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Introdução à

filosofia da religião
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Definir filosofia como modo de conhecimento específico.


>> Comparar a filosofia da religião com áreas do pensamento filosófico que
lhe são correlatas.
>> Reconhecer as divergências e as convergências entre filosofia da religião e as
demais áreas de conhecimento que se debruçam sobre o fenômeno religioso.

Introdução
A filosofia busca compreender por meio da racionalidade questões fundamen-
tais da vida. Por sua vez, religiões e seus movimentos sociais e psicológicos são
estudados por diversas áreas, como psicologia, psicanálise, fenomenologia e
sociologia. Compreender de que forma o pensamento religioso pode ser entendido
por meio da racionalidade é uma tarefa árdua e complexa. Essa é a missão aceita
pela filosofia da religião.
Neste capítulo, você encontrará a definição do que é a filosofia enquanto modo
de pensamento em relação às questões mais diversas. Em seguida, conhecerá
a filosofia da religião e será capaz de compará-la a outros estudos filosóficos
correlatos. Por fim, conhecerá algumas divergências e convergências entre o
estudo filosófico-religioso e outras disciplinas, tomando como exemplo alguns
fenômenos religiosos que podem ser analisados.
16 Introdução à filosofia da religião

Fundamentos da filosofia
Para se compreender os estudos realizados pela filosofia da religião, é preciso
entender o que é a filosofia de fato. Segundo o Dicionário Houaiss (2001), a
filosofia é um conjunto de reflexões a respeito da realidade, fazendo o uso
da razão. Pode ser considerada também uma sabedoria, de maneira a reunir
conhecimentos ou ideias, ou seja, uma ciência, a partir de outros conheci-
mentos e saberes racionais.
Wilkinson e Campbell (2014), contudo, definem o pensamento filosófico
como uma reflexão sobre questões fundamentais, sem significar uma busca
por uma teoria lúdica ou explicativa dessas questões. Seja como for, a filosofia
é uma ciência que possui muitos ramos, como ética, estética e filosofia política.
No âmbito da filosofia da religião, são utilizadas amplamente a metafísica, a
lógica e a epistemologia, também conhecida como teoria do conhecimento
(WILKINSON; CAMPBELL, 2014). A seguir, serão abordadas e explicadas cada
uma dessas áreas.

Metafísica
O nome metafísica foi dado a essa área de estudos pelos discípulos de Aris-
tóteles. Primeiramente, eles realizaram diversas discussões e análises sobre
as coisas que possuem movimento ou que mudam de forma, atribuindo a
esses estudos o nome de física. Por consequência, aquilo que não se encaixa
na física recebia a alcunha de metafísica, ou seja, aquilo que vem depois da
física. Ela costumeiramente é tratada como uma discussão quase que teoló-
gica, daquilo que é transcendental. Porém, talvez a vertente mais adequada
para entender esse estudo é a de uma reflexão filosófica sobre o que existe
e o que é experiencial ou não (WILKINSON; CAMPBELL, 2014).

A metafísica é dividida em dois tipos: cosmológica e ontológica.


A cosmológica trata sobre as teorias que falam da totalidade do
ser e como é possível conhecer algo. A ontológica, por sua vez, teoriza sobre a
existência das coisas, sem especificar o objeto observado. “Assim, por exemplo,
perguntar se a alma existe é uma questão ontológica, visto que isso deixa
inteiramente abertas questões sobre quais outros tipos de coisas podem existir”
(WILKINSON; CAMPBELL, 2014, p. 38).
Introdução à filosofia da religião 17

Lógica
A lógica é, enquanto vertente da filosofia, uma estruturação de raciocínios.
Sua preocupação é verificar se o pensamento lógico e as conclusões geradas
por essas deduções são verdadeiras e são válidas. “O modo mais fácil de
entender a lógica é na prática. Aristóteles é considerado o pai da lógica — ele
interessou-se especialmente pelas formas de raciocínio que conduzem a
conclusões verdadeiras” (WILKINSON; CAMPBELL, 2014, p. 43).

Silogismo

A lógica aristotélica também é compreendida como silogismo, uma forma mais


básica de pensamento sobre algo. O silogismo é composto por três elementos
básicos: premissa maior, premissa menor e conclusão. Um exemplo clássico
nesse caso é o seguinte:

„„ Todo o homem é mortal (premissa maior).


„„ Sócrates é um homem (premissa menor).
„„ Logo, Sócrates é mortal (conclusão).

Lógica dedutiva e indutiva


Nesse exemplo, é possível elucidar algumas questões a respeito do silogismo.
Num primeiro momento, foi apresentada a premissa maior. Ela é abrangente,
universal e engloba o todo. O todo é visto sem se preocupar com aquilo
que é menor, mais específico. Em seguida, foi dada a premissa menor, que
é uma pequena parte do todo. O objetivo dela é observar, a partir de um
agente ou sujeito, uma determinada característica que compõe a premissa
maior. A partir do exemplo, foi afirmado que todo homem é mortal. Por isso,
qualquer homem é mortal. Foi afirmado, então, que Sócrates é um homem,
portanto, faz parte do todo. Por fim, chegamos à conclusão, que no silogismo
considera a premissa menor em vista da premissa maior. Ou seja, se todo o
homem é mortal e, como explicado anteriormente, Sócrates é um homem,
por consequência ele também é um ser mortal (WILKINSON; CAMPBELL, 2014).
Esse tipo de pensamento também é chamado de raciocínio dedutivo. Ele
propõe premissas e as valida, a fim de obter um resultado que se encaixa ou
não no que é proposto. Parte-se, portanto, de um conhecimento mais amplo,
18 Introdução à filosofia da religião

universal, para chegar ao que é mais específico. Entende-se primeiro que


todos os homens são mortais, para depois compreender que, se Sócrates é
homem, ele também é mortal.
No entanto, filósofos como David Hume afirmaram que o mundo não pode
ser visto apenas de maneira dedutiva. O fato do Sol nascer todas as manhãs,
desde que a humanidade de formou, não impede que ele venha a se extinguir.
Por isso, a maneira dedutiva de ver as coisas, do todo para o particular, sendo
usada de maneira exclusiva, não traria ao ser humano a capacidade de refletir
a respeito de alguns fatos. Em contraposição, a percepção indutiva pode
ser útil e ampliar conhecimentos. Uma suposição fundamental da indução
é que, quanto maior número de casos, mais provável a conclusão geral se
torna — beirando a certeza (WILKINSON; CAMPBELL, 2014).
Porém, o método indutivo possui um problema relacionado à sua lógica. Para
esse método, a única evidência de que vários fatos ocorreram por uma mesma
causa está exatamente nos fatos suscitados. Para se provar a indução, utiliza-
-se a própria indução. Por exemplo: “Toda vez que o dia está chuvoso, João fica
resfriado. Se amanhã chover, João vai ficar resfriado”. Como o método indutivo
prevê uma análise a partir de um fato, de uma evidência, essa lógica só se com-
provará a partir do momento em que João ficar resfriado, não a partir da chuva.
A Figura 1 resume as diferenças entre os pensamentos indutivo e dedutivo.

Figura 1. Comparação entre os pensamentos dedutivo e indutivo.


Fonte: Previtali (2015, documento on-line).
Introdução à filosofia da religião 19

Ainda sobre a lógica presente para cada das questões propostas, segundo
Wilkinson e Campbell (2014), são três os princípios básicos propostos ao
longo dos séculos:

„„ identidade — trata-se da premissa de que algo é idêntico a sim mesmo


(na matemática, x = x ou 2 + 2 = 4, por exemplo);
„„ não contradição — afirma a impossibilidade de que uma contradição
seja lógica (um quadrado não pode ser circular);
„„ terceiro excluído — trata sobre o fato de um objeto ter ou não uma
determinada qualidade, não podendo ter ambas (você ou acerta ou
erra um alvo, por exemplo).

Lógica moderna
Com as evoluções científicas e tecnológicas surgidas no século XIX, novos
desafios se impuseram para conflitar e indagar o pensamento filosófico. Mo-
delos matemáticos, por exemplo, foram atualizados, gerando novas regras e
definições. Sendo assim, se novas linguagens matemáticas podiam ser criadas
mediante a mudança das regras, novos sistemas lógicos também poderiam
surgir, por meio de novos e diferentes axiomas (WILKINSON; CAMPBELL, 2014).
A filosofia recebeu essa nova lógica como um novo desafio. A maioria das
questões costumava ser ou verdadeira ou falsa. Contudo, as novas regras e
os novos sistemas lógicos propostos traziam à tona um paradoxo não antes
explorado: uma verdade que também é falsa, uma mentira que tem um fundo
de verdade. Isso representou uma guinada para um pensamento neutro,
ligado à um meio termo em formação, fazendo evoluir as linguagens lógicas
propostas anteriormente, e aprimorando e revolucionando a matemática, a
ciência e, posteriormente, a computação.

Epistemologia
A epistemologia também é chamada de teoria do conhecimento. Ela trata
daquilo que, de fato, pode-se conhecer, ter contato. Para isso, é preciso ter
conhecimentos sobre o mundo exterior ou sobre as opiniões propostas, tra-
tando também sobre a distinção entre crer e conhecer, de suma importância
para as crenças religiosas (WILKINSON; CAMPBELL, 2014).
20 Introdução à filosofia da religião

Etimologicamente, epistemologia significa discurso sobre a ciência


(episteme + lógos). Assim é o estudo dos princípios, das hipóteses e
dos resultados de diversas ciências, conduzido de maneira crítica. Sua tarefa
principal consiste em reconstruir racionalmente o conhecimento científico,
analisando amplamente aquilo que é objeto de modo lógico, linguístico, político,
sociológico, histórico e interdisciplinar. Essa tarefa é contínua, pois o conheci-
mento científico não é definitivo ou finito; é provisório, envolto por ideologias,
religiões, políticas, economias e histórias (TESSER, 1994).

Pode-se, portanto, considerar a epistemologia um estudo reflexivo do


saber, abarcando sua formação, seu desenvolvimento, sua organização, seu
funcionamento e seus produtos e resultados, principalmente intelectuais.
Sendo assim, a epistemologia pode ser considerada o estudo do conhecimento,
ocupando-se dos problemas filosóficos que surgem durante investigações ou
reflexões sobre métodos, problemas e teorias da ciência. Por consequência,
ela acaba propondo soluções mais claras e evidentes, mais consistentes e
inteligíveis, observando a realidade em que os problemas e as teorias são
propostos. A epistemologia também acaba por distinguir ciência autêntica de
pseudociência, criticando pensamentos, programas e resultados errôneos.
Desse modo, as contribuições epistemológicas incluem:

[...] trazer à tona os pressupostos filosóficos (em particular semânticos, gnosiológi-


cos e ontológicos) de planos, métodos, ou resultados de investigação científicas de
atualidade; elucidar e sistematizar conceitos filosóficos empregados em diversas
ciências; resolver problemas científico-filosóficos, tais como o de saber se a vida
se distingue pela teleonomia e a psique pela inespacialidade; reconstruir teorias
científicas de maneira axiomática, pôr a descoberto seus pressupostos filosóficos;
participar das discussões sobre a natureza e o valor da ciência pura e aplicada,
ajudando a esclarecer as ideias a respeito; servir de modelo a outros ramos da
filosofia, particularmente a ontologia e a ética (TESSER, 1994, documento on-line).

Por isso, algumas perguntas são quase que cruciais para a discussão e
para a investigação epistemológica. Assim, elas são formuladas abordando
aquilo que é efetivamente objeto e aquilo que envolve as provas sobre esses
fatos e objetos. Qual é o objeto de estudo? O que é preciso entender desse
objeto? Por que ele acontece ou existe? Quais são as provas de sua existência?
O que é uma prova? Por que é preciso uma prova? O que pode ser considerado
prova? É a partir de tantas indagações que o conhecimento se forma e se
aprimora. Esse conhecimento pode ser classificado de duas formas: a priori
e a posteriori (WILKINSON; CAMPBELL, 2014).
Introdução à filosofia da religião 21

Conhecimento a priori

Quando o conhecimento diz respeito a algo não visível, palpável, sensível


(entenda-se algo que depende dos sentidos: visão, olfato, paladar, audição ou
tato), pode-se dizer que ele é um conhecimento a priori, isso porque depende
apenas do significado das palavras.

Por exemplo, dizer que ‘um quadrado tem quatro lados’ é verdade e posso saber
que isso é verdade porque conheço o significado de todas as palavras da frase.
Uma frase desse tipo é chamada de tautologia, o que significa simplesmente que
o sentido do predicado (‘tem quatro lados’ — essa é a parte da frase que descreve
o sujeito) é parte essencial do significado do sujeito (‘um quadrado’ – sobre o que
a frase é) (WILKINSON; CAMPBELL, 2014, p. 39).

Observando o exemplo, é possível afirmar que o significado não exige


uma comprovação sensível, física. Quando se fala de um quadrado, sabe-se
que se trata de uma figura geométrica com quatro lados iguais.
Além da tautologia, o cogito também é um exemplo de conhecimento a
priori. Ele foi proposto pelo filósofo e matemático francês René Descartes,
que escreveu “penso, logo existo” ou “penso, portanto sou” (cogito ergo sum).
Assim, o fato de pensar em algo evidencia a existência daquele que pensa,
sem necessidade de uma comprovação científica. Quando se trata da religião
e da existência de Deus, isso remete a alguns importantes filósofos, como
Santo Anselmo e o próprio Descartes (WILKINSON; CAMPBELL, 2014).

Conhecimento a posteriori

O conhecimento a posteriori diz respeito àquilo que é dependente de uma


comprovação sensível. Portanto, a tautologia aqui não é permitida, uma
vez que ela depende de um conhecimento prévio, mas sem evidenciação.
Segundo os autores Wilkinson e Campbell (2014), é preciso lembrar que há um
problema quando as experiências sensoriais são levadas em consideração
para evidenciar um fato. Os sentidos possuem limitações, além de serem
parte de uma percepção individual.
Por isso, sempre há um questionamento a respeito do juízo a posteriori,
uma vez que ele nunca pode ser considerado totalmente certo. Dessa forma,
evidências físicas e científicas para esse tipo de conhecimento são fundamen-
tais, pois comprovam aquilo que se teoriza. Porém, mesmo que os possíveis
fatos exijam uma percepção individual daquele que vê ou ouve, por exemplo,
não há motivos para se duvidar deles. A evolução científica comprova isso, pois
22 Introdução à filosofia da religião

as diversas teorias propostas durante a história humana foram revisitadas,


ampliadas, reescritas, corrigidas ou complementas em vários momentos.
Comprovar não é sanar toda e qualquer dúvida para sempre.
Sendo assim, no âmbito religioso pode-se dizer que:

[...] há boas razões filosóficas para duvidar dos argumentos a favor da existência
de Deus — bem como há também boas razões filosóficas para rejeitar o ateísmo
—, e o bom filósofo, sem se deixar influenciar pela crença pessoal, leva isso em
consideração (WILKINSON; CAMPBELL, 2014, p. 42).

Portanto, torna-se indispensável manter a atenção e a cautela para o en-


frentamento de questões políticas e religiosas ao se deparar como pessoas que
afirmam saber daquilo que não sabem de fato. “Elas poderiam ter boas razões
para sua crença, e certamente estão sendo sinceras ao defender isso, mas estaria
errado dizer que elas sabem” (WILKINSON; CAMPBELL, 2014, p. 42). Logo, o uso
de termos como “fé” e “crença”, por exemplo, é importante para que não haja
uma afirmação para aquilo que possui uma percepção individual e não sensível.
A partir do conteúdo apresentado até aqui, temos subsídios conceituais
para avançar para a próxima seção. Nela será abordada a filosofia da religião
em comparação com outras áreas do pensamento filosófico.

A filosofia da religião
Não é incomum se deparar com a religiosidade ligada ao pensamento mais
racional e filosófico. A fé e a religiosidade estiveram presentes em diversos
momentos da história. Relembrar que mitos gregos e crenças egípcias bus-
cavam explicar fenômenos naturais e sociais é essencial para compreender
a ligação entre razão e fé.
Para Gesché (2003), essa linha é bem definida, uma vez que o ser humano
busca incessantemente explicar aquilo que está em si e ao seu redor. Ele
sempre tenta superar questionamentos entendendo mais sobre sua exis-
tência, sua cultura, sua ciência. O indivíduo é fruto de uma cultura proposta,
a qual contém relações entre técnica e formação, interação e cultura, fé e
sagrado. Por consequência, o ser humano não pode ser observado apenas
sobre o prisma antropológico, sendo preciso compreendê-lo também no
âmbito teológico. Por isso, entender o ser humano apenas no contexto da
fé ou apenas no contexto da razão torna possíveis debates tendenciosos e
incompletos. Sendo assim, a filosofia da religião busca debater o aspecto
religioso sob o olhar minucioso da razão.
Introdução à filosofia da religião 23

Num primeiro momento, torna-se indispensável entender o que é a re-


ligião. Segundo Durkheim (1996), a religião é um sistema solidário formado
por práticas e crenças, sempre observando um sagrado definido. Com isso,
é mantida a harmonia da comunidade religiosa e são afastadas ações que
podem vir a prejudicar ou a denegrir essa comunidade. Assim, aqueles que
aderem à essa comunidade não desejam prejudicá-la ou afetar a presença
dos demais que formam a chamada igreja.
Quando se fala sobre o sagrado, é preciso entender que ele é o ato ou
o símbolo que o ser humano usa para encontrar o divino. Desse modo, “[...]
pode-se afirmar que o sagrado não é a meta da atitude ou da experiência
religiosa. Esse fim seria o próprio transcendente” (CROATTO, 2010, p. 61).
Sagrado é o ato; divino é o ser transcendente. O contrário, a manifestação
do transcendente para com o ser humano, é chamado de hierofania (ELIADE,
1992). Segundo Mendonça (1999), a ultrapassagem do sentido humano de uma
experiência evidencia aquilo que é considerado sagrado.
Sendo a religião um sistema formado por práticas e crenças de fé, como
é possível definir a filosofia da religião? De que forma é possível unir razão
e fé? Segundo Sweetman (2013, p. 16), “[...] a filosofia da religião pode ser
definida como a tentativa feita por filósofos de investigar a racionalidade
das afirmações religiosas básicas”. Ainda conforme o autor, isso é o que
distingue o conceito de filosofia da religião e o conceito de apologética,
que é uma tentativa de defesa das afirmações de uma determinada religião.
Observando esse tipo de estudo, não é necessário que o filósofo seja um ser
ativo em sua comunidade, tampouco que tenha uma crença religiosa. Enquanto
a filosofia da religião não prevê que a crença seja determinada, ou mesmo
que ela exista, a apologética exige que o indivíduo domine ou compreenda
a fé confessada, uma vez que o pensamento apologético é responsável pela
defesa argumentativa da fé por meio da razão (SWEETMAN, 2013).
Outro estudo do qual a filosofia da religião também se distancia é o da
teologia. O estudo teológico pressupõe uma relação não tempestuosa com
alguma determinada tradição religiosa e a confiabilidade de alguns textos
religiosos, sagrados ou não.

Os teólogos evangélicos, por exemplo, pressuporiam que a visão de mundo cristã


é razoável e que a Bíblia é um texto de autoridade religiosa, e trabalhariam dentro
desse quadro. Já a filosofia da religião tenta não considerar coisa alguma como
inquestionável no início da investigação (principalmente o que for controverso) e
procura abordar as questões fundamentais da religião a partir do zero, por assim
dizer, para ver o que se pode alcançar ao se refletir sobre essas questões somente
pelo raciocínio filosófico (SWEETMAN, 2013, p. 16).
24 Introdução à filosofia da religião

A sociologia da religião também se aproxima da filosofia da religião, ao


tentar compreender de que maneira a sociedade e as pessoas se portam frente
à religião. A partir desse estudo, é possível entender de que forma aspectos
como política e justiça, por exemplo, podem ou não ser influenciados por
uma proximidade entre instituições religiosas e o Estado. Seu surgimento
ocorreu entre os séculos XVIII e XIX, por meio de filósofos voltados para essa
dinâmica e discussão sociorreligiosa. No âmbito da sociologia da religião,
surgiram grandes pensadores como Auguste Comte (1798–1857), Alexis de
Tocqueville (1805–1859), Émile Durkheim (1858–1917), Henri Bergson (1859–1941)
e Max Weber (1864–1920) (CIPRIANI, 2007).
Esse estudo nasceu e se desenvolveu a partir de abordagens teóricas e
de estudos empíricos, observando o fenômeno religioso. Atualmente, o fe-
nômeno mais evidente talvez envolva os embates entre secularização versus
dessecularização e o declínio, a mercantilização e a privatização da religião
versus a “revanche de deus”, fenômeno de explosão de novos movimentos
religiosos. Para alguns pensadores da filosofia no contexto moderno, Deus
já está morto enquanto instância moderadora e organizadora da sociedade.
Assim, a religião sofre uma perda de poder como fundamento social, mas,
ainda assim, os embates religiosos, o fundamentalismo e o esoterismo se
mantêm presentes em sociedades laicas, que não defendem ou promovem
uma determinada religiosidade (CIPRIANI, 2007).
Para entender a filosofia da religião, é preciso distanciar seu estudo de
uma crença pura, a qual deposita total confiança na existência e na ação de
Deus. Evidenciar que essa ação não é definitiva e total faz desse estudo um
marco para compreender de maneira racional o funcionamento e a presença
da fé na sociedade e na própria religião. Assim, compreender, buscar, observar,
provar e entender a religiosidade se faz uma tarefa menos árdua, uma vez
que, a partir daquilo que é experimentável e visualizável, é possível encontrar
provas racionais mais discutíveis para esse estudo (SWEETMAN, 2013).
Seja como for, a filosofia da religião não pode ser vista simplesmente
como uma forma racional de se discutir as crenças religiosas, pois ela é
capaz também de investigar o secularismo. Por secularização, entende-se
duas vertentes (ZEPEDA, 2010):

„„ um movimento que ameaça a relação entre o ser humano e o sagrado


(por meio de dúvidas, questionamentos, incompreensões);
„„ uma quebra de padrões pré-existentes ou pré-determinados, afetando
de maneira intensa e decisiva tradições religiosas, as quais sofrem com
mudanças propostas pelas pessoas ou pela própria época em que se situa.
Introdução à filosofia da religião 25

Não apenas a proximidade religiosa se faz presente no pensamento filo-


sófico religioso; o movimento contrário, de distanciamento, também é parte
importante para esses estudos.

Ao se questionar, por exemplo, se é racional acreditar em Deus, também se está


automaticamente perguntando se é racional não acreditar em Deus — o que significa
simplesmente perguntar se é racional acreditar que toda a realidade é física, uma
crença fundamental do secularismo (SWEETMAN, 2013, p. 19).

Então, conclui-se que a filosofia da religião difere de outros estudos


relacionados às crenças e à fé humana, uma vez que ela observa o fenômeno
religioso de maneira dissociada de dogmas e estruturas religiosas pré-de-
terminadas. Seu objetivo é empregar a racionalidade para compreender as
religiosidades, de modo livre. Por isso, esse estudo se distingue, por exemplo,
das já citadas teologia e apologética.
Na próxima seção, você estudará algumas divergências e convergências
entre a filosofia da religião e outras áreas de conhecimento. Para isso, serão
utilizados aspectos relevantes do fenômeno religioso.

O fenômeno religioso e a filosofia


da religião
A filosofia da Religião busca discutir de maneira racional os eventos que
circulam no ambiente religioso. Por isso, fenômenos religiosos são analisados
de maneira a evidenciar os aspectos próprios da razão frente à fé. Porém,
essa tarefa não é realizada apenas pelos filósofos da religião. Outras disci-
plinas também se utilizam desses dados para tentar entender a sociedade
e a religiosidade por um outro prisma.
Como já afirmado, a filosofia da religião não se confunde com a teologia,
uma vez que o estudo teológico tematiza a relação entre Deus e os seres
humanos por meio de Sua revelação. Já o estudo filosófico religioso exige
não apenas raciocínio, mas liberdade humana. O pensamento livre exerce a
possibilidade da abertura humana para ir além de si mesmo e da subjetividade.

Pensar é a busca do encontro do homem com o mundo, entre o pensante e o


pensado. Com isso, o pensamento vincula-se ao objeto de sua atividade, sem
com ele confundir-se. Seu objeto é aquilo que se lhe oferece no mundo. Assim a
liberdade do pensar está vinculada ao objeto. O pensar tem compromisso com a
realidade (ZILLES, 1991, p. 9).
26 Introdução à filosofia da religião

O pensamento filosófico não se contenta apenas com aquilo que lhe


é apresentado ou mostrado. Sendo assim, a filosofia da religião estuda a
própria religiosidade, mas transcendendo-a, tentando esclarecer aquilo que
é essencial. A religião não é parte da filosofia, tampouco é fundada por ela.
Por isso, mesmo que haja uma influência mútua entre as duas, o filósofo
encontra na religião algo que para ele é diferente. As religiosidades surgem
em meio às crenças e práticas humanas, mas não a partir da humanidade.
O crente não somente crê em Deus, mas manifesta isso na fala, na prática e
nos costumes. Então, cabe a filosofia da religião discutir, analisar e observar
aquilo que é uma produção religiosa, utilizando-se da razão crítica.

Radicada na compreensão que o homem tem do ser e de si mesmo, a religião pode


ser considerada como capítulo fundamental da antropologia filosófica. Expressa-se
em linguagem humana, em categorias humanas e possibilidades do pensamento
humano. Apresenta um aspecto histórico, mas não se reduz a ele. Expressa-se em
linguagem fática, mas não se reduz ao puro fático (ZILLES, 1991, p. 10).

Porém, no Ocidente moderno a realidade é erroneamente reduzida à


fatos. Com isso, o cristianismo perdeu força e evidência na sociedade e na
consciência cultural. Contudo, a filosofia da religião não pode deixar de
prestar atenção nessa fé, uma vez que esse estudo é capaz de se posicionar
criticamente em relação aos fatos diversos que giram em torno dessa religio-
sidade: fortalecimento ou enfraquecimento da fé, crescimento ou diminuição
de fiéis, etc. Logo, aspectos como fé e meditação, que são a parte interior de
uma religiosidade, não são passíveis de racionalização, embora o culto ou
a pregação sejam visíveis a qualquer pessoa. Para Zilles (1991), mesmo que
haja objetivos em comum entre filosofia e religião na busca pela verdade, a
religião é uma relação com o Absoluto, representada em sentimento e fé no
âmbito religioso, enquanto na visão filosófica busca-se entender a forma
de conceito.
Assim, o uso da razão traz à tona a diferença entre teologia e filosofia da
religião. Contudo, a racionalidade não é utilizada apenas por esse estudo
específico. A psicologia da religião, por exemplo, usa a mesma racionalidade
para seus estudos. Todavia, suas ponderações e observações tratam sobre
o comportamento humano, compreendendo aspectos como estrutura e
funcionamento do cérebro, consciência, percepção, motivação, sentimentos,
cognição, sexualidade, relações psicossociais, personalidade e desenvolvi-
mento emocional, cognitivo e social (FARRIS, 2002).
Introdução à filosofia da religião 27

Nesse âmbito, portanto, usando a razão como ponto de percepção, a ex-


periência religiosa não é vista de maneira filosófica, mas como uma resposta
do indivíduo de modo cognitivo e emocional para qualquer ação ou atividade
considerada divina por ele.

Nesse sentido, a ‘experiência religiosa’ refere-se ao encontro, momentâneo ou na


totalidade de vida, com ‘Deus’ e as práticas religiosas [...]. O tipo, ou o conteúdo
destas experiências, varia enormemente e, consequentemente, suas expressões
em práticas religiosas; o elemento que define ou delimita a experiência religiosa
é a presença, ou a experiência do Divino (FARRIS, 2002, documento on-line).

Sendo assim, conclui-se que a racionalidade, ou a razão, é utilizada por


diversas disciplinas e estudos para observar, compreender e analisar as prá-
ticas e as ações religiosas. Com isso, são necessárias interpretações objetivas
a partir dessas questões subjetivas, ainda que dentro de um determinado
prisma prático e evidente. É importante também relembrar que a filosofia
da religião busca debater o aspecto religioso sob o olhar minucioso da razão
filosófica. Portanto, é preciso ter em mente que as religiosidades são parte
de outros estudos correlatos, tais como psicologia, antropologia e ética.

Referências
CIPRIANI, R. Manual de sociologia da religião. São Paulo: Paulus, 2007.
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2010.
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28 Introdução à filosofia da religião

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ZILLES, U. Filosofia da religião. São Paulo: Paulinas, 1991.

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