamos que, ao abrir o envelope A, você
encontra uma quantia finita de dinheiro. Mas o valor esperado no envelope B é
(1/21) · 21 + (1/22) · 22 + (1/23) · 23 + ··· = ∞, que supera qualquer quantidade
finita que você encontrou no envelope A. Então não importa o que você encon-
tre, você deve trocar. Mas agora temos um sério paradoxo quando notamos que
você poderia raciocinar com antecedência: você sabe que, seja o que for que en-
contrar no envelope A, será uma boa ideia trocar e, portanto, é melhor trocar
antes de descobrir o que está no envelope A, o que é verdadeiramente absurdo.
(Para aumentar o absurdo, se você esquecer o valor que estava no envelope A,
você teria motivos para trocar de volta.)
A solução de Chalmers para o paradoxo é admitir que, uma vez encontrada
uma quantia finita de dinheiro, você tem motivos para trocar, mas negar que se
segue que você deve trocar antes de descobrir o que está no envelope A. Pois,
observa Chalmers, o raciocínio aqui é baseado na dominância: não importa qual
seja o valor do envelope A, o valor esperado do envelope B é melhor do que is-
so. E o raciocínio de dominância nem sempre está certo.
Mas o paradoxo dos dois envelopes de São Petersburgo atinge mais profun-
damente do que Chalmers imagina. Isso leva a um odioso livro holandês para
duas pessoas. Suponha que a casa lhe dê o envelope A de Chalmers, enquanto
seu melhor amigo recebe o envelope B, ambos de graça. Vocês dois abrem os
envelopes em salas separadas. A casa agora oferece a cada um de vocês este
acordo independente: se você pagar um dólar mais o dobro do valor do seu en-
velope para a casa, a casa lhe dará qualquer quantia que o outro envelope conte-
nha. Como um dólar mais o dobro do valor do seu envelope ainda é um valor
finito, o valor infinito esperado do valor do outro envelope é superior a ele. En-
tão você aceitará o acordo e seu melhor amigo também. Mas um momento de
reflexão mostra que a casa acaba entregando a você e seu amigo juntos o dobro
da quantia em cada envelope, enquanto você e seu amigo entregam juntos à casa
o dobro da quantia em cada envelope mais dois dólares. Ou seja, a arrecadação
das transações sai da casa exatamente dois dólares adiantados, independente-
mente do que estiver nos envelopes.
Por outras palavras, o paradoxo dos dois envelopes de São Petersburgo pode
ser usado para gerar um Livro Holandês colectivo contra si e o seu amigo. É
plausível que quando um Livro Holandês pode ser gerado, deva haver uma falha
de racionalidade entre as vítimas. Mas é difícil ver qualquer falha aqui. E a falha
que Chalmers identifica no paradoxo original não está presente aqui. Não há ra-
ciocínio de dominância. Você e seu amigo não estão pensando com antecedência
que deveriam aceitar os negócios. Em vez disso, o raciocínio ocorre quando vo-
cê e seu amigo sabem o que há nos envelopes.
Mas da mesma forma não existem histórias causais infinitas em nenhuma das
versões do paradoxo. Os envelopes são preenchidos com base em um número
finito de lançamentos de moeda. Talvez haja um pouco de preocupação com o
cenário improvável (probabilidade zero) em que a moeda acaba dando coroa pa-
86
ra sempre,59 mas nada na história depende causalmente desse cenário. Portanto,
nem a negação da dominância de Chalmers nem a negação do finitismo causal
ajudam aqui.
Observe, também, que o paradoxo dos dois envelopes de Chalmers e meu
fortalecimento dele podem ser aplicados no caso da loteria justa contável infini-
ta: suponhamos apenas que os valores nos envelopes sejam definidos por duas
loterias independentes. Os paradoxos resultantes estão intimamente relacionados
com os paradoxos de simetria que acabamos de discutir. A aceitação do finitis-
mo causal não ajuda em nada nos novos paradoxos, e pode-se esperar que a re-
solução correta para os novos paradoxos também ajude a resolver os outros pa-
radoxos contáveis de simetria de loteria justa infinita, prejudicando assim o ar-
gumento em favor do finitismo causal.
No entanto, existe uma solução para os paradoxos de São Petersburgo de
dois envelopes que não ajuda com os paradoxos de simetria da loteria apresen-
tados acima. Os paradoxos de São Petersburgo são gerados pela maximização da
utilidade esperada. Empiricamente, os verdadeiros raciocinadores humanos ten-
dem a mostrar uma aversão ao risco que não maximiza a utilidade esperada, e
muitos teóricos da decisão argumentaram que não são irracionais ao fazê-lo (pa-
ra uma excelente descrição recente da aversão ao risco, ver Buchak 2014). E
Weirich (1984) propôs a rejeição da maximização da utilidade esperada como
precisamente a solução para o paradoxo original de São Petersburgo.
Mas é importante notar que os paradoxos de São Petersburgo ainda podem
ser executados com base num pressuposto mais geral do que a maximização da
utilidade esperada. Especificamente, o que os paradoxos precisam é algo como
este princípio:

(1) Para qualquer probabilidade p > 0 e qualquer utilidade finita M, existe


uma utilidade finita N tal que a probabilidade p de N é melhor que a cer-
teza de M.

Dada a maximização da utilidade esperada, podemos ver que (1) será verdadeiro
considerando N > p−1M. Mas algumas alternativas à maximização da utilidade
esperada permitirão que (1) seja verdadeira. E desde que (1) seja verdade, pode-
mos gerar um caso semelhante ao de São Petersburgo, juntamente com as suas
variantes de dois envelopes, utilizando pressupostos aparentemente não proble-
máticos. Para corrigir qualquer utilidade positiva finita M1. Por (1), seja M2 uma
utilidade finita tal que a probabilidade 1/22 de M2 seja melhor que um dólar mais
a certeza de 2M1. Por (1), novamente, seja M3 uma utilidade finita tal que a pro-
babilidade 1/23 de M3 seja melhor que um dólar mais a certeza de 2M2. E assim

59 Estou grato a Robert Koons por levantar esta advertência.

87
por diante.60 Observe que 0 < M1 < M2 <... . Agora jogue nossa moeda e seja n
o número do lançamento em que obtivemos cara pela primeira vez. Coloque um
vale-presente para utilidade Mn no envelope relevante.
Suponha que você abra um envelope e encontre Mn nele. Então a probabili-
dade 1/2n+1 de Mn+1 é melhor do que um dólar mais a certeza de 2Mn, e o outro
envelope oferece a probabilidade 1/2n+1 de pelo menos Mn+1 mais uma proba-
bilidade diferente de zero de outros bens, trocando assim envelopes serão um
bom negócio, mesmo que você tenha que devolver Mn e pagar um dólar extra.
Para sair do paradoxo coletivo de São Petersburgo dos dois envelopes do Li-
vro Holandês, precisamos, portanto, rejeitar (1). E se os livros holandeses são de
facto uma marca de irracionalidade, devemos sair do paradoxo e, portanto, a es-
trutura da racionalidade deve ser tal que force racionalmente a rejeição de (1).
Felizmente, temos razões independentes para rejeitar (1). Suponha que você
seja condenado a dez anos da pior tortura que os médicos sádicos possam ima-
ginar. Então, um benfeitor capaz de libertar você da prisão lhe oferece uma es-
colha entre (a) libertação da tortura e (b) probabilidade 1/10100 de alguma utili-
dade finita N. É muito plausível que não importa quão grande seja N,61 no en-
tanto, (a) é o melhor negócio.
A rejeição de (1) obriga-nos a dizer que existe um limite superior finito para
as utilidades62 ou a rejeitar a maximização da utilidade esperada – e qualquer ou-
tro esquema que possa levar aos paradoxos de São Petersburgo. No entanto, re-
jeitar (1) não causa nenhum dano ao tipo de raciocínio de simetria paradoxal que
consideramos anteriormente nos casos de loterias justas contáveis e infinitas, até
porque (1) é sobre utilidades, enquanto os paradoxos da loteria eram sobre cre-
dibilidades. Assim, ainda temos razões para rejeitar tais lotarias, e o argumento a
favor do finitismo causal está intacto.
Além disso, a versão da loteria justa infinitamente contável do paradoxo dos
dois envelopes do livro holandês não faz uso de (1). Para considerar. O valor em
cada envelope é definido por meio de tal loteria nos números inteiros positivos.
Você encontra n em seu envelope. Você tem quase certeza, então, de que o ou-
tro envelope contém pelo menos 2n + 2. Agora é claramente racional pagar 2n +
1 em troca da quase certeza de obter pelo menos 2n + 2 (e se isso não estiver
claro, observe que também é quase certo que o outro envelope contém pelo me-
2𝑛+1
nos 22 , e certamente é racional pagar 2n + 1 em troca da quase certeza des-

60 ∗∗Conforme formulado, o argumento usa o Axioma da Escolha Dependente, mas se todas as utili-
dades forem numéricas, podemos eliminar as escolhas envolvidas deixando Mn ser 2 mais o ínfimo de
todos M, de modo que a probabilidade 1/2n de M seja melhor que a certeza de 2Mn−1 + $1.
61 Pelo menos colocando entre colchetes o caso em que N é infinito. Pascal (1858, p. 304) pensava que

valia a pena pagar qualquer preço finito por qualquer chance diferente de zero de união eterna com
Deus.
62 Sou grato a um comentarista pseudônimo (“totalmente inútil”) em meu blog por apontar essa possi-

bilidade.

88
sa enorme quantia). Os riscos de perdas finitas que quase certamente não ocor-
rerão podem certamente ser negligenciados. Portanto, você pagará racionalmen-
te um dólar mais o dobro do que seu envelope contém em troca do que o outro
envelope contém, e seu amigo também, e a casa estará à frente de dois dólares.
Embora os paradoxos de São Petersburgo dependam de probabilidades minús-
culas de serviços públicos estupendamente grandes terem um valor grande, con-
forme (1), aqui temos um caso em que a quase certeza de um montante muito
maior supera a certeza de um montante muito menor. Portanto, a versão da lote-
ria justa infinitamente contável do paradoxo dos dois envelopes do Livro Ho-
landês nos dá razão para rejeitar loterias justas infinitamente contáveis, enquanto
rejeitar (1) não ajuda em nada.

2.5 Manipulação Bayesiana


2. 5. 1 O PARADOXO

Suponha que você seja perfeitamente racional e eu tenha jogado cem moedas
honestas sem que você veja o resultado. Afirmo que se você estiver completa-
mente certo da exatidão de minhas declarações e eu puder realizar uma loteria
justa infinita e uma certa loteria não paradoxal, posso convencê-lo de que quase
certamente todas as moedas deram cara simplesmente por lhe dizer coisas ver-
dadeiras. Mas um agente perfeitamente racional não deveria estar sujeito a uma
manipulação tão completa de crenças por parte de um informante verdadeiro. A
possibilidade de tal manipulação é absurda e, portanto, infinitas loterias justas
são absurdas.
Aqui está como minha manipulação poderia prosseguir. Sendo perfeitamente
racional, você atribui uma probabilidade inicial de 1/2100 à tese de que todas as
moedas deram cara. Agora informo que em uma hora anunciarei para você um
número inteiro positivo. A forma como irei gerar o número será a seguinte. Se
todas as moedas derem cara, gerarei um número inteiro natural positivo por um
procedimento não paradoxal que tem probabilidade 1/2n de produzir o número
n (observe que (1/2) + (1/22) + (1/23) +· ·· = 1, então a soma correta das pro-
babilidades é um).63 Mas se pelo menos uma moeda der coroa, farei uma loteria
justa infinita e usarei isso para gerar um número entre 1, 2, 3, ... . Anunciarei o
número em ambos os casos, mas em nenhum dos casos anunciarei qual método
usei para gerá-lo.

63Uma maneira de fazer isso seria por meio de uma supertarefa, se isso for possível, apesar dos argu-
mentos do Capítulo 3: lanço uma moeda honesta e o número que gero é o número do lançamento em
que primeiro recebo cara, enquanto se eu nunca recebo cara (o que tem probabilidade zero). Eu sim-
plesmente anuncio o número um. A probabilidade de eu ter obtido cara pela primeira vez no enésimo
lançamento é então igual à probabilidade de obter primeiro n − 1 coroa e depois uma cara, ou seja,
(1/2)n−1 · (1/2) = 1/2n. Outra maneira é escolher uniformemente um número real x no intervalo (0, 1)
e deixar n ser um número inteiro positivo único tal que x ∈ [2−n, 2−n+1]. (O comprimento do último in-
tervalo é (1/2)n.)

89
Então, suponha que você me ouça anunciar algum número n, digamos 15101.
Seja H a hipótese de que todas as moedas deram cara. Podemos agora perguntar
que efeito a sua nova evidência En, nomeadamente que o número anunciado é n,
tem na sua credibilidade inicialmente muito pequena em H. Para fazer isso, te-
mos que ver quão provável é En na hipótese H e na negação de H. Se uma evi-
dência é muito mais provável em H do que na negação de H, então a evidência
apoia H. Além disso, o grau em que a evidência En apoia H depende de quão
mais provável a evidência é em H do que em a negação de H.
Agora, se H for verdadeiro, então o número 15101 foi gerado pelo nosso
procedimento não paradoxal, de modo que a probabilidade de obter precisamen-
te 15101 é 1/215101. Por outro lado, se H for falso, então o número 15101 foi ge-
rado pela loteria justa infinita. Mas a probabilidade de obter um determinado
número de bilhete numa lotaria com feira infinita é quase zero – é zero ou infini-
tesimal. Mas embora 1/215101 seja incrivelmente pequeno, ainda é infinitamente
muitas vezes maior que um infinitesimal, para não mencionar que zero. Portan-
to, éramos infinitamente mais propensos a gerar o número 15101 dado H do
que dada a negação de H. Segue-se então do Teorema de Bayes que, uma vez
observado E15101, a probabilidade de H será quase um.64
Mais precisamente, o Teorema de Bayes diz que:

𝑃(𝐸|𝐻)
𝑃(𝐻|𝐸) = 𝑃(𝐻),
𝑃(𝐸|𝐻)𝑃(𝐻) + 𝑃(𝐸|~𝐻)𝑃(~𝐻)

para qualquer hipótese H e qualquer evidência E, onde P(A|B) é a probabilidade


condicional de A dado B. Podemos reescrever o lado direito como:

1
.
𝑃(𝐸|~𝐻) 𝑃(~𝐻)
1+ ∙
𝑃(𝐸|𝐻) 𝑃(𝐻)

Então, se a probabilidade anterior P(H) de uma hipótese não for zero nem infi-
nitesimal, enquanto a razão P(E|∼H)/P(E|H) for zero ou infinitesimal, então
P(H|E) será 1/ (1 + α) onde α é zero ou infinitesimal, e é fácil verificar que se-
gue que P(H|E) será quase um.
No caso em questão, a probabilidade anterior P(H) é 1/2100, enquanto
P(E15101|∼H) é zero ou infinitesimal e P(E15101|H) = 1/215101. Assim, a razão
P(E15101|∼H)/P(E15101|H) é zero ou infinitesimal e, portanto, a probabilidade
posterior P(H|E15101) de H dada a evidência E15101 é quase um. Este argumento
funciona igualmente bem com qualquer número no lugar de 15101, portanto,
não importa qual número eu anuncie, sua crença de que todas as cem moedas
que deram cara terminarão quase um.

64 Este paradoxo é uma variante de Dubins (1975).

90
Se a possibilidade deste tipo de manipulação epistémica não for suficiente-
mente má, existem consequências práticas infelizes. Suponha que você seja per-
feitamente racional e eu esteja lhe oferecendo a seguinte aposta. Se todas as cem
moedas derem cara, eu lhe pago um dólar, mas se alguma delas der coroa, você
me paga mil dólares. Seria uma péssima ideia aceitar esta aposta e, por isso, você
a recusa. Mas agora eu lhe informo qual número gerei usando o procedimento
acima, digamos 15101. Se você for racional, então pelo argumento acima você
terá quase certeza de que todas as moedas deram cara, e assim seu retorno espe-
rado para o jogo será ser:

(1 − β) · $1 − β · $1000

onde β é a probabilidade zero ou infinitesimal que você agora atribui à hipótese


de que pelo menos uma moeda deu coroa. Mas β · $1000 é zero ou infinitesimal
se β for, e (1 − β) · $1 é $1 menos no máximo um infinitesimal, então o retorno
esperado é $1 menos no máximo um infinitesimal, o que definitivamente vale a
pena.
Mas é claro que na maioria das execuções deste cenário haverá uma ocorrên-
cia de coroa entre as cem jogadas. Portanto, se passarmos pelo cenário acima re-
petidamente, você estará perdendo em média perto de mil dólares,65 enquanto
age racionalmente o tempo todo.
Depois de perceber como isso está funcionando, você terá motivos para ta-
par os ouvidos antes de eu anunciar o número que gerei. Contanto que eu possa
anunciar esse número em voz alta, porém, tenho um novo jogo de trapaça. Por
um pagamento de $900, ofereço-me para não anunciar o número (ou, ainda mais
convenientemente para mim, ofereço nem sequer me preocupar em escolhê-lo),
o que lhe permitirá recusar racionalmente a aposta. Você será aconselhado a pa-
gar. Pois se você não pagar, em vez de perder US$ 900 por corrida, estará per-
dendo perto de US$ 1.000.
Assim, em situações como esta, é racional que um agente perfeitamente raci-
onal, que não tem motivos para temer a perda de racionalidade, pague para não
receber informações a fim de tomar melhores decisões. E isso é um absurdo. É
verdade que um agente pode recusar racionalmente informações que ele espera
que possam torná-lo menos do que racional (por exemplo, informações sobre o
sexo de um candidato a emprego) e que seria até razoável pagar para não obtê-
las (por exemplo, pagar a um funcionário para fazer currículos). cego de gênero).
E mesmo um agente perfeitamente racional pode ter uma preferência racional
em não saber certas coisas, seja por razões instrumentais, como evitar spoilers,
ou por razões não instrumentais, como evitar o conhecimento de detalhes da vi-
da íntima dos pais. Mas o caso em questão não é assim. A razão pela qual você

65Mais precisamente, (1 − 2−100) · $1.000 − 2−100 · $1, que é $1.000 menos uma pequena fração de um
centavo.

91
paga US$ 900 para não receber informações é precisamente para tomar uma de-
cisão melhor, mas não há perigo de se tornar irracional como resultado da in-
formação que alguém está pagando para não obter. Na verdade, é precisamente
porque alguém permaneceria racional, tão racional que aceitaria uma aposta que
um agente humano comum recusaria, que se paga neste caso paradoxal.
Pode parecer que os ganhos potenciais são demasiado triviais em comparação
com as perdas para que você possa ser enganado. Você deveria arriscar mil dóla-
res para ganhar um dólar? Mas lembre-se que, dadas as informações disponíveis,
a probabilidade de perder os mil dólares é, no máximo, infinitesimal. E, de facto,
é racional aceitar pequenos riscos de grandes perdas para ganhar um dólar. Por
exemplo, suponha que existam dois postos de gasolina com preços ligeiramente
diferentes. Um posto de gasolina fica a meio quarteirão de distância, mas eu aca-
baria pagando um dólar a menos. Parece racional dirigir meio quarteirão para
pagar um dólar a menos. Mas para cada quarteirão adicional que dirijo, há uma
pequena (mas nem zero, nem infinitesimal) chance adicional de morrer em um
acidente de carro, algo muito pior do que a perda de mil dólares. E se a inflação
faz com que um dólar pareça demasiado trivial para valer a pena pensar nele,
basta aumentar o meu golpe: se ganhar, ganha dez dólares, e se perder, perde dez
mil. A menos que eu estivesse com muita pressa, eu definitivamente dirigiria
meio quarteirão a mais para economizar dez dólares, mesmo que houvesse um
pequeno risco de um acidente fatal ao dirigir esse meio quarteirão. Mas um aci-
dente fatal é muito pior do que a perda de dez mil dólares.

2. 5. 2 *UM PONTO DE TRANSIÇÃO?

Recentemente, Howson (2014) propôs uma solução interessante para a versão


do paradoxo de Dubins (1975), e generaliza para o nosso cenário. O paradoxo
acima pressupõe que quando aprendemos uma evidência E, digamos que o nú-
mero escolhido foi 15101, atualizamos nossa credibilidade para H para P(H|E).
Howson propõe, em vez disso, o que poderíamos chamar de uma espécie de
satisfação epistêmica. Seja X o número anunciado. Escolha um ponto de transi-
ção arbitrário k, que não seja muito pequeno. Quando se observa que X é me-
nor ou igual a k, atualize a credibilidade de H (a hipótese de que todas as cem
moedas deram cara) para P(H|X ≤ k). Caso contrário, atualize a credibilidade de
H para P(H|X > k).
Agora, como antes, pelo Teorema de Bayes, P(H|X ≤ k) será quase um, por-
que a razão P(X ≤ k|∼H)/P(X ≤ k|H) será quase zero, já que se H não for
verdadeiro, então geraremos o número usando a loteria justa infinita contável, e
que tem probabilidade zero ou infinitesimal de produzir um número menor ou
igual a k. Portanto, se X ≤ k, então, assim como antes, obteremos uma forte
confirmação de ∼H. Mas se X ≤ k, intuitivamente é assim que deveria ser. Afi-
nal, dado H, não esperaríamos que X fosse tão pequeno (e isso funciona inde-
pendentemente de k).
92
Por outro lado, pode-se mostrar que P(H|X > k) estará dentro de um infini-
tesimal de

𝑃(𝐻)
𝑃(𝐻) + 2𝑘 𝑃(~𝐻)

Este será um número muito pequeno dado que no nosso exemplo P(H) = 2−100.
Portanto, nesta abordagem, quando descobrimos que X não é muito grande
(ou seja, ≤ k), concluímos que obtivemos todas as caras, como deveríamos intui-
tivamente, e quando X é maior, concluímos, novamente como deveríamos, que
coroa apareceu pelo menos uma vez.
No entanto, a proposta é implausível.
Primeiro, suponhamos que, em vez de aprendermos qual é o valor de X,
simplesmente aprendemos que ele é maior que k. Dado que para cada valor par-
ticular de X maior que k, nossa credibilidade para H se ajustaria a P(H|X > k), e
dado que é anteriormente muito plausível que quando aprendemos que X >k
deveríamos atualizar nossa credibilidade para H para P(H|X > k), parece muito
plausível que ao aprender que X > k, devemos atualizar nossa credibilidade para
P(H|X > k).
Isto, no entanto, tem uma consequência infeliz. Suponhamos que a seguir
aprendamos qual é o valor de X. Nesse ponto, a nossa evidência é exatamente
como na nossa discussão anterior e, portanto, pela regra de Howson, a nossa
credibilidade em H deveria ser P(H|X > k). Assim, aprender o valor de X não
nos fornece nenhuma informação relevante sobre H, uma vez que já sabemos
que X > k. Mas isso está errado. Suponha, por exemplo, que aprendemos que X
= k+1. Depois de atualizarmos X > k, o espaço de valores possíveis de X é {k
+ 1, k + 2, ...}. Se H for verdadeiro, então X foi escolhido por uma loteria não
paradoxal que atribuiu a cada número uma probabilidade duas vezes maior do
que ao seu sucessor. Se H for falso, então X foi escolhido por uma loteria justa
infinita e contável. É evidente que, neste ponto, a nossa observação de que X =
k + 1 ajusta-se muito melhor à hipótese de que H é verdadeira do que à hipótese
de que H é falsa e, portanto, a nossa credibilidade em H deverá aumentar.
Considere também que, uma vez atualizado X > k, nossa situação intuitiva-
mente se parece bastante com a original, mas com uma mudança. Pois presumi-
velmente não apenas atualizamos H condicionando em X > k, mas para manter
as coisas consistentes condicionamos tudo em X > k. Seja Y = X − k. Seja P1 a
atribuição de probabilidade após atualização em X > k. Então, se H for falso, Y
foi escolhido por uma loteria justa infinita e contável com valores em {1, 2, ...}.
Se H for verdadeiro, Y foi sorteado em um sorteio não paradoxal com valores
em {1, 2, ...}, onde P1(Y = n) = 2−n. Portanto, temos uma situação igual à inicial,
mas com Y no lugar de X, e a única diferença é que agora P1(H) é da ordem de
grandeza de 2−k, em vez de 2−100. Portanto, devemos aplicar a regra de Howson
mais uma vez. Suponha, então, que o que aprendemos é que Y = 1. Então, co-
93
mo 1 ≤ k, teremos Y ≤ k e, portanto, atualizaremos a credibilidade em H para
P1(H|Y ≤ k), que será quase 1 por uma aplicação do Teorema de Bayes como
antes. Portanto, quando atualizamos pela primeira vez X > k e depois aprende-
mos que X = k + 1 (o que equivale a aprender que Y = 1), nossa credibilidade
em H vai para quase 1. Mas nossa evidência relevante total neste ponto é que X
= k + 1, e a regra de Howson exige uma credibilidade diferente neste caso.
A seguir, suponha que depois de aprender que X > k, aprendemos que X >
k + 1. Bem, se aprender que X > k levou à credibilidade posterior P(H|X > k)
em H, aprender que X > k + 1 deve levar à credibilidade posterior P(H|X > k
+ 1) em H. Certamente, algo relevante foi aprendido e precisamos atualizar nos-
sa credibilidade sobre isso. Mas Howson não pode dizer isso. Pois suponha que
primeiro aprendemos que X > k + 1 e nossa credibilidade em H vai para
P(H|X > k + 1). Em seguida, suponha que aprendemos que de fato X = k + 2.
Nesse ponto, a equação X = k + 2 resume nossa evidência total e, portanto,
nossa credibilidade em H seria dada pela regra de Howson como P(H|X > k).
Mas P(H|X > k) > P(H|X > k + 1). Conseqüentemente, a afirmação de que X
= k + 2 seria uma evidência contra H depois de ter aprendido que X > k + 1.
Mas isso seria errado. É a loteria não paradoxal, que ocorre apenas quando H é
verdadeira, que favoreceria X = k + 2 entre {k + 2, k + 3, ...}.66

2. 5. 3 * ADITIVIDADE E CONGLOMERABILIDADE CONTÁVEL

No cenário da teoria clássica da probabilidade, o Teorema de Good (Good


1967) garante que nunca compensa para um agente perfeitamente racional que
não tem razão para temer a perda de racionalidade recusar informação livre para
tomar melhores decisões. Os nossos paradoxos, no entanto, não contradizem o
Teorema de Good, uma vez que a teoria clássica das probabilidades assume a
aditividade contável das probabilidades, o que é violado por lotarias justas con-
táveis infinitas.
Na verdade, os paradoxos que acabamos de discutir devem-se fundamental-
mente à falta de aditividade contável nas probabilidades da lotaria. Uma função
de probabilidade P é contávelmente aditiva desde que sempre que E1, E2, ... se-
jam eventos disjuntos, então P(E1∨E2∨...) = P(E1)+P(E2)+ ... . A teoria matemá-
tica clássica da probabilidade assume que todas as funções de probabilidade são
contáveis aditivas. Mas na loteria justa contável infinita, não temos aditividade
contável. A razão pela qual não temos aditividade contável difere dependendo se
a probabilidade de um determinado bilhete ganhar é zero ou infinitesimal.
Se a probabilidade for exatamente zero, então não temos aditividade contável
porque 1 = P(E1 ∨ E2 ∨ ...) se En é a probabilidade de o bilhete n ser escolhido

66Howson (2014) também sugere um método diferente de atualização envolvendo suavização em vez
de um corte acentuado. Os detalhes disso precisariam ser resolvidos antes de avaliar como isso se
comporta com as objeções acima.

94
(é certo que algum bilhete ou outro é escolhido) enquanto P(E1) + P(E2) + ... =
0 + 0 + ... = 0.
Se, por outro lado, P(En) = α para algum α infinitesimal (positivo), então as
coisas são mais complicadas. Os sistemas padrão para construção de infinitesi-
mais, em geral, não definem uma soma infinita contável de infinitesimais, pelo
menos no nosso caso, onde as somas são iguais.67 Assim, a equação necessária
P(E1 ∨ E2 ∨ ...) = P(E1) + P(E2)+... não é válido, pois embora o lado esquerdo
esteja definido, o lado direito não o é. No nosso caso de loteria justa infinita,
podemos ver intuitivamente por que não deveríamos conseguir uma soma signi-
ficativa. Pois considere nossa soma infinita:

α + α + α + α + ... = (α + α) + (α + α) + ...
= 2α + 2α + ...
= 2(α + α +...).

Se o valor desta soma for x, então x = 2x. Mas se x não for zero, então po-
demos dividir ambos os lados por x para obter 1 = 2 e, portanto, x deve ser ze-
ro. No entanto, x não pode ser zero, uma vez que deve ser pelo menos tão
grande quanto α e, portanto, segue-se uma contradição da suposição de que a
soma tem um valor.68
A falta de aditividade contável no caso de uma loteria infinita é responsável
por um fenômeno conhecido como não conglomerabilidade. Uma função de
probabilidade P é conglomerável em relação a uma partição E1, E2, ... (uma par-
tição é uma coleção de eventos disjuntos aos pares, tais que sua disjunção é todo
o espaço de possibilidades), desde que não haja nenhum evento A e um número
real a tal que para todo i temos P(A|Ei) ≤ a e ainda P(A) > a. A conglomerabili-
dade é uma propriedade muito plausível. Suponha que você tenha certeza de que
ocorrerá algum evento na partição. Se você também tiver certeza de que qual-
quer evento nessa partição que você aprendeu ocorrer, sua probabilidade para A
será no máximo a, então como sua probabilidade racional para A poderia ser
maior que a?
A conglomerabilidade está intimamente relacionada com o muito plausível
Princípio da Reflexão de van Fraassen, que diz que se alguém está racionalmente
certo de que terá uma certa credibilidade racional, já deveria ter essa credibilida-
de agora (van Fraassen 1984).

67 ∗Para séries formais de Laurent, pode-se sempre adicionar termo a termo, desde que todas as somas
termo a termo convirjam. Mas eles não convergirão quando as somas forem todas diferentes de zero e
iguais.
68 É certo que não podemos reagrupar todas as somas infinitas. Especificamente, não podemos rea-

grupar séries condicionalmente convergentes. Mas intuitivamente, quando todas as somas são positivas
– e isto é um teorema no caso de somas com valor real – deveríamos ser capazes de nos reagruparmos
à vontade. E o objetivo aqui é apenas alimentar a intuição.

95
Mas normalmente, onde não há aditividade contável, há falta de conglomera-
bilidade (Schervish, Seidenfeld e Kadane 1984). No caso da loteria justa e contá-
vel infinita, podemos ver diretamente a falta de conglomerabilidade. Seja E o
evento em que o bilhete escolhido será par e O o evento em que será ímpar. Por
aditividade finita, P(E) + P(O) = 1, então pelo menos um dos dois eventos deve
ter probabilidade de pelo menos 1/2. (Intuitivamente, ambos têm probabilidade
exatamente 1/2, mas não preciso disso para o argumento.) Suponha que P(E) ≥
1/2 (o argumento no caso em que P(O) ≥ 1/2 será ser muito semelhante). Então
considere a partição fornecida pelos seguintes conjuntos:

E1 = {2, 1, 3}
E2 = {4, 5, 7}
E3 = {6, 9, 11}
E4 = {8, 13, 15}
...

Observe agora que cada conjunto En contém exatamente um número par e dois
ímpares. Assim, pela justiça da loteria, P(E|En) = 1/3. Assim, P(E|En) < 1/2
para todo n, mas pela suposição P(E) ≥ 1/2, e a conglomerabilidade é violada.
Onde a conglomerabilidade está ausente, obtêm-se resultados estranhos, co-
mo raciocinar até chegar a uma conclusão precipitada e pagar para não receber
informações (Kadane, Schervish e Seidenfeld 1996), tal como vimos na Secção
2.5. E o quebra-cabeça de simetria da Seção 2.4 também é um quebra-cabeça de
não conglomerabilidade. Tomando a versão original de dois bilhetes, a probabi-
lidade de o número do meu bilhete ser maior que o seu está inicialmente dentro
de um infinitesimal de 1/2. Mas a probabilidade condicional de que o número
do meu bilhete seja maior que o seu, dado qual é o número do meu bilhete – seja
ele qual for – é, no máximo, um infinitesimal e, portanto, a conglomerabilidade é
violada.
Uma resposta possível aos meus paradoxos anteriores é que a não-
conglomerabilidade precisa de ser aceite quando se lida com lotarias justas infini-
tas e contáveis, e a não-conglomerabilidade tem apenas uma série de consequên-
cias paradoxais. Mas o custo de aceitar a não conglomerabilidade é elevado, no-
meadamente muitas consequências paradoxais. É melhor considerar a não con-
glomerabilidade nestas lotarias como um paradoxo em si e como a raiz matemá-
tica de uma série de outros paradoxos.

2.6 Melhorando as chances de todos

Suponha que eu tenha uma loteria justa com cinco bilhetes e um ganhador. Pos-
so manter esses parâmetros e aumentar as chances de vitória da maioria das pes-
soas. Por exemplo, posso fazer com que o primeiro bilhete tenha zero chances

96
de ganhar e depois aumentar as chances dos outros bilhetes de 1/5 para 1/4.
Mas o seguinte princípio é muito plausível:

(2) Numa lotaria em que um prémio é atribuído a exactamente um vencedor,


é impossível alterar as probabilidades de vitória de modo a melhorar as
probabilidades de todos ganharem.

Na probabilidade clássica, (2) é um teorema (no caso especial de muitos joga-


dores contáveis, é uma consequência imediata da aditividade contável). Ainda as-
sim, uma vez permitidas probabilidades infinitesimais, pode-se suspeitar de (2).
Por exemplo, suponha que uma loteria tenha um número incontável de bilhetes,
um bilhete correspondendo a cada número real entre 0, inclusive, e 360, exclusi-
vo. Um spinner é girado e o número vencedor é dado pelo ângulo em graus en-
tre as posições inicial e final do spinner. Além disso, o spinner é girado de tal
forma que o número vencedor é distribuído uniformemente em [0, 360).
Agora suponha que modifiquemos a forma como o número vencedor é gera-
do da seguinte maneira. Quando o botão giratório para, dobramos o ângulo e
depois o reescrevemos para que ainda fique dentro de [0, 360). Por exemplo, se
o ângulo onde o botão giratório para é 195 graus, dobramos para dar 390 graus
e, em seguida, observamos que 390 graus representa o mesmo ângulo que 30
graus, então nosso vencedor é 30 graus. Mas agora o bilhete de número 30 tem
duas maneiras de ganhar: ele ganha se a roleta parar em 15 graus e também
quando a roleta parar em 195 graus. O mesmo se aplica a todos os outros in-
gressos. Portanto, a nossa modificação na loteria dobrou as chances de vitória de
todos, embora ainda fosse o caso de apenas um bilhete ganhar.
O probabilista clássico concorda com o que acabei de dizer, mas diz que isto
é compatível com (2). Pois a probabilidade de a roleta parar em um determinado
ângulo exato é zero, e quando dobramos zero, ainda temos zero, o que não re-
presenta nenhuma melhoria. No entanto, se pensarmos que a probabilidade de
um resultado não é zero, mas sim um infinitesimal, então devemos admitir que o
procedimento acima aumentou a probabilidade de vitória de todos. Estou incli-
nado a pensar que (2) é suficientemente plausível para que este argumento nos
leve à conclusão clássica de que cada número tem probabilidade zero. Mas al-
guns podem, em vez disso, ser levados a rejeitar (2).
Dado que (2) é altamente plausível, alguém que a rejeita deveria tentar tornar
essa rejeição mais palatável. Uma abordagem razoável é dizer que as nossas in-
tuições não são sensíveis a diferenças infinitesimais de probabilidade. Assim, tal-
vez seja possível melhorar infinitamente as chances de vitória, mas não mais do
que isso. Deveríamos, portanto, substituir (2) por esta afirmação mais fraca:

(3) Numa lotaria em que um prémio é atribuído a exatamente um vencedor,


é impossível alterar as probabilidades de vitória de modo que a probabili-

97
dade de vitória de cada indivíduo aumente num incremento não infinite-
simal.

É muito difícil negar (3). Mas se são possíveis loterias justas infinitas e contá-
veis, então ela deve ser rejeitada. Suponhamos que temos uma loteria justa infini-
tamente contável com bilhetes 1, 2, 3, .... Agora considere uma segunda loteria
com os mesmos bilhetes, mas onde a probabilidade do bilhete número n ganhar
é 1/2n. Dentro da teoria clássica da probabilidade, esta é uma loteria totalmente
não paradoxal e fácil de construir.69 Mas agora observe que na segunda loteria,
cada bilhete tem uma chance não infinitamente maior de ganhar. Pois o bilhete n
tem uma chance infinitesimal α de ganhar em nossa loteria justa e infinita contá-
vel, mas uma chance não infinitesimal de 1/2n em nossa segunda loteria e, por-
tanto, o aumento nas probabilidades de ganhar é 1/2n − α > 1/2n − 1/2n+1 =
1/2n+1 e, portanto, não é infinitesimal. Conseqüentemente, loterias justas contá-
veis e infinitas contradizem (3) e, portanto, são impossíveis.
O paradoxo da violação de (3) é diferente do anterior porque não parece es-
tar tão intimamente relacionado com a não conglomerabilidade.

3. Construindo Loterias Paradoxais


3.1 Justiça e paradoxalidade

Todos os paradoxos acima surgem de uma consequência crucial da justiça em


uma loteria justa infinitamente contável: para qualquer conjunto finito de bilhe-
tes, a probabilidade de o bilhete vencedor ser um membro desse conjunto é zero
ou infinitesimal (ou seja, é quase zero). Isto, por sua vez, decorre da aditividade
finita de probabilidades e do fato de que cada bilhete tem no máximo uma pro-
babilidade infinitesimal de ganhar.
De forma mais geral, estipularei que uma loteria é paradoxal desde que haja
um número infinito de bilhetes e cada bilhete tenha no máximo uma probabili-
dade infinitesimal de ganhar. Os argumentos apresentados até agora neste capí-
tulo justificam o uso da palavra “paradoxal” e nos dão boas razões para pensar
que loterias paradoxais são impossíveis. Contudo, argumentarei agora que se o
infinitismo causal for verdadeiro, então é possível ter uma lotaria paradoxal.
Uma ou duas (dependendo se alguém pensa que a construção na próxima subse-
ção é uma trapaça) das construções renderá até mesmo uma loteria infinita e
contável.

3.2 Sequências de lançamento de moeda da sorte

69 Ver nota 8, acima.

98
Dado o infinitismo causal, jogue uma moeda justa indeterminística com uma
frequência infinita, seja em uma supertarefa ou em um passado infinito. O lan-
çamento de moeda na vida real pode ser determinístico, então o “lançamento de
moeda” pode precisar ser um substituto para algum experimento quântico. (Às
vezes omitirei a palavra “indeterminístico”.) Numere todos os lançamentos com
os números inteiros positivos (por exemplo, se você fez um lançamento por dia
durante um passado infinito, numere o lançamento de hoje como 1, o de ontem
2 e assim por diante). Aqui está algo que pode acontecer: um e apenas um lan-
çamento dá cara (Fig. 4.1). Se você tiver sorte o suficiente para que isso tenha
acontecido, então seja n o número associado ao lançamento que deu cara. Este
número n é então o número escolhido pela loteria. E a escolha é justa: os lança-
mentos são todos iguais, portanto nenhum número é privilegiado. Temos o que
Norton (2018) chama de “independência de rótulo”.

Figura 4.1 Um caso de sorte em que a loteria funciona, sendo o ganhador o número 2.

É claro que este método para gerar uma loteria normalmente falha. A Lei dos
Grandes Números garante que, com probabilidade um, em média metade dos
lançamentos de moedas serão caras. Mas nas loterias da vida real, também é pos-
sível que o processo falhe. O organizador pode estar prestes a tirar um bilhete da
cartola, mas um tornado explode o chapéu. Quando dizemos que uma loteria é
justa, queremos dizer que, condicionalmente ao sucesso da loteria, todos os re-
sultados serão iguais. E neste sentido, quando temos sorte e temos exatamente
uma cara na sequência infinita, temos realmente uma lotaria justa infinita e con-
tável. A diferença é que em casos da vida real o fracasso da loteria é improvável,
enquanto neste caso o sucesso é improvável
No entanto, embora esta construção simples realmente gere uma loteria
quando é bem-sucedida, a falta de confiabilidade da construção torna os parado-
xos menos reveladores. Por exemplo, o argumento da manipulação na Seção 2.5
torna-se menos impressionante se eu tiver que ter muita sorte para poder mani-
pulá-lo, já que somente se eu tiver muita sorte poderei aproveitar o resultado de
uma loteria justa e contabilmente infinita. Na verdade, talvez haja alguma plausi-
bilidade em pensar que um agente perfeitamente racional possa falhar em cir-
cunstâncias tão raras.
Pode-se tentar fazer com que a construção funcione com mais frequência,
repetindo-a até obter sucesso. Infelizmente, acontece que mesmo que execute-
mos a construção de forma contável com uma frequência infinita, ainda assim
não podemos esperar que ela seja bem-sucedida. Na probabilidade clássica, a
probabilidade de sucesso ainda será zero (Norton e Pruss 2018), pois uma dis-
junção contável de resultados de probabilidade zero tem probabilidade zero.

99
Outra forma de aproveitar a repetição e a sorte para gerar uma máquina de
loteria infinita é a seguinte. Jogue um número infinito de moedas contáveis, mas
organize-as em uma matriz bidimensional, com infinitas linhas, cada uma com
um número infinito de lançamentos. Não olhe para os resultados das viradas.
Em vez disso, envie um robô para percorrer o array em uma supertarefa, em zi-
gue-zague, como na Figura 4.2. O robô determina se cada linha contém exata-
mente uma cara e nos informa sobre isso.
Se o robô retornar uma resposta negativa – ou seja, se alguma linha contiver
um número de caras diferente de um – então nossa tentativa de fazer uma má-
quina de loteria falhou. Mas se o robô retornar uma resposta positiva, o robô se-
rá direcionado para o início da primeira linha da matriz. As moedas que estão na
matriz junto com o robô constituem agora uma máquina de loteria. Para operá-
lo, o robô é colocado à esquerda da primeira linha e, em seguida, é direcionado
para se mover para a direita até atingir as cabeças, informar a posição das cabe-
ças e, finalmente, passar para o início da próxima linha.

Fig. 4.2 Uma travessia de uma matriz bidimensional

Uma vez construída a máquina de loteria, ela pode gerar quantos bilhetes de lo-
teria justos e contáveis quisermos, possibilitando todos os paradoxos, inclusive
aqueles que dependem de múltiplas loterias. Claro, tivemos que ter sorte o sufi-
ciente para que cada linha contivesse exatamente uma cara, e a probabilidade de
tal sorte era zero. Mas uma máquina que precisa de sorte para ser construída
ainda é uma máquina construtível. E, para ser honesto, qualquer máquina infini-
ta requer algo como muita sorte para ser construída: seria preciso ter muita sorte
para ter os recursos materiais para uma máquina infinita, bem como nunca co-
meter um erro ao construí-la.
É interessante que a existência e operação da máquina constituída pelo con-
junto de moedas e pelo robô não viola o finitismo causal - o robô só precisa
percorrer um número finito de coroas para chegar a uma cara em cada linha.
Mas, para gerar os paradoxos de loterias justas infinitamente contáveis, precisa-
mos saber que temos essa loteria em mãos. E a etapa de “controle de qualidade”,
em que o robô supertarefa verificava pela primeira vez se todas as linhas da ma-
triz estavam em conformidade com os requisitos, dependia do infinitismo causal.

100
Na Seção 3.4, considerarei uma maneira mais complexa de gerar uma loteria
justa infinitamente contável. Esse método mais complexo dependerá da possibi-
lidade de explorar causalmente o Axioma da Escolha, em vez de apenas ter uma
sorte improvável. No Capítulo 6, argumentarei que se o infinitismo causal for
verdadeiro, então tal exploração causal é possível. Mas, primeiro, vamos refletir
sobre o que é construir uma loteria justa contável e infinita.

3.3 O que é construir uma loteria justa contável e infinita

Loterias justas contáveis e infinitas violam o axioma da aditividade contável den-


tro da teoria clássica da probabilidade. Isto torna difícil dizer o que significa
construir tal loteria, uma vez que não se pode fazer uso de construções probabi-
lísticas padrão. Resolverei este problema invocando a simetria.
Intuitivamente, alguns processos estocásticos, considerados processos causais
físicos reais, são simétricos. Assim, o espaço Ω de resultados do processo tem
um conjunto natural de simetrias, que são funções biunívocas de Ω sobre si
mesmo, com a propriedade de que se σ é uma simetria e A é um subconjunto de
Ω, então o evento do resultado estar em A e o evento do resultado estar em σA
= {σ(ω) : ω ∈ A} estão no mesmo nível estocasticamente.
Se tivermos uma medida de probabilidade P em Ω, então uma condição ne-
cessária para A e B estarem no mesmo nível estocasticamente é que P(A) =
P(B). Mas esta condição necessária pode não ser suficiente. Por exemplo, na
probabilidade clássica, se você estiver jogando um dardo de maneira uniforme e
aleatória em um alvo circular contínuo, então as probabilidades de o dardo atin-
gir o centro exato do alvo e de o dardo atingir a linha horizontal que passa pelo
centro exato são iguais: ambos são zero. Mesmo assim, intuitivamente, as duas
possibilidades não estão no mesmo nível: parece infinitamente mais provável
que o dardo atinja a linha horizontal que passa pelo centro do que atinja exata-
mente o centro. Além disso, os conjuntos A e B podem estar no mesmo nível,
mas não mensuráveis na probabilidade clássica.70
Existem teorias de probabilidade não clássicas que permitem fazer tais com-
parações; por exemplo, funções de Popper e probabilidades infinitesimais (estas
duas abordagens são basicamente equivalentes, conforme Krauss 1968 e McGee
1994), ou probabilidades comparativas (Fine 1973). Mas todos eles têm as suas
deficiências técnicas,71 e é melhor que a noção de simetria de um processo esto-
cástico e a noção inter-relacionada de conjuntos de resultados em pé de igualda-
de não estejam vinculadas a nenhuma explicação específica. Assim, tomarei sim-
plesmente as noções de um conjunto de simetrias do espaço de resultados de um

70 Por exemplo, imagine um botão giratório que escolhe uniformemente um ponto em um círculo. Seja
A um subconjunto não mensurável do círculo e seja B qualquer rotação de A (até mesmo o próprio
A): então A e B estão no mesmo nível, mas nenhum deles tem probabilidade.
71 Por exemplo, ver Pruss (2013a e 2015).

101
processo estocástico e de conjuntos de resultados equivalentes, como não anali-
sados posteriormente, mas como inter-relacionados.72
Como exemplo de simetrias de um processo causal, considere uma sequência
infinita contável de lançamentos de moeda justos, independentes e indeterminís-
ticos, todos fisicamente iguais. Podemos então pegar um resultado desse proces-
so – ou seja, uma sequência de cara ou coroa – e reordená-lo de alguma forma
fixa. Por exemplo, talvez cada lançamento de número ímpar seja trocado pelo
lançamento de número par seguinte, de modo que TTHTTHHH... seja mapeado
para TTTHHTHH... . Tal reordenação dos elementos na sequência é intuitiva-
mente uma simetria do sistema, e conjuntos de resultados que diferem por tal
reordenação são intuitivamente probabilisticamente iguais. Em particular, espe-
raríamos que a probabilidade de obter tal e tal frequência de caras entre os lan-
çamentos de números pares fosse igual à probabilidade de obter essa frequência
entre os lançamentos de números ímpares.
Uma simetria diferente que nos será particularmente útil no caso de uma se-
quência de lançamentos de moeda é a inversão de um conjunto de resultados.
Suponha que nossos lançamentos de moedas sejam numerados de alguma for-
ma. Então, dado qualquer conjunto S de números, e dada uma sequência ω de
resultados de lançamento de moeda, podemos definir σSω como a sequência ω
com cada resultado de um lançamento de moeda cuja posição na sequência de
lançamentos está em S sendo mudado para o valor oposto, coroa com cara e ca-
ra com coroa. Em outras palavras, se ω = (ω1, ω2, ...) é uma sequência de lança-
mentos de moeda e σS(ω) = (ω’1, ω’2, ...), então ω’i = ωi se e somente se i ∉ S. Por
exemplo, σ{1,4,5}(TTHTTHHH...) = HTHHHHHH... . Intuitivamente todo σS é
uma simetria de uma sequência de lançamentos de moeda justos e indeterminís-
ticos, porque não faria diferença probabilisticamente falando se, depois de gerar
os lançamentos de moeda, percorrêssemos e virassemos mecanicamente cada
moeda correspondente a um número em S, desde que S tenha sido especificado
sem depender dos resultados do lançamento da moeda.73
Podemos agora especificar mais precisamente o que quero dizer com gerar
uma loteria justa infinita e contável a partir de um processo estocástico. Come-
çamos com um processo estocástico com um espaço de resultados Ω e um con-
junto de simetrias G tais que A e σA estão sempre probabilisticamente no mes-
mo nível para um subconjunto A de Ω e σ ∈ G. Então encontramos uma função
f que atribui a cada membro ω de Ω um inteiro positivo f(ω) tal que para quais-
quer inteiros positivos n e m, há uma simetria σ em G tal que σEn = Em, onde Ei
= {ω : f(ω) = i}.
Nosso procedimento para executar a loteria agora é este: você executa o pro-
cesso estocástico, insere o resultado ω dele em f e anuncia o número inteiro posi-

72 Cf. Bartha e Johns (2001) para uma abordagem de simetria relacionada.


73 Seria obviamente injusto dizer que viramos todas e apenas as moedas que dão cara, pois isso garanti-
ria que só teríamos coroa.

102
tivo f(ω) como o número vencedor. Assim, f(ω) é o número vencedor da loteria
na localização ω no espaço de resultados, e Ei é o evento do bilhete i ser o ven-
cedor. Então a justiça é garantida pelo requisito de que para qualquer par de in-
teiros positivos n e m, os eventos En e Em correspondem sob uma simetria do
espaço de resultados e, portanto, estão no mesmo nível.
Acima, presumi que para cada resultado do processo estocástico podemos
gerar um vencedor. Mas também se poderia supor que existe um subconjunto
próprio U de Ω e que a função f é definida apenas em U, mantendo todas as ou-
tras condições. Neste caso, se o processo original parar fora de U, nenhuma lo-
teria será gerada. Mas se cair em um ponto ω dentro de U, teremos sorte e po-
demos considerar f(ω) o vencedor da loteria. Nesse caso, temos uma construção
da loteria pouco confiável.
Na Seção 3.2, tivemos uma construção particularmente não confiável. Para
simplificar, vamos trabalhar com a variante de linha única. Para enquadrar esta
construção numa estrutura baseada em simetria, geraremos uma lotaria cujos re-
sultados sejam números inteiros arbitrários em vez de apenas positivos, e supo-
mos que os lançamentos de moeda são indexados por todos os números intei-
ros, com a extensão óbvia da nossa estrutura. Uma família óbvia de simetrias pa-
ra o processo de lançamento de moeda é dada por deslocamentos τn, onde n é
um número inteiro e τn(ω) é a sequência ω deslocada por n.
Seja Ω o conjunto de todas as sequências bidirecionalmente infinitas de cara
ou coroa, ou seja, todas as funções do conjunto de todos os inteiros (positivos e
negativos) ℤ a {H, T}, consideradas como geradas por um número infinito de
lançamentos de moeda justos e indeterminísticos. Seja U o subconjunto de Ω
que consiste em todas as sequências que são caras em todas as posições, exceto
uma. Para ω ∈ U, seja f(ω) a posição das caudas únicas. Então, se m e n são
quaisquer dois inteiros, τm−n{ω: f(ω) = n}={ω: f(ω) = m}, uma vez que ω tem su-
as caudas únicas na enésima posição se e somente se a o deslocamento de ω por
m − n tem suas caudas únicas na m-ésima posição. Assim, temos uma maneira de
construir uma loteria justa infinitamente contável, embora muito pouco confiá-
vel, pois só funciona se o processo original gerar uma sequência em U, e isso é
extremamente improvável.

3.4 ∗Lançamentos de moedas e o Axioma da Escolha

Uma construção mais técnica de uma loteria infinita depende do Axioma da Es-
colha da teoria dos conjuntos no lugar da sorte.
Comece com uma sequência infinita de lançamentos justos de moedas inde-
pendentes, seja em uma supertarefa ou em um passado infinito, e suponha que
os números do lançamento sejam numerados 1, 2, 3, .... Denotaremos uma vira-
da de cara com 1 e uma virada de coroa com 0 e, portanto, podemos modelar a
situação com o espaço de estados Ω de todas as sequências (ω1, ω2, ...) onde cada
103
ωi é zero ou um. Uma determinada sequência de lançamentos de moedas gera
então uma sequência específica de zeros e/ou uns.
Seja σn uma função que pega uma sequência (ω1, ω2, ...) em Ω e inverte o va-
lor do enésimo item na sequência. Por isso,

σn((ω1, ω2, . . . )) = (ω1, ω2, ... , ωn−1, 1 − ωn, ωn+1, ωn+2, ...).

Em geral, assumirei que se ω denota uma sequência em Ω, então ωn é o ené-


simo elemento dela.
As funções σn são intuitivamente simetrias do processo que gera a sequência
de lançamentos de moeda. Se n for qualquer número inteiro positivo, U qualquer
subconjunto de Ω, e σnU = {σn(ω): ω ∈ U}, então o fato de a sequência do lan-
çamento da moeda ser um membro de U é estocasticamente igual ao fato de a
sequência ser um membro de σnU.
Seja Ω0 o subconjunto Ω que consiste naquelas sequências que possuem ape-
nas um número finito de unidades. Existe uma correspondência biunívoca entre
Ω0 e os números naturais ℕ. Para ver isso, observe que, dado ω ∈ Ω0, teremos ω
= (ω1, ... , ωn, 0, 0, ... ) para algum n. Então seja ω∗ o número natural que pode
ser escrito em binário ωnωn−1 ...ω1. Por exemplo, se ω = (0, 1, 0, 1, 1, 0, 0, 0, ...),
então ω∗ é o número cuja expansão binária é 11010 (ou, equivalentemente,
011010 ou 0011010 - não 'não importa quantos zeros à direita de ω incluímos),
ou seja, o número decimal 2 + 8 + 16 = 26. Portanto, podemos interpretar os
membros de Ω0 como números naturais escritos de trás para frente em binário.
Escreva a⊕b para a soma módulo 2 de dois números a e b de {0, 1}. Assim,
0⊕0 = 1⊕1 = 0 e 0⊕1 = 1⊕0 = 1. Se ω e ω’ estão em Ω, então seja ω⊕ω’ =
(ω1⊕ω’1, ω2⊕ω’2, ...). Para qualquer subconjunto U de Ω e qualquer ω ∈ Ω, es-
creva ω ⊕ U = {ω ⊕ ω : ω ∈ U}. Podemos pensar em ω⊕ω ou ω ⊕ U como
uma “torção” de ω ou U, respectivamente, por ω.
Se ω ∈ Ω0, então torcer por ω é equivalente a aplicar um número finito de
transformações σn, nomeadamente aquelas transformações σn onde n correspon-
de a uma entrada diferente de zero em ω. Mais precisamente, se n1, n2, ... , nk são
os índices distintos das posições diferentes de zero em ω, então ω + ω = σn1 (σn2
(··· σnk (ω’))). Como as combinações de simetrias serão simetrias, as operações
de torção serão simetrias do nosso processo estocástico.
Agora, defina uma relação de equivalência ∼ em Ω dizendo que ω ∼ ω’ se e
somente se ω ⊕ ω ∈ Ω0. Isto é o mesmo que dizer que ω e ω concordam, exceto
em no máximo um número finito de lugares, e é claro que esta é uma relação de
equivalência. Seja [ω] = {ω’ : ω ∼ ω’ } a classe de equivalência de ω.
Pelo Axioma da Escolha, suponha que g é uma função que atribui a cada clas-
se de equivalência A algum membro g(A) em A. Estamos agora prontos para
descrever uma loteria justa infinitamente contável. Para simplificar, os rótulos
104
dos tickets serão os membros de Ω0, que correspondem aos números naturais (e,
portanto, aos inteiros positivos) por codificação binária inversa. Dada uma se-
quência ω do nosso processo estocástico de lançamento de moeda, seja f(ω) = ω
⊕ g([ω]). Em outras palavras, f(ω) é uma sequência que possui 1 precisamente
naqueles lugares onde ω difere do representante especialmente escolhido g([ω]).
Como ω ∼ g([ω]), segue-se que f(ω) tem apenas um número finito de unidades e,
portanto, f(ω) ∈ Ω0. Nossa loteria funciona da seguinte forma: uma sequência in-
finita ω de lançamentos é gerada em um passado infinito ou por meio de uma
supertarefa, e o bilhete premiado é f(ω).
Resta mostrar que se μ e ν são dois elementos quaisquer de Ω0, então {ω :
f(ω) = μ} e {ω : g(ω) = ν} são equivalentes sob alguma simetria. Para ver isso,
observe que ν ⊕ μ ∈ Ω0 e, portanto, tudo o que precisamos mostrar é que:

(ν ⊕ μ) ⊕ {ω : f(ω) = μ}={ω : f(ω) = ν}.

Para mostrar isso, observe que ⊕ é comutativo, associativo, e cada membro de


Ω é seu próprio inverso, ou seja, α ⊕ α = 0, onde 0 é a sequência que é sempre
zero, e que o mapa que envia ω para ω’ = ν ⊕ μ ⊕ ω é uma bijeção de Ω sobre
si mesmo que é seu próprio inverso. Observe também que [ν ⊕ μ ⊕ ω’] = [ω’],
já que ν ⊕ μ ∈ Ω0. Então:

(ν ⊕ μ) ⊕ {ω: f(ω) = μ} = (ν ⊕ μ) ⊕ {ω: ω ⊕ g([ω]) = μ}


= {ν ⊕ μ ⊕ ω : ω ⊕ g([ω]) = μ}
= {ω’: ν ⊕ μ ⊕ ω’ ⊕ g([ν ⊕ μ ⊕ ω’]) = μ}
= {ω’: ω’ ⊕ g([ν ⊕ μ ⊕ ω’]) = ν ⊕ μ ⊕ μ}
= {ω’ : ω’ ⊕ g([ν ⊕ μ ⊕ ω’]) = ν}
= {ω’ : ω’ ⊕ g([ω’]) = ν}
= {ω : ω ⊕ g([ω]) = ν}
= {ω : f(ω) = ν}

Portanto, {ω: f(ω) = ν} e {ω: f(ω) = μ} são equivalentes sob uma torção de ν ⊕
μ, que é um membro de Ω0 e, portanto, são equivalentes sob uma simetria do
nosso original processo estocástico.
Assim, de fato temos a construção de uma loteria justa infinitamente contá-
vel.

3.5 Passeios aleatórios

Um robô se move ao longo de uma linha infinita. A cada passo de sua carreira,
ele lança uma moeda justa e indeterminística. Na coroa ele se move um passo
para a esquerda e na cara um passo para a direita.

105
Suponha que o robô tenha passado por uma sequência infinita de etapas, re-
trocedendo em uma supertarefa invertida74 ou em uma passada infinita. Se nu-
merarmos as posições na linha com números inteiros, a posição atual do robô
pode ser considerada para produzir o resultado de uma loteria.
A loteria é paradoxal. Isso ocorre porque a função de probabilidade do robô
se espalha ao longo do tempo e, ao longo de um período infinito de tempo, ela
se espalhará de modo a garantir que a probabilidade de ele estar em qualquer po-
sição seja zero ou infinitesimal.
Um pouco mais rigorosamente, seja pk(x) a probabilidade de que na k-ésima
etapa o robô esteja na posição x, onde k = 0 corresponde à última etapa, k = −1
à anterior e assim por diante. Fixe um número natural muito grande N. Então a
função de probabilidade p0 dependerá de p−2N. Fixe um número inteiro x0 e va-
mos perguntar quão grande pode ser p0(x0). O maior p0(x0) que pode ser é quan-
do p−2N atribui probabilidade 1 a x0 e 0 a todos os outros: embora seja imprová-
vel que um robô que começa na posição x0 esteja novamente em x0 após 2N
passos, será mais ainda é improvável que um robô que comece em qualquer ou-
tro lugar esteja em x0 após 2N etapas.75 Agora, se p−2N(x0) = 1 e, portanto, todas
as outras probabilidades na etapa −2N são zero, então a única maneira de o ro-
bô poder estar em x0 novamente na etapa 0 é se exatamente N caras e N coroas
foram lançadas.
Seja f(N) a probabilidade de que em 2N lançamentos de uma moeda honesta,
exatamente N caras sejam lançadas. Acabamos de mostrar que não importa o
que seja p−2N, p0(x0) ≤ f(N). E este argumento funciona para qualquer número
natural N. Mas decorre dos factos sobre a distribuição binomial que f(N) con-
verge para 0 à medida que N vai para o infinito.76 Assim, para qualquer número
real r > 0, se N for grande o suficiente teremos f(N) ≤ r, e portanto, p0(x0) ≤ r.
Portanto, p0(x0) deve ser zero ou infinitesimal. E isso é verdade para todo x0.
Assim, cada número de bilhete tem probabilidade zero ou infinitesimal, e as-
sim construímos uma loteria paradoxal.
O cenário acima presumia que o espaço poderia ser infinito. Essa suposição
não é essencial. Poderíamos, em vez disso, supor uma partícula ou outro objeto
que tenha uma propriedade — digamos, spin ou carga — que mude aleatoria-
mente para cima ou para baixo com probabilidades iguais e que não tenha limite
superior ou inferior.

74 Por exemplo, um passo dado às 11:00:00, um às 10:30:00, um às 10:15:30 e assim por diante, em
oposição a uma supertarefa para frente onde um passo é dado, digamos, às 10:00 :00, outro às
10:30:00, outro às 10:45:30 e assim por diante. Norton (2018) critica a versão avançada de supertarefa
desta história.
75 ∗Isso decorre do fato de que a distribuição binomial para a probabilidade 1/2 atinge o pico na mé-

dia.
76 ∗Temos 𝑓(𝑁) = 2−2𝑁 (2𝑁) = 2−2𝑁 (2𝑁)!/(𝑁!)2 . Pela Fórmula de Stirling, n! é assintótico a
𝑁
√2𝜋𝑛(𝑛/𝑒)𝑛 . Assim, f(N) é assintótico a 2−2𝑁 (2𝜋𝑁)−1/2 /(𝑁/𝑒)2𝑁 = (2𝜋𝑁)−1/2 , que converge
para zero.

106
4. Objeções
4.1 Loterias infinitas e distribuições uniformes

4. 1. 1 O PROBLEMA

Há, no entanto, um sério problema na utilização de lotarias paradoxais como ar-


gumento a favor do finitismo causal. Pois parece que é possível gerar loterias pa-
radoxais sem histórias causais infinitas. Suponha que temos um processo – di-
gamos, um spinner – que gera uniformemente um número real no intervalo [0,
1). Podemos utilizar o resultado de uma única execução deste processo para ali-
mentar as construções que acabámos de fornecer. As construções nas Seções 3.2
e 3.4 exigiram apenas uma sequência infinita e contável de lançamentos de moe-
das. Mas pegue nosso número real aleatório. Se o enésimo dígito após a vírgula
decimal for par, considere o enésimo lançamento da moeda como cara; caso
contrário, considere o enésimo lançamento da moeda como coroa. Dada esta
sequência infinita de lançamentos de moeda, parece que se pode gerar uma lote-
ria exatamente como antes, mas sem usar qualquer sequência causal infinita.77

4. 1. 2 RESPOSTA I: SEM DISTRIBUIÇÕES CONTÍNUAS

Uma solução é que, além de aprendermos com os paradoxos que sequências


causais infinitas são impossíveis, também aprendemos que é impossível ter um
processo causal que gere uniformemente um número real num intervalo.78 Isso
exigiria que rejeitássemos basicamente todas as distribuições contínuas, uma vez
que todas as outras distribuições contínuas podem ser usadas para gerar distri-
buições uniformes. 79 Em particular, não poderíamos ter nada como giradores
77 Há uma pequena questão sobre o que fazer nos casos de números que possuem duas expansões de-
cimais diferentes. Por exemplo, 0,50000... = 0,49999.... Poderíamos sempre escolher a expansão deci-
mal que termina em uma sequência infinita de zeros em vez de uma que termina em uma sequência in-
finita de noves. a probabilidade de que alguém acerte um número decimal que tenha duas expansões
diferentes é zero ou infinitesimal, uma vez que todos esses números são racionais, e a probabilidade de
que a escolha uniforme acerte um número racional é, no máximo, infinitesimal. Irei, portanto, ignorar
esta complicação.
78 Isso introduz uma pequena complicação dialética, pois usei um spinner para gerar uma loteria não

paradoxal onde a probabilidade do bilhete n era 2−n. Mas eu também poderia ter usado uma supertarefa
(lançar moedas até obter cara e ser n o número do lançamento em que obteve cara pela primeira vez),
e nosso infinitista causal não poderia objetar muito bem. Ainda teríamos uma reductio ad absurdum con-
tra o infinitismo causal.
79 ∗Suponha que uma variável aleatória X, dentro da probabilidade clássica, tenha uma distribuição

contínua, de modo que a função F(x) = P(X < x) seja contínua. Considere agora a variável aleatória Y
= F(X). Considere qualquer y ∈ (0, 1). Seja x o menor número real tal que F(x) = y (isso existe por
causa da continuidade de F e porque F tem limites 0 e 1 em −∞ e +∞ respectivamente). Então Y < y
se e somente se X < x. Portanto P(Y < y) = P(X < x) = F(x) = y, e segue por aditividade contável que
Y é uniformemente distribuído em [0, 1].

107
contínuos, dardos lançados contra alvos contínuos ou processos de decaimento
radioativo onde o tempo de decaimento varia acima de números reais.
Isso não é tão louco. O finitismo causal torna pelo menos plausível que o
tempo seja discreto (ver Capítulo 8). Um tempo discreto é infinitamente subdivi-
sível ou não. Aristóteles pensava que era infinitamente subdivisível: entre quais-
quer dois pontos do tempo pode não haver realmente outro tempo, mas mesmo
assim é possível outro tempo. Um tempo infinitamente subdivisível pode ser su-
ficiente para permitir que um decaimento radioativo gere uma distribuição con-
tínua. Pois embora não existam todos os tempos infinitos em que um átomo
pode decair, talvez haja um continuum de tempos possíveis em que ele poderia
decair e, se decaísse, isso tornaria real um desses tempos possíveis. Mas não está
claro se mesmo isso geraria um continuum de tempos de decaimento potenciais,
em oposição a, digamos, apenas um número contável de tempos candidatos.
Mas também é uma possibilidade séria que o tempo tenha de ser composto
de intervalos básicos, e não mais subdivisíveis. Se assim for, então um processo
de decaimento em tempo contínuo será impossível, descartando processos de
decaimento e spinners gerando uma distribuição contínua.
Além disso, é plausível que o espaço seja semelhante ao tempo o suficiente
para que, se o tempo tiver que ser discreto, o espaço também o seja, e se o tem-
po tiver que ser discreto com intervalos não subdivisíveis, o espaço seja seme-
lhante (ver Capítulo 7, Seção 2.2). E isso excluiria a utilização de processos de
lançamento de dardos para gerar uma distribuição contínua.

4. 1.3 RESPOSTA II: MEDIÇÃO DE DADOS DE PRECISÃO INFINITA

Além disso, fazer uso de uma distribuição contínua para gerar um número infini-
to de lançamentos de moeda parece exigir um número infinito de medições. Para
verificar se o primeiro dígito após o ponto decimal de nossa variável aleatória X
é par ou ímpar requer medir X com uma precisão melhor que ±0,05, e para veri-
ficar se o próximo dígito é par ou ímpar requer uma precisão melhor que
±0,005, e breve. Para simplificar, digamos que estamos trabalhando com a cons-
trução “sortuda” da Seção 3.2. Em seguida, precisamos verificar o equivalente à
afirmação de que exatamente uma moeda deu cara, ou seja, precisamos verificar
se exatamente um dígito de X após a vírgula decimal é par. Isto parece exigir a
realização de medições cada vez mais precisas, presumivelmente numa superta-
refa, e depois a comparação dos dados obtidos nestas medições, a fim de desco-
brir se exactamente um dígito é par. E aqui o finitismo causal será violado, pois
todas as medições estarão na história causal do conhecimento do resultado reco-
lhido.
Poderíamos, talvez, supor uma lei da natureza ou propensão causal do siste-
ma que garanta diretamente algum efeito, digamos o toque de um sino, sempre
que cada dígito de X após a vírgula decimal for par, de modo que haja uma única
causa - X sendo tal que exatamente um dígito após a vírgula decimal é par - des-
108
se efeito. Ou talvez possa haver um ser divino que simplesmente anuncie se este
é realmente o caso. Isto não funcionará, contudo, num contexto de mecânica
quântica onde os factos sobre o valor de X são causados pelas medições, e onde
um valor infinitamente preciso pode não fazer qualquer sentido – por exemplo,
uma posição infinitamente precisa exigiria uma não -distribuição de momento
normalizável.
Portanto, se quisermos dizer que todas as medições de dados contínuos têm
de ser semelhantes aos casos da mecânica quântica, teremos uma forma de mos-
trar que as lotarias paradoxais geradas através de seleções aleatórias contínuas te-
riam de envolver um número infinito de medições e, portanto, seriam descartada
pelo finitismo causal.

4. 1. 4 RESPOSTA III: O USO DO AXIOMA DA ESCOLHA

Há ainda outro movimento que podemos fazer no caso da construção fiável da


Secção 3.4, embora reconhecidamente não no caso da construção “sortuda”
menos impressionante da Secção 3.2.
A construção confiável de loterias justas infinitas contáveis a partir de lança-
mentos de moedas invocou o Axioma da Escolha, ou seja, a afirmação de que se
S é um conjunto de conjuntos não vazios, existe uma função que escolhe um
elemento de cada elemento de S.
No entanto, é crucial para a construção que as construções não sejam mera-
mente construções matemáticas, mas que exibam algo que, dado o infinitismo
causal, poderia ser um processo causal genuíno. E para esse fim, não basta que
exista abstratamente um conjunto de escolhas. Pelo contrário, é necessário que
haja um processo causal que implemente a função de escolha. Em nossas cons-
truções, precisávamos de um processo que, ao inserir uma sequência particular
de caras e coroas, produzisse como saída o membro escolhido da classe de equi-
valência que contém aquela entrada. Mas é plausível que tal processo precisasse
ter uma complexidade infinita - seria necessário combinar a sequência de entrada
com as classes de equivalência e, em seguida, gerar o representante pré-escolhido
correto da classe. Assim, o processo precisaria ter acesso a um representante
pré-escolhido para cada uma das classes de equivalência, talvez armazenado em
uma memória infinita. Dado o infinitismo causal, não haverá dificuldades aqui.
Mas dado o finitismo causal, está longe de ser claro que isto possa ser feito. Te-
remos mais discussão sobre o Axioma da Escolha e suas implicações no Capítu-
lo 6.
Além disso, o simples reconhecimento de que duas sequências se enquadram
na mesma classe de equivalência requer o exame de um número infinito de
membros das sequências, o que pode violar o finitismo causal.

4.2 ∗Um estado quântico não normalizável

109
John Norton (2018) considerou uma construção mecânica quântica de uma lote-
ria justa infinitamente contável. Um estado da mecânica quântica |ψ⟩ é normal-
mente representado como uma superposição, ou seja, soma (ou, mais geralmen-
te, integral), de estados de base ortogonais |ϕn⟩:

|𝜓⟩ = ∑ 𝑐𝑛 |𝜙𝑛 ⟩
𝑛=1

onde|ϕn⟩ tem norma 1 e ∑∞ 2


𝑛=1 |𝑐𝑛 | é finito. Se tivermos então um O observá-
vel que certamente terá valor n no estado |ϕn⟩, então uma medição de O no es-
tado |ψ⟩ tem probabilidade |𝑐𝑛 |2 de rendimento n.
Norton agora imagina um sistema em um estado não normalizável, onde
∑∞ 2
𝑛=1 |𝑐𝑛 | = ∞. Tal sistema pode não ser nomicamente possível, mas mesmo
assim pode ser um sistema físico metafisicamente possível, tal como uma viola-
ção da conservação de matéria-energia seria um evento físico que é nomicamen-
te impossível, mas metafisicamente possível.
Se isso estiver certo, então também deveria ser possível ter um sistema onde
os coeficientes 𝑐𝑛 fossem iguais a 1 para todo n. Como a proporção de |𝑐𝑛 |2 a
|𝑐𝑚 |2 (quando 𝑐𝑚 ≠ 0) dá a razão entre a probabilidade de uma medição de O
produzir n e a probabilidade de produzir m, se todos os coeficientes forem
iguais, as probabilidades são todas iguais e temos uma loteria justa infinita e con-
tável.
Esta construção não parece envolver um número infinito de causas: a causa
da medição de O produzindo seu resultado é o estado único |ψ⟩ e o processo de
medição. É verdade que o estado |ψ⟩ pode ser expresso matematicamente como
a soma de infinitos estados |ϕn⟩, mas os últimos estados não existem realmente,
então não parece que existam infinitas coisas na história causal. Se o que foi dito
acima estiver correto, então podemos ter loterias paradoxais sem infinitismo
causal, e o argumento de que precisamos do finitismo causal para bloquear as lo-
terias falha.
Norton observa, no entanto, que existem múltiplos problemas técnicos com
a construção do estado não normalizável. Além de discutir problemas específi-
cos com realizações físicas da configuração, Norton observa que ∑∞ 𝑛=1 |𝜙𝑛 ⟩ .
não é um membro do espaço de estados de Hilbert sobre o qual a física quântica
é definida. Considero que o fracasso do estado de soma em ser membro desse
espaço de Hilbert é um problema tão sério com a construção quanto seria con-
siderar um cenário newtoniano onde há uma partícula nas coordenadas (1, 1,
1)+( 1, 1, 1)+(1, 1, 1)+…. Não é apenas nomicamente proibido que uma partí-
cula esteja em (∞,∞,∞), mas a física newtoniana simplesmente não tem nenhum
sentido atribuído a essas coordenadas. Da mesma forma, a física quântica não
atribui nenhum sentido a ∑∞ 𝑛=1 |𝜙𝑛 ⟩.

110
Na verdade, a matemática dos espaços de Hilbert não atribui nenhum sentido
a esta soma. Uma soma infinita é definida como o limite de somas parciais fini-
tas, mas as somas parciais ∑𝑁 𝑛=1 |𝜙𝑛 ⟩ não têm limite à medida que N vai para o
infinito. Podemos, é claro, incorporar o espaço de Hilbert num espaço matemá-
tico maior em relação a cuja topologia as somas parciais convergem. Mas não
parece que o espaço matemático maior tenha qualquer significado físico, de mo-
do que especificar que o sistema está num estado que está nesse espaço pode ser
simplesmente um absurdo físico, assim como seria um absurdo físico supor que
um estado quântico é um não-vetor, como o número 7.80
Um sistema físico precisa ser definido de uma forma que atribua algo como
chances às diferentes maneiras de o sistema evoluir. Poderíamos, então, estender
nosso espaço de Hilbert para incluir estados não normalizados como ∑∞ 𝑛=1 |𝜙𝑛 ⟩
e então tentar adicionar significado físico à extensão, especificando que as razões
de chances de medições continuam a corresponder a razões de quadrados de va-
lores absolutos dos coeficientes. Mas há dois problemas com isso. Em primeiro
lugar, não está claro se especificámos um sistema físico quando apenas demos
razões de probabilidades em vez de fornecermos as probabilidades reais. Em se-
gundo lugar, a especificação simplesmente assume, sem qualquer argumento,
que é metafisicamente possível ter um sistema que (a) inclua o estado ∑∞ 𝑛=1 |𝜙𝑛 ⟩
e (b) seja governado pela regra de que razões de chances são iguais a razões de
quadrados de valores absolutos de coeficientes. E presumir isso é essencialmente
presumir que loterias justas infinitas e contáveis são possíveis. A Mecânica
Quântica Ortodoxa não faz nada aqui para tornar a suposição plausível.
Assim, embora a construção do estado não normalizado seja inteligente e não
pareça usar o infinitismo causal, não nos dá razão para pensar que se possa cons-
truir lotarias paradoxais sem violações do finitismo causal.

4.3 Limitações ao nosso raciocínio

Talvez, porém, as dificuldades com lotarias paradoxais – bem como os parado-


xos da racionalidade considerados no Capítulo 5 – simplesmente mostrem que
as nossas capacidades de raciocínio são incapazes de lidar com certos tipos de si-
tuações infinitas. Talvez haja situações em que não haja uma probabilidade bem
definida após a condicionalização com base nas evidências, ou talvez a condicio-
nalização não seja o caminho apropriado a seguir. Isto não deveria ser uma sur-
presa: as nossas capacidades de raciocínio evoluíram para lidar com problemas
no ecossistema terrestre que não envolvem infinitos.

80 ∗∗Podemos pegar o espaço de Hilbert H de estados quânticos e estendê-lo matematicamente para o


espaço topológico não-Hilbert maior H ∪ {7} cuja topologia é gerada pela topologia de H mais o sin-
gleton {7}. Podemos até estender ainda mais o espaço topológico resultante para ser um espaço veto-
rial, incorporando-o em algum espaço maior que tenha as propriedades necessárias de um espaço veto-
rial. Mas isso ainda não dá sentido ao fato de o estado físico do sistema ser o número 7.

111
Esta, no entanto, é uma linha de pensamento arriscada. A ciência moderna
utiliza fortemente a matemática infinitária, especialmente sob a forma de equa-
ções diferenciais. Se o nosso raciocínio se tornar pouco confiável quando o infi-
nito aparecer em cena, não poderemos confiar na ciência, o que é uma conclusão
inaceitável.
Talvez, porém, se pudesse distinguir entre o raciocínio dedutivo sobre infini-
tos, como no caso da matemática, e o raciocínio empírico probabilístico, como
nos paradoxos acima. E pode ser que, de facto, o nosso mundo seja de natureza
finitária e os infinitos só precisem de ocorrer em idealizações matemáticas.
No entanto, mesmo que o nosso mundo seja de natureza finitária, se este for
um facto meramente contingente, precisamos de razões empíricas para rejeitar
várias hipóteses infinitárias, se estas forem metafisicamente possíveis. E assim
precisaríamos de ser capazes de raciocinar probabilisticamente sobre hipóteses
infinitárias para as rejeitar. Portanto, mesmo que vivêssemos num universo fini-
tário, precisaríamos ser capazes de pensar tanto dedutivamente como indutiva-
mente sobre hipóteses infinitárias metafisicamente possíveis.
Além disso, mesmo à parte o caso especial dos infinitos, a linha de pensa-
mento que limita o nosso raciocínio aos tipos de cenários que surgiram na nossa
história evolutiva ameaça minar demasiado. Embora possa ser que o raciocínio
nas ciências modernas seja semelhante ao tipo de raciocínio que os nossos ante-
passados usaram quando se esforçaram para escapar aos predadores e capturar
presas, o contexto em que o raciocínio é aplicado é muito diferente. Para confiar
na ciência, temos de ter confiança de que o nosso raciocínio não se limita aos
contextos restritos onde evoluiu.
Além disso, se um cenário imaginável for metafisicamente possível, um agen-
te poderia consistentemente pensar que está em tal cenário, ou pelo menos pen-
sar que tem uma probabilidade diferente de zero de estar em tal cenário, e os
enigmas sobre o que fazer ou acho que nesse caso poderiam se tornar quebra-
cabeças para ela.
Finalmente, o paradoxo de que, se uma loteria justa infinita e contável for
possível, então é possível aumentar as chances de todos ganharem, e não apenas
de forma infinita, parece ser mais do que apenas um paradoxo sobre racionali-
dade e probabilidades epistêmicas, mas um paradoxo sobre chances objetivas, e
portanto, pode não ser afetado pela resposta de limitação do raciocínio. É claro
que poderíamos considerar a resposta à limitação de forma suficientemente am-
pla para minar todas as intuições sobre coisas além da nossa experiência. Mas is-
so levaria ao ceticismo na metafísica, na ciência e até na matemática (pense nas
intuições sobre os axiomas da teoria dos conjuntos).

5. Avaliação

Loterias justas infinitamente contáveis são paradoxais no meu sentido técnico de


que todo resultado tem probabilidade infinitesimal ou zero. Existem várias ma-
112
neiras de ver que uma loteria paradoxal nesse sentido é impossível. Isso leva à
surpresa esperada, a quebra-cabeças de simetria, à manipulação bayesiana de
agentes racionais e à possibilidade de aumentar as chances de vitória de todos.
Deveríamos, portanto, rejeitar a possibilidade de loterias paradoxais. No entanto,
é muito plausível, à luz de diversas construções diferentes, que se é possível ter
processos causais infinitos, também é possível ter lotarias paradoxais. Portanto,
processos causais infinitos são impossíveis, e temos um argumento a favor do
finitismo causal.
Mais uma vez, um desafio a esta linha de pensamento poderia advir da ideia
de que talvez estes processos causais específicos sejam impossíveis, e impossí-
veis porque dão origem a tais paradoxos, mas outros processos causais infinitá-
rios são perfeitamente aceitáveis. No entanto, isso coloca limites implausíveis e
refinados sobre quais sistemas causais podem ser instanciados. E, em particular,
é muito implausível que se possa ter uma história causal infinita e ainda assim se-
ja impossível ter um processo de passeio aleatório como o da Secção 3.5.
O segundo desafio principal é que loterias justas infinitas e contáveis podem
aparentemente ser geradas por processos de distribuição contínua aparentemen-
te inocentes, aparentemente sem quaisquer histórias causais infinitas. Devido a
questões que envolvem o Axioma da Escolha, isto afeta apenas a construção
“sortuda” da Seção 3.2. Além disso, o finitista causal que quer confiar em lotari-
as paradoxais pode apontar para preocupações sobre a possibilidade de distri-
buições genuinamente contínuas e medições infinitamente precisas.
Talvez o desafio mais forte, contudo, seja a afirmação de que o raciocínio in-
dutivo como o nosso sofre de limitações significativas em contextos infinitários.
Uma versão adequadamente formulada desta tese pode resolver a maioria dos
paradoxos deste capítulo. (Uma possível exceção é o paradoxo de que é possível
aumentar de forma não infinitesimal as chances de todos ganharem na loteria.)
Mas o finitismo causal tem uma vantagem sobre essa solução: também é apoiado
por intuições metafísicas sobre regressões infinitas (Capítulo 2) e resolve para-
doxos. que não envolvem racionalidade (Capítulo 3).

113
114
5
Teoria da Probabilidade e Decisão

1. Introdução
Neste capítulo consideraremos vários paradoxos na teoria da probabilidade e da
decisão que não dependem de loterias infinitamente justas (ou paradoxais), a fim
de ver que apoio eles dão ao finitismo causal.
Começamos com alguns convincentes paradoxos diacrônicos e sincrônicos
de adivinhação. Por exemplo, se alguém tiver acesso a informações sobre um
número infinito de lançamentos de dados passados, e o infinitismo causal for
verdadeiro, então deverá ser capaz de ter certeza de que geralmente adivinha os
lançamentos de dados corretamente. No entanto, uma configuração de “paró-
dia” independentemente interessante, onde o infinitismo causal não parece estar
em questão, também precisará ser avaliada.
Finalmente, consideramos dois paradoxos que são menos bem resolvidos pe-
lo finitismo causal: a Maçã de Satanás e o paradoxo de Beam. Eles terão múlti-
plas variantes. Em algumas variantes, eles não dependerão realmente do infini-
tismo causal e, portanto, o finitismo causal não ajuda em nada para resolvê-los.
Mas estas variantes também tornarão os paradoxos mais fáceis de resolver de
outras formas, ao passo que as variantes que parecem mais convincentes podem,
de facto, ser resolvidas com o finitismo causal. A evidência do finitismo causal
fornecida pelo paradoxo da Maçã de Satanás e do Paradoxo de Beam não é mui-
to significativa, mas precisamos de avaliar os paradoxos para garantir que não
enfraquecem a defesa geral do finitismo causal, limitando artificialmente a utili-
dade do finitismo causal.

2. Adivinhando com um número finito de erros


2.1 Fazendo um pouco melhor do que se pode

Todos os dias, ao longo de um passado infinito, um dado justo e indeterminísti-


co foi lançado, cada vez de forma independente e sem memória de lançamentos
passados, e você não tem informações sobre lançamentos futuros. O experimen-
to termina em algum dia específico no futuro. Antes de cada vez que o dado for
lançado, você deverá adivinhar se o dado mostrará um seis. Se você acertar a
resposta, você ganhou um presente. Se você errar, receberá um choque elétrico

115
desagradável. Além disso, os resultados dos lançamentos de dados são causal-
mente independentes de suas suposições.
Não importa quanta informação você tenha sobre resultados passados de
lançamentos de dados, contanto que você tenha certeza absoluta de que o dado
é justo e que cada lançamento é independente, sua estratégia ideal é:

(1) SEMPRE NÃO: Sempre adivinhe “Não é um seis”.

Pois adivinhar “Seis” oferece 5/6 de chance de choque, enquanto adivinhar


“Não é seis” oferece apenas 1/6 de chance.
Mas se o infinitismo causal for verdadeiro, então você poderia ter acesso a
todas as jogadas anteriores e, se tiver isso, então existe uma estratégia que é me-
lhor do que Sempre Não. Digamos que um número apareceu “quase sempre”
(ou em “quase todos” rolos), desde que tenha surgido em todos os casos, exceto
no máximo em um número finito. Então nossa melhor estratégia é:

(2) QUASE SEMPRE NÃO: Se quase sempre aparecer um seis, adivinhe “Seis”; se
surgirem um número infinito de não-seis, adivinhe “Não é um seis”.

Estratégia Quase Sempre Não é melhor que Sempre Não. Pois é tão bom quan-
to Sempre Não nos casos em que a sequência infinita de lançamentos contém
um número infinito de não-seis. Nesses casos, ambas as estratégias recomendam
sempre adivinhar “Não é um seis”. Mas nos casos reconhecidamente imprová-
veis em que a sequência infinita de lançamentos contém apenas um número fini-
to de não-seis, seguir Sempre Não resulta quase sempre em choque elétrico. Por
outro lado, QUASE SEMPRE NÃO resulta em receber uma guloseima quase sempre.
Assim, para algumas sequências, QUASE SEMPRE NÃO se sai melhor que Sempre
Não e para outras é equivalente. Portanto, é a melhor estratégia das duas.
Isto produz um argumento rápido a favor do finitismo causal. Em nosso ce-
nário:

(3) Não se pode usar informações passadas sobre os lançamentos de um dado


justo e sem memória para obter uma estratégia de adivinhação melhor do
que a melhor estratégia que não usa informações passadas.
(4) Se o infinitismo causal for verdadeiro, pode-se usar informações passadas
sobre os lançamentos de um dado justo e sem memória para obter uma
estratégia de adivinhação melhor do que a melhor estratégia que não usa
informações passadas.
(5) Portanto, o infinitismo causal é falso.

A premissa (3) é uma generalização da negação da Falácia do Jogador. A falácia


padrão do jogador afirma que, se algum resultado surgir com frequência, é me-
nos provável que apareça novamente. Mas é claro que um dado não lembra que
116
surgiu de uma determinada maneira, então a Falácia é uma falácia. Generaliza-
mos a questão para dizer que a informação passada não ajuda em nada quando
se sabe com certeza que os dados não têm memória e são justos. A premissa (4)
é verdadeira, uma vez que, dado o infinitismo causal, alguém poderia ter as in-
formações necessárias para fazer Quase Sempre Nenhum funcionar (por exem-
plo, alguém poderia configurar um dispositivo que acendesse se e somente se
houvesse um número infinito de não-seis).
O finitismo causal diz-nos, então, que embora QUASE SEMPRE NÃO possa ser
uma estratégia matemática superior, não pode ser implementada na prática e,
portanto, não há problema para a racionalidade.
Há outra maneira de ver que QUASE SEMPRE NÃO é melhor que Sempre Não.
Não importa a sequência de lançamentos que ocorra, QUASE SEMPRE NÃO é pelo
menos tão bom. Mas também tem a vantagem de garantir que se acertará infini-
tamente. Pois se houver um número infinito de não-seis, QUASE SEMPRE NÃO, as-
sim como Sempre Não, garante que você esteja certo com infinita frequência.
Mas se houver apenas um número finito de não-seis, QUASE SEMPRE NÃO fará
com que alguém esteja certo quase sempre e, portanto, com frequência infinita,
enquanto Sempre Não fará com que alguém esteja errado em todos os casos, ex-
ceto no máximo em um número finito de casos.
Na verdade, é em si paradoxal que exista uma estratégia de adivinhação para
um dado justo e sem memória que garanta estar certo com uma frequência infi-
nita – ou mesmo que garanta sempre estar certo.
Poderíamos nos preocupar com a possibilidade de um matemático realmente
inteligente aparecer e gerar uma estratégia que garanta um número infinito de
suposições corretas, mas que não dependa do infinitismo causal - uma estratégia
que requer informações apenas sobre um número finito de suposições - e, se as-
sim for, então o argumento a favor da causa causal o finitismo teria pouca força.
Mas acontece que não existe tal estratégia. Na verdade, não existe sequer uma es-
tratégia baseada numa quantidade finita de informações passadas que garanta
que você esteja certo (embora, é claro, seja muito provável que você esteja). Isto
decorre do seguinte resultado, uma vez que notamos que a informação sobre
quais números exatos diferentes de seis surgiram é irrelevante81 e, portanto, po-
demos codificar as sequências relevantes de lançamentos como zeros, para
quando um número diferente de seis foi lançado, e como unidades, para quando
um seis foi lançado.

81 Mais precisamente, qualquer estratégia s que garanta pelo menos uma estimativa correta e que faça
uso de informações sobre quais números diferentes de seis surgiram pode ser substituída por uma es-
tratégia s∗ que não faça uso dessas informações e que garanta pelo menos um palpite correto. Para ver
isso, seja s∗ a estratégia obtida tomando em cada estágio os dados passados, substituindo todos os não-
seis diferentes de 1 por 1, e alimentando isso em s, e usando s para decidir se deve adivinhar “Seis” ou
“Não é um seis”. Se é garantido que s produzirá pelo menos uma estimativa correta, s∗ também o será.

117
TEOREMA. Para cada sequência de números naturais n0, n1, n2, ... e funções fk de nk-
tuplas de números em {0, 1} a {0, 1}, existe uma sequência ... ,c−2, c−1, c0 de números
em {0, 1} tais que para todo k ≤ 0 temos fk(ck−nk , ... ,ck−1) = ck.

O Teorema diz que para qualquer estratégia de adivinhação (fk)k≤0 para zeros e
uns onde no passo k temos informações sobre os nk resultados anteriores, existe
uma sequência ck de zeros e uns tal que a estratégia sempre falha. A prova do
Teorema é dada no Apêndice deste capítulo.

2.2 Uma contradição

QUASE SEMPRE NÃO gera um paradoxo teórico-decisório. Mas parece que também
podemos gerar uma contradição total em linhas semelhantes. A estratégia QUASE
SEMPRE NÃO tem a propriedade de garantir que você esteja certo infinitamente.
Esta propriedade não depende do dado ser justo ou sem memória, nem do fato
de o dado ser lançado antes de você adivinhar. Assim, esta propriedade deve
permanecer mesmo se alguém colocar o dado na sua frente depois de você adi-
vinhar. Suponha, então, que você adote QUASE SEMPRE NÃO, mas um inimigo que
deseja o seu mal coloca o dado na sua frente em uma configuração diferente da-
quela que você adivinhou (seis se você adivinhou diferente de seis, e diferente de
seis se você adivinhou seis). Dado o infinitismo causal, tudo isto parece possível:
você tem uma estratégia bem definida e o inimigo também
Mas isso é uma contradição. Para QUASE SEMPRE NÃO há garantias de que você
estará certo com uma frequência infinita, enquanto a estratégia simples, mas efi-
caz, do seu inimigo garante que você nunca estará certo. No entanto, é muito
plausível que, se o infinitismo causal for verdadeiro, então a estratégia QUASE
SEMPRE NENHUM possa ser implementada, independentemente da estratégia de co-
locação do dado. E a estratégia do seu inimigo pode ser implementada indepen-
dentemente da estratégia de adivinhação usada contra ele.
Talvez, porém, aqui alguém possa responder da mesma forma que alguns
responderiam ao Ceifador: a história é contraditória e, portanto, impossível.
Uma dialética semelhante à do Capítulo 3, Seção 3.3 pode agora ocorrer, no que
diz respeito à plausibilidade de rearranjos de estratégias que não levam à contra-
dição (digamos, a estratégia da outra parte – agora, um amigo – colocando o da-
do precisamente como um adivinhou) em estratégias que levam à contradição.
Neste capítulo, concentrar-me-ei, no entanto, nas versões teóricas da decisão
do paradoxo, em vez da versão baseada em contradições, a fim de alargar o nú-
mero de tipos de paradoxos que levam ao finitismo causal. Os paradoxos da teo-
ria da decisão não envolvem uma contradição total, mas uma violação do princí-
pio (3) da inutilidade racional da informação passada em casos de experiências
independentes, e parece menos plausível rejeitar a configuração por causa de tal
violação do que por que de uma contradição total.

118
2.3 Fazendo muito melhor do que se pode

A melhoria de QUASE SEMPRE NÃO em relação a SEMPRE NÃO é suficiente para pro-
duzir resultados (4), mas não é particularmente impressionante. Afinal de contas,
é apenas no cenário extremamente improvável, em que existem apenas um nú-
mero finito de não-seis, que QUASE SEMPRE NÃO vence Sempre Não, um cenário
tão raro que a sua probabilidade clássica é zero.82 Pode-se objetar que pouca in-
tuição é perdida se (3) for substituído por:

(6) Não se pode usar informações passadas sobre os lançamentos de um dado


sem memória para obter uma estratégia de adivinhação significativamente
melhor do que a melhor estratégia que não usa informações passadas.

Uma estratégia que funciona melhor num caso extremamente raro não é signifi-
cativamente melhor.
Mas agora observe que podemos fazer ainda melhor do que QUASE SEMPRE
NÃO. O pensamento por trás de QUASE SEMPRE NÃO era que existe um conjunto S
de sequências de lançamentos tais que

(7) você pode dizer com base em informações passadas infinitas que a se-
quência infinita de lançamentos cai em C,

(8) depois de saber que uma sequência de lançamentos está em C, você pode
garantir que há apenas um número finito de erros em sua adivinhação.

O conjunto que QUASE SEMPRE NÃO aproveitou foi C6, o conjunto de sequências
de rolagem que são quase todas seis. Podemos melhorar QUASE SEMPRE NÃO adi-
cionando à estratégia casos especiais para outros conjuntos que satisfaçam (7) e
(8).
Por exemplo, podemos adicionar D, o conjunto de todas as sequências de
lançamentos tais que quase todos os números ímpares são seis e quase todos os
números pares são diferentes de seis. Podemos dizer, com base em dados passa-
dos, se a sequência de lançamentos que estamos observando é membro de D, e
então podemos adivinhar de acordo com D: adivinhar seis para lançamentos ím-
pares e não seis para lançamentos pares. uns. Adicionar esta regra a QUASE SEM-

82∗Suponha que os rolos estejam numerados. Seja 𝑈𝑛 o evento em que todos os lançamentos anterio-
res ao lançamento número n são seis. Então 𝑃(𝑈𝑛 ) = (1/6)(1/6)(1/6)... = 0. Seja U o evento em que
existem apenas um número finito de não-seis. Então U = ⋃𝑛 𝑈𝑛 . Pela aditividade contável, se 𝑃(𝑈𝑛 )
= 0 para todo n, então P(U) = 0. E, intuitivamente, mesmo que não tivéssemos aditividade contável,
não pensaríamos que U teria uma probabilidade maior que um infinitesimal.

119
PRE NÃO significa que teremos um desempenho melhor do que Sempre Não tan-
to para sequências em C6 quanto para sequências em D. Novamente, a melhoria
é insignificante, entretanto, uma vez que a probabilidade clássica de que uma de-
terminada sequência de lançamentos seja membro de D pode ser mostrado co-
mo zero.
A estratégia pode ser estendida. Podemos chegar a um conjunto V de con-
juntos disjuntos de sequências de lançamentos tais que cada membro C de V sa-
tisfaça (7) e existe uma estratégia TC que, quando seguida, garante que haverá
apenas um número finito de erros se a sequência de lançamentos estiver em C.
Então temos a seguinte estratégia:

(9) MELHOR AINDA: se quase todos os lançamentos não forem seis ou a se-
quência de lançamentos não couber em nenhum membro de V, adivinhe
“Não é seis”; caso contrário, seja C o membro de V que contém a se-
quência e adivinhe de acordo com TC.

QUASE SEMPRE NÃO tinha V = {C6}, onde 𝑇𝐶6 era a estratégia de sempre adivinhar
“Seis”, e nossa versão ligeiramente melhorada tinha V = {C6, D}, onde TD era a
estratégia de adivinhação alternada.
Yuvay Gabay e Michael O'Connor (ver Hardin e Taylor 2008) usaram o Axi-
oma da Escolha basicamente83 para provar que é possível fazer um conjunto V
grande o suficiente para que cada sequência de lançamentos caia em algum
membro de V e haja uma estratégia TC para cada membro C de V garantindo no
máximo um número finito de erros. Pode-se então ajustar a estratégia para ga-
rantir que, se quase todos os lançamentos forem diferentes de seis, então sempre
se adivinhará “Não é seis”. (Veja a Seção 2.4.) Se fizermos isso, então MELHOR
AINDA será equivalente a SEMPRE NÃO se quase todos os lançamentos forem dife-
rentes de seis, mas para todas as outras sequências de lançamentos será melhor,
pois MELHOR AINDA cometerá apenas um número finito de erros., enquanto SEM-
PRE NÃO criará um número infinito. Isto certamente conta como uma melhoria
significativa no sentido de (6). Pois, exceto no caso extremamente improvável de
todos os lançamentos serem diferentes de seis (a probabilidade clássica desse ca-
so é zero), melhoramos de um número infinito de choques elétricos para um
número finito.
Portanto, dado o infinitismo causal, podemos aproveitar os dados passados
para fazer algo significativamente melhor do que SEMPRE NÃO. Isso é absurdo,
por isso deveríamos rejeitar o infinitismo causal.
Há, no entanto, uma ponta solta. A estratégia MELHOR AINDA depende do
Axioma da Escolha, especificamente na escolha da estratégia SC para cada mem-
bro C de V. Os detalhes desta dependência serão dados em breve para o leitor

83O cenário envolvia adivinhar as cores dos chapéus. Ver também Thorp (1967) para uma solução an-
terior, mas um pouco diferente.

120
com mentalidade técnica, mas há uma preocupação real sobre se uma estratégia
“gerado” pelo Axioma da Escolha poderia ser implementado causalmente. No
Capítulo 6, argumentarei, contudo, que tais estratégias podem ser implementadas
causalmente se o infinitismo causal for verdadeiro (também defenderei a verdade
de uma versão do Axioma da Escolha suficientemente forte para a matemática
do presente argumento). O argumento fechará a ponta solta no presente reductio
ad absurdum contra o infinitismo causal.

2.4 ∗ Construção de estratégia garantindo no máximo um número finito de erros

Seja Ω uma coleção de sequências infinitas invertidas..., a−2, a−1, a0 de números


de {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Seja ∼ a relação de equivalência (relação transitiva, simétrica
e reflexiva) em onde x ∼ y se e somente se x e y diferem em no máximo um nú-
mero finito de lugares. Seja V o conjunto de todas as classes de equivalência [x]
= {y : y ∼ x} para x ∈ Ω. Pelo Axioma da Escolha, existe uma função de escolha
para S, ou seja, uma função f em V tal que f(C) é um membro de C para todo C
∈ V. Também podemos impor uma condição adicional em f: se C ∈ V tem a
propriedade de que nenhum membro de C contém infinitamente seis, então f(C)
não tem nenhum seis. Para fazer isso, para tal C, simplesmente substitua cada
ocorrência de 6 em f(C) por uma ocorrência de 1. Haverá apenas um número fi-
nito de substituições, então permaneceremos dentro da classe de equivalência C.
Agora, para qualquer C ∈ V, a estratégia TC é muito simples: se f(C)é 6 na
enésima casa, adivinhe “Seis” antes do enésimo lançamento; caso contrário, adi-
vinhe “Não é um seis”. Cada membro de C difere no máximo em um número
finito de lugares de f(C), então esta estratégia resultará em apenas um número fi-
nito de erros. Além disso, a condição adicional imposta a f garante que sequên-
cias que consistem quase apenas em seis levam a adivinhar “Não é um seis”.

2.5 Uma versão sincrônica multipessoal


2. 5. 1 UM ANÚNCIO ANGELICAL

Infinitas pessoas perfeitamente racionais lançam, cada uma, um dado indepen-


dente e justo. As coisas são organizadas de forma que eles não possam ver o re-
sultado dos rolos, mas cada um é solicitado a adivinhar se seu rolo saiu seis. Se
uma pessoa adivinhar corretamente, ela ganha um presente; caso contrário, ela
leva um choque elétrico.
É óbvio o que cada pessoa deveria fazer: ela deveria adivinhar “Não é um
seis”. Mas dado o infinitismo causal, um anjo poderia saber como todas as joga-
das saíram. E é possível que quase todos os lançamentos - ou seja, todos, exceto
no máximo um número finito - resultem em seis. Nesse caso, supomos que o
anjo anuncia a todos que quase todos os lançamentos saíram seis. Supomos

121
também que todas as pessoas estão certas de que os dados são independentes e
justos e que o anjo só diz a verdade.
Se você é um dos roladores de dados, antes do anúncio você planejava adivi-
nhar “Não é um seis”. Você deveria mudar seu palpite?
Existem argumentos convincentes para ambas as opções. A favor da mudan-
ça para “Seis” está o simples pensamento de que apenas um número finito de re-
sultados obteve algo diferente de seis e, portanto, parece extremamente provável
que você tenha obtido um seis. Afinal, qual a probabilidade de você ser uma das
infinitas exceções? Não é mais provável do que qualquer outra pessoa, e certa-
mente é improvável que você tenha ganhado uma loteria infinita e contável com
apenas um número finito de ganhadores.
Além disso, se todos mudarem para “Seis”, então apenas um número finito
de choques elétricos serão administrados, enquanto se todos permanecerem com
“Não é um seis”, quase todos ficarão chocados. Parece, portanto, que é melhor
que a resposta certa seja que todos mudem para “Seis”.
É verdade que há casos famosos em que todos fazem o que é do seu próprio
interesse e resultam num resultado global pior. O mais famoso é o Dilema do
Prisioneiro. Dois prisioneiros são capturados, cada um incapaz de se comunicar
com o outro. Se ambos permanecerem em silêncio, apenas acusações menores
poderão ser imputadas a eles, e cada um deles pegará um ano de prisão. Por ou-
tro lado, se um ficar calado e o outro informar (“defectar”), o calado pegará dez
anos de prisão e o informante será libertado. Mas se ambos informarem, então
cada um deles pegará nove anos de prisão, uma vez que acusações importantes
serão provadas contra cada um, mas a sua informação tornará o veredicto mais
favorável. Agora, o ponto crucial sobre o Dilema do Prisioneiro é que não im-
porta o que o outro prisioneiro faça, se a única coisa que está em jogo é evitar a
prisão – portanto, nem a moralidade está em jogo nem haverá quaisquer dilemas
futuros – é melhor desertar. Pois se o outro prisioneiro desertar, a própria deser-
ção reduzirá a pena em um ano, enquanto se o outro prisioneiro permanecer em
silêncio, a própria deserção o livrará completamente. Mas se cada um fizer esta
coisa aparentemente mais racional, ambos acabarão na prisão durante nove anos,
o que é um resultado muito pior do que se ambos permanecerem em silêncio.
Portanto, se cada um fizer o que é mais racional, o resultado geral será pior para
cada um do que se cada um ficar em silêncio.
Agora, é controverso se é ou não racional desertar. Mas se a racionalidade da
deserção for concedida, então temos de facto o resultado de que cada pessoa fa-
zer o que é do seu próprio interesse pode produzir danos globais. Esta conclu-
são é bastante intuitiva. Obtemos uma estrutura semelhante na Tragédia dos
Comuns. Se todos pastarem as suas ovelhas nas áreas comuns, as áreas comuns
serão sobrepastoreadas e haverá poucos benefícios para cada pessoa. Mas cada
pessoa ainda ganha ao pastorear as suas próprias ovelhas nas áreas comuns: pas-
tar em áreas comuns esgotadas é melhor do que não pastar nas áreas comuns, ou
pelo menos é o que diz a história.
122
Contudo, observe que nestes casos padrão, a ação de cada pessoa afeta outras
pessoas. Informar um companheiro de prisão altera a sentença do outro, e pastar
as ovelhas diminui a grama disponível para as ovelhas de outras pessoas.
Outro grupo de casos em que o facto de todos agirem racionalmente no seu
próprio interesse é prejudicial ocorre quando as pessoas ignoram factores rele-
vantes. Se todos sabem que o cianeto previne o cancro, mas não sabem que o
previne matando o paciente, então o facto de todos agirem racionalmente no seu
próprio interesse resultará na extinção da humanidade.
No entanto, é muito plausível que, quando as ações das pessoas afetam ape-
nas o seu próprio bem-estar, a avaliação racional de cada pessoa sobre o que é
bom para ela deva estar alinhada com a sua avaliação do que seria bom para to-
dos fazerem à luz do bem-estar de todos. Assim, dado que cada pessoa pode ver
que, no geral, as coisas correriam melhor se todos adivinhassem “Seis”, isto dá-
nos boas razões para pensar que essa é a coisa individualmente racional a fazer.
Por outro lado, há um forte argumento de que se deve continuar com o pal-
pite “Não é um seis”. Pois não se deve mudar a sua suposição racional ao rece-
ber informação epistemicamente irrelevante. As informações sobre os lançamen-
tos de outras pessoas são irrelevantes quando os dados são independentes. Por-
tanto, não se deve mudar o palpite ao aprender:

(10) Entre outras pessoas além de você, quase todo mundo tirou seis.

(Claro, é crucial que você tenha certeza de que os dados são justos e indepen-
dentes. Sem essa certeza, (10) o convenceria de que os dados são injustos.) Mas
(10) é logicamente equivalente a:

(11) Quase todo mundo tirou seis.

Pois o seu lançamento não pode afetar se um número infinito de pessoas além
de você obteve um resultado diferente de seis. Como (10) não deveria mudar o
que é racional adivinhar, o equivalente (11) também não deveria mudar.
Os argumentos acima mostram que na situação descrita, deve-se passar a adi-
vinhar “Seis” e não se deve passar a adivinhar “Seis”. Supondo que não existam
dilemas racionais reais possíveis – casos em que alguém deveria racionalmente
fazer algo e deveria racionalmente abster-se de fazê-lo – isso é impossível. Então
algo é impossível em nosso cenário. O finitismo causal fornece uma explicação
elegante do que isso é. O anúncio do anjo, para ser absolutamente confiável,
precisaria ser causalmente responsivo aos infinitos lançamentos de dados. Mas
isso é impossível dado o finitismo causal.
Ou, para colocar a questão na forma habitual do nosso argumento, se o infi-
nitismo causal for verdadeiro, o cenário acima é possível. Mas se for possível, é
possível que seja racionalmente exigido que alguém adivinhe “Seis” e seja racio-

123
nalmente exigido que não o faça. Mas isso é impossível, então o infinitismo cau-
sal é falso e, portanto, o finitismo causal é verdadeiro.

2. 5. 2 UMA OBJEÇÃO E UM AJUSTE

Um dos argumentos para mudar para “Seis” após o anúncio do anjo foi baseado
na ideia de que se o número de não-seis for finito, você julgará muito imprová-
vel que seja um membro do conjunto de não-seis.
Este argumento específico, no entanto, pode necessitar de algum refinamen-
to. Muito plausivelmente, se um subconjunto N de rolos for produzido de uma
forma que não seja tendenciosa a favor de nenhum rolo, digamos, deixando-o
ser o subconjunto de todos os que não lançaram seis, e a cardinalidade de N for
anunciada, então quando essa cardinalidade é infinitamente menor que a cardina-
lidade de todo o conjunto de rolos, sua credibilidade de que você é membro de
N deve ser muito pequena. Segue-se que se uma cardinalidade finita específica
for anunciada para o conjunto de não-seis, você deve mudar seu palpite para
“Seis”. Mas não foi essa a história que contei: o que foi anunciado foi que N é
finito e “finito” não denota uma cardinalidade específica (existem infinitas cardi-
nalidades finitas, nomeadamente 0, 1, 2, ...). No entanto, acho altamente intuiti-
vo que a credibilidade que você tem em N ainda seja zero ou pelo menos quase
zero.84
Ainda assim, para o bem dos leitores impressionados com esta preocupação,
pode-se modificar o caso da seguinte forma. Estipulamos primeiro que a cardi-
nalidade do número de rolos não é meramente infinita, mas é um infinito incon-
tável, digamos a cardinalidade c do continuum, que é infinitamente muitas vezes
maior que o infinito contável ℵ0 dos números naturais.85 Então, vamos supor
que em vez de o número de rolos que rolaram não-seis ser finito, ele é contá-
velmente infinito, e o anjo anuncia que existem ℵ0 não-seis. Então, mesmo que
tenhamos dúvidas sobre a diferença entre um anúncio de que a cardinalidade é

8484∗Ian Slorach salienta-me que as questões envolvidas com um anúncio de “finito” estão relaciona-
das com a conglomerabilidade (ver Capítulo 4, Secção 2.5.3). Para qualquer cardinalidade finita especí-
fica, se essa cardinalidade fosse anunciada para N, sua credibilidade deveria ser quase zero. Mas é ne-
cessária conglomerabilidade para concluir disto que se for meramente anunciado que a cardinalidade é
finita, então a sua credibilidade deveria ser plausivelmente quase zero, e nestes tipos de situações infini-
tárias não podemos esperar conglomerabilidade. Concordo que a conglomerabilidade seria necessária
se a inferência de que a credibilidade de que alguém está em N é quase um fosse feita a partir do facto
de que, dada qualquer cardinalidade finita particular, a credibilidade de que alguém está em N seria
quase zero. Mas acho que há uma intuição direta de que se N é um subconjunto finito de um conjunto
infinito e escolhido de forma imparcial, é muito improvável que você esteja em N.
85 Poderíamos dizer que um conjunto infinito B é infinitamente maior que um conjunto infinito A se B

puder ser particionado em um número infinito de subconjuntos, cada um dos quais é maior que algu-
ma cardinalidade fixa κ que é maior que a de A. E os números reais, cuja cardinalidade é o continuum,
pode ser particionada em infinitos subconjuntos de cardinalidade contínua, digamos os intervalos ... ,
[−1, 0), [0, 1), [1, 2), [2, 3), . .. , e a cardinalidade do continuum é maior que a cardinalidade dos núme-
ros naturais.

124
menor e um anúncio de uma cardinalidade particularmente menor, devemos
concluir aqui que a credibilidade de que se lançou não-seis se tornará quase zero.
Todos os outros argumentos se adaptam perfeitamente a esta versão modifi-
cada da história. Em particular, a observação crucial de que (12) e (13) são logi-
camente equivalentes pode ser substituída pela observação de que as duas afir-
mações seguintes são logicamente equivalentes:

(12) Entre outras pessoas além de você, todos, exceto ℵ0, obtiveram seis.
(13) Todas, exceto ℵ0 pessoas, obtiveram seis resultados.

Pois, assim como um único lançamento não afeta se há um número finito ou in-
finito de seis, um único lançamento não afeta se há ℵ0 ou não.

2. 5. 3 *TORNANDO O PARADOXO ROBUSTO

A versão interpessoal do paradoxo da adivinhação até agora só funciona no caso


muito improvável – mas possível! – em que quase todas as pessoas tiram um
seis. Mas assim como usamos o Axioma da Escolha para fazer a versão sequen-
cial de uma pessoa funcionar, não importa como os dados saiam, podemos fazer
o mesmo aqui. Deixo ao leitor decidir se isto torna o paradoxo mais convincen-
te: não tenho certeza de que algo se ganhe com a complicação extra.
O método é praticamente o mesmo de antes. Define-se a relação de equiva-
lência sobre resultados possíveis (onde um resultado pode ser pensado como
uma função de pessoas para o conjunto {1, 2, 3, 4, 5, 6}) dizendo que dois resul-
tados são equivalentes desde que difiram em no máximo um número finito de
lugares. Uma função de escolha que escolhe um resultado particular f(A) em ca-
da classe A de resultados equivalentes é fixa. Então, assim que os dados são lan-
çados, o anjo verifica em qual classe A de resultados equivalentes está o resulta-
do real e então anuncia f(A). Agora é garantido que quase todos os lançamentos
correspondem ao resultado f(A). Novamente, temos bons argumentos de que
cada agente deveria adivinhar de acordo com f(A). No entanto, aprender que o
resultado de todos os lançamentos é equivalente a f(A) não diz nada sobre o seu
próprio lançamento, uma vez que o seu próprio lançamento não afeta se o resul-
tado geral corresponde a f(A) para quase todas as pessoas.
Essa estratégia garante que quase todos os palpites estarão corretos e, ainda
assim, cada palpite ainda depende apenas dos outros lançamentos. Há, no entan-
to, uma desanalogia entre os casos sincrônicos e sequenciais. No caso sequencial,
afirmei que era surpreendente que, dada a informação sobre uma quantidade in-
finita de dados passados, fosse possível garantir até uma única resposta correta
(ver o Teorema na Seção 2.1). No caso sincrônico não ordenado, não é tão sur-
preendente que se possa garantir algumas respostas corretas quando cada um re-
cebe informações sobre os lançamentos dos outros.

125
Por exemplo, com duas pessoas jogando dados, e cada uma descobrindo a
jogada da outra, pode-se garantir que pelo menos uma adivinhe corretamente:
por exemplo, suponha que Alice adivinhe de acordo com a jogada de Bob
(“Seis” se for seis e “Não for seis” caso contrário) enquanto Bob adivinha em
oposição ao lançamento de Alice (“Seis” se não for seis e “Não for seis” se for
seis). Então, quando eles rolam iguais, Alice acerta; quando eles rolam de forma
diferente, Bob entende; e assim sempre exatamente um acerta. Mas observe que
os resultados globais esperados desta estratégia são um choque e uma guloseima,
enquanto ambos adivinharem “Não é seis” tem a expectativa de 0,33 choques e
1,67 guloseimas, de modo que a estratégia é globalmente inferior a manter “Não
é seis”

2.6 Uma paródia?


2. 6. 1 A HISTÓRIA

Mas parece haver uma paródia do nosso raciocínio. Como antes, supomos que
um número infinito de pessoas lança um dado, mas não vê o resultado e deve
adivinhar se tirou um seis. Novamente, eles levam um choque se errarem e uma
surpresa se acertarem. Além disso, cada pessoa é completamente estranha umas
das outras. Claramente, se essa é a história toda, todos deveriam adivinhar “Não
é um seis”.
Agora, é quase certo - isto é, tem probabilidade um ou um menos um infini-
tesimal - que um número infinito de lançamentos será seis e um número infinito
será diferente de seis. Suponha que isso aconteça. Antes que alguém tenha a
chance de fazer qualquer suposição, um anjo então divide as pessoas em grupos
de três, onde cada grupo de três contém exatamente dois seis - pessoas que tira-
ram um seis - e um não-seis,86 e transporta cada um esse trio em uma sala sepa-
rada. Todos têm certeza de que o anjo fez isso.
Se você está em uma das salas, sabe que das três pessoas na sala, exatamente
dois rolaram seis. Como você deve adivinhar? Há um bom argumento de que
você não aprendeu nada. Você já sabia que seria transportado para uma sala com
dois completos estranhos, e foi exatamente isso que aconteceu. Não tendo
aprendido nada, você deve se limitar a “Não é um seis”. Por outro lado, há algo
de absurdo no fato de todas as três pessoas na sala adivinharem “Não é um seis”
quando é certo que duas delas tiraram seis. Dentro de cada sala, é certamente
melhor que as três pessoas adivinhem “Seis”. Então, mais uma vez, temos um
bom argumento de que cada pessoa deveria adivinhar “Seis” e que cada uma de-
veria adivinhar “Não é um seis”.
No entanto, há uma diferença crucial entre a história do rearranjo e a nossa
história anterior sobre adivinhar quase todos os lançamentos. Na nossa história

86Suponha que os seis sejam 𝑠1 , 𝑠2 , ... e os não-seis sejam 𝑛1 , 𝑛2 , ... ; então o anjo pode formar grupos
correspondentes aos conjuntos {𝑠1 , 𝑠2 , 𝑛1 },{𝑠3 , 𝑠4 , 𝑛2 },{𝑠5 , 𝑠6 , 𝑛3 }, ... .

126
anterior, abraçar o finitismo causal eliminou a possibilidade do paradoxo. Con-
tudo, na presente história não está claro se qualquer história causal infinita esteja
envolvida.
Por exemplo, considere um mundo onde exatamente um novo ser humano é
concebido (que, para simplificar, assumirei ser o início de sua existência) no iní-
cio de cada ano, começando no ano 1, e ninguém morre. Aos 30 anos, cada hu-
mano lança um dado. Depois de lançar um dado, o dado é retirado pelo anjo,
sem que o humano veja o resultado, e a pessoa é colocada em um sono sem so-
nhos. O anjo agora distribui as pessoas pelas salas sequencialmente, acompa-
nhando os lançamentos de dados sequenciais e preenchendo uma sala assim que
dois seis e um não seis estiverem disponíveis. Quando uma sala está cheia, as
pessoas nela são acordadas, sem nenhum sinal de quanto tempo se passou,87 e
então têm a oportunidade de adivinhar se tiraram um seis.
A conclusão deste processo levará um tempo infinito. Mas quase certamente
(a exceção é o caso improvável de quase todo mundo tirar um seis ou quase to-
do mundo tirar um não-seis) levará apenas um tempo finito para que qualquer
pessoa seja colocada em uma sala. O finitismo simpliciter mais o eternalismo ex-
cluirão o cenário, ao excluir a possibilidade de infinitos eventos futuros, mas o
finitismo causal é compatível com o cenário. Temos, portanto, uma paródia:
uma história aparentemente paradoxal pelos mesmos motivos que as nossas his-
tórias anteriores de adivinhação, mas sem qualquer dependência do infinitismo
causal.

2. 6. 2 AVALIANDO A PARÓDIA

Para ver quão poderosa é a paródia, precisamos de ver até que ponto os argu-
mentos para permanecer com “Não é um seis” e para mudar para “Seis” no caso
do rearranjo são análogos ao caso de quase todos os seis.
Na Seção 2.5.1, consideramos dois argumentos: depois de descobrir que qua-
se todo mundo tirou seis, você deveria passar a adivinhar “Seis”. A primeira foi
intuitiva: você poderia igualmente ser qualquer uma das pessoas, e é muito im-
provável que você fosse um dos poucos que não tirou seis. Esse argumento é
bastante análogo ao pensamento de que se duas das três pessoas em sua sala fi-
zerem seis, você terá 2/3 de chance de acertar.
Mas, no que diz respeito a isso, este último pensamento está errado. Pegue
uma variante onde há um milhão de pessoas, e onde o anjo prometeu anterior-
mente a você, e somente a você, colocá-lo em uma sala onde há dois seis e um
não seis. Então, embora ainda seja verdade que das três pessoas na sala exata-
mente duas são seis, você não deve concluir que tem 2/3 de probabilidade de ser
um seis. Sua chance de ser um Sixer aumenta insignificantemente, já que ao ser
colocado em tal sala, você agora aprende com certeza que há pelo menos dois

87 Saber quanto tempo passou seria uma pista para saber se alguém tirou um seis ou não.

127
Sixers e pelo menos um não Sixer, enquanto anteriormente você apenas pensava
que isso era extremamente provável. ser verdadeiro. Mas, fora essa informação,
nada de relevante foi aprendido, certamente nada que aumente a sua probabili-
dade para 2/3. Portanto, o simples facto de na sua sala haver dois seis e um não
seis não implica uma probabilidade de 2/3 de ser um seis.
Mas talvez no caso infinito possamos dizer que o único não-seis tem a mes-
ma probabilidade de ser qualquer uma das três pessoas na sala, uma vez que o
caso é totalmente simétrico entre as três pessoas. No caso finito não existe tal
simetria. Sua presença na sala é garantida pelo anjo, enquanto as outras duas pes-
soas são escolhidas aleatoriamente. Da mesma forma, o caso em que quase to-
dos tiram seis foi simétrico entre os participantes. Em ambos os casos, então,
considerações intuitivas de simetria sugerem que você deveria mudar para
“Seis”.
Mas as considerações de simetria apresentam algumas fraquezas no caso da
paródia original. Sugeri que o caso da paródia poderia ser executado sem infini-
tismo causal, fazendo com que o anjo designasse as pessoas aos quartos por uma
ordem determinada pela ordem de concepção e pelos resultados dos lançamen-
tos dos dados. Agora, se você soubesse as datas de concepção de todas as três
pessoas, isso lhe daria informações significativas sobre quem tirou seis e quem
não. Na verdade, é mais provável que a pessoa mais velha na sala seja aquela que
tirou um número diferente de seis. Pois o anjo percorre a lista dos seis - come-
çando pelo mais antigo - duas vezes mais rápido do que percorre a lista dos não-
seis, já que o anjo tem que colocar dois seis em uma sala para cada não-seis e,
além disso, os seis estão em ordem. média mais espaçada em idade. Portanto, se
você conhecesse todas as verdades relevantes e necessárias, a situação não seria
mais simétrica para você.
Para manter a simetria, você não deve ter nenhum dado que o distinga das
outras pessoas no que diz respeito à ordem de concepção. Mas isso significa que
a sua posição na ordem de concepção é, pelo menos do seu ponto de vista, o va-
lor de uma loteria justa e contabilmente infinita. Agora temos duas histórias
plausíveis aqui. Primeiro, temos uma tese de essencialidade do tempo de origem
que garante que você não poderia ter tido uma posição diferente na ordem de
concepção da que teve. Em segundo lugar, você poderia igualmente ter tido
qualquer uma das infinitas posições na ordem de concepção.
Dada a essencialidade da tese do tempo de origem, é uma verdade necessária
que você passou a existir no momento em que surgiu e que as outras pessoas em
sua sala passaram a existir no momento em que surgiram. Isso não é análogo ao
caso original, onde há uma simetria entre os rolos da matriz, mesmo depois de
fixadas suas identidades e idades. É verdade que ainda existe uma simetria epis-
têmica no caso da paródia. Mas quando uma simetria epistêmica é devida à igno-
rância de verdades necessárias, há boas razões para nos preocuparmos com a
exatidão da atribuição de probabilidade de alguém, uma vez que, em tal caso, es-
tamos atribuindo probabilidade epistêmica não unitária a verdades necessárias
128
relevantes, o que torna as probabilidades de alguém ser relevantemente inconsis-
tente, e não é surpreendente nem paradoxal se isso leva a consequências estra-
nhas.
Por outro lado, se você pudesse igualmente ter qualquer uma das infinitas po-
sições na ordem de concepção, então o processo que levou à ordem de concep-
ção implementou uma loteria justa e infinitamente contável – talvez o vencedor
seja o primeiro concebido – e vimos no Capítulo 4 que tais loterias são impossí-
veis.
Poderíamos tentar ordenar os rolos de matriz de alguma outra forma impar-
cial que não pela ordem de concepção. Mas fazer isso parece exigir ignorância
das verdades necessárias ou infinitas loterias justas.88
No nosso caso de adivinhação interpessoal, o segundo argumento a favor da
mudança baseou-se num princípio de universalização de que, grosso modo, se
uma acção que não afecta os outros é racional em termos de interesse próprio, a
sua generalização deveria produzir os melhores resultados globais. Este argu-
mento não se generaliza para o caso da paródia. Pois, quase certamente, se todos
mudarem para “Seis”, um número infinito de pessoas receberá um choque e um
número infinito receberá um presente. E será exatamente o mesmo no geral se
todos continuarem com “Não é um seis”: infinitos choques e infinitas gulosei-
mas. É verdade que a melhor consequência para os agentes em sua sala será ob-
tida se os três ocupantes mudarem para “Seis”. Mas o princípio da universaliza-
ção é menos plausível quando restringido de forma arbitrária aos habitantes da
sala.
Assim, dos dois argumentos a favor da mudança no caso da paródia, um é
prejudicado pela essencialidade do tempo de origem e o outro baseia-se num
princípio de universalização menos plausível.
E quanto ao argumento para permanecer com “Não é um seis”? Nosso ar-
gumento original era que a proposição de que quase todo mundo tira seis é logi-
camente equivalente à proposição de que quase todo mundo tira seis, e uma vez
que a última é evidentemente irrelevante (dada a certeza sobre a justiça da confi-
guração), a primeira também deve ser. Este argumento não se aplica ao caso da
paródia.

88∗O problema da Bela Adormecida (Elga 2000) é semelhante à nossa paródia sobre a essencialidade
da interpretação do tempo das origens, na medida em que na Bela Adormecida é essencial que o agen-
te desconheça qual dia da semana é quando ela acorda, e é uma verdade necessária que hoje é terça-
feira se, de facto, hoje é terça-feira. Pode-se esperar que a ignorância de tais verdades necessárias e re-
levantes leve a resultados estranhos. No entanto, na Bela Adormecida, a ignorância das verdades ne-
cessárias não é essencial para a história. Embora a história padrão envolva uma seleção entre acordar
na segunda e terça-feira versus acordar apenas na segunda-feira, de modo que o conhecimento da ver-
dade necessária de que agora é terça-feira diz como foi a seleção, pode-se contar uma história modifi-
cada onde a seleção está entre despertares na segunda e terça-feira versus despertares num dia escolhi-
do aleatoriamente entre segunda e terça-feira, caso em que o conhecimento da verdade necessária de
que hoje é, digamos, terça-feira, não ajudará.

129
No entanto, há um argumento adicional que pode ser apresentado para man-
ter “Não é um seis” no caso da paródia. Primeiro, existe o pensamento plausível
de que você não aprende nada de relevante ao ser colocado na sala com dois es-
tranhos. Afinal, você já sabia que poderia ser colocado em tal sala (supondo que
existam infinitos seis e infinitos não-seis), e as identidades das pessoas na sala
não lhe fornecem informações relevantes.
Este argumento é deficiente, no entanto. Pois dada a essencialidade do tempo
de origem, e dado que o anjo distribui as pessoas aos seus quartos por ordem de
existência, se você conhecesse todas as verdades necessárias relevantes, você re-
avaliaria suas probabilidades. Mas precisamos de ser cautelosos relativamente aos
nossos julgamentos probabilísticos quando ignoramos verdades necessárias rele-
vantes, pois então as nossas probabilidades serão inevitavelmente inconsistentes.
Em suma, os argumentos para ambos os lados do dilema na história da paró-
dia são mais fracos do que na história de quase todos os seis, e não são análogos
a ela, apesar das semelhanças superficiais.
Não sei qual é a solução correta para o problema da paródia. Aqui está uma
opção, no entanto. A história envolve uma loteria justa infinitamente contável,
implícita em uma ordem aleatória, e isso é impossível pelas considerações do
Capítulo 4, ou a ignorância de verdades necessárias, como o tempo de origem.
Foi crucial para os paradoxos da adivinhação que não se pode ser racionalmente
obrigado a fazer algo e abster-se de fazê-lo. Mas talvez este princípio só se apli-
que a seres perfeitamente racionais, ou pelo menos a seres que são perfeitamente
racionais no que diz respeito às características relevantes da situação. Talvez, as-
sim como alguns (por exemplo, Tomás de Aquino; ver Dougherty 2011, Capítu-
lo 4) pensam que você pode se envolver em um verdadeiro dilema moral por
meio da imperfeição moral - digamos, fazendo promessas incompatíveis a pes-
soas diferentes - você pode se envolver em um verdadeiro dilema racional por
meio de imperfeição racional. E talvez a ignorância de verdades necessárias rele-
vantes – como o ano em que se originou – torne impossível ser perfeitamente
racional sobre uma área de pensamento.

3. Maçã de Satanás
3.1 A história

Arntzenius e Hawthorne (2004, Seção 3) apresentam esta situação paradoxal:

Satanás cortou uma maçã deliciosa em infinitos pedaços, rotulados pelos números natu-
rais. Eva pode pegar as peças que quiser. Se ela pegar apenas um número finito de pe-
ças, ela não sofrerá nenhuma penalidade. Mas se ela pegar um número infinito de peças,
ela será expulsa do Jardim por sua ganância. De qualquer forma, ela comerá todos os
pedaços que pegou.

130
(As peças, é claro, devem ficar cada vez mais finas.) Existem duas versões disso:
uma versão sincrônica onde Eva decide simultaneamente quais peças pegar e
uma versão diacrônica onde Eva é apresentada, uma por uma, com uma escolha
binária se pegar uma determinada peça.

3.2 Versão sincrônica

Primeiro pegue a versão sincrônica. Aqui, Eva precisa indicar qual subconjunto
de peças ela deseja comer. A razão pela qual o paradoxo aparece aqui é que pa-
rece que para cada fatia é melhor ela incluir aquela fatia em seu subconjunto in-
dicado, não importa o que ela faça com as outras fatias (é melhor ser expulsa do
Jardim com uma fatia extra do que sem ela). Isto sugere um argumento de do-
minância: para cada fatia, ela deve optar por incluir aquela, porque não importa
quais outras escolhas ela faça, é melhor incluí-la.
Como observam Arntzenius e Hawthorne (2004), esse tipo de raciocínio de
dominância funciona no regime finito. Se for melhor incluir isso em sua seleção
para cada um de um número finito de fatias, não importa o que você escolha em
relação às outras fatias, então você deve optar por todas as fatias. A razão é esta.
Num caso finito, haverá pelo menos uma opção ótima (pode haver mais de uma,
em caso de empate). Se essa opção ideal não incluísse uma fatia, então não seria
a ideal, pois haveria uma opção melhor, que incluísse essa fatia.
Em geral, o argumento da dominância estabelece que se existe uma solução
ótima, esta inclui todas as fatias. Mas na Maçã de Satanás o antecedente da con-
dicional é falso. Para cada perfil que falta uma fatia de maçã, incluir essa fatia se-
ria uma melhoria. E o perfil que inclui todas as fatias é derrotado pelo perfil que
não inclui nenhuma delas: melhor ficar no paraíso do que comer a maçã inteira.
Portanto, nenhum perfil é ideal.
Há outra razão pela qual o argumento da dominância é problemático. Ele
combina os casos sincrônicos e diacrônicos, fazendo parecer que Eva está fa-
zendo um número infinito de escolhas, uma por fatia. Mas, em vez disso, ela está
fazendo uma única escolha entre uma infinidade de opções.
É verdade que seria bom ter uma solução ideal para o problema. Há algo de
inquietante no fato de que para cada solução existe uma melhor. Seria bom se o
finitismo causal excluísse tais cenários. Infelizmente, não sei até que ponto isto
pode ser feito de forma credível.
Uma possibilidade seria argumentar que os agentes deliberam entre múltiplas
razões, e essas razões competem causalmente no agente, com uma das razões
acabando por ser a vencedora – por exemplo, esta é a imagem de Kane (1999)
da liberdade humana. Mas então parece que a escolha de Eva teria de ser o resul-
tado de um processo causal com infinitas razões como antecedentes, havendo
uma razão correspondente a cada fatia.
Acredito que esta resposta ao problema sincrônico falha em dois aspectos.
Primeiro, múltiplas razões poderiam corresponder a um único estado do agente.
131
É plausível atribuir a alguém que acredita que a lua é redonda e cinzenta a crença
de que a lua é redonda, bem como a crença de que é cinzenta. Mas não precisa-
mos pensar que a mente armazena todas as três crenças separadamente. Pode ser
que exista um único estado mental que fundamenta a correção de todas as três
atribuições de crenças. Da mesma forma, um agente pode ter muitos motivos e
um único estado mental que fundamenta a atribuição desses motivos. Nesse ca-
so, pode haver apenas um fator causal envolvido, nomeadamente o estado men-
tal.
Em segundo lugar, mesmo que cada razão corresponda a um factor causal di-
ferente, parece que apenas uma razão – a vitoriosa, aquela que produziu a acção
– está realmente na história causal da acção. As razões concorrentes eram con-
tra-explicativas: em vez de contribuírem para a acção, dificultaram-na.
Pode haver alguma outra maneira de o finitismo causal resolver o problema
sincrônico. Mas também podemos concordar com Arntzenius e Hawthorne
(2004) que não existe paradoxo. Este é apenas um caso em que não existe uma
opção óptima (esta é uma forma de resolver, em vez de eliminar o paradoxo, na
terminologia do Capítulo 1, Secção 1). E, de qualquer forma, não deveríamos
esperar que o finitismo causal resolvesse todos os problemas que envolvem o in-
finito.

3.3 Versão diacrônica

A versão diacrônica é mais paradoxal. Arntzenius e Hawthorne (2004) dividem o


caso dependendo se Eva pode vincular-se antecipadamente a um padrão especí-
fico de decisões futuras. Se ela conseguir se vincular, o problema equivale ao
sincrônico: ela só precisa escolher um perfil de fatias e se vincular a ele. Ainda
temos a dificuldade de não existir a melhor opção, claro, mas talvez isso não seja
um verdadeiro paradoxo.
Mas o caso realmente difícil é aquele em que Eva não consegue se vincular
antecipadamente. Aqui, Arntzenius e Hawthorne têm que admitir que será raci-
onal para Eva pegar cada fatia, mesmo que isso a amaldiçoe.
A versão diacrónica, contudo, pode ser claramente descartada pelo finitismo
causal. Pois a expulsão de Eva do Jardim teria de ser causada por um número in-
finito de fatores causais, presumivelmente organizados numa supertarefa. Por-
tanto, mesmo que o finitismo causal não ajude no problema sincrónico, ele mata
o paradoxo diacrónico.
Também podemos imaginar uma versão sincrônica multipessoal que possua
as mesmas características. Infinitas pessoas estão no paraíso e podem escolher se
querem comer uma maçã. Se um número infinito de pessoas comê-lo, todos se-
rão expulsos. Se um número finito de pessoas comem, todos ficam. O que eles
deveriam fazer? Novamente, é melhor que cada um coma uma maçã, não impor-
ta o que os outros façam. Mas se todos comerem uma maçã, algo terrível acon-

132
tece. Mais uma vez, o finitismo causal elimina perfeitamente o paradoxo ao tor-
nar a história impossível.

3.4 Objeção: Pontuações, desejos e promessas

Foi crucial para a resolução finitista causal do paradoxo diacrônico que a recom-
pensa dependesse causalmente de um número infinito de eventos.
Mas os resultados não precisam depender causalmente dos antecedentes. Su-
ponha que joguemos um jogo de adivinhação em que eu jogo uma moeda que
você não consegue ver e depois pago um dólar se você acertar. Nesse caso, a re-
compensa depende causalmente de eu verificar se o resultado corresponde à
condição de vitória. Mas então ajustamos o jogo. Eu jogo uma moeda e você
adivinha o resultado, e você obtém a vitória, e somente a vitória, se você acertar.
Você não recebe nenhum dinheiro e nem descobre que ganhou. Tudo o que vo-
cê tem é a vitória pura e simples. Nesse caso, o retorno não depende de alguém
poder verificar como a moeda caiu.
Se por si só vale a pena perseguir a vitória, então também o é um bom resul-
tado num jogo, mesmo sem o conhecimento desse resultado. Pode-se correr
uma milha rapidamente, mesmo quando não se espera descobrir quanto tempo
levou para correr. Mas isto permite-nos modificar a Maçã de Satanás. Por exem-
plo, podemos supor um jogo em que comer uma fatia n lhe dá 1/2n pontos, mas
comer um número infinito de fatias lhe dá 100 pontos.
Há, no entanto, uma dificuldade intuitiva aqui. A vitória não é muito diverti-
da se ninguém descobrir que você ganhou e, da mesma forma, uma pontuação
alta não vale muito se ninguém descobrir que você a conquistou. E saber a pon-
tuação dependeria do número infinito de decisões.
Na verdade, há boas razões para duvidar que a vitória e a pontuação gerem
algum benefício real para um agente, por si só. Considere este jogo solitário:
acho “par” ou “ímpar”. Se no momento do meu palpite o número de mosquitos
no mundo corresponder ao meu palpite, ganho dois pontos. Caso contrário,
perco um ponto. Posso jogar isso repetidamente, ganhando aproximadamente a
cada segunda vez. Se é bom para mim vencer um jogo, continuo acumulando
benefícios. Então, por razões de interesse próprio, eu deveria jogar esse jogo o
tempo todo. Eu poderia até me preparar para jogar por padrão: anuncio estipula-
tivamente que minhas respirações alternam entre palpites “pares” e “ímpares”.
Estarei acumulando benefícios todos os dias, todas as noites. Mas isso é boba-
gem.
Mas talvez haja pouco benefício para o agente neste jogo bobo porque ele é
desequilibrado – é necessário pouco esforço para obter uma pontuação esperada
positiva – e talvez haja retornos decrescentes ao repetir um jogo, de modo que
mesmo um número infinito de vitórias tenha apenas pouco efeito. beneficiar.
No entanto, também é plausível que não haja nenhum benefício no jogo, que
não tenhamos motivos para jogar.
133
Aqui, no entanto, está uma forma de resolver o conflito entre a intuição de
que se pode razoavelmente jogar apenas pelo placar, mesmo quando se sabe que
não se descobrirá o placar, e a intuição de que não há sentido no jogo de adivi-
nhação do mosquito. Talvez seja essencial para um jogo que seja o tipo de treino
onde normalmente poderíamos descobrir o resultado (ou pelo menos uma boa
aproximação dele). Pode haver casos individuais em que alguém se beneficia ou
é prejudicado por uma pontuação desconhecida - talvez em sua corrida matinal
ao redor do quarteirão, sem o seu conhecimento, você tenha batido o recorde
mundial de uma corrida de 400 metros e, se assim for, intimide você. Mas esses
casos são plausivelmente parasitários de jogos do mesmo tipo, ou muito seme-
lhantes, onde as pontuações são cognoscíveis, ao contrário do gamificado Maçã
de Satanás.
Além disso, mesmo que valha a pena ter a pontuação por si só, é pouco pro-
vável que o mapeamento entre pontuações e utilidades – ou seja, medidas de
bem-estar – seja simples e não será um assunto para mera estipulação. Podería-
mos fazer uma variante do futebol onde estipulamos que um gol marcado no úl-
timo minuto de um jogo vale mil pontos. Mas um time que vencesse por mil a
zero não estaria mil vezes melhor do que um time que vencesse por um a zero,
por mais que tentássemos estipular isso. E embora uma vitória esmagadora valha
mais do que uma vitória ligeira contra os mesmos adversários, não está claro se
vencer um jogo de basquete por 83 a 15 seja mais valioso do que vencê-lo por
82 a 15. Nem está claro que correr uma milha em 4,000002 segundos é pior do
que executá-lo em 4,000001 segundos, especialmente se não se sabe a hora.
À luz disso, não há garantia de que seja realmente possível configurar um jo-
go com utilitários que produzam uma gamificação bem-sucedida da Maçã de Sa-
tã – um cenário em que escolher infinitas fatias dá a pior pontuação, mas adicio-
nar uma fatia é sempre benéfico. Qualquer utilidade que obtemos da mera pon-
tuação de um jogo é certamente finita, e não está claro se a conversão de pontu-
ações em utilidades pode ser tão refinada a ponto de ser capaz de produzir in-
crementos de utilidade arbitrariamente pequenos.
Finalmente, mesmo que realmente existam benefícios em jogos bobos com
pontuações desconhecidas, como a versão gamificada da Maçã de Satanás, talvez
a existência de paradoxos em jogos puros, jogos onde a pontuação por si só é o
valor, não seja tão surpreendente. Tais jogos puros não são algo que contribui
com uma parte significativa do bem-estar humano, e assim como se poderia
pensar que as nossas intuições sobre probabilidades são insensíveis a diferenças
infinitesimais (cf. Capítulo 4, Secção 2.6), também se poderia pensar que as nos-
sas intuições sobre a racionalidade podem não se aplicar a jogos puros. Em
qualquer caso, onde existem benefícios “concretos” – como o prazer saudável e
a prevenção de dores prejudiciais, como na versão original com uma maçã sabo-
rosa e um jardim agradável – os paradoxos parecem mais significativos.
Uma variante da geração de utilidades não-causais é fazê-lo por meio de dese-
jos. Parece valer a pena ter o desejo satisfeito, mesmo que nunca se saiba sobre a
134
satisfação. Um pintor pode desejar que sua pintura seja exposta na Galeria Naci-
onal. Ela se beneficia com o fato de ele estar pendurado ali, mesmo que nunca
descubra que ele está lá.
Assim como consideramos usar pontuações de jogos para alimentar a Maçã
de Satanás, poderíamos tentar fazer com que os utilitários ativem desejos. Pode-
ríamos imaginar um agente que tem um desejo esmagadoramente forte de não
comer um número infinito de fatias de maçã, mas que ainda assim deseja cada
fatia específica, de tal forma que é sempre melhor ter mais uma fatia, mas ter in-
finitas fatias é pior do que qualquer cenário com um número finito.
Respostas semelhantes podem ser feitas tanto para a versão desejada quanto
para a versão partitura. Primeiro, não está claro se a satisfação de um desejo por
si só, na ausência de um bem independente do desejo sendo desejado e na au-
sência da consciência da satisfação do desejo, é valiosa. Em segundo lugar, pode
ser que o valor da satisfação inconsciente seja parasita do valor da satisfação
consciente, de modo que apenas os tipos de desejos onde se pode descobrir a sa-
tisfação sejam valiosos. Terceiro, não está claro que a mera satisfação do desejo
possa ser suficientemente refinada para conduzir o paradoxo. E, finalmente, não
está claro que a mera satisfação do desejo seja suficiente para tornar o paradoxo
seriamente problemático – mais uma vez, talvez as intuições sobre a racionalida-
de não sejam sensíveis a pequenas diferenças na utilidade.

3.5 Avaliação

Podemos resolver a diacrônica Maçã de Satanás original por meio do finitismo


causal. A versão sincrônica pode ser resolvida de maneira diferente, e versões
não causais baseadas em jogos, desejos e promessas não parecem convincentes.
Não sei se todas as variantes da Maçã de Satanás podem ser resolvidas por uma
combinação de finitismo causal com outras ferramentas. Mas o facto de algumas
versões poderem ser resolvidas com o finitismo causal, e outras versões conhe-
cidas serem resolvidas com outras ferramentas que não resolvem a versão que é
resolvida com o finitismo causal, dá-nos algumas razões para aceitar o finitismo
causal, embora não tanto como se poderíamos resolver todas as versões unifor-
memente com finitismo causal. Ainda assim, é um tanto impressionante que o
finitismo causal ajude na versão mais convincente do paradoxo.

4. Paradoxo de Beam

Beam (2007) apresenta um paradoxo de apostas mais complicado, onde você


deve aceitar cada uma de uma coleção infinita de negociações, mas onde aceitar
todas as negociações garante uma perda líquida. Mais uma vez, este paradoxo
tem a característica de poder ser implementado de múltiplas maneiras, algumas

135
das quais podem ser resolvidas sem finitismo causal, mas a versão mais preocu-
pante parece ser melhor resolvida por meio do finitismo causal.

4.1 ∗ A formulação matemática

Comece observando que existe uma permutação π dos inteiros positivos tal que:


(−1)𝜋(𝑛)
∑ = −100.
𝜋(𝑛)
𝑛=1

Isso decorre do fato de que ∑∞ 𝑛


𝑛=1(−1) /𝑛 é apenas condicionalmente conver-
gente, e uma série condicionalmente convergente pode ser reorganizada para ter
qualquer valor desejado.
Seja X um ponto uniformem
ente escolhido aleatoriamente no intervalo (0, 1). Defina 𝑎𝑛 = (−1)𝜋(𝑛)+1 .
Suponha que os dólares medem a utilidade. Para cada n, em troca de receber
(1/2)𝜋(𝑛) dólares, um agente racional jogará este subjogo:

(i) Se X < 1/π(n), obtenha (1 − 1/π(n))an;


(ii) Caso contrário, obtenha −(1/π(n))an.

O valor esperado deste jogo é

1 1 1 1
(1 − ) 𝑎𝑛 𝑃 (𝑋 < )− 𝑎𝑛 (1 − 𝑃 (𝑋 < ))
𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛)
1 1 1 1
= (1 − ) 𝑎𝑛 − 𝑎𝑛 (1 − )=0
𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛)

Assim, racionalmente, deve-se jogar o subjogo, não importa quão pouco seja pa-
go para fazê-lo, inclusive quando se recebe (1/2)π(n) dólares.
Suponha que você aceite o acordo para cada n. Vamos calcular seu resultado
líquido para um determinado valor de X. A série incondicionalmente convergen-
te ∑∞ 𝜋(𝑛) = ∑∞ 1/2𝑛 = 1 representa quanto você receberá apenas pa-
𝑛=1 1/2 𝑛=1
ra jogar o subjogos. Seja An(X) = {n ≥ 1 : π(n) < 1/X} e Bn(X) = {n ≥ 1 : π(n) ≥
1/X}. Então, para n ∈ An(X), a regra (i) será aplicada e para n ∈ Bn(X), a regra
(ii) será aplicada. Além disso, o conjunto An(X)é finito não importa qual seja X
∈ (0, 1), e mesmo em uma série condicionalmente convergente pode-se reorga-
nizar um número finito de termos. Para resumir, omitindo a dependência de X,
sua recompensa dos subjogos será:

136
1 1 𝜋(𝑛)+1 1 (−1)𝜋(𝑛)
∑ (1 − )𝑎 + ∑ − = ∑ (−1) (1 − )+ ∑ −
𝜋(𝑛) 𝑛 𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛)
𝑛∈𝐴𝑛 𝑛∈𝐴𝑛 𝑛∈𝐴𝑛 𝑛∈𝐴𝑛
(−1)𝜋(𝑛) (−1)𝜋(𝑛)
= ∑ (−1)𝜋(𝑛)+1 + ∑ + ∑
𝜋(𝑛) 𝜋(𝑛)
𝑛∈𝐴𝑛 𝑛∈𝐴𝑛 𝑛∈𝐴𝑛

(−1)𝜋(𝑛)
= ∑ (−1)𝜋(𝑛)+1 + ∑
𝜋(𝑛)
𝑛∈𝐴𝑛 𝑛=1

= ∑ (−1)𝜋(𝑛)+1 − 100
𝑛∈𝐴𝑛

= ∑ (−1)𝑚+1 − 100
1≤𝑚<1/𝑋

dólares. Mas Σ1≤𝑚<1/𝑋 (−1)𝑚+1 é igual a 1 ou 0, dependendo se há um número


ímpar ou par de termos nessa soma. Em ambos os casos, você perderá pelo me-
nos US$ 99 jogando e, como receberá US$ 1 para jogar, sua perda líquida será de
pelo menos US$ 98.
Portanto, se você fizer o que é racionalmente necessário, terá a garantia de
perder pelo menos US$ 98. O ingrediente crucial no paradoxo é que em tais ca-
sos de convergência condicional, a soma dos valores esperados dos subjogos,
que é apenas ∑∞ 𝑛=1 1/2
𝜋(𝑛)
, não é igual ao valor esperado da soma dos valores,
que está em algum lugar entre −99 e −100.
Existem agora três versões do paradoxo, dependendo de como o jogo é im-
plementado. As duas primeiras versões correspondem às duas versões da Maçã
de Satã: existe uma versão sincrónica onde o agente escolhe um único perfil de
apostas para o jogo como um todo, e uma versão supertarefa diacrónica onde o
agente decide as apostas uma a uma, com uma recompensa final no final. Mas há
também uma terceira versão em que as apostas são feitas num ritmo não super-
tarefa, digamos uma por minuto, durante um período de tempo infinito.

4. 2 ∗ Versão sincrônica

Na versão sincrônica do jogo, o agente escolhe um subconjunto de subjogos pa-


ra jogar. Para qualquer conjunto finito A de subjogos para jogar, seu retorno es-
perado será Σ𝑛∈𝐴 1/2𝜋(𝑛) dólares, ou seja, precisamente a quantia que ela recebe
para jogar os subjogos, uma vez que o valor esperado de jogar cada subjogo in-
dividual é exatamente zero.
Assim, quanto maior for o conjunto A, melhor para o agente. E incluir mais
um subjogo no subczonjunto sempre terá um impacto positivo no retorno espe-
rado. Mas incluir todos os subjogos resultará na perda de pelo menos US$ 98 no
saldo. A estrutura aqui é muito semelhante à versão sincrônica da Maçã de Sata-
nás. A principal diferença é que a certeza de lucrar com cada fatia é substituída
pelo lucro esperado com ela.

137
Tal como na versão sincrónica da Maçã de Satanás, o finitismo causal não pa-
rece ajudar. Contudo, tal como em A Maçã de Satanás, pode-se argumentar que
não há aqui nenhum paradoxo, apenas um caso sem um óptimo.

4.3 ∗ Versão futura infinita diacrônica

Na versão diacrônica do futuro infinito, pergunta-se regularmente a um agente


que vive infinitamente se deseja jogar. Cada vez que ela deveria jogar racional-
mente. No entanto, o seu retorno global ao longo da vida será certamente nega-
tivo.
O finitismo causal também não ajuda em nada neste caso, já que o finitismo
causal não exclui tais infinitos futuros.
No entanto, há um problema de valor com esta versão do paradoxo. Embora
eu tenha quantificado os retornos em dólares, não pode ser apenas uma questão
de ganhar ou perder dinheiro, uma vez que na versão diacrónica sem supertarefa
nunca conseguiria gastar o dinheiro, pois a história dura para sempre. Uma ma-
neira natural de perceber esta versão do paradoxo é pensar que você simples-
mente gosta ou fica prejudicado com as recompensas à medida que elas chegam,
em um valor proporcional à recompensa.
No entanto, é um erro pensar que as utilidades aproveitaram ao longo do
tempo uma soma geral para produzir uma utilidade global. Suponha, por exem-
plo, que no dia n, se n for par, você terá um prazer de magnitude 1/n e se n for
ímpar, você terá uma dor de magnitude 1/n. É tentador, mas equivocado, dizer
que o valor total de todos esses prazeres e dores é apenas ∑∞ 𝑛
𝑛=1(−1) /𝑛. En-
quanto tudo o que estivermos observando forem os valores das dores e dos pra-
zeres, e não, digamos, das lembranças deles, a ordem pela qual você recebe as
dores e os prazeres deverá ser irrelevante. Isto pode ficar mais claro se supormos
- para tornar mais claro o efeito da memória - que no final de cada dia, as me-
mórias dos prazeres e das dores são apagadas, para que uma série de prazeres
não se torne aborrecida e uma série de dores não levam ao desespero. Então re-
almente parece que a permutação dos dias não deveria alterar o resultado geral.
Mas não devemos ser tão rápidos, pois há algo muito contra-intuitivo aqui. Se
as permutações não alteram o resultado geral na ausência de memória e outras
características relevantes para a ordem, então não é melhor receber uma dor fixa
em dias cujo número é divisível por quatro e um prazer fixo nos outros dias do
que nos outros dias. ao redor. Poderíamos pensar que certamente é melhor re-
ceber o prazer nos dias não divisíveis por quatro, pois então qualquer sequência
sucessiva de quatro dias incluirá três dias de prazer e um de dor, e não o contrá-
rio. Mas na ausência de memórias e de outras características da vida relevantes
para a ordem, é arbitrário dividirmos a vida em quádruplos consecutivos de dias
ou em alguma outra coleção de quádruplos disjuntos. E o cenário onde “apenas”
os dias divisíveis por quatro proporcionam prazer também pode ser dividido em
quádruplos com três dias de prazer e um de dor: 4, 8, 16, 1; 20, 24, 28, 2; 32, 36,
138
40, 3; 44, 48, 52, 5; .... Afirmo que não há nenhum paradoxo real aqui. A razão
pela qual parece paradoxal é porque normalmente a ordem da vida é importante
– é lamentável lembrar que os últimos quatro dias foram principalmente doloro-
sos.
Agora, o que é famoso e crucial para a história de Beam, você pode reorgani-
zar os termos na soma ∑∞ 𝑛
𝑛=1(−1) /𝑛 para obter qualquer número real que de-
sejar. Uma vez que a configuração da história não inclui quaisquer características
relevantes para a ordem, como a memória (se incluísse, seria uma história rele-
vantemente diferente), nesse caso não podemos identificar a utilidade geral ao
longo de uma vida futura infinita com uma soma tomada em consideração. al-
guma ordem específica. A versão futura infinita da história de Beam é, portanto,
um caso em que não há nenhuma utilidade significativa que possa ser associada
ao resumir as utilidades diárias – e talvez nenhuma utilidade global significativa.
No entanto, o paradoxo da racionalidade – o paradoxo de que se perderia glo-
balmente ao fazer a coisa racional todos os dias – exigiria uma utilidade global
obtida pela soma das utilidades diárias.

4.4 ∗ Versão de supertarefa diacrônica

A versão diacrônica da supertarefa do paradoxo vem em duas versões. Uma ver-


são é exatamente como a versão diacrônica sem supertarefa, pois as recompen-
sas são aproveitadas à medida que o subjogo é jogado, e não depois. Nesse caso,
a resposta dada na versão diacrónica sem supertarefa também se aplica: o valor
de toda a sequência de resultados não é igual à soma dos valores.
Mas há uma versão particularmente preocupante, onde existe uma garantia de
que o valor de toda a sequência de pagamentos é igual à soma dos valores, por
exemplo, porque os termos dos subjogos garantem que você receberá uma
quantia de dinheiro igual a recompensa total quando a supertarefa terminar. Nes-
ta versão, temos o problema de que é racional aceitar cada oferta, mas, tal como
no caso da Maçã de Satanás, é mau aceitar todas elas.
Esta versão particularmente preocupante é, no entanto, cuidadosamente tra-
tada pelo finitismo causal, uma vez que exige que o pagamento final feito ao
agente seja afectado pelos resultados de um número infinito de jogos.

4.5 Avaliação do paradoxo de Beam

Existem várias versões do paradoxo de Beam. Apenas um deles é resolvido pelo


finitismo causal, mas é o particularmente problemático. As outras versões po-
dem ser resolvidas sem invocar o finitismo causal. Novamente, como no caso da
Maçã de Satanás, obtemos algumas evidências do finitismo causal, mas não tanto
quanto obteríamos se pudéssemos resolver todas as versões uniformemente
usando o finitismo causal.

139
5. Avaliação de Paradoxos Teóricos da Decisão

O finitismo causal fornece uma resolução de alguns paradoxos de adivinhação


intra e interpessoais muito interessantes e das variantes mais problemáticas da
Maçã de Satanás e do paradoxo de Beam. Ele não resolve as outras versões da
Maçã de Satanás ou do paradoxo de Beam, nem o quebra-cabeça do rearranjo da
“paródia” na Seção 2.6, mas estes podem ser tratados de outras maneiras.
Obtemos evidências do finitismo causal, embora não tão fortes como obterí-
amos se pudéssemos resolver todas as variantes usando o finitismo causal. No
entanto, porque são as versões mais problemáticas dos paradoxos que são resol-
vidas pelo finitismo causal, a consideração destes paradoxos dá-nos evidências a
favor do finitismo causal.

Apêndice: ∗ Prova do Teorema da Seção 2.1

Seja Ω o espaço de sequências inversamente infinitas de zeros e uns que escreveremos como c
= (. . . ,c−2,c−1,c0). Ordene Ω com ordenação lexicográfica da direita para a esquerda (por exem-
plo, (. . . , 0, 0, 0, 1, 0)<(... , 0, 0, 0, 0, 1)). Sejam nk e fk como no enunciado do Teorema.
Fixe k ≤ 0. Afirmo que existe um menor elemento c (em relação à ordenação lexicográfica
da direita para a esquerda) de Ω tal que para todo k ≤ i ≤ 0 satisfazemos a restrição

𝑓𝑖 (𝑐𝑖−𝑛𝑖 , … , 𝑐𝑖−1 ) ≠ 𝑐𝑖 .

Para ver isso, primeiro observe que existe pelo menos um elemento c que satisfaz essas restri-
ções. Podemos definir tal elemento por recursão finita. Seja 𝑐𝑖 = 0 para i <k. Então para i ≥
k, se 𝑐𝑖−1 estiver definido, seja

𝑐𝑖 = 1 − 𝑓𝑖 (𝑐𝑖−𝑛𝑖 , … , 𝑐𝑖−1 ).

Isto define c de uma forma que garante que satisfaça as restrições exigidas.
Para qualquer n ≤ 0, seja Ωn o subconjunto de Ω que consiste em sequências a tais que 𝑎𝑖
= 0 para i < n e seja 𝜋𝑛 : Ω → Ωn a projeção óbvia tal que (𝜋𝑛 (a))i = 𝑎𝑖 se i ≥ n e (𝜋𝑛 (a))i = 0
caso contrário, para qualquer a ∈ Ω. Para qualquer n ≤ 0, seja

n∗ = min{i − ni : n ≤ i ≤ 0}.

É fácil verificar que se c satisfaz as restrições exigidas, assim como 𝜋𝑘∗ (c). Além disso, 𝜋𝑘∗ (c) ≤
c, então para qualquer membro de Ω − Ωk∗ que satisfaça as restrições, existe um membro
∗ |+1
menor de Ωk∗ que o faz. Como existem apenas um número finito (na verdade, 2|𝑘 ) mem-
bros de Ωk∗, segue-se que existe um menor membro de Ωk∗ que satisfaz as restrições necessá-
rias, e esse membro também deve ser o menor membro de Ω que satisfaz eles.

140
Denote o menor membro de Ω que satisfaz as restrições de c(k). Observe que c(0) ≤ c(−1) ≤
c(−2) ≤ ... (já que se c satisfaz as restrições para um valor de k, o faz também para valores maio-
res). Fixe n ≤ 0. Então πn preserva a ordenação lexicográfica não estrita da direita para a es-
querda, então πn(c(0)) ≤ πn(c(−1)) ≤ πn(c(−2)) ≤ ... . Assim, a sequência πn(c(−m)), para m ≥ 0, é uma
sequência monótona não decrescente no conjunto finito Ωn. Portanto, a sequência deve even-
tualmente ser constante - para m grande o suficiente, devemos ter πn(c(−m)) = πn(c(−(m+i))) para to-
do i ≥ 0. Segue-se que o n + 1 elementos de c(−m) serão constantes para m suficientemente
grande. Como isso é verdade para n arbitrário, podemos agora definir uma sequência limitante
por ck = limm→∞(c(−m))k. O limite pontual é sempre atingido.
Agora fixe k ≤ 0. Então, se considerarmos m ≥ |k| para ser grande o suficiente, teremos
(−𝑚)
ci = 𝑐𝑖 sempre que k∗ ≤ i ≤ 0. Como c(−m) satisfaz

(−𝑚) (−𝑚) (−𝑚)


𝑓𝑖 (𝑐𝑖−𝑛𝑖 , … , 𝑐𝑖−1 ) ≠ 𝑐𝑖

para −m ≤ i ≤ 0, segue-se tomando m suficientemente grande que:

𝑓𝑖 (𝑐𝑖−𝑛𝑖 , … , 𝑐𝑖−1 ) ≠ 𝑐𝑖 .

para k ≤ i ≤ 0. E isso completa a prova.

141
142
6
O Axioma da Máquina de Escolha

1. Introdução menos técnica


Considere um conjunto S cujos membros são conjuntos não vazios. Por exem-
plo, pegue o conjunto

S = {{1, 2},{1, 4},{−3, 4, 5, 111},{0}}

Então deveria ser possível “escolher” um membro de cada conjunto em S. Mais


precisamente, deveria haver uma função f definida em S que dado um membro
A de S escolhe um membro f(A) de A.
Por exemplo, no exemplo acima, poderíamos definir f({1, 2}) = 2, f({1, 4}) =
4, f({−3, 4, 5, 111}) = 111, e f({0}) = 0. Esta escolha foi feita por meio de uma
regra: para cada membro de S escolha o maior membro desse membro. Mas
existem muitas outras maneiras de escolher um membro de cada membro de S, e
algumas delas não possuem uma regra resumidamente descritível como a acima.
O Axioma da Escolha (AC) diz que para qualquer conjunto S cujos membros
sejam conjuntos não vazios, existe uma “função de escolha” que para cada
membro A de S “escolhe” um membro f(A) de A. Isto é obviamente verdade
em muitos casos. Por exemplo, se cada membro A de S for um conjunto de in-
teiros positivos, poderíamos simplesmente deixar f(A) ser o menor membro de
A (há outras opções também). Se cada membro A de S for um conjunto de in-
teiros, poderíamos simplesmente deixar f(A) ser o membro de A mais próximo
de 0, com ligações entre −x e x quebradas em favor do número positivo (ou ne-
gativo) (novamente, há muitas opções). Se todo membro S é um intervalo da
forma (a, b) com a < b sendo números finitos, então podemos deixar f((a, b)) ser
o ponto médio do intervalo (a, b) (ou um ponto três quartos para a direita, etc.).
Neste tipo de casos, a existência da “função de escolha” pode ser provada a par-
tir de outros axiomas da teoria dos conjuntos.
Da mesma forma, quando o conjunto S é finito, a existência de uma função
de escolha pode ser provada a partir de outros axiomas da teoria dos conjun-
tos.89 A dificuldade é quando S é infinito e não existe uma maneira “natural” de
especificar um membro de cada membro de S, como houve nos exemplos nu-
méricos acima.

89 ∗Utiliza-se indução matemática sobre o número de membros de S.

143
Intuitivamente, quando S é infinito, deveria haver mais funções de escolha.
No caso do conjunto com o qual comecei o capítulo, o número de funções de
escolha é 2 · 2 · 4 · 1 = 16 (duas escolhas no primeiro membro listado, ou seja,
em {1, 2}; duas escolhas em a segunda; quatro na terceira; e apenas uma opção
na última). Se adicionássemos mais membros a S, intuitivamente apenas aumen-
taríamos o número de funções de escolha, dando-nos mais opções.
No entanto, esta intuição vai além dos outros axiomas da teoria dos conjun-
tos de Zermelo-Fraenkel. Paul Cohen mostrou que se os outros axiomas da teo-
ria dos conjuntos são consistentes, então AC não pode ser provado a partir de-
les, enquanto anteriormente Kurt Gödel mostrou que se os outros axiomas são
consistentes, então AC não pode ser refutado com base neles (ver Jech 1973).90
Existem, no entanto, dois tipos de razões para suspeitar da AC. Primeiro,
pode-se ter uma visão filosófica das funções como algo semelhante a regras para
mapeamento e, portanto, pensar que as funções deveriam ser, em certo sentido,
descritíveis ou construtíveis. Se tivermos essa visão, então nos casos em que pu-
dermos fornecer uma regra explícita para a função de escolha – como no exem-
plo em que temos um conjunto de conjuntos de inteiros positivos e especificar-
mos que sempre escolhemos o menor membro – teremos fique feliz em admitir
que existe uma função de escolha. Mas onde tal descrição não puder ser dada,
pensar-se-á que não existe função de escolha.
Em segundo lugar, existem alguns paradoxos que podem ser provados usan-
do AC. O mais famoso deles é o paradoxo de Banach-Tarski (Wagon 1994), que
diz que uma bola matemática sólida pode ser decomposta em cinco subconjun-
tos que podem ser deslocados e girados para fazer duas bolas sólidas com o
mesmo raio da original. No Capítulo 5 consideramos outro paradoxo, ou seja,
que ao empregar AC podemos chegar a um procedimento de adivinhação que
aproveita um número infinito de lançamentos de dados anteriores para tornar
finito o número de erros.
A maioria dos matemáticos que trabalham deixam essas preocupações de la-
do e ficam felizes em usar AC em sua matemática, e muitos teoremas matemáti-
cos essenciais e incontroversos fora da teoria dos conjuntos são provados usan-
do AC.
Neste capítulo, farei uma exposição mais precisa de alguns dos paradoxos
matemáticos da AC e mostrarei que eles dependem de uma versão mais fraca da
AC, o Axioma da Escolha para Conjuntos Contáveis de Reais (ACCR). A seguir,
argumentarei que o ACCR é realmente verdadeiro. O argumento dependerá da
possibilidade de um multiverso infinito, que viola o finitismo, mas é compatível
com o finitismo causal, bem como de considerações de processos estocásticos
causalmente independentes. Argumentarei então que se for possível calcular cau-

90 ∗Se os axiomas forem inconsistentes, então AC pode ser provado e refutado a partir deles. E pelo
teorema da incompletude de Gödel, se forem consistentes, então não pode ser provado que são con-
sistentes.

144
salmente os valores de uma função de escolha através de uma “Máquina
ACCR”, então poderemos criar paradoxos de racionalidade convincentes a partir
dos paradoxos de AC. Por exemplo, mostrarei que em cenários de lançamento
de moeda, dadas suposições de simetria plausíveis, pode-se gerar um livro ho-
landês usando ACCR por raciocínio paralelo ao paradoxo de Banach-Tarski.
Finalmente, argumentarei que se o infinitismo causal for verdadeiro, deverí-
amos ser capazes de construir uma Máquina ACCR para cada situação em que
fosse necessário calcular uma função de escolha para um dos nossos paradoxos.
Portanto, temos um argumento de forma familiar: se o infinitismo causal for vá-
lido, então pode haver Máquinas ACCR; se pode haver máquinas ACCR, resul-
tam múltiplos paradoxos; então, o infinitismo causal é falso. Além disso, a Má-
quina ACCR preenche uma lacuna na nossa construção de uma loteria justa infi-
nitamente contável no Capítulo 4, Seção 3.4 e no paradoxo da adivinhação do
dado no Capítulo 5, Seção 2.
Há uma semelhança estrutural entre a posição que defendo no ACCR e a po-
sição que defendo no livro vis-à-vis o infinitismo. O infinitismo é verdadeiro: é
possível ter um número infinito de objetos. Mas o infinitismo causal é falso. Da
mesma forma, o ACCR (e muito provavelmente o AC completo) é verdadeiro,
mas não pode ser considerado causal: uma máquina ACCR é impossível.
Agora vamos aos detalhes técnicos, que o leitor sem mentalidade técnica po-
de ignorar.

2. ∗O Axioma da Escolha para Coleções Contáveis de Re-


ais

A versão de AC na qual estarei interessado diz que se S é um conjunto não vazio


de conjuntos disjuntos aos pares não vazios (ou seja, se A ≠ B são membros de
S, então A ∩ B = ∅) tal que cada membro de S é um conjunto contável de nú-
meros reais, então S tem uma função de escolha. Chamarei isso de “ACCR” (AC
para Arrecadações Contáveis de Reais).
O ACCR inclui diversas restrições sobre o AC completo. Primeiro, cada
membro de S deve ser contável: não são necessárias escolhas entre inúmeras al-
ternativas. Segundo, cada membro de S é um conjunto de números reais. Tercei-
ro, os conjuntos são disjuntos aos pares.
Se ACCR for verdadeiro, então qualquer conjunto S que satisfaça as condi-
ções de ACCR tem cardinalidade no máximo c, a cardinalidade do continuum,
ou seja, c = ||ℝ||. Pois se ACCR for verdadeiro, então uma função de escolha
para S fornece uma aplicação biunívoca de S para (um subconjunto de) os reais.
Este facto será importante para a construção de uma Máquina de Escolha, ou,
mais precisamente, de uma Máquina ACCR.

145
Obtém-se uma reformulação equivalente do ACCR se substituirmos os nú-
meros reais na declaração do ACCR por membros de qualquer outro conjunto
que possa ser provado em ZF (sem Escolha, é claro) como tendo a mesma car-
dinalidade que o conjunto dos reais. Pois se sempre tivermos uma função de es-
colha para subconjuntos contáveis disjuntos aos pares não vazios de ℝ, então
dada uma coleção A de subconjuntos contáveis disjuntos aos pares não vazios
de S, onde ||𝑆|| = ||ℝ||, podemos deixar ψ ser uma função injetora de S em ℝ
(“em” significa que cada elemento de ℝ é o resultado da aplicação de ψ a algum
membro de S) e então considerar a coleção disjunta de pares não vazia de sub-
conjuntos contáveis de ℝ dados por

A’ = {ψ[U] : U ∈ A},

onde ψ[U] = {ψ(x) : x ∈ U}. Por ACCR existe uma função de escolha f' para A'.
É fácil verificar que podemos então definir uma função de escolha f para A dei-
xando f(U) = f' (ψ[U]). Conseqüentemente, o Axioma de Escolha para subcon-
juntos contáveis disjuntos aos pares não vazios de ℝ implica um para tais sub-
conjuntos de S; o inverso é provado de forma semelhante.
Por exemplo, obtém-se uma formulação equivalente se substituirmos o con-
junto de números reais por qualquer intervalo fixo não degenerado de números
reais, digamos [0, 1), uma vez que pode ser provado que qualquer intervalo não
degenerado tem a mesma cardinalidade que o conjunto de reais.91
Da mesma forma, pode-se substituir números reais por membros do conjun-
to 2ω de todas as sequências zero-um (ou, se preferir, cara/coroa) infinitas con-
táveis, já que como é bem conhecido ||𝑆|| = c,92 bem como pelos membros do
conjunto {1, 2, 3, 4, 5, 6}ω de todos os resultados infinitos contáveis de um lan-
çamento de dados, já que esse conjunto tem a mesma cardinalidade (pode-se co-
dificar um dados como uma sequência de três dígitos binários).
Esboçarei agora três paradoxos conhecidos de AC e observarei que eles re-
querem apenas ACCR.

91 Por exemplo, a função tan(π(x − 1/2)) é uma função injetora de (0, 1) em ℝ. Assim ||(0, 1)|| =||
ℝ ||. Portanto || ℝ ||=||(0, 1)||≤||[0, 1)||≤|| ℝ ||. Segue-se do Teorema de Schröder-
Bernstein (Lang 2002, p. 885), que não requer Escolha, que || ℝ ||=||[0, 1)||.
92 Qualquer número real em [0, 1) pode ser escrito exclusivamente como 0.x1x2x3 ... no sistema deci-

mal, sujeito à convenção de que preferimos uma sequência infinita de zeros à direita a uma sequência
infinita de noves à direita. Assim, qualquer número real define um único membro de 2 ω, ou seja, a se-
quência cujo enésimo elemento é 1 se xn for ímpar e 0 se xn for par. Portanto, ||[0, 1)|| ≤ ||2ω||.
Por outro lado, qualquer sequência x1, x2, ... de zeros e uns define um número decimal diferente
0.x1x2x3 ... (a única vez que duas sequências de dígitos diferentes podem definir o mesmo número de-
cimal é se uma delas terminar com uma sequência de noves à direita, e isso não acontece aqui), então
||2ω|| ≤ ||[0, 1)||. Por Schröder–Bernstein, ||2ω|| = ||[0, 1)|| = c.

146
3. ∗Paradoxos do ACCR
3.1 Jogos de adivinhação

No Capítulo 4, Seção 2.4, apresentei uma construção paradoxal que remonta a


uma ideia de Gabay e O'Connor mostrando que, dada uma sequência infinita in-
versa (e apenas invertida) de lançamentos de dados, pode-se fabricar uma estra-
tégia que garanta o sucesso. permitir adivinhar os lançamentos dos dados com
apenas um número finito de erros.
A estratégia aplica o Axioma da Escolha a uma certa coleção de conjuntos de
sequências infinitas e contáveis de lançamentos de dados. Esses conjuntos são
classes de equivalência sob a relação de diferir apenas em um número finito de
lugares. Cada classe de equivalência tem apenas um número contável de mem-
bros, uma vez que, dada uma única sequência, existem apenas um número con-
tável de sequências que diferem dela em um número finito de lugares.93 Portan-
to, o paradoxo incorporado na estratégia envolve apenas o ACCR.

3.2 Conjuntos não mensuráveis

Notoriamente, dado AC é possível provar que existe um subconjunto não men-


surável da reta real, um subconjunto que não possui “comprimento” definível.
Uma função μ é uma medida em um conjunto U desde que seja definida em uma
σ-álgebra de subconjuntos de U (ou seja, um conjunto F de subconjuntos de U
que é fechado sob complementos e uniões contáveis) e satisfaça os axiomas:

(i) 0 ≤ μ(A)
(ii) μ(A1 ∪ A2 ∪ . . .) = μ(A1) + μ(A2) + ... para qualquer sequência contá-
vel disjunta aos pares A1, A2, .. ..

Para que uma medida μ nos reais ℝ seja um “comprimento”, precisamos de mais
duas restrições. Primeiro, μ é definido em todos os intervalos e μ([a, b]) = b − a
se a ≤ b, e segundo, temos invariância de tradução: μ(x + A) = A para qualquer
conjunto A para o qual μ é definido e qualquer x real, onde x + A = {x + y : y ∈
A}.
É fácil verificar que a prova padrão pela qual conjuntos não mensuráveis são
construídos como conjuntos de Vitali (Rudin 1987, pp. 53-4) aplica AC apenas a

93 Podemos mostrar que a classe de equivalência [α] de uma sequência α = (... , a−2, a−1, a0) tem a mes-
ma cardinalidade que ℕ como segue. Para quaisquer dois números a e b em {1, 2, 3, 4, 5, 6}, seja φ(a,
b) o único membro de {0, 1, 2, 3, 4, 5} igual a a − b módulo seis. Para qualquer β = (..., b−2, b−1, b0) ∈ α,
seja β∗ o número cuja representação na base seis é ...φ(a−2, b−2)φ(a−1, b−1)φ(a0, b0) (haverá infinitos zeros
na frente). Por outro lado, para qualquer número natural n, haverá um único membro β de [α] tal que
β∗ = n. Assim, temos uma bijeção entre [α] e ℕ.

147
um conjunto que satisfaça as condições para ACCR. Essa prova mostra que exis-
te um subconjunto de ℝ, e mesmo um subconjunto de [0, 1], que não tem com-
primento, se for assumido que o comprimento satisfaz as condições acima.
Isto é em si um tanto paradoxal. Também tem a consequência problemática
de que se um dardo é disparado de maneira uniforme e aleatória em um interva-
lo [0, 1], então existe um subconjunto desse intervalo tal que não há probabili-
dade significativa de que o dardo caia nesse subconjunto, se exigirmos probabili-
dade seja uma medida aditiva contável, como é feito normalmente (e com boas
razões: ver Easwaran 2013).

3.3 Paradoxo de Banach-Tarski

Subconjuntos de reais sem comprimento já são ruins o suficiente. Mas ainda há


coisas mais paradoxais. O paradoxo de Banach-Tarski afirma que se B é uma bo-
la (sólida) no espaço tridimensional ℝ3, então B pode ser decomposto em cinco
subconjuntos que podem ser remontados em duas bolas do mesmo tamanho
que B. Mais precisamente, existem cinco conjuntos disjuntos aos pares B1, ..., B5
de pontos em ℝ3 tais que B = B1 ⋃ B2 ⋃ B3 ⋃ B4 ⋃ B5, e movimentos rígidos
(combinações de rotações e translações) g2, g3, g4 e g5 tais que B é igual a B1 ⋃
g2B2, com B1 e g2B2 disjuntos, e g3B3 ⋃ g4B4 ⋃ g5B5 é uma cópia disjunta de B, com
g3B3, g4B4 e g5B5 também disjuntos.94
Aqui seria bom incluir uma imagem da decomposição. Mas isso não pode ser
feito. A decomposição tem necessariamente que envolver conjuntos não mensu-
ráveis “confusos” que não podem ser desenhados. Uma decomposição em con-
juntos mensuráveis teria de preservar o volume total, e é precisamente o ponto
do paradoxo que se pode duplicar o volume.
A prova do paradoxo de Banach-Tarski usa AC. Mas se examinarmos cuida-
dosamente a prova em Wagon (1994), podemos ver que a prova só precisa de
ACCR, pois só aplica AC a uma certa coleção de subconjuntos contáveis disjun-
tos de uma bola, e uma bola tem a mesma cardinalidade que o real número.95

4. ∗ Um argumento a favor do ACCR

Apesar dos paradoxos, há boas razões para pensar que o ACCR é verdadeiro.

94 Para uma história e um relato popular, consulte Wapner (2007). Para um excelente relato da mate-
mática do paradoxo e questões relacionadas, consulte Wagon (1994).
95 Claramente c ≤ ||B|| se B é uma bola, pois uma bola contém um segmento de reta. Além disso,

||B|| ≤ ||ℝ3||. Então, por Cantor–Schröder–Bernstein, basta mostrar que ℝ3 tem cardinalidade c.
Mas ℝ3 tem a mesma cardinalidade de (2ω)3, pois ℝ tem a mesma cardinalidade de 2ω. Mas existe uma
aplicação um-para-um fácil de (2ω)3 em todos os 2ω: apenas seja f((a1, a2, ...),(b1, b2, ...),(c1,c2, ...)) = (a1,
b1,c1, a2, b2,c2, ...).

148
O que preciso argumentar é que se S é um conjunto de conjuntos contáveis
de números disjuntos aos pares de (0, 1) (que tem a mesma cardinalidade que
ℝ), então existe uma função f em S tal que f(A) ∈ A para todo A ∈ S. Para evitar
trivialidade, suponha S ≠ ∅.
Imagine agora um multiverso consistindo de universos-ilhas, um por mem-
bro de S. Suponha que uma partícula ψ seja uma partícula com a seguinte propri-
edade. Uma vez existente, ele vive por um período de tempo aleatório cujo
comprimento é uniformemente distribuído no intervalo (0, 1). Assim que morre,
ela gera uma nova partícula ψ (talvez distinta da partícula-mãe por uma carga ou
spin diferente) com seu próprio tempo de vida aleatório independente. Além
disso, em cada universo insular, uma única partícula ψ passa a existir bem no iní-
cio dos tempos, e cada universo insular tem uma sequência temporal futura infi-
nita. Existe, em qualquer momento, no máximo uma partícula ψ em qualquer
universo insular, e quaisquer partículas ψ foram geradas a partir de uma sequên-
cia de partículas ψ originadas da primeira. Finalmente, os universos-ilhas estão
isolados uns dos outros de tal forma que os eventos aleatórios em cada universo
são independentes dos eventos nos outros universos.
Para qualquer universo insular u, seja ℓψ(u) o conjunto de durações de vida
das partículas ψ em você. Para um conjunto A de números em (0, 1), dizemos
que um universo insular u corresponde a A desde que ψ (u) = A.
Afirmo agora que, dadas as suposições acima:

(1) O seguinte é metafisicamente possível: Para cada membro A de S existe


exatamente um universo-ilha correspondente u.

Dado (1), existe um argumento para a existência de uma função de escolha. Pri-
meiro, note que é amplamente aceito que objetos puramente matemáticos não
podem existir meramente contingentemente, e que funções de escolha para cole-
ções de conjuntos de números reais são puramente matemáticas.96 Assim, se pu-
déssemos mostrar que é possível que exista uma função de escolha para S, se-
guir-se-á que uma função de escolha realmente existe para S.
Agora, suponha que estejamos em um multiverso que satisfaça a condição em
(1). Então, para qualquer A ∈ S, podemos definir f(A) como segue. Existe um
universo-ilha correspondente único u. Então seja f(A) a duração da vida da pri-
meira partícula ψ em você. Então f(A) ∈ ψ (u) = A, e portanto temos uma fun-
ção de escolha. Portanto, se o cenário que (1) afirma ser possível fosse real, ha-
veria uma função de escolha. Como o cenário é possível, existe na verdade uma
função de escolha.

96Também é amplamente pensado pelos filósofos que existem conjuntos que não são puramente ma-
temáticos e que têm seres contingentes como membros. Tais conjuntos podem existir em alguns mun-
dos, mas não em outros.

149
Assim, para defender o ACCR, resta argumentar a favor de (1). Para fazer is-
so, quero recorrer ao seguinte princípio:

(2) Suponha que Pi sejam processos estocásticos físicos causalmente inde-


pendentes para cada valor de i em algum conjunto de índices matemáticos
I, e cada Pi gere uma saída que pode ser quantificada como um objeto ma-
temático (digamos, uma sequência de números quantificando alguma
quantidade física). Seja “Xi” uma abreviatura para “a quantificação mate-
mática da saída de Pi”. Suponha que para cada i, Qi(x) seja uma fórmula
matemática sem variáveis livres além de i e x. Então se tivermos ∀i ∈
I(◊Qi(Xi)), também teremos ◊∀i ∈ I(Qi(Xi)),

onde o losango indica possibilidade causal, e ∀x ∈ A(F(x)) abrevia ∀x(x ∈ A →


F(x)).
Normalmente, trocar a ordem de um operador de possibilidade e de um
quantificador universal é falacioso. Por exemplo, todo número natural n é tal que
possivelmente existam exatamente n cavalos, mas não podemos inferir disso que
possivelmente todo número natural n seja tal que existam exatamente n cavalos.
Mas o que (2) afirma é que podemos trocar um operador de possibilidade
causal e um quantificador universal quando fazemos afirmações sobre os resul-
tados de processos estocásticos físicos independentes. Por exemplo, se um nú-
mero infinito contável de dados for lançado, então, para cada n, é causalmente
possível que o enésimo dado mostre o número 3. E da mesma forma, é causal-
mente possível que todos os dados mostrem o número 3. Caso contrário, intui-
tivamente, teria que haver algum tipo de dependência ou coordenação entre os
dados, excluindo todos os dados que mostrassem o número 3. Da mesma forma,
para todo n é possível que o enésimo dado mostre um mais o resto depois de di-
vidir n por seis, e da mesma forma, por independência, é causalmente possível
que, para todo n, o enésimo dado mostre um mais o resto após dividir n por seis
(ou seja, que a sequência de dados produza 2, 3, 4, 5, 0, 1, 2, 3, 4 , 5, 0, ...).
Observe que a restrição de que Qi(x) é uma fórmula matemática impede Qi(x)
de fazer afirmações físicas sobre os resultados de outros processos físicos Pj, o
que permitiria contra-exemplos.
O sentido de independência neste argumento é um sentido causal. Um
exemplo paradigmático de independência deste tipo é onde os processos esto-
cásticos ocorrem em isolamento causal uns dos outros, digamos, em universos
insulares causalmente isolados.
Normalmente, na teoria das probabilidades dizemos que uma coleção finita
de variáveis aleatórias X1, ... , Xn é independente se e somente se para cada se-
quência A1, ... , An de conjuntos mensuráveis,

P(X1 ∈ A1 & ... & Xn ∈ An) = P(X1 ∈ A1)··· P(Xn ∈ An).

150
E então dizemos que uma coleção infinita de variáveis aleatórias é independente
se e somente se cada subcoleção finita dela for independente.
A caracterização probabilística é reconhecidamente insuficiente para caracte-
rizar uma independência genuína. Fitelson e Hájek (2017) argumentam que essa
caracterização falha quando estamos lidando com eventos de probabilidade zero.
Aqui está um exemplo de tal falha. Eu jogo simultaneamente um número infini-
to de moedas. Essas moedas se comportam como moedas justas independentes,
com uma exceção. Se todas as moedas, exceto a primeira (em algum sistema de
numeração) derem cara, elas simultaneamente farão com que a primeira moeda
caia de coroa. (Sim, isto viola o finitismo causal, mas é apenas uma bomba de in-
tuição.) A única coisa que perturba a independência é esta intervenção causal ex-
tra. Mas esta intervenção só ocorre se os infinitos lançamentos após o primeiro
derem cara, e a probabilidade de isso acontecer for zero. Portanto, a probabili-
dade da perturbação é zero, e modificações em processos que têm apenas pro-
babilidade zero de ocorrer não afetam os valores de quaisquer probabilidades in-
condicionais e, portanto, não afetam a independência probabilística. No entanto,
embora tenhamos independência probabilística, claramente não temos indepen-
dência causal.
Neste exemplo, teríamos uma violação da conclusão de (2). Deixe os dois re-
sultados de um lançamento de moeda serem quantificados como 0 (coroa) ou 1
(cara), e deixe Qi (x) dizer que x = 1. Então, para todo i, é causalmente possível
que Qi (Xi), ou seja, que o i-ésimo lançamento dê cara, mas não é causalmente
possível que para todo i tenhamos Qi(Xi), ou seja, que todas as moedas dêem ca-
ra. E é precisamente a violação da independência causal que resultou na violação
de (2). É por isso que em (2) precisamos de independência causal e não apenas
de independência probabilística.
Agora, dado (2), obtemos (1). Pois seja g uma função bijetora de S para todos
os universos-ilhas. Seja I = S. Então para A ∈ S, seja XA a sequência de tempos
de vida das partículas ψ no mundo f(A). Deixe QA(x) dizer que x é uma sequên-
cia tal que o conjunto de seus elementos é igual a A. Assim, QA((x1, x2, . . .)) diz
que {x1, x2, ...} = A.
Agora, qualquer conjunto contável de números no intervalo (0, 1) pode ser o
conjunto de tempos de vida das partículas ψ no universo insular g(A). Assim,
QA(XA) é causalmente possível para cada A ∈ S. Portanto, por (2), é causalmente
possível que para todo A ∈ S tenhamos QA(XA). Mas o que é causalmente pos-
sível também é metafisicamente possível. Portanto é metafisicamente possível
que para todo A ∈ S tenhamos QA(XA). Mas dizer que QA(XA) é outra maneira
de dizer que o universo insular f(A) corresponde a A, e portanto temos (1) como
desejado, o que completa nosso argumento a favor do ACCR.
O argumento acima pressupõe que conjuntos construídos a partir de núme-
ros reais não podem existir meramente contingentemente e, portanto, se pudesse
existir uma função de escolha (as funções são apenas conjuntos de pares orde-
nados), então realmente existe uma função de escolha. Alguém pode questionar
151
essa suposição. Por exemplo, talvez a metafísica correta dos conjuntos seja aris-
totélica e não platônica e, portanto, os únicos conjuntos que existem são aqueles
que podem ser obtidos por abstração das coisas realmente existentes (Pruss ms).
De acordo com esta visão, no mundo onde (1) é válido, existe uma função de
escolha – mas pode não existir no mundo real.
Se for assim, então o argumento a favor do ACCR falha. Mas os paradoxos
que discutiremos envolvendo o ACCR poderiam ocorrer em um mundo possível
onde exista a função de escolha necessária, e não seriam menos paradoxais. As-
sim, mesmo que este argumento a favor do ACCR falhe desta forma, isto não
ajuda em nada a escapar ao paradoxo.

5. ∗ Uma máquina de escolha


5.1 Matemática estranha e paradoxo

Quando o paradoxo Banach-Tarski lhe foi explicado, o célebre físico Feynman


(1985, p. 85) disse que não se incomodou porque o paradoxo não poderia funci-
onar para uma laranja real. O paradoxo depende essencialmente de uma bola que
é um continuum. As laranjas, contudo, são feitas de um número finito de partí-
culas discretas e, portanto, não admitem uma desmontagem paradoxal. Analo-
gamente, os nossos outros paradoxos de Escolha não são realizados na nossa re-
alidade física.
No entanto, os paradoxos tornam-se convincentes se apresentam problemas
para a racionalidade, mesmo quando as situações a que dizem respeito não são
fisicamente realizáveis, dada a constituição real do nosso mundo. A racionalida-
de como tal não deve estar ligada a um mundo particular (cf. Capítulo 4, Secção
4.3). Já argumentei no Capítulo 4 que as estratégias de adivinhação de Gabay e
O’Connor produzem um paradoxo para a racionalidade. E quanto aos outros
paradoxos matemáticos?
Na verdade, não temos nenhuma chance de apostar em conjuntos não men-
suráveis de lançamentos de dardos. Mas podemos pensar que sim, e deveria ha-
ver uma resposta sensata à questão de como deveríamos agir quando o fazemos,
se tais situações forem possíveis. Por outro lado, se tais situações não forem
possíveis, então não nos deveria surpreender se obtivermos respostas que não
parecem sensatas. Afinal de contas, em geral não devemos esperar uma resposta
sensata à questão de como devemos apostar se acreditamos em algo metafisica-
mente impossível. Afinal, como você deve apostar no lançamento de uma moe-
da se acha que a moeda tem uma chance de 1,7 de dar cara e uma chance de -0,3
de dar coroa?
A concretização metafisicamente possível de situações de apostas baseadas
nos paradoxos é, portanto, mais problemática do que os puzzles puramente ma-
temáticos. Como quebra-cabeças puramente matemáticos, eles nos ensinam

152
apenas que a realidade matemática é estranha, o que não deveria ser uma grande
surpresa para nós.
O jogo de adivinhação e o problema da não mensurabilidade prestam-se dire-
tamente aos cenários de apostas. Mas só se pudermos ter um processo causal
que incorpore uma função de escolha é que poderemos realizar a estratégia pa-
radoxal no paradoxo da adivinhação do dado, e só se for possível obter uma re-
compensa que dependa de o dardo cair num local não -conjunto mensurável que
se pode ter um paradoxo de apostas convincente. Mas para fazer isso, precisa-
mos de algo como uma Máquina de Escolha.
O resultado de Banach-Tarski é uma peça matemática particularmente curio-
sa. Para torná-lo um paradoxo convincente, podemos associá-lo a um cenário de
apostas. Suponha que um ponto seja escolhido aleatoriamente e uniformemente
em uma região cúbica do espaço, com quatro sub-regiões em forma de bola es-
pecialmente distintas, consistindo de bolas, cada uma das quais com volume
1/100 do volume de todo o cubo.
Uma carteira de apostas será uma lista finita de regiões do espaço de resulta-
dos (a região cúbica do espaço) juntamente com o pagamento se o resultado es-
tiver na região determinada. Suponha que você seja um agente racional. Você fi-
cará feliz em pagar um dólar por um portfólio de apostas onde:

(i) você paga $ 1.000 se o ponto estiver na primeira região em forma de


bola, e
(ii) você receberá $ 1.200 se o ponto estiver na segunda região em forma
de bola. (Figura 6.1.)

Pois seu retorno esperado é (1/100) · $ 1.200 + (1/100) · (−$ 1.000) − $ 1 = $


1.
O seguinte princípio de rearranjo é muito plausível no caso de uma seleção
uniformemente aleatória:

(3) Se um agente racional está disposto a pagar x por uma carteira de apostas
X, e a carteira de apostas X' difere de X substituindo uma das regiões de
resultados A em X por uma região de resultados A' que difere de A ape-
nas por uma região rígida movimento, com o mesmo retorno que A teve,
então o agente fica feliz em pagar x por X'.

153
Figura 6.1 O portfólio de apostas (i)–(ii) pelo qual você ficaria feliz em pagar um
dólar. O volume de cada esfera é 1/100 do volume do cubo.

Também temos este princípio de equivalência incontroverso:

(4) Se um agente racional está satisfeito em pagar x por uma carteira de apos-
tas X, e a carteira de apostas X' é equivalente a X no sentido de que tem
o mesmo retorno total em cada ponto no espaço de resultados, então o
agente é feliz em pagar x por X'.

Por exemplo, uma maneira de obter uma carteira equivalente é pegar alguma re-
gião R em X que tenha um retorno y e substituí-la por uma lista de regiões R1, ...,
Rn, cada uma com retorno y, onde os Ri são disjuntos e R = R1 ∪ ... ∪ Rn.97
Suponha que B1, ..., B5 sejam cinco subconjuntos da primeira região em forma
de bola que podem ser reorganizadas em duas bolas do mesmo tamanho, con-
forme o teorema de Banach-Tarski. Por (4), se você estivesse feliz em pagar $ 1
pelo nosso cenário inicial, você ficaria feliz em pagar $ 1 por uma carteira equi-
valente onde, em vez de ter que pagar $ 1.000 por um resultado na bola um, vo-
cê teria que pagar $ 1.000 por um resultado. resultado em cada uma das regiões

97Pode-se dizer que as carteiras não são apenas equivalentes, mas são a mesma carteira. No entanto, se
pensarmos nas carteiras como funções que vão de conjuntos de regiões a resultados, tecnicamente as
duas carteiras são diferentes, embora prescrevam os mesmos resultados respectivos em todas as cir-
cunstâncias possíveis.

154
B1, ..., B5. Mas agora podemos formar uma série de carteiras de apostas onde as
regiões B1, ..., B5 são movidas rigidamente, uma por uma, de tal forma que no fi-
nal preencham de forma desconexa a terceira e a quarta regiões em forma de bo-
la. Enquanto os retornos permanecerem inalterados, em (3) você ainda estará
disposto a pagar um dólar pela carteira.
O resultado será equivalente a pagar um dólar por esta carteira:

(i') você paga $ 1.000 se o ponto estiver na terceira ou quarta região em


forma de bola,
(ii') você receberá $ 1.200 se o ponto estiver na segunda região em forma
de bola. (Figura 6.2.)

Fig. 6.2 O portfólio de apostas (i')–(ii') pelo qual você ficaria feliz em pagar um dólar se o ar-
gumento funcionar.

Então, em (4), você ficará feliz em pagar um dólar por esta carteira.
Isso significa que você está feliz em pagar $ 1 por uma carteira cujo retorno
esperado é (1/100) · $ 1.200 + (2/100) · −$ 1.000 = − $ 8. Isso é um absurdo.
Se desejar, pode-se fabricar um Livro Holandês usando este método, um con-
junto de carteiras de apostas, cada uma das quais você aceitaria racionalmente,
mas onde certamente perderá todas as vezes. Por exemplo, você certamente
também aceitaria gratuitamente este cenário:

(i'') você ganha $ 900 se o ponto estiver na primeira, terceira ou quarta regi-
ão em forma de bola,
(ii'') você paga $ 2.500 se o ponto estiver na segunda região em formato de
bola. (Figura 6.3.)

155
Fig. 6.3 O portfólio de apostas (i'')–(ii'') que você gostaria de aceitar gratuitamente.

Pois o retorno para este cenário é (3/100)·$900 + (1/100)· −$2500 = $2. Mas
agora temos três cenários que você aceitaria racionalmente: (i)–(ii) por um dólar,
(i')–(ii') por um dólar e (i'')–(ii'') de graça . Se você aceitasse todos os três, então
na primeira região em forma de bola você receberia $900 − $1000 − $2 = −
$102, na segunda $1200 + $1200 − $2500 − $2 = − $102, na terceira e quarta
$900 − $1000 − $ 2 = − $ 102, e em qualquer outro lugar você pagaria dois dó-
lares sem prêmio. Como resultado, não importa o que aconteça, você estaria
perdendo pelo menos dois dólares.
Se pudéssemos implementar cenários reais de apostas com base nas nossas
estranhas histórias matemáticas, teríamos de facto paradoxos para a racionalida-
de. Mas isto requer uma forma de realmente implementar recompensas com ba-
se no facto de os resultados se enquadrarem num conjunto “gerado” com o
Axioma da Escolha. E parece que precisamos de uma Máquina de Escolha para
implementar tais recompensas.

5.2 Lançamentos de moedas e livros holandeses

Talvez você não esteja muito impressionado com a versão apostada do paradoxo
de Banach-Tarski, porque você não acha que existam maneiras de escolher pon-
tos genuinamente uniformes no espaço tridimensional de uma forma que seja
invariante sob movimentos rígidos.
Se assim for, posso também apresentar um paradoxo envolvendo lançamen-
tos de moedas. Considere o espaço Ω de sequências infinitas contáveis de caras

156
e coroas, correspondentes aos resultados do lançamento de um número infinito
de moedas independentes, justas e indeterminísticas. As moedas são todas iguais,
portanto nosso raciocínio sobre o lançamento de moedas deve ser invariável sob
permutações de moedas. Mais precisamente, suponha que π seja qualquer per-
mutação dos números naturais ℕ, e defina π∗((α0, α1, . . . )) = (απ(0), απ(1), ...). Para
um subconjunto A de Ω, como sempre, seja π∗A = {π∗(α) : α ∈ A}. Devería-
mos, portanto, ser indiferentes entre cenários de apostas equivalentes sob π∗ pa-
ra qualquer permutação π de ℕ.98 A invariância do que é racional prever sobre os
resultados do lançamento da moeda sob permutações de moedas é central para a
ideia intuitiva do lançamento da moeda como independente e justo.
Mas acontece que Ω tem algo como uma decomposição paradoxal por razões
matemáticas que estão intimamente relacionadas com o paradoxo de Banach-
Tarski. Para ser mais preciso, existe um subconjunto D de Ω com a propriedade
de que P(D) = 0, ou seja, há probabilidade zero99 de que a sequência de lança-
mentos de moeda caia dentro de D, e subconjuntos disjuntos A1, A2, A3, A4 de
Ω − D (onde A − B = {x ∈ A : x ∈/ B}) tal que

Ω − D = A1 ∪ A2 ∪ A3 ∪ A4

e existem permutações ρ e τ dos números naturais tais que:

ρ∗A2 = A2 ∪ A3 ∪ A4

τ∗A4 = A1 ∪ A2 ∪ A4

A prova usa ACCR e será esboçada no Apêndice deste capítulo.


Resulta do exposto que:

Ω − D = A 1 ∪ ρ∗ A 2

98 Ou talvez possamos ter preferências infinitesimais entre eles – ou seja, se estivermos lidando com
recompensas finitas limitadas, poderemos estar dispostos a pagar infinitamente mais por um em detri-
mento de outro. Por exemplo, talvez devêssemos pensar que é infinitamente menos provável que to-
das as moedas pares tenham dado cara do que se todas as moedas de números primos tivessem dado
cara (embora veja Williamson 2007), mesmo que haja uma permutação π que irá mapear um conjunto
de resultados para o outro. No entanto, tais preferências infinitesimais não afetarão o Livro Holandês
que irei construir, uma vez que se baseia em diferenças não infinitesimais.
99 Se preferirmos um cenário não clássico para a teoria da probabilidade, onde todas as opções têm

probabilidade diferente de zero, podemos considerar P(D) como infinitesimal e fazer pequenas revi-
sões no resto do argumento.

157
Ω − D = A3 ∪ τ∗ A4.

Agora considere este princípio de apostas muito plausível para jogos baseados
em uma sequência infinita contável de lançamentos de moeda independentes,
justos e indeterminísticos, um princípio análogo a (3):

(5) Se um agente racional está satisfeito em pagar x por uma carteira de apos-
tas X, e a carteira de apostas X' difere de X substituindo uma das regiões
de resultado A em X por uma região de resultado π∗A para alguma per-
mutação π, com o mesmo retorno que A teve, então o agente fica feliz
em pagar x por X'.100

Permutar as moedas por π não deve fazer diferença em um portfólio de apostas.


No caso de permutações que giram em torno de um número finito de moedas,
(5) corresponde à propriedade de permutabilidade de variáveis aleatórias inde-
pendentes e distribuídas de forma idêntica. Por exemplo, dada uma coleção de
dez moedas, a probabilidade de que haja exatamente três caras entre as moedas
1, 2, 3 e 4 é a mesma que a probabilidade de que haja exatamente três caras entre
as moedas 4, 5, 6, e 7, havendo uma permutação das moedas que troca 1, 2, 3 e 4
por 4, 5, 6 e 7, respectivamente. Em (5) isto é estendido a permutações infinitas
e é formulado em termos de apostas e não de probabilidade.
Agora, um agente racional pagaria $ 1,00 por uma carteira em que ganharia $
1,25 se a sequência de resultados caísse em Ω − D. Afinal, a probabilidade de a
sequência não cair em Ω − D é zero, e então é quase certo que ela receberá $
0,25 por jogo.
Aplicando (5) e a decomposição Ω − D = A1∪ρ∗A2 (seja π = ρ−1 e A = ρ
∗A2 no contexto de (5)), concluímos que o agente também pagaria $1,00 por

uma carteira onde ela ganha $ 1,25 se os resultados caírem em A1 ∪ A2. E apli-
cando (5) e a decomposição Ω − D = A3 ∪ τ∗A4 (seja π = τ −1 e A = τ∗A4) nos
permite concluir que ela pagaria $ 1,00 para jogar um jogo em que ganharia $
1,25 se os resultados cai em A3 ∪ A4. Mas se ela jogar ambos os jogos, pagará
US$ 2,00 por jogo. Se os lançamentos caírem em A1 ∪ A2 ∪ A3 ∪ A4, ela ga-
nhará $ 1,25; se caírem em D, ela não ganhará nada. Portanto, no geral, ela per-
derá pelo menos US$ 0,75 por jogo. Ela está, portanto, sujeita a um livro holan-
dês.

5.3 Como construir uma Máquina de Escolha


5. 3. 1 ANJOS

100Podemos ainda estipular, se desejarmos, que a felicidade em ambos os casos é não-infinitesimal - is-
to é, que o agente considera que os cenários têm valor não-infinitesimalmente positivo. Cf. nota 10,
acima.

158
O método mais simples de gerar uma Máquina de Escolha é postular um anjo
no cenário do multiverso descrito na Seção 4, um ser não limitado pela física que
observa todos os universos-ilhas – é aqui que o infinitismo causal estará envolvi-
do – e pode ler valores da função de escolha das distribuições dos tempos de vi-
da das partículas ψ naquele universo.
Supus tais seres em argumentos anteriores, mas nesses argumentos foi mais
fácil ver como mecanizar a situação. Por exemplo, no Capítulo 5, considerei an-
jos que podem anunciar se ocorreu um número infinito de algum tipo de evento.
Não é tão difícil imaginar uma mecanização disso. Por exemplo, poderíamos su-
por um detector para esse tipo de evento que desloca a agulha do indicador em
dezesseis graus na primeira vez que detecta o evento, em oito graus na próxima
vez, em quatro na próxima vez, e assim por diante. (Isso pode ser feito em uma
supertarefa, conforme necessário.) Assumindo uma física contínua, um número
infinito de eventos de um determinado tipo ocorreu se e somente se a agulha do
indicador se moveu trinta e dois graus completos (32 = 16 + 8 + 4 + 2 + 1 +
1/2 +…).
Será um exercício útil ver se é possível imaginar algo que possa ser conside-
rado um processo físico – mesmo que sujeito a leis da natureza diferentes das
nossas – que implemente uma função de escolha. Se pudermos fazer isso, os
nossos argumentos baseados no ACCR, do infinitismo causal aos paradoxos, se-
rão fortalecidos.

5.3.2 UMA MÁQUINA QUADRIDIMENSIONAL

5.3.2.1 Fabricação da máquina Certamente, um espaço tridimensional é possível.


Mas uma versão da teoria das cordas postula um espaço-tempo de onze dimen-
sões: dez dimensões espaciais e uma dimensão temporal. Seria surpreendente se
um espaço tridimensional fosse possível, mas um espaço de dez dimensões não
o fosse, e, inversamente, se um espaço de dez dimensões fosse possível, mas um
espaço tridimensional não o fosse. De modo mais geral, considero que temos
boas razões para pensar que, para cada número inteiro positivo n, é possível que
o espaço tenha dimensão n. Em particular, é possível ter um espaço quadridi-
mensional.
Há um pequeno problema aqui. Talvez a propriedade da espacialidade esteja
intimamente ligada às leis da natureza que realmente temos. Einstein (2015, p.
176), por exemplo, especulou que o espaço-tempo é “uma qualidade estrutural”
do campo gravitacional. Mas, plausivelmente, um campo gravitacional é algo que
não poderia existir com leis da natureza diferentes das nossas, tal como é essen-
cial para a água que uma molécula de água seja composta por exatamente três
átomos. Claro, é metafisicamente possível ter água*, uma substância diferente da
água com comportamento macroscópico muito semelhante, mas com um núme-
ro diferente de átomos por molécula, e seria possível ter um campo gravitacio-
159
nal* que se comportasse de forma semelhante a um campo gravitacional, mas
não é um campo gravitacional. Se isto estiver certo, e se o espaço-tempo for
idêntico ao campo gravitacional, e se o espaço estiver necessariamente ligado ao
espaço-tempo, então poderá não ser possível ter uma dimensionalidade de espa-
ço diferente da que temos. Mas, nesse caso, seria certamente possível ter “espa-
ço*”, algo com uma dimensionalidade diferente do espaço, mas análogo ao es-
paço no seu papel na realidade física.
Para evitar confusão e porque não estou convencido pela sugestão acima so-
bre o espaço ter essencialmente o número de dimensões que tem,101 omitirei o
asterisco e simplesmente direi que o espaço quadridimensional é possível.
Assuma o infinitismo causal e trabalhe em um mundo com um espaço-tempo
pentadimensional contínuo, ou seja, quatro dimensões espaciais e uma dimensão
temporal, e todas as dimensões quantificáveis por meio de números reais. Supo-
nha que S seja uma coleção de conjuntos contáveis de números reais disjuntos
aos pares no intervalo (0, 1); todas as outras situações de escolha podem ser re-
duzidas a isto por uma bijeção apropriada. Na Seção 4 já foi argumentado que o
ACCR é verdadeiro. Isto tem uma consequência útil: a cardinalidade de S é me-
nor ou igual à do contínuo. Pois existe uma função de escolha para S, e esta será
uma função injetora de S em (0, 1).
Se a cardinalidade de S for menor ou igual à do continuum, podemos encai-
xar em nosso universo uma máquina tridimensional para cada membro de S,
apenas colocando as máquinas em diferentes hiperplanos tridimensionais no es-
paço quadridimensional.
Imagine um monte de máquinas tridimensionais infinitas, que serão partes da
máquina quadridimensional completa, com uma máquina tridimensional para
cada membro de S. Chamarei cada uma dessas máquinas de “fatia”. Cada fatia
consiste então em uma sequência infinita de submáquinas finitas, que chamarei
de “blocos”, dispostas em sequência com um primeiro bloco (chamarei de “blo-
co principal”), um segundo e assim por diante (Fig. 6.4). Cada bloco possui um
botão onde qualquer número em (0, 1) pode ser definido. Cada bloco também
tem duas entradas com fio, α e β, e duas saídas com fio, γ e δ, cada uma capaz de
receber ou transmitir uma codificação de um número em (0, 1), digamos, uma
codificação em algum análogo de um circuito elétrico. pulso de comprimento
proporcional a esse número. Finalmente, cada bloco possui uma saída sem fio
capaz de transmitir omnidirecionalmente, ao longo de todas as quatro dimen-
sões, uma codificação de um número em (0, 1), digamos, por algum análogo de
um pulso eletromagnético.
Cada bloco possui então as seguintes propriedades funcionais:

101Prefiro a visão de que o espaço é entendido funcionalmente, e um mundo com outras leis, mas on-
de alguns determináveis desempenham um papel suficientemente semelhante ao desempenhado pela
localização no nosso mundo, é um mundo com espaço.

160
(i) Quando um sinal de valor a chega através da entrada com fio α, se a
for igual à configuração do botão no bloco, então o sinal é retransmiti-
do através da saída δ; caso contrário, ele será retransmitido via γ.
(ii) Quando um sinal chega através da entrada com fio β, então um sinal
sem fio de valor igual à configuração do botão do bloco é emitido.

Fig. 6.4 Uma fatia de uma Máquina de Escolha.


Além disso, suponho que a entrada com fio β seja capaz de ser conectada a um
número infinito de saídas, e quando um sinal vem de qualquer uma delas, o sinal
sem fio é acionado.
Os blocos são conectados em cada fatia da seguinte forma para cada n:

(iii) A saída γ do bloco n é conectada à entrada α do bloco n + 1.


(iv) A saída δ do bloco n é conectada à entrada β do bloco 1.

Em seguida, um fio (que vai até a quarta dimensão) conecta as entradas α do


bloco 1 em cada uma das fatias à entrada global da máquina.
A máquina quadridimensional funciona então da seguinte maneira. Uma en-
trada global é enviada para a entrada α do bloco líder de cada fatia. Em cada fa-
tia, a entrada é transmitida pela sequência de blocos até encontrar uma configu-
ração de botão correspondente, se houver. Se isso acontecer, um sinal será envi-
ado ao bloco principal no slice, que então emitirá sua configuração de botão sem
fio.
Dizemos agora que a máquina quadridimensional completa corresponde ao
conjunto S para o qual queremos uma função de escolha, desde que (a) não haja
dois botões com o mesmo valor na máquina, e (b) exista um mapa um-para-um f
de S para todas as fatias da máquina, tal que se A ∈ S, então o conjunto dos va-
lores dos botões na fatia f(A) é igual ao conjunto A.
O raciocínio de independência causal da Seção 4 nos diz que é possível ter tal
máquina combinando S. Tudo o que precisamos fazer é supor que as configura-
ções do botão são aleatórias e causalmente independentes e que tivemos a sorte
de ter uma correspondência. Porém, a aleatoriedade não é necessária (veja a Se-
ção 5.3.5).

161
5.3.2.2 Utilização da máquina. Agora, se a máquina corresponder ao conjunto S,
então ela poderá ser usada para calcular os valores de uma função de escolha pa-
ra S como segue. Dado um membro A de S, selecione qualquer valor x em A.
Envie este valor para a entrada global da Choice Machine. Este sinal será então
propagado para as entradas α de todos os blocos principais e, em seguida, para
as entradas α de outros blocos, até atingir um bloco cujo botão está definido
como x. Há exatamente um bloco com um botão definido como x, e quando o
sinal atinge a entrada α desse bloco, ele é direcionado para a entrada β do bloco
principal na fatia relevante, que então gera seu valor de botão sem fio. Este valor
do botão é o valor da função de escolha aplicada ao conjunto A contendo x. O
conjunto de valores do botão para essa fatia será igual a A, e o valor do botão do
bloco principal será, portanto, um membro de A.
Uma complicação é esta. A máquina pode demorar muito para responder,
pois pode levar muito tempo para o sinal se propagar ao longo dos blocos da fa-
tia relevante até o bloco cujo valor do botão corresponde à entrada. Como resul-
tado, a máquina não será utilizável para adivinhar lançamentos sequenciais de
dados no paradoxo de Gabay-O'Connor, uma vez que não importa quão curto
seja o atraso de transmissão entre os blocos, desde que seja diferente de zero,
não há garantia de que uma resposta será obtida antes do próximo lançamento.
Podemos resolver esse problema modificando o paradoxo para supor que você
tem um tempo finito arbitrariamente longo para adivinhar cada lançamento an-
tes que ele seja feito. Como alternativa, podemos acelerar a máquina, por exem-
plo, certificando-nos de que o atraso de transmissão do bloco n para o bloco n +
1 seja 1/2n unidades de tempo e que o atraso de transmissão entre a saída δ de
cada bloco e a entrada β do bloco principal seja o mesmo, não importa a distân-
cia dos blocos. Isto exige que não haja nenhum análogo ao limite de velocidade
da luz que o nosso mundo tem, ou que os blocos sucessivos e as ligações entre
eles diminuam exponencialmente à medida que o número do bloco aumenta.
Também podemos ficar um pouco desconfortáveis com o fato de ser neces-
sário escolher um valor x em A para usar a máquina. É verdade que não importa
o valor escolhido em A, a saída da máquina será a mesma – o valor do botão do
bloco principal na mesma fatia. Mas, ainda assim, se estivermos fazendo uma
Máquina de Escolha, não deveríamos ter que fazer nenhuma escolha nós mes-
mos.
Felizmente, isso não importa para nossos aplicativos. Pois em todas as nossas
aplicações, o que precisamos é de uma função de escolha f para o conjunto das
classes de equivalência sob uma relação de equivalência ∼, e o que realmente
precisaremos calcular é apenas f([x]) para um x particular, onde [x] é a classe de
equivalência de x. Então o x é dado.
Por exemplo, no paradoxo de adivinhação de Gabay-O'Connor, recebemos
uma sequência passada de lançamentos de dados, digamos ..., a−8, a−7, a−6, e pre-
cisamos avaliar a função de escolha na classe de equivalência na qual a sequência
se enquadrará. É verdade que não sabemos a−5, a−4, a−3, a−2, a−1, a0, mas como
162
sequências que diferem em um número finito de casas são equivalentes, tudo o
que precisamos fazer é substituir a sequência ..., a−8, a−7, a−6, 1, 1, 1, 1, 1, 1 na en-
trada de nossa Choice Machine. Para fazer isso, é claro, precisaremos codificar
sequências de lançamentos de dados em números em (0, 1) (por exemplo, codi-
ficá-los em uma sequência de dígitos após o ponto decimal). É provável que isso
precise de uma supertarefa. E então precisaremos de decodificar a saída de for-
ma semelhante, determinando os dígitos do valor de saída.
O caso de conjuntos não mensuráveis, Banach-Tarski, e meu paradoxo do li-
vro holandês de adivinhação de moedas podem ser mais complicados, mas todos
esses casos envolvem, no final, a necessidade de verificar se algum ponto cai em
um conjunto gerado pelo ACCR.
5.3.2.3 Infinitismo causal e verificação da correspondência da máquina O uso do infini-
tismo causal em nossa Máquina de Escolha é sutil. Embora uma supertarefa
possa estar envolvida na codificação, digamos, de uma sequência infinita de lan-
çamentos de moeda, uma vez concluída a codificação, apenas um número finito
de blocos estará envolvido na emissão da saída. Porém, a não ativação da infini-
dade de saídas δ dos outros blocos é essencial para que a máquina tenha uma sa-
ída bem definida. O fato de a saída ser o que é, portanto, causalmente dependen-
te de os outros blocos não combinarem sua entrada com o valor do botão. Este
tipo de dependência negativa com causas iniciais positivas será discutido mais
detalhadamente no Capítulo 7, Secção 2.5.
Mas há um lugar onde ocorrerá um uso menos sutil do infinitismo causal.
Pois para gerar paradoxos do infinito baseados na racionalidade, não basta ter
uma Máquina de Escolha para S disponível. As aplicações exigem que o agente
saiba que possui uma máquina correspondente a S.102 Se a Choice Machine for
gerada por configurações aleatórias de botões, o conhecimento de que uma
Choice Machine corresponde a S terá que depender de um número infinito de
eventos aleatórios. Se esta dependência for causal – e talvez à parte os casos con-
troversos em que o conhecimento é mediado pelo testemunho divino (ver Capí-
tulo 9, Secção 3.4), é difícil ver como poderia ser outra coisa senão causal – te-
mos uma clara violação do finitismo causal.
Isto levanta, no entanto, a questão de como se poderia verificar a correspon-
dência de uma máquina com S. Por exemplo, se a máquina foi gerada por um
processo aleatório, como sabemos que as configurações do botão aleatório fun-
cionaram de modo a tornar a máquina calcular uma função de escolha para S?
Afinal, é muito improvável que isso dê certo.
Poderíamos postular um anjo que pode dizer à primeira vista que as configu-
rações do botão correspondem a S. O anjo precisaria verificar as seguintes carac-
terísticas da situação:

102 Estou muito grato a Ian Slorach por me apontar isso.

163
(i) Cada fatia está correta: o conjunto de seus valores de botão é um
membro de S.
(ii) Não há duplicatas: nenhum valor do botão ocorre em dois blocos dife-
rentes.
(iii) A máquina está completa: cada membro x de um membro de S é o va-
lor do botão de algum bloco de alguma fatia.

Poderíamos verificar isso de uma forma mais mecânica, talvez com mais suposi-
ções sobre o que é fisicamente possível em nosso universo (4 + 1) dimensional?
A parte (i) é a mais fácil. Em todas as aplicações que precisamos, S é o con-
junto de classes de equivalência sob alguma relação de equivalência, e cada classe
de equivalência pode ser enumerada dado qualquer membro dela - as classes de
equivalência em todos os casos são dadas por equivalência sob a ação de algum
grupo contável (digamos, o grupo de alterações em um número finito de resul-
tados de lançamento de dados). Poderíamos assim supor que existe uma máqui-
na no hiperplano de cada fatia que viaja de bloco a bloco, verificando se os valo-
res do botão enumeram uma classe de equivalência completa, e fazendo isso em
uma supertarefa para garantir um tempo de término finito. Se houver uma falha,
toda a máquina explode. Assim, se nenhuma explosão acontecer no tempo ne-
cessário, (i) foi verificado.
As partes (ii) e (iii) são mais difíceis.
Podemos, no entanto, supor que existe um continuum (Kx)x∈(0,1) de tipos de
campos (eletromagnéticos, shmagnéticos, fignéticos, etc.), cada um indexado por
um número diferente x em (0, 1), de tal forma que qualquer combinação destes
tipos de campos possa ser gerada: por exemplo, pode-se gerar precisamente um
campo K0.24 e um campo K1/√π ao mesmo tempo. Além disso, os campos não in-
teragem entre si. Supomos agora que cada bloco possui um botão de autoteste
que o faz omnidirecionalmente (em todas as quatro dimensões) emitir um pulso
de campo Kx, onde x é o valor do botão do bloco. Além disso, cada bloco possui
um receptor calibrado para que, caso receba um pulso de campo Kx que não foi
transmitido por ele mesmo, exploda toda a máquina. Precisamos agora supor
que a máquina de verificação que percorre a fatia pressiona o botão de autoteste
em cada bloco. Se houver uma duplicata do bloco, a máquina explode. A não
explosão produz então (ii).
A seguir, suponhamos um segundo continuum disjunto (K'x)x∈(0,1) de tipos de
campos indexados pelos números x em (0, 1), também não interagindo entre si
ou com os campos Kx originais. Além disso, suponha que um campo do tipo K'
x correspondente a cada membro x de um membro de S tenha sido inicialmente
gerado, e que um bloco com valor de botão x tenha uma disposição para neutra-
lizar um campo do tipo K'x na vizinhança de o dispositivo. Damos tempo sufici-
ente para que todas as neutralizações tenham efeito, e então um detector explo-
dirá toda a máquina se algum dos campos K'x não tiver sido neutralizado. Ren-
dimentos sem explosão (iii).
164
É claro que há a questão de como saber se o sistema de verificação – todos
os emissores de campo e tudo mais – está funcionando. Talvez possamos supor
que os agentes racionais para os quais estamos a executar os paradoxos são ca-
pazes de criar infalivelmente qualquer sistema físico precisamente especificado.
Ou talvez aqui precisemos de um anjo relatando a configuração da verificação e,
portanto, talvez não tenhamos avançado muito longe da “máquina” angélica.

5.3.3 UMA MÁQUINA TRIDIMENSIONAL

A descrição acima utilizou uma máquina quadridimensional para facilitar ao lei-


tor a visualização das fatias como máquinas reais. Mas poderíamos imaginar um
mundo onde máquinas bidimensionais complexas fossem possíveis. 103 Num
mundo assim, poderíamos até ser capazes de fazer uma máquina bidimensional
para cada bloco, e então as fatias poderiam ser montadas em uma máquina tri-
dimensional.

5.3.4 ** é necessária CA?

Todos os quatro problemas considerados dependiam da AC. Mas seria possível,


talvez, recriar os mesmos problemas sem depender da AC? Se alguém pudesse
fazer isso, seria plausível que pudesse recriá-los causalmente sem Choice Machi-
nes.
Contudo, há boas razões para pensar que a Escolha não pode ser eliminada.
Solovay (1970) mostrou que se a teoria dos conjuntos ZF é compatível com a
existência de cardeais inacessíveis, também é compatível tanto com o Axioma da
Escolha Dependente (DC) quanto com a hipótese de que todos os conjuntos em
ℝn (para todos n) são mensuráveis de Lebesgue. Assim, se ZF é compatível com
cardeais inacessíveis – e é amplamente assumido que é104 – então algo além de
ZF é necessário para provar a existência de conjuntos não mensuráveis.
Além disso, pode-se usar todos os três cenários para provar a existência de
conjuntos não mensuráveis, pelo menos assumindo DC (que é necessário para
ter a medida de Lebesgue). O paradoxo de Banach-Tarski mostra que nem todos
os conjuntos em ℝ3 são mensuráveis por Lebesgue, pois se fossem, também o
seriam os conjuntos envolvidos na decomposição paradoxal, e então o volume
de uma bola seria igual ao volume total de duas bolas de igual tamanho.105 O ce-
nário de rearranjo do lançamento da moeda da Seção 5.2 mostra que a medida
em Ω correspondente às moedas serem independentes, justas e distribuídas de
103 Dewdney (2001) oferece um relato ficcional convincente de um mundo bidimensional complexo.
104 Há um grande corpo de teoria matemática que vai além do ZFC que pressupõe um cardeal inaces-
sível – a teoria da cohomologia de Grothendieck que usa universos de Grothendieck que exigem a
existência de um cardeal inacessível (Artin, Grothendieck e Verdier 1972).
105 Na verdade, neste caso, pode-se retirar do argumento a consistência entre ZF e cardeais inacessí-

veis; veja Wagon (1994, Teorema 13.2).

165
forma idêntica não torna todos os subconjuntos de Ω mensuráveis. Mas essa
medida é isomórfica à medida de Lebesgue em [0, 1] (como de costume, use a
correspondência entre sequências de lançamentos de moeda e expansões biná-
rias de números), e assim segue-se que existe um conjunto não mensurável de
Lebesgue. Finalmente, os cenários de adivinhação também geram um conjunto
não mensurável. Pois, dada a independência, não pode haver nenhuma função
mensurável de resultados passados para resultados futuros que funcione melhor
do que o acaso na adivinhação de resultados futuros, e se existem funções não
mensuráveis, existem conjuntos não mensuráveis.

5.3.5 SORTE

Acima, sugeri que poderíamos simplesmente ter sorte para que os tempos de vi-
da das partículas ψ satisfaçam (1) ou os botões nas fatias satisfaçam a condição
de correspondência, cujas restrições são necessárias para que nossa configuração
seja uma máquina ACCR bem-sucedida. Mas uma das coisas úteis sobre a capa-
cidade de gerar funções de escolha causalmente era gerar uma loteria justa infini-
tamente contável usando a construção mais complexa do Capítulo 4, Seção 3.4.
A vantagem dessa construção sobre a construção de lançamento de moeda com
sorte, muito mais simples, do Capítulo 4, Seção 3.2, era que esta última exigia ex-
trema sorte – exigia um resultado de probabilidade zero para acontecer. Se preci-
sarmos de sorte semelhante para gerar nossa máquina ACCR, então essa vanta-
gem para a construção mais complexa será perdida.
Mas há uma diferença. A construção do sorteio da moeda exigia sorte: so-
mente se o conjunto de moedas fosse organizado por acaso da maneira sortuda
(ou seja, com apenas uma cara em cada linha) é que a construção rendeu uma lo-
teria. No caso da máquina ACCR, não importa como os tempos de vida das par-
tículas ψ ou os botões nas fatias satisfazem as restrições exigidas. A sorte é uma
maneira pela qual isso pode acontecer. Mas outras opções são possíveis. Talvez
pudéssemos estar num universo onde existe uma lei da natureza infinitamente
complexa que exige que os tempos de vida ou os botões tenham os valores pre-
cisos que têm, valores que de facto satisfaçam as restrições. Ou talvez exista uma
lei da natureza que exija a satisfação das restrições como tais. Ou talvez pudesse
haver um ser sobrenatural que escolheria fazê-los satisfazer as restrições. Ou tal-
vez o Princípio da Razão Suficiente seja falso, e a máquina sempre existiu, sem
razão alguma.106

6. Avaliação

106Há razões para pensar que o PSR apoia o finitismo causal (ver Capítulo 2, Secção 3.2, e Capítulo 3,
Secções 2.5 e 3.6.2). Se assim for, então o oponente do finitismo causal provavelmente negará o PRS e,
portanto, é dialeticamente aceitável fazer uso da negação do PRS num argumento a favor do finitismo
causal.

166
Uma série de paradoxos matemáticos seguem dados AC, e esses paradoxos po-
dem ser operacionalizados em paradoxos teóricos de decisão, dadas as Máquinas
de Escolha, bem como, em alguns casos, informações de uma sequência infinita
de lançamentos de moedas. É plausível que, se o infinitismo causal for verdadei-
ro, todas as construções aqui envolvidas sejam metafisicamente possíveis e, por-
tanto, temos razões para rejeitar o infinitismo causal.
Dependências causais infinitas estão envolvidas de duas maneiras com os pa-
radoxos operacionalizados. Primeiro, eles são essenciais tanto para o funciona-
mento quanto para a verificação da correção de uma Máquina de Escolha. Em
segundo lugar, no paradoxo da adivinhação do dado e no paradoxo operaciona-
lizado do livro holandês do lançamento da moeda, temos que ser capazes de to-
mar como entrada uma sequência infinita de lançamentos de moeda.
Há outra saída para cada um desses paradoxos. Cada paradoxo depende de
algum alegado princípio de racionalidade. Por exemplo, a versão do paradoxo da
adivinhação que utilizou a construção de Gabay-O'Connor no Capítulo 4 envol-
via uma generalização da rejeição da Falácia do Jogador, ou seja, exigia a afirma-
ção de que não se pode fazer melhor - ou pelo menos significativamente melhor
- fazendo uso de informações passadas sobre dados sem memória. O paradoxo
para adivinhar lançamentos independentes de moedas pressupunha um princípio
sobre a transformação de pagamentos por meio da permutação de moedas equi-
valentes. Princípios como estes podem todos ser desafiados. Mas a rejeição do
infinitismo causal dá uma solução mais elegante e unificada para todos os para-
doxos do que a rejeição de uma série de princípios individualmente plausíveis.

Apêndice: ∗∗Detalhes do rearranjo do sorteio

Para fornecer os detalhes do rearranjo reivindicado na Secção 5.2 utilizaremos métodos pa-
drão de Wagon (1994). Seja F2 o grupo livre em dois geradores. Este é um grupo infinito con-
tável e, portanto, há uma bijeção φ de F2 em ℕ. Podemos definir uma ação de grupo de F2 em
Ω, o espaço de sequências contáveis de lançamento de moeda, como segue.
Para qualquer elemento g de F2, há uma permutação g† de ℕ definida por g†(n) = φ(g ·
φ−1(n)) pois a multiplicação por um membro do grupo permuta o grupo. Então seja gω = g†∗(ω)
para ω ∈ Ω, de modo que (gω)n = 𝜔φ(𝑔·φ−1(𝑛)) .
Para qualquer g ∈ F2, seja Ωg o conjunto de pontos fixos sob g, ou seja, Ωg = {ω ∈ Ω : gω
= ω}. Afirmo agora que para qualquer h ∈ F2 temos P(hΩg) = 0 se g não é a identidade e. Pre-
cisamos apenas provar P(Ωg) = 0, já que P(hΩg) = P(Ωg), dado que a medida de probabilidade
em Ω é invariante sob permutações.
Suponha que ω ∈ Ωg e g ≠ e. Então gω = ω. Então para todo n temos gnω = ω. Escreva ω =
(ω0, ω1, . . .). Então gnω = (𝜔(𝑔𝑛)† (0) , 𝜔(𝑔𝑛)† (1) , … . . ) . Segue-se que 𝜔(𝑔𝑛)† (0) = 𝜔0 . Agora
defina an = (gn)†(0). Então os an são todos números distintos. Para ver isso, suponha que an =
am. Então φ(gnφ−1(0)) = φ(gmφ−1(0)). Como φ é uma bijeção, segue-se que gnφ−1(0) = gmφ−1(0).
Cancelando os multiplicandos corretos, obtemos gn = gm, e então gn−m = e. Assim, ou n = m ou g
tem ordem finita. Mas o único elemento g de um grupo livre que pode satisfazer gk = e para k
diferente de zero é a identidade, então n = m. Portanto, de fato, os an são todos distintos.
167
Então, se ω ∈ Ωg, devemos ter ωa0 = ωa1 = ... para um número infinito de valores diferen-
tes de an, dependentes apenas de g. Mas a probabilidade de que uma determinada sequência in-
finita de lançamentos de moeda (definida para um g e h fixo) resulte igual é zero. Então P(Ωg)
= 0. E portanto P(hΩg) = 0.
Seja D = ⋃𝑔,ℎ∈𝐹2 ℎΩ𝑔 . Como F2 é contável, pela aditividade contável das probabilidades
clássicas, segue-se que P(D) = 0. Ω − D não contém pontos fixos para qualquer elemento de
F2 exceto e.
Por Wagon (1994, Teorema 4.2), existem membros α e β de F2 e subconjuntos disjuntos
B1, ..., B4 de F2 cuja união é toda de F2 e que satisfazem:

B2 = α(B2 ∪ B3 ∪ B4)

B4 = β(B1 ∪ B2 ∪ B4).

Defina a relação de equivalência ∼ em Ω − D dizendo que ω ∼ ω' se e somente se ω = gω' pa-


ra algum g ∈ F2. Cada classe de equivalência contém apenas muitos membros contáveis de Ω,
e Ω tem a mesma cardinalidade que os reais, então por ACCR, seja M um conjunto de escolha
para o conjunto de classes de equivalência sob ∼, ou seja, um conjunto contendo exatamente
um membro de cada classe de equivalência.107 Então M ⊆ − D e para cada ω ∈ Ω − D, existe
um único ω' ∈ M tal que ω ∼ ω'.
Seja Ai = BiM = {gω : g ∈ Bi & ω ∈ M}.
Observe primeiro que Ω − D = A1 ∪ A2 ∪ A3 ∪ A4. Para fixar qualquer ω ∈ − D. Então
existe um ω' ∈ M tal que ω' ∼ ω, então existe um g ∈ F2 tal que ω = gω'. Este g é membro de Bi
para algum i. Mas então gω' = ω será um membro de Ai para o mesmo i.
A seguir, observe que os Ai são disjuntos. Pois suponha que ω seja membro de Ai e Aj.
Precisamos mostrar que i = j. Mas ω = gω' = hω'' para alguns ω' e ω'' em M, bem como g ∈ Bi
e h ∈ Bj. Então ω' = g−1hω'', então ω' ∼ ω''. Como M contém exatamente um elemento de cada
classe de equivalência, temos ω' = ω''. Assim, gω' = hω', e então h−1gω' = ω'. Então ω' é um
ponto fixo de h−1g, e como ω' ∉ D, devemos ter h−1g = e e portanto g = h. Mas como os con-
juntos B1, ..., B4 são disjuntos e g ∈ Bi e h ∈ Bj, segue-se que i = j. Portanto os conjuntos A1, ...,
A4 são disjuntos.
Agora, observe que

α(A2 ∪ A3 ∪ A4) = α(B2 ∪ B3 ∪ B4)M = B2M = A2

β(A1 ∪ A2 ∪ A4) = β(B1 ∪ B2 ∪ B4)M = B4M = A4.

Deixando ρ = (α−1)† e τ = (β−1)†, temos:

ρ∗A2 = A2 ∪ A3 ∪ A4

107Se f é uma função de escolha, então podemos deixar M = {f(A) : A ∈ S} onde S é o conjunto de
classes de equivalência.

168
τ ∗A4 = A1 ∪ A2 ∪ A4,

que é o que pretendíamos obter.

169
170
7
Refinamento, alternativas e extensões

1. Introdução
Começamos discutindo algumas questões de detalhes necessários para refinar o
finitismo causal. As causas são refinadas ou grosseiras? As ausências contam?
Com relação a que relação causal as histórias infinitas são descartadas? Entre as
questões de detalhe, iremos agora reexaminar cuidadosamente o paradoxo do
Ceifador para ver se ele é de fato descartado pelo finitismo causal. Nenhuma
versão particularmente refinada do finitismo causal será endossada, mas uma sé-
rie de pontos de decisão serão anotados para pesquisas futuras.
A seguir, consideraremos alternativas à hipótese finitista causal que também
matam muitos ou todos os mesmos paradoxos: finitismo (já discutido detalha-
damente no Capítulo 1), sem regressos, sem infinitos passados, sem magnitudes
intensivas infinitas de Huemer e sem espaço em espaço-tempo. A última destas
opções oferece uma resposta a uma questão interessante que consideramos por
si só: assumindo que o finitismo causal é verdadeiro, porque é que é verdade?
Finalmente, consideramos duas extensões possíveis do finitismo causal, uma
para excluir laços causais e outra para excluir histórias explicativas infinitas.

2. Refinamento
2.1 Individuação de eventos e tropos

O finitismo causal diz que nada tem um número infinito de itens em sua história
causal. Três tipos principais de itens são candidatos plausíveis para permanecer
em relações causais: eventos, substâncias e tropos (ou propriedades particulares,
como a palidez do meu rosto). Mas tanto os acontecimentos como os tropos
apresentam um problema especial para o finitismo causal se forem individualiza-
dos de forma suficientemente precisa.
Suponhamos que um dia quente de verão no Texas me deixe desconfortável.
Se pudermos individualizar os eventos com precisão suficiente, poderemos mul-
tiplicar as causas ad infinitum. Por exemplo, suponha que seja exatamente 38,42◦
Celsius. Então fico desconfortável por ser exatamente 38,42◦. Mas, ao mesmo
tempo, também me sinto desconfortável por estar quente, por estar acima de
38◦, por estar acima de 38,31◦, por estar em torno de 38,4◦, e assim por diante.

171
Parece que existem infinitas causas para o meu desconforto, ao contrário do fini-
tismo causal.
É provável que tenhamos o mesmo problema com tropos, supondo que eles
tenham um lugar em nossa ontologia. O ar ao meu redor tem a propriedade es-
pecífica de estar a 38,42◦, e esse tropo ou propriedade específica causa meu des-
conforto. Mas o ar também tem a propriedade particular de ser quente, de ter
mais de 38◦, de ter mais de 38,31◦, de estar em torno de 38,4◦, e assim por dian-
te, e cada uma dessas coisas me causa desconforto.
Existem quatro movimentos disponíveis para sair desta dificuldade. Primeiro,
podemos simplesmente aceitar teorias esparsas de eventos e tropos que impe-
dem a multiplicação. Do lado dos acontecimentos, a forma habitual de se ter
uma teoria esparsa é seguir Davidson (1963) e considerar os acontecimentos
como grosseiramente individualizados. Assim, o evento de ser exatamente
38,42◦ é o mesmo que o evento de ser quente e o evento de ser em torno de
38,4◦, mas esses eventos são simplesmente descritos de forma diferente. Do lado
dos tropos, pode-se negar a existência de tropos como o facto de o ar ser mais
do que 38◦, e insistir que os únicos tropos que existem são os fundamentais, tal-
vez como o facto de o ar estar exatamente a 38,42◦, ou o facto de o ar ter tais e
tais propriedades microfísicas precisas. Este movimento não requer mudanças
no finitismo causal, mas irá alienar os proponentes de eventos de grão fino e
tropos abundantes.
Em segundo lugar, podemos permitir eventos de granulação fina e/ou tropos
abundantes, mas suponhamos que, da multidão desses itens de granularidade fi-
na, apenas alguns realmente entrem em relações causais. Se o evento de ser exa-
tamente 38,42◦ ocorrer, então também ocorrerão os eventos distintos de ser em
torno de 38,4◦ e de ser maior que 38,31◦, mas talvez destes apenas o evento de
ser exatamente 38,42◦ seja causalmente eficaz, e da mesma forma no caso dos
tropos.
Terceiro, poderíamos permitir que toda a multiplicidade de itens refinados
entre em relações causais, mas insistir que o façam de uma forma que seja coe-
rente com o finitismo causal. Por exemplo, talvez eu me sinta desconfortável
sempre que a temperatura é de pelo menos 34,3◦. Se assim for, então pode ser
que o meu desconforto seja causado por ser pelo menos 34,3◦ e não por ser exa-
tamente 38,42◦. Por outro lado, pode haver um nível particular de desconforto
d10, de modo que o fato de eu ter exatamente o nível d10 seja causado por ser
exatamente 38,42◦, e pode haver níveis vagos de desconforto causados por fai-
xas vagas de temperatura. Assim, entre as causas diferentemente granuladas,
apenas uma (ou no máximo um número finito) é causal de um efeito de uma
granularidade particular.
Esses três movimentos são formas diferentes de negar a multiplicação infinita
de causas colocadas. E há razões para negar esta multiplicação e, portanto, para
optar por um destes movimentos. Uma razão é simplesmente que temos boas
razões para pensar que o finitismo causal é verdadeiro, enquanto a multiplicação
172
infinita de causas é incompatível com o finitismo causal. Uma segunda razão é a
ideia de que não seríamos capazes de descobrir uma infinidade de causas físicas
sem um trabalho científico realmente sério – talvez o nexo causal do mundo físi-
co seja de natureza infinita, mas esse facto não deveria ser óbvio. Mas se acei-
tarmos a multiplicação, uma infinidade de causas físicas foi descoberta apenas
pensando num pequeno número de factos banais sobre temperaturas e descon-
forto.
Se, no entanto, não gostarmos de nenhum destes três movimentos, existe a
quarta opção: modificar o finitismo causal. Uma forma de o fazer é dizer que as
histórias causais fundamentais – histórias causais geradas por relações causais
fundamentais, aquelas que não se baseiam noutras relações causais – devem ser
finitas. Por exemplo, mesmo que estar em torno de 38,4◦ me cause desconforto,
causa-o em virtude de estar em 38,42◦ causando meu desconforto e, portanto, o
primeiro caso de causalidade não é fundamental. É claro que muitos dos exem-
plos de causalidade nos paradoxos em consideração provavelmente também não
seriam fundamentais. Por exemplo, na Lâmpada de Thomson, acionar o inter-
ruptor só pode fazer com que a luz acenda ou apague em virtude de alguns
exemplos microfísicos de causalidade. No entanto, é plausível que em todos os
paradoxos que considerámos – e ao contrário do caso do calor que causa o meu
desconforto – a multiplicação infinita de instâncias não fundamentais de causali-
dade seja paralela a uma multiplicação infinita de instâncias fundamentais de
causalidade. Mesmo que nenhuma das mudanças de interruptor seja uma causa
fundamental, a contribuição causal de cada mudança de interruptor baseia-se
certamente num conjunto diferente de causas fundamentais.
Isto nos dá um ponto de decisão complexo para um refinamento do finitis-
mo causal: permitimos eventos refinados como causas e, em caso afirmativo, modificamos o fi-
nitismo causal para focar em causas fundamentais ou descartamos infinidades de causas granu-
lares em outro caminho?
A questão da fundamentalidade constitui um ponto de decisão de interesse
independente: restringimos as relações causais de que fala o finitismo causal às fundamen-
tais?

2.2 Histórias geradas por relações causais parciais

A caracterização aproximada e imediata do finitismo causal que utilizei até agora


é que as histórias causais devem sempre ser finitas. Vamos tentar tornar esta tese
mais precisa. É razoável considerar que a história causal de um item z é a cole-
ção de itens causalmente anteriores a z. Mas o que é exatamente esta relação de
prioridade causal e quais são os seus relatos?
Observe que para descartar regressões, que é uma das tarefas do finitismo
causal (ver Capítulo 2), a prioridade causal precisa ser uma relação transitiva: se y
é anterior a z e x é anterior a y, então é melhor que x seja anterior para z.

173
Uma opção natural para explicar a prioridade causal é estipular que y é cau-
salmente anterior a z se e somente se y causa z. A noção de causa, entretanto, so-
fre do infame problema de seleção (Hesslow 1988). Normalmente, quando ques-
tionados sobre o que causou o incêndio florestal, diríamos algo como que foi a
fogueira do campista. Mas um alienígena de um planeta sem muito oxigénio po-
deria igualmente dizer com razão que foi o elevado teor de oxigénio da nossa
atmosfera que causou o incêndio. O que conta como a causa parece depender
muito do contexto.
Além disso, as afirmações de transitividade parecem duvidosas se a prioridade
causal for apenas causalidade. Suponha que a campista acendeu a fogueira por-
que estava com fome. Então a fome causou a fogueira. E a fome foi causada pe-
los processos metabólicos anteriores do campista. Mas parece errado dizer que
os processos metabólicos anteriores do campista causaram o incêndio florestal.
O problema da transitividade é facilmente resolvido. Em vez de dizer que y é
causalmente anterior a z se e somente se y causa z, podemos dizer que y é cau-
salmente anterior a z se e somente se existe uma cadeia de causas de y a z, ou se-
ja, existe uma sequência y0, ... , yn tal que yi causa yi+1 para cada i e y = y0 enquanto
z = yn.
Mesmo assim, a causalidade parcial, em vez da causalidade total, é suficiente
para alguns dos nossos paradoxos (e os outros talvez possam ser modificados
para usar a causalidade parcial). Por exemplo, tomemos o paradoxo do Capítulo
5, Secção 2.5, onde um anjo anuncia que entre os infinitos dados, apenas um
número finito mostrou algo diferente de seis. Para aplicar o finitismo causal, ob-
servei que os infinitos estados dos dados causaram o anúncio do anjo. Mas ne-
nhum estado dos dados foi a causa completa do anúncio do anjo. Na verdade,
nenhum estado dos dados fez qualquer diferença no anúncio do anjo: se o dado
tivesse surgido de outra forma, com todos os outros dados fixos, ainda assim te-
ria havido apenas um número finito de não-seis. Parece que existe uma causa
completa, e esta é uma causa plural: a totalidade de todos os lançamentos de da-
dos. Mas essa causa plural é apenas uma, e um é um número finito, portanto, se
o finitismo causal se aplica apenas a causas completas, não se aplica aqui.
Talvez isso seja muito rápido. Talvez existam infinitas causas completas: o es-
tado de todos os dados, exceto o primeiro, o estado de todos os dados, exceto o
segundo, o estado de todos os dados, exceto o terceiro, etc. Mas não devemos
confiar nisso. Talvez o que tenhamos seja simplesmente uma interação direta de
todos os dados jogados em conjunto com a mente do anjo. E precisamos tam-
bém do finitismo causal para descartar tais casos.
É melhor, portanto, trabalhar com um conceito mais fraco do que o de cau-
salidade para definir a prioridade causal. Causalidade parcial ou contribuição cau-
sal é uma dessas noções. Poderíamos, portanto, dizer que x é causalmente ante-
rior a y, desde que exista uma cadeia de causas parciais de x a y. Usarei os termos
“causação parcial” e “contribuição causal” de forma intercambiável, embora
pesquisas futuras possam encontrar diferenças sutis para distingui-los.
174
Assim, se seguirmos esta sugestão, o finitismo causal será a tese de que não
existem histórias infinitas geradas por prioridade causal, definidas em termos de
cadeias de causalidade parcial.
Isto leva a um segundo ponto de decisão: o finitismo causal aplica-se apenas
à causalidade total ou também à causalidade parcial ou à contribuição causal?
Aqui, creio que a resposta deveria ser afirmativa. Além disso, uma análise de-
talhada do paradoxo do Ceifador pode sugerir que precisamos de uma relação
ainda mais fraca do que a causalidade parcial.

2.3 Um olhar mais atento sobre os Ceifadores

Lembre-se da história do Ceifador do Capítulo 3, Seção 3. A lâmpada está apaga-


da às 10h. Em uma sequência infinita de horários t1, t2, ...estritamente entre 10 e
11h, os Ceifadores são ativados. Quando um Ceifador é ativado, ele verifica se a
luz está acesa. Se estiver ativado, não faz nada. Se estiver desligado, ele aciona o
interruptor para acender a lâmpada. Argumentei que a história se torna parado-
xal quando t1 > t2 >... (por exemplo, se o enésimo ceifador for ativado 30/n mi-
nutos depois das 10h), mas que devemos descartar a história, não importa como
os tn estejam organizados no fundamenta que é uma violação do finitismo causal.
Mas agora considere uma configuração onde os tempos de ativação são or-
denados de maneira oposta, de modo que t1 < t2 <... (por exemplo, o enésimo
ceifador ativa 30/n minutos antes das 11h). Então não haveria paradoxo: o Cei-
fador que ativa em t1 acende a lâmpada, e os subsequentes não têm nada para fa-
zer. Onde há uma história causal infinita aqui? Apenas um Ceifador realmente
afeta o estado da lâmpada nesta história. E na versão paradoxal onde t1 > t2
>..., nenhum Ceifador acende a lâmpada. Onde há causalidade infinita aqui? Pa-
rece, então, que o finitismo causal não exclui o cenário do Ceifador e seus pri-
mos, conforme alegado, e, portanto, a utilidade filosófica do finitismo causal é
significativamente reduzida.
Existem pelo menos seis soluções para isso, cada uma levando a um refina-
mento diferente do finitismo causal. A primeira solução é notar que o que temos
é uma infinidade de itens em que cada um tem o poder de acender a lâmpada.
Poderíamos estender o finitismo causal para excluir não apenas a cooperação in-
finita real, mas também os casos em que um número infinito de coisas tem, cada
uma, o poder de contribuir para algum efeito (onde o efeito é identificado de
uma forma que não requer a essencialidade das origens, talvez por características
qualitativas e localização espaço-temporal), mesmo que na verdade não o façam.
Esta é uma opção atraente a ser considerada, pois exclui alguns outros primos
da história do Ceifador. Por exemplo, pegue o paradoxo do Ceifador, mas sim-
plesmente remova a lâmpada e especifique que se um Ceifador não vê nenhuma
lâmpada, ele não faz nada; assim, cada Ceifador acorda, não faz nada e volta a
dormir. Seria estranho se pudéssemos ter o número infinito de Ceifadores orga-
nizados como no paradoxo sem a lâmpada, mas seria impossível adicionar a
175
lâmpada. A abordagem do poder tem a vantagem de nos permitir descartar dire-
tamente esta história, pois temos uma infinidade de itens que têm o poder de
acender qualquer lâmpada que ali esteja. Sem introduzir poderes, talvez tenha-
mos de dizer que a história está descartada porque, se fosse possível, seria possí-
vel adicionar uma lâmpada, e isso seria excluído pelo finitismo causal.
A segunda solução é estender o escopo da relação de causalidade parcial para
incluir o que cada Ceifador faz para o estado final da lâmpada. Numa pesquisa
internacional de piadas, a seguinte piada mórbida de Gurpal Gosall foi classifica-
da como a mais engraçada:

Dois caçadores estão na floresta quando um deles desmaia. Ele não parece estar respi-
rando e seus olhos estão vidrados. O outro cara pega o telefone e liga para os serviços
de emergência. Ele engasga: “Meu amigo está morto! O que posso fazer?". A operadora
diz “Acalme-se. Eu posso ajudar. Primeiro, vamos ter certeza de que ele está morto.”
Há um silêncio e então ouve-se um tiro. De volta ao telefone, o cara diz “OK, e agora?”
(Wiseman 2002)

O tiro pode ou não ter causado a morte, mas a garantiu. Na ação moral, garantir
tem muitas das mesmas consequências normativas que fazer. Mas com o seu ti-
ro, o caçador tornou-se o equivalente moral de um assassino, quer o companhei-
ro já estivesse morto ou não. Observe também que atirar no companheiro não
foi a única maneira de garantir que ele estava morto. A outra maneira – prova-
velmente legalmente mais segura, mas ainda assim moralmente depravada – seria
adotar o plano de verificar se seu companheiro estava morto e atirar nele se e
somente se ele não estivesse morto.
Agora, o verbo “garantir” sugere agência. Mas também podemos usá-lo em
casos não-agenciais: “A avalanche às 11h garantiu que Smith estava morto ao
meio-dia, mas para descobrir a disposição do seu património era importante
descobrir se Smith estava morto antes das 11h.” Podemos reconhecer a garantia
como um tipo de relação causal que pode ser ou não agencial.
Dado este contexto, poderíamos compreender a relação de causalidade parci-
al ou de contribuição causal que gera as histórias causais que, de acordo com o
finitismo causal, são finitas para incluir não apenas casos do que se poderia cha-
mar de causalidade real, mas também casos de garantia parcial ou contributiva. E
todos os Ceifadores se envolvem nisso, mesmo que não façam nada além de ve-
rificar se a lâmpada está acesa. Eles são como o caçador assassino legalmente
mais cauteloso, que verifica se seu companheiro está morto e atira apenas se não
estiver. Podemos até entender essa garantia parcial ou contributiva como sendo
de natureza indeterminística – imagine que o caçador assassino atira no seu
companheiro de uma forma que não garante a morte, mas que tem sucesso.
Há algo estranho em fazer com que a história causal da lâmpada acesa às 11h
inclua Ceifadores que não tocaram no interruptor. Se assim for, então talvez o
termo “história causal” não seja o melhor a escolher. Talvez se pudesse dizer
“nexo causal inverso”.
176
A terceira solução é estender o finitismo causal para proibir não apenas a de-
pendência causal, mas também a dependência contrafactual fundamentada na
causalidade de um número infinito de itens positivos distintos (substâncias ou
eventos), de modo que, se nenhum desses eventos tivesse acontecido, o evento
causado não teria ocorrido. ocorrido. Nós distinguimos isso da dependência
contrafactual fundamentada logicamente (ou metafisicamente): o fato de eu ter
um metro e oitenta de altura depende contrafactualmente de eu ter mais de um
metro de altura (se eu não tivesse pelo menos um metro de altura, não teria um
metro e oitenta de altura), e em um número infinito de outras propriedades, mas
o contrafactual é fundamentado logicamente e não causalmente. E também dis-
tinguimos a dependência contrafactual fundamentada causalmente da dependên-
cia contrafactual de itens negativos – o facto de estar a escrever isto é contrafac-
tualmente dependente de um número infinito de ausências de bruxas que pode-
riam ter impedido a minha escrita. E então dizemos que o fato de a lâmpada es-
tar acesa depende contrafactualmente de um número infinito de Ceifadores e,
portanto, a história é descartada pelo finitismo causal.
Talvez, de facto, a dependência contrafactual fundamentada causalmente seja
um tipo de causalidade – se assim for, então não alargámos realmente o finitis-
mo causal, mas apenas o clarificámos.
A quarta solução é inspirada em algumas observações de Philip Swenson.
Poderíamos dizer que um item conta como impactante causalmente em um
evento, desde que realmente tenha contribuído causalmente para (ou causado
parcialmente) o evento ou teria contribuído causalmente para (ou causado parci-
almente) se o evento teria acontecido, se não fosse por outra coisa que aconte-
ceu. Cada Ceifador teria contribuído causalmente para a lâmpada estar acesa no
final do experimento, exceto para os anteriores. E agora o nosso finitismo causal
precisa de excluir histórias infinitas de impactos causais.
A quinta solução é considerar que existe uma noção intuitiva de uma relação
transitiva de prioridade causal que ou não é mais analisada ou não é mais anali-
sável. É intuitivamente convincente que o paradoxo do Ceifador, e os nossos
outros paradoxos, sejam excluídos se proibirmos que os itens tenham um núme-
ro infinito de itens causalmente anteriores a eles. Mas, como mostra a discussão
acima, é difícil explicar em que consiste a prioridade causal. Portanto, a sugestão
é que não a enunciemos!
A sexta solução é esta. O estado final do universo às 11h é afetado causal-
mente por cada um dos infinitos atos de observação da lâmpada. Cada Ceifador
observa o estado da lâmpada e, conseqüentemente, aperta ou não o botão da
lâmpada. Não apertar o botão certamente afeta o estado final do universo. Se
um Ceifador tivesse pressionado o botão, o universo estaria em um estado dife-
rente às 11h. O botão pode ter, por exemplo, uma impressão digital do Ceifador
(ou impressão de osso!); a mudança na posição do braço do Ceifador significaria
que o campo gravitacional que se espalha à velocidade da luz seria para sempre

177
diferente; e assim por diante. 108 Talvez não queiramos que o finitismo causal
simplesmente exclua um número infinito de ausências que são causadas por
omissão (discutiremos as ausências na Seção 2.5). Mas uma causa positiva pode
agir por meio de uma ausência. Por exemplo, um método de matar um animal é
privá-lo de ar – mas isso é clara e literalmente um exemplo de algo positivo, di-
gamos, estrangulamento, causando outra coisa, nomeadamente a morte. Os ca-
sos em que um número infinito de acontecimentos positivos – neste caso, as ob-
servações – afectam as coisas através de ausências (por exemplo, do premir de
botões) podem ser considerados excluídos por uma leitura literal e inextensa do
finitismo causal. A história do Ceifador é assim: o estado final do universo é cau-
salmente afetado por cada uma das observações - se alguma observação tivesse
saído de forma diferente, o estado final do universo, não em relação ao fato de a
luz estar acesa ou apagada, mas em respeito às coisas mais sutis, teria sido dife-
rente.
Esta sexta solução é atraente, mas pode não lidar com modificações no para-
doxo. Poderíamos imaginar um mundo onde os Ceifadores não deixassem im-
pressões digitais no botão, onde os campos gravitacionais não se espalhassem a
partir dos movimentos dos seus braços, e assim por diante. Ou um mundo onde
tudo é destruído às 11h (até o interruptor), exceto a lâmpada que brilha ou não.
Não tenho a certeza se esta objecção à solução funciona, mas a minha incerteza
depende de uma visão controversa do tempo. Seguindo Kant (1907) (ver tam-
bém Carrier 2003), pode-se pensar que a direção do tempo é constituída por re-
lações causais. Nesta visão, pode muito bem seguir-se que se o ato de observa-
ção de um Ceifador não é de forma alguma causalmente anterior ao estado do
universo às 11 horas da manhã, então a sua localização temporal também não
pode ser considerada anterior às 11 horas da manhã.
Para ilustrar as seis soluções, vamos aplicá-las ao paradoxo dos Tabuleiros de
Benardete (Benardete 1964, pp. 237-8), que pode ser pensado como uma varian-
te atemporal do paradoxo do Ceifador. Descobriremos que os cinco primeiros
funcionam nesse caso, mas o último tem mais dificuldade. Existem infinitas pla-
cas impermeáveis perpendiculares ao eixo x, digamos nas coordenadas 1, 1/2,
1/4 e assim por diante. As placas são infinitamente finas ou seus tamanhos per-
mitem um espaço entre elas (por exemplo, a placa em 2−n tem espessura 2−n−2).
Uma partícula pontual se move ao longo do eixo x negativo na direção positiva.
Essa partícula não pode passar de x = 0 porque, para percorrer qualquer distân-
cia além de x = 0, ela teria que cruzar um número infinito de placas. Mas qual
placa parou a partícula? Parece que nada aconteceu: o tabuleiro em x = 1/2 não,
já que a partícula nunca o alcançou; nem o tabuleiro em x = 1/4, e assim por di-
ante (Fig. 7.1).

108 Cf. Lewis (1979).

178
Fig. 7.1 Quadros de Benardete.
Mas podemos dizer que um número infinito de tábuas tinha, cada uma, o poder
de impedir que a partícula atingisse, digamos, x = 1/2. Da mesma forma, pode-
mos dizer que um número infinito de tábuas garantiu que a partícula não atingis-
se aquela coordenada. Temos uma dependência contrafactual dos poderes de pa-
rada de um número infinito de placas: se nenhuma das placas estivesse lá (ou se
fossem permeáveis), a partícula não teria parado. E cada placa teria contribuído
para a paralisação da partícula, se não fosse pelas outras. Além disso, a priorida-
de causal de um número infinito de itens é tão plausível neste caso quanto no
caso do Ceifador. Conseqüentemente, a configuração é descartada pelas cinco
versões melhoradas do finitismo causal.
No entanto, a sexta solução, que não exigiu qualquer reformulação do fini-
tismo causal como tal, não parece generalizar-se aos Conselhos de Benardete.
Não parece haver qualquer analogia com os atos de observação no caso dos
Conselhos de Benardete. Portanto, se optarmos por essa sexta solução, temos de
admitir que existe um paradoxo causal que o finitismo causal como tal não exclui
diretamente. Embora possa indiretamente excluí-lo, se o finitismo causal força o
espaço a ser discreto, uma questão que exploraremos no Capítulo 8.
Isto produz um terceiro ponto de decisão: Precisamos de enfraquecer ainda mais a
relação causal para fazer com que o finitismo causal mate os paradoxos do Ceifador e dos
Conselhos de Benardete e, em caso afirmativo, como?

2.4 Objeções ao finitismo causal envolvendo causalidade parcial

Mas agora precisamos de ter cuidado para não fazer com que o finitismo causal
se aproxime demasiado do finitismo. Suponha que tomemos a causalidade parci-
al como a relação relevante. Então, plausivelmente:

(1) Se x causa y e y faz parte de z, então x é uma causa parcial de z.

Mas agora considere uma sequência causal direta não paradoxal: x1 causa x2, x2
causa x3 e assim por diante. Seja z a fusão de todos os xi. Então cada xi é uma
causa parcial de z por ser a causa de xi+1 que é parte de z. Portanto, z tem infini-
tas causas parciais. Mas não devemos descartar sequências causais diretas não
paradoxais. O mesmo argumento pode ser aplicado em termos de contribuição
causal.

179
Isto não refuta necessariamente a afirmação de que a relação causal relevante
para o finitismo causal é a causalidade parcial. Talvez devêssemos rejeitar (1) em
vez disso. Afinal, é plausível que tal sequência causal direta seja possível. É até
plausível que exista um mundo onde tal sequência causal direta constitua toda a
realidade concreta e onde x1, x2, ... sejam simples. Mas não é plausível que uma
fusão de simples possa ser causada, mesmo parcialmente, por cada um dos sim-
ples que a compõem, pois isso seria muito parecido com autocausação. No en-
tanto, z, a fusão de xi, seria precisamente uma fusão de simples parcialmente
causada por todas as partes simples se (1) fosse verdadeira.
Alternativamente, poderíamos endossar (1), mas negar que existam fusões in-
finitas como a fusão de todos os xi, seja por causa de um ceticismo geral sobre
fusões ou por causa de um ceticismo sobre fusões infinitas. Poderíamos pensar
nas partes de uma fusão como “causas materiais” aristotélicas. Então negar fu-
sões infinitas seria uma extensão natural do finitismo causal (ver Secção 5.2).
Aqui está uma preocupação relacionada. Suponha que haja um número infini-
to de universos causalmente desconectados e suponha que no enésimo universo
exista um objeto xn que causa um objeto yn. Considere a fusão Y de todos os yn.
Então a história causal de Y inclui infinitos objetos: x1, x2, .... Deveríamos adotar
o finitismo causal para descartar o cenário acima? Se o finitismo causal exclui um
número infinito de universos causalmente desconectados, então estamos no
bom caminho para o finitismo como tal.
Existem, no entanto, pelo menos duas maneiras de manter o finitismo causal
sem negar a possibilidade de um multiverso infinito. A primeira é, mais uma vez,
transformar as observações acima num argumento contra as fusões irrestritas.
Talvez todos tenham que ter algum tipo de organicidade ou pelo menos interco-
nexão causal, ou talvez todos infinitos sejam impossíveis.
A segunda maneira é negar que xn seja um elemento da história causal de Y.
Embora existam casos em que a causa de uma parte é uma causa parcial – qual-
quer oficial alemão que ordenou uma parte inicial da invasão da Polónia foi uma
causa parcial. da Segunda Guerra Mundial – em geral, a causa de uma parte não
precisa ser uma causa parcial. A invasão do Dia D não foi uma causa parcial da
Segunda Guerra Mundial, embora tenha sido a causa de muitas batalhas que fa-
zem parte da Segunda Guerra Mundial. Nem uma cientista maluca que fez cres-
cer uma cauda em meu corpo seria uma causa parcial de mim, mesmo que ela
fosse a causa de uma parte de mim. Assim, talvez devêssemos dizer que a causa
de Y é, antes, a fusão X de todos os xn, e os xn individuais não são elementos da
história causal ou do nexo, embora sejam causas de partes de Y.
Temos, portanto, um ponto de escolha: excluímos fusões infinitas, além de cadeias
causais infinitas, ou analisamos cuidadosamente a relação causal relevante, a fim de excluir
contra-exemplos provenientes de tais fusões?

2.5 Ausências e omissões

180
Alguém que sufoca morre por falta de oxigênio. Deveríamos incluir tais ausên-
cias nas histórias causais?
A resposta natural é que, se as ausências são causas, então é melhor que sejam
incluídas nas histórias causais. Mas a preocupação com isso é que praticamente
todo evento tem infinitas causas. Uma contribuição causal para a minha escrita
deste livro é a ausência de um ataque destruidor da Terra por alienígenas bípedes
há dez anos. Outro contribuinte é a ausência de tal ataque por alienígenas tripe-
dais, e outro é a ausência de tal ataque por alienígenas quadrúpedes. Existem in-
finitas ausências de invasões alienígenas genocidas que contribuíram para este li-
vro e, portanto, o finitismo causal não tem esperança de ser verdadeiro se inclu-
irmos as ausências.
Uma solução é simplesmente estipular que apenas os itens positivos contam
para o finitismo causal.
A outra solução é gerar histórias causais por meio de casos fundamentais da
relação causal relevante, como já foi sugerido na Seção 2.1. E é implausível que a
relação causal de cada um dos infinitos itens da forma a ausência de um ataque
destruidor da Terra por alienígenas de n pedais há dez anos atrás para a minha
escrita deste livro seja fundamental. Talvez o que seja fundamental seja a contri-
buição de alguma ausência mais geral, tal como a ausência de qualquer ataque destrui-
dor da Terra antes do presente, ou talvez a ausência de qualquer evento que impeça
significativamente o meu funcionamento normal, ou algo semelhante. Ou talvez
poucas ou nenhumas ausências estejam envolvidas em qualquer caso fundamen-
tal da relação causal relevante.
Temos, portanto, um ponto de escolha: o finitismo causal se aplica à causalidade
por ausências?
Observe que mesmo que o finitismo causal não exclua a causalidade por um
número infinito de ausências, provavelmente deveria excluir um número infinito
de eventos positivos que contribuem para um evento causando uma omissão ou
ausência intermediária, como argumentamos em uma das soluções na Seção 2.3.
Há uma diferença entre uma ausência ser causa e um evento positivo causador
por omissão. Quando a queda de uma guilhotina causa a morte de alguém, trata-
se de um evento positivo que causa a morte por ausência de oxigênio no cére-
bro. Um número infinito de guilhotinas causando uma única morte deveria ser
descartado pelo finitismo causal.
Pode-se também temer que a própria morte seja uma ausência de vida. Have-
rá também aqui um ponto de escolha: o finitismo causal aplica-se à causalidade de uma
ausência? Caso contrário, poderíamos excluir a possibilidade de um número infi-
nito de guilhotinas causar uma única morte, observando que, nesse caso, o nú-
mero infinito de guilhotinas também causaria um movimento da cabeça, ou a
consequente decadência, ou algo semelhante. Mas é mais claro aplicar o finitis-
mo causal diretamente à causação de uma ausência.

181
Outra possibilidade é que, mesmo que não vejamos o finitismo causal como
uma proibição da causação por um número infinito de meras ausências, ele po-
deria proibir a causação por um número infinito de privações. Haldane (2007)
argumentou que mesmo que meras faltas não possam ser causas, as privações
podem ser. É incorreto dizer que a falta de asas de Smith fez com que ele se
atrasasse para uma reunião, mesmo que ele tivesse chegado na hora se tivesse
asas, mas pode ser correto que a falta de pernas de Smith fez com que ele se
atrasasse para a reunião. Isso pode combinar muito bem com uma das soluções
para o problema do Ceifador. Pois pode ser que quando algo tenha o poder (ou
pelo menos a disposição) para fazer algo em uma condição desencadeadora -
como quando cada Ceifador tem o poder (e a disposição) para acender a lâmpa-
da na condição de que a lâmpada esteja desligada - então conta como privado do
exercício desse poder quando a condição estiver ausente.

3. Alguns concorrentes do finitismo causal


3.1 Finitismo

É hora de considerar outras hipóteses que excluam os paradoxos do infinito. A


primeira delas já foi considerada no Capítulo 1: finitismo. O finitismo é mais
simples que o finitismo causal e isso o torna um concorrente atraente. Além dis-
so, tem a vantagem de excluir paradoxos não causais do infinito. No entanto,
como vimos, também exclui coisas demais: é difícil conciliar factos matemáticos
como a existência de um número infinito de primos – ou outros números.
Além disso, a simplicidade do finitismo é um tanto enganosa. Pois é somente
quando casado com outras teses metafísicas que o finitismo exclui os paradoxos
que consideramos. Se o presentismo for verdadeiro, então o finitismo apenas
nos diz que não existe uma infinidade presente de itens, e isso não é suficiente
para descartar muitos dos paradoxos causais deste livro. Para descartar isso, o fi-
nitismo precisa do eternalismo ou de uma crescente teoria do bloco do tempo.
Dado o eternalismo, os infinitos passados, presentes e futuros são excluídos
pelo finitismo. Mas a teoria resultante é muito contra-intuitiva: exclui a possibili-
dade de uma coleção futura infinita de eventos. Isto significa que o finitismo, pa-
ra realizar o seu trabalho de destruição de paradoxos e evitar a refutação por re-
ferência a acontecimentos futuros, deve estar ligado a uma crescente teoria de
bloco do tempo.
Agora, embora o finitismo por si só seja uma teoria simples, o finitismo mais
o bloqueio crescente é mais complexo e herda as dificuldades bem conhecidas
do bloqueio crescente. Por exemplo, em primeiro lugar, as teorias do bloco cres-
cente postulam uma simultaneidade absoluta: todos os eventos na vanguarda do
bloco crescente são absolutamente simultâneos. Embora com alguns trabalhos
isto possa ser reconciliado com as previsões empíricas da Teoria da Relatividade
(Smith 1993, Secção 7.2), ainda está em tensão com a metafísica que surge mais

182
naturalmente da relatividade, uma metafísica na qual não existe simultaneidade
metafisicamente absoluta.
Em segundo lugar, no Capítulo 1, Secção 4.1, discutimos o argumento de
Merricks (2006) de que o bloqueio crescente leva a um cepticismo absurdo sobre
se este tempo está presente.
O finitismo não é, portanto, um bom concorrente do finitismo causal. Está
em tensão com a matemática, e precisaríamos de acrescentar-lhe a crescente teo-
ria do bloco do tempo, que aumenta a complexidade global e a vulnerabilidade
da teoria. Consideremos agora alguns outros concorrentes.

3.2 Sem regressão infinita

Como visto no Capítulo 2, existe um apoio intuitivo para negar a existência de


regressões causais infinitas, independentemente dos vários paradoxos. Além dis-
so, negar a existência de regressões causais infinitas eliminará uma série de para-
doxos. Por exemplo, a maneira natural de compreender os paradoxos da adivi-
nhação do Capítulo 5 envolve uma regressão infinita. No tempo 0, seu conheci-
mento das jogadas às vezes..., -4, -3, -2, -1 é parcialmente causado pelo seu co-
nhecimento no tempo -1 das jogadas às vezes..., -4, -3 , −2, que por sua vez é
parcialmente causado pelo seu conhecimento no momento −2 dos testes às ve-
zes... , −4, −3 e assim por diante.
No entanto, as supertarefas da variedade da lâmpada de Thomson não envol-
vem, na verdade, uma regressão infinita: antes de cada acionamento do interrup-
tor, há apenas um número finito de inversões. Além disso, existem paradoxos
que envolvem um número infinito de causas que trabalham em conjunto, mas
aparentemente não de uma forma regressiva, como no jogo interpessoal de adi-
vinhação de dados no Capítulo 5, Secção 2.5. Portanto, embora uma tese sem
regressão faça muito do mesmo trabalho que o finitismo causal, ela não faz o
trabalho suficiente.

3.3 Sem infinitos passados

Existe uma intuição aristotélica cujo slogan é que infinitos completos são impos-
síveis (por exemplo, ver Craig 2009). Não se pode atravessar um infinito. A infi-
nidade de dias futuros é certamente possível, mas mesmo que haja uma vida
após a morte infinita, ninguém jamais será capaz de dizer a verdade: “Completei
uma vida infinita”. Assim, a intuição não exclui um futuro infinito.
É natural ler a intuição aristotélica como uma negação da possibilidade de in-
finitos passados. Um passado infinito está concluído, acabado. O mundo atra-
vessou isso. E isso é impossível de acordo com o aristotélico.
Se as causas devem ser temporalmente anteriores aos seus efeitos, então a
impossibilidade de infinitos passados implica imediatamente o finitismo causal:

183
se existe uma história causal infinita, então no momento do efeito existe um pas-
sado infinito.
Mas é plausível que as causas também possam ser simultâneas com os seus
efeitos, como no famoso exemplo de Kant (1907) de uma bola de ferro que
pressiona simultaneamente uma almofada.
Se a causalidade simultânea for possível, então o argumento acima a favor do
finitismo causal da impossibilidade de infinitos passados falha no caso de um
número infinito de itens causando algo simultaneamente, quando toda essa cau-
salidade está acontecendo no último momento do tempo. No entanto, é extre-
mamente plausível que, se um número infinito de itens pode causar algo simul-
taneamente no último momento do tempo, eles podem causar simultaneamente
algo num momento que é sucedido por um momento posterior. Portanto, ainda
temos um forte argumento da impossibilidade de infinitos passados para o fini-
tismo causal se enfraquecermos a suposição de que as causas são anteriores aos
seus efeitos para a suposição de que as causas são anteriores ou simultâneas aos
seus efeitos.
Infelizmente, mesmo a suposição mais fraca pode ser falsa. Primeiro, talvez
algo temporal pudesse ter uma causa atemporal. O teísmo clássico sustenta que
Deus é atemporal e ainda assim criou um mundo com o tempo. Em segundo lu-
gar, à parte os casos em que a causação inversa dá origem a círculos causais, a
causação inversa - onde a causa é posterior ao efeito - parece ser metafisicamen-
te possível, mesmo que possa ser contingentemente excluída pelas leis da física.
No entanto, se as causas não precisam de ser anteriores ou simultâneas aos
seus efeitos, então a negação dos infinitos passados é insuficiente para excluir
todos os paradoxos que precisamos de eliminar. Por exemplo, considere o jogo
de adivinhação envolvendo um número infinito de pessoas no Capítulo 5, Seção
2.5. O que era crucial era a disponibilidade de informações sobre um número in-
finito de lançamentos de dados. A forma como os rolos são organizados no
tempo é irrelevante. A história funcionaria igualmente bem, por exemplo, se ca-
da lançamento acontecesse em um universo insular separado, sem que houvesse
uma única série temporal percorrendo todos os universos insulares.
Na verdade, se as causas não precisam ser anteriores ou simultâneas aos seus
efeitos, então é muito plausível que a viagem no tempo seja possível. Mas se a
viagem no tempo for possível, então deveria ser possível viver a vida ao contrá-
rio, sendo concebido e nascendo no futuro (externo) e vivendo para o passado.
A maneira mais fácil de obter essa possibilidade é supor que o tempo é uma série
de momentos discretos. Nossa pessoa que vive ao contrário viaja no tempo de
cada momento para o anterior, em vez de “viajar no tempo” de cada momento
para o seguinte, como todos nós normalmente fazemos. Mas se tal vida ao con-
trário for possível, então a negação dos infinitos passados é insuficiente para ex-
cluir a possibilidade de atravessar uma série infinita. Pois imagine alguém que, de
acordo com o nosso tempo externo, existe agora e sempre existirá. Mas ela vive
sua vida ao contrário. Pode-se dizer que essa pessoa, neste ponto, viveu uma vi-
184
da infinita. E se este for o momento da sua morte, então ela completou aquela
vida infinita, contrariamente à intuição aristotélica de que não existem infinitos
completos.
Portanto, se as causas não têm de ser anteriores ou simultâneas aos seus efei-
tos, a própria intuição aristotélica que nos levou a negar as infinidades passadas
também nos empurra para além dessa negação. Na verdade, empurra-nos para o
finitismo causal, porque, como vimos no caso da vida atrasada, o que é proble-
mático para as intuições é a existência de um número infinito de causas, e não a
sua disposição temporal.
Mas uma vez chegados aqui e admitido que deveríamos aceitar o finitismo
causal, vale a pena perguntar se precisamos de negar as infinidades passadas co-
mo tais. O finitismo causal parece suficiente para fazer justiça a muitas das intui-
ções sobre a travessia de uma sequência infinita. E é a mistura de causalidade
que parece criar verdadeiros paradoxos.
Podemos, portanto, considerar o finitismo causal como a melhor maneira de
fazer justiça às intuições por trás da negação dos infinitos completos. O comple-
to aqui pode ser entendido como o que está pronto para ser uma causa (para co-
locá-lo em termos heideggerianos!), o que é, em certo sentido, utilizável, ou seja,
o que está pronto para ser uma causa, e neste sentido, se o finitismo causal for
verdadeiro, não há não pode haver infinitos completos.

3.4 Sem magnitudes intensivas infinitas


3. 4. 1 A TEORIA BÁSICA

Num livro recente, Huemer (2016) pesquisou uma coleção de paradoxos do in-
finito que se sobrepõem à coleção considerada neste livro e empregou a mesma
estratégia de encontrar uma hipótese metafísica que exclua paradoxos. No caso
dele, a hipótese era que não pode haver magnitudes intensivas infinitas.
As magnitudes nas quais Huemer está interessado são todas magnitudes natu-
rais, os tipos de magnitudes que podem ser encontradas em explicações científi-
cas (cf. Huemer 2016, pp. 135–7). Por exemplo, se m é a massa de um objeto em
gramas e h é o volume do objeto em polegadas cúbicas, então m + 2h não está
entre as magnitudes naturais nas quais Huemer está interessado., e o volume são
magnitudes naturais.
Agora, essas magnitudes naturais se dividem em dois tipos. Uma magnitude
extensa é aquela que pode ser definida pela soma de valores de alguma magnitu-
de natural. Por exemplo, a massa ou carga total de um objeto é a soma das mas-
sas ou cargas das partes. As magnitudes que não são definidas como tais somas
são intensivas. Huemer permite que algumas magnitudes extensas sejam infini-
tas, mas as intensas nunca o serão. Assim, é em princípio possível que o univer-
so contenha uma quantidade infinita de massa, já que a massa total do universo é
uma magnitude extensa. Isto é bom: enquadra-se na intuição de que o universo
pode ser infinito e permite a Huemer rejeitar o finitismo, tal como este livro faz.
185
Por outro lado, não é possível que o universo tenha densidade infinita segundo
Huemer, uma vez que a densidade é uma magnitude intensiva, sendo a razão de
duas somas (a massa total e o volume total) em vez de uma soma.
A restrição da teoria às grandezas naturais é necessária. Pois se permitirmos
magnitudes não naturais, então o finitismo segue imediatamente. Pois se o fini-
tismo for falso, então a contagem logarítmica dos objetos existentes é infinita,
onde a contagem logarítmica de Fs é o logaritmo do número de Fs, mas não é
definida como uma soma. Felizmente, a contagem logarítmica de objetos exis-
tentes não entra em explicações científicas.109
Isto permite a Huemer descartar uma série de paradoxos, argumentando que
encarnações plausíveis desses paradoxos envolverão uma magnitude intensiva
infinita. Por exemplo, a distância total percorrida pela chave seletora na lâmpada
de Thomson será infinita. Tudo bem, uma vez que a distância total percorrida é
uma magnitude extensa. Mas a velocidade de movimento da chave seletora tam-
bém será infinita, pois será dada por D/T onde D é a distância total infinita e T é
a quantidade finita de tempo que as alternâncias levaram. E embora D e T sejam
extensivos, D/T não o é, então a Lâmpada de Thomson envolve uma magnitude
intensiva infinita e, portanto, é impossível.
A resolução dos paradoxos de Huemer tem múltiplos problemas. Primeiro,
argumentarei que, pela explicação de Huemer sobre a intensidade, existem vários
exemplos de magnitudes naturais intensivas que podem ser infinitas, assumindo
que o finitismo é falso. Em segundo lugar, as restrições de Huemer contra os in-
finitos intensivos não eliminam de facto todos os paradoxos aos quais ele as
aplica, porque alguns dos infinitos intensivos em questão não são naturais. Ter-
ceiro, discutirei a possibilidade de seres imateriais que escapam às restrições de
Huemer.

3. 4. 2 ALGUMAS MAGNITUDES INTENSIVAS INFINITAS

3.4.2.1 Centro de massa e momentos de inércia O centro de massa de uma pluralidade


de objetos é uma magnitude natural (com valor vetorial). Mas se o finitismo for
falso, é certamente possível ter uma pilha de panquecas de igual tamanho e mas-
sa, sendo a pilha infinita na direção ascendente – suponhamos que este seja o ei-
xo z – e finita em todas as outras direções. A coordenada z do centro de massa
da pilha de panquecas será então infinita. Mas os centros de massa não são ex-
tensos: são médias ponderadas de posições e não somas. Portanto, se o finitismo
for falso, é possível ter uma magnitude natural infinita que não seja extensiva.

109Presumo que o número de Fs pode ser considerado uma soma e, portanto, é extenso: é a soma de
uma unidade por F. Isso é um pouco estranho, mas Huemer tem que dizer algo parecido, já que o nú-
mero de objetos de algum tipo natural entra em explicações científicas — por exemplo, o número de
organismos em um tipo é estudado pela biologia populacional — e seria desconfortavelmente próximo
do finitismo ter que dizer que nenhum tipo natural pode ter infinitamente muitas coisas.

186
Poderíamos objetar que as magnitudes huemerianas devem ser escalares e
não vetoriais. Se sim, então simplesmente execute meu argumento em uma di-
mensão. Poderíamos ter um universo com apenas uma dimensão espacial, e o
centro de massa nesse universo poderia ser um escalar (medido em relação a um
ponto zero privilegiado, digamos). E podemos simplesmente imaginar uma se-
quência de partículas massivas indo para o infinito numa direção, mas não na
outra, o que resultaria numa posição tão infinita do centro de massa.

3.4.2.2 Vida mental Jim não gosta de ter cabelo e atribui uma utilidade a ter n fios
de cabelo que é proporcional a 1/n, com 0 cabelo obtendo utilidade infinita. Jim
acaba arrancando todos os seus cabelos como resultado de sua atribuição de uti-
lidade. A explicação de por que Jim arrancou todos os seus cabelos é que sua uti-
lidade subjetiva para aquele estado de coisas era infinita. Mas a utilidade subjetiva
de um estado de coisas é uma magnitude natural: ela entra nas explicações da
economia e da psicologia. Além disso, a utilidade subjetiva para um estado de
coisas não é, em geral, uma magnitude extensiva. Portanto, existe uma magnitu-
de intensiva natural infinita, ao contrário de Huemer.
Os seres humanos são objecto de estudo científico e, no entanto, são capazes
de fazer com que todos os tipos de grandezas sejam explicativamente relevantes
e, portanto, naturais no sentido necessário para a explicação de Huemer. Talvez,
porém, Huemer possa argumentar que a psicologia não é uma ciência fundamen-
tal, e que apenas as magnitudes infinitas fundamentais e não extensas são impos-
síveis. Mas isto enfraquece as aplicações da sua teoria aos paradoxos pelo pró-
prio Huemer. As velocidades, densidades e resistências gerais dos materiais não
fazem parte da física fundamental. Na melhor das hipóteses, são partes de uma
física aproximadamente newtoniana de nível superior. No entanto, Huemer pre-
cisa de considerar tais magnitudes como intensivas e descartadas pela sua teoria,
apesar da sua não fundamentalidade.

3.4.2.3 Buracos negros Huemer (2016, p. 159) rejeita os buracos negros por causa
dos infinitos envolvidos. Aqui, presumivelmente, temos que distinguir entre os
buracos negros como tais e os buracos negros descritos pela Teoria da Relativi-
dade. Está bem estabelecido na astronomia que existem buracos negros, por
exemplo um supermassivo no centro da Via Láctea, localizado na fonte de rádio
Sagitário A∗. No entanto, se esses objetos são descritos corretamente pela Teo-
ria da Relatividade é outra questão. Se Huemer não quiser contestar a evidência
observacional, ele tem que sustentar que os infinitos intensivos que se obtêm na
descrição relativística do objeto nos objetos de Sagitário A∗ são uma marca da
incorreção da descrição e, de fato, da impossibilidade metafísica disso. a descri-
ção está correta. Essa é uma medida dispendiosa.

3.4.2.4 Partículas A densidade é uma magnitude natural para Huemer (ver, por
exemplo, Huemer 2016, p. 211). Isso exclui imediatamente partículas pontuais
187
com massa diferente de zero. Os elétrons têm massa, então Huemer tem que
pensar que ou eles não têm dimensões significativas ou então seu tamanho é di-
ferente de zero.110 Isto impõe uma restrição significativa à física baseada em par-
tículas. Isso significa que a física fundamental baseada em partículas pontuais
com massa não é apenas falsa, mas também não poderia ser verdadeira.
Curiosamente, Huemer também pode ter que rejeitar partículas com massa de
tamanho diferente de zero. A razão para considerar as densidades como magni-
tudes naturais é que elas entram nas explicações da ciência (não fundamental).
Da mesma forma, os gradientes de densidade entram nas explicações científicas.
Aqui está uma descrição de “Centrifugação de Gradiente de Densidade”:

Podemos fazer uso da dependência da velocidade de sedimentação do solvente e da


densidade das partículas [...] centrifugando as partículas através de um meio de densidade
gradualmente crescente. Isto é conseguido estabelecendo um gradiente de densidade entre uma
região de alta densidade na parte inferior do tubo de centrifugação e uma região de bai-
xa densidade no topo […].
(Sheehan 2009, Seção 7.5.2, ênfase no original)

Um gradiente de densidade é a taxa de mudança de densidade à medida que al-


guém se move através do espaço. Claramente não é uma magnitude extensa.
Mas agora, plausivelmente, se pode haver partículas de tamanho diferente de
zero e massa diferente de zero, pode haver partículas de tamanho diferente de
zero, extensão espacial bem definida e densidade uniforme diferente de zero ρ.
Se colocarmos tal partícula no vácuo e considerarmos um caminho do vácuo até
a partícula, ao longo do caminho encontraremos uma mudança instantânea na
densidade de zero a ρ. Isso resultaria em um gradiente de densidade infinito ao
longo do caminho.
Assim, a negação de magnitudes infinitas intensivas encontrará problemas
tanto com partículas pontuais quanto com partículas estendidas de massa dife-
rente de zero. Da mesma forma, terá problemas com quaisquer transições des-
contínuas de densidade, por exemplo, entre dois materiais uniformes não parti-
culados de densidade diferente. E o que se aplica à densidade de massa e ao gra-
diente de densidade de massa se aplicará à densidade de carga e aos gradientes de
densidade de carga: assim, haverá problemas com partículas pontuais e estendi-
das de carga diferente de zero.
A melhor aposta de Huemer seria provavelmente insistir que as partículas
fundamentais não podem ter uma extensão espacial bem definida. Em algumas
interpretações da Mecânica Quântica isso pode ser verdade, mas esta é uma das
consequências contra-intuitivas da Mecânica Quântica. É um custo para Huemer
não só ter de insistir que esta consequência contra-intuitiva é verdadeira, mas
que é necessariamente verdadeira.

110 Sou grato a Ian Slorach por me mostrar a importância disso.

188
3. 4. 3 MAGNITUDES INTENSIVAS DE HUEMER

3.4.3.1 Velocidade, lâmpada de Thomson e hotel de Hilbert A chave seletora na lâmpada


de Thomson se move uma distância infinita. Isso é extenso. Mas a velocidade
global é a distância total percorrida dividida pelo tempo e, portanto, é intensiva.
Conseqüentemente, a Lâmpada de Thomson envolve um infinito intensivo.
Porém, Huemer não descarta todos os infinitos intensivos, mas apenas os na-
turais, aqueles que entram nas explicações. A velocidade instantânea definitiva-
mente entra nas explicações científicas. Talvez a velocidade instantânea – a mag-
nitude do vetor velocidade – também funcione. Mas está longe de ser claro que a
velocidade global ou média111 seja uma magnitude natural. É tentador dizer que
o fato de um objeto ter se movido por uma distância D em um período de tem-
po T é explicado por ele ter uma velocidade média s tal que D = sT. Mas parece
mais correto dizer que a explicação para o motivo pelo qual o objeto se moveu
D em T é que D é igual à integral da velocidade instantânea ao longo do período
de tempo. Afinal, não deveríamos dizer que um elevador contém 300 kg porque
contém quatro pessoas cuja massa média é de 75 kg, mas sim que o elevador
contém 300 kg porque essa é a soma das massas das pessoas em isso – não há
necessidade de dividir o total por 4 para obter a média e depois multiplicar por 4
novamente para obter a explicação.
Além disso, há uma razão pela qual especificamente Huemer não deveria
considerar a velocidade global como uma magnitude natural intensiva. Imagine
uma partícula em um mundo não relativístico que acelera exponencialmente de
modo que no enésimo segundo percorra 2n metros. A velocidade média ou glo-
bal desta partícula ao longo de todo o tempo futuro será infinita. Huemer (2016,
p. 160) sugere que pode ter que haver um limite máximo para a velocidade dos
objetos de acordo com as leis da natureza, mas isso simplesmente não é plausí-
vel. Fazer isso tornaria a mecânica newtoniana metafisicamente impossível, por-
que se tivéssemos um disco newtoniano cuja circunferência se movesse à veloci-
dade máxima, poderíamos ficar sobre o disco, estender uma vareta além da peri-
feria, e a ponta da vareta se moveria a uma velocidade maior. (cf. Leibniz 1989,
p. 237).
Além disso, certamente parece metafisicamente possível ter uma mente ima-
terial ou um mágico que possa teletransportar instantaneamente um interruptor
de uma posição para outra.
Huemer tem alguns outros movimentos aqui. A quantidade de trabalho des-
pendido para acionar o interruptor é infinita, e ele afirma que gerará um buraco

∗∗Os dois são os mesmos, assumindo que o movimento é suficientemente suave. Se um objeto se
111

move do tempo 0 para o tempo T e seu vetor de posição no tempo t é x(t), então assumindo que a po-
𝑇
sição é diferenciável e a derivada é integrável, a distância percorrida será ∫0 |𝑥′(𝑡)|𝑑𝑡, então a veloci-
𝑇
dade geral será (1/𝑇) ∫0 |𝑥′(𝑡)|𝑑𝑡. Mas a velocidade média será a mesma, já que |𝑥′(𝑡)| é a velocida-
de no tempo t.

189
negro (Huemer 2016, p. 198). Huemer, no entanto, acredita que os buracos ne-
gros tal como entendidos na Relatividade Geral são impossíveis, pois envolvem
densidades e curvaturas infinitas, e conclui daí que a Relatividade Geral é falsa
(Huemer 2016, p. 159). Isso cria um dilema para Huemer. Se a Relatividade Ge-
ral for verdadeira, a teoria de Huemer falha, como ele próprio admite. Mas se a
Relatividade Geral for falsa, que garantia existe de que uma quantidade infinita
de trabalho produziria um buraco negro? E, em qualquer caso, a afirmação de
que uma quantidade infinita de trabalho teria de estar envolvida é duvidosa. Po-
deríamos supor, por exemplo, que a massa da chave e o atrito de seus rolamen-
tos diminuem a cada giro (isso também resolve a preocupação de Huemer 2016,
p. 198, sobre o calor infinito sendo produzido pelo sistema).

3.4.3.2 ∗vara de Smullyan. Lembre-se de como o finitismo causal descartou a barra


de Smullyan, a barra rígida semi-infinita equilibrada em uma extremidade a al-
guma distância acima de uma superfície plana infinita porque não pode girar pa-
ra baixo em nenhum ângulo, não importa quão pequeno seja (Capítulo 3, Seção
4.2). Huemer (2016, p. 184) tem uma resolução diferente. Haverá infinitas forças
envolvidas. A haste, sendo infinitamente pesada, terá que dobrar, a menos que
tenha resistência infinita à flexão. Pela mesma razão, ele perfurará o plano acima
do qual está suspenso, a menos que esse plano tenha força infinita. Mas os pon-
tos fortes são intensivos e, portanto, não podem ser infinitos.
No entanto, a história pode ser facilmente modificada para evitar forças infi-
nitas. Suponha que a densidade em cada metro da barra, começando na extremi-
dade finita, seja metade da densidade do metro anterior. Então a massa total da
barra é finita, as forças gravitacionais são finitas e o torque gravitacional em tor-
no do pivô ou de qualquer ponto da barra também será finito.
Mas mesmo com forças finitas existe o problema da rigidez da barra. Vamos
considerar esse problema com um pouco mais de detalhes do que Huemer. No
mundo real, uma haste isotrópica sólida de seção transversal circular de diâmetro
D e comprimento finito L fixada em uma extremidade com uma força de carga
perpendicular F na outra extremidade exibe (pelo menos aproximadamente e pa-
ra forças pequenas o suficiente para estar na linha linear regime) uma deflexão de
64𝐹𝐿3
(ver Nielsen e Landel 1994, p. 38). Assim, enquanto a força for diferente
3𝜋𝐷4 𝐸
de zero e o módulo de Young for finito, a deflexão será diferente de zero. Mas
qualquer deflexão dobrará a haste, e o resultado será presumivelmente que a al-
guma distância do pivô a haste estará apoiada no chão (opção (d) em Huemer
2016, p. 184).
Assim, embora o problema das forças infinitas de Huemer possa ser evitado,
a barra precisaria ter um módulo de Young infinito para evitar a flexão mesmo
sob forças finitas. Huemer pode agora dizer que o módulo de Young é uma
quantidade intensiva e, portanto, não pode ser infinito. Eu poderia, é claro, ad-
mitir que a solução de Huemer funciona para a vara de Smullyan. Mas as coisas
não são tão claras.
190
Primeiro, não é plausível que o tipo de proporcionalidade de deflexão para
64𝐹𝐿3
pequenas forças que a fórmula incorpora seja metafisicamente necessário.
3𝜋𝐷4 𝐸
Parece metafisicamente possível ter um mundo da física clássica onde, em vez de
respostas lineares de flexão a pequenas forças, haja uma resposta limite de modo
que, para forças suficientemente pequenas, não haja flexão alguma, e a flexão só
começa quando a força atinge algum limite. Por exemplo, a lei da deflexão pode-
ria dizer que a deflexão é 0 se F ≤ F0 onde F0 é determinado de alguma forma
64(𝐹−𝐹0 )𝐹𝐿3
nômica a partir das dimensões da barra e é para F ≥ F0.
3𝜋𝐷4 𝐸
Assim, pequenos ajustes no paradoxo e nas leis fazem com que as resoluções
huemerianas falhem. Mas a resolução finitista causal, onde a magnitude do tor-
que e os graus de rigidez eram irrelevantes, não é afetada.
Em segundo lugar, não está claro por que razão o módulo de Young, e não o
seu recíproco, é de facto a magnitude natural. Podemos pensar no módulo de
Young para um material como determinado pela razão limite entre a força de
compressão e a deformação (cf. Nielsen e Landel 1994, p. 36):

𝐹/𝐴
𝐸 = lim
𝐿→𝐿0 + (𝐿 − 𝐿0 )/𝐿0

onde temos um cilindro vertical de material com altura inicial L0 e uma face su-
perior de área A e uma força F é aplicada perpendicularmente para baixo à face
superior do cilindro para esmagá-lo até a altura L. Assim, E é uma medida da
força do material. Mas poderíamos ter definido igualmente bem algo como a
propensão E' para comprimir:

(𝐿 − 𝐿0 )/𝐿0
𝐸′ = lim
𝐹→0+ 𝐹/𝐴

64𝐸 ′ 𝐹𝐿3
e então a deflexão da barra em consola seria dada por . Então, para obter
3𝜋𝐷4 𝐸
uma rigidez perfeita, tudo o que precisamos é que E' seja zero. Não há razão pa-
ra pensar que E em vez de E' é a grandeza natural, e pensar que ambas são
grandezas naturais ofende a parcimónia. Além disso, se ambas são grandezas, en-
tão da mesma forma deveríamos pensar que tanto a densidade como o recíproco
da densidade são uma grandeza natural, o que proibiria absurdamente que uma
região do espaço fosse vazia, uma vez que o recíproco da densidade do espaço
vazio seria infinito.112

3.4.3.3 Mentes imateriais Em relação à Lâmpada de Thomson, já mencionei a pos-


sibilidade de uma mente imaterial acionar um interruptor físico. Mas também

Sou particularmente grato a Ian Slorach pelos comentários sobre várias versões da minha discussão
112

sobre a vara de Smullyan.

191
podemos exemplificar vários dos nossos paradoxos apenas através de mentes te-
lepáticas imateriais. Por exemplo, embora a nossa concretização inicial do para-
doxo do Ceifador envolvesse o acendimento de uma lâmpada, também poderí-
amos substituir a lâmpada por uma mente e os Ceifadores por outras mentes,
cada uma das quais capaz de dar à primeira mente uma ideia de que o primeiro a
mente nunca poderia ficar sozinha. Muitos dos atuais paradoxos podem ser exe-
cutados dessa forma. Huemer, por outro lado, tem que descartar a própria pos-
sibilidade de interação de mentes imateriais ou argumentar que quando essas
mentes são organizadas como precisariam ser para um dos paradoxos, ainda ha-
veria infinitas magnitudes intensivas. Defender uma tese tão controversa como a
impossibilidade de mentes imateriais com base em paradoxos do infinito parece
ser um exagero, especialmente dada a alternativa do finitismo causal que não tem
problemas com mentes imateriais, mas exclui os paradoxais arranjos causais infi-
nitos de tais mentes. Talvez se pudesse de fato argumentar que mentes imateriais
dispostas paradoxalmente teriam magnitudes intensivas infinitas. Mas essa é uma
tarefa difícil.

3.4.4 AVALIAÇÃO

A resolução inteligente de Huemer é por vezes instável sob pequenas modifica-


ções nos paradoxos. Além disso, não está claro se as magnitudes que ele precisa
para ser intensivo sejam suficientemente naturais. E parece haver magnitudes in-
tensas, mas que podem ser plausivelmente infinitas. Talvez se possa argumentar
que algumas dessas magnitudes não são naturais, mas é difícil argumentar simul-
taneamente que são não naturais e argumentar que aquelas que Huemer precisa
para serem naturais são naturais. O finitismo causal é uma solução superior.

3.5 Sem espaço

Outra abordagem aos paradoxos é negar que possa haver espaço no espaço-
tempo para as entidades postuladas pelos paradoxos causais do infinito.
Vários paradoxos fazem uso de um passado infinito. Então, primeiro, preci-
samos:

(2) É impossível que o tempo volte infinitamente atrás.

Isto por si só é insuficiente, uma vez que todos os paradoxos que fazem uso de
um passado infinito também podem ser executados num passado finito utilizan-
do uma supertarefa. Para esse fim, precisamos de uma tese de discrição:

(3) É impossível que haja infinitos instantes entre dois instantes de tempo.

192
Também precisamos descartar a causalidade temporalmente atrasada ou um fu-
turo infinito. Pois se pode haver um futuro infinito e a causalidade temporal-
mente retrógrada é possível, então podemos simplesmente executar os nossos
paradoxos temporalmente retrógrados. Por exemplo, os paradoxos sequenciais
de adivinhação de dados no Capítulo 5 podem ser executados com base na su-
posição de que você percebe os lançamentos futuros, mas não os passados, e
deve adivinhar o passado imediato. Assim, precisamos:

(4) É impossível que a causalidade vá do futuro para o passado.

Mas o paradoxo multipessoal da adivinhação infinita do Capítulo 5, Secção 2.5,


não requer uma infinidade de causas distribuídas no tempo – uma infinidade de
causas todas ao mesmo tempo bastará. Além disso, é plausível que a causalidade
simultânea seja possível.
Além disso, se a causalidade simultânea for possível, então deveria ser possí-
vel que pelo menos alguns dos paradoxos que envolviam supertarefas ou passa-
dos infinitos usassem um arranjo espacial de causas. Por exemplo, pegue o Cei-
fador. Suponha que haja uma lâmpada e uma sequência de Ceifadores, cada um
capaz de acender a lâmpada instantânea e remotamente. Os Ceifadores são or-
ganizados da esquerda para a direita em uma linha, nas coordenadas ..., 1/4, 1/2,
1, ou talvez ..., −3, −2, −1. Cada Ceifador é ativado em t0 e verifica se algum
dos Ceifadores à sua esquerda está acendendo a lâmpada em t0. Se não houver
nenhum, ele acende. Estes paradoxos podem ser um pouco menos impressio-
nantes do que as suas versões diacrónicas, mas mesmo assim têm força.
Finalmente, é intuitivamente plausível que se o tempo deve ser discreto, o
mesmo deve acontecer com o espaço. Intuitivamente, se o espaço for contínuo,
deveríamos ser capazes de nos mover continuamente através do espaço, mas is-
so exigiria que o tempo fosse contínuo em vez de discreto.
Todos esses pensamentos tornam muito provável que a resolução sem espa-
ço dos paradoxos também esteja comprometida com:

(5) Necessariamente, o espaço é discreto e de extensão finita.

Mas supor que o espaço seja discreto e de extensão finita apenas ajuda a evitar
os paradoxos que envolvem infinitos simultâneos se supormos:

(6) Necessariamente, todas as causas estão no espaço.

Caso contrário, poderíamos executar os paradoxos usando causas não espaciais,


por exemplo, mentes desencarnadas capazes de fazer acontecer eventos mentais
indeterministas e, portanto, capazes de executar paradoxos rolantes. Além disso,
precisamos supor algo como:

193
(7) Duas entidades distintas, fundamentais, causalmente eficazes, não podem
estar presentes na mesma localização espaço-temporal.113

Pois se não tivermos, em princípio, razão para negar infinidades causais, e per-
mitirmos que duas entidades fundamentais distintas, causalmente eficazes, sejam
colocadas, seria ad hocto proibir um número infinito. E se pudesse haver um
número infinito, então poderíamos executar paradoxos causais do infinito usan-
do causas colocadas (digamos, fantasmas todos presentes no mesmo lugar e ao
mesmo tempo).
Assim, para que a resposta sem espaço faça o mesmo trabalho que o finitis-
mo causal faz, é necessário um grande número de teses: (2)–(7). O finitismo cau-
sal é uma posição muito mais simples. Além disso, alguma reflexão mostra que
tivemos que postular todas estas teses precisamente para excluir histórias causais
infinitas, isto é, para estabelecer o finitismo causal. É preferível simplesmente
aceitar o finitismo causal por si só, a menos que tenhamos argumentos indepen-
dentes para as teses acima.
É verdade que existem alguns argumentos independentes para algumas das
teses. Pode ser que os paradoxos de Zenão apoiem teses de discrição sobre o
espaço e o tempo, por exemplo. Por outro lado, porém, há alguma razão empíri-
ca para negar (7). Pois os fótons e outros bósons podem ocupar o mesmo esta-
do quântico e, portanto, estar co-localizados. E mesmo que a física definitiva
acabe postulando campos em vez de partículas, 114 parece muito provável que
possa haver mais de um campo em um determinado local: parece possível que
um universo seja impregnado tanto por um campo eletromagnético quanto por
um campo eletromagnético. campo gravitacional.
Portanto, não encontramos uma alternativa satisfatória ao finitismo causal.

4. Por que o finitismo causal é verdadeiro?


4.1 A questão

Se estou certo, então o finitismo causal é verdadeiro. Mas por que isso é verda-
de? Que “força metafísica” impede que infinitas causas se reúnam na história
causal de algum evento? Afinal, certamente, para qualquer número finito n, é
possível ter n causas trabalhando juntas. Por que apenas para n finito? A questão
explicativa difere da justificativa. Se os argumentos até agora forem bem sucedi-
dos, então estamos justificados em pensar que apenas números finitos de itens
são possíveis em histórias causais, mas não temos uma explicação da razão pela
qual existe tal restrição.

113 A restrição a entidades fundamentais é para evitar contraexemplos como o pedaço e a estátua feita a
partir do pedaço, ambos os quais podem ser considerados causalmente eficazes — digamos, gravitaci-
onalmente.
114 Sou grato a Ian Slorach por levantar essa preocupação.

194
A questão explicativa é profundamente interessante filosoficamente. Mas não
precisamos responder aqui. Imagine que um metafísico reuniu um grande núme-
ro de argumentos para a verdade necessária do platonismo. Seria muito bom se
ela pudesse nos dar uma explicação de por que o platonismo é verdadeiro, que
fosse além da afirmação de que é necessariamente verdadeiro ou de que tal e tal
é apenas a natureza da predicação. A explicação desejada, presumivelmente, ex-
plicaria por que existem entidades platônicas como propriedades e números. Se-
ria um desenvolvimento filosófico emocionante. Mas a incapacidade de dar tal
explicação provavelmente faria muito pouco para desafiar os argumentos do fi-
lósofo a favor do platonismo.
Da mesma forma, não é necessário dar uma explicação de por que o finitismo
causal é verdadeiro para sustentar os argumentos do livro.

4.2 Algumas sugestões explicativas

Todo projeto explicativo para em algum lugar. O principal projeto explicativo


deste livro para no finitismo causal. Não defendo aqui uma teoria sobre a “for-
ça” metafísica que impede histórias causais infinitas. Mas posso discutir breve-
mente duas respostas especulativas.
Uma opção para explicar por que o finitismo causal é verdadeiro é dada pela
história da falta de espaço encapsulada pelas teses (2)–(7). A falta de espaço é en-
tão a fonte da “força” metafísica que impede a cooperação causal infinita.
Mas esta não é uma explicação unificada. A tese simples e elegante do fini-
tismo causal está a ser explicada por um grande número de teses sobre três tópi-
cos diferentes – tempo, espaço e causalidade. Além disso, pelo menos uma das
teses, nomeadamente a negação da colocação de entidades causalmente eficazes
fundamentais, é provavelmente falsa, como vimos. E teríamos um novo conjun-
to de questões explicativas: Por que (2)–(7) são verdadeiras?
Uma segunda opção procuraria uma explicação do finitismo causal na nature-
za da relação causal. A partir do resultado do Apêndice no Capítulo 2, podemos
ver que o finitismo causal é a conjunção de duas teses: a cooperação causal infi-
nita é impossível e as regressões causais são impossíveis. Mas agora suponhamos
que a relação causal relevante – digamos, causalidade parcial, contribuição causal
ou influência causal – acabe sendo transitiva. Então, cada item numa regressão
causal que conduz a um efeito e estará ele próprio nessa relação causal com e.
Podemos então dizer que, assim como é da natureza, digamos, da causação
parcial ser transitiva, também é da natureza de ser parcialmente causada que uma
coisa só possa ter essa relação com um número finito de outras. É claro que isso
levanta outra questão explicativa: por que a natureza de ser parcialmente causada
é assim? Mas é preciso parar em algum ponto do projeto explicativo se quiser-
mos escrever um livro finito. E assim há espaço para exploração futura.

5. Outras Extensões
195
5.1 Loops causais

Como vimos nos Capítulos 2 e 3, existem paralelos sugestivos entre arranjos


causais infinitos e laços causais. Seria muito bom se pudéssemos unificar a rejei-
ção de laços causais com a rejeição de arranjos causais infinitos e, de facto, isso
forneceria provas adicionais para ambas as teses. Podemos efetuar tal unifica-
ção.115
Para ser concreto, suponha que uma galinha que viaja no tempo pôs um ovo
no passado que se desenvolveu naquela mesma galinha. Então (causalmente) an-
tes da galinha, houve um ovo, antes do qual houve uma galinha, que foi precedi-
da por um ovo, e depois por uma galinha, e assim por diante, ad infinitum. Isto
parece muito com o tipo de regressão causal que o finitismo causal nega. Mas
não é exactamente a mesma coisa, porque estas infinitas afirmações causais refe-
rem-se apenas a uma galinha e a um ovo, e isso envolve duas coisas em vez de
um número infinito.
O que podemos fazer neste ponto, entretanto, é formular uma generalização
teórica dos grafos tanto do finitismo causal quanto da negação dos laços causais.
Pense em um nexo causal como uma pluralidade de nós - os relatos de relações
causais - juntamente com linhas direcionadas entre os nós, onde o nexo contém
a linha direcionada x⟶y, desde que x seja pelo menos uma causa parcial de y.
(Não estou assumindo nem impedindo que a causalidade parcial seja transitiva.)
Se x1, ... , xn é uma sequência finita de nós tal que xi⟶xi+1 é uma linha direci-
onada em um nexo causal, então digamos que x1, ... , xn é uma sequência mono-
tônica culminando com xn. Às vezes, para maior clareza, escreverei a sequência
x1⟶· · ·⟶xn. Observe que se houver laços causais, não há garantia de que xi
sejam distintos. Podemos agora formular uma tese unificada que inclui tanto o
finitismo causal quanto a negação dos laços causais:

(8) Nenhum nexo causal possível contém um nó y que é a culminação de in-


finitas sequências monotônicas.

Aqui estão quatro exemplos paradigmáticos de violações de (8) (Fig. 7.2).


Autocausação: Se c é autocausado, então c culmina as sequências monotôni-
cas repetidas c ⟶ c, c ⟶ c ⟶ c, c ⟶ c ⟶ c ⟶ c, e assim por diante.
Alternância: No ciclo causal da galinha (c) e do ovo (e) que viaja no tempo, a
galinha culmina as seguintes sequências monotônicas repetidas: e ⟶ c, c ⟶ e ⟶
c, e ⟶ c ⟶ e ⟶ c, e assim por diante.

115∗Compare também como o Axioma da Regularidade (ver Capítulo 2, Seção 6) não apenas descarta
regressões de associação de conjuntos para trás, mas também loops de associação.

196
Regressão: Existe um nó y que culmina um número infinito de sequências
monotônicas da seguinte forma: y−1 ⟶ y, y−2 ⟶ y−1 ⟶ y, y−3 ⟶ y−2 ⟶ y−1
⟶ y, e assim por diante.
Cooperação imediata: Um único nó y tem infinitas linhas direcionadas dis-
tintas apontando para ele: x1 ⟶ y, x2 ⟶ y, x3 ⟶ y, e assim por diante. O pa-
radoxo da adivinhação interpessoal do Capítulo 5, Seção 2.5, tem esta estrutura.
Podemos considerar as setas aqui como quaisquer relações que decidirmos
serem as que definirão o finitismo causal em termos.
O tópico principal deste livro não é viagem no tempo ou loops causais, mas o
infinito. Portanto, a extensão do finitismo causal para excluir laços causais é algo
que deixo como opcional. No entanto, a rigidez das analogias entre excluir histó-
rias causais infinitas e ciclos causais é muito sugestiva, e excluir cada uma delas
fortalece o argumento para excluir a outra.
Poderíamos também preferir falar sobre prioridade causal em vez de causali-
dade parcial. Deixo ao leitor a tarefa de fazer as alterações necessárias.

Fig. 7.2 Quatro violações paradigmáticas de (8).

5.2 Relações explicativas

Aristóteles (1984, p. Física II.3) distinguiu quatro tipos de causas: eficiente, mate-
rial, formal e final. Cada uma delas correspondia a um tipo diferente de explica-
ção. O finitismo causal deste livro diz respeito à causação eficiente, embora na
Secção 2.2 tenhamos considerado brevemente uma extensão da causação materi-
al sob a forma de um princípio de que nenhum objecto pode ser uma fusão de
infinitas partes. De forma mais geral, o finitismo causal material poderia ser um
finitismo mereológico, uma negação da possibilidade de algo ter infinitas par-
tes; 116 o finitismo causal formal negaria a possibilidade de infinitas definições
próprias; e o finitismo causal final negaria a possibilidade de uma ação ou evento
ter infinitos objetivos.
116 Cf. Aristóteles (1934, p. Livro VI).

197
E poderíamos generalizar ainda mais e simplesmente dizer que nenhuma coi-
sa ou proposição pode ter infinitas explicações parciais, e assim obter um fini-
tismo causal não apenas para as quatro causas de Aristóteles, mas também para
quaisquer outras relações explicativas que ele possa ter negligenciado.
Há uma série de dificuldades com uma generalização tão completa. Aqui es-
tão quatro deles um tanto representativos.
Primeiro, consideremos alguma afirmação aritmética universal, nomeadamen-
te que todos os números naturais têm alguma propriedade P, digamos, a propri-
edade de serem pares ou ímpares. Parece que esta verdade universal se baseia
num número infinito de verdades particulares: 0 tem P, 1 tem P, 2 tem P, e assim
por diante.
Em segundo lugar, assumindo que o finitismo é falso (como argumentei no
Capítulo 1), este cenário também é possível: existem infinitos cavalos e nenhum
cavalo é roxo. Então a proposição de que nenhum cavalo é roxo tem infinitas
proposições da forma 〈hi não é roxo〉 explicando-a parcialmente.
Terceiro, alguém que acredita que viverá para sempre pode ser racionalmente
motivado pela promoção do seu bem-estar amanhã, depois de amanhã, e assim
por diante, tendo assim infinitas causas finais para a sua acção.
Quarto, suponha que o quadridimensionalismo seja verdadeiro e imagine
uma árvore que produz um novo galho todos os dias por toda a eternidade. A
árvore, considerada como um objeto quadridimensional, tem infinitos ramos
como partes, então.
Estas dificuldades não são intransponíveis. No caso de todos os números na-
turais terem P, podemos negar que tenha sido dada uma explicação genuína.
Talvez uma explicação genuína de por que todo número natural é menor que al-
gum número primo ou outro envolveria dar uma prova finita desse fato, e se P é
uma propriedade que, por razões de Gödel, não pode ser provada como sendo
possuída por todos os números naturais, então não há simplesmente não há ex-
plicação de por que todo número tem P. 117
O caso dos cavalos não roxos é mais difícil. Poderíamos argumentar, contu-
do, que uma explicação parcial é parte de uma explicação completa. Mas a única
maneira de fazer com que as proposições 〈hi não é roxo〉 sejam partes de uma
explicação completa é adicionando a proposição infinita de que todo cavalo é
um de h1, h2, ..., e talvez proposições infinitas sejam impossíveis, sendo compos-
tas de infinitos constituintes. Assim, nenhuma das explicações individuais é se-
quer uma explicação parcial.
O caso do bem-estar futuro é talvez mais fácil de lidar: de facto, não nos en-
volvemos em um número infinito de actos de pensamento motivadores orienta-
dos para o futuro e, portanto, o agente é provavelmente motivado por um único

117Esta sugestão violaria versões do Princípio da Razão Suficiente (PSR) que afirmam que todas as
verdades têm explicações. Mas algumas defesas filosóficas do Princípio da Razão Suficiente aplicam-se
apenas a proposições contingentes (por exemplo, Pruss 2006).

198
acto de pensamento que quantifica universalmente os dias futuros. Podemos
descrever isto em termos da posse de um número infinito de causas finais, mas
essa descrição não produz de facto uma explicação correcta da acção, sendo a
explicação correcta muito mais unificada. (No Capítulo 9, Seção 3.2, também
discutiremos o caso mais difícil das razões de Deus.)
A árvore infinita é difícil. Uma opção é dizer que, no caso dos todos orgâni-
cos, o todo é inteiramente explicativamente anterior às partes e as partes não são
explicativamente anteriores ao todo. Assim, talvez, embora o finitismo explicati-
vo deva excluir fusões infinitas, não deva excluir infinitos todos orgânicos. Outra
opção é optar por alguma variedade de tridimensionalismo.
No entanto, está longe de ser claro que todas as variantes de tais objecções ao
finitismo explicativo possam ser respondidas. Por exemplo, no Capítulo 9, Sec-
ção 3.3, veremos que os teístas têm motivos para rejeitar o finitismo explicativo
para certos tipos de explicações constitutivas. Além disso, não está claro que a
explicação em geral seja um género suficientemente unificado para justificar uma
generalização do finitismo causal para o finitismo explicativo.

6. Avaliação Global
O finitismo causal sustenta, grosso modo, que as histórias causais são finitas. Al-
guns dos nossos pontos de escolha referem-se à relação causal que gera histórias
causais, com muitas opções disponíveis, tais como: causalidade completa, causa-
lidade parcial ou contributiva real, garantia real ou contributiva, dependência
contrafactual fundamentada em causalidade, causalidade parcial ou contributiva
potencial, impacto e prioridade causal não analisada. Destes, a garantia real ou
contributiva e a dependência contrafactual causalmente fundamentada parecem
ser os melhores em geral, embora haja algo a ser dito também sobre a variedade
potencial. Por outro lado, se optarmos pela causalidade parcial ou contributiva
real, então o nosso argumento geral é enfraquecido por uma aparente incapaci-
dade de explicar o paradoxo dos Conselhos de Benardete e algumas versões do
paradoxo do Ceifador (aquelas em que não há impressões digitais, nem ondas
gravitacionais, etc.); ainda assim, existem muitos outros paradoxos com os quais
a teoria pode lidar.
Resumindo, aqui estão os pontos de escolha que identificamos para o finitis-
mo causal:

(9) Aceitamos eventos de granulação fina como causas e, em caso afirmativo,


modificamos o finitismo causal para focar nas causas fundamentais ou
descartamos infinidades de causas de granulação fina de outra forma?
(10) Restringimos as relações causais de que fala o finitismo causal às funda-
mentais?
(11) O finitismo causal aplica-se apenas à causalidade total ou também à cau-
salidade parcial ou à contribuição causal?

199
(12) Precisamos enfraquecer ainda mais a relação causal para fazer com que o
finitismo causal mate os paradoxos do Ceifador e dos Conselhos de Be-
nardete e, em caso afirmativo, como?
(13) Excluímos fusões infinitas além de cadeias causais infinitas ou analisa-
mos cuidadosamente a relação causal relevante a fim de excluir contra-
exemplos provenientes de tais fusões?
(14) O finitismo causal se aplica à causalidade por ausências (variante: priva-
ções)?
(15) O finitismo causal se aplica à causação de uma ausência (variante: uma
privação)?

Há muito espaço para pesquisas futuras aqui. O finitismo causal é uma família de
teorias. É muito plausível que alguma teoria nesta família explique melhor os pa-
radoxos causais do infinito do que os concorrentes. Os argumentos gerais a fa-
vor do finitismo causal dão-nos então razões para pensar que alguma teoria nes-
ta família é verdadeira, mas identificar precisamente essa teoria é um problema
que encorajo os leitores simpatizantes a trabalhar.
Além disso, as extensões do finitismo causal são um caminho promissor para
exploração. Uma extensão que exclui loops causais é muito natural. Extensões
para outras formas de explicação são mais difíceis.
Além disso, mesmo com todo o espaço para pesquisas futuras, o finitismo
causal tem implicações interessantes e não triviais que exploraremos nos capítu-
los 8 e 9. Nestes capítulos voltarei às formulações mais grosseiras do finitismo
causal que ocorreram anteriormente no livro, o que ilustrará o fato de que a
maioria das aplicações são independentes de muitos dos detalhes das questões de
como a tese deve ser refinada.

200
201
8
Tempo e espaço discretos

1. Introdução
Plausivelmente, sua existência em tempos anteriores causa sua existência em
tempos posteriores. Assim, para cada instante de tempo no ano passado, sua
existência naquele instante causou sua existência presente. Se o finitismo causal
for verdadeiro, segue-se que houve apenas um número finito de instantes de
tempo no ano passado. O argumento generaliza e, portanto, o tempo é discreto
— entre quaisquer dois pontos de tempo, há apenas um número finito de pon-
tos de tempo.
Neste capítulo, examinaremos esse tipo de argumento do finitismo causal à
discrição do tempo, suas consequências e seu análogo espacial, bem como a na-
tureza do discretismo envolvido. De particular interesse será se o argumento nos
dá uma reductio ad absurdum contra o finitismo causal, com base no fato de que o
tempo ou o espaço podem ser contínuos. No entanto, veremos que o argumen-
to do finitismo causal à discrição não é tão sólido quanto parece a princípio.
Mostraremos que é possível distinguir o discretismo causal do discretismo espa-
cial e reconciliar essa distinção com a física. O finitismo causal fornece alguma
evidência para um tempo e espaço discretos, mas não mais que isso.

2. Finitismo causal e discrição


2.1 O argumento básico

Se um objeto está caindo, é plausível que para cada tempo passado t em sua
queda, o objeto estar onde estava em t, com qualquer velocidade que tivesse en-
tão, faz com que ele esteja onde está agora. Exemplos podem ser multiplicados.
De fato, seja no contexto da mecânica clássica, da Teoria da Relatividade ou da
Mecânica Quântica, é muito plausível que o estado atual do universo seja causa-
do por seu estado passado em cada tempo passado. Mesmo que o passado seja
finito, enquanto o tempo for contínuo no sentido fraco de que entre quaisquer
dois tempos há outro tempo, segue-se que o finitismo causal é violado. Portanto,
o finitismo causal mais uma física como a nossa parece exigir que tomemos
tempo para sermos discretos. E o que é pior para o finitismo causal é que todas
as formulações padrão das três teorias físicas envolvem tempo contínuo.

202
2.2 Do tempo discreto ao espaço discreto?

Além disso, se o tempo é discreto, é muito plausível que o espaço também o se-
ja. Pois se o tempo é discreto enquanto o espaço não é, então os objetos não
poderiam se mover continuamente pelo espaço. Eles teriam que dar saltos, es-
tando em um lugar em um momento, e então no próximo momento discreto es-
tando em um lugar não adjacente ao lugar original. Mas é muito plausível que os
objetos às vezes se movam pelo espaço sem pular assim.

3. Dois tipos de discrição


3.1 Subdivisibilidade e fixidez

Aristóteles sustentava que o tempo não é infinitamente subdividido, mas que é


arbitrariamente subdivisível.118 Para quaisquer dois momentos t0 e t1 do tempo
(para Aristóteles, estes seriam os términos de movimento ou mudança), mesmo
que não haja realmente um tempo estritamente entre t0 e t1, poderia ter havido
um tempo ali. Este é o primeiro tipo de visão de discrição: o tempo é discreto,
mas arbitrariamente subdivisível.
Por que alguém poderia pensar isso? Primeiro, a visão faz justiça à intuição
comum de que qualquer intervalo de tempos pode ser subdividido. Segundo,
Aristóteles via o tempo como a medida da mudança. Em uma interpretação
plausível, os instantes são os términos das mudanças. Mesmo que de fato não
haja um término de mudança entre t0 e t1, algo poderia ter começado ou comple-
tado a mudança após t0 e antes de t1. Se isso acontecesse, um término de sua
mudança teria constituído um tempo entre t0 e t1.
Uma segunda visão do tempo discreto diria que o tempo é uma sequência fi-
xa, e o menor espaçamento nessa sequência não pode ser tornado menor. Exis-
tem, com efeito, átomos de duração.
A visão aristotélica naturalmente acompanha uma visão na qual o tempo dis-
creto é confuso, com espaçamento irregular entre instantes dependentes dos ca-
prichos de onde os terminais de mudança caem. A visão da sequência fixa natu-
ralmente acompanha uma imagem dos tempos como uniformemente espaçados.
É plausível especular que qualquer tipo de discrição que o tempo tenha tam-
bém é tido pelo espaço. Mas não esperaríamos que o espaço tivesse pontos uni-
formemente espaçados como em uma grade. Uma grade regular no espaço indu-
ziria uma direção preferencial, e é plausível que o espaço não tenha tal. Pense,
por exemplo, nos três eixos "especiais" em ângulos retos entre si escolhidos por
uma grade cúbica. Por outro lado, um espaço discreto "bagunçado", onde os

118Aristóteles defende que um todo finito não pode ser composto por um número infinito de partes
finitas (Aristóteles 1934, Livro VI), e aplica este argumento ao tempo. Aristóteles defende também que
todo o movimento pode ser subdividido e que o tempo é a medida do movimento (Aristóteles 1957,
Livro IV), pelo que tem de defender que o tempo é sempre subdivisível.

203
pontos são espalhados de forma irregular, pode não ter uma direção preferencial
em grande escala.
A imagem “regular” da discrição do espaço torna a rotação problemática. Se
o espaço fosse sempre uma grade regular, a geometria de um objeto necessaria-
mente mudaria se ele girasse uma pequena quantidade. Por exemplo, suponha
que o espaço seja uma grade cúbica e considere um objeto que ocupa os oito
cantos de uma célula cúbica nessa grade. Poderíamos girar esse objeto por um
múltiplo de 90 graus em torno de um eixo que passa pelos centros de duas faces
opostas no cubo, ou por um múltiplo de 120 graus em torno de um eixo que
passa por dois vértices opostos. Mas não poderíamos girar o objeto em, diga-
mos, 45 graus em torno de qualquer eixo sem distorcer severamente seu tama-
nho e forma. E parece que deveria ser possível que objetos girassem no espaço
em torno de eixos arbitrários sem alterar a geometria interna.
Esse argumento contra a imagem da grade do espaço, no entanto, esbarra em
um problema. Dada a Relatividade Geral, nosso espaço-tempo é curvo. Em um
espaço-tempo curvo, pode ser impossível que objetos girem ou se movam sem
pequenas mudanças nas distâncias entre seus componentes. As mudanças são
minúsculas no caso de objetos em campos gravitacionais moderados, e isso pode
ser o suficiente para pacificar nossas intuições sobre rotação. Mas se o espaço é
uma grade, então um objeto abrangendo uma região suficientemente grande —
ou seja, uma macroscópica — pode girar com apenas pequenas mudanças em
sua geometria geral. Então, se a Relatividade Geral pode ser reconciliada com a
intuição de rotação invocando a aproximação, uma imagem de grade também
pode.
Por outro lado, em uma imagem aristotélica, não há necessidade de fazer ne-
nhuma reconciliação: os pontos desordenadamente dispostos do espaço poderi-
am girar junto com o objeto, mantendo a geometria interna. Isso nos dá algum
motivo para preferir a imagem aristotélica no caso do espaço, e indiretamente no
caso do tempo também.
Também é importante fazer a observação histórica de que, embora Aristóte-
les pense que os pontos do espaço e os momentos do tempo ou "agoras" são
discretos, ele não acha que eles constituem todo o espaço ou tempo. Em vez
disso, ele insiste que "dois pontos têm sempre uma linha entre eles, e dois agoras
um espaço de tempo [kai tôn nun ton chronon]" (Aristóteles 1934, p. Livro VI, in-
trusões do tradutor omitidas). Isso poderia ser usado para dar uma segunda ma-
neira de distinguir entre visões de discrição, independente daquela que acabamos
de discutir: o espaço ou tempo discreto é constituído pelos pontos ou há algo
delimitado pelos pontos como Aristóteles pensa? Mas, embora a questão de sa-
ber se há períodos de tempo entre os agoras seja importante, ela é independente
de julgar o finitismo causal, uma vez que, independentemente de haver ou não
tais períodos intermediários, há apenas um deles por par de momentos sucessi-
vos e, portanto, o número de períodos de tempo é tão finito quanto o número
de momentos.
204
3.2 Refinando a imagem aristotélica
3. 2. 1 UMA OBJEÇÃO À DISCRIÇÃO ARISTOTÉLICA

Há, no entanto, um argumento contra a versão aristotélica de discrição. Mesmo


dado o finitismo causal, deveria ser possível que infinitamente muitas coisas vi-
essem a existir durante o último ano, desde que as coisas fossem configuradas de
modo que não pudessem cooperar causalmente. Mas em uma imagem aristotéli-
ca onde não há sequência temporal fixa, parece bem possível que infinitamente
muitas coisas pudessem ter surgido em infinitamente muitos momentos diferen-
tes. Mas sempre que uma coisa vem a existir, há um tempo na imagem aristotéli-
ca. Ou imagine um número infinito de átomos radioativos mutuamente não inte-
rativos, cujos tempos de decaimento têm uma distribuição de decaimento expo-
nencial. Então, ao longo de qualquer período de tempo não vazio (e não infinite-
simal) após a configuração inicial, com probabilidade um infinito número de
átomos decairia.119 Assim, parece possível que haja infinitamente muitos tempos
diferentes durante um período finito, ao contrário da discrição do tempo, assu-
mindo que não há uma sequência predefinida de tempo, mas os tempos coinci-
dem com os termini dos eventos como pensa o aristotélico.
Claro, um aristotélico também poderia usar esses experimentos mentais,
combinados com o finitismo causal, como uma reductio ad absurdum da possibili-
dade de uma infinidade de objetos passados em qualquer espaço-tempo, mesmo
que esses objetos passados não sejam causalmente eficazes. Isso ainda seria
compatível com a possibilidade de infinitamente muitos objetos espalhados por
uma infinidade de espaços-tempos diferentes, ou uma infinidade futura de obje-
tos, ou uma infinidade de objetos atemporais e isso seria o suficiente para esca-
par dos argumentos baseados em matemática contra o finitismo no Capítulo 1,
Seção 4.3. Mas não está claro que esta seja uma reductio muito plausível.

3. 2. 1 DISCRIÇÃO INTERNA E EXTERNA

Há outra opção aristotélica, que é fazer uma distinção entre discrição interna e
externa do tempo. Em uma metafísica aristotélica, eventos envolvem substâncias
de uma das quatro maneiras: uma substância passa a existir, uma substância dei-
xa de existir, uma substância é acidentalmente alterada ou uma substância exerce
causalidade (produzindo qualquer um dos três eventos precedentes). Em uma
imagem aristotélica, portanto, é muito natural tomar os instantes de tempo como
fundamentalmente ligados a substâncias particulares e corresponder à entrada e

119∗ Para qualquer intervalo I não vazio e não infinitesimal de tempos após a configuração inicial e
qualquer átomo, existe uma probabilidade não nula e não infinitesimal de o átomo decair durante I. Na
ausência de interação, estas probabilidades são independentes. Assim, pela Lei dos Grandes Números,
com probabilidade unitária, um número infinito de átomos decairá durante I.

205
saída das substâncias da existência, às mudanças acidentais das substâncias e aos
exercícios de causalidade das substâncias. Eles são, portanto, instantes de tempo
interno.
Portanto, na metafísica aristotélica, o tempo pode ser visto fundamentalmen-
te como uma característica de substâncias particulares em vez do mundo como
um todo. Pode-se então tentar introduzir um tempo compartilhado correlacio-
nando os tempos internos da substância. Por exemplo, há uma ideia aristotélica
tradicional de que a causalidade intersubstancial é simultânea. Se uma substância
s no tempo t faz com que uma substância s' em seu tempo interno t' entre ou
saia da existência ou seja acidentalmente alterada, então podemos introduzir um
único tempo externo correspondente a t e t'. Na verdade, estaríamos estipulando
que os tempos internos t e t' das substâncias s e s' são simultâneos. Se tudo cor-
rer bem — em particular, se não houver viagem no tempo ou causalidade rever-
sa — a ordenação dos tempos internos das substâncias pode então ser estendida
para fornecer uma ordenação nos tempos externos das substâncias.
Não há garantia a priori de que as coisas correriam bem e gerariam um tempo
compartilhado que se encaixasse bem com a ordenação nos tempos internos.
Pode haver mundos metafisicamente possíveis onde os tempos internos não se
encaixam bem o suficiente. Também pode ser o caso de que desajustes ocasio-
nais, como uma instância ocasional de causalidade reversa, poderiam ser acomo-
dados de alguma forma ao postular um tempo compartilhado que harmonizasse
a maioria dos tempos internos.
Mas quando as coisas funcionam, então teremos uma sequência de tempos
compartilhados, externos. Todo (ou todo típico, se houver desajustes ocasionais)
tempo interno de uma substância corresponderá a um tempo externo, já que
tempos internos correspondem a interações causais que levaram à introdução de
um tempo externo. Além disso, todo tempo externo corresponde ao tempo in-
terno de alguma substância ou outra.
Mas, tipicamente, os tempos externos não correspondem aos tempos inter-
nos de todas as substâncias. Afinal, em qualquer dado tempo externo, algumas
substâncias já terão deixado de existir e outras ainda não terão surgido. Não há
nem mesmo uma garantia de que um tempo externo corresponderá a um tempo
interno em cada substância que existe então. Se Bob é uma substância, pode ha-
ver um tempo externo T que corresponde a algum tempo interno t da substância
Sally, mas que não corresponde a nenhum tempo interno de Bob, mesmo que
Bob e Sally existam omnitemporalmente. Em vez disso, T pode cair estritamente
entre dois dos tempos internos de Bob, digamos t1 e t2. Em tal caso, pode ser
que a coisa correta a dizer sobre o que Bob está fazendo em T seja dizer que ele
está mudando entre seu estado em t1 e seu estado em t2. Assim, aqueles aspectos
em que ele permanece inalterado entre t1 e t2 podem ser atribuídos a ele em T.
Mas se, digamos, ele está mudando de vermelho para verde entre t1 e t2, então
talvez a coisa a dizer é que em T ele não é nem vermelho nem verde, mas mu-

206
dando de vermelho para verde.120 Alternativamente, alguém poderia talvez inter-
polar entre as propriedades de Bob em t1 e t2 com base em respostas a contrafac-
tuais como: Se Bob tivesse um tempo correspondente ao tempo t de Sally, como
Bob seria naquele tempo?
Há muitos detalhes a serem trabalhados em tal imagem do tempo, mas é
plausível que uma história genuinamente aristotélica do tempo como fundamen-
tada na mudança tenha esse tipo de forma. Assim, o discretista aristotélico tem
uma resposta ao nosso argumento a partir da possibilidade aparente de uma in-
finidade de objetos com términos de mudanças que não se encaixam em um
conjunto finito de instantes. A resposta é que é apenas o tempo interno que é
garantido como discreto. O tempo externo não precisa ser discreto. Mas é o
tempo interno que é metafisicamente mais fundamental: o tempo externo é me-
ramente uma construção matemática a partir de tempos internos, e atribuições
de propriedades a uma substância em tempos externos que não correspondem a
nenhum dos tempos internos da substância são derivadas de atribuições de pro-
priedades em tempos internos.
Em particular, então, por esse motivo, uma substância não entra em relações
causais nem como agente nem como paciente em tempos externos que não cor-
respondem a tempos internos. Se Bob não tem um tempo interno correspon-
dente a um tempo externo T, então em T Bob não causa nada — nem mesmo
sua existência futura. E, portanto, uma sequência não discreta de tempos exter-
nos não precisa violar o finitismo causal.

4. Física
4.1 Uma objeção ao finitismo causal

Formulações padrão das principais teorias da física de Newton em diante mode-


lam o tempo com os números reais ou modelam o espaço-tempo como uma va-
riedade contínua com coordenadas locais correspondendo a quádruplos de nú-
meros reais.
Além disso, esta não é meramente uma característica acidental das teorias. A
continuidade envolvida é essencial para as equações diferenciais nas quais as leis
da física são expressas. Poderíamos, é claro, produzir uma teoria baseada em um
espaço e tempo discretos que produzisse consequências empíricas tão semelhan-

120Uma dificuldade: E se o Bob estiver a mudar não de um determinado para outro, mas simplesmente
entre ter uma propriedade e não a ter? Por exemplo, talvez o Bob esteja a acordar e a tornar-se consci-
ente. Nesse caso, a imagem acima sugere que, entre os dois instantes, o Bob não está nem inconsciente
nem consciente, mas a mudar entre os dois estados. Mas se dissermos que ele não está nem inconsci-
ente nem consciente, então parece que estamos a violar a Lei do Meio Excluído. Esta violação pode,
no entanto, ser contornada. Pois poderíamos dizer que o Bob não é nem (não-consciente)-em-T nem
consciente-em-T, mas sim (em processo de tornar-se consciente)-em-T. A Lei do Meio Excluído ga-
rante que, para qualquer C, Bob ou é C-em-T ou não é C-em-T. Mas não ser C-em-T não é o mesmo
que ser (não C)-em-T.

207
tes à teoria de Newton que não poderíamos fazer nenhum experimento para di-
ferenciá-las. Mas a formulação discreta seria apta a ser muito mais complicada. E
a simplicidade é sempre parte da atratividade das principais teorias.
Isso apoia a segunda premissa da seguinte objeção principal ao finitismo cau-
sal:

(1) Se o finitismo causal for verdadeiro, o tempo é discreto.


(2) O tempo não é discreto.
(3) Portanto, o finitismo causal não é verdadeiro.

Pensar neste argumento levará o finitista causal a duas opções. A primeira será
abraçar uma física especulativa que não esteja comprometida com a continuida-
de do tempo ou espaço-tempo, questionando assim os fundamentos para (2).
Embora grande parte da física, de Newton até os tempos recentes, tenha supos-
to que o tempo e o espaço são contínuos, agora existem opções discretistas fisi-
camente vivas. Para uma excelente pesquisa de opções, veja Hagar (2014). Não
tenho nada a acrescentar a isso.
No entanto, explorarei uma segunda abordagem, que é interpretar a importa-
ção causal da física quântica de uma forma que seja compatível com o finitismo
causal, mas não altere substancialmente a física da teoria. O resultado aceita (2),
mas nega (1).

4.2 Causalidade e física

Formulações formais de teorias físicas típicas não usam a palavra “causa”. Isso
pode levar alguém a supor que o conceito de causalidade não é mais necessário.
Mas isso seria um erro. Afinal, não é possível descrever o que o físico experi-
mental faz no laboratório sem vocabulário causal. Botões são pressionados, re-
sultados são observados, etc. (cf. Anscombe 1971). Mas a falta de vocabulário
causal nas teorias abre opções.
Quando uma teoria física descreve a evolução ao longo do tempo de um sis-
tema, é natural que os amigos da causalidade leiam a causalidade nessa evolução
supondo que os estados anteriores do sistema causam os posteriores. Essa leitu-
ra da física é central para o argumento do finitismo causal para a discrição do
tempo. Mas não precisamos ler a física dessa forma.
É trivialmente fácil reconciliar tempo contínuo, finitismo causal e uma física
que não usa a palavra “causa”. Comece com um pensamento maluco: a causali-
dade acontece apenas uma vez por ano. Por conveniência, tomarei um ano co-
mo um intervalo semiaberto (n, n + 1] de tempos, que inclui um último momen-
to, mas não um primeiro, e onde tomo anos como unidades de tempo, e supo-
nho que inteiros como n ou n + 1 correspondem aos últimos momentos de cada
ano.

208
Para cada ano (n, n + 1], há um estado não instantâneo sn do universo ao lon-
go daquele ano. Poderíamos então supor que sn causa sn+1 que causa sn+2 e assim
por diante. E não há nenhuma causalidade além desses estados de um ano.
Alternativamente, poderíamos supor que a cada instante t há um estado ins-
tantâneo do universo, ut. Além disso, a maioria dos estados instantâneos ut do
universo são causalmente inertes, com a exceção de onde t é um inteiro n. As-
sim, os únicos estados causalmente eficazes são os últimos estados instantâneos
em cada ano. Supomos então que (a) cada um desses estados instantâneos de fim
de ano un causa diretamente todos os estados “temporalmente gordos” sn do
universo ao longo do ano seguinte (n, n+1], incluindo o estado de ponto final
un+2, ou (b) cada estado de fim de ano un, onde n é um inteiro, causa diretamente
cada um dos infinitos estados instantâneos ut para t em (n, n + 1] (com a causali-
dade de un para ut cruzando uma lacuna temporal de comprimento t − n).
Ambas as histórias envolvem causalidade através da distância temporal. O es-
tado do universo ao longo do ano (2016, 2017] ou no final daquele ano causa
não apenas o estado do universo no início de 1º de janeiro de 2017, mas também
causa o estado do universo em março de 2017. E não causa o estado do universo
em março ao causar estados em janeiro e fevereiro — ele o faz diretamente.
Uma vez que as teorias da física não falam de causalidade, isto não afecta as
teorias nem a sua importância empírica. No entanto, a hipótese de uma instância
de causalidade por ano também anularia o argumento de que dar sentido ao que
o físico experimental faz no laboratório requer a hipótese de causalidade. Fare-
mos melhor no que diz respeito ao senso comum se supusermos que os “tiques”
causais não são anuais mas numa escala mais fina, particularmente uma escala
mais fina do que a do sentido humano do tempo.
Além disso, há uma objeção óbvia de senso comum à teoria de um tique cau-
sal por ano. Explicamos causalmente o estado do universo em julho por meio do
estado do universo em junho. Mas na história como dada, os estados em junho e
julho são simplesmente efeitos comuns do ano anterior ou por seu último mo-
mento, e não há causalidade de junho a julho. Mas piora. Não só não há causali-
dade entre junho e julho, mas também não há explicação. Pode-se fazer previ-
sões sobre julho com base em junho, mas o trabalho explicativo real é todo feito
pelo ano anterior ou seu último momento.
Esta objeção pode ser adaptada não importa quão curtos sejam os tiques en-
tre instâncias de causalidade, mas é menos intuitivamente convincente quando
os tiques são curtos. Seria, de fato, um custo significativo, e muito reminiscente
do ocasionalismo, negar que o junho chuvoso explicou os altos níveis de água
em julho, e dizer que ambos são causados pelos eventos do ano anterior. Mas à
medida que os tiques ficam cada vez mais curtos — especialmente se eles chega-
rem ao tempo de Planck — o custo intuitivo é muito menor. Podemos dizer que
o junho chuvoso explicou os altos níveis de água em julho, embora não possa-
mos dizer que o estado do mundo em um quarto de um tempo de Planck após
209
um tique explica o estado do mundo meio tempo de Planck depois dele. O últi-
mo é contraintuitivo, mas já temos da Mecânica Quântica que a realidade é es-
tranha em pequenas escalas espaciais, e a estranheza em pequenas escalas tempo-
rais não deve ser uma grande surpresa.
A lição aprendida com essa fuga trivial do argumento do finitismo causal para
o tempo discreto é que o finitismo causal requer discrição na ordem da causali-
dade, mas a discrição na ordem da causalidade é logicamente compatível com a
continuidade na ordem do tempo. No entanto, a abordagem do tique causal é
deselegante e ad hoc, pois os tiques causais não são fundamentados na física —
eles são um complemento arbitrário.
A objeção da física ao finitismo causal tem duas versões: a mais forte diz que
a física do mundo real envolve tempo contínuo e a mais fraca diz que seria pos-
sível ter uma física com tempo contínuo. A natureza ad hoc da fuga acima não é
um grande problema, dada a versão mais fraca da objeção. Não deveria nos sur-
preender se alguma física falsa (digamos, a física newtoniana), para ser tornada
causal, exigisse postulados metafísicos ad hoc.
Felizmente, a solução ad hoc periódica do tique causal nem sempre é a única
fuga do argumento do finitismo causal para o tempo discreto. Usarei a Mecânica
Quântica para ilustrar como uma física não newtoniana pode permitir que al-
guém reconcilie o tempo contínuo com a causalidade discreta sem ser ad hoc.
Então, oferecerei uma interpretação da Mecânica Quântica na qual o tempo é
discreto de forma irregular, mais como na teoria aristotélica do tempo discreto
do que na teoria da sequência regular. Não é meu objetivo descrever como as
coisas são, mas apenas esboçar como a física pode ser reconciliada com o fini-
tismo causal. Decidir entre as opções é uma boa tarefa para pesquisas futuras.

4.3 Colapso quântico


4. 3. 1 ALGUNS ANTECEDENTES

A Mecânica Quântica tem duas partes centrais. Primeiro, há a equação de


Schrödinger. Esta é uma equação que governa a evolução da função de onda ao
longo do tempo e, na medida em que esta evolução é governada pela equação de
Schrödinger, ela é completamente determinística: os estados futuros da função
de onda são inteiramente determinados pelos estados passados. No entanto,
apesar do determinismo no nível da função de onda, temos uma razão empírica
muito forte para pensar que a física determinística da função de onda falha em
determinar os resultados das observações. Dois elétrons podem ser preparados
com a mesma função de onda, enviados através do mesmo campo magnético, e
ainda assim a observação pode mostrá-los indo em direções diferentes, e tudo o
que podemos prever a partir da função de onda são probabilidades de observa-
ções diferentes.

210
Tais previsões estão vinculadas a uma segunda parte da Mecânica Quântica: a
regra de Born, que fornece uma especificação matemática de como obter proba-
bilidades de observações particulares a partir da função de onda.
O problema da interpretação da Mecânica Quântica é como fazer esses dois
componentes trabalharem juntos. Podemos dividir as interpretações da Mecâni-
ca Quântica em quatro famílias:

(i) Manter a equação de Schrödinger sem exceções e explicar observações


somente em termos da função de onda.
(ii) Manter a equação de Schrödinger sem exceções, mas explicar observações
em termos de características físicas do mundo que vão além da função de
onda.
(iii) Manter a equação de Schrödinger sem exceções, mas explicar observa-
ções em termos de características não físicas do mundo que vão além da
função de onda.
(iv) Fazer exceções indeterminísticas à equação de Schrödinger para explicar a
indeterminação da observação.

A primeira família de interpretações parece a mais parcimoniosa e inclui co-


mo sua instância principal a interpretação de múltiplos mundos de Everett
(1957). Na interpretação de Everett, a função de onda evolui deterministicamen-
te, mas o que ela descreve é um multiverso ramificado. Em situações em que nos
parece que há subdeterminação das observações pela função de onda, o que re-
almente acontece é que o mundo é dividido em um ramo onde uma observação
é feita e outro ramo onde outra é feita.
Há, no entanto, sérios problemas na interpretação de Everett sobre como dar
sentido às probabilidades na regra de Born. Suponha uma situação física onde há
apenas duas observações possíveis e a regra de Born especifica que uma delas
tem probabilidade 2/3 e a outra 1/3.121 O universo, incluindo o experimentador,
é dividido em dois após a medição, com um experimentador observando um re-
sultado e o outro o outro. Ontologicamente, isso é simétrico: há duas observa-
ções feitas por dois experimentadores. Então, como uma das duas observações
pode ser considerada mais provável? Há, é claro, uma literatura sobre essa ques-
tão difícil (por exemplo, Greaves 2006), mas, apesar das defesas da visão, isso
nos dá um bom motivo para buscar alternativas.
O representante mais conhecido da segunda família é a física determinística
de Bohm (1952), que, além da função de onda, postula partículas que viajam ao
longo de trajetórias determinadas pela função de onda. O resultado das observa-
ções, então, não é uma função da função de onda, mas das posições das partícu-
las. A física aqui é determinística, mas, mesmo assim, pode-se recuperar estatisti-
camente as previsões probabilísticas da regra de Born, dada uma suposição espe-

121 ∗ Por exemplo, a medição do spin de um sistema no estado √2/3 |up⟩ − √1/3 |down⟩.

211
cial sobre as propriedades estatísticas da distribuição inicial das partículas. Exis-
tem algumas dificuldades conceituais sobre como dar sentido a tais probabilida-
des. Essas dificuldades parecem não ser maiores, mas também não menores, do
que aquelas sobre como dar sentido a probabilidades na termodinâmica clássica
com a física de partículas newtoniana determinística.
Os principais representantes da terceira família são suplementações dualísti-
cas da interpretação de Everett. Existe, como em Everett, um multiverso deter-
minístico. Mas o problema da recuperação de probabilidades do multiverso de-
terminístico é resolvido postulando mentes não físicas que viajam indeterminis-
ticamente pelo multiverso determinístico. Assim, quando se monta um experi-
mento que tem uma probabilidade de 2/3 de levar a uma observação e uma
probabilidade de 1/3 de outra, o que acontece é que há uma chance de 2/3 de
uma mente viajar por um ramo e uma chance de 1/3 de uma mente viajar pelo
outro ramo. Essas interpretações são ainda mais subdivididas dependendo do
número e da dinâmica das mentes. Na visão de muitas mentes, há infinitas men-
tes, e sempre que uma ramificação acontece, infinitas mentes tomam cada ramo
(Albert e Loewer 1988). Então, há infinitas mentes correspondendo ao corpo do
experimentador (poderíamos tomar corpos como delineados pela função de on-
da). Em visões de mente única, há no máximo uma mente por corpo, e as men-
tes viajam pelo multiverso independentemente ou são nomicamente restritas pa-
ra que todas as mentes estejam sempre no mesmo ramo do multiverso.122
A quarta família são as interpretações de colapso. Uma função de onda que é
compatível com uma multiplicidade de observações — digamos, observar um
elétron em um local ou observá-lo em outro — colapsa em uma função de onda
que é compatível com apenas uma observação. O colapso é um processo inde-
terminístico cujas probabilidades são tais que produzem previsões que se encai-
xam na regra de Born. Esta família se divide em duas subfamílias, dependendo
das condições que desencadeiam o colapso. Em uma subfamília — a interpreta-
ção de von Neumann — o colapso é desencadeado pela própria observação. Por
outro lado, é desencadeado estocasticamente ou deterministicamente por algu-
mas outras condições físicas, tipicamente aquelas correlacionadas com eventos
em níveis de energia ou escala de tamanho além daqueles encontrados em inte-
rações quânticas típicas. O membro mais conhecido desta subfamília é a teoria
do colapso de Ghirardi-Rimini-Weber (GRW) (Ghirardi, Rimini e Weber 1986).

4. 3. 1 CAUSAÇÃO

122A objeção padrão à versão de viagem independente é que, nesta visão, é provável que as mentes se
tenham espalhado pelo multiverso de tal forma que é improvável que alguma vez nos encontremos
com uma mente e, portanto, os corpos com que nos encontramos são predominantemente zombies
sem mente (Albert 1992, p. 130). A versão restrita encontra-se em Barrett (1995) e evita este problema.
Existe também uma variante aristotélica em que o multiverso é atravessado não apenas por mentes,
mas por todas as formas, incluindo as de substâncias sem mente, mesmo as inanimadas (Pruss 2018).

212
As interpretações de Everett e de Bohm, que são os principais representantes
das famílias (i) e (ii), não se prestam a uma reconciliação do finitismo causal com
o tempo contínuo que não seja ad hoc, como foi a minha teoria anual das carra-
ças causais. Simplesmente não existem pontos de transição naturais para intro-
duzir a causalidade.
No entanto, o multiverso dualista ramificado e as interpretações de colapso
de (iii) e (iv) têm o potencial de se adaptarem melhor à causalidade discreta. Po-
demos supor que a função de onda (ou, mais precisamente, a realidade física que
a função de onda descreve) e o estado anterior das mentes causam indeterminis-
ticamente que as mentes tomem um ou outro ramo nas interpretações dualistas
do multiverso. E podemos supor que cada caso de colapso é uma instância de
causalidade.
Há então razões para esperar que as ocorrências de causalidade sejam tempo-
ralmente discretas, pelo menos num universo finito (ou talvez num subsistema
finito de um universo infinito). Note-se que nas interpretações ramificadas, tudo
o que precisamos é que haja discretude dentro de cada ramo desde o início.
Na versão do multiverso ramificado, podemos então supor que não há causa-
lidade na evolução temporal da função de onda. Assim, ou a função de onda,
considerada como uma entidade temporalmente estendida, é ela própria uma
causa não causada das viagens das mentes ou dos colapsos, ou então há alguma
outra causa que causa toda a função de onda temporalmente estendida. É con-
tra-intuitivo que a evolução da função de onda seja acausal, que a função de on-
da seja causada em bloco. No entanto, a linguagem causal comum pode ser usa-
da para referir a causalidade envolvida no facto de as mentes serem levadas a
tomar um ramo ou outro ou de a função de onda ser levada a colapsar.
Nas versões de colapso, por outro lado, podemos considerar que cada instân-
cia de colapso causa todo o estado temporalmente alargado da função de onda
até ao próximo colapso. E entre colapsos, a evolução da função de onda conti-
nuará a ser acausal. Desde que os colapsos aconteçam com frequência suficiente,
isto preservará as intuições sobre a eficácia causal do trabalho de laboratório e da
vida quotidiana.
Todas estas leituras discretas de causalidade das interpretações da Mecânica
Quântica têm as mesmas consequências empíricas que as interpretações subja-
centes. A única coisa adicional que é feita por esta leitura é a introdução de uma
explicação de onde a causalidade ocorre na física.
As soluções acima podem ter dificuldades em universos quânticos infinitos
ou multiversos. Mas dado que a Mecânica Quântica parece envolver ação instan-
tânea à distância em casos de emaranhamento, o finitismo causal pode também
forçar os sistemas quânticos a serem finitos para evitar infinitos causais.

4. 3. 3 DE VOLTA AO TEMPO DISCRETO

213
As interpretações dualistas do multiverso ramificado e do colapso da Mecânica
Quântica permitem assim a existência de instâncias discretas de causalidade in-
tercaladas com a evolução determinística acausal da função de onda de acordo
com a equação de Schrödinger. Nestas interpretações, a causalidade é discreta,
mas o tempo é contínuo.
O truque consiste em tomar como tempo real apenas os instantes de tempo
em que ocorrem ramificações ou colapsos e tomar apenas os valores da função
de onda nesses instantes para refletir a realidade física. Nas teorias de colapso,
teremos então duas opções: a função de onda no momento do colapso é a fun-
ção de onda pré-colapso ou pós-colapso. Uma vez que, mais uma vez, o meu
objetivo é meramente esboçar a forma como as coisas podem ser, vou, para ser
mais concreto, considerar que em cada momento de colapso a função de onda
está no estado pós-colapso.
Desde que o momento da próxima ramificação ou colapso e o valor da fun-
ção de onda123 imediatamente antes dele seja uma função determinística ou esto-
cástica do valor da função de onda no momento anterior de ramificação ou co-
lapso, não precisamos de supor que os valores da função de onda entre os mo-
mentos de ramificação ou colapso correspondem a algo fisicamente real. Estes
valores podem ser simplesmente considerados como uma ficção matemática,
sendo os valores fisicamente significativos da função de onda os que ocorrem
nos momentos de colapso. Se quisermos, podemos introduzir tempos matemáti-
cos fictícios entre os tempos reais de ramificação ou de colapso por uma questão
de conveniência matemática. Se isto estiver ligado à teoria GRW, será uma ver-
são da ontologia do flash de Bell (1987), com uma semântica que permite fazer
afirmações sobre o que está a acontecer em tempos não-flash, nomeadamente a
função de onda ter valores nesses tempos.
A imagem resultante dá-nos instantes de tempo que estão irregularmente es-
paçados, e o seu espaçamento pode ser explicado através da função de onda nos
instantes e da equação de Schrödinger. Na visão dualista de ramificação, o espa-
çamento dos instantes pode ser lido a partir da função de onda. Isto produz uma
confusão aristotélica de espaçamento, mas com os instantes fixos, ao contrário
do que acontece em Aristóteles. Na perspetiva do colapso, no entanto, os instan-
tes não são fixos. Se os colapsos anteriores tivessem ocorrido de forma diferen-
te, os colapsos posteriores poderiam ocorrer noutros momentos, pelo que não
há nada de fixo nos instantes e a imagem é ainda mais parecida com a de Aristó-
teles.
Esta é uma imagem não relativista. Em todo o caso, não se sabe como fazer
com que a Mecânica Quântica funcione com a Relatividade Geral, e as imagens

123∗∗A equação de Schrödinger é a equação diferencial parcial 𝑖ћ ∂ψ(𝑥, 𝑡)/ ∂𝑡 = Ĥψ(𝑥, 𝑡) que é de
primeira ordem na coordenada temporal, pelo que a sua resolução requer apenas o valor da função de
onda num dado momento, e nenhum valor para as derivadas temporais. Para usar um método seme-
lhante com uma equação de segunda ordem como a das leis de Newton, seria necessário atribuir reali-
dade física a ambos os valores e às suas derivadas no tempo.

214
que apresentei são apenas modelos de como se poderia ter uma causalidade dis-
creta juntamente com um tempo contínuo ou discreto.

5. Campos e Espaço Discreto


Assumindo um espaço-tempo plano, o valor do campo eletromagnético num
instante t e numa localização x depende dos valores do campo eletromagnético
no instante t - Δt numa esfera centrada em x com raio Δt/c, em que c é a veloci-
dade da luz. Assim, se o espaço for contínuo, o valor do campo em qualquer
ponto depende de um número infinito de valores do campo em qualquer tempo
passado. Se esta dependência for causal, como parece ser, temos uma violação
do finitismo causal.
Se o espaço for discreto, o problema desaparecerá, uma vez que só haverá
um número finito de pontos numa bola de tamanho finito, pelo que temos outro
argumento do finitismo causal para o espaço discreto. E se o espaço é discreto, é
plausível que o tempo também o seja.
Mas vamos esclarecer um pouco melhor os pressupostos do argumento. Pri-
meiro, o argumento requer um realismo acerca dos valores do campo no espaço
vazio. Podemos pensar que existem objectos carregados, ímanes, condutores,
etc., mas ser não-realistas em relação ao campo eletromagnético, defendendo
que é uma ficção matemática útil para explicar a ação dos objectos. Nesta pers-
petiva, os objectos agem diretamente uns sobre os outros a uma distância espa-
cial e temporal como se houvesse um campo eletromagnético a mediar essa
ação.
Em segundo lugar, o argumento exige que os factos sobre os valores do
campo eletromagnético no espaço vazio sejam causalmente eficazes. Conside-
remos um caso simplificado. Comecemos com um espaço vazio e sem campo
eletromagnético. Os objectos carregados A1 e A2 aparecem subitamente em re-
pouso nas posições x1 e x2, respetivamente, no tempo t, com uma distância d de
x1 a x2. No instante t +d/c, cada objeto experimenta uma força eletrostática do
outro objeto. Podemos ser instrumentalistas em relação ao campo eletromagné-
tico entre os objectos. Mas também podemos manter a intuição de que o campo
é um mediador causal entre os objectos. No entanto, em vez de pensarmos que
o campo o faz pouco a pouco, poderíamos supor que os objectos x1 e x2 no
tempo t trabalham em conjunto para provocar diretamente a totalidade do cam-
po eletromagnético na região tetradimensional entre o tempo t e o tempo t + d/c
(ou na intersecção dessa região com a união dos cones de luz centrados em (x1,
t) e (x2, t)). Este campo eletromagnético provoca então o movimento dos objec-
tos no tempo t+d/c. Os valores do campo eletromagnético em tempos intermé-
dios - digamos, em t+d/2c - são causalmente ineficazes. Um desenvolvimento
mais aprofundado desta explicação poderia talvez combiná-la com a história da
causalidade quântica discreta na Secção 4.3.2.

215
Há outra forma de sair do argumento de campo do finitismo causal para o
espaço discreto. Suponhamos que pensamos no campo eletromagnético como
uma entidade estendida espacialmente simples. O campo não é feito de peque-
nos pedaços de campo aqui e ali. É um campo único em todo o espaço, sem
partes. Tem valores em diferentes sítios, mas esses valores não devem ser vistos
como baseados em propriedades de partes localizadas do campo. Em vez disso,
baseiam-se simplesmente numa única propriedade distributiva global altamente
determinada (cf. Parsons 2000) do campo - o seu valor global, que pode ser ma-
tematicamente representado por uma função de pontos do espaço para valores,
mas que é, no entanto, um único determinante fundamental.124 Nesse caso, a his-
tória causal do facto de o campo ter tal e tal valor no tempo t não precisa de in-
cluir um número infinito de causas no tempo t - Δt. Pode simplesmente depen-
der do estado global do campo no tempo t - Δt.125
Por outras palavras, o argumento de campo do finitismo causal para o espaço
discreto não é muito forte. Podemos tomá-lo como um argumento para uma
grande disjunção. Se o finitismo causal for verdadeiro, então temos espaço dis-
creto, ou não-realismo acerca dos campos, ou campos causalmente ineficazes no
espaço vazio, ou globalismo acerca dos campos.

6. Avaliação
O finitismo causal torna de certo modo plausível que o tempo, e talvez também
o espaço, seja discreto. Esta discretização pode ser fixa e regular, fixa e confusa,
ou flexível e provavelmente confusa. No entanto, embora o finitismo causal tor-
ne esta discretização plausível, não a obriga. É possível interpretar a física de
forma a que a ordem causal seja discreta, apesar de o espaço e o tempo serem
efetivamente contínuos.
O finitismo causal torna a física discretista mais atractiva e, por isso, deve en-
corajar os físicos a explorar essa opção. Mas não obriga ao discretismo relativa-
mente ao tempo ou ao espaço.
No Capítulo 7, Secção 3.4, considerei a explicação de Huemer para muitos
dos mesmos paradoxos que discuti. Um dos problemas da explicação de Hue-
mer é que impõe restrições significativas tanto à física atual (e.g., a rejeição dos
buracos negros tal como descritos pela Relatividade Geral) como a qualquer físi-
ca hipotética.
Há duas formas de compreender a física. A forma aristotélica clássica é a de
que a física é uma explicação da causalidade natural. Se a física for entendida

124 Comparemos: a localização de um objeto pontual A no espaço euclidiano pode ser representada
matematicamente como uma função f do conjunto {1, 2, 3} para números reais, em que f(n) é o valor
da enésima coordenada. Mas devemos pensar que a localização de A é mais fundamental do que os va-
lores de f nos três pontos de {1, 2, 3}: esta última é uma mera representação de uma localização que
engloba todas as coordenadas.
125 Para uma discussão crítica das propriedades distributivas, ver McDaniel (2009).

216
desta forma, então o finitismo causal também coloca restrições significativas, es-
pecialmente ao exigir que as cadeias causais sejam discretas-isto é, que tenham
um número finito de ligações entre quaisquer dois pontos-mesmo que o tempo
não tenha de ser discreto. O requisito de discrição da causalidade é aceite por
Aristóteles, mas não deixa de ser um constrangimento.
A outra forma de compreender a física é vê-la como uma descrição das leis
que descrevem a evolução do universo, sendo as leis neutras em termos de cau-
salidade. Neste entendimento da física, que parece encaixar particularmente bem
na prática da física teórica moderna, a causalidade pertence à interpretação filo-
sófica da física e, por isso, o requisito de discrição é um constrangimento metafí-
sico não da física mas da filosofia da física. O constrangimento de Huemer, por
outro lado, era um constrangimento filosófico sobre a própria física, sobre qual-
quer dos entendimentos da física. É mais razoável que a metafísica condicione a
filosofia da física.
Ao mesmo tempo, é difícil ver uma interpretação causal plausível de uma
cosmologia com uma história passada infinita que não viole o finitismo causal.
Assim, o finitismo causal restringe de facto a cosmologia ao proibir histórias
passadas infinitas. No entanto, esta restrição não exige quaisquer alterações à
nossa melhor cosmologia atual, uma vez que essa cosmologia atribui uma idade
finita ao nosso universo (começando com um Big Bang há menos de 14 mil mi-
lhões de anos), enquanto Huemer rejeitou a melhor descrição física atual dos bu-
racos negros.

217
218
9
Uma causa primeira

1. Introdução
Começamos por mostrar que o finitismo causal implica muito rapidamente a
existência de uma primeira causa e, depois, defendo, de forma mais controversa,
que há boas razões para considerar esta primeira causa como um ser necessário.
Isto resulta num argumento cosmológico semelhante ao argumento de Kalam.
Uma vez que a teoria mais proeminente de uma causa primeira necessaria-
mente existente é o teísmo, considero de seguida a coerência da teoria deste livro
com o teísmo. A teoria mais proeminente de uma causa primeira necessariamen-
te existente é o teísmo, pelo que considero a coerência da teoria deste livro com
o teísmo. Primeiro, consideramos uma objeção de Jonathan Kvanvig de que o
finitismo causal contradiz a tese plausível de que Deus toma decisões com base
em infinitos factores. Considerações sobre a relação entre os pensamentos e os
seus conteúdos, bem como a doutrina da simplicidade divina do teísmo clássico,
vêm em seu socorro. Em segundo lugar, consideramos a causalidade entre even-
tos contingentes e o conhecimento que Deus tem deles, o que ameaça violar o
finitismo causal se houver infinitos eventos contingentes. O teísmo clássico,
contudo, motiva-nos a rejeitar a ideia de que a relação entre os acontecimentos e
o conhecimento de Deus é causal. Em terceiro lugar, vários dos argumentos do
livro assentam na ideia de que certos conhecimentos - por exemplo, sobre o
número infinito de lançamentos de dados - requerem uma ligação causal. Mas
então ou Deus pode saber estas coisas ou não pode. Se não pode, então a om-
nisciência é violada. Se pode, então a omnisciência está salva, mas ou o finitismo
causal é violado ou parece haver a possibilidade de Deus comunicar o seu co-
nhecimento de uma forma que subverte alguns dos argumentos a favor do fini-
tismo causal. Para resolver este problema, argumenta-se que há razões para alar-
gar o finitismo causal àquilo a que se pode chamar finitismo quase-causal.

2. Uma causa não causada


2.1 A argumentação rápida

Há um argumento rápido do finitismo causal para uma causa primeira:

(1) Nada tem uma história causal infinita.

219
(2) Não existem loops causais.
(3) Algo tem uma causa.
(4) Portanto, há uma causa não causada.

Para ver que isto é válido, suponhamos que a0 é algo que tem uma causa, di-
gamos a1. Para uma reductio, suponhamos que todas as causas são causadas. Co-
mo todas as causas são causadas, a1 tem uma causa a2, que tem uma causa a3, e
assim por diante. Além disso, por (2), os ai são todos distintos, o que implica que
a0 tem uma história causal infinita, contrariamente a (1). Portanto, tem de haver
uma causa não causada126.
De facto, o argumento estabelece algo um pouco mais forte do que a existên-
cia de pelo menos uma causa não causada. Mostra que cada item causado a0 tem
um item não causado - uma primeira causa de a0 - na sua história causal. (Mas
note-se que se a causalidade não for transitiva, então uma “primeira causa” de a0
não precisa de ser uma causa de a0: só precisa de estar no início de uma cadeia
causal que leve a a0). Para além disso, todas as sequências causais para trás que
começam em a0 vão regressar a uma primeira causa de a0. A pluralidade de todos
os itens sem causa tem então a propriedade de que todas as cadeias causais re-
montam a algum membro dessa pluralidade.

2.2 Para um ser necessário

Todas as premissas do nosso argumento cosmológico, exceto o finitismo causal


(i.e., (1)), são intuitivamente muito plausíveis. Além disso, não há nenhum Prin-
cípio Causal ou Princípio de Razão Suficiente entre estas premissas, como acon-
tece em muitos argumentos cosmológicos (e.g., ver Pruss 2012). A razão pela
qual não há nenhum princípio deste género entre as premissas é que a nossa
conclusão é modesta: há uma causa não causada. Vimos que podemos acrescen-
tar que tal causa se encontra no topo de cada cadeia causal, mas mesmo esta
conclusão é bastante compatível com o facto de algumas ou todas estas causas
não causadas serem contingentes, quer sejam itens menores como um tijolo não
causado ou maiores como o Big Bang.
Mas o argumento tornar-se-ia mais impressionante se pudéssemos acrescen-
tar um Princípio Causal como o seguinte:

126 ∗∗O argumento aqui formulado usa o Axioma da Escolha Dependente, pois para cada ai, precisa-
mos escolher um ai+1. No entanto, podemos fazer uso de (1) para evitar qualquer uso de Escolha. Uma
vez que a história causal de a0 é finita, existe um mapa φ de um para um entre os membros dessa histó-
ria causal e os inteiros {1, ... , n} para algum n. , n} para algum n. Podemos então substituir a escolha
arbitrária de ai+1 por uma escolha especificada da causa c de ai que tem o menor valor φ(c).

220
(5) Cada item contingente tem uma causa.127

Pois então qualquer causa não causada teria de existir necessariamente, e terí-
amos a afirmação mais impressionante de que há um ser necessário à frente de
cada cadeia causal. É claro que mesmo esta afirmação fica muito aquém do teís-
mo. Por exemplo, a afirmação é compatível com o facto de a primeira causa ser
um Big Bang que ocorre necessariamente, ou de haver uma pluralidade maior de
acontecimentos físicos ou entidades que estão à cabeça de todas as cadeias cau-
sais. No entanto, a existência de um ser necessário causalmente eficaz seria, por
si só, uma conclusão bastante interessante,128 e seria necessária mais investigação
para descobrir a natureza desse ser ou desses seres.

2.3 Defesa do princípio de causalidade

O Princípio Causal (5) é intuitivamente bastante plausível, suficientemente plau-


sível para que o aceitemos na ausência de derrotadores. Já considerámos os prin-
cipais argumentos de derrota para uma versão diferente do Princípio Causal no
Capítulo 3, Secção 3.6.2, e os argumentos de derrota aí apresentados são tam-
bém os principais disponíveis para o presente Princípio Causal.
É também interessante notar que o paradoxo do Ceifador também pode ser
usado para apoiar o presente Princípio Causal. Suponhamos que itens contingen-
tes podem vir a existir sem causa. Suponhamos que estamos num mundo onde o
tempo tem a seguinte propriedade de subdivisibilidade: para quaisquer tempos
distintos t1 e t2, existe um tempo possível u estritamente entre eles.129 Repetindo
esta linha de pensamento, concluímos 130 que existe uma sequência infinita de
tempos possíveis u0, u1, ... tais que u0 está estritamente entre t1 e t2 e un está estri-
tamente entre t1 e un-1 para n ≥ 1.
Tal como no Capítulo 3, Secção 3, suponhamos que uma lâmpada está desli-
gada em t0, só pode ser activada premindo um interrutor e não pode ser desacti-
vada. Mas, enquanto anteriormente imaginávamos Ceifadores que estavam pro-
gramados para um determinado momento, agora imaginamos Ceifadores Instan-
tâneos (RGIs) que se activam assim que passam a existir. Quando um IGR surge
junto à lâmpada, verifica se a lâmpada está acesa. Se estiver apagada, acende-a
instantânea e infalivelmente. De qualquer modo, logo que o faz, afasta-se da
lâmpada.
Se os objectos contingentes podem vir à existência sem causa, o mesmo
acontece com os IGRs. Seria ad hoc permitir que alguns itens contingentes, mas

127 Se os itens que passam a existir no tempo têm de ser contingentes, isto é mais forte do que o Prin-
cípio da Causalidade no Capítulo 3, Secção 3.6.
128 Pruss e Rasmussen (2018) dedicam um livro inteiro a defender esta conclusão.
129 Não me preocuparei com os pormenores da ontologia dos tempos possíveis. Talvez os tempos

possíveis sejam dados por números num qualquer sistema de medição temporal.
130 ∗∗O Axioma da Escolha Dependente está a ser usado aqui.

221
não os RIGs, viessem à existência sem causa. Além disso, os RIGs deveriam ser
capazes de surgir em qualquer momento possível (que seria então atual) depois
de t1, e em particular em un para qualquer número natural n. Além disso, o facto
de um RIG surgir sem causa num momento perto da lâmpada parece ser com-
pletamente independente do facto de outros RIGs surgirem perto da lâmpada,
desde que os outros não estejam a bloquear o espaço perto da lâmpada - o que
não é o caso, uma vez que saltam para longe da lâmpada quando o fazem. Os
surgimentos sem causa na existência devem ser independentes uns dos outros,
exceto no que diz respeito ao espaço no espaço.
Dada esta independência, deve ser possível que um RGI surja em un para ca-
da número natural n.131 Mas agora temos novamente o clássico paradoxo do Cei-
fador. Uma vez activada, a lâmpada não pode ser desactivada e só um RIG a
poderia ter ativado. Mas nenhum RGI poderia tê-la ativado exatamente pelas
mesmas razões que no paradoxo clássico: se o RGI que surgiu em un a acendeu,
então o que surgiu em un+1 (uma vez que un+1 < un) deve ter falhado no seu traba-
lho, enquanto que os RGIs não falham.
Assim, tal como o paradoxo do Ceifador apoia o finitismo causal, também
apoia o Princípio Causal (5).
A dificuldade mais séria neste argumento é a suposição de que é possível que
o tempo seja infinitamente subdivisível. Uma segunda dificuldade é lidar, de uma
forma não questionadora, com a possibilidade de a lâmpada se acender sem
qualquer causa. No entanto, dada a independência dos acontecimentos sem cau-
sa, seria necessário que se neste cenário um RGI surgisse em cada un, então um ou-
tro acontecimento sem causa teria de ter acontecido, e aconteceu não por causa
das actividades dos RGIs, nomeadamente o acender da lâmpada. Para além dis-
so, estas causas não causadas teriam de acontecer devido ao padrão dos RIGs, e
isso é muito difícil de engolir.

2.4 O argumento Kalam

O nosso argumento cosmológico a favor de uma causa primeira necessária tem


uma caraterística central em comum com as versões Kalam do argumento cos-
mológico (Craig 2009), que remontam à filosofia islâmica medieval. Tal como o
argumento de Kalam, o nosso argumento nega a existência de sequências infini-
tas para trás. Mas os pormenores são bastante diferentes. O argumento de Ka-
lam opõe-se a sequências temporalmente infinitas para trás, enquanto o presente
argumento nega todas as sequências causalmente infinitas para trás.

3. Compatibilidade com o teísmo?

131 Isto é semelhante ao argumento a favor de um Axioma da Escolha limitado no Capítulo 6, Secção
4.

222
3.1 Teísmo

No Capítulo 1, argumentei contra o finitismo e, portanto, a favor da possibilida-


de de um infinito real. Por outro lado, apresentei agora um argumento cosmoló-
gico a favor de uma causa primeira necessariamente existente. A teoria mais pro-
eminente acerca de um ser necessário que é uma causa primeira é que se trata de
Deus, um ser perfeito necessariamente existente, e por isso os argumentos deste
livro apoiam a existência de tal ser. Mas serão os argumentos deste livro compa-
tíveis com a existência de um tal ser?

3.2 Motivação divina

Consideremos este argumento, que me foi sugerido por Jonathan Kvanvig:

(6) Se Deus existe, a criação do cosmos por Deus é feita com base num nú-
mero infinito de razões.
(7) Uma ação realizada com base numa razão é causada por essa razão.
(8) Portanto, se Deus existe, o finitismo causal é falso.

Há pelo menos dois caminhos para (6). O primeiro caminho é pensar que os in-
finitos cenários possíveis estão de facto a competir pela realização.132 Não deve-
mos tomar as razões que favorecem outros cenários que não os que Deus actua-
lizou como razões com base nas quais Deus escolheu o que fez. Essas razões
militaram contra o que ele fez e não contribuíram causalmente para a sua decisão
efectiva133. [Em vez disso, elas contra-contribuíram, e pode ser que o finitismo
causal não precise excluir infinitas contra-contribuições.
O segundo caminho é um que me foi sugerido por Jonathan Kvanvig. Há um
número infinito de razões que favorecem a atualização do nosso próprio mundo.
Mas a omnirracionalidade divina implica que Deus actua sobre todas as razões
que favorecem a atualização do nosso mundo134, o que resulta em (6).
É particularmente plausível que existam infinitas razões que favorecem a rea-
lização do nosso mundo se houver um número infinito de bens g1, g2, ... no
mundo, digamos uma infinidade de bons dias futuros. Pois então o facto de o
mundo incluir boas gn é uma razão a favor da atualização deste mundo.
É difícil, portanto, negar (6). Em vez disso, vou negar (7), seguindo uma linha
já esboçada no Capítulo 5, Secção 3.2. Podemos entender uma razão como um
conteúdo mental ou um pensável que favorece uma ação. Uma razão é, portan-
to, algo abstrato. Mas, para além dos conteúdos mentais ou pensáveis, há os

132 Leibniz afirma que cada mundo possível tem “o direito de reivindicar a existência na medida da per-
feição que encerra” (Rescher 2013, Secção 54).
133 Foi utilizado um argumento semelhante no Capítulo 5, Secção 3.2.
134 Ou, pelo menos, todos os que não foram excluídos. Ver Pruss (2013b) para mais discussão. Mas é

improvável que todos, exceto um número finito, sejam excluídos.

223
pensamentos simbólicos que concretizam esses conteúdos. Não são as razões
consideradas como objectos de pensamento abstractos que são as causas das ac-
ções de um agente. Pelo contrário, são os pensamentos simbólicos que realizam
esses pensáveis que são as causas das acções de um agente.
Os argumentos a favor de (6) tornaram plausível a existência de um número
infinito de pensáveis com base nos quais Deus criou o que criou. No entanto,
(7) só é plausível se as razões forem tomadas como os pensamentos simbólicos
dos pensáveis.
Podemos argumentar a favor de (6) tomando consistentemente as “razões”
como os actos mentais simbólicos? É duvidoso. Múltiplos pensáveis podem ser
realizados num único ato de pensamento. Como referido no Capítulo 5, Secção
3.2, quando alguém acredita que a lua é redonda e cinzenta, também acredita que
ela é redonda e que é cinzenta. Da mesma forma, múltiplas razões podem ser re-
alizadas num único ato de pensamento.
Além disso, a doutrina da simplicidade divina implica que todos os pensa-
mentos de Deus se encontram num único ato. A solução de relacionar todos os
pensáveis com um único ato de pensamento não é arbitrária, mas parte integran-
te do teísmo clássico.
Além disso, não é totalmente claro se devemos pensar na relação entre as ac-
ções divinas e as razões divinas como uma relação causal.

3.3 Conhecimento divino

Parece possível que haja um número infinito de acontecimentos contingentes


não determinados por Deus, mesmo que o finitismo causal seja verdadeiro. Por
exemplo, talvez algumas ou todas as pessoas vivam para sempre (por exemplo,
numa vida após a morte) e façam continuamente escolhas livres indeterminadas.
Desde que cada escolha dependa apenas de uma sequência finita do passado,
não há necessidade de violar o finitismo causal. Mas se um Deus omnisciente
existir, ele saberá os resultados destas infinitas escolhas. Além disso, é plausível
que ninguém, nem mesmo Deus, possa determinar escolhas livres. Assim, o co-
nhecimento de Deus deve ser uma espécie de reação às escolhas livres e, por is-
so, um número infinito de escolhas livres causa um único acontecimento, diga-
mos que Deus conhece a conjunção das proposições que relatam os aconteci-
mentos.
Há uma série de respostas possíveis a este argumento. Os teístas abertos ne-
gam que Deus conheça as acções livres futuras. Poder-se-ia combinar isto com a
doutrina de que não pode haver infinitos passados ou presentes (cf. Capítulo 7,
Secção 3.3), e assim, num dado momento, Deus só conhece um número finito
de acções livres, uma vez que só um número finito de acções livres ocorreu num
dado momento.
No lado oposto do espetro teológico, temos os compatibilistas teológicos,
como os calvinistas e alguns tomistas, que defendem que Deus determina cau-
224
salmente todos os itens contingentes, incluindo as escolhas livres dos agentes.
Nesta perspetiva, Deus poderia conhecer um número infinito de acontecimentos
contingentes tomando, e sabendo que está a tomar, uma única decisão eficaz pa-
ra provocar toda a infinitude de acontecimentos contingentes. A decisão de
Deus pode ser causalmente anterior ao seu conhecimento, mas isso não tem de
violar o finitismo causal.
Mas estas são visões extremas e problemáticas. O teísmo aberto rejeita a dou-
trina da omnisciência de Deus, tal como tem sido tradicionalmente entendida
nas tradições judaica, cristã e islâmica. Além disso, pelo raciocínio indutivo co-
mum, sabemos falivelmente sobre algumas acções livres futuras dos agentes.
Podemos saber, com base no desempenho passado de uma pessoa, que ela esco-
lherá livremente cumprir uma promessa, por exemplo. Então, dado que o teísmo
aberto não deixa espaço para que Deus conheça infalivelmente tais verdades fu-
turas, ficamos com duas opções problemáticas (cf. Kvanvig 1996). Ou Deus tem
um conhecimento falível ou há algumas coisas que nós (falivelmente) sabemos e
que Deus não sabe de todo, seja falivelmente ou não. Se Deus tem um conheci-
mento falível, então, da mesma forma, tem crenças falíveis e, por conseguinte, é
possível que Deus esteja errado, o que é profundamente problemático. Mas
também é profundamente problemático se soubermos algumas coisas que Deus
não sabe.
Por outro lado, o compatibilismo teológico depara-se com sérias dificuldades
no que respeita ao problema do mal. Porque se Deus pode determinar as esco-
lhas livres, então Deus pode fazer com que todos nós escolhamos livremente a
coisa certa, e é particularmente difícil justificar que ele permita o mal. Para além
disso, se as nossas escolhas são determinadas por Deus, então parece que Deus
nos determina a fazer o mal por vezes, e isso, por si só, parece incompatível com
a perfeição moral.
Claro que há respostas dos teístas abertos (e.g., Taliaferro 1993) e dos compa-
tibilistas teológicos (e.g., alguns dos autores em Alexander e Johnson 2016) a es-
tas objecções, e ultrapassa o âmbito deste livro debatê-las. No entanto, os argu-
mentos são suficientemente convincentes para que tenhamos de levar a sério a
posição do meio do caminho, segundo a qual Deus não determina as acções li-
vres e, no entanto, tem um conhecimento exaustivo do que será e não será feito
livremente.
Nesta posição do meio do caminho, as infinidades de acções livres futuras
são explicitamente anteriores ao conhecimento que Deus tem delas. Mas mesmo
assim, isto só é uma violação do finitismo causal se esta prioridade explicativa
for causal por natureza. No entanto, não precisa de ser assim. Há uma razão in-
dependente no teísmo clássico para negar que as acções da criatura possam cau-
sar estados mentais divinos: tal causação criatura-Deus parece violar a asseidade
divina.
Mas se a relação explicativa entre a ação livre da criatura (e talvez os aconte-
cimentos estocásticos da criatura) e Deus não é causal, o que é? Esta é uma
225
questão difícil, e que nos leva para além do âmbito deste livro. Vou, no entanto,
esboçar um modelo altamente especulativo, que é um análogo teológico a um
modelo cartesiano de perceção.
No modelo cartesiano de perceção, as nossas impressões sensoriais estão em
exibição em algo a que poderíamos chamar o teatro da mente. No entanto, não
devemos supor que a mente, ao observar as impressões sensoriais, forma sempre
novas representações dessas impressões sensoriais, pois se o fizesse sempre, terí-
amos uma regressão viciosa de impressões135. [As impressões sensoriais são ex-
plicitamente anteriores às nossas percepções de uma forma constitutiva e não
causal: o nosso ato de percecionar o salgado é constituído por uma atividade da
mente mais uma impressão sensorial de salgado.
Embora eu seja cético quanto ao facto de o modelo cartesiano fornecer uma
história correta sobre a nossa perceção, podemos usá-lo para modelar o conhe-
cimento que Deus tem do mundo, tomando Deus como análogo à alma e os
acontecimentos do mundo como os conteúdos do palco. (Os acontecimentos do
mundo não causam impressões ou pensamentos em Deus. Pelo contrário, são
explicativamente anteriores às crenças divinas de uma forma constitutiva: As
crenças de Deus acerca de acontecimentos contingentes são constituídas pelos
acontecimentos sobre os quais se debruçam, juntamente com a atividade da
mente de Deus. Isto requer a rejeição de uma extensão do finitismo causal a cer-
tos tipos de explicações constitutivas.
E há uma razão independente no teísmo clássico para optar por um modelo
como este. O teísmo clássico apoia a simplicidade divina. Mas a simplicidade di-
vina implica que Deus não tem propriedades intrínsecas acidentais. Mas, neces-
sariamente, Deus acredita em todas e apenas nas proposições verdadeiras. As-
sim, a propriedade de Deus acreditar que p, onde p é uma verdade contingente,
é uma propriedade que faltará a Deus em mundos onde p não é verdadeira, e
portanto é uma propriedade acidental. Não pode, portanto, ser uma propriedade
intrínseca. Assim, o teísta clássico tem de dizer que as crenças de Deus sobre
verdades contingentes são parcialmente constituídas por itens externos a Deus.
E é particularmente elegante tomar os factos sobre os quais as crenças são cons-
tituídas como esses itens, o que nos dá o modelo acima (cf. Pruss 2008).
Assim, mais uma vez, enquanto o finitismo causal produz uma dificuldade
prima facie para o teísmo, o teísmo clássico dá uma motivação independente para
uma solução.

3.4 Ação divina

Mas, para além do conhecimento e da crença divinos, há a questão da ação divi-


na. Por exemplo, se Deus sabe p, certamente que pode anunciar p, uma vez que é

135Na introspeção, também pode haver impressões de impressões, mas estas também estarão em exi-
bição no teatro.

226
todo-poderoso - ninguém o pode impedir de falar.136 E agora teremos um dilema
para o finitista causal.
Suponhamos que Deus tem conhecimento de um número infinito de aconte-
cimentos e que anuncia um facto que depende essencialmente desse conheci-
mento. Por exemplo, talvez ele anuncie que, de um número infinito de dados
lançados, todos, exceto um número finito, deram seis, para recordar um exem-
plo do Capítulo 5. Então, ou o anúncio de Deus é ou não é causado pelo núme-
ro infinito de acontecimentos.
Se o anúncio de Deus é causado pelo número infinito de acontecimentos,
temos uma violação do finitismo causal. Mas se o anúncio de Deus não é causa-
do por ele, então o cenário que acabámos de apresentar não é excluído pelo fini-
tismo causal. No entanto, tais anúncios divinos são suficientes para muitos dos
paradoxos da probabilidade e da racionalidade que foram usados para argumen-
tar a favor do finitismo causal. Assim, o finitismo causal não faz o trabalho que
precisa de fazer para nos tirar do paradoxo.
Em resposta, nego que Deus possa sempre fazer tal anúncio. Para suavizar o
golpe, note-se primeiro que há perguntas que têm uma resposta, mas em que
mesmo um ser perfeito não pode dar essa resposta corretamente. Por exemplo,
ninguém pode responder corretamente à pergunta:

(9) Qual é o exemplo de uma entidade a que nenhum ato de fala se refere in-
dividualmente?

Mas é muito provável que haja muitas respostas corretas - certamente que a
maioria das 1080 ou mais partículas do universo nunca são referidas individual-
mente num ato de fala. Há mesmo perguntas de sim ou não que não podem ser
respondidas corretamente:

(10) Na próxima vez que responderes a uma pergunta, a resposta será negati-
va? (Rescher 2005, p. 17)

Se o orador disser “Sim”, responde falsamente, e se disser “Não”, também res-


ponde falsamente. Mas se ela se abstiver de responder, então, desde que haja
uma coisa que ela diga a seguir, há uma resposta correta. Para um terceiro exem-
plo, se eu for tão contraditório que não possa fazer o que acabei de ouvir dizer
que vou fazer, então ninguém me pode dar uma resposta correta à pergunta:

(11) Estou prestes a bater palmas?

Mas a pergunta

136 Agradeço a Miguel Berasategui o facto de ter levantado esta questão.

227
(12) Será que um número infinito de dados deu um número diferente de seis?

difere das perguntas anteriores, na medida em que é possível a um ser diferente


de Deus responder-lhe. De facto, em termos probabilísticos, uma resposta sen-
sata de qualquer pessoa comum que não tenha visto os dados mas que saiba que
houve um número infinito de lançamentos é: “Não”. Mas Deus não pode basear
as suas respostas em fundamentos meramente probabilísticos, pois ao fazê-lo ar-
riscar-se-ia a responder falsamente, e é impossível que um ser perfeito responda
falsamente (cf. Kvanvig 1996).
No entanto, podemos encontrar outras questões às quais é impossível Deus
responder corretamente, mas que uma criatura poderia, em princípio, responder
corretamente. Por exemplo:

(13) Qual é o exemplo de uma entidade a que nenhum ato de fala divino se
refere individualmente?

Talvez, por exemplo, Deus nunca fale sobre o Seabiscuit com ninguém e, nesse
caso, o Seabiscuit é um exemplo de uma entidade desse género. Portanto, pode
muito bem haver uma resposta correta, mas é uma resposta que Deus não pode
dar, embora as criaturas possam.
Ou suponhamos que Deus me prometeu manter algo completamente secreto
para ti, e a promessa está totalmente em vigor. Perguntas a Deus:

(14) O que é que prometeste ao Pruss para me manter em segredo?

Sendo moralmente perfeito, Deus não pode responder a esta pergunta. No en-
tanto, há uma resposta, e os factos relevantes não seriam afectados pela resposta
de Deus à pergunta.
E tal como há perguntas a que um ser perfeito não pode responder, há anún-
cios verdadeiros que um ser perfeito não pode fazer. A minha resposta contesta
a afirmação de que Deus poderia anunciar respostas a perguntas como (12)
mesmo que soubesse as respostas e, portanto, evita o dilema sobre a relação cau-
sal entre o anúncio de Deus e os eventos sobre os quais ele incide. Ainda assim,
mantém-se uma versão geral da questão colocada pelo dilema. Quando Deus faz
anúncios sobre alguns factos contingentes não determinados por Deus, o anún-
cio de Deus é causado pelos factos contingentes?
Mas tanto uma resposta positiva como uma negativa podem ser feitas para se
adequarem ao finitismo causal. Primeiro, suponhamos que o anúncio de Deus é
causado pelos factos contingentes. Nesse caso, temos uma resposta simples e fá-
cil para o facto de os anúncios de Deus não poderem ser usados para resolver
paradoxos como os que apresentei neste livro: esses anúncios seriam uma viola-
ção do finitismo causal, tal como os anúncios não divinos ou os resultados das
máquinas. Mas, em qualquer caso, a resposta causal tem um problema indepen-
228
dente do finitismo causal: considerações sobre a aseidade dão-nos alguma razão
para duvidar que os acontecimentos da criatura possam causar acções divinas.
Em seguida, suponhamos que o anúncio de Deus não é causado pelos factos
contingentes. Aqui o finitista causal tem uma escolha. Uma opção é que Deus
não pode fazer essas declarações sobre assuntos infinitos que conduzem a para-
doxos, mas Deus pode fazer declarações não-paradoxais. Embora fosse ad hoc se
simplesmente excluíssemos todos os paradoxos um a um sem invocar um único
princípio de cobertura como o finitismo causal, no caso do envolvimento de
Deus talvez isto não seja ad hoc. Porque talvez a perfeição de Deus não lhe per-
mita colocar uma pessoa numa situação em que exista um paradoxo de raciona-
lidade. O próprio Deus é um ser racional, os seres racionais são feitos à imagem
de Deus, e agir irracionalmente é, de certa forma, agir contra Deus. Assim, talvez
Deus não pudesse colocar uma pessoa numa posição em que a racionalidade
exigisse dois cursos de ação incompatíveis.
Mas a opção que parece melhor pode ser dizer que a relação entre a matéria
contingente e o anúncio de Deus é uma relação explicativa análoga a uma rela-
ção causal. É uma relação de dependência contrafactual que é parcialmente base-
ada na causalidade, na medida em que os acontecimentos mundanos envolvidos
no anúncio de Deus (um som que ecoa pelo ar ou um pensamento na mente de
uma criatura) são presumivelmente causados por Deus.137 Mais uma vez, aqui só
posso esboçar algo que é uma via para investigação futura interessante.
É possível que as relações explicativas existam em pelo menos duas varieda-
des. Em primeiro lugar, há explicações constitutivas ou fundamentadoras. Nestes ca-
sos, existe uma relação muito íntima entre o explanans e o explanandum. Neste
caso, o explanandum é válido em virtude do explanans. A faca está quente por-
que as suas moléculas têm uma energia cinética elevada - é isso que a constitui
como quente, o que fundamenta o facto de estar quente. Donald Trump é presi-
dente em virtude de ter sido validamente eleito. Os factos relatados pelo expla-
nandum e pelo explanans não estão, num certo sentido intuitivo, realmente se-
parados. Pelo menos nos casos típicos de explicações constitutivas, o explanans
implica o explanandum. Se adoptarmos a solução de constituição externa para o
problema do conhecimento divino dada na Secção 3.3, não devemos estender o
finitismo causal a este tipo de explicações.
Mas, em segundo lugar, há explicações que tipicamente também suportam
contrafactuais, mas onde os factos relatados pelo explanans e pelo explanandum
são realmente separados. Tipicamente, não há qualquer implicação do explanans
para o explanandum. Um caso paradigmático deste tipo de explicação é baseado
na causalidade eficiente. Mas a causalidade pode não ser a única instância deste
tipo. Poderíamos chamar às relações subjacentes a este tipo de explicação “qua-
se-causais”. Se o fizermos, então podemos estender o finitismo causal ao finitis-
mo quase-causal, excluindo histórias quase-causais infinitas, e podemos dizer

137 Ver Pearce (2017).

229
que os anúncios de Deus de estados de coisas contingentes quando esses estados
de coisas não são determinados por Deus são quase-causados por esses estados
de coisas. Com esta solução, o finitismo quase-causal será a perspetiva geral de-
fendida pelos argumentos deste livro. Isto combina bem com a extensão para re-
lações contrafactuais causalmente fundamentadas no Capítulo 7, Secção 2.3.
Seguindo a via da quase-causalidade, então, podemos negar que Deus possa
fazer os anúncios paradoxais, porque isso violaria o finitismo quase-causal, e de-
vemos aceitar o finitismo quase-causal como uma extensão natural do finitismo
causal. Esta parece ser a melhor solução para a tensão entre o teísmo e os para-
doxos relevantes.

3.5 Limites da possibilidade metafísica

A existência necessária de um ser perfeito impõe limites ao que é possível. Por


exemplo, se tal ser existe, é impossível que haja males não redimidos tão maus
que seria errado que um ser perfeito os permitisse.138
Mas tais limites também limitam a aplicabilidade dos tipos de argumentos de
rearranjo que têm sido muito usados neste livro. Por exemplo, argumentei no
Capítulo 3, Secção 3.3, que se é metafisicamente possível ter infinitos Ceifadores
com tempos de ativação definidos de uma forma não paradoxal (digamos, às
10:00, 10:30, 10:45, e assim por diante), então deve ser possível ter os tempos de
ativação definidos de uma forma paradoxal.
Agora consideremos mundos que, para além de Deus, contêm duas pessoas,
Smith e Jones, e uma máquina, o Justiceiro. Smith esmurra livremente a cara de
Jones de uma forma que não causa dor ou ferimentos graves, e nunca faz mais
nada de errado. O Justiceiro impõe então a Smith uma certa duração de dor de
dentes moderada como castigo por este ataque. O Justiceiro tem um mostrador
que controla a duração da dor de dentes imposta. É evidente que é possível um
mundo em que o mostrador está regulado para uma duração moderada de tem-
po proporcional ao ferimento de Jones, digamos um minuto. Mas, tendo em
conta o teísmo, não parece ser possível um mundo em que o mostrador esteja
regulado para mil milhões de anos - pelo menos, não sem introduzir algo mais
na história, como benefícios para Smith por sofrer uma dor de dentes equivalen-
te a mil milhões de anos. As considerações sobre a justiça num mundo com
Deus limitam assim as possibilidades.
O teísmo, portanto, requer a rejeição da ideia de que modificações matemati-
camente coerentes de arranjos possíveis serão sempre possíveis. Mas essa ideia
parece importante para muitos dos argumentos deste livro.
No entanto, é muito plausível, dado o teísmo, que os limites plausíveis que o
teísmo coloca nas modificações dos arranjos se baseiem num de dois aspectos da
perfeição divina. (Para uma descrição da omnipotência compatível com os tipos

138 Cf. o argumento modal do mal de Gulesarian (1983).

230
de limites que irei discutir, ver Pearce e Pruss 2012). O primeiro limite é que tu-
do, exceto Deus, é criado por Deus. Isto limita as possibilidades de entidades
não criadas a uma, nomeadamente Deus, mas como nenhum dos argumentos
principais depende de entidades não criadas, os argumentos não são impedidos.
O segundo limite é imposto pela perfeição moral de Deus. Este facto limita
os exemplos que envolvem sofrimento. Mas, para ser uma opção real, é bom que
o teísmo seja compatível com as enormes quantidades de sofrimento encontra-
das no mundo atual e, por isso, é bom que os limites aos exemplos que envol-
vem sofrimento não sejam tão onerosos como se poderia pensar à primeira vis-
ta.
Ainda assim, haverá preocupações no caso dos exemplos do Capítulo 5 que
envolvem efectiva ou potencialmente uma quantidade infinita de dor. No entan-
to, mesmo que isso torne os jogos incompatíveis com o teísmo, eles podem ser
modificados para que um ser perfeito os permita. Por exemplo, no jogo de adi-
vinhação de um dado para um jogador, supus que o jogo foi jogado durante um
período de tempo infinito e que, de cada vez que se erra, se leva um choque elé-
trico. Em estratégias de adivinhação que não garantem que se acerte quase sem-
pre, isto implica uma quantidade infinita de dor total. E é essencial para a histó-
ria que haja uma possibilidade real de adotar essa estratégia. É, no entanto, pos-
sível modificar o exemplo para evitar preocupações morais. Podemos, por
exemplo, supor que a quantidade de dor causada pelo choque é suficientemente
pequena para que o prazer da excitação do jogo - independentemente de se ga-
nhar ou perder - compense os danos139. É verdade que essa modificação faz com
que o prémio total seja infinito, aconteça o que acontecer. Mas a excitação do
jogo não depende da decisão sobre como apostar, ou pelo menos assim o su-
pomos, e os benefícios, mesmo infinitos, que não dependem da decisão tomada
não devem afetar a racionalidade da decisão - podem ser excluídos.140
Poderão existir outros limites que o teísmo coloca aos mundos possíveis, para
além dos que advêm do facto de Deus ser criador e perfeitamente bom do ponto
de vista moral? Talvez, mas é plausível que não possa haver demasiados limites,
uma vez que entre as perfeições de Deus está, afinal, o seu poder infinito, que
deve deixar em aberto muitas opções (Pruss 2016).
Em qualquer caso, faríamos bem em lembrar que o finitismo causal e quase-
causal colocam eles próprios uma limitação aos rearranjos. Tal como referido no
Capítulo 1, Secção 3.2, o que queremos evitar são limitações ad hoc aos rearran-
jos. As limitações teístas, tal como a limitação devida ao finitismo causal, são ba-
seadas em princípios e não ad hoc.

139 Ou podemos supor que o jogador, de cada vez, escolhe livremente jogar para salvar um amigo do
perigo. Deus pode então justificar-se ao permitir que o jogo continue porque o jogador cresce em vir-
tude ao jogá-lo, apesar da dor sofrida.
140 Se não for possível fazer esse agrupamento, então uma teologia universalista fortemente igualitária,

na qual todos recebem uma felicidade infinita igual na vida após a morte, prejudicaria todas as decisões
comuns ao garantir o mesmo prémio, independentemente do que aconteça, mas não parece fazê-lo
(pode usar-se utilidades hiper-reais para explicar porque não - ver Herzberg 2011).

231
4. Avaliação
O finitismo causal implica a existência de pelo menos uma causa primeira. Dado
um Princípio Causal para seres contingentes, segue-se que qualquer causa pri-
meira é um ser necessário. Argumentar de uma causa primeira necessária para o
teísmo seria uma tarefa importante, uma tarefa tentada por teólogos naturais
como Aquino (1920) e Clarke (1803), mas para além do âmbito deste livro.
No entanto, o teísmo é a teoria existente mais bem desenvolvida de uma cau-
sa primeira necessária. Por conseguinte, se o teísmo fosse incompatível com o
finitismo causal, isso tornaria o finitismo causal menos plausível. Argumentei
que o teísmo pode ser conciliado com o finitismo causal, especialmente se o te-
ísmo for entendido de uma forma clássica. Podemos, no entanto, ter de alargar o
finitismo causal ao finitismo quase-causal.
Talvez a principal alternativa ao teísmo neste caso seja a afirmação de que o
acontecimento do Big Bang é uma causa primeira necessariamente obtida. A de-
fesa desta afirmação obrigaria a negar a intuição de que as leis da natureza e a
disposição inicial da matéria poderiam ter sido muito diferentes do que são na
realidade.

232
233
10
Conclusões

Um grande número de paradoxos do infinito foi pesquisado. Os paradoxos dife-


rem amplamente. Alguns envolvem processos determinísticos e outros indeter-
minísticos. Um (Lâmpada de Thomson) é paradoxal, pois ameaça violar o Prin-
cípio da Razão Suficiente. Alguns outros ameaçam contradição. Ainda outros
ameaçam violar princípios de racionalidade, alguns epistêmicos e alguns práticos.
Mas há uma coisa que todos os paradoxos têm em comum: um número infinito
de itens são, em algum sentido, causalmente anteriores a um único item.
Sempre se pode sair de qualquer um dos paradoxos individuais simplesmente
dizendo que a situação que ele descreve é impossível porque leva ao paradoxo.
Mas isso não é satisfatório. Primeiro, o movimento tende a violar instâncias
plausíveis de rearranjo, porque há configurações semelhantes que não envolvem
paradoxo. Segundo, o movimento acaba dando uma ampla variedade de explica-
ções para o porquê das configurações serem impossíveis, e uma explicação unifi-
cada seria preferível. O finitismo causal fornece uma explicação unificada ao ne-
gar a possibilidade de uma história causal infinita para um único item.
O finitismo causal caminha em uma linha entre o finitismo simpliciter e o que
se poderia chamar de infinitismo irrestrito, no qual a divisão finito/infinito não
marca por si só uma diferença na possibilidade, seja em situações causais ou não
causais. O finitismo, quando combinado com a teoria do bloco crescente do
tempo ou o eternalismo, pode resolver todos os nossos paradoxos, mas o custo
dessa resolução é alto. Primeiro, o finitismo implica que a matemática moderna
se preocupa com situações impossíveis. Segundo, o finitismo mais o eternalismo
contradiz a alegação plausível de que infinitos futuros são possíveis. E enquanto
o finitismo mais o bloco crescente evita os paradoxos que motivam o finitismo
causal e permite um futuro infinito, ele leva ao ceticismo sobre o que é o tempo
agora. Por outro lado, o infinitismo irrestrito não permite uma solução unificada
para os paradoxos.
Além de resolver paradoxos, vimos que o finitismo causal faz justiça às intui-
ções comuns sobre a perversidade de regressões causais infinitas. E, como bô-
nus, nos dá uma explicação metafísica potencialmente interessante do finito e do
contável com uma aplicação à filosofia da matemática.
O finitismo causal deve ser pensado como uma família de visões, dependen-
do de quais relações de prioridade causal são usadas para defini-lo. Mais pesqui-
sas são necessárias para especificar melhor o finitismo causal, bem como para
considerar análogos plausíveis ou extensões ao finitismo causal. Por exemplo,
234
pode-se argumentar que, assim como nada pode ter infinitamente muitas causas,
nada pode ter infinitamente muitas partes. Também há análogos intrigantes en-
tre histórias causais infinitas e histórias causais circulares, e o finitismo causal
pode ser estendido para impedir ambas.
Há um argumento inicialmente plausível do finitismo causal para a tese de
que o tempo (e provavelmente também o espaço) são discretos. No entanto, há
interpretações empiricamente adequadas da causalidade na física nas quais as se-
quências causais são discretas, mas o tempo não. Se essas interpretações são im-
plausíveis, então o finitismo causal empurra para o discretismo temporal.
Por outro lado, definitivamente decorre do finitismo causal juntamente com a
negação da possibilidade de laços causais que deve haver uma causa não causada.
É necessária uma investigação se essa causa não causada é algo natural, como o
Big Bang, ou algo sobrenatural, como Deus. Ao mesmo tempo, embora os ar-
gumentos para o finitismo causal tenham uma similaridade com partes dos ar-
gumentos Kalam para a existência de Deus, há dificuldades especiais — aquelas
que acredito que podem ser superadas — que devem ser enfrentadas por alguém
que combina o finitismo causal com o teísmo. Pruss e Rasmussen (2018) argu-
mentaram que teístas e não teístas poderiam concordar que há um ser necessário
e investigar a natureza desse ser juntos. O argumento inspirado em Kalam do
Capítulo 9 deve ajudar a motivar ainda mais essa investigação conjunta.

235
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