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História da

Filosofia Moderna
Material Teórico
Empirismo e positivismo

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Empirismo e positivismo

·· Empirismo e positivismo
·· Se o positivismo é pela Ciência, quem será contra essa religião?

Nesta unidade, conversaremos sobre outros dois ismos, ambos


importantíssimos à compreensão do período moderno da Filosofia. O
objetivo será lhe apresentar os preceitos de ambas as doutrinas filosóficas,
suas similaridades e particularidades, assim como seus principais pensadores
e ideias.
Considerando a contextualização do limiar moderno com o desvio da atenção
da divindade cristã ao universo e desse ao homem, assim como os principais
postulados e pensadores do racionalismo com viés nativista, passearemos
agora pela dobradinha Empirismo e Positivismo.

Leia atentamente todo o conteúdo de cada unidade, pois há indicações de materiais complementares
que ampliarão sua interpretação e auxiliarão o entendimento do tema abordado.
Concluída a leitura do conteúdo teórico, realize a atividade de aprofundamento, que associa os
assuntos estudados à vida prática, ora por meio de reflexão e produção textual de sua própria
autoria ora através de debates mediados em fóruns de discussão.
Encontrará também atividades de sistematização que lhe ajudarão a verificar o quanto absorveu
do conteúdo: são questões objetivas que lhe pedirão resoluções coerentes ao apresentado no
conteúdo da respectiva unidade. Tratando-se de atividades avaliativas, se houver dúvidas sobre
a correta resposta, volte a consultar o material teórico para sanar tais incertezas.
É importante reforçar que em cada uma das oito unidades desta disciplina essas atividades
devem ser realizadas e entregues dentro dos prazos determinados. Caso você perca tais
datas-limite, não terá mais chances de registrá-las no Blackboard, o que resultará na
ausência de nota dessas atividades, prejudicando seu desempenho final.
Se ao longo deste percurso houver alguma dúvida sobre o conteúdo ou uso do Blackboard,
não hesite em contatar seu tutor ou registrá-la no local criado para esse fim no ambiente
virtual de aprendizagem. Lembre-se: você é responsável pelo seu processo de estudo. Por
isso, aproveite ao máximo!

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Unidade: Empirismo e positivismo

Contextualização
Apropriando-nos desta seção para abordar a versão cética do empirismo de David Hume
(1711-1776), a fim de não deixá-lo passar em branco nesta unidade, faremos de forma sintética
a partir de quatro aspectos teorizados por esse pensador.

“A beleza das coisas existe na mente que as contempla”


Hume concordava com Locke sobre o princípio da experiência como provedora de
aprendizado humano, contudo, junto a Berkeley, orientava moderação no sentido dessa
afirmação, dado que acreditava que além do contato com o mundo exterior, temos constantes
exercícios de introspecção. Esses “olhares para dentro” (algo como se olhar em um espelho,
mas de forma mental, reflexiva) dão-nos como imagem nossas experiências, pensamentos e
emoções – exatamente as reações condenadas por Locke ou temorizadas por Descartes, mas
que para Hume são tão naturais quanto necessárias.

Causa e efeito
Hume argumentara que cada evento causal é independente de outro evento também causal,
ou seja, flertando com a sistematização das leis naturais – tanto que exemplifica essa tese na
dinâmica física de um jogo de bilhar, em que a colisão de uma bola em movimento estimula
o deslocamento de outra então inerte. Projetou, assim, para a interação humana, a lógica
de que “uma coisa leva a outra”, conectando-se e tornando esses eventos inteligíveis à nossa
percepção, o que entendia por conexão causal.

“O costume pois, é o grande guia da vida humana”


Novamente olhando para as Ciências naturais, formula que a conexão causal está dentro de
uma dinâmica de inteligibilidade nossa em relação ao meio ou entre si. Contudo, não temos
meios verificáveis de discerni-la ou constatá-la enquanto conservação ou mudança. Em um
exemplo prático, imagine que seria um absurdo afirmar a existência de uma mosca com a
cabeça branca, contudo, igual absurdo é ratificar que essa não existe, pois não há verificação,
evidências ou comprovação científica de que essa não está em vias de ser descoberta. Daí que,
sem as certezas comprobatórias ilusoriamente supostamente tão próprias da Ciência, fato é
que, em verdade, não sabemos de nada, de modo que somos existencialmente guiados pelo
costume adquirido de como as coisas são, estão e ficam – ceticismo total, mas embasado!

“A razão é escrava das paixões”


Finalmente a tese mais apaixonante e polêmica desse cético pensador: Hume acreditava que
nosso comportamento é determinado por nossas emoções, ou seja, desejos e paixões – matando do
coração toda a ciência postulada até então. A razão para esse pensador seria escrava dessas paixões,
de modo que apenas se manifesta para garantir a concretização dos desejos. Equivaleria afirmar que
os grandes feitos bélicos, artísticos, etc. foram motivados pelas paixões, desejos e vontades, ou seja,
o intelecto, genialidade, criatividade são escravos das paixões. Lógica esta musicada por Zé Ramalho
em Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=W7ikTcpDYNE

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Empirismo e positivismo

Sinto, logo experimento


Tal qual vimos na unidade anterior, o racionalismo postulara que o conhecimento que se
pode confiar advém do uso sistematizado da razão, o que em consequência delegava aos
sentidos um valor questionável, ou mesmo desconsiderável, no âmbito das experiências e do
desenvolvimento humano.
Não bastasse, alguns notáveis pensadores da mesma linha filosófica também advogaram
a veracidade de um inatismo, ou seja, que o “homem já nasce feito”, que suas ideias advêm do
nascimento, independendo do que experimentaram ou sentiram, bastando apenas seguir a razão.
Previsível e felizmente – para o desenvolvimento do debate, que é sempre benéfico – houve
quem não concordasse com tais premissas desse racionalismo idealista, termo cunhado
por Antônio Joaquim Severino (1993). Em reação, os chamados racionalistas empiristas
(SEVERINO, 1993) igualmente formularam suas teses e obras, afirmando que é o mundo
exterior que provêm o conhecimento necessário à razão humana, a fim de que essa avalie,
organize e valide a informação que recebe das experiências na interação com a natureza e
inter-humana para, aí sim, estabelecer as verdades de fato.
Como veremos, o princípio empirista se fortificou não apenas na Filosofia britânica e
posteriormente estadunidense, como também contribuiu sobremaneira às metodologias do
positivismo lógico, cuja doutrina – aproveitando o frisson conceitual neste início de unidade –
“pregava” (memorize esta palavra ao positivismo) que as únicas proposições empíricas que
possuem valor são as passíveis de verificação/comprovação, ou seja, cientificistas – ou melhor e
atual: científicas. Mas... tudo a seu tempo, conversemos primeiro sobre os empíricos e suas ideias.

Possuidor(a) de uma inteligência já elogiada, você já percebeu que as escolhas dos


“ismos” destas duas últimas unidades não foram aleatórias: enquanto racionalismo
e idealismo se harmonizam teoricamente, empirismo os confronta e, por sua vez,
Importante! positivismo sobe nos ombros do empirismo para formular sua “sacra” Ciência – junte
sacra com pregava e comece a montar o quebra-cabeça positivo.

John Locke, estadunidense, era paraplégico antes de cair na ilha... – brincadeira! Entenda-a
depois, no item para assistir do material complementar, ao final desta unidade.
Nosso John Locke (1632-1704) era inglês, filho de um advogado que lutou contra
a monarquia ao acreditar em um regime parlamentar (algo como o da atual Inglaterra).
Esse detalhe justifica o grande liberalista que se tornou, seja atuando na contraposição
ao regime político vigente em seu país, protestando a formulação de princípios sociais e
políticos que não estivessem cerrados na mão fechada de um rei, seja filosoficamente, ao
refutar o absolutismo teorizado por outros grandes pensadores, caso exemplar de Thomas
Hobbes – sobre quem conversaremos em uma unidade futura.
Ademais, além de liberalista, Locke se tornou o principal filósofo do empirismo – ainda que
não fosse o primeiro a contestar o racionalismo –, formulando uma extensa pesquisa e teoria
sobre a obtenção do conhecimento, publicada em diferentes livros, desde seu Ensaio sobre o

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Unidade: Empirismo e positivismo

entendimento humano (de 1689) – dividido em quatro livros –, até discorrer sobre o que entendia
como o correto processo de aprendizagem empírica às crianças em Alguns pensamentos sobre
educação (de 1693).

A negativa lockeana ao inatismo se baseia em dois argumentos atemporais, ou seja, que


podem ser aplicados em sua época, à Antiguidade, ou mesmo à atualidade:
»» Ainda que houvesse verdades e saberes que advêm de nossos nascimentos, não há
como provar que esses estavam lá desde sempre, uma vez que se manifestam a partir
de determinado momento de maturação – ou maturidade – humana, afinal;
»» Certos conceitos de moralidade e identidade, os quais poderiam ser atribuídos à
racionalidade inata, são inteiramente desconhecidos das pessoas incultas e em
totalidade das crianças, aspectos esses que Locke argumentara que são apreendidos
(no sentido de assimilação) apenas a partir de um estágio de aquisição de experiências
e aprendizagem.

Além disso, considerando-se o contexto de conflitos civis em que Locke viveu, poder-se-ia
considerar um terceiro argumento que, se não deliberadamente formulado por esse pensador,
está envolvido ao longo de todo o seu legado teórico:

»» Não há verdades da razão as quais sejam de comum acordo entre toda a humanidade.
Motivo pelo qual faz-se necessário que os homens, uma vez libertos do estado de
natureza, assim como do julgo monárquico, nos âmbitos econômicos, políticos, sociais
e religiosos, organizem-se para formar uma comunidade de único corpo.
Figura 1
Figura 1 (ao lado) sem consenso universal,
sem comprovação inata e certos valores/
verdades não manifestada em crianças e
incultos, tudo isso ilustrado na pintura Village
Inn, de Gillis Van Tilborgh. Vê-se na tela
diferentes figuras (gêneros e idades), condições
sociais, o que sugere inacesso à cultura culta.
Os argumentos de Locke ([19--]) para implodir
os alicerces racionalistas ao formular que “o
conhecimento de nenhum homem aqui pode
ir além de sua experiência”.
Se não nos eram dadas faculdades mentais e saberes quando de nossos nascimentos,
caberia então descobri-los por conta própria, cada qual ao seu modo, cada um até seu limite. É
com essa proposição que Locke intitulou sua principal obra – Ensaio sobre o entendimento humano
–, no sentido do autoexame sobre as capacidades de cada um, assim como efetivamente – e
talvez originalmente – colocou a responsabilidade do desenvolvimento humano no próprio
indivíduo, dado que na medievalidade esse potencial estava em Deus e para o racionalismo
idealista era uma condição mental que advinha do nascimento – ou no populacho atual: “vinha
de fábrica”.
Essa premissa de conhecer as próprias habilidades e capacidades é importante para você
entender como o empirismo, aqui em Locke, compreendia o processo de aprendizagem.
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Locke entendia por razão, a qual chamava de ideia, o que percebemos a partir de nossa
percepção, pensamento ou como produto de um processo reflexivo. De modo que uma ideia
pode ser simples, relacionada a sensações (aqui como processo interno intuitivo), reflexões
ou um misto desses sentimentos; ou pode ser complexa, envolvendo relações e contatos com
modos, substâncias e relações, respectivamente:

Tridimensionalidade do que é material, assim como seus atributos


Modo: espaço-temporais (ocupação, duração, quantidade);

Desde fisicamente sensíveis (cheiro, sabor, textura etc.) às incorpóreas


(espirituais, divinas), cabendo aqui uma crítica ao “encaixotamento” da
Substâncias: transcendência divina ao seu modelo teórico, ou algo do tipo: “Puxa,
Locke, você estava indo tão bem... tão crível...”;

Identidade, moralidade, causalidade e outros princípios da relação inter-


Relações: humana. Nessa há a possibilidade de mescla com as ideias de modo, ou
seja, juízos de valor a materialidade animada ou inanimada.

Formuladas como tal, as ideias simples de Locke (sensações, reflexões e essas misturadas)
não seriam equivalentes à lógica da razão simples e, por isso, interna e dedutiva do
pensamento cartesiano? Seria por isso que, em seu livro, Antônio Joaquim Severino
Para pensar (1993) classificou o empirismo como racionalismo empirista?!

Para facilitar seu entendimento, na obra dedicada a esse pensador, Sofia Rovighi (2002)
esquematizou essa classificação da seguinte forma:
Figura 2.

Fonte: Adaptado de Rovighi (2002).

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Unidade: Empirismo e positivismo

Para entender na prática como se dá essa categorização lockeana, direcione sua atenção às
ideias simples de sensação (entre um ou mais sentidos) e ideias complexas de modos simples
(entre objetos de sensação e reflexão). Ainda que tudo se dê nos domínios da mente do sujeito
(que é você, por exemplo), há aí toda uma infinidade de qualidades (juízos de valor) derivadas
na relação entre esses dois itens na sua cabeça que, não necessariamente, processam-se de
maneira equivalente nas cabeças dos outros.
Assim, surgem subjetividades como uma maçã ser gostosamente doce para você e
desagradavelmente amarga para outro que dela partilhar. Com as cores acontece a
mesma coisa: ainda que possuam nomes, as tonalidades podem diferir na compreensão
de cada pessoa em função da interação/vivência que essa teve. Matérias animadas:
quando criança uma dessas espécies é chamada de “au au”, para depois ser chamada
de “cachorro” (ou “cão”), para em alguns casos ser chamada de “Bob”, “Rex”, e por aí
vai, considerando-se aqui as variáveis etária, da nomenclatura enciclopédica e da relação
com o objeto animado (o animal).
Assim, para Locke, ao nascer partimos do ponto zero de conhecimento – tal qual uma “folha
em branco”, ou uma “tabula rasa” – e, conforme nos desenvolvemos em termos biológicos
e, principalmente, na interação com o mundo externo, vamos aprofundando nossa relação
com os meios espaciais, materiais e sociais na ordem de natureza acima esquematizada, de
modo que ampliamos e aprimoramos nosso catálogo de sentidos e ideias até a morte, quando,
segundo Machado de Assis, “entregamos nossa obra de vida em sua edição mais atualizada de
graça aos vermes” (eca!). Eis o cerne da teoria empirista!
Considerando o contexto intelectual, social e político no qual essa tese foi formulada,
imagine a polêmica criada, caro(a) aluno(a): a partir de então foi considerada a possibilidade
de que, ao nascer, toda e qualquer pessoa tem a mesma condição pura das demais, sem
preceitos inatos, capacidades racionais ou condição privilegiada, horizontalizando o gênero
humano em uma organização social em si totalmente atrofiada e baseada em padrões
desiguais de trabalho e direito à propriedade – essa que para Locke era direito de todos
que a adquirissem por meio do trabalho.
Ao mesmo tempo – e por outro lado –, a vivência, experiência e o contato com o mundo
exterior (natureza, cultura, recursos) desses que nasceram em igualdade de condições forjarão
as capacidades e limitações que cada um terá e, por isso, serão específicas, diferentes de
estratificações como a sociedade o faz desde sempre – mas tais pessoas se tornarão tão
diferenciadas quanto mais complexa for sua imaginação. Teorizar equidade de condições,
identidade singularizada e tolerância à perspectiva alheia fazia de John Locke um revolucionário
na história da Filosofia (ainda que revolução seja o tema da próxima unidade).
Naturalmente houve outros pensadores simpáticos e contribuintes aos princípios empíricos
– entre os quais o cético David Hume (1711-1776), a quem dedicaremos a contextualização
desta Unidade; George Berkeley (1685-1753), que está indicado no material complementar; e
Edmund Burke (1729-1797), cuja visão conservadora contrasta com o liberalismo lockeano e,
por isso, protagonizará a polêmica proposta em nossa atividade reflexiva de aprofundamento.
Contudo, considerando que o empirismo encarnado no liberal Locke, ao proclamar a
aprendizagem pela interação com o mundo externo, também nos herdou de métodos como
a observação, indução e provas verificáveis, serviu de insumo teórico para outras correntes de
pensamento, entre as quais o positivismo formulado por Auguste Comte, o qual trataremos a
partir do próximo parágrafo.

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Se o positivismo é pela Ciência, quem será contra essa religião?

“Ué? Já estamos tratando do positivismo? Sem antes abordar o materialismo, o idealismo


e o iluminismo? Não foi assim que aprendi história nas aulas da disciplina idem!”
Fique tranquilo(a), perspicaz aluno(a)! Diferente da “cronologia calendárica”, tudo aqui está
organizado por uma lógica mais interessante: o desdobramento de cada perspectiva filosófica
em um vai e vem do tempo formalmente estabelecido para favorecer seu entendimento e
desenvolvimento crítico do “aquilo que deu nisso”, ou “daquele que inspirou ou desesperou
esse”. Estamos em águas seguras!

A Claude-Henri de Rouvroy (1760-1825), Conde de Saint-Simon, pode-se atribuir


copaternidade do pensamento sociológico, ou melhor, da Sociologia enquanto
perspectiva metodológica, ou científica, com forte apelo religioso em seu discurso,
pois tentava harmonizar a moral cristã à realidade da industrialização, que
despontava “a todo o vapor” na Europa. Com discurso apaixonado e considerado
excessivamente idealizado, teve sua perspectiva teórica também identificada como
socialismo utópico, característica que parcialmente justifica o desacordo filosófico
com Auguste Comte.

Por isso saltaremos um século na cronologia a fim de papearmos sobre uma doutrina
que se propunha a fundamentar todo o saber humano. Seu formulador foi Auguste Comte
(1798-1857) e, outrora secretário de Saint-Simon, rompeu laços com esse ao discordar
de sua visão socialista, a qual Saint-Simon acreditava ser a correta para reformular a
sociedade em que viviam.
Para Comte, todo maleficio social era ocasionado pela ignorância, de modo que acreditava
faltar conhecimento aos seus contemporâneos. Em função disso, defendia que se houvesse
uma reforma social, essa deveria se dar pela inteligência dos cidadãos, esses que viviam um
processo inédito de transformações e de guinadas de poder.
Se comparado ao que vimos até então, os tempos de Comte eram outros, turbulentos
diríamos, ou revolucionários, como intitulou em um de seus livros o historiador Eric Hobsbawm
(2009) – A Era das Revoluções –, afinal: Revoluções Burguesas Liberais (conforme comentado
sobre Locke); Revolução Francesa (a qual conversaremos na próxima Unidade); Revoluções
Industriais e as consequentes constituições socialistas a anarquistas; Independência dos EUA;
além do Golpe do 18 Brumário sucedido da Revolução Bonapartista dão o tom da música
com percussão de canhões que foi a trilha sonora desse momento.
Daí que, para esse pensador, era nesse caótico momento que deveriam ser associadas as
questões históricas às sociais sob o manto metodológico das ciências que teriam atingido o
estado de positividade, caso da Matemática, Física, Astronomia.
Tais escolhas denotam a influência que esse autor teve de pensadores como Galileu,
Newton, Descartes, Hume e Diderot. Contudo, fazendo a devida crítica, o positivismo de
Comte negava praticamente todas as grandes teses filosóficas discutidas até então – fossem
questões defensoras de uma causa divina (existência de Deus), naturais dos fenômenos

11
Unidade: Empirismo e positivismo

(manifestação da natureza), ou uma mistura dessas (unicidade, panteísmo etc.) –, pois se


referiam a um patamar intermediário para que fosse atingido o terceiro e pleno estado
positivo – ainda que seja repetido adiante –, em que a Filosofia positiva consideraria como
análise apenas os critérios comuns das Ciências Naturais no estudo dos fenômenos da
natureza, obedecendo às regras gerais dessas (observação, experimentação, comparação,
classificação, filiação/associação histórica, etc.).
Daí que tivesse você oportunidade de, encontrando Comte, questionar a definição
de sua Filosofia positiva, dependendo do humor que estivesse, esse possivelmente lhe
responderia: “Não se trata de um sistema metafísico, nem de uma explicação das essências
e de outras bobagens racionalistas e metafísicas! Não percebes que proponho uma ‘Física
Social’? uma Sociologia que coloque o misticismo dessa pseudofilosofia que se vê por aí
em seu devido lugar?!”
Intrigas à parte, Comte não era tão mal-humorado assim, e o discurso oficial no qual define o que
entende por filosofia positiva é o seguinte, em suas palavras e com um exemplo prático:

Vemos, pelo que precede, que o caráter fundamental da Filosofia positiva é tomar
todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa
Diálogo com o Autor e cuja redução ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos
esforços, considerando como absolutamente inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das
chamadas causas, sejam primeiras, sejam finais. É inútil insistir muito sobre um princípio, hoje tão familiar a
todos aqueles que fizeram um estudo um pouco aprofundado das Ciências de observação. Cada um sabe
que, em nossas explicações positivas, até mesmo as mais perfeitas, não temos de modo algum
a pretensão de expor as causas geradoras dos fenômenos, posto que nada mais faríamos então além
de recuar a dificuldade. Pretendemos somente analisar com exatidão as circunstâncias
de sua produção e vinculá-las umas às outras, mediante relações normais de sucessão e
de similitude.
Assim, para citar o exemplo mais admirável, dizemos que os fenômenos gerais do
universo são explicados, tanto quanto o podem ser, pela lei de gravitação newtoniana;
porque, de um lado, essa bela teoria nos mostra toda a imensa variedade dos fatos
astronômicos, como constituindo apenas um único e mesmo fato considerado de
diversos pontos de vista: a tendência constante de todas as moléculas umas em relação
às outras na razão direta de suas massas e na razão inversa do quadrado das distâncias.
Enquanto, de outro lado, esse fato geral se nos apresenta como simples extensão
de um fenômeno eminentemente familiar e que, por isso mesmo, o consideramos
como particularmente conhecido, a gravidade dos corpos na superfície da terra. Quanto
a determinar o que são nelas próprias essa atração e essa gravidade, quais são suas causas são questões que
consideramos insolúveis, não pertencendo mais ao domínio da filosofia positiva, e que abandonamos com
razão à imaginação dos teólogos ou à sutileza dos metafísicos. A prova manifesta da impossibilidade de obter
tais soluções reside em que, todas as vezes que se procurou dizer a esse propósito algo verdadeiramente
racional, os maiores espíritos só puderam definir um dos princípios pelo outro, dizendo, no que
respeita à atração, não ser outra coisa que a gravidade universal e, em seguida, no que
respeita à gravidade, consistir simplesmente na atração terrestre. Tais explicações, que
fazem sorrir tão logo alguém pretenda conhecer a natureza íntima das coisas e o modo
de geração dos fenômenos, constituem, porém, tudo o que podemos obter de mais
satisfatório, mostrando-nos como idênticas duas ordens de fenômenos, que por muito
tempo foram tomados como não tendo nenhuma relação entre eles. Nenhum espírito
justo procura hoje ir mais longe (COMTE, 1973, p. 7, grifos nossos).

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Já foi comentado sobre o quanto os filósofos gostam de se expressar? Prestou atenção nos
sublinhados que reiteram o que não se pretende com o positivismo? A indiferença às causas
geradoras dos fenômenos físicos, matemáticos, ou que sejam, sociais?
Sabendo, porém, que não poderia negar a existência de um passado na Filosofia, Comte o
enquadrou em sua teoria como mera circunstância histórica nos primórdios de um processo
evolutivo, onde tomava emprestado apenas o trigo do empirismo (princípio de aprendizagem
pela interação com o mundo materialmente exterior e de que nada é inato), deixando de lado
o joio dessa doutrina (causalidades e justificativas metafísicas) para, recorrendo a exemplos dos
saberes exatos (matemáticos, astronômicos e companhia) já firmado na plenitude de sua tese,
sistematizar todo o conhecimento humano e suas áreas nos seguintes estados:

Sobrenatural como explicação dos fatos (inclusive cristãos) em um Estado


Estado fictício/ militarizado – você ouve os gritos de indignação de Santo Agostinho e Tomás
teológico: de Aquino? Para não falar dos pensadores antigos e pagãos;

Onde há miscigenação entre os sobrenaturais e as ideias naturais em meio a


Estado metafísico/ um Estado semi-industrial, embora ainda militarizado – mexendo com egos
abstrato: racionalistas e, em menor medida, empiristas;

No qual as leis gerais (naturais) explicam os fenômenos e fatos, favorecendo os


Estado positivo/ desenvolvimentos social, político e econômico, esse com uma industrialização
científico: preponderando como atividade produtiva.

Figura 3 –
Pintura panorâmica de uma cidade
desconhecida vivendo o processo
industrial (ao lado). Se o estado positivo
pudesse ser representado visualmente,
para Comte, teria uma aparência parecida
com esta: sociedade organizada, explicada
e desenvolvida sob três físicas, das
quais as duas primeiras já estabelecidas:
astronômica/terrestre (Física, Mecânica,
Matemática, etc.), orgânica (Biologia,
Química, etc.) e – a que ele sistematizaria
– social (abarcando tudo o que atualmente
entendemos por Humanidades). Fonte: nyu.edu

Ou seja, a evolução do pensamento humano partia de um estado natural (similar, inclusive, ao


formulado por liberalistas e absolutistas) em que a humanidade estaria sob imposição da força (militar)
e do místico para, desvencilhando-se dessas amarras ao pensamento livre, atingir a plena condição
de produção (industrial) e de consciência (no entendimento das lógicas físicas e naturais).
“Mas por que não deu certo? Por que não atingimos esse ‘admirável mundo novo’?” Hum...
tratando-se de sessismo, seria impreciso atribuir um motivo pelo qual a teoria de Comte não
vingou até a atualidade. Contudo, há alguns fatores que precisam ser considerados à sua
superação e, mais, seu sucesso em alguns aspectos e, principalmente, sua ressignificação em
diferentes áreas de conhecimento.
13
Unidade: Empirismo e positivismo

Primeiro, o estado positivo vislumbrado por Comte não se concretizou por razões que
fugiam à sua proposta: as relações humanas e de trabalho se mostraram verticalizadas –
para não dizer degradantes –, muito aquém do júbilo que esse pensador cogitara. Tanto que
outros filósofos apareceram e foram imortalizados em função da capacidade teórica que
tiveram em, ideologicamente, “dividir países e (por que não dizer?) o mundo” – se ainda não
sabe quem, descobrirá em História da Filosofia Contemporânea.
Além disso, o próprio teórico foi incoerente com as regras que estabeleceu em seu
jogo sistema: contra sua premissa de delegar à religião uma etapa de anterioridade ao
desenvolvimento humano (o primeiro estado), Comte “pirou na batatinha” quando, por
meio de uma política positiva e influência matrimonial de Clotilde de Vaux, criou a Religião da
Humanidade (você ainda tem aí memorizadas as palavras religiosas “pregava” e “sacra” ditas
ironicamente ao longo desta unidade?). Pois, as más línguas dizem que enlouqueceu, mas
o próprio justificou que, se as religiões do passado eram etapas de um processo evolutivo,
haveria a necessidade de criar a “religião definitiva”, cujo Deus era a Humanidade e os santos
os pensadores que contribuíram para o desenvolvimento dos três estados, conforme a área
do conhecimento. Enfim, eis aí um segundo motivo entre outros, mas justiça seja feita, há
também legados parciais da contribuição do comtismo (positivismo) à História da Filosofia:
Há uma significativa quantidade de releituras, atualizações, ressignificações ou mesmo
apropriações do positivismo em áreas posteriores e em diferentes ramos do saber. Para citar
alguns exemplos, Comte inspirou preceitos do Behaviorismo (proposto por Burrhus Frederic
Skinner), Positivismo Jurídico (com Hans Kelsen), Neopositivismo (na figura de Émile
Durkheim), Transpositivismo (vide Jean Piaget), Evolucionismo (do famoso Charles Darwin),
entre outras áreas herdeiras.

Não será a primeira vez que o Brasil será citado – lembramos de nossa querida
pátria, por exemplo, na primeira unidade, ao conversarmos sobre a estética
gótica e indicar o patrimônio arquitetônico em nosso querido país com tal
afinidade estética, caso da paulistana e neogótica Catedral da Sé. Todavia,
agora a menção é mais séria, diz respeito aos rumos políticos de nossa nação,
Você sabia? “à ordem e o progresso” desejados em nossa bandeira nacional que, sim, estão
intimamente inspirados em preceitos positivistas e relacionados ao processo de
Proclamação da República. Não acredita?! Ora, pois então veja:

Figura 4
Figura 4 (ao lado) – Capela positivista
localizada em Porto Alegre, RS. Atenha-se aos
grifos da seguinte frase ornando a fachada: “o amor
por princípio e a ordem por base; o progresso
por meta”. Sim, também estamos batizados pela
Religião da Humanidade. Muito nobre, não acha?
De modo que, concluindo esta etapa de nosso
roteiro turístico/histórico, temos em nosso
aqui dois movimentos que foram formulados
para contrapor, cada qual, a outras teorias e
Fonte: Wikimedia Commons
status quo, e que, talvez por isso, agregaram
significativamente entre si e ao legado do saber humano das gerações e movimentos que se
seguiram. Alguns desses com o “progresso antes da ordem”, a ponto de, literalmente, fazer
com que “cabeças de filósofos rolassem”, mas isso é papo a próxima unidade.

14
Material Complementar

Conteúdo
Ensaio para uma nova teoria da visão. George Berkeley (1685-1753) foi um empirista tão relevante
quanto Locke, contudo, sua “visão” diferia em alguns aspectos daquele, o que significa que discuti-lo
no material teórico tornaria o texto-base gigantesco. Por isso, é a primeira indicação deste material
complementar. Neste livro, disponível pela Unicamp em:
http://www.unicamp.br/~jmarques/trad/BERKELEY_Teoria_da_Visao.pdf
o pensador argumenta que nossa realidade é constituída por sujeitos e suas experiências, e basta!
Porque para esse filósofo as coisas são incompreensíveis ao olho humano, de modo que o que
discernimos são apenas suas qualidades, como cor, textura, cheiro etc., características captadas
por nossos sentidos e processadas por nossa consciência formada na relação com o meio.

Leitura:
Lost. Lembra-se da piadinha no material teórico com o “Locke paraplégico que caiu na
ilha”? Pois, trata-se de Jonathan Locke, um dos personagens mais interessantes da série
idem chamada Lost que, entre os motivos que a torna obrigatória, há justamente o de
não apenas nominar alguns personagens com o nome de importante filósofos – como
David Hume, Jean-Jacques Rousseau, Mikhail Bakunin, etc. –, mas também de moldar
suas personalidades às respectivas teorias dos pensadores homenageados. Daí que este
Locke age de forma empirista, ilustrando muito do que sugeria o Locke inglês. Procure
assistir alguns capítulos dessa série e veja a apresentação sui generis ao tratado nesta
unidade desse personagem.

Vídeo:
Viagem à lua. O filme mais famoso de Georges Méliès, além de marco histórico e técnico,
possui uma temática científica muito conveniente a esta unidade, dado o argumento
cinematográfico de uma empreitada astronômica para descobrir a lua a partir da relação
empírica que os tripulantes estabelecem com a “fauna, flora e habitantes lunares”.
Tratando-se de um filme originalmente mudo, especialmente a versão disponível em:
http://www.podcasts.co.nl/setima-sala-podcast-169113/setima-sala-43-viagem-a-lua-1902-download-220263270/
agrega uma trilha sonora elaborada para uma versão de aniversário dessa película, assim
como uma discussão entre três críticos cinematográficos sobre aspectos técnicos, sociais,
filosóficos e cientificistas em torno da história.

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Unidade: Empirismo e positivismo

Referências

BERKELEY, George. Tratado do conhecimento humano. Lisboa: Atlântica, [19---].

COMTE. Auguste. Curso de Filosofia Positiva. Trad. José A. Giannotti. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. (Col. Os Pensadores).

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HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Lisboa: Edições 70, [19--].

LOCKE, John. Alguns pensamentos sobre educação. Lisboa: Almedina, 2012.

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ROVIGHI, Sofia Vanni. História da Filosofia Moderna: da revolução científica a Hegel.


Trad. Marcos Bagno e Silvana Cobucci Leite. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1993. (Col. Magistério 2º Grau;
Série Formação Geral).

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Anotações

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