Currículo e Multiculturalismo - EDReview

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Paraskeva, João (2006) Currículo e Multic ulturalismo.

Lisboa: Edições
Pedago.
ISBN- 972-8980-01-9
pp., 236.

Resenhado por Maria da Graça Caridade Barbosa Pereira


Universidade do Minho, Braga, Portugal
Abril 2, 2007

A obra que nos propomos analisar, Currículo e


Multiculturalismo, apresenta um conjunto de
perspectivas, reunidas em nove capítulos, que são um
conjunto de reflexões críticas do currículo e da
educação, reforçando algumas das idéias
fundamentais dos grandes pensadores desta matéria.
Analisa criticamente uma sociedade política e
socialmente unidimensional, através do espelho da
educação, com um enquadramento de organização
social e político neoliberal / conservador.
Atravessam a obra os conceitos de hegemonia;
desigualdade social, de racismo, discriminação e de
escola como reprodutora dessas desigualdades. Mais
do que duplicadora dessas desigualdades, o livro
enfoca uma educação que permite a sua manutenção,
pressionada pelas necessidades econômicas e pelas
políticas sociais vigentes, associadas a grupos
detentores de poder. Estes conceitos podem encontrar-se naquilo que Michael Apple e
Lois Weis (1997) e João Paraskeva (2001) identificam como o papel social, ideológico e
econômico do nosso aparelho educativo. Segundo Michael Apple (1990) as escolas
envolvem-se em dinâmicas relacionadas com acumulação; legitimação e produção.»
Estes termos e conceitos não são recentes, embora se pretendesse que já tivessem
sido erradicados, rumo a uma sociedade em que a igualdade fosse um fato tão natural como
o é a própria existência humana. Lembra-se aqui o pensamento de Antônio Gramsci (1971)
relativamente à teoria crítica e educacional que frequentemente se associa à de hegemonia
cultural como meio de manutenção de um estado capitalista, sugerindo este pensador que a
Burguesia – talvez atualmente outras burguesias…- mantinha o controle sobre toda a
sociedade, não apenas através da coerção política ou econômica, mas também pela
cooptação ideológica, por meio de uma cultura hegemônica na qual os valores e interesses
particulares destes detentores do poder se tornavam o senso comum. Importa, neste
momento, definir claramente, para compreendermos as idéias que gravitam à volta da obra
em análise, o que se entende por senso comum. Mais uma vez, na concepção gramsciana,
senso comum é uma construção mental realizada por determinados grupos, classes ou
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indivíduos a partir de idéias recebidas. Estas idéias são construídas pelas classes detentoras
do poder, pretendendo um consenso cultural entre as classes trabalhadoras e os objetivos
das classes hegemônicas, de forma a ser mantido o status quo. (Paraskeva, Ross e Hursh,
2006).
Currículo e Multiculturalismo, cruza-se com estas idéias base, uma vez que, alterando-se
apenas as «burguesias», os interesses se prendem sempre com uma visão imperialista e
monolítica da sociedade e do mundo, sendo que esta visão é a de uma sociedade desigual e,
naturalmente, estratificada. Como refere Michael Apple (1990:26), tentando definir estes
conceitos, «(…) a hegemonia age para “saturar” a nossa própria consciência, de forma que
o mundo educacional, econômico e social que observamos, e com o qual interagimos, e as
interpretações apoiadas no senso comum que nele colocamos, se torna num mundo tout
court, o único mundo.» Embora se tenha a consciência de que a manutenção da hegemonia
não é uma construção atual, vem-nos à memória o que diz Platão acerca da Justiça e do que
hoje poderemos chamar de construção de senso comum:
Certamente cada forma de Governo estabelece as leis em vista do seu próprio
interesse (…) uma vez promulgadas essas leis, fazem saber como justo para os seus
governados, o que lhes convém, a eles, governantes, e se alguém transgride, punem-
no como violador da lei e da justiça. É isto, (…), o que eu quero dizer ao afirmar a
identidade do princípio da justiça em todas as cidades: o que convém aos poderes
estabelecidos. Estes é que detêm a força. De onde resulta, para quem saiba pensar
com correcção, que a justiça é a mesma em toda a parte: a conveniência do mais
forte (2005, p. 21)
Impressiona-nos a atualidade de Platão relativamente à manutenção do poder,
sobretudo porque se mantém, na sua essência, inalterada. Esta estratificação social produz
naturalmente diferenciação social e econômica. O capital cultural transmitido pela classe
hegemônica é fechado e é um fato feito à medida para os seus iguais, valendo-nos da imagem
usada em João Formosinho (2007). A todos os outros, obviamente, não lhes servirá. Como
lembram Michael Apple e Lois Weis (1997), definindo o conceito de legitimação, as escolas
são parte integrante de uma estrutura através da qual os grupos sociais recebem
legitimidade e através da qual as ideologias sociais e culturais são recriadas, mantidas e
continuamente construídas. Prossegue, evocando a falaciosa idéia que, desta forma, se
fomenta a crença social de que as principais instituições da nossa sociedade são igualmente
responsivas a todos, independentemente da raça, classe ou gênero, (Apple, 1997). Esta é
uma reflexão que transversalmente ocupará todos os capítulos da obra em análise, como
adiante veremos mais em concreto.
Assim, podemos ter a ousadia de avançar a hipótese que Currículo e Multiculturalismo
só existe uma vez que a educação se insere nesta estrutura mais ampla de instituições e
valores (Apple, 1997). Dá-se demasiada importância ao modo como as crianças aprendem,
às dificuldades ou não por eles reveladas e não se pensa o suficiente na questão
fundamental. Porque é que aprendem o que aprendem? Para quê? Quem os ensina? Que
métodos são utilizados? Também é muito importante pensar de que forma a sociedade se
organiza para apresentar uma realidade que se coaduna com os objetivos dos grupos de
poder, utilizando uma «propaganda» ideológica refinada e persistente atacando em várias
frentes, fazendo-se valer muitas vezes de conceitos históricos significativos para uma
consciência comum - propositadamente maquiados e esventrados dos seus objetivos
primeiros - sendo que a educação e os meios de comunicação social são dois dos
fundamentais.
Os capítulos a analisar mais aprofundadamente dão, de forma clara e inequívoca,
resposta a estas e outras questões pertinentes, para as quais convém não baixar a guarda e
manter uma perspectiva crítica tentando encontrar correntes de pensamento e ação
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alternativas às hegemônicas e às ideologias vigentes nas sociedades pautadas pelo atual


neoliberalismo colonizador.
A obra Currículo e Multiculturalismo organiza-se em nove capítulos ilustrando
diferentes realidades geográficas – Estados Unidos; Espanha, Brasil e Portugal – que, no
entanto, se poderão transpor, quase na perfeição para todas as sociedades que são
conduzidas por ideologias neoliberais, girando muito à volta da relação estabelecida entre
conhecimento e poder (Apple, 1990). Com uma narrativa clara, nos diferentes autores
analisados encontram-se linhas de pensamento comuns, nomeadamente quanto ao modo
como as instituições de preservação e distribuição cultural, como as escolas, produzem e
reproduzem formas de consciência que permitam a manutenção do controle social sem que
os grupos sociais dominantes tenham de recorrer a mecanismos explícitos de dominação
(Apple, 1990).
No capítulo primeiro, Para Além dos Métodos Fetiche na Preparação dos Professores: Em
Direcção a uma Pedagogia Humanizada, Lília Bartolomé aborda a necessidade de se entender a
função docente numa perspectiva crítica e política. A autora questiona ainda a razão de o
insucesso atingir majoritariamente as classes tradicionalmente desfavorecidas da sociedade.
Esta questão, tantas vezes já colocada pelos teóricos do currículo, deve-se, na ótica da
autora, à pseudo multiculturalidade da educação, que aponta apenas para soluções técnicas,
numa tentativa de «remediar» a «falta de capacidades» ou «competências» de determinados
alunos. Como refere já João Paraskeva (2001:197), usando a imagem de cinco dedos de
uma mão para caracterizar o currículo uniforme (Formosinho, 1987), «Cinco dedos da
mesma mão em que o primado dos pressupostos e das intenções se sobrepõe e castra não
só a escola, em geral como também alunos e professores, em particular, cada um, bem
subjectivo de capacidades, pretensões e desempenhos». Mais uma vez, tanto João
Paraskeva (2001) como Lília Bartolomé, salientam que se oferece o mesmo produto a
todos, independentemente de esse mesmo produto ser destinado a um tecido
profundamente heterogêneo.
Neste capítulo, Lília Bartolomé responsabiliza também os professores pelo estado
de coisas. A implementação de uma escola verdadeiramente multicultural depende da
tomada de consciência de que o papel dos docentes não é neutro, mas sim profundamente
político. Concordaremos que há que ser um professor politicamente formado, crítico, para
que se criem condições para que os alunos desfavorecidos passem de uma atitude passiva para
uma atitude ativa de empenhamento crítico. Esta importância do papel dos docentes é já
encontrada em Jurjo Torres Santomé (1993), quando aponta que uma das causas de
discriminação no ensino é a desmotivação da classe docente, que gradualmente se tem
vindo a alhear do seu papel, devido a uma série de condicionantes externas, alheias às sua
vontade, vencendo-os pelo cansaço de forma a servirem interesses políticos dominantes.
Jurjo Torres Santomé (1993: 199) apresenta como solução estimular o trabalho conjunto
entre professores e todos os profissionais envolvidos no processo educativo para que possa
acontecer o que chama de tarefa de aperfeiçoamento. A solidão docente é propícia a que não se
inove e não ocorra reflexão sobre o processo. O fato de esta coordenação dever sempre ser
encarada num plano de igualdade e de forma democrática é fundamental; só assim este
trabalho prático e reflexivo alcançará níveis de qualidade equitativa, contribuindo, deste
modo, para a luta contra a discriminação, falsas expectativas e preconceitos que
condicionam o desenvolvimento do ser humano. Idêntica responsabilização do papel dos
professores é referida, se bem que com diferente argumentação, em João Paraskeva
(2001:194), na mesma linha de Jordan (1995), em que se apresentam os docentes, como a
classe que poderá facilitar a implementação de uma escola multicultural, lembrando que,
para tal, há que mudar mentalidades de forma urgente. Muitas vezes, os docentes possuem
uma visão humanista, romântica e simplista quando poderiam ter uma visão prática. Os
professores, muitas vezes, são levados a ignorar que a multiculturalidade é uma realidade e
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se torna um problema dentro da vida escolar. De fato, embora a argumentação possa não
abranger todos os docentes, é um fato, uma vez que quase na totalidade das ocasiões se
preferem os paliativos e as operações de maquiagem dos reais problemas do que debater a
questão da ausência de atenção à diferença cultural. Debatem-se problemas como
abandono escolar, insucesso ou violência, tentando resolvê-lo com a tecnicidade de sempre,
ignorando que para uma elevada percentagem da população estudantil as aprendizagens e
até o ambiente escolar criado, não é, de todo, significativo. Apontam-se as conseqüências
como os únicos problemas e atiram-se atenuamentos – entre eles meros procedimentos
administrativos para converter insucesso em sucesso estatístico (Paraskeva, 2001: 199) –
para que se possa continuar, de olhos vendados e andando em círculo, fazendo de conta
que se ensina de forma democrática só porque todos tiveram o direito de entrar na escola.
O papel dos professores, neste capítulo de Lília Bartolomé, é amplamente debatido.
Aludindo à idéia de Michael Apple de reprodução, a autora tem consciência que os próprios
professores são fruto de uma sociedade discriminatória e, logo, aceitam com algum
pacifismo e naturalidade as desigualdades dentro da sala de aula. Mais do que isso,
podemos mesmo dizer que os professores reforçam essas desigualdades através do que
ensinam; da forma que o fazem e a forma como avaliam. A avaliação – ou antes,
classificação – é a única forma de diferenciar e estratificar de acordo com as normas da
divisão social do trabalho (Apple, 1990, Hextall, 1976). A avaliação é portanto, a forma que
o poder vigente nas sociedades ocidentais encontraram para exercer o controle social,
criando rótulos de acordo com as «competências» que cada estudante revela, neste jogo de
cartas viciadas à partida. Assim, são criados, dentro de cada sala de aula, pequenos ghettos,
passando estes «outcasts» a serem encarados como detentores de alguma espécie de
deficiência cultural ou genética que não pode ser corrigida. Este modelo redutor da
educação obriga-nos a questionar o porquê de o insucesso atingir sempre os mesmos
grupos. Romanticamente atribuímos sempre as mesmas razões: falta de trabalho; falta de
interesse; falta de atenção… parece ser preferível atribuir as culpas ao outro (Apple, 1990),
porque os métodos; os conteúdos e todas as orientações que são pedidas aos docentes, são
escrupulosamente seguidas. Como expõe já João Formosinho (1987), o currículo uniforme
é insensível às características, necessidades e interesses dos alunos, porque se operacionaliza
perante uma amostra variada, sendo assim, é provável que os alunos com maior diversidade
ao nível dos interesses e aptidões sejam os mais prejudicados. É preciso, portanto, acordar
política e pedagogicamente, para que se possa ensinar todos os alunos de uma sala, de
forma democrática e respeitando a individualidade e cultura(s) de cada um.
Maria Luísa Branco, no segundo capítulo desta coletânea, A Educação Democrática
Face aos Desafios do Multiculturalismo, faz uma análise destes dois conceitos – Democracia e
Multiculturalismo – questiona se o simples direito de acesso à educação fará dela uma
«educação democrática»; questiona e questiona o leitor, acerca da educação que temos e
daquela que queremos ter, fornecendo pistas acerca do que entende ser uma verdadeira
educação democrática, crítica e, consequentemente multicultural. Uma educação que forme
sujeitos pensantes e não meros reprodutores sociais formatados pelas classes dominantes
da sociedade, servindo interesses mercantilistas. O conceito de democracia, em educação
como em outros aspectos da vida em sociedade, não pode estar desligado dos conceitos de
igualdade e liberdade. O fato de proporcionar a Educação para Todos não oferece, por si, um
ensino democrático.
As próprias democracias neoliberais e conservadoras, escondem em si –
contraditoriamente – princípios totalitaristas, na medida em que não servem os interesses
de todos, nas suas diferenças, mas sim os interesses de determinados grupos que sempre
prevalecem à frente da organização e gestão social e política. Como ressalta Paraskeva
(2001:219) este debate democrático da educação reflete-se na permanente querela entre
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«esquerda» e «direita», como o próprio indica, ou seja, por um lado os partidários de um


currículo diferenciado e, por outro lado, os defensores de um currículo comum.
Facilmente verificamos, à luz de tudo o que tem sido exposto ao longo deste texto,
que um currículo democrático tem de ser, necessariamente, um currículo que tenha como
princípio estruturante a diferenciação.
Com enorme atualidade, no capítulo terceiro, Usar a Capacidade de Leitura Crítica dos
Meios de Comunicação Para Ensinar Aspectos Sobre o Racismo Contra Muçulmanos e Árabes, Shirley
Steinberg, referindo-se concretamente a uma sociedade que é a dos Estados Unidos da
América, analisa o poder dos media ao serviço de uma determinada visão do mundo
ocidental. Esta análise reveste especial importância no pensamento ocidental pós 11 de
Setembro e pode ajudar a desconstruir determinados medos atuais. A autora alerta para os
perigos da ausência de uma leitura crítica dos meios de comunicação social, analisando
filmes que, mais ou menos disfarçadamente, ostracizam determinados grupos sociais e
endeusam outros; uma assimilação acrítica, como a que é normalmente feita, tem por
objetivo a construção de um determinado senso comum, que incentiva certos histerismos
atuais relativamente a grupos, raças ou proveniências.
A autora faz-nos refletir sobre o fato de nas sociedades atuais os espaços de
socialização terem vindo a ser alterados. As alterações ocorrem com rapidez, muitas vezes
passando despercebidas a visões mais distraídas onde se podem incluir os pais e os
professores, mas que não ocorrem sem intencionalidade. Os construtores de senso comum,
assalariados do poder vigente, que têm por função criar determinadas teias ideológicas,
utilizam a escola, como veículo natural de um determinado capital cultural e manipulação
social, mas compreenderam também o poder da media para operar ao seu serviço. O poder
dos media atua em duas vertentes distintas: uma primeira que tem por objetivo ser o novo
«ópio do povo» e outra que serve para reforço da narrativa neoliberal. Uma nova forma de
propaganda, mais refinada e logo, menos evidente para quem tem uma atitude acrítica de
simples receptor – espectador. Também João Paraskeva (2001: 188), lembrando Forquin,
(1993), alerta para o fato de vivermos num mundo de simulacros gerido pelos mass media
em que as massas se deixam levar pelas análises sensacionalistas, sendo que o perigo reside
no fato de a leitura que se faz dos media ser desprovida de racionalidade e reflexão crítica.
Esta nova forma de socialização de massas é contraproducente para as instituições
educativas, sobretudo quando acompanhada de políticas que cada vez mais estimulam uma
classe docente a ser alheada da realidade social e limitada a orientações hierárquicas
providas de uma autoridade quase divina e, portanto, aparentemente inquestionável. A
cultura da media não expressa verdades humanas profundas (Paraskeva, 2001: 188),
funciona como auxiliar de automistificação onde se valoriza o facilitismo, a trivialidade,
mediocridade e a futilidade. Desta feita, ajuda a fabricar uma maioria social não pensante,
como lhe chama Noam Chomsky (2003), que é a matéria-prima ideal para ser moldada à
feição de uma qualquer ideologia.
Também Michael Apple e Lois Weis (1997:35) quando se referem ao modo de
construção e funcionamento da «ideologia» com objetivo de perpetuação de determinadas
forças hegemônicas lembram que a ideologia funciona também através do que chamam
materiais culturais. Poderemos entender estes materiais culturais, para além do currículo,
manuais escolares e outros já referidos anteriormente, também como os filmes, textos,
romances, leituras obrigatórias ou programas de televisão, sobretudo os que passam no
chamado horário nobre, no qual as pessoas estão mais receptivas à absorção das mensagens
e não aquele que oferece maior disponibilidade e atenção. (De Kerckhove, 1995).
No capítulo quatro, Joe Kincheloe teoriza os conceitos de bricolage e pós-formalismo
em Para Além do Reducionismo: Diferença, Criticalidade e Multilogicidade na Bricolage e no Pós-
Formalismo. Aborda o problema do multiculturalismo e de duas possíveis formas de analisar
a questão: uma positivista e uma construtivista. Aborda ainda, em linha com os restantes
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capítulos, as forças hegemônicas que promovem uma visão reducionista em detrimento da


defendida pelos pós-formalistas que promovem o respeito pela diferença. O autor, neste
capítulo, aborda o tema do multiculturalismo crítico, onde se atravessam as questões
ligadas a raça, classe, gênero e justiça social face a um complexo entendimento do poder.
Capítulo onde predomina uma concepção teórica que se verifica ficar muito no âmbito das
idéias, e como tal raiando a perfeição das intenções. Joe Kincheloe, na sua linha de
pensamento, tenta criar sentido entre a teoria e a prática – através da reflexão acerca da
prática investigativa e de ensino – com a intenção de promover idéias e potenciar temáticas
que auxiliem a mudança de circunstâncias opressivas, numa tentativa de construir uma
sociedade que vá de encontro às reais necessidades humanas.
Recorrentemente o autor utiliza os conceitos de bricolage investigativa e pós-
formalismo. Importará refletir acerca da definição, ou idéias a eles associadas. Para o autor,
bricolage pode ser descrita como “o processo de ir ao cerne da investigação multidisciplinar”;
reforçando a idéia de que é necessário ter uma perspectiva mais abrangente e diversificada.
E ainda que “ (…) os bricoleurs vão além dos campos delimitativos de determinadas
disciplinas, transparecendo aqui, como ao longo do texto a necessidade de recusar
compartimentações de saber, como verdades absolutas e aplicadas a todos, exteriores a um
contexto e aos sujeitos aos quais se destina. É também mais que isso a bricolage, uma vez
que o fator “contextualização” é determinante entre o sujeito e o objeto, formulada por
John Dewey (2007).
Tentando esclarecer o conceito de pós-formalismo, o autor define-o genericamente
como estratégia (ideal) “de desenvolver novas formas de cultivar o intelecto”. Estas formas,
para Joe Kincheloe são no sentido de justiça social e de uma redistribuição democrática do
poder. Naturalmente concluímos que tais definições se enquadram numa teoria crítica
abrangente com preocupações ligadas à Liberdade e Igualdade no seu sentido mais lato.
Estas concepções teóricas, memórias de uma filosofia de inspiração Marxista fazem
lembrar que de fato certos poderes se mantêm, criando-se na nossa mente a imagem da
pirâmide do sistema capitalista, não obstante todo o progresso, democracia e evolução
tecnológica. Pensando bem, alterando certas personagens – não muitas – o poder continua,
no século XXI, mal distribuído e o peso do trabalho que alimenta toda a máquina de poder,
nas costas dos mais fracos e desfavorecidos. O acesso ao poder econômico e também à
educação estão ainda, de forma mais ou menos dissimulada, vedados àqueles que
continuam a sustentar a pirâmide. Apesar de na atualidade podermos considerar que a
inexistência de classes como garantia de igualdade social não passar de uma utopia,
podendo até ter a ousadia de considerar este o erro de Marx, o contrário continua a ser o
observável e útil apenas para uma magra fatia da sociedade. Assim, no sentido de ir ao
encontro dos conceitos de Liberdade e Igualdade, que são idéias fundamentais deste
capítulo de Joe Kincheloe, deveremos, isso sim, ter diferentes classes sociais mas em total
igualdade nos direitos e nos deveres.
O pós-formalismo, opera, portanto, por oposição à visão positivista, previsível e
unidimensional do Formalismo. Visão reducionista que poderá levar a uma estratificação
baseada em gênero, raça, poder econômico e que, consequentemente poderá ser rotulada
em domínios cognitivos separados e hierarquizados. Esta sociedade assim reproduzida é
desigual ao nível dos direitos e liberdades, mas, mais grave ainda faz-se valer de teorias
científicas, mensuráveis e quantificáveis, que as fundamentam, repescadas por esta nova
vaga de formalistas.
Em Desmoralização do Professorado, Reformas Educativas e Democratização do Sistema
Educativo, Jurjo Torres Santomé faz uma descrição do que foi o século XX, definindo-o
como o «século da educação, das mulheres e da criança». Aborda de forma crítica o
processo de formação de professores e condições de trabalho dos mesmos, e das alterações
que forças políticas externas, que enganadoramente as denominam de «reformas
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educativas», têm imposto à classe e contribuído para uma crescente, e deliberada,


desmoralização profissional da mesma com todas as nefastas conseqüências para a
educação. Aborda os sucessivos entraves aos professores que se encontram espartilhados
pelo currículo e pelas políticas neoliberais e mercantilistas que inundam a sociedade atual e
também o ensino.
Como Jurjo Torres Santomé (2006) destaca, o século XX foi o século dos Direitos.
Os Direitos do Homem, da Criança, da Mulher. O direito à igualdade e à educação. Neste
aspecto houve grandes conquistas e criou-se grande otimismo que se traduziu também na
Educação. Como refere o mesmo autor, pela primeira vez na história temos a primeira
geração de jovens que sabe lidar com cidadãos com deficiência; a educação inclusiva /
ensino integrado, pese embora não seja perfeito, ajudou a que se possa ter criado uma
sociedade com diferentes perspectivas acerca da diferença. Este século foi também aquele
em que sistemas educativos anti-racistas e laicos surgiram e se tornaram a maioria. Como
Jurjo Torres Santomé lhe chama foi O Século da Infância.
Jurjo Torres Santomé (2006) alerta, no entanto que têm ocorrido retrocessos nestas,
como noutras, conquistas. E por isso mesmo; porque as consideramos conquistas absolutas
e, portanto, irreversíveis. Alerta-nos que não podemos nem considerar estas como
garantidas nem deixar de lutar por outras que nem deram ainda os primeiros passos. Para
que isto aconteça, é necessário manter um espírito crítico e ver além da narrativa neoliberal
que trabalha o senso comum de maneira a que pareça não existir uma alternativa viável ao
capitalismo.
A queda do muro de Berlim parece ter retirado as bases mais fortes que
sustentavam o pensamento ligado à esquerda mundial. A partir desse momento, poderemos
dizer que, mais do que o desaparecimento da URSS, parece ter ocorrido também o
desaparecimento do «muro» entre direita e esquerda. Os primeiros, dentro de uma narrativa
neoliberal, adotaram conceitos da segunda, ajustando-os à nova «ideologia» capitalista,
tendo-se encontrado num «centro cinzento». Cinzento porque, em política, o centro é a
ausência de significado, de ideologia, de pensamento bipartido. Dir-se-ia de idéias. Novas,
pelo menos.
Estas novas idéias devem ser o modelo alternativo ao imperialismo e hegemonia de
determinadas correntes que avassalam cada vez mais países. Correntes que atravessam
diferentes setores, que controlam, entre eles a Educação.
Este controle só é eficaz porque os professores deixaram de questionar o «Porquê?»
de ensinar. Os governos levam a pensar apenas «O quê?»; «Quando?» e sobretudo, «O que
avaliar?». A resposta à primeira questão está num currículo imutável que é transmitido
pelos manuais escolares, que os docentes utilizam de forma inquestionável; a resposta à
segunda questão estabelecida pelos momentos de avaliação obrigatória – classificação?
Catalogação? – e a terceira com as avaliações externas – exames – este contributo
ressuscitado pela nova direita que tem por objetivo verificar se os conteúdos selecionados
de forma a transportar para o futuro uma determinada continuidade social e , ao mesmo
tempo, exercendo forma de controle da atividade docente, verificando o que é transmitido
nas relações de ensino aprendizagem.
O objetivo último deste tipo de educação serve às exigências de uma sociedade
regulada pela lei de oferta e procura, mercantilista e imperialista; normalizada por saberes
que servirão para servir o poder empresarial e utilitarista. Uma educação onde predominam
conceitos como a qualidade, competitividade e excelência, fazendo crer que todos são capazes de
atingir os mesmos objetivos, num pseudo-mundo – e educação – igualitário, democrático,
ausente de classes sociais, racismo, sexismo e desigualdade social (Santomé, 2006:105).
Neste contexto, não poderia deixar de mencionar o discurso proferido pelo
Secretário Adjunto e da Administração Educativa, na sessão de abertura do Encontro A
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Escola e a Diversidade (2004). Bem ilustra os objetivos últimos da educação que temos, que
lida com a diferença de um ponto de vista meramente tecnicista e utilitário:
Precisamos duma escola que continue a exigir (…). Neste sentido, deverá também
ser uma escola capaz de valorizar outras aprendizagens, capazes de trabalhar com a
diferença e capaz de discriminar pela positiva. Deverá ser uma escola voltada para
fora, voltada para a família, voltada para as empresas e para que estas participem
nas actividades escolares, pois será uma maneira de não deixarem de reclamar a
qualificação dos seus trabalhadores, voltada para as autarquias e, largo senso,
voltada para os movimentos social, cultural, recreativo e associativo. Sobretudo,
será uma escola voltada para uma lógica de envolvimento que tornará mais fácil a
obtenção de resultados, por mais pequenos que venham a ser, ou seja, uma escola
que se entende como diversa e que se diversifica
(http://www.portugal.gov.pt/portal/pt/governos/governos_constitucionais/gc16
/ministerios/me/comunicacao/intervencoes/20041110_me_int_seaae_diversidade
.htm)
Este ensaio geral para a formação de trabalhadores, o mercantilismo dos sistemas
educativos, é visível ainda através da filosofia de «cultura do esforço», controlada através de
exames, rankings esquecendo as idiossincrasias que se encontram, naturalmente, em
qualquer sociedade. Diferenças sem as quais teremos uma sociedade culturalmente mais
pobre, com o que quase poderíamos chamar de genocídio cultural.
Surgindo como um exemplo de força contra-hegemônica, Luís Armando Gandin,
no capítulo seis, Criando Alternativas Reais às Políticas Educativas, apresenta o projeto de uma
escola crítica, ativa e verdadeiramente multicultural em Porto Alegre, Brasil. Este é um
exemplo de sucesso com alunos que tradicionalmente são rotulados de inadaptados ou
desmotivados das aprendizagens escolares. O autor destaca que o neoliberalismo recriou
uma realidade de tal maneira aparentemente convincente e «ajustada» que se torna, muitas
vezes, difícil vislumbrar realidades alternativas. Esta é uma idéia que é recorrente a partir,
sobretudo, da queda do muro de Berlim e desagregação da URSS e da sua associação ao
«fim das ideologias». Deste momento em diante, quase poderia dizer-se que o capitalismo e
a democracia burguesa constituem o coroamento da história da Humanidade, quase
dizendo que esta teria atingido o ponto culminante da sua evolução política e social,
vencendo as dificuldades e os «obstáculos», sendo os mais importantes o fascismo e o
socialismo. Luís Armando Gandin enfatiza ainda a apropriação, nesta narrativa neoliberal,
de termos tradicionalmente ligados a outras correntes de pensamento, termos que chama
«novo dicionário da lógica neoliberal»: igualdade, cooperação, democracia ou participação,
que nesta lógica de economia de mercado assumem novos significados, ajustando-se ao
discurso hegemônico. A solução, apresentada neste capítulo, gira em torno de um currículo
verdadeiramente multicultural, participado, participante, colaborativo e significativo para
todos os agentes envolvidos, principalmente os destinatários da educação. Um projeto em
que o currículo não é imposto externamente, mas sim criado por aqueles que se encontram
envolvidos na vida quotidiana das escolas. Este será o fator decisivo de sucesso do mesmo.
O autor refere ainda as condições para a implementação deste projeto, mostrando que é
um processo difícil uma vez que rompe com o status quo e com os objetivos de
determinadas políticas vigentes. Mostra que é possível, querendo, encontrar brechas nos
sistemas neoliberais, para tentar implementar introduzir alternativas culturais à visão
monolítica atual. Este projeto vai, de algum modo ao encontro do que Antônio Gramsci
também defendia, no início do século XX, reclamando o desenvolvimento de uma cultura
contra-hegemônica advogando a necessidade de educar os trabalhadores para encorajar o
surgimento de intelectuais dentro da classe trabalhadora, de forma a que, eles próprios,
pudessem expressar politicamente os seus próprios interesses, diferentes da classe
minoritária, mas detentora de poder.
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No capítulo sétimo da obra em análise, João Paraskeva em Desterritorialização da


Teoria Curricular, cruza a problemática da multiculturalidade da educação com a necessidade
de uma abordagem curricular clara e com objetivos verdadeiramente ligados ao
conhecimento e à cultura. Expõe os propósitos do poder vigente na seleção dos conteúdos
curriculares; na formação de professores; no poder dissimulado dos manuais escolares e
nos reais objetivos da avaliação em educação. Desafia a narrativa neoliberal, que identifica
como «bloco hegemónico dominante» e dos trunfos dessas mesmas políticas que repousam
na sua capacidade de trabalharem constantemente o senso comum. Para além de questionar
as opções curriculares, a seleção de determinados conteúdos em detrimento de outros, ou
de visões alternativas de um mesmo tema, das construções culturais que destas opções
advêm, como já refere (Paraskeva, 2001) esta opção-seleção de que o currículo é composto
está carregada de uma ação intencional. O ensino facultado pela escola é um processo
intencional, relacionando-se com propósitos educativos definidos. O problema não reside
nesta questão, no entanto. A questão centra-se, como afirma João Paraskeva (2001), na
linha de Michael Apple (1999) no fato de a valorização e primado de determinados padrões
curriculares sobre outros não se processar aleatoriamente, nem tão pouco coercivamente. É
sim um processo que se fundamenta numa “tela ideológica” com uma intencionalidade
“una”: obter aquiescência com a ordem que prevalece. Esta idéia podemos encontrá-la
também em Giovanni Arrighi (1994), quando distingue as duas forças de domínio histórico
como sendo «coercion» e «consent», retomando também ele conceitos de Maquiavel e Gramsci.
Estes aspectos, neste capítulo são visíveis quando o autor menciona aspectos relacionados
com a seleção de conteúdos curriculares; quando alerta para o fato de as políticas vigentes
retirarem, deliberada e progressivamente, o poder de decisão dos professores relativamente
aos saberes; quando lembra que o poder de seleção de conteúdos não está na mão da classe
dos professores, mas sim de editoras de manuais escolares que os controlam, uma vez que
são ligadas ao poder vigente. Manuais esses que apresentam conteúdos «esterilizados» e
adaptados a uma visão social perfeita, pretensamente adequados a todos que frequentam a
escola. O trabalho docente, fruto da própria formação de professores, é também, diz João
Paraskeva, citando Kaustov Roy (2003) no sentido de «aniquilar a diferença», tornando os
professores insensíveis perante a mesma: «(…) os docentes ‘esfalfam-se’ para produzirem
‘similitudes’ no meio de uma cada vez mais diversidade multiplicadora».
O autor, nesta sua intervenção, reflete acerca da necessidade de lutar por uma teoria
e prática curriculares desterritorializadas, privilegiando o culto pela diferença e valorizando
a multiculturalidade. Citando Kaustov Roy (2003) o autor recomenda « (…) que associem
docentes e alunos compreendendo a diferença como um aspecto positivo». Claramente
concordaremos, pois se a sociedade é naturalmente multicultural, porque há de a educação
teimosamente continuar a ter uma visão monolítica – usando uma linguagem oficial ou
legítima (Bordieu, 2001) – e, mais grave ainda, discriminar aquelas que são, de fato, as
maiorias?
Fernando Diogo, em O Currículo Escolar Face à Diversidade questiona conceitos como
o de justiça social; acesso à educação e o conceito de democracia associado à massificação
do ensino. Aqui, o autor leva-nos a concluir que o conceito de multiculturalidade no
ensino, como na sociedade, não é recente, nem poderia sê-lo. A sociedade é multicultural,
desde sempre. A questão apenas se coloca devido à incapacidade de lidar com as diferenças
e gerir ao mesmo tempo uma sociedade onde os poderes se esforçam por ser uniculturais.
De fato, poderemos considerar que, como diz Jurjo Santomé, nunca, nenhum século como
o XX se debruçou tanto sobre os Direitos; o século que chamou ser o Século da Criança.
Como destaca o autor, apareceram os sistemas educativos com preocupações anti-racistas;
o conceito de educação inclusiva e o conceito de educação laica. Como lembrou Jurjo
Torres Santomé estas conquistas não podem ser dadas como adquiridas; não podemos
«baixar a guarda» nem esquecer que os direitos não se estabelecem apenas por decreto, têm
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de ser postos em prática no dia-a-dia e continuamente trabalhados por cada um e para cada
um. Principalmente quando falamos de Educação.
De fato, a democratização do ensino, pelo menos em termos numéricos, foi uma
realidade. Não apenas as classes poderosas poderiam aceder ao ensino e à educação, mas
todos poderiam fazê-lo. A questão que se coloca é se, de fato, as diferenças terminariam
após o acesso? A verdadeira democratização do ensino reside não no simples acesso à
educação, mas no acesso, e no direito, a uma educação de qualidade. Como lhe chama
Fernando Diogo, uma «boa educação».
O autor, neste capítulo oitavo, analisa a posição da escola face à diversidade
referindo que a esta revela graves incapacidades em lidar com a heterogeneidade do
público-alvo da sua ação. Segundo o Fernando Diogo, esta dificuldade foi conseqüência da
massificação do ensino. Naturalmente que sim, uma vez que as reformas educativas não
abrangem aspectos de múltiplas culturas; mantiveram-se – propositadamente ou apenas por
inação? – os currículos de sempre feitos à medida das populações estudantis pertencentes a
uma determinada classe social: a dos que se abrigam debaixo do guarda-chuva do poder.
Obviamente, qualquer currículo tem um caráter uniformizador. No entanto, dizemos nós,
simultaneamente criador de diferença; formata os que pertencem ao poder para líderes e os
que não pertencem, para mão-de-obra dos primeiros. Os últimos sendo os que sustentam a
base da pirâmide capitalista. Como ressalta Noam Chomsky (2003:19) os primeiros define-
os como aqueles a quem «cabe pensar» e os últimos como os que precisarão sempre ser
guiados por outros que pensem por eles. Uma vez mais, tal como no capítulo primeiro da
obra em apreço, é apontado tecnicismo como solução ineficaz para a resolução dos
problemas causados por uma escola que não se adapta às necessidades de quem a freqüenta
e não é significativa para todos. Prosseguindo, o autor deste capítulo, citando Sacristán
(2000), explica de que forma as soluções técnicas nos contextos escolares foram criando
desigualdades ao querer gerir as diferenças.
Estas questões técnicas, pomposamente chamadas de adaptações curriculares ou
diferenciação curricular acabam por ser, na sua maioria, desculpas para camuflar a falta de rigor
no ensino, uma vez que promovem não aprendizagens significativas mas sim um
facilitismo para passagens quase automáticas e para bem das estatísticas de avaliação e
sucesso aparente. Fernando Diogo, parece-nos partidário de que esta é uma solução
possível, apesar de ser necessária uma planificação efetiva desde a elaboração dos Projetos
Educativos de Escola até aos Projetos Curriculares de Turma. Permitindo-nos, não
obstante, discordar deste aspecto, uma vez que todos sabemos que a escola está sempre
condicionada por orientações rígidas que não permitem que os professores – como
principais agentes educativos – possam ter condições favoráveis para a aplicação de uma
verdadeira diferenciação curricular e ensino significativo; com professores desmotivados e
castrados progressivamente da sua função intelectual. Por fim uma escola que apregoa que
o ensino seja adaptado à cultura de cada um dos seus destinatários quando as avaliações são
«cegas» e uniformes e só se pretende quantificar as aprendizagens que foram questionadas,
independentemente das aprendizagens efetuadas e do seu significado e interesse para cada
um de nós, diferentes que somos.
No capítulo nono, Educar Para a Cidadania! Palavra de Professores, Fernando Paulo
Baptista reflete acerca da importância da linguagem e da língua, sobretudo da língua
materna, como principal forma de compreensão do mundo e construção individual
promotora de cultura; atitude crítica fomentadora de uma cidadania ativa. Concordaremos
com este princípio e lembramos o que Derrick de Kerckhove (1995:61) faz referência ao
poder da linguagem, à qual chama de poderosa tecnologia e o mais completo sistema de
processamento de informação, uma vez que é o software que conduz à psicologia humana. A
linguagem afeta, segundo o mesmo autor, os comportamentos. Diz mesmo que a invenção
do alfabeto criou duas revoluções: uma no cérebro e outra no mundo. A que Fernando
Currículo e Multiculturalismo 11

Paulo Baptista mais reforça é a influência da linguagem – e a língua – têm no mundo, ou


antes, de como um entendimento correto da língua leva a um melhor entendimento e
compreensão crítica do mundo e da sociedade e, consequentemente, a melhores cidadãos.
O autor distingue a vertente comunicacional da linguagem do conceito de língua
que indica como veículo de compreensão do mundo. A importância da língua é, portanto,
o fato de ser criadora e interpretante da cultura. A língua é um instrumento ao serviço da
humanidade e da construção social.
O autor debruça-se ainda sobre o poder comunicativo da media e na forma como
esta tem ultrapassado a língua como meio de apreensão cultural. Mais uma vez, a televisão
no primeiro lugar da lista, lembrando-nos mais uma vez Derrick de Kerckhove (1995:44)
quando refere que «Você não vê TV, a TV vê-o a si», alertando que a absorção que a visão faz
de imagens televisivas se processa de forma diferente da linguagem e a informação
processada pela imagem associada ao som é rapidamente absorvida transformando-se em
reação, logo em informação, mesmo que involuntariamente. Daí o perigo relativamente aos
conteúdos por ela veiculados, como também refere Fernando Paulo Baptista, alertando que
a televisão tem contribuído para vulgarizar e mediocrizar as relações e os problemas sociais,
valorizando banalidades e contribuindo para a ausência de cidadãos pensantes e críticos.
O papel do professor será também o de renovar a importância da língua,
valorizando-a como veículo fundamental de apreensão cultural e contributo para a
formação de cidadãos ativos e interventores.
Embora não diretamente ligado ao tema da educação, mas claramente ligada à
diversidade (ou falta dela….), não poderia deixar de lembrar o fascinante livro de Noam
Chomsky A Manipulação dos Media. Durante a elaboração deste texto, muitas vezes frases
desta obra se cruzavam com as idéias de hegemonia; democracia; controle; senso comum e
desigualdade social e multiculturalismo.
Noam Chomsky (2003) questiona, tal como em Currículo e Multiculturalismo, o
conceito de Democracia. Questiona, no entanto, qual de dois conceitos é o utilizado.
Aquele que diz que uma sociedade democrática é aquela em que as pessoas dispõem de
meios que lhes permitam participar e conduzir os seus próprios assuntos, fazendo uso,
entre outros da media aberta e livre, ou uma concepção alternativa de democracia que para
funcionar exige que os meios devem ser rigorosamente controlados. Obviamente que à luz
de tudo que já anteriormente foi dito, acerca da construção de senso comum,
concordaremos com Noam Chomsky (2003) quando diz que o segundo é o conceito
dominante. Poderemos transpor este conceito de controle e «desinformação» para o que se
passa na educação.
A democracia oferecida pelo pensamento neoliberal procura fabricar consentimento
(Chomsky, 2003:15). Lembrando as considerações de Lippman acerca da propaganda alerta
que a visão de sociedade que se pretende é a que é orientada por uma classe especializada, de
homens responsáveis, suficientemente inteligentes para compreenderem as coisas, capaz de compreender os
interesses comuns. Lembra ainda que as pessoas que detêm este poder são, atualmente, a classe
empresarial. Assim, o autor distingue as duas funções numa democracia: a função executiva
atribuída àqueles a quem cabe pensar, planejar e perceber quais os interesses comuns, distinta de
uma outra constituída por uma maioria que denomina de rebanho tolo, cuja função é de
espectador, portanto, que não participa ativamente. Noam Chomsky (2003), reforça assim
que há formas para que as políticas neoliberais perpetuem estas duas funções. Uma delas é
a media, acrescentaremos também que a Educação serve o mesmo propósito.
Como verificamos ao longo do texto, o senso comum, como forma privilegiada de
controle das forças neoliberais e conservadoras, tem de ser trabalhado constantemente,
sendo que esta é uma das grandes virtudes dos poderes vigentes atuais. Como ironicamente
refere Noam Chomsky (2003: 35), o rebanho tolo nunca está suficientemente domesticado, pelo que há
que lutar constantemente. Esta luta prevê que o rebanho tolo se mantenha no seu estado
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natural, que é a passividade, apatia e obediência. Muitas vezes a distração – como os


programas televisivos referidos por Fernando Paulo Baptista em Educar para a Cidadania,
Palavra de Professores - não é o suficiente para reprimir uma cultura dissidente que a tempos se
esforça por emergir. Noam Chomsky lembra que, neste caso, é necessário também fazer
recear os inimigos (Chomsky, 2003:48). Neste momento, os terroristas. Não poderíamos
deixar de lembrar o brilhante artigo de Shirley Steinberg (2006), com uma visão
simultaneamente clara e esclarecedora de como estes medos são trabalhados através da
media.
Noam Chomsky (2003) alerta assim para esta sociedade tendenciosa e criadora de
uma realidade unilateral, esta representação como realidade em que vivemos e que só pode ser
alterada após ser compreendida. Este mundo de sombras projetadas na parede da caverna
com o objetivo de controlar atitudes e maneiras de pensar, construindo uma sociedade
acrítica e imutável, servindo os interesses de pequenos grupos detentores de poder.
Terminando como iniciamos, quando lembramos que existe uma «propaganda»
ideológica refinada e persistente atacando em várias frentes, referindo duas delas, a mídia e
a educação, mostramos que a única forma de combate é o pensamento esclarecido, crítico,
com uma visão racional e diversificada da realidade. E nesta luta a educação não pode
demitir-se do seu papel fundamental. Não deve, nunca, subestimar-se a capacidade
transformadora e criativa dos homens e mulheres. Enquanto houver um pensamento
crítico que não se contente com a aparência dos fenômenos e tente compreender a essência
contraditória da realidade social estará sempre aberta a possibilidade de emancipação e
transformação do mundo.
Integrados que estamos numa sociedade que vive, de algum modo, de simulação e
aparência, a ausência de uma perspectiva crítica sobre a realidade pode levar-nos a acreditar
que se caminha para um mundo igualitário e onde todas as diferenças vão sendo esbatidas.
Refiro-me aos diferentes aspectos da sociedade, mas mais concretamente, por defeito
profissional, à educação.
Atualmente, no país onde observo mais de perto a realidade educativa – Portugal –
poderemos ser levados a acreditar que, de fato, temos uma Educação democrática, justa e
atenta à diferença. No entanto, observando com um pouco mais de rigor crítico, qualquer
um dos intervenientes da Educação, sem grande conhecimento teórico, de índole política
ou de esforço mental reflexivo, conseguirá facilmente aperceber-se que tal é uma utopia.
Tendo alguma fé nos homens e mulheres… aventuro-me dizer que tal é ainda uma utopia.
Quando se defende que no nosso país a educação é democrática estaremos nós a
pensar que o simples fato de abrir os portões da escola é a nossa leitura de democracia?
Importa, neste aspecto ler esta obra, Currículo e Multiculturalismo, para que possamos refletir
um pouco acerca deste conceito. A obra faz-nos ver que há diferentes interpretações para
uma realidade e leva-nos a pensar se a massificação do ensino não trará, em si, também
formas significativas de discriminação individual e cultural.
As políticas há tantos anos imutáveis em Portugal, atuam como se a massa humana
que constitui o país seja culturalmente idêntica. Não vivamos na ilusão de pensar deste
modo. Facilmente verificamos que a monoculturalidade é em si a antítese do ser humano.
A obra Currículo e Multiculturalismo, para tal chama a atenção do leitor, mesmo em capítulos
que não são fundamentados na realidade portuguesa, mas que podem facilmente ser
transpostos para esta, uma vez que as políticas neoliberais / conservadoras que
caracterizam esses países são idênticas no nosso país.
A fantasiosa concepção de que Portugal é um país mono cultural, é apenas real na
narrativa neoliberal e conservadora que nos tem caracterizado nos últimos anos. E esta é
uma monoculturalidade que a educação ajuda a clonar diariamente. O poder vigente
pretende veicular a idéia que em Portugal se fala apenas uma língua; há apenas uma
História que suporta a nossa cultura; uma raça; um território idêntico e acesso às mesmas
Currículo e Multiculturalismo 13

condições, proporcionadas pela sociedade atual. Sobretudo, nós, professores, devemos ter
consciência que assim não é. Não há apenas uma língua oficial no país e dentro da língua
oficial majoritária há idiossincrasias lingüísticas, de pronúncia ou vocabulário, que têm sido
denegridas ao longo dos tempos, empobrecendo a língua materna; a população que
constitui o nosso país não tem uma mesma História, nem sequer uma mesma visão da
História. Muitos habitantes, plenos cidadãos, tiveram origens diferenciadas e,
consequentemente, visões quase opostas da História de Portugal que consta nos conteúdos
curriculares; o cidadão português é de diferentes proveniências e raças, no entanto,
continuamos a olhar aqueles que são de raças diferentes da caucasiana como sendo, à
partida, estrangeiros…no pior sentido que a palavra pode ter, o de estranho. E não
esqueçamos ainda, sobretudo nos últimos anos, a vaga de imigração que trouxe consigo
diferentes línguas, culturas e raças, que preferimos tornar semelhantes ao invés de nos
enriquecer culturalmente com a diversidade, integrando-as, de fato, na educação. Não
esqueçamos ainda as diferentes realidades do nosso país. Nem todos vivemos rodeados de
Internet, tecnologia e acesso à informação; enquanto parte do país vive no século XXI,
outra parte vive ainda nos inícios do XX – se quisermos ser otimistas… portanto, como
nos alerta a obra em tela, não deve ser usado apenas um discurso educativo partindo do
princípio que a audiência é una culturalmente, mas sim, vários discursos que sejam
significativos para todos a quem se destinam. Esta obra, Currículo e Multiculturalismo aponta-
nos os nossos próprios caminhos a seguir, ao fomentar esta visão crítica.
Esquecer estes fatos, como tão bem nos lembra a obra Currículo e Multiculturalismo,
empobrece uma sociedade quando poderia ser facilmente ser utilizada para a enriquecer e
ao mesmo tempo evitar conflitos, que ela própria cria, ao tentar aculturar cegamente os que
encara como diferentes.
O próprio conceito de diferença é discutível. Só se é diferente de um modelo que é
escolhido por alguém, como o modelo de normalidade; de semelhança. Esta criação de
similitudes tem sido, na cultura e educação portuguesas, um esforço determinado das
políticas vigentes. Disto também, nos fala a obra Currículo e Multiculturalismo, explica-nos as
razões que se escondem por trás do currículo e das políticas que o apóiam e das
dificuldades em alterar este status quo.
A realidade social de diferentes pontos do país, por pequeno que seja, não é una.
Há realidades sociais diversas. Estas idiossincrasias, ao invés de serem exploradas para
valorizar as populações, estão a ser camufladas pela aculturação que a educação tem por
finalidade – por orientação política – e que a comunicação social também pretende
eliminar, ora denegrindo-as, ora por propositada omissão.
A obra Currículo e Multiculturalismo importa sobretudo aos educadores porque ajuda a
descerrar a cortina que oculta o currículo – retomando a expressão de Jurjo Santomé
(1995), abrindo caminho aos docentes e outros profissionais da educação a terem uma
leitura mais crítica da realidade educativa e das suas implicações sociais. Uma leitura crítica
relativamente à seleção do que se ensina; porquê se ensina e ter consciência das
conseqüências de tal atuação. Importantes ainda serão os capítulos da obra que encerram
em si alguns ventos de esperança, com exemplos de sucesso em escolas que saltaram a
barreira da hegemonia vigente.
Como educadora, em Portugal, poderei dizer que o livro Currículo e Multiculturalismo
ajuda a que se compreenda melhor a escola e os alunos que temos e a ter a consciência que
nós, professores, contribuímos para aquilo que eles poderão ser. Ajuda a compreender
claramente que ser professor encerra em si uma atitude política, em que – de forma
simplista – podemos enquadrar-nos em duas grandes vertentes: a que coopera com uma
visão hegemônica da sociedade, que ajuda a criar desigualdades e encara a sociedade com
uma perspectiva mono cultural; ou desenvolver um trabalho crítico – embora mais penoso
pelas dificuldades criadas pela máquina estatal – tendo em conta a multiculturalidade, a
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diferença e utilizando-o para enriquecimento cultural dos pares, minimizando, assim, as


diferenças de poder, criadas e reproduzidas, ainda, nas escolas.

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Ciências Sociais, Volume 47, n.º 3. Rio de Janeiro.

Acerca do organizador da obra João Paraskeva é Professor no Instituto de Educação e


Psicologia da Universidade do Minho, Professor visitante na Universidade de A Coruña,
Espanha; University of Aberdeen, Escócia, onde leccionou e lecciona as cadeiras de
graduação e pós-graduação, nomeadamente Teoria e Desenvolvimento Curricular, Prática
Pedagógica, Teoria Educacional – Abordagens Críticas e Pós-Estruturais, Ideologia,
Cultura e Currículo, Teoria Curricular Crítica. Fundador e co-editor da Revista Currículo
sem Fronteiras pertence ainda a Conselhos Editoriais de várias Revistas Científicas. É
Currículo e Multiculturalismo 15

membro fundador da Paulo Freire Special Interest Group da American Educational Research
Association. Tem artigos publicados em revistas científicas nacionais e estrangeiras e tem
traduzido para língua portuguesa inúmeros trabalhos de intelectuais radicais e críticos dos
Estados Unidos, Inglaterra e Espanha. De entre as suas publicações destacam-se As
Dinâmicas dos Conflitos Ideológicos e Culturais na Fundamentação do Currículo; Ventos de
Desescolarização: A Nova Ameaça à Escolarização Pública (em co-autoria com Jurjo Torres
Santomé e Michael Apple); Diálogos Educacionais e Curriculares à Esquerda (em co-autoria com
Álvaro Hypólito e Luís Gandin); Um Século de Estudos Curriculares; Reinventar a Pedagogia
Crítica (em co-autoria com César Rossatto e Ricky Lee Allen); Currículo e Multiculturalismo;
Currículo e Tecnologia Educativa – Volume 1 (em co-autoria com Lia Oliveira); Marxismo e
Educação – Volume 1 (em co-autoria com Wayne Ross e David Hursh); Ideologia, Cultura e
Currículo; Multiculturalismo, Currículo e Formação Docente – Volumes 1& 2 (em co-autoria com
Júlio Diniz-Pereira e Gloria Ladson-Billings).

A autora da recensão Maria da Graça Caridade Barbosa Pereira, licenciada em Ensino


de Inglês e Português pela Universidade do Minho, Braga, Portugal. Estágio integrado, nas
disciplinas de Inglês e Língua Portuguesa. Professora do quadro de nomeação definitiva da
Escola Básica Integrada Monsenhor Elísio Araújo, Agrupamento de Pico de Regalados,
Vila Verde. Leccionou as disciplinas de Inglês e Técnicas de Tradução de Inglês, no ensino
básico e secundário. Coordenadora, por três anos lectivos, do Departamento de Línguas e
Representante da disciplina de Inglês; membro há cinco anos do Conselho Pedagógico na
escola onde exerce. Actualmente exerce funções de assessora do Conselho Executivo,
responsável pela Biblioteca Escolar; Coordenadora de Escola para o Plano Nacional de
Leitura e Coordenadora do Plano Anual de Actividades de Agrupamento. Membro da
Comissão para Avaliação Interna do Agrupamento de Escolas de Pico de Regalados. No
ano lectivo 2006/2007, Mestranda em Educação – Tecnologia Educativa, na Universidade
do Minho, Braga.
****
Resenhas Educativas/ Education Review
publica resenhas de livros recém-lançados na
Educação, abrangendo o conhecimento e a prática em sua totalidade.
Todas as informações são avaliadas pelos editores:

Editor para Espanhol e Português
Gustavo E. Fischman
Arizona State University

Editor Geral (inglês)
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