2.indios e Cidade
2.indios e Cidade
2.indios e Cidade
igualdade descaracteriza
1 Introdução
De acordo com o censo demográfico do IBGE (Núcleo de
Políticas Públicas para Povos Indígenas, 2013), o total de
população indígena residente no território nacional em 2010 foi
de 896,9 mil pessoas, e cerca de 36% dela reside em áreas urbanas.
Apesar de a primeira impressão ser a de um aumento gradativo
de indígenas em área urbana com o passar do tempo, interessante
notar que entre 2000 e 2010, em números absolutos, a população
indígena em área urbana observou uma queda de 58.464 pessoas,
parecendo indicar que estão voltando às terras indígenas ou circu-
lando entre estas e as cidades.
Ainda que existam inconsistências inerentes a levantamentos
numéricos, em razão das dificuldades geográficas, em especial em
áreas remotas e considerando-se a questão da identidade, fato é que
grande parte da população indígena nacional, hoje, encontra-se
vivendo em áreas urbanas. Número ainda maior desta possui rela-
ções frequentes com a sociedade envolvente, recebendo os impac-
tos diretos e indiretos dessas relações.
No entanto, o que se nota na prática é a invisibilidade dos indí-
genas na cidade e a quase total ausência de políticas públicas que
considerem esses fatores. Nesse sentido, publicação do Núcleo de
Políticas Públicas para Povos Indígenas, de Porto Alegre (2013, p. 8):
Apesar desse percentual elevado, há raras ações e políticas públi-
cas que levam em conta as perspectivas dos povos indígenas pre-
sentes nas cidades do Brasil, que encontram grande dificuldade
para acessar seus direitos básicos. Por uma série de preconceitos
decorrentes da dominação cultural, que apresenta raízes histó-
ricas, a invisibilidade da presença indígena no espaço urbano
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ainda persiste. Originada de um longo processo de colonização,
as imagens estereotipadas do índio “ligado à natureza”, natureza
essa apartada do humano, precisa ser urgentemente superada.
Em algumas situações ainda perdura a ideia equivocada de que
o indígena “deixa de ser índio” quando está no espaço urbano.
Estas imagens ofuscadas e distorcidas corroboram para a ocorrên-
cia de ações discriminatórias, tal como a insistência em negar a
presença indígena na cidade como legítima. Embora os esforços
empreendidos para desconstruí-las, essas imagens ainda persis-
tem no dia a dia da cidade.
2 Ser índio
Para entender melhor a relação entre indígenas e cidade, e a
necessidade de políticas específicas, oportuno tecer algumas pala-
vras sobre a questão da identidade indígena.
Ao discursar na abertura da etapa regional, em Manaus, da
Conferência Nacional de Política Indigenista, em 3 de novembro de
2015, Nara Baré, representante da Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), em discurso inflamado,
afirmou que os que ali estavam presentes não eram indígenas, em
princípio, mas sim Barés, Tukanos, Baniwas, Muras, enfim, uma
linda diversidade de povos que, em contato com os europeus, foi
agregada sob o mesmo rótulo de “indígenas”1. Isso diz muita coisa
sobre a identidade, sua formação, e nos ajuda a compreender esse
processo e as teorias que hoje existem sobre o tema.
Estudos sobre o que é identidade afirmam que ela não pode
ser definida somente a partir dos elementos que a constituem ou
a formam, ou seja, somente a partir da sua essência. A identidade
seria definida também levando-se em consideração o que é dife-
rente dela, o outro, a alteridade. Assim, a identidade não poderia
ser definida sem a diferença, e esta não poderia ser definida sem a
identidade, numa dependência recíproca. Nessa linha, há teorias
que definem as diversas “identidades” como posições que o sujeito
é obrigado a assumir em sociedade.
Em plena ditadura militar, o Estatuto do Índio (Lei n.
6.001/1973), recheado atualmente de dispositivos não recepciona-
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dos pela Constituição de 1988, em seu art. 3º, já reconhecia o
caráter de autoidentificação e reconhecimento comunitário como
construtor e definidor da identidade indígena.
Diante das incompreensões e dúvidas presentes na ideia de
identidade indígena e, ainda, ciente dos diversos tipos de interes-
ses e pressões, legítimos ou não, aptos a influenciar tal ideia, já
na década de 1980, Manuela Carneiro da Cunha (2012, p. 103)
assim definia:
Comunidades indígenas são pois aquelas que, tendo uma continui-
dade histórica com sociedades pré-colombianas, se consideram dis-
tintas da sociedade nacional. E índio é quem pertence a uma dessas
comunidades indígenas e é por elas reconhecido.
2 Para saber mais sobre os preconceitos comuns contra os indígenas: BRANDT, Lilian.
As dez mentiras mais contadas sobre os indígenas. Axa, 2 dez. 2014. Disponível em:
<http://axa.org.br/2014/12/as-10-mentiras-mais-contadas-sobre-os-indigenas/>.
Acesso em: 4 nov. 2015.
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Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características
sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qual-
quer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem
e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que
retêm algo de sua “identidade original...” –“multiculturalismo”
é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para
governar ou administrar problemas e multiplicidade gerados pelas
sociedades múltiplas.
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dor, modificando as relações de poder, a cultura, o modo de vida
tradicional desses povos.
As razões do deslocamento indígena para a cidade são varia-
das. Pesquisadores e lideranças indígenas apontam para um amplo
mosaico de fatores, associados a diferentes situações de contato com
sociedades regionais. Exemplos: busca por trabalho, por melhores
condições de acesso à saúde e educação; perda de terras tradicio-
nais; conflitos externos e conflitos internos nas aldeias estimulados,
muitas vezes, pelo crescimento populacional etc.
Quanto às formas de inserção dessas populações em terri-
tório urbano, há desde indivíduos que migram isoladamente até
grupos familiares que se deslocam inteiros para bairros específi-
cos, seguindo uma ampla rede de parentesco. Existem inclusive
os casos de terras indígenas que foram tomadas pelo crescimento
urbano, tendo seu cotidiano relegado a uma série de peculiaridades.
Como exemplos visíveis, a aldeia de Dourados-MS, com milhares
de indígenas – principalmente a etnia Guarani-Kaiowá –, a terra
indígena Pantaleão (sem demarcação efetiva até o momento), em
Autazes-AM, entre outras.
Um exemplo peculiar é a cidade de São Gabriel da
Cachoeira-AM, no Alto Rio Negro, fronteira com a Colômbia,
com grande maioria de sua população indígena. Com um dos
maiores índices de suicídio per capita do País – segundo o Mapa da
Violência (WAISELFISZ, 2014) divulgado no ano de 2014 –, alco
olismo crescente e recente prisão de participantes de rede de explo-
ração sexual indígena infantil, é uma amostra da complexidade e
dificuldade em se trabalhar com a questão indígena na cidade.
Contudo, se os desafios são grandes, melhor buscar tanto
antes soluções partilhadas, por meio da participação de todos os
envolvidos, do conhecimento tradicional indígena e das políticas
e técnicas conhecidas.
Diante dos problemas expostos, a pergunta: devem ser aplica-
das as mesmas políticas aos indígenas em suas terras tradicionais e
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A Fundação Nacional do Índio (Funai), com sérias restrições
orçamentárias e negligenciada pelo Governo Federal, também reluta
em olhar os indígenas da cidade como seus clientes, ou pelo menos
em lhes dar a atenção devida, o que significaria partilhar seus já
escassos recursos. No entanto, é nítida a necessidade dessa assistência,
ainda mais considerando os números já expostos neste artigo.
Boaventura de Souza Santos (2003, p. 56), em suas lições, bem
trata desta necessidade de considerar a diferença:
[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos infe-
rioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade
nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reco-
nheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente
ou reproduza as desigualdades.
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um duplo desafio: o de buscar formas de garantir a diversidade no
exercício do Direito à Cidade e o de adequar a política indigenista
de forma a contemplar essa nova realidade.
As quatro terras indígenas na área metropolitana de São Paulo
pertencem à etnia Guarani Mbyá. São elas as aldeias Tekoá Ytu e
Tekoá Pyaú, ambas no Jaraguá, na zona norte, e as aldeias Krukutu
e Tenandé-Porã, localizadas em Parelheiros, na zona sul. Além dos
guaranis, originários deste território, existe um grande número
de indígenas migrantes, não aldeados, como os Pankararu, os
Pankararé, Fulni-ô, Terena, Kaingang, Kariri-Xocó, Atikum e
Potiguara. (Comissão Pró-Índio de São Paulo, 2013).
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- por parte da EMHA — celebrar termo aditivo de contrato com
todos os moradores vedando a transferência de imóveis para pes-
soas não índias.
- por parte dos índios — concordância com a permanência das
pessoas não indígenas que ali já se encontravam desde que elas res-
peitem a cultura dos índios; comunicar antecipadamente a EMHA
sobre as transferências de imóveis para que avalie a sua validade;
proibição de transferência de imóveis a não índios.
Segundo o apurado no levantamento de campo, somente a aldeia
urbana Marçal de Souza conta com tal dispositivo. Na opinião dos
índios da aldeia Marçal de Souza e também das outras aldeias urba-
nas, essa é uma boa medida pois representa uma proteção aos mora-
dores da aldeia, na medida em que impede interferências do modo
de vida não indígena no seu cotidiano.
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Multiplicam-se as ocupações urbanas. O cadastro para beneficiá-
rios de programas de habitação no estado está paralisado.
Em 2015, diversas reintegrações de posse coletiva foram
determinadas na cidade. No caso de ocupações indígenas no
bairro do Tarumã, o denominado Parque das Nações Indígenas,
com mais de cem famílias de diversas etnias, já há quase cinco
anos no local, está entre elas. Nas Defensorias Públicas Estadual
e da União, o Ministério Público Federal (MPF) vem buscando
soluções que contemplem o direito constitucional à moradia e
sejam culturalmente adequadas.
O MPF expediu recomendação à Secretaria de Segurança
Pública do Estado do Amazonas no intuito de serem respeita-
dos os direitos humanos em referidas reintegrações, buscando-se
alternativas de alocação dos ocupantes, levantamento social, entre
outros, e possibilitando soluções negociadas, nos termos do Manual
da Ouvidoria Agrária Nacional para reintegrações de posse coletivas.
Também há tratativas extrajudiciais no intuito de buscar a regu-
larização dos ocupantes, ou sua transferência para área adequada.
No entanto, não há política de moradia destinada aos indíge-
nas da cidade de Manaus. Repetindo o que já constatado em tra-
balhos anteriores: “Os despejos forçados parecem ainda ser a tônica
da relação do Poder Público com os índios em Manaus, ficando por
ser construída uma política para garantir-lhes o direito fundamen-
tal da moradia” (Comissão Pró-Índio de São Paulo, 2013, p. 30).
Quanto à questão específica da moradia em Manaus, tendo
em vista as peculiaridades inerentes à questão indígena no
Amazonas, onde tudo é superlativo, fica uma questão não possí-
vel de desenvolver nestas breves linhas: uma política genérica de
moradia urbana para indígenas fomentaria ainda mais a migração
de suas terras tradicionais para a cidade, causando maiores danos
ao seu modo de vida? Ou seria melhor atuar na regularização
fundiária a partir de cada situação/ocupação específica? A res-
posta, independentemente de qual seja, deve ser construída entre
os atores legitimamente interessados.
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Em conjunto com a previdência social (salário-maternidade,
aposentadorias rural e por invalidez), a política de assistência social,
em especial o Benefício de Prestação Continuada-LOAS (BPC) e o
Programa Bolsa Família (PBF) constituem importantes inserções de
renda entre os indígenas. Em verdade, em muitas aldeias, constituem
quase a totalidade de renda obtida. Paralelamente, as atividades tradi-
cionais como roçado (plantação), pesca e caça (onde ainda possível),
o turismo em alguns casos, o artesanato e a eventual renda prove-
niente de empregos públicos ou privados completam o quadro de
alternativas de renda para a segurança alimentar e sustentabilidade das
comunidades. Dessa maneira, conforme estudos no tema, os benefí-
cios sociais trazem mudanças positivas em alguns casos, em especial às
famílias que os recebem, mas modificam as relações de poder dentro
das comunidades indígenas, reforçando a cultura individualista em
detrimento da coletiva, trazendo outros impactos negativos consigo.
Contudo, não há qualquer política pública específica ou aten-
ção com os impactos desses benefícios no modo de vida tradicional
indígena. Benefícios da previdência e assistência social, construí-
dos para prover necessidades básicas, possibilitar uma vida digna,
com tranquilidade, da forma como disponibilizados, seguindo o
modelo universal em todo o País (ou seja, com benefícios sacados
em agências bancárias ou casas lotéricas na cidade – sem possibi-
lidade atual de acesso direto nas aldeias – e prazo limite de três
meses, em geral, para saque etc.), vêm ocasionando muitos danos
entre os povos indígenas. Ressalte-se, aqui, que o dano advém não
do benefício em si, que, como dito, muitas vezes é o único meio de
renda, mas sim da forma universalizante da política de acesso, sem
qualquer consideração com as especificidades da cultura indígena.
É preciso reconhecer que há fatores variados a contribuir para
essa situação. A monetarização da cultura indígena não é algo
novo, embora tenha sido potencializada devido a essas políticas. A
criação de cargos públicos dentro das aldeias (professores indíge-
nas, agentes de saúde), o trabalho remunerado na cidade, em insti-
tuições militares e outras, são outros exemplos a contribuir com a
monetarização e seus reflexos.
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Também na linha de ausência de consideração da diferença na
aplicação de políticas envolvendo benefícios sociais (CARVALHO,
2010, p. 50):
[…] não há marco regulatório que indique a exigência de movi-
mento proativo de instâncias estatais no sentido de alcançar esses
grupos ou de conferir um caráter diferenciado aos programas exis-
tentes, de modo a ajustá-los à diversidade sociocultural e econô-
mica desses povos.
e previdenciários aos indígenas do Alto Rio Negro, Amazonas, bem como as medi-
das adotadas pelos órgãos públicos no tema.
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A falta de acesso ao RCN (Registro Civil de Nascimento), a burocracia,
o tempo de espera em condições desumanas e insalubres, resultam,
muitas vezes, na morte de crianças e idosos, desnutrição, alcoolismo,
drogadição, prostituição, e na perda das lavouras para subsistência
que ficam abandonadas, implicando na falta de alimentos a comuni-
dade quando retornam. As exigências burocráticas do INSS e órgãos
como a FUNAI e o CRAS frustram cada vez mais os indígenas. O pre-
conceito por parte dos servidores públicos é latente.
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Em julho de 2016, foi instituída relatoria no âmbito da 6ª
Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal,
visando estudar e debater os impactos decorrentes da não adaptação
da política de benefícios sociais para povos indígenas. No âmbito
dessa relatoria, foram realizadas duas reuniões na Procuradoria-Geral
da República, em Brasília, em 16 e 19 de setembro de 2016, com
órgãos de governo e representações indígenas questionando as medi-
das tomadas a partir dos estudos realizados. As tratativas continuam.
Enfim, em novembro de 2016, o documento Relatório Final:
estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família entre povos indígenas
(VERDUM, 2016), do MDSA, foi publicado.
Paralelamente, grupo de pesquisadores que estuda e traba-
lha com os povos Hupda e Yuhupdëh do alto rio Negro também
encaminharam ao Ministério Público Federal no Amazonas docu-
mento expondo a situação de tais povos diante da ausência de polí-
ticas específicas e sugerindo medidas para contenção de danos.
Em síntese, citando algumas das medidas propostas tanto no
âmbito dos estudos do MDSA quanto pelos pesquisadores autôno-
mos, temos: a) necessidade de que todas as adaptações às políticas
de benefícios assistenciais e previdenciários sejam elaboradas com a
participação constante e efetiva dos povos indígenas, como previsto
pela Convenção n. 169 da OIT, considerando-se as características
culturais de cada povo; b) garantia de que a Instância de Controle
Social (ICS), prevista pelo Programa Bolsa Família, seja instituída e
efetivada em todos os municípios brasileiros com famílias indígenas
beneficiárias; c) realização de adaptações estruturais e de atendi-
mento em todos os estabelecimentos vinculados à rede de acesso
aos benefícios sociais (desde o cadastramento até o pagamento), de
modo a garantir condições dignas de acesso aos indígenas e demais
beneficiários, inclusive com a disponibilização de intérpretes/tradu-
tores; d) extensão do prazo para saque ou cancelamento do bene-
fício, tendo em vista que muitas famílias indígenas somente vão à
cidade uma vez ao ano; e) adoção de um calendário de atendimento
diferenciado que considere as especificidades de cada povo indí-
gena e os períodos de chegada ao centro urbano; f ) desenvolvi-
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mento de oficinas e campanhas de informação voltadas às famílias
indígenas, contemplando noções de “educação financeira”, orienta-
ções sobre a estrutura e funcionamento das políticas de benefícios
sociais e seus conceitos básicos, além de conhecimentos fundamen-
tais sobre direitos indígenas; g) abertura de agência ou posto de
saque da Caixa Econômica Federal com plenas atribuições nas cida-
des de grande fluxo de indígenas, bem como instituição de outras
formas de repasse dos benefícios assistenciais e previdenciários para
os povos indígenas por meio de “equipes volantes de pagamento”,
correspondentes bancários e/ou caixas eletrônicos em comunidades
estratégicas para cada calha de rio, por exemplo; h) implementação
de políticas de apoio material à produção de alimentos, de forma
não burocratizada e acessível, como o fornecimento de instrumen-
tos de trabalho nas roças e nas atividades de caça e pesca, sempre
reconhecendo e respeitando as práticas tradicionais indígenas de
cultivo, extrativismo, pesca e caça.
Essas são apenas algumas das propostas tendentes a minimizar
danos já existentes, bem como criar um subsistema próprio. De qual-
quer forma, é necessário, como já mencionado, consulta permanente
aos povos indígenas, suas lideranças e entidades representativas, de
maneira a entender seus anseios, dificuldades, acolher suas propos-
tas para, com atuações integradas entre Funai, Sesai (Ministério da
Saúde), MDSA, estados, municípios e entidades indígenas, e cons-
truir um novo modelo assistencial, atento às diferenças culturais.
4 Conclusão
Com a apresentação e os exemplos acima abordados, espera-se ter
ficado mais clara a necessidade de políticas específicas para indígenas.
Na cidade ou nas terras tradicionalmente ocupadas, índio continua a
ser índio, ou melhor, Muras continuam sendo Muras, Baniwas sendo
Baniwas, Guaranis sendo Guaranis, enfim, merecendo ter respeitada
sua cultura, seus valores ancestrais, seu modo de vida tradicional.
Não é possível se falar em respeito à diferença se não há par-
ticipação dos grupos minoritários na formulação das políticas que
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irão impactá-los. Isso é, inclusive, garantido pela Convenção n. 169
da OIT. Aplicar políticas universalizantes a grupos diferenciados
pode, muitas vezes, ter resultados inimagináveis e trágicos.
Seja quando é abordado o problema da moradia urbana para
indígenas, ou a seguridade social e os benefícios sociais, seja em
tantos outros temas, o olhar antropológico não pode ser esquecido.
Essa é uma tendência na área do Direito, como também o é em
outras áreas, em especial da Administração Pública.
Um mundo verdadeiramente justo não pode prescindir
desta obrigação: tratar os iguais como iguais, quando a diferença
os inferioriza; e tratar os diferentes como diferentes, quando a
igualdade os descaracteriza.
Referências
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Núcleo de Políticas Públicas para Povos Indígenas. Presença
indígena na cidade: reflexões, ações e políticas. Organização de Rosa
Maris Rosado e Luiz Fernando Caldas Fagundes. Porto Alegre:
Gráfica Hartmann, 2013.
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