Literatura

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OS HOMENS, A ARTE E A LITERATURA

São inúmeras as maneiras de o homem expressar-se; no entanto, é através da


arte que consegue fazê-lo da maneira mais sublime.

A ARTE E A LITERATURA

A própria arte pode definir-se de várias maneiras, como a pintura, a escultura, a


música, o teatro, a arquitetura ou a literatura; cada uma delas com objeto
próprio: as texturas, cores e traços dão forma à pintura; as formas e suas
variações, à escultura. Cabe à literatura ser a arte da palavra.

O artista é aquele que se preocupa com o objeto de sua arte, que produz
emoção, que faz do comum algo diferente; mas também é aquele que
transforma a realidade, lança um olhar diferente sobre sua época, realiza a
releitura do já feito e a faz a invenção do porvir. Esse é o poder da arte, moldar a
realidade de diferentes maneiras, sob diversos pontos de vista, independente de
realidades ou fantasias, mentiras ou verdades. Segundo Pablo Picasso, pintor
espanhol do século XX, “a arte é uma mentira que revela a verdade”.

Ora, mas nem toda produção humana pode ser considerada artística. Assim, o
conceito de estética ganha importância. Segundo a definição mais comum,
estética é um ramo da filosofia voltado à reflexão a respeito da beleza sensível.
Assim, os sentidos; as formas; a harmonia entre as partes, cores, palavras,
versos, melodias e ritmos; e as representações são objetos da estética.

A literatura, por assim dizer, é a arte da palavra, não de qualquer coisa escrita,
mas aquela intencional, carregada de significado, harmônica, expressiva e que é
capaz de recriar a realidade. A intenção do escrito literário é voltada à própria
linguagem, não se preocupando unicamente com sentidos objetivos, mas
carregando-os de subjetividade, de possibilidades de significação, de inovações
estruturais e vocabulares, enfim, rompendo as barreiras da linguagem e
expressão comuns, alcançando elevados níveis de expressividade.

A LINGUAGEM LITERÁRIA

Normalmente, pretende-se que um texto possua qualidades como clareza,


precisão, objetividade entre outras para que possa ser plenamente
compreendido em sua função natural: informar. Entretanto, nem todos os textos
possuem a mesma função e, assim sendo, vão dispensar algumas dessas
“qualidades” em prol de seus interesses distintos.

Há ocasiões em que o texto apresenta-se distante dos sentidos imediatos da


palavra. Sua principal funcionalidade não é a informativa, nem se pretende ser
objetivo ou até mesmo claro. A intenção revela-se no próprio uso da linguagem,
na construção múltipla de sentidos, na criação de realidades e no estranhamento
das estruturas. Essa linguagem, carregada de significação, correspondente aos
desejos e anseios do artista é que será classificada como arte literária.

O texto literário diferencia-se, portanto, de outro não-literário, pelo valor de sua


linguagem simbólica, pela intencionalidade de suas palavras, pela harmonia
entre suas estruturas. Por tudo isso é que chamamos de arte este tipo de
produção escrita, em contraposição a textos cotidianos como as notícias, os
manuais, as atas de reunião, as bulas de medicamentos, os livros didáticos etc.

ARTE E SOCIEDADE

O poeta e crítico literário estadunidense Ezra Pound afirmava que “a literatura


não existe no vácuo. Os escritores, como tais, têm uma função social definida,
exatamente proporcional à sua competência como escritores. Essa é sua
principal utilidade”. Isso significa que a literatura é diretamente relacionada à
sociedade que a produz, ligada a seus conceitos, suas opiniões; retratando suas
vaidades, preconceitos, avanços ou comportamentos peculiares.

A literatura é, em certa medida, o próprio retrato daquela sociedade, um


apanhado da cultura que a sustenta, uma representação de sua ideologia.

Ainda segundo Pound, “a linguagem é o principal meio de comunicação humana.


Se o sistema nervoso de um animal não transmite sensações e estímulos, o
animal se atrofia. Se a literatura de uma nação entra em declínio, a nação se
atrofia e cai”. A literatura, então, não só é tomada como uma representação da
cultura de um povo, mas como construção da identidade social desta mesma
cultura que por ela se expressa e se redefine a cada momento.

Contudo, as condições históricas e culturais de uma sociedade não são fixas,


transformam-se ao longo do tempo e apresentam, em cada época, um conjunto
de características que serão refletidas na arte, inclusive na literatura. A essas
características damos o nome de estilo de época. Essas características vão das
vestimentas à linguagem, da ideologia ao comportamento, refletindo-se nas
obras literárias de maneira que se pode fazer um retrato social de uma
determinada época.

É claro que nem todas as pessoas guardavam todas as características de uma


época, apesar de viver nela. Não é porque todos os homens usavam bengalas
no século XIX que um determinado autor também o faria. A esse comportamento
individual, a essa compreensão pessoal de sua época, de seu papel social e da
própria realidade que o cercava chamamos estilo individual. Portanto, toda
análise literária passará obrigatoriamente por três elementos:
Momento histórico

Representa a conjuntura política, social e econômica de uma determinada


sociedade. As guerras, as crises, os avanços tecnológicos, as tensões internas,
enfim, tudo o que pode modificar a estrutura social ou sua ideologia deve ser
levado em consideração para o entendimento de uma obra literária.

Padrão estético

Cada época revela um conjunto ideológico próprio que é representado pela


estética. O resultado das inovações e as novas perspectivas criam, isto é,
modelos, padrões que “devem” ser seguidos, pois representam a ideologia
dominante da classe de maior prestígio na sociedade.

Estilo individual

Como todos esses fatores influenciam a vida de um indivíduo? Como esse


indivíduo enxerga o mundo em que vive? Como ele pretende mudá-lo? Essas
perguntas formam um painel comportamental do artista frente à sua época. Além
disso, sua história pessoal, suas preferências estéticas imediatas, sua
capacidade técnica e criativa serão decisivas para definir um perfil que pode ser
percebido em suas obras.

A ARTE, A LITERATURA E SEUS CONCEITOS

Literatura é arte. É arte polissêmica e polifônica. Como tal, dialoga


constantemente com outras formas de arte, em especial com as artes plásticas.
Disse um dia Murilo Rubião que o escritor mantém o “olho armado” e, tal como o
escultor ou o pintor, fixa o eterno em sua obra.

Muito se tem discutido sobre a função e a estrutura do texto literário, ou ainda


sobre a dificuldade de se entenderem os enigmas, as ambiguidades, as
metáforas da literatura. Mas é exatamente aí que reside o seu encanto: no
trabalho com a palavra, com seu aspecto conotativo, com seus enigmas.

Sem dúvida, a literatura apresenta-se como o instrumento artístico de análise de


mundo e de compreensão do homem. Sófocles, Camões, Shakespeare,
Rousseau, Dostoievski, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Kafka, Clarice
Lispector… todos preocupados com o grande mistério: entender a alma humana.

CARACTERÍSTICAS DO TEXTO LITERÁRIO

• Plurissignificação: as palavras, no texto literário, assumem vários


significados. Valoriza-se a linguagem conotativa.

• Ficcionalidade: os textos criam um universo próprio, ainda que baseados no


real, mas transfigurando-o, recriando-o.
• Aspecto subjetivo: o texto apresenta, normalmente, o olhar pessoal do artista,
suas experiências e emoções.

• Ênfase na função poética da linguagem: o texto literário manipula a palavra,


revestindo-a de caráter artístico.

O artista apresenta na obra literária uma postura diante do mundo e das


aspirações do homem.

VEROSSIMILHANÇA INTERNA E EXTERNA

(Ilustrações e texto de Will Eisner para o livro Narrativas gráficas)

Tanto na representação dos caracteres como no entrecho das ações, importa


procurar sempre a verossimilhança
e a necessidade; por isso, as palavras e os atos de uma personagem de certo
caráter devem justificar-se por sua
verossimilhança e necessidade.

(ARISTÓTELES; Arte Poética)

A importância da verossimilhança nas narrativas surgiu como preocupação e


objeto de estudo desde Aristóteles. De forma geral, o conceito de
verossimilhança está relacionado à verdade, ao que se apresenta – ou tem
aparência − de verdadeiro.

Esse estudo é fundamental para a literatura. Veja os conceitos e definições


abaixo:

(…) o objetivo da poesia (e da arte literária em geral) não é o real concreto, o


verdadeiro, aquilo que de fato aconteceu, mas sim, o verossímil, o que pode
acontecer, considerado na sua universalidade.

(SILVA, Vítor M. de A. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina, 1982.)

Verossímil. 1. Semelhante à verdade; que parece verdadeiro.


2. Que não repugna à verdade, provável.
(FERREIRA, A. B. de Holanda. Novo dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.)

A literatura, como toda obra de arte apresenta uma equivalência de realidade, de


verdade, de lógica interna ao texto e de um conjunto de semelhanças que
permitem ao leitor validar os acontecimentos como possíveis: a verossimilhança.
É possível distinguir dois tipos de verossimilhança:

• INTERNA: percebida pela própria estrutura da obra, pela coerência dos


elementos que a estruturam.

• EXTERNA: percebida no mundo real, confere ao mundo imaginário a


percepção de realidade.

MÍMESE, CATARSE E EPIFANIA

Para os gregos, a arte possuía as funções hedonística e catártica. A primeira


preconizava a necessidade de a obra artística proporcionar prazer, ser um
retrato do belo. Essa beleza consistia na relação direta e na semelhança entre a
arte e a natureza. Na segunda visão, a catarse era o um conjunto de sensações
e contras sensações, um efeito “moral” que buscava aliviar os sentimentos
produzidos pela própria obra de arte: o terror, a piedade, as tensões etc.

A catarse pode ser compreendida tanto de forma externa à obra de arte, quando
ligada às sensações e identificações que provoca no leitor ou expectador diante
dos acontecimentos; quanto de forma interna, como um processo de superação
que os próprios personagens devem enfrentar em suas jornadas. Assim, a
passagem do estado agonia de um personagem para sua redenção já evidencia
uma catarse.

O filósofo grego Aristóteles debruçou-se sobre a literatura e ligava-a ao conceito


de imitação, segundo ele, mímese. A arte mimética buscava imitar a vida e
nessa relação buscava a fidelidade absoluta. Era isso que levava o texto ao
encontro com a Verdade. Com o passar do tempo, essa ideia de arte imitativa foi
perdendo força, apesar de ainda manter relação com as emoções que provoca e
a própria recriação da realidade que caracterizam os conceitos de arte mais
atuais.

Em muitas histórias, há “manifestações” de forças divinas ou ocultas que levam


um personagem à uma revelação, entendimento súbito de sua condição ou
compreensão da essência de algo ligado à problemática da história. Essa
intervenção “mágica”, que altera os rumos dos acontecimentos e opera uma
mudança na vida de um personagem é chamada epifania. Modernamente,
autores utilizam-se de situações cotidianas como mote para a introspecção das
personagens, refundando o conceito grego em bases modernas.
GÊNEROS LITERÁRIOS E A CONSTRUÇÃO DO HERÓI
Os gêneros não são leis nem regras fixas, mas categorias relativas dentro das
quais cada escritor se move à vontade: elas é que estão a serviço dele, não ele
a serviço delas.
(Massaud Moisés)

Assim como grande parte das questões relacionadas à literatura, a reflexão


sobre os gêneros literários assemelha-se a uma tentativa de teorizar sobre
assuntos em constante mutabilidade. A visão que temos sobre literatura ou artes
de forma geral deve estar sempre vinculada às condições históricas e sociais de
cada lugar e de cada tempo. E sabemos que o tempo muda e que essa
mudança implica novas visões de mundo, novas formas de tratar a realidade que
nos circunda. Como consequência, novos olhares sobre a literatura e seus
gêneros.

Para nós, da civilização ocidental, a arte tem como referência a Grécia antiga e
seus pensadores. E a partir de suas ideias, os gêneros da literatura têm sido
estudados. Discípulo de Platão, que distinguia apenas poesia e prosa – “falarei
em prosa, pois não sou poeta” – e estimulado por ele, Aristóteles, em sua
Poética, debruçou-se sobre o assunto e ofereceu encaminhamentos inovadores,
propondo a divisão dos gêneros em três modalidades:

LÍRICO, ÉPICO E DRAMÁTICO.

Observe que o vocábulo “gênero” (genus-eris), em sua acepção latina, significa


geração – tempo de origem ou de nascimento. Dessa forma, já é possível
perceber esse caráter de transformação próprio dos gêneros literários, à medida
que cumpririam um ciclo de nascimento, desenvolvimento e morte. O gênero
épico, por exemplo, tão valorizado na antiguidade, abandonou a estrutura em
versos e passou a priorizar o contar histórias em prosa, o que permitiu o
surgimento dos textos narrativos em forma de romance, conto, crônica, dentre
outros.

Falar em gêneros, hoje, e em classificações estanques é objeto de discussão. A


classificação dos textos em gêneros é por demais limitada ou segmentada para
entendermos a riqueza que a literatura oferece. Sua pluralidade e complexidade,
especialmente na literatura contemporânea, nos permite, inclusive, perceber que
modernamente os gêneros se interpenetram em um texto, como uma prosa
poética, por exemplo. Haverá sempre a predominância de características de um
dos gêneros, todavia será possível encontrar traços de outro(s) gênero(s) em um
mesmo texto. Hoje, com as novas mídias, antigos gêneros são modificados e
novos estão surgindo com a interação entre a literatura e outras manifestações
artísticas.

GÊNERO LÍRICO
A palavra lírico vem do nome de um pequeno instrumento musical da
antiguidade, a lira. A melodia acompanhava os versos recitados, combinando
música e literatura, duas artes em única manifestação. O gênero é a
manifestação de um eu lírico, a expressão de seus sentimentos pessoais, seu
mundo interior, suas emoções e impressões.

Normalmente o poeta lírico é um ser isolado, que se interessa pelos estados da


alma, com suas sensações. Daí essa expressão artística ser estritamente
subjetiva, interiorizando o mundo exterior, criando identificações; no plano
formal, há predominância de pronomes e verbos em 1ª pessoa.

A ode, a elegia e o soneto são formas clássicas de manifestação lírica. São


textos preocupados com a forma, nos quais predominam as funções emotiva e
poética. A métrica, a rima e a musicalidade também ganham destaque nas obras
líricas. Observe o lirismo nos versos a seguir, de Vinícius de Moraes:

A partida

Quero ir-me embora pra estrela


Que vi luzindo no céu
Na várzea do setestrelo.
Sairei de casa à tarde
Na hora crepuscular
Em minha rua deserta
Nem uma janela aberta
Ninguém para me espiar
De vivo verei apenas
Duas mulheres serenas
Me acenando devagar.
Será meu corpo sozinho
Que há de me acompanhar
Que a alma estará vagando
Entre os amigos, num bar.
Ninguém ficará chorando
Que mãe já não terei mais
E a mulher que outrora tinha
Mais que ser minha mulher
É a mãe de uma filha minha.
Irei embora sozinho
Sem angústia nem pesar
Antes contente da vida
Que não pedi, tão sofrida
Mas não perdi por ganhar.
Verei a cidade morta
Ir ficando para trás
E em frente se abrirem campos
Em flores e pirilampos
Como a miragem de tantos
Que tremeluzem no alto.
Num ponto qualquer da treva
Um vento me envolverá
Sentirei a voz molhada
Da noite que vem do mar
Chegar-me-ão falas tristes
Como a querer me entristar
Mas não serei mais lembrança
Nada me surpreenderá:
Passarei lúcido e frio
Compreensivo e singular
Como um cadáver num rio
E quando, de algum lugar
Chegar-me o apelo vazio
De uma mulher a chorar
Só então me voltarei
Mas nem adeus lhe darei
No oco raio estelar
Libertado subirei.
(Vinicius de Moraes)

GÊNERO DRAMÁTICO

A palavra drama vem do grego e significa ação. E é o “agir” que torna diferente
este gênero dos demais, já que apresenta sua história contada diretamente
pelos personagens. Os textos não visam ser recitados, mas encenados. O palco
é o espaço deste gênero, onde atores representam os papéis das personagens,
desenrolando-se por meio de diálogos, seguindo uma sequência que confira às
cenas a lógica de causa e consequência.

A ausência do narrador é compensada com indicações diversas, como, por


exemplo, o cenário. É comum que o gênero trate dos conflitos humanos, as
relações dos homens com o mundo e a própria miséria – moral, social ou
econômica – por que passam. A crítica é universal, servindo o homem como
exemplar de qualquer outro, exemplificando comportamentos e sentimentos
diversos como avareza, ganância, prudência entre outros.

Em sua estrutura notam-se as marcações cênicas, comuns no início de atos e


cenas, em que são descritos os elementos do ambiente, a entrada de
personagens e seus figurinos. Também são comuns as rubricas de
interpretação, textos que surgem entre parênteses dentro das falas das
personagens, para indicar ao ator as emoções ou maneiras de interpretar as
falas segundo a visão do dramaturgo.
O gênero dramático compreende várias modalidades como a tragédia – que
visava representar ações de consequências graves, inspirando pena e terror; a
comédia – que representava o cotidiano e a crítica aos costumes, provocando o
riso; e a farsa – pequena peça de caráter caricatural de crítica à sociedade, aos
poderosos e aos costumes em geral.

O texto a seguir, fragmento da peça Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco


Guarnieri, mostra os conflitos vividos por Otávio, líder de movimento sindical e
seu filho Tião, operário que fura a greve para não perder o emprego.

TIÃO – Papai…

OTÁVIO – Me desculpe, mas seu pai ainda não chegou. Ele deixou um recado
comigo, mandou dizê pra você que ficou muito admirado, que se enganou. E
pediu pra você tomá outro rumo, porque essa não é a casa de fura-greve!

TIÃO – Eu vinha me despedir e dizer só uma coisa: não foi por covardia!

OTÁVIO – Seu pai me falou sobre isso. Ele também procura acreditá que num
foi por covardia. Ele acha que você até que teve peito. Furou a greve e disse pra
todo mundo, não fez segredo. Não fez como o Jesuíno que furou a greve
sabendo que tava errado. Ele acha, o seu pai, que você é ainda mais filho da
mãe! Que você é um traidô dos seus companheiro e da sua classe, mas um
traidô que pensa que tá certo! Não um traidô por covardia, um traidô por
convicção!

TIÃO – Eu queria que o senhor desse um recado a meu pai…

OTÁVIO – Vá dizendo.

TIÃO – Que o filho dele não é um “filho da mãe”. Que o filho dele gosta de sua
gente, mas que o filho dele tinha um problema e quis revolvê esse problema de
maneira mais segura. Que o filho é um homem que quer bem!

OTÁVIO – Seu pai vai ficá irritado com esse recado, mas eu digo. Seu pai tem
outro recado pra você. Seu pai acha que a culpa de pensá desse jeito não é sua
só. Seu pai acha que tem culpa…

TIÃO – Diga a meu pai que ele não tem culpa nenhuma.

OTÁVIO (perdendo o controle) – Se eu te tivesse educado mais firme, se te


tivesse mostrado melhor o que é a vida, tu não pensaria em não ter confiança na
tua gente…

TIÃO – Meu pai não tem culpa. Ele fez o que devia. O problema é que não podia
arriscá nada. Preferi tê o desprezo de meu pessoal pra poder querer bem, como
eu quero querer, a tá arriscando a vê minha mulhé sofrê como minha mãe sofre,
como todo mundo nesse morro sofre!
OTÁVIO – Seu pai acha que ele tem culpa!

TIÃO – Tem culpa de nada, pai!

OTÁVIO – (num rompante) E deixa ele acreditá nisso, se não, ele vai sofrê muito
mais. Vai achar que o filho dele caiu na merda sozinho. Vai achar que o filho
dele é safado de nascença. (Acalma-se repentinamente.) Seu pai manda mais
um recado. Diz que você não precisa aparecê mais. E deseja boa sorte pra você.

TIÃO – Diga a ele que vai ser assim. Não foi por covardia e não me arrependo
de nada. Até um dia. (encaminha-se para a porta).

GÊNERO ÉPICO

Provavelmente a mais antiga forma de manifestação literária, surgindo da


necessidade de relatar as experiências dos primitivos, das batalhas e das
vitórias. É possível supor que, em meio aos fatos que narravam, outros fossem
sendo acrescentados, em referência a deuses ou elementos da natureza que
garantiam aos guerreiros sua força e tenacidade: estava criada a ficção.

O gênero épico caracteriza-se pela presença de um narrador que, via de regra,


distancia-se do assunto narrado, contando histórias de outras personagens.
Esses textos eram produzidos para serem lidos diante de uma plateia e narram
feitos de heróis, histórias de um povo ou de uma nação. A exaltação das
personagens e de seus comportamentos nas batalhas ou aventuras é marca
registrada do gênero.

Os poemas épicos são chamados de epopeias e seguem o roteiro de exaltação


de heróis em batalha, forjando a história das nações. O famoso livro Os
Lusíadas, de Luís de Camões é um exemplo deste gênero. No Brasil, Caramuru,
de Santa Rita Durão, e O Uraguai, de Basílio da Gama, ilustram o gênero de
maneira emblemática.

Originalmente, o ponto chave do gênero é a mimese, retratando a realidade de


maneira verossímil e objetiva. O foco nos acontecimentos e o abandono de uma
visão pessoal do narrador dão diversidade à história, seja na criação das
personagens, seja na percepção dos conflitos apresentados. Leia o fragmento a
seguir, trecho de Os Lusíadas de Luís de Camões.

CANTO I

As armas e os barões assinalados,


Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

GÊNERO NARRATIVO

Modernamente, são poucas as produções que mantêm as características do


gênero épico. Muitos autores abandonaram sua denominação e características
substituindo sua denominação por gênero narrativo, usado de maneira a nomear
as produções que apresentem, genericamente, um enredo, além de narrador,
personagens, tempo e espaço.

O conto e o romance são descendentes desse gênero, mantendo apenas


algumas características formais, afastando-se da temática e da visão de
exaltação a heróis, deuses e semideuses da antiguidade. A métrica foi
substituída gradualmente pela prosa, que hoje parece o padrão para este tipo de
produção.

O gênero narrativo apresenta como elementos:

• Personagens: podem ser planas (comportamento previsível) ou esféricas


(apresentadas sob vários aspectos, comportamento imprevisível).

• Tempo: histórico ou cronológico (fatos apresentados de acordo com a ordem


dos acontecimentos) e psicológico (lembranças do passado desencadeiam a
narrativa).

• Enredo: conjunto dos fatos de uma história.

• Espaço: lugar onde transcorre a ação (físico, social, psicológico).

• Ponto de vista / Foco narrativo: para contar uma história, o narrador pode se
posicionar de maneiras diversas. Assim, dependendo da perspectiva do
narrador, uma obra literária pode ter:

– Foco narrativo em terceira pessoa: quando o narrador é apenas uma voz que
não se identifica; em outras palavras, quando o narrador não é uma
personagem.

– Foco narrativo em primeira pessoa ou narrador-personagem: quando o


narrador é uma das personagens que vivem a história.

HERÓIS
Na literatura, nas histórias em quadrinhos, no teatro, no cinema, na televisão, o
texto ficcional apresenta uma galeria de protagonistas que marcaram as nossas
memórias, como o inseguro Bento Santiago, o fidalgo Dom Quixote, o
angustiado Hamlet, o apaixonado Romeu, o dedutivo Sherlock Holmes, o
vigilante Batman, o forte Peri ou o inteligente Indiana Jones. Protagonistas
podem também ser classificados como heróis ou anti-heróis.

Em suas crenças, seus mitos e seus rituais, todos os povos – mesmo sem
considerar seu estágio social ou econômico – possuem indivíduos destacados,
diferentes dos demais homens daquela estrutura social. Os gregos, ao tratarem
desse tema, classificaram-nos como heróis, em função de seus feitos grandiosos
passados de geração a geração. Exaltados e idealizados nas crenças do povo,
esses feitos, reais ou não, refletiram o que o povo desejava ser. E, até hoje,
percebe-se a necessidade que o homem tem de criar os seus heróis. Na
modernidade, o herói entra em conflito e se revela um ser inseguro, com
fraquezas e questionamentos. Essas variações na caracterização do
protagonista de uma obra permitem a classificação de três tipos de herói,
elencados a seguir.

HERÓI CLÁSSICO, ÉPICO OU MEDIEVAL

Desde a antiguidade clássica grega, o herói épico é personificado como um ser


invencível e tem como papel defender e proteger os fracos e oprimidos da
humanidade. Segundo suas convicções, a justiça e a bondade devem prevalecer
sobre tudo. Para tal, é necessário combater o mal e, nesse contexto, permitir que
o bem vença. Ele sempre enfrenta o perigo com fé e disposição para vencer. Na
literatura, em especial nas epopeias e nos textos medievais, heróis são dotados
de grande força física e de disposição para vencer quaisquer obstáculos. Com
força e coragem, levam adiante suas ações com o objetivo de construir uma
sociedade alicerçada no bem e na justiça. Exemplos desse tipo de herói são os
semideuses da mitologia grega e os protagonistas das epopeias como Aquiles,
Hércules, Ulisses e Perseu. Na literatura brasileira, Peri, do romance O Guarani,
é exemplo do herói medieval. Na essência desses personagens estão os mitos
gregos reinventados ao longo dos tempos. Veja abaixo a descrição desse herói
no Romantismo:
Então passou-se sobre esse vasto deserto de água e céu uma cena estupenda,
heroica, sobre-humana; um espetáculo grandioso, uma sublime loucura.

Peri alucinado suspendeu-se aos cipós que se entrelaçavam pelos ramos das
árvores já cobertas de água, e com esforço desesperado cingindo o tronco da
palmeira nos seus braços hirtos, abalou-o até as raízes.

Três vezes os seus músculos de aço, estorcendo-se, inclinaram a haste robusta;


e três vezes o seu corpo vergou, cedendo a retração violenta da árvore, que
voltava ao lugar que a natureza lhe havia marcado.

Luta terrível, espantosa, louca, desvairada: luta da vida contra a matéria; luta do
homem contra a terra; luta da força contra a imobilidade.

Houve um momento de repouso em que o homem, concentrando todo o seu


poder, estorceu-se de novo contra a árvore; o ímpeto foi terrível; e pareceu que o
corpo ia despedaçar-se nessa distensão horrível:

Ambos , árvore e homem, embalançaram-se no seio das águas: a haste oscilou;


as raízes desprenderam-se da terra já minada profundamente pela torrente.

(ALENCAR, José de. O guarani. Série bom livro. Editora Ática, São Paulo.)

HERÓI MODERNO OU PROBLEMÁTICO

Esses heróis tradicionais são encontrados na literatura moderna e


contemporânea. Personagens como Chaplin, Bentinho, de Machado de Assis,
Fabiano e Paulo Honório, de Graciliano Ramos, sentem-se abaixo dos homens
comuns. Moralmente abatidos, expondo suas contradições e fraquezas, o herói
moderno é resultante das situações de conflito que caracterizam o mundo
moderno. É o homem comum que reconhece as suas inseguranças em relação
ao mundo, tornando-se um herói melancólico.

Assim Machado de Assis caracteriza Félix, no romance Ressurreição, por


exemplo:

Não direi que fosse bonito, na significação mais ampla da palavra; mas tinha as
feições corretas, a presença simpática, e reunia à graça natural a apurada
elegância com que vestia. A cor do rosto era um tanto pálida, a pele lisa e fina. A
fisionomia era plácida e indiferente, mal alumiada por um olhar de ordinário frio,
e não poucas vezes morto.

Do seu caráter e espírito melhor se conhecerá lendo estas páginas e,


acompanhando o herói por entre as peripécias da singelíssima ação, que
empreendo narrar.
Não se trata aqui de um caráter inteiriço, nem de um espírito lógico e igual em si
mesmo; trata-se de um homem complexo, incoerente e caprichoso, em quem se
reuniam opostos elementos, qualidades exclusivas, e defeitos inconciliáveis.

(ASSIS, Machado de. Ressurreição. Rio de Janeiro/Belo Horizonte: Garnier,


1988.)

ANTI-HERÓI

O anti-herói não é o antagonista da obra, a quem são atribuídas características


negativas. O anti-herói é apresentado de forma caricatural, a ele faltam atributos
físicos e/ou morais característicos do herói clássico. Em uma visão direta e
simplista, o anti-herói é uma espécie de herói com imperfeições, no aspecto
físico, moral, ético. Ele desconstrói a imagem do herói clássico. Mário de
Andrade criou em Macunaíma um exemplo do anti-herói na literatura brasileira.
Macunaíma, o herói sem caráter, demonstra, já na introdução do enredo, um
conjunto de traços físicos e comportamentais que o classificam como anti-herói:
foi parido como fruto do medo da noite e era feio, preguiçoso, esperto e
ganancioso.

(Fonte: www.meucinelabrasileiro.com.br)

No fundo do mato-virgem, nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto


retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão
grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia Tapanhumas pariu
uma criança feia. Essa criança é que chamaram Macunaíma.

Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro, passou mais de seis anos


não falando. Si o incitavam a falar, exclamava: – Ai! Que preguiça… e não dizia
mais nada.

(ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. São Paulo:
Martins Fontes, 1978.)

Na cultura popular, os personagens de desenhos animados como Pica-pau e


Pernalonga, por suas características, podem ser também considerados anti-
heróis. Adorados pelo público, Pica-pau ficou marcado por ser esperto, travesso
e mau, em especial com seus predadores, e Pernalonga personifica a astúcia e
a esperteza.
A CONSTRUÇÃO DO TEXTO POÉTICO: ESTRUTURA E
EXPRESSÃO
Aprenda sobre a Construção do Texto Poético.

OS ASPECTOS CONSTITUTIVOS DO POEMA

Passamos agora a estudar a linguagem e os recursos linguísticos utilizados na


construção de obras artísticas. O poema é um objeto poético, não se
confundindo com a poesia, um gênero de composição. Portanto, o poema é
forma enquanto a poesia é abstrata e imaterial. Pode haver poesia sem que haja
o poema ou quaisquer de suas formalidades; isso ocorre, por exemplo, nas
prosas poéticas.

Por sua formalidade, o poema é constituído por versos, uma sucessão de


sílabas e fonemas que se organizam como uma unidade rítmica e melódica,
correspondente a cada uma das linhas de um poema. Os versos se organizam
em estrofes, um simples agrupamento de versos. O número de versos que
compõe uma estrofe é variável e para cada um deles há uma classificação
específica:

• dístico: dois versos


• terceto: três versos
• quarteto ou quadra: quatro versos
• quintilha: cinco versos
• sexteto ou sextilha: seis versos
• sétima ou septilha: sete versos
• oitava: oito versos
• nona: nove versos
• décima: dez versos

O conjunto de versos (ou, mais raramente, o verso único) que se repete ao final
de estrofes tem o nome de estribilho. Enjambement (cavalgamento) é o nome
dado ao verso que tem sua unidade sintática completada em outro verso:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.

(Augusto dos Anjos)

Sabemos também que a criação de versos caracteriza-se por uma linha


melódica, cujos principais recursos são a rima, o ritmo e a métrica.

RIMA
É a coincidência fonética entre as vogais tônicas de duas palavras e os fonemas
que lhe seguirem. Normalmente a rima é um recurso melódico usado no final dos
versos.

Quando um verso apresenta uma coincidência melódica com outro, origina uma
rima externa (entre versos). Em outros casos, a rima se dá entre duas palavras
de um mesmo verso, sendo classificada como rima interna.

Quando externas, as rimas podem apresentar-se alternadas, emparelhadas ou


interpoladas. São alternadas quando o primeiro verso rima com o terceiro e o
segundo com o quarto, por exemplo, (ABAB); chamam-se emparelhadas as que
seguem o esquema
AABB; e intercaladas, ABBA:

Por água brava ou serena A


Deixamos nosso cantar, B
Vendo a voz como é pequena A
Sobre o comprimento do ar. B

(Cecília Meireles)

Filho meu, de nome escrito A


da minh’alma no infinito. A
Escrito a estrelas e sangue B
no farol da rua langue… B

(Cruz e Sousa)

Como ama o homem adúltero o adultério A


E o ébrio a garrafa tóxica de rum, B
Amo o coveiro – este ladrão comum B
Que arrasta a gente para o cemitério! A

(Augusto dos Anjos)

Existem ainda versos que não apresentam rimas entre si; esses são chamados
versos brancos:

Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.
(Carlos Drummond de Andrade)

As rimas também são classificadas por outros aspectos, podendo ser perfeitas,
imperfeitas, pobres, ricas, raras e preciosas. São perfeitas as rimas que há
coincidência entre os sons finais a partir da vogal tônica (bola/escola, funil/barril);
são imperfeitas aquelas que.

1. apresentam metafonia, que é a diferença de timbre entre as vogais


(estrela/vela);

2. apresentam semelhança fonética, mas não exata igualdade (cais/paz);

3. rimam parcialmente (vertigem/virgem).

São ricas as rimas entre palavras de classes gramaticais diferentes (mar/cantar,


dor/compor) e pobres aquelas entre palavras de mesma classe (amor/dor,
amar/cantar); São chamadas de raras, aquelas cujas terminações sejam difíceis
e em pequeno número na língua (cisne/tisne). Por fim, diz-se preciosa a rima
que se utiliza de mais de uma palavra para ser realizada; normalmente, essas
rimas apoiam-se na estrutura enclítica dos pronomes ao verbo para criar seu
efeito: (vê-lo/selo, segui-lo/tranquilo).

RITMO

Consiste na alternância entre as sílabas tônicas e átonas das palavras que


compõem um verso. Essa disposição gera uma alternância de intensidade entre
as sílabas, marcando pontos em que se aumenta ou diminui a acentuação e, por
consequência a tensão do verso.

MÉTRICA

Se o ritmo trata da disposição das sílabas em um verso, a métrica trata da


quantidade de sílabas que nele se faz presente. A divisão de um verso em suas
sílabas poéticas chama-se escansão.

Deve-se tomar cuidado, pois não há correspondência exata entre as sílabas


gramaticais e poéticas. Para realizar a escansão, deve-se seguir as seguintes
regras:

• Contagem até a última sílaba tônica dos versos.

• Ligação de vogais átonas finais com vogais subsequentes.

De tudo, ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
(Vinícius de Moraes)

FENÔMENOS MÉTRICOS

• Elisão: supressão da vogal átona final de uma palavra pela vogal inicial da
palavra seguinte.

Mas / que / se / JA IN / fi / ni / TO EN / quan / to / du / re.

• Crase: fusão de sons vocálicos iguais.

De / le / SE EN / can / te / mais / meu / pen / sa / men / to.

• Hiato: Separação de sons interverbais.

E vaga
Ao luar
Se apaga
NO AR

• Sinérese: união do hiato interno em uma só sílaba.

Lan / ça a / POE / si / a

• Diérese: divisão do ditongo em duas sílabas.

En / quan / to hou / ver / no / mun / do / SA / U /da / de

Os versos de um poema que não apresentam uma regularidade métrica são


chamados de livres em oposição aos regulares cuja métrica se repete e que
podem se classificar de acordo com o número de sílabas poéticas:

• monossílabo – uma sílaba poética


• dissílabo – duas sílabas poéticas
• trissílabo – três sílabas poéticas
• pentassílabo ou redondilha menor – cinco sílabas poéticas
• heptassílabo ou redondilha maior – sete sílabas poéticas
• octossílabo – oito sílabas poéticas
• decassílabo – dez sílabas poéticas
• alexandrino – doze sílabas poéticas
• bárbaros – mais de treze sílabas poéticas
Outras medidas de verso são possíveis, apesar de raras. Existem versos
regulares de quatro, seis, nove catorze e até dezesseis sílabas, contudo, por sua
raridade são classificados por alguns como exóticos ou de métrica exótica.

FIGURAS DE LINGUAGEM I – FIGURAS DE PALAVRA


E DE PENSAMENTO
Aprenda sobre Figuras de Palavra e de Pensamento.

ESTILÍSTICA

Quando falamos em Estilística estamos realmente falando da parte da gramática


que estuda o estilo, entendendo por estilo um conjunto de características e de
usos de linguagem representativos da intencionalidade do enunciador e capazes
de estabelecer distinção entre dois textos.

Quando diretamente relacionada à Semântica, a Estilística ocupa-se significação


contextual e expressiva das palavras e expressões, baseando-se nas suas
possibilidades de plurissignificação. Pode, também, dar conta de modelos de
construção gramatical, desde que sirvam à expressividade. Contudo, sua
principal área de atuação reside no par conotação/denotação e no
estabelecimento da linguagem figurada.

Normalmente encontraremos a base para a análise da Estilística nos textos


literários, já que “a linguagem literária desvia-se, sistematicamente, da norma
padrão com o objetivo de colocar em primeiro plano as propriedades linguísticas
do texto e de desfamiliarizar as percepções automatizadas do leitor”. Outro
campo de análise será a linguagem publicitária que utiliza diversos jogos de
palavras e sentidos em sua tarefa de persuadir os consumidores.

LINGUAGEM FIGURADA

Procura da Poesia

(…)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
(Carlos Drummond de Andrade)

O poeta Drummond ensina que as palavras podem apresentar múltiplos


significados, dependendo do contexto em que as utilizemos. A essa
possibilidade de uma palavra apresentar diversos sentidos chamamos
polissemia. Alguns desses sentidos nos remetem à ideia original da palavra, isto
é, seu sentido primordial, denotativo. Outros ganham um sentido dentro do
contexto em que são usados, o chamado sentido figurado ou conotativo.
No mesmo poema, Drummond fala que as palavras, antes da poesia, ficam em
“estado de dicionário”, isto é, apresentando apenas sua significação objetiva,
ligada diretamente à necessidade em se nomear determinado ser ou processo.
Contudo, podem-se usar as palavras atribuindo-lhes novos sentidos de acordo
com a intenção, com o estilo a que se propõe. Alguns desses sentidos são
absolutamente comuns (ainda que se distanciem do significado original)
formados por associações ou aceitos culturalmente como tais. É o que ocorre
com a palavra coração que, por extensão e associação, pode significar amor,
paixão ou até mesmo ser usada como adjetivo.

Desta maneira, pode-se entender que as figuras de linguagem são


manifestações do indivíduo na intenção estilística de explorar usos da língua em
determinados contextos, buscando a superação da linguagem em prol de maior
expressividade para o texto. É sempre útil alertar que as figuras dependem da
intenção e, normalmente, do contexto em que são empregadas para que se as
possa realmente considerar.

Entre as várias maneiras de obterem-se tais efeitos, faz-se uma divisão entre as
figuras. Duas delas apresentaremos aqui:

Aquelas que manifestam suas relações através de expressões que se revelam


possuidoras de outros sentidos, as figuras de pensamento; e aqueles chamamos
tropos linguísticos – por alguns considerados figuras de palavra – em que os
termos são usados em sentido conotativo para sua realização.

FIGURAS DE PENSAMENTO

Antítese – Consiste na oposição entre duas ou mais ideias, onde os conceitos


se contrapõem, mas não se excluem.

“Os jardins têm vida e morte”

No caso de os conceitos tornarem-se irrealizáveis, teremos um paradoxo:

“Rio de neve em fogo convertido”


(L. Camões)

Apóstrofe – é uma invocação ou interpelação direta às pessoas ou seres


personificados.

“Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?!”


(Castro Alves)

Comparação ou símile – é o estabelecimento de uma comparação entre duas


ideias, através do uso explícito de um conectivo ou de uma construção
marcantemente comparativa.
“Seus olhos brilhavam mais do que as estrelas”
“A saudade bateu foi que nem maré”
(J. Vercillo)

Eufemismo – é uma forma suave de expressar alguma mensagem


desagradável, forte ou socialmente desvalorizada. Com o aparecimento do
comportamento “politicamente correto”, o eufemismo ganha uso corrente, seja
nas empresas – como forma de prestigiar funções subalternas com nomes
imponentes – seja no cotidiano, em que o uso de algumas expressões passou a
soar preconceituoso ou grosseiro.

“Ela deu o último suspiro”

“Meu avô trabalhava como um humilde chefe de recepção de edifícios”

Quando se utilizam expressões para satirizar ou mesmo fazer um uso popular


diante determinada situação, temos o disfemismo.

“O bandido vestiu o paletó de madeira”

Gradação – configura-se como uma sequência de palavras, sejam sinônimas ou


não, promovendo a intensificação de uma ideia.

“O trigo nasceu, cresceu, espigou, amadureceu, colheu-se, mediu-se”


(Pe. Antônio Vieira)

Hipérbole – consiste no exagero deliberado de uma afirmação.

“Ela chorou rios de lágrimas”

Ironia – consiste em dizer justamente o oposto do que se pretende.

“Este goleiro é excelente: dez falhas numa única partida…”

Perífrase – é o emprego de vários vocábulos para expressar um único nome.

“O Poeta dos Escravos”


(Em lugar de Castro Alves)

Prosopopéia (ou Personificação) – é a atribuição de vida e vontade própria a


seres inanimados.

“Os penhascos gemiam”

Sinestesia – consiste em mesclar numa mesma expressão sensações


percebidas por diferentes órgãos do sentido.

“Um grito áspero revelava todo o seu medo.”


‘TROPOS’ LINGUÍSTICOS – AS FIGURAS DE PALAVRA

Consideram-se tropos as palavras tomadas fora de seu sentido original,


explorando claramente as possibilidades de significação contextual, sendo
utilizadas em sentido conotativo. É comum também a designação desse
processo como figuras de palavra.

Metáfora – figura que realça os aspectos conotativos de um vocábulo,


ensejando uma comparação imediata.

“Seus olhos eram estrelas”

“Alessandra é uma flor”

Metonímia – Existe quando o significado sugerido pelo termo resulta de uma


aproximação de ideias, empregando um termo no lugar de outro, com o qual
mantém uma relação de contiguidade (autor pela obra, todo pela parte, lugar
pelo produto, efeito pela causa etc.). Note que, quando se fala em metonímia,
sempre haverá uma substituição de uma ideia pela outra.

“Vivem sem teto” (sem casa)


“Pegar um níquel” (uma moeda)
“Ele comeu dois pratos” (a comida contida nos pratos)
“Pedir a mão da moça em casamento” (a própria moça, não só a mão)
“Coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do rosto.”
(Machado de Assis)

Catacrese – é a figura que confere novo emprego a um vocábulo, por falta de


termos apropriados.

“O pé da mesa quebrou”

“Apoiou-se, então, nos braços da cadeira”

Antonomásia – é um caso especial de metonímia, através do qual um nome


próprio é substituído por uma circunstância ou qualidade a ele intrinsecamente
relacionada.

“O Genovês salta os mares…”


(Castro Alves)
(o termo “Genovês” se refere a Cristóvão Colombo)

FIGURAS DE LINGUAGEM: FIGURAS DE


CONSTRUÇÃO E DE HARMONIA
Aprenda sobre Figuras de construção e de Harmonia.
FIGURAS DE CONSTRUÇÃO OU DE SINTAXE

As figuras de sintaxe caracterizam-se por alterarem de alguma maneira as


regras tradicionais da Gramática, isto é, a coesão normativa é substituída por
uma coesão significativa, condicionada pelo contexto geral e pela situação, em
busca de maior expressividade. Com isso, encontraremos repetições de termos,
inversão de elementos, discordância entre outras modificações.

Podemos classificá-las em grupos:

1. por repetição
2. por omissão
3. transposição
4. discordância

FIGURAS DE CONSTRUÇÃO POR REPETIÇÃO

Anáfora – é a repetição de um termo ao início de versos ou frases.

“Tudo é silêncio, tudo (é) calma, tudo (é) mudez”


(Olavo Bilac)

Pleonasmo – repetição desnecessária de um termo já expresso, com valor


enfático. Note que tal repetição tem de apresentar valor estilístico, do contrário
será considerado vicioso. Podemos ainda dividir o pleonasmo em sintático e
semântico.

1. Pleonasmo sintático – É a repetição de um termo da oração, normalmente


por referência pronominal.

“A mim, não me agradam tais comentários”

2. Pleonasmo semântico – Consiste na repetição das ideias presentes nos


termos.

“Sonhei que estava sonhando um sonho sonhado”


(Martinho da Vila)

Polissíndeto – emprego reiterado de conectivos entre elementos coordenados.

“Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua”


(Olavo Bilac)

FIGURAS DE CONSTRUÇÃO POR OMISSÃO

Assíndeto – omissão do conectivo entre termos coordenados.


“A barca vinha perto, chegou, atracou, entramos.”
(Machado de Assis)

Elipse – omissão de um termo da oração, facilmente percebido pelo contexto.

Um cavalheiro. Até na miséria, um cavalheiro.


(Faltei à prova.)

Zeugma – tipo de elipse em que um termo participa de duas ou


mais orações, porém só aparece em uma única vez.

Eu fiz uma parte, Antônio fez outra e Sueli fez a última.

FIGURAS DE CONSTRUÇÃO POR TRANSPOSIÇÃO

Hipérbato – inversão da ordem natural das palavras na oração ou da ordem das


orações no período. Existe, então, a introdução de uma expressão no interior de
outro sintagma. Também é chamada de “inversão”.

“A casa, torno a ver, em que moramos”

Prolepse (ou Antecipação) – deslocamento de um termo do interior de uma


oração para o início do período.

“Os pastores parece que vivem no fim do mundo.”


(Parece que os pastores vivem no fim do mundo)

“Prima Justina creio que se levantou.”


(Creio que prima Justina se levantou)

FIGURAS DE CONSTRUÇÃO POR DISCORDÂNCIA

Anacoluto – introdução aleatória de um termo sem qualquer função sintática


dentro da oração.

“Bom! Bom! Eu parece-me que ainda não ofendi ninguém!”


(José Régio)

Hipálage – transposição de uma virtude própria de determinado termo para


outro integrante da oração.

“As lojas loquazes dos barbeiros”


(Loquazes, que tem o sentido de “falantes”, refere-se aos barbeiros, não às
lojas.)

Silepse – concordância estabelecida ideologicamente, contrariando a norma


gramatical. São de três tipos:
1. Silepse de gênero – concordância ideológica com a pessoa referida e não
com a exigência do termo.

“Senhor Presidente, Vossa Excelência parece cansado.”

2. Silepse de número – concordância ideológica com o


número (singular ou plural), contrariando o número do
termo referido.

“A multidão ouvia com atenção. Ao final, aplaudiram.”

1. Silepse de pessoa – concordância ideológica com uma pessoa diferente da


expressa na oração.

“Todos entramos imediatamente”

“no fundo a gente se consolava, pensávamos em nós mesmos.”


(Autran Dourado)

FIGURAS DE HARMONIA

Aliteração – é a incidência expressiva de fonemas consonantais idênticos.

“Me deixa ser teu escracho capacho, teu cacho, riacho de amor…”
(Chico Buarque)

Assonância – é a repetição de sílabas ou vogais idênticas.

“Duma nuança mansa que não cansa”


(E. Perneta)

Onomatopeia – quando o vocábulo busca reproduzir o próprio som ou ruído de


objeto representado.

“Sino de Belém, como soa bem!


Sino de Belém bate bem-bem-bem.”
(Manuel Bandeira)

Paronomásia – consiste no emprego, ao final ou no interior dos versos, de


vocábulos parônimos.

“Por todo o dia


um certo verde
um inseto verde
o incerto ver-te”
(Ramos Filho)
ARTE MEDIEVAL: TROVADORISMO E HUMANISMO
A Idade Média estendeu-se por mil anos, desde o século V ao século XV.
Marcada por um conjunto relevante de modificações nas estruturas e relações
sociais, a Idade Média muitas vezes é vista como um período de trevas e de
pouco desenvolvimento, mas não, essa não é uma realidade no campo das
artes.

A estruturação dos reinos, cidades ou outros ajuntamentos de pessoas por meio


do senhoralismo e do feudalismo forma uma sociedade hierarquizada, da
mesma forma que acaba por favorecer o desenvolvimento do comércio.

No oriente, o Império Bizantino, parte do antigo Império Romano, sobrevive e


acaba por tornar-se uma grande potência, influenciando política e culturalmente
a região. Por outro lado, os reinos e cidades que se formaram a partir do declínio
do Império Romano do Ocidente incorporaram grande parte de suas instituições.

O fenômeno do cristianismo é pedra angular para a compreensão da visão


artística da época, pois sua disseminação e influência junto às esferas políticas
concederam à Igreja Católica Apostólica Romana um poder bastante grande,
tanto no aspecto financeiro quanto no aspecto político-social. A proliferação de
templos e igrejas, faziam da Igreja Católica uma das principais patrocinadoras da
arte do período.

ARTE BIZANTINA E ROMÂNICA

A arte bizantina caracteriza-se por mosaicos de temática religiosa, retratando


figuras de forma bidimensional, com figuras representadas frontalmente e
verticalizadas de forma a sugerir uma visão espiritual; a perspectiva e o volume
são desconhecidos da produção das imagens, representadas normalmente
sobre fundos monocromáticos dourados; a predileção por essa cor está ligada à
associal com o ouro.

Na arquitetura, apesar de manter os cânones romanos, como arcos e cúpulas,


os bizantinos apresentaram relevantes inovações. A concepção das igrejas por
meio de bases de diferentes formas integradas a cúpulas permitia a construção
de edifícios cada vez maiores, que eram ricamente decorados. Um estilo que
influenciou a concepção de inúmeros outros tempos pelo mundo. É notável
também a influência oriental nas construções, como por exemplo a utilização de
minaretes, torres originalmente de mesquitas islâmicas.

No ocidente, a arte recebe a grande influência da herança romana, em especial


nas construções, fundamentalmente igrejas, caracterizada por arcos de volta
perfeita, abóbodas e pouca entrada de luz, com poucas e pequenas janelas. Da
simplicidade a projetos elaborados, esses edifícios mantinham por muitas vezes
colunas clássicas e apresentavam a grandiosidade que caracterizou a expansão
da fé católica no período.

Em relação à pintura, observa-se a mesma tendência à temática religiosa em


obras que, sobretudo, ornamentavam as igrejas. Nas representações, notam-se
a falta de proporcionalidade anatômica, os fundos monocromáticos ou formado
por cores sólidas e a bidimensionalidade. As figuras humanas são apresentadas
de forma alongada e desarticulada, característica da arte do período.

A partir do século XII, um conjunto de modificações nos padrões da arte


apresenta uma nova forma de representar o mundo, era a arte gótica. Na
pintura, representou o início da preocupação com a busca pela profundidade
com a reprodução de elementos arquitetônicos e paisagísticos para a
composição de cenários e ambientes das obras. O período mostra também o
predomínio das linhas sobre as cores e a atenção aos detalhes de
expressividade gestual e facial, ainda que as figuras continuem alargadas e
curvilíneas.

Na arquitetura, os edifícios ganham altura, com uma tendência acentuada ao


verticalismo, especialmente pelas construções com telhados piramidais.
Decorações mais complexas com abundante uso de janelas e vitrais para a
valorização da luz e das cores são típicas do período, que apresenta também o
famoso arco em forma de ogiva, inconfundível traço da arte gótica.

TROVADORISMO

Na literatura, surge o Trovadorismo, primeira manifestação literária em língua


portuguesa, identificada por suas cantigas, expressões poéticas que eram
apresentadas com acompanhamento musical, típicas expressões do gênero
lírico. Os nobres que compunham as poesias e as melodias chamavam-se
trovadores e rejeitavam a utilização deste título por aqueles que não tivessem
sua classe social. Aos artistas de classe “inferior” (que se auto intitulavam
trovadores também) dava-se o nome de jograis ou menestréis.

As letras retratavam o pensamento teocêntrico da época e transferiam as


relações sociais feudais para as relações pessoais, criando a vassalagem
amorosa, na qual o homem corteja a dama em um amor impossível, idealizado.
As cantigas, de acordo com suas características, poderiam classificar-se como
cantigas de amor, de amigo ou escárnio e maldizer.

CANTIGAS DE AMOR

Nessas cantigas, há um eu lírico masculino representando o cavalheiro em plena


vassalagem amorosa: a idealização da mulher amada, sempre distante e
inatingível. É um amor platônico, existente apenas em sonho e cabe apenas ao
cavalheiro colocar-se a serviço da dama, pois pertencem a níveis sociais
distintos. Daí surge o acentuado sofrimento amoroso, cujo lirismo representa-se
na vitimização do eu-lírico, chamada “coita d’amor”

Ai eu coitad! E por que vi


a dona que por meu mal vi!
Ca Deus lo sabe, poila vi,
nunca já mais prazer ar vi;
ca de quantas donas eu vi,
tam bõa dona nunca vi.

Tam comprida de todo bem,


per boa fé, esto sei bem,
se Nostro Senhor me dê bem
dela! Que eu quero gram bem,
per boa fé, nom por meu bem!
Ca pero que lh’eu quero bem,
non sabe ca lhe quero bem.

(Pero Garcia Burgalês)

CANTIGAS DE AMIGO

As cantigas de amigo têm uma característica peculiar: seu eu lírico é feminino.


Não que isso deva ser confundido com a autoria de mulheres; eram os homens
que escreviam, mas usando a voz feminina na construção poética.

Nessas cantigas a mulher sofre por se ver separada de seu amor, chamado
“amigo”, representado normalmente por um cavaleiro que saiu às batalhas.
Assim, a temática é a angústia e a preocupação da mulher com a vida de seu
amado, a dúvida se ele voltará um dia, tanto por conta dos perigos das guerras,
tanto por conta do medo de que ela seja trocada por outra. É, de fato, uma
confidência feminina que, por muitas vezes, utiliza-se de personagens auxiliares
como confidentes, como a mãe, a irmã, a aia ou mesmo elementos da natureza,
formando uma estrutura poética que aproxima-se de um diálogo.

Non poss’ eu, madre, ir a Santa Cecília


ca me guardades a noit’ e o dia
do meu amigo
Nom poss’ eu, madre, aver gasalhado,
ca me non leixades fazer mandado
do meu amigo.
Ca me guardades a noit’ e o dia;
morrer-vos-ei con aquesta perfia
por meu amigo.
Ca me non leixades fazer mandado,
morrer-vos ei con aqueste cuidado
por meu amigo.
Morrer-vos ei con aquesta perfia,
e, se me leixassedes ir, guarria
con meu amigo.
Morrer-vos ei con aqueste cuidado,
e, se quiserdes, irei mui de grado
con meu amigo
(Martim de Guizo)
gasalhado – sossego
mandado – vontades
perfia – traição
guarria – viveria bem

CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER

Essas cantigas apresentavam sátiras políticas, sociais e maledicências pessoais.


Nas cantigas de escárnio, havia um sem número de trocadilhos, ambiguidades e
indiretas, pois não se revelava o nome do alvo da crítica, estimulando a
imaginação de todos, por meio do uso de uma linguagem irônica e de muitos
recursos retóricos. As cantigas de maldizer eram sempre dirigidas a alguém de
forma direta, a quem se critica os costumes ou a aparência, de forma direta, sem
rodeios, com, muitas vezes, agressões verbais e utilização de palavras chulas e
xingamentos ao “maldito”.

Ai dona fea, fostes-vos queixar


que vos nunca louv’en[o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei todavia;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

(João Garcia de Guilhade)

Loar – louvar, elogiar


Sandia – louca

HUMANISMO

No final do século XIV, tem início o que muitos costumam chamar de “trecento”,
o primeiro momento do Renascimento. O que se vê, de fato, é o surgimento de
um movimento intelectual que inicia a transição do pensamento medieval para
uma forma diferente de enxergar o mundo.

Inspirando-se nas civilizações da antiguidade, a arte e a filosofia voltam-se à


humanidade, em um pensamento antropocêntrico, valorizando a razão, a busca
de maiores conhecimentos sobre o homem e a natureza, elaborando um
pensamento crítico sobre o mundo a sua volta. É a tentativa de desenvolver a
plenitude do potencial humano.

Na literatura, há abundância de prosas e poesias palacianas, dirigidas à


nobreza. É neste período que a poesia separa-se da música e, talvez por isso
mesmo, apresente certo “empobrecimento” poético, devido a menores requintes
e exigências. Os temas relacionam-se diretamente a assuntos da vida palaciana
e apresentam a visão de mundo da nobreza e da fidalguia; não era de se
estranhar, visto que eram esses nobres e fidalgos que as escreviam. O tema do
amor ganha maior sensualidade e a figura feminina já não é vista de forma tão
idealizada quanto no trovadorismo, uma das influências do antropocentrismo que
surgia.

PROSA MEDIEVAL

A prosa do período é marcada pelas narrativas simples, de heróis cavaleiros e


damas apaixonadas. Eram as novelas de cavalaria, que contavam as aventuras
e os feitos desses cavaleiros, além de seus amores. É uma literatura ingênua e
simples, mas de imenso sucesso e que venceu os tempos, tornando-se, por
muitas vezes, fonte de inspiração para muitas histórias da atualidade.

Formada por vários “ciclos”, que apresentavam o herói ou sua origem (o ciclo
clássico apresentava heróis da antiguidade; o ciclo bretão, Rei Artur e seus
cavaleiros etc), as novelas ou romances de cavalaria foram bastante populares
em Portugal, das quais se destacam Tristão e Isolda, Amadis de Gaula, História
de Merlim e a Demanda do Santo Graal.

Outro gênero de destaque na prosa são as crônicas históricas, que iniciaram os


estudos historiográficos portugueses, relatando, especialmente, a vida dos reis
de Portugal. Merece destaque o escritor Fernão Lopes, o principal representante
deste tipo de crônica.

TEATRO HUMANISTA

Entretanto, é no gênero dramático que traz o principal nome da arte portuguesa


do período: Gil Vicente. Dramaturgo versátil e talentoso, criou uma linguagem
própria no teatro, fazendo obras de caráter popular, com objetivo de criticar a
sociedade ao mesmo tempo em que levava mensagens moralizadoras. Assim,
suas encenações retratavam os costumes e o comportamento da sociedade em
sua época, além de mostrar os tipos que a compunham.

Dotado de elevado grau de crítica social, seus trabalhos, de caráter universal,


traziam muitas vezes caricaturas de personagens e alegorias de forma quase
didática para ensinar virtudes e expor mazelas no comportamento das pessoas.
Usando de temas pastoris, profanos e religiosos, sempre se atendo ao cotidiano,
apresentava e criticava com humor e comicidade as condutas de diversos
integrantes da sociedade, aflorando ao final o caráter moralizante que
caracterizava sua produção.

Escreveu autos e farsas. Nos autos, peças curtas normalmente compostas por
um único ato, Gil Vicente abordava temáticas religiosas com linguagem simples
e direta, cujo elemento preponderante era a enunciação de uma moral. Entre sua
produção elevada, destacam-se o Auto da Feira, o Auto da Alma, o Auto da
Barca do Inferno, o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória,
entre tantos outros.
As farsas, obras igualmente curtas, porém com caráter caricatural acentuado,
voltavam-se às encenações de caráter popular, com temas cotidianos, de caráter
cômico. Quem Tem Farelos?, O Velho da Horta e a Farsa de Inês Pereira
figuram entre as suas principais obras neste estilo.

CLASSICISMO: RENASCIMENTO
O final da Idade Média assiste à decadência do feudalismo, com o fortalecimento
do comércio, ascensão da classe burguesa e a própria formação do capitalismo.

O mercantilismo abre as portas para uma visão mais antropocêntrica e liberal. A


Igreja acaba por sofrer os reflexos dessa crise, levando ao rompimento das
forças burguesas com o medievalismo católico, culminando no movimento da
Reforma Protestante.

Desde meados do século XIV, em especial na Itália, havia um crescente


afastamento de valores góticos e uma crescente humanização do pensamento,
resultando em avanços em ideias que iam da economia à organização política,
passando por descobertas científicas e, evidentemente, as artes.

A partir do século XV, as ideias florescidas na região da Toscana italiana


começaram a expandir-se para outras regiões, em plena conjunção com o
aparecimento do humanismo filosófico. Intensificam-se, portanto, estudos acerca
da realidade e da própria representação artística. Entretanto, é no século XVI em
que se dá um grande salto das técnicas e dos conhecimentos em diversas áreas
do saber humano. Era a renascença de valores clássicos acompanhada de
inovações artísticas e científicas jamais antes vistas na história da humanidade.

O desenvolvimento de novos conhecimentos tanto artísticos quanto científicos


leva a inúmeras descobertas e a criações tecnológicas, como a imprensa. É
neste século que, munidos pelo saber e empurrados pelos ideais mercantilistas,
os europeus lançam-se ao mar e iniciam a era das navegações que culminou
com o achamento das Américas, incluindo-se aí o Brasil.

ARTE RENASCENTISTA

A arte renascentista revigora os valores e ideais da antiguidade clássica, em


uma busca incessante pela representação formal, imitativa e de tom mais
realista possível. O racionalismo é a principal característica do fazer artístico,
com o desenvolvimento de cálculos matemáticos para entendimento das
representações, bem como de estudos aprofundados em várias áreas,
significando o surgimento de um sem-número de técnicas de pintura e escultura
que elevaram o conhecimento e a realização artísticas a níveis jamais antes
vistos.
Em consonância com os valores clássicos, as obras buscam o equilíbrio e a
simetria da representação e apresenta a principal inovação em termos de artes
visuais: a perspectiva. O domínio desta técnica permitiu representações cada
vez mais realistas, impressionando pela distribuição de luzes e sombras.

A temática renascentista ultrapassa os cânones cristãos, apesar de muitas obras


retratarem histórias religiosas sob o ponto de vista católico, até por terem sido
contratadas pela Igreja. É comum a representação de alegorias e de divindades
mitológicas, como uma espécie de “tributo” temático aos valores da antiguidade.

A arquitetura renascentista preservou valores clássicos, suas ordens e


proporções. Catedrais e basílicas foram erguidas como forma de demonstração
de poder da Igreja Católica. A grandiosidade das construções era
complementada por suas formas equilibradas e simétricas, gerando um
resultado que impressiona os visitantes até os dias de hoje.

Um bom exemplo é a Basílica de São Pedro, construída com o financiamento da


concessão de indulgências com a finalidade de ser o principal templo do
catolicismo. Na imagem a seguir, podem-se perceber vários elementos da
arquitetura clássica revisitada pelo Renascimento, como a cúpula em abóboda, o
frontão triangular, as colunas de ordem clássica, os arcos de volta perfeita dos
portais, além da distribuição equilibrada e simétrica dos elementos.

CLASSICISMO PORTUGUÊS

Pode-se dizer que o Classicismo corresponde à fase literária do Renascimento.


Desde o período humanista, há a tendência de estabelecer-se algumas obras
dentro dos limites do Renascimento. Esse é o caso, por exemplo de Dante
Alighieri e sua Divina Comédia; Francesco Petrarca, poeta italiano inventor do
soneto e Giovanni Boccacio com seu clássico Decamerão. O período estende-
se, portanto, ao longo de vários séculos e abarca inúmeros gênios da
humanidade como William Shakespeare, François Rabelais e Miguel de
Cervantes.

Em Portugal, o movimento tem início em 1527 pelas mãos do poeta Francisco


Sá de Miranda. Ao retornar de uma viagem à Itália, o poeta torna-se o grande
renovador da arte literária lusitana ao trazer a chamada “nova e doce forma
poética” para a língua portuguesa. Tratava-se do formato italiano de soneto, com
dois quartetos e dois tercetos, geralmente composto em decassílabos, formato
que se tornou o mais popular na língua portuguesa.

Entretanto, é com Luís Vaz de Camões que a literatura do período chega ao


ápice. O escritor, expoente máximo da poesia lusitana, apresenta-se versátil e
destaca-se tanto na produção de poesias líricas quanto na construção da maior
epopeia em língua portuguesa, Os Lusíadas, um poema épico em que se narra a
história de Portugal desde sua fundação mítica e em que se exalta o povo
português, celebrando-se os grandes feitos da navegação e os heróis guerreiros
da nação lusitana.

CANTO I

1.
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
(Camões, Os Lusíadas)

Em sua produção lírica, Camões utiliza-se tanto da chamada “medida velha”


(redondilhas) quanto da “medida nova” (decassílabos) com extrema habilidade.
Sua temática apresenta certo desconcerto com o mundo e uma dualidade que se
dá entre o amor material e aquele idealizado. Entretanto, todas as antíteses e
paradoxos são construídos de forma racional e passadas com uma mistura de
lirismo e uma análise intelectual do sentimento amoroso.

Soneto

Amor é fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

QUINHENTISMO BRASILEIRO
Assim como cada autor tem suas preferências temáticas ou expressionais, as
épocas também as têm. Um escritor de uma época passada não trata dos
mesmos assuntos de um autor contemporâneo, nem mesmo utiliza a sua
linguagem.

As mudanças culturais são responsáveis por variações estéticas no tempo e no


espaço. Assim, cada estilo literário é caracterizado por valores artísticos, morais,
religiosos, políticos e sociais predominantes em determinada época.

No entanto, por maior que seja a influência do estilo predominante em sua


época, cada escritor é um indivíduo que sempre deixa impressa sua marca no
texto que produz. Por isso, um texto é o cruzamento entre um estilo de época e
estilo individual.

Esses estilos individuais e estilos de época não ficam restritos à literatura. Eles
também se manifestam em outras formas de arte. Veja, a seguir, como foi
representado o primeiro contato entre índios e europeus:

Vamos então conhecer melhor o período artístico-cultural brasileiro do


século XVI, conhecido como Quinhentismo.
CONTEXTO HISTÓRICO

Desde o século XIV, a Igreja perde espaço no monopólio da cultura. A burguesia


começa a frequentar a universidade e toma contato com uma cultura desligada
dos conceitos da Idade Média. A decadência do feudalismo e o fortalecimento da
burguesia resultam em uma visão mais liberal, antropocêntrica, identificada com
o mercantilismo. Recuperam-se os ideais da Antiguidade greco-romana, com a
valorização da arte, da filosofia e da mitologia.

Em Portugal, as grandes navegações impelem o espírito português à sua


vocação desbravadora e navegante. A chegada da imprensa possibilita a
divulgação das obras de autores humanistas europeus. A Revolução de Avis alia
a monarquia aos ideais mercantilistas proporcionando a expansão marítima
portuguesa.

A cultura e as artes florescem, desmantelando os quadros da antiga cultura


medieval. O êxodo rural provoca um surto de urbanização, que gera as
condições para o desenvolvimento de uma nova cultura, sendo essas cidades
polos de irradiação do Renascimento. A Igreja sofre os reflexos dessa crise: as
forças burguesas rompem com o medievalismo católico no movimento da
Reforma Protestante, ao passo que as forças tradicionais reafirmam seus
dogmas católicos através das resoluções do Concílio de Trento, nos tribunais da
Inquisição, lançando as bases para o movimento da Contrarreforma.

De um lado, a conquista material – representada em Portugal pelas conquistas


marítimas; de outro, as mudanças espirituais – representadas aqui pela
Contrarreforma. São essas as premissas para as primeiras manifestações da
Nova Terra: as cartas informativas – dando conta das riquezas materiais; e a
literatura jesuítica, voltada ao trabalho de catequese.

No Brasil, a ocupação efetiva do território pelos portugueses só começou por


volta de 1530. A atividade literária não passava de alguns textos de informação
sobre a nova terra – riquezas, paisagens e indígenas. Para garantir o domínio
das novas terras, a metrópole portuguesa organizou capitanias hereditárias e
enviou jesuítas para catequizar os índios.

O conjunto de manifestações dos anos de 1500, retratando a condição colonial


do Brasil, sua terra e população, bem como as atividades realizadas na nova
terra, é chamado de Quinhentismo. Essa literatura, apesar de produzida em
solo brasileiro, reflete o pensamento, a visão de mundo, as ambições e as
intenções do conquistador português.

LITERATURA INFORMATIVA
A literatura desta primeira fase faz um levantamento da nova terra, sua flora, sua
fauna, sua gente. A finalidade desses textos é descrever as viagens e os
primeiros contatos com a terra e os nativos, por isso essa literatura também é
chamada de literatura dos viajantes, literatura de expansão ou literatura dos
cronistas.

O objetivo principal é descrever e informar tudo o que pudesse interessar aos


governantes portugueses. Não havia nessas comunicações quaisquer
sentimentos de apego em relação à terra conquistada, percebida como mera
extensão da metrópole. O que havia era a exaltação da terra, resultante do
assombro europeu diante da exuberância natural desta terra tropical.

Por serem descritivas, tais cartas são carregadas de adjetivos, com uso
exagerado de superlativos como forma de louvar a terra conquistada pelos
portugueses. Essa exaltação da terra exótica, dos nativos – vistos com certa
simpatia e malícia, é chamada de ufanismo e dá origem ao movimento nativista,
que valoriza tudo aquilo que é pertencente à terra nova.

O primeiro e mais importante desses registros foi a Carta de Pero Vaz de


Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, endereçada a el-rei Rei D.
Manuel. É considerada como a “certidão de nascimento” do Brasil; nela,
Caminha mostra claramente as preocupações que atormentavam o povo
português da época: a conquista de bens materiais e o aumento do número de
fiéis adeptos ao Catolicismo. Veja um trecho da carta:

“Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até
outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista¹,
será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte cinco léguas por costa. Tem,
ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas
vermelhas, delas² brancas; e a terra por cima toda chã³ e muito cheia de
grandes arvoredos. De ponta a ponta, é tudo praia-palma⁴, muito chã e muito
formosa.

Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos,
não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa
alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons
ares, assim frios e temperados, como os de Entre-Douro e Minho⁵, porque neste
tempo de agora os achávamos como os de lá.

Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a


aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

Porém o melhor fruto, que dela se pode tirar me parece que será salvar esta
gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação
de Calecute⁶, isso bastaria. Quanto mais disposição para se nela cumprir e fazer
o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento⁷, da nossa santa
fé.”

1 houvemos vista: pudemos ver

2 delas… delas: umas… outras

3 chã: plana

4 praia-palma: segundo J. Cortesão, pode significar “toda praia, como a palma,


muito chã e muito formosa”

5 Minho: nome de uma região de Portugal

6 Calecute: cidade da Índia para onde se dirigiam os portugueses

7 acrescentamento: difusão, expansão

Além de Pero Vaz de Caminha, certamente a figura mais conhecida entre os


cronistas da nova terra, também outros viajantes relataram suas impressões
sobre a nova terra e os nativos. Entre eles podem-se destacar:

• Pero Lopes e Sousa: Diário de Navegação (1530);

• Pero Magalhães de Gândavo: Tratato da Terra do Brasil e a História da


Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos de Brasil (1576);

• Gabriel Soares de Souza: Tratado Descritivo do Brasil (1587);

• Ambrósio Fernandes Brandão: Os Diálogos das Grandezas do Brasil (1618).

LITERATURA JESUÍTICA

A outra manifestação literária que se dá em terras brasileiras ocorre graças aos


jesuítas, religiosos que chegaram ao Brasil junto dos primeiros colonizadores
com a missão de catequizar os índios. Esses jesuítas deixaram várias cartas,
tratados descritivos, crônicas históricas e poemas.

Destacam-se na produção literária de catequese os padres Manuel da Nóbrega,


Fernão Cardim e, principalmente José de Anchieta. Os jesuítas produziram
poesias de devoção, peças teatrais de caráter pedagógico, inspirado em
passagens bíblicas e documentos que informavam o andamento de seus
trabalhos a seus superiores na metrópole. Coube a Anchieta também a produção
de uma gramática da língua tupi.
As composições dos jesuítas representavam o pensamento da Contrarreforma,
contrários às ciências e tudo aquilo que representasse a liberdade de expressão
ou de ideias. A intenção é puramente “salvacionista” e a forma ignora por
completo as influências da arte renascentista.

O trabalho de catequese jesuítica, ao mesmo tempo em que impediu a


destruição completa dos índios – através da luta incansável contra a escravidão
indígena (o que rendeu o ódio dos colonos) –, destruiu os valores culturais
indígenas, impondo um modo de vida e uma religiosidade completamente
distintos do que estavam acostumados, transformando-os em presas fáceis de
bandeirantes e capitães do mato. Vejamos um poema de José de Anchieta:

À Santa Inês

Na vinda de sua Imagem

Cordeirinha linda,
Como folga o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Cordeirinha santa,
De Jesus querida,
vossa santa vida
O Diabo espanta.

Por isso vos canta


Com prazer o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Nossa culpa escura


Fugirá depressa,
Pois vossa cabeça
Vem com luz tão pura.

Vossa formosura
Honra é do povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Virginal cabeça,
Pela fé cortada,
Com vossa chegada
Já ninguém pereça;

HERANÇA DO QUINHENTISMO
Muitos autores revisitaram os autores quinhentistas em busca das origens
nacionais, ora com uma visão mais complacente daqueles acontecimentos, ora
com um viés mais crítico. O que se pode afirmar, com certeza, é que o período
quinhentista brasileiro, ainda que não apresen te grande quantidade de obras
artísticas, nem mesmo grandes preocupações estéticas, é uma grande influência
para artistas posteriores.

Observe a visão crítica de Oswald de Andrade, poeta modernista, na denúncia


da exploração que marcou a colonização brasileira.

História Pátria

Lá vai uma barquinha carregada de


Aventureiros
Lá vai uma barquinha carregada de
Bacharéis
Lá vai uma barquinha carregada de
Cruzes de Cristo
Lá vai uma barquinha carregada de
Donatários
Lá vai uma barquinha carregada de
Espanhóis
Paga prenda
Prenda os espanhóis!
Lá vai barquinha carregada de
Flibusteiros
Lá vai barquinha carregada de
Governadores
Lá vai barquinha carregada de
Holandeses
Lá vem uma barquinha cheinha de índios
Outra de degradados
Outra de pau de tinta
Até que o mar inteiro
Se coalhou de transatlânticos
E as barquinhas ficaram
Jogando prenda coa raça misturada
No litoral azul de meu Brasil
(Oswald de Andrade)

BARROCO
O século XVI marca a ampliação dos limites geográficos do mundo conhecido; o
homem passa a acreditar na sua capacidade de dominar a natureza e
transformá-la por meio da razão.

MOMENTO HISTÓRICO DO BARROCO

O século XVII parece ser a continuação da glória renascentista que se


anunciava: os conhecimentos científicos e as grandes descobertas tiveram
espaço para florescer; o antropocentrismo domina o pensamento europeu, à
exceção da Península Ibérica, que se fecha aos novos ares renascentistas e
volta-se a uma religiosidade extremada, levando Portugal e Espanha a ficar de
fora dos avanços produzidos na época. O final do século XVII , portanto, guarda
alterações no quadro econômico, social, político e religioso, abalando a euforia
antropocêntrica estabelecida.

O século XVII é marcado pelo mercantilismo, baseado no metalismo, na balança


comercial favorável e no acúmulo de capitais; a burguesia surgia com imenso
poder econômico nesse contexto. Contudo, se por um lado, a conjuntura
econômica favorecia a ascensão de setores populares, tais quais os burgueses;
por outro, a sociedade não se mostrava aberta em relação às estruturas política
e social.

Apesar de deter um forte poder econômico, a burguesia estava afastada do


poder político, constituía o Terceiro Estado, a mais baixa das três classes
impermeáveis pelas quais a sociedade se organizava. As outras duas classes, o
clero e a nobreza, gozavam de inúmeros privilégios e controle absoluto sobre as
decisões políticas e os comportamentos sociais. Os camponeses e artesãos
sofriam com pesados impostos e a falta de direitos. A burguesia fortalecia-se
com seu poder econômico e pressionava politicamente a nobreza e o rei, a fim
de conseguir maior participação política no Estado.

O absolutismo monárquico centralizava todo poder nas mãos do rei, considerado


o representante de deus na Terra. Por mais estranho que possa parecer, durante
algum tempo, esse sistema, ainda que excludente, beneficiou a própria
burguesia, já que lhe convinha um governo centralizado que unificasse e
ampliasse as condições do mercado nacional.

CONTEXTO HISTÓRICO PORTUGUÊS

Se Portugal viveu seus dias de glória no primeiro quarto do século XVI, é bem
verdade que o último quarto do mesmo século representa o pior período de sua
história. A expansão ultramarina levou Portugal a conhecer uma aparente
grandiosidade: Lisboa era a capital mundial das especiarias, mas a agricultura
nacional era abandonada.

As colônias na África e na América, que renderam à Espanha um enorme


acúmulo de metais preciosos, não deram a Portugal o mesmo benefício: suas
colônias nada forneceram de riquezas em imediato, especialmente o Brasil. Ouro
e prata, principais objetivos do metalismo mercantilista, não foram achados
rapidamente no Brasil, levando Portugal a uma condição de dependência de seu
comércio de especiarias. Com a decadência desse comércio, observa-se o
franco declínio da economia portuguesa. Um vasto domínio territorial, de gastos
monumentais com uma metrópole em crise econômica e política.

Impelido pelo sonho megalomaníaco de transformar Portugal em um grande


império, o jovem rei D. Sebastião parte para a conquista de terras africanas e
desaparece em meio ao insucesso na batalha de Alcácer-Quibir, em Marrocos,
em 1578, sem deixar descendentes.

A figura acima representa Dom Sebastião I, pintura de Cristóvão de


Morais.

Dois anos mais tarde, Felipe II da Espanha anexa Portugal a seu reino e
consolida a unificação da Península Ibérica. O desaparecimento do jovem rei e a
perda da autonomia levam o povo português a uma imensa amargura para olhar
o futuro e uma melancolia ao relembrar o passado. Cria-se um ambiente de
desilusão e esperança na volta do monarca desaparecido, que conduziria
Portugal à glória, transformando-o no Quinto Império. Essa crença messiânica
ganha o nome de Sebastianismo e teve como um dos maiores representantes o
próprio padre Antônio Vieira.

Com a unificação da península, a Contrarreforma se fortalece e o ensino torna-


se praticamente um monopólio nas mãos dos jesuítas, além de estabelecer-se
uma forte censura eclesiástica, um obstáculo praticamente intransponível a
qualquer avanço na área do saber. Enquanto a Europa experimenta um rico
tempo de descobertas científicas e inovações tecnológicas, a Península Ibérica
permanece como mantenedora da cultura medieval.

ESTÉTICA BARROCA

Barroco é a denominação dada às manifestações artísticas do século XVII, daí


também ser conhecido como seiscentismo. A palavra barroco tem origem
controversa, mas a hipótese mais conhecida versa que o nome designa um tipo
de pérola de forma irregular, imperfeita, desigual, assimétrica. A estética barroca
guarda as qualidades da pérola que lhe nomeia, já que representa o intenso
conflito interno do homem do ano de 1600: por um lado, o racionalismo e o
renascimento, por outro, a Contrarreforma. Essa antítese é retratada no estilo,
gerando assimetria, confusão, rebuscamento e paradoxos.

A figura acima representa a Pérola Barroca.

A contradição social e cultural produz a matiz dos conflitos retratados pelo


barroco: teocentrismo x antropocentrismo, fé x razão, alma x corpo, bem x mal,
perdão x pecado, espírito x matéria, deus x homem, virtude x prazer. O
racionalismo oferece o prazer e a vida material; a Igreja, a volta aos valores
medievais, com a renúncia aos prazeres mundanos e à mortificação da carne.

A figura acima representa Caravaggio, São Francisco em êxtase.

Essa preocupação insana a qual era submetido o homem seiscentista o levava


apenas a crer na brevidade da vida, na efemeridade da existência, restando a
ele aproveitar o tempo que lhe restava (carpe diem). Longe de ser positiva, essa
era uma atitude pessimista: devia-se aproveitar a vida, pois a morte já chegava.
É claro que, após gozar dos prazeres da carne, restava o sofrimento, o pecado e
o arrependimento. Era o momento de pedir perdão e de se redimir frente a deus.
Assim, o homem barroco estava sempre enfrentando o dilema de aproveitar o
tempo que lhe restava na terra e pedir perdão pelos pecados que cometeu ao
desfrutá-lo.

As lutas religiosas e as dificuldades econômicas decorrentes da decadência do


comércio de especiarias estabelecem as condições da crise por que passam os
portugueses, gerando tensão e desequilíbrio, características tão marcantes do
Barroco. Dessa maneira, o culto exagerado da forma, a busca pelo detalhe, o
rebuscamento, o uso sobrecarregado de figuras de linguagem e, até mesmo,
uma tendência sensualista são expressões do espírito seiscentista. Na literatura,
pode-se perceber claramente duas tendências barrocas: o Cultismo e o
Conceptismo.

Cultismo

Remete-se ao rebuscamento no plano formal. Caracteriza-se pelo uso de


linguagem culta, rebuscada e extravagante; um vocabulário sofisticado, com
grande número de figuras de linguagem (principalmente a metáfora, a antítese e
a hipérbole) e jogos de palavras. A valorização dos pormenores e a exploração
de efeitos sensoriais como cor, som, forma e volume, além de construir imagens
violentas e fantasiosas. É um estilo presente sobretudo na poesia. A maior
influência cultista pertence ao poeta espanhol Luís de Gôngora, pelo qual
também ficou conhecido o estilo como Gongorismo.

A figura acima representa o Rebuscamento ornamental em igreja da Bahia.

Conceptismo

A palavra remete à origem espanhola concepto (conceito, ideia) e, por isso,


refere-se ao estilo que valoriza o jogo de ideias, construído a partir das sutilezas
do raciocínio lógico, com valorização do pensamento através de analogias e
alegorias. É um estilo racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada, bem
elaborada; normalmente manifestado na prosa. O maior representante
conceptista foi, sem dúvida, o espanhol Francisco de Quevedo, que também
empresta seu nome para apelidar o gênero: Quevedismo.

A figura acima representa Francisco de Quevedo.

Apesar de estilos diferentes, é importante ressaltar que ambos retratam a


mesma escola barroca. Portanto, não é difícil imaginar que a produção de um
autor pode apresentar traços cultistas e conceptistas; por vezes, um mesmo
texto enquadra-se nas características dos dois estilos, sem que haja prejuízo na
estética da obra.

CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO

No século XVII, o Brasil era um importante empreendimento comercial de


Portugal, o grande celeiro de cana-de-açúcar. Com o declínio do comércio de
especiarias, a colônia na América torna-se a maior fonte de riquezas de
Portugal. Tudo aqui era organizado em torno dos engenhos de cana,
concentrados na Zona da Mata nordestina.
Os colonos portugueses que vinham ao Brasil, quando não eram degredados –
desajustados na sociedade europeia –, estavam apenas interessados na
exploração da cana e no enriquecimento rápido, que os permitisse um breve
retorno a Portugal. Em momento algum se observou um movimento de
enraizamento na Colônia, de construção de uma vida social na América
portuguesa.

A realidade brasileira era de violência, de escravização do negro e de


perseguição aos índios. Aqui não havia a opulência da aristocracia europeia – o
mercado consumidor do açúcar –, mas os incultos e, na maioria das vezes,
analfabetos comerciantes interessados no lucro. Apesar disso, surgia na colônia
um grupo de pessoas letradas: advogados, religiosos, homens de letras, cuja
formação dava-se em Portugal por serem filhos desses ricos comerciantes ou
fidalgos que se instalaram no Brasil.

A cidade de Salvador, capital da Colônia, era, além de um centro político e


econômico, um verdadeiro – e único – polo de produção cultural, reunindo as
manifestações artísticas da época, ainda que não houvesse sentimento de
conjunto, representando meramente esforços individuais. O estilo e as
características eram simplesmente transplantadas da Europa para cá, através
dos poucos que se aventuravam nessa área.

Contudo, a política brasileira vivia um momento delicado: com a unificação da


Península Ibérica e a passagem do trono português à coroa espanhola, o conflito
já deflagrado entre os Países Baixos e a Espanha passara a ter reflexos em
Portugal e em suas posses. Os holandeses perderiam sua participação nos
lucros da produção e comércio do açúcar, assim partiram para a invasão da
colônia portuguesa na América: o Brasil.

Essas invasões começaram por Salvador, ocupada por mais de um ano. Apesar
de terem demorado pouco mais de 24 horas para ocuparem a cidade, não
conseguiram passar de seus limites, encontrando resistência nos colonos que,
refugiados em fazendas próximas à capital, impediram a expansão dos
invasores. Com a chegada de reforços, duras batalhas foram travadas até a
expulsão dos holandeses.

Contudo, as invasões continuaram: em 1635 a faixa litorânea que vai de Sergipe


ao Maranhão estava sob domínio holandês, com destaque para a invasão de
Pernambuco em 1630 e o governo de Maurício de Nassau que promoveu
intensa urbanização, com inúmeras benfeitorias em Recife e Olinda. Somente
com a Insurreição Pernambucana, que durou dez anos, houve a expulsão
definitiva dos holandeses no ano de 1654.
(Detalhe de O cristo do Carregamento da Cruz, madeira policromada, por
Aleijadinho, no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas, MG)

A arte barroca brasileira segue os mesmos preceitos estéticos do barroco


europeu nas artes plásticas, com destaque para o escultor mineiro Antônio
Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho. Apesar de suas obras terem sido
produzidas no século XVIII, elas retratam as características do barroco. Na figura
em destaque, por exemplo, Aleijadinho mostra o imaginário da dor e do
sofrimento relacionado ao imaginário religioso. Não há um Cristo glorioso e
alegre, ou mesmo reflexivo, mas um Cristo de paixão e morte na cruz.

GREGÓRIO DE MATOS GUERRA

O maior poeta barroco brasileiro nasceu em Salvador, Bahia, provavelmente a


23 de dezembro de 1636 (apesar de alguns historiadores datarem seu
nascimento em 1633 e outros em março de 1623). Filho de uma família
abastada, teve acesso ao melhor da educação na época, iniciando seus estudos
no Colégio dos Jesuítas e terminando-os em Coimbra, Portugal, onde formou-se
em Direito. Tornou-se juiz, foi Procurador da Bahia em Lisboa, clérigo e ainda
encontrou tempo para ensaiar alguns poemas satíricos. Por causa deles, viu-se
obrigado a retornar ao Brasil onde foi convidado a trabalhar com os Jesuítas.

Gregório foi tesoureiro-mor e vigário-geral (ainda que sempre tenha se recusado


a vestir-se como clérigo), mas continuou exercendo sua veia satírica. Por seu
comportamento, foi destituído de seus cargos eclesiásticos e partiu para uma
vida mais boêmia, transformando-se em um verdadeiro cronista da época,
castigando com suas críticas e sátiras a sociedade baiana, ridicularizando
impiedosamente as autoridades civis e religiosas. Por isso, foi duramente
perseguido pelo governador baiano Antônio de Souza Menezes, o Braço de
Prata e denunciado à Inquisição por apresentar hábitos de “homem solto sem
modo de cristão”.

Casou-se com Maria dos Povos, com quem teve um filho, mas não parou nem
de advogar nem de escrever suas poesias satíricas e pornográficas. Seus
poemas contra o Governador Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho fez
com que seus filhos o jurassem de morte. Os amigos de Gregório – sim, ele
tinha amigos! – armaram uma forma de prendê-lo e enviá-lo à força para Angola,
de modo a preservar-lhe a vida.
Profundamente desgostoso com a vida, envolveu-se em uma conspiração de
militares portugueses que planejavam a independência de Angola. Gregório
colaborou com a prisão dos líderes do movimento, mostrando sua fidelidade à
corte portuguesa. Como prêmio, pôde voltar ao Brasil.

A notícia de sua volta causou enorme repercussão em Salvador, onde foi


proibido de entrar. Já doente, sua volta se deu em Recife, longe de seus
desafetos. Morreu em 26 de novembro de 1695 (alguns autores apontam janeiro
de 1696 como a data de sua morte) vítima de uma febre que contraíra ainda em
Angola.

Gregório desenvolveu sua obra em poesias sacras, lírica amorosa, poesias


satíricas e escritos erótico-irônicos. Araripe Júnior, importante crítico literário, em
1894, definiu assim o poeta baiano: “um notabilíssimo canalha, eis o que ele
era”. Essa fama sempre acompanhou Gregório de Matos devido a ter primado
pela irreverência. Afrontou os valores e a falsa moral da sociedade baiana de
seu tempo. Comportou-se de maneira a escandalizar todo o povo da colônia e
da metrópole. Com ele, o sisudo barroco “se tropicaliza, come banana, grita
palavrões e põe os pés no chão brasileiro”, segundo afirma José de Nicola.

Rompeu com os modelos europeus do barroco, fez a denúncia das contradições


da sociedade baiana e criticou implacavelmente todos os grupos sociais, fossem
governantes, fidalgos, comerciantes, escravos, clérigos, prostitutas, mulatos etc.
Gregório foi o primeiro poeta popular, conseguiu passear por todas as camadas
sociais, incorporou em sua linguagem vocábulos indígenas e africanos, sem
contar a linguagem baixa e chula, carregada de palavrões e obscenidades. Por
sua produção e comportamento, ganhou o apelido de Boca do Inferno.

Nenhum de seus poemas foi publicado em vida, todos foram transmitidos


oralmente até meados do século XIX quando foram reunidos em um livro. Houve
várias compilações que deixaram a desejar, criando controvérsia sobre a autoria
de alguns poemas atribuídos a Gregório de Matos. Sua obra basicamente pode
ser dividida em sacra, amorosa, satírica e erótica.

Sua poesia sacra é bastante abrangente, desde poemas comemorativos por


festas de santos até aqueles de contrição e reflexão moral. Nessa vertente,
obedeceu aos preceitos do barroco europeu, com inúmeras referências bíblicas,
apresentando temas como o amor a deus, a culpa, o arrependimento, o pecado
e o perdão. Outras vezes apontou o desconcerto do mundo, lembrando a
transitoriedade da vida e do tempo, fazendo uso do carpe diem. Em sua
linguagem encontram-se inúmeras inversões e figuras de linguagem, além da
construção de imagens fortes e de um espírito extremamente contraditório,
abusando de antíteses e paradoxos, bem ao estilo barroco.
A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,


Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,


A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada


Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,


Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória

A lírica amorosa de Gregório é marcada pelo contraste entre corpo/alma,


levando ao inevitável sentimento de culpa no plano espiritual, por se deixar levar
pelo pecado da carne. A própria figura feminina revela-se como a personificação
do pecado, levando o poeta à perdição.

Sonetos a D. Ângela de Sousa Paredes

Anjo no nome, Angélica na cara


Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara


De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo sois dos meus altares


Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda


Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda

Sua obra satírica é extensa, assim como seus desafetos: ricos, pobres, negros,
brancos, mulatos, padres, freiras, autoridades, amigos, inimigos, toda a
sociedade baiana foi vítima de sua “lira maldizente”. Esses poemas não se
resumem à zombaria, mas revelam uma crítica aos vícios da sociedade. Sua
produção satírica revela nosso poeta mais original, fugindo dos padrões
europeus, estando completamente voltados à realidade baiana. Fica evidente um
sentimento nativista, o início do processo de uma consciência crítica nacional,
separando o que é brasileiro do que é exploração lusitana.

O que falta nessa cidade? Verdade.


Que mais por sua desonra? Honra.
Falta mais que se lhe ponha. Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade, onde falta,
Verdade, Honra, Vergonha.
(…)
E nos frades há manqueiras? Freiras
Em que ocupam os serões? Sermões
Não se ocupam em disputas? Putas.
Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.
O açúcar já se acabou? Baixou
E o dinheiro se extinguiu? Subiu
Logo já convalesceu? Morreu.
À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.
A Câmara não acode? Não pode
Pois não tem todo o poder? Não quer
É que o governo a convence? Não vence.
Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

Sua poesia erótico-pornográfica exalta a sensualidade da mulher, normalmente


as amantes que conquistou no Recôncavo Baiano. Expressava sua volúpia, seus
desejos e seus desencontros. Cantava também os escândalos sexuais que
ocorriam nos conventos, lugares que, segundo nosso “cronista” imperavam o
pecado, a sodomia e a homossexualidade.

A outra freira, que satirizando a delgada fisionomiado poeta lhe chamou


“pica-flor”
Se Pica-flor me chamais,
Pica-flor aceito ser,
mas resta agora saber,
se no nome, que me dais,
meteis a flor, que guardais
no passarinho melhor!
se me dais este favor,
sendo só de mim o Pica,
e o mais vosso, claro fica,
que fico então Pica-flor.

PADRE ANTÔNIO VIEIRA

“Devemos dar muitas graças a deus por fazer este homem católico, porque se o
não fosse poderia dar muito cuidado à Igreja de deus”. O homem a quem se
referia o papa Clemente X era Antônio Vieira, o “monstro dos ingênuos e
príncipe dos oradores”. Vieira nasceu em Lisboa, em 6 de fevereiro 1608 e aos
sete anos veio para a Bahia, onde, aos 15 anos, entrou para a Companhia de
Jesus. Seu retorno a Portugal deu-se somente em 1640, após a Restauração –
movimento pelo qual Portugal libertou-se da Espanha – quando saúda o rei D.
João IV, de quem se tornaria conselheiro e confessor e que o nomearia
representante e mediador de Portugal nas relações econômicas e políticas
internacionais. Sua atuação nunca foi meramente religiosa. Seus sermões
defendiam suas posições políticas, voltando contra si a pequena burguesia
cristã, por defender o capitalismo judaico e os cristãos novos; os pequenos
comerciantes, por defender um monopólio comercial; os administradores e
colonos, por defender os índios. Teve problemas inclusive com a própria
Inquisição que o condenou e o prendeu por dois anos, sob a acusação da defesa
de cristãos-novos.

Vieira pregou a todos, brancos, negros, índios, brasileiros e portugueses. Fez de


seus sermões sua principal arma para veicular suas ideias, postas em prática na
catequese, na defesa dos índios e da colônia, quando da invasão holandesa.
Quando no púlpito, o padre tratava de todos os assuntos que envolviam e
preocupavam o auditório; tais encontros eram praticamente o único espaço onde
era possível informar-se e refletir sobre a conjuntura e os acontecimentos da
vida e do mundo. Em 1697, no colégio da Bahia, Antônio Vieira faleceu,
deixando mais de 500 cartas, 200 sermões e três obras proféticas.

História do futuro, Esperanças de Portugal e Clavis Prophetarum constituem as


profecias de Vieira. Nelas, notam-se o sentimento sebastianista e as esperanças
de Portugal em tornar-se o Quinto Império do Mundo, uma “interpretação”
alegórica de uma profecia bíblica. Esses textos demonstram o caráter
nacionalista exagerado e a servidão incondicional, típica dos jesuítas.
As cartas de Vieira dizem respeito ao relacionamento entre Portugal e Holanda,
à Inquisição e os cristãos-novos e, finalmente, aos acontecimentos da colônia.
Esses documentos possuem mais valor histórico que propriamente literário.

A principal vertente da obra de Antônio Vieira, sem dúvida, encontra-se em seus


sermões. Produzidos no estilo conceptista, são textos de brilhante retórica em
que o pregador utiliza-se da lógica e de uma expressão clara e singela para
convencer, apresentar e provar ideias e conceitos. Vieira pregou no Brasil, em
Portugal e na Itália, sempre com grande repercussão.

Foi, seguramente, um gênio da língua, obtendo efeitos extraordinários, sem


utilizar-se de exageros ou metáforas: um discurso inventivo e original, de grande
engenhosidade, com clara construção discursiva, seguindo uma estrutura
clássica:

• Introito, exórdio ou introdução – apresenta um tema (normalmente um texto


bíblico) em que se fundamenta toda a argumentação, ligando-o à introdução do
assunto principal do sermão.

• Demonstração ou argumento – é o desenvolvimento do tema, respondendo à


questão levantada procurando convencer o ouvinte. Apresenta argumentos e
exemplos, muitas vezes tirados da história ou da Antiguidade, buscando ampliar
os limites do texto.

• Peroração ou conclusão – procura despertar no ouvinte sentimentos que


decorram da argumentação.

Entre seus principais sermões, destacam-se:

• Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda (Bahia,
1640) – coloca-se contrário à invasão holandesa.

• Sermão do mandato (Capela Real de Lisboa, 1645) – desenvolve o tema do


amor místico.

• Sermão de Santo Antônio (aos peixes) (Maranhão, 1654) – posiciona-se


contrariamente à escravização dos índios.

• Sermão da Sexagésima (Capela Real de Lisboa, 1655) – apresenta como tema


a própria arte de pregar.

ARCADISMO – ARTE E CONTEXTO


Na segunda metade do século XVIII, inicia-se uma forte reação contra o Barroco
e o panorama ideológico que ele representava. A arte setecentista cultiva a
graciosidade e a leveza, utilizando linhas suavemente curvadas e tons
esbatidos.
Na pintura, as cenas são sempre estilizadas em ambientes campestres, onde
pastores e pastoras, ninfas e sátiros representam a superficialidade e a alegria
maliciosa dos salões aristocráticos. Na literatura, podemos observas as
seguintes tendências:

• Arcadismo – Em sentido amplo, é a produção poética ligada às arcádias*; em


sentido mais específico, refere-se ao ideal de simplicidade e de naturalidade que
se buscou nos temas bucólicos e pastoris convencionais, pela imitação de
poetas latinos e renascentistas.

*Arcádias – desde a fundação da Arcádia Romana (1690), as agremiações


literárias academias) passaram a receber estes nomes: Arcádia Lusitana e Nova
Arcádia (Portugal), Arcádia Ultramarina (Brasil).

• Neoclassicismo – No geral, o termo é usado em referência ao conjunto da


produção artística da segunda metade do século XVIII. Num sentido mais
restrito, refere-se a uma tendência artísticas das últimas décadas do século XVIII
e primeiras do XIX. A arte neoclássica caracteriza-se pelo retorno ao equilíbrio
clássico e pela imitação dos autores greco-latinos e renascentistas. Valoriza a
perfeição formal, cultua a grandiosidade, repudia a decoração supérflua e
desenvolve temas mitológicos históricos.

• Pré-Romantismo – Concomitantemente ao florescimento do Neoclassicismo, o


progressivo desgaste dos valores aristocráticos leva muitos artistas e escritores
a abandonarem as convenções classicizantes, imprimindo em suas obras certas
características que prenunciam o Romantismo do século XIX, como o
emocionalismo e o pessimismo.

ARCADISMO: ARTE E LITERATURA EUROPEIA

O Século das Luzes, como ficou conhecido os anos de 1700 é um período de


aprofundamento às críticas ao Antigo Regime, um período de transformação
social, política e econômica. Um período em que convivem o capitalismo
comercial, o absolutismo, o sistema colonial, a sociedade baseada em
estamentos e o surgimento de um conjunto de pensadores que iriam mudar para
sempre a história da humanidade.

Esses pensadores procuravam uma explicação racional para o mundo, com


fortes críticas ao pensamento religioso representado pela Contrarreforma e
introduziam ideias com a finalidade de promover melhorias das condições
existenciais do homem. Era, sobretudo, uma crítica burguesa à sociedade, uma
forma de afirmação de aquele modelo de organização social não era justo e que
precisava ser suplantado. Esse conjunto de ideias ficou conhecido como
Iluminismo. Os filósofos iluministas afirmavam que a razão guiaria o homem para
a sabedoria, conduzindo-o à verdade. Assim, a razão era a fonte de todo o
conhecimento.
A figura acima representa a Ilustração inicial da Enciclopédia de Diderot e
D’Alambert.

A burguesia do século XVIII desenvolveu-se de maneira exponencial, em


especial promovendo grandes revoluções tecnológicas que provocaram
profundas mudanças na sociedade europeia e firmaram o capitalismo como
sistema de produção dominante. A Revolução Industrial foi, sem dúvida, a mais
importante dessas revoluções, sendo responsável por significativas mudanças
na história da humanidade.

A evolução da tecnologia aplicada à produção de mercadorias serviu para


atender a um emergente mercado consumidor, que se ampliou para uma
revolução social, o que trouxe o surgimento das relações de trabalho
assalariadas, a substituição da energia humana pela energia a vapor, a
passagem de uma sociedade esta mental para uma sociedade de classes,
dividida em burguesia capitalista – dona do capital e dos meios de produção – e
o proletariado, dono exclusivamente de sua força de trabalho.

A influência da classe burguesa aumentava na sociedade, seu poder econômico


já era dominante e a arte influenciava-se com suas ideias e propostas. Como
“alternativa” social, a burguesia se afastava da nobreza, com sua opulência e
luxo exagerados. Como contraponto, projetava uma vida simples e sem
requintes, ainda que essa não fosse a realidade de suas vidas. Entretanto, essa
imagem tornava-se um ideal agradável como mensagem, uma promessa de que
havia um mundo diferente, racional, equilibrado e justo.

Contrariando a tendência do século XVII de ostentar igrejas e palácios


imponentes, o século XVIII apresenta casas mais simples e belos jardins,
anunciando um novo sentido de vida. Os materiais mais simples entram em
cena, as cores fortes e o rebuscamento perdem seus lugares. O Arcadismo
reflete a ideologia da classe aristocrática em decadência e da alta burguesia,
insatisfeitas com o absolutismo real, e com as formas sociais de convivência
rígidas, artificiais e complicadas.
As mudanças estéticas apoiam-se na revolução filosófica que representou o
Iluminismo. Assim, o poder da razão suplanta o sentimentalismo ou
irracionalismo barroco: a razão é sinônimo de verdade, em lugar das crenças
religiosas passadas. As luzes do esclarecimento ajudam os homens a entender
o mundo e a combater preconceitos. É por oposição ao pensamento anterior que
surge a tendência simplificar a arte. O Neoclassicismo, como também é
conhecido o período, é marcado pelo domínio da razão, pela imitação dos
clássicos e pela aproximação com a natureza.

A busca da simplicidade é um ideal árcade, que considera o simples como


verdadeiro, como racional. Não há diferença entre simplicidade, verdade e razão.
Como a simplicidade é a essência do movimento, a imitação da natureza e dos
padrões clássicos torna-se o caminho para a arte. Lembremos que, nesse caso,
imitar significa seguir modelos e não copiar pura e simplesmente. Há um
conjunto de características dos artistas do arcadismo, as quais ficaram
conhecidas por seus nomes em latim.

AUREA MEDIOCRITAS

O Arcadismo propõe um retorno à ordem natural. Como na literatura clássica, a


natureza adquire um sentido de simplicidade, harmonia e verdade. Cultua-se o
“homem natural”, isto é, o homem que “imita” a natureza em sua ordem e
equilíbrio; condenando-se, em contrário, toda ousadia, extravagância,
exacerbação das emoções. A expressão latina traduz-se como o equilíbrio de
ouro.

LOCUS AMENUS

A integração entre o indivíduo e a paisagem física torna-se um imperativo social,


naquilo que se convencionou chamar de bucolismo. Esta aproximação com o
natural dá-se por meio de uma literatura de caráter pastoril, representando a
existência de pastores e pastoras na paz do campo, entre ovelhinhas, que
significa exatamente um lugar ameno para os encontros amorosos. Contudo,
vale ressaltar que esse conceito não surgir da vivência direta e real com
natureza. A poesia campestre é meramente uma convenção, ou seja, uma
espécie de modismo de época a que todo escritor deve se submeter.

FUGERE URBEM

O conceito de fuga da cidade representa o escape da própria organização social.


É na cidade que está a influência da nobreza, da igreja, os impostos e tudo mais.
O homem simples é o camponês, daí a adoção do campo como forma de negar
e contrapor a vida luxosa e os desperdícios da nobreza, além das proibições
comportamentais impostas pela igreja. Fugir da cidade representa tudo isso,
ainda que, de fato, isso fosse apenas uma alegoria, não um modelo de vida
adotado pelos árcades. Sendo assim, os campos, pastores e rebanhos são
artificiais, são como meros cenários para que o poeta possa refletir sobre o
sentido da natureza. A fuga da cidade representa um desejo, não uma condição
real de vida dos autores da época.

INUTILIA TRUNCAT

O que é inútil atrapalha, diz o conceito árcade. O artista dessa época está
preocupado em ser simples, racional, inteligível. E para atingir esses requisitos
exige-se a imitação dos autores consagrados da Antiguidade, preferencialmente
os pastoris. Só a imitação dos clássicos asseguraria a vitalidade, o racionalismo
e a simplicidade da manifestação literária. Daí a contínua utilização da mitologia
clássica como recurso poético, representando outra convenção, tornada
obrigatória pelo prestígio dos modelos antigos.

A obrigatória utilização de imagens clássicas tradicionais acaba criando uma


poesia despersonalizada. Essa renúncia à manifestação subjetiva leva o poeta
ao universalismo, a expressar sentimentos comuns, genéricos, médios,
reduzindo suas criações a fórmulas convencionais.

CARPE DIEM

Quando o poeta declara seu amor à pastora, faz de uma maneira elegante e
discreta, exatamente porque as regras desse “jogo” exigem o respeito à etiqueta
afetiva. Desta forma, o seu “amor” pode ser apenas um fingimento, um artifício
de imagens repetitivas e banalizadas: é o convencionalismo amoroso que marca
o período. Ainda assim, o convite ao gozo da vida é cercado de imediatismo, o
carpe diem, expressão latina que significa “aproveite o dia”. Esse conceito
também era marca do barroco, mas com outro sentido, a ideia de gozar o
máximo dos prazeres pelo medo da morte. No Arcadismo revela-se de maneira
positiva: aproveitar a vida por ser breve e o futuro incerto, mas sem o medo e o
tormento barrocos.

A figura acima representa APPIANI, Andrea. Retrato de Josephine


Bonaparte de Beauharnais.

Nas artes plásticas, percebe-se uma nítida retomada dos valores renascentistas,
com o aproveitamento das técnicas desenvolvidas pelo estilo barroco. Assim, o
equilíbrio, a harmonia e a simetria – valores clássicos – são combinados com
técnicas de contraste e distribuição da luz.

As personagens retratadas, normalmente elementos da cultura greco-romana,


não se apresentam como figuras atormentadas, mas em representações
esculturais, como se posassem para a representação. Em outros casos, a
influência das técnicas barrocas surge na representação dinâmica das cenas,
sem, contudo, trazer a carga dramática e os contrastes exagerados do barroco.

A figura acima representa DAVID, Jacques-Louis. A morte de Sócrates.

OBSERVAÇÃO

No Brasil, o Arcadismo teve como marco inicial a publicação de “Obras


Poéticas”, de Cláudio Manuel da Costa em 1768 e, ademais, a fundação da
“Arcádia Ultramarina”, em Vila Rica. Vale lembrar que o nome dessa escola
literária provém das Arcádias, ou seja, das sociedades literárias da época. Os
principais escritores brasileiros desse período são: Cláudio Manuel da Costa,
Santa Rita Durão, Basílio da Gama e Tomás Antônio Gonzaga.

• Os autores árcades portugueses que merecem destaque são: Manuel Maria


Barbosa du Bocage, António Dinis da Cruz e Silva, Correia Garção, Marquesa de
Alorna e Francisco José Freire.

• Outros escritores brasileiros que merecem destaque são: Inácio José de


Alvarenga Peixoto (1744-1793) e Silva Alvarenga (1749-1814).

• Apesar de ser um poeta nascido em Portugal, a cidade de Marília, no estado de


São Paulo, recebe esse nome em homenagem ao escritor Tomás Antônio
Gonzaga.

ROMANTISMO
Aprenda sobre Romantismo.

MOMENTO HISTÓRICO

A ascensão da burguesia europeia é um processo que teve início no século XVI


culminando na Revolução Francesa, de 1789. Na França, a derrota da
aristocracia permitiu não só extinguir os privilégios da nobreza e do clero, mas,
sobretudo, derrubar as barreiras então existentes entre as classes sociais. Com
isso, surgiu uma nova concepção de mundo, de sociedade e do próprio homem,
baseada na livre iniciativa, exaltando a audácia, a competência e os méritos de
cada indivíduo, independentemente de seus títulos e seus antepassados.

O período, especialmente o último quarto do século XVII, foi bastante agitado


politicamente, merecendo destaque três momentos importantes: Revolução
Industrial, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos.

A Revolução Industrial teve papel importante na modificação dos meios de


produção e foi um dos fatores que possibilitou a ascensão econômico-financeira
da burguesia, especialmente na Inglaterra. O processo de industrialização
modificou as antigas relações econômicas e estabeleceu em toda a Europa
outros modelos de pensamento e cultura, baseados na visão de uma nova
classe dominante, a burguesia industrial.

A burguesia, que já tinha o poder econômico em suas mãos, passou a


ambicionar também o poder político destacando-se cada vez mais no quadro
social. Isso explica a intensa intervenção na cultura da época, buscando a
modificação de padrões, possibilitando um novo status quo, dessa vez favorável
ao modelo burguês.

A Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos explicitam de


maneira categórica e factual os ideais liberais e até onde iria o ímpeto burguês
pela conquista de maior espaço político. Estava derrotado o absolutismo
monárquico e sua visão feudal do mundo.

A figura acima representa a HOUËL, Jean-Pierre. A tomada da Bastilha,


1789.

Como efeito dessa mudança de visão, a liberdade de expressão ganhou vida,


possibilitando o surgimento de escritores, dizendo o que pensam, refletindo
sobre a vida e criando novos mundos. Por meio do esforço de alfabetização
empreendido pelos revolucionários, todo cidadão ganhou acesso à leitura,
levando ao surgimento de um novo público leitor, diversificado e sem nenhuma
identificação com a arte neoclássica que predominava anteriormente. A arte
também se tornava mercadoria.

A consciência da liberdade criou no interior de cada artista um sentimento de


alívio e euforia, já que não havia mecenas aos quais deviam sujeitar sua arte.
Por outro lado, surgiu também o temor, por estar lançado em um mercado
desconhecido. A exaltação do caráter quase sagrado da obra de arte criou a
contradição entre a concepção artística e sua participação no mundo dos
negócios.

O Romantismo é, sem dúvida a expressão artística da sociedade burguesa, uma


espécie de liberalismo na literatura. É um estilo comprometido com a nova visão
de mundo, uma arte da burguesia, pela burguesia, para a burguesia.

O PENSAMENTO ROMÂNTICO

A construção do pensamento romântico incorporou as visões dos grandes


pensadores burgueses da época. A teoria do “bom selvagem”, defendida pelo
filósofo Jean-Jacques Russeau, bem como a valorização dos elementos
folclóricos, nacionais e populares em contraposição ao universalismo clássico,
defendido pelo movimento alemão Tempestade e Ímpeto, são exemplos de
como o Romantismo espelhava de maneira cristalina o pensamento burguês.

No plano estético específico do Romantismo, a contribuição de Johann Wolfgang


Göethe é de fundamental importância, pois introduz as bases de um novo
espírito de época: o exagero da imaginação e o transbordamento dos
sentimentos. Seu romance Werther, que em parte era autobiográfico, conta os
sofrimentos do jovem personagem-título.

A figura acima representa a AMBERG, Wilhelm. Jovens lendo Werther de


Goethe, 1870.

A história, violentamente romântica, combina paixão e morte, explora o conflito


por que passa o rapaz, loucamente apaixonado por uma moça comprometida.
Werther, sentindo-se culpado pela paixão proibida, muda-se para outra região
em busca de calar seus sentimentos. Todavia, sua paixão lhe vence e o faz
regressar ao lugar de toda sua dor: sua amada, antes até mesmo receptiva ao
sentimento do rapaz, mostra-se constrangida e nervosa. Seu marido toma-se de
ciúmes por Werther que, apesar de perceber, continua fazendo a corte platônica
de sua amada. No último encontro, os amantes se beijam, mas sua amada o
repele, entre o amor e a cólera, dizendo que nunca mais quer vê-lo. Assim,
atormentado, Werther se convence da impossibilidade da concretização de seu
amor, restando-lhe uma única alternativa, o suicídio.

O romance de Göethe torna-se um verdadeiro marco do Romantismo, obtendo


uma enorme repercussão em toda a Europa. Mais ainda, a obra desencadeia
uma onda de suicídios na Europa, causados pela identificação dos jovens
leitores com a paixão não correspondida de Werther, chegando a ser proibida
em alguns países.

ALÉM DAS FOLHAS DE PAPEL

O Romantismo não foi um movimento exclusivamente literário, manifestando-se


na música, através de grandes compositores como Beethoven e Tchaikovsky. A
democratização da cultura atingiu também a música, fazendo surgir os concertos
para o grande público. A ópera popularizou-se de maneira espantosa, reunindo a
música e o teatro, especialmente na Itália, com Verdi e na Alemanha, com
Wagner.

Nas artes plásticas, pintores como Géricault, Delacroix e Hayez, entre tantos
outros, demonstraram o sentimentalismo e o nacionalismo, por meio de
contrastes violentos de luz e sombra e de distribuição intensa das cores.

A figura acima representa DELACROIX, Eugène. A liberdade guiando o


povo, 1830.

O termo romântico, que desde o início do século XVIII já ganhava espaço no


vocabulário francês referindo-se ao romance como gênero narrativo, ganhou
novos sentidos, separando o romanesco (relativo ao romance) e romântico
(aplicado a paisagens e estados de espírito). Por fim, o termo Romantismo,
indicador do período artístico, surgiu na Alemanha, disseminando-se pelo resto
do mundo com o sentido de anticlássico. Sem sombra de dúvida, o Romantismo
constitui-se em uma poderosa e revolução artística que alteraria para sempre a
cultura ocidental.

CARACTERÍSTICAS DO ROMANTISMO

A arte clássica sempre sujeitou-se a normas, padrões e modelos


preestabelecidos. Mas, com a liberdade de expressão alcançada pela sociedade
burguesa, todas as fôrmas temáticas e obrigações estéticas foram destruídas. A
partir desse momento, qualquer pessoa poderia elaborar objetos artísticos,
obedecendo apenas aos comandos de sua própria inspiração. É evidente que tal
liberação romântica foi parcial, já que o pensamento e comportamento da época
provocaram inibições, repressões e estilos que se transformaram em “novas
regras” para o ato escrever.
Individualismo e subjetivismo

A nova concepção burguesa do homem e da sociedade valorizou a expressão


individual, a iniciativa, a concorrência, baseando-se nas chances de
autorrealização do indivíduo. O Romantismo, reflexo de tal pensamento,
valorizou o particular, o singular, as individualidades.

Não são raras as vezes que a figura do poeta foi divinizada, tornando-se a
expressão de um ser diferente, tocado pelos deuses da inspiração, que o levam
à criação artística. Contudo, essa expressão individual levou por outras vezes a
um poeta com alma esmagada pela solidão e pela brutalidade do mundo. Muita
dessa concepção advém da desilusão com a nova sociedade, de uma percepção
da mediocridade burguesa, voltada apenas para o acúmulo de capitais.

Essa melancolia, que traduz na expressão dos poetas, introduziu a valorização


do lado sombrio e inútil da existência, características românticas que persistem
até os dias de hoje. Por fim, há artistas que não se encaixam no mundo em que
vivem, fechando-se em si mesmos, em uma espécie de compensação. Daí
surgem as sensações de estranhamento, as ameaças de caos, os estados de
êxtase, uma personagem angustiada, orgulhosamente afirmativa de sua imagem
e, ao mesmo tempo, infantil, incapaz de transformar o mundo.

A figura acima representa GÉRICAULT, Théodore. A balsa da Medusa,


1818-1819.

Sentimentalismo

Não há dúvida de que os sentimentos no Romantismo foram mais importantes


do que a racionalidade. Só há sentido na existência se esta guiar-se e
desenvolver-se sob o domínio dos sentimentos. Os românticos apresentaram
obsessões sentimentais que acabaram por dar uma nova significação às paixões
humanas: um amor profundo, intenso, delicado, mas desmedido e arrebatador;
um amor ideal e infinito, exclusivo e febril, que persiste ainda na mente de muitos
apaixonados do século XXI.

A figura acima representa HAYEZ, Francesco. O beijo, 1857.


Culto à natureza

O culto à natureza é uma das características mais marcantes da estética


romântica, pois a natureza exerce profundo fascínio sobre os escritores, que
nela enxergam o oposto da civilização que os oprime. Esse encontro com a
natureza ganha ares de reencontro com o próprio eu, aumentando a
sensibilidade, relacionando-a com seu próprio mundo interior.

Os poetas românticos produzem uma subjetivização do mundo natural, no qual


tais elementos apresentam significação poética, sejam as horas do dia, as
estações do ano, o sol, a lua, a chuva, o mar, a montanha, a floresta ou o
campo; não se tratam de simples cenários, mas de um magnífico espetáculo que
traduz os dramas humanos. A natureza humaniza-se ou, até mesmo, diviniza-se.
Os eventos naturais servem para indicar estados de espírito e sentimentos,
funcionando como um prolongamento do eu: a chuva pode ser a extensão do
choro do poeta, e assim por diante.

Além disso, não desprendendo-se de algumas características clássicas e


neoclássicas, a natureza pode surgir também como confidente e musa de
inspirações. É como uma mãe que protege seu filho dos desconcertos do
universo, das desventuras da vida e o consola nos momentos de tristeza.

Excentricidade

O Romantismo tem predileção pelo exótico, pelo excêntrico, chegando a beirar o


melodramático, o mórbido, o grotesco ou o histérico. Assim, não são incomuns
temas trágicos, catástrofes, monstros e seres fantásticos.

A figura acima representa LEIGHTON, Frederic. O pescador e a sereia,


1856-1858.

Evasão

O artista romântico mostra-se inconformado com o mundo em que vive, por isso
é comum que busque escapar dele de alguma forma. Já que a sociedade não
quer escutá-lo ou compreendê-lo, já que não consegue mudar seu destino, resta
ao poeta apenas a fuga. Essa tentativa pode se manifestar de diversas formas,
por isso as diversas formas de evasão: o sonho, a fantasia, o culto do passado,
a infância e, por fim, a morte.

A forma mais comum de evasão é baseada no princípio da fantasia. O artista


cria universos imaginários onde pode encontrar tudo aquilo que lhe falta ou lhe é
negado pela sociedade real. O sonho não é somente uma fonte de inspirar a
criação artística, senão também uma forma de resposta aos problemas do
mundo.

A figura acima representa FRIEDERICH, Caspar David. O peregrino sobre o


mar de névoa, 1818.

Essa forma idealizada de escapar do mundo real pode ganhar ares de exagero,
como no “mal do século”, uma espécie de “enfermidade moral” pela qual passam
os poetas. Essa “doença” do espírito é resultado do tédio, do aborrecimento
provocado pela percepção de que não há grandeza alguma na existência
cotidiana, isto é, na própria mediocridade da vida burguesa e, também, no vazio
dos corações juvenis.

Para escapar de seu tempo, o romântico pode também encontrar no passado os


ideais sublimes e os valores modelares que faltam à sociedade em que vive.
Essa evasão pode se dar por meio da volta a um passado histórico, grandioso,
mitificado por heróis e perfeições; ou de maneira individual, valorizando a
infância, época em que os problemas não existiam e a vida era simples e plena
de felicidade.

A ESTÉTICA ROMÂNTICA

A expressão artística romântica privilegia a inspiração em lugar da pesquisa


formal. Por isso, a poesia não apresenta um padrão métrico, rítmico e rímico,
indicando a liberdade de composição conquistada pelos poetas. Os adjetivos são
usados de maneira emblemática, ampliando a conotação emotiva das palavras,
de forma a criar idealizações na linguagem que possam traduzir o exagero
temático a que se propõem os artistas.

A exaltação retórica vem acompanhada por uma enxurrada de interjeições e


exclamações, contribuindo para a impressão de uma linguagem grandiloquente,
de ênfase declamatória e que está sempre em busca do sublime. A utilização de
metáforas, hipérboles e outras figuras é recorrente tanto na poesia quanto na
prosa, que chega, por vezes, a aproximar um gênero de outro. As imagens são
criadas com simbologia própria, predominando elementos extraídos de
fenômenos naturais e de suas paisagens, como florestas, rios caudalosos,
tempestades, tufões etc.
A figura acima representa CABANEL, Alexandre. Ophelia, 1883.

O ROMANTISMO NO BRASIL

O Romantismo brasileiro nasce das possibilidades que surgem com a chegada


da família real em 1808. A urbanização do Rio de Janeiro e o contato com a
corte propiciam o campo necessário à divulgação das influências europeias. Tais
ideais de autonomia e respirando-se um ar notadamente nacionalista, a colônia
caminhava rumo a sua independência.

Após a Independência, cresce ainda mais o sentimento nacionalista e


intensificam-se tendências já cultivadas na Europa, como a busca do passado
histórico e a exaltação da natureza. Aliado a esses fatores, havia enorme
interesse da novo governo em ofuscar as crises sociais, financeiras e
econômicas geradas por nossa separação da corte portuguesa.

A figura acima representa DEBRET, Jean-Baptiste. Coroação de D. Pedro I,


1828.

A política nacional passava por um momento conturbado: o autoritarismo de D.


Pedro I, representada pela dissolução do Congresso e pela outorga de uma
Constituição, a luta pelo trono português que acaba por aclamá-lo Pedro IV, a
Confederação do Equador e a abdicação. Sem contar o assassinato de Líbero
Badaró, o período regencial e a prematura maioridade de D. Pedro II.

Contudo, a independência política teve suas consequências socioculturais:


surgem as instituições universitárias e um público leitor. Os escritores são os
principais intérpretes dos anseios desse novo quadro social. E foi assim, nos
folhetins que o Romantismo ganhou corpo e conquistou mentes e corações
dessa nova geração leitora, formada, em especial, por senhoras ricas da
sociedade e estudantes que agora fervilhavam na capital.

Os valores do Romantismo europeu adequavam-se às exigências ideológicas


dos escritores brasileiros, opondo-se à arte clássica, que, por estas terras, era
sinônimo de dominação portuguesa. O Romantismo voltava-se para a natureza,
para o exótico, encontrando aqui uma natureza exuberante, própria à
grandiloquência do estilo. Tudo contribuía para os maiores delírios ufanistas que
uma jovem pátria poderia proporcionar.

A figura acima representa PORTO-ALEGRE, Araújo. Selva brasileira, sem


data.

GÊNESE ROMÂNTICO

A publicação, em Paris, da revista Niterói (1836) foi o grande passo para a


deflagração do movimento romântico. A revista estampava em sua primeira
página: “Tudo pelo Brasil e para o Brasil”. A produção foi elaborada por
intelectuais que estudavam na Europa, propondo a investigação “das letras,
artes e ciências brasilienses”. Um desses jovens, Gonçalves de Magalhães,
lançaria no mesmo ano o livro que é considerado o marco do Romantismo no
Brasil: Suspiros poéticos e saudades.

A figura acima representa a Capa da revista Niterói, publicada em Paris no


ano de 1836.

Contudo, o projeto dos autores românticos não se realizou completamente, já


que seus princípios “nacionalistas” estavam, em maior ou menor grau,
comprometidos com uma visão europeia de mundo. Esse nacionalismo, feito de
imagens exteriores, continha mais paisagem do que qualquer ideologia.

Além disso, os escritores desse primeiro momento viviam à sombra do poder,


exercendo importantes cargos políticos, como ministros, secretários,
embaixadores, burocratas do alto escalão. Esse fato certamente os
comprometeu com a classe dominante, daí fugirem da escravidão e da pobreza,
ignorando os privilégios das elites e a miséria das ruas, ou mesmo a violência
que já se espalhava pelas ruas das nossas cidades. Talvez tenha sido esse um
pensamento de mercado, tendo em vista que ele apenas correspondiam às
expectativas de seus leitores. A celebração do idílio e da natureza, a mitificação
das regiões e do índio, criava uma arte conservadora, muito ao gosto do público
que a consumia.
AS FASES ROMÂNTICAS

O estudo do Romantismo pode ser divido em três gerações distintas, sem que
isso signifique uma separação rígida entre elas. Devemos entender que cada
autor passeia pelas gerações assumindo com maior ou menor intensidade
características em voga na época. É fundamental perceber que há também uma
grande diferença entre as obras produzidas em prosa e poesia, já que adotam
características distintas, atendendo a interesses específicos no quadro de
leitores.

Esses três momentos distintos caracterizam-se por apresentar temas e visões de


mundo diferenciadas. Cada geração assume uma perspectiva própria, embora
sejam todas elas marcadas pelo caráter romântico. Contudo, os elementos que
definem cada uma delas não lhes são exclusivos, demonstrando pontos de
contato de forma bastante acentuada.

A primeira geração é chamada de nacionalista ou de indianista. Nela, revela-


se com intensidade o sentimento nacionalista, marcadamente a saudade da
Pátria, a valorização da natureza, um retorno à religiosidade cristã. Além disso
desenvolve-se uma espécie de novo amor cortês, platônico e impossível,
retomando as novelas de cavalaria europeias da Idade Média. O índio surge
nesse contexto como o verdadeiro herói nacional, muito em razão de substituir
figura do cavaleiro medieval, inexistente na história brasileira. Esse índio
apresenta valores clássicos e comportamento europeu.

A segunda geração, subjetivista, ficou conhecida


como Ultrarromantismo ou Mal-do-século. Influenciados pelo poeta Inglês
Lord Byron, a geração também leva a alcunha de byronista. Os poetas
ultrarromânticos abordavam os temas do tédio, da morte, do suicídio, das
sombras, da dor e do sofrimento. O medo de amar era constante e levava à
evasão poética. Tais fugas levavam a lugares exóticos, à própria infância e, mais
comumente, à morte.

A figura acima representa PHILLIPS, Thomas. Lord Byron em trajes


albaneses, 1813.

A terceira geração é marcada por uma forte preocupação social, influenciada


pelos movimentos abolicionista e republicano que ganhavam força no cenário
político. A geração condoreira, como ficou conhecida, faz a denúncia da
escravidão, defende as causas humanitárias, canta a liberdade, opõe-se à
monarquia. No campo dos sentimentos, a sensualidade volta à tona e surge um
amor erótico, possível de se realizar. É, em verdade, um momento de transição
do Romantismo para o movimento Realista que já começa a se manifestar em
alguns autores.

POESIA ROMÂNTICA BRASILEIRA: AS FASES DO


ROMANTISMO
Aprenda sobre Romantismo.

A GERAÇÃO INDIANISTA – CARACTERÍSTICAS

MEIRELLES, Victor, Moema, 1865.

INDIANISMO

A concepção do bom selvagem, ideia apresentada por Rousseau, define um


modelo de um herói indígena que deveria se tornar o passado e a tradição de
um país como o Brasil, sem uma história gloriosa que pudesse ser cantada. O
nativo – que nada guarda de sua cultura original – converte-se no herói europeu,
forjado à imagem e semelhança de um cavaleiro medieval.

Valorização da natureza

O Romantismo assume a imagem exótica que as metrópoles europeias faziam


dos trópicos, adaptando-a ao ufanismo, um orgulho idealizado e exagerado
pelas coisas da terra. Sem o passado histórico para ser cantada e com um
desenvolvimento urbano ainda acanhado frente às capitais europeias, restava
cantar a natureza e o índio que, na sua condição de primitivo habitante, era o
próprio símbolo da nacionalidade.

A terra é a imagem da própria pátria. Por isso, até mesmo os fenômenos


naturais tornam-se representativos da grandeza do país. Essa natureza jovem,
vital, exuberante, compensa a pobreza social ao mesmo tempo que aponta
novas potencialidades para o Brasil.

Dessa forma, a natureza vai além de ser mero cenário, sendo tema e
personagem principal dessa visão romântica, assumindo a posição uma nação
rica diante do mundo. Além disso, a imagem positiva criada para o índio confere
às elites o orgulho de uma ascendência nobre, fator importante na legitimação
de seu próprio poder no Brasil em face à Independência. Assim, percebe-se
claramente o interesse político em se assumir uma determinada postura estética.
Regionalismo

A consciência de um país novo e sua consequente euforia gera um sentimento


regionalista de descoberta, que procura afirmar as particularidades e a
identidade das regiões e da vida rural, na ânsia de tornar literário todo o Brasil.
Contudo, esse registro do mundo não urbano é superficial, já que a trama
romanesca é essencialmente citadina, atendendo os esquemas românticos do
folhetim. Além disso, os autores usam sempre a linguagem culta e literária das
cidades, jamais a fala particular da região retratada.

Uma linguagem brasileira

Os escritores românticos – principalmente o romancista José de Alencar –


reivindicam uma língua brasileira. Não provocação revolucionária, mas baseado
em dois fatores: um político e outro mercadológico. No campo político, a
afirmação do Brasil como nação independente era fundamental, por isso não é
difícil imaginar que a sintaxe lusitana passa a receber críticas;
mercadologicamente, uma língua “brasileira” seria mais acessível ao novo
público leitor que surgia, garantindo maior sucesso das produções artísticas.

A POESIA DA PRIMEIRA GERAÇÃO

Domingos José Gonçalves de Magalhães nasceu em Niterói em 1811 é


considerado o poeta que iniciou o Romantismo no Brasil. Formado em medicina,
viajou para a Europa, tomando contato com os ideais românticos. Foi um dos
fundadores da revista Niterói, no mesmo ano em que publica “Suspiros Poéticos
e Saudade”, o marco inicial do Romantismo brasileiro. Em 1837, volta ao Brasil e
dez anos mais tarde ingressa na carreira diplomática. Exerceu essa função até
seu falecimento, em Roma, no ano de 1882.

Sua poesia cultivava os valores fundamentais do Romantismo primitivo, com


ênfase na religião e no patriotismo. Ele inicia a elaboração dos primeiros versos
românticos brasileiros, lançando Suspiros poéticos e saudades, no qual busca a
afirmação de uma literatura nacional, destruindo os artifícios neoclássicos,
propondo em substituição a valorização da natureza, do índio e de uma
religiosidade panteísta.
Sua poesia foi considerada fraca, recebendo muitas críticas, algumas muito
contundentes, como as de José de Alencar, gerando uma grande polêmica,
tendo em vista que essa inimizade tinha repercussão política, já que Magalhães
era protegido de D. Pedro II e fez com que José de Alencar fosse preterido na
indicação ao Senado pelo Imperador.

Faltava a Magalhães autêntica emoção poética, os sentimentos apresentam-se


em sua obra de maneira retórica, frequentemente “despoetizados” por imagens
de mau gosto, como no trecho abaixo:

Nas veias o sangue já não me galopa,


em sacros furores nos lábios me fervem;
A lira canora do cisne beócio,
deixei sobre a trípode.

Apesar disso, Gonçalves de Magalhães foi considerado o maior poeta pátrio


durante muito tempo. Transformou-se em símbolo oficial da literatura brasileira,
merecendo inclusive grande apreço de D. Pedro II. Mas insistentemente
denunciado por Alencar pelo artificialismo de sua composição, a obra de
Magalhães passa a ser relegada a um plano secundário. O próprio Imperador
tentou defendê-lo – usando um pseudônimo, claro – mas Alencar já detinha
prestígio que lhe garantia a autoridade para seus argumentos. Coube a
Magalhães o mérito histórico de ter introduzido o Romantismo no país.

Filho de um comerciante português e de uma mulata, Antônio de Gonçalves Dias


nasceu em Caxias, no Maranhão, em 10 de agosto de 1823. Orgulhava-se de ter
no sangue as três raças formadoras do povo brasileiro: branca, indígena e
negra. Ainda contava com seis anos de idade, quando o pai casou-se com uma
moça branca e proibiu o filho de visitar a mãe, com quem somente se
reencontraria quinze anos depois. Em 1840, cursou Direito na Faculdade de
Coimbra, encontrando ali os principais escritores da primeira fase do
Romantismo português. Em 1843, escreveu “Canção do Exílio”, um dos maiores
poemas brasileiros.

Graduado bacharel, volta ao Brasil e inicia uma fase de intensa produção


literária. Muda-se para o Rio de Janeiro, torna-se professor de Latim no Colégio
Pedro II e lança, com grande sucesso, os Primeiros cantos e os Segundos
cantos. Ocupa diversos cargos de importância nas áreas de pesquisa escolar e
de busca de documentos históricos, devido ao bom trânsito que consegue junto
à corte imperial.
Em visita ao Maranhão, reencontra seu grande amor, Ana Amélia, e a pede em
casamento, o que lhe é negado pela família, por sua origem bastarda e mulata.
Transtornado com essa recusa, casa-se com Olímpia Coriolana, provavelmente
a primeira mulher que encontrou após tal negativa e com a qual viveu um
casamento infeliz.

A serviço, viajou muito pelas províncias do Norte e pela Europa. Contraiu


tuberculose e buscou tratamento na França. Em 1864, durante a viagem de volta
ao Brasil, o navio Ville de Boulogne naufragou na costa brasileira. Todos a bordo
salvaram-se, à exceção do poeta que, por estar agonizando em seu leito, foi
esquecido, tornando-se a única vítima fatal do desastre.

Gonçalves Dias é responsável pela consolidação do Romantismo no Brasil,


desenvolvendo com maestria todas as características iniciais dessa primeira
fase. Sua produção poética é de boa qualidade destacando-se entre os autores
do período, conseguindo o equilíbrio entre os temas sentimentais, patrióticos e
saudosistas. Dono de uma linguagem harmoniosa e de relativa simplicidade,
evita os excessos verbais, foge da pompa declamatória bem como do
popularesco.

Sua obra trata principalmente do índio, da natureza e do amor impossível.


Demonstra grande conhecimento da vida dos índios, com dosagem certa de
idealização, transformando o índio em verdadeiro herói. Seu poema Juca Pirama
faz uma espécie de síntese do indianismo:

Meu canto de morte


Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi

Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.

Gonçalves Dias, ao valorizar a natureza, canta o mar, o céu, os campos e as


florestas. No entanto, a natureza não tem um valor universal, pois apenas a
celebra sob o viés ufanista da nação. Apenas no espaço da pátria, os elementos
naturais se manifestam em sua plena majestade. A celebração da natureza
entrelaça-se com o sentimento saudosista trazendo de volta a infância, os
amores idos e vividos e, seu sentimento “exilado” quando estava na Europa. Sua
obra mais representativa, a Canção do exílio, sintetiza a identificação entre o
país e sua natureza.

Desde a concepção, tornou-se o poema mais conhecido do Brasil, o mais


imitado e o mais parodiado. Apesar do estilo laudatório, o poema exalta as
maravilhas naturais do Brasil sem fazer uso de nem um adjetivo sequer. É a
própria essência do ufanismo romântico: minha pátria é a melhor, a única terra
em que se pode ser feliz, sem defeitos, um verdadeiro paraíso.

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar – sozinho, à noite –


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.”

Por fim, cabe ressaltar sua lírica amorosa, marcada pelo sofrimento. Nela, o
amor raramente se concretiza, ganhando ares de uma ilusão perdida. Apaixonar-
se significa predispor-se à angústia e à solidão. A resposta da amada às súplicas
poéticas simplesmente não existe, levando o poeta ao desespero. As sementes
do ultrarromantismo já brotam na lírica amorosa de Gonçalves Dias.
A CRISE DO PENSAMENTO BURGUÊS

A metade do século XIX marca uma importante mudança no pensamento


artístico nacional: o modelo de sociedade burguesa já não atende mais aos
anseios da juventude, que se desinteressa pela vida político-social. Apesar do
crescente desenvolvimento urbano, a jovem vida acadêmica dos grandes
centros afasta se dos princípios burgueses consagrados pelo romantismo.
Dessa forma, o nacionalismo e o indianismo entram em declínio e o
descontentamento com a vida burguesa torna-se evidente, gerando uma atitude
pessimista, entediada, à espera da morte.

O protesto contra o mundo burguês e suas relações sociais, dão origem a uma
lírica voltada para a subjetividade, para o individualismo, baseada na confissão e
no transbordamento dos sentimentos interiores. Essa nova geração, influenciada
pelo inglês Byron e pelo francês Musset, prega a rebeldia moral, a recusa do
entediante cotidiano burguês e a busca de novas formas sentimentais.

O país vivia um período de estabilidade no chamado Segundo Reinado, repleto


de barganhas políticas entre liberais e conservadores que partilhavam o poder
sob arbítrio do Poder Moderador de D. Pedro II. A economia apresentava um
bom desempenho, baseada no crescimento da produção cafeeira, com a
consequente consolidação desta aristocracia rural no poder. As rebeliões
escasseavam, pacificando internamente o país.

Um fato curioso sobre o ultrarromantismo é que a maior parte de seus


representantes morreu na faixa dos vinte anos; vidas curtas, porém carregadas
de complexidade. Apesar de que sua produção sugira o cultivo de ideias
suicidas, não se pode dizer que as mortes prematuras tenham sido intencionais,
já que todos foram vitimados por doenças incuráveis na época, especialmente a
tuberculose. O estilo de vida boêmio de muitos desses poetas pode ter
contribuído com suas mortes, contudo, não se pode afirmar que havia qualquer
intencionalidade nesses atos, diante do horror que demonstraram diante da
morte.

POETAS DO MAL DO SÉCULO

Os poetas dessa geração demonstraram uma inadequação à realidade em que


viveram, reproduzindo em suas vidas um comportamento desregrado, levando
uma vida entre os estudos acadêmicos, o ócio e a boêmia. O ultrarromantismo
brasileiro foi amplamente influenciado por Lord Byron, poeta inglês que
escandalizava a sociedade com seu estilo de vida dedicado aos vícios e às
relações extraconjugais. Somado a isso, foi ainda acusado de manter relações
incestuosas com a irmã e também de pederastia.

O mal do século caracteriza-se pela atração pelo sombrio e pela morte,


acrescida, por muitas vezes, de temas macabros e satânicos. O
sentimentalismo, o egocentrismo e a idealização são exagerados, criando uma
visão do amor bastante particular, com a mistura de atração e medo, desejo e
culpa. Desta forma, cria-se a figura do amor impossível, da mulher inatingível e
idealizada: virgem e incorpórea. Diante das negativas e do medo que traz o
amor, surge a evasão, já que a própria realidade não o acolhia, nem os sonhos
tornavam-se possíveis. Daí ser comum a apresentação de lugares exóticos, as
lembranças da infância e, sobretudo, o culto à morte.

Nascido em São Paulo em 12 de setembro de 1831, Manuel Antônio Álvares de


Azevedo descendia de família ilustre no cenário político. O pai exercera, entre
outros cargos, o de juiz de direito, chefe de polícia e deputado geral. Em razão
disso, teve sua formação básica e secundária na capital do Império. Sua volta a
São Paulo dá-se para cursar a Faculdade de Direito, onde participa ativamente
da vida acadêmica e literária. Apesar de ser um aluno excelente e de ser
bastante querido entre os colegas, sentia-se incapaz de estabelecer um
relacionamento amoroso concreto, principal razão de sua infelicidade.

A mediocridade da vida em São Paulo, quando comparada às intensas


experiências dos europeus, atormentava sua alma, fazendo-o mergulhar na
leitura dos ultrarromânticos europeus. Por conta da saudade de sua mãe e de
sua irmã, o sentimento de solidão e o desejo insatisfeito levaram-no a um
pensamento depressivo, aproximando-o de inclinações mórbidas. No início de
1852, descobre-se com tuberculose e desespera-se ante a visão da morte.
Buscou tratamento na fazenda do tio, onde deu efetivos sinais de melhora, mas
uma queda de cavalo afetou-lhe a região ilíaca. Sem outra coisa a fazer, os
médicos resolveram operá-lo, o que, na época, significava uma intervenção sem
anestesia. Apesar de ter suportado heroicamente as dores, a tuberculose já o
deixara muito debilitado. Dias depois, ao leito de morte, diz a seu pai: “Que
fatalidade!”. E, sendo essas suas últimas palavras, morre em 25 de abril de
1852, no ano de sua formatura, sem que completasse vinte e um anos de idade.

Nem mesmo seu corpo descansou em paz com sua morte. O cemitério em que
foi enterrado foi vítima de uma ressaca marinha e seu corpo teve de ser
exumado. Seu túmulo havia sido destruído e seus ossos encontrados por seu
cão e só então transferidos, inaugurando o cemitério São João Batista, no Rio de
Janeiro.

Não publicou nenhum de seus escritos em vida e, como afirmara em um de seus


poemas, a “glória que pressinto em meu futuro” veio efetivamente após sua
morte. Sua obra é bastante autobiográfica e, como não poderia ser diferente,
representa uma vida adolescente de tal modo dilacerada e conflituosa que acaba
por se tornar experiência mais aguda do Romantismo brasileiro, considerando-se
aspectos pessoais e poéticos.

Em muitos poemas, expressa um cinismo típico de quem – por incansáveis


leituras – detém a experiência do saber, mas não experimenta a própria vida.
Sua poesia, que começa como imitação dos ultrarromânticos europeus,
carregada de fantasias delirantes, evolui significativamente, superando o
artificialismo byroniano característico dos demais poetas da geração. Suas obras
falam de amor, da morte, do tédio, mas revelam também certo humor e cinismo.

Quando trata de amor, usa os modelos byronianos, tornando sua lírica pouco
convincente. As orgias e vícios que descreve como sua maldição moral são
artificiais, tendo em vista que tais experiências não tenham ocorrido e, mais
ainda, porque carecem de certa persuasão, não traduzindo nenhuma
inquietação. No entanto, essa máscara acaba por revelar o que havia por detrás
das aparências: o devasso e o cínico, na verdade, revelam profundo medo das
relações amorosas, traduzindo-se pela não concretização das vontades sexuais,
criando uma imagem feminina carregada de imagens eróticas, cuja volúpia
jamais é saciada, por ser ela intocável e inatingível, fruto da própria timidez do
poeta.

Já na temática da morte, a genialidade expressiva de Álvares de Azevedo se


manifesta. Tema recorrente em sua produção, poeta profetiza sua própria morte,
diz não poder esquecê-la; entrega-se a ela de peito aberto. Mas não é por isso
que essa entrega será desprovida de desespero e angústia. As perdas dos
afetos, das pessoas e do futuro, levam-no às lamentações. Ao mesmo tempo,
em uma atitude escapista, a morte representa a solução para suas dores.

O tédio, sentimento que levou o nome para a geração “mal do século”, traduzia-
se em uma espécie de cinismo e enfado por ter vivido todas as experiências
possíveis: sexo, bebidas, ópio, transgressões. Paradoxalmente, o tédio de
Álvares de Azevedo era resultado da falta de tais experiências a que estava
condenado vivendo em São Paulo. Lembremo-nos que a maior cidade do Brasil
hoje era, na época, uma cidadezinha provinciana, sem vida noturna, sem
grandes horizontes para as ambições e sonhos dos jovens.

Esse sentimento, causa dos excessos ultrarromânticos, é atenuado pela


exposição de sua subjetividade, revelando um jovem tímido, inexperiente e
ansioso por amor. Suas poesias são confissões de um adolescente solitário e
impotente diante de sua existência; um poeta conflituoso, entre o tédio de sua
realidade e os sonhos que alimentavam sua alma, possibilitando que vivesse no
descompasso de seu mundo.

Apesar de tudo, surpreende em sua poesia a ironia, resultante do riso das coisas
cotidianas. Despido do sentimentalismo, o poeta lança seu olha em torno de si e
traça observações que vão do leve humor ao sarcasmo cínico.

Fora da poesia, merece destaque Noites na taverna, uma reunião de contos que
revela o espírito transgressor ultrarromântico, ambientando sete rapazes que
bebem, fumam e gritam em uma taverna, narrando histórias exageradas de suas
vidas orgíacas e criminosas. É a expressão adolescente de rebeldia contra o
mundo e de comportamento social, apresentando cenas de necrofilia, incesto,
canibalismo, assassinato e violação de todos os códigos morais da época (e da
nossa também!). Nesses escritos propõe-se a criação de um mundo de sombras,
povoado por indivíduos de impulsos imorais e que praticam toda sorte de ações
que mostram o lado cruel de suas almas.

Como exemplo de sua poesia, a presença constante da morte e a certeza do


poeta diante da proximidade dela fazem de “Lembrança de morrer”, um dos mais
belos exemplos de sua sensibilidade, mesmo quando se trata das instruções
sobre o seu túmulo e sua lápide:

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,


Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura


A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento. (…)

Descansem o meu leito solitário


Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela
– Foi poeta, sonhou e amou na vida.

Casimiro José Marques de Abreu nasceu em 4 de janeiro de 1839, em Barra de


São João, no estado do Rio de Janeiro. Filho de um imigrante português,
enriquecido pelo comércio, Casimiro passou a infância numa fazenda. Enviado à
capital do Império para exercer as atividades de seu pai, não demonstrou tino
para a área. Ainda assim, seu pai não desistiu e enviou-o para Lisboa com a
mesma intenção. Após quatro anos em Portugal, já com dezoito anos, retornou
ao Brasil conciliando a vida boêmia e as atividades comerciais.

Foi em Lisboa que tomou contato com o Romantismo, estabelecendo ligação


com o meio intelectual português. Chegou a escrever para alguns jornais,
trabalho que o fez conhecer Machado de Assis. Primaveras é sua única obra e
obteve enorme êxito, sendo aclamado pelo público da época. Contudo, não
desfrutou muito de sua fama, pois logo se descobriu com tuberculose, falecendo
em pouquíssimo tempo, no dia 18 de outubro de 1860, com vinte dois anos
incompletos.

Poeta de linguagem simples e espontânea, expõe um lirismo singelo com rimas


fáceis e atmosfera musical, beirando a superficialidade, mas que encantou o
público, tornando-se um dos poetas mais populares do romantismo. Sua
temática também revela o mal do século, com ênfase na tristeza da vida e certo
grau de pessimismo, apesar de não abandonar o sentimento saudosista-
nacionalista da primeira geração. Seu lirismo amoroso revela a melancolia que
se traduz na atitude de evasão do poeta: não para a morte, mas para a infância.

De visão extremamente subjetiva, Casimiro de Abreu substitui a dor adolescente


por uma visão inocente e deslumbrada dos tempos juvenis. Canta a mocidade
como um tempo idealizado, “a primavera da vida”. Longe do sombrio, prefere as
manhãs, as brincadeiras infantis, as paisagens da fazenda de sua infância e os
salões de baile onde se compartilha a dança e os namoros.

Influenciado por Gonçalves Dias, inunda seus poemas de sentimento nostálgico,


refletindo o “exílio” de seu precursor. Se a saudade da nação não enriquece sua
lírica, descobre na nostalgia sua consagração. As saudades são misturadas ao
subjetivo, trazendo as lembranças da família, da casa e da própria infância.
Canta a “aurora da vida”, o tempo de meninice, as emoções que ficaram na
memória. Com suas poesias melodiosas, sem abstrações, nas quais empresta
sentimento e delicadeza à evasão romântica, garante a imortalidade de sua
visão, em um dos poemas mais famosos da literatura nacional:

Meus oito anos

Oh! que saudades que tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Merecem destaque no período poetas como Junqueira Freire e Fagundes Varela


que, apesar de ultrarromânticos, já demonstram algumas das características da
geração seguinte. Podem ser assim chamados de “poetas de transição”.
O CAMINHO DA TRANSIÇÃO

A partir da segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira passa por


significativas mudanças em termos políticos, sociais e econômicos. A constante
pressão britânica pelo fim do comércio de escravos fez com que o Brasil abolisse
o tráfico negreiro da África, o que representou o surgimento de um pensamento
abolicionista nacional.

Por outro lado, há uma forte reação contra esses movimentos, especialmente
dos grandes cafeicultores e isso aumenta as pressões internas sofridas pelo
Império. No plano econômico, o país inaugura suas primeiras fábricas de
produtos simples, como tecidos, bebidas e artigos como sabão e outros produtos
que antes eram importados. Além disso, as cidades começam a crescer,
inauguram-se estradas de ferro, empresas de gás, mineração e até mesmo o
transporte urbano começa a desenvolver-se, especialmente no Rio de Janeiro e
São Paulo.

Em meio a este início de desenvolvimento econômico, rompeu-se a Guerra do


Paraguai, que arrastou-se ao longo de seis anos e causou diversas reações
sociais, criando inúmeros problemas a serem resolvidos pelo governo imperial.
Ainda que o Brasil tenha vencido a guerra, a coroa acumulou enormes prejuízos
com o confronto, o que criou um rombo nas finanças imperiais e acarretou em
inúmeras dívidas pela tomada de empréstimos estrangeiros.

Aos poucos a monarquia brasileira ia perdendo apoio de diversos setores que


criticavam a condução econômica, a organização social, os favorecimentos
políticos, entre outros aspectos. Esses grupos pressionavam o governo, que não
conseguia atender às demandas de todos os campos, gerando um
descontentamento generalizado.

Por exemplo, o Império buscava leis que terminassem com a escravidão de


maneira progressiva, como a lei do ventre livre e a lei dos sexagenários; por um
lado, os abolicionistas criticavam as medidas, pois as consideravam tímidas e
queriam o fim da escravidão imediato; por outro, grandes escravocratas
afirmavam que tais medidas representavam uma ameaça a seus interesses. Não
por acaso, ao tentar equilibrar-se entre as diversas posições, o governo não
resistiu e, um ano após a assinatura da lei áurea, a monarquia caiu ante ao
golpe militar que instituiu a República.
A TERCEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA

Conhecida como Geração Condoreira, a terceira geração foi marcada por um


forte posicionamento político abolicionista e pela incessante defesa da liberdade,
tomando como metáfora o condor, ave andina que voa alto, livre e domina os
céus.

A busca pela identidade nacional é ainda tema das obras, porém ultrapassa os
valores do indianismo e enxerga a sociedade de maneira diversificada, incluindo
conflitos oriundos da escravidão para a composição do cenário brasileiro.

Mantendo a idealização típica do romantismo, há um retorno às ideias iniciais do


lema francês da “liberdade, igualdade e fraternidade”, em que se defende uma
sociedade construída em outros moldes, ainda que não sejam defesas
consistentes e aprofundadas.

Por outro lado, a visão do amor e da mulher afasta-se do paradigma da segunda


geração e ganha contornos mais materiais, em que a mulher – ainda que
idealizada em sua figura – apresenta-se de forma tangível e sensual, em uma
relação amorosa que ultrapassa as linhas do imaginário.

É, em verdade, um momento de transição do Romantismo para o movimento


Realista que já começa a se manifestar em alguns autores.

O POETA DOS ESCRAVOS

Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em uma fazenda no município de


Muritiba, na Bahia em 14 de março de 1847, no seio de uma das mais
tradicionais e poderosas famílias do interior baiano. Ainda criança mudou-se
para Salvador, onde fez seus estudos. A morte de sua mãe, quando ele tinha
apenas nove anos, deixou-o bastante abalado, ainda mais por ver o desespero
de seu irmão mais velho que se suicida alguns anos depois, ainda inconformado
pela perda da mãe.

Em 1862, já em Recife e preparando-se para a faculdade de Direito, Castro


Alves torna-se amante de uma famosa atriz portuguesa e entrega-se à boêmia e
aos ideais abolicionistas. Assim, passa grande parte de seu tempo em reuniões
e agitações políticas que em salas de aula. Foi reprovado diversas vezes em
várias matérias diferentes, algumas porque nem sequer as frequentava, estando
naqueles horários nos bares a produzir ou recitar versos. Castro Alves percebeu
de imediato seu talento, pois sua produção tinha grande impacto, repercutindo
entre os colegas e dando a Castro um status de fama.

Castro Alves ainda produziu um drama para que Eugênia Câmara – a atriz
portuguesa – pudesse encená-la. E ambos foram a Salvador para montar a
peça, que recebeu espetacular consagração, deixando Castro Alves radiante. O
agora casal viajou rumo a São Paulo, onde Castro prometeu retomar e concluir o
curso de Direito.

Em uma breve parada no Rio de Janeiro, Castro foi recebido por José de
Alencar e Machado de Assis: Castro tornara-se uma lenda, fosse por sua
qualidade de poeta, fosse como declamador de sua própria obra. Seus poemas
faziam enorme sucesso e eram declamados nas faculdades, tornando-se a voz
dos estudantes abolicionistas.

Contudo, sua vida amorosa não ia bem. A fama lhe trouxe glória e também
mulheres, às quais não conseguiu negar os favores amorosos, o que deixava a
orgulhosa Eugênia com os nervos à flor da pele. A atriz portuguesa o
abandonou, sumindo-se para sempre da vida de Castro Alves, que se mostrou
muito abalado pela separação.

Para tentar esquecer as dores de amor, passou a dedicar-se à caça e foi em


uma caçada em São Paulo que o fim do poeta se aproximou. Ao caminhar
segurando a espingarda, acidentalmente feriu-se no pé, mais precisamente no
calcanhar, que infeccionou. Levado ao Rio de Janeiro para tratamento, não teve
grande sorte. Como a infecção não cedia e piorava, foi submetido a uma
amputação sem anestesia. Transferido para Salvador, viveu por mais um ano
aproximadamente, até que sobreviesse a tuberculose que lhe mataria. Em 6 de
julho de 1871, Castro Alves nos deixava, antes de completar vinte e quatro anos
de idade.

Sua poesia refletia os ideais abolicionistas que abraçava, mais que um


intelectual, Castro era um homem de ação, participando ativamente dos
movimentos abolicionista e republicano. Seu engajamento político é tão forte que
chega a prejudicar sua arte literária, vista, por muitas vezes como mais denúncia
e ação que propriamente estética. Consciente da importância dos estudos,
valorizou o papel da educação na sociedade, da imprensa e do livro.

Engajado em uma série de lutas sociais, usou sua poesia para combater toda e
qualquer injustiça, cantando a liberdade e a igualdade em uma pregação que
atingia todos os setores sociais. Mas, sem dúvida, o que mais de marcante lhe
restou foram seus poemas abolicionistas. Sua retórica é eloquente, sua poesia
grandiosa, feita para declamações públicas, com inúmeras apóstrofes e imagens
espetaculares.

Seu lirismo amoroso distancia-se dos padrões anteriores: não apresenta o amor
inatingível, impossível e, por isso, idealizado; não esconde a sensualidade nem a
perverte. O amor em Castro Alves é viril, sensual e caloroso, explorando o
erotismo sem qualquer vestígio de culpa, de plena realização sexual, refletindo,
na poesia, o comportamento do poeta.

PROSA ROMÂNTICA: JOSÉ DE ALENCAR, MACEDO E


ALMEIDA
Aprenda sobre Prosa Romântica.

CONTEXTO DE INSERÇÃO DA PROSA NO BRASIL

Evidentemente, as condições históricas que permitiram a fixação dos princípios


românticos no Brasil aplicam-se igualmente à poesia e à prosa. É claro que
fatores como a urbanização da cidade do Rio de Janeiro, a “corte” do Império,
além da formação de uma sociedade consumidora crescente que frequentava a
cidade, influenciam decisivamente a procura por entretenimento – nesse caso, já
influenciado pelo espírito nacionalista – com a “cor local”.

E foi assim que prosa romântica fez sucesso no Brasil, ganhando adeptos e
formando um núcleo leitor, introduzida pelas histórias de autores europeus como
Victor Hugo, Alexandre Dumas e Walter Scott, principalmente com a publicação
desses escritores nos jornais, em folhetins diários, uma espécie de precursora
das novelas televisivas dos dias atuais. Tal estratégia aumentou de forma
expressiva a tiragem dos periódicos, devido ao entusiasmo declarado dos
leitores, cativados pela nova narrativa, envolvente, de linguagem acessível, sem
complicações intelectuais, de acontecimentos rápidos e de emoções fortes.

A estrutura folhetinesca buscava retratar pequenas desarmonias na ordem social


burguesa vigente, com suas histórias apresentando conflitos que perturbavam a
tranquilidade anterior, provocando a desordem e estabelecendo a crise nos
valores burgueses; contudo, as dificuldades eram superadas e a felicidade era
restabelecida com a reordenação da ordem burguesa, reafirmando-se os seus
valores.

No Brasil, o público leitor desses folhetins era tipicamente urbano, apesar de ter
suas raízes no mundo rural que lhes sustentavam: mulheres e estudantes que se
estabeleceram na corte após a Independência, como parte da mudança da
família em busca de ascensão econômica ou política – as esposas e filhas de
tais famílias acompanhavam o traslado – ou filhos de senhores rurais mandados
aos grandes centros para completar os estudos.
O sentimentalismo dos folhetins veio a modernizar uma sociedade que já se
sentia incomodada com um conjunto de ideias intolerantes que refletiam a visão
agrária e atrasada que não combinava com os valores urbanos que o
pensamento burguês apregoava. Em 1844, com a publicação de A Moreninha de
Joaquim Manoel de Macedo, a literatura brasileira avançava em busca da
construção de uma identidade própria e abandonava as meras cópias e versões
dos folhetins europeus, inaugurando a era do romance nacional.

ESTRUTURA DO FOLHETIM

Podem-se elencar algumas marcas bastante significativas do folhetim romântico


do século XIX. O caráter conservador das narrativas nacionais fixava
moralmente um modelo de sociedade que emergia pós-Independência.
Características libertárias, luta por igualdade ou adaptações mais ligadas a
determinados contextos europeus só aparecerão no romance brasileiro no final
do movimento romântico. No geral, o folhetim estruturava-se em uma ordem
mais ou menos definida:

1. Situação inicial de ordem burguesa.

2. Perturbação na ordem burguesa: alguma ruptura com preceitos familiares ou


institucionais.

3. Crise nos valores burgueses, rejeição e desaprovação de ações dos


protagonistas (via de regra jovens “contestadores”.

4. Busca pelo mérito e pela superação dos rejeitados.

5. Decadência ou equívoco do planejamento inicial imposto, normalmente com a


descoberta de falhas morais que caracterizam o antagonista.

6. Superação das dificuldades.

7. Revelação de atitudes e personalidades com retratação e reaproximação.

8. A felicidade se restabelece com a reordenação da ordem burguesa,


reafirmando os seus valores iniciais.

Assim, fatores como o sentimentalismo, o impasse amoroso e a idealização de


sentimentos ou mesmo das questões nacionais surgem, em um primeiro
momento, como as mais fortes características desses folhetins. As personagens
eram normalmente planas – isto é, previsíveis em seu comportamento, sem
grandes alterações no arco de sua própria história –, com utilização abusiva de
modelos de heróis clássicos.

No plano da narrativa, apesar de que o foco narrativo pudesse variar bastante,


são mais comuns as construções em terceira pessoa. Entretanto, uma
característica constante é a ampla utilização de flash backs na narrativa. A
linguagem busca uma afirmação nacional, afastando-se de modelos gramaticais
lusitanos e, ainda que não reivindique a total oralidade popular, passa a
representar a modalidade brasileira reconhecida pela aristocracia nacional.

TIPOS DE ROMANCES ROMÂNTICOS

Pode-se dividir os romances brasileiros em quatro “classes”, segundo a temática


desenvolvida:

a) Regionalista

• Visão romântica e idealizada do país sobre sobre si mesmo.


• Valorização da diversidade étnica, linguística, social e cultural.
• Experiência nova na literatura nacional, fez os escritores observarem a
realidade nacional.
• Afirmação da identidade nacional.

b) Indianista

• Exaltação do índio e da natureza nacional.


• Celebra a pureza do índio e a formação mestiça da raça brasileira.
• Idealização de personagens e relações.

c) Histórico

• Busca o passado “glorioso” do país


• Visão ufanista e exagerada.

d) Urbano

• Comunicação direta com o público burguês.


• Retrata as relações cotidianas.
• Personagens comuns e de fácil identificação.
• Idealização amorosa.
• Retrato dos valores e ideais burgueses.

ALGUNS ROMANCISTAS
Joaquim Manuel de Macedo

Nasceu em Itaboraí, no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1820, filho de uma


família relativamente abastada. Formou-se em Medicina, ciência que não
colocaria em prática, pois já se decidira pelas carreiras literária, docente e
política. Destacou-se em todas elas, ensinando os filhos da princesa Isabel,
lecionando História no colégio Pedro II e tornando-se deputado em várias
legislaturas, além apresentar inúmeras contribuições ao jornalismo. Como
escritor, foi o primeiro a conhecer a fama, sendo o pioneiro na prosa romântica
nacional e grande produtor de romances, deixando mais de quarenta obras
publicadas.

Nos últimos anos de vida, Joaquim Manuel de Macedo sofreu com a decadência
de suas faculdades mentais, junto à superação de sua fama por outros escritores
e pela perda de sua situação financeira. Esquecido pelo público, morre no Rio de
Janeiro em 11 de abril de 1882.

Sua importância é resultado da visão de “mercado” que possuía: Macedo


percebeu que o público nacional aceitaria de bom grado um romance adaptado
aos cenários brasileiros, desde que fosse conservado o estilo das narrativas
inglesas e francesas com o qual os leitores estavam acostumados por culpa dos
folhetins publicados nos jornais.

Sua obra reflete os ideais do romantismo europeu somados aos valores morais
da sociedade patriarcal brasileira. Com sua escrita simples e descritiva, de
histórias sem grandes surpresas, focava principalmente na identificação dos
leitores com os locais reais da cidade que eram descritos. Sua obra não possui
grande valor artístico, não apresenta novidades estilísticas nem mergulha em
quaisquer análises psicológicas ou sociológicas. Cabe-lhe o destaque pelo
pioneirismo do romance nacional.

Em lugar das grandes paixões, namoros respeitáveis que seguem o padrão da


sociedade, com a sequência de noivado e casamento. O afeto era apresentado
pelos olhos do decoro, sem revoltas ou tragédias. Enfim, como se convencionou
classificar a obra de Macedo: mais açúcar do que sangue, retratando o cotidiano
da burguesia e, por que não dizer, a mediocridade de seus valores.
José de Alencar

José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, no interior do Ceará, em 1º de


maio de 1829, filho de uma das mais tradicionais famílias da elite cearense. Seu
pai chegou a participar da Confederação do Equador e também foi senador do
Império. Aos nove anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde
estudou, completando seus estudos em São Paulo, onde se formou em Direito.

De volta ao Rio, trabalhou como advogado e aproveitou para contribuir na


imprensa. Polemista, fez duras críticas ao trabalho de Gonçalves de Magalhães,
apadrinhado do Imperador, que comprou a polêmica. Começa a publicar seus
livros em 1857, lançando Cinco Minutos em livro e o Guarani como folhetim,
obtendo uma repercussão jamais antes vista no país.

José de Alencar foi político, orador parlamentar e consultor do Ministério da


Justiça, chegando a Ministro de Estado; só não foi Senador – cargo a que se
candidatou – porque D. Pedro II vetou-lhe a nomeação. Casou-se aos trinta e
cinco anos com Georgina Cochrane, uma jovem de 18 anos, sobrinha do
Almirante Cochrane, herói da Independência. José conheceu a jovem na Tijuca,
em um de seus retiros para cuidar de sua tuberculose.

Em 12 de dezembro de 1877, depois de uma séria piora em seu estado de


saúde, José de Alencar sucumbe à tuberculose e morre no Rio de Janeiro.

A importância de José de Alencar para a literatura nacional é enorme, chegando


a ser considerado como seu patriarca. Buscou fazer em suas obras um painel do
país, mostrando a diversidade de aspectos geográficos, sociais e étnicos do
Brasil.

Em sua ideia de construção do romance brasileiro encontra-se um projeto


abrangente, buscando histórias gloriosas e idealizando mitos dos fundadores da
raça.

Inovador quanto à linguagem, decidiu que, se o romance deveria ser o retrato do


país, não bastava somente a temática brasileira, mas uma linguagem nacional.
Assim, rompe com o estilo literário lusitano, usando períodos curtos e sintéticos,
valendo-se de comparações e metáforas, buscando analogias na natureza para
descrever as expressões do índio, do qual se utiliza da linguagem, usando por
muitas vezes vocábulos indígenas.

Alencar representa em suas obras a idealização da realidade humana e social


do país, passando, assim, ao largo dos problemas sociais como a escravidão,
por exemplo. Suas personagens são exemplares positivos e que devem ser
imitados, correspondendo às necessidades das classes elitizadas do país na
formação de uma boa imagem da nação.
Seus romances urbanos idealizam a própria sociedade, dando-lhe um caráter
inverossímil ao tentar retratar os conflitos entre a realidade e o universo
sublimado. Isso mostra uma transição, já com alguma influência de percepções
pré-realistas. Apesar de extremamente folhetinesco, Alencar introduz novidades
temáticas em sua trilogia de “perfis femininos”, nas quais apresenta análises
psicológicas mais desenvolvidas e mistura as questões financeiras aos
relacionamentos amorosos.

O drama das personagens liga-se às questões da organização social. Em


Lucíola, a prostituta que se apaixona – um amor impossível frente à diferença
dos grupos sociais; Senhora apresenta o casamento por interesse; e Diva, um
retrato do mundo fútil das elites, transformando o relacionamento em um jogo de
interesses, desprezo e humilhações, explorando os limites dos sentimentos
humanos.

Seus romances indianistas também figuram entre os mais importantes da


literatura nacional. É nítida a idealização do índio e sua colocação como herói
nacional, alçando-o como um dos pilares – junto ao europeu – de formação do
povo brasileiro, ignorando por completo o papel do negro na gênese brasileira.
Tais romances ocorrem em um passado distante, chegando mesmo, em
Ubirajara, a ocorrer antes do descobrimento. O índio em Alencar é inspirado no
cavaleiro medieval europeu, possuindo características épicas de um herói
clássico.

Alencar também apresenta uma gama de romances históricos, ambientados no


passado colonial, buscando representar a formação da nação como povo.
Contudo, não há fidelidade nos relatos históricos, deixando os fatos em segundo
plano, servindo como pano de fundo para as mais idealizadas e inverossímeis
aventuras.

Por fim, José de Alencar dá início aos romances regionalistas na literatura


brasileira. Nascidas da nostalgia do autor e de uma evasão para a infância, é de
nítida intenção ideológica a produção de tais obras. Retratam a condição do país
da forma mais pura, localizando-as no mundo rural, buscando revelar o país em
sua extensão geográfica, demonstrando os típicos brasileiros da região, com a
finalidade de integrá-los a um projeto de unidade, como desejo das elites
imperiais e que encontra em Alencar seu porta-voz. Em O Sertanejo, faz uma
belíssima descrição, demonstrando claramente ter os conhecimentos para a
realização de tal obra, fato que se revela insuficiente em O Gaúcho, já que o
autor jamais conhecera a região, traçando um perfil superficial e estereotipado
dos habitantes do sul.

José de Alencar foi o mais nacionalista de nossos autores, considerou sua arte
uma missão patriótica a ser cumprida, registrando a marca da autonomia literária
de nossa arte e de nossa linguagem. Percebeu o país em sua extensão e
buscou analisar o Brasil em todas as suas vertentes: urbana, rural, geográfica,
étnica e histórica. Não se pode acusar Alencar de não ter se posicionado frente
às mazelas sociais, visto que o escritor possuía um posicionamento político
claro, defendendo os interesses da monarquia e das elites do Império da qual
fazia parte; sua escrita ideológica representa coerentemente seu pensamento e
seu discurso de classe.

OUTROS AUTORES

Há inúmeros outros romancistas do período que são importantes e que valem a


pena ser conhecidos e pesquisados.
Nomes como Bernardo Guimarães, Manuel Antônio de Almeida, Visconde de
Taunay, Franklin Távora e Martins Pena merecem uma boa leitura.

REALISMO
A partir da segunda metade do século XIX, a Europa assiste a uma série de
gigantescas mudanças econômicas, científicas e sociais, com o surgimento de
correntes de pensamento que se refletem na estética como uma crítica às
posturas românticas.

A segunda fase da Revolução Industrial, marcada pelo avanço nas tecnologias


de produção advindas de um agudo avanço no campo do conhecimento
científico, modifica não só o funcionamento produtivo, mas as próprias estruturas
econômicas da sociedade. Pequenos empreendimentos familiares passam a não
encontrar lugar e em seu lugar surgem grandes fábricas e empresas,
normalmente com atuação conjunta e organizada para dominar mercados – os
chamados trustes e cartéis.

A figura acima representa HEJENBROCK, Herman. A fundição de ferro em


blocos, 1890.

A população passa a aglomerar-se em centros urbanos, um reflexo da própria


industrialização, que atrai para as cidades grandes contingentes populacionais
oriundos dos campos. Os industriais e seus grupos econômicos expandem sua
influência e passam a atuar em nome de seus países, dominando o mercado
internacional e dando início à expansão imperialista, com um novo processo de
colonização e captura de países africanos e asiáticos em busca de matérias-
primas. A burguesia europeia vive seu apogeu, em que há enorme fluxo de
capitais, rápido enriquecimento e vida luxuosa, tudo às custas da exploração das
vastas colônias pelo mundo.
Ao mesmo tempo, verifica-se um grande avanço das ciências e da filosofia. O
positivismo de Augusto Comte, o determinismo de Hippolyte Taine, as
descobertas no campo da biologia, além das muitas invenções tecnológicas,
como a luz elétrica, o telégrafo, entre outras aceleram a transformação do
mundo e a tentativa de descrevê-lo e entendê-lo.

Por outro lado, as contradições advindas das novas formas de produção não
demoram a surgir de maneira contundente. As cidades incham-se e crescem
desordenadamente, onde não há condições mínimas de higiene e as pessoas
amontoam-se sem conforto algum; burgueses e proletários entram em rota de
colisão e devido à exploração massiva, com longas jornadas de trabalho, falta de
condições, trabalho infantil e ausência de direitos. Nessa conjuntura, surgem
movimentos e revoltas de trabalhadores empurrados por movimentos
anarquistas e posteriormente pelas organizações comunistas, apoiadas na
crítica do socialismo científico postulado por Karl Marx.

Este cenário contraditório entre a excitação burguesa, com sua exploração


capitalista desumano, e a duríssima realidade dos milhares de trabalhadores,
que pintam as ruas da cidade de pobreza, traz, não de forma surpreendente uma
crise aos valores românticos, incompatíveis com a realidade que se apresenta.

INFLUÊNCIAS IDEOLÓGICAS

O Realismo representa um olhar alinhado à compreensão do período, marcado


pelo cientificismo e por algumas linhas de pensamento que são decisivas na
construção de sua estética. Em linhas gerais, pode-se caracterizá-los de forma
sucinta:

Positivismo

A figura acima Auguste Comte.

Desenvolvido pelo filósofo francês Auguste Comte, pregava a estrita


racionalidade científica e lógica, e a postulação de que a ciência é sinônimo
absoluto da verdade. O progresso da humanidade vem dos avanços da ciência e
por isso era a única “deusa” possível. Dessa forma, as subjetividades e
achismos eram secundários, pois o conhecimento restringia-se à experiência
sensível dos dados materiais e concretos e a imaginação devia subordinar-se à
experiência na busca pelo observável, pelo palpável, pelo concreto, por tudo
aquilo que poderia ser mensurado de alguma forma.
Tinha como lema “o amor como princípio, a ordem como base e o progresso
como fim” e pregava a hierarquia, organização, obediência e desprezo ao
imaterial. Estabelecia a crença em um governo da elite intelectual, guiado pela
ciência, única maneira de melhorar a vida da sociedade.

O positivismo chegou a manifestar-se como filosofia religiosa, louvando a ciência


e pensadores, unindo a teologia e a metafísica no que ficou conhecida como a
Religião da Humanidade.

Determinismo

Hippolyte Taine foi um pensador francês, adepto do positivismo, que defendia o


entendimento do comportamento humano por três fatores determinados: a raça,
o meio e o momento.

A raça é o conjunto das características hereditárias imprimidas pela família às


gerações seguintes. O meio corresponde às tradições, as crenças, os hábitos
mentais e as instituições que modelam os indivíduos. O momento é o conjunto
de circunstâncias que desencadeia as ações de cada indivíduo, a “ocasião” ou
“oportunidade”.

O homem é forçado a adaptar-se às circunstâncias adquire um temperamento e


um caráter que lhes são correspondentes, sendo, portanto, suas ações
determinadas pelos fatores, nunca pela sua escolha. A conclusão é de que o
homem não é livre nem em seu agir nem em seu pensar.

Evolucionismo

A figura acima representa Charles Darwin.

A contribuição de Charles Darwin para a ciência e o entendimento do mundo é


enorme. E, evidentemente, seus pensamentos, ao modificarem a forma de como
se entende o mundo, são influências diretas na maneira como os artistas vão
reproduzir este mundo.
Em linhas gerais, sua teoria da Evolução mostra a modificação das espécies por
meio de transformações progressivas ao longo do tempo de acordo com o
ambiente em que habitam.

Para as artes, a explicação da origem do homem fornecida por Darwin retira a


divindade como um fator-chave. Assim, o homem não é mais um fruto divino,
idealizado e assume sua condição animal, submisso às condições materiais e
instintos.

Socialismo científico

A figura acima representa Karl Marx e Friedrich Engels.

Karl Marx, em conjunto com Friedrich Engels, produz a primeira crítica


consistente do modelo liberal burguês, nos âmbitos econômico, político e social.
Faz a denúncia da exploração burguesa, da forma do acúmulo de riquezas, dos
processos imperialistas e dá novo entendimento às formas de produção e as
relações que dela advém.

Para ele, os acontecimentos são determinados pelas condições materiais da


sociedade e, ao fim e ao cabo, a história do mundo é a história da luta de
classes – o conflito sempre existente entre exploradores e explorados. De seus
postulados, surgem movimentos operários e a visão de um protagonismo do
trabalhador, muito presente, em especial, nas obras naturalistas.

A ESTÉTICA DO PERÍODO

Influenciado pelo pensamento da época, o artista atua como um cientista e faz a


representação da realidade como um estudo de fenômeno. O cientificismo leva
ao abandono da visão subjetiva e a valorização do objeto, do cenário, das
personagens, enfim de tudo aquilo que é observável.

Os aspectos descritivos são evidentes em uma arte minuciosa, quase


documental, sempre com bastante sobriedade, sem idealizações ou exageros.
Como verdadeiros estudiosos da realidade, era comum que artistas visitassem
os lugares que retratavam, por vezes convivendo com as pessoas que
descreviam e submetendo-se às mesmas condições que elas. Era fundamental
experimentar: a beleza está na realidade como ela é, não cabendo ao artista
melhorar a natureza.
A figura acima representa CAILLEBOTTE, Gustave. Rua de Paris em dia
chuvoso, 1877.

A arte politiza-se fortemente e são comuns as obras de caráter de denúncia


social e com protestos em favor dos oprimidos. Inspiradas nos contrastes sociais
entre burguesia e trabalhadores, as pinturas e as histórias são retratos do
cotidiano, das tragédias sociais e descrevem a rudeza, a feiura, a imoralidade e
a vulgaridade das personagens, elevadas à categoria de heróis, com forte
tipificação social desses retratados.

O REALISMO

Quando se fala em Realismo, não se está limitando sua definição à literatura,


pelo contrário, o termo designa um conjunto de tendências artísticas contrárias à
visão romântica de mundo que se desenvolve no final do século XIX. É uma
visão artística que pretende “a reprodução exata e sincera do ambiente social”
em que ocorre.

Aquele sentimento desagradável da realidade que era expresso de forma


melancólica pelo Romantismo é agora a matéria-prima do olhar do artista, que
busca compreendê-lo pelas teorias sociológicas, psicológicas e científicas em
geral. Como um bom cientista, o artista mantém sua neutralidade diante do que
é retratado, sem fornecer sua visão particular ou julgamentos. Assim, é comum
que a literatura apresente histórias com o predomínio do foco narrativo em
terceira pessoa.

Investigando objetivamente os indivíduos e suas classes, os artistas enveredam


pela análise psicológica, com um estudo sobre o homem, seus conceitos, sua
relação com a realidade de seu tempo, com o ambiente em que vive e com os
elementos sociais e humanos que o cercam. Em verdade, cada personagem é
uma representação do grupo do qual faz parte, em verdadeira tipificação social
do indivíduo.

A análise adentra pelo psicológico, pelas crises internas, conflitos e


comportamentos que a sociedade espera e tudo aquilo que o indivíduo pode
oferecer. Toda essa forma de representar a realidade não deve se afastar dos
princípios da verossimilhança, rejeitando todo artificialismo típico dos românticos.

A própria vida romântica, desmascarada, é tema realista. A crise dos valores


burgueses é amplamente explorada e o Romantismo criticado. A arte volta-se
para o presente, para a contemporaneidade, quando são expostas as
contradições da sociedade e de suas instituições: o casamento, a religiosidade,
a família e a série de conceitos firmemente estabelecidos a partir de uma visão
romântica são atacados por toda a sorte de histórias que tematizam adultérios,
traições, corrupções, torpezas e perversões diversas.

O NATURALISMO

O Naturalismo surge como uma variedade de Realismo. Entretanto, ambos os


movimentos são concomitantes, isto é, ocorrem ao mesmo tempo ou em tempos
muito próximos. Mesmo assim, há no Naturalismo vários dos princípios do
Realismo, em especial aqueles que caracterizam a atitude artística, como a
objetividade, a observação da natureza, a busca pela verossimilhança. A esses
fatores, acrescenta-se um cientificismo exacerbado, uma busca de
demonstração das diversas teorias da época.

Emerge, então, uma visão cientificista da existência, do homem e da sociedade,


governada por leis que a ciência pode explicar. São essas leis que regem a vida
e o comportamento das personagens. O positivismo torna-se uma referência
obrigatória no entendimento dessas obras, que normalmente introduzem as
questões biológicas para retratar e explicar uma realidade rude e incrivelmente
conflituosa.

A hereditariedade biológica é um fator determinante nas ações das personagens,


assim como o meio. O homem é produto do ambiente e estudar o ambiente é
compreender o próprio homem. Não há saída para as personagens, que são
completamente determinadas por sua origem biológica e pela relação com o
meio em que vivem.

As histórias mostram a luta pela existência, uma sociedade em que o mais forte
prevalece e que não há limites éticos para a busca de sua supremacia. Ao
mesmo tempo, aqueles que não são fortes, sucumbem à raça ou à origem. É
comum, portanto, que sejam apresentados inúmeros personagens débeis,
doentes, anormais, degradantes. A patologia toma conta da arte e desfilam
narrativas repletas de ébrios, delinquentes, homicidas, incestuosos,
degenerados, corruptos, indecentes, prostitutas, homossexuais etc.
REALISMO E NATURALISMO BRASILEIRO

Tal qual o Romantismo, que encontrou uma conjuntura diferente, mas favorável
ao estabelecimento da estética no país, o Realismo encontraria no Brasil um
contexto em que seria possível o paralelo às estéticas e às críticas europeias.
De fato, o Brasil não viveu à época sua industrialização, nem mesmo houve aqui
os conflitos advindos dos novos modos de produção, entretanto, a situação
também não era estabelecida pelos parâmetros liberais burgueses, mas pela
consolidação da imagem nacional pelo Império.

E são as crises do Império que aproximam o sentimento brasileiro às críticas


europeias. A Guerra do Paraguai (1864-1870) é um duro golpe para a monarquia
brasileira, que passa a receber críticas e perder representatividade junto a
estratos importantes da sociedade. Mesmo saindo vencedora do conflito, a coroa
pôde retomar os rumos políticos do país. Oficiais do exército eram cooptados por
ideias positivistas e a ideologia republicana começava a ganhar força nos
círculos militares. O mero papel de perseguidores de escravos fujões não mais
representava as aspirações de soldados, sargentos e tenentes.

A figura acima representa MEIRELLES, Victor. Combate Naval do


Riachuelo, 1883

Diante do agravamento do quadro financeiro, setores mais jovens das áreas


urbanas ampliam um sentimento oposicionista. Os setores médios sentem-se
abandonados e engrossam as fileiras daqueles que se opõem ao regime. Um
sentimento abolicionista faz-se crescer – mais por questões econômicas que por
humanidade – colocando grandes escravocratas de um lado e uma emergente
classe de novos produtores (sem acesso a escravos) de outro.

O Imperador, alheio às críticas que assolam o país, viaja pelo mundo em busca
de ciência e artes. O sistema só se mantém graças a latifundiários
conservadores que condicionam seu apoio à manutenção da escravatura.
Entretanto, as pressões internacionais, econômicas e políticas são muitas e a
abolição parecia inevitável. Em 1888, a abolição da escravidão marca também o
fim de qualquer apoio dos escravistas senhores rurais e a República era mera
questão de tempo. Um ano depois, pelas mãos do monarquista marechal
Deodoro da Fonseca, os militares retiram D. Pedro II do trono, mandam-no ao
exílio, tomam o poder e, assim, proclamam a República.

Mesmo tendo origem em um golpe de estado e, na verdade, não apresentasse


nenhum caráter modernizante, ou qualquer proposta de reorganização da
sociedade, a República goza de um grande apoio da população e, impelida por
ideais positivistas, investirá no progresso do país, ainda que de forma bastante
tímida, a partir da virada do século XX.

A figura acima representa CALIXTO, Benedito. Proclamação da República,


1892.

AUTORES

RAUL POMPEIA

Raul D’Ávila Pompeia nasceu em 1863 na cidade de Angra dos Reis, RJ, mas foi
criado e estudou na cidade do Rio de Janeiro. Aluno do Colégio Pedro II,
publicou seu primeiro livro, “Uma tragédia no Amazonas”. Estudante de Direito,
passou por São Paulo, Recife até voltar ao Rio de Janeiro, onde se dedicou ao
jornalismo e jamais exerceu a advocacia.

Escreveu crônicas, artigos e contos até publicar, em forma de folhetim, sua


principal obra: O Ateneu. Romance de caráter autobiográfico, conta as memórias
do narrador-personagem Sérgio sobre seu tempo de estudante no internato
Ateneu. Separado de sua mãe aos onze anos, é levado pelo pai ao colégio
interno Ateneu, cujo dono, Aristarco, agia como o imperador do colégio, mais
preocupado com o lucro do que com a questão pedagógica. Em um mundo de
moral rebaixada, o garoto Sérgio tem contato com várias personagens, dentre
elas, pederastas, aproveitadores que se passavam por protetores; e várias
atitudes, como a ganância e a prepotência. Assassinato, amizades por interesse
em uma sucessão de críticas ao comportamento humano. O colégio termina
incendiado e assim se dá o fim do Ateneu.

O livro apresenta uma linguagem forte, de sonoridade e plástica bastante ricas.


Aparenta viés naturalista – ao apresentar a degradação das personagens e o
determinismo do meio no comportamento humano –, apesar de que as análises
psicológicas das figuras da história situem-no mais próximo ao realismo.
Entretanto, dado o caráter memorial e da forte carga emocional, calcada nas
sensações do próprio autor, muitos preferem classificar o romance como
impressionista.

Raul Pompeia teve uma vida boêmia e tornou-se, talvez por conta disso, um dos
maiores caricaturistas sociais da literatura nacional. Forte defensor republicano e
florianista, colecionou desafetos dentro dos círculos militares, especialmente
após a morte de Floriano Peixoto. Sentindo-se humilhado e rejeitado, acabou por
suicidar-se na noite de natal do ano de 1895.

ALUÍSIO AZEVEDO

Aluísio Tancredo Gonçalves Azevedo nasceu em São Luís, MA, em 1857. Após
os primeiros estudos na capital maranhense, mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde ingressou na Academia Belas Artes. Rapidamente adaptou-se à vida na
capital, respirando a política local, tornou-se um abolicionista convicto e passou
a trabalhar como chargista em alguns jornais.

Após a morte de seu pai, retornou a São Luís, onde, já ligado ao jornalismo,
entrou na literatura por conta de dificuldades financeiras, publicando seu primeiro
romance, ainda no estilo romântico. Porém, foi em 1881, com a publicação de “O
mulato”, que escandalizou a população maranhense. Era o primeiro romance
naturalista da literatura brasileira e que abordava a questão do preconceito
racial. Praticamente expulso da cidade, recebeu a alcunha de “Satanás de São
Luís” e retorna ao Rio de Janeiro.

Na capital buscou sobreviver de seus escritos – o que justifica sua produção


irregular, com muitos romances de qualidade duvidosa, feitos por encomenda –,
porém acabou por largar a literatura e entrar na seara da diplomacia. Seguiu a
carreira diplomática representando o Brasil em vários países. E foi na Argentina,
mais precisamente na cidade de Buenos Aires, em 1903, que veio a falecer.

Seu estilo dinâmico e ágil retrata ambientes e realidades no melhor estilo das
teorias naturalistas. Predominam em suas obras as descrições objetivas e fortes,
criando imagens sensoriais marcantes, fazendo largo uso das sinestesias e
metáforas em suas narrativas.
UM MESTRE NA PERIFERIA DO CAPITALISMO:
MACHADO DE ASSIS
Aprenda sobre o escritor Brasileiro Machado de Assis.

BIOGRAFIA

Joaquim Maria Machado de Assis, jornalista, contista, cronista, romancista,


poeta e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e faleceu
também no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1908. Velho amigo e
admirador de José de Alencar, que morrera cerca de vinte anos antes da
fundação da ABL, era natural que Machado escolhesse o nome do autor de O
Guarani para seu patrono. Ocupou por mais de dez anos a presidência da
Academia, que passou a ser chamada também de Casa de Machado de Assis.

Filho do operário Francisco José de Assis e de Maria Leopoldina, Machado de


Assis perdeu a mãe muito cedo, pouco se conhecendo de sua infância e início
da adolescência. Foi criado no morro do Livramento. Sem meios para cursos
regulares, estudou como pôde e, em 1854, com 15 anos incompletos, publicou o
primeiro trabalho literário, o soneto “À Ilma. Sra. D.P.J.A.”, no Periódico dos
Pobres. Em 1856, entrou para a Imprensa Nacional, como aprendiz de tipógrafo
e lá conheceu Manuel Antônio de Almeida, que se tornou seu protetor.

O primeiro livro publicado por Machado de Assis foi a tradução de Queda que as
mulheres têm para os tolos (1861), impresso na tipografia de Paula Brito. Em
1862, era censor teatral, cargo não remunerado, mas que lhe dava ingresso livre
nos teatros. Começou também a colaborar em O Futuro, órgão dirigido por
Faustino Xavier de Novais, irmão de sua futura esposa. Seu primeiro livro de
poesias, Crisálidas, saiu em 1864. Em 1867, foi nomeado ajudante do diretor de
publicação do Diário Oficial. Em agosto de 69, morreu Faustino Xavier de Novais
e, menos de três meses depois (12 de novembro de 1869), Machado de Assis se
casou com a irmã do amigo, Carolina Augusta Xavier de Novais. Foi
companheira perfeita durante 35 anos. O primeiro romance de Machado,
Ressurreição, saiu em 1872. No ano seguinte, o escritor foi nomeado primeiro
oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, iniciando assim a carreira de burocrata que lhe seria até o fim o meio
principal de sobrevivência. Em 1874, O Globo (jornal de Quintino Bocaiúva), em
folhetins, o romance A mão e a luva. Intensificou a colaboração em jornais e
revistas, como O Cruzeiro, A Estação, Revista Brasileira (ainda na fase Midosi),
escrevendo crônicas, contos, poesia, romances, que iam saindo em folhetins e
depois eram publicados em livros. (…)

Em 1881 saiu o livro que daria uma nova direção à carreira literária de Machado
de Assis – Memórias póstumas de Brás Cubas, que ele publicara em folhetins na
Revista Brasileira de 15 de março a 15 de dezembro de 1880. Revelou-se
também extraordinário contista em Papéis avulsos (1882) e nas várias
coletâneas de contos que se seguiram. Em 1889, foi promovido a diretor da
Diretoria do Comércio no Ministério em que servia.

(ABL – Machado de Assis. Dados biográficos. Disponível em http://www.


machadodeassis.org.br)

ESTILO

Machado de Assis não foi poeta. Foi mais que isso. Também seria incompleto
chamar-lhe romancista. Ou contista. Ou cronista. O fato é que escreveu tudo
isso: romances, crônicas, poesias, peças de teatro e muitos artigos de jornais.
Tudo com muito talento e com uma percepção aguçada da realidade em que
vivia. Reconhecido como gênio da literatura, ganhou apelidos como “Mestre da
periferia do Capitalismo”, “Homem subterrâneo” ou “Bruxo do Cosme Velho”.

Para efeitos didáticos, sua obra se divide em duas fases principais: a primeira,
chamada fase romântica, caracteriza-sepor assemelhar-se em alguns pontos
com o Romantismo; fruto provável de seu círculo de amizades. Contudo, mesmo
nesses primeiros trabalhos já se notam pequenos traços de diferença, alguns
distanciamentos e observações que ultrapassavam o cânone idealista dos
autores românticos. Sua segunda fase, realista, apresenta-nos um autor
envolvido com as ideias realistas da época e ultrapassando as fronteiras dessas
caracterizações. Machado não se prende ao Realismo, se o faz algumas vezes,
é por culpa de sua época, pois sua criação é inovadora e por muitas vezes
fugindo de padrões e modelos pré-concebidos.

Pode-se partir para outra divisão da produção machadiana, a poesia e a prosa.


Enquanto a poesia da primeira fase é fortemente ligada ao Romantismo – com
nítida influência de Gonçalves Dias -, a poesia da segunda fase revela um poeta
de grande preocupação formal, chegando a aproximar-se dos ideais
parnasianos.

Seu Romantismo, período que durou até 1880, diferia dos modelos existentes: o
sentimentalismo não surgia de forma exagerada e suas personagens não eram
planas – de comportamento previsível e sem evoluções – como era comum no
período. A construção dos enredos, contudo, segue o padrão linear com
começo, meio e fim bem demarcados. Com a publicação de “Memórias
Póstumas de Brás Cubas”, Machado de Assis inicia sua “segunda fase”, na qual
é evidente seu amadurecimento estético e temático. Suas personagens, agora
redondas, constroem-se psicologicamente e deixam à mostra seus defeitos e
vicissitudes como o egoísmo, o pessimismo e o negativismo humanos. A própria
composição de Machado sofre um amadurecimento estético e técnico: capítulos
curtos, períodos diretos e concisos, além de sua principal marca: a conversa
com o leitor. Tematicamente, Machado destila sua ironia sobre a época em que
vive e sobre a humanidade, promove um estudo da alma feminina e critica
incisivamente os valores românticos da sociedade.

Sua marca registrada era seu próprio estilo: sutil e irônico. Suas crônicas trazem
à tona reflexões sobre fatos corriqueiros, buscando a essência do que era
observado em uma mistura de riso crítico e riso de contemplação, deles advindo
uma crítica ou uma advertência. Assim, os fatos eram pormenorizados diante da
reflexão que dele passava a ser possível.

OBRAS
Poesias

• Crisálidas, 1864.
• Falenas, 1870.
• Americanas, 1875.
• Poesias completas, 1901.

Romances

• Ressurreição, 1872.
• A mão e a luva, 1874.
• Helena, 1876.
• Iaiá Garcia, 1878.
• Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881.
• Quincas Borba, 1891.
• Dom Casmurro, 1899.
• Esaú Jacó, 1904.
• Memorial de Aires, 1908.

Contos

• Contos Fluminenses, 1870.


• Histórias da meia-noite, 1873.
• Papéis avulsos, 1882.
• Histórias sem data, 1884.
• Várias histórias, 1896.
• Páginas recolhidas, 1899.
• Relíquias de casa velha, 1906.

Teatro

• Queda que as mulheres têm para os tolos, 1861.


• Desencantos, 1861.
• Hoje avental, amanhã luva, 1861.
• O caminho da porta, 1862.
• O protocolo, 1862.
• Quase ministro, 1863.
• Os deuses de casaca, 1865.
• Tu, só tu, puro amor, 1881.

Póstumas

• Crítica, 1910.
• Teatro coligido, 1910.
• Outras relíquias, 1921.
• Correspondência, 1932.
• A semana, 1914/1937.
• Páginas escolhidas, 1921.
• Novas relíquias, 1932.
• Crônicas, 1937.
• Contos Fluminenses – 2º. volume, 1937.
• Crítica literária, 1937.
• Crítica teatral, 1937.
• Histórias românticas, 1937.
• Páginas esquecidas, 1939.
• Casa velha, 1944.
• Diálogos e reflexões de um relojoeiro, 1956.
• Crônicas de Lélio, 1958.
• Conto de escola, 2002.

O FINAL DO SÉCULO E O PARNASIANISMO


A partir da segunda metade do século XIX, a Europa assiste a uma série de
gigantescas mudanças econômicas, científicas e sociais, com o surgimento de
correntes de pensamento que se refletem na estética como uma crítica às
posturas românticas.

VASO CHINÊS
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,


Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,


Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,


Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
(Alberto de Oliveira)

MOMENTO HISTÓRICO

O final do século XIX caracterizou-se por uma grande transformação nos meios
de produção. O avanço da industrialização tornou possível um crescimento
econômico jamais experimentado anteriormente; o uso da energia elétrica e do
petróleo acelerou ainda mais o funcionamento e o desenvolvimento das fábricas.
Assim, a burguesia consolidava seu poder, já que mantinha os meios de
produção, aumentava seus lucros e fortalecia suas posições políticas. De outro
lado, vítimas da crescente exploração capitalista, estava o proletariado: excluído
do processo econômico e submetido a condições de trabalho desumanas em
troca de salários baixíssimos.

Também foi uma época de grande desenvolvimento do pensamento humano,


com reflexos expressivos nas ciências naturais e humanas. Movimentos
filosóficos como o positivismo e o marxismo somaram-se aos científicos, como o
darwinismo, para emprestar uma visão menos idealizada do mundo, portanto
mais objetiva e distanciada do dogmatismo religioso.

O Brasil, por sua vez, não estava alheio às transformações do mundo. Aqui, os
movimentos abolicionista e republicano ganhavam corpo e conquistavam
importantes objetivos sociais e políticos: o fim da escravidão e a proclamação da
República. Desta maneira, o país alinhava-se ao pensamento europeu,
separando a Igreja do Estado, organizando o sistema judiciário do país e
estabelecendo um regime de maior participação popular.
ESTÉTICA PARNASIANA

O Parnasianismo foi contemporâneo do Realismo e do Naturalismo, portanto


influenciado pelos mesmos elementos históricos dos outros movimentos;
contudo, a estética parnasiana diferencia-se ideologicamente por não se
preocupar com a temática social ou mesmo com a reflexão sobre o homem e
sua condição.

O racionalismo que dominava a época traduziu-se em objetivismo, em rejeição


aos excessos românticos e em crítica ao sentimentalismo. A arte não era mais
vista como um simples entretenimento, era necessária a busca da beleza, a arte
pela arte. A poesia não mais serviria às emoções humanas, mas à própria Arte.

O poeta, alienado socialmente, inspira-se na Antiguidade Clássica, na mitologia


greco-latina como uma forma de negar os princípios do Romantismo e garantir
prestígio entre as camadas mais letradas do Brasil. O artificialismo é uma de
suas principais características, visto ser uma poesia que valorizava
excessivamente a forma (os sonetos, as rimas ricas, a métrica perfeita),
ostentando um nível vocabular refinado e grande rigor gramatical.

O nome Parnasianismo tem origem na Grécia antiga: segundo a lenda, Parnaso


é o nome de um monte da Fócida, consagrado a Apolo e às musas. É o monte
onde nasceu Castália, a musa inspiradora dos poetas. Por consagrar a arte ao
belo, o estilo torna-se impassível e impessoal. É uma arte excessivamente
descritiva, cheia de adjetivos e imagens poéticas elaboradas. O objetivo maior é
o culto à forma na busca de atingir a perfeição.

Os temas parnasianos resumem-se a alguns episódios históricos, fenômenos


naturais e a descrição detalhada de objetos decorativos como vasos e enfeites
em geral. A mulher no Parnasianismo é vista com objetividade, contrapondo-se
às idealizações românticas. Desta forma, a sensualidade e o amor carnal eram
cultivados pelos parnasianos. A deusa da beleza Vênus era o padrão feminino,
revelando também a preferência pelas figuras pagãs da Antiguidade.

AUTORES PARNASIANOS

O Parnasianismo fez bastante sucesso em sua época, estendendo-se da década


de 80 do século XIX até a Semana de Arte Moderna em 1922. Coube a Teófilo
Dias, com a publicação de Fanfarras (1882), inaugurar o movimento, que teve
como representantes poetas como Alberto de Oliveira, Francisca Júlia,
Raimundo Correia, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho.

Antônio Mariano Alberto de Oliveira foi farmacêutico, professor e poeta, nasceu


em Palmital de Saquarema, RJ, em 28 de abril de 1857, e faleceu em Niterói,
RJ, em 19 de janeiro de 1937. Cursou também a Faculdade de Medicina até o
terceiro ano, onde foi colega de Olavo Bilac, com quem, desde logo, estabeleceu
as melhores relações. Sua casa em Niterói ficou famosa por ser frequentada
pelos mais ilustres escritores brasileiros, entre os quais Olavo Bilac, Raul
Pompeia, Raimundo Correia, Aluísio e Artur Azevedo. Nessas reuniões, só se
conversava sobre arte e literatura.

Alberto de Oliveira foi uma espécie de líder do Parnasianismo, até por ser o
poeta que melhor encarnou as características do movimento. O estilo de Oliveira
é frio e intelectualizado, com predileção pelo preciosismo formal e gramatical.
Sua poesia é descritiva, preza pelo objetivismo e pelas cenas exteriores, o amor
da natureza, o culto da forma, a pintura da paisagem, a linguagem castiça e a
versificação rica.

Ao mesmo tempo em que fervilhava social e politicamente a vida na cidade, com


as lutas abolicionistas e republicanas, Alberto de Oliveira dizia: “Eu hoje dou a
tudo de ombros, pouco me importam paz ou guerra, e não leio jornais”. Fiel ao
Parnasianismo até o fim da vida, manteve-se distante dos problemas sociais e
pôs-se apenas a cultivar a arte pela arte.

VASO GREGO

Esta de áureos relevos, trabalhada


De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então, e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois… Mas o lavor da taça admira,Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às


bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira


Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.

(Sonetos e poemas, 1886.)


(Raimundo Correia)

colmada: coberta, cheia.

esvazada: esvaziada.

ignota: ignorada, desconhecida.

Olimpo: segundo a mitologia, amorada dos deuses.

poeta de Teos: referência a Anacreonte, poeta grego, nascido em Teos, famoso


por suas canções de amor irônicas e melancólicas.

Nasceu a 13 de maio de 1859, em um navio ancorado em águas maranhenses.


Estreou na poesia como romântico, influenciado por Casimiro de Abreu e
Fagundes Varela. Sua segunda fase é a que mais nos interessa, pois é nela que
se faz perfeitamente parnasiano.

É um dos autores mais sensíveis, influenciado pelo pessimismo do pensador


alemão Arthur Schopenhauer – que defendia a ideia de que todas as dores e
males do mundo provêm da vontade de viver –, produziu poemas cheios de
sombras e luares, ainda que tenha adotado a perfeição formal como princípio.
Apresenta temática tipicamente parnasiana, como a natureza, a perfeição dos
objetos e a cultura clássica. Produziu também poesias filosóficas de meditação,
na qual dialogava com o pessimismo e fazia reflexões de ordem moral e social.

A parte final de sua obra revela um processo de transição, a qual alguns


chamam de terceira fase: seu pessimismo, em meio a cenas noturnas e
sensações, busca refúgio na metafísica e na religião. Seu estilo oscila entre a
descrição e a sugestão de imagens, com aspectos de musicalidade e sinestesia,
demonstrando claramente a transição para o Simbolismo.

Uma polêmica norteou a produção poética de Raimundo Correia: a de que ele


teria sido um plagiador. Não se discute a arte e a engenhosidade de Correia, sua
originalidade deixa dúvidas a ponto de muitos de seus defensores admitirem seu
caráter “recriador”. A influência, por muitas vezes exagerada, de autores
europeus em sua obra é nítida em várias de suas obras, recriação das ideias de
autores como Theòphile de Gautier e Metastásio. Nada que retire o brilho lírico
deste renomado poeta brasileiro.

AS POMBAS

Vai-se a primeira pomba despertada…


Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada…

E à tarde, quando a rígida nortada


Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada…

Também dos corações onde abotoam,


Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,


Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais…

(Sinfonias, 1883.)

abotoam: germinam.

céleres: velozes.

nortada: vento frio que sopra do norte.

ruflando: encrespando as asas (ou penas) para alçar voo.


Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu no Rio de Janeiro a 16 de
dezembro de 1865 e parecia destinado ao verso clássico, já que seu próprio
nome é um verso alexandrino, com doze sílabas métricas. Seu pai o queria
médico, mas Olavo abandonou a faculdade de Medicina e foi estudar Direito em
São Paulo, curso também que não concluiu. Trabalhou como inspetor escolar e
jornalista.

Ao contrário de outros poetas parnasianos, Olavo mostrava-se envolvido com


ideais Republicanos e nacionalistas. Patriota e nacionalista, defendeu a
instrução primária, da educação física e do serviço militar obrigatório; escreveu
também o Hino à Bandeira e dedicou-se a alguns temas de caráter histórico-
nacionalista. Foi nessa mesma época que escreveu outro hino: “Profissão de fé”,
o poema definitivo dos poetas parnasianos, em que compara o ofício do poeta
ao de um ourives, o profissional que fabrica, desenha e entalha joias e pedras
preciosas.

Com o título de Príncipe dos Poetas, fez enorme sucesso junto aos jovens e
gozava de imenso respeito das camadas mais letradas da sociedade. Sua obra é
marcada pela busca da perfeição formal: escrevia versos alexandrinos e
buscava concluir seus poemas com “chaves de ouro”. Exibia uma linguagem
elaborada, com inversões de estruturas gramaticais.

Bilac foi sempre fiel aos princípios do Parnasianismo, não permitindo que os
acontecimentos políticos e sociais de sua época – inclua-se aí seu exílio em
Ouro preto por opor-se ao governo de Floriano Peixoto – não influenciassem sua
poesia. Mesmo assim, Bilac escreveu também livros escolares, crônicas e
poesias satíricas.

Sua obra possui uma diversidade grande de temas e abordagens, evidenciando


a diversidade do poeta. Em Panóplias, exalta a Antiguidade Clássica; em Via
láctea, sua poesia torna-se intimista e subjetiva, carregada de lirismo –
responsável pela popularidade do poeta; em Sarças de fogo, acrescenta ao
lirismo a sensualidade e a objetividade; em Alma inquieta e Viagens, trata de
temas filosóficos; em O caçador de esmeraldas revela sua preocupação histórica
e nacionalista, assim como em Tarde. O que mais chama atenção, no entanto,
em Tarde é a percepção da iminência da morte: o crepúsculo do poeta.

Profissão de Fé

(Fragmento)

Invejo o ourives quando escrevo:


Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me,


Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem,


A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima


A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,


Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso,


Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.

E horas sem conto passo, mudo,


O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.

Porque o escrever – tanta perícia,


Tanta requer,
Que ofício tal… nem há notícia
De outro qualquer.

Assim procedo. Minha pena


Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!

(Poesias, 1888)
SIMBOLISMO
A poesia universal é toda ela na essência simbólica. Os símbolos povoam a
literatura desde sempre.

SIMBOLISMO E DECADENTISMO

Todavia, ao longo da década de 1890, desenvolveu-se na França um movimento


estético a princípio apelidado “decadentismo” e depois “Simbolismo”. Por muitos
aspectos ligados ao Romantismo e tendo tido berço comum com o
Parnasianismo, o Simbolismo gerou-se como uma reação contra a fórmula
estética parnasiana, que dominara a cena literária durante a década de 1870, ao
lado do Realismo e do Naturalismo, defendendo o impessoal, o objetivo, o gosto
do detalhe e da precisa representação da natureza (…).

Posto não constituísse uma unidade de métodos, antes de ideais, o Simbolismo


procurou instalar um credo estético baseado no subjetivo, no pessoal, na
sugestão e no vago, no misterioso e ilógico, na expressão indireta e simbólica.
Como pregava Mallarmé, não se devia dar nome ao objeto, nem mostrá-lo
diretamente, mas sugeri-lo, evocá-lo pouco a pouco, processo encantatório que
caracteriza o símbolo.

(…) Por volta de 1880, espalha-se a ideia de decadência, caracterizada em 1891


por Paul Bourget em um artigo em que ele identifica o estado de decadência
com Baudelaire, místico, libertino e analisador, típico de uma série de indivíduos
“incapazes de encontrar seu lugar próprio no trabalho do mundo, lúcidos para
com “a incurável máscara de seu destino”, pessimistas e individualistas
extremos, querendo submeter o mundo às suas necessidades íntimas, e
sentindo a época como de crise e enfado, fadiga e degenerescência, dissolução
e má consciência.

(Afrânio Coutinho. Introdução à literatura no Brasil. 10ªed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1980).

MOMENTO HISTÓRICO

Já vimos que o final do século XIX contou com um grande desenvolvimento


científico e o desabrochar da filosofia materialista. Esse quadro altera-se um
pouco na transição para o século XX, período em que se encaixa o Simbolismo.

A virada do século trouxe dúvidas e temores à sociedade, que já não


encontravam respostas nas correntes materialistas e racionalistas que
dominavam o cenário. O processo burguês industrial crescia desordenadamente,
criando incertezas quanto ao futuro e gerando animosidades entre as potências,
que lutavam pelos mercados consumidores e fornecedores de matérias-primas.
Somado a isso, Itália e Alemanha entram nessa disputa, na medida em que
avançam em sua industrialização, aumentando as tensões na Europa. As
disputas por mercados e posições na África e na Ásia acirram-se, o nacionalismo
desenvolve-se pelo continente europeu e a guerra entre as potências já é o
temor de toda a população. Essas tensões culminam na Primeira Guerra, em
1914.

Portugal, que ansiava ampliar suas possessões na África, vê suas pretensões


destruídas pelas ameaças inglesas, culminando no Ultimato de 1890. Sofre
também com uma crise política interna, desde a fracassada insurreição
republicana de 1891 até a República em 1910. A frustração do povo português é
evidente e o sentimento pessimista coincide com a crise espiritual e a
decadência de certos pensamentos filosóficos e modelos artísticos.

Em um período como esse, é difícil imaginar como se poderia explicar o mundo


racionalmente, daí a negação da materialidade ressurge com força, trazendo
compreensões subjetivas. O ideal de se escapar de um mundo hostil e imaginar
um lugar melhor abre caminhos para tendências espiritualistas. As teorias de
Freud ganham fama em todo o mundo, trazendo as ideias de subconsciente e
inconsciente. Estava o cenário preparado para quem quisesse mergulhar na
alma humana.

MOMENTO HISTÓRICO BRASILEIRO

No Brasil, vivia-se a consolidação da República, plena de ideias positivistas e


materiais. Por não estar diretamente ligado ao processo de industrialização,
acaba por não passar pelas consequências e as incertezas europeias. Disto
resulta o fato de que o Simbolismo não obteve o apelo que outras escolas
literárias conseguiram.

Contudo, deve-se registrar que o sul do país pôde viver algo semelhante àquilo
que se passava na Europa: a Revolução Federalista que se opunha ao governo
de Floriano Peixoto implicou uma intensa e sangrenta disputa, que proporcionou
cenas de extrema violência e crueldade no Paraná, em Santa Catarina e no Rio
Grande do Sul.
Floriano ainda enfrentou a revolta da Armada que sitiou o palácio do governo
com os canhões dos navios da Marinha exigindo sua renúncia. O Marechal
conseguiu triunfar em todas essas contendas, consolidando a República à custa
do esmagamento de seus opositores. Se por um lado tais fatos reafirmavam a
imposição positiva da ordem, do materialismo e do racionalismo; pelo lado
derrotado, ficava a frustração, a angústia e a falta de perspectivas.

ESTÉTICA SIMBOLISTA

O Simbolismo representa, em verdade, a reação do espírito sobre a matéria, da


intuição sobre a lógica, do subjetivismo ao objetivismo. Assim, não é difícil
perceber que, mesmo pertencendo a uma mesma época, o Simbolismo se opõe
ao Realismo e ao Naturalismo ao negar seu cientificismo e seu materialismo.
Nega também a impassibilidade e a objetividade do parnasiano, a busca
simbolista é pela essência do ser humano, sua alma.

De certa maneira, essa realidade subjetiva que é proposta pelo Simbolismo


representa uma retomada romântica, guardadas algumas diferenças essenciais:
no Romantismo o “eu” representa uma subjetividade sentimental exagerada,
superficial e piegas; no Simbolismo, este “eu” é interior, espiritual: o universal só
se faz através da alma individual. É a reedição da oposição entre corpo e alma, a
negação da matéria e a sublimação do espírito.

Ora, para esses poetas, a ciência já não mais explicava os fenômenos


relacionados ao homem. A própria ciência se via obrigada a aceitar uma visão
não material do homem: a psicanálise de Freud levava à ciência o conhecimento
do lado imaterial humano – o subconsciente e o inconsciente. Desta maneira, até
a linguagem era vista como limitada, insuficiente para retratar a realidade, por
isso, o máximo que poderia o poeta era sugeri-la.

Portanto, para o Simbolismo tudo é sugestão. A linguagem é simbólica e busca


retratar os sentidos, misturando-os e criando sensações. Essa preocupação
traduz-se no uso de sinestesias, aliterações e assonâncias, na introdução da
musicalidade como intérprete da alma humana. A linguagem é carregada de
significação, o uso das palavras ganha outros sentidos e se opõe à objetividade
e precisão linguística adotada pelos parnasianos.

O simbolista busca o vazio da alma, explora o tédio, busca o vago, o sonho, a


loucura. As descrições normalmente são nebulosas, como se houvesse uma
cortina de fumaça diante dos olhos do poeta. A preocupação é com a essência
do universo – expressa pela alma do homem – com a busca do que se esconde
por trás da aparência, por isso as cores e formas adquirem valores externos à
sua significação, numa clara função simbólica.

Ainda nessa perspectiva, a personificação de conceitos alegóricos dá-se na


poesia pelas palavras com iniciais maiúsculas, buscando exaltá-las e transformar
conceitos ou elementos totalizantes em personagens capazes de interagir com o
interior humano. O pessimismo, o etéreo e o incorpóreo formam a base da
linguagem Simbolista.

PRINCIPAIS NOMES SIMBOLISTAS MUNDIAIS


CHARLES BAUDELAIRE (1821-1867)

Poeta francês, um dos principais escritores do Simbolismo. Influenciou a poesia


de todo o mundo ocidental, foi acusado de desonrar a moral da sociedade da
época, acabou multado pela publicação de seus poemas. É dele a popularização
da temática spleen – a decadência, o tédio, a melancolia, a inércia e o fastio.
Também foi teórico e, nesses textos, foi um dos primeiros a traçar as
características da produção moderna, ressaltando o aspecto transitório da
sociedade, captado e expresso por essa literatura.

Correspondências

A natureza é um templo onde vivos pilares


Deixam filtrar não raro insólitos enredos;
O homem o cruza em meio a um bosque de segredos
Que ali o espreitam com seus olhos familiares.

Como ecos longos que à distância se matizam


Numa vertiginosa e lúgubre unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.

Há aromas frescos como a carne dos infantes,


Doces como o oboé, verdes como a campina,
E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes,

Com a fluidez daquilo que jamais termina,


Como o almíscar, o incenso e as resinas do Oriente,
Que a glória exaltam dos sentidos e da mente.
almíscar: substância de odor penetrante e persistente.

âmbar: aroma, cheiro suave; aquilo que tem cor entre o acastanhado e o
amarelado.

benjoim: resina balsâmica, aromática, usada em incensos e cosméticos.

oboé: instrumento de sopro.

prado: campina.

transfundir: transformar-se, converter-se.

STÉPHANE MALLARMÉ (1842-1898)

Poeta francês, sua principal crítica ao Parnasianismo era a de que não poderia
haver estética em se apresentar diretamente a realidade. Defendia os ideais de
sugestão, concebendo o poema como “mistério”, auxiliava-o nessa missão, o
artifício de inverter a sintaxe das frases ressaltando a dificuldade de
compreensão.

Toute l’âme résumée


Quand lente nous l’expirons
Dans plusieurs ronds de fumée
Abolis en autres ronds

Toda alma é resumida


Quando lentamente expiramos
Através de vários anéis de fumaça
Sucedidos por outros anéis

PAUL VERLAINE (1844-1896)

Poeta francês, de vida considerada escandalosa, cuja poesia reflete a


contradição entre uma conduta deplorável e um ideal quase primitivo de pureza
e misticismo. Entre as atribulações de sua vida, Verlaine abandonou mulher e
filho para viver um romance homossexual com o jovem poeta Arthur Rimbaud.
Em um acesso de fúria, resultado do alto consumo de álcool pelo que era
conhecido, Verlaine disparou duas vezes sobre o amante, ferindo-o no pulso.

Apesar de tentar manter-se distante de qualquer escola literária, sua obra


relaciona-se ao Simbolismo, retratando musicalidades na linguagem e temáticas
melancólicas. Foi uma celebridade e considerado pelos franceses como o
Príncipe dos Poetas. Muitas de suas obras foram traduzidas à época por seus
fãs brasileiros, entre eles, Alphonsus de Guimaraens.

Chanson d’automne

Les sanglots longs


Des violons
De l’automne
Blessent mon coeur
D’une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure

Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Canção do Outono

Os soluços graves
dos violinos suaves
do outono
ferem a minh’alma
num langor de calma
e sono.

Sufocado em ânsia,
Ai! quando à distância
soa a hora,
meu peito magoado
relembra o passado
e chora.

Daqui, dali,
pelo vento em atropelo
seguido,
vou de porta em porta
como a folha morta,
batido…

CAMILO PESSANHA (1867- 1926)

Poeta português, considerado o maior e mais autêntico poeta Simbolista


português. Foi fortemente influenciado pela poesia do poeta francês Verlaine.
Ainda moço, viveu em Macau e lá se viciou em ópio. Sua poesia é obscura,
repleta de tristeza. Diferencia-se dos outros autores portugueses por não tratar
do passado de Portugal. Pessanha sugere sensações; é o poeta da
desintegração, da fragmentação; para ele, o universo é um caos: pedaços, sons
e sensações – os elementos de sua dor. Seu pessimismo o leva a assumir uma
postura niilista de negação da própria vida. Morreu de tuberculose ainda em
Macau.

Ao longe os barcos de flores

Só, incessante, um som de flauta chora,


Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
– Perdida voz que de entre as mais se exila,
– Festões de som dissimulando a hora.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila


E os lábios, branca, do carmim desflora…
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil… Quem há-de remi-la?

Quem sabe a dor que sem razão deplora?


Só, incessante, um som de flauta chora…
barcos de flores: casas de prostituição.

carmim: substância corante, em vermelho vivo.

cauto: cauteloso.

deplorar: lastimar.

desflorar: tirar a pureza.

festões: ramalhetes de flores.

flébil: choroso, lacrimoso.

grácil: gracioso.

modulado: harmoniosos, melodioso.

remir: libertar.

trilar: soltar a voz, gorjear.

AUTORES SIMBOLISTAS BRASILEIROS

O Simbolismo encontrou grande repercussão na Europa, principalmente na


França, sendo representado por nomes como Charles Baudelaire, Paul Verlaine
e Stéphane Mallarmé. Em Portugal destaca-se a obra de Camilo Pessanha e, no
Brasil, as de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens.

CRUZ E SOUSA

João da Cruz nasceu a 21 de novembro de 1861, em Desterro, atual


Florianópolis; filho de escravos, negro sem mescla, também era escravo; mas,
ao que tudo indica, gozava do apreço do marechal Guilherme Xavier de Sousa,
pois este alforriou toda família logo no início da Guerra do Paraguai. Mais ainda,
cuidaram do pequeno João, deram-lhe o sobrenome Sousa e fizeram-no receber
uma educação refinada, frequentando o Liceu Provincial Catarinense, onde
estudou com Fritz Muller e conheceu Charles Darwin.

Com a morte do protetor, é obrigado a abandonar os estudos e começa a


trabalhar na imprensa catarinense, onde é vítima de preconceito e levado a
abandonar sua terra natal. Cruz e Sousa chega a ser nomeado promotor público
em Santa Catarina, mas é impedido de assumir o cargo por ser negro.

No Rio de Janeiro colabora eventualmente com alguns jornais, entretanto só


consegue um miserável emprego na Estrada de Ferro Central do Brasil. Após
sua primeira desilusão amorosa – apaixonara-se por uma artista branca que não
lhe correspondeu – casa-se com Gavita Rosa Gonçalves, também negra, com
quem teve quatro filhos. As desgraças em sua vida parecem ser constantes, já
que todos os seus filhos morreram prematuramente – o mais velho com apenas
dezessete anos! – e sua esposa, após alguns anos enlouquece e é internada em
um manicômio.

Sua vida foi marcada por humilhações, pobreza e doenças; logo após perder
seus pais, contrai tuberculose e procura refúgio na cidade mineira de Sítio. Aos
36 anos vem a falecer na mais profunda miséria. Seu corpo foi trasladado de
Minas para o Rio fora do caixão, em um vagão destinado a animais.

Sua poesia é evidentemente marcada por essas desgraças, apresentando-se


inicialmente como subjetiva e angustiada, tratando da dor e do sofrimento do
homem negro, em evidente colocação pessoal; posteriormente universaliza
esses sentimentos a todos os seres humanos.

Sua obra apresenta uma rica diversidade, na qual se encontram a anulação da


matéria para a liberação do espírito, a valorização da morte, o culto da noite, o
pessimismo e, até mesmo, certo satanismo. Quanto à forma, percebe-se um
cuidado quase parnasiano, o verbalismo requintado, o gosto pelo soneto, aliado
à força das imagens e os jogos sonoros.

Sua obra revela posturas filosóficas e metafísicas, do desejo de fugir da


realidade à integração espiritual com o cosmo. Para isso, utiliza-se de
superposição de imagens, com fortes sugestões sensoriais e uma obsessão pela
cor branca e tudo aquilo que sugere brancura. Exalta o misterioso, o sagrado, o
conflito entre corpo e alma, a angústia e a sublimação sexual através de
frequentes aliterações, predominância de substantivos e o emprego de
maiúsculas, dando valor absoluto a certos termos.

Sua poesia é certamente resultado da opressão vivida, não só pelo sistema


capitalista, mas, principalmente, por seu drama racial e pessoal. Ainda que tenha
sido acusado por alguns de ter se omitido no que se referia à condição do negro
na sociedade – lembremos que Cruz e Sousa não é um “poeta social”, típico da
terceira geração romântica – sua obra parte da consciência e da dor de ser
negro e chega à dor universal de ser homem, já buscando a transcendência.

Antífona

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras


De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas…
Incensos dos turíbulos das aras

Formas do Amor, constelarmante puras,


De Virgens e de Santas vaporosas…
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas …

Indefiníveis músicas supremas,


Harmonias da Cor e do Perfume…
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume…

Visões, salmos e cânticos serenos,


Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes…
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes…

Infinitos espíritos dispersos,


Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades


Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros


Fecunde e inflame a rima clara e ardente…
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça


De carnes de mulher, delicadezas…
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas…

Cristais diluídos de clarões álacres,


Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos…

Flores negras do tédio e flores vagas


De amores vãos, tantálicos, doentios…
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios…
Tudo! Vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte…

(Broqueis, 1897)

ALPHONSUS DE GUIMARAENS

Afonso Henriques da Costa Guimarães, natural de Ouro Preto, em Minas Gerais,


nasceu a 24 de julho de 1870 e formou-se em Direito em São Paulo, onde tomou
contato com um grupo de poetas simbolistas. Tornou-se promotor e depois juiz
em Minas Gerais. Sua grande desilusão amorosa acontece quando ele ainda
jovem perde a noiva, sua prima Constança, que tinha apenas dezessete anos e
era filha de Bernardo Guimarães, o autor de A escrava Isaura.

Mesmo tendo se casado mais tarde, jamais se esqueceu da morte da amada e


esse amor estará presente em toda sua obra. Isolou-se em Mariana, MG, e quis
ser conhecido como o “Solitário de Mariana”, ainda que não fosse tão solitário, já
que vivia com a esposa e seus catorze filhos.

De certa forma, o tema da morte possibilita ao autor um ponto de contato com a


geração ultrarromântica, por outro lado também cria uma atmosfera mística e
litúrgica, chegando a ser considerado como o poeta mais místico de nossa
literatura.

Retrata sempre o amor pela noiva e sua profunda religiosidade e devoção pela
Virgem Maria. A morte surge como único meio de atingir a sublimação e
aproximar o poeta de ambas. Em sua poesia abundam referências ao corpo da
amada, ao esquife, às orações às cores roxa e negra, ao sepultamento e a tudo
que fosse ligado a ideias fúnebres. Renovava essa temática por demais
romântica aprofundando aspectos do inconsciente desencadeados pela
imaginação.

Sua poesia é uniforme e equilibrada, menos universal que a de Cruz e Sousa,


pois limita-se ao ambiente de sua adolescência e de seu drama sentimental. Sua
poesia é repleta de virgens mortas, anjos e querubins, nela faz uso constante da
linguagem de sugestão e de aliterações, demonstra uma inconfundível tendência
à autopiedade. Para ele, o indivíduo enfrenta três inimigos da alma: o diabo, a
carne e o mundo.
Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,


Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,


Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu


As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu


Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

(Pastoral aos crentes do amor e da morte, 1923)

O IMPRESSIONISMO E AS TRANSIÇÕES DA ARTE


EUROPEIA
O período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX é
marcado por um turbilhão artístico, fruto do conturbado cenário econômico-social
que se desenrolava.

As artes, influenciadas pelo desenvolvimento técnico que marca esse tempo,


rebelam-se contra ideias ainda renascentistas da academia, que defendia
temáticas nobres, retratação de objetos naturais, de caráter descritivo, cujo valor
residia na verossimilhança extrema com a realidade.

A fotografia mostrava-se como uma revolução: o retrato exato da realidade, a


descrição mais perfeita que se poderia imaginar, a captação dos momentos da
forma mais verdadeira possível. Aliado a isso, era a representação do
desenvolvimento humano, da supremacia técnica, da novidade, era o projeto de
uma sociedade industrial.
As câmeras eram levadas às áreas externas e, assim, a natureza podia ser
captada em sua essência. Contra essas visões que permeavam os pensamentos
estéticos da sociedade – que iam dos princípios renascentistas à
verossimilhança técnica industrial – muitos artistas enxergavam que era o
momento para uma mudança estética. Assim, surgem inúmeros movimentos de
contestação aos padrões artísticos acadêmicos, que culminarão, posteriormente,
nos movimentos mais revolucionários de vanguarda.

IMPRESSIONISMO

Talvez tenha sido Eduard Manet o grande precursor de um modelo novo de arte,
baseado no estilo Realista, do qual era um de seus grandes representantes.
Entretanto, seus temas começam a fugir das questões sociais e suas pinceladas
passam a questionar a precisão objetiva da representação fiel da natureza, tão
ao gosto dos entusiastas da fotografia.

A abordagem estética escandaliza a academia, na medida em que os


impressionistas buscam capturar o instante em que as coisas acontecem, mas
criando maneiras absolutamente novas de interpretar a luz e as cores e a forma
de como retratá-las na tela.

A desconstrução da precisão descritivista coloca a luz e o movimento como os


temas principais da arte. Os contornos passam a ser “borrados”, pois o desenho,
o traço, não são mais os elementos principais, mas a mancha, a cor.
Questionava-se que a modelagem tradicional das gradações na luz para a
geração de volume seria muito pouco “realista” quando se retratava paisagens
ao ar livre, nas quais o sol produz grandes “manchas de cor” contrastadas.

Buscando um enquadramento inovador, como se fosse uma “janela aberta para


a realidade”, esses pintores utilizam-se de cores luminosas e buscam retratar as
mesmas imagens com luzes de diferentes horas do dia. A ideia não era mais o
retrato preciso de uma realidade, mas uma impressão sobre o que se retratava.
O nome impressionismo, que pode ser entendido como a forma de como a
realidade – a luz, a cor e o movimento – impressionam o artista e sua obra,
origina-se da obra Impressão: Nascer do Sol, do maior expoente do movimento:
Claude Monet.
A técnica impressionista consistia no uso de toques rápidos na tela, com
pinceladas curtas e realizando a mistura das cores na própria tela. O uso de tons
pastéis e harmônicos, com predominância de verdes e azuis, próprios para a
representação de cenas ao ar livre. As sombras são luminosas e coloridas e o
preto é evitado, sendo quase uma proibição. Assim, os contrastes de luz e
sombra são produzidos por meio das cores complementares.

NEOIMPRESSIONISMO

Esse estilo também ficou conhecido pelas denominações de divisionismo ou


pontilhismo. Aproveitando o conceito de que as pinceladas curtas do
impressionismo “desconstruíam” a precisão da representação da realidade, um
conjunto de artistas ousou levar tal desconstrução a um nível ainda mais
elaborado. Para eles, os traços impressionistas revelavam subjetividade em
demasia e o rompimento com a linearidade deveria se dar de forma objetiva.

Assim, o modelo artístico estabelece o princípio de decompor as formas sobre a


tela, separando-as em pequenos pontos ou pinceladas de cor pura. A intenção é
que o espectador reconstitua tais formas em sua visão a uma certa distância do
quadro. As formas são transformadas em uma espécie de “pixel” de cor e tons
que, pacientemente, montam os contornos, como em um grande mosaico. É
exatamente o objetivo da escola artística que contraria a tendência à
espontaneidade do impressionismo e propõe a utilização racional e calculada da
cor.

PÓS-IMPRESSIONISMO

Sob a denominação de pós-impressionismo, existem muitos grupos de artistas


de movimentos diversos com variadas tendências artísticas. Alguns artistas e
obras importantes surgem no período e acentuam a transição rumo a novas
perspectivas estéticas.

As pinceladas tornam-se soltas, fortes, marcantes, alongadas e texturizadas. As


cores ganham mais importância que as formas e os tons pastéis começam a dar
lugar a cores mais fortes. O impacto das obras parece vir diretamente dos
sentimentos interiores que os artistas jogam na tela. O maior de seus
representantes, sem dúvidas, é o holandês Vincent Van Gogh.

FAUVISMO

Um dos movimentos mais chocantes do período, adota o nome proveniente de


um crítica recebida pelos artistas e suas obras em uma exposição. Um crítico, ao
ver as obras de cores vibrantes e formas distorcidas expostas em uma galeria
onde havia uma pequena estátua renascentista, declarou-se com pena da
escultura, segundo ele um “pequeno Donatello entre feras”. ‘Les fauves’, as
feras, adotaram o “xingamento” como nome do movimento, mostrando sua
inconformidade com a estética acadêmica.

O movimento preza pelo primitivismo de cores e por uma visão sintética da


natureza. Assim, é característico o uso de cores violentas de forma arbitrária,
com pouca ou mesmo nenhuma gradação entre os matizes. Seus artistas
buscam representar sensações elementares, retratam temas cotidianos alegres,
com cores fortes e marcantes sem relação com a realidade retratada. É uma arte
impensada e impulsiva, sensorial e de construção experimental, que dispensa
estudos preliminares para a realização da obra.

ART NOUVEAU

A arte nova é um estilo que se desenvolve no período e que resgata conceitos


de complexidade barrocos e românticos. É particularmente importante na
arquitetura, nas artes decorativas, no design e nas artes gráficas. É um retrato
da vida acelerada do período, da influência dos processos industriais na própria
arte e das contradições da situação social.
É um estilo que “adere” à lógica industrial de produção, utilizando-se por vezes
da produção em série – como no caso de artes gráficas, voltadas a cartazes de
propagandas de atrações e produtos. Ao mesmo tempo, busca a valorização da
beleza e sua acessibilidade a todos, levando a arte como um produto de
consumo ou, pelo menos, tornando os produtos de consumo próximos à
retratação artística.

Os artistas buscam nas formas a proximidade com a natureza, inspirando-se em


animais e plantas, criando padrões assimétricos, curvas e linhas sinuosas. Os
contornos dinâmicos buscam o retrato de uma sociedade sempre em
movimento, com paralelo ao movimento constante da própria natureza. Peças
bidimensionais representativas de cenas cotidianas. Ilustrações, móveis e
mesmo construções utilizam-se de arabescos diversos, criando mosaicos e
verdadeiras florestas decorativas.

Toulouse-Lautrec produziu diversas obras que tornaram-se ícones do período,


cartazes comerciais de apresentações do cabaré Moulin Rouge em Paris. Na
arquitetura, as construções impressionantes de Antoni de Gaudí em Barcelona
desafiam a lógica e sugerem o impossível em construções absolutamente
impressionantes. O estilo foi extremamente reproduzido por empresas em
comerciais e propagandas, atraindo consumidores pela beleza de suas linhas
curvas e complexas.

O PRÉ-MODERNISMO BRASILEIRO
O século XX foi o período de maior desenvolvimento tecnológico da história da
humanidade, muitos desses avanços, sem sombra de dúvidas, foram
impulsionados pelas duas grandes guerras que ocorrem na primeira metade do
século.

MOMENTO HISTÓRICO

Esses conflitos são frutos de tensões advindas do final do século XIX que se
acirram no começo do novo século. As novas relações de trabalho criadas pela
Revolução Industrial criam disparidades e explorações jamais antes vistas, com
consequências sociais gravíssimas.

É o tempo de pensadores, o avanço das ciências e das filosofias sociais


começam a sugerir que a prática tome lugar do discurso. Assim, os
trabalhadores se organizam, socialistas e anarquistas questionam o poder
instituído das potências coloniais. O imperialismo entra em crise e a urbanização
já faz a sociedade ser diferente. O palco da luta de classes está armado.

No Brasil, o fim do século XIX marca o início da “República do café com leite”, na
qual os grandes proprietários rurais exerciam enorme influência. Nossa
urbanização, ainda incipiente, não produzia o quadro de tensão no qual vivia a
Europa, mas já dava sinais de crescimento principalmente em São Paulo.

O ciclo da borracha desloca para o norte a riqueza do país, acentuando ainda


mais os contrastes sociais vividos pelo país: algumas regiões prosperavam em
meio ao atraso irremediável de outras. As tensões nacionais eram regionais e
geraram inúmeras agitações sociais, como a Revolta de Canudos, na Bahia; a
série de conflitos no Ceará em torno do religioso Padre Cícero; e o cangaço, em
pleno sertão nordestino, que nos apresentou a figura de Virgulino Ferreira, o
Lampião.

A capital, Rio de Janeiro, sangrava seus problemas sociais. A insurreição ao


poder constituído foi desde a Revolta da Vacina – uma rebelião popular contra a
vacinação obrigatória, mas que guardava suas reivindicações sociais – até a
Revolta da Chibata – uma rebelião de marinheiros contra os castigos físicos.
Esses movimentos criaram vilões e heróis – como Oswaldo Cruz e João
Cândido, o Almirante Negro – que a História devolveu-lhes o lugar na
posteridade.

A ESTÉTICA

Essas agitações criavam o clima de tensão e tumulto que iria eclodir


artisticamente em 1922, mas que, de alguma forma já se manifestavam em
produções artísticas da época. Pode-se dizer que os primeiros anos do século
XX foram uma espécie de transição entre dois mundos. Assim, a Literatura fez
contar seu próprio tempo, espalhando a transição, mostrando não uma escola,
mas apresentando novas tendências e rupturas com a arte conservadora.

Portanto, não se pode dizer que o Pré-modernismo constitui-se em uma escola


literária em si. É, em verdade, um conjunto de manifestações do espírito de uma
época, que apresentava o novo, rompia com o velho, mas ainda não possuía um
rumo certo ou uma clara intenção estética.

Os autores dessa época são influenciados pelo Realismo e pelas novas


tendências que surgiam na Europa. Ao mesmo tempo, os escritores românticos,
parnasianos e simbolistas ainda publicavam seus livros e encontravam excelente
público, já que o final do século XIX e início do século XX é um tempo de
prosperidade dos livreiros, uma época do crescimento do mercado editorial no
país.

Esses novos autores demonstram um grande interesse pela realidade nacional,


contrariando o universalismo dos modelos realista-naturalistas. O cotidiano
brasileiro passa a ser exposto nas páginas dos livros, dando espaço a criação de
obras de nítida preocupação social. Os tipos marginalizados, as lutas inglórias e
as mazelas do povo passam a ser os temas da prosa pré-modernista.

Essa aproximação com a realidade brasileira traz como consequência formal a


busca por uma linguagem mais simples, mais direta, coloquial, próxima da
população. Os textos apresentam linguagem jornalística, aproximando-se, por
vezes, mais da realidade que de um estilo artístico propriamente dito. Euclides
da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato são exemplos de literatos que
contribuíram largamente com a imprensa; por outro lado, há também João do
Rio, um jornalista que retratou a sociedade da época, fazendo-se um dos
cronistas mais importantes de nossa história.

Na poesia, a ruptura fica por conta de um dos mais geniais poetas que já
surgiram: Augusto dos Anjos. Irônico e pessimista, rompe com o linguajar
poético, tripudia do realismo e do materialismo, brinca com as ciências e a
filosofia. Tivesse nascido dez anos depois, seguramente estaria no rol dos
maiores modernistas brasileiros.

AUTORES

EUCLIDES DA CUNHA

Engenheiro de formação positivista e de fortes convicções republicanas,


Euclides nasceu em Cantagalo, Rio de Janeiro em 20 de janeiro de 1866.
Mudando-se para São Paulo, foi enviado pelo jornal O Estado de S. Paulo para
cobrir a guerra de Canudos. Suas mensagens telegráficas permitiram que os
grandes centros acompanhassem o conflito, mobilizando e dividindo a opinião
pública. Foi com base na cobertura jornalística que fez que escreveu os Sertões,
de caráter cientificista e, no qual se nota o abalo sofrido em suas convicções
republicanas. As descrições do homem nordestino, do sertão e da luta
propriamente dita influenciariam autores modernistas além de trazer à tona o
Brasil não oficial, o país que o país desconhecia ou fingia desconhecer.

Membro do Instituto Histórico e Geográfico e da Academia Brasileira de Letras,


deixou inúmeros tratados e cartas referentes ao país, sua geografia, cultura e
características regionais. Trata das fronteiras do norte do País e leciona no
colégio Pedro II.

Morre em 1909, assassinado em uma troca de tiros, no que ficou conhecida


como “a tragédia da Piedade”. Ao saber que sua esposa, Ana Emília Ribeiro
abandonara-o pelo jovem tenente Dilermando de Assim, que supostamente já
seria seu amante (Euclides da Cunha atribuía a Dilermando a paternidade de um
de seus filhos, por ser este louro em uma família de morenos). O autor de Os
Sertões, disposto a matar o desafeto, parte armado para a casa do jovem. O
desfecho desse episódio trágico foi que Dilermando, campeão de tiro do
exército, matou Euclides da Cunha e foi absolvido por legítima defesa. Ana
casou-se com Dilermando que ainda mataria em legítima defesa o filho de
Euclides da Cunha que tentara vingar a morte de seu pai.

Trechos de Os sertões

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos


mestiços do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela
o contrário. É desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a
fealdade típica dos fracos. (…) Basta o aparecimento de qualquer incidente
transfigura-se. Reponta. Um titã acobreado e potente. De força e agilidade
extraordinárias (…) Sua cultura respeita antiquíssimas tradições. Torna-se um
retirante, impulso pela seca cíclica, mas retorna sempre ao sertão”.

“Fechemos este livro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a


história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na
precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus
últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois
homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil
soldados. (…) Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir
desmanchando-lhe as casas, 5.200, cuidadosamente contadas.”

LIMA BARRETO

Filho de pai português e mãe escrava, Afonso Henriques de Lima Barreto


nasceu no Rio, em 13 de maio de 1881. Não chegou a completar seus estudos
de Engenharia, pois teve de abandoná los para cuidar de seu pai, doente
mental. Apesar de viver numa sociedade imensamente racista, o mulato Lima
Barreto conseguiu um emprego no funcionalismo público, o que lhe garantiu, de
certa forma, o sustento da família.

Os inúmeros desgostos domésticos, a revolta contra o preconceito racial, as


crises de depressão, o alcoolismo e as internações no hospício transformaram
Lima Barreto em um crítico amargo e severo da sociedade. Suas contribuições
na imprensa eram inúmeras e combatiam o preconceito racial e contra a mulher.
Sua consciência acerca dos problemas sociais brasileiros coloca lhe como
militante socialista, um dos primeiros a combater as desigualdades, criticar o
poder republicano e denunciar a realidade nacional.

Barreto era um apaixonado pela cidade e por seus acontecimentos. Sua obra
registra episódios como a insurreição contra Floriano Peixoto, a Revolta da
Vacina, a valorização do café, a participação brasileira na Primeira Grande
Guerra entre outros eventos. Mas o que lhe deliciava era o subúrbio, a gente
pobre e seus dramas; a crítica da classe média que não media esforços para
ascender socialmente; a ridicularização dos políticos da época e de sua
ostentação. Segundo ele, essa era a melhor maneira de criticar o vazio
intelectual e a ganância dos poderosos: “Nada de violências, nem barbaridades.
Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo. O ridículo mata e
mata sem sangue.”

Seu estilo, duramente criticado pelos parnasianos, tem a leveza, coloquialidade


e fluência típica dos periódicos, antecipando, assim, a estética do Modernismo.
Em Triste fim de Policarpo Quaresma, critica o nacionalismo, a república e os
políticos. Em Clara dos Anjos, aborda o tema do preconceito racial.
Os Bruzundangas é uma denúncia bem-humorada sobre o Brasil: Bruzundanga
é um país tropical fictício no qual as elites pouco cultas exploram em demasia
seu povo.

Lima Barreto passa o ano de 1922 cuidando de seu pai, cujo estado de saúde se
deteriorava com rapidez. Como se não bastassem as tragédias, por ironia do
destino, morre em 1º de novembro de 1922, dois dias antes do falecimento de
seu pai.

A lição de violão, trecho de Triste fim de Policarpo Quaresma

Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma,


bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso
acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas
confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da
padaria francesa.

Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e
quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a
soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem
exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um
eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito.

A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio,


onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a
dona gritava à criada: “Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou.”

E era assim todos os dias, há quase trinta anos. Vivendo em casa própria e
tendo outros rendimentos além do seu ordenado, o Major Quaresma podia levar
um trem de vida superior ao seus recursos burocráticos, gozando, por parte da
vizinhança, da consideração e respeito de homem abastado.

MONTEIRO LOBATO
O mais famoso autor de histórias infantis do Brasil nasceu em Taubaté, São
Paulo, em 1882, registrado com o nome de José Bento Monteiro Lobato.
Formado em Direito, exerce o cargo de promotor em Areias. Mas foi em 1911
que sua vida toma outro rumo: com a morte de seu avô, herda uma fazenda e
passa a dedicar-se à agricultura. Contrário às constantes realizações de
queimadas pelos caboclos locais, escreve uma carta indignada e a envia para o
jornal o Estado de S. Paulo. Em vez de publicá-la na seção de cartas, publica-a
como um artigo e obtém grande sucesso. Assim, Lobato passa a escrever para o
jornal, vende a fazenda, publica Urupês e funda uma editora.

Causador de inúmeras polêmicas por seu papel de intelectual, Lobato era um


homem de postura rígida, moralista e doutrinadora, aspirando ao progresso
material e mental do povo brasileiro; com isso, destaca-se, além da literatura,
nos campos social e político. Faz duras críticas ao atraso brasileiro, revelando
um país agrário e ignorante, longe do caminho do progresso e da ciência; seu
personagem Jeca Tatu, um caipira acomodado e miserável do interior paulista
era a imagem que retratava ironicamente esse Brasil.

Lobato viveu em Nova Iorque onde percebeu a importância da exploração de


recursos minerais. Nacionalista, volta ao Brasil e funda o Sindicato do Ferro e a
Companhia de Petróleos do Brasil, confrontando-se contra multinacionais que
exploravam inescrupulosamente nossas riquezas. Denunciou a ligação de
autoridades brasileiras com interesses estrangeiros e fez ataques ao governo,
motivo este que o levou à prisão em 1941, provocando grande reação na
sociedade.

Sua estética traz pouco de inovação, aproximando-se ainda a modelos realistas.


É a temática que o diferencia: o regionalismo e a denúncia da realidade o
colocam em processo de ruptura. Se ideologicamente temos uma figura
avançada e modernizante, pelo lado artístico, Monteiro Lobato colocou-se como
conservador e antimodernista. Crítico feroz do Modernismo e das tendências de
vanguarda, ficou famoso seu artigo Paranoia ou mistificação em que criticava
violentamente o trabalho expressionista de Anita Mafalti, considerando-o como
resultado de uma “deformação mental”. Mesmo sem querer, com este artigo
ajudou a construir o Modernismo brasileiro: reuniu, em defesa de Anita, novos
artistas como Mário e Oswald de Andrade e Di Cavalcanti, revoltados contra o
conservadorismo de Lobato.

Obteve grande sucesso em uma área até então pouquíssimo explorada na


literatura brasileira e latino americana: a literatura infantil. Com obras de caráter
moralista e pedagógico, Lobato consegue um estrondoso êxito, mas não
abandona a luta nacionalista: personagens representativos de nosso povo no
Sítio do Pica-pau Amarelo, a imagem do próprio Brasil. Em junho de 1948,
Lobato despedia-se do mundo deixando um legado presente em gerações de
crianças e que continua até os dias de hoje.
A Colcha de Retalhos”, trecho de Urupês:

“- Upa!
Cavalgo e parto.

Por estes dias de março a natureza acorda tarde. Passa as manhãs embrulhada
num roupão de neblina e é com espreguiçamentos de mulher vadia que despe
os véus da cerração para o banho de sol.

A névoa esmaia o relevo da paisagem, desbota-lhe as cores.


Tudo parece coado através dum cristal despolido.

Vejo a orla de capim tufada como debrum pelo fio dos barrancos; vejo o roxo-
terra da estrada esmaecer logo adiante; e nada mais vejo senão, a espaços, o
vulto gotejante dalguns angiqueiros marginais.

Agora, uma porteira.


Ali, a encruzilhada do Labrego.

Tomo é destra, em direitura ao sítio do José Alvorado. Este barba-rala mora-me


a jeito de empreitar um roçado no campoeirão do Bilú, nata da terra que pelas
bocas do caeté legítimo, da unha-de-vaca e da caquéra está a pedir foice e
covas de milho.

Não é difícil a puxada: com cinquenta braças de carreador bóto a roça no


caminho.”

AUGUSTO DOS ANJOS

Único poeta de expressão do pré-modernismo, Augusto Carvalho Rodrigues do


Anjos nasceu em Vila do Espírito Santo, Paraíba, em abril de 1884. Filho de
proprietários de engenho, viu a decadência da antiga estrutura latifundiária e o
surgimento das usinas de beneficiamento. Formado em Direito, viveu no Rio de
Janeiro e em Minas Gerais, locais onde foi promotor e professor de literatura.

Augusto dos Anjos é um poeta singular na história de nossa literatura e,


certamente, um dos mais originais. Conjugando aquilo que parecia inconciliável
– o Simbolismo e o cientificismo – Augusto representa uma espécie de soma de
todas as tendências de sua época. Sua obra poderia até mesmo enquadrar-se
entre aquelas dos expressionistas, apesar de jamais ter conhecido essa
tendência vanguardista!

Sua única obra publicada – Eu (1912) – apresenta uma poesia formalmente


trabalhada, em linguagem cientificista-naturalista aliada à uma agressividade
vocabular jamais vista, uma vulgaridade sem par. Apesar disso, conquistou
grande popularidade em sua época, muito em função de seu pessimismo, sua
visão dramaticamente angustiante da matéria, da vida, do mundo, aflorando
problemas existenciais e distúrbios pessoais. Assim, traduzia as incertezas do
século que começava e criando uma forte identidade com o público da época.

Sua linguagem é marcada pelo uso de palavras antipoéticas, rompendo com os


limites do belo e do feio. Sua temática não fica por menos: descreve desde
prostitutas a cadáveres, passando por vermes, fluidos corporais e elementos
químicos. Sua angústia indica que não existe deus nem esperança: apenas a
ciência, as substâncias e a energia do cosmos que compõe a matéria de tudo o
que existe. Conciliar a objetividade material e a dor cósmica de buscar o sentido
da existência, essa foi a síntese da poesia de Augusto dos Anjos.

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

O PRÉ-MODERNISMO BRASILEIRO
O século XX foi o período de maior desenvolvimento tecnológico da história da
humanidade, muitos desses avanços, sem sombra de dúvidas, foram
impulsionados pelas duas grandes guerras que ocorrem na primeira metade do
século.

MOMENTO HISTÓRICO
Esses conflitos são frutos de tensões advindas do final do século XIX que se
acirram no começo do novo século. As novas relações de trabalho criadas pela
Revolução Industrial criam disparidades e explorações jamais antes vistas, com
consequências sociais gravíssimas.

É o tempo de pensadores, o avanço das ciências e das filosofias sociais


começam a sugerir que a prática tome lugar do discurso. Assim, os
trabalhadores se organizam, socialistas e anarquistas questionam o poder
instituído das potências coloniais. O imperialismo entra em crise e a urbanização
já faz a sociedade ser diferente. O palco da luta de classes está armado.

No Brasil, o fim do século XIX marca o início da “República do café com leite”, na
qual os grandes proprietários rurais exerciam enorme influência. Nossa
urbanização, ainda incipiente, não produzia o quadro de tensão no qual vivia a
Europa, mas já dava sinais de crescimento principalmente em São Paulo.

O ciclo da borracha desloca para o norte a riqueza do país, acentuando ainda


mais os contrastes sociais vividos pelo país: algumas regiões prosperavam em
meio ao atraso irremediável de outras. As tensões nacionais eram regionais e
geraram inúmeras agitações sociais, como a Revolta de Canudos, na Bahia; a
série de conflitos no Ceará em torno do religioso Padre Cícero; e o cangaço, em
pleno sertão nordestino, que nos apresentou a figura de Virgulino Ferreira, o
Lampião.

A capital, Rio de Janeiro, sangrava seus problemas sociais. A insurreição ao


poder constituído foi desde a Revolta da Vacina – uma rebelião popular contra a
vacinação obrigatória, mas que guardava suas reivindicações sociais – até a
Revolta da Chibata – uma rebelião de marinheiros contra os castigos físicos.
Esses movimentos criaram vilões e heróis – como Oswaldo Cruz e João
Cândido, o Almirante Negro – que a História devolveu-lhes o lugar na
posteridade.

A ESTÉTICA

Essas agitações criavam o clima de tensão e tumulto que iria eclodir


artisticamente em 1922, mas que, de alguma forma já se manifestavam em
produções artísticas da época. Pode-se dizer que os primeiros anos do século
XX foram uma espécie de transição entre dois mundos. Assim, a Literatura fez
contar seu próprio tempo, espalhando a transição, mostrando não uma escola,
mas apresentando novas tendências e rupturas com a arte conservadora.

Portanto, não se pode dizer que o Pré-modernismo constitui-se em uma escola


literária em si. É, em verdade, um conjunto de manifestações do espírito de uma
época, que apresentava o novo, rompia com o velho, mas ainda não possuía um
rumo certo ou uma clara intenção estética.
Os autores dessa época são influenciados pelo Realismo e pelas novas
tendências que surgiam na Europa. Ao mesmo tempo, os escritores românticos,
parnasianos e simbolistas ainda publicavam seus livros e encontravam excelente
público, já que o final do século XIX e início do século XX é um tempo de
prosperidade dos livreiros, uma época do crescimento do mercado editorial no
país.

Esses novos autores demonstram um grande interesse pela realidade nacional,


contrariando o universalismo dos modelos realista-naturalistas. O cotidiano
brasileiro passa a ser exposto nas páginas dos livros, dando espaço a criação de
obras de nítida preocupação social. Os tipos marginalizados, as lutas inglórias e
as mazelas do povo passam a ser os temas da prosa pré-modernista.

Essa aproximação com a realidade brasileira traz como consequência formal a


busca por uma linguagem mais simples, mais direta, coloquial, próxima da
população. Os textos apresentam linguagem jornalística, aproximando-se, por
vezes, mais da realidade que de um estilo artístico propriamente dito. Euclides
da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato são exemplos de literatos que
contribuíram largamente com a imprensa; por outro lado, há também João do
Rio, um jornalista que retratou a sociedade da época, fazendo-se um dos
cronistas mais importantes de nossa história.

Na poesia, a ruptura fica por conta de um dos mais geniais poetas que já
surgiram: Augusto dos Anjos. Irônico e pessimista, rompe com o linguajar
poético, tripudia do realismo e do materialismo, brinca com as ciências e a
filosofia. Tivesse nascido dez anos depois, seguramente estaria no rol dos
maiores modernistas brasileiros.

AUTORES

EUCLIDES DA CUNHA

Engenheiro de formação positivista e de fortes convicções republicanas,


Euclides nasceu em Cantagalo, Rio de Janeiro em 20 de janeiro de 1866.
Mudando-se para São Paulo, foi enviado pelo jornal O Estado de S. Paulo para
cobrir a guerra de Canudos. Suas mensagens telegráficas permitiram que os
grandes centros acompanhassem o conflito, mobilizando e dividindo a opinião
pública. Foi com base na cobertura jornalística que fez que escreveu os Sertões,
de caráter cientificista e, no qual se nota o abalo sofrido em suas convicções
republicanas. As descrições do homem nordestino, do sertão e da luta
propriamente dita influenciariam autores modernistas além de trazer à tona o
Brasil não oficial, o país que o país desconhecia ou fingia desconhecer.

Membro do Instituto Histórico e Geográfico e da Academia Brasileira de Letras,


deixou inúmeros tratados e cartas referentes ao país, sua geografia, cultura e
características regionais. Trata das fronteiras do norte do País e leciona no
colégio Pedro II.
Morre em 1909, assassinado em uma troca de tiros, no que ficou conhecida
como “a tragédia da Piedade”. Ao saber que sua esposa, Ana Emília Ribeiro
abandonara-o pelo jovem tenente Dilermando de Assim, que supostamente já
seria seu amante (Euclides da Cunha atribuía a Dilermando a paternidade de um
de seus filhos, por ser este louro em uma família de morenos). O autor de Os
Sertões, disposto a matar o desafeto, parte armado para a casa do jovem. O
desfecho desse episódio trágico foi que Dilermando, campeão de tiro do
exército, matou Euclides da Cunha e foi absolvido por legítima defesa. Ana
casou-se com Dilermando que ainda mataria em legítima defesa o filho de
Euclides da Cunha que tentara vingar a morte de seu pai.

Trechos de Os sertões

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos


mestiços do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela
o contrário. É desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a
fealdade típica dos fracos. (…) Basta o aparecimento de qualquer incidente
transfigura-se. Reponta. Um titã acobreado e potente. De força e agilidade
extraordinárias (…) Sua cultura respeita antiquíssimas tradições. Torna-se um
retirante, impulso pela seca cíclica, mas retorna sempre ao sertão”.

“Fechemos este livro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a


história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na
precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus
últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois
homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil
soldados. (…) Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir
desmanchando-lhe as casas, 5.200, cuidadosamente contadas.”

LIMA BARRETO

Filho de pai português e mãe escrava, Afonso Henriques de Lima Barreto


nasceu no Rio, em 13 de maio de 1881. Não chegou a completar seus estudos
de Engenharia, pois teve de abandoná los para cuidar de seu pai, doente
mental. Apesar de viver numa sociedade imensamente racista, o mulato Lima
Barreto conseguiu um emprego no funcionalismo público, o que lhe garantiu, de
certa forma, o sustento da família.

Os inúmeros desgostos domésticos, a revolta contra o preconceito racial, as


crises de depressão, o alcoolismo e as internações no hospício transformaram
Lima Barreto em um crítico amargo e severo da sociedade. Suas contribuições
na imprensa eram inúmeras e combatiam o preconceito racial e contra a mulher.
Sua consciência acerca dos problemas sociais brasileiros coloca lhe como
militante socialista, um dos primeiros a combater as desigualdades, criticar o
poder republicano e denunciar a realidade nacional.
Barreto era um apaixonado pela cidade e por seus acontecimentos. Sua obra
registra episódios como a insurreição contra Floriano Peixoto, a Revolta da
Vacina, a valorização do café, a participação brasileira na Primeira Grande
Guerra entre outros eventos. Mas o que lhe deliciava era o subúrbio, a gente
pobre e seus dramas; a crítica da classe média que não media esforços para
ascender socialmente; a ridicularização dos políticos da época e de sua
ostentação. Segundo ele, essa era a melhor maneira de criticar o vazio
intelectual e a ganância dos poderosos: “Nada de violências, nem barbaridades.
Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo. O ridículo mata e
mata sem sangue.”

Seu estilo, duramente criticado pelos parnasianos, tem a leveza, coloquialidade


e fluência típica dos periódicos, antecipando, assim, a estética do Modernismo.
Em Triste fim de Policarpo Quaresma, critica o nacionalismo, a república e os
políticos. Em Clara dos Anjos, aborda o tema do preconceito racial.
Os Bruzundangas é uma denúncia bem-humorada sobre o Brasil: Bruzundanga
é um país tropical fictício no qual as elites pouco cultas exploram em demasia
seu povo.

Lima Barreto passa o ano de 1922 cuidando de seu pai, cujo estado de saúde se
deteriorava com rapidez. Como se não bastassem as tragédias, por ironia do
destino, morre em 1º de novembro de 1922, dois dias antes do falecimento de
seu pai.

A lição de violão, trecho de Triste fim de Policarpo Quaresma

Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma,


bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso
acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas
confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da
padaria francesa.

Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e
quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a
soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem
exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um
eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito.

A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio,


onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a
dona gritava à criada: “Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou.”

E era assim todos os dias, há quase trinta anos. Vivendo em casa própria e
tendo outros rendimentos além do seu ordenado, o Major Quaresma podia levar
um trem de vida superior ao seus recursos burocráticos, gozando, por parte da
vizinhança, da consideração e respeito de homem abastado.
MONTEIRO LOBATO

O mais famoso autor de histórias infantis do Brasil nasceu em Taubaté, São


Paulo, em 1882, registrado com o nome de José Bento Monteiro Lobato.
Formado em Direito, exerce o cargo de promotor em Areias. Mas foi em 1911
que sua vida toma outro rumo: com a morte de seu avô, herda uma fazenda e
passa a dedicar-se à agricultura. Contrário às constantes realizações de
queimadas pelos caboclos locais, escreve uma carta indignada e a envia para o
jornal o Estado de S. Paulo. Em vez de publicá-la na seção de cartas, publica-a
como um artigo e obtém grande sucesso. Assim, Lobato passa a escrever para o
jornal, vende a fazenda, publica Urupês e funda uma editora.

Causador de inúmeras polêmicas por seu papel de intelectual, Lobato era um


homem de postura rígida, moralista e doutrinadora, aspirando ao progresso
material e mental do povo brasileiro; com isso, destaca-se, além da literatura,
nos campos social e político. Faz duras críticas ao atraso brasileiro, revelando
um país agrário e ignorante, longe do caminho do progresso e da ciência; seu
personagem Jeca Tatu, um caipira acomodado e miserável do interior paulista
era a imagem que retratava ironicamente esse Brasil.

Lobato viveu em Nova Iorque onde percebeu a importância da exploração de


recursos minerais. Nacionalista, volta ao Brasil e funda o Sindicato do Ferro e a
Companhia de Petróleos do Brasil, confrontando-se contra multinacionais que
exploravam inescrupulosamente nossas riquezas. Denunciou a ligação de
autoridades brasileiras com interesses estrangeiros e fez ataques ao governo,
motivo este que o levou à prisão em 1941, provocando grande reação na
sociedade.

Sua estética traz pouco de inovação, aproximando-se ainda a modelos realistas.


É a temática que o diferencia: o regionalismo e a denúncia da realidade o
colocam em processo de ruptura. Se ideologicamente temos uma figura
avançada e modernizante, pelo lado artístico, Monteiro Lobato colocou-se como
conservador e antimodernista. Crítico feroz do Modernismo e das tendências de
vanguarda, ficou famoso seu artigo Paranoia ou mistificação em que criticava
violentamente o trabalho expressionista de Anita Mafalti, considerando-o como
resultado de uma “deformação mental”. Mesmo sem querer, com este artigo
ajudou a construir o Modernismo brasileiro: reuniu, em defesa de Anita, novos
artistas como Mário e Oswald de Andrade e Di Cavalcanti, revoltados contra o
conservadorismo de Lobato.

Obteve grande sucesso em uma área até então pouquíssimo explorada na


literatura brasileira e latino americana: a literatura infantil. Com obras de caráter
moralista e pedagógico, Lobato consegue um estrondoso êxito, mas não
abandona a luta nacionalista: personagens representativos de nosso povo no
Sítio do Pica-pau Amarelo, a imagem do próprio Brasil. Em junho de 1948,
Lobato despedia-se do mundo deixando um legado presente em gerações de
crianças e que continua até os dias de hoje.

A Colcha de Retalhos”, trecho de Urupês:

“- Upa!
Cavalgo e parto.

Por estes dias de março a natureza acorda tarde. Passa as manhãs embrulhada
num roupão de neblina e é com espreguiçamentos de mulher vadia que despe
os véus da cerração para o banho de sol.

A névoa esmaia o relevo da paisagem, desbota-lhe as cores.


Tudo parece coado através dum cristal despolido.

Vejo a orla de capim tufada como debrum pelo fio dos barrancos; vejo o roxo-
terra da estrada esmaecer logo adiante; e nada mais vejo senão, a espaços, o
vulto gotejante dalguns angiqueiros marginais.

Agora, uma porteira.


Ali, a encruzilhada do Labrego.

Tomo é destra, em direitura ao sítio do José Alvorado. Este barba-rala mora-me


a jeito de empreitar um roçado no campoeirão do Bilú, nata da terra que pelas
bocas do caeté legítimo, da unha-de-vaca e da caquéra está a pedir foice e
covas de milho.

Não é difícil a puxada: com cinquenta braças de carreador bóto a roça no


caminho.”

AUGUSTO DOS ANJOS

Único poeta de expressão do pré-modernismo, Augusto Carvalho Rodrigues do


Anjos nasceu em Vila do Espírito Santo, Paraíba, em abril de 1884. Filho de
proprietários de engenho, viu a decadência da antiga estrutura latifundiária e o
surgimento das usinas de beneficiamento. Formado em Direito, viveu no Rio de
Janeiro e em Minas Gerais, locais onde foi promotor e professor de literatura.

Augusto dos Anjos é um poeta singular na história de nossa literatura e,


certamente, um dos mais originais. Conjugando aquilo que parecia inconciliável
– o Simbolismo e o cientificismo – Augusto representa uma espécie de soma de
todas as tendências de sua época. Sua obra poderia até mesmo enquadrar-se
entre aquelas dos expressionistas, apesar de jamais ter conhecido essa
tendência vanguardista!

Sua única obra publicada – Eu (1912) – apresenta uma poesia formalmente


trabalhada, em linguagem cientificista-naturalista aliada à uma agressividade
vocabular jamais vista, uma vulgaridade sem par. Apesar disso, conquistou
grande popularidade em sua época, muito em função de seu pessimismo, sua
visão dramaticamente angustiante da matéria, da vida, do mundo, aflorando
problemas existenciais e distúrbios pessoais. Assim, traduzia as incertezas do
século que começava e criando uma forte identidade com o público da época.

Sua linguagem é marcada pelo uso de palavras antipoéticas, rompendo com os


limites do belo e do feio. Sua temática não fica por menos: descreve desde
prostitutas a cadáveres, passando por vermes, fluidos corporais e elementos
químicos. Sua angústia indica que não existe deus nem esperança: apenas a
ciência, as substâncias e a energia do cosmos que compõe a matéria de tudo o
que existe. Conciliar a objetividade material e a dor cósmica de buscar o sentido
da existência, essa foi a síntese da poesia de Augusto dos Anjos.

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

MOVIMENTOS DAS VANGUARDAS ARTÍSTICAS


EUROPEIAS
Aprenda sobre o Movimento das Vanguardas Artísticas Europeias.

MANIFESTO FUTURISTA

(Fillipo Marinetti)

1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.

2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa


poesia.
3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós
queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o
salto mortal, o bofetão e o soco.

4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza


nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com o seu cofre
enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um
automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a
Vitória de Samotrácia.

5. Nós queremos glorificar o homem que segura o volante, cuja haste ideal
atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.

6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, esforço e liberdade, para


aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.

7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um
caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como
um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostrar-se
diante do homem.

8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!… Por que haveríamos de


olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O
Tempo e o Espaço morreram ontem. Já estamos vivendo no absoluto, pois já
criamos a eterna velocidade onipotente.

9. Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo –, o militarismo, o


patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se
morre e o desprezo pela mulher.

10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda a


natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda a vileza oportunista e
utilitária.

11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou


pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções
nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor.

noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas lutas elétricas;
as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as fábricas
penduradas nas nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes,
semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com
um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as
locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos
de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao
vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.
(Publicado em 20 de fevereiro de 1909, no jornal francês “Le Figaro”)

MOMENTO HISTÓRICO

O final do século XIX e início do século XX foram marcados pelo endurecimento


do nacionalismo no continente europeu, aliado ao descontentamento pela
partilha imperialista da África e regiões da Ásia. No plano econômico, o
progresso industrial trouxe à tona uma disputa cada vez mais acirrada por
mercados, levando o capitalismo à fase concorrencial. Países como Alemanha e
Itália, sem colônias produtoras de matérias-primas, ficaram de fora do processo
neocolonial, sentindo-se prejudicadas nesse novo contexto econômico.

A guerra tornou-se inevitável e, entre 1914 e 1918, a Europa viu-se banhada de


sangue pela disputa das grandes potências. Ao mesmo tempo, trabalhadores se
organizavam levando mais conflitos às ruas e fábricas; em 1917, a Revolução
Russa leva os trabalhadores ao poder e à criação de um novo país: a União
Soviética. A urbanização, a corrida armamentista, as crises econômicas e as
disputas na Europa criavam um clima tenso e contraditório, mas profundamente
propício para a criação artística.

VANGUARDISMO

Tomando o termo literalmente, vanguarda vem do francês avant-garde, nome


da guarda ou batalhão que precede as tropas em um ataque de modo a
desestabilizar as linhas inimigas. Na arte, o termo associa a ideologia à criação,
subvertendo a cultura, os costumes e a maneira de pensar da sociedade,
desestabilizando e negando as estruturas anteriores sem, necessariamente,
propor algo que as substituam. Pode-se dizer que os movimentos de vanguarda
são aqueles que estão à frente de seu tempo, aqueles que inovam a expressão
artística.

As tendências artísticas europeias aproximam-se umas das outras por expressar


um sentimento comum de liberdade criadora, certa subjetividade e o desejo de
ruptura com os padrões estabelecidos, levando, até mesmo, a certas doses de
irracionalismo. As principais correntes vanguardistas do período foram o
Expressionismo, o Cubismo, o Futurismo, o Dadaísmo e o Surrealismo.

EXPRESSIONISMO

Um grupo de pintores provenientes da escola impressionista resolveu voltar-se


contra ela e propor uma nova maneira de expressão. Se antes a proposta era
uma arte sensorial e subjetiva quanto à captação da realidade, isto é, a criação
partia da realidade para o artista; no Expressionismo, a criação parte da
subjetividade do artista em direção ao mundo exterior. A arte, assim, é a
materialização de seu mundo interior, prescindindo dos conceitos de belo ou
feio.

Enquanto as outras correntes de vanguarda possuem uma visão otimista sobre o


progresso e a modernidade, o Expressionismo prefere o sofrimento humano,
sem aludir ao triunfo da técnica humana. A angústia interior e a deformação das
imagens são características do movimento, uma espécie de caricatura da alma
humana, na busca pela dor e pelo sentido trágico da vida.

CUBISMO

O Cubismo tem início em 1907, com o quadro acima reproduzido, Les


deimoselles d´Avignon, do pintor espanhol Pablo Picasso, propondo a
valorização das formas geométricas e a fragmentação da realidade, revelando
objetos e pessoas em seus múltiplos ângulos. Essa negação da perspectiva
rompe com o tradicional e opõe-se à objetividade. Aqui, a intenção é decompor o
objeto em diferentes planos geométricos, múltiplos e descontínuos.

Na literatura, o poeta francês Guillaume Apollinaire, maior nome do Cubismo,


propunha a mistura de assuntos, espaços e tempos diferentes, em uma clara
superposição e simultaneidade de planos, correspondendo à decomposição e à
fragmentação usadas na pintura. Ilogismo, humor, antiacademicismo, verso livre,
palavras soltas em uma linguagem predominantemente nominal.
FUTURISMO

Publicado pelo italiano Tommaso Marinetti, o manifesto futurista apresentou as


bases de uma arte diferente, que exaltava a modernidade, a máquina, a
eletricidade, o automóvel e a velocidade. No plano literário, Marinetti propôs a
destruição da sintaxe – dispondo os substantivos ao acaso –, o uso de sinais
matemáticos e musicais, o menosprezo pela pontuação e a abolição dos
advérbios e dos adjetivos, usando-se em seu lugar o substantivo duplo (praça-
funil, mulher-golfo etc.).

Apesar de nem todas as propostas estéticas terem se firmado na literatura, o


Futurismo teve papel importante, introduzindo o verso livre, uma de suas
maiores contribuições à arte. Contudo, ideologicamente, o movimento sofreu
grande repulsa por ter uma forte identificação com o fascismo de Mussolini.
Ainda assim, o termo “Futurismo” virou sinônimo de postura artística inovadora.

DADAÍSMO

O mais radical de todos os movimentos de vanguarda floresceu na Suíça, país


neutro durante a guerra, mas que vivia o clima de instabilidade, medo e revolta
provocado por ela. Desta forma, os artistas achavam que pensar em arte nesse
contexto soava hipócrita e presunçoso. Surgia assim a antiarte. O próprio nome
do movimento foi escolhido ao acaso e não possui significado algum.

O Dadaísmo nega o passado, o presente e o futuro; é contra as teorias e as


ordenações lógicas e afirma em seu manifesto ser contra os manifestos. Tristan
Tzara escreveu em seu Manifesto Dadaísta:

“Eu escrevo um manifesto e não quero nada, eu digo portanto certas coisas e
sou por princípio contra os manifestos, como sou também contra os princípios”.

A intenção artística do movimento visava ridicularizar e agredir a própria arte,


demolir as estruturas da estética e do pensamento. Os “dadás” realizaram
noitadas de declamações absurdas e palhaçadas, improvisaram espetáculos-
relâmpago em plena rua, gritando, urrando, vaiando, gritando e xingando sob
total perplexidade e incompreensão da “plateia”.

A técnica do ready-made desenvolvida por Marcel Duschamps consistia em


retirar um objeto de seu uso cotidiano e simplesmente expô-lo como obra de
arte, como no caso acima, do urinol de porcelana. Com isso, buscava satirizar o
mito mercantilista da sociedade capitalista. Na literatura o Dadaísmo
caracterizou-se pela desordem absoluta, pela improvisação, pela agressividade
e pela rejeição de qualquer racionalização poética, construindo poemas pela livre
associação de palavras e a invenção das mesmas com base apenas nos sons e
formas das palavras.

Para fazer um poema dadaísta

Pegue num jornal.


Pegue numa tesoura.
Escolha no jornal um artigo com o comprimento que pretende dar ao seu poema.
Recorte o artigo.
Em seguida, recorte cuidadosamente as palavras que compõem o artigo e
coloque-as num saco.
Agite suavemente.
Depois, retire os recortes uns a seguir aos outros.
Transcreva-os escrupulosamente pela ordem que eles saíram do saco.
O poema parecer-se-á consigo.
E você será um escritor infinitamente original, de uma encantadora sensibilidade,
ainda que incompreendido pelas pessoas vulgares.

(Tristan Tzara)
SURREALISMO

André Breton, ex-participante do movimento dadaísta, lança, em 1924, um


manifesto em que procurava unir a arte à psicanálise: estava fundado o
Surrealismo. Por ser um movimento surgido no período entre guerras, conseguia
acumular as experiências dos outros movimentos de vanguarda. Sua
aproximação com o expressionismo é evidente, mas acrescenta elementos
artísticos e temáticos à visão interior do artista.

Pode-se notar na vanguarda a tendência de valorizar o imaginário extraído do


sonho, além de incentivar experiências criadoras automáticas. Assim, o artista
põe na tela ou no papel seus impulsos criadores do subconsciente, seus
desejos, sem se importar com coerência, coesão ou quaisquer regras formais.
Em outros momentos, os surrealistas vão dar lugar à experiência onírica,
transpondo diretamente o sonho a obra de arte. Dessa forma, são características
marcantes do Surrealismo o ilogismo, o devaneio, a loucura, a hipnose, o
inusitado e os impulsos humanos em geral.

A SEMANA DE ARTE MODERNA


Após a República da Espada, o país conheceu uma série de presidentes civis
ligados ao setor agrário, fortalecidos pela economia do café, beneficiando os
grandes proprietários rurais de São Paulo e de Minas Gerais.

MOMENTO HISTÓRICO

Por outro lado, as grandes cidades brasileiras conheceram um período de


transformação em que se tornavam cada vez mais urbanas, especialmente a
cidade de São Paulo, em virtude do avanço notável da indústria.

A Primeira Grande Guerra foi fator preponderante para a industrialização


paulistana e sua consequente industrialização. Surgia, assim, uma burguesia
industrial cada vez mais fortalecida economicamente, mas ainda marginalizada
pela política governamental, voltada tão somente à exportação do café.
Socialmente, São Paulo era palco de uma diversidade de tipos: imigrantes
europeus, migrantes nordestinos, ex-escravos, burgueses, operários, senhores
de café, enfim, toda a espécie de gente existia na nova metrópole. Econômica e
politicamente, a cidade era agitada pelos movimentos operários, pelo surgimento
de grupos anarquistas e comunistas e pelo intenso conflito entre o urbano e o
rural. Greves e revoltas eclodiam e a cidade vivia a tensão da modernidade.

VANGUARDA NACIONAL

Nas primeiras décadas do século XX, a arte brasileira começou a demonstrar as


influências que vinham da Europa, principalmente na pintura e na escultura.
Segall, pintor lituano naturalizado brasileiro, expõe telas de caráter
marcadamente expressionistas, Anita Malfatti faz uma exposição pela qual
recebe duras críticas de Monteiro Lobato e vários outros artistas plásticos, como
Victor Brecheret e Di Cavalcanti já buscavam alguma sintonia com os
movimentos europeus.

Na literatura, Oswald de Andrade é o precursor de alguns passos rumo a novas


experiências estéticas: sua viagem para a Europa apresentou-lhe o Futurismo de
Marinetti. Segue-se a Oswald um conjunto de jovens escritores ansiosos por
rupturas: Mario de Andrade, Menotti del Picchia, Manuel Bandeira e Graça
Aranha.

Engana-se aquele que tem em mente que a Semana de 22 representou uma


revolução, um movimento popular rumo a uma nova perspectiva estética ou
talvez a rejeição da população da arte já estabelecida. Os vanguardistas
brasileiros, em sua maioria, tinham origem rica, muitos deles ligados aos barões
do café, trazendo inúmeras contradições ao movimento: por um lado, a
exaltação da modernidade, da urbanidade e, por consequência, da própria
cidade de São Paulo; por outro a crítica feroz à burguesia, principalmente aquela
industrial, motivada indubitavelmente pela condição social e histórica dos
modernistas.
Em um contexto político de afirmação do estado de São Paulo e a rivalidade com
a capital federal, houve diversos apoios expressivos às ações desses novos
artistas. Chefes políticos apadrinharam artistas em dificuldades financeiras,
inclusive bancando bolsas de estudo no exterior. A Semana de Arte Moderna
contou com patrocinadores importantes financeira e economicamente além de
ter a simpatia dos dirigentes políticos da região.

No plano estético, é certo também que o movimento ainda era bastante


desorganizado, sem uma linha própria, uma personalidade. Não foram raras as
vezes que a crítica limitou a produção dos modernos a mera cópia do futurismo
italiano, causando grande revolta nos líderes da vanguarda brasileira,
especialmente em Oswald de Andrade e Plínio Salgado. A ideia da Semana
tenta dar uma resposta a essa desorganização, à falta de unidade de um
movimento que nem era ainda um movimento.

Estava claro, como afirmou Oswald que eles não sabiam o que queriam, mas
sabiam o que não queriam.

POLÊMICAS E UNIÃO

Ironicamente pode-se afirmar que Monteiro Lobato, um dos maiores críticos do


Modernismo, tem grande importância na construção da Semana e do novo
movimento literário. Em 1917, Anita Malfatti faz sua segunda exposição de
pinturas em São Paulo, nas quais apresenta obras expressionistas, que
retratavam figura shumanas distorcidas, caricaturais. O que parecia ser apenas
mais uma exposição de “arte nova” transformou-se em enorme polêmica quando
o Estado de S. Paulo publica o artigo assinado por Monteiro Lobato, intitulado
Paranoia ou mistificação, no qual critica duramente o trabalho da artista, sem ao
menos ter ido à sua mostra:

“Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêm as coisas e em
consequência fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados,
para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos
grandes mestres.

(…)

A outra espécie é formada dos que vêm anormalmente a natureza e a


interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas
rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos
do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim
de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as
mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do
esquecimento.

Embora se deem como novos, como precursores de uma arte a vir, nada é mais
velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu como a paranoia e a
mistificação.

De há muito que a estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se


nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios.

A única diferença reside em que nos manicômios essa arte é sincera, produto
lógico dos cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles,
nas exposições públicas zabumbadas pela imprensa partidária mas não
absorvidas pelo público que compra, não há sinceridade nenhuma, nem
nenhuma lógica, sendo tudo mistificação pura.

(…)

Estas considerações são provocadas pela exposição da sra. Malfatti, onde se


notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido
das extravagâncias de Picasso & Cia.

(…)

Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam


de outros ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a regiões onde
não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma – mas
caricatura que não visa, como a verdadeira, ressaltar uma ideia, mas sim
desnortear, aparvalhar, atordoar a ingenuidade do espectador.”

Para defender a jovem pintora, reuniu-se um grupo de artistas como Oswald e


Mario de Andrade, Di Cavalcanti, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e
muitos outros. Em verdade, mais que respaldar Anita, faziam a defesa da arte
moderna, da sua própria expressão. Estava lançada a semente da Semana.

Anita, de personalidade tímida, largou o modernismo. Caiu em forte depressão e


chegou a abandonar a pintura por quase um ano. Apesar de ter participado da
Semana de 22, jamais voltou a pintar como antes, adotando um estilo mais
conservador, sem conseguir alcançar grande reconhecimento de público ou
crítica.

Acentuando as polêmicas, Mário de Andrade publica, anos mais tarde, uma série
de ensaios em que critica, abusando da ironia e do sarcasmo, os poetas
parnasianos, tratados de Mestres do passado. Todas as polêmicas levavam a
um amadurecimento estético em torno de ideais modernos. A adesão de Graça
Aranha, diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras, confere
inesperado respaldo e seriedade intelectual ao movimento, criando condições
objetivas de uma semana que apresentasse a arte moderna.

PARA “CHOCAR A BURGUESIA”

No final de janeiro de 1922 uma nota publicada no Estado de S. Paulo avisava


que haveria uma “Semana de Arte Moderna”, dando início aos preparativos do
evento que ocorreria no Teatro Municipal de São Paulo entre 11 e 18 de
fevereiro do mesmo ano. Desde o primeiro até o último dia foram expostas
pinturas e esculturas de Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, Di
Cavalcanti, Victor Brecherete entre outros.

Com ingressos caros e vendidos em locais de frequência da elite econômica


paulistana, a Semana não foi, ao contrário do que muitos pensam, um evento
popular. Pensada e realizada pela nata da classe média alta de São Paulo, não
apresentava propostas de natureza política, limitando se à renovação estética
das artes, com duras críticas ao conservadorismo, representado pelas escolas
artísticas anteriores.

Essa crítica pouco teria de um real fundo nacionalista, visto que a Semana de
Arte Moderna realizou-se a fim de divulgar o ideal artístico europeu, exatamente
o que sempre acontecera na literatura brasileira. O evento guardou os dias 13,
15 e 17 de fevereiro para apresentações de palestras, leituras e apresentações
de música e dança.
Coube a Graça Aranha abrir o primeiro dia de conferências com a palestra “A
emoção estética na arte moderna”, dando suporte acadêmico ao movimento. A
conferência não chegou a causar comoção, ficando a polêmica da noite pela
música de Ernani Braga, que fazia uma sátira a Chopin, causando reclamações
e protestos, inclusive de artistas que iriam apresentar-se no evento, como a
pianista Guiomar Novaes.

O segundo dia foi o mais conturbado, devido ao comportamento da plateia que


vaiou, latiu, relinchou, gritou e aplaudiu a leitura de poemas e fragmentos de
prosa apresentados por Oswald e Mário de Andrade. A reação foi tão inesperada
que Mário de Andrade, no intervalo entre as partes do programa, foi
praticamente impedido de fazer uma pequena palestra sobre as obras ali
expostas, sendo caçoado e ofendido duramente. Sobre o fato, chegou a dizer,
anos mais tarde: “Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na
escadaria do teatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a
valer?”

O ponto alto da segunda noite, entretanto, foi a leitura do poema “Os sapos”, de
Manoel Bandeira, lido por Ronald de Carvalho, em uma crítica aberta à estética
parnasiana, tida como o modelo de literatura nacional. O público urrava e vaiava,
fazendo coro de modo a ironizar o refrão “Foi… – Não foi!…”.

O último dia, já com o teatro esvaziado, teve um público mais respeitoso para
acompanhar o último dia do festival. As únicas vaias aconteceram na entrada do
maestro Heitor Villa-Lobos, que trajava a tradicional casaca, mas com chinelos
de dedo! A atitude foi interpretada como uma ação futurista manifestando-se na
hora. Depois, Villa-Lobos explicaria que não se tratava de vanguardismo, mas de
um calo que não o permitiria calçar seus sapatos…

Os jornais acompanharam o que ocorria no Teatro Municipal e apesar de alguns


deles tecerem críticas e fadarem o movimento ao fracasso, os artistas tiveram
garantido um bom espaço de defesa nos periódicos, até porque muitos deles
tinham colunas nos jornais e fizeram eles mesmos sua própria crítica – bem mais
favorável, é claro. Não se pode esquecer que os modernistas contavam com o
apoio de parte da imprensa além de importantes setores econômicos e políticos.

Quando analisada isoladamente, a Semana de Arte Moderna não parece


merecer tanta atenção. Além das vaias pouca coisa aproveitável ocorreu no
evento. Os jornais que cobriram o evento não foram tantos e nem dedicaram
tanto espaço assim ao festival, somado à própria defesa dos artistas nas colunas
em que produziam; a opinião pública manteve-se distante do evento e, fora a
alta sociedade paulistana, muitos nem souberam de sua realização.

Contudo, pode-se dizer que seu saldo histórico é positivo – mesmo que alguns
vejam como produto de publicidade – em razão de apresentar uma proposta de
ruptura e de renovação, ainda que não sistematizadas e carentes de um projeto
estético comum. Outro ponto positivo foi conseguir reunir uma gama de artistas
de diferentes áreas, aproximando literatura, artes plásticas, músicas e danças. O
mais notável da semana foi criar a polêmica, lançar novas ideias e criticar os
modelos técnicos e estéticos vigentes. Foi o pontapé inicial para que se pudesse
produzir uma nova arte no país e seus reflexos ainda se fazem perceber na arte
que se produz atualmente.

MODERNISMO BRASILEIRO – A FASE HEROICA


A década de 1920 é um período particularmente agitado na história mundial e
brasileira.

MOMENTO HISTÓRICO

Um mês após a realização da Semana de Arte Moderna, o Brasil escolhia o


sucessor do Presidente da República, Epitácio Pessoa, em plena crise
econômica e contrariando a tradicional disputa São Paulo x Minas. As
oligarquias do café com leite têm candidato único, Arthur Bernardes, que
venceria as eleições contra o representante das oligarquias de Pernambuco,
Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, Nilo Peçanha.

O resultado da briga política, motivada mais por interesses e vaidades pessoais


que por projetos diferentes de governo, é a ampliação do descontentamento da
classe média, da qual faziam parte jovens oficiais das forças armadas. Foram
esses militares que tentaram impedir a posse de Bernardes exigindo mudanças
imediatas. A revolta tem como palco o Forte de Copacabana e seu trágico
desfecho dá-se em uma caminhada fatal em que 17 militares mais um civil vão
de encontro aos três mil soldados das forças governistas e são massacrados
diante da bela paisagem carioca. Os Dezoito do Forte, como ficou conhecido o
movimento, entrou para a história como um sacrifício por um ideal, um símbolo
de luta e resistência.

O governo de Bernardes não é em nada tranquilo: censura à imprensa,


intervenções nos estados e períodos de estado de sítio são uma constante.
Ainda assim, o espírito revolucionário não se cala e dois anos após os
acontecimentos em Copacabana, é São Paulo o palco de nova batalha. O
movimento dos tenentes exige maior representatividade política, fim da
corrupção e voto secreto. Após um mês, os revoltosos retiram-se rumo ao
interior, juntando-se com tropas gaúchas comandadas por Luís Carlos Prestes,
na formação do que ficou conhecido como a Coluna Prestes. A marcha
enfrentou tropas do exército, grupamentos regionais, jagunços e até cangaceiros
de Lampião; contudo, em uma terra dominada pelo latifúndio, não foi capaz de
sensibilizar a população para a tão almejada revolução.

Em 1922, ainda sob o impacto causado pela revolução bolchevique e a criação


da U.R.S.S., funda-se no Brasil o Partido Comunista Brasileiro (PCB)
organizando e aglutinando trabalhadores e operários, contando com vários
nomes advindos das lutas anarquistas. Em 1926, o Partido Democrático surge
no cenário paulistano oriundo da pequena burguesia e tendo como um de seus
fundadores, Mário de Andrade.

No plano econômico, a crise de 1929 é um duro golpe contra as famílias


paulistanas, especialmente os outrora ricos comerciantes de café. A queda dos
números de exportação do produto – base da economia nacional – levou
fazendeiros à falência e até mesmo à queima dos estoques de grão no país. O
momento de fraqueza de São Paulo repercute na disputa presidencial e abre
caminho para que Getúlio Vargas assuma o poder e mude radicalmente o país,
deslocando o poder das oligarquias agrárias e criando um novo modelo de
desenvolvimento.

ORGIA INTELECTUAL: MANIFESTOS E REVISTAS

O turbilhão social, econômico e político pelo qual passava o país era retratado
na arte moderna. Após a Semana de 22 coube aos artistas modernos a tarefa de
anunciar que projeto estético pretendiam divulgar. Essa fase, chamada por
alguns de heroica, é uma fase de afirmação, sem, contudo, alcançar unidade
entre as diversas correntes e manifestações que surgem.

No entanto, podem-se apontar algumas características comuns aos modernistas


destas diferentes linhas de atuação, como o rompimento com as estruturas do
passado, numa perspectiva destruidora e anárquica; ou como na reconstrução
da cultura brasileira sobre bases nacionais, definidas como uma linha
construtiva.

A mistura entre o moderno e o passado também é uma constante: o olhar atual é


lançado ao passado em busca de uma revisão crítica de nossa história, com a
eliminação de nosso complexo subalterno, colonizado, apegados unicamente a
valores estrangeiros. É a defesa da volta às origens, de uma visão nacionalista,
valorizando o índio verdadeiramente brasileiro, buscando construir uma língua
brasileira, próxima àquela falada nas ruas.

O humor e a ironia fazem-se presentes como elementos da modernidade,


surgindo diversas paródias de textos quinhentistas, recriando a visão do país
sobre si mesmo. É o tempo de propostas, manifestos, revistas e publicações que
buscavam nortear a nova estética brasileira, investigando profundamente nossas
raízes culturais, radicalizando conteúdos e formas para implementar
definitivamente os conceitos de arte moderna e dar autonomia e maturidade à
nossa literatura.

Quatro movimentos chamam a atenção e merecem destaque na época: A


Poesia Pau-Brasil, a Antropofagia, o Verde amarelismo e a Escola da Anta.
Entre as revistas, destaques para as publicações Klaxon, A Revista, Estética,
Terra Roxa e Outras Terras, além do manifesto regionalista de 1926.

Poesia Pau-Brasil

Lançado por Oswald de Andrade em 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil


propunha a criação de uma poesia nacional de exportação, extremamente
vinculada à realidade brasileira, redescobrindo, de forma irreverente, o próprio
Brasil. A veia irônica e sarcástica também se manifesta para revoltar-se contra a
dominação cultural europeia, valorizando os contrastes culturais nacionais,
voltado às origens, acentuando uma poesia primitivista. Veja as características
do movimento apresentadas pelo próprio Oswald, nos fragmentos do manifesto
aqui reproduzidos:

“A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da


Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.
(…)
A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.
(…)
A poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança.
(…)
A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição
milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.
(…)
Só não se inventou uma máquina de fazer versos – já havia o poeta parnasiano.
(…)
A síntese
O equilíbrio
(…)
A invenção
A surpresa
Uma nova perspectiva
Uma nova escala.
(…)
Uma nova perspectiva.
Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos
livres.

(OSWALD DE ANDRADE)
(Correio da Manhã, 18 de março de 1924.)

Note a sistematização das rupturas: valorizar o erro da linguagem, poetizar os


fatos, crítica ao formalismo parnasiano e à proposta revolucionária de expressão
do mundo: ver com olhos livres. Isso significa a libertação de nossas amarras, a
possibilidade de assumir tudo o que somos, abandonar os olhos do colonizador,
como uma criança que vê pela primeira vez, ágil e cândida.

Verde-Amarelismo e Escola da Anta

O grupo – formado por Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Guilherme de


Almeida e Cassiano Ricardo – surge como resposta à proposta Pau-Brasil de
Oswald, considerada um “nacionalismo afrancesado”. Assim, o movimento
introduz a concepção de um nacionalismo primitivista, ufanista, que se
identificava com o fascismo (o que se tornaria evidente após o ingresso de Plínio
Salgado no movimento Integralista). O índio tupi e a anta são alçados a símbolos
do nacionalismo primitivista, numa idolatria que acaba por transformar o nome
do próprio movimento em Escola da Anta. Abaixo, um trecho do manifesto
publicado em 1929, “Nhengaçu Verde-amarelo – Manifesto do Verde-amarelismo
ou da Escola da Anta”:

“O grupo “verdamarelo”, cuja regra é a liberdade plena de cada um ser brasileiro


como quiser e puder; cuja condição é cada um interpretar o seu país e o seu
povo através de si mesmo, da própria determinação instintiva; o grupo
“verdamarelo”, à tirania das sistematizações ideológicas, responde com a sua
alforria e a amplitude sem obstáculo de sua ação brasileira. (…)
Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que
faremos a inevitável renovação do Brasil, como o fez, através de quatro séculos,
a alma da nossa gente, através de todas as expressões históricas.

Nosso nacionalismo é “verdamarelo” e tupi. (…)”

Antropofagia

O contra-ataque de Oswald ao primitivismo xenófobo da Anta veio com a


publicação do Manifesto Antropófago, lançando o movimento mais radical da
época. Nele, Oswald de Andrade, Raul Bopp e Tarsila do Amaral acentuavam
um primitivismo crítico e propunham a deglutição da cultura estrangeira.

A ideia surgiu de um quadro de Tarsila, oferecido como presente de aniversário


para Oswald, que rapidamente, junto com o amigo Raul Bopp, batizou-o
Abaporu, que, em tupi, significa antropófago. Para veicular os novos conceitos
foi criada a Revista de Antropofagia.

Os antropófagos baseavam-se na cultura indígena primitiva de que quando se


devora um inimigo assimilam-se suas qualidades; desta forma, não se negava a
cultura estrangeira, tampouco havia dela cópia ou imitação: a proposta era a
devoração simbólica da cultura estrangeira, aproveitando as inovações artísticas
sem a perda da identidade cultural brasileira. Abaixo, um trecho do manifesto:

“Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos


os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

(…)

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E


nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental.
Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.

(…)
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos
Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.

(…)

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do


Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons
sentimentos portugueses.

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.

(…)

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a


felicidade.

Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de


Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

A alegria é a prova dos nove.

(…)

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a


realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias
do matriarcado de Pindorama.

OSWALD DE ANDRADE
Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.”
(Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

DOIS ANDRADES E UM BANDEIRA

Os principais nomes do período pós-Semana de 22 são os de Oswald de


Andrade e Mário de Andrade. O primeiro por sua concepção destruidora e
revolucionária, o segundo pelo estudo e aprofundamento que faz do folclore.
Além desses, destaca-se, na poesia, Manuel Bandeira, desde a Semana de Arte
Moderna um dos pilares de construção da nova estética.

Oswald de Andrade
O mais revolucionário dos modernistas brasileiros nasceu em 1890, na cidade de
São Paulo. De família rica, Oswald viajou várias vezes à Europa, estando em
contato com artistas das mais variadas vanguardas. Trouxe ao Brasil as ideias
do Futurismo e tornou-se figura principal dos acontecimentos culturais nas
décadas iniciais no Brasil. Formado em Direito, ingressou no jornalismo, mas viu
na literatura o caminho para seu verdadeiro potencial.

Polêmico, gozador, irônico, crítico e debochado são algumas das qualidades que
o definiram. Sua vida atribulada não se resumiu às artes: teve inúmeros casos
amorosos e vários casamentos. A crise de 1929 abala-o financeiramente e em
1930 casa-se com a escritora comunista Patrícia Galvão (Pagu). Passa então a
militar nos meios operários, ingressando no PCB. Esse período marca suas
obras “ideológicas”: Manifesto Antropófago, Serafim Ponte Grande e O rei da
vela.

O nacionalismo pregado por Oswald diferenciava-se de outros modelos. Negava


a ingenuidade e o ufanismo, valorizando as origens brasileiras, seu passado
histórico e sua cultura sempre de maneira crítica. Assim recupera, parodia,
ironiza e atualiza a colonização, apontando as contradições entre o moderno e o
primitivo que convivem no Brasil. Na linguagem, valoriza a expressão cotidiana,
buscando a língua brasileira: “como falamos, como somos”, em que se
incorporam os erros gramaticais como contribuição ao idioma e à definição da
própria nacionalidade.

Pelo aspecto formal, sua produção é bastante inovadora: criou o “poema-pílula”


(ou poema-minuto) de forte apelo visual, uma técnica de poemas curtíssimos. A
quebra de relações sintáticas e lógicas também é marca do autor, que se utiliza
frequentemente de imagens bruscas e fragmentações. Nos romances, essa
ruptura dá-se de maneira a apresentar capítulos curtos e semi-independentes,
misturando poesia e prosa, para formar um grande painel.

Brasil

O Zé Pereira chegou de caravela


E perguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval
Amor

humor

Erro de português

Quando o português chegou


Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português

33. Veleiro

A tarde tardava, estendia-se nas cadeiras, ocultava-se no tombadilho quieto,


cucava té uma escala de piano acordar o navio.

Madame Rocambola mulatava um maxixe no dancing do mar.

Esquecia-me olhando o céu e a estrela diurna que vinha me contar salgada do


banho como estudara num colégio interno. Recordava-me dos noivados
dormitórios de primas.

Uma tarde beijei-a na língua

66. Botafogo etc.

Beiramarávamos em auto pelo espelho de aluguel arborizado das avenidas


marinhas sem sol. Losangos tênues de ouro bandeira nacionalizavam o verde
dos montes interiores. No outro lado da baía a serra dos Órgãos serrava.
Barcos. E o passado voltava na brisa de baforadas gostosas. Rolah ia vinha
derrapava entrava em túneis. Copacabana era um veludo arrepiado na luminosa
noite varada pelas frestas da cidade.

Mário de Andrade

Mário Raul de Morais Andrade nasceu na rua Aurora, São Paulo, em 1893.
Estudou música no Conservatório Musical de São Paulo, mas desistiu da
carreira de concertista quando suas mãos tornaram-se trêmulas devido ao
trauma da perda de seu irmão de 14 anos por complicações decorrentes de uma
cabeçada em um jogo de futebol.
Sob o pseudônimo de Mario Sobral, influenciado ainda pelas escolas literárias
anteriores, com poucas inovações formais, publica seu primeiro livro, Há uma
gota de sangue em cada poema, com apenas vinte anos de idade. Ainda assim,
os críticos parnasianos desagradaram-se com a obra.

Mário de Andrade é o grande teórico do Modernismo: homem de cultura,


pesquisador contumaz, sustentou intelectualmente o movimento em momentos
decisivos. Em Pauliceia desvairada rompe de vez com as estruturas do passado,
analisando a cidade de São Paulo e sua gente: burgueses, aristocratas,
proletariado, enfim, uma verdadeira colcha de retalhos, multifacetada, a quem
Mário definiu como “arlequinal”. Para provar que estava livre de influências,
dedica seu livro a seu Guia, ele mesmo.

Contudo, é no prefácio desta obra que reside o manifesto teórico do


Modernismo: o Prefácio Interessantíssimo. Nele, lança as bases da nova
estética, fala sobre o lirismo, funda o desvairismo, defende a língua coloquial, a
fluência criativa, explica métricas e cria a polifonia poética. Os brasileirismos e o
folclore são de fundamental importância para o poeta, além de tecer duras
críticas sociais contra a alta burguesia e contra a aristocracia.

Sereno e equilibrado, soube colher os frutos da destruição futurista, conciliando


conquistas modernistas com lições do passado. Rever o passado, sem negá-lo
radicalmente, fez do autor referência de crítica literária, mostrando a face
construtiva do Modernismo. Empreendeu diversas viagens pelo interior do país,
pesquisando e recolhendo materiais culturais: poemas, canções, ritmos, festas
religiosas, lendas, objetos de arte, tornando-se, assim, um dos primeiros
folcloristas nacionais. Todos esses esforços eram a própria missão de Mário:
ajudar a reconstrução do Brasil e sua transformação social, política, econômica e
cultural.

Várias de suas obras revelam o olhar para dentro do país e de sua cultura: Clã
do jabuti e Remate de males são exemplos dessa fase. Em Amar, verbo
intransitivo, critica a estrutura familiar da burguesia paulistana, sua moral e seus
preconceitos, ao abordar a história de um adolescente iniciado nos prazeres do
sexo pela governanta alemã, contratada por seu pai exatamente para esse
“serviço”.

O expoente de sua criação é o romance Macunaíma, seguramente a mais


importante obra da primeira fase do Modernismo brasileiro. A partir do anti-herói
que dá nome ao livro, sedimenta o projeto nacionalista de sua geração, produto
de suas pesquisas, e mostra o perfil do brasileiro e de sua miscigenação.

A partir de uma mistura entre lendas indígenas, anedotas brasileiras, aspectos


da vida urbana e rural do Brasil, mescla entre personagens reais e fictícios,
elementos de feitiçaria, erotismo e nonsense, Mário cria Macunaíma, o “herói
sem nenhum caráter”, síntese de nossa gente: o índio amazônico que nasceu
negro e virou branco. Suas “desqualidades” definem o próprio povo brasileiro:
preguiçoso, mentiroso, covarde etc.

A língua do romance também surge como uma verdadeira babel: vocábulos


indígenas e africanos convivem com expressões e provérbios populares, gírias e
frases feitas, construindo uma tela antropofágica da cultura nacional.

MACUNAÍMA

1º Capítulo

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto


retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão
grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu
uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.

Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos


não falando. Si o incitavam a falar exclamava:

– Ai! que preguiça!…

E não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no girau de paziúba,
espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha,
Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era
decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro,
Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família
ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando
mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns diz-
que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se
aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela,
cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos e
frequentava com aplicação a murúa a poracê o torê o bacororô a cacuicogue,
todas essas dansas religiosas da tribu.

Quando era pra dormir trepava no camurú pequeninho sempre se esquecendo


de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava
quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando
palavras feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar.
Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto era sempre as
peraltagens do herói. As mulheres se riam muito simpatizadas, falando que
“espinho que pinica, de pequeno já traz ponta”, e numa pagelança Rei Nagô fez
um discurso e avisou que o herói era inteligente.

Manuel Bandeira

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu em Recife em 1886, fez seus
estudos secundários no Rio de Janeiro e inicia o curso de Arquitetura em São
Paulo, mas abandona-o devido a estar com tuberculose. A partir de então, busca
as melhores clínicas e cidades do Brasil e da Europa para tratar-se, sempre
desenganado pelos médicos.

Manuel Bandeira descobre-se poeta no leito de sua doença, distante da vida


agitada de outros jovens. Para agravar as tragédias em sua vida, em 1916,
perde sua mãe; em 1918, falece sua irmã; em 1920, seu pai é quem vem a
morrer. Sua poesia é influenciada por todos esses acontecimentos, trazendo
temas como a morte, o amor e o erotismo, a paixão pela vida, a solidão, a
angústia existencial e o cotidiano. Estampou em seus versos vários tipos
populares, sua fala e suas desgraças. Usando um humor cético e irônico,
idealizou um mundo melhor. É frequente também o tema da infância como forma
de escapar dos problemas e voltar a uma época de felicidade.

Sua participação na Semana de 22 foi apenas enviar o poema “Os sapos”,


acompanhando de longe o movimento. Sua adesão à estética modernista é
gradual, em necessidade da renovação de sua própria poesia, ajustando-a às
novas formas de expressão. Foi, sem dúvida, o maior mestre do verso livre de
sua época e colaborou intensamente para solidificar a poesia modernista.

Apesar de, por vezes, aproximar-se de uma temática romântica, dela se


distancia por não criar idealizações sentimentalistas, mas de retratá-las de forma
vivida, concreta e até mesmo crítica. É o passado que colocado ao lado de seu
presente acentua-lhe a condição trágica; a solidão, que levava os
ultrarromânticos a buscar a morte como solução, leva Bandeira a cada vez mais
apaixonar-se pela vida. Lutava cotidianamente contra a morte anunciada e vivia
cada dia intensamente por pensar sê-lo o último. Apesar de todos os
prognósticos médicos, viveu até os 82 anos, deixando a poesia como
testemunho de sua vida.
Evocação de Recife

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois —
Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado e partia as
[vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na ponta
[do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras,
[mexericos, namoros, risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai

A distância as vozes macias das meninas politonavam:


Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão…)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo
Rua da União…
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade…
…onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora…
…onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capibaribe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho
[sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos
[em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos
[meus cabelos
Capiberibe
— Capibaribe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era
[cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo…
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife…
Rua da União…
A casa de meu avô…
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife…
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de
meu avô.
GERAÇÃO DE 30: A POESIA DE DRUMMOND, CECÍLIA
E VINÍCIUS
O período que vai de 1930 a 1945 foi o mais conturbado de todo século XX.

MOMENTO HISTÓRICO

Ainda sob impacto da crise econômica advinda da quebra da bolsa de Nova


Iorque, o mundo passa a viver os tempos da Grande Depressão, em que as
fábricas paralisam suas produções, as relações comerciais se desfazem, bancos
vão à falência, eleva-se assustadoramente o desemprego mundial, a fome e a
miséria globalizam-se.

Os Estados intervêm desorganizadamente na economia, tentando soluções


internas para uma crise que ultrapassa fronteiras. O inevitável agravamento das
questões sociais cria um campo fértil ao avanço das ideias socialistas e
comunistas, ampliando o clima conflituoso, contrapondo-se ideais marxistas às
burguesias nacionais, defensoras do autoritarismo estatal, baseado nos pilares
do conservadorismo, do nacionalismo e de uma militarização crescente. O
sentimento anticomunista, antiparlamentar e antidemocrático leva à criação de
um Estado fascista. A Itália de Mussolini, a Alemanha de Hitler, a Espanha de
Franco e Portugal de Salazar são provas inequívocas do crescimento de tais
conceitos.

Em um cenário como esse, não fica difícil entender como o nazifascismo ganha
espaço e apoio de toda a população alemã. As ideias expansionistas de Hitler,
somadas ao crescente militarismo e ao estímulo à produção bélica, faria da
Alemanha uma sombra na Europa. As frustrações geradas pelas derrotas na I
Guerra Mundial e a contestação do Tratado de Versalhes dão o componente de
orgulho que faltava ao povo alemão para apoiar seu führerna (líder) na
construção de um novo Reich (nação). Esse quadro levaria o mundo à II Grande
Guerra (1939-1945), com centenas de milhões de vítimas, e apresentaria o
mundo à Era Atômica com a detonação das bombas em Hiroshima e Nagasaki,
no final da Grande Guerra.

O Brasil também não apresenta um cenário de tranquilidade. A década de 30


marca o fim da República Velha, ligada às velhas oligarquias do café e o início
da revolução que levaria ao período da ditadura de Getúlio Vargas.

Enquanto a economia cafeeira sentia o duro golpe da crise mundial, o candidato


das oligarquias para a sucessão de Washington Luís, Júlio Prestes, elegia-se
presidente, cargo do qual jamais tomaria posse. Em outubro de 1930 estoura a
revolução que leva Getúlio Vargas a um governo provisório. Os revoltosos eram
apoiados pela burguesia industrial, pela classe média e pelo movimento
tenentista da década anterior – a exceção foi Luís Carlos Prestes, que torna-se
um dos maiores líderes comunistas brasileiros.

Em 1932, São Paulo busca a contrarrevolução como resposta à frustração das


oligarquias cafeeiras paulistas com a nova ordem. Sentiam-se prejudicados
pelas mudanças econômicas de Vargas, com incentivos à industrialização e à
entrada de capital estadunidense.

Além disso, a burguesia paulistana temia as classes mais baixas e sua constante
agitação; o fator decisivo foi a nomeação de um interventor pernambucano para
São Paulo: explodia em nove de julho de 1932 a Revolução Constitucionalista. A
revolução contou com o apoio de praticamente todos os setores da sociedade
paulista: intelectuais, industriais, estudantes, segmentos das camadas médias,
políticos ligados à República Velha ou ao Partido Democrático, todos foram para
as ruas e pegaram em armas.

O isolamento da revolta – que contava com o “apoio” de Minas Gerais, Mato


Grosso e Rio Grande do Sul, que não se envolveram militarmente no conflito –
decidiu o seu fracasso. Vargas ainda enfrentou outras revoltas até tornar-se
ditador, em 1937, dando origem ao período conhecido como Estado Novo,
caracterizado pela perseguição aos comunistas, por ações antidemocráticas,
pelo nacionalismo conservador e pela idolatria – quase fascista – do chefe de
Estado: Getúlio Vargas.

AS INFLUÊNCIAS MODERNISTAS

A geração que sucede os vanguardistas de 22 recebe como herança suas


conquistas formais e temáticas e amadurece as. Inserida em um contexto
histórico conturbado, assiste-se à ampliação temática, incorporando as
preocupações relativas à humanidade e ao “estar no mundo”. As pesquisas
estéticas aprofundam-se e a poesia chocante e destruidora dá lugar à
construção de um novo modelo de pensar o homem e o mundo.

Percebe-se a influência exercida por Oswald e Mário de Andrade sobre os


poetas da nova geração. São comuns as dedicatórias dos novos poetas, como
Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, aos mestres da Semana de 22.
Em termos formais, a estética modernista é aprofundada, com contínuo uso do
verso livre e da poesia sintética.
É na temática que ocorre a introdução de uma nova visão artística, na qual
torna-se constante o questionamento da realidade, do indivíduo e do próprio
poeta em sua “tentativa de explorar e de interpretar o estar no mundo”. Assim,
essa “segunda fase” introduz uma produção literária mais comprometida com as
percepções políticas e sociais, não se afastando das profundas transformações
do período. O interessante é perceber que, em vista das mazelas, da guerra e da
crise, surgem também poetas que voltam-se mais para dentro de si mesmos e
buscam certa espiritualização, como forma de negar a realidade horrenda que se
descortina. É o caso de Jorge de Lima, de determinada fase de Murilo Mendes e,
principalmente, de Cecília Meirelles – que se apresenta praticamente como
neossimbolista – e de Vinícius de Morais, um verdadeiro neorromântico.

A principal característica, no entanto, é a ampliação das relações entre o “eu” e o


mundo, por muitas vezes com a fragilização desse “eu”. A preocupação do
homem, do seu interior e de sua vida social é uma constante, consequência das
guerras e revoluções que devastam nações, deixam milhares de mortos e criam
uma ferida individual no poeta que sangra pela humanidade que representa. A
consequência é a imagem da fragilidade diante do mundo, da impotência e da
miséria humana. Contra tudo isso, resta a união e as ações coletivas.

PRINCIPAIS AUTORES
Carlos Drummond de Andrade

Nascido em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902,


Carlos Drummond de Andrade provém de uma decadente família de fazendeiros.
Seus estudos, com os jesuítas do Colégio Anchieta de Nova Friburgo, no Rio de
Janeiro, renderam a insólita expulsão por “insubordinação mental”. Novamente
em Belo Horizonte, começou sua carreira de escritor como colaborador de um
jornal local que aglutinava os novos modernistas mineiros.

Formou-se (por insistência familiar) em farmácia no ano de 1925. Já no serviço


público, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou no Ministério da
Educação, até o fim do Estado Novo. Trabalhou também no Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional onde se aposentou em 1962. Contudo,
manteve sempre suas atividades jornalísticas, como cronista no Correio da
Manhã e, posteriormente, no Jornal do Brasil.

Em sua atuação nos jornais, teve enorme admiração, mantendo a serenidade


como padrão de comportamento, envolvendo-se pouco em polêmicas e, não
sendo unanimidade entre os intelectuais apenas pelas contundentes críticas que
recebia de Nelson Rodrigues, mas com as quais geralmente não se importava
(ou fingia que não se importava) e raramente as respondia. Carlos Drummond de
Andrade morreu no Rio de Janeiro, no dia 17 de agosto de 1987, dias depois da
morte de sua única filha, a também escritora e cronista Maria Julieta Drummond
de Andrade.

Drummond mostra-se um poeta preocupado com sua individualidade, é poeta da


ordem e da consolidação, embora essas mostrem-se invariavelmente
contraditórias. Sua poesia denuncia o presente, um tempo assombrado pelo
passado e assustado pelo futuro; tempo no qual o poeta coloca-se como
testemunha de si mesmo e da história dos homens, de tal maneira cética que
beira à melancolia. Não deixa, contudo, de fazer-se cronista e lançar seu
sarcasmo, sua ironia, seu amargor e seu desencanto contra os costumes e
contra a sociedade

Porém, é no cuidado e esmero com que constrói sua estética do modo de ser e
estar que se encontra a tônica de Drummond. O tempo é sua matéria-prima, em
sua passagem cotidiana e percepção subjetiva, com todo tom de crítica que
pode conter o cronista-poeta. Encontra-se, assim, com seu próprio período
histórico, no qual contempla a experiência coletiva, solidarizando-se com ela,
atuando social e politicamente, descobrindo na luta coletiva a maneira de
expressar sua preocupação íntima com a amplitude da vida. É aí que o poeta
atinge sua maturidade e chega a um nível de produção poética sublime, o qual
manterá até o fim da vida.

Quanto aos temas, sua obra apresenta-se extremamente diversificada, mas com
destaque para a poesia social; as reflexões existenciais – nas quais contrapunha
o eu e o mundo; a construção da própria poesia; o tempo passado; o amor; as
crônicas poéticas do cotidiano; e a celebração dos amigos.

A linguagem de Drummond impressiona pela vitalidade, pela criatividade e pela


capacidade de sugestão, combinando aspectos tradicionais, como a sublimação
e o tom elevado, às experiências vanguardistas, como os coloquialismos e a
linguagem prosaica. Explora o campo dos significados, desvenda as “infinitas
faces das palavras”, expressando inúmeras possibilidades interpretativas pelas
possibilidades polissêmicas com as quais brinca o autor.

Um dos aspectos mais incomuns da personalidade do escritor é sua


autodefinição como gauche (esquerdo, em francês), com o qual representa a si
mesmo como anti-herói, torto, desajeitado, errado, aquele que está em
desacerto com o mundo, para quem nada dá certo. Aliado a isso, um humor sutil,
até certo ponto sarcástico, lança um olhar gauche sobre a própria realidade,
buscando uma reflexão sobre o sentido das coisas, as mais banais que sejam,
donde se extraem – de maneira ácida – a crítica ao próprio mundo.

Enfim, Drummond é o poeta existencial por excelência, reflete, com absoluta


precisão, a angústia da alma humana frente às incertezas do destino. A solidão,
o silêncio, o mistério do existir, o tempo, a trajetória do homem e a busca de uma
redenção para o indivíduo.

Suas obras ganharam versões em inúmeras línguas, publicadas em um sem-


número de países, o que atesta a grandiosidade de Drummond, fazendo-o o
poeta mais influente da literatura brasileira durante longo tempo. Além de tudo,
atuou como tradutor, vertendo para o português obras de Balzac, Marcel Proust,
García Lorca, François Mauriac e Molière.

Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros]
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.]

Entre eles, considere a enorme realidade.


O presente é tão grande, não nos afastemos.]
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.]

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.]


não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.]
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.]

não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.]


O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,]
a vida presente.

Cota Zero

Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?

Disponível em: http://www.nilc.icmc.usp.br/nilc/literatura/m.osdadas.htm

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto


desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:


pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta
meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode


é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,

Meu Deus, por que me abandonaste


se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,


se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,


mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer


mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Disponível em:
http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond01.htm

Cecília Meireles

Filha de um funcionário do Banco do Brasil e de uma professora municipal,


Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, na
Tijuca, Rio de Janeiro. Seu pai não chegou a conhecê-la, falecendo pouco antes
de seu nascimento, e sua mãe teve pouco convívio, já que morreu antes de
Cecília completar três anos. Dos quatro filhos do casal, foi a única que
sobreviveu, sendo criada pela avó.

Destacou-se em seus primeiros anos na escola, chegando a receber uma


medalha das mãos de Olavo Bilac, então Inspetor Escolar do Rio de Janeiro.
Após concluir o curso normal do Instituto de Educação, passou a exercer a
profissão de professora primária.

Pouco tempo depois, logo após publicar seu primeiro livro de poesias, casou-se
com o pintor português Fernando Correia Dias, com quem tem três filhas: Maria
Elvira, Maria Mathilde e Maria Fernanda, que lhe darão cinco netos. Após o
suicídio de seu marido, casou-se mais uma vez, agora com o engenheiro
agrônomo Heitor Vinícius da Silveira Grilo.

Cecília atuou com jornalista, organizou a primeira biblioteca infantil da cidade,


proferiu conferências sobre literatura brasileira em Portugal, além de lecionar a
mesma matéria na Universidade do Distrito Federal (atual UFRJ), chegando a
dar aulas na Universidade do Texas. Publicou vários livros no Brasil e em
Portugal e foi amplamente reconhecida através prêmios e honrarias.

No dia 9 de novembro de 1964, vem a falecer, causando grande comoção e alvo


de inúmeras homenagens públicas. Recebe, no ano de sua morte, o Prêmio
Jabuti de Poesia, pelo livro “Solombra”, concedido pela Câmara Brasileira do
Livro. Cecília Meireles foi amplamente homenageada no Brasil e no exterior. Dá
nome a um salão de concertos e conferências no Rio de Janeiro; é nome de rua,
de escola municipal e biblioteca em São Paulo; já foi efígie de cédula em 1989.
No Chile, deu nome à biblioteca do Centro Cultural Brasil-Chile, em Santiago; a
uma rua em São Domingos de Benfica, em Lisboa; em Ponta Delgada, capital do
arquipélago dos Açores, há uma avenida com o nome da escritora, neta de
açorianos.

Sua poesia, presa ao lirismo tradicional, revela fortes traços simbolistas


expressando os diversos estados de espírito por que passa, de maneira vaga e
quase sempre imaterial. As imagens naturais como o mar, a areia, a espuma ou
a lua ganham destacado valor sugestivo, até mesmo pela repetição com que
surgem. A perda amorosa e a solidão criam a atmosfera da dor existencial que
explora e intensifica quando combinada às diversas alusões ao tempo.

No aspecto mais estilístico, Cecília faz uso de uma linguagem sublimada, com
pouca presença de marcas coloquiais, fazendo de sua criação poética um
exercício estético tradicional. Sua inclusão em uma “geração” modernista deve-
se mais ao fator cronológico que ao estético, pois coaduna pouco com as
conquistas – temáticas ou formais – da geração de 22.
Talvez, seu maior ponto de contato com as propostas vanguardistas foi na
revisitação crítica do passado histórico, quando publica O romanceiro da
Inconfidência, um conjunto de poemas narrativos em que reconstroem
liricamente a sociedade mineira do século XVIII, suas principais personagens e,
evidentemente, a própria conspiração pela liberdade. Tomada como metáfora ao
momento vivido pela poetisa, pode-se achar uma dimensão “estar no mundo”
para sua poesia, na qual se contempla a humanidade em sua ação coletiva.

Pássaro

Aquilo que ontem cantava


já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.
Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.
Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.

Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/ceci34.htm

Vinicius de Moraes

Marcus Vinicius da Cruz e Mello Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913, no


bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Aos nove anos vai com sua irmã a um
cartório para alterar seu nome, adotando aquele com o qual seria eternizado,
Vinicius de Moraes. Oriundo de uma família com elevada veia artística – sua
mãe era pianista e seu pai poeta – não surpreende que, desde cedo, o pequeno
Vinicius demonstrasse sua inclinação para a poesia.

Morando em vários bairros do Rio de Janeiro, o poeta desenvolve uma visão


bastante ampla sobre a cidade, o que o torna mais apaixonado por ela. Falando
em paixões, o jovem Vinicius era galanteador, namorando praticamente todas as
amigas colegiais de sua irmã – graças à banda que montou com os amigos e
que animava as festinhas da turma.

Formado em Direito, um tanto a contragosto, e oficial da reserva, Vinicius atua


no Ministério da Educação, onde conhece e torna-se amigo de Manuel Bandeira
e Carlos Drummond de Andrade. É nessa época que começa a publicar seus
livros. Bolsista em uma universidade da Inglaterra, segue publicando poemas,
apurando o estilo e tornando-se o que ele mesmo classificou como um “poeta do
cotidiano”.

Foi colaborador literário no jornal A manhã e, a partir desse momento, conhece


um sem-número de intelectuais dos quais torna-se amigo, como Oswald de
Andrade, Mário de Andrade, Cecília Meireles, Hélio Pelegrino, Paulo Mendes
Campos, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, entre outros. Colabora com
vários jornais e revistas, fazendo suplementos literários, como crítico de cinema
ou como cronista.

Alguns anos depois de ingressar, por concurso, na carreira diplomática, assume


seu primeiro posto diplomático: vice-cônsul do Brasil em Los Angeles, Califórnia
(USA), onde permanece por meia década.

Após o nascimento de sua filha Georgiana, fruto de seu segundo casamento,


volta às origens musicais, compondo seu primeiro samba, música e letra,
Quando tu passas por mim. Escreve também sua primeira peça, Orfeu da
Conceição, que é adaptada para o cinema, com grande sucesso. Após o
nascimento de sua segunda filha, começa uma das parcerias de maior sucesso
na música brasileira, devido à montagem de sua peça no Teatro Municipal, que
teve a trilha sonora composta por Antônio Carlos Jobim. Tal parceria renderia
inúmeros frutos, dando início ao movimento da música popular brasileira
conhecido por bossa-nova.

Vinicius sofria de insônia e compunha a maior parte de sua obra na banheira de


sua casa, apoiado em uma tábua que lhe servia de mesa. Casou-se mais duas
vezes e compôs inúmeros sucessos, com destaque para Garota de Ipanema,
uma das músicas mais executadas no mundo.

Após uma operação para a instalação de um dreno cerebral, Vinícius apresenta


algumas complicações e morre em sua casa na Gávea em 09 de julho de 1980,
vítima de edema pulmonar. Tinha a companhia do inseparável amigo Toquinho e
de sua última esposa.
Vinicius pode ser considerado um neorromântico, mas figura entre os
modernistas por sua visão pouco ortodoxa do amor. Se, por um lado, mostra-se
lírico e até certo ponto idealizado, por outro, mostra-se cotidiano e irônico,
considerando a paixão algo passageiro, “eterno” apenas enquanto era
aproveitado.
A primeira parte de sua obra é influenciada pelo simbolismo, apresentando
conotações místicas, contrapondo as necessidades da alma às do corpo. Essa
fase ainda não demonstra o poeta maduro, mas uma busca pelo lirismo que iria
consagrá-lo.

Sua poesia torna-se mais viril, aproximando-se do mundo material, repelindo o


idealismo que se mostrava presente na fase anterior. O amor, seu tema
principal, é tratado de forma sensual, o que o distingue dos românticos, apesar
de o tratamento lírico que confere ao sentimento.

O sentimentalismo na sua obra compreende a saudade, a carência, o desejo e a


paixão. Contudo, tudo apresentado sob uma nova concepção, mais concreta,
livre de preconceitos, e com grande atenção às mulheres – não idealizando-as,
mas tornando-o centro sensual de seus próprios desejos.

Em sua fase bossa-nova, compromete-se com o cotidiano, buscando até mesmo


os dramas sociais da época, como os operários e o horror da bomba atômica.
Essa tendência o aproxima dos princípios do modernismo e os leva à música
popular brasileira.

Sua linguagem é extremamente lírica e tende ao verbalismo. Constrói seus


poemas de forma clássica com a predileção explícita pelo soneto. É, sem dúvida,
um dos maiores sonetistas brasileiros de todos os tempos. As formas mais
rígidas do soneto e da métrica musical ajudavam a conter os excessos verbais
que normalmente afluíam de sua lírica.

Soneto da fidelidade

De tudo, meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Disponível em: http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-
avulsas/soneto-de-fidelidade

GERAÇÃO DE 30: A PROSA DE GRACILIANO,


RACHEL E AMADO
A quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, foi a mais devastadora crise
econômica enfrentada pelo sistema capitalista, não só por seus efeitos materiais,
como a recessão e o desemprego, mas também pelo aspecto psicológico: um
mundo extremamente pessimista e sem perspectivas.

MOMENTO HISTÓRICO

Talvez por isso muitos historiadores chamem o período de “Grande Depressão”.


A década de 30 surge trazendo a guerra, a catástrofe, a falta de liberdade. Os
felizes e – até mesmo – ingênuos anos 20 são engolidos por regimes
autoritários, tensões e uma sensação de morte e extermínio iminentes.

A democracia passa a ser questionada, afinal, nos Estados Unidos – maior


exemplo mundial daquela ordem social – milhões de pessoas vagavam pelas
ruas na mais profunda pobreza em busca de um emprego. A “terra das
oportunidades” parecia um sonho que se acabava: miséria, fome e desemprego
em um cenário de colapso industrial. Assim, os regimes fechados, como o
fascismo italiano, o nazismo alemão e o estalinismo soviético apareciam como a
nova ordem mundial.

Os intelectuais, percebendo a crise burguesa e sua incapacidade de apresentar


soluções para o mundo, não se furtam de optar pelo fascismo – aqueles ligados
ao progresso, à ordem e aos valores de pátria e família – ou pelo comunismo –
buscando uma sociedade igualitária, sem privilégios para as elites.

No Brasil, a Revolução de 1930 foi fruto das tensões vividas na década anterior,
repleta de revoltas e insatisfações. É também a resposta nacional à crise
mundial que assolava o planeta, buscando conciliar os mais diversos grupos
sociais e interesses da época, como os tenentes, a classe média, o incipiente
proletariado urbano e as oligarquias regionais.

De fato, o século XX começa para o Brasil em 1930: é o surgimento do país tal


qual como conhecemos hoje. O Estado passa a responder – ainda que de
maneira intervencionista – às questões sociais, surgindo um pensamento
progressista, de industrialização, de proteção aos direitos dos trabalhadores e de
educação universal. São vários os estatutos e leis que fazem desta intervenção
um movimento apoiado pela população.

A censura de Vargas calou a oposição, em especial a intelectualidade. Jorge


Amado, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos e Érico Veríssimo entre outros,
foram perseguidos, saíram do país ou foram presos. Outros intelectuais, no
entanto, acabaram por aderir ao Estado Novo, ocupando cargos burocráticos no
governo (especialmente nas áreas de cultura e educação), levando adiante
projetos do próprio Executivo ou produzindo espetáculos voltados à exaltação da
pátria.

A ESTÉTICA DA ÉPOCA

Com toda a turbulência por que passava o mundo na década de 30, o


experimentalismo estético característico das vanguardas foi deixado de lado,
voltando-se a uma visão mais realista do passado, na busca de ser melhor
compreendida pela massa de pessoas que não possuíam alto grau de instrução.
A arte busca um entendimento imediato, sem grandes problemas de reflexão e,
até mesmo, explorando sua função propagandística. A criação se submetia,
então, à ideologia.

Desta forma, podemos encontrar nas manifestações artísticas do período


releituras de um realismo, ora atrelado às ideologias ditatoriais, ora de caráter
proletário – sobretudo na América Latina –, ora de um teor psicológico, pronto
para analisar o indivíduo e sua relação com a sociedade.

Em todas essas manifestações podemos encontrar pontos em comum, como a


rejeição do vanguardismo e de seu experimentalismo; a necessidade de imitação
do real, com foco na verossimilhança; e o caráter de denúncia social.

Diferentemente da geração de 22, que pregava prioritariamente uma revolução


estética, influenciada pelas vanguardas europeias, a geração de 30 busca o
aprofundamento nas questões sociais e ideológicas.

A ideia de uma função social e política da literatura era algo comum aos autores
da geração. O escritor deveria pensar a sociedade, funcionar como sua
consciência. Essa preocupação com a nação, de contribuição com a grandeza
da pátria, data do Romantismo, mas, para a geração de 30, havia profundas
diferenças nos objetivos: a mudança das estruturas sociais e a busca de uma
conscientização da nação.

Dessa forma, as obras propõem “interpretações do Brasil”, voltando-se à


formação do povo brasileiro, as relações sociais que se estabelecem nas
diversas regiões, das análises sobre a miscigenação, racismo entre outros
temas. O país passa por uma análise na pena dos novos escritores.
Entre as características mais marcantes da estética do período, podemos
perceber que os autores inspiraram-se em modelos realistas, enfatizando em
suas obras aspectos como a valorização da verossimilhança, a construção de
uma narrativa linear, a retratação da realidade histórica e social, o uso de
personagens que representassem classes sociais e, por fim, a universalidade na
construção do mundo.

A partir dessas características, percebe-se claramente que a denominação


“modernismo de segunda fase” não se aplica à produção da prosa literária pós-
semana de 22. Não houve, no Brasil, um movimento modernista; em verdade, a
semana de 22 representou uma ruptura de vanguarda que influenciou a
construção estética posterior, sem, contudo, criar novos modelos e paradigmas a
serem seguidos.

O romance de 30 dialoga com autores pré-modernistas, recupera suas visões


regionais e interage de forma muito intensa com os padrões artísticos do
realismo. Isso não significa que a geração não tenha se aproveitado de
conquistas do movimento vanguardista brasileiro de 22: a liberdade de
expressão, o estilo direto e a simplicidade da escrita – repleta de coloquialismos
– são marcas estéticas herdadas de seus antecessores. O foco da construção
literária é que os diferencia. Se os modernistas de 22 atinham-se à ruptura
estética e demonstravam grande preocupação com a forma; os romancistas de
30 revisitam o realismo em busca dos temas sociais, explorados à luz de novas
ideologias, de um novo contexto social e expressos em liberdade estética
inigualável.

Encontram-se, no período, obras de temática agrária, retratando um universo


rural decadente ou mesmo já inexistente. A exploração de temas como o
coronelismo e a denúncia da opressão dos trabalhadores rurais e o conflito entre
os dos países dentro de um mesmo Brasil: o país agrário, de mentalidade
fundiária, em contraposição com o país urbano, moderno e em desenvolvimento.

São igualmente comuns o tratamento crítico aos temas, desde o processo de


conhecimento do flagelo da seca ao questionamento ideológico; do atraso do
pensamento latifundiário à miséria dos campos. Em alguns casos, o tom de
nostalgia e memorial são o elemento-chave da narrativa, bem como a
composição de verdadeiras exaltações a tipos e regiões.

A temática urbana aparece sob a forma de denúncia da modernidade e de suas


consequências, ou como a impotência diante da nova sociedade ou ainda como
um processo de adesão crítica à nova realidade. Em geral, as obras dão ênfase
às classes sociais e aos dramas do indivíduo, tomado a partir de sua tipificação
social. Assim, as camadas mais populares, os trabalhadores, as personagens
marginalizadas e a pequena burguesia surgem como protagonistas dessa fase.

Vale ressaltar que o rótulo de romance regionalista não contempla a diversidade


da produção dos autores da época. É evidente que há a nítida preocupação local
nas obras do período, mas é também evidente que se universaliza o tema para
discutir a sociedade e o país, dentro de óticas localizadas. Ainda assim, é
importante lembrar que há romances rurais e urbanos, não sendo correto
imaginar o termo “regional” como aplicável apenas ao interior e ao sertão.

PRINCIPAIS AUTORES

Rachel de Queiroz

Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, em 17 de novembro de 1910. Filha de


latifundiários, passou sua infância e adolescência entre a capital do Ceará, o Rio
de Janeiro, Belém do Pará e a fazenda do pai. Desde cedo, apresentava-se
muito culta, devido, principalmente, a seu ambiente familiar. Aos quinze anos, já
colaborava com a imprensa cearense. Com apenas vinte anos, lançou sua
principal obra, O quinze, um marco na história da literatura, apresentando uma
mulher escritora, dona de uma narrativa de apelo social. Comunista radical, foi
politicamente ativa até meados dos anos 40, quando foi se tornando mais
conservadora, chegando até mesmo a apoiar o regime militar nas décadas de 60
e 70 – a quem serviu como delegada na Assembleia Geral da ONU em 1966.
Em 1977, rompe mais um preconceito e torna-se a primeira mulher a ingressar
na Academia Brasileira de Letras. Tradutora de diversas obras, contribui com
inúmeros jornais até a sua morte, aos 92 anos, em 4 de novembro de 2003, em
sua casa no Rio de Janeiro.

Esteticamente, suas narrativas sintetizam bem o espírito da geração de 30,


valorizando o universo regional, pregando a ideologia modernizadora,
enfatizando aspectos sociológicos da realidade e introduzindo os conceitos de
subdesenvolvimento na análise de nossa sociedade.
Apresenta em O quinze talvez a primeira ideia feminista da literatura nacional:
conta a história da busca de uma mulher por sua identidade, o que a faz recusar
o casamento, refletir sobre as relações entre o espaço urbano e o rural. Faz uma
profunda análise do sertão e da seca e como se constrói a imagem de país
dentro de uma sociedade absolutamente patriarcal. Sua obra esbarra, contudo,
em uma falta de percepção sobre as causas da miséria e das mazelas do sertão,
atribuindo tais problemas às forças da natureza, ignorando as razões políticas de
tais problemas.

TRECHO DE O QUINZE

Depois de se benzer e de beijar duas vezes a medalhinha de São José, dona


Inácia concluiu:
“Dignai-vos ouvir nossas súplicas, ó castíssimo esposo da
Virgem Maria, e alcançai o que rogamos. Amém.”
Vendo a avó sair do quarto do santuário, Conceição, que fazia
as tranças sentada numa rede ao canto da sala, interpelou-a:

– E nem chove, hein, Mãe

Nácia? Já chegou o fim do mês… Nem


por você fazer tanta novena…
Dona Inácia levantou para o telhado os olhos confiantes:

– Tenho fé em São José que ainda chove! Tem-se visto inverno começar até em
abril.

Na grande mesa de jantar onde se esticava, engomada, uma


toalha de xadrez vermelho, duas xícaras e um bule, sob o abafador
bordado, anunciavam a ceia:

– Você não vem tomar o seu café com leite, Conceição?

A moça ultimou a trança, levantou-se e pôs-se a cear, calada,


abstraída.
A velha ainda falou em alguma coisa, bebeu um gole de café e
foi fumar no quarto.
A bênção, Mãe Nácia! – E Conceição, com o farol de querosene
pendendo do braço, passou diante do quarto da avó e entrou no
seu, ao fim do corredor.
Colocou a luz sobre uma mesinha, bem junto da cama – a velha
cama de casal da fazenda – e pôs-se um tempo à janela, olhando o
céu. E ao fechá-la, porque soprava um vento frio que lhe arrepiava
os braços, ia dizendo:

– Eh! A lua limpa, sem lagoa! Chove não!…


Foi à estante. Procurou, bocejando, um livro. Escolheu uns
quatro ou cinco, que pôs na mesa, junto ao farol.
Aqueles livros – uns cem, no máximo – eram velhos
companheiros que ela escolhia ao acaso, para lhes saborear um
pedaço aqui, outro além, no decorrer da noite.
Deitou-se vestida, desapertando a roupa para estar à vontade.
Pegou no primeiro livro que a mão alcançou, fez um monte de
travesseiros ao canto da cama, perto da luz, e, fincando o cotovelo
neles, abriu à toa o volume.
Era uma velha história polaca, um romance de Sienkiewicz,
contando casos de heroísmos, rebeliões e guerrilhas.
Conceição o folheou devagar, relendo trechos conhecidos, cenas
amorosas, duelos, episódios de campanha. Largou-o, tomou os
outros – um volume de versos, um romance francês de Coulevain.
E ao repô-los na mesa, lastimava-se:

– Está muito pobre essa estante! Já sei quase tudo decorado!

Levantou-se, foi novamente ao armário. E voltou com um grosso


volume encadernado que tinha na lombada, em letras de ouro, o
nome de seu finado avô, livre-pensador, maçom e herói do Paraguai.
Era um tratado em francês, sobre religiões. Bocejando,
começou a folheá-lo. Mas, pouco a pouco, qualquer coisa a
interessou. E, deitada, à luz vermelha do farol, que ia enegrecendo
o alto da manga com a fumaça preta, na calma da noite sertaneja,
enquanto no quarto vizinho a avó, insone como sempre, mexia as
contas do rosário, Conceição ia se embebendo nas descrições de
ritos e na descritiva mística, e soletrava os ásperos nomes com que
se invocava Deus, pelas terras do mundo.
Até que dona Inácia, ouvindo o cuco do relógio cantar doze
horas, resmungou de lá:

– Apaga a luz, menina! Já é meia-noite!

Graciliano Ramos

Nascido na pequena cidade de Quebrângulo, no interior de Alagoas, aos 27 de


outubro de 1892, Graciliano Ramos foi o primeiro dos quinze filhos de sua
família. Sem jamais ter cursado o nível superior, completou os estudos
secundários em Maceió.
Mudou-se com a família para Palmeira dos Índios, ainda em Alagoas, e
posteriormente rumou para o Rio de Janeiro vindo a atuar como revisor de
alguns periódicos da cidade. Após esse breve tempo, retornou a Palmeira dos
Índios, ajudando seu pai em seu comércio. Em 1927 elegeu-se prefeito da
cidade, e, mais tarde, acabou por assumir a direção da Imprensa Oficial e da
Instrução Pública do Estado em Maceió.

Em 1933 faz sua estreia literária publicando o romance Caetés. No ano seguinte,
publica São Bernardo e dois anos mais tarde, Angústia. Em 1936, foi preso pelo
governo Getúlio Vargas, acusado de participação em movimentos de esquerda.
Sua passagem por diversos presídios rendeu experiências que foram contadas
em seu livro Memórias do Cárcere, publicado somente após sua morte. Um ano
após ser solto, em 1938, publica aquela que seria considerada sua obra-prima:
Vidas Secas.

A partir daí, Graciliano Ramos mudou-se em definitivo para o Rio de Janeiro,


trabalhando na área da educação. Filiado ao Partido Comunista brasileiro, visitou
diversos países socialistas do leste europeu, contando suas impressões no livro
Viagem, publicado também após sua morte, ocorrida em 20 de março de 1953.

Graciliano é dono de um estilo enxuto e de uma escrita bastante densa. Frases


curtas, orações simples e mesmo um vocabulário limitado são formas de
representar seus personagens, que muito têm em conflitos internos, porém
pouco falam. São muitos significados com o mínimo de palavras, levando o autor
a utilizar-se com frequência do discurso indireto livre, levando pensamento, fala
e reflexão a um mesmo plano expressivo. Apesar de boa parte de suas histórias
se passar no sertão nordestino e expor as mazelas da seca e da fome, não se
pode resumir suas obras à mera denúncia social. As questões internas das
personagens, as relações interpessoais e sociais e a problemática que envolve a
vida de maneira geral são elementos imprescindíveis ao entendimento de suas
obras.

Nos escritos de Graciliano, os temas ligados ao enredo, como o meio social ou a


problemática político-econômico, não predominam sobre as personagens, como
costuma ocorrer nos autores do período. Em seus trabalhos, o indivíduo surge
dentro de sua realidade regional – expondo problemas e mazelas –, mas sua
trajetória não se esconde por detrás destes temas.

TRECHO DE VIDAS SECAS

Foram descansar sob os garranchos de uma quixabeira, mastigaram punhados


de farinha e pedaços de carne, beberam na cuia uns goles de água. Na testa de
Fabiano o suor secava, misturando-se à poeira que enchia as rugas fundas,
embebendo-se na correia do chapéu. A tontura desaparecera, o estômago
sossegara. Quando partissem, a cabaça não envergaria o espinhaço de Sinhá
Vitória. Instintivamente procurou no descampado indício de fonte. Um friozinho
agudo arrepiou-o. Mostrou os dentes sujosnum riso infantil. Como podia ter frio
com semelhante calor? Ficou um instante assim besta, olhando os filhos,
olhando os filhos, a mulher e a bagagem pesada. O menino mais velho
esbrugava um osso com apetite. Fabiano lembrou-se da cachorra Baleia, outro
arrepio correu-lhe a espinha, o riso besta esmoreceu.

Se achassem água ali por perto, beberiam muito, sairiam cheios, arrastando os
pés. Fabiano comunicou isto a Sinhá Vitória e indicou uma depressão do terreno.
Era um bebedouro, não era? Sinhá Vitória estirou o beiço, indecisa, e Fabiano
afirmou o que havia perguntado. Então ele não conhecia aquelas paragens?
Estava a falar variedades? Se a mulher tivesse concordado, Fabiano arrefeceria,
pois lhe faltava convicção; como Sinhá Vitória tinha dúvidas, Fabiano exaltava-
se, procurava incutir-lhe coragem. Inventava o bebedouro, descrevia-o, mentia
sem saber que estava mentindo. E Sinhá Vitória excitava-se, transmitia-lhe
esperanças. Andavam por lugares conhecidos. Qual era o emprego de Fabiano?
Tratar de bichos, explorar os arredores, no lombo de um cavalo. E ele explorava
tudo. Para lá dos montes afastados havia outro mundo, um mundo temeroso;
mas para cá, na planície, tinha de cor plantas e animais, buracos e pedras.

E andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de
pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e
necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis,
acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se temerosos.
Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o
sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade
homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos.”

Jorge Amado

Nascido em 10 de agosto de 1912, em uma fazenda na cidade de Itabuna,


Bahia, Jorge Amado passou a infância com sua família entre Ilhéus, cidade que
acabou palco de alguns de seus romances, e Salvador, outra cidade retratada
em seus escritos. Já aos dezoito anos, viaja ao Rio de Janeiro a fim de cursar a
Faculdade de Direito e acaba por trabalhar em jornais da capital. Publica seu
primeiro romance, O País do Carnaval, em 1931, seguido de Cacau, publicado
dois anos mais tarde. Neste último, busca retratar as questões sociais envolvidas
no cultivo do cacau e a obra acaba censurada e apreendida. Influenciado por
sua ideologia marxista, Amado publica diversas obras com a temática urbana,
mas sempre retratando questões sociais, políticas e mesmo religiosas (Jorge era
frequentador do Candomblé e tinha vários pais de santo como grandes amigos).
Suor, Jubiabá, Mar Morto e Capitães de Areia são exemplos de obras do
período.
Não tardou muito para que a ditadura de Vargas lhe censurasse os livros (houve
exemplares de Capitães de Areia queimados em praça pública) e enviasse-lhe à
prisão por conta de suas posições políticas. Em 1941, sob a intensa perseguição
do Estado Novo, exila-se na Argentina. Após a queda de Vargas, retorna ao país
e elege-se deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB),
participando ativamente da Assembleia Constituinte, até que seu mandato seja
cassado com a perseguição que pôs o PCB na ilegalidade.

Passa quase dez anos em diversos países socialistas, até que em 1958, já de
volta ao Brasil, publica Gabriela, Cravo e Canela, sua obra mais popular.
Membro da Academia Brasileira de Letras e vencedor de inúmeros prêmios
literários, chegou a ser o autor brasileiro mais traduzido no planeta e teve muitas
de suas obras adaptadas para o cinema e para a televisão. No dia 6 de agosto
de 2001, faleceu na cidade de Salvador.

Apesar de não ser unanimidade entre os críticos, que apontam problemas como
estereótipos, descuido formal e mesmo a falta de originalidade em muitas das
obras, as quais dizem seguir uma fórmula, Jorge Amado sempre gozou de um
público bastante cativo. Suas obras têm cunho ideológico bem marcado de
denúncia social, revelam o regionalismo do interior da Bahia e trazem
personagens marginalizados ao protagonismo. Seus temas tratam da miséria, da
seca, do coronelismo, da opressão e da organização popular para resistir.
Retrata menores de rua, pescadores, trabalhadores urbanos e rurais e o
cangaço.

Descreve a religiosidade miscigenada do povo e introduz uma sensualidade


natural, sem moralismos em suas histórias. Sua escrita simples, repleta de
oralidade, representa uma aproximação à realidade dos enredos. Em sua fase
final, sem esquecer o humor e a crítica peculiares, escreve verdadeiras crônicas
de costumes, muitas delas transformadas em filmes ou novelas de tevê.

TRECHO DE CAPITÃES DE AREIA

João Grande passa por debaixo da ponte – os pés afundam na areia – evitando
tocar no corpo dos companheiros que já dormem. Penetra no trapiche. Espia um
momento indeciso até que nota a luz da vela do Professor. Lá está ele, no mais
longínquo canto do casarão, lendo à luz de uma vela. João Grande pensa que
aquela luz ainda é menor e mais vacilante que a da lanterna da Porta do Mar e
que o Professor está comendo os olhos de tanto ler aqueles livros de letra
miúda. João Grande anda para onde está o Professor, se bem durma sempre na
porta do trapiche, como um cão de fila, o punhal próximo da mão, para evitar
alguma surpresa.

Anda entre os grupos que conversam, entre as crianças que dormem, e chega
para perto do Professor. Acocora-se junto a ele e fica espiando a leitura atenta
do outro.
João José, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histórias numa
estante de uma casa da barra, se tornara perito nestes furtos. Nunca, porém,
vendia os livros, que ia empilhando num canto do trapiche, sob tijolos, para que
os ratos não os roessem. Lia-os todos numa ânsia que era quase febre. Gostava
de saber coisas e era ele quem muitas noites, contava aos outros histórias de
aventureiros, de homens do mar, de personagens heroicos e lendários, histórias
que fazia aqueles olhos vivos se espicharem para o mar ou para as misteriosas
ladeiras da cidade, numa ânsia de aventuras e de heroísmo. João José era o
único que lia correntemente entre eles e, no entanto, só estivera na escola ano e
meio. Mas o treino diário da leitura despertara completamente sua imaginação e
talvez fosse ele o único que tivesse uma certa consciência do heroico das suas
vidas.

Aquele saber, aquela vocação para contar histórias, fizera-o respeitado entre os
Capitães da Areia, se bem fosse franzino, magro e triste, o cabelo moreno
caindo sobre os olhos apertados de míope. Apelidaram-no de Professor porque
num livro furtado ele aprendera a fazer mágicas com lenços e níqueis e também
porque, contando aquelas histórias que lia e muitas que inventava, fazia a
grande e misteriosa mágica de os transportar para mundos diversos, fazia com
que os olhos vivos dos Capitães da Areia brilhassem como só brilham as
estrelas da noite da Bahia.

Pedro Bala nada fazia sem o consultar e várias vezes foi a imaginação do
Professor que criou os melhores planos de roubo. Ninguém sabia, no entanto,
que um dia, anos passados, seria ele quem haveria de contar em quadros que
assombrariam o país a história daquelas vidas e muitas outras histórias de
homens lutadores e sofredores. Talvez só o soubesse Don’Aninha, a mãe do
terreiro da Cruz de Opô Afonjá, porque Don’Aninha sabe de tudo que Yá lhe diz
através de um búzio nas noites de temporal.

João Grande ficou muito tempo atento à leitura. Para o negro aquelas letras
nada diziam. O seu olhar ia do livro para a luz oscilante da vela, e desta para o
cabelo despenteado do Professor. Terminou por se cansar e perguntou com sua
voz cheia e quente:

_ Bonita, Professor?

Professor desviou os olhos do livro, bateu a mão descarnada no ombro do


negro, seu mais ardente admirador:

_ Uma história zorreta, seu Grande _ seus olhos brilhavam.

(AMADO, Jorge. Capitães da Areia; romance.


Rio de Janeiro: Record, 2000)
GERAÇÃO DE 45: A POESIA DE JOÃO C. DE MELO
NETO E GEIR DE CAMPOS
O ano de 1945 é um marco na história da humanidade, pois marca o fim da
Segunda Guerra Mundial e o início da Era Atômica, com as explosões de
Hiroshima e Nagasaki.

Começava então uma nova divisão de poder no mundo, uma reestruturação


geopolítica, com a crença de uma paz duradoura, refletida na criação da
Organização das Nações Unidas e a subsequente publicação da Declaração dos
Direitos do Homem.

Contudo, as pretensões pacificadoras esbarraram nos problemas políticos e


econômicos. O mundo se viu dividido em dois blocos: o capitalista, liderado
pelos Estados Unidos da América, e o socialista, liderado pela antiga União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas. Essas duas superpotências protagonizaram a
disputa de poder no cenário mundial, em um período que se convencionou
chamar de Guerra Fria e que teve como símbolo o Muro de Berlim.

Era um período conturbado, de invasões, ocupações e revoluções, como a


Guerra da Coreia – na qual os EUA buscavam combater os comunistas da
Coreia do Norte –, ou como a Revolução Cubana em 1959 – que assume
tempos depois o caráter comunista, estabelecendo um país de influência
soviética a 140 milhas da Flórida. O mundo vivia em constante medo de uma
guerra nuclear, percebendo a corrida armamentista e as relações cada vez mais
belicosas entre as superpotências, como no episódio da crise dos mísseis em
1962, quando a URSS instalou mísseis nucleares em Cuba e quase levou o
planeta a um holocausto nuclear.

A permanente tensão vivida na política externa não se reproduziu de imediato no


Brasil. O ano de 1945 marca o fim da

ditadura Vargas, o início da redemocratização, a convocação de eleições gerais


e a subida do General Eurico Gaspar Dutra à presidência. É curioso notar que a
redemocratização deu-se de maneira parcial, já que, politicamente, Dutra
representou, até certo ponto, uma continuação do modelo varguista,
principalmente nos processos de repressão e censura que só foram superados
após algum tempo.
A frágil democracia brasileira tem pouca duração e em 1964 é estabelecida um
ditadura civil-militar, um período de exceções, censura e limitações jurídicas.

A ESTÉTICA DO PERÍODO

A AVENTURA DA LINGUAGEM

A poesia opõe-se às inovações formais do modernismo, motivo pelo qual não se


pode falar em uma “terceira geração modernista”, já que esses poetas negam a
liberdade formal, as ironias, as sátiras e os arroubos descompromissados
modernistas. A proposta é uma poesia equilibrada e séria, distanciando-se do
que eles chamaram de “primarismo desabonador” de Mário e Oswald de
Andrade.

Na aventura da linguagem que propõe os experimentalismos estéticos, estão


balizados pelo restabelecimento de uma forma artística e bela, com
revalorização de estéticas parnasianas e simbolistas. Sua independência dos
modelos modernistas anteriores é publicada em manifesto na revista Orfeu em
1949, onde afirmam que “uma geração só começa a existir no dia em que não
acredita nos que a precederam, e só existe realmente no dia em que deixam de
acreditar nela.”

Toda escola nova que propõe sua estética, de alguma forma, cria rupturas com
seus antecedentes; no caso da geração de 45, esse rompimento não é radical,
mas sutil, na medida em que revaloriza o passado eterno e recoloca a palavra
como instrumento maior da poesia.

Esse primeiro momento da história poética brasileira exige menos


posicionamento político dos poetas, dando-lhes a opção de serem sóbrios e
racionais em sua atitude poética. A renovação literária que perseguem é a
renovação da própria linguagem, não reformando-a, mas afirmando os valores
estéticos. Essa tendência formalizante não significou, contudo, uma restauração
da estética parnasiana, visto que não se postam como neoclássicos, mas
buscam o universalismo temático, o senso de medida do verso, combinando
ritmo e sentido e buscando a verdadeira arte poética.

AUTORES

João Cabral de Melo Neto


João Cabral de Melo Neto nasceu em Recife, no dia 9 de janeiro de 1920 e viveu
sua primeira infância em engenhos de sua família. Concluiu seu curso
secundário em Recife e frequenta o círculo intelectual da cidade. Anos depois,
mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde algum tempo depois
publicou seu primeiro livro de poemas, chamado Pedra do Sono.

Trabalhou no DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) e


posteriormente ingressou na carreira da diplomacia e prestou serviço em
diversos países ao redor do mundo. Em 1969, foi eleito para a Academia
Brasileira de Letras onde ocupou a cadeira de número 37.

Depois de exercer o cargo cônsul-geral em Portugal, voltou no final da década


de 1980 ao Rio de Janeiro. Neste tempo em que passou a serviço do Itamaraty,
não abandonou a atividade literária, sendo laureado por inúmeras vezes a causa
de suas publicações. Aposentado na década de 1990, veio a nos deixar no dia
09 de outubro de 1999, aos 79 anos.

João Cabral de Melo Neto construiu sua poética de maneira não lírica e não
confessional, ligada à realidade e voltada à racionalidade. Pertenceu à geração
de 45, mas, apesar de ser considerado seu maior representante, não pode ser
enquadrado como exemplar estilístico desta geração, já que sua estética não
propõe diretamente um retorno às formas tradicionais do verso, apesar de sua
construção poética guardar ênfase na palavra e seus sentidos.

Influenciado por temas da geração de 30, mergulha no sertão de maneira


contundente, produzindo a epopeia de seu povo em Morte e Vida Severina. Sua
linguagem cuidada, rigorosa e seca em alguns momentos dá forma a uma
poesia autorreflexiva, voltada à discussão sobre a própria linguagem e todas as
suas possibilidades de expressão poética. Passeia por outros temas de cunho
social sem perder o cuidado formal, a racionalidade e o equilíbrio de suas
composições

Tecendo a manhã

1
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão

Geir Campos

Nascido na cidade de São José do Calçado, no Espírito Santo, no dia 28 de


fevereiro de 1924, Geir Campos, além de poeta, foi piloto da marinha mercante e
combateu como civil na Segunda Guerra Mundial. Professor da faculdade de
comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, era também diretor
teatral e foi um dos fundadores do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro,
mostrando sua intensa participação nas lutas sociais. Chegou a ser candidato a
vereador por Niterói, mas acabou não se elegendo ao cargo.

Trabalhou como jornalista, contribuindo para vários jornais cariocas e


fluminenses, arriscou-se no radialismo, onde ficou famoso por apresentar o
programa “Poesia Viva” por mais de duas décadas na rádio MEC. Foi diretor da
Biblioteca Pública Estadual de Niterói (1961-1962), transformando-a em um
centro cultural. É de sua autoria, juntamente com Neusa França – que fez a
música -, a letra do hino oficial de Brasília (DF).

Geir é conhecido por diversas alcunhas, como artesão da palavra ou operário do


canto, por conta da forma como compunha seus poemas e por sua preocupação
social. Dono de uma obra sólida, que incluem poesia, prosa, crônica, contos,
literatura infanto-juvenil entre outras, Geir é um autor completo, em que se
combinam forma e conteúdo de maneira primorosa. Aos 75 anos, em Niterói, no
dia 8 de maio de 1999, Geir virou saudade para todos os que tinham nele um
dos maiores poetas nacionais.

Sua escrita unia o rigor formal e intelectualismo, aliando a preocupação social às


questões estéticas. Isso o transformou em um dos maiores sonetistas do país.
Versátil, não se limitou às formas fixas e compôs também em diversos outros
modelos poéticos. Guarda influências de múltiplas escolas, mas se caracteriza
por uma poesia descritiva, de temática humana e reflexiva, falando sobre solidão
ou solidariedade, estabelecendo reinvenção do dia cotidiano, as contradições
humanas e suas questões profundas, os sentimentos, a fragmentação da
realidade, o tempo, a vida e, claro, a luta diária imposta pelo mundo.
Sua poesia engajada revelava seu espírito de luta e de preocupação com a
sociedade. Corajoso, passeou por visões vanguardistas sobre relacionamentos,
defendendo amor livre e relações abertas. Militante cultural extremamente
técnico e de produção apurada, Geir, apesar de não gozar do mesmo prestígio e
fama de outros poetas, merece ser lido e apreciado, pois seu nome sempre
figurará entre os grandes da arte poética.

GERAÇÃO DE 45: A PROSA DE GUIMARÃES ROSA E


CLARICE LISPECTOR
A prosa do período é marcada por trilhar os rumos da geração de 30, buscando
uma literatura intimista, psicológica e introspectiva.

A TERCEIRA PROSA MODERNISTA

Não só o mundo, mas também a literatura passa por grandes mudanças,


reunindo manifestações extremamente avançadas ao lado de retrocessos
inimagináveis. O ano de 1945 é o ano da morte de Mário de Andrade, talvez o
principal nome do modernismo brasileiro, o que não significou a morte das
conquistas estéticas daquela geração.

A prosa do período é marcada por trilhar os rumos da geração de 30, buscando


uma literatura intimista, psicológica e introspectiva. O regionalismo é
“repaginado”, ganhando uma visão nova e esteticamente improvável, recriando
costumes e atentando para a fala do sertanejo, sua expressão e forma,
mergulhando no pensamento do jagunço do interior brasileiro.

É na prosa que se observa a única possibilidade de afirmar a existência de uma


terceira fase modernista, já que os romances produzidos dão sequência às
tendências da geração anterior, mantendo uma prosa urbana, intimista e outra,
de vertente regionalista. As variações se apresentam por meio de uma
renovação formal e a marca de investigação dos comportamentos e atitudes do
ser humano. Como diferença, esses autores não se mostram preocupados com
o contexto sociopolítico, privilegiando a análise da natureza humana em vez da
sociedade em que vive.

Assim, existe a busca por uma literatura intimista, introspectiva, repleta de


sondagens do subconsciente das personagens. O próprio regionalismo é
reinventado e contado sob nova perspectiva, adquirindo uma nova dimensão,
recriando costumes e falas sertanejas, mergulhando rumo ao psicológico do
homem do sertão. Se antes o sertão estava dentro dos personagens, agora é o
interior da personagem que faz do mundo um imenso sertão. A preocupação
com a linguagem, a criação e a precisão das palavras é uma das principais
características do período. Alguns críticos classificaram os autores da geração
como instrumentalistas, em referência ao uso da palavra como instrumento de
expressão estética.

As narrativas são interiorizadas, marcadas pelo fluxo de consciência das


personagens e sua fusão com o discurso do narrador, em uso contínuo do
discurso indireto livre. Outras vezes, encontramos uma narrativa confessional,
em primeira pessoa, na qual há praticamente uma relação emotiva com o leitor.
A escrita aproxima-se da poesia, com grande lirismo, buscando recursos típicos
da poesia para uso na prosa, como rimas, preocupação rítmica, uso de
aliterações, criação de vocábulos, entre outros

AUTORES

Clarice Lispector

Nascida na Ucrânia, em 10 de dezembro de 1920, enquanto seus pais viajavam


como imigrantes para o Brasil, foi batizada como Haia Lispector. Depois de
passar por algumas cidades, já órfã de mãe, vem morar com seu pai e suas
irmãs no Rio de Janeiro.

Formada em direito, colaborou com jornais e acabou vivendo fora do país por ter
se casado com um diplomata. Vencedora de inúmeros prêmios, desde suas
primeiras publicações, escreveu livros e contos que foram traduzidos em
diversos idiomas.

Vivendo no Rio de Janeiro, já separada de seu marido, publica suas obras mais
conhecidas, como Laços de Família e A paixão segundo GH. Clarice escreve
também literatura infantil e destaca-se em seu trabalho como jornalista,
especialmente como entrevistadora. Morre em decorrência de um câncer na
véspera de seu aniversário de 57 anos, em dezembro 1977, no Rio de Janeiro.

Clarice Lispector tem um estilo marcante, usando de uma linguagem inovadora


para mostrar uma literatura introspectiva e intimista. Suas narrativas são
psicológicas, nas quais o que importa é o interior das personagens, suas
angústias, dúvidas, sentimentos e reflexões.
Ficou marcada pelo chamado ‘fluxo de consciência’ em que falas, narrativas e
pensamentos do personagem se fundem em uma atmosfera imaterial, em uma
exploração do psicológico e das inúmeras percepções possíveis da realidade. O
monólogo interior, provocado por algum elemento cotidiano – a moderna epifania
de Lispector – traz o personagem a uma conversa consigo, em que revela os
conflitos interiores, os desejos e as emoções.

A complexa interpretação da vida e das pessoas não apresenta soluções, mas


expõe dúvidas que buscam a identidade dos próprios leitores. É a epifania,
reveladora e libertadora, que altera o tempo dos acontecimentos para ampliar a
compreensão do mundo e para a descoberta do próprio personagem, motivo da
mudança em sua vida.

Suas obras não são lineares, com constantes quebras de estrutura narrativa.
Tempo e espaço são normalmente secundários, já que o fundamental acontece
no interior das personagens. Ela mesma afirmava que nem os fatos importavam,
“o importante é a repercussão do fato no indivíduo”.

Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, em 27 de junho


de 1908. Era autodidata e ainda criança (antes dos sete anos) iniciou os estudos
de diversos idiomas. Aos 10 anos mudou-se para Belo Horizonte onde se formou
em 1930 pela Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais.

Casado e formado em medicina, exerceu a profissão no interior de MG, em


Itaguara, onde teve contato com a paisagem do sertão que lhe serviu de
referência e inspiração. Diplomata concursado, trabalhou em vários lugares do
mundo; no Brasil, trabalhou na política, chegando a ministro de estado.

Sagarana, seu primeiro livro de contos, impressiona e demonstra as qualidades


de Guimarães Rosa: a inovação na linguagem, as estruturas narrativas
diferentes e as relações simbólicas que seus contos podiam estabelecer.
Seguidor das orientações da geração anterior, reafirma o regionalismo, mas lhe
atribui nova significação e roupagem, dando-lhe a universalidade como
experiência estética. Em Grande Sertão: Veredas, apresenta uma narrativa em
que se misturam experiências estéticas e de vida, mito e realidade.

Guimarães Rosa usa o regional de forma a simbolizar a própria realidade, por


meio de imagens e mitos universais; recria a experiência humana e propõe uma
revolução formal e estilística, com experimentalismos diversos, misturando
neologismos a arcaísmos e coloquialismos, passando por invenções semânticas
e sintáticas, resultando em uma linguagem que consegue captar a realidade do
sertão e o universo interior das personagens, podendo recriar e reinventar o
próprio mundo ficcional onde se passaria a realidade.

Considerado por muitos críticos como o maior escritor brasileiro da segunda


metade do século XX, candidatou-se duas vezes a uma cadeira na Academia
Brasileira de Letras, sendo eleito por unanimidade em 1963. Contudo, adiou a
cerimônia de posse até 16 de novembro de 1967, três dias antes de sua morte,
19 de novembro de 1967, aos 59 anos.

MOVIMENTOS POÉTICOS PÓS-MODERNISTAS


A partir da década de 60, o mundo sofreu enormes transformações e tensões.

MOMENTO HISTÓRICO

A Guerra Fria atingia seu auge com a crise dos mísseis e com a construção do
muro de Berlim; a tecnologia dava saltos sem precedentes e a televisão se
propagava como meio de comunicação de massa, transmitindo, ao vivo, o feito
da chegada do homem à Lua. O planeta não era mais suficiente às ambições
humanas e o espaço tornava-se a fronteira final. Avanços científicos, produção
de armas nucleares e de destruição em massa entre outras produções
marcaram o cenário do final do século XX.

As manifestações sociais ganhavam cada vez mais espaço: na França, o Maio


de 68 quase leva o país a uma revolução, e nos Estados Unidos surgem reações
à guerra do Vietnã. Fortalecem-se os movimentos pacifistas e antimilitaristas. A
luta pela igualdade racial nos Estados Unidos faz nascer um mártir: o ativista
pelos direitos civis Martin Luther King é assassinado em 1968.

Na cultura, o rock´n´roll produz fenômenos, como os Beatles e os Rolling Stones


que enlouquecem jovens do mundo inteiro. Um pouco depois, o movimento
hippie prega a paz e o amor, aliando-se à luta pela paz mundial. Woodstock, o
maior festival de música já realizado até aquele momento, reúne meio milhão de
jovens em três dias de celebração artística, levando a contracultura ao seu ponto
máximo.

No Brasil, a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República gera enorme


turbulência. O vice, João Goulart, de caráter esquerdista, assume em meio a
uma profunda crise que se instala. Em março de 1964, o regime militar põe fim
ao governo Jango, iniciando a ditadura militar, tempo de censura, perseguições e
torturas.

Para compensar a censura e as exceções, é implementada uma política


desenvolvimentista, um período que ficou conhecido como “o milagre
econômico”. Contudo, em meados da década de setenta, a situação econômica
do país começa a dar sinais de crise: inflação, desvalorização da moeda, falta de
lastro, descontrole dos gastos públicos e alto endividamento governamental, com
diversos desvios de execuções orçamentárias e desperdício em obras
grandiosas, como a estrada transamazônica.

A ESTÉTICA DO PERÍODO

A poesia concreta

Em 1956, o mais controverso movimento vanguardista nacional apresentou-se


na Exposição Nacional de Arte Concreta. O concretismo representava um
ataque contra os poetas da geração de 1945, acusados de subjetivismo,
formalismo e criticados por sua incapacidade de expressar a realidade moderna
pós-guerra vivida pelo mundo. O desenvolvimentismo implementado pelo
governo Juscelino Kubitschek representou uma grande mudança na paisagem
urbana de São Paulo. A velocidade e a modernidade inspiraram os concretistas
a adotar modelos modernistas de vanguarda, especialmente os de estilo
oswaldiano, de poesia sintética, veloz, ágil, os “poemas-pílula”.

Sua proposta principal, contudo, era integrar som, imagem e o sentido das
palavras. Assim, a nova proposta é uma arte poética visual, lúdica e interativa,
usando aquilo que de mais ousado pudessem usar. A tendência, viva até os dias
atuais, ainda abusa das tecnologias de comunicação, apropriando-se de
hipertextualidades, das imagens de clipes, das edições e cortes e da própria
internet. A arte é transdisciplinar e a poesia mistura-se ao design, à arquitetura,
às artes plásticas, à música e ao movimento.

Seu experimentalismo poético era racional e planejado, propondo a abolição do


verso tradicional, eliminação de conectivos e relações sintáticas elaboradas,
deixando ao verso sua composição crua e concreta de substantivos e verbos.
Apresentam uma linguagem sintética, dinâmica, ágil, preocupada em
acompanhar a velocidade do desenvolvimento urbano; buscam a criação de
palavras, exploração morfológica de seus constituintes, como prefixos e sufixos,
fragmentação da linguagem, uso ambivalente dos vocábulos, com a exposição
de palavras soltas, visualmente integradas ao poema, transformando o todo em
um objeto visual, fazendo do poema algo para ser lido, mas, sobretudo, visto.

Outros movimentos

O concretismo e o neoconcretismo anunciavam uma ruptura com os modelos


tradicionais de produção. Contudo, tais “rebeldias” pertenciam apenas ao
universo estético, originando uma poesia ideologicamente alienada. De uma
cisão do movimento, surge a Poesia Práxis, autodenominando-se como
“vanguarda nova”. Representa uma tentativa de síntese ou compromisso entre
as duas maiores tendências da poesia dos anos 60: a “participação social” e a
“vanguarda”, isto é, o formalismo programático.

Esteticamente, o poema assume um caráter auto demonstrativo, explicitando


sua própria dinâmica formal. Assim, de uma forma geral, as combinações
formais da poesia tornam-se previsíveis, engessando suas próprias construções.

Entretanto, a principal colaboração da escola é a ideia do “participante” ou


“social”. É na temática que reside sua maior importância, denunciando a
desumanidade da vida moderna, o capitalismo, a exploração do operariado e do
campesinato, etc.

Surge, assim, uma época de poesias “engajadas”, de denúncia da injustiça


social, da falta de liberdade, da tortura, uma espécie de necessidade catártica da
consciência burguesa ilustrada nos anos de chumbo do Brasil.

A poesia torna-se marginal, caracterizando-se pela experimentação e


abandonando as publicações formais ou “burguesas”. Os poemas são
distribuídos em jornais mimeografados ou em panfletos copiados em “aparelhos”
de fundo de quintal. Eram comuns as exposições de poemas em “varais”
improvisados de literatura, bradando pela liberdade de expressão. Alguns
poemas, para causar mais impacto libertário, eram atirados do alto de prédios
nos centros urbanos.

Em oposição à preocupação formal do concretismo, os “marginais” buscavam a


denúncia, sem se importar com a estrutura, retratando o cotidiano de forma
coloquial. Uma poesia acessível ao povo, com objetivos claros de despertar-lhe
a consciência. São comuns a paródia, a crítica e o deboche das instituições e da
sociedade.

Por outro lado, eclodia um movimento de releitura da antropofagia proposta por


Oswald de Andrade anos antes: o Tropicalismo. O movimento de jovens artistas
nordestinos como Torquato Neto, Caetano Veloso e Gilberto Gil, radicalizava na
expressão antropofágica de uma nova cultura para o Brasil. Sincrético, inovador,
aberto à incorporação de novas tendências, a tropicália misturou rock, bossa-
nova, samba, baião entre outros. Era o “pop folclore”, a antítese entre a tradição
e a vanguarda, entre a cultura “padrão” e a cultura de massas. Duramente
repreendido pela ditadura militar, a tropicália produziu muito em pouco tempo.
Em pouco mais de um ano, o movimento deixou de existir, mas marcou
profundamente a cultura nacional.

Poesia-práxis

A Poesia-práxis foi um movimento dissidente do concretismo, que buscava


representar a matéria-prima capaz de ser transformada, aberta. Guarda um
aspecto dinâmico, a que davam o nome de “palavra-energia” em contraposição
às formas estáticas, as chamadas “palavras-coisa” do concretismo.

O estilo apresenta a valorização da palavra em seu contexto extralinguístico,


ligando-se à realidade social, com ênfase no ritmo, na palavra e no verso. Sua
principal característica são as experimentações de caráter morfológico,
brincando com a forma das palavras em busca de novas significações,
resumidas pelo lema “palavras que geram outras palavras”.

Poema-processo

De clara influência dadaísta, o poema processo se caracteriza pela utilização de


signos visuais para construir significados artísticos, explorando as possibilidades
poéticas dos signos não verbais. Assim, para o estilo, o uso da palavra é
dispensável e seus integrantes refutam o verso como meio exclusivo da
expressão ou da criação poética. O resultado são combinações inusitadas em
que as imagens concentram significados e relacionam-se ocasionalmente com
signos verbais a fim de produzir sentidos e contextos.
Poesia social

Surgida como contraposição ao movimento concretista, conta com diversos


autores que estavam junto do movimento vanguardista, mas que, a certa altura,
sentiram que era o momento da retomada do verso discursivo na construção de
uma poesia de resistência, que pudesse denunciar a opressão do momento e
fazer duras críticas sociais. Para isso, era necessário que fosse construída com
uma linguagem simples e cotidiana, de fácil entendimento. Faz parte desse
movimento o renomado poeta Ferreira Gullar.

Não há Vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
«não há vagas»

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira

(Ferreira Gullar)

Tropicalismo

Movimento artístico fruto dos festivais de música dos anos 60, foi o símbolo da
contracultura no Brasil. Apresentava o humor, a irreverência e o vanguardismo
como características principais e guarda uma relação direta com a antropofagia
oswaldiana, na medida em que incorporava referenciais estéticos eruditos,
populares ou pop à sua produção artística e misturava as guitarras elétricas –
marca registrada de ritmos estrangeiros – aos ritmos nacionais como samba,
bossa-nova ou baião.

Com isso, “deglutia” o estrangeiro e carnavalizava a cultura, partindo na defesa


da identidade cultural brasileira. Dessa maneira, não encontrava limites estéticos
para sua criação, rompendo com padrões e estruturas poéticas ou musicais
“acadêmicas”.

TROPICÁLIA

Sobre a cabeça os aviões


Sob os meus pés, os caminhões
Aponta contra os chapadões, meu nariz

Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central do país

Viva a bossa, sa, sa


Viva a palhoça, ça, ça, ça, ça

O monumento é de papel crepom e prata


Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde atrás da verde mata
O luar do sertão

O monumento não tem porta


A entrada é uma rua antiga,
Estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente,
Feia e morta,
Estende a mão

Viva a mata, ta, ta


Viva a mulata, ta, ta, ta, ta

No pátio interno há uma piscina


Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina

E faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam
A tarde inteira entre os girassóis

Viva Maria, ia, ia


Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia

No pulso esquerdo o bang-bang


Em suas veias corre muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança a um samba de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele pões os olhos grandes sobre mim

Viva Iracema, ma, ma


Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma

Domingo é o fino-da-bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça

Porém, o monumento
É bem moderno
Não disse nada do modelo
Do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem

Viva a banda, da, da


Carmen Miranda, da, da, da da.

(Caetano Veloso)
Poesia marginal

Com o principal intuito da denúncia e protesto, o estilo é formado por poemas


espontâneos e pouco cuidados esteticamente, repletos de coloquialidade e
ironia. O importante é a negação do modelo de arte e de estética: o poeta está à
margem da sociedade. Assim, o experimentalismo estético corre ao lado da
preocupação ideológica e gera efeitos surpreendentes. No estilo, são comuns as
ações performáticas para divulgação de sua produção artística.

RÁPIDO E RASTEIRO

Vai ter uma festa


que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.

aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida.

Não discuto
Paulo Leminski
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino

(Chacal)

AUTORES

Os irmãos Campos

Haroldo Eurico Browne de Campos nasceu em São Paulo, em 19 de agosto de


1929, dois anos antes de seu irmão, Augusto Luís Browne de Campos, nascido
em 14 de fevereiro de 1931. Haroldo foi poeta, advogado, procurador e
professor. Sua aparição como poeta dá-se em fevereiro de 1949, publicando seu
primeiro livro, Auto do Possesso. Em 1952, funda o grupo Noigandres, com seu
irmão e Décio Pignatari. Inicia correspondência com Ezra Pound, um dos
maiores poetas e críticos literários do século XX, e escreve textos teóricos sobre
poesia. É um dos principais articulistas a formar a base teórica da nova poesia,
estabelecendo conexão entre o concretismo e a poética ocidental, sustentando
sua fundamentação teórica na semântica geral e nas teorias da Gestalt – teoria
da psicologia que considera os fenômenos psicológicos como sendo um
conjunto autônomo e indivisível, de regras próprias e internas.

Viaja pela Europa divulgando os trabalhos da poesia brasileira ao mesmo tempo


em que recolhe contribuições teóricas advindas de suas relações com autores e
críticos estrangeiros. Esse trabalho coloca os poetas brasileiros como
precursores da poesia concreta dentro do contexto literário mundial. Falece em
16 de agosto de 2003, aos 73 anos, em São Paulo, vítima de falência múltipla
dos órgãos.

Já Augusto foi, além de poeta, tradutor, ensaísta, crítico de literatura e música.


Seu primeiro livro de poemas foi publicado em 1951. Dá início ao movimento
internacional da Poesia Concreta no Brasil, junto de seu irmão e Décio Pignatari.
É o primeiro poeta concretista com uma obra consistente, de abandono da
sintaxe convencional e do verso tradicional com rearranjos de palavras usando o
espaço estrutural do papel, em policromia. Teve sua obra reconhecida
internacionalmente recebendo inúmeros prêmios, dentro e fora do país.

se
nasce
morre nasce
morre nasce morre
renasce remorre renasce
remorre renasce
remorre
re
re
desnasce
desmorre desnasce
desmorre desnasce desmorre
nascemorrenasce
morrenasce
morre
se

(Humberto de Campos)

Décio Pignatari
Décio Pignatari nasceu em Jundiaí, São Paulo, no dia 20 de agosto de 1927, em
uma família de imigrantes italianos, mas passou sua infância em Osasco, de
onde só sairia aos 25 anos. Décio foi poeta, ensaísta, tradutor, contista,
romancista, dramaturgo e professor; publicou seus primeiros poemas em 1949 e
já no ano seguinte estreia seu livro de poemas. É fundador do grupo Noigandres,
com os amigos Haroldo e Augusto de Campos.

É formado em direito pela Universidade de São Paulo – USP–, pesquisador da


área de semiótica e crítico literário. Sua obra, além dos textos concretos,
apresenta experiências como poesias em que há símbolos em lugar de palavras,
a chamada “poesia semiótica”. Influenciou a propaganda, introduzindo a
linguagem concreta na área.

beba Coca cola


babe cola
beba coca
babe Cola Caco
caco
cola

(c l o a c a)

Ferreira Gullar

José Ribamar Ferreira nasceu na em São Luís, no Maranhão, em 10 de


setembro de 1930, um dos onze filhos de Newton Ferreira e Alzira Ribeiro
Goulart. Aos 18 anos adotou o sobrenome materno “Goulart” adaptando-o a uma
grafia portuguesa. Apaixonado pela poesia desde adolescente, descobriu, entre
outros, Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, influências bastante
presentes em sua obra.

Ainda na década de 50, ao se mudar para o Rio de Janeiro, conhece o crítico de


arte Mário Pedrosa e o escritor Oswald de Andrade, além de conseguir um
emprego como revisor na revista “O Cruzeiro”.

Participou, junto aos irmãos Campos e Décio Pignatari, do movimento da poesia


concreta, rompendo com eles logo depois, ao publicar o Manifesto Neoconcreto.
Em 1961, Gullar assumiu a direção da Fundação Cultural de Brasília no governo
de Jânio Quadros. Na instituição, que dirigiu até outubro de 1961, construiu o
Museu de Arte Popular. A partir de 1962, passou a fazer parte do Centro Popular
de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes, em demonstração clara de
suas inclinações políticas e de sua preocupação social. Eleito presidente do
CPC, filia-se ao Partido Comunista e funda o Opinião, grupo que propõe um
teatro de protesto e de resistência.

Durante a ditadura, Gullar foi preso junto a Paulo Francis, Caetano Veloso e
Gilberto Gil. Percebendo a situação política brasileira, exilou-se em Moscou e
depois morou ainda em Santiago, Lima e Buenos Aires. No exílio, colaborou com
O Pasquim, semanário “marginal” de oposição à ditadura militar. Escreveu, em
Buenos Aires, o famoso Poema sujo, que chegou ao Brasil gravado em uma fita,
trazida por Vinicius de Moraes e publicado no ano seguinte pela editora
Civilização Brasileira. O lançamento do livro no Rio de Janeiro tornou-se um ato
pela volta de Gullar, que acabou retornando ao Brasil em 1977.

Gullar aponta em sua obra a problemática da vida política e social do Brasil, do


homem comum. Sua poesia é cotidiana, mas aponta para problemas universais.
A denúncia e a crítica social andam juntas em construções que exploram a
significação das palavras em uma linguagem simples, carregada de estilo e
pronta para funcionar como arma contra a dominação e exploração social.

Outros autores

Fazem parte da construção poética de vanguarda e da contemporaneidade


nomes como Torquato Neto, Caetano Veloso, Thiago de Melo, Paulo Leminski,
Adélia Prado e Ricardo de Carvalho – o Chacal -, entre outros do período. Dessa
forma, não deixe de pesquisá-los ou de acessar os links que apontam para a
vida e obra desses autores.

MOVIMENTOS PÓS-MODERNISTAS: PROSA E


TEATRO
O regime civil-militar de 1964 trouxe um cenário de censura e perseguições à
sociedade brasileira.

MOMENTO HISTÓRICO

Combinada a um desenvolvimento industrial em larga escala, caracterizado por


grandes obras que levaram à urbanização dos grandes centros. Somado a isso,
o forte êxodo rural lotou as cidades e a desigualdade cresceu vertiginosamente,
agravada pelos problemas econômicos de endividamento e crescimento da
inflação, levando a uma grande insatisfação social.

O fechamento do regime e seu endurecimento contra os opositores levava


constantemente a crises e contradições. Por um lado, o governo querendo
afirmar que tudo ia bem, por outro, uma forte resistência e inúmeras denúncias
contra as forças militares minavam aos poucos o regime.
Já no início da década de oitenta, grandes manifestações foram realizadas –
entre as quais destaca-se o movimento pelas Diretas Já! – e a ditadura foi
perdendo sua força até a reabertura democrática. O período foi de forte
turbulência econômica, com graves problemas inflacionários e aumento
significativo da pobreza. Em 1988, a promulgação da Nova Constituição dá
esperança ao país que elege seu primeiro presidente depois de quase três
décadas sem ir às urnas.

O período democrático inicia-se com a sequência de manifestações, como os


cara-pintadas, e a implantação da estabilidade econômica com o Plano Real. O
Brasil se moderniza e chega ao século XXI com uma democracia razoavelmente
estabelecida, na qual o crescimento econômico surge aliado à distribuição de
renda.

Temos, então, uma sociedade “midiática”, na qual praticamente todos os lares


possuem uma televisão, onde a internet e as redes sociais dominam o
comportamento de milhões de brasileiros e a efemeridade de estéticas passa a
ser a regra. A cultura divide-se em tribos das mais diversas expressões e a arte
uma forma para expressar a individualidade e as necessidades de cada conjunto
que se afirma no país. As minorias se afirmam, com mulheres se empoderando e
lutando contra o machismo, os negros denunciando o racismo presente na
sociedade e movimentos de homossexuais e transexuais reivindicam a
igualdade, repudiando quaisquer preconceitos. Uma sociedade plural, repleta de
contradições é o cenário para as mais diferentes manifestações artísticas e
políticas.

CAMINHOS DA PROSA

Chamamos de movimentos pós-modernistas não necessariamente aquelas


obras de conteúdo estético comprometido com alguma modificação dos
paradigmas da arte, mas sim o período que se inicia em 1964 e vem, com
significativas mudanças, até os dias de hoje.

A prosa nacional, desde os anos setenta, conta com a predominância do conto e


da crônica, textos ágeis, muitas vezes com publicações em periódicos diários ou
semanais. A vida cotidiana passa a estar no foco dos autores e busca uma
aproximação com seus leitores. Há também diversos romances que caminham
em direções bastante diferentes, refletindo a pluralidade encontrada no seio
social.

Conto e Crônica

Os textos curtos, de linguagem simples e histórias imediatas, buscam a


impressão fotográfica da realidade, ainda que muitostenham o caráter de
denúncia social. No geral, são textos críticos, repletos de ironias, que buscam
uma reflexão humana e filosófica mais ligada à concretude e ao cotidiano, por
muitas das vezes discutindo o papel dos indivíduos na sociedade, o
comportamento e as relações, além daquelas instituições culturais formais, como
a família e o casamento.

Alguns autores destacam-se na produção desses textos, como Lygia Fagundes


Telles, Autran Dourado, Moacyr Scliar, Otto Lara Resende, Dalton Trevisan,
Marina Colasanti, Ignácio de Loyola Brandão, Nélida Piñon, Luís Fernando
Verissimo, Millôr Fernandes, Carlos Heitor Cony, Mario Prata, entre outros.

Romance documentário

Este tipo de romance é geralmente classificado como urbano social,


especialmente voltado a retratar problemas da classe média e pequeno-
burguesia. É comum que a temática da exploração e da luta de classes surja
com força, retratando lugares mais pobres e desiguais, como as favelas
cariocas. Em certa medida, pode-se dizer que há uma revisita ao realismo e
naturalismo ou mesmo de que se tratem de verdadeiras reportagens
ficcionalizadas, como é o caso da obra Cidade de Deus de Paulo Lins.

Romance regionalista

Uma das maiores tradições da literatura nacional é o romance regionalista, com


claro foco no homem do campo; evidentemente a prosa contemporânea não
fugiu deste modelo, contando os problemas individuais, sociais e econômicos da
gente do interior, somados às questões geográficas e desenvolvimentistas.
Lendas, folclore, crenças e cultura regionais também surgem com frequência,
revelando um mundo mágico, leve e divertido do regionalismo.

Mario Palmério destaca-se com Chapadão do Bugre e Vila dos Confins, além de
José Cândido de Carvalho e seu O coronel e o lobisomem e, evidentemente,
Antonio Callado e o clássico Quarup. Praticamente todas as obras ganharam
adaptações para o cinema.

Romance intimista

Os romances de cunho intimista surgiram na literatura nacional a partir da


década de 40 e tornaram-se um modelo de enorme aceitação, sendo um estilo
contínuo na produção brasileira. A indagação interior, a introspecção psicológica,
com a busca pela análise da alma humana e da consciência do indivíduo
continuam caracterizando esse tipo de romance. O destino e a vida das pessoas
e as relações com o mundo trazem a problemática religiosa, moral, ética que
envolve os indivíduos no seu cotidiano. Esse tipo de romance tem caráter
normalmente urbano e reflete, em certa medida, uma crítica à sociedade atual.

Destacam-se nessa linha autoras como Lygia Fagundes Telles e a obra Ciranda
de Pedra, além de Lya Luft com seu Reunião de família e outros nomes como o
genial Fernando Sabino, autor de Encontro marcado e outras tantas obras.
Romance social

Os romances sociais caracterizam-se pelo tom de denúncia social e pela


exploração dos aspectos constitutivos da sociedade, revelando as relações entre
culturas com apurada visão crítica, muitas vezes utilizando-se da ironia para o
tratamento das questões. É comum o uso de imagens fortes e de uma linguagem
ácida na construção das histórias e personagens.

Destacam-se no grupo João Ubaldo Ribeiro, autor de O sorriso do lagarto, Viva o


povo brasileiro e A casa dos budas ditosos; Ignacio de Loyola Brandão, Não
verás país nenhum e o impactante Zero; além de Raduan Nassar, que escreveu
Lavoura arcaica e Um copo de cólera.

Romance histórico

O romance histórico é identificado pela clara mistura entre ficção e realidade,


muitas vezes com inspiração biográfica, baseando-se em relatos e memórias
para desenvolver tramas ficcionais que correm em paralelo com acontecimentos
reais.

Entre os diversos autores do estilo, podem-se destacar Ruy Castro – Era no


tempo do rei –, Nélida Piñon – República dos sonhos –, Rubem Fonseca –
Agosto –, Fernando Morais – Olga – e Marcelo Rubens Paiva – Feliz ano velho.

Romance policial

Os romances policiais são verdadeiras máquinas de produzir best sellers.


Histórias sobre crimes e suas investigações, com suspense e surpresas são a
marca do maior escritor brasileiro do gênero, Rubem Fonseca, que escreveu os
notáveis A grande arte, O caso Morel, Bufo & Spallanzani, Feliz ano novo, entre
outros.

Romance fantástico

Também conhecido como realismo mágico, é uma das vertentes mais profícuas
da literatura mundial, contando com nomes consagrados no cenário das artes da
palavra. Apesar de gozar da preferência de autores latino americanos e
portugueses, o gênero não parece tão ao gosto dos leitores brasileiros, apesar
de o país contar com autores do quilate de Murilo Rubião, autor de O ex-mágico
e O pirotécnico Zacarias; e José J. Veiga, autor de Os Cavalinhos de Platiplanto
e O Risonho Cavalo do Príncipe.

O TEATRO NO BRASIL

O teatro brasileiro surge com os jesuítas no século XVI, com a finalidade de


ajudar na catequese dos índios. A encenação de autos como instrumento da
educação religiosa era o padrão daquele incipiente teatro. O século XVII marca
um declínio das atividades teatrais no Brasil, limitando-se a raras encenações,
normalmente por conta de festas e datas comemorativas.

Somente na segunda metade do século XIII o teatro passa a incorporar-se à vida


da população, com o surgimento das primeiras companhias teatrais. A fixação
dos locais de “teatro” contribui na continuidade da atividade; contudo, os atores
não eram bem vistos pela sociedade, era um trabalho relegado às pessoas das
classes mais baixas, em sua maioria mulatos. As mulheres eram proibidas de
participar das encenações, deixando os papéis femininos na representação dos
próprios homens, os chamados “travestis”. As montagens eram basicamente
peças estrangeiras como Molière e Voltaire entre outros.

Junto da família real veio a necessidade de melhores teatros; assim, as


companhias teatrais multiplicaram-se e os novos teatros passaram a encher com
o público local. O Romantismo contribuiu com essa ascensão teatral, produzindo
algumas obras nacionais e popularizando o teatro. Contudo, a maior parte das
apresentações era de origem europeia ou espetáculos musicais.

O século XX marca o surgimento de companhias estáveis, apesar da censura


imposta pela ditadura Vargas. Nomes como Procópio Ferreira, Jaime Costa,
Odilon Azevedo e Eva Tudor despontam no cenário da dramaturgia. Entretanto,
o teatro ainda seria marcado pelo popular “teatro de revista”, com suas vedetes e
fantasias sobre temas musicais.

Oswald de Andrade produziria a peça Rei da Vela enfrentando a censura de


Vargas, mas a peça, escrita em 1933, só foi levada aos palcos em 1967. O
teatro começava a desabrochar finalmente em suas raízes nacionais. As
primeiras companhias experimentais de teatro vão surgindo e, com elas, o
modelo estrangeiro da modernidade teatral.

O marco do teatro nacional surge com Nelson Rodrigues: antes dele, peças
estrangeiras, baseadas em modelos estrangeiros ou chanchadas populares
tinham lugar nos palcos do Brasil. Considerado por muitos como o “anjo
pornográfico”, foi o grande renovador das artes cênicas nacionais, introduzindo
seu estilo marcante e histórias fortes, repletas de incestos, suicídios e adultérios.
Além dos palcos, muitas de suas obras ganharam as telas dos cinemas como A
mulher sem pecado, Os sete gatinhos, Bonitinha, mas ordinária, A dama do
lotação e Beijo no asfalto.

O ano de 1948 marca o surgimento da Companhia Teatro Brasileiro de Comédia


– TBC –, que importou diretores e técnicos italianos, formando um conjunto de
alto nível e de repertório sofisticado: um teatro da burguesia para a burguesia.

A renovação modernista tardia acontece no pós-segunda guerra, especialmente


com a chegada do genial diretor polonês Zbigniew Marian Ziembiński,
considerado um dos fundadores do teatro brasileiro moderno, em especial pela
montagem que realizou da peça Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues.
Em 1953 foi criado o Teatro de Arena, como forma de garantir maior liberdade
para textos teatrais, cujo mérito maior foi a eliminação do preconceito que existia
contra o dramaturgo brasileiro, ao encenar peças nacionais. Seu caráter
contestador inspirou outros grupos nas décadas posteriores, como o Grupo
Oficina e o Grupo Opinião.

Já nos idos da ditadura militar, o teatro engessou-se, devido à forte censura a


que estava submetido, além das perseguições a inúmeros dramaturgos, atores e
diretores, levando-os ao exílio. O teatro contestador praticamente desapareceu,
voltando gradativamente a partir de 1976 e novas estéticas surgiram, como
aquelas provenientes das ideias de Augusto Boal, como o teatro do oprimido.
Dramaturgos como Gianfrancesco Guarnieri (Eles não usam black tie) e Dias
Gomes (O pagador de promessas, O Santo Inquérito, O bem amado, O berço do
herói) voltam-se às temáticas de denúncia social, muitas vezes com tons de
humor e utilizando o regionalismo como forma de “redescobrir” o Brasil. Muitas
dessas obras acabaram adaptadas para o cinema ou para a televisão e algumas
acabaram censuradas, só vindo a serem produzidas ou filmadas em meados dos
anos oitenta, como foi o caso de O berço do herói, adaptado como a novela
Roque Santeiro, exibida em rede nacional.

Com um enfoque absolutamente voltado ao regionalismo nordestino e à


exaltação de sua cultura e tradições, Ariano Suassuna destaca-se por criar o
Movimento Armorial, uma espécie de exaltação e elevação à arte erudita da
cultura popular do Nordeste. Com bom humor, mas sem afastar-se das questões
sociais e culturais marcantes da região, foi autor de obras geniais como O auto
da compadecida; O santo e a porca; O Romance d’A Pedra do Reino e O
Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.

ARTE CONTEMPORÂNEA
Este módulo busca apresentar um conjunto de estilos e estéticas artísticas
desde o início do século XX e que são frequentemente cobradas nas provas do
ENEM.

ABSTRACIONISMO

• Característica comum a vários estilos artísticos do século XX.

• Arte que não representa elementos ou formas da realidade.

• Preocupação com cores, texturas, movimentos e sensações espelhadas na


tela.

• Não é um movimento contemporâneo, mas uma espécie de “gênero” que


influenciou vários artistas do século XX.
NEOPLASTICISMO

• Abstracionismo geométrico.

• Redução da realidade às formas elementares.

• Uso de cores primárias.

• Linhas retas

• Ênfase na estrutura.

• Equilíbrio assimétrico.

ACTION PAINTING (GESTUALISMO)

• Estilo de “pintura automática”.

• Sinais e gestos de pintar como forma de expressão.

• Técnica artística autoral e subjetiva.

• Liberdade emocional na execução da obra artística.

• Velocidade de execução.
• Uso de materiais não tradicionais.

• Dripping – espalhar a tinta que cai diretamente do tubo sobre a tela ou em um


balde.

• Sobreposição de camadas de tinta

ARTE INFORMAL

• Conjunto de tendências abstratas da segunda metade do século XX.

• Recusa de representação da realidade.

• Experimentalismo artístico.

• Gosto pela mancha ao acaso.

• Obra aberta à leitura do espectador: nunca está terminada.

• Espontaneidade do gesto e o automatismo.

• Inexistência de planejamentos ou conceitos preconcebidos na obra: a


experiência da arte faz nascer a ideia, não o contrário.

HARD EDGE

• Transições bruscas entre cores.

• Delimitação clara e racionalmente planejada entre as áreas coloridas.


• Pintura “a máquina”, com precisão, nitidez e frieza.

• Contornos marcados e formas geométricas simples.

• Pintura impessoal.

OP ART

• Ilusões óticas.

• Menos expressão, mais visualização.

• O importante é causar impressão a quem vê a obra.

• Muitas das obras ignoram as cores e focam-se em formas em preto e branco


que podem criar ilusões.

• Sobreposição de imagens.

• Interação entre fundo e foco da obra.

POP ART

• Resgate do figurativismo.

• Captação de imagens e símbolos de produtos de mídia e da indústria.

• Crítica ou exaltação à sociedade de consumo.


• Transformação de elementos cotidianos em ícones artísticos.

• Repetições de imagens.

• Uso de cores marcantes.

• Colagens, serigrafia e outras técnicas de produção mistas.

• Referências a modelos de histórias em quadrinhos.

ARTE NAÏF

• Também chamada de “arte primitiva moderna”.

• Naïf significa “ingênuo”, “inocente”.

• Arte simples, sem técnicas acadêmicas.

• Intuição e expressividade.

• Falta de inserção em circuitos tradicionais.

• Temática variada.

• Ausência de filiação a círculos artísticos.


MINIMALISMO

• Caráter geométrico bi ou tridimensional.

• Redução formal e representação do básico.

• Busca a quebra de barreiras entre a pintura e a escultura, considerando o


espaço das obras e sua interação com o
ambiente.

• Simplicidade.

• Uso de objetos como espelhos, caixas de metal e até tijolos.

NEOEXPRESSIONISMO

• Representações emocionais e subjetivas.

• Mistura de tintas a materiais como areia ou palha, buscando texturas.

• Atualização do modelo expressionista – ligado à angústia europeia pré-guerras


– para o cenário das angústias
contemporâneas.

• Primitivismo figurativo e agressividade cromática.

• Arte híbrida com instalações, pinturas e performances.

• Na Itália, o estilo é conhecido também por “transvanguardismo”.


FOTORREALISMO (HIPER-REALISMO)

• Busca a fidelidade fotográfica.

• Uso da fotografia para a transposição para a pintura.

• Uso de “air brushes” e mesmo lápis de grafite comuns.

• Cenas de cotidiano, ambientes e produtos ligados ao desejo de um estilo de


vida confortável.

ARTE CONCEITUAL

• Valorização do conceito por trás de um objeto artístico.

• A própria ideia é a obra de arte.

• Herdeira do ‘ready made’ dadaísta.

• Utiliza-se de montagens de objetos retirados de seu contexto comum,


provocando ressignificações.

• As instalações possibilitam o espectador entrar na obra e fazer parte dela.

• Arte performática, em que o artista usa o corpo como expressão cênica

ARTE CINÉTICA

• Arte em movimento.

• A própria estrutura é o movimento.


• Objeto móvel.

• Efeitos de luz e sombra.

ASSEMBLAGE

• Designa objetos artísticos tridimensionais em que se incorporem diferentes


materiais

• Apesar de confundir-se muitas vezes com a colagem, vai além dela por conta
da diversidade de materiais.

• Estética da acumulação: todo material pode ser incorporado à obra de arte.

• Justaposição ou sobreposição de elementos.

INSTALAÇÃO

• Ambiente construído artisticamente.

• Interação com o espectador.

• Disposição específica de elementos no espaço.

• Foco na percepção e na experiência com o espectador.

• Diversidade material.

• Confunde-se por vezes com a assemblage e com o minimalismo


BODY ART

• O corpo é o suporte da arte.

• Corpo como meio de expressão.

• Associação à performance (sem participação do público) ou happening (com


participação do público).

• Articulação com diferentes obras de arte

ARTE URBANA (GRAFITE)

• Manifestações de intervenção nos espaços urbanos, tidos como sem vida.

• Cunho político-social.

• Intervenções em pintura de muros e fachadas, instalações em praças e


passeios, flash mobs e outras performances
em espaços públicos.

• Ícone da contracultura: retrata a resistência de segmentos minoritários da


população.

• Associa-se, portanto, a grupos (“tribos urbanas”) ligados a variados graus de


transgressão e resistência cultural.
SEMÂNTICA I: POLISSEMIA, AMBIGUIDADE,
DENOTAÇÃO E CONOTAÇÃO
Aprenda sobre Arte Contemporânea.

Veja esta tira, de Luis Fernando Verissimo:

(VERISSIMO, Luis Fernando. As Cobras. Porto Alegre: L&PM, 1997)

Nesta tira, Verissimo utiliza o conceito da palavra “semântica” para criar humor.
As palavras possuem certos sentidos que podem variar, dependendo do
contexto em que são empregadas.

Comumente, a Semântica é definida como o estudo do significado. No entanto,


como se sabe, esse vocábulo abarca várias acepções. Ogden e Richards (1972),
em “O significado de significado”, apontam para a ideia de que “o significado de
qualquer frase é aquilo que o locutor pretende que seja entendido, através dela,
pelo ouvinte.” Tal definição deixa implícito um conceito acerca do processo
linguístico: o sentido do texto está intrinsecamente ligado ao uso da língua em
uma situação de comunicação.

De fato, se a língua é um sistema que está em constante processo de


construção, sendo constituída por diversas vozes, nas variadas práticas
discursivas, é legítimo pensar que o mundo e o homem, que compõem esse
processo de referências da língua, também se constroem e se mantêm em
processo a cada enunciação. Sendo assim, analisar a língua sob o viés do
discurso é trazer para a discussão linguística a interação do homem e seu
mundo, atores que são, afinal, desse processo linguístico.

Assim, aspectos semânticos envolvidos na construção do sentido como a


polissemia, a denotação, a conotação, a homonímia, a sinonímia, a antonímia, a
paronímia, e ainda os campos semânticos devem ser analisados sob o olhar
discursivo, não podendo ser analisados sem se levar em conta, entre outros
fatores, as condições de produção do texto que abarca tais aspectos.

A POLISSEMIA

Polissemia, como mostram os próprios componentes da palavra (poli + sema +


ia), é a capacidade que o vocábulo apresenta de comportar várias significações.
Uma das funções da polissemia na construção linguística é economizar as
entradas lexicais numa língua, evitando a exacerbação de termos dentro de um
sistema linguístico e valorizando, de certa forma, a captação de sentido através
do contexto em que determinado signo está inserido.

A linguagem publicitária emprega com certa regularidade a polissemia como


recurso linguístico, interagindo com o contexto em que o produto está inserido.
Neste anúncio, retirado do site do Clube de Criação de São Paulo, o termo
“pulso”, como toda lógica discursiva, aponta para uma sequência que caminha
em direção a um enfoque biológico:

Pelo direcionamento argumentativo da frase, tem-se a palavra “pulso” entendida


como batimento, frequência respiratória. No entanto, quando se percebe que o
texto é um anúncio do relógio Rolex, há uma ressignificação do termo “pulso”,
que é, de fato, o local apropriado para o uso do relógio. O anúncio, de forma
criativa, legitima duas leituras: a biológica e aquela em que o termo “pulso”
amplia sua carga de sentido, ganhando expressividade dentro da especificidade
do anúncio.

CONOTAÇÃO / DENOTAÇÃO

A denotação compreende a união do significante e do significado da palavra. A


conotação possui outros significados acrescidos à palavra no plano de sua
expressão. Pode-se dizer que, na forma denotativa, “dicionarizada”, há a
significação objetiva, literal, referencial da palavra. Em contrapartida, a forma
conotativa da palavra expressa o sentido subjetivo, figurado, emotivo da palavra.
Os textos informativos possuem, predominantemente, a linguagem denotativa,
enquanto as propagandas, músicas e poemas caracterizam-se, principalmente,
pela linguagem conotativa.

A palavra “burro” é explorada em um significado diverso do uso comum: o


dicionário é muito bom ou é bom para pessoas ignorantes. Vale lembrar que há
um trocadilho intencional com a expressão “pai dos burros”, como se referem
aos dicionários.
• DENOTAÇÃO

– significação específica
– sentido comum, dicionarizado utilização do modo automatizado linguagem de
uso comum, concreto.

• CONOTAÇÃO
– significação ampla
– sentidos que ultrapassam o sentido comum, utilização do modo criativo
– linguagem de uso expressivo, abstrato.

A AMBIGUIDADE E SUA EXPRESSIVIDADE

As pesquisas sobre linguagem têm considerado a ambiguidade um fenômeno


até certo ponto bem delineado: é um fenômeno ligado a traços discursivos do
enunciado, ocorrendo sempre que uma mesma frase apresenta vários sentidos,
sendo, então, suscetível a diferentes interpretações. As causas da ambiguidade
podem ser de ordem fonética, gramatical ou lexical.

A ambiguidade de ordem fonética acontece quando uma unidade sonora é


pronunciada sem interrupção, tornando palavras diferentes potencialmente
ambíguas. Em português, é o caso de “agosto” – oitavo mês do ano – e “a gosto”
– locução adverbial.

A ambiguidade gramatical pode ser originada de forma bipartida: em um primeiro


caso, a ambiguidade se dá pelas formas gramaticais, em especial no emprego
de prefixos e sufixos que possuem mais de um sentido, como o prefixo in-, que
assume o sentido de negação em “inapropriado” e “incapaz”, por exemplo, e o
sentido de introdução, de movimento para dentro, como em “influir”, “ingerir”. Em
outro caso, a ambiguidade se dá pela combinação de palavras numa frase
equívoca. Servem como exemplo frases como (1) e (2):

(1) O pai trouxe este mapa da França para a filha.

(2) Vi uma foto sua no metrô.

A construção (1) torna-se ambígua na medida em que se podem observar duas


leituras da frase: o mapa caracteriza o território francês ou o mapa foi trazido de
lá. Sintaticamente, não está clara a relação estabelecida pelo termo “da França”,
se se liga ao substantivo “mapa” ou à forma verbal “trouxe”. Para a
construção (2), poderia haver até mais de duas leituras:

2.1 Eu estava no metrô quando vi uma foto em que você estava.


2.2 Eu estava no metrô quando vi a foto que você tirou.
2.3 Eu vi uma foto em que você estava no metrô.
Este caso, gerado pela combinação equivocada das palavras na estrutura frasal,
recebe o nome de ambiguidade sintática.

A ambiguidade de ordem lexical, considerada a mais importante dentre os


fatores de ambiguidade presentes na língua, assume duas formas diferentes – a
polissemia e a homonímia:

(3) Aquela carteira estava velha.

A palavra “carteira” pode assumir duas leituras: a de um objeto utilizado para


guardar documentos e um objeto utilizado para sentar-se, como uma carteira
escolar. Há outro tipo de ambiguidade a que alguns autores chamam de
ambiguidade discursiva. O duplo sentido, aqui, não reside na estrutura léxica,
nem na construção frasal, mas no sentido implícito do enunciado:

(4) Tenho 35 anos.

Tal enunciado, solto, não permite saber se o sujeito falante se considera velho
ou jovem. Fosse o sujeito um esportista, por exemplo, poderíamos considerá-lo
velho, pelas exigências da prática de determinado esporte; fosse um professor,
entenderíamos como a voz de um jovem com um futuro profissional pela frente.

Apesar de, no ideário linguístico, o discurso ambíguo ser tomado com um fator
negativo, a produtividade da ambiguidade, quando intencional, é um importante
recurso textual, valendo-se da condição interpretativa do receptor. Um bom
exemplo pode ser verificado nesta propaganda eleitoral “disfarçada” do ex-
deputado Eduardo Paes, que foi matéria de O Globo, em dezembro de 2001:

Verifica-se que a proximidade fônica do nome do deputado e da mensagem gera


uma ambiguidade intencional, reiterada, inclusive, pela marca da assinatura, que
é a mesma em “Paes” e “paz”. Como a propaganda política, fora do período
eleitoral, é considerada ilegal, os autores do cartaz souberam explorar as datas
festivas do final de ano para mandar o “lembrete” aos eleitores: no discurso
subentendido, “nas eleições de 2002, Paes.”

Dessa forma, o duplo sentido é visto como fonte importante de expressividade


no contexto linguístico e recurso muito utilizado na linguagem referencial, seja
em propagandas, em letras de músicas ou em charges. Esse recurso que a
língua oferece dá aos autores a possibilidade da exploração semântica de
aspectos verbais e não verbais, atraindo a atenção do leitor–ouvinte.
SEMÂNTICA II – CAMPO SEMÂNTICO, SINONÍMIA,
ANTONÍMIA, HIPERONÍMIA
Aprenda sobre Campo Semântico, Sinonímia, Antonímia, Hiperonímia e
Hiponímia.

CAMPO SEMÂNTICO, HIPONÍMIA E HIPERONÍMIA

Leia este enunciado:

Teve que comprar um computador, um monitor e uma impressora para trabalhar


em casa, pois, sem esse equipamento, não conseguiria dar conta do projeto.

Perceba que as palavras computador, monitor e impressora apresentam certa


familiaridade de sentido pelo fato de pertencerem ao mesmo campo semântico,
ou seja, ao universo da informática. Já a palavra equipamento engloba todas as
outras. No caso, dizemos que as primeiras são hipônimos e a última é um
hiperônimo.

Hipônimo e Hiperônimo são palavras que pertencem a um mesmo campo


semântico, sendo hipônimo uma palavra de sentido mais específico e hiperônimo
uma palavra de sentido mais amplo.

O humor da charge seguinte está intimamente ligado à concepção de campos


semânticos:

A charge trata da campanha decepcionante do Grêmio no Campeonato


Brasileiro de 2004, tendo inclusive sido rebaixado para a segunda divisão. Essa
leitura é legitimada pelas palavras que compõem o campo semântico do futebol,
como “gol”, “defesa”, “ataque”, e até “Adilson”, técnico do time durante o
campeonato. No entanto, o humor reside na escolha de outros vocábulos do
universo da informática, como “acesso ilimitado” e “conexão muito lenta”, o que
autoriza a esdrúxula solução de se pensar em um técnico de informática para
treinar o time e tentar salvá-lo do vexame. As unidades lexicais se avizinham de
tal forma que deixam claros os limites dos campos semânticos envolvidos no
contexto da charge: o do futebol e o da informática.

SINONÍMIA
Veja estes enunciados:

Comprei um carro zero km.


Comprei um automóvel zero km.

Os compêndios gramaticais assim caracterizam a sinonímia: Quando em


contextos diferentes uma palavra pode ser substituída por outra, sem alteração
semântica, dizemos que são sinônimas entre si.

Salvo uma linguagem técnica, não se pode, a bem da verdade, afirmar que
existam sinônimos perfeitos, pois a substituição de uma palavra por outra não se
dará em absolutamente todos os contextos. Vejamos as palavras “matar” e
“assassinar”: os verbos “matar” e “assassinar” são comumente vistos como
sinônimos, mas não admitem uma substituição integral, na medida em que o
primeiro apresenta traços semânticos que legitimam seu uso em contextos em
que estão envolvidos seres humanos ou não, enquanto o último apresenta
apenas um traço [+humano]. Pode-se matar um homem ou um inseto −
metaforicamente até mesmo um sonho − , mas “assassinar” só caberia no
primeiro caso.

O que chama a atenção, nesses casos, é a ideia de similaridade que se quer


apresentar. Veja um bom exemplo:

O vocábulo “locupletar”, definido como “enriquecer”, “tornar-se rico”, tem um


sentido similar a esses termos, mas não idêntico, na medida em que apresenta
um tom mais cerimonioso e, para uma compreensão integral, não pode ser
analisado fora de um contexto. Na charge, por exemplo, esse tom formal em que
se apresenta confere ao texto uma ironia, como se aquele ato cometido por ele –
o político – não fosse um ato de enriquecer ilicitamente, dada a pompa com que
se apresenta o item lexical.

Da mesma maneira, na sequência pronunciada pela população (“corrupto,


ladrão, f.d.p., safado”) as palavras não podem ser consideradas idênticas; se
tomadas isoladamente, não têm o mesmo significado de modo algum. Porém,
inseridas no contexto político que a charge apresenta, desempenham uma
função comunicativa bastante similar.

ANTONÍMIA
Numa definição muito ampla, o processo de antonímia se caracteriza por uma
relação de inversão de sentido entre dois termos, como em “grande” / “pequeno”
ou em “feio” / “bonito”.

Edward Lopes (2003) resume a abordagem sobre a antonímia, tratando a


relação de oposição entre itens lexicais como pares antônimos: “são antonímicos
dois termos, a e b, se as frases que obtemos, comutando-os, possuírem, sob
algum ponto de vista, sentidos opostos.”

Ilari e Geraldi (1985) não compartilham dessa definição. Para eles, as definições
tradicionais que tratam de sentidos “contrários” ou “opostos” implicam, antes,
uma dúvida e não esgotam essencialmente a questão da antonímia. É preciso,
portanto, investigar o que se
entende por oposição de sentido ou sentidos contrários.

Esses autores apontam o exemplo do par “nascer” / “morrer”, que não


representam, realmente, ações contrárias, mas dois momentos do processo de
viver: o começo e o término da vida. Da mesma maneira, aludem ainda os
autores ao par “chegar” / “partir”; os versos de Fernando Brant para melodia de
Milton Nascimento em “Encontros e despedidas” ilustram a oposição que capta
momentos diferentes de um mesmo processo: “chegar e partir são só dois lados
da mesma viagem / o trem que chega é o mesmo trem da partida”.

Em “abrir” / “fechar”, o procedimento é diferente. Não são momentos de um


mesmo processo, mas ações distintas pela direção e pelos resultados que
acarretam. É caso de “subir” / “descer”, por exemplo.

Há, ainda, segundo Ilari e Geraldi, o caso de “dar” / “receber”, que podem ser
analisados como a descrição de uma mesma cena, sob pontos de vista
diferentes quanto ao papel dos sujeitos gramaticais: o sujeito de “dar” é a fonte,
o sujeito de “receber” é o destinatário, papéis considerados incompatíveis na
cena proposta.

Assim, da mesma forma que o contexto é fundamental para estabelecer as


relações de sinonímia, igualmente o é para estabelecer as relações de antonímia
no âmbito discursivo. O anúncio a seguir, da Casa do Hemofílico do Rio de
Janeiro, traz a dimensão do processo antonímico ao nível do discurso:
O anúncio baseia-se num jogo de oposições. A principal delas se dá pela
oposição “vê” / “não vê” (sangue). A denotação empregada na primeira
construção, “ver sangue”, opõe-se à conotação da outra; “não ver sangue”
representa, aqui, não ter sangue disponível para uma transfusão.

A partir daí interagem as oposições secundárias, o interlocutor a quem se dirige


a mensagem (“você”) se opõe às milhares de pessoas que precisam “ver”
sangue. O traço individual se opõe ao traço coletivo. A gradação entre os verbos
“desmaiar” e “morrer” também forma uma relação de oposição, ratificando o
traço de banalidade da primeira atitude se confrontada com a outra.

Assim, apropriando-se do caráter polissêmico do signo, seja ele verbal ou não


verbal, o jogo discursivo do anúncio, representado pelos vocábulos envolvidos,
estabelece uma relação de oposição entre as duas atitudes presentes no
contexto.

O processo de oposição pode se dar, como já visto, em linguagem não verbal. O


anúncio a seguir, da joalheria Natan, serve de exemplo: o homem, careca,
oferece uma joia à mulher. Ao ver a joia, o homem aparece aos olhos dela,
agora, com cabelos e “pinta” de galã.

A campanha, que tem como conceito “o poder dos quilates”, trabalha com um
jogo discursivo baseado na oposição de sentidos na maneira como a pessoa que
dá o presente é vista por quem recebe. O “poder” da joia faz com que a pessoa
veja com outros olhos o doador do presente. Há, assim, uma aproximação com o
ditado popular “quem ama o feio bonito lhe parece”. Jocosamente, o amor aqui é
materializado pela joia da Natan.

O processo de construção de sentido, dessa forma, baseia-se em um contexto.


Assim como há uma sinonímia textual, há também uma antonímia textual,
ancorada no discurso. São os elementos presentes no anúncio – a joia e a
mudança estética do homem, por exemplo – que ajudam a representar a cena
composta por uma contradição dependente direta do contexto em que se insere.

HOMONÍMIA

Veja estes pares de palavras:

cem / sem
colher (verbo) / colher (substantivo)
manga (fruta) / manga (camisa)
Segundo os compêndios gramaticais, quando há duas palavras com a mesma
escrita ou o mesmo som, temos homônimos. Os homônimos podem ser
homófonos, quando o som é igual e a escrita é diferente: cem / sem;
homógrafos, quando a escrita é igual e o som é diferente: colher (v) / colher (s).
Quando há escrita e som iguais dizemos que são homônimos perfeitos: manga /
manga.

Por conta da imprecisão dos critérios em estabelecer uma diferenciação entre os


conceitos de polissemia e homonímia, é preferível abarcar a ideia de que tais
conceitos se relacionam, de fato – já que os fenômenos apresentam uma mesma
forma com vários sentidos, dependendo do contexto em que estão inseridos.
Contudo, é importante entender que a homonímia se realiza no plano diacrônico,
enquanto a polissemia no plano sincrônico. Assim, como afirma Valente (2001),
sincronicamente, a homonímia é uma polissemia, numa palavra com duas
significações. Dessa forma, o conceito de homonímia perfeita fica restrito a
investigações de cunho diacrônico, e a polissemia será investigada sob uma
perspectiva sincrônica.

PARONÍMIA

Palavras parecidas em escrita e pronúncia recebem o nome de parônimos. Os


pares “bocal” / “bucal” servem de exemplo: bocal, extremidade de lâmpada, por
exemplo, nada tem a ver com bucal, relativo à boca. No entanto, pela sua
proximidade gráfica e sonora, são parônimos. Essas palavras no português
costumam causar dificuldades ao falante. Alguns exemplos:

Eminente / Iminente Retificar / Ratificar Fragrante / Flagrante


Infligir / Infringir
Despercebido / Desapercebido
Inflação / Infração

É importante notar como esses aspectos semânticos podem ser expressivos na


construção da mensagem. Veja o exemplo a seguir:

Os sujeitos da charge são o Presidente do Banco Central no governo Lula,


Henrique Meirelles, e o robô, do filme estrelado por Will Smith, Eu, Robô.
Meirelles estava sendo acusado de sonegar fontes de renda, e a charge, por
meio de um processo de paronomásia, cria humor ao explicitar o jogo fônico da
palavra “robô” com a palavra implícita “roubou”.
INTERTEXTUALIDADE
Aprenda sobre Intertextualidade.

Leia este poema de Adélia Prado:

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os
subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.

Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a
sina. Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao
meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.

(PRADO, Adélia. Poesia Reunida. São Paulo: Ed. Siciliano, 1991.)

Compare-o com a primeira estrofe do Poema de Sete Faces, de Carlos


Drummond de Andrade:

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida. […]

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e Prosa.


Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguillar, 1983.)

O poema original de Carlos Drummond fala em um anjo, desses que vivem na


sombra, que anuncia: “Vai, Carlos, ser gauchena vida”. Gauche é a palavra
francesa que significa “esquerda” e, por extensão, é usada no sentido de
“desajustado”, “errado”. Para Adélia, ser esse “esquerdo”, “torto”, ou “andar fora
dos padrões” é coisa para homem. Para ela, mulher é desdobrável, é forte,
adapta se. O poema trata exatamente dessa mulher não idealizada, que vive o
dia a dia, que sofre, luta, tem tristezas, mas também alegrias: “Minha tristeza não
tem pedigree, / já a minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô.”
Essa mulher, reconhecidamente tolhida, “esta espécie ainda envergonhada”,
acanhada por não poder gritar seus anseios e desejos, mas que se reconhece
mulher: “Não sou feia que não possa casar, / acho o Rio de Janeiro uma beleza
e / ora sim, ora não, creio em parto sem dor”. E também faz valer seu traço mais
feminino, a emoção autêntica, visceral: “o que sinto escrevo”.

O poema Com licença poética, de Adélia Prado, dialoga com o poema Carlos
Drummond de Andrade. A essa relação entre dois textos dá-se o nome de
intertextualidade. Vejamos outro exemplo de intertextualidade para esse mesmo
poema de Drummond:

Let’s play that

Quando nasci
um anjo louco solto pouco morto veio ler a minha mão.
Não era um anjo barroco.
Era um anjo louco louco louco e com asas de avião.
E eis que o anjo me disse apertando a minha mão entre um
sorriso de dentes:
Vai, bicho, desafinar o coro dos contentes.

(NETO, Torquato. In CAMPEDELLI, Samira Youssef.


Poesia Marginal dos anos 70. São Paulo: Scipione, 1995.)

Sabendo que no texto de Drummond a palavra gauche tem o sentido de romper


com as tradições, ser “torto”, seguir fora dos padrões, percebe-se como se dá a
intertextualidade, o diálogo entre a postura do eu lírico dos dois poemas. Ambos
têm seu destino anunciado por um anjo. No primeiro texto, a ideia de um “anjo
torto, desses que vivem na sombra”; o segundo, um “anjo louco e com asas de
avião”. No poema de Drummond existe a referência contrária ao Romantismo, ao
lirismo do século XIX; no texto de Torquato Neto, a visão da modernidade
tropicalista da década de 60. No destino dos dois a mesma sentença: romper a
estrutura do convencionalismo, tanto social, quanto literário.

A música popular brasileira também parafraseou Drummond.


Veja este exemplo de Chico Buarque:
Quando nasci veio um anjo safado,
um chato dum querubim
e decretou que eu estava predestinado
a ser errado assim…

(HOLLANDA, Chico Buarque de. Até o Fim. CD Chico Buarque. Polygram,


1978).
Em seu ensaio Coesão e coerência em textos jornalísticos, o professor André
Valente explicita dois exemplos que tratam de uma intertextualidade a que
chama de implícita, pois fazem uma alusão a outros textos, sem
necessariamente repeti-los. Veja:

“Muito gogó e pouco trabalho, os males do governo são.”

(Elio Gaspari, Folha de S.Paulo, 30/05/99).

A intertextualidade se dá à medida que Gaspari alude à passagem de Mario de


Andrade em Macunaíma:

“Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são.”

Em outro exemplo, o professor Valente expõe um anúncio de uma loja de


roupas:

“A concorrência que nos desculpe,


mas beleza e preço baixo são fundamentais.
Aumente suas chances.”

Aqui, a intertextualidade se apresenta como uma referência aos versos do


poema Receita de Mulher, de Vinicius de Moraes:

“As muito feias que me desculpem,


mas beleza é fundamental.”

POSTO, PRESSUPOSTO, SUBENTENDIDO E INFERÊNCIA

O conceito de pressuposição está intimamente ligado ao jogo discursivo que a


linguagem constrói dentro de um contexto. Não há enunciado que possa ocorrer
fora de um contexto. Por isso, encara-se a descrição semântica como um
fenômeno heterogêneo que inclui além de fatores linguísticos, fatores
sociológicos e psicológicos, que participam da manifestação dos enunciados. Tal
fato permitiria fazer uma leitura mais abrangente de frases como “Que belo dia!”,
cujo sentido, às vezes, pode ser o de um dia péssimo para o autor da frase.
Dessa maneira, estabelece-se a diferença entre dois conceitos, o de conteúdo
posto e de conteúdo pressuposto. O posto revela a informação contida no
sentido literal na superfície da sentença; o pressuposto revela as informações
que são interpretadas a partir da enunciação das sentenças.

Tomemos a seguinte frase como demonstração:

Pedro deixou de fumar.

A ideia de que Pedro não fuma mais é o conteúdo posto, do


qual se infere o conteúdo pressuposto:
Pedro fumava antes.

Junto a esses dois conceitos básicos no jogo argumentativo, inclui-se o conceito


de implicatura, o que está subentendido, que se define como um tipo de
inferência pragmática baseada não no sentido literal das palavras, mas naquilo
que o locutor pretendeu transmitir ao interlocutor. No exemplo, se pensássemos
numa situação em que o locutor julga ser o interlocutor um contumaz tabagista, a
sentença poderia sugerir uma conselho implícito, por exemplo. Essa informação
estaria subentendida e não pressuposta.

A distinção do conceito de implícitos – pressupostos ou subentendidos – pode se


dar no plano sintático. Os pressupostos aceitam certas modificações sintáticas
como a negação e a interrogação, enquanto os subentendidos não aceitam tais
modificações:

Pedro parou de fumar?

É falso que Pedro parou de fumar.

Nas duas ocorrências, o conteúdo pressuposto se mantém: Pedro fumava antes.


Esse teste, normalmente, não se aplica ao sentido subentendido.

O pressuposto deve ser interpretado a partir de um conhecimento compartilhado


entre os interlocutores; a frase [Pedro parou de fumar] só fará sentido ao
interlocutor se ele souber previamente que Pedro fumava.

O subentendido deve ser interpretado a partir da intenção do interlocutor e a


partir do reconhecimento do jogo discursivo, o que está implícito em tal frase.

Veja um exemplo extraído de uma propaganda de lojas de roupas femininas:

“Se você pergunta pro seu marido se está linda, e ele responde que te ama de
qualquer jeito, tá na hora de falar com a gente.”

Repare que na fala do marido há um jogo linguístico implícito: se ele [o marido]


ama a mulher “de qualquer jeito”, percebemos a ideia subentendida de que ele
não concorda com o fato de ela estar linda, por isso a resposta que a ama de
qualquer jeito. Embora o marido não diga que não acha a mulher linda, tal ideia
fica subentendida pela resposta que ele dá a ela.

Leia este texto humorístico:

Adão e Eva

Um francês, um inglês e um brasileiro estão no Louvre, diante de um quadro de


Adão e Eva no Paraíso.

Dizia o francês:
– Olhem como são bonitos! Ela é alta e magra; ele, másculo e bem cuidado.
Devem ser franceses! E o inglês:

– Que nada! Veja os olhos deles, frios, reservados… só podem ser ingleses!

– E o brasileiro: – Discordo totalmente! Olhem bem: não têm roupa, não têm
casa, só têm uma maçã pra comer e ainda pensam que estão no paraíso. Só
podem ser brasileiros!

Os três personagens tiram conclusões a respeito do quadro que estão vendo


baseados em informações próprias. Estão, na verdade, fazendo inferências a
respeito de alguma coisa. Assim, inferir é o processo de raciocínio pelo qual se
conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.

No texto, os personagens inferem a origem de Adão e Eva a partir das


características típicas dos povos dos quais eles mesmos, os personagens, são
de origem.

Para se compreender uma mensagem e inferir corretamente uma ideia é preciso,


muitas vezes, que os interlocutores detenham informações anteriores ao diálogo.
Veja esta tira:

Note que Garfield faz uma referência a Van Gogh, pintor holandês nascido em
1853, um dos principais nomes da pintura mundial, que perdeu uma orelha. Sem
essa informação, o interlocutor teria dificuldade de entender o humor da tira. É
de Van Gogh o quadro abaixo:

O TEXTO E SUAS RELAÇÕES

Partindo-se da ideia de que o texto representa uma unidade comunicativa básica


entre interlocutores, pode-se inferir que não há texto sem intenção, pois esse é o
fator primordial da comunicação. Desta maneira, e inseridos em um contexto
maior, os enunciados ganham possibilidades de significação, quando
observados através da situação em que, por quem, para que e como é
produzido.
Na charge acima fica evidente a intenção crítica do autor. A superposição de
sentidos sociais do discurso, representada pelo pedido do turista em fazer do
caveirão seu transporte para passear pela cidade, revela o desejo do autor em
mostrar, de forma irônica, a banalização da violência e a sensação de
insegurança experimentada pelos cidadãos cariocas. O humor da tira é
ideológico e traduz um sentimento social de contrariedade à ineficiência das
autoridades em resolver os problemas da cidade.

É importante ressaltar que a manifestação individual comunicativa faz parte de


um conjunto social, submete-se a certa(s) ideologia(s), professando-a(s) ou
negando-a(s). A essa prática social de produção de textos chamamos discurso,
um conceito que deve sempre ser tomado como uma construção coletiva, social,
nunca individual, pois reflete a visão de mundo, o contexto social, histórico,
econômico e cultural desses interlocutores.

A conclusão a que se pode chegar é a de que não há discurso autônomo, visto


que sempre estará relacionado de alguma forma a outros discursos. É dessa
relação que se extrai o conceito de interdiscursividade, um conjunto de
referências ao texto, à situação de produção e às ideologias subjacentes
assumidas pelos discursos historicamente. É nesse espaço discursivo, em que
se inscreve a história, que são feitas as trocas sociais enunciativas.

Esse conceito diferencia-se do significado de intertextualidade, que apresenta


sentido mais restrito do que o anterior. O primeiro trata de contextos e
ideologias, ao passo que o último diz respeito à incorporação de um texto em
outro, sua citação ou sua recriação. Qualquer texto constrói-se, em verdade, a
partir de outros textos, absorvendo-os, remontando-os e transformando-os.
Caberá sempre ao leitor a tarefa de identificar a intertextualidade, pela
percepção dos elementos contextuais, o que faz baseado em seu conhecimento
de mundo, em sua memória social e em sua bagagem cultural.

A Mônica retratada por Maurício de Souza é uma referência ao famoso quadro


do pintor italiano Leonardo Da Vinci, a Mona Lisa. É necessário ao leitor o
conhecimento da obra original para compreender o intertexto. Ele se dá através
de elementos citados que devem ser relacionados ao contexto pretendido.
Assim, a posição da Mônica, suas roupas e o fundo fazem lembrar a obra-prima
de Da Vinci. Sem essa bagagem cultural, não seria possível o entendimento do
discurso pretendido pelo autor.

Tais referências podem ser explícitas ou implícitas. Deve-se considerar que texto
tem sentido amplo, podendo vir a englobar manifestações como música, pintura,
filme, novela etc. Ou seja, pode haver intertextualidade entre poesia e pintura ao
mesmo tempo em que há interdiscursividade na defesa de certas visões de
mundo, ainda que afastadas historicamente. Vale lembrar que a intertextualidade
implica interdiscursividade, apesar de o contrário não ser necessariamente
verdadeiro.

DIALOGISMO, POLIFONIA E HIPERTEXTUALIDADE

A linguagem sempre estabelece comunicação entre, pelo menos, dois seres,


dois discursos, dois textos. Segundo o teórico russo Mikhail Bakhtin “os
enunciados não são indiferentes uns aos outros, nem autossuficientes; são
mutuamente conscientes e refletem um ao outro… […] Cada enunciado refuta,
confirma, complementa e depende dos outros; pressupõe que já são conhecidos,
e de alguma forma os leva em conta.”

Deve-se entender o diálogo, portanto, como algo inerente à comunicação.


Textos escritos formam parte de uma discussão ideológica, na medida em que
responde e interage com discursos e textos anteriores. Isso nos leva a perceber
que existem vozes que dialogam e constituem a própria linguagem; mas que, por
outro lado podem vir a se manifestar em um mesmo texto, isto é, um mesmo
enunciado pode apresentar vozes polêmicas, dissonantes.

O discurso, por essa perspectiva, é sempre heterogêneo, incorporando um


conjunto de asserções atribuídas a outros enunciadores, aos interlocutores ou,
até mesmo, à opinião pública. Em certos casos as vozes são facilmente
percebidas por que seus discursos se opõem, vêm indicados por enunciadores
distintos e revelam contrariedade entre si. À multiplicidade de vozes e
consciências independentes em um mesmo enunciado dá-se o nome de
polifonia. Veja o que ocorre no verso de um maço de cigarros:

O discurso do Ministério da Saúde se opõe diametralmente ao do fabricante de


cigarros. Enquanto um tem o interesse no design e estilo conferido ao produto,
estimulando sua venda; cabe a outra voz denunciar e alertar os usuários dos
malefícios do consumo e dos riscos a que estão expostos. Essas vozes formam
um conjunto enunciativo, apesar de claramente opostas.

Outro conceito importante quando se fala sobre comunicação é o hipertexto. Sua


importância advém do fato de estabelecer um processo de enunciação não linear
e não hierarquizada, possibilitando ao leitor a multiplicidade de direções em sua
leitura, permitindo a formação de uma trama textual, sem que haja sequências
ou regras impostas à leitura. Nesse modelo de diálogo a construção
interdiscursiva não depende apenas do enunciador, pois o papel do interlocutor é
ativo, construindo sua própria cadeia relacional, gerando conexões que orientam
sua própria forma de entender os discursos.

Esses “saltos” são possibilitados por links, espécies de nós que conectam
discursos. Essa ideia – longe de ser algo contemporâneo (foi enunciada em
1945, por Vannevar Bush, apesar de o termo hipertexto só aparecer nos anos
sessenta) – parte da concepção de que nossos pensamentos, ideologias e
enunciados não se organizam de maneira hierárquica, mas formando teias em
que se associam concepções culturais, sociais e individuais. Essa rede é
formada por nossos conhecimentos e pelos quais saltamos intuitivamente,
interagindo de maneira interdiscursiva e intertextual de maneira associativa, não
linear.

TIPOS DE INTERTEXTUALIDADE

A intertextualidade pode manifestar-se de diferentes maneiras: seja por uma


citação direta, por uma sugestão, por recriação ou negação crítica da forma ou
conteúdo de outro enunciado. Podemos listar, sem a intenção de esgotar as
possibilidades de classificação, alguns tipos de intertextualidade.

• Alusão

Alusão é a “referência explícita ou implícita a uma obra de arte, um fato histórico


ou um autor, para servir de termo de comparação, e que apela à capacidade de
associação de ideias do leitor. […] Só pelo processo de reconhecimento e/ou re-
identificação desta relação por parte do leitor é que a alusão se pode tornar
efetiva, pelo que tem uma função mais exigente do que a mera citação. A alusão
difere desta ainda pelo fato de o seu sentido depender fortemente do contexto
em que está inserida. Por exemplo, no enunciado: ‘O meu clube alcançou uma
vitória de Pirro’, o leitor só poderá descodificar a associação estabelecida se
conhecer a história do célebre general grego que, após uma difícil vitória terá
afirmado: ‘Mais uma vitória como esta e estou perdido’. A alusão à vitória de
Pirro passou a significar em qualquer contexto um triunfo difícil.”(CEIA, 2008)
• Citação

A citação ocorre sempre que há reprodução de uma enunciação pertencente a


outro processo enunciativo. Essa citação pode ser ipsis litteris, isto é, com as
mesmas letras, na qual se reproduz exatamente o discurso citado; a citação
deve vir indicada por pontuação específica e referência ao autor do enunciado
original. Existe ainda a citação livre, conhecida por paráfrase, na qual a
reprodução se dá em função da significação, não só com as palavras realmente
pronunciadas, mas também com sua interpretação das condições de
enunciação.

• Epígrafe

Consiste em um pequeno texto ou fragmento em forma de inscrição destacada


que é posta no início de um livro, capítulo, poema etc. para lhe servir de tema,
mote ou motivação; para resumir o pensamento ou conjunto ideológico que será
apresentado. Por fim, ora vale como um lema, ora como elemento
causal/consequente do enunciado em questão. Veja o exemplo abaixo, a famosa
Canção do exílio, de Gonçalves Dias, na qual um fragmento do romance Os
Anos de Aprendizagem de Wilhem Meister, de Goethe serve de epígrafe:

Canção do Exílio

Kennst du das Land, wo die Zitronen bluhn,


Im dunkeln Laud die Gold-Orangem gluhn,
Kennst du es wohl? – Dahin, dahin!
Möch ich… ziehn.*
Goethe

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá

*Conheceis o país onde florescem as laranjeiras?


Ardem na escura fronde os frutos de ouro…
Conhecê-lo? – Para lá, para lá quisera eu ir!”

• Metáfrase e Paráfrase

Metáfrase pode ser definida como uma “tradução interpretativa de um texto, sem
prestar muita atenção à forma original do texto traduzido. É sinônimo de
paráfrase, por significar também explicitação de texto. (…) A escolha de palavras
e relação de ideias deve ser feita de forma a simplificar a mensagem e torná-la
compreendida eficazmente pelo ouvinte ou destinatário da explicitação. A única
diferença substancial entre uma metáfrase e uma paráfrase é a sua extensão: a
primeira exige uma redução do discurso ou contração do texto metafraseado; a
segunda amplifica o texto parafraseado.” (CEIA, 2008)

Simplificando, trata-se da reprodução explicativa de um texto, no qual se


mantêm basicamente as ideias originais, podendo acrescentar-se a elas
algumas ideias e impressões de quem parafraseia o texto. Ainda com o exemplo
da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, podemos ilustrar a paráfrase, realizada
por Osório Duque Estrada no Hino Nacional:

Canção do Exílio

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais
flores,
Nossos bosques têm mais
vida,
Nossa vida mais amores.

Hino Nacional Brasileiro

Do que a terra mais garrida


Teus risonhos, lindos
campos têm mais flores,
“Nossos bosques têm mais
vida”,
“Nossa vida” no teu seio
“mais amores”.

• Paródia

A paródia é a recriação de um texto com nítido objetivo de satirizar, contestar ou


ridicularizar um discurso específico. Há sempre uma ruptura com as ideologias
impostas na qual voz do texto original é retomada para transformar seu sentido,
levando o leitor a uma reflexão crítica de suas verdades incontestadas
anteriormente, desconstruindo enunciados e lançando dúvidas sobre dogmas
buscando uma verdade do raciocínio e da crítica. Contudo, essa desconstrução
intencional deve manter laços que identifiquem a paródia junto ao texto original.
Perceba que no comercial da Hortifruti são retomados elementos do texto
original como o modelo do sapato que, no anúncio é formado por quiabos e o
estilo tipográfico do título. A intertextualidade ainda é ajudada pela proximidade
fonética entre o par diabo/quiabo. O resultado é um texto humorístico que recria
o enunciado original servindo como mote à propaganda da rede varejeira.

• Pastiche

O pastiche é uma espécie de imitação, uma criação artística produzida pela


reunião e colagem de outros enunciados. É um processo de diluição textual que
se aproxima da sátira e da paródia, podendo até ser considerada como um tipo
de homenagem, no sentido em que demonstra a influência de um determinado
estilo ou maneira de produzir tal texto. Reafirma, assim o prestígio do original,
apesar de, por vezes assumir um caráter de provocação, a serviço da subversão
dos enunciados, desqualificando o sistema e os modelos vigentes, à semelhança
da paródia nesses casos.

Enfim, é uma imitação reiterativa, uma recorrência a determinados recursos, a


ponto de esvaziá-los de significação. Em um sentido mais pejorativo pode
confundir-se com o plágio. Um bom exemplo de pastiche são as novelas
mexicanas, apelidadas de “dramalhões”, em que as histórias de várias obras
seguem praticamente um mesmo desenvolvimento e apresentam uma mesma
construção.

• Plágio

O conceito de plágio é algo relativamente recente, já que a originalidade e a


autenticidade das obras artísticas tais como conhecemos hoje data do
Romantismo. O plágio consiste na apropriação indevida de texto, discurso ou
enunciado alheio apresentado como se fosse original ou de propriedade do
plagiador.

• Tradução

Segundo o dicionário eletrônico Houaiss, tradução é a “operação que consiste


em fazer passar um enunciado emitido numa determinada língua para o
equivalente em outra língua, ambas conhecidas pelo tradutor.” É de se esperar,
portanto, que a tradução seja um modelo intertextual mais neutro, com menor
interferência discursiva no enunciado original. Cabe ressaltar que a tradução
implica recriação do texto, principalmente nas obras literárias, a fim de manter-se
o estilo, a forma e as plurissignificações originais.

• Versão

É uma variante de um enunciado original, do qual se aproveita algum recurso


formal, mas no qual, geralmente, não há compromisso com o conteúdo do
discurso. Há vários exemplos no campo da música, em que artistas criam
canções originais a partir de melodias de sucesso; ficaram famosas as versões
das canções dos Beatles na década de 60. A versão não tem o compromisso da
tradução simples, possibilitando o autor recriar quase que por completo a obra
original se assim o desejar. O exemplo abaixo é típico da Jovem Guarda: Renato
e seus Blue Caps em uma versão dos Beatles.

All my loving

Close your eyes and I’ll kiss you


Tomorrow I’ll miss you
Remember I’ll always be true
And then while I’m away
I’ll write home everyday
And I’ll send all my loving to you
I’ll pretend that I’m kissing
The lips I am missing
And hope that my dreams will come true

And then while I’m away


I’ll write home everyday
And I’ll send all my loving to you

All my loving I will send to you


All my loving, darling, I’ll be true.

Feche os olhos

Feche os olhos e sinta


um beijinho agora
De alguém que não vive sem você
Que não pensa e nem gosta
De outra menina
E tem medo de lhe perder

Todo a…mor desse mundo


Parece querida
Que está dentro do meu coração

Por favor queridinha


Divida comigo
Um pouco da minha paixão

Coisa linda coisa que eu adoro


A gotinha de tudo que eu choro.

Alguns outros tipos de intertextualidade podem ser agrupados como métodos de


“reescritura” de textos. Entre eles, destacam-se:
• Perífrase – representa um circunlóquio, isto é, um rodeio de palavras; ocorre
especialmente quando se substitui um nome comum ou próprio por uma
expressão que a caracterize. Serve de exemplo a frase: “Os descobridores da
América hoje vivem em plena riqueza”, onde a expressão “os descobridores da
América” substitui “os espanhóis”.

• Resumo – pequeno texto em que é favorecida sua visão global do texto,


recapitulando seus principais pontos, argumentos e fatos apresentados.

• Sinopse – é um texto breve dos resultados da revisão, dirigido aos leitores não
conhecedores do tema ou do texto, limitando-se a descrever superficialmente
seu conteúdo.

• Síntese – é o tipo de texto produzido para reproduzir, em poucas palavras,


ideias presentes em um texto. Somente são aproveitadas na síntese somente as
concepções essenciais, desprezando-se todas aquelas secundárias ou
meramente explicativas.

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