Didelphis - EA
Didelphis - EA
Didelphis - EA
1590/1809-6891v24e-76165P
Ciência
Animal
Brasileira
Brazilian Animal Science e-ISSN 1809-6891
1
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, Espírito Santo, Brasil
*
Autor correspondente: [email protected]
Resumo
O objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos do enriquecimento ambiental alimentar no comportamento dos gambás-de-
orelha-preta que se encontravam em cativeiro no Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS), no município Serra,
no estado do Espírito Santo (ES), de agosto a outubro de 2022. Dois modelos alimentares foram construídos para o estudo:
os “Tubos Surpresa” e o “Quebra-Cabeça Alimentar”. Foram selecionados 24 gambás-de-orelha-preta, independente do
sexo, juvenis, divididos em oito grupos, com três animais cada, sendo quatro grupos expostos a um modelo e quatro ao
outro. Cada grupo foi submetido a duas condições: experimental, com a presença do modelo e controle, sem a presença do
modelo. Cada condição durou 24 horas e ocorreram em dois dias consecutivos. Foram filmadas com câmera trap, resultando
em 3233 vídeos, de 25 segundos cada. Para elaboração do etograma foram selecionados 24 vídeos de cada grupo, gravados
entre as 18h00 e 19h30hs, período em que os animais se mostraram mais ativos. Os gambás interagiram com os dois
modelos, acessando e comendo os alimentos escondidos, havendo preferência pela carne em comparação com a fruta. Não
houve diferença significativa no comportamento dos gambás em relação aos modelos e observou-se que o comportamento
agressivo diminuiu significativamente quando os modelos estavam presentes. Conclui-se que os modelos podem ser
utilizados como enriquecimento ambiental para os gambás-de-orelha-preta, trazendo benefícios para a diminuição do
comportamento agressivo.
Palavras-chave: Didelphis aurita; cativeiro; marsupial
Abstract
This study aimed to analyze the effects of dietary environmental enrichment on the behavior of black-eared opossums that
were in captivity at the Brazilian Wild Animal Screening Center (CETAS-ES), in the municipality of Serra-ES, Brazil, from
August to October 2022. Two food models were constructed for the study: the “Surprise Tubes” and the “Food Puzzle”. A
total of 24 juvenile black-eared opossums were selected, regardless of sex, and divided into eight groups, with three animals
each. Then, four groups were exposed to one model and four to the other. Each group was subjected to two conditions:
experimental, with the presence of the models, and control, without the presence of the models. Each condition lasted 24h
and occurred on two consecutive days. They were filmed with a camera trap, resulting in 3,233 videos of 25s. To construct
the ethogram, 24 videos of each group were selected, which were recorded from 18h to 19h:30, when the animals were more
active. The opossums interacted with both models, accessing, and eating the hidden food, preferring meat over fruit. No
significant differences were found in the behavior of opossums regarding the models, and the aggressive behavior
significantly decreased when the models were present. It is concluded that the models can be used as an environmental
enrichment for black-eared opossums, reducing aggressive behavior.
Keywords: Didelphis aurita; captivity; marsupials
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Noronha C E et al. 2023, Cienc. Anim. Bras., V24, e-76165P
invertebrados, pequenos vertebrados, como cobras, espécie(16-18). Essa técnica consiste em incorporar
ajudando no controle de animais peçonhentos(2). Quando elementos ao cativeiro que possam reproduzir o habitat
ameaçados, os gambás-de-orelha-preta não costumam natural da espécie, possibilitando que os animais exerçam
atacar, porém apresentam comportamento agressivo que atividades comuns da vida livre, como locomoção,
inclui abrir a boca, mostrando os dentes e/ou emitindo forrageamento, construção de abrigos, entre outros.
vocalizações características(3-4). Além disso, podem Segundo Mcphee et al.(19) existem 5 tipos de
apresentar o comportamento de fingir-se de mortos enriquecimento ambiental:
(tanatose) e liberar um odor fétido, simulando condições Enriquecimento Físico: Diz respeito à estrutura
impróprias de consumo, o que faz com que o predador física do recinto, o local onde os animais estão inseridos.
perca o interesse em predá-lo(5). Para este tipo de enriquecimento, faz-se a introdução de
Os gambás-de-orelha-preta conseguem viver tanto elementos para que o recinto se assemelhe o máximo
na terra como no alto das árvores, agarrando e escalando possível com o habitat original do animal. Como
galhos, pois além de uma cauda longa e preênsil, possuem exemplo, se tem o uso de galhos, substratos, vegetação,
mãos e pés curtos, com cinco dedos, sendo o primeiro plataformas.
dedo do pé desprovido de garra ou unha(6). Por conta de Enriquecimento Sensorial: Esse tipo de
sua plasticidade ecológica, demonstram grande eficiência enriquecimento é um dos mais utilizados e consiste na
adaptativa aos mais variados hábitats, se adequando estimulação dos cinco sentidos dos animais: visual,
facilmente ao ambiente modificado pelo homem, auditivo, olfativo, tátil e gustativo. Nesse enriquecimento
incluindo zona rural e urbana(7). usa-se ervas aromáticas e sons com vocalizações, por
Mesmo com a criação de leis para proteger a fauna exemplo.
brasileira, como a lei 5197/1967 e a 9.605/1998, os Enriquecimento Cognitivo: É o enriquecimento
abusos e maus tratos, caça ou apanha de animais silvestres voltado para a estimulação das capacidades intelectuais
ainda são amplamente praticados. Quando se trata dos dos animais, sendo feito por meio de brinquedos ou
gambás-de-orelha-preta, estes morrem por ataques de dispositivos, nos quais os animais são motivados a
animais domésticos e por atropelamentos(8-11) ou são manipular para conseguir uma recompensa.
agredidos e até mortos quando entram em contato com os
Enriquecimento Social: Está ligado a interação
seres humanos.
intraespecífica ou interespecífica que pode acontecer
Em um contexto de cativeiro são vários os fatores dentro do recinto. Nesse enriquecimento, os animais têm
que comprometem o bem-estar animal. O estado de bem- a oportunidade de interagir com outras espécies com as
estar dos animais em cativeiro é um atributo que está quais naturalmente conviveriam na natureza ou com
vinculado à sua qualidade de vida e à maneira como eles indivíduos da mesma espécie.
interagem com o meio ambiente circundante. Os animais
Enriquecimento Alimentar: Está relacionado ao
enfrentam desafios potenciais nestas interações
modo como os animais são alimentados no cativeiro. Em
relacionadas à presença de situações que podem levar à
geral, tenta-se oferecer uma alimentação mais próxima à
frustração, escassez ou excesso de estímulos(12). Nesse
encontrada na natureza, por meio de carcaças, alimentos
sentido, a incorporação de técnicas de enriquecimento
escondidos ou mudanças nos horários de alimentação de
ambiental surge com o propósito de aprimorar o bem-
rotina.
estar dos animais em cativeiro por meio de estímulos
ambientais adequados que reproduzem situações naturais. Considerando os escassos relatos de
Busca-se criar um ambiente mais enriquecedor e enriquecimento ambiental voltados para marsupiais em
interativo(13), o que permite a expressão de cativeiro, principalmente para as espécies sul-americanas,
comportamentos característicos de cada espécie, o objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos do
influenciando positivamente tanto no desenvolvimento enriquecimento ambiental do tipo alimentar no
físico quanto psicológico do animal(14). Além disso, o uso comportamento dos gambás-de-orelha-preta, a fim de
de estratégias de entretenimento, a partir do uso de contribuir com melhorias no trato desta espécie mantida
brincadeiras ou propostas cognitivas de maior em cativeiro.
complexidade, também favorece a adequação do
ambiente de cativeiro, proporcionando o bem-estar dos
animais(15). 2. Materiais e métodos
O enriquecimento ambiental, área do 2.1 Área de Estudo
comportamento animal reconhecida por Yerkes e A pesquisa teve como área de estudo o Centro de
Hedinger na primeira metade do século XIX, estuda a Triagem de Animais Silvestres (CETAS) pertencente ao
importância do ambiente físico e social para o bem-estar IBAMA- ES, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
de animais cativos ao fornecer artifícios que permitem Recursos Naturais Renováveis, localizado na Área de
que estes expressem o comportamento natural da
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Proteção Ambiental (APA) da Lagoa Jacuném, em esparadrapo na pata esquerda, o segundo animal recebeu
Barcelona, no município de Serra- ES. A pesquisa foi um esparadrapo na pata direita e o último animal não
autorizada a partir do despacho de n° 12950928/2022 e do recebeu marcação.
processo de n° 02009.000902/2022-13, publicado no
2.2.2 Enriquecimento alimentar
sistema do IBAMA.
O CETAS- IBAMA - ES é uma unidade que tem O enriquecimento alimentar foi realizado por meio
como finalidade receber, identificar, marcar, triar, avaliar, da introdução de alimentos escondidos em recipientes
recuperar, reabilitar e destinar os animais silvestres especialmente construídos para o estudo, conhecidos
saudáveis de volta à natureza(20). No Estado do Espírito como modelos, os quais foram adaptados para atender às
Santo, estes animais são provenientes de ações necessidades específicas dos gambás-de-orelha-preta (D.
fiscalizatórias, resgates ou entregas voluntárias de aurita).
particulares, oriundos da região da Grande Vitória, que Modelo 1 - “Tubos surpresa”
compreende os municípios de Vitória, Vila Velha,
Cariacica, Viana, Guarapari, Serra e Fundão. Criado a partir do modelo elaborado pela
cuidadora animal Aisa Coco(22) para Procyon lotor
Os gambás-de-orelha-preta são recebidos no
(guaxinim), o modelo “Tubos Surpresa” consiste em um
CETAS– ES por apreensão da fiscalização, resgate ou por
retângulo de madeira de 20,5 cm x 25,5 cm no qual foram
particulares e em geral, são vítimas de ataques de animais
colados pequenos canos de PVC de diferentes formatos
domésticos, atropelamentos ou choques elétricos. No
CETAS, eles passam então, por procedimentos: são (Figura 1). O alimento (ração, carne e frutas) era
escondido dentro dos canos, incentivando o animal a se
pesados, sexados, vistoriados e avaliados pelos tratadores
movimentar para alcançar a comida.
e/ou pelos voluntários do Projeto Marsupiais e alocados e
mantidos em recintos (74 cm x 70 cm x 76 cm) onde ficam
até estarem aptos para soltura. O Projeto Marsupiais, faz
parte do Instituto Últimos Refúgio, organização
socioambiental e cultural sem fins lucrativos, que desde
2017 atua na conservação dos marsupiais brasileiros e
tem parceria com o CETAS-ES para recepção e
reabilitação desses animais(21).
Por serem onívoros, os gambás-de-orelha-preta
recebem diariamente como alimentação, frutas como
banana, maçã, laranja, mamão e uva, e três vezes por
semana, recebem carnes que podem ser de codorna ou de
rato. A limpeza dos recintos é feita todos os dias pela
manhã, na mesma hora em que a água dos bebedouros é
trocada e os restos de alimento dos comedouros são
retirados. Quando filhotes, recebem locação e
alimentação especial, composta por leite de cabra batido
com diversas frutas e oferecida em seringas de 1ml. Caso
estejam em ninhadas, estas são mantidas necessariamente
juntas.
2.2 Condições Experimentais Figura 1. Fotos do Modelo 1 - “Tubos surpresa”.
2.2.1 Os Animais
Modelo 2 - “Quebra-Cabeça Alimentar”
Para a realização do experimento, foram
selecionados um total de 24 gambás-de-orelha-preta, O modelo “Quebra-Cabeça Alimentar” foi
entre machos e fêmeas, juvenis e com peso variando entre proposto por Banton-Jones(23) para ser utilizado com
58g e 142g, em avaliação no CETAS-ES. Durante o cangambás (Mephitis mephitis). Consiste em uma caixa
experimento, os gambás foram divididos em oito grupos, de madeira com dimensões de 23,5 cm x 12 cm x 8,5 cm,
sendo cada grupo compostos por três animais (Tabela 1) e que contém três caixinhas menores medindo 5 cm x 5 cm,
alocados em uma gaiola com as dimensões de 74 cm x 70 cada uma com uma tampa com alça (Figura 2). Os
cm x 76 cm (Figura 3). Os grupos foram formados de alimentos eram armazenados separadamente nas caixas
acordo com a chegada dos animais ao CETAS- ES, de menores, criando um estímulo para que o gambá tentasse
forma que alguns grupos foram compostos por animais de abrir as caixas e obter o alimento.
mesma ninhada. Para identificação, cada gambá do grupo
era marcado individualmente; o primeiro animal recebeu
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Nota: * Os indivíduos que foram selecionados para compor esses grupos são originários de diferentes ninhadas. ** 1° condição experimental (presença do modelo) antes da
condição de controle; 2° condição de controle antes da condição experimental (ver texto para explicação detalhada).
noturna. A câmera foi posicionada do lado de fora da de outubro de 2022, iniciando às 16h30 e finalizando às
gaiola, com o apoio de um tripé, voltada para o modelo de 4h da madrugada. A câmera foi programada para ser
enriquecimento alimentar (Figura 3). Considerando que acionada por movimentos dos animais e cada gravação
os gambás possuem hábitos crepusculares e noturnos(24), tinha a duração de 25 segundos.
as filmagens ocorreram no período de 27 de agosto a 22
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Tabela 2. Comportamentos identificados nas gravações dos Didelphis aurita e suas respectivas definições
Categoria comportamental Comportamento Descrição
O gambá permanece parado na gaiola, fazendo movimentos regulares com a
1- Explorar o Ambiente (Parado)1
cabeça, de um lado para o outro, como se estivesse cheirando o ar.
O gambá se locomove pelo recinto fazendo movimentos regulares com a
Exploratório 2- Explorar o Ambiente (Andando)1
cabeça, de um lado para o outro, como se estivesse cheirando o ar.
O gambá se locomove sobre ou ao redor do modelo, olhando, cheirando,
3- Explorar o Modelo1
mordendo ou manuseando o modelo com as mãos.
O gambá leva o alimento até a boca com as mãos ou pega o alimento com a
4- Comer1*
boca e o ingere.
Alimentar
5- Beber1 O gambá ingere água que se encontra na tigela.
13- Carregar Objeto com o Rabo1 O gambá utiliza o rabo para levar o objeto de um lugar ao outro.
O gambá utiliza as mãos ou boca para pegar o alimento e levá-lo de um lugar
14- Carregar Alimento com a Mão/Boca1
ao outro.
15- Carregar Objeto com a Mão/Boca1 O gambá utiliza as mãos ou boca para levar um objeto de um lugar ao outro.
16- Interação Social Agressiva1 Morder, arranhar, roubar comida de outro animal do grupo.
Social 17- Interação Social Pacífica1 Cheirar e olhar outro animal dentro do grupo.
18- Olhar para outro animal da gaiola ao lado1 Contato visual direto com outro animal do grupo do recinto ao lado.
Nota: Os comportamentos que possuem o número 1 sobrescrito indicam um estado enquanto os que possuem o número 2 um evento. * No caso do comportamento de
“Comer”, os alimentos eram oferecidos em tigelas durante a condição de controle e no modelo em condição experimental. Em todas as condições foram oferecidas carne,
frutas e ração.
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Dessa forma, utilizando somente os vídeos observou-se também que o gambá sobrevivente se
gravados entre 18h00 e 19h30hs, período em que os locomovia de forma acelerada por toda a gaiola e não
animais se mostraram mais ativos, os comportamentos interagiu com o modelo. Não foi encontrado no CETAS-
foram identificados e categorizados, para, assim, serem ES nenhum documento sobre a causa mortis dos dois
descritos em um etograma (Tabela 2). Os gambás.
comportamentos observados foram categorizados como Apesar de estarem presentes no etograma, por
evento ou estado. Quando evento (comportamentos terem sido observados na primeira análise de todos os
curtos), registrou-se a frequência da ocorrência dos vídeos, os comportamentos de carregar alimento/objeto
comportamentos e quando estado (comportamentos com o rabo não foram observados nos vídeos
prolongados), a duração dos comportamentos. selecionados para a análise quantitativa e, por isso, não
constam na Tabela 3. Ademais, foi presenciado o
3. Resultados comportamento de carregar objeto com a boca, no qual as
tampas das caixinhas do modelo “Quebra-Cabeça
3.1 Resultados Qualitativos Alimentar”, além de galhos e folhas, foram levadas para
Observou-se que em dois dos quatro grupos dentro da toca.
apresentados ao modelo “Quebra-Cabeça Alimentar” as 3.2 Resultados quantitativos
três caixinhas foram abertas e os gambás comeram toda a
comida. Nos outros dois grupos apenas uma das Foram comparados a frequência e a duração dos
caixinhas foi aberta, uma continha ração e a outra comportamentos dos gambás na presença (condição
continha carne, as demais permaneceram fechadas. experimental) e na ausência do modelo (condição de
Quanto aos grupos apresentados ao modelo “Tubos controle) usando os Testes de Friedman (Tabela 3).
Surpresa”, observou-se que os gambás introduziam o Observou-se que houve diferença significativa entre as
focinho nos buracos dos canos para alcançar a comida, e, condições experimental e controle em apenas duas
sendo assim, acessaram com mais facilidade o alimento. categorias comportamentais: interação social e
Não foi encontrada nenhuma comida em nenhum dos comportamento de comer.
grupos no momento da retirada do modelo “Tubos Na categoria interação social, verificou-se que
Surpresa”. houve mais interações agressivas que passivas (Tabela 3).
Outro comportamento observado nos oito grupos As comparações post-hoc com a correção de Bonferroni
de gambás-de-orelha-preta foi a relação entre o tamanho mostraram que houve significativamente mais interação
dos animais e a facilidade para se alimentarem nos agressiva que interação passiva na presença (t = 4.32 p <
modelos de enriquecimento apresentados. Os D. aurita .001) e na ausência do modelo (t = 3.24 p = .011). No
com tamanho e peso maiores tiveram mais facilidade em entanto, quando comparadas as condições experimentais
abrir as caixinhas do modelo "Quebra-Cabeça e controle, houve significativamente mais interação
Alimentar", usando na maioria das vezes a boca, agressiva na ausência do modelo que diante do modelo (t
enquanto os gambás menores apresentados ao mesmo = 3.51 p = .005). O tamanho do efeito foi moderado (W
modelo, além de terem demorado mais tempo para abrir de Kendall = 0.3).
as caixinhas, conseguiram abri-las acidentalmente, após Houve diferença na duração do comportamento de
esbarrarem nas caixas, e, assim, tiveram acesso aos comer e os gambás comeram mais carne que frutas.
alimentos. Em contrapartida, no modelo “Tubos (Tabela 3). As comparações post hoc mostraram que
Surpresa", os gambás menores tiveram mais agilidade e houve significativamente maior consumo de carne que de
facilidade em alcançar a comida que estava dentro dos fruta diante do modelo (t = 3.01 p = .02). No entanto, o
tubos ao introduzir o focinho nos buracos do cano e, tamanho do efeito foi pequeno (W de Kendall = 0.16).
adentrando nos espaços entre os tubos, enquanto os Quando comparada a frequência e a duração dos
gambás maiores tiveram mais dificuldade em alcançar a comportamentos na presença do modelo Tubos e do
comida. modelo Quebra-Cabeça usando Testes de Mann-Whitney
Durante a filmagem da condição experimental de nenhuma das comparações alcançou diferença
um dos grupos submetido ao modelo “Quebra-Cabeça estatisticamente significativa. Observa-se na Tabela 3 que
Alimentar”, dois gambás vieram a óbito. Foram os valores dos desvios padrão foram relativamente altos
encontrados mortos na gaiola, próximos a entrada da em relação às médias, indicando variação individual na
toca, no início da manhã pelo tratador do CETAS-ES que frequência e duração dos comportamentos. A ausência de
os recolheu, não sendo possível portanto, ver se havia significância na maioria das comparações realizadas
lesões aparentes, deixando a causa da morte inconclusiva. (entre as condições experimental e controle e entre os
Por conta disso, foi necessário iniciar uma nova modelos) pode estar relacionada com essa grande
filmagem, com novos exemplares e os dados desse grupo variabilidade comportamental observada entre os
não foram utilizados para a análise. Nas filmagens indivíduos.
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Tabela 3. Frequência e duração dos comportamentos dos gambás na presença (condição experimental) e na ausência do modelo
(condição de controle).
Explorar o
Exploratório Ambiente 119.219 93.206 82.425 45.164 52.673 33.624 81.778 65.568
(Andando)
Explorar o
21.433 17.586 - - 74.673 79.108 - -
Modelo
Comer Ração 14.495 37.648 20.089 34.724 3.562 7.872 47.664 74.131
Comer Carne 95.747 88.004 59.070 71.083 72.973 85.843 28.464 52.596
Alimentar
Comer Frutas 30.106 62.699 39.232 42.629 10.748 17.919 55.529 46.878
Beber 2.760 4.406 2.395 3.403 8.951 9.493 4.397 6.531
Manutenção Limpeza 13.353 17.991 25.411 31.024 20.769 22.309 10.041 22.887
Corporal Bocejo 0.083 0.289 0.250 0.622 0.250 0.452 0.333 0.651
Escalar 80.082 57.633 69.420 65.381 31.087 43.842 52.110 53.191
Manipulação das
3.442 6.461 3.787 7.765 1.780 6.168 1.394 3.911
barras da gaiola
Entrar na Toca 1.167 0.937 1.583 1.165 1.000 1.044 1.667 0.778
Deslocamento Sair da Toca 1.167 0.937 1.583 1.165 1.000 1.044 1.667 0.778
Carregar Alimento
1.358 2.027 2.583 5.210 2.331 4.624 2.325 7.359
com a Mão/Boca
Carregar Objeto
2.388 7.266 1.284 3.962 0 0 0 0
com a Mão/Boca
Interação Social
16.386 14.164 42.244 143.540 5.876 6.060 1.754 4.470
Agressiva
Social
Interação Social
0.748 1.873 0.874 1.339 0.816 2.139 1.493 2.231
Pacífica
participantes, num grupo em que só havia fêmeas juvenis ausência do modelo indica que o enriquecimento pode
excluindo a possibilidade de gestação ou de ter um efeito na diminuição do comportamento agressivo
amamentação de filhotes, verificou-se posteriormente dos gambás. Este resultado fornece suporte a hipótese de
que o animal havia utilizado a caixa para forragem da que o enriquecimento ambiental pode promover o
toca. Viu-se que esta fêmea carregou para dentro da toca, aumento do bem-estar dos animais em cativeiro.
além da tampa, galhos e folhas, dormindo sobre os Os gambás-de-orelha-preta são considerados
objetos que tinha levado. animais de comportamentos solitários e antissociais e,
A morte dos dois gambás, foi considerada um fato normalmente, tendem a evitar o contato com outros
inesperado, pois não é comum no CETAS-ES indivíduos da mesma espécie, agindo de forma agressiva
exemplares juvenis virem a óbito se comparado com quando em contato com outro, exceto durante os
exemplares neonatos. Os exemplares que morreram, já períodos de reprodução(31). Neste estudo, não foi
estavam a pelo menos uma semana no CETAS-ES, eram observado nenhum comportamento de sociabilidade
de ninhadas diferentes e no início das gravações quando entre os gambás-de-orelha-preta, mesmo nos grupos com
expostos a condição experimental no “Quebra-Cabeça juvenis de mesma ninhada, confirmando o hábito
Alimentar”, mostraram-se saudáveis. De acordo com a solitário comum da espécie. Alguns gambás reagiam de
pesquisa de Baggio(28), o comportamento agonístico e forma defensiva quando outro gambá se aproximava
antissocial, comum nos representantes do gênero para pegar o alimento, ameaçando morder ou avançando
Didelphis, já está presente no estágio de para afastá-lo. Desta forma, a diminuição do
desenvolvimento juvenil. A autora estudou gambás em comportamento agressivo na presença dos modelos é um
cativeiro e observou que animais jovens devem ser indicativo de melhora da qualidade de vida dos animais
separados em ambientes diferentes, visto que podem em cativeiro.
ocorrer disputas, brigas e até canibalismo. Ela relata que Além disso, os resultados também indicaram um
observou alguns gambás juvenis escapando do recinto consumo significativamente maior de carne em
em que estavam e entrando em outro onde estavam comparação com frutas pelos gambás-de-orelha-preta.
gambás mais jovens e presenciou um exemplar se De acordo com Santori et al.(32) a preferência de D. aurita
alimentando de um dos animais. Em outra pesquisa, a de por determinado tipo de alimento ainda não está
Kajin et al.(29), que estudaram uma população de gambás- estabelecida claramente, pois as informações disponíveis
de-orelha-preta em uma área de Mata Atlântica no sobre os hábitos alimentares desses animais são
Estado do Rio de Janeiro por 9 anos, foi observada uma provenientes de análises dos conteúdos fecal e
maior taxa de mortalidade em gambás lactantes e jovens, estomacal, além da observação direta. Carvalho et al.(33)
enquanto que para adultos, os valores encontrados foram relatam que apesar do consumo de proteínas, proveniente
mais baixos. Os autores relatam que a alta mortalidade da ingestão de artrópodes, ter sido um dos itens
de neonatos pode estar ligada a estratégia reprodutiva principais da alimentação dos gambás-de-orelha-preta
dos marsupiais, onde há pouco investimento na gestação por eles analisados, não houve diferenças significativas
e grande investimento na lactação o que possibilita que a em relação a uma alimentação composta de frutas e/ou
morte de gambás lactantes se torne comum por ser esse sementes, quando comparados animais de diferentes
estágio da vida mais crítico para a sobrevivência. No estações climáticas, sexos, classes de idade e fragmentos
caso dos filhotes desmamados, os autores explicam que de habitat. Por sua vez, Hsu et al.(34) e Hume(35) relatam
a alta taxa de mortalidade pode ocorrer pela em suas pesquisas, que o gambá-da-Vírginia (Didelphis
vulnerabilidade ainda presente nesse estágio de vida. virginiana), parente próximo do gambá-de-orelha-preta,
4.2 - Discussão dos resultados quantitativos e com hábitos alimentares semelhantes a D. aurita, é um
onívoro oportunista e que no ambiente cativo pode ser
Esperava-se obter mais diferenças significativas mantido a base de ração para cachorro, suplementada
entre as condições com a presença e ausência dos com alimentos mais naturais, como frutas e grilos.
modelos, especialmente nos comportamentos como
Por ser comum o consumo generalista de
explorar o ambiente, uma vez que esses ocorreram com
alimentos por parte dos D. aurita, eles se adaptam
frequência. Os gambás-de-orelha-preta são conhecidos
facilmente a diferentes tipos de dietas(36-37). A
por apresentar uma intensa atividade escansória, ou seja,
alimentação dos gambás-de-orelha-preta está
grande habilidade de escalação, como relatam Vieira e
diretamente relacionada com a disponibilidade de
Camargo(30). Os valores relativamente altos dos desvios-
alimentos, assim, uma hipótese pela preferência pela
padrão indicam que o comportamento variou bastante ao
carne, como foi observado no presente estudo, atende
redor da média, apontando grande variação individual, e,
aos quatro fatores que influenciam na escolha alimentar
assim, sugerindo que estudos com amostras maiores
de um animal, conforme Owen(38): disponibilidade,
possam avaliar as diferenças entre os modelos e entre as
palatabilidade, acessibilidade e o retorno energético
condições experimental e de controle. A ocorrência
obtido com o alimento.
significativa de mais comportamento agressivo na
Noronha C E et al. 2023, Cienc. Anim. Bras., V24, e-76165P
natural Behaviors in Captive Mammals. In: Kleiman DG, 29 Kajin M, Cerqueira R, Vieira MV, Gentile R. Nine-year de-
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