Filosofia - Gécia Antiga
Filosofia - Gécia Antiga
Filosofia - Gécia Antiga
A Escola de Atenas, afresco de Rafael na Sala da Assinatura, Palácio Vaticano, 1509. Platão e Aristóteles são as
figuras centrais da pintura, que retrata filósofos pré-socráticos, como Parmênides e Heráclito, e neoplatônicos, como Plotino e Hipátia de
Alexandria.
O PROCESSO DO FILOSOFAR
Como seria o caminhar do filósofo? À medida que somos seres racionais e sensíveis, estamos sempre
dando sentido às coisas. Ao “filosofar” espontâneo do homem comum, costumamos chamar de filosofia de
vida.
CADERNO 1 - 2013
FILOSOFIA – RODY
Quando nos referimos à passagem do senso comum para o bom senso, identificamos esse último à
filosofia de vida. Enquanto o senso comum é fragmentário, incoerente, preso a preconceito e dogmático, o bom
senso supõe a capacidade de organização que dá certa autonomia ao homem que analisa sua experiência de
vida cotidiana.
Como veremos adiante, enquanto o homem comum faz sua filosofia de vida, o filósofo propriamente dito é
um especialista. Mas o especialista filósofo é diferente dos outros especialistas (como o físico ou o
matemático). Por exemplo, quando observamos o estudioso de trigonometria, podemos bem pensar que
grande parte dos homens não precisa se ocupar com esse assunto. No entanto, o mesmo não acontece com o
objeto de estudo do filósofo, cujo interesse se estende a qualquer homem.
Segundo Gramsci “não se pode pensar em nenhum homem que não seja também filósofo, que não pense,
precisamente porque pensar é próprio do homem como tal”. Isso significa que as questões filosóficas fazem
parte do cotidiano de todos nós. Se o filósofo da educação investiga os fundamentos da pedagogia, o homem
comum também se preocupa em escolher critérios — não importa que sejam poucos rigorosos — a fim de
decidir sobre as medidas a serem tomadas na educação de seus filhos.
Estamos diante de diferentes filosofias de vida quando preferimos morar em casa e não em apartamento,
quando deixamos o emprego bem pago por outro não tão bem remunerado, porém mais atraente, ou quando
escolhemos o colégio onde vamos estudar. Há valores que entram em jogo aí. Se escolho um "colégio fraco
para passar de ano e ter tempo para passear", ou se, ao contrário, prefiro um "colégio forte para me preparar
para o vestibular", ou ainda dentro dessa última opção, "um bom colégio para ter um contato melhor com o
mundo da cultura e abrir as possibilidades de autoconhecimento", é preciso reconhecer que existem critérios
bem diferentes fundamentando tais decisões.
BIBLIOGRAFIA: Filosofando – Introdução à Filosofia. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e Maria Helena Pires Martins. Ed. Moderna, São Paulo, 1994.
A
Filosofia se constituiu por meio de uma passagem do mito ao
logos (a razão). Mas como a Filosofia chegou a se tornar um O Mito
saber desinteressado, universal e crítico? O pensamento mítico teve início
na Grécia, do séc. XXI ao VI a.C..
Antes do surgimento da Filosofia, a explicação para as questões Nasceu do desejo de dominação do
humanas era fornecida pelos mitos. Podemos conhecer essas mundo, para afugentar o medo e a
explicações lendo obras como Odisseia ou Ilíada, de Homero. Essas insegurança. A verdade do mito não
explicações eram sagradas, isto é, diziam respeito aos deuses. Sem a obedece a lógica nem da verdade
força dos deuses, a explicação humana precisou de provas. A Filosofia empírica, nem da verdade científica.
busca fornecer continuamente essas provas, como explica Marilena É verdade intuída, que não necessita
Chauí: de provas para ser aceita. É portanto
uma intuição compreensiva da
O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o realidade, é uma forma espontânea
incompreensível, não só porque esses eram traços próprios da do homem situar-se no mundo.
narrativa mítica, como também porque a confiança e a crença no mito
vinham da autoridade religiosa do narrador. A Filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e
coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade
da explicação não vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.
CHAUÍ, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática. 2005. p. 25.
O MITO GREGO
O mito é um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda reflexão, e não crítico de estabelecer algumas
verdades que não só explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão,
também, as diretrizes da ação humana. Devemos salientar, entretanto, que, não sendo teórica, a verdade do mito
não
obedece à lógica nem da verdade empírica, nem da verdade científica. É verdade intuída, que não necessita de
provas para ser aceita. Por essa razão, quando existem várias versões do mesmo mito, não nos devemos
preocupar em estabelecer uma versão autêntica, pois é o conjunto dessas versões que constitui a sua realidade.
Veja a seguir alguns exemplos de mitos.
Zeus
É o maior de todos os deuses e o rei do Olimpo. Domina a ordem e o poder
gerador de tudo. Não foi à toa que os poderosos da época e, posteriormente, os
romanos que o adotariam com o nome de Júpiter, iam lhe render homenagens e se
consideravam seus filhos diletos. É também completamente ardiloso. Usava e abusava
dos disfarces para seduzir ou possuir à força as pobres mortais, deusas e ninfas por
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FILOSOFIA – RODY
quem se encantava. Daí um bom signo para coisas de política, por exemplo. De temperamento ardente, o
Senhor do Olimpo acaba sendo pai de uma profusão de deuses, semideuses, deusas, ninfas, heróis e até reis,
não distinguindo, para amantes, mortais e imortais. Ele é também o comandante dos fenômenos naturais,
como chuvas, trovões, relâmpagos, ventanias.
=
Pandora
A mulher não fora ainda criada. A versão (bem absurda) é que Júpiter a
fez e enviou-a a Prometeu e seu irmão, para puni-los pela ousadia de furtar o
fogo do céu, e ao homem, por tê-lo aceito. A primeira mulher chamava-se
Pandora. Foi feita no céu, e cada um dos deuses contribuiu com alguma coisa
para aperfeiçoá-la. Vênus deu-lhe a beleza, Mercúrio, a persuasão, Apolo, a
música, etc. Assim dotada, a mulher foi mandada à Terra e oferecida a
Epimeteu, que, de boa vontade, a aceitou, embora advertido pelo irmão para ter
cuidado com Júpiter e seus presentes. Epimeteu tinha em sua casa uma caixa,
na qual guardava certos artigos malignos, de que não se utilizara, ao preparar o
homem para sua nova morada. Pandora foi tomada por intensa curiosidade de
saber o que continha aquela caixa, e, certo dia, destampou-a para olhar. Assim, escapou e se espalhou por
toda a parte uma multidão de pragas que atingiram o desgraçado homem, tais como a gota, o reumatismo e a
cólica, para o corpo, e a inveja, o despeito e a vingança, para o espírito. Pandora apressou-se em colocar a
tampa na caixa, mas, infelizmente, escapara todo o conteúdo da mesma, com exceção de uma única coisa,
que ficara no fundo, e que era a esperança. Assim, sejam quais forem os males que nos ameacem, a
esperança não nos deixa inteiramente; e, enquanto a tivermos nenhum mal nos torna inteiramente
desgraçados.
Uma outra versão é de que Pandora foi mandada por Júpiter com boa intenção, a fim de agradar ao
homem. O rei dos de deuses entregou-lhe, como presente de casamento, uma caixa, em que cada deus
colocara um bem. Pandora abriu a caixa, inadvertidamente, e todos os bens escaparam, exceto a esperança.
Essa versão é, sem dúvida, mais aceitável que a primeira. Realmente, como poderia a esperança, joia tão
preciosa, ter sido misturada a toda a sorte de males, como na primeira versão?
Édipo
Laio era rei de Tebas; quando se casou com Jocasta, teve a curiosidade de
perguntar ao oráculo de Delfos se será feliz com o casamento. O oráculo
respondeu que a criança que nascesse lhe causaria a morte. Jocasta deu à luz a
Édipo.
Laio, inquieto, mandou expor o filho ao pé do monte Cíteron. Édipo iria morrer
se não tivesse sido achado pela rainha de Corinto, que o adotou.
Édipo, ao tornar-se adulto, consulta o oráculo sobre o seu destino e este lhe
diz: "será o assassino de teu pai e casará com tua mãe". Para evitar que tal fato
ocorresse, saiu errante pelo mundo.
Achando-se em uma estrada estreita, encontrou Laio no seu carro, escoltado
por apenas cinco guardas, que lhe ordenou com altivez que deixasse a passagem
livre; como Édipo não o fez, eles começaram a lutar e Laio foi morto.
Creon, irmão de Jocasta, que assumiu o governo com a morte de Laio, fez publicar em toda a Grécia que
dava a mão de sua irmã e a coroa àquele que derrotasse a Esfinge, monstro que assolava o reino de Tebas.
Édipo se apresentou para se opor contra a Esfinge e ela disse-lhe:
"Decifra-me ou te devoro! Qual é o animal que, de manhã, tem quatro pés, dois ao meio-dia, e três à tarde?"
Édipo respondeu acertadamente que era o "homem" e a Esfinge, furiosa de despeito, por se ver
adivinhada, se joga no precipício e quebra a cabeça com os rochedos. Jocasta, prêmio da vitória, tornou-se a
mulher de Édipo, e lhe deu dois filhos, Etéolo e Polínice, e duas filhas, Antígona e Ismênia. E este se tornou rei.
Muitos anos depois, o reino foi assolado por uma peste cruel, e Édipo consultou o oráculo; este lhe disse que o
povo tebano estava sendo punido, pelos deuses, pela morte não vingada de seu antigo rei, Laio. Édipo ordena
pesquisas para descobrir o assassino de Laio e descobre o mistério de seu nascimento: era parricida e incestuoso.
Jocasta, em desespero com a descoberta, se mata enforcada. Édipo, com o gancho do manto, arranca
seus olhos, e expulso por seus filhos, se afasta de Tebas, conduzido pela sua fiel, filha Antígona, para a
povoação de Colona, onde morre.
Hermes
Filho de Zeus e a mortal Maia, é o senhor da artimanha, do engodo, mas também
da comunicação. É o homem das encruzilhadas, da esperteza e por isso protegia os
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FILOSOFIA – RODY
comerciantes, mas também os ladrões. É o deus das viagens, da velocidade. Já bebê, Hermes armou as maiores
artimanhas, inclusive roubar o gado do irmão Apolo.
O mito de Narciso
Em tempos idos, na Grécia, o rio Cefiso engravidou a ninfa Liríope. Meses depois, Liríope, apesar de não
desejar a gravidez, deu à luz uma criança de beleza extraordinária. Por causa disso, Liríope consultou a
adivinho Tirésias sobre o futuro de seu filho, e ele vaticinou que Narciso viveria, desde que nunca visse sua
própria imagem.
Sob essa condição, ele cresceu e tornou-se um moço tão belo quanto o fora em criança. Não havia quem
não se apaixonasse por ele. Narciso, entretanto, permanecia indiferente.
Um dia, porém, estando sedento, Narciso aproximou-se das águas plácidas de um lago e, ao curvar-se
para beber, viu sua imagem refletida no espelho das águas. Maravilhado com sua própria figura, apaixonou-se
por si mesmo. Desesperadamente, passou a precisar do objeto de seu amor, viu que não conseguiria mais
viver sem aquele ser deslumbrante. Sua vida reduziu-se a contemplação daquele jovem tão belo: desejava-o,
queria possuí-lo. Desvairado, inclinando-se cada vez mais ao encontro do ser amado, mergulhou nos braços
frios da morte.
Às margens do lago, nasceu uma entorpecedora flor: o narciso. Ela relembra para sempre o destino
trágico daquele que, aparentemente apaixonado por si mesmo, era, na verdade, incapaz de amar.
Dédalo
De origem desconhecida, mas aparentado a família real ateniense, arquiteto e inventor, construiu para o
rei Minos, de Creta, o Labirinto, onde foi encerrado o Minotauro. Mais tarde, por ter acobertado as amores de
Teseu e Ariadne, Minos mandou prendê-lo no Labirinto, com seu filho, Ícaro. Para escapar da prisão, Dédalo
fabricou asas de cera e penas, mas Ícaro, entusiasmado por poder voar, quis aproximar-se demais do Sol:
suas asas derreteram-se e ele caiu no mar, afogando-se.
Apolo
Deus da Beleza, da Poesia e da Música, filho de Zeus e Leto (ou Latona), irmão gêmeo de Artêmis.
Identificado também como Hélios, o Sol, sob o nome de Febo. Amou Dafne (que, para escapar dele,
transformou-se em loureiro) e a ninfa Clítia (que, depois de morta, metamorfoseou-se no girassol) e foi pastor
do rei Admeto, sendo por isso considerado também como o protetor dos rebanhos. Como padroeiro de todas
as artes, tem o titulo de Apolo Musageta.
Eneias
Príncipe troiano, filho de Anquises e Afrodite, após a queda de Troia, fugiu com seus súditos. Em Cartago,
apaixonou-se pela rainha Dido, mas abandonou-a, inspirado por Hermes, e seguiu para a Itália, onde lançou os
fundamentos do povo latino.
Aquiles
Guerreiro, filho de Peleu e de Tétis. Sua mãe banhou-o nas águas do rio Estige, o
que o tornou invulnerável — à exceção do calcanhar, por onde ela segurara seu corpo.
Durante a guerra de Troia, abandonou o combate, pois a jovem cativa troiana Brtiseída,
por quem ele se apaixonara, foi-lhe tomada para ser entregue a Agamenon. Retomou à
luta depois da morte de seu amigo Pátroclo e matou, num duelo, o príncipe troiano
Heitor. Porém, foi morto por Páris, que, guiado pela mão de Apolo, conseguiu feri-lo no
calcanhar.
Hermafrodita
Filho de Hermes e Afrodite, cujos nomes compõem o seu; de uma enorme beleza, inspirou forte paixão à
ninfa Salmácis, que pediu aos deuses para nunca mais os separarem; estes juntaram os dois amantes em um
só corpo, criando um andrógino, isto é, um ser dotado de dois sexos.
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FILOSOFIA – RODY
A ORIGEM DA FILOSOFIA
A história da Filosofia grega pode ser dividida em períodos. Os filósofos que viveram antes do filósofo
grego Sócrates são chamados de pré-socráticos, e foram os primeiros pensadores do mundo ocidental. Tinham
em comum a reflexão a respeito da origem e da essência do mundo natural, em oposição às preocupações
centrais da Filosofia clássica grega (representada por Sócrates, Platão e Aristóteles) e dos filósofos
posteriores, mais voltados às reflexões éticas e da teoria do conhecimento.
Nascido na cidade de Mileto (colônia grega na Ásia) na passagem do século VII para o século VI a.C.,
Tales é considerado o primeiro filósofo da História. Diz-se dele que, filosofando ao andar pela rua, distraído,
acabou caindo em um buraco!
De Tales a Sócrates, todos os grandes temas da Filosofia foram construídos pelos filósofos chamados
pré-socráticos. Heráclito pensava que tudo está em permanente transformação ("Não podemos nos banhar
duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos").
Parmênides sustentou a superioridade da interpretação racional do mundo e a ilusão do movimento e da
mudança ("O Ser é, o não ser não é").
Demócrito concebeu átomos como princípios de todas as coisas ("Princípios de todas as coisas são os
átomos e o vazio. [...] Nada vem do não ser, nada pode perecer e se dissolver no não ser").
As perguntas que os primeiros filósofos elaboraram parecem hoje pertencer ao domínio das ciências da
natureza. De que é feita a matéria? Por que as coisas mudam, a noite sucede o dia, a água se torna gelo? Por
que os seres se multiplicam, crescem e morrem? E sobre o vasto Universo? De que são feitas as estrelas?
O que são as coisas que existem?
Portanto, as questões que hoje pertencem à ciência nasceram como especulação filosófica. Foram os
primeiros filósofos que formularam as perguntas que ao longo dos séculos a ciência tratou de responder e
reinventar.
A FILOSOFIA
Várias respostas a essas questões foram elaboradas pelos
mitos, pela tradição e pela religião. No entanto, esses filósofos Os períodos da Filosofia grega
estavam atrás de outro tipo de resposta, não mais ligada à
De maneira simplificada, podemos dividir
tradição e à autoridade, mas que tivesse valor por si só: respostas o desenvolvimento da Filosofia grega em
filosóficas, respostas verdadeiras, universais, baseadas na razão. quatro momentos:
No período clássico da Filosofia grega se constituiu o
1) Período pré-socrático (séc. VII a V a.C.):
pensamento de Platão e Aristóteles, que acabaria por formar a De Tales de Mileto a Sócrates. A
base de toda a Filosofia posterior. A questão da verdade se tornou Filosofia se ocupa da natureza e da
proeminente para a Filosofia. Os sofistas, mestres da persuasão origem das coisas.
2) Período socrático ou clássico (séc.
e oratória, foram combatidos por seus contemporâneos. Enquanto V a IV a.C.): A Filosofia reflete sobre
a Filosofia lutava por um conhecimento verdadeiro, os sofistas as questões humanas, sobretudo a
procuravam convencer por meio da retórica. ética e a política.
3) Período alexandrino ou helenístico
(final séc. IV a final séc. lII a.C.): A
Sofistas Filosofia busca sistematizar o
conhecimento alcançado.
Pedagogos que perambulavam pelas cidades gregas da Antiguidade,
Disseminação da cultura clássica no
instruindo os jovens em várias artes, especialmente em retórica, cujo
mundo mediterrâneo. Surgem novas
propósito era a obtenção de sucesso nas assembleias dos cidadãos, nas
escolas, como a dos estoicos, dos
disputas judiciárias e nos jogos políticos em geral. O termo é também
epicuristas e dos céticos.
usado em sentido pejorativo, para indicar os falsos sábios que cobravam 4) Período greco-romano (séc. III a.C. a
por seus ensinamentos e não tinham comprometimento com a ciência e a
VI d.C.): Nesse período há a
verdade, importando-se tão-somente com o manejo retórico das opiniões, assimilação da cultura grega pela
sempre defendidas apenas em vista do jogo de poder.
cultura romana e a dissolução do
GIACOIA JR, Oswaldo. Pequeno dicionário de filosofia contemporânea. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 161. pensamento grego diante do
cristianismo.
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FILOSOFIA – RODY
Sócrates
Na cidade de Atenas primeiramente surgiram os sofistas — homens que
criaram uma crítica social. Eles discutiam sobre o que era natural e o que não
era, ou seja, o que era criado pela sociedade. Sócrates foi contemporâneo dos
sofistas. Ele também se ocupava das pessoas e de suas vidas, levando-as a
refletirem por si mesmas sobre coisas como os costumes, o bem e o mal. Mas
ele diferia dos sofistas por não se considerar um sábio, não cobrava por seus
ensinamentos e tinha a convicção de que nada sabia. Reconhecia que havia
muita coisa além do que podia entender e vivia atormentado em busca do
conhecimento. Sócrates ousou mostrar as pessoas que elas sabiam muito
pouco. Para ele o importante era encontrar um alicerce seguro para os
conhecimentos. Ele era um racionalista convicto. Em 399 a.C. foi acusado de
corromper a juventude e de não reconhecer a existência dos deuses. Foi
julgado, considerado culpado e condenado à morte.
MAIÊUTICA
A maiêutica socrática consiste num jogo dialético de perguntas e respostas sucedidas de mais perguntas.
Aliando a maiêutica à ironia, a intenção do pensador era demonstrar como as chamadas “autoridades” em
determinados assuntos julgavam saber algo que, na verdade, não sabiam. Assim, o filósofo, que foi
interpretado como o que dizia nada saber, mostrava que o conhecimento conceitual não era atributo de muitos
homens considerados sábios.
O que é maiêutica?
A palavra maiêutica pode ser traduzida como obstetrícia, ou seja, a arte de realizar partos. No entanto, isso
não basta para definir a maiêutica socrática. Diz a história que a mãe de Sócrates era parteira. Assim como sua
mãe, Sócrates dizia realizar partos, mas não partos de bebês, e sim de ideais. Sócrates acreditava que ele
mesmo não detinha o seu conhecimento filosófico, mas teria uma habilidade de retirar esse conhecimento das
outras pessoas.
A maiêutica tornou-se, então, um recurso para o cumprimento da filosofia socrática, baseada na arte do
diálogo e na desconstrução dos argumentos. Com a maiêutica, Sócrates buscava alcançar a definição mais
precisa dos conceitos, atingindo a verdade.
Maiêutica socrática
Em sua juventude, Sócrates visitou o Oráculo de Delfos, situado no templo dedicado ao deus Apolo, em Atenas. O
primeiro impacto do filósofo deu-se com a percepção da frase escrita na entrada do templo: “Conhece-te a ti mesmo
e conhecerá o mundo e os deuses”. Essa frase foi tomada como lema de vida para Sócrates, que buscou sempre se
empenhar no autoconhecimento. O maior choque do filósofo ocorreu, no entanto, no momento de conversa com a
sacerdotisa do oráculo. O oráculo teria afirmado ao jovem filósofo que ele seria o mais sábio de todos os
homens da Grécia.
A afirmação chocou o filósofo e colocou-o em dúvida. Em uma atitude de colocar à prova o que lhe foi dito, o
pensador passou a caminhar pelas ruas de Atenas conversando com interlocutores que se julgavam conhecedores
de certos assuntos, como política e artes. Sócrates, no entanto, percebeu que, realmente, aquelas pessoas que
julgavam conhecer sobre certos assuntos, na verdade não os conheciam de fato.
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FILOSOFIA – RODY
A maiêutica socrática consistia num método de sucessivas perguntas pela essência das coisas. Sócrates lançava uma
pergunta, o interlocutor respondia-a, Sócrates perguntava novamente sobre um conceito em cima da resposta
anterior, e assim por diante. No fim, a percepção que restava era a de que o interlocutor, que julgava conhecer algo,
na verdade não conhecia nada.
A maiêutica e a ironia eram uma combinação utilizada por Sócrates. O filósofo começou a perceber que
a instigação irônica desestabilizava seus interlocutores, além de instigar as pessoas a responderem e a
arriscarem respostas que pudessem estar mais próximas da verdade.
Maiêutica e dialética
A dialética foi um processo lógico discursivo que pode ter tido seu início na filosofia pré-socrática, talvez com o
filósofo Heráclito, talvez com Zenão. No entanto, a apropriação que Platão fez do processo de pensamento foi a mais
difundida no meio filosófico durante muito tempo. Como sabemos, Platão foi discípulo de Sócrates, e seus escritos
tinham como personagem principal o grande mestre da filosofia grega antiga.
A dialética platônica consistia num jogo de visões contrárias que formariam um novo conhecimento. Os
diálogos socráticos sustentados pela maiêutica davam-se por esse tipo de processo dialético, e visava formar novos
conhecimentos por meio do “parto” de ideias e do encontro de conceitos.
Platão
Platão (427-347 a.C.) foi discípulo de Sócrates e o acompanhou
em sua condenação. Publicou um discurso em defesa de seu mestre
onde revelava o que ele havia dito ao júri. Além disso, escreveu uma
coletânia de cartas e mais de trinta diálogos filosóficos e fundou sua
própria escola de filosofia, que recebeu o nome de Academia, porque
se localizava num bosque denominado Academos, herói legendário
grego.
O projeto filosófico de Platão é baseado no seu interesse pelo
que é eterno e imutável tanto no que se refere à natureza, quanto à
moral e à sociedade. Platão acreditava numa realidade autônoma por
trás do mundo dos sentidos a qual denominou de mundo das ideias
que, a seu ver, continha as coisas primordiais e imagens padrão
referentes a tudo existente.
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FILOSOFIA – RODY
Platão acreditava na dualidade humana: o homem possui um corpo (que flui) e uma alma imortal (a
morada da razão). Ele também achava que a alma já existia antes de vir habitar nosso corpo (ela ficava no
mundo das ideias) e que quando passava a habitá-lo, esquecia-se das ideias perfeitas. Também pensava que
a alma desejava se libertar do homem e isso propiciava um anseio, uma saudade, que chamou de Eros (amor).
Platão dividiu o corpo humano em três partes: cabeça (razão),
peito (vontade) e baixo-ventre (desejo ou prazer) e achava que O mito da caverna
quando elas agiam como um todo tinha-se o homem íntegro, que Suponhamos uns homens numa
atingiu a temperança. Imaginava um Estado-modelo dirigido por habitação subterrânea em forma de
filosófos e o constituía como o ser humano onde a cabeça seria os caverna, com uma entrada aberta para a
governantes; o peito (defesa), os sentinelas; e o baixo-ventre, os luz, que se estende a todo comprimento
trabalhadores. Era extremamente racionalista e cria que tanto dessa gruta. Estão lá dentro desde a
homens quanto mulheres possuíam capacidade de governar, desde infância, algemados de pernas e
que estas tivessem a mesma formação daqueles. pescoços, de tal maneira que só lhes é
dado permanecer no mesmo lugar e
olhar em frente; são incapazes de voltar
Platão e o Mito da Caverna a cabeça por causa dos grilhões; serve-
lhes de iluminação um fogo que se
Em uma das passagens mais conhecidas de toda a história da queima ao longe numa eminência, por
Filosofia, Platão cria uma alegoria para mostrar sua Teoria das detrás deles; entre a fogueira e os
Formas ou das Ideias. O mito da caverna faz parte do livro VII de prisioneiros há um caminho ascendente,
A República, obra de maturidade do autor. ao longo do qual se construiu um
A República é um diálogo entre Sócrates e seus amigos, que pequeno muro, no gênero dos tapumes
apresentam o método dialético de investigação filosófica. Por meio que os homens dos “robertos” colocam
diante do público, para mostrarem as
de aproximações sucessivas, o mestre discute a organização da suas habilidades por cima deles. [...]
sociedade, a natureza da política, o papel da educação e a essência estranhos prisioneiros são esses [...]
da justiça. semelhantes a nós [...] pessoas nessas
condições não pensaram que a
Sócrates conta que os homens estão acorrentados no fundo de realidade fosse senão a sombra dos
uma caverna escura. Por trás deles, um fogo arde, irradiando uma objetos.
luz que se projeta no interior da caverna. Nas paredes, podem ser PLATÃO. Livro VII. In: A República. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian. 3. ed. 1980. p. 317-8.
vistas formas humanas se movendo. Os homens que estão no interior da caverna pensam que o que veem é a
realidade, mas veem apenas sua própria sombra. Pensam assim porque não conhecem outro mundo. Com
essa alegoria, Platão compara a caverna ao mundo onde vivemos, que é o mundo das aparências. A luz da
verdade (as ldeias ou as Formas) projeta sombras (coisas sensíveis que tomamos por verdadeiras). Estamos
presos. No entanto, o filósofo é capaz de escalar o muro para contemplar a luz plena. Essa luz é o Ser, o Bem;
é essa a luz que ilumina o mundo inteligível (que se pode conhecer).
Aristóteles
Aristóteles (384-322 a.C.) foi aluno da Academia de
Platão. Era natural da Macedônia e filho de um médico
famoso. Seu projeto filosófico está no interesse da natureza
viva. Ele foi o último grande filósofo grego e também o
primeiro grande biólogo da Europa. Utilizava-se da razão e
também dos sentidos em seus estudos. Criou uma
linguagem técnica usada ainda hoje pela ciência e formulou
sua própria filosofia natural.
Aristóteles discordava em alguns pontos de Platão.
Não acreditava que existisse um mundo das ideias
abrangedor de tudo existente; achava que a realidade está
no que percebemos e sentimos com os sentidos, que todas
as nossas ideias e pensamentos tinham entrado em nossa
consciência através do que víamos e ouvíamos e que o
homem possuía uma razão inata, mas não ideias inatas.
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FILOSOFIA – RODY
Para Aristóteles, tudo na natureza possuía a probabilidade de se concretizar numa realidade que lhe fosse
inerente. Assim, uma pedra de granito poderia se transformar numa estátua desde que um escultor se
dispusesse a escupi-la. Da mesma forma, de um ovo de galinha jamais poderia nascer um ganso, pois essa
característica não lhe é inerente.
Aristóteles acreditava que na natureza havia uma relação de causa e efeito e também acreditava na causa
da finalidade. Deste modo, não queria saber apenas o porquê das coisas, mas também a intenção, o propósito
e a finalidade que estavam por trás delas. Para ele, quando reconhecemos as coisas, as ordenamos em
diferentes grupos ou categorias e tudo na natureza pertence a grupos e subgrupos. Ele foi um organizador e
um homem extremamente meticuloso. Também fundou a ciência da lógica.
Aristóteles dividia as coisas em inanimadas (precisavam de agentes externos para se transformar) e
criaturas vivas (possuem dentro de si a potencialidade de transformação). Achava que o homem estava acima
de plantas e animais porque, além de crescer e de se alimentar, de possuir sentimentos e capacidade de
locomoção, tinha a razão. Também acreditava numa força impulsora ou Deus (a causa primordial de todas as
coisas).
Sobre a ética, Aristóteles pregava a moderação para que se pudesse ter uma vida equilibrada e
harmônica. Achava que a felicidade real era a integração de três fatores: prazer, ser cidadão livre e
responsável e viver como pesquisador e filósofo. Cria também que devemos ser corajosos e generosos, sem
aumentar ou diminuir a dosagem desses dois itens. Aristóteles chamava o homem de ser político. Citava
formas de governo consideradas boas como a monarquia, a aristocracia e a democracia. Acreditava que sem a
sociedade ao nosso redor não éramos pessoas no verdadeiro sentido do termo.
Para ele, a mulher era "um homem incompleto". Pensava que todas as características da criança já
estavam presentes no sêmen do pai. Sendo assim, o homem daria a forma e a mulher, a substância. Essa
visão distorcida predominou durante toda a Idade Média.
BIBLIOGRAFIA: Dez Lições de Filosofia. Gilberto Dimenstein, Heidi Strecker e Alvaro Cesar Giansanti. Ed. FTD, São Paulo, 2008.
LÓGICA ARISTOTÉLICA
Aristóteles nasceu na cidade de Estagira, em 384 a.C. Seu pai,
Nicômaco, era médico da corte de Amintas II, rei da Macedônia, e
Aristóteles foi educado como membro da aristocracia. Ainda muito
jovem, mudou-se para Atenas e ingressou na Academia de Platão. Os
dois filósofos conviveram durante quase vinte anos na Academia.
Com a morte de Platão, em 347 a.C., Aristóteles deixou a Academia.
O filósofo passou a viver em diversas cidades da Grécia, dentre
as quais Assos, que era governada por Hermias. Lá Aristóteles casou-
se com Pítias, filha de Hermias, e teve com ela uma filha também
chamada Pítias e um filho, Nicômaco. Quando Hermias foi
assassinado, Aristóteles partiu para Mitilene, na ilha de Lesbos. Lá
realizou diversos estudos de zoologia e biologia. Em 343 a.C., o
filósofo foi convidado para ir à corte da Macedônia, onde se tornou
professor de Alexandre Magno, futuro imperador daquele Império. Com
a subida de Alexandre ao trono, em 336 a.C., Aristóteles voltou à Grécia
e fundou sua própria escola, o Liceu, por volta de 335 a.C.
Segundo a tradição, mestres e discípulos aprendiam enquanto
passeavam nos jardins do Liceu. Eram por isso chamados de
peripatéticos.
A Macedônia expandiu seu poder e passou a dominar as
cidades-estado da Grécia.
Em 323 a.C., com a morte de Alexandre, o Império macedônico
desagregou-se e Atenas voltou a aspirar à sua independência.
Aristóteles, considerado partidário dos macedônicos, passou a ser
hostilizado pelos atenienses. Temendo que se cometesse "um segundo crime contra a Filosofia", ou seja,
temendo ter o mesmo destino de Sócrates (que fora condenado à morte), Aristóteles saiu de Atenas.
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FILOSOFIA – RODY
Em 322 a.C., Aristóteles mudou-se para Cálcis, na ilha de Eubeia, onde a família de sua mãe tinha
propriedades, e lá morreu alguns meses depois, aos 62 anos.
As ideias de Aristóteles são até hoje parte importante da nossa cultura. A obra do filósofo é vastíssima e
compreende mais de uma centena de volumes. No entanto, não é a prosa elegante do autor (como muitos
testemunharam) que podemos ler hoje em dia. As obras do autor que chegaram até nós foram obtidas em
forma de notas de aulas, anotações de seus alunos ou de outras fontes, as mais variadas. Muitas outras obras
se perderam.
A obra aristotélica cobre vasto campo do pensamento humano e tem Apofântico
vocação sistemática. Para Aristóteles, o conhecimento podia ser dividido em
três grandes classes: conhecimentos produtivos, práticos e teóricos. No aristotelismo, diz-se de
Os conhecimentos considerados produtivos estão formulados em qualquer enunciado verbal passível
suas obras Retórica e Poética, tratando respectivamente da linguagem de ser considerado verdadeiro ou
como arte da persuasão e como arte imitativa. falso, em função de descrever
As ciências práticas dizem respeito à ação e estudam a maneira corretamente ou não o mundo real.
pela qual os homens devem agir. Das ciências práticas fazem parte as [Aristóteles considerou-o o único
obras sobre ética e política. objeto a ser estudado pela lógica,
Os conhecimentos teóricos são aqueles que têm como objeto não a em contraste com as manifestações
produção ou a ação humana, mas a verdade. Aquilo que hoje conhecemos linguísticas afetivas, desejantes,
como ciência pertence aos conhecimentos teóricos. Das ciências teóricas interrogativas etc., que pertence-
riam antes à retórica ou à poética.]
fazem parte também a Teologia, a metafísica, a Matemática, as ciências
[..]
naturais e a lógica.
Os escritos de lógica de Aristóteles ocupam diversos volumes como Dicionário Houaiss da língua
os Primeiros analíticos e os Segundos analíticos. Os textos sobre lógica portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2007. p.
do filósofo receberam, a partir do século VI, o nome de Organon, que 256.
significa "instrumento". Aristóteles considerava os conhecimentos lógicos
um instrumento para a Filosofia.
Um dos princípios mais importantes da lógica é o princípio de não contradição, o qual diz que nada pode
ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista. Um outro princípio importante é o do terceiro
excluído: as coisas são ou não são, não existindo uma terceira possibilidade.
A lógica de Aristóteles foi construída utilizando a linguagem comum. A linguagem, no entanto, não serve
apenas aos raciocínios lógicos; ela desempenha diversas funções. Vamos tomar alguns exemplos:
De todos esses enunciados, apenas o último pode ser considerado uma proposição lógica. Por quê?
Por ser uma proposição que pode ser verdadeira ou falsa. Os outros enunciados expressam ordens,
perguntas e exclamações, mas não podem ser considerados verdadeiros ou falsos, do ponto de vista lógico.
A linguagem usada em lógica é aquela que pode afirmar ou negar alguma coisa. Chamamos esses
enunciados de apofânticos.
Principais obras:
O conjunto das obras de Aristóteles ficou conhecido como corpus aristotelicum. Não se sabe as datas
exatas em que cada texto foi estabelecido. As principais obras são: Organon; Política; Constituição de Atenas;
Ética a Nicômaco; Retórica; Poética.
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FILOSOFIA – RODY
TEXTO COMPLEMENTAR
— Mas Vera, esse também é um sofisma. Gatos não dão azar. Alexandre não escorregou simplesmente
porque viu um gato preto. Se você culpar o gato, será acusada de ignorância de causa.
— Nunca mais farei isto, prometo. Você ficou zangado?
— Não, não fiquei.
— Então fale mais sobre os sofismas.
— Certo. Vamos tentar as premissas contraditórias.
— Sim, vamos.
— “Se Deus é capaz de fazer qualquer coisa, pode criar uma pedra tão pesada que Ele próprio não
consiga carregar?”
— Claro! – ela respondeu prontamente.
— Mas, se Ele pode fazer qualquer coisa, também pode levantar a pedra...
— É mesmo! Bem, então acho que Ele não pode fazer a pedra.
— Mas Ele pode fazer tudo!
— Ela balançou a cabeça:
— Eu estou toda confusa!
— Claro que está. Sabe, quando uma das premissas de um argumento contradiz a outra, não pode
haver argumento.
Pedro consultou o relógio e disse que era melhor para por ali. Recomeçariam no dia seguinte.
— Hoje nosso primeiro sofisma é chamado de por misericórdia. Ouça: “Um homem se candidatou a um
emprego. Quando o patrão perguntou sobre as suas qualificações, ele respondeu que tinha filhos, que a
mulher era aleijada, as crianças não tinham o que comer, nenhuma roupa para vestir, nenhuma cama, nenhum
cobertor e o inverno estava chegando”.
— Uma lágrima rolou pelo rosto de Vera.
— Oh, isso é horrível!
— Sim, é horrível — concordou Pedro — mas não é argumento. O homem apelou para a misericórdia e
a piedade do patrão. Usou o sofisma por misericórdia. Entendeu?
— Você tem um lenço? Choramingou ela.
— Agora vamos discutir falsa analogia. Por exemplo: “Deveria ser permitido aos estudantes consultar
livros durante as provas. Afinal de contas, cirurgiões têm raio X para guiá-los durante as operações;
engenheiros usam plantas quando vão construir prédios.”
— Puxa, essa é a ideia mais genial que ouvi nos últimos anos!
— Vera, o argumento está errado. Médicos e engenheiros não estão fazendo provas para saber quanto
aprenderam, mas os estudantes estão. As situações são completamente diferentes, e por isso o argumento
não tem valor.
— Eu ainda acho que é uma boa ideia.
— Quer conhecer um sofisma hipótese contrária ao fato?
— Isso soa delicioso!
— Escute: “Se madame Curie não tivesse deixado uma chapa fotográfica numa gaveta com um pedaço
de uramita, o mundo hoje não conheceria nada sobre o rádio.”
— Claro! Você viu o que a televisão disse sobre isso? Foi incrível!
Pedro, já sem esperança de Vera pudesse pensar logicamente, resolveu dar-lhe a última chance:
— O próximo sofisma chama-se envenenando o poço — disse, com ar de frustrado.
— Que engraçadinho!
— “Dois homens estão prestes a iniciar um debate. O primeiro levanta-se e diz: «meu adversário é um
grande mentiroso. Não se pode acreditar no que ele diz...” agora pense, pelo amor de Deus. Pense
firmemente. O que está errado?
— Não é justo. Quem vai acreditar no segundo homem se o primeiro o chama de mentiroso antes
mesmo que ele comece a falar?
— Certo - gritou Pedro, vibrando de alegria. — 100% certo! Não é justo. O primeiro homem “envenenou
o poço” antes que alguém pudesse beber a água! Vera, estou orgulhoso de você!
— Oh, obrigada!
— Agora, vejamos o petição de princípio. Por exemplo: “Cigarro prejudica a saúde porque faz mal ao
organismo”.
— É claro que a afirmativa é infantil. É como se dissesse: “prejudica porque prejudica”. Não explica nada.
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FILOSOFIA – RODY
— Vera, você é um gênio. Esse sofisma toma como verdade demonstrada justamente aquilo que está
em discussão. Veja, minha querida, as coisas não são tão difíceis. Tudo o que deve fazer é se concentrar,
pensar, examinar, avaliar. Bem vamos rever tudo o que aprendemos.
— Está bem.
Cinco dias depois, Vera sabia tudo sobre lógica. Pedro estava orgulhoso, pois ele, e só ele, ensinara-a a
pensar corretamente. Agora sim, ela era digna de seu amor. Assim, ele decidiu revelar seus sentimentos.
— Vera, hoje não vamos mais conversar sobre sofismas.
— Oh, que pena!
— Minha querida, nós já passamos cinco dias juntos. Está claro que estamos bem entrosados.
— “Generalização apressada” — ela disse.
— Oh, desculpe!
— Generalização apressada — repetiu ela. – como você pode dizer que estamos bem entrosados
baseado em apenas cinco encontros?
— Minha querida — falou Pedro, acariciando-lhe as mãos. – cinco encontros são suficientes. Afinal de
contas, você não precisa comer todo o bolo para saber se ele é bom.
— “Falsa analogia” — disparou ela. — Não sou bolo, sou uma moça.
Aí, Pedro resolveu mudar de tática.
— Vera, eu te amo. Você é o mundo para mim. Por favor, meu amor, diga que vai me namorar firme.
Porque, do contrário, minha vida não terá sentido. Eu definharei. Vou me recusar a comer.
— “Por misericórdia” — ela acusou.
— Bem, Vera — disse Pedro, forçando um sorriso –, você aprendeu mesmo os sofismas.
— É, aprendi.
— E quem os ensinou?
— Você.
— Está certo. Então, você me deve alguma coisa, não deve? Se eu não a procurasse, você nunca teria
aprendido nada sobre sofismas.
— “Hipótese contraria ao fato”.
— Vera, você não deve tomar tudo ao pé da letra! Sabe que as coisas que aprendeu na escola não têm
nada a ver com a vida.
— “Generalização não qualificada”.
— Pedro perdeu a paciência.
— Escute, você vai ou não vai ser minha namorada?
— Não vou.
— Por que não?
— Porque esta manhã prometi a João que seria a namorada dele.
— Aquele rato – gritou Pedro, chutando as flores do jardim. — Você não pode namorar esse cara, Vera.
É um mentiroso. Um chato. Um rato!
— “Envenenando o poço” — disse Vera. — e pare de gritar. Acho que gritar também é um sofisma.
— Com um tremendo esforço, Pedro baixou a voz, controlou-se e disse:
— Está bem. Vamos analisar esse caso logicamente. Como você poderia escolher o João? Olhe pra
mim: um aluno brilhante, um tremendo intelectual, bonito, um cara com o futuro garantido. Olhe para o João:
um cara de pau, vazio, um vagabundo. Pode me dar uma razão lógica para ficar com ele’
— Claro que posso. Ele tem uma moto — respondeu Vera, correndo para montar na garupa da
motocicleta de João.
Pedro, com profunda tristeza, gritou com raiva para que Vera pudesse ouvir:
— O amor é um sofisma porque amar é sofismar!
— “Petição de principio” — berrou Vera, agarrada à cintura de João, na moto que arrancava velozmente.
REFERÊNCIAS:
− Filosofando. Introdução à Filosofia. Aranha, Maria Lúcia de Arruda e Maria Helena Pires Martins. Ed. Moderna, São Paulo, 1994.
− Dez Lições de Filosofia. Gilberto Dimenstein, Heidi Strecker e Alvaro Cesar Giansanti. Ed. FTD, São Paulo, 2008.
− Introdução à Lógica. Copi, São Paulo, 1984.
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ANOTAÇÕES
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