Grandes Líderes Da História - Che Guevara - Jul24
Grandes Líderes Da História - Che Guevara - Jul24
Grandes Líderes Da História - Che Guevara - Jul24
A capacidade de
se indignar
A imagem do herói guerrilheiro disposto a tudo – tudo mesmo, até a morrer – para ver
concretizados seus ideais perdeu muito de sua força. Como bem ressalta Claudio Blanc ao lon-
go desta edição, Che Guevara tornou-se um produto de consumo, um produto que, ironica-
mente, alimenta o mesmo capitalismo a que ele tanto se opôs.
Só que, mesmo que, no mundo de hoje, essa essência rebelde não seja genuína nem pos-
sível de ser resgatada, dela sobrou algo fundamental, que faz que um ser humano se torne
realmente o sujeito da sua história: a capacidade de se indignar.
Ao indignar-se, o homem deixa de ser refratário, de reagir como se estivesse anestesiado
diante de problemas e injustiças, e passa a ter consciência do que acontece com ele e ao redor.
Mais que isso, começa a ser crítico e querer mudar a realidade.
Espelhar-se nos ideais de Che, hoje em dia, pode ser traduzido pela postura de não se con-
formar com as desigualdades, a pobreza, a impunidade, a fome e todo tipo de relação injusta
entre os humanos. Assim, um pouquinho de Che Guevara pode viver em cada um de nós...
Grande abraço
foto: Notimex /Foto/Cor/Ace
foto: AFP
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SUMÁRIO
El Che
Por que Ernesto Che Guevara se tornou um
dos maiores heróis rebeldes de todos os tempos?
E
m seu livro Leviathã, o filósofo, se opuseram contra ela. Eternos símbolos
historiador, físico e matemático de rebelião, de busca de justiça e igualda-
inglês Thomas Hobbes (1588 – de para todos, os homens e mulheres ab-
1679) estabeleceu as fundações da filoso- negados foram guiados pelo ideal de eqüi-
fia política ocidental. Apesar de suas pro- dade social e não mediram esforços para
posições na área de física serem conside- atingir seus objetivos. Muitos deles co-
radas meras excentricidades, as reflexões meteram equívocos, perderam-se do ideal
filosóficas eram brilhantes. Hobbes per- inicial, mas o impulso primeiro, o ímpe-
cebia o impulso natural humano de bus- to de se erguer contra a tirania e a opres-
car uma cooperação centrada no interesse são, muitas vezes, à custa da própria vida,
próprio, uma teoria estudada ainda hoje são os mesmos. Poetas, guerreiros, líderes
no campo de filosofia antropológica. O religiosos têm mantida acesa a chama da
pensador via que o interesse de cada indi- utopia que ilumina a esperança de uma
víduo formaria espontaneamente essa co- humanidade mais digna, mais fraterna.
operação, o que resultaria na organização Pablo Neruda, Castro Alves, Giuseppe
social. No entanto, ao longo do processo, Garibaldi, Fidel Castro, Jesus Cristo: to-
alguns indivíduos se sobrepõem aos ou- dos se rebelaram a seu modo e de acordo
tros, oprimindo-os. Ele dizia que “o ho- com suas perspectivas contra sistemas cí-
mem é o lobo do próprio homem”, afir- nicos construídos sobre a exploração do
mando que o predador de nossa espécie é homem pelo homem.
a própria espécie. Entre todos os heróis rebeldes, ne-
Essa exploração está presente em nhum reúne tantos elementos comuns
todos os crimes. Seqüestro, assalto, as- aos outros quanto Ernesto Che Gue-
sassinato e extorsão são formas aberta- vara. Sensibilidade de poeta, bravura
mente criminosas com que os lobos hu- de guerreiro e pureza espiritual trans-
manos transformam o outro em pre- formaram-no em uma espécie de Cris-
sa, em caça. Esse impulso também está to guerrilheiro, um ícone contempo-
em todos os sistemas políticos surgidos râneo de utopia, um Robin Hood dos
ao longo da História. O escravismo da tempos modernos.
Antiguidade, a monarquia, o comunis- Quando foi executado na selva bo-
mo e mesmo a democracia que susten- liviana, em outubro de 1967, Ernesto
ta e é sustentada pelo neoliberalismo Guevara de La Serna já era uma len-
permitem que o homem abuse de seu da não só na América Latina, mas em
semelhante. Algumas vezes, como no todo o mundo. Notório pela brutalida-
caso de Mianmar, a antiga Birmânia, é de e reverenciado pela inquebrantável
o próprio Estado que explora e perse- dedicação aos ideais revolucionários, ele
gue os cidadãos que supostamente ti- se tornou uma figura histórica tão con-
nha de proteger. Há ainda outras for- troversa quanto significativa. Ícone, sua
mas mais sutis de abuso. vida tem sido vilipendiada ou glorifica-
Na história dos relacionamentos hu- da em dezenas de biografias, ensaios,
manos, a opressão e a exploração de po- documentários e filmes. A prestigiosa
A imagem do guerrilheiro heróico
pulações inteiras têm sido uma caracte- revista Time colocou Che Guevara en- é uma das mais famosas do mundo
rística tão marcante quanto as figuras que tre as cem figuras mais importantes do
1930
Surge, pela primei-
1928 ra vez, a crise de asma 1948
Nasce, no dia de Ernestito. O meni- Matricula-se na Fa-
14 de maio, Ernes- no é levado a Buenos culdade de Medicina da 1952
to “Che” Guevara de Universidade de Buenos Faz uma viagem de mo-
Aires para fazer o pri-
La Serna, na cidade Aires, onde se sobressai tocicleta através da Améri-
meiro tratamento con-
de Rosário, Argenti- como um bom estudan- ca Latina, o que resultou na
tra a asma, doença que
na. Filho de Ernesto te. Interessa-se por pes- solidificação de suas con-
o acompanhou durante
Guevara Lynch e Cé- quisas, tanto em medici- vicções políticas.
toda sua vida.
lia de La Serna. na como em política.
hor o personagem
1953 1957
Conclui o doutorado em Medicina,
especializando-se em doenças alérgicas, No dia 25 de no-
e muda-se para a Guatemala. Após um vembro, parte no iate
golpe militar, organizado pelos Estados Granma para invadir 1959
Unidos, é obrigado a sair do país com ris- 1955 Cuba, com Fidel (futu- O movimento revo-
co de morte, pois apoiava o antigo regime No México, conhe- ro dirigente do país) e lucionário é vitorioso.
de Jacobo Arbenz Guzmán. Na Guate- ce os irmãos Raul e Fidel dezenas de revolucio- Che percorre triunfal-
mala, conhece Hilda Galdea Acosta, que Castro. Decide partici- nários. Che inicia a re- mente as ruas de Hava-
se torna sua companheira e com quem par do movimento revo- volução como médico na, sendo considerado o
teve uma filha. Depois da deposição de lucionário de Cuba para do grupo, mas logo se grande estrategista mili-
Arbenz, muda-se para o México. derrubar o governo do destaca nas batalhas e é tar da revolução.
presidente Batista. feito comandante.
1966 1967
Na segunda semana de setem- É assassinado em 9 de outubro
bro, chega a La Paz, capital da Bo- de 1967, no povoado boliviano de
1997
Depois de quase 30 anos da mor-
lívia, com documentos falsos, para Higueras, aos 39 anos, por solda-
te de Che, seu restos mortais foram
participar do movimento revolu- dos bolivianos.
descobertos em uma vala comum na
cionário daquele país.
cidade de Vallegrande (Bolívia).
A América
Latina
Um pouco do cenário político, econômico e social da região
D
o México à Patagônia, com Povos diversos, nações indígenas
exceção de Belize (América massacradas, avançadas civilizações na-
Central); de Guiana e Suri- tivas destruídas. A história da Améri-
name, (América do Sul), e das antigas ca Latina tem sido o conflito e o cho-
colônias inglesas, holandesas e fran- que entre os povos que a formaram. As
cesas no Caribe, a América Latina elites descendentes de europeus conti-
é formada por 20 países unidos por nuam a explorar as populações pobres,
uma história e uma cultura comuns. de ascendência indígena. A miscigena-
Apesar de o Brasil ser menos um her- ção que formou a cultura mestiça não
mano e mais um “primo” nessa famí- foi espontânea, mas imposta pelas ar-
lia, os traços comuns, mestiços, creo- mas, pelo estupro, pelas doenças trazi-
los são característicos. das de longe. É uma cultura belíssima,
Embora nosso país seja mecanis- mas nascida da mágoa e da humilha-
mo vital da América Latina e grande ção. Até hoje, os descendentes desses
parte de sua realidade social reflita o povos ainda não foram capazes de se
baixo índice de desenvolvimento hu- relacionar com justiça. E o choque das
mano característico das Américas es- culturas produziu miséria.
panhola e portuguesa, tanto o Brasil
como os outros que formam o Cone ÍNDICE DE
Sul estão, aos trancos e barrancos, DESENVOLVIMENTO HUMANO
em rota de desenvolvimento. O País Apesar da riqueza cultural surgida
tem se destacado como emergente no da miscigenação dos povos que forma- Ao longo do século passado, diver-
cenário internacional, participando ram a América Latina, a maior parte dos sos movimentos eclodiram em vários
ativamente dos debates da comuni- países latino-americanos figura entre os países buscando nivelar a situação so-
dade global e até mesmo pleiteando mais pobres do mundo. Apenas oito na- cial através das armas. Dos tenentes co-
uma vaga no Conselho de Segurança ções latino americanas (Argentina, Bra- mandados por Luís Carlos Prestes no
da ONU. Apesar de nossos proble- sil, Chile, Costa Rica, Cuba, México, Brasil da década de 1920 aos guerri-
mas sociais, estamos longe da pobre- Panamá e Uruguai) apresentam elevado lheiros sandinistas que tomaram o po-
za crônica que assola a maioria dos índice de desenvolvimento humano. No der na Nicarágua no final da década
países latino-americanos. Mas, mes- entanto, mesmo nesses locais, a desi- de 1970, nenhuma revolução foi bem-
mo com sua importância continental gualdade social é gritante. A maior parte sucedida em incluir a imensa popula-
e de estar isolado por ser a única na- da riqueza é controlada por uma mino- ção de miseráveis ou desenvolver o país
ção a falar português no continente, ria. Sem acesso à educação e a benefícios cujo poder conquistou. Talvez Cuba
a formação brasileira é incrivelmente sociais básicos, um porcentual significa- seja uma exceção, mas é uma questão
semelhante à de nossos primos. tivo da população é excluído. tão controversa quanto incerta.
Che
10 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas Por Claudio Blanc
Uma família
politizada
Os pais de Ernestito representam o ponto de partida de sua rebeldia
E
rnesto Guevara de la Serna nasceu
em 14 de maio de 1928, na cidade
ora Martin Claret
EL FURIBUNDO
Apesar da asma, o futuro guerri-
lheiro se destacou como atleta. Jogava
rugby com tanta garra, que foi apelidado
de Fuser, uma mistura de el furibundo,
ou o furioso, com seu sobrenome ma-
terno Serna. Outra característica dele
era o fato de detestar tomar banho. Ga-
bava-se de usar uma única camisa por
semana. Por conta disso, Fuser também
era chamado por seus colegas de Chan-
cho, ou porco.
Hábitos de higiene à parte, Fu-
ser também era ótimo jogador de xa-
drez. Aprendera o jogo com o pai e, aos
12 anos, participava de torneios locais.
Como este jogo foi criado há séculos, na
antiga Pérsia, para treinar os militares na
mistura
arte da estratégia, talvez o xadrez possa elidado de Fuser, uma
ra jogava rugby com tanta garra, que foi ap Serna
igualmente ter ajudado o futuro guerri- Gueva e materno
ioso, com seu sobrenom
de el furibundo, ou o fur
Che
14 Grandes Líderes da História
Influências Clube de Revistas Por Claudio Blanc
C
he Guevara foi um homem pados, tiveram de esperar enquanto seus sonhos de criança, o jovem Er-
que construiu seu mundo uma parte da tripulação voltava ao nesto foi inf luenciado por filósofos,
com as próprias mãos. Não Panamá em busca de reforços para escritores e pensadores dos quais ti-
ficava “a ver navios”, nem esperava continuar a viagem. Quando final- rou elementos para consolidar sua
que as coisas mudassem por si só. mente retornaram, os homens que luta. Aristóteles e o norte-america-
Empenhou-se em modificar a reali- haviam ficado com Pizarro estavam no William Faukner estão entre es-
dade, empregando para tanto todas tão cansados e desanimados, que de- ses nomes, mas nenhum o inf luen-
as energias. Aqueles que o inf luen- sertaram. Apenas 12 deles acompa- ciou mais que o alemão Karl Marx,
ciaram são personagens que com- nharam o conquistador até o Peru. cujas idéias forneceram o motivo da
partilhavam os ideais que brotavam No primeiro contato estabele- luta de Che.
espontaneamente de Che. Na gran- cido com os incas, os nativos fica- O pai do comunismo foi tanto es-
de maioria, essas inf luências vêm de ram amedrontados com as armadu- tudioso quanto ativista político. Em
teóricos, poetas e filósofos, entre os ras dos espanhóis, que ref letiam os seu Manifesto Comunista , publicado
quais Karl Marx, o “pai” do comu- raios do Sol – a maior divindade inca em 1948, Marx pontuou que “a his-
nismo, teoria política adotada por –, e com seus arcabuzes, que soavam tória de todas as sociedades que exis-
Che, e o poeta chileno Pablo Ne- como trovões. tiram até hoje é a história da luta de
ruda, o qual não só possuía os mes- À medida que viajávam pelo Im- classes”. Ele afirmava que o capitalis-
mos ideais do líder guerrilheiro, mas pério Inca, os espanhóis descobri- mo, como todos os sistemas sócioeco-
também pertencia à mesma realidade ram um reino quase tão bem organi- nômicos anteriores, seria destruído.
latino-americana. zado quanto o Império Romano. No Da mesma forma como o feudalismo
Durante a infância, porém, Che entanto, os incas estavam divididos. havia sido substituído pelo capitalis-
teve um grande herói, o conquistador O império era constituído de povos mo, o novo modo de produção daria
dos incas, Francisco Pizarro. Ernesti- subjugados e insatisfeitos com seus lugar ao comunismo, uma sociedade
to, como era chamado quando meni- senhores. Além disso, dois irmãos, sem classes governada por uma dita-
no, sonhava em ser um dos soldados Atahualpa e Huascar, lutavam entre dura proletária.
que participaram da expedição do ex- si para definir quem seria o Grande Marx propunha que o fim do capi-
plorador espanhol, que, com apenas Inca, a encarnação do deus Sol que talismo ocorreria por meio do colapso
12 homens, derrotou o poderoso im- encabeçaria o império. do sistema e também de uma revolu-
pério da América do Sul. Séculos de- Pizarro e seus homens rumavam ção organizada. Apesar de, ao longo
pois, ele participaria de um movimen- para Cajamarca, perto da atual Lima, de sua vida, o alemão não ter sido uma
to que, iniciando com apenas 18 ho- a capital do Peru. Era o local onde figura de destaque, suas idéias perma-
mens, conquistou Cuba. Atahualpa tinha acampado com suas neceram exercendo grande influência
forças, na guerra contra o irmão. Pi- nos movimentos operários após sua
FRANCISCO PIZARRO zarro percebeu, então, que ele e seus morte. Isso promoveu a vitória dos
Em 1511, um boato começou a cir- soldados não teriam como vencer bolcheviques na Revolução de Outu-
cular na colônia espanhola do Panamá. aquele grande contingente. Mas po- bro de 1917, na Rússia, e abriu cami-
O rumor dava conta de que, em uma deriam se valer de um estratagema. nho para diversas outras que eclodi-
cidade não muito longe dali, havia tan- Ele pediu uma audiência com ram em várias partes do mundo por
to ouro que até as calçadas das ruas Atahualpa, que concordou em en- todo o século passado. Foi a propos-
eram pavimentadas com esse metal. contrá-lo na praça principal de Ca- ta revolucionária de Marx que Che
Assim nascia o mito do Eldorado. jamarca. Durante o encontro, o ines- Guevara abraçou, pegando em armas
Onze anos depois, dois conquis- perado aconteceu. Pizarro atacou o para construir um mundo de igualda-
tadores, Francisco Pizarro e Die- adversário e, na luta, conseguiu cap- de para todos os homens.
go de Almagro, decidiram procurar turar o grande dignitário. Atahualpa
o Eldorado no reino de Biru, onde sabia o que os espanhóis desejavam PABLO NERUDA
hoje é o Peru, um império extrema- e ofereceu todo o ouro que coubesse Quando jovem, Che lia bastante.
mente rico, segundo relatos de via- em seu aposento em troca da liberda- Muitas vezes, acometido de crises de
jantes. Em 1524, ambos tentaram a de. O Grande Inca cumpriu sua pro- asma, tinha de ficar recluso. Nessas
primeira expedição, mas chegaram messa, mas Pizarro não. O conquis- ocasiões, o futuro guerrilheiro recorria
apenas até onde, hoje, está o territó- tador acabou queimando a encarna- à vasta biblioteca do pai. Um dos seus
rio colombiano. ção do deus Sol em uma fogueira. autores preferidos, que muito o in-
Durante a viagem seguinte, en- fluenciou e que se empenhava na mes-
tre 1526 e 1527, os exploradores ti- KARL MARX ma luta em que Che iria combater – a
veram notícias concretas sobre o im- Se Pizarro foi verdadeiramente igualdade entre os homens –, foi Pablo
pério inca e suas riquezas. Mal equi- um ídolo para Che, o único a mover Neruda, outro ídolo.
Che
16 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
Pablo Neruda, pseudônimo de
Diários de
motocicleta A famosa viagem de Guevara pela América do Sul
O
espírito aventureiro de Che o de renome internacional a um jornal lo- trangeira. A visita causou uma forte im-
levou a fazer de 1952 um ano cal, que publicou uma matéria desfiando pressão em Guevara. Certa noite, depois
sabático. No meio do curso de elogios aos dois médicos. O artigo aca- de se reunir com um casal de comunistas
Medicina, Guevara realizou uma via- bou sendo um passaporte para conseguir à procura de emprego na mina, Guevara
gem de motocicleta pela América do Sul refeições e favores ao longo do caminho. escreveu em seu diário: “À luz de uma úni-
acompanhado do amigo Alberto Gra- Ainda no Chile, os viajantes visita- ca vela... a figura contraída do trabalhador
nado, o qual viria, anos depois, a fundar ram a mina de cobre de Chuquicamata, a lhe dava um ar misterioso e trágico... o ca-
a Escola de Medicina de Santiago, em maior a céu aberto do mundo. Na época, sal, duro de frio na noite do deserto, abra-
Cuba, onde iria se estabelecer. o local era administrado pelo monopólio çando-se para se manter quente, era uma
Os dois estudantes partiram de Bue- minerador norte-americano e considera- representação viva do proletariado em
nos Aires em dezembro de 1951, a bordo do como um símbolo da dominação es- qualquer lugar do mundo”.
de uma velha motocicleta Norton 500 cc
1959, apelidada de La Poderosa. Ao fi-
nal da aventura, tinham percorrido per-
to de 13 mil kilômetros através de oito
países, da Argentina ao sul dos Estados
Unidos, ficando um período no lepro-
sário de San Pablo, às margens do Rio
Amazonas peruano, onde trabalharam
como voluntários.
A primeira parada da viagem ainda es-
tava imbuída de aventura e despreocupa-
da diversão. Os dois amigos foram ao bal-
neário de Miramar, na Argentina, visitar Tela de Jefferson de Souza
a namorada de Che, Chichina, que estava
passando as férias de verão com a família.
As duas noites que tencionavam passar
na residência dos familiares da garota vi-
raram oito. Quando finalmente partiram,
Chichina deu a Guevara 15 dólares e pe-
diu que lhe comprasse um maiô em Mia-
mi, se ele realmente conseguisse chegar “À luz de uma única vela... a figura contraída
aos Estados Unidos. O estudante jurou
que morreria de fome, mas não gastaria do trabalhador lhe dava um ar misterioso
o dinheiro. No entanto, acabou dando os e trágico... o casal, duro de frio na noite do
dólares a um casal de camponeses pobres,
mais necessitados do que Chichina. deserto, abraçando-se para se manter quente,
No Chile, em uma pequena cidade
do interior, os aventureiros se apresen-
era uma representação viva do proletariado em
taram como especialistas em hanseníase qualquer lugar do mundo”, Che Guevara
Che
18 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas Por Claudio Blanc
Diários de Motocicleta
TRECHOS:
“As estrelas pontilhavam a noite “Isto não é uma fábula, nem um re-
com sua luz naquela pequena ci- lato cínico, ao menos não é para ser. “Por quanto tempo esta ordem
dade montanhesa, e o silêncio e É o pedaço de duas vidas correndo presente, baseada na idéia ab-
o frio desmaterializavam a escu- em paralelo durante um tempo, com surda de casta, irá durar não
ridão. Era como se todas as subs- aspirações comuns e sonhos seme- está nas minhas mãos respon-
tâncias sólidas se tornassem es- lhantes. Em nove meses, um homem der, mas é hora daqueles que
píritos, invadindo o espaço eté- pode ter diversos pensamentos, da governam passarem menos tem-
reo à nossa volta, negando nossa mais elevada conjectura filosófica ao po propagandeando suas virtu-
individualidade e nos submergin- mais abjeto desejo por um prato de des e dedicarem mais dinheiro,
do no imenso negrume”. sopa – em perfeita harmonia com o muito mais dinheiro, para pro-
estado de seu estômago”. (Introdu- mover obras sociais úteis”.
ção)
Che
20 Grandes Líderes da História
Mais uma viagem Clube de Revistas
Por Claudio Blanc
Na Guatemala
Grandes Líderes da História 21
Clube de Revistas
e
Por Claudio Blanc
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b a d l
C u F i d e
e
e e c o nômica
ç ã o p o lítica m í s seis
A sit u a o s
o e p i s ódio d
e
da ilha
E
m diversos países da América La- a intenção dos revolucionários era derru- pouco. Dessa forma, a ilha “pertencia” aos
tina, ao longo do século 20, houve bar o governo de Fulgêncio Batista. Não Estados Unidos, sem que os norte-ameri-
movimentos armados buscando a havia qualquer cunho socialista ou mar- canos bancassem o bem-estar de seu povo,
inclusão da população mantida às margens xista. A grande influência de esquerda na sem ter a obrigação do Estado para com
da sociedade pelos mecanismos do capita- Revolução Cubana vinha de Che Gue- seus cidadãos.
lismo. No Brasil, na década de 1920, tenen- vara. Muitos dos outros líderes e grande Os Estados Unidos eram vistos como
tes do Exército insuflaram revoltas no Sul parte da população repudiavam o marxis- a verdadeira potência que apoiava os go-
do País, que tomaram São Paulo e se esten- mo. No entanto, a truculência norte-ame- vernos conservadores de Cuba no pós-
deram para o interior, pela notória marcha ricana, que, em vez de apoiar o novo go- guerra. No entanto, o Departamento de
da Coluna Prestes. No Chile e na Guate- verno, o repudiou, acabou empurrando os Estado desaprovou o ditador da ilha, Ful-
mala, programas de cunho socialista, com o revolucionários vencedores para os braços gêncio Batista, e cortou-lhe a ajuda em
objetivo de eliminar o déficit social de suas abertos dos soviéticos. 1957. Batista, “figura conhecida e tortuo-
populações, foram desenvolvidos por pre- Assim, os impasses diplomáticos de sa da política cubana desde sua estréia em
sidentes eleitos democraticamente apenas Washington levaram o inimigo para a um golpe do Exército em 1933, como o
para ser sabotados pelos Estados Unidos. porta da própria casa, uma vez que a ilha então sargento Batista”, conforme observa
A Revolução Soviética de 1917 deu está situada a uma distância relativamen- Eric Hobsbawm, voltara a assumir o po-
um impulso revolucionário, provocando te pequena dos Estados Unidos. Apesar der em 1952 e ab-rogara a Constituição.
um efeito dominó de revoluções em pra- dos esforços norte-americanos para minar Na época, o jovem advogado nacio-
ticamente todas as sociedades oprimidas, a economia e a sociedade cubanas, a Re- nalista Fidel Castro iniciara uma cam-
que funcionavam baseadas em um sistema volução foi, de certa forma, bem-sucedida, panha de guerrilhas contra o regime.
de enorme desigualdade entre as classes que detendo o poder com relativa estabilidade Hobsbawm define Castro como “uma fi-
as formavam. Nas palavras de Che Gueva- havia 49 anos. gura não característica na política latino-
ra, eram sociedades de “castas”. Depois da americana: um jovem forte e carismático
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as ANTECEDENTES
revoluções se espalharam por todo o mun- Cuba fora especialmente atingida pela
do. Conforme observa o grande historiador Grande Depressão da década de 1930:
inglês Eric Hobsbawm, “a década de 1950 dependia virtualmente da monocultura
foi cheia de guerras de guerrilha no Tercei- da cana-de-açúcar, cujo único escoadouro
ro Mundo, praticamente todas nos países eram os Estados Unidos. De acordo com
coloniais em que, por um motivo ou outro, o historiador J.M. Roberts, autor de The
as antigas potências coloniais ou colonos lo- Shorter History of the World, “esse vín-
cais resistiram à descolonização pacífica – culo econômico foi um entre os vários que
Malásia, Quênia (o movimento Mau Mau) deram a Cuba um relacionamento ‘espe-
e Chipre no Império Britânico em dissolu- cial’ mais próximo e incômodo com os Es-
ção; as guerras muito mais sérias na Argélia tados Unidos que com qualquer outro Es-
e no Vietnã no império francês em disso- tado latino-americano”.
lução”. Muitas dessas revoluções ou guerras Até 1934, a Constituição cubana in-
de independência seguiam a orientação co- cluíra dispositivos especiais restringindo a
munista – fosse soviética, fosse maoísta. liberdade diplomática de Cuba, e os nor-
Na América Latina, porém, nenhum te-americanos mantinham uma base naval
movimento armado de esquerda foi efeti- na ilha. Havia pesados investimentos dos
vado, pois todos os levantes foram boico- EUA em propriedades urbanas e empre-
tados pelos Estados Unidos. A única revo- sas de serviço público, e a pobreza e os pre-
lução socialista vitoriosa na região aconte- ços baixos de Cuba permitiam que se tiras-
ceu em Cuba. Em um primeiro momento, se muito do trabalhador cubano pagando-o
Foto: AFP
mais firmeza para a Rússia e, no fim da-
quele ano, declarou-se marxista-leninista.
Daí em diante, Cuba se transformou em
um ímã revolucionário na América Lati-
na. Os torturadores de Fidel Castro subs-
tituíram os de Batista e seu governo im-
pulsionou políticas que, embora tenham
efetivamente prejudicado demais a eco-
nomia, buscavam promover a igualdade e
a reforma social. Na década de 1970, por
exemplo, Cuba reivindicava a mais baixa
taxa de mortalidade infantil da América
Latina. A ajuda econômica russa possibi-
litava tais reformas.
A CRISE Da esquerda para a direita: Raúl Castro, Antonio Nunez Jimenez, Che Guevara,
Pouco depois, aconteceu o mais sé- Juan Almeida e Ramiro Valdes em Havana, 1959, durante o primeiro ano da
rio confronto de toda a Guerra Fria e, Revolução Cubana
Che
26 Grandes Líderes da História
Campanha Clube de Revistas
Por Claudio Blanc
foto: AFP
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Como Che conheceu Fidel e entrou para
a História na Revolução Cubana
Grandes Líderes da História 27
Clube de Revistas
A
participação de Che na Revo-
lução Cubana foi fundamen-
tal. Sua sagacidade tática e a
bravura em combate fizeram que fosse
visto como o “cérebro de Fidel”. A cam-
panha começou com poucos homens,
mas cresceu tanto nas cidades como no
campo e acabou sendo bem-sucedida.
Che Guevara chegou à Cidade do
México no começo de setembro de
1954; logo, voltou a ter contato com os
cubanos que tinha conhecido durante
sua permanência na Guatemala. Qua-
se um ano depois, em junho de 1955,
foi apresentado a Raúl Castro, um exi-
lado cubano que, com seu irmão Fidel,
tentara (e fracassara) depor a ditadu-
ra pró-norte-americana que reinava
na ilha. Raúl colocou Che em contato
com Fidel, que havia fundado o Mo-
vimento 26 de Julho, ou M-26-7, para
uma vez mais tentar depor Fulgêncio
Batista. Ainda inflamado pela experi-
ência guatemalteca, Guevara abraçou
de imediato a causa de Fidel. Na ver-
dade, era a oportunidade pela qual ele
ansiava desde que havia decidido que
a solução para o problema social na
América Latina seria conquistada ape-
nas por meio da luta armada.
Apesar de ter planejado atuar ape-
nas como médico do grupo, Che par-
ticipou do treinamento com os outros
membros do M-26-7. Seu desempe-
nho foi tão acima das expectativas,
que seu instrutor, o coronel Alber-
to Bayo, herói cubano da Guerra Ci-
vil Espanhola, o declarou “o melhor gou por conta do peso excessivo –, o bate ou executada, depois de captu-
guerrilheiro” do treinamento. grupo, que mais tarde veio a ser cha- rados. Durante o confronto, Che lar-
O plano de Fidel era atacar Cuba a mado de Los Expedicionarios del Yate gou seu equipamento médico e apa-
partir do México. Para tanto, em 1956, Granma, aportou na atual Província nhou uma caixa de munição que um
os revolucionários compraram um an- Granma, na mesma praia onde José companheiro em fuga deixara cair.
tigo iate que acabou virando legendá- Marti, o líder do movimento da inde- Conforme escreveu, aquele ato mar-
rio, o Granma. pendência cubana, havia aportado em cara simbolicamente a transição que
Pouco depois da meia-noite de 25 1895, durante as guerras de indepen- o levou do médico ao guerreiro.
de novembro de 1956, 82 membros dência da Espanha. O local havia sido Segundos depois de ter feito a
do M-26-7, entre os quais Che, Fidel escolhido por esse motivo. escolha, ele foi atingido no pesco-
e Raúl, subiram a bordo do Granma, O lugar onde os revolucionários ço por uma rajada de metralhadora,
projetado para acomodar apenas 12 aportaram era pantanoso e, dois dias que matou imediatamente o compa-
pessoas. O piloto era Norberto Colla- depois do desembarque, foram ata- nheiro ao lado. Em estado de cho-
do Abreu, um veterano da Segunda cados por forças do governo. O guia que, Che perdeu a esperança de
Guerra Mundial, onde lutara na Ma- dos rebeldes os traíra e delatara sua sobreviver, até que outro compa-
rinha de Cuba. posição aos homens de Fulgêncio Ba- nheiro, Juan Almeida, o tirasse do
Depois de uma viagem em condi- tista. A maioria dos 82 combatentes transe gritando para que se levan-
ções precárias – o barco quase naufra- do M-26-7 foi morta durante o com- tasse e corresse.
Che
28 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
de rebeldes ao dos apóstolos de Cris-
foto: AFP
to, mencionam 12).
Os sobreviventes se reagruparam
no coração da Sierra Maestra, uma
cadeia de montanhas localizada no
sudeste de Cuba. Os primeiros ata-
ques dos rebeldes foram a depósitos
de armas. Aos poucos, começaram a
se reestruturar, recrutaram mais ho-
mens e conseguiram manter contato
com suas bases de apoio. O grupo de
Che e Fidel recebeu apoio dos cam-
poneses e da rede de guerrilha urba-
na do M-26-7, comandada por Frank
País, um brilhante estrategista, mor-
to durante a Revolução em 1957,
quando tinha apenas 23 anos.
Escondidos na selva, o mundo pou-
co sabia sobre os sucessos e os fracassos
dos revolucionários, até que, em 1957,
Fidel foi entrevistado pelo jornalista
Herbert Matthews, do prestigioso jor-
nal New York Times. O texto de Mat-
thews apresentou ao mundo uma visão
quase mítica de Fidel e de seus guerri-
lheiros. A entrevista foi muito impor-
tante para o grupo, pois permitiu que
os homens levantassem o baixo moral
que vinham amargando até então. Em-
bora não estivesse presente durante a
visita do repórter, Che percebeu a im-
portância da mídia em sua luta.
CARRASCO
Fidel Castro e Che Guevara na Sierra Maestra, em 8 de outubro de 1957 Na época da entrevista de Fidel,
seus homens localizaram um traidor
fugitivo. Eutímio Guerra, o espião de
Ernesto, Almeida e mais três ho- a ajuda de um camponês colaborador Batista, havia sido capturado com um
mens conseguiram chegar à flores- do movimento, foram guiados até o salvo-conduto do governo. Guerra as-
ta próxima e, dali, prosseguiram em esconderijo onde estavam Fidel, Raúl sumiu a culpa, e Fidel o condenou à
direção à Sierra Maestra. Por vários e outros quatro combatentes. Dos 82 morte. Corajoso, ele não pediu cle-
dias, esconderam-se das tropas inimi- expedicionários do Granma, apenas mência. Os homens de
gas que estavam em seu encalço, pade- 15 sobreviveram (algumas fontes fa-
cendo de fome e de sede. Caminhan- lam em 18, outras ainda, buscando
e
do apenas à noite por segurança, en- relacionar o número
B a t i s ta), Ch
lgêncio ção
contraram mais três companheiros e
continuaram a jornada. Com
e n s d e F u
e m u n i
- 7 c o m hom u m a caixa d nforme
M - 2 6 n h o u a i r . C o
f r o n t o (do édico e apa ga deixara c olicamente
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D u r a n q u i p a m a o m a r c o u do
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largou que um
c
e v e u , aque s i ç ã o que
e r r eiro
e s c r a t r a n ao g u
médico
Grandes Líderes da História 29
Clube de Revistas
Fidel, por sua vez, relutaram em deci- ataque antes de seus homens (que do, no ataque a Santa Clara, que mar-
dir quem cumpriria a ordem. Em seus estavam atrasados), acompanhado cou a vitória decisiva da Revolução.
relatos, Che descreveu a “situação incô- apenas de outro rebelde. Como se O primeiro dia do ano seguinte tra-
moda para as pessoas e para ele [Guer- não bastasse esse erro de sincroni- zia um novo regime. Naquela manhã,
ra]”. Com o objetivo de resolver o im- zação, decidiu atacar sozinho o pe- quando Fulgêncio Batista soube que
passe, o guerrilheiro conta que acabou lotão inimigo. Pior, tanto sua arma seus generais estavam negociando a tré-
“com o problema, dando-lhe um tiro como a do único comandado que o gua separadamente, fugiu para a Repú-
com uma pistola calibre 32 no lado di- acompanhava travaram no momento blica Dominicana.
reito do crânio, com o orifício de sida em que ordenou que abrissem fogo. Pouco mais de dois anos depois da
no [lobo] temporal direito”. Aquela foi Os dois combatentes fugiram sob campanha de guerrilha em que Gueva-
a primeira execução de Che, mas esta- uma saraivada de balas. A sorte, po- ra se consagrou por sua bravura e ha-
va longe de ser a última. rém, estava ao lado de Guevara. Os bilidade, os insurgentes entraram em
A situação em Sierra Maestra era tiros dos inimigos provocaram uma Havana, estabelecendo a única revolu-
crítica. Apesar de o exército rebelde resposta de peso dos rebeldes que ção socialista vitoriosa das Américas.
aumentar seu contingente, as provi- ainda estavam nas colinas. A tropa Em 8 de janeiro de 1959, o exército re-
sões eram escassas, necessitando-se governista acabou se rendendo antes belde desfilou vitorioso pelas ruas da
de ações extremas para conseguir su- mesmo de Che ter conseguido des- capital cubana. Menos de um mês de-
primentos. Saques a depósitos e ar- travar sua arma. pois, Che recebeu a cidadania cubana
mazéns e o sacrifício de cavalos para O episódio serviu de lição. A par- em reconhecimento pelo papel na vitó-
alimentar as tropas eram uma cons- tir de então, Guevara impôs uma dis- ria das forças revolucionárias.
tante da campanha revolucionária. ciplina rígida aos comandados. Os Aquele ano trouxe mudanças tam-
Depois de um período de treina- desertores eram tratados como trai- bém na vida pessoal de Che. Além de
mento de novos combatentes, os re- dores. Freqüentemente, Che enviava obter a vitória, o líder guerrilheiro
beldes empreenderam um ataque a esquadrões de execução atrás dos de- se divorciou de Hilda Gadea, a eco-
um quartel em El Uervo. A vitória sertores. Os acusados de ser espiões nomista peruana com quem havia se
teve um preço alto: seis insurgentes ou informantes também eram puni- casado no México, e se uniu a Alei-
morreram e outros sete foram feridos. dos com a morte. da March, uma cubana que fazia par-
Entre os governistas, havia ainda mais Em julho de 1958, Che teve um te do M-26-7 e com quem ele passara
feridos. Nesse episódio, Che revelou papel fundamental na Batalha de Las a viver no final de 1958.
sua humanidade, baseada, muitas ve- Mercedes, a última ofensiva lançada Guevara conheceu Aleida March
zes, em contradições. Como médico, pelo governo contra os rebeldes e que na selva, aprendeu com ela as carac-
tratou dos feridos dos dois lados do durou nove dias. Com sua coluna, de- terísticas do local e acabou se casando
campo de batalha. teve uma força de 1,5 mil homens que com a guerrilheira. Os dois tiveram
Àquela altura da campanha, clas- manobravam para cercar e destruir quatro filhos. A mais velha, Aleida
sificada por Guevara como os “mais Fidel. A tática empregada por Gueva- Guevara, nascida em 1960, é médica
dolorosos dias da guerra”, Fidel pro- ra no combate é considerada “brilhan- como o pai em Havana, onde vive. Os
moveu Che a comandante de uma te” por muitos estrategistas militares. outros três, Camilo, Célia e Ernesto,
das colunas do segundo exército. No Com o moral elevado, Che coman- também vivem em Cuba. Dois são ad-
entanto, o primeiro ataque de Gue- dou uma nova coluna no ataque final a vogados e outro é veterinário especia-
vara ao novo posto não saiu confor- Havana, a capital da ilha. Nos últimos lizado em golfinhos.
me planejado. Ao contrário, foi to- dias de dezembro de 1958, liderou seu
talmente improvisado. Decidido a “esquadrão suicida”, como foi chama-
atacar um destacamento governista,
ito reb de
elde
o recém-promovido comandante se
o e x é r c
adiantou e chegou ao local do
p e sar de s i t a ndo-se
e r a c r í tica escassas, nec depósitos e
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i e r r a Maestr
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n t o s . S aques t r o pas
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ção e ingente, as pr guir suprime s para aliment lucionária a r a s
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s p a
s a c r ifíci d a
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u m a consta
n t e
eram
Che
30 Grandes Líderes da História
Administrando a Revolução Clube de Revistas
Por Claudio Blanc
Primeiros
tempos do
Foto: AFP
novo governo
O que aconteceu após a vitória dos rebeldes sobre Fulgêncio Batista
O
destaque de Che como líder se esforçava para negar qualquer associa- tanto, forças contra-revolucionárias tam-
militar e estrategista na Re- ção com os movimentos socialistas. Ape- bém se erguiam. O governo havia come-
volução Cubana garantiu-lhe sar de medidas populistas de Fidel, como çado um programa de reforma agrária
importantes cargos no novo governo. baixar em 50% o preço dos aluguéis e que fez que os ricos criadores de gado da
Assumiu todos eles com a mesma pai- desapropriar terrenos baldios, a autono- cidade de Camagüey, a terceira maior da
xão e o mesmo radicalismo que marca- mia das universidades foi diminuída, as- ilha, organizassem uma campanha con-
ram seus atos desde sempre. Aos pou- sim como a liberdade de imprensa. A lei da tra a redistribuição de terras. Liderados
cos, porém, foi se distanciando de Fidel reforma agrária trouxe polêmicas e gerou por Huber Matos, um guerrilheiro ve-
e, ciente de seu talento tático, abandou desconfiança em relação à socialização de terano do M-26-7 descontente com a
Cuba para acender a chama da revolu- Cuba. A classe média, preocupada, come- tendência marxista assumida pelo mo-
ção em outros países. çava a emigrar em massa. Foi o primeiro vimento, opuseram-se ao governo revo-
A primeira função de Che no novo êxodo rumo a Miami, que se tornaria um lucionário. Matos recebeu o apoio do di-
governo foi executar os inimigos do novo exílio para os expatriados cubanos. tador dominicano Rafael Trujillo.
regime. Durante a rebelião conta a dita- Por conta da forte influência sobre Por conta dos novos rumos que a Re-
dura de Fulgêncio Batista, o comando Fidel, a orientação marxista de Gueva- volução tomava, Fidel adotou medidas
geral do Exército rebelde introduziu nos ra trazia preocupações tanto para os Es- para conter o avanço contra-revolucioná-
territórios conquistados uma lei penal do tados Unidos como para alguns dos líde- rio. Nomeou Che para chefiar o Institu-
século 19 conhecida como Ley de la Sier- res do M-26-7, que não tinham qualquer to Nacional de Reforma Agrária e, poste-
ra, a qual previa a pena de morte para cri- simpatia pela esquerda. Ao mesmo tem- riormente, presidente do Banco Nacional
mes sérios. Depois da vitória, em 1959, o po em que Fidel se esforçava para negar de Cuba, mantendo, ao mesmo tempo,
governo revolucionário promulgou-a em qualquer envolvimento com os movimen- sua patente militar. O ditador tinha seus
todo o país. Criminosos de guerra captu- tos socialistas, Che, com toda a força de motivos para escolher Che para o cargo.
rados antes e depois da Revolução foram sua sinceridade explosiva, fazia justamen- Desde os dias da luta na Sierra Maestra,
submetidos à lei de la Sierra. te o contrário. Chegou mesmo a declarar Guevara propunha a criação de indústrias
Fidel nomeou Che “promotor supremo” na televisão que “o fato de eu não ser um auto-suficientes.
e comandante da prisão do forte de La Ca- comunista filiado ao Partido Comunista, À frente do Ministério das Indús-
baña por cinco meses, de 2 de janeiro a 12 como não sou, não tem importância al- trias, um cargo pelo qual contribuiu para
de junho de 1959. Nessa posição, Guevara guma. Somos acusados de sermos comu- conceber o socialismo cubano, Che se
supervisionou os julgamentos do tribunal nistas pelo que fazemos, não por quem tornou uma das figuras mais proemi-
revolucionário. Estes eram diários e come- somos ou pelo que dizemos. [...] Se você nentes do país. Sua política industrial se
çavam em torno das 20 horas, avançando acredita que o que fazemos é comunismo, baseava na diversificação da economia e
pela madrugada. Seu desempenho rígido, então somos comunistas”. da eliminação de incentivos materiais.
executando diversos governistas com pro- Uma forma encontrada por Fidel Intuindo os preceitos da moderna eco-
vas contestáveis, fez que Che fosse acusa- de neutralizar seu companheiro no mo- nomia cooperativa, ele incentivava o tra-
do de agir por conta própria, ordenando a mento crítico do novo governo revolu- balho voluntário e a dedicação dos traba-
morte de centenas de pessoas sem subme- cionário foi mandá-lo como responsável lhadores, pois acreditava que o movi-
tê-las a julgamento adequado. Mas, como a por acordos comerciais cubanos a uma mento espontâneo resultaria no impulso
população local havia sido vítima de atroci- missão especial, uma viagem de três econômico desejado. Para dar o exemplo
dades por parte de Batista e queria linchar meses em visita a 14 países, a maioria do que esperava dos cubanos, trabalhava
muitos dos prisioneiros, Guevara justificou na Ásia e na África. incessantemente no ministério. Chegou
as execuções como uma forma de evitar que Quando Che retornou a Cuba, em até mesmo a atuar como voluntário em
o povo fizesse justiça com as próprias mãos. setembro, Fidel tinha amealhado muito construções e a cortar cana-de-açúcar,
Estima-se que cerca de 400 pessoas tenham mais poder que quando partira. No en- algo que Fidel Castro também fez.
sido mortas em La Cabana durante o tem-
po em que Che chefiou a fortaleza.
No início de junho, Guevara foi cha-
“O fato de eu não ser um comunista filiado
mado por Fidel de volta a Havana. A opo- ao Partido Comunista, como não sou, não tem
sição começava a se fazer ouvir, criticando
o excesso de autoridade do novo governo. importância alguma. Somos acusados
A Igreja Católica denunciava os excessos de comunistas pelo que fazemos, não por quem
dos tribunais revolucionários e preocupa-
va-se com a aproximação entre Fidel e os somos ou pelo que dizemos. [...] Se você
comunistas, uma vez que, inicialmente, a
Revolução Cubana não tinha um cunho
acredita que o que fazemos é comunismo,
socialista. Na verdade, o governo cubano então somos comunistas”, Che Guevara
Che
32 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
BAÍA DOS PORCOS Guevara incentivava o trabalho voluntário e
Che não atuou diretamente na
luta que resultou do episódio da Inva- a dedicação dos trabalhadores, pois acreditava
são da Baía dos Porcos, mas comandou
o Exército cubano em outra frente do que o movimento espontâneo resultaria
conflito. Em 1961, o recém-eleito presi- no impulso econômico desejado. Para dar
dente americano John F. Kennedy auto-
rizou a CIA a planejar e financiar uma o exemplo do que esperava dos cubanos,
invasão a Cuba usando exilados cuba-
nos que se opunham a Castro. A orga-
ele trabalhava incessantemente no ministério.
nização forneceu aviões que bombarde- Chegou até mesmo a ser voluntário em
aram aeroportos do país e a força cuba-
na tentou invadir por terra, aportando construções e a cortar cana-de-açúcar, algo
na Baía dos Porcos. No entanto, a inva- que Fidel Castro também fez
são foi um fiasco. Fidel estava prepara-
do, pois a inteligência cubana tinha co-
nhecimento da operação, e rechaçou a
invasão. O episódio acabou azedando
de vez a já deteriorada relação entre os
dois países.
Por conhecer o plano da CIA, Fidel
tomou medidas antes mesmo da invasão.
Em Cuba, cerca de cem mil cubanos fo-
ram presos, suspeitos de simpatizar ou
de apoiar os invasores. Como parte das
ações de defesa, Castro enviou Che à
província de Pinar del Rio, onde coman-
dou o Exército Ocidental de Cuba.
Aos poucos,
eles romperam
Como Che Guevara deixou Cuba e seu governo para trás
E
m 1963, o quarto ano da revo- grantes do foco guerrilheiro instala- Ainda nos Estados Unidos, reuniu-
lução, os problemas cubanos se do por Guevara na Argentina foram se com o líder radical negro Malcon X,
agravaram. A infra-estrutura mortos ou presos. Embora frustrado, que pregava o rompimento com a so-
deixada pelos norte-americanos era in- ele não se deixou abalar. Seu maior ciedade branca que explorava os afro-
comparável com a tecnologia atrasada desejo era liderar a revolução conti- descendentes, e outros radicais.
fornecida pela antiga União Soviética. nental que pregava. Assim, iniciou Dos Estados Unidos, Che foi a
Depois da retirada dos mísseis soviéti- sua campanha para combater o im- Paris, reunindo-se com intelectuais,
cos da ilha, Che começou a demonstrar perialismo onde quer que estivesse. como o filósofo Jean-Paul Sartre, e
claramente seu desgosto com Moscou Aquela era a verdadeira luta de sua disseminando o sucesso da Revolução
e passou a ser visto como mais alinhado vida, em que ele esperava morrer, Cubana. Nos três meses seguintes, o
com o pensamento chinês. como de fato aconteceu. comandante argentino-cubano visitou
O rompimento entre os soviéticos Em dezembro de 1964, Che Gue- a China, diversos países da África e es-
e os chineses se aprofundava, e Cuba vara embarcou em uma viagem por teve também na Irlanda e em Praga.
tomou partido ao lado da ex-URSS. diversos países como chefe da dele- Com o radicalismo, Guevara aca-
Apesar da polpuda ajuda financeira gação cubana. Como porta-voz ofi- bou embaraçando os laços políticos
recebida em troca do apoio, a ilha fi- cial de Cuba, discursou na sede das que Fidel procurava firmar. Ele con-
cou completamente dependente dos Nações Unidas, em Nova York, na feria uma característica marxista a um
soviéticos. Além disso, Moscou via 19ª Assembléia Geral das Nações movimento que inicialmente não ti-
com maus olhos os esforços bélicos Unidas. Em seu famoso discurso na nha tal orientação – o que indispôs
de Guevara, que queria exportar a Re- ONU, atacou o intervencionismo logo de início o governo revolucioná-
volução para outros países da região. norte-americano, declarou a mor- rio com os Estados Unidos. Seu rom-
Bom político, Fidel entendeu o recado te do colonialismo e aplaudiu o que pimento, porém, veio em um discur-
e procurou, moderadamente, se apro- chamou de “Guerras de Libertação so proferido em Algiers, na Argélia,
ximar de Washington. Enquanto isso, na América Latina”. em fevereiro de 1965. Che se excedeu
Che buscava criar um foco guerrilhei-
ro na Argentina, sua terra natal, a qual
queria tornar socialista.
Em 1964, Che Guevara pensa- O rompimento de Che com Cuba veio em
va em deixar Cuba. Diversos fatores um discurso proferido em Algiers, na Argélia,
contribuíram para a decisão: o regi-
me estava consolidado, a ameaça da em fevereiro de 1965. Guevara se excedeu nas
invasão norte-americana tinha dimi- palavras, criticando abertamente o modelo
nuído, ele não era cubano e não es-
tava acostumado ao estilo de vida da socialista soviético, acusando a antiga URSS,
ilha caribenha, e não era um buro-
crata, mas um guerreiro. Em abril de que injetava polpuda ajuda financeira em
1964, os esforços de Che para imple- Cuba, de explorar o Terceiro Mundo tanto
mentar o socialismo em seu país natal
fracassaram. Naquele mês, os inte- quanto as potências capitalistas
Che
34 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas Por Claudio Blanc
(...)
“Nasci na Argentina; não é segredo para ninguém. Sou cubano e também sou argentino e, se não se ofenderem
os ilustríssimos senhores latino-americanos, sinto-me tão patriota da América Latina, de qualquer país da Amé-
rica Latina, como de qualquer outro e, no momento em que fosse necessário, estaria disposto a entregar minha
vida pela libertação de qualquer um dos países latino-americanos, sem pedir nada a ninguém, sem exigir nada,
sem explorar ninguém”.
Fonte: www.culturabrasil.org/discursoche.htm
Che
36 Grandes Líderes da História
Congo Clube de Revistas
Por Claudio Blanc
Na África
com Kabila
A fracassada experiência de Guevara no Congo
Grandes
Grandes Líderes
Líderes da História 37
da História
Clube de Revistas
E
m 1965, Che deixou Cuba morte. Na verdade, quando Guevara cubanos trabalhando em conjunto
para instaurar revoluções pelo soube da doença, Célia de La Serna com o Exército regular para frus-
mundo. Durante dois anos, havia morrido, vítima de um câncer trar os esforços das forças rebeldes.
seu paradeiro ficou desconhecido. fulminante. Sem ter como localizar o Interceptavam suas comunicações e
Apareceu somente em 1967, na Bolí- marido, Aleida, a esposa de Che, não planejavam emboscadas a partir das
via, tentando derrubar o governo pró- podia avisá-lo da morte da sogra. Na informações obtidas.
norte-americano local com uma estra- última carta que escreveu ao filho, Cé- Seis meses após sua chegada ao
tégia semelhante à que empregara em lia deixou clara sua preocupação com Congo, a base onde Che operava foi in-
Cuba. Mas, antes da Bolívia, ele este- o desaparecimento dele e um possível vadida. O comandante teve tempo ape-
ve na África. Guevara acreditava que desentendimento com Fidel. Na car- nas de fugir, abandonando equipamen-
aquele continente tinha um grande ta, a mãe vaticinava: “Você sempre tos e suprimentos.
potencial revolucionário, pois era o será um estrangeiro. Esse parece ser o Com as deserções em massa e os
“elo fraco” do capitalismo. seu destino permanente”. rebeldes acuados, os líderes revolucio-
Durante suas viagens internacio- A Revolução também não ia bem. nários decidiram encerrar a campa-
nais em 1964, Che havia entrado em O disciplinado Che Guevara ficou de- nha. Guevara pediu que essa decisão
contato com diversos líderes revolu- siludido com a indisciplina das tropas fosse documentada por escrito. Com
cionários africanos. Apesar da primei- congolesas. As dificuldades de relacio- isso, queria provar que os cubanos não
ra impressão ter sido negativa, pre- namento entre cubanos e congoleses in- abandonaram o campo de batalha. Sem
parou-se para ajudá-los a promover a tensificavam-se ainda mais com as críti- dar ouvidos, os comandantes congole-
Revolução Pan-africana. cas de Che ao estilo de vida desregrado ses simplesmente desistiram da luta.
No Congo, o movimento marxista e indolente dos nativos. Sem código de A retirada foi humilhante. Che e os
Simba lutava com o governo de situa- conduta adequado e invariavelmente bê- cubanos fugiram, com 20 congoleses
ção para impor um regime comunis- bados, os integrantes do Exército Popu- escolhidos por eles para ser salvos, pelo
ta. Naquele país, Guevara comandou lar de Libertação (EPL), o movimento lago Tanganyika a bordo de um barco.
uma operação cubana em prol dos re- armado rebelde do qual Guevara parti- Os demais foram abandonados à pró-
beldes congoleses. Chegou em abril de cipava também era visto pelos campone- pria sorte. Guevara registrou a ocasião
1965 sem se identificar, dizendo aos ses como uma força parasita. com pesar: “Foi um espetáculo grave,
rebeldes que 130 homens seriam en- O primeiro ataque do EPL foi, nas desolador e inglório. Tive de repelir os
viados de Cuba para treinamento do palavras do biógrafo Rodolfo Lorenza- homens que imploravam para serem
foco revolucionário. A missão de Che to, “uma tragédia”. Cerca de 40 cuba- levados conosco. Nessa retirada, não
e dos cubanos que o acompanhavam nos e 160 congoleses atacaram o Forte houve um só traço de grandeza, nem
era secreta. Para não envolver o país Bendera. Che ficou na retaguarda para gesto de rebelião”.
latino-americano diretamente, a pre- manter sigilo. Além de os congoleses Durante a fuga, um barco patrulha
sença do comandante revolucionário desertarem, quatro cubanos foram mor- se aproximou da embarcação dos cuba-
não poderia ser descoberta. Mesmo tos, expondo o envolvimento de Havana nos, e Che ordenou a seus homens que
sem se identificar, Guevara esperava com a guerrilha do Congo. Como resul- se preparassem para o combate. No en-
que o aceitassem em combate pela im- tado, os cubanos se revoltaram contra os tanto, os inimigos partiram, e os revo-
posição de sua presença física. congoleses. Guevara temeu que seus ho- lucionários puderam continuar a reti-
A operação cubana na guerra con- mens desertassem em massa. rada em segurança.
golesa contou com um contingente de Embora Fidel continuasse a en- Alguns autores atribuem a relati-
aproximadamente cem afro-cubanos viar mais homens, que entravam no vidade parcial da retirada de Che e de
que chegaram depois de Guevara. Os Congo via Tanzânia, país que apoiou seus homens do Congo a um acordo
cubanos sob comando de Che apoia- até certo momento a Revolução, o entre Fidel Castro, o Departamento de
ram o líder guerrilheiro Laurent-Dé- governo congolês contratou merce- Estado dos Estados Unidos, a CIA e
siré Kabila. O Guerrilheiro tencio- nários sul-africanos, coordenados os mercenários que acuavam os guer-
nava exportar a Revolução Cubana e, pela CIA e apoiados por exilados rilheiros no lago Tanganika. Provavel-
muitas vezes, instruiu pessoalmente
os combatentes simbas, iniciando-os
na ideologia marxista e nas próprias
Com disenteria e asma, e frustrado com
estratégias de guerrilha. sete meses inúteis de campanha, Che
Logo no começo da campanha,
Che recebeu de um expedicionário
desistira da causa de Kabila. “Nada me
cubano que se unia ao esforço revolu- faz pensar que ele é o homem da vez”,
cionário a notícia de que sua mãe es-
tava gravemente enferma, às portas da escreveu sobre o líder em seu diário
Che
38 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
mente, Fidel desejava menos exportar a
Revolução que seu companheiro, mas o Apesar da insistência de Fidel para que
fazia por Che – e também para mantê- retornasse a Cuba, Che Guevara se recusava
lo longe de Havana.
Em seu Diário do Congo, Gueva- a obedecer-lhe. Achava que o melhor modo
ra atribuiu a causa do fracasso da re-
volução congolesa à incompetência e à
de ajudar o governo revolucionário a sair
intransigência dos rebeldes. Sofrendo do isolamento ao qual fora imposto pela
de disenteria e asma, e frustrado com
sete meses inúteis de campanha, Che comunidade internacional orientada
desistira da causa de Kabila. “Nada me pelos Estados Unidos era exportando a
faz pensar que ele é o homem da vez”,
escreveu sobre o líder em seu diário. Revolução. Seu alvo era a América Latina
Deixou o Congo acompanhado dos
cubanos sobreviventes para confessar,
Foto: AFP
semanas depois, quando escreveu a in-
trodução do seu Diário do Congo, que
aquela “era a história de um fracasso”.
Depois do “fracasso” congolês,
Che passou um tempo escondido
na Tanzânia, onde Aleida foi visitá-
lo secretamente. Por seis semanas, o
casal ficou confinado em um aparta-
mento de dois cômodos em Dar es
Salaan. Não saíam para nada e re-
cebiam mantimentos diariamente de
um dos poucos agentes cubanos que
conheciam seu paradeiro. Ela descre-
veu esse período como uma “lua-de-
mel”. Da Tanzânia, Guevara se refu-
giou em Praga, na então Checoslo-
váquia. Uma vez mais, ficou naquele
país em sigilo e, de novo, recebeu a
visita de Aleida.
Apesar da insistência de Fidel para
que retornasse a Cuba, Che Guevara se
recusava a obedecer-lhe. Achava que o
melhor modo de ajudar o governo revo-
lucionário a sair do isolamento ao qual
fora imposto pela comunidade interna-
cional orientada pelos Estados Unidos
era exportando a Revolução. Seu alvo
era a América Latina.
Durante o período passado na
Tanzânia e na ex-Checoslováquia,
Che reuniu informações fornecidas
pela inteligência cubana e estudou a
situação dos países latino-america-
nos. Decidiu que o melhor local para
iniciar seu foco revolucionário seria a
Bolívia. Foi para aquele país que di-
rigiu seus esforços. Ali, sabia que en-
contraria a vitória ou a morte. O des-
tino, porém, reservava ao revolucio- Laurent-Désiré Kabila: segundo Che Guevara, ele estava à frente de
nário o pior. rebeldes incompetentes
A tentativa
na Bolívia
Che também tentou implantar a Revolução no país sul-americano e, novamente, não conseguiu
D
epois da fracassada campanha ção das Mulheres Cubanas. Tânia traba- secretário-geral do Partido Comunista
com os rebeldes congoleses, lhava para a Stasi, a polícia secreta da Ale- da Bolívia, Mario Monje. O boliviano,
Che não voltou para Cuba. manha Oriental, e possivelmente também porém, só aceitaria participar se fosse o
Em sua carta de despedida, revelada por para a KGB. chefe integral da luta armada. Guevara,
Fidel para justificar seu desaparecimen- Che voltou a Cuba para recrutar mais claro, recusou e se viu apenas com pou-
to, Guevara cortara todos os laços que soldados para sua causa e treiná-los em se- co mais de 20 combatentes.
mantinha com a ilha caribenha e seu gredo. Quando estava pronto, preparou- O comandante começou, então, a trei-
governo revolucionário (veja o box ao se para partir. A despedida da ilha tra- nar os poucos rebeldes que abraçaram a
lado). Por conta disso, passou os meses zia o peso do destino fatal que o aguar- causa. O treinamento no campo do Vale de
seguintes vivendo clandestinamente. dava. Como um testamento, deixou com Nancahuazú foi tão extenuante para Che e
Nesse período, completou suas me- Aleida textos que condenavam Lenin, por os cubanos que o acompanhavam quanto
mórias congolesas e rascunhou mais dois quem havia antes nutrido profunda ad- os combates que viriam em seguida.
livros, um sobre filosofia e outro sobre miração, e que advertiam que “a URSS Àquela altura, a força guerrilheira de
economia. Também visitou diversos pa- e o bloco soviético estavam fadados a re- Guevara, o Exército de Liberacíon Nacio-
íses da Europa Ocidental para testar os tornar ao capitalismo”, algo que realmente nal de Bolívia, era constituída de apenas 50
documentos forjados para ele pela inte- aconteceu pouco antes da última década homens. A única guerrilheira era Tânia.
ligência cubana. A idéia era usar o falso do século 20. Na verdade, Che desaprovava a presença
passaporte quando fosse para a América Disfarçado de empresário uruguaio, da mulher. De fato, sem que soubesse, a es-
do Sul, como parte de seu plano de se- deu um abraço em Fidel. De acordo piã serviu como um dispositivo de rastrea-
mear a Revolução pelo mundo. com testemunhas, Castro ficou calado mento dos guerrilheiros. Dessa forma, ela
Che escolheu a Bolívia como foco em um canto durante um bom tempo. teria servido sem querer aos interesses so-
inicial. A opção pareceu vantajosa ao Talvez soubesse que jamais veria seu ex- viéticos. A “libertação” da Bolívia por uma
guerrilheiro pela posição geográfica do plosivo companheiro novamente. força marxista desvinculada da orientação
país no continente, próximo da Argen- Aleida teve a mesma impressão. de Moscou não interessava aos soviéticos,
tina e no centro da América do Sul. Quando ele foi se despedir da família, tanto quanto um governo de esquerda na
Além disso, ele esperava receber apoio seus filhos não o reconheceram. Desde América Latina não interessava aos norte-
do Partido Comunista da Bolívia, espe- que partira para o Congo, Che os visitara americanos. No final da campanha, as co-
cialmente da ala pró-China. poucas vezes e, mesmo nas raras ocasiões, lunas foram divididas. O grupo de Tânia
Guevara despachou dois companhei- eles o viam disfarçado. Temia que, sem foi emboscado por tropas do governo boli-
ros à Bolívia, onde Fidel havia comprado, querer, as crianças denunciassem seu pa- viano, e a guerrilheira, metralhada.
por meio de comunistas bolivianos, um radeiro. Aleida segurou o choro até que os
trecho de terra na remota região de Nan- pequenos não estivessem mais por perto. A CAMPANHA
cahuazú. Castro também tinha plantado Em meio a essa atmosfera de luto, Gueva- Apesar do reduzido contingente, as
uma agente em La Paz para servir de con- ra foi enfrentar sua luta final. forças de Che eram bem equipadas e as-
tato com o guerrilheiro. Haydée Tâmara seguraram algumas vitórias iniciais con-
Bunke Bider (1937 – 1967), codinome Tâ- MAU COMEÇO tra os soldados bolivianos no difícil ter-
nia, era argentina como Che e fiel à causa Em novembro de 1966, Che en- reno da região montanhosa de Camiri,
comunista. Depois da Revolução Cubana, trou na Bolívia sob o disfarce de Adol- no sudeste da país. No entanto, o gover-
ela foi para Cuba, onde ocupou posições fo Mena Gonzáles. Depois de se insta- no boliviano agiu rapidamente para evi-
no Ministério de Educação e na Federa- lar na base de Nancahuazú, contatou o tar a disseminação da guerrilha. Além
Che
40 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas
Por Claudio Blanc
Foto: AFP
Che
des. Com ajuda dos norte-americanos,
formou-se um batalhão especial treinado Fonte: Dossiê Che Guevara, Rodolfo Lorenzato,
em combate na selva, cuja base foi estabe- Universo dos Livros
lecida em La Esperanza, próximo de onde
Guevara e seus guerrilheiros operavam.
Che também cometeu um erro ao es-
perar apoio dos dissidentes bolivianos e
do Partido Comunista da Bolívia, que
tinha orientação soviética. Ao contrário
do que aconteceu em Cuba, o povo não
aderiu à Revolução.
A personalidade explosiva de Gueva-
ra somava-se a todas essas dificuldades.
Ele tinha um impulso suicida. Preferia
sempre o confronto direto à negociação
de um acordo. Durante a campanha de
Cuba, Fidel soube administrar essa ten-
dência como uma arma de combate. Mas Foto de 1967, próximo a Nancahuazú, que mostra Che Guevara durante a
tanto no Congo como na Bolívia, a ca- tentativa de implantar a revolução na Bolívia
Che
42 Grandes Líderes da História
Mártir da Revolução Clube de Revistas
Por Claudio Blanc
Perseguição
e morte
Detalhes do assassinato do líder guerrilheiro
Grandes Líderes da História 43
Clube de Revistas
A
caçada a Che Guevara foi co- Che foi amarrado e, no dia seguinte à
O homem
some e fica
a lenda
Como Che Guevara passou para a História
N
o dia da morte de Che re, covarde! Saiba que vai matar um
Guevara, o jornalista Ri- homem!” –; o túmulo anônimo e as
chard Gott, que cobria a mãos amputadas, como se os assas-
guerrilha boliviana para o jornal in- sinos o temessem mais morto do que
glês The Guardian, publicou uma re- vivo, esculpiram no imaginário con-
f lexão sobre o líder, caçado e morto temporâneo um arquétipo semelhan-
como um bandoleiro. “É difícil lem- te ao dos mártires cristãos, imolados
brar que esse homem já foi uma das por sua fé. Che se tornou um santo no
maiores figuras da América Latina. altar político de nossos dias.
Vendidas como
Ele não foi apenas um grande líder Mais de 30 anos se passaram, e o suvenires
guerrilheiro, mas era também amigo herói assassinado continua a habitar em Cuba, as
tanto de presidentes como de revolu- a memória coletiva. Che se tornou camisetas
cionários. Sua voz foi ouvida e con- ubíquo: sua imagem é vista em cami- com estampas
siderada em conselhos interamerica- setas e pôsteres, em chaveiros e f lâ- de Che
nos e na selva. Foi um médico, um mulas. É um processo que acontece demonstram
economista amador, ministro das In- com todo aquele que se transforma como o líder
guerrilheiro é
dústrias na Cuba revolucionária e o em mito: o homem some e fica ape-
admirado
braço-direito de Castro. Ele poderá nas a lenda.
talvez passar para a História como a Guevara talvez acreditasse que
maior figura continental desde Bo- seu sacrifício seria brindado com re- rantiu que a democracia fosse final-
lívar. Lendas serão criadas em seu belião, com os oprimidos se erguen- mente adotada na região.
nome”. Tal vaticínio de Gott não po- do contra o sistema e criando – nas Se tivesse sobrevivido à campanha
deria ser mais preciso. palavras do próprio Che – dois, três, da Bolívia, Che teria testemunhado
Imediatamente após sua morte, muitos Vietnãs. No entanto, se ti- o Vietnã vencer os Estados Unidos,
Che foi alçado ao olimpo do imagi- vesse vivido para ver, teria testemu- para, em seguida, buscar se integrar
nário mundial, tornando-se um mito. nhado o rumo diferente tomado por no mercado global. O estilo de luta de
De fato, a execução do líder guerri- seu sonho de liberdade total. Guevara também não prevaleceu. As
lheiro em Vallegrande, aos 39 anos, Durante as ditaduras milita- maiores revoluções e transições do úl-
transformou-o em mártir. Sua mor- res sul-americanas, milhares de jo- timo quarto do século 20 – na Áfri-
te lhe garantiu o status de imortal. vens inspirados em seu exemplo fo- ca do Sul, no Irã, nas Filipinas e na
A imagem semelhante à de Cristo – ram mortos em combates nas serras Nicarágua e a redemocratização do
um Cristo moderno e guerrilheiro e selvas ou torturados até a morte nas Cone Sul, do leste da Ásia e do mun-
– sobre o leito improvisado com os masmorras dos regimes opressores do comunista – foram alcançadas por
olhos abertos e penetrantes como se que se espalharam pelo continente. meio de negociação com os antigos
fitassem os vivos a partir da morte; Não conseguiram estabelecer a Revo- adversários, em lugar do confronto
as destemidas palavras finais – “Ati- lução, mas sua oposição corajosa ga- até a morte defendido por ele.
Che
46 Grandes Líderes da História
Clube de Revistas Por Claudio Blanc
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