Caderno Direito Penal I
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Direito Penal I
Caderno de Monitor | Luiza Faria Lima
não pode gerar aplicação com efeito retroativo. Essa alteração mais gravosa pode se referir tanto
à hipótese de criação de nova lei incriminadora (novatio legis incriminadora), quanto à hipótese
em que a nova lei, mantendo a incriminação do fato, torna mais grave a situação do réu.
Entretanto, o princípio da irretroatividade da lei penal possui uma exceção: a
retroatividade da lei penal in bonam partem –em benefício do réu (art 2°, parágrafo único).
Apenas nessa hipótese, a lei penal retroage e atinge fatos ocorridos mesmo antes de sua entrada
em vigor. A alteração mais benéfica da lei pode se referir tanto à hipótese de descriminalização
de um fato incriminado por lei anterior (abolitio criminis), quanto à hipótese em que a nova lei,
sem suprimir a incriminação do fato, beneficia o agente, quer seja cominando pena mais branda,
quer seja de qualquer outro modo que melhore a situação do réu.
CP, Art. 3°: A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou
cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua
vigência.
Esse princípio admite, contudo, duas exceções previstas no artigo 3° do Código Penal:
a lei excepcional e a lei temporária. Esses dois tipos de leis possuem ultra-atividade, isto é,
produzem efeitos mesmo após findo o período de sua vigência. Leis excepcionais são aquelas
que visam atender a situações anormais da vida social, como guerras e epidemias, e que não
possuem prazo determinado para o fim de sua vigência. Elas deixam de viger quando o estado
social anormal que regulam acabar. Já as leis temporárias, diferentemente, são aquelas que
possuem estipulado um prazo para vigorarem, por elas próprias fixado. Essas leis precisam,
necessariamente, produzir efeitos no “futuro”, ou seja, mesmo após cessada a sua vigência,
visto que, caso contrário, a sua violação seria extremamente fácil.
Nullum crimen nulla poena sine lege stricta
“Não há crime, não há pena, sem lei estrita” – Trata-se do princípio que estabelece a
proibição da analogia da lei penal in malam partem. A Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB), em seu artigo 4°, estabelece que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. Entretanto, no
Direito Penal, as normas penais incriminadoras apenas abrangem os casos por ela
expressamente contemplados. É vedada, portanto, toda e qualquer analogia realizada em
malefício do réu. Contudo, como já visto até aqui, sempre que a possibilidade for em benefício
do agente, ela poderá ser apreciada, de maneira que analogias in bonam partem sejam admitidas
em alguns casos, quando devidamente fundamentadas.
Ex.: CP, art. 226: “A pena é aumentada: II - de metade, se o agente é ascendente,
padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou
empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela”. Embora o
dispositivo fale de “cônjuge” e “companheiro” (hipótese de união estável), nada menciona
sobre formas mais informais de relacionamento afetivo, como o namoro. Logo, o agente que
comete crime contra namorada não poderia, em analogia, ter a sua pena aumentada.
Embora exista tipicidade formal nesses casos (haja vista a correspondência do fato
praticado com o tipo penal do furto, no caso do exemplo dado), inexiste a tipicidade material,
pois inexiste uma lesão que seja considerada relevante. Na análise do caso concreto, determinar
se a lesão foi ou não insignificante é difícil.
Art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja
o momento do resultado.
O referido dispositivo dispõe que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a “Teoria
da Atividade” para definir o tempo do crime. Segundo essa teoria, o momento do crime é
aquele em que o sujeito ativo realizou a conduta proibida; o que importa é o tempo da ação ou
omissão, ainda que o resultado ocorra em momento posterior. Em contraponto, existem, ainda,
outras duas teorias: a Teoria do Resultado, na qual o momento do crime é aquele em que o
resultado foi produzido, e a Teoria da Ubiquidade (mista), na qual o momento é tanto aquele
da ação ou omissão, quanto o do resultado.
Exemplificando: Diego, nascido em 10/12/2000, quer matar seu desafeto Lúcio e então
desfere diversos disparos contra ele em 09/12/2018. A vítima é hospitalizada, mas morre em
20/12/2018. Neste caso, para analisar a responsabilidade penal de Diego, é necessário observar
a teoria da atividade. No momento da ação, ele tinha 17 anos (um dia antes de completar 18
anos). Assim, ainda que à época da morte da vítima ele já seja maior de 18 anos, não poderá
sofrer pena (e sim medida socioeducativa) em razão de sua inimputabilidade no momento da
ação.
3.2. Crime de Resultado x Crime de Mera Conduta
Apesar de todas essas teorias fazerem menção ao momento do resultado do crime, não
é sempre que há necessariamente um. Isso porque o delito, quanto à necessidade de existência
de resultado, pode ser classificado em crime de resultado ou em crime de mera conduta.
O crime de resultado, também chamado de material, descreve a conduta cujo resultado
integra o próprio tipo penal, isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um
resultado separado do comportamento que o precede. Desse modo, o fato típico é composto da
conduta humana e da modificação do mundo exterior por ela realizada. Ex.: Art. 121: Matar
alguém (para que o crime seja consumado, o resultado morte precisa necessariamente ocorrer).
Já o crime de mera conduta é aquele no qual o legislador descreve somente o
comportamento do agente, sem se preocupar com resultado, o qual é dispensável para a
consumação do delito. Em outras palavras, a simples ação ou omissão já é suficiente para a sua
consumação. Ex.: Art 150 (invasão de domicílio) – “Entrar ou permanecer, clandestina ou
astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou
em suas dependências” (o agente, ao invadir o domicílio de alguém, pode efetivamente não
fazer nada, apenas entrando e em seguida saindo; contudo, ao praticar a invasão, o tipo penal já
se consumou, sem ser necessário o desdobramento de um resultado para isso).
Dentre os crimes de resultado, é possível ainda classificá-lo em crime de resultado
instantâneo ou crime permanente. O crime de resultado instantâneo é aquele que se esgota
com a ocorrência do resultado. Ele se completa num só instante, sem haver continuidade
temporal. Trata-se, por exemplo, do crime de lesão corporal (art. 129, CP). Por outro lado, o
crime permanente é aquele cuja consumação se alonga no tempo, dependente da atividade do
agente, que terá fim apenas quando ele quiser. A sua execução, portanto, perdura no tempo,
mantendo-se por algum período. É o caso do crime de cárcere privado e de sequestro, por
exemplo. Em relação ao crime permanente, dispõe a súmula 711 do STF:
Súmula 711, STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime
permanente se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.
Essa disposição, contudo, não se trata de exceção ao princípio da irretroatividade da lei
penal maléfica, uma vez que o fato, em sua integralidade, ainda está sendo executado no
momento em que passa a viger a lei posterior mais prejudicial. Havendo sucessão de leis penais
no tempo nesse caso, o agente deve responder pela lei que estava vigendo no momento em que
cessou a execução do crime permanente.
Nesse sentido, é possível sintetizar o que foi exposto da seguinte forma: a lei penal mais
maléfica nunca retroage, de maneira que a lei anterior possua, nesse caso, ultra-atividade, ou
seja, será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência, mesmo depois de revogada.
Para entender a ultra-atividade, é possível utilizar o exemplo do tráfico ilícito de
entorpecentes. Em 2006, entrou em vigor a Lei de Tóxicos (11.343/06), que revogou a Lei
6.368/76 e, dentre outras alterações, aumentou a pena para o crime de tráfico ilícito de
entorpecentes. Assim, a nova lei é uma lex gravior, pois agravou a situação de quem praticar
esse crime. Por ser uma novatio legis in pejus, a Lei 11.343/06 é irretroativa, aplicando-se
somente aos fatos praticados durante sua vigência (tempus regit actum). Por outro lado, a Lei
6.368/76, embora revogada, será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência. Assim, se
uma pessoa praticou tráfico ilícito de entorpecentes em 2005, mas somente foi julgada em
janeiro de 2007, será condenada à pena prevista na lei que vigorava à época do fato, mesmo
tendo sido revogada. É o que chamamos, portanto, de ultra-atividade da lei penal.
Importante lembrar, também, do que também já fora comentado a respeito das leis
temporárias e excepcionais. Em regra, a ultra-atividade somente ocorre quando for benéfica,
mas o legislador previu duas hipóteses em que a lei revogada terá ultra-atividade ainda que seja
mais gravosa, que é nos casos das leis temporárias e leis excepcionais, nos termos do ar. 3º do
CP. A lei excepcional é criada parar reger circunstâncias anormais e vigora enquanto elas
subsistirem. Já a lei temporária é criada para reger fato certo e temporário, sendo sujeita a um
termo, ou seja, sua revogação tem uma data futura e certa. Nos dois casos, a consequência será
a mesma, e a lei penal será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência, mesmo depois
de revogadas e ainda que a lei posterior seja benéfica ao agente, sendo uma exceção à regra da
retroatividade da lei penal benéfica.
encontrava em águas nacionais francesas. Compete, nesse caso, ao Estado francês julgar e punir
João. Contudo, caso não o faça, pelo princípio da representação, o Estado brasileiro pode aplicar
a sua lei penal.
A extraterritorialidade pode, ainda, ser condicionada ou incondicionada. É
incondicionada aquela que opera independentemente de qualquer condição por se aplicar a
crimes de grande de relevância para o Estado. É aplicável aos crimes listados no art. 7°, I, do
CP, embora praticados no estrangeiro. Neste caso, o agente é punido segundo a lei brasileira,
ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro (art. 7°, §1º, CP).
CP, art 7 º, § 1 º Nos casos do inciso I o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que
absolvido ou condenado no estrangeiro.
CP, art 7 º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território,
de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação
instituída pelo Poder Público
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil
Importante lembra, ainda, do que dispõe o artigo 8°, do CP, em relação à pena
cumprida no estrangeiro:
Art. 8°, CP: A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo
mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.
Sendo assim, quando as penas aplicadas ao agente no estrangeiro e no Brasil forem
diferentes, como no caso em que lá se aplica ao fato cometido pena restritiva de direito e aqui,
privativa de liberdade, então a pena cumprida no estrangeiro diminui a pena a ser imposta no
Brasil. Se, porém, as penas previstas para o fato são iguais (em ambos os países se aplica a
privativa de liberdade, por exemplo), então a pena cumprida no estrangeiro é computada
naquela a ser cumprida no Brasil. Apenas nos casos de extraterritorialidade incondicionada que
o agente poderá, no Brasil, ser punido por crime pelo qual foi absolvido ou condenado no
estrangeiro - justamente por se tratarem de infrações compreendidas como mais graves. Apesar
disso, o artigo 8° garante que o agente não cumpra a pena de maneira repetida, ou seja, embora
o agente possa ser condenado novamente no Brasil pela prática de um crime pelo qual já foi
condenado no exterior, a pena que o indivíduo possa já ter anteriormente cumprido no
estrangeiro é considerada e abatida da pena que ele venha a ter que cumprir no território
brasileiro.
CP, art 7 º § 2 º - Nos casos do inciso II a aplicação da lei brasileira depende do concurso
das seguintes condições
a) entrar o agente no território nacional
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a
punibilidade, segundo a lei mais favorável
CP, art. 7º: Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
(...)
II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada,
quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.
Além disso, o art. 7°, § 3º, também consiste em mais uma hipótese de
extraterritorialidade condicionada. Contudo, além de exigir as condições supracitadas no § 2 º,
exige também mais duas outras condições. Trata-se da consagração do princípio da
personalidade passiva, segundo o qual o Brasil pode punir crime cometido contra brasileiro fora
do Brasil.
CP, art. 7º, § 3º: A lei brasileira aplica se também ao crime cometido por estrangeiro contra
brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.
2. Teorias da Ação
A conduta é o que dá corpo ao fato punível, constituindo o elemento central do seu
conceito. Antes de analisar se uma conduta é típica, ilícita e culpável, é preciso verificar o que
se entende por conduta penalmente relevante. Afinal, apenas ações podem constituir crime.
Inexistindo ação, não se chega a verificar nem o primeiro elemento do conceito analítico de
crime.
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Será visto mais a frente que, na verdade, os elementos psicológicos (dolo e culpa) integram o aspecto da
tipicidade, e não da culpabilidade. Uma ação típica não somente é aquela que dá causa ao resultado naturalístico,
visto que para uma conduta ser típica, é preciso de tipicidade objetiva e subjetiva, ou seja, são reunidos elementos
objetivos e subjetivos. A tipicidade objetiva consiste na observância do resultado descrito na norma, ou seja, nessa
relação entre a conduta e o resultado por ela causado. Contudo, é preciso considerar também a presença de
tipicidade subjetiva. Para que um fato seja subjetivamente típico, o agente precisa ter agido com dolo ou, no
mínimo, com culpa em relação a ele.
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3. Tipicidade
Analisada a conduta penalmente relevante, resta perquirir se ela se reveste de tipicidade,
que é a adequação da conduta ao tipo penal. Se a conduta se adequar ao tipo, falamos que é
típica. Exemplo: Tício matou intencionalmente Mévio na Central do Brasil. A conduta se
adequa, em tese, ao tipo do art. 121 do CP (matar alguém). Destarte, o fato é típico. Será atípica
a conduta que não se adequa perfeitamente ao tipo ou que simplesmente não é tipificada.
Nesse sentido, os tipos penais estão previstos na Parte Especial do Código Penal, além
de estarem espalhados também em Leis Extravagantes, como na Lei de Drogas. No art. 121,
por exemplo, está presente o tipo penal do homicídio:
Art. 121. Matar alguém.
deu causa. Ex.: Mévio atira em Tício, levando este à morte. Se o disparo não tivesse sido feito,
Tício não morreria. Logo, o comportamento de Mévio deu causa ao resultado. Incluindo um
outro agente: Patrícia, amiga de Mévio, o emprestou a arma. Se ela não tivesse emprestado, o
resultado morte também desapareceria. Conclui-se então que seu comportamento também deu
causa ao resultado.
Daí surge o principal problema decorrente dessa teoria: o regresso ao infinito. Seguindo
o exemplo supracitado, o fabricante da arma deu causa ao resultado, e até mesmo os pais de
Mévio deram causa ao resultado em razão de terem o colocado no mundo. Teríamos uma cadeia
infinita de causas. Em razão disso, é necessário limitá-la, pois nem toda causa do resultado pode
ser considerada equivalente. É preciso um critério para decidir quais causas devem ser punidas.
Além disso, outros problemas surgem com essa teoria, como no caso das causalidades
alternativas e da causalidade reserva. Um exemplo de causalidade alternativa ocorre nos
seguintes termos: Tício e Mévio, cada um desconhecendo a conduta do outro2, colocam doses
de veneno na bebida de Caio. A dose colocada por Tício, isoladamente, não seria
suficientemente letal para matar a vítima, assim como a dose colocada por Mévio. Entretanto,
juntas, acabam por matar Caio. Nesse caso, seguindo o processo hipotético de eliminação, a
conduta de nenhum dos agentes seria tida como causa. Afinal, caso o veneno colocado por Tício
fosse eliminado, Caio não morreria, ocorrendo o mesmo caso a dose de Mévio fosse
hipoteticamente removida. Um outro problema surge no caso de causalidade reserva, que pode
ser exemplificado nos seguintes termos: Ricardo mata Roberta alguns minutos antes da vítima
embarcar em um voo. Posteriormente, ocorre que todos que embarcaram nesse avião morrem
em um trágico acidente, sem nenhum sobrevivente. Caso a conduta de Ricardo seja removida,
a morte de Roberta muito provavelmente continuaria ocorrendo, o que, segundo a teoria da
equivalência dos antecedentes, concluiria que o disparo de Ricardo não foi causa da morte de
Roberta –o que evidentemente não faz sentido, sobretudo porque não podemos trabalhar em
cima de probabilidades; por mais que muito provavelmente Roberta viesse a morrer de qualquer
forma, talvez houvesse a chance dela ser a única sobrevivente.
O caput do art. 13 do CP é o dispositivo legal que regula a relação de causalidade:
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Conforme se pode conferir, o CP adotou expressamente a teoria da conditio sine qua
non. Todavia, conforme exposto acima, ela possui alguns problemas, sobretudo no que diz
respeito ao regresso ao infinito. Por isso, torna-se necessário limitar essa definição de
causalidade, o que é feito pelo próprio artigo 13 do Código Penal, no § 1º:
Art. 13, § 1°. A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação
quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os
praticou.
Há casos em que o curso do processo causal é interrompido por uma outra causa, ou
seja, duas situações –uma original e uma superveniente- coexistem para a existência de um
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Importante destacar que um não conhece a conduta do outro, pois, caso estivessem agindo em concurso, isto
é, juntos, o resultado morte seria atribuído a ambos os agentes e seria irrelevante a quantidade da dose colocada
por cada um deles isoladamente.
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mesmo resultado, sendo mais difícil determinar se ambas são causa ou se apenas uma delas é.
É o caso, por exemplo, de vítima que acaba de tomar uma bebida envenenada por Caio. Antes
do veneno fazer efeito, a vítima, de repente, leva um tiro disparado por Mévio, que não tinha
conhecimento da conduta de Caio e vice-versa. O curso causal do envenenamento foi
interrompido pela superveniência de uma outra causa, representada pelo disparo.
A causa posterior que sobrevém pode ser classificada como relativamente independente
ou absolutamente independente. A concausa absolutamente independente e superveniente é
aquela que não se origina do comportamento originário (da primeira causa), sendo por isso
independente desta. Além, disso, é superveniente porque surge após a primeira causa. É o caso
do exemplo trazido no parágrafo anterior. O disparo realizado que gerou efetivamente o
resultado morte não é um desdobramento do envenenamento, havendo independência entre
essas duas causas. O disparo teria acontecido mesmo que o envenenamento não tivesse
ocorrido. Por esse motivo, Caio, o agente que ministrou o veneno, não poderá responder pelo
resultado morte gerado por uma causa posterior que nada teve a ver com a sua conduta.
Consequentemente, ele responde apenas pela tentativa de homicídio, por não ter sido a sua
conduta a causa da morte.
Em relação às concausas superveniente relativamente independentes, há duas
hipóteses: a causa que que NÃO POR SI SÓ e a que POR SI SÓ produziu o resultado.
Primeiramente, a concausa relativamente independente é aquela que se origina da
causa/situação originária, ainda que indiretamente. É o caso do seguinte exemplo: Caio, com o
intuito de matar, atirou em Mévio. Contudo, Mévio fica apenas ferido e é levado até o hospital
mais próximo. Pouco tempo depois, ocorre um incêndio fatal no hospital que acaba por matar
Mévio. A causa posterior (incêndio) que resultou na morte da vítima é apenas relativamente
independente em relação à causa originária (disparo), na medida em que Mévio só estava no
hospital em decorrência do ferimento causado por Caio. Nesse caso, fica a questão: o disparo
de Caio foi causa da morte de Mévio?
Para responder a essa pergunta, torna-se necessário analisar se a concausa relativamente
independente produziu por si só o resultado ou se não por si só o produziu. No exemplo dado,
o incêndio produziu por si só a morte de Mévio, isto é, é como se por si só tivesse dado causa
à morte. Nessas hipóteses, a concausa superveniente consiste em um evento imprevisível, que
está fora do desdobramento normal dos fatos e da conduta praticada. Por mais que ele tenha
ligação com a causa originária, a causa real e efetiva da morte só pode ser atribuída ao incêndio.
Por isso, aplicando-se o que dispõe o art. 13, “a superveniência de causa relativamente
independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado”. Em outras palavras,
a causa relativamente independente posterior impossibilita que o resultado morte seja atribuído
ao disparo, na medida em que, sozinha, produziu a morte. Novamente, Caio responderá apenas
por tentativa de homicídio.
Já as concausas relativamente independentes que não produzem por si só o resultado
são aquelas que geram o resultado de maneira concomitante à causa anterior. Ou seja, o
resultado só ocorre devido ao somatório das duas causas, de modo que a segunda causa seja um
desdobramento normal da primeira. Tomando o exemplo anterior como base, imagine outro
desdobramento: No caminho para o hospital, a ambulância que levava Mévio sofre um acidente,
de modo a agravar os seus ferimentos. Com isso, Mévio morre em virtude de hemorragia
decorrente do agravamento dos ferimentos causados pelo disparo. Nesse caso, novamente, a
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causa posterior (acidente) só ocorreu porque Mévio levou o tiro e precisou ser transportado para
o hospital, sendo, por esse motivo, relativamente independente. Contudo, mais do que isso, a
morte de Mévio só ocorre em virtude dos ferimentos causados por Caio. Neste caso, o
agravamento dos ferimentos por eventual causa posterior consiste em um desvio regular do
nexo causal e não exclui a imputação pela morte, isto é, não anula a importância da conduta
anterior. Sendo assim, a concausa relativamente independente que não produziu por si só o
resultado NÃO EXCLUI A IMPUTAÇÃO. Por isso, Caio responderá por homicídio doloso
consumado.
Concausa
Superveniente
Relativamente Absolutamente
Independente Independente
Portanto, pela teoria da equivalência dos antecedentes, a lesão provocada por Caio seria
certamente tida como causa do resultado morte. Entretanto, por meio da teoria da causalidade
adequada, seria possível excluir o resultado morte do nexo de imputação quando faltasse para
o autor da lesão a previsibilidade objetiva da possibilidade de produção daquele resultado
concreto (imaginemos que o autor da lesão dolosa não saiba que a vítima era hemofílica).
Segundo a teoria da imputação objetiva, que é a mais moderna acerca do tema e faz
parte do chamado funcionalismo teleológico de Claus Roxin, além de todos os elementos do
tipo objetivo (ação, nexo de causalidade, resultado etc), é necessária ainda a criação de um risco
proibido. Caso não haja o risco criado, o fato será atípico.
A finalidade da teoria da teoria da imputação objetiva é indicar quando a mera
causalidade se torna uma causalidade típica. Sendo assim, a teoria vai propor critérios objetivos
normativos para indicar entre as causas do resultado quais são típicas (quais são ações causais
típicas). Assim, essa teoria busca indicar critérios concretos e evidentes para dizer se a ação é
causa do resultado e se merece punição no âmbito penal.
O ponto de partida consiste na finalidade do direito penal. Claus Roxin aponta como
finalidade do direito penal a proteção de bens jurídicos. Sendo assim, somente podem ser
consideradas típicas aquelas ações consideradas perigosas para o bem jurídico, isto é, capazes
de afetar o bem jurídico. Se a ação não é perigosa, não há por que proibí-la no âmbito penal.
Os adeptos dessa teoria buscam, portanto, responder: quando uma ação é considerada
perigosa a ponto de justificar a punição penal? Para justificar a intervenção penal, a ação deve
(1) criar ou elevar o risco de realização do resultado; (2) de modo que o resultado venha
efetivamente se verificar como decorrência daquele aumento; 3) tudo transcorrendo dentro do
alcance do tipo penal.
O primeiro requisito, a criação de um risco jurídico-penal relevante, visa identificar se
a conduta praticada pelo agente infringe alguma norma do convívio social, e pode ser valorada
como tipicamente relevante. Em caso afirmativo, pode-se dizer que a conduta representa a
criação de um risco jurídico-penal proibido, sendo, nesse sentido, relevante para o Direito
Penal. Exemplo: Um tio dá uma passagem aérea ao sobrinho com a intenção de matá-lo em
uma eventual queda de avião (o tio fica rezando para o avião cair). Essa atitude, por si só,
evidentemente não é uma atitude apta a matar, afinal a possibilidade de o avião cair é remota,
não havendo nenhuma elevação de risco para a realização do resultado.
Caso a conduta tenha de fato elevado o risco de realização do resultado, para atribuir o
resultado a quem gerou esse risco é necessário perquirir se esse resultado realmente decorreu
da ação perigosa que gerou o risco proibido. É necessário investigar se o resultado está dentro
do âmbito de proteção da norma violada.
Art. 18, I - Diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de
produzi-lo.
Dolo direto: Art. 18, I, primeira parte, do CP (quando o agente quis o resultado). O dolo
direto pode ser 1° grau ou de 2° grau.
Dolo direto de 1º grau: O agente age de forma direta para produzir o resultado.
Ex.: A atira em B com a intenção de matá-lo.
Dolo direto de 2º grau: também chamado de dolo de consequência necessária.
O resultado é consequência inevitável (necessária) da conduta, daí que pode se
dizer que foi dolosa. Ex.: A quer matar B e coloca um explosivo no carro deste.
O meio escolhido, o explosivo no veículo, provocará inevitavelmente o crime de
dano. Destruir o carro também é conduta dolosa em razão de ser a consequência
necessária do meio escolhido.
Dolo Eventual: Art. 18, II, segunda parte, do CP – (“ou assumiu o risco de produzi-
lo”). No dolo eventual, a pessoa prevê o resultado e ainda assim não deixa de praticar a ação,
porque ela não se importa com ele. Fórmula de Frank: “se o agente diz a si próprio: seja como
for, dê no que der, em qualquer caso, não deixo de agir, é responsável a título de dolo eventual”.
Ex.: A está numa corrida de racha, com várias pessoas na rua, prevê que pode matar alguém,
mas mesmo assim pouco se importa se isto realmente acontecer, assumindo o risco de produzir
a morte.
É preciso diferenciar o dolo das modalidades de culpa. O tipo subjetivo dos crimes
dolosos, como visto aqui, é sempre o DOLO. Já o tipo subjetivo do crime culposo é a CULPA.
Por isso, faz-se necessário distinguir as modalidades de dolo e as modalidades de culpa,
sobretudo no que diz respeito ao embate entre dolo eventual e culpa consciente.
Culpa inconsciente: Ocorre quando o agente não previu o resultado, embora poderia
ter previsto segundo a previsibilidade objetiva: consiste na imprevisão do que era previsível.
Ex.: Aroldo ultrapassa a velocidade máxima permitida e atropela uma criança que não tinha
visto que estava atravessando a rua para pegar uma bola. Aroldo responde pelas lesões
provocadas na criança porque o resultado era previsível –embora o agente não o tenha previsto.
Culpa consciente: O agente prevê o resultado, porém acredita, por ingenuidade ou
excesso de confiança, que ele não vai ocorrer. Esse conceito é próximo do de dolo eventual,
mas dele difere porque neste o agente não se importa com o resultado. É extremamente difícil
no plano do caso concreto realizar essa distinção, pois em ambos os casos o agente prevê o
resultado provável. Contudo, em teoria, na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas
não concorda com ele, acreditando inclusive que ele não ocorrerá. Já no dolo eventual, o agente
prevê o resultado e concorda com ele, pouco se importando se ele sobrevir ou não.
A diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente pode ser dada também nos
seguintes termos: o autor teria praticado a conduta se soubesse, com certeza, que o
resultado ocorreria? O dolo eventual está configurado se o autor respondesse positivamente
que teria praticado a conduta independentemente do resultado. Já a culpa consciente deveria ser
afirmada quando a resposta do autor fosse negativa, de que não praticaria a conduta ao saber da
certeza do resultado.
4.2.2 Erro de Tipo, Erro sobre a Pessoa e Erro na Execução
Ainda dentro do estudo da tipicidade subjetiva, estuda-se o erro de tipo. Para que um
fato seja típico, é necessário que ele preencha todos os elementos objetivos e subjetivos
previstos no tipo penal. Na falta de qualquer elemento, o fato será atípico. Existe uma
importante causa de exclusão de tipicidade que merece atenção: o erro de tipo.
Como visto, o dolo é composto por dois elementos: cognitivo (consciência do fato) e
volitivo (vontade de praticar o fato). Quando o agente erra sobre algum elemento do tipo, o dolo
é excluído, fazendo com que, consequentemente, a tipicidade (subjetiva) seja excluída no caso
dos tipos dolosos.
O erro de tipo consiste em uma falsa percepção da realidade que incide sobre um
elemento constitutivo do tipo, fazendo com que o agente não saiba o que está fazendo (falta-
lhe o elemento cognitivo do dolo). O erro de tipo está previsto no caput do art. 20 do CP:
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal exclui o dolo, mas permite a
punição por crime culposo, se previsto em lei.
Exemplo: Art. 155 do CP - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Se uma
pessoa subtrai coisa alheia achando que fosse sua, incorre em erro de tipo, porque se
enganou/errou quanto ao elemento do tipo de furto (coisa alheia). Exemplo: Roberta
encontrava-se em um curso preparatório para concurso. Ao final da aula, resolveu ir comprar
um café na cantina do local, tendo deixado seu notebook carregando na tomada. Ao retornar,
retirou um notebook da tomada e foi para sua residência. Ao chegar em casa, foi informada de
que foi realizado registro de ocorrência na Delegacia em seu desfavor, tendo em vista que as
câmeras de segurança da sala de aula captaram o momento em que subtraiu o notebook de
Cláudia, sua colega de classe, que havia colocado seu computador para carregar em substituição
ao de Roberta, o qual estava ao lado. Roberta, em seu interrogatório, confirma os fatos, mas
esclarece que acreditava que o notebook subtraído era seu e, por isso, levara-o para casa.
Da redação do caput do art. 20 do CP decorrem duas modalidades de erro de tipo:
Invencível (inevitável): exclui o dolo e a culpa. Aqui o erro não poderia ser
evitado em nenhuma circunstância. Se qualquer pessoa erraria na mesma
circunstância, o erro não pode ser atribuído ao agente nem mesmo por culpa.
Vencível (evitável): exclui somente o dolo, mas o agente pode responder por
culpa, se o tipo prevê a modalidade culposa, pois o erro, nesse caso, poderia ser
evitado.
Exemplo: dois amigos acampam em uma floresta e um deles se veste com uma fantasia
de onça para assustar o outro, que realmente acredita se tratar de um animal selvagem e, por
isso, atira no amigo fantasiado. Nesse caso, como o amigo que atirou errou sobre o elemento
“alguém” do tipo de homicídio (art. 121, caput, do CP: matar alguém), não pode responder por
homicídio doloso. No entanto, é necessário verificar se o agente agiu com culpa ou não, a partir
do critério do homem prudente. Se o agente poderia ter previsto e evitado se fosse mais
cuidadoso, então responderá por homicídio culposo (neste caso, o erro de tipo é vencível). Se,
porém, qualquer pessoa não poderia ter previsto que o animal na verdade se tratava de uma
pessoa fantasiada, então o erro de tipo é inevitável e exclui o dolo e a culpa e o agente não
responde por crime algum.
O erro de tipo não se confunde com o erro sobre a pessoa e o erro na execução. O
erro sobre a pessoa é apresentado no § 3º do Art. 20:
Art. 20, § 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de
pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa
contra quem o agente queria praticar o crime.
No erro sobre a pessoa, é irrelevante o erro. O dolo subsiste, uma vez que o agente quer,
de fato, praticar o que pratica, enganando-se apenas em relação à pessoa cuja conduta recai.
Assim, o agente pratica crime contra uma vítima determinada, imaginando, todavia, que fosse
outra. Nesse caso, ele responde como se tivesse atingido a pessoa visada. Exemplo: Jorge entra
na casa de seu pai, com a intenção de matá-lo. Ao ver uma pessoa embaixo da coberta no sofá,
supõe ser seu pai e atira contra ela. No entanto, descobre depois que não se tratava de seu pai,
e sim de um amigo dele. Além de responder por homicídio doloso, Jorge também responderá
pela agravante prevista no art. 61, I, e: “ter o agente cometido o crime contra ascendente,
descendente, irmão ou cônjuge”. Mesmo que a vítima atingida (vítima real) não tenha sido seu
ascendente, este foi a vítima pretendida (vítima virtual). E, como dispõe o art. 20, consideram-
se as qualidades da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
Já o erro na execução (aberratio ictus) é apresentado no art. 73 do Código Penal:
Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de
atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse
praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código.
O erro na execução também não exclui o dolo e segue a mesma disposição que consta
no erro quanto à pessoa. Ele surge por acidente ou erro nos meios de execução. Não há falsa
representação da realidade, como no erro da pessoa, mas sim um erro de execução, seja por
imperícia ou acidente. Exemplo: Jorge, querendo matar seu pai, acidentalmente mata seu amigo,
Carlos, que estava próximo, em razão de um erro de pontaria. Não há um erro aqui quanto à
pessoa, mas Jorge continuará respondendo pela agravante de crime cometido contra ascendente,
pois a vítima pretendida foi seu pai.
O erro na execução pode, ainda, causa um resultado diverso do pretendido, tal como
dispõe o art. 74:
Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do
crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é
previsto como crime culposo
Trata-se de hipótese na qual o agente, também por um erro na execução, atinge bem
jurídico de espécie diversa (diferentemente do art. 73, no qual o agente quer atingir uma pessoa,
mas atinge outra, tratando-se de violação ao mesmo bem jurídico –a vida). Nesse caso, o agente
responde por culpa pelo resultado não pretendido se este configurar como crime culposo. Do
contrário, não responde pela ofensa a bem jurídico diverso caso não haja previsão do crime à
título de culpa. Exemplo: A, pretendendo matar B, atira contra ele, mas o disparo acaba por
acertar a vitrina de uma loja ao lado (resultado diverso do pretendido). A responderá apenas por
tentativa de homicídio, não respondendo pelo crime de dano que cometeu ao quebrar o vidro,
uma vez que não existe modalidade de dano culposa.
Tipo omissivo próprio: o tipo penal descreve um “não fazer algo” (uma abstenção de
comportamento) sendo então a norma penal mandamental (o agente deveria agir, mas não age).
Exemplos: art. 135 do CP (omissão de socorro); art. 269 do CP (omissão de notificação de
doença). No tipo omissivo próprio, o sujeito ativo é comum, ou seja, qualquer um pode praticá-
lo. Aqui o dever de ajuda decorre de um dever de solidariedade necessária a todos que vivem
em sociedade, sendo um dever imposto a todos. Então, se o sujeito é maior e capaz e vê uma
criança abandonada, entende-se que ele deve prestar assistência a ela para não incorrer no crime
de omissão de socorro.
Tipo omissivo impróprio ou comissivo por omissão: ocorre quando um agente não
faz uma ação predeterminada exigida a ele face ao Direito. Assim, o sujeito que deveria evitar
o injusto é punido pelo tipo penal comissivo que corresponde ao resultado. O sujeito que deveria
evitar o injusto é chamado de garantidor. Esta posição consiste no dever atribuído a alguém
para garantir a proteção ao bem jurídico de outrem, atribuição dada devido à posição que
mantém em relação ao titular do bem (o sujeito ativo é especial, e não comum como no crime
omissivo próprio). Portanto, não é qualquer pessoa que pode praticar o tipo omissivo impróprio;
é preciso que o agente esteja em uma das posições definidas no rol 2º do art. 13, do CP.
O dever de agir nos crimes omissivos impróprios incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: É o exemplo
dos pais em relação aos filhos menores. Se uma mãe vê seu filho afogando e
nada faz, mesmo podendo fazer, responde não por omissão de socorro e sim por
homicídio. Nesse caso, a mão responde por homicídio por omissão, e não
meramente por omissão de socorro.
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado: É o
exemplo da mulher que se comprometeu a cuidar do filho da família vizinha ou
do pedestre que assumiu a responsabilidade de auxiliar um cego a atravessar a
rua.
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do
resultado: Significa dizer que quem cria o perigo, mesmo que culposamente,
tem o dever jurídico de afastá-lo. É o exemplo de quem joga um amigo, em uma
brincadeira, na piscina. Com esse comportamento, o agente criou o risco de
ocorrência do resultado e não pode se abster de salvá-lo diante de eventual
afogamento. Caso ocorra a morte do amigo e o agente nada tenha feito para
salvá-lo, responderá também por homicídio por omissão, tendo a sua vista a sua
posição de garantidor.
Importante observar que os crimes comissivos por omissão podem ser praticados de
maneira dolosa ou culposa. Na hipótese culposa, o agente viola dois tipos de normas: uma
norma que corresponde ao dever de agir (posição de garantidor do tipo omissivo impróprio) e
uma norma referente ao dever objetivo de cuidado. Ex.: “A”, salva vidas, conversa
distraidamente e não se dá conta dos gritos de socorro de um banhista, que se afoga na piscina.
“A” responde por homicídio culposo por omissão, com culpa inconsciente. Por outro lado, a
culpa será consciente se “A” tiver visto o banhista se afogando, mas tiver presumido que o
afogamento não ocorreria.
7. Ilicitude
Ilicitude é a contrariedade de determinada conduta típica com o ordenamento jurídico
em vigor. Nem toda violação da norma penal confere à conduta a qualidade de ilícita. Assim,
nem todo fato típico é ilícito (mas todo fato ilícito é típico). Existem condutas típicas que, pela
posição particular em que se encontra o agente ao praticá-las, se apresentam em face do Direito
como lícitas.
O fato típico será também ilícito quando sobre a conduta não incidir nenhuma causa
excludente de ilicitude. As causas legais excludentes de ilicitudes (ou causas de justificação)
estão previstas no art. 23 do CP: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento
do dever legal e exercício regular do direito. A doutrina e jurisprudência construíram ainda uma
causa supralegal excludente de ilicitude, que é o consentimento do ofendido.
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em
legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito
No caso de não incidir nenhuma causa excludente de ilicitude sobre o fato típico, então
este será ilícito. O fato típico e ilícito é chamado de injusto penal. Porém, vale ressaltar que
somente é crime o fato típico, ilícito e culpável.
7.1 Causas Legais de Exclusão da Ilicitude
Estado de Necessidade: A necessidade pode justificar um fato típico. O estado de
necessidade é uma situação em que se encontra a pessoa que, para salvar de perigo atual um
bem jurídico próprio ou alheio, é obrigado a sacrificar um bem jurídico de outrem. No estado
de necessidade há uma colisão de bens ou interesses juridicamente tutelados. Ex.: dois
náufragos disputam a mesma tábua, que não suporta mais de um; uma vida terá de ser
sacrificada para salvar a outra. Assim, é necessário fazer um juízo de ponderação entre os bens
jurídicos em perigo: o bem sacrificado deve ser menor ou igual ao bem jurídico da pessoa que
sacrificou. No caso em questão, o bem jurídico a ser sacrificado (vida) é o mesmo bem jurídico
daquele a ser protegido. Se o bem jurídico sacrificado for de maior valor, não há que se falar
em exclusão de ilicitude. Ex: Agente, para salvar seu patrimônio, mata alguém.
Para o estado de necessidade configurar-se no direito penal é exigido: a) a existência de
uma situação de perigo atual e inevitável para um bem jurídico do agente ou de outrem; b) que
este perigo não tenha sido provocado voluntariamente pelo agente; c) que, nas circunstâncias,
não se possa razoavelmente exigir o sacrifício do bem ameaçado.
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo
atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou
alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Importante ressaltar, ainda, que não pode alegar estado de necessidade aquele que tem,
nas condições em que atua, o dever legal de correr o risco do sacrifício do próprio bem (art. 24,
§1º, CP). Ex: O bombeiro não pode alegar estado de necessidade para se abster de salvar
moradores de um prédio em chamas.
Legítima defesa: É a situação da pessoa que reage, com emprego moderado dos meios
necessários, na proteção de um bem jurídico próprio ou alheio, contra injusta agressão humana
atual ou iminente. Para haver legítima defesa é necessário existir uma agressão injusta.
Agressão injusta é aquela agressão humana contrária ao Direito (ilícita). Além disso, é
necessário sempre observar o emprego moderado dos meios necessários. Não se pode alegar
legítima defesa se alguém é xingado e, por isso, dá tiros no ofensor.
Ademais, a agressão deve ser atual ou iminente. Se a agressão já se encerrou, não se
pode alegar legítima defesa. Essa agressão, contudo, pode ser a bem jurídico próprio ou alheio.
Assim, podemos falar em legítima defesa própria e legítima defesa de terceiro.
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Em resumo, para que se tenha a legítima defesa, devem estar presentes os seguintes
requisitos: a) uma agressão injusta atual ou iminente a um bem jurídico próprio ou de outrem
ameaçado pela agressão e b) emprego moderado dos meios necessários na repulsa.
Estrito cumprimento de dever legal: São comportamentos autorizados por todo nosso
ordenamento jurídico. São situações em que a ordem jurídica determina que o fato, embora
típico, trata-se de estrito cumprimento do dever legal. É uma excludente de ilicitude em branco,
pois é necessário recorrer a outros ramos do Direito para saber se a ação típica do agente pode
ser lícita. Por exemplo: policiais que privam a liberdade das pessoas praticam ação típica de
sequestro (art. 148 do CP: privar alguém de sua liberdade...), mas não é ilícita porque atuam em
estrito cumprimento do dever imposto pelo art. 301 do Código de Processo Penal. São requisitos
dessa excludente:
Dever legal: é necessário que haja um dever legal, que é oriundo unicamente da
lei.
Estrito cumprimento: A permissão para a realização da conduta está vinculada
aos estritos limites da lei que instituiu o dever. Portanto, o policial, embora seja
autorizado a praticar determinadas condutas, não pode exceder o limite
estabelecido para o cumprimento de seu dever.
Exercício regular do direito: Tendo aquele que realiza a conduta examinada o direito
de fazer o que fez, não pode haver crime. Exemplo: intervenções cirúrgicas são ações típicas
de lesão corporal, mas os médicos têm o direito de fazê-las. Ex.: Casos de intervenção cirúrgica
como exercício regular de direito –mais especificamente, as intervenções cirúrgicas estéticas.
Embora a intervenção cirúrgica resulte em uma lesão corporal, a sua realização consiste no
exercício regular de um direito.
7.2 Causa Supralegal de Exclusão da Ilicitude: Consentimento do Ofendido
Os doutrinadores ainda admitem uma causa supralegal excludente de ilicitude, que é o
consentimento do ofendido quanto à lesão de seus próprios bens jurídicos disponíveis. Para
tanto, são necessários alguns requisitos, dentre os quais: o bem jurídico deve ser disponível, a
autorização de consentimento deve ser expressa etc. O patrimônio é disponível, mas a vida não.
Assim, uma pessoa pode consentir que uma outra destrua um carro seu, mas não sua vida.
Como já visto, o erro de tipo versa sobre elementos da conduta típica. O agente erra
em relação a um dos elementos do tipo penal. Ex: Caio erra sobre a condição da coisa alheia no
furto, supondo-a própria, pegando um celular em cima da mesa que acha ser seu. Nesse caso, o
agente conhece a proibição legal, mas não conhece a própria conduta. Ele sabe que furtar é
crime, mas não sabe que o que faz corresponde ao tipo de furto, pois não sabe que a coisa que
subtrai não é sua. O erro de tipo exclui sempre o dolo. No entanto, pode haver punição na
modalidade culposa dependendo se o erro de tipo for invencível ou vencível:
Erro de tipo invencível (inevitável): exclui tipicidade dolosa e possível
tipicidade culposa. Se qualquer pessoa erraria na mesma circunstância, o erro
não pode ser atribuído ao agente por culpa. Nessa hipótese, o fato praticado é
totalmente atípico, pois falta completa tipicidade subjetiva (visto que não há dolo
e nem culpa).
Erro de tipo vencível (evitável): exclui a tipicidade dolosa, mas não a culposa,
se previsto o fato como crime culposo. É o caso do caçador que atira no amigo
atrás de uma árvore, pensando se tratar de um animal. Nesse caso, há erro de
tipo, pois o agente erra quanto ao elemento “alguém” do tipo de homicídio (art.
121), pensando se tratar de um animal. No entanto, o agente poderia ter sido
mais cauteloso e ter se certificado antes de atirar. Por isso, embora haja a
exclusão do dolo, não há exclusão da culpa, respondendo o agente nesse caso
por homicídio culposo. Nessa hipótese, o fato é típico, na medida em que há
culpa.
Já no erro de proibição, como na legítima defesa putativa, o agente supõe, por erro, ser
lícito o seu comportamento, acreditando que este não é contrário ao ordenamento. O agente
supõe permitida uma conduta proibida. O equívoco incide sobre o juízo de ilicitude de um
Monitora Luiza Faria Lima | Prof. André Vaz
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comportamento típico. Nesse caso, o dolo subsiste, pois o erro não recai sobre elementos do
tipo, de modo que o agente tenha a vontade de fazer exatamente o que faz. Há, conduto,
exclusão da culpabilidade na hipótese do erro de proibição ser inevitável:
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se
inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Erro de proibição invencível (inevitável): Se qualquer um recairia em erro na
mesma situação, então se diz que o erro é invencível. O erro de proibição
invencível exclui o último elemento do conceito analítico de crime: a
culpabilidade. No caso da legítima defesa putativa, o agente pensar agir
licitamente porque imagina, por erro, a existência de uma situação de fato que,
se existisse, tornaria a ação legítima. Caio, por exemplo, achando
equivocadamente que será agredido por Mévio, antecipa-se e dispara um golpe
contra ele. Apenas se o erro de Caio for invencível, estando presentes todas as
justificativas para a sua suposição, é que ele não responderá por crime algum.
Nesse caso, ele terá praticado um fato típico e ilícito (visto que não agiu
verdadeiramente em legítima defesa), mas não um fato culpável.
Erro de proibição vencível (evitável): Não exclui a culpabilidade, ou seja, a
punição se impõe e o crime fica configurado, mas a pena é reduzida de acordo
com o art. 21, com redução de 1/6 a 1/3.
Para diferenciar erro de tipo e erro de proibição, Welzel dá o seguinte exemplo no caso
do furto: “Quem subtrai coisa que erroneamente supõe ser sua, encontra-se em erro de tipo: não
sabe que subtrai coisa alheia; porém, quem acredita ter o direito de subtrair coisa alheia, como
o credor em face do devedor, encontra-se em erro sobre a antijuricidade.” Em outras palavras,
se Caio pega para si 100 reais que encontra na mesa de Tício, acreditando que sua conduta é
lícita, pois Tício lhe deve 200 reais, estará cometendo erro de proibição, e não erro de tipo, pois
sabe que a coisa não é sua, mas erra quanto à ilicitude do fato.
8. Culpabilidade
A culpabilidade consiste na reprovabilidade do agente que praticou a conduta típica e
ilícita. Enquanto a tipicidade e a ilicitude são o juízo de reprovação que recai sobre a conduta,
a culpabilidade constitui a reprovabilidade pessoal. Em outras palavras, a conduta pode ser
descrita como típica e ilícita, mas não como culpável. Culpabilidade consiste em um atributo
da pessoa: o agente pode ser ou não culpável.
A culpa é atributo de quem tem capacidade genérica de entender e querer
(imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude,
sendo-lhe exigível comportamento que se ajuste ao direito. São elementos da culpabilidade: 1)
imputabilidade, 2) potencial consciência da ilicitude, e 3) exigibilidade de conduta diversa.
Se esses são os requisitos, então excluem a culpabilidade a inimputabilidade, a falta de potencial
consciência da ilicitude (erro de proibição inevitável) e inexigibilidade de conduta diversa.
9.1 Inimputabilidade
A imputabilidade é o primeiro exame do juízo de culpabilidade. Ela é a possibilidade de
atribuir ao indivíduo a prática de conduta típica e ilícita para que se possa responsabilizá-lo. A
imputabilidade pressupõe a capacidade psíquica do agente, ou seja, a capacidade de ser
responsável penalmente pelo cometimento do fato punível. Quando o agente é incapaz de
compreender o caráter ilícito do fato, resta excluída a culpabilidade. Agente capaz, em direito
penal, é aquele mentalmente sadio e desenvolvido, capaz de entender a natureza ilícita do fato
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Neste caso, o legislador adotou o critério biopsicológico: é necessário um dado
biológico (doença mental), mas não basta apenas ele, é necessário ainda um exame que constate
que, em razão da doença mental, o agente era totalmente incapaz de autodeterminar-se. Sendo
totalmente incapaz, o agente é inimputável e a culpabilidade é excluída, devendo ele ser
absolvido. Porém, como o agente praticou um injusto penal (fato típico e ilícito), contra ele será
imposta uma medida se segurança, que pode ser um tratamento ambulatorial, por exemplo.
Nos termos do art. 26, parágrafo único, do CP, a pena pode ser reduzida de um a dois
terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. Neste caso, o indivíduo tem capacidade
psíquica reduzida, mas não é inteiramente incapaz. Assim, existe imputabilidade neste caso e o
agente pratica crime, mas a pena é reduzida.
Art. 28, § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso
fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
O CP diz que a emoção e a paixão NÃO excluem a imputabilidade (art. 28, I). Da mesma
forma, NÃO exclui a imputabilidade a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou
substância de efeitos análogos (art. 28, II). Somente exclui a imputabilidade a embriaguez
completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, que faz o agente ser inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art.
28, §1º).
Monitora Luiza Faria Lima | Prof. André Vaz
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Art. 28 § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,
proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a
plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento
Nos casos de embriaguez voluntária, culposa ou preordenada o agente é imputável, isto
é, pode ser responsabilizado criminalmente, ainda que em razão da embriaguez seja
inteiramente incapaz no momento da prática do injusto. Isso porque o legislador se orientou
pela Teoria da actio libera in causa. A referida teoria diz que o agente, nos casos de
embriaguez voluntária ou culposa, no momento que decidiu beber agiu consciente e
voluntariamente. Assim, ainda que seja inteiramente incapaz no momento da prática do fato em
função da embriaguez, o agente era psicologicamente capaz no momento em que decidiu beber.
O agente tem sua conduta dirigida pela vontade, porém, esta é viciada pela coação. A
finalidade delitiva manifestada no ato é isenta de reprovação, pois não decorre da decisão livre
do agente. Somente será punido quem realiza a coação (coator). Exemplo: Mévio coloca uma
arma na cabeça de Tício e o ameaça de morte, caso ele não digite a senha do banco que gere.
Se Tício digitar a senha, terá agido sob coação moral irresistível.
Quando a coação moral é resistível, ambos, coator e coato, são responsabilizados
penalmente. No entendo, aquele que cedeu à coação moral resistível tem a sua pena atenuada
(art. 65, III, c).
Ademais, é necessário não confundir coação moral irresistível com coação física
irresistível. Na coação física irresistível, a vontade do agente é totalmente suprimida e, em razão
Monitora Luiza Faria Lima | Prof. André Vaz
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Quando o agente atua em estrita obediência à ordem não manifestante ilegal, somente
responderá quem proferiu a ordem. Neste caso, o agente atua influenciado pela aparente
legalidade da ordem superior hierárquica. Por isso, não há culpabilidade por falta de
exigibilidade de conduta diversa.
Exemplo: Um policial recebe a ordem superior para prender uma pessoa. Policiais têm
o dever legal de prender pessoas em determinadas circunstâncias, por isso a ordem aqui é
aparentemente legal. Depois se descobre que o superior queria apenas se vingar da pessoa que
mandou prender sem motivo algum. O policial, inferior, não responde pela privação de
liberdade da vítima.
No entanto, se a ilegalidade é manifesta (evidente), o agente está obrigado a não acatar
a ordem. Caso receba uma ordem manifestante ilegal, o inferior deve desobedecê-la, pois se
cumpri-la irá ser responsabilizado penalmente por ela. Exemplo: delegado manda agente
policial fazer a seguinte proposta a um preso: “pague R$ 10 mil ao delegado que você será
libertado”. Diante da manifesta ilegalidade da ordem hierárquica, se o agente obedecer a ordem,
responderá por corrupção ao lado do delegado.
resultado deixa de ocorrer em virtude do agente – enquanto que na tentativa são circunstâncias
alheias à vontade do agente que interrompem a execução. Nesses dois casos, o agente responde
apenas pelos atos já praticados, se estes configurarem delito consumado.
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o
resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
A desistência voluntária ocorre antes do agente ter feito tudo que devia e podia ter
feito para a consumação. O agente que inicia a realização de uma conduta típica pode,
voluntariamente, interromper a sua execução. Isso caracteriza a tentativa abandonada. Não é
necessário que a desistência seja espontânea, basta que seja voluntária, sendo indiferente para
o direito penal essa distinção. Espontânea ocorre quando a ideia inicial parte do próprio agente,
e voluntária é a desistência sem coação moral ou física, mesmo que a ideia inicial tenha partido
de outrem, ou mesmo resultado de pedido da própria vítima.
No arrependimento eficaz o agente, após ter esgotado todos os meios de que dispunha
-necessários e suficientes-, arrepende-se e evita que o resultado aconteça. Isto é, pratica nova
atividade para evitar que o resultado ocorra. Aqui, também, não é necessário que seja
espontâneo, basta que seja voluntário.
Tanto na desistência voluntária como no arrependimento eficaz, o agente responderá
pelos atos já praticados. Ex: Caio, com a intenção de matar, começa a agredir Mévio. Contudo,
no meio da execução, desiste de dar continuidade, mesmo tendo condições, no momento, de
consumar o crime de homicídio. Nesse caso, diante da desistência voluntária, Caio deixa de
responder por aquilo que originalmente se propôs (homicídio). Não fica configurada a tentativa
de homicídio, mas sim a lesão corporal –essa sim consumada.
A desistência voluntária e o arrependimento eficaz ocorrem antes da consumação do
crime originariamente desejado pelo agente. É diferente de outra hipótese prevista pelo CP no
art. 16:
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou
restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a
pena será reduzida de um a dois terços.
No caso de arrependimento posterior, o agente se mostra arrependido após o momento
consumativo do crime. É diferente das hipóteses anteriores nas quais o arrependimento ocorria
antes da consumação. Nesse caso, a pena pode ser reduzida, desde presentes alguns requisitos:
a) crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa; b) reparação do dano ou restituição
da coisa e c) ressarcimento realizado antes do recebimento da denúncia ou queixa, isto é, antes
de ter início a ação penal.
É importante também ressaltar que a tentativa não é punível nos denominados crimes
impossíveis:
Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.
Crime impossível é aquele que não se pode consumar por absoluta inidoneidade do
meio ou por absoluta impropriedade do objeto. O meio absolutamente indôneo é aquele incapaz
de produzir resultado, em virtude de sua natureza. Ex: Agente, com a intenção de matar, tenta
Monitora Luiza Faria Lima | Prof. André Vaz
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atirar no seu inimigo com uma arma de brinquedo. A arma de brinquedo consiste em meio
indôneo, uma vez que é absolutamente incapaz de produzir o resultado morte. Já a
impropriedade absoluta do objeto ocorre quando o objeto não existe ou, nas circunstâncias em
que se encontra, torna impossível a consumação do crime. Ex: “A” alveja “B” sem saber que
“B” já está morto. Em ambos os exemplos dados, a tentativa do agente não é punível, uma vez
que se encontra configurado o crime impossível.