A Grandeza Do Céu e Da Terra: Ching), Isto É, o Tempo em Que o Espírito, Retirando-Se para Dentro Do Corpo A
A Grandeza Do Céu e Da Terra: Ching), Isto É, o Tempo em Que o Espírito, Retirando-Se para Dentro Do Corpo A
A Grandeza Do Céu e Da Terra: Ching), Isto É, o Tempo em Que o Espírito, Retirando-Se para Dentro Do Corpo A
Não é preciso dizer que esses topoi não existem só como instrumentos para a
arte literária. São esquemas narrativos repetíveis, mas, por isto mesmo, são
possibilidades permanentes da vida humana. São uma súmula do que acontece
a todos nós; são modelos das situações vividas; são instrumentos de
interpretação da vida real. Tomados no seu imenso conjunto, constituem uma
enciclopédia da arte de viver. São o único ensinamento realmente válido que a
humanidade recebeu a respeito deste tema, que é por sua vez o único que
interessa igualmente a todos os homens. Alguns poderão lamentar, diante disto,
que um patrimônio tão valioso, espalhado em obras clássicas de difícil acesso
para o homem comum, esteja à disposição de tão poucas pessoas. Mas é uma
lamentação desnecessária: todos os homens comuns podem ler a Bíblia, ou
ouvir sua recitação; e, como demonstrou Northrop Frye, todos os topoi mais
importantes da literatura Ocidental já estão na Bíblia, e, portanto, ao alcance de
todos. O exílio e o retorno do Rei já estão prefigurados no Gênese, quando Deus,
após haver criado o homem e a mulher, se retira temporariamente da cena,
deixando-os livres para escolher entre as delícias do Paraíso e a tentação da
serpente. Tragédias e comédias sobre o tema, que povoam nossa literatura, não
são senão o comentário e permanente atualização desse capítulo do Gênese. Não
se trata, como se vê, de pura literatura , mas de algo sumamente grave: trata-se
de uma das chaves da vida humana sobre a Terra.
Tudo consiste, nesse ponto, em saber o que o homem fará nos momentos em
que, ausente a luz do espírito, não sabe o que fazer. Meu falecido mestre e
amigo, Juan Alfredo César Müller, a quem muito me orgulho de haver ouvido e
obedecido sempre enquanto viveu, tinha um preceito para essas ocasiões:
Quando você não sabe o que fazer, faça o que é o seu dever. O livro do I
Ching celebra como igualmente grandes o Céu e a Terra, quer dizer: a
criatividade do espírito luminoso que livremente ordena e legisla, e a obediência
fiel que, mesmo na obscuridade, prolonga – por assim dizer, no passivo – a obra
do espírito. Nas trevas, a alma do homem é tentada pela suspeita, pela
inquietação, pela trepidação da conjectura incessante. O conhecimento que
antes parecia claro e evidente surge-lhe agora nebuloso, indistinto. A verdade
parece mentira, a mentira verdade. O esoterismo islâmico associa essa agitação
ao planeta Marte, e chama à suspeita o que pode haver de pior na alma humana.
Segundo esclarece TitusBurckhardt, um dos melhores conhecedores do tema, a
raiz obscura do mental é al uáhm, termo que significa ao mesmo tempo a
conjectura, a opinião, a sugestão, a suspeita, portanto a ilusão mental. É o
inverso da liberdade especulativa do mental: a potência de ilusão desta última é
como que fascinada por um abismo, é atraída por todas as possibilidades
negativas inesgotadas. Quando esta potência domina a imaginação, esta se torna
o maior obstáculo à espiritualidade.
Tudo consiste, dizia eu, em saber o que o homem fará nesses momentos em que
se abre diante dele o abismo de infinitas dúvidas sem resposta. Alguns,
arrastados pelo movimento mesmo da dúvida, tomam justamente aí suas mais
graves decisões, renegando o espírito; e quando mais incertos e nervosos se
encontram, na incapacidade de chegar a qualquer conclusão positiva, tanto mais
enfaticamente defendem uma opinião que não é senão o resíduo de sua agitação
interior, e que acabará por se revelar passageira como ela.
Tudo consiste, para o homem, em saber o que vai fazer quando não souber o que
fazer. Pois haverá sempre o retorno da luz, e tanto poderá ser uma comédia
quanto uma tragédia.
*
* *
O cúmulo da ironia é quando uma mera situação de ensino é tomada como real
e, num lapso proposital ou causal do professor, a alma de um aluno se deixa
realmente envenenar e jogar ao abismo da suspeita e do erro.
Olavo de Carvalho
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