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A (IN)VISIBILIDADE DOS DIREITOS INDÍGENAS NOS

GRANDES CENTROS URBANOS: UM OLHAR SOBRE OS


INDÍGENAS NA CIDADE DE PORTO ALEGRE

Giselda Siqueira da Silva Schneider1


Francisco Quintanilha Verás Neto2

Resumo: A presente pesquisa objetiva tratar da (in)visibilidade dos direitos indígenas


nos grandes centros urbanos, em especial sobre os indígenas na cidade de Porto Alegre.
Almeja-se confrontar no âmbito social o idealizado no âmbito da lei, no sentido de
sensibilização para a situação de tais culturas nos espaços urbanos. E mais, enfrentar a
questão da (in)visibilidade e do preconceito racial e cultural contra os indígenas
desconstruindo-se teses assimilacionistas, torna-se essencial para levantar a necessidade
de políticas públicas efetivas para estas populações segregadas ao longo dos últimos
quinhentos anos. Adota-se a metodologia da revisão bibliográfica, com a leitura e
fichamento crítico, bem como o uso de imagens. Assim, defende-se a cidade como um
espaço de convivência plural e intercultural para a expressão de todos os indivíduos.

Palavras-Chave: (In)Visibilidade; Direitos; Indígenas; Cidade; Políticas.

Introdução
A presença indígena nas cidades tema de grande controvérsia ante a visão e
imagem estereotipada de que o índio uma vez ligado à natureza necessariamente deveria
estar apartado do convívio humano. O que se evidencia, conforme as raízes históricas e
de dominação cultural que permearam o processo de colonização do Brasil pelos
europeus, é que na visão de muitos quando o indígena está no espaço urbano, logo o
mesmo “deixa de ser índio”.
No entanto, dados oficiais apontam uma forte e expressiva presença indígena
nos centros urbanos do país, o que surpreende visto a existência de poucas iniciativas e
elaboração de políticas públicas que incluam a questão dos direitos assegurados
constitucionalmente a tais povos. O que persiste é a invisibilidade dos direitos indígenas
na cidade, pois que segundo os ditames da cultura e saberes predominantes a presença
dos índios nesse espaço figura como algo ilegítimo.

1
Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Mestra em História (UPF); Mestranda em Direito e
Justiça Social (PPGD/FURG); E-mail: [email protected].
2
Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Doutor em Direito (UFPR); Professor Associado da
Faculdade de Direito (FADIR/FURG) e do Mestrado em Direito e Justiça Social (PPGD/FURG); E-mail:
[email protected].

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Nesse sentido, o presente estudo propõe uma reflexão para desconstrução da
imagem discriminatória com base nas teses assimilacionistas em relação aos índios na
cidade, utilizando como referencial teórico a perspectiva decolonial3 que emerge nas
pesquisas latino-americanas, em especial no tema da interculturalidade. Para tanto,
tratar-se-á da (in)visibilidade dos direitos indígenas nos grandes centros urbanos, em
especial na cidade de Porto Alegre, que apresenta uma significativa presença das etnias
Mbyá-Guarani, Kaigang e Charrua. Adota-se a metodologia da revisão bibliográfica,
com a leitura e fichamento crítico, bem como o uso de imagens. Porém, o levantamento
de imagens não sendo exaustivo, estará longe de indicar a totalidade de indígenas que se
encontram no centro de Porto Alegre. A abordagem será feita num apanhado acerca dos
Direitos Indígenas no Brasil a partir de 1988 (1); passando a reflexão a sobre a Cidade
como Espaço de Convivência e Diálogo Intercultural (2); e por fim, tratando sobre as
Culturas Indígenas na Cidade de Porto Alegre (3). Ao fim, defende-se a cidade como
um espaço de convivência plural e intercultural para a expressão de todos os indivíduos.

1 Os Direitos Indígenas no Brasil a partir de 1988


O tratamento jurídico dispensado ao indígena pelo Estado Brasileiro até 1988,
continha ideias assimilacionistas e integracionistas, “com a proclamada superioridade da
cultura dos colonizadores tendo estimulado políticas de ingresso dos silvícolas à
comunhão nacional” (RICKEN, 2011, p. 241). Como se depreende da leitura do artigo
1º do Estatuto do Índio, Lei n. 6.001:

Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades
indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los,
progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional (BRASIL, 1973, grifos
nossos).

De maneira geral, pode-se dizer que as Constituições brasileiras anteriores entre


1823 a 1969 seguiram na mesma linha, e dessa forma, não estendiam aos povos

3
O termo decolonial com a supressão do “s”, utilizado por Catherine Walsh quer marcar uma distinção
com o significado de descolonizar em seu sentido clássico. Conforme explica a autora, não se trata de
desfazer o colonial ou revertê-lo, superando o momento colonial pelo pós-colonial, mas sim de provocar
uma postura contínua de transgredir e insurgir. Então, “Lo decolonial denota, entonces, un camino de
lucha continuo en el cual podemos identificar, visibilizar y alentar “lugares” de exterioridad y
construcciones alternativas” (WALSH, 2009, p. 15-16).

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indígenas a titularidade de direitos como indivíduos, exceto se deixassem de serem
índios, integrando-se ao sistema jurídico como “não-índios”.
Após muita discussão, alerta Thais Luzia Colaço (2013, p. 191-192) concluiu-se
que os índios na condição de seres inferiores eram incapazes de se autogovernar, e para
protegê-los, encontrou-se na tutela uma justificativa legal para administração e
dominação, conforme disciplinava o Código Civil de 1916, ao classificar o indígena
como relativamente incapaz. O atual Código Civil Brasileiro de 2002 ainda trata o
indígena sob a capacidade “relativa”, o que aguarda regulamentação por legislação
especial, mas deixa de chamá-lo de silvícola como fazia o Código anterior.
Ante as inúmeras denúncias no plano internacional acerca do extermínio dessas
populações no território nacional brasileiro, bem como a própria luta e o crescente
protagonismo na Constituinte de 1987 finalmente, com a Constituição Brasileira de
1988, novos rumos irão definir no plano legal a questão indígena.
Então, a Constituição de 1988 põe-se como marco fundamental ao suplantar “o
paradigma colonial da negação, para fundar o período de reconhecimento dos direitos
diferenciados à identidade, subjetividade, comunidade, sociedade, territorialidade e
autodeterminação” (DANTAS, 2014, p. 343) dos povos originários no Brasil.
Logo, o texto constitucional reconheceu a diferença deste povo, passando a
garantir direitos referentes à condição de índio, ou seja, o direito à alteridade. Após
1988, “não é mais o índio que necessita entender e incorporar-se à sociedade brasileira,
mas, sim, esta deve buscar entender os valores e concepções étnico-culturais de cada
povo indígena localizado no Estado brasileiro” (MONTE, 1999, p. 58).
Passa-se a entender os índios como parte da população nacional, sendo-lhes
garantido viver de acordo com sua cultura, línguas, costumes e tradições. Além disso,
reconhece-se também o direito às terras como um direito originário, inalienável,
indisponível e imprescritível (BRASIL, 1988).
O direito à igualdade garantia do Estado Brasileiro aos indígenas implica no
direito à diferença, como explica Dalmo de Abreu Dallari:

[...] a afirmação da igualdade de todos os seres humanos não quer dizer


igualdade física nem intelectual ou psicológica. Cada pessoa humana tem sua
individualidade, sua personalidade, seu modo próprio de ver e de sentir as

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coisas. Assim, também, os grupos sociais têm sua própria cultura, que é
resultado de condições naturais e sociais (DALLARI, 2011, p. 13).

Interessante pensar na dita igualdade sob o ponto de vista do respeito à


diferença, quando se trata da presença indígena nos centros urbanos das grandes
cidades. O questionamento que se faz, para a presente reflexão: respeito à diferença ou
(in)sensibilidade em relação a esse outro (o índio) quando no convívio do cotidiano?
Nesse sentido, algumas imagens de crianças da etnia Guarani na Rua Otávio Rocha, em
Porto Alegre, que vem acompanhar suas genitoras na venda do artesanato indígena.

Imagem 1 – Dormindo sobre um pano ao chão, Bruna, filha de Amalicia Fernandes, da etnia Guarani, da
Aldeia de Itapuã, Cidade de Viamão (região metropolitana de Porto Alegre). Fonte: Arquivo pessoal da
autora. Foto em janeiro de 2015, com autorização da indígena. Elaboração própria.

A presença dos indígenas no centro de Porto Alegre é algo constante. Eles saem
de suas reservas ou aldeias e vem para a cidade vender seu artesanato. Muito comum as
crianças acompanharem suas famílias, geralmente às suas mães e quando não vendem
seus cestos, pedem por “moeda”. Abaixo, duas crianças, ainda na Rua Otávio Rocha,
em Porto Alegre, detalhe para o menor que só falava em guarani.

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Imagem 2 – Fonte: Arquivo pessoal da autora. Foto em janeiro de 2015. Elaboração própria.

Com tais imagens percebe-se que “ler a cidade por meio das culturas que nela
habitam é imperativo” (ROSADO; FAGUNDES, 2013, p. 7). Portanto, para a
efetivação dos direitos indígenas assegurados pela Constituição Federal de 1988 cabe
superarmos a lógica hegemônica que compreende o espaço urbano enquanto
mercadoria, o que acaba por impedir que os demais indivíduos enxerguem “a existência
de outros modos de ser humano na cidade” (ROSADO; FAGUNDES, Id.), como se
aborda a seguir.

2 A Cidade como Espaço de Convivência e Diálogo Intercultural: Ser índio na


Cidade

Com a colonização do Brasil por Portugal herdamos da antiga metrópole a


mentalidade científica e mais, o modo de vida ocidental. Da mesma maneira, as nossas
construções teóricas sobre o direito foram elaboradas a partir da Europa subalternizando
os demais saberes, na pretensão de “substituir a diversidade de saberes locais por um
conhecimento supostamente universal e neutro” (COLAÇO; DAMÁZIO, 2012, p. 7).

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Entretanto, o momento histórico aponta para uma mudança no qual emergem os
saberes locais, antes tidos como inferiores e primitivos, indo além dos padrões de
conhecimentos eurocêntricos, num movimento de questionamento acerca da própria
constituição histórica. Exemplo são os estudos da História Indígena no Brasil ou ainda a
Nova História Indígena, que passaram a contribuir com importantes pesquisas sobre os
povos originários do Brasil ao desmistificar as visões equivocadas sobre os mesmos e
suas culturas.
Da mesma forma, novas abordagens sobre o fenômeno urbano a partir da
História Cultural ao longo da década de 1990, no sentido de compreender as
transformações urbanas ocorridas a partir da segunda metade do século XIX, como fez
alusão Sandra Jatahy Pesavento:

[...] a cidade não é mais considerada só como um locus privilegiado, seja da


realização da produção, seja da ação de novos atores sociais, mas, sobretudo,
como um problema e um objeto de reflexão, a partir das representações
sociais que produz e que se objetivam em práticas sociais (PESAVENTO,
2007, p. 13, grifo nosso).

Nessa linha de raciocínio, interessante pensar a cidade como “sensibilidade”,


pois que enquanto fenômeno cultural integra-se ao princípio de atribuição de
significados ao mundo. Então, se as “cidades pressupõem a construção de um ethos, o
que implica a atribuição de valores para aquilo que se convencionou chamar de urbano”
(PESAVENTO, op. cit., p. 14), porque não pensar nessa mesma cidade, como um local
de afirmação dos direitos indígenas?
Na legislação pátria, o Estatuto das Cidades, Lei n. 10.257, ao regulamentar o
capítulo da política urbana da Constituição Federal de 1988, menciona a função social
da cidade e da propriedade e assim, orienta o planejamento urbano, no sentido de que a
cidade possa ser justa e democrática. No entanto, embora a grande presença de
indígenas em zonas urbanas, inclusive vivendo nessas áreas, não é possível a aplicação
do Estatuto das Cidades e de seus instrumentos legais com relação aos Territórios
Indígenas, uma vez que estão subordinados à legislação federal.
Persiste no âmbito social uma forte resistência em aceitar que a cidade possa ser
um local de realização e convivência dos indígenas em suas diversas etnias e
manifestações culturais. Há de fato, a invisibilidade dos direitos indígenas na cidade,

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predominando a visão de que, o índio na cidade deixa de ser índio; ou que é índio
“aculturado”. Nessa errônea concepção não é possível ser índio no espaço urbano,
apenas no ambiente rural.
Porém, a ideia de que a preservação da cultura dependeria do isolamento de
determinado grupo, ante o risco de contato e de “aculturação” resta superada. Não se
admite mais essa noção da cultura enquanto um conjunto de traços imutáveis
conservados no tempo, passando a compreender-se a cultura como um processo em
movimento, que está acontecendo.
Na perspectiva da antropologia, entende-se a cultura como um processo
acumulativo resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Nesse
escopo, emerge o termo “interculturalidade” que “significa interface, troca, intercâmbio,
reciprocidade, criação de espaços de participação coletiva entre culturas diferentes
(KROHLING, 2009, p. 104).
A interculturalidade nos orienta Catherine Walsh, advém do movimento
indígena no Equador, e:

[...] señala y significa procesos de construccion de conocimientos “otros”, de


uma práctiva política “outra”, de um poder social “outro”, y de uma sociedad
“outra”: formas distintas de pensar y actuar com relacion a y en contra de la
modernidad/colonialidad, um paradigma que es pensado a través de la praxis
política (WALSH, 2006, p. 21).

Como contribuição da interculturalidade destaca-se o fato de representar um


processo e projeto político transformador, pensado a partir dos grupos historicamente
subalternizados. Distingue-se do multiculturalismo oficial onde se sustenta “a produção
e administração da diferença dentro da ordem nacional, tornando-se funcional à
expansão do neoliberalismo” (COLAÇO; DAMÁZIO, 2012).
No âmbito jurídico, pensar num sistema jurídico intercultural requer incluir
distintas maneiras de conceber e exercer direitos. No tocante aos direitos indígenas no
Brasil, importa ponderar que houve um reconhecimento constitucional das diferenças
sócio-culturais indígenas, o que segundo Dantas “representa um marco descolonial na
histórica trajetória de negação e invisibilidade dos povos indígenas” (2014, p. 362).
Mas é preciso avançar além do plano formal (legal), ou seja, com a efetivação
dos direitos diferenciados aos índios, bem como a “construção de espaços de lutas pelos

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direitos mediados pelo diálogo intercultural” (DANTAS, op. cit.) e nesse intento,
defende-se a cidade como o espaço para realização desse diálogo intercultural com os
indígenas que nela vivem ou frequentam por ocasião da venda de seus artesanatos ou
ainda, nas suas manifestações artísticas e culturais, como no caso dos grupos étnicos de
Porto Alegre.
Abaixo, um grupo de índios Guarani que vem de Torres, município do Litoral do
Estado do Rio Grande do Sul para trazer seus artesanatos para comercialização na Rua
dos Andradas, no Centro de Porto Alegre.

Imagem 3 – Natália, Juliana e Rafael, da etnia Guarani, Comunidade Campo Bonito, do Município de
Torres (Litoral Norte do Rio Grande do Sul). Fonte: Arquivo pessoal da Autora. Foto em janeiro de 2015,
com autorização do indígena homem. Elaboração Própria.

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Imagem 4 – Artesanato de Natália, Juliana e Rafael, da etnia Guarani, Comunidade Campo Bonito,
Município de Torres, Litoral do Rio Grande do Sul. Foto em janeiro de 2015, com autorização dos
indígenas. Elaboração Própria.

Dessa forma, compreendendo os direitos indígenas em consonância com a noção


de cultura como algo em constante construção, com a participação ativa dos atores, no
caso, os índios, distancia-se da ideia preconceituosa de um modelo de identidade
indígena ou “indianidade”. É preciso pensar a cidade como esse local de
reconhecimento das identidades e direitos indígenas, por meio de uma construção
política que legitime o espaço urbano como um espaço intercultural, o que precisa
acontecer em parceria com o poder público e com a sociedade civil.

3 As Culturas Indígenas na Cidade de Porto Alegre


Na cidade de Porto Alegre, conforme se aludiu anteriormente, três etnias
indígenas se fazem presentes: Mbyá-Guarani, Kaingang e Charrua. Cada um desses
povos tem sua língua, religião, arte e dinâmicas culturais distintas, o que acaba por
diferenciá-los uns dos outros.
Superada a ideia de “aculturação”, a presença indígena no Estado do Rio Grande
do Sul nas cidades, demonstra que tais grupos “recriam seus modos culturais para se
adaptarem a condição urbana” (ROSADO; FAGUNDES, 2013, p. 9), em acordo a
concepção de cultura enquanto um processo em movimento e transformação.

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O poder público municipal de Porto Alegre, tem na prefeitura municipal da
cidade, um órgão específico chamado de Núcleo de Políticas Públicas para os Povos
Indígenas ligado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos.
De acordo com Rosado e Fagundes:

Os povos Mbyá-Guarani, Kaingang e Charrua, com suas cosmologias,


colocam aos poderes públicos e a sociedade porto-alegrense em geral o
desafio de preservar as matas, os morros, as nascentes para a sustentabilidade
ambiental e cultural. A partir de suas perspectivas, tem demandado seu
(re)conhecimento e respeito a suas formas próprias de (re)existir na cidade.
Por meio da transmissão de geração a geração de uma série de saberes, de
práticas, de técnicas, dos grafismos que integram a sua arte, os povos
indígenas preservam seu patrimônio cultural, contribuindo decisivamente
para a diversidade sócio-cultural, étnica e ambiental de Porto Alegre
(ROSADO; FAGUNDES, op. cit., p. 10, grifo nosso).

Com a expansão e urbanização da cidade os indígenas sofrem com a crescente


restrição dos espaços onde viviam, com uma sensível modificação nos ecossistemas
naturais. Além disso, muitas vezes a presença indígena é considerada como um entrave
ao desenvolvimento econômico local, desprezando-se a história desses povos com o
ambiente em questão, bem como os seus saberes tradicionais de manejo sustentado da
natureza tão em evidencia no contexto sócio-político de países da América Latina.
Acerca da localização dos indígenas pelo mapa atual de Porto Alegre verifica-se
a existência de:

[...] 7 Coletivos Kaingang e núcleos familiares habitando os morros


graníticos ou suas proximidades (São Pedro, Santana, Glória e do Osso), 3
Coletivos Mbyá-Guarani, nas terras baixas e altas, nos Bairros Lomba do
Pinheiro, Lami e Cantagalo, e 1 Coletivo Charrua, no Bairro Lomba do
Pinheiro (ROSADO; FAGUNDES, op. cit., p. 11).

A presença de indígenas no centro de Porto Alegre com a comercialização de


seus artesanatos também apresenta-se constante. Mesmo assim, essa distinta e rica
diversidade étnica e cultural da capital rio-grandense, pouco é reconhecida pelos
próprios porto-alegrenses, o que fortalece a invisibilidade dos direitos indígenas
assegurados no âmbito da ordem constitucional.
E indígenas da região metropolitana de Porto Alegre também buscam no Centro
da cidade uma oportunidade para a visibilidade de seus direitos, pela venda de seus

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artesanatos, como na imagem abaixo, Angela, da etnia guarani, da cidade de
Camaquã/RS.

Imagem 5. Angela com seu artesanato e ervas medicinais, na Rua Vigário José Inácio, Centro, Porto
Alegre. Fonte: Arquivo pessoal da autora. Foto em janeiro de 2015, com autorização da indígena.
Elaboração Própria.

Interessante notar acerca da percepção dos indígenas sobre o contexto urbano,


mais exatamente do significado da cidade em seus imaginários, como no caso de
Amalicia, que disse com entusiasmo “gostar muito” de vir para o Centro de Porto
Alegre com seus filhos. As indagações que surgem: O mesmo entusiasmo tem a cidade
e seus cidadãos para com a indígena Amalicia? Essa sedutora cidade preocupa-se com a
sua cidadania e a segurança de seus filhos? Que políticas permanentes têm sido
elaboradas pelo poder público para essas famílias?

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Imagem 6 – Amalicia Fernandes, da etnia Guarani, da Aldeia de Itapuã, Cidade de Viamão (região
metropolitana de Porto Alegre), com seus filhos Cristiano (3 meses) e Luciana (6 anos). Fonte: Arquivo
pessoal da autora. Foto em janeiro de 2015, com autorização da indígena. Elaboração própria.

Imagem 7 – Amalicia Fernandes, com as filhas Bruna (4 anos) e Luciana (6 anos). Fonte: Arquivo pessoal
da autora. Foto em janeiro de 2015, com autorização da indígena. Elaboração própria.

Enquanto a cidade em seu grande centro, no caso Porto Alegre, funciona de


maneira ininterrupta, as pessoas passam pelos indígenas, que na maioria das vezes são
mulheres e encontram-se sentadas em seus panos, junto de suas crianças e artesanatos.
Dos indígenas se ouve muito as crianças, a pedirem “moeda”. Dos “brancos”, conforme

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referem os indígenas sobre os demais cidadãos presentes na cidade, por vezes alguém
oferece um lanche, um refrigerante, ou uma moeda. Mas poucos são aqueles que
parecem realmente estar interessados em ouvir e perceber esse indígena na cidade
enquanto um cidadão desse lócus privilegiado.

Conclusão
O objetivo do estudo, como anunciado inicialmente, fora tratar do tema da
(in)visibilidade dos direitos indígenas nos grandes centros urbanos, em especial na
cidade de Porto Alegre. Para isso, na tentativa de delimitar tal intento dividiu-se a
abordagem em três momentos, a começar pelo apanhado acerca dos Direitos Indígenas
no Brasil a partir de 1988; passando pela reflexão sobre a Cidade como Espaço de
Convivência e Diálogo Intercultural, evidenciando que é possível continuar sendo índio
na cidade; e por fim, demonstrando um pouco sobre as Culturas Indígenas na Cidade de
Porto Alegre.
Ao término do trabalho evidencia-se o quanto ainda resta aprofundar tal
pesquisa, na qual se optou inserir algumas imagens para ilustrar e ao mesmo tempo,
tentar captar sobre o tema em comento. Para sensibilizar sobre uma temática de tamanha
grandiosidade e importância reconhece-se que primeiramente deve-se sensibilizar o
pesquisador.
Como tratar sobre direitos indígenas ou reconhecimento de direitos indígenas,
sem nunca ter falado com um índio? Como compreender o indígena na cidade, sem sair
em busca desse na realidade da cidade? A partir de tais indagações justifica-se a
inserção das imagens, pois que serviram para pesquisa de campo (embora não
exaustiva) para o diálogo com os indígenas encontrados no centro de Porto Alegre.
Tentou-se confrontar os estudos teóricos com a questão na prática. A conclusão que se
chega, é de que ainda há muito a pesquisar dentro dessa perspectiva dos estudos
decoloniais latino-americanos, principalmente na tentativa de desconstrução de
preconceitos e incoerência que permeiam o estudo da temática indígena no Brasil.
Uma certeza é de que a cidade pode ser um espaço de realização dos direitos
indígenas, ante a adoção de mecanismos políticos e ações permanentes pelos órgãos
responsáveis, como o setor público em parceria com a sociedade civil, organizações e
instituições acadêmicas, entre outros. E de somente pelo diálogo democrático e
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intercultural pode-se construir a cidade onde a felicidade seja uma finalidade e uma
realização igualitária para todos.

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