BACHTOLD, Isabele. Etnografia Como Evidência IPEA

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CAPÍTULO 7 – ETNOGRAFIA COMO EVIDÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES E


Título do capítulo DESAFIOS DO USO DE ESTUDOS ETNOGRÁFICOS PARA A ANÁLISE
DE POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS

Isabele Villwock Bachtold


Autores(as) Rut Rosenthal Robert

DOI http://dx.doi.org/10.38116/ 978-65-5635-032-5/capitulo7

Título do livro POLÍTICAS PÚBLICAS E USOS DE EVIDÊNCIAS NO BRASIL:


CONCEITOS, MÉTODOS, CONTEXTOS E PRÁTICAS
Natália Massaco Koga
Organizadores(as) Pedro Lucas de Moura Palotti
Janine Mello
Maurício Mota Saboya Pinheiro
Volume -
Série -
Cidade Brasília
Editora Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Ano 2022
Edição 1a
ISBN 978-65-5635-032-5
DOI http://dx.doi.org/10.38116/ 978-65-5635-032-5

© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea 2022

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CAPÍTULO 7

ETNOGRAFIA COMO EVIDÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS


DO USO DE ESTUDOS ETNOGRÁFICOS PARA A ANÁLISE DE
POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS
Isabele Villwock Bachtold1
Rut Rosenthal Robert2

1 INTRODUÇÃO
Como parte do rol de metodologias qualitativas, a pesquisa etnográfica ainda é
pouco utilizada no campo da análise de políticas públicas (Pacheco-Vega, 2020).
A obtenção de dados a partir de pesquisas quantitativas é comumente preferível,
entre os gestores públicos, aos dados obtidos por meio de pesquisas qualitativas,
nem sempre quantificáveis e fáceis de interpretar. Segundo Pires (2010), os métodos
qualitativos possibilitam a compreensão do funcionamento de projetos e progra-
mas por meio da apreensão de processos cotidianos, atividades organizacionais e
comportamentais, além das narrativas e práticas de seus agentes e do público aos
quais são direcionados. Nesse sentido, os métodos qualitativos podem ser vistos
não só como meio para auxiliar a tomada de decisão, mas também como forma
crítica de compreender ações e comportamentos que influenciam o cotidiano
operacional dos atores públicos.
Nos últimos anos, tem sido crescente, entre gestores e técnicos do governo
federal, a busca por informações e pesquisas contextualizadas, in loco, que reflitam
as complexidades, os múltiplos interesses, as perspectivas e os desafios da imple-
mentação de políticas públicas junto a cidadãos, usuários e trabalhadores da ponta.
Entender como as políticas são compreendidas, apropriadas e reproduzidas por
seus beneficiários e atores locais nos processos de implementação é fator relevante
para a construção e readequação das políticas públicas (Pires, 2019).
Segundo Howlett e Mukherjee (2018), entre os métodos qualitativos existen-
tes, a etnografia é o que melhor proporciona insights sobre o comportamento de
grupos e indivíduos, os quais podem ser utilizados como informações relevantes
no processo de desenho de políticas. A utilização de etnografia como método

1. Analista de políticas sociais no Ministério da Cidadania.


2. Indigenista na Fundação Nacional do Índio (Funai).
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conceitos, métodos, contextos e práticas

para análise e avaliação de políticas públicas3 é solicitada quando há a necessidade


de compreender mais profundamente determinado problema social ou, ainda,
como uma política incide sobre um dado público-alvo ou localidade específica
(Pacheco-Vega, 2020), visto que a etnografia permite assimilar fatores subjetivos,
sociais e simbólicos que, muitas vezes, não são apreendidos por meio de outros
métodos de pesquisas.
Ainda que etnografias tenham sido utilizadas em estudos organizacionais
desde os anos 1980 (Wright, 2004), foi a partir dos anos 2000 que esses estudos
se tornaram mais disseminados no campo das políticas públicas (Pacheco-Vega,
2020). Tanto no Brasil quanto no mundo, o método etnográfico é utilizado para
analisar a implementação de ampla gama de políticas, entre elas as políticas sociais
de educação (Oliveira, 2013; Jardim, 2013; Mattos, 2011), saúde (Fleischer, 2017;
Caprara e Landim, 2008; Maluf e Andrade, 2017; Castellano, 2019), assistência
social (Pereira, 2013), segurança pública e defesa do Estado (Leirner, 1997), além
de políticas que visem ao desenvolvimento urbano e projetos de infraestrutura
(Freire e Souza, 2010).
Apesar disso, embora crescente o debate sobre o uso de etnografias como
evidência na literatura referente à avaliação de políticas públicas (Marston e Wat-
ts, 2003; Stevens, 2011; Dubois, 2015; Mosse, 2006; Rhodes, 2014), no Brasil,
a intersecção entre as duas áreas é ainda incipiente. Ainda que algumas autoras
tenham chamado atenção para a importância em reconhecer dados etnográficos
como evidências que podem embasar políticas públicas (Minayo, 1991; Gussi e
Oliveira, 2016), esta discussão está principalmente relacionada ao campo específico
das políticas públicas baseadas em evidências (PBBEs). A aplicação de etnografias
para informar políticas públicas em geral e, nesse sentido, serem tratadas como
evidência, ainda requer, muitas vezes, o reconhecimento do dado etnográfico
como válido e passível de ser reproduzido quando aplicado em outros contextos
socioculturais correlatos.

1.1 Considerações metodológicas


Abordar o setor público por meio de uma ótica interna não é tarefa fácil. Como
servidoras públicas, ao mesmo tempo em que realizamos nossos trabalhos cotidianos
nas instituições, também fazemos parte delas, ou seja, somos suas representantes.
Essa representação institucional se dá tanto quando participamos de reuniões com

3. Ainda que o estudo de caso analisado seja uma pesquisa de avaliação de políticas públicas (policy evaluation), o
debate sobre o uso de etnografias como evidência trazido neste capítulo não se pretende esgotar nessa etapa do
ciclo de políticas públicas. Assim sendo, o termo “avaliação de políticas públicas” (policy evaluation) será empregado
para se referir especificamente à pesquisa etnográfica discutida e/ou à etapa específica de avaliação da execução e
implementação de uma política. O termo “análise de políticas públicas” (policy analysis) será mantido em sentido
amplo, nas hipóteses em que a discussão se referir ao processo geral de políticas públicas, envolvendo outras etapas
que não apenas a avaliação.
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etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

outros órgãos quanto quando interagimos com a sociedade civil, por meio de suas
organizações e contato individualizado com os cidadãos (Robert, 2020). Feita
essa consideração, é importante frisar que, como pesquisadoras, nos preocupamos
com a produção de dados científicos, os quais tratam tanto de questões teóricas
quanto empíricas, na busca do conhecimento dos processos sociais inerentes ao
campo estudado.
Com o objetivo de analisar o processo de produção de evidências etnográficas
pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), por meio da pesquisa inti-
tulada Estudos etnográficos do Programa Bolsa Família entre os povos indígenas, este
capítulo lança mão de três estratégias metodológicas: i) levantamento documental,
que engloba não só a referida pesquisa, mas também a análise de documentos
institucionais que se referem ao objeto em estudo; ii) realização de entrevistas
semiestruturadas com atores que participaram do processo analisado neste capítulo;
e iii) autoetnografia,4 abordagem de pesquisa que busca descrever e sistematizar, de
forma analítica, a experiência pessoal, para a compreensão da experiência cultural
(Maso, 2001).
Para o levantamento documental, foram considerados os relatórios elabora-
dos pelos antropólogos durante a pesquisa e os relatórios finais publicados pelo
MDS (Brasil, 2015; 2016); além de notas, e-mails, relatórios e demais registros
documentais. Ademais, foram realizadas cinco entrevistas com gestores e técnicos
que faziam parte do quadro de quatro secretarias do MDS, a Secretaria Nacio-
nal de Assistência Social (SNAS); a Secretaria Nacional de Renda de Cidadania
(Senarc); a Secretaria Nacional de Superação da Extrema Pobreza (Sesep) e a Secre-
taria Executiva (SE), à época da pesquisa e da Funai, sendo duas delas concedidas
em função da pesquisa para a dissertação de uma das autoras (Robert, 2020).
Não obstante, com vistas a apresentar a moldura contextual que permeou a
elaboração dos Estudos etnográficos do Programa Bolsa Família entre os povos indí-
genas, bem como a elaboração das respostas institucionais aos achados da pesquisa
e a validação dos resultados como evidências para os gestores, as autoras deste
capítulo entenderam que não bastaria analisar documentos e realizar entrevistas
com os atores que participaram do processo. Era importante também considerar

4. A autoetnografia é uma abordagem de pesquisa que busca descrever e sistematizar, de forma analítica, a experiência
pessoal, para a compreensão da experiência cultural. Enquanto se consolida como método científico para a análise de
políticas públicas, alguns pesquisadores que utilizaram essa abordagem afirmam que a autoetnografia é tanto o pro-
cesso quanto o produto da pesquisa (Ellis, Adams e Bochner, 2011). Assim, o pesquisador que se intitula autoetnógrafo
usa técnicas tanto da autobiografia quanto da etnografia no estudo das práticas relacionais de determinada cultura,
seus valores e crenças, por meio da observação participante, na qual o pesquisador divide sua experiência entre as
perspectivas nativas (insiders) e externas (outsiders).
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conceitos, métodos, contextos e práticas

a experiência vivenciada por elas como servidoras federais,5 tanto no momento


da realização da pesquisa quanto após a chegada de seus resultados. Assim, as me-
mórias institucionais trazidas aqui buscam complementar as informações oficiais
sobre a questão, retiradas de documentos e demais materiais escritos, por meio de
narrativas que preenchem e elucidam os fatos abordados, produzindo uma meta-
-análise acerca do processo de produção e interpretação dos resultados apresentados
pelos Estudos etnográficos.

1.2 Arcabouço teórico e estrutura do estudo


A fim de compreender quais fatores permitiram a demanda por estudos etnográficos,
com a finalidade de obter dados sobre o efeito do Programa Bolsa Família (PBF)
entre indígenas, bem como os fatores que dificultaram o uso de dados etnográficos
como evidência para elaboração de respostas institucionais aos problemas apre-
sentados pela pesquisa, utilizar-se-á a moldura contextual proposta por Pinheiro
(2020). De acordo com o autor, nem sempre o uso das evidências obedece a critérios
racionais de eficiência, eficácia e efetividade, podendo ser instrumento de poder
político, defesa de posições ideológicas e manutenção do status de certas carreiras
e cargos públicos. É, portanto, necessário que se entenda o uso das evidências a
partir de um modelo geral de estrutura da ação dos policymakers, que considere a
perspectiva dos agentes que fazem uso dessas evidências, seus acervos de crenças,
valores, habilidades, além de seus propósitos e meios para atingir seus fins.
Segundo Pinheiro (2020), pode-se compreender a estrutura da ação pública
por meio de uma moldura contextual, a qual se refere ao “estado das coisas experien-
ciados e vividos pelos policymakers” (p. 23). Sobre a moldura contextual, o autor
propõe que ela seja composta por três tipos de fatores: i) políticos, que levam em
conta a temporalidade da política e suas disputas de poder, além dos compromissos
ideológicos assumidos perante uma sociedade democrática; ii) epistemológicos, os
quais trazem à tona as incertezas inerentes ao campo do conhecimento social, ao
tempo em que evidenciam a necessidade de avaliação e reflexão sobre as políticas;
e iii) normativos, institucionais e organizacionais, que apontam como a forma
de organização das instituições, suas atribuições e competências influenciam as
possibilidades e os rumos da ação pública.
A partir do modelo teórico proposto por Pinheiro (2020), a análise que se
pretende realizar neste capítulo engloba, principalmente, dois momentos da ação
pública referentes à realização dos estudos etnográficos: i) um ex-ante, o qual se
propõe refletir sobre como se deu a escolha do método, o que se pretendia obter com

5. Isabele Villwock Bachtold é analista técnica de políticas públicas no Ministério da Cidadania (ex-Ministério do
Desenvolvimento Social) desde 2013, mestre em antropologia pela Universidade de Brasília (UnB) e em estudos do
desenvolvimento pela Universidade de Sussex. Rut Rosenthal Robert é indigenista especializada na Funai desde 2010
e mestre em desenvolvimento e governança pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
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etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

esta pesquisa, quais informações que deveriam ser levantadas para o entendimento
de como a política afetava os povos indígenas em estudo e como o conhecimento
das especificidades dessas populações, narradas em peças monográficas de cunho
etnográfico, poderiam contribuir para a proposição de ações que visassem à resolução
dos problemas apresentados em cada comunidade estudada; e ii) outro ex-post, em
que se propõe debruçar sobre como o MDS recepcionou os dados apresentados,
a dificuldade da gestão pública em traduzir os dados etnográficos em linguagem
próxima à utilizada pelos gestores públicos para a avaliação de políticas, dada a
sua natureza descritiva e subjetiva, e ainda as questões políticas que envolviam a
imagem do programa perante a sociedade e os gestores das demais políticas públicas.
Para tal, este estudo está estruturado em quatro seções. Além desta introdução,
na seção 2, apresentamos as discussões sobre o que é etnografia e um breve histórico
a respeito da relação entre etnografia e políticas públicas, com vistas a introduzir
parte da literatura sobre o uso de etnografias pelo Estado. Ainda que esse histórico
não esteja enquadrado na discussão sobre PPBEs, buscamos argumentar que o uso
de etnografias como evidência para atores estatais não é recente e faz parte do desen-
volvimento da antropologia como disciplina e da etnografia como método. Na seção
3, será apresentada a moldura contextual dos dois momentos antes mencionados,
ex-post e ex-ante, com foco nos contextos político e institucional/organizacional que
influenciaram a demanda pela pesquisa e o período de recepção e interpretação dos
dados etnográficos. Por fim, na seção 4, apresentaremos os fatores epistemológicos
que envolveram a análise dos dados etnográficos, enquanto propomos enquadrá-los
como evidências de caráter complexo, que necessitam ser devidamente traduzidas
para o seu efetivo uso de informar e aprimorar as políticas públicas.

2 SOBRE A ETNOGRAFIA
A resposta à pergunta o que é etnografia está longe de ser consensual. De modo
simples, a etnografia pode ser entendida como um método de pesquisa que envolve
o estudo de determinada cultura, seus valores e suas crenças, por meio do exercício
da observação continuada e descrição detalhada do modo de vida nativo. No senso
comum, predomina a visão de que a etnografia presume o deslocamento a áreas
distantes, o estudo de populações não ocidentais e a vivência em comunidades
nativas por um longo período de tempo. Esta visão não é apenas embasada em sua
origem etimológica,6 mas também na própria gênese do método e do campo da
antropologia, que se consolidou em resposta às demandas de estados coloniais por
entender e colonizar o outro que habitava os territórios além-mar (Dubois, 2015).
Como método, a etnografia é composta de “técnicas e de procedimentos de
coletas de dados associados a uma prática do trabalho de campo a partir de uma

6. A palavra etnografia vem do grego, ethno – nação, povo; e graphein – escrever.


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conceitos, métodos, contextos e práticas

convivência mais ou menos prolongada do(a) pesquisador(a) junto ao grupo social


a ser estudado” (Rocha e Eckert, 2008, p. 1). No entanto, limitar a etnografia a um
único método, como a observação participante, por exemplo, seria reducionismo
de nossa parte. A definição de etnografia se complexifica concomitantemente e em
resposta ao desenvolvimento da antropologia, disciplina que tem como categoria
fundante a alteridade (Rodrigues, 2017). Se, em seus primórdios, a antropologia era
restrita ao estudo de populações indígenas e comunidades consideradas exóticas –
o outro, em contraposição ao nós, o conhecido –, é a partir de meados do século
XX que a disciplina se volta, também, para o estudo das sociedades ocidentais.
Por meio do conhecimento de diferentes visões de mundo, modos de vida, meios
de classificação e organização social, crenças, símbolos, o antropólogo passa a
questionar as categorias e os pressupostos de nossa própria sociedade. Portanto,
é este estranhamento (Peirano, 2014), tornar o familiar em estranho (Velho, 1978;
Dixon-Woods, 2003), que caracterizaria a análise etnográfica.
Nesse sentido, a etnografia pode ser entendida como um conjunto de princí-
pios teóricos, métodos e relatos narrativos, que têm como característica a descrição
densa, a análise contextual detalhada e o questionamento de práticas e visões de
mundo tidas como naturais (Savage, 2006). Por meio da observação e descrição,
os etnógrafos exercem duplo empreendimento: a partir da ótica dos insiders
(membros de determinado grupo), procura-se entender as razões nativas por trás
das ações desempenhadas; e pela ótica dos outsiders (os que não pertencem a este
grupo), busca-se entender o juízo que se faz das ações e explicações dos nativos
sob outro referencial cultural (Maso, 2001). É, de certa forma, um esforço de tra-
dução (Faulhaber, 2008), de mediação entre o eu e o outro, de tornar conhecido o
desconhecido e vice-versa – mesmo que tomemos por nativos os diversos mundos
que compõem nossa própria sociedade.

2.1 Etnografia e políticas públicas: um breve histórico


Com vistas a apresentar alguns dos marcos que influenciaram o debate sobre o uso
de etnografias como evidência para políticas públicas, trazemos um breve histórico
da relação entre pesquisa etnográfica e Estado. Ainda que este debate esteja longe
de se esgotar em poucos parágrafos, essa contextualização visa complexificar não
apenas a noção corrente de que o uso de evidências etnográficas é uma inovação
na administração pública, mas também a ideia de que políticas públicas não são,
a priori, o objeto de análises etnográficas. Conforme pretendemos argumentar,
Estado, etnografia, antropologia e políticas públicas estão muito mais imbricados
do que se depreende o senso comum.
No início do século XX, o papel dos etnógrafos junto a Estados e governos
nacionais se dava no sentido de compreender povos e comunidades existentes em
seus territórios para, de alguma forma, auxiliar no processo de adequação e submissão
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etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

desses povos às regras e leis nacionais (Dubois, 2015). Na Inglaterra dos anos
1920, etnógrafos eram empregados pelo Império Britânico em territórios coloni-
zados, cumprindo, assim, um papel consultivo e colaborativo para a empreitada
colonialista (Dubois, 2015; Bennet, 1996). Buscava-se obter conhecimento sobre
populações ditas primitivas, que estariam fadadas à extinção, conforme fossem
incorporadas à sociedade ocidental. Nos Estados Unidos, os estudos de comunidade
(ECs) estiveram em voga entre 1920 e 1950, período em que etnografias passaram
a ser utilizadas para analisar o impacto socioeconômico de políticas sociais do New
Deal, em comunidades rurais que faziam parte de programas de desenvolvimento
(Bennet, 1996).
Os ECs realizados nos Estados Unidos (1920-1950) tiveram papel fundamental
na institucionalização das ciências sociais no Brasil nos anos 1940 e 1950 (Maio e
Oliveira, 2010), refletindo o cenário global da disciplina. No caso brasileiro, entre
as décadas de 1940 e 1960, realizou-se uma série de estudos etnográficos, denomi-
nados à época de ECs, com a intenção de se conhecer o povo brasileiro por meio
de retratos de diferentes comunidades e regiões, os quais, juntos, deveriam nos dar
uma ideia de como era organizada a sociedade brasileira. Nas palavras de Nogueira
(2018, p. 130), em discurso na I Reunião Brasileira de Antropologia, em 1953,
os estudos de comunidades oferecerão ao administrador, ao político, ao homem de
gabinete, aos habitantes das capitais e das grandes cidades, um quadro realista da vida
dos pequenos e rústicos aglomerados do interior e da população rural, mostrando
o seu lado dramático e humano, seus problemas e suas dificuldades, suas condições
reais e suas aspirações, seus recursos e sua experiência. Em outras palavras, à medida
que se multiplicarem, em que se divulgarem seus resultados e se obtiver, através de
sua síntese, uma visão panorâmica mais adequada da realidade nacional, os estudos
de comunidades poderão contribuir para concentrarem os recursos disponíveis na
solução de problemas que afetam as populações.
Segundo Nogueira (2018),7 os estudos de comunidades se referem a estudos
de um grupo local, de base territorial, integrado em uma estrutura social complexa,
que é tomado como amostra para o conhecimento de determinadas situações ou
problemas. Os ECs, no Brasil, também receberam o incentivo da Organização
das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), que, entre
1951 e 1952, patrocinou uma série de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil
(Maio, 1999). Essa pesquisa possibilitou o surgimento de novas leituras acerca da
sociedade brasileira, destacando a existência de complexa rede de relações sociais

7. Na década de 1950, esses estudos de comunidades ainda não recebiam o nome de estudos etnográficos, mas sim de
estudos monográficos, pois o seu resultado era uma monografia, em forma de livro, cuja metodologia abarcava tanto
a observação participante quanto a realização de entrevistas. Entre esses estudos, podemos destacar a obra de autores
como Oracy Nogueira, Emílio Willems, Charles Wagley, Antônio Cândido, entre outros.
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conceitos, métodos, contextos e práticas

que organizam dada comunidade delimitada, cuja análise engloba aspectos sociais,
regionais, ambientais e raciais (Maio, 1999).
Apesar disso, na década de 1960, o Estado começa a ser retratado de modo
crítico nas etnografias, em um contexto de crescente questionamento acadêmico e
político das práticas governamentais com resquícios coloniais. A investigação dos
impactos de ações estatais em sociedades nativas, indígenas e rurais, e dos fatores
de desestabilização e dominação decorrente dessas ações se tornam, então, foco das
etnografias nesse período (Spiess, 2016; Dubois, 2015). Ao mesmo tempo, a con-
solidação do campo da cooperação internacional e da indústria do desenvolvimento
fomentaram projetos de pesquisa, como o referido projeto da UNESCO, sobre o
impacto de intervenções em populações tradicionais em países do terceiro mundo
(Souza Lima e Castro, 2015). Até esse momento, no entanto, os estudos etnográ-
ficos restringiam-se, a priori, à pesquisa e descrição de populações não ocidentais,
isoladas, ou aos efeitos disruptivos do Estado em realidades consideradas exóticas.
No caso brasileiro, não foi diferente a consolidação da antropologia como
campo disciplinar. Isso ocorreu em meio ao fortalecimento do regime militar, cujos
projetos desenvolvimentistas atingiam violentamente os territórios de populações
indígenas e camponesas (Machado, Motta e Facchini, 2018; Spiess, 2016). Segundo
Leirner (2013), a “situação colonial de lá correspondia à situação nacional daqui”,
e muitas das etnografias realizadas nesse período tinham como objeto de análise as
frentes de expansão territorial e as consequências avassaladoras dos projetos estatais
em populações indígenas e tradicionais. Não obstante, as consequências do êxodo
rural e o crescimento desordenado trazia à tona discussões sobre favelas, migração,
trabalho assalariado; começam a surgir etnografias realizadas na cidade de grupos
considerados marginais e minoritários (Bevilaqua e Leirner, 2000).
Seja no contexto brasileiro, seja no global, etnógrafos e antropólogos tende-
ram a trabalhar com políticas sociais, partindo da análise do ponto de vista nativo,
observando “a percepção, o uso e os mecanismos de defesa com que os setores de
classes populares encaram os serviços do Estado” (Souza Lima e Macedo, 2015,
p. 29). Até então, as etnografias eram, em grande parte, permeadas por uma tensão
inerente entre o Estado e os nativos (Leirner, 2013), sendo estes não mais apenas
as comunidades indígenas e tradicionais, mas também o pobre, o dominado, o
subalterno, o conquistado (op. cit.). A partir das décadas de 1980 e 1990 e com o
avanço dos debates pós-coloniais e do pensamento crítico sobre Estado e poder,8 o
Estado passa a ser visto como “parte nativa a ser explicada” (Leirner, 2013, p. 74) e
os pesquisadores etnógrafos passam também a se voltar para os que estão acima9 –

8. Souza Lima e Macedo (2015) apontam alguns fatores que tiveram importância decisiva para essa mudança: a dis-
seminação das obras de Michel Foucault e de Pierre Bourdieu; a crítica pós-moderna e pós-colonial; a crítica feminista;
os estudos sobre nacionalismos, desenvolvimento, subalternidade, globalização e transnacionalismo, entre outros.
9. Uma das obras precursoras é o texto Up the anthropologist: perspectives gained from studying up, de Nader (1972).
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etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

ou seja, para o estudo não apenas dos efeitos da ação estatal sobre a população e
os grupos específicos, mas a partir da perspectiva das instituições, dos processos
e dos atores que compõem a burocracia estatal e a formulação de políticas públicas.10
Nas últimas décadas, a relação entre Estado, políticas públicas, etnografia e
antropologia tem se tornado cada vez mais imbricada, seja pela crescente deman-
da por estudos etnográficos que avaliem a implementação de políticas públicas,
seja pelo interesse dos etnógrafos em trazer o Estado para dentro de suas análises.
A presença de antropólogos na esfera pública se intensificou a partir da Constituição
de 1988 (CF/1988).11 Os antropólogos passaram a se dedicar à promoção e à defesa
dos direitos de populações indígenas e tradicionais, tanto de dentro do Estado,
da academia ou em organizações da sociedade civil (Machado, Motta e Facchini,
2018). A produção de dados etnográficos como evidências é uma proposta que
vem sendo solidificada ao longo dos anos, juntamente com a atuação de antropó-
logos na esfera pública, que contribuem na elaboração de laudos antropológicos e
demais peças que compõem e instruem os processos administrativos ou judiciais,
em especial no campo de atuação junto aos povos e às comunidades tradicionais.
Nesse contexto, cumpre destacar que, por parte de atores estatais, a demanda
por estudos etnográficos está, em sua maioria, vinculada às questões afetas a grupos
indígenas e populações tradicionais, principalmente para a confecção de laudos e
perícias antropológicas para a demarcação de terras (Helm, 2011), ou para o em-
basamento de decisões judiciais (Rego, 2007) envolvendo povos indígenas.12 Em
geral, tanto as pesquisas etnográficas sobre a implementação de políticas públicas
in loco quanto as realizadas nas instituições governamentais são conduzidas por
pesquisadores autônomos, servidores e consultores contratados por instituições
públicas que utilizam esses profissionais na sua esfera de atuação, como a Funai e
o Ministério Público Federal (MPF). Porém, ainda há aquelas que são realizadas,
independentemente, por estudantes de mestrado ou doutorado, ou por grupos de
pesquisa financiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq),13 a fim de compreender determinado problema social,

10. No campo da antropologia, podem-se destacar duas tendências em resposta a essas demandas: i) o fortalecimento
da antropologia aplicada, que busca atender a questões específicas de governos e instituições financiadoras, de modo
a prover informações aos formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão; e ii) o surgimento do campo da
antropologia da política, ou antropologia do Estado, que questiona as próprias premissas, símbolos, relações de poder
e discursos das políticas públicas e do fazer estatal.
11. A colaboração de antropólogos foi notável na elaboração da CF/1988. Segundo Helm (2011, p. 3), “durante os
trabalhos realizados na Assembleia Nacional Constituinte, ocorreu uma aproximação mais forte entre antropólogos,
juristas e povos indígenas. Foram elaboradas as propostas, contendo os termos adequados, para que os parlamentares
pudessem redigir o capítulo que foi incorporado à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”.
12. No âmbito do direito à convivência familiar e comunitária, está previsto no inciso III, do art. 28 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), que é necessária a intervenção do órgão indigenista em ações de destituição do poder
familiar de crianças indígenas, e de antropólogos, que deverão integrar a equipe multidisciplinar que avaliará o caso.
13. Uma exceção é a etnografia realizada no Ipea entre 2013 e 2015 (Teixeira e Lobo, 2018).
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conceitos, métodos, contextos e práticas

circunscrito a uma comunidade ou região pré-estabelecida, em um dado período


de tempo.
Ainda que a Funai e o MPF realizem, com certa constância, a contratação de
antropólogos, a utilização do método etnográfico pela administração pública, para
a análise e avaliação de políticas públicas, não é algo usual em outros campos de
atuação das políticas setoriais. Assim, a inovação do estudo proposto pela Secretaria
de Avaliação e Gestão da Informação (Sagi/MDS) para compreender como o PBF
estava sendo vivenciado pelos povos indígenas foi, justamente, trazer o método
etnográfico como instrumento para a realização de uma avaliação que pretendia
esclarecer diversos aspectos da vida social de dada população, em seu processo de
acessibilidade aos serviços e às entregas previstos pela política de transferência de
renda condicionada.
Segundo Cairney (2016), é possível definir evidência como um fato [social]
baseado em informações.14 Nesse sentido, no contexto das políticas públicas, as
evidências produzidas por meio de métodos científicos trazem à tona informações
sobre determinado contexto ou realidade social que se pretende analisar, o que
implica, necessariamente, que haja meios de traduzir as informações obtidas, para
que elas possam ser utilizadas, de alguma forma, pelos policymakers, seja para so-
lucionar problemas que comprometem a eficácia da política, seja para chamar a
atenção para um dado problema social. Ademais, os dados etnográficos permitem
acessar outros aspectos não conhecidos ou não previstos do problema público, os
quais podem ser observados no processo de avaliação de políticas (Vedung, 2013),
enfatizando sua complexidade e multidimensionalidade.
O diferencial trazido pelos Estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família
entre os povos indígenas (Brasil, 2015) é o fato de que essa foi uma das primeiras
pesquisas etnográficas financiadas e demandadas pelo Estado, com o objetivo de
avaliar uma política social em nível nacional. No caso, o então MDS coordenou a
realização dos estudos etnográficos em sete terras indígenas, com vistas a entender
os efeitos do PBF sobre esse público. A escolha das localidades foi feita de forma
que elas pudessem dar um quadro de como a situação do acesso ao PBF pelos povos
indígenas ocorria em diferentes regiões do país, buscando fazer uma amostragem
dessa realidade, por meio de dados etnográficos.

14. “Evidence is assertion backed by information” (Cairney, 2016, p. 4).


Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 261
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

3 A PESQUISA ESTUDOS ETNOGRÁFICOS SOBRE O PROGRAMA BOLSA


FAMÍLIA ENTRE OS POVOS INDÍGENAS: ENTRE A DEMANDA POR
EVIDÊNCIAS E A DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os Estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família entre os povos indígenas
formaram a pesquisa que integrou o Projeto 914BRZ3002, estabelecido pela
UNESCO, em parceria com o MDS, sob o acompanhamento da Sagi. Na prática,
foi a Sagi/MDS quem elaborou, junto com a Funai, todo o desenho da consultoria
da pesquisa, que consistiu na contratação de sete antropólogos, com o objetivo
de realizarem estudos etnográficos em sete localidades pré-selecionadas, que pre-
tendiam dar uma amostragem da realidade do acesso dos povos indígenas ao PBF
no Brasil. O período do trabalho de campo dos antropólogos junto às famílias e
lideranças indígenas das terras indígenas (TIs) selecionadas teve duração mínima de
oitenta dias, ocorrendo, em sua maioria, entre setembro de 2013 e janeiro de 2014.
Um oitavo pesquisador ficou responsável pela sistematização dos dados de todas
as TIs e confecção do relatório final da pesquisa (Brasil, 2019). As TIs escolhidas
para a realização da pesquisa foram:
• TI Jaraguá (SP), das etnias Guarani-Mbya e Guarani-Ñandeva;
• TI Parabubure (MT), da etnia Xavante;
• TI Porquinhos (MA), da etnia Canela-Apanyekra;
• TI Dourados (MS), das etnias Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva e Terena;
• TI Takuaraty/Yvykuarusu (MS), da etnia Guarani-Kaiowá;
• TI Barra Velha (BA), da etnia Pataxó; e
• TI Alto Rio Negro (AM), das etnias Arapaso, Baniwa, Bará, Barasana,
Baré, Desana, Hupd’äh, Karapanã, Koripako, Kotiria, Kubeo, Maku-
na, Mirity-tapuya, Pira-tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuka,
Warekena, Yuhup’deh.
A lógica da escolha das localidades se baseou na representatividade que essas
comunidades possuíam no universo dos povos indígenas brasileiros. Segundo
uma entrevistada, as localidades escolhidas buscavam representar diferentes reali-
dades vivenciadas pelos povos indígenas do país, como: localização em região de
fronteira, inserção em meio urbano, existência de conflitos territoriais e disputas
de terra, problemas de segurança alimentar e nutricional, confluência de diversas
etnias em uma mesma localidade, além de buscar alcançar as nuances existentes
entre as cinco regiões do país.
Para que os estudos etnográficos pudessem trazer dados que possibilitassem
a comparação entre os relatórios a serem produzidos, a Sagi/MDS elaborou um
262 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

Roteiro Básico Comum15 (RBC), o qual deveria ser seguido pelos antropólogos
contratados para a realização da pesquisa. O direcionamento proposto por esse
roteiro buscava abarcar diferentes aspectos da vida social indígena, que iam desde
as percepções e os significados atribuídos ao PBF pelas comunidades estudadas,
possíveis efeitos sobre as atividades produtivas e a segurança alimentar, questões
de gênero, modalidades de uso do recurso, percepção sobre as condicionalidades
do PBF e seu acompanhamento, até questões estruturais e logísticas relacionadas
diretamente à elegibilidade, ao recebimento e aos gastos do benefício (Robert, 2020).
Os contratos firmados com os antropólogos previam quatro etapas de pesquisa.
Ao fim de cada uma delas, um relatório deveria ser apresentado: o primeiro, sobre
a proposta de trabalho e metodologia; dois relatórios preliminares sobre o trabalho
de campo, a serem produzidos enquanto os antropólogos ainda estavam nas TIs;
e o último, um relatório analítico, com análise dos dados coletados, principais
resultados e recomendações para a gestão, a ser apresentado em até três meses após
o fim da pesquisa.
Conforme acordado com a Funai, os consultores e as lideranças indígenas das
terras pesquisadas – e em atendimento à Convenção no 169 da Organização Inter-
nacional do Trabalho (OIT) –, os resultados da pesquisa e as respostas às demandas
dos indígenas deveriam ser apresentados in loco por meio de ações devolutivas.
Concluída a pesquisa em 2014, seus resultados só vieram a público em 2016, por
meio do Relatório final dos estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família entre
povos indígenas (Brasil, 2016), compilado pelo antropólogo Ricardo Verdum, que
apresenta um resumo dos principais aspectos tratados nos relatórios específicos,
os quais estão, até hoje, sob sigilo. As ações devolutivas foram realizadas apenas
quatro anos depois, em 2017 e 2018 (Brasil, 2019).
Antes de prosseguirmos com a análise dos períodos ex-ante e ex-post dos
estudos etnográficos, cumpre uma ressalva. A opção por separar os fatores que com-
puseram a moldura contextual destes dois momentos entre fatores: i) político;
ii) institucional/organizacional; e iii) epistemológico é uma tentativa de organizar
as narrativas trazidas nas entrevistas e rememorada por nós. É inegável, no entanto,
que os fatos e as percepções narradas se entrelaçam nessas categorias, muitas vezes,
sobrepostas e indissociáveis.

15. O RBC era composto pelos seguintes temas: percepções e significados do PBF para os povos indígenas; atividades
produtivas e comerciais locais; segurança alimentar; acessibilidade ao Sistema Único de Assistência Social (Suas);
logística de pagamento/recebimento do benefício; utilização do benefício financeiro; Cadastro Único para Programas
Sociais do Governo Federal (Cadastro Único); condicionalidades; formas de relação dos indígenas com o poder público
e a sociedade local; questões de gênero.
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 263
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

3.1 Análise ex-ante: a demanda por dados e a escolha do método


Problemas relativos à acessibilidade dos povos indígenas ao PBF foram sendo co-
nhecidos pelo governo federal nos primeiros anos de implementação da política,
os quais chegavam ao conhecimento dos gestores do programa, principalmente
por meio dos canais de Ouvidoria do MDS e da Funai. Além dos meios típicos de
contato com os cidadãos, a Funai também recebia relatos e documentos de suas
unidades descentralizadas, os quais apontavam os desafios impostos aos indígenas
em busca do acesso aos serviços e benefícios propostos pelo PBF (Robert, 2020).
Esses relatos revelavam toda a sorte de problemas, que iam desde denúncias de
retenção dos cartões dos beneficiários indígenas, problemas com o atendimento dos
beneficiários nos equipamentos da assistência social, dificuldades para a realização
do saque do benefício, entraves na obtenção de documentação de identificação
civil, até questões decorrentes da falta de compreensão entre indígenas e presta-
dores de serviços, seja por questões linguísticas, seja pelo estranhamento advindo
das fricções interétnicas.16
Essas questões preocupavam não só a Funai, que buscava atender as comu-
nidades indígenas por meio da articulação com as secretarias e os setores respon-
sáveis pela gestão do PBF – tanto em nível local quanto federal –, mas também
os gestores federais do programa, ainda em fase de consolidação de sua imagem
perante a sociedade brasileira. A ideia de conduzir estudos de caso sobre os efeitos
do programa nas comunidades indígenas vinha sendo discutida desde 2012 em
reuniões interinstitucionais, seguindo a vontade política dos gestores, à época, de
entregar uma política social adequada aos públicos mais vulneráveis. No entanto,
segundo relato de uma entrevistada, foi a partir do pedido da então ministra do
Desenvolvimento Social, Teresa Campello, por dados que embasassem os relatos
trazidos pela Funai nessas reuniões interinstitucionais, que a ideia de uma pesquisa
qualitativa tomou força.
Foi então criado um grupo interno, composto por cinco secretarias finalísticas,17
sob a coordenação da SE. Este grupo teria a incumbência de propor o desenho de
pesquisa, acompanhar seu desenvolvimento e apresentar seus resultados. Desde as
primeiras conversas, reconhecia-se a necessidade de diálogo com a Funai, para apre-
sentar a proposta da pesquisa e construir, em parceria, o desenho e o instrumento
da consultoria. As reuniões técnicas bilaterais tiveram início em janeiro de 2013
para que, primeiramente, as pastas se conhecessem e entendessem suas limitações
e áreas de atuação e, em seguida, definissem o método de pesquisa, as TIs a serem

16. O termo fricção interétnica é utilizado aqui para chamar a atenção à relação que se estabelece entre os povos
indígenas, representados por seus membros individuais; e a sociedade nacional, representada tanto pelos agentes
públicos quanto pelos demais cidadãos brasileiros. O conceito tem origem em Roberto Cardoso de Oliveira e traz em
si noções de conflito e interesses antagônicos em uma totalidade dialética, para esclarecer uma realidade específica: o
contato entre grupos indígenas e a sociedade nacional (Peirano, 1997, p. 18).
17. Participaram desse grupo: Sagi, Senarc, SNAS, Secretaria Nacional de Segurança Alimentar (Sesan) e Sesep.
264 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

estudadas e as perguntas orientadoras. Uma vez lançado o edital de contratação


dos consultores, Funai e MDS atuaram em conjunto para mediar a relação com
as lideranças indígenas e viabilizar a inserção dos antropólogos em campo.
Ainda que a escolha pela etnografia não estivesse totalmente definida desde o
princípio, o método etnográfico apareceu como alternativa evidente, considerando
o tipo de dado que se pretendia obter e a população que seria pesquisada. Esta
opção, incomum às pesquisas de avaliação realizadas pelo ministério, foi possível
em meio a um contexto específico, que envolvia não apenas fatores políticos e
institucionais, mas também a necessidade de um tipo de evidência que os méto-
dos quantitativos e qualitativos, até então utilizados, não davam conta de trazer,
conforme mencionaremos a seguir.

3.1.1 Fatores epistemológicos: desvendando o conhecimento adquirido no trabalho de campo


Desde a sua concepção, a pesquisa vinha sendo desenhada para que fosse com-
preendida a perspectiva das famílias indígenas pelo poder público, a partir da
ótica nativa, em um esforço de se pensar em possíveis adequações das regras e dos
procedimentos do programa para atender às especificidades dessas populações.
Como mencionamos na seção anterior, por mais que o método etnográfico seja
atualmente utilizado para uma ampla gama de temas na análise e avaliação de
políticas públicas, o uso de etnografias permanece associado, no senso comum,
ao estudo de comunidades indígenas e de populações tradicionais. A opção pela
etnografia pareceu, então, como óbvia. Foi justamente o fator indígena que abriu
portas à utilização do método etnográfico, o que provavelmente não teria aconte-
cido se o objeto de estudo fosse populações urbanas ou mesmo populações rurais
não indígenas.
Além disso, com vistas à compreensão de questões tão amplas, que abarcam
vários aspectos da vida social do público indígena, havia o consenso de que não
seria possível a utilização de métodos como surveys, formulários ou outros que
pretendem realizar análises quantitativas, ou mesmo quali-quanti, métodos comu-
mente utilizados para pesquisas de avaliação conduzidas pelo ministério. Como
dito por uma servidora:
Quando falamos sobre PBF para PCT [povos e comunidades tradicionais], a minis-
tra disse “Tá, mas cadê os dados. Para discutir isso com você eu preciso dos dados”.
A gente sabia que uma pesquisa quantitativa não ia trazer a complexidade do que a
gente precisava naquele momento. Saímos de lá com aquela missão e montamos um
grupo no ministério. Fizemos uma conversa com a Sagi: nós temos esse problema,
os dados que temos são muito influenciados pelas visitas de campo que a gente faz,
pelo o que os indígenas e a comissão nos trazem, mas a gente precisa ter um dado
científico para fazer essa discussão.
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 265
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

Os dados que tínhamos disponíveis não davam resposta sobre a implementação.


A gente precisava entender quais eram os problemas de implementação junto a povos
indígenas. Tinha uma série de denúncias, reclamações, “bolsa com índio não funcio-
na”. Tinha esse mote: vamos gerar um diagnóstico sobre essa situação, juntar dados e
avaliar o que a gente faz com essa informação. Do ponto de vista de motivação para
geração de evidência, foi perfeito.
Para propor alterações no PBF, era necessário, antes, buscar evidências, trazer
os dados solicitados pela ministra, uma vez que os relatos apresentados em ofícios,
reuniões com a Funai e denúncias recebidas pela ouvidoria não eram suficientes
para comprovar os problemas de implementação do programa que afetavam os
indígenas. Era preciso ir a campo, ir à ponta,18 testemunhar in loco as dificuldades
vivenciadas pelas comunidades, descrever os fatos com a autoridade de quem esteve
lá, por meses.
Não obstante, se a etnografia foi uma opção preferível desde as primeiras
conversas, desconfianças quanto ao método também estiveram sempre presentes.
Com vistas a conter as supostas subjetividades dos pesquisadores, dar mais compa-
rabilidade e confiabilidade aos dados, ou seja, tornar as evidências mais científicas,
foi elaborado um roteiro de questões a ser seguido pelos antropólogos contratados
pela pesquisa. O RBC19 pretendia possibilitar a identificação de diferenças e simi-
litudes apresentadas por cada uma das comunidades estudadas, no que tange aos
pontos nevrálgicos de implementação da política, de modo que fosse possível a
realização de uma análise comparativa em profundidade e, por analogia, estender
essa compreensão às demais comunidades indígenas do país com condições so-
cioambientais e culturais similares. Assim, apesar dos estudos etnográficos serem
estudos de caso, realizados junto a uma comunidade determinada, pretendia-se que
eles pudessem elucidar outros contextos com condições socioculturais e geográficas
análogas. Havia a expectativa, portanto, de que as evidências fossem sistematizadas,
organizadas, para que o gestor pudesse entender os dados etnográficos. Como dito
por um servidor, “o que eu esperava era uma sistematização dos problemas, das
lacunas, que sabíamos que existia, com método, consistente, que poderia ser utilizada
como referência, como evidência para subsidiar medidas que fossem tomadas”.
Nesse sentido, o RBC vai ao encontro daquilo que Nogueira (2018) chama
atenção, ainda na década de 1950, a respeito da representatividade dos estudos de
comunidade: a escolha de determinadas comunidades para serem estudadas pode

18. “O termo ‘ponta’ é comumente utilizado nos órgãos públicos, sediados em Brasília, para referir-se aos locais nos
quais os programas, ações e políticas públicas são implementados” (Bachtold, 2017), ou seja, fora dos centros de decisão,
nos municípios, nas periferias, áreas rurais, áreas onde a política pública é, de fato, implementada.
19. Como citado anteriormente, o RBC apresentava temas a serem abordados pelos pesquisadores a partir do método
etnográfico que, apesar de previamente definidos, não indicavam quais categorias deveriam ser utilizadas para tratar
cada uma das questões propostas. Assim, apesar da definição de eixos temáticos, a forma de abordagem era livre, tendo
em comum unicamente o método etnográfico como premissa.
266 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

se dar pela necessidade de esclarecimento de determinado problema previamente


delimitado. No caso em tela, era sabido que as comunidades indígenas apresen-
tavam problemas no acesso ao PBF; não se sabia, no entanto, qual era a natureza
desses problemas, se tinham origem em questões socioculturais ou na dificuldade
do Estado em compreendê-las, e como fatores ambientais, sociais, territoriais e
étnicos poderiam contribuir para possíveis falhas na implementação dessa política.

3.1.2 Fatores organizacionais e institucionais: cultura de avaliação de políticas públicas


e formação de servidores
Existia, também, no ministério uma preocupação grande com PCTs, não só dentro
do Bolsa. Tinha pessoas dentro do ministério com formação, expertise e prioridade
para olhar para isso. Tinha essa conjunção: quem estava lá, a formação dessas pessoas,
uma crença compartilhada no método, mas havia também um entendimento de que
essa questão deveria ser tratada no âmbito institucional do ministério, que era um
tema para o qual a gente precisava ter um olhar.
No que concerne aos fatores organizacionais e institucionais, dois pontos
merecem atenção: o primeiro deles refere-se à existência de uma cultura de ava-
liação e monitoramento de políticas públicas no MDS, materializada na Sagi.
A existência dessa secretaria desde 2004, especializada em produção de evidências
para as políticas sociais no âmbito desse ministério, demonstrava haver uma pre-
ocupação institucional voltada à avaliação de seus programas e políticas, as quais
estavam sob constante questionamento, tornando, assim, a realização de pesquisas
parte da rotina desse ministério. Além da estrutura burocrática, contava-se com a
expertise dos servidores, com diferentes tipos de formação, não apenas nos desenhos
das pesquisas elaboradas pelo MDS, mas também para a captação de recursos, ela-
boração de editais, contratação de consultorias, entre outras atividades necessárias
para a realização de pesquisas sociais de cunho nacional.
Outro fator que contribuiu para a escolha do método foi a existência de
profissionais das ciências sociais – sociólogos, antropólogos e cientistas políticos –
no corpo de servidores20 do MDS, que possuíam familiaridade com o método
etnográfico e entendiam que a compreensão dos efeitos do PBF junto aos povos
indígenas iria requerer uma análise mais holística, que pudesse abarcar todos os
fatores da vida indígena, desde aspectos de sua organização social e cultural, até
questões relativas às fricções interétnicas, ou seja, relativas à interação entre agentes
públicos e privados – membros das sociedades urbanas locais – e o público indígena.
Atuantes no processo de desenho da pesquisa, esses servidores eram os in-
dicados pelas secretarias para participar do grupo de trabalho e, não raramente,
atuar como tradutores dos relatórios etnográficos em formas mais resumidas e

20. Muitos desses servidores haviam chegado recentemente no ministério, quando da criação do cargo de analista
técnico de políticas sociais (ATPS).
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 267
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

compreensíveis para seus superiores. A defesa da consulta prévia, da credibilidade


dos resultados da pesquisa, da publicação dos relatórios, bem como da realização
das devolutivas foi também creditada a esses atores, o que por vezes os levava a
serem qualificados como ativistas por seus pares – um papel relativamente comum
a antropólogos que atuam no Estado (Leirner, 2013).

3.1.3 F atores políticos: erradicação da extrema pobreza e institucionalização da


participação social21
Apesar do contexto institucional favorável, há a percepção entre as entrevistadas
de que uma pesquisa etnográfica de grande porte, financiada e coordenada pelo
governo federal, não seria possível no contexto político atual. Cumpre destacar,
portanto, dois fatores que permeavam o cenário nacional e a atuação do MDS à
época da elaboração dos estudos etnográficos. O primeiro deles reflete a prioridade
concedida às políticas sociais para erradicação da extrema pobreza no primeiro
mandato da presidente Dilma, enquanto o segundo concerne à institucionalização
dos espaços de participação social no governo federal e ao fortalecimento da agenda
de povos e comunidades tradicionais (PCTs).
O MDS ocupava, então, papel de destaque na coordenação do Plano Brasil
Sem Miséria (BSM),22 carro-chefe do primeiro governo da presidente Dilma
Roussef. A expansão do PBF e a consolidação de políticas sociais e de inclusão
produtiva permitiram a redução da pobreza em níveis sem precedentes no país.
O lema É o Estado chegando onde a pobreza está traduzia o imperativo de localizar
os invisíveis e trazer para a rede de proteção social os mais vulneráveis que, mesmo
após a expansão do Bolsa Família, ainda não tinham sido registrados e incluídos
nos serviços públicos (Bachtold, 2016). Para erradicar a extrema pobreza, consi-
derada residual,23 era imperativo elaborar estratégias específicas que atingissem o
público mais vulnerável – entre os quais, PCTs, que possuíam taxas de pobreza,
desnutrição e analfabetismo abaixo das médias nacionais.
Reconhecia-se, portanto, que, mesmo com orçamento extensivo e priorização
das políticas sociais, os programas universais ainda não eram capazes de erradicar toda
a pobreza. Era necessário um olhar mais específico para aqueles que compunham os

21. Apesar de serem tratados como povos e comunidades tradicionais na linguagem institucional, os povos indígenas
têm resistência em se considerar como povos tradicionais, tendo em vista a questão da etnicidade. Sendo assim, o
movimento indígena brasileiro usa a terminologia povos indígenas para se referir aos povos originários do Brasil.
22. Lançado em 2011, o BSM era composto de um conjunto de cerca de cem programas e ações voltados ao atendi-
mento de um público específico, os extremamente pobres, ou seja, população que vivia com renda per capita mensal
inferior a R$ 77,00, à época. Sob a coordenação do MDS, o BSM envolveu 22 ministérios e a parceria de outros entes
federados (estados e municípios), da sociedade civil e do setor privado.
23. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013 apontavam uma taxa de extrema pobreza
em cerca de 3% de população brasileira. Indicadores de pobreza multidimensional do Banco Mundial apontavam para
0,5% de pessoas em situação de pobreza severa, enquanto os indicadores do Human development report indicavam
2,8% de pessoas em situação de extrema pobreza (Falcão e Costa, 2015).
268 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

cerca de 2% da população em extrema pobreza ainda persistente. No âmbito do BSM,


o direcionamento de políticas sociais para povos indígenas e população quilombola
eram debatidos em salas de situação (Costa e Falcão, 2014), das quais participavam
diversos ministérios e secretarias.
O processo de institucionalização dos espaços de participação social no go-
verno federal, ocorrido no período em questão, foi outro fator que influenciou a
forma como se organizou a gestão das políticas públicas (Favilla, 2017). À época
da pesquisa, estava ativo o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI),
que contava com representantes de organizações indígenas de todo o país, além
de membros do órgão indigenista, e tinha o objetivo de pautar o governo federal
acerca das políticas públicas acessadas pelos povos indígenas, sendo também uma
instância consultiva para dúvidas do governo acerca de questões que afetavam,
diretamente, os povos indígenas. Assim, o contato com a Funai era imprescindível
não só pela expertise do órgão indigenista e suas demais atribuições governamentais,
mas também para que essa demanda fosse levada ao CNPI, de forma a legitimar os
esforços do governo de adequar o PBF às realidades dos povos indígenas, perante
o movimento indígena organizado.
Além do CNPI, a agenda de PCTs24 – categoria que engloba povos indígenas,
quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, comunidades de terreiro, caiçaras, pescadores
artesanais, entre outros – se institucionalizava no MDS. A coordenação de apoio à
Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) passou a ser
coordenada pela SE, o que aumentava seu status e relevância na gestão das políticas,
bem como seu poder de articulação junto a outras secretarias (Favilla, 2017). Durante
2013 e 2014, o ministério organizou cinco encontros regionais, que culminaram no
II Encontro Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, e atuou na transição
da CNPCT. O crescimento da agenda de PCTs no ministério fortalecia demandas
de adaptação ou direcionamento de políticas sociais para estes grupos.

3.2 Análise ex-post: recepção dos dados e seu uso (ou não) como evidência
para embasar mudanças na política pública
Logo após o fim do trabalho de campo e antes mesmo da conclusão dos relatórios
finais, o MDS convidou os consultores a Brasília para apresentação dos resultados
aos servidores do órgão. Durante dois dias, representantes de todas as secretarias
participaram da Oficina de sistematização dos resultados: Bolsa Família entre povos
indígenas, na qual cada um dos antropólogos relatou os principais achados da
pesquisa. Para a maioria dos servidores, era a primeira vez que visualizavam as

24. De acordo com a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), povos e comunidades tradicionais são
“grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral
e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Brasil, art. 3o, I, 2007).
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 269
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

dificuldades dos povos indígenas em acessar não apenas o PBF, mas também outros
serviços e políticas públicas. Os relatos, os vídeos e as fotografias apresentados em
PowerPoint traziam concretude às demandas que a Funai costumava apresentar
ao ministério nas reuniões interministeriais e salas de situação.
A sensação de que a pesquisa caiu como uma bomba foi comum entre todos
os entrevistados. Os dados sobre a realidade da população indígena que a pesquisa
trazia à tona eram consideravelmente piores do que se esperava. Acostumados,
de certa forma, a ouvir e enaltecer os impactos positivos das políticas sociais co-
ordenadas pelo ministério, os servidores se depararam com situações de extrema
pobreza, vulnerabilidade, exploração, preconceito e racismo institucional; relatos
de tratamento desumano e abuso por parte de atores locais; denúncias de crimes
e casos de polícia. Diferentemente de outros estudos divulgados pelo ministério,
eram situações que não poderiam ser solucionadas com a chegada do Estado, visto
que, muitas vezes, era o próprio Estado o causador e perpetuador das desigualdades
e violências narradas. Como relatado por uma servidora:
Eu lembro que eu fiquei muito apavorada. Por mais que a gente soubesse que a situação
era crítica, eu lembro que alguns relatos me pegaram pesado. Ver as imagens me pegou.
Aí veio esses relatos de como a população fica à mercê de uma série de restrições, e
amarras em função de serem populações indígenas, em função de suas especificidades.
Dessa forma, durante cinco meses, no primeiro semestre de 2014, os relatórios
de campo eram enviados à Sagi e encaminhados às áreas finalísticas. Considerando
que os dados apresentados eram extremamente sensíveis, optou-se por manter
os relatórios restritos ao âmbito interno, evitando seu compartilhamento com a
Funai antes que o ministério pudesse absorver e sistematizar os dados e elaborar
estratégias de resposta, incluindo a devolutiva à população pesquisada.
Indubitavelmente, a apresentação dos dados preliminares na oficina gerou
muita ansiedade entre técnicos e gestores, que buscavam acessar aos relatórios finais
e organizar tentativas de diálogo para coordenar uma resposta aos problemas apre-
sentados. Conforme as pesquisas avançavam, mais detalhados e densos tornavam-
-se os textos que chegavam aos e-mails e pen drives dos gestores. Se o número de
páginas dos relatórios aumentava, o número de pessoas que tinham acesso aos
relatórios tornava-se cada vez mais reduzido, visto que crescia a preocupação sobre
a divulgação dos dados e a inexistência de respostas para os problemas relatados,
dada a complexidade das questões por eles abordadas.
Não raro, os técnicos (em sua maioria, servidores da carreira de analista de
políticas sociais e com formação em ciências sociais e áreas correlatas) eram insta-
dos a resumir os relatórios e organizá-los para apresentar os pontos principais às
instâncias superiores. Segundo uma entrevistada:
270 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

Eu lia e resumia o que estava acontecendo, e o grau de preocupação ia crescendo


conforme os relatórios iam chegando. E aí chegou ao um ponto que vimos, bom,
precisamos reunir todas as secretarias para a gente definir como lidar com esses dados.
No início os dados estavam vindo para os técnicos, para uma leitura inicial daqueles
dados, depois esses dados passaram para as chefias e depois começou uma discussão
política de como tratar esses dados.
Ao longo de 2014, diversas tentativas de processar e sistematizar os dados dos
relatórios foram realizadas. Encaixar os dados das pesquisas em tabelas e apresenta-
ções de powerPoint; definir quais dos achados eram de competência do ministério
ou de outras pastas; identificar as áreas responsáveis por cada demanda; classificar
os dados em ordens de prioridade e urgência; elaborar respostas e estratégias de
divulgação; definir soluções, metas e prazos. Passou a ser tarefa do grupo de traba-
lho, composto pela SE e pelas cinco secretarias finalísticas,25 a produção do plano
de ação de resposta à pesquisa para pensar as ações devolutivas e elaboração da
resposta do ministério antes da publicização dos dados.
Apesar disso, ainda que houvesse certo diálogo com a Funai em salas de
situação do BSM e em reuniões bilaterais, optou-se pelo não compartilhamento
dos relatórios. De certa forma, após a recepção dos relatórios, o MDS se fechou em
si – como alegado em uma entrevista. A Funai esteve ausente das conversas minis-
teriais até a preparação das devolutivas, em 2017. A saída pensada para atender as
pressões interna (de técnicos sensíveis ao tema) e externa (da Funai, dos consultores,
de pesquisadores, ativistas e das próprias comunidades) foi a elaboração de um
sumário executivo, de quinze páginas, validado pelas áreas técnicas do ministério,
publicado em fevereiro de 2015 (Brasil, 2015). O relatório final da pesquisa foi
publicado apenas em 2016, após o processo de impeachment (Brasil, 2016), e todos
os relatórios preliminares encontram-se, até hoje, sob sigilo.
No geral, a sensação entre os entrevistados é a de que poucas mudanças ocor-
reram nas políticas e nos programas coordenados pelo ministério, em resposta à
pesquisa etnográfica. No PBF, não houve alterações ou reformulações que visassem
atender especificamente às demandas apresentadas na pesquisa – nem mesmo a
alteração do prazo de saque do benefício de 90 para 180 dias foi implementada,
o que poderia reduzir a necessidade de deslocamento até os centros urbanos.26
As poucas adaptações ocorreram na área da assistência social,27 como a criação
da cartilha de orientação de atendimento a indígenas nos Centros de Referência da

25. Senarc, Sesan, SNAS, SE e, à época, a Sesep. Parte dos achados foi também debatida com representantes da Funai,
do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério da Educação (MEC) (Brasil, 2018).
26. A justificativa apresentada pela Senarc, à época, foi a dificuldade de operacionalização da Caixa Econômica Federal
(Caixa) e o fato de que a taxa de saque atual dos indígenas é semelhante à de outros grupos.
27. Como consequência da pesquisa do PBF junto a povos indígenas, a SNAS contratou nova pesquisa etnográfica para
aprofundar as análises relativas ao atendimento da rede de assistência social.
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 271
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

Assistência Social (Cras)28 e Centros de Referência Especializados de Assistência


Social (Creas).29 Tampouco houve esforço de mobilização interministerial para a
divulgação dos resultados afetos às áreas que não eram da alçada do MDS, como
saúde e educação.
As ações devolutivas30 foram realizadas apenas quatro anos após a ida a campo
dos antropólogos, entre 2017 e 2018, por gestores do MDS, da Funai e, em alguns
casos, da Caixa. Ainda assim, as respostas restringiram-se a apresentações e esclare-
cimentos do ministério sobre o programa aos indígenas e à gestão local, de modo
a tirar dúvidas e corrigir alguns equívocos de entendimento na implementação do
programa. Entre as entrevistadas, a impressão compartilhada é de que as devolu-
tivas, além de tardias, foram insuficientes para responder aos problemas trazidos
pelas etnografias. Em um dos relatos, um entrevistado alegou que as devolutivas
foram meramente burocráticas:
para mim, a devolutiva foi isso, para cumprir tabela. Em nenhum momento as pessoas
se propuseram a fazer uma devolutiva séria, assumindo os problemas e que não havia
interesse em mudar. Pra que dizer que tá estudando (as mudanças). Você não está
estudando, você já decidiu, tenha a firmeza em chegar na comunidade e dizer: nós não
vamos mudar, porque nós não vamos mudar nada no programa por conta de 10%.
Desse modo, como na definição do método de pesquisa, os contextos polí-
tico e institucional/organizacional impactaram a recepção dos dados etnográficos
e influenciaram a reação dos gestores, a elaboração da resposta institucional e o
impacto nas políticas coordenadas pelo ministério. No que concerne aos fatores
epistemológicos, conforme argumentaremos adiante, tanto a escolha do método
como as dúvidas quanto à validade da etnografia como evidência refletem não
apenas as dificuldades e os desafios do uso de etnografias na avaliação de políticas
públicas, mas também a própria dificuldade do fazer estatal em lidar com realidades
complexas e torná-las legíveis ao Estado, bem como em entender as realidades de
populações indígenas e tradicionais.

3.2.1 Fatores institucionais e organizacionais: estrutura operacional do programa,


quadro de servidores e métodos de monitoramento e avaliação
Se, por um lado, o contexto institucional do ministério permitiu a escolha por
estudos etnográficos para entender os problemas de implementação do PBF junto
aos povos indígenas, por outro, fatores institucionais e organizacionais contribuíram
para a desconfiança dos resultados da pesquisa e ausência de respostas efetivas às
principais demandas apresentadas. Três principais fatores merecem ser considerados:

28. Para mais informações, ver cartilha Trabalho social com famílias indígenas na proteção social básica (Brasil, 2017).
29. Para mais informações, ver cartilha Atendimento à população indígena na proteção social especial. Disponível em:
<https://bit.ly/3llviCs>.
30. Estão documentadas na publicação da Sagi, Caderno de Estudos: desenvolvimento social em debate, n. 32 (Brasil, 2018).
272 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

i) a estrutura operacional do PBF, que preza por soluções universais com vistas ao
atendimento de um amplo público; ii) o fator de sucesso do PBF e o quadro de
servidores da Senarc; e iii) a preferência por métodos quantitativos ou mistos para
estudos de monitoramento e avaliação de políticas públicas coordenados pela Sagi.
Com relação ao primeiro fator, à época da pesquisa, o Bolsa Família completava
dez anos desde seu surgimento e se consolidava como a principal política social
brasileira, sendo reconhecido internacionalmente como referência em transferência
de renda condicionada e como um caso de sucesso no combate à pobreza, ainda
que entre a sociedade brasileira esse reconhecimento era oscilante, como argumen-
taremos adiante. À época, o programa atendia a 13,8 milhões de famílias, cerca de
um quarto da população do país. Ainda que se reconhecesse que, para combater a
extrema pobreza residual, era necessário elaborar estratégias específicas para a in-
clusão do público mais vulnerável ainda ausente da rede de proteção social – entre
eles, povos e comunidades tradicionais –, havia certa resistência em modificar o
Bolsa Família, seja pela dificuldade de operacionalização, seja pelo pequeno im-
pacto nos números finais do programa. Justamente pelo seu reconhecimento entre
a burocracia estatal, alterações no Bolsa Família eram constantemente propostas
por outros órgãos. Cabia aos gestores, portanto, blindar o programa e evitar que
soluções específicas prejudicassem seu atendimento universal. Como alegado por
um gestor à época, “não dá para ficar colocando penduricalhos no Bolsa Família, o
programa não é árvore de Natal”. Esta postura de gestores da Senarc foi levantada
pelos entrevistados, conforme segue:
a Senarc sempre foi muito mais reativa com relação ao Bolsa, porque o Bolsa é super
complexo, todo mundo chega lá e quer dar uma ideia. Naquela época tinha uma
resistência a propor alterações no Bolsa, porque é uma operação muito difícil.
Tem uma questão quantitativa: a gente tem um programa desenhado para um país
com o grau de desigualdade do Brasil e que funciona muito bem. Mas ele conseguiu
chegar nas pessoas de uma maneira que talvez nenhum outro programa tenha con-
seguido chegar, nem a aposentadoria. E aí a gente traz o panorama da diversidade,
ainda que só a pontinha do iceberg, de fato não se faz tanto sentido em mudar algo
do programa se a gente está falando em menos de 10%. Só que ao mesmo tempo a
angústia que gerou a pesquisa era exatamente essa: será que a gente está atendendo, de
maneira adequada, a população indígena deste país? Então não importa se representa
1% do programa?
No tocante ao segundo fator, a postura defensiva da Senarc em relação ao
programa é também reflexo do quadro de servidores que, à época, ocupavam os
cargos de médio e alto escalão da secretaria. Dentro do ministério, a Senarc era
vista como uma secretaria com baixa rotatividade dos gestores, elevada profissio-
nalização, cujos cargos eram ocupados majoritariamente por servidores de carreira,
com alta qualificação e experiência em administração pública (Oliveira, Lotta e
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 273
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

Freitas, 2019). Ainda que a literatura aponte para um insulamento burocrático da


secretaria à época (Bichir, 2016) e para a coesão entre o corpo burocrático (Oliveira
e Lotta, 2017), a condução da resposta à pesquisa etnográfica levou a embates entre
a equipe técnica – a maioria, servidores da carreira de ATPS recém-admitidos – e
os diretores e coordenadores-gerais, que atuavam há mais tempo no programa.
Conforme apresentado por uma entrevistada, o reconhecido sucesso do Bolsa
Família e o tempo de atuação na secretaria levavam a uma postura reativa a críticas
e a propostas de alteração do programa por parte destes gestores. Os servidores
recém-chegados, por sua vez, não tinham o mesmo apego ao programa, nas palavras
da entrevistada, e pressionavam por respostas mais resolutivas:
a partir de 2013, com a chegada dos ATPS, tem um campo conflituoso. Tem uma
visão muito diferente, do que o Bolsa precisava fazer. Acho que tinha uma certa
acomodação dessa média burocracia, que fazia o link com o gabinete da ministra.
Os esforços foram muito mais dos técnicos, mas não vingavam porque não tinha
eco na alta gestão.
Tinha uma pressão muito grande dos ATPS para que a Funai fosse chamada e re-
sistência dos diretores para não chamar a Funai e buscar soluções por meio de um
GT interno.
Por fim, com relação à Sagi, mesmo que a secretaria adotasse alguns métodos
qualitativos para avaliação e monitoramento de políticas públicas, havia certa predi-
leção por métodos quantitativos – avaliações de impacto, levantamento estatísticos
a partir de base de dados, estudos econométricos, surveys, painéis longitudinais,
censos, entre outros (Ferrarezi, Januzzi e Montagner, 2016). Assim, os relatórios
etnográficos eram, de certa maneira, estranhos ao modo de se fazer pesquisa de
avaliação de políticas públicas nessa secretaria, o que levantou desconfianças quanto
ao método e aos dados apresentados pelos consultores.
A Sagi tinha uma excelência em fazer avaliação de políticas públicas, mas com métodos
quantitativos. Nunca tinha sido feita uma pesquisa etnográfica. O primeiro impacto
foi esse: estávamos lidando com gestores que lidavam com pesquisas quantitativas
ou quali-quanti, mas não pesquisas totalmente qualitativas como a etnografia. Então
eu acho que houve um estranhamento com a chegada daquele dado, porque não era
um dado direto, com números. Não era um censo, a gente não tinha pedido isso.
Não era essa a intenção. Mas era um dado que não conversava com os dados com
os quais o ministério estava acostumado. Era um sentimento de desconfiança com
o método científico, como se o método etnográfico não fosse científico.

3.2.2 Fatores políticos: Bolsa Família em disputa e impeachment


Não obstante o mencionado reconhecimento do Bolsa Família como política
social efetiva no combate à pobreza, o programa ainda era, no senso comum, vin-
culado à gestão petista e seguia sob incessante questionamento. Casos isolados de
274 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

recebimentos indevidos eram constantemente anunciados na mídia como fraude, de


modo a desacreditar o programa, apesar dos esforços institucionais que garantissem
sua boa focalização (Bachtold, 2017). Durante o período das eleições de 2014,
receava-se que novas gestões pudessem terminar ou alterar significativamente a
política de transferência de renda, ou, ainda, reduzir seus recursos e o número de
famílias beneficiárias. Assim, apesar de todas as evidências produzidas pelos órgãos
governamentais de pesquisa (Sagi e Ipea), havia a sensação de que a legitimidade
do PBF estava sempre sob constante ameaça. A divulgação de uma pesquisa que
apontava para tantos problemas poderia trazer ônus ao próprio programa. Como
destacado por uma servidora,
o Bolsa sempre esteve na berlinda. Havia uma narrativa muito forte sobre fraudes,
imprensa etc. A tônica da gestão, naquele momento, era “erro zero”. Eram duas
diretrizes: “inclui” e “erro zero”. Isso gerava um medo na gestão. Essa pesquisa es-
cancarou problemas, erros, que o programa gerava na vida de várias comunidades
indígenas. Foi uma situação de mal-estar muito grande da Senarc e Sagi para subir
a informação, sobre o relatório bombástico, de que o Bolsa não funcionava e ainda
podia prejudicar algumas famílias.
Se tinha um medo muito grande em afetar a imagem do programa. Era uma cultura
de medo, que era difícil de vencer como técnico.
Se as iniciativas de coordenação de uma resposta institucional foram dispu-
tadas e árduas ainda em 2014, há a percepção de que a urgência dos técnicos e
gestores se arrefeceu nos anos subsequentes, após as eleições presidenciais. A Sesep,
à frente da articulação institucional do BSM – estratégia de combate à extrema
pobreza, carro-chefe do primeiro governo da presidente Dilma Roussef – foi des-
mobilizada, na ausência de definições quanto à continuidade do plano. Assim, as
tentativas de formulação de ações voltadas para a população indígena por parte
dessa secretaria foram minadas ao longo do ano. Além disso, a crescente crise
econômica e a iminente crise política desviaram as prioridades do então governo
e não houve iniciativas majoritárias de inovações ou reformulações das políticas
sociais coordenadas pelo ministério.
Por seu turno, o impeachment da então presidente Dilma Roussef e a rup-
tura institucional que se seguiu, levaram a mudanças de gestão no ministério e
fortaleceram os anseios quanto à ameaça de descontinuidade do programa. Ainda
que a equipe da Senarc tenha se mantido, foi necessário empreender uma série
de esforços técnicos e políticos para defender o PBF e evitar maiores cortes nos
benefícios, uma vez que a narrativa sobre a existência das fraudes no programa se
intensificou entre as autoridades políticas (Bachtold, 2017). Ademais, a agenda
de promoção dos direitos indígenas e de povos e comunidades tradicionais perdeu
força não apenas no ministério, mas em todo o governo federal, com o fechamento
de conselhos e outros espaços de participação social, redução de orçamento para a
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 275
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

pauta e as constantes mudanças de direção na Funai. No entanto, se por um lado


esse contexto retirou a urgência e a janela de oportunidade que o ministério tinha
para elaborar estratégias contundentes de atendimento a indígenas, por outro, a
resistência em divulgar os resultados da pesquisa diminuíram. O relatório final da
pesquisa, mais detalhado que o Sumário Executivo publicado em 2015 (Brasil,
2015), foi finalmente publicado em 2016 (Brasil, 2016).
Olhando em retrospectiva, há, portanto, entre os entrevistados, o sentimento
de que a inação perante as evidências trazidas pela pesquisa etnográfica foi uma
oportunidade perdida e que o atual contexto político está longe de permitir o em-
prego de novos estudos etnográficos para avaliação de políticas públicas.
O tipo de ação que a gente deveria ter tomado tinha muito mais a ver com assumir
essa agenda e fazer articulação com outros órgãos competentes que pudessem lidar
com essa oportunidade, aproveitar essa oportunidade para jogar luz sobre a situação
dos povos indígenas. Hoje eu acho que a gente poderia ter sido mais ousado em
várias agendas.
Apesar das dificuldades em enxergar os dados etnográficos produzidos pela
pesquisa como evidências, stricto sensu,31 dada a natureza complexa das informações
por eles suscitadas, uma entrevistada considerou que todo o processo de elaboração,
execução e avaliação dessa pesquisa trouxe aos técnicos e gestores que dela parti-
ciparam mais entendimento acerca de questões que sequer eram imaginadas pela
alta burocracia, e que passam a ser reconhecidas em outras agendas ministeriais
ao se tratar de povos e comunidades tradicionais. Lato sensu, no entanto, os dados
etnográficos produzidos trouxeram variada gama de evidências, ao narrar como a
política era implementada na prática e como o referencial sociocultural e a atuação
dos agentes públicos (e privados) locais influenciavam o desenrolar da ação pública.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DA


UTILIZAÇÃO DE DADOS ETNOGRÁFICOS COMO EVIDÊNCIAS, À LUZ
DOS RESULTADOS DOS ESTUDOS ETNOGRÁFICOS SOBRE O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA ENTRE OS POVOS INDÍGENAS
Ao longo deste estudo, buscamos mostrar como se deu o processo de realização
da pesquisa Estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família entre os povos indí-
genas, a partir da compreensão de fatores políticos, técnicos e institucionais que
influenciaram a produção de evidências etnográficas pelo governo federal. Ainda
que a produção de dados etnográficos para a compreensão do contexto dos povos
indígenas frente à implementação dessa política pública tenha tido o objetivo de
lançar luz sobre os possíveis problemas enfrentados por populações mais vulneráveis

31. O sentido strictu sensu de evidência pode ser entendido aqui como aquele que aponta as causas e os efeitos de
determinada situação. No sentido lato sensu, as evidências podem trazer informações de variados matizes, as quais
concorrem, juntas, para a compreensão dos efeitos de dada situação.
276 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

no acesso ao PBF, os resultados apresentados causaram grande desconforto no alto


escalão do MDS, diante da falta de soluções imediatas para as questões expostas.
A complexidade dos problemas referentes à implementação da política (policy
problems) gerou ansiedade tanto em gestores – os quais respondiam pelos erros e
sucessos da política – quanto em técnicos, os quais, por sua vez, eram instados pelas
suas chefias a explicar, resumir, compilar, tabelar, isto é, a tratar os dados de modo que
eles se tornassem compreensíveis para a linguagem da administração pública, com
as indicações de possíveis soluções para enfrentar esses problemas. Considerando
a divisão de atribuições entre as secretarias do MDS, e seus papéis diferenciados
na gestão do PBF, foi tentado isolar nos relatórios o que era de responsabilidade
de cada um desses setores, de forma a dividir a apuração das informações e situa-
ções expostas. Essa situação acabou por criar entre os avaliadores da pesquisa uma
sensação de que não haveria soluções para os problemas apresentados, visto que
as áreas só conseguiriam propor soluções às partes que lhes cabiam se essas fossem
pensadas em conjunto com as demais áreas e setores governamentais, cada qual com
responsabilidades e competências sobre diferentes aspectos das questões levantadas.
A partir do contexto de formulação e produção desta pesquisa, consegui-
mos observar que não só os dados etnográficos per se podem ser tratados como
evidências, mas também o próprio processo de produção e interpretação desses
dados, ao demonstrarmos como as decisões políticas e a forma como se organizam
e se dividem as funções na administração pública podem influenciar os rumos
das políticas (Cairney, 2016, p. 6). Assim, a questão epistemológica que assume
o centro do debate diz respeito ao enquadramento dos problemas expostos em
contextos de produção de evidências (problem framing), de forma que eles pos-
sam ser compreendidos pelas áreas responsáveis por solucioná-los. Ao trazer à luz
alguns pontos sensíveis da atuação pública, os quais precisam ser corrigidos para
que os anseios da população sejam satisfeitos, as evidências têm o papel de indicar
não só os nós das políticas analisadas, mas também apontar quem tem o papel de
solucioná-los, diante da natureza dos fatos apresentados. Dependendo do interesse
ou da capacidade da área responsável para buscar soluções diante de evidências
que apontam problemas em seu campo de atuação, sobressai-se o poder político
de decidir sobre ignorar ou dar atenção às evidências produzidas (Cairney, 2016),
no sentido de usá-las – ou não – como conhecimento para oportunizar mudanças
ou melhorias nos rumos das políticas públicas.
Segundo Cairney (2016), ao considerarmos o uso de evidências nos estudos
de políticas públicas (policy studies), alguns conceitos-chave imbuídos nesse tipo
de estudo se fazem presentes como objetos de análise: o papel das instituições, que
impõem regras e normas de conduta a serem seguidas; as ideias ou crenças que nos
ajudam a definir os problemas das políticas e suas possíveis soluções; as redes nas
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 277
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras

quais se inserem gestores, técnicos e sociedade civil, e se relacionam os policymakers


e os participantes e usuários das políticas; o contexto o qual se desenrola a produção
de evidências; e os eventos – antecipadamente previstos ou não –, os quais podem
alterar as condições em que as decisões são tomadas. No caso estudado, podemos ver
que as principais instituições envolvidas traziam ao contexto de produção e análise
das evidências tanto o seu modus operandi, externalizado nas regras e normas como
são conduzidas, como também a sua forma de organização e divisão de atribuições
internas, as quais ditam as possibilidades de tratamento das informações obtidas
pelos estudos etnográficos. Assim, caso um dado trazido não se relacione com as
atribuições de nenhum dos setores envolvidos, ele poderia ser descartado da análise,
ou mesmo levado a outra área governamental – fora do âmbito institucional em
que foram produzidos – que tivesse competência para tratá-los.
Além do mais, um evento não antecipado – como o impeachment da então
presidente do país – ocasionou uma mudança nas condições em que as decisões sobre
os rumos da pesquisa estavam sendo tomadas; essa mudança de gestão, ainda que
não tenha encerrado o processo de avaliação ministerial das evidências etnográficas
sobre o PBF entre os povos indígenas, colocou um freio nesse processo, diante da
urgência de novas demandas e situações que necessitavam de atenção imediata. O
cumprimento da agenda prevista pela pesquisa, que contava com a realização de
ações devolutivas, ainda que tenha sido realizada na gestão posterior, foi vista mais
como uma obrigação de agenda a ser cumprida, do que como uma possibilidade
real de construir, junto com as comunidades estudadas e a partir da apresentação
dos resultados da pesquisa, soluções reais e práticas aos problemas apresentados.
Não obstante, mesmo com todos os desafios enfrentados ao longo do de-
senvolvimento dessa pesquisa, que trouxe ao governo federal o conhecimento da
vivência de beneficiários indígenas do PBF, e ainda que se tenha a impressão de
que foi perdida uma oportunidade de se implementar mudanças nas políticas
que responderiam aos anseios dessa população, o maior ganho com a realização
dos Estudos etnográficos foi o próprio processo de aprendizado da administração
pública de se pensar, idealizar, formular, analisar e coordenar a produção de dados
etnográficos para a avaliação de um programa social. Esse aprendizado, relatado
neste estudo e em outros trabalhos científicos que pretendem avaliar a atuação
pública frente à necessidade de dar resposta às evidências acerca das políticas
governamentais (Robert, 2020; Bichir, 2011; Bachtold, 2017; Coutinho, 2013),
servem para elucidar não só a capacidade estatal de dar respostas aos problemas
apresentados, mas também o próprio processo de enquadramento de problemas
sociais e produção de políticas públicas.
278 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas

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