Maria Regina Celestino de Almeida: Texto:Os Índios Na História Do Brasil No Século XIX Da Invisibilidade Ao Protagonismo

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HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E

INDIGENA

 Maria Regina Celestino de Almeida


 TEXTO :Os índios na História do Brasil no século XIX da invisibilidade ao protagonismo
 A pesquisadora possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1975), mestrado em História pela
Universidade Federal Fluminense (1990) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e pós-
doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/Museu Nacional/UFRJ - 2005), na École des Hautes
Études en Sciences Sociales (EHESS,Paris, 2006) e no Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC, Madri, 2012).
Atualmente é professor associado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF),
professora visitante da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGH/UNIRIO) e pesquisador do CNPq. Tem experiência
na área de História, com ênfase em História Indígena, atuando principalmente nos seguintes temas: indígenas, missionação,
amazonas, rio de janeiro e identidade étnica.
O PAPEL DO INDIO NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA
OBJETIVO DA AUTORA:
Refletir o papel dos índios na história desde a sua invisibilidade até seu protagonismo. O período de sua analise está
centrado na política indigenista do Império com destaques à cultura política indígena, ao nacionalismo e à etnicidade,
assim como as imprecisões sobre as classificações étnicas e os conflitos de terra nas antigas aldeias coloniais. (Regina,
Maria, 2012, p. 21)
A partir de 1992, os historiadores brasileiros, em destaque Manuela Carneiro da Cunha, começam a desconstruir á
falácia do discurso do desaparecimento dos índios.
Eles estavam vivos e atuantes nos sertões, vilas, aldeias e cidades do Brasil oitocentista, povos e indivíduos indígenas
agiam e reagiam diferentemente às múltiplas formas de aplicação da política para eles traçada.
Lutavam e continuavam reivindicando direitos na justiça na condição de índios, enquanto discursos políticos e
intelectuais previam e, em muitos casos, já os consideravam desaparecidos, como resultado dos processos de civilização
e mestiçagem.
O discurso do desaparecimento servia para justificar a política indigenista vigente, a extinção de antigas aldeias
coloniais e de suas terras coletivas e, ao mesmo tempo, serviam à construção do nacionalismo, cuja proposta era criar a
nação em moldes europeus, onde não havia lugar para pluralidades étnicas e culturais.
A proposta assimilacionista, já lançada, desde meados do século XVIII, pelo marquês de Pombal, seria retomada com
muito mais ênfase pelos políticos do Oitocentos. Apesar das divergências, predominava a proposta de incorporar os
índios ao Império como cidadãos civilizados para servir ao novo Estado na condição de trabalhadores eficientes.
( Regina, Maria, 2012, p. 21)
O PAPEL DO INDIO NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA
 As abordagens atuais procedem, sem dúvida, das novas perspectivas teórico-metodológicas da
História e da Antropologia, mas decorrem também dos movimentos sociais e políticos
protagonizados pelos próprios povos indígenas. Tal como em outras regiões da América e do
mundo, os índios no Brasil, ao invés de desaparecerem como previsto por teorias assimilacionistas,
chegaram ao final da década de 1980 crescendo e multiplicando-se. Os direitos indígenas garantidos
pela Constituição de 1988 resultam, em grande parte, desses movimentos, ao mesmo tempo em que
os incentivam. Em nossos dias, os povos indígenas estão, cada vez mais, conquistando novos
espaços políticos, sociais e acadêmicos. Entre essas conquistas inclui-se um novo lugar na história
do Brasil. ( Regina, Maria, 2012, p. 23)

Tuíra Caiapó ganhou o mundo em 89 com a imagem do facão no rosto do


dirigente da Eletronorte; ontem, se indignou com um deputado; sem facão
desta vez.
POLÍTICA INDIGENISTA E CULTURA POLÍTICA
INDÍGENA NO OITOCENTOS (P.24)
A ideia promover a assimilação dos índios e extinguir antigas aldeias coloniais da
época do Marques de Pombalina PERMANECE, mesmo com a extinção da Carta
Régia de 1798.

DIFERENTES PROCEDIMENTOS SÃO ADOTADOS:


Para os povos do sertão previa-se o aldeamento, mediante a criação de missões religiosas e presídios
militares, com recurso às guerras justas quando se julgasse necessário;
Para os aldeados, já considerados civilizados, propunha-se a assimilação, com a distribuição de
parcelas individuais de suas antigas terras coletivas que seriam extintas com as antigas aldeias.
Guerras violentas, criação de novos aldeamentos e extinção de antigos foram práticas que
coexistiram e se sucederam ao longo do século XIX.
Todas visavam a um mesmo fim: a ocupação das terras indígenas e a transformação de seus
habitantes em cidadãos e eficientes trabalhadores para servir ao novo Estado. (Regina, Maria, 2012, p.
25)
Afirmação de suas identidades
 No longo contato com os vários agentes sociais com os quais conviviam, os índios das aldeias desenvolveram
suas próprias formas de compreensão sobre a nova realidade na qual se inseriam, sobre os direitos que lhes
haviam sido concedidos e sobre as suas possibilidades de ação para obtê-los. Suas demandas fundamentavam-
se basicamente em direitos assegurados pela legislação da Coroa Portuguesa por sua condição distinta da dos
demais vassalos do Rei.
 Eram direitos que se ancoravam, portanto, na distinção étnica em relação aos demais vassalos. Assim, a
afirmação da identidade indígena construída no interior das aldeias coloniais iria se tornar importante
instrumento de reivindicação política por parte desses índios.
 Na documentação sobre conflitos de terra é possível constatar que, apesar do intenso processo de mestiçagem,
os índios das antigas aldeias mantinham a vida comunitária e o sentimento de comunhão étnica que se
manifestava sobretudo nas ações políticas para garantir os direitos que lhes haviam sido concedidos. (Regina,
Maria, 2012, p. 26)
POLITICA INDIGENNISTA PÓS INDEPENDENCIA
 A NAÇÃO BRASILEIRA DEVE EXISTIR EM BASES EUROPEIAS:
 Após a Independência, o novo Estado imperial brasileiro viu-se diante do desafio de criar a nação e o povo
brasileiro, até então, inexistentes. Era necessário criar no país uma unidade territorial, política e ideológica,
gerando uma memória coletiva que unificasse as populações em torno de uma única identidade.
 A pluralidade étnica e cultural tão valorizada em nossos dias não tinha lugar nessa época, e a ideologia do
novo Estado brasileiro baseava-se nos valores europeus de modernização, progresso e superioridade do
homem branco.
 Cabia aos intelectuais do Brasil a difícil tarefa de homogeneizar populações extremamente diversas do
ponto de vista étnico e cultural, unificando-as em torno de identidades e histórias comuns.
 Enfrentavam ainda o desafio de fazer frente às teorias de inferioridade do continente americano e de suas
populações, em voga na Europa e com as quais eles, em grande parte, concordavam.
 A permanência da escravidão africana e a presença maciça de negros (escravos e libertos), índios e mestiços
com as suas mais variadas denominações (pardos, caboclos, mulatos, cabras etc.) complicava a situação.
 Esta tarefa não se concretizou: tal como ocorreu em outros países da América, a homogeneização de
populações iria se dar no âmbito do discurso. Foi vitoriosa apenas no nível das ideias, pois vários grupos
considerados extintos continuavam, de fato, existindo. (Regina, Maria, 2012, p. 27)
O INDIO COMO SÍMBOLO NACIONAL
 ASSIMILACIONISMO
 Do ponto de vista ideológico, discutia-se a possibilidade de tornar o índio símbolo Os índios na
História do Brasil no século XIX: da invisibilidade ao protagonismo.
 O desafio era grande e as divergências, muitas. Afinal, os índios ocupavam terras, ameaçavam
colonos, recusavam-se ao trabalho e lutavam para conservar suas aldeias.
 Como transformá-los em símbolo nacional se eram considerados inferiores e ameaças ao
desenvolvimento e progresso econômico do Estado? Certamente, esses índios não serviam para
simbolizar a nação, nem tampouco para compor o projeto de construção da memória e história
coletivas do novo Estado.
 O INDIO ROMANTIZADO NÃO CORRESPONDIA AO INDIO REAL
 Os índios do passado caracterizado em obras políticas, literárias, históricas, científicas ignoravam
ou demonizavam os grupos ou indivíduos indígenas ainda muito presentes no território brasileiro
bastante vivos e atuantes no século XIX e eram presença constante nos artigos das revistas do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), nos Relatórios dos Presidentes de Província, na
correspondência entre autoridades diversas e nas discussões da Assembleia Legislativa e das
Câmaras Municipais.
 Essa documentação não deixa dúvidas sobre a atuação desses povos ao longo do século XIX,
atuação essa que, como em períodos anteriores, influenciava os rumos das políticas para eles
traçadas (Regina, Maria, 2012, p. 28)
O QUE RESTOU DA POLITICA DO IMPERIO
Na política oficial do Império iria predominar a proposta de Bonifácio;
Seu projeto defendia a política assimilacionista que visava incorporá-los como cidadãos e,
embora condenasse o uso da força, reconhecia sua necessidade em algumas circunstâncias;
Apesar de aprovado na Assembleia Constituinte, em 1823, não chegou à prática, e a
Constituição de 1824 sequer mencionou a questão indígena que se tornou competência das
Assembleias Legislativas Provinciais, tendo prevalecido o interesse das oligarquias locais;
A política indigenista do Império caracterizou-se, então, pela descentralização, e os índios,
ainda divididos nas categorias de mansos e bravos, tinham, de acordo com Carneiro da Cunha,
a possibilidade de escolher entre a ‘civilização’ e o ‘extermínio’, ou seja, entre uma submissão
branda e uma violenta;
Várias leis de caráter local continuariam sendo estabelecidas em prejuízo dos índios, porém,
no discurso oficial, prevalecia a recomendação para o uso de meios brandos e persuasivos,
reservando-se a violência para os que se recusassem a colaborar. (Regina, Maria, 2012, p. 29)
POLITICA DE TERRAS INDIGENAS

 Individualizar terra para construir um índio cidadão


 A legislação Os índios na História do Brasil no século XIX incentivava o processo de individualização das terras
indígenas com um discurso humanitário que visava integrar os índios em igualdade de condições,
transformando-os em cidadãos.
 O objetivo era, sem dúvida, extinguir as aldeias, mas de acordo com a lei e respeitando-se os direitos dos índios,
enquanto eles fossem considerados como tais.
 O Regulamento das Missões de 1845 e a Lei de Terras de 1850, complementada com o regulamento de 1854,
reafirmaram o conteúdo do Diretório em dois importantes aspectos: incentivavam a proposta assimilacionista e
continuavam garantindo o direito dos índios às terras coletivas enquanto eles não atingissem o chamado estado
de civilização. Isso dava aos índios das aldeias possibilidades de continuarem reivindicando, por intermédio da
lei, os direitos que lhes haviam sido garantidos.
 Essas reivindicações, deve-se lembrar, baseavam-se na afirmação da identidade indígena. Ser ou não ser
considerado índio implicava, como visto, ganhar ou perder direitos, sobretudo à terra coletiva, razão pela qual as
controvérsias e disputas em torno das classificações étnicas iriam se tornar muito mais acentuadas ao longo do
século XIX. (Regina, Maria, 2012, p. 29)
CLASSIFICAÇÕES ÉTNICAS E CONFLITOS DE
TERRA NAS ANTIGAS ALDEIAS COLONIAIS

 No decorrer do século XIX, incentivados pela política assimilacionista da Coroa portuguesa e depois do Império, as
câmaras municipais e os moradores intensificavam suas investidas para apoderar-se das terras e dos rendimentos
coletivos das aldeias.
 Estas eram descritas como decadentes e miseráveis, mas continuavam despertando conflitos, pois os índios
insistiam em preservá-las. Misturados e transformados no interior das aldeias, os aldeados, talvez, dificilmente
pudessem se distinguir de seus vizinhos não índios por sinais diacríticos, laços consanguíneos, caracteres físicos ou
traços culturais nítidos, porém não abandonaram suas identidades indígenas.
 Os Índios e a negação da mestiçagens: o pertencimento a aldeia e ao passado foram
elos fundamentais dessa negação
 Foi principalmente em torno da ação política comum pela manutenção desses direitos que essas
identidades, a meu ver, se mantiveram e até se fortaleceram nesse período, contra as pressões que se
faziam no sentido de reconhecê-los como mestiços.
 Unificava-os a ideia de pertencer à aldeia e o compartilhamento de um passado comum que remontava à
fundação da aldeia e à aliança com os portugueses, bem como a ação política coletiva em busca dos
direitos que lhes tinham sido dados.
 Apesar das misturas, afirmavam, como informam os documentos, a identidade indígena que naquele
mundo conturbado lhes garantia a vida comunitária e a terra coletiva. (Regina, Maria, 2012, p. 32)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
OS INDIOS NA LUTA CONTRA A EXTINÇÃO DAS ALDEIAS
 O processo de extinção das antigas aldeias coloniais envolveu, em várias regiões, o apagamento das
identidades indígenas por diferentes autoridades e moradores.
 Esse apagamento era contrariado pela ação política dos próprios índios que, com requerimentos e
petições, desafiavam esses discursos afirmando a identidade indígena e seus antigos direitos obtidos
pelos acordos com a Coroa Portuguesa.
 As aldeias acabariam extintas, porém, após processos longos, repletos de avanços e recuos. Nesses
processos, os índios tiveram participação importante, contribuindo, me parece, para retardá-los.
 Do século XIX aos nossos dias, inúmeros povos indígenas deixaram de existir como etnias diferenciadas.
 Porém, muitos deles estão ressurgindo hoje mediante processos de etnogênese pelos quais reafirmam
suas identidades indígenas e reivindicam direitos, sobretudo à terra coletiva, como se observa no
Nordeste e no Espírito Santo.
 Outros, contudo, desapareceram, como foi o caso dos aldeados do Rio de Janeiro. É instigante, no
entanto, vê-los também reaparecer, de certa forma, não só nas histórias que vêm sendo reconstruídas,
como também nas memórias de seus descendentes. A
 A aldeia de São Lourenço foi, como visto, extinta em 1866. Contudo, no bairro do mesmo nome, em
Niterói, José Luiz de Arariboia Cardoso e Gilda Rodrigues, em 1930 e 2003, respectivamente, assumiram
sua descendência dos índios da aldeia e do próprio Arariboia, seu primeiro capitão-mor. (Regina, Maria,
2012, p. 35)

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