1 Uma Esposa para o Duque - Leticia Gomes
1 Uma Esposa para o Duque - Leticia Gomes
1 Uma Esposa para o Duque - Leticia Gomes
***
Lorde Manley reapareceu para a dança, ainda mais charmoso do que
era minutos antes, quando conheceu Lucille na mesa de petiscos. A quase-
não-tão-jovem solteira sentiu como se nunca houvesse valsado com um
homem em toda sua vida. Adorava dançar e o fazia muito bem – modéstia à
parte. Mas Michael estava interessado nela, pelo que parecia, e ela nunca
teve de impressionar seus parceiros de dança.
Lucille tinha de colocar em prática todo o charme que aprendeu a ter
nas aulas com as mais variadas tutoras antes de debutar. Não funcionou
antes, mas funcionaria naquele momento. Uma conversa bem-humorada
deveria ser o suficiente, desde que não falasse de assuntos inapropriados,
como malária e casamentos inter-raciais. O conde estava interessado, então
não havia nada de enfadonho nela, o que dava à moça certa coragem para
flertar com ele. Bastava ser ela mesma. Magra, morena e de seios pequenos.
Ela respirou fundo. Era uma dama, por favor. Tinha de se portar
como uma lady, não uma jovenzinha franzina e de pouca confiança.
Michael retornou assim que a banda indicou o início da valsa. Ele
saudou Lucille com um sorriso discreto e uma mesura educada, estendendo
a mão para a jovem, que a segurou. Apesar de suas luvas, ela podia sentir o
calor da mão dele segurando a sua com tanta delicadeza.
Olharam-se quando a banda começou e Lucille sentiu como se as
únicas coisas existentes fossem os olhos verdes do conde. Sua mão
repousava no ombro dele e a mão de Michael a segurava pela cintura,
emanando seu calor pela musselina branca do vestido esvoaçante dela.
Encaixavam-se tão lindamente, ela não conseguia resistir em tão pouco
tempo.
— Como é o Oriente, Lorde Manley? — Lucille quebrou o silêncio
enquanto giravam pelo salão.
Muito bem, Lucy. Havia iniciado uma conversa de modo civilizado,
sem se atropelar em várias palavras.
— Exótico é o único adjetivo que consigo encontrar, madame.
— Tão exótico quanto aqui? — ela indagou, sutilmente indicando
uma senhorita que dançava com um cavalheiro. — Já viu o turbante daquela
dama?
Michael a girou, podendo averiguar o turbante de camurça marrom,
enfeitado por flores amarelas e com alguns cachos escapando
estrategicamente dos lados.
— Um tanto exótico, realmente.
— Está parecendo um kiwi bem peludo — Lucille sussurrou e
Michael quase caiu na gargalhada. — Sei que não devo comentar esse tipo
de coisa, ainda mais com o senhor, mas estava me incomodando desde que
cheguei aqui. Certas pessoas não têm um bom senso de moda.
— Ela deve estar se sentindo bela com aquele kiwi — Michael
respondeu, abrindo um sorriso discreto para Lucille. — Isso é o que
importa, certo? Sentir-se bem com o que tem.
— Realmente, meu senhor. — A jovem aquiesceu, brevemente
olhando sua mão repousada na dele de forma bastante melancólica. —
Temos que nos sentir bem com o que somos… A p-propósito, os indianos
gostam de dançar?
— Como ninguém — ele disse, com entusiasmo, afastando-se de
Lucille durante alguns passos e se unindo novamente a ela. — Confesso que
a dança deles é mais interessante, repleta de movimentos cheios de
significados. Há uma grande atenção para os pés e as mãos. As mulheres
gostam de mostrar os pés, sempre enfeitados com tornozeleiras e desenhos.
— Quanta ousadia — Lucille murmurou, surpresa. — Deve ser um
lugar interessantíssimo, Lorde Manley. Gostaria de poder visitar o resto do
mundo, mas o mais longe que fui foi até a nossa residência em Kent.
— Haverá a chance de a senhorita conhecer o mundo. Pode começar
pela Escócia, o que acha?
— Ah, não. Quero ir para muito longe e ver todo o tipo de gente —
Lucille disse, com as sobrancelhas franzidas em desacordo. — Fazer
compras e ir a festas no exterior. A Escócia é logo ali, que graça tem? Eu
nunca fui, na verdade, mas ouvi dizer que os homens andam de saia e com
os joelhos à mostra. Os joelhos, Lorde Manley… Uma pouca-vergonha.
Michael soltou um riso discreto diante daquela adorável moça, que
parecia gostar bastante de conversar. Lucille falava como ninguém, como se
fosse a primeira vez que alguém parou para ouvi-la e ela possuísse um
arquivo imenso de assuntos a escolher.
Malária, turbantes, joelhos de escoceses.
— Talvez um dia eu a leve até a Índia, Srta. Mildenhall.
Antes que ela pudesse responder à ousadia, a música terminou e o
casal teve de se afastar a mando da modéstia. Reverenciaram um ao outro
antes de Michael oferecer o braço para Lucille.
Caminharam poucos passos na direção do cunhado mais velho dela,
que conversava com alguns amigos parlamentares. Mas, no meio do
caminho, Michael virou para a esquerda em direção às longas portas
francesas que davam para o jardim. Lucille prendeu a respiração. Não por
temor, mas por ansiedade. Bom Deus, agora sim ela seria uma debutante de
verdade. Dançou com um homem com quem flertou e agora iriam para os
jardins.
Lucille não tinha tanto conhecimento sobre as escapadas de um par,
mas sabia que o primeiro beijo de uma jovem acontecia em momentos
como aquele.
Ela engoliu em seco, umedecendo os lábios e não olhando para trás
enquanto ia com Michael até a porta, deixando o salão lotado. Se algum dos
cunhados a visse, ela estaria encrencada com o visconde. Pior, se alguma
fofoqueira a visse, ela estaria arruinada em cada bendito tabloide londrino.
O cheiro das flores invadiu seus sentidos e a escuridão da noite
cercou os dois, fazendo com que Lucy esquecesse todas as hipóteses
desastrosas que apareciam junto de um encontro romântico. Michael a
levou até o peitoril de pedra, afastados da luz que emanava das portas
francesas.
— Srta. Mildenhall — Michael disse, baixo, segurando as mãos
enluvadas e trêmulas de Lucille perto de seu rosto —, preciso lhe confessar
algo.
— D-Diga, meu lorde — ela sussurrou, acostumando-se com o
escuro e enxergando melhor o rosto dele.
Michael assentiu, beijando o nó dos dedos de Lucille e tocando seu
rosto com a mão dela . Aquilo era íntimo demais, ousado demais.
— Já faz duas semanas que retornei da Índia e que a tenho visto
pelos eventos. Nunca encontrei uma moça tão encantadora e bela como a
senhorita, mas apenas hoje eu tive a chance de tirá-la para dançar, estive
ocupado demais conversando com amigos nos últimos dias.
Ela assentiu rapidamente, ainda tomando coragem para tocar o rosto
de Michael.
— Gostaria de fazer a sua corte, Srta. Mildenhall. Conhecê-la
melhor — Michael disse. — Se a senhorita desejar, é claro. E se seu pai
permitir.
— C-Claro— Lucille disse, antes de poder pensar. Ela não pôde
controlar um sorriso enorme por finalmente receber a corte de um homem.
— E-Eu adoraria, Lorde Manley.
— Michael, por favor — ele pediu, em um sussurro, puxando
Lucille para perto. — Apenas Michael.
— Michael — ela repetiu, assentindo devagar e sentindo o coração
inexperiente disparar em seu peito. — E o senhor pode me chamar de Lucy.
— Lucy é adorável. — Michael aquiesceu e tocou o rosto quente de
Lucille, diminuindo ainda mais a distância entre os dois.
Ela fechou os olhos, prendendo a respiração, mas sentindo seus
músculos relaxarem assim que os lábios de Michael tocaram os seus.
Michael percebeu o estupor de Lucille, era o seu primeiro beijo.
Gentilmente, ele provou dos lábios dela, mostrando-lhe do que um beijo
poderia ser feito. Ela, então, o beijou, correspondendo ao ato quando sua
mão acanhadamente tocou a manga do paletó vermelho dele, apertando seu
cotovelo em um gesto de êxtase diante do encontro. Lucille estava nas
nuvens, seu coração disparado e as pernas bambas, embebida naquela
sensação de finalmente beijar um homem que estava interessado nela.
A cada afago em seus lábios, ouvia um suspiro apaixonado dela, que
se derreteu ainda mais. E então ela o acompanhou, beijando-o inteiramente,
deixando que ele a envolvesse em seus braços e transformasse o beijo em
um carinho mais profundo e íntimo.
Ele a segurava em seus braços, passando seus lábios para a
bochecha macia dela, onde parou e beijou o rosto apaixonado de Lucille. A
moça sentia a respiração suave de Michael em seu rosto, os lábios
deslizando sobre sua pele e percorrendo um caminho vagaroso até voltar
para os seus lábios e beijá-la novamente. Afastaram-se para tomar ar; ela
agradeceu pela pouca luminosidade que o impediu de ver o rubor intenso
em seu rosto, que delatava toda sua ingenuidade.
— Acho que essa será a última vez que terei de retornar à Índia,
madame.
Mal sabia Lucy que aquela promessa ecoaria na sua cabeça por
vários e vários meses. E depois por anos.
Capítulo 1
1815, Londres
… Estou ansioso para vê-la após tanto tempo, felizmente não terá
de cuidar de um futuro marido acometido pela malária. Estou
perfeitamente saudável como sempre, minha querida. A chegada está
prevista para agosto e finalmente poderemos começar os preparativos do
nosso noivado, oficialmente. Como minha mãe é meu único familiar vivo,
tenho mais que certeza de que ela ficará feliz de acompanhá-la durante a
compra do enxoval.
Esta é minha última correspondência antes de partir no próximo
mês, Lucy. Espero que não demore muitos meses até nos vermos novamente,
reze para que os ventos sejam fortes.
Com carinho,
Michael.
***
***
***
***
***
***
***
***
***
***
***
Um par de luvas seria ridículo de tão simples e barato, mas uma joia
não era de todo mal.
Infelizmente, Aiden nunca havia comprado uma joia para uma
mulher. Nem mesmo para suas antigas amantes, já que sempre pedia para
sua irmã comprá-las como se fossem para si mesma. Ele não tinha a
sensibilidade de encontrar a joia perfeita para uma mulher em especial,
sabendo que pedra combinara com o tom de pele ou um brilho dos olhos.
Nem nunca teve uma mulher especial, para falar a verdade, gostava de se
manter afastado de tudo e todos.
Sentia-se humilhado por ter de comprar algo para Lucille como se
ela fosse singular. O anel de sua mãe estava Greenhill, já que ele só
planejou o casamento quando encontrou a dívida em Londres. Claro que
daria o anel para ela — de forma informal e vaga — quando chegassem a
Derbyshire.
Mas estava de volta a Mayfair, entrando em uma joalheria
sorrateiramente, como quem entra em um bordel em plena luz do dia.
Pigarreou desconfortável e abaixou a cartola, cumprimentando o joalheiro
grisalho de pé do outro lado do balcão redondo.
— Bom dia, meu senhor — o balconista o cumprimentou. — Em
que posso ajudá-lo?
— Gostaria de comprar um colar para uma senhorita em especial.
— Que tipo de colar, senhor?
— Um simples, mas de valor. — Aiden apoiou o cotovelo no
balcão, coçando o nariz e sussurrando para o homem. — Ela não é muito
dotada de busto.
O balconista aquiesceu com deferência, pegando alguns mostruários
dos mais simples. Aiden os olhou com desprezo.
— São legítimos? — Ele olhou para os pingentes minúsculos e
delicados.
— São para mocinhas, senhor. Costumam ser mais modestos e
ficam bonitos em moças delicadas.
Aiden assentiu, puxando o mostruário para si. Lucille era adulta e,
apesar de franzina, não se assemelhava a uma criança e nem a uma
adolescente. Mas ele já havia percebido que ela gostava de usar uma
pulseira fina e delicada no pulso. Decerto, repudiaria um cordão
extravagante. Aiden tinha quase certeza que ela censuraria qualquer coisa
que ele desse, mas seguiria o conselho de Thadeus.
Não que seu objetivo fosse levar Lucille para a cama.
O que não seria de todo mal…
Mas não era um plano. Definitivamente.
Ele examinou os três exemplares que o vendedor ofereceu.
Correntes de ouro e pingentes pequenos. Um era em um formato de gota,
com uma safira. O outro era um octógono de diamante e ouro branco e o
último, uma folha pequenina de jade.
Diamantes sempre vencem. E combinaria com a pulseira, menos
chances de ela obrigá-lo a jogar tudo pela janela. Se fosse para gastar
dinheiro, que ela gostasse, pelo menos.
— O diamante — Aiden disse, a contragosto, olhando para o lado e
cumprimentando um conhecido bastante surpreso por vê-lo em Londres. —
Coloque na melhor embalagem.
***
Querido Michael,
Escrevo essa carta com grande vergonha e pesar. A essa altura, eu
já estarei casada com outro homem, acredito até que você terá ouvido isso
da boca de outros antes mesmo de ler essa carta. Mas, por favor, não pense
que o desonrei, pois eu não me casei por amor ou paixão. Casei-me pela
minha família e para evitar sua ruína.
Como você deve saber, meu pai tem problemas com apostas.
Recentemente, foi descoberta uma dívida de cem mil libras escondida
durante vinte e cinco anos, uma dívida mais velha do que eu. O dinheiro
pertence ao Sister Mary, cassino do falecido Duque de Devonshire. O atual
duque e homem com quem me casei teve conhecimento dessa dívida e a
usou a seu favor, trocando as cem mil libras pela minha mão. Não fui
forçada a me casar, mas sabia que, se não o fizesse, passaria o resto da
minha vida ao seu lado, mas envergonhada de meu ato, sendo pivô da ruína
dos Mildenhall. Se minha família pagasse a dívida, ficaríamos falidos e
perderíamos o prestígio que temos na sociedade, o que afetaria minha irmã
e minhas sobrinhas.
Creio eu que o falecido duque e meu pai tenham sido bons amigos e
que a dívida fora esquecida em prol da grande amizade. Meu pai não tinha
conhecimento da magnitude do dinheiro que devia ao Sister Mary, tão tolo.
Apesar de tudo, não sinto raiva dele. Sei que ele é um homem bom, mas
avassalado por essa maldição.
Não se preocupe comigo, meu caro, Lorde Chatham não me trará
sofrimentos físicos. Insisti que ele esperasse até a sua chegada, para que eu
pudesse lhe dizer toda a verdade cara a cara, mas o duque persistiu para
que o casamento ocorresse o quanto antes.
Agora vivo no Palácio Greenhill, próximo a North Haven, em
Derbyshire. Mas posso ir e vir a Londres sempre que quiser e espero que
aceite me encontrar assim que chegar. Por favor, me envie uma resposta e
eu irei vê-lo. Não se preocupe com o duque, ele não se importa conosco e
só me quer como uma mãe para seus futuros herdeiros.
Espero sua resposta ansiosamente. Perdoe-me por não o ter
esperado um pouco mais.
Carinhosamente,
Lucy.
***
Aiden estava nervoso, por mais tolo que aquilo fosse para ele.
Estava nervoso porque teria alguém invadindo a sua rotina em Derbyshire,
indo viver em sua casa e fazendo parte da sua vida. Aquilo era assustador.
Ele não amava Lucille, nem ao menos a conhecia. O que sabia dela? Que
tinha alergia ao pólen e que o detestava.
Que ótimo, pois ela viveria em uma enorme casa de campo cheia de
flores e com ele.
Se fosse apaixonado por Lucille, nada daquilo seria enervante e ele
estaria satisfeito em casar na Igreja, na frente de todo mundo. Mas aquilo
não era por ele e nem pelo pagamento de uma dívida. Sister Mary não
precisava de cem mil libras, nada aconteceria caso ele tivesse enfiado a
ficha de John novamente nas profundezas do almoxarifado ou a tivesse
rasgado de vez.
Mas não era por ele. Era por algo importante.
Evitava olhar para os irmãos, mas não demorou para Matthew se
aproximar. Maldito fosse Matt, conhecia Aiden bem o bastante para saber
que aquilo tudo era uma farsa.
— Por que você vai se casar aqui e não na Igreja?
— Porque eu quero.
Matthew assentiu sem muita convicção, coçando o queixo e olhando
Louise entrar com Sylvia, Clarisse e a pequena Joanna. A esposa lhe abriu
um sorriso discreto e o chamou com a mão para se sentar ao lado dela.
— Tem certeza que gosta dela? — ele sussurrou, acenando para que
a esposa esperasse um momentinho.
— Tenho — Aiden grunhiu, olhando de soslaio para o vigário.
— Tem certeza?
— Por que você não vai se foder?
O vigário pigarreou alto, fazendo os dois homens se desculparem.
— Só me diga uma coisa, Aiden… — Matthew se aproximou mais.
— Isso tem algo a ver com o cassino?
O mais velho o olhou sério e aquiesceu sem nada acrescentar.
— E com a sua coleção de bonecas, eu presumo. Precisa de alguém
para te ajudar a… polir a porcelana. Bom, espero que depois dessa parem
de chamá-lo de Duque Louco. A fama se alastrou, acham que você vive
trancafiado no meio do nada. Com bonecas. Espero que essa pobre moça
aceite sua… loucura.
— Sua esposa está sozinha — Aiden indicou Louise sentada ao lado
de Joanna.
— Tudo bem. Sorte sua que George é um miolo mole, ele e Sylvia
realmente acreditam que você e a Srta. Mildenhall estão apaixonados.
Charlie respondeu à carta e disse que está feliz por você ter conhecido o
amor.
— Vá se sentar logo, está atrapalhando a cerimônia.
O mais novo levou a mão ao bolso e tirou de lá um anel de ouro
com uma estonteante pedra de safira rodeada de pequenos diamantes.
— Eu pensei que estivesse em Greenhill — Aiden olhou surpreso
para o anel de sua mãe.
— Louise achou no antigo quarto da mamãe, lembra que ela não
usava por medo de perder? — Matthew sussurrou, colocando a joia na mão
do irmão. — Deve ter se esquecido dele quando fomos todos para Greenhill
cuidar do papai…
Aiden olhou para o anel da sua mãe, guardando em seu bolso.
— Gastei cem libras na porcaria de um colar para a Srta.
Mildenhall.
Matthew suspirou, piscou com certa impaciência e foi para perto da
esposa, resmungando algo sobre como o irmão era idiota.
Aiden se empertigou, olhando na direção da porta aberta e
respirando fundo. Se casaria com Lucille, passaria o resto dos dias
convivendo com aquela criatura irritante que despreza seus presentes. Ele
nem sabia como teriam filhos: se Lucille não quisesse fazer amor com ele,
ele jamais a forçaria.
Um bastardo com Michael era inviável. Aiden não se importava se
ela quisesse ser amante daquele molenga, mas seu futuro herdeiro teria de
ter o seu sangue e, seguindo a tradição, cabelos bem ruivos. E se não nascer
com os olhos azuis da família ou os cabelos de fogo dados pelos seus pais,
Aiden saberia na hora que a criança não era dele.
Engoliu em seco, pigarreando e olhando para o vigário. O homem
anunciou que a cerimônia começaria e Aiden prendeu a respiração, olhando
para o vão da porta. Um vulto branco apareceu e ele ficou ainda mais tenso.
Lucille e o pai adentraram o salão, a noiva coberta com seu véu e
segurando no braço do homem que a levava ao altar. John não esboçou nada
além de cansaço, mas Aiden não estava olhando para ele. Estava olhando
para Lucy, ansioso para ver o rosto dela e descobrir se ela estava tão tensa
quanto ele.
John a entregou ao noivo, despedindo-se com o beijo na mão
enluvada da filha. Aiden continuou com os olhos mirados no rosto coberto
de Lucille, tendo um vislumbre dos olhos castanhos e enormes da moça.
Tão frios quanto os dele, firmes e sem esboçar tristeza.
O vigário se pôs a falar, mas Aiden não deu o mínimo de atenção às
palavras do homem. Respondia tudo no automático e parecia que Lucille
fazia o mesmo por detrás de seu véu. A voz monótona e baixa,
acompanhando o vigário junto de Aiden.
Deram-se as mãos, seguindo as ordens do religioso. Lucille, em sua
proteção, olhava diretamente nos olhos azuis de Aiden. Se ele pensava que
daquela forma a atingiria de algum modo, estava enganado. Lucy não se
intimidava com duas malditas íris acostumadas a controlar tudo e todos.
Mas não pôde deixar de ignorar o calor intenso das mãos dele, ou o
homem era quente como o inferno ou estava nervoso. Ela abriu um sorriso
jocoso, imaginando que ele estaria nervoso com aquilo tudo. Arrependido,
talvez. Ele poderia desistir, o vigário estava quase chegando à pergunta
crucial. Ele poderia deixá-la livre para ficar com Michael.
Ele poderia apenas…
— Eu, Aiden Vincent Chatham, recebo por minha esposa — Aiden
quebrou o silêncio, trazendo Lucille para a realidade com seu discurso
distante e apático — a ti, Lucille Anne Mildenhall, e prometo ser-te fiel,
amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos
os dias da nossa vida.
Lucille engoliu em seco, olhando de soslaio para a porta na
esperança de que Michael pudesse aparecer para salvá-la.
Olhou para os pais, sentados à frente, e viu os olhos triste de John e
o sorriso condolente de Clarisse.
Joanna, tão bobinha, sorria contente com aquela cerimônia esquisita
no meio do salão de sua casa.
Matthew e George, dois ruivos Chatham, olhavam-na com interesse,
esperando uma tragédia grega naquele casamento inusitado assim que
Lucille negasse tudo.
Ela voltou a olhar para Aiden e, com a mão livre, levantou seu véu e
encarou seu futuro marido ao proferir:
— Eu, Lucille Anne Mildenhall, recebo a ti, Aiden Vincent
Chatham por meu esposo , e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na
alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida.
Aiden levou a mão ao bolso, tirando o anel de sua mãe e
controlando um riso ao ver os olhos de Lucille ficarem ainda maiores.
Segurou outra vez a pequena mão dela e vestiu-lhe o anel escandaloso,
finalizando tudo ao beijar os nós de seus dedos finos.
— Sra. Chatham — ele sussurrou, cadenciadamente, sem tirar os
olhos dos de Lucille. — Até que a morte nos separe.
***
***
Gwen estava ainda mais rosada do que o normal. Animada por ser a
camareira de uma duquesa importante, a jovem parecia estar nas nuvens . E
o cocheiro de Aiden não deixou de notar, lançando um sorrisinho para
Gwen, como se o patrão não tivesse percebido o flerte entre os dois.
Falando no diabo, ele havia sido bondoso e arrumado um coche a mais para
transportar sua mercadoria – Lucille, no caso – sem ter de passar dias ao
lado dela.
Lucille estava muito agradecida, acreditava até que não caberia no
mesmo coche que aquele brutamontes ruivo. Passaria a viagem toda ao lado
de Gwen. Com uma camareira tagarela e animada como a que tinha, Lucy
jamais passaria um minuto sequer pensando no passado.
A caravana era grande: os dois coches para o duque e a duquesa e
mais um carro para os baús de Lucille e outros pertences de Aiden. Quis
perguntar se ele não estava esquecendo das suas coisas bizarras de boneca,
mas o marido parecia muito enfezado com o cocheiro que havia alugado
para ela. Falava baixo, mas a expressão estava séria e sisuda.
— Parece que está tudo em ordem — John disse, com um sorriso
fraco e tristonho. — Eu sabia que um dia você se casaria e iria embora, mas
nunca é fácil me separar de minhas filhas.
— O senhor não fez tanto drama quando Mary e Amélia foram
embora — Lucy brincou, segurando as mãos do pai e dando um beijo em
cada uma delas.
— Você sabe que é a minha favorita, Lucy.
— O quê? — Joanna empurrou a irmã para longe do pai e abraçou
John, colocando o queixo em sua barriga e o fuzilando com os olhos
enormes. — Mas e eu, papai?
— Você é a minha favorita das que ainda são bebês, minha querida.
— Eu não sou um bebê… — ela respondeu, ofendida, soltando o
pai e indo para a mãe, que ria baixinho.
Lucille sorriu, já se sentindo nostálgica, beijou o rosto de seu pai
uma última vez antes de partir e foi até sua mãe. Ah, Lucy amava tanto a
sua mãe. Sempre que se sentia confusa, Clarisse a acalentava e lhe falava
palavras de conforto e sabedoria, fazendo-a ver o outro lado da moeda e
repensar seus sentimentos em relação aos seus problemas. Mas, apesar de
toda a ajuda de sua mãe na noite passada, Lucille não se sentia nada tentada
em amar Aiden ou ser amada por ele. O que desejava era viver separada
dele em Greenhill, encontrando-se com o marido apenas para os tão
repudiados deveres matrimoniais.
Apesar de tudo, mesmo ainda pensando em Michael e usando a sua
pulseira, Lucy desejava poder mudar e esquecê-lo, embora jamais fosse
amar Aiden. Somente esquecer Michael e aquele momento de sua vida a
faria se sentir melhor em Derbyshire. Ela sabia que tinha de dar um passo
adiante, ver que a rotina mais que aquele conto de fadas que criara em sua
cabeça enquanto viveu protegida pelos pais em Londres.
— Prometa que vai me escrever assim que chegar, contando-me
tudo sobre a propriedade. — Clarisse a puxou de seus devaneios,
arrumando o chapéu de sua filha e firmando o laço abaixo de seu queixo. —
E prometa também que vai se esforçar para conhecer o duque.
— Se ele for mesmo um energúmeno, mandarei uma carta para a
senhora listando todos os porquês de eu ter razão — ela disse, com bom
humor. — E Gwen será minha testemunha.
A viscondessa sorriu risonha, abraçando sua filha e dando um beijo
em sua mão pálida antes de arrumar sua luva. Levou-a até o próprio rosto,
finalizando com um delicado beijo em sua palma.
— Estou ansiosa para o Natal, filha.
— Lucy — Joanna interrompeu, tocando o braço da irmã e
ganhando sua atenção —, escreva para mim também, minha letra está muito
mais bonita agora, depois que o papai contratou outra professora.
Lucille gargalhou, tocando o cantinho de seus olhos e se abaixando
para abraçar a irmã.
— Claro que escreverei, sua tolinha. Não se esqueça de me contar
todos os detalhes, certo? Leia bastante, nunca deixe de ler e aprender. Não
dê atenção para o que os homens pensam, seja uma menina inteligente. Eles
são todos uns babuínos.
Joanna assentiu com veemência e um sorriso feliz.
— Não se preocupe, eu não gosto dos meninos.
John e Clarisse se entreolharam, pigarreando baixinho. Lucy apenas
riu, tocando o rostinho alegre da irmã.
— Eu sei, meu bem — ela sussurrou e Joanna concordou. — Eles só
servem para pegar coisas nas prateleiras altas. E me desculpe se fui rude
com você essa semana. — Lucy lhe beliscou a bochecha. — Agora estou
melhor.
— Já me acostumei — Joanna suspirou, dramaticamente. — Acho
que o duque está chateado de tanto esperar.
Lucille virou-se para Aiden, que a esperava do lado de fora de seu
coche, de pé e bastante indiferente. Lucy poderia ficar horas se despedindo
que ele continuaria oco daquele jeito. Mas ela também queria logo ir
embora, se ficasse por muito tempo ali arrumaria uma forma de fugir de
suas novas responsabilidades.
Despediu-se outra vez dos pais e da irmã cheia de beijos e abraços
calorosos e olhou para seu mais novo marido. Marido. Que sentimento
estranho borbulhou na barriga dela, como se grilos estivessem saltando lá
dentro de forma bem desconfortável.
Respirou fundo e assentiu para Aiden, indo para o seu coche junto
de Gwen e encarando o forro azul-marinho. Os cavalos se moveram e o
carro andou, levando-a, finalmente, para longe de sua antiga vida, que, há
uma semana, era a única que conhecia.
***
***
***
***
***
— Gwen, ele tem uma filha! — Lucille exclamou, assustando a
criada que abria os baús no quarto da falecida duquesa. — Uma filha!
Igualzinha a ele!
— Ela é bastante adorável, madame…
— Meu Deus… — Lucy caminhou até a janela e olhou para um
enorme gramado cheio de arbustos altos. — Ele é viúvo, então… Quantos
anos deve ter a menininha? Perder a mãe assim, tão miúda, que terrível…
— Quatro anos, senhora. Mas me parece tão menorzinha… —
Gwen abraçou um dos xales da patroa, com as sobrancelhas franzidas em
preocupação.
Lucille balançou a cabeça em negação, andando de um lado para o
outro. Havia sido enfurnada naquele quarto enorme e de paredes amarelas,
o quarto de sua falecida sogra. Realmente precisava trocar de roupa e
esperar para o jantar, que seria em duas horas, mas ser exilada naquele
cômodo não foi nada cortês.
Falaria com o duque, perguntaria sobre a sua falecida esposa. Talvez
fosse por causa de tantas perdas em família que ele havia se tornado um
homem frio. Primeiro o pai, depois a mãe, finalizando com a esposa.
E ninguém em Londres sabia daquilo? Colecionar bonecas agora
fazia todo o sentido. Tudo o que ele comprava era para a filha, mas quem
desconfiaria? Bastava dizer que o homem havia ficado louco com a morte
dos pais e ninguém reclamaria se ele quisesse gastar rios de dinheiro. Mas
ainda lhe parecia muito estranho o fato de ninguém saber que ele tinha uma
filha pequenina. Nem que fora casado!
Lucille suspirou, sentindo-se ofendida por ele não ter contado que
tinha uma filha. O que ele pensou? Que ela fosse desistir de casar? Lucy se
casou por causa da família, não desistiria de protegê-los devido a uma
criança órfã de mãe. Uma criança que não tinha culpa de nada.
Mas ela não poderia descartar o fato de que ele resolveu se casar
uma semana antes da então cerimônia. Os criados não sabiam quem era
Lucy e tampouco estavam preparados para recebê-la. A julgar pelo quarto
da duquesa, que estava fechado desde a morte da mulher e cheirando a
poeira. Por sorte, os móveis estavam limpos e a cama arrumada com lençóis
perfumados, graças à eficiência dos serviçais.
— A senhora deveria descansar um pouco antes do jantar, madame
— Gwen disse, condolente. — Vou terminar de arrumar tudo para a
senhora. Não se preocupe que eu a acordarei.
Lucy aquiesceu, precisava mesmo dormir em um quarto de verdade
e em uma cama com lençóis macios. Depois do jantar ela conversaria com o
marido, mas antes precisava apenas de uma soneca para suprir as noites mal
dormidas em hospedarias assustadoras.
***
***
***
***
Querida mamãe,
Cheguei em Greenhill e o lugar é imenso, maior do que qualquer
propriedade a qual já tive a oportunidade de ir. Os jardins parecem ser
lindos e tenho uma visão privilegiada em meu quarto, mas pretendo
conhecer a herdade com o tempo e até visitar aquela cidadezinha
microscópica chamada North Haven, que fica a uma hora de distância.
Falando sobre a opulência de Greenhill, não tenho dúvidas de que o duque
tem dinheiro o suficiente para não precisar das cem mil libras do papai. A
propósito, o casamento foi feito para que eu fosse mãe de uma criança já
nascida. Ele pouco estava interessado na dívida, queria apenas arrumar
um casamento o mais rápido possível. O nome dela é Thomasina, mas
gosta de ser chamada pelo apelido Tamsin como se fosse o nome de
verdade dela. Nascida de um interlúdio irresponsável do duque com uma
criada temporária, veja só. Estou aqui para servir de mãe e para livrar a
menina das fofocas. Ele não coleciona bonecas, inclusive, é tudo para a
menina. É uma criança bonita e saudável, ruiva como o pai e de quatro
anos. Logicamente, ela está com ciúmes dele, mas estou decidida a
conquistá-la. Não me restam dúvidas de que ela é amada pelo pai e isso me
deixa menos propensa a achar que ele é um homem terrível, mas ainda
assim não consigo pensar que terei um casamento civilizado com ele. Ele
me irrita terrivelmente a ponto de eu tê-lo estapeado noite passada. Mas
não se assuste, o duque nada fez comigo depois disso e nem antes. Sei que
ele não vai me ferir fisicamente, mas suas palavras carregadas de zombaria
me magoam verdadeiramente. Principalmente quando ele trata Michael
com desdém. Farei o possível para conhecê-lo melhor, mas, por enquanto,
não quero vê-lo. Por favor, não se esqueça de entregar minha carta a
Michael. E mande lembranças para o papai e para Joanna, diga que estou
bem.
Em breve escreverei mais, assim que conhecer melhor o lugar.
Com muito amor,
Lucy.
***
***
Cem mil libras naquele momento lhe cairiam bem na conta. Aiden
tinha um projeto em mente para a valorização de sua herdade, algo que
deixaria seu pai orgulhoso de tudo o que lhe tinha ensinado.
Já era início de tarde quando ele deixou as plantas de lado e se
recostou na cadeira, virando-se para olhar pela janela e avistar Tamsin e a
Srta. Pilgrim passeando com Max. Bom, o cachorro estava descansando no
meio do caminho e Tamsin estava no colo da babá, conversando com ela
animadamente.
Aiden sorriu sozinho, coçando a sobrancelha e pensando se seu
casamento com Lucille fora certo para o futuro de Tamsin. De fato, ela
precisava de uma mãe para ser aceita e poder ir finalmente para Londres e
conseguir um bom marido quando crescesse. Aiden queria que ela
conhecesse a cidade, não apenas ser visitada pela família e pelos amigos do
pai. Queria que ela fosse legítima.
A menininha só conhecia Greenhill e seus arredores, o mais distante
que já foi era York, para visitar sua tia Charlotte e o marido Lewis. Não
podia ir até a casa de seus outros tios, já que moravam todos em Londres.
Aiden temia levá-la até a capital e deixá-la ser vista por alguém e virar
assunto para crueldades das fofoqueiras.
Ainda pensando em seu casamento com Lucille, Aiden sabia que
Tamsin amava mesmo a Srta. Pilgrim, apesar de dizer que sabia que a babá
não era a mãe dela, aquela jovem ama era quem estava com ela desde os
dois anos. Ele tinha de fazer com que Lucille e Tamsin se tornassem amigas
e, com o tempo, ficassem próximas uma da outra. Com os anos, é claro que
Tamsin a teria como mãe, principalmente quando seus irmãos nascerem.
De novo, ele estava pensando em ter filhos com Lucy. Fazê-los, na
verdade. E sabia que a mulher não queria vê-lo nem pintado de ouro. Ou
vestido de Michael.
Ele riu sozinho. Que merda de vida. Se casou para ter filhos com
uma mulher que não queria nem o olhar. Como teriam herdeiros? Aiden não
poderia continuar sonhando que arrancava aquelas chemisettes ridículas e
contava as sardas nos seios de Lucille, para depois conhecer o seu
maravilhoso ventre virginal.
E acordar.
Nada pior que desejar uma mulher que não lhe causa nenhuma
afeição. Suas duas cabeças estavam em conflito, infelizmente.
Ouviu algumas batidas contra a porta pesada do escritório, tirando-o
de seus devaneios conflituosos.
— Entre.
— Espero não incomodar.
Ele se empertigou com a voz cadenciada de Lucy, doce demais se
comparada com a noite anterior, em que ela quase explodiu de raiva. Mas
não se moveu, era melhor se não a olhasse.
— Pensei que quisesse manter distância de mim.
— Mudei de ideia. — A voz estava cada vez mais perto. — Posso
me sentar aqui?
Ele assentiu, virando-se para olhar Lucille sentada em frente à sua
mesa. A luz que vinha da enorme janela a iluminava uniformemente, dando
um brilho avermelhado aos cabelos castanhos e fazendo suas sardas
aparecerem ainda mais.
— Aqui é bem bonito. — Lucy olhou ao redor, admirando os
quadros e a luz natural que entrava no escritório. — Muito bonito.
Como você, querida irritante.
— O que está fazendo? — ela perguntou, inclinando-se sutilmente
na mesa. — São plantas da herdade? Posso ver?
Aiden indicou a mesa com um aceno desanimado e Lucille sorriu
animada, iluminando todo seu rosto quando ela virou as plantas para si.
Ele tentou ignorar o quão bonita ela ficava com a luz do sol. A pele
de alabastro parecia reluzir como se ela fosse uma sereia se banhando na
beira de um rio, pronta para transformá-lo em pedra.
— Parece que é ainda maior do que eu imaginava… — Lucy
comentou, encantada com o tamanho da herdade. — Eu vi esse labirinto
pelo meu quarto, mas parece que há umas grutas também. Uma pena que eu
não consiga enxergar tão bem de longe.
— Há todo o tipo de coisa por aqui — ele explicou, breve.
Lucille aquiesceu e pegou outra planta em que uma pequena vila
estava desenhada. Eram seis chalés juntos e uma pequena fazenda ao fundo.
Ao lado da planta, havia um desenho-modelo do chalé, com flores nos
jardins frontais e folhas subindo pelas muretas de pedra de forma bastante
pitoresca.
— Você quem fez isso? Está tão bem-feito, troglodita.
Aiden bisbilhotou o que ela olhava e assentiu, olhando para a
chemisette de renda que ela usava. Conseguia ver o pingente entre os seios
pequenos dela.
Engoliu em seco. Parecia que havia anos que não se deitava com
uma mulher.
— Você desenha bem — Lucy disse, estranhamente bem-humorada,
olhando os esquadros, réguas e compassos. — E o que é essa vila? É tão
pequenina.
— Para os criados — Aiden respondeu. — Se reproduzem como
coelhos.
— Não seja vulgar — ela disse, com um tom levemente autoritário,
o que causou um sorriso enviesado em Aiden que controlou o riso. — Nós
aristocratas também parecemos coelhos.
— Não posso negar.
Lucille riu sozinha e passou as plantas, olhando as internas do
modelo de chalé.
— Imagino que alguns criados moram em North Haven, não? Os
que casaram e tiveram filhos — ela observou, passando as plantas e as
analisando. — Isso é bem interessante… Como você gerencia o cassino
vivendo tão longe? E ainda há os assuntos da herdade e os de Tamsin.
— Gosto de me manter ocupado — Aiden explicou, olhando sua
pena e a girando em seu dedo. — Quanto ao cassino, meus sócios me
mantêm informado e faço visitas regulares.
— Hum… — foi tudo que Lucille disse antes de se arrumar na
poltrona e olhar as próprias mãos. — Eu posso ir até lá um dia?
— Ao cassino?
— Sim.
— Não — Aiden respondeu, colocando um calcanhar sobre o outro.
— Não é um lugar para mulheres.
— Ora, não me venha com essa conversa de macho irritante. Eu sou
a sua duquesa, é como se eu fosse a rainha daquele lugar.
Aiden ergueu uma sobrancelha, virando-se o suficiente para olhar
Lucille, que estava corada de tão ofendida.
— Eu não sou o rei, infelizmente.
— Certo, então somos príncipe e princesa. Continua sendo mais
importante que duque e duquesa.
Ele não respondeu, ignorando Lucille com um resfolegar baixo.
— Ah, o que custa? — Lucy perguntou, um tanto manhosa. — Eu
sempre quis fazer algo de errado na vida. Entrar num cassino deve ser
revigorante. E o cassino é do meu marido, que mal tem?
— Esqueça, Lucille.
Ela bufou de forma nada elegante, cruzando os braços e olhando
seus pés escaparem da bainha do vestido.
Decidiu mudar de assunto.
— Fui à galeria hoje e… sua mãe era muito bonita. Seu pai também,
era bastante parecido com o Matthew. Mas sua mãe é como a Vênus.
Aiden abriu um sorriso pequeno, assentindo sem tirar os olhos da
pena.
— Charlotte se parece com ela — ele disse, distante de Lucy, a voz
baixa e soturna — No comportamento também.
— Como é a sua irmã?
— Uma boa garota, doce e inteligente. Uma erudita, gosta de
botânica… Uma pena que não viva mais aqui. Casou-se de primeira,
clamando amor pelos cantos… Tolice.
— O que há de tolo no amor? — Lucy perguntou, baixo e chateada.
— Imagino que você ame Tamsin.
— Não falo sobre esse tipo de amor — Aiden se levantou, pegou
sua casaca marrom no encosto da cadeira e caminhou em direção à porta.
— Vou até a cidade. Volto para o jantar.
Lucille assentiu desnorteada, vendo-o bater a porta do escritório e
deixá-la repentinamente. Será que ela falou algo de errado?
Lucy suspirou, debruçando-se sobre a mesa e deslizando o dedo
pelas plantas. Não deveria ter falado da mãe e nem falado de amor como se
fossem íntimos para conversarem sobre aquilo. E se fosse algo assim que o
fazia distante? Ele era tão doce e leve com Tamsin, mas tão duro com
Lucille. Tão frio e distante. Mas que injustiça, fora ela quem se casou à
força! Era ela quem deveria ficar raivosa e resmungona, lacônica sempre
que ele falasse com ela.
Mas não. Era ele quem estava sendo um chato.
Lucy mudaria aquilo, seria sua atividade em Greenhill. Transformar
o duque inteiro na metade do que ele era com Tamsin.
***
***
Aiden acordou assim que o sol raiou e deixou o quarto o mais rápido
que podia, não olhando a visão de Lucille deitada em sua cama, com a
camisola bagunçada e deixando metade de suas pernas à mostra. Passara o
resto da madrugada atento à presença dela ao seu lado, o cheiro suave de
seus cabelos castanhos que estavam espalhados pelo travesseiro e os
suspiros baixinhos que ela dava enquanto dormia. Lutara a noite toda contra
a vontade que sentiu de abraçá-la e sentir o aroma de sua pele, como um
animal que encontrou a perfeita fêmea. Aiden já estava farto das prostitutas
e elas já estavam cansadas de ver a carranca dele, não importa o quão bem
ele as pagava.
Desde que vira Lucille, parecia desejar apenas ela, em vão. O que
tornava as belas damas de North Haven obsoletas, com seus gemidos falsos
e elogios vazios. Além do mais, já tivera problemas demais com as
prostitutas quando uma acabou apaixonada por ele. Logo a mais bonita, que
ele teve de deixar por conta daquele infortúnio sentimental. A culpa não era
dele se a moça se confundiu só porque ele ia até lá toda hora.
Deveria parar com aquilo, ele sabia.
Infelizmente, parecia que iria mais vezes ao bordel agora que
Lucille apareceu em sua vida, cheia de delicadeza e beleza, destruindo seus
nervos e acabando com seu controle. Se ela dormisse na mesma cama que
ele novamente, Aiden não saberia se poderia se controlar. Se conseguiria
controlar o desejo que tinha de abraçá-la e sentir seu corpo junto ao dele
calorosamente, no abraço mais amoroso que poderiam compartilhar. Desejo
esse que ele jamais confessaria, que guardaria consigo bem fundo naquele
coração de pedra.
Acordara pensando em ir até as damas que sempre o recebiam de
braços abertos, mas ele sabia que não era desejo ou vontade de sexo. A
questão era bem mais complexa e ele o estava encobrindo com as poucas
prostitutas de North Haven, já que não podia mais ocultá-lo com o álcool.
Aquilo era vergonhoso, todos na cidade o achavam um degenerado. O
duque degenerado, viciado em prostitutas e que vivia sozinho em um
palácio enorme somente com sua filha pequena, fruto da devassidão de um
bêbado deprimido. Não era aquilo que ele gostava de ser, nem o que queria
que sua filha ouvisse.
— Papai, está me ouvindo?
Aiden saiu de seus devaneios profundos, piscando confuso e
olhando Tamsin balançar a mãozinha na frente do rosto dele.
Estavam passeando pela herdade quando Max ficou com sono e se
deitou no meio das flores. Cansado de esperar o cachorro acordar e vendo
que Tamsin não pararia de correr pela clareira, ele se sentou no chão e
passou a pensar em Lucille de camisola ao lado dele na cama.
— O que foi, meu anjo? — perguntou a Tamsin.
— Nada. Pensei que estava dormindo de olho aberto.
Aiden riu sozinho, dando batidinhas na barriga de Max, que virou as
patas para cima em um pedido de carinho.
— O que está achando de Lucille, Tamsin?
— Não sei... — Ela deu de ombros, catando algumas pedras e as
levando para o pai. — Aqui.
Aiden as segurou, um bando de pedras achatadas que mais tarde
Tamsin levaria para casa.
— Você não a acha uma boa companhia?
— Um pouquinho. Papai, podemos ir até o laguinho?
— Podemos ir outro dia — ele respondeu, ganhando mais algumas
pedrinhas. — Você não acha que poderia ser amiga dela, Tamsin? Vocês
poderiam brincar juntas e comprar fitinhas, essas coisas de menina que você
gosta.
— É… Mas eu não sei, papai — a menininha disse, bastante
cansada, causando um riso discreto em Aiden. — Ela não vai para a casa
dela, não? Já faz um tempão que ela está aqui!
Dois longos dias.
— A casa dela é aqui, querida. Ela se casou comigo.
— Ah… E por que ela tem que morar logo aqui?
— Porque é aqui onde eu moro e ela deve morar com o marido.
— Hum… — Tamsin assentiu, andando pelas flores em direção ao
pai, onde se sentou e passou a montar as pedras uma sobre a outra, como
gostava de fazer. — Quando eu for adulta, vou me casar como a tia Charlie
fez, não é?
— É o que se espera, meu anjo.
— E não vou morar aqui?
— Se você ganhar um irmão, talvez ele more aqui com a esposa
dele. E se papai estiver vivo ainda, talvez você possa ficar aqui. Mas,
provavelmente, você viverá onde o seu marido quiser.
— E você tem que morrer? — Os olhos delas ficaram enormes e
molhados, enchendo como uma nascente.
Aiden riu baixinho, acariciando os cabelos de Tamsin. Aquela
criança e sua mania de chorar repentinamente e deixá-lo perdido.
— Eu não vou morrer agora, está tudo bem. — Ele riu, puxando-a
para seu colo antes de encher seus cabelos ruivos de beijos. — Eu vou
morrer quando eu estiver bem velho e cansado.
— Mas eu não quero. — Tamsin se debulhou em lágrimas,
enfiando-se no sobretudo amarelo de Aiden. — V-Você tem que viver para
sempre!
Ele gargalhou, apertando a filha nos braços e dando batidinhas
amistosas no traseiro dela.
— Eu não vou morrer, Tamsin. Levante, vamos procurar algo para
dar para Lucille. Vá, levante.
— Não — ela disse, chorosa, acomodando-se e se enrolando dentro
da casaca dele. — Quero ficar aqui…
— Tudo bem, fique aí então. Voltando ao assunto, eu acho que você
deveria ser mais gentil com a Lucille. Acho que ela gostaria de ganhar um
presente seu e ver que você se importa com ela.
— E-Eu vou pegar uma flor para ela, então… — Tamsin murmurou
por detrás do pano.
— Flores não. Elas deixam Lucille doente — Aiden explicou,
afagando os braços de Tamsin carinhosamente. — Faça um desenho, o que
acha? Peça para a Srta. Pilgrim ajudá-la. Lucille vai gostar.
***
***
North Haven não era lá tão fim de mundo assim. Durante o curto
trajeto dentro da carruagem Lucille pôde ver algumas mulheres com roupas
bonitas e de acordo com a moda. Claro que nada era muito extravagante e
afetado.
A cidade era bonita e aconchegante, havia um bocado de padarias e
tabernas servindo tortas e pudins, parecia ser algum tipo de especialidade
local. Havia uma igreja, uma bela praça, duas estalagens aconchegantes,
uma taberna de índole discutível e um salão grande onde uma porção de
cartazes estavam colados com os mais diversos avisos.
— Veja, Gwen, tem um salão.
A camareira inclinou a cabeça para olhar pela janelinha.
— A Srta. Pilgrim gosta dos bailes de lá — Tamsin disse, distraída,
brincando com o laço do vestido. — Ela vai com o namorado dela.
Gwen e Lucille se entreolharam, controlando um risinho.
— Você sabe o que é um namorado? — perguntou Lucy.
— Não sei. — A menorzinha deu de ombros. — Mas é nos bailes
que se conhecem namorados, foi o que o papai disse. Ele falou que vai
mandar prender todos os meninos dos bailes quando eu virar adulta e nunca
terei um namorado.
Lucille deu um muxoxo de desagrado. Pelo menos, a menina ainda
era pequena demais para saber o que era um namorado e o que significava
ser proibida de ter um.
— Seu pai pensa que é o próprio Rei.
Tamsin nada disse, balançou a cabeça e roeu a unha do dedão antes
de sugar o próprio polegar, que foi delicadamente retirado por Lucy. Uma
menininha daquela idade chupando dedo? Nada disso.
— Não roa as unhas, querida, dá dor de barriga.
Tamsin limpou o dedo babado na saia do vestido e assentiu.
Lucille dispensara a Srta. Pilgrim de acompanhá-las até a cidade.
Lucy era a madrasta e não queria uma babá atrapalhando seus momentos
com Tamsin, não agora que a menina estava inclinada a amizades.
Acompanhada apenas de sua criada, as duas se deslocaram até North
Haven para visitar algum armarinho. Lucy bordaria para Tamsin, da mesma
forma que sua mãe fizera com ela.
A carruagem ducal parou em frente a um aconchegante armarinho,
chamando a atenção de alguns poucos transeuntes locais. Sr. Branson abriu
a porta e a ajudou a descer, descarregando Tamsin e descaradamente
segurando a mão de Gwen quando chegou a vez de a criada descer.
A camareira ficou vermelha feito um tomate e Lucille fingiu não ver
os dois trocando olhares apaixonados.
— Animada? — Lucy perguntou para Tamsin, que estava um tanto
desmazelada depois de ficar dentro da carruagem. — Venha aqui, deixe-me
arrumar seu chapeuzinho.
A menininha deu dois passos até Lucille, que se abaixou um pouco e
firmou o laço que prendia o chapéu de Tamsin no lugar.
— Obrigada — ela disse, educadamente, e Lucille sorriu radiante
com tanta doçura. — Posso segurar sua mão?
— É claro que pode, benzinho — Lucy sorriu ainda mais, sentindo-
se tocada por dentro quando a mãozinha de Tamsin tocou a sua. — Vamos?
Tamsin sorriu e assentiu, entrando no armarinho com Lucille. A
balconista levantou os olhos ao som da campainha e ergueu as sobrancelhas
ao ver quem eram as clientes. Imediatamente, a mulher passou para frente e
reverenciou Lucille respeitosamente.
— Olá, sou a nova duquesa — Lucy se apresentou. — Imagino que
saibam que o duque se casou.
— É um imenso prazer recebê-la, Vossa Graça — a mulher disse,
nervosa. — A cidade inteira está feliz pelo casamento da Sua Graça. A Sua
Graça é sempre muito generoso com os moradores que vivem em suas
terras.
Lucille agradeceu com um leve e decoroso inclinar de cabeça.
— Em que posso ajudá-la, Vossa Graça? — a balconista perguntou,
ansiosa.
— Fitas! — Tamsin exclamou, puxando o braço de Lucille e
sorrindo animada.
A vendedora sorriu nervosa, alisando seu vestido de modo
energético.
— Imagino que essa seja a prestimosa Lady Tamsin, a f-filha de Sua
Graça. — Ela olhou para a menininha com um sorriso trêmulo.
— É, sim, minha cara senhora — Lucy disse, em um tom sério,
puxando Tamsin para si e a segurando cuidadosamente pelos ombros na sua
frente, mantendo-a protegida. — É minha filha também.
Tamsin olhou para Lucille com os olhos castanhos arregalados,
fazendo com que o seu chapéu se entortasse para o lado. Lucy afagou os
ombros da pequenina, abrindo um sorriso afável para ela para depois olhar
para a balconista, que engoliu em seco.
Como aquela mulher ousava? Olhar para Tamsin como se ela fosse
uma bastarda qualquer, como se fosse uma criança de menos valor que as
outras. Lucille ficou enraivecida com aquilo e sentiu seu sangue ferver.
Tamsin era legítima agora, era bom que aqueles plebeus parassem de olhar
a pobrezinha com temor.
— Estou sem artigos para bordar, então gostaria de ter tudo que for
possível — Lucille disse, inspirando e abrindo um sorriso novo e contente.
— Dois metros de algodão branco e um metro de musselina branca. Botões
brancos e pequenos, também.
— É claro, madame. Irei juntá-los para a senhora. Fique à vontade
para ver as fitas que Lady Tamsin deseja.
Lucy agradeceu em silêncio, esperando a mulher se atarefar
buscando tudo o que ela pedira.
— Eu estava pensando em levarmos um monte de fitas, o que acha?
— ela perguntou, ganhando a atenção de Tamsin, que olhava os rolos
pendurados em uma parede. — Uma de cada cor, que tal?
— E rendinhas? Para pôr no Max, ele gosta de rendinhas na coleira
— Tamsin explicou, apontando para rolos de renda perto das fitas.
Lucille riu, crente de que o cachorro não se importaria com nada que
lhe fosse colocado na coleira.
— Certo, rendinhas para o Max — ela aquiesceu, caminhando até as
rendas e analisando algumas.
Tamsin sorriu animada, indo até Lucy e abraçando suas pernas
repentinamente. A menininha levantou o rosto, deixando o chapéu cair para
trás e ficar pendurado em seu pescoço.
— O que foi? — Lucy perguntou, risonha, colocando o chapéu no
lugar.
— É divertido brincar com você — ela explicou, com um enorme
sorriso, apertando o abraço que dava nas pernas de Lucille. — O papai não
gosta de nada disso.
— É que o seu pai é um troglodita — Lucy explicou, baixinho,
abaixando-se de forma nada aristocrática e beliscando o nariz pequenino da
enteada. — Isso significa que ele só gosta de comer barro, fazer cocô e
resmungar.
— Eca, eu não gosto de cocô! — Tamsin franziu o nariz em nojo e
riu alegremente.
Lucille gargalhou, levantando-se e esperando a balconista aparecer
para pedir as medidas das fitas e das rendas.
Compraram tudo o que precisavam e foram embora do armarinho
com dezenas de caixas e tecidos para costurar novos vestidos para bonecas.
Na carruagem e a caminho de casa, Lucille pensou na forma como a
balconista olhara para Tamsin. A pobre menina estava feliz demais com
todas as suas fitas para se atentar ao olhar torto da mulher, inocente demais
para saber que era errado ter nascido fora de um casamento.
Questionava-se se Tamsin sentia falta da mãe que nunca teve, se
perguntava por ela ou se precisava dela.
A menina era tão boazinha para aquilo tudo. E como seria quando
fosse para Londres? Lucille ficava preocupada só de imaginar. Um dia,
Tamsin cresceria e olharia o mundo de outro modo. Escutaria palavras
maldosas sobre suas origens, teria de manter-se na linha, defender-se das
pessoas ruins.
Com um sorriso inocente, Tamsin pegou uma fita de cetim laranja e
mostrou para Lucille, tirando-a dos devaneios.
— Essa vai ficar bonita no seu cabelo — ela disse, feliz, entregando
a fita para Lucy. — Mas vou escolher outra.
— Está bem. — Lucy abriu um sorriso pequeno e tristonho para a
menininha, vendo-a muito atarefada em sua caixa cheia de fitas. — Pegue
outra, minha querida…
Tamsin assentiu, pegando um punhado e procurando uma de seu
agrado. Puxou uma azul, mas não gostou. Depois uma branca, mas também
não gostou.
— O papai disse que você vai morar aqui para sempre, é verdade?
— perguntou a menina, olhando curiosa para Lucy.
— Sim, agora moro aqui — Lucille explicou.
— Então vamos para a cidade de novo? E vamos brincar mais vezes
quando chegarmos em casa?
— Vamos, sim. Sempre que quiser. Estarei aqui sempre para brincar
com você.
Radiante, Tamsin abraçou Lucille espontaneamente. Lucy sentiu
uma inusitada vontade de chorar por pensar que as pessoas em Londres
falariam pelas costas de Tamsin.
Com o coração apertado, ela retribuiu ao abraço. Mesmo que ela e
Aiden jamais se tornassem amigos, ela faria o possível para ver Tamsin
crescer feliz e com uma mãe.
***
Tarde da noite, quando foi se deitar, Lucy pensou no dia que passara
ao lado de sua enteada. Parte sua estava muito feliz de ter proporcionado
um momento somente de meninas para ela, mas outra estava triste por saber
que as pessoas da cidade não eram tão receptivas acerca de Tamsin e a
forma como ela fora concebida.
Lucille se desfez do robe, sentando-se na beira da cama e olhando
por sobre o ombro Aiden ler alguns papéis. Ele a mirou de soslaio,
constrangendo Lucy, que passou a mão pelo braço nu com o intuito de
escondê-lo.
— Hoje eu e Tamsin fomos à cidade… — ela comentou, entrando
debaixo do cobertor e se sentando contra a cabeceira.
Aiden assentiu, passando as folhas. Lucy bisbilhotou e viu que era
uma porção de cláusulas de difícil leitura.
— Pode me dar atenção por um momento, Aiden?
Ele abaixou as folhas, piscando devagar e olhando para Lucille em
sua camisola branca e de mangas curtas. Ela estava com o cabelo solto e
Aiden pôde medi-lo até abaixo dos ombros, caindo até os seios da esposa,
que ficavam um tanto visíveis pela transparência do pijama.
— Hoje a balconista olhou para Tamsin como se ela fosse algo de
ruim.
Os olhos azuis dele aumentaram e suas sobrancelhas se uniram em
uma expressão zangada.
— Sabe que me ter aqui não adianta, não é? — Lucy perguntou,
preocupada. — Falarão pelas costas dela do mesmo modo.
— Ter uma madrasta melhora as coisas — ele respondeu, sério,
levantando-se e andando até uma das janelas. — Tamsin percebeu o olhar
da mulher?
— Não… Mas quando ela crescer, ela vai perceber. Quando ela
debutar e tiver de encarar a sociedade, esperar que algum bom homem não
ligue para as fofocas.
— O filho de Matthew pode protegê-la — Aiden disse, tenso,
tocando sua sobrancelha nervosamente. — Mas… quando ela debutar, ela
pode ficar esquecida naqueles bailes idiotas. Pode não se casar, talvez.
Lucille lamentou em silêncio, olhando impotente para as mãos em
seu colo.
— Alguém gostará dela nos bailes, mesmo que demore um pouco…
Aiden a olhou de soslaio, voltando a encarar seu reflexo na janela.
Lucille estava murcha na cama, os ombros encolhidos e os olhos, sempre
cheios de vida, tristes.
— Você não era uma das mais populares na sua época, não é?
Lucille assentiu, tristonha, abaixando a cabeça.
— Meu dote era muito pouco, você deve ter visto… Meu cunhado
James me deu vinte mil libras de presente para somar ao meu dote e deu
trinta mil para Joanna, ele é um homem muito carinhoso comigo e com ela.
Mas meu pai as apostou depois de beber um bocado… Minha mãe ficou
furiosa, os dois brigaram tanto que eu pensei que fossem parar de se falar. O
dote da Joanna foi todo embora e do meu só sobrou um pouquinho, a fofoca
se espalhou pelos clubes e todo mundo zombava pelas minhas costas. Meu
pai não aceitou outra oferta do meu cunhado, ficou envergonhado.
Aiden lamentou em pensamentos, assim como também quis socar
John. Se soubesse daquilo tudo, jamais permitiria que o deixassem entrar no
Sister Mary.
— Sua irmã está sem dote para quando debutar?
Lucille fez que sim.
— Mas logo ela tem um novo — Lucy explicou, rapidamente. —
Ainda faltam alguns anos.
— Darei um dote a ela, mas ficará na posse de sua mãe.
Lucille arregalou os olhos.
— Não posso aceitar isso.
— Sou seu marido — Aiden respondeu, sério. — Portanto, ela é
minha irmã por lei. Não vou deixar que a menina fique mal falada por causa
de dinheiro.
Lucy assentiu, mas o coração estava aliviado.
— Agora, termine sua história, quero saber a quem mais eu devo
matar ou dar dinheiro.
Ela riu com o tom sério dele. Era quase como se se preocupasse com
ela.
— Coisas normais — ela continuou, bastante cabisbaixa. — Não
sou do jeito que os homens gostam.
— Que tolice! — Ele deu um muxoxo impaciente. — Já lhe disse
que é uma moça bonita. Tenha mais confiança, Lucille. É uma duquesa.
— Os homens preferem as loiras de seios grandes… Duquesas ou
não.
Aiden riu sozinho, voltando para a cama e pegando seus papéis para
voltar a avaliação.
— Imagino que essa seja mais um tipo de lição da Escola das
Maricotinhas.
— Minhas irmãs me contaram, na verdade — Lucy deu de ombros,
bastante constrangida com aquela conversa. — Elas são loiras e… bem-
dotadas. E se casaram com menos de um ano de temporada.
— Garanto-lhe que os homens têm os mais variados gostos —
Aiden meneou a cabeça, deixando uma folha de lado e analisando outra. —
Há quem goste das mulheres de proporções delicadas e cabelos escuros.
Lucille escorregou para debaixo do cobertor, deitando-se de costas
para Aiden.
— Como é a mãe de Tamsin?
Ela ouviu o som dos dedos dele virando as folhas lentamente.
— Um pouco magra, cabelos castanhos e cacheados. Sardas no
nariz e, principalmente, nos seios. Adoráveis seios, inclusive.
Lucille resfolegou baixo, rindo sozinha e se arrumando no
travesseiro. Seu rosto corou e ela sorriu, levando os dedos até os lábios e
cobrindo seu sorriso.
— Não seja tolo, diga-me a verdade.
Lucille jurou tê-lo visto rir enquanto folheava os papéis.
— Uma jovem um tanto gorduchinha, mas muito bonita. Ela sabia
que era bonita. Imagino que Tamsin ficará como ela quando crescer.
— Ela será popular durante a temporada, eu sei que sim.
— Para o meu sofrimento.
Lucille riu e se aconchegou nos travesseiros.
— Boa noite, brutamontes. Até amanhã.
Capítulo 13
— Vossa Graça!
Gwen vinha correndo atrás de Lucille antes de ela entrar na
biblioteca para começar a garimpar o local em busca de bons livros.
Já fazia uma semana e dois dias que Lucille estava em Greenhill.
Sua relação com Tamsin estava boa, as duas brincavam diariamente com as
bonecas para quem Lucy bordava e costurava vestidinhos – tudo muito feio,
já que ela era péssima com agulha e linha. Mas feitos com amor. Isso
quando não faziam extensas festas do chá repletas de bolinhos. A
menininha parecia mais contente ao lado da madrasta, mas era uma criança
atarefada com tantos tutores, o que fazia seu tempo com Lucille ser escasso.
Mas ela mudaria aquilo em breve, falaria com Aiden sobre Tamsin ainda
estar muito pequena para ter tantos tutores, diria que gostaria de passar mais
tempo com ela. Talvez um piquenique juntas. A enteada estaria bem apenas
com a alfabetização, o francês e o piano que ela tanto gostava. E
matemática, é claro.
Ainda não havia recebido uma resposta de sua mãe, mas aquilo não
a preocupou. A mulher deveria estar atarefada ao levar todos os criados
para Kent. O que a deixava mais ansiosa era saber o que Michael
responderia quando ele voltasse. Se ele responderia, pois poderia muito bem
não responder e odiá-la.
No final daqueles dias, ela já havia conhecido grande parte do
palácio, mas não todas as acomodações. Não havia conhecido os jardins
ainda. Fora até um dos lagos da propriedade, mas ficou muito cansada com
a subida e voltou para casa para cochilar. Ainda esperava que Aiden a
guiasse, como ele mesmo dissera que o faria quando ela perguntou sobre a
herdade.
— Que euforia é essa, Gwen?
A camareira respirou fundo, levando a mão ao peito e sorrindo
animada para a patroa com a mão na maçaneta da porta.
— Oh, madame, soube de algo que vai animar a senhora!
— É mesmo? — Lucy perguntou, cruzando os braços. — O que é?
— Vai acontecer um baile público em North Haven sábado, pensei
que a senhora gostaria de ir.
— Baile público? — Lucille não pôde conter o desdém na voz.
Lucy nunca fora em um baile público, ela era a filha de um
visconde. Ia a bailes formais, com convidados selecionados e com gente de
boa estirpe. Não um baile aberto aos plebeus.
— E-Eu sei que a senhora costuma ir a eventos de mais renome…
— Gwen disse, nervosa. — Mas é que a senhora anda sem muito o que
fazer aqui … E o baile é público, mas em North Haven há donos de terras
com muitas posses.
— Há? — Lucy ficou interessada e descruzou os braços. — São
ricos, então?
— Não como a Sua Graça, o duque, madame.
— Certamente que não, esse homem vive de apostas — ela
resfolegou ao pensar no marido. — Mas são notavelmente bem de vida?
— Com absoluta certeza. Além desses homens, há um baronete,
madame.
— Um baronete não é lá essas coisas. — Lucille balançou a cabeça,
pensativa. — Suponho que eles sejam casados, não? Que tenham esposas
que saibam conversar… Talvez eu possa me enturmar com essas senhoras,
mulheres que conheçam as mesmas coisas que eu. Sinto-me tão só aqui
nesse palácio.
Gwen assentiu, abrindo um sorriso singelo. Lucy riu baixinho, sua
camareira só a queria ver fazendo o que ela costumava fazer em Londres.
— Muito bem, parece que esse baile público pode ser uma atividade
encantadora. — Ela abriu um sorriso pequeno. — Mas eu não posso ir
sozinha e o duque jamais iria a uma coisa dessas, ele é um monstrengo
misantropo.
— É… — Gwen lamentou, embora não devesse concordar com sua
lady falando mal do próprio marido. — Mas a senhora pode tentar,
madame. Os homens sempre gostam do charme das moças bonitas.
— Falarei com ele mais tarde. Acho que realmente preciso dançar
um pouco… e conhecer pessoas novas. Obrigada pelo aviso, Gwen.
***
Lucille respirou fundo, olhando para os lados e vendo que o criado
no corredor estava cochilando. Ela rapidamente enfiou a mão por dentro do
vestido, prendendo a respiração para que sua mão passasse por dentro do
decote alto e chegasse até o laço da chemisette. Lucy inspirou ainda mais,
encontrando-se em uma posição contorcida nada elegante enquanto tentava
tirar sua chemisette cheia de babados. Isso se seus seios não pulassem para
fora quando ela tentasse se livrar daquele pedaço de pano casto que
atrapalharia seus planos.
Arrancou o acessório violentamente, acordando o criado, que levou
um susto e rapidamente reverenciou Lucille. Ela escondeu a chemisette nas
costas e cumprimentou o jovem com um aceno de cabeça. Quando o rapaz
se virou para frente, Lucy jogou a peça de roupa pela janela, fazendo-a cair
sabe-se lá onde no jardim. Talvez na cabeça de um criado, que ficaria
abobalhado.
Tocou o decote nu e arrumou o vestido, apelaria para a baixaria de
seduzir Aiden com um decote para ir até o baile. Ela precisava conhecer
pelo menos a baronetesa e se enturmar com pessoas da mesma classe que
ela ou iria à loucura vivendo isolada daquele jeito.
Abriu a porta pesada do escritório e viu Aiden de pé, olhando duas
plantas abertas sobre a mesa. Ele a olhou por sobre o ombro, voltando a
fitar para o trabalho.
— Aconteceu alguma coisa, Lucille?
— Não…
A voz dela saiu igual a um miado de gato e Aiden a olhou outra vez,
franzindo as sobrancelhas.
— Tem certeza?
Ela assentiu, caminhando afetadamente até ele e ficando do outro
lado da mesa. Lucille colocou as mãos no tampo de madeira e se inclinou o
suficiente para que Aiden visse o espaço entre os seios.
Aiden a olhou novamente, vendo o cacho que estava pendurado na
nuca de Lucille e que tocava seu pescoço sem chemisette.
— Eu tenho uma proposta, marido.
— Uma proposta? — ele perguntou, olhando o decote dela e
imaginando que tipo de coisa ele poderia colocar por ali. Beijos, muitos.
— Sim… — Ela se empertigou, dando meia volta e parando ao lado
de Aiden que ficou bastante rígido. — Que tal irmos ao baile que vai
acontecer em North Haven?
Aiden imediatamente voltou ao normal. Ele se afastou mais de
Lucille e se sentou em sua cadeira de chefe. Era bom que aquela mesa
enorme os separasse, Aiden não lidava bem com a proximidade de Lucille
toda lânguida ao seu lado.
— Não.
— Mas… — Lucy bufou, impaciente, afastando o tinteiro e os
materiais de desenho da mesa para se sentar no tampo. — Não podemos ir
uma vez?
— Não.
— Ora, Aiden, uma vez só — ela pediu, saindo de cima da mesa e
indo para o lado dele, cruzando os braços bastante emburrada. — Vamos
dessa vez, só para eu saber como é, e depois vamos embora. Prometo que
nem precisamos dançar.
Aiden virou o rosto, fitando a barriga de Lucille e desejando poder
contornar aquela cintura fina com seus braços, jogá-la na mesa e rasgar o
vestido. Beijaria toda a sua pele leitosa até chegar ao âmago quente de sua
feminilidade.
Se ela deixasse, é claro. E ele duvidava que deixaria.
— Não, Lucille.
— É só uma vez — Lucille disse, tristonha, puxando uma cadeira e
a colocando ao lado de Aiden para se sentar. — Uma vez só. Nós podemos
ficar só uma hora, se quiser. Meia hora! Eu só quero ir um pouquinho e
ouvir a música, ver as pessoas dançando… Só um pouquinho, Aiden.
Ele inspirou impaciente, tocando o rosto com a mão. Se ela pedisse
mais alguma coisa para ele naquele tom manhoso, Aiden iria se jogar pela
janela, transtornado com tamanha doçura.
— Um baile é tão importante assim?
— Sim! Por favor… Eu quero tanto ir… Só dessa vez, adorável
troglodita — ela suplicou, unindo as mãos na frente do rosto. — E eu quero
tanto dançar! Vamos, por favor? Não conheço ninguém, só você pode
dançar comigo.
Aiden respirou fundo, revirando os olhos e dizendo a contragosto:
— Vamos ficar só uma hora.
— Oh, obrigada! — Lucy se levantou animada, segurando o rosto
de Aiden e o apertando até seu nariz e sua boca ficarem amassados entre as
mãos dela. — Obrigada, monstrengo!
Aiden resmungou alguma coisa, a maioria palavrões que uma dama
jamais deveria ouvir, mas, passada uma semana e meia com ele, Lucille já
havia catalogado todos.
Lucy sorriu radiante, dando a volta pela mesa e indo empolgada até
a porta.
— A propósito, o baile é amanhã, feioso. — Ela acenou
animadamente e bateu a porta, deixando Aiden confuso e sozinho.
Parecia que ele iria a um baile. Depois de sete anos.
Um baile cheio de gente o olhando e o sufocando, um lugar pequeno
e abarrotado. Aiden ficou nervoso, começando a suar frio. Puxou seu lenço
e o largou na mesa, indo até a janela e olhando um dos laguinhos que seguia
ao leste. Se não fosse o desejo de Lucille, ele jamais iria a um baile outra
vez. Mas o homem fora persuadido, não pela tentativa inexperiente dela de
seduzi-lo, mas pela tristeza que ela demonstrou caso não pudesse ir. Um
baile idiota cheio de gente idiota era importante para ela, então ele deveria
achá-lo importante também.
Lá estava o tonto Aiden fazendo as vontades de uma garota irritante
que não era a sua irmã.
Lá estava o tonto Aiden apaixonado por um corpo inalcançável.
***
***
***
***
Querida Lucy,
Estamos em Kent, mas os humores do seu pai continuam sombrios.
Ele se culpa por tê-la separado de Michael, mas eu espero que tudo
melhore com o tempo e ele volte a ser o tolo atrapalhado que eu tanto amo.
Acredito em você quando diz que está tudo bem, por isso não me preocupo
e tento fazê-lo parar de se culpar.
Agora, falaremos sobre a filha do duque. Confesso que fiquei
surpresa com a novidade e me pergunto quais foram as explicações que ele
lhe deu por omitir algo de tanta importância. Contei ao seu pai, é claro,
mas isso não o afetou tanto. O pobre homem está tão triste. Por outro lado,
Joanna está ansiosa para conhecer a menina e eu não vou negar que fico
um tanto encantada com a ideia, sei que todas as crianças têm sua parcela
de graciosidade que me encanta. Até mesmo as nascidas de um momento
como esse. Serei a avó que ela precisa.
Desculpe-me pela carta curta, mas sua pobre mãe está com os
nervos cansados depois dessa longa mudança para Kent. Escreva-me mais
sobre a criança e sobre como anda o seu relacionamento com o duque. Não
se esqueça, também, de me contar sobre as núpcias. Não se acanhe, pois
sei que não tivemos tempo de termos aquela conversa.
Com amor,
Mamãe.
***
***
Lucille estava feliz, disso ele sabia. O sorriso que ela mantinha em
seu rosto era discreto, mas verdadeiro. Ela queria mesmo que ele a levasse
para conhecer a herdade.
O lugar era grande demais para conhecerem durante o dia todo sem
se cansarem, mas eles tinham almoço e cobertores para descansar.
Antes de saírem, Aiden olhou o mapa de Greenhill, traçando um
trajeto para aquele dia. Passariam pelo caminho privado que seguia em
direção ao maior lago natural da propriedade, onde os Chatham
costumavam patinar no gelo durante o inverno. Depois, dariam a volta ao
redor dele, seguiriam até o labirinto e terminariam na clareira em que Aiden
gostava de se esconder. Parecia que Lucy já havia se aventurado sozinha até
o lago favorito de Tamsin — um artificial, que batia até os joelhos dela.
Ficava na parte mais elevada dos campos de Greenhill, uma subida um
tanto cansativa para os pés de uma dama acostumada a andar de carruagens
para cima e para baixo.
Naquele momento, já estavam juntos, andando lado a lado em
direção ao grande lago. Havia uma distância muito pequena entre eles e
Lucy segurava sorridente um cobertor azul como quem segura um bebê.
Aiden aproveitou o silêncio dela para pensar na tarde anterior na
biblioteca. O calor de Lucille o envolvera, os beijos e as súplicas dela o
controlaram de tal forma que ele poderia despi-la por completo e desvendar
todo o corpo dela.
Mas a babá o salvou de ir rápido demais.
Ele não queria apressar as coisas, torná-los reféns do desejo e não do
sentimento. O que lhe era irônico, porque tudo o que Aiden menos queria
era desenvolver sentimentos por Lucille e terminar como…
— Nós poderíamos ter pego dois cavalos. — Lucy o puxou de volta
à realidade.
— Já está cansada? Estamos andando faz dez minutos.
— Não, eu até mesmo vim preparada. — Ela puxou a barra do seu
vestido amarelo e revelou uma bota pequena e marrom. — Estou com esses
sapatos horríveis. Se me vissem com um desses em Londres, pensariam que
eu os roubei de uma fazendeira.
Ele riu consigo mesmo, olhando o pé pequeno dela, que logo foi
coberto de novo.
— Descobri que gosto bastante quando ri — Lucille confessou,
olhando para os passos que dava. — Seu rosto fica mais bonito assim,
troglodita.
Aiden controlou seu embaraço, agradecido por Lucy não estar
olhando para ele.
— Não poderíamos andar a cavalo pelo labirinto — ele mudou o
assunto, passando a cesta de comidas para a outra mão. — Nem entrar nos
bosques.
— Há bosques também? Pensei que os arvoredos fossem fechados
demais para uma aventura.
— Há uma infinidade — ele respondeu, olhando os arbustos altos
adornarem as laterais do caminho. — Tamsin gosta de brincar por eles,
principalmente na clareira em que eu a levarei.
Lucy sorriu ao imaginar Aiden e Tamsin brincando juntos.
— Da próxima vez, vamos trazê-la para o passeio, ela vai adorar.
Ele aquiesceu, seguindo por um caminho mais fechado e
desembocando no labirinto.
— Oh, como aqui é bonito… — Lucy olhou maravilhada para as
árvores e todo o verde que os rodeava. — É tão bonito. E… a atmosfera é
muito mais tranquila que as casas mais rurais, mesmo em Londres. O céu é
mais bonito. Aposto que as estrelas brilham muito por aqui.
Aiden sorriu sozinho, olhando para uma Lucille abobalhada com a
beleza do trabalho de um bom paisagista. Ela sorria largamente, olhando ao
redor e para o céu.
— Vamos entrar no labirinto? — ela perguntou, animada. — É
difícil sair dele?
— Nada muito complicado para uma mulher da sua idade.
— E inteligência. — Lucy ergueu o indicador, entregando o
cobertor para Aiden. — Espere-me do outro lado? Conte quanto tempo eu
vou demorar para sair, está bem?
— Como quiser, madame — ele disse, com uma pitada de humor,
satisfeito diante do entusiasmo dela ao poder explorar toda a herdade. —
Esperarei na saída, em frente a uma escada de pedra, você verá caso saia
pelo lado certo.
— Está bem, pode ir, troglodita. Até mais ver.
Aiden se despediu com um aceno de cabeça e seguiu pelo caminho
por fora do labirinto, enquanto Lucy entrou e sumiu no meio das sebes altas
e verdes.
Ela se concentrou, andando por um caminho curvo que a levou até
um beco. Bufou, dando meia volta e entrando em um portal que a deixou
em um triângulo também sem saída. Lucy pulou, tentando olhar além das
sebes, mas sem muito sucesso.
Pulou de novo, acabando por rir ao pensar no que sua mãe diria dela
— uma dama refinada — pulando no meio de um labirinto, calçando botas
nada bonitas e caras.
Não desistiria tão fácil: encontrou outra entrada e seguiu por um
corredor curvado, novamente saindo em um local fechado.
— Aiden!
— O que foi? — A voz dele veio de longe, mas ela percebeu que era
do seu lado direito. — Já desistiu, bela irritante?
Claro que não. Lucy inflou o peito, saindo de seu beco e
encontrando um caminho na direção de onde a voz de Aiden tinha vindo.
Confiante, ela seguiu, passando longe dos becos, e um sorriso vitorioso
nasceu em seu rosto quando ela viu uma saída.
Correu para fora e saiu do labirinto, mas o que ela viu foi um arco
pequeno de pedra, um muro de árvores e nenhum sinal do marido.
— Aiden!
Ele não respondeu. Espertinho, claro que ele não iria mais dar
nenhuma dica da direção da saída correta.
Deu a volta em seus calcanhares e voltou para o labirinto. Deu de
cara com um beco, frustrando-se outra vez. Sabia que o lugar seguia como
um caracol, o que lhe parecia menos complicado. Entrou em um caminho
aberto, esbarrou em um lugar fechado, voltou e pegou o outro lado,
desembocando no centro do labirinto.
Ela sorriu, pois havia um banco de pedra onde ela subiu e viu a tal
escadaria de pedra onde Aiden a esperava. Ele olhava seu relógio de bolso,
segurando a cesta e o cobertor.
Agradeceu a Deus por ele não a ter visto e rapidamente desceu do
banco. Maldição, poderia ter enxergado o caminho certo para seguir e sair
ao encontro do marido, mas era arriscado voltar e deixar que ele a visse
roubando no jogo.
Ao menos sabia qual direção seguir. Já estava há cinco minutos
dentro do labirinto e seu orgulho estava murchando. Subestimou o poder de
um bom paisagista em zombar das pessoas. Andando sem esperança,
esbarrando em sebes altas e quase chamando o marido de novo, Lucy
enxergou a saída certa. Sua alma ficou animada novamente e ela correu
para fora, vendo Aiden a esperando como um bom criado.
— Consegui, troglodita — ela riu, contente, abraçando o braço dele
e o empurrando com animação. — Pensei que fosse ficar naquela coisa por
meia hora!
Aiden a olhou, controlando a vontade de rir da felicidade dela ao
sair de um mero labirinto. Lucille continuava agarrada ao braço dele,
respirando um tanto ofegante depois da breve corrida que deu.
Definitivamente, ela era uma garota da cidade, fraquinha e
branquela. E linda, é claro, ninguém era mais bela que Lucy.
Ela sorriu com o seu olhar sobre ela, Aiden não resistiu a sorrir
também, vendo que aquilo não era tão difícil. Por quatro anos, pensara que
somente Tamsin o faria sorrir.
Lucy se esticou na ponta dos pés, levando sua mão ao rosto dele e
trazendo Aiden para perto, até que ela o beijou. Lucille não tomou todas as
rédeas, não tinha coragem, mas chamou Aiden para beijá-la. Ele acariciou
seus lábios com um beijo delicado e demorado, afastando-se de Lucy com
um último selar que a fez sorrir satisfeita.
Ela se afastou do seu braço, deixando-o com uma sensação de perda.
Lucy pegou o cobertor de volta e indicou a escada com um aceno de
cabeça.
— Iremos para lá?
— Sim. Vamos seguir até uma clareira e podemos ficar por lá.
— Certo. — Seu sorriso contente ficou ainda mais iluminado e Lucy
seguiu subindo as escadas de pedra.
Aiden ficou no seu encalço, como um guarda-costas fiel. Aproveitou
para admirar a silhueta dela, suas curvas e a forma como o vestido deslizava
pelo corpo conforme ela subia pelos degraus. Os cachos castanhos estavam
livres de um chapéu, roçando em sua nuca em algumas mechas soltas do
penteado. Aiden admirou a pele do pescoço da esposa, pairando sobre os
pequenos hematomas que lhe manchavam a tez clara depois que ele a
beijara por ali.
Ele sorriu sozinho, parecia que Lucy tinha a pele bastante sensível,
não se lembrava de tê-la chupado com tanta pressão a ponto de lhe marcar
assim.
— O que há do outro lado da herdade? — ela perguntou, olhando
para trás e depois para as árvores que o cercavam. — Mais para perto do
palácio.
— Campos de pasto. Parte do alojamento dos criados, a fazenda da
cozinha e as estufas. Há algumas flores muito bonitas, mas acho que não é
um bom lugar para você entrar.
— Decerto que não. Eu ficaria com os olhos vermelhos e inchados,
nada atraente — ela negou com veemência, rindo sozinha. — Em nossa
propriedade em Kent há muitas flores, meus pais sempre gostaram de lá,
mas fomos para Londres depois que o médico falou da alergia. Bom, agora
eles voltaram, depois que vim para cá… Parece que eu os impedia de viver
no campo.
— Imagino que um dia criarão algum remédio que a deixe ficar
perto das flores e próxima de sua propriedade secular — Aiden olhou pelo
lado bom, chegando no topo da escadaria e dando o braço para Lucy.
— Por enquanto, sigo as admirando de longe.
Os dois caminharam em um confortável silêncio, apenas o som da
natureza os rodeando pelos caminhos abertos em Greenhill. A natureza era
tranquilizadora e aquela solitude a acalmava. Talvez fosse isso que Aiden
gostava e ela não compreendia, mas estava começando a descobrir, ao ver
que uma vida no campo poderia lhe fazer bem, longe de todas as
frivolidades e afetações que a vida em meio à sociedade oferecia à Lucille.
— Onde pretende construir os chalés? — ela perguntou quando
passaram por um pequeno lago.
— Além dos arredores do palácio, vinte minutos depois que se passa
da fazenda. Os criados poderão vir a pé.
— É um bom projeto, principalmente porque as moças têm de
deixar o emprego quando casam. Deve ser penoso ter de ver o marido
poucas vezes… ainda mais depois que se ganha bebês.
— Imagino que sim. A maioria vive em North Haven, em algumas
casinhas ao redor daqui, mas o mordomo já me alertou que há novos casais
e que é bom eles se casarem logo.
Lucille assentiu, sabia que, nos contratos, os criados não eram
liberados a se relacionar com os empregados de uma mesma propriedade,
mas quem controlaria os sentimentos das pessoas? E que outra propriedade
havia além de Greenhill e a casa de Sir Charles? Certamente, os criados por
ali se casavam uns com os outros, o mordomo e a governanta eram a prova
viva daquilo. Até mesmo tinham cinco filhos, coisa que Lucille descobrira
outro dia. Todos viviam suas vidas na capital do condado e nos arredores da
cidade.
— Parece que a minha camareira e o seu cocheiro estão tendo um
caso. — Lucy riu ao imaginar o curioso casal.
— Que ele seja responsável o suficiente para não a levar à ruína. De
qualquer forma, em algum tempo eles terão uma casa.
— Isso é bom — ela disse, aliviada, olhando ao redor e não vendo
nada além de árvores, grama e um lago. — O que há mais para se conhecer?
— Muitas coisas, mas acho que deveríamos visitá-las em dias
diferentes. — Aiden a levou rumo à clareira — Vamos nos sentar um
pouco.
— E conversar — Lucy adicionou, rindo bem-humorada porque
sabia que Aiden não era um dos mais falantes.
Mas ele concordou, mesmo que em silêncio. Não mostraria toda a
herdade para Lucy em um dia só: além de ser demorado, ele perderia mais
um motivo para passar o tempo na sua companhia. Algo o fazia crer que
Lucy em breve sairia de seu transe e voltaria a abominá-lo.
Aiden estava receoso de nunca mais ver Lucy ao seu lado, sorrindo
e o beijando como se ele fosse o homem mais querido do mundo.
Adentraram na clareira, havia alguns arbustos ao redor das árvores,
mas o gramado era macio e amplo. Estavam protegidos pelas árvores das
colinas de Greenhill.
Lucy parecia encantada com o que a natureza poderia oferecer de
mais silencioso e pleno. Ela olhou pela clareira, imaginando como seria
divertido levar Tamsin com ela para brincar por ali. Ela lhe ensinaria sobre
os insetos, as plantas, a forma como uma sementinha vira uma árvore
enorme e como as chuvas se formam em nuvens que choram sobre a terra.
Aquele pensamento a pegou desprevenida. Ela não imaginou que
fosse gostar tanto da enteada, que acabaria se imaginando em tarefas de
mãe e filha com a pequenina, que ainda estava aprendendo a gostar dela. E,
além de tudo isso, não imaginou que gostaria tanto de passear com Aiden e
de beijá-lo tão repentinamente apenas por reencontrá-lo fora do labirinto.
Ela o viu caminhar até uma árvore e só depois percebeu que ele
havia lhe tomado o cobertor das mãos. Aiden o estendeu na sombra e
colocou a cesta sobre o cobertor grande e macio. Já perdera a conta de
quantas vezes fizera aquilo com Tamsin.
Lucille o seguiu, brincando com os próprios dedos e se sentando
sobre a toalha, esperando por Aiden, que o fez logo em seguida. Ele se
recostou nas árvores, fechando os olhos por alguns segundos e os abrindo
para olhar Lucy.
— Está ouvindo o silêncio? — ele perguntou. — Não o acha
aconchegante?
Ela assentiu, abrindo um sorriso pequeno. Aiden gostava de ficar ali,
ela podia ver. Ele a havia levado para um lugar especial, a sua clareira, onde
ele ficava sozinho e em paz.
Se Lucy o visse de longe, sem conhecê-lo, pensaria que ele era um
louco. Estava tão acostumada com a vida agitada em Londres, barulhenta e
cheia de compromissos, que nunca imaginou que poderia haver prazer em
estar na própria companhia. Somente com os próprios pensamentos.
Era um tanto diferente do seu pensamento, é claro. Ela conhecera
eruditos que gostavam da solidão, mas nunca um que se incomodasse tanto
com o som das pessoas se divertindo.
Ela parou para ouvir os pássaros e os barulhos do bosque, olhando
ao redor e se aproximando mais de Aiden. Recostou-se no tronco, fazendo
como ele e fechando os olhos. Sua mente demorou a se aquietar, mas logo
ela estava se afundando em pensamentos calmos e tranquilos. Sua
respiração se acalmou e seu corpo relaxou, como se ela tivesse abandonado
todos os seus vinte e três anos de total agitação. Interna e externa.
Ouviu o som de Aiden se movendo e abriu os olhos, vendo-o puxar
um livro de dentro da casaca e abri-lo. Ela espiou, era um livro qualquer,
uma narrativa já avançada que não daria nenhuma explicação sobre o que
era.
Mas ela leu mesmo assim, aproximando-se do marido e se apoiando
em um dos ombros. Acompanhou as linhas, cada uma, às vezes rindo
sozinha por alguma colocação inteligente do autor, às vezes resfolegando
por causa de uma fala irritante de algum personagem.
— Ele é realmente um cretino — comentou Aiden, virando o rosto
apenas o suficiente para sentir Lucille empoleirada em seu ombro.
— E como! — Ela deu um muxoxo. — Ele tem a boca bem suja.
Que nem você.
Aiden riu consigo mesmo, fechando o livreto e o colocando de lado.
— Você também fala alguns palavrões nada delicados. — Aiden a
segurou pela cintura, ouvindo-a rir de duas insinuações. — Esqueceu-se do
dia em que se referiu ao meu estimado lenço como merda?
— Ah, mas não foi literalmente — Lucy brincou, deixando que ele a
deitasse no cobertor. — Tinha um belo bordado, até.
— Tinha? — Ele ergueu uma sobrancelha, mantendo Lucille
debaixo de seu braço enquanto a admirava de cima. — O que aconteceu
com o meu lenço?
Lucille riu outra vez, enlaçando o pescoço de Aiden com seus
braços e o puxando para perto de si.
— Eu o larguei em algum canto. Deve ter ido para o lixo.
— Isso não é nada educado — Aiden disse, com uma teatral
reprovação, abaixando-se perto de Lucy e encostando os lábios no pescoço
dela. — Parece que eu a marquei mais do que desejava.
Lucille sentiu o rubor subir pelo seu rosto. Aiden a beijou
novamente no local marcado, passando a ponta da língua sobre os
hematomas em uma carícia ousada que arrancou um gemido langoroso de
Lucy.
Ela sentiu o sorriso se formar pelos lábios dele sobre a sua pele e os
carinhos seguiram até seus lábios, que lhe foram tomados em um beijo
profundo e lento. Lucille o envolveu ainda mais, deslizando as mãos pelos
ombros largos do marido e segurando na lapela de sua casaca.
— Tire isso — ela pediu, suplicante, puxando a roupa pelos braços
dele.
Aiden se afastou de imediato, atendendo ao pedido dela como um
criado fiel. Jogou a casaca longe e Lucille sorriu, satisfeita, voltando a
beijá-lo com a paixão que ela guardara dentro de si por muitos anos.
Deslizou as mãos pelos braços do marido, sentindo o contorno de
sua musculatura. Depois, o tocou em suas costas, lamentando para si
mesmo o fato de ele ainda estar com sua camisa e seu colete.
Mas não pediria para ele tirá-los. Apesar de tudo, Lucy tinha
bastante vergonha de algumas coisas. Sua vergonha era, principalmente,
porque Michael a fazia se sentir como uma depravada por sentir tantos
desejos, mas nunca os ter correspondido.
— Alguma coisa de errado? — Aiden se afastou do beijo, apoiando-
se em seu cotovelo e tocando a maçã do rosto de Lucy. — Você ficou…
dura de repente.
— T-Tudo bem — ela sorriu, nervosa, sutilmente se afastando do
marido e se pondo sentada. — Fiquei apenas com falta de ar.
— Eu a estava esmagando?
— Não — Lucy riu baixo, empurrando Michael para longe dos seus
pensamentos. — Seu tamanho me encanta.
Aiden resfolegou baixo, um misto de um riso com um sorriso de
satisfação. Acariciou o rosto de Lucille e retornou para o seu livro,
recostando-se sobre a árvore.
Ela aproveitou a deixa e se levantou, arrumando o vestido.
— Vou explorar um pouco — Lucy disse, forçando em si mesma o
sorriso animado que tinha minutos antes. — Ver os bosques ao redor, vou
deixá-lo ler um pouquinho.
— Não se embrenhe muito para dentro, pode se perder? — Aiden a
olhou por cima do livro. — Chame a mim se precisar de alguma coisa.
Ela assentiu, dando meia volta e rodando pela clareira até sumir por
entre as árvores.
***
***
***
***
Sybill Chatham foi uma dama linda até a sua morte, mas a sua
jovem figura de dezenove anos era uma das mais belas que Aiden já vira.
Não era de se espantar que Vincent fosse perdidamente apaixonado pela
esposa.
Aiden se perguntava como teria sido se sua mãe tivesse morrido
primeiro. Seu pai padeceria de melancolia, como sua mãe fizera?
Inconsolável, desejando apenas a cama e o choro interminável de saudades
do cônjuge.
Ele não gostava de pensar no que o amor fizera com sua mãe. A
perda do amor, para ser mais preciso. A duquesa morreu de tristeza, por
culpa do amor que sentia pelo marido.
Aiden não queria nada daquilo, nada de amor, melancolia e um luto
terrível. Se Lucille morresse antes dele, o que seria de sua existência? E se
ele morresse antes de Lucille, o que seria dela? Ela sofreria?
Não que ele a amasse. Não, ele não a amava. Mas sentia afeição por
ela, além da atração física. Aiden sentia bastante carinho em relação a Lucy
e, bem no fundo de sua alma, ele sabia que era vergonhoso privá-la de
carícias porque ele não se resolvia consigo mesmo.
Porque ele temia amá-la e, em um futuro distante, sofrer um luto
intenso ao perdê-la antes da hora. Ele sabia que amá-la não era tarefa difícil,
sendo tão adorável, linda e encantadora, necessitada de seus beijos e
carinhos, entregue a eles sempre que Aiden a presenteava com seus toques.
Ele queria tanto tocá-la mais, levá-la para a cama e fazer amor com
ela. Mas seria fisgado definitivamente se pudesse abraçá-la em meio ao
sexo.
Seria irreversível.
Era capaz de ela jamais o amar e aquilo era pior do que perder o
amor para morte. Perder o amor para um homem vivo.
Um maldito homem. Aquele que nunca deu carinho e paixão para
Lucille, prometeu um futuro e foi-se embora para o outro lado do mundo,
alimentando-a com cartas.
Aiden queria saber o que diabos se passava na cabeça de Michael. O
homem era tímido? Aiden não levava jeito com galanteios, mas isso nunca
o impediu de desbravar a luxúria da vida. Michael nem ao menos abraçou
sua namorada como ela queria.
Um abraço. Pelo amor de Deus.
Aiden grunhiu alguma coisa, bebendo o uísque dourado de seu copo
e olhando para o pai, esperando que o homem concordasse com ele.
Michael não era nenhum santo, disso Aiden sabia. Mas por que ele
nunca tomou a iniciativa? É claro que Aiden não achava que ele devesse
deflorar Lucille de forma clandestina antes do casamento. Mas abraçar a
mulher não era uma das tarefas mais profanas do mundo e beijos não eram
conhecidos por engravidar donzelas virtuosas.
Se Michael aparecesse ali, na frente dele, Aiden ficaria satisfeito em
interrogar o homem.
— Bebendo de novo?
Aiden quase pulou de susto, praguejando irritado ao ver a irmã
entrando na galeria com uma vela nas mãos.
— Não bebi muito — ele respondeu, colocando o copo no aparador
atrás de sua cadeira. — Você deveria estar dormindo.
— Não é tão tarde assim, vim ver a mamãe e o papai. — Charlie
pousou a vela no aparador e se recostou no braço da cadeira do irmão. —
Ela é bem bonita.
— Sim, por isso que o papai se apaixonou por ela.
— Estou falando de Lucille — ela riu baixinho, empurrando o irmão
com o quadril.
— Ah… S-Sim, ela é.
Charlotte deu um risinho travesso, levantando-se e andando ao redor
da cadeira do irmão.
— Highlander. — Ela riu outra vez. — Ela deve estar muito
apaixonada para te achar tão bonito. Não que todos os escoceses sejam
bonitos, mas há alguns homens tão rústicos e charmosos… Os galeses são
meus favoritos.
Aiden pigarreou incomodado, causando outro riso na irmã.
— Se gosta tanto de homens rústicos, por que foi se casar com um
erudito fracote?
— Porque eu o amo mais do que tudo nessa vida. — Charlie sorriu,
brincalhona, recostando-se no aparador. — Você gosta dela, não é?
Aiden assentiu, seria pior se dissesse em voz alta e seu coração
ouvisse aquilo. Porque ele gostava, de fato, de Lucille e seu terrível temor
em amar o fazia ser tão impaciente com a mulher que nada lhe fez além de
ter sido amável.
Como ela mesma pediu, ele esqueceu a primeira semana em
Londres.
— Eu também gosto dela — Charlotte continuou. — É claro que eu
a conheço pouquíssimo e ela não falou muito desde o nosso primeiro
encontro, mas imagino que estava nervosa por me conhecer tão de repente.
Ele assentiu outra vez, mal ouvindo sua irmã, sua cabeça só
pensando que ele gostava de Lucille, gostava muito. E tinha de falar aquilo
para ela porque parte sua odiava omitir seus sentimentos em prol de um
temor absurdo.
— E ela também gosta de Tamsin, isso que me importa — a
mocinha continuou, pensativa. — O que ela disse quando conheceu a
menina?
— Perguntou-me se eu era viúvo. — Aiden deu um muxoxo,
olhando para os outros quadros da galeria, longe da fonte de luz de Charlie.
— Contei a verdade e ela não disse nada de substancial. Acho que ela não
se importa com a mãe dela.
Charlotte aquiesceu, caminhando até o quadro de seu pai e olhando
para o charmoso homem que ele era quando jovem.
— Ela disse que está feliz por ser mãe dela. Ela disse mãe, não
madrasta, sabia?
Aiden sorriu consigo mesmo, pensando em Lucy e Tamsin juntas.
Não havia tido a chance de vê-las brincando uma com a outra. Sempre que
sabia que elas estavam juntas, ele ia se atarefar com algo para não ter de ver
a cena encantadora.
— Ela disse que queria ver seus desenhos, mas você está aqui
bebendo e olhando para a mamãe. — Charlotte se virou para ele e cruzou os
braços, bastante enfezada. — Sei que você gosta do silêncio e da solidão,
querido irmão, mas é indelicado deixar uma mulher à sua espera depois de
prometer algo.
— Eu sei… — ele suspirou, passando a mão pelo rosto como se
aquilo fosse reorganizar seus sentimentos. — Estou indo, Charlotte. Não
precisa me dar uma bronca.
— Pois vá logo, se eu fosse ela já teria lhe dado uns bons tapas.
— Acredite se quiser, irmãzinha, ela já deu. — Aiden deu um último
gole no uísque e se despediu da irmã com uma piscadela. — Vá dormir,
menina.
***
***
***
***
Não passava das nove da manhã quando Aiden abriu a porta de seu
quarto para reencontrar sua esposa e se enrolar com ela naquela cama
enorme. Mas, quando entrou no aposento, tudo o que viu foi Max dormindo
e servindo de travesseiro para Tamsin.
O cachorro estava na cama dele.
Aiden jogou sua cartola para o lado e colocou a bengala contra a
parede, caminhando até a cama em silêncio. Esticou a mão para tocar a
filha, mas Max abriu os olhos imediatamente e projetou a cabeçorra para
frente, farejando a mão de Aiden.
— Sou eu, sua besta — ele cochichou para o cachorro, afagando a
cabeça do animal.
Max bufou, fechando os olhos e enfiando a cabeça debaixo do
lençol.
Aiden afagou os cabelos desgrenhados de Tamsin, abaixando-se
para, então, beijá-la na testa. A menina coçou o local beijado, esticando-se
para depois se enrolar toda e abraçar o cachorro.
O que ele queria era Lucy. Onde ela estava?
Viu que a porta que ligava os quartos estava entreaberta e se
aproximou silenciosamente, olhando pela fresta e vendo sua esposa se
admirando na penteadeira.
Ela já estava com um vestido simples e listrado, arrumando o colar
que ele havia lhe dado de presente. O fato de ela usar o colar sem nunca o
tirar causava uma comichão no estômago de Aiden, uma sensação deliciosa
de vitória.
Ficou a olhando em silêncio, como um louco apaixonado que teme
assustar sua donzela. Acompanhou o movimento das mãos dela arrumando
os cachos ralos de sua franja, dividindo-a no meio para finalizar o penteado.
Seus olhos não desgrudavam das costas de Lucy, da pequena porção de pele
nua que o vestido oferecia. Gostaria de beijá-la por ali enquanto a tomava
em uma noite de amor, beijaria sua coluna e apertaria aquele lindo traseiro.
Ele decidiu entrar.
Não para tornar o seu pensamento realidade, mas porque se sentia
ridículo como um voyeur, que observa uma mulher arrumando o maldito
penteado como se fosse a coisa mais erótica do mundo.
— Bom dia, Lucy.
Ela se assustou em um espasmo, levando a mão ao peito e olhando
para o marido pelo reflexo no espelho.
— Troglodita! — Lucille se levantou da cadeira, indo até o marido e
o abraçando calorosamente. — Senti sua falta.
Aiden endureceu cada músculo de seu corpo diante do toque
repentino. Santo Cristo, Lucille devia avisá-lo quando fosse encostar nele
ou seu coração não suportaria tê-la tão perto.
Com as mãos ainda um tanto duras, ele correspondeu ao ato,
envolvendo-a pela cintura e tocando suas costas, ficando ainda mais
surpreso quando ela se recostou contra seu peito e acariciou a sua nuca com
a ponta dos dedos.
Lucy levantou o rosto, abrindo um sorriso pequeno e ficando na
ponta dos pés para beijá-lo. Apenas um leve roçar de lábios antes de ela de
fato beijá-lo e abraçá-lo ainda mais, como se quisesse fundir seu corpo ao
dele.
E Aiden desistiu de se manter firme, correspondendo ao beijo da
forma mais lenta e carinhosa que sabia fazer, abraçando Lucille como
queria fazer desde o momento em que ela se desmanchou em sua mão e
dormiu em seus braços duas noites atrás. Ela se derreteu em seu abraço
quando ele a agraciou com a sua língua, derramando-se no beijo de Aiden
enquanto ele a segurava contra o peito. Quando Lucy suspirou contra seus
lábios em busca de fôlego, ela se afastou do beijo e permaneceu entre os
braços dele, olhando-o com um sorriso no rosto ruborizado.
Ela estava diferente. Aiden não sabia apontar se era algo bom ou
ruim, mas estava diferente. A forma como ela o abraçou pareceu afetuosa
demais e o beijo fora tão espontâneo que o deixou confuso, apto apenas a
corresponder.
— Isso tudo é saudade de mim? — ele perguntou, tocando o lábio
inferior de Lucille com o polegar. — Sentiu saudades do seu querido
troglodita?
Ela desconversou com um dar de ombros, virando-se de costas e
andando até a penteadeira, onde se sentou outra vez e abriu sua caixa de
joias. Sorrindo consigo mesma, ela pescou um par de brincos pequenos e os
experimentou diante do próprio reflexo.
— Gosto disso — Aiden disse, recostando-se no dossel da cama da
duquesa e olhando o reflexo de Lucille.
— Desses brincos? — ela perguntou, com as sobrancelhas unidas.
— Não gosto muito desses, não. Não combinam com o colar.
Ele riu para si mesmo, esfregando sua sobrancelha com o indicador.
— Gosto de você perto de mim. Confesso que a princípio eu queria
distância, mas agora gosto da sua presença.
Lucille corou mais dois tons de rosa, mas sorriu e voltou para sua
busca na caixinha. Estava funcionando, logo ela terá desvendado todos os
segredos escondidos debaixo daquela casca grossa.
— Sentiu minha falta também, troglodita?
Ele deu de ombros, caminhando pelo quarto até que parou atrás de
Lucille. Ela o olhou pelo reflexo, apenas um breve movimento dos olhos.
— Senti — Aiden confessou, com um princípio de sorriso. — Para
quem passou a vida toda em uma cama fria, é fácil sentir falta do calor do
abraço de uma esposa bonita.
Ela inspirou baixinho, virando-se para Aiden e ficando de pé. Ele a
olhou em silêncio, imóvel quando a mão de Lucy esticou para tocar seu
rosto em uma carícia bem-vinda.
A mão dela era tão macia que parecia incorreto ela ter de tocar seu
rosto duro e tenso. Mas o toque era tão maravilhoso, o carinho era
praticamente algo que ele nunca sentira das mãos de uma mulher.
— Tamsin gosta de mim — ela disse, entrando no último assunto
que ele achava pertinente em um momento como aquele. — E eu disse que
lhe daria irmãozinhos.
Aiden assentiu, calado. Mas sua mão deslizou pela cintura de
Lucille, sentia-se na obrigação de tocá-la se ela o tocava no rosto.
— Aiden, eu quero consumar nosso casamento.
A mão que acariciava a cintura fina dela parou imediatamente. Ele
engoliu em seco, sentindo-se zonzo com aquilo.
Lucille o queria. Ela o queria e não Michael.
Aiden nunca mais queria que ela pensasse naquele homem. Ela seria
dele e ele faria amor com ela, já que era aquilo que ela queria. Aiden queria
que Lucille pensasse nele o tanto que ele pensava e sonhava com ela.
— Creio que haja uma criança e um cachorro ao lado — ele
comentou, beijando a bochecha de Lucy antes de sussurrar. — Eles nos
ouviriam.
Ela corou, envergonhando-se do que havia confessado ao marido.
Lucille se afastou, pegando um par de brincos de pérola e os
vestindo. Ocupou-se naquilo por longos segundos, evitando tocar no
assunto de novo.
Por que foi dizer aquilo? Sim, ela queria experimentar o sexo com
Aiden, mas não estava psicologicamente preparada para aquilo. Mas
deveria fazê-lo, sabia que depois de uma união como aquela o marido
estaria aberto para que ela pudesse desvendar os segredos de seu coração.
Lucy respirou fundo, arrumando a saia do vestido e caminhando até
a janela. Colocar uma distância entre eles era o melhor, evitar o coito até
que ela estivesse, de fato, pronta.
— N-Não agora — ela explicou. — Eu quero que aconteça, mas
naturalmente. Se eu me deitar na cama agora será sofrido, eu imagino
que… q-que a mulher necessite de certo preparo para que não haja dor.
— De fato, minha duquesa — Aiden assentiu, com um aceno de
cabeça. — Não se preocupe com isso, tudo acontecerá naturalmente e sem
dor.
— Acontecerá. — Lucy aquiesceu, olhando para o labirinto ao
longe. — Não acredito que eu e Michael seremos amantes, não quero isso
para mim… Não desejo esse tipo de vida enquanto posso ficar aqui e cuidar
de Tamsin, fazê-la minha filha também.
O duque ergueu uma das sobrancelhas, cruzando os braços e
analisando Lucille de longe.
— E tudo o que sentia por ele?
Lucy fez que não, deu de ombros de forma desanimada e continuou
a olhar pela janela.
— Quero gostar de você mais do que agora. Q-Quero… esquecer
sobre Michael.
Aiden assentiu, unindo as sobrancelhas ao ouvi-la fungar baixinho e
abaixar o rosto, ainda de costas para o marido.
Ele se aproximou cautelosamente, tocando-a no ombro assim que
Lucille secou o rosto imediatamente. Aiden a virou para si e a abraçou,
afagando suas costas e recostando Lucy contra seu peito.
Aiden não se lembrava de já ter se apaixonado por alguém a ponto
de sofrer por aquilo. Não havia convivido muito com as mulheres da família
ou com suas primas distantes. Seu contato com mulheres fora
primordialmente através do meretrício. Ele não fora a bailes com muita
frequência e, quando o fez, fugiu das mães casamenteiras.
Nunca havia sentido o que sentia por Lucille, o que começava a
sentir pela esposa. Afeição intensa, um desejo enorme de mantê-la por perto
e certo constrangimento em admitir aquilo para ela.
Apesar de tudo, ele não era insensível a ponto de ignorar os
lamentos dela por ter de deixar de lado os sentimentos que nutrira por
Michael durante quase três anos e meio. Não queria que Lucille chorasse,
mas também não queria que ela continuasse pensando em outro homem.
— Lucille…
Ela levantou o rosto, olhando-o enquanto esperava que ele falasse
algo.
— Estou aqui com você — Aiden sussurrou, segurando o rosto
molhado de Lucy e o secando com o polegar. — Não precisa chorar… Se
ele não pode ser seu, eu serei.
Lucille aquiesceu, derramando uma lágrima solitária e escondendo o
rosto outra vez, ao passo que abraçou Aiden o mais forte possível. Seu
coração se sentiu leve e aquecido, o sentimento de solidão que vinha
sentindo diminuiu e um fio de esperança brilhou em seu peito ao pensar que
poderia conquistar Aiden, que o faria amá-la e que o amaria em igual
quantidade. Era o que Lucy queria, amar e ser amada pela mesma pessoa,
mesmo que tivesse de ser outro alguém que não fosse Michael.
Tinha de deixá-lo no passado, esperar que ele lesse sua carta e
entendesse sua decisão de salvar a honra de sua família. É claro que Lucille
não planejava querer conquistar o amor de Aiden e muito menos amá-lo.
Seu plano inicial era dar-lhe filhos e se tornar amante de Michael, ficando
com ele para todo o sempre, mesmo que às escondidas. Mas agora tudo
estava diferente. Agora, ela queria construir um futuro bom com Aiden.
Com filhos para se unir a Tamsin e com amor para unir Aiden e Lucille.
— Você deve estar cansado da viagem. — Ela abriu um sorriso
contente e varreu as lágrimas rapidamente, mudando o assunto. — Troque-
se e vá dormir um pouco.
Aiden assentiu, tocando o queixo de Lucy para poder tocar seus
lábios demoradamente em um beijo. Lucy sorriu outra vez, embora seus
olhos ainda estivessem molhados. Queria sorrir, tinha motivos para tal:
Aiden gostava dela.
— Eu ficaria com você se já não estivesse vestida — ela explicou,
empurrando o marido em direção ao quarto ducal. — Mas eu combinei de ir
até a estufa com a Charlotte.
— A estufa? — Aiden parou no meio do caminho, virando-se com
um olhar surpreso. — Você quer morrer?
— Eu vou levar um lencinho. — Lucy riu e voltou a empurrar
Aiden. — Só ficarei com o nariz escorrendo e os olhos coçando, não se
preocupe.
— Vá fazer outra coisa, eu não quero que você vá na estufa, Lucille.
Ela levantou o rosto para ele em uma expressão de incredulidade, as
sobrancelhas erguidas e as mãos no quadril.
— Você não manda em mim, Aiden. Eu vou, já disse.
— Mulheres são todas malucas — ele resfolegou, arrancando o
lenço do pescoço enquanto seguia para o outro lado dos aposentos ducais,
entrando em seu quarto de vestir.
— Como disse? — Lucy o seguiu, ofendida e começando a
esquentar de irritação. — Eu sou maluca, então?
Aiden fechou a porta para que não acordassem Tamsin.
— É claro que é, vai entrar em um antro de flores e pólen, sem
nenhuma janela para você respirar — ele retrucou, impaciente. — Por que
não fica tomando chá com Charlotte? Não é isso que você gosta de fazer,
afinal? Tomar chá e fazer fofoca.
Lucille inspirou, ofendida. Havia quase se esquecido do outro Aiden
que ela tanto detestava. Aquilo trouxe os sentimentos de solidão que ela
sentira nos primeiros dias, de que estava longe de casa, casada com um
homem que a comprara por cem mil libras para ser babá vitalícia de sua
filha.
Estava trancada entre os muros maritais de Greenhill. Sozinha.
— Eu estou cansada de olhar para essas porcarias de paredes, estou
cansada de ficar dentro de quartos — ela explicou, aumentando o tom de
voz sem que percebesse. — Eu não sou como você Aiden, ficar trancafiada
aqui me deixa maluca. Eu não gosto daqui!
— Então vá embora e volte para seu namorado homossexual que
nem ao menos quer abraçá-la.
Lucille se calou com um soluço, os olhos enraivecidos vidrados em
Aiden. Ele se virou, com as mãos nos botões do colete, quando viu o rosto
molhado de Lucille.
Sentiu-se como um verdadeiro troglodita.
Destratando a mulher que nada lhe fez, falando sobre assuntos que
ele sabia que a feriam. Mas o fato de ela querer se enfiar em uma estufa o
deixava nervoso, e se ela ficasse doente? E se morresse?
— Desculpe-me, Lucy… E-Eu não…
— Eu quero amá-lo, Aiden. Quero amá-lo e ser feliz aqui, mas é
difícil com você me tratando como uma esposa querida para depois me
tratar como uma pedra enorme na bota. O que eu te fiz?! Foi você quem me
obrigou a casar com você, não eu quem o obrigou a ficar comigo e a mudar
sua vida
Aiden prendeu a respiração, olhando para o rosto molhado de
Lucille, que se obrigou a não derramar mais nenhuma lágrima enraivecida.
Ele abriu a boca para responder alguma coisa, mas apenas balbuciou
como um idiota. Ela queria amá-lo. Ela o queria.
E Aiden a queria e lutava contra as rédeas de seus fantasmas para se
livrar daquilo e amá-la também.
Aquela revelação o deixara atordoado e confuso. E Michael? Ela
não o havia esquecido, visto que as palavras dele a feriram imensamente.
Lucille suspirou cansada, soltando os braços e assentindo,
impotente. É claro que ele não tinha os mesmos planos que ela de gostarem
um do outro. Mesmo que ele tenha aceitado começar tudo de novo. Era tudo
por causa de Tamsin, não de uma união marital amorosa.
— Lucille…
— Aiden — ela o interrompeu. — Combinamos que começaríamos
tudo de novo e, por três dias, eu pensei que poderíamos nos amar, mas
parece que você voltou ao seu estado insuportável. Seja lá o que o
atormenta, não desconte em mim. Eu não vim de Londres para ser tratada
assim e, se não vai compartilhar seus tormentos comigo, que não venha
descontar tudo em mim. E, principalmente, não ofenda um homem que não
está aqui para se defender. Não o acuse de uma coisa apenas por ele não ser
um bêbado viciado em prostitutas como você.
Aiden uniu as sobrancelhas, agora ficando irritado. Deus, ele só não
a queria doente e agora ela estava falando que ele tinha problemas. E ele
havia estragado tudo, como vinha fazendo desde que conhecera Lucy.
Seus modos de tentar não a amar a feriam e ele sabia daquilo,
embora não conseguisse se controlar. E o remorso pesava como uma
bigorna.
Mas chamá-lo de bêbado viciado em prostitutas fora a gota d’água,
o que Lucille sabia sobre ele para lhe dizer tais coisas? Nada.
E o que Aiden sabia sobre Michael para lhe acusar de homossexual?
Nada. Sua memória de Michael era a de um garoto de treze anos tímido e
romântico, que passou o resto de seus dias em Eton apanhando de
grandalhões como ele por não seguir o papel comumentemente masculino e
canalha que lhe era esperado.
Era um moleque sem interesses sexuais e mais sensível que o
restante da corja da escola, Aiden não podia supor que ele não gostava de
Lucille por causa daquilo. Michael poderia amar Lucille, sem a necessidade
de sentir desejos sexuais por ela ou por qualquer outra pessoa.
Mas Aiden estava com raiva e com ódio daquele Michael adulto que
vivia na cabeça e no coração de Lucille. Um Michael que ele não conhecia.
Como um aviso de Deus para que ele parasse de ofendê-la, a porta
do quarto de vestir se abriu e Tamsin surgiu no batente com os cabelos
emaranhados e o rosto amassado de sono.
— Papai, voltou, papai — ela disse, sonâmbula, mas sorrindo feliz
ao andar com os braços estendidos até Aiden. — Colo, colo.
Ele desviou o olhar de Lucy, pegando Tamsin no colo e beijando o
rosto da menina, que se acomodou no ombro dele e dormiu outra vez.
Aiden a balançou devagar, acariciando suas costas e atravessando o quarto
até devolver a filha sonâmbula para a cama e deixá-la aos cuidados do
cachorro imenso.
Quando olhou para trás, Lucy o havia deixado e saído dos aposentos
ducais antes que ele pudesse retornar ao assunto trivial que conversavam
antes de ela dizer que iria à estufa.
Aiden a procurou no quarto da duquesa, mas ela também não estava
lá.
A maldita tinha ido para a estufa, abalada pelas ofensas proferidas
por ele. E, se ela ficasse doente por uma terrível reação alérgica, a culpa
seria toda dele.
Capítulo 20
***
***
***
***
Ele tinha de fazer algo bom para ela. Lucy merecia. Deveria ser um
marido melhor, agora que ela sabia de seus fantasmas, talvez entendesse
seus esforços como forma de criar uma convivência melhor, não de tentar
levá-la para a cama.
Iriam para Londres, seria perfeito.
Bem, não para ele. Mas para ela.
Aiden ficaria em casa e Lucy visitaria as amigas, faria tudo o que
gostava de fazer e, então, voltariam para North Haven. É claro que Tamsin
iria com eles e seria informalmente apresentada à sociedade. Não seria
terrível se fosse passear com ela e a esposa no parque uma vez.
Lucille ficaria feliz e veria que Aiden se importava com ela e estava
agradecido por todos os carinhos que ela lhe dava.
Após o jantar, sorrateiramente, ele interceptara Gwen no corredor e
a mandara de volta para o alojamento dos criados. Satisfeito, ele entrou no
quarto da duquesa e fechou a porta, fazendo barulho o suficiente para
chamar a atenção de Lucy em sua penteadeira.
— Brutamontes — ela o saudou em um tom bastante amoroso. —
Ficou com Lewis?
— Ele dormiu de tanto beber — Aiden riu baixo e pigarreou. —
Iremos para Londres daqui a três meses, querida. Eu, você e Tamsin.
Lucille virou o rosto imediatamente, o horror estampado em seus
olhos.
— O quê?
— Londres. — Aiden se sentou no banco acolchoado perto da cama
para poder observá-la confortavelmente. — Quero que todos vejam Tamsin
e você precisa de um vestido novo e luxuoso. Sei que gostaria de visitar a
cidade.
Lucy engoliu em seco, voltando a olhar o próprio reflexo enquanto
tentava desfazer o penteado com as mãos trêmulas.
Santo Deus, o que havia dado nela? Aiden se levantou e afastou as
mãos de Lucille do próprio cabelo, trabalhando ele mesmo para a remoção
de cada grampo enquanto providenciava um delicado cafuné.
— Temos que fazer um retrato da nova duquesa e você precisa de
um vestido adequado para uma ocasião desse tipo. Além de joias que
combinem com o seu anel.
— P-Podemos chamar a modista para vir até aqui. E as assistentes e
tudo mais. M-Madame Devereux adoraria visitar. As joias, e-eu desenho e
mando o ourives fazer.
Aiden uniu as sobrancelhas diante do nervosismo dela. Aquilo
estava errado, era para ela sorrir feliz por saber que iriam a Londres.
— Tamsin precisa ser apresentada ao mundo, Lucille. Ela tem uma
mãe agora.
— Podemos fazer isso escrevendo uma pequena coluna para o
jornal. — Lucille se levantou, andando apressada para o quarto de vestir e
encostando a porta.
Aiden suspirou, recostando-se no dossel da cama e cruzando os
braços.
— Pensei que você fosse gostar de ir até a capital outra vez, visitar
suas amigas, talvez. Podemos ficar por quanto tempo quiser, podemos ficar
meses se quiser. Não me importo, faço apenas o que deseja.
— Michael estará lá. — A voz dela veio abafada, mas o temor ainda
era perceptível. — Não teria coragem de vê-lo, n-não depois de desonrar
com nossos votos.
Aiden expirou, descruzando os braços e caminhando até a porta,
onde se recostou no batente.
— Votos?
Lucille não respondeu, demorando-se enquanto tentava tirar o
próprio espartilho. Ela olhou para a porta, não vendo sinal de Aiden a
bisbilhotando. Graças a Deus.
Entortou os braços em uma posição nada agradável, tentando sem
sucesso desamarrar o laço do espartilho. Suspirou exausta, se jogando
contra a parede. Onde diabos Gwen se metera?
Lucy gemeu em sofrimento, encurvando-se enquanto sentia a ponta
dos dedos rasparem nos laços que prendiam a lingerie ao seu peito.
— Lucille? — Aiden a chamou, um tanto preocupado. — Podemos
conversar sobre isso depois, não se preocupe. Podemos ir ano que vem, se
for melhor.
— Ótimo — ela exclamou afetadamente, tentando abaixar as alças
do espartilho. — Você não viu Gwen por aí?
— Eu a dispensei.
— Dispensou? — Lucy resfolegou, devastada, decidida a dormir
com o espartilho. — Mas que merda…
Aiden riu do outro lado, virando um pouco a cabeça.
— Algum problema, Sra. Boca Suja?
— Sabe que uma dama tem os laços da roupa íntima nas costas e
dispensa a minha criada!
Aiden gargalhou, sacudindo os ombros e abrindo a porta do quarto
de vestir. Lucille soluçou surpresa, escondendo-se atrás de um biombo.
— Você planejou tudo isso, não foi, seu troglodita? — ela
perguntou, irritada, ficando na ponta do pé para olhar Aiden do outro lado.
As sobrancelhas dela se uniram em fúria e os olhos enormes ficaram
apertados.
— Sim, madame — ele disse, orgulhoso, sentando-se na cadeira
encostada em um canto do quarto pequeno. — Por que está se escondendo?
Já estive com minha boca nos seus lindos e deliciosos seios.
Lucille queimou como um fogaréu de vergonha, abaixando-se e
voltando a se esconder do marido. Ela não estava preparada para a
consumação. Ela não conseguiria naquela noite, nem na próxima e nem
depois da próxima. Na verdade, não sabia quando estaria pronta para
receber Aiden em toda a sua glória masculina.
E sabia que era mais por questões emocionais do que físicas, porque
seu corpo estava ansioso para sentir Aiden dentro dele, mas seu coração
sentia uma terrível culpa por desejar tanto aquele homem.
— Lucy.
Os ouvidos dela imediatamente se voltaram para a voz risonha de
Aiden a chamando pelo apelido.
— Quer ajuda? Ou vai dormir com essa coisa apertada?
— N-Não é tão apertada assim.
— Deixe-me ajudá-la. — Aiden se levantou, parando atrás do
biombo, muito menor que ele. — Lucille.
Ela levantou a cabeça, olhando o marido a observar trinta
centímetros acima dela e abrir um sorriso perverso. O biombo não servia de
nada quando ele estava de pé.
— Eu mandei a camareira embora porque queria dar a notícia sobre
nossa ida a Londres. Depois eu chamaria a garota de volta para despi-la.
Lucille piscou, bufou e virou de costas.
— Ajude-me, então. Já que causou essa confusão toda — ela disse,
a contragosto. — E depois podemos falar sobre essa viagem…
Aiden passou para o outro lado do biombo, olhando para as costas
de Lucille. O espartilho dela era curto, dando suporte apenas aos seios. Um
modelo que ele nunca havia visto na vida, mesmo se orgulhando de ter
conhecido todas as prostitutas de North Haven e mais um pouco.
— É um modelo novo?
— C-Como? — Lucille perguntou, com a voz estrangulada em
constrangimento.
— Nunca havia visto um espartilho tão curto.
Lucy suspirou, assentindo e continuando ereta e de costas para
Aiden. É claro que não tinha visto, ele devia ver espartilhos longos que
suportavam os seios enormes das loiras bonitas.
— Mulheres de seios pequenos não precisam de tanto suporte — ela
disse, inexpressiva. — Imagino que tenha se deitado com mulheres com
seios merecedores de um longo espartilho.
Aiden nada respondeu. Puxou os laços do lingerie, parando no meio
do caminho para que aquele momento de proximidade durasse mais tempo.
— Como eram as suas cortesãs? — Lucille perguntou,
repentinamente, sua voz saiu baixa e soturna.
Aiden crispou os lábios. O que Lucille gostaria de ouvir? Ele já
estava se tornando ciente de que ela tinha suas questões acerca do corpo
delicado que tinha, o que ela desejava ouvir que não fosse feri-la?
— Elas eram… mulheres com curvas. O tipo mais popular.
Lucille assentiu, olhando para os próprios seios ainda acomodados
nas taças do espartilho.
— Você disse que gosta de mulheres delicadas…
Merda. É claro que ele gostava, ele gostava de tudo que fosse como
Lucille desde que a vira naquele dia no escritório de John Mildenhall.
Gostava de sardas, seios pequenos, cabelos cacheados e olhos castanhos.
Gostava de tudo aquilo.
— Não vou mentir para você, Lucy — ele começou, terminando de
desfazer o laço e sentindo as costelas dela expandirem mais um pouco. —
Eu não me interessava por moças do seu tipo até conhecê-la. Agora, se me
colocarem em um lugar repleto de mulheres, nenhuma delas será tão
atraente quanto você.
Lucille assentiu, dando um passo para frente e tirando o espartilho,
ainda sem virar para o marido. Aiden respeitou a privacidade de Lucy e
passou para o outro lado do biombo, sentando-se novamente na cadeira que
ocupara antes.
— Você gostava delas?
Aiden demorou a responder. Olhou para a chama trêmula da
arandela na parede e respondeu a verdade, com a voz calma.
— Não. Meu interesse era puramente sexual e eu preferia ter a
companhia de mulheres cultas do que ficar famoso por viver dentro de um
bordel.
Lucille não respondeu de volta. Ele ouviu o som da água na bacia e
fechou os olhos em dor, a bendita estava se lavando a um biombo de
distância. Provavelmente nua, ou só com o chemise.
— Você gostava de ter relações com elas?
— Fisicamente, sim. — Ele foi sincero. — Era satisfatório.
— Fisicamente?
Aiden demorou a responder outra vez. Seja lá qual fosse a intenção
de Lucille com aquele pequeno interrogatório, Aiden não estava gostando
nada de revirar a própria cabeça outra vez.
— Eu nunca fiz amor com uma mulher — ele respondeu. — Talvez
você pense que esse seja só um nome menos obsceno para o ato sexual,
mas, não, minha querida irritante. Há uma diferença entre se deitar com
uma mulher qualquer e se deitar com uma mulher amada.
Outra vez o silêncio se fez. Dessa vez sem o barulho da água.
— Como você sabe que tem diferença se nunca fez?
Aiden abriu um sorriso enviesado, rindo baixinho e assentindo para
si mesmo. Espertinha.
— É o que meus irmãos me falaram, Lucy. O que me resta é crer.
— Se há duas formas… quer dizer que fazer amor é bom e a outra
vai doer?
Por que ela continuava atrás daquele maldito biombo? O medo
transparente na voz de Lucille causou um enorme desconforto.
— Não, Lucy. A dor acontece quando você se deita com um homem
à força. O corpo da mulher recebe um homem se desejá-lo, mesmo que não
vá fazer amor com ele, mas sim a outra forma.
Silêncio outra vez. Ela estava se escondendo dele.
Aiden quis jogar aquele biombo fora.
— Como é o nome da outra forma?
Ele riu consigo mesmo, um risinho baixo como se fosse um pedido
de socorro para Deus.
— Quer o nome menos feio ou o mais feio?
Lucy ficou em silêncio de novo. E Aiden ouviu o barulho da água
na bacia quando ela molhou o pano novamente.
— O mais feio.
Aiden assentiu, balançando a cabeça.
— Foder, minha querida.
— Oh… — ela soluçou baixinho. — Então isso que é foder?
— Sim — ele disse, com uma tremenda vontade de rir. — Isso que é
foder. Fazer amor, mas sem amor. Apenas paixão.
— Interessante — ela comentou baixinho. — E não dá para foder
fazendo amor?
Aiden fechou os olhos e rezou em silêncio. Claro que dá. Ele estava
louco para fazer aquilo com Lucy, transbordá-la de amor e de tesão. Uma
mistura perfeita, beijos e mordidas.
Fez-se silêncio mais uma vez e Aiden fechou os olhos, imaginando
como Lucy estava do outro lado daquele biombo. Estava nua? Ou só com o
chemise? Ele queria ser aquele paninho que limpava sua pele.
Eles poderiam fazer amor sem amor ali mesmo.
Ou amor com muito amor.
— Aiden, qual o seu tamanho?
Ele se empertigou com a inusitada pergunta e um dos cantos de seus
lábios se repuxou em um sorriso indolente.
— O que foi, Lucille?
— O seu tamanho, maldição — ela disse, entre os dentes, causando
uma risada involuntária no marido.
Ele adorava quando ela praguejava, era uma das coisas mais
divertidas do mundo.
— Um tamanho adequado.
— Você sabe em exatos centímetros?
Aiden riu outra vez. Medir o próprio pênis era o tipo de coisa que
ele fazia em Eton, já que a vida de um homem gira em torno do próprio
pênis. Um jovem gastaria algumas horas discutindo com os camaradas
quem era o mais homem de todos.
— Não sei, Lucy. Mas é tamanho suficiente para agradá-la.
Lucille tocou as próprias bochechas. Estavam queimando de
constrangimento. Como sairia daquele biombo com Aiden a esperando logo
na saída, pronto para fazê-la se sentir ainda mais constrangida por ser tão
curiosa?
— Vou me deitar — ele anunciou e o peito de Lucille relaxou em
alívio.
Espiou pelo biombo e viu que Aiden havia se retirado.
Rapidamente, ela apagou as velas do quarto de vestir, correu até a suíte da
duquesa e apagou todas as velas sem olhar para trás, apressando-se até o
quarto do marido e fechando a porta atrás dela.
Lucille suspirou com a mão no peito, abrindo os olhos e se
deparando com Aiden de pé em frente à lareira, terminando de dar um laço
na calça de linho que havia vestido.
Ele estava sem camisa. Aquilo era mais desconfortável do que
correr por quartos escuros. Os pelos ruivos dele eram tão maravilhosos e
másculos, deixando Lucille nervosa e desejosa só de olhar.
E os cabelos dele quando soltos tinham certo poder sobre Lucy.
Algo nele se tornava selvagem e forte, e ela sentia vontade de deslizar os
dedos por aqueles fios cor de fogo e sentir o toque sedoso em suas mãos.
— Isso tudo é medo do escuro? — ele perguntou, com um tom
jocoso, assoprando as velas em cima da lareira. — Deite-se, vou apagá-las.
Lucille rapidamente foi para a cama, escondendo-se debaixo dos
cobertores e acompanhando os movimentos de Aiden, que apagava todas as
velas do quarto.
Até que tudo ficou um breu e ela arregalou os olhos tentando
acostumar seus olhos à escuridão. Sentiu o peso de Aiden no colchão e logo
as mãos dele a puxaram para se deitar entre seus braços, onde Lucille
confortavelmente se encolheu, protegida.
Aproveitou-se da proximidade para tocar Aiden, dar-lhe carinho, já
que era aquilo que ela planejou fazer desde que conversara com Charlie no
dia anterior. E, depois do infortúnio da manhã, Lucille decidiu que voltaria
a tentar aquela aproximação.
Sua mão acanhadamente tocou o peito dele, sentindo os pelos ruivos
que lhe cobriam a pele. Ela o acariciou por ali, percorrendo a clavícula e
passando para o ombro, onde ela desceu pelo braço para sentir os músculos
dele.
Aiden era um homem forte e com músculos definidos, mas havia
também uma aconchegante camada de gordura sobre os músculos, o que —
na inexperiente opinião de Lucy — o deixava com uma aparência mais viril
e atraente.
A mão de Aiden encontrou a sua, causando um suspiro de surpresa
em Lucy quando ele envolveu sua mão pequena com a dele. Lucille
levantou o olhar, focando nos olhos de Aiden para ver como estavam no
escuro do quarto: quentes, da forma que ela gostava.
— O que você vê ali na frente? — ele perguntou, de repente.
Lucille olhou confusa para o marido e Aiden assentiu, indicando a
parede da frente com um aceno.
— A porta — ela respondeu, com estranhamento.
— E no canto esquerdo?
Lucy olhou para o local indicado.
— A lareira e a porta de seu quarto de vestir.
— E no outro canto?
Lucille suspirou, o que diabos ele estava querendo? Ela queria fazer
carinho nele, não discutir a disposição da mobília.
— Uma escrivaninha, uma poltrona e a porta contígua.
Aiden assentiu, puxando a mão de Lucy e depositando um beijo
demorado sobre a palma.
— Não há nada de diferente ali quando há luz — ele sussurrou,
trazendo Lucille para mais perto e beijando sua testa em meio aos ralos fios
de sua franja. — Está tudo dentro da sua cabeça.
— Eu sei, mas… — ela começou, mas não sabia nem como
explicar. — Não tem problema, porque agora eu posso dormir aqui.
— Poderia ter dormido aqui desde o princípio se o escuro a
incomoda tanto. Eu a deixaria dormir na cama comigo, é grande o bastante
para ficarmos afastados.
Ela negou, constrangida, enfiando o rosto no peito de Aiden e
sentindo o cheiro suave e delicado que ele tinha.
— Você tem o mesmo cheiro de Tamsin — Lucy comentou,
deslizando a mão pela clavícula dele. — É um cheiro bastante feminino, na
verdade.
Aiden riu baixo, fazendo o corpo se balançar suavemente abaixo dos
braços de Lucille.
— Deve ser porque eu passo muito tempo com ela. Que é uma
menininha feminina de quatro anos.
— Eu gosto do cheiro. — Ela sorriu, contente. — Os homens que já
chegaram perto o suficiente para eu sentir o seu aroma cheiravam tão forte
que ardia meu nariz.
Ele ficou em silêncio por longos segundos antes de perguntar, com
seriedade:
— Quer dizer que homens já chegaram perto de você?
Lucille deu um risinho diante do tom enciumado de Aiden.
Ela deu de ombros, fingindo que sim apenas para lhe causar mais
ciúmes. Ambos sabiam que ela não tivera temporadas agitadas.
— Alguns, talvez — Lucille disse, com um sorriso pequeno,
virando-se de costas para Aiden e rindo sozinha.
Ele a abraçou outra vez, encaixando o corpo pequeno dela ao seu e
tocando a barriga magra de Lucille com sua mão, de modo a mantê-la ainda
mais perto.
— Agora ninguém além de mim pode chegar perto assim — Aiden
sussurrou contra a bochecha corada de Lucy, beijando-a e afastando os
cachos do rosto dela. — Está presa aqui.
Lucille sorriu ainda mais, cobrindo o rosto com as mãos e se virando
para encarar Aiden outra vez.
Ele estava sorrindo.
Lucy não estava preparada para vê-lo sorrir. Mesmo na escuridão,
com a pouca luz da lua e a força de seus olhos, ela podia ver o rosto de
Aiden relaxado em um sorriso. Um sorriso para ela, somente para ela.
— Você sorriu — ela comentou, baixinho, sorrindo igualmente e
tocando o rosto relaxado do marido. — Eu gosto disso.
— Porque estou aliviado.
Ela uniu as sobrancelhas, deslizando o polegar pela bochecha de
Aiden para depois presenteá-lo com um beijo carinhoso sobre os lábios. Ele
correspondeu ao carinho sem pressa, aproveitando cada segundo que tinha
quando os lábios de Lucille se moviam junto aos dele.
Aiden ainda temia que Lucille levasse uma pancada na cabeça e
visse que ele não era Michael.
Droga. De novo ele estava pensando naquele frouxo.
— Aliviado com o quê?
A pergunta foi bem-vinda, embora a resposta não fosse a melhor. Ao
menos o fez parar de pensar no rival.
Rival?
— Quando você disse que homens haviam chegado perto de você,
pensei que alguém a havia machucado — Aiden explicou, aninhando
Lucille outra vez. — Mas, depois, vi que não era nada disso.
— Claro que não — ela murmurou, com o rosto recostado no peito
dele. — Ninguém nunca me machucou.
Ele assentiu, puxando os cobertores para melhor cobri-los. Lucy se
derreteu sonolenta nos braços de Aiden, mas não queria dormir. Voltou a
tocá-lo em seu peito, agora só com a ponta dos dedos, que deslizavam em
carícias pelo ombro e clavícula.
— Você está com sono, Lucy?
Ela fez que sim, recolhendo as mãos e se virando confortavelmente
para que Aiden a envolvesse outra vez.
Ele o fez, mesmo sabendo que aquela posição não era nada
favorável. Mas se ela gostava tanto de ficar assim, que Deus ajudasse Aiden
a dormir tranquilamente uma noite inteira enquanto um traseiro macio
estava aninhado a sua virilha.
— Boa noite, troglodita.
Aiden suspirou com um riso baixo, estava gostando daquele apelido
mais do que devia.
Demorou-se um pouco para responder, beijando a bochecha de
Lucille, que sorriu consigo mesma e se ajeitou ainda mais perto de Aiden.
— Boa noite, Lucy — ele sussurrou, mantendo-a aquecida em seus
braços. — Durma bem.
Não demorou cinco minutos para perceber que ela estava tão
acordada quanto ele.
— Aiden, eu estava pensando…
Ele riu baixo e deu outro beijo na bochecha dela.
— Em que, Lucille?
— Hum… Você tinha suas cortesãs antes da morte de seus pais, não
é?
— Sim — ele respondeu, lacônico. Não gostava daquele tópico
vindo dela. — Por quê?
Lucy deu de ombros levemente. Virou-se e ficou de frente para
Aiden antes de se deitar sobre o peito dele.
— Por nada.
— Pois é melhor dizer — Aiden exigiu, com um tom cômico de
autoritarismo, nada legítimo aos ouvidos de Lucy.
Ela riu, sacudindo-se e dando um empurrãozinho no marido.
— E se eu não disser?
— Serei obrigado a dar umas palmadas no seu traseiro.
Lucy ficou boquiaberta.
— Você não seria capaz.
— Só se você me pedir — ele sussurrou, com um sorriso enviesado,
sorrateiramente beijando a têmpora dela.
— Ora, você é um pervertido, degenerado — Lucy exclamou,
causando uma onda de riso em Aiden. — Como alguém gosta de receber
palmadas com tais conotações?
Ele deu de ombros com falsa inocência.
— Há quem goste, minha senhora. É um estímulo e tanto.
— Pois eu não quero que me dê palmadas — Lucy respondeu, com
altivez. — Entendido? Ou eu vou embora e nunca mais olho na sua cara,
levo Tamsin comigo.
— Jamais faria algo contra a sua vontade — Aiden disse, com
seriedade, mas deixou um beijo demorado contra os lábios de Lucy, que foi
logo correspondido com muita paixão. — Nada que pudesse lhe causar dor.
— Apenas carinho — Lucy sussurrou, acanhadamente, mordiscando
o lábio inferior do marido. — Assim eu gosto.
— Gosta? — ele perguntou, muito interessado, e deslizou a mão
pelas costas de Lucille até chegar na base de sua coluna e parar na curva de
seu traseiro. — Diga-me o que mais você gosta, Lucy. Eu quero saber, não
tenha vergonha de me dizer.
— Gosto de seus beijos — ela respondeu, aproximando-se até que
seus lábios estavam a pouco de encostar os de Aiden ou vez. — Gosto
quando me beija como se só eu existisse no mundo.
Ele a beijou quase que imediatamente. Com delicadeza e calma,
mesmo que seu peito fervesse de desejo por Lucille.
Agraciou-a com delicadas mordidas em seu lábio inferior e, ao que
ela suspirou baixinho e entreabriu os lábios, Aiden a tomou com sua língua
e se deleitou com as carícias que vinham do beijo de Lucille. Um tanto
inocentes, mas carregadas de desejo e paixão.
Lucy o puxou para cima de si, deixando que Aiden subisse sua
camisola até que ele pudesse se encaixar por entre suas pernas e sentir o
abraço de Lucille, esperando que ele jamais parasse de beijá-la.
Os lábios famintos de Aiden se afastaram dos lábios dela, descendo
por uma trilha de beijos pelo pescoço de Lucy, onde ele a marcou com sua
paixão por toda a pele clara, deixando leves pontos vermelhos, cada uma
lhe dizendo que Lucy pertencia a ele de corpo e alma.
Enquanto a beijava pelo ombro, afastou o colar que ela não tirava e
sorriu orgulhoso por saber que a duquesa sempre ficava com o seu presente.
Ter certeza de que ele roçava em sua pele todo o dia o deixava feliz e
vaidoso, como se fosse ele mesmo que passasse o tempo todo alisando a
pele alva de Lucille.
— Você gosta do colar, não é? — ele quis saber, precisava saber.
Ela assentiu, sorrindo acanhada e tocando os cabelos soltos do
marido. Com a mão em sua nuca, ela o puxou para beijá-la outra vez.
As mãos dele continuaram a subir a camisola dela, mas Lucy não o
impediu. Sorrateiramente, Aiden desceu a mão pela barriga dela,
acariciando a curva de sua cintura enquanto beijava Lucille, que se derretia
em deleite. Ela suspirava contra seus lábios,
Aiden não suportava mais se manter longe dos toques e deslizou os
dedos até a feminilidade dela, ouvindo um gemido baixinho de Lucille. Ela
já estava molhada e ele se perguntou se ela compreendia os sinais que o
próprio corpo dava. Estava duro apenas com os gemidos e os espasmos que
ela dava sempre que seus dedos percorriam o núcleo de todo o prazer dela.
Lentamente, em círculos lânguidos e luxuriantes, fazendo-a suspirar
trêmula e contrair os músculos das coxas.
Aiden não focou naquele ponto, não seria daquela forma. Não com
seus dedos.
Afastou os dedos de Lucille e a puxou pela cama para que ela se
deitasse melhor contra os travesseiros. Aiden a olhou, admirando-a
enquanto seus olhos miravam o conjunto de pelos macios que escondia seu
segredo de Aiden. Era o paraíso sendo ocultado dele, um brutamontes que
não a merecia.
Mas que a adorava tanto, tanto, tanto.
Ele se odiou por ter apagado todas as velas, estava refém da luz da
lua e podia ver pouco da compleição de Lucy. A camisola ainda lhe cobria
os seios, mas ele a segurou e a puxou para cima, despindo Lucille por
completo.
Lucy levou as mãos ao corpo e puxou o lençol para cobrir os seios,
mas Aiden a impediu com uma intervenção delicada.
— Não — ele sussurrou, beijando-a outra vez. — Não se cubra.
— Mas são… sem graça e pequenos.
— Eu gosto de tudo sobre você, Lucy — Aiden a acalmou, sentindo
os seios dela tocarem seu peito nu quando a abraçou. — Tudo em você é
lindo. Por dentro e por fora.
Lucy assentiu, cobrindo-se com o corpo de Aiden sobre o seu.
Seu coração batia desesperadamente. Ela não estava pronta. Mas, ao
mesmo tempo, estava. Porque queria.
Por Deus, ela queria mais que tudo se deixar ser tocada por ele. Mas
ainda não estava pronta para encarar a dor de deixar Michael para trás.
— E-Então eu quero vê-lo também — ela disse, com uma firmeza
tímida. — Mostre-me... Como eu estou me mostrando.
Aiden assentiu, afastando-se, mas ainda entre as pernas dela.
Aproveitou do momento para olhar Lucille melhor.
O corpo dela era gracioso e delicado, mas atraente e com as curvas
de uma mulher adulta. Os seios pequenos cabiam em suas mãos
perfeitamente, mas não as enchiam com o busto farto de uma meretriz
famosa.
Aiden começaria pelos pés, até chegar ao paraíso.
Passou as mãos pelas panturrilhas dela, subindo pelas pernas e
passando pela parte interna das coxas. Lucy fechou os olhos em deleite,
tocando os braços de Aiden e devolvendo as carícias que ele fazia. Quando
ele a acariciava em círculo com a ponta dos dedos, Lucy o imitava em seus
braços. Quando ele a apertava carinhosamente, ela o imitava, marcando-o
com a unha e deixando um leve rastro de vermelhidão possessiva.
Aiden passou a tocar a cintura dela, alisando a pele macia como se
venerasse Lucille. Ele podia fazer carinho nela, ele queria e precisava. Ela
não era as mulheres anônimas de North Haven.
Era a sua esposa querida. Por mais que ele tentasse negar, ela era
querida e adorada por ele.
Suas mãos chegaram aos seios dela, envolvendo-os e os apertando
levemente. Lucy sorriu com seus olhos fechados, flutuando pelas ondas de
prazer que lhe eram dadas pelas mãos do marido.
Aiden a beijou outra vez, incapaz de resistir aos lábios sorridentes
de Lucille. Um beijo necessitado e quente, possuindo a boca de Lucille com
sua língua e se deixando ser usado por ela, que o beijou no mesmo ardor.
— Aiden, eu quero ver — ela sussurrou em meio ao beijo. —
Mostre-me…
— Mostrar o que, minha querida? — ele perguntou contra o ouvido
dela, mordiscando o lóbulo macio e passando a língua pelo local. — Diga-
me o que é.
— V-Você sabe, Aiden — Lucy murmurou, constrangida, virando o
rosto para poder beijar Aiden outra vez. — Não fique me fazendo falar
essas coisas.
Ele riu contra os lábios dela. Um riso baixo e perverso.
Afastou-se de Lucille e saiu da cama, ficando ao lado do colchão.
Lucy se apoiou em um dos cotovelos, olhando para o marido com olhos
ansiosos e brilhantes.
Ela parecia uma estátua grega, com lençóis enroscados em suas
pernas e com lindas ondas castanhas caindo sobre os seios. A pele nívea e
delicada contrastava com os cabelos escuros e Aiden jamais poderia deixar
de notar o encontro das coxas dela, escondido pelos pelos.
Linda. Como nenhuma outra mulher que estivera na mesma cama
que ele. Ela poderia não ser tão bela para os olhos dos outros homens, ao
menos para o tipo de homem que Aiden conhecia. De fato, aquela corja de
canalhas gostava de mulheres com seios grandes para fazerem obscenidades
com as pobres damas. Mas, para Aiden, Lucille era o ápice da beleza
feminina, deixava-o estarrecido apenas com a imaginação que ela o fazia
ter.
Ela abriu um sorriso pequeno, subindo o olhar até o rosto de Aiden e
erguendo as sobrancelhas sutilmente.
— O que foi? — ela perguntou, baixinho. — Está me fazendo sentir
como uma degenerada agora.
— Nunca, Lucy — Aiden respondeu logo. — Está parecendo uma
obra de arte.
Lucy riu, descrente, cobrindo seu sorriso com as mãos e puxando o
lençol mais para cima.
— E-Então tire suas roupas. Não gosto de ser a única sem roupas
por aqui, é constrangedor.
Ele riu e levou as mãos ao laço que prendia sua calça de linho. O
desfez rapidamente, percebendo que suas mãos tremiam diante da promessa
de ter Lucille como nunca tivera mulher nenhuma antes.
Livrou-se das calças e deu liberdade ao que Lucille queria ver,
fazendo-o saltar e surpreendê-la. Ela levou a mão à boca, cobrindo os lábios
e olhando surpresa para a intimidade do marido.
Era a primeira vez que via um homem em desejo. E acreditou que
cada um era diferente, mesmo nunca tendo visto. Aiden era grande, mas
nada que fizesse Lucille temer. E, definitivamente, era mais atraente em
toda sua glória do que quando ela o vira dormindo. Apesar da luz do luar,
ela podia ver o tom avermelhado próximo a cabeça lisa, os pelos ruivos e
cheios na base e veias masculinas por toda a extensão.
Lucy desejou que estivessem à luz do sol, ela poderia olhar tudo
melhor. Analisar a arquitetura. E os tons.
— Imagino qual seria o tamanho exato… — Ela umedeceu os
lábios, deitando-se assim que Aiden voltou para a cama.
— A senhora terá de medir para saber — ele respondeu,
posicionando-se entre as pernas dela, ainda que não a tocasse onde ela
escorria de paixão. — Lucille, você é tão linda… Eu teria dançado todas as
valsas da noite com você, teria assinado seu cartão inteiro. Não, eu teria
destruído seu cartão e escrito meu nome na sua testa.
Ela riu baixinho, passando os braços ao redor de Aiden e o
presenteando com um selinho carinhoso.
— Não me parece atraente ter a testa rabiscada — ela brincou,
sentindo o rosto ruborizar diante das confissões do marido.
— Então, eu bordaria meu brasão no seu vestido — Aiden repensou,
tocando a cintura fina de Lucy e finalmente sentindo a feminilidade dela
tocá-lo. — Assim, todo mundo saberia que o Duque Louco era seu.
— Era? — Lucy perguntou, projetando seu quadril para frente e
deslizando sua intimidade contra a de Aiden. — Pensei que você ainda
fosse meu. Que sempre será meu, assim, bem perto de mim.
A sensação era muito melhor que a que ela sentiu na biblioteca dias
atrás. O contato nu era tão mais íntimo e escandaloso que a fazia latejar
ansiosa a cada vez que Aiden movia-se contra ela, estimulando-a.
Ele sorriu quando a viu sorrir sorrateiramente, mordiscando o
pescoço dela e chupando a pele até ouvi-la gemer timidamente. Lucy se
chateava quando ele parava de deslizar por entre a maciez dela e,
rapidamente, ela movia o próprio quadril, como se pudesse capturá-lo.
Aiden morreria se não pudesse tê-la naquela noite. Já estava no
limite da sanidade de tanto prazer, deleitando-se apenas com aquela Lucy
faminta antes mesmo de tudo começar.
Ele seguiu a beijando pelo pescoço outra vez, descendo até o vale
entre os seios dela e beijando-a ali enquanto massageava os seios de Lucy.
Chupou a maciez daquelas duas porções lindas do corpo dela, marcou-lhe a
pele com seus beijos e voltou para seu caminho em direção à barriga pálida
dela.
Lucille se contorceu nos lençóis, abrindo os olhos e olhando para
Aiden, que levantou o rosto apenas o suficiente para fitar sua esposa. Ela
mordeu o nó dos dedos, como se soubesse o que ele estava planejando
fazer.
Aiden sorriu contra a pele macia dos seios dela, chupando um dos
mamilos e descendo entre beijos e chupões pela barriga dela, até que
afastou mais as pernas, revelando suas dobras femininas e rosadas para ele.
Lucy arfou baixinho, levando uma das mãos até a própria intimidade, como
se pudesse tapá-la por completo. Fechou os olhos, decidida a não olhar
aquilo, certa de que iria se apaixonar por aquela visão tão inadequadamente
maravilhosa e sonhar com ela todas as noites. Ele, então, beijou-lhe
carinhosamente a virilha, acariciando a parte interna de suas coxas antes de
subir uma das mãos até o conjunto de pelos finos e abrir Lucille como se ele
nunca tivesse feito aquilo com uma mulher antes.
Não com uma mulher que o dominasse em pensamentos e em corpo.
Nem com uma que fosse tão linda, principalmente à luz da lua.
Lucy soluçou surpresa com o toque e Aiden rapidamente a olhou,
vendo que ela não estava com os olhos abertos. Deslizou o polegar sobre a
pérola inchada dela e a ouvir gemer baixinho, constrangida, mas desejosa
daqueles toques.
Ele não se demorou. Estava ansioso.
Beijou-a onde ela exalava seus desejos por ele, provando do saber
doce de sua linda Lucille. Passou a língua de cima para baixo, chupando
cuidadosamente, antes de deslizar a língua pela entrada estreita.
Ela exclamou, surpresa, mas depois riu em deleite, colocando as
pernas sobre os ombros de Aiden e arqueando as costas assim que ele a
beijou em seu núcleo tenso.
Aiden sorriu satisfeito, pincelando toda a delicadeza de Lucille,
tomando-a com sua língua e lábios, ouvindo-a gemer e chamá-lo a cada
nova sensação deliciosa.
Lucille entrava em um túnel de euforia onde tudo era escuro, por
vezes com tons ruivos em seus dedos, escorrendo por suas mãos até serem
puxados de volta. Seu corpo gritava e seus gemidos chamavam pelo marido.
Sim, sim, sim.
Com uma das mãos, ela tocou os cabelos de Aiden, puxando-os e os
soltando conforme ele a tocava deliciosamente. Mais forte para continuar,
mais fraco e carinhoso para parabenizá-lo. Lucy, às vezes, ria em meio aos
gemidos, sentindo cócegas quando as costeletas do marido roçavam em
suas coxas, mas depois gemia baixinho quando ele a sugava e lambia até
fazê-la puxar seus cabelos outra vez, ordenando que continuasse lhe dando
prazer.
Tão maravilhoso quanto na noite em que ele a levara ao alívio
feminino pela primeira vez.
— A-Aiden… Aquilo de novo — Lucy disse, alarmada, passando os
dedos pelos cabelos do marido, que a olhou de relance. — Continue, por
favor.
Aiden a segurou pela cintura, acariciando a barriga dela e deixando
que uma das mãos de Lucy agarrasse uma das suas. Ela arqueou as costas,
gemendo entre suspiros e puxando os cabelos dele até que se desmanchou
nos lábios do marido entre espasmos de paixão.
Satisfeito, Aiden afastou-se e voltou a ficar por entre as pernas de
Lucy. Tocou o rosto quente dela, adorando quando ela o recostou em sua
mão e beijou seu polegar preguiçosamente, derramando-se no toque dele.
Os olhos pesados dela se abriram e as mãos ainda fracas o puxaram
para um abraço.
Aiden não resistiu e sorriu, tudo nela estava ainda mais belo. Os
cabelos bagunçados e espalhados nos travesseiros, a respiração irregular, os
lábios cansados que tentavam lhe beijar carinhosamente. Queria que fosse
dia, queria poder ver o rubor no rosto dela, ver por onde ele se instalava
quando era fruto do mais intenso prazer que ele poderia prover à moça.
— Aiden…
— Diga, minha linda Lucy — ele sussurrou, apaixonado, beijando-a
em todo seu rosto. — Diga e eu farei tudo o que quiser. Cumprirei todas as
suas ordens.
— Faça amor comigo.
Capítulo 22
***
***
— Você não acha que o tempo está ruim para caça, Aiden?
Aiden olhou para o céu carregado de nuvens negras. Choveria como
o fim do mundo. Mas ele não retornaria para o palácio.
Não depois de ter feito amor com Lucy.
Marchou pelos campos verdes de Greenhill e ignorou os próprios
sentimentos. Caçaria e mataria um bando de animaizinhos inocentes se
aquilo o fizesse parar de pensar nas lembranças da noite anterior.
Deus do Céu, como ele queria conseguir voltar e se deitar com Lucy
outra vez, mas com a luz do sol iluminando-a e permitindo que ele a visse
nua sem nenhuma escuridão. Ele queria, mas não podia. Sentia um bolo se
formar na garganta e um nervosismo enorme por pensar onde aquilo tudo
levaria. Já estava apaixonado por Lucy, perdidamente. Mas tinha fé que
poderia se desapaixonar.
Recomponha-se, homem. Aiden não poderia continuar a pensar
assim, não sabendo que suas tentativas frustradas de se desapaixonar por
Lucille só a magoaram e o fizeram ainda mais louco para dar carinho a ela.
Ele não podia mais feri-la ao descontar suas questões nela. Nunca
mais.
— Aiden, é melhor voltarmos — Lewis comentou, preocupado,
arrumando a arma em seu ombro e olhando para os dois criados que os
seguiam.
— Está com medo de uma chuvinha, garoto? — ele perguntou,
ignorando o chuvisco que começou a cair mais grosso na sua testa.
— Estou com medo de pegar uma pneumonia e apanhar da sua irmã
por segui-lo nas suas ideias insensatas.
— Ideias insensatas — Aiden resmungou, subindo um morrinho e
olhando ao redor.
— Acho que os pássaros não voam em chuvas fortes.
— Então, volte para casa — ele respondeu, com rispidez,
continuando a seguir a colina.
Lewis o seguiu com notável preocupação, tentando acompanhar o
ritmo de Aiden, que ia cada vez mais rápido.
As gotas de chuva engrossaram violentamente e logo despencavam
do céu com uma força e rapidez que causava até mesmo dor em quem fosse
atingido por elas.
Aiden continuou andando, sabe-se lá para onde. Estava fugindo dos
próprios sentimentos de novo, fugindo da paixão que sentia por Lucille.
Mal percebeu quando Lewis voltou para casa, deixando-o sozinho com um
criado que tremia de frio. Aiden não poderia deixar o pobre rapaz morrer de
pneumonia porque ele estava com problemas em questões do coração.
Irritado, ele bufou como um touro e desceu a colina. Teria de tomar
um banho morno e se aquecer, mas queria mesmo era um banho frio.
***
Horas depois, Lucy disse a si mesma que não faria papel de tola
outra vez. Haviam consumado o casamento e ela jamais permitiria ser
esquecida pelo marido daquela forma.
Parada em frente à enorme porta do escritório do marido, ela bateu
contra a madeira com o nó dos dedos e entrou no escritório com o melhor
sorriso que conseguia dar após passar uma manhã inteira sem o duque.
Aiden levantou a cabeça, os cabelos estavam soltos e úmidos do
banho quente. Ele a olhou e depois voltou a desenhar, nem mesmo a
saudando ou sorrindo para ela.
Lucy fechou os olhos e cerrou os punhos. Ele não era tão estúpido
assim. Não poderia voltar a ignorá-la depois de tê-la levado para cama. Ela
tinha ciência dos conflitos que Aiden tinha consigo mesmo, mas o homem
tinha que tentar dominá-los. Ainda mais quando aquilo a magoava.
Lucille sabia que ele havia gostado tanto quanto ela. Havia sorrido
para ela, abraçado e beijado com amor. E, agora, estava fugindo. Ele só
fugia quando algo mais florescia entre eles. E Lucy iria amarrá-lo bem e
não o deixar escapar.
Iriam se amar.
— Meu troglodita carrancudo — ela disse, melodiosa, caminhando
até a mesa e bisbilhotando o que fazia. — Por que não foi me procurar
depois do banho? Lewis veio se juntar a nós no jogo de mímica.
— Mímica? — ele pigarreou, pegando um pastel verde e o raspando
em cima de uma paleta pequena.
— Eu sei que você não gosta — ela começou, andando pelo
escritório e dando de ombros acanhadamente. — Pensei que gostaria de
passar um tempo comigo depois de ontem… Eu gostaria de passar um
tempo com você… Mesmo que fosse tendo você emburrado jogando
mímica. Desde que ficasse comigo.
Aiden parou de desenhar, colocando o giz dentro da caixinha de
madeira calmamente. Mas sua mão tremia.
— Pensei que estava ocupada com Tamsin, por isso não a
incomodei.
Lucy assentiu, parando em frente a um cavalete onde folhas
enormes estavam expostas. Ela passou uma a uma, vendo plantas baixas de
jardins e labirintos.
— Posso ficar aqui com você? — Ela o olhou por sobre o ombro e o
viu assentir, duro. — O que está desenhando aí? Posso ver?
Aiden fez que sim. O que mais ele poderia fazer? Estava se tornando
escravo das vontades de Lucy e fazia tudo com o coração aberto e jogado
para ela.
Ela sorriu contente, iluminando-se com a luz que vinha da janela.
Aiden respirou fundo, não suportava. Lucy era linda demais.
Lucy tentou puxar uma das poltronas para perto da grande mesa do
marido, mas falhou com um suspiro alto e cansado.
— Não seja tola, Lucy — ele murmurou, tocando a testa
pacientemente. — Sente aqui comigo.
Ela abriu um sorriso radiante e rapidamente se juntou a Aiden e se
sentou em seu colo. Era aquilo que ela queria desde o princípio,
proximidade e intimidade. Aiden riu internamente, envolveu a cintura de
Lucy e a observou bisbilhotar pela sua mesa de trabalho com certa
animação.
Depois de um minuto, começou a ficar difícil suportá-la se
remexendo no colo dele enquanto abria as caixas de pastéis e os testava em
uma folha em branco sem nenhum cuidado. Aiden tentou controlar o
próprio fluxo sanguíneo. Era melhor que fosse tudo para o cérebro e ele
morresse logo do que ir para baixo.
Era muito arriscado fazer amor com ela outra vez. Muito perigoso.
Talvez seu coração apaixonado fosse entregue definitivamente.
E, talvez, Lucy ainda estivesse um tanto sensível. Ele não sabia
como funcionavam as virgens depois da primeira vez. Quando concebera
Tamsin, estava bêbado demais para se lembrar de algo muito substancial.
Lembrava-se de partes – que ele tentava, em vão, esquecer –, mas era tudo
muito primitivo. Não fora um encontro sexual muito delicado, fora
libidinoso e alcoolizado, embora a jovem mãe de Tamsin não tivesse
reclamado de nada no dia seguinte.
Ela o agradeceu, na verdade! Aiden, é claro, quis voltar no tempo e
mandar embora aquela criada assanhada.
Bom, ele não culpava a moça. Ela queria aquilo e ele também, mas a
sobriedade o mantinha são o suficiente para saber que sexo e criada nunca
vão bem juntos. A culpa era toda dele, quem tinha a ferramenta de
defloração era ele.
Dito isso, Aiden não sabia quanto tempo uma moça recém-deflorada
precisa para se recuperar da primeira noite de amor.
Ele pigarreou baixinho, apertando os braços ao redor dela sutilmente
antes de perguntar:
— Você está bem?
— Como? — Lucy se virou para ele, ficando de lado e envolvendo
o pescoço do marido com os braços. — Estou bem, é claro. Estou contente.
Ele assentiu. Que bom.
Não, que merda. Agora os dois estavam muito felizes com a noite
anterior.
— Não perguntei sobre seu humor — ele disse, pigarreando outra
vez. — Sente algum incômodo depois de ontem?
— Oh… — Ela ruborizou, abrindo um sorriso trêmulo e voltando a
testar as cores no papel. — Estou bem, eu deveria sentir algo? Você é um
homem robusto, mas nem tanto.
Aiden resfolegou, ofendido. Ela estava reclamando? Ninguém nunca
reclamara dele e de suas habilidades como um amante.
— O que é isso? — Lucy perguntou, ganhando a atenção de Aiden
ao tocar um caderno grande, com capa de couro azul e um fecho dourado.
— Que bonito!
— Não mexa nisso! — Ele a impediu de abrir rapidamente,
colocando sua mão grande sobre a dela.
Ela parou, sentindo o corpo dele tenso ao que ela tentou abrir o
caderno.
— Não posso ver?
— Quando estiver pronto — ele explicou, afastando a mão dela. —
Prometo que lhe mostro.
— E quando ficará pronto?
— Não sei, Lucille.
— O que é?
— Você está parecendo com Tamsin — ele resmungou, recostando-
se na enorme cadeira e puxando a esposa para se inclinar sobre ele. —
Esqueça isso, é apenas um projeto.
Lucy suspirou impotente, agora queria ver aquilo mais que tudo na
vida.
Arrumou-se no colo de Aiden, tocando as mãos dele, que estavam
repousadas em sua barriga e acariciando o nó dos dedos.
— Aiden… — ela começou, pensativa. — Naquela vez em que eu
fiquei no seu coche enquanto vínhamos para cá… eu adormeci em cima de
você.
— Sim — ele aquiesceu, embora tivesse abraçado Lucille e não
acidentalmente servido de encosto, como ela pensava.
— Você me fez carinho.
Aiden congelou, tensionando as mãos, que recebiam carícias
despreocupadas de Lucy.
Ela pareceu não perceber e continuou:
— Por que me fez carinho se não gostava de mim?
— Eu nunca não gostei de você, Lucille — Aiden se explicou, com
seriedade. — Era neutro para você. Não a conhecia e desejava manter
distância. Você era a pessoa quem não gostava de mim.
— Não vou negar — ela riu baixinho e se sentou de lado outra vez,
envolvendo o pescoço de Aiden e o beijando na ponta do nariz. — Agora
até que eu gosto de você, troglodita. Um pouquinho só. Não muito, não
quero que fique vaidoso demais.
Ele riu do tom jocoso dela. Aiden sabia que não era um pouco. Ela
estava apaixonada, talvez um pouco afetada pela noite anterior.
Aquilo era perigosamente bom.
— Ainda não respondeu a minha pergunta — ela insistiu,
beliscando-o delicadamente na nuca.
Aiden suspirou, afagando a coxa de Lucille por cima do vestido
antes de segurar a mão dela e deixá-la sobre a sua.
— Faz alguns anos que eu não tenho alguém para acariciar assim,
sem pretensões. Acho que, na verdade, nunca tive.
Lucille emudeceu, olhando-o com uma piedosa surpresa. Seus dedos
perderam as forças nas carícias que dava a Aiden e deslizaram até seu rosto.
Ele não a olhou, mas desviou o olhar para o caderno azul sobre a
mesa. O olhar triste de Lucy sobre si o deixou deprimido e envergonhado.
Ela tinha pena dele, é claro. O Duque Louco, que vivia sozinho em
um lugar enorme.
— Ficou sozinho por sete anos? — ela perguntou, quase em um
sussurro.
— Na companhia das prestimosas prostitutas de North Haven — ele
respondeu, com amargura.
Lucille não se enciumou. Suspirou com pesar e deixou um beijo na
testa de Aiden, antes de beijá-lo nos lábios.
— Imagino que, em um lugar como North Haven, não tenha moças
da nossa classe — Lucy comentou, colocando parte dos cabelos do marido
para trás de sua orelha. — Mas você ainda ia a Londres, mesmo assim. Ou
até Derby.
— Não com os propósitos de procurar uma esposa — Aiden
explicou, brevemente, movendo-se na poltrona para que Lucy saísse de seu
colo.
Ela o fez, sentindo-se ainda mais triste. Ele não queria conversar
sobre aquilo, é claro.
Lucille se sentia privilegiada por Aiden ter lhe contado um de seus
tormentos com tão pouco tempo de casamento. Ainda demoraria mais para
que ela chegasse ao fundo daquele coração trancafiado. Tudo que havia
feito fora olhar pelo buraco da fechadura.
Aiden se levantou de sua cadeira, caminhou até a janela e olhou para
fora com uma das mãos apoiadas no vidro.
— Fico feliz que se sinta à vontade para me acariciar inocentemente
— Lucy disse, parando ao lado do marido e olhando para a paisagem. —
Prefiro suas carícias do que o que me dava quando nos conhecemos.
Imagino que me dar carinho seja um pouco assustador, dada as suas
crenças, meu querido troglodita.
Aiden resfolegou baixinho, passou um dos braços ao redor da
cintura de Lucy e a puxou para perto enquanto olhavam para as colinas
verdes de Greenhill.
Ela se recostou nele, tocando seu peito e lhe dando amistosas
batidinhas.
— Muito bem — Lucille disse, com um sorriso contente, antes de
puxá-lo pelas mãos — Agora vamos jogar mímica!
Capítulo 23
Aiden não jogava mímica, nem nenhum outro jogo que ele
detestava por ser constrangedor demais. Como os outros se divertiam em
ficar no centro das atenções enquanto se portavam como tolos mudos?
Exposição social não era algo muito agradável para Aiden.
Ele preferia ficar sozinho e quieto, apenas observando os outros.
Mas aquela era a sua família, ele tinha de participar. Principalmente quando
sua filha também estava jogando. Aí ele tinha que se empenhar e se animar
ao vê-la brincando, principalmente soprando as respostas no ouvido dela,
que gritava animada a resposta e acertava quase tudo.
Aquilo o deixava feliz, do fundo do coração. Ver Tamsin o fazia
feliz, a única coisa que parecia lhe fazer contente naquela vida escura.
Era a vez de Lewis jogar, mas o pobre coitado havia ficado com a
mão presa dentro do pote onde as respostas estavam guardadas e Charlie
teve de ir socorrê-lo.
Aiden revirou os olhos, cansado, e se recostou no sofá pronto para
dormir ali mesmo. Tamsin veio animada até ele, sorrindo de orelha a orelha
e subindo em seu colo, onde se enrolou e se deitou contente como uma
bolinha ruiva.
— Não vai brincar? — ela perguntou, empurrando o queixo dele
com o indicador antes de passar para o nariz.
— Já estou brincando — Aiden explicou, arrumando Tamsin em
uma posição onde o vestido dela não se embolava tanto na direção da
cintura. — Mocinhas se sentam mais comportadas, sabia?
Tamsin riu e deu de ombros, arrastando-se pelo colo do pai até ficar
de cabeça para baixo e colocar os pés calçados só de meias no rosto dele.
Lucille deu uma risadinha abafada no outro sofá, levantando-se e
indo ajudar Aiden, que parecia muito perdido ao tentar colocar Tamsin
sentada corretamente.
Ela se sentou como uma pluma pousada sobre a grama,
delicadamente e bastante ereta. Aiden a olhou de soslaio e depois olhou
para Tamsin.
— Veja como Lucy se senta como uma moça — ele disse para a
filha e fez tom de pouco-caso. — O papai gosta de moças que se sentam
assim.
Tamsin imediatamente olhou para Lucy. Antes que pudessem contar,
ela já havia pulado do colo de Aiden e se sentado entre ele e Lucille,
alisando o vestido e se empertigando comicamente.
— Vamos ter que cortar fora, seu estrupício.
— O quê? — A voz de Lewis saiu esganiçada como um cabrito.
Aiden e Lucille imediatamente olharam para o casal. A mão de
Lewis estava começando a ficar roxa e sabe-se lá como ficou presa naquele
pote. Por isso Aiden não jogava aquelas porcarias, sua mão nem teria
entrado na boca do vidro.
— Vamos na cozinha tentar quebrar o vidro — Charlie anunciou,
envolvendo os ombros do marido tristonho. — Quer vir, Tamsin? Vamos
conhecer a cozinha?
— Quero! — Ela nem sabia o que era, mas saltou animada e agarrou
a mão livre de Lewis. — Tchau!
Os dois acenaram, risonhos, diante daquela absurda situação.
Lewis saiu choramingando, escoltado pela esposa e a sobrinha.
Um silêncio pairou sobre a biblioteca rosa, Lucy tamborilava os
dedos na coxa e Aiden encarava uma estatueta de um anjinho pelado no
meio de uma das estantes.
Lucille se aproximou do marido sorrateiramente, até que seu ombro
tocou o braço duro e grande de Aiden.
— Acho que a mímica acabou — ele anunciou, levantando-se e
caminhando até uma das janelas.
Sentiu-se um cretino, mas fora instantâneo. Levantou-se antes que
pudesse pensar, e, quando pensou, sentiu-se como um desgraçado. Decidiu
não olhar para trás e ver o desapontamento no rosto de Lucy.
Maldição, ela queria ficar com ele depois da noite passada. Ela fora
procurá-lo e confessou seus desejos de companhia, enquanto ele havia
fugido para uma caça medíocre em um dia chuvoso.
Ele era horrível, sabia disso. Mas a ansiedade que tomava conta de
si quando Lucy estava perto demais era insuportável. Quando ele fechava
os olhos e lembrava da noite anterior, tudo lhe parecia fácil. Natural, como
deveria ser.
Uma moça bonita e inteligente, receptiva na cama e que desejava
contato. Lucille era perfeita, era uma mulher incrível e tratava Tamsin com
amor.
Tudo que Aiden queria quando ainda pensava em achar um amor e
se casar, ter filhos e passar cada dia de sua vida lembrando à jovem que
fosse sua esposa de como ele a amava. Agora tinha um terreno fértil para
tal, mas seu coração batia rápido demais, o corpo suava e a mente entrava
em uma velocidade alucinante de pensamentos desesperados de desamparo
e melancolia em uma cama.
Sem Lucy, sem amor.
Aiden só tinha de se deixar levar pelo sentimento, mas a razão era
forte como um touro.
— Acho que vou ver como está o pobre Lewis — Lucille anunciou.
Aiden se virou imediatamente, olhando-a de pé e com as mãos na
frente do corpo.
— Fique — ele disse. — Venha aqui, vamos ver a chuva. Por
favor… fique.
Lucille suspirou baixinho e aliviada. Assentiu e foi para o lado do
marido, indo um pouco para a frente e olhando para a paisagem devastada
pela tempestade, que maltratava tudo que via.
— Os jardineiros terão um trabalho e tanto quando isso passar… —
ela comentou, olhando piedosa para os canteiros enlameados.
— É para isso que eu os pago — Aiden respondeu, olhando para as
próprias mãos e pensando. Pensando demais.
— Imagino que sim — Lucy replicou, monótona.
Ela estava chateada. É claro.
Aiden olhou para as mãos, abrindo e fechando os dedos com força.
Por que era tão difícil? Ele queria abraçar a esposa, mas seu coração estava
começando a bater rápido demais.
Estendeu as mãos nervosas para Lucille e a envolveu por trás,
abraçando-a e repousando o queixo no topo de seus cachos castanhos. Ela
continuou rígida ao contato, as mãos espalmadas no vidro enquanto o olhar
estava focado na tempestade.
— Terei paciência com você, Aiden — ela disse, baixinho e séria.
— Mas lembre-se que passaremos a vida inteira juntos e eu não suportarei
ser deixada depois de recebê-lo na cama. Não com você me tratando com
carinho enquanto faz amor comigo. Se for assim todas as vezes, então que
me poupe dessas experiências boas.
Aiden assentiu minimamente, embora ela não pudesse ver. Ele sabia
de tudo aquilo, sabia que passaria o resto da vida com Lucy ao seu lado. E
passar mais algumas décadas controlando os próprios sentimentos e
magoando uma mulher inocente não parecia justo e nem suportável.
Nenhuma mente tolera tanto sofrimento e autocontrole. Aiden
queria viver o casamento, não se esquivar de Lucy a todo tempo, enquanto
lutava contra si mesmo depois de beijá-la.
— Tenho ciência de minha mente distorcida pelas minhas crenças
— ele respondeu. — E peço desculpas por não saber controlá-las.
— Gostaria de conversar sobre isso? — Lucy continuava a não
corresponder ao abraço de Aiden, que estava começando a se sentir tolo.
— Não — ele confessou. — Mas um dia, quem sabe.
— Se quiser, um dia, estarei disposta a fazê-lo mudar de
pensamento. — Lucille se virou para o marido, envolvendo-o um tanto
relutante e olhando-o nos olhos cristalinos. — Digo-lhe uma coisa, meu
troglodita: é melhor perder um ente querido e ter memórias de amor do que
perder alguém e jamais ter uma memória boa para lhe causar nostalgia. No
dia que você se for, eu espero ter um monte de memórias boas sobre nós,
para jamais me arrepender de não tê-lo amado quando tive a chance.
Aiden nada respondeu e Lucy não esperava que ele o fizesse. Ela
tocou-lhe no peito e beijou-lhe nos lábios demoradamente.
— Gosto de você, meu brutamontes — ela disse, com um sorriso
pequeno e singelo. — Tenho esperança de que podemos nos amar um dia.
Sei que teremos lindos filhos.
Aiden a respondeu com um beijo cálido e apaixonado, abraçando-a
com carinho e a mantendo presa em seus braços, em silêncio.
— Eu também gosto de você, minha querida Lucy. Encontrarei boas
palavras para fazê-la crer em meus sentimentos quando minha mente ficar
atordoada pelo medo.
Ela sorriu com alegria, embora ainda fosse um gesto pequeno. O
rubor em seu rosto era autoexplicativo para Aiden, era o suficiente para ele
saber que suas palavras breves foram o suficiente para Lucy compreender
seus sentimentos.
Lucille se afastou do abraço, caminhando até a escrivaninha da
biblioteca, onde colocou a mão.
— Estava pensando em fazer daqui a minha sala — ela anunciou,
com um sorriso, como se jamais tivessem falado de problemas. — O que
acha? Sem retirar as memórias de sua mãe, é claro. É um local bonito e
aconchegante. Gosto do rosa e dos sofás.
Aiden agradeceu pela mudança de assunto e foi até a escrivaninha
branca e pequena, onde havia um bolo de cartas, revistas e um tinteiro de
cristal. O desenho de Tamsin também estava lá, guardado em vidro e
exposto como um lindo retrato. Ela gostava da criança. Deus do céu, como
aquilo era bom.
E tão aterrorizante.
— Trouxe minhas coisas — Lucy explicou, um tanto constrangida.
— Pedi para que minha mãe me enviasse as revistas de Londres há algumas
cartas, chegaram agora. Assinarei e enviarão sempre para cá.
— Devem ter fofocas e tanto nessas folhas aí — ele comentou,
nunca teve interesse naquele tipo de literatura. — Já leu?
— Não, estou com medo de terem falado algo sobre mim. — Lucille
tocou as revistas e depois as cartas ainda seladas. — São das minhas
amigas, também estou com medo de ler as perguntas que me mandaram.
— O medo não é algo que nos movimenta muito — Aiden disse,
zombando da própria situação. — É melhor ler e encarar os fatos, minha
bela.
Lucy murchou, puxou a cadeira e sentou para os seus afazeres.
— Gostaria que ficasse aqui — ela anunciou. — Sua companhia é
boa, mesmo quando você emudece.
— Como quiser, madame. — Aiden a reverenciou e se sentou no
sofá, observando Lucy abrir uma das cartas. — Parece que vai ficar o resto
da tarde lendo correspondências.
Ela o olhou por sobre o ombro.
— Precisa ir trabalhar em um de seus jardins?
Ele fez que não e ela sorriu, voltando-se para o que estava fazendo.
Aiden tinha muitos jardins para projetar e muitas cartas para
responder. Mas ele era um duque e fazia o que bem quisesse. Ficaria a tarde
toda vendo Lucille abrir cartas e ler revistas de fofoca, mesmo que sua
mente acabasse vagando nos horrores de uma vida sem ela.
***
Eram três da manhã e Aiden estava olhando fixamente para um livro
aberto, tentando ignorar Lucille dormindo feito um anjo do seu lado.
Ele não ficaria olhando para ela. Aquilo era estranho demais. Já
havia passado o resto da tarde ouvindo-a ralhar sobre as cartas
inconvenientes das amigas. Aiden passou a página do livro iluminado por
uma única vela. Olhou de relance para Lucy.
Ela era linda demais, principalmente quando dormia. Seu rosto todo
relaxava e ela sempre dava suspirinhos, atiçando Aiden, que imediatamente
a abraçava e a mantinha perto de si. Tão preciosa.
E ela sempre suspirava de novo, agraciada com o abraço. Ele estava
ficando louco por ela, mas ainda conseguia controlar. Tentava, pelo menos.
Olhou para o livro de novo, focando em ler aquele capítulo para
finalmente poder dormir. Sentiu o colchão se mover e olhou para o lado
sorrateiramente. Lucy estava se arrastando sonolenta para fora da cama.
Aiden abaixou o livro em seu peito e a acompanhou com os olhos.
Ela cambaleou um pouco e levantou a saia da camisola, entrando no lavabo
e sumindo de vista.
Ele riu consigo mesmo, nada como ver o traseiro da sua esposa em
plena madrugada. Lucille retornou para a cama minutos depois e se arrastou
até ele, puxando um de seus braços até que Aiden se encaixasse nela da
forma que ela gostava.
E que era tão perigosa para ele, sempre com aquele traseiro macio
aninhado em sua virilha.
— O que foi fazer? — ele perguntou, curioso.
— Xixi — Lucy murmurou e Aiden controlou o riso. — Está tarde,
vá dormir, brutamontes.
— Prefiro olhar você — Aiden respondeu, mantendo Lucy presa em
seu braço e aninhada ao seu corpo.
Ela riu baixinho e sonolenta, virando-se para ficar de frente para o
marido. Beijou-o nos lábios, preguiçosamente, até que desistiu e pegou no
sono com os lábios quase colados aos dele.
Derretida nos braços do marido, Lucy já não estava mais ciente dos
olhos dele sobre o seu sono. Aiden a observava com cuidado, atento a cada
suspiro e movimento que ela fazia, arrumando-se no peito dele ou se
virando para ser abraçada por trás.
Ele passava horas vendo-a, dando-lhe carinho e se sentindo um
homem maluco. Havia muito tempo que não tinha uma mulher com quem
dividir a cama por uma noite toda. Mas Aiden nunca havia tido uma mulher
daquela forma na sua cama, da maneira como Lucille ficava. Sempre
abraçada a ele enquanto dormia, sempre autoritária no modo como queria
que ela a envolvesse. Apaixonada e inocente, esperando-o para irem dormir
todas as noites.
Sete anos antes, ele havia tido duas cortesãs, suas amantes
prestigiadas. Havia dado uma casa para cada uma, além de um número
questionável de joias.
Ele nunca foi bom em expressar seu deleite em tê-las em palavras,
então lhes dava presentes. Enchia-as com eles até as mulheres terem
pulseiras até os cotovelos.
Marzia e Lucrezia nunca reclamaram, gostavam muito de tudo que
Aiden lhes dava. Uma boa noite e um monte de presentes. Lucrezia era a
que menos se importava com ele e Aiden pouco ligava para aquilo. Eram
amigos até os limites, amantes e nada mais. Tirava tanto proveito dele
quanto ele dela.
Marzia era mais jovem e, às vezes, Aiden pensava que a mulher
havia se apaixonado por ele. Era mais intimista, gostava que ele a abraçasse
depois do sexo e que lhe dissesse palavras ternas. O que o incomodava
muito, não queria se apaixonar por uma cortesã, embora aquilo não fosse
aterrorizante. Também não era um insensível, só não se tornava tão piegas
como ela queria. Fazias as vontades dela, acalentando-a, mas sem conseguir
dizer palavras carinhosas vazias de sentimento.
Era melhor não ter um intenso caso de amor com uma mulher com
quem não poderia se casar.
Primeiro, se desfez de Lucrezia, separando-se em um bom acordo.
Depois de Marzia, embora ela tenha ficado um tanto triste. Acabaram se
encontrando algumas das vezes em que Aiden continuou a ir para Londres
nos anos seguintes, mas nunca mais foram amantes.
Visitavam a ópera juntos, apenas para que a sociedade pensasse que
ele ainda era um homem saudável, já que a fofoca de ser louco havia se
alastrado como fogo. A verdade era que Aiden não sabia como lidar com
mulheres tristes e acabava fazendo as vontades dela para que ficassem
contentes, então ia com Marzia para eventos.
Depois, ela conheceu um novo amante e deixou Aiden em paz.
Mas, em toda sua vida, Aiden nunca havia tido uma mulher inocente
em sua cama, daquelas que só querem amor e carinho na mais pura forma.
Lucille parecia ser aquele adorável tipo de moça. Todo santo dia, abraçada a
ele durante uma noite toda. Às vezes, ele sentia calor pelo contato intenso,
mas não se separava dela, mesmo quando ela ficava apenas segurando-lhe a
mão.
E Lucy dormia como um anjo, sem acordar hora alguma, bastante
satisfeita com aquela cama e aquele homem a escoltando das sombras.
Aiden afagou os cachos dela, afastando-os de seu rosto angelical
para poder beijá-la nos lábios sonolentos. Lucy se moveu um pouco,
contorcendo-se como quem se espreguiça e entreabrindo os lábios para
receber o beijo de Aiden.
O coração dele disparou por um instante por tê-la acordado,
envergonhando-se de sua paixão incontrolável por ela quando a noite caía.
Lucy o beijou preguiçosamente, movendo seus lábios com uma
lentidão deliciosa, praticamente entregue ao carinho de Aiden ao acariciar
seus lábios com a língua.
— Sorte sua que estou com sono… — ela disse, em um sussurro,
beijando o lábio inferior dele vagarosamente. — Mas amanhã você não me
escapa.
Ele mal teve tempo de responder aos flertes sonolentos da esposa,
logo Lucy já estava confortavelmente dormindo abraçada nele como uma
gatinha. E para Aiden aquilo era o suficiente, tão suficiente que ele mesmo
pegou no sono junto de sua querida esposa.
Aquilo era maravilhosamente o suficiente.
Capítulo 24
***
***
Já era tarde da noite e Aiden continuava a ler seu livro. Daquela vez,
ele estava lendo de verdade, as páginas eram viradas com mais frequência e
o som era quase soporífero para Lucille.
Ela abriu um dos olhos, virando-se até rolar na direção de Aiden e
se recostar no braço dele.
— Troglodita — ela o chamou, um tanto sonolenta.
— Sim? — Ele passou uma página.
Lucille se enfiou debaixo do braço dele e se apoiou no peito de
Aiden, olhando para o rosto dele, que estava focado no livro.
— Sua cabeça descabelada está na frente — Aiden comentou,
apático.
Lucy riu, já conseguia perceber quando Aiden estava sendo
grosseiro e quando estava sendo ele mesmo: um homem sem jeito com as
palavras.
— Você está preocupado?
— Com o seu cabelo? Estou. Está na frente.
— Estou falando sério — ela resmungou, risonha, tirando o livro da
mão dele e segurando seu rosto. — Eu não sabia que seus advogados
estavam lá, pensei que já haviam ido embora. Você demorou tanto para ir
nos ver que eu decidi ir com Tamsin lhe fazer uma surpresa.
Aiden balançou a cabeça, segurando a mão de Lucy e dando um
beijo sobre a palma dela.
— Eles demoraram a chegar. E Tamsin teria de ser vista uma hora,
agora ela é legítima.
— Eu sei… Mas não fiz nenhuma confusão?
— Não, Lucille — Aiden assegurou.
Ela sorriu um tanto aliviada e o presenteou com um demorado beijo,
que logo foi correspondido. Com uma lentidão torturante, Aiden a beijou,
acariciando os lábios de Lucy com sua língua até que ela os entreabriu para
ele e o recebeu com o fervor que uma noite mal iluminada merecia.
A mão de Aiden não se controlou, passou por dentro da camisola de
Lucille e acariciou as porções mais macias dela antes de apertar a pele
carinhosamente.
— Se você quiser me dar uma palmada, eu não vou me opor — ela
sussurrou contra os lábios dele, passando os dedos pela pele de seu peito, à
mostra na parte aberta do camisolão. — Mas só uma vez, para eu saber
como é. Se eu não gostar, não permitirei mais nenhuma perversão dessas e,
se tentar novamente, eu vou embora.
Aiden ergueu as sobrancelhas e uma risada baixa e grave saiu de
seus lábios, em uma expressão de deleite. Ele puxou a camisola dela para
cima até que estivesse nua da cintura para baixo e acariciou o traseiro macio
de Lucy, enquanto se preparava mentalmente para satisfazer o desejo dela.
Sua mão era muito grande, ele não deveria atender àquele pedido.
Mas os lábios de Lucy roçaram pelos seus junto de um suspiro erótico e
Aiden não resistiu.
— Estou ansiosa — ela sussurrou, risonha. — Pensar nisso… me
deixa…
Ela parou, já estava ousada demais por pedir aquilo.
— Diga, minha bela — Aiden a incentivou, mortalmente curioso
para ouvir os desejos da esposa.
— F-Fico com tanta vontade de ter você em mim. De fazer amor
com você.
Aiden abriu um sorriso enviesado e Lucy o beijou para esquecer seu
constrangimento. Ainda um tanto ousada, ela levou a mão dele até onde ela
queria as palmadas e a manteve ali.
Ele afastou um pouco a mão e desferiu uma palmada contra a pele
macia de Lucy, que arfou, surpresa. Aiden acariciou o local imediatamente,
tentando aliviar qualquer incômodo proporcionado.
Lucille riu consigo mesma e colocou uma das pernas por cima da
cintura do marido, lhe dando mais espaço para tocar.
— De novo — ela pediu, com um sussurro risonho.
Aiden riu também, um riso baixo e divertido. Acariciou o traseiro
avermelhado dela e repetiu o ato. Lucille gemeu, apertando o braço dele e
rindo outra vez quando a sensação do estalo passou.
O que havia de tão engraçado? Os dois riram um para o outro e
Lucille cobriu o rosto corado com uma das mãos.
— Oh, isso é tão estranho — ela riu, ainda com o rosto coberto. —
Mas é bom.
— Quer que eu faça de novo, madame?
Ela assentiu, com um sorriso malicioso.
— Não muito forte, troglodita — ela disse, com altivez.
Quando Aiden ergueu a mão sutilmente, uma batida baixinha foi
dada contra a porta e os dois tiveram de parar.
— Será que aconteceu alguma coisa? — Lucy perguntou, baixinho,
abaixando a camisola.
— É Tamsin — ele suspirou, cansado, saindo da cama e indo até a
porta para abri-la.
Sorte ainda não estar com uma ereção, o sangue já havia tomado seu
rumo de volta para o resto do corpo.
— P-P-Papai, o monstro, eu vi, eu vi. — Era Tamsin, chorando e
soluçando com sua toquinha de dormir torta e amarrotada. — Vi na janela,
eu vi. F-Fez barulho e a vela apagou e... e... e... e…
Aiden olhou para Lucy em um silencioso pedido de socorro. Mas a
menininha estava chorando de verdade e havia até trazido o cachorro com
ela. Max estava com a cara contorcida em uma daquelas expressões
tristonhas que os cachorros fazem muito bem. Pobre besta, estava
preocupado com sua humana protegida.
Ele pegou sua pequenina no colo, fechando a porta e indicando o
tapete em frente à lareira, onde Max imediatamente se acomodou e dormiu
em cima de uma das almofadas para pés.
Tamsin se escondeu no pescoço do pai enquanto ele a levava para a
cama e a deitava ao lado de Lucille.
— Foi só o vento, querida — Lucy disse, com doçura, colocando o
cobertor sobre Tamsin, que fungou e se enroscou perto do peito dela. —
Quer dizer que logo vem chuva para encher a cascata.
Aiden se deitou outra vez, entrando debaixo do cobertor e
envolvendo Lucy e Tamsin. Mas a menininha mal deu importância para ele,
estava bastante grudada em Lucille e aconchegada perto dos seios da
madrasta como se pudesse puxar as memórias de ser amamentada ainda
bebê.
— M-Mas eu vi a mão — ela choramingou, mostrando a mãozinha
em forma de garra. — N-Na jan-nela, mamãe.
Ela sorriu diante da forma como ela a chamava, ainda não estava
acostumada com o friozinho na barriga que sentia.
— Agora já está tudo bem, Tamsin — Aiden interveio, tirando a
toquinha dos cabelos da menina e a arremessando longe. — Durma, meu
anjo.
Ela fungou, suspirou chorosa e se confortou nos braços de Lucille
antes de voltar a dormir, em total segurança.
Lucy permaneceu a olhando com um sorriso carinhoso, afagando os
cachinhos da enteada enquanto ela dormia tranquilamente. Aiden ficou
observando aquela cena maravilhosa.
Seu coração disparou. Era tudo o que ele queria desde jovem, uma
esposa querida e uma criança entres eles.
Lucille era sua querida, sim. Por mais aterrorizante que aquilo lhe
parecesse, Aiden sabia que o que sentia por Lucy não era só o desejo de ter
uma mulher.
E se fosse amor? Era uma paixão, um encantamento que ele tentava
driblar em vão.
Sem poder resistir, ele tocou os cabelos dela, afagando-os e pegando
Lucy de surpresa diante de uma carícia como aquela.
Ela o olhou com seus grandes olhos castanhos, surpresa, mas abriu
um sorriso feliz e se aproximou um pouco antes de dar um beijo contra o
nariz dele.
— Amanhã pode me dar sua tão estimada palmada, meu querido —
Lucy sussurrou e deu um riso envergonhado. — Agora volte para seu livro
para eu poder niná-la.
Capítulo 25
***
***
Ele não falara nada desde que ela saiu da piscina e vestiu seu
chemise. Aiden saiu do banho, mas ficara sentado na beirada em silêncio,
olhando para o brilho do sol na água.
Lucille sentiu-se um pouco esquecida diante de tanto silêncio. O
marido parecia mais quieto do que quando se conheceram. Ele ao menos
falava mais durante aquelas ocasiões, mesmo que fossem coisas grosseiras.
Mas, nos últimos dias, Aiden havia ficado muito pensativo e calado. Não a
deixava sem carinho nas poucas vezes em que fizeram amor, mas aquele
estranho silêncio estava perturbando Lucille cada vez mais.
Ela estendeu o cobertor no chão e bisbilhotou a cesta de comida:
havia uma garrafa de vinho, queijo, uma torta de carne de pato e algumas
frutas. Olhou para Aiden uma última vez, apenas para ter certeza de que ele
continuava pensativo e calado.
Lucille buscou uma das toalhas grandes no aparador e se abaixou
perto do marido, envolvendo-o com o pano seco e dando um demorado
beijo em sua bochecha.
— Se ficar aí para sempre, seus pés vão virar duas meias velhas —
ela disse, no seu tom mais caridoso. — Vamos comer alguma coisa,
brutamontes.
Aiden se levantou, seguindo-a com a toalha na cintura. Lucille abriu
um sorriso para ele e – ainda não acostumada – sentiu as faces corarem
quando ele retribuiu com um tímido sorriso.
Sentindo-se nervosa, ela rapidamente serviu o vinho nas duas taças
pequenas e entregou uma para Aiden quando ele se sentou ao seu lado no
cobertor macio. Fizeram um brinde em silêncio e ela quase bebeu todo o
conteúdo, ao contrário do marido, que apenas bebericou.
— Você está tão quieto, Aiden — ela comentou, repousando a taça
na cesta fechada. — São seus pensamentos acerca daquilo que me
confessou sobre o amor?
— Não — ele negou, pegando uma ameixa que estava na cesta. —
Eu estava pensando como gostaria de voltar no tempo.
Lucy ergueu as sobrancelhas sutilmente, mas depois deu um risinho
e se aproximou do marido até poder sentar em seu colo.
— Todo nós queremos isso em determinado momento. — Lucy o
beijou na ponta do nariz sardento. — Imagino que queira voltar para
quando seus pais estavam vivos…
— Sim… — Aiden respondeu, rodando a taça entre os dedos. —
Seis anos atrás, no dia do seu debute. Na verdade.
Lucille o olhou com curiosidade, o rosto ruborizado em lisonja. Ela
riu desconcertada, abaixando o rosto e tomando um gole de vinho.
— Como era o seu vestido? — Aiden perguntou, deslizando a mão
por dentro do chemise e acariciando a coxa de Lucy.
— Lembro-me bem — ela disse, com um sorriso tímido e
nostálgico. — Era branco, pois eu sempre sigo a moda.
— Como toda londrina afetada…
Ela riu, beliscando-o no braço. Aiden conteve um sorriso maroto e
deu um gole minúsculo na sua taça.
— Era branco e o que mais, querida?
— Havia uma fita com fios de ouro ao redor da cintura, com uma
correntinha cheia de cristais, e veludo dourado nas mangas com pequenos
cristais em fileiras. Papai me deu uma tiara dourada tão bonita para enfeitar
meu cabelo, senti-me como uma princesa — Lucy disse, empertigada e
vaidosa, mas logo murchou. — Pensei que eu fosse fazer sucesso… Mas
não foi assim… Eu sei que… que é por causa do meu pai, meu dote era
quase uma miséria e não chamava atenção. E eu ainda parecia uma menina
sem curvas.
— A sua beleza e educação são mais relevantes do que um punhado
de dinheiro — Aiden disse, sério, virando o rosto de Lucy para ele em um
toque delicado no queixo. — Eu muito provavelmente ficaria incomodado
com sua tagarelice. Não sei conversar, como já deve ter percebido. Mas eu
dançaria com você até perceber quais eram os meus desejos. Até você ver
que eu a queria para ser uma linda duquesa. Eu… Ah, Lucy, como eu queria
ter sido o seu primeiro beijo também.
Os olhos de Lucy se encheram de lágrimas contentes e tímidas, mas
mantiveram-se estacionadas em seus olhos castanhos. Seu peito ardia em
lisonja ao saber que era a paixão de Aiden.
Estava tudo indo tão bem. Ele estava se abrindo para ela e Lucy não
pensava mais em Michael.
Era uma vida nova.
— Se eu soubesse que meu coração ficaria tão… desejoso de tê-la
— ele continuou, tentando tirar cada palavra do fundo de seu peito, onde as
havia escondido. — Se eu soubesse, eu teria ido até lá e a desposado em sua
primeira temporada. Mas a forma como nos conhecemos não foi uma das
mais adoráveis e eu sei que não sou um bom homem. Não sei… contar o
que sinto, tenho vergonha de demonstrar. E o que restou da morte da minha
mãe em mim me deixa nervoso diante desses sentimentos.
O coração de Lucy perdeu o compasso e sua mão apertou o chemise
na altura do peito, sem tirar os olhos dos cristais azuis de Aiden. Tão
quentes, tão lindos.
— Fale-me o que sente para eu saber se é o mesmo que sinto, meu
querido… Fale-me.
Aiden a abraçou até que Lucy estivesse impossibilitada de olhá-lo
nos olhos. Não conseguiria com ela o olhando.
— Sinto meu coração acelerar de forma tão estúpida sempre que
ouço sua voz. Quando a toco… quando você sorri ou quando o sol brilha
em seus olhos. Mas, principalmente, quando suas bochechas ficam coradas
assim que eu aceito fazer as coisas tolas que você quer. Fazer amor com
você é ter todas essas coisas juntas em um único momento. É vê-la sorrir,
corar e ter seus lindos olhos todos para mim.
Ela riu, um riso envergonhado e tolinho que deixou Aiden um pouco
mais apaixonado.
— Eu não sei lidar com palavras e nunca tive uma mulher por quem
me apaixonei — Aiden confessou, a voz estrangulada de embaraço. — É
vergonhoso para um homem da minha idade experimentar a paixão depois
de adulto.
Lucille se afastou do abraço, mas manteve os braços ao redor do
pescoço de Aiden quando o olhou. Ela sorriu, um sorriso lacrimoso diante
de tal confissão.
Ambos estavam apaixonados e aquilo era o suficiente para Lucy.
Era o que ela queria quando decidiu que ter uma vida harmoniosa com
Aiden era melhor que odiá-lo.
— Sei que nosso começo é algo que não gosto muito. Mas se você
voltasse no tempo Tamsin não existiria e eu seria infinitamente triste por
não a ter, brutamontes.
Aiden riu em acordo, suspirando um tanto abatido ao pensar na sua
existência sem Tamsin. Ela era tudo para ele, seu coração e sua vida.
— Sei que fui egoísta ao tirá-la de outro homem e de todo um futuro
com ele por causa da minha filha, mas eu mentiria se dissesse que me
arrependo. Pois, se não tivesse o feito, jamais perceberia que eu posso
voltar a ser um homem normal. Que não tem medo do amor. O homem que
eu era antes.
— Você pode, meu bem. — Ela aquiesceu, tomando o rosto dele em
suas mãos. — Pode ser um homem bom, como é com sua filha. Como é
com sua irmã. Ah, eu senti tanta inveja dela quando você a abraçou e a
beijou assim que ela chegou. Queria tanto que desse a mesma atenção para
mim, queria que alguém ficasse tão feliz assim com a minha chegada.
— Eu fico… — Aiden parou a si mesmo, pensando no que dizia.
Ele ficava feliz ao lado de Lucy?
Ser feliz era algo do qual Aiden não se lembrava. Sentia-se feliz
quando brincava com Tamsin, mas sua existência era monótona e mórbida.
Olhou para Lucy. Seus olhos castanhos estavam lacrimosos e ela o
olhava com carinho, embora estivesse a ponto de se desmanchar em
lágrimas.
Havia a privado de carinho e atenção por tantos dias, fora tão
insensível ao tirá-la de Michael. O que aquela linda moça em seus braços
queria era amor e um casamento de verdade.
Tudo o que ele a privou de ter com Michael, Aiden daria a ela. Daria
em dobro, para ela nunca pensar que seria melhor com o outro homem.
— Eu fico feliz por vê-la, Lucille — Aiden sussurrou, tocando o
rosto macio dela com sua mão trêmula. — Como não fico há muito tempo.
Eu espero que um dia eu possa deixar aqueles pensamentos de lado e ser
feliz com uma esposa. Que um dia eu possa merecê-la de verdade.
Lucy sorriu, derramando uma lágrima aliviada antes de varrê-la
rapidamente. Abaixou-se para beijar Aiden, tomando seus lábios em um
carinho demorado que logo se estendeu para um toque íntimo entre os dois.
Aiden cuidadosamente a deitou no cobertor, desfazendo-se de sua
toalha com a ajuda de Lucy, que quase a arremessou longe.
— Minha linda e irritante Lucille — ele sussurrou próximo ao
ouvido dela, adentrando o chemise fino e logo encontrando sua
feminilidade. — Aqui também é linda.
— E sua — ela respondeu, corajosamente, abrindo um sorriso
indolente quando Aiden deslizou dois dedos para dentro.
Aiden abriu um sorriso enviesado, aquecido por dentro e
apaixonado dos pés à cabeça.
Lucille não demorou para puxar a camisola para cima e logo receber
Aiden outra vez, olhando o céu azul acima deles. Quase como se fizessem
amor ao ar livre.
E foi tão bom quanto todas as outras vezes.
O coração de Aiden amoleceu um pouco mais e sua mente pensou
que, talvez, viver o amor com Lucille fosse mais seguro que a solidão em
que vivera outrora.
***
***
Lucille não havia pego no sono mais do que duas vezes. Tamsin
dormia como pedra, bem acolhida nos braços da madrasta. A chuva havia
apaziguado um pouco, sem mais raios ou gotas grossas.
Lucy ainda estava preocupada com o marido: a chuva estava mais
calma, mas as estradas deviam ter ficado lamacentas demais para viagem.
Preocupada, ela suspirou e afagou a cabeça de Max, que bufou
baixinho e abriu seus olhos cheios de sentimentos.
Tamsin se moveu um pouco, resmungando e se arrastando para fora
da cama. Lucy ficou atenta, levantando-se um pouco para ver a enteada
descer da cama com certa dificuldade e caminhar pelo quarto um tanto
atordoada e sonolenta.
Ela resmungou de novo, levantando a camisola até o umbigo e
olhando debaixo da cama. Lucy abriu um sorriso, esperando a menininha
escalar a cama para fingir que estava dormindo.
— Mamãe — Tamsin a chamou em um sussurro manhoso,
sacudindo o ombro de Lucille. — Mamãe.
Lucille sorriu feliz, abrindo os olhos vagarosamente e olhando para
Tamsin.
— Quero fazer xixi — a menininha disse, resmungando em agonia.
Lucy controlou um riso, tudo era tão adorável vindo de uma criança.
Ela se arrastou para fora da cama e segurou uma das mãos de Tamsin,
levando-a consigo até seu quarto de vestir, onde havia uma cadeira e um
penico.
Levantou Tamsin pelos braços e a colocou sentada, segurando-a
para que a menininha não caísse pelo buraco. Sonolenta, Tamsin bocejou
enquanto se aliviava, causando uma onda de riso na madrasta.
A pequenina terminou, esticando os bracinhos para Lucy, que a
pegou no colo e a levou de volta para a cama, onde Tamsin caiu no sono
rapidamente. Graças a Deus. Não saberia o que fazer caso a menina
voltasse a cair no choro ao ver que o pai não havia retornado ainda.
Ela tentou dormir novamente e, quando estava pegando no sono, a
grande porta do quarto foi empurrada e ela viu a silhueta de Aiden contra as
luzes das velas no corredor.
Lucille rapidamente foi até o marido, abraçando-o sem se importar
com as roupas molhadas. Ela o beijou, como se não o visse havia anos e
Aiden retribuiu na mesma saudade.
— Aiden, onde estava?
— Preso em uma hospedaria fedorenta perto de Matlock — ele
disse, resmungando, levando Lucy consigo até o quarto de vestir para não
acordar a filha.
Lucille suspirou e fez um bico tristonho, tocando o rosto do marido
e o amassando à procura de algum ferimento. Aiden estava encharcado e
pingando no chão do quarto de vestir.
— O que aconteceu?
— Uma tempestade começou antes de chegarmos a Matlock, então
paramos para esperar — ele disse, baixo, tirando suas roupas e as jogando
dentro de uma bacia vazia em cima da cômoda.
Lucille pegou uma toalha grande e envolveu os ombros de Aiden.
Enquanto ele se secava, ela lhe secava os cabelos depois de soltá-los.
— Mas você está todo molhado e sujo de lama — ela observou, com
preocupação, tentando limpar os cabelos do marido. — Não tinha
acomodações decentes nessa hospedaria?
— Eu me irritei e vim embora sozinho em um cabriolé que comprei
de um irlandês bêbado demais para saber o que estava fazendo — Aiden
explicou, vestindo um camisolão e terminando de secar os cabelos por si só.
— Fiquei preocupado com Tamsin, eu havia dito que voltaria hoje. A chuva
melhorou o suficiente para eu não cair no meio da estrada.
Lucy assentiu com muito pesar, apertando os dedos nervosamente
antes de fechar a porta do quarto de vestir e deixá-los em uma escuridão
silenciosa.
Aiden acendeu uma única vela, ciente dos temores da esposa.
— Tamsin ficou bastante ansiosa, Aiden… Pobrezinha, dormiu
exausta de tanto chorar — ela sussurrou, tocando o peito do marido. —
Acho que ela pensa que você pode não voltar…
Ela ouviu um suspiro cansado e pesaroso dele. Aiden andou pelo
quarto de vestir, afastando-se da luz da vela.
— A culpa é minha.
— Sua?
— Quando eu contei o que havia acontecido com a mãe… Acho que
estava cedo para contar. Eu usei palavras mansas para que ela entendesse
tudo. Mas não deveria ter dito nada…
— Ela perguntou, Aiden. Tinha de contar. — Lucille foi até ele,
tocando-o no ombro. — Crianças pequeninas entendem as coisas, não como
os adultos, mas sabem entender o básico.
— Eu sei… — Ele aquiesceu, a voz pesada e cansada. — George e a
esposa haviam vindo nos visitar com a pequena recém-nascida deles. Até
então, Tamsin não tinha interesse em saber de onde os bebês vinham. Mas
ela viu o bebê do tio e ficou curiosa, porque se lembrava da tia com a
barriga grande.
— E você contou a história da sopa.
Aiden riu baixo, assentindo. Um riso não muito alegre.
— Sim. A história da sopa. Ela havia perguntando se eu havia
tomado a sopa e se ela havia crescido na minha barriga.
— E o que você disse?
Aiden deu de ombros, virou-se para a janela e olhou a lua coberta de
nuvens.
— Disse que não. Disse que eu havia dado a sopa para uma moça. E
ela me perguntou que moça. Deus, eu pensei que ela nunca mais fosse parar
de me fazer perguntas.
— Crianças pequeninas são assim mesmo, meu bem — ela o
tranquilizou, dando batidinhas em suas costas. — Não viu Joanna? Ela
falou que você se parece com um vilão que anda sobre um cavalo de patas
peludas.
Aiden bufou, ofendido, cruzou os braços e parou de encarar a lua.
— Pelo visto, Tamsin é a única criança que não tem medo de mim.
— Nossos filhos não terão também — Lucy disse, com um sorriso
pequeno e animador, tocando o antebraço de Aiden. — Eles vão gostar de
ter um pai grande e forte para carregá-los nos ombros. E as mocinhas vão
gostar de ter um pai grande para protegê-las.
Aiden a olhou, rindo do que ela dissera com uma pitada de
descrença. Beijou-a na testa, demorando-se um pouco para se afastar de
Lucy, até que a envolveu pela cintura e a abraçou.
— Está esperando uma criança nossa?
— Ainda não, brutamontes — ela disse, com um sorriso pequeno
diante da ansiedade do marido. — Talvez se fizéssemos um pouquinho mais
de esforço…
— Estou cansado, você não merece um homem no meu estado. —
Ele tocou o rosto pequeno dela. — Amanhã eu lhe dou amor, prometo.
Lucy assentiu com um sorriso envergonhado e beijou o queixo do
marido.
— Vamos dormir então, meu bem. E é melhor me acordar com
beijos.
Capítulo 28
7 de Agosto, 1815
Querida mamãe,
Não tenho falado sobre o duque, mas eu acho que o amo. É
assustador pensar que sinto algo por ele. E envergonho-me agora por
contar isso à senhora depois de ter jurado com minha alma que jamais
teria nenhum tipo de afeição por ele.
Mas acho que o amo. Eu amei Michael, cheguei a essa conclusão.
Mas não é o mesmo que sinto com meu marido. Há algo que não sei
explicar o que é, mas que eu sinto no meu coração durante nossas
intimidades. Sinto que quero sorrir e chorar ao mesmo tempo, ficar perto
dele até mesmo depois que o ato acaba.
Meu amor por Michael fora tão inocente, talvez nem mesmo o tipo
de amor que há entre uma mulher e um homem adultos. Imagino que ele
saiba que eu o amei durante aquele tempo, embora eu nunca tenha dito as
palavras especiais para ele. Derramei meu coração em cada carta que
escrevi, espero que ele reconheça isso. Espero que ele me perdoe por amar
outro homem.
Mamãe, Aiden é tão único e interessante de se conhecer. Fui
impaciente e mal-educada com ele, embora não tire a minha razão de me
sentir daquela forma. Mas agora tudo é diferente. Eu o conheço melhor, sei
que é um homem de hábitos solitários e eu o incomodei. Bom, ele também
me incomodou. Mas agora nos conhecemos melhor, entendemos um ao
outro melhor e sabemos o que cada um prefere. Ele me faz companhia,
embora sempre fiquemos em silêncio enquanto ele desenha algo
secretamente. Temo que seja um desenho de mim, mas acho que ele não é
bom com desenhos anatômicos.
A presença dele é o suficiente, a senhora sabe como não gosto de
ficar sozinha. Sei que não devo falar das intimidades do meu marido, mas
Aiden tem problemas para socializar, pelo que pude perceber. Ele é tão sem
jeito, mamãe. Por isso as pessoas não o compreendem. Disse-me que não
gosta de multidões. Fomos a um baile e o homem pareceu ter um ataque
quando dançamos. Parecia um menino perdido.
Meu cunhado havia dito que, com o tempo, eu veria como ele é de
verdade, pois agora vejo. Aiden tem um bom coração, eu espero que ele me
ame também um dia. Mesmo que ele não consiga dizer, espero, pelo menos,
identificar as formas que ele diz me amar.
A cada dia, sinto-me mais ligada a ele. Aiden jamais assumirá isso
para mim, mas imagino que não há nada que ele queira mais do que
carinho e companhia. Deve ter sido tão difícil passar anos sem a
companhia de uma pessoa especial. Sei que ele não superou a morte da
mãe, mas não sei como ajudá-lo com isso, mamãe. Talvez a senhora possa
me ajudar, já que a vovó já nos deixou.
Mudamos de assunto agora, pois estou muito confusa com meus
sentimentos e tudo isso me deixa demasiadamente emotiva.
Tamsin e eu estamos com a relação cada vez mais estreita. Espero
um dia que ela me ame tanto quanto eu amo a senhora. Pobrezinha, sentia
saudades de alguém que nunca conheceu. E estou aqui agora para ficar
com ela. Estou feliz, talvez plena. Feliz é um estado de espírito muito forte.
Mas estou plena e viver aqui não é de todo mal. Esses três meses
foram repletos de mudanças. Estou feliz por ter conhecido Tamsin, ela é um
tesourinho de alegria.
Espero sua resposta ansiosamente.
Com amor,
Lucy.
***
***
***
***
Aiden abriu a porta de Greenhill com um rompante, encharcado e
irritado, assustando o lacaio a postos perto da escada. Agradecia a chuva
por ter mascarado suas lágrimas de fúria e mágoa. Sentia-se um tolo por ter
pensado que Lucy esqueceria um amor de anos em meses.
Deus, ele havia se declarado para ela! Queria voltar no tempo e
poupar todo aquele constrangimento. Foram tempo e esforço mental
perdidos.
Quando tirou sua casaca encharcada e a jogou no mordomo, Gwen
apareceu correndo e afobada, tentando manter os seios fartos no lugar.
— Vossa Graça, por favor!
Aiden passou a mão sobre o rosto impacientemente e ignorou a
camareira, seguindo rumo à escadaria. Queria dormir, bem longe de Lucy.
Dormiria na biblioteca, dormiria até mesmo no quarto de Tamsin se
fosse servir de algo. Depois, resolveria aquilo e manteria a devida distância
que sempre quis com Lucille. Nada de amor, nada de paixões avassaladoras.
Ela ficaria no quarto dela e ele, no dele. Não era assim que ele havia
planejado quando achou a ficha? Pois bem, seria assim mesmo.
Já estava grávida, com a graça de Deus nasceria um belo varão e ele
não precisaria mais ter nenhum tipo de contato com ela. O herdeiro estaria
garantido, e ai dele se morresse.
Tudo o que ele sentiu e viveu naqueles longos meses, deixaria de
lado e esqueceria. Porque ele a perdeu para um homem que nunca a amou
como Aiden a amava.
A última coisa que queria era a camareira afobada da esposa
gritando no seu ouvido.
— Vossa Graça! — Gwen insistiu, seguindo o homem com as saias
negras erguidas de modo nada galante para poder subir as escadas no ritmo
dele. — A madame saiu à procura do senhor faz tempo e não voltou.
Aiden imediatamente parou, fazendo com que Gwen trombasse em
suas costas e caísse em cima do lacaio, que a segurou firmemente.
Seu rosto corou inteiro e ela imediatamente se afastou do jovem,
arrumando o vestido e voltando a olhar para o patrão.
— Saiu para onde, mulher? — Aiden perguntou, seu coração passou
a bater mais rápido que o normal. — Com uma chuva dessas? Saiu?
— E-Eu não sei, Vossa Graça. — Ela engoliu em seco, os olhos
começavam a marejar. — A-Ainda estava de dia, o sol estava se pondo e
não c-chovia. E-Eu tentei impedir, mas a Sua Graça s-saiu devastada à
procura do senhor, f-foi ao norte.
— Mas isso faz mais de duas horas! — Aiden explodiu, assustando
Gwen, que quase abraçou o lacaio. — Onde está a minha esposa?! Ela está
grávida, como a deixa sair sozinha sabendo que choveria?!
A camareira balbuciou alguma coisa chorosa e seguiu o patrão, que
disparou escada abaixo.
— E-E-Ela disse que saberia o-onde o senhor estaria — ela tentou
ajudar, mas a porta bateu em seu nariz e ela ficou sozinha no saguão. —
Mas não voltou…
O lacaio a olhou com preocupação e Gwen caiu em uma choradeira
sem fim, desaparecendo na passagem dos criados.
***
Aiden marchou pela chuva o mais rápido que podia e entrou nos
estábulos. Estava perdendo tempo, mas tinha de usar um cavalo para trazer
Lucy o mais rápido possível.
Garota tola. Daria um sermão nela se isso não fosse indelicado de se
fazer com uma moça.
Ele chutou a porta de madeira, assustando os cavalariços, que
ficaram de pé imediatamente. Aiden sempre era a visão do inferno para a
maioria dos criados, mas naquele dia estava excepcionalmente assustador.
Estava furioso com a insensatez de Lucille, encharcado e vermelho
de raiva. Ao mesmo tempo, se sentia nervoso e com medo de vê-la adoecida
em seus braços.
Não poderia perdê-la. Ele a amava, é claro. Sabia que nunca
deixaria de amar, embora desejasse naquele dia nunca mais tocá-la e nem a
ver.
— Selem um cavalo, seus imbecis! — gritou, impaciente.
Os rapazes trombaram na mesa de carteado improvisada e se
apressaram a preparar o primeiro cavalo que viram.
Aiden montou no alazão, pegando uma capa com um dos
cavalariços e um lampião, cavalgando em direção à clareira.
A maldita chuva não passava e seu coração acelerava ao pensar em
Lucy sozinha na clareira. Ela poderia ter desmaiado de frio, por isso não
retornara. Ou se perdera nos bosques mais densos por causa daquele medo
de sombras.
Qualquer opção era avassaladora. Por Deus, ela poderia pegar uma
pneumonia e perder o bebê. Ou morrer!
Aiden bateu com as botas nas ancas do cavalo, que se esforçou
perante a tempestade para ir o mais rápido possível.
Passou pelo pequeno lago que indicava a proximidade da clareira. A
chama do lampião vacilou por um segundo, mas a luz ganhou força
novamente enquanto ele cavalgava até a entrada da clareira.
Com os cabelos encharcados e tapando sua visão, ele gritou:
— Lucille!
Já estava na clareira, mas não ouviu resposta e a luminosidade do
lampião tinha pouco alcance. A chuva estava forte e falar ou gritar não
surtia efeito.
Aiden saltou para fora do cavalo e pegou o lampião consigo,
carregando a chama que conseguira proteger da chuva e indo até o final da
clareira.
Lucy estava encolhida e com os olhos fechados, sentada rente à
árvore grande em que sempre ficavam juntos.
Aiden correu, aliviado de vê-la acordada. Jogou o lampião no chão e
se abaixou na frente dela, abraçando-a imediatamente.
— Lucy — ele suspirou, aliviado, sentindo-a tremer em seus braços.
— Graças a Deus.
— A-Aiden! — Ela choramingou, batendo os dentes de frio e
tentando envolvê-lo com seus braços trêmulos. — F-F-Ficou escuro e as
sombras… F-Fiquei com m-medo de voltar n-no escuro. O-Onde você foi?
Deus, foi apenas o escuro. É claro. Aiden a envolveu com a capa e a
pegou em seus braços, aliviado por tê-la a salvo. Ela se encolheu em seu
abraço, trêmula de frio e encharcada pela chuva.
— A-A-Aiden, eu a-a-amo você — ela disse, debilitada. — N-Não
fique b-bravo.
Ele arquejou, sentindo-se imensamente triste por vê-la daquela
forma. Abraçou-a ainda mais, beijando seus cabelos molhados.
— Vamos para casa, meu amor.
***
Aquele havia se tornado o pior dia de sua vida. Sua cabeça estava
latejando e os olhos doíam de tanto chorar. Estava tremendo de frio e o
estresse causado pelo escuro a deixara cansada.
Queria dormir e resolver tudo no dia seguinte, mas Aiden insistira
que ela fosse colocada frente à lareira para se aquecer. Sra. Dare lhe dera
uma sopa reforçada, o que trouxe um pouco mais de energia. Gwen a havia
vestido com uma camisola grossa e a ajudado a se sentar na poltrona perto
da lareira. Nem mesmo o banho quente havia feito seus ossos pararem de
doer. Sua tremedeira era mais de nervosismo do que de frio.
Aiden havia sumido em seu quarto de vestir e ela estava sozinha,
soluçando vez ou outra e enrolada em uma coberta grossa de lã.
Minutos depois, ele saiu do quarto de vestir seco, com um robe
grosso cobrindo o corpo. Lucy o olhou de relance e seus olhos voltaram a se
encharcar com lágrimas pesadas.
Ele ainda a amava? Ah, Deus, tinha de amar. Ela não conseguia
mais imaginar uma vida feliz sem seu amado brutamontes.
— Aiden…
Aiden se abaixou na frente dela, pegando suas mãos e as sentindo
ainda frias. Ele as beijou, tentando mantê-las aquecidas antes de colocá-las
em seu rosto. Lucy se debruçou sobre ele, chorando em seu ombro e logo
sendo puxada para ficar acolhida com ele no chão, perto da lareira.
— Eu fui egoísta por não respeitar seu sofrimento — ele começou,
acariciando os cabelos úmidos dela. — Ele havia me dito o que contaria a
você, eu sabia que a magoaria muito, mas estaria lá para cuidar de você
depois da notícia ruim. Mas então você falou que o amava e… eu me irritei,
fiquei magoado. Precisava ficar um tempo sozinho.
— Mas eu amo você, Aiden. — Ela chorou, afastando-se o
suficiente para poder olhá-lo nos olhos e fazê-lo crer. — Eu deveria ter dito
antes… mas queria ter falado quando anunciei a gravidez. Então Michael
chegou e interrompeu o momento. Eu ia falar, amor, eu ia… E-Eu amo
você.
Aiden secou a bochecha pálida de frio dela, beijando-a na testa e a
abraçando outra vez. Seu coração inflou de alívio por ter o amor de Lucy,
por finalmente ouvir dela que o amava.
— Você está bravo? — ela perguntou, olhando-o com olhos
enormes e molhados.
O coração dele apertou outra vez. Vê-la chorar era uma das piores
coisas do mundo. Doía em sua alma saber que ela sofria.
— Não mais, querida — ele garantiu, tocando-a em seu rosto e
secando suas lágrimas — Já passou.
— Para onde você foi? E-Eu o procurei p-pela casa t-toda.
Aiden a cobriu com um outro cobertor, Lucy não parava de tremer.
— Fui até a cidade, meu amor.
Os olhos dela ficaram alarmados e as lágrimas aumentaram a ponto
de transbordar em um único risco.
— V-Você foi ver as mulheres?
— Não, claro que não — ele se explicou, imediatamente, antes que
ela pensasse que ele era capaz de traí-la como Michael. — Fui a taberna.
Encontrei aquele baronete débil e a conversa dele amorteceu meu cérebro o
suficiente para eu esquecer tudo.
Depois, a chuva avassalou North Haven e ele decidiu que era a
melhor forma de chorar em paz sem ninguém ver: andando na chuva feito
um moribundo. Havia bebido um bocado para aturar a conversa do
baronete, mas a longa caminhada na chuva até em casa fizera a embriaguez
do álcool passar e a choradeira nada digna de um duque se tornar fungadas
aleatórias.
Mas é claro que aquele era um detalhe que guardaria para si.
— Eu pensei que você estaria na clareira… — ela confessou, com
impotência e embaraço. — Eu fui lá… Queria dizer que o amo, que eu… eu
estou triste com o que Michael me disse, é verdade, mas eu amo você,
Aiden. Imagine… passar anos sonhando com um casamento e, então,
descobrir que ele estava vindo terminar comigo. C-Com quem eu ficaria?
Se eu nunca tivesse tido você na minha vida. Com quem eu ficaria? Eu
idealizei Michael de tal forma…
Aiden aquiesceu, achando melhor não responder. Sabia que não teria
mais ninguém para desposá-la e sabia que, muito provavelmente, os dois
nunca se esbarrariam. Nunca se conheceriam ou se apaixonariam.
Lucy viveria esquecida e solteira por causa da má fama de seu pai.
— Você ainda me ama? — ela perguntou, baixinho — Vai sempre
me amar?
— Como eu deixaria de amá-la em tão pouco tempo, minha
querida? — Aiden sussurrou, acariciando o rosto dela antes de se abaixar e
beijar-lhe nos lábios.
Lucy correspondeu o beijo com certa fraqueza, ainda muito
debilitada pela chuva e pela choradeira.
Envolveu Aiden com seus braços e terminou o beijo em um abraço
apertado e demorado.
— Você precisa descansar. Temo que pegue uma pneumonia. — Ele
a ergueu em seus braços e a colocou na cama confortavelmente. —
Descanse pelo nosso bebê
— Deite, vamos dormir… — Ela o puxou pelo pulso. — Venha,
meu amor. Você também pegou chuva.
Aiden, com um suspiro preocupado, deitou junto a ela e a acalentou
em um abraço aquecido. Logo, Lucy dormiu, estava exausta e com um
princípio de gripe.
Tão delicada que Aiden temeu que qualquer coisa fosse tomá-la na
cama. E o bebê.
O bebê tinha que ficar bem. Não porque ele precisava de um
herdeiro, mas porque era fruto do amor deles.
Preocupado, Aiden a beijou na testa e fechou seus olhos para
descansar. Ele havia tomado muita chuva também, era melhor que não
adoecesse para ser capaz de vigiar Lucy, que parecia bem mais debilitada
do que ele.
Capítulo 31
***
***
***
Tamsin era um anjo, Aiden tinha certeza. Ela havia ido embora para
sua aula de inglês com a Sra. Martin, mas havia ficado junto de Lucy na
cama por um bom tempo. A mamãe dorme muito, ela dizia o tempo inteiro,
com certa reprovação. E Aiden achava adorável como a pequenina já estava
ligada a Lucille.
Lucy continuou dormindo até a noite, quando a Sra. Dare chegou
com o jantar de Aiden e a carta de Michael.
Ele guardou a carta no criado-mudo. Não queria nada de Michael no
momento, não queria nem ver o nome do sujeito escrito em um papel.
Tomou a sopa, sentindo-se melhor da gripe. Tudo o que lhe restava
era um nariz irritante e um coração preocupado com a esposa.
Depois de seu jantar, sentiu Lucy se remexer na cama e abrir os
olhos como se as pestanas pesassem meia tonelada cada.
— Lucy — ele arquejou, aliviado, tocando o rostinho cansado dela.
— Brutamontes… — Ela sorriu, bastante entorpecida. Parecia que
havia uma lixa na sua garganta tamanha a sede que sentia.
— Minha querida... — Aiden riu de alívio, abraçando Lucy e a
beijando por todo o rosto. — Fiquei tão preocupado com você e com o
bebê. Que a febre fosse tirá-lo de você.
— Eu sangrei? — Os olhos de Lucy ficaram alarmados e a mão
deslizou pelo corpo. — M-Meu bebê?
— Não, está tudo bem. Eu vi sua barriga, está crescendo. Nosso
bebê está crescendo bem.
Lucy sorriu feliz, embora ainda bastante cansada. Ergueu o braço e
tocou o rosto do marido, vendo que seus olhos cristalinos estavam
molhados.
— Você fica bonito quando chora — ela disse, contente, secando a
bochecha dele. — Porque é o seu eu de verdade. É o meu Aiden, que gosta
de beijinhos antes de dormir.
Aiden assentiu, feliz por ter Lucy boa novamente. Foram um dia e
meio que o deixou à beira de um ataque de nervos.
— Estou com sede, querido…
Aiden rapidamente encheu um copo e ajudou Lucy a se sentar
contra a cabeceira. Ela bebeu o recipiente inteiro e ainda pediu outro.
Enquanto isso, Aiden olhava para o criado-mudo. Tinha de dar a
carta para Lucy, mas temia que ela pudesse sofrer ainda mais e voltar a
adoecer.
Sabia como as emoções fortes enfraqueciam o corpo e chamavam
doenças.
— Está com fome? — ele perguntou, pensando em outro assunto. —
Posso pedir mais sopa, vai revigorá-la.
— Acho que posso regurgitar se comer algo… — ela lamentou,
levando a mão até a barriga. — Mas preciso comer, pelo bebê.
— Vou mandar trazerem algo leve.
Ela assentiu e Aiden foi até a campainha, mas sem puxá-la. Ficou
olhando para a gaveta do criado-mudo. Lucy estava zonza só de ficar
sentada, havia se deitado por tempo demais. Seus cabelos haviam sido
trançados de forma bastante rudimentar pelas mãos de Aiden, mas não se
embolaram.
— E Tamsin? — ela perguntou à Aiden.
— Está dormindo — ele respondeu, abrindo a gaveta do criado-
mudo e tirando de lá um envelope pequeno. — Não sei se deseja tocar nesse
assunto, mas Michael deixou tudo por escrito.
Lucy olhou o envelope em suas mãos e seu coração perdeu uma
batida. Ela alisou o ventre pequeno e pegou a carta ainda lacrada.
— É melhor eu ler logo e passar esse capítulo da minha vida…
Aiden aquiesceu, sentando na cama de uma forma que não poderia
ler a carta e invadir a privacidade da esposa.
Ela arrebentou o lacre e viu, mais uma vez, a caligrafia de Michael:
Lucille,
Sinto muito por tê-la magoado com minhas palavras e com meus
atos, mas não pude mandar em meu coração.
Eu a amei, é verdade, amei muito. Eu nunca havia conhecido uma
moça como você, de beleza tão angelical. Imediatamente, eu me apaixonei
por você e pela sua simpatia. Eu me apaixonei, de verdade, Lucille. E
desejei tê-la como minha esposa e formar uma família com você.
Contudo, confundi a mim mesmo. Um encantamento juvenil me fez
agir de forma impensável e pedi-la em casamento tão rapidamente. Não me
entenda mal, por favor, eu a trataria com carinho e sei que meu amor por
você duraria pela vida toda. Seríamos felizes e teríamos filhos, muito mais
do que a maioria dos casais que conhecemos. Mas não era o amor que eu
pensei, Lucy. O amor o qual pensei ter com você eu descobri em Audrey.
Você o ama, não é? O duque. Ele a ama, confessou a mim. E eu
sabia que ele a amava quando apareci no escritório.
Desculpe-me por tudo, Lucy. Guardarei suas cartas comigo para
sempre, pois foram anos e sentimentos de minha vida que viverão em meu
coração. Você é a moça por quem eu primeiro me apaixonei. Espero que o
duque cuide bem de você, minha querida, e que você seja sempre feliz e
bem-amada. Sei que terão lindos filhos e que você será a melhor mãe do
mundo.
Atenciosamente,
Michael.
Inglaterra, 1830
SOBRE A AUTORA
Instagram: @autoraleticiagomes
Twitter: @autoraleticiag
Tiktok: @autoraleticiagomes