Grandes Líderes Da História - Che Guevara - Jul24

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Clube de Revistas

Grandes Líderes da História 1


Clube de Revistas

2 Grandes Líderes da HistóriaChe


Clube de Revistas

A capacidade de
se indignar
A imagem do herói guerrilheiro disposto a tudo – tudo mesmo, até a morrer – para ver
concretizados seus ideais perdeu muito de sua força. Como bem ressalta Claudio Blanc ao lon-
go desta edição, Che Guevara tornou-se um produto de consumo, um produto que, ironica-
mente, alimenta o mesmo capitalismo a que ele tanto se opôs.
Só que, mesmo que, no mundo de hoje, essa essência rebelde não seja genuína nem pos-
sível de ser resgatada, dela sobrou algo fundamental, que faz que um ser humano se torne
realmente o sujeito da sua história: a capacidade de se indignar.
Ao indignar-se, o homem deixa de ser refratário, de reagir como se estivesse anestesiado
diante de problemas e injustiças, e passa a ter consciência do que acontece com ele e ao redor.
Mais que isso, começa a ser crítico e querer mudar a realidade.
Espelhar-se nos ideais de Che, hoje em dia, pode ser traduzido pela postura de não se con-
formar com as desigualdades, a pobreza, a impunidade, a fome e todo tipo de relação injusta
entre os humanos. Assim, um pouquinho de Che Guevara pode viver em cada um de nós...

Grande abraço
foto: Notimex /Foto/Cor/Ace
foto: AFP

[email protected]
www.revistaonline.com.br

SUMÁRIO

ImportâncIa ...........................04 a campanha ........................... 27


Por que Che Guevara é um dos maiores Guevara une-se a Fidel Castro para
heróis rebeldes do mundo? derrubar o governo de Fulgêncio Batista
curIosIdades ..........................06 admInIstrando a revoLução .. 31
Cronologia, frases e fatos curiosos O que aconteceu depois da vitória
dos rebeldes
amérIca LatIna ....................... 10
rompImento sILencIoso ............34
Contexto histórico da região
Como Cuba e Che romperam
FamíLIa .................................. 13
conGo ................................... 37
As raízes politizadas de Guevara
A tentativa frustrada de exportar a
ídoLos de che ......................... 15 Revolução Cubana
Principais influências do rebelde
boLívIa ..................................40
dIárIos de motocIcLeta ........... 18 Mais uma vez, ele tentou
Foto: Divulgação/ Editora Martin Claret

A lendária viagem de Che e Granado


mártIr da revoLução ............. 43
GuatemaLa ............................. 21 O assassinato do líder guerrilheiro
A experiência do futuro líder
LeGado de che Guevara...........46
revolucionário no país
Nasce o mito
cuba ..................................... 23
LIvros....................................50
Situação política e econômica da ilha na
época da Revolução Para se aprofundar no assunto

Grandes Líderes da História 3


Importância Clube de Revistas

El Che
Por que Ernesto Che Guevara se tornou um
dos maiores heróis rebeldes de todos os tempos?

E
m seu livro Leviathã, o filósofo, se opuseram contra ela. Eternos símbolos
historiador, físico e matemático de rebelião, de busca de justiça e igualda-
inglês Thomas Hobbes (1588 – de para todos, os homens e mulheres ab-
1679) estabeleceu as fundações da filoso- negados foram guiados pelo ideal de eqüi-
fia política ocidental. Apesar de suas pro- dade social e não mediram esforços para
posições na área de física serem conside- atingir seus objetivos. Muitos deles co-
radas meras excentricidades, as reflexões meteram equívocos, perderam-se do ideal
filosóficas eram brilhantes. Hobbes per- inicial, mas o impulso primeiro, o ímpe-
cebia o impulso natural humano de bus- to de se erguer contra a tirania e a opres-
car uma cooperação centrada no interesse são, muitas vezes, à custa da própria vida,
próprio, uma teoria estudada ainda hoje são os mesmos. Poetas, guerreiros, líderes
no campo de filosofia antropológica. O religiosos têm mantida acesa a chama da
pensador via que o interesse de cada indi- utopia que ilumina a esperança de uma
víduo formaria espontaneamente essa co- humanidade mais digna, mais fraterna.
operação, o que resultaria na organização Pablo Neruda, Castro Alves, Giuseppe
social. No entanto, ao longo do processo, Garibaldi, Fidel Castro, Jesus Cristo: to-
alguns indivíduos se sobrepõem aos ou- dos se rebelaram a seu modo e de acordo
tros, oprimindo-os. Ele dizia que “o ho- com suas perspectivas contra sistemas cí-
mem é o lobo do próprio homem”, afir- nicos construídos sobre a exploração do
mando que o predador de nossa espécie é homem pelo homem.
a própria espécie. Entre todos os heróis rebeldes, ne-
Essa exploração está presente em nhum reúne tantos elementos comuns
todos os crimes. Seqüestro, assalto, as- aos outros quanto Ernesto Che Gue-
sassinato e extorsão são formas aberta- vara. Sensibilidade de poeta, bravura
mente criminosas com que os lobos hu- de guerreiro e pureza espiritual trans-
manos transformam o outro em pre- formaram-no em uma espécie de Cris-
sa, em caça. Esse impulso também está to guerrilheiro, um ícone contempo-
em todos os sistemas políticos surgidos râneo de utopia, um Robin Hood dos
ao longo da História. O escravismo da tempos modernos.
Antiguidade, a monarquia, o comunis- Quando foi executado na selva bo-
mo e mesmo a democracia que susten- liviana, em outubro de 1967, Ernesto
ta e é sustentada pelo neoliberalismo Guevara de La Serna já era uma len-
permitem que o homem abuse de seu da não só na América Latina, mas em
semelhante. Algumas vezes, como no todo o mundo. Notório pela brutalida-
caso de Mianmar, a antiga Birmânia, é de e reverenciado pela inquebrantável
o próprio Estado que explora e perse- dedicação aos ideais revolucionários, ele
gue os cidadãos que supostamente ti- se tornou uma figura histórica tão con-
nha de proteger. Há ainda outras for- troversa quanto significativa. Ícone, sua
mas mais sutis de abuso. vida tem sido vilipendiada ou glorifica-
Na história dos relacionamentos hu- da em dezenas de biografias, ensaios,
manos, a opressão e a exploração de po- documentários e filmes. A prestigiosa
A imagem do guerrilheiro heróico
pulações inteiras têm sido uma caracte- revista Time colocou Che Guevara en- é uma das mais famosas do mundo
rística tão marcante quanto as figuras que tre as cem figuras mais importantes do

4 Grandes Líderes da HistóriaChe


Clube de Revistas Por Claudio Blanc

século 20 – vale ressaltar que há apenas CAPACIDADE PARA AMAR


dois latino-americanos na lista –, e a fa- Símbolo de contracultura, revolucio-
mosa imagem que Alberto Korda regis- nário marxista, escritor, brilhante estra-
trou dele, batizada de Guerrilheiro He- tegista militar e co-líder da Revolução
róico, é considerada a foto mais famosa Cubana, Che espelhava seus muitos as-
do mundo. pectos em todos os atos. O médico ge-
Sua vida foi um épico de heroísmo e neroso que tratava dos inimigos feridos,
tragédia, alinhavada pelo ideal de justi- o guerreiro vulnerável que abandonou o
ça social e compaixão. Nada define me- amor de sua vida para que o romance não
lhor Che Guevara que sua famosa fra- o influenciasse durante o combate, o dés-
se: “Há que se endurecer, porém, sem pota cruel que assinou ordens para exe-
jamais perder a ternura”. Para se atin- cutar sem julgamento os prisioneiros da
gir a utopia, o sonho, é preciso muitas Revolução Cubana.
vezes ser duro, mas, durante a batalha, Sua filha, Aleida Guevara, hoje mé-
não se pode perder a qualidade que en- dica em Cuba, descreve o pai como “um
cerra nossa humanidade. ser humano especial, mágico, com uma
Como todos os épicos, a história do capacidade de doar a si mesmo comple-
jovem médico argentino que abandonou tamente a alguma causa”. Segundo ela,
a estabilidade da profissão e o conforto Che “tinha uma sede por amor, era um
da terra natal para lutar pela emancipa- grande amante”. Correspondendo à ima-
ção dos pobres e explorados do mundo gem de coragem, “nunca tinha medo de
começa com uma aventura, uma via- sucumbir a qualquer causa ou emoção”.
gem. Durante um giro pela América Ela lembra também que o pai possuía
Latina, o futuro guerrilheiro se apaixo- certas obsessões e valores rígidos, os quais
nou pelo oprimido povo de seu conti- passava para os filhos. “ ‘Cuide bem dos li-
nente e decidiu que a única forma de es- vros’; ‘Seja bom com o próximo’; ‘Não to-
tabelecer justiça social era por meio da lere qualquer tipo de injustiça’ e ‘Honre
luta armada. seu país’ eram suas preocupações. Nada
A partir de seu destaque na vitó- além disso, mas isso já era muito”, disse
ria da Revolução Cubana, a imagem de Aleida em 2004, em uma entrevista ao
Che se projetou em um mito de uto- jornal inglês The Guardian.
pia. Ele foi o titã que se erguia contra A impressão mais marcante que ficou
a opressão do capitalismo; um guru da do pai é, porém, sua generosidade. “Tinha
moral, afirmando que um Novo Ho- apenas seis anos quando ele morreu, por
mem, sem ego e cheio de um amor feroz isso fui conhecendo meu pai à medida que
pelo próximo, deveria ser criado a partir eu crescia”, escreveu Aleida em um arti-
das cinzas do velho. Foi o guerreiro ro- go. “Minha mãe, Aleida March, amava-o
mântico que abandonou a vitoriosa Re- profundamente e compartilhava os mes-
volução Cubana e a família para conti- mos ideais, que transmitiu para os filhos.
nuar, mesmo sofrendo e doente, a luta O que mais me lembro dele era sua gran-
contra a opressão e a tirania. de capacidade de amar”.

Entre todos esses heróis rebeldes, nenhum


reúne tantos elementos comuns aos
outros quanto Ernesto Che Guevara.
Sensibilidade de poeta, bravura de
guerreiro e pureza espiritual transformaram-no
Foto: Adriana Barbosa

em uma espécie de Cristo guerrilheiro, um


ícone contemporâneo de utopia, um Robin
Hood dos tempos modernos
Grandes Líderes da História 5
Curiosidades Clube de Revistas

Para entender mel


CRONOLOGIA DE CHE

1930
Surge, pela primei-
1928 ra vez, a crise de asma 1948
Nasce, no dia de Ernestito. O meni- Matricula-se na Fa-
14 de maio, Ernes- no é levado a Buenos culdade de Medicina da 1952
to “Che” Guevara de Universidade de Buenos Faz uma viagem de mo-
Aires para fazer o pri-
La Serna, na cidade Aires, onde se sobressai tocicleta através da Améri-
meiro tratamento con-
de Rosário, Argenti- como um bom estudan- ca Latina, o que resultou na
tra a asma, doença que
na. Filho de Ernesto te. Interessa-se por pes- solidificação de suas con-
o acompanhou durante
Guevara Lynch e Cé- quisas, tanto em medici- vicções políticas.
toda sua vida.
lia de La Serna. na como em política.

1960 1961 1964 1965


Desaparece da vida pú-
Assume vários e Vem ao Brasil pela se- Discursa na ONU
blica e renuncia a todas as
importantes cargos gunda vez, sendo condeco- em 11 de dezembro.
suas responsabilidades no
públicos em Cuba. rado com a Ordem do Cru- Parte para a África e
governo e no partido cuba-
zeiro do Sul pelo então pre- entra em contato com
nos. Participa de uma fra-
sidente Jânio Quadros. movimentos de liberta-
cassada campanha revolu-
ção daquele continente.
cionária no Congo.

6 Grandes Líderes da HistóriaChe


Clube de Revistas Por Claudio Blanc

hor o personagem
1953 1957
Conclui o doutorado em Medicina,
especializando-se em doenças alérgicas, No dia 25 de no-
e muda-se para a Guatemala. Após um vembro, parte no iate
golpe militar, organizado pelos Estados Granma para invadir 1959
Unidos, é obrigado a sair do país com ris- 1955 Cuba, com Fidel (futu- O movimento revo-
co de morte, pois apoiava o antigo regime No México, conhe- ro dirigente do país) e lucionário é vitorioso.
de Jacobo Arbenz Guzmán. Na Guate- ce os irmãos Raul e Fidel dezenas de revolucio- Che percorre triunfal-
mala, conhece Hilda Galdea Acosta, que Castro. Decide partici- nários. Che inicia a re- mente as ruas de Hava-
se torna sua companheira e com quem par do movimento revo- volução como médico na, sendo considerado o
teve uma filha. Depois da deposição de lucionário de Cuba para do grupo, mas logo se grande estrategista mili-
Arbenz, muda-se para o México. derrubar o governo do destaca nas batalhas e é tar da revolução.
presidente Batista. feito comandante.

Foto: José Nascimento/ Tela de Jéferson de Souza

1966 1967
Na segunda semana de setem- É assassinado em 9 de outubro
bro, chega a La Paz, capital da Bo- de 1967, no povoado boliviano de
1997
Depois de quase 30 anos da mor-
lívia, com documentos falsos, para Higueras, aos 39 anos, por solda-
te de Che, seu restos mortais foram
participar do movimento revolu- dos bolivianos.
descobertos em uma vala comum na
cionário daquele país.
cidade de Vallegrande (Bolívia).

Grandes Líderes da História 7


Clube de Revistas
O ESPÍRITO DE CHE blemas e uma grande sensibilidade
em relação à justiça”. VOCÊ SABIA?
POR ELE MESMO GUERRILHEIRO HERÓICO
“O verdadeiro revolucionário é “Nossos filhos devem possuir as Em 1960, o navio cargueiro francês
guiado por grandes sentimentos de mesmas coisas que as outras crianças, La Coubre, que transportava munição,
generosidade; é impossível imagi- mas eles devem também ser privados explodiu enquanto estava sendo des-
nar um revolucionário autêntico sem daquilo que falta às outras crianças”. carregado no Porto de Havana, provo-
essa qualidade”. cando a morte de mais de uma centena
“Não há fronteiras nesta luta de de pessoas. Durante o serviço realiza-
“Os poderosos podem matar uma, morte, nem vamos permanecer indife-
duas, até três rosas, mas nunca dete- rentes perante o que aconteça em qual-
rão a primavera”. quer parte do mundo. A vitória nos-
sa ou a derrota de qualquer nação do
“Não nego a necessidade objetiva mundo é a derrota de todos”.
do estímulo material, mas sou contrá-
rio a utilizá-lo como alavanca impulsora “No momento em que for necessá-
fundamental. Porque, então, ela termi- rio, estarei disposto a entregar a minha
na por impor a própria força às relações vida pela liberdade de qualquer um
entre os homens”. dos países da América Latina, sem pe-
dir nada a ninguém...”.
“Acima de tudo, procurem sentir no
mais profundo de vocês qualquer injus- “O socialismo não é uma sociedade
tiça cometida contra qualquer pessoa beneficente, não é um regime utópico,
em qualquer parte do mundo. É a mais baseado na bondade do homem como
bela qualidade de um revolucionário”. homem. O socialismo é um regime a
que se chega historicamente e que tem
“Creio que a primeira coisa que por base a socialização dos bens fun-
deve caracterizar um jovem comu- damentais de produção e a distribui-
nista é a honra que sente por ser jo- ção equitativa de todas as riquezas da
vem comunista. Essa honra que o leva sociedade, numa situação de produção
a mostrar-se a toda gente na sua con- social. Isto é, a produção criada pelo ca-
dição de ser comunista, que não o pitalismo: as grandes fábricas, a grande
submete à clandestinidade, que não pecuária capitalista, a grande agricultu-
o reduz a fórmulas, mas que ele ma- ra capitalista, os locais onde o trabalho
nifesta em cada momento que lhe humano era feito em comunidade, em
sai do espírito, que tem interesse sociedade; mas, naquela época, o apro-
porque é o símbolo de seu orgulho. veitamento do fruto do trabalho era fei-
Junta-se a isso um grande sentido do to pelos capitalistas individualmente,
dever para com a sociedade que esta- pela classe exploradora, pelos proprie-
mos construindo, para com os nossos tários jurídicos dos bens de produção”.
semelhantes como seres humanos e
para com todos os homens do mundo. “Vale milhões de vezes mais a vida
Isso é algo que deve caracterizar o jo- de um único ser humano do que to-
vem comunista. Paralelamente, uma das as propriedades do homem mais
grande sensibilidade a todos os pro- rico da terra”.

“Vale milhões de vezes mais a vida de um único


ser humano do que todas as propriedades
do homem mais rico da terra”, Che Guevara

8 Grandes Líderes da HistóriaChe


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do em homenagem às vítimas, o fotó- ticas marxistas. De acordo com entre- pai”, disfarçando o sotaque argentino
grafo Alberto Korda tirou a fotografia vista concedida em 1960, a hostilidade dizendo que era espanhol.
mais famosa de Che, a qual batizou de dos Estados Unidos levou ao seu ali- Aleida também conta que, quando
Guerrilheiro Heróico. Essa imagem é nhamento com a ex-URSS: Fidel de- Che estava na Bolívia, com suas cartas
considerada a mais famosa do mundo. clarou que “Tinha a maior vontade de sendo rastreadas pela CIA, Che escrevia
entender-me com os Estados Unidos. dizendo ser “um personagem que inven-
O TIRO QUE SAIU PELA CULATRA Até fui lá, falei, expliquei nossos ob- tou, um crocodilo chamado Pepe, e con-
A Revolução Cubana promovida jetivos. (...) Mas os bombardeios, por tava sobre como o animal era reclamão”.
por Fidel e apoiada por Che não tinha, aviões americanos, de nossas fazen-
em um primeiro momento, caracterís- das açucareiras, das nossas cidades; as BUTIM
ameaças de invasão por tropas merce- Após a morte de Ernesto Guevara,
nárias e a ameaça de sanções econômi- Félix Rodriguez, o agente da CIA que
Foto: José Nascimento/ Tela de Paulo Lara

cas constituem agressões à nossa sobe- coordenou a operação de captura e exe-


rania nacional, ao nosso povo”. cução do líder guerrilheiro, saqueou
pertences pessoais de Che, inclusive
CHE E JÂNIO um relógio que ele ainda usa. Alguns
Che esteve oficialmente no Brasil desses objetos que pertenceram a Gue-
em agosto de 1961, quando foi con- vara estão à mostra na CIA.
decorado pelo então presidente Jânio
Quadros com a Grã-Cruz da Ordem DATAS TROCADAS
Nacional do Cruzeiro do Sul. A ou- Ernesto “Che” Guevara nasceu em
torga dessa condecoração foi o desfe- 14 de maio de 1928. No entanto, foi
cho de uma articulação diplomática, registrado como se o nascimento ti-
iniciada pelo Núncio Apostólico no vesse ocorrido um mês depois, em 14
Brasil, monsenhor Armando Lombar- de junho. Isso foi feito porque, quan-
di, seguindo às instruções da Santa Sé, do seus pais, Ernesto Guevara Lynch
solicitando a ajuda do governo brasilei- e Célia de La Serna, se casaram, sua
ro para fazer cessar a perseguição mo- mãe estava grávida de três meses. O
vida contra a Igreja Católica em Cuba. acerto na data do nascimento foi para
Jânio Quadros solicitou a mediação de evitar um possível escândalo na con-
Che junto a Fidel. Guevara atendeu ao servadora sociedade da época.
pedido e concordou em ser o interme-
diário do apelo do Vaticano no gover- ENCONTRANDO O AMOR
no cubano. Em meio à dura campanha na
Sierra Maestra, durante a Revolu-
O BOM AMIGO DE PAPAI ção Cubana, Che encontrou o grande
amor de sua vida. Aleida era uma jo-
Depois de abdicar de seus privi- vem revolucionária de 24 anos. De ca-
légios políticos em Cuba, Che deixou belos claros e rosto bonito, logo atraiu
o país em 1965, para treinar revolu- a atenção do comandante Guevara.
cionários na América do Sul. O co- Embora contrária às idéias socialistas,
mandante voltou à ilha apenas pou- o destino dela foi em direção a Che
cas vezes para ver os quatro filhos. De quando as forças do governo cubano a
acordo com a filha Aleida Guevara, descobriram e invadiram sua casa. Ex-
o guerrilheiro chegava “desesperado” pulsa, pediu que a Che lhe concedesse
para encontrar os rebentos, mas não permissão para ficar no acampamen-
podia revelar sua identidade para que to rebelde. Por questões de disciplina,
os pequenos não contassem no jar- op guerrilheiro nunca deixava que as
dim de infância os paradeiros do pai mulheres ficassem com os combaten-
revolucionário. Assim, nas poucas ve- tes, mas abriu uma exceção para Alei-
zes em que voltou para encontrar os da. Ato contínuo, tornaram-se aman-
filhos, Che, sempre usando disfarces tes. Segundo ela, “daquele momento
e identidades falsas, se apresentava a em diante, jamais saí de seu lado ou
eles como “um grande amigo do pa- deixei-o longe da minha vista”.

Grandes Líderes da História 9


Contexto histórico Clube de Revistas

A América
Latina
Um pouco do cenário político, econômico e social da região

D
o México à Patagônia, com Povos diversos, nações indígenas
exceção de Belize (América massacradas, avançadas civilizações na-
Central); de Guiana e Suri- tivas destruídas. A história da Améri-
name, (América do Sul), e das antigas ca Latina tem sido o conflito e o cho-
colônias inglesas, holandesas e fran- que entre os povos que a formaram. As
cesas no Caribe, a América Latina elites descendentes de europeus conti-
é formada por 20 países unidos por nuam a explorar as populações pobres,
uma história e uma cultura comuns. de ascendência indígena. A miscigena-
Apesar de o Brasil ser menos um her- ção que formou a cultura mestiça não
mano e mais um “primo” nessa famí- foi espontânea, mas imposta pelas ar-
lia, os traços comuns, mestiços, creo- mas, pelo estupro, pelas doenças trazi-
los são característicos. das de longe. É uma cultura belíssima,
Embora nosso país seja mecanis- mas nascida da mágoa e da humilha-
mo vital da América Latina e grande ção. Até hoje, os descendentes desses
parte de sua realidade social reflita o povos ainda não foram capazes de se
baixo índice de desenvolvimento hu- relacionar com justiça. E o choque das
mano característico das Américas es- culturas produziu miséria.
panhola e portuguesa, tanto o Brasil
como os outros que formam o Cone ÍNDICE DE
Sul estão, aos trancos e barrancos, DESENVOLVIMENTO HUMANO
em rota de desenvolvimento. O País Apesar da riqueza cultural surgida
tem se destacado como emergente no da miscigenação dos povos que forma- Ao longo do século passado, diver-
cenário internacional, participando ram a América Latina, a maior parte dos sos movimentos eclodiram em vários
ativamente dos debates da comuni- países latino-americanos figura entre os países buscando nivelar a situação so-
dade global e até mesmo pleiteando mais pobres do mundo. Apenas oito na- cial através das armas. Dos tenentes co-
uma vaga no Conselho de Segurança ções latino americanas (Argentina, Bra- mandados por Luís Carlos Prestes no
da ONU. Apesar de nossos proble- sil, Chile, Costa Rica, Cuba, México, Brasil da década de 1920 aos guerri-
mas sociais, estamos longe da pobre- Panamá e Uruguai) apresentam elevado lheiros sandinistas que tomaram o po-
za crônica que assola a maioria dos índice de desenvolvimento humano. No der na Nicarágua no final da década
países latino-americanos. Mas, mes- entanto, mesmo nesses locais, a desi- de 1970, nenhuma revolução foi bem-
mo com sua importância continental gualdade social é gritante. A maior parte sucedida em incluir a imensa popula-
e de estar isolado por ser a única na- da riqueza é controlada por uma mino- ção de miseráveis ou desenvolver o país
ção a falar português no continente, ria. Sem acesso à educação e a benefícios cujo poder conquistou. Talvez Cuba
a formação brasileira é incrivelmente sociais básicos, um porcentual significa- seja uma exceção, mas é uma questão
semelhante à de nossos primos. tivo da população é excluído. tão controversa quanto incerta.

Che
10 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas Por Claudio Blanc

Durante a década de 1980 e os pri-


A história da América Latina tem sido o conflito e meiros anos da seguinte, a região sofreu
o choque entre os povos que a formaram. As elites a pior crise social e econômica desde a
Grande Depressão de 1930. Em 1980,
descedentes de europeus continuam a explorar as aproximadamente 120 milhões de lati-
populações pobres, de ascendência indígena no-americanos, ou 39% da população,
viviam abaixo da linha de pobreza.
As injustiças sociais predominam
em todo o continente, exceto nos Es-

Foto: Divulgação/ Editora Martin Claret


tados Unidos e no Canadá. Nas elei-
ções brasileiras de 1989, 70% dos
eleitores haviam freqüentado a esco-
la por menos de seis anos. No Méxi-
co, a desigualdade social é tão eleva-
da, que a expectativa de vida dos 10%
mais pobres é de 20 anos menos que
a dos 10% mais ricos.
Durante os últimos 50 anos, a
América Latina atravessou um perí-
odo de privação econômica e social.
“Não fosse pelo tráfico de drogas, a
imigração e a economia informal te-
riam sido piores para as nações do he-
misfério”, escreve Mayer.

Os três gigantes da Revolução Cubana: Che, Raúl e Fidel

Essas revoluções, principalmen- to grau de democracia, isso se deve, em


te as tentativas da esquerda de tomar parte, à luta da esquerda contra déca-
o poder durante a Guerra Fria, tive- das de ditadura”. Mayer nota também
ram, porém, um impacto determinan- que o movimento da esquerda levou à
te, ajudando a estabelecer a tendên- criação de redes de bem-estar social
cia política que vivemos hoje. Apesar por parte de diversos países, princi-
de a resposta à ameaça comunista ter palmente para proteger a população
sido o estabelecimento de ditaduras carente da fome.
Foto: AFP

de direita, isso acabou conduzindo à Apesar de duas décadas de cres-


transição democrática. cimento econômico agregado, entre
De acordo com Eric Mayer, pro- 1960 e 1980, de forma geral, as condi-
fessor de Política Latino-Americana ções da maior parte dos países latino- Salvador Allende foi presidente do
do Victor Valley College, Califórnia, americanos continuam as mesmas da Chile de novembro de 1970 até sua
morte, em setembro de 1973
“se hoje a América Latina goza de cer- década de 1950.

Grandes Líderes da História 11


Clube de Revistas
Em parte, os problemas econômi- trolar os recursos naturais, como está te, os regimes populistas são permea-
cos e sociais das duas últimas décadas acontecendo na Venezuela de Hugo dos de autoritarismo.
do século 20 podem ser atribuídos à Chávez e na Bolívia de Evo Morales, Na última década, após o pro-
confiança do mercado livre, a onda ou tenta criar políticas de redistri- cesso de redemocratização do conti-
neoliberal que dominou a década de buição de renda, como os programas nente, o populismo tem voltado com
1990, para solução dos problemas Bolsa Família e Fome Zero, lançado novo peso na região. Na Venezuela,
das sociedades. No entanto, as polí- pela administração Lula. Hugo Chávez, eleito em 1999 e ree-
ticas fiscais conservadoras acabaram leito em 2006, sustenta-se na retóri-
aprofundando a desigualdade. Como MARCOS HISTÓRICOS ca de promover justiça social. Na Bo-
resultado, os ricos ficaram ainda mais O professor Eric Mayer aponta os lívia, o presidente democraticamente
ricos, e os pobres, mais pobres. O au- cinco momentos mais importantes da eleito, Evo Morales, de etnia indíge-
mento do desnível social trouxe res- história política da América Latina no na, também tem uma veia populista.
sentimento às camadas excluídas e século 20. A primeira e mais funda- Com a intenção de fazer justiça so-
levaram à formação de forças anta- mental é a Revolução Cubana de 1959. cial, está promovendo a nacionali-
gonistas, como os índios maias da O segundo e o terceiro momentos se zação de diversos empreendimentos
Frente de Libertação Zapatista, no referem ao assassinato de importantes estrangeiros na indústria boliviana,
sul do México. líderes – ambos mortos com o apoio principalmente de energia.
Alguns políticos latino-america- do governo norte-americano, agindo Até mesmo no Brasil, o popu-
nos de orientação de esquerda tendem por meio do Departamento de Estado lismo do presidente Lula deixa sua
a enfatizar a justiça social como mais e da CIA. Um deles foi Che Guevara, marca. Sua biografia e sua retórica
importante que a integração econômi- executado em 1967, e o outro, Salva- se alinham com os anseios das classes
ca. Nesses casos, o Estado busca con- dor Allende, o presidente socialista do sociais mais baixas, de onde vem seu
Chile. Eleito em 1973, ele estava pro- grande apoio. No entanto, por meio
movendo as tão esperadas reformas do viés autoritário, o populismo ame-
sociais em seu país. aça o processo democrático. Embora
Mayer aponta também a vitória negue, o presidente Lula, por exem-
dos sandinistas na Revolução da Nica- plo, namora a possibilidade de um
Foto: AFP

rágua, em 1979, e a derrota do parti- terceiro mandato, o que representaria


do nas eleições de 1990, quando, pela um tiro na democracia do país mais
primeira vez, um regime de esquerda rico da América Latina, líder natural
foi removido do poder de maneira de- e determinador de tendências.
mocrática, como os outros momentos Ainda trôpega e historicamente
mais importantes do século passado marginalizada, a América Latina co-
na América Latina. meça o século 21 com enormes desa-
Uma característica política da fios a vencer. Sem o apoio das potên-
América Latina tem sido o populis- cias globais nem a integração política
mo. Os regimes populistas seguem necessária para se desenvolver através
políticas econômicas semelhantes, não da cooperação mútua, a região per-
importando em que país subam ao po- manece sangrando em berço esplên-
der. Tais partidos e políticos buscam dido, à mercê de medidas populistas
a inclusão da população no sistema e de um Hugo Chávez, de um Evo Mo-
pregam que a industrialização e a mo- rales ou de um Lula, as quais, certa-
dernização podem ser alcançadas com mente, não trarão estabilidade à so-
um custo social mínimo. Ironicamen- frida América Latina.

De acordo com o professor Eric Mayer,


o momento mais importante da história
política da América Latina no século 20 é a
Revolução Cubana de 1959. O segundo e o
Hugo Chávez: a justiça social seria terceiro momentos são os assassinatos de Che
mais importante que a integração
econômica Guevara e de Salvador Allende
Che
12 Grandes Líderes da História
Raízes Clube de Revistas Por Claudio Blanc

Uma família
politizada
Os pais de Ernestito representam o ponto de partida de sua rebeldia

E
rnesto Guevara de la Serna nasceu
em 14 de maio de 1928, na cidade
ora Martin Claret

de Rosário, Argentina. Era o mais


velho dos cinco filhos de uma família de
ascensão basca e irlandesa, dois povos no-
Foto: Divulgação/ Edit

tórios pela natureza livre e rebelde. Depois


da morte de Che, seu pai, Ernesto Guevara
Lynch, escreveu que “a primeira coisa a se
notar é que, nas veias de meu filho, corria o
sangue dos rebeldes irlandeses”.
Desde cedo, Ernestito, seu apelido de
infância, sofreu com a asma. Pouco mais
de um mês depois do nascimento, o garo-
to teve uma pneumonia muito forte. Se-
manas antes de completar dois anos, sua
mãe, Célia de La Serna, o levou para to-
mar banho em um rio, em uma manhã
especialmente fria. Era um costume da
época, uma espécie de “vacina” contra do-
enças do pulmão. O resultado, porém,
não poderia ser pior. Na mesma ocasião,
Ernestito sofreu seu primeiro ataque de
asma, um mal que o acompanharia pelo
resto da vida e que minou sua resistência
durante a última campanha guerrilheira,
na Bolívia.
A asma acabou estreitando ainda mais
a relação entre Célia e o filho. Ela também
era asmática e se sentia culpada pela do-
ença de Ernestito. A ligação entre os dois
foi marcada pela intensidade desde o co-
acia, 1935 meço. A mãe era uma mulher avançada
lia e Lynch, em Alta Gr
Ernestito e os pais, Cé para a época, como mostra o fato de ter

Feminista, socialista e anticlerical, Célia foi, de acordo com o escritor


Rodolfo Lorenzato, “a mais forte influência intelectual de Che, pelo
menos até que ele viesse a conhecer Fidel Castro, em 1955”
Grandes Líderes da História 13
Clube de Revistas
se casado grávida, na conservadora década lheiro a desenvolver a soberba visão es- Essa mesma verdade, cantada com
de 1920. Feminista, socialista e anticleri- tratégica que veio a ser sua marca na Re- poder e beleza, permeou o romantismo
cal, Célia foi, de acordo com o escritor Ro- volução Cubana. da luta de Che. É preciso lutar pela jus-
dolfo Lorenzato, “a mais forte influência Muitas vezes isolado em casa por tiça, mas sem perder a busca pela beleza
intelectual de Che, pelo menos até que ele conta das crises de asma, Che lia muito. que motivou o combate: “Hay que endu-
viesse a conhecer Fidel Castro, em 1955”. A biblioteca familiar tinha mais de três recerse, pero sin perder la ternura jamás”.
Influenciado pelas tendências de es- mil livros, e o rapaz se entregava a eles Em 1948, Guevara entrou para a
querda da família, Guevara ficou conheci- com avidez. As aventuras de Júlio Verne Universidade de Buenos Aires para es-
do pelas perspectivas radicais ainda crian- e de Jack London povoavam a mente do tudar Medicina. Na época, apaixonou-
ça. Cresceu idolatrando Francisco Pizarro, garoto. Os filósofos Aristóteles, Marx, se por Maria del Carmen Ferreyra, qua-
o conquistar espanhol que derrotou o im- Kant, Gide e o escritor William Faulk- tro anos mais jovem.
pério inca e fundou Lima, capital do Peru. ner também ajudaram a estabelecer a Durante seus estudos, Che fez diver-
Em suas fantasias de menino, sonhava em pedra fundamental do que viria a ser o sas viagens pela América Latina. Traba-
ser um dos soldados de Pizarro. pensamento político de Guevara. lhando como enfermeiro em petroleiros
Seu ideal bélico se expôs ao longo de Outro importante ingrediente na for- e navios cargueiros, conheceu o Brasil, a
toda a infância. Em 1937, durante a Guer- mação dele foi a poesia. Sabia de cor poe- Venezuela e Trinidad. Em sua primeira
ra Civil Espanhola (1936-1939), Ernesti- mas inteiros, alguns bem longos, e nutria viagem, iniciada em janeiro de 1950, atra-
to acompanhava os avanços das forças de interesse passional pela obra de Pablo Ne- vessou as províncias do norte da Argenti-
Franco movendo seus exércitos de brinque- ruda e John Keats. Neruda, que também na em uma bicicleta, na qual ele instalara
do sobre um mapa da Espanha, conforme foi diplomata e senador, escreveu com ím- um pequeno motor. Em San Francsco de
as posições nos campos de batalha reais. peto incendiário em defesa dos explora- Chahar, perto de Córdoba, visitou Alber-
Quando começou a Segunda Guer- dos e excluídos da América Latina, em to Granado, um infectologista que atuava
ra Mundial (1939), Ernesto Lynch fun- particular, e do mundo, em geral. A força no leprosário local. Poucos anos depois,
dou a Ação Argentina, uma organização da sua poesia valeu ao grande poeta chile- os dois iriam empreender uma viagem
antifascista cujo objetivo era combater a no o Nobel da Literatura de 1973. marcante na vida de Che.
disseminação do fascismo em um país
simpático àquela orientação política. Ele

ora Martin Claret


apoiava os Aliados por meio de comícios,
fundos levantados para o Exército alia-
do e divulgação de informações sobre o
avanço das forças contrárias a Hitler e

Foto: Divulgação/ Edit


Mussolini. Inscrito na Ação Argentina
pelo pai, Che participava ativamente das
atividades políticas da família.

EL FURIBUNDO
Apesar da asma, o futuro guerri-
lheiro se destacou como atleta. Jogava
rugby com tanta garra, que foi apelidado
de Fuser, uma mistura de el furibundo,
ou o furioso, com seu sobrenome ma-
terno Serna. Outra característica dele
era o fato de detestar tomar banho. Ga-
bava-se de usar uma única camisa por
semana. Por conta disso, Fuser também
era chamado por seus colegas de Chan-
cho, ou porco.
Hábitos de higiene à parte, Fu-
ser também era ótimo jogador de xa-
drez. Aprendera o jogo com o pai e, aos
12 anos, participava de torneios locais.
Como este jogo foi criado há séculos, na
antiga Pérsia, para treinar os militares na
mistura
arte da estratégia, talvez o xadrez possa elidado de Fuser, uma
ra jogava rugby com tanta garra, que foi ap Serna
igualmente ter ajudado o futuro guerri- Gueva e materno
ioso, com seu sobrenom
de el furibundo, ou o fur

Che
14 Grandes Líderes da História
Influências Clube de Revistas Por Claudio Blanc

Ídolos de Che Heróis, pensadores e filósofos que influenciaram o revolucionário

Karl Marx (1818-1883):


suas idéias forneceram o
motivo da luta de Guevara

Foto: AFP/ Roger Viollet

Foi a proposta revolucionária de Marx que Che Guevara


abraçou, pegando em armas para construir um mundo de
igualdade para todos os homens
Grandes Líderes da História 15
Clube de Revistas

C
he Guevara foi um homem pados, tiveram de esperar enquanto seus sonhos de criança, o jovem Er-
que construiu seu mundo uma parte da tripulação voltava ao nesto foi inf luenciado por filósofos,
com as próprias mãos. Não Panamá em busca de reforços para escritores e pensadores dos quais ti-
ficava “a ver navios”, nem esperava continuar a viagem. Quando final- rou elementos para consolidar sua
que as coisas mudassem por si só. mente retornaram, os homens que luta. Aristóteles e o norte-america-
Empenhou-se em modificar a reali- haviam ficado com Pizarro estavam no William Faukner estão entre es-
dade, empregando para tanto todas tão cansados e desanimados, que de- ses nomes, mas nenhum o inf luen-
as energias. Aqueles que o inf luen- sertaram. Apenas 12 deles acompa- ciou mais que o alemão Karl Marx,
ciaram são personagens que com- nharam o conquistador até o Peru. cujas idéias forneceram o motivo da
partilhavam os ideais que brotavam No primeiro contato estabele- luta de Che.
espontaneamente de Che. Na gran- cido com os incas, os nativos fica- O pai do comunismo foi tanto es-
de maioria, essas inf luências vêm de ram amedrontados com as armadu- tudioso quanto ativista político. Em
teóricos, poetas e filósofos, entre os ras dos espanhóis, que ref letiam os seu Manifesto Comunista , publicado
quais Karl Marx, o “pai” do comu- raios do Sol – a maior divindade inca em 1948, Marx pontuou que “a his-
nismo, teoria política adotada por –, e com seus arcabuzes, que soavam tória de todas as sociedades que exis-
Che, e o poeta chileno Pablo Ne- como trovões. tiram até hoje é a história da luta de
ruda, o qual não só possuía os mes- À medida que viajávam pelo Im- classes”. Ele afirmava que o capitalis-
mos ideais do líder guerrilheiro, mas pério Inca, os espanhóis descobri- mo, como todos os sistemas sócioeco-
também pertencia à mesma realidade ram um reino quase tão bem organi- nômicos anteriores, seria destruído.
latino-americana. zado quanto o Império Romano. No Da mesma forma como o feudalismo
Durante a infância, porém, Che entanto, os incas estavam divididos. havia sido substituído pelo capitalis-
teve um grande herói, o conquistador O império era constituído de povos mo, o novo modo de produção daria
dos incas, Francisco Pizarro. Ernesti- subjugados e insatisfeitos com seus lugar ao comunismo, uma sociedade
to, como era chamado quando meni- senhores. Além disso, dois irmãos, sem classes governada por uma dita-
no, sonhava em ser um dos soldados Atahualpa e Huascar, lutavam entre dura proletária.
que participaram da expedição do ex- si para definir quem seria o Grande Marx propunha que o fim do capi-
plorador espanhol, que, com apenas Inca, a encarnação do deus Sol que talismo ocorreria por meio do colapso
12 homens, derrotou o poderoso im- encabeçaria o império. do sistema e também de uma revolu-
pério da América do Sul. Séculos de- Pizarro e seus homens rumavam ção organizada. Apesar de, ao longo
pois, ele participaria de um movimen- para Cajamarca, perto da atual Lima, de sua vida, o alemão não ter sido uma
to que, iniciando com apenas 18 ho- a capital do Peru. Era o local onde figura de destaque, suas idéias perma-
mens, conquistou Cuba. Atahualpa tinha acampado com suas neceram exercendo grande influência
forças, na guerra contra o irmão. Pi- nos movimentos operários após sua
FRANCISCO PIZARRO zarro percebeu, então, que ele e seus morte. Isso promoveu a vitória dos
Em 1511, um boato começou a cir- soldados não teriam como vencer bolcheviques na Revolução de Outu-
cular na colônia espanhola do Panamá. aquele grande contingente. Mas po- bro de 1917, na Rússia, e abriu cami-
O rumor dava conta de que, em uma deriam se valer de um estratagema. nho para diversas outras que eclodi-
cidade não muito longe dali, havia tan- Ele pediu uma audiência com ram em várias partes do mundo por
to ouro que até as calçadas das ruas Atahualpa, que concordou em en- todo o século passado. Foi a propos-
eram pavimentadas com esse metal. contrá-lo na praça principal de Ca- ta revolucionária de Marx que Che
Assim nascia o mito do Eldorado. jamarca. Durante o encontro, o ines- Guevara abraçou, pegando em armas
Onze anos depois, dois conquis- perado aconteceu. Pizarro atacou o para construir um mundo de igualda-
tadores, Francisco Pizarro e Die- adversário e, na luta, conseguiu cap- de para todos os homens.
go de Almagro, decidiram procurar turar o grande dignitário. Atahualpa
o Eldorado no reino de Biru, onde sabia o que os espanhóis desejavam PABLO NERUDA
hoje é o Peru, um império extrema- e ofereceu todo o ouro que coubesse Quando jovem, Che lia bastante.
mente rico, segundo relatos de via- em seu aposento em troca da liberda- Muitas vezes, acometido de crises de
jantes. Em 1524, ambos tentaram a de. O Grande Inca cumpriu sua pro- asma, tinha de ficar recluso. Nessas
primeira expedição, mas chegaram messa, mas Pizarro não. O conquis- ocasiões, o futuro guerrilheiro recorria
apenas até onde, hoje, está o territó- tador acabou queimando a encarna- à vasta biblioteca do pai. Um dos seus
rio colombiano. ção do deus Sol em uma fogueira. autores preferidos, que muito o in-
Durante a viagem seguinte, en- fluenciou e que se empenhava na mes-
tre 1526 e 1527, os exploradores ti- KARL MARX ma luta em que Che iria combater – a
veram notícias concretas sobre o im- Se Pizarro foi verdadeiramente igualdade entre os homens –, foi Pablo
pério inca e suas riquezas. Mal equi- um ídolo para Che, o único a mover Neruda, outro ídolo.

Che
16 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
Pablo Neruda, pseudônimo de

Foto: AFP/ Roger Viollet


Neftalí Reyes Basoalto, nasceu em
12 de julho de 1904, em Parral, no
Chile. Diplomata, serviu em diver-
sos países. Durante a Guerra Civil
Espanhola estava a serviço em Ma-
dri. Os horrores do conf lito mar-
caram sua vida e definiram a opção
ideológica em favor do comunismo,
chegando Neruda, inclusive, a se
eleger senador pelo Partido Comu-
nista. Recebeu o Prêmio Nobel de
Literatura em 1971. Morreu em 23
de setembro de 1973, em Santiago,
11 dias após a queda do Governo da
Unidade Popular e da morte de seu
amigo Salvador Allende, a quem ha-
via ajudado a eleger presidente. En-
tre suas várias obras publicadas, es-
tão: Confesso que Vivi; Cadernos de
Temuco; Fulgor e Morte de Joaquín
Murieta ; Para Nascer, Nasci; Canto
Geral ; O Rio Invisível e Os Versos
do Capitão.
Canto Geral , uma de suas obras
mais significativas, foi escrito em cir-
cunstâncias adversas, quando Neru-
da, por ser membro do Partido Co-
munista, era perseguido pela polícia
do presidente chileno González Vi-
dela (o que o obrigou a cruzar a Cor-
dilheira dos Andes e se refugiar no
exterior, onde terminou de escrever o
livro). Lançado em 1950, o conteúdo
tem caráter enciclopédico, reunin-
do os mais variados temas, gêneros
e técnicas. O livro nasceu marcado
pelo sofrimento e é um testemunho
do grande amor de Neruda pelo Chi-
le, e por seu povo e pelos povos opri-
midos da América Latina. É o mes-
mo sentimento que Che Guevara
não só compartilhava, mas que tinha
para mover suas ações, inf luencian-
do-o a abandonar uma vida burgue-
sa e confortável para combater em lu-
gares inóspitos em nome daquilo que
acreditava ser justo. Francisco Pizarro (1475-1541): o grande herói da infância de Che

Ernestito sonhava em ser um dos soldados que participaram da


expedição do explorador espanhol, que, com apenas 12 homens,
derrotou o poderoso império da América do Sul
Grandes Líderes da História 17
Viagem Clube de Revistas

Diários de
motocicleta A famosa viagem de Guevara pela América do Sul

O
espírito aventureiro de Che o de renome internacional a um jornal lo- trangeira. A visita causou uma forte im-
levou a fazer de 1952 um ano cal, que publicou uma matéria desfiando pressão em Guevara. Certa noite, depois
sabático. No meio do curso de elogios aos dois médicos. O artigo aca- de se reunir com um casal de comunistas
Medicina, Guevara realizou uma via- bou sendo um passaporte para conseguir à procura de emprego na mina, Guevara
gem de motocicleta pela América do Sul refeições e favores ao longo do caminho. escreveu em seu diário: “À luz de uma úni-
acompanhado do amigo Alberto Gra- Ainda no Chile, os viajantes visita- ca vela... a figura contraída do trabalhador
nado, o qual viria, anos depois, a fundar ram a mina de cobre de Chuquicamata, a lhe dava um ar misterioso e trágico... o ca-
a Escola de Medicina de Santiago, em maior a céu aberto do mundo. Na época, sal, duro de frio na noite do deserto, abra-
Cuba, onde iria se estabelecer. o local era administrado pelo monopólio çando-se para se manter quente, era uma
Os dois estudantes partiram de Bue- minerador norte-americano e considera- representação viva do proletariado em
nos Aires em dezembro de 1951, a bordo do como um símbolo da dominação es- qualquer lugar do mundo”.
de uma velha motocicleta Norton 500 cc
1959, apelidada de La Poderosa. Ao fi-
nal da aventura, tinham percorrido per-
to de 13 mil kilômetros através de oito
países, da Argentina ao sul dos Estados
Unidos, ficando um período no lepro-
sário de San Pablo, às margens do Rio
Amazonas peruano, onde trabalharam
como voluntários.
A primeira parada da viagem ainda es-
tava imbuída de aventura e despreocupa-
da diversão. Os dois amigos foram ao bal-
neário de Miramar, na Argentina, visitar Tela de Jefferson de Souza
a namorada de Che, Chichina, que estava
passando as férias de verão com a família.
As duas noites que tencionavam passar
na residência dos familiares da garota vi-
raram oito. Quando finalmente partiram,
Chichina deu a Guevara 15 dólares e pe-
diu que lhe comprasse um maiô em Mia-
mi, se ele realmente conseguisse chegar “À luz de uma única vela... a figura contraída
aos Estados Unidos. O estudante jurou
que morreria de fome, mas não gastaria do trabalhador lhe dava um ar misterioso
o dinheiro. No entanto, acabou dando os e trágico... o casal, duro de frio na noite do
dólares a um casal de camponeses pobres,
mais necessitados do que Chichina. deserto, abraçando-se para se manter quente,
No Chile, em uma pequena cidade
do interior, os aventureiros se apresen-
era uma representação viva do proletariado em
taram como especialistas em hanseníase qualquer lugar do mundo”, Che Guevara
Che
18 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas Por Claudio Blanc

No Peru, o futuro líder guerrilheiro

Foto: Divulgação/ Sá Editora


ficou impressionado com a antiga civiliza-
ção inca. No país, La Poderosa quebrou, e
os aventureiros tiveram de viajar na carro-
ceria de caminhões com os descendentes
desse povo. Assim, Guevara começou a se
aproximar dos camponeses e indígenas. Fi-
cava condoído ao ver os vagões onde os ín-
dios eram transportados. O estudante os
comparava aos vagões de gado na Argenti-
na. Conforme observou o escritor Rodolfo
Lorenzato, “começava a nascer em Che um
sentimento fraternal pelos povos nativos e
(pelos) menos favorecidos, sempre associa-
do a um ódio crescente pelos exploradores
europeus e norte-americanos”. Com as pa-
lavras do poeta cubano José Marti, regis-
trou em seu diário o desejo de “ligar meu
Che e Granado em um rio chileno, em fevereiro de 1952
destino ao dos pobres do mundo”.
Em maio daquele 1952, Guevara e tes como as pessoas da região viviam. Eter- Os viajantes ficaram pouco na Co-
Granado chegaram a Lima, onde conhe- no aventureiro romântico, não hesitou em lômbia e foram para Caracas (Vene-
ceram o médico e cientista peruano Hugo cruzar a nado o Amazonas, vencendo uma zuela) ainda em julho. Dali voltariam.
Pesce, diretor do programa nacional de distancia de 4 quilômetros, da margem Guevara, porém, esticou um pouco
leprosários. Ele também era marxista, e onde ficava o alojamento dos médicos até a mais a estadia para cumprir o plano
Che registrou que as conversas mantidas outra margem, onde os hansenianos eram de viagem inicial e foi até Miami em
com o cientista nas noites de Lima foram isolados. Em seu diário, Guevara descreve um avião de carga, que teve problemas
importantes na evolução de suas atitudes as condições sub-humanas a que os doen- técnicos e não pôde retornar antes de
com relação à vida e à sociedade. Gueva- tes eram submetidos: sem roupas, medica- um mês. Para sobreviver, o estudante
ra reconheceu a influência de Pesce sobre mentos e quase sem comida, eram pratica- teve de trabalhar como garçom e la-
ele em seu livro Guerra de Guerrilhas. mente abandonados. vador de pratos em um bar da cidade
“Ao doutor Hugo Pesce, que talvez sem Ernesto passou o dia do seu 24º ani- norte-americana.
o saber provocou uma grande mudança versário no leprosário, e uma festa foi ofe- A viagem de Che pelas Américas foi
em minha atitude com relação à vida e à recida a ele. Emocionado, o jovem agra- crucial no desenvolvimento de seus ide-
sociedade, com o mesmo espírito aventu- deceu a hospitalidade fazendo um dis- ais. Conforme notou o professor da Uni-
reiro de sempre, porém canalizado na di- curso, no qual já se distinguia o impulso versidad Nacional de Lanús, em Bueno
reção de objetivos mais condizentes com revolucionário e o ideal pan-americano. Aires, Carlos Vilas, “o despertar político
as necessidades da América”, escreveu o “A divisão da América (Latina) em na- e social (de Che) teve muito a ver com seu
guerrilheiro na dedicatória. cionalidades ilusórias e incertas é com- contato direto com a pobreza, a explora-
No Hospital de Guia, em Lima, pletamente fictícia. Constituímos uma ção, a doença e o sofrimento”. Nessa via-
onde Pesce trabalhava, Che teve um única etnia mestiça, que, do México ao gem, ele fez a escolha que o levaria atra-
romance rápido com a enfermeira Estreito de Magalhães, apresenta notá- vés da Argentina à selva boliviana, de en-
Zoraide Boluarte, que alimentou os veis semelhanças etnográficas. Por isso, contro à rajada de metralhadora que pôs
viajantes e lhes arranjou abrigo. Pesce em uma tentativa de me livrar do peso de fim à sua vida.
os convidou, então, a conhecer o lepro- qualquer provincianismo pobre, ergo um Alberto Granado, seu companhei-
sário de San Pablo, na Amazônia peru- brinde ao Peru e à América Unida”. ro de viagem, valida esse ponto de vista.
ana. Com roupas novas, um pouco de Depois do Peru, Guevara e Granado Em um depoimento concedido em 2005
dinheiro e um pote de geléia de laranja, seguiram pelo Amazonas em uma balsa à rede de notícias britânicas BBC, Gra-
doados pelos novos amigos, os viajantes improvisada até a Colômbia. Outro cho- nado afirmou sobre a viagem que “a coi-
embarcaram numa viagem até o local. que. Em uma carta escrita à mãe, data- sa mais importante foi ter percebido que
Depois de sete dias pelo rio, chegaram à da de julho de 1952, Che afirma que “há tínhamos uma sensibilidade comum pe-
colônia. O mês de junho começava. mais repressão da liberdade individual las injustiças”. De acordo com ele, o pe-
O hospital na selva foi outro conta- do que em qualquer outro país que já es- ríodo passado no leprosário de San Pa-
to com a realidade dos desvalidos e afetou tive; os policiais patrulham as ruas com blo foi essencial. Tanto Granado quanto
ainda mais Guevara, que ficou aturdido rifles nas mãos e pedem seus documen- Guevara dividiam o pouco que tinham
com a vida miserável que tanto os pacien- tos o todo o tempo”. com os doentes. No momento da parti-

Grandes Líderes da História 19


Clube de Revistas
“A divisão da América (Latina) em nacionalidades ilusórias e incertas é
completamente fictícia. Constituímos uma única etnia mestiça, que, do
México ao Estreito de Magalhães, apresenta notáveis semelhanças etnográficas.
Por isso, em uma tentativa de me livrar do peso de qualquer provincianismo
pobre, ergo um brinde ao Peru e à América Unida”, Che Guevara
da, Granado disse ter ficado “com a im- EASY RRIDER MARXISTA sensível, conforme nos descreve o comple-
pressão de que Che estava dizendo adeus Guevara organizou suas notas em um xo mundo indígena da América Latina, a
à medicina institucional e que tinha se livro, publicado pela primeira vez em 1993, pobreza de seu povo e a exploração à qual
tornado um médico do povo”. 26 anos depois de sua morte, com o título são submetidos. Ele ficou consciente de
de Das Kapital encontra Easy Rider, uma que as pessoas necessitavam mais que sua
habilidade como médico, precisavam da
Foto: Divulgação/ Sá Editora

referência ao revolucionário livro de Karl


Marx e do filme de 1969 estrelado por Pe- sua força e persistência para tentar realizar
ter Fonda e Jack Nicholson, ícone da con- a mudança social a qual os permitiria reco-
tracultura dos anos 1960. A obra foi publi- brar a dignidade que lhes foi roubada e pi-
cada subseqüentemente em várias edições e soteada por séculos”.
se tornou um best seller. Foi também levada Depois da viagem, Guevara passou a
às telas de forma magistral por Walter Sal- acreditar que as mudanças sociais neces-
les no filme Diários de Motocicleta. sárias para mudar o quadro de opressão
O texto retrata a transformação ocor- e miséria da América Latina só seriam
rida “no jovem de 23 anos que saiu da Ar- atingidas com a revolução armada.
gentina em busca de aventura e dos sonhos Outra visão maior, holística, que ele
sobre os grandes feitos que iria realizar”, propõe em seu livro é a tese de a América
como escreveu sobre a viagem a filha de Latina não ser constituída de nações sepa-
Che, Aleida Guevara. “À medida que ele radas, mas de ser uma entidade única es-
descobria a realidade do nosso continente, perando para ser libertada. Em suas lutas,
amadureceu como ser humano e se desen- Che defendeu esse conceito de uma Pan-
volveu em um ser social. Aos poucos, per- América, compartilhando a mesma cultura
cebemos (ao longo do texto) como seus so- mestiça com liberdade e justiça social.
Notícia sobre a dupla de médicos nhos e ambições mudaram. O jovem que No ano seguinte às suas aventuras
em um jornal de Temuco, no Chile: nos faz rir no início do livro com suas lou- pela América, em 1953, Guevara se for-
matéria rendeu favores curas e absurdos se torna cada vez mais mou em Medicina.

Diários de Motocicleta
TRECHOS:

“As estrelas pontilhavam a noite “Isto não é uma fábula, nem um re-
com sua luz naquela pequena ci- lato cínico, ao menos não é para ser. “Por quanto tempo esta ordem
dade montanhesa, e o silêncio e É o pedaço de duas vidas correndo presente, baseada na idéia ab-
o frio desmaterializavam a escu- em paralelo durante um tempo, com surda de casta, irá durar não
ridão. Era como se todas as subs- aspirações comuns e sonhos seme- está nas minhas mãos respon-
tâncias sólidas se tornassem es- lhantes. Em nove meses, um homem der, mas é hora daqueles que
píritos, invadindo o espaço eté- pode ter diversos pensamentos, da governam passarem menos tem-
reo à nossa volta, negando nossa mais elevada conjectura filosófica ao po propagandeando suas virtu-
individualidade e nos submergin- mais abjeto desejo por um prato de des e dedicarem mais dinheiro,
do no imenso negrume”. sopa – em perfeita harmonia com o muito mais dinheiro, para pro-
estado de seu estômago”. (Introdu- mover obras sociais úteis”.
ção)

Che
20 Grandes Líderes da História
Mais uma viagem Clube de Revistas
Por Claudio Blanc

A experiência do rebelde na terra de


Jacobo Arbenz Guzmán e Carlos Castillo

Foto: Divulgação/ Memorial da América Latina

Na Guatemala
Grandes Líderes da História 21
Clube de Revistas

Q uando era estudante de Me-


dicina, Che embarcou numa
viagem por toda a América
Ibérica e foi tocado profundamente
temala também ficava cada vez mais
instável. A reforma social promovida
pelo presidente Arbenz era contrá-
ria aos interesses norte-americanos.
Guevara buscou refúgio no Consulado
da Argentina, onde permaneceu duran-
te algumas semanas, até receber um sal-
vo-conduto para ir ao México.
pela pobreza endêmica que observou. Ao desapropriar as terras da pode- Depois, ela conseguiu subornar um
As impressões o levaram a concluir rosa United Fruit Co. para a reforma guarda e também fugiu para o México,
que a desigualdade social e econômica agrária, o governo de Arbenz com- onde encontrou o amante. O relaciona-
da região era fruto do capitalismo, do prou uma briga com Washington. Em mento entre os dois, porém, ficava cada
neocolonialismo e do imperialismo. um golpe de Estado orquestrado pela vez mais tenso.
A única solução contra essa situação CIA, que planejou até mesmo o assas- A experiência na Guatemala soli-
histórica, pensava Che, era um revo- sinato de opositores, Carlos Castillo dificou ainda mais a ideologia radical
lução em escala continental. O jovem depôs Arbenz e instaurou uma dita- de Che Guevara. Ele tinha testemu-
médico acreditava que, durante esse dura militar que, entre 1954 e 1990, nhado o jogo de interesse que conde-
processo, a revolução extrapolaria a perpetrou mais de cem mil assassina- na grande parte da humanidade à po-
América Latina e atingiria propor- tos na população civil. breza. O golpe bancado pela CIA o le-
ções internacionais. Arbenz havia sido eleito legitima- vou a encarar os Estados Unidos como
Logo depois de voltar à Argenti- mente em 1951, na primeira transição um poder imperialista que se opunha
na, de seu ano sabático e de completar pacífica de poder da história da Guate- a qualquer governo que tentasse cor-
os estudos, Che embarcou, em julho mala. Comprometido com o bem-estar rigir a iniqüidade social endêmica na
de 1953, numa nova viagem onde, por dos guatemaltecos, continuou as refor- América Latina e em outros países em
cinco meses, visitou a Bolívia, o Peru, mas políticas e sociais iniciadas por seu desenvolvimento. O golpe na Guate-
o Equador, o Panamá, a Costa Rica, a antecessor, Juan Arévalo, cujo governo mala apenas confirmava sua crença de
Nicarágua, Honduras e El Salvador. resistira às tentativas de nada menos que o marxismo conquistado pelas ar-
Em dezembro daquele ano, chegou à do que 20 golpes de Estado. Mas, se mas era a única forma de levar a digni-
Guatemala, onde o presidente Jacobo Arévalo enfrentou apenas a elite inter- dade aos oprimidos.
Arbenz Guzmán promovia reformas na ao tentar realizar seu programa de Da Guatemala, Che foi ao México,
agrárias que colidiam com o sistema reformas, Arbenz acirrou os ânimos onde conheceu os irmãos Fidel e Raúl
latifundiário dominado por empre- de um inimigo bem mais poderoso. A Castro. Decepcionado com o gover-
sas norte-americanas. Nesse ambien- deposição dele foi a primeira interven- no pró-americano instalado por Ful-
te, Guevara decidiu se estabelecer e se ção da CIA no continente. gêncio Batista em Cuba, em 1953, os
aperfeiçoar, procurando se tornar um Castro lideraram um levante contra
“verdadeiro revolucionário”. PARTICIPAÇÃO DE GUEVARA o novo governo. No entanto, o movi-
Na Cidade de Guatemala, Che co- Che estava ansioso para lutar ao mento fracassou, e Fidel foi condena-
nheceu Hilda Gadea Acosta, uma exi- lado de Arbenz e se alistou em uma mi- do a 15 anos de prisão. Libertado sob a
lada peruana que fazia parte da Alian- lícia armada organizada pela Juventude anistia promovida por Batista, Fidel e
ça Popular Revolucionária America- Comunista. Mas a inatividade do gru- Raúl se exilaram no México, onde Che
na, uma frente socialista, e que tinha po frustrou o futuro guerrilheiro. Logo os encontrou.
bons contatos políticos. Ela apresentou depois do golpe, ele tentou mais uma Imediatamente, Guevara se uniu
Guevara a vários altos funcionários do vez se unir a algum grupo disposto a lu- ao Movimento 26 de Julho (M-26-7),
governo de Guzmán. Nessa época, o tar pelo regime do presidente deposto. o esforço liderado por Fidel para de-
cubano Anônio “Nico” Lopez o apeli- No entanto, ele mesmo se refugiou na por Fulgêncio Batista. Estava prestes
dou de El Che Argentino, por conta do embaixada do México e pediu que os a embarcar em sua mais gloriosa aven-
freqüente uso que Guevara fazia da tí- estrangeiros que o apoiavam saíssem do tura, de onde emergiria como coman-
pica expressão gaúcha, que significa “ei, país. Depois que Hilda Gadea foi presa, dante Che Guevara.
você”, em guarani.
Hilda ajudou Ernesto a se estabele-
cer no País, conseguindo-lhe um posto Ao desapropriar as terras da poderosa
médico. Apesar de ele não a achar fisica-
mente atraente, o romance entre os dois
United Fruit Co. para a reforma agrária, o
foi inevitável. Anos depois, em 1956, ti- governo de Arbenz comprou uma briga com
veram uma filha, Hilda Guevara Ga-
dea, falecida em 1995. Washington. Em um golpe de Estado orquestrado
Apesar dos bons contatos, o jovem pela CIA, Carlos Castillo depôs Arbenz e
médico enfrentava dificuldades finan-
ceiras. A situação política da Gua- instaurou uma ditadura militar
Che
22 Grandes Líderes da História
Cuba Clube de Revistas

e
Por Claudio Blanc

e C h
b a d l
C u F i d e
e

e e c o nômica
ç ã o p o lítica m í s seis
A sit u a o s
o e p i s ódio d
e
da ilha

Grandes Líderes da História 23


Clube de Revistas

E
m diversos países da América La- a intenção dos revolucionários era derru- pouco. Dessa forma, a ilha “pertencia” aos
tina, ao longo do século 20, houve bar o governo de Fulgêncio Batista. Não Estados Unidos, sem que os norte-ameri-
movimentos armados buscando a havia qualquer cunho socialista ou mar- canos bancassem o bem-estar de seu povo,
inclusão da população mantida às margens xista. A grande influência de esquerda na sem ter a obrigação do Estado para com
da sociedade pelos mecanismos do capita- Revolução Cubana vinha de Che Gue- seus cidadãos.
lismo. No Brasil, na década de 1920, tenen- vara. Muitos dos outros líderes e grande Os Estados Unidos eram vistos como
tes do Exército insuflaram revoltas no Sul parte da população repudiavam o marxis- a verdadeira potência que apoiava os go-
do País, que tomaram São Paulo e se esten- mo. No entanto, a truculência norte-ame- vernos conservadores de Cuba no pós-
deram para o interior, pela notória marcha ricana, que, em vez de apoiar o novo go- guerra. No entanto, o Departamento de
da Coluna Prestes. No Chile e na Guate- verno, o repudiou, acabou empurrando os Estado desaprovou o ditador da ilha, Ful-
mala, programas de cunho socialista, com o revolucionários vencedores para os braços gêncio Batista, e cortou-lhe a ajuda em
objetivo de eliminar o déficit social de suas abertos dos soviéticos. 1957. Batista, “figura conhecida e tortuo-
populações, foram desenvolvidos por pre- Assim, os impasses diplomáticos de sa da política cubana desde sua estréia em
sidentes eleitos democraticamente apenas Washington levaram o inimigo para a um golpe do Exército em 1933, como o
para ser sabotados pelos Estados Unidos. porta da própria casa, uma vez que a ilha então sargento Batista”, conforme observa
A Revolução Soviética de 1917 deu está situada a uma distância relativamen- Eric Hobsbawm, voltara a assumir o po-
um impulso revolucionário, provocando te pequena dos Estados Unidos. Apesar der em 1952 e ab-rogara a Constituição.
um efeito dominó de revoluções em pra- dos esforços norte-americanos para minar Na época, o jovem advogado nacio-
ticamente todas as sociedades oprimidas, a economia e a sociedade cubanas, a Re- nalista Fidel Castro iniciara uma cam-
que funcionavam baseadas em um sistema volução foi, de certa forma, bem-sucedida, panha de guerrilhas contra o regime.
de enorme desigualdade entre as classes que detendo o poder com relativa estabilidade Hobsbawm define Castro como “uma fi-
as formavam. Nas palavras de Che Gueva- havia 49 anos. gura não característica na política latino-
ra, eram sociedades de “castas”. Depois da americana: um jovem forte e carismático
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as ANTECEDENTES
revoluções se espalharam por todo o mun- Cuba fora especialmente atingida pela
do. Conforme observa o grande historiador Grande Depressão da década de 1930:
inglês Eric Hobsbawm, “a década de 1950 dependia virtualmente da monocultura
foi cheia de guerras de guerrilha no Tercei- da cana-de-açúcar, cujo único escoadouro
ro Mundo, praticamente todas nos países eram os Estados Unidos. De acordo com
coloniais em que, por um motivo ou outro, o historiador J.M. Roberts, autor de The
as antigas potências coloniais ou colonos lo- Shorter History of the World, “esse vín-
cais resistiram à descolonização pacífica – culo econômico foi um entre os vários que
Malásia, Quênia (o movimento Mau Mau) deram a Cuba um relacionamento ‘espe-
e Chipre no Império Britânico em dissolu- cial’ mais próximo e incômodo com os Es-
ção; as guerras muito mais sérias na Argélia tados Unidos que com qualquer outro Es-
e no Vietnã no império francês em disso- tado latino-americano”.
lução”. Muitas dessas revoluções ou guerras Até 1934, a Constituição cubana in-
de independência seguiam a orientação co- cluíra dispositivos especiais restringindo a
munista – fosse soviética, fosse maoísta. liberdade diplomática de Cuba, e os nor-
Na América Latina, porém, nenhum te-americanos mantinham uma base naval
movimento armado de esquerda foi efeti- na ilha. Havia pesados investimentos dos
vado, pois todos os levantes foram boico- EUA em propriedades urbanas e empre-
tados pelos Estados Unidos. A única revo- sas de serviço público, e a pobreza e os pre-
lução socialista vitoriosa na região aconte- ços baixos de Cuba permitiam que se tiras-
ceu em Cuba. Em um primeiro momento, se muito do trabalhador cubano pagando-o

O efeito do episódio dos mísseis de Cuba –


no qual Che Guevara inflamou os exacerbados
ânimos dos envolvidos com afirmações
do tipo “se pudesse, faria uso dos mísseis
imediatamente” – nas relações de EUA e URSS
e em suas taxações mútuas foi profundo
Che
24 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
de boa família proprietária de terras, de me nota Hobsbawm sobre a luta de Fidel soldados, policiais e torturadores do dita-
política indefinida, mas que estava decidi- Castro, “curiosamente, foi um movimento dor concluíram que o tempo dele se esgo-
do a demonstrar bravura pessoal e ser um relativamente pequeno – sem dúvida me- tara. Fidel provou que se esgotara e, muito
herói de qualquer causa da liberdade con- nor que a insurgência malaia –, atípico, mas naturalmente, suas forças herdaram o go-
tra a tirania, que se apresentasse no mo- bem-sucedido, que pôs a estratégia da guer- verno. Um mau regime que poucos apoia-
mento certo. Mesmo seus slogans (‘Pá- rilha nas primeiras páginas do mundo”. vam fora derrubado”.
tria ou morte’ – originalmente ‘Vitória Che Guevara foi o grande estrategis- A vitória do exército rebelde foi genui-
ou morte’ – e ‘Venceremos’) pertencem a ta militar. Conforme J. M. Roberts , o ar- namente sentida pela maioria dos cubanos
uma era mais antiga de libertação: admirá- gentino “partiu para conquistar o resto de como um momento de libertação e infinita
veis, mas sem muita precisão”. Cuba com 148 homens, que se elevaram promessa, encarnada em seu jovem líder,
Depois de um período obscuro en- a 300 quando sua campanha de guerrilha Fidel Castro. “Provavelmente nenhum lí-
tre os líderes mais extremados da política estava praticamente ganha”. der no Breve Século 20, uma era cheia de
estudantil da Universidade de Havana, Fidel contava com o apoio do povo, figuras carismáticas em sacadas e diante
escolheu a rebelião contra o governo. Cas- dos estudantes e também da elite. de microfones, idolatradas pelas massas,
tro atacou um quartel do Exército em Hobsbawm explica que “Fidel venceu teve menos ouvintes céticos ou hostis que
1953, foi preso e exilado. No México, onde porque o regime de Batista era frágil, não esse homem alto, barbudo, impontual, de
se refugiou, planejou a invasão de Cuba por tinha apoio real, a não ser o motivado pela uniforme de combate amassado, que fala-
uma força guerrilheira que se estabeleceu conveniência e o interesse próprio, e era li- va horas seguidas, partilhando seus pen-
nas montanhas da província mais remota. derado por um homem tornado indolente samentos um tanto assistemáticos com
A jogada mal preparada, quase impro- por longa corrupção. Desmoronou, assim, as multidões atentas e crédulas (incluindo
visada, deu certo. Tratava-se de um mo- que a oposição de todas as classes políticas, este escritor)”, pontua Hobsbawm. Fidel
vimento inicialmente diminuto, mas que da burguesia democrática aos comunistas, acabou se projetando como um herói em
acabou dominando toda a ilha. Confor- se uniu contra ele. Os próprios agentes, todo o mundo.

Foto: AFP/ ROGER-VIOLLET

Manifestação em frente ao palácio presidencial, 1959

Grandes Líderes da História 25


Clube de Revistas
Em 1959, como primeiro-ministro de provavelmente, seu momento decisi- O efeito desse episódio – no qual Che
uma Cuba nova e revolucionária, descre- vo. O governo russo decidiu instalar em Guevara inflamou os exacerbados ânimos
veu o regime como “humanista” e especi- Cuba mísseis capazes de atingir qual- dos envolvidos com afirmações do tipo:
ficamente não comunista. “Embora radi- quer parte dos Estados Unidos. O reco- “se pudesse, faria uso dos mísseis imedia-
cais, nem Fidel Castro, nem qualquer de nhecimento fotográfico norte-americano tamente” – nas relações das superpotên-
seus camaradas eram comunistas, nem confirmou, em outubro de 1962, que os cias e em suas taxações mútuas foi profun-
(com duas exceções) jamais disseram ter russos estavam construindo locais para do. A tecnologia espacial soviética alarma-
simpatias marxistas de qualquer tipo”, essas armas. Quando isto pôde ser de- ra os norte-americanos no final da década
confirma Hobsbawm. Na verdade, o Par- monstrado de forma inconteste, o presi- de 1950, mas, naquele momento, pare-
tido Comunista cubano, o único parti- dente Kennedy anunciou que a Marinha cia que os Estados Unidos tinham afinal
do comunista de massa além do chileno, dos Estados Unidos deteria qualquer uma preponderância de forças grande de-
era notadamente não simpático a Fidel, embarcação que estivesse levando mais mais para ser desafiada. Apesar de a an-
até que algumas de suas alas se juntaram, mísseis para Cuba e os que já lá estavam tiga URSS fazer enormes e bem-sucedi-
meio tardiamente, a sua campanha. deveriam ser retirados. Uma embarcação dos esforços para reduzir a liderança nor-
O relacionamento com os Estados libanesa foi abordada e inspecionada nos te-americana nos anos seguintes, a Guerra
Unidos, até então neutro, azedou rapida- dias seguintes; os navios russos foram Fria ultrapassara seu ponto mais perigoso
mente quando Fidel Castro se voltou para apenas observados. A força nuclear nor- – sem dúvida, a crise dos mísseis de Cuba.
a reforma agrária, para a nacionalização te-americana se preparou para a guerra. Embora o conflito ainda continuasse, as
das empresas de açúcar e para a denúncia Depois de poucos dias e algumas trocas duas superpotências mantiveram um pe-
dos elementos americanizados da socie- de cartas pessoais entre Kennedy e o lí- ríodo de negociações e contatos mais pró-
dade cubana que apoiavam o antigo regi- der soviético Kruschev, este concordou ximos, muitas vezes interrompidos, a res-
me. “O antiamericanismo era um meio ló- em remover os mísseis. peito de todo tipo de questões.
gico – talvez único – para que Fidel Cas-
tro reunisse os cubanos sob a bandeira da A grande influência de esquerda na
revolução”, escreve J. M. Roberts. Logo os
Estados Unidos romperam relações diplo-
Revolução Cubana vinha de Che Guevara.
máticas com Cuba e também começaram Muitos dos outros líderes e grande parte da
a aplicar pressão econômica. Não tardou
muito, resolveram promover a derrubada população repudiavam o marxismo. No entanto,
de Fidel Castro à força. a truculência norte-americana, que, em vez de
Exilados cubanos tramavam na Gua-
temala, com o apoio norte-americano, apoiar o novo governo, o repudiou, acabou
quando o presidente Kennedy tomou pos-
se em 1961. Num fiasco sem precedentes,
empurrando os revolucionários vencedores para os
ele bancou a fracassada tentativa invadir a braços abertos dos soviéticos
ilha usando os exilados cubanos. A par-
tir de então, Fidel Castro se voltou com

Foto: AFP
mais firmeza para a Rússia e, no fim da-
quele ano, declarou-se marxista-leninista.
Daí em diante, Cuba se transformou em
um ímã revolucionário na América Lati-
na. Os torturadores de Fidel Castro subs-
tituíram os de Batista e seu governo im-
pulsionou políticas que, embora tenham
efetivamente prejudicado demais a eco-
nomia, buscavam promover a igualdade e
a reforma social. Na década de 1970, por
exemplo, Cuba reivindicava a mais baixa
taxa de mortalidade infantil da América
Latina. A ajuda econômica russa possibi-
litava tais reformas.

A CRISE Da esquerda para a direita: Raúl Castro, Antonio Nunez Jimenez, Che Guevara,
Pouco depois, aconteceu o mais sé- Juan Almeida e Ramiro Valdes em Havana, 1959, durante o primeiro ano da
rio confronto de toda a Guerra Fria e, Revolução Cubana

Che
26 Grandes Líderes da História
Campanha Clube de Revistas
Por Claudio Blanc

foto: AFP

t r i a
Pou
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m o r t e !
Como Che conheceu Fidel e entrou para
a História na Revolução Cubana
Grandes Líderes da História 27
Clube de Revistas

A
participação de Che na Revo-
lução Cubana foi fundamen-
tal. Sua sagacidade tática e a
bravura em combate fizeram que fosse
visto como o “cérebro de Fidel”. A cam-
panha começou com poucos homens,
mas cresceu tanto nas cidades como no
campo e acabou sendo bem-sucedida.
Che Guevara chegou à Cidade do
México no começo de setembro de
1954; logo, voltou a ter contato com os
cubanos que tinha conhecido durante
sua permanência na Guatemala. Qua-
se um ano depois, em junho de 1955,
foi apresentado a Raúl Castro, um exi-
lado cubano que, com seu irmão Fidel,
tentara (e fracassara) depor a ditadu-
ra pró-norte-americana que reinava
na ilha. Raúl colocou Che em contato
com Fidel, que havia fundado o Mo-
vimento 26 de Julho, ou M-26-7, para
uma vez mais tentar depor Fulgêncio
Batista. Ainda inflamado pela experi-
ência guatemalteca, Guevara abraçou
de imediato a causa de Fidel. Na ver-
dade, era a oportunidade pela qual ele
ansiava desde que havia decidido que
a solução para o problema social na
América Latina seria conquistada ape-
nas por meio da luta armada.
Apesar de ter planejado atuar ape-
nas como médico do grupo, Che par-
ticipou do treinamento com os outros
membros do M-26-7. Seu desempe-
nho foi tão acima das expectativas,
que seu instrutor, o coronel Alber-
to Bayo, herói cubano da Guerra Ci-
vil Espanhola, o declarou “o melhor gou por conta do peso excessivo –, o bate ou executada, depois de captu-
guerrilheiro” do treinamento. grupo, que mais tarde veio a ser cha- rados. Durante o confronto, Che lar-
O plano de Fidel era atacar Cuba a mado de Los Expedicionarios del Yate gou seu equipamento médico e apa-
partir do México. Para tanto, em 1956, Granma, aportou na atual Província nhou uma caixa de munição que um
os revolucionários compraram um an- Granma, na mesma praia onde José companheiro em fuga deixara cair.
tigo iate que acabou virando legendá- Marti, o líder do movimento da inde- Conforme escreveu, aquele ato mar-
rio, o Granma. pendência cubana, havia aportado em cara simbolicamente a transição que
Pouco depois da meia-noite de 25 1895, durante as guerras de indepen- o levou do médico ao guerreiro.
de novembro de 1956, 82 membros dência da Espanha. O local havia sido Segundos depois de ter feito a
do M-26-7, entre os quais Che, Fidel escolhido por esse motivo. escolha, ele foi atingido no pesco-
e Raúl, subiram a bordo do Granma, O lugar onde os revolucionários ço por uma rajada de metralhadora,
projetado para acomodar apenas 12 aportaram era pantanoso e, dois dias que matou imediatamente o compa-
pessoas. O piloto era Norberto Colla- depois do desembarque, foram ata- nheiro ao lado. Em estado de cho-
do Abreu, um veterano da Segunda cados por forças do governo. O guia que, Che perdeu a esperança de
Guerra Mundial, onde lutara na Ma- dos rebeldes os traíra e delatara sua sobreviver, até que outro compa-
rinha de Cuba. posição aos homens de Fulgêncio Ba- nheiro, Juan Almeida, o tirasse do
Depois de uma viagem em condi- tista. A maioria dos 82 combatentes transe gritando para que se levan-
ções precárias – o barco quase naufra- do M-26-7 foi morta durante o com- tasse e corresse.

Che
28 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
de rebeldes ao dos apóstolos de Cris-

foto: AFP
to, mencionam 12).
Os sobreviventes se reagruparam
no coração da Sierra Maestra, uma
cadeia de montanhas localizada no
sudeste de Cuba. Os primeiros ata-
ques dos rebeldes foram a depósitos
de armas. Aos poucos, começaram a
se reestruturar, recrutaram mais ho-
mens e conseguiram manter contato
com suas bases de apoio. O grupo de
Che e Fidel recebeu apoio dos cam-
poneses e da rede de guerrilha urba-
na do M-26-7, comandada por Frank
País, um brilhante estrategista, mor-
to durante a Revolução em 1957,
quando tinha apenas 23 anos.
Escondidos na selva, o mundo pou-
co sabia sobre os sucessos e os fracassos
dos revolucionários, até que, em 1957,
Fidel foi entrevistado pelo jornalista
Herbert Matthews, do prestigioso jor-
nal New York Times. O texto de Mat-
thews apresentou ao mundo uma visão
quase mítica de Fidel e de seus guerri-
lheiros. A entrevista foi muito impor-
tante para o grupo, pois permitiu que
os homens levantassem o baixo moral
que vinham amargando até então. Em-
bora não estivesse presente durante a
visita do repórter, Che percebeu a im-
portância da mídia em sua luta.

CARRASCO
Fidel Castro e Che Guevara na Sierra Maestra, em 8 de outubro de 1957 Na época da entrevista de Fidel,
seus homens localizaram um traidor
fugitivo. Eutímio Guerra, o espião de
Ernesto, Almeida e mais três ho- a ajuda de um camponês colaborador Batista, havia sido capturado com um
mens conseguiram chegar à flores- do movimento, foram guiados até o salvo-conduto do governo. Guerra as-
ta próxima e, dali, prosseguiram em esconderijo onde estavam Fidel, Raúl sumiu a culpa, e Fidel o condenou à
direção à Sierra Maestra. Por vários e outros quatro combatentes. Dos 82 morte. Corajoso, ele não pediu cle-
dias, esconderam-se das tropas inimi- expedicionários do Granma, apenas mência. Os homens de
gas que estavam em seu encalço, pade- 15 sobreviveram (algumas fontes fa-
cendo de fome e de sede. Caminhan- lam em 18, outras ainda, buscando
e
do apenas à noite por segurança, en- relacionar o número
B a t i s ta), Ch
lgêncio ção
contraram mais três companheiros e
continuaram a jornada. Com
e n s d e F u
e m u n i
- 7 c o m hom u m a caixa d nforme
M - 2 6 n h o u a i r . C o
f r o n t o (do édico e apa ga deixara c olicamente
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n ento m nheiro em fu a ra simb
D u r a n q u i p a m a o m a r c o u do
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largou que um
c
e v e u , aque s i ç ã o que
e r r eiro
e s c r a t r a n ao g u
médico
Grandes Líderes da História 29
Clube de Revistas
Fidel, por sua vez, relutaram em deci- ataque antes de seus homens (que do, no ataque a Santa Clara, que mar-
dir quem cumpriria a ordem. Em seus estavam atrasados), acompanhado cou a vitória decisiva da Revolução.
relatos, Che descreveu a “situação incô- apenas de outro rebelde. Como se O primeiro dia do ano seguinte tra-
moda para as pessoas e para ele [Guer- não bastasse esse erro de sincroni- zia um novo regime. Naquela manhã,
ra]”. Com o objetivo de resolver o im- zação, decidiu atacar sozinho o pe- quando Fulgêncio Batista soube que
passe, o guerrilheiro conta que acabou lotão inimigo. Pior, tanto sua arma seus generais estavam negociando a tré-
“com o problema, dando-lhe um tiro como a do único comandado que o gua separadamente, fugiu para a Repú-
com uma pistola calibre 32 no lado di- acompanhava travaram no momento blica Dominicana.
reito do crânio, com o orifício de sida em que ordenou que abrissem fogo. Pouco mais de dois anos depois da
no [lobo] temporal direito”. Aquela foi Os dois combatentes fugiram sob campanha de guerrilha em que Gueva-
a primeira execução de Che, mas esta- uma saraivada de balas. A sorte, po- ra se consagrou por sua bravura e ha-
va longe de ser a última. rém, estava ao lado de Guevara. Os bilidade, os insurgentes entraram em
A situação em Sierra Maestra era tiros dos inimigos provocaram uma Havana, estabelecendo a única revolu-
crítica. Apesar de o exército rebelde resposta de peso dos rebeldes que ção socialista vitoriosa das Américas.
aumentar seu contingente, as provi- ainda estavam nas colinas. A tropa Em 8 de janeiro de 1959, o exército re-
sões eram escassas, necessitando-se governista acabou se rendendo antes belde desfilou vitorioso pelas ruas da
de ações extremas para conseguir su- mesmo de Che ter conseguido des- capital cubana. Menos de um mês de-
primentos. Saques a depósitos e ar- travar sua arma. pois, Che recebeu a cidadania cubana
mazéns e o sacrifício de cavalos para O episódio serviu de lição. A par- em reconhecimento pelo papel na vitó-
alimentar as tropas eram uma cons- tir de então, Guevara impôs uma dis- ria das forças revolucionárias.
tante da campanha revolucionária. ciplina rígida aos comandados. Os Aquele ano trouxe mudanças tam-
Depois de um período de treina- desertores eram tratados como trai- bém na vida pessoal de Che. Além de
mento de novos combatentes, os re- dores. Freqüentemente, Che enviava obter a vitória, o líder guerrilheiro
beldes empreenderam um ataque a esquadrões de execução atrás dos de- se divorciou de Hilda Gadea, a eco-
um quartel em El Uervo. A vitória sertores. Os acusados de ser espiões nomista peruana com quem havia se
teve um preço alto: seis insurgentes ou informantes também eram puni- casado no México, e se uniu a Alei-
morreram e outros sete foram feridos. dos com a morte. da March, uma cubana que fazia par-
Entre os governistas, havia ainda mais Em julho de 1958, Che teve um te do M-26-7 e com quem ele passara
feridos. Nesse episódio, Che revelou papel fundamental na Batalha de Las a viver no final de 1958.
sua humanidade, baseada, muitas ve- Mercedes, a última ofensiva lançada Guevara conheceu Aleida March
zes, em contradições. Como médico, pelo governo contra os rebeldes e que na selva, aprendeu com ela as carac-
tratou dos feridos dos dois lados do durou nove dias. Com sua coluna, de- terísticas do local e acabou se casando
campo de batalha. teve uma força de 1,5 mil homens que com a guerrilheira. Os dois tiveram
Àquela altura da campanha, clas- manobravam para cercar e destruir quatro filhos. A mais velha, Aleida
sificada por Guevara como os “mais Fidel. A tática empregada por Gueva- Guevara, nascida em 1960, é médica
dolorosos dias da guerra”, Fidel pro- ra no combate é considerada “brilhan- como o pai em Havana, onde vive. Os
moveu Che a comandante de uma te” por muitos estrategistas militares. outros três, Camilo, Célia e Ernesto,
das colunas do segundo exército. No Com o moral elevado, Che coman- também vivem em Cuba. Dois são ad-
entanto, o primeiro ataque de Gue- dou uma nova coluna no ataque final a vogados e outro é veterinário especia-
vara ao novo posto não saiu confor- Havana, a capital da ilha. Nos últimos lizado em golfinhos.
me planejado. Ao contrário, foi to- dias de dezembro de 1958, liderou seu
talmente improvisado. Decidido a “esquadrão suicida”, como foi chama-
atacar um destacamento governista,
ito reb de
elde
o recém-promovido comandante se
o e x é r c
adiantou e chegou ao local do
p e sar de s i t a ndo-se
e r a c r í tica escassas, nec depósitos e
. A e s
a a
i e r r a Maestr
v i s õ e s eram
n t o s . S aques t r o pas
m S o
ção e ingente, as pr guir suprime s para aliment lucionária a r a s
s i t u a
A
s e u cont r a conse o e c avalo a n h a revo
camp
r d
aumen
t a
e s e xtrema
s p a
s a c r ifíci d a
açõ armaz
éns e o
u m a consta
n t e
eram

Che
30 Grandes Líderes da História
Administrando a Revolução Clube de Revistas
Por Claudio Blanc

Primeiros
tempos do

Foto: AFP
novo governo
O que aconteceu após a vitória dos rebeldes sobre Fulgêncio Batista

Grandes Líderes da História 31


Clube de Revistas

O
destaque de Che como líder se esforçava para negar qualquer associa- tanto, forças contra-revolucionárias tam-
militar e estrategista na Re- ção com os movimentos socialistas. Ape- bém se erguiam. O governo havia come-
volução Cubana garantiu-lhe sar de medidas populistas de Fidel, como çado um programa de reforma agrária
importantes cargos no novo governo. baixar em 50% o preço dos aluguéis e que fez que os ricos criadores de gado da
Assumiu todos eles com a mesma pai- desapropriar terrenos baldios, a autono- cidade de Camagüey, a terceira maior da
xão e o mesmo radicalismo que marca- mia das universidades foi diminuída, as- ilha, organizassem uma campanha con-
ram seus atos desde sempre. Aos pou- sim como a liberdade de imprensa. A lei da tra a redistribuição de terras. Liderados
cos, porém, foi se distanciando de Fidel reforma agrária trouxe polêmicas e gerou por Huber Matos, um guerrilheiro ve-
e, ciente de seu talento tático, abandou desconfiança em relação à socialização de terano do M-26-7 descontente com a
Cuba para acender a chama da revolu- Cuba. A classe média, preocupada, come- tendência marxista assumida pelo mo-
ção em outros países. çava a emigrar em massa. Foi o primeiro vimento, opuseram-se ao governo revo-
A primeira função de Che no novo êxodo rumo a Miami, que se tornaria um lucionário. Matos recebeu o apoio do di-
governo foi executar os inimigos do novo exílio para os expatriados cubanos. tador dominicano Rafael Trujillo.
regime. Durante a rebelião conta a dita- Por conta da forte influência sobre Por conta dos novos rumos que a Re-
dura de Fulgêncio Batista, o comando Fidel, a orientação marxista de Gueva- volução tomava, Fidel adotou medidas
geral do Exército rebelde introduziu nos ra trazia preocupações tanto para os Es- para conter o avanço contra-revolucioná-
territórios conquistados uma lei penal do tados Unidos como para alguns dos líde- rio. Nomeou Che para chefiar o Institu-
século 19 conhecida como Ley de la Sier- res do M-26-7, que não tinham qualquer to Nacional de Reforma Agrária e, poste-
ra, a qual previa a pena de morte para cri- simpatia pela esquerda. Ao mesmo tem- riormente, presidente do Banco Nacional
mes sérios. Depois da vitória, em 1959, o po em que Fidel se esforçava para negar de Cuba, mantendo, ao mesmo tempo,
governo revolucionário promulgou-a em qualquer envolvimento com os movimen- sua patente militar. O ditador tinha seus
todo o país. Criminosos de guerra captu- tos socialistas, Che, com toda a força de motivos para escolher Che para o cargo.
rados antes e depois da Revolução foram sua sinceridade explosiva, fazia justamen- Desde os dias da luta na Sierra Maestra,
submetidos à lei de la Sierra. te o contrário. Chegou mesmo a declarar Guevara propunha a criação de indústrias
Fidel nomeou Che “promotor supremo” na televisão que “o fato de eu não ser um auto-suficientes.
e comandante da prisão do forte de La Ca- comunista filiado ao Partido Comunista, À frente do Ministério das Indús-
baña por cinco meses, de 2 de janeiro a 12 como não sou, não tem importância al- trias, um cargo pelo qual contribuiu para
de junho de 1959. Nessa posição, Guevara guma. Somos acusados de sermos comu- conceber o socialismo cubano, Che se
supervisionou os julgamentos do tribunal nistas pelo que fazemos, não por quem tornou uma das figuras mais proemi-
revolucionário. Estes eram diários e come- somos ou pelo que dizemos. [...] Se você nentes do país. Sua política industrial se
çavam em torno das 20 horas, avançando acredita que o que fazemos é comunismo, baseava na diversificação da economia e
pela madrugada. Seu desempenho rígido, então somos comunistas”. da eliminação de incentivos materiais.
executando diversos governistas com pro- Uma forma encontrada por Fidel Intuindo os preceitos da moderna eco-
vas contestáveis, fez que Che fosse acusa- de neutralizar seu companheiro no mo- nomia cooperativa, ele incentivava o tra-
do de agir por conta própria, ordenando a mento crítico do novo governo revolu- balho voluntário e a dedicação dos traba-
morte de centenas de pessoas sem subme- cionário foi mandá-lo como responsável lhadores, pois acreditava que o movi-
tê-las a julgamento adequado. Mas, como a por acordos comerciais cubanos a uma mento espontâneo resultaria no impulso
população local havia sido vítima de atroci- missão especial, uma viagem de três econômico desejado. Para dar o exemplo
dades por parte de Batista e queria linchar meses em visita a 14 países, a maioria do que esperava dos cubanos, trabalhava
muitos dos prisioneiros, Guevara justificou na Ásia e na África. incessantemente no ministério. Chegou
as execuções como uma forma de evitar que Quando Che retornou a Cuba, em até mesmo a atuar como voluntário em
o povo fizesse justiça com as próprias mãos. setembro, Fidel tinha amealhado muito construções e a cortar cana-de-açúcar,
Estima-se que cerca de 400 pessoas tenham mais poder que quando partira. No en- algo que Fidel Castro também fez.
sido mortas em La Cabana durante o tem-
po em que Che chefiou a fortaleza.
No início de junho, Guevara foi cha-
“O fato de eu não ser um comunista filiado
mado por Fidel de volta a Havana. A opo- ao Partido Comunista, como não sou, não tem
sição começava a se fazer ouvir, criticando
o excesso de autoridade do novo governo. importância alguma. Somos acusados
A Igreja Católica denunciava os excessos de comunistas pelo que fazemos, não por quem
dos tribunais revolucionários e preocupa-
va-se com a aproximação entre Fidel e os somos ou pelo que dizemos. [...] Se você
comunistas, uma vez que, inicialmente, a
Revolução Cubana não tinha um cunho
acredita que o que fazemos é comunismo,
socialista. Na verdade, o governo cubano então somos comunistas”, Che Guevara
Che
32 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
BAÍA DOS PORCOS Guevara incentivava o trabalho voluntário e
Che não atuou diretamente na
luta que resultou do episódio da Inva- a dedicação dos trabalhadores, pois acreditava
são da Baía dos Porcos, mas comandou
o Exército cubano em outra frente do que o movimento espontâneo resultaria
conflito. Em 1961, o recém-eleito presi- no impulso econômico desejado. Para dar
dente americano John F. Kennedy auto-
rizou a CIA a planejar e financiar uma o exemplo do que esperava dos cubanos,
invasão a Cuba usando exilados cuba-
nos que se opunham a Castro. A orga-
ele trabalhava incessantemente no ministério.
nização forneceu aviões que bombarde- Chegou até mesmo a ser voluntário em
aram aeroportos do país e a força cuba-
na tentou invadir por terra, aportando construções e a cortar cana-de-açúcar, algo
na Baía dos Porcos. No entanto, a inva- que Fidel Castro também fez
são foi um fiasco. Fidel estava prepara-
do, pois a inteligência cubana tinha co-
nhecimento da operação, e rechaçou a
invasão. O episódio acabou azedando
de vez a já deteriorada relação entre os
dois países.
Por conhecer o plano da CIA, Fidel
tomou medidas antes mesmo da invasão.
Em Cuba, cerca de cem mil cubanos fo-
ram presos, suspeitos de simpatizar ou
de apoiar os invasores. Como parte das
ações de defesa, Castro enviou Che à
província de Pinar del Rio, onde coman-
dou o Exército Ocidental de Cuba.

Foto: Divulgação/ Editora Martin Claret


Guevara participou mais ativamen-
te de outra crise internacional, tão grave
que quase levou à terceira guerra nucle-
ar. A Crise dos Mísseis Cubanos, como
veio a ser conhecida, foi um dos mais
cáusticos confrontos da Guerra Fria.
Em outubro de 1962, aviões de espio-
nagem norte-americanos detectaram a
construção de bases de mísseis na ilha,
revelando a intenção de os soviéticos
colocarem mísseis nas portas dos Esta-
dos Unidos. Era uma resposta à insta-
lação dos mísseis norte-americanos na
Turquia, apontados contra a ex-União
Soviética. Durante 13 dias de tensão,
as duas potências trocaram acusações,
posicionaram suas tropas e, pior ainda,
seus mísseis. No final, o conflito foi re-
solvido por meio da diplomacia.
Essa diplomacia, porém, faltou a
Che. Em um dos piores momentos da
crise, ele declarou ao jornal britânico
Daily Worker que, “se os mísseis esti-
vessem sob controle dos cubanos, nós
os teríamos usado”, justificando ainda
mais o temor que os norte-americanos
nutriam da ameaça cubana.

Grandes Líderes da História 33


Rompimento Clube de Revistas

Aos poucos,
eles romperam
Como Che Guevara deixou Cuba e seu governo para trás

E
m 1963, o quarto ano da revo- grantes do foco guerrilheiro instala- Ainda nos Estados Unidos, reuniu-
lução, os problemas cubanos se do por Guevara na Argentina foram se com o líder radical negro Malcon X,
agravaram. A infra-estrutura mortos ou presos. Embora frustrado, que pregava o rompimento com a so-
deixada pelos norte-americanos era in- ele não se deixou abalar. Seu maior ciedade branca que explorava os afro-
comparável com a tecnologia atrasada desejo era liderar a revolução conti- descendentes, e outros radicais.
fornecida pela antiga União Soviética. nental que pregava. Assim, iniciou Dos Estados Unidos, Che foi a
Depois da retirada dos mísseis soviéti- sua campanha para combater o im- Paris, reunindo-se com intelectuais,
cos da ilha, Che começou a demonstrar perialismo onde quer que estivesse. como o filósofo Jean-Paul Sartre, e
claramente seu desgosto com Moscou Aquela era a verdadeira luta de sua disseminando o sucesso da Revolução
e passou a ser visto como mais alinhado vida, em que ele esperava morrer, Cubana. Nos três meses seguintes, o
com o pensamento chinês. como de fato aconteceu. comandante argentino-cubano visitou
O rompimento entre os soviéticos Em dezembro de 1964, Che Gue- a China, diversos países da África e es-
e os chineses se aprofundava, e Cuba vara embarcou em uma viagem por teve também na Irlanda e em Praga.
tomou partido ao lado da ex-URSS. diversos países como chefe da dele- Com o radicalismo, Guevara aca-
Apesar da polpuda ajuda financeira gação cubana. Como porta-voz ofi- bou embaraçando os laços políticos
recebida em troca do apoio, a ilha fi- cial de Cuba, discursou na sede das que Fidel procurava firmar. Ele con-
cou completamente dependente dos Nações Unidas, em Nova York, na feria uma característica marxista a um
soviéticos. Além disso, Moscou via 19ª Assembléia Geral das Nações movimento que inicialmente não ti-
com maus olhos os esforços bélicos Unidas. Em seu famoso discurso na nha tal orientação – o que indispôs
de Guevara, que queria exportar a Re- ONU, atacou o intervencionismo logo de início o governo revolucioná-
volução para outros países da região. norte-americano, declarou a mor- rio com os Estados Unidos. Seu rom-
Bom político, Fidel entendeu o recado te do colonialismo e aplaudiu o que pimento, porém, veio em um discur-
e procurou, moderadamente, se apro- chamou de “Guerras de Libertação so proferido em Algiers, na Argélia,
ximar de Washington. Enquanto isso, na América Latina”. em fevereiro de 1965. Che se excedeu
Che buscava criar um foco guerrilhei-
ro na Argentina, sua terra natal, a qual
queria tornar socialista.
Em 1964, Che Guevara pensa- O rompimento de Che com Cuba veio em
va em deixar Cuba. Diversos fatores um discurso proferido em Algiers, na Argélia,
contribuíram para a decisão: o regi-
me estava consolidado, a ameaça da em fevereiro de 1965. Guevara se excedeu nas
invasão norte-americana tinha dimi- palavras, criticando abertamente o modelo
nuído, ele não era cubano e não es-
tava acostumado ao estilo de vida da socialista soviético, acusando a antiga URSS,
ilha caribenha, e não era um buro-
crata, mas um guerreiro. Em abril de que injetava polpuda ajuda financeira em
1964, os esforços de Che para imple- Cuba, de explorar o Terceiro Mundo tanto
mentar o socialismo em seu país natal
fracassaram. Naquele mês, os inte- quanto as potências capitalistas

Che
34 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas Por Claudio Blanc

nas palavras, criticando abertamente o


Foto: Divulgação/ Editora Martin Claret

modelo socialista soviético, acusando


a ex-URSS, que injetava polpuda aju-
da financeira em Cuba, de explorar o
Terceiro Mundo tanto quanto as po-
tências capitalistas.
A simpatia que Che nutria pelo
modelo de comunismo chinês desa-
gradou aos soviéticos, pois estes ti-
nham rompido com Pequim. Além
disso, Guevara considerava a retira-
da dos mísseis de Cuba pelos soviéti-
cos uma traição. Nos primeiros anos
de Revolução, temia-se, como de fato
aconteceu no episódio da Baía dos
Porcos, que os Estados Unidos ten-
tassem invadir a ilha. Os mísseis, ra-
ciocinava Che, garantiriam a sobe-
rania do regime revolucionário. Mas
nem a antiga União Soviética nem os
Estados Unidos viam a questão des-
ta maneira.
Apesar das críticas públicas ao
regime de Moscou, patrocinador do
governo revolucionário, Guevara foi
recebido com solenidades quando
voltou a Cuba, em meados de março.
Fidel e Raúl foram recebê-lo no Ae-
roporto de Havana, e tudo parecia se
desdobrar em mesuras e concórdia.
No entanto, duas semanas depois,
Che abandonou a vida pública e sim-
plesmente desapareceu.
O povo cubano, que via o rebelde
argentino-cubano como o segundo na
linha de poder, atrás apenas do pró-
prio Fidel, se perguntava o que havia
sido feito do herói da Revolução. Mui-
tos pensavam que o desaparecimen-
to estava ligado ao fracasso do plano
de industrialização que ele defendeu
durante sua gestão como ministro
da Indústria ou vinculado às críticas
que tecera à antiga União Soviéti-
ca. O modelo socialista preconizado
por Che se assemelhava ao da China.
Isso era um problema para Cuba, fi-
nanciada ostensivamente pelos sovié-
ticos. Muitos historiadores defendem
que Guevara advogava uma estratégia
maoísta para a América Hispânica, e
seu projeto de rápida industrialização
tem sido comparado ao “Grande Sal-
to para Frente” empreendido na Chi-
Che Guevara chefiando a delegação cubana na Assembléia da Onu, em 1964 na por Mao Tse-tung.

Grandes Líderes da História 35


Clube de Revistas
Apesar de diversos estudiosos

Foto: Divulgação/ Editora Martin Claret


apontarem para as desavenças sobre a
orientação de qual bloco seguir como
a principal causa do rompimento entre
Che e Fidel, havia outro fator igual-
mente importante. A crescente popu-
laridade que Che amealhava em tor-
no de sua carismática figura era uma
ameaça para Fidel. No entanto, esta
não era a intenção dele, sempre fiel ao
companheiro de armas.
Muitos rumores sobre o destino de
Che começaram a se espalhar dentro e
fora de Cuba. Fidel foi pressionado a
informar sobre o paradeiro do antigo
companheiro de armas. Em junho de
1965, cerca de dois meses e meio de-
pois do sumiço, Castro afirmou que
o povo seria informado sobre Gueva-
ra apenas quando este desejasse. Em
outubro, Fidel revelou uma carta sem
data, escrita, segundo ele, pelo com-
panheiro meses antes. No texto, o lí-
der guerrilheiro reafirmava seu apoio
à Revolução Cubana, mas declarava
que decidira deixar Cuba para conti-
nuar a combater pela causa revolucio-
nária em todo o mundo. Além disso,
Che renunciava a todos os cargos no
governo e no partido e também abria
mão de sua nacionalidade cubana.
Nos dois anos seguintes, ninguém sa-
bia ao certo onde estava Che Gueva-
ra. A correspondência era, na verda-
de, para ser revelada caso ele morresse
nas campanhas nas quais iria se enga-
jar, uma aventura para libertar o mun-
dopor meio da Revolução. Che com um charuto: ele foi se desinteressando de Cuba

O Discurso de Che na sede da ONU em 12 de dezembro de 1964 (trechos):


“O conjunto épico das operações militares em nossa frente será escrito por massas de índios famintos, de lavra-
dores sem-terra, de trabalhadores explorados. Será escrito pelas massas progressivas, os honestos e brilhantes
intelectuais abundantes em nossa extensa e sofredora terra da América Latina”.

(...)

“Nasci na Argentina; não é segredo para ninguém. Sou cubano e também sou argentino e, se não se ofenderem
os ilustríssimos senhores latino-americanos, sinto-me tão patriota da América Latina, de qualquer país da Amé-
rica Latina, como de qualquer outro e, no momento em que fosse necessário, estaria disposto a entregar minha
vida pela libertação de qualquer um dos países latino-americanos, sem pedir nada a ninguém, sem exigir nada,
sem explorar ninguém”.

Fonte: www.culturabrasil.org/discursoche.htm

Che
36 Grandes Líderes da História
Congo Clube de Revistas
Por Claudio Blanc

Foto José Nascimento/ Tela de Jeferson de Souza

Na África
com Kabila
A fracassada experiência de Guevara no Congo
Grandes
Grandes Líderes
Líderes da História 37
da História
Clube de Revistas

E
m 1965, Che deixou Cuba morte. Na verdade, quando Guevara cubanos trabalhando em conjunto
para instaurar revoluções pelo soube da doença, Célia de La Serna com o Exército regular para frus-
mundo. Durante dois anos, havia morrido, vítima de um câncer trar os esforços das forças rebeldes.
seu paradeiro ficou desconhecido. fulminante. Sem ter como localizar o Interceptavam suas comunicações e
Apareceu somente em 1967, na Bolí- marido, Aleida, a esposa de Che, não planejavam emboscadas a partir das
via, tentando derrubar o governo pró- podia avisá-lo da morte da sogra. Na informações obtidas.
norte-americano local com uma estra- última carta que escreveu ao filho, Cé- Seis meses após sua chegada ao
tégia semelhante à que empregara em lia deixou clara sua preocupação com Congo, a base onde Che operava foi in-
Cuba. Mas, antes da Bolívia, ele este- o desaparecimento dele e um possível vadida. O comandante teve tempo ape-
ve na África. Guevara acreditava que desentendimento com Fidel. Na car- nas de fugir, abandonando equipamen-
aquele continente tinha um grande ta, a mãe vaticinava: “Você sempre tos e suprimentos.
potencial revolucionário, pois era o será um estrangeiro. Esse parece ser o Com as deserções em massa e os
“elo fraco” do capitalismo. seu destino permanente”. rebeldes acuados, os líderes revolucio-
Durante suas viagens internacio- A Revolução também não ia bem. nários decidiram encerrar a campa-
nais em 1964, Che havia entrado em O disciplinado Che Guevara ficou de- nha. Guevara pediu que essa decisão
contato com diversos líderes revolu- siludido com a indisciplina das tropas fosse documentada por escrito. Com
cionários africanos. Apesar da primei- congolesas. As dificuldades de relacio- isso, queria provar que os cubanos não
ra impressão ter sido negativa, pre- namento entre cubanos e congoleses in- abandonaram o campo de batalha. Sem
parou-se para ajudá-los a promover a tensificavam-se ainda mais com as críti- dar ouvidos, os comandantes congole-
Revolução Pan-africana. cas de Che ao estilo de vida desregrado ses simplesmente desistiram da luta.
No Congo, o movimento marxista e indolente dos nativos. Sem código de A retirada foi humilhante. Che e os
Simba lutava com o governo de situa- conduta adequado e invariavelmente bê- cubanos fugiram, com 20 congoleses
ção para impor um regime comunis- bados, os integrantes do Exército Popu- escolhidos por eles para ser salvos, pelo
ta. Naquele país, Guevara comandou lar de Libertação (EPL), o movimento lago Tanganyika a bordo de um barco.
uma operação cubana em prol dos re- armado rebelde do qual Guevara parti- Os demais foram abandonados à pró-
beldes congoleses. Chegou em abril de cipava também era visto pelos campone- pria sorte. Guevara registrou a ocasião
1965 sem se identificar, dizendo aos ses como uma força parasita. com pesar: “Foi um espetáculo grave,
rebeldes que 130 homens seriam en- O primeiro ataque do EPL foi, nas desolador e inglório. Tive de repelir os
viados de Cuba para treinamento do palavras do biógrafo Rodolfo Lorenza- homens que imploravam para serem
foco revolucionário. A missão de Che to, “uma tragédia”. Cerca de 40 cuba- levados conosco. Nessa retirada, não
e dos cubanos que o acompanhavam nos e 160 congoleses atacaram o Forte houve um só traço de grandeza, nem
era secreta. Para não envolver o país Bendera. Che ficou na retaguarda para gesto de rebelião”.
latino-americano diretamente, a pre- manter sigilo. Além de os congoleses Durante a fuga, um barco patrulha
sença do comandante revolucionário desertarem, quatro cubanos foram mor- se aproximou da embarcação dos cuba-
não poderia ser descoberta. Mesmo tos, expondo o envolvimento de Havana nos, e Che ordenou a seus homens que
sem se identificar, Guevara esperava com a guerrilha do Congo. Como resul- se preparassem para o combate. No en-
que o aceitassem em combate pela im- tado, os cubanos se revoltaram contra os tanto, os inimigos partiram, e os revo-
posição de sua presença física. congoleses. Guevara temeu que seus ho- lucionários puderam continuar a reti-
A operação cubana na guerra con- mens desertassem em massa. rada em segurança.
golesa contou com um contingente de Embora Fidel continuasse a en- Alguns autores atribuem a relati-
aproximadamente cem afro-cubanos viar mais homens, que entravam no vidade parcial da retirada de Che e de
que chegaram depois de Guevara. Os Congo via Tanzânia, país que apoiou seus homens do Congo a um acordo
cubanos sob comando de Che apoia- até certo momento a Revolução, o entre Fidel Castro, o Departamento de
ram o líder guerrilheiro Laurent-Dé- governo congolês contratou merce- Estado dos Estados Unidos, a CIA e
siré Kabila. O Guerrilheiro tencio- nários sul-africanos, coordenados os mercenários que acuavam os guer-
nava exportar a Revolução Cubana e, pela CIA e apoiados por exilados rilheiros no lago Tanganika. Provavel-
muitas vezes, instruiu pessoalmente
os combatentes simbas, iniciando-os
na ideologia marxista e nas próprias
Com disenteria e asma, e frustrado com
estratégias de guerrilha. sete meses inúteis de campanha, Che
Logo no começo da campanha,
Che recebeu de um expedicionário
desistira da causa de Kabila. “Nada me
cubano que se unia ao esforço revolu- faz pensar que ele é o homem da vez”,
cionário a notícia de que sua mãe es-
tava gravemente enferma, às portas da escreveu sobre o líder em seu diário

Che
38 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
mente, Fidel desejava menos exportar a
Revolução que seu companheiro, mas o Apesar da insistência de Fidel para que
fazia por Che – e também para mantê- retornasse a Cuba, Che Guevara se recusava
lo longe de Havana.
Em seu Diário do Congo, Gueva- a obedecer-lhe. Achava que o melhor modo
ra atribuiu a causa do fracasso da re-
volução congolesa à incompetência e à
de ajudar o governo revolucionário a sair
intransigência dos rebeldes. Sofrendo do isolamento ao qual fora imposto pela
de disenteria e asma, e frustrado com
sete meses inúteis de campanha, Che comunidade internacional orientada
desistira da causa de Kabila. “Nada me pelos Estados Unidos era exportando a
faz pensar que ele é o homem da vez”,
escreveu sobre o líder em seu diário. Revolução. Seu alvo era a América Latina
Deixou o Congo acompanhado dos
cubanos sobreviventes para confessar,

Foto: AFP
semanas depois, quando escreveu a in-
trodução do seu Diário do Congo, que
aquela “era a história de um fracasso”.
Depois do “fracasso” congolês,
Che passou um tempo escondido
na Tanzânia, onde Aleida foi visitá-
lo secretamente. Por seis semanas, o
casal ficou confinado em um aparta-
mento de dois cômodos em Dar es
Salaan. Não saíam para nada e re-
cebiam mantimentos diariamente de
um dos poucos agentes cubanos que
conheciam seu paradeiro. Ela descre-
veu esse período como uma “lua-de-
mel”. Da Tanzânia, Guevara se refu-
giou em Praga, na então Checoslo-
váquia. Uma vez mais, ficou naquele
país em sigilo e, de novo, recebeu a
visita de Aleida.
Apesar da insistência de Fidel para
que retornasse a Cuba, Che Guevara se
recusava a obedecer-lhe. Achava que o
melhor modo de ajudar o governo revo-
lucionário a sair do isolamento ao qual
fora imposto pela comunidade interna-
cional orientada pelos Estados Unidos
era exportando a Revolução. Seu alvo
era a América Latina.
Durante o período passado na
Tanzânia e na ex-Checoslováquia,
Che reuniu informações fornecidas
pela inteligência cubana e estudou a
situação dos países latino-america-
nos. Decidiu que o melhor local para
iniciar seu foco revolucionário seria a
Bolívia. Foi para aquele país que di-
rigiu seus esforços. Ali, sabia que en-
contraria a vitória ou a morte. O des-
tino, porém, reservava ao revolucio- Laurent-Désiré Kabila: segundo Che Guevara, ele estava à frente de
nário o pior. rebeldes incompetentes

Grandes Líderes da História 39


Bolívia Clube de Revistas

A tentativa
na Bolívia
Che também tentou implantar a Revolução no país sul-americano e, novamente, não conseguiu

D
epois da fracassada campanha ção das Mulheres Cubanas. Tânia traba- secretário-geral do Partido Comunista
com os rebeldes congoleses, lhava para a Stasi, a polícia secreta da Ale- da Bolívia, Mario Monje. O boliviano,
Che não voltou para Cuba. manha Oriental, e possivelmente também porém, só aceitaria participar se fosse o
Em sua carta de despedida, revelada por para a KGB. chefe integral da luta armada. Guevara,
Fidel para justificar seu desaparecimen- Che voltou a Cuba para recrutar mais claro, recusou e se viu apenas com pou-
to, Guevara cortara todos os laços que soldados para sua causa e treiná-los em se- co mais de 20 combatentes.
mantinha com a ilha caribenha e seu gredo. Quando estava pronto, preparou- O comandante começou, então, a trei-
governo revolucionário (veja o box ao se para partir. A despedida da ilha tra- nar os poucos rebeldes que abraçaram a
lado). Por conta disso, passou os meses zia o peso do destino fatal que o aguar- causa. O treinamento no campo do Vale de
seguintes vivendo clandestinamente. dava. Como um testamento, deixou com Nancahuazú foi tão extenuante para Che e
Nesse período, completou suas me- Aleida textos que condenavam Lenin, por os cubanos que o acompanhavam quanto
mórias congolesas e rascunhou mais dois quem havia antes nutrido profunda ad- os combates que viriam em seguida.
livros, um sobre filosofia e outro sobre miração, e que advertiam que “a URSS Àquela altura, a força guerrilheira de
economia. Também visitou diversos pa- e o bloco soviético estavam fadados a re- Guevara, o Exército de Liberacíon Nacio-
íses da Europa Ocidental para testar os tornar ao capitalismo”, algo que realmente nal de Bolívia, era constituída de apenas 50
documentos forjados para ele pela inte- aconteceu pouco antes da última década homens. A única guerrilheira era Tânia.
ligência cubana. A idéia era usar o falso do século 20. Na verdade, Che desaprovava a presença
passaporte quando fosse para a América Disfarçado de empresário uruguaio, da mulher. De fato, sem que soubesse, a es-
do Sul, como parte de seu plano de se- deu um abraço em Fidel. De acordo piã serviu como um dispositivo de rastrea-
mear a Revolução pelo mundo. com testemunhas, Castro ficou calado mento dos guerrilheiros. Dessa forma, ela
Che escolheu a Bolívia como foco em um canto durante um bom tempo. teria servido sem querer aos interesses so-
inicial. A opção pareceu vantajosa ao Talvez soubesse que jamais veria seu ex- viéticos. A “libertação” da Bolívia por uma
guerrilheiro pela posição geográfica do plosivo companheiro novamente. força marxista desvinculada da orientação
país no continente, próximo da Argen- Aleida teve a mesma impressão. de Moscou não interessava aos soviéticos,
tina e no centro da América do Sul. Quando ele foi se despedir da família, tanto quanto um governo de esquerda na
Além disso, ele esperava receber apoio seus filhos não o reconheceram. Desde América Latina não interessava aos norte-
do Partido Comunista da Bolívia, espe- que partira para o Congo, Che os visitara americanos. No final da campanha, as co-
cialmente da ala pró-China. poucas vezes e, mesmo nas raras ocasiões, lunas foram divididas. O grupo de Tânia
Guevara despachou dois companhei- eles o viam disfarçado. Temia que, sem foi emboscado por tropas do governo boli-
ros à Bolívia, onde Fidel havia comprado, querer, as crianças denunciassem seu pa- viano, e a guerrilheira, metralhada.
por meio de comunistas bolivianos, um radeiro. Aleida segurou o choro até que os
trecho de terra na remota região de Nan- pequenos não estivessem mais por perto. A CAMPANHA
cahuazú. Castro também tinha plantado Em meio a essa atmosfera de luto, Gueva- Apesar do reduzido contingente, as
uma agente em La Paz para servir de con- ra foi enfrentar sua luta final. forças de Che eram bem equipadas e as-
tato com o guerrilheiro. Haydée Tâmara seguraram algumas vitórias iniciais con-
Bunke Bider (1937 – 1967), codinome Tâ- MAU COMEÇO tra os soldados bolivianos no difícil ter-
nia, era argentina como Che e fiel à causa Em novembro de 1966, Che en- reno da região montanhosa de Camiri,
comunista. Depois da Revolução Cubana, trou na Bolívia sob o disfarce de Adol- no sudeste da país. No entanto, o gover-
ela foi para Cuba, onde ocupou posições fo Mena Gonzáles. Depois de se insta- no boliviano agiu rapidamente para evi-
no Ministério de Educação e na Federa- lar na base de Nancahuazú, contatou o tar a disseminação da guerrilha. Além

Che
40 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
Por Claudio Blanc

Foto: José Nascimento/ Tela de Jéferson de Souza

Uma das principais causas do insucesso de Che na Bolívia foi o fato de


ele não ter ciência da situação. Esperava enfrentar apenas os militares
bolivianos, mal equipados e despreparados. Não sabia, porém, que o
governo norte-americano havia enviado agentes da CIA e um grupo
dos Boinas Verdes à Bolívia
Grandes Líderes da História 41
Clube de Revistas
de enviar prontamente tropas para a re-
gião onde Che e seus combatentes ope-
racterística cáustica impediu que Che
firmasse alianças com os líderes locais. CARTA
DE
ravam, o Estado Maior boliviano pediu e DESPEDIDA DE
recebeu ajuda dos norte-americanos.
Com a pressão das forças governistas,
DIÁRIO
Quando Guevara foi capturado, seu
CHE A FIDEL
Guevara dividiu seu grupo – formado em diário também foi apreendido. O docu-
sua maioria por cubanos, alguns bolivia- mento relata os 11 meses de guerrilha e as FIDEL,
Neste momento, eu lembro de muitas
nos, dois peruanos e Tânia – em duas co- dificuldades enfrentadas por ele e seus ho-
coisas – quando o conheci na casa de
lunas, para que se deslocassem melhor. mens. As anotações vão de 7 de novembro Maria Antonia, quando você sugeriu a
Para piorar as coisas ainda mais, dois de 1966, logo após sua chegada à fazenda minha vinda, todas as tensões envolvi-
homens de Che que deveriam fornecer em Nancahuazú para treinar os insurgen- das nos preparativos. Um dia, eles per-
inteligência a partir de La Paz foram tes, até 7 de outubro de 1967, o dia ante- guntaram quem deveria ser notificado
capturados, deixando Guevara isolado. rior à sua captura. No conteúdo diário, ele no caso de morte, e a real possibilida-
O líder guerrilheiro contava em man- conta sobre como os guerrilheiros se viram de daquele fato afetou a todos nós. De-
pois, nós soubemos que era verdade,
ter contato com Havana para receber in- forçados a iniciar as operações prematura-
que em uma revolução se ganha ou se
teligência e suprimentos. No entanto, os mente, pois foram descobertos pela inte- morre (se for uma verdadeira revolu-
dois transmissores de ondas curtas que ligência boliviana, e explica a decisão de ção). Raramente há um chefe de Esta-
Che recebera de Castro eram defeituo- dividir a coluna de combatentes em duas do que tenha sido mais brilhante que
sos, e os guerrilheiros perderam o con- unidades, incapazes de restabelecer conta- você naqueles dias. Eu também tenho
tato com Cuba. Estavam isolados e sem to uma com a outra. O texto também in- orgulho de tê-lo seguido sem hesitação,
meios de se reabastecer. forma sobre o racha entre Che e o Parti- identificado com o modo de pensar e
Sem informações e nem suprimen- do Comunista Boliviano, o que resultou de avaliar perigos e princípios. Outras
nações do mundo chamaram por mi-
tos, a missão de Guevara estava fadada em menos soldados para a causa do guer- nhas modestas realizações. Eu posso
ao fracasso desde o início. Uma das prin- rilheiro argentino, e descreve a dificulda- fazer o que lhe é proibido por causa da
cipais causas de seu insucesso na Bolívia de que seus homens tiveram ao recrutar sua responsabilidade como a cabeça de
foi o fato de ele não ter ciência da situa- a população local, pois haviam aprendi- Cuba, e o tempo tem vindo para nos di-
ção. Esperava enfrentar apenas os milita- do a língua indígena quéchua e, na região vidirmos. Eu quero que fique entendido
res bolivianos, mal equipados e desprepa- em que estavam, se falava o tupi-guarani. que eu faço isso misturando sentimen-
rados. Não sabia, porém, que o governo O diário revela ainda que, à medida que a to de alegria e tristeza: deixo aqui mi-
nhas mais puras esperanças como um
norte-americano havia enviado agentes campanha chegava ao final, Guevara tinha
edificador e o mais estimado daqueles
da CIA e um grupo dos Boinas Verdes, cada vez mais crises de asma. Muitas das que eu amo. E deixo as pessoas que me
as Forças Especiais do Exército dos Esta- últimas ofensivas da campanha tinham o receberam como um filho.
dos Unidos, à Bolívia para coordenar os objetivo de conseguir remédios para o co- Hasta la Victoria sienpre!
esforços anti-revolucionários. O Exército mandante revolucionário. Patria o Muerte!
boliviano foi, por sua vez, equipado, trei- Eu o abraço com todo meu fervor
nado e supervisionado pelos Boinas Ver- revolucionário.

Foto: AFP
Che
des. Com ajuda dos norte-americanos,
formou-se um batalhão especial treinado Fonte: Dossiê Che Guevara, Rodolfo Lorenzato,
em combate na selva, cuja base foi estabe- Universo dos Livros
lecida em La Esperanza, próximo de onde
Guevara e seus guerrilheiros operavam.
Che também cometeu um erro ao es-
perar apoio dos dissidentes bolivianos e
do Partido Comunista da Bolívia, que
tinha orientação soviética. Ao contrário
do que aconteceu em Cuba, o povo não
aderiu à Revolução.
A personalidade explosiva de Gueva-
ra somava-se a todas essas dificuldades.
Ele tinha um impulso suicida. Preferia
sempre o confronto direto à negociação
de um acordo. Durante a campanha de
Cuba, Fidel soube administrar essa ten-
dência como uma arma de combate. Mas Foto de 1967, próximo a Nancahuazú, que mostra Che Guevara durante a
tanto no Congo como na Bolívia, a ca- tentativa de implantar a revolução na Bolívia

Che
42 Grandes Líderes da História
Mártir da Revolução Clube de Revistas
Por Claudio Blanc

Foto: Divulgação/ Editora Martin Claret

Perseguição
e morte
Detalhes do assassinato do líder guerrilheiro
Grandes Líderes da História 43
Clube de Revistas

A
caçada a Che Guevara foi co- Che foi amarrado e, no dia seguinte à

Foto: Divulgação/ Editora Martin Claret


mandada por Félix Rodriguez, captura, levado a um casebre que servia de
um agente da CIA. Em 26 de escola na aldeia de La Higuera, ali perto.
setembro de 1967, durante uma missão Sua aparência espelhava as duras condi-
de reconhecimento, alguns dos homens ções que enfrentara na campanha. Ma-
de Che foram emboscados, e a maioria, gro, sujo, doente, esfarrapado, nos pés sin-
morta. O comandante e os sobreviventes gelos sapatos de pano feitos por ele mes-
se esconderam, então, em um bosque, de mo: o antes altivo combatente lembrava
onde podiam observar os deslocamen- mais um mendigo.
tos de tropas do Exército em seu encalço. Guevara foi interrogado pelo tenente-
Os guerrilheiros conseguiram se manter coronel Andrés Selich, a quem admitiu
afastados de seus perseguidores por mais a derrota, lamentando profundamente a
duas semanas. Àquela altura, as crises pouca ajuda recebida dos camponeses bo-
de asma de Guevara aumentavam de livianos. Depois, passou sua última noite
freqüência e de intensidade. em companhia dos cadáveres de dois jo-
Cerca de 1,8 mil soldados do governo vens guerrilheiros cubanos.
boliviano vasculhavam a área em busca de Os norte-americanos queriam que o
Che e de sua coluna, então reduzida a 17 comandante guerrilheiro fosse levado ao
homens. Em 8 de outubro de 1967, os guer- Panamá, onde seria interrogado. No en-
rilheiros foram cercados pelas tropas do ca- tanto, àquela altura, o general René Bar-
pitão Gary Prado. Estavam em uma ravi- rientos, ex-presidente da Bolívia, tinha or-
na, em La Higuera. Quando os homens de denado a execução do líder da malfadada
Prado atacaram, em uma vã tentativa de es- insurreição. Lyndon Johnson, o presiden-
capar, Guevara dividiu seus comandados te norte-americano, lamentou a decisão,
em três grupos. Escondido atrás de uma classificando-a de “estúpida”.
pedra, ele só parou de atirar quando sua Ao receber a ordem, os oficiais pedi-
arma foi atingida e ficou inutilizada. Sua ram voluntários. Dois soldados se apresen-
pistola também estava sem balas. Durante taram e começaram a discutir sobre quem
o combate, o líder foi ferido na perna. teria a honra de matar Che Guevara. Para
Sem ter como se defender, Che teria resolver a disputa, tiraram a sorte. O esco-
gritado, segundo o sargento boliviano Ber- lhido foi o sargento Mario Terán. O car-
nardino Huanca, que participou da opera- rasco recebeu instruções específicas de Fé-
ção, “Não atirem! Sou Che Guevara e va- lix Rodriguez sobre como deveria assas-
lho mais para vocês vivo que morto”. sinar o prisioneiro. O governo divulgaria
Há, porém, outras duas versões sobre a versão de que Che havia sido morto em
o que aconteceu no momento da captura combate contra o Exército boliviano.
de Che Guevara. Em uma delas, ele teria Pouco antes da execução, perguntaram
exclamado, “Sou Che Guevara e fracassei”. a Guevara se ele estava pensando sobre sua
No entanto, a mais verossímil das três ver- imortalidade. “Não”, teria respondido. “Es-
sões, uma vez que as duas primeiras pare- tou pensando sobre a imortalidade da Re-
cem servir o interesse de seus captores, reza volução”. Então, Che se voltou ao seu car-
que, quando o líder guerrilheiro foi ferido, rasco e disse: “Sei que você veio me matar.
um soldado boliviano chamado Willy, que Atire, covarde. Saiba que está matando um
ajudou Che a caminhar, teria jogado sua homem”. Terán hesitou por um momento
arma de lado e gritado: “Este é o coman- e, finalmente, puxou o gatilho do seu rifle
dante Guevara e merece mais respeito!”. semi-automático, atingindo Che nas per-

Sem ter como se defender, Che teria gritado,


segundo o sargento boliviano Bernardino
Huanca, que participou da operação: “Não
atirem! Sou Che Guevara e valho mais para
vocês vivo que morto”
Che
44 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
nas e nos braços. Guevara caiu no chão se
contorcendo, aparentemente mordendo
o pulso para não gritar. Então, Terán deu
o tiro de misericórdia. A bala fatal entrou
pelo tórax e perfurou o pulmão de Che,
que morreu por volta das 13 horas de 9 de
outubro de 1967. Tinha 39 anos.
O corpo do líder guerrilheiro foi amar-
rado ao trem de pouso de um helicóptero
e transportado a Vellegrande, onde foi ex-
posto à imprensa internacional. A impres-
sionante visão do cadáver sobre a gran-
de pia da lavanderia do hospital de Valle-
grande contribuiu sobremaneira para sua
projeção como mito. Cabelos e barbas lon-
gas, a imagem do morto e a circunstân-
cia covarde da execução faziam Che pa-
recer um Cristo guerrilheiro. Os olhos
surpreendentemente vivos continuam a
olhar a partir de outra perspectiva: a do
além. Brilhavam com uma intensidade viva,
como se, mesmo morto, Che continuas-
se comunicando sua profunda mensagem,
como se mesmo capturado e executado, ele
ainda persistisse em propagar seu sonho de
liberdade por meio da Revolução.
Após um médico boliviano amputar
as mãos do comandante derrotado, o ca-
dáver foi levado a um local desconhecido
e enterrado. As autoridades militares bo-
livianas se recusaram a informar o para-
deiro do corpo. Quanto às mãos, foram
enviadas para Buenos Aires, onde suas
impressões digitais foram tiradas e arqui-
vadas pela polícia argentina. Depois, as
mãos foram enviadas a Cuba.
Os restos de Guevara ficaram desapa-
recidos por 30 anos. Em 1997, o repórter
Jon Lee Anderson realizava pesquisas para
a extensa biografia que escreveu, Che Gue-
vara: A Revolutionary Life, e recebeu de
um militar reformado a informação do lo-
cal onde o guerrilheiro estava enterrado. O
esqueleto de um corpo sem mãos foi exu-
mado debaixo de uma pista de pouso pró-
xima de Vallegrande e identificado como
de Guevara por uma equipe de legistas
cubanos. Os restos de Che foram embar-
cados para Cuba e enterrados, com os de
seis outros combatentes, com honras mili-
tares em um mausoléu construído na cida-
de de Santa Clara, onde Guevara vencera a
batalha decisiva da Revolução Cubana.
O rebelde foi morto a tiros na Bolívia O homem morreu. Mas de suas cin-
zas nasceu o mito.

Grandes Líderes da História 45


Legado Clube de Revistas

O homem
some e fica
a lenda
Como Che Guevara passou para a História

N
o dia da morte de Che re, covarde! Saiba que vai matar um
Guevara, o jornalista Ri- homem!” –; o túmulo anônimo e as
chard Gott, que cobria a mãos amputadas, como se os assas-
guerrilha boliviana para o jornal in- sinos o temessem mais morto do que
glês The Guardian, publicou uma re- vivo, esculpiram no imaginário con-
f lexão sobre o líder, caçado e morto temporâneo um arquétipo semelhan-
como um bandoleiro. “É difícil lem- te ao dos mártires cristãos, imolados
brar que esse homem já foi uma das por sua fé. Che se tornou um santo no
maiores figuras da América Latina. altar político de nossos dias.
Vendidas como
Ele não foi apenas um grande líder Mais de 30 anos se passaram, e o suvenires
guerrilheiro, mas era também amigo herói assassinado continua a habitar em Cuba, as
tanto de presidentes como de revolu- a memória coletiva. Che se tornou camisetas
cionários. Sua voz foi ouvida e con- ubíquo: sua imagem é vista em cami- com estampas
siderada em conselhos interamerica- setas e pôsteres, em chaveiros e f lâ- de Che
nos e na selva. Foi um médico, um mulas. É um processo que acontece demonstram
economista amador, ministro das In- com todo aquele que se transforma como o líder
guerrilheiro é
dústrias na Cuba revolucionária e o em mito: o homem some e fica ape-
admirado
braço-direito de Castro. Ele poderá nas a lenda.
talvez passar para a História como a Guevara talvez acreditasse que
maior figura continental desde Bo- seu sacrifício seria brindado com re- rantiu que a democracia fosse final-
lívar. Lendas serão criadas em seu belião, com os oprimidos se erguen- mente adotada na região.
nome”. Tal vaticínio de Gott não po- do contra o sistema e criando – nas Se tivesse sobrevivido à campanha
deria ser mais preciso. palavras do próprio Che – dois, três, da Bolívia, Che teria testemunhado
Imediatamente após sua morte, muitos Vietnãs. No entanto, se ti- o Vietnã vencer os Estados Unidos,
Che foi alçado ao olimpo do imagi- vesse vivido para ver, teria testemu- para, em seguida, buscar se integrar
nário mundial, tornando-se um mito. nhado o rumo diferente tomado por no mercado global. O estilo de luta de
De fato, a execução do líder guerri- seu sonho de liberdade total. Guevara também não prevaleceu. As
lheiro em Vallegrande, aos 39 anos, Durante as ditaduras milita- maiores revoluções e transições do úl-
transformou-o em mártir. Sua mor- res sul-americanas, milhares de jo- timo quarto do século 20 – na Áfri-
te lhe garantiu o status de imortal. vens inspirados em seu exemplo fo- ca do Sul, no Irã, nas Filipinas e na
A imagem semelhante à de Cristo – ram mortos em combates nas serras Nicarágua e a redemocratização do
um Cristo moderno e guerrilheiro e selvas ou torturados até a morte nas Cone Sul, do leste da Ásia e do mun-
– sobre o leito improvisado com os masmorras dos regimes opressores do comunista – foram alcançadas por
olhos abertos e penetrantes como se que se espalharam pelo continente. meio de negociação com os antigos
fitassem os vivos a partir da morte; Não conseguiram estabelecer a Revo- adversários, em lugar do confronto
as destemidas palavras finais – “Ati- lução, mas sua oposição corajosa ga- até a morte defendido por ele.

Che
46 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas Por Claudio Blanc

Se tivesse sobrevivido à campanha da Bolívia,


Che teria testemunhado o Vietnã vencer os
Estados Unidos para, em seguida, buscar se
integrar no mercado global. O estilo de luta de
Guevara também não prevaleceu. As maiores
revoluções e transições do último quarto
do século 20 foram alcançadas por meio de
negociação com os antigos adversários, em lugar
do confronto até a morte defendido por ele

Fotos: Heitor Reali


Nos muros de Cuba, Che Guevara é
homenageado como um grande herói

CARISMA ra a um centro de gravidade moral ao esperança vermelha dos oprimidos,


Mesmo não tendo atingindo seus mesmo tempo em que atrai seu im- foram reduzidos à moda, banalizados
ideais, Che morreu tentando. No pulso ao nomadismo”, afirma. pela cultura de massa, processados na
mundo de hoje, consumista, egoísta Paradoxalmente, a transformação imensa geléia geral mundial.
e cínico, seu ímpeto continua a in- do homem Che – com sonhos, ideais Mas, mesmo industrializado, ain-
f luenciar jovens nascidos quase duas e sofrimentos, incluindo físicos, por da resta uma mensagem para quem
gerações após sua morte. O jornalis- esses sonhos e ideais – em lenda faz quiser se aprofundar na complexida-
ta norte-americano Ariel Dorfman que sua essência perca a força. Outro- de de Che. Fica a eterna trajetória do
acredita que o espírito de Che preen- ra, sua imagem e seu nome encerra- homem que preferiu lutar até a morte
cha um anseio contemporâneo. “Nes- vam a ameaça revolucionária. Apesar porque não podia viver em um mundo
ses tempos órfãos de identidades, de seu legado ter sido banido pelos re- onde “los pobres de la tierra”, as pes-
onde as alianças são frágeis, a fan- gimes de direita que se instauraram na soas humildes e desvalidas, são sem-
tasia de um aventureiro que deixou América Latina entre os anos 1960 e pre marginalizados. Apesar da pas-
seu país, cruzou fronteiras e rompeu 1970, temerosos de sua imagem, hoje teurização do ideal de Che, o senti-
barreiras sem jamais trair sua lealda- o símbolo Che já não é perigoso. Seu do de sua luta, a motivação que o fez
de inicial confere aos jovens da nos- cabelo hippie, a barba desgrenhada, a sair da Argentina em uma rota guer-
sa era uma combinação que os anco- eterna boina onde cintilava a estrela, rilheira rumo ao martírio na Bolívia,

Grandes Líderes da História 47


Clube de Revistas
está presente na inconformidade de cano Nelson Mandela, que combateu a oposição à orientação de Washing-
se constatar que, atualmente, 40 mil o regime de Apartheid da África do ton. O movimento espontâneo fez res-
crianças – uma a cada dois segundos Sul, se referiu ao guerrilheiro como surgir algumas das crenças políticas de
– morrem de doenças decorrentes da “uma inspiração para qualquer ser Che, como o pan-americanismo, a na-
fome crônica. Aprisionado nas cami- humano que ame a liberdade”. cionalização de indústrias estratégicas
setas e pôsteres, o ardor dos olhos de O legado de Che atravessou as dé- e a centralização do governo.
Che Guevara consegue, ainda que de cadas. Em 2007, 40 anos depois de sua Na Nicarágua, os sandinistas, um
forma tênue, remeter para além do ci- morte, ele foi eleito “a maior figura his- grupo com raízes ideológicas no gue-
nismo e da indiferença de nossa épo- tórica e política da Argentina”. No in- varismo e que promoveu uma revolu-
ca e lembrar das terríveis condições de terior da Bolívia, camponeses pobres ção na Nicarágua e tomou o poder em
injustiça e iniqüidade que o levaram santificaram-no por conta própria. Em 1979, permanecendo até 1990, foram
a empreender sua luta, e que ainda dificuldades, eles rezam pedindo ajuda reeleitos em 2006. Daniel Ortega ele-
persistem em todo o mundo. a “San Ernesto Guevara”. geu-se à presidência do país com 91%
Em Cuba, a morte dele teve grande dos votos no primeiro turno. Na cele-
A CONSTRUÇÃO DE UMA LENDA impacto político. A execução do he- bração da vitória, tanto os membros
Conforme observou o político rói da Revolução levou Fidel a aban- do partido como os eleitores usavam
britânico George Galloway, “um dos donar a guerrilha como estratégia de camisetas com o rosto de Che.
maiores erros cometidos pelo Estado política estrangeira. A União Sovié- Entre as novas figuras políticas
americano foi exibir as fotografias do tica, maior aliada política e parceira latino-americanas que lançam mão
cadáver de Che. Sua pose semelhan- econômica de Castro, criticou a me- da retórica de Guevara, está o atu-
te à do Cristo morto assegurou que dida e, como conseqüência, o gover- al presidente da Bolívia, Evo Mora-
seu apelo iria muito além do cam- no de Havana foi orientado confor- les. Das muitas homenagens que ele
pus universitário e atingiria o cora- me as linhas soviéticas. No entanto, prestou ao herói, está uma visita ao
ção dos fiéis que se unem para ouvir o regime castrista continuou a pro- local onde Che foi enterrado pela
os sermões incendiários dos teólogos mover o culto da personalidade de primeira vez. Ali, Morales declarou:
da libertação”. Che. Hoje, estátuas e obras de arte “Che vive”. Outra prova de admira-
O apelo das imagens foi vital para em sua honra se espalham por toda ção controversa é uma reprodução
consolidar Guevara como um mito. A a ilha, em salas de aula, escritórios, estilizada da fotografia Guerrilhei-
revista The Economist comparou as edifícios públicos e até nas notas de ro Heróico, de Alberto Korda, feita
fotos do cadáver do líder guerrilheiro dinheiro. Sua esfinge está na moeda com folhas de coca, que adorna seu
com o quadro A Lamentação Sobre o de três pesos, acima dos dizeres “Pa- gabinete presidencial.
Cristo Morto, do pintor italiano An- tria o Muerte”. Além disso, todos os No entanto, nenhum outro lí-
drea Mantegna (1431 – 1506). Para a dias, antes de começar as aulas, as der hispano-americano se serve mais
revista, as fotografias ajudaram a pro- crianças cubanas afirmam, como em do mito de Guevara para projetar a
jetar a imagem de Che como um santo uma oração: “pioneiro do comunis- própria imagem que o venezuelano
moderno, um homem que desprezava mo, seremos como Che!” Hugo Chávez. Com seu estilo exa-
o conforto material e a glória, que ar- gerado, o presidente da Venezuela se
riscou sua vida três vezes em países LENNON E LENIN refere ao herói guerrilheiro como o
estrangeiros e que foi morto covarde- Apesar da queda do comunismo no “revolucionário infinito”. Em 2006,
mente quando tentava salvar os po- final dos anos 1980, na América La- Chávez, que costuma discursar ou
bres do mundo. tina, o fracasso das reformas neolibe- conceder audiências usando camise-
Ainda no final da década de 1960, rais na década de 1990 intensificaram tas com estampas de Guevara, acom-
Guevara se tornou um símbolo de re-
belião e revolução durante os protes-
tos estudantis que irromperam no O legado de Che atravessou as décadas.
mundo todo. Ativistas de esquerda
foram inf luenciados pela idéia de re- Em 2007, 40 anos depois de sua morte, ele foi
correr à violência como meio de es-
tabelecer o ideal socialista. O filó-
eleito “a maior figura histórica e política da
sofo francês Jean-Paul Sartre (1905 Argentina”. No interior da Bolívia, camponeses
– 1980), um dos mais inf luentes do
século passado, descreveu Che como pobres santificaram o guerrilheiro por conta
“não apenas um intelectual, mas tam- própria. Em dificuldades, eles rezam pedindo
bém o mais completo ser humano da
nossa era”. Já o ex-presidente sul-afri- ajuda a “San Ernesto Guevara”.
Che
48 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
panhou o então presidente cubano

Foto: Heitor Reali


Fidel Castro em uma visita à cidade
natal de Che, Rosário.
Guevara também é uma fonte
de inspiração do movimento guer-
rilheiro colombiano das Forças Ar-
madas Revolucionárias da Colôm-
bia, as famosas Farc, e dos zapatis-
tas, o grupo revolucionário armado
mexicano constituído principalmen-
te de indígenas.
O número de detratores de Gue-
vara é igualmente extenso. O jornalis-
ta britânico Johann Hari, por exem-
plo, defende que “Che Guevara não é
um ícone revolucionário impune. Ele
foi uma pessoa real e apoiou um siste-
ma real de tirania”.
Guevara também não é bem-visto
pelos cubanos que se opunham a Cas-
tro. O ator indicado ao Oscar Andy
Garcia, nascido em Cuba e radicado
nos Estados Unidos, é um exemplo.
Em 2004, ele afirmou que “Che tem
sido romantizado ao longo dos anos,
mas há um lado escuro na sua histó-
ria. Parece um astro de rock, mas ele
executou muita gente sem julgamen-
to ou defesa”.
Apesar das controvérsias, o lega-
do de Che Guevara se espalhou por
todo o mundo. Se alguns líderes his-
pano-americanos ainda usam sua
imagem com fins políticos, de forma
geral, a mensagem de Che foi pasteu-
rizada, absorvida como um produ-
to de consumo. A famosa fotografia
tirada por Alberto Korda se tornou
uma das imagens mais populares do
século 20, reproduzida em uma gama
enorme de produtos, de roupas a ca-
necas de café. Ironicamente, a ima-
gem dele acabou alimentando o capi-
talismo que tanto odiava.
Conforme colocou o analista ar-
gentino Martin Krauze, “a admiração
a El Che não tem mais a ver com sua
política e ideologia, mas sim à idéia
romântica de um homem lutando so-
zinho contra os moinhos de vento. É
um Quixote”. No final da contas, o
mundo passou a ver Che, conforme
colocou o jornalista britânico Sean
O’Hagan, “mais como Lennon que
como Lenin”. Fachada do Ministério do Interior, em Havana

Grandes Líderes da História 49


Guia Clube de Revistas Por Claudio Blanc

Para se aprofundar
no assunto
LIVROS

O DOSSIÊ CHE GUEVARA


Rodolfo Lorenzato Presidente: Paulo Roberto Houch
Universo dos Livros Vice-Presidente Editorial: Andrea Calmon
[email protected]
Biografia resumida, mas com ótimos detalhes da vida de
Che, como trechos de sua correspondência. REDAÇÃO
Jornalista Responsável: Andrea Calmon – MTB 47714
Editora-Executiva: Thaise Rodrigues
Subeditora: Juliana Lambert
Revisora: Alessandra Biral
Colaboraram nesta edição: Claudio Blanc (textos), José Nascimento
e Heitor Reali (fotos)

PROGRAMAÇÃO VISUAL
Coordenador: Rubens Martim
[email protected]
RELATÓRIO DA CIA: CHE GUEVARA Diagramadora: Lucimara Miyoshi Pecegueiro
DOCUMENTOS INÉDITOS DOS ARQUIVOS SECRETOS Ilustração: Michael Bráz

Mário Cereghino e Maurício Dias


ESTÚDIO FOTOGRÁFICO
Ediouro Coordenador: Moisés Nascimento
Documentos do arquivo secreto da CIA divulgados pela [email protected]
Fotógrafa: Adriana Barbosa
Lei de Liberdade de Informação sobre Che Guevara.
PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA
Coordenadora: Elaine Simoni
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Gerente de Publicidade: Patrícia Massini
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Roberto Rossi Jung Gerente de Marketing: Bianca Grasseschi
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Edição do Autor Supervisor de Marketing: Orlando Marques
Um dos poucos livros que abordou a vida romântica do eter- [email protected]
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Diretora Administrativa: Jacy Regina Dalle Lucca
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Distribuidora: Buena Vista Home Entertainment CRÉDITO E COBRANÇA [email protected]
Diretor: Walter Salles/ Com Gael Garcia Bernal
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fez aos 23 anos pela América Latina, com Alberto Granado. Distribuição em Portugal Logistica Portugal
No Peru, depois de passar por Machu Pichu, os viajante che- Grandes Lideres da História Extra - Che Guevara é uma publicação do IBC Instituto
gam a um leprosário, onde começam a questionar o valor do Brasileiro de Cultura Ltda. – Cx. Postal 61085 – CEP 05001-970 – São Paulo – SP – Tel.:
(0**11) 3393-7777
progresso econômico, mudando suas percepções de mundo A reprodução total ou parcial desta obra é proibida sem a prévia autorização do editor.
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50 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas

Grandes Líderes da História 51


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52 Grandes Líderes da História

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