Alemanha (Parte Um)
Alemanha (Parte Um)
Alemanha (Parte Um)
A ALEMANHA tem exercido profunda influência sobre a História. Seu povo goza da reputação
de ser trabalhador árduo e obediente à autoridade. Tais qualidades têm constituído grande
fator no crescimento econômico desta nação de modo que hoje a Alemanha Ocidental, com
sua população superior a sessenta milhões de habitantes, é um dos gigantes industriais do
mundo. Faz transações comerciais com todas as partes da terra. E, a fim de satisfazer as
necessidades de sua próspera economia, nos anos recentes tornou-se necessário trazer ao país
mais de três milhões de “trabalhadores hóspedes” da Grécia, Iugoslávia, Itália, Espanha,
Portugal, Turquia e outros países.
A influência da Alemanha também se fez sentir de outras formas. Durante a primeira guerra
mundial, de 1914 a 1918, os exércitos alemães avançaram para o leste, entrando na Rússia, e
para o oeste, entrando na França através da Bélgica. Antes de terminar o conflito, travavam
guerra contra uma aliança de 24 nações ao redor do globo. A Alemanha foi derrotada. Mas,
passou-se apenas curto tempo até que um veterano dessa guerra, Adolf Hitler, começou a
ascender ao poder. Em 1933, como chefe do Partido Nacional-Socialista, tornou-se o chanceler
da Alemanha. Rapidamente submeteu o povo alemão a um reinado de terror, e, em 1939,
lançou o mundo em outra guerra global, muito mais ampla e destrutiva do que a primeira.
O que faziam as igrejas enquanto tudo isso acontecia? Todo domingo, em harmonia com uma
concordata assinada entre o Vaticano e a Alemanha, em 1933, o clero católico orava pedindo a
bênção do Céu sobre o Reich alemão. Será que o clero protestante fez qualquer protesto? Pelo
contrário, em 1933, unicamente votaram dar irrestrito apoio ao Estado nazista. E, em 1941,
muito depois de a Segunda Guerra Mundial ter iniciado, a Igreja Evangélica Protestante em
Mainz, Alemanha, agradeceu a Deus por ter dado um Adolf Hitler ao povo.
É interessante que foi aqui na Alemanha que, em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero
pregou suas noventa e cinco teses na porta da igreja de Wittenberg, em protesto contra as
práticas que ele cria estarem em desarmonia com a Palavra de Deus. Mas, o protesto religioso
logo se entrelaçou com interesses políticos, e muito antes do século vinte, não só a Igreja
Católica, mas também as organizações protestantes, se identificaram claramente como parte
do mundo.
No entanto, ao se aproximar o tempo para que “o reino do mundo” fosse dado por Deus a um
rei celeste, o Senhor Jesus Cristo, havia uma obra a ser feita na Alemanha, bem como em
outras partes do mundo. (Rev. 11:15) Era uma obra que exigia pessoas de genuína fé na Bíblia
como a Palavra de Deus. Exigia que apreciassem que, para ser verdadeiros discípulos de Cristo,
tinham de ‘não fazer parte do mundo’. (João 17:16; 1 João 5:19) Por quê? Porque, ao invés de
apoiarem a qualquer governo dos homens, deviam proclamar o reino messiânico de Deus
como a única esperança para a humanidade. (Mat. 24:14; Dan. 7:13, 14) Quem iria aproveitar
esta oportunidade?
Na década de 1870, nos Estados Unidos, Charles Taze Russell começara a ajuntar um grupo de
estudantes da Bíblia vividamente interessado na segunda vinda de Cristo. Viam a necessidade
de partilhar com outros as coisas maravilhosas que aprendiam da Palavra de Deus. Ao
progredir a obra, e a distribuição de publicações bíblicas assumir maiores proporções, tornou-
se necessário formar a corporação legal hoje conhecida como Sociedade Torre de Vigia de
Bíblias e Tratados de Pensilvânia, e o irmão Russell foi seu primeiro presidente.
Reconhecendo a importância de disseminar as boas novas até às partes mais distantes da
terra, a Sociedade Torre de Vigia (EUA) fez arranjos, em 1891, para que o irmão Russell viajasse
ao exterior a fim de determinar as possibilidades de expansão da obra. (Atos 1:8) Nessa
viagem, o irmão Russell visitou Berlim e Leipzig. Mas, relatou ele mais tarde: “Não vemos . . .
nada que nos encoraje a esperar qualquer colheita na Itália ou na Áustria, ou na Alemanha.”
Todavia depois de sua volta, foram feitos arranjos para se publicar vários livros e folhetos em
alemão. Pessoas que emigraram da Alemanha para os Estados Unidos e que leram as
publicações da Sociedade, enviaram-nas a seus parentes e amigos na Alemanha, encorajando-
os a usá-las no seu estudo da Bíblia.
Foi depois de vários anos, em 1897, que foi publicado em Allegheny, Pensilvânia, o primeiro
número de A Torre de Vigia em alemão, intitulado Zions Wacht-Turm und Verkündiger der
Gegenwart Christi. Charles T. Russell era o editor chefe; seu editor assistente era Otto A. Kötitz.
Nessa época, os primeiros três volumes de Aurora do Milênio, em alemão já haviam sido
publicados nos Estados Unidos.
VAGAROSO INÍCIO
Apesar dos crescentes esforços, em 1898, a situação era tal que a Sociedade achou apropriado
publicar a seguinte declaração: “Embora reconheçamos o interesse e zelo de nossos prezados
leitores, temos de informar a eles que os pedidos de exemplares de A Torre de Vigia no ano
passado foram inferiores aos esperados, fazendo com que perguntemos: Devíamos parar de
imprimir A Torre de Vigia por completo, ou talvez imprimindo-a apenas uma vez a cada dois ou
três meses?” Por certo tempo, foi impressa apenas a cada três meses, embora com o dobro de
páginas.
Embora não se obtivessem resultados especialmente notáveis, os esforços feitos não foram
definitivamente em vão. A bem da eficiência, abriu-se um escritório em Elberfeld (Wuppertal)
em 1902, estando encarregado dele o irmão Henninges. Em outubro de 1903, o irmão Russell
enviou o irmão Kötitz para a Alemanha, para assumir a supervisão e o irmão Henninges foi
enviado à Austrália, numa designação especial. O irmão Kötitz emigrara com seus pais da
Alemanha para os Estados Unidos e iniciara o serviço de Jeová ali na primavera setentrional de
1892. Exceto por ligeira interrupção, servira como editor-assistente da Torre de Vigia em
alemão até que o irmão Russell o enviou para a Alemanha. Todavia — vistos do escritório
principal — os resultados para 1903 ainda foram insatisfatórios. O relatório anual, que abrange
este período, reza: “A Filial alemã foi aberta sob condições razoavelmente prósperas, todavia,
não o que esperávamos. A unidade do ‘corpo’ e da obra de ‘colheita’ não parece ser
suficientemente apreciada pelos irmãos alemães. . . . Propõe-se, contudo, que continue a
missão em 1904, concedendo-se ao campo uma justa oportunidade e voltando-se para o
Senhor em busca de orientação quanto a se existem ou não campos mais favoráveis para se
usar o tempo e o dinheiro consagrados.”
Estes foram anos difíceis para a pregação das boas novas na Alemanha. Inimigos religiosos e
políticos já haviam surgido em cena. O nacionalismo florescera com a fundação do Reich do
Kaiser alemão, em 1871, e era promovido, não só pelos políticos, mas também pelos líderes
religiosos. “Queremos um cristianismo alemão, e não estadunidense”, e outros lemas
semelhantes, podiam ser ouvidos nas igrejas. As plantas tenras da verdade, que só haviam
começado a crescer estavam como que sujeitas a uma súbita geada primaveril. Felizmente,
contudo, as primeiras evidências de que os esforços não haviam sido vãos começaram a
brotar.
AS PRIMEIRAS CONGREGAÇÕES
Em 1902, uma irmã cristã mudou-se para Tailfingen, situada a leste da Floresta Negra.
Aprendera a verdade na Suíça e agora se empenhava em transmiti-la aos moradores de
Tailfingen. Seu nome era Margarethe Demut, mas, em reconhecimento de que sempre falava
sobre nova “idade de ouro”, os residentes locais a apelidaram de “Gretel Dourada”. A
atividade dela fez com que entrasse em contato com um senhor que, junto com a irmã dele e
dois conhecidos, procurava a verdade. Já haviam tentado encontrá-la na Igreja Metodista.
Depois de lerem um tratado que ela deixara em sua casa, logo escreveram, solicitando os
volumes disponíveis da Aurora do Milênio. Eram conhecidos da inteira comunidade como
homens devotos, gozando de alto conceito graças à sua conduta correta. Uma das primeiras
congregações da Alemanha foi formada ali, e se tornou conhecida entre os residentes da
comunidade como a “Congregação Milenária”.
Estes irmãos cristãos foram zelosamente apoiados por outra irmã ainda, Rosa Möll. Visto que
ela falava tão livremente a todos na comunidade sobre o “Milênio”, logo foi apelidada de
“Rosinha Milenária”. Esta irmã, agora com 89 anos, tem servido a Jeová por mais de sessenta
anos, inclusive os oito anos que passou no campo de concentração de Hitler em Ravensbrück.
Embora fosse algo custoso, os irmãos decidiram tentar inserir amostras de oito páginas da
Torre de Vigia de Sião nos jornais. Quão imensamente abençoado foi este empreendimento é
indicado por algumas das cartas recebidas. Eis aqui um exemplo:
“Li inteiramente a amostra de sua Torre de Vigia, que veio hoje como encarte do Tilsiter
Zeitung. Meu interesse . . . foi suscitado e gostaria de obter mais explicações, através de suas
publicações, sobre os assuntos da morte e inferno. Queiram enviar-me o livro mencionado em
seu folheto . . . P. J., Prússia Oriental.”
Eis o que o número de abril de 1905 de A Torre de Vigia tinha a dizer sobre isto:
À medida que a semente, a palavra sobre o reino de Deus, continuava a ser espalhada por
todo meio possível, cada vez mais resultados começaram a ser vistos. Alguns, como o irmão
Lauper, começaram a trabalhar quais colportores, de modo a cobrir muito território em pouco
tempo.
Foi em 1905, ao trabalhar perto de Berlim, distribuindo exemplares de A Torre de Vigia que o
irmão Lauper deixou seu último número na casa dum cavalheiro batista idoso chamado Kujath.
Seu filho Gustav retornara, fazia pouco, dum congresso batista, bem transtornado devido a um
aviso enfático dado ali contra um pregador batista chamado Kradolfer, que de súbito começara
a ensinar que a alma é mortal. Observando isto, Gustav começou a investigar a Bíblia,
convidando seu pai e seus amigos para procurarem a verdade sobre o assunto, junto com ele.
Em agosto de 1905, Gustav Kujath visitou o pai, que morava a cerca de uma hora de distância,
e seu pai lhe trouxe à atenção esse único exemplar de A Torre de Vigia que o irmão Lauper
deixara. Era exatamente isto o que ambos procuravam. Tratava-se de “alimento no tempo
apropriado”. — Mat. 24:45.
Kujath de imediato fez a assinatura múltipla de A Torre de Vigia e começou a emprestar cinco
conjuntos delas a outros. Depois de certo tempo, seus filhos apanhavam de novo os
exemplares avulsos, e ele os dava então a outros interessados. Assim, muitos entraram em
contato com a mensagem. Naturalmente caiu no desfavor dos batistas, e foi desassociado por
eles na Véspera do Ano Novo de 1905, com as palavras: “Você está seguindo o caminho do
Diabo.” Mais tarde, mais de dez de seus parentes abandonaram a Igreja Batista.
O jovem Kujath também entendera que os cristãos não devem deixar de reunir-se. Por esse
motivo, escreveu à filial da Sociedade Torre de Vigia em Elberfeld, solicitando endereços de
outros com quem pudesse reunir-se e estudar. O irmão Kötitz só conseguiu fornecer-lhe o
endereço de Bernhard Buchholz, de 19 anos, em Berlim, com quem Kujath entrou
imediatamente em contato. Nessa época, Buchholz pertencia a um grupo chamado
“Congregação do Salvador”. Acabara de queimar os volumes da Aurora do Milênio, nutrindo a
opinião de que ele, órfão e desempregado por causa de pequena transgressão não poderia ser
a única pessoa digna em Berlim em cujas mãos a verdade devesse cair. Mas, Kujath o
encorajou a estudar os livros junto com ele, e até o incentivou a se tornar colportor. Pouco
tempo depois, Kujath o levou para sua casa.
A fim de poder financiar a difusão das boas novas em tal território, Kujath abandonou planos
de construir nova casa. Vendeu sua propriedade onde seria construída a casa e usou os
recursos assim disponíveis para transformar dois cômodos da casa de seu pai num salão onde
pudessem realizar-se as reuniões. Em 1908, foi possível formar pequeno grupo de vinte a
trinta pessoas.
Por volta dessa mesma época, um barão chamado von Tornow, que possuía grandes
propriedades na Rússia, começou a procurar a verdade. Desgostoso com o modo licencioso de
vida entre a nobreza russa, decidiu ir para a África através da Suíça, e servir ali como
missionário. Na noite de sua partida, fez uma visita final a uma pequena capela montanhesca
na Suíça. Ao partir, alguém lhe ofereceu um dos tratados da Sociedade Torre de Vigia. Agora,
ao invés de partir para a África, empenhou-se no dia seguinte em obter mais destas
publicações. Isto se deu por volta de 1907.
Convicto então de ter encontrado a verdade, retornou à Rússia, vendeu todas as suas
propriedades, e estabeleceu-se em Dresden. Desejoso de viver uma vida modesta, preparou-se
a devotar toda sua riqueza ao serviço de Jeová.
Em 1913, o irmão Tornow conseguiu que a filial em Barmen fizesse arranjos para excursões de
discursos, que ele financiou pessoalmente, na maior parte. O irmão Hildebrandt, padeiro de
Golnow, Pommern, vendeu sua casa e também ajudou a cobrir as despesas. Formou-se um
grupo viajante, composto de cinco irmãos e quatro irmãs jovens, e este foi apropriadamente
dividido em dois grupos menores.
Dias depois, os irmãos Buchholz, Tornow e Nagel chegavam. O irmão Buchholz proferia os
discursos. Os salões usualmente ficavam lotados, e eram tantas as pessoas que entregavam
seus endereços que três irmãos se mantinham ocupadíssimos no dia seguinte, visitando a
todos.
A segunda viagem levou nossa equipe de discursos através de Wittenberg e Halle e até
Hamburgo. A terceira viagem os levou até bem na fronteira russa, permitindo assim que fosse
dado bom testemunho nestas áreas orientais, antes de se iniciar a Primeira Guerra Mundial.
Em 1908, as coisas começaram a movimentar-se em Siegerland. Otto Hugo Lay agora com 90
anos, entrou em contato com a verdade lá pelos idos de 1905 por meio de um colega de
profissão. Dois anos depois, ele, junto com ambos os seus filhos, afastou-se da igreja e
recusou-se a pagar as taxas da igreja, que mesmo assim foram deduzidas. A autoridade
confiscante desejava colar seu selo atrás de um armário onde não seria notado, mas o irmão
Lay protestou, afirmando que todos podiam e deviam vê-lo; queria contar a todos que o
vissem a verdade sobre o assunto. Em 1908, foi batizado numa banheira em Weidenau e
começou a associar-se com a congregação em Siegen.
Por curto tempo durante a Primeira Guerra Mundial, o irmão Herkendell teve o privilégio de
assumir as responsabilidades do Escritório de Barmen. Daí, depois da guerra mais uma vez
serviu como peregrino viajante, morrendo no ano de 1926 numa viagem de peregrino.
Quando foi compilado o relatório anual de 1908, foi encorajador ver que, pela primeira vez, a
maioria dos tratados haviam sido distribuídos pelos próprios leitores da Torre de Vigia e
apenas comparativamente poucos deles por meio dos jornais. Foi, contudo, em resultado
desse método mencionado por último que um rapaz de 18 anos veio a entrar em contato com
a verdade em Hamburgo. Depois de completar seu curso escolar, começou a ler diariamente a
Bíblia, com o desejo sincero de entendê-la. Passaram-se vários anos e, em 1908, veio-lhe às
mãos um tratado intitulado “Venda da Primogenitura”. Isto interessou muitíssimo ao rapaz.
Não prestando atenção à zombaria de seus colegas de trabalho, escreveu de imediato à
Sociedade em Barmen, pedindo os seis volumes dos Estudos das Escrituras. Pouco depois, teve
a oportunidade de encontrar o irmão Kötitz, que o convidou a ir até Barmen quando pudesse.
O rapaz aceitou o convite comentando que a ocasião de tal visita seria também o dia de seu
batismo. Isto ocorreu, então, no início de 1909. O superintendente da filial levou seu jovem
amigo, agora nosso irmão, à estação ferroviária e lhe perguntou, antes que ele tomasse o
trem, se gostaria de ser pioneiro. Nosso jovem irmão disse que a Sociedade logo receberia
notícias dele quando tivesse progredido até esse ponto.
Este jovem irmão se chamava Heinrich Dwenger. Logo organizou seus assuntos de modo a
começar a ser pioneiro em 1.º de outubro de 1910. Nas décadas seguintes, teve o privilégio de
servir em quase todo departamento de quase todo lar de Betel da Sociedade Torre de Vigia na
Europa. Periodicamente, apreciava viajar para a Sociedade e amiúde substituía os
superintendentes de filial durante os tempos provadores. Muitos vieram a amá-lo e a
reconhecê-lo como trabalhador prestimoso. Na atualidade, tem 86 anos e se regozija em gozar
boa saúde, tanto espiritual como física, depois de um serviço ininterrupto de tempo integral de
mais de sessenta anos.
Em 1909, fez-se outra melhora da organização quando o escritório foi transferido para
dependências maiores em Barmen. Isto, naturalmente, significava maiores despesas. Sem
hesitação, o irmão Cunow vendeu sua propriedade e usou o dinheiro em mobiliar o lar de
Betel. Muita coisa foi feita também em 1909 na edificação espiritual. Em fevereiro, os irmãos
na Saxônia fizeram arranjos para que o irmão Kötitz proferisse vários discursos públicos. Por
seis vezes, ele pôde testemunhar a uma assistência de pelo menos 250 a 300 pessoas.
Mas, o coroamento de tudo em 1909 foi, sem dúvida a visita há muito esperada do irmão
Russell à Alemanha. Depois de breve parada em Hamburgo, chegou a Berlim e foi recebido por
um grupo de irmãos. Imediatamente se dirigiram ao salão de assembléia, lindamente
decorado, onde de cinqüenta a sessenta irmãos pacientemente aguardavam a chegada do
irmão Russell. O irmão Russell falou sobre a restauração do que Adão perdera, em especial
apontando o privilégio que receberiam os que nutriam a perspectiva de se tornarem membros
do corpo de Cristo. Depois de lancharem juntos, foram para o Salão Hohenzollern, onde seria
proferido o discurso público. Estava superlotado! Uma multidão de 500 pessoas ouviu o
discurso “Onde Estão os Mortos?” Cerca de cem pessoas tiveram de ficar em pé. Outras 400
pessoas tiveram de ser mandadas embora devido à falta de espaço, mas receberam tratados
fora do salão. Mais tarde em Dresden, pelo menos de 900 a 1.000 pessoas ouviram o discurso
público de duas horas do irmão Russell. A viagem prosseguiu até Barmen, onde
aproximadamente mil pessoas ouviram seu discurso. Na tarde seguinte, 120 irmãos se
reuniram na Casa da Bíblia, e, essa noite, cerca de 300 se reuniram para ouvir o irmão Russell
responder perguntas bíblicas. Isto concluiu a visita do irmão Russell à Alemanha, e, pouco
depois das 23 horas daquela noite, tomou o trem para a Suíça, onde seria realizada uma
assembléia de dois dias em Zurique.
Durante o ano, os irmãos na Alemanha foram incentivados a usar seus recursos para tentar
manter a obra do Reino na Alemanha sem ajuda externa. Mas, no fim do ano, os custos de
impressão, de selos, de fretes, de taxas para encartes, de despesas de discursos públicos e
viagens, aluguel, luz, aquecimento, e outras despesas, atingiram um total de 41.490,60
marcos, ao passo que as contribuições atingiram apenas 9.841,89 marcos, deixando um déficit
de 31.648,71 marcos, coberto com dinheiro emprestado da sede de Brooklyn. Isto moveu o
irmão Russell a dizer o seguinte em seu relatório anual: “Que grandes somas a Sociedade já
tem gasto na Alemanha para tornar conhecida a verdade! . . . Os esforços feitos na Alemanha
são comparativamente maiores do que em qualquer outro país. Devíamos esperar resultados
correspondentes — a menos que aconteça que a maioria dos alemães consagrados já tenha
emigrado para os Estados Unidos.”
O irmão Russell fez uma breve parada de cerca de dez horas em Berlim, em sua viagem
mundial de 1910, e falou a duzentas pessoas que esperavam a sua chegada.
Por volta desse tempo, Emil Zellmann, condutor de bonde de Berlim, começou a atrair
considerável atenção. Aproveitava cada oportunidade para ler a Bíblia ou testemunhar a seus
passageiros, às vezes até mesmo entre as paradas de bonde; certa vez, enquanto estava
ocupado em ler, contribuiu para divertir os passageiros por gritar, não o nome da seguinte
parada do bonde, mas, ao invés: “Salmo 91”, que ele acabara de ler. Pouco depois, mais de dez
colegas condutores de bonde e suas famílias já assistiam às reuniões. Este grupo pequeno,
porém muito ativo, muito contribuiu para disseminar as boas novas em Berlim. Embora tais
irmãos começassem a trabalhar às 5 da manhã, seu zelo exemplar amiúde os movia a ir à
terminal dos bondes para colocar tratados nos bancos dos bondes que entrariam em serviço.
O ano de 1911 foi assinalado por discursos proferidos pelo irmão Russell sobre o assunto “O
Sionismo e a Profecia”, que provocaram respostas iradas de assistências em alguns casos. Por
exemplo, em Berlim, houve um distúrbio, e cerca de 100 pessoas deixaram o salão no início do
discurso, ao passo que aproximadamente 1.400 permaneceram e seguiram com atenção o
discurso do irmão Russell até sua conclusão.
O ano seguinte, 1913, foi marcado por sincero desejo de devotar, se possível, ainda mais
energia, tempo e dinheiro no sentido de familiarizar a ainda mais pessoas com as boas novas
do Reino. Foram feitos arranjos para se publicar os sermões do irmão Russell na revista
semanal chamada “Der Volksbote”, destarte alcançando outras pessoas com a mensagem.
Foram lançadas publicações em braille, para benefício dos cegos. A Sociedade até mesmo
expressou sua disposição de fornecer gratuitamente aos irmãos publicações para distribuição.
O programa atarefado do irmão Russell não lhe permitiu visitar a Alemanha em 1913, mas os
irmãos ficaram muito contentes quando ele enviou o irmão Rutherford, naquele tempo o
consultor jurídico da Sociedade. Seus discursos tiveram boa assistência e os salões ficaram
superlotados em toda a parte. Repetidas vezes foi necessário mandar as pessoas embora. Em
Dresden, para exemplificar, o salão comportava cerca de 2.000 pessoas sentadas, ao passo que
de 7.000 a 8.000 tiveram que ir embora por falta de espaço. Em seu discurso em Berlim, a que
assistiram 3.000 pessoas, houve um distúrbio, quando bagunceiros fizeram tanto barulho que
foi difícil o irmão Kötitz, que traduzia o discurso do irmão Rutherford, fazer-se ouvido. Deve-se
lembrar que, nesta ocasião, não havia sistemas de alto-falantes, de modo que manter o
controle da situação sob tais dificuldades exigia poderosa voz. O irmão Kötitz, embora fizesse
tremendo esforço, não pôde enfrentar a situação, e foi completamente silenciado quando
dilacerou seu pulmão ao tentar fazer isso. Imediatamente um irmão pulou em cima duma
mesa e bradou com forte voz: “O que irão os americanos pensar de nós, alemães?”, o que
pareceu acalmar os bagunceiros. O irmão Kötitz terminou o discurso, mas os irmãos que o
conheciam relatam que jamais conseguiu recuperar-se completamente desse estafante
esforço.
De especial alento, no fim do ano, foi o fato de que as despesas da obra puderam ser cobertas
pelas contribuições voluntárias, havendo até pequeno saldo. Assim, os irmãos na Alemanha
chegaram ao fim dum ano repleto de bênçãos copiosas, convictos de que outro ano de zelosa
atividade estava adiante, ano que muitos consideravam o ‘último ano da colheita’.
Então chegou o ano de 1914, ano histórico que muitos leitores de A Torre de Vigia aguardavam
por várias décadas. A primeira metade do ano passou tão quietamente como o ano anterior. É
verdade que existia uma atmosfera tensa na Europa, mas, visto que não irrompeu em
violência, os opositores do Reino começaram a tecer comentários negativos, não sendo poucos
os que foram precipitados demais em anunciar com vanglória a derrota dos “Auroristas do
Milênio”. Mas, isto não conseguiu abalar a fé daqueles que participavam na obra de
testemunho por muitos anos.
Agora, com seus próprios olhos, podiam olhar para trás e ver como se comprovara o
testemunho que deram. Exemplo disso é o irmão Dathe, que foi batizado com sua esposa em
1912 e que, anos depois, escreveu o seguinte a seu bom amigo e irmão Fritz Dassler:
“Durante as últimas duas horas que passei ao lado de minha querida esposa enferma, em 23
de junho de 1954, duas horas e meia antes de ela adormecer na morte, lembramo-nos do dia
há muito já passado de 28 de junho de 1914, que sempre foi tão importante para nós. Era um
domingo. Fazia um dia lindo de verão. Nessa tarde, tomamos uma xícara de café na varanda e
maravilhamo-nos com o céu bem azul. O ar era límpido e seco. Não se podia ver uma nuvem
sequer. Mencionei o jornal. Parecia não haver nenhuma tensão em parte alguma da terra; em
toda a parte havia paz serena. Todavia aguardávamos sinais visíveis do início da regência de
Cristo nesse ano. Os jornais já se sentiam triunfantes e publicavam um artigo difamador após
outro contra os adoradores verdadeiros que haviam profetizado o fim do mundo em 1914. Na
segunda-feira, 29 de junho de 1914, contudo, abrimos nosso jornal bem cedo de manhã e
lemos as manchetes: ‘Assassinado em Sarajevo o Herdeiro Austríaco ao Trono.’ Da noite para o
dia, os céus políticos ficaram negros. Quatro semanas depois, irrompeu a Primeira Guerra
Mundial. Agora, aos olhos de nossos oponentes, éramos de súbito os maiores dos profetas.”
Quando chegou o restante do filme na Alemanha, três semanas antes de irromper a guerra, a
Sociedade fez arranjos imediatos para exibir o filme no auditório municipal em Elberfeld.
Considerando-se o interesse público no Drama, o salão era pequeno demais e o filme teve de
ser exibido duas vezes. O grande lançamento foi em Berlim, contudo, onde foi exibido duas
vezes por dia a auditórios superlotados. A série (exibida em quatro partes, em quatro dias
consecutivos) teve de ser exibida cinco vezes, de 1.º a 23 de novembro de 1914.
Mas, a guerra trouxe problemas, o primeiro dos quais foi quando se interrompeu
temporariamente o contato com os Estados Unidos.
O povo de Deus na Alemanha entrava então num período de grande tensão, assinalado por
problemas relativos à supervisão da obra. Perto do fim de 1914, cerca de onze anos depois de
o irmão Russell ter autorizado o irmão Kötitz a vir para a Alemanha para assumir a supervisão
da obra aqui, ele foi de súbito atacado por vários lados e acusado de cometer impropriedades.
Isto levou à inquietação entre os irmãos e fez com que o irmão Russell o retirasse de sua
posição de serviço.
A necessidade de peregrinos adicionais na Alemanha fizera com que o irmão Russell enviasse
um irmão dos Estados Unidos chamado Conrad Binkele, antigo pregador metodista que se
familiarizara com a Torre de Vigia fazia apenas cerca de um ano, a fim de servir nesta posição,
embora o irmão Russell só tivesse feito isso com hesitação. O irmão Binkele chegou à
Alemanha exatamente quando os problemas entre os servos começaram a assumir graves
proporções, e, em 1915, foi-lhe confiada a supervisão da obra na Alemanha.
No entanto, o irmão e a irmã Binkele logo voltaram para os Estados Unidos. Suas palavras de
despedida foram mostradas com destaque em negrito na última página da Torre de Vigia de
outubro, com o comentário de que ‘as condições esgotaram completamente seus recursos’.
Tais “condições” eram provavelmente as dificuldades que continuaram a crescer durante
1915. Em outubro, o irmão Russell sentiu-se compelido a dar atenção especial ao problema e a
tomar as medidas necessárias para enfrentá-lo. Uma carta intitulada “Carta Pessoal do Irmão
Russell aos Estudantes da Bíblia Alemães” rezava como se segue:
“Prezados Irmãos:
“Penso com freqüência nos irmãos, nas minhas orações, e meu ardente desejo é que o Senhor
os abençoe. Condoemo-nos dos irmãos nas tribulações da guerra, que os atingem quer direta
quer indiretamente. Também desejamos expressar nossa condolência no que tange às
tribulações sofridas nos interesses da verdade na Alemanha. Não nos compete julgar uns aos
outros ou punir por declarar o julgamento final. Se os irmãos errantes se arrependerem, temos
de nos contentar em deixar o julgamento e a punição finais entregues ao Senhor, que disse: ‘O
Senhor julgará seu povo.’ Heb. 10:30.
“Todavia, nos interesses da verdade, da justiça e da conduta correta, e a bem da influência
exercida pelos representantes da Sociedade, parece ser necessário designar novos
representantes da Sociedade na Alemanha. A guerra tem causado certas inconveniências, o
serviço postal e telegráfico é irregular, e é compreensível que certos mal-entendidos a respeito
da liderança em Barmen tenham surgido por certo tempo. Cremos que nosso querido irmão
Binkele fez o melhor que pôde e cuidou corretamente dos assuntos, segundo as circunstâncias.
Mas, como sabem, o irmão Binkele voltou para os Estados Unidos.
“Desejamos informar aos irmãos alemães que, de agora em diante, todos os assuntos da
Sociedade serão regulados por uma comissão de três irmãos: Ernst Haendeler, Fritz
Christmann e Reinhard Blochmann. . . .
“Prezados irmãos, recomendo-lhes que cooperem e apóiem em todo sentido a nova liderança
em Barmen. O Corpo de Cristo é um só, não permitam que haja divisões no corpo, assim como
o Apóstolo nos admoesta.”
Mas, este arranjo tampouco deu certo conforme planejado, pois o irmão Blochmann se vira
forçado a deixar Barmen e o irmão Haendeler morrera antes de a carta do irmão Russell ter
sequer chegado na Alemanha. Visto que a tensão não amainou durante os meses seguintes,
em fevereiro de 1916 o irmão Russell designou uma “comissão supervisora” composta de
cinco irmãos, H. Herkendell, O. A. Kötitz, F. Christmann, C. Stohlmann e E. Hoeckle.
Este arranjo duma “comissão supervisora” não durou muito, porém. Apenas alguns meses
depois de a comissão ter sido mais uma vez reagrupada, o irmão Binkele, que no ínterim havia
retornado à Europa e fixado residência em Zurique, Suíça, foi designado para servir como o
representante legal da Sociedade para a Alemanha, Suíça e os Países-Baixos, ao passo que o
irmão Herkendell foi designado responsável pelo trabalho editorial.
O irmão Kötitz, substituído em 1914 pelo irmão Binkele, exibia o Fotodrama desde essa data.
Permaneceu, contudo, sendo o alvo de ataque de irmãos, que visavam satisfazer seus próprios
desejos egoístas, ao invés de contribuir para a paz interna da organização. Elisabeth Lang, que
durante anos havia trabalhado com o irmão Kötitz, certa vez encontrou-o sentado tristonho
num banco de parque, perto do salão onde se exibia o Fotodrama. Disse a ela que mais uma
vez recebera uma carta de acusação que visava claramente privá-lo de seu último privilégio de
serviço que restava. Relembrou como tivera o privilégio de trabalhar ao lado do irmão Russell
por cerca de dez anos antes de ser-lhe designada a responsabilidade da obra na Alemanha.
Amiúde se submetia então a um escrutínio de si mesmo, quanto a se ele fora digno de tal
confiança. Confortava-se, contudo, com a idéia: “Se, devido aos meus 24 anos de atividade, já
ajudei a apenas uma única pessoa a se provar digna de pertencer aos 144.000, então tive o
privilégio de ter feito 1/144.000.ª parte do trabalho.”
É compreensível que estes contínuos ataques tenham abalado sua saúde, que já estava
gravemente debilitada pelo pulmão dilacerado que sofrera em Berlim. Assim aconteceu que,
em 24 de setembro de 1916, com 43 anos, ele morreu. O anúncio da Sociedade em A Torre de
Vigia fez menção de sua “fidelidade” e disse que “seu zelo, sua perseverança, sua constância,
sua forte fé e vontade, sua dedicação e fiel desempenho das obrigações, são reconhecidos e
apreciados por todos os queridos irmãos”.
Pouco tempo depois, os irmãos alemães receberam notícias de que, em 31 de outubro, cerca
de cinco semanas depois de o irmão Kötitz ter morrido, o irmão Russell também terminara sua
carreira terrestre. Alguns ficaram tão deprimidos com isso que descontinuaram seu proceder e
se afastaram. Mas, a maioria acatou as notícias da morte do irmão Russell como
encorajamento para devotarem suas energias e seu tempo ainda mais intensamente a
continuarem a obra que haviam iniciado.
NEUTRALIDADE
Devido à incerteza que prevalecia entre eles, nem todos os irmãos seguiram o proceder de
estrita neutralidade cristã para com os assuntos das nações. Considerável número de irmãos
fizeram o serviço militar e lutaram na frente. Outros se recusaram a fazer o serviço militar
como combatentes, mas dispunham-se a servir nos corpos médicos do exército. Alguns,
contudo, tomando firme posição, recusaram participar de qualquer modo, e foram
sentenciados à prisão. Em resultado da posição que tomou, Hans Hölterhoff foi submetido a
cruel decepção quando foi levado a um local sob o pretexto de que iria enfrentar um pelotão
de fuzilamento. Por fim, foi sentenciado a dois anos de prisão pelo tribunal militar.
Em vista da incerteza que reinava entre o povo de Deus sobre tão importante assunto como a
neutralidade cristã, podemos certamente agradecer a Jeová por ele ter continuado a lidar com
misericórdia com eles.
O Fotodrama da Criação contribuiu imensamente para a expansão nestes anos. Era então
exibido em cidades menores tais como Kiel, onde uma senhora riquíssima, que logo se tornou
nossa irmã, ficou tão impressionada que imediatamente doou a ampla soma de 2.000 marcos
para a congregação, então com 45 ou 50 pessoas, a fim de poderem conseguir um salão
melhor.
Foi o livro O Plano Divino das Épocas que fez com que Christian Könninger prestasse atenção.
Uma crise familiar o moveu a pedir a bem-conhecido Estudante da Bíblia chamado Ettel que o
visitasse, e iníciou-se um estudo, a que sua esposa mais tarde assistia. Seu seguinte passo foi
pedir os endereços de outros interessados e leitores da Torre de Vigia nas cidades vizinhas.
Juntos, convidavam seus vizinhos, amigos e conhecidos aos discursos proferidos na casa do
irmão Ettel. O irmão Könninger e os outros irmãos tiravam proveito de cada oportunidade para
convidar oradores a Eschweiler e Mannheim, mais tarde também para Ludwigshafen onde
seus discursos eram anunciados oralmente, bem como pelo jornal, em tapumes para cartazes
e por cartazes colocados nas vitrinas das lojas.
Em 1917, o irmão Ventzke, de Berlim, esforçava-se em disseminar a verdade além dos limites
desta cidade. Tomava uma mochila cheia de livros e andava até Brandenburgo, a cerca de
cinqüenta quilômetros a oeste de Berlim, voltando após vários dias, mas apenas depois de ter
colocado todas essas publicações. Ao mesmo tempo, peregrinos visitavam a cidade de Danzig,
e lançavam o alicerce para uma congregação ali, na casa do irmão Ruhnau.
Os irmãos nutriam várias expectativas no tocante ao ano de 1918. Alguns estavam certos de
que assinalaria o fim de sua carreira terrestre e expressavam repetidas vezes essa esperança a
seus amigos e conhecidos. A irmã Schünke, em Barmen, por exemplo, explicara a suas colegas
de trabalho que, caso deixasse de se apresentar para o trabalho algum dia, seria porque fora
“levada para casa”. Quando suas expectativas não se cumpriram, contudo, alguns se
afastaram, desapontados, assim como alguns haviam feito em 1914. Outros se perguntavam o
que iria acontecer agora.
Ainda havia trabalho a ser feito. A maioria dos irmãos ficaram contentes com isso, visto que o
desejo de seu coração era render serviço sagrado a Jeová. Estes continuaram a trabalhar.
Verificaram que, nos tempos críticos que então sobrevieram à Alemanha, havia mais ouvidos
dispostos do que antes. Isto é confirmado pela experiência de Fritz Winkler (de Berlim).
Em 1919, estava empregado em Halle (Saale) e viajava de trem todo sábado para ver seus pais
em Gera. Certo sábado, um senhor e sua filha tomaram o trem numa estação, ele com uma
mochila cheia e sua filha com uma sacola que também estava cheia de algo. O trem mal
acabara de partir quando o senhor, um irmão de Zeitz, abriu sua mochila cheia até a boca com
o livro O Plano Divino das Épocas, e proferiu um discurso para os viajantes, usando a “Carta
das Épocas”, localizada na primeira página do livro. Em conclusão, ofereceu a todos eles o
primeiro volume de Estudos das Escrituras. Quando deixou o trem, algumas paradas depois,
sua mochila estava vazia e a da sua filha se esvaziara quase que pela metade. Esta experiência
moveu Fritz Winkler a comparecer a um discurso público, por meio do qual veio a conhecer a
verdade.
OBRA DE PENEIRAMENTO
Mas, nem todos concordavam com a maneira em que as boas novas eram publicadas. Em
especial, entre alguns dos ‘anciãos’ democraticamente eleitos pelas congregações, havia
aqueles que faziam mais para impedir a obra do que para promovê-la. Tornou-se necessário
avisar aos irmãos que não discutissem com eles. Era melhor deixar que seguissem seu próprio
caminho e usar no ministério do Reino o tempo que seria de outra forma perdido em debates
inúteis. A Torre de Vigia não deixava dúvidas de que viria tal peneiramento, razão pela qual os
cristãos foram admoestados a observar aqueles que causavam divisões e controvérsias e a
desviar-se deles. Isto exigiu certas mudanças nos países vizinhos durante 1919, e estas
influíram sobre os irmãos e a obra na Alemanha. No decorrer do ano, por exemplo, o irmão
Lauper começou a trabalhar segundo seu próprio conceito dos assuntos. Por conseguinte,
pediu-se-lhe que devolvesse o estoque de livros e de revistas que pertenciam à Sociedade
Torre de Vigia, mas que ele supervisionara por vários anos.
Perto do fim de 1919, os irmãos foram informados dum problema ainda maior. O irmão
Russell, alguns anos antes designara A. Freytag a cuidar da obra franco-belga no escritório da
Sociedade em Genebra. Sua autorização incluía a publicação da tradução em francês da Torre
de Vigia em inglês, bem como dos Estudos das Escrituras. Ele usou mal esta autorização,
contudo, e começou a editar suas próprias publicações, destarte causando considerável
confusão entre os irmãos. Freytag foi removido de sua posição e o escritório da Sociedade foi
dissolvido, sendo aberto novo escritório em Berna sob a direção do irmão E. Zaugg e sob a
supervisão geral do irmão Binkele.
A partir de janeiro de 1919, A Torre de Vigia de novo começou a ser publicada num número de
dezesseis páginas e com frontispício, (omitido durante os anos de guerra para poupar
despesas). A obra de peregrino foi fortalecida, quatro irmãos visitando com regularidade as
congregações. Ao mesmo tempo, trabalhavam febrilmente na tradução do sétimo volume de
Estudos das Escrituras, do livro O Mistério Consumado. Adicionalmente, um tratado de quatro
páginas, intitulado “A Queda de Babilônia”, foi preparado, sendo epítome do livro.
O irmão Richard Blümel, de Leipzig, batizado em 1918, não pensara bem no fato de que,
embora batizado, ainda era membro formal duma igreja da cristandade. Nutria a opinião de
que “se não a freqüento, não pertenço mais à igreja”. Mas, ao ler o tratado, e compreender
que devia convidar outros a sair de Babilônia, sabia que só poderia participar neste trabalho
depois de ter ele mesmo deixado a igreja. Bem cedo pela manhã, em 21 de agosto, fez com
que seu nome fosse oficialmente removido do rol de membros da igreja e, de tarde, saiu para
distribuir o tratado A Queda de Babilônia com consciência limpa.
Mais tarde, nesse ano, numa assembléia em Leipzig, o irmão Cunow, que naquele tempo tinha
a supervisão da obra na Alemanha, falou da expansão da obra — quase 4.000 irmãos estavam
então ativos — e anunciou que a revista A Idade de Ouro seria publicada na Alemanha assim
que instruções fossem recebidas do escritório principal. Os presentes se sentiam deveras
entusiásticos e todos eles expressaram sua determinação de apoiar financeiramente a obra.
Muitos irmãos ainda vivos confirmam que foi esta guerra fútil e sem sentido que os moveu a
despertar-se para a verdade. Muitos recusavam crer que Deus tivesse algo que ver com esta
insensata destruição da vida humana; antes, consideravam o clero responsável, pois eles,
durante seus chamados “ofícios religiosos campais”, prometeram uma recompensa celeste aos
que perdessem sua vida na batalha. Outros, ao receberem a notificação de que seu marido,
seu pai ou filho havia caído no “campo de honra”, começaram a perguntar-se se realmente
estavam no céu, ou talvez num inferno de fogo, como pregado pelo clero. Para estes, o
discurso “Onde Estão os Mortos?” foi oportuníssimo. Os irmãos conseguiam distribuir livros
como nunca antes. Duas irmãs colportoras juntas, segundo afirmado, colocavam em média
400 volumes de Estudos das Escrituras num mês. Os servos fiéis de Jeová aproveitavam ao
máximo suas oportunidades. Dentro de comparativamente pouco tempo, congregações
saudáveis floresceram em muitas localidades.
Em Berlim, na quinta-feira, 27 de maio de 1920, sete oradores falaram a entre 8.000 e 9.000
pessoas famintas pela verdade em sete grandes salões em várias partes da cidade sobre o
assunto “O Fim Está Próximo! O Que Se Seguirá?” O interesse era tão grande que 1.500
pessoas solicitaram visitas e 2.500 livros, além de outras publicações, foram colocados.
Daí, o Fotodrama realmente teve sua vez. Uma das exibições mais impressivas foi realizada no
Gustav-Siegle-Haus em Stuttgart para mil pessoas. Manifestou-se tanto interesse que os
irmãos cederam seus lugares às pessoas interessadas. Uma exibição especial para eles foi
realizada no domingo, com apenas ligeiro intervalo para o almoço, ao passo que o inteiro
programa era normalmente apresentado em quatro noites.
O Fotodrama foi aceito com grande apreciação na Saxônia, fortaleza do modo socialista de
pensar, onde congregações começaram então a surgir como cogumelos que brotavam depois
duma chuva branda. Entre estas se achava uma congregação em Waldenburgo, com mais de
cem pessoas, que logo se reuniam regularmente para estudar a Palavra de Deus numa grande
fazenda, cujo dono, pouco tempo antes tinha sido membro da junta de diretores da igreja.
O irmão Rutherford, que desejava visitar pessoalmente a Alemanha desta vez, mas não
conseguiu permissão para entrar, convidou então 26 irmãos da Alemanha até Basiléia, Suíça,
em 4 e 5 de novembro de 1920, para considerarem meios e recursos para executar mais
eficazmente a obra na Alemanha. A “filial alemã” foi dissolvida e novo escritório, chamado
“Escritório da Europa Central da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados” foi aberto, sua
sede temporariamente permanecendo em Zurique, mas devendo ser transferida para Berna
logo que possível. Este escritório sob a direção dum superintendente principal plenamente
devotado ao Senhor e designado pelo presidente, devia ter supervisão sobre a obra na Suíça,
França, Bélgica, Países-Baixos, Áustria, Alemanha e Itália. Cada um dos países acima-
mencionados teria um superintendente local, também designado pelo presidente. O propósito
deste arranjo era unir a obra na Europa central de modo que pudesse ser feita da maneira
mais vantajosa.
O folheto Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão, em alemão, foi anunciado para ser
lançado em fevereiro de 1921 e uma campanha de discursos que deveria durar vários anos foi
oficialmente planejada para ter início em 15 de fevereiro. Os melhores oradores foram
designados a proferir os discursos e, quando não havia nenhum deles disponível, as
congregações podiam escrever à Sociedade para que lhes arranjasse tais oradores.
Abriu-se destarte a porta para se dar poderoso testemunho, duma forma que os nossos
irmãos, na maioria, jamais sonhavam ser possível um ano antes. O relatório anual da
Sociedade declarava: “Nunca antes se mostrou tanto interesse na Alemanha como no
presente. Grandes multidões estão afluindo e, embora aumente a oposição, a verdade se está
espalhando.”
Isto se deu em Constância. A irmã Berta Maurer, que serve a Jeová por mais de cinqüenta
anos, ainda recorda como o discurso “O Mundo Está Findando — Milhões Que Agora Vivem
Jamais Morrerão!” foi anunciado em enormes cartazes e então proferido no maior salão da
cidade, o salão em que John Huss foi condenado a ser queimado na estaca. Discursos para
manter o interesse foram proferidos e, em 15 de maio de 1921, quinze pessoas foram
batizadas — o início da congregação em Constância.
Em Dresden, o discurso foi uma clara sensação. A congregação alugou três grandes salões,
mas, em alguns casos, duas horas antes de os discursos serem proferidos, o serviço de bondes
foi suspenso por causa de enorme multidão ter paralisado o trânsito. Os salões superlotados
não podiam comportar mais ninguém. Os oradores tiveram dificuldades em abrir caminho pela
multidão para chegar aos salões. Só depois de se prometer que o discurso seria repetido para
o benefício dos que esperavam é que a multidão se dispôs a abrir passagem.
O irmão Erich Eickelberg, de Remscheid, distribuía o folheto Milhões em Solingen quando teve
a seguinte experiência interessante: Apresentou-se a um senhor que encontrou, dizendo:
“Estou-lhe trazendo as boas novas de que milhões que agora vivem jamais morrerão, mas
viverão em paz e felicidade para sempre na terra. Este folheto prova isso e custa apenas dez
pfennigs.” O cavalheiro rejeitou a oferta mas o garotinho que estava em pé ao seu lado disse:
“Papai por que o Sr. não compra isso? Um caixão custa muito mais.”
Os anos do após guerra, de 1919 a 1922, provaram ser anos de verdadeiro desenvolvimento e
preparação para os irmãos na Alemanha.
A Sociedade, interessada em fortalecer a obra tanto interna como externamente, deu então os
passos necessários para estabelecer a obra quanto à sua condição perante o governo. Os
resultados foram que a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, formada em Allegheny,
E. U. A., em 1884, foi reconhecida em 7 de dezembro de 1921 na Alemanha, como firma
estrangeira legal.
O irmão Rutherford empreendeu extensiva viagem pela Europa em 1922, tempo em que
visitou Hamburgo, Berlim, Dresden, Stuttgart, Karlsruhe, Munique, Barmen, Colônia e Leipzig.
Em Hamburgo, cerca de 500 irmãos se apresentaram para uma assembléia de um dia —
excelente aumento desde sua visita apenas oito anos antes! Em Stuttgart, uma sala que podia
acomodar apenas 1.200 estava disponível para o discurso público, centenas tiveram de ser
mandadas embora junto à entrada. E, em Munique, o irmão Rutherford falou a 7.000 pessoas
no superlotado “Zirkus Krone”. Antes de começar o discurso, tornou-se conhecido que um
grupo de anti-semitas e também vários sacerdotes jesuítas se achavam presentes e que vieram
com o intuito de perturbar e, se possível, interromper a assembléia. Afirmou o irmão
Rutherford: “Tem-se declarado nesta cidade (Munique) e em outros lugares que a Associação
dos Estudantes Internacionais da Bíblia é financiada pelos judeus.” Mal acabara de terminar
essas palavras quando foram ouvidos gritos de “É verdade”, e assim por diante. Mas, o irmão
Rutherford falou com convicção e ênfase, e logo calou as bocas dos que provocavam o
tumulto, embora tentassem tomar a tribuna do orador, a fim de impedi-lo de terminar seu
discurso.
Para a manhã de segunda-feira, planejou-se uma sessão de perguntas e respostas com o irmão
Rutherford. Entre as perguntas, que haviam sido submetidas por escrito de antemão, havia
uma de especial interesse. Tinha que ver com o “Völkerschlachtdenkmal” (“Monumento da
Batalha das Nações”) em Leipzig, dedicado com cerimônias apropriadas em 1913, em
comemoração da insurreição ocorrida perto de Leipzig, uns cem anos antes. A pergunta que
tratava deste monumento era, em suma, como segue: “Será que Isaías 19:19 se refere a este
monumento, quando diz: ‘Naquele dia virá a haver um altar a Jeová no meio da terra do Egito,
e uma coluna a Jeová ao lado do seu termo’?”
Observemos aqui que, três anos antes — a saber, no congresso de Leipzig, realizado em 1919
— vários irmãos foram visitar este Monumento da Batalha das Nações em certa manhã. Nessa
tarde, um discurso foi proferido pelo irmão Alfred Decker, um ‘ancião eletivo’ que mais tarde
se tornou amargo opositor à verdade, tentando provar que este Monumento da Batalha das
Nações era deveras a coluna mencionada em Isaías 19:19. O construtor do monumento,
Thieme, do Conselho Privado, foi também convidado para esta ocasião festiva, e ele e seus
arquitetos foram convidados a oferecer explicações apropriadas.
Antes de o irmão Rutherford responder a pergunta, foi visitar este tremendo projeto. Mais
tarde, ao dirigir-se ao inteiro grupo reunido, não poupou palavras em declarar que Isaías 19:19
não se referia a este monumento. Fora erguido unicamente devido à ambição ardente dum
homem que estava sob a influência do grande adversário. Não haveria razão para Jeová fazer
erguer um monumento na terra no fim da era do evangelho. Toda parte do gigantesco
monumento indicava sua origem como sendo do Diabo, de ser obra dele e de seus aliados e
cúmplices, os demônios, que influenciaram os humanos a erguer este “monumento tolo”. O
Kaiser alemão certa vez esperava poder dizer: “Foi ali que certa vez esteve Napoleão, que
tentou conquistar o mundo, mas seu plano falhou por completo — e é aqui que o Kaiser
alemão, que igualmente lançou-se à conquista do mundo, e cujo plano teve grande êxito,
agora se ergue, razão pela qual o mundo inteiro deve curvar-se diante dele.”
“A HARPA DE DEUS”
Para preparar o caminho para a rápida distribuição do novo livro A Harpa de Deus, que então
se tornara disponível em alemão, a Sociedade preparou e imprimiu cinco milhões de cópias
dum panfleto intitulado “Por Quê?” Infelizmente, as gráficas que receberam a tarefa de
imprimir A Harpa de Deus continuamente atrasavam sua programação, resultando em várias
demoras na data de publicação. O preço do livro mencionado no panfleto da Sociedade não
pôde ser mantido devido à inflação que rapidamente se agravava; e, no início de janeiro de
1923, o preço de 100 marcos teve de ser aumentado para 250, o equivalente a uns 100 gramas
de margarina, embora, nessa época, o custo de impressão do Harpa já atingisse 350 marcos. O
conteúdo do livro suscitou tremendo entusiasmo, não só entre os irmãos, mas também entre
os amigos da verdade.
Em Langenchursdorf, que pertencia à congregação Waldenburgo, um irmão jovem chamado
Erich Peters, bem talentoso em discursar, ficou tão entusiasmado com o conteúdo do livro e a
sugestão de iniciar estudos com ele que pediu permissão a seu pai para convidar os amigos e
vizinhos à casa dos seus pais uma vez por semana, em certa noite, para poder considerar com
eles A Harpa de Deus. Esta noite de estudo veio, mais tarde, a ser freqüentada por tantas
pessoas que eram necessárias cadeiras para cada cômodo no andar térreo. Este jovem irmão,
falando com entusiasmo sobre o reino de Jeová e suas bênçãos, ficava no umbral da porta
entre os cômodos, de modo que pudesse ser visto e ouvido por todos. Este exemplo foi
rapidamente seguido por outras congregações e o chamado “estudo do Harpa” logo se tornou
parte do programa normal.
A PRIMEIRA GRÁFICA
De abril de 1897 até dezembro de 1903, A Torre de Vigia (edição em alemão) tinha sido
impressa em Allegheny (E. U. A.), e de janeiro de 1904 a 1.º de julho de 1923, em firmas
mundanas da Alemanha. Por décadas, os livros e outras publicações da Sociedade foram
impressos por firmas mundanas, a menos que enviados diretamente dos Estados Unidos. Com
o tempo, a fim de reduzir as despesas, duas grandes prensas planas, junto com outro
equipamento, foram montadas em Barmen, muito embora o espaço fosse extremamente
limitado.
Visto que, de início, não havia quaisquer irmãos experientes em compor tipos ou em
encadernar livros, o irmão Ungerer, experiente impressor de livros e tipógrafo de Berna, Suíça,
foi enviado a Barmen para treinar os primeiros voluntários. Sua disposição de trabalhar e a
determinação com que tentaram produzir excelentes impressos, apesar do humilde
equipamento de que dispunham, foram surpreendentes.
Visto que todos os cômodos eram usados como quartos de dormir, e assim por diante, as
prensas foram colocadas, no patamar da escada da casa de dois pavimentos, e num barracão
de madeira de 20 metros por 8. O irmão Hermann Görtz ainda se recorda de imprimir 100.000
cópias adicionais do primeiro número da revista A Idade de Ouro (1.º de outubro de 1922).
Tinham que alimentar duas vezes a máquina, folha por folha de papel, visto ser de operação
manual. Visto que os irmãos dificilmente conseguiam satisfazer a demanda de matéria
impressa, por quase um ano inteiro trabalhavam amiúde até quase a meia-noite.
Circunstâncias estranhas foram às vezes responsáveis em fazer com que a atenção de alguém
se voltasse para a verdade, tal como se deu no caso do irmão Eickelberg, que compareceu a
uma exibição do Fotodrama. Falando da “reforma”, o orador declarou que ‘os protestantes
pararam de protestar’, no que alguém da assistência bradou: “Nós ainda protestamos!” O
orador pediu que as luzes fossem acesas, e todo o mundo se virou para ver quem era esta
pessoa “corajosa”. Quem haveria de ser senão um clérigo protestante que se sentava entre
dois clérigos católicos! A assistência ficou indignada e exigiu que o clérigo fosse expulso do
salão. O irmão Eickelberg compreendeu que não se podia encontrar a verdade nos sistemas
eclesiásticos.
Eugen Stark foi ver o Fotodrama em Stuttgart. O salão já estava lotado com 3.000 pessoas
quando foi anunciado que o projetor tinha algum tipo de defeito e não podia ser consertado
naquela noite. Todos foram convidados a voltar na noite seguinte. Eugen Stark foi embora,
desapontado, indo então visitar sua mãe, que pertencia à Nova Igreja Apostólica. Ambos
concluíram que os Estudantes da Bíblia não podiam ter a verdade, de outra forma tal coisa não
teria acontecido. O irmão Stark decidiu não voltar na noite seguinte, mas, ao invés disso, ir
visitar sua irmã. Seu bonde passou bem pelo salão em que o discurso seria dado, contudo, e
ficou surpreso de ver que havia igualmente tantas pessoas que tentavam entrar no salão como
na noite anterior. Sem pensar duas vezes, pulou do bonde, quase caindo debaixo de suas
rodas. Mas, apesar dos ferimentos, levantou-se e foi ao salão. Ficou tão entusiasmado depois
disso que obteve as ajudas bíblicas oferecidas e deixou seu endereço, a fim de ser visitado.
Ninguém conseguiria impedi-lo de estudar a Bíblia agora.
Kurt Diessner ficou desgostoso com a religião devido a um hino que seu pregador lhe ensinou
na escola, durante o ano de guerra de 1915. Falava sobre a destruição das nações inimigas, e
dizia que os exércitos alemães as obrigariam a recuar para dentro de lagos, de pantanais, do
Vesúvio e dos oceanos. Mais tarde, em 1917, os sinos da igreja foram retirados e fundidos para
serem usados como grampos de granadas, e um jornal da igreja publicou uma foto de grande
sino sendo abençoado por um clérigo com braços estendidos. Embaixo havia a seguinte
legenda: “E agora ide e destruí em pedaços os corpos de nossos inimigos.” Kurt Diessner fizera
agora sua decisão. Foi no início da década de 1920 que ele identificou e abraçou a verdadeira
adoração de Jeová, e ainda consegue de tempos a tempos servir como pioneiro temporário.
Alguns daqueles que há cinqüenta ou mais anos atrás ouviram e acataram a chamada de Jeová
de servir ainda se acham entre nós e falam com veemência sobre sua atividade lá naquele
tempo, quando ainda eram “jovens e fortes”. Pobres materialmente, eram ricos
espiritualmente.
Minna Brandt, de Kiel, relata que costumava andar longas distâncias para pregar a mensagem
do Reino e, quando não conseguia voltar no mesmo dia, passava a noite nos campos,
dormindo num monte de feno. Mais tarde, pegava carona até as cidades mais setentrionais de
Schleswig-Holstein, amiúde viajando de caminhão. Naqueles dias, os irmãos estavam
equipados de grandes alto-falantes que usavam em proferir um discurso público no mercado
ou em outro local apropriado, de tarde, depois de terem pregado no povoado pela manhã.
Ernst Wiesner (que mais tarde esteve na obra de circuito), e outros, costumavam viajar de
bicicleta a uma distância de 90 a 100 quilômetros de Breslau para pregar. Os irmãos em
Leipzig, onde Erich Frost e Richard Blümel serviam, eram muito engenhosos em suas tentativas
de voltar a atenção do povo para a mensagem do Reino. Por certo tempo, utilizavam pequeno
grupo musical, composto de irmãos, que costumava tocar enquanto marchava pelas ruas.
Aqueles que os acompanhavam davam curto testemunho nas casas ao longo do caminho e
então corriam para acompanhar o passo do grupo musical em marcha.
Em 1923, a atenção foi focalizada na pregação de tempo integral com a chamada urgente:
“Procuramos mil pioneiros.” Isto criou uma comoção e tanto entre o povo de Deus, pois
significava que uma em cada quatro pessoas dos 3.642 “trabalhadores” que então relatavam
estava sendo convocada a ser pioneiro. A chamada não ficou sem resposta.
Willy Unglaube, por exemplo, compreendia que isso era para ele, de modo que começou a ser
pioneiro, como ele disse “não apenas por um ou dois anos, mas enquanto Jeová puder usar-
me nesta posição”. Trabalhou em várias partes da Alemanha, e, mais tarde, esteve em Betel de
Magdeburgo por vários anos. Em 1932, respondeu à convocação de pioneiros nos campos
estrangeiros. Foi enviado primeiro à França, daí à Argélia, Córsega, à França meridional, mais
tarde de novo à Argélia, e então à Espanha. Dali, foi para Singapura, e então para a Malásia,
indo depois para Java e, em 1937, à Tailândia, onde permaneceu até retornar à Alemanha, em
1961. Tinha 25 anos quando respondeu à chamada de pioneiros e agora, embora esteja perto
dos 77, ainda se acha entre nossos mais dispostos e bem sucedidos pioneiros.
Em 1.º de fevereiro de 1931, Konrad Franke começou a servir como pioneiro. Começou em sua
juventude a lembrar-se de seu Criador. Agora, membro da família de Betel, sente-se feliz de
poder rememorar 42 anos de serviço ininterrupto de tempo integral, quatorze dos quais
gastou como superintendente da filial na Alemanha.
SERVIÇO DE PEREGRINO
Os discursos encorajadores, proferidos pelos peregrinos durante os anos 20, por certo muito
contribuíram para a edificação dos irmãos. O transporte naquele tempo era bem limitado e
não era especialmente confortável. Visto que os irmãos peregrinos dispunham de muito
território rural a cobrir, não era incomum que uma carroça de sítio, puxada a cavalo, fosse seu
meio de transporte. Às vezes era inevitável palmilhar grandes distâncias.
Emil Hirschburger certa vez foi designado a proferir um discurso na Alemanha meridional.
Viajava de trem e viu-se sentado no mesmo compartimento junto com seis homens cujas
roupas os identificavam claramente como clérigos católicos. Estavam conversando sobre o
discurso que o irmão Hirschburger iria dar, não sabendo, naturalmente, que o irmão
Hirschburger se achava bem no meio deles. Parecia que haviam estado numa conferência
religiosa e que o clérigo que morava na cidade onde seria proferido o discurso do irmão
Hirschburger havia sido aconselhado a desafiá-lo a um debate público. Este clérigo estava
interessado em receber conselhos de seus colegas quanto ao modo de apresentar sua
argumentação, a fim de não ser derrotado por “este Estudante da Bíblia” no confronto público.
Mas, evidentemente, nada do que seus colegas recomendavam o satisfazia. Saltaram um por
um do trem, cada um desejando boa sorte aos outros. Quando o último estava prestes a saltar,
o clérigo preocupado perguntou a seu colega que ia saltar, em tom confidencial, o que
pensava do assunto, e se achava que seria sábio ir à reunião. A resposta veio logo e foi
proferida em carregado dialeto schwabiano: “Bem, se acha que pode fazer-lhe frente, então
vá.” O irmão Hirschburger não conseguiu vê-lo no discurso.
DRAMA DA CRIAÇÃO
No início dos anos 20, os filmes do Fotodrama estavam quase que gastos. No entanto, a
Sociedade conseguiu comprar noticiários bem como filmes bíblicos, de várias companhias
mundanas e, depois de revisá-los, quer por remover certas partes inapropriadas, quer por
adicionar outras, conseguiu exibi-los. Desta forma, filmes inteiramente novos de entre 5.000 a
6.000 metros foram ajuntados. Em adição a isto, os “slides” que haviam sido exibidos também
foram substituídos por novas gravuras tiradas quer do livro Criação quer de outros livros
publicados pela Sociedade Torre de Vigia ou por “slides” conseguidos no mercado público. Não
havia fotografia a cores naquele tempo, mas Wilhelm Schumann, do Betel de Magdeburgo, foi
incansável em seus esforços de retocar com cores as fotos em preto e branco. As gravuras
lindamente coloridas sempre causaram duradoura impressão nos espectadores e, visto que
muitas das gravuras eram da maravilhosa criação de Jeová, o título do filme foi mudado para
“Drama da Criação”. Sob este subtítulo, disse o Anuário de 1932 em alemão:
“Nada restou do anterior drama da criação exceto o nome e o uso de ‘slides’. O texto . . . é
tirado do livro Criação e de outros, e o nome ‘Drama da Criação’ é semelhantemente do livro
Criação.”
Em 1928, quando devia começar uma exibição em Stettin, Erich Frost, músico profissional e
maestro duma orquestra mundana até aquele tempo, foi chamado a Stettin a fim de prover o
acompanhamento musical para o filme que, naturalmente, era silencioso. Mais músicos logo
aderiram ao grupo. Mais tarde, até mesmo usavam seus instrumentos para imitar o canto dos
pássaros e o farfalhar das árvores. Numa exibição em Munique, no verão setentrional de 1930,
Heinrich Lutterbach, excelente violinista, conheceu o conjunto musical e foi de imediato
convidado a viajar junto com eles. Alegremente aceitou, destarte completando a orquestra,
que era apreciada em toda a parte. Dois anos depois, a Sociedade forneceu ao irmão Frost
outro conjunto de filmes e ‘slides’ e instruiu-o a ir para a Prússia Oriental. Depois disso, o
irmão Lutterbach assumiu a batuta de condutor da pequena orquestra.
Uma exibição do filme foi planejada para Munique em 1930. O Drama da Criação já havia sido
exibido ali com grande êxito, de modo que os líderes religiosos estavam naturalmente mui
perturbados. Desesperados, instruíram a centenas de pessoas em suas congregações de
Munique a que obtivessem entradas para o drama nos guichês publicamente anunciados, mas
então não comparecessem. O resultado seria um salão vazio. Os irmãos descobriram isso com
suficiente antecedência, contudo, de modo que puderam planejar contramedidas. Aconteceu
que todas as suas ações se voltaram contra os próprios desordeiros.
A SOCIEDADE SE MUDA
Era então possível imprimir A Torre de Vigia em nossa própria gráfica. O primeiro número
impresso foi o de 15 de julho de 1923. Cerca de três ou quatro semanas depois, grande prensa
plana de alimentação automática foi montada e começou-se a imprimir o primeiro volume dos
Estudos das Escrituras. Logo depois, o livro A Harpa de Deus foi impressa na mesma prensa.
Mais equipamento, porém, fazia-se necessário. Por esse motivo, o irmão Balzereit solicitou a
permissão do irmão Rutherford para a compra duma rotativa. O irmão Rutherford viu a
necessidade e concordou, mas com uma condição. Notara que, com o decorrer dos anos o
irmão Balzereit deixara crescer uma barba bem similar à do irmão Russell. Seu exemplo logo
foi seguido, pois havia outros que também queriam se parecer com o irmão Russell. Isto
poderia dar origem a uma tendência para a adoração de criaturas e o irmão Rutherford
desejava impedir tal coisa. Assim, em sua seguinte visita, aos ouvidos de todos da família da
Casa da Bíblia, disse ao irmão Balzereit que ele poderia comprar a rotativa, mas apenas com a
condição de que raspasse a barba. O irmão Balzereit concordou com tristeza e, depois foi ao
barbeiro. Nos próximos dias houve vários casos de confusão de identidades, e algumas
situações engraçadas, porque o “estranho” às vezes não era reconhecido por seus colegas de
trabalho.
Um ano depois, tornou-se possível montar a primeira parte da prensa no andar térreo, e a
segunda parte foi entregue pouco depois. Podia-se então falar duma oficina gráfica e duma
encadernadora de livros bem equipada capaz de produzir livros de 400 páginas no ritmo de
6.000 exemplares por dia.
Os da família da Casa da Bíblia que conseguiam sair aos domingos viajavam com grande
caminhão, que comportava, a título precário, assentos para cinqüenta e quatro pessoas ou iam
de ônibus, trem, automóvel ou bicicleta para o território em Magdeburgo ou ao redor, a fim de
participar na obra de pregação. Trabalhavam num raio de várias centenas de quilômetros e
conseguiram lançar o alicerce para muitas congregações.
Com o tempo, o número de trabalhadores na Casa da Bíblia subiu para mais de 200.
Em seu discurso de boas-vindas da assembléia, o irmão Rutherford pediu que todos aqueles
que já haviam feito sua dedicação e a simbolizaram pelo batismo em água levantassem as
mãos. Ao ver o grande número, acrescentou: “Há cinco anos atrás, não havia tantos assim em
toda a Europa.”
Mais tarde, no discurso público, ocorreu no salão principal um incidente infeliz. Devido ao
descuido de alguém, pequena lâmpada de emergência caiu ao chão, no que uma pessoa ainda
mais descuidada gritou “fogo”, destarte provocando o pânico em alguns. Visto que tudo isso se
deu na parte de trás do salão, ninguém no palco sabia exatamente o que estava acontecendo,
e, de início, os irmãos supuseram que perturbadores tentavam acabar com a reunião. Quando
o distúrbio não diminuiu, o irmão Rutherford fez um sinal para a orquestra, para que
começasse a tocar. Ela atacou o cântico “Adoro o Poder do Amor”, e eis que as milhares de
pessoas no salão começaram a cantar. As ondas de histeria logo passaram e o irmão
Rutherford conseguiu continuar seu discurso sem outras interrupções.
“DENUNCIADOS OS ECLESIÁSTICOS”
Era este o título duma resolução preparada em 1924 para distribuição mundial. Os irmãos na
Alemanha participaram nisso, em especial na primavera setentrional de 1925. Era uma
resolução de extrema importância, expondo impiedosamente o clero, resultando numa reação
similar a se mexer numa casa de marimbondos. Em especial, na Baviera, o clero começou a
atacar nossos irmãos e a impedir que fizessem seu trabalho. O primeiro presidente alemão da
República de Weimar acabara de morrer e nova eleição estava programada. Os políticos diziam
‘Nenhum católico ousará ser presidente’, de modo que a Baviera católica respondia a isto por
considerar com a máxima desconfiança todas as publicações inamistosas para com Roma. Não
só na Baviera, mas também em outras partes da Alemanha, o clero reagia a isso com todos os
meios disponíveis.
A vida do irmão Balzereit se achava ameaçada. Uma carta anônima, que lhe foi enviada, rezava
em parte:
“As acusações que faz contra o clero serão a sua queda! Antes que se dê conta, o mundo o
verá pela última vez, e sua morte atemorizará seus seguidores, restringindo-os. . . . Já foi
julgado!
“Exigimos o seguinte nas próximas três semanas: Retirada pública de sua publicação
‘Denunciados os Eclesiásticos’. Se isto não for feito será candidato à morte.
Mas, isto não era motivo tampouco para transigência. Pelo contrário, o pequeno porém
corajoso exército do restante ungido tomou contramedidas. Um tratado intitulado
“Verdadeiras ou Falsas?” foi distribuído, informando ao público destas ameaças. Fez-se a
pergunta se as acusações contidas no panfleto “Denunciados os Eclesiásticos” eram
“Verdadeiras ou Falsas”. Foram então apresentadas declarações feitas por clérigos e trechos
de revistas religiosas.
INFLAÇÃO
No início de 1922, a Sociedade se viu obrigada a anunciar que o preço duma assinatura anual
de A Torre de Vigia, naquele tempo ainda impressa apenas mensalmente, seria fixado em 16
marcos. Um mês depois, foi necessário aumentá-lo para 20 marcos e, em julho do mesmo ano,
para 30 marcos. A inflação galopava, porém, a tamanho passo, nos meses seguintes, que, em
outubro, a Sociedade se viu obrigada a anunciar que, no futuro, as assinaturas só seriam
aceitas à base dum período de três meses. O preço para os três meses, no ínterim subira para
70 marcos. Para os primeiros três meses de 1923, os irmãos tiveram de pagar 200 marcos, e,
para o segundo período de três meses, 750 marcos. Em 15 de junho, uma assinatura anual
custava 3.000 marcos, e, um mês depois, custava 40.000 marcos. Em 1.º de agosto, a
Sociedade se viu obrigada a parar por completo o serviço de assinaturas, os exemplares
avulsos estando disponíveis apenas contra pagamento imediato. Mas, por volta de 1.º de
setembro, um exemplar avulso já custava 40.000 marcos. Um mês depois, um exemplar avulso
custava 1.660.000 marcos e, em 25 de outubro, a inflação atingira tamanhas alturas que um
exemplar avulso custava dois e meio bilhões de marcos. O dinheiro não tinha mais nenhum
valor.
Esta breve consideração dos anos críticos de inflação talvez mostre sob que condições difíceis
a obra do Senhor teve de ser feita naquele tempo. Com efeito, nos últimos três meses de
1923, a distribuição das publicações da Sociedade quase que chegou a uma paralisação total.
Só foi possível continuar com a ajuda de Jeová.
‘ANCIÃOS ELETIVOS’
O arranjo democrático para se eleger anciãos era algo que poderia ter sido suficiente para
retardar o progresso à frente da obra na década de 1920. Havia uma variedade de opiniões
quanto a como tais eleições deveriam ser feitas. Alguns exigiam que os candidatos pudessem
responder corretamente a pelo menos 85 por cento das perguntas V. D. M. (V. D. M. significa
Verbi Dei Minister, ou Ministro da Palavra de Deus.) Este era o caso em Dresden, por exemplo.
Mas, os irmãos em Halle tiveram uma experiência que nos mostra a que espécie de
dificuldades levavam tais exigências arbitrárias. Havia irmãos na congregação cuja atitude para
com a obra não era boa, mas que, por outro lado, desejavam ser líderes na congregação.
Quando se lhes disse por fim que não haviam sequer respondido às perguntas V. D. M., razão
pela qual não eram elegíveis para as posições de liderança na congregação, imediatamente
corrigiram este aparente descuido. Quando, depois disso, ainda não conseguiram obter a
posição pela qual se empenhavam, irrompeu uma rebelião, resultando na divisão da
congregação, apenas de 200 a 250 publicadores restando dos 400 originais.
Tais coisas ocorreram porque alguns candidatos não eram cristãos maduros. Com efeito,
alguns dentre eles se opunham quer direta quer indiretamente à obra do Reino.
Rememorando, podemos certamente afirmar que a segunda metade da década de 1920 foi
um tempo de peneiramento aqui na Alemanha. Alguns que nos acompanhavam até esse
tempo se tornaram inimigos declarados do Reino. Sua saída certamente não constituiu
nenhuma perda para a organização de Deus, porque a década de 1930 resultou ser um
verdadeiro tempo de prova para os que permaneceram fiéis!
PROBLEMAS LEGAIS
Outro meio pelo qual os líderes religiosos tentaram frear o tremendo progresso da obra foi
tentar fazer que os publicadores conflitassem com as leis do país. Já em 1922 surgiram os
primeiros casos de “vendas ambulantes ilegais e a recusa de pagar as taxas de vendas
ambulantes”. Em 1923 houve outros casos legais, e, mais uma vez, a acusação era de “violação
das leis das vendas ambulantes”. Foram impostas severas sentenças. Em 1927, 1.169 irmãos
foram presos e julgados por “violação das leis das vendas ambulantes” e “efetuarem vendas
ambulantes sem licença”. Em 1928, houve 1.660 julgamentos, e, em 1929, houve 1.694. Mas, o
clero continuou procurando uma lei que pudesse ser usada qual arma para silenciar os
Estudantes da Bíblia. Por fim pensaram ter encontrado o que procuravam. O Saarbrücker
Landes Zeitung, de 16 de dezembro de 1929, referia-se a isto:
“Infelizmente, a polícia tem sido impotente em fazer algo quanto à obra dos Estudantes da
Bíblia. As prisões feitas até agora . . . terminaram todas em inocentar os réus . . . Agora,
contudo, o Tribunal de Justiça em Berlim, num caso similar, manteve a sentença,
estabelecendo o princípio de que oferecer publicações religiosas de casa em casa e nas ruas
está sujeito às ordenanças policiais com respeito a se guardar o descanso sabático nos
domingos e feriados em casos em que esteja envolvido o esforço físico, assim colocando isto
sob a jurisdição do trabalho, e onde o público observa a tal.
AÇÃO NA BAVIERA
Tentativas de fazer isto ocorreram em toda a Alemanha, mas a Baviera teve posição de
destaque, sendo feitas mais prisões ali do que em qualquer outro lugar. Por algum tempo, as
leis locais até mesmo tiveram êxito em proscrever por breve tempo a obra. Em 1929, a
Sociedade decidiu fazer um combinado “ataque de um só dia” à região ao sul de Regensburgo
por enviar cerca de 1.200 publicadores para pregarem em um único domingo. Foram feitos
arranjos com a ferrovia para dois trens especiais, um que partiria de Berlim e apanharia os
irmãos de Leipzig, e um segundo que partiria de Dresden, para apanhar os irmãos de Chemnitz
e de outras cidades da Saxônia. Cada passageiro pagaria uma passagem de uns 25 marcos,
que, naquele tempo, era uma boa soma. Mas, os irmãos estavam mais do que dispostos a
fazer este sacrifício. Apenas desejavam certificar-se de que poderiam tomar parte nesta
atividade, pois o inimigo não dormia.
Enquanto eram feitos arranjos para esta campanha, os irmãos ficaram convictos de que o clero
faria uso de sua influência a fim de a impedir, caso soubessem dela de antemão. Por esse
motivo, os irmãos fizeram tudo que puderam para mantê-la em segredo. Apesar disto, não
conseguiram impedir que o clero descobrisse tudo, de uma forma ou de outra, cerca de uma
semana antes. Subitamente, a ferrovia não se dispôs a nos conceder os dois trens especiais. De
imediato, todas as congregações envolvidas receberam instruções de fretar ônibus. O clero
ouviu falar nisso também, e fez arranjos para que todas as estradas que saíam da Saxônia
fossem fortemente policiadas no fim-de-semana seguinte. Tais autoridades policiais saberiam
encontrar algum motivo para parar todos os carros cheios de Estudantes da Bíblia, detendo-os
tanto que teriam de voltar para casa sem cumprir sua missão.
No ínterim, a ferrovia ouvira falar de nossos arranjos de ônibus e, decidindo que perdia
grandes negócios, concordou no último minuto em permitir que os dois trens especiais
partissem, afinal das contas. Os irmãos cancelaram de imediato os ônibus. Esta última
alteração dos planos, apenas dois dias antes da hora da partida, não foi descoberta pelo clero.
Assim, enquanto vigiavam, em plena força, todas as rodovias, os dois trens especiais se
juntaram em Reichenbach (Vogtland) e entraram na vizinhança de Regensburgo como um
único trem especial por volta das 2 da madrugada. Dali em diante, o trem parou em cada
estação ferroviária para deixar que alguns irmãos saltassem, alguns dos quais trouxeram suas
bicicletas de modo a poderem ir até a zona rural e trabalhar ali também.
Tremendo testemunho foi dado naquele dia, pois a cada pessoa se fornecera, não só
publicações suficientes para colocar à base duma contribuição, mas também uma abundância
delas para distribuir gratuitamente. Os irmãos decidiram tentar deixar algo em cada casa.
Vários irmãos foram presos e não conseguiram voltar com o trem especial, mas os que tiveram
o privilégio de participar nesta campanha nunca se cansavam de mencioná-la depois disso.
Certamente não estamos errados em supor que nossos adversários também se lembraram
deste fim-de-semana por muito tempo.
INSOLVÊNCIA DO BANCO
Em resultado, não sofreram solução de continuidade os planos para a expansão da obra feitos
antes do problema bancário, não, nem foram sequer adiados. Na primavera setentrional de
1930, comprou-se outra propriedade vizinha de nossa antiga propriedade. Os velhos prédios
que se erguiam na propriedade recém-adquirida foram derrubados e tanto quanto possível,
usou-se o material para que os irmãos construíssem novo prédio amplo de Betel, com 72
cômodos alojando duas pessoas cada um, e ampla sala de jantar.
MAIS PROCESSOS
Durante 1930, outros 434 processos foram iniciados. Isso significava que, junto com os
processos já pendentes, havia então 1.522 processos que iriam aos tribunais para julgamento.
Em 1931, o irmão Rutherford mais uma vez planejou uma viagem à Europa. Realizar-se-ia um
congresso em Paris, de 23 a 26 de maio, e um em Berlim, de 30 de maio a 1.º de junho. Devido
à difícil situação econômica na Alemanha, o irmão Rutherford sugeriu que fossem feitos
arranjos para se convidar os irmãos da Alemanha meridional e da Renânia a Paris, visto que
seria mais barato para eles ir para lá do que viajar até Berlim. Trens especiais foram
organizados partindo de Colônia, Basiléia e Estrasburgo. Os irmãos apreciaram muitíssimo isto,
e, os resultados foram que, das cerca de 3.000 pessoas reunidas em Paris, 1.450 eram da
Alemanha.
O congresso em Berlim foi realizado no Palácio dos Esportes. Não se esperava grande
assistência, em primeiro lugar, por causa da crise econômica e, em segundo lugar, devido a
que quase 1.500 pessoas foram para Paris. Assim, que alegria foi ver quase 10.000 pessoas
presentes, um número bem inesperado!
O irmão Rutherford, que aproveitava toda oportunidade para se livrar dos costumes das
religiões mundanas entre os irmãos, já provocara pequena revolução num congresso anterior
com suas roupas. Notara que os irmãos na Europa — e isto incluía a Alemanha — apreciavam
especialmente usar roupas pretas nas assembléias. Os homens não só usavam ternos pretos —
nos enterros até cartolas — mas também usavam gravatas pretas, assim como era o costume
nas organizações da religião falsa. Esta observação levou o irmão Rutherford a comprar um
terno de cor extremamente clara e uma gravata vermelha escura para usar com o terno.
Depois de ele ter vindo à Alemanha assim trajado, muitos começaram a livrar-se de suas
roupas pretas.
Agora, na assembléia de Berlim, ele chamou a atenção para as muitas fotos suas e do irmão
Russell que eram vendidas em forma de cartões-postais ou fotos, algumas das quais tinham
até molduras. Depois de encontrar tais fotos em numerosas mesas nos corredores em torno
do salão, mencionou-as em seu discurso seguinte, instando com todos na assistência a não
comprá-las, e pedindo aos servos encarregados, em palavras bem claras, que tirassem as fotos
das molduras e as destruíssem, o que foi então feito. Desejava evitar qualquer coisa que
pudesse levar à adoração de criaturas. Em relação com o congresso de Berlim, o irmão
Rutherford naturalmente visitou a filial em Magdeburgo. Como as visitas anteriores, esta
resultou ser como uma brisa refrescante, libertadora. Pouco antes da visita do irmão
Rutherford, fotos dele e do irmão Russell haviam sido penduradas em todas as dependências.
Então, todas elas eram removidas, assim que o irmão Rutherford as descobria.
O irmão Rutherford não deixou de ver várias outras coisas tampouco, com o decorrer dos
anos. Não só ele, mas grande número dos em Betel haviam reconhecido o perigo que corria o
irmão Balzereit. É um fato inegável que ele era bom organizador e que a obra na Alemanha
fizera bom progresso sob sua direção. Seu grande erro, contudo, estava em atribuir o enorme
crescimento mais à sua própria habilidade pessoal do que ao espírito de Jeová. Em certa
refeição à mesa de Betel, Balzereit solicitou à família de Betel que não se dirigisse mais a ele
como “irmão” na presença das pessoas mundanas. Em tais casos, deviam dirigir-se a ele como
“Sr. Diretor”, e ele até mesmo mandou colocar uma placa em seu escritório, dizendo “diretor”.
Durante esse tempo, a integridade de Balzereit a Jeová foi ameaçada de outra direção.
Evidente era que sempre tivera medo de sofrer perseguição. Como o líder responsável do
escritório alemão, fora processado devido à distribuição da resolução “Denunciados os
Eclesiásticos”. É verdade que foi inocentado, mas quando o juiz instou com ele a que evitasse
fazer tais declarações fortes em nossas publicações no futuro, evidentemente estava
determinado a seguir estes conselhos, pois, quando expressões e declarações na Torre de Vigia
ou em outras publicações enviadas de Brooklyn pareciam ser fortes demais para ele, ele as
“amainava”.
AUMENTA A PERSEGUIÇÃO
Em 1931, foram de novo as autoridades na Baviera que assumiram a liderança na luta contra o
povo de Deus. Por aplicarem mal a lei de emergência de 28 de março de 1931, que tratava dos
distúrbios políticos, subitamente viram aberta a oportunidade de proscrever as publicações
dos Estudantes da Bíblia. Em Munique, em 14 de novembro de 1931 nossos livros foram
confiscados. Quatro dias mais tarde, as autoridades policiais de Munique fizeram uma
declaração, aplicável a toda a Baviera, proscrevendo todas as publicações produzidas pelos
Estudantes da Bíblia.
Em harmonia com essa decisão legal, o chefe de polícia de Magdeburgo veio em nossa defesa,
em 14 de setembro de 1932, dizendo: “Comprovamos, por meio desta, que a Associação
Internacional dos Estudantes da Bíblia se acha unicamente envolvida em assuntos bíblicos e
religiosos. Não tem estado politicamente ativa até essa época. Não se têm visto quaisquer
tendências que indiquem inimizade contra o estado.”
Todos os irmãos detidos foram soltos no mesmo dia. De imediato, organizaram uma campanha
em que os 4.000 folhetos seriam distribuídos entre todos os irmãos na congregação que
pudessem participar dela. Nessa noite, rodaram em suas bicicletas até Bad Kreuznach, cidade a
cerca de 40 quilômetros, onde distribuíram os restantes folhetos entre o povo, dando alguns
deles de graça. O dia seguinte trouxe provas de que esta ação era correta, pois, no ínterim, a
Gestapo dera busca nas casas de todas as pessoas conhecidas como sendo Estudantes da
Bíblia. Mas, todos os 10.000 folhetos haviam sido distribuídos.
Os nazistas esperavam encontrar alguma espécie de material que nos ligasse ao comunismo
quando ocuparam o escritório e a gráfica da Sociedade em 24 de abril. Nesse caso, poderiam
aplicar uma nova lei e confiscar a inteira propriedade e a entregar ao Estado, algo que já
haviam feito com os prédios que pertenciam aos comunistas. Depois de darem busca no
prédio, a polícia telefonou às autoridades do governo certa noite, dizendo que não haviam
achado nada incriminatório. A ordem foi: “Vocês têm de achar algo!” Mas, falhou sua tentativa
de assim fazer, e a propriedade teve de ser devolvida aos irmãos em 29 de abril. O escritório
de Brooklyn protestara contra a desapropriado ilegal da propriedade (possuída por uma
corporação estadunidense) junto ao governo estadunidense naquele mesmo dia.
No verão de 1933, a obra das testemunhas de Jeová já havia sido proscrita na maioria dos
estados alemães. As casas dos irmãos sofriam buscas regulares e muitos irmãos tinham sido
presos. O fluxo de alimento espiritual estava parcialmente obstruído, embora apenas por certo
tempo; ainda assim, muitos irmãos perguntavam por quanto tempo seria possível continuar a
obra. Nesta situação, as congregações foram convidadas, mediante mui breve aviso, para um
congresso a realizar-se em Berlim, em 25 de junho. Visto que se esperava que muitos não
pudessem comparecer, devido às várias proscrições, as congregações foram incentivadas a
enviar pelo menos um ou vários delegados. Mas, aconteceu que 7.000 irmãos chegaram até lá.
Para muitos deles, foram necessários três dias, alguns pedalando suas bicicletas por toda essa
distância, ao passo que outros foram de caminhão, visto que as companhias de ônibus
recusaram-se a fretar ônibus para uma organização proscrita.
O irmão Rutherford, que, junto com o irmão Knorr, tinham vindo à Alemanha apenas alguns
dias antes, a fim de ver o que poderia ser feito a fim de garantir a segurança da propriedade da
Sociedade, preparara uma declaração junto com o irmão Balzereit, a ser apresentada aos
delegados do congresso para adoção. Era um protesto contra a interferência do governo de
Hitler na obra de pregação que realizávamos. Altas autoridades governamentais, desde o
presidente do Reich para baixo, deveriam receber uma cópia da declaração se possível, por
porte registrado. Vários dias antes de o congresso se iniciar, o irmão Rutherford retornou aos
Estados Unidos.
Muitos na assistência ficaram desapontados com a “declaração”, visto que em muitos pontos,
deixava de ser tão forte como muitos irmãos esperavam. O irmão Mütze, de Dresden, que
trabalhara intimamente com o irmão Balzereit até aquele tempo, acusou-o mais tarde de ter
amainado o texto original. Não era a primeira vez que o irmão Balzereit atenuara a linguagem
clara e inequívoca das publicações da Sociedade a fim de evitar dificuldades com as agências
governamentais.
Grande número de irmãos recusaram adotá-la apenas por este motivo. Com efeito, anterior
peregrino, chamado Kipper, recusou-se a sugerir sua adoção e outro irmão o substituiu. Não se
podia dizer corretamente que a resolução fora adotada unanimemente, muito embora o irmão
Balzereit mais tarde notificasse o irmão Rutherford de que tinha sido.
“A sede de Brooklyn da Sociedade Torre de Vigia é e sempre tem sido extremamente amigável
para com a Alemanha. Em 1918, o presidente da Sociedade e sete membros da Diretoria, nos
Estados Unidos, foram sentenciados a 80 anos de prisão por motivo de que o presidente se
recusou a permitir que duas revistas nos Estados Unidos, que ele editava, fossem usadas na
propaganda de guerra contra a Alemanha.”
Muito embora a declaração tivesse sido atenuada e muitos dos irmãos não pudessem
concordar de todo o coração com a sua adoção, todavia, o governo ficou enraivecido e
começou uma onda de perseguição contra aqueles que a distribuíam.
A distribuição por toda a Alemanha da declaração adotada em Berlim, apenas um dia depois
de a obra ter sido proscrita na Prússia, era sinal para que a polícia de Hitler entrasse em ação.
Em 27 de junho, todas as autoridades policiais receberam ordens de ‘dar buscas imediatas em
todos os grupos locais e em todos os locais de negócios, e confiscar qualquer material hostil ao
estado’. Um dia depois, em 28 de junho, o prédio de Magdeburgo foi ocupado por trinta
homens das SA, que fecharam a gráfica e hastearam a suástica no prédio. Segundo o decreto
oficial das autoridades policiais, era até mesmo proibido estudar a Bíblia e orar dentro da
propriedade da Sociedade. Em 29 de junho, tal medida foi anunciada pelo rádio a toda nação
alemã.
A perda teria sido maior ainda caso não se tivessem tomado medidas para transferir a maioria
das publicações de Magdeburgo, em alguns casos de barco, e estocá-las em outros locais
apropriados. Desta forma, foi possível manter ocultas grandes quantidades de publicações dos
olhos e das mãos da polícia secreta por muitos anos. Grande parte foi usada na pregação às
ocultas nos anos que se seguiram.
O clero da cristandade não teve vergonha em mostrar abertamente seu apoio a Hitler e seus
esforços de perseguir as testemunhas de Jeová. Conforme relatado em Oschatzer
Gemeinnützige, de 21 de abril de 1933, o ministro luterano Otto, num discurso pelo rádio em
20 de abril, em honra ao aniversário de Hitler, disse:
“A Igreja Luterana alemã do Estado da Saxônia chegou conscientemente a bom termo com a
nova situação e tentará prestar a mais íntima cooperação com os líderes políticos de nosso
povo mais uma vez, a fim de tornar disponível à inteira nação a força do antigo evangelho de
Jesus Cristo. Os primeiros resultados desta cooperação já podem ser relatados na proscrição
hoje imposta à Associação Internacional dos Fervorosos Estudantes da Bíblia e suas
subdivisões na Saxônia. Sim, que momento decisivo mediante a direção de Deus! Até agora,
Deus tem estado conosco.”
Logo depois de os primeiros irmãos terem sido presos e seus lares sofrerem buscas, os
objetivos em seu modo de pensar começaram a compreender que tais medidas eram
simplesmente o início de uma campanha mais grave de perseguição. Sabiam que seria
inteiramente sem sentido tentar resolver tais questões na mesa de conferência. O único
proceder correto era lutar pela verdade.
Mas, grande número hesitava, achando melhor esperar, pois Jeová certamente faria algo para
impedir esta perseguição sobre seu povo. Ao passo que este grupo perdia tempo em
hesitação, e ansiosamente tentava não agravar os assuntos por qualquer ação de sua parte, os
outros publicadores estavam determinados a continuar a obra. Irmãos corajosos logo
começaram a realizar reuniões em pequenos grupos em suas casas, embora soubessem que
isto poderia levar a prisões e a severa perseguição.
O irmão Johann Kölbl fez arranjos para produzir 500 cópias mimeografadas de A Sentinela em
Munique, e estas eram então distribuídas entre os irmãos ali, bem como nos territórios bem
distantes da Floresta da Baviera.
Naturalmente, havia outros também presentes, até mesmo oficiais da Gestapo. Depois do
discurso do irmão Niedersberg, perguntaram o seu nome e endereço, mas não o prenderam
evidentemente não ousando fazê-lo devido à ocasião. Assim pôde continuar sua viagem, que
se tornava cada vez mais difícil para ele. Ao chegar à casa do irmão Thode, em Hennstedt,
sentiu-se subitamente atacado por forte dor de cabeça e morreu pouco depois disso dum
ataque de apoplexia. Assim, suas últimas forças tinham sido usadas em organizar as coisas de
modo que os irmãos recebessem o edificante alimento espiritual. Duas semanas depois, a
Gestapo apareceu em sua casa em Hamburgo-Altona para prendê-lo.
O mesmo acontecia com A Idade de Ouro. Por certo tempo não se achava alistada entre as
revistas proscritas. Mais tarde, depois de ter sido oficialmente banida, era enviada em
particular aos irmãos alemães, em geral pelos irmãos de países estrangeiros, em especial da
Suíça. Os que enviavam as revistas sempre se asseguravam de que o endereço fosse escrito à
mão e por uma pessoa diferente de cada vez.
Quanto menos êxito tinha a Gestapo em suas tentativas de cortar tais fontes de suprimento,
tanto mais brutais eles se tornavam ao lidar com irmãos. Em geral os prendiam depois de
darem buscas em suas casas, embora, amiúde, sem qualquer motivo. Na delegacia de polícia
os irmãos eram em geral cruelmente maltratados, na tentativa de retirar deles alguma espécie
de admissão de culpa.
ELEITORES “LIVRES”
Outra arma usada para intimidar a populaça, e especialmente dirigida contra as testemunhas
de Jeová para obrigá-las a transigir, era a das chamadas eleições “livres”. Os que se recusavam
a ser obrigados a votar eram denunciados como “judeus”, “traidores da Pátria”, e “patifes”.
Max Schubert, de Oschatz (Saxônia) foi convocado cinco vezes pelos funcionários eleitorais
que desejavam levá-lo aos locais de votação no dia de eleições. Sua esposa foi visitada por
algumas mulheres com a mesma intenção. O irmão Schubert disse a seus visitantes, a cada
vez, contudo, que era uma das testemunhas de Jeová, e já votara a favor de Jeová, o que era
suficiente e tornava desnecessário votar em outra pessoa.
Passou momentos difíceis no dia seguinte. Era um agente de passagens da ferrovia e entrava
continuamente em contato com as pessoas. Naquele dia, fizeram questão de saudá-lo com o
“Heil Hitler”. Ele retribuía a saudação com um “Bom dia” ou algo similar. Sentia, contudo,
haver algo “no ar” e considerou isso com sua esposa na hora do almoço, dizendo que se
preparasse para qualquer eventualidade. Após terminar seu serviço naquela tarde, foi preso
por volta das 17 horas por um policial e levado à casa do diretor local do Partido Nacional-
Socialista. Pequena carroça puxada por dois cavalos estava parada à porta. O irmão Schubert
foi obrigado a ficar em pé no meio, com vários homens das SA sentados em volta dele, cada
qual com uma tocha acesa na mão. Na frente se erguia um com uma corneta, e atrás outro,
com um tambor, e se revezavam em soar o alarma para que todos olhassem o desfile. Dois
homens das SA na carroça seguravam um grande letreiro que dizia: “Sou um patife e traidor da
Pátria, porque não votei.” Atrás do desfile, formara alguém logo um grupo que continuamente
repetia as palavras no letreiro. No fim da sentença, perguntavam: “Qual é o lugar dele?”, no
que as crianças da multidão gritavam em uníssono: “Num campo de concentração!” O irmão
Schubert foi levado pelas ruas da cidade de cerca de 15.000 habitantes durante duas horas e
meia. A rádio de Luxemburgo noticiou isto no dia seguinte.
Alguns dos irmãos eram funcionários públicos civis. Visto que não faziam a “saudação alemã”,
nem participavam nas eleições e nas demonstrações políticas, o governo fazia planos desde o
verão de 1934, para baixar uma lei proscrevendo em toda a nação os Estudantes da Bíblia, a
fim de poder expulsá-los do serviço público civil. Isto exigia uma lei nacional que proscrevesse
sua atividade, ao invés de simples leis estaduais locais. Tal lei foi promulgada em 1.º de abril de
1935. Mas, algumas repartições já tinham agido por sua própria conta.
Ludwig Stickel era contador municipal em Pforzheim. Em 29 de março de 1934, recebeu uma
carta do prefeito, dizendo: “Estou iniciando um processo criminal contra o Sr., visando demiti-
lo de seu cargo. Está sendo acusado de recusar-se a votar nas eleições do Reichstag [câmara
legislativa], em 12 de novembro de 1933. . . .” Numa longa carta, o irmão Stickel explicou sua
posição, mas, visto que o julgamento na realidade já fora feito, foi notificado de que tinha sido
demitido em 20 de agosto.”
Seu alvo era privar as testemunhas de Jeová de seus meios de vida — despedindo-as de seus
empregos, afastando-as de seus locais de trabalho, fechando seus locais de comércio e
proibindo-os de exercer suas profissões.
Gertrud Franke, de Mainz, descobriu isso depois que o marido dela foi preso pela quinta vez
em 1936, e a polícia secreta lhe assegurou que não tinham jamais a intenção de libertá-lo de
novo. Depois de a irmã Franke ser liberta — estivera presa uns cinco meses — dirigiu-se à
agência de empregos. Descobriu, contudo, que visto que estivera presa, ninguém queria
contratá-la. Por fim, uma fábrica de cimento foi obrigada a aceitá-la. Duas semanas depois,
teve sua seguinte surpresa, ao descobrir que, sem seu consentimento, tinha sido inscrita na
Frente Trabalhista Alemã e que as taxas tinham sido deduzidas de seu cheque de pagamento.
Reconhecendo os objetivos políticos dessa organização, de imediato se dirigiu ao escritório e
se queixou de que se retivera dinheiro de seu cheque de pagamento para uma organização
que ela de jeito nenhum reconhecia, e solicitou que se cuidasse desse assunto. Isto resultou
em sua demissão imediata. Ao ir de novo à agência de empregos, foi-lhe dito que a agência de
empregos não lhe arranjaria um emprego nem lhe daria qualquer espécie de ajuda como
desempregada. Se ela se recusava a participar da Frente Trabalhista, o problema era dela de
ver como conseguiria viver.
“Na própria ocasião em que a atividade das testemunhas de Jeová na Alemanha foi proscrita,
meus pais foram batizados em símbolo de sua dedicação a Jeová! Para mim, o tempo de
decisão veio quando tinha treze anos e foi anunciada a proscrição. Na escola, amiúde havia
decisões a fazer relacionadas com a saudação à bandeira, que eu decidia em favor da
fidelidade e da dedicação a Jeová. Sob tais circunstâncias, nem se podia pensar em obter
instrução mais elevada, e assim comecei a aprender o ofício de comerciário em Stuttgart; isto
incluía cursar duas vezes por semana uma escola comercial onde se realizavam diariamente
cerimônias de hasteamento da bandeira. Visto que era mais alto do que qualquer dos meus
colegas de turma, eu, naturalmente, atraía indevida atenção quando me recusava a saudar a
bandeira.
“Exigia-se que os alunos se levantassem quando o professor entrava na sala, saudando-o com
as palavras ‘Heil Hitler’, e erguendo o braço direito. Eu não fazia isso. O professor,
naturalmente, dirigia sua atenção apenas para mim, e amiúde ocorriam cenas assim: ‘Knöller,
venha cá! Por que não faz a saudação “Heil Hitler?”’ ‘Isso é contra a minha consciência, Sr.’ ‘O
quê? Seu porco! Afaste-se de mim — seu fedorento — afaste-se mais. Que vergonha! Um
traidor!’, etc. Fui então transferido para outra turma. Meu pai conversou com o diretor e
recebeu a seguinte explicação característica: ‘Pode o seu Deus, em quem confia, dar-lhe
sequer um pedaço de pão? Adolf Hitler pode, e ele já provou isso.’ Isto significa que as pessoas
devem honrá-lo e saudá-lo com as palavras ‘Heil Hitler’.”
Após ter concluído seu aprendizado, irrompeu a Segunda Guerra Mundial e o irmão Knöller foi
convocado para o serviço militar. Ele relata isso como segue:
“Fui convocado para o serviço militar em 17 de março de 1940. Por muito tempo, eu calculava
o que iria acontecer. Imaginava que, ao me apresentar ao centro de incorporação mas então
recusar-me a fazer o juramento, seria submetido ao conselho de guerra e fuzilado. Com efeito,
preferia isso a ser lançado num campo de concentração! Mas, as coisas não aconteceram
desse modo. Não fui submetido a um tribunal militar, mas fiquei preso, passando a pão e água.
Cinco dias depois, a Gestapo veio e me levou a uma audiência que demorou várias horas,
sendo feita toda espécie de ameaça. Essa noite fui devolvido à prisão. Fiquei felicíssimo; não
sentia mais nenhum vestígio de medo, mas apenas alegria e a expectativa do que o futuro
traria e como Jeová mais uma vez me ajudaria. Três semanas depois, altos agentes da Gestapo
leram para mim uma ordem, dizendo que, devido à minha atitude de inimizade ao estado, e o
perigo que representava eu ficar ativo em favor dos proscritos Estudantes Internacionais da
Bíblia, tinha de permanecer sob custódia protetora. Isso significava um ‘campo de
concentração’. Assim, aconteceu justamente o oposto do que esperava. Junto com outros
presos, fui lançado no campo de concentração de Dachau em 1.º de junho.”
O irmão Knöller provou a vida não só em Dachau, mas também em Sachsenhausen. Foi mais
tarde transferido, junto com vários outros presos, para a ilha de Alderney, no Canal da
Mancha. Dramática viagem o levou a Steyr, Áustria, onde ele, e os que estavam com ele, foram
finalmente soltos em 5 de maio de 1945. A turbulência desses anos pode ser vista no fato de
que o irmão Knöller, que fora objeto de tanta perseguição, não tivera ainda a oportunidade de
simbolizar sua dedicação a Jeová por meio do batismo em água, embora seus anos de
fidelidade sob as circunstâncias mais difíceis fossem prova de que fizera tal dedicação. No
pequeno grupo de sobreviventes, com os quais voltou para casa, havia outros nove irmãos
todos os quais perseveraram fielmente durante quatro a oito anos nos campos de
concentração e que então aproveitaram com gratidão a oportunidade, em Passau, para serem
batizados.
“Na escola, meu filho devia aprender de cor um hino patriótico e um poema patriótico. Não
conseguindo harmonizar isso com suas convicções religiosas, recusou-se. Seu professor fez
com que dois rapazes o levassem como se fosse prisioneiro até o diretor, certo Sr. Hanneberg,
que lhe disse que seu dedo seria espancado a ponto de ficar sangrando tanto, tão inchado,
preto e roxo que ‘não mais poderia enfiá-lo em seu [reto]’. Continuou a ameaçá-lo e disse que
jamais veria de novo a seu pai. Por fim, perguntou a este garoto de dez anos se ele recusaria
fazer o serviço militar. Günter referiu-se à Bíblia e disse: ‘Quem tomar da espada perecerá pela
espada’, no que o diretor instruiu o professor de Günter a ‘puni-lo como é costumeiro’. Depois
disso, o diretor o mandou para casa, dizendo que instruiria a polícia que o prendesse em casa,
cinco minutos depois, e o internasse num reformatório. Meu filho mal acabara de chegar em
casa quando a polícia chegou em frente de nossa casa num carro grande. Vários oficiais
exigiram entrar tempestuosamente, mas eu me recusei a abrir a porta. Depois de algum tempo
a polícia foi para a casa da vizinha, exigindo dela evidência incriminatória contra mim. Incapaz
de oferecer tal evidência incriminatória, ela foi pressionada por tanto tempo que, por fim,
admitiu ter-nos ouvido entoar um cântico e fazer oração cada manhã. Daí, a polícia se foi.
“Na manhã seguinte, por volta das 10,30, a polícia voltou. Visto que não me dispus a abrir a
porta, os oficiais da Gestapo bradaram: ‘Sua maldita Estudante da Bíblia! Abra a porta!’ Daí,
foram até um serralheiro que morava perto e o fizeram arrombar a porta.
“Segurando um revólver apontado para meu peito, um dos agentes da Gestapo gritou:
‘Entregue-nos as crianças.’ Mas, eu as segurava perto de mim e elas se agarravam a mim em
busca de proteção. Temendo que eles nos separassem à força, gritávamos pedindo socorro a
plenos pulmões.
“A janela estava aberta e grande grupo de pessoas se reuniu na frente da casa e ouviu meus
gritos altos de desespero: ‘Eu tive meus filhos com terríveis dores de parto e jamais os
entregarei a vocês. Terão que me espancar primeiro até me matar.’ Daí, vencida pela
excitação, desmaiei. Depois de voltar a mim, fui interrogada pela Gestapo durante três horas.
Tentaram fazer com que incriminasse meu marido. O interrogatório foi interrompido várias
vezes pelos meus desmaios. No ínterim, a multidão sempre crescente em frente da casa
começou cada vez mais a indicar, pelo seu barulho que não concordava com o que se passava.
Por fim, a Gestapo se retirou mais uma vez, não tendo realizado aquilo a que se propuseram.
Então passaram a manobrar para retirar secretamente os meus filhos de mim. Pelo que
parece, na execução deste plano, fui intimada a comparecer a um tribunal especial em Elbing,
alguns dias depois. No mesmo dia, meus filhos deveriam comparecer perante o guardião que
havia sido designado para eles. Suspeitei que se daria o pior e visitei o guardião junto com
ambos os filhos no dia anterior. Ele disse que minha filha de 15 anos seria colocada num
campo de trabalho e Günter, com dez anos, seria entregue a uma família que o educaria
segundo as linhas do Nacional-Socialismo. No caso de recusa, ambos seriam colocados num
reformatório. Excitada, perguntei: ‘Diga-me, será que já estamos realmente vivendo na Rússia,
ou ainda estamos na Alemanha?’ no que ele respondeu: ‘Sra. Strenge, vou ignorar o que a
Sra. acaba de dizer. Eu também sou duma família religiosa; meu pai é ministro!’ Quando
solicitei que pelo menos minha filha tivesse permissão de ser aceita como aprendiz em alguma
parte, este advogado retorquiu: ‘Não quero ter dificuldades com vocês. Prefiro lidar com vinte
outras crianças do que com um Estudante da Bíblia.’
“Chegou o sábado, o dia em que devia comparecer ao tribunal em Elbing para defender minha
fé em Jeová e em suas promessas. Para fortalecer-me e de modo que pudesse mais uma vez
extravasar meu coração, visitei meu marido encarcerado antes de ir lá. Quando ele foi trazido,
caí soluçando nos braços dele. Todo o pesar e todos os terríveis eventos dos dias recentes mais
uma vez jorraram dentro de mim: meu marido sentenciado a três anos de prisão, meus filhos
sendo arrancados de mim e separados também um do outro. Meu espírito estava abatido e eu
estava nos limites de minha perseverança. Mas, como palavras dum anjo foram as palavras do
meu marido, que me confortaram, por rememorarem as experiências de Jó e seus
sofrimentos, e, ainda assim, sua inquebrantável fidelidade a Deus, de modo que, mesmo
depois de tudo perder, não acusou a Deus de nenhum erro. Relatou como também tinha sido
ricamente abençoado por Jeová, depois de grave teste provocado pelas numerosas audiências
de instrução e o julgamento. Isto me deu renovado vigor. Fui então à audiência com a cabeça
erguida para ouvir, com orgulho, com que zelo meus filhos tinham dado testemunho de Jeová
e seu Reino, e de sua fé em frente de seus professores e de outras altas autoridades. Decretou
o ‘tribunal alemão’: Não tendo criado meus filhos no sentido do Nacional-Socialismo, e por ter
entoado cânticos junto com eles em louvor a Jeová, eu seria sentenciada a oito meses de
prisão.”
O irmão Willi Seitz, de 12 anos, de Karlsruhe, teve uma experiência de outro tipo. Ele mesmo
relata:
“Dificilmente consigo descrever o que tive de suportar até agora. Meus colegas de escola me
espancam; quando fazemos excursões, eu tenho de ir sozinho, se é que me permitem ir, e não
posso conversar com meus colegas de escola, isto é, os que ainda tenho. Em outras palavras:
‘Sou odiado e sofro zombarias como um cão sarnento.’ Meu único consolo é que o reino de
Deus virá em breve. . . .”
Em 22 de janeiro de 1937, Willi foi expulso da escola “devido a se recusar a fazer a saudação
alemã, a cantar hinos patrióticos e a tomar parte nas celebrações escolares”.
Max Ruef, de Pocking, também verificou como eram feitas tentativas sistemáticas de obrigar
as testemunhas de Jeová a violar sua integridade. Seu meio de vida ficou completamente
arruinado. Uma hipoteca que fizera a fim de efetuar melhoras na casa foi cancelada. Não
podendo pagar a hipoteca de imediato toda sua propriedade foi posta em leilão em maio de
1934.
“A perseguição não parou aí”, relata o irmão Ruef. “Pelo contrário, às instâncias da liderança
política, fui falsamente acusado e levado às barras do tribunal. Visto que não havia nada de
que pudessem acusar-me, fui sentenciado a seis meses de cadeia por um tribunal especial em
Munique por me empenhar em orar e cantar, o que era proscrito, em minha casa. Comecei a
cumprir sentença em 31 de dezembro de 1936. Minha esposa, esperando seu terceiro filho,
não recebeu, além do aluguel, que atingia 12 marcos do Reich, nenhuma espécie de sustento
para si e para nossos dois filhos, com nove e dez anos. Chegou o tempo para ela dar à luz.
Ambos fizemos uma petição para que se interrompesse minha sentença por algumas semanas,
a fim de que pudesse cuidar de certas coisas necessárias. Cerca de uma semana antes de a
criança nascer, nossa petição foi negada, como sendo ‘inapropriada’.
“Em 27 de março, fui notificado de que minha esposa falecera e que eu seria solto por três dias
a fim de cuidar dos assuntos necessários. De imediato me dirigi à clínica onde minha esposa
fora levada depois de ter a criança, embora ela morresse antes de chegar ali. O médico e uma
das enfermeiras, que ainda não sabiam que eu era uma das testemunhas de Jeová, fortemente
instaram comigo para que ‘processasse o médico e a parteira, pois sua esposa era saudável e
não havia nada de errado com ela’, mas eu apenas respondi, cansado de tudo: ‘Então eu teria
muito que fazer.’ Em casa, junto com a criança morta no quarto, encontrei meus dois outros
filhos, com nove e dez anos, numa disposição mental que facilmente se pode imaginar.
Deveria eu deixá-los agora sem ninguém para cuidar deles, talvez jamais os vendo de novo?”
Os sogros do irmão Ruef solicitaram que o corpo da esposa dele fosse enviado a Pocking, onde
não se permitiu que ninguém de fora da família imediata falasse junto ao túmulo. Assim
aconteceu que o próprio irmão Ruef proferiu o discurso fúnebre de sua esposa, Jeová lhe
dando forças para fazê-lo.
A idéia de ter agora de deixar seus dois filhos sozinhos sem ninguém que cuidasse deles era
impossível de suportar para o irmão Ruef. Tendo apenas algumas horas de sobra de sua licença
da prisão, levou um de seus dois filhos para seus sogros, embora não fossem testemunhas de
Jeová, e o outro ele levou para irmãos que viviam próximo da fronteira suíça. Por fim, lançou-
se numa fuga dramática através da fronteira, para a Suíça, onde recebeu asilo junto com seu
filho.
Houve casos em que os filhos que foram separados dos pais se tornaram fracos na fé por certo
tempo e na verdade correram o perigo de ser atraídos para o lado nazista, assim como os
líderes do movimento imaginavam que se daria. Tome-se, por exemplo, Horst Henschel, de
Meissen, que em 1943 foi batizado, com 12 anos, junto com seu pai. Ele escreve:
“Minha infância foi cheia de altos e baixos. Eu me retirei da Juventude Hitlerista — pelo menos
tanto quanto isso era possível — e me sentia feliz e forte. Ao me recusar fazer a saudação a
Hitler, uma exigência diária na escola, era espancado, mas me regozijava de saber, fortalecido
pelos meus pais, que permanecera fiel. Mas, havia ocasiões em que, quer por causa da
punição física, quer por temor da situação, eu dizia ‘Heil Hitler’. Lembro-me de como então ia
para casa, com os olhos cheios de lágrimas e como orávamos juntos a Jeová, e como eu de
novo tomava coragem para resistir aos ataques do inimigo na próxima vez. Daí, a mesma coisa
acontecia de novo.
“Certo dia, a Gestapo veio e deu busca em nossa casa. ‘É uma das testemunhas de Jeová?’,
perguntou à minha mãe um dos homens das SS, de ombros largos. Como se fosse hoje, posso
vê-la inclinar-se contra o umbral da porta e dizer com firmeza ‘Sou’, embora soubesse que isto
significaria ser presa mais cedo ou mais tarde. Ela foi presa, duas semanas depois.
“Ela estava ocupada, cuidando de minha irmãzinha, que faria um ano no dia seguinte, quando
a polícia veio com um mandado de prisão contra ela. . . . Visto que meu pai estava em casa
naquele tempo, permanecemos sob a sua jurisdição. . . . Duas semanas depois, papai também
foi preso. Ainda posso vê-lo agachado em frente ao fogão da cozinha, contemplando o fogo.
Antes de ir para a escola, dei-lhe o abraço mais apertado que eu pude, mas ele não se virou
para me olhar. Eu amiúde penso na luta árdua que ele travou e até o dia de hoje sou grato a
Jeová por ter Deus suprido a ele a força necessária para me dar tão bom exemplo. Voltei para
casa e verifiquei estar só. Ordenaram a meu pai que fizesse o serviço militar e ele fora à junta
de recrutamento da cidade para explicar sua recusa. Foi imediatamente preso. Meus avós e
outros parentes nossos — todos os quais se opunham às testemunhas de Jeová e alguns dos
quais eram membros do partido nazista — tomaram medidas para obter a custódia sobre mim
e minha irmãzinha de um ano, de modo a não sermos enviados a uma instituição para jovens
ou talvez até mesmo a um reformatório. Minha outra irmã, já com 21 anos foi presa apenas
duas semanas depois do papai, e morreu três semanas depois na prisão, com difteria e
escarlatina.
“Minha irmãzinha e eu estávamos agora com nossos avós. Lembro-me de ajoelhar diante da
cama de minha irmãzinha para orar. Não me permitiam ler a Bíblia, mas, secretamente obtive
uma duma vizinha, e a lia.
“O vovô, que não estava na verdade, certa vez visitara o papai na prisão. Voltou para casa
muito indignado e terrivelmente irado. ‘Esse criminoso, esse vagabundo! Como pode
abandonar seus próprios filhos?’ Algemado nas mãos e nos pés, papai foi levado perante meu
avô que, junto com os outros tentou convencê-lo a fazer o serviço militar por causa dos filhos.
Mas, ele continuou fiel e firmemente rejeitou essa sugestão, no que um oficial observou ao
vovô: ‘Mesmo se este homem tivesse dez filhos, não agiria diferente.’ Embora fosse terrível
aos ouvidos do vovô, para mim isso era prova de que papai permanecia fiel e que Jeová o
ajudava.
“Algum tempo depois, recebi dele uma carta. Foi sua última. Visto não saber onde minha mãe
estava presa, escreveu a mim. Fui para meu quarto de dormir no sótão, e li suas primeiras
palavras: ‘Regozije-se quando receber essa carta, porque eu perseverei. Dentro de duas horas
será executada minha sentença. . . .’ Fiquei triste e chorei, embora não compreendesse a
profundeza da questão naquele tempo como compreendo hoje.
“Em face de todos estes eventos decisivos, permaneci relativamente forte. Sem dúvida Jeová
me deu a força necessária para solucionar meus problemas. Mas, Satanás tem muitos modos
de envolver a pessoa em sua armadilha e logo eu iria sentir isso. Um de meus parentes se
achegou a meus professores, pedindo-lhes que fossem pacientes comigo. De súbito, todos se
tornaram muitíssimo amigáveis comigo. Os professores não me puniam, mesmo quando não
fazia a saudação ‘Heil Hitler’, e meus parentes se tornaram especialmente amigáveis comigo.
Daí, aconteceu.
“Por minha própria iniciativa, juntei-me à Juventude Hitlerista, embora ninguém me tentasse
obrigar a fazer isso, e embora fosse apenas alguns meses antes do fim da Segunda Guerra
Mundial. O que Satanás deixara de obter com severidade, conseguiu realizar com lisonja e
astúcia. Atualmente posso afirmar que a severa perseguição externa talvez prove nossa
lealdade, mas que os ataques ardilosos de Satanás, de outros ângulos, não são menos
perigosos do que os ataques brutais. Atualmente compreendo os testes difíceis da fé que
minha mãe teve de atravessar enquanto presa. Eu recebera a última carta do papai,
confirmando sua fidelidade e dedicação até à morte, e isto me fortaleceu imensamente. Ela,
por outro lado, recebera suas roupas e ternos, em que manchas de sangue ainda eram
claramente visíveis, testemunhas silenciosas dos fustigamentos ligados à morte dele. Mamãe
mais tarde me contou que todas essas coisas foram dificílimas de suportar, mas que sua prova
mais difícil durante esse tempo foram minhas cartas, indicando que eu deixara de servir a
Jeová.
“A guerra terminou rapidamente. Mamãe voltou para casa e me ajudou a voltar ao caminho da
dedicação. Ela continuou a me criar no amor de Jeová e em dedicação a Ele. Rememorando,
vejo que tinha muitos dos mesmos problemas que muitos dos nossos irmãos jovens têm hoje.
Mas, mamãe jamais deixou de lutar para me ajudar a permanecer na vereda da dedicação.
Devido à bondade imerecida de Jeová, tenho tido agora o privilégio de estar no serviço de
tempo integral por vinte e dois anos, seis anos e quatro meses desse tempo sendo gastos na
prisão na Alemanha Oriental, preso assim como meus pais foram.
“Amiúde pergunto a mim mesmo o que fiz para merecer ter sido tão ricamente abençoado por
Jeová no passado. Atualmente creio que as orações do papai e da mamãe foram responsáveis
por isso. Não poderiam ter dado melhor exemplo de conduta cristã do que deram por meio de
seu próprio proceder.”
Há 860 casos conhecidos em que os filhos foram afastados dos pais, embora o número exato
talvez seja bem maior. Em vista de tal desumanidade, não é estranho que, com o decorrer do
tempo, as autoridades tenham chegado ao ponto de tornar impossível que se tivessem filhos,
por simplesmente declararem que um dos genitores possuía uma “doença hereditária”. Podia
então ser esterilizado, sob as provisões da lei.
Uma das táticas cruéis empregadas era permitir que o cônjuge e outros membros da família
provassem os tormentos que seus entes queridos tinham de experimentar durante os
interrogatórios. Emil Wilde descreve a crueldade disso, sendo ele obrigado a ouvir de sua cela
enquanto sua esposa era literalmente torturada até morrer.
“Em 15 de setembro de 1937”, começa ele, “bem cedinho de manhã, por volta das 5 horas,
dois oficiais da Gestapo vieram e deram buscas em nossa casa, depois de primeiro
interrogarem meus filhos. Depois disso, eu e minha esposa fomos levados à delegacia de
polícia e imediatamente trancafiados nas celas. Nossa primeira audiência se deu cerca de dez
dias depois. Disseram-me que minha esposa também teria sua primeira audiência naquele
mesmo dia, e isto aconteceu mesmo.
“Desde o meio-dia em diante, por volta das 13 horas, ouvi altos gritos duma mulher. Ela estava
sendo espancada e, ao continuarem os gritos a ficar mais altos, eu pude ouvi-los mais
claramente, reconhecendo-os como sendo de minha esposa. Toquei a sineta e perguntei por
que a mulher, minha esposa, estava sendo espancada, disseram-me que não era minha
esposa, mas outra, que merecia a surra por mal comportamento. Em fins daquela tarde, os
gritos começaram de novo e se tornaram tão intensos que mais uma vez toquei a sineta e me
queixei do tratamento que davam à minha esposa. A Gestapo continuou a negar que se
tratava da minha esposa. Por volta da uma hora da madrugada, não conseguia agüentar mais,
e toquei de novo a sineta, esta vez resultando em que o oficial de polícia, cujo nome não sei,
me disse: ‘Se tocar a sineta só mais uma vez, faremos com você o mesmo que fizemos com sua
mulher!’ Seguiu-se o silêncio por toda a prisão, pois, no ínterim, haviam levado minha esposa à
clínica nervosa. Cedo pela manhã de 3 de outubro o chefe da guarda da Gestapo, Classin, veio
até minha cela e me disse que minha esposa havia morrido na clínica nervosa. Eu lhe disse
bem na face que eram culpados pela morte de minha esposa, e, no dia de seu enterro, movi
um processo de assassinato contra a Gestapo. Isto resultou em a Gestapo me acusar de
calúnia.
“Isto significava que haveria outro julgamento, além do meu primeiro. Quando foi realizado,
duas irmãs se levantaram durante a audiência do tribunal especial e testificaram: ‘Ouvimos a
Sra. Wilde gritar: “Seus demônios, vocês me estão matando de pancada.”’ O juiz respondeu:
‘Mas elas não viram isso, apenas ouviram. Sentencio-o a um mês de prisão.’ Várias irmãs, que
viram minha esposa depois da morte, confirmaram que estava terrivelmente desfigurada com
grandes marcas ao redor do pescoço e no rosto. Não tive permissão de comparecer ao enterro
dela.”
Carl Göhring, devido à sua recusa de fazer a “saudação alemã” e aderir à Organização da
Frente Trabalhista, foi despedido de seu emprego na firma ferroviária particular da Companhia
Leuna, em Merseburgo. A agência de empregos se recusou a encontrar um trabalho para ele e
o escritório do seguro social recusou-se a lhe dar qualquer espécie de ajuda. Mas, Jeová, que
conhece as necessidades de seu povo, dirigiu os assuntos, de modo que o irmão Göhring logo
conseguiu um emprego na fábrica de papel em Weissenfels. Seu diretor, certo Sr. Kornelius,
contratava todos os irmãos na vizinhança que haviam sido despedidos de seus empregos e não
exigia nada deles que se chocasse com suas consciências.
Como aconteceu mais tarde, havia outros patrões como este também, embora não fossem
muitos. Um bom número de irmãos viram-se assim livres das garras da Gestapo.
Havia também juízes de per si que intimamente não estavam em completo acordo com os
métodos violentos usados pelo governo hitlerista. Especialmente, de início, vários juízes
apresentavam aos irmãos uma declaração inofensiva para assinarem, uma que simplesmente
declarava que se refreariam de empenhar-se em qualquer atividade política. Visto que os
irmãos podiam assinar a mesma sem quaisquer reservas, poupou a muitos de perder sua
liberdade.
As buscas nas casas amiúde indicavam que nem todas as autoridades eram tão odiosas para
com as testemunhas de Jeová, como talvez parecesse exteriormente. O irmão e a irmã Poddig
experimentaram isto quando sua casa sofreu uma busca. Acabavam de receber
correspondência, inclusive cópias de A Sentinela, junto com outras publicações, da irmã carnal
da irmã Poddig, que morava na Holanda. Antes de terem a oportunidade de ler algo, contudo,
a campainha subitamente tocou.
“Depressa”, bradou a irmã Poddig, “coloquem tudo na despensa e fechem a porta”. Visto que
isto talvez chamasse atenção, contudo, ela decidiu no último minuto deixar a porta aberta. No
ínterim, o agente da Gestapo, acompanhado por um homem das SA, já havia entrado na casa.
“Então”, começou ele, “vamos começar aqui mesmo”. Com isso queria dizer a despensa, com
sua porta aberta. O garotinho do irmão Poddig disse de repente: “Vai perder muito tempo até
achar alguma coisa na despensa”, no que o agente sorriu e replicou: “Bem, então vamos para
o outro quarto.” A inteira busca não teve êxito. Com efeito, o irmão Poddig e sua família
tiveram a impressão de que eles — pelo menos o agente da Gestapo — não queriam encontrar
nada. Tornou-se evidente que o homem das SA não achou que a busca estava sendo feita
cabalmente e queria continuá-la. Mas, o agente da Gestapo o repreendeu e lhe proibiu de
procurar mais. Ao partir, voltou subitamente sozinho e sussurrou à irmã Poddig: “Sra. Poddig,
ouça o que eu lhe digo. Eles levarão os seus filhos, porque não estão na Juventude Hitlerista.
Por favor, mande seus filhos, nem que seja apenas por uma questão de aparência.” “Então,
ambos saíram e pudemos ler nossa correspondência da Holanda em paz”, escreve o irmão
Poddig. “Agradecemos a Jeová as muitas coisas novas e A Sentinela, que mais uma vez estava
incluída.”
Há, naturalmente, inúmeros casos em que os oficiais da Gestapo ficaram, pelo que parece,
atacados de cegueira, quando faziam suas buscas, e onde foram freqüentemente passados
para trás pelas ações relâmpagos dos irmãos, indicando claramente a proteção de Jeová e a
ajuda angélica.
A irmã Kornelius, de Marktredwitz, conta uma experiência: “Certo dia, outro policial apareceu
para dar uma busca. Tínhamos várias publicações na casa, inclusive várias Sentinelas
mimeografadas. Naquele instante, não vi nenhuma outra possibilidade senão a de metê-las
num bule vazio de café, que por acaso estava sobre a mesa. Depois de examinar tudo, era
apenas uma questão de tempo até se encontrar este esconderijo. Exatamente nesse instante,
minha irmã carnal apareceu subitamente no apartamento. Sem quaisquer preliminares, eu lhe
disse: ‘Aqui está, leve o seu café.’ Ela olhou um pouco atônita, de início, compreendeu o que
eu queria dizer, contudo, e foi logo embora, levando junto o bule de café. As publicações
estavam fora de perigo e os oficiais não notaram que haviam sido passados para trás.”
Pitoresca é a história que o irmão e a irmã Kornelius contam sobre Siegfried, seu filho de cinco
anos, que naquele tempo não tinha dificuldades com a “saudação alemã” e coisas similares
porque não estava ainda em idade escolar. Mas, visto que seus pais o criavam na verdade,
sabia que as publicações de seus pais, que eram sempre escondidas depois de lidas, eram
muito importantes, e que a Gestapo não deveria encontrá-las. Certo dia, ao ver dois oficiais
atravessando o quintal da casa de seus pais, imediatamente compreendeu que procuravam as
publicações escondidas e, de imediato, sabia o que fazer para impedi-los de achar algo.
Embora não estivesse ainda em idade escolar, apoderou-se da pasta escolar de seu irmão mais
velho, esvaziou-a de tudo e encheu-a com as publicações. Pendurou a pasta nas costas e saiu
para a rua com ela. Ali esperou até que os oficiais partiram depois de darem uma busca sem
êxito. Depois disso, voltou à casa, e escondeu de novo as publicações onde as tinha
encontrado.
“Meu beliche era o de cima, mas o preso que dormia embaixo fumava tanto que eu
dificilmente conseguia respirar. Quando todos os outros estavam dormindo, eu conseguia
testemunhar a ele sobre o propósito de Deus para a humanidade, por meio da Bíblia.
Verifiquei que era um ouvinte atento. Este rapaz era ativo na política e ficara sob custódia por
distribuir revistas ilegais. Prometemos um ao outro que, uma vez livres de novo, se ainda
estivéssemos vivos, tentaríamos visitar um ao outro. Mas, as coisas aconteceram de forma
diferente. Em 1948 eu me encontrei de novo com ele numa de nossas assembléias de circuito.
Ele me reconheceu logo, saudou-me alegremente e então me contou sua história. Depois de
cumprir sua sentença, e ser liberto, foi convocado ao serviço militar e serviu na frente da
Rússia. Ali teve oportunidade de repensar todas as coisas que eu lhe dissera. . . . Por fim, disse-
me: ‘Hoje me tornei seu irmão.’ Pode imaginar quão emocionado fiquei e como me regozijei
com isso?”
Hermann Schlömer teve similar experiência. Foi igualmente numa assembléia de circuito que
um irmão se aproximou dele e perguntou: “Está reconhecendo-me?” Respondeu o irmão
Schlömer: “Seu rosto me é familiar, mas não sei quem é.” O irmão então se apresentou como
tendo sido o guarda da prisão encarregado do irmão Schlömer na prisão de Francforte-
Preungesheim enquanto cumpria sua pena de cinco anos ali. O irmão Schlömer falara ao
guarda muitas coisas sobre a verdade. Também lhe pedira uma Bíblia, que o clérigo da prisão
lhe havia negado. O guarda carcerário era humano e obteve uma Bíblia para o irmão Schlömer.
A fim de que tivesse algo para fazer na solitária, também lhe trazia as meias da família para
cerzir. Sim, o irmão Schlömer realmente tinha motivos de regozijar-se, compreendendo que,
neste caso, a palavra de Jeová caíra em solo fértil.
Naturalmente, havia o perigo de que alguns irmãos fossem privados do alimento espiritual
simplesmente por causa de alguma circunstância infeliz que causasse suspeita de que se
afastaram da organização de Jeová. Eis o que aconteceu com Grete Klein e sua mãe em Stettin.
Ouçamo-la.
“Permanecer estático realmente significa recuar; isto logo vimos pela nossa atitude espiritual.
Depois de a guerra começar, continuei a orar em favor dos nossos irmãos nos campos de
concentração; logo depois, contudo, também orava em favor de meus irmãos carnais que
faziam a guerra com armas literais na Rússia e na Grécia. Naquele tempo, não me ocorria que
aquilo que eu fazia era errado. Muitas vezes me vinha à mente a idéia de se era mesmo
possível estabelecer uma nova ordem debaixo do reino de Deus.
“Além de mim, havia muitos outros jovens na congregação de Stettin que não sabiam qual era
sua posição. Vários rapazes, tais como Günter Braun, Kurt e Artur Wiessmann, achavam-se no
serviço militar, lutando com armas carnais. Kurt Wiessmann foi até mesmo morto em ação.
Importante razão para nossa posição negativa era, sem dúvida, o fato de que nossa liderança
na congregação de Stettin caíra vítima do temor do homem. . . .
“Por outro lado, tais irmãos que se enfraqueceram durante esse tempo são um exemplo da
paciência, do amor e do perdão de Jeová, visto que, conforme verifiquei mais tarde, alguns
deles sinceramente se arrependeram de suas ações depois que a obra foi reiniciada e foram
restaurados ao favor de Jeová. Alguns deles ainda estão no serviço de tempo integral hoje,
como, para exemplificar, o anterior superintendente de congregação de Stettin, que devido ao
temor do homem, rompeu todo contato comigo e com minha mãe, e mudou-se com a esposa
para um lugar onde eram inteiramente desconhecidos. Mas, como me regozijei quando me
encontrei de novo com ele em Wiesbaden, ao começar a servir em Betel, e ao poder ver
ambos continuarem no serviço de tempo integral até à velhice. Por causa de seu proceder,
alguns dos irmãos sofreram muito nos campos de concentração e nas prisões, e muitos
tiveram muita dificuldade em perdoá-lo. Mas, a misericórdia de Jeová os ajudou a fazer isso e
serviu como maravilhoso exemplo para eles.”
Retornando no relato a 1933, quando Hitler se tornou chanceler, verificamos que o irmão
Rutherford logo compreendeu que o governo alemão tinha seus olhos voltados para nosso
prédio em Magdeburgo e as valiosas prensas ali instaladas. Fizeram-se firmes empenhos de
provar às autoridades responsáveis que a Wachtturm Bibel - und TraktatGesellschaft era
subsidiária da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados de Pensilvânia e que, visto que a
propriedade de Magdeburgo em grande parte consistia em dádivas recebidas dos Estados
Unidos, era realmente propriedade estadunidense. Sob tais circunstâncias, o irmão Balzereit,
como cidadão alemão, só teve êxito parcial em lutar para a liberação da propriedade
estadunidense. O irmão Rutherford, portanto, pediu ao irmão Harbeck, superintendente da
filial na Suíça, que entrasse na controvérsia, fazendo uso de sua cidadania estadunidense.
O irmão Balzereit, que resolvera mudar-se para a Tchecoslováquia a bem da sua segurança,
sentiu então que sua autoridade estava sendo diminuída, e seu orgulho ficou ferido. Todavia,
ele mesmo mostrava pouco desejo de retornar à Alemanha e dirigir pessoalmente as
negociações para reter a posse da propriedade da Sociedade e apoiar seus irmãos na sua luta
pela fé. Ao mesmo tempo, o irmão Balzereit e vários irmãos que tomaram seu lado na
controvérsia, acusavam o irmão Harbeck de ser negligente em cuidar dos interesses alemães,
ao passo que outros chegaram até a telegrafar ao irmão Rutherford em favor de Balzereit.
O irmão Rutherford respondeu a Balzereit como segue: “Volte a Magdeburgo, e fique lá, e
cuide dos assuntos e faça o que puder, mas informe o irmão Harbeck de tudo. . . . Com efeito,
não era preciso que o irmão pedisse permissão de voltar à Alemanha visto que no que me diz
respeito, e o irmão sabe bem disso, poderia ter permanecido lá mesmo desde o início. O irmão
tentou fazer-me crer, contudo, que sua segurança pessoal dependia de refugiar-se fora do
país.”
O ano de 1933 chegou ao fim sem se conseguir qualquer união no que dizia respeito a realizar
reuniões regulares e a execução da obra de pregação. O irmão Poddig descreve a situação:
“Dois grupos se desenvolveram. Os temerosos sustentavam que éramos desobedientes e
púnhamos em perigo tanto a eles como a obra de Jeová.” Uma carta escrita pelo irmão
Harbeck em agosto de 1933 teve ampla distribuição entre os irmãos alemães, e foi usada pelos
temerosos em suas discussões, como prova da correção de sua posição. No ínterim, a
Sociedade publicou o artigo da Sentinela intitulado “Não os Temais”, que apoiava a ação dos
que, apesar da crescente perseguição e dos maus tratos, seguiram a voz de sua consciência e
tinham continuado a se reunir em pequenos, grupos e a efetuar a obra de pregação às ocultas.
Mostrava-lhes que sua ação estivera em harmonia com a vontade divina.
No ínterim, cartas adicionais dos irmãos na Alemanha tinham chegado ao irmão Rutherford,
dando-lhe uma idéia mais exata da condição da obra na Alemanha, e também da atitude
espiritual dos irmãos. Uma delas, do irmão Poddig tratava do artigo da Sentinela, “Não os
Temais”. Explicava que alguns dos irmãos recusavam aceitar esta Sentinela como “alimento no
tempo apropriado”. Alguns até mesmo tentavam impedir que os irmãos fizessem qualquer
pregação às ocultas. A resposta do irmão Rutherford foi transmitida aos irmãos em toda a
parte. Dizia, em parte: “O artigo ‘Não os Temais’, que foi publicado na Sentinela de 1.º de
dezembro foi escrito especialmente para o benefício de nossos irmãos na Alemanha. É
surpreendente que qualquer dos irmãos se oponha aos interessados em encontrar
oportunidades de dar testemunho do Senhor. . . . O artigo acima-mencionado aplica-se tanto à
Alemanha como a qualquer outra parte da terra. Aplica-se em especial ao restante, onde quer
que os membros de per si estejam. . . . Isto significa que nem o servo de literatura, nem o
diretor de serviço, nem o líder da obra de colheita, nem qualquer outra pessoa tem o direito
de lhe dizer o que fazer ou a recusar-se a fornecer-lhe as publicações que estejam disponíveis.
Sua atividade no serviço do Senhor não é ilegal, pois a faz em obediência à ordem do
Senhor . . .”
Um congresso foi programado para o local da feira de Basiléia, Suíça, a ser realizado de 7 a 9
de setembro de 1934. O irmão Rutherford esperava ver a vários irmãos da Alemanha ali, a fim
de ouvir em primeira mão sobre a situação real no país. Sob as condições mais adversas, quase
mil irmãos da Alemanha conseguiram comparecer. Mais tarde relataram quão angustiado ficou
o irmão Rutherford quando ouviu pessoalmente o que os irmãos já tinham sido obrigados a
sofrer.
Por outro lado, viu-se obrigado a reconhecer que até mesmo os superintendentes viajantes
presentes não tinham a mesma opinião com respeito à obra de pregação. Falou-lhes sobre os
passos que deviam dar na Alemanha, depois do congresso. Foram feitos planos para a ação
unida.
O dia 7 de outubro de 1934 será lembrado por muito tempo como algo especial por parte dos
que tiveram o privilégio de participar nos eventos daquele dia. Naquele dia, Hitler e seu
governo se viram confrontados pela ação destemida das testemunhas de Jeová — em seus
olhos, uma minoria ridícula.
Pormenores foram delineados numa carta do irmão Rutherford, uma cópia da qual deveria ser
levada por mensageiro especial a cada congregação na Alemanha. Ao mesmo tempo tais
mensageiros receberam instruções de fazer preparativos para que fossem realizadas reuniões
em toda a Alemanha nesse determinado dia. A carta do irmão Rutherford, dizia, em parte:
“Cada grupo das testemunhas de Jeová na Alemanha deve reunir-se num local conveniente na
cidade onde morarem na manhã de domingo, 7 de outubro, às 9 horas. Esta carta deve ser lida
a todos os presentes. Devem unir-se em oração a Jeová, pedindo a Ele, mediante Cristo Jesus,
nosso Cabeça e Rei, a sua orientação, proteção, libertação e bênção. Imediatamente depois,
enviem uma carta às autoridades governamentais alemãs, cujo texto terá sido preparado de
antemão, e então se achará disponível. Alguns minutos devem ser gastos na consideração de
Mateus 10:16-24, tendo presente que, por fazer como manda este texto, estão ‘tomando
posição por suas vidas’. (Ester 8:11) A reunião deve concluir então e devem ir a seus vizinhos,
dando-lhes um testemunho sobre o nome de Jeová, sobre nosso Deus e seu Reino debaixo de
Cristo Jesus.
“Seus irmãos por todo o mundo estarão pensando nos irmãos e farão uma oração similar a
Jeová ao mesmo tempo.”
DECLARAÇÃO UNIDA DA DETERMINAÇÃO DE OBEDECER A DEUS
“Eu fora preso no início de 1933 pela primeira vez, e lançado num campo de concentração, de
modo que, depois de ser solto, amiúde tinha de me apresentar à Gestapo, que cada vez me
acusava de ser encarregado de organizar a obra nesta cidade, o número contínuo de prisões
dando testemunho de que havia uma campanha organizada de pregação em progresso. Por
conseguinte, fiz arranjos para que minha correspondência fosse enviada para um endereço
camuflado, endereço este que o irmão Franz Merck, nosso diretor regional de serviço,
conhecia. Mas, por algum motivo inexplicado, ele não me entregou pessoalmente, como tinha
sido concordado em Basiléia, a carta do irmão Rutherford, contendo as necessárias instruções,
mas a enviara a mim pelo correio, e isto ao meu endereço normal e literalmente ‘no último
minuto’. Felizmente, o irmão Albert Wandres, com quem eu trabalhava intimamente ligado, já
me trouxera à atenção a campanha, e assim eu estava a par de todos os pormenores
delineados na carta. Visto que os dias até 7 de outubro passavam mui rapidamente, e eu ainda
não recebera esta importante informação do irmão Merck, fui adiante sem a sua ajuda e fiz
arranjos para que a reunião se realizasse na casa dum irmão num subúrbio de Mainz, reunião à
qual quase vinte pessoas foram convidadas.
“Dois dias antes de a reunião se realizar, abrupta mudança teve de ser feita, visto que a casa
onde devíamos reunir-nos se tornou local perigoso. Depois de todos os irmãos e irmãs terem
sido avisados do novo endereço, descobriu-se subitamente que uma família nesta casa
também expressara grande inimizade e ameaçara mandar prender imediatamente cada
pessoa que conheciam como sendo testemunha de Jeová se, em qualquer tempo no futuro,
pusessem os pés em sua casa. Assim, os irmãos que eram os donos do prédio, num
apartamento do qual se realizaria a reunião na manhã seguinte, pediram que fosse realizada
em outro lugar. Portanto, tornou-se necessário, em 6 de outubro, visitar todos os irmãos de
novo, avisando-os dum terceiro local para a reunião às 9 horas na manhã seguinte. Mas onde?
Não parecia haver outras possibilidades. Depois de considerar com oração o assunto, decidi
convidar os irmãos ao meu pequeno apartamento de pioneiro, embora isto fosse perigoso.
“Voltei para casa cansado, na noite de 6 de outubro, e minha esposa me passou uma carta que
fora entregue tarde da noite, fora do horário normal de entrega postal, e isto apesar de que
era apenas uma carta simples, ao invés de por via expressa, o que teria feito com que as
autoridades postais a entregassem nessa hora. Abria-a e descobri que era a carta do irmão
Rutherford. O irmão Merck a enviara a mim provavelmente porque não tinha possibilidades de
entregá-la a tempo pessoalmente a mim.
“A maneira da entrega era, para mim, uma prova de que a carta primeiramente fora parar na
Gestapo — como se dava com toda a minha correspondência particular — e que esta fizera
arranjos para entregá-la, evidentemente pensando que eu não sabia nada ainda da campanha.
Calculavam que eu faria então os arranjos necessários em harmonia com o conteúdo da carta,
em algum tempo à noite, de modo que pudessem apanhar todos nós juntos e prender-nos,
sem qualquer esforço especial de sua parte, na manhã seguinte. Com efeito, houve tempo
suficiente para avisar as autoridades de toda a Alemanha. Seria muito simples prender todas
as testemunhas de Jeová reunidas nas várias cidades, na manhã seguinte.
“O que devia fazer? Meu apartamento, situado num prédio que também abrigava uma
taberna, era tudo, menos seguro. Todos os que moravam no prédio, com a exceção da irmã
dona do prédio, cujo quarto de dormir era contíguo ao nosso apartamento, eram amargos
opositores. Por outro lado, não havia quaisquer outras possibilidades dum local onde nos
pudéssemos reunir. Confiando na ajuda de Jeová, decidi não fazer quaisquer outras mudanças,
nem agitar indevidamente os irmãos e as irmãs, que, na maior parte, viviam em famílias
divididas, e que não tinham a menor idéia de qual era a finalidade da reunião. Intimamente,
preparava-me para ser preso de novo.
“Às 7 horas da manhã de 7 de outubro, os primeiros irmãos já haviam chegado, tendo sido
feitos arranjos para que todos viessem individualmente num período de duas horas, de modo
que isso não fosse tão notado. Os irmãos apareceram, um a um, todos com grandes
expectativas do que viria, embora em harmonia com as instruções, não foram informados da
verdadeira razão da reunião. Mas, não havia ninguém dentre eles que não achasse que este
seria um dia extremamente significativo. Todos, inclusive as irmãs cujos maridos na maioria
eram opositores e a maioria das quais tinham filhinhos pequenos a cuidar, impressionaram-me
como estando determinados e dispostos a fazer tudo que se lhes pedisse que fizessem nos
interesses da vindicação do nome de Jeová.
“Quando faltavam dez minutos para as 9 horas, todos estavam reunidos em nosso
apartamento de pioneiro, de um só cômodo. Eu esperava plenamente ver a Gestapo chegar
num carro grande a qualquer instante e prender a nós todos. Portanto, senti-me na obrigação
de explicar a situação aos irmãos e lhes dar a oportunidade de deixar de participar na reunião,
caso temessem as possíveis conseqüências. Eu lhes disse: ‘A situação é tal que todos nós
podemos ser presos nos próximos dez minutos. Não desejo que nenhum dos irmãos possa
acusar-me mais tarde de tê-lo metido em tal situação sem informá-lo de sua seriedade.
Portanto, peço que abram suas Bíblias em Deuteronômio 20.’ Li o versículo 8: ‘Qual é o
homem que é temeroso e receoso de coração? Vá e retorne à sua casa, para que não faça os
corações de seus irmãos derreter-se como o seu próprio coração.’ Depois de ler isto para os
presentes, eu disse: ‘Quem achar que a situação é perigosa demais tem agora a oportunidade
de deixar de participar na reunião.’
“Mas, nem uma pessoa sequer, nem mesmo as irmãs que tinham maridos opositores e
filhinhos pequenos, pensou em recuar de medo. O que então se seguiu é algo que é difícil de
expressar em palavras. Nos poucos minutos que restavam para as 9 horas, houve um silêncio
festivo no quarto. Era evidente que todos na assistência estavam entregando o assunto em
oração silenciosa à mão protetora de Jeová. Eram 9 horas. E, ao passo que essa idéia
continuava a me vir à mente de que ‘a Gestapo chegará ao pátio a qualquer momento’, iniciei
a reunião com oração. Subitamente, todos tivemos a sensação de que um anel forte e protetor
tinha sido colocado em volta de nós, abrangendo não só os irmãos em perigo na Alemanha,
mas os irmãos através do mundo que, em harmonia com as instruções, se reuniram em muitos
países à mesma hora e que, naturalmente, também iniciaram suas reuniões com oração, tudo
isto visando protestar perante Hitler contra o tratamento desumano de seus irmãos na
Alemanha.
“Depois disso, proferi um discurso aos irmãos, repetindo as idéias principais do notável
discurso do irmão Rutherford em Basiléia para o encorajamento dos irmãos alemães.
Apresentava provas bíblicas de que, apesar das condições mudadas, não estávamos livres de
nossa responsabilidade perante Jeová de nos reunir regularmente para estudar sua Palavra e
louvá-lo, nem da obrigação de servirmos como suas testemunhas e tornar publicamente
conhecido o Reino.”
Em harmonia com a ação tomada pelas testemunhas de Jeová em toda a Alemanha, todos no
grupo concordaram entusiasticamente que se devia enviar a seguinte carta ao Governo
naquele dia, por via registrada:
“A Palavra de Jeová Deus, conforme delineada na Bíblia Sagrada, é a lei suprema, e, para nós, é
nosso único guia por motivo de nos termos devotado a Deus e sermos seguidores verdadeiros
e sinceros de Cristo Jesus.
“No ano passado, e contrário à lei de Deus e em violação de nossos direitos, proibiram-nos,
como testemunhas de Jeová de nos reunirmos para estudar a Palavra de Deus e adorá-lo e
servi-lo. Em sua Palavra, ele nos ordena que não deixemos de nos reunir. (Hebreus 10:25) A
nós, Jeová ordena: ‘Vós sois minhas testemunhas de que eu sou Deus. Ide e falai ao povo a
minha mensagem.’ (Isaías 43:10, 12; Isaías 6:9; Mateus 24:14) Há um conflito direto entre a
sua lei e a lei de Deus, e, seguindo a orientação dos fiéis apóstolos, ‘devemos obedecer a Deus
antes que aos homens’, e isto faremos. (Atos 5:29) Por conseguinte, esta tem por fim avisá-los
de que, a todo custo, obedeceremos aos mandamentos de Deus, vamos reunir-nos para o
estudo da sua Palavra, e iremos adorá-lo e servi-lo conforme Ele ordenou. Se o seu governo ou
suas autoridades nos causarem violência porque obedecemos a Deus, então nosso sangue
ficará sobre os senhores e terão que responder perante o Deus Onipotente.
“Não temos interesse algum nos assuntos políticos, mas estamos inteiramente devotados ao
reino de Deus sob Cristo, seu Rei. Não faremos dano nem prejudicaremos a ninguém. Nosso
prazer seria ficar em paz e fazer o bem a todos os homens conforme tenhamos oportunidade,
mas, visto que seu governo e as autoridades dele continuam em sua tentativa de nos forçar a
desobedecer à mais alta lei do universo, vemo-nos obrigados a lhes avisar agora que iremos,
por Sua graça, obedecer a Jeová Deus e confiar plenamente nele para nos livrar de toda
opressão e de todos os opressores.”
Em pleno apoio a seus irmãos alemães, as testemunhas de Jeová em toda a terra se reuniram
em 7 de outubro e, depois de oração unida a Jeová, enviaram um cabograma avisando o
governo de Hitler:
“Seus maus tratos para com as testemunhas de Jeová chocam a todas as pessoas boas da terra
e desonram o nome de Deus. Refreie-se de continuar perseguindo as testemunhas de Jeová;
de outra forma, Deus o destruirá, bem como a seu partido nacional.”
Surpreendentemente, poucos irmãos foram presos naquele dia, embora a Gestapo — mesmo
que apenas no último minuto — tivesse descoberto o que iria ser feito. Voltemos ao relato do
irmão Franke:
“Apesar de que mais de uma hora se passara desde que encerráramos a reunião com oração,
ainda ninguém da Gestapo aparecera. Então começaram a ir embora os primeiros, como antes,
a intervalos. Cerca de oito irmãos ainda estavam lá quando eu fui pegar minha bicicleta para
pedalar até a cidade adjacente de Wiesbaden, a fim de entregar pessoalmente a carta às
autoridades postais. A carta tinha sido escrita à noite e deixada em Wiesbaden onde os irmãos
deveriam enviá-la, caso eu, como esperava plenamente, fosse preso. Ao pedalar pelo portão
do jardim, um agente da Gestapo vinha pedalando sua bicicleta pela entrada, mas não me
reconheceu. Os outros oito irmãos foram avisados e fugiram para o quarto de dormir
adjacente, da irmã Darmstadt, a irmã a quem pertencia o prédio. As perguntas que o agente
da Gestapo fez à minha esposa, ao dar busca no apartamento, indicavam que a Gestapo sabia
tudo sobre nossa reunião. Apesar disso, nem eu nem quaisquer dos outros irmãos fomos
presos naquele dia. Foi apenas vários meses depois, quando fui preso de novo pela Gestapo,
que me contaram que estavam de posse da carta do irmão Rutherford.”
Ao passo que alguns dos irmãos se empenhavam em visitar seus vizinhos logo depois da
reunião, e em trazer à atenção deles o reino de Deus, havia grande consternação em muitas
das agências do correio fora da Alemanha. Especialmente no continente europeu, as
autoridades postais em muitos lugares se recusavam a aceitar o telegrama. Isto se deu em
Budapeste. Martin Pötzinger assistiu à reunião ali e se lhe pediu que levasse o telegrama aos
correios. Relata ele: “O telegrama foi aceito, mas, no dia seguinte, fui notificado pelo correio
central que deveria comparecer pessoalmente ali. Todos pensávamos que a Gestapo me
levaria em custódia, expulsando-me do país, e assim acabaria a minha atividade . . . mas isto
não aconteceu. Foi-me apenas dito que a Hungria não transmitiria o telegrama e me foi
devolvido meu dinheiro.” Em Doorn (Holanda), onde o Kaiser alemão Guilherme II vivia em
exílio, os correios de início recusaram enviar o telegrama, porém, mais tarde avisaram a Hans
Thomas, que o havia entregue, de que fora enviado e que se confirmara sua chegada a Berlim.
O efeito que as cartas, e especialmente os telegramas tiveram sobre Hitler, pode ser
depreendido de um relatório escrito por Karl R. Wittig, atestado por um tabelião em Francforte
(Meno), em 13 de novembro de 1947:
Depois de termos enviado nossas cartas a Hitler, ocorreu uma onda de prisões. Hamburgo foi a
cidade mais duramente atingida, pois ali, apenas alguns dias depois de 7 de outubro, a
Gestapo prendeu 142 irmãos.
ORGANIZADA A OBRA ÀS OCULTAS
Tendo então avisado a Hitler, em nossa carta de 7 de outubro, de que, apesar de sua
proscrição, continuaríamos a obedecer às ordens de Deus com exclusividade, empenhamo-nos
em organizar todos os irmãos e irmãs corajosos e dispostos em pequenos grupos, sob a
direção de um irmão maduro, cuja obrigação era cuidar de todo o coração das ovelhas do
Senhor e pastoreá-las.
O país foi dividido em treze regiões, e um irmão, com boas qualidades de pastoreio, foi
designado em cada região para servir como diretor regional de serviço, como era então
chamado. Estes tinham de ser irmãos que, sem considerar os perigos envolvidos, estavam
dispostos a entrar em contato com pequenos grupos a fim de lhes fornecer o alimento
espiritual, apoiá-los em sua atividade de pregação e fortalecê-los na fé. Exceto algumas, as
posições foram ocupadas por servos inteiramente desconhecidos dos irmãos até então.
Haviam provado, contudo, desde a ascensão de Hitler ao poder, que estavam dispostos a
subjugar seus próprios interesses pessoais aos do Reino.
“Era de manhã quando a campainha da porta subitamente tocou, mas muito mais alto do que
de costume. Quando abri a porta, encontrei três homens em pé ali. Suspeitei quem eles eram.
‘Gestapo’ disse um deles, e todos os três já estavam dentro do apartamento. Meu coração
quase me subiu à garganta, ao pensar em todas as coisas escondidas na casa. Tremendo
interiormente de medo, orei a Jeová.
“Do ponto de vista humano, não teria sido nenhum problema encontrar as Sentinelas
empacotadas e o equipamento inteiro que usávamos para produzi-las. Visto que nossa casa
era uma em que moravam várias famílias, inclusive as de dois oficiais de polícia, não havia
nenhum lugar para esconder as coisas, especialmente em vista de que o material necessário —
papel, o mimeógrafo, a máquina de escrever e a tinta, bem como o material para embrulhos —
eram todos grandes. Não sabendo como esconder tais coisas dos olhos que não deviam vê-las
— precisávamos delas a cada duas semanas — decidimos amontoar tudo em nosso depósito
de batatas, que ficava no meio do porão, onde poderiam chegar quaisquer dos outros
ocupantes do prédio. Cada vez que acabávamos de produzir A Sentinela, colocávamos tudo
cuidadosamente de novo neste depósito, cobríamos o mesmo com sacos vazios, e então
empilhávamos caixotes vazios de tomates por cima, até o teto, esperando que, se acontecesse
o pior, os que tentassem descobrir algo deixassem de notá-lo ou fossem preguiçosos e
indiferentes demais para querer tirar tudo de cima do depósito de batatas. Confiávamos em
Jeová; não havia nada mais que pudéssemos fazer.
Poder-se-ia relatar muitos casos similares, que mostravam a orientação de Jeová em manter
intatas estas operações com o mimeógrafo por longos períodos de tempo, e assim suprir Seu
povo de publicações.
De início, a maioria só trabalhava com a Bíblia, ao passo que folhetos e livros mais antigos que
haviam sido salvos das garras da Gestapo eram colocados ao se fazerem revisitas. Outros
fizeram cartões de testemunho. Ainda outros escreviam cartas a pessoas que conheciam,
aproveitando-se de alguma ocasião especial. A atividade de porta em porta continuou, embora
estivessem envolvidos grandes perigos. Toda vez que alguém abria a porta, poderia ser um
homem das SA ou SS. Depois de falar a uma porta, os publicadores em geral iam para outro
prédio de apartamentos ou, em casos onde o perigo era extremo, até mesmo para outra rua.
Pelo menos por dois anos foi possível, em quase toda parte da Alemanha — em alguns lugares
até por mais tempo — pregar de casa em casa. Não há dúvida de que isto só era possível
graças à proteção especial de Jeová.
“Isto podia acontecer várias vezes numa noite. Uma vez o caminho estivesse livre de novo, os
irmãos se dirigiam a certa casa num povoado do lado alemão, onde os livros eram colocados
em pequenos pacotes nessa mesma noite ou bem cedo na manhã seguinte, eram endereçados
e então eram levados de bicicleta à agência dos correios em Hirschberg ou outras cidades
vizinhas. Os irmãos por toda a Alemanha recebiam suas publicações dessa forma. . . . Esta
equipe de irmãos zelosos e de extraordinária perícia, conseguiu trazer grande quantidade de
publicações para dentro da Alemanha, num período de dois anos, sem ser apanhada, destarte
fortalecendo a muitos por todo o país.” Arranjos similares também foram usados nas
fronteiras com a França, o Saar, a Suíça e a Holanda.
De interesse, neste particular, é uma carta escrita por certa irmã: “Quando lerem o relatório
do Anuário sobre a Alemanha perguntarão a si mesmos como é possível que tantas
publicações fossem colocadas sob tais condições. Fazemos a nós próprios a mesma pergunta.
Se Jeová não estivesse conosco, isso seria impossível. Muitos dos irmãos estão sendo vigiados
constantemente pela polícia sempre que saem de casa. . . . Mas, Jeová está a par disso e,
apesar de tudo, permite nos ser fortalecidos vez após vez pelo abundante alimento que
usufruímos.”
Tivemos tempo suficiente para ocultar as publicações em vários lugares antes de ser anunciada
a proscrição. A fim de entender o que ocorreu, contudo, é importante ter presente que os
irmãos jamais tinham tido qualquer experiência em estocar publicações quando sob
proscrição. Assim, ao invés de dividi-la entre muitos irmãos, a tendência de início era depositá-
la em grandes depósitos, pensando que isso era mais seguro, em especial em vista de que os
encarregados achavam que a proscrição seria apenas temporária. Alguns dos depósitos tinham
espaço de estocagem para de trinta a cinqüenta toneladas de publicações. Ao passar o tempo,
contudo alguns dos irmãos começaram a preocupar-se, pensando no que aconteceria se os
inimigos descobrissem e confiscassem estes grandes depósitos. Por esse motivo, os
encarregados dos depósitos começaram a dar os livros para serem usados no ministério, sem
considerar se seriam colocados por uma contribuição ou não.
Uma vez evidente que a perseguição continuaria, e que manter os esconderijos se tornava
cada vez mais perigoso, os irmãos começaram a dar gratuitamente tantos livros e folhetos
quantos fossem possíveis. Ao participarem no ministério de campo, simplesmente os
colocavam dentro da porta, quando ninguém estava observando, ou os enfiavam debaixo do
capacho da porta, esperando que, em alguns casos, caíssem em mãos de pessoas sinceras,
desejosas da força e da esperança que lhes podiam transmitir.
Visto que estávamos determinados a não deixar de reunir-nos em harmonia com a ordem de
Jeová, era óbvio que estávamos extremamente cônscios quanto a celebrar a Comemoração da
morte de Cristo. Em tais dias, a Gestapo ficava especialmente ativa, determinando, na maioria
dos casos, a data da Comemoração, quer pelas publicações impressas fora da Alemanha, quer
da Sentinela mimeografada, que às vezes lhe caía nas mãos. Sua ira especialmente se
concentrava nos ungidos, que eram mencionados, não só em relação com a Comemoração,
mas também em relação com as campanhas especiais. Viam neles os “cabeças” da
organização, que teriam de ser esmagados primeiro a fim de destruir a organização.
“Um ataque de surpresa, lançado nesta ocasião contra os líderes conhecidos dos Estudantes
da Bíblia, teria muito êxito. Queiram relatar quaisquer informações a respeito do êxito até 22
de abril de 1935.”
Mas, a maioria dos oficiais só puderam mencionar muito poucas “informações a respeito do
êxito”, como o de Dortmund, que só conseguiu relatar que as casas daqueles que se cria serem
líderes da Associação dos Estudantes da Bíblia foram postas sob observação, mas que, em
nenhum caso realizaram-se reuniões. Como um apaziguador, acrescentaram que “os membros
liderantes e ativos dos Estudantes da Bíblia neste distrito já se acham em custódia, de modo
que não sobrou ninguém para organizar tais reuniões”.
No entanto, a polícia secreta estava enganada, pois, pouco depois de esta circular secreta ser
enviada, recebemos uma cópia dela dum amigo da verdade que tinha acesso a tais
informações secretas. Os diretores regionais de serviço avisaram a todos os servos, com
bastante tempo, e lhes deram o conselho apropriado sobre como evitar a detenção e ainda
assim obedecer às instruções de nosso Senhor e Mestre.
Assim, aconteceu que muitos se reuniram logo depois das 18 horas, ao passo que outros
esperaram até que a Gestapo viesse e se fosse, antes de saírem para se reunir com seus irmãos
em pequenos grupos, alguns celebrando a Comemoração nos meados da noite. De qualquer
forma, a maioria dos departamentos da Gestapo enviaram relatórios similares ao enviado de
Dortmund.
Os irmãos sempre estavam preparados para surpresas, contudo, e isto era bom. Tentavam
ligar, não só sua assistência às reuniões semanais, mas, acima de tudo, seu comparecimento à
Comemoração, com alguma atividade diária inofensiva, e isto amiúde os salvava da prisão.
Franz Kohlhofer, da vizinha Bamberg, relata:
“Neste determinado dia, os espiões ficaram especialmente ativos em vigiar as casas das
testemunhas de Jeová, na esperança de apanhar algumas delas em atividade ilegal e então
prendê-las. . . . Havíamos decidido, vários dias antes, reunir-nos para a celebração na casa dum
irmão que criava porcos. Todo mundo deveria trazer uma cesta cheia de cascas de batatas e
outros lixos. Tudo isso tinha de ocorrer apressadamente, porque a Gestapo poderia surgir a
qualquer momento. Como precaução, levávamos juntos nossos baralhos, de modo a poder
enganar a polícia caso nos surpreendesse. E adivinhem o que aconteceu! Assim que o irmão
terminara sua oração final, ouviram-se batidas à porta. Mas já então nós quatro estávamos
sentados ao redor da mesa inofensivamente empenhados num jogo de cartas. Dificilmente
podiam crer no que seus olhos viam, ao fixarmos os olhos neles quieta e candidamente. Visto
que não nos conseguiram apanhar na hora certa, viram-se obrigados a ir embora sem terem
realizado aquilo que se propuseram fazer.”
BATISMO
Não foram poucos os que aprenderam a verdade, durante este tempo, que foram batizados
sob as circunstâncias mais provadoras. Logo muitos dos recém-batizados foram lançados na
prisão ou em campos de concentração, e vários deles perderam a vida da mesma forma que
aqueles que lhes trouxeram as boas novas.
Paul Buder já tivera sua atenção voltada para o discurso “Milhões” lá atrás, em 1922, mas não
entrou em íntimo contato com a verdade até 1935, quando uma jovem empregada no mesmo
lugar que ele, e a respeito da qual tinha sido avisado pelos outros, lhe deu o livro Criação. “Isso
foi em 12 de maio de 1935”, escreve ele em suas memórias, “e era aquilo que eu procurava.
Em 19 de maio de 1935, deixei de ser membro da igreja e disse à jovem que eu gostaria de me
tornar uma das testemunhas de Jeová. Quão feliz ela ficou! Ela já estivera presa por seis
semanas, sendo acusada de ser colportora. Daí, entrei em contato com o irmão e a irmã Woite,
da congregação de Forst. Apesar de ser tido como espião dos nazistas naquela congregação, ia
regularmente de casa em casa em todos os povoados com minha pequena Bíblia de Lutero. Em
23 de julho de 1936, fui batizado no Rio Neisse em Forst, presentes o irmão e a irmã Woite, e
também um irmão mais idoso que proferiu o discurso.”
“Em 1941, vários interessados expressaram seu desejo de ser batizados. Quando descobrimos
que havia vários que tinham o mesmo desejo na vizinhança, começamos a procurar um local
apropriado e o encontramos em Dehme, no Rio Weser. Depois de tudo ter sido bem
considerado e cuidadosamente planejado, o batismo foi fixado para 8 de maio de 1941. Os
irmãos e os candidatos ao batismo já estavam lá bem cedo de manhã. Para outros, parecia
como se fôssemos um grupo que se divertia em nadar. Daí, de modo que ninguém nos
pudesse surpreender, alguns foram enviados para ficar vigiando e, depois de se falar da
importância do batismo, oramos a Jeová. Então, sessenta candidatos ao batismo foram
imersos no rio. Outros, que eram idosos ou doentes demais para mergulhar na água fria, foram
batizados em particular numa banheira, perfazendo um total de 87 batizados naquela dia.”
Albert Wandres tinha sido um dos diretores regionais de serviço muito antes de 7 de outubro
de 1934, e seu nome logo se tornou bem conhecido da Gestapo, em especial pela constante
corrente de julgamentos nas várias cidades do Ruhr em que ele trabalhava. Em resposta à
pergunta sobre onde os réus obtiveram suas publicações, o nome “Wandres” era ouvido com
freqüência. A Gestapo fez todo esforço para colocá-lo sob custódia. Astutamente, contudo, ele
pedira a todos os irmãos que tinham retratos dele que os devolvessem ou que os destruíssem.
O resultado foi que, embora a Gestapo soubesse seu nome, não tinha idéia de sua aparência.
Não caiu nas mãos de seus perseguidores senão depois de uma caçada humana de três anos e
meio. Ouçamos o irmão Wandres nos contar algumas de suas experiências em sua atividade às
ocultas.
“Por certo tempo, encontrei vários irmãos em Düsseldorf numa mercearia dum irmão.
Achamos que, se entrássemos e saíssemos da loja pouco antes da hora de fechar, isso seria
menos notado. Certa vez já estávamos juntos por cerca de uma hora quando a Gestapo de
súbito exigiu entrar. Bem na hora, fugi do depósito de armazenagem, onde realizamos nossa
palestra, para a loja, que distava apenas alguns passos. Felizmente, as luzes já tinham sido
apagadas. Instantes depois, entraram como um relâmpago no depósito de armazenagem e
prenderam todos os irmãos presentes. Deram buscas no inteiro depósito e encontraram minha
pasta cheia de Sentinelas. Subitamente, um dos agentes gritou alegremente: ‘Eis o que
procuramos! A quem pertence a pasta?’ Ninguém respondeu. Então ele exigiu saber onde
eram os alojamentos do dono da loja. ‘No terceiro andar’ foi a resposta. ‘Saiam’, bradou o
agente da Gestapo, e todos os irmãos subiram as escadas até o apartamento, com os agentes
da Gestapo perseguindo-os com ardor, esperando encontrar no apartamento do irmão aquele
a quem procuravam.
“Entrei então de novo com cautela no depósito de armazenagem, coloquei meu casaco e
chapéu, apanhei minha pasta e verifiquei se não havia ninguém do lado de fora, na rua. Daí,
parti apressado. Quando os cavalheiros voltaram lá de cima, descobriram, para tristeza deles,
que seu “pássaro” escapara da gaiola, e já estava a caminho de Elberfeld-Barmen.” Adiciona o
irmão Wandres: “Isto é muito divertido e bom de se contar, mas, passar a pessoa mesma por
tudo isso é outra história.”
“Certa vez”, continua o irmão Wandres, “eu levava duas malas pesadas, cheias dos livros
Preparação, para Bonn e Kassel. Haviam sido enviadas através da fronteira perto de Trier.
Cheguei em Bonn em fins da noite e deixei as malas num lugar seguro no porão do servo de
congregação. Na manhã seguinte, por volta das 5,30, tocou a campainha. A Gestapo viera de
novo dar buscas no apartamento. O irmão Arthur Winkler, naquele tempo servo de
congregação, bateu à minha porta e trouxe à minha atenção as visitas indesejadas. Visto que
não havia possibilidade de escapar, decidimos preparar-nos para o que desse e viesse. Quando
a polícia entrou no meu quarto, perguntaram o que fazia ali e respondi brevemente que fazia
uma excursão pelo Rio Reno e desejava visitar o Jardim Botânico de Bonn. Examinaram
cuidadosamente meus documentos e, embora um pouco inseguros, os devolveram então a
mim. O irmão Winkler teve de ir com eles até a chefatura de polícia, onde um dos agentes
disse a seu superior — segundo o irmão Winkler me contou mais tarde — ‘Havia outra pessoa
lá.’ ‘Vocês não o trouxeram? Não resta dúvida que foram as pessoas bem indicadas para se
mandar até lá.’ ‘Por quê?’ um deles perguntou. ‘Devemos voltar e pegá-lo?’ ‘Pegá-lo? Acha
que está esperando a sua volta?’ Na realidade os agentes mal acabaram de sair da casa
quando eu também parti com uma das duas malas (eles não as encontraram), que levei junto
para Kassel.
“Chegando em Kassel, o servo de congregação, o irmão Hochgräfe, me contou: ‘Não pode ficar
aqui. Precisa partir imediatamente. A Gestapo está vindo toda manhã a esta casa, já por uma
semana.’ Concordamos que ele deveria andar uns 50 metros na minha frente, e me mostrar o
caminho até um lugar onde pudesse deixar as publicações. Mal tínhamos andado mais de
duzentos metros pela linda Kastanienallee quando os agentes da Gestapo, que conheciam bem
o servo de congregação, se aproximaram de nós. Visto que eu o seguia a uns cinqüenta metros
de distância, pude ver o sorriso zombeteiro deles, mas não o detiveram. Alguns minutos
depois, as publicações por meio das quais os irmãos podiam ser fortalecidos em sua fé mais
uma vez tinham sido levadas a um lugar seguro.
“Outra vez, eu levava duas malas pesadas de publicações para Burgsolms, perto de Wetzlar.
Eram 23 horas e tudo estava escuro como o breu. Dificilmente alguém poderia verme, mas
ainda assim tinha a estranha sensação de estar sendo vigiado. Depois de chegar a meu destino,
avisei aos irmãos que escondessem as malas num local seguro. Por volta das 5,30 da manhã
seguinte, veio o sargento de polícia da cidade. Eu estava em pé no meio do quarto,
preparando-me para me lavar, quando ele se voltou para a irmã e disse: ‘Ontem à noite um
homem com duas malas pesadas veio aqui. Sem dúvida obtiveram publicações novamente.
Onde as colocaram?’ A irmã respondeu: ‘Meu marido já foi trabalhar. E não sei o que
aconteceu ontem à noite porque não estava em casa!’ O sargento replicou: ‘Se não entregar
voluntariamente as malas, então teremos de dar buscas na casa à procura delas. Eu vou
procurar o prefeito, pois sem ele não posso realizar a busca. Mas, até que eu volte, está
proibida de sair da casa.’ Durante esta inteira palestra, eu estava em pé no meio do quarto,
imaginando por que agente tinha aquele olhar vidrado e por que nem seque falara comigo. Só
podia concluir que ele fora como que cegado. Depois de ele sair para procurar o prefeito,
aprontei-me para partir imediatamente. Fui para o lado de fora e esperei atrás da casa até que
o prefeito e o sargento de Polícia entrassem na casa pela frente. Nesse momento, saí
sorrateiramente lá de trás. Os vizinhos, que por acaso viram isto, ficaram evidentemente
contentes por eu ter escapado. Terminei de me vestir no meio do mato e então corri tão
rápido quanto pude para a seguinte estação de trem e continuei a viagem.”
Durante os anos de 1934 a 1936, os pastores fiéis apoiavam seus irmãos por toda a Alemanha,
encorajando-os a freqüentar as reuniões e, se possível, participar em todos o, ramos de
serviço, apesar da perseguição. No ínterim, realizou-se um julgamento em Halle, em 17 de
dezembro de 1935, contra Balzereit, Dollinger e sete outros considerados irmãos
“destacados”. Pelo menos para a metade deles, isso foi o fim de sua carreira cristã.
Muitos irmãos, nos numerosos julgamentos que ocorriam na Alemanha, naquele tempo,
admitiam abertamente o que fizeram na promoção dos interesses do Reino sob condições
provadores. Em contraste, estes homens sob julgamento em Halle negavam ter feito qualquer
coisa proibida pelo Governo. Balzereit, quando o presidente lhe perguntou o que tinha a dizer,
afirmou que logo que a proscrição fora anunciada na Baviera, ele enviara instruções para não
se trabalhar ali, e que o mesmo se dera em todos os demais estados. Disse que jamais enviara
instruções que encorajassem qualquer pessoa a desconsiderar a proscrição.
Quando o presidente lhe perguntou sobre a Comemoração anual da morte de Cristo, Balzereit
respondeu que ele também tinha ouvido dizer que os irmãos planejavam reunir-se para
celebrá-la, apesar da proscrição. Ele os avisara sobre isto, contudo, visto que sabia que a
polícia planejava uma ação especial para esse dia.
Naturalmente, a atitude pessoal do réu com respeito ao serviço militar veio à tona, assim
como acontecera em todos os julgamentos naquele tempo. Ele se declarou completamente
satisfeito com a explicação do Führer, a saber, que a própria guerra era um crime, mas que
todo país tinha o direito e o dever de proteger a vida de seus cidadãos.
Pouco depois, o irmão Rutherford escreveu a seguinte carta aos irmãos alemães:
“Apesar da perseguição iníqua sobre os irmãos, e a grande oposição levantada pelos agentes
de Satanás nesse país, é animador saber que o Senhor ainda dispõe de alguns milhares nesse
país que têm fé nele e que persistem em proclamar a mensagem do Seu reino. Sua fidelidade
em fazer frente aos perseguidores e em permanecer fiéis ao Senhor se acha em notável
contraste com a ação tomada por aquele que anteriormente era o encarregado da Sociedade
na Alemanha, e outros associados com ele. Recentemente, uma cópia do testemunho dado no
julgamento desses homens em Halle me foi fornecida, e fiquei atônito de verificar nela que
nem um só dos julgados naquela ocasião deu um testemunho fiel e verdadeiro do nome de
Jeová. Cabia especialmente ao anterior encarregado, Balzereit, levantar bem alto o estandarte
do Senhor e declarar-se a favor de Deus e seu reino, no meio de toda a oposição, mas nem
uma palavra sequer foi proferida que mostrasse sua completa confiança em Jeová. Vez após
vez, eu trouxera à atenção dele o fato de que certas coisas poderiam ser feitas na Alemanha e
ele me assegurou de que fazia todo esforço para encorajar os irmãos a prosseguir com o
testemunho. Mas, no julgamento ele declarou com ênfase que não se fizera nada. É
desnecessário que eu considere mais esse assunto aqui. Basta dizer que a Sociedade, daqui em
diante, não terá nada que ver com ele, nem com aqueles que, nessa ocasião tiveram
oportunidade de dar testemunho do nome de Jeová e do Seu reino e deixaram de fazê-lo. A
Sociedade não fará nenhum esforço de procurar libertá-los da prisão, mesmo se tivesse poder
de fazer algo.
“Que todos que agora amam o Senhor voltem seus rostos para Ele, Jeová, e seu Rei, e
permaneçam fiéis e firmes do lado do reino, sem considerar toda oposição que talvez lhes
sobrevenha. . ..”
Em contraste com muitos dos irmãos fiéis da Alemanha, que foram sentenciados a termos de
até cinco anos de prisão, Balzereit foi condenado a dois anos e meio e Dollinger a dois anos.
Depois de cumprir sua sentença na prisão, Balzereit foi enviado ao campo de concentração de
Sachsenhausen, onde foi obrigado a desempenhar um papel extremamente inglório. Assinara
a declaração em que renunciava à associação com os irmãos e evitava todo contato com eles.
Devido à sua conduta, foi liberto cerca de um ano depois, mas, no ínterim, viu-se obrigado a
suportar muitas humilhações, pois, basicamente, as SS também odiavam os traidores. Foram
as próprias SS que lhe deram o nome “Belzebu”, e um dos homens das SS exigiu que certa vez
ficasse em pé na frente de todos os seus irmãos — havia cerca de 300 no campo, nessa época
— e repetisse sua declaração assinada, renunciando à associação com as testemunhas de
Jeová, e ele fez isso!
Em 1946, tempo em que Balzereit já se tornara violento opositor da verdade, ele escreveu
uma carta às autoridades de reparação, revelando a atitude hostil que tinha até mesma antes
do julgamento. Assim findou um capítulo obscuro na história do povo de Deus na Alemanha,
cujas primeiras linhas já tinham sido escritas na década de 1920.
Na primeira metade de 1936, a Polícia Secreta do Estado compilou vasto arquivo que continha
os endereços de pessoas que eram suspeitas de ser testemunhas de Jeová, ou, pelo menos, de
ser amigáveis para com elas. Este arquivo se baseava, em grande grau, nos endereços
encontrados no livro Maná Celeste Diário, confiscado nas buscas às casas. Cursos especiais
foram então ministrados aos agentes da Gestapo. Foram instruídos a dirigir o estudo da
Sentinela; tinham de estudar cuidadosamente os artigos mais recentes da Sentinela, de modo
que pudessem responder às perguntas como se fossem irmãos. Por fim, tinham até mesmo de
aprender a orar. Tudo isto visava, se possível, penetrar bem no meio da organização e destruí-
la de dentro.
Anton Kötgen, de Münster, relata que, depois de entregar as publicações a uma senhora
“amigável”, foi prontamente detido e lançado na prisão. Ao mesmo tempo, o irmão Kötgen
prossegue dizendo: “Os agentes da Gestapo visitaram minha esposa, que estava do lado de
fora, no jardim. Apresentaram-se como irmãos, mas apenas visando descobrir os nomes dos
outros irmãos. Minha esposa logo percebeu sua tramóia, e os revelou como sendo agentes da
Gestapo.” Mas, não foi em todo o caso que a Gestapo foi reconhecida a tempo.
No ínterim, o irmão Rutherford planejava uma viagem à Suíça e desejava, se possível, falar
com os irmãos da Alemanha. Foram feitos arranjos para um congresso em Lucerna, de 4 a 7 de
setembro de 1936. o escritório central na Suíça sugerirá que compilássemos vários relatórios
dos irmãos, de toda a Alemanha, a respeito de suas detenções, os maus tratos sofridos às
mãos da Gestapo, de serem despedidos de seus empregos por se recusarem a fazer a
“saudação alemã”, e também relatórios de casos em que os irmãos morreram em resultado de
maus tratos, e assim por diante. Tais relatórios deveriam ser levados secretamente para a
Suíça antes de o congresso se iniciar de modo que o irmão Rutherford tivesse a oportunidade
de examiná-los.
“Eu aguardava o congresso de Lucerna, tinha boas oportunidades de poder comparecer, visto
que já conseguira obter um visto suíço. Mas, antes disso, queria ir a Leipzig considerar
assuntos de organização com o irmão Frost, cujo território eu deveria assumir como diretor
regional de serviço, visto que surgira uma vaga com a prisão do irmão Paul Grossman. Não
consegui alcançar o irmão Frost, contudo e no lugar onde esperava encontrá-lo fui recebido ao
invés pela Gestapo. Fiquei completamente paralisado, de início pois logo quando iria iniciar tal
serviço animador, eu seria privado da associação com meus irmãos e levado pela Gestapo para
Leipzig. [Dali foi levado para Berlim.]
“No ínterim, a Gestapo ficara sabendo que tínhamos um local de reunião no jardim zoológico e
descobriram muitas outras coisas sobre a nossa organização. Estas informações foram obtidas
por vários modos, inclusive por chantagem.
“Alguns dias depois, cinco oficiais, armados de pistolas carregadas, apareceram subitamente,
me mandaram pôr minhas roupas civis, e me levaram ao local próximo do lago de peixes
dourados onde o irmão Varduhn alugava suas cadeiras de jardim. Não suspeitavam, contudo,
que ele fosse uma das testemunhas de Jeová. Agora eu deveria servir de ‘isca’ para meus
irmãos, que por fim apareceriam para a reunião planejada, sobre a qual a Gestapo obtivera
então informações.
“Mal acabara de me sentar onde me mandaram quando vi nossa irmã Hildegard Mesch vir-se
aproximando de mim. Ela ficara imaginando por que eu não me dirigira até eles visto que era
esperado, e queria então saber por que não viera. Visto que minhas canelas inchadas estavam
muito doloridas devido aos golpes que eu recebera, os oficiais não suspeitaram de nada
quando subitamente me curvei, fazendo uma careta de dor, no momento exato em que ela
passava do outro lado da alameda, e eu tentava ao mesmo tempo fazer-lhe um sinal, com os
olhos, de que a Gestapo estava no jardim zoológico. Ela entendeu, hesitou por um segundo
apenas, e então retornou ao irmão Varduhn, a quem informou desta nova situação. Isto
significava o maior dos perigos para o irmão Winkler, que realmente chegou pouco depois, e,
sem suspeitar, sentou-se numa cadeira vazia. Logo depois o irmão Varduhn se aproximou dele,
pedindo o pagamento do aluguel da cadeira, e ao mesmo tempo avisou-o de que os agentes
da Gestapo estavam no jardim zoológico. O irmão Winkler logo se levantou, deixando sua
pasta para trás e fugiu — segundo parecia — passando pelo círculo de agentes da Gestapo.
Descobri mais tarde, que em fins da noite ele apareceu no apartamento do irmão Kassing,
onde um grupo de agentes da Gestapo, que o esperava, o levou imediatamente sob custódia.”
Dentro de poucos dias, pelo menos a metade dos diretores regionais de serviço na Alemanha,
junto com milhares de outros irmãos e amigos, tinham sido presos. Isto incluía o irmão Georg
Bär, que relata:
“A cada noite, por volta das 22 horas, ouvia os presos serem levados de suas várias celas.
Pouco depois, eu os ouvia serem espancados no porão, ouvia seus gritos e seus soluços. Cada
noite, ao ouvir as portas das celas serem abertas, eu costumava pensar: Chegou a minha vez.
Mas, não me incomodaram até que, por fim, no quarto ou quinto dia, por volta das 6 horas, fui
chamado para interrogatório. Desta vez, era um homem das SS que me levou ao seu quarto e
me mandou sentar. Então, disse: ‘Sabemos que nos poderia contar muito mais do que
desejaria.’ Ficou em pé, apanhou um lápis que afiou na beirada da cesta de papel, e continuou
seu pequeno discurso: ‘Não vou tornar as coisas difíceis para você, venha cá.’ Ele me pediu que
chegasse até sua mesa mostrou-me várias páginas datilografadas e me deixou lê-las. Era uma
lista de todos os servos viajantes da Alemanha, com meu nome no fim. Li os nomes das
congregações que havíamos visitado, bem como os nomes dos irmãos ali. Preto no branco, li
quantas publicações, fonógrafos e discos havíamos pedido. Também, as contribuições e outros
fundos que havíamos entregue estavam alistados. Mal pude crer no que via. A nossa inteira
organização subterrânea estava ali nas mãos da Gestapo. Na verdade, precisei de alguns
minutos até conseguir pesar inteiramente a situação. Onde é que a Gestapo conseguira estes
registros? Eu me perguntava. Se a minha própria atividade não estivesse alistada com tal
exatidão, teria duvidado da veracidade do relatório. O homem da Gestapo-SS de Dresden,
Bauch, que dirigia o interrogatório me deu tempo para ajuntar as idéias. Receio ter
apresentado uma cara um tanto apavorada quando me sentei. Ele então disse: ‘Bem,
realmente, não há motivo de permanecer em silêncio.’
“Por meses me atormentava a idéia de onde é que a Gestapo conseguira nossos registros.
Mais tarde descobri que todos os nossos pedidos, relatórios e os fundos que havíamos
entregue tinham sido cuidadosamente registrados num arquivo e guardados em Berlim. Mais
tarde, este foi encontrado e confiscado pela Gestapo.”
Na realidade, dentre as mais de mil pessoas que planejaram fazer a viagem, apenas trezentas
conseguiram fazê-la. Mas, a maioria delas tiveram de atravessar ilegalmente as fronteiras e
muitas foram presas ao voltar.
O irmão Rutherford naturalmente aproveitou a oportunidade de falar aos servos da Alemanha
que estavam presentes sobre os problemas deles. Estava especialmente interessado em como
cuidar espiritualmente dos irmãos. Heinrich Dwenger estava presente, e relata, a respeito da
continuação da palestra:
“Pediu-se então aos diretores regionais de serviço que fizessem sugestões. Eles recomendaram
que o irmão Rutherford me enviasse de volta à Alemanha. Haviam pedido que eu mesmo
fizesse essa sugestão, mas eu lhes disse que não poderia fazê-la, visto ter sido enviado a Praga,
e não podia dizer que desejava retornar à Alemanha. Pareceria dessatisfeito com minha
designação. Assim aconteceu que, por certo tempo, o irmão Frost foi designado para assumir a
responsabilidade. Então o irmão Rutherford perguntou: ‘O que acontecerá se for preso?’ No
caso da prisão do irmão Frost, o irmão Distei foi recomendado pelos irmãos para substituí-lo.’
Adotou-se uma resolução, e cerca de duas a três mil cópias delas foram enviadas a Hitler e a
seus escritórios governamentais na Alemanha. Uma cópia adicional foi enviada ao papa em
Roma. A confirmação da entrega tanto ao Vaticano, em Roma, como à Chancelaria do Reich,
em Berlim, foi recebida por Franz Zürcher, de Berna, que, segundo o desejo expresso no
congresso, enviara as resoluções em 9 de setembro de 1936. A resolução, que continha três
páginas e meia datilografadas, incluía as seguintes idéias:
“Levantamos fortes objeções ao tratamento cruel das Testemunhas de Jeová pela Hierarquia
Católica Romana e seus aliados na Alemanha, bem como em todas as outras partes do mundo,
mas deixamos o resultado do assunto inteiramente nas mãos do Senhor, nosso Deus, que,
segundo sua Palavra, recompensará plenamente. . . . Enviamos sinceras saudações aos nossos
irmãos perseguidos na Alemanha e lhes pedimos que permaneçam corajosos e que confiem
completamente nas promessas do Deus Onipotente, Jeová, e em Cristo. . . .”
Foram feitos arranjos para se distribuir a resolução adotada ali a um grande número de
pessoas na Alemanha, por meio de uma campanha relâmpago. Das 300.000 cópias impressas
em Berna, 200.000 foram enviadas a Praga, de onde foram levadas através da fronteira, perto
de Zittau e outros lugares nas montanhas Riesen. As outras 100.000 cópias deveriam ser
levadas dos Países-Baixos para a Alemanha mas, triste é dizê-lo, foram confiscadas nos Países-
Baixos. Assim, vários diretores regionais de serviço tiveram de fazer suas próprias cópias para
Berlim e a Alemanha setentrional. A data para a distribuição seria 12 de dezembro de 1936,
das 17 às 19 horas.
Segundo relatórios posteriores, cerca de 3.450 irmãos e irmãs tomaram parte. Cada um tinha
vinte, ou, no máximo quarenta cópias, e a idéia era livrar-se deles tão rápido quanto possível
no território a que a pessoa fora designada. Deviam ser simplesmente colocados nas caixas do
correio ou metidos debaixo das portas.
Deixava-se uma cópia em cada casa; nos grandes prédios de apartamentos, em geral não mais
de três cópias. Daí, os que distribuíam os panfletos corriam para uma rua vizinha e faziam o
mesmo, de modo que se distribuíssem cópias por uma área tão grande quanto possível. O
efeito sobre os opositores era devastador! Erich Frost, que estava em íntimo contato com o
escritório em Praga durante os oito meses em que estivera encarregado da obra na Alemanha,
entregou o seguinte relatório sobre esta campanha, durante uma de suas viagens a Praga:
“Agora, segundo a imprensa, há uma sensação não só de ira horrorizado por causa de nossa
intrepidez, mas também de crescente temor. Ficaram inteiramente surpresos de que depois de
quatro anos de terror por parte do governo de Hitler, ainda fora possível efetuar tal campanha
com tanto segredo e em tão ampla escala. E, acima de tudo, têm medo da população. Muitos
se queixaram à polícia, mas, quando os oficiais de polícia e outras autoridades fardadas iam
até às casas e indagavam dos moradores se estes receberam os não tal folheto, eles negavam.
Isto se dava porque, com efeito, apenas duas ou, no máximo, três famílias em cada prédio
receberam tal resolução. A polícia não sabia disso naturalmente, e pensava que um deles tinha
sido deixado em cada porta.
“Assim, acham que a populaça recebeu nossa resolução mas, por certos motivos, recusa
admitir isso quando indagada pela polícia, e isto lhes causa extrema confusão e temor.”
A Gestapo ficou muitíssimo desapontada, pois pensava ter esmagado por completo nossa
atividade com sua extensiva campanha de 28 de agosto. E, agora, encaravam a distribuição de
nossa resolução, que consideravam ter sido mais ampla do que foi na realidade! Era inegável
que o inimigo tivera êxito em abrir graves brechas nas fileiras do povo de Deus, mas jamais
tivera êxito em parar por completo a obra. Os irmãos continuavam a cumprir sua comissão de
pregar, como se depreende do relatório dos diretores regionais de serviço para o irmão
Rutherford, que abrangia o período de 1.º de outubro a 1.º de dezembro de 1936. Os
resultados eram como se segue: (todos os números são aproximados) 3.600 trabalhadores,
21.521 horas, 300 Bíblias, 9.629 livros e 19.304 folhetos. Isto se comparava favoravelmente
com o último relatório mensal antes da onda de prisões (de 16 de maio a 15 de junho): 5.930
trabalhadores, 38.255 horas 962 Bíblias, 17.260 livros e 52.740 folhetos.
O seguinte parágrafo, citado dela, mostra claramente a espécie de argumentação dura que os
irmãos usavam para responder de público a seus inimigos:
“A paciência e a vergonha cristãs nos restringiram já por suficiente tempo de trazer à atenção
do público, tanto na Alemanha como em outras partes, estes ultrajes. Temos em nosso poder
esmagadora quantidade de documentos que provam que os maus tratos cruéis mencionados
acima, contra as testemunhas de Jeová, realmente ocorreram. Especialmente destacado na
responsabilidade por tais maus tratos tem sido certo Theiss, de Dortmund, e Tennhoff e
Heimann da polícia Secreta em Gelsenkirchen e Bochum. Não se restringiram de maltratar as
mulheres com chicotes de cavalos e cassetetes de borracha. Theiss, de Dortmund, e um
homem da Polícia do Estado em Hamm são especialmente famosos por sua crueldade sádica
em maltratar as mulheres cristãs. Estamos de posse de nomes e pormenores de dezoito casos
em que testemunhas de Jeová foram violentamente mortas. No início de outubro de 1936, por
exemplo, uma das testemunhas de Jeová, chamada Peter Heinen, da Rua Neuhüller,
Gelsenkirchen, Vestfália, foi espancado até morrer por oficiais da Polícia Secreta na prefeitura
de Gelsenkirchen. Este trágico incidente foi comunicado ao Chanceler do Reich, Adolf Hitler.
Cópias foram também enviadas ao Ministro do Reich, Rudolf Hess, e ao chefe da Polícia
Secreta, Himmler.”
Depois de a “carta aberta” ter sido redigida, o texto inteiro foi escrito em estênceis de
alumínio em Berna e enviado a Praga. De tempos a tempos, Ilse Unterdörfer, que trabalhava
de perto com o irmão Frost na atividade subterrânea, foi por ele instruída que levasse
relatórios e apanhasse informações ali. Em uma dessas viagens a Praga, a irmã Unterdörfer
recebeu os estênceis com os quais seria mimeografado a “carta aberta” num mimeógrafo
Rotaprint que se acabara de comprar. Em 20 de março de 1937, a irmã Unterdörfer chegou a
Berlim com seu precioso pacote.
“Aceitei o pacote”, relata o irmão Frost, “e então passei este material ‘perigoso’ para outra
irmã, que se certificou de que fosse colocado num lugar seguro. Essa noite, eu e a irmã
Unterdörfer, que trouxera estes valiosos estênceis, fomos ambos presos no lugar em que
pousávamos. Embora fosse difícil aceitarmos o fato de ter perdido nossa liberdade durante o
resto da ditadura nazista, ainda nos sentíamos felizes de saber que garantíramos a segurança
da nova campanha de folhetos.”
Mas, o irmão Frost estava equivocado. Ao ser transportada para a prisão, descobriu que o
mimeógrafo Rotaprint estava bem ao lado dele no carro de polícia. A Gestapo o encontrara
numa de suas buscas. Ademais, os estênceis, que não podiam ser usados em nenhuma outra
máquina, aparentemente desapareceram e jamais foram encontrados.
Ida Strauss, a quem o irmão Frost dera os estênceis, e que estava bem a par dos pormenores
da campanha pensava a mesma coisa. “Eu tinha os estênceis de alumínio em minha bolsa”, ela
se lembra, “e os levava ao local onde o mimeógrafo estava. Já era tarde da noite e estava
escuro; o dono da casa, uma pessoa interessada, estava em pé nas escadas e bradou: ‘Fuja
imediatamente, procure um local seguro. A Gestapo confiscou o mimeógrafo, prendeu os
irmãos e até alguns instantes atrás esperava por você, mas então os agentes finalmente
desistiram.’ O que aconteceria agora? Nos próximos dias, descobri que muitos irmãos tinham
sido presos naquela noite e não encontrei ninguém entre os irmãos que tivesse qualquer
ligação com a organização.
“Comecei a procurar um irmão e várias irmãs destemidas o bastante para se dedicarem mais
aos interesses da obra de Jeová. Sabia que estava na lista negra da Gestapo, e tinha de pensar
que podia ser presa a qualquer hora. Quando isso aconteceu, senti-me feliz de que os
interesses da obra estavam em mãos fiéis.”
No que diz respeito aos estênceis da “carta aberta”, a irmã Strauss também estava equivocada.
Os estênceis não mais podiam ser usados, visto que o mimeógrafo fora confiscado, e não se
achava disponível outro.
Agora que o irmão Frost tinha sido preso, Heinrich Dietschi ficou encarregado da obra, como
se havia decidido em Lucerna, na palestra com o irmão Rutherford. Seu primeiro objetivo foi
despachar esta “carta aberta”. Por conseguinte entrou em contato com o irmão Strohmeyer
em Lemgo. Tanto o irmão Strohmeyer como o irmão Kluckhuhn acabavam de ser soltos da
prisão, depois de cumprirem seis meses, por imprimirem o Anuário de 1936. Mas, o irmão
Strohmeyer concordou em ajudar.
O problema era obter de novo os estênceis da Suíça. Desta vez, conseguimos matrizes de
cartolina, que primeiro de tudo tinham de ser transformadas em estereótipos pelos irmãos, de
modo que pudessem fazer as chapas para as prensas. O irmão Dietschi obtivera as matrizes da
Suíça, depois de 200.000 cópias da “carta aberta” terem sido impressas ali, mas as tentativas
de atravessar a fronteira com elas para a Alemanha tinham falhado.
Resolvida a questão da impressão, decidiu-se que a “carta aberta” seria distribuída numa
“campanha relâmpago” a ser realizada em 20 de junho de 1937. A irmã Elfriede Löhr relata: “O
irmão Dietschi organizou a campanha. Éramos todos corajosos, tudo tinha sido
maravilhosamente arranjado e cada região possuía suficientes cartas. Apanhei uma grande
mala cheia delas na estação de trem, para o território em torno de Breslau, e as levei aos
irmãos em Liegnitz. Também tinha os meus próprios exemplares, que no tempo designado
distribuí como todos os demais irmãos.”
Mas, o tempo de triunfo de Theiss também chegara ao fim. Visto que Theiss cria não dever
mostrar misericórdia alguma ao lidar com as testemunhas de Jeová, mandou que certo dia se
desse busca numa casa de um ex-irmão chamado Wunsch, que, no ínterim, se desviara da
verdade e servia como sargento-ajudante da força aérea de Hitler. Quando Wunsch voltou
para casa, sua esposa lhe contou que a casa sofrera uma busca. Imediatamente se dirigiu a
Theiss, em Dortmund, e lhe perguntou por que fizera isso. Surpreso de ver um sargento-
ajudante da força aérea diante dele, Theiss gaguejou: “Faz parte dos Estudantes da Bíblia?”
Replicou Wunsch: “Ouvi alguns dos seus discursos, mas eu ia a todo lugar em que pudesse
ouvir algo.” Daí, a Sra. Theiss o interrompeu. Excitado, Theiss então se amansou e disse: “Caso
soubesse, jamais teria tentado destruir os Estudantes da Bíblia. Isso pode fazer uma pessoa
ficar maluca. A pessoa imagina que prendeu um dos animais e de súbito há outros dez que
aparecem. Sinto ter começado todo esse negócio.”
Não é de se supor que a consciência deste agente do Diabo jamais se tivesse acalmado. Pelo
contrário, o livro Kreuzzug gegen das Christentum (Cruzada Contra o Cristianismo), no
subtítulo “Você ganhou, Galileu!”, concluía dizendo:
“Ouvimos dizer que Theiss, de Dortmund, que foi repetidas vezes mencionado, já por algum
tempo sofre terríveis dores de consciência por causa dos seus atos criminosos e que os
demônios o estão levando devagarzinho à insanidade. Há vários meses atrás, jactou-se de ter
‘feito em pedacinhos’ 150 das testemunhas de Jeová. Foi ele quem disse desafiadoramente:
‘Jeová, eu te declaro desprezo eterno, viva o rei de Babilônia.’
“Agora, contudo, procura tais pessoas, promete não atormentá-las e suplica-lhes que lhe
digam o que precisa fazer para escapar da ameaçadora punição e para livrar-se do terrível
tormento mental que está sofrendo. Afirma que recebera a ‘ordem de cima, de maltratá-las’, e
que agora deseja parar, porque surgem novas testemunhas de Jeová a todo o tempo. Como
Judas, depois de ter traído o Mestre ao inimigo, Theiss procura o arrependimento e não
consegui achá-lo. Embora sejam poucos, ainda assim há casos em que os agentes da Gestapo e
outros membros do partido ficaram tão abalados pela firmeza das testemunhas de Jeová que
notaram o erro de seu proceder e deixaram seus empregos
Visto que a maioria dos diretores regionais de serviço tinham sido presos, irmãs foram
chamadas para preenche as lacunas e a manter contato entre o irmão Dietschi e a
congregações. Uma delas era Elfriede Löhr, que tentou entrar em contato com o irmão
Dietschi, depois de o irmão Frost e a irmã Unterdöfer terem sido presos. Ela viajou para
Württemberg e, depois de procurá-lo, encontrou o irmã Dietschi em Stuttgart. Ele a levou
junto para familiarizá-lo com os vários métodos de manter contato com os irmãos Preparativos
extensivos foram também feitos para que um transmissor portátil fosse construído nos Países-
Baixos e colocado em operações em algum tempo no outono setentrional de 1937. A Gestapo
já tinha informações disso e ficou, furiosa com o irmão Dietschi, cujo nome conheciam, mais
que se provou tão esquivo como o irmão Wandres.
Deve ter sido por volta desse mesmo tempo que a irmã Dietschi foi presa pela Gestapo e
levada para o infame “Steinwache” em Dortmund. Tentaram obrigá-la a contar onde seu
marido se escondia, mas ela se recusou a falar. Foi tão maltratada que uma de suas pernas
ficou, depois disso, mais curta do que a outra. Além disso, teve de se completamente
envolvida em ataduras embebidas de álcool por várias semanas depois de sua soltura.
O congresso de 1937 em Paris, como o do ano anterior em Lucerna, seria assistido pelo irmão
Rutherford. Desta vez só alguns poucos irmãos conseguiram ir da Alemanha. O inimigo criara
grandes lacunas nas fileiras dos irmãos. O irmão Riffel, um dos poucos que puderam assistir ao
mesmo, contou mais tarde que, apenas em Lörrach e na vizinhança, quarenta irmãos e irmãs
tinham sido presos, dez dos quais foram enforcados, submetidos à câmara de gás ou fuzilados,
ou morreram de fome ou morreram devido aos resultados das “experiências médicas” dos
campos de concentração.
Outra resolução foi adotada em Paris, mais uma vez delineando nossa posição clara e
inquebrantável com respeito a Jeová e a seu reino sob a regência de Jesus Cristo e trazendo
abertamente à atenção a perseguição brutal na Alemanha, avisando aos responsáveis de que
receberiam o julgamento justo de Deus.
Visto que as reuniões, na maioria dos casos, começavam por volta das 9 horas e amiúde
duravam até às 17 horas, os irmãos e as irmãs perguntaram se não podiam almoçar juntos. A
irmã Löhr fora convidada a cozinhar. Por motivos de segurança, os irmãos mudavam o local de
reunião de semana em semana, destarte tornando necessário transferir de um local para o
próximo o grande caldeirão usado para preparar a refeição. Ninguém sabe se a Gestapo
descobriu isso por meio dos irmãos recentemente presos ou por algum outro meio, mas
realmente descobriu onde fora realizada a última reunião antes do congresso de Paris. A
Gestapo manteve esse apartamento sob observação, e, quando a irmã Löhr veio apanhar o
caldeirão, cerca de três ou quatro dias antes da seguinte reunião, foi seguida pela Gestapo até
o novo local de reunião e prontamente presa. A Gestapo logo descobriu que não só encontrara
o novo local de reunião mas também o esconderijo secreto do irmão Dietschi. Depois do
congresso de Paris, ele voltou direto para Berlim e, sem verificar se havia qualquer possível
perigo, dirigiu-se ao apartamento. O irmão Dietschi caiu na armadilha e foi preso ali mesmo.
Naturalmente, as reuniões com o grupo então menor de servos viajantes tiveram de ser
mudadas quanto à ocasião e o local.
O irmão Dietschi servira incansavelmente por muitos anos na atividade subterrânea e não
recuara em face de perigo. Foi sentenciado a quatro anos, mas, diferente da maioria de seus
irmãos, não foi colocado num campo de concentração depois de ter cumprido sua sentença.
Em 1945, quando a obra começou a ser reorganizada, ele foi um dos primeiros a começar a
servir as congregações como “servo aos irmãos”. Mas, infelizmente, anos depois começou a
desenvolver suas próprias teorias e se desviou da organização de Jeová.
Mas, retornemos a 1937. Depois de perigosas lacunas na fileiras de nossos irmãos terem sido
de novo abertas, o irmão Wandres tentou fechá-las, pelo menos temporariamente, de modo a
assegurar aos irmãos seu alimento espiritual. Depois da prisão do irmão Franke, ele assumira
seu território, mas agora se sentia responsável também por outros territórios desocupados,
assim, pediu à irmã Auguste Schneider, de Bad Kreuznach, que entregasse o alimento
espiritual aos irmãos em Bad Kreuznach, Mannheim, Kaiserslautern, Ludwigshafen, Baden-
Baden e o inteiro território do Saar. Com todos os irmãos que tinham de viajar nesta época de
extrema dificuldade, ela recebeu outro nome; dali em diante ela era “Paula”.
Perto de meados de setembro, em harmonia com arranjos feitos com o irmão Wandres, a
insuspeitosa “Paula” esperava na estação ferroviária em Bingen, com duas grandes malas
cheias de publicações. Subitamente, um cavalheiro se aproximou dela e disse: “Bom dia, Paula!
Albert não vem, e você terá de me acompanhar!” Era inútil tentar resistir, pois o estranho era
um agente da Gestapo. Acrescentou: “Não precisa esperar por Albert; já o agarramos e
tomamos todo o seu dinheiro. . . . O Sr. Wandres disse que você estaria aqui, com duas
grandes malas, e que você é Paula!” Até o dia de hoje constitui um mistério onde é que a
Gestapo conseguiu tais informações. Mas, este era um método popular da Gestapo, isto é,
afirmar que certos irmãos diziam certas coisas, de modo a minar a confiança entre os irmãos,
fazendo com que se afastassem de tais “traidores”.
PLANO DE DETENÇÃO PERPÉTUA
Com esta série de prisões, findava importante era para os irmãos alemães. O período da
atividade bem organizada se acabara. Tudo agora apontava para o início de nova fase na luta.
O alvo da Gestapo era então: Cada pessoa suficientemente corajosa para se apegar a Jeová
tinha de ser destruída, destarte destruindo a organização.
Quando Heinrich Kaufmann, de Essen, terminou de cumprir sua sentença, e punha suas roupas
civis, um agente criminal simplesmente lhe disse que seria colocado sob custódia protetora.
Primeiro, levaram-no até a casa dele, que ele não visitava já por um ano e meio, e lhe
perguntaram: “Deseja rescindir sua fé e seguir a Hitler?” Ao mesmo tempo, mostraram-lhe as
chaves de sua casa e um pacote de 9 quilos de comestíveis, prometendo-lhe que sua esposa
também retornaria do campo de concentração de Ravensbrück. O irmão Kaufmann rejeitou a
oferta.
Às vezes se faziam tentativas para engodar os irmãos, como relata Ernst Wiesner. Pouco
tempo antes de ser solto, colocaram um documento na sua frente. A declaração era de
natureza tão geral que, depois de lê-la cuidadosamente, ele decidiu que poderia assinada.
Mas, então veio o engodo. O irmão Wiesner deveria colocar sua assinatura no fim da página,
mas a metade de baixo estava em branco. Não havia dúvida de que a Gestapo mais tarde
adicionaria outras coisas que o irmão Wiesner não poderia subscrever com boa consciência.
Mas, ele compreendeu de imediato o que desejavam e, antes de poderem impedi-lo, assinou
seu nome logo abaixo do texto datilografado. O resultado foi que, apesar de sua assinatura,
não foi liberto, mas foi informado pela polícia secreta, três semanas antes de terminar sua
sentença, de que estava sendo transferido de imediato para um campo de concentração.
O que consolava a maioria era que já havia irmãos fiéis encarcerados que estavam enrijecidos
pelo calor da perseguição. Estar com eles e sentir seus cuidados amorosos era confortador e
avivava os corações de cada novo “interno”.
Mas, sempre que a firmeza de nossos irmãos era observada e relatada ao governo, o único
pensamento deste era com podia aumentar os sofrimentos dos irmãos. Assim, aconteceu que,
por certo tempo, as testemunhas de Jeová recebiam, como questão de rotina, 25 chicotadas
com um chicote de aço, além de muitos outros meios brutais de tortura, ao chegarem aos
campos. Seu trabalho escravo começava a 4,30 da manhã, quando a campainha do campo
soava para despertar a todos. Pouco depois, irrompia um tumulto: fazer as camas, lavar-se,
beber café, atender a chamada — e tudo isso a toque de caixa. Não se permitia que ninguém
fizesse nada em seu passo normal. Marchavam para responder à chamada, daí saíam para
juntar-se às várias equipes de trabalho. O que se seguia então era um verdadeiro drama:
carregar cascalhos, areia, pedras, postes, inteiras seções das barracas, e isto o dia inteiro —
tudo a toque de caixa. Os capatazes, que gritavam com os presos sem cessar, e os obrigavam a
chegar aos limites do que podiam suportar, eram os piores que Hitler poderia oferecer.
Lembrar que Jesus sofrera coisas similares era confortador e encorajador, e lhes dava força
para perseverar sob o tratamento desumano.
A bem da variedade, “exercícios de castigo” às vezes eram ordenados sem nenhum motivo em
especial. Os irmãos eram amiúde forçados a passar sem alimento. Poderia ser um verdadeira
prova quando, ao invés de poder sentar-se e comer uma refeição, um irmão cansado era
obrigado a fica em pé, em posição de sentido, por outras quatro ou cinco horas no pátio, e isto
apenas porque no casaco de um do irmãos faltava um botão, ou ele cometera outra
insignificante infração das regras.
Por fim, permitia-se que dormissem, se a fome deixasse. Mas, as noites não eram sempre só
para se dormir. Amiúde um, ou, às vezes, vários dos infames “líderes do bloco” apareciam no
meio da noite para aterrorizar os presos. Estes episódios às vezes começavam com tiros de
revólver no ar ou nos caibros dos barracões. Daí, os presos eram forçados a correr em volta
dos barracões, ou, às vezes, até mesmo a subir neles, de pijamas, isto enquanto os “líderes do
bloco” desejassem. É compreensível que os irmãos mais idosos sofressem mais sob tais
tratamentos, e custou a muitos deles a própria vida.
A vida num campo de concentração estava repleta de suas ansiedades diárias, amiúde
causadas pelo próprio comandante do campo. Por certo tempo, o comandante de
Sachsenhausen era um homem chamado Baranowsky, e, por causa de sua constituição forte,
os presos logo o apelidaram de “Troncudo”.
Em geral recebia pessoalmente cada nova leva de prisioneiros e proferia seu “discurso de
boas-vindas” a eles. Usualmente começava com as palavras: ‘Sou o comandante do campo e
me chamam de “Troncudo”. Agora, ouçam bem todos vocês! Podem conseguir o que quiserem
de mim — um balaço na cabeça, um balaço no peito, um balaço no estômago! Poderão cortar
o pescoço se quiserem, ou rasgar suas veias! Poderão atirar-se contra a cerca eletrificada se
quiserem. Simplesmente se lembrem de que meus rapazes são bons atiradores! Eles os
mandarão direto para o céu!’ Jamais perdia uma oportunidade de zombar de Jeová ou de seu
santo nome.
No ínterim, seu irmão carnal, Heinrich, também fora lançado no campo de Sachsenhausen.
August lhe contou que tinha assinado a declaração, mas que, no ínterim, mandara que fosse
anulada.
O interrogatório foi feito naquela tarde, mas August não voltou ao convívio dos irmãos. Como
se soube mais tarde não só recusara assinar a folha de convocação militar, mas dera excelente
testemunho. Foi lançado na solitária, numa masmorra, enquanto o comandante do campo
avisou a Himmler do caso, pedindo permissão para executar Dickmann publicamente, na
presença dos irmãos e do inteiro campo. Estava convicto de que grande número de
testemunhas de Jeová assinariam a declaração se realmente se vissem confrontadas com a
morte. A maioria até então se recusara a fazê-lo, mas apenas se tinham feito ameaças.
Himmler respondeu, na volta do correio, que Dickmann fora sentenciado à morte e devia ser
executado. Agora se abrira o caminho para que “Troncudo” realizasse seu ‘grande espetáculo’.
Era uma sexta-feira. Havia uma lúgubre quietude pairando sobre todo o campo, quando, de
súbito, um grupo de comando apareceu e, num curto tempo, armou um estande de tiro no
pátio. Isto, naturalmente, levou a toda espécie de rumores. A excitação foi ficando mais
intensa quando foram dadas ordens para se largar o trabalho uma hora antes do usual. Paul
Buder ainda se lembra de como, quando a turma de trabalho estava marchando de volta, um
homem das SS lhe disse rindo: “Hoje é o Dia da Ascensão! Um de vocês irá para o céu hoje.”
Quando entrou a turma a que Heinrich Dickmann estava designado, o capataz do campo se
aproximou dele e perguntou se ele sabia o que se passava. Quando respondeu que não, foi-lhe
dito que seu irmão August seria fuzilado.
Mas, não havia tempo para longas palestras. Foram dadas ordens para que todos os presos
marchassem para o campo. As testemunhas de Jeová foram colocadas bem na frente do local
onde ficaria o pelotão de fuzilamento. Todos os olhos se fixavam nesse ponto. Os guardas das
SS entraram marchando; as medidas de segurança eram quatro vezes maiores do que de
costume. A tampa das metralhadoras foi retirada e as armas foram carregadas para uso
imediato. Os homens das SS se empoleiravam no muro alto, aguardando ansiosamente o que
iria acontecer — tantos deles que a pessoa pensaria que o grupo inteiro recebera ordens de
estar presente a este espetáculo sanguinário. O portão principal era construído de fortes
barras de ferro redondas, e os homens das SS, que amavam as sensações, estavam em pé
sobre ele e pendurados nele como se fossem um cacho de uvas. Alguns deles até mesmo
subiram nas barras transversais a fim de poderem ver melhor. Seus olhos estavam cheios, não
só de curiosidade, mas de sede de sangue. Algumas faces revelavam certo horror, pois todos
sabiam o que em breve aconteceria.
Acompanhado de vários altos oficiais das SS, August foi trazido, com as mãos atadas em sua
frente. Todo o mundo ficou impressionado com sua calma e tranqüilidade, como se fosse
alguém que já tinha vencido a batalha. Aproximadamente seiscentos irmãos estavam
presentes, seu irmão carnal Heinrich estando em pé a apenas alguns metros.
Ao passo que mortífero silêncio reinava sobre todo o pátio, “Troncudo” continuou: “Avisei a
Dickmann, há uma hora atrás, que sua miserável vida seria eliminada às 18 horas.”
Um dos oficiais se aproximou e perguntou se se devia perguntar mais uma vez ao preso se
mudara de idéia e estava disposto a assinar os documentos de convocação, no que “Troncudo”
respondeu: “Isso não adiantaria.” Voltando-se para Dickmann, ordenou: “Vire-se, seu porco”, e
então deu a ordem para atirar. Nisso, Dickmann foi baleado pelas costas por três homens das
SS. Um destacado líder das SS mais tarde avançou e lhe deu um tiro na cabeça, fazendo o
sangue escorrer-lhe pela bochecha. Depois de um dos homens de baixa patente das SS ter
tirado as algemas, quatro irmãos foram instruídos a colocá-lo num caixão preto e levá-lo para a
enfermaria.
Ao passo que todos os demais presos puderam então debandar, e ir para suas barracas, as
testemunhas de Jeová tiveram que ficar. Chegara a hora de “Troncudo” fazer valer suas
afirmações. Com grande ênfase, perguntou quem estava disposto agora a assinar a declaração
— não só a rejeição da fé da pessoa, mas também indicando a disposição de se tornar soldado.
Ninguém respondeu. Daí, dois foram à frente! Mas, não foi para assinar a declaração. Pediram
que a assinatura de ambos, que apuseram aproximadamente um ano antes, fosse anulada!
Isto era demais para “Troncudo”. Furioso, deixou o pátio. Como seria de se esperar, os irmãos
passaram maus momentos naquela noite e nos próximos dias. Mas, permaneceram firmes.
A execução de Dickmann foi anunciada várias vezes pelo rádio, nos dias seguintes, pelo que
parece na esperança de intimidar outras Testemunhas ainda livres.
Três dias mais tarde, seu irmão Heinrich foi chamado ao “departamento político”. Dois altos
agentes da Gestapo vieram de Berlim verificar qual tinha sido o efeito sobre ele da execução
de seu irmão. Segundo seu próprio relatório ocorreu a seguinte conversação:
“‘Viu como seu irmão foi fuzilado?’ Minha resposta foi: ‘Vi.’ ‘O que aprendeu disso?’ ‘Eu sou e
continuarei a ser uma das testemunhas de Jeová.’ ‘Então será o próximo a ser fuzilado.’ Pude
responder a várias perguntas bíblicas, até que, por fim, o agente gritou: ‘Não quero saber o
que está escrito, quero saber o que você pensa.’ E, ao passo que tentava mostrar-me a
necessidade de se defender a pátria, continuava entremeando sentenças tais como: ‘Você será
o próximo a ser fuzilado . . . a próxima cabeça a rolar . . . o próximo a cair.’ Até que o outro
agente disse: ‘É inútil. Tome, complete os registros.’”
A declaração foi mais uma vez colocada diante do irmão Dickmann para que ele a assinasse.
Recusou-se, dizendo: “Se eu reconhecesse o estado e o governo, por assinar isto, significaria
que eu concordava com a execução de meu irmão. Não posso fazer isto.” A resposta: “Então
poderá começar a calcular por quanto tempo ainda viverá.”
Mas, o que aconteceu com “Troncudo”, que zombava de Jeová e o desafiara como poucos
humanos jamais o fizeram? Só foi visto no campo poucas vezes depois disso, e, daí, não foi
mais visto. Os presos descobriram, contudo, que pouco depois da execução de August
Dickmann, foi atacado de terrível moléstia. Morreu cinco meses depois, sem ter a
oportunidade de zombar de novo de Jeová ou de suas testemunhas. “Comprei uma briga com
Jeová. Veremos quem é mais forte, eu ou Jeová”, dissera “Troncudo”, em 20 de março de
1938, quando colocou os irmãos na “turma do isolamento”. A batalha fora decidida.
“Troncudo” perdera. E ao passo que nossos irmãos foram soltos da “turma de isolamento”
meses depois, e, em certos casos, obtiveram certa dose de alívio, continuava a circular por
todo campo o rumor de que “Troncudo” ficara gravemente enfermo e que, quando os oficiais
o visitavam em seu leito de doente, dizia em tom de lamúria: “Os Estudantes da Bíblia oram
para que eu morra, porque deixei que seu homem fosse fuzilado!” Era também um fato que,
depois de sua morte, a filha dele, quando se perguntava a causa da morte do pai, sempre
respondia: “Os Estudantes da Bíblia oraram para que meu pai morresse.”
DACHAU
O irmão Friedrich Frey, de Röt, relata sobre o tratamento recebido pelo “grupo de isolamento”
em Dachau: “Dificilmente se pode descrever a fome, o frio, os tormentos. Um oficial certa vez
me deu uma botinada no estômago, provocando sério ferimento. Outra vez, minha espinha
nasal ficou tão deformada pelos espancamentos repetidos que até o dia de hoje tenho
dificuldades em respirar. Certa vez, um homem das SS me pegou comendo um punhado de
migalhas secas de pão durante as horas de trabalho, para remediar a fome. Deu-me uma
botinada no estômago e me derrubou no chão. Como punição adicional, fui pendurado num
poste de três metros, com os braços algemados atrás. Esta posição anormal do corpo e seu
peso provocavam um bloqueamento da circulação do sangue e cruciante dor. Um homem das
SS pegou em ambas as minhas pernas e as moveu de um lado para o outro, gritando: ‘Ainda é
testemunha de Jeová?’ Mas, eu não conseguia responder, visto que o suor da morte já escorria
da minha testa. Adquiri disso um tique nervoso até o dia de hoje. Não podia deixar de pensar
nas últimas horas de nosso Senhor e Mestre, com as mãos e pés atravessados por pregos.”
Em Dachau, pouco antes do “Natal”, foi erguida grande árvore de Natal, decorada com velas
elétricas e outros enfeites. Os 45.000 presos do campo, inclusive mais de cem testemunhas de
Jeová, esperavam ter alguns dias de paz. Mas, o que aconteceu? Às 20 horas da véspera do
Natal, quando todos os detentos estavam em suas barracas, as sirenas do campo subitamente
soaram; os presos deveriam marchar para o pátio tão rápido quanto pudessem. Podia-se ouvir
a banda das SS tocando. Cinco companhias de tropas das SS, plenamente equipadas, entraram
marchando. O comandante do campo, acompanhado de oficiais das SS, fez breve discurso,
dizendo aos detentos que eles queriam celebrar o Natal com os presos essa noite de seu
próprio modo especial. Então retirou uma lista de nomes de sua pasta e, por quase um hora,
leu os nomes dos presos recomendados para castigo nas últimas semanas. Foi trazido e
montado o tronco, e o primeiro preso foi amarrado a ele. Depois disso, dois homens das SS,
equipados com um chicote de aço, tomaram seu lugares à direita e à esquerda do tronco, e
começaram a espancar o preso, enquanto a banda tocava “Noite Silenciosa”; esperava-se que
todos os presos cantassem também. Ao mesmo tempo, o preso que recebia as 25 chibatadas
era obrigado a contá-las em voz alta. A cada vez que um preso era amarrado ao tronco, dois
outros homens das SS vinham à frente para administrar o castigo. Deveras essa era uma forma
digna de uma “nação cristã” celebrar o Natal!
Em face de tal tratamento, nossos irmãos precisavam ter forte fé, fortalecida pelo cuidadoso
estudo da Palavra de Deus. Como deixar de estudar pode ser perigoso e deixar a pessoa sem
preparo para tais provas foi sentido por Helmut Knöller. Deixemo-lo contar sua própria
experiência:
“Meus primeiros dias em Dachau foram dificílimos. Com 20 anos, era o mais jovem dos recém-
chegados. Fui designado a uma turma especial que tinha de trabalhar até mesmo aos
domingos. Meu supervisor era especialmente duro comigo. Tinha de cumprir as tarefas mais
difíceis, às quais não estava acostumado, a toque de caixa. Desmaiei repetidas vezes, mas
voltava a mim cada vez por ser colocado no porão, com água até os quadris, e então
derramavam água sobre a minha cabeça.
“Quase cheguei ao completo esgotamento físico. Isto prosseguia dia após dia e estava quase
ao ponto de ficar desesperado, sabendo que poderia durar semanas a fio, sim, até meses. . . .
Mas, as dificuldades se tornaram tão grandes que por fim eu me dirigi aos líderes do campo e
assinei a declaração, indicando que não tinha mais nada que ver com os Estudantes
Internacionais da Bíblia. Ter eu assinado a mesma foi resultado direto de insuficiente estudo
de minha parte em casa. Meus pais estudavam muito pouco eles mesmos, e nós, os filhos,
recebêramos apenas instruções falhas da parte deles. . . . Fora-me dito que eu poderia assinar
tal declaração, visto que, primeiro de tudo, não se dizia nada nela sobre as testemunhas de
Jeová, mas apenas sobre os Estudantes da Bíblia, e em segundo lugar, não era errado enganar
o inimigo, se isto resultasse em sermos libertos a fim de podermos servir melhor a Jeová lá
fora.” Foi somente mais tarde, em Sachsenhausen, que irmãos maduros o ajudaram a avaliar o
significado da integridade cristã e edificar sua fé.
MAUTHAUSEN
Muito embora muitas pessoas fossem mortas nas câmaras de gás ou fossem cruelmente
mortas em Dachau, todavia, Mauthausen era um campo regular de destruição. O comandante
do campo, Ziereis, repetidas vezes disse que só estava interessado em atestados de óbito. Com
efeito, num período de seis anos, 210.000 homens foram cremados nos dois modernos fornos
que dispunham lá, uma média de cem por dia. Quando se fazia com que os presos
trabalhassem de alguma forma, era em geral na pedreira. Um rochedo íngreme ali localizado
era chamado de “muro de pára-quedistas” pelos desumanos homens das SS. Centenas de
presos eram empurrados desse rochedo e então ficavam imóveis lá embaixo. Eram mortos
pela queda ou se afogavam no buraco cheio de água da chuva. Muitos presos desalentados até
mesmo se jogavam no abismo por sua livre vontade.
Outra atração era a chamada “escada da morte”. Uma pilha de 186 blocos soltos de vários
tamanhos, empilhados um sobre o outro, era chamada de escada. Depois de os presos terem
carregado pesadas pedras nos ombros até o topo, os homens das SS gostavam de provocar
deslizamentos em massa por chutá-los ou lhes dar coronhadas com seus fuzis, destarte
derrubando-os de costas sobre as “escadas”. Isto resultava em muitas mortes, o número de
mortos aumentando devido às pedras que caíam de cima. Valentin Steinbach, de Francforte,
lembra-se de que grupos de 120 homens ajuntados pela manhã, amiúde voltavam à noite com
apenas cerca de 20 ainda vivos.
Os campos de concentração foram construídos não só para os homens, mas também para as
mulheres. Um deles entrou em operação já em 1935 em Moringen, perto de Hannover.
Quando se tornou grave a pressão contra as testemunhas em 1937, o campo de Moringen
começou a ser evacuado. Em dezembro, cerca de 600 detentas, inclusive várias irmãs foram
levadas para o campo de Lichtenburgo. Visto que os esforços de fazer com que nossas irmãs
mudassem de seu firme proceder haviam falhado, uma “equipe penal” foi formada. Seus
supervisores lhes davam muito pouco o que comer, e constantemente tentavam encontrar
motivos para dar-lhes castigos. O comandante do campo lhes disse: ‘Se quiserem continuar
vivas, então venham a mim e assinem.
Um método usado na tentativa de fazer com que nossas irmãs violassem sua integridade é
relatado por Ilse Unterdörfer: “Certo dia a irmã Elisabeth Lange, de Chemnitz, foi convocada a
falar com o diretor. Ela se recusou resolutamente a assinar a declaração, no que foi levada a
uma cela do porão deste velho castelo. Como qualquer pessoa familiarizada com velhos
castelos e suas masmorras pode imaginar, isto foi extremamente provador. As celas eram
buracos escuros, com pequena janela com barras de ferro. A cama era de pedra e a maioria do
tempo a pessoa se via obrigada a ficar deitada nesta “cama” fria e dura, sem nem mesmo um
saco de palha. A irmã Lange passou meio ano na solitária, neste buraco do porão. Embora
sofresse fisicamente, não abalou sua determinação de permanecer fiel.”
Outro método empregado para tentar romper a firmeza de nossas irmãs era o árduo trabalho
físico. Por este motivo, várias irmãs foram levadas a Ravensbrück. Foi em 15 de maio de 1939
que o primeiro grupo chegou, seguido de perto por outros. O campo logo cresceu a ponto de
incluir 950 mulheres, cerca de 400 das quais eram testemunhas de Jeová. Todas elas recebiam
ordens de fazer o trabalho mais difícil de construção e de limpeza, tarefas normalmente só
exigidas de homens. O novo comandante do campo, especialmente famoso por sua
brutalidade, pensou que conseguiria desgastar as irmãs por fazê-las desempenhar árduo
trabalho físico.
Tal tratamento resultou naturalmente em muitas mortes. Daí, também grupos completos
foram levados a Auschwitz, campo que como Mauthausen, estava especialmente equipado
para a destruição em massa. As mulheres idosas, com saúde ruim ou que não satisfaziam os
padrões dos homens das SS para as mulheres que pudessem produzir uma “raça superior”
viam-se confrontadas com a morte. Berta Mauerer nos conta o que se passava ali:
“Éramos obrigadas a ficar nuas na frente duma comissão que fazia a seleção. Imediatamente
depois, o primeiro grupo partiu para Auschwitz. Entre elas havia um número de irmãs que
foram tapeadas em pensar que estavam sendo levadas para um campo em que as coisas
seriam mais fáceis, embora todos soubessem que Auschwitz era ainda mais insuportável.
Aquelas que constituíam o segundo grupo ouviram dizer a mesma coisa. Entre este grupo
havia muitas irmãs fracas e doentias.” Logo depois, seus parentes foram notificados de suas
mortes. Na maioria dos casos ‘doenças circulatórias’ foram alistadas como a causa da morte.
Outra coisa que poderia ter representado uma prova para as irmãs é relatado por Auguste
Schneider, de Bad Kreuznach:
“Certo dia, uma prisioneira veio até mim e disse: ‘Sra. Schneider, eu vou-me embora daqui!’
Perguntei-lhe para onde ia e ela respondeu: ‘Há tantos homens aqui que um prostíbulo está
sendo montado para os presos. Foi-nos indagado, e cerca de vinte a trinta mulheres se
ofereceram. Dão-nos boas roupas e nos embelezam!’ Perguntei a ela onde iria ser isso, e ela
respondeu: ‘No campo dos homens.’
“Dificilmente se pode descrever o que acontecia ali. Mas, certo dia um líder das SS me contou:
‘Sra. Schneider, a senhora já deve ter ouvido falar no que acontece no campo dos homens. Eu
apenas queria que soubesse que nenhuma das testemunhas de Jeová tomou parte nisso!’”
Certo dia, várias irmãs receberam súbitas ordens de deixar suas celas e foram postas a deixar
brilhando todo o prédio, visto que Himmler indicara que viria fazer uma inspeção ali. Mas, o
dia passou e ele deixou de aparecer. Nossas irmãs já se tinham preparado para deitar-se, isto
é, já tinham tirado os sapatos, que serviam de travesseiro, mas, devido ao frio, dormiam com
suas roupas de uso comum. Deitavam-se tão perto umas das outras quanto possível, de modo
a se manterem aquecidas. De tempos a tempos, mudavam de posição, de modo que todas
ficassem do lado de fora uma vez, pois ali era naturalmente mais frio. Subitamente, houve
grandes ruídos nos corredores e as portas das celas começaram a se abrir. Nossas irmãs
ficaram então em pé diante do homem que, na Alemanha, tinha o poder de vida ou morte.
Himmler examinou criticamente as irmãs, lhes fez algumas perguntas e viu-se obrigado a
reconhecer que não se dispunham a fazer quaisquer concessões.
Essa mesma noite, depois de Himmler e seus ajudantes terem partido, grande número de
detentas foram chamadas e as outras detentas podiam ouvir seus gritos. Himmler introduzira
o castigo “intensivo” também para as mulheres; recebiam 25 chibatadas com o chicote de aço
em suas nádegas descobertas.
Uma irmã fala da coragem com que muitas enfrentaram seus problemas: “Em meu bloco havia
uma mulher judia que aceitara a verdade. Certa noite, ela também foi despertada. Ouvi
quando ela se levantou e tentei dizer-lhe uma palavra de conforto. Mas, ela disse: ‘Sei o que
me espera. Mas, sinto-me feliz de ter aprendido sobre a maravilhosa esperança da
ressurreição. Espero calmamente a morte.’ E, corajosamente, ela saiu.”
Separados de seus irmãos de fora, os que estavam nos campos sentiam grande ânsia de
alimento espiritual. Os recém-chegados eram inquiridos para se saber o que tinha sido
publicado em A Sentinela. Às vezes, a informação era corretamente transmitida, e às vezes não
era. Havia também irmãos que tentavam usar a Bíblia para fixar a data em que seriam libertos,
e, embora os argumentos fossem fracos, alguns esperançosamente se apegavam a estas
“insignificâncias”.
Durante essa época, um irmão dotado de excepcional memória foi mandado para Buchenwald.
De início, sua habilidade de lembrar e de partilhar com os outros as coisas que aprendera
foram uma fonte de encorajamento para os irmãos. Mas, com o tempo, tornou-se um ídolo, “a
maravilha de Buchenwald”, e suas declarações, até mesmo suas opiniões pessoais, eram tidas
como finais. De dezembro de 1937 até 1940, proferiu um discurso toda noite, cerca de mil ao
todo, e muitos deles eram taquigrafados, a fim de serem mimeografados. Embora houvesse
muitos irmãos mais idosos no campo que eram capazes de proferir discursos, este irmão era o
único que fez isso. Quaisquer pessoas que não estivessem de pleno acordo com ele eram
mencionadas como “inimigas do Reino”, e “da família de Acã”, a serem evitadas pelos “fiéis”.
Quase quatrocentos irmãos mais ou menos dispostos seguiram este arranjo.
Aqueles assim rotulados de “inimigos” eram também irmãos que estiveram dispostos a
arriscar sua vida para promover os interesses do Reino no melhor de suas habilidades. Eles,
também, tinham sido mandados para o campo por causa de sua determinação de provar sua
integridade, mesmo até à morte. Alguns deles não aplicavam plenamente os princípios
bíblicos, é verdade. Todavia, quando procuraram estabelecer contato com os responsáveis, de
modo que também pudessem beneficiar-se de qualquer alimento espiritual que se tornasse
disponível em Buchenwald, estes consideravam como “abaixo de sua dignidade” considerar os
assuntos.
Wilhelm Bathen, de Dinslaken, que ainda serve a Jeová, relata como ele pessoalmente foi
atingido: “Quando compreendi que eu também tinha sido desassociado, fiquei espiritualmente
tão abalado e deprimido que me perguntei como era possível tal coisa. . .. Amiúde ficava de
joelhos e orava a Jeová para que me desse um sinal. Perguntava a mim mesmo se eu era
culpado da situação, e se Ele também me havia desassociado. Eu tinha uma Bíblia e a lia à luz
fraca e encontrava grande dose de conforto na idéia de que isto me acontecia como prova, de
outra forma, eu já teria sido destruído, pois ser cortado do convívio dos irmãos era uma
tremenda dor.”
Alguns que foram colocados nos campos, determinados a não transigir, mais tarde permitiram
que a preocupação com sua “sobrevivência” eclipsasse seu amor a Jeová e aos seu irmãos. Se a
pessoa conseguia atingir alguma posição responsável na organização do campo, sendo-lhe
confiada, supervisão de alguma esfera de atividade, não mais teria que esgotar sua força pelo
trabalho árduo. Mas, isto era perigoso. Em muitos casos, exigia que trabalhasse de perto com
as SS, que obrigasse os presos a trabalhar num ritmo mais acelerado e que denunciasse os
detentos — até seu próprios irmãos — para castigo.
Certo irmão chamado Martens encontrou-se nessa situação quando estava no campo de
Wewelsburgo. De início, tinha a supervisão sobre 250 Estudantes da Bíblia. Constantemente se
empenhou em ser um excelente “ancião do campo” aos olhos das SS. Com o tempo, muitos
presos políticos e outros foram acrescentados ao campo. Martens não queria perder sua
posição, de modo que teve de patrocinar os interesses das SS e empregar seus métodos.
Não demorou muito até que proibia os irmãos de considerar o texto diário ou de orar juntos.
Logo começou a revistá-los e a espancar com uma mangueira de borracha aqueles com quem
encontrava uma cópia do texto diário. Certa manhã, quando vários irmãos oravam juntos,
pulou no meio deles e interrompeu a sessão, dizendo: “Não conhecem as regras do campo?
Acham que vou querer dificuldades só por causa de vocês?” Assim, muitos sofrimentos
adicionais foram trazidos sobre grande número de irmãos fiéis devido a alguns poucos que
perderam de vista seu alvo.
O PROBLEMA DA FOME
Depois de começar a Segunda Guerra Mundial, o alimento disponível era enviado às frentes.
As refeições nos campos de concentração consistiam principalmente de um tipo de nabo que,
em geral, só era usado para alimentar animais. Tudo era preparado com tamanha falta de
amor que amiúde se ouvia os detentos dizer que até mesmo os porcos teriam recusado tal
alimento. Mas, não era a questão de dispor de alimento apetitoso, era simplesmente uma
questão de sobrevivência. Muitos morreram de fome. “Minha maior prova era a fome”,
escreve o irmão Kurt Hedel, e explica por que, dizendo: “Tenho 1,87 de altura e normalmente
peso uns 104 quilos. Mas, no inverno de 1939/1940, pesava apenas 40 quilos e até mesmo
menos. Não era nada mais do que pele e ossos. Apesar do meu tamanho, não me davam mais
o que comer do que davam aos menores do que eu. Amiúde apertava o meu estômago com os
punhos, de dor, até que um irmão maduro me aconselhou a levar o problema a Jeová em
oração, e pedir ajuda a ele para suportar a dor. Logo compreendi que grande ajuda é a oração
em tais situações.” Outro irmão se lembra de que amiúde punha um punhado de areia na boca
para combater as dores da fome.
Quão confortadora era a associação fraternal em tais situações. Sim, era muito comovedor ver
irmãos, que estavam marcados para morrer, dar parte de suas reduzidíssimas rações de pão
para aqueles que passavam momentos piores do que eles. Amiúde eram apenas migalhas que
secretamente escondiam sob os travesseiros daqueles que, por uma ou outra razão, não
haviam recebido nada para comer, e que foram obrigados a ficar em pé no pátio, em cortante
frio, tendo muito pouco o que vestir. Quão suavizante era, para aqueles a quem o inimigo
quase “abatera”, ouvir dum irmão maduro palavras encorajadoras que gotejavam como óleo
sobre uma ferida e davam novo alento, numa ocasião em que sentiam que sua situação era
intolerável! E quão poderosa resultou ser a oração unida! Com freqüência, nas noites, quando
as barracas eram trancadas e tudo estava quieto nos dormitórios, os problemas eram
unicamente apresentados a Jeová em oração. Não raro eram assuntos que tinham que ver
com todos eles, mas, com igual freqüência, eram problemas de irmãos individuais. Sempre que
Jeová — como fez em tantos casos — trazia imediata mudança para melhor, isto era causa
para oração unida de agradecimentos no dia seguinte. Enfrentando uma situação que uma
pessoa não poderia suportar sozinha, os irmãos compreendiam mais uma vez que “nunca
estamos sós”.
É interessante que o pessoal das SS, que não raro usavam os truques mais sujos para tentar
fazer com que alguém assinasse a declaração, com freqüência se voltavam contra tais pessoas
uma vez tivessem assinado, e as fustigavam mais ainda depois do que antes. Karl Kirscht
confirma isto: “Mais do que ninguém, as testemunhas de Jeová eram as vítimas das chicanices
nos campos de concentração. Pensava-se que, desta forma, podiam ser persuadidas a assinar a
declaração. Pedia-se-nos repetidas vezes que assim o fizéssemos. Alguns assinaram, mas, na
maioria dos casos, tiveram de esperar mais de um ano antes de serem soltos. Durante esse
tempo, amiúde eram vituperados pelo pessoal das SS como sendo hipócritas e covardes, e
eram obrigados a dar o chamado ‘passeio de honra’ ao redor de seus irmãos, antes de se lhes
permitir deixar o campo.”
Wilhelm Röger relembra que um irmão assinou a declaração quando sua esposa e sua filha
foram visitá-lo, mas não disse aos irmãos que fizera isso. “Várias semanas depois foi informado
de que devia aprontar-se para o livramento. (Tais pessoas em geral tinham de ficar em pé
junto ao portão até que seus nomes fossem chamados.) Este irmão ficou em pé no portão o
dia inteiro, e ainda estava em pé ali naquela noite, de modo que voltou para junto dos irmãos
nas barracas. Depois da chamada noturna, dirigida por um capitão muito temido, de nome
Knittler, este irmão recebeu ordem de buscar uma banqueta no alojamento e então foi
obrigado a subir nela no pátio, em frente dos irmãos que marchavam: Knittler então dirigiu a
atenção para o irmão, e, olhando-o de forma acre, disse: ‘Olhem para o seu covarde; ele
assinou sem dizer nada a nenhum de vocês!’ Na realidade, os homens das SS gostariam que
todos nós assinássemos a declaração. Mas, o respeito que secretamente tinham por nós ia por
água abaixo uma vez que alguém a assinava.”
A irmã Dietrichkeit lembra de duas irmãs que assinaram a declaração. Ao voltarem, contaram à
irmã Dietrichkeit que haviam assinado porque tinham receio de que iriam morrer de fome.
Não ocultaram que os homens das SS lhes perguntaram: “Agora que negaram a seu Deus,
Jeová, a que Deus servirão?” As duas irmãs logo foram soltas, mas, quando os russos
invadiram o país, ambas foram presas de novo por uma razão ou outra, e levadas pelos russos
para a prisão onde realmente morreram de fome. Em outro caso, uma irmã que assinara a
declaração foi estuprada pelos russos nos últimos poucos dias da guerra e então foi morta por
eles.
Grande número de irmãos que assinaram a declaração foram convocados para as forças
militares e levados para a frente, onde a maioria deles perdeu a vida.
Muito embora haja suficiente prova de que aqueles irmãos que assinaram assim se colocaram
fora da proteção de Jeová, não aconteceu que, na maioria dos casos, fossem “traidores”.
Muitos mandaram anular sua assinatura antes de serem soltos, uma vez que irmãos maduros,
com entendimento, os ajudaram a compreender o que tinham feito. Suplicando arrependidos,
que Jeová lhes desse outra oportunidade de provar sua fidelidade, muitos destes, depois do
colapso do regime de Hitler, espontaneamente se juntaram às fileiras dos publicadores e
começaram a trabalhar como publicadores de congregação, com o tempo, como pioneiros,
superintendentes, até mesmo como superintendentes viajantes, promovendo de forma
exemplar os interesses do reino de Jeová. Muitos foram confortados pela experiência de
Pedro, que tinha negado a seu Senhor e Mestre também, mas que foi recebido de volta em
seu favor. — Mat. 26:69-75; João 21:15-19.
TRAIÇÃO
Ao passo que alguns temporariamente perderam seu equilíbrio espiritual, devido aos métodos
astutos usados, ou por causa de fraqueza humana, houve outros que viraram traidores e
fizeram com que seus irmãos sofressem muito.
Julius Riffel relata que, em 1937/1938 “certo irmão Hans Müller, de Dresden, veio até o Betel
de Berna e tentou entrar em contato com os irmãos na Alemanha, alegadamente visando
‘reconstruir a organização subterrânea na Alemanha, depois de tantos irmãos terem sido
presos’.
“Naturalmente declarei minha disposição de cooperar, como o fizeram vários outros irmãos. É
triste dizê-lo, mas não sabíamos naquela ocasião que este ‘irmão’ Müller trabalhava para a
Gestapo na Alemanha. Sem suspeitar de nada, fizemos planos em Berna e começamos nosso
trabalho. Eu devia assumir Baden Württemberg. Em fevereiro de 1938, atravessei a fronteira
da Alemanha, e tentei reorganizar a atividade por entrar em contato com os irmãos ainda
livres. Duas semanas depois, fui preso. . . . A Gestapo sabia de nossa atividade nos mínimos
detalhes e isto por meio deste falso irmão, que ajudou a reconstruir a organização
subterrânea, apenas para depois traí-la à Gestapo. Tal ‘irmão’ fez a mesma coisa um ano
depois nos Países-Baixos e também na Tchecoslováquia. . . .
“Em 1939, fui levado no caminhão de presos para Coblenz, onde deveria testemunhar no
julgamento de três irmãs com as quais trabalhara às ocultas em Stuttgart. Ali, eu mesmo ouvi
um agente da Gestapo dizer a um oficial do tribunal como sabiam todos os pormenores sobre
a nossa obra, coisas tais como endereços e nomes pretensos, bem como a estrutura da
organização. Certa vez, quando esperávamos do lado de fora, no corredor, este mesmo agente
da Gestapo me disse que não teriam conseguido colocar-se no rastro de nossa atividade tão
facilmente se não fosse pelo fato de haver pessoas que não valiam nada em nossas fileiras. É
triste dizê-lo, mas não pude negar isso. De tempos a tempos, pude avisar os irmãos, lá da
prisão, sobre este ‘irmão’ traidor mas o irmão Harbeck ignorou o aviso, simplesmente não
podendo crer nisso. Segundo minha opinião, este tal de Müller foi responsável pela prisão de
centenas de irmãos.”
Muito embora o inimigo repetidas vezes abrisse novas lacunas nas fileiras do povo de Deus, e
dizimasse o número dos que ainda estavam livres, sempre havia outros que reconheciam a
necessidade de se fornecer o alimento espiritual aos irmãos. Faziam isto apesar do perigo que
representava para suas vidas. Um dos irmãos que refez o sistema de distribuição da Sentinela
entre os irmãos, enquanto Müller continuava a fazer seu trabalho sujo em Dresden, foi Ludwig
Cyranek. Fez isto até ser preso e condenado a dois anos de prisão. Daí, logo que deixou para
trás as portas da prisão, o irmão Cyranek voltou direto ao trabalho.
Muitas irmãs preencheram com alegria os lugares vagos pelas prisões dos irmãos, embora
compreendessem que, de acordo com as leis mais severas do tempo de guerra, poderiam
perder a vida se fossem apanhadas. Entre as usadas para distribuir A Sentinela, por exemplo,
achavam-se a irmã Neuffert, em Holzgerlingen, a irmã Pfisterer, em Stuttgart, e a irmã Franke,
em Mainz. O irmão Cyranek escrevia a estas irmãs algumas cartas contendo informações
inofensivas, cartas que as irmãs passavam a ferro, de modo a poderem ler a mensagem secreta
que ele escrevera por baixo, com suco de limão, dizendo-lhes onde podiam levar as Sentinelas
e quantas.
De tempos a tempos, o irmão Cyranek ia a Stuttgart, onde Maria Hombach trabalhava com ele
como secretária. Ditava relatórios a ela sobre a obra na Alemanha, que ele então enviava a
Arthur Winkler nos Países-Baixos, que cuidava da Alemanha e da Áustria. A irmã Hombach
escrevia tais cartas com suco de limão, de modo que importantes informações não caíssem em
mãos desautorizadas.
Ter esta atividade às ocultas funcionado por pelo menos um ano só pode ser atribuído à
orientação de Jeová. Amiúde ele se certificava de que seu povo fosse conduzido por meios
estranhos, para que pudesse ser suprido de alimento espiritual na época devida. Müller logo
sentiu que a época era oportuna para trair a inteira equipe de organização perante a Gestapo.
Todos os envolvidos foram presos em questão de dias. No julgamento em Dresden, o irmão
Cyranek foi sentenciado à morte e outros receberam longas sentenças. Em 3 de julho de 1941,
poucas horas antes de sua execução, escreveu a seus parentes a seguinte carta:
“Meu querido irmão, minha cunhada, meus pais e todos os outros irmãos incluídos,
Julius Engelhardt, que mimeografou Sentinelas junto com a irmã Frey, em Bruchsal, trabalhara
intimamente ligado com o irmão Cyranek, na parte meridional da Alemanha. Foi planejado
que, no caso da prisão do irmão Cyranek, ele continuaria o seu trabalho. É triste ter que dizer
que Müller também o traiu perante a Gestapo, e logo descobriram seu esconderijo na sua
cidade natal de Karlsruhe. Mas, o irmão Engelhardt sempre encorajara as irmãs por lhes dizer
que ‘não pode custar-nos mais do que nossas cabeças’, e estava determinado a só vender sua
liberdade pelo maior preço possível. Embora o agente da Gestapo já o tivesse levado em
custódia, subitamente conseguiu soltar-se e correu escada abaixo, onde desapareceu nas
multidões da rua mais rápido do que a polícia pôde impedi-lo. É interessante o que os
historiadores seculares, no livro Widerstand und Verfolgung in Essen 1933 — 1945 (Oposição e
Perseguição em Essen 1933 — 1945), dizem sobre a atividade do irmão Engelhardt, conforme
tirado dos arquivos da Gestapo:
Christine Hetkamp também nos fornece encorajador relatório sobre a atividade do irmão
Engelhardt: “Meu marido, que era batizado, tornou-se maligno opositor. . . . Eu não perdia
nenhuma das reuniões, que eram realizadas alternadamente na casa de minha mãe, na minha
casa e na do meu irmão. Eu podia tê-las em minha casa porque meu marido partia às
segundas-feiras e ficava na casa de sua irmã até sábado; ela morava um pouco fora da cidade.
Sua família era uma família fanaticamente nazista, e ele encontrava abrigo ali, visto que não
podia mais suportar nosso espírito, o que é compreensível. Assim, durante a ausência dele,
imprimia-se A Sentinela em nossa casa por quase três anos. Certo irmão (o irmão Engelhardt),
que morava conosco por três anos, primeiro de tudo cortava os estênceis numa máquina de
escrever e então os usava para mimeografar cópias de A Sentinela. Depois disso, viajava com
minha mãe para Berlim, Mainz, Mannheim, etc., onde entregava as revistas a pessoas
fidedignas que então as distribuíam ainda mais. O irmão Engelhardt e mamãe estavam
encarregados de todo o arranjo, ao passo que eu cozinhava e lavava. Quando minha mãe foi
presa, eu assumi a tarefa de entregar A Sentinela em Mainz e Mannheim. . . Em abril de 1943,
mamãe foi presa pela segunda vez, desta vez para sempre. Pouco depois, o irmão Engelhardt,
que por tanto tempo estivera encarregado, e que dirigia a obra às ocultas, também foi preso.”
Mais tarde, a filha da irmã Hetkamp, seu cunhado, sua irmã, sua cunhada, e sua tia, foram
presos. Todos eles foram julgados em 2 de junho de 1944. O irmão Engelhardt e sete outros
réus, inclusive a mãe da irmã Hetkamp, foram condenados à morte. Foram todos decapitados
pouco depois disso.
Dali em diante, as condições na Alemanha continuaram a se tornar mais confusas. Não mais
era possível determinar com certeza onde as Sentinelas eram mimeografadas, mas estavam
sendo produzidas.
A respeito dum irmão que foi sentenciado à morte, relata o irmão Bär: “Todos os detentos e
também as autoridades carcerárias ficaram surpresos com ele. Era serralheiro e fazia consertos
por toda a prisão. Ele executava seu trabalho diário sem qualquer sinal de abatimento ou
tristeza; pelo contrário, enquanto trabalhava, entoava cânticos de louvor a Jeová.” Certo dia,
por volta do meio-dia, foi removido da oficina, e foi morto naquela noite.
O irmão Bär continua seu relato, dizendo: “Minha esposa certa vez viu uma irmã na prisão em
Potsdam que ela não conhecia. Passou por ela no pátio da prisão. Quando a irmã viu minha
esposa, ergueu ambos os braços algemados e fez uma saudação alegre. Embora sentenciada a
morte, não havia aparência de dor nem de tristeza em seu semblante.” Esta calma e paz
irradiadas pelos irmãos e irmãs sentenciados à morte adquire maior valor quando a pessoa se
lembra do que tiveram de enfrentar em suas celas.
Ao passo que nossos irmãos e irmãs eram resolutos e resignados, com efeito, até mesmo
alegres às vezes em face da vereda difícil que foram obrigados a percorrer, outros que não
eram Testemunhas amiúde desmaiavam ou, por causa do seu intenso temor da morte,
soltavam altos brados até serem restringidos à força.
Jonathan Stark, de Ulm, contudo, não cedeu a tal temor. Na verdade, só tinha dezessete anos
quando foi preso pela Gestapo, e, sem formalidades legais, foi mandado para Sachsenhausen,
onde foi colocado nas barracas da morte. Qual era sua ofensa? A recusa de fazer o serviço pré-
militar. Emil Hartmann, de Berlim, ouviu dizer que Jonathan estava confinado a estas barracas
e, embora pudesse resultar em severa punição para ele, o irmão Hartmann conseguiu entrar
ali para falar com este jovem irmão e fortalecê-lo. Para ambos, estas breves visitas foram
muitíssimo encorajadoras. Jonathan sempre se sentia muito feliz. Embora encarasse a morte,
confortava sua mãe com a maravilhosa esperança duma ressurreição. Quando conduzido pelo
comandante do campo ao local de execução apenas duas semanas depois de sua chegada, as
últimas palavras de Jonathan foram “A favor de Jeová e de Gideão”. (Gideão foi um servo fiel
de Jeová que prefigurou Jesus Cristo.) — Juí. 7:18.
Elise Harms, de Wilhelmshaven, lembra-se que se pediu várias vezes a seu marido que voltasse
atrás depois de ser sentenciado, e, quando ele recusou, foi oferecida a ela a permissão de
visitá-lo sob a condição de que fizesse tudo a seu alcance para persuadi-lo a mudar de idéia.
Mas, ela não podia fazer isto. Quando ele foi decapitado, ela se sentiu feliz de ele ter
permanecido fiel a Jeová e de que não estava mais sob a pressão para se tornar infiel. No
ínterim, o pai dele, Martin Harms, foi preso pela terceira vez e lançado em Sachsenhausen.
Profundamente comovente é a carta que o filho dele lhe escreveu pouco antes de sua
execução em 9 de dezembro de 1940:
“Ainda temos três semanas até 3 de dezembro, o dia em que nos vimos pela última vez há dois
anos atrás. Ainda consigo ver seu querido sorriso ao trabalhar no porão da prisão e quando eu
andava no pátio da prisão. Nas primeiras horas da manhã não suspeitávamos que eu e minha
querida Lieschen (sua esposa) seríamos soltos naquela tarde, nem que o senhor, meu querido
pai, para nosso pesar, seria levado nesse mesmo dia para Vechta, e dali então para
Sachsenhausen. Aqueles últimos instantes, quando estávamos a sós no parlatório da prisão de
Oldenburgo ainda se acham indelevelmente inculcados em minha memória, como eu o abracei
e lhe prometi que cuidaria da mamãe, e do senhor fazendo tudo que estivesse a meu alcance.
Minhas últimas palavras foram: ‘Permaneça fiel, meu querido pai!’ Durante esse último ano e
nove meses (21 meses ao todo) de ‘escravidão em liberdade’, cumpri minha promessa. Ao ser
colocado sob custódia, em 3 de setembro, passei a responsabilidade a seus outros filhos.
Tenho encarado o senhor com orgulho, durante esse tempo, e também com surpresa, pela
forma em que tem levado sua carga em fidelidade ao Senhor. E agora eu, também, obtive a
oportunidade de provar minha fidelidade ao Senhor até a morte, sim, em fidelidade não só até
à morte, mas até mesmo na morte. Minha sentença de morte já foi anunciada e estou
algemado tanto de dia como de noite — as marcas (sobre o papel) são das minhas algemas —
mas ainda não venci plenamente. Permanecer fiel não é fácil para uma das testemunhas de
Jeová. Ainda tenho oportunidade de salvar minha vida terrestre, mas somente por perder
assim a verdadeira vida. Sim, uma das testemunhas de Jeová recebe a oportunidade de violar
seu pacto até mesmo quando contempla a força. Portanto, ainda estou no meio duma luta e
ainda tenho que obter muitas vitórias antes de poder afirmar que ‘travei a luta excelente,
observei a fé, acha-se reservada para mim a coroa da justiça que Deus, o justo juiz, me dará.’ A
luta é deveras difícil, mas sinto-me grato de todo o coração ao Senhor, não só por Ele me ter
dado a força necessária para suportar tudo até agora, em face da morte, mas também por me
dar uma alegria que gostaria de compartilhar com todos os meus entes queridos.
“Meu querido pai, o senhor ainda está preso, também, e não sei se esta carta chegará ou não
até o senhor. Caso consiga alguma vez ficar livre, contudo, então permaneça tão fiel como é
agora, pois sabe que quem tiver posto sua mão no arado e olhar para trás não é digno do reino
de Deus. . . .
“Quando o senhor, meu querido pai, estiver de novo em casa, certifique-se então de cuidar
muito bem de minha querida Lieschen, pois a situação será especialmente difícil para ela,
sabendo que seu amado não voltará mais. Sei que o senhor fará isto e lhe agradeço de
antemão. Meu querido pai, em espírito eu lhe digo, permaneça fiel, assim como tentei
permanecer fiel, e então nos veremos de novo. Estarei pensando no senhor até o último
instante.
Não aconteceu apenas de os candidatos à morte serem encorajados pelos irmãos de fora; os
de fora, em liberdade, amiúde eram encorajados ainda mais pelos seus irmãos presos. A irmã
Auschner, de Kempten, confirma isto. Ela recebeu uma carta de seu filho de 21 anos, em 28 de
fevereiro de 1941, que continha as seguintes breves linhas dirigidas ao irmão dele de 18 anos e
meio: “Meu querido irmão. Em minha última carta, trouxe à sua atenção um livro, e espero
que tenha levado a peito o que eu disse, pois isto só lhe pode trazer benefícios.” Dois anos e
meio depois, a irmã Auschner recebeu deste filho caçula uma carta de despedida. Ele havia
levado a peito o que seu irmão mais velho havia escrito e o tinha seguido fielmente até à
morte.
Os dois irmãos, Ernst e Hans Rehwald, de Stuhm, Prússia Oriental, também ajudaram um ao
outro de forma similar. Depois de Ernst ter sido levado às barras dum tribunal militar e
sentenciado à morte, escreveu de sua cela de morte uma carta a seu irmão Hans, na prisão em
Stuhm: “Querido Hans. Em caso de a mesma coisa lhe acontecer, então se lembre do poder da
oração. Não sinto nenhum medo, pois a paz de Deus está dentro do meu coração.” Pouco
tempo depois, seu irmão se achava na mesma posição e, embora só tivesse dezenove anos
nessa ocasião, foi executado.
Era impressionante ver como os parentes íntimos encorajavam seus entes queridos a não
vacilar em sua integridade. A irmã Höhne, de Francforte sobre o Oder foi uma das pessoas que
acompanharam o marido dela até a estação ferroviária, quando recebeu sua ordem de
incorporação, para jamais vê-lo de novo. As últimas palavras dela foram: “Seja fiel” — palavras
que o irmão Höhne tinha em mente até sua morte.
Em muitos casos, os irmãos eram recém-casados e, caso seu amor a Jeová e a Cristo Jesus não
fosse tão forte, certamente não teriam conseguido suportar o rompimento dos vínculos da
comunicação com seus entes queridos. Duas irmãs, que já são viúvas por mais de trinta e dois
anos, rememoram aqueles tempos turbulentos, gratas pela ajuda que Jeová lhes deu. As irmãs
Bühler e Ballreich, de Neulosheim, perto de Speyer, ambas se casaram perto do início da
proscrição e aprenderam a verdade por volta dessa mesma época. Em 1940, ambos os maridos
receberam sua chamada para incorporação e, ao recusarem fazer o serviço militar, foram
presos.
A irmã Ballreich se dirigiu aos oficiais de recrutamento do distrito, em Mannheim, onde soube
que os dois irmãos foram enviados para Wiesbaden, para compareceram perante um tribunal
militar. A irmã Ballreich obteve permissão de visitar seu marido, sob a condição de tentar
persuadi-lo a mudar de idéia. A irmã Bühler obteve permissão de visitar seu marido sob a
mesma condição. Ambas as irmãs de imediato se dirigiram a Wiesbaden. Relata a irmã Bühler:
“Dificilmente posso descrever quão triste foi o reencontro. Ele (o marido dela) perguntou: ‘Por
que você veio?’ Respondi-lhe que devia supostamente tentar influenciá-lo. Mas, ele me
confortou, me deu conselhos bíblicos e me disse que não ficasse triste como os demais que
não têm esperança, mas que pusesse minha inteira confiança em nosso grande Deus,
Jeová. . . . Um jovem funcionário do tribunal, que nos acompanhara até à prisão, aconselhou-
nos a ficar em Wiesbaden até terça-feira, que era o dia em que o processo seria julgado. Se
estivéssemos ali, com certeza obteríamos permissão de comparecer ao mesmo. Assim, ficamos
até terça-feira. Esperamos do lado de fora, na rua, até que nossos maridos, acompanhados de
dois soldados com armas carregadas, foram conduzidos pela rua como se fossem criminosos
profissionais. Era um verdadeiro espetáculo para homens e anjos. Eu e a irmã Ballreich fomos
andando junto. Conseguimos assistir ao julgamento. Durou menos de uma hora, terminando
com dois homens inculpes e bravos sendo sentenciados à morte. Depois disso, só conseguimos
ficar com eles por cerca de duas horas num quarto no andar térreo. Mas, depois de sairmos do
tribunal, andamos pelas ruas de Wiesbaden como duas ovelhas perdidas.”
Pouco depois disso, as duas irmãs jovens receberam a notificação de que seus maridos tinham
sido fuzilados em 25 de junho de 1940, com as palavras nos lábios “Jeová para sempre!”
Um caso que deteve as atenções, não só dos tribunais, promotores distritais e advogados de
defesa, mas também do público, envolvia os dois irmãos Kusserow, de Paderborn. Baseados
nas boas instruções nos modos de Jeová que haviam recebido em casa, estavam dispostos a
dar suas vidas sem ter medo. E sua mãe usou a morte deles como oportunidade adicional de
falar a outros na sua comunidade sobre a esperança da ressurreição. Um terceiro irmão, Karl,
foi preso três meses depois e levado a um campo de concentração; morreu quatro semanas
depois de ser solto. Havia treze membros nesta família; doze foram presos, sentenciados a um
total de 65 anos, dos quais serviram 46.
Similar ao caso dos Kusserows em que, não só os pais, mas também os filhos puseram os
interesses do Reino à frente de si mesmos, era a família Appel de Süderbrarup. Possuíam
pequena gráfica ali. Ouçamos como a irmã Appel nos conta o que aconteceu:
“Em 1937, quando a grande onda de prisões já rolava sobre a Alemanha, eu e meu marido
fomos levados para longe de nossos quatro filhos na noite de 15 de outubro. Oito pessoas (da
Gestapo e oficiais de polícia) entraram em nossa casa e deram busca em toda a casa, desde o
porão até o sótão. Daí levaram-nos junto com eles. . .. Depois de sermos sentenciados, meu
marido foi levado para Neumünster e eu para a prisão de mulheres em Kiel. . . Em 1938, depois
de uma série de anistias, fomos soltos. . . . Quando irrompeu a segunda guerra mundial,
contudo, sabíamos o que estava à nossa espera, pois meu marido estava determinado a
manter neutralidade. Falamos a nossos filhos sobre o assunto inteiro e trouxemos à atenção
deles as declarações bíblicas com respeito à perseguição.
“No que foi possível, fizemos arranjos para termos suficientes roupas para os filhos, de modo
que fossem cuidados neste sentido. Depois de meu marido ter exposto aos oficiais de
recrutamento suas razões bíblicas para não poder empenhar-se na guerra, pôs o restante de
seus assuntos em ordem. Apresentávamos diariamente todos os nossos problemas a Jeová em
oração. Em 9 de março de 1941, às 8 horas da manhã, tocou a campainha da porta, e vieram
dois soldados apanhar meu marido. Esperaram do lado de fora e lhe concederam quinze
minutos para se despedir de nós. Nosso filho Walter já tinha ido para a escola. Pedimos aos
outros três filhos e à irmã Helene Green, que trabalhava em nossa gráfica, que viessem de
imediato ao apartamento. A última solicitação de meu marido foi para entoarmos o cântico
‘Quem é leal e fiel não se deixa nunca atemorizar.’ Embora as palavras ficassem presas em
nossas gargantas, cantamos. Depois duma oração, os soldados entraram e levaram meu
marido. Essa foi a última vez que os filhos viram seu pai. Foi levado para Lübeck, onde alto
oficial conversou longamente com ele de modo paternal, tentando persuadi-lo a colocar o
uniforme. Mas, a lei imutável de Jeová estava tão firmemente ancorada no coração do meu
marido que não havia jeito de ele voltar atrás. . . .
“Foi cedo na manhã de 1.º de julho de 1941 que as autoridades policiais me apresentaram
uma carta . . . notificando-me de que nosso carro estava sendo confiscado como propriedade
comunista e que a gráfica estava sendo fechada pela polícia. Daí, entregou-me outra carta que
dizia: ‘Deve levar seus filhos à prefeitura na manhã de 3 de julho de 1941. Deve trazer suas
roupas e seus sapatos.’ Este foi um golpe duro.
“Assim aconteceu que, na manhã de 3 de julho, supervisores de dois lares para jovens vieram
apanhar as crianças. A senhora que ficou cuidando de minhas filhas de quinze e de dez anos,
Christa e Waltraud, disse-me: ‘Já sabia há várias semanas que eu iria pegar suas filhas, e não
consegui dormir uma noite desde então, sabendo que estou levando filhas de uma família
bem-organizada. Mas, tenho de fazer isso.’
“Alguns dos vizinhos não se refrearam de mostrar seu desagrado pela ação tomada, mas as
autoridades responsáveis logo fizeram circular um aviso de que ‘qualquer pessoa que fale
sobre o caso Appel está cometendo sedição nacional!’ Para certificar-se, três oficiais de polícia
foram enviados para superintender o assunto da remoção dos filhos. . . . Meu marido foi,
naturalmente, avisado pelas autoridades dos passos que foram dados no tocante à firma e aos
filhos. Esperavam que isto o abrandasse. Foi acusado de ser desonesto e inescrupuloso em ter
deixado sua família na lama. Meu marido me escreveu uma carta muito amorosa, dizendo
como se levantara bem cedo na manhã seguinte, ficara de joelhos e, em oração, confiara o
cuidado de sua família a Jeová. . . .
“No mesmo dia em que os filhos foram levados, recebi notificação do tribunal militar de
Berlim-Charlottenburgo para comparecer ali. Compareci perante o principal promotor-público,
que me pediu que tentasse influenciar meu marido a por o uniforme. Quando lhe disse a razão
bíblica de não poder fazer isto, ele gritou, cheio de raiva: ‘Então, vamos cortar-lhe a cabeça!’
Apesar disso, pedi permissão de falar com meu marido. Ele não deu nenhuma resposta, mas
apertou uma campainha que chamava um soldado, o qual me levou ao andar de baixo, onde
vários oficiais me saudaram com olhares gelados e acusações. Quando fui embora, um deles
me seguiu, segurou minha mão e disse: ‘Sra. Appel, sempre permaneça firme como agora. Está
fazendo o que é certo.’ Eu fiquei deveras surpresa. O que importava contudo, era que pude
falar com meu marido.
“Enquanto estava em Berlim, os nazistas já tinham vendido nossa firma. Fui obrigada a assinar
a declaração de venda porque — foi-me dito — de outro modo seria enviada para um campo
de concentração.
“Depois de ter visitado meu marido em Berlim, várias vezes, ele foi condenado à morte. O
advogado que o ‘defendeu’ observou: ‘Seu marido teve uma oportunidade excepcional de sair
disso, mas recusou-se a fazer uso dela.’ Ao que meu marido respondeu: ‘Fiz minha decisão a
favor de Jeová, e seu reino, e isso é o fim da questão.’
“Em 11 de outubro de 1941, meu marido foi decapitado. Em sua última carta, que lhe foi
permitido escrever poucas horas antes de sua execução, dizia: ‘Quando receber esta carta,
minha querida Maria e meus quatro filhos, Christa, Walter, Waltraud e Wolfgang, tudo já terá
terminado e terei obtido a vitória por meio de Jesus Cristo, e minha esperança é que tenha
sido vitorioso. Do fundo do meu coração, desejou lhes feliz entrada no reino de Jeová.
Permaneçam fiéis! Três irmãos jovens, que irão seguir o mesmo caminho que eu seguirei
amanhã de manhã, estão aqui ao meu lado. Seus olhos brilham!’
“Pouco tempo depois, fui obrigada a sair de minha casa em Süderbrarup. A mobília ficou
guardada em cinco lugares diferentes. Pessoalmente acabei sem um centavo na casa de minha
mãe.”
“Meu filho Walter foi tirado da escola, pelo lar para jovens, e enviado a Hamburgo, onde faria
um aprendizado como gráfico. Em 1944, foi convocado, embora só tivesse 17 anos. Da forma
mais maravilhosa, viera a possuir o livro A Harpa de Deus antes disso e aprendera muita coisa
dele nas noites de bombardeios em Hamburgo, em seu quartinho no sótão. Seu desejo era
dedicar-se a Jeová. Depois de muitas dificuldades, conseguiu ir a Malente, na época do Ano
Novo de 1943/1944, onde, numa lavanderia escura, um irmão o batizou secretamente. . .
“Conseguiu entrar em contato comigo em segredo e eu esperei nas ruas de Hamburgo várias
horas até que ele veio, porque me era proibido ver meus próprios filhos, sob quaisquer
circunstâncias.
“Para encorajamento dele, pude contar-lhe que recebera uma carta dos irmãos em
Sachsenhausen, que haviam ouvido falar de nosso quinhão. O irmão Ernst Seliger escreveu
que, depois de o campo silenciar à noite, várias centenas de irmãos, de várias nações, se
ajoelhavam perante Jeová e faziam menção de nós em suas orações. Daí, meu filho foi levado
à força para a Prússia Oriental, para o grupo militar a que foi designado. No frio gélido,
tiraram-lhe as roupas e colocaram o uniforme na frente dele, mas ele se recusou a colocá-lo.
Demorou dois dias até que ele recebeu algo quente para comer. Mas, permaneceu firme.
“Em Hamburgo, havíamo-nos despedido um do outro. Ele me disse que iria pelo mesmo
caminho que seu pai. Uns sete meses depois, após terem sido alterados seus documentos a
fim de fazê-lo parecer mais velho, foi realmente decapitado, sem ter jamais sido julgado.
Segundo a lei, ainda era menor de idade e estava sob jurisdição juvenil.
“Um policial de Süderbrarup me visitou e leu para mim um relatório policial da Prússia
Oriental. Eu mesma não recebi nada. Embora eu não esperasse realmente que meu rapaz
tivesse de seguir o caminho do pai, visto ser ele tão jovem e o fim da guerra estar tão perto,
todavia, apesar da grande dor que senti, ofereci uma oração de agradecimentos a Jeová. Podia
então dizer: ‘Sou grata, Jeová, por ele ter caído no campo de batalha em teu favor.’
“Daí veio a convulsão de 1945. Alegremente acolhi em meus braços novamente meus três
filhos restantes. Os dois mais jovens tinham sido tirados dos lares para jovens e estavam
morando com um diretor do escritório trabalhista nos últimos três anos, onde eram criados no
sentido do nacional-socialismo. Eu tinha permissão de visitá-los apenas uma vez a cada quatro
meses e de conversar com eles por várias horas, mas sempre com alguém presente. Apesar
disso, minhas duas meninas certa vez conseguiram sussurrar-me que tinham um pequeno
testamento que mantinham cuidadosamente oculto. Quando estavam a sós, uma delas ouvia à
porta para certificar-se de que ninguém vinha e a outra lia alguns versículos. Quão feliz me
senti!
Que seria possível fazer discípulos até mesmo em celas de morte poderia parecer difícil de se
crer, mas o irmão Massors relata tal experiência numa carta dirigida à sua esposa, datada de 3
de setembro de 1943:
“Durante 1928/30/32, fui pioneiro em Praga. Eram proferidos discursos e a cidade estava
coberta de publicações. Naquele tempo, eu encontrei um orador político do governo,
chamado Anton Rinker. Conversei bastante tempo com ele. Aceitou a Bíblia e vários livros e
explicou que não tinha tempo de estudar tais coisas, visto que tinha de cuidar da família e
ganhar a vida. Disse, contudo, que seus parentes tinham todos inclinações religiosas, embora
não freqüentassem a igreja.
“Deve ter sido em 1940/41 quando novo companheiro foi mandado para minha cela, como
amiúde costumava acontecer. Sentia-se muito deprimido, mas todos se sentem assim de
início. Apenas quando a porta se fecha atrás é que a pessoa subitamente compreende onde
está. ‘Meu nome é Anton Rinker, e sou de Praga’, disse-me meu novo colega de cela.
Reconheci-o de imediato e lhe disse: ‘Anton, sim, Anton, está reconhecendo-me?’ ‘Sim, parece
que o conheço, mas . . .’ Só levou algum tempo para que ele se lembrasse de que visitara seu
lar em 1930/32 e que ele ficara com uma Bíblia e vários livros naquele tempo. ‘O quê!’, disse
Anton, ‘está aqui por causa de sua fé? Não posso compreender; nenhum dos ministros fazem
nada parecido a isso. Em que realmente crê?’ Ele logo iria descobrir.
“‘Mas, por que o clero não nos diz tais coisas?’ era sua pergunta. ‘Esta é a verdade. Agora sei
porque tinha de vir para esta prisão. Devo dizer, meu caro Franz, que antes de entrar nesta
cela orei a Deus para que me enviasse um crente, de outra forma eu pensava em cometer
suicídio. . . .’
“Passaram-se semanas e meses. Daí, Anton me disse: ‘Antes de eu partir desse mundo, que
Deus ajude minha esposa e meus filhos a encontrar a verdade, de modo que possa partir em
paz.’ . . . Certo dia, ele recebeu uma carta de sua esposa, em que ela escrevia:
“‘ . . . Quão felizes ficaríamos se apenas você pudesse ler a Bíblia e os livros que comprou
daquele senhor alemão há alguns anos. Tudo veio a ser exatamente como os livros diziam. Esta
é a verdade para a qual nunca tínhamos tempo.’”
Naqueles anos em que os irmãos, em especial os que estavam nos campos de concentração,
estavam “isolados”, tinham muito pouca oportunidade de obter uma Bíblia ou outras
publicações. Ainda mais esforço era gasto em lembrar-se do conteúdo de importantes artigos
da Sentinela, quando tinham de ficar horas a fio no pátio, ou às noites, quando tinham um
pouco de sossego em suas barracas. Sua alegria era especialmente grande quando era
possível, de algum modo, obter uma Bíblia.
Jeová às vezes usava modos interessantes de fazer com que uma Bíblia chegasse às mãos de
seus servos. Frank Birk, de Renchen (Floresta Negra), lembra-se de que, certo dia em
Buchenwald, um preso mundano lhe perguntou se gostaria de ter uma Bíblia. Ele encontrara
uma na fábrica de papel em que trabalhava. Naturalmente que o irmão Birk aceitou com
gratidão a oferta.
O irmão Franke também se lembra de como, em 1943, um idoso senhor das SS, que se juntara
a esta organização apenas pressionado pelos tempos, dirigiu-se a vários clérigos em seu dia de
folga e solicitou uma Bíblia. Todos eles disseram que lamentavam não ter mais uma Bíblia. Foi
à noitinha quando por fim encontrou um clérigo que lhe disse ter uma pequena Bíblia de
Lutero que havia guardado por motivos especiais. Ficou tão contente por ver um homem das
SS manifestar interesse na Bíblia, contudo, que disse que a Bíblia poderia ser dele. Na manhã
seguinte, este homem das SS, de cabelos grisalhos, deu a Bíblia ao irmão Franke, obviamente
contente de poder dar este presente a um preso sob seus cuidados.
Com o tempo tornou-se possível introduzir novos artigos das Sentinelas nos campos de
concentração. No campo de concentração de Birkenfeld, isto era feito da seguinte forma:
Dentre os presos havia um irmão que, devido ao seu conhecimento de arquitetura, trabalhava
com um civil amigável para com as testemunhas de Jeová. Através deste senhor amigável, o
irmão entrou em contato com os irmãos de fora do campo que logo lhe supriram as Sentinelas
mais recentes.
Todos imaginavam modos diferentes, e, com o tempo, havia várias Bíblias no campo. Um
irmão escreveu à esposa em Danzig que apreciaria comer um pouco de “bolo de melaço e
gengibre Elberfelder”, e no seguinte pacote de comida (que os irmãos podiam receber neste
campo naquele tempo) recebeu uma Bíblia Elberfelder cuidadosamente oculta no meio do
bolo de melaço e gengibre. Certas pessoas tinham contato com presos que trabalhavam no
crematório. Estes relatavam que muitos livros e revistas eram queimados ali, de modo que os
irmãos fizeram arranjos secretos de receber as Bíblias e revistas, em troca de alguns de seus
suprimentos de comida.
Em Sachsenhausen, algumas Bíblias chegaram ás mãos dos irmãos quando eles ainda estavam
no “isolamento”. Estranho como pareça, o isolamento resultou ser uma proteção neste caso,
visto que um irmão não só fora designado para cuidar do portão que levava à área de
isolamento, mas também possuía a chave, e, portanto, tinha de abrir e fechar o portão. Havia
sete mesas grandes numa sala que acomodava 56 irmãos sentados. Por bom tempo, um irmão
fornecia um comentário de 15 minutos, abrangendo o texto, enquanto que os outros comiam
seu desjejum. Fazia-se um rodizio então entre as mesas, bem como entre os irmãos que se
sentavam nelas. Este comentário era então o típico de palestra quando os irmãos eram
obrigados a ficar em pé por horas a fio no pátio.
No inverno de 1941/42, quando os irmãos tinham sido soltos do “isolamento”, sete Sentinelas
que consideravam Daniel capítulos 11 e 12, o primeiro número que considerava Miquéias, um
livro intitulado “Kreuzzug gegen das Christentum” (Cruzada Contra o Cristianismo) e um
Boletim (agora Ministério do Reino) chegaram todos ao mesmo tempo. Tratava-se realmente
duma dádiva do céu, pois, junto com seus irmãos em outros países, podiam então ter
entendimento claro do “rei do sul” e do “rei do norte”.
Graças ao fato de que os presos que não estavam em “isolamento” tinham as tardes de
domingo livres, e que o capitão do bloco político ia a outras barracas visitar seus amigos
naquela tarde, era possível os irmãos dirigirem um estudo da Sentinela todo domingo durante
vários meses. Em média, 220 a 250 irmãos participavam neste estudo, ao passo que 60 a 70
ficavam vigiando por todo o caminho até a entrada do campo, e, sempre que surgia perigo,
davam certo sinal. Foi assim que jamais foram pegas de surpresa por um homem das SS
durante seu estudo. Os estudos dirigidos em 1942 permanecem inesquecíveis para os
presentes a eles. Os irmãos ficaram tão impressionados pelas maravilhosas explicações a
respeito da profecia em Daniel, capítulos 11 e 12 que, na conclusão, em alegre tempo de
marcha, cantavam canções folclóricas entremeadas de cânticos do Reino assim não
fornecendo motivo de suspeita ao guarda de ronda a alguns metros, das barracas, em uma
torre, antes, ele se alegrava de ouvir o lindo coral. Imagine só: A voz de 250 homens que,
embora presos, na realidade estavam livres, entoando de todo o coração cânticos de louvor a
Jeová. Que espetáculo! Estariam os anjos do céu cantando junto também?
Embora o sangue de testemunhas fiéis de Jeová continuasse a fluir nos centros executores
nazistas até bem o completo colapso do regime, todavia, as armas daqueles que juraram vez
após vez que as testemunhas de Jeová só deixariam os campos de concentração pelas
chaminés do crematório começaram a enfraquecer. Havia também os problemas que a Guerra
apresentava. Assim, em especial a partir de 1942/1943, houve períodos em que as
testemunhas de Jeová ficaram em relativa paz.
A guerra, que era agora uma guerra total, havia mudado ao ponto em que todas as forças
disponíveis tinham sido mobilizadas. Por este motivo, em 1942, começaram a incluir, na
medida do possível, os prisioneiros em projetos produtivos para a economia. Neste sentido,
um comentário feito pelo líder das SS, Pohl, a seu chefe, Himmler, a respeito da “situação dos
campos de concentração” é interessante:
“As medidas necessárias que são tomadas resultam desta avaliação, que exige a transferência
gradual dos campos de concentração de seu objetivo anterior, unilateralmente político, para
uma organização que satisfaça as necessidades econômicas.”
No ínterim, Jeová fizera sua parte, pois ele pode dirigir os corações dos humanos — mesmo os
dos seus inimigos — como correntes de água. Notável exemplo é Himmler. Por anos ele cria
que apenas ele podia decidir quanto à vida dos servos fiéis de Jeová, mas subitamente
começou a mudar de idéia a respeito dos “Estudantes da Bíblia”. Seu médico pessoal, um
médico finlandês chamado Kersten, desempenhou importante papel.
O massagista Kersten começou a exercer forte influência sobre Himmler, que estava sempre
muito doente. Ouviu falar em as testemunhas de Jeová serem cruelmente perseguidas, e certo
dia pediu a Himmler que lhe desse algumas das mulheres para trabalhar em sua propriedade
em Harzwalde, cerca de setenta quilômetros ao norte de Berlim. Depois de hesitar, Himmler
concordou, e, mais tarde, concedeu um pedido adicional de Kersten, libertando uma irmã dum
campo de concentração, de modo que pudesse trabalhar na segunda casa de Kersten, na
Suécia. Foi por meio destas irmãs que Kersten ouviu a verdade sobre as condições nos campos
de concentração e sobre o indescritível sofrimento inflingido em especial sobre as
testemunhas de Jeová durante anos. Ficou tremendamente surpreso, sabendo que suas
massagens repetidas vezes restauravam este demônio a suficiente saúde para continuar seus
negócios assassinos. Por conseguinte, decidiu usar sua influência para, pelo menos em certa
medida, amainar o sofrimento de todos estes presos. Pode-se assim atribuir à influência dele
que dezenas de milhares deles, em especial perto do fim da guerra, não foram exterminados.
Em especial para as testemunhas de Jeová, sua influência resultou ser muitíssimo benéfica.
Pode-se ver isto de uma carta que Himmler escreveu a seus mais íntimos associados, os mais
altos líderes das SS, Pohl e Müller. Tal carta, carimbada “Secreta”, incluía os seguintes trechos:
“Acha-se anexo um relatório sobre as dez Estudantes da Bíblia que trabalham na fazenda do
meu médico. Tive oportunidade de estudar o assunto dos Fervorosos Estudantes da Bíblia de
todos os ângulos. A Sra. Kersten fez uma sugestão muito boa. Ela disse que jamais teve
empregadas tão boas, dispostas, fiéis e obedientes como essas dez mulheres. Tais pessoas
fazem muita coisa por amor e bondade. . . Uma das mulheres recebeu certa vez 5 marcos do
Reich como gorjeta dum convidado. Aceitou o dinheiro, visto que não desejava lançar nenhum
vitupério sobre o lar e o entregou a Sra. Kersten, visto ser proibido ter dinheiro no campo. As
mulheres voluntariamente faziam qualquer trabalho que era exigido delas. Às noites,
tricotavam, aos domingos se ocupavam de alguma outra forma. No verão, não deixaram
passar a oportunidade de levantar-se duas horas mais cedo e juntar cestas cheias de
cogumelos, muito embora se exigisse que elas trabalhassem dez, onze e doze horas por dia.
Tais fatos completam meu quadro sobre os Estudantes da Bíblia. São pessoas incrivelmente
fanáticas e dispostas, prontas a sacrificar-se. Se pudéssemos pôr tal fanatismo a trabalhar pela
Alemanha, ou instilar tal fanatismo em nosso povo, então seríamos mais fortes do que somos
hoje. Naturalmente, visto que rejeitam a guerra, seu ensino é tão detrimental que não
podemos permiti-lo, a fim de não causarmos o maior dos danos a Alemanha. . . .
“Não se consegue nada punindo-as, visto que somente falam disso depois com entusiasmo. . . .
Cada castigo serve qual mérito para o outro mundo. É por isso que todo verdadeiro Estudante
da Bíblia se deixará executar sem hesitação. . . . Todo confinamento no calabouço, toda dor da
fome, todo período de congelamento é um mérito, todo castigo, todo golpe é um mérito
perante Jeová.
“Pois, de acordo com a crença destes lunáticos de natureza pacata cessa o mérito, sim, pelo
contrário, os méritos anteriores serão deduzidos por Jeová.
“A minha sugestão agora é de que todos os Estudantes da Bíblia sejam designados a trabalhar
— por exemplo, a trabalhar na lavoura, que nada tem que ver com a guerra e toda a sua
loucura. Se devidamente designadas, pode-se deixá-las sem vigilância; não fugirão. Podem ser-
lhes dados serviços sem controle, provarão ser os melhores administradores e trabalhadores.
“Outro uso delas, conforme sugerido pela Sra. Kersten: Podemos utilizar as Estudantes da
Bíblia em nossos ‘Lebensbornheime’ (orfanatos erguidos para criar filhos gerados pelos
homens das SS para produzir uma raça superior), não como enfermeiras, mas como
cozinheiras, arrumadeiras, ou para trabalhar na lavanderia ou em tarefas similares. Onde ainda
tivermos homens trabalhando como serventes de limpeza, podemos usar mulheres fortes
dentre as Estudantes da Bíblia. Estou convencido de que, na maioria dos casos, teremos pouca
dificuldade com elas.
“Em todos estes casos em que detentas ficam parcialmente livres e têm sido designadas a tal
trabalho, queremos evitar registros escritos ou assinaturas, e fazer tais acordos apenas com
um aperto de mão.
“Queiram enviar suas recomendações para dar início a esta atividade e um relatório sobre
ela.”
Assim aconteceu. Dentro de curto tempo, um bom número de irmãs foram enviadas para
trabalhar nas casas, nas hortas para o mercado, nas propriedades das SS e nos
“Lebensbornheime”.
Tais irmãos e irmãs que trabalhavam fora dos campos até mesmo obtiveram permissão de
receber visitas de seus parentes ou podiam eles mesmos visitar seus parentes em casa. Alguns
obtiveram férias de várias semanas para este fim. Isto por fim significava que os irmãos e as
irmãs obtinham mais comida, que resultava na melhora rápida de sua saúde e reduzia o
número de mortes devido à fome e aos maus tratos.
Até que ponto a atitude nos campos de concentração mudou para proveito das testemunhas
de Jeová, pode ser visto de uma experiência de Reinhold Lühring. Em fevereiro de 1944, foi
subitamente chamado de sua equipe de trabalho e lhe mandaram apresentar-se ao escritório
do campo. Era ali que tantos tinham recebido maus tratos e se fizeram tentativas de persuadi-
los de renunciar à sua fé em Jeová. Quão surpreso ficou o irmão Lühring quando os oficiais
sentados à sua frente lhe pediram que supervisionasse uma propriedade, orientando
devidamente o trabalho e os trabalhadores. Respondendo a todas as perguntas deles na
afirmativa, foi mais tarde levado para a Tchecoslováquia, junto com quinze outros irmãos, para
tomar conta da propriedade da Sra. Heydrich.
Outra equipe de trabalho, composta de 42 irmãos todos bons artífices, foi levada para o Lago
Wolfgang, na Áustria, a fim de construir uma casa para um alto oficial das SS. Embora o
trabalho nas encostas da montanha não fosse fácil, os irmãos passaram muito melhor em
outros sentidos. Por exemplo, Erich Frost, que pertencia a este grupo, obteve permissão de lhe
mandarem de casa o seu acordeão. Depois de recebê-lo, ele e os outros irmãos amiúde tinham
permissão de ir às noitinhas até o lago, onde tocava músicas folclóricas e peças de concerto,
que eram apreciadas, não só por seus irmãos, mas também por aqueles que moravam junto ao
lago, inclusive os homens das SS, sob cuja supervisão trabalhavam.
Também continuou a ser mais fácil suprir o alimento espiritual aos irmãos nos campos de
concentração. O Dr. Kersten desempenhou um papel nada pequeno nisso, visto que amiúde
viajava entre sua casa na Suécia e sua propriedade em Harzwalde. Sempre permitia que as
irmãs que Himmler lhe dera para trabalhar em sua propriedade e em sua casa na Suécia
arrumassem suas malas. Silencioso acordo fora feito entre elas, de que a irmã na Suécia
colocaria várias Sentinelas na mala de Kersten, quando a arrumasse. Ao chegar em Harzwalde,
ele mandava a irmã que trabalhava para ele ali que desfizesse a mala, o que ele sempre
deixava que ela fizesse sozinha. Depois de as irmãs terem estudado cuidadosamente estas
Sentinelas, passavam-nas para o campo de concentração vizinho.
Havia assim um contato cada vez mais íntimo entre os vários campos e casas particulares em
que nossas irmãs foram designadas trabalhar para as famílias dos SS. Ilse Unterdörfer relata a
respeito desta época interessante:
Jeová abençoava os irmãos que tinham acesso mais fácil ao alimento espiritual e que se
empenhavam em torná-lo disponível a outros, como se pode ver do relato de Frank Birk.
Achava-se entre os trazidos à propriedade de Harzwalde. Logo ouviram dizer que outros
irmãos encarcerados, trabalhando sob a supervisão dum soldado, erguiam um prédio na
floresta, a cerca de dez quilômetros. Visto que os irmãos de Harzwalde já gozavam de certa
medida de liberdade, procuravam uma oportunidade de encontrar-se com tais irmãos na
floresta.
“Certo domingo de manhã”, relata o irmão Birk, “eu e o irmão Krämer pegamos nossas
bicicletas e partimos para achar nossos irmãos. Ao rodarmos para dentro dos bosques, vimos
logo uma clareira em que se erguia novo prédio. Vendo um preso surgir na clareira, acenamos
para ele, e começou a vir em nossa direção no meio do mato. Logo que vimos o triângulo lilás
em sua roupa, sabíamos que era um irmão. Depois de lhe dizermos que éramos do grupo de
Harzwalde, ele nos levou ao prédio novo. Visto que tínhamos Sentinelas novas, sentamo-nos e
começamos a estudar. Depois disso, visitávamos nossos irmãos todo domingo. Estavam sob a
supervisão dum sargento-ajudante de Friburgo, que era bondoso para com os irmãos. Pouco
antes do Natal, perguntei-lhe: ‘O que acharia se o Sr. e nossos irmãos fizessem uma visita a
Harzwalde nesses feriados?’ Ele respondeu, pensativo, que desejava ir a algum lugar com seus
homens para cortarem o cabelo. Quando soube que tínhamos um barbeiro em Harzwalde,
concordou de imediato. E, assim, bem cedo na manhã de Natal, nossos irmãos, acompanhados
por este oficial, vieram até à fazenda. A irmã Schulze, de Berlim, que trabalhava na cozinha,
cuidou especialmente bem do oficial, de modo que ninguém nos perturbasse em nossa
associação mútua. Essa noite, os irmãos voltaram para casa cheios de alegria, por causa da
reunião abençoada que tivemos juntos. Imagine só, isto ocorrera bem no meio de nossos
inimigos!”
No início de dezembro de 1942, surgiu uma oportunidade especialmente maravilhosa para que
cerca de 40 irmãos, deixados em Wewelsburgo, cuidassem dum serviço especial ali. Embora
fossem ainda tratados como detentos, gozavam certa medida de liberdade, pois não havia
mais qualquer cerca de arame farpado, nem sentinela, para mantê-los dentro do campo.
O irmão Engelhardt ainda estava livre nessa época e tentara enviar instruções aos irmãos que
moravam perto para encontrarem um meio de introduzir Sentinelas no campo. Depois de
vencer vários problemas, Sandor Beier, de Herford, e Martha Tünker, de Lemgo, investigaram
a situação simplesmente por atravessarem uma seção como um casal de jovens talvez o
fizesse. Logo estabeleceram contato com os irmãos e lhes forneceram regularmente
Sentinelas, depois disso. Na primeira vez, encontravam os irmãos num cemitério, em certo
túmulo; da seguinte vez, escondiam as revistas num monte de palha, ou as entregavam
pessoalmente aos irmãos à meia-noite, num local predeterminado. Novo local de encontro era
arranjado para cada entrega. Depois de o irmão Engelhardt e as irmãs que produziam e
distribuíam as revistas serem presos, surgiu a pergunta de como aqueles que ainda estavam
livres seriam supridos do alimento espiritual.
O suprimento do alimento espiritual para os irmãos e irmãs que estavam nos campos de
concentração melhorou tão grandemente que, em 1942, em Sachsenhausen, podia ser
comparado a um pequeno riacho. Condenado à morte pouco antes do colapso do regime
nazista, mas não sendo executado, o irmão Fritsche, de Berlim, conseguiu, por um período de
um ano e meio, fornecer aos irmãos, não só todas as revistas novas, mas também vários
números antigos, bem como todos os livros e folhetos que haviam sido lançados no ínterim.
Era como se os irmãos tivessem sido levados a ricos pastos, pois todo irmão possuía um
exemplar de uma das publicações da Sociedade para estudar toda noite. Que mudança! Mas,
isso não era tudo. A organização funcionava tão bem que o irmão Fritsche conseguia enviar
cartas aos parentes dos irmãos, ou cartas para outros campos, ou a filiais no exterior. Assim,
era possível, numa questão de um ano e meio, retirar sorrateiramente 150 cartas, e introduzir
quase o mesmo número no campo. As cartas enviadas testificavam a excelente condição
espiritual dos irmãos. Compreensivelmente, muitas cópias destas cartas eram feitas. Algumas
foram até mesmo mimeografadas e serviam de encorajamento para os irmãos de fora, e em
especial para os parentes daqueles que estavam presos.
Tudo correu bem por cerca de um ano e meio, até o outono setentrional de 1943, quando o
irmão Fritsche foi preso. Encontraram-se, em buscas domiciliares, relatórios sobre
Sachsenhausen que chamavam a atenção para ele. A polícia encontrou em seu poder, não só
Sentinelas, e outras publicações, mas também algumas cartas dos irmãos que ele deveria
entregar. A polícia, ao descobrir que se trocava correspondência numa escala quase
internacional, tornou-se suspeitosa quanto à habilidade ou a disposição dos líderes do campo
de desincumbir-se de suas obrigações. Himmler por conseguinte, ordenou imediata busca a
ser feita em todos os campos de concentração sob suspeita
A campanha começou no fim de abril. Certa manhã, alguns dos oficiais da Polícia Secreta
vieram a Sachsenhausen. O ataque de surpresa sobre os irmãos havia sido bem planejado. Os
que trabalhavam dentro do campo foram chamados de seus locais de trabalho e se lhes
mandou ficar em pé no pátio, onde foram interrogados sobre os textos diários, e revistados.
Encontraram-se algumas publicações. Tudo isso foi acompanhado pelos espancamentos
usuais. Mas, a Gestapo não conseguiu fazer com que os irmãos retrocedessem pois Jeová os
nutrira ricamente no meio de seus inimigos. Tinham clara visão de sua comissão e não temiam
tomar sua posição unicamente a favor da regência teocrática.
Ernst Seliger tornou-se conhecido como o elo de ligação com o irmão Fritsche, de modo que
recebeu “atenção” especial. Esforçara-se em pensar, não só as feridas carnais, mas também as
espirituais, e seus humildes modos paternais contribuíram grandemente para a união
usufruída neste campo. Mas, ficou muitíssimo perturbado quanto ao resultado de seus
primeiros interrogatórios e orou a Jeová para que ele pudesse transformar sua “derrota”,
como a considerava, numa vitória. Mas, não se tratava duma prova para uma pessoa apenas.
Wilhelm Röger, de Hilden, descreve a situação como segue: “Agora tinha de ser ‘Um por todos
e todos por um!’” Todos os irmãos comprovaram a declaração do irmão Seliger, de que ele
distribuía textos diários para seu encorajamento. Confirmaram que haviam lido as publicações
que o irmão Seliger trouxera ao campo e que continuariam a encorajar-se uns aos outros e a
falar sobre sua esperança no futuro.
Passaram-se quatro dias. Domingo de manhã, o irmão Seliger compareceu perante a
administração do campo, de modo que pudessem registrar o protocolo. Descreve suas
experiências: “Primeiro, testemunhei em três quartos de hospital [onde trabalhava como
auxiliar] . . . Então, cheio de alegria, dirigi-me à cova dos leões. Um médico e um farmacêutico
estudavam as cartas que enviáramos ilegalmente para fora do campo. Seguiram-se duas horas
de debates acalorados. Quando se devia concluir o protocolo, o oficial interrogador disse:
‘Seliger, o que irá fazer agora? Tenciona continuar a escrever textos diários e encorajar seus
irmãos? E tenciona continuar pregando a mensagem aqui no campo entre outros detentos?’
‘Sim, é exatamente isso que vou continuar a fazer, e não só eu, mas também todos os meus
irmãos!’ . . . Às 14 horas o interrogatório terminou e a declaração feita em nome de todos os
irmãos lhes foi apresentada no que todos foram alegremente fazer a obra de pregação” — nas
barracas do campo.
Os irmãos se lembravam de que já se haviam passado quase dez anos desde 7 de outubro de
1934, quando Hitler fora informado, por uma carta, que as testemunhas de Jeová não
deixariam de reunir-se e de pregar, apesar das ameaças. Agora, depois de quase dez anos, a
Gestapo compreendia que o espírito combativo do povo de Deus não havia sido desfeito, sem
considerar se estavam dentro ou fora dos campos de concentração. As cartas testemunhavam
isto.
A Gestapo examinou então os outros campos de concentração para ver se a muito anunciada
‘unidade teocrática’ também prevalecia ali. O seguinte campo foi o de Berlim-Lichterfelde, um
ramo de Sachsenhausen. O irmão Paul Grossmann, que servia como elemento de ligação entre
Sachsenhausen e Lichterfelde, mais tarde mencionou a investigação:
“Em 26 de abril de 1944, a Gestapo deu novo golpe. Às 10 horas dessa manhã, dois oficiais da
Gestapo vieram a Lichterfelde investigar-me cabalmente como elemento de ligação entre
Sachsenhausen e Lichterfelde. Mostraram-me duas cartas ilegais que eu escrevera aos irmãos
em Berlim. Estas cartas mostravam claramente nossos métodos de operação. [Podemos ver
quão insensato é escrever cartas que contenham tais informações, porque é de se esperar que
mais cedo ou mais tarde as autoridades as descubram quando fazem prisões ou dão buscas.]
Os oficiais ficaram assim informados sobre todos os pormenores de organização e, em adição,
que havíamos recebido regularmente alimento de nossa ‘mãe’.
“Apesar de virarem tudo de pernas para o ar, tudo que encontraram foi uma Sentinela. Tive de
ficar em pé junto ao portão enquanto outros irmãos eram trazidos do trabalho. Também
foram revistados e tiveram de ficar em pé junto ao portão. Isto causou grande sensação, visto
que Já por muito tempo não se fazia uma grande batida policial como esta. Houve muitos
espancamentos e palavras abusivas durante o interrogatório, e encontraram-se algumas
Sentinelas e textos. Um relatório extenso sobre as experiências em Sachsenhausen, uma Bíblia
e outros documentos não caíram nas mãos deles. Os irmãos não esconderam que trabalhavam
ativamente em prol dos interesses da Teocracia e que liam as Sentinelas. Tivemos de ficar em
pé junto ao portão até às 23 horas daquela noite. No ínterim, um caminhão da polícia chegou
para transferir os doze líderes do grupo para Sachsenhausen. Isto significava que seriam
enforcados. Tiveram de entregar suas colheres e pratos, e assim por diante. Mas, a
transferência não se materializou. Nem no dia seguinte, tampouco, embora os avisos de
morte, para os parentes, já tivessem sido escritos. Houve uma surpresa no terceiro dia. Os
doze irmãos não foram executados, mas os mandaram voltar ao trabalho.”
Dos irmãos em Lichterfelde se exigiu então que assinassem uma declaração, dizendo: “Eu,
________________________, uma das testemunhas de Jeová, que já estou no campo desde
______________________, professo pertencer à ‘unidade teocrática’ que existe no campo de
concentração de Sachsenhausen. Tenho obtido textos diários e publicações que tenho lido e
passado adiante.” Todos estavam mais do que felizes de assiná-la.
Similares batidas políciais foram realizadas, com os mesmos resultados, em outros campos,
uma delas sendo realizada em Ravensbrück, em 4 de maio de 1944, porque era evidente pelas
cartas que havia contato entre Sachsenhausen e Ravensbrück. Várias medidas foram tomadas
contra as “líderes” deste campo. Mas, não demorou muito para que as irmãs fossem
recolocadas em suas antigas tarefas aqui também, depois de solicitações terem sido feitas
pelos responsáveis pelos departamentos. Isto era prova adicional de que o poder do tirano,
por volta dessa época, já tinha sido razoavelmente rompido.
As derrotas sofridas pelo exército alemão na frente oriental, em 1944, ceifaram tantas vidas
que não só os homens idosos e até a juventude hitlerista foram convocados para a guerra, mas
até mesmo detentos receberam a oportunidade de provar-se na frente oriental. Por este
motivo, vieram comissões aos campos e ofereceram aos presos políticos a oportunidade de
juntar-se a divisão destituída do General Dirlewanger. Se se provassem ali, então seriam
considerados alemães livres. Era interessante, contudo, que todos os presos que portavam o
triângulo lilás eram sempre enviados para suas barracas antes de tal oferta ser feita aos
outros. Sabiam qual seria a resposta das testemunhas de Jeová e, portanto, deixaram de lhes
perguntar.
Em 1945, a incessante chuva de bombas por parte das forças aéreas estadunidense e inglesa
de dia e de noite, e o recuo do exército alemão, que por fim se transformou em fuga aberta,
indicavam a todos que o fim da Segunda Guerra Mundial estava próximo. As SS haviam parado
de demonstrar seu mando. Que não se achavam em posição invejável pode ser depreendido
quando nos lembramos de que centenas de milhares de pessoas nos campos de concentração
aguardavam nervosamente a libertação. Essas massas eram material imprevisível, sim,
explosivo, o que deixava muitos homens das SS com medo dos detentos. Mas, Himmler
continuava a seguir as ordens do Führer e enviara o seguinte telegrama aos comandantes de
Dachau e Flossenburgo: “A rendição é inconcebível. O campo deve ser imediatamente
evacuado. Nenhum detento deve cair vivo nas mãos do inimigo. (Assinado, Heinrich Himmler)”
Instruções similares foram enviadas a outros campos.
Este era o último plano demoníaco, mais uma vez pondo em perigo a vida dos servos fiéis de
Deus detidos nos campos. Mas, não estavam preocupados demais. Punham sua confiança em
Jeová, sem considerar qual pudesse ser para eles, pessoalmente, o resultado imediato.
Os oficiais das SS, que tinham o dever de liquidar os presos, viam-se confrontados com
insolúvel tarefa. O irmão Walter Hamann, designado a trabalhar na cantina das SS, ouviu
interessante conversa entre os oficiais das SS. Relata: “Os oficiais falavam de matar com gás os
detentos, mas as instalações eram pequenas demais, nem dispunham de suficiente gás. Daí,
ouvi uma conversa telefônica a respeito de um carregamento de óleo para as fornalhas; mas
este não pôde ser entregue. Mencionou-se então fazer explodir os campos e seus presos.
Caixas de dinamite já haviam sido colocadas nas várias barracas, especialmente na ala do
hospital. Mas, este plano também foi abandonado. Por fim, decidiu-se evacuar os 30.000
detentos; foi-lhes dito que seriam enviados a um campo maior — que não existia — mas, em
realidade, tencionavam dar-nos um túmulo em massa na Baía de Lübeck. Nenhum gás,
petróleo ou dinamite seriam necessários para isso.”
No ínterim, aumentava a velocidade com que as forças dos Aliados se aproximavam pelo leste
e oeste. As tropas das SS começaram então a preocupar-se com sua própria vida e se
tornavam cada vez mais confusas, em especial depois de se tornar conhecida a decisão do
governo de liquidar os campos. Confrontadas com problemas intransponíveis, simplesmente
levaram os detentos para as estradas e os fizeram marchar com pouquíssimas rações.
Qualquer pessoa que seguisse a rota dessas marchas posteriormente, chamadas corretamente
de “marchas da morte”, notaria que todas se dirigiam ao mesmo destino. Seu alvo era levá-las
à Baía de Lübeck, ou ao mar aberto no norte, onde poderiam então ser colocados em navios a
serem afundados antes de chegarem as forças inimigas.
Logo não restavam alimentos e, às vezes, nem sequer uma gota d’água. Todavia, os presos
famintos foram obrigados a marchar o dia inteiro, por dias sem fim, debaixo de chuva
torrencial, com a temperatura média de apenas 4 graus centígrados. À noite, permitia-se-lhes
que se deitassem nos bosques, no chão ensopado de água da chuva. Os incapazes de manter a
velocidade prescrita eram baleados no pescoço, sem misericórdia, pela retaguarda das SS. A
extensão da perda de vidas nestas marchas pode ser depreendida do exemplo de
Sachsenhausen. Dos 26.000 presos ainda vivos no tempo da evacuação, 10.700 ficaram
estendidos pela estrada de Sachsenhausen a Schwerin, sendo abatidos à bala.
A marcha de morte dos detentos de Dachau os levou através de florestas, e os que não
conseguiram manter o passo foram baleados pelas SS. Seu alvo era os Alpes Ötztaler, onde
todos que por fim alcançassem seu destino seriam mortos à bala, de qualquer modo. Os
irmãos se mantiveram unidos, e ajudaram uns aos outros, assim impedindo que alguns fossem
baleados, até chegarem em Bad Tölz, onde foram libertos. O irmão Ropelius se lembra de que
passaram a última noite sob um lençol de neve na floresta de Waakirchen. Ao amanhecer o
dia, a Polícia do Estado da Baviera chegou e lhes disse que estavam livres e que as SS haviam
fugido. Ao prosseguirem sua jornada, encontraram armas encostadas nas árvores, mas
nenhum homem das SS.
As tropas das SS levaram a sério as ordens governamentais de liquidar todos os presos. Apenas
alguns dias antes da capitulação, ajuntaram-se grupos em Neuengamme e foram colocados a
bordo dum cargueiro que deveria levá-los então para o ‘Cap Arcona’, um transatlântico de
luxo, que estava ancorado na Baía de Neustadt. Cerca de 7.000 presos já estavam neste navio
de 200 metros de comprimento. As tropas das SS planejavam zarpar no ‘Cap Arcona’ para alto
mar, onde então o afundariam junto com os presos. Mas, o navio ainda arvorava sua bandeira
e, portanto, foi afundado em 3 de maio de 1945 por bombardeiros ingleses. O cargueiro
‘Thielbeck’, com de 2.000 a 3.000 detentos a bordo, também foi afundado. Cerca de 9.000
presos tiveram um túmulo aquoso na Baía de Neustadt. É compreensível que os sobreviventes
sintam arrepios de frio quando se lembram desse evento. Até o dia de hoje, de doze a
dezessete esqueletos destes presos afogados são encontrados cada ano na praia de Neustadt
por banhistas e durante escavações.
A mesma sorte fora determinada para os presos de Sachsenhausen, inclusive 220 irmãos.
Numa marcha assassina, cobriram aproximadamente 200 quilômetros em duas semanas.
Daí, certa tarde, quando este grupo de presos que fugiam só estava a três dias de viagem de
Lübeck, as tropas das SS ordenaram que todos acampassem numa floresta perto de Schwerin.
Durante a caminhada, os irmãos formaram pequenos grupos e construíram tendas
improvisadas com seus cobertores. Cobriram o chão com pequenos ramos, de modo a afastar
o frio da noite. Essa noite, enquanto as balas russas zuniam sobre suas cabeças, e os
estadunidenses continuavam a avançar, esta parte da frente alemã entrou em colapso. Havia
indescritível sensação nos presentes, quando, subitamente, no meio da noite, um brado
ecoou, sendo repetido milhares de vezes: “ESTAMOS LIVRES!”. Os aproximadamente 2.000
homens que até então haviam comandado os presos haviam secretamente tirado seus
uniformes, de modo a parecer civis, alguns até mesmo pondo uniformes de presos para
esconder sua identidade. Poucas horas depois, alguns deles foram reconhecidos, contudo, e
mortos sem misericórdia.
Deveriam os irmãos aceitar a oferta dos oficiais estadunidenses que agora tinham chegado até
eles, e levantar acampamento no meio da noite? Depois de considerarem o assunto, com
oração, decidiram esperar o alvorecer. Mas, mesmo então permaneceram por mais algumas
horas, visto que um sitiante entre os refugiados dera aos irmãos mais de 90 quilos de ervilhas.
Maravilhosa refeição foi preparada e saboreada. Oh, quão apreciativos se sentiam os irmãos!
Por quase duas semanas, praticamente não comeram nada exceto um pouco de chá, que
ajuntavam pelo caminho e preparavam às noitinhas, nos bosques, quando havia água
disponível.
Quão gratos ficaram quando descobriram que nenhum deles estava faltando! Mas, conforme
compreenderam mais tarde, ainda tinham outro motivo de ser gratos a Jeová, pois, durante
sua marcha para o norte, certa vez ficaram detidos pelas tropas das SS numa floresta por
vários dias, visto estarem incertas quanto a onde estava exatamente a frente. Estes poucos
dias foram a quantidade exata de tempo que precisariam para alcançar Lübeck antes de a
frente por fim entrar em colapso.
Agora não mais se achavam com grande pressa de continuar. Bem ali, nesta floresta, perto de
Schwerin, começaram a escrever um relatório de suas experiências numa máquina de escrever
que os soldados jogaram fora dum escritório montado num carro-reboque. Tal relatório incluía
uma resolução escrita com indescritível emoção de sentir-se livres por várias horas, mas,
também, com apreço pela proteção de Jeová durante os muitos anos de sua permanência na
“cova dos leões” profundamente inculcado em suas mentes. Eis aqui a resolução:
RESOLUÇÃO!
“3 de maio de 1945
“A resolução de 230 das testemunhas de Jeová, de seis nacionalidades, reunidas numa floresta
perto de Schwerin, em Mecklenburgo.
“Nós, testemunhas de Jeová aqui reunidas, enviamos calorosas saudações ao povo fiel e
pactuado de Jeová e seus companheiros em todo o mundo, nas palavras do Salmo 33:1-4 e
37:9. Que se torne conhecido que nosso grande Deus, cujo nome é Jeová, cumpriu sua palavra
a seu povo, em especial no território do Rei do Norte. Longo período de prova sobre nós já
passou, e aqueles que foram preservados, tendo sido como que arrancados da fornalha
ardente, não têm sobre si nem o cheiro de fogo. (Veja-se Daniel 3:27.) Pelo contrário, estão
cheios de vigor e de poder da parte de Jeová, e aguardam ansiosamente novas ordens do Rei
para adiantar os interesses teocráticos. Nossa resolução e nossa disposição de trabalhar são
expressos em Isaías 6:8 e Jeremias 20:11 (Tradução de Menge). Graças à ajuda do Senhor e de
seu gracioso apoio, os desígnios do inimigo de fazer com que violássemos nossa integridade
falharam, muito embora tentasse isto por empregar inúmeros planos diabólicos violentos bem
como milhares das práticas inquisitoriais, copiadas diretamente da Idade Média, tanto físicas
como mentais, e muitas lisonjas e engodos. Todas essas experiências variadas, que encheriam
muitos volumes, se acham descritas brevemente nas palavras do apóstolo Paulo em
2 Coríntios 6:4-10, 2 Coríntios 11:26, 27 e, acima de tudo, no Salmo 124 (tradução Elberfelder).
Satanás e seus agentes demoníacos mais uma vez foram marcados como mentirosos. (João
8:44) A grande questão, mais uma vez, foi decidida em favor de Jeová, para Sua honra. — Jó
1:9-11.
“Para nossa alegria e a sua, saibam que o Senhor, Jeová, nos abençoou com ricos despojos,
trinta e seis homens de boa vontade, os quais, ao partirmos de Sachsenhausen . . . declararam
voluntariamente: ‘Iremos convosco, pois ouvimos que Deus está convosco.’ Zacarias 8:23 já se
cumpriu! Por causa de nossa saída apressada, muitos amigos da Teocracia não puderam
juntar-se a nós, mas Jeová dirigirá os assuntos de modo que logo encontrem o caminho que os
traga a nós.
“Concluímos nossa resolução com as palavras do Salmo 48, na alegre convicção de uma
reunião em breve.
REGISTRO DE INTEGRIDADE
Qualquer pessoa que conversou com aqueles que foram libertos da tirania, em 1945, lembrar-
se-á de quão freqüentemente louvavam de forma unida a Jeová nas palavras do Salmo 124.
Refletiam sobre os maravilhosos artigos da Sentinela que apareceram no início da perseguição,
por meio dos quais Jeová os preparara para aquele tempo difícil. Compreendiam então o que
Jesus queria dizer ao afirmar que não deviam temer os que podem destruir o corpo. Sabiam o
que significava ser lançado numa fornalha ardente ou, como Daniel, numa cova de leões. Mas,
também compreendiam que Jeová é mais poderoso, tornando as suas testas mais duras do
que a de seus inimigos. Mesmo pessoas de fora reconheciam isto e é amiúde destacado
quando os historiadores falam desta parte da história da Alemanha. Por exemplo, Michael H.
Kater, em seu Zeitgeschichte (Publicação Trimestral de História), 1969, panfleto 2:
“O ‘Terceiro Reich’ sabia como lidar com a resistência interna apenas pela força bruta e até
mesmo nesse caso não conseguiu vencer as forças da rebelião entre o povo alemão, e não
conseguiu dominar o problema dos Fervorosas Estudantes da Bíblia, de 1933 a 1945. As
testemunhas de Jeová emergirem, em 1945, de seu período de perseguição, enfraquecidas,
mas não com espírito abatido.”
Também, numa crítica literária do livro Kirchenkampf in Deutschland (Luta das Igrejas na
Alemanha), de Friedrich Zipfel, lemos:
“Dificilmente se tem feito uma análise, ou se tem escrito um livro de memórias, a respeito dos
campos de concentração, em que não haja uma descrição da forte fé, da diligência da
prestimosidade e do martírio fanático dos Fervorosos Estudantes da Bíblia. Isto se contrasta
com as publicações de oposição em geral, escritas antes da luta que as testemunhas de Jeová
tiveram antes de seu encarceramento, e que não as mencionam de forma alguma, ou apenas
de passagem. A atividade dos Estudantes da Bíblia e a perseguição contra eles, contudo, é um
caso muito estranho. Noventa e sete por cento dos membros deste pequeno grupo religioso
foram vítimas da perseguição nacional-socialista. Um terço deles foram mortos, quer sendo
executados, quer por outros atos violentos, pela fome, pela doença, quer pelo trabalho
escravo. A severidade desta sujeição não tinha precedentes e era resultado da intransigente
fé, que não se podia harmonizar com a ideologia nacional-socialista.”
Quão humilhado estava agora o Führer do derrotado Reich alemão! Göbbels dissera sobre ele,
em 31 de dezembro de 1944: “Quem dera que o mundo realmente soubesse o que ele gostaria
de lhe dizer e de lhe dar, e quão profundo é seu amor por seu próprio povo e por toda a
humanidade, então abandonaria de imediato seus deuses falsos e o louvaria . . . um homem
cujo propósito era libertar seu povo. . . . Jamais uma palavra falsa ou uma idéia degradada
passou pelos seus lábios. Ele é a própria verdade.” Mas, este homem que procurou ser um
deus cometeu suicídio.
Quão humilhados, também, ficaram aqueles que puseram sua confiança nele — por exemplo,
Himmler, que também considerava Hitler como uma divindade e que inescrupulosamente
executava as ordens dele. Foi Himmler que tornara dificílima a vida dos servos fiéis de Jeová
por muitos anos. Por quanto sangue derramado tinha ele de assumir a responsabilidade? Em
1937, jactanciosamente disse às nossas irmãs em Lichtenburgo: “Vocês também capitularão,
nós vamos reduzi-las ao seu verdadeiro tamanho, vamos agüentar muito mais tempo que
vocês!” E quão deprimido estava depois do colapso do regime nazista, quando fugia e se
encontrou com o irmão Lübke em Harzwalde e lhe perguntou: “Bem, Estudante da Bíblia, o
que acontecerá agora?” O irmão Lübke lhe deu um testemunho cabal e lhe mostrou que as
testemunhas de Jeová sempre contavam com o colapso do regime nazista e com sua
libertação. Himmler se foi sem dizer uma só palavra, e pouco depois se envenenou.
Mas, apesar das condições difíceis, como se regozijavam os que adoravam a Jeová! Tiveram o
privilégio de provar sua integridade ao Regente Soberano do universo. Durante o regime de
Hitler, 1.687 deles perderam seus empregos, 284 seus negócios, 735 os seus lares e 457 não
obtiveram permissão de exercer sua profissão. Em 129 casos, sua propriedade foi confiscada, a
826 pensionistas se negou o pagamento de suas pensões, e 329 outros sofreram outras perdas
pessoais. Houve 860 crianças que foram retiradas do convívio dos pais. Em 30 casos,
dissolveram-se casamentos devido à pressão por parte de autoridades políticas, e, em 108
casos, foram concedidos divórcios quando solicitados por cônjuges opostos à verdade. Um
total de 6.019 foram presos, vários deles duas, três ou até mesmo mais vezes, de modo que,
somando-se tudo, 8.917 prisões foram registradas. Juntando-se tudo, foram sentenciados a
13.924 anos e dois meses de prisão, duas e um quarto de vezes o período desde a criação de
Adão. Um total de 2.000 irmãos e irmãs foram lançados nos campos de concentração, onde
gastaram 8.078 anos e seis meses, uma média de quatro anos. Um total de 635 pessoas
morreram na prisão, 253 tendo sido sentenciadas à morte e 203 delas tendo realmente sido
executadas. Que belo registro de integridade!
Alojamento das SS
Pátio de Chamada
Isolamento
Câmara de Gás
Local de Execuções
Estação de Despiolhamento