1 Uma Esposa para o Duque - Leticia Gomes

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 425

Copyright © 2018 Letícia Gomes | Todos os direitos reservados

Esta obra está sob a proteção da Lei de Direitos Autorais


Lei Nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998

Capa: Michaelly Amorim


Revisado em: 2021

Contém cenas eróticas direcionadas para maiores de 18 anos.


Para minha mãe, que sempre acreditou em mim. Para Ana, Joyce,
Dayane e Thaísa, obrigada pelo apoio. E um agradecimento especial para
Laura, a melhor pessoa que esses livros me apresentaram!
Prólogo
Londres, Inglaterra
1812

Lucille Mildenhall já tinha 20 anos, três anos como uma debutante


e nenhum pretendente no currículo. Bom, alguns apareceram, mas eram
velhos ou degenerados demais. Isso quando não eram ambos. Os bonitos e
charmosos não queriam saber de Lucille, apenas algumas valsas a mando da
educação e meias palavras trocadas. Mas nenhuma escapada até os jardins –
o que ela acreditava ser importantíssimo, já que todas as suas amigas
haviam feito aquilo com algum pretendente mais interessante e dado seu
primeiro beijo. E segundos, terceiros, quartos…
Ela tinha suas teorias acerca de sua exclusão em relação às outras
debutantes. Era uma jovem agradável, educada e prendada, como deveria
ser. Fora muito bem moldada pela governanta da casa. Mas não era loira e
suas irmãs haviam dito uma vez que os homens gostam das loiras de olhos
azuis e de seios grandes. Lucille era morena, olhos castanhos e grandes,
rosto sardento e seios proporcionais ao seu corpo. Uma moça de formas
pequenas e delicadas, achava-se longe de ser uma femme fatalle. Ah, mas se
ela ao menos fosse loira… decerto ela já teria ido para algum terraço e
beijado um belo de um duque. Ou até mesmo um príncipe, por que não?
Suas irmãs eram loiras como o seu pai, o visconde de Kent, e
haviam se casado antes de completarem um ano de suas respectivas
estreias. Amélia e Mary tinham apenas dois anos de diferença entre si, mas
oito e dez com Lucille. Uniram-se com bons partidos e viviam suas vidas de
casadas há bons anos. Os cunhados de Lucille eram tipos que conversavam
pouco com ela. Ao menos gostavam de suas respectivas esposas e amavam
a prole. Havia ainda mais uma irmã na família Mildenhall: Joanna, de nove
anos, que dizia ter repulsa de bailes e de meninos. Lucille também tinha
certa repulsa pelos bailes, já estava cansada de ir a todos eles e dançar com
homens que ficavam olhando além dela, para outras jovens. Lady
Mildenhall, sua mãe, lhe dizia que a culpa não era das loiras bem-dotadas,
mas da própria Lucille, que demonstrava demasiado desinteresse nos
homens e nos bailes. A culpa não era de Lucille, ora essa. Ela adorava uma
boa conversa, mas não com homens idosos. Amava ir a festas e dançar, mas
não em um lugar onde ninguém se importava com ela. E fazia muito tempo
que ninguém se importava com ela. Mais precisamente desde seu debute na
sociedade.
Como conversaria com homens que jamais demonstraram interesse
nela? Aqueles anos sem nenhum interesse da parte masculina a deixaram
com a confiança abalada. Por mais que gostasse de festas e de conversas
animadas, temia não ser interessante o suficiente para ganhar um
pretendente.
Pior do que aquilo, temia que a fama de seu pai fosse o problema.
Não, não gostava de sentir raiva pelas ações do pai. Era um homem
com contratempos, não poderia culpá-lo. Ele havia lhe dado uma vida de
conforto e luxo razoável, com vestidos bonitos e convites para chás e festas
à disposição. Lucille nunca fora excluída da sociedade, só dos solteiros. O
último passeio de cabriolé que fizera com um homem no Hyde Park foi com
seu pai.
Aos onze anos.
Naquela noite, ela não se sentia mais interessada desde que fora
apresentada à sociedade londrina como uma adulta. Dançara com alguns
homens conhecidos de seu pai e com os maridos de suas irmãs, ficou
cansada rapidamente e o corpete curto debaixo de seu vestido branco
parecia ainda mais apertado. Ela precisava se afastar do aglomerado de
aristocratas que lotavam o salão do Almack's, quente como o inferno
naquela noite de verão e fim de temporada. Pensava em ir se juntar às
solteironas, que tomavam um chá de cadeira desde o começo da noite. Mas
ainda lhe restava um ano de esperança antes de se tornar uma jovem
obsoleta que devia pôr uma touca branca digna das governantas mais
enfadonhas.
Teria sido mais proveitoso se ficasse em casa lendo um livro em paz
com sua irmãzinha. Essa tarefa nutria mais o cérebro do que procurar por
um marido.
Conseguiu se esquivar até a mesa do bufê e sorriu contente, pegando
um guardanapo e ficando em dúvida com tantos sanduíches: presunto ou
pepino? Nenhum dos dois tinha conteúdo o suficiente para dar mais volume
ao corpo dela.
— O de pepino tem gosto de água salgada, Srta. Mildenhall.
Lucille quase derrubou o sanduíche, empertigando-se rapidamente e
se virando da forma mais graciosa que pôde sem parecer uma espevitada.
Um homem jovem, alto, atlético, cabelos claros e olhos verdes sorriu para
ela. Vestia uma casaca vermelha específica de um militar, com duas fileiras
longas de botões dourados, ombreiras de mesma cor e uma gola negra, mas
Lucy não sabia identificar qual o tipo de patente aquele belo cavalheiro
ocupava. A pele do homem estava notavelmente bronzeada pelo sol e os
cabelos estavam mais claros nas pontas, mas o corte era curto e
comportado.
Ele a cumprimentou com um aceno e Lucille correspondeu com
uma mesura delicada, não sabendo onde colocava aquele sanduíche. Na
boca não podia mais.
Surpreendentemente, o cavalheiro estendeu a mão para ela e Lucille
demorou para assimilar o gesto, mas colocou o quitute sobre a palma
grande dele, que o escondeu dentro de um dos vasos de flores da mesa. Ela
controlou o riso inesperado, ganhando um sorriso brincalhão do homem de
olhos verdes.
— Adubo para as flores — ele sussurrou, brincalhão, e Lucille
respondeu risonha para ele, tornando-se incrivelmente mais adorável do que
já era. — Michael Manley, Conde de Oxford. É um prazer conhecê-la,
madame.
— Meu lorde... — Lucille o cumprimentou outra vez, sentindo as
faces esquentarem e se tornando incapaz de olhar nos olhos daquele lindo
conde. — Creio que o senhor já saiba meu nome.
— Tive a ousadia de perguntar para alguém quando a vi passar pelo
salão — Michael disse. — Não costumo frequentar muito os bailes, para ser
sincero.
— Pois eu frequento até demais… — ela murmurou para si mesma,
com uma leve ironia.
Ele riu baixo, balançando a cabeça e olhando o pequeno cartão de
danças pendurado no pulso fino de Lucille.
— Há algum espaço para o meu nome? — Michael indicou o cartão.
— Estou ansioso para minha primeira dança desde que voltei da Índia.
— Oh, o senhor esteve no Oriente? — Lucille ficou surpresa. Então
era por isso que ele estava tão bronzeado.
— Por dois anos, sirvo ao exército como capitão de um regimento
na Índia. Voltarei para lá daqui a um ano, mas já estava com saudades do
clima daqui.
— Imagino que lá seja bem quente — ela comentou,
verdadeiramente interessada. — E há malária… O senhor adoeceu por lá?
Seria terrível, meu lorde. O irmão de um dos meus cunhados infelizmente a
tem e o pobre homem às vezes parece que está à beira da morte!
Michael riu consigo mesmo e Lucille se sentiu tola. Que tipo de
pessoa conversa sobre malária com um desconhecido?
Ela engoliu em seco, sentindo as mãos tremerem de nervoso. Mal
havia conhecido o homem e ele já percebia que ela era desinteressante. Até
mesmo riu dela!
— Estou em perfeitas condições, madame. Mais saudável do que
nunca.
Lucille assentiu, olhando desconcertada para suas sapatilhas
vermelhas, que escapavam por debaixo do longo vestido branco, antes de
erguer a cabeça e voltar a falar:
— Desculpe-me por ser intrometida, à-às vezes falo uma porção de
bobagens.
— Já estou acostumado com essas questões — Michael garantiu,
gentilmente. — Pretendo não voltar mais para lá quando me casar, creio que
as perguntas sobre malária acabarão logo.
— Casar-se uma moça indiana? — ela perguntou, imediatamente.
Cale-se, sua tola.
O conde riu e Lucille inspirou, constrangida.
— Não, com uma moça inglesa. Por isso volto de vez em quando
para procurar a minha futura condessa — Michael disse, de forma
charmosa. — E então, posso assinar, madame?
Lucille rapidamente pegou o cartão pendurado em seu pulso, vendo
a quantidade de lacunas vazias. Sentiu-se um tanto envergonhada de
mostrar ao conde, talvez ele a esquecesse assim que visse o quão não-
popular ela era entre as moças solteiras. Mas seu coração estava ansioso
demais e ela permitiu que Michael assinasse seu nome no cartão para a
próxima valsa, que seria dali vinte minutos.
Ele não pareceu demonstrar nenhuma surpresa ou desgosto diante da
quantidade de espaços vazios. Quando terminou de assinar, aproveitou a
chance de tocar os dedos enluvados dela enquanto fechava o cartão. Lucille
estremeceu com o contato breve, olhando para aqueles lindos olhos verdes
assim que Michael a mirou em seu rosto ruborizado. Tentou dizer alguma
coisa, mas sua boca se moveu sutilmente em palavras mudas e os dedos de
Michael se afastaram dos seus.
— Até breve, madame.
Despediu-se com um breve meneio de cabeça e Lucille soube
naquele momento que teria de casar com aquele homem depois daquela
valsa. Ele era perfeito, ela não tinha dúvidas. Era ele. O homem mais
encantador do mundo.
E, milagrosamente, havia se interessado por ela.

***
Lorde Manley reapareceu para a dança, ainda mais charmoso do que
era minutos antes, quando conheceu Lucille na mesa de petiscos. A quase-
não-tão-jovem solteira sentiu como se nunca houvesse valsado com um
homem em toda sua vida. Adorava dançar e o fazia muito bem – modéstia à
parte. Mas Michael estava interessado nela, pelo que parecia, e ela nunca
teve de impressionar seus parceiros de dança.
Lucille tinha de colocar em prática todo o charme que aprendeu a ter
nas aulas com as mais variadas tutoras antes de debutar. Não funcionou
antes, mas funcionaria naquele momento. Uma conversa bem-humorada
deveria ser o suficiente, desde que não falasse de assuntos inapropriados,
como malária e casamentos inter-raciais. O conde estava interessado, então
não havia nada de enfadonho nela, o que dava à moça certa coragem para
flertar com ele. Bastava ser ela mesma. Magra, morena e de seios pequenos.
Ela respirou fundo. Era uma dama, por favor. Tinha de se portar
como uma lady, não uma jovenzinha franzina e de pouca confiança.
Michael retornou assim que a banda indicou o início da valsa. Ele
saudou Lucille com um sorriso discreto e uma mesura educada, estendendo
a mão para a jovem, que a segurou. Apesar de suas luvas, ela podia sentir o
calor da mão dele segurando a sua com tanta delicadeza.
Olharam-se quando a banda começou e Lucille sentiu como se as
únicas coisas existentes fossem os olhos verdes do conde. Sua mão
repousava no ombro dele e a mão de Michael a segurava pela cintura,
emanando seu calor pela musselina branca do vestido esvoaçante dela.
Encaixavam-se tão lindamente, ela não conseguia resistir em tão pouco
tempo.
— Como é o Oriente, Lorde Manley? — Lucille quebrou o silêncio
enquanto giravam pelo salão.
Muito bem, Lucy. Havia iniciado uma conversa de modo civilizado,
sem se atropelar em várias palavras.
— Exótico é o único adjetivo que consigo encontrar, madame.
— Tão exótico quanto aqui? — ela indagou, sutilmente indicando
uma senhorita que dançava com um cavalheiro. — Já viu o turbante daquela
dama?
Michael a girou, podendo averiguar o turbante de camurça marrom,
enfeitado por flores amarelas e com alguns cachos escapando
estrategicamente dos lados.
— Um tanto exótico, realmente.
— Está parecendo um kiwi bem peludo — Lucille sussurrou e
Michael quase caiu na gargalhada. — Sei que não devo comentar esse tipo
de coisa, ainda mais com o senhor, mas estava me incomodando desde que
cheguei aqui. Certas pessoas não têm um bom senso de moda.
— Ela deve estar se sentindo bela com aquele kiwi — Michael
respondeu, abrindo um sorriso discreto para Lucille. — Isso é o que
importa, certo? Sentir-se bem com o que tem.
— Realmente, meu senhor. — A jovem aquiesceu, brevemente
olhando sua mão repousada na dele de forma bastante melancólica. —
Temos que nos sentir bem com o que somos… A p-propósito, os indianos
gostam de dançar?
— Como ninguém — ele disse, com entusiasmo, afastando-se de
Lucille durante alguns passos e se unindo novamente a ela. — Confesso que
a dança deles é mais interessante, repleta de movimentos cheios de
significados. Há uma grande atenção para os pés e as mãos. As mulheres
gostam de mostrar os pés, sempre enfeitados com tornozeleiras e desenhos.
— Quanta ousadia — Lucille murmurou, surpresa. — Deve ser um
lugar interessantíssimo, Lorde Manley. Gostaria de poder visitar o resto do
mundo, mas o mais longe que fui foi até a nossa residência em Kent.
— Haverá a chance de a senhorita conhecer o mundo. Pode começar
pela Escócia, o que acha?
— Ah, não. Quero ir para muito longe e ver todo o tipo de gente —
Lucille disse, com as sobrancelhas franzidas em desacordo. — Fazer
compras e ir a festas no exterior. A Escócia é logo ali, que graça tem? Eu
nunca fui, na verdade, mas ouvi dizer que os homens andam de saia e com
os joelhos à mostra. Os joelhos, Lorde Manley… Uma pouca-vergonha.
Michael soltou um riso discreto diante daquela adorável moça, que
parecia gostar bastante de conversar. Lucille falava como ninguém, como se
fosse a primeira vez que alguém parou para ouvi-la e ela possuísse um
arquivo imenso de assuntos a escolher.
Malária, turbantes, joelhos de escoceses.
— Talvez um dia eu a leve até a Índia, Srta. Mildenhall.
Antes que ela pudesse responder à ousadia, a música terminou e o
casal teve de se afastar a mando da modéstia. Reverenciaram um ao outro
antes de Michael oferecer o braço para Lucille.
Caminharam poucos passos na direção do cunhado mais velho dela,
que conversava com alguns amigos parlamentares. Mas, no meio do
caminho, Michael virou para a esquerda em direção às longas portas
francesas que davam para o jardim. Lucille prendeu a respiração. Não por
temor, mas por ansiedade. Bom Deus, agora sim ela seria uma debutante de
verdade. Dançou com um homem com quem flertou e agora iriam para os
jardins.
Lucille não tinha tanto conhecimento sobre as escapadas de um par,
mas sabia que o primeiro beijo de uma jovem acontecia em momentos
como aquele.
Ela engoliu em seco, umedecendo os lábios e não olhando para trás
enquanto ia com Michael até a porta, deixando o salão lotado. Se algum dos
cunhados a visse, ela estaria encrencada com o visconde. Pior, se alguma
fofoqueira a visse, ela estaria arruinada em cada bendito tabloide londrino.
O cheiro das flores invadiu seus sentidos e a escuridão da noite
cercou os dois, fazendo com que Lucy esquecesse todas as hipóteses
desastrosas que apareciam junto de um encontro romântico. Michael a
levou até o peitoril de pedra, afastados da luz que emanava das portas
francesas.
— Srta. Mildenhall — Michael disse, baixo, segurando as mãos
enluvadas e trêmulas de Lucille perto de seu rosto —, preciso lhe confessar
algo.
— D-Diga, meu lorde — ela sussurrou, acostumando-se com o
escuro e enxergando melhor o rosto dele.
Michael assentiu, beijando o nó dos dedos de Lucille e tocando seu
rosto com a mão dela . Aquilo era íntimo demais, ousado demais.
— Já faz duas semanas que retornei da Índia e que a tenho visto
pelos eventos. Nunca encontrei uma moça tão encantadora e bela como a
senhorita, mas apenas hoje eu tive a chance de tirá-la para dançar, estive
ocupado demais conversando com amigos nos últimos dias.
Ela assentiu rapidamente, ainda tomando coragem para tocar o rosto
de Michael.
— Gostaria de fazer a sua corte, Srta. Mildenhall. Conhecê-la
melhor — Michael disse. — Se a senhorita desejar, é claro. E se seu pai
permitir.
— C-Claro— Lucille disse, antes de poder pensar. Ela não pôde
controlar um sorriso enorme por finalmente receber a corte de um homem.
— E-Eu adoraria, Lorde Manley.
— Michael, por favor — ele pediu, em um sussurro, puxando
Lucille para perto. — Apenas Michael.
— Michael — ela repetiu, assentindo devagar e sentindo o coração
inexperiente disparar em seu peito. — E o senhor pode me chamar de Lucy.
— Lucy é adorável. — Michael aquiesceu e tocou o rosto quente de
Lucille, diminuindo ainda mais a distância entre os dois.
Ela fechou os olhos, prendendo a respiração, mas sentindo seus
músculos relaxarem assim que os lábios de Michael tocaram os seus.
Michael percebeu o estupor de Lucille, era o seu primeiro beijo.
Gentilmente, ele provou dos lábios dela, mostrando-lhe do que um beijo
poderia ser feito. Ela, então, o beijou, correspondendo ao ato quando sua
mão acanhadamente tocou a manga do paletó vermelho dele, apertando seu
cotovelo em um gesto de êxtase diante do encontro. Lucille estava nas
nuvens, seu coração disparado e as pernas bambas, embebida naquela
sensação de finalmente beijar um homem que estava interessado nela.
A cada afago em seus lábios, ouvia um suspiro apaixonado dela, que
se derreteu ainda mais. E então ela o acompanhou, beijando-o inteiramente,
deixando que ele a envolvesse em seus braços e transformasse o beijo em
um carinho mais profundo e íntimo.
Ele a segurava em seus braços, passando seus lábios para a
bochecha macia dela, onde parou e beijou o rosto apaixonado de Lucille. A
moça sentia a respiração suave de Michael em seu rosto, os lábios
deslizando sobre sua pele e percorrendo um caminho vagaroso até voltar
para os seus lábios e beijá-la novamente. Afastaram-se para tomar ar; ela
agradeceu pela pouca luminosidade que o impediu de ver o rubor intenso
em seu rosto, que delatava toda sua ingenuidade.
— Acho que essa será a última vez que terei de retornar à Índia,
madame.
Mal sabia Lucy que aquela promessa ecoaria na sua cabeça por
vários e vários meses. E depois por anos.
Capítulo 1
1815, Londres

… Estou ansioso para vê-la após tanto tempo, felizmente não terá
de cuidar de um futuro marido acometido pela malária. Estou
perfeitamente saudável como sempre, minha querida. A chegada está
prevista para agosto e finalmente poderemos começar os preparativos do
nosso noivado, oficialmente. Como minha mãe é meu único familiar vivo,
tenho mais que certeza de que ela ficará feliz de acompanhá-la durante a
compra do enxoval.
Esta é minha última correspondência antes de partir no próximo
mês, Lucy. Espero que não demore muitos meses até nos vermos novamente,
reze para que os ventos sejam fortes.
Com carinho,
Michael.

— Será que Michael vai gostar desse para o nosso jantar de


noivado? Temos que mostrar a todos como podemos arcar com os gastos.
Tem de ser um baile e tanto, mamãe. Todos têm de ver que podemos pagar.
Lucille rodou, olhando seu reflexo no espelho comprido do salão de
provas da modista. Deslizou as mãos pelo vestido branco que caía além do
tablado e tombou a cabeça para o lado em indagação. Olhou os abacaxis
bordados ao longo da cauda e nas mangas do vestido e se examinou mais
uma vez.
A roupa era puro luxuoso e requintado, mas branco como a sua
virgindade. Se pudesse, ela colocaria um abacaxi em cima da cabeça, para
que todo mundo visse que tinha dinheiro suficiente para o que quisesse.
Michael estava na Índia há dois anos e cinco meses, permanecendo
em um namoro unicamente epistolar com Lucy. O casal trocava cartas
sempre que os ventos permitiam, mantendo uma relação à distância.
Contudo, os seis meses que ficaram juntos em Londres viviam aquecidos no
coração de Lucille. Todos aqueles bailes, saraus e passeios de cabriolé com
o seu conde, ouvindo as fofoqueiras falarem sobre como a quase solteirona
rapidamente foi prometida a um bom pretendente. É claro que era bom,
Michael era perfeito. Os últimos dois anos e meio foram os melhores para
Lucy, ela havia passado cada dia planejando sua vida após o casamento.
Nada poderia dar errado.
Agora, restavam apenas dois meses para Michael desembarcar e
Lucille nunca se sentiu tão ansiosa em sua vida. Mal via a hora de cair em
seus braços e beijá-lo como não fazia há muito tempo.
— Está ótimo, meu bem — Clarisse disse, com um sorriso
orgulhoso, sacudindo seu leque lentamente. — Michael ficará satisfeito e
muito orgulhoso.
— Parece que não o vejo há muitos mais anos… Meus seios
aumentaram, não acha?
A modista engoliu uma risadinha, balançando a cabeça e indo
averiguar as agulhas em seu pulso, assim que a viscondessa lhe direcionou
um olhar com as sobrancelhas morenas erguidas.
— Lucille, os seios crescem até certa idade — a mãe sussurrou,
constrangida. — E não fale sobre essas coisas em público.
— Então eu ainda tenho chance. — Lucy virou-se de lado e olhou o
pequeno volume de seus seios que escapava pelo decote alto do vestido. —
A senhora não pode subir um pouco, Madame Devereux?
— A senhorita já passou dessa idade, madame — a modista francesa
se intrometeu, puxando o decote do vestido de Lucy para cima. — Até os
dezoito, no máximo. E se eu subir mais ficará parecendo uma rameira
oferecida, coisa que a senhorita não é.
— Tudo bem, então… — ela disse, a contragosto, olhando-se no
espelho uma outra vez. — Logo mais Michael chega e eu não serei mais
uma solteirona. Pensam que ele me esqueceu aqui, fofoqueiras burras. Logo
eu estarei casada e serei uma condessa maravilhosa. Condessa e esposa de
um capitão.
— O casamento é um desafio, minha querida, prepare-se e não o
veja só como um mar de rosas — Clarisse comentou, olhando um chapéu
repleto de plumas e o experimentando em si mesma. — Já terminou, Lucy?
Seu pai está nos esperando para o almoço.
Lucille assentiu, dando uma última olhada no espelho e agradecendo
à modista pelo ótimo trabalho, enfatizando que era uma pena o fato de o
decote permanecer daquela forma. A francesa lhe lançou uma piscadela e
Lucille soube que a mulher atenderia seu pedido e lhe daria um lindo
decote.
As duas senhoras de Kent entraram na carruagem abarrotada de
compras. Depois que Lucille cresceu e debutou, Lady Mildenhall não
deixava de levá-la para as compras em Mayfair sempre que tinham tempo
livre. Quando Lucy se unisse a Michael, Joanna seria sua próxima
companhia.
Lucille sabia que sentiria saudades da movimentação e da
quantidade de lojas visitadas quando fosse para a propriedade dos Manley
em Oxford. Mas, por Michael, ela deixaria todas as suas futilidades
londrinas de lado e viveria feliz com ele. E teriam muitos filhos, Lucille
adorava crianças e se imaginava sendo mãe de muitas delas, loiras como
seu querido conde.
Ela sorriu sozinha, olhando pela janela e mal dando ouvidos ao
falatório da mãe sobre algum jantar na casa de alguém. Lucille só pensava
que logo veria Michael, no quão bonito ele deveria estar e se ele a acharia
mais encantadora depois de dois anos e meio. Lucy não era mais uma
debutante esquecida: havia se tornado uma jovem mulher e se sentia mais
que pronta para casar. É claro que ela já estava em uma idade um tanto
avançada em comparação as suas amigas, que já estavam casadas há, pelo
menos, quatro anos e tinham ao menos um filho – ou filha, para as mais
desafortunadas.
A carruagem parou antes que Lucille pudesse perceber que haviam
chegado em casa. Um lacaio a ajudou a descer do veículo e a levar as caixas
de presentes para dentro da mansão.
Apesar dos dois meses que ainda restavam e de um noivado não-
oficial, Lucille já estava comprando o que podia para o enxoval. Começara
com os trajes íntimos, camisolas de seda e meias bordadas. Certamente,
estava muito ansiosa, sensação somada ao desejo de ser íntima de Michael.
Aquilo os faria ser uma unidade apaixonada diante de todos que riram da
solteirice de Lucy.
— Mãe! — Joanna veio correndo escada abaixo, indo de encontro
às duas mulheres no vestíbulo. — Tem um homem esquisito com o papai no
escritório.
— Já lhe disse para não ouvir as conversas do seu pai — Clarisse
disse, severa.
— Mas eles estão falando da Lucy, não das dívidas do papai.
— De mim? — Lucille uniu as sobrancelhas, terminando de tirar as
luvas e as entregando para a camareira gorducha chamada Gwen. — Como
é esse homem? Será que Michael já chegou?
— Não é o Lorde Manley. — Joanna balançou a cabeça
exageradamente e seus cachos castanhos foram juntos, quase desfazendo o
penteado. — Ele é enorme, o maior homem que eu já vi na minha vida
inteira. E tem uma bengala desse tamanho com um diamante na ponta! Ele
deve ser o homem mais rico do mundo.
— Joanna, já não lhe falei sobre comentar essas coisas? — a
viscondessa disse, severa. — Pare de ouvir a conversa dos outros. Agora
suba e vá se trocar para o almoço, Joanna.
— M-Mas o homem…
— Joanna!
A garota bufou de forma nada elegante e cruzou os braços, subindo
a escadaria em passadas pesadas e birrentas.
— É por isso que crianças não devem fazer as refeições com os
adultos, mamãe — Lucy disse, com sabedoria. — Dizem uma porção de
bobagens.
Clarisse deu um muxoxo tristonho e balançou os ombros um tanto
despreocupada.
— Quando tiver seus filhos, vai sentir pena de deixá-los comendo
no quarto.
— Não me lembro de ter comido com os adultos até virar uma moça
— Lucy retrucou, subindo as escadarias junto da mãe.
A viscondessa escondeu um riso com o leque fechado.
— Com licença, madame. — Travor, o mordomo, sutilmente
ganhou a atenção de Clarisse. — O visconde as deseja no escritório
imediatamente.
Mãe e filha se entreolharam, arrependendo-se na hora de terem
expulsado a pequena informante, Joanna.

***

Lorde Mildenhall parecia muito nervoso e inquieto quando sua filha


e sua esposa adentraram o escritório bem arejado, embora aquela fosse uma
visão recorrente do homem. Ele apertou o lenço em seu pescoço,
sufocando-se de ansiedade, e olhou de relance para o seu convidado, que
Lucille e Clarisse notaram logo. Um homem alto, cerca de 1,85, cabelos
ruivos e ondulados, presos na altura da nuca e acompanhados de costeletas
bem-feitas e curtas. Ele era forte de verdade, Lucille notou pelo casaco
negro bem alinhado ao contorno de seus músculos. Se ele quisesse,
quebrava o visconde em mil pedacinhos.
O convidado passou o peso de um pé para o outro, apoiando-se em
sua bengala com uma escandalosa ponta de diamante – tal como apontara
Joanna. Ele se virou e Lucille engoliu em seco imediatamente,
empertigando-se como um mecanismo de defesa.
Seus olhos eram de um azul tão claro e frio que causaram calafrios
em Lucy. O rosto era forte, sério e a pele era bronzeada nas bochechas duras
e extremamente sardentas. Os cílios ruivos e espessos pareciam fazer seus
olhos se tornarem ainda mais expressivos e assustadores. Apesar da postura
imponente e um tanto intimidadora, ele era um homem bonito e elegante a
sua maneira. Lucille nunca o havia visto na vida, mas, pela qualidade das
roupas e o valor de sua bengala, ele só poderia ser um dos seus.
Aristocratas.
E um dos mais ricos.
— Este é o Duque de Devonshire, Lorde Chatham. — John indicou
o homem enorme e Lucille não pôde deixar de notar o tremor nas mãos do
pai.
Ela sabia o que o visconde era: um viciado em jogos. Seu pai
gostava de ir aos cassinos de Londres e gastar mais do que o necessário em
apostas. Sempre havia alguém com quem ele deveria quitar a dívida e, por
sorte, John Mildenhall sempre teve dinheiro para pagar. Mas, naquela tarde,
o pobre homem parecia não ter dinheiro nenhum e os cabelos estavam
muito mais grisalhos, misturando-se aos fios dourados.
Lucille juntou as informações: o duque era famoso em Londres,
embora visto poucas vezes nos últimos sete anos e nunca por ela – desde
que a mãe morrera, diziam por aí, ele vivia isolado da civilização na
propriedade dos Chatham, em Derbyshire, acumulando hábitos
questionáveis e preocupantes. Lucy também sabia que ele era dono de um
dos cassinos mais famosos e obscuros da cidade por herança do pai, mas
que ele nunca tirava satisfações com os devedores – havia funcionários para
isso. Nunca o vira, não sabia quem era, de onde vinha e nem o que fazia
além de ser rico. Ele era chamado nas esquinas e nos sussurros dos bailes de
“O Duque Louco”, sabe-se lá o porquê. Lucy ouvia dizer que o misterioso
Duque Louco endoidara depois do falecimento dos pais.
Mas aquele homem na sua frente não tinha cara de louco. Parecia
um homem muito ciente de si mesmo e de seus arredores.
— Vossa Graça — Clarisse o reverenciou e rapidamente Lucille fez
o mesmo —, é uma honra recebê-lo aqui.
— Creio que não seja uma alegria para o marido da senhora, Lady
Mildenhall. — A voz dele era grave e firme. — Essa é a sua filha mais
velha?
— A que está solteira, Vossa Graça. Minha filha, Srta. Lucille
Mildenhall.
Lorde Chatham virou o rosto e encarou Lucille com aqueles olhos
gelados. Averiguou de cima a baixo, pigarreou e arrumou sua bengala.
— Ouvir dizer que ela está ultrapassada — ele comentou, antes de
olhá-la por tempo demais. — Que já está velha.
— Eu estou esperando o meu noivo retornar do Oriente, meu lorde
— Lucille saiu em sua defesa rapidamente, sua antipatia por aquele sujeito
fora instantânea. — Se eu estou velha, imagine o senhor.
Não importava o quão tolo seu pai fosse dentro de um cassino,
Lucille não gostava quando os cobradores feriam a honra dele em sua
própria casa. O homem era um viciado sem controle, não sabia o que fazia.
— Ela tem noivo? — O duque ergueu uma das sobrancelhas grossas
e olhou para John. — Você não me falou sobre isso.
— Não é oficial — John respondeu, nervoso, enquanto tocava os
botões do colete branco. — Ele fez a corte, mas não fez o pedido para mim.
Namoram por cartas.
Lucille resfolegou surpresa e olhou para sua mãe. A mulher deu um
passo à frente, olhando enfezada para o marido.
— Permitiu que sua filha namorasse um homem por anos? — o
duque indagou, jocoso. — Devo confiar na índole dela?
Lucille abriu a boca em um grande O, mas o pai saiu em sua defesa:
— Lorde Chatham, minha filha é a moça mais apropriada que
conhecerá. Não há jovem mais refinada, gentil e educada.
— O que está havendo aqui, afinal de contas? — Clarisse
perguntou, em um tom firme.
— O visconde tem uma dívida a quitar e eu vim resolver — Lorde
Chatham disse, calmo, mas seu rosto ainda estava duro como uma rocha
quando se virou na direção de Clarisse. — A senhora gostaria de saber o
valor, madame?
Ela olhou de soslaio para o marido, que suava nervoso e apertava
um lencinho entre os dedos.
— Diga, Vossa Graça.
Chatham assentiu, bastante cortês, levou a mão ao bolso interno do
paletó negro e tirou de lá um papel repleto de cláusulas.
— Cem mil libras, esquecidas durante vinte e cinco anos.
Lucille ficou boquiaberta e Clarisse se tornou vermelha de irritação.
Ainda que muito controlada, ela olhou para o marido, que não tirou os olhos
dela. A viscondessa pegou o papel das mãos do duque e o leu com uma
calma controlada.
Cem mil libras! Quem no mundo tinha aquele dinheiro todo?
Aquele duque gigantesco, talvez. Ou provavelmente só a rainha!
— Não podemos pagar por isso, Vossa Graça — ela explicou, ereta
e com as mãos unidas frente ao corpo. — Iríamos à falência caso isso
acontecesse. Tudo o que nos restaria seria essa casa. O que temos em Kent
está desvalorizado.
— Era o que estávamos conversando. — Chatham puxou a cadeira
de frente para a mesa larga do visconde e se sentou com a bengala
repousada sobre as pernas. — Chegamos a um acordo que me fará quitar a
dívida e esquecê-la eternamente. Seu prestimoso marido será bem-vindo no
meu cassino novamente.
Vagarosamente, John se sentou em sua cadeira, alisando os cabelos
grisalhos e pigarreando, nervoso.
— Que acordo? — Lucille perguntou antes da mãe.
Chatham se demorou a falar, passou alguns segundos olhando para o
visconde enquanto guardava o documento em seu bolso.
— Quitarei a dívida se a senhorita se tornar a minha duquesa, Srta.
Mildenhall. E parir um herdeiro. Talvez dois, caso um deles morra.
Ela resfolegou, horrorizada.
— Jamais farei isso! — a jovem exclamou, olhando assustada para o
pai impotente. — Pai, o senhor me prometeu ao Michael!
John abaixou a cabeça, transtornado e envergonhado.
— Mãe, isso não pode acontecer! — Lucy olhou com urgência para
a mãe e lhe segurou as mãos. — Mãe, eu e-estou esperando pelo Michael.
Não posso me casar com outro homem. Não podem me barganhar como um
animal!
— Vossa Graça, minha filha tem um compromisso com o Conde de
Oxford há anos — Clarisse, que ainda se mantinha sã, interveio. — O
pedido não foi oficializado, mas toda a sociedade sabe sobre os dois.
— Oxford? — Chatham ficou sutilmente surpreso e abriu um
sorriso enviesado e jocoso. — Pensei que ele não gostasse de mulheres. O
Sr. Perfeito…
— N-Não fale assim dele — Lucille defendeu Michael, virando-se
para Chatham e o olhando furiosamente. — O senhor não tem esse direito.
O duque assentiu um tanto impaciente e se levantou, voltando a ser
uma presença enorme e imponente na sala.
— Imagino o quão abaladas as senhoras estejam com essa notícia.
— Ele arrumou a cartola em seus cabelos. — Voltarei amanhã à noite e
espero que tenham escolhido o mais sensato a se fazer. Com licença,
senhoras.

***

— John, como pôde? — Clarisse exclamou, devastada, empurrando


o marido contra o sofá marrom do escritório. — Cem mil libras! Escondeu-
me isso por vinte e cinco anos!
— Eu não imaginava que acumularia tanto… Eu pensei que ela
tivesse sido esquecida… Vincent era meu amigo.
— Vincent morreu há anos, John!
John abaixou a cabeça, humilhado demais para olhar nos olhos
molhados da esposa. Muito menos encarar a filha aos prantos na cadeira da
escrivaninha.
— Você vendeu a nossa filha, John — a viscondessa sussurrou,
chorosa, segurando o rosto dele e o levantando. — Vendeu-a para aquele
homem?
— Eu não a vendi. Chatham sugeriu isso e eu falei que Lucille quem
deveria decidir — ele disse, baixo, levantando-se e se abaixando na frente
da filha. — Você ainda pode se casar com o Michael, minha querida. Eu
não vou chantageá-la, você é adulta e sabe discernir as coisas. O duque
apenas fez uma proposta, eu ainda tenho a opção de pagar.
Lucille secou os olhos, olhando para as mãos de seu pai em seu
colo. John parecia anos mais velho e mais cansado. Os olhos estavam
vermelhos e ela sabia que o pai lutava contra o próprio orgulho para não
chorar de vergonha.
— Não podemos pagar a dívida e pedir ajuda? Charles e James
podem nos ajudar. E-Eu me casarei com o Michael, Mary e Amélia vivem
com os maridos e e-está tudo bem com elas, o senhor e a mamãe só
precisam se preocupar com Joanna. N-Não podemos pagar a dívida?
— Não seja tola, Lucille — Clarisse resfolegou e secou suas
bochechas, levantando-se e andando pelo escritório. — Se pagarmos e
ficarmos falidos, será a ruína da nossa família inteira. Joanna não vai
arrumar nenhum marido, nenhum convite para os bailes, nada! Ficaremos
arruinados socialmente… Mary e Amélia também, as filhas delas, quando
debutarem, serão ignoradas. Todos!
Lucille sabia que aquilo era verdade. A sombra do pecado de seu pai
cairia sobre a família, principalmente sobre as meninas. Joanna, que
debutaria em seis anos, e as sobrinhas, que ainda eram muito novas, mas
sem proteção contra o julgamento alheio. Seus sobrinhos teriam mais
chances de casamento, mas não com as melhores senhoritas da temporada.
Se o destino fosse bom, Londres esqueceria aquele assunto e as crianças
mais pequeninas teriam chances no futuro.
Se pagassem a dívida quilométrica, tudo o que lhes restaria seria
aquela casa em Londres, no meio de todos os olhares dos vizinhos, na ruína
social. Poderiam vender a casa e voltar à Kent, conseguir uma propriedade
pequena, mas viver às escondidas seria ainda mais humilhante.
Principalmente sem seu lar ancestral fora de Londres. Eles viveriam
confortáveis graças ao seu casamento com Michael e ao matrimônio de
duas irmãs que tinham suas próprias vidas e dinheiro. Mas o peso da
exclusão seria grande demais e a infelicidade que cairia sobre sua mãe não
seria maior que a vergonha de seu pai.
Os Mildenhall tinham certa fortuna, certamente nada exorbitante
demais por conta dos gastos que John os fazia ter: algumas apostas que ele
precisava pagar, mil libras aqui, quinhentas acolá. Gostava de apostar alto
porque apreciava de ser um visconde rico.
Lucille frequentemente ouvia os pais discutindo por conta dos
cassinos, embora os dois se amassem demasiadamente. John tinha plena
consciência de seus problemas de jogo, mas isso não significava que ele
tinha domínio sobre os seus desejos.
— O que a mãe do Michael vai pensar? — Clarisse olhou para o
teto em um gesto de desespero. — O que Michael vai pensar, John?!
— Eu gostaria de me retirar — Lucille disse, baixo, levantando-se
junto do pai. — Eu vou pensar…
— Perdoe-me, Lucy… — John a abraçou, afagando os cabelos
castanhos da filha. — Faça o que quiser, minha querida. Não se preocupe
com o seu pai tolo.
Ela assentiu, afastando-se do abraço e saindo do escritório em
passos mórbidos e silenciosos. Seu pai lhe pedia algo que ele mesmo não
queria, ela sabia.

***

Lucille abriu a gaveta de sua escrivaninha e pegou o bolo de cartas que


ali ela guardava. Tirou a fita azul que as unia e folheou todas as mensagens
de Michael: algumas tinham duas páginas completas em letras miúdas
contando seus dias na Índia; outras eram curtas por ele estar ocupado
demais. Mas todas eram repletas de detalhes sobre o dia a dia dele.
Ela as leu fielmente, pela milésima vez. Nunca haviam jurado amor
um ao outro, mas o carinho que transbordava das palavras que trocavam era
o bastante para fazê-la crer que não sentiria por nenhum outro homem
aquilo que sentia por Michael. Ele fora o primeiro a notá-la quando Lucille
não conseguia mais achar graça em si mesma.
Jamais o trocaria por outro homem.
Quando uma lágrima pingou sobre o papel e manchou uma palavra,
Lucy se afastou de suas cartas imediatamente, temendo perder as juras que
lhe foram feitas. Levou-as ao peito, fechando os olhos e pensando no rosto
de seu amado Michael. O rosto de um homem dois anos e meio mais novo.
O rosto do primeiro homem que a olhou para além de um dote baixo
e falido.
— Desculpe-me, meu querido… — ela sussurrou, beijando as cartas
e as guardando na gaveta. — Desculpe-me.
Lucy se levantou, respirando fundo e secando os olhos. A pulseira
fina com um pequeno pingente de diamante que Michael lhe dera antes de ir
continuava em seu pulso e de lá ela não sairia jamais. Tocou a pequena joia
com a ponta dos dedos, sentando-se na cama e olhando o próprio reflexo no
espelho no canto do quarto.
Era uma Mildenhall, a família com quatro filhas inteligentes e
íntegras. Respeitadas na sociedade. Todos sabiam que John tinha seus
problemas com jogatinas; contudo, respeitavam aquelas mulheres. Agora
parecia que tudo estava nas mãos dela, já que Joanna era uma criança e ela
jamais a entregaria nas mãos daquele duque odioso.
Lucille respirou fundo mais uma vez e se pôs de pé frente ao
espelho. Empertigou-se, arrumando seus cabelos e alisando o vestido.
Estava a um fio de se desesperar e se jogar na cama. Tudo estava
acontecendo rápido demais; em um momento estava comprando um vestido
de noivado e, no outro, havia um homem praticamente reivindicando sua
mão como se ela fosse uma vaca no leilão.
Com muito custo, ela conseguiu se mover e sair do quarto, descendo
a escadaria com a graça que sempre teve. Muito tensa e ereta, porém.
Quando entrou na sala de jantar para o almoço, apenas Joanna estava à
mesa, atacando um pedaço de pernil sem nenhuma cerimônia.
— Onde estão papai e mamãe? — ela perguntou, assim que viu a
irmã mais velha, conseguindo usar o guardanapo educadamente.
— Conversando.
— Devem estar fazendo coisas.
Lucille arregalou os olhos e olhou surpresa para a irmã.
— Você sabe que coisas são essas, por acaso?
— Você sabe?
Os lacaios ao redor da sala continuavam empertigados em suas
posições, mas Lucille sabia que os mais jovens estavam controlando o riso
diante das ousadias da pequena Srta. Joanna.
Ela pigarreou, constrangida, e disse baixo:
— Não... — Lucy foi sincera.
— Eu também não sei, mas os adultos devem fazer coisas. É o que
dizem por aí.
Lucille conseguiu rir, apesar do clima que pairava sobre ela. Joanna
era uma menina excêntrica, com certeza o homem que se casasse com ela
quando fosse crescida teria conversas curiosas.
— Você vai assustar todos os homens quando debutar se falar esse
tipo de coisa para eles.
— Eu espero que sim. — Joanna catou as ervilhas do prato e as
deixou de lado meticulosamente. — Não gosto dos meninos, eles são
nojentos.
— Você vai gostar quando crescer — Lucille disse, com calma. —
Depois de crescidos, os meninos param com as porcarias.
— Aquele homem que estava com o papai tem cara de nojento. —
A menina franziu o nariz. — Como os vilões que andam em um cavalo
negro e de patas peludas. Aposto que o cavalo dele é assim e, ainda por
cima, deve andar numa carruagem de fogo.
— Quanta criatividade — Lucy murmurou, percebendo que estava
sem apetite assim que um dos criados lhe serviu a comida.
Um silêncio confortável pairou sobre as duas. Joanna deixou todas
as ervilhas de lado e Lucille mal comeu o que havia no seu prato.
— O que aquele homem queria com o papai? — Joanna perguntou,
curiosa.
— Cobrar uma dívida.
— Outra? — Ela ergueu as sobrancelhas e tomou um golinho de
suco. — O papai pagou dessa vez? A mamãe deve estar uma fera com ele…
— Pagou — Lucille assentiu, deixando o resto da comida de lado.
— Não se preocupe, Anna. Vai ficar tudo bem.
A menina aquiesceu, bastante confusa com o tom melancólico da
irmã.
— Não estou me sentindo bem, vou me deitar um pouco. Avise ao
papai e à mamãe, está bem?
— Sim, Lucy… — Joanna a observou deixar a sala em passos
rápidos.

***

Condessa de Oxford era o tipo de coisa que Lucille queria ouvir


desde os vinte anos. A condessa de Oxford, amada pelo marido e pelos
filhos. Andando pela St. James e comprando um vestido novo para ir ao
jantar na casa de sua irmã Amélia, casada com um importante duque. Um
duque muito gentil e amável, diferentemente do duque que aparecera em
sua casa.
Lucy e Michael haviam estipulado que quatro filhos seriam o
bastante para terem uma casa feliz, mas Lucille se sentia muito inexperiente
quando esse assunto vinha à tona. Ela sabia cuidar de crianças, é claro. Mas
não sabia como era concebê-las.
Michael nunca fizera nada além de beijá-la e nunca demonstrou
interesse em querer arruinar sua namorada em algum cantinho dos salões,
como Lucille desejava que ele fizesse. Logicamente, ela jamais expressou
esse desejo para ele: Michael sempre se mostrou ser um homem muito
respeitoso e, com certeza, ficaria assustado ao ouvir de sua namorada que
ela gostaria que ele lhe ensinasse sobre os segredos dos amantes.
Ela pouco sabia sobre o que acontecia entre um casal, nada além da
informação básica que qualquer pessoa ganha ao observar animais
copulando. Lucille tinha um conhecimento embasado em animais de
fazenda e nada daquilo lhe parecia agradável de se fazer. Quando ia à Kent,
aproveitava para observá-los, mas sempre saía horrorizada e enojada.
Michael era um homem carinhoso e cuidadoso, Lucille imaginava
que não seria de tanto sofrimento quando ele a deflorasse e que haveria
muito amor no ato. Mas a imagem do odioso Lorde Chatham a fazia
estremecer. Ele queria um herdeiro e eles teriam de providenciar um. Lucy
não desejava ser como um animal de fazenda, ainda mais porque o duque se
assemelhava bastante a algum tipo de touro. Ou um orangotango. Por sorte,
a moça nunca se atreveu a olhar as partes dos animais ou ficaria ainda mais
repugnada.
Talvez, se ela contasse tudo a Michael, eles poderiam ser amantes às
escondidas. Todo mundo fazia aquilo, ela sabia. A mãe de sua amiga
Ângela era amante do amigo do marido e todos tinham conhecimento do
fato, menos o cônjuge, coitado. Mas ele também tinha as suas mulheres, e
todo mundo sabia. Talvez Lucy poderia continuar com Michael e ser dele,
enquanto era apenas uma duquesa e mãe para outro homem.
Lorde Chatham não a queria por amor, queria para ter um maldito
herdeiro e provavelmente juntou o útil ao agradável ao ver os arquivos do
cassino e se deparar com a dívida astronômica de John. Cem mil libras por
uma virgem, uma bela barganha. Para um duque como ele, cem mil libras
era uma esmola. Para os Mildenhall, no entanto, era ouro puro.
Lucille não sentia raiva do pai, sentia pena do pobre homem tomado
pela vontade de jogar. Amava-o tanto, aquele homem tolo que sempre
cuidou dela e lhe deu amor. Não queria que o pai tivesse de encarar o fundo
do poço, por mais que o erro tivesse sido todo dele. Não queria que sua mãe
morresse de vergonha, escondida em Kent e longe de todos os eventos que
adorava ir. E não queria suas sobrinhas e sua irmãzinha mofando nos cantos
dos salões enquanto as outras debutantes giravam com belos pretendentes.
— Srta. Mildenhall.
Lucille saiu de seus devaneios imediatamente, olhando para o
reflexo de sua camareira através do espelho da penteadeira. Rapidamente,
ela secou suas bochechas e abriu um sorriso para a criada.
— A senhorita está se sentindo bem? — Gwen perguntou, cautelosa.
— Com todo o respeito, madame, mas me parece um tanto nauseada desde
a tardinha.
— E realmente estou. — Lucy suspirou e jogou os cabelos
castanhos para trás. — Mas estou bem, não se preocupe, Gwen.
A jovem camareira assentiu e começou a trançar os cabelos de
Lucille.
— Gwen, você conhece alguém em Derbyshire?
— Não, madame — ela respondeu, terminando a trança com um
laço apertado. — A senhorita está planejando ir até lá na lua de mel com o
Lorde Manley?
— E alguém passa a lua de mel nesse tipo de lugar? Não se costuma
ir a algum país sofisticado do continente?
A camareira deu de ombros e enrolou a ponta do indicador no
avental.
— Ouvir dizer que tem belas paisagens, madame…
Lucille assentiu e se levantou, desfazendo-se de seu robe marfim e o
entregando à Gwen. A camareira a olhava com uma preocupação
escancarada e Lucy não sabia se chorava no colo de sua criada ou se
continuava se escondendo.
Passara o dia todo evitando os pais e a irmã tagarela, não sabia se
conseguiria ficar tranquila por mais tempo. Ou pelo resto de sua vida como
a Duquesa de Devonshire.
— Sabe, Gwen…
— Sim, madame?
— Acho que vamos visitar Derbyshire. Eu e você.
— Oh, é mesmo, senhorita? — As bochechas de Gwen ficaram
ainda mais rosadas.
Lucille assentiu e se enfiou debaixo dos cobertores, dando um boa
noite baixinho e choroso para Gwen.
A camareira fechou as cortinas do dossel e deixou o quarto
silenciosamente.
E Lucy pensou sozinha no meio dos travesseiros até o amanhecer.
Capítulo 2
Na manhã seguinte, John tinha olheiras até a bochecha e Clarisse
estava murcha, nada parecida com a viscondessa orgulhosa que era. Lucy
passara a noite toda ponderando o que era melhor a se fazer e, inclusive,
havia traçado um plano para que ela e Michael jamais deixassem de ficar
juntos.
Era um plano imoral – muito imoral, mas os pais entenderiam. Os
dois sabiam como Michael era importante.
— Dormi tão bem quanto os senhores — Lucille disse baixinho ao
entrar no quarto dos pais, que a esperavam nas poltronas perto da lareira. —
Já tomei minha decisão.
O casal se projetou para frente e ambos seguraram na mão um do
outro.
Lucille sentiu um bolo se formar em sua garganta, mas não cedeu ao
desejo de fugir e esperar Michael chegar para que fossem embora viver em
qualquer outro lugar além daquele em que estava. Calmamente, ela se
sentou no pouso para pés e alisou o vestido como se estivesse sentada em
um trono. Era hora de ser uma mulher, não mais uma jovenzinha afobada
com um namorado ausente.
Mas por que sempre tinham de ser as mulheres a sair perdendo nas
histórias? Ela não se conformava.
— Casarei com o duque.
Clarisse exclamou horrorizada e caiu no ombro do marido, que a
abraçou, olhando entristecido para a filha. Humilhado e envergonhado.
— Farei isso porque o amo, papai. — Lucy abriu um sorriso
choroso para John e segurou em suas mãos. — Não quero que nada ruim
aconteça ao senhor e nem a ninguém da família. Eu ficarei bem. Tenho um
plano. Eu me casarei com um homem rico, nós não teremos mais que
economizar com o dote de Anna e eu continuarei feliz.
— Não, não… — Clarisse disse, com os olhos arregalados. — Você
não pode permitir isso, John! Lucy não pode se casar com aquele homem
estranho enquanto Michael está vindo desposá-la!
— Lucille, não precisa fazer isso por mim — o homem disse,
alarmado. — Eu sei que você gosta muito do Michael.
— Já decidi — ela afirmou, firme, e se levantou. — Falarei com
Michael quando ele chegar, vou contar a verdade e ele vai entender… Ele
não vai me deixar por isso, continuaremos juntos. Em segredo. Seremos
felizes.
Tudo parecia teoricamente perfeito, ela já lera uma porção
considerável de livros em que aquele arranjo acontecia com perfeita
harmonia.
Mas a vida não é como nos livros, embora Lucy quisesse piamente
acreditar que a sua poderia ser um conto de fadas. Na realidade, Lucy seria
tachada como uma mulher baixa diante de toda a sociedade e perderia
qualquer respeito que um casamento com um duque influente a fizesse ter.
— Seremos amantes e eu viverei separada do meu marido assim que
eu tiver um herdeiro.
Clarisse ficou boquiaberta por longos segundos antes de balançar a
cabeça em negação.
— Se descobrirem, irão difamá-la até o fim da sua vida, Lucille!
Isso não é certo!
— E o que acha que vão pensar quando me virem casada com
aquele duque que não dá as caras em Londres por sete anos, mãe? — ela
perguntou, olhando firme para os pais com seus olhos vermelhos e
cansados. — Que é por algo do papai, todos sabem do papai. E todos sabem
que o duque é o dono de um cassino. As pessoas não são burras… E-Elas
vão entender se eu e Michael nos tornarmos amantes, todos sabem que nos
gostamos.
Clarisse nada respondeu. Muito menos John.
Lucille começou a se envergonhar por ter insinuado ser amante de
Michael na frente de seu pai.
— P-Pai, eu e Michael… N-Nós nunca…
— Eu acredito em você. O duque vai chegar à noite e eu conversarei
com ele. — O homem ficou de pé, finalmente. — Para ter certeza de que
ele não irá maltratá-la, nem forçá-la aos deveres matrimoniais.
— Vou ficar bem, pai. — Lucy conseguiu abrir um sorriso
encorajador para o pai. — Só prometa para a mamãe que não irá mais fazer
apostas.
— Eu prometo — John disse, com urgência, indo até a esposa e a
segurando pelas mãos. — Eu prometo, querida. Prometo.
Clarisse choramingou impotente e abraçou o marido triste, beijando
a testa cansada do homem e chamando Lucille para unir-se a eles naquele
abraço.
— Aposto que Derbyshire tem muitas paisagens bonitas. — Lucy
abriu um sorriso e respirou fundo, com falsa confiança. — Um ótimo lugar.
A viscondessa balançou a cabeça em negação, cobrindo o rosto com
as mãos e voltando a abraçar o marido. Tudo ficaria bem, Lucille tinha de
crer. Seu plano de continuar com Michael não falharia. O duque não a
queria como Michael a queria. Com toda certeza, ele tinha suas amantes e
ficaria ocupado demais para vigiar a esposa.
Michael a amava, tudo daria certo.

***

Lorde Chatham encarava o jardim através das janelas da sala de


visitas, observando um passarinho empoleirado em um bebedouro. O
animalzinho bebericou a água e, em seguida, foi-se embora.
Tinha de ir embora para Derbyshire, sem demoras. Já estava em
Londres fazia quase duas semanas, sem contar com os dias de viagem até
lá. Mas parecia que aquele casamento seria mais complicado de acontecer
do que ele imaginou. Pouco se importava em fazer a corte de Lucille ou
avisar a todos que iria se casar. Queria mesmo arrumar uma licença, se
casar logo e ir embora de Londres.
“Quem diria que Oxford teria uma noiva?”, ele riu por dentro em
total descrença, olhando o próprio reflexo na janela.
— Boa noite, Vossa Graça.
Ele se virou, mas sem parecer muito exaltado. Cumprimentou
Lucille com um breve inclinar de cabeça e ela o reverenciou educadamente.
Fizera uma boa escolha, Lucy era uma dama de ótima estirpe, falava direito,
tinha classe e era bonita. Mais magra que a média, mas ainda era uma
jovem encantadora e com apenas dez anos de diferença.
E, é claro, tinha todos os dentes.
— O senhor ficará para o jantar?
— Não, obrigado — ele respondeu, lacônico, esperando Lucy se
sentar e arrumar a saia do vestido laranja.
Lorde Chatham colocou sua cartola sobre a mesa de centro e se
sentou na poltrona, ficando de frente para Lucille, mas ainda longe dela. O
nariz sardento da moça parecia ainda mais pintado e ele quis rir,
perguntando-se se aquilo tinha algo a ver com mudanças de humor. Aquela
garota estava irritada, embora tentasse se manter tranquila. Estava muito
ereta, as mãos firmes sobre o colo. Ele sabia fazer uma boa leitura corporal,
afinal, era dono de um cassino e nenhum blefe lhe escapava de uma boa
análise.
— Fico satisfeito que tenha escolhido o mais sensato a se fazer, Srta.
Mildenhall.
— Não há sensatez alguma em casar com o senhor, meu lorde —
Lucille retrucou, séria. — Estou fazendo isso pelo meu pai.
Ele assentiu, relaxando os braços na poltrona e abrindo as pernas de
forma nada formal e elegante.
— Todos sairemos ganhando, Srta. Mildenhall. Eu ganharei uma
esposa e você uma vida fora das dívidas do seu pai. Imagino que isso dará
um futuro melhor para sua irmã quando ela entrar na sociedade.
Lucy trincou os dentes. Como ele ousava insinuar sobre a vida
financeira do pai? Lucy amava sua família, mesmo que vivessem
economizando como pessoas normais e não aristocratas de sangue azul.
— Gosto da vida que tenho, meu lorde. Com dinheiro ou não.
O duque anuiu, pensativo, enquanto coçava a sobrancelha
lentamente.
— Eu gostaria de saber se poderei vir a Londres visitar minha
família. — Lucille mudou o assunto para outro mais desagradável ainda. —
E se eles poderão me visitar.
— Srta. Mildenhall, eu não a manterei em um cárcere. A senhorita
pode ir e vir quando quiser, desde que isso não termine na sua ruína e na
desgraça do nome da minha família. Venho a Londres algumas vezes para
ver a quantas o cassino anda, pode vir comigo se quiser.
Lucille aquiesceu com uma leve inclinação de pescoço. Remexeu-se
no sofá, mudando a posição das mãos. Que sujeito antipático aquele duque!
Deveria estar se aproveitando daquilo tudo para arrumar uma esposa porque
mulher nenhuma se casaria com um homem como ele, não importa o quão
bonito e rico ele fosse.
— Pensei também sobre o casamento. O nosso casamento, no caso
— ela continuou, pigarreando baixinho. — Gostaria de esperar Michael
chegar para eu contar a verdade a ele e então poder me casar com o senhor.
Ele chegará em dois meses, se os ventos forem bons. Sabe que não é de
bom tom quebrar um compromisso tão de repente. E, além do mais, um
noivado de respeito dura, no mínimo, algumas semanas.
— Não — Chatham disse, sério, e Lucille se empertigou em um
claro sinal de indagação. — Tenho prioridades à minha espera e não posso
me demorar aqui. Não estou a passeio, senhorita. Vamos nos casar daqui a
uma semana, tempo o suficiente para você arrumar as suas coisas e
conseguir um enxoval.
— O quê? — Lucille ficou indignada. — O senhor não pode ser tão
estúpido assim!
Ele a olhou com uma sobrancelha erguida e Lucille fervilhou de
raiva diante de seu silêncio.
— Há um homem que espera encontrar uma noiva e o senhor não
pode simplesmente me arrastar daqui. E em uma semana nem mesmo um
chapéu fica pronto!
— Parece que os chapeleiros daqui são pouco qualificados —
Chatham comentou, desinteressado.
— Lorde Chatham — Lucille respirou fundo e abriu um sorriso
afetado —, o senhor, então, volta para Derbyshire, eu fico aqui, converso
com Michael e depois eu vou até o senhor e nos casamos. Concorda agora?
— Não. O casamento será em uma semana.
Lucy sentiu vontade de urrar. Apertou o tecido de sua saia e inspirou
tranquilamente antes que desse um soco naquele homem. O que lhe
causaria uma mão quebrada, mas um espírito mais leve.
— A propósito, a senhorita deseja casar em uma igreja?
Ela ficou boquiaberta, que homem desmiolado! Fala como se o que
importasse fosse apenas o que ele achasse conveniente.
O mal dos duques, todos mimados e soberbos.
— Não com o senhor.
— Infelizmente eu sou o único disponível. — Ele abriu um sorriso
enviesado e uma veia pulsou no pescoço de Lucille, que estava louca para
tacar aquele mastodonte pela janela. — Já que a senhorita ojeriza a ideia de
se casar comigo na frente de todo mundo, vamos nos unir aqui mesmo.
Chame o vigário e assinamos os papéis o quanto antes. Parece que terei de
arrumar uma licença especial.
— O senhor tem cem mil libras de sobra para pagar quantas licenças
quiser.
— Havia me esquecido do ótimo negócio que eu fiz.
Lucille bufou irritada, o que mais soou como um ratinho chateado
aos ouvidos de Chatham. Aquela conversa toda a fazia se sentir ainda mais
como uma mercadoria de troca. Assine uns papéis e leve a boneca.
A situação fez Lucy se lembrar de algo que estaria presente no
matrimônio, ela querendo ou não: as núpcias.
— Lorde Chatham…
Chatham maneou a cabeça, indicando que estava ouvindo.
Lucille engoliu em seco e o rosto ficou quente.
— O senhor disse que deseja um herdeiro…
— Não a obrigaria a ter relações comigo, mas preciso de um filho,
pelo menos. Esperarei sua boa vontade de se deitar comigo, desde que não
demore uma eternidade.
Ela assentiu, encarando as mãos sobre o colo.
— A senhorita e Oxford namoram por cartas, certo? — ele indagou,
com um tom um tanto jocoso que deixou Lucy ofendida.
— Convivemos um com o outro por seis meses, Lorde Chatham —
ela disse, com o nariz arrebitado. — Somos um casal de verdade.
— De verdade? — Uma das sobrancelhas negras dele se arqueou.
Lucille ficou púrpura de vergonha e Chatham deu uma risadinha,
balançando a cabeça.
— Se o senhor está procurando uma mercadoria intocada, aqui estou
eu. — Ela se levantou, fazendo o homem imitá-la imediatamente. Ao
menos ele era educado. — E lamentarei pelo resto da vida ter dado minha
virtude a um homem tão cruel quanto o senhor. Meu pai tem problemas,
imagino que cem mil libras para o senhor não passem de alguns trocados.
Mas, mesmo assim, o senhor vem aqui e me tira do meu noivado sem
nenhuma piedade. Não tem coração? Em tal idade, já deveria ter
experimentado o amor e saber como é.
Chatham a encarou, os olhos claros tão inexpressivos quanto
sempre.
— Por um acaso a senhorita ama esse homem?
— Amo.
— Pois então me explique, já que tenho o couro de um boi velho, o
que é amor?
Lucille abriu a boca para responder, mas tudo o que saiu foi um som
engasgado e sem nexo. Gaguejou, gesticulou e não respondeu nada.
Ela não sabia o que era amor, não o amor que ele estava lhe
perguntando. E aquilo a deixou chocada por alguns segundos antes de se
recompor e retrucar:
— O senhor sabe? — Lucille cruzou os braços de forma nada
elegante e o encarou, comicamente ficando na ponta dos pés para tentar
suprir a diferença de altura.
— Conheço um tipo de amor muito mais relevante do que o
epistolar e imaginário — ele respondeu, puxando a cartola e a vestindo. —
Voltarei amanhã para ver se a senhorita não mudou de ideia.
— Não mudarei, honro com a minha palavra.
— Muito bem, terei uma esposa íntegra. Passar bem, Srta.
Mildenhall. E controle suas emoções, seu rosto parece ficar ainda mais
sardento.
Lucille tocou o nariz instantaneamente, mas abaixou as mãos na
mesma rapidez ao ver um sorriso fino nascer nos lábios duros do duque.
Que Deus tivesse piedade dos nervos de Lucy, casar-se com aquele
homem maldito era o mesmo que sentenciá-los à morte.

***

O reflexo de Lucy na janela refletia seu nariz sardento. Quarenta e


cinco sardas no nariz e nas maçãs do rosto, ela contou uma a uma. Não
eram tantas, certo? Ela sempre tomava cuidado ao sair no sol para que elas
não ficassem escuras. Certa vez, viu uma mulher ruiva na rua; suas sardas
eram de um marrom tão escuro que Lucille não conseguia parar de olhar
para a desafortunada dama.
Chatham estava a incomodando além do fato de tê-la tirado de
Michael. Lucille teria de aceitar que passaria o resto da sua vida com um
homem insuportável ao seu lado, ouvindo-o fazer insinuações vulgares
como se fosse um marinheiro.
— Que eu fique viúva cedo — ela disse para si mesma, mas
rapidamente cobriu os lábios. — Desculpe-me, Senhor.
Duas batidas foram dadas contra a porta, assustando Lucille.
— Madame — era o mordomo grisalho —, o gongo já vai bater para
o jantar.
— Já estou indo, Travor. — Lucy olhou o próprio reflexo
novamente. — Travor… o que acha das minhas sardas?
— A senhorita as tem desde que era pequena, madame.
— Sim, mas acha que elas me deixam feia? — Ela se virou e o
encarou.
Travor tamborilou os dedos na barriga avantajada e engoliu em
seco.
— Ora, o senhor está pensando! — Lucille exclamou, olhando-se
pela janela e tocando o nariz. — Eu não confiei no senhor por vinte e três
anos para me trair assim.
— Não é isso, madame. Apenas não sei o que a senhorita deseja
ouvir.
— Que sou bonita, ora essa… — Ela tocou o rosto, murchando em
frente à janela.
— A senhorita é a jovem mais bela da cidade. Se fosse minha filha,
eu ficaria demasiadamente feliz, madame.
Lucille sorriu de orelha a orelha, saltitando até o mordomo e lhe
dando um beijo na bochecha velha.
— O senhor é adorável, Travor. Agora vamos ao jantar!

***

Joanna era a única desavisada da casa, até mesmo os criados já


sabiam que Lucille iria se casar com Lorde Chatham de tão fofoqueiros que
eram.
Os pais de Lucy temiam contar para a pequena tagarela e ela acabar
contando para o bairro todo e, sem perceber, iniciar o escândalo do ano.
Srta. M termina noivado de três anos com Lorde M para ficar com o
misterioso Lorde C.
Pior do que um noivado muito longo era o término deste para dar
início a um outro, sem nenhuma notinha de rodapé no jornal. Todos
pensariam que Lucy fora arruinada pelo insuportável Chatham em um
terraço escuro e agora tinha de se casar com aquele esquisitão.
— O homem gigante falou comigo hoje mais cedo.
— O nome dele não é esse, Joanna — John a repreendeu enquanto
bebia do seu vinho. — Deve se referir a ele como a Sua Graça, o Duque de
Devonshire.
Joanna suspirou e olhou para a mãe, mas a viscondessa assentiu,
severa.
— Entendi, papai. Mas como eu ia dizendo… a Sua Graça veio até
mim e perguntou qual era a melhor loja de brinquedos da cidade.
— O troglodita já está querendo conquistar a nossa simpatia
comprando bonecas para Joanna — Lucille resmungou, entediada. — Como
se essa criança já não tivesse brinquedos demais.
— Pois aí que você se engana. Eu perguntei por que diabos-
— Joanna! — Clarisse exclamou, fazendo a filha dar um pulinho na
cadeira e cobrir os lábios com a boca. — É por isso que não deixamos você
comer com outros adultos. John, onde nossa filha aprendeu a falar assim?
— Comigo não foi. — Ele deu de ombros e gesticulou para que
Travor lhe servisse mais vinho. Ia precisar de muito.
— Termine logo essa história, Anna — Lucy insistiu, impaciente,
espetando o peixe com o garfo.
A menina assentiu, empertigando-se contra o encosto da cadeira.
— Eu perguntei por que ele gostaria de comprar bonecas. Então, o
duque me disse que as bonecas eram para ele porque ele as coleciona em
sua casa. Disse até que tem um quarto inteirinho dedicado às bonecas.
Lucille se engasgou com o vinho, rapidamente levando o
guardanapo até a boca.
— Ele coleciona bonecas? — Clarisse estava igualmente intrigada.
— Foi o que ele disse. Ele me mostrou um panfleto com o anúncio
de uma boneca em especial e falou que estava procurando uma daquelas. Eu
li no panfleto e a boneca vem com cinco vestidos diferentes… Papai, não
podemos ir até a loja também? São cinco vestidos diferentes!
— Pensarei no seu caso — John disse, sem muita veemência. —
Você está muito desbocada.
— Era só o que me faltava — Lucille resmungou por detrás do
copo. — Um homem de trinta e três anos que brinca com bonecas. E ainda
as mantém em um quarto. Que coisa perturbadora… É louco mesmo.
— Ele coleciona — Joanna a corrigiu.
— Ora, tanto faz. Ele compra bonecas para si mesmo — Lucy disse,
impaciente.
— Por que você está tão grosseira comigo? — Joanna perguntou,
com os olhos cheios d'água. — Eu não fiz nada de ruim, apenas falei da Sua
Graça e você está falando assim comigo.
John soltou o garfo, olhando alarmado para a filha mais nova, que
estava à beira de um vazamento.
— Não é nada, minha filha. — Clarisse imediatamente tocou o
ombro da filha, olhando feio para Lucille. — Sua irmã só está abalada com
alguns acontecimentos.
— Não chore, Anna. — John a beliscou na bochecha. — Amanhã
iremos à loja de bonecas, não chore.
Lucille revirou os olhos. Joanna já tinha doze anos, mas o visconde
e a viscondessa a mimavam como se fosse uma menininha.
— Desculpe-me, Anna — ela disse, verdadeiramente. — Na
verdade, eu, o papai e a mamãe temos algo a dizer.
Clarisse e John olharam alarmados para Lucille, mas ela não se
impediu de continuar. Tinha de contar logo para Joanna e fazê-la prometer
que não diria nada a nenhuma de suas amigas, que contariam para as mães,
que espalhariam para a cidade toda.
— Eu e o duque iremos nos casar — Lucille disse, o mais convicta
que pôde. — Estamos muito apaixonados. Dançamos juntos no último baile
e, desde então, eu não paro de pensar nele… M-Meu querido duque.
A viscondessa abriu um sorriso discreto e orgulhoso para Lucy e sua
coragem, assentindo e dando uma batidinha amistosa no ombro de Joanna.
— Você vai ganhar um irmão novo, viu? Que gosta de bonecas,
ainda por cima.
— Mas e o Lorde Manley? — Ela uniu as sobrancelhas. — Você
não ia se casar com ele?
Lucille negou, respirando fundo e abrindo um sorriso para a irmã.
— Parece que a Sua Graça roubou o meu coração — ela disse, com
afetada alegria, embora seus olhos estivessem tão cheios quanto a nascente
de um rio.
— Bom… coitado do Lorde Manley. — Anna deu um muxoxo
desanimado. — Mas eu gostei do duque, ele disse que me daria uma boneca
da próxima vez que viesse para Londres. E quando que você vai casar com
ele?
— Sábado.
— Mas já? Puxa, eu não tenho nenhum vestidinho — Joanna
lamentou, com afetação, bebericando seu suco com os olhos em direção ao
pai. — Podemos comprar um novo?
— Podemos, querida — Clarisse abriu um sorriso condolente e fitou
o marido. — Seu pai poupou uma quantia enorme de dinheiro com esse
casamento.
— Essa menina tem mais vestidos do que cabelo na cabeça. —
John, afinal, afastou a taça de vinho dos lábios. — Chega de vestidos.
Joanna inspirou, ofendidíssima.
— E de bonecas, Srta. Joanna.
Ela abriu a boca em um O enorme.
— O senhor é um homem terrível!
E se levantou, balançando as saias dramaticamente e deixando a sala
de jantar como se não houvesse regras a seguir.
— Se tudo der errado, ela pode ser famosa sendo atriz. — Lucy
ergueu as sobrancelhas. — Talento ela tem de sobra.
Capítulo 3
Edith Manley não respondeu nada desde que Lucy e Clarisse lhe
contaram sobre o fim do compromisso com Michael. A condessa de Oxford
apenas assentiu, com as sobrancelhas unidas e um muxoxo triste e
impotente.
A mulher carregava lágrimas nos olhos, mas sabia que teria de ser
assim pelo bem da família. Era como o mundo funcionava, na base da lei
dos homens. Dessa forma, a condessa apenas ficou quieta, ponderando
sobre o que poderia sugerir aos Mildenhall.
— Não há nada que se possa fazer para que ele desista desse
acordo? — ela perguntou, preocupada. — Eu imagino que ele e meu filho
se conheçam, devem ter estudados juntos em Eton… ou na universidade.
Não pode ser assim…
— Não importa, aquele homem horrível não vai desistir da ideia —
Lucille disse, raivosa, apertando as alças de sua retícula. — Ele até mesmo
zombou do Michael, insinuou que… que ele é um daqueles homens
invertidos.
— Meu filho não é nada disso — Edith disse, ofendidíssima. — Não
acredite nas palavras desse homem, Lucy.
— Eu sei, Lady Manley… — ela suspirou tristonha e olhou para a
mãe que estava ao seu lado. — Creio que tenha de ser assim mesmo. Não
quero que meus cunhados ajudem, sei que, no fundo, isso envergonha a
honra de meu pai como um homem.
— Edith, espero que você não fique chateada conosco. — A
viscondessa abriu um sorriso tristonho para a amiga. — Se não fosse pelo
meu marido…
— Não culpe o visconde — a mais velha disse, apaziguadora. — O
falecido Sr. Manley também não resistia a uma boa aposta. Infelizmente,
não avisaram ao seu marido sobre o acúmulo de dívidas e chegamos a tal
ponto. É uma pena, eu adoraria que Lucy fosse minha filha também…
Lucille sorriu, enchendo-se de pesar. Seus olhos arderam e ela
rapidamente buscou por seu lencinho na bolsinha, para secar os olhos.
Toda quarta-feira ela ia até o final da rua e visitava sua esperada
futura sogra para tomarem chá naquela sala amarela repleta de flores. Edith
era uma mulher solitária desde que o marido se fora um ano e meio antes.
Infelizmente, Michael já estava na Índia e, sendo filho único, Lucy e o resto
dos Mildenhall foram os que deram à condessa todo o apoio. Lucille se
sentia terrivelmente mal, como se estivesse abandonando sua adorada Edith
e trocando Michael por aquele infeliz.
— O duque insiste que o casamento ocorra no final da semana —
ela disse, brincando com os bordados do lenço e fingindo não perceber que
o molhava conforme suas lágrimas pingavam no tecido. — Pedi para que
ele esperasse Michael chegar e que eu pudesse conversar com ele, mas ele
insiste que não. Que precisa voltar a Derbyshire o quanto antes. Temo que
Michael me odeie… q-que pense que eu o traí, que não o honrei na sua
ausência.
— Ele não pensará isso, meu anjo — Clarisse rapidamente a
acalentou. — Michael entenderá as circunstâncias, ele não a odiaria.
— M-Mas quando ele chegar eu já estarei casada com aquele
troglodita, o casamento já estará consumado e eu terei me dado para outro
homem — Lucy disse, raivosa, secando o rosto e se levantando do sofá. —
Só de pensar em uma coisa dessas eu sinto… um tipo de medo… de Lorde
Chatham me ferir.
Clarisse e Edith se entreolharam, preocupadas.
— Se ele a ferir, anule o casamento. — A viscondessa se levantou,
tocando o ombro da filha, que olhava a rua pela janela. — Eu sei que não é
fácil pedir uma anulação por tais motivos, mas fale com seu pai. Seus
cunhados a ajudariam nisso, principalmente James, que gosta muito de
todos nós. E Michael pode tentar… talvez.
Lucille negou com a cabeça, afastando-se da mãe e andando pela
sala de forma apreensiva.
— Michael… — Lucy suspirou, tristonha, olhando a pulseira. — Eu
só gostaria de poder conversar com ele antes… de dizer que eu não estou
apaixonada pelo duque e que não o troquei… Temo mais o que Michael
poderia dizer do que a reação das pessoas quando virem o anúncio do
casamento nos tabloides.
— Escreva uma carta para ele — Edith disse, com um sorriso
encorajador, e Clarisse assentiu em acordo. — Eu mesma entrego quando
ele chegar. Você não poderá vir a Londres depois de casada?
— Lorde Chatham disse que não se importa para onde eu vá. Parece
que a única exigência dele é que o casamento aconteça em uma semana.
— Ora, Lucy, então não precisa se desesperar assim. — Edith ficou
esperançosa. — Escreva a carta para Michael e depois venha vê-lo quando
ele chegar. Podem conversar… talvez você perdoe a si mesma depois de se
confessar para ele. Meu filho entenderá.
Lucille deu de ombros, mas assentiu, ainda que bastante
desanimada. Escreveria a carta após o casamento, assim teria mais a
explicar e falar. Sabia que fofocas rolariam e Michael escutaria todo o tipo
de coisa caso ela não lhe deixasse a carta escrita.
— Escreverei depois do casamento — ela anunciou, seguido de um
suspiro pesado. — Estou indisposta, gostaria de ir para casa…
— Se não se importa, eu ficarei mais um pouquinho — Clarisse
segurou as mãos de Edith. — Temos muito o que conversar ainda.
— Tudo bem, nos vemos no jantar, então. — Lucy aquiesceu e se
despediu de Edith com um amistoso beijo em sua testa. — Até mais ver,
Lady Manley.
Edith abriu um sorriso gentil como resposta e se despediu com um
breve aceno de cabeça.
— Vai ficar tudo bem, Lucy. Não se preocupe, minha filha. Seu
gesto para com a honra da família é muito bonito.
— Obrigada… tentarei olhar por esse lado. Uma caminhada até em
casa me fará pensar melhor no que dizer ao Michael.

***

Lá estava ele, o maldito duque, segurando um buquê de crisântemos


cheios de pólen para entregar para a sua futura duquesa. Lucille franziu o
nariz em nojo, escondendo-se na esquina e observando o brutamontes
cumprimentar o mordomo e entrar na casa dela.
Que homem tosco, Lucy pensou, a camareira colada atrás dela e
especulando tudo também. Mal sabia ele que a moça era alérgica ao pólen
das flores e que elas eram o pior tipo de presente que poderia receber. É
claro que Lorde Chatham nunca saberia, mas Lucille ficou resmungando
mesmo assim. Se aquilo fosse uma tentativa de fazer a corte dela, não
funcionaria.
Alguns transeuntes a olharam torto enquanto ela se escondia na
esquina, com o chapéu quase caindo para frente em um desastre de penas e
passarinhos de mentira. Já estava passando os limites do aceitável quando
ela resolveu arrumar o chapéu e limpar as luvas, sujas de tanto segurar na
alvenaria das casas alheias.
Altiva, ela cumprimentou os vizinhos com um adorável sorriso e
seguiu em frente rumo a sua casa no final da rua. Passou pela carruagem
monstruosa do duque, grande o suficiente para acomodar aquele homem.
As rodas não eram de fogo, mas deviam ter passe livre para o
Inferno.
Lucille suspeitou que ele tivesse uma residência ali em Mayfair,
mas, se ele quisesse se deslocar de lá até a casa dela em uma carruagem, era
um baita de um preguiçoso. Ou ele poderia estar voltando do cassino…
Lucy gostaria de saber como era o cassino, nem o nome ela sabia. Só sabia
que fora do pai dele antes de o homem morrer. Era um local famoso e
exclusivo da sociedade, regido por Chatham e seis sócios.
Alguns dos sócios poderiam ser seus conhecidos e ela nem sabia.
Poderiam até mesmo ser os seus cunhados!
Lucy se empertigou e se envaideceu olhando pelo reflexo na janela
da carruagem. Ela saberia de umas boas fofocas quando se casasse com
Chatham, ao menos uma coisa boa. Era quase como se fosse se tornar
algum tipo de soberana dos cassinos. Talvez ele até mesmo a deixasse
visitar o lugar.
— Madame.
Lucille pulou de susto, olhando para o cocheiro que ainda estava
sentado em seu posto.
— A Sua Graça não está aqui, madame.
— E-Eu sei, meu caro— Lucy empinou o nariz, ignorando o rubor
em seu rosto. — Tenha um bom dia.
O cocheiro assentiu, controlando o riso assim que Lucille virou e
subiu as escadas até o pórtico.
— Boa tarde, senhorita. — Travor se materializou assim que Lucy
abriu a porta. — A Sua Graça está a sua espera na sala de visitas.
— Eu sei, infelizmente.
— A senhorita quer que eu leve alguma coisa?
— Não, quero mais é que ele passe fome. — Lucy deu de ombros.
— Meu pai está em casa?
— O visconde foi ao parlamento, madame. E Srta. Joanna foi para
sua aula de harpa na casa da prima.
— Que homem louco, vem me visitar enquanto eu estou sozinha —
Lucille resmungou. — Se eu gritar, chame todos os criados para darem uma
lição no duque. Certo, Travor?
— Como quiser, senhorita.
Lucy balançou a cabeça em descrença. Se aquele duque estava
tentando cortejá-la, já havia começado muito mal ao ir até a sua casa sem
ninguém. Com certeza, os vizinhos já estavam vendo Chatham entrar e sair
de lá durante aqueles três dias, dando pano para manga às mexeriqueiras.
Silenciosamente, ela o observou, escondida no batente da porta. O
duque segurava o buquê com uma das mãos e, com a outra, parecia olhar
algum tipo de papel com um desenho. Lucy apertou bem os olhos, mas só
viu que ele sorria para o pedaço de papel.
Um sorriso esquisito. Esquisito porque pertencia a Chatham e
Lucille nunca imaginou que aquele homem horrível pudesse sorrir daquela
forma verdadeira. Talvez fosse a carta de uma de suas mulheres, as que ele
deixava em Londres.
Suas cortesãs.
Ele guardou o papel no bolso interno do paletó e depois olhou para
os crisântemos.
— Bom dia, meu lorde — Lucille entrou na sala em passos
lânguidos e despreocupados. — Desculpe-me se o fiz esperar, lamento
muito.
Chatham se virou na mesma indiferença de sempre, mas agora
acompanhado de um buquê. Apenas cumprimentou Lucille com um breve
aceno.
Aquele homem era tão estranho, tão tenso e duro que mais parecia
uma pedra. Quando Michael ia visitá-la a recebia com palavras
apaixonantes, passando a tarde inteira conversando com Lucille e a ouvindo
como se fossem os discursos mais ricos e interessantes do mundo.
Diferente daquele duque frio e distante que a roubou de seu
Michael.
— Para você — ele disse, apático, estendendo as flores para Lucy.
— Estão murchas.
Chatham a encarou sério, mas não intimidou Lucille, que o olhava
da mesma maneira, sem mover um fio de cabelo. Depois que percebeu que
seu olhar não a afetava, ele foi até a janela, abriu e tacou o buquê fora.
— Vossa Graça! — Lucy exclamou, horrorizada.
— Reflorestamento. — Ele abriu um sorriso amarelo e se sentou na
poltrona de sempre. — E então?
Lucille inspirou e puxou uma das almofadas raivosamente,
arrumando-a em seu colo.
— Não desisti do casamento. Não precisa trazer flores muxibentas
para mim; inclusive, tenho uma forte alergia ao pólen.
— Que pena, em Greenhill há muitas flores.
— Parece que vou morrer fisicamente lá, também — ela rebateu.
Chatham revirou os olhos.
— Não seja dramática.
Lucille ficou vermelha de raiva, mas fez o possível para não fazer o
dia do duque. Já havia percebido que sua irritação o divertia
demasiadamente.
— Então, meu lorde… — a voz dela saiu doce e cadenciosa —
soube que o senhor coleciona bonecas.
Os olhos dele se arregalaram por um instante e Lucille quase se
balançou de alegria. Bingo.
— Coleciono, algum problema? — Ele voltou ao normal.
Lucille deu de ombros e examinou as próprias unhas.
— É um hobby muito inusitado para um homem adulto, não acha?
— Não — Chatham respondeu. — Tenho dois irmãos e uma irmã,
Srta. Mildenhall. Eles me deram sobrinhas que precisam de bonecas.
Quando venho a Londres, aproveito para comprar algumas, já que a vila
mais próxima da minha casa é minúscula. Conhece North Haven?
— Não…
— Exatamente. — Ele se ajeitou na cadeira. — Creio que a
senhorita gosta de bater perna por aí e gastar as cem mil libras que poupei
do seu pai, não? No vilarejo perto de Greenhill, a senhorita só encontrará
gente humilde do interior.
— Se pensa que me enfiar no fim do mundo vai me servir de tortura,
está muito enganado.
Mentira. Lucille estava se imaginando definhando nos confins de
Derbyshire. Sem nenhum baile luxuoso, evento, amigas e lojas.
— Que bom, madame. Estava temendo que a senhorita sofresse em
Greenhill.
— Que bonito da sua parte, meu senhor — Lucy disse, entre os
dentes.
Os ombros dele se sacudiram e Lucille ficou ainda mais irritada
quando viu que ele estava rindo dela. Chatham sacudiu a cabeça em
negação, tocando a testa com os dedos e se arrumando na poltrona.
— Mudando de assunto, Lorde Chatham — ela disse, firme, até que
ele parasse de rir —, o senhor conhece Michael?
— Estudamos juntos em Eton, mas ele era mais novo do que eu:
tinha a idade de sua irmãzinha, e eu já estava terminando os estudos.
— O senhor era um daqueles que batiam nele? — Lucy perguntou,
preocupada. — Ele uma vez me disse que os outros meninos batiam nele.
— Não era eu — ele disse, sério. — Mas realmente batiam nele. O
chamavam de mulherzinha e fracote.
Lucy uniu as sobrancelhas em raiva. Novamente, Chatham estava
insinuando aquele tipo de coisa.
— Michael gosta, sim, de mulheres, Lorde Chatham — ela o
defendeu. — Ele só é um homem respeitoso.
— Eu sei, eu sei — o duque disse, com certa impaciência, e coçou a
sobrancelha. — Não é por tais motivos que o azucrinavam.
— E quais eram, então?
— Isso não é assunto para os ouvidos de uma dama, Srta.
Mildenhall.
— Ora, não me venha com esse papo de homem das cavernas. —
Lucy cruzou os braços. — Não posso ouvir certos assuntos, mas posso
deixar um homem com quem eu fui obrigada a casar fazer uso do meu
corpo? Isso não faz sentido algum.
Chatham assentiu, impaciente, murmurando alguma coisa sobre
mulheres.
— Parece que é dada a pensamentos modernos, madame.
— O que há de tão impróprio? Palavrões? Pois eu conheço um
bocado deles — ela continuou, empinando o nariz e pensando em algum. —
Filho da puta.
Chatham foi para trás, surpreso, e abriu um sorriso.
— Meu pai costuma chamar os cobradores assim — ela explicou,
corada, ao praguejar em voz alta pela primeira vez.
— Espero que ele não tenha me chamado disso, minha mãe era uma
ótima mulher.
— Aposto que ele o fez, meu lorde — ela retrucou, mas não se
abalou quando o duque riu outra vez. — Surpreende-me saber que o senhor
tem a capacidade de rir de alguma coisa.
— Rio sempre que ouço uma mocinha falar alguma estupidez.
— Não sou uma mocinha, sou uma mulher adulta.
Ele assentiu, deixando que seus olhos caíssem até o decote do
vestido. Realmente, ela não era uma mocinha.
Ora, havia algumas sardas por ali também, onde dois montes
pequenos subiam e desciam com a respiração dela. Eram pequenas demais
para ele contar, mas haveria a oportunidade de examiná-las com mais
atenção. Afinal, ele era um homem. E, infelizmente, homens tendem a
pensar com outra cabeça.
— Lorde Chatham, gostaria de fazer uma pintura dos meus seios?
— ela perguntou, e Chatham imediatamente subiu o olhar para o rosto dela.
— Desculpe-me.
Lucille corou até o dedo dos pés, praguejando mentalmente por não
ter nenhum xale para cobrir seu colo.
— Imagino que Michael não tenha dado a devida atenção a eles —
ele comentou. — Nem a nada. Ele pode ser um homem respeitoso, mas não
querer tocar uma bela mulher, que era sua namorada, o faz um homem
burro. Um beijo caloroso, talvez. Um abraço, qualquer coisa.
Lucille balbuciou alguma coisa, bastante confusa. O duque a achava
bonita? Ela se empertigou. Michael a achava bonita, mas Lucy nunca
atrelou aquilo ao seu físico, achava que ele dizia aquilo por estar
apaixonado. Se fosse realmente bonita não teria ficado às moscas durante
duas temporadas. As jovens bonitas conseguem um marido, até as pobres e
falidas.
— Ele nunca disse que a senhorita é bonita? — Chatham ficou
intrigado. — Bom, agora ele realmente merece apanhar.
— D-Disse. Mas disse por que um homem apaixonado fala
besteiras.
— Francamente, Srta. Mildenhall — ele suspirou, com impaciência
—, não sou um homem piegas, mas a senhorita é uma mulher bonita e não
vejo problema em lhe dizer isso. Por mais impertinente que a senhorita seja.
Bastante impertinente, devo dizer.
Lucy engoliu em seco, abaixando o rosto enrubescido de vergonha.
— Obrigada — ela murmurou. — Ao menos o agrado em alguma
coisa.
— Não se esqueça dos seios.
Lucille resfolegou. Aquele homem não conseguia não ser
insuportável nem mesmo por dois minutos?
— Acho melhor o senhor ir embora, Lorde Chatham. Não há
ninguém em casa e os vizinhos são fofoqueiros, como o senhor deve saber.
— Muito bem — ele se levantou, puxando sua cartola —, nos
vemos sábado, no casamento.
— O senhor não vem mais me ver?
Chatham abriu um sorriso enviesado, arrumando seu chapéu e
segurando a mão de Lucille.
— O submundo me espera, minha querida. — A voz dele saiu grave
e baixa e seus lábios tocaram o nó dos dedos de Lucille. — Até sábado. Não
chore pela minha ausência.
Estuporada, ela permaneceu sentada, com os dedos formigando
depois do toque dos lábios dele. Rapidamente, Lucy sacudiu a mão e a
limpou em seu vestido.
Chatham já estava na porta quando Lucille se lembrou de algo:
— Espere! O senhor não me falou o porquê de baterem em Michael.
O duque arrumou seu lenço e se virou para Lucy.
— Houve uma vez que nós, os garotos mais velhos, fomos até a
cidade e contratamos umas prostitutas. Nós tínhamos dezoito anos, mais ou
menos, e Michael e os amigos tinham doze ou treze, talvez. Os amigos
deles ficaram doidos que nem bichos, mas Michael disse que só faria aquilo
com a mulher pela qual ele se apaixonasse. Desde aquele dia, os garotos do
colégio tiravam sarro dele, diziam que ele não gostava de mulheres e que
havia dado aquela desculpa romântica e esfarrapada.
Lucille assentiu, sentindo raiva daquele bando de babuínos
uniformizados que maltrataram Michael, que não quis se comportar como
um cachorro no cio.
— No último ano em Eton, ele esqueceu toda essa filosofia de bom
moço e se deitou com a garota peituda da taberna — Chatham terminou. —
Foi isso que me disseram, madame. Eu já estava na universidade e não
sabia mais dele. A senhorita não fica triste por saber disso, não é? Sei que
pensa que eu nasci do ovo do Diabo, mas não acho justo fazer uma jovem
inocente chorar.
Ela fez que não, olhando para o chão.
— Confesso que suspeitaria das suas insinuações se ele ainda fosse
puro. Mas sei que Michael é um homem como outro qualquer… e os
homens fazem isso às vezes.
Chatham aquiesceu com um aceno de cabeça. Tocou a aba de sua
cartola e se despediu de Lucy silenciosamente, deixando-a sozinha com
seus botões.
Capítulo 4
O que mais surpreendia Lucille era o fato de não estar triste com o
casamento. Estava, sim, bastante raivosa em relação à forma como ele se
estabeleceu e se sentia frustrada com o futuro marido que teria. Poderia ser
um homem qualquer, daqueles desmiolados que só falam baboseiras.
Poderia até ser um dândi desinteressante que só pensa em cavalos, roupas e
festas – nada muito diferente do que ela pensava. Qualquer coisa, menos
aquele duque deplorável que tinha audácia de olhar para os seios dela
enquanto conversavam. Sem contar com as vulgaridades e absurdos que ele
falava como se não houvesse uma coisa chamada cavalheirismo.
Também não se sentia triste ao se deparar com o fato de que
Michael era um homem como outro qualquer e que possuía uma vida
íntima. Lucy se perguntava, às vezes, se ele tinha mulheres na Índia. No
começo dos dois anos e meio, ela se sentia triste, enciumada e até mesmo
chorava ao imaginar Michael nos braços de outra mulher enquanto ela o
esperava. Mas, naquela noite, ela nada sentira depois das palavras do duque.
E ser indiferente em relação a algo que envolvia Michael a fazia se sentir
desconfortável.
Primeiro, o duque lhe perguntou o que era amor e ela não soube
dizer. Agora estava pouco se importando com o que Michael fazia entre
quatro paredes.
Aquilo estava muito errado. Ela não gostava de pensar em Michael
daquela forma.
Ele era perfeito, jamais a olhou como se fosse apenas um dote
miserável e a filha de um visconde arruinado.
Lucille se remexeu incomodada, socando os travesseiros e se
aconchegando outra vez. A culpa era toda de Chatham, homem irritante que
a fazia refletir sobre questões nas quais nunca teve de pensar antes.
Claro que ela gostava de Michael, fora seu primeiro em muitas
coisas. E teria sido seu primeiro em outras, caso aquele insolente não a
tivesse tirado de seu noivado utópico com um homem ausente. Só não sabia
responder o que era amor porque só tivera seis meses com Michael e amor
nenhum se constrói com tinta e papel. Ela achava que manter um amor por
cartas era muito mais fácil do que gerá-lo daquela forma. Certo?
Algumas batidas na porta a obrigaram a parar de pensar e Lucille se
sentiu agradecida por aquilo.
—Sim? — ela perguntou, cobrindo-se até o pescoço de modo a
esconder sua camisola.
— Sou eu, Lucy. — A voz de John saiu abafada. — Posso entrar?
— Claro, pai.
Um risco de luz iluminou o quarto e os passos de John cessaram
quando ele se sentou na cama com um sorriso cansado, trazendo consigo
uma única vela.
— Olá.
— Oi. — Lucy deu um risinho. — O senhor deveria dormir.
— Você também, mocinha. — Havia um pouco de humor em sua
voz, apesar da semana conturbada. — Vim pedir desculpas por tudo isso,
Lucille. Sei que Chatham parece ser um homem insolente, mas ele não
maltrata mulheres e nem crianças. Conheci os pais dele e sei que foi criado
com amor.
— Não precisa se desculpar, pai… O senhor não tem controle sobre
essas coisas — Lucille disse, caridosa, sentando-se contra a cabeceira da
cama. — Só me chateia saber que o senhor continua a ir nesses lugares
mesmo depois de ouvir poucas e boas da mamãe.
John assentiu, abaixando a cabeça e segurando a mão da filha.
— Depois do seu casamento, nós moraremos em Kent, só
voltaremos para as temporadas. É melhor que eu fique longe da tentação —
ele riu um tanto tristonho e recebeu um sorriso condolente de Lucille. —
Mandei uma mensagem para Mary, não há como ela vir a tempo para o
casamento.
— Tudo bem… e Amélia?
— Está em Brighton, ela e James querem que as crianças conheçam
as praias durante o verão.
— Melhor assim… — Lucille suspirou, aliviada. — Elas passariam
os dias me perturbando e falando sobre Michael.
— Eu imaginei que sim. Não contei a verdade, disse que você e
Chatham se conheceram e acabaram se apaixonando, mas que mantiveram
tudo em segredo por causa do conhecimento geral de que você e Michael
iriam se casar. Vou contar essa história para um velho amigo editor e logo
os tabloides contarão para Londres que você e o duque estão apaixonados.
Lucille aquiesceu, murchando nos lençóis.
— Eu jamais vou me apaixonar por aquele homem… Ele é
insuportável, pai.
John riu baixo, dando alguns tapinhas cansados nas mãos da filha.
— O senhor o conhece mais que eu… O que sabe sobre ele?
— Bom… não muito. — O homem riu e beliscou a bochecha
sardenta de Lucy. — Conhecia o pai dele, sujeito bastante sério, mas
éramos amigos desde Eton. Infelizmente, morreu em decorrência de um
acidente de carruagem, amputou a perna e teve uma infecção grave…
— Puxa… O senhor deve sentir saudades dele, não?
— De certa maneira, sempre sentiremos falta dos amigos de escola.
— John deu um risinho baixo. — Depois disso, não vi mais o filho pela
cidade. Dizem que foi ficar com a mãe, que havia caído em melancolia
depois que o marido morreu. Um ano depois, a duquesa morreu de tristeza.
— Oh, não… — Lucy levou a mão ao peito. — Então ela amava o
marido, não é? O duque deve ter crescido em um lar com amor… Mas
como ele pode ser tão irritante e grosseiro?
— Talvez ele não seja assim sempre, querida. Talvez ele esteja tão
frustrado quanto você sobre esse casamento.
— Com certeza ele gosta de mim o tanto quanto eu gosto dele — ela
resmungou, ouvindo um riso do pai.
Com um suspiro cansado de Lucille, pai e filha aproveitaram o
silêncio e a escuridão para pensarem.
— Irão me visitar em Derbyshire? — ela perguntou, tristonha. —
Sei que é longe, mas imagino que a propriedade seja vasta o bastante para
acomodar mesmo Mary, Amélia e as crianças.
— Claro que iremos. — John abriu um sorriso verdadeiro, mas
ainda cansado. — Iremos no Natal, o que acha? Não precisamos passar a
temporada aqui esse ano.
— Acho uma ótima ideia — Lucy sorriu, mas seu coração apertou.
— Sabe… Amélia e James não me parecem muito com um casal normal,
mas eles ao menos são melhores amigos e amam os filhos… Será que eu e o
duque seremos amigos? É o máximo que posso fazer, é o que muitas
mulheres fazem diante de um casamento arranjado…
— Basta você deixar de ser teimosa e respondona. — O homem riu
baixo. — O primeiro de vocês que ceder começará uma amizade. Ele não é
conhecido por ser um homem ruim, apenas por ser um homem de hábitos
solitários.
Lucille resfolegou, descrente, mas depois assentiu, de acordo com o
pai. Chatham passaria o resto da vida ao seu lado, ela ao menos tentaria se
esforçar um pouco para suportá-lo e tornar o matrimônio mais agradável.
— Agora eu vou dormir, antes que sua mãe acorde e pense que eu
fugi para algum cassino — John cochichou, bem-humorado, e beijou a testa
da filha. — Boa noite, minha querida. Vai ficar tudo bem. Veja pelo lado
bom, você terá dinheiro para comprar vestidos e chapéus sempre que quiser.
— Em North Haven. — Ela fez um bico involuntário, cruzando os
braços. — Nem sei que lugar é esse.
John não controlou o riso. Aquiesceu e bagunçou os cachos de Lucy,
levantando-se e deixando o quarto.

***

Lucille era uma dama e damas jamais compram vestidos prontos


que ficavam nas araras. Damas compram vestidos feitos sob medida e
únicos. Ela não queria chegar em North Haven com vestidos já usados,
apesar de ninguém lá saber quem ela era.
Lucy era uma garota londrina desde que nascera. Ia até Kent
eventualmente para aproveitar o campo, até que ela enjoava da calmaria e
voltava para Londres, onde sempre tinha uma festa na qual encontraria as
amigas. Até porque não conseguia ficar em Kent em nenhuma outra época
senão no inverno, onde as flores eram inofensivas. Ser mandada para
Greenhill estava a sentenciando a uma vida de monotonia campestre,
mesmo com filhos para divertir seus dias.
Faltavam dois dias até sábado e Lucy ainda não se sentia afetada
com a realidade de que iria se casar com outro homem que não era Michael.
Mas sabia que choraria se parasse para pensar naquilo tudo, então agia no
automático e na defensiva. Bastava um minuto de silêncio para ela se
deparar com seu conto de fadas desmoronado.
— Mamãe, posso fazer um vestido novo para o casamento? —
Joanna perguntou, animada, assim que desceram da carruagem em frente ao
ateliê de Madame Devereux.
— O vestido não ficará pronto até sábado — Clarisse respondeu,
prática. — E seu pai já disse que você não precisa de mais vestidos e
bonecas.
— Mas Lucille veio comprar um monte de vestidos para passear no
fim do mundo, onde ninguém nunca a viu! — Joanna cruzou os braços. —
Eu realmente preciso de um vestido novo, as pessoas aqui me conhecem e
já sabem de todos os vestidos que eu tenho.
— Você precisa calar a matraca. Você tem doze anos, Anna, a
sociedade não a conhece — Lucille respondeu, jogando o xale por cima dos
ombros e arrumando seu chapéu. — Sabe que a mamãe vai te dar um
vestido no final das contas, então pare de choramingar.
— Não vou coisa nenhuma, pare de dar trela a essa mimadinha,
Lucille — a viscondessa cochichou assim que entraram no ateliê repleto de
modelos novos. — Se bem que eu não gosto que minhas filhas andem por aí
fora de moda… Sabe o que falariam de mim? Que sou uma desmazelada
que não cuida das crianças.
Joanna sorriu toda pomposa, criatura mimada. A menina não tinha
dúvidas que era paparicada demais pelos pais, resultado de ser uma criança
muito mais nova do que suas irmãs. Os Mildenhall tiveram certa
dificuldade para conceber e, logo depois do nascimento rápido de Mary e
Amélia, passaram-se dez anos até que Lucille viesse ao mundo. Um bebê
miúdo e de cabelos castanhos, fraquinho, que deixou o visconde e a
viscondessa muito mais apegados a ela, temendo que a pequenina não
sobrevivesse. Onze anos depois, Joanna nascera robusta e forte, mas o casal
— com saudades de ter um bebê — repetiu todos os mimos.
Lucille cumprimentou algumas conhecidas, pobres mulheres que
pensavam que ela estava ali para buscar seu vestido de noivado.
Infelizmente, o vestido seria para o casamento com o Lorde Troglodita.
— Boa tarde, minhas senhoras. — Madame Devereux ostentava um
sorriso enorme e orgulhoso. — E, Srta. Joanna, como é bom ver a senhorita
por aqui.
Joanna a cumprimentou com uma reverência perfeitamente
executada.
— O vestido está pronto, Srta. Mildenhall. — A modista se
envaideceu. — Vamos provar? O Lorde Manley ficará extasiado.
Lucille forçou um sorriso e aquiesceu, deixando sua mãe e irmã
enquanto entrava no salão de provas. Subiu no tablado e aceitou a ajuda das
assistentes de Devereux para se despir do vestido marfim com mangas
drapeadas em seda.
Olhou a sua magreza no espelho e tocou os seios. Com um muxoxo
tristonho, ela aceitou que sempre teria seios pequenos.
Ao menos não sou uma tábua, pensou com seus botões, envolvendo
os seios com a mão, satisfeita com o volume.
— Srta. Mildenhall, fiz o que a senhorita desejava — Madame
Devereux disse, sussurrando e fechando a porta com todo o cuidado do
mundo. — A viscondessa está ocupada vendo tecidos com a Srta. Joanna.
— Não sei se ainda quero um decote tão chamativo, usarei o vestido
para me casar.
A francesa ergueu as sobrancelhas e se empertigou, curiosa.
— Mas o casamento não era para daqui a meses, Srta. Mildenhall?
— Vou me casar com outro homem, madame. — Lucille desviou o
olhar da modista e passou os pés pelo vestido que as assistentes trouxeram.
— Vou me unir ao duque de Devonshire.
As três mulheres na sala exclamaram horrorizadas. Modista e
assistentes.
— O que foi? — Lucy se virou, intrigada.
— Nada, madame. — Madame Devereux abriu um sorriso amarelo,
sorrateiramente chutando as assistentes, que sussurravam entre si sobre o
Duque Louco.
— Ah não. Tratem de me dizer! — Ela colocou as mãos no quadril,
comicamente, com um emaranhado de panos e abacaxis nos pés.
— Bom, senhorita… pensei que o Lorde Chatham jamais fosse
casar, parece ser um sujeito bem… excêntrico. Três vezes ao ano, uma
mulher vem aqui e encomenda vestidos pequenos. Dúzias deles, de vestidos
simples a vestidos festivos. Chapéus, meias, luvas, fitas. Até mesmo
bolsinhas. Todos para a Sua Graça. E o sapateiro ao lado também recebe
encomendas de sapatinhos de dormir e de ir a festas, de todos os tipos.
— Todos pequeninos?
— Sim. Eu fiquei curiosíssima, a senhorita sabe que eu não recuso
um belo mexerico. — Devereux fez um gesto exagerado com as mãos e
enxotou as assistentes, passando ela mesma a vestir Lucille. — Perguntei
para quem eram os vestidinhos e sabe o que a mulher me disse?
Lucille fez que não, imersa naquela anedota.
— Para bonecas! — A modista gargalhou melodicamente, puxando
o vestido e sufocando Lucille assim que seus seios foram espremidos e
empurrados para cima. — Ela disse que o homem coleciona bonecas e
compra vestidos para elas, que tem um quarto inteirinho só para elas.
Dezenas delas, gosta de vesti-las e tudo mais. Desde que a falecida duquesa
se foi, o pobre homem caiu em uma estranha compulsão… É um boato
conhecido, madame. É por isso que o chamam de Duque Louco. Talvez as
bonecas fossem de sua mãe… Bem, não sei.
— É pior do que eu imaginava… — Lucy disse, preocupada,
tocando o peito em um sinal de compaixão. — Que homem louco! O que
será dos meus filhos com um pai tão alienado?
— Bom, brinquedos para as crianças nunca faltarão, madame. —
Madame Devereux abriu um sorriso de orelha a orelha e fechou os botões
do vestido. — Muito bem, todos os retoques foram dados.
Os olhos de Lucille foram imediatamente para o decote. Devereux
havia apertado o espartilho que ela vestia, puxando as alças e trazendo os
seios para cima, formando belos montes que sugestivamente pareciam
escapar do vestido.
Lucille estaria satisfeita se fosse se exibir para Michael, mas quem
iria vê-la naquele traje ousado seria o abominável Sr. Orangotango. Aquele
ser horrendo que quase babou em cima dos seus seios no dia anterior.
Pensaria que ela os estava oferecendo a ele com um vestido daqueles. E o
pior: havia montado seu enxoval com dezenas de trajes íntimos de tecidos
transparentes e rendas delicadas.
Agora teria de queimar tudo. Jamais usaria aquilo para Lorde
Chatham.
— Não sei, Madame Devereux… ficou bom, mas temo que o duque
possa me achar uma depravada — ela mentiu, com um sorriso convincente.
— Talvez se eu colocar uma chemisette fique melhor.
— Se for o desejo da senhorita — a mulher disse, um tanto
magoada. — Basta ajustar seu espartilho, assim o busto não ficará tão… em
primeiro plano.
— Certo… — Lucille girou e admirou a cauda elegante, era um
vestido lindo e delicado, como ela gostava. — A propósito, quem é a
mulher que vem encomendar as coisas para as bonecas?
— A governanta, madame. Sra. Dare.
Lucille preferiu não responder. Madame Devereux era uma notória
fofoqueira, antes de o sol se pôr ela já teria contado a todas as clientes que
Lucy e Lorde Chatham iriam se casar. Antes mesmo da história chegar
perfeitamente arranjada para o amigo de John.

***

A St. James era o lugar de muitas lojas de prestígio, tal como o


ateliê da Madame Devereux. Local esse em que Lucille tentava cobrir os
seios e Clarisse procurava fazer Joanna comprar apenas um chapeuzinho.
Mas também era o lar de um antro de jogatinas tão famoso quanto o
estranho e misterioso dono: O cassino Sister Mary.
O Sister Mary ficava bem localizado, por fora era uma mansão
urbana branca e elegante, que passava despercebida entre tantos outros
prédios comerciais. De certo, quase todo mundo sabia que lá era o local
exclusivo onde os homens da sociedade apreciavam brincar com a sorte ou
com as damas da noite. Chatham não gostava de chamar o seu cassino de
uma casa de meretrícios, afinal, o foco não era aquele. Mas os homens
precisavam de uma bela companhia para desejarem passar mais tempo lá
dentro e, consequentemente, perder mais dinheiro.
O duque não sentia pena dos viciados, muito menos dos jovens tolos
que ainda não haviam caído nas garras dos jogos. Vivia desde adolescente
no cassino, acompanhando o seu pai no trabalho. Não sentiu pena de John
e, para falar a verdade, só foi saber da dívida quando ficou entediado em
seu escritório e resolveu folhear as fichas dos devedores mais antigos.
Lembrou-se que o homem era amigo de seu pai, motivo pelo qual a dívida
havia ficado esquecida nos confins do almoxarifado.
Chatham se aproveitou da situação, ele não ia negar. Sabia que os
Mildenhall tinham um bando de filhas – quatro – e que uma delas devia
estar solteira. Não fazia a mínima ideia de que duas tinham a sua idade, que
já estavam casadas e com filhos, e que a outra havia acabado de largar as
fraldas. Olhou com mais atenção para a ficha de John e viu que Lucille
estava em boa idade, apesar de já ter passado dos vinte. O homem precisava
de uma esposa, precisava de um herdeiro e não passaria a herdade para uns
de seus sobrinhos ou irmãos. Aquilo era dele, foi ele quem passou a vida ao
lado do pai aprendendo a gerenciar Greenhill e Sister Mary para quando
herdasse tudo. Ele era o filho mais velho.
Mas estava tudo resolvido. Tinha Lucille para salvar sua vida, lhe
dando um ou dois varões fortes. Ela era bonita e era isso que importava.
Podia ser muito irritante, mas Greenhill era enorme e eles poderiam ficar
sem ver um ao outro por dias. Quanto a Michael… Chatham nem conhecia
o sujeito direito, tudo o que se lembrava dele remetia a um garoto
branquelo, magro e tímido que não queria saber de mulheres — por mais
peitudas que elas fossem.
Apesar de ter passado no Sister Mary, Chatham não falou nada para
os sócios. Conversou com todos como quem não quer nada, olhou como
tudo estava e prometeu voltar em sete meses para averiguar pessoalmente.
Recebia relatórios mensais sobre o cassino, mas confiava o suficiente
naqueles homens para que nenhum deles o roubasse de alguma forma.
Manteve um riso interno durante todo o encontro, achando graça da
futura surpresa que a cidade toda iria ter ao descobrir depois que ele e
Lucille já estivessem a caminho de Derbyshire. Bem longe dali.
Agora, estava montado em seu cavalo, observando o movimento do
ateliê, escondido no meio de carruagens. Viu uma mulher baixa e de curvas
atraentes subir em uma carruagem fechada. Chatham prendeu seus olhos
nela, especialmente no traseiro. Fazia mais tempo do que ele gostava de
admitir que não se encontrava com uma mulher culta e inteligente. Fazia
uso das prostitutas de North Haven, mas havia largado a vida de bon vivant
depois que o pai morrera. Não tinha mais amantes recorrentes, mulheres
bonitas que acordavam do seu lado, suas cortesãs que o aqueciam
superficialmente.
Casar-se com Lucille não aliviava nada daquilo. Não a teria como
uma amante calorosa, apenas tentariam conceber uma criança. Se Lucille
quisesse se tornar amante de Michael, ele pagaria tudo o que ela quisesse.
Poderiam até usar a residência dele em St. James, ele pouco se importava,
já que não vivia mais em Londres.
Quanto mais longe dele, melhor.
Contudo, Lucille teria de viver em Greenhill e jamais poderia
abandonar aquele lugar. Chatham tinha um objetivo com aquele casamento
e Lucille havia caído como um anjo naquela ficha de John Mildenhall.
A carruagem da bela dama seguiu caminho e Chatham continuou
esperando, até que a Srta. Joanna saiu acompanhada de uma assistente
abarrotada de caixas de chapéus. A menina sorria encantadoramente,
acenando para o lacaio que imediatamente foi ajudar a pobre funcionária do
ateliê.
Chatham riu, aquela menina agia como a própria rainha.
Lucille, então, apareceu, com um sorriso forçado enquanto
conversava com a mãe. Chatham não sentiu pena dela: se Michael a
quisesse de verdade, não teria passado tanto tempo na Índia. Aristocratas
que serviam ao exército facilmente podiam escapulir de seus deveres
militares. Se Chatham fosse apaixonado por Lucille e sua delicada beleza,
teria se casado com ela rapidamente e jamais a deixado esperando feito uma
tola. Mas, naquele caso em particular, iria se casar rápido por outros
motivos.
Cansado de ficar olhando a vida alheia, cavalgou para casa.
Capítulo 5
Chatham detestava Londres e aquele tanto de gente. Gostava de
passar dias em locais vazios e silenciosos, olhando o movimento sem ser
incomodado. Não apreciava bailes e a expectativa de ser sociável com
pessoas que ele abominava, estar envolto de gente, o sufocava de tal forma
que sempre sentia que poderia morrer no meio de uma festa qualquer. Eram
todos falsos: por fora eram o mais puro decoro; por dentro, cobras. Mas era
difícil passar despercebido por conta dos cabelos ruivos, logo alguém o
reconhecia e puxava assunto, quase sempre sobre como ele fazia falta em
Londres. De forma bastante afetada, sabia que ninguém saudades dele. As
moças o olhavam com certo temor, afinal, ele era o Duque Louco. Os
homens o tratavam com fingida amizade, afinal, ele era um duque.
Ele tinha uma cota diária do quanto poderia socializar com pessoas
que não eram de seu interesse e não suportava mais de uma hora de
conversas sem substância. Por isso, gostava de viver em Derbyshire e,
quando ia a Londres, ficava em alguma taberna bebendo ou em seu
apartamento pequeno na companhia de belas mulheres. Não vivia em sua
residência oficial em Londres, já que a Casa Chatham acomodava o
segundo homem da família (apenas três anos mais novo), Matthew, e sua
esposa, assim como o primogênito Dominick, de oito anos. Havia ainda a
pequena bebê recém-nascida, Josephine.
Sua irmã mais nova, Charlotte, casara-se havia cinco meses e vivia
com o marido em York. Graças a sua boa família e aos seus belos cabelos
ruivos, casara-se com pouco mais de oito meses de debute. Por amor, ela
dizia ao irmão, e ele só a achava ingênua demais com seus dezoito anos. O
marido era outro tolo apaixonado e Chatham não poderia escolher homem
melhor para acompanhar os devaneios românticos de Charlie e amá-la
como ela merecia. Ambos eram eruditos amantes de poemas e romances e
completaram-se como um único ser. George, o irmão do meio, também
havia se casado e vivia em Londres com a esposa, a filha de cinco anos e a
bebê de um.
Seus irmãos casaram-se sem delongas, antes de chegarem aos trinta
anos. Ele era o único que empurrava o matrimônio adiante. Apreciava a
solidão, gostava de ficar a sós mais do que qualquer um, sozinho com os
próprios pensamentos. Poderia viver em Derbyshire sem nunca ter de
retornar a Londres, já que seus irmãos e sua irmã passavam todos os
feriados em Greenhill. Mas o Sister Mary exigia suas visitas e ele tinha de
deixar o interior e sua tranquila solidão a cada seis meses.
Até o dia em que viu a ficha de John.
— Meu senhor.
Chatham levantou o olhar do jornal, olhando para o seu mordomo
de Londres. Nove da manhã e o Sr. Carey já estava o perturbando como se
não faltasse um dia para sua união com a magrela.
— Diga, Carey. — Ele bebericou seu chá e voltou a folhear o jornal.
— O Sr. Collingwood está a sua espera.
O duque abaixou o jornal, empertigando-se e fechando o periódico.
— Mande-o entrar, então.
— Como quiser, Vossa Graça.
Chatham esqueceu as notícias e se levantou para receber seu velho
amigo e sócio, Thadeus Collingwood, um homem comum com um dom
surpreendente com os números. Era cerca de dez anos mais velho e sócio do
Sister Mary desde quando o falecido duque ainda era o dono.
O homem loiro e sorridente cumprimentou seu amigo com um
aperto de mão, não fazendo cerimônia quando se sentou à mesa e se serviu
de bolinhos e geleia.
— Não sabe o que Claire me disse — ele falou com a boca cheia,
empurrando tudo com um gole de chá.
— O quê? — Chatham perguntou, com pouco interesse.
— Na verdade, quem soube disso primeiro foi Kate.
— Sua filha de sete anos já se tornou uma fofoqueira? — Ele abriu
um sorriso e puxou o jornal novamente. — O que ela descobriu?
— Ela e Claire estavam ontem na Bond Street e ouviram duas
mulheres falando sobre o seu casamento com a filha do Lorde Mildenhall.
Aquela que está de molho. Molho de curry, em especial. E o dote dela… é
uma miséria, sabia? Por isso ninguém nunca a cortejou, além daquele
garoto, Manley.
Chatham apertou as folhas do jornal, abaixando-o raivosamente.
— Merda, não era para ninguém saber disso. Como elas souberam?
Meus irmãos prometeram guardar segredo.
— Então é verdade? — Thadeus limpou os lábios com um
guardanapo. — Você vai se casar?
— Vou. — Ele levantou o jornal outra vez, escondendo-se. —
Amanhã.
— Amanhã? Será na St. George?
— Consegui uma licença para casar fora da Igreja.
Thadeus assentiu, franzindo o nariz e emplastrando o bolinho com
geleia de framboesa.
— Com a Srta. Mildenhall… Ela não faz muito o seu tipo, garoto.
Magra demais, animada demais.
— O pai dela estava devendo cem mil libras para nós. Deve ter
apostado quando era um jovenzinho bêbado.
Um barulho metálico o fez abaixar o jornal.
Rapidamente, um lacaio correu e pegou a faca que Thadeus
derrubara em choque.
— Como nunca soube disso? — Collingwood perguntou, surpreso.
— Cem mil! De uma vez só?
— Acho que meu pai havia escondido a dívida, eram amigos. E
parece que o homem apostou a quantidade toda de uma vez.
— Bom… E então você comprou a noiva?
— Não gosto desses termos — o duque resmungou, finalmente
deixando o jornal de lado e se recostando confortavelmente na cadeira. —
Ela poderia negar o pedido e casar com Manley, mas ela não é tola. A ruína
custa caro, mais caro que cem mil libras.
— E você é bem mais rico que o garoto Manley. — Thadeus ergueu
a xícara e tomou um gole confiante. — Contou a ela sobre o seu segredo?
— Não. Não quero fofocas, principalmente com a irmã tagarela que
ela tem. É melhor ela saber quando estivermos casados, assim não terá
como acontecer algo ruim no futuro.
Collingwood aquiesceu, dando de ombros e servindo-se de mais
chá.
— Colecionador de bonecas… que coisa mais perturbadora. — Ele
riu sozinho. — Sabe que as pessoas pensam que você ficou louco depois
que sua mãe se foi? Por causa dessa história das suas bonequinhas.
— Não me importo — o duque disse, com o mesmo semblante vago
de sempre. — Faz tempo demais que não vivo por aqui. Não sei o que
falam de mim, também não me preocupo com isso.
O loiro deu um muxoxo, assentindo e pegando o jornal para si.
— Contou para os seus irmãos?
— Contei qualquer mentira romântica e eles acreditaram. Escrevi
uma carta para Charlotte, só espero que ela não saia correndo para
Derbyshire.
Thadeus aquiesceu, pensativo.
— Já deu algum presente para a coitada da noiva em nome do seu
interesse?
— Para quê? — Chatham resfolegou, desdenhoso. — Não fiz a
corte dela, nosso noivado tem uma semana apenas. Casamos amanhã.
— Não seja burro, Aiden. — Thadeus revirou os olhos, chamando o
mordomo. — Importa-se de me trazer mais desses bolinhos, meu caro?
Enfim, como eu ia dizendo… imagino que a senhorita o detesta por ter
arruinado o noivado dela com aquele outro rapaz.
— Visivelmente.
— Pois então — o homem sorriu ao ver o mordomo lhe entregar um
prato com dois bolinhos —, você é um homem insuportável, imagine o
infortúnio que será esse casamento para ela?
Aiden suspirou, cansado, piscando devagar e ouvindo Thadeus com
total falta de interesse.
— Veja só! — Collingwood exclamou. — Você nem ao menos está
se importando com o que eu estou lhe falando.
— Claro que não estou. Você vem aqui, come todo o meu desjejum
e me ofende.
— Estou apenas apontando os atributos que Deus lhe deu. E você
sabe que você é, no mínimo, impaciente.
O duque nada respondeu, fitou Thadeus em silêncio. Mas seu olhar
azul não o afetava também, já que o conhecia desde garoto.
— As mulheres gostam de ser ouvidas com interesse — o contador
continuou, fazendo um floreio com as mãos. — Eu, se fosse ela, morreria
de marasmo vivendo em Greenhill com um homem que não sabe conversar
sem resmungar e xingar.
— E um presente vai revigorá-la? — Aiden perguntou, com ironia.
— Uma joia, um par de luvas. Qualquer coisa que seja do gosto da
senhorita para que ela veja que você não é de todo o mal.
— Um par de luvas. — Ele riu consigo mesmo, desdenhoso.
— Um casamento forçado deve ser, pelo menos, suportável. Se não
estão apaixonados, o melhor a se fazer é tornar a vida matrimonial o mais
simpática possível. Se ela perceber que você não é tão azedo quanto parece,
pode até deixá-lo deflorá-la por pura vontade. Capaz até de ela participar do
ato com você.
— Uma boa trepada por causa de uma merda de um par de luvas. —
O duque revirou os olhos. — Eu não estou interessado nela para esse tipo
de coisa, ela será minha esposa para…
— … dar um herdeiro, blá blá blá — Thadeus concluiu, assentindo.
— Muito bem, vou indo, então, meu jovem. Já deu flores, pelo menos? Um
bom homem dá pelo menos um buquê durante a corte, mesmo que seja uma
corte de uma semana.
— Ela tem alergia ao pólen — resmungou, a contragosto.
Thadeus gargalhou.
— Ela deve ter alergia a sua carranca feia — o homem disse, bem-
humorado, colocando seu chapéu na cabeleira loira. — Até mais ver, Aiden.

***

Um par de luvas seria ridículo de tão simples e barato, mas uma joia
não era de todo mal.
Infelizmente, Aiden nunca havia comprado uma joia para uma
mulher. Nem mesmo para suas antigas amantes, já que sempre pedia para
sua irmã comprá-las como se fossem para si mesma. Ele não tinha a
sensibilidade de encontrar a joia perfeita para uma mulher em especial,
sabendo que pedra combinara com o tom de pele ou um brilho dos olhos.
Nem nunca teve uma mulher especial, para falar a verdade, gostava de se
manter afastado de tudo e todos.
Sentia-se humilhado por ter de comprar algo para Lucille como se
ela fosse singular. O anel de sua mãe estava Greenhill, já que ele só
planejou o casamento quando encontrou a dívida em Londres. Claro que
daria o anel para ela — de forma informal e vaga — quando chegassem a
Derbyshire.
Mas estava de volta a Mayfair, entrando em uma joalheria
sorrateiramente, como quem entra em um bordel em plena luz do dia.
Pigarreou desconfortável e abaixou a cartola, cumprimentando o joalheiro
grisalho de pé do outro lado do balcão redondo.
— Bom dia, meu senhor — o balconista o cumprimentou. — Em
que posso ajudá-lo?
— Gostaria de comprar um colar para uma senhorita em especial.
— Que tipo de colar, senhor?
— Um simples, mas de valor. — Aiden apoiou o cotovelo no
balcão, coçando o nariz e sussurrando para o homem. — Ela não é muito
dotada de busto.
O balconista aquiesceu com deferência, pegando alguns mostruários
dos mais simples. Aiden os olhou com desprezo.
— São legítimos? — Ele olhou para os pingentes minúsculos e
delicados.
— São para mocinhas, senhor. Costumam ser mais modestos e
ficam bonitos em moças delicadas.
Aiden assentiu, puxando o mostruário para si. Lucille era adulta e,
apesar de franzina, não se assemelhava a uma criança e nem a uma
adolescente. Mas ele já havia percebido que ela gostava de usar uma
pulseira fina e delicada no pulso. Decerto, repudiaria um cordão
extravagante. Aiden tinha quase certeza que ela censuraria qualquer coisa
que ele desse, mas seguiria o conselho de Thadeus.
Não que seu objetivo fosse levar Lucille para a cama.
O que não seria de todo mal…
Mas não era um plano. Definitivamente.
Ele examinou os três exemplares que o vendedor ofereceu.
Correntes de ouro e pingentes pequenos. Um era em um formato de gota,
com uma safira. O outro era um octógono de diamante e ouro branco e o
último, uma folha pequenina de jade.
Diamantes sempre vencem. E combinaria com a pulseira, menos
chances de ela obrigá-lo a jogar tudo pela janela. Se fosse para gastar
dinheiro, que ela gostasse, pelo menos.
— O diamante — Aiden disse, a contragosto, olhando para o lado e
cumprimentando um conhecido bastante surpreso por vê-lo em Londres. —
Coloque na melhor embalagem.

***

Querido Michael,
Escrevo essa carta com grande vergonha e pesar. A essa altura, eu
já estarei casada com outro homem, acredito até que você terá ouvido isso
da boca de outros antes mesmo de ler essa carta. Mas, por favor, não pense
que o desonrei, pois eu não me casei por amor ou paixão. Casei-me pela
minha família e para evitar sua ruína.
Como você deve saber, meu pai tem problemas com apostas.
Recentemente, foi descoberta uma dívida de cem mil libras escondida
durante vinte e cinco anos, uma dívida mais velha do que eu. O dinheiro
pertence ao Sister Mary, cassino do falecido Duque de Devonshire. O atual
duque e homem com quem me casei teve conhecimento dessa dívida e a
usou a seu favor, trocando as cem mil libras pela minha mão. Não fui
forçada a me casar, mas sabia que, se não o fizesse, passaria o resto da
minha vida ao seu lado, mas envergonhada de meu ato, sendo pivô da ruína
dos Mildenhall. Se minha família pagasse a dívida, ficaríamos falidos e
perderíamos o prestígio que temos na sociedade, o que afetaria minha irmã
e minhas sobrinhas.
Creio eu que o falecido duque e meu pai tenham sido bons amigos e
que a dívida fora esquecida em prol da grande amizade. Meu pai não tinha
conhecimento da magnitude do dinheiro que devia ao Sister Mary, tão tolo.
Apesar de tudo, não sinto raiva dele. Sei que ele é um homem bom, mas
avassalado por essa maldição.
Não se preocupe comigo, meu caro, Lorde Chatham não me trará
sofrimentos físicos. Insisti que ele esperasse até a sua chegada, para que eu
pudesse lhe dizer toda a verdade cara a cara, mas o duque persistiu para
que o casamento ocorresse o quanto antes.
Agora vivo no Palácio Greenhill, próximo a North Haven, em
Derbyshire. Mas posso ir e vir a Londres sempre que quiser e espero que
aceite me encontrar assim que chegar. Por favor, me envie uma resposta e
eu irei vê-lo. Não se preocupe com o duque, ele não se importa conosco e
só me quer como uma mãe para seus futuros herdeiros.
Espero sua resposta ansiosamente. Perdoe-me por não o ter
esperado um pouco mais.
Carinhosamente,
Lucy.

Lucille selou a carta e encarou o envelope em suas mãos antes de


assinar o seu nome na frente. Iria embora domingo pela manhã e seu quarto
já estava abarrotado de baús com todos os seus pertences, mais o enxoval e
os vestidos novos. Com um suspiro triste e pesado, ela colocou a carta sobre
a sua escrivaninha e se levantou, caminhando até a janela e olhando para a
rua e os transeuntes passando aos poucos. Damas caminhando, cavalheiros
conversando e carruagens luxuosas andando.
Lucy sentiria tanta falta de Londres e de todas aquelas pessoas
insuportáveis da sociedade. Estava tão acostumada com aquele dia a dia
fútil que aqueles baús imensos só mostravam como ela jamais iria se
adaptar à pacata vida no interior. O que diabos ela faria em Greenhill?
Bordar? Lucille odiava bordar. Não teria festas em North Haven. Talvez
uma quermesse na Igreja, nada muito revigorante. Não que Lucy não
gostasse de ir à Igreja, era uma boa cristã — na sua humilde opinião –, mas
ir todo santo domingo era demais para ela. Não queria ser a bondosa
duquesa que faz campeonatos anuais de flores. Logo ela, que tinha alergia a
pólen.
Pelo menos em Oxford teria mais movimento, pensou, desgostosa.
Bufou irritada, cruzando os braços e se sentando na poltrona perto
da janela. Bufou outra vez, apoiando os cotovelos no peitoril e encarando a
rua vazia de forma nada elegante. Suas sobrancelhas se uniram em desaforo
quando viu o duque passar pela sua rua e parar o cavalo bem em frente à
mansão.
Ele a viu pela janela, abriu aquele sorriso odioso e enviesado e tocou
a aba da cartola. Raivosamente, Lucille fechou as cortinas e se levantou,
saindo do quarto e esbarrando com Gwen na escadaria que dava para o
vestíbulo.
— Tem alguém em casa, Gwen?
— A viscondessa, madame. Está na biblioteca. E Srta. Joanna foi
com o visconde passear no Hyde Park.
— Certo… — Lucy assentiu. — Por favor, termine de pôr os meus
trajes de dormir no último baú. Mas deixe aqueles de renda para trás… não
vou precisar.
— Sim, senhorita.
— Bem… Deixe dois, pelo menos, são bonitos.
— Como quiser, senhorita.
Gwen zarpou como um vento e Lucille desceu as escadas,
encontrando-se com o mordomo, que abria as portas para a visita.
Lucy sorriu para Travor, esperando que o homem confuso visse o
duque.
— Vossa Graça — o mordomo o saudou, como se Lucille não
estivesse atrás dele olhando tudo.
— Parece que a Srta. Mildenhall está à minha espera — Aiden
disse, com falsa simpatia.

***

Lucy estava começando a odiar a sala de visitas de sua casa. Tudo


de que aquele lugar a lembrava eram seus encontros com o maldito duque.
As paredes em madeira branca e seda não eram mais aconchegantes.
— Sei que a senhorita me despreza e confesso que não sinto nada
pela senhorita, mas lhe comprei um presente — Aiden disse, monótono,
pegando o pequeno estojo aveludado de seu bolso. — Desejo que nosso
casamento seja, no mínimo, suportável.
Lucille aquiesceu com uma leve inclinação de cabeça. Lembrou-se
das palavras de seu pai, tentaria aguentar o duque, já que passariam o resto
de suas vidas juntos.
Ele lhe estendeu a mão, entregando o estojo, que ela abriu sem
cerimônia e com demasiado desinteresse. Era um pequeno pingente de
diamante preso em uma correntinha de ouro. Ela puxou o colar modesto e
abriu um sorriso discreto de deleite, era bonito e simples, como ela gostava.
— Obrigada, meu lorde. É muito bonito.
Aiden assentiu, engolindo em seco e apontando rapidamente para a
mão de Lucille.
— Pensei que combinaria com a sua pulseira.
Ela olhou para o acessório em seu pulso e aquiesceu, sentindo
imensa tristeza ao pensar em Michael.
— É verdade. Parece que o senhor presta atenção nos detalhes, não?
Seus olhos não servem apenas para matar criancinhas.
— Deveras — ele proferiu, lacônico.
Lucille abriu um sorriso amarelo para o duque, puxou a correntinha
e a passou pelo pescoço, penando para prender o gancho da joia.
— Gostaria que eu a ajudasse? — Aiden perguntou.
— Não. — Lucy virou de costas para ele.
Ele controlou o riso, coçando sua sobrancelha ruiva com o mindinho
enquanto a esperava fechar a correntinha. Parecia que ela tinha algumas
sardas ao redor da nuca, poucas, mas ele pôde vê-las escondendo-se atrás
dos cachos castanhos. Aiden não desejava Lucille, mas ficou curioso para
ver se suas sardas apareciam apenas onde o sol tocava sua pele nívea.
Finalmente, ela colocou o colar, arrumando-o e virando-se para o
noivo. Aiden aprovou com um aceno de cabeça, aproveitando para olhar
brevemente para o decote discreto que o vestido dela proporcionava.
— Sente-se, madame. — Ele indicou o sofá. — Tenho algo
importante a dizer.
— Diga, meu lorde. — Lucy se sentou.
— Parece que o bairro todo sabe sobre o nosso casamento. A filha e
esposa de um dos meus sócios ouviram fofocas na rua.
Lucille ergueu as sobrancelhas finas, depois assentiu e mordeu o
lábio inferior.
— E então?
— Pensei que gostaria de saber.
— Casamos amanhã, qualquer fofoca não irá me ferir por muito
tempo. Seria ruim caso eu tivesse de passar a semana toda fingindo não
ouvir as insinuações das pessoas.
Aiden concordou, recostando-se no espaldar da poltrona.
— Sinto em lhe dizer, Srta. Mildenhall, durante essa semana ouvi o
que falam da senhorita. Ninguém a condenaria por casar com outro homem.
Dizem que Manley a esqueceu.
Lucy nada respondeu. Sentada muito ereta e altiva, ela encarou os
olhos azuis de Aiden e ergueu as sobrancelhas com sutileza.
— Qual o objetivo do senhor ao me dizer isso? — ela perguntou,
sentindo a garganta arder. — O senhor insinua que Michael não me deseja,
me coloca em uma situação delicada, na qual casar com o senhor é a única
solução, e depois vem até aqui me dizer que ele me esqueceu? O senhor é
louco?
Aiden abriu a boca para responder, mas Lucille o impediu:
— Michael não me esqueceu, ele está servindo ao regimento como
um bom servo da coroa.
— Ele é um conde, aristocratas não servem para nada em um
regimento. Se ele quisesse, voltaria e se casaria muito antes de agora.
— Ele é um homem honrado! — Lucy se levantou, imediatamente
sendo acompanhada por Aiden. — Ele honra com as suas palavras e com o
seu reino. Eu sei que Michael sente por mim o mesmo que eu sinto por ele,
pelas cartas que ele nunca deixou de me mandar. Pela atenção que ele me
deu, mesmo estando longe. E agora eu terei de deixá-lo para casar com um
homem terrível como o senhor. Insensível e estúpido, que não respeita o
meu sofrimento. Pouco me importa o que o senhor acha de Michael, ele não
é mais a criança tímida que o senhor viu em Eton e, com certeza, é um
homem amável e educado.
Aiden cerrou o punho, fitando os olhos molhados de Lucille.
— Vá embora, por favor — ela pediu, secando os olhos. — Quero
aproveitar o tempo em que ainda não sou propriedade de um homem.
Ele continuou a olhando, as sobrancelhas franzidas em
incompreensão. Não entendia o que o fazia tocar em assuntos delicados
como aquele com Lucille. Nunca foi um homem que se divertia por causar
lágrimas às moças. Mas achava tolice dela não perceber que estava a tempo
demais esperando por Michael; a seu ver, jamais deixaria a mulher que ama
o esperando.
Mas Aiden nunca amou nenhuma mulher e nunca foi amado por
uma, também não queria nada daquilo para si. Seu conhecimento em
namoro era tão estreito quanto o conhecimento de Lucille em
gerenciamento de cassinos.
Tirou um lenço de seu bolso, mas Lucille não o pegou. Os olhos
soturnos dela o fitaram outra vez, banhados em lágrimas de tristeza e fúria.
— Não quero essa merda de lenço, Lorde Chatham. Sua “corte” não
me comove ou me conquista.
Ele largou o lenço em cima do braço do sofá, deixando a sala de
visitas e fechando a porta pesada antes de isolar Lucille com seus
sentimentos.
Capítulo 6

O dia do casamento chegou junto de seu vestido de noiva, que teria


de ser usado sem a chemisette, para piorar o humor de Lucille. Os
ganchinhos que Madame Devereux colocara no busto impediam que o
acessório ficasse bonito com aquele vestido. No dia a dia, Lucille não usava
chemisettes. Não gostava delas, queria deixar seu colo despido para que
ninguém a confundisse com uma estudante. Quando a usava, se sentia como
uma beata indo à Igreja apenas com a cabeça de fora; mas, sem um naquele
vestido, sentia-se como uma coquete que adora exibir os seios.
Teria de ser uma coquete no dia de seu odioso casamento. Havia
afrouxado as alças do espartilho de modo que os seios ficassem normais e
não empinados, mas o corpete do vestido já estava modificado o bastante
para tornar os montinhos mais visíveis aos olhos perversos de Aiden.
A contragosto, Lucille alisou o vestido e deixou que Gwen
colocasse o véu em seu penteado. Sem o auxílio de uma chemisette, a
camareira colocou um lindo xale de musselina e renda ao redor do colo de
sua lady e o prendeu ao vestido de modo que parecesse fazer parte dele.
— Você está muito bonita, meu bem — Clarisse disse, sorridente,
mas com lágrimas nos olhos. — É uma pena termos de nos separar assim
tão rapidamente… lamento muito, filha, mas sabe que sempre estamos à
mercê das escolhas dos homens.
— Não se preocupe, mãe… nos veremos no Natal, junto de toda a
família maléfica dos Chatham.
— A propósito — a mulher se levantou e foi até a porta do quarto,
trancando-a —, os irmãos do duque estão aqui junto das esposas. Sei que
ele tem uma irmã, mas ela vive em York com o marido e por isso não deve
ter vindo.
Lucy arregalou os olhos, olhando assustada para a mãe.
— Como isso? Não convidamos ninguém!
— Vieram com os próprios pés, moram a uma quadra daqui. Travor
está com os nervos enlouquecidos porque ninguém se preparou para uma
visita assim e “não temos um banquete para servir”.
— Que homens abusados. Devem ser como o irmão mais velho —
Lucille disse, rancorosa, voltando a se olhar no espelho e esconder o corpo
com o xale. — As esposas devem ter sido igualmente forçadas ao
matrimônio, pobres coitadas. Aposto que estão deprimidas e mal
alimentadas.
Clarisse inclinou o pescoço sutilmente, sentando-se outra vez na
cama da filha e dando um muxoxo impaciente.
— Sem querer me intrometer, madame… — Gwen disse, baixinho.
— Mas eu os vi e, apesar da semelhança física, são homens agradáveis. E as
esposas parecem felizes perto deles.
— Impossível — Lucy franziu o cenho. — Sabe o que me
surpreende mais? Saber que ele tem uma família que se preocupa com ele.
Ele é tão desprezível, mãe! Faz-me chorar e não sente um pingo de empatia
pelas minhas lágrimas. Qualquer homem que tenha uma irmã compreende o
mínimo do universo feminino e sabe tratar uma mulher com decência. Ele
não para de olhar para os meus seios!
— Lucille, seja menos pessimista. — A viscondessa revirou os
olhos. — É assim que será, você se casará e não adianta resmungar o tempo
todo. Sabemos que não gosta do duque, mas não creio mais que ele seja de
todo o mal. Ele é bonito e rico.
— Beleza e dinheiro não valem nada se a pessoa não tem
sensibilidade, mãe.
— Homens solteiros e ricos não tem sensibilidade, minha cara. E,
quando parecem ter, certamente estão fingindo. Agora, coloque um sorriso
bonito, levante-se e se case com ele, porque todo mundo pensa que estão
perdidamente apaixonados.
Lucille balançou a cabeça em desgosto, levantou-se e arrumou o seu
véu para lhe cobrir o rosto entristecido. Parou diante da porta, fechou os
olhos e rezou o pai-nosso mais rápido de toda a sua vida.
Sendo acompanhada pela sua mãe, desceu as escadas pensando em
como sua vida mudaria a partir do dia seguinte. Deixaria Londres, sua
família e suas amigas por um bom tempo até que as visitas começassem e
as cartas chegassem.
Sentia-se mal por guardar segredo delas, com certeza todas ficariam
horrorizadas quando soubessem do casório e cartas chegariam aos montes
em Greenhill. Cada uma mais ofendida que a outra por não ter recebido um
convitezinho sequer.
Avistou seu pai ao pé da escada, esperando-a fielmente, até apanhá-
la pela mão e lhe abrir um sorriso piedoso.
— Você está linda, Lucy. Apesar de cobrir o rosto.
Ela conseguiu abrir um sorriso por detrás de seu véu. Queria
esconder seus olhos tristes e não ferir mais seu pai, pobre homem.
— Perdoe o seu velho pai, minha querida.
— Eu o amo, papai. — Lucy levantou o véu apenas para sorrir para
o homem triste. — O senhor logo esquecerá disso quando ganhar um novo
netinho.
O visconde riu baixo, balançando a cabeça e arrumando o véu de
Lucille.
— Sei que ele não lhe fará mal fisicamente, não deve se preocupar
com as núpcias.
— Mas e quanto ao meu coração? — ela perguntou, olhando nos
olhos castanhos do pai por detrás da renda branca. — Não acha que ele
sofrerá?
— Não há nada que o tempo não cure — John proferiu. — Você
verá que não conhece tudo que pensa que conhece, minha menina. A vida
nunca é como imaginamos e planejamos.
Lucy o olhou confusa, mas se distraiu com a visão de duas mulheres
acompanhando Joanna.
A pequena Mildenhall estava andando entre as duas: uma de cabelos
castanhos e lisos e outra com belos cachos cor de trigo. A loira era
rechonchuda e baixinha, mas de presença imponente e andar vaidoso. A
morena era igualmente pequena, mas de silhueta magra e fraca. Precisava
de um pouquinho de cor no rosto.
— Oh, Lucy, como está bonita! — Joanna abriu um sorriso enorme,
indo até a irmã e a olhando de cima a baixo. — Mamãe, quero um vestido
igualzinho!
Lucille riu sem muita convicção, agradecida por estar com o véu e
poder olhar as duas Chatham discretamente.
— É um prazer conhecê-la, Srta. Mildenhall — a loira disse, com
deferência e um notável sotaque francês. — Eu sou Louise e essa é Sylvia,
espero que sejamos amigas e irmãs. Somos cunhadas do Lorde Chatham.
Lucy as reverenciou, tomando coragem para levantar o véu e olhá-
las melhor.
— Adoraria conversar, mas preciso me casar — ela disse, nervosa,
mas mantendo um educado sorriso. — Imagino que o duque esteja cansado
de esperar pela noiva.
As duas damas riram e assentiram antes de se darem os braços. Elas
não pareciam infelizes e eram amigas. Muito bem cuidadas e sem nenhum
indício de sofrerem nas mãos dos maridos. Sylvia parecia ser uma mulher
de certa delicadeza, um homem que a ferisse iria imediatamente para o
Inferno quando encostasse a mão nela. Mas ela estava feliz e bonita, Lucy
sabia que ambos já tinham filhos. Dois ou três cada, não sabia ao certo.
Eram mais velhas que ela e haviam casado fazia alguns anos.
— Depois da cerimônia serviremos um brunch — Clarisse
anunciou, com sua voz melodiosa e seu sorriso encantador. — Insisto que
fiquem, apesar da informalidade do casamento.
— Seria encantador. — Sylvia sorriu de orelha a orelha. — Uma
hora a mais não fará mal, sei que nossos bebês não sentirão tanta falta de
nós.
— Eu estava as levando até o lavabo — Joanna explicou, no meio
da conversa. — Mas já estamos voltando.
— Joanna, pelo amor de Deus — Clarisse disse, entre os dentes,
ignorando o riso abafado do marido, que ouvia tudo em silêncio. — Não se
deve falar dessas coisas na frente de ninguém.
A menina cobriu os lábios e pediu desculpas em um sussurro
envergonhado. As mulheres Chatham apenas riram uma para a outra,
bastante divertidas com aquele casamento abominável.
— Vamos? — A Viscondessa sorriu sem jeito para Louise e Sylvia.
— A noiva deve entrar com o pai, não com um batalhão.
As damas assentiram, seguindo com Clarisse para dentro do salão da
Casa Mildenhall. Lucille respirou fundo, ficando outra vez apenas com o
pai.
— Você ainda pode desistir, Lucy. Sabe disso.
— Desistir a essa altura seria covardia. Serei a pior esposa de todas
e ele lamentará ter feito isso conosco. Deus será misericordioso e me dará
um bando de filhas, nenhum menino.
John resfolegou com um risinho baixo e estendeu o braço para a
filha. Lucille o segurou, arrumando o lenço e ordenando para que seu tolo
cérebro parasse de pensar na pulseirinha que roçava em seu pulso.
Michael era seu passado.
***

Aiden estava nervoso, por mais tolo que aquilo fosse para ele.
Estava nervoso porque teria alguém invadindo a sua rotina em Derbyshire,
indo viver em sua casa e fazendo parte da sua vida. Aquilo era assustador.
Ele não amava Lucille, nem ao menos a conhecia. O que sabia dela? Que
tinha alergia ao pólen e que o detestava.
Que ótimo, pois ela viveria em uma enorme casa de campo cheia de
flores e com ele.
Se fosse apaixonado por Lucille, nada daquilo seria enervante e ele
estaria satisfeito em casar na Igreja, na frente de todo mundo. Mas aquilo
não era por ele e nem pelo pagamento de uma dívida. Sister Mary não
precisava de cem mil libras, nada aconteceria caso ele tivesse enfiado a
ficha de John novamente nas profundezas do almoxarifado ou a tivesse
rasgado de vez.
Mas não era por ele. Era por algo importante.
Evitava olhar para os irmãos, mas não demorou para Matthew se
aproximar. Maldito fosse Matt, conhecia Aiden bem o bastante para saber
que aquilo tudo era uma farsa.
— Por que você vai se casar aqui e não na Igreja?
— Porque eu quero.
Matthew assentiu sem muita convicção, coçando o queixo e olhando
Louise entrar com Sylvia, Clarisse e a pequena Joanna. A esposa lhe abriu
um sorriso discreto e o chamou com a mão para se sentar ao lado dela.
— Tem certeza que gosta dela? — ele sussurrou, acenando para que
a esposa esperasse um momentinho.
— Tenho — Aiden grunhiu, olhando de soslaio para o vigário.
— Tem certeza?
— Por que você não vai se foder?
O vigário pigarreou alto, fazendo os dois homens se desculparem.
— Só me diga uma coisa, Aiden… — Matthew se aproximou mais.
— Isso tem algo a ver com o cassino?
O mais velho o olhou sério e aquiesceu sem nada acrescentar.
— E com a sua coleção de bonecas, eu presumo. Precisa de alguém
para te ajudar a… polir a porcelana. Bom, espero que depois dessa parem
de chamá-lo de Duque Louco. A fama se alastrou, acham que você vive
trancafiado no meio do nada. Com bonecas. Espero que essa pobre moça
aceite sua… loucura.
— Sua esposa está sozinha — Aiden indicou Louise sentada ao lado
de Joanna.
— Tudo bem. Sorte sua que George é um miolo mole, ele e Sylvia
realmente acreditam que você e a Srta. Mildenhall estão apaixonados.
Charlie respondeu à carta e disse que está feliz por você ter conhecido o
amor.
— Vá se sentar logo, está atrapalhando a cerimônia.
O mais novo levou a mão ao bolso e tirou de lá um anel de ouro
com uma estonteante pedra de safira rodeada de pequenos diamantes.
— Eu pensei que estivesse em Greenhill — Aiden olhou surpreso
para o anel de sua mãe.
— Louise achou no antigo quarto da mamãe, lembra que ela não
usava por medo de perder? — Matthew sussurrou, colocando a joia na mão
do irmão. — Deve ter se esquecido dele quando fomos todos para Greenhill
cuidar do papai…
Aiden olhou para o anel da sua mãe, guardando em seu bolso.
— Gastei cem libras na porcaria de um colar para a Srta.
Mildenhall.
Matthew suspirou, piscou com certa impaciência e foi para perto da
esposa, resmungando algo sobre como o irmão era idiota.
Aiden se empertigou, olhando na direção da porta aberta e
respirando fundo. Se casaria com Lucille, passaria o resto dos dias
convivendo com aquela criatura irritante que despreza seus presentes. Ele
nem sabia como teriam filhos: se Lucille não quisesse fazer amor com ele,
ele jamais a forçaria.
Um bastardo com Michael era inviável. Aiden não se importava se
ela quisesse ser amante daquele molenga, mas seu futuro herdeiro teria de
ter o seu sangue e, seguindo a tradição, cabelos bem ruivos. E se não nascer
com os olhos azuis da família ou os cabelos de fogo dados pelos seus pais,
Aiden saberia na hora que a criança não era dele.
Engoliu em seco, pigarreando e olhando para o vigário. O homem
anunciou que a cerimônia começaria e Aiden prendeu a respiração, olhando
para o vão da porta. Um vulto branco apareceu e ele ficou ainda mais tenso.
Lucille e o pai adentraram o salão, a noiva coberta com seu véu e
segurando no braço do homem que a levava ao altar. John não esboçou nada
além de cansaço, mas Aiden não estava olhando para ele. Estava olhando
para Lucy, ansioso para ver o rosto dela e descobrir se ela estava tão tensa
quanto ele.
John a entregou ao noivo, despedindo-se com o beijo na mão
enluvada da filha. Aiden continuou com os olhos mirados no rosto coberto
de Lucille, tendo um vislumbre dos olhos castanhos e enormes da moça.
Tão frios quanto os dele, firmes e sem esboçar tristeza.
O vigário se pôs a falar, mas Aiden não deu o mínimo de atenção às
palavras do homem. Respondia tudo no automático e parecia que Lucille
fazia o mesmo por detrás de seu véu. A voz monótona e baixa,
acompanhando o vigário junto de Aiden.
Deram-se as mãos, seguindo as ordens do religioso. Lucille, em sua
proteção, olhava diretamente nos olhos azuis de Aiden. Se ele pensava que
daquela forma a atingiria de algum modo, estava enganado. Lucy não se
intimidava com duas malditas íris acostumadas a controlar tudo e todos.
Mas não pôde deixar de ignorar o calor intenso das mãos dele, ou o
homem era quente como o inferno ou estava nervoso. Ela abriu um sorriso
jocoso, imaginando que ele estaria nervoso com aquilo tudo. Arrependido,
talvez. Ele poderia desistir, o vigário estava quase chegando à pergunta
crucial. Ele poderia deixá-la livre para ficar com Michael.
Ele poderia apenas…
— Eu, Aiden Vincent Chatham, recebo por minha esposa — Aiden
quebrou o silêncio, trazendo Lucille para a realidade com seu discurso
distante e apático — a ti, Lucille Anne Mildenhall, e prometo ser-te fiel,
amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos
os dias da nossa vida.
Lucille engoliu em seco, olhando de soslaio para a porta na
esperança de que Michael pudesse aparecer para salvá-la.
Olhou para os pais, sentados à frente, e viu os olhos triste de John e
o sorriso condolente de Clarisse.
Joanna, tão bobinha, sorria contente com aquela cerimônia esquisita
no meio do salão de sua casa.
Matthew e George, dois ruivos Chatham, olhavam-na com interesse,
esperando uma tragédia grega naquele casamento inusitado assim que
Lucille negasse tudo.
Ela voltou a olhar para Aiden e, com a mão livre, levantou seu véu e
encarou seu futuro marido ao proferir:
— Eu, Lucille Anne Mildenhall, recebo a ti, Aiden Vincent
Chatham por meu esposo , e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na
alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida.
Aiden levou a mão ao bolso, tirando o anel de sua mãe e
controlando um riso ao ver os olhos de Lucille ficarem ainda maiores.
Segurou outra vez a pequena mão dela e vestiu-lhe o anel escandaloso,
finalizando tudo ao beijar os nós de seus dedos finos.
— Sra. Chatham — ele sussurrou, cadenciadamente, sem tirar os
olhos dos de Lucille. — Até que a morte nos separe.

***

Travor era um mordomo exemplar, mas ninguém poderia


desmerecer o trabalho da cozinheira e sua assistente quando o brunch foi
servido ricamente na sala de almoço. Graças ao bom Deus, Joanna havia
sido exilada em seu quarto e os adultos da casa sentaram-se juntos para a
primeira refeição em família.
Lucille havia acabado de casar e tudo parecia o mesmo. Exceto pelo
peso do seu anel de duquesa. Bem, parecia que ela era uma duquesa agora e
era uma Chatham. Deveria se sentir diferente? Duquesas se sentem de um
jeito diferente?
Estava tudo igual.
— A senhora tem uma casa linda, Lady Mildenhall — Sylvia disse,
com um sorriso animado. — Tão bem decorada. Tenho uma filha de cinco
anos que já sabe como quebrar as coisas. Minha pequena Jane é muito
serelepe. Imagine quando vierem os meninos. A babá ficará enlouquecida…
— A melhor e a pior idade das nossas crianças — Clarisse sorriu
verdadeiramente. — Surpreende-me o fato de já tê-la visto e nunca
imaginar que era uma Chatham.
Sylvia sorriu sem jeito e olhou para o marido George. O homem
mais jovem da família tinha vinte e seis e Sylvia tinha vinte e cinco. Pelas
contas mentais de Lucille e a idade dos filhos dos irmãos, todos casaram
bem cedo com moças em ótima idade. Aiden era o único atrasado, logo o
mais velho e herdeiro.
Lucille também não se surpreendia, insuportável daquele jeito.
— George não gosta muito de eventos sociais, quase sempre estou
acompanhada apenas de Louise — Sylvia explicou. — Todos os ruivos. Até
mesmo Charlie.
Mal de família, Lucille pensou sozinha, enquanto olhava feio para
Aiden. Ele lhe abriu um sorriso jocoso, erguendo a taça de suco sutilmente.
Lucy pegou o garfo, enfiando-o na linguiça em seu prato e a cortando no
meio violentamente.
— E então, Sra. Chatham?
Lucille continuou mastigando, demorando para perceber que a Sra.
Chatham era ela, e não Louise ou Sylvia.
Ela virou o rosto sutilmente, recebendo um educado e modesto
sorriso de Matthew. Os cabelos eram tais com os de Aiden, um ruivo vivo e
vibrante, muito bonito. Era magro e esbelto, o rosto não era tão tenso, mas
não lhe faltava virilidade. E os olhos eram do mesmo azul intenso que os de
Aiden, mas nem um pouco assustadores. Aquele, sim, era um cavalheiro
galante e muito bem refinado, não parecia com um orangotango.
— Gostaria que me chamasse apenas de Lucy, Sr. Chatham, somos
todos irmãos agora, não é?
Matthew assentiu, controlando um sorriso e olhando de soslaio para
sua esposa do outro lado da mesa. Louise lhe lançou um sorriso maroto e
Lucille imediatamente desconfiou daqueles dois. Eles sabiam.
— Meu irmão é um homem de difícil convivência, Lucy. Mas com o
tempo verá que ele é um bom sujeito e gostará dele.
Lucille o olhou, fingindo confusão e tombando a cabeça para o lado
charmosamente antes de perguntar:
— O que o faz duvidar de minha afeição por ele, Sr. Chatham?
Matthew franziu o cenho, parecendo bastante transtornado. Lucille
deixou os talheres de lado e olhou para Aiden, que passara o tempo todo
ouvindo aquele pequeno diálogo.
— Estou perdidamente apaixonada por Aiden e não poderia ficar
mais satisfeita — ela anunciou, ganhando a atenção imediata de todos na
mesa. — Decidi que queria um casamento mais íntimo, pensei que não
fosse controlar o meu desejo de segurar-lhe as mãos e beijá-lo, então achei
melhor ficar longe das mexeriqueiras. Felizmente, dominei minha paixão
pelo meu tão querido Aiden, apesar de toda a privacidade que a cerimônia
ofereceu. Não é, amor?
Todos rapidamente olharam para Aiden, os olhos arregalados dele
suavizaram e ele falou em um tom estranhamente carinhoso para os ouvidos
de Lucy:
— É claro, meu anjo. Nada me faz mais feliz que ver o seu lindo
sorriso.
O rosto de Lucille enrubesceu imediatamente e seus olhos ficaram
grudados nos cristais azuis de Aiden. Ele sorriu, um sorriso simples que
moveu todo o seu rosto de forma relaxada e tranquila. Ele fingia tão bem
que Lucy ficou verdadeiramente afetada.
John e Clarisse se entreolharam, o visconde pigarreou e segurou a
própria taça antes de se levantar e acabar com aquele silêncio excruciante.
— Que tal fazermos um brinde ao mais novo casal antes da partida?
Todos se levantaram de imediato, erguendo as taças e brindando à
Lucille e Aiden. Ela o olhou rapidamente, vendo que seu rosto havia
retornado à rigidez de sempre. Se ele sorrisse daquela forma mais vezes. Se
ele ao menos não fosse tão terrível e mal-educado, Lucille poderia apreciar
a vida com ele, mesmo que jamais viesse a se apaixonar.
Mas, no instante em que ele a olhou por detrás da taça, Lucy se
lembrou quem Aiden era: o homem que a comprou por cem mil libras.
Capítulo 7

Quando a noite caiu e Lucille se deitou em sua cama, tudo o que


lhe vinha à mente era o sorriso amável de Aiden. Um sorriso tão lindo que,
embora tenha durado menos de cinco segundos, deixou Lucy aturdida.
Como um homem tão estúpido podia sorrir e dizer aquelas palavras
de forma tão verdadeira e carinhosa, mesmo fingindo? Deus, ele era um
bom ator. E Lucille era uma tola por ficar corada ao lembrar da forma como
ele a olhou.
Ela estava apenas carente de olhares afetuosos. Era isso.
Com Michael longe há dois anos e meio, Lucille sentia saudades de
quando ele a olhava apaixonadamente enquanto ela tagarelava sobre suas
frivolidades diárias.
Tirando-a dos devaneios, Clarisse entrou sorrateiramente no quarto
da filha, que a olhou com um sorriso lacrimoso.
— Está pensando no Michael, não está?
Lucy assentiu, mentindo. Mas sua mente vagou até o antigo noivo e
seu coração apertou. Ela não podia ficar se desmanchando com os sorrisos
de outro homem enquanto Michael estava a caminho de um casamento com
ela.
— Lucy, esqueça Michael, minha querida. Esqueça e você poderá
viver em paz consigo mesma.
— Não posso… Não quero, mãe — Lucille lamentou, sentindo seus
olhos arderem em lágrimas. — E-Ele… ele me notou, como se eu fosse a
mais bela de todas, enquanto eu sabia que era comum e desinteressante. Eu
me sinto tão especial por causa dele… não me sinto mais sem graça e
apagada. Sinto-me além de um dote falido.
— Eu sei, meu bem. Mas nem sempre a nossa primeira paixão é
para sempre.
Lucy balançou a cabeça em negação, secando os olhos e se
afundando mais no travesseiro.
— Você o ama, Lucy? Ama o Michael?
Ela não respondeu de primeira. Aquela mesma pergunta que Aiden
fizera e que lhe causou imenso desconforto por não saber responder.
— Eu não sei dizer, mãe… Não sei dizer o que é amor. O duque me
perguntou, mas eu não soube o que responder e me senti tão tola. Entende?
Senti como se eu devesse amar Michael, mas a verdade é que eu nunca
parei para pensar nisso.
Clarisse assentiu, olhando com pesar para a confusão da filha.
— Se me perguntarem o que é amor em relação ao papai, Joanna,
Mary e Amélia, amor em família… eu saberei dizer, mas amar a um
homem… E-Eu não sei, mãe. Mas eu sei que amaria o Michael se
pudéssemos conviver mais, quando nos casássemos e vivêssemos juntos.
— E se não o amasse? — a Viscondessa perguntou, cautelosa. — E
se, com o tempo, tudo isso que idealizou não acontecesse?
Lucy entreabriu os lábios, bastante confusa.
— Mas a senhora e o papai…
— Eu e seu pai nos conhecemos quando éramos crianças, meu bem.
Eu sempre o quis bem, embora antes do casamento ele fosse apenas um
amigo. O amor não acontece sempre, sei que tive sorte de amar seu pai.
— Mas eu posso vir a amar Michael, como qualquer pessoa pode vir
a amar o marido — Lucille disse, apressada. — Com a convivência, o
tempo. O amor só nasce na convivência, não?
— Então isso deve valer também para o seu marido, não? O terrível
Duque Louco.
— Jamais — Lucille disse, com veemência. — Ele é deplorável, não
há nada favorável para o nascimento de um amor. Ele não está aberto a
oportunidades e muito menos eu. Não com ele. Veja só, estou no meu
quarto de solteira e ele está sabe-se lá onde, sendo que acabamos de nos
casar! É claro que eu não queria dividir uma cama com ele, mas mesmo
assim!
Clarisse assentiu com um sorriso discreto em seu rosto. Tocou os
cachos ralos que formavam a franja de Lucy e beliscou sua bochecha
carinhosamente.
— Ele a olhou de uma forma bem carinhosa hoje, não acha? Parecia
mesmo que você era o anjo dele. E o sorriso dele é muito bonito.
— Ele é louco de me dirigir galanteios na frente do papai — Lucy
rebateu, constrangida, ignorando o rubor em seu rosto. — Ele é um ótimo
ator, inclusive. Pois nenhum de vocês viu como ele é de verdade.
— E você viu? — a mulher perguntou, erguendo uma sobrancelha
em uma afronta jocosa. — Durante essa longuíssima semana, você traçou
todo o perfil dele? Conheceu seus segredos íntimos, seus sentimentos, o que
o faz sorrir ou chorar?
— B-Bem…
— Eu penso, então, que ele deve julgá-la como uma garota irritável
e petulante, pois foi assim que você se portou durante a semana toda. Seria
justo ele dizer que você é uma mulher respondona? Julgá-la assim, sem ao
menos conhecê-la? Você é uma mulher doce e amorosa, dê-lhe tempo de
ver que você pode ser uma boa esposa. E espere para ver se ele é um bom
homem.
— A senhora agora está do lado dele? — Lucille empinou o nariz e
cruzou os braços. — Ele nem ao menos tem o mesmo sotaque que as
pessoas daqui. Nem parece que é um dos nossos.
Clarisse riu baixo, balançando a cabeça em descrença.
— Eu estou do lado da lógica, Lucille. — Ela se levantou, afagando
os cabelos da filha e dando uma batidinha calma em seu ombro. — Durma,
querida. Amanhã será um grande dia. E deixe o homem falar como quiser.
Lucille suspirou com tristeza.
— Vocês irão para Kent? — Lucy perguntou.
— Iremos. Mande suas cartas para lá.
Ela assentiu, sentindo-se solitária repentinamente.
— Vamos nos ver no Natal, não é? Eu mandarei cartas sempre.
— É claro que sim, meu bem. A família inteira visitará Greenhill.
Agora, durma e pare de pensar nele, certo? Você é uma duquesa a partir de
hoje e duquesas precisam de horas extras de sono.

***

Gwen estava ainda mais rosada do que o normal. Animada por ser a
camareira de uma duquesa importante, a jovem parecia estar nas nuvens . E
o cocheiro de Aiden não deixou de notar, lançando um sorrisinho para
Gwen, como se o patrão não tivesse percebido o flerte entre os dois.
Falando no diabo, ele havia sido bondoso e arrumado um coche a mais para
transportar sua mercadoria – Lucille, no caso – sem ter de passar dias ao
lado dela.
Lucille estava muito agradecida, acreditava até que não caberia no
mesmo coche que aquele brutamontes ruivo. Passaria a viagem toda ao lado
de Gwen. Com uma camareira tagarela e animada como a que tinha, Lucy
jamais passaria um minuto sequer pensando no passado.
A caravana era grande: os dois coches para o duque e a duquesa e
mais um carro para os baús de Lucille e outros pertences de Aiden. Quis
perguntar se ele não estava esquecendo das suas coisas bizarras de boneca,
mas o marido parecia muito enfezado com o cocheiro que havia alugado
para ela. Falava baixo, mas a expressão estava séria e sisuda.
— Parece que está tudo em ordem — John disse, com um sorriso
fraco e tristonho. — Eu sabia que um dia você se casaria e iria embora, mas
nunca é fácil me separar de minhas filhas.
— O senhor não fez tanto drama quando Mary e Amélia foram
embora — Lucy brincou, segurando as mãos do pai e dando um beijo em
cada uma delas.
— Você sabe que é a minha favorita, Lucy.
— O quê? — Joanna empurrou a irmã para longe do pai e abraçou
John, colocando o queixo em sua barriga e o fuzilando com os olhos
enormes. — Mas e eu, papai?
— Você é a minha favorita das que ainda são bebês, minha querida.
— Eu não sou um bebê… — ela respondeu, ofendida, soltando o
pai e indo para a mãe, que ria baixinho.
Lucille sorriu, já se sentindo nostálgica, beijou o rosto de seu pai
uma última vez antes de partir e foi até sua mãe. Ah, Lucy amava tanto a
sua mãe. Sempre que se sentia confusa, Clarisse a acalentava e lhe falava
palavras de conforto e sabedoria, fazendo-a ver o outro lado da moeda e
repensar seus sentimentos em relação aos seus problemas. Mas, apesar de
toda a ajuda de sua mãe na noite passada, Lucille não se sentia nada tentada
em amar Aiden ou ser amada por ele. O que desejava era viver separada
dele em Greenhill, encontrando-se com o marido apenas para os tão
repudiados deveres matrimoniais.
Apesar de tudo, mesmo ainda pensando em Michael e usando a sua
pulseira, Lucy desejava poder mudar e esquecê-lo, embora jamais fosse
amar Aiden. Somente esquecer Michael e aquele momento de sua vida a
faria se sentir melhor em Derbyshire. Ela sabia que tinha de dar um passo
adiante, ver que a rotina mais que aquele conto de fadas que criara em sua
cabeça enquanto viveu protegida pelos pais em Londres.
— Prometa que vai me escrever assim que chegar, contando-me
tudo sobre a propriedade. — Clarisse a puxou de seus devaneios,
arrumando o chapéu de sua filha e firmando o laço abaixo de seu queixo. —
E prometa também que vai se esforçar para conhecer o duque.
— Se ele for mesmo um energúmeno, mandarei uma carta para a
senhora listando todos os porquês de eu ter razão — ela disse, com bom
humor. — E Gwen será minha testemunha.
A viscondessa sorriu risonha, abraçando sua filha e dando um beijo
em sua mão pálida antes de arrumar sua luva. Levou-a até o próprio rosto,
finalizando com um delicado beijo em sua palma.
— Estou ansiosa para o Natal, filha.
— Lucy — Joanna interrompeu, tocando o braço da irmã e
ganhando sua atenção —, escreva para mim também, minha letra está muito
mais bonita agora, depois que o papai contratou outra professora.
Lucille gargalhou, tocando o cantinho de seus olhos e se abaixando
para abraçar a irmã.
— Claro que escreverei, sua tolinha. Não se esqueça de me contar
todos os detalhes, certo? Leia bastante, nunca deixe de ler e aprender. Não
dê atenção para o que os homens pensam, seja uma menina inteligente. Eles
são todos uns babuínos.
Joanna assentiu com veemência e um sorriso feliz.
— Não se preocupe, eu não gosto dos meninos.
John e Clarisse se entreolharam, pigarreando baixinho. Lucy apenas
riu, tocando o rostinho alegre da irmã.
— Eu sei, meu bem — ela sussurrou e Joanna concordou. — Eles só
servem para pegar coisas nas prateleiras altas. E me desculpe se fui rude
com você essa semana. — Lucy lhe beliscou a bochecha. — Agora estou
melhor.
— Já me acostumei — Joanna suspirou, dramaticamente. — Acho
que o duque está chateado de tanto esperar.
Lucille virou-se para Aiden, que a esperava do lado de fora de seu
coche, de pé e bastante indiferente. Lucy poderia ficar horas se despedindo
que ele continuaria oco daquele jeito. Mas ela também queria logo ir
embora, se ficasse por muito tempo ali arrumaria uma forma de fugir de
suas novas responsabilidades.
Despediu-se outra vez dos pais e da irmã cheia de beijos e abraços
calorosos e olhou para seu mais novo marido. Marido. Que sentimento
estranho borbulhou na barriga dela, como se grilos estivessem saltando lá
dentro de forma bem desconfortável.
Respirou fundo e assentiu para Aiden, indo para o seu coche junto
de Gwen e encarando o forro azul-marinho. Os cavalos se moveram e o
carro andou, levando-a, finalmente, para longe de sua antiga vida, que, há
uma semana, era a única que conhecia.

***

Horas de viagem e o traseiro de Lucy estava dormente. Gwen


dormiu feito uma pedra após tagarelar animada e Lucille tentou ler um livro
da camareira, mas logo se chateou com o romance de baixa qualidade e o
deixou de lado. Olhou o caminho pela janela até que a paisagem urbana de
Londres sumiu e Lucy parou de se martirizar. Pensou como Aiden estava se
sentindo em relação ao casamento, sozinho em seu coche. Ela estava
agoniada, imaginando todo o seu futuro com aquele homem estranho.
Depois do último encontro com o duque antes do casamento, os dois
não trocaram mais nenhuma palavra que não fosse obrigatória. Apesar
daquilo, Lucille usava o colar que ganhara, já que nunca havia tido um
diamante. Contudo, mantinha o anel da falecida duquesa dentro de sua
bolsinha, temendo perder caso escorregasse de seu dedo.
Já haviam entrado em um novo condado quando o coche parou e
Lucy acordou Gwen de supetão. A camareira tocou o rosto e arrumou os
seios fartos depois de uma bela soneca, olhando o céu alaranjado pela
janelinha de vidro.
— Já chegamos, madame?
— Ainda não, Gwen. Sabe como é longe… — Lucy bisbilhotou
pela janela e viu uma enorme pousada. — Acho que vamos pernoitar por
aqui.
— E onde será que estamos, madame?
Lucille olhou novamente e tentou ler a placa do estabelecimento.
— Não sei…
A porta se abriu e o condutor do coche puxou o degrau para Lucy
descer. A duquesa o fez bastante confusa, vendo que Aiden já estava do
lado de fora, conversando com o seu cocheiro.
— Onde estamos? — ela perguntou ao homem.
— Nos limites de Hertfordshire, madame.
— Você sabe quanto tempo a viagem durará?
— Dois dias, no máximo, Vossa Graça. Se não fizermos muitas
paradas.
Lucille assentiu, exausta, arrumando sua bolsinha em seu pulso e
caminhando até Aiden despreocupadamente.
— Por que paramos?
— Para comermos — ele disse, lacônico. — Está com fome?
— Estou… — ela respondeu, penosa, olhando para a pousada
aconchegante.
Aiden percebeu o olhar caído dela sobre a pousada e a fumacinha
convidativa que saía da chaminé da cozinha.
— Quer passar a noite aqui?
— Vamos continuar depois, não gosto de viagens longas. Quero
chegar o quanto antes. Bom, os cavalos estão bem?
— Serão trocados.
Ela assentiu, sentindo-se estranhamente sem jeito naquela conversa.
Se passar a noite ali significava consumar o casamento, ela só quereria
parar em uma hospedaria quando chegassem no fim do mundo.
— Os criados querem dormir?
— Eles estão bem, Lucille.
Lucy assentiu mais uma vez, agora achando esquisito o seu nome
sair puro da boca de Aiden. Não era mais a Srta. Mildenhall. Era a Sra.
Aiden Chatham.
— Vamos entrar e comer — Aiden a tocou na base da coluna e a
empurrou delicadamente pelo caminho.
Lucille engoliu em seco, apertando sua retícula nas mãos e seguindo
com o marido. O toque íntimo dele não a assustou, mas lhe era bastante
inusitado.
Aquilo a fazia pensar em Michael e em como ele mal a tocara.
Tirando o primeiro, os outros beijos de Michael foram respeitosos e suas
mãos jamais deslizaram pelo seu corpo, nem as dela tiveram a coragem de
fazê-lo. Lucille não achava errado ou incômodo o fato de Michael sempre
ter sido muito cavalheiro, mas ela sempre se sentiu empacada nos seus
desejos de ser abraçada com ardor e paixão, de ser beijada com mais desejo
e de ser adorada por Michael como uma mulher. Tinha vergonha de
expressá-los ao namorado por ele nunca ter pronunciado os seus.
Agora o toque quente da mão de Aiden em suas costas a fazia
imaginar como era ser envolvida pelos braços calorosos de um homem que
a amasse. Mas, ao pensar nesse contato com o duque, Lucille sentiu
completa aversão à imagem dos dois juntos.
Ela engoliu em seco outra vez, adentrando a pousada e sendo
recebida pelos olhares curiosas dos viajantes. Cada tipo mais estranho que o
outro, mas também havia famílias unidas e comuns, crianças barulhentas e
governantas carrancudas.
Aiden a levou em direção a uma porta no final do salão, abrindo-a e
dando espaço para Lucy entrar em uma sala privativa grande e bem
decorada, na forma mais aconchegante que o interior oferecia. Tudo lhe
remetia à casa de uma vovozinha rechonchuda que gostava de fazer
bolinhos para os netos. As cortinas eram bordadas e com renda, havia
quadros de frutas, flores e cachorrinhos.
— O dono dessa pousada tem um gosto bem… adorável — Lucy
comentou, andando até a mesa grande e com uma garrafa de vinho os
esperando.
— É uma mulher — Aiden explicou, puxando a cadeira para Lucille
se sentar.
Ela assentiu, franzindo o cenho e arrumando o guardanapo no colo.
Uma garçonete entrou com um sorriso educado, reverenciando os dois
respeitosamente antes de apresentar o cardápio da noite. Nada muito
extravagante, como Lucy estava acostumada a comer. Era comida de
verdade, o suficiente para ela ficar de barriga cheia até a próxima parada.
Os dois ficaram sem trocar uma palavra enquanto esperavam pelo
jantar. Aiden parecia entretido em ler um livreco que ele tirou do bolso e
Lucille ficou encarando o marido durante o tempo todo, mas ele não a
olhou hora nenhuma.
Era como se ela nem estivesse ali. Em uma maldita pousadinha a
caminho do meio do nada.
A garçonete retornou depois de excruciantes longos minutos e
serviu o jantar para os dois, obrigando Aiden a largar o livro e fazer a
própria refeição.
— Então, Aiden…
Aiden levantou o olhar para Lucy, a encarou e depois voltou a
atenção para o jantar.
Lucille pigarreou baixinho, revirando uma cenoura e comendo um
pedacinho microscópico do vegetal.
— Acho que deveríamos nos conhecer melhor — ela disse, com um
leve dar de ombros. — Conversarmos um pouco.
O duque a olhou em silêncio outra vez, apenas para trocá-la pela
comida.
— Diga-me… do que você gosta? — ela perguntou, cheia de
iniciativa.
— Que não me perturbem enquanto estou jantando — ele disse,
sério, puxando um guardanapo e limpando os lábios.
Lucille assentiu, mantendo a compostura. Poderia seguir o conselho
de seu pai, mas com um sujeito que não coopera não há como ter uma
amizade.
— Eu adoro festas — Lucy afirmou, com um longo suspiro. — E
adoro tomar chá com minhas amigas. E jogar mímica. Você gosta de
mímica?
Aiden mirou aqueles cristais azuis nela e Lucille soube que ele não
faria nada daquilo nem se fosse arrastado pelos monarcas. Também achava
improvável a imagem de Aiden sentado com os irmãos e brincando de
mímica perto da lareira.
— Eu também adoro dançar. Minha favorita é a quadrilha — ela
continuou, antes de beber um gole do néctar de uva. — Você gosta de
dançar?
— Não.
Lucille franziu o nariz, começando a se irritar. Mas respirou fundo,
abriu um sorriso para si mesma e ignorou aquele marido frio que arrumou.
— Você é do tipo grandão e calado, desse tem vários por aqui — ela
disse, tranquilamente, arrumando o guardanapo no colo com enorme
afetação. — Você gosta de não apreciar nada e nem ninguém.
— Minha esposa me conhece tão bem — Aiden abriu um sorriso
amarelo e se levantou, largando o guardanapo na mesa.
— Onde vai? — Lucy ficou alarmada, temendo ser deixada naquela
pousadinha.
— Mijar, madame. Aconselho que também faça isso, pois vamos
viajar até Bedford. Não vai querer molhar as ceroulas no meio do caminho.
Lucille resfolegou enojada e puxou o copo para lhe cobrir o rosto.
Sem nenhum irmão e com um pai muito cuidadoso, Lucille não tinha
ouvidos acostumados ao palavreado masculino.
Ele saiu da sala privativa, deixando-a sozinha enquanto matutava
sobre o novo marido. Lucille estava tentada a desistir e ter uma vida infeliz
com ele, mas um lado de si queria saber se uma amizade nasceria entre os
dois – já que ela duvidava fielmente da ideia de amar Aiden.
Lucille se levantou, arrumando o vestido e indo até o lavabo da sala.
Afinal, ficariam no coche até chegarem a Bedfordshire. Quando retornou à
sala, Aiden a esperava de pé, olhando pela janela e arrumando suas
costeletas ruivas.
— Vamos? — ela perguntou, arrumando as luvas e o xale ao redor
dos ombros. — Eu gostaria de levar algo para comer no caminho.
— Falarei para sua camareira levar para você.
— Você me empresta esse livro que carrega consigo? Imagino que o
seu cérebro atrofiado de homem das cavernas saiba ler um pouquinho, pelo
menos.
— Surpreende-me o fato de você se interessar por livros — Aiden
respondeu, apático, e ofereceu o braço para Lucy.
— Confesso que meu gênero favorito é o catálogo de lojas —
Lucille zombou, sem se ofender, passando direto pelo marido e abrindo a
porta. — Mas farei um esforço se me arrumar alguma história interessante
para me distrair durante a viagem. Agora sou a sua duquesa, mostre um
pouco de preocupação.
— Demonstrei preocupação o bastante quando me preocupei com o
estado das suas ceroulas — Aiden disse, alto e grave, propositalmente.
Lucille ficou púrpura de vergonha assim que as pessoas ao redor
olharam para ela, imaginando o que diabos Aiden e as ceroulas da duquesa
tiveram de tratar.
— Eu espero que você não trate as nossas filhas da forma que me
trata — ela disse, entre os dentes.
— Jamais culparia uma criança pelo erro tolo de um adulto.
— Então assume que se casar comigo foi tolice? — Lucy ergueu
uma sobrancelha fina e olhou para o marido com um sorriso enviesado. —
Ainda podemos anular o casamento.
— Qualquer um que casar com você está cometendo uma grande
tolice. Os nervos de um homem não duram muito tempo. Os meus, por
exemplo, já estão em frangalhos.
— Ainda bem que estamos em carros separados, Vossa Graça. Não
quero que fique adoecido por minha causa — Lucy sorriu, condolente, e
acenou para Aiden quando chegou ao seu coche. — Nos vemos em
Bedford, querido.
Aiden a ignorou, entrando no coche e fechando as cortinas.
Dormiria até North Haven se deixassem. Tudo para não ter de conversar
com Lucille.

***

Em Bedford, a pousada era menor e a sala privativa do local


também. A mesa era redonda e um tanto pequena, de modo que Aiden e
Lucille ficaram próximos o suficiente para esbarrar nos pés um do outro
debaixo da toalha.
Lucille continuava bonita para quem não trocava de vestido há dois
dias. Apesar do penteado frouxo, ela seguia firme, forte e bastante elegante.
Aiden não negava que havia se casado com uma bela jovem.
Linda.
Estonteante.
Pare.
Pediram ensopado de pato para o jantar e um pedaço de torta de
maçã para sobremesa. Lucille, desavergonhadamente, pediu um copo bem
grande — ela quis enfatizar com as mãos — de cerveja.
— Você gosta de cerveja, não? — Aiden perguntou, recostando-se
relaxadamente na cadeira.
— Algum problema? — Ela o olhou, começando a desfazer o laço
da luva esquerda. — Pois, se tiver, saiba que eu não estou nem aí, seu
brutamontes peludo.
— Beba o quanto quiser, madame.
Ela abriu um sorriso amarelo e fez uma breve saudação com a
cabeça, voltando para os laços da luva. Com facilidade, ela desfez o da mão
esquerda; mas quando se voltou para a direita, no entanto, se viu em uma
cama de gato de cetim rosa. Lucille franziu o cenho, puxando as fitas, mas
apertando o nível de baixo e deixando a luva ainda mais firme no pulso.
— Você se importa? — ela perguntou, a contragosto, estendendo o
braço por cima da mesa e virando o rosto de lado, para não olhar o marido.
— Não consigo tirar.
Aiden fitou o braço pálido em cima da toalha azul e depois olhou
para Lucille. O rosto dela estava vermelho, enfezada por precisar dele para
alguma coisa.
Ele resfolegou baixinho, segurando o pulso da esposa e tentando
desfazer o nó que Lucy criara. Metade já estava aberta e um pouco mais do
braço nu de Lucille estava à mostra, roçando em seus dedos enquanto ele
trabalhava nas fitas.
Aiden engoliu em seco. Repentinamente, o antebraço de uma
mulher se tornou uma parte erótica de seu corpo. A pele dela era tão leitosa
e macia, combinando com o tom claro da fita rosa das luvas. Quis beijar
aquele pulso lindo e delicado como se sua vida dependesse daquilo.
Fazia tempo que ele não tocava em uma mulher. Meses, talvez.
Estava tentando se manter longe da vida depravada que cultivava em North
Haven. E a última mulher que tivera a chance de dividir os lençóis com ele
não era tão charmosa quanto Lucille. Bem, Lucille era irritante. Ah, se era!
Mas era bonita, elegante e sedutora quando o alfinetava. Aiden ficava
estressado a cada vez que ela lhe importunava, mas quando Lucy abria um
sorriso maroto, orgulhosa da resposta que dava, ele sentia algo pulsar. E o
corpo conflitava com a mente, porque ele em nada desejava a esposa.
Somente no seu corpo esguio e nos sorrisos zombeteiros e tolos que ela
dava.
Mas a moça era terrivelmente irritante, disso ele não tinha dúvidas.
Muito.
Michael era um tolo ou não estava apaixonado por Lucille. Ele não
precisava levá-la à ruína completa, mas uma pequena demonstração de seu
interesse seria suficiente. Um homem que ama uma mulher linda jamais a
deixaria desejar em segredo, solitária e intocada.
— Aiden.
O rosto dele se levantou imediatamente e seus olhos foram direto
para as sardas do nariz pequeno de Lucy.
— Pode soltar. — Lucille indicou sua luva sem laços e ele
rapidamente se afastou. — Obrigada. Não sei nem porque gosto de usar
essas luvas complicadas.
Ele nada respondeu, examinou-a em silêncio, sem que ela lhe desse
atenção. Lucy pegou o guardanapo e o arrumou cuidadosamente em seu
colo, depois alcançou outro guardanapo e o passou pela região da mesa em
que suas mãos nuas tocavam, finalizando ao dobrar o quadradinho de pano
e o deixar ao lado do prato vazio.
Aiden riu baixo, balançando a cabeça e coçando a sobrancelha
distraidamente.
— O que há de tão engraçado? — Lucy perguntou, bastante
empertigada.
— Você.
— Que ótimo! — Ela revirou os olhos e arrumou as luvas dentro de
sua bolsinha.
O duque notou que ela não usava o anel de sua mãe.
— Onde está o anel?
Lucille o tirou da retícula e o azul intenso brilhou ainda mais em sua
mão clara.
— Não quero perdê-lo, imagino que tenha sido de sua mãe — ela
explicou, guardando-o. — Meu dedo é muito fino, fica escorregando.
— E era. Ela também não usava, temia perdê-lo… — Aiden
explicou, com a voz baixa, rodando o copo vazio em sua mão.
— Gostaria de poder conhecê-la.
— Infelizmente, ela está morta, madame.
— Eu sei… — Lucille murmurou, envergonhada. — Não sei o que
seria de mim sem a minha mãe e o meu pai, só de ir para longe eu já sinto
que… Sinto-me só.
Aiden nada respondeu. Sentia-se da mesma forma desde a morte dos
pais, ficou ainda mais solitário quando sua irmã deixou Greenhill quando
debutou e depois casou. Detestava ir a Londres, local que mais lhe gritava
solidão. Quando retornava para sua casa no campo, tudo melhorava.
Parte sua se irritou com Lucille. Como ela ousava reclamar
enquanto os pais estavam vivos e fortes? Aiden havia perdido os seus
eternamente.
— Estou dizendo besteiras, eu sei. — Ela balançou a cabeça, rindo
desconcertada. — Meus pais estão vivos… Desculpe-me por ter sido tão
insensível.
Aiden nada respondeu. Remexeu-se na cadeira e olhou para a janela.
Lucille se constrangeu ainda mais. Gostaria de saber o que se
passava na cabeça daquele homem. Não é possível alguém ter tanto rancor
de tudo e todos que lhe dirigem a palavra. Como teriam filhos assim? Lucy
não gostaria que seus filhos tivessem um pai frio e distante.
Ela esticou a mão pela mesa, sorrateiramente chegando até a de
Aiden, mas ele recuou a sua e puxou o guardanapo para lhe ocupar a mão.
Lucy se sentiu cruelmente rejeitada e, estranhamente, aquilo a
magoou um tantinho. Olhou para Aiden e lhe abriu um pequeno sorriso,
mas ele a repeliu com o olhar ao sutilmente virar o rosto.
Ela assentiu para si mesma, olhando para o próprio colo por vários
minutos em um silêncio excruciante, até que a garçonete entrou com o
jantar. A jovem serviu aos dois, sem esquecer das cervejas de ambos, e
deixou a sala silenciosamente.
Comeram sem incomodar um ao outro dessa vez. Lucille engoliu
tudo praticamente sem mastigar, estava se sentindo mal depois de tanta
rejeição e queria se deitar e dormir. Sempre fora muito sensível em relação
aos outros, ficava triste quando alguém era indelicado com ela ou quando
demonstrava irritação. Naquele momento, jantando em silêncio com um
homem antipático, ela quis chorar. Nunca se sentiu tão só, sua única
companhia era Gwen, com quem estava junto desde seus dezesseis anos.
Sua camareira era a única amiga agora, e sua única lembrança de casa.
Nada naquele homem lhe passava aconchego, nada lhe remetia a um lar.
Terminou o jantar e se levantou, imediatamente fazendo com que
Aiden o fizesse. Curioso como um homem tão insuportável tinha um pouco
de boas maneiras em si.
— Vou me retirar, estou com sono — ela anunciou, puxando suas
luvas.
— Vou com você até o quarto, esse lugar é cheio de tipos estranhos.
Ela assentiu, enrolando-se no xale e aceitando o braço de Aiden, que
lhe foi oferecido. Passaram pelo salão da hospedaria e subiram dois lances
de escadas, onde um quarto foi separado para o casal ducal. Lucille bufou
irritada e olhou para os lados, não encontrando nenhum funcionário.
— Só tem um quarto? — ela perguntou.
— Vou dormir em outro lugar, não se preocupe. — Aiden abriu a
porta e esperou que Lucille entrasse. — Nos vemos amanhã. Boa noite.
— Boa noite… — Lucy sussurrou, demorando para fechar a porta
enquanto via-o descer as escadas em passos apressados.
O que diabos se passava com aquele homem? Vivia exilado de
Londres e quase não ia até a capital.
E colecionava bonecas feito um alienado.
Nada daquilo fazia sentido.
— Madame.
Lucille pulou de susto, soltando uma exclamação e levando a mão
ao peito.
— Gwen! — ela suspirou, irritada. — Que susto que você me deu…
— Mil perdões, minha senhora. — A loira a reverenciou
rapidamente. — Já preparei o banho e a cama da senhora.
— Obrigada… — Lucy averiguou o quarto. — Durma aqui comigo,
Gwen. Sabe que não gosto de dormir sozinha em lugares novos… E o
duque disse que aqui é cheio de gente esquisita.
— Claro, madame — Gwen aquiesceu, recolhendo os pertences de
Lucille.
— Ótimo… Vou para o banho, então. Pode fazer a sua toalete se
quiser, sabe que não me importo. Eu mesma me arrumo para dormir.
— Sim, senhora.
Lucille aquiesceu, ainda pensando em Aiden e em como conversar
com ele era complicado e exaustivo.
Capítulo 8

Passado aquele dia, Lucille decidiu que, se Aiden a ignorasse outra


vez, ela ficaria o resto da viagem apenas na companhia de Gwen e ninguém
mais. Ele era uma pessoa difícil, de fato, mas Matthew lhe havia dito que,
com o tempo, ele se mostraria um homem bom. Lucy duvidava daquilo,
mas já que não tinha nada muito revigorante para fazer… perturbaria o
marido apenas por diversão.
Tomou o café da manhã em seu quarto, colocou um vestido mais
confortável, sem luvas complicadas, e vestiu um chapéu simples para cobrir
seus cachos castanhos. Quando chegou no pátio da hospedaria, viu que
Aiden ainda não tinha aparecido. Contente da vida, Lucy cochichou com
Gwen e a camareira seguiu sozinha para o coche da patroa, sorrateiramente
acenando para o cocheiro do duque.
Lucille arrumou seu chapéu, verificou se seus pertences estavam em
sua bolsinha e caminhou pomposa até o coche do marido.
— O duque ainda não chegou? — ela perguntou ao cocheiro de
plantão.
— Ainda não, madame. A Sua Graça está fazendo o desjejum na
taberna ao lado.
— Muito bem. Poderia me ajudar aqui? — Lucy indicou o degrau
alto do coche, fazendo um biquinho triste. — Mas não conte a ele, ouviu?
O cocheiro assentiu solenemente, saindo de seu posto e puxando os
degraus para Lucille entrar no carro. Sorrindo marotamente, ela acenou para
o criado e fechou as cortinas, recostando-se no assento macio e controlando
a vontade de rir.
— Bom dia, Branson! — A voz grave de Aiden invadiu os ouvidos
de Lucy.
— Bom dia, Vossa Graça.
Lucille se empertigou imediatamente, abrindo a cortina da janela
direita e fingindo não ver o duque. A porta do coche se abriu e ela se virou,
lançando um de seus mais encantadores sorrisos.
— Bom dia, querido marido.
Aiden ficou imóvel, um pé dentro do coche e o outro fora. Lucille
quis rir da cara de espanto dele, como se tivesse visto uma bruxa. Não que a
moça não pensasse que ele a visse como uma bruxa.
— Algum problema com o coche que eu lhe dei? — ele perguntou,
entrando no carro e ocupando metade do espaço, quase espremendo Lucy
contra a parede propositalmente.
— Não — ela deu de ombros —, só quero passar um tempinho com
o meu marido. Para conversarmos bastante. Mas não se preocupe, na
próxima parada eu volto a me separar de você.
Aiden resfolegou, esticando as pernas longas e fechando os olhos
antes de bater no teto do coche para que o condutor iniciasse a viagem.
— Você dormiu bem? — Lucy perguntou.
Ele assentiu, sem abrir os olhos ou falar alguma coisa.
— Será que vamos demorar muito? — ela indagou, brincando com
as franjas de sua bolsinha.
Aiden nada respondeu. Lucille engoliu em seco, sentindo a mesma
rejeição da noite anterior. Suspirou baixinho, olhando pela janela o quanto
já se distanciavam da hospedaria. Quis voltar para o seu coche, não havia
como falar com alguém que não queria conversa.
— Eu pensei que talvez pudéssemos ao menos ser amigos ou ter
uma certa civilidade… — Lucy deu de ombros com verdadeira impotência.
— Sou eu a pessoa que está aqui contra a própria vontade, pois por mim eu
estaria com Michael e não com um homem como você.
Aiden a ignorou outra vez, movendo-se o suficiente apenas para se
arrumar no banco.
Lucille resfolegou exausta e jogou a sua bolsinha contra o ombro
largo dele, fazendo-a ricochetear e cair no chão.
— Pare com essa pose ridícula de homem distante e converse
comigo antes que eu me estresse e arranhe a sua cara toda!
Aiden continuou parado, até que seus ombros se sacudiram e ele
começou a gargalhar, cobrindo os olhos com a mão enquanto ria em alto e
bom som.
— Brutamontes — Lucy resmungou, pegando sua bolsinha. — Pare
de rir!
Ele continuou rindo, deixando Lucille ainda mais enfezada. Aiden
soltou um longo suspiro, balançando a cabeça, cansado de tanto rir daquela
mulher miúda tentando lhe dar um sermão.
— Acabou o espetáculo, meu senhor?
— Eu quem lhe pergunto.
— Você é ridículo — Lucille disse, raivosa. — Estou tentando ser
simpática!
— Seria melhor se não me chamasse de ridículo.
— Não ajuda se você não me trata com o mínimo de sensibilidade
— ela retrucou, cruzando os braços. — Francamente…
Aiden bufou, coçando o queixo e colocando um calcanhar sobre o
outro. Pigarreou desconfortável e cruzou os braços com mais firmeza antes
de perguntar:
— Você gosta de valsa?
Lucy o olhou de soslaio, voltando a olhar pela janela.
— Sim, mas você disse que não dança.
— Não gosto de quadrilha — Aiden explicou. — A quadrilha é
cheia de coisas e voltas, não há como conversar. Na valsa, há como um
casal se conhecer.
— Então, você gosta de valsa? — Lucille perguntou, voltando a
olhá-lo com certa esperança.
— Sim.
— Imagino que tenha valsado no debute da sua irmã. Quantos anos
ela tem mesmo?
— Dezoito. Casou-se faz poucos meses. Mas não pude ir ao seu
debute, Matthew foi em meu lugar.
— Puxa… — Lucille suspirou. — Gostaria de ter um irmão mais
velho… Espero que eu tenha filhos e filhas, não como minha mãe, que teve
apenas filhas.
— Podemos tentar o quanto quiser, madame — Aiden abriu um
sorriso enviesado, pensando nos pulsos pálidos de Lucy e em outras partes
possivelmente pálidas de sua anatomia.
Ou rosadas. Ele riu consigo mesmo, imaginar era uma atividade e
tanto. Ela era o tipo que parecia ser delicada em vários lugares, ele teria de
tratá-la com muito cuidado. Não se importaria de dar alguns beijos antes.
Ele riu de novo, perverso.
Lucille inspirou, envergonhada, sentindo o rosto inteiro queimar em
constrangimento diante das insinuações de Aiden.
— Por que você não pôde ir ao debute da sua irmã? — ela mudou de
assunto. — Sendo o irmão mais velho e com seu pai falecido, imagino que
essa fosse sua função.
— Ela sabia que eu não poderia ir — ele explicou, recostando-se
melhor no banco. — Charlie vivia sob meus cuidados até ela debutar,
depois ficou em Londres com Matthew e agora mora com o marido em
York. Casou-se com um marquês, um bom rapaz.
— Charlie… — Lucy sorriu para si mesma, ainda olhando para a
paisagem. — Você gosta dela, não?
— Que tipo de pessoa não gosta da irmã?
Lucille riu baixinho, balançando a cabeça em descrença.
— Gostar com o coração. Todos nós somos obrigados a gostar da
família, superficialmente.
— É a minha irmã mais nova, cuidei dela por sete anos — Aiden
disse, a contragosto, abaixando o tom de voz quando continuou. — Eu a
amo.
Lucy se virou e olhou para Aiden, abrindo um sorriso bem-
humorado para ele, que ainda estava de olhos fechados.
— Parece, então, que seu coração não é de pedra — ela disse,
melodiosa, cutucando o braço duro dele. — Afinal, um homem que
coleciona bonecas tem que ter certa sensibilidade.
Aiden riu consigo mesmo, abrindo os olhos e olhando para Lucille.
Mirou em seus olhos castanhos e riu outra vez. Aquele risinho cheio de
escárnio, nada comparado com o sorriso que ele dera no brunch do
casamento.
— Você vai gostar da coleção de bonecas.
— Confesso que acho um tanto perturbadora a ideia de um local
repleto de réplicas de menininhas de porcelana. Tenho medo desse tipo de
coisa.
— De bonecas?
— De tudo que imita o ser humano, mas que está óbvio que não o é
— ela disse, sentindo calafrios. — Marionetes me assustam bastante…
Fantoches. Esse tipo de coisa. Você tem medo de alguma coisa?
Aiden a olhou de soslaio, pigarreando e fazendo que não em
silêncio.
— É claro que não tem, homens não admitem que tem medo de
alguma coisa — Lucy resfolegou, desdenhosa. — Mas, no fundo, são uns
molengas loucos para receberem beijinhos antes de dormir.
— Não vou negar que gosto de algumas coisas antes de dormir.
Lucille revirou os olhos.
— Você tem alguma cortesã?
Aiden a olhou outra vez, agora erguendo uma única sobrancelha
ruiva. Que pergunta inusitada vinda de uma mulher.
— Não tenho desde que deixei Londres.
— Mesmo? — Ela ficou realmente curiosa. — Um homem saudável
e da sua idade geralmente tem uma.
— É isso que ensinam na Escola das Maricotinhas?
Ela respirou fundo, revirando os olhos e ouvindo Aiden rir para si.
— Por que gosta de viver tão longe?
— Eu não me sinto confortável quando estou cercado de pessoas —
ele explicou, breve. — Nem todos gostam de ir em festas o tempo inteiro
como você, minha querida.
— Pois não sabem o que estão perdendo, meu querido. — Lucy deu
de ombros e riu baixinho, olhando pela janela. — Parece que me casei com
o meu oposto e terei de padecer na solitude campestre.
— Que poético.
Lucille revirou os olhos e passou alguns minutos olhando a
paisagem.
Quando Aiden pensou que havia conseguido um momento de
silêncio, Lucy deu um longo e dramático suspiro e se arrumou no banco,
movimentando-se demasiadamente enquanto arrumava seu chapéu.
Aiden contou até dez mentalmente, precisava de descanso naquele
dia. Tudo o que Lucy fazia era demais. Falava demais, sorria demais, ria
demais.
Era bonita demais.
— Eu estive me perguntando, Aiden…
Ele piscou lentamente, soltando um resmungo, que Lucy levou
como uma indagação.
— Por que o chamam de Duque Louco?
Ele deu de ombros. Realmente não sabia e não dava a mínima.
Havia passado muitos anos longe da vida na sociedade londrina, qualquer
um acharia que ele estava louco. Afinal, o que há de mais importante que
festas e etiqueta?
Um ducado e milhares de responsabilidades?
Ora, claro que não. Só pode ser louco!
— Eu já ouvi falarem de você nessa forma — Lucille continuou. —
Mas eu nunca soube quem era, para ser sincera.
— Agora sou seu marido — Aiden respondeu, lacônico.
— Que reviravolta — Lucy resmungou, mas depois arrumou os
cachinhos de sua franja e voltou a falar. — Ouvi por aí que todos sabem
dessa sua coleção de bonecas. Deve ser por isso que o chamam louco. Eu
parei de brincar de bonecas aos doze anos. Olhe você, parece um gorila e
coleciona bonequinhas. Elas eram da sua mãe e você prometeu tomar conta
delas? Se for, perdoe-me pela indelicadeza… aposto que é uma herança e
tanto.
Aiden a olhou de soslaio e arrumou o corpanzil no banco.
— Chamarão de louco qualquer pessoa que não siga um protocolo
idiota de boas maneiras. E as bonecas são minhas.
— Realmente, você não é muito refinado, sabia?
— Parece que meus esforços para ser desprezível estão no caminho
certo. — Aiden fechou os olhos de vez. — Agora, se não se importa, vou
tirar um cochilo. Só me chame se o coche estiver pegando fogo.
— E se eu estiver pegando fogo?
— Pule para fora.

***

Como prometido, ela não o perturbou nas três horas seguintes em


que Aiden dormiu.
Bom, em que ele tentou dormir.
A presença feminina e charmosa de Lucille o distraía, a voz dela
realmente o perturbava. Mas o fazia porque era de uma cadência adorável,
ainda mais quando ela ria dele. Desde a morte do pai, Aiden se isolou em
Derbyshire para cuidar da mãe melancólica e da irmã pequena, acabando
por apreciar a vida solitária que levava. Isso incluía se despedir de suas
duas cortesãs em Londres, mulheres que sempre aqueciam sua cama e com
quem ele gostava de ficar.
Desde então, fazia tempo que não tinha uma mulher decente ao seu
lado, ocupando o mesmo espaço que ele. Já estava acostumado a andar
sozinho em sua carruagem, não com uma jovem delicada e de família o
seduzindo enquanto tentava irritá-lo. A presença de Lucille estava o
deixando louco, desacostumado com aquilo.
Foi difícil dormir ouvindo as páginas do livro que ela lia passarem,
sua mente vislumbrava os dedos dela deslizando pelo papel, acompanhando
a narrativa e depois passando as páginas. Os dedos despidos tocando a
superfície áspera das folhas de papel o faziam pensar nos toques carinhosos
de uma mulher apaixonada em sua pele.
Não que ele gostasse de Lucille. Jamais. Ou que ele apreciasse que
ela tentasse conversar com ele, sorrindo daquele jeito zombeteiro quando
via que o estava incomodando.
Aiden bufou, acordando de vez e olhando para o lado. Lucy havia
dormido também, com o indicador marcando a página do livro fechado. Ele
olhou para a mãozinha dela sobre a capa de couro. As mangas longas do
vestido azul-claro deixavam pouco de sua mão à mostra e o chapeuzinho de
palha que ela usava não deixava que Aiden visse muito de seu rosto.
Era sua esposa, aquela criatura extrovertida.
Naqueles poucos dias de viagem, Aiden havia percebido que estava
de fato casado e jamais poderia voltar atrás. Havia acabado com o sonho de
Lucille, mas não se sentia mal por isso. Algo dentro dele via todo aquele
sentimento por Michael como uma ilusão distorcida de um primeiro
romance jovem e inocente.
Pelo amor de Deus, que homem apaixonado não derrama seus
desejos sobre a namorada? É claro que com o consentimento da dama e sem
levá-la à ruína. Mas Michael nunca fizera nada? Nunca expressou desejar
Lucy? Homens tímidos ou românticos são homens da mesma forma, nada
os impede de confessar a suas amadas o quão apaixonante elas são. Uma
carta, bilhete, um buquê. Um beijo mais ardente. Qualquer coisa.
Pobre Lucille. Presa em meias palavras bonitas de um homem
envergonhado que se escondia na Índia.
Se ele fosse Michael, teria explorado todos os cantinhos do corpo de
Lucille e teria a feito explorar o dele. Em cada oportunidade que tivessem
de ficar sozinhos.
A começar pelas mãos. Beijaria cada dedo e depois subiria pelos
braços, passaria pelo pescoço e chegaria aos seios dela. Um de cada vez,
provando o sabor da sua pele até deixá-la sedenta para que ele a beijasse em
seus locais mais íntimos e secretos.
Mas aquilo não significava que ele gostava dela. De jeito nenhum.
Ele apenas concordava que ela era uma moça bastante atraente e que o
fizera ir procurar uma prostituta qualquer em Bedford, já que ela jamais o
aceitaria em seu leito.
Só isso.
E nem significava que ele estava sentindo uma enorme vontade de
tocar aquela mão que escapava do vestido e envolvê-la com a sua.
Aiden olhou de soslaio para a dorminhoca Lucy. Ela se moveu um
pouquinho, assustando o homem, que ficou tenso. Lucille soltou um
suspirinho sonolento e se recostou na parede acolchoada, ficando em uma
posição bastante desconfortável por conta do chapéu. Mas não acordou,
continuou dormindo como quem não descansou durante a noite.
Aiden a olhou outra vez, averiguando a situação. Moveu-se com
cuidado, esticando o braço e puxando o laço vermelho que prendia o chapéu
na cabeça dela. Sorrateiramente, o desfez e tirou o chapéu, jogando-o do
outro lado do coche como se estivesse lhe queimando a pele. Quando voltou
para o seu lugar afastado, Lucille escorregou e se apoiou em seu ombro,
dormindo tranquilamente ao lado do diabo.
Ele a olhou bastante tenso, tentando não sentir os seios dela tocando
o seu braço, ao que ela envolveu com os seus e o agarrou como um ursinho
de pelúcia. Aiden engoliu em seco, ficando ainda mais imóvel diante
daquela situação.
Moveu seu braço, conseguindo se separar de Lucille. Mas apenas
para passá-lo ao redor do ombro dela e deixá-la mais aconchegada.
Arrependeu-se imediatamente, mas permitiu que ela continuasse lá
pelo resto da viagem.
Algumas horas depois, North Hampshire era a paisagem do lado de
fora quando a carruagem parava para que os cavalos fossem descansar
assim que entraram no condado. Os criados deviam de estar cansados, mas
Aiden queria logo chegar em casa. Odiava viagens tanto quanto Lucy.
Ela continuaria dormindo se não tivessem parado. Seus olhos se
abriram vagarosamente e um cheiro doce invadiu seu nariz, reconfortando-
a. Cheiro delicado, muito parecido com o cheiro que Joanna tinha e ficava
impregnado nas pessoas que ela abraçava.
Moveu-se com certa dificuldade, algo pesado a prendia, descendo
pelos seus ombros e parando no seu pulso. Lucille olhou, sentindo o
coração quase parar quando viu a mão grande de Aiden tocando seu pulso
sutilmente, deslizando o polegar por um pequenino espaço de pele nua.
Bom Deus.
Ela havia dormido em cima dele, provavelmente babado nele e
roncado por horas. E o homem estava lhe dando carinho?
— A-Aiden.
A mão parou de tocá-la em seu pulso e ela sentiu o corpo dele
endurecer. O braço parou de circundá-la e Lucille pigarreou constrangida,
afastando-se e tocando seus cabelos, evitando o marido.
— Parece que dormi bastante. — Lucy deu um riso nervoso. —
Paramos por quê?
— Os cavalos precisam comer — Aiden explicou, como se nada
daquilo o tivesse afetado.
Lucille se sentia bastante sem jeito de ter ficado tão perto dele. Mas
parecia que os homens realmente estão sempre acostumados a ter mulheres
os abraçando. E ela nunca passara tanto tempo junto de um homem,
abraçada a ele e recebendo carinhos inusitados em seu pulso.
— Ah, que bom… Gostaria de caminhar um pouco. — Ela coçou o
pulso e pegou seu chapéu no outro banco, vestindo-o desmazeladamente. —
Poderia me ajudar a descer?
Aiden nada disse, bateu no teto do coche e esperou até que o
cocheiro abrisse a porta e colocasse os degraus para Lucille descer bastante
aturdida.

***

Ao longe, ela conseguia ver um pequeno povoado cheio de casas


diminutas e aconchegantes. Lucille nunca gostou do interior, mas sabia que
era por nunca ter passado tempo demais lá. Era uma mulher da cidade, das
lojas extravagantes e das mansões pomposas. Não conseguia compreender
como aquelas pessoas viviam felizes com tão pouco, sem nenhum baile
interessante. Com tanta simplicidade. O que faziam? Não tinham eventos?
Ou tinham? Onde compravam as roupas? Deus, eles mesmo tinham de
costurá-la. Que tristeza.
Pensar que ela viveria naquela monotonia a deixava deprimida. Não
gostava de admitir, mas era um tanto fútil. Dava até vergonha de ser tão
pomposa enquanto algumas pessoas mal tinham o que comer.
Sentada sozinha no pé de uma árvore e comendo um pouco do que
Gwen a deu para ser seu almoço, Lucille olhou os coches ao longe. Os
cabelos ruivos de Aiden era o que ela mais podia ver ao longe. Ele estava
parado, conversando com o cocheiro e comendo uma maçã. Um pouco mais
perto de Lucille estava um lacaio com ordens para ficar de olho nela.
Como se ela tivesse para onde fugir naquele quase fim de mundo.
Nem ao menos sabia onde estavam.
Lucille suspirou, não conseguindo mais comer nenhuma garfada da
torta de cordeiro. Seu estômago estava revirando e se contorcendo desde
que ela sentira aquele curioso carinho em seu pulso. Agora, o local estava
vermelho de tanto coçar e era logo o pulso em que ela deixava a pulseirinha
que Michael lhe dera.
Aiden não fez carinho nela. Estava apenas distraído.
Mas ele também havia a deixado dormir acomodada a ele sem
mover um fio de cabelo. E Lucy não queria admitir que havia gostado do
aconchego inusitado, nunca experimentado em sua vida. Jamais fora
acalentada por um homem ou acariciada minimamente em um local tão
simples de seu corpo. Michael nunca a abraçara por um longo tempo,
mantendo-a em seus braços.
Michael a beijara cinco vezes, Lucy podia contar. Todos foram
beijos muito bons, ela não negava, mas ele sempre se afastava quando tudo
começava a ficar mais quente.
Foram toques inocentes, destilados de carinho, mas nenhuma paixão
avassaladora.
Seu estômago se contorceu outra vez e ela coçou o pulso
rapidamente. Maldito Aiden que a fazia questionar as carícias de Michael.
Agora ela queria viver uma intensa paixão.
Lucille olhou novamente para o marido e o viu andar até Gwen
afastada do batalhão de homens. Aiden lhe deu algumas ordens e a
camareira o reverenciou, caminhando na direção de Lucille.
Ela desviou o olhar e passou a encarar o seu almoço, não voltaria
para o mesmo carro que o dele. E se ele tivesse se aproveitado dela e não só
tê-la tocado no pulso? Lucille estava bastante cansada, a noite na
hospedaria a deixara agitada. Não gostava de dormir fora, temia a escuridão
em um local novo. E até se acostumar com as sombras de um novo quarto,
demoraria longas semanas de sustos durante a noite.
— Senhora — Gwen a puxou dos devaneios —, já vamos partir.
Lucille assentiu, levantando-se e esperando por Gwen, que recolheu
a toalha e a cesta com o almoço. Quando retornou à parada dos coches,
Lucy passou sem olhar para o marido e subiu direto em seu carro,
ignorando o calor que ela sentiu na sua nuca.
Passaria o resto da viagem enfurnada no próprio coche. Até
Derbyshire.
Capítulo 9

Quando chegaram em Derby, fizeram uma outra parada para


passarem a noite. Lucille conseguiu evitar o marido ao dizer que estava
indisposta e que gostaria de jantar no quarto. Com sucesso, na manhã
seguinte ela acordou antes dele e entrou em seu coche antes de poder vê-lo
chegar.
Só de pensar que ele fizera carinho nela seu estômago se contorcia
todo e lhe fazia cócegas pelo corpo inteiro. E Lucille não estava gostando
nada daquilo que o seu corpo demonstrava quando pensava nele.
Passara o restante do trajeto em silêncio, lendo tranquilamente, até
que entraram em North Haven. Olhou pela janela, averiguando a cidade e
conseguindo ver algumas pessoas de boa aparência caminharem pelas
ruazinhas.
Mas depois veio o tal povoado.
Um local minúsculo.
Lucille se deprimiu imediatamente, era tão pequenino e simples.
Havia uma grande Igreja e uma porção de casas pequenas e aconchegantes.
Mas só.
Só aquilo.
Ela teve de fechar a janela, alguns habitantes estavam olhando para
a pequena comitiva ducal e acenando para o duque alegremente.
Ao menos ele era popular.
Ao saírem de lá, pegaram um caminho cercado por campos até
atravessarem um rio largo, onde Lucille viu alguns animais rurais em
bandos, vivendo tranquilamente. Olhou para as paisagens e franziu o nariz,
não havia nada para se fazer ali além de admirar a natureza. É claro que ela
não desmerecia a beleza do lugar, mas ela gostava de ver o campo em telas.
Não na vida real.
E então ela arregalou os olhos quando avistou Greenhill. Aquele
local era imenso, maior do que qualquer propriedade que ela havia visto, e
olha que seu cunhado James vivia com Amélia em um castelo!
Mas aquela era uma construção palladiana longa e imponente no
meio do campo, cercada por impecáveis jardins e lagos. Era um local muito
bonito, que a deixou boquiaberta. O palácio rural era exuberante, colinas
arborizadas formavam a paisagem ao fundo e transformavam a visão em
algo pitoresco.
Gastaria pelo menos três semanas para tentar conhecer tudo em seu
ritmo preguiçoso. A começar pelo interior, depois para os jardins. Talvez
passasse a vida inteira sem conhecer todos os criados daquele local.
— É muito bonito, não é, madame? — Gwen perguntou, encantada,
nunca havia ido para além de Kent.
— De fato, Gwen… — Lucy bisbilhotou pela janela.
— Umas mil pessoas devem trabalhar aqui!
— Não seja exagerada. — Ela riu baixo. — Uma moça prendada
como você dizendo bobagens.
Gwen deu um risinho feliz e olhou pela janela.
— Talvez eu finalmente encontre alguém para me casar, senhora.
Deve de haver tantas pessoas na criadagem. E já estou ficando velha…
Quero logo ter um bebê… Penso todo dia em ter uma filha.
— E o cocheiro do duque? — Lucille perguntou e a camareira ficou
púrpura. — Parece que ele gostou de você.
Gwen deu de ombros, bastante tímida.
— Ele é solteiro, não é?
— Sim, senhora.
— Pois então, Gwen.
— Não podemos pensar que o primeiro será o último, minha
senhora. Há muitos homens para se conhecer e se apaixonar. Eu jamais me
perdoaria se me casasse com o primeiro para descobrir que meu amor era
outro homem que jamais tive a oportunidade de conhecer.
Lucille assentiu, pensativa, e olhou para a pulseirinha em seu pulso.
— Realmente, minha querida… não podemos.
A camareira sorriu caridosa e se recostou no banco.
— Mas o Sr. Branson é de fato bonito, senhora. Tem todos os
dentes, sabe ler e toma banho.
O coche continuou seu caminho em direção a Greenhill, que ficava
cada vez maior. Lucille quase se fundiu ao vidro da janela, tentando olhar o
caminho e conhecer o local em que viveria. Quando o carro passou pela
entrada e seguiu em direção à construção, Lucy viu alguns criados
alinhados à espera do duque em frente à escadaria dupla de pedra, que dava
para uma porta enorme atrás de lindas colunas.
Quando Lucy apertou os olhos para ver o rosto dos criados, avistou
uma pessoa miúda de cabelos ruivos.
Uma criança agarrada a sua babá, com um mastiff inglês enorme ao
seu lado. A menininha não parava chorar, não soltando a saia de sua jovem
ama. Tinha os cabelos dos Chatham, mas cacheados e longos, enfeitados
com florezinhas brancas em uma coroa delicada.
— Será que a sobrinha do duque veio passar o verão? — Lucy
perguntou para si mesma. — De quem ela será filha? Pobrezinha, deve estar
com saudades da mamãe dela. Deve ser filha de Louise, se assemelhava
bastante a ela. Mas não parece ter olhos claros…
O coche parou e Lucille se arrumou no banco, bastante curiosa
enquanto esperava o cocheiro, que abriu a porta e a ajudou a descer. Olhou
ao redor, percebendo que os criados alinhados demonstravam certa surpresa
ao vê-la. Lucille olhou para o lado e viu Aiden seguir, sem esperá-la, na
direção da menininha, com os braços abertos. Ela soltou de sua babá e
correu até Aiden com um sorriso enorme, abraçando-o assim que ele a
alcançou e a beijou no rosto, molhado de tanto chorar na saia da babá.
Lucille se aproximou, bastante confusa, olhando para os criados
rígidos e enfileirados. Um mordomo grisalho, uma governanta indiferente e
a babá jovem. Dois lacaios a encaravam de soslaio e com demasiada
curiosidade, como se Lucille tivesse dois chifres e um rabo.
Engoliu em seco. Estava claro que ninguém sabia que o duque havia
se casado. Provavelmente, ninguém imaginaria que aquele homem horrendo
se casaria um dia, não?
— Lucille.
Ela imediatamente olhou para Aiden, que ainda segurava a
pequenina em seu colo. A criança a encarava bastante emburrada, secando o
rosto com a mãozinha para depois se esconder no pescoço de Aiden e
choramingar chateada.
— Essa é Tamsin — ele anunciou, olhando a menininha ainda
escondida. — Minha filha.

***
— Gwen, ele tem uma filha! — Lucille exclamou, assustando a
criada que abria os baús no quarto da falecida duquesa. — Uma filha!
Igualzinha a ele!
— Ela é bastante adorável, madame…
— Meu Deus… — Lucy caminhou até a janela e olhou para um
enorme gramado cheio de arbustos altos. — Ele é viúvo, então… Quantos
anos deve ter a menininha? Perder a mãe assim, tão miúda, que terrível…
— Quatro anos, senhora. Mas me parece tão menorzinha… —
Gwen abraçou um dos xales da patroa, com as sobrancelhas franzidas em
preocupação.
Lucille balançou a cabeça em negação, andando de um lado para o
outro. Havia sido enfurnada naquele quarto enorme e de paredes amarelas,
o quarto de sua falecida sogra. Realmente precisava trocar de roupa e
esperar para o jantar, que seria em duas horas, mas ser exilada naquele
cômodo não foi nada cortês.
Falaria com o duque, perguntaria sobre a sua falecida esposa. Talvez
fosse por causa de tantas perdas em família que ele havia se tornado um
homem frio. Primeiro o pai, depois a mãe, finalizando com a esposa.
E ninguém em Londres sabia daquilo? Colecionar bonecas agora
fazia todo o sentido. Tudo o que ele comprava era para a filha, mas quem
desconfiaria? Bastava dizer que o homem havia ficado louco com a morte
dos pais e ninguém reclamaria se ele quisesse gastar rios de dinheiro. Mas
ainda lhe parecia muito estranho o fato de ninguém saber que ele tinha uma
filha pequenina. Nem que fora casado!
Lucille suspirou, sentindo-se ofendida por ele não ter contado que
tinha uma filha. O que ele pensou? Que ela fosse desistir de casar? Lucy se
casou por causa da família, não desistiria de protegê-los devido a uma
criança órfã de mãe. Uma criança que não tinha culpa de nada.
Mas ela não poderia descartar o fato de que ele resolveu se casar
uma semana antes da então cerimônia. Os criados não sabiam quem era
Lucy e tampouco estavam preparados para recebê-la. A julgar pelo quarto
da duquesa, que estava fechado desde a morte da mulher e cheirando a
poeira. Por sorte, os móveis estavam limpos e a cama arrumada com lençóis
perfumados, graças à eficiência dos serviçais.
— A senhora deveria descansar um pouco antes do jantar, madame
— Gwen disse, condolente. — Vou terminar de arrumar tudo para a
senhora. Não se preocupe que eu a acordarei.
Lucy aquiesceu, precisava mesmo dormir em um quarto de verdade
e em uma cama com lençóis macios. Depois do jantar ela conversaria com o
marido, mas antes precisava apenas de uma soneca para suprir as noites mal
dormidas em hospedarias assustadoras.

***

Aiden abriu a porta do quarto de Tamsin e olhou feio para a babá,


que saiu com o rabo entre as pernas. Depois, olhou feio para o cachorro,
mas o animal continuou deitado na cama grande demais de Tamsin,
servindo de travesseiro para a menininha enrolada junto do animal.
— Tamsin.
Ela se enrolou ainda mais e o cachorro a escondeu . Maldito animal,
Aiden se arrependia todos os dias de ter dado o filhotinho — agora imenso
— para servir de proteção à filha.
— Vamos, Tamsin. Dê um abraço no papai.
— Não… — ela murmurou, chorosa. — Vou dormir para sempre!
Aiden riu para si mesmo, andando pelo quarto cheio de brinquedos e
se sentando na beirada da cama.
— Tamsin — ele a chamou de novo, apertando o pezinho dela, que
resmungou e o enfiou debaixo do vestido. — Por que está fazendo birra? O
papai já voltou de viagem.
— Porque aquela mulher veio e você se casou com ela… A Srta.
Pilgrim contou…
— Casei, você precisa de um irmão e eu preciso de um herdeiro. —
Aiden a cutucou no outro pé, rindo sozinho quando Tamsin o enfiou
debaixo do vestido também. — Você não queria um irmão para brincar? Foi
isso o que me disse.
Ela assentiu, virando-se para olhar o pai com seus enormes olhos
castanhos. Aiden sorriu para ela, beliscando sua bochecha e depois o
narizinho salpicado de sardas. Tamsin riu sozinha, espanando as mãos de
Aiden para longe e se sentando ainda perto do cachorro.
— Mas eu não quero essa daí.
— Uma pena, pois o papai já casou — ele disse, com um sorriso
pequeno e bem-humorado. — Ou você queria que eu ficasse sozinho para
sempre?
— Mas tem eu! — Tamsin abriu os braços, causando uma
gargalhada no pai. — Tem eu e você disse que vamos ficar juntos para
sempre aqui na casa da vovó e do vovô…
Aiden riu, mas sabia que não podia ficar rindo de sua pobre filha
enciumada. Não poderia culpá-la, ninguém sabia que ele havia se casado de
uma hora para a outra.
Ele respirou fundo e assentiu, pegando Tamsin em seu colo e a
abraçando amorosamente, sentindo-se um tanto culpado por não ter
preparado a filha para aquele tipo de coisa. Tamsin iria se casar um dia e
deixá-lo, não brincariam para sempre naquela casa enorme, como ela ainda
pensava.
Se Aiden pudesse escolher, seus futuros filhos seriam todos homens.
Ser pai de uma menina era sofrido demais. Poderiam tirar tudo o que ele
tinha, menos sua pequena Tamsin.
— Ela vai dormir na sua cama, papai?
— Apenas se ela quiser — ele respondeu, mas duvidava que Lucille
quisesse dividir o mesmo leito que ele. Parecia até que ela não engolia nem
a ideia de dividirem o mesmo planeta.
— Então eu posso dormir lá quando o bicho-papão aparecer? — Ela
se encheu de esperança, ficando de pé na cama e bagunçando os cabelos do
pai. — Posso?
— Eu acho que você já está grandinha para se importar com esse
bicho-papão. E o Max sempre fica aqui para te defender, não fica?
— Mas ele só sabe dormir — a menininha resmungou, tocando a
barriga do mastiff, que havia pegado no sono. — Por isso ele nunca vê o
bicho-papão. Então, eu tenho que ir até o seu quarto porque lá o bicho-
papão tem medo de ir.
— Hum… Entendi. Mas e se Lucille estiver dormindo lá? Onde
você vai ficar?
— Em cima da sua barriga grandona — ela explicou, colocando os
pés descalços na barriga de Aiden. — E ela, no chão.
Aiden gargalhou outra vez, sentira saudades de sua filha enquanto
estava em Londres. Aquela menininha espontânea que o enchia de vontade
de viver.
— Você não acha que caberia na cama mesmo com ela lá, Tamsin?
— Não — ela exclamou, abraçando o pai, escalando-o até subir em
seu pescoço de forma nada feminina e escorregar pelas costas dele.
Aiden tentou abaixar o vestidinho de Tamsin, mas a menina já
estava com suas ceroulas à mostra e com os pés descalços balançando perto
do rosto dele. Ela rolou pela cama, indo até Max e abraçando a cabeçorra
do cachorro, que bufou e voltou a dormir.
— Terminou o seu malabarismo, minha lady? — Aiden perguntou,
puxando a filha para que ela se sentasse corretamente. — Espero que você
seja educada com a Lucille na hora do jantar. Dê boa noite a ela e sorria.
— Tudo bem…
— Agora me dê um beijo.
Tamsin suspirou exageradamente entediada e andou pela cama,
abraçando Aiden e lhe dando um beijo desajeitado em seu rosto.
— O papai vai dormir aqui um pouquinho… — Aiden se
espreguiçou, empurrou o cachorro-hipopótamo para o lado e se deitou na
cama, notavelmente cansado daquela viagem longa. — Não faça bagunça.
Tamsin assentiu, ainda bastante emburrada por não ter ganhado
nenhum presente além daquela intrusa em sua casa. Quando percebeu que
Aiden havia caído no sono, ela se apressou em ficar em cima do travesseiro,
fazendo trancinhas no cabelo do pai, que acordaria irritado com aquilo.
E Max foi dormir em cima da barriga dele, babando sobre o colete
amarelo do duque.

***

Lucille passou a tarde inteira dentro do quarto, dormindo em sua


nova cama. Era dia ainda e ela conseguiu dormir sem ficar alerta, com
medo das sombras estranhas. Acordou revigorada, mas murchou ao se
lembrar de que estava em Greenhill e não na Casa Mildenhall, em Londres.
Seu coração apertou ao se lembrar de seus pais. Ela imediatamente
se recordou de que prometera escrever para sua mãe e sua irmã assim que
chegasse. Mas ainda tinha pouco a contar sobre a casa, deixaria a carta para
a noite seguinte, quando já teria mais assunto e mais adjetivos horríveis
para se referir ao duque.
Quando a hora do jantar se aproximou, Lucy se levantou, arrumou-
se e colocou um vestido bonito, mas simples, para que os criados não a
vissem como uma mulher desmiolada. Evitou colocar brincos muito
extravagantes e vestiu dois diamantes pequeninos que combinavam com o
colar de Aiden e com a pulseira de Michael.
Já estava na hora de ela tirar aquela pulseira, olhar para ela estava
fazendo-a se entristecer. Com muito custo, Lucy conseguiu retirar a joia e
guardá-la na caixinha de porcelana que havia colocado na penteadeira do
quarto, onde também deixara o anel de sua sogra. Mirou-se no espelho e
arrumou seu penteado, olhando depois para o colar que Aiden havia lhe
dado.
Rapidamente, colocou-o para dentro da chemisette, arrumando os
babados e parando de admirar o diamante. Era tolice dela gostar de um
presente do marido que fora dado por obrigação. E seu pulso continuava
coçando quando ela pensava no estranho carinho dele.
Levantou-se abruptamente, balançando a cabeça e alisando o vestido
de algodão com seda vermelha. Cobriu o pulso com a manga do vestido e se
ajeitou uma última vez antes de ir até a porta que unia seu quarto ao de
Aiden.
— Aiden — ela bateu à porta delicadamente —, abra para mim.
Passadas pesadas e abafadas foram ouvidas e a chave girou na
fechadura antes da porta ser aberta e Lucille ser obrigada a dar um passo
para trás para poder olhar no rosto de Aiden.
— Você me deve explicações.
Ele assentiu, abrindo caminho para Lucille, que entrou nos
aposentos ducais. Lucy entrou bastante receosa, olhando ao redor para as
paredes verde-musgo e os móveis em mogno escuro.
— Sente-se, Lucille.
Ela não viu onde, então se sentou na beiradinha da cama enorme
dele. Caberiam três Lucilles e um Aiden naquele colchão e ainda sobraria
espaço.
Aiden puxou a cadeira da escrivaninha, colocando-a perto da cama e
se sentando relaxadamente, com uma perna sobre o joelho.
— Então… — Lucy pigarreou, puxando uma das almofadas da
cama e a colocando sobre o colo — você é viúvo?
— Não.
Ela assentiu lentamente.
— Ela é… um erro da sua irmã antes de se casar?
Aiden franziu o cenho em revolta.
— Claro que não.
— Ela tem mãe?
— A mãe está viva — Aiden respondeu. — Eu acredito que esteja,
pelo menos.
Lucille ergueu as sobrancelhas com sutileza.
— Conte-me logo de onde saiu a criança.
Aiden assentiu cordialmente e cruzou a outra perna.
— Quando Charlie fez quinze anos, a criada dela se casou e foi
morar em Somerset com o marido e eu mandei o mordomo procurar uma
criada logo, o que deveria ser feito — ele explicou, com naturalidade. —
Demoraria para que uma moça qualificada viesse de Londres e, para suprir
a falta, a filha de um dos criados se ofereceu para ajudar Charlie com sua
toalete.
Lucille nada disse, apenas meneou a cabeça, bastante intrigada.
— Enfim, a garota veio para ajudar minha irmã. Vivia procurando
uma brecha para falar comigo, notavelmente interessada em outras coisas
que não envolviam Charlie.
— E você deu ouvidos à criada, pelo visto.
— Eu não me aproveito das criadas — Aiden disse, sério. — Ela era
uma jovem bonita, mas eu tenho discernimento. Não passava de uma tola
apaixonada, implorando para ser arruinada.
— A culpa é dela agora? — Lucille retrucou, saindo em defesa da
moça.
— Não há quem culpar. Eu costumava beber bastante antes de
Tamsin nascer — Aiden pigarreou, desconfortável. — Mais do que o
necessário e… bom, ela apareceu em uma noite, quando eu estava bastante
bêbado e fora de mim. Pouco me importei se fosse a criada da minha irmã,
eu estava embriagado e a achava muito atraente.
— Imagino que ela tenha engravidado — Lucille disse, um tanto
desconfortável.
Ele aquiesceu, olhando para a parede ao lado e não para Lucy.
— Ela disse que conhecia uma mulher que sabia acabar com bebês
antes mesmo de eles aparecerem, mas eu não culpo crianças pelos erros
tolos de um adulto bêbado. A garota também não queria nenhum bebê, ela
queria ir para a cama comigo uma vez por pura luxúria.
— E o que aconteceu depois?
— Ela ficou em North Haven até Tamsin nascer, mas eu não a
acompanhei enquanto ela estava grávida. Nunca mais a vi, só contratei uma
parteira velha para cuidar dela — ele disse, com amargura. — Garanti que
lhe daria quinhentas libras por ano para cuidar da criança, mas, dois dias
depois que Tamsin nasceu, ela fugiu sabe-se lá para onde sem nem pensar
em dinheiro.
Lucille ergueu as sobrancelhas em surpresa. Quinhentas libras é uma
quantia considerável, ainda mais para a filha de um serviçal.
— Não a culpo — Aiden falou, com calma. — Era jovem demais. A
parteira trouxe a bebê para cá e a largou nas mãos da cozinheira. Por sorte,
a esposa de um dos cavalariços tinha ganhado bebê e amamentou Tamsin.
Eu fiquei sabendo dias depois que ela estava aqui e sou o pai dela desde
então.
— E sua irmã…?
Aiden riu baixo, coçando a sobrancelha lentamente.
— Ficou uma fera comigo, mas me ajudou a cuidar de Tamsin até
ela ir viver em Londres.
— Quem mais sabe da existência dela?
— Minha família e meus sócios. Agora todos podem saber, tem uma
mulher em casa e um casamento para protegê-la.
Lucille aquiesceu com lentidão, sentindo-se ainda mais usada.
— Ela vive sozinha aqui nesse local imenso? Sem contato com
outras crianças?
— Ela brinca com os filhos da criadagem e os primos vem visitá-la.
O filho de Matthew, a menininha de George e ela são inseparáveis.
— Entendi… — ela disse, baixinho, olhando os desenhos dourados
na almofada. — Eu sei que os cabelos dela são como os seus, mas não há
dúvidas se ela é mesmo sua filha?
— A criada era virgem — ele explicou, vendo um rubor surpreso
surgir no rosto de Lucy. — De qualquer modo, no meu coração, ela é minha
filha e eu jamais a deixaria ao léu.
Lucille meneou a cabeça, pensativa.
— Seus criados guardam segredo muito bem, ninguém em Londres
sonha que você tem uma filha.
— Confio neles. Temo que maltratem Tamsin por ter nascido de um
ato de luxúria embriagada. Sem mãe e sem legitimidade. Foi por isso que
não contei a você, não queria que sua irmã contasse para a cidade toda.
— Entendo… Então se aproveitou da dívida para arrumar uma mãe
para sua filha, não foi?
— Sim.
Lucille assentiu, abaixando o rosto e olhando para seu pulso despido
da pulseira de Michael. Seus olhos pesaram em lágrimas, que pingaram
sobre a almofada, e sua garganta doeu de tristeza. Ela soluçou, secando o
rosto e sentindo uma enorme falta de sua casa em Londres.
E falta de Michael.
— Por que eu? — Ela o encarou com seus olhos molhados de
tristeza e raiva. — Por que não uma mulher qualquer? V-Você me tirou de
tudo o que eu tinha, me tirou da minha casa, do meu noivo, de tudo, para
que eu fosse uma babá?
Aiden ficou calado, enfurecendo Lucille ainda mais com o seu
silêncio.
— Seu pai escondeu aquela dívida por vinte e cinco anos porque era
amigo do meu pai, mas você veio e estragou tudo! — Lucy se levantou,
jogando a almofada no chão e indo até a parede escura para que não visse a
indiferença nos olhos de Aiden. — Por que não se casou com uma solteira
qualquer?
— Eu nunca quis me casar — Aiden respondeu, mas a voz estava
baixa. — Depois que meus pais morreram, eu desisti de casar. Se eu
pudesse, teria passado a herdade e o título para Matthew, mas ele não foi
criado para isso. Se Tamsin não estivesse aqui, eu jamais teria me casado.
— Então anule o casamento e procure outra mulher. — Lucille se
virou para ele, secando as bochechas rapidamente antes de continuar. — Vá
e procure uma mulher que goste de você, não alguém que gosta de outro
homem.
— Já está feito, não vou anular. Já deve haver fofoca o suficiente
depois do nosso casamento às escondidas, não vai querer anular tudo e dar
mais assunto.
— Eu posso pedir a anulação, ainda sou virgem e posso dizer que
você me bate! Se eu falar isso, ninguém irá me culpar por ter terminado
tudo.
Aiden gargalhou, levantando-se da cadeira.
— Não vamos anular o casamento, Lucille. Somos casados agora,
aceite isso. E ninguém vai acreditar que eu bato em você, tenho centenas de
criados que me conhecem desde que eu nasci e sabem que eu jamais bateria
em uma mulher. É a minha esposa agora. Além do mais, é direito do
homem castigar sua esposa. Ninguém anularia um casamento por isso.
— Seu pai não lhe ensinou que um cavalheiro jamais bate em uma
dama? Você é desprezível — Lucy disse, entre os dentes, erguendo a cabeça
para encarar Aiden nos olhos. — Nunca serei sua mulher. Jamais permitirei
que me toque como uma!
— Então, que você tenha um filho com seu amado Michael e reze
para que ele nasça com os olhos ou com os cabelos Chatham, minha
querida. Eu não a quero como uma mulher, quero apenas um herdeiro. E se
ele tiver de ser filho daquele frouxo, que ao menos Deus o faça se parecer
comigo. Se é que ele conseguirá fazer um filho em você.
Lucille resfolegou furiosa, dando um passo para frente e estapeando
o rosto de Aiden o mais forte que conseguiu. Ele apenas fechou os olhos,
mas não se moveu, embora metade de seu rosto estivesse vermelho.
— Farei o possível para ser próxima da sua filha, mas não pode me
forçar a amá-la como uma mãe. Jantarei com você hoje, mas não espere me
ver por lá nas outras noites. Com licença.
Aiden se moveu o suficiente para Lucille abrir a porta do quarto e
batê-la raivosamente, deixando-o sozinho com seus pensamentos e seu
rosto dolorido. Mulher maldita, ela era forte, apesar do tamanho, e deixara
Aiden com o ouvido zunindo de dor.
Se soubesse que Lucille era uma mulher nada mansa, não teria se
casado com ela e realmente teria ido ao Inferno — ou ao Almack’s —
procurar uma moça doida para se casar com um duque milionário. Saber
que Lucille não levava desaforo para casa era, ao mesmo tempo, excitante e
horrível. Não havia nada mais charmoso que uma dama dona do próprio
nariz, mas aquilo também significava que ele levaria muitos outros tapas na
cara quando abrisse a boca.
Principalmente se falasse de Michael.
Aiden já estava pegando ódio daquele sujeito quase imaginário que
fazia Lucille cega. Ele tinha certeza que nenhum dos dois se amava, não
poderia passar de uma paixão juvenil.
E o duque voltava a pensar que, se fosse ele, teria levado Lucille à
loucura até em uma moita qualquer. Ainda mais se ela resolvesse gritar com
ele e ficar toda imponente.
Agora, Aiden poderia fazer o que quisesse com Lucille sendo sua
esposa, mas ele não era imundo. Não forçaria a mulher a nada. Porém
aquilo não o fazia ficar menos desejoso, pensando no que ela escondia
debaixo das anáguas e das chemisettes que lhe cobriam aqueles lindos e
pequenos seios que ele teve a sorte de ver pelo decote mais ousado de um
vestido.
Que tipo de idiota desejaria uma mulher que o ojeriza? Ele mesmo,
Aiden William Chatham. Parecia que o homem gostava de sofrer. E, para
piorar, as poucas prostitutas de North Haven já estavam manjadas e não
surtiam mais efeito em Aiden.
Ele era um molenga que gostava de beijinhos antes de dormir.
Ainda mais irritado por ter gostado da visão de uma enfurecida e
corada Lucille, apertou seu lenço e saiu logo do quarto, fazendo questão de
bater a porta ainda mais forte.

***

— Boa noite, Sra. Madrasta.


Lucy se virou antes de entrar na pequena sala de jantar do palácio –
depois de muito pesar para encontrá-la –, vendo Tamsin junto de sua babá.
A menininha estava linda em seu vestido amarelo enfeitado com uma faixa
de cetim verde na cintura. Ela era bem cuidada, claro que era. E parecia ser
amada pelo pai, apesar de ele ser um troglodita.
Muito bonitinha e educada. Falava direito, na medida que uma
criança de sua idade é capaz de falar.
— Boa noite, Tamsin. — Lucy abriu um sorriso educado e se
abaixou um pouquinho. — Se quiser, pode me chamar de Lucy.
Tamsin olhou para sua babá e a mulher assentiu com um sorriso
carinhoso, afagando as costas de sua pequena lady.
— Ela janta à mesa com os adultos? — Lucille cochichou para a
criada.
— A Sua Graça gosta que a Lady Thomasina faça as refeições
informais com ele. Vivem apenas os dois no palácio, Vossa Graça.
— Muito bem — ela assentiu. — Pode deixar que eu entro com ela.
A babá assentiu, soltando a mão de Tamsin e se despedindo da
menininha com um sorriso paciente, sumindo em uma das passagens
secretas dos criados.
Tamsin ficou parada onde estava, olhando para o mordomo ao lado
da porta da sala de jantar. Depois, ela olhou para Lucy, ficando bastante sem
jeito e passando a fitar seus pés calçados em adoráveis sapatilhas verdes.
— Vamos, Tamsin? — Lucille estendeu a mão para a menina, mas
ela colocou as suas para trás e olhou para o chão novamente. — Tudo bem,
não precisa me dar a mão. Vamos? O papai logo vai chegar.
Tamsin assentiu, andando apressada para a sala de jantar e sumindo
de vista. Lucille respirou fundo, aceitando o desafio de conquistar a
pequena Chatham, que parecia tão difícil quanto o pai.
A mais velha seguiu adiante, entrando no pequeno cômodo, que era
do tamanho da sala de jantar grande de sua residência londrina. Tamsin
estava de pé ao lado de uma cadeira ligeiramente mais alta que as outras e
ao lado da cabeceira do duque. No outro lado, estava o local marcado para a
duquesa sentar.
— Parece que todo mundo chegou antes de mim.
Lucille cerrou os punhos imediatamente, virando-se na direção da
voz de Aiden ao entrar na sala. Ele a cumprimentou com um aceno
indiferente e foi até a filha.
— Você está muito bonita, minha lady — Aiden sorriu para Tamsin
e a pegou no colo, ajudando-a a subir em sua cadeira.
— Obrigada, papai.
Ele sorriu outra vez, alheio à presença de Lucy, que o observava
com verdadeira curiosidade. A forma como ele sorria para Tamsin era muito
parecida com a forma com que sorriu no brunch. Mal parecia que eles
haviam discutido, exceto o fato de que metade do rosto dele continuava
irritada com o tapa.
— Foi educada com a Lucille? — ele perguntou.
— Sim, papai — Tamsin respondeu, aborrecida, olhando para Lucy
sem nenhuma discrição.
— Muito bem.
Lucille desviou o olhar, mas, quando Aiden olhou para o mordomo,
Tamsin lhe mostrou a língua e cruzou os braços.
Lucille se empertigou ofendida e rapidamente mostrou a língua para
Tamsin, na mesma medida de infantilidade. Nada mais justo que um duelo
usando as mesmas armas.
— Papai! — Tamsin exclamou, birrenta. — Ela me deu a língua!
— Você fez primeiro — Aiden respondeu, sério, deixando que um
lacaio lhe servisse o prato. — Se não quer que lhe deem a língua, então não
faça isso para os outros.
Tamsin inspirou, ofendida, cruzando os braços ainda mais e
formando um bico enorme.
Lucy sorriu com afetada educação para a menininha, deixando claro
que não levaria desaforo de uma pessoa miúda como ela. Afinal, ela era a
duquesa agora e, se fosse para ser a mãe dela, que colocasse ordem naquela
casa.
Satisfeita com seu feito, Lucy aceitou o prato que lhe foi servido,
observando que o pato de Tamsin fora fatiado miudamente para que ela
pudesse comer sem muito sofrimento.
A menininha tinha boa coordenação, sabia usar bem os talheres,
embora fossem um tanto grandes para as suas mãozinhas. Era, de fato, uma
lady. Também falava direito, apesar de enrolar a língua algumas vezes. E
andava com bastante graciosidade, ainda que gostasse de segurar a mão de
sua babá.
Joanna, quando tinha quatro anos, já era um desastre de tão
bagunceira e trocava de babá a cada seis meses. Lucy torcia para que ela
ficasse mais calma quando se tornasse uma moça.
— Lucy — Tamsin a chamou.
— Sim, Tamsin?
Aiden olhou apreensivo para a filha, mas Lucille não se incomodou,
apesar do tom exageradamente doce da criança ao chamá-la.
— Você vai dormir na cama do papai?
Lucy se engasgou com o vinho, levando o guardanapo até a boca e
cobrindo o rubor em seu rosto.
— N-Não, Tamsin.
— Viu, papai? — A pequenina se virou para o pai, tão constrangido
quanto Lucy.
— Se você fizer mais alguma pergunta indelicada, ficará de castigo
— Aiden respondeu, firme, fitando a filha. — Entendeu?
Tamsin assentiu com os olhos se enchendo de lágrimas. Ela fungou,
molhando suas bochechas em silêncio e colocando um montão de comida
na boca.
Lucille olhou de soslaio para Aiden, mas ele não parecia abalado
com a consequência de sua breve bronca na filha. Mas Lucy ficou com o
coração apertado ao vê-la choramingar. Como aquele ogro ousava olhar
para ela com aqueles olhos malditos?
— Tudo bem, Tamsin — Lucille respondeu, rapidamente, abrindo
um sorriso nervoso para a menininha. — Não precisa chorar. Sua pergunta
não foi nada indelicada, certo?
Ela aquiesceu e fungou outra vez.
— Não precisa assustá-la com esses seus olhos horríveis — Lucy
disse para Aiden, olhando-o sem temor. — Crianças são assim mesmo,
falam besteiras.
Aiden não a respondeu, bebendo seu vinho como se Lucille fosse
invisível. Ótimo, era isso que ela queria, na verdade. Que vivessem
afastados.
O problema era que agora ela não poderia fazer as refeições em sua
suíte. Com Tamsin à mesa e desejando conquistá-la, Lucy teria de participar
das refeições em família até ganhar a simpatia dela.
E parecia que o jantar seria um desafio e tanto.
Capítulo 10

A primeira tarde em Greenhill não fora tão produtiva. Além de ter


dormido antes do jantar, Lucille não conhecera nada do palácio que não
envolvia o seu caminho até a sala de jantar. Ela era fã de extravagâncias,
mas aquela casa lhe parecia grande demais para três pessoas. Seria tão
aconchegante se todos os Chatham estivessem ali como uma família
enorme, com todas aquelas crianças correndo e rindo pelos corredores.
Mas a família de Lucille ainda era a Mildenhall. Depois da
confissão de Aiden e de conhecer a pequena Tamsin, Lucy se sentia como
um objeto desvalorizado e resumido a uma possível figura materna. Lucille
gostava bastante de crianças e adoraria ter muitos filhos, mas não é algo ao
qual se pode forçar uma mulher. Nem todas querem ser mães.
Ela não sentia vontade de gerar crianças com Aiden e não poderia se
obrigar a amar Tamsin como uma filha. Esperava que a garotinha e ela se
tornassem próximas com o tempo, mas só Deus sabe se isso aconteceria. E
ter filhos com Michael lhe parecia inútil, mesmo que pudesse ser amante
dele. Achava injusto ter filhos frutos de um amor, que jamais poderiam
conhecer o seu verdadeiro pai.
De fato, Lucille teria de deixar Michael para sempre assim que ele
lesse a sua carta. Talvez fosse como Gwen lhe dissera, o primeiro não é
necessariamente o último. Mas o segundo pode não ser, igualmente. Ah, se
ela tivesse sido popular durante seu debute, quantos homens ela não teria
conhecido? Talvez seu verdadeiro amor estivesse em um daqueles homens
tolos apaixonados por um par de seios grandes.
Mas ela era uma magricela, o que poderia fazer? Contentar-se com o
Duque Louco? Lucille gostava de pensar que era mais que aquilo, que era
uma mulher forte e que não se deixava abater pelas palavras de um homem
insuportável como Aiden. Bom, ela lhe dera um tapa e aquilo, com certeza,
foi uma das melhores coisas que já fizera em sua vida. Sua mão estava um
tanto dolorida, mas foi um feito e tanto!
Muito orgulhosa de si mesma, Lucille terminou de acender uma vela
que colocou ao lado da cama e puxou os cobertores, deitando-se e fechando
os olhos apenas por dois segundos antes de abri-los e olhar para trás.
Maldito medo.
Não era medo do escuro em si, mas das sombras que ele fornecia.
Quando uma coisa pode se parecer com outra e assustá-la. A total escuridão
não a amedrontava, mas quando uma nesga de luz entrava no aposento e
formava sombras… sua imaginação aflorava terrivelmente. Sempre que
dormia em outro lugar que não fosse seu quarto, Lucy ficava ansiosa e
passava a noite em alerta. Demoraria quase um mês para se acostumar com
as sombras daquele quarto para que dormisse tranquilamente.
Fechou os olhos novamente, mas e se a vela caísse e ateasse fogo no
tecido que enfeitava o dossel da cama?
Ela rapidamente se virou e apagou a vela, sendo envolvida pelas
sombras desconhecidas daquele cômodo.
E se o espírito da duquesa estivesse naquela cama?
Lucille juntou as mãos na frente de rosto e rezou um pai-nosso
rápido, pedindo para a sogra que – se estivesse ali – não a maltratasse,
sendo ela uma moça tão boazinha.
— Papai.
Lucy congelou, enfiando-se debaixo do cobertor e levando a mão ao
peito. Seja lá qual era aquele espírito, não era o da duquesa. E espíritos de
crianças são os mais maléficos, disso ela sabia.
— Você deveria ir dormir na sua cama, Tamsin.
Lucille imediatamente saiu da cama, correndo até a porta que unia
os aposentos e colando o ouvido na madeira grossa.
— Mas é só hoje — Tamsin fez manha. — A Srta. Pilgrim deu esse
livro, olha. Lê?
— A Girafa e o Elefante em uma aventura na África… — A voz
grave de Aiden em nada combinou com aquele nome. — Você sabe o que é
a África?
— A Srta. Pilgrim disse que é onde o irmão dela está — a
menininha respondeu, sem se enrolar nas palavras. — É longe, papai? Ela
disse que tem todos os animais do mundo!
— Bastante longe. — Ele riu baixo e Lucille também o fez,
rapidamente cobrindo os lábios. — Amanhã você dormirá no seu quarto,
ouviu bem? Não sei como você consegue vir sozinha lá do seu quarto…
— Andando, ora essa — Tamsin disse, causando outro sorriso em
Lucy. — Agora, vamos, leia tudinho!
— Faça silêncio — Aiden a repreendeu com um sussurro. — Lucille
está dormindo no outro quarto, minha querida.
Lucy foi até sua cama, puxando os cobertores e travesseiro e
fazendo um abrigo aconchegante colado na porta, onde ela deitou e ouviu
Aiden ler para Tamsin a história de um elefante que ficou estarrecido com o
tamanho da girafa. Pegou no sono minutos depois, esquecendo das sombras
do quarto e descansando tranquilamente pelo resto da noite.

***

Gwen deu um gritinho surpreso ao abrir a porta do quarto e se


deparar com Lucille dormindo feito uma mendiga.
— Madame... — A camareira a tocou no ombro, abaixada ao lado
de Lucy. — Madame, a senhora está bem?
Lucille abriu os olhos lentamente, coçando o rosto e vendo Gwen a
olhar bastante preocupada.
— Bom dia, Gwen… — Ela se sentou, sentindo dores horríveis no
ombro esquerdo. — Fiquei com medo do escuro.
— A senhora deveria dormir com a Sua Graça, não acha? — Gwen
indagou e ajudou a patroa a se levantar. — Assim não teria medo.
— De jeito nenhum que dormirei na mesma cama que ele. Decidi
que quero distância daquele estrupício.
Gwen assentiu com impotência, catando os cobertores e travesseiros
do chão e os colocando na cama.
— Sabe onde estão o duque e a filha? — Lucy perguntou, ao que
tirou a camisola e começou sua toalete.
— Lady Thomasina está tendo aulas com a professora, mas não sei
onde está a Sua Graça, senhora.
— Desde que não esteja por perto. — Lucille deu de ombros,
olhando-se no espelho enquanto se limpava com panos limpos e
perfumados. — Acho que vou tirar o dia para conhecer o palácio… Que
horas são, Gwen?
— Onze e meia, madame.
— Dormi tanto assim? — Ela a olhou surpresa, vestindo o robe de
renda branca. — Traga algo para eu comer, pode deixar que eu mesma me
visto.
— Sim, senhora. Com licença.
Lucille seguiu com sua toalete matinal e escolheu um belo vestido
azul, sem se esquecer de uma chemisette bem abotoada até o pescoço.
Nunca fora de usá-las, mas, com Aiden bisbilhotando seu decote, ela se via
na obrigação de vesti-las e esconder-se do marido.
Apesar de sua pequena aversão a ele, Lucy dormira tranquila na
noite anterior, mesmo no chão. A voz grave de Aiden contando aquela
história tola para a filha dormir fizera seu peito vibrar em cócegas boas.
Lucille não queria admitir, mas parte sua achou adorável o fato de um
homem troncudo como ele ler uma historinha para sua filha dormir.
Aquilo a fez pensar que estava na hora de escrever para sua mãe.
Sentou-se na escrivaninha do quarto – bem em frente à janela que
dava para um curioso labirinto – e molhou a ponta da pena no tinteiro. Uma
criada mirrada entrou no quarto, trazendo uma bandeja de brunch e
reverenciando a nova duquesa nervosamente. Ela se pôs a arrumar a cama e
a abrir as janelas para que ar fresco entrasse, deixando os aposentos da
duquesa como se fosse invisível.
Lucille, então, pôde se concentrar para escrever a carta,
deslumbrada com a visão dos jardins do palácio.

Querida mamãe,
Cheguei em Greenhill e o lugar é imenso, maior do que qualquer
propriedade a qual já tive a oportunidade de ir. Os jardins parecem ser
lindos e tenho uma visão privilegiada em meu quarto, mas pretendo
conhecer a herdade com o tempo e até visitar aquela cidadezinha
microscópica chamada North Haven, que fica a uma hora de distância.
Falando sobre a opulência de Greenhill, não tenho dúvidas de que o duque
tem dinheiro o suficiente para não precisar das cem mil libras do papai. A
propósito, o casamento foi feito para que eu fosse mãe de uma criança já
nascida. Ele pouco estava interessado na dívida, queria apenas arrumar
um casamento o mais rápido possível. O nome dela é Thomasina, mas
gosta de ser chamada pelo apelido Tamsin como se fosse o nome de
verdade dela. Nascida de um interlúdio irresponsável do duque com uma
criada temporária, veja só. Estou aqui para servir de mãe e para livrar a
menina das fofocas. Ele não coleciona bonecas, inclusive, é tudo para a
menina. É uma criança bonita e saudável, ruiva como o pai e de quatro
anos. Logicamente, ela está com ciúmes dele, mas estou decidida a
conquistá-la. Não me restam dúvidas de que ela é amada pelo pai e isso me
deixa menos propensa a achar que ele é um homem terrível, mas ainda
assim não consigo pensar que terei um casamento civilizado com ele. Ele
me irrita terrivelmente a ponto de eu tê-lo estapeado noite passada. Mas
não se assuste, o duque nada fez comigo depois disso e nem antes. Sei que
ele não vai me ferir fisicamente, mas suas palavras carregadas de zombaria
me magoam verdadeiramente. Principalmente quando ele trata Michael
com desdém. Farei o possível para conhecê-lo melhor, mas, por enquanto,
não quero vê-lo. Por favor, não se esqueça de entregar minha carta a
Michael. E mande lembranças para o papai e para Joanna, diga que estou
bem.
Em breve escreverei mais, assim que conhecer melhor o lugar.
Com muito amor,
Lucy.

***

A governanta, a Sra. Dare, era casada com o mordomo e


estranhamente começou a trabalhar na casa desde muito jovem, quando era,
a princípio, camareira da duquesa. Parecia que a falecida duquesa tinha
certa estima por alguns criados em especial, permitindo que se casassem e
que as mulheres continuassem a trabalhar em Greenhill caso o desejassem.
A governanta era uma mulher de fala mansa e pouca expressão,
bastante profissional. Referiu-se ao marido como “querido Sr. Dare” e Lucy
teve de admitir que os criados da casa tinham um casamento mais
promissor que o dela.
Lucille combinou de encontrar a Sra. Dare no enorme saguão do
palácio, esperando-a para ser guiada até a grande galeria do palácio. O céu
de verão brilhava limpo, um dia raro que merecia ser admirado do lado de
fora. De certo, havia chovido violentamente dias antes de eles chegarem a
Greenhill.
Mas Lucy queria conhecer seus sogros, não passear nos jardins.
A Sra. Dare lhe mostrou algumas das pequenas salas do palácio: a
biblioteca pequena, a biblioteca do duque e outra biblioteca, da duquesa, a
sala do café da manhã, do almoço e a sala para o chá. Uma infinidade de
salas e mais salas, quase todas em desuso e com os móveis cobertos.
Percebendo a curiosidade de Lucille, Sra. Dare explicou que os aposentos
eram usados quando a família se reunia no Natal. Durante o caminho, Lucy
observava tudo e memorizava as portas para não as perder da mente. Havia
uma porção de quartos, quinze no total.
Chegaram à galeria do palácio, um local extenso e com uma
generosa quantidade de pinturas dos Chatham e algumas outras de boa
estima. Lucy avistou muitos sujeitos ruivos e altos como Matthew. Todos
elegantes e charmosos. Mas seu interesse era nos sogros falecidos, não
queria ver pintura de gente viva.
— Minha senhora, este é o falecido duque. Lorde Vincent William
Chatham.
Lucille olhou imediatamente para a pintura que a governanta
indicava entre tantas outras. O falecido duque era parecidíssimo com
Matthew. O porte atlético e elegante, os cabelos lisos e o nariz reto. Lucille
via Matthew ali, talvez um pouco mais jovem.
Vincent Chatham era um belo homem, retratado com calma e
postura, vestido com roupas escuras e juntas ao seu corpo elegante. Lucille
olhou bem para a pintura, mas não viu os olhos da família. Eram castanhos,
não azuis. Lucy não conseguia ver o retrato de um dono de um cassino
conhecido por arruinar vidas: via apenas um homem bonito e que
aparentava ser bem-educado.
— Parece bastante com o Matthew… Um pouco com George,
também — Lucy comentou. — Não acha, Sra. Dare?
— De fato, senhora. Se me permite dizer, a Sua Graça não se parece
com nenhum dos dois irmãos, nem com o pai ou com a mãe.
— É mesmo? — Lucille ficou curiosa. — E com quem ele se
parece?
— A Sua Graça se parece com o avô materno. Era um escocês
grande e chefe de um bem-sucedido clã.
— Escocês? — Lucy ergueu as sobrancelhas. — Então, presumo
que ele não era o Chatham do casal.
— Não, madame. Casou-se com uma mulher Chatham, que se
tornou uma mulher MacTavish por casamento. A filha, prima distante do
falecido duque, casou-se com o primo.
Sra. Dare a guiou para um quadro entre vários menores. O retrato
era de um homem forte e de cabelos ruivos, vestia um kilt de tartan azul e
vermelho orgulhosamente. O rosto não era tão parecido com Aiden, mas a
postura era bastante semelhante, além da compleição forte e imponente.
Aiden tinha um nariz comprido e aristocrático, bastante inglês. Os olhos de
seu avô também eram diferentes, castanhos como os olhos de Lucille.
— Todos são ruivos?
— Há cinco gerações, minha senhora. Casamentos arranjados,
alguns terminaram bem e outros não. Alguns foram entre primos de
primeiro grau e muitos bebês não vingaram.
Lucille tentou não pensar que o próprio acabaria mal.
— O casamento com o escocês foi arranjado ou entre primos…?
— Por amor — Sra. Dare explicou, breve. — Não sei dizer como se
conheceram, mas há tudo no livro de registros ao final da galeria. Antes, a
linhagem era puramente inglesa, agora há diversos primos escoceses.
Lucy assentiu, olhando para seu avô por casamento.
— Até mesmo a falecida duquesa era ruiva?
— Sim, madame. A antiga duquesa era uma prima distante do
marido.
Lucille meneou a cabeça, olhando para o sogro imortalizado na tela.
— Parece que algumas crianças morenas nasceram na linhagem
ruiva, não? E a duquesa, Sra. Dare? Gostaria de vê-la.
A governanta indicou o caminho e Lucille seguiu galeria adiante,
parando diante de um grande quadro com a pintura de uma moça jovem.
Como de costume, os cabelos ruivos eram o destaque da pintura. O vestido
era cinza com detalhes azuis em fitas nas mangas e em seu cabelo.
E os olhos dela eram os olhos de Aiden. Azuis e intensos, mesmo
em uma pintura. Eram tão parecidos com os de Aiden que Lucy ficou
minutos olhando-a nos olhos.
Sybill Chatham era uma das moças mais delicadas e belas que Lucy
já vira em sua vida. Aquela jovem na tela provavelmente havia sido a mais
popular nas temporadas. Ou na temporada. Com toda certeza, ela havia se
casado antes da temporada seguinte.
O nariz era pequenino e os lábios também, mas os olhos azuis eram
grandes e redondos. Lucille a admirou em silêncio, tão bela e delicada. O
anel de safira estava em sua mão pálida, perfeito para seus olhos intensos e
em exibição para todos verem. Imortalizada em sua linda juventude de
sucesso, um perfeito retrato da deusa do amor, cujo nome lhe fora dado ao
nascimento. Devia ter sido uma jovenzinha escocesa que deixou muitos
homens ingleses apaixonados.
O antigo duque devia ser tão apaixonado, sabia exatamente qual joia
combinava com a sua duquesa. E em que o colar de diamante combinava
com Lucy? Em nada? Ela sabia que Aiden o havia comprado por obrigação,
mas queria se sentir um pouco especial e memorável. A duquesa tinha
lindos olhos azuis. E Lucy? O que tinha de especial?
— A senhora sabe quantos anos ela tinha aqui, Sra. Dare?
— Dezenove, madame. Foi quando se tornou duquesa.
— E quantos anos tinha o falecido duque?
— Creio que vinte e cinco, senhora.
— Parece que os homens Chatham se casam cedo… — Lucy
comentou, caminhando pela galeria. — E todos amam suas esposas… não
é? Que curioso. Devem ser os olhos que atraem as mulheres. Se bem que o
meu falecido sogro não tem os olhos azuis. A duquesa o enfeitiçou, então.
Sra. Dare se manteve educadamente calada, já que Lucille parecia
falar sozinha.
— Diga-me uma coisa, Sra. Dare — Lucille anunciou, olhando uma
pintura de Sybill com um pequenino Aiden e Matthew ainda bebê. Ambos
adoráveis.
— Pois não, madame?
— É verdade que a duquesa morreu de tristeza?
A governanta demorou a responder. Seus olhos se tornaram soturnos
e ela assentiu com muito pesar.
— Imagino que ela o amava muito… — Lucy lamentou
verdadeiramente. — B-Bom, acho que vou conhecer os outros aposentos.
Posso seguir sozinha daqui.
— Como quiser, Vossa Graça.

***

Cem mil libras naquele momento lhe cairiam bem na conta. Aiden
tinha um projeto em mente para a valorização de sua herdade, algo que
deixaria seu pai orgulhoso de tudo o que lhe tinha ensinado.
Já era início de tarde quando ele deixou as plantas de lado e se
recostou na cadeira, virando-se para olhar pela janela e avistar Tamsin e a
Srta. Pilgrim passeando com Max. Bom, o cachorro estava descansando no
meio do caminho e Tamsin estava no colo da babá, conversando com ela
animadamente.
Aiden sorriu sozinho, coçando a sobrancelha e pensando se seu
casamento com Lucille fora certo para o futuro de Tamsin. De fato, ela
precisava de uma mãe para ser aceita e poder ir finalmente para Londres e
conseguir um bom marido quando crescesse. Aiden queria que ela
conhecesse a cidade, não apenas ser visitada pela família e pelos amigos do
pai. Queria que ela fosse legítima.
A menininha só conhecia Greenhill e seus arredores, o mais distante
que já foi era York, para visitar sua tia Charlotte e o marido Lewis. Não
podia ir até a casa de seus outros tios, já que moravam todos em Londres.
Aiden temia levá-la até a capital e deixá-la ser vista por alguém e virar
assunto para crueldades das fofoqueiras.
Ainda pensando em seu casamento com Lucille, Aiden sabia que
Tamsin amava mesmo a Srta. Pilgrim, apesar de dizer que sabia que a babá
não era a mãe dela, aquela jovem ama era quem estava com ela desde os
dois anos. Ele tinha de fazer com que Lucille e Tamsin se tornassem amigas
e, com o tempo, ficassem próximas uma da outra. Com os anos, é claro que
Tamsin a teria como mãe, principalmente quando seus irmãos nascerem.
De novo, ele estava pensando em ter filhos com Lucy. Fazê-los, na
verdade. E sabia que a mulher não queria vê-lo nem pintado de ouro. Ou
vestido de Michael.
Ele riu sozinho. Que merda de vida. Se casou para ter filhos com
uma mulher que não queria nem o olhar. Como teriam herdeiros? Aiden não
poderia continuar sonhando que arrancava aquelas chemisettes ridículas e
contava as sardas nos seios de Lucille, para depois conhecer o seu
maravilhoso ventre virginal.
E acordar.
Nada pior que desejar uma mulher que não lhe causa nenhuma
afeição. Suas duas cabeças estavam em conflito, infelizmente.
Ouviu algumas batidas contra a porta pesada do escritório, tirando-o
de seus devaneios conflituosos.
— Entre.
— Espero não incomodar.
Ele se empertigou com a voz cadenciada de Lucy, doce demais se
comparada com a noite anterior, em que ela quase explodiu de raiva. Mas
não se moveu, era melhor se não a olhasse.
— Pensei que quisesse manter distância de mim.
— Mudei de ideia. — A voz estava cada vez mais perto. — Posso
me sentar aqui?
Ele assentiu, virando-se para olhar Lucille sentada em frente à sua
mesa. A luz que vinha da enorme janela a iluminava uniformemente, dando
um brilho avermelhado aos cabelos castanhos e fazendo suas sardas
aparecerem ainda mais.
— Aqui é bem bonito. — Lucy olhou ao redor, admirando os
quadros e a luz natural que entrava no escritório. — Muito bonito.
Como você, querida irritante.
— O que está fazendo? — ela perguntou, inclinando-se sutilmente
na mesa. — São plantas da herdade? Posso ver?
Aiden indicou a mesa com um aceno desanimado e Lucille sorriu
animada, iluminando todo seu rosto quando ela virou as plantas para si.
Ele tentou ignorar o quão bonita ela ficava com a luz do sol. A pele
de alabastro parecia reluzir como se ela fosse uma sereia se banhando na
beira de um rio, pronta para transformá-lo em pedra.
— Parece que é ainda maior do que eu imaginava… — Lucy
comentou, encantada com o tamanho da herdade. — Eu vi esse labirinto
pelo meu quarto, mas parece que há umas grutas também. Uma pena que eu
não consiga enxergar tão bem de longe.
— Há todo o tipo de coisa por aqui — ele explicou, breve.
Lucille aquiesceu e pegou outra planta em que uma pequena vila
estava desenhada. Eram seis chalés juntos e uma pequena fazenda ao fundo.
Ao lado da planta, havia um desenho-modelo do chalé, com flores nos
jardins frontais e folhas subindo pelas muretas de pedra de forma bastante
pitoresca.
— Você quem fez isso? Está tão bem-feito, troglodita.
Aiden bisbilhotou o que ela olhava e assentiu, olhando para a
chemisette de renda que ela usava. Conseguia ver o pingente entre os seios
pequenos dela.
Engoliu em seco. Parecia que havia anos que não se deitava com
uma mulher.
— Você desenha bem — Lucy disse, estranhamente bem-humorada,
olhando os esquadros, réguas e compassos. — E o que é essa vila? É tão
pequenina.
— Para os criados — Aiden respondeu. — Se reproduzem como
coelhos.
— Não seja vulgar — ela disse, com um tom levemente autoritário,
o que causou um sorriso enviesado em Aiden que controlou o riso. — Nós
aristocratas também parecemos coelhos.
— Não posso negar.
Lucille riu sozinha e passou as plantas, olhando as internas do
modelo de chalé.
— Imagino que alguns criados moram em North Haven, não? Os
que casaram e tiveram filhos — ela observou, passando as plantas e as
analisando. — Isso é bem interessante… Como você gerencia o cassino
vivendo tão longe? E ainda há os assuntos da herdade e os de Tamsin.
— Gosto de me manter ocupado — Aiden explicou, olhando sua
pena e a girando em seu dedo. — Quanto ao cassino, meus sócios me
mantêm informado e faço visitas regulares.
— Hum… — foi tudo que Lucille disse antes de se arrumar na
poltrona e olhar as próprias mãos. — Eu posso ir até lá um dia?
— Ao cassino?
— Sim.
— Não — Aiden respondeu, colocando um calcanhar sobre o outro.
— Não é um lugar para mulheres.
— Ora, não me venha com essa conversa de macho irritante. Eu sou
a sua duquesa, é como se eu fosse a rainha daquele lugar.
Aiden ergueu uma sobrancelha, virando-se o suficiente para olhar
Lucille, que estava corada de tão ofendida.
— Eu não sou o rei, infelizmente.
— Certo, então somos príncipe e princesa. Continua sendo mais
importante que duque e duquesa.
Ele não respondeu, ignorando Lucille com um resfolegar baixo.
— Ah, o que custa? — Lucy perguntou, um tanto manhosa. — Eu
sempre quis fazer algo de errado na vida. Entrar num cassino deve ser
revigorante. E o cassino é do meu marido, que mal tem?
— Esqueça, Lucille.
Ela bufou de forma nada elegante, cruzando os braços e olhando
seus pés escaparem da bainha do vestido.
Decidiu mudar de assunto.
— Fui à galeria hoje e… sua mãe era muito bonita. Seu pai também,
era bastante parecido com o Matthew. Mas sua mãe é como a Vênus.
Aiden abriu um sorriso pequeno, assentindo sem tirar os olhos da
pena.
— Charlotte se parece com ela — ele disse, distante de Lucy, a voz
baixa e soturna — No comportamento também.
— Como é a sua irmã?
— Uma boa garota, doce e inteligente. Uma erudita, gosta de
botânica… Uma pena que não viva mais aqui. Casou-se de primeira,
clamando amor pelos cantos… Tolice.
— O que há de tolo no amor? — Lucy perguntou, baixo e chateada.
— Imagino que você ame Tamsin.
— Não falo sobre esse tipo de amor — Aiden se levantou, pegou
sua casaca marrom no encosto da cadeira e caminhou em direção à porta.
— Vou até a cidade. Volto para o jantar.
Lucille assentiu desnorteada, vendo-o bater a porta do escritório e
deixá-la repentinamente. Será que ela falou algo de errado?
Lucy suspirou, debruçando-se sobre a mesa e deslizando o dedo
pelas plantas. Não deveria ter falado da mãe e nem falado de amor como se
fossem íntimos para conversarem sobre aquilo. E se fosse algo assim que o
fazia distante? Ele era tão doce e leve com Tamsin, mas tão duro com
Lucille. Tão frio e distante. Mas que injustiça, fora ela quem se casou à
força! Era ela quem deveria ficar raivosa e resmungona, lacônica sempre
que ele falasse com ela.
Mas não. Era ele quem estava sendo um chato.
Lucy mudaria aquilo, seria sua atividade em Greenhill. Transformar
o duque inteiro na metade do que ele era com Tamsin.

***

Aiden não havia retornado no jantar e já se passavam três horas


desde que ele havia ido até North Haven. Não que Lucille se importasse
com o que ele fazia ou deixava de fazer, mas Tamsin parecia bastante
ansiosa em relação à ausência do pai.
E se o homem tivesse ido beber até cair? Se enfiado em uma roda de
brigas e apanhado de um homem do tamanho de um armazém? Porque é
isso que os homens fazem quando devem encarar suas fraquezas
emocionais. Bom, foi isso o que ela aprendeu na Escola das Maricotinhas.
— Você viu o papai? — Tamsin perguntou, com os olhos marejados.
— Ele foi até a cidade, Tamsin.
— M-Mas ele vai voltar, não vai? — A menininha estava com a voz
embargada. — Não é, Sra. Lucy?
— É claro que vai, querida. Logo ele chega e janta conosco —
Lucille disse, alarmada, olhando para o mordomo de pé na porta da sala.
O homem estava notavelmente preocupado com o estado de Tamsin,
mas nada podia fazer em relação àquilo. A babá não estava presente, para
piorar.
— Por que você não termina seu jantar, meu bem? — Lucy
perguntou, com um sorriso caridoso e um tanto nervoso. — Depois eu
posso ler uma historinha para você, se quiser. Quando você acordar
amanhã, o papai já estará aqui.
— T-Tudo bem… — ela fungou, bastante chorosa, mas comeu uma
garfada generosa de seu jantar e derrubou uma lágrima solitária em sua
bochecha.
Lucille se encheu de pesar, olhando preocupada para Tamsin. Aiden
havia ido até North Haven apenas, mas a menininha estava tão abalada com
aquilo. Era por isso que Aiden fora tão apressado em se casar logo e voltar
para Greenhill? Havia uma menininha solitária o esperando voltar?
— Boa noite, Vossa Graça— o mordomo falou mais alto que o
normal.
Tamsin imediatamente se virou em sua cadeira, radiante por ver
Aiden entrar na sala e ir até ela com um sorriso saudoso nos lábios.
— Papai!
Lucille suspirou aliviada por não ter de contornar a situação.
Duvidava que Tamsin fosse se sentir melhor ao ser reconfortada por ela.
— Parece que me atrasei — Aiden pigarreou, sentando-se à mesa e
dando uma carinhosa beliscada na bochecha de Tamsin. — Não precisa
chorar, sua tolinha. Já estou aqui.
Tamsin fez um bico emburrado e assentiu, secando o rosto com as
costas das mãos antes de voltar para o seu jantar. Aiden entreolhou Lucille,
mas ela estava focada em olhar o próprio prato e ignorá-lo outra vez. Onde
estava a jovem radiante que foi bagunçar seus desenhos? Aquela maldita
que o fez ir até North Haven procurar o calor de uma meretriz, já que o
calor de sua esposa ele nunca teria?
Capítulo 11

Já se passavam das quatro da manhã quando Lucille desistiu de


dormir. Decidiu que ficaria acordada até o amanhecer e dormiria com a luz
do sol. Mas ela estava tão cansada, queria dormir logo, não pegar no sono e
acordar de repente com a sensação de que estavam a observando dormir.
Ela sabia que iria se arrepender daquilo, mas não tinha outra opção:
dormiria na cama dele.
Lucille era orgulhosa demais e demorou bons minutos para levantar
da cama. Se Aiden a visse – e ele a veria –, zombaria dela por toda a
eternidade. Aquilo seria um bom motivo para futuras chantagens; o dia em
que ela teve de ir dormir com ele porque tinha medo das sombras à noite.
Pegou seu cobertor e caminhou até a porta, ficando parada em frente
à madeira por uns bons minutos. Olhava para a cama, olhava para a
maçaneta.
Cama.
Maçaneta.
Cama.
Maçaneta.
Respirou fundo e girou a maçaneta, surpreendendo-se pela porta
estar mesmo destrancada. Lentamente a abriu, colocando primeiro a cabeça
para dentro e deixando que seus olhos se acostumassem com a escuridão
que era o quarto dele. Arregalou os olhos como se aquilo fosse fazê-la
enxergar melhor e encontrou a cama de Aiden, onde ele estava dormindo
como uma pedra.
Nu.
Lucille fechou a porta, cobrindo os lábios e buscando sua recente
memória da primeira visão de um homem nu que não eram pinturas em um
museu. Deus, se ela soubesse como era um homem nu de verdade não teria
passado vinte e três anos de sua vida sem se importar com essas coisas
quando suas amigas pegavam os livros de anatomia dos irmãos para
bisbilhotar.
Curiosa demais, ela abriu a porta outra vez e bisbilhotou o marido
dormir de barriga para cima no meio da cama enorme. Lucille o olhou dos
pés à cabeça, ficando abismada ao ver como eram os homens em sua
intimidade. Não eram como animais. E o tamanho não era humilde como o
das estátuas gregas no museu.
Mas não deixava de ser algo magnífico e que a fizera questionar
como conseguiria ser deflorada sem nenhum sofrimento além do emocional
por pensar tanto em Michael. Talvez, se o fogo da lareira estivesse aceso,
ela poderia ver melhor toda a compleição dele e medir aquilo que estava à
mostra. Tudo o que podia ver com sua visão noturna era algo exuberante,
sem contar com o resto do corpo dele. Aiden não era como as estátuas
gregas visivelmente definidas, mas ainda era forte e com uma quantidade
masculina de pelos pelo corpo. O tipo de homem que se encontraria em
brigas de bar . De fato, ele era muito diferente dos dois irmãos.
Ela olhou com a respiração presa. Admirou os pelos no peito dele,
que desciam afunilados até chegar ao baixo-ventre, formando um conjunto
onde estava a sua masculinidade.
Lucille fechou a porta outra vez, envergonhando-se de ficar olhando
aquele tipo de coisa e, para piorar, apreciar o que estava vendo. Michael lhe
pareceu um molecote perto da visão que ela teve de Aiden, embora nunca
tenha visto Michael nu ou em qualquer situação mais íntima. Pensou
seriamente em retornar para a sua cama e passar o resto da madrugada em
claro, pensando no que ela tinha visto por acidente.
Mas, se voltasse para a cama, as sombras lhe tomariam a mente e
não haveria nenhum homem nu que pudesse fazer ela esquecer do escuro.
Aiden dormia profundamente, ele não iria percebê-la. Bastava entrar
e deitar. Bem no cantinho.
Entrou no quarto bastante decidida e fechou a porta sem fazer
barulho. Evitou olhar para Aiden e se deitou na cama cuidadosamente,
ficando na beirada e bem longe do marido. Aliviada, ela suspirou depois
daquela missão cumprida. Restava-lhe apenas dormir tranquilamente até a
manhã e voltar para seu quarto como se nada tivesse acontecido e ela jamais
tivesse entrado ali e o visto nu.
Então, o colchão se moveu e ela ficou petrificada embaixo de seu
cobertor, mantendo os olhos fechados enquanto ouvia os passos sonolentos
de Aiden pelo quarto. Ele resmungou alguma coisa no dialeto dos
trogloditas e Lucille olhou sorrateiramente por sobre os ombros, vendo que
ele vestia um camisolão de forma bem mal-humorada. Virou-se
rapidamente quando ele retornou para a cama, soltando um suspiro surpreso
quando a mão de Aiden tocou sua barriga e a puxou em direção ao centro
da cama.
Lucy olhou de soslaio para ele, mas Aiden havia se virado de costas
para ela e caído no sono novamente, deixando-a sozinha, com o coração
martelando fortemente dentro de seu peito.
— A-Aiden.
Ele soltou um resmungo irritado e sonolento.
— Posso dormir aqui? — ela perguntou em um sussurro, o homem
estava notavelmente emburrado.
— Pode — Aiden respondeu, ainda mais carrancudo.
— Certo… — seu sussurro saiu ainda mais baixo. — B-Boa noite.
Silêncio.
— Durma bem, troglodita.

***

Aiden acordou assim que o sol raiou e deixou o quarto o mais rápido
que podia, não olhando a visão de Lucille deitada em sua cama, com a
camisola bagunçada e deixando metade de suas pernas à mostra. Passara o
resto da madrugada atento à presença dela ao seu lado, o cheiro suave de
seus cabelos castanhos que estavam espalhados pelo travesseiro e os
suspiros baixinhos que ela dava enquanto dormia. Lutara a noite toda contra
a vontade que sentiu de abraçá-la e sentir o aroma de sua pele, como um
animal que encontrou a perfeita fêmea. Aiden já estava farto das prostitutas
e elas já estavam cansadas de ver a carranca dele, não importa o quão bem
ele as pagava.
Desde que vira Lucille, parecia desejar apenas ela, em vão. O que
tornava as belas damas de North Haven obsoletas, com seus gemidos falsos
e elogios vazios. Além do mais, já tivera problemas demais com as
prostitutas quando uma acabou apaixonada por ele. Logo a mais bonita, que
ele teve de deixar por conta daquele infortúnio sentimental. A culpa não era
dele se a moça se confundiu só porque ele ia até lá toda hora.
Deveria parar com aquilo, ele sabia.
Infelizmente, parecia que iria mais vezes ao bordel agora que
Lucille apareceu em sua vida, cheia de delicadeza e beleza, destruindo seus
nervos e acabando com seu controle. Se ela dormisse na mesma cama que
ele novamente, Aiden não saberia se poderia se controlar. Se conseguiria
controlar o desejo que tinha de abraçá-la e sentir seu corpo junto ao dele
calorosamente, no abraço mais amoroso que poderiam compartilhar. Desejo
esse que ele jamais confessaria, que guardaria consigo bem fundo naquele
coração de pedra.
Acordara pensando em ir até as damas que sempre o recebiam de
braços abertos, mas ele sabia que não era desejo ou vontade de sexo. A
questão era bem mais complexa e ele o estava encobrindo com as poucas
prostitutas de North Haven, já que não podia mais ocultá-lo com o álcool.
Aquilo era vergonhoso, todos na cidade o achavam um degenerado. O
duque degenerado, viciado em prostitutas e que vivia sozinho em um
palácio enorme somente com sua filha pequena, fruto da devassidão de um
bêbado deprimido. Não era aquilo que ele gostava de ser, nem o que queria
que sua filha ouvisse.
— Papai, está me ouvindo?
Aiden saiu de seus devaneios profundos, piscando confuso e
olhando Tamsin balançar a mãozinha na frente do rosto dele.
Estavam passeando pela herdade quando Max ficou com sono e se
deitou no meio das flores. Cansado de esperar o cachorro acordar e vendo
que Tamsin não pararia de correr pela clareira, ele se sentou no chão e
passou a pensar em Lucille de camisola ao lado dele na cama.
— O que foi, meu anjo? — perguntou a Tamsin.
— Nada. Pensei que estava dormindo de olho aberto.
Aiden riu sozinho, dando batidinhas na barriga de Max, que virou as
patas para cima em um pedido de carinho.
— O que está achando de Lucille, Tamsin?
— Não sei... — Ela deu de ombros, catando algumas pedras e as
levando para o pai. — Aqui.
Aiden as segurou, um bando de pedras achatadas que mais tarde
Tamsin levaria para casa.
— Você não a acha uma boa companhia?
— Um pouquinho. Papai, podemos ir até o laguinho?
— Podemos ir outro dia — ele respondeu, ganhando mais algumas
pedrinhas. — Você não acha que poderia ser amiga dela, Tamsin? Vocês
poderiam brincar juntas e comprar fitinhas, essas coisas de menina que você
gosta.
— É… Mas eu não sei, papai — a menininha disse, bastante
cansada, causando um riso discreto em Aiden. — Ela não vai para a casa
dela, não? Já faz um tempão que ela está aqui!
Dois longos dias.
— A casa dela é aqui, querida. Ela se casou comigo.
— Ah… E por que ela tem que morar logo aqui?
— Porque é aqui onde eu moro e ela deve morar com o marido.
— Hum… — Tamsin assentiu, andando pelas flores em direção ao
pai, onde se sentou e passou a montar as pedras uma sobre a outra, como
gostava de fazer. — Quando eu for adulta, vou me casar como a tia Charlie
fez, não é?
— É o que se espera, meu anjo.
— E não vou morar aqui?
— Se você ganhar um irmão, talvez ele more aqui com a esposa
dele. E se papai estiver vivo ainda, talvez você possa ficar aqui. Mas,
provavelmente, você viverá onde o seu marido quiser.
— E você tem que morrer? — Os olhos delas ficaram enormes e
molhados, enchendo como uma nascente.
Aiden riu baixinho, acariciando os cabelos de Tamsin. Aquela
criança e sua mania de chorar repentinamente e deixá-lo perdido.
— Eu não vou morrer agora, está tudo bem. — Ele riu, puxando-a
para seu colo antes de encher seus cabelos ruivos de beijos. — Eu vou
morrer quando eu estiver bem velho e cansado.
— Mas eu não quero. — Tamsin se debulhou em lágrimas,
enfiando-se no sobretudo amarelo de Aiden. — V-Você tem que viver para
sempre!
Ele gargalhou, apertando a filha nos braços e dando batidinhas
amistosas no traseiro dela.
— Eu não vou morrer, Tamsin. Levante, vamos procurar algo para
dar para Lucille. Vá, levante.
— Não — ela disse, chorosa, acomodando-se e se enrolando dentro
da casaca dele. — Quero ficar aqui…
— Tudo bem, fique aí então. Voltando ao assunto, eu acho que você
deveria ser mais gentil com a Lucille. Acho que ela gostaria de ganhar um
presente seu e ver que você se importa com ela.
— E-Eu vou pegar uma flor para ela, então… — Tamsin murmurou
por detrás do pano.
— Flores não. Elas deixam Lucille doente — Aiden explicou,
afagando os braços de Tamsin carinhosamente. — Faça um desenho, o que
acha? Peça para a Srta. Pilgrim ajudá-la. Lucille vai gostar.

***

Lucille estava perecendo em solidão naquele lugar, sem nenhum


tabloide ridículo de fofocas, revista para mulheres, chá e festa para dançar.
Tudo o que lhe restava para fazer era conhecer os interiores de Greenhill, já
que os interiores do duque eram inacessíveis.
O palácio era enorme e, durante a manhã, na companhia da Sra.
Dare, havia conhecido todo o primeiro e o segundo andares. Gostou de uma
biblioteca em particular, a favorita do duque, e logo buscaria alguns livros
para ler. Lucy gostava bastante de ler, embora Aiden pensasse o contrário.
Conhecera a babá de Tamsin: Srta. Emily Pilgrim. Tinha a mesma
idade que Lucille e era bastante carinhosa e querida com sua pequena lady.
A babá lhe falara sobre o temperamento da Lady Thomasina Chatham – o
nome da miúda era esse, mas a menininha o detestava a ponto de fazer
todos a chamarem pelo apelido. A única herdeira do duque era bastante
mimada, mas de forma sentimental – dissera a babá. Não gostava de ficar
longe do pai e chorava por longos dias sempre que a Sua Graça tinha de ir a
Londres ou para algum lugar fora dos arredores de North Haven. Ninguém
a consolava, mas a governanta sempre lhe dava um chá com leite que a
fazia dormir pela noite.
Não era de se estranhar, pensava Lucy. A menininha vivia apenas
com o pai naquele local enorme, sem nunca ter tido uma mãe. É claro que
ela choraria quando ele fosse viajar, mas Lucille ainda achava um tanto
diferente ela ter ficado tão ansiosa com uma simples ida a North Haven.
Pobrezinha, havia algo naquela criança. E naquele duque.
Além do temperamento ansioso, Lucy aprendeu todos os horários da
pequenina. Ela estudava sozinha com uma professora e já sabia escrever o
próprio nome e o nome do pai, embora a caligrafia fosse um tanto grosseira.
Gostava de tocar piano e o fazia inusitadamente bem para uma criança
pequena. Brincava com os filhos dos criados, principalmente as menininhas
de sua idade. Mas não com muita frequência, por ordens do duque. E ela
também brincava com os primos que vinham visitá-la de vez em quando.
Era muito amiga de seu primo Dominick, cuja companhia era a favorita
dela. E, claro, havia os filhos e filhas dos sócios de Aiden, que vinham em
feriados ou no Natal.
Lucille achou aquilo tudo muito solitário para uma criança. Não
tinha um irmãozinho com quem brincar e parecia depender muito do
acalanto de seu pai. Ela precisava socializar mais e se desenvolver, ou se
tornaria uma pessoa muito fechada. Disso Lucy sabia. Não adiantava ter um
cachorro.
Queria muito conquistar Tamsin e brincar com ela, passeariam e
brincariam com as crianças da cidade. E a ensinaria piano e todo o tipo de
coisa que ela quisesse. Não gostava nada da ideia de ver uma criança
sozinha.
Já havia percorrido todo o primeiro andar quando se sentou no
principal saguão do palácio e olhou as magníficas pinturas que adornavam
as paredes altas, tendo dificuldades para crer o quão poderoso era o marido.
Alguns lacaios a olhavam de soslaio próximos à escadaria, mas Lucille não
se importava. Era de boa estirpe, mas nunca vira tamanha ostentação e
beleza.
Ficar em silêncio e sozinha a fez pensar em seus pais e sua
irmãzinha. Sentia tantas saudades deles, queria ter tido mais tempo para se
despedir e não apenas uma semana. Queria poder dar um abraço apertado
em seu pai e dizer para ele – mais uma vez – que ele não precisava se
culpar. Ficar sozinha naquela casa estava começando a ser horrível, Aiden
não a queria e nem Tamsin gostava dela. E só estava lá há dois dias, como
passaria a vida toda daquele jeito?
Agradecia a Deus por não ficar pensando em Michael, mas ficava
contando os dias para que ele lesse logo sua carta e o peso em sua
consciência passasse. Talvez, com uma resposta de Michael, Lucille
conseguiria se deixar ser deflorada sem temer trair seu antigo noivo. Era
tolice, sabia, não tivera nada com Michael. Mas o coração estava
comprometido e isso era mais importante do que qualquer acordo social.
Até resolver aquilo, não conseguia sentir nada por Aiden.
Nada além do seu inexperiente deleite ao vê-lo nu. Aquela imagem
não saía de sua cabeça, estava sendo consumida em pensamentos de tocar o
corpo dele e sentir como era o calor masculino na sua mão. Queria olhar a
sua intimidade outra vez, às claras, e fazer um apanhado sobre todas as
características daquela parte em especial. Sua curiosidade havia crescido e
suas vontades de ser arruinada pareciam voltar.
— L-Lucy!
Lucille virou a cabeça, vendo Tamsin e a babá descerem a escadaria.
A menininha acenou alegremente, descendo as escadas correndo e quase
matando a Srta. Pilgrim do coração quando quase perdeu o último degrau,
mas foi segurada por um lacaio apressado e esperto.
— Cuidado, milady — o jovem ainda adolescente falou, colocando
Tamsin no chão cuidadosamente.
A menininha riu e correu até Lucy, ignorando o rapaz e a babá.
— Olá, minha querida — Lucille sorriu, dando um espacinho para
Tamsin sentar ao seu lado. — Quer se sentar aqui do meu lado?
A pequenina o fez, espanando a babá com um aceno envergonhado.
Emily deu alguns passos para trás e ficou fielmente parada perto do lacaio,
todo vermelho de vergonha.
— O papai gosta de olhar o teto também — Tamsin disse,
balançando os pés. — Mas ele olha todos os tetos.
— Ele deve gostar muito de pensar.
— É. Ele tem um cabeção mesmo, a Sra. Martin disse que é lá que
ficam os pensamentos. E o tio George tem a cabeça pequena. Você
conheceu o meu titio?
Lucille riu baixinho, assentindo e olhando as mãozinhas de Tamsin,
que segurava um papel dobrado.
— O que tem aí, Tamsin? É uma carta?
Ela fez que não acanhadamente, entregando o papel para Lucy.
— Fiz um desenho. O papai pediu para eu dar um presente, mas
falou que você fica doente com as flores. Então, eu fiz um desenho…
Lucille sorriu lisonjeada, desdobrando o papel e vendo um desenho
colorido de uma flor enorme cheia de pétalas rosas. Ela sorriu ainda mais,
sentindo uma enorme vontade de chorar ao olhar aquele simples presente.
— É muito bonito, Tamsin… Obrigada, vou guardar perto de mim
— ela fungou, rindo constrangida e tocando o cantinho dos olhos. —
Obrigada.
— Oh, m-mas… Mas você está chorando por que se gostou?
Lucille riu sozinha, dobrando seu desenho e tocando os finos
cabelos de Tamsin.
— É que eu nunca ganhei uma flor que não me deixa doente.
— Ah… Entendi… — Tamsin aquiesceu, balançando os pés e
olhando para o chão. — Você gosta de fitinhas?
— Eu adoro fitinhas — Lucy respondeu, sorridente.
— É mesmo? — A menininha a olhou iluminada. — Eu gosto de
pôr nos vestidos e nos cabelos das bonecas. Vamos comprar fitinhas na
cidade?
— Eu adoraria ir, minha querida. E adoraria conhecer suas bonecas,
se me deixar vê-las.
— Vamos amanhã! — Tamsin sorriu, contente, e escorregou para
fora do banco, indo até sua babá. — Amanhã vamos comprar fitinhas! E
brincar com as bonecas.
— Combinado. Amanhã bem cedinho — Lucille assentiu, acenando
para a enteada, que subiu as escadas feliz e sorridente.
Atrás de uma das grandes pilastras do saguão, Aiden observava sua
filha cumprir o que ele pedira mais cedo. Lucille se levantou depois de
alguns minutos, olhando seu desenho enquanto subia as escadas e sumia
dos olhos de Aiden.
— A nova duquesa é uma boa mulher, meu senhor. Sua mãe ficaria
feliz.
Aiden piscou assustado, olhando por sobre o ombro para ver o
mordomo junto a ele.
— Dare, não me mate de susto.
O mordomo pigarreou e colocou os braços para trás.
— Imagino que o casamento seja por Lady Tamsin — ele disse. —
Os criados ainda estão confusos com a nova moradora.
— Ela tem a camareira dela, não precisam se preocupar. E, antes
que venha me perturbar, casei por causa de Tamsin — Aiden assentiu,
recostando-se na pilastra. — Charlotte não está mais aqui.
— A marquesa não é a mãe dela, senhor. É a tia.
— Eu sei — o mais novo resmungou, coçando a sobrancelha
nervosamente. — Mas é isso que minha mãe me mandaria fazer se eu
resolvesse criar um bastardo. Arrumar uma esposa.
— Depois de dar algumas palmadas no senhor…
Aiden decidiu ignorar o humor do mordomo.
— E parece que Tamsin gosta dela agora.
— Imagino que o senhor goste dela também— Dare disse, com uma
pitada de zombaria na voz.
Aquele velho maldito estava em Greenhill desde que Aiden nascera,
subindo na hierarquia até se tornar um mordomo. Era um homem jocoso e
rabugento que adorava tocar nas feridas do patrão.
— Ela está aqui para ser a duquesa e legitimar Tamsin — Aiden
respondeu, irritado. — Não é importante se eu gosto ou desgosto dela. O
importante é que Tamsin goste dela.
Dare assentiu com um sorriso enviesado, levantando uma das
sobrancelhas grisalhas.
— A propósito, os advogados estão esperando o senhor no
escritório, meu lorde — o mordomo disse, com tranquilidade.
— Muito bem, espero que esses babuínos me deem logo os papéis
para construir aquela maldita vila — Aiden resmungou, marchando escada
acima e deixando o mordomo nas sombras outra vez. — Só me chame se
for urgente, Dare.
Capítulo 12

Lucy passara o dia com notável contentamento. Guardara seu


desenho em seu quarto, colando-o no espelho da penteadeira para que se
lembrasse todas as manhãs que pelo menos alguém naquela casa estava
começando a gostar dela.
Decidida a manter aquele bom sentimento, ela se arrumou para a
janta e desceu até a sala de jantar sozinha, aproveitando para pôr em prática
a sua memorização dos caminhos de Greenhill.
Cumprimentou o Sr. Dare ao chegar na porta da sala e sorriu para os
lacaios, bastante feliz com seu presente de Tamsin. Os criados, coitados,
não sabiam se deviam retribuir os sorrisos alegres de Lucille ou se deveriam
ficar parados como de costume.
Aiden já estava na sala, levantando-se quando a esposa chegou.
— Boa noite. — Ela abriu um sorriso para ele, que acenou com a
cabeça e a ajudou a sentar. — Tamsin não vem?
— Ela está dormindo.
Lucille assentiu, arrumando o guardanapo em seu colo
tranquilamente. Aquela era uma boa oportunidade para se aproximar do
marido e revirar suas entranhas sem ser constrangedor demais, como
quando dividiram a mesma cama.
Havia algo nele que ninguém sabia, Lucy tinha certeza. Alguma
coisa bem lá no fundo que o fazia ser tão arisco. Especialmente com ela.
— Imagino que só nós dois jantaremos, então — ela disse,
melodiosa, com um leve dar de ombros. — Como anda seu projeto para a
herdade?
— Bem — Aiden resumiu, colocando uma garfada na boca para se
poupar de conversar com Lucy e ser torturado pela melodia de sua voz.
— Quando começa a construção?
— Em breve.
Lucy assentiu, revirando o peixe no prato despreocupadamente
assim que foi servida.
— O que aqueles dois homens estavam fazendo aqui hoje? Eu os vi
chegar, mas eles não me viram quando eu entrei na biblioteca.
— São meus advogados.
— Ah… Imagino que tenha algo a ver com a vila, não?
— E algumas outras coisas. — Ele meneou a cabeça. — Seu dote,
por exemplo. Seu pai enviou os documentos, devem chegar logo.
Lucy engoliu em seco, perdendo a vontade de comer
repentinamente. Havia se esquecido daquilo. Aiden deve ter rido dela
quando viu a quantidade de dinheiro somada no dote.
— Somarei a quantia ao dote da Tamsin para quando ela debutar —
Aiden explicou, sem muita vontade.
— Tudo bem… Sobre a vila, eu posso visitar a região com você?
Aiden levantou o olhar para ela, bastante surpreso, mas sem que sua
feição demonstrasse. Com calma, ele pegou o guardanapo e levou até os
lábios.
— Isso não é o trabalho da duquesa.
— E qual é o trabalho da duquesa? — Ela inclinou a cabeça com
afetada confusão. — Bordar e ter filhos?
— Exatamente.
Lucille revirou os olhos, pegando sua taça de vinho e bebendo um
gole generoso antes de devolvê-la à mesa. Não havia álcool no mundo que a
fizesse suportar a indiferença de Aiden, mas Lucy tentava seu máximo.
— Eu moro aqui. O mínimo que posso fazer é conhecer meu
quintal.
Ele a olhou brevemente, grunhindo no seu dialeto de troglodita e
voltando ao jantar.
— Ganhei um presente da Tamsin hoje — ela anunciou, com um
pequeno sorriso, mudando o assunto. — E amanhã eu irei com ela até North
Haven. Não quer ir conosco?
— Aproveite o programa de meninas — Aiden puxou sua taça e
tomou um generoso gole. — Não me quer resmungando do seu lado.
— Não posso discordar — Lucy aquiesceu, calando-se por alguns
segundos. — Há algo de nojento no meu rosto, meu lorde?
Aiden a olhou com o cenho franzido e fez que não.
— Não há nada de errado com o seu rosto, madame.
— Então olhe para mim enquanto conversamos — Lucille disse,
com uma delicada firmeza.
Aiden colocou os talheres sobre a mesa e repousou os braços
grandes na madeira, encarando Lucille como ela tanto queria.
Ela o olhou sem pestanejar, apoiando o cotovelo sobre a mesa e
bebericando seu vinho.
— Seus olhos gelados não funcionam em mim, querido. — Lucy
abriu um pequeno sorriso. — Quero apenas conversar com alguém em vez
de me sentir sozinha nesse lugar estranho. Quero conversar com o meu
marido.
— Podemos conversar sobre isso depois — ele respondeu,
indicando os criados de ouvidos bem atentos.
Ela assentiu, deixando os talheres de lado e se levantando, já
satisfeita.
— Vou me recolher, então, meu lorde. Você azedou a minha comida.
Aiden a viu sair e cumprimentar o mordomo outra vez, balançando
seu quadril charmosamente enquanto o deixava jantando sozinho. Dare
olhou de soslaio para Aiden, abrindo um sorriso jocoso para o patrão, que
resmungou alguns palavrões.
— Dare, traga um pouco de uísque se quiser que sua esposa o veja
com os dentes.
O mordomo assentiu, cobrindo os lábios com o punho e descendo
pela passagem dos criados. Aiden continuou resmungando, deixando o
jantar de lado e olhando para os criados na sala.
— Vão embora daqui!
Os jovens criados rapidamente se enfiaram na passagem e Aiden
pôde finalmente respirar em paz e sozinho. Dare voltou com o uísque e
deixou a garrafa sobre a mesa, retirando-se e deixando Aiden na mais
completa e confortável solidão.
Serviu um copo cheio, tomando um gole e praguejando sozinho
quando o líquido flamejante desceu pela garganta. Se não iria mais para a
cama das damas de North Haven, que então voltasse ao seu bom e velho
álcool. Alguns goles o ajudariam a digerir Lucille na sua vida.
Bebeu outra vez, colocando o copo na mesa, mas não o soltando.
Ele adoraria levá-la para conhecer toda a herdade e o projeto da vila,
algo que ele queria construir para aquele exército que sempre cuidou de
Greenhill. Adoraria falar com Lucille sobre suas ideias e sobre como
valorizaria a propriedade que sua mãe tanto amava.
Sybill amou Greenhill e todos seus quatro filhos que cresceram nela,
brincando pelos jardins em que Tamsin corria feliz com seu cachorro
preguiçoso.
E Aiden amava tudo o que sua mãe amava.
Não deixaria Greenhill por nada, importava-se mais com a herdade
do que com o Sister Mary – o segundo amor de seu pai, depois de Sybill. É
claro que, como herdeiro e duque, tinha de cuidar dos dois, cassino e
palácio, além das outras propriedades que tinha. George tinha desejos de
comandar o cassino, mas Aiden se sentia na obrigação de ficar no local do
pai. Torcia para que seu filho tivesse o desejo de gerir aquele lugar.
E nada o deixaria mais satisfeito do que compartilhar suas ambições
com Lucille. Mas ele não queria passear pelos jardins com ela durante um
dia inteiro, apenas os dois. Vê-la iluminada pelo sol, reluzindo feito uma
joia cheia de sardas que saltitavam na luz, seria uma tortura.
Mas todas as suas tentativas de não se aproximar de Lucy o faziam
parecer ainda mais com um troglodita – como ela mesmo o chamava. Ao
final de cada encontro com Lucille, Aiden era acometido por uma onda de
autodepreciação por ser tão antipático. Decerto, ele sempre foi naturalmente
irritadiço e introvertido, mas nunca foi tão estúpido com uma mulher.
Já com dores de cabeça, ele bebeu todo o uísque e sacudiu a cabeça
para se livrar daquelas coisas malditas. Levantou-se e seguiu rumo ao seu
quarto, onde ele entrou e o encontrou vazio.
A porta que o unia com o quarto de Lucille estava aberta, mas ele
não a via. Bisbilhotou brevemente e viu luzes escapando da fresta da porta
que dava para o quarto de vestir dela.
Uma Lucille nua estava a metros dele. Deveria ter trazido a garrafa
para o quarto, definitivamente.
Aiden pisou duro e se enfiou em seu quarto de vestir, livrando-se de
suas roupas e fazendo uma breve higiene. Olhou-se no espelho e encarou os
próprios olhos. Os olhos que generosamente sua mãe havia dado para todos
os seus filhos e que, nele, haviam se tornado dois cristais frios.
Menos para Lucille.
De novo, ela invadia sua mente como se fosse a única do mundo.
Emburrado, ele abriu a porta apenas para se deparar com o pior:
Lucille estava de costas para ele, sentada na cama e vestindo um robe de
seda rosa claro enquanto terminava de trançar os cabelos castanhos.
Aparentemente, ela dormiria no quarto dele outra vez.
Silenciosamente, ele admirou a compleição delicada dela. As mãos
tocando os cabelos e a seda deslizando pelos ombros magros. Se ele ao
menos pudesse tocá-la um pouco, como quando a deixou dormir em seus
braços no coche. Mas não podia, e era muito mais por causa de si mesmo do
que por exigência dela.
Aiden bateu a porta do quarto de vestir, assustando Lucille, que deu
um leve espasmo e levou a mão ao coração.
— Parece que vai dormir aqui comigo de novo.
— Se não for incômodo — Lucy disse, baixo, ainda de costas. —
Você está vestido?
Ele riu baixo, o que causou um arrepio na nuca de Lucille. Só de
pensar que ela havia o visto nu o deixava quase duro, mas Aiden ainda tinha
domínio de suas faculdades mentais e conseguia se controlar e controlar seu
desejo.
— Estou, infelizmente, pois eu gosto bastante de dormir nu.
— Desculpe-me, então — ela depois sussurrou para si. — Um
bárbaro.
Aiden riu consigo mesmo, despreocupado, tirando seu robe de
algodão e se deitando na cama para ler os relatórios de seus sócios que
haviam chegado pela manhã. Lucille olhou por sobre o ombro, começando
a desfazer o nó de seu penhoar. Suas mãos estavam tremendo, sentia-se
como se não vestisse nada por debaixo da peça.
Acanhadamente, ela se livrou do robe e passou as mãos pelos braços
nu, cuidadosamente puxando o cobertor para se deitar com uma devida
distância de Aiden, que parecia alheio a sua existência.
— Vamos conversar? — ela perguntou.
— Sobre o quê? — Ele passou uma página.
— Sobre… Parece que você me odeia — Lucy disse, baixo. —
Sendo que eu sou a mais propensa a ser revoltada por aqui.
Aiden fechou o livreto, colocando-o de lado e apagando as velas de
seu criado-mudo.
— Eu não a odeio, Lucille. Só prefiro estar na minha própria
companhia.
— Mas eu não. — A voz dela vacilou e o coração de Aiden perdeu a
batida. — Vim para esse fim de mundo no qual não conheço ninguém e
você nem ao menos me dá bom dia no café da manhã. Sua filha parecia me
odiar, mas, Graças a Deus, ela me deu um desenho. Um desenho tão bobo,
mas que fez com que eu me sentisse algo além de cem mil libras.
Aiden respirou fundo, as costas retas rentes à cabeceira da cama. A
vela de Lucille continuava acesa e Aiden fingia não ver que a moça chorava
de solidão.
— Estou com saudades da minha família — ela disse, fungando e
secando os olhos. — Eu aprecio conversar, de sair e de conhecer pessoas
novas. Eu sei que você parece gostar de viver como um eremita, mas não
pode conversar só comigo?
Ele continuou calado, ignorando aquela sensação terrível que o
acometia. Era como quando Tamsin chorava por algum motivo tolo de sua
vida infantil e ele se sentia impotente. Só que, naquele momento, ele era o
culpado das lágrimas de Lucille. Arrastara-a para longe de casa, não lhe
dera tempo para se despedir corretamente de todos ou se preparar para
casar. Tirou-a de um noivado com outro homem; embora Aiden não
pensasse que fosse amor, é claro que havia certa afeição.
E ele era um energúmeno, disso ele sabia. Não era bom em
conversas desde muito tempo.
— Não pode me mostrar a herdade? — Lucy perguntou, baixinho.
— Não podemos conversar sobre isso?
Ele assentiu, bastante tenso e sem coragem de olhar para sua
abalada esposa.
— Então fale comigo… — ela pediu, tirando sua mão de dentro do
cobertor e tocando o antebraço dele para sacudi-lo de leve. — Por que não
gosta da companhia alheia? Não se sente só?
— Não — ele negou. — Não me sinto.
Lucy meneou a cabeça, deslizando a mão até a de Aiden, tocando-a
e a envolvendo. Aquele homem esquisito parecia ser como um baú bem
trancado, assim eram as pessoas quietas. Sumira de Londres desde que os
pais morreram e ela não dava os méritos a Tamsin, pois os seus falecidos
sogros haviam morrido muito antes de ela nascer.
Aiden olhou para a mãozinha dela sobre a sua, mas não se moveu.
Não perdeu para a vontade de tocá-la e envolvê-la.
E ser envolvido, principalmente.
— Eu sei que eu estou invadindo seu quarto, mas é que… — Lucy
começou, recuando a mão e tocando o cobertor. — É muita tolice minha…
Mas é que eu tenho medo das sombras.
— Sombras? — Aiden perguntou e ela assentiu, deitando debaixo
dos cobertores.
— Quando eu tenho que dormir em algum lugar que não conheço,
penso que alguma coisa está nas sombras e vai me fazer mal à noite. Não é
medo do escuro, mas de lugares pouco iluminados. Se eu estiver na total
escuridão, não me causa medo.
Aiden se ajeitou na cama, deitando e apoiando o peso em um
cotovelo para olhar Lucille melhor. Ela se virou de lado, puxando o
cobertor para se cobrir até o pescoço.
— E não sente medo caso tenha alguém com você?
— Não… Essa casa é grande demais, não há como Gwen dormir
comigo e ir até o alojamento dos criados sem causar infortúnios. Além do
mais, já não sou criança e agora fico com vergonha de pedir que ela durma
comigo. Quando eu era mais nova, minha babá ficava comigo.
— Durma aqui, então — ele permitiu. — Mas, se ficar na beirada da
cama, cairá nas sombras e quebrará um osso ou dois.
Lucille riu baixinho, o que fez cócegas no estômago de Aiden. Ela
se arrumou um pouco mais na cama, ficando ainda mais próxima dele.
— A cama não é tão alta assim.
— Imagino que seus ossos londrinos não sejam fortes.
— Realmente… — Lucy concordou, arrastando-se até o centro da
cama, onde Aiden estava.
— Durma, agora, não há nada nas sombras. Estou aqui.
Ela assentiu e se acomodou perto dele, mas ainda sem tocar seu
corpo. Fechou seus olhos e respirou com calma, sabendo que dormiria sem
medo por uma noite inteira.
— Boa noite, monstrengo.
— Boa noite, Lucille.
Durma bem, querida.

***

North Haven não era lá tão fim de mundo assim. Durante o curto
trajeto dentro da carruagem Lucille pôde ver algumas mulheres com roupas
bonitas e de acordo com a moda. Claro que nada era muito extravagante e
afetado.
A cidade era bonita e aconchegante, havia um bocado de padarias e
tabernas servindo tortas e pudins, parecia ser algum tipo de especialidade
local. Havia uma igreja, uma bela praça, duas estalagens aconchegantes,
uma taberna de índole discutível e um salão grande onde uma porção de
cartazes estavam colados com os mais diversos avisos.
— Veja, Gwen, tem um salão.
A camareira inclinou a cabeça para olhar pela janelinha.
— A Srta. Pilgrim gosta dos bailes de lá — Tamsin disse, distraída,
brincando com o laço do vestido. — Ela vai com o namorado dela.
Gwen e Lucille se entreolharam, controlando um risinho.
— Você sabe o que é um namorado? — perguntou Lucy.
— Não sei. — A menorzinha deu de ombros. — Mas é nos bailes
que se conhecem namorados, foi o que o papai disse. Ele falou que vai
mandar prender todos os meninos dos bailes quando eu virar adulta e nunca
terei um namorado.
Lucille deu um muxoxo de desagrado. Pelo menos, a menina ainda
era pequena demais para saber o que era um namorado e o que significava
ser proibida de ter um.
— Seu pai pensa que é o próprio Rei.
Tamsin nada disse, balançou a cabeça e roeu a unha do dedão antes
de sugar o próprio polegar, que foi delicadamente retirado por Lucy. Uma
menininha daquela idade chupando dedo? Nada disso.
— Não roa as unhas, querida, dá dor de barriga.
Tamsin limpou o dedo babado na saia do vestido e assentiu.
Lucille dispensara a Srta. Pilgrim de acompanhá-las até a cidade.
Lucy era a madrasta e não queria uma babá atrapalhando seus momentos
com Tamsin, não agora que a menina estava inclinada a amizades.
Acompanhada apenas de sua criada, as duas se deslocaram até North
Haven para visitar algum armarinho. Lucy bordaria para Tamsin, da mesma
forma que sua mãe fizera com ela.
A carruagem ducal parou em frente a um aconchegante armarinho,
chamando a atenção de alguns poucos transeuntes locais. Sr. Branson abriu
a porta e a ajudou a descer, descarregando Tamsin e descaradamente
segurando a mão de Gwen quando chegou a vez de a criada descer.
A camareira ficou vermelha feito um tomate e Lucille fingiu não ver
os dois trocando olhares apaixonados.
— Animada? — Lucy perguntou para Tamsin, que estava um tanto
desmazelada depois de ficar dentro da carruagem. — Venha aqui, deixe-me
arrumar seu chapeuzinho.
A menininha deu dois passos até Lucille, que se abaixou um pouco e
firmou o laço que prendia o chapéu de Tamsin no lugar.
— Obrigada — ela disse, educadamente, e Lucille sorriu radiante
com tanta doçura. — Posso segurar sua mão?
— É claro que pode, benzinho — Lucy sorriu ainda mais, sentindo-
se tocada por dentro quando a mãozinha de Tamsin tocou a sua. — Vamos?
Tamsin sorriu e assentiu, entrando no armarinho com Lucille. A
balconista levantou os olhos ao som da campainha e ergueu as sobrancelhas
ao ver quem eram as clientes. Imediatamente, a mulher passou para frente e
reverenciou Lucille respeitosamente.
— Olá, sou a nova duquesa — Lucy se apresentou. — Imagino que
saibam que o duque se casou.
— É um imenso prazer recebê-la, Vossa Graça — a mulher disse,
nervosa. — A cidade inteira está feliz pelo casamento da Sua Graça. A Sua
Graça é sempre muito generoso com os moradores que vivem em suas
terras.
Lucille agradeceu com um leve e decoroso inclinar de cabeça.
— Em que posso ajudá-la, Vossa Graça? — a balconista perguntou,
ansiosa.
— Fitas! — Tamsin exclamou, puxando o braço de Lucille e
sorrindo animada.
A vendedora sorriu nervosa, alisando seu vestido de modo
energético.
— Imagino que essa seja a prestimosa Lady Tamsin, a f-filha de Sua
Graça. — Ela olhou para a menininha com um sorriso trêmulo.
— É, sim, minha cara senhora — Lucy disse, em um tom sério,
puxando Tamsin para si e a segurando cuidadosamente pelos ombros na sua
frente, mantendo-a protegida. — É minha filha também.
Tamsin olhou para Lucille com os olhos castanhos arregalados,
fazendo com que o seu chapéu se entortasse para o lado. Lucy afagou os
ombros da pequenina, abrindo um sorriso afável para ela para depois olhar
para a balconista, que engoliu em seco.
Como aquela mulher ousava? Olhar para Tamsin como se ela fosse
uma bastarda qualquer, como se fosse uma criança de menos valor que as
outras. Lucille ficou enraivecida com aquilo e sentiu seu sangue ferver.
Tamsin era legítima agora, era bom que aqueles plebeus parassem de olhar
a pobrezinha com temor.
— Estou sem artigos para bordar, então gostaria de ter tudo que for
possível — Lucille disse, inspirando e abrindo um sorriso novo e contente.
— Dois metros de algodão branco e um metro de musselina branca. Botões
brancos e pequenos, também.
— É claro, madame. Irei juntá-los para a senhora. Fique à vontade
para ver as fitas que Lady Tamsin deseja.
Lucy agradeceu em silêncio, esperando a mulher se atarefar
buscando tudo o que ela pedira.
— Eu estava pensando em levarmos um monte de fitas, o que acha?
— ela perguntou, ganhando a atenção de Tamsin, que olhava os rolos
pendurados em uma parede. — Uma de cada cor, que tal?
— E rendinhas? Para pôr no Max, ele gosta de rendinhas na coleira
— Tamsin explicou, apontando para rolos de renda perto das fitas.
Lucille riu, crente de que o cachorro não se importaria com nada que
lhe fosse colocado na coleira.
— Certo, rendinhas para o Max — ela aquiesceu, caminhando até as
rendas e analisando algumas.
Tamsin sorriu animada, indo até Lucy e abraçando suas pernas
repentinamente. A menininha levantou o rosto, deixando o chapéu cair para
trás e ficar pendurado em seu pescoço.
— O que foi? — Lucy perguntou, risonha, colocando o chapéu no
lugar.
— É divertido brincar com você — ela explicou, com um enorme
sorriso, apertando o abraço que dava nas pernas de Lucille. — O papai não
gosta de nada disso.
— É que o seu pai é um troglodita — Lucy explicou, baixinho,
abaixando-se de forma nada aristocrática e beliscando o nariz pequenino da
enteada. — Isso significa que ele só gosta de comer barro, fazer cocô e
resmungar.
— Eca, eu não gosto de cocô! — Tamsin franziu o nariz em nojo e
riu alegremente.
Lucille gargalhou, levantando-se e esperando a balconista aparecer
para pedir as medidas das fitas e das rendas.
Compraram tudo o que precisavam e foram embora do armarinho
com dezenas de caixas e tecidos para costurar novos vestidos para bonecas.
Na carruagem e a caminho de casa, Lucille pensou na forma como a
balconista olhara para Tamsin. A pobre menina estava feliz demais com
todas as suas fitas para se atentar ao olhar torto da mulher, inocente demais
para saber que era errado ter nascido fora de um casamento.
Questionava-se se Tamsin sentia falta da mãe que nunca teve, se
perguntava por ela ou se precisava dela.
A menina era tão boazinha para aquilo tudo. E como seria quando
fosse para Londres? Lucille ficava preocupada só de imaginar. Um dia,
Tamsin cresceria e olharia o mundo de outro modo. Escutaria palavras
maldosas sobre suas origens, teria de manter-se na linha, defender-se das
pessoas ruins.
Com um sorriso inocente, Tamsin pegou uma fita de cetim laranja e
mostrou para Lucille, tirando-a dos devaneios.
— Essa vai ficar bonita no seu cabelo — ela disse, feliz, entregando
a fita para Lucy. — Mas vou escolher outra.
— Está bem. — Lucy abriu um sorriso pequeno e tristonho para a
menininha, vendo-a muito atarefada em sua caixa cheia de fitas. — Pegue
outra, minha querida…
Tamsin assentiu, pegando um punhado e procurando uma de seu
agrado. Puxou uma azul, mas não gostou. Depois uma branca, mas também
não gostou.
— O papai disse que você vai morar aqui para sempre, é verdade?
— perguntou a menina, olhando curiosa para Lucy.
— Sim, agora moro aqui — Lucille explicou.
— Então vamos para a cidade de novo? E vamos brincar mais vezes
quando chegarmos em casa?
— Vamos, sim. Sempre que quiser. Estarei aqui sempre para brincar
com você.
Radiante, Tamsin abraçou Lucille espontaneamente. Lucy sentiu
uma inusitada vontade de chorar por pensar que as pessoas em Londres
falariam pelas costas de Tamsin.
Com o coração apertado, ela retribuiu ao abraço. Mesmo que ela e
Aiden jamais se tornassem amigos, ela faria o possível para ver Tamsin
crescer feliz e com uma mãe.
***

Tarde da noite, quando foi se deitar, Lucy pensou no dia que passara
ao lado de sua enteada. Parte sua estava muito feliz de ter proporcionado
um momento somente de meninas para ela, mas outra estava triste por saber
que as pessoas da cidade não eram tão receptivas acerca de Tamsin e a
forma como ela fora concebida.
Lucille se desfez do robe, sentando-se na beira da cama e olhando
por sobre o ombro Aiden ler alguns papéis. Ele a mirou de soslaio,
constrangendo Lucy, que passou a mão pelo braço nu com o intuito de
escondê-lo.
— Hoje eu e Tamsin fomos à cidade… — ela comentou, entrando
debaixo do cobertor e se sentando contra a cabeceira.
Aiden assentiu, passando as folhas. Lucy bisbilhotou e viu que era
uma porção de cláusulas de difícil leitura.
— Pode me dar atenção por um momento, Aiden?
Ele abaixou as folhas, piscando devagar e olhando para Lucille em
sua camisola branca e de mangas curtas. Ela estava com o cabelo solto e
Aiden pôde medi-lo até abaixo dos ombros, caindo até os seios da esposa,
que ficavam um tanto visíveis pela transparência do pijama.
— Hoje a balconista olhou para Tamsin como se ela fosse algo de
ruim.
Os olhos azuis dele aumentaram e suas sobrancelhas se uniram em
uma expressão zangada.
— Sabe que me ter aqui não adianta, não é? — Lucy perguntou,
preocupada. — Falarão pelas costas dela do mesmo modo.
— Ter uma madrasta melhora as coisas — ele respondeu, sério,
levantando-se e andando até uma das janelas. — Tamsin percebeu o olhar
da mulher?
— Não… Mas quando ela crescer, ela vai perceber. Quando ela
debutar e tiver de encarar a sociedade, esperar que algum bom homem não
ligue para as fofocas.
— O filho de Matthew pode protegê-la — Aiden disse, tenso,
tocando sua sobrancelha nervosamente. — Mas… quando ela debutar, ela
pode ficar esquecida naqueles bailes idiotas. Pode não se casar, talvez.
Lucille lamentou em silêncio, olhando impotente para as mãos em
seu colo.
— Alguém gostará dela nos bailes, mesmo que demore um pouco…
Aiden a olhou de soslaio, voltando a encarar seu reflexo na janela.
Lucille estava murcha na cama, os ombros encolhidos e os olhos, sempre
cheios de vida, tristes.
— Você não era uma das mais populares na sua época, não é?
Lucille assentiu, tristonha, abaixando a cabeça.
— Meu dote era muito pouco, você deve ter visto… Meu cunhado
James me deu vinte mil libras de presente para somar ao meu dote e deu
trinta mil para Joanna, ele é um homem muito carinhoso comigo e com ela.
Mas meu pai as apostou depois de beber um bocado… Minha mãe ficou
furiosa, os dois brigaram tanto que eu pensei que fossem parar de se falar. O
dote da Joanna foi todo embora e do meu só sobrou um pouquinho, a fofoca
se espalhou pelos clubes e todo mundo zombava pelas minhas costas. Meu
pai não aceitou outra oferta do meu cunhado, ficou envergonhado.
Aiden lamentou em pensamentos, assim como também quis socar
John. Se soubesse daquilo tudo, jamais permitiria que o deixassem entrar no
Sister Mary.
— Sua irmã está sem dote para quando debutar?
Lucille fez que sim.
— Mas logo ela tem um novo — Lucy explicou, rapidamente. —
Ainda faltam alguns anos.
— Darei um dote a ela, mas ficará na posse de sua mãe.
Lucille arregalou os olhos.
— Não posso aceitar isso.
— Sou seu marido — Aiden respondeu, sério. — Portanto, ela é
minha irmã por lei. Não vou deixar que a menina fique mal falada por causa
de dinheiro.
Lucy assentiu, mas o coração estava aliviado.
— Agora, termine sua história, quero saber a quem mais eu devo
matar ou dar dinheiro.
Ela riu com o tom sério dele. Era quase como se se preocupasse com
ela.
— Coisas normais — ela continuou, bastante cabisbaixa. — Não
sou do jeito que os homens gostam.
— Que tolice! — Ele deu um muxoxo impaciente. — Já lhe disse
que é uma moça bonita. Tenha mais confiança, Lucille. É uma duquesa.
— Os homens preferem as loiras de seios grandes… Duquesas ou
não.
Aiden riu sozinho, voltando para a cama e pegando seus papéis para
voltar a avaliação.
— Imagino que essa seja mais um tipo de lição da Escola das
Maricotinhas.
— Minhas irmãs me contaram, na verdade — Lucy deu de ombros,
bastante constrangida com aquela conversa. — Elas são loiras e… bem-
dotadas. E se casaram com menos de um ano de temporada.
— Garanto-lhe que os homens têm os mais variados gostos —
Aiden meneou a cabeça, deixando uma folha de lado e analisando outra. —
Há quem goste das mulheres de proporções delicadas e cabelos escuros.
Lucille escorregou para debaixo do cobertor, deitando-se de costas
para Aiden.
— Como é a mãe de Tamsin?
Ela ouviu o som dos dedos dele virando as folhas lentamente.
— Um pouco magra, cabelos castanhos e cacheados. Sardas no
nariz e, principalmente, nos seios. Adoráveis seios, inclusive.
Lucille resfolegou baixo, rindo sozinha e se arrumando no
travesseiro. Seu rosto corou e ela sorriu, levando os dedos até os lábios e
cobrindo seu sorriso.
— Não seja tolo, diga-me a verdade.
Lucille jurou tê-lo visto rir enquanto folheava os papéis.
— Uma jovem um tanto gorduchinha, mas muito bonita. Ela sabia
que era bonita. Imagino que Tamsin ficará como ela quando crescer.
— Ela será popular durante a temporada, eu sei que sim.
— Para o meu sofrimento.
Lucille riu e se aconchegou nos travesseiros.
— Boa noite, brutamontes. Até amanhã.
Capítulo 13

— Vossa Graça!
Gwen vinha correndo atrás de Lucille antes de ela entrar na
biblioteca para começar a garimpar o local em busca de bons livros.
Já fazia uma semana e dois dias que Lucille estava em Greenhill.
Sua relação com Tamsin estava boa, as duas brincavam diariamente com as
bonecas para quem Lucy bordava e costurava vestidinhos – tudo muito feio,
já que ela era péssima com agulha e linha. Mas feitos com amor. Isso
quando não faziam extensas festas do chá repletas de bolinhos. A
menininha parecia mais contente ao lado da madrasta, mas era uma criança
atarefada com tantos tutores, o que fazia seu tempo com Lucille ser escasso.
Mas ela mudaria aquilo em breve, falaria com Aiden sobre Tamsin ainda
estar muito pequena para ter tantos tutores, diria que gostaria de passar mais
tempo com ela. Talvez um piquenique juntas. A enteada estaria bem apenas
com a alfabetização, o francês e o piano que ela tanto gostava. E
matemática, é claro.
Ainda não havia recebido uma resposta de sua mãe, mas aquilo não
a preocupou. A mulher deveria estar atarefada ao levar todos os criados
para Kent. O que a deixava mais ansiosa era saber o que Michael
responderia quando ele voltasse. Se ele responderia, pois poderia muito bem
não responder e odiá-la.
No final daqueles dias, ela já havia conhecido grande parte do
palácio, mas não todas as acomodações. Não havia conhecido os jardins
ainda. Fora até um dos lagos da propriedade, mas ficou muito cansada com
a subida e voltou para casa para cochilar. Ainda esperava que Aiden a
guiasse, como ele mesmo dissera que o faria quando ela perguntou sobre a
herdade.
— Que euforia é essa, Gwen?
A camareira respirou fundo, levando a mão ao peito e sorrindo
animada para a patroa com a mão na maçaneta da porta.
— Oh, madame, soube de algo que vai animar a senhora!
— É mesmo? — Lucy perguntou, cruzando os braços. — O que é?
— Vai acontecer um baile público em North Haven sábado, pensei
que a senhora gostaria de ir.
— Baile público? — Lucille não pôde conter o desdém na voz.
Lucy nunca fora em um baile público, ela era a filha de um
visconde. Ia a bailes formais, com convidados selecionados e com gente de
boa estirpe. Não um baile aberto aos plebeus.
— E-Eu sei que a senhora costuma ir a eventos de mais renome…
— Gwen disse, nervosa. — Mas é que a senhora anda sem muito o que
fazer aqui … E o baile é público, mas em North Haven há donos de terras
com muitas posses.
— Há? — Lucy ficou interessada e descruzou os braços. — São
ricos, então?
— Não como a Sua Graça, o duque, madame.
— Certamente que não, esse homem vive de apostas — ela
resfolegou ao pensar no marido. — Mas são notavelmente bem de vida?
— Com absoluta certeza. Além desses homens, há um baronete,
madame.
— Um baronete não é lá essas coisas. — Lucille balançou a cabeça,
pensativa. — Suponho que eles sejam casados, não? Que tenham esposas
que saibam conversar… Talvez eu possa me enturmar com essas senhoras,
mulheres que conheçam as mesmas coisas que eu. Sinto-me tão só aqui
nesse palácio.
Gwen assentiu, abrindo um sorriso singelo. Lucy riu baixinho, sua
camareira só a queria ver fazendo o que ela costumava fazer em Londres.
— Muito bem, parece que esse baile público pode ser uma atividade
encantadora. — Ela abriu um sorriso pequeno. — Mas eu não posso ir
sozinha e o duque jamais iria a uma coisa dessas, ele é um monstrengo
misantropo.
— É… — Gwen lamentou, embora não devesse concordar com sua
lady falando mal do próprio marido. — Mas a senhora pode tentar,
madame. Os homens sempre gostam do charme das moças bonitas.
— Falarei com ele mais tarde. Acho que realmente preciso dançar
um pouco… e conhecer pessoas novas. Obrigada pelo aviso, Gwen.

***
Lucille respirou fundo, olhando para os lados e vendo que o criado
no corredor estava cochilando. Ela rapidamente enfiou a mão por dentro do
vestido, prendendo a respiração para que sua mão passasse por dentro do
decote alto e chegasse até o laço da chemisette. Lucy inspirou ainda mais,
encontrando-se em uma posição contorcida nada elegante enquanto tentava
tirar sua chemisette cheia de babados. Isso se seus seios não pulassem para
fora quando ela tentasse se livrar daquele pedaço de pano casto que
atrapalharia seus planos.
Arrancou o acessório violentamente, acordando o criado, que levou
um susto e rapidamente reverenciou Lucille. Ela escondeu a chemisette nas
costas e cumprimentou o jovem com um aceno de cabeça. Quando o rapaz
se virou para frente, Lucy jogou a peça de roupa pela janela, fazendo-a cair
sabe-se lá onde no jardim. Talvez na cabeça de um criado, que ficaria
abobalhado.
Tocou o decote nu e arrumou o vestido, apelaria para a baixaria de
seduzir Aiden com um decote para ir até o baile. Ela precisava conhecer
pelo menos a baronetesa e se enturmar com pessoas da mesma classe que
ela ou iria à loucura vivendo isolada daquele jeito.
Abriu a porta pesada do escritório e viu Aiden de pé, olhando duas
plantas abertas sobre a mesa. Ele a olhou por sobre o ombro, voltando a
fitar para o trabalho.
— Aconteceu alguma coisa, Lucille?
— Não…
A voz dela saiu igual a um miado de gato e Aiden a olhou outra vez,
franzindo as sobrancelhas.
— Tem certeza?
Ela assentiu, caminhando afetadamente até ele e ficando do outro
lado da mesa. Lucille colocou as mãos no tampo de madeira e se inclinou o
suficiente para que Aiden visse o espaço entre os seios.
Aiden a olhou novamente, vendo o cacho que estava pendurado na
nuca de Lucille e que tocava seu pescoço sem chemisette.
— Eu tenho uma proposta, marido.
— Uma proposta? — ele perguntou, olhando o decote dela e
imaginando que tipo de coisa ele poderia colocar por ali. Beijos, muitos.
— Sim… — Ela se empertigou, dando meia volta e parando ao lado
de Aiden que ficou bastante rígido. — Que tal irmos ao baile que vai
acontecer em North Haven?
Aiden imediatamente voltou ao normal. Ele se afastou mais de
Lucille e se sentou em sua cadeira de chefe. Era bom que aquela mesa
enorme os separasse, Aiden não lidava bem com a proximidade de Lucille
toda lânguida ao seu lado.
— Não.
— Mas… — Lucy bufou, impaciente, afastando o tinteiro e os
materiais de desenho da mesa para se sentar no tampo. — Não podemos ir
uma vez?
— Não.
— Ora, Aiden, uma vez só — ela pediu, saindo de cima da mesa e
indo para o lado dele, cruzando os braços bastante emburrada. — Vamos
dessa vez, só para eu saber como é, e depois vamos embora. Prometo que
nem precisamos dançar.
Aiden virou o rosto, fitando a barriga de Lucille e desejando poder
contornar aquela cintura fina com seus braços, jogá-la na mesa e rasgar o
vestido. Beijaria toda a sua pele leitosa até chegar ao âmago quente de sua
feminilidade.
Se ela deixasse, é claro. E ele duvidava que deixaria.
— Não, Lucille.
— É só uma vez — Lucille disse, tristonha, puxando uma cadeira e
a colocando ao lado de Aiden para se sentar. — Uma vez só. Nós podemos
ficar só uma hora, se quiser. Meia hora! Eu só quero ir um pouquinho e
ouvir a música, ver as pessoas dançando… Só um pouquinho, Aiden.
Ele inspirou impaciente, tocando o rosto com a mão. Se ela pedisse
mais alguma coisa para ele naquele tom manhoso, Aiden iria se jogar pela
janela, transtornado com tamanha doçura.
— Um baile é tão importante assim?
— Sim! Por favor… Eu quero tanto ir… Só dessa vez, adorável
troglodita — ela suplicou, unindo as mãos na frente do rosto. — E eu quero
tanto dançar! Vamos, por favor? Não conheço ninguém, só você pode
dançar comigo.
Aiden respirou fundo, revirando os olhos e dizendo a contragosto:
— Vamos ficar só uma hora.
— Oh, obrigada! — Lucy se levantou animada, segurando o rosto
de Aiden e o apertando até seu nariz e sua boca ficarem amassados entre as
mãos dela. — Obrigada, monstrengo!
Aiden resmungou alguma coisa, a maioria palavrões que uma dama
jamais deveria ouvir, mas, passada uma semana e meia com ele, Lucille já
havia catalogado todos.
Lucy sorriu radiante, dando a volta pela mesa e indo empolgada até
a porta.
— A propósito, o baile é amanhã, feioso. — Ela acenou
animadamente e bateu a porta, deixando Aiden confuso e sozinho.
Parecia que ele iria a um baile. Depois de sete anos.
Um baile cheio de gente o olhando e o sufocando, um lugar pequeno
e abarrotado. Aiden ficou nervoso, começando a suar frio. Puxou seu lenço
e o largou na mesa, indo até a janela e olhando um dos laguinhos que seguia
ao leste. Se não fosse o desejo de Lucille, ele jamais iria a um baile outra
vez. Mas o homem fora persuadido, não pela tentativa inexperiente dela de
seduzi-lo, mas pela tristeza que ela demonstrou caso não pudesse ir. Um
baile idiota cheio de gente idiota era importante para ela, então ele deveria
achá-lo importante também.
Lá estava o tonto Aiden fazendo as vontades de uma garota irritante
que não era a sua irmã.
Lá estava o tonto Aiden apaixonado por um corpo inalcançável.

***

Colocar Tamsin para dormir era uma tarefa especialmente difícil


para a Srta. Pilgrim. Mas tudo ficava pior quando ela sabia que o pai sairia.
Aiden se via obrigado a ficar com ela até que ela pegasse no sono, isso
quando a Sra. Dare preparou o leite com camomila para Tamsin dormir
mais tranquilamente.
Depois de todo aquele sufoco que durou uma hora, Lucille ainda
não estava pronta. Aiden tinha um vago conhecimento em relação à toalete
feminina, mas sabia que não deveria demorar para colocar um vestido e
pentear os cabelos.
Ele já estava bastante mal-humorado, esperando Lucille no saguão
principal, de pé e impaciente. Era noite, mas ele podia ver que o céu não
estava para bailes. Mas se Lucille queria ir naquela maldição, que fossem
então. E que ela caísse na lama. Ele riu sozinho, como se fosse o Aiden de
doze anos que gostava de zombar do pequeno Matthew.
— Você aí, narigudo — Aiden indicou um lacaio parado no canto do
saguão. — Vá chamar a duquesa.
O criado assentiu e subiu as escadas o mais rápido que a decência
permitia a um serviçal. Aiden passou o peso de um pé para o outro,
inclinando a cabeça e olhando o teto decorado do saguão.
Bateu o pé impacientemente, puxando o relógio do bolso e
averiguando a hora. Odiava bailes, odiava multidões. Se Lucille fosse um
homem… Bom, ele não faria nada. Xingaria bastante, talvez.
— Como você é impaciente! — A voz de Lucille veio do topo da
escada, esperando o lacaio descer na sua frente e voltar ao posto. — Eu
estava escolhendo o vestido, não quero ficar muito exagerada.
Aiden desviou os olhos do relógio e olhou na direção de Lucy. Santo
Cristo, ela ficava ainda mais linda quando se vestia com simplicidade.
O vestido era verde, com detalhes dourados ao longo da saia de
renda fina, que o permitia ver a seda verde por debaixo. As mangas eram
cheias, mas pequenas, e a cintura do vestido – que ficava exatamente abaixo
dos seios – estava marcada por uma fita de cetim dourada. Ela usava luvas
pequenas e o colar com o diamante estava lindamente brilhando em seu
colo pálido.
Aiden engoliu em seco, Lucille era a mais bela das mulheres mesmo
quando se vestia com simplicidade. Ela o tentou ainda mais a vagar pelos
seus pensamentos de luxúria e paixão.
Ela se aproximou, chateada pela impaciência do marido, arrumou
sua pequena retícula e a dobrou cuidadosamente.
— Você está muito bonita, Lucille.
O rosto dela se levantou e o rubor subiu pelas duas faces, fazendo-a
sorrir involuntariamente em lisonja. Surpreendia-a que Aiden era capaz de
elogiá-la.
— Não seja tolo — ela desconversou, nervosa. — Estou a mesma
coisa sem graça de sempre. A Lucy Falida.
Aiden se incomodou com o apelido e quis chutar a cara de todo
mundo que ousara sussurrar tamanha zombaria pelas costas de Lucille.
— Isso significa que é sempre bonita para mim — Aiden disse
apenas para os dois, olhando-a até que ela desviou o olhar acanhadamente e
sorriu sozinha. — Vamos, a carruagem já esteja pronta.
— V-Vamos. Guarde para mim? Imagino que tenha um bolso.
Aiden olhou para ela, que lhe entregou a retícula meticulosamente
dobrada.
— O que tem aqui dentro de tão importante para que você tenha que
levar?
— Um espelho. — Ela abriu aquele sorriso alegre e Aiden foi quem
quase ruborizou quando ela segurou no braço dele. — Vamos, troglodita.
Não quero perder a minha hora de diversão!

***

O salão era grande, bem iluminado, barulhento e cheio de habitantes


de North Haven e dos vilarejos ao redor. O lugar ficava no centro da
pequena cidade, perto da praça e da igreja. O som da música animada
escapava das paredes e invadia o ouvido de Aiden dentro da carruagem, que
já sentia vontade de arrancar o lenço fora.
Gostaria de estar em casa, lendo alguma coisa ao lado de Lucille,
que dormiria a um travesseiro de distância. Ou ficaria vendo-a dormir
tranquilamente durante quase uma noite toda, um costume que ele pegara
naquela semana. Ficava a olhando dormir como um louco, observando seu
perfil e contando as sardas de seu rosto. Ele jamais admitiria que gostava de
vê-la dormindo, nem sob tortura. E era aquilo que gostaria de fazer naquele
momento, ver Lucy dormir. Ele não queria ir a um baile, ter de falar com
algumas pessoas e aceitar as saudações de um bando de plebeus que ele
sabia que cochichavam sobre Tamsin.
Aiden gostava de ficar em casa e, de preferência, sozinho no
escritório.
Mas ao olhar Lucille feliz olhando pela janela da carruagem, ele se
lembrou do porquê de ter se submetido a tal infortúnio: porque ela sorria
como um anjo e ele se sentia extasiado quando um sorriso aparecia no rosto
sério da moça.
E seria por apenas uma hora, tempo o suficiente para ele
cumprimentar aquele baronete barrigudo, sua esposa irritante e o resto da
pequena burguesia que vivia pela região. Todos um bando de esnobes que
se achavam importantes por ali, enquanto era ele o mais relevante. Depois,
ele teria de ficar parado em um canto por um tempo até que a hora passasse
e ele voltasse para sua solitude ducal.
E teria de dançar com Lucy. Maldição.
Aiden só gostava de valsas. Valsas são românticas. Haveria valsa
naquele baile seboso?
Não que ele quisesse ter Lucille em seus braços. Nunca.
— Olha como parece animado — Lucy sorriu, apontando pela
janela conforme a carruagem se aproxima. — Subestimei as qualidades de
um baile público.
— As pessoas simples sabem se divertir de verdade — ele
comentou, tocando o lenço e sentindo sua mão tremer ao ver a carruagem se
aproximar mais do salão. — Dão valor às vivências mais do que nós, ricos
desmiolados.
— Você é um desmiolado, eu não. — Lucille tocou o peito com
orgulho, sorrindo e feliz quando o carro parou. — Oh, adoro festas!
Aiden riu baixo, balançando a cabeça em desacordo. Odiava festas,
mas gostava de uma Lucille sorridente. Não entendia qual era a graça em
uma aglomeração de pessoas quentes e suadas.
Branson abriu a porta, mas Aiden saiu primeiro e empurrou o
cocheiro para longe, quando o derrubando por cima das ancas dos cavalos.
Ele deu a mão para Lucille, que sorriu agradecida e aterrissou em segurança
no chão, não parecendo nada afetada por segurar a mão ele. Ele aproveitaria
cada chance que tinha de tocá-la, mesmo que fossem só nas mãos
enluvadas. Mesmo que ela pouco se importasse com ele.
Ele queria tanto tocá-la que sentia vergonha de assumir para si
mesmo.
Como duque e duquesa em público, Lucille voltou a segurar o braço
de Aiden, olhando rapidamente para ele, que estava bastante tenso. Parecia
que levaria o pai para a forca, não que entraria em um corriqueiro baile de
sábado. Ela o mirou, esperando que ela a visse para abrir o seu mais
adorável sorriso, estava de muito bom humor com a ida ao baile e não se
importava em sorrir para aquele troglodita.
Mas Aiden não sorriu de volta, ele desviou o olhar e começou a
andar em direção à entrada do baile. Dois homens na porta ficaram
surpresos por vê-lo, porteiros em seu posto. Eles se empertigaram e
reverenciaram o duque, depois olharam Lucille e a reverenciaram
igualmente.
— S-Se o senhor esperar um momento, Lorde Chatham, faremos um
anúncio breve do senhor e da sua senhora.
— O mais breve possível — Aiden disse, baixo e sério, assustando o
porteiro, que assentiu rapidamente e correu para dentro com seu amigo.
— Você tem que olhar desse jeito para todo mundo? — Lucille
sussurrou. — Coitados, parece até que você é o Rei.
— Sou o mais próximo da coroa por aqui.
— Ouvi dizer que há um baronete até.
— Baronetes são roceiros com um título.
Lucille riu, que crueldade. Aiden a olhou de soslaio e abriu um
sorriso discreto que passou despercebido pela esposa. Minutos depois, um
homem mais velho e não exacerbado apareceu, cumprimentando Aiden e
Lucille respeitosamente e não recebendo o olhar congelante do duque.
Inclusive, Aiden falara com ele no mais refinado decoro e Lucille ficou
surpresa diante daquilo.
Olhou simpática para o homem de rosto bondoso e entrou no salão,
fazendo com que todos imediatamente parassem o que estavam fazendo
para olhar o duque e a duquesa.
— Senhoras e Senhores — o homem gentil anunciou,
respeitosamente —, deem as boas-vindas para o duque de Devonshire e sua
duquesa, Lady Chatham.
Todos os que estavam presentes o reverenciaram e Lucille sorriu
agradecida, tentando suprir a frieza de Aiden, que não moveu um músculo.
Na verdade, parecia ainda mais tenso. Lucy apertou o braço dele,
caminhando pelo caminho que foi aberto no centro do salão em direção a
duas cadeiras grandes em um canto reservado do lugar. Ela se sentou
primeiro, esperando que o marido o fizesse.
Aiden estava mais sério que de costume, olhando para a multidão,
que voltou a dançar animadamente pelo salão. Ele tamborilou os dedos no
braço da cadeira, depois tocou a coxa esquerda e coçou a sua sobrancelha
ruiva. Um jovem rapaz apareceu educadamente perto dos dois, trazendo
uma taça de conhaque para Aiden e outra para Lucille, mas ela dispensou
com educação e voltou a olhar os moradores de North Haven se divertirem
com a quadrilha.
Aiden virou a taça de uma só vez e pegou a de Lucille para si,
assustando a esposa, que o olhava com as sobrancelhas unidas.
— Não estamos em uma taberna — ela cochichou, ofendida. — E
você não deveria beber assim.
Ele a olhou de soslaio, a centímetros de levar a taça até os lábios.
Virou tudo de uma vez e entregou o copo vazio para o rapaz, que saiu
surpreso.
— Eu bebo o quanto eu quiser, mulher.
Lucille o encarou, bastante séria.
— Não azede a minha noite, Aiden. Ou eu azedo a sua vida ainda
mais.
Aiden nada respondeu, voltou a olhar para frente e o sentimento de
autodepreciação retornou. Lucille nada fazia contra ele para ser tratada com
tanta má educação. Estava de mau humor por estar ali, mas a culpa não era
de Lucille, na verdade.
Havia valido a pena, um pouco até, somente por vê-la em um
vestido tão bonito. Verde era uma cor que ficava bela nela, combinava com
seus cabelos castanhos. Aiden acreditava que qualquer cor deixaria a
compleição dela ainda melhor, mas o verde ganhava.
Ela sorria enquanto via as pessoas dançando, batia palmas no ritmo
da música e se sacudia sutilmente na cadeira. Parecia Tamsin quando a Srta.
Pilgrim tocava algo animado no piano. Ela queria dançar, mas não podia
fazê-lo sem o marido. E ele não queria dançar, estava seguro naquela
cadeira.
Ele balançou a cabeça, aceitando outra taça que lhe foi servida.
Bebeu tudo e viu um casal entrar no salão: Sir Charles e sua esposa, Lady
Davis. Merda, aqueles dois eram insuportáveis e Aiden não estava para as
conversinhas sem substância do baronete bitolado.
Mas os dois se aproximaram, Lady Davis ergueu as sobrancelhas e
soltou uma exclamação ao vê-lo.
— Oh, Lorde Chatham!
Lucille se distraiu da dança, vendo uma mulher com cachos grossos
e um turbante de veludo amarelo aparecer com um sorriso afetado no rosto.
A dama em questão estava com duas bolotas rosas pintadas no rosto, coisa
que Lucille pensou nunca ver fora dos teatros. Junto dela, um homem
barrigudo e grisalho apareceu sorridente, tocando a barriga enquanto
acompanhava a esposa, que era uns trinta anos mais jovem. Mas isso não
quer dizer que ela era uma moça na flor da idade.
Aiden se levantou, xingando baixo e sendo seguido por Lucy, que se
pôs de pé.
— Minha lady... — Aiden segurou a mão enluvada da baronetesa e
mal a tocou com os lábios. — Sir Charles.
— Meu lorde, como é bom vê-lo por aqui — o homem exclamou,
depois olhou para Lucille e a cumprimentou com um aceno de cabeça. —
Imagino que essa seja a nova duquesa. Que bela dama, veio de Londres, eu
suponho.
Lucille se empertigou, parecia que ele estava se referindo a uma
vaca comprada no leilão. Sujeito inconveniente.
— Sou eu mesmo, senhor. A duquesa — ela enfatizou o título,
segurando o braço de Aiden e empinando o nariz. — Parece que adivinha a
origem das pessoas pela aparência delas. Tal como um fazendeiro avalia seu
gado, não?
O homem ficou constrangido, tocando os botões do paletó e
balbuciando alguma coisa. Lady Davis olhou nervosa para o marido,
fazendo o homem se recompor.
— Uma jovem sagaz, meu lorde. — Ele riu, nervoso, tossindo e
rindo outra vez. — Vou buscar uma bebida, com licença. Querida, fique e
conheça a duquesa.
Aiden revirou os olhos, mas graças a Deus ninguém percebeu. Teve
de ceder sua cadeira para a baronetesa, ficando de pé feito uma estátua,
contando os minutos para ir embora. Olhou seu relógio, só mais trinta
minutos e sua cabeça pararia de doer.
— É um prazer conhecê-la, Vossa Graça — Lady Davis disse, com
um sorriso enorme que encheu seus olhos de rugas. — A senhora é, de fato,
encantadora. Poderíamos marcar alguma coisa, talvez um chá.
— Obrigada, minha lady. — Lucy sorriu com educação e olhou para
o marido de pé, depois para a multidão que se preparava para uma nova
rodada de dança. — Lorde Chatham, dance comigo!
Aiden a olhou de imediato, erguendo as sobrancelhas em um gesto
de temor e sendo puxado por Lucille, que o olhou apreensiva.
— Não vou conversar com uma mulher que parece que levou duas
palmadas nas bochechas. Vamos dançar, Aiden.
— Lucille, não.
— Vamos, Aiden. — Ela o empurrou para o lado dos homens e se
pôs em seu posto junto das damas.
Aiden enrijeceu, sendo empurrado pelos homens, que formaram
uma fila, animados para dançar. A música começou e os casais se juntaram,
dançando animadamente e o obrigando a seguir os passos.
Lucy o olhou alarmada, fazendo um gesto firme com a cabeça para
que ele dançasse também. Aiden respirou fundo, segurando as mãos de
Lucille durante um passo para depois trocá-la por uma dama que lhe lançou
uma piscadela depravada, rodopiando e batendo palmas até voltar para o
marido desavisado.
Aiden voltou a segurar as mãos de Lucy, agora ela estava sorrindo e
dançando de verdade, trocando os pares enquanto batia palmas
animadamente. Cada palma parecia espremer o cérebro de Aiden e apertar
seu lenço, sufocando cada vez que ele rodava e via outra mulher dançar
com ele e sorrir, batendo uma palma quase que estrondosa.
As pessoas ao redor a acompanhavam, rindo e sorrindo felizes,
cercando Aiden, que se sentiu preso em um buraco cheio de gente, cada vez
mais sufocado e apertado. Lucy passou por suas mãos, sorrindo alheia ao
marido e animada com a dança.
Ele engoliu em seco e arrancou o lenço, empurrando alguns
camaradas e marchando para fora do salão sem ver quem estava na frente.
A porta bateu com um estrondo e a música parou, findando a dança
abruptamente. Lucille olhou ao redor, percebendo o olhar curioso de todos
em cima dela, que estava cansada de tanto dançar.
Ela se despediu com uma mesura breve e andou o mais rápido que
pôde até sair do salão, vendo que a carruagem já havia sido levada para o
estacionamento e só restava o Sr. Branson bebendo um copinho de vinho
em um canto.
— Sr. Branson!
O cocheiro se assustou, recolocando o chapéu e indo ao encontro de
sua lady.
— Você está bebendo mesmo sabendo que vai guiar uma carruagem
tarde da noite?
— Perdoe-me, Lady Chatham. Foi apenas um copinho — ele disse,
nervoso, jogando o copo para trás.
Será que todos os homens do mundo eram uns beberrões? Sim.
— Você viu o duque? Ele saiu do salão sem me avisar.
— A Sua Graça foi para os fundos, madame. Mas o lugar é...
Lucille assentiu, seguindo pela lateral do salão e passando pelas
janelas que iluminavam seu caminho, sem dar ouvidos ao cocheiro.
Desembocou na entrada de um bosquinho bastante escuro que a fez parar e
olhar para trás, apreensiva.
— A-Aiden? — Lucy o chamou, apertando os dedos das mãos. —
Aiden, se você estiver aí é bom que apareça, sabe que eu não gosto de
escuro.
Lucille estreitou os olhos, andando alguns passos para frente e
vendo os cabelos ruivos de Aiden perto de uma árvore. Ela se aproximou
devagar, encontrando-o recostado contra um tronco e tocando a testa com a
mão, respirando fundo e contando baixo. De um até dez, depois respirou
fundo com a mão no peito e recomeçou a contar.
— Aiden?
Ele se assustou, virando-se para Lucille, que estava bastante confusa
e preocupada.
— Você está bem?
Ele assentiu rapidamente, enfiando o lenço no bolso e tocando os
cabelos bagunçados. Lucy o olhou com preocupação, encostando no braço
de Aiden e deslizando a mão até o pulso firme dele. Como o coração estava
rápido!
— O que foi? Você está esquisito… Está passando mal?
— Não gosto de lugares cheios, me deixam… ansioso — ele
explicou, breve, andando para uma outra árvore mais longe da luz do salão
e da esposa.
— Mas… Ansioso?
— Nervoso, Lucille. Eu não gosto de multidões, não gosto de
conhecer pessoas novas. E, definitivamente, não gosto de festas.
Ela assentiu, penosa, caminhando até o marido e parando ao seu
lado, não gostando nada daquele bosque escuro e cheio de sombras. Engoliu
em seco, olhando as árvores se distorcerem no escuro.
Se voltou para Aiden e disse, com a voz baixa e carinhosa:
— Desculpe-me, imagino que… que um baile não seja muito bom
para você.
— Não é — ele respondeu e soou bastante cansado aos ouvidos
dela. — Vim porque você queria e ficou sorrindo feliz por causa disso. Pela
dança que você queria e tudo mais…
Ela se calou, ruborizando e abaixando o olhar.
— Foi por isso? Pensei que fosse para eu parar de perturbá-lo…
— Isso também. Você me perturba demais… — Aiden admitiu. —
Mas me perturba ainda mais quando fica preocupada com um homem louco
que não gosta de gente.
— Não seja tão severo, tenho certeza de que isso é normal. — Lucy
abriu um sorriso nervoso, tocando a mão de Aiden, que não moveu a sua
para longe. — Fico agradecida que tenha feito esse esforço, não vou forçá-
lo a mais nada desse tipo.
Ele assentiu, mas ainda se sentia nervoso com aquilo. Tinha
vergonha de si mesmo, um homem daquele tamanho que não suportava
estar cercado de gente. Era sofrido para Aiden, principalmente quando era
adolescente e o pai o levava para o cassino, onde ele passava madrugadas
no meio dos salões ouvindo homens gritarem animados aos montes. Seus
ouvidos doíam com o barulho, seu coração disparava com as pessoas
entrando e suas mãos suavam.
Era uma vergonha, ele sabia. Viver isolado em Greenhill era o que o
deixava em paz, somente ele e sua pequenina Tamsin. Pouco se importava
com as pessoas de Londres. Se não fosse pelas cem mil libras de John,
Aiden não sabia como encontraria uma esposa se nunca mais foi a um baile
depois da morte dos pais.
Lucille segurava sua mão e o olhava com uma sutil preocupação e
culpa por tê-lo levado até lá. Ele fechou sua mão ao redor da dela — como
queria fazer havia longos dias — e sentiu o calor da esposa através da luva.
Ela o fitou nos olhos azuis, abriu um sorriso encorajador a Aiden
sentiu os músculos de seu rosto se moverem para que ele abrisse um sorriso
pequeno e inusitado. Lucille arregalou os olhos, rindo surpresa e apontando
para seu rosto.
— Você sorriu! Um sorriso de verdade!
Aiden riu espontaneamente e Lucille ficou ainda mais chocada, sem
soltar a mão dele, que não a deixaria jamais.
— Você é uma das mulheres mais irritantes que eu já conheci,
sinceramente.
O rosto se fechou e ela tentou puxar sua mão, mas Aiden a segurou
firme e puxou Lucille para perto. A distância entre eles diminuiu, deixando
apenas poucos centímetros os separando.
— Mas é a mais bela — ele completou, olhando o rosto dela
suavizar na pouca iluminação do bosque. — Odeio bailes, mas se eu
estivesse no seu debute, minha cara irritante, eu teria rasgado seu
cartãozinho ridículo de danças e a reservado para valsar comigo sem
interrupções.
Lucille resfolegou baixinho, o rubor lhe subindo as faces e a
distância entre ela e Aiden diminuindo. A mão grande e firme dele a tocou
na cintura, deslizando até a base de sua coluna e puxando um pouco mais
para perto. Ela engoliu em seco e umedeceu os lábios inconscientemente,
como quando dera seu primeiro beijo. Seus olhos se fecharam e ela tocou o
braço de Aiden com sua mão livre, um tanto receosa.
Não era Michael, não era. Era Aiden. Não era Michael.
E Lucille se sentiu culpada por ter dado mais um passo à frente,
sentindo seu corpo tocar o tronco de Aiden, que levantou seu rosto em um
gesto delicado. Ela abriu os olhos, apenas o suficiente para fechá-los de
novo e se esticar mais até que tocou os lábios dele com os seus e a mão dele
a prendeu contra o seu corpo. Lucille deslizou as mãos sobre o peito dele e
envolveu seu pescoço com os braços.
E Aiden a beijou. Como desejava havia um bom tempo.
Mas sem fervor, se aquela fosse a única vez que Deus desejasse que
eles se beijassem, então ele aproveitaria cada segundo. Ouviu um suspiro de
Lucille, que avançou apressada para conseguir mais daqueles lábios. Ele riu
baixo, o som de sua risada reverberando no peito de Lucy colada ao seu
corpo. Ela o queria, de verdade. Ela o queria e Aiden não se importava se
fosse só naquele momento escuro do bosque.
Aiden subiu a mão que estava nas costas dela, indo até seu rosto e
inclinando a cabeça dela para, enfim, beijá-la como ambos queriam. Lucille
suavizou o corpo e ele a beijou profunda e intensamente, desvendando os
sabores de seus lábios, deslizando a mão novamente pelas costas dela até
chegar ao traseiro pequeno e macio, que ele apertou com uma controlada
pressão.
Lucy suspirou surpresa diante do toque, afastando-se do beijo, mas
sem se afastar de Aiden. Seu coração acelerou e seu corpo gostou daquele
toque nunca experimentado. Não demorou muito para ele se aproximar
outra vez, tomando seus lábios calorosamente e recebendo os beijos de
Lucille, que era tão receptiva quanto ele. A mão firme dele apalpou aquela
parte íntima de seu corpo outra vez, deslizando pelos montes macios da
moça, que arfou baixinho contra os lábios dele.
A sua parte que pensara em Michael já havia sumido de seu alcance
e tudo o que passava na cabeça de Lucy era o quanto ela sentia saudades de
ser beijada e de se sentir bela outra vez. O quanto ela queria que ele fosse
mais ousado, que a levasse para lugares desconhecidos e que despertavam
sua curiosidade.
— Aiden… — ela arfou sobre os lábios dele. — Toque-me mais.
Aiden não teve de responder, puxou Lucille para trás de uma das
árvores e a colocou contra o tronco largo, segurando-a pela cintura e
olhando seus olhos castanhos, que estavam brilhantes de euforia. A
escuridão no bosque era forte, mas não o suficiente para impedi-lo de vê-la.
Mas, em vez de beijá-la, ele segurou a mão trêmula dela e a despiu da luva
vagarosamente, deslizando sua mão sobre a dela.
Lucy olhou para a forma como ele tocava sua mão desnuda,
passando o indicador pelo espaço entre seus dedos em um movimento nada
inocente. Ela corou ainda mais, inspirando e vendo Aiden levar sua mão até
os lábios. Ele a beijou bem na palma, sem desviar seus olhos azuis, que
brilhavam de forma diferente naquele bosque, nada frios e sem vida. Virou
a mão dela sobre seus lábios e beijou o nó dos dedos lentamente, subindo
com as carícias pelo antebraço de Lucille, tocando a pele clara com a língua
e intercalando com beijos demorados. Quando chegou ao cotovelo, lambeu
a região interna e mordiscou a pele de Lucille, que gemeu baixo e
envergonhada.
Ele a olhou outra vez, deparando-se com a expressão surpresa e
corada de Lucille escorada na árvore. Aiden abriu um sorriu enviesado,
enlaçando Lucy pela cintura e sugando seu lábio demoradamente, até que
ela soltou um suspiro baixinho e apaixonado, beijando-o antes que ele
demorasse demais para fazê-lo.
Aiden subiu as saias dela com a agilidade de um amante habilidoso.
Lucy se prendeu ao redor do pescoço do marido, beijando-o como se
pudesse perdê-lo e não saciar seus desejos. As mãos grandes dele se
elevaram até tocar o macio traseiro de Lucy, apertando-o por cima das
ceroulas e puxando o quadril dela contra o seu. Ela suspirou baixinho,
surpresa ao sentir o volume na calça de Aiden. Sabia o que significava. Mas
eles não poderiam fazer amor em um bosque macabro.
Ou poderiam?
Não era o que Lucy esperava de mais romântico, embora, a
princípio, não conseguisse ligar romantismo ao marido troglodita.
— Lady Chatham!
Os dois se afastaram como água e óleo, Lucille levou a mão aos
lábios e olhou assustada na direção da voz de Branson em meio a escuridão.
— Lady Chatham — o cocheiro a chamou com urgência. — A
senhora está por aqui? Aqui não é bom lugar para as moças andarem
sozinha! A senhora achou o Lorde Chatham?
Lucy e Aiden se entreolharam e ela viu que os olhos dele haviam
voltado à opacidade e à frieza normal. Tudo que lhe restava daquele homem
apaixonado era a dormência que ele havia deixado em seus lábios carentes.

***

Os dois voltaram para casa e silêncio, Lucy sentia-se envergonhada


de falar alguma coisa. Sentia-se atingida pelo beijo de Aiden, que fora
carregado de vontades, ainda mais quando ele a beijou no braço e nos dedos
como se fossem a parte mais bela de seu corpo todo. Nunca imaginara que
seu braço poderia ser tão sensível e que outras partes de seu corpo também
poderiam o ser, ainda mais com os toques de Aiden.
Lucy nunca fora beijada daquela forma, nem tocada no seu traseiro,
o que a deixava vermelha só de lembrar. E ela gostou bastante, admitia para
si mesma. Queria beijá-lo de novo, mas parecia que ele não queria beijá-la
outra vez, emudecera desde que foram encontrados no bosque. Talvez
tivesse sido culpa da sensibilidade do momento, o homem estava alterado
diante de uma exposição. Porque ele não gostava dela, disso Lucille tinha
certeza. E parte dela se sentiu rejeitada com aquilo.
Quando chegaram ao palácio, Lucy se separou dele e foi para os
seus aposentos pessoais, fazendo a toalete e trocando suas roupas por uma
camisola confortável. Gwen a perguntou sobre o baile e Lucy o resumiu
como encantador, mas sua mente vagava pelas lembranças dos beijos que
dera em Aiden.
Bastante acanhada, ela abriu a porta e olhou para o quarto dele antes
de entrar. Aiden estava deitado na cama, de barriga para cima e com um dos
braços cobrindo os olhos. Lucy fechou a porta em silêncio, desfazendo-se
do robe e assoprando a última vela ao lado da cama. Aiden não se moveu
quando ela deitou, mas ela sabia que ele não estava dormindo.
Será que ele estava pensando no beijo tanto quanto ela pensava?
— Está acordado?
Ele assentiu em silêncio.
— Obrigada por ter ido comigo — Lucy disse, baixo, aproximando-
se dele e tocando seu peito em busca de apoio. — Da próxima vez,
podemos ficar na biblioteca, em silêncio e sem multidões. Tomando chá, o
que acha? Eu fico quietinha e você também.
Aiden assentiu e Lucy o imitou, preocupada. Ela se abaixou perto
dele, dando um beijo delicado e demorado sobre a bochecha do marido, que
tirou o braço de cima do rosto. Ele a olhou e Lucy abriu seu sorriso
pequeno e encantador, tocando o rosto duro dele e deslizando o polegar
sobre a bochecha dele.
— Boa noite, troglodita — ela sussurrou, puxando o braço dele e se
acomodando aninhada ao seu peito. — Vou dormir aqui hoje.
Ele aquiesceu, envolvendo-a com o braço e tocando a mão dela, que
repousava em seu peito. Sua mão tremia, mas Lucille parecia alheia àquilo
e ele agradeceu.
— Não vai deixar uma vela acesa? — ele finalmente disse alguma
coisa.
— Não, assim estou bem escondida das sombras. — A voz dela saiu
em um sussurro divertido. — Durma bem, feioso… Obrigada pelo baile.
— Boa noite, Lucille.

***

Ela acordou primeiro, ao menos foi o que pensou.


Encontrava-se em uma posição nada favorável, deitada de lado e
encaixada no corpo de Aiden, que a envolvia com um braço. Lucy tentou
não se mover ou sentiria as partes magníficas do duque tocando seu corpo.
O braço dele estava sobre o dela e a mão dele tocava a que ela mantinha
repousada no colchão, encaixados um no outro perfeitamente.
Lucille não abriu os olhos, sabia que ele estava acordado pela sua
respiração. Acordado e a mantendo junto a si entre seus braços, servindo de
aquecimento para ela, que havia deixado seu lençol durante a madrugada.
Aiden lhe acariciava a mão como fizera no coche, deslizando o polegar
sobre a pele macia vagarosamente, passando pelos dedos e voltando para as
costas da mão. Lucille permaneceu com os olhos fechados, apreciando a
carícia rara que vinha de Aiden.
Então, ele parou. Sua mão subiu pelo braço dela e ele saiu da cama,
deixando Lucy com uma terrível sensação de abandono. Aiden andou pelo
quarto, indo até a bacia sobre a cômoda e lavando o rosto. O barulho da
água era o que guiava Lucille, firme na sua atuação de donzela dorminhoca.
Os passos de Aiden deram a volta pelo aposento e ela o ouviu entrar
no quarto de vestir, mas a porta não fora fechada. Lutou contra a vontade de
virar e vê-lo trocar de roupa, mas não queria que ele a afastasse mais do que
já afastava. Principalmente depois do beijo da noite anterior, que perseguiu
Lucille durante seus sonhos.
Ele retornou ao quarto, sentando-se na cama e tocando o ombro de
Lucille. Ela conseguiu não estremecer com o toque, permanecendo calma e
dormindo. Aiden a afagou, um toque tão quente e… estranho, raro. Depois,
ele se levantou outra vez, resmungou alguma coisa e saiu do quarto,
deixando-a só.
Lucy abriu seus olhos, virando-se na cama e tocando o emaranhado
de lençóis que outrora fora o ninho de Aiden. Ela sentiu o cheiro dele, um
cheiro curiosamente doce e delicado, muito semelhante ao cheiro de
Tamsin.
Ao tocar os lençóis, Lucy se perguntou se ele havia gostado do beijo
ou se ela era a única tola que ficou sem sentir os lábios de um homem por
tanto tempo. E foram os lábios de um homem que jamais a beijara daquela
forma, exceto pelo primeiro beijo deles, que Lucille jamais esqueceria.
Decidiu se levantar, já sem vontade de ficar em uma cama vazia.
Puxou a campainha e ficou à espera de Gwen, que chegou minutos depois
com seu desjejum e um sorriso amigável no rosto.
Capítulo 14

Querida Lucy,
Estamos em Kent, mas os humores do seu pai continuam sombrios.
Ele se culpa por tê-la separado de Michael, mas eu espero que tudo
melhore com o tempo e ele volte a ser o tolo atrapalhado que eu tanto amo.
Acredito em você quando diz que está tudo bem, por isso não me preocupo
e tento fazê-lo parar de se culpar.
Agora, falaremos sobre a filha do duque. Confesso que fiquei
surpresa com a novidade e me pergunto quais foram as explicações que ele
lhe deu por omitir algo de tanta importância. Contei ao seu pai, é claro,
mas isso não o afetou tanto. O pobre homem está tão triste. Por outro lado,
Joanna está ansiosa para conhecer a menina e eu não vou negar que fico
um tanto encantada com a ideia, sei que todas as crianças têm sua parcela
de graciosidade que me encanta. Até mesmo as nascidas de um momento
como esse. Serei a avó que ela precisa.
Desculpe-me pela carta curta, mas sua pobre mãe está com os
nervos cansados depois dessa longa mudança para Kent. Escreva-me mais
sobre a criança e sobre como anda o seu relacionamento com o duque. Não
se esqueça, também, de me contar sobre as núpcias. Não se acanhe, pois
sei que não tivemos tempo de termos aquela conversa.
Com amor,
Mamãe.

Lucille dobrou a carta, beijando o papel e sorrindo feliz por ter


notícias de sua família. Ainda estava em seus trajes noturnos, tivera de
interromper sua toalete quando Gwen retornou ao quarto, sacudindo a carta
animadamente. Estava ainda mais animada agora que lera as palavras de
sua mãe, pois teria muito o que fazer na casa: desvendar os segredos e falar
para ela. É claro que pouparia sua mãe de suas confusões sentimentais
acerca do duque e o estranho fato de ele “odiar lugares cheios”, coisa que
ela nunca ouviu falar na vida, mas que a deixara preocupada diante do
estado de nervosismo dele na noite anterior.
Perguntou a Gwen onde o marido estava, mas a jovem não soube
responder, disse apenas que o Sr. Branson havia ido à cavalariça com o
patrão, interrompendo a conversa dos dois. Conversa essa que Lucy estava
curiosa para saber, mas que Gwen não contaria nem por uma libra.
Parecia que Aiden havia saído e Lucille ficou um tanto triste com
aquilo, será que ele não a queria por perto muito mais do que antes do
beijo? Lucy e Aiden ainda eram como estranhos um para o outro, apesar de
ele deixá-la dormir em sua cama por causa de seu medo — algo que ela
achava bastante nobre. Passada aquela uma semana e meia, Lucille já não
sentia tanto ódio e raiva de Aiden. Aceitara que estava casada com ele e
daquela forma seria até a morte separá-los.
Demorou o menos possível para se arrumar, colocando um vestido
diurno e branco simples para ir visitar a atarefada Tamsin naquele dia de
domingo. Saiu de seu quarto e deu quase uma volta inteira no andar para
chegar ao quarto da enteada, encontrando-se com Max, que estava sentado
no corredor roendo alguma coisa suspeita. Um sapato, talvez. Ou um
animalzinho morto já sem sangue.
Aquele cachorro era quase um hipopótamo, barrando a entrada do
quarto de Tamsin como quem guarda as portas do Inferno. Contudo, o
animal não apresentava mal algum. Olhou para Lucy daquele jeito
preguiçoso e sentimental de cachorro e ganhou carinho na cabeça.
— Com licença — Lucy disse, melodiosa, entrando no quarto
enquanto batia à porta. — Tamsin?
— Lucy — a menininha exclamou do lavabo, saindo correndo de lá
sem suas roupas e com a Srta. Pilgrim horrorizada atrás com sua toalha.
— Milady, por favor!
Lucille caiu no riso, abrindo os braços para Tamsin, que abraçou
suas pernas e sorriu bastante contente, enfiando-se no meio do robe do
vestido de Lucy e deixando apenas o rosto de fora.
— Onde estão suas roupas, mocinha? — Lucy perguntou, com uma
falsa autoridade, dando palmadinhas brincalhonas no traseiro dela. —
Damas não andam por aí mostrando suas vergonhas, sabia?
A Srta. Pilgrim se apoiou nos joelhos, ofegante e com a toalha nas
mãos. A jovem parecia bastante cansada, dar banho na pequena Chatham
era uma aventura e tanto.
— Oh, Vossa Graça. — A babá levou a mão ao peito. — Perdoe-me
pelo infortúnio, estava tentando pôr milady no banho. Ela não gosta muito
de submersão, mas o verão está tão quente hoje. Se milady não se banhar,
ficará cheia de brotoejas.
— Você ouviu o que a Srta. Pilgrim disse — Lucy cochichou para
Tamsin, abaixando-se na altura dela. — Sabe o que são brotoejas?
Ela fez que não, deixando que a babá a cobrisse com a toalha.
— Uma coisa que todos os trogloditas têm — Lucille sussurrou,
com o nariz franzido. — E sabe o que elas fazem?
Tamsin fez que não outra vez, absorvida nas revelações.
— Bom, não vou dizer. — Lucille se levantou e cruzou os braços.
— Menininhas que não tomam banho não podem conhecer os segredos,
uma pena.
— Ah! — Tamsin exclamou em frustração, rapidamente se virando
para a babá e sussurrando como se Lucy não fosse ouvir. — Você sabe,
Srta. Pilgrim?
— Sei, sim, milady. Mas não posso contar para menininhas que não
tomam banho…
Tamsin inflou as bochechas em revolta, cruzando os braços e
marchando em direção ao lavabo, onde uma banheira diminuta e cheirosa a
esperava. Lucy lançou uma piscadela para a babá e Srta. Pilgrim riu
baixinho, indo se atarefar com o banho de Tamsin.
Lucille sorriu sozinha, lembrando-se de suas sobrinhas e pensando
que logo todas as crianças Mildenhall e Chatham iriam se reunir e brincar
com Tamsin. Ela queria muito que a enteada conhecesse novas crianças de
seu círculo social, sabia que quando crescesse seus laços com as crianças da
criadagem teriam de acabar. Ela poderia acabar se apaixonando por alguém
quando se tornasse uma moça e sabe-se lá como Aiden reagiria.
Provavelmente mataria o molecote. Com os olhos.
Ela caminhou pelo quarto de Tamsin. Havia uma grande casa de
bonecas, um baú, bonecas grandes e pequenas. A cama da menina era
enorme e alta, um perigo se ela escorregasse enquanto dormia. Lucy foi até
o pequeno quarto de vestir da enteada e viu a infinidade de vestidinhos,
sapatinhos e acessórios. Admitia que achava adorável como Aiden mimava
a filha, o fato de tê-la assumido e criado também era uma raridade entre os
homens.
Entretida naquele pequeno ateliê, Lucy escolheu um traje completo
para Tamsin que combinasse com o seu para poderem passear até a cascata
– já que Lucille só se atrevia a ir até lá –, para assim poder ver melhor a
propriedade e tentar conhecê-la de vista. Ela poderia muito bem ir sozinha e
caminhar pela herdade, mas queria que Aiden a acompanhasse. Queria que
ele falasse com ela, não a ignorasse por dias para depois dar o melhor beijo
de sua vida e, novamente, ignorá-la.
Ele não havia saído de Greenhill, caso contrário Tamsin estaria
ansiosa com a chegada do pai. Ele estava em algum lugar naquela
imensidão e ela iria encontrá-lo.

***

Aiden cavalgava às margens do rio que atravessava Greenhill como


se sua vida dependesse daquelas galopadas. O cavalo ia acelerado e seus
cabelos ruivos haviam se soltado, fazendo-o se sentir um bárbaro fugindo
de alguma coisa. E, de fato, ele estava fugindo de algo.
De Lucille. E do seu beijo. E da forma como ela pedira que ele a
tocasse. E da forma como ele queria tocá-la e amá-la.
Aiden quase grunhiu enquanto apanhava do vento, Greenhill já
estava longe e o cavalo provavelmente precisava descansar. Mas ele
preferia ir para bem longe a ter de encarar que o beijo de Lucille era a coisa
mais deliciosa que sua existência miserável já provara e que seu abraço
durante o sono era o maior conforto que já teve em tantos anos vivendo as
sombras da morte dos pais.
Já podia ver o vilarejo vizinho no horizonte quando decidiu parar e
dar um pouco de água para o pobre cavalo, amarrando-o na sombra
enquanto ele foi se sentar perto do rio. Olhou o caminho da água, perdendo-
se em seus pensamentos. Olhou, então, para as mãos, as mãos que tocaram
o corpo de Lucille na noite anterior e que a acalentaram durante o sono.
Aquilo não estava nada certo, ela estava lá somente para ser
madrasta de Tamsin e deveria ir se encontrar com aquele maldito Michael,
deixando-o em paz. Ela não deveria ser encantadora, bela e ter o sorriso
mais bonito que seus olhos frios já tiveram a chance de ver.
Lucille não era aquela jovem revoltada que ele conhecera em
Londres, embora ela não devesse nas próprias defesas e não deixasse que
Aiden mandasse nela. Mas já não era assim o tempo todo, não era uma
mulher arisca. Era uma jovem animada, que adorava festas e conversar. O
seu oposto, mas encantadora sendo assim. Ela se mostrou sensível, mas ele
continuava a ser estúpido e calado, evitando falar com ela para que o
horrível não acontecesse: apaixonar-se.
Aiden teve de encarar que estava se apaixonando pela cadência de
Lucille e pelo seu beijo, intensificando o desejo que ele sentia por ela. E
não era aquilo que ele queria, porque aquele tipo de coisa trazia problemas
que ele jamais poderia resolver. Sabia que era covardia e insensibilidade
dele deixá-la ser ignorada, mas Aiden ainda não sabia o que fazer.
Iria se esconder fisicamente porque o seu silêncio já magoava
Lucille mais do que ele gostava de admitir.

***

Ela almoçou apenas com Tamsin, mas a menininha não apresentou


nenhuma ansiedade pela ausência do pai. Era claro que ele estava em
Greenhill e não estava ocupado com seus afazeres ducais.
Estava fugindo dela.
Será que ele estava envergonhado por demonstrar certa fragilidade
ao ser encontrado no bosque nervoso e ansioso, contando sozinho como um
doido perturbado? Lucy mal quis almoçar, queria desvendar o duque e
talvez ajudar. Sabia que um homem da estima de Aiden não pediria ajuda
nem demonstraria fraqueza. O orgulho masculino é intenso, quase sempre
para conseguir esconder suas fragilidades.
— Tamsin, você viu o papai? — Lucille perguntou em meio ao
almoço.
— O papai foi para a biblioteca.
Qual delas? Havia quatro! Lucy terminou seu almoço em mais
algumas garfadas e se despediu da pequenina, deixando-a nas mãos da
babá, que a faria tirar uma boa soneca depois do almoço. Foi direto para a
biblioteca que a Sra. Dare disse ser a favorita do duque, que também era a
preferida de Lucille.
Abriu a porta devagar, tomando cuidado para não fazer nenhum
barulho. A atmosfera aconchegante e abarrotada de estantes a aqueceu por
dentro e ela viu os cabelos de Aiden aparecerem acima do espaldar do sofá
em que ele estava. Ela andou devagar e cautelosa, mas sabia que ele já
estava ciente de sua presença no lugar grande. Com as mãos curiosas, ela
deslizou os dedos pelas mesas enquanto caminhava, passando pelo piano
forte e tocando as franjas da toalha que adornava a mesa redonda do lugar.
Lucy caminhou pela biblioteca, deslizando os dedos pelas lombadas
dos livros e sabendo que os olhos de Aiden estavam grudados nela assim
que ela passou pelo seu campo de visão e foi para os fundos do aposento.
Ela o olhou por sobre o ombro, abrindo um sorriso discreto que o fez
desviar o olhar de volta para o seu livro.
Inspirou baixinho, olhando os livros, mas sem ver seus nomes. Deu
a volta em seus calcanhares e se sentou no pequeno sofá verde mais
próximo de Aiden, onde uma mesa de centro estava repleta de livros sobre
arquitetura.
— Parece que você gosta mesmo disso… — Ela tocou os livros,
vendo os olhos azuis dele seguindo o caminho que seus dedos faziam sobre
os títulos das capas. — Foi esse tipo de coisa que você estudou na
universidade?
Ele assentiu, ainda lendo o livro.
Lucy não se deixou abater. Daquele dia em diante, jamais permitiria
que ele a ignorasse enquanto conversavam.
— Imagino que, vivendo em uma casa dessas desde pequeno, seja
impossível não se interessar pela beleza da arquitetura… Não é?
— De fato. — Ele passou uma página, mas seus olhos não corriam
pelas letras e Lucy viu que ele não estava lendo.
— Aiden… eu gostaria mais se você falasse comigo olhando para
mim.
Os dedos dele seguraram a página, ele assentiu devagar e fechou o
livro, sentando-se corretamente no sofá. Seus olhos azuis foram na direção
de Lucille, que meneou a cabeça em um sutil agradecimento.
— Obrigada. — Ela alisou o vestido e pegou uma almofada para pôr
no colo, nervosa. — Bom… Parece que o cassino não o interessa muito.
— É verdade, prefiro o que eu estudei para fazer da vida, mas eu
tenho um título — Aiden explicou, olhando o colar no pescoço de Lucille,
que havia parado de usar as chemisettes. — Não posso deixá-lo e meus
irmãos não saberiam como cuidar daquilo.
— É por isso que não vai muito para Londres? Além de Tamsin, é
claro…
— Não gosto da cidade grande, é muito barulhenta.
Lucille aquiesceu, brincando com as franjas da almofada.
— Eu gostaria de conversar sobre ontem, Aiden.
Ele congelou. O tom dela era baixo e cuidadoso. Ela iria lhe dizer
que não queria que ele a beijasse nunca mais.
— Diga, Lucille — ele respondeu o mais imparcial que conseguiu,
enquanto, por dentro, seu peito iria se rasgar em rejeição.
— Ontem… Você saiu do baile daquela forma tão repentina e eu o
encontrei no bosque bastante atordoado.
Aiden assentiu, controlando a respiração mecanicamente.
— Fiquei preocupada com você — Lucy confessou. — E você me
falou sobre… não gostar de multidões. Como é isso? Sei que há
introvertidos por aí, mas nunca vi um que fugisse de uma dança como você.
Ele concordou, tocando o joelho e o apertando o mais forte que
pôde. Sua mão esquerda deslizou até o lugar vago no sofá e ele bateu contra
o estofado, chamando Lucille.
— Venha aqui.
Ela se levantou, alisando as saias e se sentando a uma almofada de
distância do marido.
— O que você sente? — Lucille perguntou, olhando-o com culpa.
— Sinto que a culpa é minha por tê-lo irritado ao levá-lo lá.
— A culpa não é sua, Lucille. Sou assim desde criança.
Ela assentiu, olhando para o próprio colo e depois para as mãos dele
sobre as próprias pernas. Lucy esticou a sua, indo ao encontro da mão
esquerda de Aiden que, inusitadamente, envolvera a sua antes que o fizesse.
— Sempre fiz amigos e cumpri o que se espera que um homem faça,
nada que me atrapalhasse. Bom, nunca fui o mais popular e libertino — ele
explicou, olhando a mão de Lucy aninhada na sua. — Eu só nunca gostei de
estar entre pessoas que eu não conheço, isso me deixa nervoso. Multidões
barulhentas me causam nervosismo, incômodo. Não tenho muito jeito com
as mulheres, sempre acabei sendo um amante frio… Não sei como
conversar com alguém que não me causa interesse, eu não sei fingir que
gosto de alguém.
— Então você não gosta de mim? — A voz de Lucy saiu como um
sopro triste, apertando o coração estúpido de Aiden. — Por isso me ignora?
Ele não respondeu de primeira. Deslizou o polegar sobre as costas
da mão de Lucille, seguindo o caminho de suas veias claras.
— Gosto, sim. — Aiden levantou a cabeça, tocando o rosto pequeno
de Lucy e passando os dedos por entre os cachos que escapavam de seu
penteado — Eu gosto, Lucille. Mais do que um homem com uma noiva
roubada deveria gostar.
Lucy abriu um sorriso constrangido, abaixando o rosto em
embaraço.
— Então olhe para mim, fale comigo mais do que três palavras —
ela suplicou, segurando a mão dele que estava em seu rosto. — Sei que
você gosta do silêncio, mas ele me faz só. Não gosto de me sentir
esquecida… Fale comigo, converse… Vamos conversar antes de dormir,
vamos ser amigos, pelo menos.
— Desculpe-me — ele admitiu, soltando as mãos de Lucy e olhando
para as estantes longas pelas paredes. — A sua beleza me deixa atordoado,
sua voz e seu jeito me deixam… nervoso, ansioso. Acabo sendo ainda mais
distante que o normal e sei que a culpa não é sua, pois você não me faz
nada de ruim além de ser linda.
Lucille engoliu em seco, seu coração acelerou e ela se aproximou de
Aiden lentamente. Tocou-lhe o ombro e ele se assustou com um leve
espasmo, virando seu rosto para ela e olhando-a nos olhos com suas írises
azuis e intensas.
— Não sei se deveria pensar nisso, mas o seu beijo não me deixa em
paz — ela sussurrou, como se cada um dos livros tivesse ouvidos. — Eu
nunca provei de um beijo tão… intenso. Nunca me beijaram além dos meus
lábios.
Aiden sentiu o peito borbulhar em satisfação. Um sentimento
egoísta de que era ele o dono dos sentimentos atordoados de Lucille, não
Michael. E ele sorriu para si mesmo, pensando se um dia faria Lucy ver que
beijar-lhe a delicadeza de seu braço em nada se comparava com outras
partes que ele teria o prazer de beijar.
Deslizou a mão que estava no rosto dela pela sua bochecha macia e
corada, passando o polegar pelos lábios de Lucy, que o mirava fixamente,
os olhos se fechando devagar em um convite para ser beijada. Aiden se
aproximou, puxando-a gentilmente para mais perto de si e tocando o nariz
pequenino dela com o seu, tomando os suspiros ansiosos dela para si.
— Beije-me, Aiden… Como ontem, por favor.
Ele a tocou nos lábios, beijando-a com uma delicadeza que estivera
ausente na noite anterior. Acariciou os lábios macios dela com os seus,
deslizando o beijo ternamente pelo rosto de Lucille até chegar na parte de
trás da sua orelha. A mão dela apertou a sua, ansiosa e nervosa, e Aiden a
beijou ali naquele cantinho secreto onde um cacho acariciava sua pele
pálida.
Ela suspirou, subindo a mão pelo braço dele e segurando em seu
ombro, abraçando-o e unindo seus lábios aos dele em um ato envergonhado,
mas repleto de vontades e curiosidade. Oh, como Lucy queria ser beijada,
como ela queria se sentir a mais bela de todas as mulheres. Abraçou o
pescoço de Aiden, suplicando silenciosamente para que ele atendesse
aqueles pedidos de carinho.
Aiden a puxou para o seu colo, surpreendendo Lucy quando segurou
a barra de suas saias e as levantou até a altura dos joelhos, de modo que ela
pudesse se sentar melhor. Lucy olhou fundo nos olhos claros dele,
envolvendo-o com seus braços e controlando sua respiração, eufórica com
tudo aquilo. Havia um certo nervosismo nos olhos dela, delatando sua
inexperiência.
— Ele nunca a tocou com desejo? — Aiden perguntou, acariciando
a panturrilha ainda coberta pela meia fina e fazendo seu caminho até o laço
que a mantinha firme na perna dela. — Ele nunca viu que você tinha
desejos?
Lucille fez que não, envergonhada, mas acariciando a nuca dele com
a ponta de seus dedos trêmulos.
— Se ele não demonstrava, como eu poderia pedir sem me
envergonhar de ser uma… uma depravada? Ele estava me cortejando ainda,
não deveríamos nem nos beijar.
— Não precisa ter vergonha de falar sobre o que quer comigo,
Lucille. — Os dedos de Aiden desfizeram o laço e ele abaixou a meia
lentamente, tocando a pele que se revelava cada vez mais. — Diga-me
quando quiser algo e eu o farei. O que você quer, linda?
— Q-Quero que me beije outra vez… Como se eu fosse a mais
bonita de todas.
Ele sorriu, um sorriso enviesado e perverso, e sua mão foi até o
sapato de Lucille, o arrancando junto da meia. Protelando para atendê-la,
ele deslizou a mão sobre o peito do pequeno pé dela, subindo novamente
até a parte de trás do joelho despido. Deu uma atenção especial para a
panturrilha, deslizando os dedos pela parte macia até o pé, acariciando-o até
Lucille sentir cócegas e rir baixinho.
— Você faz com que essas partes tão inúteis do meu corpo fiquem
tão sensíveis — Lucy confessou, em um sussurro extasiado. — E eu sinto
ainda mais vontade de beijá-lo.
Aiden não conseguiu conter um outro sorriso orgulhoso. Tocou os
lábios de Lucy com os seus, mas tão sutilmente que a fez gemer em
frustração. Ela avançou, tentando beijá-lo, mas Aiden se inclinou um pouco
e ela suspirou, chateada. Segurou-a pelo rosto – enquanto acariciava as
pernas despidas dela por debaixo do vestido – e a beijou profunda e
calorosamente.
Lucy se derreteu outra vez, tal como no bosque escuro. Colou seu
corpo no dele, correspondendo ao beijo da forma mais apaixonada possível.
E Aiden devolveu todas as carícias e mordidas, deitando-a no grande sofá e
seguindo com seus beijos, caminhando pelo pescoço dela. Chupou sua pele
clara, ouvindo um gemido envergonhado de Lucy, que se contorceu
embaixo dele, afundando seus dedos nos cabelos ruivos de Aiden. Ele tocou
o pingente de diamante com os dentes, tirando aquilo do seu caminho
enquanto beijava os montes cheios que eram os seios dela, apertados pelo
corpete.
Aiden se afastou um pouco, passando os braços ao redor das costas
dela e achando os botões do vestido. Lucy olhou por sobre o ombro,
segurando-se em Aiden enquanto ele impacientemente afrouxava um pouco
a roupa dela. Colocou Lucille de volta em sua posição de deusa adorada e
tocou a alça de seu vestido, vendo que ela o olhava com o rosto corado e
com um brilho ingênuo nos olhos.
Michael realmente nunca fizera nada com ela e aquilo parecia afetar
a forma como Lucy via a si mesma.
Aiden tinha de fazê-la ver como era bonita.
Cuidadosamente, ele arrumou Lucille abaixo dele, puxou-a
gentilmente e colocou as pernas dela ao redor da sua cintura. Mas tomou
cuidado para que ela não sentisse o quanto ele precisava tomá-la naquele
sofá. Talvez aquilo a fizesse repensar e esquecê-lo. E ele não queria perdê-
la agora.
Deslizou os dedos pelo colo dela, tocando o colar e indo até as alças
do vestido.
— Eu odeio aquelas coisas que você coloca aqui, cobrindo o
presente que eu te dei… Cobrindo os presentes que você me deu. — O
indicador dele passou pelos seios ainda cobertos, causando um espasmo em
Lucy, que não tirava os olhos dele.
Ela não conseguia parar de olhar para os lindos olhos azuis, estavam
quentes e cheios de vida. Estavam tão lindos. E Lucille se sentia tão linda.
Se os olhos de Aiden fossem assim ardentes todos os dias, sua fama de
homem vil e louco terminaria. Mas algo nela queria que aquele olhar
caloroso nunca fosse compartilhado com o restante do mundo, que fosse só
do seu conhecimento e que fosse exclusivamente dela.
Aiden finalmente abaixou o vestido, puxando o curto espartilho e
expondo os seios pequenos e intocados de Lucille aos seus olhos. Não havia
sardas, é claro que o sol nunca tocara aquela parte preciosa do corpo dela.
Elas apareciam até certo ponto e depois sumiam, deixando a pele leitosa
novamente, e Aiden fazia o caminho das sardas até parar nos delicados
mamilos dela.
Lucille não tentou se cobrir, mas o olhar dele sobre os seus seios a
envergonhou. É claro, eles eram pequenos demais e insignificantes para
Aiden. Suas mãos subiram sem que ela percebesse, mas Aiden a segurou
pelos pulsos, impedindo-a de se esconder.
— Eu disse que há homens que gostam das moças de proporções
delicadas — ele sussurrou, tomando um dos seios dela na mão e o
apertando cuidadosamente. — Eu, por exemplo, acho seu corpo lindo,
embora não tenha tido a sorte de vê-lo por completo.
Lucy suspirou em deleite, fechando os olhos e colocando suas
pernas ao redor da cintura dele. Aiden se abaixou próximo à maciez do colo
de Lucille e tomou um de seus seios na boca, arrancando um gemido
surpreso e satisfeito dela, que quase se desmanchou no sofá. Aquele
momento deveria durar para sempre, saber que Lucille estava tão atraída
quanto ele. Que ele estava a beijando em quase todos os lugares com que
sonhava todas as noites.
Afastou-se dos seios dela, tomando sua boca em um beijo intenso,
que ela retribuiu sem pestanejar. Por entre as pernas dela, Aiden se moveu
contra o corpo magro de Lucille, fazendo-a sentir o volume que ela dera a
ele, pressionando-o deliciosamente ao sexo dela escondido pelas ceroulas,
assim como o dele estava preso às suas roupas. Lucy arfou contra os lábios
do marido, empurrando o quadril contra ele em um ato reflexo que a fez
corar e, ao mesmo tempo, desejar ainda mais que ele a tocasse assim. Ela
fechou os olhos, deleitando-se ainda mais quando ele a pressionou outra vez
e ela sentiu o volume daquilo que ela espiara noites antes. Algo nela
pulsava sempre que ela e Aiden se tocavam mesmo com tantas camadas de
roupa, os movimentos que ele fazia contra o corpo dela, indicando algo que
Lucille nunca experimentou ou imaginou como seria. Algo que ela sabia ser
muito mais íntimo que os beijos que ele dava nela e que os movimentos
insinuantes que fazia: ser deflorada. Ele a queria daquela forma e Lucille se
viu perdida no desejo de também querer.
Ela o abraçou ainda mais, tocando os cabelos ruivos dele e
deslizando a mão até o rosto de Aiden, que a olhou de cima. Ele a beijou
outra vez, entrelaçando sua língua à dela e desabotoando sua calça
apressadamente.
— Tudo bem, querida? — Aiden perguntou, ofegante.
Lucy assentiu, ansiosa, e puxou suas saias mais para cima.
Então, a porta da biblioteca se abriu repentinamente e Lucy voltou à
realidade, paralisando abaixo de Aiden. Ele ficou imóvel, olhando por cima
do espaldar do sofá e vendo a Srta. Pilgrim olhar pelas estantes,
completamente alheia.
— É a babá — ele sussurrou para Lucy, que rapidamente puxou o
vestido para cima e colocou as saias para baixo.
Emily pegou alguns livros finos na prateleira dedicada aos livros
infantis e saiu da sala tão avoada quanto quando entrou. Aiden soltou a
respiração, saindo de cima de Lucy e a puxando consigo.
Ainda bem que a babá apareceu. Aiden não queria que a primeira
vez de Lucille fosse em uma biblioteca.
— Se ela tivesse me visto — Lucy disse, apreensiva, tentando
fechar o vestido.
— Somos casados, Lucille. — Aiden pegou a meia e o sapato dela.
— Ela deve acreditar que fazemos isso quando estamos a sós.
Ela assentiu, vestindo sua meia e evitando olhar para o marido. Suas
mãos ainda tremiam com todas as novas sensações que ele havia lhe
apresentado com aquela pequena amostra de prazer a dois.
— Espero que possamos fazer mais coisas — ela confessou
baixinho, dando um laço na liga de sua meia. — E… podemos começar de
novo?
— Nossa última atividade? — Ele ergueu uma sobrancelha, abrindo
um sorriso perverso.
— Não, troglodita. — Lucy revirou os olhos, atentando-se a sua
sapatilha. — Começar tudo de novo. Como se não tivéssemos passado por
aquela semana irritante em Londres. Minha mãe disse que eu não deveria
basear minha opinião no Aiden que eu conheci daquela vez e que você
também não poderia me julgar pelo meu mau humor.
— Isso é verdade — ele concordou, olhando os livros jogados na
mesa de centro para depois olhar Lucy ao seu lado.
— Acho que a sua forma de se relacionar com as pessoas ao redor o
faz parecer um homem arisco… — Lucille disse, em um lamento, mas
abriu um sorriso discreto para Aiden. — Eu acho que você deve ter um
monte de coisas dentro de si, mas jamais vai compartilhá-las comigo.
Ele a olhou em silêncio, temendo concordar com o que ela falava.
— Os homens são assim mesmo — ela disse, condolente, abrindo
um sorriso brincalhão e inédito para Aiden. — Uns molengas que gostam
de beijinhos antes de dormir.
Aiden riu baixo, balançando a cabeça e olhando outra vez para
Lucille. O cabelo dela estava bagunçado e o vestido fora abotoado
desmazeladamente, deixando-a com a aparência que ele adorava de ver em
uma mulher: a de quem acabara de se agarrar com um amante apaixonado.
Começar tudo de novo era uma ótima ideia.
— Lady Chatham — ele adotou um tom sério e educado, pegando a
mão de Lucille e a beijando respeitosamente —, é um prazer conhecê-la.
Gostaria de visitar a herdade comigo?
O sorriso que nasceu nos lábios de Lucille fora um dos maiores e
mais verdadeiros que Aiden já tivera a chance de ver. Ela assentiu, bastante
feliz e charmosa.
— Seria um prazer, meu lorde!
Capítulo 15

Lucille estava feliz, disso ele sabia. O sorriso que ela mantinha em
seu rosto era discreto, mas verdadeiro. Ela queria mesmo que ele a levasse
para conhecer a herdade.
O lugar era grande demais para conhecerem durante o dia todo sem
se cansarem, mas eles tinham almoço e cobertores para descansar.
Antes de saírem, Aiden olhou o mapa de Greenhill, traçando um
trajeto para aquele dia. Passariam pelo caminho privado que seguia em
direção ao maior lago natural da propriedade, onde os Chatham
costumavam patinar no gelo durante o inverno. Depois, dariam a volta ao
redor dele, seguiriam até o labirinto e terminariam na clareira em que Aiden
gostava de se esconder. Parecia que Lucy já havia se aventurado sozinha até
o lago favorito de Tamsin — um artificial, que batia até os joelhos dela.
Ficava na parte mais elevada dos campos de Greenhill, uma subida um
tanto cansativa para os pés de uma dama acostumada a andar de carruagens
para cima e para baixo.
Naquele momento, já estavam juntos, andando lado a lado em
direção ao grande lago. Havia uma distância muito pequena entre eles e
Lucy segurava sorridente um cobertor azul como quem segura um bebê.
Aiden aproveitou o silêncio dela para pensar na tarde anterior na
biblioteca. O calor de Lucille o envolvera, os beijos e as súplicas dela o
controlaram de tal forma que ele poderia despi-la por completo e desvendar
todo o corpo dela.
Mas a babá o salvou de ir rápido demais.
Ele não queria apressar as coisas, torná-los reféns do desejo e não do
sentimento. O que lhe era irônico, porque tudo o que Aiden menos queria
era desenvolver sentimentos por Lucille e terminar como…
— Nós poderíamos ter pego dois cavalos. — Lucy o puxou de volta
à realidade.
— Já está cansada? Estamos andando faz dez minutos.
— Não, eu até mesmo vim preparada. — Ela puxou a barra do seu
vestido amarelo e revelou uma bota pequena e marrom. — Estou com esses
sapatos horríveis. Se me vissem com um desses em Londres, pensariam que
eu os roubei de uma fazendeira.
Ele riu consigo mesmo, olhando o pé pequeno dela, que logo foi
coberto de novo.
— Descobri que gosto bastante quando ri — Lucille confessou,
olhando para os passos que dava. — Seu rosto fica mais bonito assim,
troglodita.
Aiden controlou seu embaraço, agradecido por Lucy não estar
olhando para ele.
— Não poderíamos andar a cavalo pelo labirinto — ele mudou o
assunto, passando a cesta de comidas para a outra mão. — Nem entrar nos
bosques.
— Há bosques também? Pensei que os arvoredos fossem fechados
demais para uma aventura.
— Há uma infinidade — ele respondeu, olhando os arbustos altos
adornarem as laterais do caminho. — Tamsin gosta de brincar por eles,
principalmente na clareira em que eu a levarei.
Lucy sorriu ao imaginar Aiden e Tamsin brincando juntos.
— Da próxima vez, vamos trazê-la para o passeio, ela vai adorar.
Ele aquiesceu, seguindo por um caminho mais fechado e
desembocando no labirinto.
— Oh, como aqui é bonito… — Lucy olhou maravilhada para as
árvores e todo o verde que os rodeava. — É tão bonito. E… a atmosfera é
muito mais tranquila que as casas mais rurais, mesmo em Londres. O céu é
mais bonito. Aposto que as estrelas brilham muito por aqui.
Aiden sorriu sozinho, olhando para uma Lucille abobalhada com a
beleza do trabalho de um bom paisagista. Ela sorria largamente, olhando ao
redor e para o céu.
— Vamos entrar no labirinto? — ela perguntou, animada. — É
difícil sair dele?
— Nada muito complicado para uma mulher da sua idade.
— E inteligência. — Lucy ergueu o indicador, entregando o
cobertor para Aiden. — Espere-me do outro lado? Conte quanto tempo eu
vou demorar para sair, está bem?
— Como quiser, madame — ele disse, com uma pitada de humor,
satisfeito diante do entusiasmo dela ao poder explorar toda a herdade. —
Esperarei na saída, em frente a uma escada de pedra, você verá caso saia
pelo lado certo.
— Está bem, pode ir, troglodita. Até mais ver.
Aiden se despediu com um aceno de cabeça e seguiu pelo caminho
por fora do labirinto, enquanto Lucy entrou e sumiu no meio das sebes altas
e verdes.
Ela se concentrou, andando por um caminho curvo que a levou até
um beco. Bufou, dando meia volta e entrando em um portal que a deixou
em um triângulo também sem saída. Lucy pulou, tentando olhar além das
sebes, mas sem muito sucesso.
Pulou de novo, acabando por rir ao pensar no que sua mãe diria dela
— uma dama refinada — pulando no meio de um labirinto, calçando botas
nada bonitas e caras.
Não desistiria tão fácil: encontrou outra entrada e seguiu por um
corredor curvado, novamente saindo em um local fechado.
— Aiden!
— O que foi? — A voz dele veio de longe, mas ela percebeu que era
do seu lado direito. — Já desistiu, bela irritante?
Claro que não. Lucy inflou o peito, saindo de seu beco e
encontrando um caminho na direção de onde a voz de Aiden tinha vindo.
Confiante, ela seguiu, passando longe dos becos, e um sorriso vitorioso
nasceu em seu rosto quando ela viu uma saída.
Correu para fora e saiu do labirinto, mas o que ela viu foi um arco
pequeno de pedra, um muro de árvores e nenhum sinal do marido.
— Aiden!
Ele não respondeu. Espertinho, claro que ele não iria mais dar
nenhuma dica da direção da saída correta.
Deu a volta em seus calcanhares e voltou para o labirinto. Deu de
cara com um beco, frustrando-se outra vez. Sabia que o lugar seguia como
um caracol, o que lhe parecia menos complicado. Entrou em um caminho
aberto, esbarrou em um lugar fechado, voltou e pegou o outro lado,
desembocando no centro do labirinto.
Ela sorriu, pois havia um banco de pedra onde ela subiu e viu a tal
escadaria de pedra onde Aiden a esperava. Ele olhava seu relógio de bolso,
segurando a cesta e o cobertor.
Agradeceu a Deus por ele não a ter visto e rapidamente desceu do
banco. Maldição, poderia ter enxergado o caminho certo para seguir e sair
ao encontro do marido, mas era arriscado voltar e deixar que ele a visse
roubando no jogo.
Ao menos sabia qual direção seguir. Já estava há cinco minutos
dentro do labirinto e seu orgulho estava murchando. Subestimou o poder de
um bom paisagista em zombar das pessoas. Andando sem esperança,
esbarrando em sebes altas e quase chamando o marido de novo, Lucy
enxergou a saída certa. Sua alma ficou animada novamente e ela correu
para fora, vendo Aiden a esperando como um bom criado.
— Consegui, troglodita — ela riu, contente, abraçando o braço dele
e o empurrando com animação. — Pensei que fosse ficar naquela coisa por
meia hora!
Aiden a olhou, controlando a vontade de rir da felicidade dela ao
sair de um mero labirinto. Lucille continuava agarrada ao braço dele,
respirando um tanto ofegante depois da breve corrida que deu.
Definitivamente, ela era uma garota da cidade, fraquinha e
branquela. E linda, é claro, ninguém era mais bela que Lucy.
Ela sorriu com o seu olhar sobre ela, Aiden não resistiu a sorrir
também, vendo que aquilo não era tão difícil. Por quatro anos, pensara que
somente Tamsin o faria sorrir.
Lucy se esticou na ponta dos pés, levando sua mão ao rosto dele e
trazendo Aiden para perto, até que ela o beijou. Lucille não tomou todas as
rédeas, não tinha coragem, mas chamou Aiden para beijá-la. Ele acariciou
seus lábios com um beijo delicado e demorado, afastando-se de Lucy com
um último selar que a fez sorrir satisfeita.
Ela se afastou do seu braço, deixando-o com uma sensação de perda.
Lucy pegou o cobertor de volta e indicou a escada com um aceno de
cabeça.
— Iremos para lá?
— Sim. Vamos seguir até uma clareira e podemos ficar por lá.
— Certo. — Seu sorriso contente ficou ainda mais iluminado e Lucy
seguiu subindo as escadas de pedra.
Aiden ficou no seu encalço, como um guarda-costas fiel. Aproveitou
para admirar a silhueta dela, suas curvas e a forma como o vestido deslizava
pelo corpo conforme ela subia pelos degraus. Os cachos castanhos estavam
livres de um chapéu, roçando em sua nuca em algumas mechas soltas do
penteado. Aiden admirou a pele do pescoço da esposa, pairando sobre os
pequenos hematomas que lhe manchavam a tez clara depois que ele a
beijara por ali.
Ele sorriu sozinho, parecia que Lucy tinha a pele bastante sensível,
não se lembrava de tê-la chupado com tanta pressão a ponto de lhe marcar
assim.
— O que há do outro lado da herdade? — ela perguntou, olhando
para trás e depois para as árvores que o cercavam. — Mais para perto do
palácio.
— Campos de pasto. Parte do alojamento dos criados, a fazenda da
cozinha e as estufas. Há algumas flores muito bonitas, mas acho que não é
um bom lugar para você entrar.
— Decerto que não. Eu ficaria com os olhos vermelhos e inchados,
nada atraente — ela negou com veemência, rindo sozinha. — Em nossa
propriedade em Kent há muitas flores, meus pais sempre gostaram de lá,
mas fomos para Londres depois que o médico falou da alergia. Bom, agora
eles voltaram, depois que vim para cá… Parece que eu os impedia de viver
no campo.
— Imagino que um dia criarão algum remédio que a deixe ficar
perto das flores e próxima de sua propriedade secular — Aiden olhou pelo
lado bom, chegando no topo da escadaria e dando o braço para Lucy.
— Por enquanto, sigo as admirando de longe.
Os dois caminharam em um confortável silêncio, apenas o som da
natureza os rodeando pelos caminhos abertos em Greenhill. A natureza era
tranquilizadora e aquela solitude a acalmava. Talvez fosse isso que Aiden
gostava e ela não compreendia, mas estava começando a descobrir, ao ver
que uma vida no campo poderia lhe fazer bem, longe de todas as
frivolidades e afetações que a vida em meio à sociedade oferecia à Lucille.
— Onde pretende construir os chalés? — ela perguntou quando
passaram por um pequeno lago.
— Além dos arredores do palácio, vinte minutos depois que se passa
da fazenda. Os criados poderão vir a pé.
— É um bom projeto, principalmente porque as moças têm de
deixar o emprego quando casam. Deve ser penoso ter de ver o marido
poucas vezes… ainda mais depois que se ganha bebês.
— Imagino que sim. A maioria vive em North Haven, em algumas
casinhas ao redor daqui, mas o mordomo já me alertou que há novos casais
e que é bom eles se casarem logo.
Lucille assentiu, sabia que, nos contratos, os criados não eram
liberados a se relacionar com os empregados de uma mesma propriedade,
mas quem controlaria os sentimentos das pessoas? E que outra propriedade
havia além de Greenhill e a casa de Sir Charles? Certamente, os criados por
ali se casavam uns com os outros, o mordomo e a governanta eram a prova
viva daquilo. Até mesmo tinham cinco filhos, coisa que Lucille descobrira
outro dia. Todos viviam suas vidas na capital do condado e nos arredores da
cidade.
— Parece que a minha camareira e o seu cocheiro estão tendo um
caso. — Lucy riu ao imaginar o curioso casal.
— Que ele seja responsável o suficiente para não a levar à ruína. De
qualquer forma, em algum tempo eles terão uma casa.
— Isso é bom — ela disse, aliviada, olhando ao redor e não vendo
nada além de árvores, grama e um lago. — O que há mais para se conhecer?
— Muitas coisas, mas acho que deveríamos visitá-las em dias
diferentes. — Aiden a levou rumo à clareira — Vamos nos sentar um
pouco.
— E conversar — Lucy adicionou, rindo bem-humorada porque
sabia que Aiden não era um dos mais falantes.
Mas ele concordou, mesmo que em silêncio. Não mostraria toda a
herdade para Lucy em um dia só: além de ser demorado, ele perderia mais
um motivo para passar o tempo na sua companhia. Algo o fazia crer que
Lucy em breve sairia de seu transe e voltaria a abominá-lo.
Aiden estava receoso de nunca mais ver Lucy ao seu lado, sorrindo
e o beijando como se ele fosse o homem mais querido do mundo.
Adentraram na clareira, havia alguns arbustos ao redor das árvores,
mas o gramado era macio e amplo. Estavam protegidos pelas árvores das
colinas de Greenhill.
Lucy parecia encantada com o que a natureza poderia oferecer de
mais silencioso e pleno. Ela olhou pela clareira, imaginando como seria
divertido levar Tamsin com ela para brincar por ali. Ela lhe ensinaria sobre
os insetos, as plantas, a forma como uma sementinha vira uma árvore
enorme e como as chuvas se formam em nuvens que choram sobre a terra.
Aquele pensamento a pegou desprevenida. Ela não imaginou que
fosse gostar tanto da enteada, que acabaria se imaginando em tarefas de
mãe e filha com a pequenina, que ainda estava aprendendo a gostar dela. E,
além de tudo isso, não imaginou que gostaria tanto de passear com Aiden e
de beijá-lo tão repentinamente apenas por reencontrá-lo fora do labirinto.
Ela o viu caminhar até uma árvore e só depois percebeu que ele
havia lhe tomado o cobertor das mãos. Aiden o estendeu na sombra e
colocou a cesta sobre o cobertor grande e macio. Já perdera a conta de
quantas vezes fizera aquilo com Tamsin.
Lucille o seguiu, brincando com os próprios dedos e se sentando
sobre a toalha, esperando por Aiden, que o fez logo em seguida. Ele se
recostou nas árvores, fechando os olhos por alguns segundos e os abrindo
para olhar Lucy.
— Está ouvindo o silêncio? — ele perguntou. — Não o acha
aconchegante?
Ela assentiu, abrindo um sorriso pequeno. Aiden gostava de ficar ali,
ela podia ver. Ele a havia levado para um lugar especial, a sua clareira, onde
ele ficava sozinho e em paz.
Se Lucy o visse de longe, sem conhecê-lo, pensaria que ele era um
louco. Estava tão acostumada com a vida agitada em Londres, barulhenta e
cheia de compromissos, que nunca imaginou que poderia haver prazer em
estar na própria companhia. Somente com os próprios pensamentos.
Era um tanto diferente do seu pensamento, é claro. Ela conhecera
eruditos que gostavam da solidão, mas nunca um que se incomodasse tanto
com o som das pessoas se divertindo.
Ela parou para ouvir os pássaros e os barulhos do bosque, olhando
ao redor e se aproximando mais de Aiden. Recostou-se no tronco, fazendo
como ele e fechando os olhos. Sua mente demorou a se aquietar, mas logo
ela estava se afundando em pensamentos calmos e tranquilos. Sua
respiração se acalmou e seu corpo relaxou, como se ela tivesse abandonado
todos os seus vinte e três anos de total agitação. Interna e externa.
Ouviu o som de Aiden se movendo e abriu os olhos, vendo-o puxar
um livro de dentro da casaca e abri-lo. Ela espiou, era um livro qualquer,
uma narrativa já avançada que não daria nenhuma explicação sobre o que
era.
Mas ela leu mesmo assim, aproximando-se do marido e se apoiando
em um dos ombros. Acompanhou as linhas, cada uma, às vezes rindo
sozinha por alguma colocação inteligente do autor, às vezes resfolegando
por causa de uma fala irritante de algum personagem.
— Ele é realmente um cretino — comentou Aiden, virando o rosto
apenas o suficiente para sentir Lucille empoleirada em seu ombro.
— E como! — Ela deu um muxoxo. — Ele tem a boca bem suja.
Que nem você.
Aiden riu consigo mesmo, fechando o livreto e o colocando de lado.
— Você também fala alguns palavrões nada delicados. — Aiden a
segurou pela cintura, ouvindo-a rir de duas insinuações. — Esqueceu-se do
dia em que se referiu ao meu estimado lenço como merda?
— Ah, mas não foi literalmente — Lucy brincou, deixando que ele a
deitasse no cobertor. — Tinha um belo bordado, até.
— Tinha? — Ele ergueu uma sobrancelha, mantendo Lucille
debaixo de seu braço enquanto a admirava de cima. — O que aconteceu
com o meu lenço?
Lucille riu outra vez, enlaçando o pescoço de Aiden com seus
braços e o puxando para perto de si.
— Eu o larguei em algum canto. Deve ter ido para o lixo.
— Isso não é nada educado — Aiden disse, com uma teatral
reprovação, abaixando-se perto de Lucy e encostando os lábios no pescoço
dela. — Parece que eu a marquei mais do que desejava.
Lucille sentiu o rubor subir pelo seu rosto. Aiden a beijou
novamente no local marcado, passando a ponta da língua sobre os
hematomas em uma carícia ousada que arrancou um gemido langoroso de
Lucy.
Ela sentiu o sorriso se formar pelos lábios dele sobre a sua pele e os
carinhos seguiram até seus lábios, que lhe foram tomados em um beijo
profundo e lento. Lucille o envolveu ainda mais, deslizando as mãos pelos
ombros largos do marido e segurando na lapela de sua casaca.
— Tire isso — ela pediu, suplicante, puxando a roupa pelos braços
dele.
Aiden se afastou de imediato, atendendo ao pedido dela como um
criado fiel. Jogou a casaca longe e Lucille sorriu, satisfeita, voltando a
beijá-lo com a paixão que ela guardara dentro de si por muitos anos.
Deslizou as mãos pelos braços do marido, sentindo o contorno de
sua musculatura. Depois, o tocou em suas costas, lamentando para si
mesmo o fato de ele ainda estar com sua camisa e seu colete.
Mas não pediria para ele tirá-los. Apesar de tudo, Lucy tinha
bastante vergonha de algumas coisas. Sua vergonha era, principalmente,
porque Michael a fazia se sentir como uma depravada por sentir tantos
desejos, mas nunca os ter correspondido.
— Alguma coisa de errado? — Aiden se afastou do beijo, apoiando-
se em seu cotovelo e tocando a maçã do rosto de Lucy. — Você ficou…
dura de repente.
— T-Tudo bem — ela sorriu, nervosa, sutilmente se afastando do
marido e se pondo sentada. — Fiquei apenas com falta de ar.
— Eu a estava esmagando?
— Não — Lucy riu baixo, empurrando Michael para longe dos seus
pensamentos. — Seu tamanho me encanta.
Aiden resfolegou baixo, um misto de um riso com um sorriso de
satisfação. Acariciou o rosto de Lucille e retornou para o seu livro,
recostando-se sobre a árvore.
Ela aproveitou a deixa e se levantou, arrumando o vestido.
— Vou explorar um pouco — Lucy disse, forçando em si mesma o
sorriso animado que tinha minutos antes. — Ver os bosques ao redor, vou
deixá-lo ler um pouquinho.
— Não se embrenhe muito para dentro, pode se perder? — Aiden a
olhou por cima do livro. — Chame a mim se precisar de alguma coisa.
Ela assentiu, dando meia volta e rodando pela clareira até sumir por
entre as árvores.

***

Lucille caminhou sozinha pela terra escura, andando pelas árvores e


mantendo suas lágrimas em seus olhos.
Sentia-se uma adúltera.
Ela nunca tivera nada além de um namoro inocente e uma promessa
de noivado, mas, em sua fantasia inexperiente de debutante apaixonada,
colocara Michael em um pedestal e dedicara todo seu carinho a ele. Não
importava se ele fosse demorar três ou dez anos na Índia, ela iria esperá-lo
para o casamento.
E agora estava entre as carícias de Aiden, adorando-as com cada
fibra de seu ser. Como se Michael nunca tivesse existido, como se seus
lábios nunca tivessem tocado os de outro alguém senão os de Aiden.
Dormir ao lado dele e não sentir medo à noite, ser beijada com tanto
desejo e agora ser tratada como uma esposa a fazia se deixar levar pelos
encantos dele. Encantos esses que estavam escondidos pela confusão dela
ao lidar com um homem introvertido e ansioso, rotulando-o como arrogante
e frio. A forma como ele havia se tornado mais receptivo às conversas dela,
olhando-a enquanto conversavam e a tocando carinhosamente estavam
confundindo Lucille.
Aiden poderia ser um homem carinhoso sem ter de deixar suas
singularidades de lado. Ela jamais o forçaria a fazer o que ele não gosta,
não o levaria a mais nenhum baile e saberia respeitar os momentos em que
ele quisesse ficar sozinho. Da mesma forma que ela se sentia contente por
ele ter ido ao baile apenas por causa dela, assim como estava a levando para
passear pela herdade e a trazendo até sua pacata e isolada clareira.
Lucy secou suas lágrimas, sabendo que elas eram fruto de sua
ingenuidade em relação ao que tivera com Michael: um namoro juvenil e
inocente, idealizado pelo coração de uma jovem.
Recostou-se em uma árvore e sentiu algo cutucar suas costas. Ela se
virou, olhando para uma corda vermelha com um nó firme. Deu a volta na
árvore, vendo o restante da corda e um chapéu tricorne puído e preto, preso
e amassado contra o tronco.
Ela se abaixou um pouco e viu uma marcação rudimentar no tronco:

Capitão Chatham e seu soldado outro Capitão Matthew.

Ela deslizou os dedos pelas marcações e imaginou os irmãos mais


velhos brincando juntos pelo bosque, vestidos como militares e
empunhando espadas de madeira um contra o outro.
O pensamento de que Aiden já fora criança pequena a fez rir alto,
era quase impossível imaginar que aquele homenzarrão um dia fora um
bebê pequenino que só queria o colo da mãe.
Lucy olhou ao redor, aquele lugar era especial para Aiden. Não só a
clareira ou os bosques, mas Greenhill como um todo. E Lucille queria saber
o porquê, queria saber tudo sobre o duque e sua vida, tudo o que ele poderia
lhe contar agora ou nos próximos anos que ela passaria ali.
Ela saiu do bosque, esperando que seu rosto não entregasse que
havia chorado. Aiden havia se deitado no cobertor, usando sua casaca como
apoio para a cabeça, enquanto ainda lia seu livro. Lucy sorriu para si
mesma, caminhando pelo gramado até que ele afastou o livro e a olhou se
aproximando.
— Voltei — ela disse, baixo, sentando-se ao lado dele e abrindo um
sorriso discreto. — Explorei bastante. E encontrei algo bem interessante.
— Encontrou? — Aiden colocou o livro de lado, sentando-se rente à
árvore. — E o que você encontrou, madame?
— As memórias de um Aiden pequeno e um Matthew ainda mais
pequenininho.
As sobrancelhas dele se ergueram sutilmente, mas ele riu consigo
mesmo e meneou a cabeça.
— É engraçado pensar que um dia você já foi uma criança inocente.
Que saiu pequenininho da barriga da sua mãe.
— Eu não saí do ovo do Diabo desse tamanho, como você
imaginava.
— Imaginei com mais detalhes. — Ela deu de ombros de forma
zombeteira, abrindo a cesta e pegando um cacho de uvas verdes. —
Imaginei mais que você havia saído da terra, primeiro as mãos, os
chifrinhos e então o resto do corpo. Todo sujo de lama.
Aiden riu, fazendo seu corpo balançar ao lado de Lucy, que comeu
uma uva em meio a um sorriso.
— Você cresceu em Greenhill — ela afirmou.
— Sim — Aiden falou, pensativo, roubando uma uva para si e a
analisando. — Vivemos aqui até eu fazer dezoito anos. Eu fui para Eton, é
claro, mas voltava para cá nas férias.
— E na universidade?
— Quando eu fui para a universidade, passamos a viver em
Londres. Eu tinha o meu apartamento, mas passava muito tempo no cassino
com o meu pai.
— Aprendendo, eu suponho — ela comentou.
— Sim, aprendi bastante. É um lugar interessante. — Aiden comeu
a uva. — Algumas pessoas passam dias lá dentro, apostando e apostando.
Homens tolos.
Lucille abaixou a cabeça e Aiden percebeu o que havia falado sem
pensar.
— Não me refiro ao seu pai, Lucille.
— Eu sei… Ele nunca passou dias fora, mas ele é um tolo. Pobre
homem, eu o amo tanto… Ele não sabe o que faz… Às vezes quero sentir
raiva dele, mas sinto culpa por isso. É uma doença o que ele tem, não é,
Aiden?
Aiden assentiu sutilmente, tocando a mão de Lucy, que
correspondeu ao toque, mas ainda olhando para baixo.
Ela respirou fundo, deixando as saudades de lado e olhando para
Aiden com um sorriso novo e otimista.
— E então você retornou para Greenhill.
— Retornei. Para cuidarmos da perna do meu pai. — Aiden
pigarreou baixo. — Teve de ser amputada, mas a febre depois lhe foi
perigosa.
Lucy aquiesceu, acariciando as costas da mão de Aiden com o seu
polegar. Não era momento para tragédias, não as queria naquele instante em
que havia recomeçado como se nunca tivessem se conhecido em Londres.
— E sobre a arquitetura? — Ela entrou em outro assunto. — Você já
fez alguma coisa de interessante com os seus conhecimentos?
— Você não gostará do que eu fiz.
— Por que não?
— O labirinto — ele disse, com um sorriso enviesado e perverso. —
Eu o modifiquei para ficar mais complicado.
— Ora, você! — Lucille levou as mãos ao quadril. — E eu xinguei
tanto o paisagista que o fez!
Aiden riu em diversão, dando de ombros e pegando a garrafa de
cerveja que a cozinheira havia colocado especialmente para ele. Puxou a
rolha e tomou um gole revigorante.
— Seu maldito troglodita… — Lucy bufou. — O projetista original
deveria ficar uma fera por você ter maculado o trabalho dele.
— Apenas o melhorei. Tamsin o adora, conseguiu sair do labirinto
em cinco minutos.
Lucille resfolegou ofendida, cruzando os braços e roubando uma das
uvas da mão de Aiden.
— Então, você gosta de paisagismo? — ela perguntou, recostando-
se no ombro dele.
— Sim. Acredito que uma casa, por menor e mais simples que seja,
ganha mais vida com um belo jardim.
Lucille sorriu, quem diria que aquele homem gostava de arquitetura
paisagista. De flores.
— Gostaria de saber mais sobre isso — ela disse, com doçura,
circundando o braço de Aiden, que não parecia incomodado com a
proximidade. — Sobre suas ideias paisagistas. Você me conta?
Ele contou.
Contou muitas histórias sobre a universidade, sobre as coisas que
aprendeu, sobre os jardins que projetou, sobre os amigos e figuras estranhas
da universidade.
Lucille ouviu tudo com muito interesse, às vezes gargalhava junto
do marido quando ele descrevia algum evento cômico na universidade.
Alguns nada feitos para os ouvidos de uma dama, mas depois de beberem a
garrafa toda de cerveja e comerem as uvas e os sanduíches de peru, os dois
se divertiram ainda mais quando as histórias de Eton vieram à tona.
Aiden fora um pestinha na escola, apesar de não ter tido um grupo
enorme de amigos. Ele era bom em se safar de suas travessuras, contando
para Lucille como ele se escondia pela escola. Depois, Matthew entrou nas
histórias, quando ambos estudaram juntos e tiravam sarro de George por ser
novo demais para acompanhá-los. Lucy ficou pensando o tempo todo em
como Aiden era um homem normal, que tivera uma infância feliz e que
vivia pacatamente em seu palácio rural.
Olhava para ele com olhos curiosos, perguntando-se se era a cerveja
ou se ele estava começando a gostar de estar casado com ela para lhe contar
tanto sobre seus dias como estudante. Ela também não estava tão sóbria, era
mais fraca para bebidas por não estar acostumada a tomá-las. No final das
histórias de Aiden, ela já estava com sono e cochilou ali mesmo no
cobertor, rodeada pela natureza e pelos pássaros cantando.
Aiden ficou olhando ela dormir com um sorriso no rosto e pensou
que talvez, somente talvez, pudesse ter um casamento normal com Lucy.
Mas e se ele ficasse só novamente? E se ficasse como sua mãe?
Não.
Ele não iria se apaixonar e nem amar Lucille. Iriam ser amigos,
apenas amigos. E o desejo que se formava entre eles seria controlado,
direcionado apenas à procriação.
Nada de amor e paixão.

***

Lucille e Aiden acordaram com batidas contra a porta do quarto. Os


dois se entreolharam, afastando-se do abraço sonolento um tanto
embaraçados pela intimidade ao dormirem tão juntos. Ela sorriu sem jeito,
arrumando o lençol e ajeitando os cabelos.
— Vou matar a pessoa que me acordou — ele grunhiu, arrumando a
camisola caída de Lucille.
Aiden se levantou aos resmungos, cobrindo seu tronco nu com um
robe e indo até a porta, assustando Gwen, que deu um pulo para trás ao ver
a expressão zangada do patrão.
— M-M-Mil perdões por acordá-lo tão cedo, Vossa Graça — a
camareira disse, nervosa, estendendo a mão para o duque e lhe dando um
papel dobrado. — O mensageiro chegou com isso e o Sr. Dare disse que eu
deveria trazer imediatamente para o senhor.
Aiden pegou um envelope das mãos de Gwen e a dispensou,
batendo com a porta na cara da moça. Abriu o envelope às pressas, ciente
dos olhos confusos de Lucille sobre ele.
— Estava demorando — Aiden disse para si mesmo, colocando o
papelzinho na escrivaninha. — Levante e vá se arrumar, Lucy. Vamos
receber visitas, estão quase chegando.
— É alguma emergência? — ela perguntou, preocupada, arrumando
a camisola que lhe caía sobre o ombro novamente.
— Minha irmã está chegando. O mensageiro deve ter bebido demais
e demorou para vir entregar essa mensagem. Charlotte chega hoje.
— A sua irmã? — Lucy perdeu o compasso do coração, ficando
nervosa. — H-Hoje?
Aiden assentiu e abriu a porta do quarto outra vez, encontrando
Gwen ainda atordoada pela porta na cara.
— Vista a sua lady.
Capítulo 16

Lucille engoliu em seco, trajando um vestido de algodão roxo do


mais simples e elegante que tinha. Não queria que Charlotte a visse como
uma interesseira afetada, coisa que ela não era. Suas únicas joias eram o
colar, pérolas pequeninas nos brincos e um anel delicado que ela tinha em
sua coleção e usava para indicar que era uma mulher casada.
De pé do lado de fora da casa, o ritual se repetia como quando ela
chegou a Greenhill. Aiden estava ao seu lado, com as mãos para trás e uma
arrumada Tamsin abraçada a sua perna, ansiosa para que os tios chegassem.
— Papai, eles vão demorar muito? — ela perguntou, contorcendo-se
de forma compulsiva. — Eu quero fazer cocô.
— Thomasina, isso não é coisa que se fale — Aiden a repreendeu
baixinho, pegando-a em seu colo. — Sua tia Charlie já está chegando.
Como era Charlotte? Será que era como Aiden? E o marquês? Como
será que era? Lucille estava confusa e nervosa.
Deus, se ela fosse igual a Aiden… seria bem feia. Aiden era
atraente, mas era rústico demais. Só de imaginar uma moça troncuda e…
peluda?
Por favor, não.
Uma sequência passava em sua cabeça, onde uma moça ciumenta a
odiava por ter casado com seu fiel e amado irmão. E o cunhado era
cúmplice dos sentimentos de sua esposa querida, alimentando o ódio
direcionado a Lucy.
Lucille saiu de seu transe quando ouviu os cascos dos cavalos se
aproximando, seu corpo tensionou e ela se empertigou bastante, olhando de
soslaio para o marido. Aiden correspondeu ao olhar, levantando o canto dos
lábios em um sorriso.
A carruagem do marquês parou em frente a eles, deixando Tamsin
ainda mais animada. O cocheiro desceu de seu posto e abriu a porta,
colocando a escada para que os passageiros descessem.
Primeiro fora Lewis, ele era tão jovem! Lucille ficou surpresa por
ele ser um jovem homem. Alto, magro e de cabelos loiros e sedosos, muito
bem cortados. Ele usava óculos, o que o deixava com uma aparência
desajeitada e divertida. Mas era um menino bonito e cheio de vida, Lucy
poderia admitir. Cheio de fome para aprender mais.
Depois, a sua cunhada apareceu, fazendo-a prender a respiração.
Charlotte era uma moça alta, acima da média, magra e esbelta. Ela
precisava de um pouco de cor nas bochechas, pensou a duquesa. Apesar da
aparência frágil, ela tinha um sorriso encantador e lindas ondas ruivas
presas em um coque despojado e enfeitado com flores amarelas que
combinavam com o seu vestido de mangas longas.
A marquesa sorriu ainda mais ao ver o irmão, abrindo os braços e
andando apressada na direção de Aiden.
— Aiden! — Ela correu até o duque, abraçando-o com enorme
saudade. — Oh, e você também, Tamsin! Venha cá, venha.
Os três Chatham se uniram em um abraço coletivo e familiar.
Lucille os olhou discretamente, mas acabou sorrindo ao ver como Aiden
abraçava a irmã com imenso carinho, embalando-a em seus braços e
beijando sua têmpora demoradamente.
Ela quis ser abraçada assim. Não só beijos com desejo, mas abraços
com carinho.
Lewis se aproximou em passos calmos, tirando sua cartola e fazendo
uma mesura sorridente para Lucille. Aiden se afastou da irmã, que
continuou com Tamsin no colo, conversando baixinho com a sobrinha, que
tinha muito o que contar, queixando-se em sussurros que estava com muita
vontade de ir até o penico.
— Garoto... — Aiden deu uma batida forte demais nas costas do
cunhado, fazendo o pobre homem tossir e quase perder os óculos. — Essa é
a minha esposa, Lady Chatham.
O marquês e a marquesa se juntaram, indo até Lucille e a
reverenciando informalmente. Charlotte ainda sorria de forma jovial quando
foi na direção de Lucy e segurou nas mãos trêmulas dela.
— Como estou feliz que meu irmão agora tem companhia! Você
veio como um anjo, Lucille, um anjo! Não é, Lewie?
Lewis assentiu educadamente, sorrindo para Lucy de forma bastante
respeitosa. Tamsin se aproximou do tio, estendendo os braços para ele, que
a pegou no colo e lhe deu um beijo na bochecha.
Lucille observou aquilo com interesse, talvez Tamsin não fosse uma
criança tão sozinha, ela tinha uma família enorme. Se seu tio por casamento
gostava dela, mesmo sendo ilegítima, então não devia ser tão ruim para ela
viver em Greenhill.
— Eu disse que os dois eram dois tolos apaixonados. Ela já a adora,
acredita que nos casamos por amor — Aiden cochichou para Lucille,
tocando-a na base da coluna antes de voltar para o cunhado. — Vamos
entrar e beber um pouco, precisamos conversar. Como foi a viagem?
— Complicado apenas para sair de Yorkshire, choveu bastante —
Lewis disse, acompanhando os passos de Aiden na frente das senhoras. —
Parece que não tem chovido por aqui, em York está horrível.
Lucille olhou apreensiva para a nuca de Aiden, que seguia passos na
sua frente, já entrando no palácio. Ela ainda se sentia nervosa por estar ao
lado de Charlie, ainda mais por ela e o marido acreditarem que os dois se
amavam.
Charlotte deixara Tamsin no chão, cochichando para a babá que ela
deveria ir para o peniquinho mais próximo. Lucille a observava em silêncio,
vendo como a cunhada e a enteada eram unidas. Próximas e muito amigas,
o que ela desejava ser com Tamsin.
— Parece que os dois foram beber e conversar sem nem nos falar
nada… — Charlotte observou, puxando um minúsculo relógio de seu bolso
e olhando as horas. — Isso é típico do meu irmão. Não gosto quando ele
bebe.
Lucille assentiu rapidamente, já que não sabia o que dizer. Era típico
de Aiden? Parecia que sim. O que mais era típico de Aiden? Lucy queria
saber.
Charlie a olhou com paciência e abriu um sorrisinho diante do
silêncio constrangedor que as envolveu no saguão. Todas as pinturas no teto
estavam encarando Lucille falhar como senhora de Greenhill, muda diante
da visita.
— Vamos tomar um pouco de chá — ela disse, com rapidez,
chamando o mordomo com um aceno quando saiu de seu transe de
embaraço. — Leve chá para a biblioteca, Sr. Dare. Chá… de alguma coisa.
E biscoitos.
— É uma ótima ideia — Charlotte concordou, indicando o caminho.
Maldição, a jovem a estava guiando na própria casa. Lucille não ia
deixar uma mocinha ser a sua guia, ela era a dona de Greenhill agora. Ela e
Aiden.
Lucy andou um pouco mais rápido que o normal, chegando à porta
da biblioteca rosa antes de Charlotte, que não parecia nada incomodada
com o comportamento bizarro da cunhada. A jovem era uma moça muito
pacata e avoada, andava devagar e com as mãos juntas na frente do corpo.
— Lucille, não é? — Charlie perguntou, sentando-se
confortavelmente em um dos sofás creme da biblioteca. — Minha mãe
gostava de usar essa biblioteca e pediu para que as paredes fossem cor-de-
rosa.
— Eu não sabia — Lucy disse, sem jeito, olhando ao redor e
prestando atenção nas pinturas de flores e passarinhos e nas estatuetas
brancas de anjos. — Mas já havia percebido que essa biblioteca é mais
feminina que as demais.
— Eu prefiro a do meu pai, é mais aconchegante — a mocinha
disse, com um risinho. — Bom, agora é do meu irmão. Ele adora ficar por
lá lendo o dia todo. Isso quando não fica desenhando no escritório.
Lucille também gostava daquela biblioteca em especial, gostava
ainda mais pelas lembranças que lhe vinham à mente quando pensava nela e
Aiden juntos no sofá.
O rosto dela enrubesceu imediatamente e ela torceu para que Charlie
não notasse o rubor intenso nas suas faces.
— Ah, desculpe-me, eu vim sem avisar direito, eu sei — Charlotte
lamentou com um suspirinho. — Mas é que eu estava tão ansiosa para
conhecê-la. Meu irmão disse que vocês dois se conheceram em Londres.
— Sim, foi em Londres — Lucy aquiesceu.
— Que encantador… Oh, estou tão feliz com isso, sabe… — A
mocinha murchou de repente, preocupando Lucille, que se projetou para
frente em sua poltrona. — Meu irmão ficava aqui sozinho… Até Tamsin
nascer ele ficava literalmente sozinho, mesmo comigo vivendo por aqui.
Lucille uniu as sobrancelhas em preocupação, não sabendo o que
dizer.
— Sei que Tamsin o faz muito feliz, mas meu irmão precisa de um
amor para ficar com ele, ele tem que amar uma mulher — Charlotte disse,
tristonha, mas depois ela sorriu e olhou esperançosa para Lucy. — Como
exatamente vocês se conheceram? Sei que meu irmão não passa muito
tempo em Londres.
— A-Ah, nós… — Lucy engoliu em seco. — N-Nós… No Hyde
Park. Eu estava passeando com minhas irmãs e então o vi andando a cavalo
e… parecia um… l-lindo guerreiro escocês cavalgando pelas Terras Altas
com aqueles cabelos ruivos… e tudo mais… sabe como é.
Charlotte riu baixinho.
— Nossa mãe era escocesa, de fato. Mas não conte para ninguém.
— Ela sorriu marotamente. — E então você se apaixonou pela compleição
guerreira do meu irmão?
— S-Sim, na mesma hora — Lucy engatou na história. — O homem
mais bonito e charmoso que já vi em toda a minha vida e…
Charlie ergueu as sobrancelhas com sutileza, como quem tenta
ajudar uma criancinha a terminar a fala.
— Ele é bastante bonito — Lucille confessou, agora não mais
mentindo. — B-Bom, o resto é o de sempre, você deve imaginar… Visitas,
a nossa corte. O casamento foi às pressas, eu não poderia esperar mais
tempo para me tornar a Sra. Aiden Chatham.
— Meu irmão não é nada feio. Mas você gosta dele, não é? Além de
ele ser feio ou bonito.
— Sim, eu gosto… gosto do seu irmão — Lucille disse, com a voz
baixa, olhando para os dedos enquanto brincava com as pregas do vestido.
— E sobre Tamsin? — Charlotte a olhou apreensiva. — As origens
dela. Ele contou, não é?
— Contou. Eu a adoro, fico feliz de ser a mãe dela agora e a
defenderei de quem for maltratá-la por causa disso.
— Isso me deixa muito feliz — a moça disse, com um notável
alívio. — Quando Lewis me pediu em casamento, a primeira coisa que lhe
contei foi isso, antes de casar. Por mais que eu o ame muito, eu não
admitiria que ele falasse mal da minha sobrinha.
— Parece que o marquês gosta muito dela.
— Sim, ele gosta. Ele gosta de crianças — Charlie comentou. —
Mas eu ainda não estou preparada para termos bebês, acho que eu ainda não
penso como uma mãe.
— Talvez nem todas as mulheres queiram ser mães. — Lucy sorriu,
condolente. — Sei que nossos maridos precisam de herdeiros, mas, às
vezes, uma mulher não tem o… instinto da coisa.
— Comigo é a dor do parto — ela sussurrou, risonha. — Dizem que
dói, mas eu nunca vi um parto. Você já viu?
— Vi, e não é nada bonito e romântico. É uma coisa bastante
grotesca se olhada de certos ângulos.
Charlotte riu com a expressão de Lucille e a duquesa não se conteve
e o fez.
— Você deseja ser mãe, Lucille?
Lucy não respondeu de primeira. Ela desejava, é claro que sim, mas
passou três anos pensando que seus filhos seriam de Michael. Agora seriam
de Aiden.
Era difícil imaginá-la andando por Greenhill com Aiden e seus
filhos, brincando juntos e sorrindo. Era diferente de imaginar Tamsin, a
menininha já existia e não era, de fato, filha dela.
— Eu desejo ter filhos, sim. Muitos, na verdade.
— Que, pelo menos, o primeiro menino venha ruivinho para seguir
a tradição dos duques — Charlotte sussurrou, brincalhona, e sorriu ao ver
um criado entrar com o jogo de chá. — Chegou nosso chá.
Lucille concordou com um risinho nervoso, bebericando seu chá e
comendo alguns biscoitos. Graças a Deus Charlie não tomara muito, logo
pediu licença dizendo que a viagem a fez dormir mal, mas que todos iriam
se encontrar no jantar depois que ela cochilasse um pouco.
Ótimo. A chegada repentina não permitiu que Lucy preparasse seu
psicológico para o primeiro encontro com a cunhada jovem e crente que
Lucille e o irmão eram um casal unidos pelo amor.
Ela precisaria de ajuda, talvez uma reza e muito assunto para
conversar com a cunhada.

***

Vinte minutos depois, Lucille ainda estava na biblioteca da sogra,


agora olhava pela janela e pensava em Charlotte. A cunhada não parecia o
tipo de irmã ciumenta, estava notavelmente feliz com o casamento do
irmão. Mas aquilo não acalmava muito Lucy, ainda mais pelo fato de ter de
mentir para Charlie dizendo que estava apaixonada por Aiden.
Os três últimos dias haviam sido adoráveis na companhia dele, mas
aquilo não significava que ela estava apaixonada. Só gostava de estar com
ele quando ele a tratava bem e a beijava. Principalmente quando a noite caía
e ele a deixava dormir entre os seus braços para que não temesse as
sombras.
Ela gostava dele, mas perdidamente apaixonada era um adjetivo
muito forte para ela.
Gostava de Aiden e o desejava, simples.
Bom, não tão simples. Aquilo era um problema e tanto.
Talvez estivesse apaixonada.
Só um pouquinho. Não muito.
— Lewis é um bom homem. É advogado e muito rico, além de ser
um marquês. Acho que o casamento vai bem.
Lucille pulou de susto ao perceber que Aiden estava ao lado dela
aquele tempo todo.
Ele riu consigo mesmo, tocando a base da coluna dela como um
tranquilizante. Mas aquilo só a deixou mais nervosa.
A mão dele deslizou pela cintura dela, circundando-a e virando
Lucille para si. Ela não o olhou nos olhos, as iniciativas dele a
constrangiam, por mais que ela gostasse de ter um homem que correspondia
aos seus desejos.
Aiden levantou o rosto corado de Lucille, roçando seus lábios nos
dela em uma tortura deliciosa, até ouvi-la suspirar baixinho. Apenas para
deixá-la sem um beijo, passando os lábios pelo pescoço delicado dela e
tocando o lóbulo de sua orelha com os lábios.
— Charlie disse que você me descreveu como um lindo guerreiro
escocês — ele disse, baixo e grave, causando uma onda de arrepio e
constrangimento em Lucy.
— Eu estava apenas atuando. — Lucille engoliu em seco,
inclinando o pescoço sutilmente para receber os lábios de Aiden, que não
recusou o convite para beijá-la. — E-Estava a enganando. Você é um
brutamontes cabeludo. Parece um daqueles orangotangos, sabe? É isso.
Ele assentiu e um sorriso zombeteiro se formou em seus lábios,
encostados no pescoço de Lucy.
— Acho melhor eu não a marcar mais — Aiden sussurrou,
afastando-se com um beijo no pescoço de Lucille. — Charlie é muito
observadora, já deve ter visto minhas marcas em você.
Lucille aquiesceu, arrumando a chemisette para que cobrisse os
hematomas da tarde luxuriante na biblioteca.
— Temos que fingir que estamos apaixonados — Aiden pigarreou,
desconfortável, indo até uma estante e pegando um livro qualquer para
folhear. — Charlotte não pode pensar que nos casamos por obrigação.
— Por que não? — Lucy perguntou, cautelosa, esperando que mais
um segredo de Aiden fosse revelado.
Ele fechou o livro de repente, assustando Lucille.
— Porque ela é uma romântica lunática. Não deve ser difícil fingir
algo assim. — Aiden se virou para ela, ainda distante. — Basta eu beijá-la
algumas vezes na frente dela. É um tanto inapropriado, eu sei, mas é o que a
fará crer.
Lucy uniu as sobrancelhas, confusa, mas depois soltou um riso
baixo.
— Beijos? — ela perguntou, com desdém. — Veja só sua irmã com
o marido.
Aiden ergueu uma sobrancelha e sacudiu a cabeça em um meneio.
— Tenha total certeza de que eles se beijam. E lamento pensar que
eles também façam outras coisas quando ninguém está vendo.
— Mas isso não é estar apaixonado, isso é desejo. Vão nos ver como
dois safados que não tem privacidade.
— Somos dois adultos casados e com desejos um pelo outro, não?
Lucille não respondeu, não iria se constranger somente para divertir
o marido.
— Ela vai passar muito tempo aqui?
— Quatro dias. — Aiden caminhou pela biblioteca de sua mãe. —
Lewis tem um caso para defender e precisa retornar logo.
Lucy assentiu, saindo da janela e voltando para o sofá. Pegou um
biscoitinho na bandeja, saboreando antes de falar:
— Parece que teremos uma intensa história de amor por quatro dias.
Iniciada no Hyde Park...
— Gostaria que me chamasse de seu lindo highlander.
— Não me faça esquecer como estava gostando de você nesses
últimos dias, Aiden — Lucille disse, entre os dentes. — Ou eu juro que não
o deixo chegar perto do meu corpo de novo.
Aiden continuou de costas, deslizando o dedo por uma estatueta de
porcelana, um passarinho chinês. Controle-se, homem. Sua ironia e acidez
eram puramente uma forma de manter seu coração afastado de Lucy.
— Desculpe-me, Lucille.
Ela assentiu, mesmo que ele não pudesse vê-la.
— Obrigada.
Aiden deixou o passarinho de lado, sentando-se ao lado de Lucy e
segurando as mãos sujas de biscoito dela. Espanou as migalhas e levou as
duas até seus lábios, beijando-as demoradamente pelo nó dos dedos.
Lucille apreciou o tratamento, mas era uma baita confusão a forma
como aqueles dois Aidens viviam em um único homem. O que a beijava e a
levava para passear e o que dava respostas afiadas e a irritava
propositalmente.
— Você me confunde, Aiden… — Ela afastou as mãos. — Eu gosto
quando você me trata como fez agora, mas quando você tenta me zombar…
eu sinto uma vontade de te encher de tapas.
Aiden riu, mas sabia que deveria ficar sério e ouvir a queixa da
esposa. O Aiden que zombava dela não era o Aiden de verdade, mas ele não
conseguia se livrar daquele seu lado quando Lucy estava tão perto.
— Não é nada com você, Lucille. Não leve para o lado pessoal.
Ela revirou os olhos, mas Aiden não se ofendeu ou achou
desrespeitoso. É claro que ela não daria a mínima para as suas desculpas
esfarrapadas.
— Vamos fazer um acordo? — Lucy perguntou. — Se nesses quatro
dias você for o Aiden que eu prefiro, eu prometo… Não sei, prometo
alguma coisa. O que você quer?
— Não precisa me prometer nada. Eu devo ser um homem honrado
com você, jurei na frente daquele vigário gorducho. — Ele se recostou no
espaldar do sofá. — Seremos um casal pleno e apaixonado.
Lucille ficou em silêncio, brincando com a saia do vestido bastante
pensativa.
— Eu gostei bastante de ontem… quando estávamos na clareira e
você me contou sobre sua época de escola. — A voz dela foi ficando mais
baixa. — Gostei muito. Lembra que combinamos que começaríamos tudo
de novo sem sermos impacientes um com o outro?
Aiden assentiu, olhando para a mão de Lucille. Claro que ele
lembrava do dia anterior, de passar a manhã com Lucille como se se
conhecessem fazia tempos e tempos e eram íntimos para um piquenique
cheio de beijos e risadas.
— Eu também gostei, Lucille. E eu também gosto mais do Aiden de
ontem.
— Se você gosta, então por que ele aparece pouco?
Ele respondeu pegando um biscoitinho e o comendo.
— Aiden… — Lucy suspirou. — Se tem algo que o incomoda,
conte para mim.
— Há coisas que não gostamos de compartilhar, Lucille — ele
respondeu, breve, comendo outro biscoito. — Nem com nós mesmos.
Lucille se viu sem o que fazer. Eles não eram nem amigos, nem
nada. Eram apenas duas pessoas que eventualmente trocavam beijos e
carícias, Lucy não poderia nem o chamar de seu amante.
— Quando nós dormimos, você sempre acaba me abraçando no
meio da noite — Lucy começou, tentando levá-los para um caminho
apaziguado outra vez. — Eu acordo, às vezes, e você está me abraçando e
me fazendo carinho.
Aiden não respondeu, incapaz de esconder o próprio
constrangimento, que floresceu em seu rosto avermelhado.
— Eu gosto muito quando faz isso… É isso que eu quis dizer
quando falei que beijos não são o suficiente para provar o carinho entre um
casal. Um casal de verdade se abraça.
— Quer que eu te abrace na frente dela, então? — ele perguntou,
tentando não soar esperançoso demais.
— Sim, apenas isso. Como quando dormimos juntos — Lucille
explicou, levantando-se e se sentando sobre as pernas de Aiden, que
tensionou com o contato repentino. — E você me envolve e me faz carinho,
como se eu não estivesse percebendo, mas eu sinto tudo e gosto de tudo…
Ela o segurou pelos braços, colocando-os ao redor de cintura, ao
passo que ela o envolvia pelo pescoço. Lucille deitou a cabeça no ombro de
Aiden, soltando um suspiro baixinho e relaxando naquela posição.
Mas ele não estava nada relaxado com aquela deusa delicada
sentada com o traseiro redondo e pequeno na sua virilha.
— Você disse que faria tudo que eu pedisse. — A voz dela tocou o
pescoço tenso de Aiden como um sopro quente e delicioso. — E eu quero
que me abrace bastante, como quando eu estou dormindo.
Aiden a puxou para se aconchegar no seu colo, deslizando uma das
mãos pelas costas dela e a outra segurando o pulso de Lucy que estava em
seu peito.
— Assim está bom? — Ele queria saber, mais que tudo em sua vida.
Queria horrivelmente abraçá-la sem ter de esperá-la dormir.
Lucy assentiu, aconchegando-se mais e deixando um inusitado beijo
contra o maxilar do marido como agradecimento. Ficar junto daquele
homem, em especial quando não estava agindo como um troglodita,
deixava Lucille como uma debutante que necessitava desesperadamente ser
notada.
Ela queria ser abraçada por Aiden com carinho, como se ele fosse
apaixonado por ela. Queria ser o objeto de afeto de alguém novamente.
— Eu sempre senti inveja das minhas amigas porque elas passaram
as temporadas cercadas de pretendentes… — Lucy começou, a voz baixa e
soturna. — Elas os beijavam, abraçavam… E eu nem conseguia dançar com
eles sem que olhassem para as outras debutantes. Eu me sentia muito feia…
Magrela, como uma menina. Acho que… se eu fosse a mais bonita do ano,
talvez eles nem iriam se importar com meu dote miserável.
Aiden não respondeu, sabia que Lucille queria falar mais. Ele
apenas a arrumou em seus braços, deslizando a mão esquerda pela coxa
dela suavemente, em uma carícia.
— E então eu ficava pensando como era… só abraçar um homem.
Mas não o abraçar em meio ao escuro de um terraço, escondidos de todo
mundo e… em um momento luxuriante. Eu queria… como meu pai e a
minha mãe.
— O que eles fazem de diferente que você gosta? — Aiden
perguntou, e sentiu o sorriso de Lucille perto de seu pescoço.
— Às vezes, eles ficam abraçados, conversando. Meus pais se
conhecem desde pequenos.
— Os meus também — ele disse, com uma risada baixa e anasalada.
— Se conheciam, no caso.
— A Sra. Dare me disse que eram primos distantes.
— De terceiro grau. Conheceram-se quando o meu avô paterno
morreu, logo no enterro.
Lucille riu baixinho do tom piadista de Aiden. Ele também riu,
deixando-a confortável por estar com o Aiden que mais gostava.
— Um encontro bastante agradável.
— Bastante — ele ironizou, sentindo a mão de Lucy deslizar pelo
seu ombro e descer até a sua mão que lhe tocava a coxa.
Ela envolveu sua mão carinhosamente, depois deslizou a ponta do
indicador pelas veias, dando voltas e voltas por toda a superfície.
— Quantos anos eles tinham nesse dia?
— Minha mãe tinha dezessete e meu pai, vinte e três. — Aiden deu
um muxoxo pensativo. — Ficaram namorando por cartas.
Lucy assentiu, calando-se, mas mantendo os carinhos delicados nas
costas da mão de Aiden. As cartas de Michael lhe vieram à mente, cada
uma delas inflando o coração de Lucy em culpa por gostar daquele Aiden
que estava com ela no momento.
Repentinamente, latidos altos vieram do lado de fora, tirando-a do
transe imediatamente.
— Tamsin está a caminho — Aiden decifrou.
— É melhor eu… — Ela sorriu nervosa e voltou a se sentar nas
almofadas do sofá. — Não confio nos ciúmes de uma filha única.
Não deu muito tempo para que batidas educadas fossem dadas
contra a porta e Aiden liberasse a entrada. Max veio correndo, mas parou no
meio do caminho quando viu uma almofadinha no chão. Deitou perto dela e
olhou para Aiden com olhos pidões antes de cochilar. Srta. Pilgrim se
retirou da sala em silêncio, fechando a porta nas costas de Tamsin, que
parecia bastante confusa.
— Mas a tia Charlie não estava aqui? — ela perguntou, chateada,
subindo no sofá e se enfiando entre o pai e a madrasta, movendo o quadril
para separá-los.
— Sua tia foi cochilar um pouco antes do jantar — Lucy explicou.
— Mas eu fui só fazer cocô e ela nem me esperou — Tamsin disse,
bastante impaciente, e cruzou os braços.
Aiden riu do palavreado da filha, pegando-a no colo e arrumando
entre seus braços.
— Damas não falam essas coisas, Tamsin.
— Todo mundo faz cocô — ela bufou baixinho, abrindo um sorriso
enorme para Lucille. — Até a Lucy faz!
Lucille ficou da cor de um tomate maduro, tossindo constrangida e
tentando ignorar a gargalhada que o marido deu.
— Mulheres bonitas não fazem isso — Aiden explicou para a filha.
— Elas “se ausentam”.
Lucy o olhou de soslaio, agora corando em lisonja por ser chamada
de bonita.
— Então, eu me ausentei para fazer cocô — Tamsin chegou à
conclusão, sorrindo docemente e apertando as bochechas do pai.
Ele suspirou, dando-se por vencido na tarefa de educar o
vocabulário de uma mocinha. Olhou para Lucille e a esposa apenas meneou
a cabeça, contendo um risinho diante da luta do homem com a filha.
— Vou trabalhar nisso, não se preocupe — ela cochichou para o
marido, que assentiu aliviado.
Tamsin sorriu, alheia aos sussurros de Lucy e ao fato de que havia
interrompido algo que os dois estavam gostando muito: ficar abraçados e
conversando sobre frivolidades da vida. À noite, Lucy pensou com os seus
botões: ela estaria sozinha com Aiden e faria com que a sua metade
apaixonante aparecesse de novo.
Apaixonante? Não. Não foi bem isso que ela quis dizer. De forma
alguma.
Capítulo 17

— Uma pena que Tamsin tenha pegado no sono.


Charlotte e Lewis pareciam renovados depois de dormirem durante
a tarde. O jantar acabou se tornando menos informal por causa da ausência
de Tamsin, que acabou dormindo mais cedo. Lucille se viu na obrigação de
se vestir com mais pompa, colocando um vestido de seda azul-claro de
mangas de musselina, que revelavam demais seus ombros e colo. Cobriu
tudo com um xale dourado, mantendo-se o mais modesta possível.
Charlie e Lewis não eram tão vaidosos, apesar de usarem roupas das
melhores qualidades possíveis. Mas também não pareceram achar Lucille
extravagante demais, embora ela pudesse notar que Aiden estava agraciado
com o vestido que ela escolheu. Por sorte, estava a uma cadeira de distância
dele, evitando sentir o olhar desejoso dele sobre a sua compleição. Saber
que Aiden a admirava daquela forma a afetava, deixando-a ainda mais
curiosa com todos os toques possíveis que não haviam trocado ainda.
— Amanhã ela acordará animada para ficar o dia todo tagarelando
no ouvido dos dois — Aiden disse, na monotonia de sempre, tomando um
gole do vinho branco sem tirar os olhos dos ombros quase nus de Lucille.
Daria toda sua fortuna aos mendigos se pudesse beijar aqueles
lindos ombros.
Ela pigarreou baixinho, arrumando o xale e comendo uma garfada
minúscula da deliciosa carne de pato. Seu rosto estava começando a
esquentar.
— Podemos todos caminhar juntos até o laguinho de Tamsin —
Charlie sugeriu. — Lewis precisa de um pouco de exercício, passa o dia
todo naquele escritório. Logo mais nem o nariz poderá segurar os óculos.
— Há casos a serem resolvidos, minha querida. — Ele abriu um
sorriso divertido, arrumando os óculos.
— Vá conosco, Lucille. — Charlotte abriu um sorriso animado para
a cunhada. — Vamos levar aquele cachorro babão do meu irmão para
passear.
— Seria um prazer — Lucy disse, solenemente.
— Infelizmente, não poderei passar muito tempo com vocês amanhã
— Aiden se intrometeu. — Tenho de ir para Leicester.
Lucy ergueu as sobrancelhas imediatamente.
— Para quê? — ela perguntou, antes que pudesse se controlar, sendo
mirada pelos olhos curiosos dos cunhados.
— Tenho que ver como andam os jardins de um conde que comprou
os meus serviços. Voltarei logo pela manhã.
— Não vai dormir aqui? — Agora a voz dela soou amedrontada. Ele
não podia deixá-la à mercê da escuridão.
Charlie e Lewis olharam para Aiden, esperando uma resposta como
quem espera ansiosamente o próximo capítulo de um folhetim.
— Eu voltarei antes que você esteja acordada, meu anjo — Aiden
disse, no tom mais gentil e paciente do mundo.
Ele fez de novo. Como no dia do casamento. Ele a chamou de seu
anjo com aquele tom amoroso que ela nunca ouviu na vida, mas que a
deixava da cor de um morango maduro.
— T-Tudo bem — Lucille respondeu, já suficientemente
constrangida.
Charlie lentamente pegou sua taça de vinho, bebericando-a com um
sorriso feliz nos lábios e olhando sugestivamente para o marido. Cúmplices.
Estava funcionando, graças ao tom de Aiden. Ela estava crente de
que eram o casal mais apaixonado. Preocupados com o bem-estar um do
outro.
— Como andam seus projetos, Aiden? — Lewis perguntou.
— Como de costume — o homem respondeu. — Esse conde em
especial gosta de extravagâncias e arbustos gigantes. Tivemos de arrumar
um tal jardineiro de Paris que sabe podar forma de animais. Ele também
pediu para que eu criasse um tabuleiro de xadrez gigante. Homem louco.
— Além dos arbustos em formato de animais, o sujeito quer alguns
em formato de peças de xadrez?
Aiden assentiu com um revirar de olhos. Lucy controlou um risinho
ao imaginar o tipo de coisa que o conde exigiu para o trabalho de Aiden.
— E o que ele quer ao todo? — ela perguntou e o marido a olhou
imediatamente. — Eu gostaria de saber, querido.
Aiden abaixou o rosto, comendo um pouco e engolindo seu deleite
ao receber a atenção de Lucy.
— Pediu apenas um jardim lúdico, suas exigências eram o xadrez e
os animais gigantes.
— Eu gostaria de ver os seus desenhos mais tarde — ela sorriu,
sabia que Aiden gostava quando ela dava atenção aos seus interesses, por
mais que ele tentasse esconder tudo com sua cara fechada.
Lucy sempre percebia que seus olhos mudavam quando ela falava
de seus interesses.
— Mais tarde — ele respondeu, olhando para a irmã. — Não
podemos deixar esses dois de fora na nossa conversa.
— Oh, não, conversem à vontade! — Charlie disse, animada,
tomando um golinho do vinho. — Quero poupar nossos assuntos para o
passeio até o laguinho de Tamsin amanhã. Não é, Lewie?
O marido concordou e Lucille já estava aprendendo que Lewis
concordaria com tudo que Charlie falasse. Ele simplesmente abria um
sorriso apaixonado para ela e assentia, um fiel amante.

***

Sybill Chatham foi uma dama linda até a sua morte, mas a sua
jovem figura de dezenove anos era uma das mais belas que Aiden já vira.
Não era de se espantar que Vincent fosse perdidamente apaixonado pela
esposa.
Aiden se perguntava como teria sido se sua mãe tivesse morrido
primeiro. Seu pai padeceria de melancolia, como sua mãe fizera?
Inconsolável, desejando apenas a cama e o choro interminável de saudades
do cônjuge.
Ele não gostava de pensar no que o amor fizera com sua mãe. A
perda do amor, para ser mais preciso. A duquesa morreu de tristeza, por
culpa do amor que sentia pelo marido.
Aiden não queria nada daquilo, nada de amor, melancolia e um luto
terrível. Se Lucille morresse antes dele, o que seria de sua existência? E se
ele morresse antes de Lucille, o que seria dela? Ela sofreria?
Não que ele a amasse. Não, ele não a amava. Mas sentia afeição por
ela, além da atração física. Aiden sentia bastante carinho em relação a Lucy
e, bem no fundo de sua alma, ele sabia que era vergonhoso privá-la de
carícias porque ele não se resolvia consigo mesmo.
Porque ele temia amá-la e, em um futuro distante, sofrer um luto
intenso ao perdê-la antes da hora. Ele sabia que amá-la não era tarefa difícil,
sendo tão adorável, linda e encantadora, necessitada de seus beijos e
carinhos, entregue a eles sempre que Aiden a presenteava com seus toques.
Ele queria tanto tocá-la mais, levá-la para a cama e fazer amor com
ela. Mas seria fisgado definitivamente se pudesse abraçá-la em meio ao
sexo.
Seria irreversível.
Era capaz de ela jamais o amar e aquilo era pior do que perder o
amor para morte. Perder o amor para um homem vivo.
Um maldito homem. Aquele que nunca deu carinho e paixão para
Lucille, prometeu um futuro e foi-se embora para o outro lado do mundo,
alimentando-a com cartas.
Aiden queria saber o que diabos se passava na cabeça de Michael. O
homem era tímido? Aiden não levava jeito com galanteios, mas isso nunca
o impediu de desbravar a luxúria da vida. Michael nem ao menos abraçou
sua namorada como ela queria.
Um abraço. Pelo amor de Deus.
Aiden grunhiu alguma coisa, bebendo o uísque dourado de seu copo
e olhando para o pai, esperando que o homem concordasse com ele.
Michael não era nenhum santo, disso Aiden sabia. Mas por que ele
nunca tomou a iniciativa? É claro que Aiden não achava que ele devesse
deflorar Lucille de forma clandestina antes do casamento. Mas abraçar a
mulher não era uma das tarefas mais profanas do mundo e beijos não eram
conhecidos por engravidar donzelas virtuosas.
Se Michael aparecesse ali, na frente dele, Aiden ficaria satisfeito em
interrogar o homem.
— Bebendo de novo?
Aiden quase pulou de susto, praguejando irritado ao ver a irmã
entrando na galeria com uma vela nas mãos.
— Não bebi muito — ele respondeu, colocando o copo no aparador
atrás de sua cadeira. — Você deveria estar dormindo.
— Não é tão tarde assim, vim ver a mamãe e o papai. — Charlie
pousou a vela no aparador e se recostou no braço da cadeira do irmão. —
Ela é bem bonita.
— Sim, por isso que o papai se apaixonou por ela.
— Estou falando de Lucille — ela riu baixinho, empurrando o irmão
com o quadril.
— Ah… S-Sim, ela é.
Charlotte deu um risinho travesso, levantando-se e andando ao redor
da cadeira do irmão.
— Highlander. — Ela riu outra vez. — Ela deve estar muito
apaixonada para te achar tão bonito. Não que todos os escoceses sejam
bonitos, mas há alguns homens tão rústicos e charmosos… Os galeses são
meus favoritos.
Aiden pigarreou incomodado, causando outro riso na irmã.
— Se gosta tanto de homens rústicos, por que foi se casar com um
erudito fracote?
— Porque eu o amo mais do que tudo nessa vida. — Charlie sorriu,
brincalhona, recostando-se no aparador. — Você gosta dela, não é?
Aiden assentiu, seria pior se dissesse em voz alta e seu coração
ouvisse aquilo. Porque ele gostava, de fato, de Lucille e seu terrível temor
em amar o fazia ser tão impaciente com a mulher que nada lhe fez além de
ter sido amável.
Como ela mesma pediu, ele esqueceu a primeira semana em
Londres.
— Eu também gosto dela — Charlotte continuou. — É claro que eu
a conheço pouquíssimo e ela não falou muito desde o nosso primeiro
encontro, mas imagino que estava nervosa por me conhecer tão de repente.
Ele assentiu outra vez, mal ouvindo sua irmã, sua cabeça só
pensando que ele gostava de Lucille, gostava muito. E tinha de falar aquilo
para ela porque parte sua odiava omitir seus sentimentos em prol de um
temor absurdo.
— E ela também gosta de Tamsin, isso que me importa — a
mocinha continuou, pensativa. — O que ela disse quando conheceu a
menina?
— Perguntou-me se eu era viúvo. — Aiden deu um muxoxo,
olhando para os outros quadros da galeria, longe da fonte de luz de Charlie.
— Contei a verdade e ela não disse nada de substancial. Acho que ela não
se importa com a mãe dela.
Charlotte aquiesceu, caminhando até o quadro de seu pai e olhando
para o charmoso homem que ele era quando jovem.
— Ela disse que está feliz por ser mãe dela. Ela disse mãe, não
madrasta, sabia?
Aiden sorriu consigo mesmo, pensando em Lucy e Tamsin juntas.
Não havia tido a chance de vê-las brincando uma com a outra. Sempre que
sabia que elas estavam juntas, ele ia se atarefar com algo para não ter de ver
a cena encantadora.
— Ela disse que queria ver seus desenhos, mas você está aqui
bebendo e olhando para a mamãe. — Charlotte se virou para ele e cruzou os
braços, bastante enfezada. — Sei que você gosta do silêncio e da solidão,
querido irmão, mas é indelicado deixar uma mulher à sua espera depois de
prometer algo.
— Eu sei… — ele suspirou, passando a mão pelo rosto como se
aquilo fosse reorganizar seus sentimentos. — Estou indo, Charlotte. Não
precisa me dar uma bronca.
— Pois vá logo, se eu fosse ela já teria lhe dado uns bons tapas.
— Acredite se quiser, irmãzinha, ela já deu. — Aiden deu um último
gole no uísque e se despediu da irmã com uma piscadela. — Vá dormir,
menina.

***

Ela estava enrolada nos lençóis, próxima à beirada da cama, para


pegar a luz da vela enquanto lia o romance da clareira que Aiden emprestou
para ela. Lucille dava risinhos sozinha enquanto seguia a narrativa e não viu
quando o marido entrou no quarto trazendo alguns tubos de papel.
Ele pigarreou, chamando a atenção dela, que olhou por sobre o
ombro e sorriu ao vê-lo. Ah, como ele adorava quando ela sorria ao vê-lo,
fazia-o se sentir merecedor de tanta atenção.
— Trouxe os desenhos. — Aiden indicou os papéis, sentando-se na
cama e colocando os tubos sobre o colchão. — Ainda quer ver ou o livro é
mais interessante?
— Claro que quero vê-los. — ela se animou instantaneamente,
saindo de debaixo dos lençóis e indo para o centro da cama. — Mostre-me,
estou ansiosa.
Aiden controlou um sorriso orgulhoso e abriu todos os rolos sobre a
cama, expondo-os aos olhos curiosos de Lucille, que ficou encantada. Ela
tocou os desenhos: um deles era da planta baixa de todo o jardim do conde,
mostrando como Aiden brincava com os formatos e arranjos de arbustos
para fazer belos desenhos quando olhados de cima. Círculos, caracóis,
desenhos geométricos. Outros desenhos eram de setores separados de todo
o complexo de jardins. Havia o famigerado tabuleiro de xadrez, o pequeno
zoológico de arbustos e um círculo com um enorme chafariz no centro.
Todos esses eram coloridos e muito bem detalhados, Lucy podia imaginar
perfeitamente como ficaria o jardim do futuro cliente. Havia algumas folhas
soltas com desenhos científicos de flores, seus nomes e informação de em
que jardim elas seriam colocadas.
— É muito bonito. — Ela olhou com mais atenção. — Você quem
faz essas flores?
— Sim, eu gosto de flores — ele disse, constrangido, quase em um
grunhido. — Algum problema?
— Claro que não! — Lucy sorriu com animação, admirando uma
das flores. — E você sabe de coisas científicas sobre elas?
Ele fez que não.
— Bom, eu sei quais flores são mais adequadas para certos climas e
estações, mas é apenas conhecimento adquirido com o paisagismo. Nada
além disso, não sou um botânico, apenas gosto de desenhá-las.
— Ainda é mais do que eu esperei de você — ela continuou. — É
um trabalho muito bonito, criar paisagens tão belas.
— Sim… — Aiden não conteve o deleite e o orgulho,
aproximando-se mais de Lucille para ver os desenhos junto dela.
— Quem diria que o Duque Louco, dono de um cassino e de uma
enorme coleção de bonecas, gosta de flores. — Lucy abriu um sorriso
discreto. — Você tem muitos clientes?
— Um número generoso. Mas não trabalho para casas em Londres,
a atmosfera urbana não me inspira a criar os jardins. Prefiro o interior.
— Entendo… — Ela aquiesceu, pegando o desenho referente ao
tabuleiro de xadrez. — É muito bonito, Aiden. Se me pedisse para adivinhar
o que gosta de fazer da vida eu diria brigar, encher a cara e arrotar.
Ele se permitiu rir, recostando-se na cabeceira da cama e observando
Lucille olhar todos os desenhos com atenção.
— Não deveria julgar um livro pela capa, minha senhora.
— Convenhamos que você não tem uma aparência tão sensível
assim, meu senhor.
— Isso quer dizer que eu sou horrendo como um bêbado brigão?
— Não — ela disse, baixo, vasculhando outros desenhos que ainda
estavam enrolados. — Eu o acho bonito, não vou negar.
Ele assentiu, olhando para o ombro nu dela, refém da camisola que
teimava em escorregar pelo braço. Aiden esticou o pescoço, vendo a curva
do seio de Lucille por dentro da camisola. Aquele lindo e pequeno seio que
ele outrora beijou com toda a paixão que sentia pela esposa.
— Oh, achei o maldito — ela disse, repentinamente, aproximando-
se do marido com um desenho em mãos. — A Obra do Diabo. Gostou do
nome?
Aiden olhou para o desenho e gargalhou quando viu o projeto da
reconstrução do labirinto, cheio de anotações miúdas dos detalhes malignos
que deixariam os visitantes perdidos.
— Deus que me perdoe, mas quando você morrer eu vou mandar
cortar aquilo tudo — ela disse, bem-humorada, recostando-se na cabeceira e
olhando com o nariz franzido para o desenho.
Ele nada respondeu, passou o braço ao redor do ombro dela, que não
pareceu se importar com aquilo. Viu-se livre para puxá-la para mais perto,
delicadamente, temendo que ela não o quisesse.
Mas Lucille se aconchegou perto dele e continuou a ler as anotações
na lateral do desenho.
— Acho que eu vou demorar a morrer, Lucille. O labirinto vai
continuar aqui por muitos anos.
— Bom… confesso que não quero que morra, você tem o seu lado
bom. — Ela deu de ombros, sorrindo para si mesma. — Como agora. Gosto
muito desse Aiden aqui. Esse que desenha jardins e os projeta lindamente.
O peito dele inflou com aquela confissão e Aiden torceu para que
Lucille não o sentisse em suas costas.
— Lucille…
— Sim? — ela perguntou, sem olhá-lo, ainda vasculhando os
desenhos.
— Eu gosto de você. A afeição que sinto por você tem aumentado
nos últimos dias.
As mãos dela pararam de se mover, segurando um rolo de papel. Ela
virou o rosto para olhar o marido, arfando baixinho quando viu os olhos
azuis dele brilharem em direção aos seus.
— Não preciso fingir para a minha irmã — ele continuou. — Gosto
de você e, se permitir, não precisamos fingir. Gosto da sua companhia,
gosto de beijá-la, gosto de abraçá-la e de dormir ao seu lado. G-Gosto… de
ter me casado com você.
— Eu… Bem…
Ele suspirou derrotado, sentindo vergonha de si mesmo. É claro que
ela só se sentia atraída por ele, como Aiden poderia esquecer que ele
praticamente a sequestrou de Londres e a levou para um casamento
forçado?
— Você precisa fingir, não é mesmo?
Lucille engoliu em seco. Não, não precisava.
— Se o Aiden irritante não me atormentar, eu não precisarei fingir
— ela confessou, não conseguindo desviar dos olhos dele, que estavam
quentes e vivos. — Se o Aiden paisagista que está aqui agora continuar,
eu… eu não vou fingir porque também gosto dele. Gosto muito,
brutamontes.
Ele voltou a respirar, mas ainda se sentia constrangido por ter dito
todas aquelas coisas.
Lucille deixou os desenhos de lado com uma certa urgência,
empurrando-os com o pé até que caíram da cama. Aiden viu aquilo como
um convite ousado e puxou a esposa para si, deitando-a contra os
travesseiros e tocando seu rosto, ainda corado pela sua declaração.
Deslizou o polegar pela bochecha salpicada de sardas dela,
preferindo primeiro admirá-la antes de tocá-la. Lucy fechou os olhos,
descansando o rosto na palma da mão grande de Aiden e aproveitando
ainda mais os toques do marido. Ele se aproximou de seu rosto, beijando o
cantinho de seus olhos, passando pela bochecha e, por último, tomando-lhe
os lábios em um beijo ardente e saudoso.
Parecia que fazia uma eternidade desde que estiveram na clareira.
Lucy correspondeu ao beijo imediatamente, trazendo Aiden para
mais perto de si e o envolvendo com seus braços. Ele a beijou de forma
diferente, dedicando cada segundo a acariciar seus lábios até ouvi-la
suspirar para ele, para depois beijá-la como ela queria.
Lucille se sentia menos presa às rédeas de suas vergonhas e levou as
mãos até o laço no pescoço de Aiden, agradecendo mentalmente por ele já
estar sem o casaco.
Tentou se desfazer do acessório, mas estava muito bem preso ao
redor do pescoço do marido.
— Quer que eu tire? — ele perguntou, apenas pelo prazer de ver a
resposta.
Lucy assentiu, apressando-se para os botões do colete negro dele, ao
que Aiden se afastou um pouco para tirar o laço borboleta. Ele se desfez
mais rápido do que Lucille, ficando impaciente com a demora, mas não
perderia a oportunidade de ser despido por ela.
Os dedos de Lucille estavam trêmulos, mas ela conseguiu tirar os
botões sem problemas, aceitando os selinhos demorados que Aiden dava em
seus lábios, que a impediam de esquecer o quanto ele a desejava.
Aiden arrancou o colete, segurando os pulsos de Lucy e deixando
que ele mesmo se livrasse da camisa branca.
Lucy arfou ao ver o peito nu de Aiden outra vez, agora de perto e
todo para ela. Um sorriso encantado nasceu em seu rosto e seus olhos
subiram até o rosto de Aiden. Ele sorriu também e o coração dela se
derreteu com a beleza do ato no rosto dele.
Suas mãos tocaram o rosto relaxado dele, trazendo-o novamente
para si e o beijando outra vez. Aiden deslizou as mãos para dentro da
camisola de Lucille, ganhando um gemido surpreso e deleitoso dela quando
ele tocou o seu quadril nu por debaixo da roupa fina e solta. O tato o fazia
imaginar como era a nudez dela, sem nada daquela camisola que a
escondia.
As mãos dele a acariciavam por toda a silhueta, deslizando pela
cintura, barriga e traseiro, levantando sutilmente Lucille até que ela afastou
as pernas e puxou a camisola o suficiente para que ele pudesse se encaixar
ali, mas ainda sem revelar sua feminilidade aos olhos do marido.
— Não agora, querida — ele sussurrou contra o ouvido dela,
passando as mãos pelas coxas nuas dela antes de subir quase na altura dos
seios tortuosamente. — Apesar de adorar o fato de você ter me convidado
assim. Eu adoraria passar uma noite inteira dentro de você, adoraria fazer
amor com você hoje, amanhã e para sempre. Quero que seja especial, que
você receba toda atenção que merece.
O rosto dela queimou em constrangimento, mas seu corpo estava tão
relaxado que ela nada podia fazer além de aceitar os beijos de Aiden pelo
seu pescoço. As mãos grandes e quentes dele passaram pela parte interna de
suas coxas, chegando tão perto de sua feminilidade que parte de Lucy
temeu os toques de Aiden diante do desconhecimento.
— Aiden… — ela o chamou, tocando os cabelos ruivos do marido,
que ainda saboreava a pele de seu pescoço.
Ele afastou os lábios da pele dela, subindo as mãos até os seios e os
tocando com um aperto delicado que a fez gemer e se contorcer
deliciosamente na cama.
Deus, ela era exuberante. O som dos gemidos dela ficava em sua
cabeça, ecoando em uma tortura maravilhosa. Ele queria ouvi-la extasiada
quando ele estivesse dentro dela, dando-lhe todo o prazer que ela pedisse.
Queria desesperadamente vê-la nua, como nunca necessitou tanto
ver uma mulher em sua beleza natural.
Desamarrou os laços na frente de sua camisola, afrouxando-a ainda
mais e, puxando-a até a altura dos cotovelos de Lucille, expôs seus seios ao
ar frio do ambiente.
Ela corou, mas Aiden mal podia notar as nuances do seu embaraço
por causa do tom alaranjado que as velas davam ao quarto.
— Os homens que não a olharam em seu debute eram os homens
mais estúpidos do mundo — ele sussurrou, acariciando o rosto de Lucille,
que abriu um sorriso discreto e lisonjeado para ele. — Mas só Deus sabe
como eu gostaria de duelar com cada um se alguém já a tivesse tocado
assim… Visto como você é linda, minha doce Lucille.
Deslizou os dedos pelo queixo dela, seguindo vagarosamente pela
clavícula e passando pelos montes macios de seus seios até tocar o mamilo
delicado.
Ela o olhava com aqueles olhos marejados de prazer, entregando-se
silenciosamente para Aiden. Sua inexperiência a deixava mais encantadora
e Aiden se sentia agradecido por Michael tê-la deixado intacta, por tê-lo
deixado ser o primeiro. O primeiro a honrar Lucy.
— Você é linda, deixa-me louco, fico imaginando como é o seu
sabor, como é a sensação de estar dentro de você… de possuí-la, vê-la
gemer para mim. Eu quero amá-la, Lucille. Passar todas as noites dentro de
você.
Lucille arregalou os olhos com a profana confissão, causando um
riso baixo em Aiden, que se abaixou para beijá-la no canto dos lábios. As
mãos envergonhadas dela tocaram suas costas, deslizando pelos ombros
largos enquanto ela roçava seus lábios sobre os dele, em um carinho
delicado e tímido.
— Aiden, eu… eu já o vi.
— O que você viu? — ele perguntou, distraído, descendo o beijo
pelo colo dela até tocar o vale entre seus seios com os lábios.
— V-Vi… as suas partes masculinas — ela sussurrou,
envergonhada, fechando os olhos e apreciando os beijos que ele dava ao
redor de seus seios.
— Eu sei — Aiden respondeu, no mesmo volume, tomando um dos
seios dela em sua boca e o sugando delicadamente.
— A-Ah…
— Você gostou do que viu? — ele queria saber desesperadamente e
temeu que sua voz pudesse delatar seus sentimentos.
Lucille levantou o rosto dele para si, obrigando-o a olhá-la de cima
outra vez. Engoliu em seco, notavelmente nervosa.
— Preciso dizer que… temo que não caiba em mim… q-quando
formos… consumar.
Aiden a olhou em silêncio, causando ainda mais constrangimento
em Lucille, que se sentiu uma tola inexperiente.
Ele riu e Lucy quis desaparecer dali imediatamente.
— Se fizermos com carinho, você não precisará temer — Aiden
explicou, passando a mão direita por dentro da camisola de Lucy e
acariciando sua coxa. — Se eu a tocar com cuidado antes, vai me receber
sem sofrimento. Mas sei que jamais a machucaria, nunca faria algo que a
ferisse.
Ela não respondeu, os olhos castanhos estavam atentos aos de Aiden
fixos nela. Os dedos dele deslizaram para perto de seu sexo, tocando
sutilmente o conjunto de pelos macios que escondiam a sua feminilidade.
Lucy arfou surpresa, apertando o braço de Aiden, que lhe abriu um
sorriso enviesado e beijou seu queixo demoradamente.
— Você já se tocou por aqui, querida?
Ela fez que não, subindo a mão até o ombro de Aiden, em um
pedido mudo para que ele continuasse com o que queria fazer. Aiden tinha
de tocá-la lá, faltava-lhe a coragem para se explorar sozinha.
— Depois de hoje, eu espero que não tenha vergonha de tocar, a
sensação é tão deliciosa quanto como comigo fazendo em você — ele
sussurrou contra os lábios entreabertos dela, sugando o inferior e se
deleitando com um novo gemido de Lucille. — Você quer que eu toque?
— Sim, toque… T-Toque todo o meu corpo — ela suplicou,
roubando um beijo dele.
Ele assentiu, acariciando a parte interna de sua coxa e tocando em
sua feminilidade. Quando Lucy suspirou ansiosa, ele a abriu para tocar sua
delicada fenda, empossada pelo calor do momento. Céus, ela era tão
delicada em relação aos seus dedos calejados de tanto desenhar. Lucy não o
merecia.
Lucille gemeu com o toque, relaxando nos travesseiros conforme os
dedos de Aiden deslizavam pelos seus lábios, explorando toda a superfície
lentamente. Aquilo era tão delicioso que ela mal pôde pensar no que era
apropriado ou não. Sentir os dedos de seu marido deslizando por sua carne
macia era absolutamente maravilhoso.
Aiden a olhou se deleitar com suas carícias, afundando nos
travesseiros com uma expressão de prazer e paixão. Nunca vira cena tão
maravilhosa, a forma como as sombras das velas tornavam as curvas de seu
corpo ainda mais provocantes. Esculpindo os seios descobertos, iluminando
a camisola amontoada ao redor de seu quadril, ainda escondendo seu sexo
para os olhos do marido.
Mas o tato ainda estava lá. O toque que ganhou um reconhecimento
diferente para Aiden, tocar às cegas havia se tornado ainda mais delicioso,
fazendo com que ele imaginasse as formas de Lucy apenas com o tato.
Delicada, macia e quente. Pronta para recebê-lo fisicamente, mas não com o
coração. E Aiden sabia daquilo, sabia que não deveria apressar a união.
Ele deslizou os dedos para cima de sua feminilidade, tocando o
botão rosado e inchado dela, que gemeu mais alto que o normal, olhando
alarmada para o marido.
Bom Deus, ele queria beijá-la bem ali e descobrir se era tão doce
quanto os seus lábios. Queria provar do prazer dela e fazê-la se desmanchar
em seus lábios, completamente entregue ao marido.
— Você gosta assim, querida? — ele perguntou, fazendo
movimentos circulares e lentos sobre aquele ponto de prazer enquanto ela
arfava baixo. — Gosta assim?
— S-Sim.
Aiden sorriu para si mesmo, sorrateiramente deslizando um dedo
para dentro dela que se contorceu e gemeu, acanhada, mantendo os olhos
fechados com força.
— Está doendo? — Aiden perguntou, controlando o temor em sua
voz.
Ela negou.
Estava com vergonha, não dor.
Ele riu consigo mesmo, abaixando-se ao lado de Lucille e a puxando
para se esconder contra o peito dele. Ela o abraçou de imediato, escondendo
o rosto no ombro do marido e colocando uma das pernas sobre o quadril
dele.
Ela queria mais, mas tinha vergonha de pedir com palavras.
Aiden a manteve aconchegada ali, mas sua mão se moveu com mais
pressão, usando a palma para satisfazer o núcleo dela, enquanto o dedo a
estimulava por dentro.
Ela gemeu, abafando seus sons contra o ombro dele.
Aiden a abraçou mais, movimentando sua mão com mais rapidez e
sentindo as unhas de Lucille apertarem seus ombros e marcarem sua pele.
Ela era tão silenciosa, censurada pela própria vergonha. Mas sua
respiração acelerada e os apertos que ela dava em meio ao abraço
entregavam seu prazer. Por vezes, Aiden ouvia seu nome sair abafado,
estrangulado pelos gemidos de Lucille. E ele daria toda a sua fortuna para
ouvi-la chamando seu nome como se ele fosse o único capaz de levá-la às
oscilações deliciosas do orgasmo.
Lucille estava perdida em meio às percepções inusitadas dos toques
de Aiden. A sensação de tê-lo dentro dela minimamente e a comoção
eufórica que a palma da mão dele lhe proporcionava. Ela queria gritar, sua
feminilidade parecia o centro de seu corpo e a única parte da existência de
todo o seu ser. Com os olhos fechados, ela só conseguia imaginar como
poderia nomear aquilo tudo, como poderia explicar o que era tudo que ele
lhe proporcionava.
Sua respiração ficou entrecortada, seus gemidos, que ela tanto
tentou conter, escaparam necessitadamente e seus braços se soltaram de
Aiden quando sua mente enegreceu e tudo o que ela podia fazer era se
render às sensações que a inflavam.
Cada vez mais. Mais, mais, mais. Ela queria gritar para que o
marido jamais parasse de tocá-la daquela forma. Ela queria Aiden dentro
dela, mas o constrangimento que vinha com aquele pedido só permitia que
ela saboreasse os prazeres que ele lhe dava com sua habilidosa mão.
Até que ela se desmanchou e foi segurada pelos travesseiros que a
impediram de se desfazer por completo e sumir. Sumir do corpo e seguir
com os resquícios dos toques do marido. Sumir no próprio deleite,
completamente satisfeita.
A mão de Aiden a deixou dolorosamente, deslizando pela
delicadeza molhada dela e causando espasmos em Lucille. Deitou na cama,
puxando-a para si novamente e arrumando a sua camisola para cobri-la de
modéstia após um momento como aquele.
— Lucy… — ele a chamou em um sussurro, tocando o rosto dela,
virando-a para si e ouvindo um suspirinho relaxado dela. — Lucille?
Ela dormiu.
Dormiu derretida de paixão nos lençóis e nos braços dele. Dormiu e
o deixou, seu mero escravo, refém dos prazeres de sua deusa irritante e
sardenta.
Capítulo 18

A noite anterior parecia um vulto confuso para Lucille, parte sua


não acreditava que havia acontecido algo como aquilo e pensava ter sido
tudo um sonho. Ela sabia que havia muito mais para acontecer entre um
casal, mas aquela amostra já lhe fora suficiente para levá-la até as estrelas e
voltar.
Acordara na companhia de Aiden, mas tudo o que conseguiu dizer a
ele foi um bom dia sussurrado e envergonhado. Ele não a obrigou a falar
mais do que queria, apenas lhe deu um beijo na testa antes de se levantar e
deixá-la sozinha para fazer a própria toalete.
Lucy permaneceu na cama, deitada e olhando para o dossel até
Aiden voltar. Seus olhos pairaram sobre ele, olhando-o abotoar seu colete
enquanto o rosto estava coberto pelos cabelos ruivos que estavam soltos,
caindo dois centímetros além dos ombros dele. Daquela forma ele ficava
mais semelhante a um guerreiro, mas ela jamais o chamaria de lindo
highlander só para vê-lo rir da cara dela.
Quando ele levantou o rosto e a viu olhando para ele, um sorriso
enviesado e pequeno cresceu em seus lábios, constrangendo Lucille, que se
cobriu até a altura do nariz e olhou para o lado. Aiden riu dela, caminhando
até a cama e puxando o lençol para baixo até que os lábios dela estavam
expostos para que ele a beijasse.
Não passou de um demorado selar, seguido de um beliscão no seu
nariz. Sem falar nada, ele se retirou do quarto e a deixou com a devida
privacidade que ela precisava para se banhar e se trocar.
Decidiu fazer seu desjejum no quarto, sentindo-se terrivelmente
constrangida por ele tê-la tocado lá onde ela nunca ousara tocar.
Mas não adiantou muito se esconder do marido, logo cedo todos
foram caminhar até o laguinho de Tamsin e Lucille se viu na companhia de
Aiden outra vez. Por sorte, ele estava alguns metros na frente,
acompanhando o cunhado, o cachorro e Tamsin, que andava segurando a
mão do pai e tagarelando com os dois homens.
— Então, o seu pai é o Visconde de Kent?
Lucille virou o rosto para a cunhada, abrindo um sorriso pequeno e
assentindo. Depois, voltou a olhar para as costas do marido enquanto
seguiam em direção ao lago ainda no horizonte.
— Não conheço muitas pessoas, acho que todos os Chatham gostam
de certa solitude — Charlotte brincou, falando baixinho. — George é o
mais extrovertido e Aiden é o mais recluso de todos. Mamãe dizia que ele
chorava quando ia brincar com outra criança.
— Já percebi que ele gosta de ficar sozinho — Lucy comentou,
olhando ao redor e admirando as colinas que envolviam a paisagem de
Greenhill. — Não sabia disso quando nos conhecemos e acho que eu o
irritei bastante. Pensei que ele fosse mal-educado…
— Ah, não leve para o lado pessoal. — Charlie ficou alarmada. —
Meu irmão é meio esquisito, sabe? Ele não é muito bom com conversas,
sente-se pressionado a falar, como se todos estivessem olhando para ele.
Isso o deixa muito desconfortável. Só não diga a ele que te contei isso, acho
que ele tem vergonha de não ser que nem os outros, mesmo já sendo adulto.
De não gostar dessas farras irresponsáveis. Ele não é tímido, só tem
dificuldades para socializar com estranhos.
Lucille olhou o marido conversar com Lewis e sorrir para a filha.
Parecia que era tudo contra ela, já que ele agia normalmente com outras
pessoas.
— Ele conversa normalmente com o seu marido.
— Ah, é porque eles já se conheciam antes mesmo de ele me
conhecer — a jovem disse, com um leve dar de ombros. — Sabia que
Lewis foi até o Sister Mary?
— Sister Mary? — Lucy franziu o cenho.
— Ora… Você não conhece o cassino do papai? Chama-se Sister
Mary.
— Oh… Eu não sabia o nome, também nunca perguntei — Lucy riu
baixo, balançando a cabeça. — Que nome curioso.
— Matthew diz que papai lhe contou que o nome é esse porque ele
perdeu a virgindade com uma freira chamada Mary, nos confins da Ilha de
Man, em uma viagem entre amigos.
Lucille ergueu as sobrancelhas, escandalizada.
— Com uma freira?
— Acho que não era das mais puritanas. — Charlotte riu baixinho.
— Bom, como eu estava dizendo… Lewis conheceu meu irmão no cassino
certa vez, quando ele foi pego contando o baralho e ganhando uma fortuna.
Meu irmão ia expulsá-lo do cassino e lhe dar uns bons socos, mas ficou
com pena.
— Com pena?
— Ele não é lá um dos homens mais fortes do mundo — ela
comentou em sussurros, cobrindo a boca com a mão. — Aiden não gosta
muito de pessoas que vão roubar no cassino dele, não as que roubam sem
disfarçar. Muitos roubam, é claro, mas só os burros são pegos. Um homem
que conta baralhos deve saber que perder de vez em quando o protegerá de
ser pego. Meu pobre Lewie estava muito animado para pensar nisso.
Lucille riu bem-humorada e aquiesceu.
— E então? O que aconteceu depois?
— Nada de relevante, Lewis foi expulso do cassino e só foi
reencontrar meu irmão quando foi pedir minha mão anos depois. Ou seja,
antes daquilo o Lewis que meu irmão conheceu era um jovenzinho bem
feioso.
— Aposto que foi um reencontro e tanto.
— Foi mesmo, mas Aiden permitiu que nos casássemos — ela
sorriu encantada, quase se desmanchando dentro do próprio vestido. —
Nunca fiquei tão feliz na vida.
Lucille sorriu consigo mesmo, encantada com o amor que Charlotte
sentia pelo marido. Ela jamais voltaria a ver Michael, tudo o que lhe restava
era torcer para que sua afeição por Aiden virasse amor.
E, se Deus quisesse, ele a amaria de volta.
Seguiram subindo em direção ao lago, que não era algo criado pela
natureza, mas fruto de um homem. No topo, havia um gazebo de pedra,
com grossas colunas gregas e trepadeiras por todo o teto.
Quando chegaram mais próximos ao lago, Aiden parou de caminhar
e seguiu no sentido contrário, até encontrar com as duas mulheres Chatham.
Ele olhou sugestivamente para a irmã e Charlie sorriu de forma zombeteira,
indo até o marido e pegando a guia do cachorro.
— Tenho de ir agora para Leicester, Lucille — Aiden disse, pegando
uma das mãos dela. — Não precisa temer as sombras, você sabe que nada
acontece.
Ela assentiu, olhou para o chão e depois voltou a olhar para o
marido.
— Você volta pela manhã?
— Sim, talvez você até acorde com um troglodita do seu lado.
Lucy riu, contendo um sorriso travesso.
— Não seria de todo mal… Talvez um highlander.
— Pensei que eu fosse um orangotango.
— Mudei de ideia. — Lucy deu de ombros de forma bastante
charmosa.
Um dos cantos dos lábios de Aiden se ergueu em um sorriso e ele se
aproximou de Lucy, presenteando-a com um demorado beijo em sua testa
antes de segurar seu rosto e beijar-lhe os lábios.
Estavam ao ar livre, no meio dos parentes, mas Lucy adorou aquela
atenção imprópria.
— Você continua não fingindo? — ela perguntou, ainda sem soltar a
mão de Aiden que estava em seu rosto.
— Não estou, Lucille.
— Lucy. Gostaria que me chamasse assim… Apenas de Lucy.
Aiden assentiu, o estômago se revirando em deleite.
Ele se abaixou no chão repentinamente, abriu os braços e falou:
— Tamsin, venha aqui!
A menininha, já a metros de distância, virou o rosto e sorriu de
orelha a orelha. Correndo até o pai, Tamsin quase tropeçou no próprio pé,
causando um espasmo em Lucy, que tentou pegá-la. Por sorte, a menina
caiu no peito do pai, rindo feliz e beijando o nariz dele.
— Eu irei até Leicester, entendeu? — ele perguntou, pacientemente,
arrumando os cachos de Tamsin. — Voltarei amanhã de manhã.
— Amanhã? — O rosto de Tamsin se contorceu imediatamente, em
uma expressão de desamparo.
Lucy ficou preocupada, tocando o topo da cabeça da enteada em um
afago.
— Eu estarei aqui com você, podemos ler uma história antes de
dormir. — Ela se inclinou um pouco, passando a sussurrar. — Vamos
dormir na cama do papai, o que acha?
— Está bem — a menininha disse, tristonha, derramando-se em um
abraço melancólico no pai e entrando debaixo da casaca dele. — Mas eu
não posso ir junto?
— Não, não pode. Você ainda é criança e tem que ficar aqui com a
Lucy.
— Ah, mas eu nem uso mais fralda — Tamsin resmungou, chateada,
enfiando-se ainda mais dentro da casaca pesada. — Eu levo meu penico e a
Srta. Pilgrim.
Aiden riu consigo mesmo, dando batidinhas amistosas no traseiro de
Tamsin e deixando um beijo no topo da cabeleira ruiva dela. Levantou-se e
se despediu de Lucille outra vez, com um beijo em seus lábios.
— Até mais ver, Lucy. Tome conta para que ela não fique muito
ansiosa, é muito sofrido para ela quando eu me ausento.
— Cuidarei dela, não se preocupe.

***

Lucille e Charlotte chegaram ao gazebo, mas Lewis e Tamsin


continuavam brincando pelo caminho junto de Max, que estava
inusitadamente animado e correndo como um cachorro normal faria.
Sentadas juntas na pequena construção de pedra, Lucy e sua
cunhada apreciaram a vista que se tinha de Greenhill. Era um belo lugar,
qualquer mulher se sentiria uma princesa morando em um local como
aquele. Lucille percebeu que estava lá havia duas semanas, mas ainda não
havia digerido o lugar e nem a sua nova vida. Tudo ainda lhe era
estranhamente distante do que podia ser familiar, apesar de ela sentir uma
imensa afeição pela enteada e um começo de carinho pelo marido.
— Charlotte, eu posso perguntar algo?
— Claro. — Ela abriu um sorriso receptivo. — Diga, Lucille.
— Eu… eu imagino que a essa altura do casamento você já tenha
sido deflorada.
Charlotte inspirou baixinho, ficando muito corada e desviando o
olhar imediatamente.
— Meu irmão quem pediu para você perguntar isso?
— Não — Lucille respondeu, constrangida, pigarreando baixo. — É
que eu e Aiden ainda não consumamos o casamento.
— Ainda não? — Charlie ergueu as sobrancelhas sutilmente.
Lucille fez que não. Como explicaria? Oh, porque eu e seu irmão
não nos casamos apaixonados, desculpe.
— Eu tenho um pouco de receio. — Era uma meia verdade. —
Do…
— Do tamanho? — Charlotte sussurrou, aproximando-se mais da
cunhada, que assentiu. — Eu também tive quando o vi pela primeira vez.
— Eu não sei como podemos acomodar algo como aquilo sem
sofrermos um pouco. Parece-me… Não sei, mas parece que isso pode
acabar com o alívio feminino.
Charlie riu baixinho e Lucy se sentiu inferiorizada por uma garota
de dezoito anos, que sabia muito mais da vida a dois do que ela.
— No comecinho, é bem estranho, mas depois melhora — a mais
nova disse, gentilmente. — Depois, você não vai querer parar de fazer essas
coisas, posso lhe garantir que o alívio feminino continua. Passado um dia
sem que Lewis faça amor comigo, eu já me sinto muito nervosa e sensível.
Como quando as regras estão para chegar, sabe?
Lucille assentiu com lentidão, depois olhou para as mãos repousadas
em seu colo e suspirou baixo.
— Como você se sentiu depois?
— Fisicamente?
— Não, digo… Como se sentiu em relação ao seu marido depois?
Charlie assentiu, sorriu sozinha e deu de ombros acanhadamente,
enquanto rodava uma florzinha entre os dedos. Ela colocou a flor de lado,
repousando-a na pedra fria antes de olhar para as colunas altas do gazebo.
— Sei que é bobagem, mas… Talvez porque eu o ame muito… Mas
eu senti que ele passou a pertencer a mim para sempre — ela riu para si
mesma, olhando para o marido brincando com Tamsin ao longe. —
Acredito que certas intimidades nem sempre são tão sentimentais e intensas.
Não com qualquer pessoa.
Lucille assentiu, compreendendo pouco.
Gostava da forma como Aiden acariciava seu corpo, do jeito que ele
a beijava como se ela fosse a mulher mais desejada do mundo. E a forma
como ele a tocou e a apresentou ao delicioso alívio feminino na noite
anterior foi definitivamente um momento para recordar.
Tudo aquilo era maravilhoso, mas ficou se perguntando se Michael a
deixaria assim caso eles fossem mais íntimos.
Sua vontade de se entregar ao marido aumentou, somada à
curiosidade, mas parte sua ainda sentia como se fosse errado ela ter
esquecido Michael como um potencial amante e ficar se imaginando nos
braços de Aiden sempre que o via. Contando os segundos para que pudesse
beijá-lo outra vez.
— Antes de me casar, eu ficava me perguntando quem iria ter a
conversa comigo — Charlotte falou, depois de um confortável silêncio. —
Minha mãe morreu quando eu era criança… Quando eu debutei, Aiden não
pôde me acompanhar porque tinha de ficar com Tamsin aqui. Se ele fosse,
teria de deixá-la escondida na casa de Londres… Então, ele não foi comigo,
mas está tudo bem, tenho irmãos de sobra.
— Soube que você ficou vivendo com Matthew e Louise.
— Sim, mas foi Sylvia quem teve a conversa comigo.
Constrangedor… — Charlie riu. — Ela não me falou nada substancial,
continuei sem saber nada. Disse que eu deveria ficar parada o tempo todo,
eu até acreditei que isso poderia funcionar, mas depois que eu conheci as
intimidades, não creio que ela e George ajam de tal forma. Ambos são
muito apaixonados.
— Então você se casou sem saber exatamente como é?
— Oh, não. Quando Aiden chegou para o casamento, eu o tranquei
em uma sala até ele me explicar tudo — ela continuou a rir e Lucille abriu
um sorriso diante de tanta graça. — Nunca vi um homem tão vermelho!
Lucy sorriu consigo mesma, ficando em silêncio e vagando entre
seus pensamentos. Conhecia tão pouco sobre o marido, o que sabia dele era
tão superficial que a fazia duvidar se ele gostava mesmo dela como dissera.
Aiden era um homem solitário, calado e fechado. Como poderia
desvendá-lo e chegar até seu coração para conhecê-lo melhor?
— Sabe… fiquei muito triste quando debutei — Charlie continuou,
ganhando a atenção da cunhada. — Todos em Londres falam do meu irmão
como se ele fosse louco, como se tivesse enlouquecido depois que a mamãe
morreu. Que ele havia se escondido do mundo, esquecido o cassino,
esquecido as mulheres… Meu irmão não é louco, nem esquisito. Até as
antigas cortesãs dele insinuaram coisas do tipo.
— O que elas falaram? — Lucy quis saber de imediato. — Como
elas eram?
Charlotte riu, notando uma pitada de ciúmes vinda da urgência na
voz de Lucille, alheia aos próprios sentimentos.
— Mulheres charmosas, o perfil comum… Uma era cantora e a
outra era uma atriz, ambas italianas. Ele mantinha as duas ao mesmo tempo
e elas não pareciam se importar em dividi-lo.
Lucille resfolegou antes que pudesse controlar seus sentimentos.
Sirigaitas. Lucy jamais dividiria os olhos calorosos de Aiden com outra
mulher.
— Ouvi dizer que elas falavam por aí que ele era frio com elas, até
mesmo… d-durante as intimidades.
— Ele não é, não — Lucille se ofendeu, constrangendo-se logo em
seguida diante de uma revelação tão íntima. — Q-Quero dizer…
— Então vocês ao menos são íntimos, não é?
Ela assentiu, ruborizando como uma garotinha.
— Os olhos deles ficam tão quentes e belos — Lucy disse, baixinho,
olhando para a cascata. — E o rosto dele relaxa de tal forma que… é como
se existissem dois Aidens dentro dele. Um caloroso, que sorri, e outro duro
como uma pedra. O fato é que eu não conheço nenhum dos dois direito…
— O Aiden que eu conheço é quente e belo — Charlie explicou,
calou-se e soltou um longo suspiro. — Quando o papai morreu, a mamãe
ficou doente do coração… Ficou melancólica, foi o que os médicos
disseram.
Lucille voltou a olhar para a cunhada, dando toda a atenção que o
assunto merecia.
— Eu lembro bem, ela ficava de cama quase sempre, mas ainda
brincava comigo, lia histórias, vestíamos as bonecas e até tomávamos chá
juntas. Só que era de forma bem distante, parecia que ela estava exausta. Eu
sei que ela ainda me amava, mas parecia tão cansada.
Charlotte se calou outra vez, dando de ombros e secando os olhos
sorrateiramente.
— Então ela morreu porque o corpo dela ficou doente de tanta
tristeza — a moça concluiu. — Ela sentiu muitas saudades do meu pai, os
dois eram como um só. Imagino que ela não tenha suportado viver sem ele.
Lucille abriu um sorriso tristonho, segurando as mãos de Charlotte.
— O amor é muito bonito, mas parece que ele não anda apenas com
a felicidade.
— É verdade… M-Mas o que eu ia dizendo era sobre meu irmão. —
Ela respirou fundo e abriu um sorriso nervoso. — B-Bom, meu irmão ficou
cuidando de minha mãe. Todos nós ficamos aqui, mas ele, em especial, era
muito apegado a ela. Depois que ela morreu… Foi aí que ele ficou como
uma pedra, largou as cortesãs e nunca mais foi para Londres senão para ver
o cassino. O único contato social que ele tinha era comigo, com nossos
irmãos e as prostitutas de North Haven.
— Ele comentou que bebia muito…
— Ah, sim… Ele passou a beber demais — Charlie suspirou,
tristinha, mas depois um sorriso nasceu em seu rosto e ela olhou na direção
da sobrinha. — Mas Tamsin nasceu e trouxe vida a ele. Sei que ela foi
concebida enquanto ele estava bêbado, mas… Ah, ela é um anjinho. Meu
irmão parou de beber e dedicou todo o seu tempo a ela, acho que ele achou
alguém novo para amar que não fosse nossa falecida mãe. Alguém vivo.
Lucille sorriu ainda que se sentisse tristonha, soltou as mãos de sua
cunhada e olhou para a enteada, que colocava flores minúsculas por todo o
comprimento da coluna de Max. O cachorro não parecia gostar muito de
Lewis, mas com Tamsin ele se tornava um peso morto completamente
entregue a sua protegida.
A menininha sorriu quando terminou de enfeitar o cachorro e deixou
um beijo na cabeça do animal, que lhe lambeu o rosto, causando uma
risadinha feliz em Tamsin. Ela olhou para o gazebo e acenou para Lucy, que
retribuiu, sentindo seu peito se encher de calor ao olhá-la sorrir.
— A mãe dela foi sua camareira — Lucille comentou, olhando para
a cunhada, que assentiu e soltou um riso desdenhoso. — Não gostava dela?
— Era uma garota com a idade que eu tenho agora, mas muito tola.
— Charlotte balançou a cabeça em desacordo. — Acho que ela era do tipo
que ouvia coisas sobre meu irmão e ficou platonicamente apaixonada,
arrumou uma boa oportunidade de vir trabalhar aqui enquanto a camareira
de Londres não chegava.
— Aiden disse que não se aproveitava de criadas…
— Isso é verdade, ele não via a hora de ela ir embora. Mas ela o viu
bêbado e… Meu irmão é um homem como outro qualquer. Eu disse que
gosto da biblioteca do meu pai, mas não entro mais lá porque foi lá que a
concepção aconteceu. Não quero sentar para ler um livro e ficar imaginando
meu irmão e a camareira fazendo coisas.
— Na biblioteca? — Lucille franziu as sobrancelhas em irritação. —
Foi lá?
Charlotte assentiu, desavisada.
— Bom, acho que aquele local perdeu todo o charme para mim —
Lucy se levantou, arrumando o vestido com alisadas violentas.
Charlie ergueu os olhos, ficando um tanto surpresa e seguindo a
cunhada que descia em direção à enteada e o cunhado.
Lucille marchou, sentindo o peito acelerar em uma raiva repentina
que a deixava bufando como um cachorro cansado. Ela parou no meio do
caminho, colocando as mãos no quadril e olhando indignada para as
colinas.
Na biblioteca. A biblioteca em que ela havia sido olhada com tanto
calor e carinho por Aiden pela primeira. A biblioteca em que ela havia visto
os olhos do marido se tornarem duas pedras calorosas e lindas.
Havia três bibliotecas naquele palácio e foi logo ser naquela maldita.
A biblioteca deles.
E se foi no mesmo sofá?
Lucille se sacudiu, passando a mão pelo vestido como se insetos
estivessem subindo nela.
Charlotte a olhou de longe, franzido o cenho e recebendo um olhar
indagativo do marido. Ela deu de ombros, indo até Lucille e a tocando no
ombro.
— O que foi, Lucille? Está tudo bem?
A mais velha se virou imediatamente e abriu um sorriso enorme e
afetado.
— Estou muito bem.
— Não está, não. Você está com ciúmes do meu irmão — Charlie
apontou, jocosa, rindo sozinha. — Não está?
— C-Claro que não, por causa de uma empregadinha? Não mesmo.
Charlotte assentiu com um divertido revirar de olhos.
— Você disse que gostava da biblioteca.
— Não gosto mais.
A garota riu, não pôde conter. Riu divertidamente e deu um abraço
espontâneo em Lucille, que se surpreendeu com o ato.
— Sempre quis ter uma irmã com quem falar dessas coisas. —
Charlie soltou um suspiro feliz e se afastou do abraço com uma expressão
horrorizada. — Oh, Lewis Ashworth!
Lucille olhou na direção do cunhado, vendo-o ajudar Tamsin a tirar
seus sapatinhos e suas meias, enquanto ela caía na gargalhada sempre que
ele lhe fazia cócegas nos pés e fingia que iria mordê-los.
— Lewis! — Charlotte segurou as saias e desceu os degraus do
gazebo, com um dedo apontando na direção do marido. — O que você está
fazendo?
Lucy saiu de seu transe surpresa e piscou com rapidez, olhando para
Charlie e abrindo um sorriso feliz. Os Chatham gostavam dela.
— Tamsin quer pisar no laguinho, então tirei os sapatos dela —
Lewis explicou, enrolando as meias brancas da menininha e as entregando
para a esposa. — Que mal tem? Vou tirar os meus também.
— Não faça isso, você tem um chulé terrível. — Charlotte afastou o
marido da sobrinha. — Eu vou com ela.
Lucille se aproximou com um sorriso pequeno nos lábios. Os dois
eram adoráveis juntos, Charlie parecia nova demais para ser uma esposa,
mas aquela era a idade em que Lucy desejava se casar. Na sua primeira
temporada, como mandava o protocolo das moças.
Enquanto marido e mulher discutiam quem tinha ou não chulé, Lucy
foi até sua enteada e sorriu para ela. Levou o indicador aos lábios e Tamsin
imitou o gesto, rindo sozinha.
Lucille tirou seus sapatos e puxou as meias, as colocando num
cantinho. Imaginou qual seria a reação de Aiden ao vê-la com os pés
desnudos. A grama macia fazia cócegas e Lucy percebeu que nunca pisara
na grama com os pés descalços. Na verdade, ela nunca aproveitou a vida no
campo. Era um milagre ela ter aprendido a cavalgar.
Puxou seu vestido até a altura dos joelhos e prendeu bem a saia para
não molhar o tecido caro. Sua mãe não ficaria nada feliz ao vê-la com
metade das pernas nuas na frente do marido da cunhada, que conhecia havia
apenas dois dias.
— Vamos? — ela cochichou para Tamsin e a pegou no colo, rindo
baixinho com a menininha. — Eles nem estão prestando atenção na gente.
— O tio Lewie tem chulé mesmo — Tamsin sussurrou, sorridente,
recebendo como resposta um riso baixinho da madrasta. — Ainda bem que
ele não tirou as botas.
— Ainda bem mesmo, não é?
Lucy arrumou Tamsin em seus braços e caminhou até um dos
degraus da cascata, colocando o pé na água corrente e andando até o outro
degrau mais alto. Quando colocou Tamsin no chão, a menininha soltou uma
exclamação feliz e chamou a atenção de Lewis e Charlotte, que pararam de
argumentar imediatamente.
Lewis abriu um sorriso enorme e divertido, apontando para as duas
e vendo a esposa inflar as bochechas de modo bastante infantil antes de
cruzar os braços e olhar para os pés.
— Venham logo! — Lucy os chamou, chutando água na direção dos
dois, que se esquivaram risonhos. — Acho que a água neutraliza o chulé!
Charlotte já havia tirado os sapatos e as meias quando Lewis fez
menção de tirar as suas. Animadamente, ela empurrou o marido e pisou no
lago, rindo com a sensação da água corrente passando pelos seus dedos.
Quando Lewis se juntou a eles, o sorriso de Tamsin parecia mais radiante
que o sol. Feliz da vida, a menininha pegava água com as mãos e tentava
molhar seus tios e madrasta, rindo das reações exageradas de cada um
sempre que os molhava.
Lucille deixou as saias para lá e logo elas caíram na água, mas
estava tão contente por ver uma criança feliz que não se importou em
molhar o vestido ou os cabelos quando Lewis e Charlotte começaram uma
guerra molhada entre eles.
Seus pensamentos voaram até Aiden, imaginando se ele era capaz
de se divertir de forma tão inocente. Se ele poderia sorrir de felicidade e se
um dia eles seriam tão próximos e apaixonados quanto Charlotte era com
seu querido Lewie. Pensar que Aiden vivia preso ao luto de sua mãe a
deixava triste, ansiosa para poder tocá-lo e abraçá-lo até ele perceber que
não vivia mais sozinho em Greenhill. Ela quis crer que aquilo era só
compaixão, que a sensação ruim que sentia em seu peito ao imaginar o
marido entregue às bebidas era só pena de um homem em luto.
Mas não era. Lucille nunca foi de sentir pena de ninguém, sempre
achou aquele sentimento algo muito ruim de sentir.
O que ela sentia era carinho por ele, por mais que tentasse evitar e
negar. Ela gostava de Aiden — ainda que fosse o Aiden que a beijava com
carinho — e o queria bem e feliz.
Sentiu-se bastante solitária no meio de Lewis e Charlotte. Olhou
para a estrada de Greenhill ao longe e viu a carruagem ducal sair da
propriedade, levando Aiden para Leicester e para longe dela.
Ela não poderia ir com ele? Não usava mais fraldas, pelo menos.
Capítulo 19

Lucille nunca foi muito engajada com o bordado, atividade aquela


que ela achava merecedora de todo o respeito tamanha a dificuldade.
Subestimam as mulheres lhe dando atividades que os homens julgam como
fáceis, mas lá estava Lucille olhando para a letra T mais feia que já bordara
em toda a sua vida. Maldito fosse aquele tal ponto cruz. Havia estragado o
lencinho de sua enteada depois de prometer fazer um bordado bem bonito.
Jogou o lencinho para o lado, pegando um novo e começando a
bordar os limites do tecido em um padrão fácil e simples. Bisbilhotou o que
Charlotte fazia e viu que a moça estava lendo um livro sobre botânica,
muito complicado para Lucille.
Ela tinha algo para produzir, era inteligente e uma notável erudita. E
o que Lucille fizera durante sua vida? Chás, festas, bailes, saraus,
mexericos.
Sentiu vergonha de si mesma, olhando para o bordado em suas
mãos. Ela não sabia nada sobre plantas, inclusive preferia não chegar perto
delas durante a primavera ou poderia morrer. Sua alergia era severa e temia
que seus olhos ficassem inflamados demais quando a primavera chegasse
naquele local campestre. Certa vez, o médico da família lhe dissera que
poderia até mesmo ficar cega, quando Mary recebera uma enxurrada de
flores do marido — até então futuro noivo. Seus olhos ficaram tão inchados
que só deixava a mãe vê-la em tal estado. Bom, pelo menos Mary teve um
romance de verdade com o marido, apesar de ele não ser um dos homens
mais interessantes do mundo, na humilde opinião de Lucy.
Queria começar uma conversa com a cunhada, mas sobre o que
falar? O clima. Não, muito manjado. Festas? Não existiam por ali e Lucille
tinha certeza de que Charlotte pouco se interessava por aquele tipo de
atividade.
Aiden. Ah, aquele era um bom assunto a se tratar.
Lucille pigarreou baixinho, arrumando os pés no descanso rosa da
biblioteca de sua sogra e olhando de soslaio para a cunhada entretida em
sua leitura.
— Parece que o gosto pelas flores e plantas é comum entre você e
seu irmão.
Charlie levantou os olhos do livro e abriu um sorriso para Lucy.
— Sim, por ter passado metade da minha vida tendo ele como meu
tutor, o acompanhei bastante nos trabalhos dele como paisagista.
— Ele a levava? — Lucy ficou curiosa, parando de bordar no meio
de uma puxada de linha.
— Sim, mas ele não gostava muito. — A mais nova abriu um
sorriso brincalhão e passou uma página do livro. — Eu chorava dizendo que
não queria ficar sozinha aqui e ele me levava com ele.
— Parece que a tática do choro não funciona com Tamsin.
— Infelizmente, ele já está acostumado com birras. — Ela riu
baixinho. — E Tamsin é pequenina demais ainda para saber quando deve
ficar quietinha em público.
— E ninguém podia saber que ela existia… — Lucille comentou,
terminando de puxar a linha. — Pergunto-me como Aiden vai introduzi-la
ao conhecimento do público. Sei que ela é legítima agora que eu e ele
casamos, mas isso não muda muito.
— Acredito que sim… — Charlotte suspirou com impotência,
abaixando o livro e os ombros. — Aiden faz o possível para protegê-la, a
menina só saiu de Greenhill uma vez, quando foi até minha casa em York. E
acredito que ela nem conheça toda Greenhill. Não acho que isso seja o
melhor, digo, não para uma filha única.
— Um dia ela terá de debutar, isso é que me deixa preocupada.
— Oh, isso não é problema. Ela já tem um pretendente.
Lucille ergueu as sobrancelhas.
— Um pretendente?
Charlie riu consigo mesma e assentiu.
— Não é da forma como você imagina, é apenas o filho de um dos
sócios de meu irmão. Anthony, o menininho tem oito anos que será um
duque quando crescer. No momento, é um pequenino marquês. Assim como
Lewis.
— Ah, pensei que fosse um título fixo.
— Sim, quando meu querido sogro falecer, eu serei uma duquesa —
Charlie disse, pomposa. — Assim como você!
Ela era uma duquesa, a cunhada um dia seria uma duquesa, a irmã
mais velha era uma duquesa. Tamsin estava prometida a um futuro duque!
Não sobraria ducados na Grã-Bretanha para aquela família.
— Ah, isso é… ótimo. M-Mas, ainda sobre a Tamsin: o que o
menininho acha disso? — Lucy arqueou uma das sobrancelhas, cruzando os
braços bastante séria.
— É tão bobo quanto ela, mas seria uma graça se quando
crescessem ficassem juntos — Charlotte disse, com divertimento. — Aiden
não descarta a ideia de sempre mantê-los juntos para que acabem se
apaixonando quando forem crescidos.
Lucille assentiu com lentidão. Todos os pais negociam sobre os
casamentos das filhas, sem exceção.
Aquilo funcionou com os pais dela, poderia funcionar com Tamsin.
— E como é o jovenzinho?
— Muito educadinho e adora brincar com a Tamsin sempre que vem
aqui. Tão loirinho… Lembra-me o Lewie.
Lucille não tinha dúvidas que até um porco chafurdado na lama faria
Charlotte pensar no amado marido.
— Então recebemos visitas por aqui?
— Oh, sim! Greenhill é enorme, meu irmão sempre chama os sócios
e as famílias deles para o Natal. Então, são os Chatham e mais um batalhão
de pessoas. Lewie e eu, também. É tão divertido, fazemos uma porção de
jogos e as crianças correm feito loucas.
— Pensei que Aiden não suportasse lugares cheios… — Lucille
uniu as sobrancelhas. — Fica muito cheio?
Charlie assentiu sorridente, aquilo era algo que ela gostava muito.
— É a melhor época do ano, Greenhill fica tão cheia de crianças e
festividades. Tamsin fica tão feliz — a jovem suspirou. — Talvez mais de
quarenta pessoas… Meu irmão não se importa, sendo todos da família e
íntimos dele. É claro que é comum ele sumir e nos deixar festejando sem
ele.
— Convidei minha família, contando com meus dois cunhados e
sobrinhos… Cerca de onze pessoas — ela disse, apreensiva. — Acha que
ele irá se incomodar?
— Incomodar? Você é a senhora de Greenhill, faz o que quiser nessa
casa. — Charlotte riu consigo mesma e passou a cochichar. — Acha que os
homens reinam sozinhos? Minha mãe ditava tudo o que meu pai devia fazer
e, se ele não quisesse, ela lhe dava um bom sermão.
Lucille abriu um sorriso pequeno e deu um risinho baixo e
anasalado, voltando a olhar para o bordado que fazia. Havia completado um
lado do lenço em linhas rosas, em espiral.
— Um homem apaixonado é o mesmo que um criado — Charlotte
continuou. — Faz o que quisermos, a eloquência é nossa, querida amiga. Se
tem algo que você queira fazer, basta jogar charme para o meu irmão, sei
que ele não resiste ao charme de uma bela moça. Apesar de ser um tanto
sem jeito, ele ainda é homem.
Lucille se calou por alguns segundos, averiguando o lenço. Depois
de um tempo, perguntou:
— O que eu devo fazer para deixá-lo refém das minhas vontades?
Charlie voltou a olhar a cunhada.
— Dê carinho a ele, apenas. Acho que ele nunca recebeu carinhos
de uma mulher. — Ela deu de ombros de forma bastante amuada. — Um
abraço carinhoso, beijos inocentes, essas coisas. Meu irmão nunca foi o tipo
conquistador, acho que ele nunca teve uma paixão desse tipo. Como uma
namorada com quem trocar cartas de amor, essas coisas bobas. Ele é bonito,
mas é sem jeito com as mulheres. Não se acanhe se parece que ele não está
gostando, é que o encabula um pouquinho.
Lucy assentiu. Então, os dois eram inexperientes em algo em
comum: carinho e amor romântico na prática.
Ela olhou outra vez para o bordado, trabalhando automaticamente.
Queria logo que Aiden voltasse para que ela pudesse começar o que queria:
um casamento de verdade.

***

A noite caiu vagarosamente e Lucille se preparou para a cama.


Percebeu que vestiu a camisola mais sem graça que tinha, o que não
acontecia desde quando passara a dormir com Aiden. Sua vaidade era
evidente, ela gostava de se mostrar para ele. Colocava seus vestidos bonitos
para seduzi-lo, mas sempre se envergonhava e tentava cobrir o decote ou os
braços nus quando via que ele gostava.
No entanto, sempre saía mais vaidosa depois de tê-lo conquistado
com suas roupas.
Naquela noite, dormiria com Tamsin e, automaticamente, colocou
uma camisola menos bonita e de algodão simples. Arrumara a cama enorme
com muitos travesseiros macios e formou um ninho aconchegante onde ela
e Tamsin poderiam ficar juntas e falar sobre seja lá o que for que mães e
filhas falam.
Quando ouviu as batidas na porta e o latido de Max, Lucy soube que
era a hora de ser tão amável com Tamsin quanto já estava sendo durante
todos aqueles dias. Sentia-se estranhamente ansiosa para aquele momento
em que ficaria tão pertinho de Tamsin, seria quase como se fossem mãe e
filha.
Com um sorriso no rosto, ela abriu a porta e sorriu ainda mais ao ver
a pequenina Tamsin, com seu cachorro imenso e um livro nas mãos.
— Ora, onde está a Srta. Pilgrim? — Lucy perguntou, colocando a
cabeça para fora e vendo apenas um lacaio no fim do corredor.
— Ela foi dormir — Tamsin disse, tranquilamente, e estendeu as
mãos com o livro para a madrasta. — Olha o que eu trouxe!
Lucille se inclinou um pouco e trouxe a enteada para dentro,
fechando bem a porta antes de pegar o livro. Era a mesma história da girafa
e do elefante. Lucy riu consigo mesma, parecia que a menininha gostava
muito daquele livro em especial.
— Parece ser uma história e tanto — comentou, indo até a cama e
vendo que Max já estava deitado em um canto do colchão. — Ora essa!
Tamsin riu divertidamente, escalando o colchão e sumindo no meio
de tantos cobertores e travesseiros. Max levantou a cabeça o suficiente para
olhar Lucille, claramente decidido a ficar por ali durante a noite toda.
— Ele sempre fica com você? — Lucy perguntou, arrumando-se na
cama e abrindo o livro na página marcada.
— Sim, ele é o meu bebê — Tamsin disse, empertigada e vaidosa.
— A gente faz tudo junto! Menos cocô e xixi.
— Imagino que ele não saiba usar o peniquinho tão bem quanto
você.
— Oh, não! — Ela aquiesceu, causando uma onda de riso em
Lucille. — Ele faz uma baita sujeira! Igual às grávidas, como o papai disse.
Lucille uniu as sobrancelhas e repousou o livro aberto no colo.
— E o que o papai disse?
— Ele disse que a mulher come a semente que o homem dá em uma
sopa e aí cresce o bebê na barriga dela por quase um ano — a menina
explicou, bastante séria. — Depois, ele sai e faz uma sujeira que nem
quando usamos o penico! Dá dor de barriga e tudo.
Lucille assentiu, compenetrada, controlando um sorriso .
— Pois é isso mesmo que acontece! — Ela aquiesceu.
Tamsin concordou em silêncio e olhou para as mãozinhas que
seguravam um travesseiro. Repentinamente, ela parecia tão menor do que
era aos olhos de Lucy, miudinha, quase sumindo entre os lençóis.
Quando voltou a falar, sua voz estava trêmula e tristonha.
— Será que a mamãe foi embora porque ela sentiu muita dor de
barriga e não me quis mais?
Lucille foi pega tão desprevenida que suas mãos soltaram o livro.
Tamsin a olhou e então seu coração se tornou tão apertado e dolorido que
não suportaria ver os olhos chorosos de uma criança tão pequenina.
Ela pensava na mãe, tinha noção de que fora deixada por ela. Tão
miúda, mas já ciente de suas próprias tristezas.
— Não, minha querida — Lucy explicou, sentindo uma imensa
vontade de chorar. — Ela era muito boba para cuidar de você, por isso a deu
para o papai cuidar.
— Mas o papai disse que ela foi embora — Tamsin murmurou,
fungando baixinho enquanto seus olhos ficavam cheios. — P-Por isso que
quem me deu o mamá não foi ela…
Lucille balbuciou alguma coisa, perdida diante daquela situação. O
que devia dizer? Ou fazer? O que Aiden fazia quando Tamsin o questionava
sobre aquelas coisas?
— E-Eu estou aqui agora — foi tudo que ela pôde dizer antes de
pegar Tamsin para si e a colocar em seu colo. — Se você quiser, eu posso
ser sua mamãe de agora em diante.
Tamsin a olhou com um sorriso no rosto, iluminando suas
bochechinhas molhadas. Lucille correspondeu ao sorriso, secando os olhos
rapidamente para enxugar o rostinho de Tamsin com as costas de sua mão.
— Pode mesmo? — a menina perguntou. — E não vai embora?
— Não vou, não. Ficarei aqui e você até ganhará alguns
irmãozinhos e irmãzinhas logo, logo.
O rosto de Tamsin corou de alegria.
— É mesmo?
Lucy assentiu e seu coração voltou a bater normalmente, aliviada
por ter contornado aquela situação.
— Sim, uma porção deles. Sempre terá alguém com quem brincar
— Lucille sorriu, beliscando a bochecha de Tamsin e lhe fazendo cócegas
no pescoço. — Que tal?
A menininha riu, contorcendo-se no abraço, em gargalhadas com as
cócegas que Lucille fazia em seu pescoço, descendo pela barriga e indo até
as axilas. A risadinha feliz de Tamsin aqueceu seu coração e uma vontade
enorme de protegê-la se apoderou de Lucille.
Ela puxou a enteada para mais perto, abraçando-a e dando um
demorado beijo no topo de sua cabeça ruiva. Tamsin se acomodou no
abraço, enrolando-se no colo de Lucy e buscando o livro outra vez,
entregando-o para ela.
— Vamos ao livro, então — Lucille suspirou contente e abriu na
página marcada. — Parece que estamos no capítulo quatro.
— O Sr. Elefante está tentando fazer amizade com a Srta. Girafa! —
Tamsin explicou, apontando para a gravura que tomava uma das páginas
inteira. — Ele gosta dela.
— Ah, ele gosta?
Tamsin assentiu com veemência.
— Mas tem vergonha de falar — ela explicou, dando um muxoxo e
passando a página, onde havia um pequeno parágrafo. — Leia, leia!
Lucille riu, pigarreando e lendo da forma mais profissional que
podia.
— O Sr. Elefante a observou de longe, perguntando-se como aquela
elegante criatura podia ter um pescoço tão grande — ela leu,
compenetrada, passando a página onde havia um desenho da girafa
cumprimentando o elefante. — Então, ele decidiu se aproximar e
cumprimentar a Srta. Girafa com uma educada reverência.
Ela olhou de soslaio para a enteada e viu que ela sorria feliz e
ansiosa para a próxima página.
Lucy sorriu consigo mesma, passando para a próxima e continuando
sua leitura. A cada página, Tamsin fazia um comentário e explicava a
história com coisas que jamais haviam acontecido na narrativa, mas que sua
imaginação gostaria que sim. Com muita animação, ela acabou virando a
contadora de histórias da noite, entretendo Lucille com a aventura do Sr.
Elefante ao redor da África, conhecendo animais dos mais variados tipos –
até mesmo os que não habitavam tais regiões – e personalidades.
Lucille acabou se deitando na cama, deixando que Tamsin
continuasse entre seus braços enquanto lhe explicava um monte de coisas
que a Srta. Pilgrim havia lhe ensinado sobre aquele enorme continente.
Depois de alguns capítulos, Lucy pegou no sono com Tamsin junto dela. E
dormiram tranquilas pela noite toda.
Tamsin com sua nova mãe e Lucy sem medo das sombras.

***

Não passava das nove da manhã quando Aiden abriu a porta de seu
quarto para reencontrar sua esposa e se enrolar com ela naquela cama
enorme. Mas, quando entrou no aposento, tudo o que viu foi Max dormindo
e servindo de travesseiro para Tamsin.
O cachorro estava na cama dele.
Aiden jogou sua cartola para o lado e colocou a bengala contra a
parede, caminhando até a cama em silêncio. Esticou a mão para tocar a
filha, mas Max abriu os olhos imediatamente e projetou a cabeçorra para
frente, farejando a mão de Aiden.
— Sou eu, sua besta — ele cochichou para o cachorro, afagando a
cabeça do animal.
Max bufou, fechando os olhos e enfiando a cabeça debaixo do
lençol.
Aiden afagou os cabelos desgrenhados de Tamsin, abaixando-se
para, então, beijá-la na testa. A menina coçou o local beijado, esticando-se
para depois se enrolar toda e abraçar o cachorro.
O que ele queria era Lucy. Onde ela estava?
Viu que a porta que ligava os quartos estava entreaberta e se
aproximou silenciosamente, olhando pela fresta e vendo sua esposa se
admirando na penteadeira.
Ela já estava com um vestido simples e listrado, arrumando o colar
que ele havia lhe dado de presente. O fato de ela usar o colar sem nunca o
tirar causava uma comichão no estômago de Aiden, uma sensação deliciosa
de vitória.
Ficou a olhando em silêncio, como um louco apaixonado que teme
assustar sua donzela. Acompanhou o movimento das mãos dela arrumando
os cachos ralos de sua franja, dividindo-a no meio para finalizar o penteado.
Seus olhos não desgrudavam das costas de Lucy, da pequena porção de pele
nua que o vestido oferecia. Gostaria de beijá-la por ali enquanto a tomava
em uma noite de amor, beijaria sua coluna e apertaria aquele lindo traseiro.
Ele decidiu entrar.
Não para tornar o seu pensamento realidade, mas porque se sentia
ridículo como um voyeur, que observa uma mulher arrumando o maldito
penteado como se fosse a coisa mais erótica do mundo.
— Bom dia, Lucy.
Ela se assustou em um espasmo, levando a mão ao peito e olhando
para o marido pelo reflexo no espelho.
— Troglodita! — Lucille se levantou da cadeira, indo até o marido e
o abraçando calorosamente. — Senti sua falta.
Aiden endureceu cada músculo de seu corpo diante do toque
repentino. Santo Cristo, Lucille devia avisá-lo quando fosse encostar nele
ou seu coração não suportaria tê-la tão perto.
Com as mãos ainda um tanto duras, ele correspondeu ao ato,
envolvendo-a pela cintura e tocando suas costas, ficando ainda mais
surpreso quando ela se recostou contra seu peito e acariciou a sua nuca com
a ponta dos dedos.
Lucy levantou o rosto, abrindo um sorriso pequeno e ficando na
ponta dos pés para beijá-lo. Apenas um leve roçar de lábios antes de ela de
fato beijá-lo e abraçá-lo ainda mais, como se quisesse fundir seu corpo ao
dele.
E Aiden desistiu de se manter firme, correspondendo ao beijo da
forma mais lenta e carinhosa que sabia fazer, abraçando Lucille como
queria fazer desde o momento em que ela se desmanchou em sua mão e
dormiu em seus braços duas noites atrás. Ela se derreteu em seu abraço
quando ele a agraciou com a sua língua, derramando-se no beijo de Aiden
enquanto ele a segurava contra o peito. Quando Lucy suspirou contra seus
lábios em busca de fôlego, ela se afastou do beijo e permaneceu entre os
braços dele, olhando-o com um sorriso no rosto ruborizado.
Ela estava diferente. Aiden não sabia apontar se era algo bom ou
ruim, mas estava diferente. A forma como ela o abraçou pareceu afetuosa
demais e o beijo fora tão espontâneo que o deixou confuso, apto apenas a
corresponder.
— Isso tudo é saudade de mim? — ele perguntou, tocando o lábio
inferior de Lucille com o polegar. — Sentiu saudades do seu querido
troglodita?
Ela desconversou com um dar de ombros, virando-se de costas e
andando até a penteadeira, onde se sentou outra vez e abriu sua caixa de
joias. Sorrindo consigo mesma, ela pescou um par de brincos pequenos e os
experimentou diante do próprio reflexo.
— Gosto disso — Aiden disse, recostando-se no dossel da cama da
duquesa e olhando o reflexo de Lucille.
— Desses brincos? — ela perguntou, com as sobrancelhas unidas.
— Não gosto muito desses, não. Não combinam com o colar.
Ele riu para si mesmo, esfregando sua sobrancelha com o indicador.
— Gosto de você perto de mim. Confesso que a princípio eu queria
distância, mas agora gosto da sua presença.
Lucille corou mais dois tons de rosa, mas sorriu e voltou para sua
busca na caixinha. Estava funcionando, logo ela terá desvendado todos os
segredos escondidos debaixo daquela casca grossa.
— Sentiu minha falta também, troglodita?
Ele deu de ombros, caminhando pelo quarto até que parou atrás de
Lucille. Ela o olhou pelo reflexo, apenas um breve movimento dos olhos.
— Senti — Aiden confessou, com um princípio de sorriso. — Para
quem passou a vida toda em uma cama fria, é fácil sentir falta do calor do
abraço de uma esposa bonita.
Ela inspirou baixinho, virando-se para Aiden e ficando de pé. Ele a
olhou em silêncio, imóvel quando a mão de Lucy esticou para tocar seu
rosto em uma carícia bem-vinda.
A mão dela era tão macia que parecia incorreto ela ter de tocar seu
rosto duro e tenso. Mas o toque era tão maravilhoso, o carinho era
praticamente algo que ele nunca sentira das mãos de uma mulher.
— Tamsin gosta de mim — ela disse, entrando no último assunto
que ele achava pertinente em um momento como aquele. — E eu disse que
lhe daria irmãozinhos.
Aiden assentiu, calado. Mas sua mão deslizou pela cintura de
Lucille, sentia-se na obrigação de tocá-la se ela o tocava no rosto.
— Aiden, eu quero consumar nosso casamento.
A mão que acariciava a cintura fina dela parou imediatamente. Ele
engoliu em seco, sentindo-se zonzo com aquilo.
Lucille o queria. Ela o queria e não Michael.
Aiden nunca mais queria que ela pensasse naquele homem. Ela seria
dele e ele faria amor com ela, já que era aquilo que ela queria. Aiden queria
que Lucille pensasse nele o tanto que ele pensava e sonhava com ela.
— Creio que haja uma criança e um cachorro ao lado — ele
comentou, beijando a bochecha de Lucy antes de sussurrar. — Eles nos
ouviriam.
Ela corou, envergonhando-se do que havia confessado ao marido.
Lucille se afastou, pegando um par de brincos de pérola e os
vestindo. Ocupou-se naquilo por longos segundos, evitando tocar no
assunto de novo.
Por que foi dizer aquilo? Sim, ela queria experimentar o sexo com
Aiden, mas não estava psicologicamente preparada para aquilo. Mas
deveria fazê-lo, sabia que depois de uma união como aquela o marido
estaria aberto para que ela pudesse desvendar os segredos de seu coração.
Lucy respirou fundo, arrumando a saia do vestido e caminhando até
a janela. Colocar uma distância entre eles era o melhor, evitar o coito até
que ela estivesse, de fato, pronta.
— N-Não agora — ela explicou. — Eu quero que aconteça, mas
naturalmente. Se eu me deitar na cama agora será sofrido, eu imagino
que… q-que a mulher necessite de certo preparo para que não haja dor.
— De fato, minha duquesa — Aiden assentiu, com um aceno de
cabeça. — Não se preocupe com isso, tudo acontecerá naturalmente e sem
dor.
— Acontecerá. — Lucy aquiesceu, olhando para o labirinto ao
longe. — Não acredito que eu e Michael seremos amantes, não quero isso
para mim… Não desejo esse tipo de vida enquanto posso ficar aqui e cuidar
de Tamsin, fazê-la minha filha também.
O duque ergueu uma das sobrancelhas, cruzando os braços e
analisando Lucille de longe.
— E tudo o que sentia por ele?
Lucy fez que não, deu de ombros de forma desanimada e continuou
a olhar pela janela.
— Quero gostar de você mais do que agora. Q-Quero… esquecer
sobre Michael.
Aiden assentiu, unindo as sobrancelhas ao ouvi-la fungar baixinho e
abaixar o rosto, ainda de costas para o marido.
Ele se aproximou cautelosamente, tocando-a no ombro assim que
Lucille secou o rosto imediatamente. Aiden a virou para si e a abraçou,
afagando suas costas e recostando Lucy contra seu peito.
Aiden não se lembrava de já ter se apaixonado por alguém a ponto
de sofrer por aquilo. Não havia convivido muito com as mulheres da família
ou com suas primas distantes. Seu contato com mulheres fora
primordialmente através do meretrício. Ele não fora a bailes com muita
frequência e, quando o fez, fugiu das mães casamenteiras.
Nunca havia sentido o que sentia por Lucille, o que começava a
sentir pela esposa. Afeição intensa, um desejo enorme de mantê-la por perto
e certo constrangimento em admitir aquilo para ela.
Apesar de tudo, ele não era insensível a ponto de ignorar os
lamentos dela por ter de deixar de lado os sentimentos que nutrira por
Michael durante quase três anos e meio. Não queria que Lucille chorasse,
mas também não queria que ela continuasse pensando em outro homem.
— Lucille…
Ela levantou o rosto, olhando-o enquanto esperava que ele falasse
algo.
— Estou aqui com você — Aiden sussurrou, segurando o rosto
molhado de Lucy e o secando com o polegar. — Não precisa chorar… Se
ele não pode ser seu, eu serei.
Lucille aquiesceu, derramando uma lágrima solitária e escondendo o
rosto outra vez, ao passo que abraçou Aiden o mais forte possível. Seu
coração se sentiu leve e aquecido, o sentimento de solidão que vinha
sentindo diminuiu e um fio de esperança brilhou em seu peito ao pensar que
poderia conquistar Aiden, que o faria amá-la e que o amaria em igual
quantidade. Era o que Lucy queria, amar e ser amada pela mesma pessoa,
mesmo que tivesse de ser outro alguém que não fosse Michael.
Tinha de deixá-lo no passado, esperar que ele lesse sua carta e
entendesse sua decisão de salvar a honra de sua família. É claro que Lucille
não planejava querer conquistar o amor de Aiden e muito menos amá-lo.
Seu plano inicial era dar-lhe filhos e se tornar amante de Michael, ficando
com ele para todo o sempre, mesmo que às escondidas. Mas agora tudo
estava diferente. Agora, ela queria construir um futuro bom com Aiden.
Com filhos para se unir a Tamsin e com amor para unir Aiden e Lucille.
— Você deve estar cansado da viagem. — Ela abriu um sorriso
contente e varreu as lágrimas rapidamente, mudando o assunto. — Troque-
se e vá dormir um pouco.
Aiden assentiu, tocando o queixo de Lucy para poder tocar seus
lábios demoradamente em um beijo. Lucy sorriu outra vez, embora seus
olhos ainda estivessem molhados. Queria sorrir, tinha motivos para tal:
Aiden gostava dela.
— Eu ficaria com você se já não estivesse vestida — ela explicou,
empurrando o marido em direção ao quarto ducal. — Mas eu combinei de ir
até a estufa com a Charlotte.
— A estufa? — Aiden parou no meio do caminho, virando-se com
um olhar surpreso. — Você quer morrer?
— Eu vou levar um lencinho. — Lucy riu e voltou a empurrar
Aiden. — Só ficarei com o nariz escorrendo e os olhos coçando, não se
preocupe.
— Vá fazer outra coisa, eu não quero que você vá na estufa, Lucille.
Ela levantou o rosto para ele em uma expressão de incredulidade, as
sobrancelhas erguidas e as mãos no quadril.
— Você não manda em mim, Aiden. Eu vou, já disse.
— Mulheres são todas malucas — ele resfolegou, arrancando o
lenço do pescoço enquanto seguia para o outro lado dos aposentos ducais,
entrando em seu quarto de vestir.
— Como disse? — Lucy o seguiu, ofendida e começando a
esquentar de irritação. — Eu sou maluca, então?
Aiden fechou a porta para que não acordassem Tamsin.
— É claro que é, vai entrar em um antro de flores e pólen, sem
nenhuma janela para você respirar — ele retrucou, impaciente. — Por que
não fica tomando chá com Charlotte? Não é isso que você gosta de fazer,
afinal? Tomar chá e fazer fofoca.
Lucille inspirou, ofendida. Havia quase se esquecido do outro Aiden
que ela tanto detestava. Aquilo trouxe os sentimentos de solidão que ela
sentira nos primeiros dias, de que estava longe de casa, casada com um
homem que a comprara por cem mil libras para ser babá vitalícia de sua
filha.
Estava trancada entre os muros maritais de Greenhill. Sozinha.
— Eu estou cansada de olhar para essas porcarias de paredes, estou
cansada de ficar dentro de quartos — ela explicou, aumentando o tom de
voz sem que percebesse. — Eu não sou como você Aiden, ficar trancafiada
aqui me deixa maluca. Eu não gosto daqui!
— Então vá embora e volte para seu namorado homossexual que
nem ao menos quer abraçá-la.
Lucille se calou com um soluço, os olhos enraivecidos vidrados em
Aiden. Ele se virou, com as mãos nos botões do colete, quando viu o rosto
molhado de Lucille.
Sentiu-se como um verdadeiro troglodita.
Destratando a mulher que nada lhe fez, falando sobre assuntos que
ele sabia que a feriam. Mas o fato de ela querer se enfiar em uma estufa o
deixava nervoso, e se ela ficasse doente? E se morresse?
— Desculpe-me, Lucy… E-Eu não…
— Eu quero amá-lo, Aiden. Quero amá-lo e ser feliz aqui, mas é
difícil com você me tratando como uma esposa querida para depois me
tratar como uma pedra enorme na bota. O que eu te fiz?! Foi você quem me
obrigou a casar com você, não eu quem o obrigou a ficar comigo e a mudar
sua vida
Aiden prendeu a respiração, olhando para o rosto molhado de
Lucille, que se obrigou a não derramar mais nenhuma lágrima enraivecida.
Ele abriu a boca para responder alguma coisa, mas apenas balbuciou
como um idiota. Ela queria amá-lo. Ela o queria.
E Aiden a queria e lutava contra as rédeas de seus fantasmas para se
livrar daquilo e amá-la também.
Aquela revelação o deixara atordoado e confuso. E Michael? Ela
não o havia esquecido, visto que as palavras dele a feriram imensamente.
Lucille suspirou cansada, soltando os braços e assentindo,
impotente. É claro que ele não tinha os mesmos planos que ela de gostarem
um do outro. Mesmo que ele tenha aceitado começar tudo de novo. Era tudo
por causa de Tamsin, não de uma união marital amorosa.
— Lucille…
— Aiden — ela o interrompeu. — Combinamos que começaríamos
tudo de novo e, por três dias, eu pensei que poderíamos nos amar, mas
parece que você voltou ao seu estado insuportável. Seja lá o que o
atormenta, não desconte em mim. Eu não vim de Londres para ser tratada
assim e, se não vai compartilhar seus tormentos comigo, que não venha
descontar tudo em mim. E, principalmente, não ofenda um homem que não
está aqui para se defender. Não o acuse de uma coisa apenas por ele não ser
um bêbado viciado em prostitutas como você.
Aiden uniu as sobrancelhas, agora ficando irritado. Deus, ele só não
a queria doente e agora ela estava falando que ele tinha problemas. E ele
havia estragado tudo, como vinha fazendo desde que conhecera Lucy.
Seus modos de tentar não a amar a feriam e ele sabia daquilo,
embora não conseguisse se controlar. E o remorso pesava como uma
bigorna.
Mas chamá-lo de bêbado viciado em prostitutas fora a gota d’água,
o que Lucille sabia sobre ele para lhe dizer tais coisas? Nada.
E o que Aiden sabia sobre Michael para lhe acusar de homossexual?
Nada. Sua memória de Michael era a de um garoto de treze anos tímido e
romântico, que passou o resto de seus dias em Eton apanhando de
grandalhões como ele por não seguir o papel comumentemente masculino e
canalha que lhe era esperado.
Era um moleque sem interesses sexuais e mais sensível que o
restante da corja da escola, Aiden não podia supor que ele não gostava de
Lucille por causa daquilo. Michael poderia amar Lucille, sem a necessidade
de sentir desejos sexuais por ela ou por qualquer outra pessoa.
Mas Aiden estava com raiva e com ódio daquele Michael adulto que
vivia na cabeça e no coração de Lucille. Um Michael que ele não conhecia.
Como um aviso de Deus para que ele parasse de ofendê-la, a porta
do quarto de vestir se abriu e Tamsin surgiu no batente com os cabelos
emaranhados e o rosto amassado de sono.
— Papai, voltou, papai — ela disse, sonâmbula, mas sorrindo feliz
ao andar com os braços estendidos até Aiden. — Colo, colo.
Ele desviou o olhar de Lucy, pegando Tamsin no colo e beijando o
rosto da menina, que se acomodou no ombro dele e dormiu outra vez.
Aiden a balançou devagar, acariciando suas costas e atravessando o quarto
até devolver a filha sonâmbula para a cama e deixá-la aos cuidados do
cachorro imenso.
Quando olhou para trás, Lucy o havia deixado e saído dos aposentos
ducais antes que ele pudesse retornar ao assunto trivial que conversavam
antes de ela dizer que iria à estufa.
Aiden a procurou no quarto da duquesa, mas ela também não estava
lá.
A maldita tinha ido para a estufa, abalada pelas ofensas proferidas
por ele. E, se ela ficasse doente por uma terrível reação alérgica, a culpa
seria toda dele.
Capítulo 20

Lucille saiu disparada do quarto, embora não soubesse onde,


naquele palácio, poderia se esconder e chorar a saudade repentina que
sentiu de sua vida em Londres. Sua vida de solteira, quando ela era feliz e
trocava cartas com Michael. Ia a chás, visitava suas amigas e dançava em
festas.
Sentiu saudades, principalmente, de sua mãe, que a ajudaria a
enfrentar todas as dificuldades que passava naquela casa estranha e que ela
não conseguia chamar de lar.
Controlando suas lágrimas, Lucille seguiu em passos rápidos até a
biblioteca rosa, entrando e trancando a porta antes de se jogar no sofá e
enfiar uma almofada no rosto.
Apertou a almofada em seus braços, imaginando que aquilo poderia
ser o abraço amoroso de sua mãe e as palavras divertidas de seu pai.
Lágrimas rolaram de seus olhos e seu coração apertou em seu peito
violentamente, aumentando a falta que sentia da vida que um dia tivera.
Do dia em que Michael a beijou no terraço.
Do dia em que todos passaram a chamá-la de futura Condessa de
Oxford.
Do dia em que ela se sentia feliz e satisfeita com o que tinha e
almejava para o futuro.
Lucy nunca havia se importado com a falta de contato físico íntimo
com Michael, já que a sociedade jamais incentivara a ter intimidades com
homens. Ele a beijara com carinho, beijos simples e inocentes. Segurava em
sua mão enquanto conversavam, olhava em seus olhos e a ouvia com
atenção, dizendo o quanto ela era bonita.
Michael era amoroso com ela e Lucy nunca duvidou dos
sentimentos que ele tinha por ela, mas então Aiden apareceu, caloroso e
luxuriante, beijando-a como uma deusa grega e adorando cada cantinho de
seu corpo e Lucy passou a se perguntar por que Michael nunca tentara nada
com ela quando estavam a sós. Por que nunca a beijou novamente como
fizera em seu primeiro beijo?
As acusações que Aiden fazia jocosamente acerca da preferência
sexual de Michael a feriam tanto que Lucille sentia vontade de bater nele
outra vez, socá-lo até não aguentar mais. Por fazê-la pensar se Michael
gostava dela ou desejava uma esposa para maquiar seu verdadeiro desejo.
— Lucille?
Os músculos dela ficaram tensos e ela apertou ainda mais a
almofada. Quando abriu os olhos, deparou-se com Charlotte a observando
de trás de uma das estantes. Os braços cheios de livros e um óculo pequeno
acomodado em seu nariz arrebitado.
Lucille se empertigou, sentando-se no sofá e secando o rosto
rapidamente. Mas de nada adiantou, Charlie a olhava com notável
preocupação quando colocou os livros sobre a mesa de centro e se sentou
no sofá.
— O que aconteceu, Lucille?
Ela fungou, balançando a cabeça em negação e se enrolando contra
um dos braços do sofá enquanto abraçava os joelhos. Não pôde evitar e suas
lágrimas embaçaram seus olhos, que logo transbordaram outra vez em uma
enxurrada de sentimentos.
Aquilo tudo era uma bagunça. Aquele casamento. Aquela vida.
Lucy idealizou todo seu futuro depois que se casasse com Michael e
tudo estava destruído. Nunca mais o teria, nem o veria com os mesmos
olhos, nunca mais escreveria cartas de amor longas e apaixonadas para ele.
— Lucy, por favor, diga-me o que a faz chorar assim — Charlotte
suplicou, preocupada, segurando as mãos da cunhada. — O que é?
Lucille assentiu, secando o rosto e afastando suas mãos de Charlie.
Já estava farta de fingir para Charlie que estava apaixonada por
Aiden. Não importava que ele havia lhe dito o que sentia por ela, seus atos
insensíveis não a faziam crer nos sentimentos do marido.
Embora os dela, mesmo que ainda iniciais, fossem verdadeiros.
Ela gostava de Aiden, mas aquilo era tão ruim quanto pensar em
Michael.
— Charlotte, sinto muito em dizer que meu casamento com Aiden
não passa de uma mentira…
A garota endireitou os ombros e franziu o cenho imediatamente.
— O que quer dizer com isso, Lucille?
— Seu irmão me comprou por cem mil libras.
***

Lucille esperou que Charlotte fosse se surpreender e achar que ela


estava brincando, mas a garota ficou horrorizada.
Ela se inclinou para trás, uniu as sobrancelhas em confusão e
sacudiu a cabeça sutilmente. Sussurrou coisas para si mesma, o nome do
irmão e outras palavras inaudíveis para a cunhada.
— Como assim a comprou?
Lucille assentiu. Aquilo seria mais complicado de explicar sem virar
uma história louca digna de uma ópera.
— Meu pai… — ela começou, envergonhada de falar das fraquezas
de John, que eram sussurradas nos bailes, mas nunca ditas em voz alta. —
Meu pai é viciado em jogos de azar desde que era jovem.
Charlotte ergueu as sobrancelhas com sutileza, depois engoliu em
seco e olhou piedosa para a cunhada.
— E-Ele a apostou no Sister Mary?
Lucy negou, abaixando o rosto e escondendo seus olhos molhados.
Lembrar-se de todo o caminho que fizera até lá era sofrido, principalmente
ao pensar em Michael.
— Eu não acredito que meu irmão aceitou uma aposta desse tipo —
Charlotte disse, enojada, levantando-se e andando irritada até o outro sofá.
— Ele não chegaria a tal nível de… de alienação. Ele está louco.
— Charlotte, deixe-me explicar antes…
A jovem voltou para o momento presente, virando-se para Lucy e
aquiescendo, ainda preocupada.
— Meu e o seu pai eram amigos desde os tempos de escola. Meu pai
frequentava o Sister Mary, acredito que o frequentou até o meu casamento,
pois conhecia meu marido — Lucille explicou, respirando fundo. — Eu não
sei se foi uma quantia acumulada ou se foi uma aposta impulsiva durante
um momento de muitas partidas ganhas, mas ele tem uma dívida de cem
mil libras com o cassino.
Os olhos azuis de Charlotte se arregalaram e ela levou a mão aos
lábios imediatamente.
— Isso é uma fortuna! — ela exclamou, horrorizada.
Lucy aquiesceu, soturna.
— A dívida ficou escondida por vinte e cinco anos, não sei se meu
pai se lembrava dela ou não, mas parece que o falecido duque o poupou de
pagá-la e a dívida ficou esquecida.
Charlie assentiu, compenetrada na história.
— Se eram, de fato, amigos, meu pai deve tê-lo poupado dessa
dívida. Ele era um homem bom, apesar de duro com os devedores.
— Mas parece que os documentos referentes a essa dívida
permanecerem no cassino, talvez no livro-caixa, ou em algum arquivo…
— E meu irmão achou?
Lucy assentiu, abaixando o rosto e escondendo os olhos outra vez.
Tudo aquilo era culpa de um pedaço de papel.
Não. Era culpa de Aiden e de seu egoísmo.
— Ele a achou e foi até a minha casa, trocando as cem mil libras
pela minha mão — ela explicou, erguendo o rosto e secando as bochechas
com um toque delicado. — O problema maior… é que eu já estava
comprometida com outro homem. Um homem que… é muito especial para
mim.
Charlotte inspirou, estupefata, levando a mão ao peito e franzindo as
sobrancelhas finas, ainda mais confusa.
— Eu conheci um homem durante minha terceira temporada —
Lucy começou, sentindo a garganta doer e os olhos arderem ao saber que
falaria dele. — E-Eu nunca fui a mais popular nas temporadas, eu… eu
confesso que desconfio que seja pela fama do meu pai, apesar de nunca ter
falado isso para ninguém. Meu dote era miserável para alguém da minha
estirpe…
— As pessoas são muito cruéis… — Charlotte comentou, baixinho.
— Seu pai não tem culpa da compulsão, querida cunhada.
Lucille sorriu em agradecimento diante da preocupação de Charlie.
Mas o sorriso foi pequeno e triste.
— Parece que você cresceu mesmo aqui em North Haven — ela
conseguiu dizer com bom humor, aliviada de ver a cunhada dar um
sorrisinho. — A sociedade não é um local amistoso.
— De certo que não, Lucy…
Ela meneou a cabeça, retomando a história:
— Bom… Como eu ia dizendo, eu o conheci durante o meu terceiro
ano. Ele me tratou como se eu fosse a única moça naquele baile todo —
Lucy contou, com um sorriso nostálgico no rosto e lágrimas estacionadas
nos olhos. — Dançou comigo, riu comigo… e ganhou o meu primeiro beijo
naquele dia. Ficamos juntos por seis meses.
Charlotte sorriu encantada, mas seus olhos pareciam tão tristonhos
quanto os da cunhada. Segurou as mãos de Lucy, apertando-as levemente
como incentivo para que ela conseguisse falar daquele misterioso homem.
— Ele serve ao regimento na Índia e me disse que teria de ficar
alguns anos por lá. No total, faltavam apenas dois para que ele pudesse
voltar e ser apenas um conde.
— Ele é um conde? — Charlie perguntou.
— Sim, de Oxford. O nome dele é… — Lucy parou. De alguma
forma, dizer o nome dele pareceu tão difícil quanto contar aquela trama
toda. — Michael Manley.
Charlotte assentiu. Não o conhecia.
— Meu irmão o conhece?
— Não exatamente. Michael é anos mais novo do que ele, o tempo
em que estiveram juntos em Eton foi no último ano em que Aiden estava
por lá. Michael ainda era um garoto quando seu irmão terminou a escola.
Charlie aquiesceu, calando-se outra vez para ouvir a história.
— Aiden não sabia que eu e ele éramos noivos, seu irmão não me
conhecia, também. Nunca o vi na vida até o dia em que ele apareceu na
minha casa e me tirou de Michael. — Lucy começou a sentir raiva e suas
lágrimas de tristeza se tornaram lágrimas de ira. — T-Tirou-me de tudo o
que eu havia planejado com meu querido Michael… Nossos futuros filhos,
casamento… Amor…
A jovem marquesa rapidamente tirou um lencinho do bolso
escondido de seu vestido, entregando-o para a cunhada, que não pôde mais
manter as lágrimas em seus olhos e as secou com o lenço fino.
— Michael e eu nunca fomos noivos oficialmente, entende? —
Lucy perguntou, olhando esperançosa para Charlie, em busca de algum
sentimento amistoso naquele palácio. — Todos sabiam que iríamos noivar
quando ele voltasse da Índia, e isso era o suficiente para que a sociedade
nos visse como um casal comprometido e eu pudesse me afastar das
temporadas como uma moça indisponível.
— E ele voltará quando?
— E-Em dois meses… Em quase um mês, agora.
Charlotte assentiu com pesar.
— Seu irmão não se importou com isso, sabia que se meu pai
pagasse a dívida todos nós seríamos arruinados… Ficaríamos falidos e tudo
isso prejudicaria meus cunhados e meus sobrinhos. Além de minha irmã
Joanna, que nem debutou ainda. Não tive outra escolha a não ser salvar
minha família.
— Compreendo… — Charlie sussurrou, calando-se por um longo
tempo. — Meu irmão… Por que ele separaria um casal assim? Ele é rico
como um Deus, não precisa desse dinheiro.
— Mas Tamsin precisa de uma mãe — Lucille resumiu, com
amargura, lembrando a si mesma que era praticamente uma babá com
contrato vitalício. — E, dada a forma como seu irmão se comporta, parece
que ele não leva jeito com o sexo frágil a ponto de conquistar uma mulher.
E ainda ousa dizer que meu Michael é… é um… invertido.
Charlotte corou levemente, constrangendo-se.
— Meu irmão ficou assim depois que a mamãe morreu… — Charlie
explicou, a voz triste e baixa, bastante envergonhada diante de tudo que
Aiden fizera em sua ausência. — Ele sempre foi distante dos outros, mas
nunca foi estúpido. Ele se distanciou das mulheres, disse que jamais se
casaria, por isso não vai para Londres. Para não encontrar nenhuma mulher.
Se não fosse por aquele dia com a criada, acho que ele nunca teria filhos
e… Não sei, passaria tudo para Matthew. Matthew tem renome na política,
presta seus deveres no parlamento como advogado.
Lucille uniu as sobrancelhas antes mesmo de Charlie terminar de
falar.
— Por que ele não desejaria encontrar mulheres? — ela indagou,
curiosa e confusa. — Lembro-me que ele me falou que deixou suas cortesãs
depois que meu sogro faleceu. E você disse que ele fazia uso recorrente de
meretrizes.
A marquesa aquiesceu, com um suspiro triste.
— Ele é um homem saudável, imagino que não negaria os prazeres
carnais. Mas meu irmão não deseja nenhum sentimentalismo. Matt sempre
foi o conquistador dos três irmãos, e Aiden, o mais esquisito. Não importa a
boa aparência, ele não leva jeito com galanteios…
— E por que não? — Lucy perguntou, com a voz vacilante. — E-
Ele disse que gosta de mim… Ele poderia ter mentido? Ele só gosta de mim
para certas coisas?
Charlie rapidamente fez que não, voltando a apertar as mãos de
Lucy.
— Ele me disse que gosta de você e eu acredito nas palavras dele.
Meu irmão não falaria tal coisa se fosse mentira.
— Então por que ele, às vezes, é tão ruim para mim? — Lucille
perguntou, com uma pontada de revolta, soltando as mãos da cunhada. —
Por que ele me acaricia e depois zomba de mim? Fala sobre Michael para
me ofender e me magoar? E depois volta a me tratar como uma namorada
querida? Diga-me, Charlotte. Porque isso tudo me deixa confusa! Parte
minha o quer, quer um casamento feliz, mas a outra parte chora por Michael
e não suporta esse homem que zomba de mim quando eu nada fiz contra
ele!
Charlotte balbuciou, terminando por não falar nada e murchar no
sofá. Impotente e triste.
— N-Não devo falar das questões do meu irmão sem que ele
permita. São segredos dele, não meus.
— Pois eu estou farta de tentar conquistá-lo para saber seus
segredos e ajudá-lo. — Lucy se levantou, indo até a porta e a abrindo. —
Por favor, insisto que me deixe sozinha.
Charlie abaixou a cabeça, levantou-se e parou ao lado de Lucille.
— Você gostaria de anular o casamento? Dadas às circunstâncias, eu
ficaria do seu lado, Lucille. Meu irmão errou ao forçá-la ao matrimônio e ao
tirá-la de seu homem querido. Se quiser pedir a anulação, farei o possível
para Lewie ajudá-la.
— Não posso anular, tenho uma filha agora — ela disse, firme,
ainda segurando a porta. — Esse casamento já deve ter deixado seu rastro
de escândalo em Londres quando todos souberam que deixei Michael e me
casei escondida com outro homem. Com o estranho e louco duque de
Devonshire, que coleciona bonecas. Michael e eu não ficaremos juntos
outra vez, já aceitei meu destino.
A mais nova assentiu com impotência.
— Até mais ver, Lucille…

***

— Você é horrível, Aiden.


Charlotte fechou a porta da estufa, surpreendendo-se quando viu seu
irmão parado em um canto, sentado na fonte no centro da grande estufa
repleta de trepadeiras pelas paredes de vidro e flores penduradas por cada
estante e mesa disponível. Os cabelos soltos e vestindo uma camisa mal
abotoada.
— E você não respeita os mais velhos. — Ele ficou de pé, sisudo. —
Onde está Lucille?
— Aqui ela não está — Charlie disse, indiferente, caminhando até o
irmão e parando em frente a ele. — Ela me contou a verdade sobre o
casamento de vocês, que você a tirou do homem que ela ama.
Os olhos de Aiden escureceram e ficaram frios. Mas Charlotte
pouco se incomodava com aquilo, estava mais do que acostumada a ver os
olhos do irmão sempre que ele ficava irritado com alguma coisa.
— Ela não o ama — ele respondeu, com a voz baixa e tensa.
— Como sabe disso? Você mal os conhecia antes de tudo isso.
Ele não respondeu, virou-se de costas para a irmã e andou até o
outro canto da estufa.
— Por que fez isso, Aiden? — O tom de Charlie era piedoso quando
ela teve um vislumbre do rosto abalado do irmão por detrás das samambaias
penduradas. — Por que desenterrou uma dívida esquecida e terminou com o
futuro de um casal?
— Tamsin precisa de uma mãe…
— Então por que você não fez como qualquer outro homem e foi
procurar uma esposa em Londres da forma normal? — Charlotte indagou,
andando até Aiden, que se virou para olhar pelo vidro. — Por que não foi
em algum baile qualquer? Teria várias moças disponíveis e que se casariam
com um duque sem pensar duas vezes.
— Você sabe que eu não consigo — ele murmurou, amargurado. —
Sabe que eu não sei fazer isso.
— Sabe sim — ela disse, com firmeza, tocando o ombro tenso do
irmão. — Tenho certeza que teve muitas paixões quando era mais novo,
antes do papai e da mamãe morrerem.
Ele riu, mas foi um riso sem alegria ou humor.
— Exatamente, foi antes.
Charlotte suspirou com tristeza e abraçou o irmão por trás,
recostando-se nas costas dele.
— Ficar só é diferente de se sentir só. Eu sei que, depois de passar
um tempo comigo mesma, Lewis estará lá para mim. Mas Lucille está só e,
provavelmente, sente-se assim também. Você não estará lá para ela. Você
me disse que gosta dela, é verdade, não é?
Aiden assentiu em silêncio. Gostava de Lucille, mais do que deveria
e mais do que suportava.
Gostava de tê-la em seus braços enquanto dormia. Gostava de vê-la
rir e sorrir com ele. Gostava de tudo que Lucille poderia lhe dar.
Mas aquilo o assustava, remetia a questões que ele havia decidido
esquecer. Se soubesse que iria se apaixonar por Lucy quando chegou na
Casa Mildenhall decidido a dar um futuro melhor para Tamsin, ele jamais
teria se casado com ela.
Mas, quando a viu no escritório do pai, tudo o que pôde ver era a
beleza daquela mulher. A delicadeza de seus traços.
Tão linda e tão irritante.
Mas o gênio forte dela ao se deparar com um casamento forçado não
o intimidou e, quando Lucy lhe estapeou, Aiden ficou ainda mais
apaixonado por ela. Porque sabia que era ela mulher forte o bastante para
lhe dar forças para esquecer seus fantasmas.
Porque ele nunca foi forte o suficiente para derrotá-los.
— Então por que a trata de forma diferente às vezes? — Ela se
afastou do abraço para se recostar em uma das bancadas e olhar o irmão de
longe. — Ela disse que você a trata bem e, logo depois, a trata com
deboche.
— Você sabe, Charlotte…
— Gostaria de ouvi-lo dizer, talvez isso o fizesse superar essas
coisas — ela insistiu. — Ou contar para ela, além de pedir desculpas. Ela
está sofrendo, você não pensa nisso?
É claro que ele pensava. Sentia-se um monstro horrível sempre que
via lágrimas nos olhos de Lucy, todas oriundas das palavras insensíveis
dele.
— Aiden… eu gostei dela — Charlie disse, em um tom suplicante.
— Eu quero uma irmã, sabe que eu nunca me dei com Louise ou Sylvia…
Elas me acham estranha. Principalmente Sylvia…
— Isso não é verdade. — Aiden se virou para a irmã, olhando-a com
seriedade. — Você não é estranha. E, se há algo de errado, é culpa minha
por ter mantido você aqui durante a sua adolescência. Sem nenhum
referencial feminino além da Sra. Dare.
— Sabe que eu fiquei porque quis — ela disse, com veemência. —
Eu sempre preferi a sua companhia a de Matt ou Georgie. Você e eu somos
parecidos e você me deixou estudar coisas que eu jamais estudaria em
Londres, com Sylvia me dizendo o que é digno de uma lady ou não.
— Sylvia é uma louca.
Charlie deu um riso surpreso.
— Georgie o mataria se ouvisse você falando isso da esposa dele,
sabia?
Aiden riu também, um pouco menos tenso.
Caminhou até Charlie e deixou um demorado beijo no topo dos fios
ruivos dela.
— Desculpe-me por não ter ficado com você durante a temporada.
Imagino o quão incômodo deve ter sido passar aqueles meses todos com
Sylvia. Falhei como seu protetor e tutor.
— Tudo bem. Preocupo-me mesmo é com a pequena Jane, imagine
quando ela debutar. — Ela balançou a cabeça, outra vez abraçando o irmão.
— Você tinha de ficar aqui com Tamsin e Lewis me salvou assim que eu o
conheci.
Aiden riu outra vez, afagando o ombro da irmã.
— Onde está Lucille?
— Na biblioteca da mamãe, mas ela quer ficar sozinha. É melhor
esperar um pouco…
Ele não respondeu, despediu-se da irmã com uma beliscada na
bochecha e saiu da estufa em passos apressados.
Era hora de compartilhar seus tormentos com Lucille, não mais
descontá-los nela.

***

Aiden abriu a porta da biblioteca fazendo o mínimo de barulho


possível. Quantas vezes fora até lá fazer companhia a sua mãe? Quando era
um menininho, Sybill o recebia com um enorme sorriso, deixando que ele
ficasse em seu colo enquanto ela lia alguma história para ele.
Você se parece com o seu papai, ela dizia quando Aiden era um
menininho, da idade de Tamsin. O tempo passou, ele cresceu e ficou muito
maior que a mãe, mesmo que ainda fosse um adolescente.
Você se parece tanto com o vovô MacTavish, era o que ela dizia,
sorrindo nostálgica sempre que falava do pai já falecido.
Aiden sempre ia à biblioteca da mãe quando a mulher caiu em
melancolia, levava-a até lá, onde ela lia algum livro e passava a tarde toda
deitada no sofá. Ela ficaria parada onde a deixassem e Aiden a fazia
companhia para que ela nunca fosse sugada pelos próprios pensamentos.
Depois, a levava de volta para o quarto, onde Charlie costumava dormir
com ela.
Com um movimento lento e silencioso, ele fechou a porta da sala
rosa e viu Lucille encolhida no sofá e virada para o alto espaldar cor-de-
rosa. Ela estava enrolada, escondida pelas almofadas e em silêncio.
O coração de Aiden apertou e as lembranças de sete anos atrás
voltaram com aquela visão.
Caminhou até o sofá congruente ao que ela estava, sentou-se e
esperou. Ela não estava dormindo, ele sabia diferenciar a respiração dela
adormecida da dela acordada, de tanto olhá-la dormir.
Lucy olhou por sobre o ombro e Aiden viu os olhos molhados e
vermelhos. Ele engoliu em seco, tomado pela culpa e pelo remorso.
Ele era um idiota. Não merecia ser chamado de homem.
— Lucy… — ele a chamou e ela olhou de novo. — Trouxe para
você.
Lucy olhou uma pilha pequena de revistas nas mãos de Aiden antes
de ele colocá-las no sofá em que ela estava, próximo aos pés descalços da
esposa, que havia deixado as sapatilhas no chão.
Ela puxou as revistas, vendo que eram os catálogos de moda e
tabloides de fofocas de Londres.
— Peguei com as criadas — Aiden explicou, um tanto encabulado.
— São de três dias atrás.
Lucille as puxou para si, fungando e agradecendo com um
murmúrio baixo.
— Você disse que gosta dessas coisas, não gosta? — ele perguntou,
sua voz estava cautelosa e baixa.
— Gosto…
Ela falou. Graças a Deus.
— Lucille… — ele pigarreou, desconcertado, e se ajeitou no sofá.
— Pode se virar para mim?
Ela assentiu, sentando-se e se virando de frente para Aiden.
Ele parecia tão devastado quanto ela. Com os cabelos ruivos soltos e
a camisa amarrotada, da forma que ela o deixara no quarto. Mas seus olhos
azuis não estavam nem frios, nem quentes. Estavam apagados e sem
nenhum brilho.
— Queria pedir desculpas por tudo o que eu tenho lhe causado
desde que se casou comigo e antes — ele disse, olhando-a nos olhos. —
Pelo que falo sobre Michael, pela forma como eu a trato.
Lucille permaneceu calada, olhando para o marido com olhos
molhados.
— É verdade que ele não gosta de mulheres?
Aiden rapidamente fez que não, indo até o outro sofá e ficando mais
perto de Lucy. Ela estava devastada, o rosto estava inchado por tanto chorar.
Ele deveria ir ao inferno por causar tanto mal a ela, uma criatura tão
delicada e amorosa não merecia nada daquilo.
— Eu não o conheço, Lucille. Digo apenas… porque… — ele se
calou por uns instantes antes de continuar. — Porque sinto ciúmes.
Lucille balançou a cabeça em negação, secando o rosto rapidamente
e virando-se de costas para Aiden. É claro que ele não sentia ciúmes dela,
ele não gostava dela, era tudo mentira. E ela não gostava dele.
— Lucy.
Ela balançou a cabeça outra vez e seus olhos choraram como
fizeram minutos antes de Aiden entrar na biblioteca.
— E se ele não gostar de mulheres? E se ele me usou para se livrar
das fofocas? E-Eu sei que há homens assim, m-meu cunhado… Mas ele
ama a minha irmã, são melhores amigos, p-pelo menos… — Ela chorou,
devastada com os próprios pensamentos. — E se ele nunca me achou bonita
como dizia? P-Por isso ele não me beijava e me abraçava? Apenas nosso
primeiro beijo foi tão apaixonante… S-Se ele nem me quer como amiga?
— Não, Lucy — Aiden disse, com urgência. — Ele devia estar a
respeitando, mantendo-a intocada. Um homem decente respeita uma moça,
não a força a carinhos muito íntimos.
— Não — ela negou, chorosa. — Ele não gosta de mim como
mulher. E-Ele não gosta.
Aiden imediatamente a puxou para si, mantendo-a refém de seu
abraço, mesmo que Lucille ainda estivesse de costas para ele, envolta pelo
sofrimento ao pensar no que Michael sentia ou deixava de sentir por ela.
A culpa era toda dele. Ele deveria tê-la deixado para lá em Londres,
esquecido aquela dívida como seu pai fizera e ido procurar alguma solteira
ansiosa para se casar com um duque milionário. Uma garota bonitinha com
quem seria suportável ter relações em busca de herdeiros.
Mas Aiden não queria aquilo. Não agora que desejava Lucille
dormindo em seus braços todas as noites.
— Eu gosto de você — ele sussurrou, sentindo-se imensamente
abalado pela tristeza dela. — Eu a acho linda, Lucille. Eu a quero. Gosto de
você, minha querida… Eu gosto.
— É mentira sua… — ela fungou, afastando-se do abraço e
permanecendo de costas. — Quando eu solto meus sentimentos para gostar
de você, você me trata daquela forma insuportável… E eu me arrependo de
ter criado sentimentos bons por você e volto a pensar nele, que nunca me
feriu com palavras e nem de nenhuma outra forma.
— Lucille, deixe-me explicar…
— Eu anularia esse casamento — ela disse, rancorosa. — Eu o
anularia agora mesmo e voltaria para Londres mesmo que estivesse
arruinada por passar na mão de dois homens e não ficar com nenhum,
mesmo que você deixasse meu pai falido. Voltaria mesmo que numa
carruagem-correio. Mas eu não farei isso porque há uma criança que pediu
para que eu fosse a mãe dela.
Aiden se calou, imediatamente pensando em Tamsin. Sua pequenina
Tamsin, tudo o que ele amava naquela vida. E tudo aquilo era por ela, para
que ela pudesse se casar um dia, ter amigas, ser aceita.
— Lucille… — ele retomou a voz, mesmo que baixa. — Lembra-se
quando me perguntou se eu tinha medo de alguma coisa?
Ela o olhou por sobre o ombro, ainda irritada. Mas assentiu.
— E o senhor tem medo de alguma coisa, meu lorde?
Aiden ignorou o incômodo diante da formalidade e disse na mesma
seriedade.
— Tenho medo de amar.

***

Lucille demorou para escutar verdadeiramente as palavras de Aiden.


Suas sobrancelhas se uniram em confusão e ela se virou para olhar o
marido, ficando frente a ele.
Como ele parecia triste. Tão triste quanto ela.
Lucy tentou ignorar o aperto que sentiu em seu peito ao vê-lo triste,
mas não conseguiu. O homem estava falando sério, seja lá como fosse
possível temer amar algo ou alguém.
— Você não ama a sua filha? — Foi tudo que ela pensou em
perguntar.
— Não falo desse tipo de amor — ele explicou, com um suspiro
cansado, e se levantou do sofá para caminhar pelo espaço ao redor dele. —
Falo sobre o amor romântico.
Lucy anuiu, embora ainda estivesse um tanto surpresa.
Aiden a olhou e viu que ela não estava o entendendo. Ele não queria
ir mais fundo, queria apenas que ela entendesse tudo apenas com aquilo.
Ele tinha medo de amar, simples.
Não tão simples, é claro. Aiden não vivia desde que aquele medo se
alastrou em sua alma.
— Quando minha mãe morreu, ela tinha apenas quarenta e cinco
anos — ele começou, ciente que ela não poderia ajudá-lo nem o entender se
ele não revelasse os próprios sentimentos. — Ela era relativamente jovem,
ainda muito bonita e queria ter mais uma filha com o meu pai. Para fazer
companhia à Charlie.
Lucille decidiu não dizer nada. Fora ensinada pela mãe a não tentar
aliviar a morte de um ente querido com palavras vazias.
A tristeza de um luto duraria o tempo que fosse, independentemente
de palavras educadas.
— Você deve saber como ela morreu — Aiden disse. — Londres
toda sabe.
— De tristeza, eu suponho… — ela murmurou, soturna.
Aiden assentiu, andando até uma das estantes e focando em olhar
para os livros.
— É difícil figurar como é morrer de tristeza, não acha?
— Acredito que sim — Lucy concordou baixinho, olhando para as
costas do marido.
— Meu pai sofreu um acidente de carruagem enquanto vinha para
cá, a perna dele ficou… Bom, ele não tinha muito da perna — Aiden disse,
com amargor, e Lucy engoliu em seco ao imaginar a situação. — Todos nós
viemos para cá para ficar com ele. Depois que os médicos o amputaram,
tudo pareceu melhorar e cicatrizar como deveria. Minha mãe passava os
dias com ele e os dois sorriam um para o outro, dando força para seguirem
em frente.
Ela continuou calada e Aiden recebeu o silêncio agradecido.
Olhou para as lombadas dos livros, mas sua visão ficou embaçada
diante das lágrimas que ele guardava para si havia tempo demais.
— Mas ele morreu, a ferida não cicatrizou bem e morreu — ele
resumiu, vacilante. — Ele morreu e minha mãe morreu por dentro.
Lucille levou a mão ao peito. Queria levantar e ir até Aiden, mas se
ele estava longe e de costas, era porque preferia assim.
— Meus pais nunca foram cuidadosos em suas demonstrações de
afeto — Aiden continuou. — Viviam abraçados e de mãos dadas, beijavam-
se na nossa frente e meu pai nunca perdia a chance de dizer a minha mãe o
quanto ele a amava.
Lucy sorriu discretamente, seus pais eram tão bobos quanto os de
Aiden.
— Eu sempre acreditei no amor — Aiden confessou, andando pela
biblioteca enquanto os olhos de Lucy o acompanhavam. — Queria me casar
por amor, todos nós, na verdade. Matthew, George e Charlotte realizaram
esse desejo. Mas eu não o quis mais depois que meu pai morreu e minha
mãe ficou sozinha, doente e melancólica. Eu não quis mais pensar em amar
uma mulher.
— Por quê? — Lucy não se conteve.
— Porque minha mãe morreu — ele respondeu, virando-se para
olhar Lucille e fazê-la entender. — Ela morreu, Lucille. Eu sei que não faz
sentindo, mas eu sinto esse medo dentro de mim… consumindo-me.
Lucy se levantou, não mais suportando vê-lo chorar. Abraçou
Aiden, envolvendo seu pescoço com os braços para depois segurar o rosto
dele. Os olhos azuis estavam molhados, mas o rosto ainda seco mostrava
que o orgulho dele era mais forte e não o deixava chorar na frente dela.
— Aiden, isso não pode ser mudado — ela disse, cautelosamente.
— Mas você pode mudar.
Aiden fechou os olhos com o toque delicado dela em seu rosto.
Sentiu os polegares lhe tocarem as bochechas e desejou poder passar o resto
de sua vida sentindo o carinho de Lucy.
Mas não, não conseguia.
— Eu não quero morrer como ela, Lucy — Aiden disse, com
tristeza. — Eu não quero… morrer por causa de um amor que me deixou.
— Você não vai morrer por isso — ela sussurrou, deixando que seus
dedos acariciassem os cabelos ruivos dele. — Não vai…
— Mas e se você morrer antes de mim? Eu não posso ficar sem
você. Sozinho de novo. Sozinho como ela, em um estado tão vergonhoso.
Lucy piscou, atordoada. Ele gostava dela, mesmo que um pouco.
Mas era o suficiente para fazê-lo pensar em seu medo e em como aquilo o
afetava? Parecia que não.
O coração de Lucy perdeu o compasso e ela abraçou o marido outra
vez, sem saber o que fazer diante daquela pergunta. Abraçá-lo pareceu
suficiente e era tudo que ela queria fazer desde que viu os olhos molhados
de Aiden, que lutava para não chorar.
— E se eu morrer depois de você? — ela perguntou, voltando a
olhá-lo. — Já pensou nisso?
— Você não vai sofrer — ele desconversou, afastando-se do abraço
e se sentando em um dos sofás. — Eu não sou um bom homem ou marido
para você. Peço perdão pela forma como a tratei, eu só… tento evitar que
você goste de mim, mas isso não funciona porque eu continuo pensando em
você, Lucille. E é pior saber que você pensa em outro homem do que perdê-
la para a morte.
— Oh, Aiden…— Lucy suspirou, com impotência, sentando-se
junto do marido e lhe segurando as mãos. — Eu tenho desejado mudar
nosso casamento, esquecer Michael e fazer com que eu e você tenhamos um
casamento amoroso… Por que não tenta comigo? Nós havíamos combinado
de começar de novo, mas tudo se perdeu pelo caminho…
Ele negou com a cabeça, desvencilhando-se sutilmente das mãos de
Lucille e sentindo-se horrível após perder o calor do toque dela.
— Minha mãe morreu aos poucos — Aiden continuou, olhando para
as próprias mãos. — Ela não comia direito, não queria sair do quarto e
éramos obrigados a andar com ela pela herdade para que ela tomasse sol.
Ela agia como uma idosa senil, mas a sua aparência era a de uma mulher
bonita e jovem… Mas, com o tempo… o cabelo dela começou a cair por
causa da tristeza e ela desmaiava quase sempre.
Lucille o olhou tristemente ao pensar naquela linda moça que vira
na galeria crescer e se perder na melancolia. Seus olhos arderam em
lágrimas que ela não pôde conter, sensibilizada pela história e pela tristeza
iminente no discurso do marido.
— Houve uma vez em que estávamos passeando pelos jardins. Eu,
ela e Charlie.
— E seus irmãos? — Lucy perguntou, curiosa.
— George estava na universidade e Matthew havia ido a Londres
resolver assuntos que eu não queria assumir sendo o duque. Matt já estava
casado e tinha a própria vida, embora Louise vivesse aqui para que minha
mãe convivesse um pouco com Dominick. Parecia que todos sabiam que ela
morreria logo.
Ela assentiu, deixando que ele continuasse.
— Nesse dia, minha mãe estava muito adoecida e desmaiou de
repente… Eu me lembro como foi ruim e estranho carregar a minha mãe
nos braços. — Aiden parou, olhou para Lucy e franziu o cenho. — Alguém
já lhe disse que um dia cuidaremos de nossos pais quando eles fossem
velhos?
Lucy fez que sim.
— Mas ela não era velha — ele continuou. — E, quando eu a peguei
nos braços para levá-la de volta para casa, eu imaginei como seria se ela
estivesse morta naquele momento. No meu colo… Sem conseguir se
despedir porque a morte chegou repentinamente. Depois desse dia, ela
morreu. Uma semana depois. Um dia antes, ela me chamou e disse que me
amava muito…
Aiden se calou imediatamente, abaixando o rosto e ignorando a
ardência em seus olhos.
Lucille molhou o rosto outra vez e, quando foi secá-las, Aiden a
impediu. Ele mesmo o fez, tocando a pele clara de Lucy e a secando
vagarosamente.
— O que ela disse, Aiden? — Lucy perguntou, baixinho, tocando o
canto externo dos olhos dele.
— Disse que me amava e que eu deveria cuidar de Charlie, ter
muitos filhos e amá-los também… Eu sabia que ela morreria logo — ele
confessou, em um sussurro choroso. — Então, eu dormi ao lado dela e,
quando acordei, ela havia ido embora.
Lucille o puxou para um abraço, afagando as costas de Aiden e o
mantendo aninhado contra seu ombro. Com um suspiro pesaroso, ela beijou
os cabelos do marido e o manteve escondido em seu abraço, guardando
segredo de que ele chorava como outro qualquer.
— O que os médicos disseram? — Ela quis saber.
— Que foi o coração, muito provavelmente. Parou no meio da noite
— Aiden explicou, reconfortado pelo carinho de Lucille em suas costas. —
A má alimentação enfraqueceu o coração dela.
— Mas não havia ninguém para ter certeza de que ela comia tudo?
— Ela comia tudo, Lucy — ele disse, triste a ponto de vacilar.
Abraçou o corpo pequeno de Lucy e fechou seus olhos dolorosamente outra
vez. — Mas ela vomitava involuntariamente. Parecia que… o corpo dela
havia se deixado levar pela mente e desejado morrer também.
— Pense que… que ela foi ficar com o seu pai. — Ela tentou abrir
um sorriso. — Foi isso, Aiden.
Ele balançou a cabeça negativamente e se afastou do abraço, mesmo
que quisesse ficar o resto da vida entre as carícias de Lucille.
Lucy se viu impotente, o que era a pior coisa do mundo. Não queria
que Aiden ficasse triste, não queria ver seus olhos azuis tão opacos. Queria
eles quentes de novo. Ou frios, ela não se importava desde que exalassem
algo que não fosse tristeza.
— Perdoe-me pelo que eu falo de Michael — ele disse, com
arrependimento. — Perdoe-me também por não controlar meus sentimentos
aversivos, eles são culpa desse medo tolo que eu sinto. Medo de morrer por
dentro e viver em sofrimento até que eu, de fato, deixe esse mundo.
— Não vou mentir e dizer que está tudo bem… Você me magoa
quase sempre com suas palavras e, quando faz acusações como aquela
sobre Michael, eu penso que pode ser verdade e que ele nunca gostou de
mim da forma como eu gostei dele.
— Você só saberá disso quando o ver novamente, Lucille.
— Não quero vê-lo… — ela negou, respirando fundo e voltando a
segurar as mãos quentes do marido. — O seu incômodo de multidões é por
causa de tudo isso que me contou?
Aiden fez que não, passando um dos braços ao redor da cintura de
Lucille e a puxando para ficar em seu colo. Ela não resistiu, queria ficar
perto de Aiden e fazê-lo esquecer todos aqueles sentimentos ruins e
distorcidos acerca do amor.
Ela o envolveu pelo pescoço, tocando os cabelos ruivos e passando
uma mecha por detrás da orelha dele.
— Então, você sempre teve isso?
— Desde que me lembro. — Ele aquiesceu. — Mas não vou a
Londres porque não desejo conhecer nenhuma mulher digna de casamento.
Por isso eu nunca mais saí daqui. Mas então…
— Tamsin chegou — Lucy abriu um sorrisinho bem-humorado.
— Sim… Eu estava decidido a criá-la sozinha, ensiná-la a enfrentar
os olhares tortos de Londres quando crescesse. Mas, um dia, ela veio até
mim e me perguntou onde estava a mãe, porque todos seus primos tinham
mães, menos ela.
— E o que você disse?
— A verdade — Aiden suspirou com pesar, segurando uma das
mãos de Lucille e a averiguando perto da sua. — Claro que da forma mais
branda possível. Ela pareceu entender, mas no dia seguinte me perguntou
quando a mãe voltaria. E eu disse que ela não voltaria. Desde então, ela
sofre quando eu tenho de sair, acho que ela pensa que eu não voltarei. Outro
motivo para eu não ir tanto a Londres, não gosto de pensar que ela fica aqui
chorando e temendo que eu não volte para ela.
— Eu vi como é… — Lucy confessou, em um lamento. — Partiu-
me o coração.
Aiden assentiu e deu um muxoxo de impotência.
— Eu fui para Londres resolver os assuntos do Sister Mary e ver o
que eu tinha de ver no Parlamento. Estava decidido que eu arrumaria uma
esposa, talvez uma viúva que não conseguiu ter filhos. Ou uma garota boba
que quisesse um marido rico. — Ele riu, desdenhoso de si mesmo, e
recebeu um carinho em sua bochecha que lhe causou um choque por toda a
espinha. — Eu não queria ir a bailes ou qualquer coisa do tipo para entrar
em contato com as moças, eu não queria toda aquela multidão me
sufocando por eu estar de volta. Eu também não queria conhecer uma moça
que me despertasse algo. Apesar de todo o temor que sinto e de agir de
forma tão repugnante, eu sou capaz de amar. Eu sei que sou, por isso me
escondo aqui em Greenhill.
Lucille abriu um sorriso pequeno e um tanto piedoso. Abaixou-se
um pouco para perto de Aiden e lhe tocou os lábios com um selar
demorado.
— E você desistiu diante de tantas hipóteses catastróficas? — Ela
quis saber.
— Eu estava procrastinando a ida ao Almack’s, fui ao cassino beber
um pouco e revirei os arquivos por conta do tédio.
— E encontrou o meu pai — Lucy disse, lamentosa, e afastou a mão
do rosto de Aiden. — O que dizia nos papéis?
— Que a era dívida de anos, que seu pai ainda é casado e tem filhas.
Além de outras informações preciosas para caso o cassino precise delas —
Aiden explicou, e viu que Lucille havia franzido o cenho em desacordo. Ele
riu baixo, beijando-a rapidamente e beliscando as costas de sua mão pálida.
— É comum termos informações extras dos devedores, Lucille. Alguns não
querem pagar as dívidas e precisamos chantageá-los.
— Parece-me tortura — ela disse, com um leve dar de ombros. —
Acho que não quero mais conhecer esse cassino.
Aiden riu outra vez e Lucille não conteve um sorriso. Era melhor tê-
lo rindo dela do que chorando em seu ombro outra vez.
Lucy se ajeitou no colo dele e voltou a mexer nas mechas ruivas de
seus cabelos.
— Quando viu a ficha dele, não pensou que talvez fosse gostar de
uma das filhas?
— Imaginei que sim, mas eu estava preparado para me manter
afastado — ele confessou. — Só que, quando eu a vi, a achei tão bela…
Imediatamente eu tive de mantê-la longe de mim.
— Tratando-me como uma garota tola, eu imagino.
— Sinto muito — Aiden disse, amargurado. — É algo involuntário,
mas que me causa angústia. É terrível saber que eu a entristeço.
— Deixe-me fazê-lo mudar esse seu jeito? — Lucille perguntou,
olhando naqueles olhos azuis e intensos. — Vamos criar um casamento
carinhoso. Eu já aceitei o fato de que eu e Michael jamais ficaremos juntos
e meu desejo agora é amar você, Aiden. É esquecer Michael e amar você.
Aiden fechou os olhos e negou com a cabeça. Não conseguia, por
mais que desejasse tanto ter o amor de Lucy naquele momento. Vê-la
superar Michael e amar a ele. E ele também queria amá-la.
Mas por que ele se sentia aterrorizado e ansioso demais pela simples
ideia de amá-la?
Aiden não conseguia explicar, mesmo que parecesse claro. Seus
irmãos e ele viveram o mesmo dilema com a mãe, mas só ele saiu daquela
forma. Perturbado e afetado pelos sete anos seguidos.
Todos os outros três Chatham viviam vidas satisfatórias com seus
cônjuges amados, felizes e aparentemente sem nenhum problema.
— Aiden… vamos? — ela perguntou, baixo, levantando o rosto
tenso dele para olhá-la outra vez. — Vamos tentar, meu troglodita?
Ele assentiu, não poderia fazer nada além de assentir diante daqueles
lindos olhos castanhos.
Lucy sorriu satisfeita, um sorriso pequeno e singelo que sumiu
assim que ela o beijou e o envolveu com os braços outra vez.
Capítulo 21

Aiden terminou o nó de seu lenço e alisou sua camisa, terminando


de se vestir para o jantar. Mas continuou se olhando no espelho. Agora
parecia um homem digno, com os cabelos presos e uma roupa limpa.
Ter contado parte de suas fraquezas para Lucy não foi tão
vergonhoso quanto pensou. Sentia seu peito mais leve e seus ombros menos
tensos. Compartilhar algo com Lucy foi uma experiência ótima, apesar de
ele ter escapado para dormir o resto do dia tamanho o constrangimento que
sentia por ter chorado no ombro dela.
Aiden não chorava. Ele não gostava de chorar.
A última vez em que havia chorado fora quando Tamsin ficara
gravemente adoecida e ele temeu perder seu pequeno tesouro. E foi uma
experiência que nem mesmo a pequenina vira.
Se ninguém viu, nunca aconteceu. Simples.
Mas Lucy o havia visto chorar. Havia dado colo a ele e enxugado
suas lágrimas como uma mãe que acalenta seu bebê.
Parte sua havia adorado o carinho dela, mas a outra estava
constrangida por mostrar suas fraquezas. Agora, teria de olhá-la durante o
jantar, dividir a mesma cama que ela e pensar que ela o havia visto chorar
vergonhosamente.
Respirou fundo e puxou o paletó negro, saindo dos aposentos ducais
e esbarrando com Charlotte de pé em frente à sua porta. A mocinha sorriu,
levando a mão ao peito e rindo sozinha.
— Que susto — ela disse, bem-humorada, puxando o braço do
irmão e o encaixando ao seu. — Vamos?
Aiden a olhou de soslaio, não respondendo nada e andando em
passos rápidos. Charlie se equilibrou e seguiu o ritmo do irmão antes que
fosse arrastada por ele.
— Fez as pazes com Lucille? — ela perguntou, sem protelação.
Ele a olhou outra vez e assentiu, sério.
— Sim.
— Completamente?
— É claro que o que eu a fiz sentir não pode ser desfeito — ele
respondeu o mais breve possível.
— Mas tudo pode melhorar agora. — Charlotte ergueu o indicador
antes de se colar ao braço do irmão e sussurrar. — Contou para ela?
Aiden fez que sim, pigarreando baixo e arrumando o lenço em seu
pescoço.
— Agora tudo vai ser diferente, não se preocupe. — Charlie deu um
tapinha amigável no antebraço de Aiden. — Uma pena que teremos de ir
embora depois de amanhã, gostaria de ficar mais e ver o desenrolar desse
casamento.
— Mandarei relatórios semanais, minha lady.
Charlotte abriu um sorrisinho insolente e assentiu com altivez,
soltando-se do irmão quando chegaram à porta da sala de jantar. Ela o
ultrapassou, entrando primeiro e esperando o marido, que se pôs de pé e a
ajudou a se sentar sem desviar os olhos um do outro por nenhum segundo.
Nojentos, Aiden pensou. Aqueles dois faziam amor com os olhos e
ele não gostava de pensar na irmãzinha nos braços de um homem. Mesmo
que fosse o marido dela.
Aiden viu que Lucy e Tamsin ainda não estavam por lá. Sentou-se
em sua cabeceira e esperou, ignorando o burburinho de Charlotte e Lewis,
cochichando e rindo um com o outro. Sabia que não era sobre ele, mas
aqueles dois pombinhos lhe davam nos nervos.
Então, a porta se abriu outra vez e ele se levantou imediatamente.
Um pouco rápido demais, quase derrubando a taça ainda vazia.
Lucille e Tamsin haviam combinado vestidos. Ambos eram roxos e
com detalhes dourados, como mãe e filha. Santo Deus, estavam adoráveis.
Até o penteado era o mesmo.
Aiden as olhou sem piscar, vidrado na imagem das duas tão
próximas. Tamsin poderia muito bem ser filha deles dois. A mãe da
pequenina tinha características parecidas com as de Lucy: cabelos enrolados
e olhos castanhos. Contudo, a mocinha insolente era loira e com certa
silhueta. Mas os cachos e os olhos escuros foram passados para Tamsin e
aquilo era o suficiente para Aiden imaginá-la como fruto de uma noite de
amor com Lucy.
Noite essa que nunca existiu. Ela continuava virgem e capaz de
anular o casamento com a virtude como prova.
O Duque Louco é incapaz de me fazer mulher. Ela poderia dizer
aquilo, quem duvidaria? Tragam-me as vagabundas de North Haven, ele
diria em sua defesa.
Aiden engoliu em seco. Tudo pareceu bem no final daquela tarde.
Mas ela poderia estar com pena dele, não decidida a amá-lo realmente. Não
depois de ele ter confessado ser um tolo com medo de uma morte
específica.
Ignorou seus pensamentos e ajudou Tamsin a se sentar, dando uma
beliscada amorosa na bochecha dela antes de puxar a cadeira para Lucille.
Ela o olhou e sorriu, um sorriso pequeno e adorável que fez seu
coração se atrapalhar nas próprias batidas.
— Vossa Graça — ela sussurrou, acompanhando-o enquanto ele se
sentava outra vez.
Aiden devolveu o sorriso, novamente vendo que aquele não era um
ato tão difícil de fazer.
— Papai, gostou do meu vestido? — Tamsin perguntou, sorridente.
— É muito bonito, meu amor — ele respondeu, beliscando o nariz
dela, que riu e se empertigou, toda vaidosa.
Aiden se arrumou na cadeira e percebeu o olhar curioso de Lucy
sobre ele. A mulher devia ficar surpresa sempre que ele tratava um ser vivo
com carinho.
Ou talvez o fato de Tamsin fazer as refeições à mesa, algo que ele
não via muito em Londres.
— A mamãe Lucy que escolheu — Tamsin disse, contente,
desavisada do silêncio surpreso de todos na mesa.
Lucille parou com o garfo a caminho da boca, controlando um
sorriso emocionado ao ser vista, de fato, como mãe de Tamsin. Embora a
menina tenha dito seu nome depois, ainda dando existência à progenitora
desconhecida.
— Parece que a sua mamãe é muita boa em escolher vestidinhos —
Charlie quebrou o silêncio, sorrindo feliz para a sobrinha.
— É sim! — Tamsin disse, adoravelmente feliz, olhando o lacaio
servir um prato para ela, com o cenho franzido diante de uma criança que
acabara de largar as fraldas e já comia com os adultos. — Não cortou?
O criado, que era novo naquela casa, olhou confuso para o prato. Sr.
Dare apareceu ao lado dele, pigarreando sutilmente e fazendo o jovem se
afastar da pequena lady.
— Eu corto, Dare — Aiden respondeu, pegando o prato da filha e
cortando a carne em pedaços pequenos.
Lucy, que já estava acostumada em ter uma criança fazendo suas
refeições com os adultos, ignorou aquele acontecimento. Mas o novo criado
parecia bastante confuso com Lady Tamsin.
O jantar correu agradavelmente, Lucille conversava com Charlotte
como se nenhum drama houvesse acontecido naquele dia. Vez ou outra,
Lucy o olhava de soslaio e lhe lançava um sorriso amável e discreto, mas
sempre mantinha sua conversa com a cunhada.

***

Ele tinha de fazer algo bom para ela. Lucy merecia. Deveria ser um
marido melhor, agora que ela sabia de seus fantasmas, talvez entendesse
seus esforços como forma de criar uma convivência melhor, não de tentar
levá-la para a cama.
Iriam para Londres, seria perfeito.
Bem, não para ele. Mas para ela.
Aiden ficaria em casa e Lucy visitaria as amigas, faria tudo o que
gostava de fazer e, então, voltariam para North Haven. É claro que Tamsin
iria com eles e seria informalmente apresentada à sociedade. Não seria
terrível se fosse passear com ela e a esposa no parque uma vez.
Lucille ficaria feliz e veria que Aiden se importava com ela e estava
agradecido por todos os carinhos que ela lhe dava.
Após o jantar, sorrateiramente, ele interceptara Gwen no corredor e
a mandara de volta para o alojamento dos criados. Satisfeito, ele entrou no
quarto da duquesa e fechou a porta, fazendo barulho o suficiente para
chamar a atenção de Lucy em sua penteadeira.
— Brutamontes — ela o saudou em um tom bastante amoroso. —
Ficou com Lewis?
— Ele dormiu de tanto beber — Aiden riu baixo e pigarreou. —
Iremos para Londres daqui a três meses, querida. Eu, você e Tamsin.
Lucille virou o rosto imediatamente, o horror estampado em seus
olhos.
— O quê?
— Londres. — Aiden se sentou no banco acolchoado perto da cama
para poder observá-la confortavelmente. — Quero que todos vejam Tamsin
e você precisa de um vestido novo e luxuoso. Sei que gostaria de visitar a
cidade.
Lucy engoliu em seco, voltando a olhar o próprio reflexo enquanto
tentava desfazer o penteado com as mãos trêmulas.
Santo Deus, o que havia dado nela? Aiden se levantou e afastou as
mãos de Lucille do próprio cabelo, trabalhando ele mesmo para a remoção
de cada grampo enquanto providenciava um delicado cafuné.
— Temos que fazer um retrato da nova duquesa e você precisa de
um vestido adequado para uma ocasião desse tipo. Além de joias que
combinem com o seu anel.
— P-Podemos chamar a modista para vir até aqui. E as assistentes e
tudo mais. M-Madame Devereux adoraria visitar. As joias, e-eu desenho e
mando o ourives fazer.
Aiden uniu as sobrancelhas diante do nervosismo dela. Aquilo
estava errado, era para ela sorrir feliz por saber que iriam a Londres.
— Tamsin precisa ser apresentada ao mundo, Lucille. Ela tem uma
mãe agora.
— Podemos fazer isso escrevendo uma pequena coluna para o
jornal. — Lucille se levantou, andando apressada para o quarto de vestir e
encostando a porta.
Aiden suspirou, recostando-se no dossel da cama e cruzando os
braços.
— Pensei que você fosse gostar de ir até a capital outra vez, visitar
suas amigas, talvez. Podemos ficar por quanto tempo quiser, podemos ficar
meses se quiser. Não me importo, faço apenas o que deseja.
— Michael estará lá. — A voz dela veio abafada, mas o temor ainda
era perceptível. — Não teria coragem de vê-lo, n-não depois de desonrar
com nossos votos.
Aiden expirou, descruzando os braços e caminhando até a porta,
onde se recostou no batente.
— Votos?
Lucille não respondeu, demorando-se enquanto tentava tirar o
próprio espartilho. Ela olhou para a porta, não vendo sinal de Aiden a
bisbilhotando. Graças a Deus.
Entortou os braços em uma posição nada agradável, tentando sem
sucesso desamarrar o laço do espartilho. Suspirou exausta, se jogando
contra a parede. Onde diabos Gwen se metera?
Lucy gemeu em sofrimento, encurvando-se enquanto sentia a ponta
dos dedos rasparem nos laços que prendiam a lingerie ao seu peito.
— Lucille? — Aiden a chamou, um tanto preocupado. — Podemos
conversar sobre isso depois, não se preocupe. Podemos ir ano que vem, se
for melhor.
— Ótimo — ela exclamou afetadamente, tentando abaixar as alças
do espartilho. — Você não viu Gwen por aí?
— Eu a dispensei.
— Dispensou? — Lucy resfolegou, devastada, decidida a dormir
com o espartilho. — Mas que merda…
Aiden riu do outro lado, virando um pouco a cabeça.
— Algum problema, Sra. Boca Suja?
— Sabe que uma dama tem os laços da roupa íntima nas costas e
dispensa a minha criada!
Aiden gargalhou, sacudindo os ombros e abrindo a porta do quarto
de vestir. Lucille soluçou surpresa, escondendo-se atrás de um biombo.
— Você planejou tudo isso, não foi, seu troglodita? — ela
perguntou, irritada, ficando na ponta do pé para olhar Aiden do outro lado.
As sobrancelhas dela se uniram em fúria e os olhos enormes ficaram
apertados.
— Sim, madame — ele disse, orgulhoso, sentando-se na cadeira
encostada em um canto do quarto pequeno. — Por que está se escondendo?
Já estive com minha boca nos seus lindos e deliciosos seios.
Lucille queimou como um fogaréu de vergonha, abaixando-se e
voltando a se esconder do marido. Ela não estava preparada para a
consumação. Ela não conseguiria naquela noite, nem na próxima e nem
depois da próxima. Na verdade, não sabia quando estaria pronta para
receber Aiden em toda a sua glória masculina.
E sabia que era mais por questões emocionais do que físicas, porque
seu corpo estava ansioso para sentir Aiden dentro dele, mas seu coração
sentia uma terrível culpa por desejar tanto aquele homem.
— Lucy.
Os ouvidos dela imediatamente se voltaram para a voz risonha de
Aiden a chamando pelo apelido.
— Quer ajuda? Ou vai dormir com essa coisa apertada?
— N-Não é tão apertada assim.
— Deixe-me ajudá-la. — Aiden se levantou, parando atrás do
biombo, muito menor que ele. — Lucille.
Ela levantou a cabeça, olhando o marido a observar trinta
centímetros acima dela e abrir um sorriso perverso. O biombo não servia de
nada quando ele estava de pé.
— Eu mandei a camareira embora porque queria dar a notícia sobre
nossa ida a Londres. Depois eu chamaria a garota de volta para despi-la.
Lucille piscou, bufou e virou de costas.
— Ajude-me, então. Já que causou essa confusão toda — ela disse,
a contragosto. — E depois podemos falar sobre essa viagem…
Aiden passou para o outro lado do biombo, olhando para as costas
de Lucille. O espartilho dela era curto, dando suporte apenas aos seios. Um
modelo que ele nunca havia visto na vida, mesmo se orgulhando de ter
conhecido todas as prostitutas de North Haven e mais um pouco.
— É um modelo novo?
— C-Como? — Lucille perguntou, com a voz estrangulada em
constrangimento.
— Nunca havia visto um espartilho tão curto.
Lucy suspirou, assentindo e continuando ereta e de costas para
Aiden. É claro que não tinha visto, ele devia ver espartilhos longos que
suportavam os seios enormes das loiras bonitas.
— Mulheres de seios pequenos não precisam de tanto suporte — ela
disse, inexpressiva. — Imagino que tenha se deitado com mulheres com
seios merecedores de um longo espartilho.
Aiden nada respondeu. Puxou os laços do lingerie, parando no meio
do caminho para que aquele momento de proximidade durasse mais tempo.
— Como eram as suas cortesãs? — Lucille perguntou,
repentinamente, sua voz saiu baixa e soturna.
Aiden crispou os lábios. O que Lucille gostaria de ouvir? Ele já
estava se tornando ciente de que ela tinha suas questões acerca do corpo
delicado que tinha, o que ela desejava ouvir que não fosse feri-la?
— Elas eram… mulheres com curvas. O tipo mais popular.
Lucille assentiu, olhando para os próprios seios ainda acomodados
nas taças do espartilho.
— Você disse que gosta de mulheres delicadas…
Merda. É claro que ele gostava, ele gostava de tudo que fosse como
Lucille desde que a vira naquele dia no escritório de John Mildenhall.
Gostava de sardas, seios pequenos, cabelos cacheados e olhos castanhos.
Gostava de tudo aquilo.
— Não vou mentir para você, Lucy — ele começou, terminando de
desfazer o laço e sentindo as costelas dela expandirem mais um pouco. —
Eu não me interessava por moças do seu tipo até conhecê-la. Agora, se me
colocarem em um lugar repleto de mulheres, nenhuma delas será tão
atraente quanto você.
Lucille assentiu, dando um passo para frente e tirando o espartilho,
ainda sem virar para o marido. Aiden respeitou a privacidade de Lucy e
passou para o outro lado do biombo, sentando-se novamente na cadeira que
ocupara antes.
— Você gostava delas?
Aiden demorou a responder. Olhou para a chama trêmula da
arandela na parede e respondeu a verdade, com a voz calma.
— Não. Meu interesse era puramente sexual e eu preferia ter a
companhia de mulheres cultas do que ficar famoso por viver dentro de um
bordel.
Lucille não respondeu de volta. Ele ouviu o som da água na bacia e
fechou os olhos em dor, a bendita estava se lavando a um biombo de
distância. Provavelmente nua, ou só com o chemise.
— Você gostava de ter relações com elas?
— Fisicamente, sim. — Ele foi sincero. — Era satisfatório.
— Fisicamente?
Aiden demorou a responder outra vez. Seja lá qual fosse a intenção
de Lucille com aquele pequeno interrogatório, Aiden não estava gostando
nada de revirar a própria cabeça outra vez.
— Eu nunca fiz amor com uma mulher — ele respondeu. — Talvez
você pense que esse seja só um nome menos obsceno para o ato sexual,
mas, não, minha querida irritante. Há uma diferença entre se deitar com
uma mulher qualquer e se deitar com uma mulher amada.
Outra vez o silêncio se fez. Dessa vez sem o barulho da água.
— Como você sabe que tem diferença se nunca fez?
Aiden abriu um sorriso enviesado, rindo baixinho e assentindo para
si mesmo. Espertinha.
— É o que meus irmãos me falaram, Lucy. O que me resta é crer.
— Se há duas formas… quer dizer que fazer amor é bom e a outra
vai doer?
Por que ela continuava atrás daquele maldito biombo? O medo
transparente na voz de Lucille causou um enorme desconforto.
— Não, Lucy. A dor acontece quando você se deita com um homem
à força. O corpo da mulher recebe um homem se desejá-lo, mesmo que não
vá fazer amor com ele, mas sim a outra forma.
Silêncio outra vez. Ela estava se escondendo dele.
Aiden quis jogar aquele biombo fora.
— Como é o nome da outra forma?
Ele riu consigo mesmo, um risinho baixo como se fosse um pedido
de socorro para Deus.
— Quer o nome menos feio ou o mais feio?
Lucy ficou em silêncio de novo. E Aiden ouviu o barulho da água
na bacia quando ela molhou o pano novamente.
— O mais feio.
Aiden assentiu, balançando a cabeça.
— Foder, minha querida.
— Oh… — ela soluçou baixinho. — Então isso que é foder?
— Sim — ele disse, com uma tremenda vontade de rir. — Isso que é
foder. Fazer amor, mas sem amor. Apenas paixão.
— Interessante — ela comentou baixinho. — E não dá para foder
fazendo amor?
Aiden fechou os olhos e rezou em silêncio. Claro que dá. Ele estava
louco para fazer aquilo com Lucy, transbordá-la de amor e de tesão. Uma
mistura perfeita, beijos e mordidas.
Fez-se silêncio mais uma vez e Aiden fechou os olhos, imaginando
como Lucy estava do outro lado daquele biombo. Estava nua? Ou só com o
chemise? Ele queria ser aquele paninho que limpava sua pele.
Eles poderiam fazer amor sem amor ali mesmo.
Ou amor com muito amor.
— Aiden, qual o seu tamanho?
Ele se empertigou com a inusitada pergunta e um dos cantos de seus
lábios se repuxou em um sorriso indolente.
— O que foi, Lucille?
— O seu tamanho, maldição — ela disse, entre os dentes, causando
uma risada involuntária no marido.
Ele adorava quando ela praguejava, era uma das coisas mais
divertidas do mundo.
— Um tamanho adequado.
— Você sabe em exatos centímetros?
Aiden riu outra vez. Medir o próprio pênis era o tipo de coisa que
ele fazia em Eton, já que a vida de um homem gira em torno do próprio
pênis. Um jovem gastaria algumas horas discutindo com os camaradas
quem era o mais homem de todos.
— Não sei, Lucy. Mas é tamanho suficiente para agradá-la.
Lucille tocou as próprias bochechas. Estavam queimando de
constrangimento. Como sairia daquele biombo com Aiden a esperando logo
na saída, pronto para fazê-la se sentir ainda mais constrangida por ser tão
curiosa?
— Vou me deitar — ele anunciou e o peito de Lucille relaxou em
alívio.
Espiou pelo biombo e viu que Aiden havia se retirado.
Rapidamente, ela apagou as velas do quarto de vestir, correu até a suíte da
duquesa e apagou todas as velas sem olhar para trás, apressando-se até o
quarto do marido e fechando a porta atrás dela.
Lucille suspirou com a mão no peito, abrindo os olhos e se
deparando com Aiden de pé em frente à lareira, terminando de dar um laço
na calça de linho que havia vestido.
Ele estava sem camisa. Aquilo era mais desconfortável do que
correr por quartos escuros. Os pelos ruivos dele eram tão maravilhosos e
másculos, deixando Lucille nervosa e desejosa só de olhar.
E os cabelos dele quando soltos tinham certo poder sobre Lucy.
Algo nele se tornava selvagem e forte, e ela sentia vontade de deslizar os
dedos por aqueles fios cor de fogo e sentir o toque sedoso em suas mãos.
— Isso tudo é medo do escuro? — ele perguntou, com um tom
jocoso, assoprando as velas em cima da lareira. — Deite-se, vou apagá-las.
Lucille rapidamente foi para a cama, escondendo-se debaixo dos
cobertores e acompanhando os movimentos de Aiden, que apagava todas as
velas do quarto.
Até que tudo ficou um breu e ela arregalou os olhos tentando
acostumar seus olhos à escuridão. Sentiu o peso de Aiden no colchão e logo
as mãos dele a puxaram para se deitar entre seus braços, onde Lucille
confortavelmente se encolheu, protegida.
Aproveitou-se da proximidade para tocar Aiden, dar-lhe carinho, já
que era aquilo que ela planejou fazer desde que conversara com Charlie no
dia anterior. E, depois do infortúnio da manhã, Lucille decidiu que voltaria
a tentar aquela aproximação.
Sua mão acanhadamente tocou o peito dele, sentindo os pelos ruivos
que lhe cobriam a pele. Ela o acariciou por ali, percorrendo a clavícula e
passando para o ombro, onde ela desceu pelo braço para sentir os músculos
dele.
Aiden era um homem forte e com músculos definidos, mas havia
também uma aconchegante camada de gordura sobre os músculos, o que —
na inexperiente opinião de Lucy — o deixava com uma aparência mais viril
e atraente.
A mão de Aiden encontrou a sua, causando um suspiro de surpresa
em Lucy quando ele envolveu sua mão pequena com a dele. Lucille
levantou o olhar, focando nos olhos de Aiden para ver como estavam no
escuro do quarto: quentes, da forma que ela gostava.
— O que você vê ali na frente? — ele perguntou, de repente.
Lucille olhou confusa para o marido e Aiden assentiu, indicando a
parede da frente com um aceno.
— A porta — ela respondeu, com estranhamento.
— E no canto esquerdo?
Lucy olhou para o local indicado.
— A lareira e a porta de seu quarto de vestir.
— E no outro canto?
Lucille suspirou, o que diabos ele estava querendo? Ela queria fazer
carinho nele, não discutir a disposição da mobília.
— Uma escrivaninha, uma poltrona e a porta contígua.
Aiden assentiu, puxando a mão de Lucy e depositando um beijo
demorado sobre a palma.
— Não há nada de diferente ali quando há luz — ele sussurrou,
trazendo Lucille para mais perto e beijando sua testa em meio aos ralos fios
de sua franja. — Está tudo dentro da sua cabeça.
— Eu sei, mas… — ela começou, mas não sabia nem como
explicar. — Não tem problema, porque agora eu posso dormir aqui.
— Poderia ter dormido aqui desde o princípio se o escuro a
incomoda tanto. Eu a deixaria dormir na cama comigo, é grande o bastante
para ficarmos afastados.
Ela negou, constrangida, enfiando o rosto no peito de Aiden e
sentindo o cheiro suave e delicado que ele tinha.
— Você tem o mesmo cheiro de Tamsin — Lucy comentou,
deslizando a mão pela clavícula dele. — É um cheiro bastante feminino, na
verdade.
Aiden riu baixo, fazendo o corpo se balançar suavemente abaixo dos
braços de Lucille.
— Deve ser porque eu passo muito tempo com ela. Que é uma
menininha feminina de quatro anos.
— Eu gosto do cheiro. — Ela sorriu, contente. — Os homens que já
chegaram perto o suficiente para eu sentir o seu aroma cheiravam tão forte
que ardia meu nariz.
Ele ficou em silêncio por longos segundos antes de perguntar, com
seriedade:
— Quer dizer que homens já chegaram perto de você?
Lucille deu um risinho diante do tom enciumado de Aiden.
Ela deu de ombros, fingindo que sim apenas para lhe causar mais
ciúmes. Ambos sabiam que ela não tivera temporadas agitadas.
— Alguns, talvez — Lucille disse, com um sorriso pequeno,
virando-se de costas para Aiden e rindo sozinha.
Ele a abraçou outra vez, encaixando o corpo pequeno dela ao seu e
tocando a barriga magra de Lucille com sua mão, de modo a mantê-la ainda
mais perto.
— Agora ninguém além de mim pode chegar perto assim — Aiden
sussurrou contra a bochecha corada de Lucy, beijando-a e afastando os
cachos do rosto dela. — Está presa aqui.
Lucille sorriu ainda mais, cobrindo o rosto com as mãos e se virando
para encarar Aiden outra vez.
Ele estava sorrindo.
Lucy não estava preparada para vê-lo sorrir. Mesmo na escuridão,
com a pouca luz da lua e a força de seus olhos, ela podia ver o rosto de
Aiden relaxado em um sorriso. Um sorriso para ela, somente para ela.
— Você sorriu — ela comentou, baixinho, sorrindo igualmente e
tocando o rosto relaxado do marido. — Eu gosto disso.
— Porque estou aliviado.
Ela uniu as sobrancelhas, deslizando o polegar pela bochecha de
Aiden para depois presenteá-lo com um beijo carinhoso sobre os lábios. Ele
correspondeu ao carinho sem pressa, aproveitando cada segundo que tinha
quando os lábios de Lucille se moviam junto aos dele.
Aiden ainda temia que Lucille levasse uma pancada na cabeça e
visse que ele não era Michael.
Droga. De novo ele estava pensando naquele frouxo.
— Aliviado com o quê?
A pergunta foi bem-vinda, embora a resposta não fosse a melhor. Ao
menos o fez parar de pensar no rival.
Rival?
— Quando você disse que homens haviam chegado perto de você,
pensei que alguém a havia machucado — Aiden explicou, aninhando
Lucille outra vez. — Mas, depois, vi que não era nada disso.
— Claro que não — ela murmurou, com o rosto recostado no peito
dele. — Ninguém nunca me machucou.
Ele assentiu, puxando os cobertores para melhor cobri-los. Lucy se
derreteu sonolenta nos braços de Aiden, mas não queria dormir. Voltou a
tocá-lo em seu peito, agora só com a ponta dos dedos, que deslizavam em
carícias pelo ombro e clavícula.
— Você está com sono, Lucy?
Ela fez que sim, recolhendo as mãos e se virando confortavelmente
para que Aiden a envolvesse outra vez.
Ele o fez, mesmo sabendo que aquela posição não era nada
favorável. Mas se ela gostava tanto de ficar assim, que Deus ajudasse Aiden
a dormir tranquilamente uma noite inteira enquanto um traseiro macio
estava aninhado a sua virilha.
— Boa noite, troglodita.
Aiden suspirou com um riso baixo, estava gostando daquele apelido
mais do que devia.
Demorou-se um pouco para responder, beijando a bochecha de
Lucille, que sorriu consigo mesma e se ajeitou ainda mais perto de Aiden.
— Boa noite, Lucy — ele sussurrou, mantendo-a aquecida em seus
braços. — Durma bem.
Não demorou cinco minutos para perceber que ela estava tão
acordada quanto ele.
— Aiden, eu estava pensando…
Ele riu baixo e deu outro beijo na bochecha dela.
— Em que, Lucille?
— Hum… Você tinha suas cortesãs antes da morte de seus pais, não
é?
— Sim — ele respondeu, lacônico. Não gostava daquele tópico
vindo dela. — Por quê?
Lucy deu de ombros levemente. Virou-se e ficou de frente para
Aiden antes de se deitar sobre o peito dele.
— Por nada.
— Pois é melhor dizer — Aiden exigiu, com um tom cômico de
autoritarismo, nada legítimo aos ouvidos de Lucy.
Ela riu, sacudindo-se e dando um empurrãozinho no marido.
— E se eu não disser?
— Serei obrigado a dar umas palmadas no seu traseiro.
Lucy ficou boquiaberta.
— Você não seria capaz.
— Só se você me pedir — ele sussurrou, com um sorriso enviesado,
sorrateiramente beijando a têmpora dela.
— Ora, você é um pervertido, degenerado — Lucy exclamou,
causando uma onda de riso em Aiden. — Como alguém gosta de receber
palmadas com tais conotações?
Ele deu de ombros com falsa inocência.
— Há quem goste, minha senhora. É um estímulo e tanto.
— Pois eu não quero que me dê palmadas — Lucy respondeu, com
altivez. — Entendido? Ou eu vou embora e nunca mais olho na sua cara,
levo Tamsin comigo.
— Jamais faria algo contra a sua vontade — Aiden disse, com
seriedade, mas deixou um beijo demorado contra os lábios de Lucy, que foi
logo correspondido com muita paixão. — Nada que pudesse lhe causar dor.
— Apenas carinho — Lucy sussurrou, acanhadamente, mordiscando
o lábio inferior do marido. — Assim eu gosto.
— Gosta? — ele perguntou, muito interessado, e deslizou a mão
pelas costas de Lucille até chegar na base de sua coluna e parar na curva de
seu traseiro. — Diga-me o que mais você gosta, Lucy. Eu quero saber, não
tenha vergonha de me dizer.
— Gosto de seus beijos — ela respondeu, aproximando-se até que
seus lábios estavam a pouco de encostar os de Aiden ou vez. — Gosto
quando me beija como se só eu existisse no mundo.
Ele a beijou quase que imediatamente. Com delicadeza e calma,
mesmo que seu peito fervesse de desejo por Lucille.
Agraciou-a com delicadas mordidas em seu lábio inferior e, ao que
ela suspirou baixinho e entreabriu os lábios, Aiden a tomou com sua língua
e se deleitou com as carícias que vinham do beijo de Lucille. Um tanto
inocentes, mas carregadas de desejo e paixão.
Lucy o puxou para cima de si, deixando que Aiden subisse sua
camisola até que ele pudesse se encaixar por entre suas pernas e sentir o
abraço de Lucille, esperando que ele jamais parasse de beijá-la.
Os lábios famintos de Aiden se afastaram dos lábios dela, descendo
por uma trilha de beijos pelo pescoço de Lucy, onde ele a marcou com sua
paixão por toda a pele clara, deixando leves pontos vermelhos, cada uma
lhe dizendo que Lucy pertencia a ele de corpo e alma.
Enquanto a beijava pelo ombro, afastou o colar que ela não tirava e
sorriu orgulhoso por saber que a duquesa sempre ficava com o seu presente.
Ter certeza de que ele roçava em sua pele todo o dia o deixava feliz e
vaidoso, como se fosse ele mesmo que passasse o tempo todo alisando a
pele alva de Lucille.
— Você gosta do colar, não é? — ele quis saber, precisava saber.
Ela assentiu, sorrindo acanhada e tocando os cabelos soltos do
marido. Com a mão em sua nuca, ela o puxou para beijá-la outra vez.
As mãos dele continuaram a subir a camisola dela, mas Lucy não o
impediu. Sorrateiramente, Aiden desceu a mão pela barriga dela,
acariciando a curva de sua cintura enquanto beijava Lucille, que se derretia
em deleite. Ela suspirava contra seus lábios,
Aiden não suportava mais se manter longe dos toques e deslizou os
dedos até a feminilidade dela, ouvindo um gemido baixinho de Lucille. Ela
já estava molhada e ele se perguntou se ela compreendia os sinais que o
próprio corpo dava. Estava duro apenas com os gemidos e os espasmos que
ela dava sempre que seus dedos percorriam o núcleo de todo o prazer dela.
Lentamente, em círculos lânguidos e luxuriantes, fazendo-a suspirar
trêmula e contrair os músculos das coxas.
Aiden não focou naquele ponto, não seria daquela forma. Não com
seus dedos.
Afastou os dedos de Lucille e a puxou pela cama para que ela se
deitasse melhor contra os travesseiros. Aiden a olhou, admirando-a
enquanto seus olhos miravam o conjunto de pelos macios que escondia seu
segredo de Aiden. Era o paraíso sendo ocultado dele, um brutamontes que
não a merecia.
Mas que a adorava tanto, tanto, tanto.
Ele se odiou por ter apagado todas as velas, estava refém da luz da
lua e podia ver pouco da compleição de Lucy. A camisola ainda lhe cobria
os seios, mas ele a segurou e a puxou para cima, despindo Lucille por
completo.
Lucy levou as mãos ao corpo e puxou o lençol para cobrir os seios,
mas Aiden a impediu com uma intervenção delicada.
— Não — ele sussurrou, beijando-a outra vez. — Não se cubra.
— Mas são… sem graça e pequenos.
— Eu gosto de tudo sobre você, Lucy — Aiden a acalmou, sentindo
os seios dela tocarem seu peito nu quando a abraçou. — Tudo em você é
lindo. Por dentro e por fora.
Lucy assentiu, cobrindo-se com o corpo de Aiden sobre o seu.
Seu coração batia desesperadamente. Ela não estava pronta. Mas, ao
mesmo tempo, estava. Porque queria.
Por Deus, ela queria mais que tudo se deixar ser tocada por ele. Mas
ainda não estava pronta para encarar a dor de deixar Michael para trás.
— E-Então eu quero vê-lo também — ela disse, com uma firmeza
tímida. — Mostre-me... Como eu estou me mostrando.
Aiden assentiu, afastando-se, mas ainda entre as pernas dela.
Aproveitou do momento para olhar Lucille melhor.
O corpo dela era gracioso e delicado, mas atraente e com as curvas
de uma mulher adulta. Os seios pequenos cabiam em suas mãos
perfeitamente, mas não as enchiam com o busto farto de uma meretriz
famosa.
Aiden começaria pelos pés, até chegar ao paraíso.
Passou as mãos pelas panturrilhas dela, subindo pelas pernas e
passando pela parte interna das coxas. Lucy fechou os olhos em deleite,
tocando os braços de Aiden e devolvendo as carícias que ele fazia. Quando
ele a acariciava em círculo com a ponta dos dedos, Lucy o imitava em seus
braços. Quando ele a apertava carinhosamente, ela o imitava, marcando-o
com a unha e deixando um leve rastro de vermelhidão possessiva.
Aiden passou a tocar a cintura dela, alisando a pele macia como se
venerasse Lucille. Ele podia fazer carinho nela, ele queria e precisava. Ela
não era as mulheres anônimas de North Haven.
Era a sua esposa querida. Por mais que ele tentasse negar, ela era
querida e adorada por ele.
Suas mãos chegaram aos seios dela, envolvendo-os e os apertando
levemente. Lucy sorriu com seus olhos fechados, flutuando pelas ondas de
prazer que lhe eram dadas pelas mãos do marido.
Aiden a beijou outra vez, incapaz de resistir aos lábios sorridentes
de Lucille. Um beijo necessitado e quente, possuindo a boca de Lucille com
sua língua e se deixando ser usado por ela, que o beijou no mesmo ardor.
— Aiden, eu quero ver — ela sussurrou em meio ao beijo. —
Mostre-me…
— Mostrar o que, minha querida? — ele perguntou contra o ouvido
dela, mordiscando o lóbulo macio e passando a língua pelo local. — Diga-
me o que é.
— V-Você sabe, Aiden — Lucy murmurou, constrangida, virando o
rosto para poder beijar Aiden outra vez. — Não fique me fazendo falar
essas coisas.
Ele riu contra os lábios dela. Um riso baixo e perverso.
Afastou-se de Lucille e saiu da cama, ficando ao lado do colchão.
Lucy se apoiou em um dos cotovelos, olhando para o marido com olhos
ansiosos e brilhantes.
Ela parecia uma estátua grega, com lençóis enroscados em suas
pernas e com lindas ondas castanhas caindo sobre os seios. A pele nívea e
delicada contrastava com os cabelos escuros e Aiden jamais poderia deixar
de notar o encontro das coxas dela, escondido pelos pelos.
Linda. Como nenhuma outra mulher que estivera na mesma cama
que ele. Ela poderia não ser tão bela para os olhos dos outros homens, ao
menos para o tipo de homem que Aiden conhecia. De fato, aquela corja de
canalhas gostava de mulheres com seios grandes para fazerem obscenidades
com as pobres damas. Mas, para Aiden, Lucille era o ápice da beleza
feminina, deixava-o estarrecido apenas com a imaginação que ela o fazia
ter.
Ela abriu um sorriso pequeno, subindo o olhar até o rosto de Aiden e
erguendo as sobrancelhas sutilmente.
— O que foi? — ela perguntou, baixinho. — Está me fazendo sentir
como uma degenerada agora.
— Nunca, Lucy — Aiden respondeu logo. — Está parecendo uma
obra de arte.
Lucy riu, descrente, cobrindo seu sorriso com as mãos e puxando o
lençol mais para cima.
— E-Então tire suas roupas. Não gosto de ser a única sem roupas
por aqui, é constrangedor.
Ele riu e levou as mãos ao laço que prendia sua calça de linho. O
desfez rapidamente, percebendo que suas mãos tremiam diante da promessa
de ter Lucille como nunca tivera mulher nenhuma antes.
Livrou-se das calças e deu liberdade ao que Lucille queria ver,
fazendo-o saltar e surpreendê-la. Ela levou a mão à boca, cobrindo os lábios
e olhando surpresa para a intimidade do marido.
Era a primeira vez que via um homem em desejo. E acreditou que
cada um era diferente, mesmo nunca tendo visto. Aiden era grande, mas
nada que fizesse Lucille temer. E, definitivamente, era mais atraente em
toda sua glória do que quando ela o vira dormindo. Apesar da luz do luar,
ela podia ver o tom avermelhado próximo a cabeça lisa, os pelos ruivos e
cheios na base e veias masculinas por toda a extensão.
Lucy desejou que estivessem à luz do sol, ela poderia olhar tudo
melhor. Analisar a arquitetura. E os tons.
— Imagino qual seria o tamanho exato… — Ela umedeceu os
lábios, deitando-se assim que Aiden voltou para a cama.
— A senhora terá de medir para saber — ele respondeu,
posicionando-se entre as pernas dela, ainda que não a tocasse onde ela
escorria de paixão. — Lucille, você é tão linda… Eu teria dançado todas as
valsas da noite com você, teria assinado seu cartão inteiro. Não, eu teria
destruído seu cartão e escrito meu nome na sua testa.
Ela riu baixinho, passando os braços ao redor de Aiden e o
presenteando com um selinho carinhoso.
— Não me parece atraente ter a testa rabiscada — ela brincou,
sentindo o rosto ruborizar diante das confissões do marido.
— Então, eu bordaria meu brasão no seu vestido — Aiden repensou,
tocando a cintura fina de Lucy e finalmente sentindo a feminilidade dela
tocá-lo. — Assim, todo mundo saberia que o Duque Louco era seu.
— Era? — Lucy perguntou, projetando seu quadril para frente e
deslizando sua intimidade contra a de Aiden. — Pensei que você ainda
fosse meu. Que sempre será meu, assim, bem perto de mim.
A sensação era muito melhor que a que ela sentiu na biblioteca dias
atrás. O contato nu era tão mais íntimo e escandaloso que a fazia latejar
ansiosa a cada vez que Aiden movia-se contra ela, estimulando-a.
Ele sorriu quando a viu sorrir sorrateiramente, mordiscando o
pescoço dela e chupando a pele até ouvi-la gemer timidamente. Lucy se
chateava quando ele parava de deslizar por entre a maciez dela e,
rapidamente, ela movia o próprio quadril, como se pudesse capturá-lo.
Aiden morreria se não pudesse tê-la naquela noite. Já estava no
limite da sanidade de tanto prazer, deleitando-se apenas com aquela Lucy
faminta antes mesmo de tudo começar.
Ele seguiu a beijando pelo pescoço outra vez, descendo até o vale
entre os seios dela e beijando-a ali enquanto massageava os seios de Lucy.
Chupou a maciez daquelas duas porções lindas do corpo dela, marcou-lhe a
pele com seus beijos e voltou para seu caminho em direção à barriga pálida
dela.
Lucille se contorceu nos lençóis, abrindo os olhos e olhando para
Aiden, que levantou o rosto apenas o suficiente para fitar sua esposa. Ela
mordeu o nó dos dedos, como se soubesse o que ele estava planejando
fazer.
Aiden sorriu contra a pele macia dos seios dela, chupando um dos
mamilos e descendo entre beijos e chupões pela barriga dela, até que
afastou mais as pernas, revelando suas dobras femininas e rosadas para ele.
Lucy arfou baixinho, levando uma das mãos até a própria intimidade, como
se pudesse tapá-la por completo. Fechou os olhos, decidida a não olhar
aquilo, certa de que iria se apaixonar por aquela visão tão inadequadamente
maravilhosa e sonhar com ela todas as noites. Ele, então, beijou-lhe
carinhosamente a virilha, acariciando a parte interna de suas coxas antes de
subir uma das mãos até o conjunto de pelos finos e abrir Lucille como se ele
nunca tivesse feito aquilo com uma mulher antes.
Não com uma mulher que o dominasse em pensamentos e em corpo.
Nem com uma que fosse tão linda, principalmente à luz da lua.
Lucy soluçou surpresa com o toque e Aiden rapidamente a olhou,
vendo que ela não estava com os olhos abertos. Deslizou o polegar sobre a
pérola inchada dela e a ouvir gemer baixinho, constrangida, mas desejosa
daqueles toques.
Ele não se demorou. Estava ansioso.
Beijou-a onde ela exalava seus desejos por ele, provando do saber
doce de sua linda Lucille. Passou a língua de cima para baixo, chupando
cuidadosamente, antes de deslizar a língua pela entrada estreita.
Ela exclamou, surpresa, mas depois riu em deleite, colocando as
pernas sobre os ombros de Aiden e arqueando as costas assim que ele a
beijou em seu núcleo tenso.
Aiden sorriu satisfeito, pincelando toda a delicadeza de Lucille,
tomando-a com sua língua e lábios, ouvindo-a gemer e chamá-lo a cada
nova sensação deliciosa.
Lucille entrava em um túnel de euforia onde tudo era escuro, por
vezes com tons ruivos em seus dedos, escorrendo por suas mãos até serem
puxados de volta. Seu corpo gritava e seus gemidos chamavam pelo marido.
Sim, sim, sim.
Com uma das mãos, ela tocou os cabelos de Aiden, puxando-os e os
soltando conforme ele a tocava deliciosamente. Mais forte para continuar,
mais fraco e carinhoso para parabenizá-lo. Lucy, às vezes, ria em meio aos
gemidos, sentindo cócegas quando as costeletas do marido roçavam em
suas coxas, mas depois gemia baixinho quando ele a sugava e lambia até
fazê-la puxar seus cabelos outra vez, ordenando que continuasse lhe dando
prazer.
Tão maravilhoso quanto na noite em que ele a levara ao alívio
feminino pela primeira vez.
— A-Aiden… Aquilo de novo — Lucy disse, alarmada, passando os
dedos pelos cabelos do marido, que a olhou de relance. — Continue, por
favor.
Aiden a segurou pela cintura, acariciando a barriga dela e deixando
que uma das mãos de Lucy agarrasse uma das suas. Ela arqueou as costas,
gemendo entre suspiros e puxando os cabelos dele até que se desmanchou
nos lábios do marido entre espasmos de paixão.
Satisfeito, Aiden afastou-se e voltou a ficar por entre as pernas de
Lucy. Tocou o rosto quente dela, adorando quando ela o recostou em sua
mão e beijou seu polegar preguiçosamente, derramando-se no toque dele.
Os olhos pesados dela se abriram e as mãos ainda fracas o puxaram
para um abraço.
Aiden não resistiu e sorriu, tudo nela estava ainda mais belo. Os
cabelos bagunçados e espalhados nos travesseiros, a respiração irregular, os
lábios cansados que tentavam lhe beijar carinhosamente. Queria que fosse
dia, queria poder ver o rubor no rosto dela, ver por onde ele se instalava
quando era fruto do mais intenso prazer que ele poderia prover à moça.
— Aiden…
— Diga, minha linda Lucy — ele sussurrou, apaixonado, beijando-a
em todo seu rosto. — Diga e eu farei tudo o que quiser. Cumprirei todas as
suas ordens.
— Faça amor comigo.
Capítulo 22

Aiden agradeceu mentalmente pelo pedido de Lucille. Não


sobreviveria àquela noite se ela o negasse como seu completo amante. Ele
não suportaria ser deixado de lado por conta dos pensamentos dela em
relação à Michael.
Depois daquela noite, Aiden tiraria Michael da cabeça de Lucille
completamente. E, depois, do coração. E se instalaria por lá, dominando os
pensamentos de Lucy durante o dia todo.
Da mesma forma que ela fazia com ele.
— Só tem uma coisa, Aiden…
Merda.
— Diga, Lucy.
Ela engoliu em seco, alisando os ombros dele e desviando o olhar
quando os calorosos cristais azuis se encontraram com seus olhos.
— Eu vou engravidar depois de hoje? Digo, amanhã eu estarei
grávida já?
Aiden uniu as sobrancelhas, afastou a franja da testa de Lucy e
alisou seu rosto preocupado.
— Lucy, a gravidez é uma situação aleatória resultante do sexo.
— Então, eu posso não engravidar tão logo? — A voz dela soou
aliviada, com um suspiro alto. — Ah, que ótimo, querido. Não que eu não
queira ter filhos!
Aiden riu, incrédulo diante de tamanha ignorância. Certamente, as
meninas poderiam aprender algumas coisas sem que a virtude fosse
arruinada.
— Sua mãe não conversou com você na véspera do nosso
casamento?
— E-Eu não quis saber de muitos detalhes, só do importante… D-
De como entra… — ela confessou, constrangida. — Bom, agora sei de
muitas coisas. Não muitas, mas… sobre essa sensação maravilhosa…
Ele abriu um sorriso enviesado, acariciando a cintura de Lucille.
— O mais importante para mim é fazer você sempre a sentir —
Aiden sussurrou, beijando a ponta do nariz de Lucy, que riu baixinho e
colocou as pernas ao redor da cintura do marido. — Permita-me?
— Por favor — ela respondeu, envolvendo-o pelo pescoço. — M-
Mas promete que vai parar se doer muito?
— Eu jamais a machucaria ou faria algo contra a sua vontade — ele
proferiu, fielmente, tocando o próprio membro e o posicionando na entrada
molhada dela. — Se lhe serve de consolo, meu amor, ninguém nunca se
queixou de mim.
Lucy arfou baixinho, abraçando o marido e escondendo o rosto no
abraço. Aquilo era vergonhoso, Cristo. Ela nunca agradeceu tanto pela luz
fraca do luar após ter tido Aiden com o rosto entre as pernas dela. Ele
poderia ter visto tudo.
Ele saboreou tudo, mas, pelo menos, não viu tão bem assim.
Ela se preparou mentalmente, esperando até que ele investiu e
entrou um pouco. Lucy abriu os olhos, olhando para o teto e ignorando as
lágrimas que arderam em seus olhos.
Aiden investiu um pouco mais, tendo a glande envolvida por Lucy,
mas ainda não era o suficiente para lhe romper a virgindade.
— Está doendo muito? — ele perguntou, preocupado diante do
silêncio e da rigidez dela. — Relaxe, minha querida.
Lucille tentou parar de pensar. Tudo estava indo tão bem e, então,
ela começou a ficar nervosa repentinamente.
Quis chorar de frustração, o que diabos havia lhe acontecido?
Quando piscou, lágrimas rolaram por suas têmporas e se perderam
em seus cabelos. Tentou esconder o rosto com os braços, encolhendo abaixo
de Aiden.
Não estava chorando de dor, embora estivesse sentindo um certo
incômodo. Quis chorar porque, para ela, aquele momento significava muito
mais que uma defloração. Ela estava apaixonada por Aiden, mais do que
gostaria de admitir, e fazer amor com ele significava que Michael se tornava
um capítulo passado em sua vida.
Aquilo lhe era triste demais.
— Tudo bem — ele sussurrou, beijando-a no cantinho de seus olhos
enquanto tentava ir mais fundo. — Abrace-me, Lucy.
Lucy gemeu ansiosa, apertando o abraço ao mesmo tempo em que
tentava relaxar.
Aiden desceu a mão pela barriga dela, parando onde os dois se
encontravam e começando a massageá-la em seu ponto delicado.
Lucy gemeu outra vez, deliciada, mas ainda dividida pelo
incômodo. E Aiden continuou, sentindo a pressão que ele fazia sobre a
virgindade dela, até que investiu com mais força e a rompeu. Lucy
imediatamente abriu os olhos arregalados, cravando suas unhas nos ombros
de Aiden.
A Pequena Morte havia a surpreendido e Aiden nunca se sentiu tão
preocupado com alguém. Amorosamente, ele a beijou em seu rosto,
tentando acabar com qualquer desconforto que ela poderia sentir.
— Tudo bem, amor? — ele perguntou, nervoso, olhando-a nos
olhos, que ela demorou para abrir. — Desculpe-me, minha linda. Vai ficar
melhor agora.
Ela assentiu, remexendo o quadril enquanto se acostumava com
aquela sensação de ardência. Tocou o rosto preocupado do marido,
puxando-o para distraí-la com um beijo que ele logo lhe deu.
Aiden a penetrou mais, até a metade, e Lucille gemeu dentro de sua
boca. Ele foi mais um pouco, ouvindo um suspiro de Lucy até que estava
envolvido pelo interior quente dela. Retirou-se em um movimento lento,
sentindo a respiração de Lucy expandir conforme ele saía quase por inteiro
dela.
— Aiden… — A voz dela saiu quase como um sopro. — Ah,
Aiden…
— Diga, minha linda Lucy — Aiden sussurrou contra os lábios dela.
— Olhe para mim.
Ela abriu os olhos, mirados nos olhos azuis de Aiden. Ele a estocou
lentamente, fazendo-a se contorcer em uma sensação deleitosa e nova para
Lucille.
Não havia nada além daqueles olhos quentes. Michael estava em um
local distante de seus pensamentos, não existia mais.
Um suspiro baixo escapou dos lábios entreabertos dela e Aiden a
estocou até o fim outra vez, ouvindo uma súplica recatada de Lucille.
Repetiu tudo outra vez, até ela se acostumar com aquilo e chamá-lo outra
vez em um sussurro fraco, necessitada de que ele o fizesse novamente. Ela
o abraçou, recebendo-o em estocadas lentas e firmes que a faziam
estremecer de prazer. Um prazer novo, tão bom quanto todos os outros que
Aiden lhe mostrara antes.
Senti-lo quente dentro de seu corpo era uma das sensações mais
escandalosas que Lucy já experimentara em sua vida. Era delicioso, ousado
e íntimo. Ela queria parar tudo e ir contar para todas suas amigas solteiras o
quão delicioso era. E às malcasadas, principalmente. Dizer que fazer amor
era delicioso quando o seu homem sabia o que fazer.
Estava eufórica. Deslizava as mãos pelas costas de Aiden em
carícias apressadas, tocando o rosto dele para olhá-la nos olhos. Queria
aqueles olhos quentes apenas para ela, vendo como ela estava o amando
naquele momento.
Lucy sorriu, beijando-o lentamente antes de afastá-lo outra vez para
poder ver seu rosto. Aiden devolveu o sorriso a ela, fechando os olhos,
gemendo baixo e voltando a esconder-se de Lucille ao beijá-la em seu
pescoço. Ela o apertava sem perceber, deliciosamente estreita e molhada,
instigando Aiden a se deixar levar pelo próprio prazer.
Ela queria beijar o marido até lhe faltar ar, abraçá-lo até seus braços
ficarem fracos e fazer amor com ele até ela esquecer tudo que os cercava.
Queria que tudo fosse bom, sem dívidas, sem antigos noivos.
Apenas ele e ela, apaixonados como um casal normal.
Quando os movimentos dele se tornaram um pouco mais rápidos e
os olhos azuis brilharam na escuridão, Lucille voltou à realidade, tocando o
rosto do marido e o trazendo para um novo beijo bastante urgente.
Ele correspondeu carinhosamente, acariciando toda a silhueta de
Lucy enquanto mantinha seus movimentos controlados diante de todos os
indícios que ela dava de que estava recebendo tanto prazer quanto ele.
Aiden tentava ao máximo prolongar o seu alívio até que Lucy tivesse
reencontrado o dela. Ele a queria no calor do orgasmo, ruborizada e quente
em seus braços. Somente assim ele se permitiria ter o próprio, dedicado à
sua linda Lucille.
Quando Lucille o chamou em um tom estrangulado de desejo, Aiden
sorriu contra os lábios macios dela, juntando sua testa a de Lucy e a
estocando com mais firmeza. Queria abraçá-la e nunca mais soltá-la, roubar
todos seus suspiros de paixão e mantê-los em seu peito eternamente.
Tão doce, sua linda Lucy. Tão apaixonada em seus braços. Tão
entregue às suas paixões.
Aiden sentia seu coração girar em seu peito e suas mãos não
poderiam passar segundos longe do corpo de Lucille, acariciando-a e lhe
dando todo o carinho que negligenciou.
Ela seria dele, de coração. Esqueceria Michael. E pensaria só nele.
— Lucy, olhe para mim… Olhe, meu amor.
Lucille o olhou outra vez, o rosto contorcido em uma linda
expressão de deleite enquanto ela tentava manter seu olhar firme nos olhos
de Aiden. Olhos quentes e amorosos, todos dela, para ela e nunca de mais
ninguém.
Nunca das cortesãs, nunca das mulheres de North Haven.
Eram dela.
Mas ele falhou ao olhar para o rosto dela, logo havia se distraído
pelo balançar de seus seios e ele pulsou dentro de Lucille deliciosamente,
indo mais fundo e a vendo sorrir desavergonhada.
Aiden estava próximo de seu limite, mantendo-se em um ritmo
constante e rápido que estimulava Lucille. Levou a mão até a intimidade
quente dela e a tocou no mesmo ritmo, adorando o som suplicante de seu
nome nos lábios dela quando a acariciou.
Nunca ouvira tanto o seu nome fugindo dos lábios de uma moça. E
nunca imaginara que poderia ser o som mais bonito do mundo.
Lucille o puxou outra vez para um abraço, apertando os ombros de
Aiden enquanto mexia o quadril de encontro ao marido. Exigindo dele tudo
o que poderia lhe dar. Tudo estava se tornando mais escuro, aquela sensação
libertadora e quase insuportável se apoderando dela outra vez.
Aiden a cobriu com seu corpo, beijando-a pelo pescoço ao passo
que a tocava, e ela exigiu mais, prendendo as pernas na cintura dele e
enterrando os dedos em seus cabelos ruivos.
Sim, minha linda. Aiden a estocou tanto quanto ela queria e Lucy se
contorceu embaixo de seu corpo, chamando-o em gemidos necessitados e
um tanto desesperados, até que se entregou ao próprio orgasmo e se
derreteu inteira nos braços do marido.
Firmou suas mãos na cintura fina dela, estocando-a até inundá-la
com sua paixão por ela e toda sua beleza.
Antes que a esmagasse com seu peso, Aiden rolou para o lado e
puxou Lucille. Ela se deitou por cima de seu corpo, molenga e cansada, mas
sorrindo satisfeita e sonolenta.
— Oh, meu querido troglodita… — ela suspirou, dando um beijo
fraco na bochecha dele.
Ele sorriu orgulhoso, abraçando o corpo magro dela e a mantendo
entre seus braços. Queria desesperadamente abraçá-la, senti-la delicada e
não a deixar mais sair.
— Foi tão sofrido se deitar com o demônio quanto pensou? — ele
perguntou, alisando carinhosamente o traseiro macio de Lucy.
Ela riu baixinho, correspondendo ao abraço e escorregando até ficar
deitada apenas sobre o peito dele.
— Foi confusamente delicioso — Lucy sussurrou, brincalhona, e
roçou seus lábios nos dele. — Você gostou mais do que fisicamente?
Aiden demorou para responder. Deslizou as mãos pelas costas nuas
de Lucille, até tocar seus cabelos macios e presenteá-la um demorado
cafuné.
— Sim, Lucy. Muito mais.
Ela se arrumou sobre o peito dele, olhando-o nos olhos.
— De coração? — Lucy perguntou, com cautela, temendo que ele a
largasse sozinha naquela cama depois de uma pergunta como aquela.
— De coração, Lucy — ele engoliu em seco, mas falava a verdade.
— Do fundo dele.
Ela sorriu feliz e o beijou rapidamente, arrastando-se para fora da
cama e deixando Aiden com frio e abandonado.
Lucille se enfiou no lavabo, escondendo-se do marido e indo até a
bacia mais próxima que ainda estava com água limpa. Ela se limpou com
alguns panos, checando o quanto sangrara e vendo que fora quase nada.
Constrangida, ela se cobriu com um dos robes de Aiden e voltou
para o quarto com passos lentos e envergonhados. Ele ainda estava deitado,
mas alguns lençóis estavam jogados em cima da poltrona e ela imaginou
que fossem os que ela havia manchado.
Voltou para a cama e se aninhou no abraço dele, beijando-o contra o
rosto e fechando os olhos para dormir. Sussurrou palavras carinhosas para o
marido e se perdeu nos sonhos antes mesmo de perceber.
— Boa noite, Lucy — Aiden finalmente falou, mas ela já havia
caído no sono.

***

Lucille acordou sozinha.


Uma sensação de desamparo a inundou quando ela se virou de lado
e viu que Aiden não estava lá. Ela olhou para o relógio em cima da lareira e
apertou os olhos para enxergar bem: eram dez da manhã e ele nunca
acordava cedo.
Com um gemido cansado e sonolento, ela rolou pela cama até parar
em cima dos travesseiros de Aiden. Sentiu o cheiro dele e sorriu
apaixonada, derretendo-se toda com as lembranças da noite anterior.
Tudo parecia flutuar em sua mente e Lucy duvidava que, de fato,
fizera amor com Aiden.
Fora tão maravilhoso que só poderia ter sido um sonho.
Ela queria tudo de novo, queria se entregar a ele novamente. Todas
as noites, dias e tardes. Se soubesse que aquilo seria viciante, nem teria
começado.
Com um suspiro baixinho e feliz, Lucy se levantou e percebeu um
papel dobrado em cima do criado-mudo do seu lado da cama. Puxou o
papelzinho para si e o desdobrou, vendo uma mensagem rápida:

Lewis me chamou para caçar e eu não quis acordá-la. Voltamos


para o jantar.

Tristemente, ela alisou o papel, deixando-o de lado e caminhando


até o quarto de vestir do marido. Olhou-se no espelho, rapidamente levando
a mão aos lábios quando viu as claras marcas dos beijos de Aiden pelo seu
corpo.
Um pequeno conjunto próximo a sua nuca, dois entre os seios,
alguns em sua barriga e um pequenino em sua coxa.
Meu Deus. Aiden a beijara com tanta leveza e sua pele fina reagiu
da pior forma possível.
O retrato da obscenidade, Lucille se olhou e riu. Nem por todos os
vestidos do mundo ela deixaria que Gwen a visse nua e notasse as marcas.
O que diabos falariam os criados com as fofocas da camareira?
Vestiu-se sozinha sem nenhum sufoco, chamando Gwen para fazer
seu cabelo assim que ela estava coberta por uma chemisette recatada e um
vestido lilás.
O que ela faria durante o dia? Queria ficar com Aiden o dia inteiro
enrolada nos cobertores. Gastaria todas as vinte e quatro horas para dar
carinho a ele e fazê-lo ver que amar não significa ter um futuro ruim
quando um deles partisse.
Lucy estava pensando em amor. Deus, ela estava pensando em amar
Aiden verdadeiramente.
E Michael?
Ela não havia pensado nele um momento sequer depois que Aiden
estivera nela.
Lucille levou a mão ao peito, sentindo-se culpada por ter adorado o
sexo com outro homem que não era Michael. Mesmo que eles nunca
tenham tido nenhuma intimidade.
Tinha de parar de pensar nele. O que Michael fora além de um
namorado querido? Nunca fora seu marido, nunca foram tão íntimos. Ela
não era adúltera e sabia que o antigo noivo tinha seus prazeres na Índia com
alguma meretriz, muito provavelmente.
Respirou fundo. Sua vida agora era aquela e seu marido era Aiden, o
brutamontes que estava conquistando seu coração paulatinamente.
Tentando ao máximo parar de pensar em outro homem, Lucy saiu da
suíte ducal e caminhou pelo corredor em direção ao quarto de Tamsin, não
muito longe dali.
— Lucille!
Charlotte vinha correndo, trazendo consigo um livro envolto em
papel pardo. Ela sorria como o sol, radiante e animada, o que deu um pouco
de cor as suas faces sempre pálidas e frias.
Lucy parou no meio do caminho, abrindo um sorriso educado e
cumprimentando a cunhada com um aceno de cabeça.
— Lewie e Aiden foram caçar — a mais nova falou. — Só voltam
para o jantar.
— Estou ciente disso. — Lucille aquiesceu, com um sorriso
educado. — Eu estava indo buscar Tamsin para passearmos no labirinto,
quer ir conosco? Sempre paramos para um chá com bonecas.
— Oh, não, não. Deixe disso — Charlie espanou com as mãos,
abrindo a porta do quarto do irmão e indicando o caminho com um floreio.
— Podemos?
Lucille estranhou o comportamento dela, mas acatou as suas ordens
e voltou para o próprio quarto.
Charlotte fechou a porta, trancando-a e soltando um suspirinho
animado e risonho.
— Não se preocupe, ainda vamos passear com Tamsin — ela
explicou, ao ver a confusão no rosto da cunhada. — Vamos nos sentar.
Lucille se viu sem escolha. Sentou-se na cama e olhou entediada
para a cunhada, esperando que ela entendesse que ficar presa em um quarto
não era uma atividade de seu gosto.
— Trouxe um presente, Lucille. Muito útil, inclusive.
— Espero que sejam revistas de moda vindas de Londres, porque
em North Haven só há coisas de culinária. Gostaria de encomendar alguns
vestidos.
Charlotte riu e negou com a cabeça, tirando o papel pardo do
presente, que se revelou ser um livro. Um livro grosso, de capa vermelha e
com o título em dourado vivo: Kama Sutra.
— O que é isso? — Lucy perguntou, pegando o livro e o abrindo
aleatoriamente. — Meu Deus!
Havia uma gravura nada recatada de um casal explicitamente
praticando sexo oral em um ambiente claramente indiano. O casal se
encontrava em uma posição nada confortável ou bonita de se olhar,
acompanhados de uma moça que assistia à cena com uma das mãos na
própria intimidade.
Lucille fechou o livro imediatamente, olhando horrorizada para a
cunhada, que riu alto e assentiu, orgulhosa.
— Que tipo de livro é esse, Charlotte? Uma moça, casada ou não…
— É o livro do amor, Lewis quem me deu.
— Ele lhe deu isso? — Lucille perguntou, incrédula, decidindo por
abrir o livro na primeira página.
Graças a Deus só havia coisas escritas.
— Ele me deu porque eu estava nervosa com as núpcias — Charlie
explicou, com naturalidade. — Apesar das gravuras, o livro ensina muito
sobre o amor íntimo entre um casal. Eu perdi o medo depois de ler, você
deveria ler também.
Lucille balançou a cabeça, passando as páginas e analisando
algumas gravuras com o rosto pegando fogo. Lucy não durou duas páginas
de escândalo, logo fechou o livro.
— E você quer que eu leia?
Charlotte assentiu com veemência, sorrindo de orelha a orelha.
— O que eu li me fez entender cada toque de amor do meu marido e
eu aprendi a não ter vergonha de retribuí-los, pois assim eu estava o amando
também. O caminho do kama.
Lucille olhou pensativa para o livro, fechando-o e o devolvendo
para a cunhada.
Seja lá o que fosse o tal kama, Lucy tinha suas dúvidas sobre o que
fazer com as figuras e as posições. Na noite anterior, tudo pareceu muito
prático e funcional, bom do jeito que era.
— E-Eu prefiro descobrir sozinha o caminho desse kama — ela
pigarreou, bastante constrangida. — Talvez eu possa ver as partes escritas,
mas não creio que eu possa me entortar nessas posições. Não sou uma
contorcionista.
— As posições serão menos importantes depois que você ler o que
eu mandei — Charlie disse, com certa autoridade. — Guarde o livro com
você, depois basta me mandar pelo correio.
Lucille olhou desconfiada para a literatura escandalosa que tinha em
mãos.
— Leia, pelo menos — Charlie disse, paciente. — Nós, ingleses,
temos a terrível mania de demonizar o ato do amor. Aos seus olhos cristãos,
esse livro é uma completa indecência, mas, se ler, verá que está falando
sobre os amores e a paixão de um casal.
— Não vou negar que meus olhos cristãos ficaram chocados — ela
replicou, diplomática. — M-Mas ontem… consumamos o casamento.
Os olhos azuis de Charlotte faiscaram e ela rapidamente se
aproximou da cunhada.
— É mesmo? Oh, que ótimo! — Ela ficou ansiosa. — Como foi?
Lucy deu de ombros acanhadamente e sorriu para si mesma,
brincando com a saia do vestido.
— Muito bom — ela confessou. — Não foi como eu imaginei.
Pensei que era uma atividade apenas para o homem gostar.
Charlotte riu, abraçando a cunhada com grande divertimento.
— Deus não faria algo assim para que apenas homens gostassem —
ela explicou, falando bem baixinho. — Deus gosta mais das mulheres, por
isso os homens são tão estúpidos conosco. E por isso somos nós que
trazemos novas vidas ao mundo.
— Gostaria de ver a cara do padre ao ouvi-la falar de Deus e sexo na
mesma frase.
Charlotte riu outra vez, ganhando uma risada de Lucille.
— Ora, mas é verdade, não? Deus também fez o amor. Agora
vamos, Tamsin nos espera e é melhor que ninguém saiba dessa nossa
conversa.

***

— Você não acha que o tempo está ruim para caça, Aiden?
Aiden olhou para o céu carregado de nuvens negras. Choveria como
o fim do mundo. Mas ele não retornaria para o palácio.
Não depois de ter feito amor com Lucy.
Marchou pelos campos verdes de Greenhill e ignorou os próprios
sentimentos. Caçaria e mataria um bando de animaizinhos inocentes se
aquilo o fizesse parar de pensar nas lembranças da noite anterior.
Deus do Céu, como ele queria conseguir voltar e se deitar com Lucy
outra vez, mas com a luz do sol iluminando-a e permitindo que ele a visse
nua sem nenhuma escuridão. Ele queria, mas não podia. Sentia um bolo se
formar na garganta e um nervosismo enorme por pensar onde aquilo tudo
levaria. Já estava apaixonado por Lucy, perdidamente. Mas tinha fé que
poderia se desapaixonar.
Recomponha-se, homem. Aiden não poderia continuar a pensar
assim, não sabendo que suas tentativas frustradas de se desapaixonar por
Lucille só a magoaram e o fizeram ainda mais louco para dar carinho a ela.
Ele não podia mais feri-la ao descontar suas questões nela. Nunca
mais.
— Aiden, é melhor voltarmos — Lewis comentou, preocupado,
arrumando a arma em seu ombro e olhando para os dois criados que os
seguiam.
— Está com medo de uma chuvinha, garoto? — ele perguntou,
ignorando o chuvisco que começou a cair mais grosso na sua testa.
— Estou com medo de pegar uma pneumonia e apanhar da sua irmã
por segui-lo nas suas ideias insensatas.
— Ideias insensatas — Aiden resmungou, subindo um morrinho e
olhando ao redor.
— Acho que os pássaros não voam em chuvas fortes.
— Então, volte para casa — ele respondeu, com rispidez,
continuando a seguir a colina.
Lewis o seguiu com notável preocupação, tentando acompanhar o
ritmo de Aiden, que ia cada vez mais rápido.
As gotas de chuva engrossaram violentamente e logo despencavam
do céu com uma força e rapidez que causava até mesmo dor em quem fosse
atingido por elas.
Aiden continuou andando, sabe-se lá para onde. Estava fugindo dos
próprios sentimentos de novo, fugindo da paixão que sentia por Lucille.
Mal percebeu quando Lewis voltou para casa, deixando-o sozinho com um
criado que tremia de frio. Aiden não poderia deixar o pobre rapaz morrer de
pneumonia porque ele estava com problemas em questões do coração.
Irritado, ele bufou como um touro e desceu a colina. Teria de tomar
um banho morno e se aquecer, mas queria mesmo era um banho frio.

***

Horas depois, Lucy disse a si mesma que não faria papel de tola
outra vez. Haviam consumado o casamento e ela jamais permitiria ser
esquecida pelo marido daquela forma.
Parada em frente à enorme porta do escritório do marido, ela bateu
contra a madeira com o nó dos dedos e entrou no escritório com o melhor
sorriso que conseguia dar após passar uma manhã inteira sem o duque.
Aiden levantou a cabeça, os cabelos estavam soltos e úmidos do
banho quente. Ele a olhou e depois voltou a desenhar, nem mesmo a
saudando ou sorrindo para ela.
Lucy fechou os olhos e cerrou os punhos. Ele não era tão estúpido
assim. Não poderia voltar a ignorá-la depois de tê-la levado para cama. Ela
tinha ciência dos conflitos que Aiden tinha consigo mesmo, mas o homem
tinha que tentar dominá-los. Ainda mais quando aquilo a magoava.
Lucille sabia que ele havia gostado tanto quanto ela. Havia sorrido
para ela, abraçado e beijado com amor. E, agora, estava fugindo. Ele só
fugia quando algo mais florescia entre eles. E Lucy iria amarrá-lo bem e
não o deixar escapar.
Iriam se amar.
— Meu troglodita carrancudo — ela disse, melodiosa, caminhando
até a mesa e bisbilhotando o que fazia. — Por que não foi me procurar
depois do banho? Lewis veio se juntar a nós no jogo de mímica.
— Mímica? — ele pigarreou, pegando um pastel verde e o raspando
em cima de uma paleta pequena.
— Eu sei que você não gosta — ela começou, andando pelo
escritório e dando de ombros acanhadamente. — Pensei que gostaria de
passar um tempo comigo depois de ontem… Eu gostaria de passar um
tempo com você… Mesmo que fosse tendo você emburrado jogando
mímica. Desde que ficasse comigo.
Aiden parou de desenhar, colocando o giz dentro da caixinha de
madeira calmamente. Mas sua mão tremia.
— Pensei que estava ocupada com Tamsin, por isso não a
incomodei.
Lucy assentiu, parando em frente a um cavalete onde folhas
enormes estavam expostas. Ela passou uma a uma, vendo plantas baixas de
jardins e labirintos.
— Posso ficar aqui com você? — Ela o olhou por sobre o ombro e o
viu assentir, duro. — O que está desenhando aí? Posso ver?
Aiden fez que sim. O que mais ele poderia fazer? Estava se tornando
escravo das vontades de Lucy e fazia tudo com o coração aberto e jogado
para ela.
Ela sorriu contente, iluminando-se com a luz que vinha da janela.
Aiden respirou fundo, não suportava. Lucy era linda demais.
Lucy tentou puxar uma das poltronas para perto da grande mesa do
marido, mas falhou com um suspiro alto e cansado.
— Não seja tola, Lucy — ele murmurou, tocando a testa
pacientemente. — Sente aqui comigo.
Ela abriu um sorriso radiante e rapidamente se juntou a Aiden e se
sentou em seu colo. Era aquilo que ela queria desde o princípio,
proximidade e intimidade. Aiden riu internamente, envolveu a cintura de
Lucy e a observou bisbilhotar pela sua mesa de trabalho com certa
animação.
Depois de um minuto, começou a ficar difícil suportá-la se
remexendo no colo dele enquanto abria as caixas de pastéis e os testava em
uma folha em branco sem nenhum cuidado. Aiden tentou controlar o
próprio fluxo sanguíneo. Era melhor que fosse tudo para o cérebro e ele
morresse logo do que ir para baixo.
Era muito arriscado fazer amor com ela outra vez. Muito perigoso.
Talvez seu coração apaixonado fosse entregue definitivamente.
E, talvez, Lucy ainda estivesse um tanto sensível. Ele não sabia
como funcionavam as virgens depois da primeira vez. Quando concebera
Tamsin, estava bêbado demais para se lembrar de algo muito substancial.
Lembrava-se de partes – que ele tentava, em vão, esquecer –, mas era tudo
muito primitivo. Não fora um encontro sexual muito delicado, fora
libidinoso e alcoolizado, embora a jovem mãe de Tamsin não tivesse
reclamado de nada no dia seguinte.
Ela o agradeceu, na verdade! Aiden, é claro, quis voltar no tempo e
mandar embora aquela criada assanhada.
Bom, ele não culpava a moça. Ela queria aquilo e ele também, mas a
sobriedade o mantinha são o suficiente para saber que sexo e criada nunca
vão bem juntos. A culpa era toda dele, quem tinha a ferramenta de
defloração era ele.
Dito isso, Aiden não sabia quanto tempo uma moça recém-deflorada
precisa para se recuperar da primeira noite de amor.
Ele pigarreou baixinho, apertando os braços ao redor dela sutilmente
antes de perguntar:
— Você está bem?
— Como? — Lucy se virou para ele, ficando de lado e envolvendo
o pescoço do marido com os braços. — Estou bem, é claro. Estou contente.
Ele assentiu. Que bom.
Não, que merda. Agora os dois estavam muito felizes com a noite
anterior.
— Não perguntei sobre seu humor — ele disse, pigarreando outra
vez. — Sente algum incômodo depois de ontem?
— Oh… — Ela ruborizou, abrindo um sorriso trêmulo e voltando a
testar as cores no papel. — Estou bem, eu deveria sentir algo? Você é um
homem robusto, mas nem tanto.
Aiden resfolegou, ofendido. Ela estava reclamando? Ninguém nunca
reclamara dele e de suas habilidades como um amante.
— O que é isso? — Lucy perguntou, ganhando a atenção de Aiden
ao tocar um caderno grande, com capa de couro azul e um fecho dourado.
— Que bonito!
— Não mexa nisso! — Ele a impediu de abrir rapidamente,
colocando sua mão grande sobre a dela.
Ela parou, sentindo o corpo dele tenso ao que ela tentou abrir o
caderno.
— Não posso ver?
— Quando estiver pronto — ele explicou, afastando a mão dela. —
Prometo que lhe mostro.
— E quando ficará pronto?
— Não sei, Lucille.
— O que é?
— Você está parecendo com Tamsin — ele resmungou, recostando-
se na enorme cadeira e puxando a esposa para se inclinar sobre ele. —
Esqueça isso, é apenas um projeto.
Lucy suspirou impotente, agora queria ver aquilo mais que tudo na
vida.
Arrumou-se no colo de Aiden, tocando as mãos dele, que estavam
repousadas em sua barriga e acariciando o nó dos dedos.
— Aiden… — ela começou, pensativa. — Naquela vez em que eu
fiquei no seu coche enquanto vínhamos para cá… eu adormeci em cima de
você.
— Sim — ele aquiesceu, embora tivesse abraçado Lucille e não
acidentalmente servido de encosto, como ela pensava.
— Você me fez carinho.
Aiden congelou, tensionando as mãos, que recebiam carícias
despreocupadas de Lucy.
Ela pareceu não perceber e continuou:
— Por que me fez carinho se não gostava de mim?
— Eu nunca não gostei de você, Lucille — Aiden se explicou, com
seriedade. — Era neutro para você. Não a conhecia e desejava manter
distância. Você era a pessoa quem não gostava de mim.
— Não vou negar — ela riu baixinho e se sentou de lado outra vez,
envolvendo o pescoço de Aiden e o beijando na ponta do nariz. — Agora
até que eu gosto de você, troglodita. Um pouquinho só. Não muito, não
quero que fique vaidoso demais.
Ele riu do tom jocoso dela. Aiden sabia que não era um pouco. Ela
estava apaixonada, talvez um pouco afetada pela noite anterior.
Aquilo era perigosamente bom.
— Ainda não respondeu a minha pergunta — ela insistiu,
beliscando-o delicadamente na nuca.
Aiden suspirou, afagando a coxa de Lucille por cima do vestido
antes de segurar a mão dela e deixá-la sobre a sua.
— Faz alguns anos que eu não tenho alguém para acariciar assim,
sem pretensões. Acho que, na verdade, nunca tive.
Lucille emudeceu, olhando-o com uma piedosa surpresa. Seus dedos
perderam as forças nas carícias que dava a Aiden e deslizaram até seu rosto.
Ele não a olhou, mas desviou o olhar para o caderno azul sobre a
mesa. O olhar triste de Lucy sobre si o deixou deprimido e envergonhado.
Ela tinha pena dele, é claro. O Duque Louco, que vivia sozinho em
um lugar enorme.
— Ficou sozinho por sete anos? — ela perguntou, quase em um
sussurro.
— Na companhia das prestimosas prostitutas de North Haven — ele
respondeu, com amargura.
Lucille não se enciumou. Suspirou com pesar e deixou um beijo na
testa de Aiden, antes de beijá-lo nos lábios.
— Imagino que, em um lugar como North Haven, não tenha moças
da nossa classe — Lucy comentou, colocando parte dos cabelos do marido
para trás de sua orelha. — Mas você ainda ia a Londres, mesmo assim. Ou
até Derby.
— Não com os propósitos de procurar uma esposa — Aiden
explicou, brevemente, movendo-se na poltrona para que Lucy saísse de seu
colo.
Ela o fez, sentindo-se ainda mais triste. Ele não queria conversar
sobre aquilo, é claro.
Lucille se sentia privilegiada por Aiden ter lhe contado um de seus
tormentos com tão pouco tempo de casamento. Ainda demoraria mais para
que ela chegasse ao fundo daquele coração trancafiado. Tudo que havia
feito fora olhar pelo buraco da fechadura.
Aiden se levantou de sua cadeira, caminhou até a janela e olhou para
fora com uma das mãos apoiadas no vidro.
— Fico feliz que se sinta à vontade para me acariciar inocentemente
— Lucy disse, parando ao lado do marido e olhando para a paisagem. —
Prefiro suas carícias do que o que me dava quando nos conhecemos.
Imagino que me dar carinho seja um pouco assustador, dada as suas
crenças, meu querido troglodita.
Aiden resfolegou baixinho, passou um dos braços ao redor da
cintura de Lucy e a puxou para perto enquanto olhavam para as colinas
verdes de Greenhill.
Ela se recostou nele, tocando seu peito e lhe dando amistosas
batidinhas.
— Muito bem — Lucille disse, com um sorriso contente, antes de
puxá-lo pelas mãos — Agora vamos jogar mímica!
Capítulo 23

Aiden não jogava mímica, nem nenhum outro jogo que ele
detestava por ser constrangedor demais. Como os outros se divertiam em
ficar no centro das atenções enquanto se portavam como tolos mudos?
Exposição social não era algo muito agradável para Aiden.
Ele preferia ficar sozinho e quieto, apenas observando os outros.
Mas aquela era a sua família, ele tinha de participar. Principalmente quando
sua filha também estava jogando. Aí ele tinha que se empenhar e se animar
ao vê-la brincando, principalmente soprando as respostas no ouvido dela,
que gritava animada a resposta e acertava quase tudo.
Aquilo o deixava feliz, do fundo do coração. Ver Tamsin o fazia
feliz, a única coisa que parecia lhe fazer contente naquela vida escura.
Era a vez de Lewis jogar, mas o pobre coitado havia ficado com a
mão presa dentro do pote onde as respostas estavam guardadas e Charlie
teve de ir socorrê-lo.
Aiden revirou os olhos, cansado, e se recostou no sofá pronto para
dormir ali mesmo. Tamsin veio animada até ele, sorrindo de orelha a orelha
e subindo em seu colo, onde se enrolou e se deitou contente como uma
bolinha ruiva.
— Não vai brincar? — ela perguntou, empurrando o queixo dele
com o indicador antes de passar para o nariz.
— Já estou brincando — Aiden explicou, arrumando Tamsin em
uma posição onde o vestido dela não se embolava tanto na direção da
cintura. — Mocinhas se sentam mais comportadas, sabia?
Tamsin riu e deu de ombros, arrastando-se pelo colo do pai até ficar
de cabeça para baixo e colocar os pés calçados só de meias no rosto dele.
Lucille deu uma risadinha abafada no outro sofá, levantando-se e
indo ajudar Aiden, que parecia muito perdido ao tentar colocar Tamsin
sentada corretamente.
Ela se sentou como uma pluma pousada sobre a grama,
delicadamente e bastante ereta. Aiden a olhou de soslaio e depois olhou
para Tamsin.
— Veja como Lucy se senta como uma moça — ele disse para a
filha e fez tom de pouco-caso. — O papai gosta de moças que se sentam
assim.
Tamsin imediatamente olhou para Lucy. Antes que pudessem contar,
ela já havia pulado do colo de Aiden e se sentado entre ele e Lucille,
alisando o vestido e se empertigando comicamente.
— Vamos ter que cortar fora, seu estrupício.
— O quê? — A voz de Lewis saiu esganiçada como um cabrito.
Aiden e Lucille imediatamente olharam para o casal. A mão de
Lewis estava começando a ficar roxa e sabe-se lá como ficou presa naquele
pote. Por isso Aiden não jogava aquelas porcarias, sua mão nem teria
entrado na boca do vidro.
— Vamos na cozinha tentar quebrar o vidro — Charlie anunciou,
envolvendo os ombros do marido tristonho. — Quer vir, Tamsin? Vamos
conhecer a cozinha?
— Quero! — Ela nem sabia o que era, mas saltou animada e agarrou
a mão livre de Lewis. — Tchau!
Os dois acenaram, risonhos, diante daquela absurda situação.
Lewis saiu choramingando, escoltado pela esposa e a sobrinha.
Um silêncio pairou sobre a biblioteca rosa, Lucy tamborilava os
dedos na coxa e Aiden encarava uma estatueta de um anjinho pelado no
meio de uma das estantes.
Lucille se aproximou do marido sorrateiramente, até que seu ombro
tocou o braço duro e grande de Aiden.
— Acho que a mímica acabou — ele anunciou, levantando-se e
caminhando até uma das janelas.
Sentiu-se um cretino, mas fora instantâneo. Levantou-se antes que
pudesse pensar, e, quando pensou, sentiu-se como um desgraçado. Decidiu
não olhar para trás e ver o desapontamento no rosto de Lucy.
Maldição, ela queria ficar com ele depois da noite passada. Ela fora
procurá-lo e confessou seus desejos de companhia, enquanto ele havia
fugido para uma caça medíocre em um dia chuvoso.
Ele era horrível, sabia disso. Mas a ansiedade que tomava conta de
si quando Lucy estava perto demais era insuportável. Quando ele fechava
os olhos e lembrava da noite anterior, tudo lhe parecia fácil. Natural, como
deveria ser.
Uma moça bonita e inteligente, receptiva na cama e que desejava
contato. Lucille era perfeita, era uma mulher incrível e tratava Tamsin com
amor.
Tudo que Aiden queria quando ainda pensava em achar um amor e
se casar, ter filhos e passar cada dia de sua vida lembrando à jovem que
fosse sua esposa de como ele a amava. Agora tinha um terreno fértil para
tal, mas seu coração batia rápido demais, o corpo suava e a mente entrava
em uma velocidade alucinante de pensamentos desesperados de desamparo
e melancolia em uma cama.
Sem Lucy, sem amor.
Aiden só tinha de se deixar levar pelo sentimento, mas a razão era
forte como um touro.
— Acho que vou ver como está o pobre Lewis — Lucille anunciou.
Aiden se virou imediatamente, olhando-a de pé e com as mãos na
frente do corpo.
— Fique — ele disse. — Venha aqui, vamos ver a chuva. Por
favor… fique.
Lucille suspirou baixinho e aliviada. Assentiu e foi para o lado do
marido, indo um pouco para a frente e olhando para a paisagem devastada
pela tempestade, que maltratava tudo que via.
— Os jardineiros terão um trabalho e tanto quando isso passar… —
ela comentou, olhando piedosa para os canteiros enlameados.
— É para isso que eu os pago — Aiden respondeu, olhando para as
próprias mãos e pensando. Pensando demais.
— Imagino que sim — Lucy replicou, monótona.
Ela estava chateada. É claro.
Aiden olhou para as mãos, abrindo e fechando os dedos com força.
Por que era tão difícil? Ele queria abraçar a esposa, mas seu coração estava
começando a bater rápido demais.
Estendeu as mãos nervosas para Lucille e a envolveu por trás,
abraçando-a e repousando o queixo no topo de seus cachos castanhos. Ela
continuou rígida ao contato, as mãos espalmadas no vidro enquanto o olhar
estava focado na tempestade.
— Terei paciência com você, Aiden — ela disse, baixinho e séria.
— Mas lembre-se que passaremos a vida inteira juntos e eu não suportarei
ser deixada depois de recebê-lo na cama. Não com você me tratando com
carinho enquanto faz amor comigo. Se for assim todas as vezes, então que
me poupe dessas experiências boas.
Aiden assentiu minimamente, embora ela não pudesse ver. Ele sabia
de tudo aquilo, sabia que passaria o resto da vida com Lucy ao seu lado. E
passar mais algumas décadas controlando os próprios sentimentos e
magoando uma mulher inocente não parecia justo e nem suportável.
Nenhuma mente tolera tanto sofrimento e autocontrole. Aiden
queria viver o casamento, não se esquivar de Lucy a todo tempo, enquanto
lutava contra si mesmo depois de beijá-la.
— Tenho ciência de minha mente distorcida pelas minhas crenças
— ele respondeu. — E peço desculpas por não saber controlá-las.
— Gostaria de conversar sobre isso? — Lucy continuava a não
corresponder ao abraço de Aiden, que estava começando a se sentir tolo.
— Não — ele confessou. — Mas um dia, quem sabe.
— Se quiser, um dia, estarei disposta a fazê-lo mudar de
pensamento. — Lucille se virou para o marido, envolvendo-o um tanto
relutante e olhando-o nos olhos cristalinos. — Digo-lhe uma coisa, meu
troglodita: é melhor perder um ente querido e ter memórias de amor do que
perder alguém e jamais ter uma memória boa para lhe causar nostalgia. No
dia que você se for, eu espero ter um monte de memórias boas sobre nós,
para jamais me arrepender de não tê-lo amado quando tive a chance.
Aiden nada respondeu e Lucy não esperava que ele o fizesse. Ela
tocou-lhe no peito e beijou-lhe nos lábios demoradamente.
— Gosto de você, meu brutamontes — ela disse, com um sorriso
pequeno e singelo. — Tenho esperança de que podemos nos amar um dia.
Sei que teremos lindos filhos.
Aiden a respondeu com um beijo cálido e apaixonado, abraçando-a
com carinho e a mantendo presa em seus braços, em silêncio.
— Eu também gosto de você, minha querida Lucy. Encontrarei boas
palavras para fazê-la crer em meus sentimentos quando minha mente ficar
atordoada pelo medo.
Ela sorriu com alegria, embora ainda fosse um gesto pequeno. O
rubor em seu rosto era autoexplicativo para Aiden, era o suficiente para ele
saber que suas palavras breves foram o suficiente para Lucy compreender
seus sentimentos.
Lucille se afastou do abraço, caminhando até a escrivaninha da
biblioteca, onde colocou a mão.
— Estava pensando em fazer daqui a minha sala — ela anunciou,
com um sorriso, como se jamais tivessem falado de problemas. — O que
acha? Sem retirar as memórias de sua mãe, é claro. É um local bonito e
aconchegante. Gosto do rosa e dos sofás.
Aiden agradeceu pela mudança de assunto e foi até a escrivaninha
branca e pequena, onde havia um bolo de cartas, revistas e um tinteiro de
cristal. O desenho de Tamsin também estava lá, guardado em vidro e
exposto como um lindo retrato. Ela gostava da criança. Deus do céu, como
aquilo era bom.
E tão aterrorizante.
— Trouxe minhas coisas — Lucy explicou, um tanto constrangida.
— Pedi para que minha mãe me enviasse as revistas de Londres há algumas
cartas, chegaram agora. Assinarei e enviarão sempre para cá.
— Devem ter fofocas e tanto nessas folhas aí — ele comentou,
nunca teve interesse naquele tipo de literatura. — Já leu?
— Não, estou com medo de terem falado algo sobre mim. — Lucille
tocou as revistas e depois as cartas ainda seladas. — São das minhas
amigas, também estou com medo de ler as perguntas que me mandaram.
— O medo não é algo que nos movimenta muito — Aiden disse,
zombando da própria situação. — É melhor ler e encarar os fatos, minha
bela.
Lucy murchou, puxou a cadeira e sentou para os seus afazeres.
— Gostaria que ficasse aqui — ela anunciou. — Sua companhia é
boa, mesmo quando você emudece.
— Como quiser, madame. — Aiden a reverenciou e se sentou no
sofá, observando Lucy abrir uma das cartas. — Parece que vai ficar o resto
da tarde lendo correspondências.
Ela o olhou por sobre o ombro.
— Precisa ir trabalhar em um de seus jardins?
Ele fez que não e ela sorriu, voltando-se para o que estava fazendo.
Aiden tinha muitos jardins para projetar e muitas cartas para
responder. Mas ele era um duque e fazia o que bem quisesse. Ficaria a tarde
toda vendo Lucille abrir cartas e ler revistas de fofoca, mesmo que sua
mente acabasse vagando nos horrores de uma vida sem ela.

***
Eram três da manhã e Aiden estava olhando fixamente para um livro
aberto, tentando ignorar Lucille dormindo feito um anjo do seu lado.
Ele não ficaria olhando para ela. Aquilo era estranho demais. Já
havia passado o resto da tarde ouvindo-a ralhar sobre as cartas
inconvenientes das amigas. Aiden passou a página do livro iluminado por
uma única vela. Olhou de relance para Lucy.
Ela era linda demais, principalmente quando dormia. Seu rosto todo
relaxava e ela sempre dava suspirinhos, atiçando Aiden, que imediatamente
a abraçava e a mantinha perto de si. Tão preciosa.
E ela sempre suspirava de novo, agraciada com o abraço. Ele estava
ficando louco por ela, mas ainda conseguia controlar. Tentava, pelo menos.
Olhou para o livro de novo, focando em ler aquele capítulo para
finalmente poder dormir. Sentiu o colchão se mover e olhou para o lado
sorrateiramente. Lucy estava se arrastando sonolenta para fora da cama.
Aiden abaixou o livro em seu peito e a acompanhou com os olhos.
Ela cambaleou um pouco e levantou a saia da camisola, entrando no lavabo
e sumindo de vista.
Ele riu consigo mesmo, nada como ver o traseiro da sua esposa em
plena madrugada. Lucille retornou para a cama minutos depois e se arrastou
até ele, puxando um de seus braços até que Aiden se encaixasse nela da
forma que ela gostava.
E que era tão perigosa para ele, sempre com aquele traseiro macio
aninhado em sua virilha.
— O que foi fazer? — ele perguntou, curioso.
— Xixi — Lucy murmurou e Aiden controlou o riso. — Está tarde,
vá dormir, brutamontes.
— Prefiro olhar você — Aiden respondeu, mantendo Lucy presa em
seu braço e aninhada ao seu corpo.
Ela riu baixinho e sonolenta, virando-se para ficar de frente para o
marido. Beijou-o nos lábios, preguiçosamente, até que desistiu e pegou no
sono com os lábios quase colados aos dele.
Derretida nos braços do marido, Lucy já não estava mais ciente dos
olhos dele sobre o seu sono. Aiden a observava com cuidado, atento a cada
suspiro e movimento que ela fazia, arrumando-se no peito dele ou se
virando para ser abraçada por trás.
Ele passava horas vendo-a, dando-lhe carinho e se sentindo um
homem maluco. Havia muito tempo que não tinha uma mulher com quem
dividir a cama por uma noite toda. Mas Aiden nunca havia tido uma mulher
daquela forma na sua cama, da maneira como Lucille ficava. Sempre
abraçada a ele enquanto dormia, sempre autoritária no modo como queria
que ela a envolvesse. Apaixonada e inocente, esperando-o para irem dormir
todas as noites.
Sete anos antes, ele havia tido duas cortesãs, suas amantes
prestigiadas. Havia dado uma casa para cada uma, além de um número
questionável de joias.
Ele nunca foi bom em expressar seu deleite em tê-las em palavras,
então lhes dava presentes. Enchia-as com eles até as mulheres terem
pulseiras até os cotovelos.
Marzia e Lucrezia nunca reclamaram, gostavam muito de tudo que
Aiden lhes dava. Uma boa noite e um monte de presentes. Lucrezia era a
que menos se importava com ele e Aiden pouco ligava para aquilo. Eram
amigos até os limites, amantes e nada mais. Tirava tanto proveito dele
quanto ele dela.
Marzia era mais jovem e, às vezes, Aiden pensava que a mulher
havia se apaixonado por ele. Era mais intimista, gostava que ele a abraçasse
depois do sexo e que lhe dissesse palavras ternas. O que o incomodava
muito, não queria se apaixonar por uma cortesã, embora aquilo não fosse
aterrorizante. Também não era um insensível, só não se tornava tão piegas
como ela queria. Fazias as vontades dela, acalentando-a, mas sem conseguir
dizer palavras carinhosas vazias de sentimento.
Era melhor não ter um intenso caso de amor com uma mulher com
quem não poderia se casar.
Primeiro, se desfez de Lucrezia, separando-se em um bom acordo.
Depois de Marzia, embora ela tenha ficado um tanto triste. Acabaram se
encontrando algumas das vezes em que Aiden continuou a ir para Londres
nos anos seguintes, mas nunca mais foram amantes.
Visitavam a ópera juntos, apenas para que a sociedade pensasse que
ele ainda era um homem saudável, já que a fofoca de ser louco havia se
alastrado como fogo. A verdade era que Aiden não sabia como lidar com
mulheres tristes e acabava fazendo as vontades dela para que ficassem
contentes, então ia com Marzia para eventos.
Depois, ela conheceu um novo amante e deixou Aiden em paz.
Mas, em toda sua vida, Aiden nunca havia tido uma mulher inocente
em sua cama, daquelas que só querem amor e carinho na mais pura forma.
Lucille parecia ser aquele adorável tipo de moça. Todo santo dia, abraçada a
ele durante uma noite toda. Às vezes, ele sentia calor pelo contato intenso,
mas não se separava dela, mesmo quando ela ficava apenas segurando-lhe a
mão.
E Lucy dormia como um anjo, sem acordar hora alguma, bastante
satisfeita com aquela cama e aquele homem a escoltando das sombras.
Aiden afagou os cachos dela, afastando-os de seu rosto angelical
para poder beijá-la nos lábios sonolentos. Lucy se moveu um pouco,
contorcendo-se como quem se espreguiça e entreabrindo os lábios para
receber o beijo de Aiden.
O coração dele disparou por um instante por tê-la acordado,
envergonhando-se de sua paixão incontrolável por ela quando a noite caía.
Lucy o beijou preguiçosamente, movendo seus lábios com uma
lentidão deliciosa, praticamente entregue ao carinho de Aiden ao acariciar
seus lábios com a língua.
— Sorte sua que estou com sono… — ela disse, em um sussurro,
beijando o lábio inferior dele vagarosamente. — Mas amanhã você não me
escapa.
Ele mal teve tempo de responder aos flertes sonolentos da esposa,
logo Lucy já estava confortavelmente dormindo abraçada nele como uma
gatinha. E para Aiden aquilo era o suficiente, tão suficiente que ele mesmo
pegou no sono junto de sua querida esposa.
Aquilo era maravilhosamente o suficiente.
Capítulo 24

Pérolas da Corte – 23 de junho, 1815

A ESPOSA DO DUQUE LOUCO

Ouvimos dizer que a Srta. Lucille Mildenhall agora é a Lady Lucille


Chatham, Duquesa de Devonshire e – pasmem, caros leitores – casada
com o Duque Louco, aquele que quase nunca vimos por nossa querida
Londres. A versão que nos foi contada por fontes legítimas é a de uma bela
história de amor entre o misterioso e isolado Lorde Chatham e nossa
apagada heroína. A Sra. Chatham se apaixonou por outro homem com toda
a ingenuidade de uma moça e, educadamente, terminou seu quase noivado
com o Conde de Oxford, sem nenhum conflito. Ao que parece, a distância
os afastou gradativamente. Uma lástima.
Devemos acreditar no que nos foi contato e trazemos aqui, para
cada uma das senhoras? Não é de se surpreender, deixada de molho por
quase três anos todas nós nos casaríamos com o primeiro duque que
aparecesse, não é?
Uma dama carecida de atenção facilmente se apaixona por outro
homem, principalmente os ricos e bonitos. Todas nós merecemos um bom
homem que nos despose sem pensar duas vezes.
Dito isso, congratulações ao novo casal e esperamos que a tão
conhecida simpatia da duquesa tire o Duque Louco de sua caverna.

— Jornaleco de merda — Aiden resmungou, amassando o periódico


e o jogando no lixo. — Duque Louco.
Aiden se levantou, ofendido com aquele maldito apelido. Embora,
de certa forma, estivesse um tanto aliviado de não ter visto nada sobre
Tamsin. A notícia ainda não havia saído de Kent e ido para Londres, pelo
visto.
Mas o jornal era de dois dias depois que eles haviam se casado.
Havia demorado mais do que o correio demorava normalmente para
entregar. Talvez as notícias já fossem outras, Lucille e Aiden estavam
casados há quase um mês. Ele não queria nenhuma fofoca deformada sobre
sua filha, nada que a ofendesse ou a humilhasse.
Aiden queria levá-la ele mesmo até Londres, orgulhosamente dizer a
todos que era a filha dele e de Lucille, mesmo que da parte dela fosse
apenas no coração. E só o coração já era muito mais importante que
qualquer outro tipo de laço.
Não desejava passar a vida toda com Tamsin em Greenhill, embora
aquele fosse o lar ancestral dos Chatham e a casa de cada um deles. Tamsin
teria de conhecer Londres, visitar os tios e os primos. Visitar os avós
maternos, por Deus. Tamsin nunca teve a oportunidade de ter avós na vida.
Ele não poderia deixá-la para ir a Londres apenas em sua
temporada, levar uma moça de dezessete anos, confusa e perdida em uma
cidade grande, com todas as pessoas dispostas a falarem mal dela em suas
costas. Só de pensar naquilo, Aiden fervilhava de raiva em antecipação. Se
alguma pessoa falasse mal de Tamsin ele mesmo estrangularia. E se algum
rapaz a usasse sem querer casamento… Aiden mataria o sujeito.
Andou até a janela do escritório e olhou para o jardim, tentando
procurar alguma coisa de Lucy e Tamsin. Mas as duas não estavam no
campo de visão dele.
Havia prometido ficar com Lucille, mas lembrara-se de que
receberia seus advogados mais uma vez e, miraculosamente, ela não ficou
chateada. Decidiu ir passear com Tamsin e Charlotte, já que Lewis havia
resolvido ir embora pela noite, uma vez que a esposa estava muito amiga da
cunhada e não queria deixá-la tão cedo.
Infelizmente, Aiden também não poderia dar atenção ao cunhado,
mas Lewis havia prometido que ficaria muito entretido se pudesse explorar
a biblioteca de Aiden um pouco. Havia bons livros de Direito por lá, seu pai
queria sempre ter bons argumentos quando algum devedor queria lhe dar
algum calote.
Justo no dia em que ele estava decidido a ficar com Lucille, dar-lhe
carinho e tentar superar seus medos, Aiden não poderia fazê-lo…
Culpa dos malditos advogados.
Quando já estava farto de esperar os dois atrasados, Dare abrira a
porta do escritório e os revelou para Aiden, que imediatamente se levantou.
— Caíram em alguma fossa? — ele perguntou, impaciente.
Oliver Kane e Eugene James o ignoraram com olhares
despretensiosos, sentando-se nas poltronas frente à grande mesa de Aiden e
o cumprimentando ao tirar os chapéus.
Aiden olhou para os dois, Oliver era tão alto quanto ele, mas duas
décadas mais velho e de cabelos castanhos grisalhos. Eugene era um sujeito
baixo, barrigudo e com um farto bigode loiro.
O duque puxou o colete para baixo, sentando-se em sua cadeira e
bufando em impaciência.
— Choveu, Vossa Graça, as estradas estão lamacentas — Oliver
explicou, abrindo sua pasta e folheando alguns papéis. — Todos os registros
de suas caridades mensais estão aqui. Trouxemos os relatórios do Sister
Mary, como pediu. Thadeus mandou lembranças e Lorde Hetherington tem
tudo sob controle.
Aiden puxou os papéis, avaliando tudo o que estava registrado. O
humilde bordel de North Haven a quem ele tinha muito a agradecer, um
orfanato em Londres, outro em Devon, algumas casas secretas para moças
que fugiam de maridos cruéis e de vidas arruinadas, além de um hospital
em Derby.
Muito bem de filantropia. Havia homens que nem mesmo davam
uma moedinha aos mendigos da rua.
Ele nunca tinha pisado naqueles locais – exceto pelo bordel, mas
gostava de pensar que ajudava alguém. Já tinha muito dinheiro ganho na
base da perda alheia, nada menos monstruoso do que dar um pouco para os
necessitados. Sua mãe sempre ajudou hospitais e casas para moças, ele
estava apenas seguindo os passos da falecida duquesa.
Colocou os papéis em uma gaveta e a fechou com uma chave,
voltando para os dois homens atrapalhando seu precioso tempo com
Lucille.
— Vieram aqui só para isso? — ele perguntou.
— Oh, não! — Eugene pegou mais um papel, agora em sua pasta.
— O comprovante de que o dote da estimada duquesa foi entregue a você,
finalmente. Mil libras.
Aiden puxou o papel e não olhou, colocando-o na gaveta. O dote de
Lucy era uma miséria para uma moça de tanta beleza e polidez, vinda de
uma família importante. Qualquer moça da aristocracia tinha, no mínimo,
vinte mil libras de dote. Mas John Mildenhall não era um homem com a
fortuna que deveria ter, o pobre visconde havia perdido muito em apostas
durante suas décadas de vida. Graças à sensatez de Clarisse, a família vivia
com um merecido conforto e luxo, mas nada extravagante. Bem, bastante
longe do extravagante.
E maldito fosse um dos cunhados de Lucy. Homens ricos e
influentes que não doara nada para engrandecer o dote dela. Tirando James,
que, segundo as palavras de Lucille, era um homem querido por ela. Já
havia visto James no cassino, parecia um homem desanimado. Os boatos de
sua preferência por homens existiam desde a escola. O outro – ele não
lembrava o nome – quase nunca pisara no Sister Mary.
Enquanto o dote de Lucy era uma miséria, o de Tamsin – que tinha
apenas quatro anos – somava cinquenta mil libras.
— Preciso que falem com um bom empreiteiro para que comecem
logo a construção da vila — Aiden explicou o que queria. — Quero
terminá-la em dois anos, pelo menos. Muitos criados estão se casando e
North Haven está ficando ainda menor.
Os dois homens assentiram. Como Aiden não se sentia nada tentado
em ter um grande círculo social, seus advogados faziam trabalho de
secretários também. É claro que ganhando um pouco mais.
— Não se esqueçam de me dar uma lista completa de todos gastos
com as obras e o mobiliário simples — Aiden continuou, pigarreando ao se
sentir muito autoritário. — Ficarei grato.
Os dois homens de boa fé assentiram com um educado meneio de
cabeça e Oliver se levantou, confortável o bastante para ir até o pequeno bar
de Aiden e servir um bom brandy para cada um deles.
O homem trabalhava para a família desde que se tornara advogado,
um velho conhecido de Vincent. O falecido duque era cheio de contatos,
alguns inúteis, outros muito bem recebidos.
— Vão passar algum tempo na cidade? — Aiden perguntou,
pegando o copo e provando da bebida.
— Minha esposa teve outro bebê — Oliver disse, com um suspiro
cansado.
— O nono — acrescentou Eugene e Aiden deu um risinho baixo.
— O que eu posso fazer se a mulher gosta de crianças? Não que eu
não esteja feliz com um filho. É um garotinho.
— Ela já não tem mais idade, não é? — Aiden perguntou, jocoso,
escondendo-se por detrás do copo.
Oliver ficou vermelho e olhou sério para Aiden. Se não fosse um
duque…
Conhecia aquele maldito desde que era menino.
Aiden riu consigo mesmo, terminando o brandy e batendo o copo na
mesa de mogno. Levantou-se, arrumou o colete e foi até o modesto bar,
onde serviu mais uma pequenina dose.
Então, a porta se abriu e ele se virou para olhar, crente de que era o
mordomo vindo interferir em seus negócios.
Mas era Lucille.
E Tamsin.
Juntas. No escritório com os advogados.
— Brutamontes, vim ver se vo... — ela dizia, sorridente, olhando
para Tamsin, até que levantou o rosto e se deparou com dois homens
desconhecidos. — Oh…
Imediatamente, ela puxou Tamsin para si, segurando a menininha
pelos ombros e a virando de costas para os advogados, em um abraço
protetor.
Aiden olhou fixamente para um ponto no tapete debaixo dos pés de
Lucy, calculando como contornaria aquilo.
Não, sem mais mentiras. Tamsin tinha uma mãe e não poderia
passar o resto de sua vida escondida em Greenhill.
Oliver e Eugene reverenciavam Lucille, olhando curiosamente para
a tímida Tamsin, que bisbilhotava os dois, mas sem virar para frente.
— Oliver Kane e Eugene James — Aiden os apresentou, segurando
tão firmemente o copo que seria capaz de quebrá-lo. — Essa é a minha
esposa.
— Vossa Graça — eles disseram, em uníssono.
Lucille o cumprimentou com um meneio tenso.
— Essa é minha filha, Thomasina — Aiden indicou a pequenina e
jurou ter visto Eugene soluçar, surpreso.
Tamsin, muito educada, reverenciou os advogados adoravelmente,
com as mãos segurando a saia amarela do vestido.
Aiden teria ficado orgulhoso de tamanha etiqueta, mas estava muito
nervoso.
— Desculpe pela intromissão, meu lorde — Lucille disse, nervosa,
tentando manter uma deferência na frente dos advogados. — Vamos,
querida? Venha, vamos fazer um chá com bonecas.
Tamsin continuou olhando curiosa para os dois estranhos quando
Lucy a pegou pela mão e a puxou para fora, mas a menininha fora rápida o
bastante para correr até o pai e abraçar suas pernas.
A menina era bem-educada pela professora, mas tinha pouca
convivência com outras pessoas e, às vezes, se tornava um pouco
inconveniente. Principalmente quando Dominick — filho de Matthew e
Louise – vinha visitá-los e ela passava o tempo todo abraçada ao primo
mais velho, seu melhor amigo. Tão miúda, ainda não sabia que aquilo seria
um absurdo quando ela se tornasse uma moça crescida.
Mas Aiden não poderia culpar uma pequenina de quatro anos por
atravessar um aposento correndo apenas para ganhar um carinho do pai.
Ele conseguiu sorrir, mesmo sentindo os olhos curiosos de Eugene e
Oliver em cima deles.
— Vá com a sua mamãe — ele sussurrou, tocando os cachinhos
ruivos de Tamsin e beliscando o nariz pequenino dela.

***

Aiden observou Oliver e Eugene se sentarem novamente, um tanto


confusos. Os homens não eram burros, mas pareciam perplexos por terem
sido enganados por tantos anos.
Aiden encheu o copo de brandy e bebeu até a garganta arder
infernalmente. Colocou o copo de lado e se sentou em sua cadeira da forma
mais racional possível.
— Há duas opções… — Oliver começou, levantando o indicador e
o dedo médio. — Ou você e a duquesa foram amantes em um passado
remoto ou a criança é… Bom, você sabe, uma bastarda.
Oliver tinha perdido qualquer noção de etiqueta quando em frente a
duques.
— Ela não é nada disso — Aiden respondeu, irritado. — Eu a tive
por acidente e a mãe a largou aqui quando a menina tinha só dois dias de
vida, mas não permito que use essa palavra para se referir a ela.
Os dois advogados ergueram as sobrancelhas e rapidamente
bebericaram o uísque.
— É minha filha, não permito que usem adjetivos ruins com ela —
ele continuou. — Os cabelos ruivos estão de prova. Os Chatham são os
únicos ruivos em North Haven.
— E a duquesa? — Eugene perguntou. — O que ela diz sobre?
— É a mãe agora — Aiden respondeu, breve. — Gosta da menina.
Os dois homens pareceram aceitar aquilo, embora Oliver parecesse
um tanto cético.
— Gostaria que não espalhassem a notícia por Londres como se
fossem umas mexeriqueiras. Eu planejo apresentá-la à sociedade em breve e
quero que ela debute como qualquer outra filha que eu venha a ter, quando
ela for uma moça.
— Não contaremos nada — Eugene assegurou. — Mas ninguém
sabe?
— Apenas um grupo seleto — Aiden continuou. — Deixem que eu
resolvo sobre isso.
Os dois assentiram solenemente. Aiden caminhou pelo escritório,
olhando seus cavaletes com inúmeras plantas da vila dos criados e dos
jardins que estava planejando.
Seu olhar era superficial, estava preocupado com o que aqueles dois
homens estavam, de fato, pensando. Confiava neles verdadeiramente, mas
as morais são as morais. Que tipo de coisa eles pensavam sobre uma filha
bastarda?
Aiden odiava aquela palavra. Tamsin era filha dele, apenas aquilo.
Por que teria de ser diferente das crianças que ele tivesse com Lucille em
um casamento?
A partir do momento em que Charlie foi correndo no quarto dele
dizer que o bebê da criada estava escondido na cozinha havia três dias, ela
era filha dele. E então Aiden foi até lá e viu aquela criaturinha miúda e
fraquinha, enrolada em um cobertor e com um tufinho de cabelo ruivo
escapando do embrulho. Ele soube que era sua e um sentimento de proteção
se apoderou dele, tal como quando ele via sua irmã Charlotte sem os pais,
tendo apenas um dos irmãos mais velhos.
George e Matt tinham suas famílias. Ele era o que Charlotte tinha e
o que a minúscula Tamsin também acabara de ganhar.
O que o faria acreditar que a criada não havia se deitado com outro
depois? Talvez o bebê nem fosse dele. Mas, quando pegou aquele pacotinho
quente, ruivo e dorminhoco nos braços, temendo derrubar aquela coisinha
inocente… Aiden não poderia deixá-la em algum orfanato, não. Jamais.
Sabia que era sangue do seu sangue e, apesar de seus problemas, o que
queria desde moço era se casar por amor e ter filhos. Era seu plano inicial.
Tinha uma filha para amar, mesmo que nunca pudesse amar uma
mulher, ele teria sua filha e a criaria com amor, até que ela se tornasse uma
moça e amasse um homem, formando uma família com ele.
E, como se não fosse um homem sem nenhuma experiência com
bebês, levou Tamsin para seu quarto, fez um forte de travesseiros em sua
cama gigante e chamou Charlie para escolherem um nome. Ele queria
Sybill, porque Tamsin o fez pensar na mãe, mas aquilo era tão piegas.
Charlotte o convenceu a pensar em outro e logo escolheram aquele:
Thomasina. Um nome bastante forte para um bebezinho tão pequeno.
Se aqueles homens estivessem pensando algo ruim sobre seu
tesouro… Aiden os mataria na hora. Mas não estragaria seu dia, logo o dia
em que escolhera tentar enfrentar seus sentimentos e fazer amor com
Lucille outra vez.
Aquilo estava se mostrando uma ótima terapia, os toques de Lucille
pareciam sugar toda sua dor e solidão. Cada som que saía de seus lábios,
cada beijo, cada abraço era como uma enxurrada de coisas boas que
demoliam cada memória ruim incrustada no coração de Aiden.
Aqueciam seu peito de tal forma que ele poderia passar uma noite
inteira entregue à curiosidade de Lucille nas atividades de uma amante.
Mas, depois, ele sentia o coração acelerar tanto de pavor em perdê-la e
enlouquecer que desejava fugir. Queria correr, sumir no meio de Greenhill
até que Lucille o odiasse e nunca mais o olhasse nos olhos. Encher a cara
até desmaiar e acordar em uma época em que seu pai estava vivo e inteiro,
cantarolando poesia para sua mãe ruborizada e tentando esconder sua
paixão dos filhos.
E Aiden não teria de sofrer por um amor perdido quando Lucy
partisse.
Mas o tempo passaria novamente, a carruagem viraria, os criados
morreriam e seu pai perderia uma perna.
E o inferno de Aiden começaria, acabando com seu sonho de achar
uma mulher que ele amaria pela vida toda, tal como seu pai amava sua mãe.
Tudo o que ele pensaria seria em jamais amar uma mulher como sua
mãe amou seu pai. E jamais sofrer em luto até a morte.

***

Já era tarde da noite e Aiden continuava a ler seu livro. Daquela vez,
ele estava lendo de verdade, as páginas eram viradas com mais frequência e
o som era quase soporífero para Lucille.
Ela abriu um dos olhos, virando-se até rolar na direção de Aiden e
se recostar no braço dele.
— Troglodita — ela o chamou, um tanto sonolenta.
— Sim? — Ele passou uma página.
Lucille se enfiou debaixo do braço dele e se apoiou no peito de
Aiden, olhando para o rosto dele, que estava focado no livro.
— Sua cabeça descabelada está na frente — Aiden comentou,
apático.
Lucy riu, já conseguia perceber quando Aiden estava sendo
grosseiro e quando estava sendo ele mesmo: um homem sem jeito com as
palavras.
— Você está preocupado?
— Com o seu cabelo? Estou. Está na frente.
— Estou falando sério — ela resmungou, risonha, tirando o livro da
mão dele e segurando seu rosto. — Eu não sabia que seus advogados
estavam lá, pensei que já haviam ido embora. Você demorou tanto para ir
nos ver que eu decidi ir com Tamsin lhe fazer uma surpresa.
Aiden balançou a cabeça, segurando a mão de Lucy e dando um
beijo sobre a palma dela.
— Eles demoraram a chegar. E Tamsin teria de ser vista uma hora,
agora ela é legítima.
— Eu sei… Mas não fiz nenhuma confusão?
— Não, Lucille — Aiden assegurou.
Ela sorriu um tanto aliviada e o presenteou com um demorado beijo,
que logo foi correspondido. Com uma lentidão torturante, Aiden a beijou,
acariciando os lábios de Lucy com sua língua até que ela os entreabriu para
ele e o recebeu com o fervor que uma noite mal iluminada merecia.
A mão de Aiden não se controlou, passou por dentro da camisola de
Lucille e acariciou as porções mais macias dela antes de apertar a pele
carinhosamente.
— Se você quiser me dar uma palmada, eu não vou me opor — ela
sussurrou contra os lábios dele, passando os dedos pela pele de seu peito, à
mostra na parte aberta do camisolão. — Mas só uma vez, para eu saber
como é. Se eu não gostar, não permitirei mais nenhuma perversão dessas e,
se tentar novamente, eu vou embora.
Aiden ergueu as sobrancelhas e uma risada baixa e grave saiu de
seus lábios, em uma expressão de deleite. Ele puxou a camisola dela para
cima até que estivesse nua da cintura para baixo e acariciou o traseiro macio
de Lucy, enquanto se preparava mentalmente para satisfazer o desejo dela.
Sua mão era muito grande, ele não deveria atender àquele pedido.
Mas os lábios de Lucy roçaram pelos seus junto de um suspiro erótico e
Aiden não resistiu.
— Estou ansiosa — ela sussurrou, risonha. — Pensar nisso… me
deixa…
Ela parou, já estava ousada demais por pedir aquilo.
— Diga, minha bela — Aiden a incentivou, mortalmente curioso
para ouvir os desejos da esposa.
— F-Fico com tanta vontade de ter você em mim. De fazer amor
com você.
Aiden abriu um sorriso enviesado e Lucy o beijou para esquecer seu
constrangimento. Ainda um tanto ousada, ela levou a mão dele até onde ela
queria as palmadas e a manteve ali.
Ele afastou um pouco a mão e desferiu uma palmada contra a pele
macia de Lucy, que arfou, surpresa. Aiden acariciou o local imediatamente,
tentando aliviar qualquer incômodo proporcionado.
Lucille riu consigo mesma e colocou uma das pernas por cima da
cintura do marido, lhe dando mais espaço para tocar.
— De novo — ela pediu, com um sussurro risonho.
Aiden riu também, um riso baixo e divertido. Acariciou o traseiro
avermelhado dela e repetiu o ato. Lucille gemeu, apertando o braço dele e
rindo outra vez quando a sensação do estalo passou.
O que havia de tão engraçado? Os dois riram um para o outro e
Lucille cobriu o rosto corado com uma das mãos.
— Oh, isso é tão estranho — ela riu, ainda com o rosto coberto. —
Mas é bom.
— Quer que eu faça de novo, madame?
Ela assentiu, com um sorriso malicioso.
— Não muito forte, troglodita — ela disse, com altivez.
Quando Aiden ergueu a mão sutilmente, uma batida baixinha foi
dada contra a porta e os dois tiveram de parar.
— Será que aconteceu alguma coisa? — Lucy perguntou, baixinho,
abaixando a camisola.
— É Tamsin — ele suspirou, cansado, saindo da cama e indo até a
porta para abri-la.
Sorte ainda não estar com uma ereção, o sangue já havia tomado seu
rumo de volta para o resto do corpo.
— P-P-Papai, o monstro, eu vi, eu vi. — Era Tamsin, chorando e
soluçando com sua toquinha de dormir torta e amarrotada. — Vi na janela,
eu vi. F-Fez barulho e a vela apagou e... e... e... e…
Aiden olhou para Lucy em um silencioso pedido de socorro. Mas a
menininha estava chorando de verdade e havia até trazido o cachorro com
ela. Max estava com a cara contorcida em uma daquelas expressões
tristonhas que os cachorros fazem muito bem. Pobre besta, estava
preocupado com sua humana protegida.
Ele pegou sua pequenina no colo, fechando a porta e indicando o
tapete em frente à lareira, onde Max imediatamente se acomodou e dormiu
em cima de uma das almofadas para pés.
Tamsin se escondeu no pescoço do pai enquanto ele a levava para a
cama e a deitava ao lado de Lucille.
— Foi só o vento, querida — Lucy disse, com doçura, colocando o
cobertor sobre Tamsin, que fungou e se enroscou perto do peito dela. —
Quer dizer que logo vem chuva para encher a cascata.
Aiden se deitou outra vez, entrando debaixo do cobertor e
envolvendo Lucy e Tamsin. Mas a menininha mal deu importância para ele,
estava bastante grudada em Lucille e aconchegada perto dos seios da
madrasta como se pudesse puxar as memórias de ser amamentada ainda
bebê.
— M-Mas eu vi a mão — ela choramingou, mostrando a mãozinha
em forma de garra. — N-Na jan-nela, mamãe.
Ela sorriu diante da forma como ela a chamava, ainda não estava
acostumada com o friozinho na barriga que sentia.
— Agora já está tudo bem, Tamsin — Aiden interveio, tirando a
toquinha dos cabelos da menina e a arremessando longe. — Durma, meu
anjo.
Ela fungou, suspirou chorosa e se confortou nos braços de Lucille
antes de voltar a dormir, em total segurança.
Lucy permaneceu a olhando com um sorriso carinhoso, afagando os
cachinhos da enteada enquanto ela dormia tranquilamente. Aiden ficou
observando aquela cena maravilhosa.
Seu coração disparou. Era tudo o que ele queria desde jovem, uma
esposa querida e uma criança entres eles.
Lucille era sua querida, sim. Por mais aterrorizante que aquilo lhe
parecesse, Aiden sabia que o que sentia por Lucy não era só o desejo de ter
uma mulher.
E se fosse amor? Era uma paixão, um encantamento que ele tentava
driblar em vão.
Sem poder resistir, ele tocou os cabelos dela, afagando-os e pegando
Lucy de surpresa diante de uma carícia como aquela.
Ela o olhou com seus grandes olhos castanhos, surpresa, mas abriu
um sorriso feliz e se aproximou um pouco antes de dar um beijo contra o
nariz dele.
— Amanhã pode me dar sua tão estimada palmada, meu querido —
Lucy sussurrou e deu um riso envergonhado. — Agora volte para seu livro
para eu poder niná-la.
Capítulo 25

Minha pequena Lucy,


Estou bem, mas sei que não escrevi até agora. Tenho lido todas as
cartas que sua mãe e sua irmã recebem e estou aliviado por saber que você
e o duque tem se tornado amigos.
Vou lhe escrever mais, prometo. Sua mãe tem me levado para a
estufa aqui em Kent para plantarmos alguns legumes, ela diz que isso me
fará não desejar as apostas. Sinto que estou um pouco melhor, a
tranquilidade do campo tem um grande poder de cura. Acho que eu e sua
mãe estamos nos tornando aqueles casais que fazem coisas de gente velha
juntos. Às vezes, penso no mal que causei a minha amada família, nos
mexericos que levavam meu nome. Minha doce Lucille, eu sei que eu a
atrapalhei em seu debute. Sei que foi minha culpa por você ter demorado
tanto para conhecer um bom homem. Peço desculpas, minha querida. Do
fundo do meu coração.
Sua mãe e eu gostaríamos que você viesse nos visitar no outono,
antes do Natal. Queremos conhecer nossa nova neta e, caso seja o desejo
de seu marido, manteremos o segredo sobre as origens dela. Estamos
ansiosos para conhecer essa menininha de quem tem tanto escrito.
Sem mais delongas, não se esqueça que eu a amo muito.
Com amor,
Seu pai.

Lucille fechou sua gaveta na escrivaninha da biblioteca rosa e


guardou a carta de seu pai. Mas, enquanto fazia isso, olhou o bolinho de
cartas de Michael e seu coração apertou.
Fazia dias que não pensava nele, nem sequer no que viveram. Ela
estava se apaixonando pelo marido e tudo o que lhe vinha à cabeça era
Aiden, ficar com Aiden e fazer Aiden sorrir. Não tinha tempo para pensar
em Michael. Embora, eventualmente, seus pensamentos fossem até ele e
uma imensa ansiedade tomasse conta dela. Uma hora, ela e Michael
ficariam cara a cara e ela teria de dizer a ele o quanto lamentava por tudo e
por ter se apaixonado por outro homem.
Quando fez menção de puxar as cartas e reler cada uma delas, uma
batida firme ressoou na porta e a fez fechar a gaveta imediatamente. Era um
aviso divino para que ela não caísse na tentação de reviver aqueles
momentos e trazer à tona tudo o que havia conseguido colocar para trás.
— Madame — Gwen entrou na biblioteca aos sussurros —, trouxe o
que a senhora pediu.
Lucy se virou em sua cadeira, revitalizada com aquela notícia. Abriu
um sorriso de orelha a orelha e deu um beijo no rosto corado da camareira.
Logo mais não teria tempo algum para pensar no antigo noivo.

***

Quando terminou de colocar todos os desenhos nos tubos


necessários, Aiden sentiu a necessidade de buscar alguma coisa no bar.
Desde que Tamsin nascera, ele nunca mais havia bebido da forma que bebia
e evitava ao máximo ingerir grandes quantidades de álcool. Não que seu
corpo fosse dependente daquilo, mas porque o ato de beber
demasiadamente o fazia pensar em tempos mais sombrios que aquele.
Então, tudo o que fez foi tomar uma dose fina de uísque para
revigorá-lo.
Tinha de ir até Derby visitar uma velha senhora da alta burguesia. A
Sra. Warford era uma senhorinha de idade avançada e que jamais poderia se
deslocar até Greenhill apenas para ver como andava seu futuro jardim e os
arredores do mausoléu do querido — e falecido — Sr. Warford. Aiden teria
de ir até lá, mas não queria sair de perto de Lucy e nem de Tamsin. Não
quando tudo parecia promissor e ele estava decidido a superar aqueles
pensamentos assustadores. A Sra. Warford teria de esperar mais um mês,
ela entenderia, é claro. Aiden mandaria uma carta falando sobre um
problema na herdade que apenas ele poderia resolver. Vovós sempre
entendem.
O que ele faria agora? Tamsin estava tendo aulas com a Sra. Martin
e ele se sentia sem jeito demais para chamar Lucille para ficar com ele.
Passear pelos jardins, ler alguma coisa juntos. Por que aquilo tudo era tão
constrangedor? Por Deus, ele tinha trinta e três anos. Mas era a primeira vez
em que se apaixonava por uma mulher.
Aiden era um romântico, em seu âmago. Não conseguia externalizar
aquilo, mas, em sua cabeça, imaginava as situações mais pitorescas e belas
em que estava com a sua mulher amada. Era um romântico com problemas
com situações românticas. Que trabalhoso, não?
Desde muito moço, tudo o que ele queria era achar o amor da sua
vida, o que o fizera ler infinitos romances, desenhar dezenas de jardins
apaixonantes e sonhar em um dia encontrar sua amada. Era mal de família,
cada filho de Sybill e Vincent cresceu com o desejo de ter um amor tal
como o de seus pais.
Mas parece que a vida havia lhe dado uma rasteira e todos os seus
desejos se tornaram insuportavelmente solitários, sem nenhuma mulher em
sua vida por sete anos. Nenhuma chance de conhecer sua amada.
Até o talvez fatídico dia em que viu a ficha de John e pensou que
salvaria Tamsin, mas acabara a caminho de salvar a si mesmo.
Ouviu uma batidinha leve na porta e seu coração deu um salto.
Maldição. Aiden não estava gostando de experimentar a primeira paixão já
na vida adulta, estava se sentindo ridículo.
— Brutamontes — Lucille cantarolou, sorridente, entrando no
escritório armada de uma cesta de piquenique, uma sombrinha de renda
amarela e um cobertor grande enrolado, que quase caíam de suas mãos. —
Ajude-me aqui, homem de Deus.
Aiden riu consigo mesmo, Lucille não era o tipo de pessoa que
ficaria parada tricotando. Ela tinha de sair de casa, mesmo que ainda fosse
em casa. Se Aiden fosse mulher, ficaria mais que feliz em ser deixado em
paz tricotando um enxoval inteiro sozinho em algum quarto.
Ele pegou o cobertor e a cesta pesada, colocando-os em cima da
mesa. Pelo visto, ela iria arrastá-lo para mais uma aventura ao ar livre.
Alguma caminhada cansativa pela herdade, talvez.
— Está ocupado? — ela perguntou, olhando ao redor enquanto
colocava a sombrinha recostada em uma das poltronas. — Sabe, de onde eu
venho, duques nunca estão ocupados. Ou estão dormindo ou estão
fornicando.
— Forniquei e dormi hoje cedo — ele respondeu, abrindo uma
frestinha da cesta. — Outro piquenique?
— Não olhe! — Lucy puxou o braço dele rapidamente e deu um
tapinha em sua mão. — A graça é ver na hora de comer, eu também não sei
o que a cozinheira colocou.
Ele sorriu, escondendo o sorriso de costas para Lucille. Ouviu o
farfalhar das saias dela, que atravessou o escritório e se sentou em sua
cadeira de duque, olhando para ele com certa autoridade.
— Você irá me levar até a casa de banho hoje, vi no mapa que o Sr.
Dare me mostrou.
Aiden a olhou quase que de imediato.
— O Sr. Dare lhe mostrou?
— Mostrou, perguntei o que mais havia por aqui. Por que não me
contou que há piscinas aqui? — ela ficou animada e corada, o que era lindo
demais para Aiden conseguir respirar. — Eu adoraria ver como é! Fui
algumas vezes em Londres, mas havia outras moças se banhando por lá e,
bom… As loiras com seios grandes — ela disse, com um dar de ombros,
mas logo se animou outra vez. — Gostaria que me levasse até lá para eu
conhecer. Deve ser lindo! Encantador!
Uma Lucille nua em uma piscina? Não, obrigado. Aiden não sabia
se tinha forças para uma visão daquelas.
O coração de um homem apaixonado aguenta até certo ponto. O
dele estava a ponto de virar xarope.
— Você quer se banhar lá? — ele perguntou, controlando o
nervosismo em sua voz.
Lucille ruborizou de vergonha, pigarreando baixinho.
— M-Meu pensamento inicial era apenas ir até lá e depois almoçar
com você ao ar livre.
Graças a Deus. Ele comeria até explodir debaixo de um sol
escaldante se aquilo o poupasse de vê-la como uma sereia. As coisas tinham
de ser lentas, Aiden não estava acostumado com aquela coisa de se
apaixonar.
— Vamos? — Ela se levantou animada, rapidamente dando a volta
na mesa e apertando as bochechas do marido. — Diga que sim ou será um
desperdício de comida!
Ele suspirou, assentiu e beijou a testa dela. Já havia se tornado um
fiel serviçal de Lucy, o que mais poderia fazer?
— Vamos, mulher.
Lucille deu um de seus matadores sorrisos brilhantes e beijou o
marido ternamente, abraçando-o para sentir seu calor masculino. Ela
suspirou baixinho — feliz e apaixonada — e recostou o rosto em seu peito
largo.
Aiden apenas afagou as costas dela, com sua mão trêmula diante de
tanta beleza. Deus, como ninguém quis desposá-la em três anos? Ele queria
poder voltar no tempo e ter o primeiro beijo de Lucy.
Maldito seja Michael Manley. Aiden o invejava horrivelmente.

***

A casa de banho era escondida das vistas do palácio, ficava entre as


árvores e oferecia a merecida privacidade para quem quisesse se banhar ali.
Uma construção em pedra, com colunas altas e belos jardins ao redor
convidava Lucy a entrar e explorar mais um pouco de Greenhill.
Lucy queria, na verdade, tomar banho de lago, mas nunca havia
feito algo tão campestre como aquilo e temia não gostar da experiência.
Mary dissera, certa vez, que o solo lamacento debaixo dos pés foi uma
experiência de quase morte. E os peixes, então! Quase comeram os dedos
dela.
Ficaria com a piscina, algo que tinha acesso em Londres e que era
um luxo maravilhoso.
Aiden vinha a seguindo durante todo o trajeto, admirando-a em
silêncio a cada vez que Lucille sorria ao olhar a paisagem. Nem haviam
entrado e ela já parecia o próprio sol brilhando contente.
Ela fechou sua sombrinha, virando-se para Aiden quando chegaram
na porta da construção.
— Acho que podemos ir até lá dentro e depois fazermos nosso
piquenique aqui fora, tem um belo jardim. — Lucy olhou ao redor com um
sorriso encantador e revigorado. — Você quem fez esse também? É tudo tão
bonito por aqui!
— Não, esse deve ter sido ideia de quem idealizou Greenhill
centenas de anos atrás — ele explicou, não desviando os olhos do lindo
sorriso dela. — Vamos entrar, talvez você nem queira comer aqui fora.
— Como não? Casas de banhos são sempre escuras, vai murchar a
comida — ela disse, com o cenho franzido, empurrando a porta e abrindo a
boca em um grande “O”.
No teto, havia uma grande claraboia oval, iluminando todo o espaço,
que era formado por uma piscina de cinco metros de extensão com degraus
para se sentar e uma fonte que despejava água limpa e fresca. O chão era
cheio de azulejos que Lucille julgou árabes, todos coloridos e calorosos.
Uma lareira em uma das paredes mais afastadas da beira da piscina, um
aparador com algumas toalhas à disposição e duas espreguiçadeiras
terminavam de mobiliar o local.
— Meu tataravô mandou colocar essa claraboia — Aiden explicou,
deixando todos os badulaques de Lucille sobre uma das espreguiçadeiras.
— Imagino que tenha feito uma sujeira e tanto na piscina.
— De fato… — ela comentou, baixinho, andando ao redor da borda
da piscina e vendo o sol brilhar na água antes de levantar o rosto para ver o
teto.
— Dizem que ele fez para ver a esposa nua enquanto ela se banhava
— Aiden continuou.
Lucille o olhou com curiosidade, franzindo o cenho. As bochechas
estavam coradas em curiosidade, um tom de rosa especialmente para aquele
tipo de emoção.
Aiden sorriu, indo até a esposa e a beijando na ponta do nariz antes
de se afastar e deixá-la explorar o local.
— O homem escalava até o teto só para isso? — Ela quis saber.
Aiden gargalhou só de imaginar a cena e Lucille cruzou os braços,
bastante ofendida por ele ter rido dela.
— Para que o sol iluminasse tudo, minha cara — ele explicou,
quando uma ruga enorme se formou na testa dela. — Como você mesmo
disse, casas de banho são escuras algumas vezes.
Ela assentiu, abrindo um sorriso ingênuo diante da própria confusão.
— Todos os homens Chatham são uns degenerados?
— Que homem não olharia a esposa se ela fosse bonita? — ele
indagou, deitando-se em uma das espreguiçadeiras e olhando para a sua
esposa sugestivamente. — Você é uma linda esposa, Lucy. Apesar de,
algumas vezes, maltratar meus nervos.
Lucille abriu um sorriso envergonhado e caminhou até o canto mais
distante da piscina, ficando de costas para Aiden e evitando seu olhar.
Abaixou-se perto da beirada e tirou os sapatos, sabendo que o marido
olhava para seus pés.
Ela sorriu consigo mesma, puxando o vestido para cima até revelar
os laços de suas meias antes de puxá-los e enrolar a seda até se tornar um
emaranhado depravado em seu pé. Olhou por sobre o ombro e viu o sorriso
enviesado nos lábios de Aiden. Seu rosto esquentou e ela voltou a olhar
para o próprio pé, colocando-o dentro da água fresca.
Fez o mesmo com a outra perna e mergulhou os dois pés na água até
os joelhos, vendo-os balançar.
Aiden fechou os olhos e agradeceu ao seu tataravô pelo teto de
vidro. O sol banhava Lucille diante de seus olhos. Sua pele brilhava como
alabastro e os cabelos revelavam um tom avermelhado nas pontas dos
cachos que ele nunca havia reparado antes. Nem mesmo com a luz que
vinha das janelas do escritório.
Ficaram em silêncio por longos minutos, ele a olhava e Lucille
balançava as pernas na água. Aiden poderia ficar assim o dia todo, apenas
observando a esposa fazer qualquer coisa que lhe viesse à mente.
— Eu gostaria de entrar — ela anunciou, olhando-o por sobre o
ombro. — Com você.
Lucy tirou os pés da água e caminhou até o marido, sentando-se na
espreguiçadeira e se debruçando sobre ele. Lucille o queria naquela piscina
junto dela, a cada chance que tivesse de ficar a sós com ele e poder sentir
todas aquelas maravilhosas sensações que só ele podia lhe proporcionar.
Queria ser dele e que ele fosse dela de novo. Cada segundo em que a tivesse
em seus braços era um instante em que podia desvendar o coração dele.
Seus lábios tocaram os de Aiden em um carinho sutil e suas mãos
subiram pelo peito dele até alcançar o lenço em seu pescoço. Desfez o nó
rapidamente, recebendo o beijo de Aiden, que a puxou para um abraço
antes de se afastar e fazê-la sentar de costas para ele.
Começou a desabotoar a pequena fileira de botões do vestido de
Lucille, fazendo-o rapidamente, até poder abaixar as mangas curtas que
cobriam os ombros dela.
— Gostaria de ir até Kent no outono — ela gaguejou, o silêncio de
Aiden a deixava envergonhada. — Meus pais querem que façamos uma
visita com Tamsin. Querem conhecê-la, estão felizes por terem mais uma
neta. Meus cunhados e minhas irmãs estarão lá também, ela pode conhecer
os novos primos.
Os dedos dele se embolaram um pouco nos laços do espartilho, mas
fora rápido o bastante para Lucy não perceber.
— No outono? — ele perguntou, demorando-se na última volta.
Lucy assentiu, respirando fundo quando o espartilho foi solto. As
mãos quentes de Aiden tocaram seus ombros e deslizaram pelos braços
enquanto puxava o vestido até a altura da cintura dela.
Lucille tirou os braços, livrou-se do espartilho e ficou apenas com
seu chemise da cintura para cima.
— Quero que você seja visto como o genro deles agora — ela
confessou, brincando com os próprios dedos. — Será uma surpresa… Nas
cartas, tenho evitado falar de você para minha mãe. Ela me pergunta a cada
carta se e-eu já fui deflorada.
— Diga que sim, e com muito carinho. — Aiden a beijou na curva
do pescoço, mordiscando a pele de Lucy, que se arrepiou da cabeça aos pés.
Ela riu com a sensação, permanecendo de costas para Aiden.
— É que… É bobagem, na verdade — Lucy murmurou. — Deixa
para lá.
— Diga para eu poder julgar. — Ele a envolveu pela cintura e
repousou o queixo no ombro dela. — Em que está pensando?
Lucille suspirou, abaixando o olhar para as mãos de Aiden
acariciando sua barriga por cima do chemise.
Tocou-as ternamente, afagando as costas das mãos dele com os
polegares.
— Jurei para a minha mãe que jamais iria ser simpática com você
e… Bom, aqui estou eu desejando que faça amor comigo naquela piscina. E
agora me sinto uma tola com a roupa embolada na cintura enquanto você
está vestido da cabeça aos pés…
— Posso me despir se for o seu desejo — ele sussurrou próximo ao
ouvido dela, apertando o abraço por mais alguns segundos. — Mas,
primeiro, deixe-me terminar com você.
Lucy assentiu, sentindo o nervosismo e a expectativa que a
dominavam quando havia a promessa de se unir a Aiden. Ela se levantou,
virando-se de frente para o marido, que envolveu sua cintura com os braços
para puxar o vestido para baixo.
Com um sorriso tímido, ela segurou as mãos deles e as passou para
dentro de seu chemise, guiando-as até suas ceroulas. Aiden as abaixou,
deslizando a ponta dos dedos pelas coxas de Lucille, sem desviar seu olhar
do dela. O rubor em seu rosto era adorável, estimulante e lindo.
Passaria o resto de sua vida adorando aquele teto de vidro.
O sol iluminava Lucy da forma como ele sonhava em ver, entregue à
natureza e a toda a beleza que ela podia dar a uma mulher.
Fazendo o caminho reverso, Aiden subiu suas mãos pelas coxas de
Lucy, acariciou suas nádegas e puxou o chemise para cima, até ela terminar
o trabalho de ser despida.
A luz do sol envolveu sua nudez e Aiden olhou maravilhado para
cada centímetro do corpo de Lucy. A curva de sua cintura, o castanho
avermelhado dos pelos sedosos que cobriam sua feminilidade e os picos
rosados de seus seios.
Ele a tocou na cintura, acariciando a silhueta nua de Lucille com
olhos maravilhados. Beijou-a em sua barriga, recostando o rosto em sua
pele macia e branca antes de voltar a beijar-lhe toda a pele, até chegar perto
dos seios.
Quando fez menção de tocá-los, Lucy se virou para ele e o agraciou
com a visão perfeita de seu traseiro. Aiden sorriu perversamente, beijando-a
na base da coluna e descendo até a coxa, o que a fez rir, sentindo cócegas e
se deleitando ao mesmo tempo. Deixou um beijo demorado sobre a sutil
vermelhidão em seu traseiro, acariciando o local com as mãos.
Mas apenas para torturar aquele pobre homem, Lucille afastou as
mãos de Aiden.
Constrangida demais para continuar a ser o centro das atenções do
marido, ela caminhou até a piscina e desceu os degraus até estar submersa
na altura dos seios. Olhou para Aiden ainda na mesma posição em que fora
deixado, com os braços esticados para ela.
Lucy gargalhou, sentindo-se poderosa o tanto quanto se sentia
envergonhada.
Quando Aiden se levantou e começou a se despir, Lucy manteve os
olhos presos em sua compleição forte, admirando o peito nu dele. Até que
ele tirou suas ceroulas e ela imediatamente desviou o rosto, nadando pela
piscina com um sorriso maroto em seus lábios.
Sentiu a água se mover quando Aiden entrou na piscina, mas ele não
foi ao encontro dela. Pelo contrário, sentou-se em um dos degraus e abriu os
braços para repousá-los na borda de azulejos coloridos.
— Você costuma vir aqui? — ela perguntou, nadando até o marido e
ficando de pé entre suas pernas. — É tão relaxante e o teto faz parecer que
estou ao ar livre.
— Somente no verão — ele respondeu, olhando os seios dela
submersos na água.
— Estamos no verão, tolinho. — Lucille riu e envolveu o pescoço
de Aiden com seus braços, desfazendo a fita negra que prendia seus
cabelos. — Em Kent, também há uma casa de banho, mas como eu não
ficava muito por lá nunca a usei. A piscina não funciona mais, também.
— Nunca viveu em seu lar ancestral?
— Fomos para Londres por causa da alergia, não é fatal, é claro…
Mas sabe como são os pais.
— Tenho uma filha pequena e frágil, madame — Aiden brincou,
satisfeito por fazer Lucille rir. — Venha cá, garota atrevida.
Lucille se apoiou nos ombros dele e sentou em seu colo, ficando de
frente para Aiden e sentindo sua ereção tocar-lhe a feminilidade.
Aiden queria ser bom com palavras, queria saber juntar todas
aquelas letras em frases bonitas que fariam Lucy desmanchar em seus
braços. Queria mostrar a ela como estava apaixonado, mas seu coração
disparava, suas mãos tremiam e a boca de Aiden se fechava para o
romantismo.
Estranhamente, se sentiu triste, triste demais. E o olhar de Lucille
sobre ele se tornou preocupado.
— O que foi? — Lucy perguntou, em um sussurro. — O que foi,
meu querido?
Aiden não poderia responder, não poderia fazê-la ter pena dele. Era
tudo o que ele menos queria, do que ele mais se envergonhava. Apenas a
abraçou.
Lucy suspirou preguiçosamente, tocando a testa de Aiden com seus
lábios, ao que tentou se desfazer do caloroso abraço. Mas ele não a soltou,
mantinha Lucille em seus braços enquanto deitava sua cabeça contra o peito
dela. Sua Lucy, ela era dele e ele era dela.
Não haveria nenhum Michael capaz de fazê-lo achar outra coisa.
Com o rosto em seu peito, ele ouviu o coração dela. Acelerado, mas
o som era baixo e reconfortante. E, naquele momento, Aiden viu que era
daquilo que ele sentiu saudades durantes os sete longos anos.
Sentiu saudades de algo que nunca tivera: uma mulher para lhe fazer
carinho. Pouco lhe importava que lhe dissessem que os homens são os que
devem – a todo tempo – mimar suas damas. Ele queria ser mimado também,
queria receber carinhos de Lucy e dormir ouvindo o coração dela bater.
Lucille sorriu em silêncio, acariciando os cabelos ruivos do marido e
deixando que ele a abraçasse o quanto quisesse. Aquela era a visão mais
adorável que já havia agraciado seus olhos. Um homem tão forte quanto seu
marido, carente de amor e tão agarrado em seu abraço que o fez parecer um
menino.
Oh, como era lindo um homem apaixonado.
Capítulo 26

Ele não falara nada desde que ela saiu da piscina e vestiu seu
chemise. Aiden saiu do banho, mas ficara sentado na beirada em silêncio,
olhando para o brilho do sol na água.
Lucille sentiu-se um pouco esquecida diante de tanto silêncio. O
marido parecia mais quieto do que quando se conheceram. Ele ao menos
falava mais durante aquelas ocasiões, mesmo que fossem coisas grosseiras.
Mas, nos últimos dias, Aiden havia ficado muito pensativo e calado. Não a
deixava sem carinho nas poucas vezes em que fizeram amor, mas aquele
estranho silêncio estava perturbando Lucille cada vez mais.
Ela estendeu o cobertor no chão e bisbilhotou a cesta de comida:
havia uma garrafa de vinho, queijo, uma torta de carne de pato e algumas
frutas. Olhou para Aiden uma última vez, apenas para ter certeza de que ele
continuava pensativo e calado.
Lucille buscou uma das toalhas grandes no aparador e se abaixou
perto do marido, envolvendo-o com o pano seco e dando um demorado
beijo em sua bochecha.
— Se ficar aí para sempre, seus pés vão virar duas meias velhas —
ela disse, no seu tom mais caridoso. — Vamos comer alguma coisa,
brutamontes.
Aiden se levantou, seguindo-a com a toalha na cintura. Lucille abriu
um sorriso para ele e – ainda não acostumada – sentiu as faces corarem
quando ele retribuiu com um tímido sorriso.
Sentindo-se nervosa, ela rapidamente serviu o vinho nas duas taças
pequenas e entregou uma para Aiden quando ele se sentou ao seu lado no
cobertor macio. Fizeram um brinde em silêncio e ela quase bebeu todo o
conteúdo, ao contrário do marido, que apenas bebericou.
— Você está tão quieto, Aiden — ela comentou, repousando a taça
na cesta fechada. — São seus pensamentos acerca daquilo que me
confessou sobre o amor?
— Não — ele negou, pegando uma ameixa que estava na cesta. —
Eu estava pensando como gostaria de voltar no tempo.
Lucy ergueu as sobrancelhas sutilmente, mas depois deu um risinho
e se aproximou do marido até poder sentar em seu colo.
— Todo nós queremos isso em determinado momento. — Lucy o
beijou na ponta do nariz sardento. — Imagino que queira voltar para
quando seus pais estavam vivos…
— Sim… — Aiden respondeu, rodando a taça entre os dedos. —
Seis anos atrás, no dia do seu debute. Na verdade.
Lucille o olhou com curiosidade, o rosto ruborizado em lisonja. Ela
riu desconcertada, abaixando o rosto e tomando um gole de vinho.
— Como era o seu vestido? — Aiden perguntou, deslizando a mão
por dentro do chemise e acariciando a coxa de Lucy.
— Lembro-me bem — ela disse, com um sorriso tímido e
nostálgico. — Era branco, pois eu sempre sigo a moda.
— Como toda londrina afetada…
Ela riu, beliscando-o no braço. Aiden conteve um sorriso maroto e
deu um gole minúsculo na sua taça.
— Era branco e o que mais, querida?
— Havia uma fita com fios de ouro ao redor da cintura, com uma
correntinha cheia de cristais, e veludo dourado nas mangas com pequenos
cristais em fileiras. Papai me deu uma tiara dourada tão bonita para enfeitar
meu cabelo, senti-me como uma princesa — Lucy disse, empertigada e
vaidosa, mas logo murchou. — Pensei que eu fosse fazer sucesso… Mas
não foi assim… Eu sei que… que é por causa do meu pai, meu dote era
quase uma miséria e não chamava atenção. E eu ainda parecia uma menina
sem curvas.
— A sua beleza e educação são mais relevantes do que um punhado
de dinheiro — Aiden disse, sério, virando o rosto de Lucy para ele em um
toque delicado no queixo. — Eu muito provavelmente ficaria incomodado
com sua tagarelice. Não sei conversar, como já deve ter percebido. Mas eu
dançaria com você até perceber quais eram os meus desejos. Até você ver
que eu a queria para ser uma linda duquesa. Eu… Ah, Lucy, como eu queria
ter sido o seu primeiro beijo também.
Os olhos de Lucy se encheram de lágrimas contentes e tímidas, mas
mantiveram-se estacionadas em seus olhos castanhos. Seu peito ardia em
lisonja ao saber que era a paixão de Aiden.
Estava tudo indo tão bem. Ele estava se abrindo para ela e Lucy não
pensava mais em Michael.
Era uma vida nova.
— Se eu soubesse que meu coração ficaria tão… desejoso de tê-la
— ele continuou, tentando tirar cada palavra do fundo de seu peito, onde as
havia escondido. — Se eu soubesse, eu teria ido até lá e a desposado em sua
primeira temporada. Mas a forma como nos conhecemos não foi uma das
mais adoráveis e eu sei que não sou um bom homem. Não sei… contar o
que sinto, tenho vergonha de demonstrar. E o que restou da morte da minha
mãe em mim me deixa nervoso diante desses sentimentos.
O coração de Lucy perdeu o compasso e sua mão apertou o chemise
na altura do peito, sem tirar os olhos dos cristais azuis de Aiden. Tão
quentes, tão lindos.
— Fale-me o que sente para eu saber se é o mesmo que sinto, meu
querido… Fale-me.
Aiden a abraçou até que Lucy estivesse impossibilitada de olhá-lo
nos olhos. Não conseguiria com ela o olhando.
— Sinto meu coração acelerar de forma tão estúpida sempre que
ouço sua voz. Quando a toco… quando você sorri ou quando o sol brilha
em seus olhos. Mas, principalmente, quando suas bochechas ficam coradas
assim que eu aceito fazer as coisas tolas que você quer. Fazer amor com
você é ter todas essas coisas juntas em um único momento. É vê-la sorrir,
corar e ter seus lindos olhos todos para mim.
Ela riu, um riso envergonhado e tolinho que deixou Aiden um pouco
mais apaixonado.
— Eu não sei lidar com palavras e nunca tive uma mulher por quem
me apaixonei — Aiden confessou, a voz estrangulada de embaraço. — É
vergonhoso para um homem da minha idade experimentar a paixão depois
de adulto.
Lucille se afastou do abraço, mas manteve os braços ao redor do
pescoço de Aiden quando o olhou. Ela sorriu, um sorriso lacrimoso diante
de tal confissão.
Ambos estavam apaixonados e aquilo era o suficiente para Lucy.
Era o que ela queria quando decidiu que ter uma vida harmoniosa com
Aiden era melhor que odiá-lo.
— Sei que nosso começo é algo que não gosto muito. Mas se você
voltasse no tempo Tamsin não existiria e eu seria infinitamente triste por
não a ter, brutamontes.
Aiden riu em acordo, suspirando um tanto abatido ao pensar na sua
existência sem Tamsin. Ela era tudo para ele, seu coração e sua vida.
— Sei que fui egoísta ao tirá-la de outro homem e de todo um futuro
com ele por causa da minha filha, mas eu mentiria se dissesse que me
arrependo. Pois, se não tivesse o feito, jamais perceberia que eu posso
voltar a ser um homem normal. Que não tem medo do amor. O homem que
eu era antes.
— Você pode, meu bem. — Ela aquiesceu, tomando o rosto dele em
suas mãos. — Pode ser um homem bom, como é com sua filha. Como é
com sua irmã. Ah, eu senti tanta inveja dela quando você a abraçou e a
beijou assim que ela chegou. Queria tanto que desse a mesma atenção para
mim, queria que alguém ficasse tão feliz assim com a minha chegada.
— Eu fico… — Aiden parou a si mesmo, pensando no que dizia.
Ele ficava feliz ao lado de Lucy?
Ser feliz era algo do qual Aiden não se lembrava. Sentia-se feliz
quando brincava com Tamsin, mas sua existência era monótona e mórbida.
Olhou para Lucy. Seus olhos castanhos estavam lacrimosos e ela o
olhava com carinho, embora estivesse a ponto de se desmanchar em
lágrimas.
Havia a privado de carinho e atenção por tantos dias, fora tão
insensível ao tirá-la de Michael. O que aquela linda moça em seus braços
queria era amor e um casamento de verdade.
Tudo o que ele a privou de ter com Michael, Aiden daria a ela. Daria
em dobro, para ela nunca pensar que seria melhor com o outro homem.
— Eu fico feliz por vê-la, Lucille — Aiden sussurrou, tocando o
rosto macio dela com sua mão trêmula. — Como não fico há muito tempo.
Eu espero que um dia eu possa deixar aqueles pensamentos de lado e ser
feliz com uma esposa. Que um dia eu possa merecê-la de verdade.
Lucy sorriu, derramando uma lágrima aliviada antes de varrê-la
rapidamente. Abaixou-se para beijar Aiden, tomando seus lábios em um
carinho demorado que logo se estendeu para um toque íntimo entre os dois.
Aiden cuidadosamente a deitou no cobertor, desfazendo-se de sua
toalha com a ajuda de Lucy, que quase a arremessou longe.
— Minha linda e irritante Lucille — ele sussurrou próximo ao
ouvido dela, adentrando o chemise fino e logo encontrando sua
feminilidade. — Aqui também é linda.
— E sua — ela respondeu, corajosamente, abrindo um sorriso
indolente quando Aiden deslizou dois dedos para dentro.
Aiden abriu um sorriso enviesado, aquecido por dentro e
apaixonado dos pés à cabeça.
Lucille não demorou para puxar a camisola para cima e logo receber
Aiden outra vez, olhando o céu azul acima deles. Quase como se fizessem
amor ao ar livre.
E foi tão bom quanto todas as outras vezes.
O coração de Aiden amoleceu um pouco mais e sua mente pensou
que, talvez, viver o amor com Lucille fosse mais seguro que a solidão em
que vivera outrora.

***

Era inevitável, uma semana depois Aiden acordou tendo de ir até


Derby. A Sra. Warford já havia esperado tempo demais enquanto ele estava
ocupado fazendo amor com a esposa quase todas as manhãs e noites.
Aquela semana passara rápido e Aiden não foi capaz de acompanhá-
la perfeitamente. Suas lembranças eram feitas de Lucy nua, dando-lhe
carinho e sorrindo para ele quase sempre que ficavam a sós.
Parecia um sonho.
Aiden continuava o mesmo, aquele que sempre fora: um homem de
poucas palavras e retraído. Mas Lucille havia aprendido que certos aspectos
do marido ela não poderia mudar, pois eram quem ele era.
Aiden não a ignorava mais, embora, às vezes, seu coração
disparasse desesperadamente quando passava tempo demais pensando a que
ponto estava sua relação com Lucy. Muito além da paixão, mas não
conseguia pensar se era amor. Só tentar já o angustiava. Ele a tratava com
carinho durante suas noites juntos, mas Lucille percebia quando Aiden
ficava nervoso demais e sumia pela herdade no dia seguinte.
Ele estava tentando, Lucy sabia. O que ela deveria fazer para mudar
aquelas crenças insistentes dele? Ela tinha certeza de que a sogra fora um
caso diferente de luto, pois nunca vira nenhuma pessoa se deteriorar tanto
com a morte do cônjuge.
Ela temia que Aiden acabasse crendo tanto que pudesse mesmo
terminar assim.
Oh, céus, parece que os dois teriam de morrer ao mesmo tempo.
Estava dando espaço para o homem, deixando que ele ficasse
sozinho quando queria. Parecia que aquilo era o que o deixava menos
ranzinza. Ter um tempo para si mesmo.
Durante uma manhã, quando a aurora começava a nascer no céu,
Lucy acordara sozinha na cama. Era cedo demais, um dos momentos em
que ela acordava para ir se aliviar e depois voltava para o calor dos
travesseiros.
Mas o marido não estava lá. Ela apertou bem os olhos e enxergou o
relógio em cima da lareira; eram seis da manhã.
Sonolenta, ela levantou e caminhou pelo cômodo, abrindo a porta do
quarto de vestir do marido e o encontrando lá dentro, com Sr. Dare dando o
nó em seu lenço.
Aiden ergueu as sobrancelhas, rapidamente empurrando o
mordomo, que virou de costas de modo a preservar Lucille em suas roupas
de dormir.
— Saia logo, homem — Aiden grunhiu.
Sr. Dare saiu pela porta que ligava o quarto de vestir ao corredor,
deixando os dois a sós.
Lucille bocejou, abraçando o marido e lhe dando tapinhas amistosos
no peito.
— Para onde vai tão cedo? — ela perguntou, recostando-se em
Aiden para dormir mais.
— Irei a Derby visitar uma cliente, voltarei à noite.
— À noite? — Lucy murmurou, tristonha.
— Se não chover por lá — Aiden explicou, guiando Lucille até a
cama. — Volte a dormir, Lucy.
— Mas e se chover? — Ela quis saber, segurando o braço do marido
e o puxando com a força de uma preguiça. — Beije-me antes de ir, marido.
Aiden sorriu consigo mesmo, beijando Lucille carinhosamente antes
de deixar um último beijo em sua testa.
— Cuide da minha filha se eu pernoitar por lá — ele pediu,
preocupado. — Até mais ver, Lucille. Prometo que volto para você.
Ela murmurou uma despedida, caindo no sono e voltando para seus
travesseiros.
Capítulo 27

Eram dez e meia e chovia como se o mundo fosse acabar. Ainda


estava cedo para Lucy, que dormia mais tarde, mas ela fora para a cama
depois do jantar com Tamsin, que parecia pouco agitada diante da ausência
do pai. Levara a pequenina até o quarto dela e recebera um demorado beijo
de boa noite. Ficou por algum tempo lá, lendo uma historinha para ela, que
dormiu sem muito trabalho.
Contudo, Lucille estava começando a se preocupar com o marido
diante da tempestade que castigava Greenhill. A chuva havia começado há
meia hora e talvez Aiden já estivesse a caminho de casa quando o temporal
caiu.
E, se Deus o protegesse, o homem chegaria bem em casa e não
preocuparia mais Lucy, que não conseguia parar de olhar pela janela.
Estava tudo escuro do lado de fora e a janela não dava para a estrada
e o rio, mas olhar através do vidro se tornou bastante atraente depois de não
conseguir relaxar com um livro e um pouco de vinho do porto.
Lucille andou de um lado para o outro, caminhando impaciente e
olhando para a porta, na esperança de Aiden chegar sem nenhum acidente
em uma estrada enlameada.
E, então, alguém bateu à porta e ela correu para abri-la. Mas o
sorriso morreu ao ver a Srta. Pilgrim em suas roupas de dormir e com um
semblante preocupado. Os olhos com lágrimas que teimaram em não
escapar.
— Vossa Graça, perdoe-me por acordá-la, mas a milady não se
aquieta e chora sem parar por conta da Sua Graça.
Lucille franziu o cenho em preocupação e rapidamente vestiu seu
robe e os chinelos, seguindo a babá até o quarto de Tamsin. Onde Lucy não
a viu.
Max estava em frente ao quarto de vestir, chorando e arranhando a
porta com suas patas imensas.
— Papai, papai!
O choro desesperado de Tamsin veio do pequeno quarto de vestir e
Lucy imediatamente entrou no cômodo, deparando-se com a menininha
encolhida em um canto e de frente para a parede.
Lucille correu até ela, pegando-a no colo e a acalentando com um
olhar feio para a babá.
— Como deixa uma criança se isolar assim? — ela indagou, raivosa,
afagando os cabelos de Tamsin, que soluçava contra seu ombro e se
agarrava à camisola de Lucy. — Está tudo bem, querida. Estou aqui, a
mamãe.
— M-Madame, eu juro que a deixei na cama antes de chamar a
senhora — Emily disse, nervosa, os olhos se enchendo de lágrimas. —
Milady sempre chora c-como se a Sua Graça tivesse a deixado, e-eu não sei
mais o que fazer, madame. Não c-consegui fazê-la dormir nem com uma
canção de ninar e um p-pouco de leite quente.
Lucille suspirou, impotente, arrumando a enteada em seus braços e
apontando para a boneca de Tamsin que estava na cama. Emily rapidamente
pegou o brinquedo e entregou para Lucy.
— Pode se retirar, Srta. Pilgrim.
A moça assentiu, nervosa, e se retirou com uma rápida mesura,
deixando a porta aberta para que Lucille saísse com Tamsin e Max na sua
cola.
Os soluços da pequenina eram dolorosos e seu rosto continuava
escondido no pescoço de Lucille, que sentia o coração apertar de
preocupação.
Era óbvio que Aiden sempre voltaria para casa, amava a filha mais
do que qualquer coisa no mundo e disso Lucy sabia. Mas a pequena
Tamsin, em desespero nos seus braços, parecia não acreditar naquilo sempre
que o pai se demorava na rua.
Ela foi para a cama, deitando Tamsin entre os lençóis e chamando
Max, que rapidamente subiu no colchão e se enrolou ao redor de Tamsin.
Lucille secou o rostinho vermelho e molhado dela, acalmando os soluços
nervosos de Tamsin com carícias amorosas em seus cabelos cor de bronze.
— O papai está chegando, meu bem — ela tentou acalmar. — A
chuva forte assusta os cavalos, o papai deve estar esperando ela passar para
voltar para casa.
— M-M-Mas j-já está t-tarde — ela disse, entre soluços e lágrimas.
— P-Papai falou q-que i-ia dormir comigo e n-não chegou.
Lucille lamentou com um muxoxo tristonho, deitando-se ao lado de
Tamsin e a puxando para si. O cachorro seguiu e se enrolou perto delas, a
cabeça enorme deitada no pequeno espaço entre as duas, olhando-as
preocupado.
— Feche os olhinhos e durma que, quando acordar, o papai estará
aqui.
Tamsin fungou e soluçou, secando os olhos desajeitadamente.
— Eu estou aqui, a sua mamãe — Lucille disse, com um sorriso
terno, providenciando um preguiçoso cafuné à enteada. — Durma, querida.
Max vai cuidar da gente.
O cachorro abanou o rabo rapidamente, fazendo-o bagunçar os
lençóis. Ele farejou os pés de Tamsin e lançou um olhar tristonho para a
menininha.
Tamsin se arrastou até o cachorro, abraçando-o e fungando
baixinho, ao que o animal a protegia como se fosse seu filhote.
Lucille arrumou o lençol perto de Tamsin, afagando os cabelos dela
lentamente enquanto os soluços da menina se dissiparam e as lágrimas
pararam de escorrer.
Logo, Tamsin deixou seu cachorro e foi até Lucy, abraçando-a e
escondendo o rosto entre os seios dela, onde pegou no sono e finalmente se
acalmou.

***

Lucille não havia pego no sono mais do que duas vezes. Tamsin
dormia como pedra, bem acolhida nos braços da madrasta. A chuva havia
apaziguado um pouco, sem mais raios ou gotas grossas.
Lucy ainda estava preocupada com o marido: a chuva estava mais
calma, mas as estradas deviam ter ficado lamacentas demais para viagem.
Preocupada, ela suspirou e afagou a cabeça de Max, que bufou
baixinho e abriu seus olhos cheios de sentimentos.
Tamsin se moveu um pouco, resmungando e se arrastando para fora
da cama. Lucy ficou atenta, levantando-se um pouco para ver a enteada
descer da cama com certa dificuldade e caminhar pelo quarto um tanto
atordoada e sonolenta.
Ela resmungou de novo, levantando a camisola até o umbigo e
olhando debaixo da cama. Lucy abriu um sorriso, esperando a menininha
escalar a cama para fingir que estava dormindo.
— Mamãe — Tamsin a chamou em um sussurro manhoso,
sacudindo o ombro de Lucille. — Mamãe.
Lucille sorriu feliz, abrindo os olhos vagarosamente e olhando para
Tamsin.
— Quero fazer xixi — a menininha disse, resmungando em agonia.
Lucy controlou um riso, tudo era tão adorável vindo de uma criança.
Ela se arrastou para fora da cama e segurou uma das mãos de Tamsin,
levando-a consigo até seu quarto de vestir, onde havia uma cadeira e um
penico.
Levantou Tamsin pelos braços e a colocou sentada, segurando-a
para que a menininha não caísse pelo buraco. Sonolenta, Tamsin bocejou
enquanto se aliviava, causando uma onda de riso na madrasta.
A pequenina terminou, esticando os bracinhos para Lucy, que a
pegou no colo e a levou de volta para a cama, onde Tamsin caiu no sono
rapidamente. Graças a Deus. Não saberia o que fazer caso a menina
voltasse a cair no choro ao ver que o pai não havia retornado ainda.
Ela tentou dormir novamente e, quando estava pegando no sono, a
grande porta do quarto foi empurrada e ela viu a silhueta de Aiden contra as
luzes das velas no corredor.
Lucille rapidamente foi até o marido, abraçando-o sem se importar
com as roupas molhadas. Ela o beijou, como se não o visse havia anos e
Aiden retribuiu na mesma saudade.
— Aiden, onde estava?
— Preso em uma hospedaria fedorenta perto de Matlock — ele
disse, resmungando, levando Lucy consigo até o quarto de vestir para não
acordar a filha.
Lucille suspirou e fez um bico tristonho, tocando o rosto do marido
e o amassando à procura de algum ferimento. Aiden estava encharcado e
pingando no chão do quarto de vestir.
— O que aconteceu?
— Uma tempestade começou antes de chegarmos a Matlock, então
paramos para esperar — ele disse, baixo, tirando suas roupas e as jogando
dentro de uma bacia vazia em cima da cômoda.
Lucille pegou uma toalha grande e envolveu os ombros de Aiden.
Enquanto ele se secava, ela lhe secava os cabelos depois de soltá-los.
— Mas você está todo molhado e sujo de lama — ela observou, com
preocupação, tentando limpar os cabelos do marido. — Não tinha
acomodações decentes nessa hospedaria?
— Eu me irritei e vim embora sozinho em um cabriolé que comprei
de um irlandês bêbado demais para saber o que estava fazendo — Aiden
explicou, vestindo um camisolão e terminando de secar os cabelos por si só.
— Fiquei preocupado com Tamsin, eu havia dito que voltaria hoje. A chuva
melhorou o suficiente para eu não cair no meio da estrada.
Lucy assentiu com muito pesar, apertando os dedos nervosamente
antes de fechar a porta do quarto de vestir e deixá-los em uma escuridão
silenciosa.
Aiden acendeu uma única vela, ciente dos temores da esposa.
— Tamsin ficou bastante ansiosa, Aiden… Pobrezinha, dormiu
exausta de tanto chorar — ela sussurrou, tocando o peito do marido. —
Acho que ela pensa que você pode não voltar…
Ela ouviu um suspiro cansado e pesaroso dele. Aiden andou pelo
quarto de vestir, afastando-se da luz da vela.
— A culpa é minha.
— Sua?
— Quando eu contei o que havia acontecido com a mãe… Acho que
estava cedo para contar. Eu usei palavras mansas para que ela entendesse
tudo. Mas não deveria ter dito nada…
— Ela perguntou, Aiden. Tinha de contar. — Lucille foi até ele,
tocando-o no ombro. — Crianças pequeninas entendem as coisas, não como
os adultos, mas sabem entender o básico.
— Eu sei… — Ele aquiesceu, a voz pesada e cansada. — George e a
esposa haviam vindo nos visitar com a pequena recém-nascida deles. Até
então, Tamsin não tinha interesse em saber de onde os bebês vinham. Mas
ela viu o bebê do tio e ficou curiosa, porque se lembrava da tia com a
barriga grande.
— E você contou a história da sopa.
Aiden riu baixo, assentindo. Um riso não muito alegre.
— Sim. A história da sopa. Ela havia perguntando se eu havia
tomado a sopa e se ela havia crescido na minha barriga.
— E o que você disse?
Aiden deu de ombros, virou-se para a janela e olhou a lua coberta de
nuvens.
— Disse que não. Disse que eu havia dado a sopa para uma moça. E
ela me perguntou que moça. Deus, eu pensei que ela nunca mais fosse parar
de me fazer perguntas.
— Crianças pequeninas são assim mesmo, meu bem — ela o
tranquilizou, dando batidinhas em suas costas. — Não viu Joanna? Ela
falou que você se parece com um vilão que anda sobre um cavalo de patas
peludas.
Aiden bufou, ofendido, cruzou os braços e parou de encarar a lua.
— Pelo visto, Tamsin é a única criança que não tem medo de mim.
— Nossos filhos não terão também — Lucy disse, com um sorriso
pequeno e animador, tocando o antebraço de Aiden. — Eles vão gostar de
ter um pai grande e forte para carregá-los nos ombros. E as mocinhas vão
gostar de ter um pai grande para protegê-las.
Aiden a olhou, rindo do que ela dissera com uma pitada de
descrença. Beijou-a na testa, demorando-se um pouco para se afastar de
Lucy, até que a envolveu pela cintura e a abraçou.
— Está esperando uma criança nossa?
— Ainda não, brutamontes — ela disse, com um sorriso pequeno
diante da ansiedade do marido. — Talvez se fizéssemos um pouquinho mais
de esforço…
— Estou cansado, você não merece um homem no meu estado. —
Ele tocou o rosto pequeno dela. — Amanhã eu lhe dou amor, prometo.
Lucy assentiu com um sorriso envergonhado e beijou o queixo do
marido.
— Vamos dormir então, meu bem. E é melhor me acordar com
beijos.
Capítulo 28

7 de Agosto, 1815

Querida mamãe,
Não tenho falado sobre o duque, mas eu acho que o amo. É
assustador pensar que sinto algo por ele. E envergonho-me agora por
contar isso à senhora depois de ter jurado com minha alma que jamais
teria nenhum tipo de afeição por ele.
Mas acho que o amo. Eu amei Michael, cheguei a essa conclusão.
Mas não é o mesmo que sinto com meu marido. Há algo que não sei
explicar o que é, mas que eu sinto no meu coração durante nossas
intimidades. Sinto que quero sorrir e chorar ao mesmo tempo, ficar perto
dele até mesmo depois que o ato acaba.
Meu amor por Michael fora tão inocente, talvez nem mesmo o tipo
de amor que há entre uma mulher e um homem adultos. Imagino que ele
saiba que eu o amei durante aquele tempo, embora eu nunca tenha dito as
palavras especiais para ele. Derramei meu coração em cada carta que
escrevi, espero que ele reconheça isso. Espero que ele me perdoe por amar
outro homem.
Mamãe, Aiden é tão único e interessante de se conhecer. Fui
impaciente e mal-educada com ele, embora não tire a minha razão de me
sentir daquela forma. Mas agora tudo é diferente. Eu o conheço melhor, sei
que é um homem de hábitos solitários e eu o incomodei. Bom, ele também
me incomodou. Mas agora nos conhecemos melhor, entendemos um ao
outro melhor e sabemos o que cada um prefere. Ele me faz companhia,
embora sempre fiquemos em silêncio enquanto ele desenha algo
secretamente. Temo que seja um desenho de mim, mas acho que ele não é
bom com desenhos anatômicos.
A presença dele é o suficiente, a senhora sabe como não gosto de
ficar sozinha. Sei que não devo falar das intimidades do meu marido, mas
Aiden tem problemas para socializar, pelo que pude perceber. Ele é tão sem
jeito, mamãe. Por isso as pessoas não o compreendem. Disse-me que não
gosta de multidões. Fomos a um baile e o homem pareceu ter um ataque
quando dançamos. Parecia um menino perdido.
Meu cunhado havia dito que, com o tempo, eu veria como ele é de
verdade, pois agora vejo. Aiden tem um bom coração, eu espero que ele me
ame também um dia. Mesmo que ele não consiga dizer, espero, pelo menos,
identificar as formas que ele diz me amar.
A cada dia, sinto-me mais ligada a ele. Aiden jamais assumirá isso
para mim, mas imagino que não há nada que ele queira mais do que
carinho e companhia. Deve ter sido tão difícil passar anos sem a
companhia de uma pessoa especial. Sei que ele não superou a morte da
mãe, mas não sei como ajudá-lo com isso, mamãe. Talvez a senhora possa
me ajudar, já que a vovó já nos deixou.
Mudamos de assunto agora, pois estou muito confusa com meus
sentimentos e tudo isso me deixa demasiadamente emotiva.
Tamsin e eu estamos com a relação cada vez mais estreita. Espero
um dia que ela me ame tanto quanto eu amo a senhora. Pobrezinha, sentia
saudades de alguém que nunca conheceu. E estou aqui agora para ficar
com ela. Estou feliz, talvez plena. Feliz é um estado de espírito muito forte.
Mas estou plena e viver aqui não é de todo mal. Esses três meses
foram repletos de mudanças. Estou feliz por ter conhecido Tamsin, ela é um
tesourinho de alegria.
Espero sua resposta ansiosamente.
Com amor,
Lucy.

Era tarde da noite, horas depois do jantar. Ela estava sozinha no


quarto da duquesa, trajada para dormir apenas com um penhoar de renda
fina e se olhando no espelho da penteadeira.
Abriu um sorriso, soltando os cabelos e beliscando as bochechas.
Naquela noite, sentia-se tentada a seduzir Aiden, embora não soubesse bem
quais eram as armas de sedução necessárias.
Passou para o quarto deles, vendo-o ler algumas cartas, sentado
contra a cabeceira. Ele levantou o olhar brevemente antes de perceber o que
Lucy estava trajando.
Ele podia ver tudo do corpo dela contra a luz da lareira e seu
coração quase parou.
Lucille abriu um sorriso envergonhado, abaixou o rosto e subiu na
cama.
— Está sem sono, troglodita? — ela perguntou, deitando-se sobre o
peito dele.
— Charlotte está me perturbando via correspondência. — Ele virou
a carta, revelando um verso completo com letras espremidas. — Ela pensa
que eu sou o diário dela. Conta-me até a cor dos sapatos que usou. Amarelo
mostarda, na casa de uma tal Lady Winters com um turbante cheio de
abacaxis.
Lucille riu, confortando-se perto de Aiden.
— É porque ela te ama, quer que saiba que está feliz.
Aiden grunhiu alguma coisa, dobrando a carta enorme e a colocando
sobre o criado-mudo.
Abraçou Lucille, beijando-a contra a bochecha e afastando os
cachos castanhos do rosto dela.
— Essa sua roupa de dormir é bastante inapropriada, minha senhora.
Lucille corou e sorriu, lisonjeada. Tocou o rosto do marido, deslizou
os polegares pelas bochechas dele e finalizou acariciando os lábios macios.
— Eu… Eu comprei para outro homem, mas agora desejei vestir
para você. Gosto da forma como me olha.
A mão de Aiden apertou sua cintura e Lucy engoliu em seco ao
pensar que o havia irritado ao mencionar Michael. Mas, quando viu o brilho
travesso nos olhos dele, percebeu que o marido se sentia vitorioso e
orgulhoso.
— Você gostou? — ela perguntou, enquanto ele tocava a renda que
cobria seu corpo. — É francesa. Bom, disseram-me que é.
Não que Aiden entendesse de moda, mas Lucy não conseguiria ficar
sem o que falar enquanto ele analisava o penhoar.
— Ouvi dizer que a França tem dessas coisas — ele comentou,
tocando os lábios de Lucille em um leve roçar. — Essas coisas assanhadas.
Eu gostei, minha linda Lucy.
Ela riu outra vez, nervosa.
Aiden a deitou de lado e Lucy não protestou, curiosa com o que ele
faria. Ele se encaixou atrás dela, como quando ia dormir, mas a beijou no
pescoço com tanto desejo que Lucille entendeu que não dormiriam.
E ela não queria dormir. Ou teria posto uma de suas camisolas
modestas.
Moveu seu quadril para trás, aninhando seu traseiro com a extensão
masculina de Aiden, que já estava pronto para ela.
— Só há uma dessa roupa em seu enxoval? — ele perguntou,
mordiscando o lóbulo macio da orelha de Lucy enquanto puxava o penhoar
para cima. — Está tão linda que não quero despi-la.
— Posso mandar fazer outro se quiser… — Lucy suspirou em
luxúria quando a mão de Aiden deslizou pela sua barriga e encontrou sua
feminilidade. — Meu amor…
Ela sentiu o sorriso dele contra sua orelha antes dele beijá-la no
pescoço e deslizar os dedos pela delicada fenda de seu sexo.
Daria mil libras para ouvi-la chamando de seu amor novamente.
Aquilo fazia seu coração disparar tão forte que Aiden temia que Lucy
pudesse senti-lo em suas costas.
Tocou-a um pouco mais, ouvindo os suspiros dela, que havia
segurado sua mão e o guiado nos toques. Lucille havia se libertado de
muitas vergonhas quando fazia amor com Aiden, e ele não poderia se sentir
mais satisfeito ao tê-la tão receptiva quanto ele.
— Fale de novo que eu sou o seu amor — ele pediu, acariciando-a
em movimentos circulares e lentos.
— M-Meu amor, Aiden… — Lucy sussurrou, ansiosa para tê-lo. —
Possua-me.
Quando sentiu que ela podia recebê-lo, Aiden puxou o camisolão
para cima, segurou o próprio membro e a penetrou por trás, libertando um
gemido lento e luxuriante de Lucy que ecoou baixo pelo quarto.
Ela inclinou o pescoço, dando a Aiden um espaço pálido em que ele
poderia pintá-la com as marcas de seus beijos. Naquela posição, beijá-la nos
lábios seria custoso, então a agraciou pelo pescoço o máximo que pôde.
Beijou-a na pele clara, chupou até marcá-la e depois passou para o
ombro, ainda coberto pela renda. Aiden mordiscou ali na pele de Lucy, que
gemeu outra vez, contorcendo-se contra o corpo do marido.
Ele a estocou mais fundo, acariciando a barriga dela lentamente até
chegar ao seio. Mas Lucy segurou suas mãos, espalmando-as no peito dela,
onde o coração batia acelerado.
— Aiden… — ela o chamou, mantendo sua mão ali.
Aiden a puxou para mais perto ainda, abraçando-a enquanto a
estocava lentamente. Cada movimento era um suspiro de Lucy. E cada
suspiro de Lucy era mais um segundo em que ele se via perdido na
imensidão que era o amor que sentia por ela.
Cada vez mais fundo e mais longe dos temores que sentia desde que
sua mãe se fora. Era como se fazer amor com Lucy fosse medicinal, tratava
o coração e a alma de Aiden.
Vê-la sorrir, ouvi-la tagarelar, brincar com Tamsin e passear com ele
pelos jardins. Cada coisa tola aquecia o coração de Aiden e ele se sentia tão
afogado naqueles sentimentos bons.
Se morresse ali, naquela cama, morreria feliz por ter amado Lucy
um dia. Por ter achado o amor de verdade.
Ah, Aiden a amava. Sabia disso. Amava muito, mas não sabia dizer.
Não sabia demonstrar direito. Fazia todas as vontades de Lucy, caminhava
com ela por Greenhill, levava-a para a casa de banho, onde faziam amor na
água todo dia de sol forte, e mostrava seus projetos de paisagismo para ela,
que sempre se mostrava interessada.
Era a vida dos sonhos, os sonhos que tivera por sete anos. Os sonhos
que ele tentou afogar com álcool e prostitutas, mas que ressurgiram depois
da primeira vez em que fizera amor com ela.
— Lucy… — ele a chamou, um sussurro apaixonado enquanto a
amava entre os lençóis macios. — Minha linda Lucy…
Lucille o acariciou nos cabelos de fogo, ganhando um beijo em seus
lábios, que terminou em um gemido involuntário de Aiden ao sentir o fundo
macio e quente dela.
— Devagar, Aiden… Faça mais.
Embalaram-se em um amor preguiçoso enquanto um fio os unia em
meio aos lençóis, coração com coração.
Aiden atingiu seu ápice antes dela, mas continuou fiel à sua esposa,
acariciando sua intimidade e a estocando até Lucille encontrar seu paraíso,
a mão ainda entre os cabelos ruivos dele.
Em silêncio, saiu de dentro dela, mas a manteve perto de si quando
puxou o lençol e a beijou na bochecha vermelha. Ela sorriu, esticando os
lábios antes de virar o rosto e beijar o marido.
Um sorriso brincalhão e feliz, como quem guarda um segredo.
Aiden a olhou com curiosidade, vendo-a fechar os olhos e aproveitar a
moleza do orgasmo nos braços dele. Lucy parecia gostar daqueles encontros
breves, sempre sorria satisfeita no final e conversavam um com o outro até
pegarem no sono.
Aiden não falava muito, Lucille falava por ele. E lhe contava sobre
qualquer assunto, sobre fatos de sua adolescência ou quando era pequena e
bagunceira. Mas, quando passavam a noite inteira fazendo amor, ela
acabava com sono demais para Aiden poder conversar com ela depois.
Ela estaria grávida? Aiden se perguntou, alisando a barriga dela em
uma averiguação camuflada de carinho. Estavam juntos havia três meses e
as regras de Lucy haviam aparecido no início daquele mês, como no
anterior e, ele presumiu, no primeiro mês de seu casamento. Aquela era a
primeira vez que faziam amor no mês de agosto, já que ela tinha vergonha
de se unir a ele durante seus dias femininos.
Não havia como ela estar grávida, então. E o que mais seria aquele
sorriso?
Aiden suspirou com certa impotência, acariciando o quadril de Lucy
e fechando os olhos para tentar dormir.

***

Ele acordou quase meio-dia, ainda cansado e rabugento. Tateou a


cama em busca da esposa, mas Lucille já havia acordado horas antes. Aiden
se sentou contra a cabeceira, passando os dedos pelo cabelo e olhando ao
redor.
Levantou em passadas arrastadas e lavou o rosto na água fresca,
olhando-se no espelho. Riu para si mesmo, um riso baixo e breve. Seu rosto
estava menos tenso e suas olheiras estavam quase anuladas.
Era tudo resultado dos beijos de Lucille. Sua vida havia melhorado,
a forma como via o mundo estava mais branda, não odiava todos e muito
menos a si mesmo.
Estava gostando da vida que tinha.
Vestiu-se sozinho e voltou para o quarto quando a porta pesada abriu
e Lucille entrou feliz e sorridente em um vestido rosa claro.
— Oh, você acordou — ela disse, animada, abraçando Aiden e o
beijando no rosto antes de ele poder reagir. — Eu e Tamsin fomos passear e
já voltamos! Fomos até o labirinto com Max e dessa vez eu saí de lá em três
minutos. Levei um relógio, não sou boba.
— Você parece animada hoje — Aiden comentou, sentindo uma
comichão na barriga ao vê-la feliz.
Lucille suspirou e se sentou na cama, olhando o marido calçar as
botas, sentado em sua poltrona. Ela ainda achava muito estranho o fato de
ele não ter um criado.
— Está um lindo dia, o céu está limpo. Você tem que ver,
brutamontes! — Ela correu até uma das janelas e abriu as cortinas. — Oh,
não…
Ele ergueu o olhar de suas botas sutilmente.
— O que foi?
— Nuvens, bem pretas… Vai chover — Lucy resmungou. — Estava
pensando em andarmos a cavalo hoje, mas não podemos mais.
— Você pode cavalgar de outro jeito, se quiser — Aiden riu para si
mesmo, puxando as botas.
Ouviu um muxoxo impaciente de Lucille, que havia se chateado
bastante com as nuvens.
Emburrada, ela voltou para a cama e pescou um livro na cabeceira.
Aiden a olhou de sua poltrona, a silhueta magra de Lucy lendo um
livrinho enquanto seu pé escapava do vestido mais parecia uma pintura.
— Lucy — ele se levantou, sentando-se na cama —, preciso
conversar com você.
Ela imediatamente largou o livro. O rosto ruborizou ao redor do
nariz como quando ela ficava preocupada.
Com cuidado, Aiden segurou as mãos delicadas dela e as acariciou
antes de perguntar, sem rodeios:
— Você está grávida, minha querida?
Os olhos dela arregalaram, mas um sorriso nasceu em seu rosto e
logo Lucille gargalhou.
— Não, Aiden. Ora essa… — Ela saiu da cama, alisou a saia e foi
até a janela olhar as nuvens. — Minhas r-regras vieram esse mês, você sabe.
— Talvez haja uma chance, não sei. Você tem estado estranha.
Ela o olhou por sobre o ombro. Ofendida.
Aiden rapidamente consertou:
— Quero dizer, diferente. Têm sido muito melosa comigo.
Lucille corou outra vez, voltando a olhar para a paisagem e dando
de ombros levemente.
— Não posso dar carinho para o meu marido que gosto tanto?
Aiden tocou o próprio rosto. Estúpido. Lucille era maravilhosa, mas
ele se achava tão desprezível que não entendia nem as investidas amorosas
dela.
Tentando inverter sua estupidez, abraçou sua esposa por trás e
deixou um beijo no espaço nu entre o pescoço e o ombro dela.
— Não gosta dos meus carinhos? — ela perguntou, os braços
cruzados. — Eu o conheço, sei quando não quer companhia, eu nem o
perturbo.
— Você não me perturba nunca, Lucille — Aiden assegurou,
repousando o queixo no topo da cabeça de Lucy. — Sem seus carinhos, eu
estaria morto novamente.
Ela abriu um sorriso de lado, um risinho baixinho e descrente.
— Não seja dramático, meu bem.
Aiden sentiu parte do seu coração apertar um pouco. Maldição,
quando Lucille ia ver que ele a amava?
Ele não conseguia falar.
Lucy saiu dos braços dele, arrumou seu penteado e foi bisbilhotar
pela janela.
— Lucy — ele tentou de novo, coçando a sobrancelha
nervosamente.
Lucille se virou para o marido, pacientemente.
Aiden a abraçou outra vez, apertando os braços ao redor dela
cuidadosamente e a beijando no topo da cabeça castanha. Sentiu as mãos
pequenas lhe acariciarem as costas e o calor do rosto dela ao se recostar em
seu peito.
— Diga, Aiden… O que há com você? Está tão nervoso, coçando-se
sem parar.
— Você… — Ele engoliu em seco, fechando os olhos com força. —
Lucille…
— O que foi, meu querido? — ela ficou preocupada, afastando-se o
suficiente para ver o rosto vermelho do marido. — Você está bem? Quer
beber alguma coisa? Está vermelho!
Ele respirou fundo, as palavras entaladas em sua garganta.
Aiden fez que não assim que Lucy correu para pegar a jarra de água.
Ele segurou as mãos dela, impedindo-a de servir um copo.
Suas mãos tremiam e seu coração batia rápido demais na
expectativa de dizer que a amava. Aquilo o deixava nervoso demais, expor
seus sentimentos e ver que seu maior temor se concretizou.
Lucy o olhou preocupada, tocando o rosto enrubescido do marido
como uma mãe toca a testa quente da criança.
— Você está se sentindo bem, Aiden?
— L-Lucille, eu a amo.
A mão dela, que tocava seu rosto, abaixou lentamente, deixando um
rastro de rejeição pela alma de Aiden, que rapidamente se arrependeu de
sua confissão.
Os olhos de Lucy se encheram de lágrimas surpresas e seus lábios se
abriram em choque.
— Eu amo você, Lucy — ele disse novamente, sentindo um peso
sumir de suas costas enquanto seu peito temia que ela o rejeitasse. —
Amo… cada coisa em você. Venho tentando demonstrar, p-porque não sei
usar boas palavras, mas eu a amo muito. E-Eu tenho tentado mostrar…
Fazendo suas vontades, talvez… t-talvez você sentisse que eu a amo, que eu
quero cuidar de você.
— Aiden… — ela sussurrou, derrubando uma lágrima solitária em
sua bochecha.
Aiden a varreu com uma carícia, não esperava que Lucille dissesse
que o amava também.
Não esperava nem que ela o amasse, embora o desejasse tanto.
Abraçou-a com amor, acalentando-a contra o seu peito e acariciando
suas costas amorosamente.
O coração de Lucy cresceu mais do que seu peito podia suportar.
Tanto que seus olhos molharam de contentamento ao ouvir de um homem,
pela primeira vez, que ele a amava. E um homem que ela amava tanto,
tanto, tanto. Um sentimento de completude, quando se ama e é amado. E ela
sentia que era na mesma quantidade.
Abraçando Aiden ainda mais, escondeu o rosto em seu peito e se
deixou absorver pelo calor e o acalento dele, que permanecia quieto.
— Obrigada, meu querido… — Lucy disse, com um sorriso
molhado pelas suas lágrimas.
Aiden tentou ignorar o aperto em seu coração ao ver que Lucy não
diria que o amava. Mas aquilo o fez mais fiel ao seu amor e transbordaria
Lucy com ele até que ela o amasse também.
Tudo o que lhe importava era ela.
— Está feliz, Lucy?
— Você está feliz, Aiden? — Ela envolveu o rosto dele com as
mãos, olhando-o em seus olhos cristalinos. — Está satisfeito por ter se
casado comigo?
— S-Sim — Aiden assentiu, puxando a esposa para si outra vez e a
beijando com todo o amor e carinho que existia em seu peito, há tanto
tempo fechado.
Lucille se agraciou com o beijo, derretendo nos braços do marido e
adorando quando o som da chuva tornou aquele momento ainda mais
aconchegante.
— Nosso casamento é o que esperava? — ela perguntou quando se
afastaram.
— Não — Aiden respondeu e o rosto de Lucy murchou em tristeza
imediatamente. — É muito melhor, minha querida Lucy.
Ela riu, encabulada diante da primeira reação. Com os braços ao
redor do pescoço de Aiden, ela se esticou e beijou a ponta de seu nariz.
— O que esperava que fosse, brutamontes?
— Triste e frio.
Lucy se afastou um pouco, sentindo-se infeliz com o tom de voz
desolado de Aiden.
Com a mão direita tocando seu rosto duro, ela viu os olhos dele se
tornarem melancolicamente brilhantes e um aperto tomou conta de seu
coração.
Mas ele abaixou o rosto, desfazendo-se da vontade de chorar.
— Tudo bem, meu querido — ela o consolou com um sorriso
caridoso, tocando e levantando seu rosto. — Não precisa se envergonhar na
minha frente.
Ele negou com a cabeça, desvencilhando-se do abraço e se sentando
na cama.
Lucy o seguiu com preocupação e se pôs ao lado do marido antes de
segurar-lhe as mãos.
— Conseguiria passar a vida toda com um casamento frio e triste?
— ela perguntou, verdadeiramente curiosa diante da expectativa de vida do
marido. — Nossos filhos não saberiam o que é amor… Eles não teriam sido
feitos com isso.
— Não há como tratá-la com frieza e não desejar morrer em culpa
— Aiden comentou, olhando a pequena mão de Lucy sobre a sua.
Acanhadamente ele a envolveu.
— Um homem seria tolo por nunca se apaixonar por você, Lucy.
Deitá-la em uma cama e nunca fazer amor com você… Deixá-la chorar.
Ela sorriu, chorosa, fungou baixinho e colocou sua mão livre sobre a
de Aiden.
— Eu fui um tolo, é claro — ele continuou.
— Houve uma vez em que não fez amor comigo?
— Nenhuma vez, meu amor — Aiden rapidamente se explicou. —
Mas a deixei chorar, embora meu coração sentisse vontade de acalentá-la e
pedir perdão por uma vida inteira. Mas… ao mesmo tempo, sentia vontade
de fugir, de beber, de… ver as prostitutas.
Lucy abriu um sorriso tristonho e um tanto enciumado, olhando para
as próprias mãos.
— Depois que nos tornamos íntimos, você continuou a procurá-las?
— Não. Não conseguiria tocar em outra mulher enquanto tudo o que
está no meu peito é você. Não quebraria nossos votos, de amá-la, honrá-la e
respeitá-la.
Ela agradeceu com um meneio de cabeça, agora sorrindo feliz diante
da posse que tinha de Aiden.
— Deve ser estranho ter se deitado com tantas mulheres e provado
de tantos tipos. Com tanta experiência… Michael me beijou apenas cinco
vezes e somente nosso primeiro beijo foi ardente. Pergunto-me se tudo é
sempre igual. Se fazer amor com outro homem é igual. Se eu me sentiria
tão feliz quanto me sinto quando me toca.
Aiden sentiu o ciúme subir em sua garganta diante do pensamento
de Lucy em fazer amor com outro homem.
Aiden nunca fizera amor com outra mulher, era apenas fornicação
impulsiva. Nada poderia ser comparado com o que ele sentia ao ter Lucille
em seus braços e olhá-la em seus grandes e quentes olhos castanhos.
As cinco vezes em que Michael a beijara já eram o suficiente para
Aiden querer duelar com aquele homem sumido.
Se havia mesmo um Deus no céu, Ele havia feito Lucy para ser o
amor da sua vida. E, não importava quando, Aiden saberia que sempre se
apaixonaria por Lucy. Mesmo quando ela debutou, mesmo antes, quando
ele ainda era um homem normal. Mesmo que ela fosse moça demais, ele
esperaria ela crescer, estaria de pé em seu debute e teria a sua primeira
valsa.
— É estranho, sim, Lucille — Aiden concluiu. — É frio e sem
sentido. Eu as visitava sempre, mas quando eu voltava para casa e dormia
em minha cama, tudo era triste. Tudo era solitário. Em vão, eu tentava ter
uma mulher comigo, sabendo que, por amor, eu enlouqueceria de temor. O
que me restou foi o toque proibido de uma prostituta como uma lembrança
do calor de uma mulher.
Lucille se recostou no braço do marido, silenciando-se na
expectativa de que ele se abrisse com ela.
— Matthew se casou primeiro, depois George se casou — ele
continuou, deitando-se contra a cabeceira da cama e sendo seguido por
Lucy. — Eu sentia muita inveja deles, confesso. Casaram-se com mulheres
a quem amam e tiveram filhos. O que eu sempre quis desde pequeno.
— Era esse seu desejo quando pequeno? — ela perguntou, curiosa,
deitando-se sobre o peito do marido e o olhando.
Aiden assentiu, dando um riso envergonhado.
— Tiravam sarro de Michael na escola por ele querer perder a
virgindade quando estivesse apaixonado, mas mal sabiam que eu vivia na
expectativa de me casar e ter filhos — ele zombou de si mesmo. — No
fundo, eu também quis estar apaixonado pela minha primeira mulher.
— E não estava?
Ele fez que não, despreocupadamente.
— Quantos anos você tinha? — Lucy não conteve a pergunta.
— Você não vai acreditar em mim se eu lhe contar.
— Por que não? — Ela ergueu uma das sobrancelhas finas. — Você
era uma criança, por acaso?
— Longe disso. — Aiden riu. — Eu tinha vinte e quatro.
Lucy ficou surpresa, seus olhos arregalaram e Aiden riu outra vez.
— Pensei que os homens sempre iniciassem as coisas quando
garotos. Bom, a maioria.
— Eu era um romântico — ele explicou, com um tom jocoso. —
Meus amigos, é claro, pensavam que eu havia me deitado com qualquer
prostituta que pagássemos durante a escola.
— Então você… pensava como Michael?
— Talvez... — Ele deu de ombros, deslizando a mão pelo braço de
Lucy vagarosamente. — Eu não queria fazer aquilo com uma prostituta,
mas com uma dama de classe. Não esperava que fosse por amor, é claro, eu
apenas queria uma moça bem cuidada e inteligente. O problema é que
minha mãe me degolaria se eu deflorasse uma mocinha da sociedade e
acabasse com a vida dela. Então, conheci Marzia, uma das cortesãs.
Lucy assentiu enquanto seu rosto queimava de ciúmes.
— Acho que já sei o resto — ela resmungou.
Aiden riu, contente com o ciúme. Tentando reverter a situação,
beijou Lucy demoradamente em sua bochecha vermelha.
— De todo modo, mordi minha própria língua, pois acabei como um
depravado que vivia nos braços de meretrizes. São mulheres sofridas, na
maioria. Mas todas ouviam minhas lamúrias com atenção, não era como se
eu sempre fosse para lá em busca de sexo. Por muitas vezes, eu apenas
bebia com elas.
Lucy deu um muxoxo um tanto tristonho.
— É uma pena que mulheres desafortunadas tenham de viver assim,
os abrigos em Londres são tão feios de se olhar. Mamãe sempre mandava
eu virar o rosto para o lado.
Aiden concordou com um meneio demorado e alisou a mão de Lucy
que estava em seu peito.
— Seria de muito mau gosto caso você ajudasse essas mulheres
diretamente indo ao bordel, mas todas iriam adorá-la caso criasse um abrigo
longe dos olhos ruins de Londres. No interior, elas podem recomeçar uma
boa vida — ele sugeriu. — Talvez isso lhe dê alguma animação em viver
aqui tão afastada. Bom, algumas pessoas não deixariam de julgar a duquesa
estar se enturmando com prostitutas em um abrigo, mas seria menos
escandaloso.
— E eu poderia? — Lucy o olhou surpresa. — Não sei se levo jeito,
e… eu olharia para elas e acabaria as imaginando na cama com você. Seria
horrível!
Aiden riu com bom humor.
— Pense no assunto, caridade é sempre bom para as aparências.
— E uma escolinha? — Lucy começou a se animar. — Que tal?
— Escola?
Ela assentiu, corada e cheia de ideias.
— Uma escolinha para as crianças da cidade. Sei que muitas dela
estão trabalhando, mas aos sábados poderiam ir. Apenas para aprender a ler,
pelo menos.
Aiden pensou, colocando um braço atrás da cabeça.
— Não me parece ruim… Pense no que quer fazer como duquesa,
querida.
— Vou pensar, mas, no momento, quero apenas que faça amor
comigo.
Ele sorriu de orelha a orelha. Agora falavam sobre algo realmente
interessante.
— Estou às suas ordens, madame.
Capítulo 29

— Então, você aprendeu as vogais com a Sra. Martin?


Aiden e Tamsin estavam em sua tarde juntos, brincando com as
tintas e os pastéis do pai em seu escritório.
— Aprendi! — ela disse, vaidosa, desenhando em um papel grosso
com um dos pastéis à disposição, o que causava um grande prejuízo aos
materiais de Aiden. — A, e, i, o, u!
— Muito bem, escreva as letras para mim — Aiden pediu,
arrumando a menininha em seu colo e lhe dando uma pena.
Tamsin segurou a pena com certa dificuldade, preferindo o giz
pastel. Mas fizera como o pai mandara e escreveu um grande “O” trêmulo e
torto.
— Pronto — ela sorriu de orelha a orelha e olhou para ele.
Aiden riu, afagando os cabelos de Tamsin.
— E as outras?
— As outras eu não sei. — Tamsin deu de ombros, entregando a
pena para o pai e voltando para o seu desenho. — “A” de Aiden.
Ele sorriu e assentiu, beijando-a no topo da cabeleira ruiva.
— “P” de papai — ela continuou, desenhando Aiden ao lado do
desenho de si mesma. — “T” de Thomasina.
— Temo não me lembrar, mas acho que “P” e “T” não sejam vogais
— Aiden disse, teatralmente.
— É sim, papai. — Tamsin franziu o cenho e rabiscou os cabelos de
Aiden no desenho — Não seja tolinho.
Ele gargalhou, recostando-se em sua cadeira de duque e deixando
que Tamsin fizesse a bagunça que queria.
Duas batidas educadas soaram contra a porta e a grande madeira se
abriu, revelando o mordomo com um pequeno cartão nas mãos.
— Com licença, Vossa Graça — Sr. Dare se aproximou, entregando
o cartão para o patrão.
Aiden o abriu, imediatamente apertando o papel de qualidade ao ver
as letras escritas.
Controlando as batidas nervosas de seu coração, ele colocou o
cartão sobre a mesa e tirou Tamsin de seu colo.
— Vá com o Sr. Dare, minha querida. — Ele a empurrou
gentilmente até o mordomo segurá-la pela mão. — Leve-a para a babá. E
traga a visita até aqui.
Sr. Dare assentiu e levou Tamsin consigo, enquanto ela acenava para
o pai e lhe mandava um beijo.
Aiden olhou para o cartão outra vez, sentindo o estômago se revirar.
Como tinha coragem de ir até a casa dele? Maldito seja.
Ele se levantou, o receberia de pé. Tinha certeza de que era maior
que ele e orgulhoso o bastante para gostar de se sentir superior.
Era um duque.
Sr. Dare voltou com a visita e Aiden sentiu os músculos se
enrijecerem de raiva quando ele entrou em seu escritório.
Michael Manley havia mudado muito, é claro. A última vez que o
vira era um menino de treze anos, ou doze. Aiden não se lembrava.
Mas na sua frente estava um homem alto e atlético. Bronzeado e
com os cabelos loiros brilhantes por conta do sol. Estava sério e firme, as
mãos cruzadas atrás das costas enquanto ele mantinha um olhar tenso sobre
Aiden.
— Vossa Graça— ele o cumprimentou, com um leve e duro aceno
de cabeça.
Aiden correspondeu na mesma medida. Deu a volta em sua mesa,
caminhando lentamente até chegar em Michael.
Tinha muitas perguntas para fazer ao homem. A primeira delas era
sobre seus sentimentos para com Lucille.
— Perdoe-me pela intromissão, mas tive de vir pessoalmente para
vê-la — Michael explicou, tirando a mão das costas e mostrando a carta
dobrada que Lucy deixara para ele. — Seria indelicadeza minha responder
por correspondência tudo o que tenho de confessar.
— Acredito que ela esteja acostumada a receber correspondências
vindas de você —Aiden respondeu, com amargura, indo até o seu bar e
servindo um copo de uísque. — Está servido?
— Não, obrigado. — Michael continuou de pé, não se abalando
pelas acusações. — Gostaria de conversar com Lucy.
— Lady Chatham — Aiden disse, tenso, o maldito ciúme o
queimando. — Sabe que é indelicado ir até a casa de uma mulher casada
sem ser convidado.
— Não tão indelicado quanto roubar a noiva de outro homem
aplicando um golpe baixo. Chantageando-a.
Aiden se virou, encarou os olhos verdes de Michael e o brindou de
longe.
Engoliu o máximo que podia e deixou o copo em cima do bar.
— As coisas mudaram, meu caro. — Ele abriu um sorriso amarelo e
se sentou em sua mesa. — Sente-se.
Michael o fez, guardando a carta em seu paletó azul-marinho. Aiden
não pôde deixar de notar um anel na mão esquerda do conde. Teria se
casado? Tão rápido assim?
— O que quer falar com ela? — Aiden perguntou.
— São assuntos que eu gostaria que ela soubesse primeiro, Lorde
Chatham.
— Eu sou o marido por aqui — ele grunhiu, colocando um punho
fechado sobre a mesa.
Michael abaixou o olhar até o punho de Aiden, depois o subiu
novamente. Inexpressivo.
— A essa altura, já deve saber que a sua senhora não tolera atitudes
toscas vindas de homens.
Aiden não retirou a mão da mesa.
— Está aqui para persuadi-la a ser sua amante?
Michael ergueu as sobrancelhas sutilmente e depois retornou à
expressão séria de um militar.
— Jamais a trataria como uma mulher desfrutável. Nunca o fiz e
nunca o farei.
Aiden riu consigo mesmo, puxando a mão da mesa e coçando sua
sobrancelha.
Que sujeito monótono. Não faria nada com Lucy, Aiden tinha
certeza.
— Lucille é uma mulher linda — Aiden disse. — A mais bonita que
já vi.
— Está me oferecendo a sua esposa? — Michael perguntou, com
um leve tom de surpresa.
— Se você a tocasse outra vez, eu o mataria — ele respondeu, firme
e enciumado.
E, por mais que estivesse queimando por dentro, ele se levantou
para chamar Lucy. Mas então parou, próximo da porta. Virou-se para
Michael e o encarou.
— Você a ama?
Michael abriu um sorriso singelo. O coração de Aiden se perdeu nas
próprias batidas. Não poderia ficar sem Lucy, Michael não poderia levá-la,
fazê-la sua amante ou lembrá-la dos antigos sentimentos.
Aiden não poderia viver sem Lucille lhe dando alegria e iluminando
sua alma outrora tão solitária. Seria infinitamente pior perdê-la para outro
homem, tornando tudo o que tiveram nulo, do que perdê-la para as mãos de
Deus.
Era melhor ter boas memórias de amor quando a morte os separasse
do que viver uma vida em que sua querida esposa entrega o coração para
outro homem.
— Eu a amei um dia — Michael falou, com tranquilidade. — Mas
não era o amor que eu pensava. Amei como um homem ama uma mulher,
mas não foi o suficiente. Confundi meus sentimentos por tempo demais,
embora tenha demorado para perceber isso. Preciso me desculpar.
Aiden assentiu, seus músculos relaxando pouco a pouco.
Michael o olhou, abriu um sorriso simpático e perguntou:
— Você a ama? Ela é uma moça adorável, não sei por que os outros
homens nunca a notaram — ele lamentou, com um suspiro. — Você a ama
agora?
Aiden demorou a responder, ainda olhando para aquele homem
estranho que invadira sua casa e agia como se fosse algo rotineiro.
— Sim — ele respondeu, breve.
Michael sorriu novamente, assentindo e voltando a olhar a carta.
— Espero que ela o ame também, pois ela estava muito raivosa
quando escreveu isso aqui.
Aiden riu consigo mesmo. Daria todo o dinheiro do mundo se isso o
fizesse saber se Lucy o amava ou não.
— Eu a chamarei se você me contar o que é tão importante de ser
dito pessoalmente. Não o deixarei falar com ela se isso for machucá-la.
Estou vendo que se casou com outra mulher.
Michael suspirou e assentiu, indicando a cadeira de Aiden para que
ele se sentasse outra vez.
— Infelizmente, eu ferirei os sentimentos dela, Vossa Graça. Mas a
verdade deve ser dita por mim.

***

Lucille andava de um lado para o outro, impaciente e roendo as


unhas. Queria contar, mas não tinha certeza se era mesmo.
Suas regras não vieram em setembro e nem em outubro e seu
calendário mental sempre fora certo e preciso. Esperou alguns dias, mas
nada.
Esperou duas semanas, e nada. Temeu até fazer amor com Aiden
outras vezes e aquilo, de alguma forma, impedir que seu bebê crescesse.
Mas, sorrateiramente, perguntou a Sra. Dare sobre aquilo e a mulher lhe
assegurou que não havia nada a temer.
Por enquanto, aquilo era um segredo entre ela e a governanta. E ela
e Aiden continuaram a se amar calorosamente, cada dia mais o marido
parecia mais e mais entregue aos sentimentos bons que nasciam entre eles.
Ele a amava, aquilo era tão bom de se sentir. Lucy ainda não falara
de seus sentimentos para ele, mas o faria. A verdade era que queria dizer
quando ficasse grávida, para assim encher o marido de notícias boas.
E, tanto tempo depois, já tinha certeza: estava grávida, talvez de
dois meses desde a última ocasião em que menstruara. Quase três.
Aquilo a enchia de alegria, mas, ao mesmo tempo, suas entranhas se
remexiam de nervoso.
Era tudo o que ela queria: ter uma família. Tinha Aiden, que
paulatinamente se mostrava cada vez mais querido. E tinha Tamsin, sua
amada enteada.
Tocando o ventre, Lucy suspirou e sorriu sozinha. Um bebê. Com
Aiden. Sua barriga já apresentava uma protuberância pequenina, que o
marido ainda não percebera. Seria uma surpresa e tanto.
Santo Deus, ela mal podia acreditar que era um bebê com Aiden.
O que ele diria? Ele queria um herdeiro, é claro. Mas ficaria feliz
como um pai? Ficaria feliz por ter um bebezinho com ela? Fruto de uma
união carinhosa. Amaria aquele bebê tal como amava Tamsin?
Lucy amaria a criança sangue de seu sangue mais do que amava a
filha que ganhara do coração?
Lucille se sentou no sofá de sua biblioteca rosa, voltando a ler as
revistas do mês para não pensar em tantas coisas. Tudo estava começando a
encher sua cabeça de pensamentos preocupados e ansiosos, temia que
aquilo pudesse atrapalhar sua gravidez.
Queria falar com a mãe, mas estava decidida a guardar segredo até o
mês seguinte, quando fossem visitá-los.
Um rangido leve na porta a distraiu e seu rosto se iluminou ao ver o
marido entrar na sala. Mas logo seu sorriso sumiu, ele estava tenso e sisudo
como não via há tempos.
— Está tudo bem, Aiden? — Ela se levantou, indo ao encontro do
marido e tocando o rosto duro dele.
— Há algo que preciso lhe contar.
— Pois conte — Lucy disse, rapidamente, começando a ficar
nervosa. — E-Eu também preciso contar algo… importante.
— Diga primeiro — Aiden respondeu, sem delongas, segurando as
mãos de Lucy.
Se a segurasse, talvez ela se lembraria do quanto ele a adorava. E
não pensaria em outro homem.
No homem que a esperava não muito longe dali, pronto para partir o
coração ingênuo dela. Aiden quase o expulsou de Greenhill após ele lhe
contar o motivo de ter ido pessoalmente, insistiu que ele deixasse tudo por
escrito, mas o conde não aceitou.
Lucille abriu um sorriso singelo para ele, as bochechas estavam
levemente coradas e seus olhos brilhantes com pontinhos de lágrimas.
Aquele sorriso tímido que ele adorava, que o fazia pensar nela o tempo
todo. E que o fez parar de pensar em Michael imediatamente.
— Vamos ter um bebê — ela sussurrou. — Estou grávida, meu bem.
O rosto de Aiden abandonou a expressão sisuda e tomou um
semblante surpreso e, ao mesmo tempo, desolado.
O coração de Lucille apertou. Aiden estava triste?
As mãos dele soltaram as suas e Lucy quase as puxou de volta,
começando a sentir uma enorme vontade de chorar. Ele não podia renegar o
bebê deles sentimentalmente, não depois de ter se casado com a desculpa
esfarrapada de que precisava de um herdeiro.
Aiden andou alguns passos pela biblioteca, uma das mãos no peito.
Lucy o observou de longe, secando as bochechas rapidamente quando viu
que ele não diria nada.
— Aiden, querido…
— Tem certeza? — Ele a olhou, os olhos azuis estavam escuros.
Lucy assentiu, engolindo em seco.
— Isso é magnífico, Lucille.. Um bebê. — Ele riu, descrente. —
Um bebê assim… Eu sempre quis algo assim. Uma família grande. Com
você… Eu e você, nossa Tamsin.
Ela abriu um sorriso trêmulo, indo até o marido e o abraçando.
Aiden correspondeu ao ato, afagando as costas de Lucille e a mantendo por
perto. Tão apertado que temeu machucá-la. Mas não queria soltá-la.
— Um bebê… — ele murmurou. — Tamsin ficará feliz. Tudo é por
ela… Tudo. Você tem certeza, Lucille? Tem certeza de que está grávida?
— Tenho — ela assentiu, com um sorriso choroso. — Mas quero
guardar segredo da minha família, para que eles vejam quando formos até
Kent. Vejam que eu e você nos gostamos e fizemos um bebê.
Aiden assentiu, ainda aturdido em surpresa. Ajoelhou-se na frente
de Lucy e a abraçou, encostando o rosto em sua barriga e lutando contra a
vergonha que tinha de dizer que a amava novamente.
Se pudesse mostrar de alguma forma, sem ter de dizer. Se ela
pudesse sentir que ele a amava, que ele a queria para sempre.
Michael estava a esperando, mas Aiden não queria deixá-la ir,
perdê-la para ele.
Lucy afagou seus cabelos carinhosamente, olhando-o com ternura.
— Está feliz, brutamontes? Aposto que seus amigos achariam muita
graça de vê-lo ajoelhado diante de sua esposinha.
— Eu faria amor com você agora para lhe mostrar o quanto estou
feliz. — Aiden sorriu, inalando o doce cheiro dela antes de se levantar e
abraçá-la outra vez. — Mas você tem visita a esperando.
Lucy se afastou um pouquinho do abraço, olhando confusa para o
marido.
— Quem me visitaria nesse fim de mundo?
Aiden inspirou e se afastou.
— Michael. Ele veio procurá-la.
Lucy ficou levemente boquiaberta e logo seus olhos se encheram de
novas lágrimas. Confusa, ela levou a mão ao peito e olhou para a porta.
Depois, olhou de novo para Aiden, que estava sério e rígido.
— P-Procurar-me? — A voz dela saiu com um fio sussurrado. — P-
Para quê?
— Ele não quis me dizer — ele mentiu. — Se não quiser vê-lo, eu
mesmo o dispenso.
Lucy fez que não, ainda atordoada. Secou a bochecha esquerda
rapidamente.
— E-Ele veio até aqui… Não posso ignorá-lo assim…
— Você quer vê-lo, Lucille?
Lucy olhou para o marido, a mão no peito quando assentiu um tanto
atordoada.
— Eu vou levá-la até ele — Aiden disse, contra a própria vontade.
Ela aquiesceu, segurando a mão dele e o seguindo até o escritório. O
coração martelava em seu peito.
Não sabia como conseguiria olhar para Michael depois de tanto
tempo, depois de se apaixonar por outro homem enquanto ele estava vindo,
crente de que se casaria com ela.
Aiden a deixou na porta do escritório, soltando sua mão e indicando
a porta pesada com um aceno.
— Está preocupado? — ela sussurrou, olhando-o com pesar. — Eu
não irei a lugar algum, Aiden.
Ele abriu um sorriso pequeno e assentiu.
— Meu coração também não — Lucille adicionou, tocando o rosto
do marido em uma carícia breve. — Quero você, meu querido. Apenas
você.
Aiden guardou aquelas palavras em seu peito e beijou Lucille o mais
demorado que podia, ignorando os lacaios que estavam no corredor.
— Espere-me aqui fora? — ela perguntou. — Mas não seja
abelhudo.
Ele riu e aquiesceu.
— Chame se ele a magoar de alguma forma. Estarei aqui fora
esperando.

***

Lucille entrou e fechou a porta sem levantar o rosto, mas teve um


vislumbre de Michael que a fez derramar lágrimas enquanto ainda estava de
costas para ele.
Tanto tempo sem vê-lo, tantas saudades que sentira dele. Fitá-lo
outra vez era doloroso, sentia-se terrivelmente culpada por tê-lo deixado.
Lucille secou as lágrimas, tentando se manter firme quando se virou
e o viu. O mesmo Michael de sempre, o mesmo sorriso simples e feliz, os
mesmos cabelos loiros. Ele estava um pouco mais forte, embora não
pudesse ser comparado com todo o tamanho de Aiden. Mas já estava perto
dos trinta anos, havia mudado desde quando ela o conhecera. Havia até
certa quantidade precoce de fios grisalhos na altura das têmporas.
Lucy caiu no choro outra vez, andando até o antigo noivo e o
abraçando o mais apertado que podia.
Michael correspondeu ao ato, afagando o ombro de Lucy antes de
tocar seus cabelos escuros em um carinho leve.
Apesar de todos os anos longe, o abraço de Michael não confortou
Lucille. Não a encheu de calor como ela imaginou que faria. Não a fez se
sentir como quando ela abraçava Aiden.
— Oh, Michael, pensei que eu não o veria nunca mais. — Ela
chorou, afastando-se do contato e secando o rosto com a mão. — P-Pensei
que jamais teria coragem de vê-lo novamente.
Ele sorriu, como sempre fazia.
Michael tirou um lenço de seu bolso e, educadamente, o entregou
para Lucille.
— Lucy, não se castigue, pois sou eu quem lhe devo as mais
sinceras desculpas.
Lucy pegou o lenço, olhando confusa para Michael, que lhe indicou
uma das poltronas no escritório. Ela fungou e se sentou, não conseguindo
desgrudar os olhos dele.
Estava tão diferente, agora que Lucy o olhou com atenção. Muito
sério e cansado.
— S-Sente-se também, Michael.
Ele o fez, pegando a carta outra vez e a entregando para Lucy.
— Quando li sua carta, senti-me terrivelmente furioso com o duque
por tê-la forçado ao que não queria. Lembro-me dele durante Eton, mesmo
ele sendo mais velho do que eu. Os garotos tinham medo do tamanho dele e
da cara fechada. Temi que ele pudesse fazer algum mal a você, feri-la no
leito matrimonial ou qualquer coisa do tipo.
— Ele jamais faria isso, tem um bom coração — Lucy murmurou,
ainda chorosa, secando o cantinho dos olhos. — Só têm dificuldades para se
expressar.
Michael aquiesceu com um riso, esperando Lucy se recompor
enquanto secava as lágrimas.
— Parece que seus sentimentos para com ele não são mais os
mesmos que os dessa carta.
— Oh, perdoe-me, Michael. — Ela imediatamente voltou a
derramar lágrimas, segurando as mãos de Michael. — E-Eu não pude
controlar, mas eu… e-eu gosto tanto dele agora que nos conhecemos. E-Eu
sei que… Senti-me tão traidora aos nossos sentimentos.
— Não chore, Lucy… — ele disse, com pesar, afastando suas mãos
das dela gentilmente. — Entendo o que sente, mas eu sou o pior na história.
Fui infiel a você antes mesmo de você conhecer o duque.
Lucille travou, a mão a meio caminho de levar o lenço aos olhos.
Seus dedos tremeram e a voz saiu baixa:
— I-Infiel com p-prostitutas?
Ele fez que não, pesarosamente.
— Eu conheci uma moça inglesa e me apaixonei por ela. Ela está
esperando um filho nosso… Demorei para falar com você desde que
voltei… porque eu e a Sra. Manley nos casamos faz alguns dias.
Lucy piscou, confusa, enquanto lágrimas lhe turvavam a visão.
— O quê?
Michael engoliu em seco, cobrindo a mão em que uma aliança de
ouro grossa brilhava.
— Apesar do sentimento aversivo, ao mesmo tempo, senti-me
aliviado de não ter de passar pelo processo de romper nosso noivado
quando eu chegasse. Ele já havia sido rompido e eu poderia me casar com
ela.
— Não… — Lucy murmurou, lágrimas tristes e pesadas nascendo
em seus olhos. — Você estava v-vindo para terminar comigo?
— Lucy, deixe-me contar tudo. — Michael rapidamente segurou
suas mãos, mantendo o foco de Lucy nele. — Tudo o que escrevi a você foi
verdade, meus sentimentos por você. Meu desejo de tê-la como minha
esposa, de termos uma família. Foi verdadeiro.
Ela balançou a cabeça em negação, molhando as bochechas e não
podendo esconder suas lágrimas enquanto suas mãos estivessem nas de
Michael.
— Eu a conheci durante meu último mês em terra firme, é filha de
um dos meus superiores. É uma lady, filha de um visconde, como você —
ele continuou, nervoso. — Fui apresentado à família dele e a conheci.
Como você sabe, as viagens duram longos meses e fazíamos companhia um
ao outro no navio e durante as paradas.
— Você me esqueceu — Lucy disse, raivosa, puxando as mãos para
si e levantando rapidamente. — E-Esqueceu… E me traiu! Engravidou
outra mulher!
— Não, Lucy! — Ele a seguiu, mas manteve uma distância
adequada. — Não… Eu a amei, Lucy. Mas não era o tipo de amor que eu
pensei.
— E o que era então!? — Ela se virou abruptamente. — Você mal
me tratou como uma mulher e… e engravida a primeira moça que encontra
em um navio! E eu… eu chorando, pensando que o estava magoando por
proteger a honra da minha família. Como fui tola!
— Eu não pude evitar, eu percebi que confundi meus sentimentos
por você e...
— S-Saia daqui — ela urrou, arremessando um estojo de pastéis na
direção de Michael e o acertando no rosto. — Não quero vê-lo nunca mais!
Suma logo!
Ele tocou o corte em sua testa, mas ignorou o ferimento e segurou
os pulsos de Lucy, que se sacudiu e tentou empurrá-lo.
— Solte-me!
— L-Lucille, acalme-se!
— Solte-me logo!
Michael a soltou imediatamente quando a porta abriu e Aiden entrou
no escritório com a expressão mais sisuda que já havia feito.
— Saia daqui — ele disse apenas para Michael, num tom
ameaçadoramente baixo. — Mande a droga de uma carta depois, se não
sabe se explicar.
Michael assentiu, olhando pesaroso para Lucille, que havia desviado
o olhar e estava evitando encarar o antigo noivo.
— Eu deixarei um bilhete com o mensageiro antes de voltar a
Londres.
Aiden aquiesceu, passando os braços ao redor de Lucy, que estava
virada para as estantes, de costas para Michael.
Ele saiu em silêncio, deixando marido e mulher sozinhos.
Lucy afundou o rosto no peito de Aiden, recebendo caridosas
carícias em suas costas enquanto molhava o colete negro dele. Aiden a
esperou terminar de chorar, um tanto sem jeito. Sabia que terminaria assim
depois que Michael lhe contara tudo.
Ele estaria ali para encher Lucille de afeição, ser o amor dela para
sempre. Ele estaria ali.
— Como ele pôde? — Lucy perguntou, entre soluços, falando
consigo mesma. — N-Nunca me tratou como uma mulher adulta… N-
Nunca me quis… Enganou-me…
— Lucille… — Aiden a chamou, preocupado, enquanto ela
caminhava até sua carta, que caíra no chão.
— Enquanto eu planejava meu casamento, ele estava nos braços de
outra mulher, tendo um filho com ela. — Ela se abaixou e pegou a carta,
levando-a até seu peito. — Eu o amo tanto, tanto, tanto… P-Por que,
Michael?
— Não… — Aiden murmurou, seu peito apertando na primeira
menção de que Michael continuou nos pensamentos dela. — Não!
— Oh, meu querido Michael…
— Lucy — Aiden se abaixou ao lado dela, tomando o rosto dela em
suas mãos desesperadamente. — Você o esqueceu. Eu estou aqui, Lucille.
Eu a amei muito mais. Eu a amo, Lucy. Eu a amo, isso é mais importante do
que o que ele fez.
Os olhos escuros dela transbordaram em silêncio e ela negou,
balançou a cabeça sutilmente. Mas o suficiente para partir o coração de
Aiden, que mal havia voltado a viver com luz.
As mãos dela tocaram seu rosto preocupado, segurando Aiden para
si tal como ele a tocava, enquanto negava em silêncio. Magoada demais
para ouvir as confissões do marido.
— Lucy… E-Eu a amo, Lucille.
— Você não entende, Aiden… Você não entende, uma moça com
um pai arruinado que finalmente teve seu primeiro amor. M-Mas ele não me
amou como eu amei. Você não é o meu primeiro amor… Não entende.
As mãos de Aiden se afastaram do rosto molhado de Lucy, enquanto
seu coração afundava em seu peito. Ele quis quebrar alguma coisa, talvez
Michael. Depois quis chorar e ir embora, frustrado por ter aberto seu
coração a Lucille e exposto seus medos se ela não estava ali para fazê-lo
sair de sua escuridão.
Aiden estava tão perto da luz novamente, mas aquele momento o
fechou outra vez e ele nunca desejou tanto poder interceptar Michael e
esmurrar-lhe a cara por ter a sua Lucille.
Ele se levantou, furioso consigo mesmo por acreditar que amar
valeria a pena. Por ter deixado que Lucille o tirasse de sua zona de conforto.
Saiu do escritório e bateu a porta, percebendo que seu medo havia
mudado e a morte não era quem iria lhe tirar Lucy. Era Michael. E todo
mundo estava vivo. Menos Aiden, que voltou a se sentir morto, mas agora
com um coração partido.
Capítulo 30

Lucille perdeu a conta de quanto tempo ficara sentada no chão do


escritório, cercada por pastéis espalhados pelo chão e um dos cavaletes de
Aiden, derrubado após a discussão breve, mas intensa, que tivera com
Michael.
Seu coração estava doendo, não uma dor física, mas que vinha do
fundo de sua alma. Ele a traíra, muito antes de ela pensar que Aiden entraria
em sua casa e a tiraria do noivo. Muito antes. Traíra enquanto ela o
esperava, feliz e sonhadora, comprando seu enxoval e escolhendo um
vestido.
Olhara a carta amassada nas suas mãos, suas palavras repletas de
culpa e tristeza. Deus, Michael estava vindo terminar com ela e Lucy
escrevera aquilo se sentindo a pior mulher do mundo!
Nunca mais iria para Londres. Nunca mais olharia para o ex-noivo e
não sabia se seria capaz de agir com educação diante de sua nova esposa.
Choraria, não conseguiria controlar.
Era extremamente sensível e Michael fora seu primeiro amor. O tipo
de memória que vive eternamente no peito de alguém, em meio a
lembranças ingênuas, que agora estavam carregadas de tristeza.
E se Aiden não estivesse com ela? Michael a deixaria e Lucy ficaria
sozinha, sem nenhum novo pretendente. Não formaria sua família, não
amaria seu marido. Quem mais iria querê-la com seu dote miserável? Aiden
jamais a encontraria em um baile, ela jamais o veria. Jamais se conheceriam
e se apaixonariam.
Oh, não.
Lucille se levantou, sentindo-se zonza por tanto chorar. Correu até a
porta e procurou por Aiden ao redor de todo o andar, ignorando os criados
curiosos com aquela duquesa tão abalada.
Ela tinha de dizer que o amava. Tinha que dizer antes de estragar
tudo, antes de perder o marido.
Lucy correu para o segundo andar, entrando na biblioteca do marido
e a encontrando vazia. Depois, foi até o quarto. Aiden também não estava
lá.
Ela puxou a campainha, saindo do quarto e esbarrando com a
eficiente camareira.
— Gwen, v-você viu meu marido? — ela perguntou, chorosa,
sentindo que poderia perder o amor de Aiden e fazê-lo retornar ao próprio
mundo de isolamento do qual trabalhou tanto para tirá-lo.
— Ele saiu, madame — Gwen respondeu, nervosa. — Saiu faz
bastante tempo.
— Não…
— Estava furioso, madame… S-Saiu a pé e com a roupa do corpo.
— Eu sei onde ele está. — Lucy enxugou as lágrimas e correu para
as escadas.
Gwen a seguiu o mais rápido que suas pernas deixavam, tentando
alcançar Lucy. Não poderia deixar a duquesa grávida sair por aí quando as
nuvens estavam negras e pesadas de chuva.
— Madame, está quase anoitecendo e está para chover! Acima da
colina há nuvens horríveis.
— Eu preciso vê-lo, Gwen — ela disse, sentindo um nó se formar
em sua garganta. — N-Nunca brigou com o seu homem? P-Preciso vê-lo.
Empurrou um criado para longe e abriu a porta que dava para a
saída norte, desembocando em uma escadaria de pedra, que desceu o mais
ligeiro que podia.
— Madame! — Gwen gritou, rapidamente entrando na casa e
sumindo em uma das passagens secretas.
Se Lucille andasse o mais rápido que conseguia, chegaria em dez
minutos na clareira e encontraria o marido. Diria que o amava, como
deveria ter feito meses antes. Pediria desculpas, pediria que ele a
entendesse.
Aiden era tudo o que ela tinha naquele lugar, tudo o que a fazia se
sentir bonita e feliz. Amada pelo que ela era, independente de dote, dívida,
atributos físicos ou sua personalidade.
Segurando as saias, ela andou mais rápido e olhou para o céu.
Estava laranja e nublado, talvez em dez minutos ou menos tudo ficaria
escuro. Ela teria de enfrentar seu medo e ir buscar o marido.
Não chova, não chova. Ela implorava aos céus, mas sabia que era
inútil. As chuvas haviam se tornado frequentes havia meses.
Mas e se Aiden desistisse de tudo? Recusando-se novamente a
socializar. A amar.
Não, Lucy não poderia viver sem seu Aiden. Ela o amava tanto que
só a hipótese de perder seu carinho a fazia chorar.
Quando terminou de subir as escadas que davam para os bosques na
colina, Lucy respirou cansada. Tocou o ventre e pensou em seu bebê.
Uma caminhada não faria mal, estava no começo. Mal tinha barriga.
Uma caminhada na chuva? Lucy não sabia, nunca tivera um filho
antes.
Olhou para cima, as nuvens estavam se tornando mais escuras e o
alaranjado do céu dava lugar ao crepúsculo.
— Aiden! — ela o chamou, a voz embargada.
Lucy andou mais rápido, vendo a entrada da clareira no final do
longo caminho.
Correu e entrou na clareira.
Estava vazia.
— Aiden! — ela tentou novamente, indo até a árvore onde faziam
piqueniques juntos.
Ele só poderia estar lá, era onde ia se isolar quando precisava de um
tempo sozinho.
Lucy contornou a clareira, olhando o bosque ao redor se tornar um
amontoado de troncos esguios e macabros conforme a noite se aproximava
e a envolvia em escuridão.
Ela abraçou a si mesma, olhando para a entrada da clareira e
assustando-se imediatamente com a escuridão.
— A-Aiden? — Uma lágrima escorreu de seus olhos e uma gota de
chuva pingou em seu ombro.
Depois outra e mais outra. Quando viu, um temporal de verão a
açoitava enquanto a escuridão a impedia de andar para casa novamente.
Estava paralisada.
Cobriu os olhos e se abaixou no chão.

***
Aiden abriu a porta de Greenhill com um rompante, encharcado e
irritado, assustando o lacaio a postos perto da escada. Agradecia a chuva
por ter mascarado suas lágrimas de fúria e mágoa. Sentia-se um tolo por ter
pensado que Lucy esqueceria um amor de anos em meses.
Deus, ele havia se declarado para ela! Queria voltar no tempo e
poupar todo aquele constrangimento. Foram tempo e esforço mental
perdidos.
Quando tirou sua casaca encharcada e a jogou no mordomo, Gwen
apareceu correndo e afobada, tentando manter os seios fartos no lugar.
— Vossa Graça, por favor!
Aiden passou a mão sobre o rosto impacientemente e ignorou a
camareira, seguindo rumo à escadaria. Queria dormir, bem longe de Lucy.
Dormiria na biblioteca, dormiria até mesmo no quarto de Tamsin se
fosse servir de algo. Depois, resolveria aquilo e manteria a devida distância
que sempre quis com Lucille. Nada de amor, nada de paixões avassaladoras.
Ela ficaria no quarto dela e ele, no dele. Não era assim que ele havia
planejado quando achou a ficha? Pois bem, seria assim mesmo.
Já estava grávida, com a graça de Deus nasceria um belo varão e ele
não precisaria mais ter nenhum tipo de contato com ela. O herdeiro estaria
garantido, e ai dele se morresse.
Tudo o que ele sentiu e viveu naqueles longos meses, deixaria de
lado e esqueceria. Porque ele a perdeu para um homem que nunca a amou
como Aiden a amava.
A última coisa que queria era a camareira afobada da esposa
gritando no seu ouvido.
— Vossa Graça! — Gwen insistiu, seguindo o homem com as saias
negras erguidas de modo nada galante para poder subir as escadas no ritmo
dele. — A madame saiu à procura do senhor faz tempo e não voltou.
Aiden imediatamente parou, fazendo com que Gwen trombasse em
suas costas e caísse em cima do lacaio, que a segurou firmemente.
Seu rosto corou inteiro e ela imediatamente se afastou do jovem,
arrumando o vestido e voltando a olhar para o patrão.
— Saiu para onde, mulher? — Aiden perguntou, seu coração passou
a bater mais rápido que o normal. — Com uma chuva dessas? Saiu?
— E-Eu não sei, Vossa Graça. — Ela engoliu em seco, os olhos
começavam a marejar. — A-Ainda estava de dia, o sol estava se pondo e
não c-chovia. E-Eu tentei impedir, mas a Sua Graça s-saiu devastada à
procura do senhor, f-foi ao norte.
— Mas isso faz mais de duas horas! — Aiden explodiu, assustando
Gwen, que quase abraçou o lacaio. — Onde está a minha esposa?! Ela está
grávida, como a deixa sair sozinha sabendo que choveria?!
A camareira balbuciou alguma coisa chorosa e seguiu o patrão, que
disparou escada abaixo.
— E-E-Ela disse que saberia o-onde o senhor estaria — ela tentou
ajudar, mas a porta bateu em seu nariz e ela ficou sozinha no saguão. —
Mas não voltou…
O lacaio a olhou com preocupação e Gwen caiu em uma choradeira
sem fim, desaparecendo na passagem dos criados.

***

Aiden marchou pela chuva o mais rápido que podia e entrou nos
estábulos. Estava perdendo tempo, mas tinha de usar um cavalo para trazer
Lucy o mais rápido possível.
Garota tola. Daria um sermão nela se isso não fosse indelicado de se
fazer com uma moça.
Ele chutou a porta de madeira, assustando os cavalariços, que
ficaram de pé imediatamente. Aiden sempre era a visão do inferno para a
maioria dos criados, mas naquele dia estava excepcionalmente assustador.
Estava furioso com a insensatez de Lucille, encharcado e vermelho
de raiva. Ao mesmo tempo, se sentia nervoso e com medo de vê-la adoecida
em seus braços.
Não poderia perdê-la. Ele a amava, é claro. Sabia que nunca
deixaria de amar, embora desejasse naquele dia nunca mais tocá-la e nem a
ver.
— Selem um cavalo, seus imbecis! — gritou, impaciente.
Os rapazes trombaram na mesa de carteado improvisada e se
apressaram a preparar o primeiro cavalo que viram.
Aiden montou no alazão, pegando uma capa com um dos
cavalariços e um lampião, cavalgando em direção à clareira.
A maldita chuva não passava e seu coração acelerava ao pensar em
Lucy sozinha na clareira. Ela poderia ter desmaiado de frio, por isso não
retornara. Ou se perdera nos bosques mais densos por causa daquele medo
de sombras.
Qualquer opção era avassaladora. Por Deus, ela poderia pegar uma
pneumonia e perder o bebê. Ou morrer!
Aiden bateu com as botas nas ancas do cavalo, que se esforçou
perante a tempestade para ir o mais rápido possível.
Passou pelo pequeno lago que indicava a proximidade da clareira. A
chama do lampião vacilou por um segundo, mas a luz ganhou força
novamente enquanto ele cavalgava até a entrada da clareira.
Com os cabelos encharcados e tapando sua visão, ele gritou:
— Lucille!
Já estava na clareira, mas não ouviu resposta e a luminosidade do
lampião tinha pouco alcance. A chuva estava forte e falar ou gritar não
surtia efeito.
Aiden saltou para fora do cavalo e pegou o lampião consigo,
carregando a chama que conseguira proteger da chuva e indo até o final da
clareira.
Lucy estava encolhida e com os olhos fechados, sentada rente à
árvore grande em que sempre ficavam juntos.
Aiden correu, aliviado de vê-la acordada. Jogou o lampião no chão e
se abaixou na frente dela, abraçando-a imediatamente.
— Lucy — ele suspirou, aliviado, sentindo-a tremer em seus braços.
— Graças a Deus.
— A-Aiden! — Ela choramingou, batendo os dentes de frio e
tentando envolvê-lo com seus braços trêmulos. — F-F-Ficou escuro e as
sombras… F-Fiquei com m-medo de voltar n-no escuro. O-Onde você foi?
Deus, foi apenas o escuro. É claro. Aiden a envolveu com a capa e a
pegou em seus braços, aliviado por tê-la a salvo. Ela se encolheu em seu
abraço, trêmula de frio e encharcada pela chuva.
— A-A-Aiden, eu a-a-amo você — ela disse, debilitada. — N-Não
fique b-bravo.
Ele arquejou, sentindo-se imensamente triste por vê-la daquela
forma. Abraçou-a ainda mais, beijando seus cabelos molhados.
— Vamos para casa, meu amor.

***
Aquele havia se tornado o pior dia de sua vida. Sua cabeça estava
latejando e os olhos doíam de tanto chorar. Estava tremendo de frio e o
estresse causado pelo escuro a deixara cansada.
Queria dormir e resolver tudo no dia seguinte, mas Aiden insistira
que ela fosse colocada frente à lareira para se aquecer. Sra. Dare lhe dera
uma sopa reforçada, o que trouxe um pouco mais de energia. Gwen a havia
vestido com uma camisola grossa e a ajudado a se sentar na poltrona perto
da lareira. Nem mesmo o banho quente havia feito seus ossos pararem de
doer. Sua tremedeira era mais de nervosismo do que de frio.
Aiden havia sumido em seu quarto de vestir e ela estava sozinha,
soluçando vez ou outra e enrolada em uma coberta grossa de lã.
Minutos depois, ele saiu do quarto de vestir seco, com um robe
grosso cobrindo o corpo. Lucy o olhou de relance e seus olhos voltaram a se
encharcar com lágrimas pesadas.
Ele ainda a amava? Ah, Deus, tinha de amar. Ela não conseguia
mais imaginar uma vida feliz sem seu amado brutamontes.
— Aiden…
Aiden se abaixou na frente dela, pegando suas mãos e as sentindo
ainda frias. Ele as beijou, tentando mantê-las aquecidas antes de colocá-las
em seu rosto. Lucy se debruçou sobre ele, chorando em seu ombro e logo
sendo puxada para ficar acolhida com ele no chão, perto da lareira.
— Eu fui egoísta por não respeitar seu sofrimento — ele começou,
acariciando os cabelos úmidos dela. — Ele havia me dito o que contaria a
você, eu sabia que a magoaria muito, mas estaria lá para cuidar de você
depois da notícia ruim. Mas então você falou que o amava e… eu me irritei,
fiquei magoado. Precisava ficar um tempo sozinho.
— Mas eu amo você, Aiden. — Ela chorou, afastando-se o
suficiente para poder olhá-lo nos olhos e fazê-lo crer. — Eu deveria ter dito
antes… mas queria ter falado quando anunciei a gravidez. Então Michael
chegou e interrompeu o momento. Eu ia falar, amor, eu ia… E-Eu amo
você.
Aiden secou a bochecha pálida de frio dela, beijando-a na testa e a
abraçando outra vez. Seu coração inflou de alívio por ter o amor de Lucy,
por finalmente ouvir dela que o amava.
— Você está bravo? — ela perguntou, olhando-o com olhos
enormes e molhados.
O coração dele apertou outra vez. Vê-la chorar era uma das piores
coisas do mundo. Doía em sua alma saber que ela sofria.
— Não mais, querida — ele garantiu, tocando-a em seu rosto e
secando suas lágrimas — Já passou.
— Para onde você foi? E-Eu o procurei p-pela casa t-toda.
Aiden a cobriu com um outro cobertor, Lucy não parava de tremer.
— Fui até a cidade, meu amor.
Os olhos dela ficaram alarmados e as lágrimas aumentaram a ponto
de transbordar em um único risco.
— V-Você foi ver as mulheres?
— Não, claro que não — ele se explicou, imediatamente, antes que
ela pensasse que ele era capaz de traí-la como Michael. — Fui a taberna.
Encontrei aquele baronete débil e a conversa dele amorteceu meu cérebro o
suficiente para eu esquecer tudo.
Depois, a chuva avassalou North Haven e ele decidiu que era a
melhor forma de chorar em paz sem ninguém ver: andando na chuva feito
um moribundo. Havia bebido um bocado para aturar a conversa do
baronete, mas a longa caminhada na chuva até em casa fizera a embriaguez
do álcool passar e a choradeira nada digna de um duque se tornar fungadas
aleatórias.
Mas é claro que aquele era um detalhe que guardaria para si.
— Eu pensei que você estaria na clareira… — ela confessou, com
impotência e embaraço. — Eu fui lá… Queria dizer que o amo, que eu… eu
estou triste com o que Michael me disse, é verdade, mas eu amo você,
Aiden. Imagine… passar anos sonhando com um casamento e, então,
descobrir que ele estava vindo terminar comigo. C-Com quem eu ficaria?
Se eu nunca tivesse tido você na minha vida. Com quem eu ficaria? Eu
idealizei Michael de tal forma…
Aiden aquiesceu, achando melhor não responder. Sabia que não teria
mais ninguém para desposá-la e sabia que, muito provavelmente, os dois
nunca se esbarrariam. Nunca se conheceriam ou se apaixonariam.
Lucy viveria esquecida e solteira por causa da má fama de seu pai.
— Você ainda me ama? — ela perguntou, baixinho — Vai sempre
me amar?
— Como eu deixaria de amá-la em tão pouco tempo, minha
querida? — Aiden sussurrou, acariciando o rosto dela antes de se abaixar e
beijar-lhe nos lábios.
Lucy correspondeu o beijo com certa fraqueza, ainda muito
debilitada pela chuva e pela choradeira.
Envolveu Aiden com seus braços e terminou o beijo em um abraço
apertado e demorado.
— Você precisa descansar. Temo que pegue uma pneumonia. — Ele
a ergueu em seus braços e a colocou na cama confortavelmente. —
Descanse pelo nosso bebê
— Deite, vamos dormir… — Ela o puxou pelo pulso. — Venha,
meu amor. Você também pegou chuva.
Aiden, com um suspiro preocupado, deitou junto a ela e a acalentou
em um abraço aquecido. Logo, Lucy dormiu, estava exausta e com um
princípio de gripe.
Tão delicada que Aiden temeu que qualquer coisa fosse tomá-la na
cama. E o bebê.
O bebê tinha que ficar bem. Não porque ele precisava de um
herdeiro, mas porque era fruto do amor deles.
Preocupado, Aiden a beijou na testa e fechou seus olhos para
descansar. Ele havia tomado muita chuva também, era melhor que não
adoecesse para ser capaz de vigiar Lucy, que parecia bem mais debilitada
do que ele.
Capítulo 31

Aiden acordou terrivelmente gripado e dolorido. Ao seu lado, Lucy


continuava dormindo encolhida, mas com o nariz vermelho e escorrendo no
travesseiro, além de roncar baixinho devido ao congestionamento nasal.
Não era uma das cenas mais bonitas do mundo, mas Aiden sabia que
mulheres eram seres humanos e que, consequentemente, tinham um nariz
escorrendo vez ou outra.
Ele se esticou na cama, sentindo as juntas doerem e a cabeça querer
estourar, e puxou um lenço de dentro da gaveta do criado-mudo. Tocou o
nariz de Lucy e a ajeitou na cama, de modo que a altura do travesseiro
ficasse mais alta e ela pudesse respirar tranquilamente.
Ela continuou dormindo como se o marido não tivesse tocado um
dedo nela.
Aiden começou a se preocupar e tocou a testa dela em busca de
algum sinal de febre. Ela estava bem, mas, ainda assim, ele a sacudiu um
pouquinho com o toque.
— Lucille — ele a chamou, tocando seu rosto adormecido. — Lucy.
As pálpebras dela se moverem sutilmente e um suspiro fraco
escapou de seus lábios.
— Lucy, está se sentindo bem? — Aiden ficou alarmado. — Lucy?
Ela suspirou outra vez, mas só. Seu rosto estava ruborizado de
forma preocupante.
Aiden saiu da cama, cambaleou um pouco e puxou a campainha.
Dois minutos depois, Gwen estava no quarto, com uma expressão chorosa
que carregava desde a noite anterior.
— Chame a Sra. Dare — Aiden ordenou. — E mande alguém me
trazer um chá de laranja.
— S-S-Sim, Vossa Graça.
E zarpou para fora do quarto.
Aiden arrumou as cobertas ao redor de Lucy e ficou sentado na
cama, fungando e secando os olhos que lacrimejavam sem parar. Maldita
gripe, mas Lucy parecia mais debilitada do que ele, encolhida na cama
como uma criança.
A governanta chegou no quarto pouco depois, séria como sempre.
Mas logo suas sobrancelhas se uniram sutilmente em preocupação ao ver o
estado da duquesa. É claro, todos os criados sabiam que Lucille havia
sumido na noite anterior e só retornara tarde da noite, após tomar chuva por
algumas horas.
— Ela está grávida — Aiden anunciou, mas com um tom
preocupado.
— Eu sei, senhor. A madame me procurou em busca de ajuda.
— Mas ela parece doente. — Ele a indicou com a mão. — O bebê…
Ela ficou na chuva por tempo demais.
Sra. Dare suspirou com pesar, aproximando-se de Lucy e tocando
seu rosto. Um tanto quente, ela não parecia muito bem.
— A senhora esteve grávida cinco vezes, sabe mais do que eu —
Aiden continuou. — Se ela ficar com febre…
— Tenho certeza de que tudo ficará bem, meu senhor — ela tentou
tranquilizá-lo. — Mas sugiro que chame o médico caso ela fique febril.
— Sim, claro — ele respondeu, imediatamente, vendo que Gwen
retornara com o chá de laranja. — A chuva me deixou gripado, mas vou
melhorar logo. Lucy parece mais adoecida, precisa de cuidados.
Gwen se retirou do quarto em silêncio, deixando os três a sós outra
vez.
— Há algo que eu possa fazer? — Ele quis saber imediatamente. —
É minha a culpa por ela estar assim. A senhora cuidou de cinco crianças,
cuidou de mim e dos meus irmãos. Sabe como cuidar dela, não sabe? Como
quando cuidou de Tamsin.
— Sim, Vossa Graça — ela se apressou em responder, visto que
Aiden parecia atordoado com a gripe da esposa. — Eu chamarei o médico
agora. O senhor deveria ajudá-la a beber bastante água.
Ele assentiu e logo se levantou da cama, seu corpo doía, mas
sobreviveria. Era um homem robusto e forte, gripes não o debilitavam
muito. Por outro lado, Lucille era uma mulher franzina, criada em uma
redoma de vidro.
— Lady Thomasina pergunta pelo senhor, Vossa Graça — Sra. Dare
o avisou. — Não é bom deixá-la aqui, pode adoecer, mas ela deseja vê-lo.
— Diga que eu a verei mais tarde, que estou dormindo. Fale para a
babá levá-la para brincar com as crianças da vila — ele respondeu,
sentindo-se um tanto mal por ignorar a filha. — Chame o médico.
Sra. Dare assentiu e deixou o quarto antes de Aiden perceber.
Ele serviu um copo com a água da jarra no aparador da lareira e
voltou para a cama, segurando a cabeça de Lucy e levando o copo até sua
boca. As pálpebras dela tremeram outra vez, mas Aiden não conseguiu
fazê-la beber, o líquido escorrera por sua boca e molhara o queixo.
Aiden desistiu, com a esperança de que algumas gotas houvessem
molhado a boca dela. Deixou o chá de laranja para depois e ficou o tempo
todo observando Lucy dormir, encolhida de frio.

***

Duas horas e meia depois, o médico chegou.


Aiden estava furioso com o homem, tão furioso que sua gripe estava
menos visível e incômoda, embora suas juntas ainda doessem um pouco.
— Por que demorou tanto? — ele indagou, como uma criança
mimada.
— Estava longe do vilarejo, senhor — Dr. Holder disse, solene,
colocando sua valise no chão e se aproximando de Lucy respeitosamente.
Ela estava tremendo de frio, coberta até a altura dos olhos por
Aiden, que ficara a manhã toda com ela. A febre havia chegado poucos
minutos depois de a Sra. Dare ir chamar o médico e, durante as duas horas e
meia de demora, tudo o que Aiden pôde fazer fora cobrir Lucy e mantê-la
aquecida.
— Está febril — o médico disse o óbvio.
— Eu sei — Aiden respondeu. — Ela está grávida também.
Dr. Holder ergueu as sobrancelhas o suficiente para deixar Aiden
preocupado com a situação do feto. O homem murmurou alguma coisa
consigo mesmo e olhou para Lucille trêmula na cama.
— Isso não vai causar um aborto, não é? — Aiden perguntou,
ansioso.
— Basta abaixarmos a febre antes de ficar alta demais — o médico
alertou, sentindo a temperatura de Lucy com as costas da mão. — Ela está
com muito frio, temos de abaixar a temperatura. Um banho morno e fé.
— Fé? — Aiden perguntou, com escárnio. — Minha esposa grávida
está doente e o senhor me manda ter fé?
— É assim que as coisas funcionam, Vossa Graça. Não há nada a se
fazer, apenas cuidar para que a febre passe e ela descanse bem. O bebê
ficará bem se tratarmos da febre. — Dr. Holder parecia muito calmo para
quem estava diante do Duque Louco, tirando um termômetro do bolso e o
estendendo para Aiden. — Poderia colocar em sua esposa, por favor?
Aiden pegou o instrumento pequeno e, cobrindo Lucy com seu
corpo, colocou o termômetro debaixo de seu braço abaixando um pouco a
camisola dela.
— Ela tomou chuva por horas durante a noite — Aiden explicou. —
E exigiu muito dos nervos.
Dr. Holder assentiu, olhando a convalescente Lucy estremecer na
cama.
— Ela foi bem aquecida depois?
— Sim.
— O senhor também não parece muito saudável, Vossa Graça.
— Estou apenas gripado, tomei menos chuva do que ela — ele
explicou, tirando o termômetro de Lucy e o entregando para o médico.
— Se me permitir ver o corpo da moça e ter certeza de que ela não
tem nenhum ferimento... — Ele olhou o termômetro e o guardou depois. —
A febre não está muito alta. Se houver algum machucado inflamado,
teremos um pouco mais de trabalho.
— Eu mesmo vejo — ele o interrompeu, com irritação. — Saia
daqui, chamarei depois.
O médico, bastante calmo e acostumado com os chiliques de Aiden,
deixou o recinto.
Aiden descobriu Lucy e ela imediatamente se encolheu de frio. O
coração dele partiu mais um pouquinho, mas teria de ver se não havia se
machucado. Poderia ter caído na clareira e ferido algo, ele não sabia. A
febre também poderia ser consequência da gripe ou das fortes emoções que
sentira no dia anterior.
Levantou a camisola, sem ter o trabalho de despi-la. Examinou seu
corpo, sem sinal de nenhum ferimento. A barriga dela havia crescido pouco,
mas Aiden pôde perceber a mudança. Uma pequena protuberância em seu
ventre, sutil e levemente arredondada.
Ele sorriu melancolicamente, enchendo-se de um sentimento
inédito. Não havia acompanhado a gravidez de Tamsin, é claro. Tudo lhe
era novo demais.
Aquilo o fez querer chorar de felicidade, mas o faria quando sua
Lucille estivesse saudável e pudessem comemorar a gravidez, finalmente.
Arrumou a camisola de Lucy outra vez e a cobriu da forma que
estava antes, mantendo-a aquecida.
Dr. Holder voltou, tomou nota de que nenhum ferimento havia
causado a febre e foi embora depois de uma conversa concisa com Aiden,
pedindo para que o chamassem caso Lady Chatham piorasse.
E Aiden ficou sozinho outra vez, segurando a mão gelada de Lucy,
com o peito doendo em temor antes de tomá-la em seus braços e levá-la
para a banheira que a governanta preparava.

***

Desde quando Greenhill se tornara tão quente? Lucille estava


pegando fogo, suando como louca.
Ela se remexia incomodada, abrindo os olhos, mas sem enxergar
muito. Tudo estava escuro e turvo, difícil de ouvir e ver. Sentia que estava
se movendo, balançando como em uma viagem de charrete. Então, de
repente, estava na água.
A água estava morna, maldição. Ela ficou com mais calor ainda,
gemendo e resmungando em represália. O que estava acontecendo?
Ouviu um som grave e distante ao fundo, a voz de Aiden
reverberando em sua cabeça. Água caía pelos seus cabelos, causando-lhe
tremores e mais resmungos.
Porcaria. Não conseguia falar e Aiden a estava enfiando em uma
banheira morna.
— Tudo bem, Lucy… — ele sussurrou, e o som veio distante. — O
banho vai melhorar.
Ela resmungou outra vez, mas crente de que o som fora quase
inaudível.
— Shh…
Lucy desistiu, sentindo a água morna afugentar a dor que sentia pelo
corpo todo. Aiden tentava segurá-la e banhá-la ao mesmo tempo, mas tudo
parecia custoso demais.
Será que ele estava doente também? No mínimo, gripado. Pegara
chuva também.
Lucille ficou preocupada, mas não conseguia falar muito bem.
— Papai.
A voz veio ainda mais distante. As mãos de Aiden pararam de
banhar seus braços, mas continuavam a segurá-la desajeitadamente na
banheira.
Lucille quis beijá-lo por ser tão querido com ela. Provavelmente, o
homem nunca teve de ser enfermeiro de ninguém.
— Tamsin, você não pode ficar aqui. Vai ficar gripada como o
papai.
— Tá dando banho na mamãe? — A voz dela soou preocupada e, ao
mesmo tempo, curiosa. — Você não pode ver a mamãe sem roupa, você é
menino!
Lucy riu. Bem, riu por dentro, porque não conseguia nem se mover
direito. De certo modo, era divertido ouvir as vozes e não ver muito bem.
Podia ver os olhos enormes e curioso de Tamsin na sua imaginação.
— Onde está a babá? — Aiden perguntou e Lucy percebeu a voz
fanha dele, seguida de uma fungada precisa. — Você deveria estar na sua
aula de piano.
Oh, não. Ele também estava doente. Não tanto quanto ela, mas o
suficiente para deixar Lucy irritada por ele não descansar.
— Mandei passear — Tamsin respondeu, com altivez. — A mamãe
está dormindo, é?
— Ela está relaxando, Tamsin.
— Vou dar banho na mamãe também! — ela disse, e Lucy sentiu a
mãozinha de Tamsin tocar seu rosto.
Aquele toque foi maravilhoso e desengonçado. Tamsin fazia carinho
em seu ombro e Aiden a segurava, que situação esquisita. Mas aquilo soava
como família, um momento estranho daquele só aconteceria em uma
família.
Ela devia estar com febre. É, só podia ser aquilo. O banho era para
melhorar, não para lavá-la, visto que outrora Aiden apenas a acariciava nos
braços para tornar tudo melhor.
Mas ela estava se sentindo péssima ainda. Que calor dos infernos.
Aiden não tentou impedir Tamsin de participar e deixou a menina
banhar a madrasta da forma que sabia.
Depois de alguns minutos de conversas entre Aiden e Tamsin, o
banho acabou e ela foi erguida da banheira. Aiden tentou deixá-la de pé
para secá-la, mas as pernas moles de Lucy não suportavam tanto o peso
dela. Ela, decidida a fazer algo, tentou se segurar no marido, mas nem os
braços conseguiu mover.
Ela ouvia a voz de Tamsin falando com o pai, mas estava ficando
com sono e não entendia muito bem. Mas que diabos, por que Aiden não a
deixava dormir nua? Estava com tanto calor.
Parece que ele leu seus pensamentos, porque a camisola foi jogada
longe e ela logo sentiu a maciez da cama acomodá-la. Aiden tentou cobri-
la.
Homem burro. Lucy resmungou, será que ele ouviu?
Aiden arrumou o lençol de forma que seu corpo ficasse arejado, mas
que seus seios e sua intimidade ainda fossem cobertas. Lucy sentiu o sono
chegar como uma bigorna em sua cabeça, o corpo estava refrescado o
suficiente para ela se sentir melhor e dormir de novo.

***

Tamsin era um anjo, Aiden tinha certeza. Ela havia ido embora para
sua aula de inglês com a Sra. Martin, mas havia ficado junto de Lucy na
cama por um bom tempo. A mamãe dorme muito, ela dizia o tempo inteiro,
com certa reprovação. E Aiden achava adorável como a pequenina já estava
ligada a Lucille.
Lucy continuou dormindo até a noite, quando a Sra. Dare chegou
com o jantar de Aiden e a carta de Michael.
Ele guardou a carta no criado-mudo. Não queria nada de Michael no
momento, não queria nem ver o nome do sujeito escrito em um papel.
Tomou a sopa, sentindo-se melhor da gripe. Tudo o que lhe restava
era um nariz irritante e um coração preocupado com a esposa.
Depois de seu jantar, sentiu Lucy se remexer na cama e abrir os
olhos como se as pestanas pesassem meia tonelada cada.
— Lucy — ele arquejou, aliviado, tocando o rostinho cansado dela.
— Brutamontes… — Ela sorriu, bastante entorpecida. Parecia que
havia uma lixa na sua garganta tamanha a sede que sentia.
— Minha querida... — Aiden riu de alívio, abraçando Lucy e a
beijando por todo o rosto. — Fiquei tão preocupado com você e com o
bebê. Que a febre fosse tirá-lo de você.
— Eu sangrei? — Os olhos de Lucy ficaram alarmados e a mão
deslizou pelo corpo. — M-Meu bebê?
— Não, está tudo bem. Eu vi sua barriga, está crescendo. Nosso
bebê está crescendo bem.
Lucy sorriu feliz, embora ainda bastante cansada. Ergueu o braço e
tocou o rosto do marido, vendo que seus olhos cristalinos estavam
molhados.
— Você fica bonito quando chora — ela disse, contente, secando a
bochecha dele. — Porque é o seu eu de verdade. É o meu Aiden, que gosta
de beijinhos antes de dormir.
Aiden assentiu, feliz por ter Lucy boa novamente. Foram um dia e
meio que o deixou à beira de um ataque de nervos.
— Estou com sede, querido…
Aiden rapidamente encheu um copo e ajudou Lucy a se sentar
contra a cabeceira. Ela bebeu o recipiente inteiro e ainda pediu outro.
Enquanto isso, Aiden olhava para o criado-mudo. Tinha de dar a
carta para Lucy, mas temia que ela pudesse sofrer ainda mais e voltar a
adoecer.
Sabia como as emoções fortes enfraqueciam o corpo e chamavam
doenças.
— Está com fome? — ele perguntou, pensando em outro assunto. —
Posso pedir mais sopa, vai revigorá-la.
— Acho que posso regurgitar se comer algo… — ela lamentou,
levando a mão até a barriga. — Mas preciso comer, pelo bebê.
— Vou mandar trazerem algo leve.
Ela assentiu e Aiden foi até a campainha, mas sem puxá-la. Ficou
olhando para a gaveta do criado-mudo. Lucy estava zonza só de ficar
sentada, havia se deitado por tempo demais. Seus cabelos haviam sido
trançados de forma bastante rudimentar pelas mãos de Aiden, mas não se
embolaram.
— E Tamsin? — ela perguntou à Aiden.
— Está dormindo — ele respondeu, abrindo a gaveta do criado-
mudo e tirando de lá um envelope pequeno. — Não sei se deseja tocar nesse
assunto, mas Michael deixou tudo por escrito.
Lucy olhou o envelope em suas mãos e seu coração perdeu uma
batida. Ela alisou o ventre pequeno e pegou a carta ainda lacrada.
— É melhor eu ler logo e passar esse capítulo da minha vida…
Aiden aquiesceu, sentando na cama de uma forma que não poderia
ler a carta e invadir a privacidade da esposa.
Ela arrebentou o lacre e viu, mais uma vez, a caligrafia de Michael:

Lucille,
Sinto muito por tê-la magoado com minhas palavras e com meus
atos, mas não pude mandar em meu coração.
Eu a amei, é verdade, amei muito. Eu nunca havia conhecido uma
moça como você, de beleza tão angelical. Imediatamente, eu me apaixonei
por você e pela sua simpatia. Eu me apaixonei, de verdade, Lucille. E
desejei tê-la como minha esposa e formar uma família com você.
Contudo, confundi a mim mesmo. Um encantamento juvenil me fez
agir de forma impensável e pedi-la em casamento tão rapidamente. Não me
entenda mal, por favor, eu a trataria com carinho e sei que meu amor por
você duraria pela vida toda. Seríamos felizes e teríamos filhos, muito mais
do que a maioria dos casais que conhecemos. Mas não era o amor que eu
pensei, Lucy. O amor o qual pensei ter com você eu descobri em Audrey.
Você o ama, não é? O duque. Ele a ama, confessou a mim. E eu
sabia que ele a amava quando apareci no escritório.
Desculpe-me por tudo, Lucy. Guardarei suas cartas comigo para
sempre, pois foram anos e sentimentos de minha vida que viverão em meu
coração. Você é a moça por quem eu primeiro me apaixonei. Espero que o
duque cuide bem de você, minha querida, e que você seja sempre feliz e
bem-amada. Sei que terão lindos filhos e que você será a melhor mãe do
mundo.
Atenciosamente,
Michael.

Lucy abaixou a carta e secou os olhos com as costas das mãos.


Dobrou o papel e o deixou de lado, olhando para Aiden, sentado na outra
extremidade da cama. Ele a olhava com preocupação, os olhos tristes como
os de um cachorrinho.
Ela ergueu os braços e Aiden logo a envolveu, beijando-a com
carinho e paixão antes de deitá-la na cama outra vez.
— Se eu me casasse com Michael e você me visse em um baile,
você pensaria em mim? — Lucy perguntou, alisando os cabelos do marido
e o olhando com certa melancolia. — Ficaria apaixonado por mim como eu
ficaria por você?
— No primeiro instante — ele confessou, perdidamente apaixonado
e fiel. — Quando meus olhos batessem em você… Quando eu visse seu
lindo sorriso, a forma como você conversa com todos sem nenhuma
timidez.
Lucille sorriu em lisonja.
— Sabe, troglodita, talvez eu ficasse encantada com sua aparência
— ela disse, com um sorriso brincalhão. — Você é tão masculino, forte…
Eu o acho lindo.
Aiden agradeceu com um meneio de cabeça bastante educado para
um momento como aquele. E, então, ele riu junto de Lucy.
— Mas eu precisaria de tempo para ver sua verdadeira face e me
apaixonar perdidamente. E você não poderia dançar comigo — ela
lamentou.
— Manley não negaria uma dança inocente para o colega de escola.
— Colega? Ele era uma criança e você já era um rapaz bem
crescido! — Lucy gargalhou, feliz por ver o marido rir com ela. — E se
escapássemos para os jardins?
— Você seria arruinada em meio às flores — Aiden sussurrou contra
o ouvido dela, mordiscando o lóbulo macio. — E eu passaria a vida inteira
insistindo para ser minha amante. Talvez um de seus filhos fosse ruivo e
você teria de dizer ao pobre homem que tem uma tataravó ruiva.
Lucy riu com divertimento, inclinando o pescoço e sentindo os
beijos cálidos do marido.
— Uma dama da minha estirpe não vira amante de alguém… E um
duque do seu tipo sabe como não engravidar uma moça como eu.
— Então, fugiríamos para a América. Ou Austrália. E teríamos
muitos filhos, trocaríamos de nome.
— Oh, não. Deve ser muito quente! — ela lamentou com veracidade
e Aiden gargalhou, divertido. — Quero um lugar frio para poder me
enroscar em você.
— Então continuaremos aqui, escondidos — Aiden concluiu,
beijando-a na testa. — Não quero cansá-la, mas quero tê-la agora.
— Só um pouquinho… — ela concordou, lânguida. — Quero você,
quero amá-lo mais… Beije-me só um pouquinho.
Aiden aquiesceu, como poderia negá-la?
Puxou o lençol que a cobria e a amou com todo o carinho e cuidado
do mundo naquela noite. Apenas um pouquinho, mas o suficiente para se
sentirem ainda mais unidos pelo coração.
Capítulo 32

Uma semana havia se passado e Lucille havia se recuperado das


notícias de Michael e da forte gripe. Não gostava de admitir, mas parecia
ser aquele tipo que desmaia em situações de muito estresse. Tudo lhe fora
imensamente insuportável, é verdade, mas, com os dias, ela vira que a perda
da confiança em Michael fora pior do que a perda de um amor que nunca
havia sido o que eles imaginaram.
O amor que ela imaginou que teria com Michael, na verdade, tinha
com Aiden. Chegara devagar e em silêncio, invadindo Lucille até que ela se
viu perdidamente apaixonada por aquele troglodita desajeitado e com lindos
cabelos ruivos. E calorosos olhos de cristal.
Ela sabia que, para os outros, os olhos de Aiden eram frios e
apáticos. Mas, quando ele a olhava, o mundo de Lucille se resumia a eles
dois e o amor que transbordava daqueles olhos lindos era tudo o que ela
precisava para se sentir em casa.
Aiden havia lhe prometido uma surpresa no final daquela semana, à
noite. Durante a semana, Lucy havia recebido uma encomenda surpresa de
Londres: um vestido. Um vestido branco com veludo azul-marinho, em
uma calda longa que se juntava ao detalhado robe francês. As mangas eram
pequenas e bufantes, também em veludo e com pequenas tiras brancas que
as faziam parecer delicadas coroas.
E, por falar em coroa, havia uma pequena tiara com safiras, que
combinava com o colar elegante e delicado que adornava o colo de Lucy.
Aiden havia lhe dado um conjunto completo: vestido, meias, sapatos, joias
e luvas de ópera.
Quando Gwen acabou de arrumá-la, Lucille estava encantada com
tamanho requinte e curiosa para que tipo de surpresa o marido havia
preparado. Só aqueles presentes já eram o suficiente.
— A senhora poderia ser a própria Rainha, madame! — a camareira
disse, corada e alegre. — Está linda, senhora.
Lucille riu, encabulada, mas estava se sentindo linda demais, era
verdade. Não parava de olhar seu reflexo no espelho e examinar a
exuberância do vestido. Sentia-se como uma duquesa, enfim.
Apesar de ser de boa família, nunca tivera tanto luxo por causa do
pai. Estava sempre na moda e sempre ia às melhores modistas, mas a
economia que a mãe exigia fizera com que Lucy fosse apegada à elegância
da simplicidade.
Mas, depois de se ver em um vestido tão pomposo, Lucy quis correr
para Londres e mostrar para todo mundo que se casara com um homem rico
como um rei.
— Será que a surpresa é meu quadro de duquesa? — Ela tombou a
cabeça para o lado sutilmente, como sempre fazia ao pensar nisso. — Está
de noite, seria terrível para o pintor forçar tanto os olhos. O que será que
Aiden preparou?
— Não faço ideia, madame — Gwen comentou, com a voz
estrangulada.
— Você está rindo, por um acaso? — Lucy colocou as mãos no
quadril e olhou para a criada.
— Jamais, minha senhora. Sou um poço de seriedade.
— Você sabe da surpresa! — ela exclamou, traída. — Conte-me ou
falo para o Sr. Branson que você ronca quando bebe demais.
Gwen sacudiu a cabeça rapidamente, ficando vermelha até a raiz dos
cabelos loiros.
— Não posso, madame. Ordens da Sua Graça.
— Pois bem. — Lucy respirou fundo. — Já posso sair? Ou tenho de
esperar alguma coisa?
— Podemos, senhora. — Gwen voltou a sorrir imediatamente. — A
Sua Graça está a esperando no salão de festas.
— Festa, é? — Lucille assentiu, sentindo um friozinho na barriga.
Deu uma última olhada e saiu do quarto, ansiosa.
— Madame, espere!
Ela se virou e Gwen, com um sorriso enorme, lhe deu um cartão de
baile, colocando-o em seu pulso. Lucy, confusa, olhou para aquela coisa
que ela sempre detestou e abriu. Só havia uma página com a assinatura do
marido. O ano no topo da página era 1809.
Lucille riu, lisonjeada. Seja lá o que Aiden estava preparando, já a
estava deixando com o coração mais apaixonado.
***

— Você sabe tocar isso, não sabe? — Aiden perguntou, irritado.


— Sim, Vossa Graça — o pianista respondeu, um tanto aborrecido.
— Estudei em Paris.
— Melhor tocar direito, então — ele disse, carrancudo, cruzando os
braços e passando o peso de um pé para o outro. — E saia quando eu
mandar. Entendeu?
— Sim, Vossa Graça. Entendi.
Aiden assentiu, arrumando a gravata. Lucy bisbilhotou pela porta e
sorriu travessa, o marido estava sem jeito e envergonhado com aquilo tudo.
Oh, ela adorava quando ele ficava sem jeito. Era adorável, sentia vontade de
beijá-lo e abraçá-lo o mais apertado que poderia.
Ela decidiu que estava na hora de entrar. Bateu à porta e assustou
Aiden, que logo retomou a compostura e acenou com a cabeça para o
pianista, que foi para o seu posto em um canto discreto do salão.
Lucille olhou ao redor. Havia arandelas iluminando o espaço
enfeitado com arranjos sem flores. Apenas folhas, todas muito bonitas e nas
mais variadas formas. Em um canto estava o piano e, no centro, Aiden. O
marido, por si só, era um lindo monumento no salão.
Aiden prendeu a respiração, a visão de Lucy em um vestido tão
digno de uma duquesa o deixara bambo. Quando imaginou o vestido e
mandou a carta para a modista, não pensou que fosse ficar tão melhor em
sua esposa.
Fora um trabalho e tanto que ele vinha realizando há um mês.
Sorrateiramente, enquanto Lucy dormia, ele tirou a medida do dedo anelar
dela. Gwen lhe dera as medidas do corpo de Lucy e ele mandara tudo para o
ourives e a modista fazerem o trabalho.
Ela caminhava pelo salão, indo na sua direção enquanto a calda
deslizava pelo chão como uma cascata azul. Ela era linda, a mais bonita de
todas. Devia estar tão linda em seu debute, jovem e inocente, alegre com o
baile.
Aiden daria todo seu dinheiro se pudesse voltar no tempo e ir à
estreia dela.
Os olhos estavam marejados, mas ela sorriu para o marido. E o
coração de Aiden deu um sobressalto diante daquele lindo sorriso.
Ele estendeu a mão para ela quando Lucy o encontrou, beijou-a
demoradamente e levantou os olhos para a esposa.
— Srta. Mildenhall.
Lucy uniu as sobrancelhas em confusão e olhou de soslaio para o
pianista, bastante solene em seu banquinho.
— Querido… — ela sussurrou, mas depois percebeu o que
acontecia e seu rosto corou de modo admirável. — Lorde Chatham. Que
surpresa vê-lo em um baile. Pensei que o senhor não gostasse desse tipo de
coisa.
Aiden sorriu, aquele lindo e raro sorriso que ele tinha. O coração de
Lucy se derreteu todo e as pernas ficaram bambas. Até quando ela cairia de
amores pelo sorriso do marido? Para sempre, ela esperava.
— Não pude deixar de vir sabendo que haveria uma debutante tão
linda quanto você. A sua presença me deixa calmo para encarar um baile —
ele recitou, bastante galante. — Posso ver o seu cartão, madame?
Ela assentiu, hipnotizada, e estendeu o braço molenga para ele.
Aiden riu consigo mesmo, depois pigarreou envergonhado e abriu o
caderninho.
— Já tem o seu nome, meu lorde — Lucy conseguiu dizer.
— Parece que sim — ele comentou, jogando o cartão para longe.
Lucille olhou horrorizada para o cartãozinho jogado perto da parede.
Mas depois riu e fitou o marido, que tinha um rubor sutil nas bochechas.
— Quero ter certeza de que ninguém mais dançará com a senhorita
— ele disse. — Pois eu não suportaria vê-la sorrir para outro homem.
— Eu não poderia desviar de você, meu senhor, com olhos tão belos
como os seus. — Lucy abriu um sorriso tímido, segurando as mãos do
marido e entrelaçando seus dedos aos dele. — Onde estão as outras
debutantes, hum?
— Bem longe daqui — Aiden sussurrou, inclinando-se um pouco e
beijando a testa de Lucy. — A senhorita dançaria comigo?
— Todas as valsas, Vossa Graça. Todas elas.
Aiden lhe deu a mão e olhou para o pianista que começara a tocar.
Lucille deixou seus olhos sobre os do marido, sem desviar de seu
olhar uma única vez. Seguiam o ritmo fluido do piano, apaixonando-se um
pelo outro novamente.
Ela se aproximou mais dele, desejando que Aiden estivesse em seu
debute. Seu coração dava pulos ao imaginá-lo apaixonado a primeira vez.
O seu primeiro beijo e sua primeira dança seriam dele. E iriam se
casar, seis anos antes. Eles já teriam filhos, dois talvez. Ou três.
Estariam juntos há tantos anos. O coração de Lucy palpitava em
amor e ela não conseguia parar de sorrir para o marido em seu baile íntimo.
Aiden sorria de volta, guiando-a na valsa secreta naquela noite
quieta em Greenhill.
— Amo você, Lorde Chatham — ela sussurrou, não querendo que o
pianista os ouvisse.
Aiden sentiu seu peito vibrar e beijou os lábios de Lucy em um selar
demorado.
— Não é nada apropriado se declarar assim para um homem que
acabou de conhecer, madame.
— Oh, mas o senhor é tão bonito. — Ela riu baixo, rodopiando pelo
salão. — Não há como, meu lorde. O senhor não sente também?
— Sinto, madame. No fundo do meu coração de gelo. Eu a amo
imensamente.
Lucille riu outra vez, um riso baixo e íntimo que Aiden sabia ser
apenas para ele. O rosto dele estava um tanto corado e ela sentia imensa
vontade de sorrir diante do embaraço do marido.
Juntos valsaram por minutos que poderia ser infinitos. Ter Lucy
sorrindo em seus braços o fazia desejar tê-la visto em seu debute. Deus, ela
devia estar linda naquele vestido branco. Feliz, animada com sua estreia e
ansiosa para conhecer os rapazes.
Mas ninguém a quis por causa de seu dote pobre. Aiden a teria
quisto de imediato, hipnotizado por sua beleza. Apaixonado pela facilidade
com que Lucy conversava com as pessoas e se abria com elas.
Ele não sabia fazer aquilo e a admirava por ser tão extrovertida.
Feliz por tê-la ali, apesar de ter demorado para encontrá-la, Aiden a
puxou gentilmente em direção à porta do salão.
Lucy olhou confusa para o pianista, que ainda tocava, satisfeito com
o trabalho.
— Onde vamos, meu lorde?
— Vou arruiná-la nos jardins — ele brincou, e riu ao ver o rubor
escandalizado de Lucy, depois cochichou para ela. — Não conheço esse
pianista, na verdade.
— Ele o está encabulando? — ela perguntou, como adorava as
peculiaridades tímidas do marido. É claro que ele raramente assentia, mas
ela sabia o que ele sentia.
Aiden deu um muxoxo orgulhoso, não se deixando cair nas
zombarias da esposa. Mas sorriu logo em seguida, levando Lucy até as
escadas na saída norte do palácio.
Desceu um lance, até ficarem bem escondidos, embora houvesse
algumas velas no corrimão largo. Claro, ele planejou tudo. Mas estava
mesmo encabulado com o pianista e ser romântico com Lucy era algo que
ele gostava de fazer quando tinha certa privacidade.
Não queria que nada e nem ninguém interferisse em sua escassa
habilidade de cortejar mulheres.
Lucy olhou admirada para as velas, descendo as escadas enquanto
segurava a mão do marido. Ele a encostou na balaustrada de pedra e ficou
de frente para ela, tocando seu rosto e o levantando sutilmente.
— Sabe, meu lorde, eu nunca beijei um homem antes — ela
brincou, entrando naquele teatro.
— É mesmo, madame? — Aiden abriu um sorriso pequeno e
divertido.
— Sim, mas passei os dias sonhando que o senhor o teria. Que eu
daria meu primeiro beijo ao senhor. Um homem tão belo.
— Eu gostaria muito, Srta. Mildenhall — ele confessou seu desejo,
o ciúme que sentia de Michael. — Gostaria de ser o primeiro.
Lucille sorriu apaixonada, ignorando o ardor em seus olhos e
esticando-se para beijar o marido.
Aiden a beijou com delicadeza, como se, de fato, Lucy ainda fosse
uma inocente debutante. Beijou-a com calma, lentamente, sendo
acompanhado pelos lábios macios e apaixonados dela.
Lucy o envolvera com os braços, tocando seus cabelos ruivos e
destilando os lábios de Aiden com seu amor. Cada beijo, cada carícia, cada
suspiro, eram feitos de amor. E ela queria inundá-lo até Aiden nunca mais
se sentir só.
Afastaram-se para tomar ar e Aiden viu os olhos molhados dela.
Tocou o cantinho deles com os polegares, ouvindo uma fungada baixinha de
Lucy, que riu envergonhada.
— Queria que meu primeiro baile tivesse sido assim — ela
confessou, chorosa, mas não de forma triste. — Que eu o tivesse tido
naquele ano. Sei que Tamsin não estaria aqui, mas eu queria ter conhecido
você naquele ano. Queria tê-lo amado antes, sem brigas, sem dívida…
Queria ter me apaixonado por você em um baile tolo. Imagine só, meu
amor, quantos filhos já teríamos?
— Três talvez… — ele sussurrou, com o coração apertado diante
das lágrimas dela. — Um menino ruivo, pelo menos.
— Para seguir a tradição. — Lucy riu, sendo acompanhada pelo
marido. — Você ainda teria medo do amor?
Aiden não respondeu de imediato. Não temia mais o amor, seu
maior temor se tornara viver a vida que tivera nos últimos sete anos. Sabia
que deveria melhorar seus temores e, com o tempo, ser capaz de aceitar o
fatídico futuro que todos os humanos encaram: a morte de um amor.
— Eu temo apenas ficar sem você, Lucy — ele finalmente se
pronunciou, aceitando o toque amoroso de Lucy em seu rosto. — Queria ter
mostrado aos homens tolos que uma linda moça não pode ser esquecida por
causa de dinheiro.
Ela derramou uma lágrima, mas rapidamente a secou, manchando os
dedos da luva.
— Não chore agora, Lucy. — Aiden secou o rosto dela, beijando-a
na bochecha. — Ainda tenho uma surpresa.
— Ora, mais uma? — Ela riu, ainda mais chorosa. — Diga antes
que eu me desfaça aqui, brutamontes.
Aiden levou a mão ao bolso dentro do casaco, olhando para Lucy,
que seguia sua mão com os olhos trêmulos de emoção. De lá, ele tirou uma
pequena caixa de veludo que arrancou um soluço surpreso de Lucille.
— M-Minha querida Lucy — ele começou, engolindo em seco.
— Sim, meu amor? — Ela o olhou ansiosa.
— Eu a amo agora, mas lhe devo um casamento de verdade. — Ele
a segurou na mão esquerda. — Não temos alianças. Não trocamos votos de
verdade.
Ela aquiesceu, voltando a inundar seus olhos.
Aiden abriu a pequena caixa, revelando um par de alianças
douradas. Uma notavelmente menor que a outra.
Ele pegou a menor, mais desajeitado que o normal. Santo Deus, sua
mão estava tremendo horrivelmente e seu coração queria saltar de seu peito.
— Pedi para Charlotte comprar — Aiden falou, diante do silêncio
que ele achou desconcertante. — O vestido também. E as joias.
— É tudo muito bonito, Aiden. — Ela sorriu, chorosa.
Ele assentiu, pigarreando nervoso e segurando a mão de Lucy.
Retirou o anel delicado que ela usava como forma de demonstrar estar
casada.
— Você adoeceu e dormiu por dois dias — ele continuou, beijando a
mão enluvada de Lucy e a colocando em seu rosto. — Fiquei com medo de
você não acordar. Você é tão delicada… E eu sou tão medroso. Eu sei que…
Eu sei que você não morreria, mas fiquei preocupado com você, com a
nossa criança. Seu sofrimento me deixa triste… Eu quero acabar com
qualquer sofrimento seu, minha preciosa Lucy.
Lucy sorriu com candura, acariciando o rosto do marido e beijando-
o em seu queixo carinhosamente.
— Estou bem, meu amor. Estou aqui e nosso bebê também.
— Eu sei… — Aiden suspirou, aliviado. — Quero ter boas
memórias com você, Lucille. Muitas. De nós dois e de nossos filhos.
— E nossos netos — ela completou e fungou, rapidamente cobrindo
o rosto. — Oh, não… Meu nariz está escorrendo, estou arruinando tudo.
Aiden riu baixo, tirou um lenço do bolso e tocou o nariz de Lucy
com o pano. Ela ficou envergonhada, mas aceitou o curioso carinho.
— Lucille Chatham — ele a puxou para o momento outra vez,
voltando a segurar sua mão —, prometo amá-la até meu último dia nesse
mundo. Irei honrá-la, defendê-la e protegê-la durante toda a minha vida.
Ela fungou outra vez, mas segurava o lenço perto do nariz enquanto
via Aiden colocar a aliança em seu dedo. Ele a beijou nas costas da mão
outra vez e entregou a aliança maior para ela.
Desajeitada, Lucille tentou segurar a mão de Aiden, mas assim o
lenço cairia de sua mão. Porém o marido foi atencioso e rápido, e manteve
o lenço no nariz de Lucille que riu constrangida.
Que intimidade estranha eles tinham, mas muito confortável. Que
homem manteria o nariz de sua esposa livre de corrimentos?
Ele riu também, estava tudo dando certo, embora de maneira
diferente da que ele imaginou. Estava com Lucy nas escadas, após dançar
com ela, e logo se casavam outra vez.
— Aiden, meu lindo brutamontes — Lucy anunciou, segurando a
mão dele. — Prometo sempre amá-lo, até mesmo quando me irritar com
seus gracejos obscenos e com seu intenso mau humor.
Aiden riu outra vez e Lucy sorriu por detrás do lenço.
— Irei honrá-lo, protegê-lo das multidões e cuidar de você todos os
dias, meu amor. Iremos juntos… S-Sempre juntos. — Os olhos dela
começaram a transbordar e Aiden imediatamente tentou secar as bochechas
com uma parte do lenço. — C-Criar boas memórias. Como se n-nunca
tivéssemos nos detestado. Como se sempre tivéssemos nos amados, desde
os primeiros segundos.
— Eu a amo — ele sussurrou, para que não a interrompesse.
Lucy deu um sorriso lacrimoso e continuou:
— Teremos muitos filhos e encheremos a casa até o dia em que
Deus decidir que nós estaremos muito velhos e cansados para viver. E
iremos juntos para o céu, meu amor… Para que nenhum de nós fique
sozinho.
— Jamais sozinhos. — Ele aquiesceu, beijando a testa de Lucy e
afastando o lenço de seu rosto devastado de lágrimas felizes.
Lucille colocou a aliança nele, finalmente, e beijou a mão do marido
demoradamente.
Antes que se desmanchasse em lágrimas, eles se uniram em um
beijo intenso e apaixonado.
— Agora temos outra coisa para fazer, Sra. Chatham.
— Mais surpresas? Acho que não aguento, amor.
Aiden riu com divertimento e pegou Lucille em seus braços. Ela
exclamou, surpresa, mas se deliciando com aquele casamento atrasado.
— Faremos amor e tenho certeza de que você aguenta um pouco
mais, não?
— Oh, sim... — Ela abriu um sorriso maroto enquanto subiam as
escadas de pedra. — Aguento sim, querido.
Epílogo

Era um menino forte e saudável. Phillip John Vincent Chatham.


Um nome generoso para um bebê que acabara de nascer.
Infelizmente, o menininho veio com os cabelos escuros. E quanto
cabelo! A parteira disse que cairia com o tempo e Aiden perguntou a si
mesmo se havia possibilidade de a cabeleira voltar ruiva. A mulher disse
que provavelmente não, acabando com qualquer esperança.
A tradição fora quebrada, mas ele estava feliz. Ah, como estava.
Greenhill estava cheia com todas as mulheres Chatham e as Mildenhall –
incluindo as que mudaram de sobrenome e seus maridos e filhos. O último
mês, que deveria ser de descanso total, fora de muitas festividades e
brincadeiras nos jardins para todos no palácio. Todos quiseram acompanhar
o final da gravidez de Lucy e ela não poderia ter ficado mais feliz, já que
adorava uma boa bagunça.
O bebê nascera bem, embora Aiden tenha sido expulso uma porção
de vezes com os berros furiosos da esposa. Assustador. Ele até resolvera
olhar para lá, mas se arrependeu amargamente da curiosidade e decidiu que
deixaria Lucy em paz nos próximos partos que ela tivesse. Como algo tão
delicado dava passagem para um bebê inteiro? Ele não queria entender
como e preferia não tentar.
Mas agora o palácio estava calmo outra vez, a parteira não deixava
ninguém incomodar a nova mamãe e Aiden se viu, enfim, livre para ver o
próprio filho.
É claro, Tamsin não o deixaria ir sozinho de jeito nenhum.
Ela ficara radiante desde o momento em que contaram para ela
sobre a vinda do irmãozinho até aquele momento em que finalmente ele
havia saído da barriga da mamãe.
Indicando para que ela ficasse quietinha, Aiden arrumou o pacote
que levava debaixo do braço e abriu a porta dos aposentos ducais
lentamente.
Graças a Deus, tudo estava limpo novamente.
E Lucy estava ainda mais linda, a felicidade a deixava encantadora
como uma princesa.
Por um momento, ele perdeu o ar. Lá estava sua amada esposa,
olhando amorosamente para seu filho de cabelos castanhos enquanto o
amamentava. Em momentos como aquele, Aiden tinha certeza de que era o
amor mais puro que sentia por ela.
Ela ouviu o som da porta se fechar e levantou o rosto, cansado, mas
feliz. O sorriso que dera para Aiden o fez querer chorar de alegria.
Deus, como a amava. Sua linda Lucy.
E o pequeno Phillip e a serelepe Tamsin. Sua família. Finalmente.
Amava todos ali e os próximos que viriam.
— Mamãe — Tamsin sussurrou, feliz, subindo na cama e temendo
chegar perto do irmãozinho. — Ele é tão pequeno, pobrezinho!
Lucy sorriu, contente e, ao mesmo tempo, muito chorosa. A
mãozinha trêmula de Tamsin cuidadosamente tocou os cabelinhos de Phillip
e ela logo sorriu feliz ao acariciar o irmão sem causar nenhum dano.
— Ele está com fome — ela sussurrou para a mãe, olhando para o
pai, que se unia a elas na cama. — Olha, papai.
Aiden assentiu, olhando aquele pequeno ser junto de Lucy. Ele era o
pai. Um sentimento de grandeza o inflou e ele faria qualquer coisa por
aquele bebê, tal como fazia com Tamsin.
Então, ele olhou o rostinho de Phillip, que mamava sem parar,
segurando o indicador de Lucy como se sua vida dependesse daquele dedo.
Quais seriam a cor dos olhos dele?
— Quando ele vai abrir os olhos? — Aiden perguntou, incomodado.
Lucy o olhou rapidamente, franzindo o cenho com aquela pergunta
impertinente e voltando a olhar o seu bebezinho.
— Ele acabou de nascer, Aiden — ela respondeu, balançando o
dedo e sorrindo para Phillip. — Dê a mãozinha para ele, Tamsin. Ele gosta
de segurar e agarrar.
A menininha, feliz da vida, segurou a mão minúscula do irmão, que
logo trocou o dedo da mãe pelo da irmã.
Aiden se remexeu. Tamsin havia demorado a abrir os olhos também,
mas ela era ruiva.
E se os olhos de Phillip fossem castanhos como os de Lucy?
Não, seriam azuis. O lado dele tinha olhos azuis e as irmãs e o pai
de Lucy tinham olhos azuis.
Havia chance de ele ser um pouco Chatham. Seria o duque, ora essa,
tinha que ter uma coisinha que fizesse as pessoas o identificarem na hora.
Nas últimas gerações, todos foram ruivos e de olhos azuis, Londres toda
conhecia a família só de olhar.
— Eu aposto que os olhos serão escuros — Lucy zombou, sorrindo
para Tamsin, que ainda acariciava os cabelinhos do irmão. — Ele gostou de
você, vê? Tem que ser uma boa irmã.
— Como tem tanta certeza? — Aiden perguntou, cruzando os
braços como uma criança.
— Não sei... — Ela deu de ombros levemente e viu que Phillip
havia terminado sua refeição, desfalecido no mais profundo sono. — Quer
segurar, papai?
Lá estava ela, zombando dele e mudando de assunto.
Mas é claro que ele queria segurar. Queria segurar aquele bebezinho
para sempre.
Deixou o pacote que trazia de lado na cama e segurou Phillip com
todo o cuidado do mundo. O bebê suspirou, mas continuou dormindo como
uma pedra assim que sentiu o calor do pai.
Aiden sorriu e nem percebeu. Sorriu tanto que nem sabia que era
capaz de fazer aquilo. Estava tão feliz que poderia até dançar quadrilha na
festa.
Poderia jogar mímica uma tarde inteira!
Sabia que não podia beijar o bebê, mas queria que Phillip já
soubesse que ele o amava muito. Quando fosse maior, os dois conheceriam
toda Greenhill. Andariam a cavalo, brincariam com espadas de madeira e
pescariam sempre. Então, o garoto iria para Eton e, nas férias, eles fariam
tudo aquilo de novo.
— Hora de o bebê dormir em paz — Srta. Smith, a senhorita
contratada como babá do futuro duque, interrompeu o momento. — E da
mamãe também. A senhora precisa descansar bastante, Vossa Graça.
Lucy assentiu, muito cansada, e viu Aiden entregar o filho com certa
relutância. Ela esticou a mão para ele, segurando-a carinhosamente antes de
abrir um sorriso apaixonado para o marido.
— A senhorita também, Lady Thomasina — a babá insistiu depois
de pôr Phillip no berço perto da cama.
Tamsin, bastante chateada pelo uso do nome de batismo e por ter de
se separar dos pais, saiu da cama e seguiu com a moça para fora do quarto.
Lucy e Aiden se olharam pelo que poderia ter durado eras. Ela sorria
para ele, tão feliz que Aiden não se lembrava de já tê-la visto tão radiante.
Haviam partilhado bons momentos durante aquele pouco mais de um ano
de casamento, mas ele nunca a vira tão maravilhosamente feliz.
— Ele é tão bonito e saudável. — Ela chorou, feliz. — Viu como
Tamsin o adorou? Pensei que ela fosse sentir ciúmes. Tudo está tão bom.
— Ela é uma boa menina — Aiden disse, orgulhoso, beijando a
bochecha molhada da esposa. — Mas aposto que ele tem olhos azuis com
os meus.
Lucy revirou os olhos e riu, beijando os lábios do marido
demoradamente.
— O que é aquele embrulho que trouxe consigo? Não tente me
esconder.
Aiden olhou rapidamente para o presente e corou. Lucy adorava
quando ele ficava corado.
Um tanto sem jeito, ele pegou o presente e entregou para a esposa,
que já estava chorando outra vez. Parecia que aquela choradeira da gravidez
duraria mais algum tempo.
Não que ele não estivesse acostumado. Na verdade, achava
engraçado quando ela chorava por tudo.
— O que é? Parece um livro. — Ela analisou o pacote achatado,
virando-o contra a luz que vinha pela janela.
— É quase isso — Aiden pigarreou, encabulado, coçando a
sobrancelha. — Venho trabalhando nele faz um tempo, para você. P-Pode
abrir.
Lucy sorriu com animação e rasgou todo o embrulho
compulsivamente. Até que parou, encantada, e deslizou os dedos sobre o
veludo azul da capa do livro.
Ela se lembrou, já havia visto aquele livro e Aiden não lhe contara o
que era. Mas agora havia um nome na capa, uma linda letra cursiva
dourada: Flores de Greenhill.
Lucy olhou para o marido, que estava ainda mais corado, vez ou
outra tocando a sobrancelha com o mindinho e desviando o olhar.
— Abra — ele insistiu, um tanto ansioso.
Lucille abriu o livro e se deparou com uma pequena dedicatória.
Olhou outra vez para o marido, que havia virado o rosto para casualmente
para olhar a porta.
Para a mais linda flor desse jardim. Desculpe-me por ter brigado
com você quando quis ir à estufa, temi que ficasse doente e sofresse. Aqui,
há a sua própria estufa e nada nela lhe causará mal. Prometo sempre
adicionar mais um desenho caso uma nova flor chegue.
Com muito amor,
Aiden.

Lucy riu, mas também chorou. Maldição, aquilo tudo a estava


embolando em sentimentos.
Ela passou as páginas vagarosamente, em cada uma delas havia um
belo desenho detalhado de uma flor, junto de seu nome científico e o
popular. Havia dezenas e dezenas de páginas, cada desenho mais rico e belo
que o outro.
Por pouco ela não molhara uma das preciosas aquarelas com uma
lágrima.
— É tão bonito, querido… Deve ter dado tanto trabalho para fazer
tudo isso.
— Seria mais trabalhoso tratar da sua alergia — ele pigarreou,
bastante envergonhado. — S-São todas as flores cultivadas aqui ao longo do
ano. Agora pode vê-las de perto.
Lucille beijou o livro, fechando-o e o colocando contra o peito.
— Venha aqui, meu brutamontes.
Aiden sorriu de orelha a orelha e abraçou Lucille, aninhando-a
contra o seu peito e segurando sua mão delicada. Beijaram-se, finalmente,
após quase dois dias sem poder tocá-la.
— A parteira disse que tenho que ficar de resguardo por uns cem
dias… — ela lamentou, suspirando sonolenta e se recostando mais
confortavelmente em seu marido. — Só poderá me dar beijos e talvez um
cafuné.
— Ela especificou onde os beijos podem ser dados?
Lucille riu zombeteira e fechou os olhos para dormir. Recebeu um
beijo no topo de sua cabeça e aproveitou a calmaria para apenas sentir a
aconchegante presença do marido ali.
Ele a acariciou por toda a mão, deixando-a cada vez mais sonolenta,
até que ela estava a um segundo de pegar no sono depois de horas de parto.
E Phillip resmungou.
Lucy fechou bem os olhos.
E o bebê resmungou de novo, bastante choroso.
— Parece que teremos muitos dias como esse — Aiden concluiu,
risonho — e eu não poderia estar mais feliz com isso.
— Nem eu, meu amor. — Lucy sorriu com lágrimas nos olhos,
olhando para o marido ao pegar o pacotinho enrolado que era Phillip e
devolver a ela. — Não é, meu futuro duque?
Quatro anos depois, outro bebê nasceu. Lucinda, uma linda
menininha ruiva e de olhos castanhos. Depois de três anos, então, Aiden viu
um menininho com um tufo ralo e ruivo no topo da cabeça. Henry,
infelizmente, queria ter cabelo castanho como o irmão mais velho, mas
nada que pudesse fazer Aiden amá-lo menos.
Ele amava todos seus filhos e nunca fora tão feliz por ver Greenhill
barulhenta e cheia de brinquedos. Sempre olhava ao redor e imaginava
como era sortudo por ter visto o amor em Lucy e saído de sua triste solidão.
Não havia melhor remédio que o amor. E não havia nada melhor do
que não estar sozinho outra vez.
CONHEÇA O PRÓXIMO LIVRO DA SÉRIE

Sempre em Seus Braços

Inglaterra, 1830

Lady Thomasina Chatham, mais conhecida como Tamsin, não


esperava se apaixonar por Anthony Hetherington aos quinze anos. E não
esperava que, anos mais tarde, descobrisse que seu príncipe encantado
estava longe de ser um perfeito cavalheiro. Em pleno ano de estreia, a filha
do Duque Louco decide que não vai mais dar o mínimo de atenção para o
amor e que nem ao menos o espera naquele ano.
Dominick Chatham, um dos vários ruivos da família, passou os
últimos quatro anos nutrindo um secreto amor pela famosa filha do duque e,
quando vê Anthony fora do caminho, percebe que é o momento perfeito
para revelar a real natureza de seus sentimentos. No entanto, parece que
outro cavalheiro, o encantador Lorde Winsford, também teve essa ideia, e
Dominick não tem mais certeza se conseguiria ter o coração partido mais
uma vez.
O que Tamsin não esperava, contudo, era a atração inquietante e
repentina que começaria a sentir por Dominick, para adicionar mais um
item a sua longa lista de preocupações. O problema era que havia um
marquês muito apaixonado no meio de seu desejo de explorar o próprio
prazer.
Série Os Quatro Amores:
Uma Esposa Para o Duque
Sempre Em Seus Braços
Os Diários de Lady Jane
Solidão a Dois

SOBRE A AUTORA

Nascida no Rio de Janeiro e formada em Psicologia, Letícia Gomes é


apaixonada pelo século XIX - principalmente o período da Regência e o
Romantismo. Começou a escrever como forma de explorar a criatividade e
se transportar para outros mundos durante a adolescência. Seus livros
trazem questões mais íntimas e psicológicas dos personagens, com a ideia
de que todos merecem uma linda história de amor.

Instagram: @autoraleticiagomes
Twitter: @autoraleticiag
Tiktok: @autoraleticiagomes

Você também pode gostar