Caderno Direito Penal I

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Direito Penal I
Caderno de Monitor | Luiza Faria Lima

Parte I: Princípios e Teoria da Lei Penal


1. Introdução ao Direito Penal
O Direito Penal é um ramo do Direito Público, uma vez que o Estado se encontra
presente nas relações por ele regidas. Essa relação, mantida entre o Estado e o particular, baseia-
se na força, na medida em que o direito de punir constitui monopólio estatal. Do contrário, o
denominado exercício arbitrário das próprias razões, conhecido como “fazer justiça pelas
próprias mãos”, constitui crime –salvos em casos excepcionais nos quais a lei permitir, a
exemplo da legítima defesa.
Diante disso, a principal finalidade do Direito Penal deve ser a de limitar a atividade
punitiva estatal exercida diante da prática de um crime, estabelecendo padrões de
racionalidade que fundamentem e legitimem tal punição exercida pelo Estado.
1.1 Conceitos introdutórios: Crimes e Contravenções
Direito Penal é o ramo do ordenamento jurídico que define os crime e as contravenções
penais e comina penas e medida de seguranças. Segundo Bittencourt: “É um conjunto de
normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas
sanções correspondentes – penas e medidas de segurança”
Infração penal é o gênero que comporta duas espécies: crimes (ou delitos) e
contravenções penais. Os crimes são definidos por meio da descrição da conduta proibida e se
encontram na Parte Especial do Código Penal (art. 121 – 361). Essa descrição é chamada de
tipo penal. Na Parte Geral do Código Penal (art. 1-120), por sua vez, constam normas não
incriminadoras, as quais estabelecem parâmetros para o exercício do jus puniendi (ex.: art 1° -
“Não há crime sem lei anterior que o defina”).
As sanções penais, por sua vez, podem ser de 2 espécies: pena e medida de segurança
(ou de 3 espécies, segundo os doutrinadores que também consideram as medidas
socioeducativas). A pena é a resposta estatal à violação da norma penal e pode ser de reclusão
ou de detenção de no máximo 40 anos. Porém, somente é aplicada a quem pode ser reprovado
face o Direito, ou seja, a quem é imputável. Algumas pessoas, por falta de sanidade mental ou
por menoridade, não são reprováveis (inimputáveis) e, portanto, não estão sujeitas à pena. Aos
doentes mentais que praticam alguma conduta criminosa são aplicadas medidas de segurança
–que podem ser de 2 espécies: tratamento ambulatorial ou internação.
Já os menores de 18 anos não estão sujeitos ao Direito Penal e sim ao Direito da Criança
e do Adolescente, regulado pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Quando um
menor pratica algum fato análogo a crime, isto é, um ato infracional, contra ele é imposta uma
medida socioeducativa.

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O segundo gênero de infração penal consiste na contravenção, uma infração de menor


gravidade e, por isso, punida com pena de multa ou de prisão simples ou ambas
alternativamente ou cumulativamente. A pena de prisão simples, sendo mais branda, tem limite
máximo de 5 anos.
1.2 Conceitos de Crime
Segundo o conceito material, crime é toda ação ou omissão que contraria os valores ou
interesses do corpo social, exigindo sua proibição com a ameaça de pena. Representa,
sobretudo, um desvalor social, o qual causa uma ofensa considerada tão grave a determinado
bem jurídico socialmente relevante que a intervenção penal se faz necessária.
Pelo conceito formal, crime consiste na violação a uma norma penal incriminadora, ou
seja, é qualquer ação ou omissão proibida por lei, sob a ameaça de pena. Para essa definição
legal, o crime seria apenas uma das espécies do gênero infração penal, a qual abrange também
a contravenção penal. Enquanto o crime consiste em uma infração mais grave, punível com
penas de reclusão ou detenção de até 40 anos (art. 75, Código Penal), a contravenção é uma
infração mais branda, punível com penas de prisão simples de no máximo 5 anos (art. 10, Lei
de Contravenções Penais). É importante frisar, entretanto, que o ordenamento jurídico não
prevê apenas as penas privativas de liberdade, sendo cominadas também penas restritivas de
direitos (prestação de serviços à comunidade, perda de bens e valores, limitação de fim de
semana, interdição temporária de direitos, prestação pecuniária, etc) e penas de multa.
“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou
detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a
pena de mula; já a contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente,
pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”
(Art, 1°, Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro)
Por fim, o conceito analítico dispõe que os conceitos formal e material são insuficientes
para permitir à dogmática penal a realização de uma análise dos elementos estruturais do
conceito de crime, de modo a se tornar necessária a adoção de um conceito analítico de crime.
Sendo assim, crime é toda ação ou omissão típica, antijurídica (ou ilícita) e culpável. O
conceito analítico, para fins didáticos, é o mais importante para os estudos de Direito Penal 1.
Em teoria do crime, cada um desses 3 elementos será devidamente caracterizado e explicado.

2. Direitos Humanos e Princípios Limitadores do Poder Punitivo


O Direito Penal é regido por princípios estabelecidos explícita ou implicitamente na
Constituição Federal, sobretudo em seu artigo 5°. Em um Estado Democrático de Direito, esses
princípios representam garantias da liberdade individual dos cidadãos face ao poder punitivo
do Estado. Historicamente, o surgimento de muitos desses princípios remonta as ideias de
igualdade e de liberdade oriundas do período iluminista, que deram ao Direito Penal um caráter
menos cruel do que aquele que predominou durante o Estado Absolutista, impondo limites à
intervenção estatal nas liberdades individuais.

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2.1 Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal


CP, art. 1° | CF, art. 5°, XXXIX - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena
sem prévia cominação legal.
O princípio da legalidade é a garantia aos indivíduos de que a intervenção punitiva
estatal só tem autorização nos estreitos limites da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado
crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista
uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. Feuerbach, no início
do século XIX, consagrou o princípio da legalidade através da fórmula latina nullun crimen,
nulla poena sine lege (não há crime, não há pena sem lei). Dessa fórmula principal são extraídas
quatro importantes consequências do princípio da legalidade: nullun crimen, nulla poena sine
lege scripta (1), praevia (2), stricta (3) et certa (4).

 Nullum crimem nulla poena sine lege scripta


“Não há crime, não há pena, sem lei escrita” – Trata-se do princípio que estabelece a
proibição do costume como fonte da lei penal in malam partem (em malefício do réu). Apenas
a lei em sentido estrito é fonte formal do Direito Penal, ou seja, somente a lei pode definir
crimes e cominar penas. A exceção consiste nas hipóteses em que a aplicação do costume
beneficia o réu.
Além disso, o princípio se refere à existência de uma lei escrita. Contudo, existem
algumas leis penais que são complementadas não por uma outra lei prévia, mas por um prévio
decreto, regulamento ou outro ato de natureza administrativa (como portarias). Trata-se das
normas penais em branco, aquelas de tipo incompleto, em que a descrição das circunstâncias
elementares do fato tem de ser completada por outra disposição, legal ou administrativa,
existente ou futura, podendo ser uma lei, um decreto ou um regulamento. É o caso, por exemplo,
da Lei 11.343 (Lei de Drogas) que, em seu artigo 33, tipifica o crime do tráfico de drogas.
Contudo, a norma em si não determina o que é droga e o que não é. Por isso, o parágrafo 1° do
referido dispositivo dispõe que “para fins dessa lei, consideram-se como drogas as substâncias
ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em
listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Assim, no caso das normas
penais em branco, outras fontes do direito que não a lei podem complementar o preceito da
norma penal. No exemplo citado, a Lei de Drogas tem seu preceito complementado pela
Portaria da ANVISA de n.º 344/1998, responsável por estabelecer quais são as substâncias que
estarão abrangidas pela Lei de Drogas, visto que a lei em si não realiza essa determinação.

 Nullum crimen nulla poena sine lege praevia


CP, art. 2º: Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime,
cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos
fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado
“Não há crime, não há pena, sem lei prévia” – Trata-se do princípio da irretroatividade
da lei penal in malam partem. Uma lei penal somente incide sobre uma conduta se estava
vigente no momento da ação ou omissão que a violou. Não incide, desse modo, sobre fatos
passados anteriores à sua vigência. Em outras palavras, uma alteração mais gravosa na lei penal

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não pode gerar aplicação com efeito retroativo. Essa alteração mais gravosa pode se referir tanto
à hipótese de criação de nova lei incriminadora (novatio legis incriminadora), quanto à hipótese
em que a nova lei, mantendo a incriminação do fato, torna mais grave a situação do réu.
Entretanto, o princípio da irretroatividade da lei penal possui uma exceção: a
retroatividade da lei penal in bonam partem –em benefício do réu (art 2°, parágrafo único).
Apenas nessa hipótese, a lei penal retroage e atinge fatos ocorridos mesmo antes de sua entrada
em vigor. A alteração mais benéfica da lei pode se referir tanto à hipótese de descriminalização
de um fato incriminado por lei anterior (abolitio criminis), quanto à hipótese em que a nova lei,
sem suprimir a incriminação do fato, beneficia o agente, quer seja cominando pena mais branda,
quer seja de qualquer outro modo que melhore a situação do réu.
CP, Art. 3°: A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou
cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua
vigência.
Esse princípio admite, contudo, duas exceções previstas no artigo 3° do Código Penal:
a lei excepcional e a lei temporária. Esses dois tipos de leis possuem ultra-atividade, isto é,
produzem efeitos mesmo após findo o período de sua vigência. Leis excepcionais são aquelas
que visam atender a situações anormais da vida social, como guerras e epidemias, e que não
possuem prazo determinado para o fim de sua vigência. Elas deixam de viger quando o estado
social anormal que regulam acabar. Já as leis temporárias, diferentemente, são aquelas que
possuem estipulado um prazo para vigorarem, por elas próprias fixado. Essas leis precisam,
necessariamente, produzir efeitos no “futuro”, ou seja, mesmo após cessada a sua vigência,
visto que, caso contrário, a sua violação seria extremamente fácil.
 Nullum crimen nulla poena sine lege stricta
“Não há crime, não há pena, sem lei estrita” – Trata-se do princípio que estabelece a
proibição da analogia da lei penal in malam partem. A Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB), em seu artigo 4°, estabelece que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. Entretanto, no
Direito Penal, as normas penais incriminadoras apenas abrangem os casos por ela
expressamente contemplados. É vedada, portanto, toda e qualquer analogia realizada em
malefício do réu. Contudo, como já visto até aqui, sempre que a possibilidade for em benefício
do agente, ela poderá ser apreciada, de maneira que analogias in bonam partem sejam admitidas
em alguns casos, quando devidamente fundamentadas.
Ex.: CP, art. 226: “A pena é aumentada: II - de metade, se o agente é ascendente,
padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou
empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela”. Embora o
dispositivo fale de “cônjuge” e “companheiro” (hipótese de união estável), nada menciona
sobre formas mais informais de relacionamento afetivo, como o namoro. Logo, o agente que
comete crime contra namorada não poderia, em analogia, ter a sua pena aumentada.

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 Nullum crimen nulla poena sine lege certa


“Não há crime, não há pena, sem lei certa” – Trata-se do princípio que estabelece a
proibição da indeterminação da lei penal. Esta proibição veda o estabelecimento de
incriminações vagas e imprecisas, ou seja, a lei penal deve ser taxativa. A conduta proibida e
sua consequência devem ser definidas na lei, e não inferidas dela. São vedadas normas
excessivamente genéricas e imprecisas, as quais em última instância não delimitam fato típico
algum.
Como consequência, o legislador deve, na medida do possível, evitar o uso de
expressões vagas, equívocas ou ambíguas. Se são empregados de maneira excessiva conceitos
que necessitem de complementação valorativa, isto é, que não descrevem efetivamente a
conduta proibida, compete ao magistrado realizar um juízo valorativo para complementar a
descrição típica, o que gera graves violações à segurança jurídica.
2.2 Princípio da Lesividade ou Ofensividade
O princípio da lesividade vincula o direito penal ao objetivo de proteger materialmente
o bem jurídico. Sem lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem jurídico não pode haver
intervenção punitiva. O direito penal reprova somente aquelas condutas que atinjam
ofensivamente os bens jurídicos tutelados, de modo que o legislador deve abster-se de tipificar
como crime ações incapazes de lesar ou, no mínimo, colocar em perigo concreto o bem jurídico
protegido pela norma penal.
O Código Penal, em sua parte especial, é sistematizado em títulos e capítulos, nos quais
em cada um deles são reunidos crimes que lesionam um determinado bem jurídico em comum.
O Capítulo I da Parte Especial, por exemplo, reúne os crimes contra a vida, nos quais o bem
jurídico tutelado é justamente a vida. É o caso do artigo 121: “Matar alguém”. Já o Título II da
Parte Especial reúne os crimes contra o patrimônio, nos quais, novamente, o bem jurídico
tutelado é justamente o patrimônio, como no caso do crime de furto, de roubo, de extorsão, etc.
Em todos esses casos, os tipos penais descrevem hipóteses nas quais os bens jurídicos tutelados
estejam de fato lesionadas ou que, no mínimo, estejam sob ameaça concreta de lesão.
2.3 Princípio da Intervenção Mínima (da última ratio)
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como última ratio, orienta e
limita o poder incriminador do Estado, determinando que o Direito Penal deve ser o último
meio de controle social do sistema normativo, isto é, deve atuar somente quando os demais
ramos do Direito se revelarem incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do
indivíduo e da própria sociedade.
Esse princípio decorre do fato de que o direito penal deve interferir o menos possível na
vida das pessoas em sociedade, somente devendo ser solicitado quando os demais ramos do
direito (como o Direito Civil e o Direito Administrativo) não forem capazes de proteger aqueles
bens jurídicos considerados de maior importância. A atividade punitiva é a última razão (ultima
ratio) de um direito que respeita a dignidade da pessoa humana, nunca a primeira.
Esse princípio se relaciona, ainda, com o princípio da fragmentariedade, que
estabelece que o direito penal tem caráter fragmentário em relação à proteção de bens jurídicos.

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A proteção jurídico-penal é parcial e nunca integral. O direito penal protege apenas os


bens jurídicos mais importantes da sociedade e aqueles que foram ofendidos de forma mais
grave, ou seja, a proteção nunca é exaustiva.

2.4 Princípio da Culpabilidade


CF, art 5 º, XLV: Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos
sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
O princípio da culpabilidade limita a punição da pessoa condenada pela realização do
fato-crime. Somente se pode aplicar pena à pessoa quando e na medida em que se possa reprová-
la e, assim, toda pena pressupõe a culpabilidade de seu destinatário (nulla poena sine culpa).
Esse princípio possui dois aspectos importantes. Primeiro, diz respeito ao fato de a
responsabilidade penal não poder passar (transcender) das pessoas que praticaram o crime,
Sendo assim, nenhuma pessoa pode responder criminalmente pelos atos de outra; é preciso que
o agente considerado culpável tenha dado causa ao resultado ilícito e agido com dolo ou, no
mínimo, culpa. Além disso, um segundo aspecto significativo diz respeito também à aplicação
da pena. É preciso sempre que, no caso concreto, o juiz considere a culpabilidade do infrator.
Mesmo em casos de concurso de agentes –quando o mesmo fato é praticado por duas ou mais
pessoas-, a pena não pode ser aplicada de maneira conjunta ou coletiva, pois a culpabilidade de
cada um –seja essa mais ou menos reprovável- deve ser valorada, de modo que o art 5°, XLVI,
da Constituição estabeleça: “A lei regulará a individualização da pena”.
2.5 Princípio da Humanidade
CF, art. 5º, III: Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
O princípio da humanidade é deduzido da dignidade da pessoa humana como
fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF). Esse princípio sustenta que o
poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade do indivíduo ou que
lesione a constituição físico-psíquica dos condenados. Portanto, a justiça criminal não pode ser
exageradamente repressiva, devendo se preocupar com as consequências sociais da
incriminação e punição.
Como consequência desse princípio, em nosso ordenamento jurídico são expressamente
proibidas as penas de morte (salvo em caso de guerra), perpétuas, de trabalho forçado, de
banimento e cruéis (art. 5º, XLVII, CF). Ainda como consequência, há a garantia da integridade
física e moral dos presos (art. 5º, XLIX, CF e art. 38, CP).
2.6 Princípio da Insignificância ou Bagatela
O princípio da insignificância (da bagatela) impede a punição de lesões insignificantes
aos bens jurídicos. Lesões ínfimas ao bem jurídico não podem ser materialmente criminosas,
ou seja, a insignificância do bem jurídico exclui a tipicidade material da conduta. Uma pessoa
que subtrai para si um bombom, por exemplo, não pode ser punida por furto, haja vista que
mesmo a aplicação da pena mínima desse crime seria um exagero.

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Embora exista tipicidade formal nesses casos (haja vista a correspondência do fato
praticado com o tipo penal do furto, no caso do exemplo dado), inexiste a tipicidade material,
pois inexiste uma lesão que seja considerada relevante. Na análise do caso concreto, determinar
se a lesão foi ou não insignificante é difícil.

2.7 Princípio da Presunção de Inocência


Art. 5° LVII da CF: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”.
Esse princípio estabelece que o marco da presunção da inocência é o trânsito em julgado
de decisão condenatória, isto é, é preciso que todos os recursos tenham se esgotado –ou que as
partes do processo decidam não recorrer da decisão-, para que o acusado seja declarado culpado
e, a partir disso, possa cumprir a pena a ele imposta.
2.8 Princípio do Non Bis in Idem
O princípio do non bis in idem impede que uma pessoa sofra pena duas vezes por um
mesmo fato. O Código Penal trata expressamente desse princípio ao falar da pena cumprida no
estrangeiro. Se uma pessoa cumpre pena por um crime cometido no estrangeiro e vem ser
punida no Brasil pelo mesmo fato pratico, deve-se levar em conta o referido princípio nos
seguintes termos “a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo
crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas” (art. 8º do CP). Sendo assim,
quando as penas aplicadas ao agente no estrangeiro e no Brasil forem diferentes, como no caso
em que lá se aplica ao fato cometido pena restritiva de direito e aqui, privativa de liberdade,
então a pena cumprida no estrangeiro diminui a pena a ser imposta no Brasil. Se, porém, as
penas previstas para o fato são iguais (em ambos os países se aplica a privativa de liberdade,
por exemplo), então a pena cumprida no estrangeiro é computada naquela a ser cumprida no
Brasil. Exemplificando: Mévio cumpre 2 anos de reclusão no estrangeiro. No Brasil, pelo
mesmo fato é condenado a 3 anos de reclusão. Logo, Mévio deverá cumprir apenas 1 ano de
pena no Brasil
.

3. Aplicação da Lei Penal no Tempo

3.1 Tempo do Crime


A norma penal entra em vigor e passa a produzir efeitos no dia por ela indicado ou, na
falta de indicação, 45 dias após sua publicação (art. 1º, LINDB). A partir do momento que entrar
em vigor, a lei será aplicada, em regra, aos fatos praticados durante a sua vigência.
Assim, basta saber quando o crime foi praticado e aplicar a lei vigente à época do fato
(tempus regit actum). Entretanto, nem sempre esteve claro para a doutrina em que momento é
considerado que o crime foi praticado. O artigo 4° do Código Penal solucionou o impasse,
dispondo:

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Art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja
o momento do resultado.
O referido dispositivo dispõe que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a “Teoria
da Atividade” para definir o tempo do crime. Segundo essa teoria, o momento do crime é
aquele em que o sujeito ativo realizou a conduta proibida; o que importa é o tempo da ação ou
omissão, ainda que o resultado ocorra em momento posterior. Em contraponto, existem, ainda,
outras duas teorias: a Teoria do Resultado, na qual o momento do crime é aquele em que o
resultado foi produzido, e a Teoria da Ubiquidade (mista), na qual o momento é tanto aquele
da ação ou omissão, quanto o do resultado.
Exemplificando: Diego, nascido em 10/12/2000, quer matar seu desafeto Lúcio e então
desfere diversos disparos contra ele em 09/12/2018. A vítima é hospitalizada, mas morre em
20/12/2018. Neste caso, para analisar a responsabilidade penal de Diego, é necessário observar
a teoria da atividade. No momento da ação, ele tinha 17 anos (um dia antes de completar 18
anos). Assim, ainda que à época da morte da vítima ele já seja maior de 18 anos, não poderá
sofrer pena (e sim medida socioeducativa) em razão de sua inimputabilidade no momento da
ação.
3.2. Crime de Resultado x Crime de Mera Conduta
Apesar de todas essas teorias fazerem menção ao momento do resultado do crime, não
é sempre que há necessariamente um. Isso porque o delito, quanto à necessidade de existência
de resultado, pode ser classificado em crime de resultado ou em crime de mera conduta.
O crime de resultado, também chamado de material, descreve a conduta cujo resultado
integra o próprio tipo penal, isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um
resultado separado do comportamento que o precede. Desse modo, o fato típico é composto da
conduta humana e da modificação do mundo exterior por ela realizada. Ex.: Art. 121: Matar
alguém (para que o crime seja consumado, o resultado morte precisa necessariamente ocorrer).
Já o crime de mera conduta é aquele no qual o legislador descreve somente o
comportamento do agente, sem se preocupar com resultado, o qual é dispensável para a
consumação do delito. Em outras palavras, a simples ação ou omissão já é suficiente para a sua
consumação. Ex.: Art 150 (invasão de domicílio) – “Entrar ou permanecer, clandestina ou
astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou
em suas dependências” (o agente, ao invadir o domicílio de alguém, pode efetivamente não
fazer nada, apenas entrando e em seguida saindo; contudo, ao praticar a invasão, o tipo penal já
se consumou, sem ser necessário o desdobramento de um resultado para isso).
Dentre os crimes de resultado, é possível ainda classificá-lo em crime de resultado
instantâneo ou crime permanente. O crime de resultado instantâneo é aquele que se esgota
com a ocorrência do resultado. Ele se completa num só instante, sem haver continuidade
temporal. Trata-se, por exemplo, do crime de lesão corporal (art. 129, CP). Por outro lado, o
crime permanente é aquele cuja consumação se alonga no tempo, dependente da atividade do
agente, que terá fim apenas quando ele quiser. A sua execução, portanto, perdura no tempo,
mantendo-se por algum período. É o caso do crime de cárcere privado e de sequestro, por
exemplo. Em relação ao crime permanente, dispõe a súmula 711 do STF:

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Súmula 711, STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime
permanente se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.
Essa disposição, contudo, não se trata de exceção ao princípio da irretroatividade da lei
penal maléfica, uma vez que o fato, em sua integralidade, ainda está sendo executado no
momento em que passa a viger a lei posterior mais prejudicial. Havendo sucessão de leis penais
no tempo nesse caso, o agente deve responder pela lei que estava vigendo no momento em que
cessou a execução do crime permanente.

3.3 Conflito de Leis Penais no Tempo


Como dito, em regra, a lei penal é aplicável ao fato praticado durante sua vigência em
razão da máxima tempus regit actum. No entanto, pode haver sucessão de leis no tempo que
excepcionam essa regra, sendo necessária atenção para saber qual norma aplicar.
Um conflito entre leis penais ocorre sempre em que uma lei anterior é revogada por uma
posterior ou apenas por ela modificada. Como também já visto, em consequência do princípio
da legalidade, a Constituição Federal prevê o princípio da irretroatividade da lei penal
maléfica. Assim, a lei penal que de qualquer modo prejudicar o agente não pode retroagir, isto
é, surtir efeitos para fatos praticados anteriormente à sua vigência. Ademais, o art. 5º, XL, da
CF, ainda determina que a lei penal benéfica retroagirá, ou seja, impõe a retroatividade da lei
penal benéfica.
Art. 5º, XL. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
Diante disso, é possível ter as seguintes situações de conflito entre leis no tempo:
 Abolitio criminis: é o caso em que um crime é abolido do ordenamento jurídico, ou seja,
o fato anteriormente descrito como crime deixa de o ser. Em outras palavras, o fato é
descriminalizado. O exemplo mais citado na doutrina é o do crime de adultério, que era
previsto no art. 240 do CP e foi revogado pela Lei 11.106/05. Neste caso, a lei nova que
revoga o tipo penal é retroativa e deve ser aplicada a todos os fatos ocorridos
anteriormente. Na prática, quem ainda se encontrava cumprindo pena pelo crime de
adultério até 2005 teve essa pena extinta. Importante frisar, ainda, que todos os efeitos
penais da sentença condenatória devem ser cessados –como, por exemplo, tendo o réu
cometido apenas esse antigo delito, ele retoma a sua condição de primariedade, não
sendo considerado reincidente em eventuais futuros delitos.
 Novatio legis incriminadora: uma nova lei passa a considerar como crime fato
anteriormente não incriminado. Portanto, é irretroativa, por força do art. 5º, XL, da CF.
Por ser uma lex gravior, aplica-se somente aos fatos praticados após sua entrada em
vigor.
 Novatio legis in mellius: A lei nova, apesar de não descriminalizar a conduta, melhora
a situação do agente. É uma lex mitior, devendo retroagir e atingir também os fatos
praticados antes de sua vigência. É o caso, por exemplo, da pena cominada ser reduzida.
 Novatio legis in pejus: A lei nova que prejudica de qualquer forma o agente é
irretroativa, aplicando-se somente aos fatos praticados após sua entrada em vigor. Um
exemplo é o da Lei 13.718/18, que agravou a pena no caso de estupro coletivo.

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Nesse sentido, é possível sintetizar o que foi exposto da seguinte forma: a lei penal mais
maléfica nunca retroage, de maneira que a lei anterior possua, nesse caso, ultra-atividade, ou
seja, será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência, mesmo depois de revogada.
Para entender a ultra-atividade, é possível utilizar o exemplo do tráfico ilícito de
entorpecentes. Em 2006, entrou em vigor a Lei de Tóxicos (11.343/06), que revogou a Lei
6.368/76 e, dentre outras alterações, aumentou a pena para o crime de tráfico ilícito de
entorpecentes. Assim, a nova lei é uma lex gravior, pois agravou a situação de quem praticar
esse crime. Por ser uma novatio legis in pejus, a Lei 11.343/06 é irretroativa, aplicando-se
somente aos fatos praticados durante sua vigência (tempus regit actum). Por outro lado, a Lei
6.368/76, embora revogada, será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência. Assim, se
uma pessoa praticou tráfico ilícito de entorpecentes em 2005, mas somente foi julgada em
janeiro de 2007, será condenada à pena prevista na lei que vigorava à época do fato, mesmo
tendo sido revogada. É o que chamamos, portanto, de ultra-atividade da lei penal.
Importante lembrar, também, do que também já fora comentado a respeito das leis
temporárias e excepcionais. Em regra, a ultra-atividade somente ocorre quando for benéfica,
mas o legislador previu duas hipóteses em que a lei revogada terá ultra-atividade ainda que seja
mais gravosa, que é nos casos das leis temporárias e leis excepcionais, nos termos do ar. 3º do
CP. A lei excepcional é criada parar reger circunstâncias anormais e vigora enquanto elas
subsistirem. Já a lei temporária é criada para reger fato certo e temporário, sendo sujeita a um
termo, ou seja, sua revogação tem uma data futura e certa. Nos dois casos, a consequência será
a mesma, e a lei penal será aplicada aos fatos praticados durante sua vigência, mesmo depois
de revogadas e ainda que a lei posterior seja benéfica ao agente, sendo uma exceção à regra da
retroatividade da lei penal benéfica.

4. Aplicação da Lei Penal no Espaço


Assim como é preciso de um critério identificador do tempo do crime, é preciso também
identificar o lugar em que este ocorre. Existem 3 principais teorias, que seguem lógica similar
à adotada no tempo do crime. Segundo a teoria da atividade, o lugar do crime é aquele em que
foi realizada a ação ou omissão. Pela teoria do resultado, o lugar do crime é aquele no qual o
resultado foi produzido. Por fim, a teoria da ubiquidade é aquela que une ambas as teorias
anteriores, tendo sido a adotada pelo legislador brasileiro e consagrada no artigo 6° do Código
Penal. Assim, tanto o lugar da ação ou omissão quanto o lugar do resultado são considerados o
lugar do crime. É o exemplo de pessoa que é alvejada no Brasil próximo da fronteira com o
Uruguai, mas é neste país que a vítima morre. Nesse exemplo, o crime foi praticado nos dois
lugares.
CP, art 6°: Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão,
no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir se o resultado
Em princípio, a lei penal produz efeitos nos limites territoriais de cada Estado soberano.
Porém, tendo em vista que a criminalidade hoje transcende os limites do Estado nacional,
legislações passaram a prever que, em certos casos, a lei penal ultrapassa aqueles limites para
encontrar o criminoso onde quer que se encontre. Diante dessa necessidade, surgem os dois

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principais princípios que regem a aplicação da lei penal no espaço: o princípio da


territorialidade e o princípio da extraterritorialidade.
4.1 Princípio da Territorialidade e Território Nacional
Alguns princípios regulam a extensão da validade da lei penal no espaço. O primeiro e
mais importante deles é princípio da territorialidade, previsto no artigo 5° do Código Penal:
CP, art 5 º: Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de contravenções, tratados e regras de
direito internacional, ao crime cometido no território nacional.
O princípio da territorialidade é considerado um princípio mitigado ou temperado, pois
não é absoluto, uma vez que o Código Penal admite algumas exceções – vide hipóteses de
extraterritorialidade. Para compreendê-lo, é preciso, entretanto, delimitar o que é abrangido
pelo território nacional.
O conceito jurídico-penal de território nacional é mais abrangente do que o
geográfico. Juridicamente, o território se estende por todo o espaço físico sobre o qual o poder
político se exerce. Este espaço compreende a 1) porção territorial (superfície da crosta
terrestre e águas interiores), 2) o mar territorial, 3) o espaço aéreo, 4) os rios e lagos
fronteiriços e 5) a extensão do território nacional. Os 4 primeiros conceitos integram o
denominado território natural, enquanto que o quinto deles integra o território por extensão.
A porção terrestre (1) é delimitada pelas próprias fronteiras do país, incluindo rios, lagos
e mares interiores, bem como ilhas e outras porções de terra separadas do solo principal. Os
limites do mar territorial (2) estão estabelecidos pela Lei n.º 8.617/93 em 12 milhas marítimas,
medidas a partir da linha do baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, adotada como
referência nas cartas náuticas brasileiras. O território nacional compreende também o espaço
aéreo (3) que cobre o território do Estado e águas territoriais. Quanto aos rios e lagos, há os
nacionais, ou seja, os que se situam inteiramente no território nacional, e os
internacionais/fronteiriços (4), que atravessam mais de um Estado. O território em relação aos
rios fronteiriços é geralmente estabelecido por tratados e convenções internacionais entre as
partes interessadas.
Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional (5): 1)
aeronaves e embarcações brasileiras públicas, onde quer que estas se encontrem; 2) aeronaves
e embarcações brasileiras privadas em águas nacionais, no alto-mar ou no espaço aéreo
brasileiro; 3) embarcações estrangeiras privadas em nossas águas, ou aeronaves estrangeiras
privadas pousadas em nosso território ou sobrevoando nosso espaço aéreo.
CP, art. 5°, § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional
as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro
onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes
ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente
ou em alto-mar.
CP, art. 5°, § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de
aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso
no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar
territorial do Brasil

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Portanto, como regra, as embarcações e aeronaves públicas constituem território do


Estado a que pertencem onde quer que estejam e, consequentemente, os crimes que são
cometidos em seu interior são sempre punidos pelo Estado a que pertencem. Já em relação às
embarcações e aeronaves privadas, estas são sujeitas à soberania do Estado a que pertencem
desde que se encontrem em águas nacionais, no alto-mar (“águas internacionais”, ou seja, que
não estão sujeitas à jurisdição de nenhum Estado) ou no espaço aéreo abrangido pelo território
nacional.
4.2 Princípio da Extraterritorialidade
Há casos em que a lei penal brasileira é aplicada sobre fatos cometidos fora do território
nacional. Tais hipóteses decorrem do princípio da extraterritorialidade (art. 7°, CP), em que a
jurisdição penal do Estado é estendida para além do seu território. São quatro os fundamentos
que justificam essa aplicação: princípio real (ou da defesa ou da proteção), princípio da
nacionalidade (ou da personalidade), princípio da universalidade (ou da justiça universal) e o
princípio da representação (ou da bandeira).
O princípio real (ou da defesa ou da proteção) determina a tutela de determinados
bens jurídicos que o Estado considera essenciais, buscando então punir a violação a esses bens
onde quer que ela tenha ocorrido. Os crimes punidos segundo esse princípio se encontram no
art. 7°, inciso I. São os crimes contra a vida do Presidente da República (art. 7°, I, a), crimes
contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de
Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída
pelo Poder Público (art. 7°, I, b), os crimes contra a administração pública, por quem está a seu
serviço (art. 7°, I, c) e o crime de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no
Brasil (art. 7°, I, d).
O princípio da nacionalidade (ou da personalidade) diz que o Estado tem o direito
de punir crimes que sejam cometidos por nacionais no estrangeiro (princípio da nacionalidade
ativa) ou que tenham sido cometidas contra nacionais no estrangeiro (princípio da nacionalidade
passiva). O princípio da personalidade ativa se encontra expresso no art. 7°, II, b (“crimes
praticados por brasileiros”) e o princípio da personalidade passiva se encontra no art. 7°, § 3º
(“crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil”).
O princípio da universalidade (ou da justiça universal) determina que as leis penais
brasileiras devem ser aplicadas onde quer que se encontre o agente quando o crime cometido
possui relevância internacional e há cooperação entre os Estados para coibi-los. Ele possui
previsão legal no art. 7°, inciso II, a: “crime que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou
a reprimir”.
O princípio da representação (ou da bandeira) é expresso no art. 7°, II, c e diz que o
Estado brasileiro pode punir “crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras,
mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados”.
Ele possui caráter subsidiário, ou seja, se o Estado estrangeiro não aplicar a sua lei, o Brasil
está autorizado a fazê-lo. Isso porque, como já visto, as embarcações e aeronaves brasileiras,
de natureza privada, só podem ser punidas exclusivamente pelo Brasil caso se encontrem nos
limites do território nacional (mar territorial ou espaço aéreo brasileiro) ou no alto-mar (“águas
internacionais”, ou seja, que não estão sujeitas à jurisdição de nenhum Estado). Ex.: João,
brasileiro, comete um homicídio no interior de uma embarcação brasileira privada que se
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encontrava em águas nacionais francesas. Compete, nesse caso, ao Estado francês julgar e punir
João. Contudo, caso não o faça, pelo princípio da representação, o Estado brasileiro pode aplicar
a sua lei penal.
A extraterritorialidade pode, ainda, ser condicionada ou incondicionada. É
incondicionada aquela que opera independentemente de qualquer condição por se aplicar a
crimes de grande de relevância para o Estado. É aplicável aos crimes listados no art. 7°, I, do
CP, embora praticados no estrangeiro. Neste caso, o agente é punido segundo a lei brasileira,
ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro (art. 7°, §1º, CP).
CP, art 7 º, § 1 º Nos casos do inciso I o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que
absolvido ou condenado no estrangeiro.
CP, art 7 º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território,
de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação
instituída pelo Poder Público
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil
Importante lembra, ainda, do que dispõe o artigo 8°, do CP, em relação à pena
cumprida no estrangeiro:
Art. 8°, CP: A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo
mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.
Sendo assim, quando as penas aplicadas ao agente no estrangeiro e no Brasil forem
diferentes, como no caso em que lá se aplica ao fato cometido pena restritiva de direito e aqui,
privativa de liberdade, então a pena cumprida no estrangeiro diminui a pena a ser imposta no
Brasil. Se, porém, as penas previstas para o fato são iguais (em ambos os países se aplica a
privativa de liberdade, por exemplo), então a pena cumprida no estrangeiro é computada
naquela a ser cumprida no Brasil. Apenas nos casos de extraterritorialidade incondicionada que
o agente poderá, no Brasil, ser punido por crime pelo qual foi absolvido ou condenado no
estrangeiro - justamente por se tratarem de infrações compreendidas como mais graves. Apesar
disso, o artigo 8° garante que o agente não cumpra a pena de maneira repetida, ou seja, embora
o agente possa ser condenado novamente no Brasil pela prática de um crime pelo qual já foi
condenado no exterior, a pena que o indivíduo possa já ter anteriormente cumprido no
estrangeiro é considerada e abatida da pena que ele venha a ter que cumprir no território
brasileiro.

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Por outro lado, a extraterritorialidade condicionada opera somente com algumas


exigências legais. É aplicável aos crimes listados no art. 7°, II, do CP, embora cometidos no
estrangeiro, desde que se verifique a presença das condições previstas no art. 7°, §2º.
Diferentemente da extraterritorialidade incondicionada, para que o crime seja punido pelo
Estado brasileiro, é um requisito que ele não tenha absolvido o agente ou que este não tenha
cumprido pena.

CP, art 7 º § 2 º - Nos casos do inciso II a aplicação da lei brasileira depende do concurso
das seguintes condições
a) entrar o agente no território nacional
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a
punibilidade, segundo a lei mais favorável
CP, art. 7º: Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
(...)
II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada,
quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

Além disso, o art. 7°, § 3º, também consiste em mais uma hipótese de
extraterritorialidade condicionada. Contudo, além de exigir as condições supracitadas no § 2 º,
exige também mais duas outras condições. Trata-se da consagração do princípio da
personalidade passiva, segundo o qual o Brasil pode punir crime cometido contra brasileiro fora
do Brasil.

CP, art. 7º, § 3º: A lei brasileira aplica se também ao crime cometido por estrangeiro contra
brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.

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4.3 Extradição, Deportação e Expulsão


A extradição é o instituto jurídico de que se valem os Estados para colaborarem entre
si na execução da pena. Extraditar significa entregar a outro país um indivíduo, que se encontra
refugiado, para fins de ser julgado ou cumprir a pena que lhe foi imposta. No Brasil, este
instituto é previsto na Constituição Federal (art. 5º, LI e LII) e na Lei de Migração (Lei
13.445/17).
Lei 13.445/2017 - Art 81: A extradição é a medida de cooperação internacional entre o
Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa sobre
quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de processo penal em
curso
O art. 82 da Lei de Migração, em concordância com o art. 5° da CF, define que a
extradição não será concedida quando “o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for
brasileiro nato”. O mesmo dispõe o inciso LI do artigo 5° da Constituição brasileira:
CF, art. 5º, LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime
comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito
de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
O art. 83 da referida lei ainda define que a extradição somente pode ser concedida, no
caso de condenado, se a pena imposta for privativa de liberdade, ou seja, o Brasil não concede
a extradição se o condenado for sofrer pena de morte no estrangeiro, por exemplo.
A Constituição Federal estabelece que nenhum brasileiro nato poderá ser extraditado.
Em relação ao brasileiro naturalizado, é possível a extradição apenas em duas hipóteses: 1) em
caso de crime comum, praticado antes da naturalização; 2) ou de comprovado envolvimento
em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Nessas duas hipóteses, para brasileiro
naturalizado, será admitida, excepcionalmente, a extradição.
A Constituição ainda estabelece que não será concedida extradição de estrangeiro por
crime político ou de opinião (art. 5º, LII, CF), disposição reproduzida no inciso VII do art. 82
da Lei de Migração. Em geral, as leis não definem o que deve ser entendido por delinquência
política. Sobre crime político, a doutrina adota três teorias: objetiva, subjetiva e mista. Segundo
a teoria objetiva, crime político é aquele cuja natureza do bem jurídico é política (bem jurídico
relacionado à organização político-jurídica do Estado). Para a teoria subjetiva, o decisivo é o
fim político perseguido pelo autor do crime, qualquer que seja a natureza dos bens lesados.
Segundo a teoria mista ou pura –combinação das anteriores-, que é adotada pelo STF, crime
político é aquele cujo bem jurídico tem natureza política e que tem motivação política.
CF, art. 5°, LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de
opinião (...)
Extradição não se confunde com deportação e expulsão. A deportação e a expulsão são
medidas administrativas com a finalidade comum de obrigar o estrangeiro a deixar o território
nacional. A deportação é a medida que consiste na retirada compulsória de pessoa que se
encontre em situação migratória irregular em território nacional, mandando-a para o país de sua
nacionalidade ou para outro que consinta em recebe-la (art. 50 da Lei de Migração). Já a
expulsão é a medida que consiste na retirada compulsória de migrante ou visitante do território

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nacional, condicionada ao impedimento de reingresso durante prazo determinado (art. 54 da


Lei de Migração). Poderá dar causa à expulsão a condenação de estrangeiro com sentença
transitada em julgado relativa à prática de: a) crime de genocídio, crime contra a humanidade,
crime de guerra ou crime de agressão (nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional); b) crime doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a
gravidade e as possibilidades de ressocialização no território nacional.
13.445/17, art 50: A deportação é medida decorrente de procedimento administrativo que
consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular
em território nacional
Lei 13.445/17, art. 54: A expulsão consiste em medida administrativa de retirada
compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de
reingresso por prazo determinado.

4.4 Sentença Penal Estrangeira


A execução de sentença é ato de soberania e, assim, a sentença penal estrangeira não
pode ser executada no Brasil, por força do princípio da territorialidade. Excepcionalmente,
porém, admite-se a homologação da sentença penal estrangeira. A homologação consiste em
procedimento legal pelo qual uma sentença judicial emitida por um tribunal estrangeiro é
reconhecida e validada por um tribunal brasileiro. Em outras palavras, é o processo pelo qual a
decisão de um tribunal estrangeiro é reconhecida como uma decisão válida e executável no
Brasil. A homologação da sentença estrangeira compete ao Superior Tribunal de Justiça (art.
105, I, i, CF)
A homologação de sentença penal estrangeira é admitida apenas excepcionalmente em
duas hipóteses. Na primeira delas, para obrigar o condenado à reparação do dano, restituições
e outros efeitos civis. Neste caso a homologação depende de pedido da parte interessada (Art.
9°, a), visando efeitos puramente patrimoniais:
Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie
as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para:
I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;
Além dessa hipótese, é possível homologar sentença estrangeira que sujeitou o
condenado à medida de segurança. As medidas de segurança estão previstas no art. 96, CP. A
homologação da sentença neste caso depende da existência de tratado de extradição com o país
de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do
Ministro da Justiça (art. 9°, b).
Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie
as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para:
II - sujeitá-lo a medida de segurança.

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5. Impedimentos à Aplicação da Lei Penal


A norma penal vigente aplica-se a todas as pessoas que se encontram submetidas ao
poder político do Estado. Porém, a ordem jurídica confere a algumas pessoas imunidade em
relação à eficácia da norma, não em razão da pessoa, mas de alguma função que ela exerce. A
imunidade é uma prerrogativa inerente à função pública e pode ser de natureza diplomática ou
parlamentar.
5.1 Imunidades Diplomáticas
As imunidades diplomáticas estão previstas na Convenção de Viena de 1961, que
estabelece para o diplomata imunidade de jurisdição penal, ficando sujeito à jurisdição do
Estado que representa. Logo, se um diplomata brasileiro pratica um crime no estrangeiro, ele
fica sujeito não à lei daquele país, mas a do Brasil, de modo que só possa ser processado e
julgado após o fim da missão diplomática, quando retornar ao território nacional. A imunidade
se estende a todos os agentes diplomáticos e funcionários das organizações internacionais
(ONU, OEA etc), quando em serviço, incluindo os familiares. Estão excluídos desse privilégio
os empregados particulares dos agentes diplomáticos.
Mesmo não podendo aplicar a sua lei penal, o país em que se encontra o diplomata pode
declará-lo “persona non grata”, obrigando que ele saia do país em prazo determinado.
As imunidades pertencem ao Estado, não ao indivíduo, não podendo o diplomata
renunciá-la. Somente o Estado acreditante (quem envia o representante diplomático) é que pode
retirar a sua imunidade.
5.2 Imunidades Parlamentares
Também para o exercício adequado de suas funções, os parlamentares têm imunidades
material e formal, garantidas constitucionalmente (art. 53 da CF). Para que o Poder Legislativo
possa exercer sua função com liberdade e independência, a Constituição lhe assegura algumas
prerrogativas, dentre as quais se destacam as imunidades. A imunidade material refere-se à
possível responsabilização penal por opiniões, palavras e votos dos parlamentares. A formal
diz respeito à prisão, ao processo e à prerrogativa de foro.
A imunidade material é consagrada no artigo 53 da Constituição Federal:
Art. 53, CF - Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de
suas opiniões, palavras e votos.
Logo, um parlamentar não pode sofrer sanção penal por crimes decorrentes de suas
opiniões, palavras e votos (injúria, difamação, calúnia etc). Entretanto, é necessário que haja
nexo de causalidade entre o que ele fala e seu mandato. Além disso, vale dizer que a eficácia
dessa imunidade não está condicionada ao Congresso Nacional, valendo em qualquer lugar, isto
é, a fala do parlamentar é protegida pela imunidade material onde quer que seja proferida –
desde que esteja presente o nexo causal entre a fala e o seu cargo, ou seja, desde que o
parlamentar esteja no exercício de sua função.

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Antes da vigência da Emenda Constitucional 35, a imunidade parlamentar se limitava à


inviolabilidade penal. Essa recente emenda deu ao caput do art. 53 da CF a redação que inclui
que os deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente. A partir disso, a
inviolabilidade se estendeu para o campo civil, razão pela qual os parlamentares também
passaram a não responder pelos danos materiais e morais decorrentes de suas manifestações
representadas por palavras, opiniões e votos.
A imunidade formal abrange a imunidade processual e a imunidade prisional dos
parlamentares. Ela garante, respectivamente, que os deputados e senadores, desde a expedição
do diploma, serão submetidos a julgamento perante o STF -ou seja, os parlamentares possuem
prerrogativa de foro- e garante que eles não podem ser presos, desde a expedição do diploma,
salvo em flagrante de crime inafiançável.
Em razão do princípio da simetria (art. 27, §1º, CF), decorrente do modelo federalista,
as imunidades materiais e formais de que gozam os senadores e deputados federais também são
aplicáveis aos deputados estaduais. Contudo, segundo entendimento do STF, as imunidades
dos deputados estaduais limitam-se às autoridades judiciárias dos respectivos Estados-
membros. Destarte, a prerrogativa de foro (quem pode julgá-lo) do deputado estadual será o
Tribunal de Justiça. Os vereadores, por outro lado, não gozam de imunidade formal/processual,
somente possuindo imunidade material, ou seja, também são invioláveis por suas opiniões,
palavras ou votos no exercício do mandato.

6. Conflito Aparente de Normas


Sob a denominação conflito aparente de normas, encontramos os casos em que a uma
mesma conduta ou fato podem ser apenas aparentemente aplicadas mais uma norma penal. O
conflito é aparente e não real porque é solucionado mediante a aplicação de alguns princípios.
A lei não regula as situações de concurso aparente de normas, devendo a solução ser encontrada
através da interpretação. A doutrina majoritária apresenta os seguintes princípios para
solucionar esse tipo de conflito: especialidade, subsidiariedade e consunção.
6.1 Princípio da Especialidade
Segundo o princípio da especialidade, uma norma penal é especial em relação a outra
geral quando a primeira reúne todos os elementos da segunda, acrescidos de mais alguns. Isto
é, a norma especial acrescenta elementos próprios à descrição típica prevista na norma geral.
Há relação de especialidade entre o tipo básico e os tipos derivados (qualificados ou
privilegiados).
Assim, os furtos qualificados, por exemplo, constituem normas especiais em relação ao
furto simples. Há também especialidade quando dois crimes distintos partem de uma mesma
descrição, com o crime da norma especial, contudo, possuindo um pressuposto fático adicional.
É o caso do crime de roubo, que nada mais é do que o furto (subtração de coisa alheia móvel)
praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa. O conflito entra essas normas, portanto,
apenas é aparente, visto que, pela aplicação do princípio da especialidade, conclui-se qual das
normas em “conflito” deve ser aplicada no caso concreto – a especial.

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6.2 Princípio da Subsidiariedade


O princípio da subsidiariedade é aplicado quando duas normas descrevem graus
distintos de violação de um mesmo bem jurídico, de forma que a norma subsidiária seja afastada
pela aplicabilidade da norma principal. Quando são distintos os graus de ofensa previstos em
diferentes normas penais, mas referidos ao mesmo bem jurídico, pode-se aplicar o princípio da
subsidiariedade. Em outras palavras, distintos tipos penais protegem o mesmo bem jurídico em
diferentes estádios de ataque. Esse princípio é aplicado, por exemplo, quando a norma em seu
próprio texto condiciona a sua aplicação à não aplicação de outra norma mais grave, como, por
exemplo, o crime do art. 132 do CP, que o legislador de forma explícita diz se o fato não
constituir crime mais grave: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave”.
Exemplificando: para lucrar mais dinheiro, o dono do circo retira a rede de proteção dos
trapezistas e coloca um palhaço dentro do globo da morte com dois motociclistas. No espetáculo
decorre que o palhaço resulta gravemente ferido. Antes dos eventos danosos, por evidente, o
bem jurídico das vítimas foi exposto a uma situação de perigo que, em tese, poderia ensejar a
punição do dono do circo pelo art. 132 do Estatuto Penal: “expor a vida ou a saúde de outrem
a perigo direto e iminente”. Este preceito, contudo, só se aplica quando não restar configurada
ofensa ao mesmo bem jurídico em grau superior: a lesão corporal grave no palhaço (art. 129, §
1º). Portanto, nesse caso, o dono do caso responde apenas pelo crimes de lesão, sendo afasta a
aplicação da norma subsidiária (crime de dano do art. 132). Importante perceber que tanto o
crime de dano, quanto o crime de lesão, protegem, ainda que em níveis distintos, o mesmo bem
jurídico: a integridade corporal.
6.3 Princípio da Consunção
Há, entretanto, hipóteses de concurso aparente de normas que não são solucionados
pelos dois princípios anteriores, de maneira que seja necessário recorrer ao princípio da
consunção ou da absorção. Nesses casos, como explicado por Bittencourt, “comete-se um
delito que é estritamente funcional para outro e mais grave delito, sendo que este absorve
aquele” ou, em termos bem mais simples, “trata-se da hipótese do crime-meio e do crime-fim”.
Desse modo, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de
preparação ou execução de outro crime, ou seja, o crime-meio é realizado como uma fase ou
etapa do crime-fim.
Exemplificando: É unânime, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que o
crime de furto (art. 155, CP) absorve o crime de receptação (art. 180, CP). Afinal, é natural
pensar que o indivíduo que furta, por exemplo, um celular, tem o intuito de vender o bem
apreendido. Nesse caso, entende-se que a receptação é um desdobramento natural do crime de
furto, de modo que este absorva o primeiro. Outro exemplo consiste no fato de que todo
homicídio é realizado mediante uma ou múltiplas lesões corporais. A realização da lesão,
contudo, é o crime-meio do crime-fim de homicídio. Assim, as lesões corporais que levam à
morte são absorvidas pelo homicídio.

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7. Leis Penais Especiais


A principal fonte de normas incriminadoras é, evidentemente, o Código Penal.
Entretanto, existem as chamadas leis penais extravagantes ou especiais (leis penais fora do
Código Penal), as quais igualmente preveem tipos penais e cominam penas. Tais leis são
igualmente reguladas pelas regras da parte geral do Código Penal, a não ser que haja na lei
expressa disposição em contrário:
Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se
esta não dispuser de modo diverso
Dentre as principais leis penais especiais, pode-se citar: Lei De Drogas (Lei 11.343/06),
Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), Lei de Tortura (Lei 9.455/97), Lei das
Organizações Criminosas (Lei n. 9.034/35), Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98), Lei
Maria da Penha (Lei. 11.340/06), etc.

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Parte 2: Teoria do Crime


1. Conceito Analítico de Crime
No Brasil, nosso Código Penal adotou o conceito analítico de crime. Logo, para que
uma conduta seja considerada crime é necessária a verificação de três elementos: tipicidade,
ilicitude (ou antijuricidade) e culpabilidade. Em outras palavras, crime é todo fato (ação ou
omissão) típico, ilícito e culpável. A análise do fato deve seguir esta ordem. Primeiro verifica-
se se o fato constitui uma conduta penalmente relevante revestida de tipicidade, depois se é
ilícita e, finalmente, se o agente é culpável.
No conceito analítico do crime, verifica-se inicialmente se a conduta é típica. Nesta
fase, é necessário analisar todos os elementos do tipo, como a ação, o resultado, o nexo de
causalidade e os elementos subjetivos, se existirem. Para um fato ser típico, primeiro devo
verificar se é uma conduta penalmente relevante (tipicidade material). Se não for, não há crime
desde logo; se for, então é preciso a analisar a tipicidade formal, que é a adequação da conduta
ao tipo penal, com todos os seus elementos. Ao matar uma pessoa, por exemplo, o agente
comete um fato típico, na medida em que sua conduta corresponde à descrição do artigo 121
do Código Penal: “matar alguém”.
Sendo típica a conduta, passa-se à análise da ilicitude, que é a contrariedade do fato
típico com o ordenamento jurídico. Essa análise é necessária porque, embora a conduta seja
típica, o ordenamento jurídico pode retirar a sua ilicitude. São causas legais excludentes de
ilicitude a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal e o
exercício regular de direito. A doutrina ainda construiu uma causa supralegal excludente de
ilicitude, que é o consentimento do ofendido. Nesse sentido, se uma pessoa mata outra em
legítima defesa, o fato é típico de homicídio, mas não é ilícito, pois ela agiu em sua defesa.
Assim, fica excluído o crime. Como visto, a análise aqui é feita por exclusão: se o agente não
agiu em nenhuma das causas acima, o fato será típico e ilícito.
Superada a análise da ilicitude, finalmente se analisa a culpabilidade do agente, que é
a reprovação pessoal que se faz sobre sua conduta. Enquanto a tipicidade e ilicitude recaem
sobre a conduta (a conduta é típica e ilícita), a culpabilidade é um juízo que recai sobre o agente
(o agente é considerado culpável, e não a sua conduta). A culpabilidade pressupõe três
requisitos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
O crime existirá caso o agente que praticou fato típico e ilícito seja imputável e tenha potencial
consciência da ilicitude do fato, além de ser exigível uma conduta diversa de sua parte.

2. Teorias da Ação
A conduta é o que dá corpo ao fato punível, constituindo o elemento central do seu
conceito. Antes de analisar se uma conduta é típica, ilícita e culpável, é preciso verificar o que
se entende por conduta penalmente relevante. Afinal, apenas ações podem constituir crime.
Inexistindo ação, não se chega a verificar nem o primeiro elemento do conceito analítico de
crime.

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22

Cada um dos sistemas penais definiram e analisaram a conduta de maneira particular,


sendo os principais deles: sistema causal-naturalista, sistema neoclássico e sistema finalista.
Além dessas teorias principais, existem também outros conceitos relevantes de ação e que
merecem atenção: conceito social, conceito negativo e conceito pessoal.
2.1 Sistema Causal-naturalista
Principalmente com contribuições de Franz von Liszt e também de Beling, entre os
séculos XIX e XX, surge a Teoria Causalista, também chamada de causalismo ou ainda de
teoria causal-naturalista. Esta teoria tem forte influência da filosofia positivista e naturalista.
Assim, para esse sistema, conduta penalmente relevante seria o movimento corporal
voluntário que produz uma modificação no mundo exterior. Em outras palavras, a ação
seria um comportamento humano voluntário que causa um resultado ou, ainda, aquele cujo não
recai nenhuma circunstância externa que tenha compelido o agente.
A teoria causal se preocupa apenas com o aspecto físico da ação, ou seja, somente com
movimentos físicos e não com questões psicológicas. Agir consiste, em síntese, em dar causa a
resultados típicos. Para esse sistema, os elementos psicológicos (dolo e culpa) não integram
a conduta e devem ser analisados no âmbito da culpabilidade. Significa dizer que ao analisar
se uma ação é ou não típica, bastaria analisar se a ação humana foi voluntária e se ela deu causa
ao resultado descrito na norma penal.1 Em síntese, a ação diz respeito somente a aspectos
externos e objetivos. Para determinar o conceito de ação, bastaria analisar se houve um
comportamento voluntário, não importando o alcance da vontade do agente, por se tratar de
uma matéria a ser considerada em outro ponto do sistema (âmbito da culpabilidade).
As críticas feitas a esse sistema recaem sobre os crimes omissivos e a tentativa. Afinal,
se a conduta penalmente relevante é um movimento, como explicar então os crimes omissivos,
que são uma abstenção de movimento? Em segundo lugar, os crimes tentados podem nem
sequer produzir modificações no mundo natural. Nesses casos, seria considerado, pela teoria
causal, que inexiste ação. Contudo, sem que haja ação, não é justificada a punição e não se fala
em crime. Por esses motivos, o sistema causal foi gradativamente superado.
2.2 Sistema Neoclássico
Os defeitos do causalismo foram primeiramente apontados pelos autores neoclássicos,
também conhecidos como neokantistas. Entretanto, embora tenham reconhecido as falhas do
sistema anterior, esses autores não propuseram efetivamente uma solução.
2.3 Sistema Finalista
A Teoria Finalista, criada e desenvolvida por Hans Welzel e Maurach, consegue
resolver a crítica exposta acima. Segundo essa teoria, conduta penalmente relevante é o
exercício de uma atividade final. A conduta não é simplesmente uma série de causas e efeitos.

1
Será visto mais a frente que, na verdade, os elementos psicológicos (dolo e culpa) integram o aspecto da
tipicidade, e não da culpabilidade. Uma ação típica não somente é aquela que dá causa ao resultado naturalístico,
visto que para uma conduta ser típica, é preciso de tipicidade objetiva e subjetiva, ou seja, são reunidos elementos
objetivos e subjetivos. A tipicidade objetiva consiste na observância do resultado descrito na norma, ou seja, nessa
relação entre a conduta e o resultado por ela causado. Contudo, é preciso considerar também a presença de
tipicidade subjetiva. Para que um fato seja subjetivamente típico, o agente precisa ter agido com dolo ou, no
mínimo, com culpa em relação a ele.
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Na realidade, é um comportamento dirigido pela vontade de quem atua, ou seja, é preciso


levar em conta o aspecto da racionalidade. Quando realiza a ação, o agente se propõe a um fim,
escolhe os meios necessários para atingi-lo e põe em função esses meios, ou seja, manifesta sua
vontade. Em outras palavras, a ação deixa de ser considerada apenas em função de aspectos
objetivos, tal como faziam os causalistas. Para esse sistema, a ação reúne quatro elementos: 1)
antecipação de um fim/finalidade; 2) escolha dos meios (para atingir esse fim); 3) vontade do
agente e 4) efetiva execução.
Os finalistas chamam a vontade do conceito causalista de “vontade cega”, pois lá basta
que o comportamento do agente tenha sido voluntário no sentido de não ter sofrido interferência
externa. Assim, o elemento psicológico deixou de integrar a culpabilidade e passou a fazer
parte da tipicidade, a qual passou a abranger o tipo objetivo (o que se exterioriza da conduta)
e o tipo subjetivo (finalidade por trás da conduta). Portanto, no finalismo, o dolo passa a ser
elemento do tipo penal.
A principal crítica direcionada ao finalismo consiste no fato desse sistema não conseguir
explicar os tipos culposos, pois neste caso a vontade não importa para a configuração do delito;
na culpa, o que importa é a causação do resultado sem a observância do dever objetivo de
cuidado (com negligência, imprudência ou imperícia). Finalistas respondem, muito
insatisfatoriamente, que nos crimes culposos há sim um exercício da atividade final. O agente
propõe-se a um fim, escolhe o meio e manifesta a vontade. Entretanto, neste caso, os finalistas
dizem que o fim é lícito. Exemplo: pessoa propõe-se chegar em casa (fim lícito), escolhe o carro
para isso e manifesta sua vontade ao ir para casa, porém, por uma imprudência, acabou matando
alguém. Apesar dessa tentativa de abranger os crimes culposos, fica evidente que, pelo conceito
de ação do finalismo, o tipo culposo não é abrangido e, por conseguinte, não poderia ser punido,
visto que não configuraria uma ação.
2.4 Outros Conceitos de Ação
Além das teorias mencionadas, existem também outros conceitos relevantes de ação que
foram pensados na dogmática penal: conceito social, conceito negativo e conceito pessoal
A teoria social de ação foi formulada na Alemanha e tem por principais defensores
Wessels e Jescheck. Ela concorda com a teoria finalista no sentido de abranger aspectos
psicológicos na tipicidade. Entretanto, esses autores consideram a proposta anterior incompleta,
na medida em que a ação, além de um comportamento humano conscientemente dirigido a um
fim, tem de ser também socialmente relevante. A principal crítica formulada a essa teoria
consiste justamente na falta de clareza em torno do conceito de relevância social, o que acaba
sendo demasiadamente amplo.
Para o conceito negativo de ação, esta consistiria em uma conduta não evitada pelo
agente ou, em outras palavras, a causação evitável de um resultado. O principal defensor dessa
vertente foi Jakobs.
Por fim. Segundo o conceito pessoal, defendida por Roxin, ação seria a manifestação
da personalidade humana. Ação, dessa maneira, seria toda conduta positiva ou negativa, ação
ou omissão, que expresse a personalidade do sujeito.

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2.5 Excludentes de Ação


Segundo a doutrina e jurisprudência majoritárias, nosso Código Penal optou pela teoria
finalista da conduta. Portanto, em nosso Direito Penal, conduta penalmente relevante é o
exercício de uma atividade final. Considerado esse conceito, existem algumas hipóteses de
ausência de conduta penalmente relevante, que excluem a tipicidade da conduta, justamente por
não haver sequer ação. São elas: coação física irresistível, atos inconscientes, atos de animais e
atividades de pessoas jurídicas.
Na coação física irresistível (vis absoluta), inexiste ação porque o ser humano atua
como um mero instrumento, tendo a sua vontade totalmente suprimida. Exemplo: Tício
empurra Patrícia sobre uma vitrine, o que a quebra. Não se pode falar em conduta penalmente
relevante de Patrícia sobre o crime de dano, pois seu corpo foi mero instrumento mecânico de
Tício.
Os atos inconscientes, por sua vez, são aqueles em que falta a consciência psíquica do
agente, como nos casos de sonambulismo e hipnotismo. Vale ressaltar que a pessoa não pode
ter se colocado intencionalmente no estado de inconsciência (como no caso de embriaguez
preordenada, na qual o agente se embriaga para conseguir praticar crime).
Igualmente, nos atos de animais, inexiste ação, na medida em que lhes falta consciência
e, por conseguinte, incapacidade de demonstrar intenções –o que é imprescindível para a
configuração da ação na teoria finalista, uma vez que esta consiste justamente na antecipação
de uma finalidade do agente. Em suma, como não podem compreender as normas e regras
jurídicas, os animais não podem agir com dolo ou com culpa e, portanto, não se pode falar em
ação ou omissão por parte deles.
Por fim, entende-se que pessoas jurídicas também não praticam ação, mas sim as
pessoas físicas que as representam. Por não serem capazes de produzir ação, elas também não
são passíveis de serem responsabilizadas penalmente. Nesse sentido, Bittencourt aponta que “A
Constituição não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao contrário, condicionou
a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza”. Apesar desse
entendimento doutrinário majoritário, o tema ainda é objeto de muitas controvérsias, de modo
que o próprio STF não esteja de acordo com essa posição.

3. Tipicidade
Analisada a conduta penalmente relevante, resta perquirir se ela se reveste de tipicidade,
que é a adequação da conduta ao tipo penal. Se a conduta se adequar ao tipo, falamos que é
típica. Exemplo: Tício matou intencionalmente Mévio na Central do Brasil. A conduta se
adequa, em tese, ao tipo do art. 121 do CP (matar alguém). Destarte, o fato é típico. Será atípica
a conduta que não se adequa perfeitamente ao tipo ou que simplesmente não é tipificada.
Nesse sentido, os tipos penais estão previstos na Parte Especial do Código Penal, além
de estarem espalhados também em Leis Extravagantes, como na Lei de Drogas. No art. 121,
por exemplo, está presente o tipo penal do homicídio:
Art. 121. Matar alguém.

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3.1 Tipicidade Material


Entretanto a verificação da tipicidade não é tão fácil assim quanto parece. Na verdade,
é necessário que se faça um juízo de tipicidade, que significa verificar se no fato estão contidos
todos os elementos exigidos pelo tipo. O referido juízo se dá em duas etapas: tipicidade formal
e tipicidade material.
Tipicidade = Tipicidade Material + Tipicidade Formal
A tipicidade material consiste na exigência de uma lesão que seja considerada
relevante a um bem jurídico protegido pelo Direito Penal. O princípio da insignificância exclui
a tipicidade material, na medida em que a lesão é tida como insignificante, como, por exemplo,
no caso da mãe que furta fralda para o filho. Embora o fato seja revestido de tipicidade formal
(adequação ao tipo objetivo e subjetivo da norma de furto), não é revestido de tipicidade
material.
3.2 Tipicidade Formal: Tipo Objetivo e Tipo Subjetivo
Estando presente a tipicidade material, é preciso verificar se existe tipicidade formal,
que é composto pela tipicidade objetiva e pela tipicidade subjetiva.
Tipicidade Formal = Tipo Objetivo + Tipo Subjetivo
Enquanto o tipo objetivo se refere a aspectos exteriores da ação (o desdobramento
visível da conduta no mundo real), o tipo subjetivo se relacionada à vontade por trás dela, que
pode ser manifestada por meio de dolo ou de culpa. No homicídio doloso, por exemplo, o tipo
objetivo se refere ao assassinato da vítima, sendo aquilo que se exterioriza da conduta. Já o tipo
subjetivo consiste na intenção de matar detida pelo agente. Esses elementos serão analisados
mais detalhadamente a seguir.
O tipo objetivo possui elementos descritivos e normativos. São descritivos os
elementos sensorialmente perceptíveis. A identificação desses elementos é possível sem haver
qualquer tipo de valoração por parte do intérprete da norma, como, por exemplo, o conceito de
documento: “Art. 297 – Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar
documento público verdadeiro”. Por outro lado, os elementos normativos são aqueles que só
podem ser determinados a partir de uma valoração jurídica ou cultural, devendo o juiz fazer uso
de valores éticos para interpretá-los. É o caso, por exemplo, do conceito de “ato obsceno”: “Art.
233 – Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”. Afinal, a
definição do que é obsceno deve necessariamente perpassar pelo juízo de valor de quem julga,
sendo até mesmo variável no tempo e no espaço –o que era considerado obsceno há anos atrás
pode não ser mais considerado nos dias atuais.
O tipo objetivo pode, ainda, ser construído com base apenas na ação (crimes formais)
ou pode se referir a resultado exterior que se ligue à ação por relação de casualidade (crimes
materiais). Os crimes formais, também chamados de simples atividade, não preveem resultado.
Por isso, a realização da conduta descrita na norma já é suficiente para caracterizar o tipo. O
exemplo mais mencionado na doutrina é o da violação de domicílio, na medida em que o agente
não precisa efetivamente produzir nenhum resultado decorrente da invasão, bastando que entre
em casa alheia sem permissão. Já os crimes materiais são aqueles que preveem, em sua

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descrição, um determinado resultado. A norma de homicídio, por exemplo, exige o resultado


morte para que o crime se configure.
A conduta típica, em seu aspecto subjetivo, pode ser classificada quanto à presença ou
não de vontade, caracterizando o crime como doloso ou como culposo. Além disso, pode
também ser classificada quanto à realização ou não de uma ação, caracterizando o crime como
comissivo ou como omissivo. Por isso, serão analisados, nos tópicos a seguir, a configuração
do tipo, em seu aspecto objetivo e subjetivo, nos crimes comissivos dolosos, nos crimes
culposos e nos crimes omissivos.

4. O Tipo Nos Crimes Comissivos Dolosos


Nos crimes comissivos dolosos, o tipo sempre descreve uma ação na qual existe uma
vontade dirigida à consumação do delito. Portanto, é comissivo porque o comportamento
proibido é descrito com um verbo correspondente a um efetivo fazer por parte do agente. Além
disso, é doloso em função da presença de dolo, isto é, de vontade. Na análise do tipo objetivo
dos crimes comissivos dolosos, o enfoque é dado justamente na ação e, por isso, será estudada
a relação de causalidade entre a ação e o resultado (quando este for necessário à consumação
do delito). Já na análise do tipo subjetivo, o enfoque será dado no conceito de dolo.
4.1 Tipo Objetivo: Relação de Causalidade
Nos crimes em que é exigido o resultado naturalístico, ou seja, nos crimes materiais,
exige-se ainda o nexo de causalidade, que é o liame entre a conduta penalmente relevante e o
resultado naturalístico. É o que “liga” a conduta ao resultado, sendo o elemento do tipo que
estabelece quem deu causa ao resultado. Ex.: Pedro morreu em razão do tiro de João. João deu
causa ao resultado morte de Pedro. Entre o resultado e a conduta de João há um vínculo.
A causalidade é um elemento do tipo objetivo. Significar dizer, portanto, que se há
causalidade entre a ação e o resultado, a ação é típica. A relevância do estudo da causalidade
consiste no fato dela limitar a responsabilidade penal: não pode o crime ser atribuído a quem
não for causa dele.
Diversas teorias tentaram determinar quando é possível dizer que uma pessoa deu causa
a um resultado, dentre as quais se destacam: 1) teoria da equivalência dos antecedentes; 2) teoria
da causalidade adequada e 3) teoria da imputação objetiva.
4.1.1 Teoria da Equivalência dos Antecedentes

Segunda a Teoria da Equivalência dos Antecedentes, também chamada de Teoria da


Conditio Sine Qua Non (condição sem a qual não), causa é aquela condição sem a qual o
resultado não teria ocorrido. Essa teoria propõe um método para descobrir que condições são
essas, a qual recebeu o nome de processo hipotético de eliminação: imagina-se que o
comportamento não ocorreu, e procura-se verificar se o resultado teria surgido mesmo assim,
ou se, ao contrário, o resultado desapareceria em consequência da inexistência do
comportamento suprimido. Se concluir-se que o resultado teria ocorrido mesmo com a
supressão da conduta, então não há nenhuma relação de causa e efeito entre um e outra, porque
mesmo suprimindo esta, o resultado existiria. Se ocorre o contrário, então o comportamento

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deu causa. Ex.: Mévio atira em Tício, levando este à morte. Se o disparo não tivesse sido feito,
Tício não morreria. Logo, o comportamento de Mévio deu causa ao resultado. Incluindo um
outro agente: Patrícia, amiga de Mévio, o emprestou a arma. Se ela não tivesse emprestado, o
resultado morte também desapareceria. Conclui-se então que seu comportamento também deu
causa ao resultado.
Daí surge o principal problema decorrente dessa teoria: o regresso ao infinito. Seguindo
o exemplo supracitado, o fabricante da arma deu causa ao resultado, e até mesmo os pais de
Mévio deram causa ao resultado em razão de terem o colocado no mundo. Teríamos uma cadeia
infinita de causas. Em razão disso, é necessário limitá-la, pois nem toda causa do resultado pode
ser considerada equivalente. É preciso um critério para decidir quais causas devem ser punidas.
Além disso, outros problemas surgem com essa teoria, como no caso das causalidades
alternativas e da causalidade reserva. Um exemplo de causalidade alternativa ocorre nos
seguintes termos: Tício e Mévio, cada um desconhecendo a conduta do outro2, colocam doses
de veneno na bebida de Caio. A dose colocada por Tício, isoladamente, não seria
suficientemente letal para matar a vítima, assim como a dose colocada por Mévio. Entretanto,
juntas, acabam por matar Caio. Nesse caso, seguindo o processo hipotético de eliminação, a
conduta de nenhum dos agentes seria tida como causa. Afinal, caso o veneno colocado por Tício
fosse eliminado, Caio não morreria, ocorrendo o mesmo caso a dose de Mévio fosse
hipoteticamente removida. Um outro problema surge no caso de causalidade reserva, que pode
ser exemplificado nos seguintes termos: Ricardo mata Roberta alguns minutos antes da vítima
embarcar em um voo. Posteriormente, ocorre que todos que embarcaram nesse avião morrem
em um trágico acidente, sem nenhum sobrevivente. Caso a conduta de Ricardo seja removida,
a morte de Roberta muito provavelmente continuaria ocorrendo, o que, segundo a teoria da
equivalência dos antecedentes, concluiria que o disparo de Ricardo não foi causa da morte de
Roberta –o que evidentemente não faz sentido, sobretudo porque não podemos trabalhar em
cima de probabilidades; por mais que muito provavelmente Roberta viesse a morrer de qualquer
forma, talvez houvesse a chance dela ser a única sobrevivente.
O caput do art. 13 do CP é o dispositivo legal que regula a relação de causalidade:
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Conforme se pode conferir, o CP adotou expressamente a teoria da conditio sine qua
non. Todavia, conforme exposto acima, ela possui alguns problemas, sobretudo no que diz
respeito ao regresso ao infinito. Por isso, torna-se necessário limitar essa definição de
causalidade, o que é feito pelo próprio artigo 13 do Código Penal, no § 1º:
Art. 13, § 1°. A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação
quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os
praticou.
Há casos em que o curso do processo causal é interrompido por uma outra causa, ou
seja, duas situações –uma original e uma superveniente- coexistem para a existência de um

2
Importante destacar que um não conhece a conduta do outro, pois, caso estivessem agindo em concurso, isto
é, juntos, o resultado morte seria atribuído a ambos os agentes e seria irrelevante a quantidade da dose colocada
por cada um deles isoladamente.
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mesmo resultado, sendo mais difícil determinar se ambas são causa ou se apenas uma delas é.
É o caso, por exemplo, de vítima que acaba de tomar uma bebida envenenada por Caio. Antes
do veneno fazer efeito, a vítima, de repente, leva um tiro disparado por Mévio, que não tinha
conhecimento da conduta de Caio e vice-versa. O curso causal do envenenamento foi
interrompido pela superveniência de uma outra causa, representada pelo disparo.
A causa posterior que sobrevém pode ser classificada como relativamente independente
ou absolutamente independente. A concausa absolutamente independente e superveniente é
aquela que não se origina do comportamento originário (da primeira causa), sendo por isso
independente desta. Além, disso, é superveniente porque surge após a primeira causa. É o caso
do exemplo trazido no parágrafo anterior. O disparo realizado que gerou efetivamente o
resultado morte não é um desdobramento do envenenamento, havendo independência entre
essas duas causas. O disparo teria acontecido mesmo que o envenenamento não tivesse
ocorrido. Por esse motivo, Caio, o agente que ministrou o veneno, não poderá responder pelo
resultado morte gerado por uma causa posterior que nada teve a ver com a sua conduta.
Consequentemente, ele responde apenas pela tentativa de homicídio, por não ter sido a sua
conduta a causa da morte.
Em relação às concausas superveniente relativamente independentes, há duas
hipóteses: a causa que que NÃO POR SI SÓ e a que POR SI SÓ produziu o resultado.
Primeiramente, a concausa relativamente independente é aquela que se origina da
causa/situação originária, ainda que indiretamente. É o caso do seguinte exemplo: Caio, com o
intuito de matar, atirou em Mévio. Contudo, Mévio fica apenas ferido e é levado até o hospital
mais próximo. Pouco tempo depois, ocorre um incêndio fatal no hospital que acaba por matar
Mévio. A causa posterior (incêndio) que resultou na morte da vítima é apenas relativamente
independente em relação à causa originária (disparo), na medida em que Mévio só estava no
hospital em decorrência do ferimento causado por Caio. Nesse caso, fica a questão: o disparo
de Caio foi causa da morte de Mévio?
Para responder a essa pergunta, torna-se necessário analisar se a concausa relativamente
independente produziu por si só o resultado ou se não por si só o produziu. No exemplo dado,
o incêndio produziu por si só a morte de Mévio, isto é, é como se por si só tivesse dado causa
à morte. Nessas hipóteses, a concausa superveniente consiste em um evento imprevisível, que
está fora do desdobramento normal dos fatos e da conduta praticada. Por mais que ele tenha
ligação com a causa originária, a causa real e efetiva da morte só pode ser atribuída ao incêndio.
Por isso, aplicando-se o que dispõe o art. 13, “a superveniência de causa relativamente
independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado”. Em outras palavras,
a causa relativamente independente posterior impossibilita que o resultado morte seja atribuído
ao disparo, na medida em que, sozinha, produziu a morte. Novamente, Caio responderá apenas
por tentativa de homicídio.
Já as concausas relativamente independentes que não produzem por si só o resultado
são aquelas que geram o resultado de maneira concomitante à causa anterior. Ou seja, o
resultado só ocorre devido ao somatório das duas causas, de modo que a segunda causa seja um
desdobramento normal da primeira. Tomando o exemplo anterior como base, imagine outro
desdobramento: No caminho para o hospital, a ambulância que levava Mévio sofre um acidente,
de modo a agravar os seus ferimentos. Com isso, Mévio morre em virtude de hemorragia
decorrente do agravamento dos ferimentos causados pelo disparo. Nesse caso, novamente, a
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causa posterior (acidente) só ocorreu porque Mévio levou o tiro e precisou ser transportado para
o hospital, sendo, por esse motivo, relativamente independente. Contudo, mais do que isso, a
morte de Mévio só ocorre em virtude dos ferimentos causados por Caio. Neste caso, o
agravamento dos ferimentos por eventual causa posterior consiste em um desvio regular do
nexo causal e não exclui a imputação pela morte, isto é, não anula a importância da conduta
anterior. Sendo assim, a concausa relativamente independente que não produziu por si só o
resultado NÃO EXCLUI A IMPUTAÇÃO. Por isso, Caio responderá por homicídio doloso
consumado.

Concausa
Superveniente

Relativamente Absolutamente
Independente Independente

Que não produziu por


Que produziu por si
si só o resultado:
só o resultado: Exclui o nexo causal
Não exclui o nexo
Exclui o nexo causal
causal

Embora o parágrafo primeiro do art. 13 trace limites à teoria da equivalência dos


antecedentes, o fato é que a definição dessa teoria ainda é demasiadamente abrangente, tendo
como um problema incontornável o regresso infinito. Por isso, outras teorias no âmbito da
causalidade foram formuladas na tentativa de aperfeiçoar a definição de causa, dentre elas
principalmente a teoria da causalidade adequada e a teoria da imputação objetiva.

4.1.2 Teoria da Causalidade Adequada

A teoria da causalidade adequada fundamenta-se originalmente no juízo de


possibilidade ou de probabilidade da relação causal. Ela parte do pressuposto de que causa
adequada para a produção de um resultado típico (aspecto objetivo) não é somente a causa
identificada a partir da teoria da equivalência das condições, mas, sim, aquela que era
previsível ex ante, ou seja, anteriormente à ação, de acordo com os conhecimentos
experimentais existentes e as circunstâncias do caso concreto.
Desse modo, essa teoria permitiria excluir do âmbito da responsabilidade penal os
cursos causais irregulares. Exemplo: Caio produz uma ferida leve em Tício, que, contudo, vem
a morrer em virtude da lesão, pelo fato de ser hemofílico. Sob a perspectiva estritamente causal,
não é possível negar o nexo entre a conduta de quem realizou a lesão leve e o resultado morte.

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Portanto, pela teoria da equivalência dos antecedentes, a lesão provocada por Caio seria
certamente tida como causa do resultado morte. Entretanto, por meio da teoria da causalidade
adequada, seria possível excluir o resultado morte do nexo de imputação quando faltasse para
o autor da lesão a previsibilidade objetiva da possibilidade de produção daquele resultado
concreto (imaginemos que o autor da lesão dolosa não saiba que a vítima era hemofílica).

4.1.3 Teoria da Imputação Objetiva

Segundo a teoria da imputação objetiva, que é a mais moderna acerca do tema e faz
parte do chamado funcionalismo teleológico de Claus Roxin, além de todos os elementos do
tipo objetivo (ação, nexo de causalidade, resultado etc), é necessária ainda a criação de um risco
proibido. Caso não haja o risco criado, o fato será atípico.
A finalidade da teoria da teoria da imputação objetiva é indicar quando a mera
causalidade se torna uma causalidade típica. Sendo assim, a teoria vai propor critérios objetivos
normativos para indicar entre as causas do resultado quais são típicas (quais são ações causais
típicas). Assim, essa teoria busca indicar critérios concretos e evidentes para dizer se a ação é
causa do resultado e se merece punição no âmbito penal.
O ponto de partida consiste na finalidade do direito penal. Claus Roxin aponta como
finalidade do direito penal a proteção de bens jurídicos. Sendo assim, somente podem ser
consideradas típicas aquelas ações consideradas perigosas para o bem jurídico, isto é, capazes
de afetar o bem jurídico. Se a ação não é perigosa, não há por que proibí-la no âmbito penal.
Os adeptos dessa teoria buscam, portanto, responder: quando uma ação é considerada
perigosa a ponto de justificar a punição penal? Para justificar a intervenção penal, a ação deve
(1) criar ou elevar o risco de realização do resultado; (2) de modo que o resultado venha
efetivamente se verificar como decorrência daquele aumento; 3) tudo transcorrendo dentro do
alcance do tipo penal.
O primeiro requisito, a criação de um risco jurídico-penal relevante, visa identificar se
a conduta praticada pelo agente infringe alguma norma do convívio social, e pode ser valorada
como tipicamente relevante. Em caso afirmativo, pode-se dizer que a conduta representa a
criação de um risco jurídico-penal proibido, sendo, nesse sentido, relevante para o Direito
Penal. Exemplo: Um tio dá uma passagem aérea ao sobrinho com a intenção de matá-lo em
uma eventual queda de avião (o tio fica rezando para o avião cair). Essa atitude, por si só,
evidentemente não é uma atitude apta a matar, afinal a possibilidade de o avião cair é remota,
não havendo nenhuma elevação de risco para a realização do resultado.
Caso a conduta tenha de fato elevado o risco de realização do resultado, para atribuir o
resultado a quem gerou esse risco é necessário perquirir se esse resultado realmente decorreu
da ação perigosa que gerou o risco proibido. É necessário investigar se o resultado está dentro
do âmbito de proteção da norma violada.

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4.2 O Tipo Subjetivo: Dolo


Todos os tipos comissivos dolosos exigem o dolo para sua tipicidade. O dolo vem
implícito nos tipos penais. Exemplo: art. 163 do CP (crime de dano). O tipo não fala em
“destruir, inutilizar ou deteriorar dolosamente coisa alheia”, mas é crime doloso em razão do
art. 18, parágrafo único, do CP, que dispõe:
Art. 18, Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por
fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente
Esse dispositivo enuncia a regra geral dos tipos penais: são dolosos. Assim, quando há
exceção ao dolo, a lei deve mencionar expressamente a hipótese do tipo culposo, como é o caso
do art. 121, §3º, do CP (“Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de um a três anos”). No
caso do exemplo do crime de dano, não há nenhuma menção ao tipo culposo, daí que não existe
crime de dano culposo (deve necessariamente ser doloso).
O dolo reúne dois elementos: consciência e vontade. A consciência é o primeiro
elemento do dolo e é chamada de elemento cognitivo. A vontade é o segundo elemento e é
chamada de elemento volitivo, consistente na vontade de realizar a conduta descrita no tipo.
É preciso haver consciência de estar praticando uma conduta que reúne os elementos
descritos no tipo. A pessoa com dolo tem consciência que sua conduta preenche todos os
elementos objetivos do tipo. Exemplo: se alguém sabendo que o celular é alheio, o subtrai e
empreende fuga, terá praticado a conduta de furto com dolo. Outro exemplo: uma pessoa se
distrai e subtrai o celular alheio achando que era seu (pensou que coisa própria). Neste último
caso não houve dolo. A pessoa realizou a conduta sem ter consciência sobre um dos elementos
do tipo objetivo do crime de furto, especificamente o elemento de “coisa alheia”, pois achava
que a coisa era sua (coisa própria). O tipo penal do furto consiste em “subtrair, para si ou para
outrem coisa alheia móvel”.
É preciso também que o dolo exista no momento da ação. Exemplo: agente, dirigindo
com imprudência, mata culposamente um pedestre. Posteriormente, o motorista vê que a vítima
se trata de seu inimigo e fica feliz de ter ocorrido a morte. Inclusive, se ele soubesse que se
tratava dessa pessoa, teria atropelado de propósito. Nesse caso, não existiu dolo no momento
da ação, tendo sido o resultado produzido à título de culpa, visto que o agente, ao realizar o
atropelamento, não desejava esse resultado. Portanto, a vontade não pode surgir posteriormente
à conduta, tendo que existir no momento da ação.

4.2.1 Espécies de Dolo x Espécies de Culpa

Art. 18, I - Diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de
produzi-lo.
Dolo direto: Art. 18, I, primeira parte, do CP (quando o agente quis o resultado). O dolo
direto pode ser 1° grau ou de 2° grau.

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 Dolo direto de 1º grau: O agente age de forma direta para produzir o resultado.
Ex.: A atira em B com a intenção de matá-lo.
 Dolo direto de 2º grau: também chamado de dolo de consequência necessária.
O resultado é consequência inevitável (necessária) da conduta, daí que pode se
dizer que foi dolosa. Ex.: A quer matar B e coloca um explosivo no carro deste.
O meio escolhido, o explosivo no veículo, provocará inevitavelmente o crime de
dano. Destruir o carro também é conduta dolosa em razão de ser a consequência
necessária do meio escolhido.
Dolo Eventual: Art. 18, II, segunda parte, do CP – (“ou assumiu o risco de produzi-
lo”). No dolo eventual, a pessoa prevê o resultado e ainda assim não deixa de praticar a ação,
porque ela não se importa com ele. Fórmula de Frank: “se o agente diz a si próprio: seja como
for, dê no que der, em qualquer caso, não deixo de agir, é responsável a título de dolo eventual”.
Ex.: A está numa corrida de racha, com várias pessoas na rua, prevê que pode matar alguém,
mas mesmo assim pouco se importa se isto realmente acontecer, assumindo o risco de produzir
a morte.
É preciso diferenciar o dolo das modalidades de culpa. O tipo subjetivo dos crimes
dolosos, como visto aqui, é sempre o DOLO. Já o tipo subjetivo do crime culposo é a CULPA.
Por isso, faz-se necessário distinguir as modalidades de dolo e as modalidades de culpa,
sobretudo no que diz respeito ao embate entre dolo eventual e culpa consciente.
Culpa inconsciente: Ocorre quando o agente não previu o resultado, embora poderia
ter previsto segundo a previsibilidade objetiva: consiste na imprevisão do que era previsível.
Ex.: Aroldo ultrapassa a velocidade máxima permitida e atropela uma criança que não tinha
visto que estava atravessando a rua para pegar uma bola. Aroldo responde pelas lesões
provocadas na criança porque o resultado era previsível –embora o agente não o tenha previsto.
Culpa consciente: O agente prevê o resultado, porém acredita, por ingenuidade ou
excesso de confiança, que ele não vai ocorrer. Esse conceito é próximo do de dolo eventual,
mas dele difere porque neste o agente não se importa com o resultado. É extremamente difícil
no plano do caso concreto realizar essa distinção, pois em ambos os casos o agente prevê o
resultado provável. Contudo, em teoria, na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas
não concorda com ele, acreditando inclusive que ele não ocorrerá. Já no dolo eventual, o agente
prevê o resultado e concorda com ele, pouco se importando se ele sobrevir ou não.
A diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente pode ser dada também nos
seguintes termos: o autor teria praticado a conduta se soubesse, com certeza, que o
resultado ocorreria? O dolo eventual está configurado se o autor respondesse positivamente
que teria praticado a conduta independentemente do resultado. Já a culpa consciente deveria ser
afirmada quando a resposta do autor fosse negativa, de que não praticaria a conduta ao saber da
certeza do resultado.
4.2.2 Erro de Tipo, Erro sobre a Pessoa e Erro na Execução

Ainda dentro do estudo da tipicidade subjetiva, estuda-se o erro de tipo. Para que um
fato seja típico, é necessário que ele preencha todos os elementos objetivos e subjetivos
previstos no tipo penal. Na falta de qualquer elemento, o fato será atípico. Existe uma
importante causa de exclusão de tipicidade que merece atenção: o erro de tipo.

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Como visto, o dolo é composto por dois elementos: cognitivo (consciência do fato) e
volitivo (vontade de praticar o fato). Quando o agente erra sobre algum elemento do tipo, o dolo
é excluído, fazendo com que, consequentemente, a tipicidade (subjetiva) seja excluída no caso
dos tipos dolosos.
O erro de tipo consiste em uma falsa percepção da realidade que incide sobre um
elemento constitutivo do tipo, fazendo com que o agente não saiba o que está fazendo (falta-
lhe o elemento cognitivo do dolo). O erro de tipo está previsto no caput do art. 20 do CP:
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal exclui o dolo, mas permite a
punição por crime culposo, se previsto em lei.
Exemplo: Art. 155 do CP - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Se uma
pessoa subtrai coisa alheia achando que fosse sua, incorre em erro de tipo, porque se
enganou/errou quanto ao elemento do tipo de furto (coisa alheia). Exemplo: Roberta
encontrava-se em um curso preparatório para concurso. Ao final da aula, resolveu ir comprar
um café na cantina do local, tendo deixado seu notebook carregando na tomada. Ao retornar,
retirou um notebook da tomada e foi para sua residência. Ao chegar em casa, foi informada de
que foi realizado registro de ocorrência na Delegacia em seu desfavor, tendo em vista que as
câmeras de segurança da sala de aula captaram o momento em que subtraiu o notebook de
Cláudia, sua colega de classe, que havia colocado seu computador para carregar em substituição
ao de Roberta, o qual estava ao lado. Roberta, em seu interrogatório, confirma os fatos, mas
esclarece que acreditava que o notebook subtraído era seu e, por isso, levara-o para casa.
Da redação do caput do art. 20 do CP decorrem duas modalidades de erro de tipo:
 Invencível (inevitável): exclui o dolo e a culpa. Aqui o erro não poderia ser
evitado em nenhuma circunstância. Se qualquer pessoa erraria na mesma
circunstância, o erro não pode ser atribuído ao agente nem mesmo por culpa.
 Vencível (evitável): exclui somente o dolo, mas o agente pode responder por
culpa, se o tipo prevê a modalidade culposa, pois o erro, nesse caso, poderia ser
evitado.
Exemplo: dois amigos acampam em uma floresta e um deles se veste com uma fantasia
de onça para assustar o outro, que realmente acredita se tratar de um animal selvagem e, por
isso, atira no amigo fantasiado. Nesse caso, como o amigo que atirou errou sobre o elemento
“alguém” do tipo de homicídio (art. 121, caput, do CP: matar alguém), não pode responder por
homicídio doloso. No entanto, é necessário verificar se o agente agiu com culpa ou não, a partir
do critério do homem prudente. Se o agente poderia ter previsto e evitado se fosse mais
cuidadoso, então responderá por homicídio culposo (neste caso, o erro de tipo é vencível). Se,
porém, qualquer pessoa não poderia ter previsto que o animal na verdade se tratava de uma
pessoa fantasiada, então o erro de tipo é inevitável e exclui o dolo e a culpa e o agente não
responde por crime algum.
O erro de tipo não se confunde com o erro sobre a pessoa e o erro na execução. O
erro sobre a pessoa é apresentado no § 3º do Art. 20:

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Art. 20, § 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de
pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa
contra quem o agente queria praticar o crime.
No erro sobre a pessoa, é irrelevante o erro. O dolo subsiste, uma vez que o agente quer,
de fato, praticar o que pratica, enganando-se apenas em relação à pessoa cuja conduta recai.
Assim, o agente pratica crime contra uma vítima determinada, imaginando, todavia, que fosse
outra. Nesse caso, ele responde como se tivesse atingido a pessoa visada. Exemplo: Jorge entra
na casa de seu pai, com a intenção de matá-lo. Ao ver uma pessoa embaixo da coberta no sofá,
supõe ser seu pai e atira contra ela. No entanto, descobre depois que não se tratava de seu pai,
e sim de um amigo dele. Além de responder por homicídio doloso, Jorge também responderá
pela agravante prevista no art. 61, I, e: “ter o agente cometido o crime contra ascendente,
descendente, irmão ou cônjuge”. Mesmo que a vítima atingida (vítima real) não tenha sido seu
ascendente, este foi a vítima pretendida (vítima virtual). E, como dispõe o art. 20, consideram-
se as qualidades da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
Já o erro na execução (aberratio ictus) é apresentado no art. 73 do Código Penal:
Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de
atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse
praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código.
O erro na execução também não exclui o dolo e segue a mesma disposição que consta
no erro quanto à pessoa. Ele surge por acidente ou erro nos meios de execução. Não há falsa
representação da realidade, como no erro da pessoa, mas sim um erro de execução, seja por
imperícia ou acidente. Exemplo: Jorge, querendo matar seu pai, acidentalmente mata seu amigo,
Carlos, que estava próximo, em razão de um erro de pontaria. Não há um erro aqui quanto à
pessoa, mas Jorge continuará respondendo pela agravante de crime cometido contra ascendente,
pois a vítima pretendida foi seu pai.
O erro na execução pode, ainda, causa um resultado diverso do pretendido, tal como
dispõe o art. 74:
Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do
crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é
previsto como crime culposo
Trata-se de hipótese na qual o agente, também por um erro na execução, atinge bem
jurídico de espécie diversa (diferentemente do art. 73, no qual o agente quer atingir uma pessoa,
mas atinge outra, tratando-se de violação ao mesmo bem jurídico –a vida). Nesse caso, o agente
responde por culpa pelo resultado não pretendido se este configurar como crime culposo. Do
contrário, não responde pela ofensa a bem jurídico diverso caso não haja previsão do crime à
título de culpa. Exemplo: A, pretendendo matar B, atira contra ele, mas o disparo acaba por
acertar a vitrina de uma loja ao lado (resultado diverso do pretendido). A responderá apenas por
tentativa de homicídio, não respondendo pelo crime de dano que cometeu ao quebrar o vidro,
uma vez que não existe modalidade de dano culposa.

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5. O Tipo Nos Crimes Culposos


Para que um fato seja atribuído a um agente a título de culpa, é preciso que a culpa
conste de maneira explícita no tipo penal. Se o tipo nada disser quanto à existência de
modalidade culposa, significa que apenas prevê a hipótese de dolo, tal como ocorre com o crime
de dano. Do contrário, crimes como homicídio e lesão corporal podem ser praticados de maneira
culposa, uma vez que esses tipos fazem menção explícita à culpa: “se o homicídio é culposo”,
“se a lesão é culposa”.
Art. 18, II - Diz-se o crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato
previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente
O tipo culposo decorre do dever objetivo de cuidado, necessário ao convívio social.
Desse modo, o Direito exige que atuemos de maneira a evitar prejuízos a outrem. Ele não exige
apenas que nos abstenhamos de condutas criminosas dolosas, mas também que tenhamos
cuidado.
5.1 Tipo Objetivo dos Crimes Culposos
A previsão legal de culpa (art. 18, II, CP) estabelece uma relação causal entre uma
violação do bem jurídico e as condutas objetivas imprudentes, negligentes ou imperitas. Como
a lei não define o que seja “imprudência”, “negligência” ou “imperícia”, isso ficou a cargo da
jurisprudência e doutrina. Contudo, muitos autores criticam essa classificação, alegando que o
caso concreto pode ser atribuído a mais de uma modalidade de culpa, tendo em vista a
dificuldade de delimitação de cada uma.
 Imprudência: é uma conduta positiva, um excesso na ação, o agente ultrapassa
os limites do prudente. É uma ação arriscada.
 Negligência: É uma conduta negativa, uma falta de cuidado, atos de
esquecimento.
 Imperícia: modalidade própria de quem exerce atividade regulamentada, tendo
habilitação para tal, mas, não tendo conhecimento para um ato específico,
mesmo assim o pratica.
São elementos do tipo culposo: ação descuidada, resultado, relação de causalidade e
imputação do resultado. Em outras palavras, o tipo culposo consiste na causação de
determinado resultado típico como decorrência da violação do dever objetivo de cuidado / do
risco permitido.
Ação descuidada: É preciso haver a inobservância das normas de atenção e cuidado, as
quais consistem no cuidado objetivo exigível no meio social, seja por meio de imprudência, de
negligência ou de imperícia. O essencial no tipo de injusto culposo não é a simples causação
do resultado, mas sim a forma em que a ação causadora se realiza. Por isso, a observância do
dever objetivo de cuidado, isto é, a diligência devida, constitui o elemento fundamental do tipo
de injusto culposo.

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Produção de um resultado e nexo causal: O resultado integra o injusto culposo. Nos


crimes culposos, o agente tem que produzir um resultado criminoso em virtude de sua ação
descuidada, de modo que esta tenha efetivamente dado causa ao resultado. A conduta
descuidada que não gera resultado não é punível e, consequentemente, não há como falar em
crimes culposos tentados, pois a superveniência do resultado consiste em um elemento do tipo
culposo. Vale lembrar, também, que a vontade do agente no crime culposo é LÍCITA, embora
o resultado seja ilícito. A conduta, em tese lícita, adquire status de ilícita apenas pela
superveniência do resultado que deu causa. Ex: Jorge, com o objetivo de chegar cedo em casa
(vontade lícita), dirige em velocidade acima do limite permitido, de maneira imprudente, e mata
um pedestre (resultado ilícito). Por fim, é indispensável que o resultado seja consequência da
inobservância do cuidado devido, que este seja a causa daquele.
Imputação do resultado e previsibilidade objetiva: Nos crimes culposos, é necessário
o critério da previsibilidade, que é pressuposto para existência de qualquer dever. Assim, para
um agente ser imputado por culpa é preciso que, nas circunstâncias que ele se encontrava, fosse
possível prever o resultado. Para saber se isto era possível, a doutrina recorre ao parâmetro do
homem médio, que é uma figura abstrata que representa aquela pessoa “ideal”, cuidadosa.
Assim, é culposo o crime quando o “homem médio” poderia ter previsto o resultado. Se, no
entanto, nem ele poderia ter previsto, então não há que se falar em culpa. Além disso, a
previsibilidade exigida aqui é objetiva, ou seja, pensa-se se aquele resultado poderia ser previsto
por qualquer outra pessoa quando colocada hipoteticamente na posição do agente. Primeiro,
verifica-se se o resultado foi efetivamente causado pelo agente. Em seguida, se tiver sido
causado, verifica-se se a ele pode se imputado. Sendo, no entanto, imprevisível o resultado não
haverá delito algum, pois se tratará do mero acaso, do caso fortuito, que constituem exatamente
a negação da culpa. Além disso, a previsibilidade aqui exigida é meramente objetiva, ou, em
outras palavras, não é preciso que tenha havido previsibilidade subjetiva, isto é, a previsão do
resultado, no caso concreto, pelo agente. A existência ou não de previsibilidade subjetiva é
justamente o fator que diferencia a culpa consciente para a culpa inconsciente:
 Culpa inconsciente: Não há previsibilidade subjetiva. O agente nem sequer
prevê o resultado criminoso como possível. Consiste justamente na imprevisão
do previsível.
 Culpa consciente: Há previsibilidade subjetiva. O agente efetivamente prevê o
resultado, mas confia convictamente que ele não ocorrerá. Como já visto, aqui
reside a dificuldade de diferenciação entre culpa consciente e dolo eventual, uma
vez que neste o agente também prevê o resultado, mas assume uma postura de
aceitação/indiferença em relação a ele. Na culpa consciente, o agente não aceita
o resultado.

6. O Tipo nos Crimes Omissivos


Há tipos comissivos, que, como visto, descrevem um “fazer algo”, como é o caso do
tipo de homicídio (“matar alguém”). Todavia, existem também os tipos omissivos, que se
classificam em tipo omissivo próprio e tipo omissivo impróprio. Em ambos os casos, há uma
abstenção de atividade que o agente podia e devia realizar. Contudo, a diferença consiste no
fato de, no tipo omissivo impróprio, o agente deter a posição de garantidor.

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Tipo omissivo próprio: o tipo penal descreve um “não fazer algo” (uma abstenção de
comportamento) sendo então a norma penal mandamental (o agente deveria agir, mas não age).
Exemplos: art. 135 do CP (omissão de socorro); art. 269 do CP (omissão de notificação de
doença). No tipo omissivo próprio, o sujeito ativo é comum, ou seja, qualquer um pode praticá-
lo. Aqui o dever de ajuda decorre de um dever de solidariedade necessária a todos que vivem
em sociedade, sendo um dever imposto a todos. Então, se o sujeito é maior e capaz e vê uma
criança abandonada, entende-se que ele deve prestar assistência a ela para não incorrer no crime
de omissão de socorro.

Tipo omissivo impróprio ou comissivo por omissão: ocorre quando um agente não
faz uma ação predeterminada exigida a ele face ao Direito. Assim, o sujeito que deveria evitar
o injusto é punido pelo tipo penal comissivo que corresponde ao resultado. O sujeito que deveria
evitar o injusto é chamado de garantidor. Esta posição consiste no dever atribuído a alguém
para garantir a proteção ao bem jurídico de outrem, atribuição dada devido à posição que
mantém em relação ao titular do bem (o sujeito ativo é especial, e não comum como no crime
omissivo próprio). Portanto, não é qualquer pessoa que pode praticar o tipo omissivo impróprio;
é preciso que o agente esteja em uma das posições definidas no rol 2º do art. 13, do CP.
O dever de agir nos crimes omissivos impróprios incumbe a quem:
 a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: É o exemplo
dos pais em relação aos filhos menores. Se uma mãe vê seu filho afogando e
nada faz, mesmo podendo fazer, responde não por omissão de socorro e sim por
homicídio. Nesse caso, a mão responde por homicídio por omissão, e não
meramente por omissão de socorro.
 b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado: É o
exemplo da mulher que se comprometeu a cuidar do filho da família vizinha ou
do pedestre que assumiu a responsabilidade de auxiliar um cego a atravessar a
rua.
 c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do
resultado: Significa dizer que quem cria o perigo, mesmo que culposamente,
tem o dever jurídico de afastá-lo. É o exemplo de quem joga um amigo, em uma
brincadeira, na piscina. Com esse comportamento, o agente criou o risco de
ocorrência do resultado e não pode se abster de salvá-lo diante de eventual
afogamento. Caso ocorra a morte do amigo e o agente nada tenha feito para
salvá-lo, responderá também por homicídio por omissão, tendo a sua vista a sua
posição de garantidor.
Importante observar que os crimes comissivos por omissão podem ser praticados de
maneira dolosa ou culposa. Na hipótese culposa, o agente viola dois tipos de normas: uma
norma que corresponde ao dever de agir (posição de garantidor do tipo omissivo impróprio) e
uma norma referente ao dever objetivo de cuidado. Ex.: “A”, salva vidas, conversa
distraidamente e não se dá conta dos gritos de socorro de um banhista, que se afoga na piscina.
“A” responde por homicídio culposo por omissão, com culpa inconsciente. Por outro lado, a
culpa será consciente se “A” tiver visto o banhista se afogando, mas tiver presumido que o
afogamento não ocorreria.

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7. Ilicitude
Ilicitude é a contrariedade de determinada conduta típica com o ordenamento jurídico
em vigor. Nem toda violação da norma penal confere à conduta a qualidade de ilícita. Assim,
nem todo fato típico é ilícito (mas todo fato ilícito é típico). Existem condutas típicas que, pela
posição particular em que se encontra o agente ao praticá-las, se apresentam em face do Direito
como lícitas.
O fato típico será também ilícito quando sobre a conduta não incidir nenhuma causa
excludente de ilicitude. As causas legais excludentes de ilicitudes (ou causas de justificação)
estão previstas no art. 23 do CP: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento
do dever legal e exercício regular do direito. A doutrina e jurisprudência construíram ainda uma
causa supralegal excludente de ilicitude, que é o consentimento do ofendido.
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em
legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito
No caso de não incidir nenhuma causa excludente de ilicitude sobre o fato típico, então
este será ilícito. O fato típico e ilícito é chamado de injusto penal. Porém, vale ressaltar que
somente é crime o fato típico, ilícito e culpável.
7.1 Causas Legais de Exclusão da Ilicitude
Estado de Necessidade: A necessidade pode justificar um fato típico. O estado de
necessidade é uma situação em que se encontra a pessoa que, para salvar de perigo atual um
bem jurídico próprio ou alheio, é obrigado a sacrificar um bem jurídico de outrem. No estado
de necessidade há uma colisão de bens ou interesses juridicamente tutelados. Ex.: dois
náufragos disputam a mesma tábua, que não suporta mais de um; uma vida terá de ser
sacrificada para salvar a outra. Assim, é necessário fazer um juízo de ponderação entre os bens
jurídicos em perigo: o bem sacrificado deve ser menor ou igual ao bem jurídico da pessoa que
sacrificou. No caso em questão, o bem jurídico a ser sacrificado (vida) é o mesmo bem jurídico
daquele a ser protegido. Se o bem jurídico sacrificado for de maior valor, não há que se falar
em exclusão de ilicitude. Ex: Agente, para salvar seu patrimônio, mata alguém.
Para o estado de necessidade configurar-se no direito penal é exigido: a) a existência de
uma situação de perigo atual e inevitável para um bem jurídico do agente ou de outrem; b) que
este perigo não tenha sido provocado voluntariamente pelo agente; c) que, nas circunstâncias,
não se possa razoavelmente exigir o sacrifício do bem ameaçado.
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo
atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou
alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Importante ressaltar, ainda, que não pode alegar estado de necessidade aquele que tem,
nas condições em que atua, o dever legal de correr o risco do sacrifício do próprio bem (art. 24,
§1º, CP). Ex: O bombeiro não pode alegar estado de necessidade para se abster de salvar
moradores de um prédio em chamas.

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Legítima defesa: É a situação da pessoa que reage, com emprego moderado dos meios
necessários, na proteção de um bem jurídico próprio ou alheio, contra injusta agressão humana
atual ou iminente. Para haver legítima defesa é necessário existir uma agressão injusta.
Agressão injusta é aquela agressão humana contrária ao Direito (ilícita). Além disso, é
necessário sempre observar o emprego moderado dos meios necessários. Não se pode alegar
legítima defesa se alguém é xingado e, por isso, dá tiros no ofensor.
Ademais, a agressão deve ser atual ou iminente. Se a agressão já se encerrou, não se
pode alegar legítima defesa. Essa agressão, contudo, pode ser a bem jurídico próprio ou alheio.
Assim, podemos falar em legítima defesa própria e legítima defesa de terceiro.
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Em resumo, para que se tenha a legítima defesa, devem estar presentes os seguintes
requisitos: a) uma agressão injusta atual ou iminente a um bem jurídico próprio ou de outrem
ameaçado pela agressão e b) emprego moderado dos meios necessários na repulsa.
Estrito cumprimento de dever legal: São comportamentos autorizados por todo nosso
ordenamento jurídico. São situações em que a ordem jurídica determina que o fato, embora
típico, trata-se de estrito cumprimento do dever legal. É uma excludente de ilicitude em branco,
pois é necessário recorrer a outros ramos do Direito para saber se a ação típica do agente pode
ser lícita. Por exemplo: policiais que privam a liberdade das pessoas praticam ação típica de
sequestro (art. 148 do CP: privar alguém de sua liberdade...), mas não é ilícita porque atuam em
estrito cumprimento do dever imposto pelo art. 301 do Código de Processo Penal. São requisitos
dessa excludente:
 Dever legal: é necessário que haja um dever legal, que é oriundo unicamente da
lei.
 Estrito cumprimento: A permissão para a realização da conduta está vinculada
aos estritos limites da lei que instituiu o dever. Portanto, o policial, embora seja
autorizado a praticar determinadas condutas, não pode exceder o limite
estabelecido para o cumprimento de seu dever.
Exercício regular do direito: Tendo aquele que realiza a conduta examinada o direito
de fazer o que fez, não pode haver crime. Exemplo: intervenções cirúrgicas são ações típicas
de lesão corporal, mas os médicos têm o direito de fazê-las. Ex.: Casos de intervenção cirúrgica
como exercício regular de direito –mais especificamente, as intervenções cirúrgicas estéticas.
Embora a intervenção cirúrgica resulte em uma lesão corporal, a sua realização consiste no
exercício regular de um direito.
7.2 Causa Supralegal de Exclusão da Ilicitude: Consentimento do Ofendido
Os doutrinadores ainda admitem uma causa supralegal excludente de ilicitude, que é o
consentimento do ofendido quanto à lesão de seus próprios bens jurídicos disponíveis. Para
tanto, são necessários alguns requisitos, dentre os quais: o bem jurídico deve ser disponível, a
autorização de consentimento deve ser expressa etc. O patrimônio é disponível, mas a vida não.
Assim, uma pessoa pode consentir que uma outra destrua um carro seu, mas não sua vida.

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7.3 Excesso Punível (art. 23, p. único, do CP)


O agente, em qualquer das hipóteses excludentes de ilicitude (estado de necessidade,
legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito e
consentimento do ofendido), responderá pelo excesso doloso ou culposo. Assim, a pessoa que
está amparada por uma excludente de ilicitude deve observar os limites impostos a ela. Se
ultrapassar os limites, o excesso será punível.
7.4 Descriminantes Putativas (art. 20, §1º, do CP)
Ocorre quando, diante das circunstâncias, o agente supõe uma situação de fato que, se
existisse, tornaria sua ação legítima, por estar amparada por uma excludente de ilicitude. Por
exemplo, pode o agente colocar-se em atitude de defesa, supondo estar na iminência da agressão
injusta a um bem jurídico próprio ou de outrem, e, assim, acometer o suposto agressor (legítima
defesa putativa). Nesse caso, em que o agente se supõe erroneamente, há dolo, mas inexista
culpabilidade se o erro for invencível.
No caso da legítima defesa putativa há um erro sobre os pressupostos fáticos de causa
excludente de ilicitude, que consiste em um erro de tipo permissivo, também chamado de erro
de proibição, que exclui a culpabilidade. É preciso saber diferenciar o erro de proibição do erro
de tipo.
7.4.1 Erro de Tipo x Erro de Proibição

Como já visto, o erro de tipo versa sobre elementos da conduta típica. O agente erra
em relação a um dos elementos do tipo penal. Ex: Caio erra sobre a condição da coisa alheia no
furto, supondo-a própria, pegando um celular em cima da mesa que acha ser seu. Nesse caso, o
agente conhece a proibição legal, mas não conhece a própria conduta. Ele sabe que furtar é
crime, mas não sabe que o que faz corresponde ao tipo de furto, pois não sabe que a coisa que
subtrai não é sua. O erro de tipo exclui sempre o dolo. No entanto, pode haver punição na
modalidade culposa dependendo se o erro de tipo for invencível ou vencível:
 Erro de tipo invencível (inevitável): exclui tipicidade dolosa e possível
tipicidade culposa. Se qualquer pessoa erraria na mesma circunstância, o erro
não pode ser atribuído ao agente por culpa. Nessa hipótese, o fato praticado é
totalmente atípico, pois falta completa tipicidade subjetiva (visto que não há dolo
e nem culpa).
 Erro de tipo vencível (evitável): exclui a tipicidade dolosa, mas não a culposa,
se previsto o fato como crime culposo. É o caso do caçador que atira no amigo
atrás de uma árvore, pensando se tratar de um animal. Nesse caso, há erro de
tipo, pois o agente erra quanto ao elemento “alguém” do tipo de homicídio (art.
121), pensando se tratar de um animal. No entanto, o agente poderia ter sido
mais cauteloso e ter se certificado antes de atirar. Por isso, embora haja a
exclusão do dolo, não há exclusão da culpa, respondendo o agente nesse caso
por homicídio culposo. Nessa hipótese, o fato é típico, na medida em que há
culpa.
Já no erro de proibição, como na legítima defesa putativa, o agente supõe, por erro, ser
lícito o seu comportamento, acreditando que este não é contrário ao ordenamento. O agente
supõe permitida uma conduta proibida. O equívoco incide sobre o juízo de ilicitude de um
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comportamento típico. Nesse caso, o dolo subsiste, pois o erro não recai sobre elementos do
tipo, de modo que o agente tenha a vontade de fazer exatamente o que faz. Há, conduto,
exclusão da culpabilidade na hipótese do erro de proibição ser inevitável:
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se
inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
 Erro de proibição invencível (inevitável): Se qualquer um recairia em erro na
mesma situação, então se diz que o erro é invencível. O erro de proibição
invencível exclui o último elemento do conceito analítico de crime: a
culpabilidade. No caso da legítima defesa putativa, o agente pensar agir
licitamente porque imagina, por erro, a existência de uma situação de fato que,
se existisse, tornaria a ação legítima. Caio, por exemplo, achando
equivocadamente que será agredido por Mévio, antecipa-se e dispara um golpe
contra ele. Apenas se o erro de Caio for invencível, estando presentes todas as
justificativas para a sua suposição, é que ele não responderá por crime algum.
Nesse caso, ele terá praticado um fato típico e ilícito (visto que não agiu
verdadeiramente em legítima defesa), mas não um fato culpável.
 Erro de proibição vencível (evitável): Não exclui a culpabilidade, ou seja, a
punição se impõe e o crime fica configurado, mas a pena é reduzida de acordo
com o art. 21, com redução de 1/6 a 1/3.
Para diferenciar erro de tipo e erro de proibição, Welzel dá o seguinte exemplo no caso
do furto: “Quem subtrai coisa que erroneamente supõe ser sua, encontra-se em erro de tipo: não
sabe que subtrai coisa alheia; porém, quem acredita ter o direito de subtrair coisa alheia, como
o credor em face do devedor, encontra-se em erro sobre a antijuricidade.” Em outras palavras,
se Caio pega para si 100 reais que encontra na mesa de Tício, acreditando que sua conduta é
lícita, pois Tício lhe deve 200 reais, estará cometendo erro de proibição, e não erro de tipo, pois
sabe que a coisa não é sua, mas erra quanto à ilicitude do fato.

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8. Culpabilidade
A culpabilidade consiste na reprovabilidade do agente que praticou a conduta típica e
ilícita. Enquanto a tipicidade e a ilicitude são o juízo de reprovação que recai sobre a conduta,
a culpabilidade constitui a reprovabilidade pessoal. Em outras palavras, a conduta pode ser
descrita como típica e ilícita, mas não como culpável. Culpabilidade consiste em um atributo
da pessoa: o agente pode ser ou não culpável.
A culpa é atributo de quem tem capacidade genérica de entender e querer
(imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude,
sendo-lhe exigível comportamento que se ajuste ao direito. São elementos da culpabilidade: 1)
imputabilidade, 2) potencial consciência da ilicitude, e 3) exigibilidade de conduta diversa.
Se esses são os requisitos, então excluem a culpabilidade a inimputabilidade, a falta de potencial
consciência da ilicitude (erro de proibição inevitável) e inexigibilidade de conduta diversa.
9.1 Inimputabilidade
A imputabilidade é o primeiro exame do juízo de culpabilidade. Ela é a possibilidade de
atribuir ao indivíduo a prática de conduta típica e ilícita para que se possa responsabilizá-lo. A
imputabilidade pressupõe a capacidade psíquica do agente, ou seja, a capacidade de ser
responsável penalmente pelo cometimento do fato punível. Quando o agente é incapaz de
compreender o caráter ilícito do fato, resta excluída a culpabilidade. Agente capaz, em direito
penal, é aquele mentalmente sadio e desenvolvido, capaz de entender a natureza ilícita do fato

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e determinar-se de acordo com esse entendimento. O Código Penal brasileiro reconhece as


seguintes causas excludentes de imputabilidade:

9.1.1 Doença Mental ou Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Neste caso, o legislador adotou o critério biopsicológico: é necessário um dado
biológico (doença mental), mas não basta apenas ele, é necessário ainda um exame que constate
que, em razão da doença mental, o agente era totalmente incapaz de autodeterminar-se. Sendo
totalmente incapaz, o agente é inimputável e a culpabilidade é excluída, devendo ele ser
absolvido. Porém, como o agente praticou um injusto penal (fato típico e ilícito), contra ele será
imposta uma medida se segurança, que pode ser um tratamento ambulatorial, por exemplo.
Nos termos do art. 26, parágrafo único, do CP, a pena pode ser reduzida de um a dois
terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. Neste caso, o indivíduo tem capacidade
psíquica reduzida, mas não é inteiramente incapaz. Assim, existe imputabilidade neste caso e o
agente pratica crime, mas a pena é reduzida.

9.1.2 Menores de 18 anos

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às


normas estabelecidas na legislação especial.
O critério aqui é puramente etário, bastando o indivíduo ser menor de 18 anos para ser
considerado inimputável. Embora seja inimputável e por isso não pratique crime, o menor de
18 anos pode praticar ato infracional, podendo contra ele ser imposta uma medida
socioeducativa. No entanto, isso está fora do alcance do direito penal, ficando a cargo do direito
da criança e do adolescente.

9.1.3 Embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior

Art. 28, § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso
fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
O CP diz que a emoção e a paixão NÃO excluem a imputabilidade (art. 28, I). Da mesma
forma, NÃO exclui a imputabilidade a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou
substância de efeitos análogos (art. 28, II). Somente exclui a imputabilidade a embriaguez
completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, que faz o agente ser inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art.
28, §1º).
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Hipóteses de embriaguez que NÃO excluem a imputabilidade:


 Voluntária: o sujeito tem vontade de se embriagar.
 Culposa: é aquela em que o agente por descuido acaba se embriagando. Ex.: a
pessoa não tem vontade de se embriagar, mas começa bebendo uma cerveja,
depois uma whisky e outras bebidas e acaba se embriagando.
 Preordenada: a embriaguez voluntária preordenada não exclui a imputabilidade
e além disso é circunstância agravante da pena (art. 61, II, do CP). A embriaguez
preordenada é aquela em que o agente se embriaga para encorajar-se a praticar
crime.
Apenas há uma hipótese de embriaguez que exclui a imputabilidade: embriaguez
completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Um exemplo é o caso do universitário
que é obrigado pelo veterano a embriagar-se. O CP ainda prevê a diminuição de pena na
hipótese do agente que, por embriaguez proveniente de caso fortuito ou força, não possuía, ao
tempo da conduta, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de
acordo com esse entendimento. Neste caso, o agente não é inteiramente incapaz (tem
capacidade reduzida), por isso é imputável. Todavia, como não tinha plena capacidade psíquica
em razão de embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior, sua pena será reduzida:

Art. 28 § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,
proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a
plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento
Nos casos de embriaguez voluntária, culposa ou preordenada o agente é imputável, isto
é, pode ser responsabilizado criminalmente, ainda que em razão da embriaguez seja
inteiramente incapaz no momento da prática do injusto. Isso porque o legislador se orientou
pela Teoria da actio libera in causa. A referida teoria diz que o agente, nos casos de
embriaguez voluntária ou culposa, no momento que decidiu beber agiu consciente e
voluntariamente. Assim, ainda que seja inteiramente incapaz no momento da prática do fato em
função da embriaguez, o agente era psicologicamente capaz no momento em que decidiu beber.

O CP ainda prevê a diminuição de pena na hipótese do agente que, por embriaguez


proveniente de caso fortuito ou força, não possuía, ao tempo da conduta, a plena capacidade de
entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento. Neste
caso, o agente não é inteiramente incapaz (tem capacidade reduzida), por isso é imputável.
Todavia, como não tinha plena capacidade psíquica em razão de embriaguez proveniente de
caso fortuito ou força maior, sua pena será reduzida.

9.2 Erro de Proibição Inevitável


Superando o exame do seu primeiro elemento (imputabilidade), o juízo de reprovação
impõe apurar se, ao momento da prática delitiva, em uma situação concreta, o agente poderia
compreender a ilicitude de seus atos. O erro de proibição é o instituto que produz efeitos na
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potencial consciência da ilicitude. Se o erro de proibição for inevitável, a culpabilidade é


excluída porque o agente não poderia ter potencial consciência da ilicitude, o segundo requisito
da culpabilidade.
Nesta fase, superada a análise da imputabilidade, o agente é plenamente capaz de
entender o caráter ilícito do fato, ou seja, é imputável, mas no juízo de confronto entre o fato e
a ordem jurídica ocorre um erro que o leva a pensar que o fato praticado não constitui crime. O
desconhecimento da lei é inescusável, mas ocorre que existem casos em que o agente não
consegue compreender a ilicitude do fato em função de circunstâncias concretas.
Na análise da consciência da ilicitude basta que o agente pudesse atingi-la, ou seja, basta
a possibilidade de consciência da ilicitude. Por isso, falamos em potencial consciência da
ilicitude.
Exemplo de falta de potencial consciência da ilicitude: Ana, cidadã da Alemanha, onde
o aborto é legal, vem passar férias no Brasil. Aqui engravida e então faz um abortamento.
Ninguém e nenhuma circunstância demonstrou a ela que o aborto é crime no Brasil, inclusive
o médico a disse que o aborto era legal por aqui. Portanto, Ana não teve a potencial consciência
da ilicitude do fato, incorrendo em erro de proibição inevitável. Logo, é isenta de pena porque
a culpabilidade é excluída.
O erro de proibição não se confunde com erro de tipo. O erro de tipo é erro sobre uma
situação fática que incide sobre os elementos constitutivos do tipo. O erro de proibição é o erro
que incide sobre a ilicitude do fato.
9.3 Inexigibilidade de Conduta Diversa
O último elemento do juízo de culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa. É
necessário que se possa exigir do indivíduo uma conduta diversa daquela que praticou. Quando
o agente atua sob coação moral irresistível ou obediência superior hierárquica não
manifestamente ilegal, não se pode exigir uma conduta contrária por parte dele. Nestes dois
casos há hipótese de inexigibilidade de conduta diversa e a culpabilidade é excluída.
Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não
manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

9.3.1 Coação Moral Irresistível

O agente tem sua conduta dirigida pela vontade, porém, esta é viciada pela coação. A
finalidade delitiva manifestada no ato é isenta de reprovação, pois não decorre da decisão livre
do agente. Somente será punido quem realiza a coação (coator). Exemplo: Mévio coloca uma
arma na cabeça de Tício e o ameaça de morte, caso ele não digite a senha do banco que gere.
Se Tício digitar a senha, terá agido sob coação moral irresistível.
Quando a coação moral é resistível, ambos, coator e coato, são responsabilizados
penalmente. No entendo, aquele que cedeu à coação moral resistível tem a sua pena atenuada
(art. 65, III, c).
Ademais, é necessário não confundir coação moral irresistível com coação física
irresistível. Na coação física irresistível, a vontade do agente é totalmente suprimida e, em razão
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disso, não há conduta penalmente relevante e, em consequência, não há tipicidade (inexiste


ação). Na coação moral irresistível, o agente possui vontade, mas esta é viciada em razão da
coação, o que faz excluir a culpabilidade.
9.3.2 Obediência Superior Hierárquica Não Manifestamente Ilegal

Quando o agente atua em estrita obediência à ordem não manifestante ilegal, somente
responderá quem proferiu a ordem. Neste caso, o agente atua influenciado pela aparente
legalidade da ordem superior hierárquica. Por isso, não há culpabilidade por falta de
exigibilidade de conduta diversa.
Exemplo: Um policial recebe a ordem superior para prender uma pessoa. Policiais têm
o dever legal de prender pessoas em determinadas circunstâncias, por isso a ordem aqui é
aparentemente legal. Depois se descobre que o superior queria apenas se vingar da pessoa que
mandou prender sem motivo algum. O policial, inferior, não responde pela privação de
liberdade da vítima.
No entanto, se a ilegalidade é manifesta (evidente), o agente está obrigado a não acatar
a ordem. Caso receba uma ordem manifestante ilegal, o inferior deve desobedecê-la, pois se
cumpri-la irá ser responsabilizado penalmente por ela. Exemplo: delegado manda agente
policial fazer a seguinte proposta a um preso: “pague R$ 10 mil ao delegado que você será
libertado”. Diante da manifesta ilegalidade da ordem hierárquica, se o agente obedecer a ordem,
responderá por corrupção ao lado do delegado.

9. Crime Consumado e Crime Tentado


Uma vez estando presente os 3 elementos da definição analítica (tipicidade, ilicitude e
culpabilidade), o crime fica configurado. Contudo, a depender se a execução foi ou não
finalizada, o crime pode ser consumado ou tentado.
O crime é consumado quando são observados todos os elementos do tipo legal. Já o
crime tentado é aquele que tem a execução iniciada, mas não é consumado por circunstâncias
ALHEIAS à vontade do agente, ou seja, há uma realização incompleta da conduta típica.
Art. 14 - Diz-se o crime:
I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade
do agente.
Na tentativa, o agente inicia a execução, pretendo alcançar o evento, o qual não
sobrevém por causas alheias à sua vontade. Ela tem por elementos: 1) início da execução que
constitui crime, 2) não superveniência do resultado por circunstâncias alheias à vontade do
agente; 3) dolo e outros eventuais elementos subjetivos correspondentes ao tipo subjetivo. Além
disso, o art. 14 dispõe que a tentativa consiste em causa de diminuição da pena, podendo a pena
do crime consumado ser diminuída de 1 a 2/3.
É importante diferenciar a tentativa de duas outras hipóteses: desistência voluntária e
arrependimento eficaz. No arrependimento e na desistência, não há tentativa, porque o
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resultado deixa de ocorrer em virtude do agente – enquanto que na tentativa são circunstâncias
alheias à vontade do agente que interrompem a execução. Nesses dois casos, o agente responde
apenas pelos atos já praticados, se estes configurarem delito consumado.
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o
resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
A desistência voluntária ocorre antes do agente ter feito tudo que devia e podia ter
feito para a consumação. O agente que inicia a realização de uma conduta típica pode,
voluntariamente, interromper a sua execução. Isso caracteriza a tentativa abandonada. Não é
necessário que a desistência seja espontânea, basta que seja voluntária, sendo indiferente para
o direito penal essa distinção. Espontânea ocorre quando a ideia inicial parte do próprio agente,
e voluntária é a desistência sem coação moral ou física, mesmo que a ideia inicial tenha partido
de outrem, ou mesmo resultado de pedido da própria vítima.
No arrependimento eficaz o agente, após ter esgotado todos os meios de que dispunha
-necessários e suficientes-, arrepende-se e evita que o resultado aconteça. Isto é, pratica nova
atividade para evitar que o resultado ocorra. Aqui, também, não é necessário que seja
espontâneo, basta que seja voluntário.
Tanto na desistência voluntária como no arrependimento eficaz, o agente responderá
pelos atos já praticados. Ex: Caio, com a intenção de matar, começa a agredir Mévio. Contudo,
no meio da execução, desiste de dar continuidade, mesmo tendo condições, no momento, de
consumar o crime de homicídio. Nesse caso, diante da desistência voluntária, Caio deixa de
responder por aquilo que originalmente se propôs (homicídio). Não fica configurada a tentativa
de homicídio, mas sim a lesão corporal –essa sim consumada.
A desistência voluntária e o arrependimento eficaz ocorrem antes da consumação do
crime originariamente desejado pelo agente. É diferente de outra hipótese prevista pelo CP no
art. 16:
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou
restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a
pena será reduzida de um a dois terços.
No caso de arrependimento posterior, o agente se mostra arrependido após o momento
consumativo do crime. É diferente das hipóteses anteriores nas quais o arrependimento ocorria
antes da consumação. Nesse caso, a pena pode ser reduzida, desde presentes alguns requisitos:
a) crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa; b) reparação do dano ou restituição
da coisa e c) ressarcimento realizado antes do recebimento da denúncia ou queixa, isto é, antes
de ter início a ação penal.
É importante também ressaltar que a tentativa não é punível nos denominados crimes
impossíveis:
Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.
Crime impossível é aquele que não se pode consumar por absoluta inidoneidade do
meio ou por absoluta impropriedade do objeto. O meio absolutamente indôneo é aquele incapaz
de produzir resultado, em virtude de sua natureza. Ex: Agente, com a intenção de matar, tenta
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atirar no seu inimigo com uma arma de brinquedo. A arma de brinquedo consiste em meio
indôneo, uma vez que é absolutamente incapaz de produzir o resultado morte. Já a
impropriedade absoluta do objeto ocorre quando o objeto não existe ou, nas circunstâncias em
que se encontra, torna impossível a consumação do crime. Ex: “A” alveja “B” sem saber que
“B” já está morto. Em ambos os exemplos dados, a tentativa do agente não é punível, uma vez
que se encontra configurado o crime impossível.

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