Nota Técnica 12 - Superendividamento TJDFT

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS


Primeira Vice-Presidência
Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal
Nota Técnica CIJDF 12/2024

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................... 5

1 DO OBJETO DA NOTA TÉCNICA ...................................................................................... 5

2 INSTRUMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DA NOTA TÉCNICA .. 9

2.1 Grupo de Trabalho..............................................................................................................................9

2.2 Pesquisa diagnóstica .................................................................................................................... 10

3 CONCEITO E BREVE HISTÓRICO SOBRE O SUPERENDIVIDAMENTO .................. 10

4 MÍNIMO EXISTENCIAL..................................................................................................... 16

5 A EXPERIÊNCIA DO TJDFT NO TRATAMENTO E A PREVENÇÃO DO

SUPERENDIVIDAMENTO .................................................................................................... 24

6 A EXPERIÊNCIA DE OUTROS TRIBUNAIS NO TRATAMENTO E NA PREVENÇÃO

DO SUPERENDIVIDAMENTO APÓS O ADVENTO DA LEI 14.181/2021 ....................... 28

7 REFLEXÕES SOBRE O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO .................... 30

7.1 Unidade especializada no tratamento e na prevenção do superendividamento – CEJUSC-


SUPER ................................................................................................................................................. 30

7.2 Fluxo pré-processual (fase conciliatória ou consensual – art. 104-A do CDC) .................. 32
7.2.1 Monitoramento dos resultados de autocomposição e celebração de termos

de parceria com instituições financeiras e afins ............................................................... 41

7.3 Fluxo processual (fase contenciosa) ................................................................................................ 42


7.3.1 Recebimento/indeferimento da petição inicial .......................................... 44

7.3.2 Cumulação de pedidos: repactuação de dívidas e revisão de cláusulas

contratuais ......................................................................................................................... 47

7.3.3 Plano de pagamento voluntário (art. 104-A do CDC) ............................... 50

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7.3.4 Contestação ou impugnação ...................................................................... 52

7.3.5 Produção de provas ................................................................................... 54

7.3.6 Plano de pagamento compulsório.............................................................. 56

7.3.7 Competência para processar e julgar casos em que for parte a CEF ......... 61

8 MEDIDAS ADMINISTRATIVAS ....................................................................................... 62

8.1 Cadastramento adequado do assunto no PJe ............................................................................ 62

8.2 Definição do perfil do administrador judicial e cadastramento dos profissionais ............... 65

8.3 Monitoramento do impacto da distribuição das ações de superendividamento nas

circunscrições judiciárias .......................................................................................................... 66

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 68

DIRETRIZES ........................................................................................................................... 71

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 74

ANEXOS ................................................................................................................................. 78

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NOTA TÉCNICA CIJDF 12/2024

PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. TRATAMENTO DO


SUPERENDIVIDAMENTO DA PESSOA NATURAL. LEI
14.181/2021. ARTIGOS 104-A E 104-B DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. PROCESSO DE REPACTUAÇÃO DE
DÍVIDAS. PROCESSO POR SUPERENDIVIDAMENTO PARA
REVISÃO E INTEGRAÇÃO DOS CONTRATOS E
REPACTUAÇÃO DAS DÍVIDAS REMANESCENTES.
PESQUISA REALIZADA COM OS MAGISTRADOS DAS
VARAS CÍVEIS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO
FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. MÍNIMO EXISTENCIAL.
FLUXOGRAMAS. FASE CONCILIATÓRIA
(EXTRAJUDICIAL) E FASE JUDICIAL.
1. A presente nota técnica foi elaborada a partir da análise dos dados
obtidos por meio de pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e empírica
acerca das inovações trazidas pela Lei 14.181/2021, que dispõe sobre a
prevenção e o tratamento do superendividamento.
2. O superendividamento, segundo a doutrina, pode ser definido como
a “impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo
e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo
(excluídas as dívidas com o fisco, oriundas de delitos e de alimentos)
em um tempo razoável com a sua capacidade atual de rendas e
patrimônio” (MARQUES, Cláudia Lima. 2010, p. 21). 2.1.
Necessidade de discussão sobre o conceito de mínimo existencial e os
seus impactos para as demandas de superendividamento.
3. A aplicação da Lei 14.181/2021 tem-se mostrado desafiadora aos
magistrados, notadamente porque não houve previsão pormenorizada
de todos os atos processuais que integram o procedimento de
repactuação de dívidas do superendividado (arts. 104-A e 104-B do
CDC), fato que tem ensejado a prolação de decisões não uniformes.
4. Necessidade de uniformização dos fluxos procedimentais pré-
processual (art. 104-A do CDC) e processual (art. 104-B do CDC), com
a finalidade de gerar mais segurança jurídica e eficiência da norma que
trata do superendividamento. 4.1. Esta nota técnica teve por escopo
verificar esse fluxo e propor soluções de uniformização.
5. Proposição de medidas administrativas e judiciais que podem tornar
mais eficiente a prestação jurisdicional relacionada às demandas de
superendividamento. 5.1. Necessidade de ampliação do debate,
monitoramento das demandas ajuizadas e realização de novos estudos
sobre a temática.

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APRESENTAÇÃO

Conforme o disposto na Portaria Conjunta 140 de 5 de dezembro de 2022, compete ao


Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal – CIJDF emitir notas técnicas sobre
demandas estratégicas, repetitivas e de massa a serem encaminhadas aos magistrados da Justiça
do Distrito Federal.

Por se tratar de órgão administrativo, o Centro de Inteligência não pretende se imiscuir


em questões submetidas à apreciação judicial e que ainda estejam pendentes de manifestação
pelos magistrados desta Corte, mas tão apenas apresentar macroestratégias de tratamento
adequado de conflitos, conferindo, assim, mais racionalidade e eficiência ao Sistema de Justiça.

As diretrizes apontadas nesta nota técnica têm natureza de mera recomendação e cunho
informativo. Busca-se, de forma colaborativa, com a participação de diversos setores do
Tribunal, contribuir para uma prestação jurisdicional de excelência, com objetivos alinhados
àqueles definidos na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas – ONU, em particular
os relacionados ao desenvolvimento de instituições eficazes, responsáveis e transparentes em
todos os níveis – ODS 16.

1 DO OBJETO DA NOTA TÉCNICA

A questão do superendividamento antecede o advento da Lei 14.181, de 1º de julho de


2021, que alterou o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, a fim de
“aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento
do superendividamento”, pois se trata de problema que atinge parcela considerável da sociedade
e tem demandado cada vez mais atenção do Poder Judiciário.

De acordo com as informações apresentadas na Pesquisa de Endividamento e


Inadimplência do Consumidor – PEIC, divulgada pela Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo –CNC , em junho de 2023 78,5% dos núcleos familiares do país
tinham dívidas, sendo esse o mais alto índice desde o início da série histórica, em 2010
(Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Resultados Anuais de 2023
da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor –PEIC com perfis de

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endividados e inadimplentes, 2023). É importante destacar que esse problema não é apenas
econômico, pois seus reflexos atingem também o Sistema de Justiça.

Com efeito, o Relatório Justiça em Números 2023, feito com dados referentes ao ano-
base 2022, demonstra que, entre os assuntos mais demandados em sede recursal, o tema direito
do consumidor (contratos de consumo/bancários) aparece em terceiro lugar (BRASIL.
Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2023, 2023, p. 276-278). É inconteste que
demandas de consumo correspondem a expressivo percentual do acervo das varas cíveis do
Distrito Federal e, entre essas, encontram-se as ações judiciais sobre superendividamento.

De acordo com os levantamentos realizados no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios pela Coordenadoria de Sistemas e de Estatística da Primeira Instância
–COSIST, em 2022 foram distribuídos 443 processos com o assunto superendividamento
(Código 15048). De janeiro de 2023 a fevereiro de 2024, constatou-se expressivo aumento,
sendo distribuídos 1.015 processos sobre o tema. Verifica-se que nos dois anos anteriores (2020
e 2021) a distribuição foi inexpressiva, fator que indica o grande impacto da nova lei no cenário
litigioso, conforme gráfico abaixo:

Distribuição anual - Processos Judiciais


2000
1800
1600
1400
1200 1015
1000
800
600 443
400
200 2 25
0
2020 2021 2022 2023/fev 2024

Gráfico 1. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Acrescente-se ainda que os dados supramencionados não refletem a totalidade das ações
sobre a temática, pois é notória a existência de considerável número de ações em que o processo
é cadastrado de forma equivocada (classe e assunto), de modo que, recentemente, a

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Corregedoria disponibilizou o Comunicado 01/2024, do Núcleo Permanente das Tabelas


Processuais Unificadas da Primeira Instância – NUTPU, destinado ao esclarecimento da correta
classificação das ações ajuizadas com fundamento nos arts. 104-A e 104-B do CDC.

Nessa perspectiva, ponderando a existência de processos sobre superendividamento


cadastrados de forma inadequada no Sistema PJe e, à míngua de dados seguros sobre o
percentual desse tipo de equívoco, o Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação –
NUPEMEC, vinculado à Segunda Vice-Presidência, estimou que esses cadastros equivocados
representariam algo em torno de 50%, o que levaria a uma média estimada de cerca de 150
demandas distribuídas por mês sobre o assunto superendividamento1.

Diante das inovações trazidas pela novel legislação, surgiram desafios no âmbito do
direito material e procedimental que demandam urgência na busca de soluções para garantir
efetividade no tratamento desses litígios e consequente aplicação da lei. Isso porque, os arts.
104-A e 104-B, ambos do CDC, únicos que disciplinam o procedimento de repactuação de
dívidas, bem como o de revisão e integração dos contratos, respectivamente, não trazem o
detalhamento necessário para o desenvolvimento do processo.

Atento à necessidade de adoção pelos tribunais estaduais de procedimento uniforme e


lastreado em boas práticas, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou a Recomendação 125,
de 24 de dezembro de 2021, bem como publicou a “Cartilha sobre o Tratamento do
Superendividamento do Consumidor” para orientar tribunais e magistrados quanto à aplicação
das regras da Lei 14.181/2021.

No documento foram apresentadas orientações essenciais à uniformização de


procedimentos, além da indicação de instrumentos para operacionalizar convênios e termos de
cooperação entre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e demais instituições
envolvidas, “a fim de otimizar fluxos de trabalho e os eixos de enfrentamento e prevenção do
superendividamento” (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Cartilha sobre o tratamento do
superendividamento do consumidor, 2022, p. 8-9).

1
Informação apresentada pelo NUPEMEC no Grupo de Trabalho para o estudo do fenômeno do
superendividamento, instituído por meio da Portaria Conjunta 70 de 9 de junho de 2023.

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Contudo, as diretrizes e o conteúdo apresentados na cartilha necessitam de


detalhamento, tendo em vista a realidade e as dificuldades encontradas pelos magistrados de
cada tribunal, que precisam solucionar os conflitos à luz do novo procedimento.

Nessa perspectiva, justifica-se a atuação do Centro de Inteligência da Justiça do Distrito


Federal – CIJDF para que, conjuntamente com as demais unidades da Administração Superior,
elabore proposta de tratamento uniformizado da questão, prestigiando-se, assim, a segurança
jurídica e a isonomia dos consumidores superendividados que buscam a prestação jurisdicional
e colhendo, por conseguinte, os benefícios da redução do tempo de tramitação do processo
judicial e a redução da quantidade de recursos interpostos.

Cumpre esclarecer que essa nota técnica não visa resolver, com pretensão de
definitividade ou hierarquia, questões polêmicas e ainda não sedimentadas pela doutrina e pela
jurisprudência sobre a lei que tratou do superendividamento e da repactuação de dívidas. Porém,
não é possível aguardar o tempo necessário para construção jurídica sólida, antes de aplicar a
lei que se encontra em vigor, mesmo porque ela versa sobre um dos aspectos do direito
fundamental da dignidade da pessoa humana, no caso, a preservação de seu mínimo existencial.

Desse modo, a presente nota técnica se apresenta como um dos produtos oriundos do
Grupo de Trabalho acima referido, mas também seu aprofundamento, principalmente em
questões envolvendo o direito material correspondente, por meio da qual serão divulgadas as
análises, levantamentos técnicos e estratégias de tratamento procedimental das demandas
relativas aos superendividados no âmbito do TJDFT.

É nesse contexto que se insere o presente estudo, em que, além de tratar de pontos
omissos da Lei 14.181/2021, com apresentação das principais posições adotadas e as
consequências de adoção de cada entendimento, se almeja:

a) abordar o histórico do tratamento jurídico do superendividamento;


b) abordar o histórico do tratamento do superendividamento no âmbito do TJDFT, bem
como elencar as iniciativas adotadas em outros tribunais após o advento da Lei
14.181/2021;

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c) apresentar análise sistêmica dos instrumentos de pesquisa utilizados pelo CIJDF


para a construção dos fluxos pré-processual e processual para o tratamento do
superendividamento do consumidor;
d) trazer à discussão pontos controvertidos na aplicação da Lei 14.181/2021, a fim de
auxiliar a prática jurisdicional.

Destaca-se que os estudos e as análises de dados referentes ao tema estão


consubstanciados nos Processos SEI 0021125/2022 e 0014082/2022.

2 INSTRUMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DA NOTA


TÉCNICA

A nota técnica em epígrafe foi construída com base nos resultados de Grupo de
Trabalho, bem como na análise de dados obtidos por meio de pesquisa bibliográfica e empírica,
realizada com parte dos magistrados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios;
pesquisa jurisprudencial; além das percepções colhidas em diálogos com estudiosos de renome
no cenário nacional, especialistas em direito do consumidor: os desembargadores do TJDFT
Hector Valverde Santanna, Leonardo Roscoe Bessa e Roberto Freitas Filho; as juízas de direito
Marília de Ávila e Silva Sampaio –TJDFT e Káren Rick Danilevicz Bertoncello –TJRS; e o
procurador do Estado do Espírito Santo, Leonardo Garcia, aos quais se agradece a contribuição.

2.1 Grupo de trabalho

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, atento à necessidade de


desenvolvimento de medidas aptas a viabilizar a aplicação prática da norma vigente, instituiu,
por meio da Portaria Conjunta 70 de 9 de junho de 2023, “grupo de trabalho para o estudo do
fenômeno do superendividamento previsto na Lei 14.181/2021, de 1º de julho de 2021, com
base em pesquisa empírica, doutrina e estudo da legislação em vigor”.

Destaca-se que os objetivos estabelecidos para o Grupo de Trabalho foram: 1) formular


proposta de tratamento uniformizado das demandas relacionadas ao superendividamento nas
etapas pré-processual e processual; 2) definir, de acordo com a proposta, as atribuições das
unidades administrativas e judiciais responsáveis pelo tratamento das solicitações referentes ao

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superendividamento; e 3) estimar, em termos de estrutura e recursos, as necessidades para


implementação da proposta de padronização do atendimento às demandas relacionadas ao
superendividamento nas etapas pré-processual e processual.

2.2 Pesquisa diagnóstica

Os magistrados de primeiro grau não podem, muitas vezes, contar com legislação
completa e nem mesmo possuem tempo hábil para aguardar a consolidação de aplicação de
instituto novo pela jurisprudência. É dever do Poder Judiciário aplicar a lei em vigor,
independentemente do amadurecimento da aplicação dos institutos jurídicos. Nesse aspecto,
para a constatação mais fidedigna da realidade no âmbito do TJDFT, o CIJDF organizou
pesquisa nos juízos de primeira instância para compreender como tem sido aplicada a referida
lei, especialmente em relação aos seus pontos mais polêmicos ou de lacuna legislativa.

Referida pesquisa, de adesão voluntária, foi disponibilizada para as 54 varas cíveis do


TJDFT, via formulário eletrônico, com questionário previamente preenchido e respostas
semiestruturadas. Nesses termos, o público-alvo foi 100% das varas que poderiam de alguma
forma julgar questões atinentes ao processo previsto na Lei 14.181/2021.

Ao final do prazo estipulado para o preenchimento, verificou-se que 39 magistrados


responderam às 24 perguntas que permitiram averiguar, entre outros aspectos, a percepção dos
juízes sobre o cadastramento das ações sobre superendividamento ajuizadas nas suas
respectivas varas; a adoção – ou não – de fluxo processual predeterminado; a exigência de plano
de pagamento para a instauração do processo de repactuação de dívidas etc.

3 CONCEITO E BREVE HISTÓRICO SOBRE O SUPERENDIVIDAMENTO

O endividamento não pode ser considerado, de forma abstrata, algo negativo. Tomar
crédito pode possibilitar investimentos para a pessoa natural ou jurídica e, se bem gerida a

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dívida, trazer resultados muito positivos2. Por outro lado, a vida financeira estável e saudável
pode transformar-se em superendividamento, principalmente quando o endividamento é
classificado como de risco.

O Banco Central considera endividado de risco aquele devedor de crédito que se


enquadra, de forma simultânea, em dois ou mais critérios listados a seguir: “inadimplência,
comprometimento da renda mensal com o pagamento de dívidas acima de 50%, exposição
simultânea a cheque especial, crédito pessoal sem consignação e crédito rotativo, e renda
disponível mensal (após o pagamento de dívidas) abaixo da linha de pobreza” (BRASIL. Banco
Central do Brasil. Banco Central atualiza números sobre o endividamento de risco, 2023).

Cumpre esclarecer que a literatura internacional aponta situações que costumam


desencadear o superendividamento, tais como desemprego, divórcio/separação, doença, morte
na família e gastos inesperados (PORTO; SAMPAIO, 2015, p. 101).

O Código de Defesa do Consumidor, alterado pela Lei 14.181/2021, não só se


preocupou com o tratamento do superendividado, mas também com a sua prevenção3, para que
se possa evitar a situação de calamidade financeira causada com o chamado
superendividamento.

Para a doutrina jurídica o superendividamento pode ser definido como a


“impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas
as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o fisco, oriundas de
delitos e de alimentos) em um tempo razoável com a sua capacidade atual de rendas e
patrimônio” (MARQUES, 2010, p. 21).

Também pode ser definido como “a incapacidade do consumidor de pagamento de suas


dívidas exigíveis, em face de descontrole financeiro decorrente de abuso de crédito ou situações

2
“Consumo e crédito são duas faces da mesma moeda: enquanto a economia segue seu curso regular, com a
decorrente circulação monetária, o endividamento é saudável, mas, se ocorre um “acidente da vida”, a exemplo da
pandemia da COVID-19, com perda de emprego, redução dos ganhos, doença, morte na família etc., os fluxos
financeiros podem se interromper e eventualmente culminar no superendividamento, conduzindo a uma exclusão
do indivíduo e familiares do mercado de consumo.” (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Cartilha sobre o
tratamento do superendividamento do consumidor. 2022, p. 11).
3
Arts. 54-A a 54-F do Código de Defesa do Consumidor.

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imprevistas em sua vida pessoal”. Em outras palavras, é “situação jurídica objetiva que não
decorre da vontade do consumidor, mas do reconhecimento jurídico da impossibilidade de
pagamento das dívidas de consumo, sem comprometimento do mínimo existencial”
(MIRAGEM, 2024, p. 769).

Com o advento da Lei 14.181/2021, positivou-se o conceito de superendividamento


como “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a
totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo
existencial, nos termos da regulamentação” (art. 54-A do CDC).

A referida lei inova no ordenamento jurídico ao criar o instituto jurídico do


superendividamento com conceito que não encontrava tipificação no direito brasileiro, não se
confundindo com devedor, com inadimplente e nem com insolvente. Devedor é o sujeito
passivo da obrigação civil, aquele que tem o dever a uma prestação em favor do credor
(PEREIRA, 2020, p. 3). Por sua vez, inadimplente é aquele que não cumpre a obrigação no
tempo e modo acordado, podendo ser absoluto quando a obrigação não pode ser cumprida, ou
relativo (mora) quando ainda há possibilidade de cumprimento (FARIAS et al., 2019, p. 841-
842). Já a insolvência é um estado de fato, que se verifica: “toda vez que as dívidas excederem
à importância dos bens do devedor4” (art. 748 do CPC/1973).

Pode-se verificar verdadeira escala e superposição entre os institutos apresentados


acima, sendo que o superendividado se encaixa perfeitamente no conceito de devedor, de
inadimplente e de insolvente. Ocorre que a lei do superendividamento especifica o consumidor
superendividado e lhe oportuniza tratamento mais benéfico para tentar satisfazer em parte a

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O art. 748 do CPC/1973 encontra-se em vigor por força do art. 1.052 do CPC/2015.

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obrigação e ao mesmo tempo permitir o seu retorno ao cenário econômico, evitando a


declaração de insolvência civil.

Além de limitar a aplicação do


conceito jurídico de
superendividamento, para fins de
aplicação do instituto previsto no CDC
(repactuação das dívidas na forma dos
arts. 104-A e 104-B do CDC), o
legislador trouxe como requisito que
essa pessoa aja de boa-fé. Essa boa-fé
é objetiva, referente ao
comportamento esperado e pode ser
entendida, “em regra, quando
contrata-se o crédito ou adquire-se o
produto ou o serviço em prestações
que o consumidor tem condições de honrar sua dívida” (MARQUES, 2010, p. 23).

Observa-se, ainda, que “a ausência de boa-fé é ligada a um comportamento deliberado,


consciente e refletido do devedor, que continua a se endividar mesmo sabendo que não poderá
saldar seus compromissos” (SAMPAIO, 2018, p. 46). Desse modo, nota-se que os casos a serem
tutelados pelas regras de proteção aos superendividados são aqueles em que o endividamento
ocorreu por motivos alheios à vontade do devedor, sobretudo porque a lógica por trás do
regramento é pensada para os que agem de boa-fé.

Com efeito, o conceito de superendividamento compreende elementos de ordem


subjetiva (na qual se inclui a boa-fé) e objetiva. Vejamos:

Um primeiro, elemento subjetivo: o consumidor superendividado, titular dos direitos,


pretensões, ações e exceções previstos na lei, é pessoa natural e de boa-fé. Excluem-
se da definição legal, portanto, tanto os consumidores pessoas jurídicas quanto os que
tenham contraído dívidas mediante fraude ou má-fé, o que inclui o comportamento
daquele que as contrata já com o propósito de não adimplir (superendividamento
ativo) (MIRAGEM, Bruno. 2024, p. 769/770).

Um segundo, elemento objetivo: as dívidas sobre as quais incidem as normas do CDC,


inclusive as relativas à conciliação, revisão ou repactuação são aquelas decorrentes de relações

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de consumo (dívidas de consumo), não abrangendo, portanto, as que têm outra natureza, como
é o caso, por exemplo, de dívidas tributárias, decorrentes de relações familiares (p. ex.,
obrigações alimentares decorrentes de parentesco), entre outras. Da mesma forma, o § 2º do art.
54-A refere que a essas dívidas de consumo “englobam quaisquer compromissos financeiros
assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo
e serviços de prestação continuada”, o que permite avançar obrigações ainda por vencer,
antecipando-se aos efeitos patrimoniais que advêm da sua exigibilidade. No entanto, o fato de
dívidas tributárias ou obrigação alimentar – como as decorrentes das relações familiares (pensão
alimentícia) – estarem excluídas do processo de conciliação ou de revisão previsto no CDC não
significa que não sejam consideradas para avaliar a capacidade de pagamento do consumidor e
para a preservação de seu mínimo existencial, ou seja, são tomadas em conta, ainda que
indiretamente, para a caracterização do superendividamento.

Ressalta-se que os elementos que configuram a situação de superendividamento, para


fins de aplicação dos arts. 104-A e 104-B do CDC, são, em síntese: “(a) pessoas naturais; (b)
de boa-fé; (c) incapazes de honrar dívidas não profissionais vencidas e vincendas; (d) de modo
estrutural (e não conjuntural)”.

Nessa perspectiva, foi realizado estudo para verificação de qual seria o perfil do
superendividado no Brasil. Os dados, apresentados em 2015, demonstraram que “a maioria dos
superendividados brasileiros são mulheres com renda média de um a dois salários-mínimos
mensais, idade entre 25 e 44 anos e nível de escolaridade correspondente ao ensino médio
completo”. Ademais, comprovou-se que, de fato, circunstâncias como doenças, nascimento de
filhos, casamento, divórcio e, sobretudo, desemprego estão associados ao superendividamento
(PORTO; SAMPAIO, 2016, p. 65). Tais circunstâncias afetam sobremaneira a condição
socioeconômica do consumidor, colocando-o em situação de vulnerabilidade.

Vale destacar também que historicamente a doutrina elenca dois modelos clássicos de
tratamento jurídico do fenômeno do superendividamento: o americano e o europeu.

O modelo americano, também denominado fresh start, adotado principalmente em


países da common law, prevê o perdão das dívidas e a recolocação do devedor no mercado,
mediante o cumprimento de alguns requisitos. A ideia é de “começo imediato” porque se
concede ao devedor “uma segunda chance, uma oportunidade de recomeçar sem o peso das

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dívidas pretéritas” (LIMA, 2014, p. 104). Assim, “o objetivo principal do sistema americano
tem sido conceder ao devedor honesto o perdão imediato das dívidas remanescentes após a
liquidação do patrimônio disponível para o seu pagamento” (MARQUES; COSTA; VIAL,
2020, p. 116).

O modelo europeu, oriundo da França, é pautado na reeducação do consumidor e no


prestígio ao pagamento, ao invés do perdão das dívidas. Esse sistema “identifica-se mais com
a filosofia dos planos de pagamento ou da reeducação pela responsabilização dos devedores
pelas obrigações assumidas. Na prática, em vez do perdão das dívidas ou da quitação direta
com a liquidação dos bens, os devedores são obrigados a reembolsá-las por meio de um plano
de pagamento que pode durar até dez anos” (MARQUES; COSTA; VIAL, 2020, p. 116).

Importante destacar que, embora subsistam significativas diferenças entre os modelos,


atualmente já existe convergência entre eles, de modo que “não é raro encontrar regulações nas
quais convivem planos globais de pagamento aos credores, acordados judicialmente ou
extrajudicialmente, com uma segunda fase de liquidação do patrimônio nos casos em que o
plano é inviável ou não foi cumprido” (MARQUES; COSTA; VIAL, 2020, p. 116).

A par do aduzido, cumpre ressaltar que, no ano de 2015, o Projeto de Lei 3.515/2015,
fruto de uma comissão de juristas composta de Ada Pelegrini Grinover, Cláudia Lima Marques,
Leonardo Roscoe Bessa, Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, liderados pelo ministro Antônio
Herman Benjamin, teve “forte inspiração no modelo francês e tinha como objetivo principal a
luta contra a pobreza e a exclusão social e como fundamento ideias de solidarismo social em
relação aos mais vulneráveis” (MARQUES; COSTA; VIAL, 2020, p. 116-117).

Nota-se que naquele mesmo ano o Banco Central noticiava que o endividamento das
famílias era de 46,3% (DI STASI; RIBEIRO, 2021). Posteriormente, constatou-se o
agravamento desse quadro em virtude do contexto pandêmico, de modo que o índice de
superendividamento das famílias brasileiras alcançou o percentual de 78,3%, conforme
anteriormente mencionado.

Nesse contexto de aumento de superendividamento, a Lei 14.181/2021 foi aprovada


com a promessa de se tornar “um instrumento de fundamental importância para o resgate da
dignidade de milhares de brasileiros” (DI STASI; RIBEIRO, 2021).

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No entanto, a aplicação prática dessa lei tem-se mostrado desafiadora aos magistrados,
notadamente porque não houve previsão pormenorizada de todos os atos processuais que
integram o procedimento de repactuação de dívidas do superendividado (arts. 104-A e 104-B
do CDC), fato que tem ensejado a prolação de decisões divergentes entre os membros do Poder
Judiciário, ainda não pacificadas. Da mesma forma, algumas questões tormentosas práticas não
apresentam soluções simplificadas, por ausência de previsão legal, como no caso de
ajuizamento direto da ação de repactuação de dívidas (art. 104-B do CDC) sem a prévia fase
conciliatória ou a previsão expressa de quais poderes são reservados ao magistrado para
elaboração do plano de pagamento, temas que serão abordados neste estudo.

4 MÍNIMO EXISTENCIAL

Ponto de suma importância para o enquadramento do consumidor como


superendividado é a definição do mínimo existencial.

Nesse sentido, no que diz respeito ao enquadramento do consumidor na condição de


“superendividado”, 74% dos magistrados que responderam à pesquisa informaram que o
mínimo existencial é analisado com base no critério estabelecido pelo Decreto 11.567/2023,
que fixou inicialmente o valor de 25% do salário-mínimo na data da publicação do ato
normativo e, posteriormente, o ampliou para R$ 600,00:

No enquadramento do consumidor na situação de


superendividamento são analisados por este Juízo o critério de
mínimo existencial estabelecido pelo Decreto n.º 11.567/2023?

10; 26%

29; 74%

SIM NÃO

Gráfico 2. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

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Considerando a controvérsia que gira em torno deste ponto, é importante destacar os


entendimentos sobre a sua definição.

Como visto acima, o conceito de superendividamento trazido pelo CDC, em seu art. 54-
A, § 1º, faz menção expressa à incapacidade de pagar dívidas de consumo sem o
comprometimento do mínimo existencial. Em outras palavras, se, apesar de inúmeras e vultosas
dívidas, o mínimo existencial da pessoa tida como superendividada estiver preservado, não há
que se falar em aplicação do processo de repactuação de dívidas (arts. 104-A e 104-B do CDC).
Dessa forma, a definição do que seria mínimo existencial e como pode ser encontrado no caso
concreto é crucial para a aplicação da Lei 14.181/2021.

A discussão acerca do mínimo existencial tem sua origem na doutrina alemã, com base
no texto “Conceito e essência dos Estados Sociais de Direito”, de Otto­Bachof. Conforme lição
de Sarlet (2007, p. 178), essa discussão em torno da garantia do mínimo indispensável para uma
existência digna ocupou posição destacada não apenas nos trabalhos preparatórios no âmbito
do processo constituinte, mas também após a entrada em vigor da Lei Fundamental de 1949.
No Brasil, o pioneirismo da contribuição para o debate sobre o tema é conferido a Torres (1989),
no ensaio “O mínimo existencial e os direitos fundamentais”, publicado em 1989, logo após a
promulgação da Constituição Federal de 1988, estabelecendo-se a lição de que o mínimo
necessário à existência constitui direito fundamental e a sua ausência implica a interrupção da
possibilidade de sobrevivência do homem e o desaparecimento das condições iniciais da
liberdade.

É importante destacar, no entanto, que a doutrina pátria “diverge quanto à


fundamentação e amplitude do conceito de mínimo existencial, quanto à possibilidade de se
estabelecer um conjunto de prestações abstratas mínimas, quanto à existência de um direito
fundamental autônomo ao mínimo existencial e ainda quanto à sua estrutura, se princípio ou
regra” (ESPINOZA, 2017, p. 105).

Desse modo, constata-se o quão difícil é traçar um conceito rígido, do que de fato
compreende o mínimo existencial, o que acaba por possibilitar vasto espaço para a subjetividade
do olhar do intérprete. Assim, ainda que tenha sobrevindo o Decreto 11.150/2022, com o seu
valor inicialmente fixado em 25% do salário-mínimo na data da publicação do ato normativo e,

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posteriormente, ampliado para R$ 600,005, isso não foi suficiente para dirimir as divergências.
Ao contrário, a imposição de valor tão baixo nutre ainda mais o debate e o surgimento de teses
que afastam a aplicação dessa norma.

Como a garantia do mínimo existencial está intimamente atrelada à sobrevivência digna


da pessoa (dignidade da pessoa humana) e todos os direitos daí decorrentes (saúde, educação,
moradia, transporte, lazer – art. 6º da CF), é possível concluir que se trata de um direito
fundamental (BARROSO, 2023, p. 92). Com isso, aplica-se o princípio da vedação ao
retrocesso, não sendo possível ao
Estado, como um todo (incluindo o
Poder Judiciário), agir de forma a
prejudicar o padrão das prestações já
alcançadas e incorporadas ao
patrimônio da pessoa como direito
fundamental (CANOTILHO, 2003, p.
338-339).

O próprio art. 54-A, § 1º, do


CDC, ao trazer o mínimo existencial
como requisito para a caracterização
de superendividamento, esclarece que
isso ocorreria “nos termos da
regulamentação”, cujo surgimento se deu com o decreto supracitado.

O atual valor imposto de R$ 600,00 deve ser o produto entre “a renda total mensal do
consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês” (art. 3º, § 1º, do
Decreto 11.150/2022), mas não há menção se as parcelas mensais de dívidas seriam daquelas
sujeitas à repactuação ou à totalidade de dívidas da pessoa natural naquele mês. Nesse aspecto,
o Enunciado 650 das Jornadas de Direito Civil do CJF sugere que “o conceito de pessoa

5
O art. 3º do Decreto 11.150/2022 (com redação dada pelo Decreto 11.567/2023) dispõe que “no âmbito da
prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento,
considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos
reais)”, não consideradas as rubricas indicadas pelo art. 4º, caput,e parágrafo único.

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superendividada, previsto no art. 54-A, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, deve


abranger, além das dívidas de consumo, as dívidas em geral, de modo a se verificar o real grau
de comprometimento do seu patrimônio mínimo para uma existência digna”.

Impende salientar que para o ministro Barroso o conceito de mínimo existencial é


tratado como conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença é
pressuposto da dignidade de qualquer pessoa. Abaixo desse patamar, o mandamento
constitucional será desrespeitado (BARROSO, 2023, p. 69).

Diante dessas premissas, a fixação de valores ínfimos pelo Executivo ao regulamentar


a matéria é alvo de críticas, pois ao estabelecer quantias aquém do custo de vida do cidadão
brasileiro, o decreto acabaria por colocar em risco as premissas da própria lei. A defesa da
ilegalidade e até inconstitucionalidade do referido decreto é pautada no argumento de que o
valor tido como suficiente para a preservação do mínimo existencial viola a dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CF) e, por isso, deveria ser afastado em controle difuso de
constitucionalidade. A questão é posta para julgamento no STF, por meio da ADPF 1.005 e
ADPF 1.006, ainda sem previsão de julgamento. Seria possível considerar também a ilegalidade
do referido decreto, pois, a pretexto de regulamentar a lei, retirar-lhe-ia parte de sua eficácia ao
estipular um valor extremamente baixo para garantir o mínimo existencial.

Desse modo, a Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado da


Secretaria Nacional do Consumidor – SENACON, vinculada ao Ministério da Justiça e
Segurança Pública, emitiu a Nota Técnica 11/2023 com duras críticas ao Decreto 11.150/2022.
No referido documento, conclui-se que:

“(...) o Decreto 11.150/2022, em seu todo, não é uma tentativa de regulamentar o


mínimo existencial, apresentado pela Lei 14.181/2021, inserido no ordenamento
jurídico brasileiro pelo Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de uma manobra
para esvaziar a tutela aos consumidores superendividados, é um ato negacionista ao
dever constitucional de proteção do Estado aos consumidores, uma ordem atípica,
descomprometida com a constitucionalidade e às normas-guias estruturadas como
princípios, a partir de uma evidente ilegalidade” (SENACON, 2022).

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De igual modo, o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor –Brasilcon


também se manifestou pela inconstitucionalidade do decreto, por meio de nota técnica6.

Cabe ressaltar que, segundo análise feita pela plataforma Cesta de Consumo Horus &
FGV IBRE, o valor de uma cesta de consumo básica, em Brasília, no mês de fevereiro de 2024,
era de R$ 820,67. Percebe-se, portanto, que o valor previsto pelo decreto sequer é suficiente
para se adquirir uma cesta básica.

Segundo Benjamim et al. (2021), a proteção das condições mínimas de sobrevivência


do consumidor pessoa natural deve respeitar o princípio da “dignidade da pessoa humana” (art.
1º, III, da CF), o da proteção especial e ativa do consumidor (art. 5º, XXXII, da CF) e
concretizar o objetivo fundamental da República de “erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e
regionais” (art. 3º, inciso III,
CF/1988), bem como realizar a
finalidade da ordem constitucional
econômica de “assegurar a todos
existência digna” (art. 170 da CF).

Vale lembrar que, em


17/8/2021, a “I Jornada CDEA sobre
Superendividamento e Proteção do
Consumidor UFRGS-UFRJ”
organizou enunciados sobre o tema,
em que se destacou a preocupação de
que a regulamentação do “mínimo
existencial” prevista na Lei do Superendividamento não poderia, como mencionado, relativizar

6
Sobre o Decreto 11.150/2022 a nota técnica concluiu: “É ato normativo que deve ser considerado não escrito,
não só pela inconstitucionalidade e pela ilegalidade, senão pelo acinte aos valores fundamentais que subjazem à
promoção humana”. BRASIL. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). NT: O decreto
11.150/2022, que regulamenta o mínimo existencial. Brasília. 2022. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/arquivos/2022/7/70CCFD3DC27FB4_nota-tecnica.pdf> Acesso em 15 de mar.
2024.

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os princípios da “dignidade da pessoa humana” e do “não retrocesso” em matéria de direitos


sociais.

A seguir, transcrevem-se os referidos enunciados que podem nortear a jurisprudência


brasileira quanto à teoria do “patrimônio mínimo” e sua importância na conceituação e
diagnóstico do fenômeno do superendividamento (MARQUES; RANGEL, 2022, p. 385-386):

Enunciado 6.

Considera-se mínimo existencial, aos efeitos do disposto da Lei 14.181/21, os


rendimentos mínimos destinados aos gastos com a subsistência digna do
superendividado e de sua família, que lhe permitam prover necessidades
vitais e despesas cotidianas, em especial com alimentação, habitação,
vestuário, saúde e higiene. (Autores: Prof. Dra. Ana Carolina Zancher e
Profa. Dr. André Perin Schmidt) (Grifos nossos).

Enunciado 7.

A noção do mínimo existencial tem origem constitucional no princípio da


dignidade da pessoa humana e é autoaplicável na concessão de crédito e na
repactuação das dívidas, visando a prevenção e o tratamento do
superendividamento do consumidor pessoa natural, por força da Lei
14.181/2021, cabendo a regulamentação prevista na Lei, sob o limite da
proibição de retrocesso, esclarecer que o mínimo existencial de consumo deve
ter relação com ‘o menor valor mensal não tributável a título de imposto de
renda’ ou ser feito por faixas de renda, como na França, com um valor fixo
‘vital’ de um salário-mínimo ou de 2/3 do salário-mínimo, em todos os casos
(Autores: Profa. Dra. Dr. h.c. Claudia Lima Marques, Prof. Dr. Fernando
Rodrigues Martins, Profa. Dr. Sophia Martini Vial e Profa. Dra. Clarissa Costa
de Lima).

Nesse particular, é relevante destacar os desafios atuais e futuros para o adequado


diagnóstico e tratamento do fenômeno complexo do superendividamento do consumidor
(pessoa física) que advém de um conjunto de fatores sociais, econômicos e jurídicos.

De maneira geral, os matizes que circundam o superendividamento e a definição do


conteúdo do “mínimo existencial” são multifacetados. Segundo Efing e Pinto (2022, p. 94-95),
no tocante à delimitação do mínimo existencial no tratamento do consumidor superendividado,
embora haja consenso sobre sua variação no tempo e no espaço, identificam-se duas correntes
doutrinárias a respeito do assunto. A primeira defende que o conteúdo do mínimo existencial
“é determinável no caso concreto”, diante das circunstâncias fáticas. De modo contrário, a
segunda corrente entende que o mínimo existencial é predeterminável de acordo com o “rol
constitucional preferencial” (HACHEM, 2013, p. 213).

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Há doutrina que defendia desde antes da edição da lei que não seria viável que o
paradigma do mínimo existencial no tratamento do consumidor superendividado fosse
encapsulado em um modelo-padrão para todos os cidadãos ou um mínimo existencial
homogêneo e uniforme. Bertoncello asseverava que a fixação em lei de percentual fixo como
mínimo existencial deveria ser evitada (2015, p. 132).

Não obstante, ainda que se adote concepção aberta do conceito de mínimo existencial,
determinável no caso concreto e com foco na realidade socioeconômica do devedor e de seu
núcleo familiar, para Efing e Pinto (2022, p. 95), essa abordagem “traria problemas práticos de
aplicabilidade, já que na ausência de algo concreto, qualquer coisa que o juiz estabeleça como
mínimo necessário para vida digna é aceitável”, o que poderia representar problema sob o
prisma da isonomia, da previsibilidade e da segurança jurídica do sistema.

Por outro lado, ao adotar a teoria de predeterminação do conceito de mínimo existencial


“a partir de um rol constitucionalmente preferencial, aprioristicamente fixado com base em
elementos extraídos da Constituição vigente” (HACHEM, 2013, p. 358), não é possível
defender a existência de rol taxativo de elementos constituintes de um possível núcleo atribuído
ao mínimo existencial, uma vez que, embora se tratando de direito de proteção e alcance
coletivo, sua aplicação é individual.

Desse modo, posta a complexidade da temática e evidenciados todos os argumentos


teóricos utilizados para criticar o Decreto 11.150/2022, na prática a pesquisa demonstrou que a
grande maioria dos magistrados de primeira instância do TJDFT adotam posição mais
positivista, já que o referido decreto, apesar de não possuir força de lei, foi previsto na
regulamentação como complemento interpretativo necessário para verificar, no caso concreto,
se a parte autora tem o seu mínimo existencial preservado. Não é outro o entendimento da
jurisprudência do TJDFT, no qual os julgados seguem o mesmo entendimento. In verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.


PROCEDIMENTO ESPECIAL. SUPERENDIVIDAMENTO.
COMPROMETIMENTO DO MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO
COMPROVADO, A PARTIR DOS VETORES LEGAIS. REQUISITOS
NÃO ATENDIDOS À INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO ESPECIAL
DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
ANÁLISE DE MÉRITO. RECURSO DESPROVIDO. I. A recentemente
aprovada Lei 14.871/2021 define superendividamento como a situação em
que o consumidor, de boa-fé, reconhece sua incapacidade de quitar todas as

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dívidas contraídas sem comprometer o mínimo necessário para sua


sobrevivência. II. Após a inovação trazida pela Lei n. 14.181/2021 no artigo
104-A da Lei 8.078/1990, a legislação consumerista permite, em caso de
superendividamento identificado, a realização de audiência conciliatória que
inclua todos os credores, quando então o consumidor devedor terá a
oportunidade de apresentar proposta para liquidar as dívidas contraídas. III.
O procedimento especial mencionado é regulamentado pelo Decreto nº
11.150/2022, recentemente alterado pelo Decreto nº 11.567/2023, e, em
relação ao mínimo existencial, o art. 3º estipula que a renda mensal
mínima para o consumidor pessoa natural é de R$ 600,00. Já o artigo 4º
estabelece que, ao avaliar a preservação do mínimo existencial, não se devem
considerar as dívidas e limites de créditos não relacionados ao consumo. Além
disso, as parcelas de dívidas provenientes de operação de crédito consignado,
reguladas por legislação específica, também não entram na avaliação desse
mínimo existencial. IV. No caso concreto, após os descontos compulsórios e
das parcelas de dívidas dos contratos pactuados com as instituições financeiras
demandadas (inclusive alienação fiduciária de veículo), remanesce para a
apelante a renda líquida mensal de R$ 2.386,00, valor muito acima do
parâmetro estabelecido pelo decreto mencionado, de modo a não caracterizar
superendividamento. V. Não comprovado o comprometimento ao mínimo
existencial (senão redução do padrão de vida), inviável a instauração do
procedimento de repactuação de dívidas, razão pela qual deve ser mantida a
sentença de extinção do processo sem a resolução do mérito (Código de
Processo Civil, artigo 485, inciso VI). VI. Recurso conhecido e desprovido.
(Acórdão 1820574, 07368274620238070016, Relator: FERNANDO
ANTONIO TAVERNARD LIMA, Segunda Turma Cível, data de
julgamento: 21/2/2024, publicado no PJe: 5/3/2024).

APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCEDIMENTO DE


REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS INSTITUÍDO PELA LEI N. 14.181/21.
INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO
MÍNIMO EXISTENCIAL DEFINIDO NO DECRETO N. 11.150/22.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação
interposta pelo autor contra sentença que, nos autos da ação repactuação de
dívidas, extinguiu o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I,
do CPC, por ausência de demonstração do comprometimento do mínimo
existencial. 2. O superendividamento pressupõe o comprometimento do
mínimo existencial, que, por sua vez, foi regulamentado pelo Decreto n.
11.150/22. Segundo o art. 3º do referido ato normativo, com redação dada
pelo Decreto n. 11.567/23, considera-se mínimo existencial a renda mensal
do consumidor pessoa natural equivalente a R$600,00 (seiscentos reais).
3. Embora pendam ações questionando a constitucionalidade do
dispositivo, não há, por ora, decisão com declaração definitiva a respeito
da matéria, motivo pelo qual o parâmetro estabelecido deve ser aplicado
aos casos pertinentes, em homenagem ao princípio da presunção de
constitucionalidade das normas. 4. Da análise dos elementos coligidos aos
autos, verifica-se não haver violação ao mínimo existencial do autor/apelante.
No contracheque juntado com a inicial, referente ao mês de outubro de 2022,
verifica-se que a parte apelante percebia à época rendimentos brutos de
R$10.803,67 (dez mil oitocentos e três reais e sessenta e sete centavos). Sobre

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tais rendimentos, conforme relação juntada aos autos, há descontos


decorrentes de 3 (três) empréstimos consignados na monta total de
R$5.282,46 (cinco mil duzentos e oitenta e dois reais e quarenta e seis
centavos) e de outros 2 (dois) empréstimos descritos como crédito pessoal
público com parcelas mensais somadas de R$1.476,99 (mil quatrocentos e
setenta e seis reais e noventa e nove centavos). Assim, considerando a renda
da autora, os descontos sobre ela efetuados e as diretrizes para o cálculo do
mínimo existencial expostas no Decreto n. 11.150/22, não há como, nos
termos da lei, afirmar que a autora/apelante esteja com seu mínimo existencial
comprometido. 5. Ante a ausência de demonstração do comprometimento do
mínimo existencial, fundamento inafastável para obtenção da repactuação de
dívidas compulsória baseada em superendividamento (art. 54-A, § 1º, do
CDC), escorreita a sentença que julgou improcedente o pedido por ausência
de fundamento legal e extinguiu o feito com suporte no art. 487, VI, do CPC.
6. Recurso conhecido e desprovido. (Acórdão 1816928,
07193211520228070009, Relator: SANDRA REVES, Sétima Turma
Cível, data de julgamento: 15/2/2024, publicado no DJE: 4/3/2024).

Por outro lado, uma possível solução prática para quem defende a inconstitucionalidade
ou ilegalidade do decreto regulamentador, sem desconsiderar a legalidade estrita do
ordenamento jurídico, seria aplicar o disposto no art. 7º, inciso IV, da CF, ou seja: considerar
um salário-mínimo vigente como valor necessário, após o pagamento das dívidas, para a
preservação do mínimo existencial.

De qualquer forma, o mínimo existencial não se confunde com o valor mínimo para a
manutenção do padrão de vida da parte antes (ou durante) o superendividamento. Não há
qualquer direito subjetivo nesse sentido e, obviamente, esse não é o escopo da lei. A
sobrevivência, de forma digna, não pode ser traduzida com eventuais benesses ou privilégios
adquiridos em determinada época, com outras condições financeiras. O que se preserva, repita-
se, é a subsistência digna e não o padrão de vida anterior, que certamente deve ser diminuído
em decorrência da crise financeira acometida.

5 A EXPERIÊNCIA DO TJDFT NO TRATAMENTO E A PREVENÇÃO DO


SUPERENDIVIDAMENTO

O Programa de Tratamento ao Consumidor Superendividado, experiência que perdurou


no período de 2014 a 2020, foi instituído pela Portaria GSVP 49 de 16 de dezembro de 2014.

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Esse programa se inspirava em experiências desenvolvidas por outros tribunais do país, a


exemplo do TJRS, TJSP, TJPR e TJPE, e ainda serviu como um dos paradigmas para a
elaboração do projeto de lei que deu origem à Lei 14.181/2021.

Partia-se da concepção de que o superendividamento era um fenômeno complexo e que


deveria ser tratado sob perspectiva mais ampla, baseada em três eixos: jurídico, econômico e
psicossocial. Com isso, era almejado proporcionar atendimento mais completo, capaz de
promover o efetivo tratamento da situação de superendividamento, além de concretizar o
equilíbrio entre a dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento econômico nacional.

Inicialmente, o serviço era executado de maneira difusa nos Centros Judiciários de


Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) do TJDFT. O programa deu um importante passo
com a publicação da Portaria Conjunta 4 de 1º de fevereiro de 2016, que criou o Centro
Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania Superendividados (CEJUSC-SUPER), o
primeiro especializado na área do país, centralizando o atendimento e permitindo a execução
com mais delimitação das atividades.

A experiência foi reconhecida como inovadora especialmente em razão da sua


característica de interdisciplinaridade, inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça que lhe
concedeu menção honrosa no Prêmio Conciliar é Legal no ano de 2016 e também foi objeto de
estudos acadêmicos, inclusive na área de psicologia, conforme se verifica em Pérez-Nebra;
Siqueira; Couto; Oliveira et al. (2020), em artigo que descreve os resultados da parceria
realizada entre o TJDFT e o UniCeub no atendimento psicossocial dado aos participantes do
projeto.

A frente Tratamento configurava-se como a principal atividade desempenhada pelo


CEJUSC-SUPER e contemplava ações de cidadania voltadas para o empoderamento do
consumidor em situação de superendividamento, bem como ações voltadas para a resolução de
conflitos por meio da conciliação entre credores e devedores.

Do ponto de vista operacional, a vinculação ao programa se iniciava com a solicitação


de participação, seguida da entrevista de cadastro, presença na oficina de educação financeira,
na orientação financeira individual e nas iniciativas psicossociais e, por fim, a conciliação com
credores – conforme o gráfico a seguir. Nesse ciclo, o consumidor endividado tinha a

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oportunidade de refletir sobre seus comportamentos de consumo, suas decisões financeiras e os


encaminhamentos possíveis para a resolução das dívidas.

Em seu último ano de existência (2019), o CEJUSC-SUPER atendeu 908 pessoas na


fase preventiva (educação financeira) e na fase conciliatória obteve 777 solicitações de
inscrições, dentre as quais 226 usuários foram enquadrados na situação de superendividamento
e assinaram o termo de adesão para participação no programa.

Na etapa de tratamento (conciliação), foram obtidos os seguintes resultados:

503 346
Audiências designadas Audiências realizadas
Conciliação
79 R$ 3.817.614,65
Acordos Valores negociados

Em abril de 2020, o CEJUSC-SUPER teve suas atividades encerradas. Somente em


fevereiro de 2022, com o advento da Lei 14.181/2021, o projeto foi retomado, contudo sem a
anterior estrutura exclusiva. Passou-se, então, a realizar-se oficinas de educação financeira, bem
como audiências nas reclamações pré-processuais, que poderiam ser apresentadas apenas pelos
consumidores domiciliados no Distrito Federal.

Entretanto, a experiência continuou a reverberar no cenário jurídico, sendo possível


identificar pontos de contato com a proposta contida na Cartilha sobre o Tratamento do
Superendividamento do Consumidor elaborada pelo CNJ (2022), a qual contém orientações
para o “Atendimento ao Consumidor nos Núcleos de Conciliação e Mediação de Conflitos
Oriundos do Superendividamento”, sintetizada em seis passos.

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O primeiro passo é a solicitação, por parte do consumidor, de “audiência global das


dívidas nos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (104-C do CDC) ou no Poder
Judiciário (104-A do CDC)”.

Em seguida (Passo 2), tem-se a triagem, que consiste no exame da situação narrada, a
fim de verificar se ela se amolda à “definição legal de superendividamento (art. 54-A, § 1º, do
CDC)” e se os “contratos indicados pelo consumidor podem ou não ser objeto da solicitação.”

Havendo êxito na triagem, o consumidor será encaminhado para “entrevista e


preenchimento de formulário-padrão” (Passo 3). Trata-se de “etapa obrigatória consistente na
entrevista individual com o consumidor para coleta dos dados socioeconômicos (identificação
do consumidor, renda individual e familiar, gastos de subsistência, lista dos credores, montante
das dívidas, entre outros que serão registrados no formulário-padrão”.

Em seguida, o consumidor poderá participar de oficinas de educação financeira (Passo


4), que é “etapa facultativa e coletiva” e poderá contribuir, entre outros, para o auxílio na
construção da proposta de plano de pagamento e para o esclarecimento sobre as consequências
e repercussão de eventual acordo no orçamento doméstico.

A depender da situação do consumidor superendividado, este poderá ser encaminhado


à orientação ou atendimento individual (Passo 5), que consiste em etapa facultativa, destinada
aos casos em que o quadro de saúde física e mental do devedor “recomende acompanhamento
individualizado ou para aqueles com dificuldade na elaboração do planejamento financeiro que
necessitem de auxílio especializado antes da sessão de conciliação”.

Por fim, chega-se à sessão de conciliação (Passo 6), etapa obrigatória por meio da qual
será realizada “a conciliação entre o consumidor e todos os credores arrolados no formulário-
padrão, com o objetivo de elaborar o plano de pagamento consensual das dívidas com as
medidas previstas no § 4º do art. 104-A”.

Ressalte-se que a questão relativa à recriação de unidade especializada na prevenção e


no tratamento do superendividamento, de forma já adaptada à Lei 14.181/2021, não passou
despercebida pela Administração do TJDFT, conforme se verificará a seguir.

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6 A EXPERIÊNCIA DE OUTROS TRIBUNAIS NO TRATAMENTO E PREVENÇÃO


DO SUPERENDIVIDAMENTO APÓS O ADVENTO DA LEI 14.181/2021

É importante destacar que o advento da Lei 14.181/2021 colocou em evidência a


temática do superendividamento. Assim, em praticamente todos os Estados foi possível
localizar alguma medida adotada no âmbito de seus tribunais para o tratamento adequado das
demandas de superendividamento, seja na vertente educacional, com edição de cartilhas
explicativas ou promoção de cursos de educação financeira, seja numa perspectiva operacional,
com especialização da matéria no âmbito do CEJUSC; com a implementação de projetos
diversos (com destaque para o TJRS); com a celebração de acordos interinstitucionais (Procon,
Sebrae, Ministério Público e Defensoria Pública). Tudo no intuito de pensar e propor soluções
para os reflexos que o problema do superendividamento gera no Judiciário local. Nesse sentido,
segue tabela abaixo com notícias de ações diversas promovidas pelos tribunais estaduais no que
diz respeito à temática:

Tribunais Estaduais Ações

TJAC ✓ Lançamento de Cartilha de Prevenção ao Superendividamento

✓ Criação de CEJUSC para superendividado


✓ Termo de Cooperação entre a DPE-AL e o TJ-AL para projeto de proteção e defesa do
TJAL consumidor superendividado
✓ Implementação do projeto-piloto no TJ-AL da Cartilha do Superendividamento, elaborada
por Comissão da OAB Nacional

✓ Cejusc
TJAP ✓ Superendividamento: Justiça se mobiliza para efetivar diretrizes da lei

TJAM ✓ Núcleo de Apoio ao superendividado pelo Procon

✓ Criação de Núcleo de Superendividamento do TJBA


✓ Disponibilização de Cartilha Informativa
TJBA ✓ Guia para solicitação de atendimento remoto nos casos de superendividamento
✓ Juizado Especial de Apoio ao Superendividado

✓ Implementação de Núcleo para superendividado: em parceria com a DPE-CE, MPE-CE e


TJCE UNIFOR

✓ Criação de fórum permanente das demandas de tratamento do superendividamento


TJES ✓ CEJUSC será responsável pelo tratamento de superendividamento

✓ Criação do CEJUSC-SUPER
TJGO ✓ Projeto do NUPEMEC para promover iniciativas para a prevenção e tratamento de
situações de superendividamento do consumidor

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✓ Criação do Núcleo de Mediação e Conciliação oriundos de superendividamento


TJMA

✓ Apresentação de projeto de conciliação no superendividamento


TJMT

✓ Termo de Cooperação para Projeto de Superendividamento


✓ Página do tribunal para cadastro do processo para conciliação no superendividamento
TJMS ✓ NUPEMEC debate ações voltadas aos consumidores em situação de superendividamento
✓ TJMS busca adesão de credores para projeto de combate ao superendividamento

✓ Roteiro para resolução de superendividamento


✓ Cartilha para atendimento ao consumidor superendividado
TJMG
✓ Superendividamento no CEJUSC
✓ Realização de webinar sobre superendividamento

✓ Inauguração de núcleo para superendividados


TJPA
✓ Webinar sobre superendividamento

✓ Parceria do NUPEMEC com o Procon


TJPB
✓ Informação sobre acordo celebrado

✓ CEJUSC endividados
✓ Projeto de tratamento de situações de superendividamento do consumidor
TJPR
✓ Curso Equilibrando as Contas

✓ Proendividados – Programa do TJPE, vinculado ao Núcleo de Conciliação


TJPE ✓ Foi elaborada cartilha para o Programa

✓ Projeto Retomar – TJPI/NUPEMEC/CEJUSC


TJPI ✓ Foram firmadas parcerias com diversas instituições

✓ Acordo com Procon do RJ


TJRJ ✓ NUPEMEC/CEJUSC superendividados

✓ Projeto de Gestão do Superendividamento


TJRS ✓ Foi criada cartilha

TJRO ✓ Procon

TJRR ✓ Criação de Núcleo de conciliação

TJSC ✓ PJSC investe em conciliação e mediação de conflitos com os Cejuscs regional e estadual

✓ Cejusc Repactuar
TJTO

Tabela 1. Fonte: dados levantados pela COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

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7 REFLEXÕES SOBRE O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO

A seguir, procede-se à análise sistêmica do resultado do Grupo de Trabalho consistente


na criação dos fluxos pré-processual e processual e dos resultados obtidos dos demais
instrumentos de pesquisa utilizados.

7.1 Unidade especializada no tratamento e na prevenção do superendividamento –


CEJUSC-SUPER

A mudança legislativa imprimiu premência na prevenção e no tratamento do


superendividamento, resultando em aumento expressivo na distribuição de ações judiciais sobre
a temática, exigindo a adoção de medidas administrativas para o seu enfrentamento de forma
adequada.

Atenta à situação, a Segunda Vice-Presidência, por meio do seu Núcleo Permanente de


Mediação e Conciliação, unidade destinada à coordenação da política judiciária
autocompositiva no âmbito do TJDFT, não mediu esforços para a reinstalação do CEJUSC-
SUPER.

A política judiciária de tratamento adequado de conflitos foi construída com a finalidade


de garantir a aplicação dos métodos autocompositivos em unidades especializadas talhadas para
facilitar o diálogo e a construção conjunta de soluções personalizadas às partes envolvidas.

Dessa forma, a realização da fase conciliatória diretamente no juízo, fora do âmbito dos
CEJUSCs, sempre se mostrou inadequada à finalidade da política judiciária. Destaque-se ainda
que as demandas de superendividamento têm perfil peculiar que exige atendimento
multidisciplinar a fim de gerar engajamento do consumidor superendividado na execução do
plano de pagamento, e evitar novas situações da mesma natureza em um verdadeiro círculo
vicioso.

Referida preocupação com o tratamento adequado dos conflitos de superendividamento


coaduna-se com a pesquisa realizada com os magistrados, na qual se constatou que 95% dos
respondentes designavam audiência de conciliação e, desse universo, 78% encaminhavam os
casos ao CEJUSC vinculado à sua circunscrição judiciária. Deve-se esclarecer que no momento
da realização da pesquisa ainda não havia sido criado o CEJUSC especializado.

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Por seu turno, a reinstalação de um CEJUSC especializado já se mostrava como


preocupação predominante entre os magistrados respondentes da pesquisa aplicada pelo CIJDF,
tendo sido essa a sugestão de 50% deles. Ademais, 92% dos magistrados ouvidos indicaram a
intenção de encaminhar os processos ao CEJUSC-SUPER em caso de disponibilidade.

Caso recriado um CEJUSC-SUPER, este juízo


encaminharia as ações para conciliação nesse Centro?
3; 8%

36; 92%

SIM NÃO

Gráfico 3. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Nesse cenário, a Segunda Vice-Presidência elaborou atos normativos que resultaram na


publicação, em 6 de março de 2024, das Portarias Conjuntas 21 e 22, sendo a primeira delas
destinada a acrescentar ao Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação o Centro Judiciário
de Solução de Conflitos e de Cidadania Superendividados – CEJUSC-SUPER; já a segunda
portaria está voltada ao regramento acerca do funcionamento do Centro Judiciário de Solução
de Conflitos e de Cidadania Superendividados.

As referidas portarias conjuntas trouxeram incremento que era executado desde a


retomada do PPTS em 2022 ao também permitirem o recebimento de processos iniciados
diretamente nas varas cíveis. A partir da restruturação do CEJUSC-SUPER, a audiência
conciliatória (art. 104-A do CDC) passa a ser realizada, prioritariamente, por meio de
videoconferência. Ademais, serão reduzidos a termo não apenas os acordos celebrados no bojo
das reclamações pré-processuais, mas também aqueles firmados nos autos dos processos
ajuizados diretamente nas varas cíveis do Distrito Federal e encaminhados ao CEJUSC-SUPER
a partir da data de criação da unidade.

A medida adotada está em consonância com o perfil do litígio de superendividamento.


Diferentemente de uma conciliação comumente realizada pelo CEJUSC, uma unidade
especializada considera a complexidade do fenômeno do superendividamento e compreende a

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importância do atendimento multidisciplinar, o qual envolve atuações não apenas de ordem


jurídica, mas também de educadores financeiros e conciliadores com qualificação adequada, de
modo a prevenir e tratar demanda relacionada a esse tema.

7.2 Fluxo pré-processual (fase conciliatória ou consensual – art. 104-A do CDC)

O tratamento ao superendividamento previsto no Código de Defesa do Consumidor


(atualizado com a Lei 14.181/2021) apresenta sistemas bifásicos. De início, pode-se falar na
fase da prevenção (arts. 54-A a 54-G) e na fase do tratamento (arts. 104-A a 104-C).

A fase do tratamento desdobra-se em duas outras fases, sendo que a primeira encontra
previsão legal nos arts. 104-A e 104-C do CDC, podendo ser chamada de fase conciliatória ou
consensual, e concretizada na esfera extrajudicial (pré-judicial: CEJUSCs; ou parajudicial:
Procons) ou na esfera judicial (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Cartilha sobre o
tratamento do superendividamento do consumidor, 2022, p. 26). A segunda fase se encontra
prevista no art. 104-B do CDC, tratando-se de fase contenciosa e necessariamente judicial.

Assim, partindo dessa anterior experiência do TJDFT e buscando aplicar melhor fluidez
ao fluxo proposto pelo CNJ, o Gabinete da Segunda-Vice-Presidência, o Núcleo Permanente
de Mediação e Conciliação –NUPEMEC e o 4º Núcleo Virtual de Mediação e Conciliação –4º
NUVIMEC elaboraram um plano de trabalho7 com sugestão de fluxo a ser aplicado na primeira
fase – ou seja, na fase consensual ou conciliatória (extrajudicial) – para os casos em que o
devedor superendividado requerer a deflagração da fase do art. 104-A do CDC no Núcleo de
Mediação e Conciliação do TJDFT com atribuição para esses casos8.

Desse modo, a fase conciliatória integrará um programa dividido em três partes: etapa
educativa, juízo de admissibilidade e sessão de mediação, e será executada no CEJUSC-
SUPER, conforme gráfico a seguir (Anexo I):

7
O referido plano de trabalho foi discutido no Grupo de Trabalho para o estudo do fenômeno do
superendividamento, instituído pela Portaria Conjunta 70 de 9 junho de 2023. As principais disposições daquele
plano, que se encontram aqui sintetizadas, foram incluídas no Relatório Final do Grupo de Trabalho (Processo SEI
21.125/2022).
8
CEJUSC-SUPER (Portaria Conjunta 22 de 28 de fevereiro de 2024).

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O programa apresentado no referido plano de trabalho iniciar-se-ia pela etapa


educativa. Assim, diferentemente do fluxo proposto pelo CNJ, o qual optou por realizar a
triagem logo após o requerimento do consumidor, o plano de trabalho do
GSVP/NUPEMEC/4ºNUVIMEC considerou que a melhor estratégia seria viabilizar a
participação de todos os interessados na fase educativa, postergando o momento da triagem.

Assim, nessa primeira parte – etapa educativa – o usuário preencherá um formulário,


com ou sem a assistência de advogado, dando origem a um documento (“prontuário”) que
servirá de “petição inicial” da fase conciliatória (ressalte-se: apenas nos casos em que o
consumidor/devedor optar por iniciar o procedimento diretamente no CEJUSC especializado e
não perante a vara cível competente).

A autuação do referido “prontuário” no sistema PJe, ao qual será atribuída a Classe


Processual 11875 – Reclamação Pré-Processual, Assunto 15048 – Superendividamento, ficará
sob a responsabilidade da equipe administrativa do 4º NUVIMEC.

Em seguida, o usuário participará da oficina de educação financeira, podendo ser


encaminhado ao atendimento individualizado (assessoria jurídica, econômica ou psicossocial).
A princípio, as atividades de educação financeira e orientações individuais serão realizadas por
instituições parceiras (instituições de ensino superior).

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Finda a etapa educativa, passa-se à triagem dos pedidos encaminhados (juízo de


admissibilidade), analisando-se a configuração da situação de superendividamento, bem como
a classificação dos casos conforme critérios de urgência.

Nesse ponto, impende destacar que a admissão na fase conciliatória (realizada no âmbito
do CEJUSC especializado) não impede que o juízo com atuação na fase contenciosa faça nova
análise quanto ao enquadramento do requerente na condição de pessoa superendividada.

Sendo o interessado admitido no programa, terá início a terceira etapa da fase


conciliatória com a designação de data para audiência de conciliação, seguida da notificação
dos credores para que apresentem os instrumentos contratuais e as informações complementares
sobre o débito (valor do principal, valor dos encargos e a natureza de cada um), bem como para
que compareçam ao ato, com a advertência das sanções previstas no § 2º do art. 104-A do CDC.

É de se notar que a aplicação da referida sanção será de competência do juiz coordenador


do Núcleo de Conciliação e Mediação de Conflitos, nos termos do art. 3º da Recomendação
125/2021 do CNJ9, do Enunciado 37 do 13º Encontro do Fonamec (Fórum Nacional de
Mediação e Conciliação)10, e do art. 309-A, inciso II, parte final, do Anexo da Portaria GPR
732 de 21 de abril de 2020 (artigo incluído pela Portaria Conjunta 21 de 28 de fevereiro de
2024).

Assim, a despeito do que ocorre nas demandas pré-processuais11, nas quais o único ato
de natureza jurisdicional seria a sentença homologatória do acordo eventualmente elaborado
pelas partes, na fase consensual (extrajudicial) do processo de repactuação de dívidas o juiz

9
Art. 3º da Recomendação CNJ nº 125/2021: O Núcleo de Conciliação e Mediação de Conflitos oriundos de
superendividamento terá 1 um(a) juiz(a) coordenador(a), que poderá ser o mesmo do CEJUSC, com competência
para homologar acordos, e aplicar as sanções previstas no § 2º, do art. 104-A, do Código de Defesa do Consumidor
(CDC).
10
Cabe ao juiz coordenador do CEJUSC a aplicação, por força de lei, das sanções previstas no art. 104-A, § 2º, do
Código de Defesa do Consumidor, em caso de ausência injustificada de qualquer credor ou de seu procurador com
poderes especiais e plenos para transigir à audiência conciliatória do superendividamento. Justificativa: A expressa
previsão legal contida no art.104-A, § 2º, do CDC autoriza o juiz coordenador do CEJUSC a aplicar as sanções
contempladas no diploma, porque incidentes ex vi lege. Além disso, a previsão legal, do ponto de vista topológico,
está situada na fase consensual e independe da existência de processo judicial ajuizado (art.104-B, caput) ou
capacidade postulatória do consumidor-devedor.
11
Conforme definição trazida no art. 2º da Portaria GSVP 33 de 29 de setembro de 2020, demanda pré-processual
é todo procedimento de solicitação de sessão de conciliação ou mediação realizado sem correlato processo judicial
em andamento.

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coordenador do Centro de Conciliação e Mediação terá competência não apenas para


homologar eventual transação entre as partes, mas também para aplicar a sanção prevista no §
2º do art. 104-A, e, ainda, para exercer o juízo de admissibilidade, verificando se a parte se
encontra superendividada, conforme disposto nos §§ 1º a 3º do art. 54-A do CDC.

Assim, impende registrar que, ao contrário do que ocorre na hipótese do art. 104-C do
CDC, o procedimento do art. 104-A também congregaria características da conciliação judicial.
Os arts. 104-A e 104-B do CDC representariam, portanto, duas fases de um mesmo
procedimento: uma consensual e outra contenciosa.

Outra questão que surge da possibilidade de aplicação da sanção prevista no art. 104-A,
§ 2º, do CDC está relacionada ao prazo de suspensão da exigibilidade do débito e da interrupção
dos encargos da mora. Diante da omissão legislativa, a proposição apresentada no plano de
trabalho é no sentido de que o devedor superendividado requeira o início da fase contenciosa
(art. 104-B do CDC) no prazo de trinta dias, sob pena de perda da eficácia da medida (por
analogia ao art. 308 do CPC).

Depois de realizada a audiência de conciliação, o acordo – total ou parcial – será


homologado pelo juiz coordenador do Centro de Conciliação e Mediação, seguindo-se ao
arquivamento dos autos nos casos de acordo total.

Sendo o acordo parcial, ou não havendo acordo, o devedor superendividado poderá


requerer a deflagração da fase contenciosa (art. 104-B) nos próprios autos da fase conciliatória
(ou seja, nos autos da reclamação pré-processual), o que dispensaria a necessidade de autuação
de novo processo e garantiria o aproveitamento das informações produzidas na fase
conciliatória. Nesse caso, após a juntada da petição inicial para a fase contenciosa (o que deverá
ser feito por advogado), o 4º NUVIMEC retificará a autuação para a Classe 15217 –
“Procedimento de Repactuação de Dívidas (Superendividamento)” e redistribuirá o processo a
uma das varas cíveis competentes (conforme informação extraída do Comunicado 1/2024, do
Núcleo Permanente das Tabelas Processuais Unificadas da Primeira Instância – NUTPU).

Por oportuno, impende registrar que, não obstante a reinstalação do CEJUSC-SUPER


no TJDFT, não há vedação para que a inicial do processo de repactuação de dívidas (art. 104-
A do CDC) seja dirigida e apresentada diretamente às varas cíveis, hipótese em que a fase

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consensual ou conciliatória não será


processada pela via pré-processual,
mas, sim, pela via processual.

Note-se que não é possível


impor ao autor a obrigatoriedade de
procedimento administrativo prévio
(pré-processual) sem expressa previsão
legal nesse sentido, fato que violaria o
seu direito de ação e de acesso à Justiça.
Como se disse, a lei deseja a
conciliação, privilegia a prevenção de
superendividamento e, por isso, é
recomendável a atuação pré-processual, apesar de não poder ser considerada obrigatória, ou
seja, a fase conciliatória pré-processual não pode ser entendida como um requisito específico
da ação de repactuação de dívidas.

O entendimento apresentado pelo CNJ, na Cartilha do Superendividamento, aponta que


somente a fase contenciosa deve ser realizada pela via judicial (“A segunda fase do tratamento
é necessariamente judicial”) (BRASIL. Cartilha sobre o tratamento do superendividamento do
consumidor. 2022, p. 15). Dessa forma, a contrario sensu, a primeira fase (consensual ou
conciliatória) não é necessariamente judicial, e, assim, pode se dar por qualquer das vias,
judicial ou extrajudicial.

Miragem (2024, p. 791) deixa entrever a possibilidade de realização da primeira fase


pela via judicial, ao mencionar que, “como fase do processo de repactuação de dívidas (art.
104-A), será promovida pelo juiz ou pelo conciliador (inclusive por intermédio dos núcleos de
conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento)”. Ademais, registra que
“o juiz competente [para a fase do art. 104-A] será fixado conforme as normas do Poder
Judiciário dos estados” (2024, p. 789).

Portanto, não há nenhuma restrição à possibilidade de que a primeira fase (art. 104-A)
seja iniciada diretamente nas varas cíveis. Não há que se confundir a obrigatoriedade da fase

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do art. 104-A com a obrigatoriedade de que o procedimento seja realizado integralmente pela
via extrajudicial.

Para compatibilizar o direito de ação e a escolha do procedimento com o tratamento


mais adequado do superendividado, pode ser encontrado meio termo que possibilite que as
demandas ajuizadas diretamente nas varas cíveis possam ter suas audiências de conciliação
realizadas no CEJUSC especializado, permitindo que o consumidor superendividado possa
usufruir, por exemplo, da expertise dos conciliadores na matéria de superendividamento.

Essa foi a opção do TJDFT, conforme se verifica no inciso I do art. 309-A do Anexo da
Portaria GPR 732 de 21 de abril de 2020 (artigo incluído pela Portaria Conjunta 21 de 28 de
fevereiro de 2024)12.

Nesses casos, a petição inicial será distribuída à vara cível competente com a Classe 7
– Procedimento comum cível (ou outra mais adequada ao rito) e com o Assunto 15048 –
Superendividamento (conforme informação extraída do Comunicado 1/2024, do Núcleo
Permanente das Tabelas Processuais Unificadas da Primeira Instância – NUTPU).

Note-se que, nesse caso, não haverá dispensa das custas processuais, o que ocorre
somente nos casos de procedimentos pré-processuais iniciados diretamente no CEJUSC (art.
8º, caput, da Portaria GSVP 33 de 29 de setembro de 2020.

Dessa forma, o autor deverá formular na petição inicial o pedido de gratuidade de


justiça, sendo que a concessão de tal benefício não ocorrerá de forma automática.

Conforme já delineado por este Centro de Inteligência na Nota Técnica 11/2023, sugere-
se aos órgãos julgadores, no momento de análise do pedido de justiça gratuita, a adoção
combinada do critério objetivo de renda familiar, cujo patamar utilizado pela Defensoria
Pública do Distrito Federal (Resolução 271/2023 – DPDF) é adotado no TJDFT, com o critério

12
Art. 309-A. Ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e de Cidadania Superendividados-CEJUSC-SUPER,
além das atribuições previstas no art. 303 desta Portaria, compete:
I - realizar diariamente, nos processos ajuizados a partir da criação da unidade e encaminhados pelas varas cíveis
do Distrito Federal e nas reclamações pré-processuais quando a parte solicitante tiver domicílio no Distrito Federal,
a audiência conciliatória de que trata o art. 104-A da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do
Consumidor), prioritariamente por meio de videoconferência, bem como reduzir a termo o acordo;

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subjetivo, construído com base na análise dos atos normativos (inclusive projetos de lei); nos
estudos examinados na citada nota técnica; e na jurisprudência, consistente na análise dos
seguintes elementos: (i) patrimônio pessoal incompatível com o requerimento da gratuidade de
justiça; (ii) condições pessoais diferenciadas, como, por exemplo, doença, nível de
endividamento, idade, condição de vítima de violência doméstica etc.; (iii) sinais ostensivos de
riqueza.

De fato, ao constatar que o autor se enquadra no conceito de consumidor


superendividado (momento da triagem), a concessão da gratuidade será de rigor. Por outro lado,
caso o magistrado verifique que o requerente não preenche os requisitos 54-A, § 1º, do CDC, o
magistrado poderá indeferir o benefício da gratuidade, se o caso.

A triagem não será realizada pelo CEJUSC-SUPER, mas pelo magistrado da vara cível
por ocasião da análise dos requisitos da petição inicial, oportunidade em que poderá verificar
se o autor se enquadra (pelo menos em cognição superficial) no conceito de consumidor
superendividado. Vale destacar que somente dívidas de consumo podem ser alvo de
repactuação, excluídas também aquelas com garantia real de financiamentos imobiliários e de
crédito rural (art. 104-A, § 1º, do CDC). Este também será o momento para análise de eventual
pedido de tutela de urgência.

Impende registrar que há entendimento jurisprudencial no sentido de que se deve


privilegiar a instauração da audiência de conciliação global (art. 104-A do CDC) com o
comparecimento de todos os credores em detrimento da concessão da tutela de urgência, ao
argumento de que as ações que versam sobre a repactuação de dívidas se processam sob o rito
especial instituído pela Lei 14.181/2021, nela inexistindo previsão legal para a suspensão das
dívidas contraídas pelo superendividado13. Em outras palavras, só poderia ser analisada a tutela
provisória após a tentativa (infrutífera) de conciliação.

Por outro lado, há também entendimento no sentido de ser possível a concessão de tutela
de urgência antes mesmo da audiência de conciliação global.

13
Nesse sentido, confira-se: Acórdão 1603384, 07037867320228070000 AGI, relator: desembargador Robson
Teixeira de Freitas, Oitava Turma Cível, julgado em 2/8/2022, DJe: 22/8/2022.

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Asseveram que, diante do comprometimento do mínimo existencial, o consumidor


superendividado poderá não suportar nem mesmo o tempo entre o ajuizamento da ação e o da
audiência de conciliação global. Assim, a concessão da tutela provisória mostrar-se-ia
necessária para a adequada e tempestiva tutela do direito (BUZZI; BUZZI e MELLO 2024, p.
634).

Para os defensores dessa linha, o pedido liminar estaria amparado pela aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil (arts. 300 e seguintes), que supriria a lacuna
apresentada na Lei 14.181/2021.

Além disso, argumentam que a compatibilidade entre a concessão de tutela de urgência


e o rito do processo de repactuação de dívidas poderia ser justificada com base nos seguintes
fundamentos: i) a interpretação dos preceitos normativos deve ser realizada de modo a conferir
maior eficácia às inovações e, ao mesmo tempo, proteger os interesses do consumidor; ii)
impedir o manejo do pedido liminar, no bojo do processo de repactuação de dívidas,
configuraria desestímulo à opção por esse procedimento, fazendo com que o devedor continue
fazendo uso de ações que sejam ineficazes para a solução de seu quadro de superendividamento;
iii) a previsão de uma primeira fase conciliatória seguida, caso infrutífera, de uma segunda fase
contenciosa, não é novidade no sistema processual vigente, a exemplo dos procedimentos da
recuperação judicial, das ações de família e até o procedimento comum do CPC, nos quais não
há óbice ao requerimento de pedido liminar14.

Esse também foi o entendimento encampado pelo Fórum Nacional de Mediação e


Conciliação – FONAMEC em seu 13º Encontro, que se encontra materializado nos Enunciados
41 e 4215.

14
Nesse sentido, confira-se: Acórdão 1747158, 07200339520238070000 AGI, relator: desembargador Leonardo
Roscoe Bessa, Sexta Turma Cível, julgado em 16/8/2023, Je: 1º/9/2023.
15
Enunciado 41. Caso o consumidor ingresse diretamente em juízo, sem o cumprimento da fase obrigatória do
art. 104-A do Código de Defesa do Consumidor, após a análise de eventual tutela de urgência, o juiz poderá
suspender o andamento do feito e remeter os autos ao CEJUSC para a realização da audiência autocompositiva
prevista no referido dispositivo legal (sem grifos no original).
Enunciado 42. Por analogia ao art. 20-B, § 1°, da Lei 11.101/2005, é possível que o consumidor requeira ao
juízo cível a concessão de tutela cautelar para suspensão da exigibilidade de suas dívidas, antes ou depois do
requerimento previsto no art. 104-A do Código de Defesa do Consumidor (sem grifos no original).

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No âmbito do TJDFT, há divergência entre as Turmas Cíveis sobre a compatibilidade


entre a concessão da tutela de urgência e o rito do processo de repactuação de dívidas.

Todavia, considerando tratar-se de entendimentos incipientes, ainda fluidos em razão da


recente aplicação prática da Lei 14.181/2021, optou-se, nesta nota técnica, pela inclusão da
“fase de análise do pedido liminar” no fluxo procedimental adiante apresentado, a qual pode
ser suprimida pelo magistrado, no momento da análise do caso concreto, caso o seu
entendimento esteja alinhado com a corrente que defende a incompatibilidade da tutela de
urgência com o rito do processo de repactuação de dívidas.

Em sequência, verificando o preenchimento dos requisitos necessários para o


recebimento da inicial na ação de superendividamento, e depois de decidido eventual pedido de
tutela de urgência, o magistrado intimará o autor para preencher o formulário eletrônico
disponibilizado pelo NUVIMEC, que será juntado aos autos da ação principal, os quais serão
remetidos àquele núcleo para encaminhamento da parte às oficinas de educação financeira e
para designação e realização da audiência global de conciliação (art. 104-A do CDC).

Sendo a conciliação frutífera, o acordo será homologado pelo juiz coordenador do


Centro de Conciliação e Mediação, resolvendo-se o mérito (art. 487, inciso III, alínea b, do
CPC). Nesse caso, os autos serão devolvidos à vara cível para fins de arquivamento.

O acordo parcialmente frutífero também será homologado pelo juiz coordenador do


Centro de Conciliação e Mediação. Nesse caso, todavia, assim como na hipótese de acordo
infrutífero, os autos serão restituídos à vara cível, prosseguindo-se o feito com a intimação do
autor para que, no prazo assinalado pelo juiz, requeira a deflagração da fase contenciosa, nos
termos do art. 104-B, caput, do CPC, sob pena de arquivamento e perda da eficácia de eventual
medida suspensiva (art. 104-A, § 2º, do CDC).

Nessa deflagração da fase contenciosa, poderia ser exigida a apresentação de proposta


de plano de pagamento pelo autor, que poderá inclusive atualizar o valor devido, incluir novos
credores (que se enquadrem nas condicionantes legais) e até excluir credores alvo de acordos
parciais.

Por fim, impende destacar que o juiz coordenador do Centro de Conciliação e Mediação
também terá competência para aplicar as sanções previstas no art. 104-A, § 2º, da Lei

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14.181/2021, durante a audiência, mesmo nos casos em que a fase conciliatória ocorrer pela via
processual.

7.2.1 Monitoramento dos resultados da autocomposição e celebração de termos de


parceria com instituições financeiras e afins

Com o objetivo de aprimorar a fase autocompositiva, verifica-se a necessidade de maior


interlocução entre a coordenação dos então CEJUSCs – pois à época da pesquisa ainda não
havia sido reinstalado o CEJUSC-SUPER – e os magistrados cíveis. Acredita-se que a
especialização da unidade (CEJUSC-SUPER) facilitará sobremaneira o diálogo, possibilitando
a troca de experiências e impressões sobre a implantação inicial dos atendimentos.

Sobre o resultado das audiências de conciliação nos processos de superendividamento,


o Gráfico 14 indica que 79% dos magistrados respondentes informaram que não possuem
ciência da realização de acordos realizados.

Por outro lado, apenas 21% relataram a ocorrência de conciliações, todas oriundas de
acordos individuais (Gráfico 4):

Existe notícia sobre a celebração de Em caso afirmativo, houve acordo


acordo em algum processo em trâmite individual ou coletivo?
na Vara?

0; 0%
8; 21%

31; 79% 8; 100%

SIM NÃO ACORDO INDIVIDUAL ACORDO COLETIVO

Gráficos 4 e 5. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

O resultado acima indica que os credores não têm se esforçado para celebrarem
transação, seja por não confiarem na efetividade da lei, seja por se sentirem protegidos em razão
de garantias específicas para pagamentos de dívidas, como empréstimos consignados em contas
correntes nas quais há recebimento de salário do devedor. Tendo isso em conta, para

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proporcionar uma mudança de postura e o convite à reflexão dos credores, seria recomendável
a realização de convênios pelo TJDFT com a Federação Brasileira de Bancos –Febraban ou
diretamente com as instituições financeiras, a exemplo da experiência desenvolvida no âmbito
da Segunda Vice-Presidência. Cite-se, como exemplo, a possibilidade de treinamento de
representantes das empresas em técnicas de negociação, capacitação formatada pelo
NUPEMEC e nacionalmente reconhecida como modelo eficiente de parceria com grandes
demandantes.

Ademais, destaca-se experiência frutífera de outrora, consistente na parceria com o


Banco Central – Bacen para incentivo da educação financeira, bem como recomenda-se a
difusão da informação sobre a temática por meio da realização de palestras e outros eventos em
sinergia com instituições públicas, privadas e com a sociedade civil.

O fato é que o espírito da lei é inicialmente alcançar a repactuação de dívidas e


reinserção do consumidor no mercado de consumo por intermédio de acordo entre as partes. Os
credores não podem agir como se a responsabilidade fosse exclusiva do devedor, já que a
exigência de controle na oferta de crédito, para que seja feita de forma responsável, é prevista
no Capítulo VI-A da Seção III do CDC (arts. 54-A a 54-G).

Nesse cenário, não se deve descurar da necessidade de que a prevenção e o tratamento


do superendividamento tenham participação ativa da Defensoria Pública e do Ministério
Público, instituições essenciais para a tutela dos interesses difusos e coletivos dos
consumidores.

7.3 Fluxo processual (fase contenciosa)

O Conselho Nacional de Justiça, ao abordar o tema do superendividamento na Cartilha


sobre o Tratamento do Superendividamento do Consumidor, destaca que a Lei 14.181/2021
sugeriu um sistema binário para enfrentamento da questão, permitindo que, na primeira fase
(consensual), o tratamento seja realizado pela via extrajudicial (sem exclusão da via judicial);
enquanto que, na segunda fase (contenciosa), o tratamento ocorra exclusivamente pela via
judicial, por meio do “processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos
e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório”.

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Em qualquer desses procedimentos – judicial ou extrajudicial – a iniciativa caberá


sempre ao consumidor/devedor, de modo que o fornecedor não terá legitimidade ativa para
solicitar a instauração do “processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de
audiência conciliatória” (art. 104-A do CDC), nem mesmo a do “processo por
superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas
remanescentes” (art. 104-B).

Dito isso, percebe-se que, depois de realizada a audiência de conciliação global (art.
104-A), com resultado parcial ou totalmente infrutífero, apenas o devedor/consumidor
superendividado terá legitimidade para deflagrar a fase seguinte. Ou seja, apenas o devedor
poderá requerer a instauração do processo por superendividamento (art. 104-B), devendo a
respectiva inicial ser juntada aos autos da reclamação pré-processual ou do procedimento cível
de repactuação de dívidas (na hipótese em que a fase consensual se deu pela via judicial).

Observe-se que, em qualquer dos casos, a autuação deverá ser retificada para a Classe
15217 – Procedimento de Repactuação de Dívidas (Superendividamento), com a manutenção
do Assunto 15048 – Superendividamento (conforme informação extraída do Comunicado
1/2024, do Núcleo Permanente das Tabelas Processuais Unificadas da Primeira Instância –
NUTPU).

O que precisa ser ressaltado é que o processo de repactuação de dívidas (art. 104-A) e o
processo por superendividamento (art. 104-B) não podem ser processados pelo procedimento
comum, já que é procedimento especial. É certo que o procedimento comum será aplicado de
forma subsidiária, conforme disposição do art. 318, parágrafo único, do CPC, com a ressalva
de compatibilidade, ou seja, só se aplica de forma subsidiária em caso de omissão do
procedimento especial e, principalmente, se o instituto a ser aplicado não descaracterizar por
completo o procedimento especial (DIDIER JR.; CABRAL; CUNHA, 2018, p. 67-69).

Considerando os estudos realizados pelo Centro de Inteligência da Justiça do Distrito


Federal, bem como a pesquisa diagnóstica realizada com os magistrados, o Grupo de Trabalho
delineou o seguinte fluxo processual para as demandas de superendividamento (Anexo II):

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7.3.1 Recebimento/indeferimento da petição inicial

Quando o autor ajuíza ação de revisão e integração dos contratos e repactuação das
dívidas remanescentes (art. 104-B), será necessário o preenchimento dos requisitos da petição
inicial, estabelecidos nos incisos I a VI do art. 319 do CPC16. Por outro lado, sob pena de
descaracterização do procedimento especial, dispensa-se o cumprimento do inciso VII, que trata
da opção pela participação na audiência de conciliação, já que o início do processo referido no

16
Sobre o valor da causa (art. 319, inciso V, do CPC) nas ações de repactuação de dívidas, podemos chegar a duas
conclusões razoáveis a partir da interpretação do art. 292, inciso II, do CPC: ou se aplica como valor da causa o
montante que se visa excluir da dívida (parte controvertida) ou a totalidade dos contratos em discussão. NEVES
(2023, p. 884) apresenta mais uma conclusão acerca do valor da causa, especificamente sobre a fase do art. 104-
A. Confira-se:
“Quanto ao pedido, tem-se mais uma singularidade, porque o pedido não terá nenhuma das tutelas tradicionais do
processo de conhecimento. Afinal, o autor não pedirá declaração, constituição e tampouco condenação, mas
somente a citação dos réus para que compareçam a uma audiência na qual se tentará uma autocomposição para o
equacionamento do pagamento de suas dívidas. É claro que, uma vez celebrada a autocomposição, a situação
jurídica das partes será alterada, seguida por uma sentença homologatória de natureza meramente declaratória.
Mas os pedidos não são nesse sentido e nem poderiam ser, porque nem mesmo o plano de pagamento será
apresentado nesse momento, mas somente na própria audiência. Num primeiro momento, pode haver a impressão
de o valor da causa ser a somatória de todo o débito do autor, mas, como a demanda não se presta a discutir a
dívida, e somente tentar equacionar o seu pagamento, não entendo ser aplicável a regra do art. 292, II, do CPC.
Não há, na realidade, um valor econômico estimável na pretensão do autor, de forma que o valor da causa deverá
ser meramente simbólico.”

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art. 104-B pressupõe a sua realização com resultado total ou parcialmente infrutífero.
Igualmente, inaplicável o disposto no art. 334 do CPC17, reservado ao procedimento comum.

Além dos requisitos ordinários para recebimento da inicial, o juízo deve verificar alguns
requisitos específicos referentes a esse procedimento especial. Para ser apta, a petição inicial
deve apresentar no polo passivo todos os credores das dívidas decorrentes das relações de
consumo contraídas pelo autor, à exceção dos credores que já tenham celebrado eventual acordo
na fase do art. 104-A do CDC e daqueles cujos contratos se enquadrem em alguma das hipóteses
mencionadas no art. 54-A, § 3º, ou no art. 104-A, § 1º, do CDC. Na causa de pedir, deve
informar toda a sua situação financeira de forma detalhada, principalmente o quanto deve (das
dívidas que pretende repactuar), quanto pode pagar e quais os gastos tidos como essenciais.

De forma mais especificada, cabe ao devedor alegadamente superendividado explicitar


na petição inicial como se dá a divisão de encargos em sua vida financeira, ou seja, eventual
repartição de gastos correntes com seu cônjuge/companheiro (e, nesse caso, demonstrar quanto
essa pessoa aufere de renda), quanto de recursos disponibiliza a seus dependentes (ascendentes,
descendentes e eventuais terceiros). Além disso, deve comprovar, de forma documental, sua
renda global, seja decorrente de valores salariais fixos ou eventuais. Também deve constar na
petição inicial a renda bruta e líquida do devedor, deixando claro quais são os descontos (se
obrigatórios ou contratados), bem como se há perspectiva de alteração da renda.

No que toca à especificação da dívida, o consumidor poderá apresentar dificuldade para


o detalhamento, especialmente se considerarmos que o devedor superendividado poderá ter
contraído diversos empréstimos, com diferentes credores. Tal dificuldade pode configurar-se
não apenas em relação ao valor da dívida, mas também em relação ao credor (em caso de cessão
de crédito, por exemplo). Assim, a correta apuração do débito, bem como da composição do
polo passivo da ação, dependerá da análise dos instrumentos contratuais, nos quais será possível
averiguar o número de parcelas pendentes de pagamento; as taxas de juros remuneratórios e

17
O próprio § 1º do art. 104-B do CDC se mostra incompatível com o art. 334 do CPC, ao estabelecer que serão
considerados no processo de superendividamento eventuais informações prestadas em audiência de conciliação,
que vai de encontro ao princípio da confidencialidade que rege a audiência de conciliação no procedimento
comum.

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moratórios; o tipo de empréstimo (p. ex., se se trata de contrato originário ou de renovação);


dentre outras informações.

Na hipótese de o juiz verificar a impossibilidade de o devedor trazer aos autos os


referidos instrumentos contratuais, poderá valer-se do instituto da inversão do ônus da prova,
determinando a juntada dos documentos pelos credores. Uma hipótese em que se mostra
claramente necessária a inversão do ônus da prova é quando o juiz verificar a existência de
renovação de empréstimos, pois nesses casos o consumidor poderá já não ter informação de
quais contratos foram objeto da renovação. Assim, caberá às instituições financeiras comprovar
documentalmente a origem detalhada da cadeia de contratos, para que se possa alcançar o valor
bruto original e separar os encargos financeiros.

De igual modo, quanto ao mínimo existencial, tem-se que o valor necessário (seja aquele
fixado no Decreto 11.150/2022, seja outro montante apontado pelo autor), deve ser especificado
na inicial, com a menção de todos os gastos que, na visão do autor, se referem a esse mínimo
existencial, além da comprovação de sua própria movimentação financeira dos últimos meses
ou anos.

Na pesquisa diagnóstica realizada, em relação à análise dos requisitos da petição inicial,


28% dos magistrados responderam que indeferem a petição inicial, basicamente, com fulcro
nos seguintes fundamentos: ausência dos requisitos previstos na Lei 14.181/2021 para o
processamento da ação (64%); inadequação da via eleita (9%); revisão de cláusulas contratuais
(9%); e não atendimento ao critério do mínimo existencial (18%), conforme Gráfico 6 e Gráfico
7.

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Ao apreciar os requisitos processuais nos casos de


superendividamento, esse Juízo tem deferido o processamento da
ação, ou efetuado o indeferimento da petição inicial?

11; 28%

28; 72%

DEFERIDO O PROCESSAMENTO
INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL

Gráfico 6. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Causas de Indeferimento
1; 9% 1; 9%
2; 18%

7; 64%

Tentativa de revisão de cláusulas


Não atendimento ao critério do mínimo existencial
Ausência de requisitos
Inadequação da via eleita

Gráfico 7. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Parece intuitivo que, antes do indeferimento, deve ser aplicado o art. 321 do CPC, que
estabelece o prazo de quinze dias para emenda da inicial, com especificação do que necessita
ser emendado.

7.3.2 Cumulação de pedidos: repactuação de dívidas e revisão de cláusulas


contratuais

Outro ponto interessante que surgiu na pesquisa realizada com magistrados de primeiro
grau foi a possibilidade de discutir a validade e a aplicação de cláusulas contratuais, de forma
conjunta com a ação de repactuação de dívidas. Em regra, na demanda proposta com fulcro nos
arts. 104-A e 104-B do CDC não se discute a legitimidade do débito, já que o devedor

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simplesmente visa fazer uso de seu direito subjetivo de repactuar as dívidas, segundo os
critérios previstos no art. 104-A do CDC. Então surge a questão: é possível tal cumulação?

Com efeito, existem fortes argumentos contra e a favor da permissão de cumulação dos
pedidos de decretação de nulidade de cláusulas contratuais juntamente com a repactuação de
dívidas.

De forma favorável, lista-se a economia processual, a permissão legislativa (art. 327 do


CPC) e o princípio dispositivo como expressão do direito de ação da parte autora, sem
mencionar que não se pode obrigar alguém a repactuar dívida que é fundada em contrato com
cláusula que merece ser revisada ou repactuada, o que seria questão prejudicial.

Alinhado à admissibilidade da discussão da validade e da aplicação de cláusulas


contratuais no bojo da ação de repactuação de dívidas, citem-se os seguintes arestos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - "AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS


(SUPERENDIVIDAMENTO)" - LIMINAR DEFERIDA - INOBSERVÂNCIA DO
PROCEDIMENTO PREVISTO NOS ARTIGOS 104-A E 104-B, AMBOS DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - LIMINAR REVOGADA -
NECESSIDADE. I - Em conformidade com a Lei do Superendividamento (Lei n°.
14.181/2021/artigos 104-A e 104-B, ambos do Código de Defesa do Consumidor),
imprescindível primeiro a realização de audiência de conciliação, na presença de
todos os credores, para a apresentação de plano de pagamento pelo devedor, e,
restando infrutífera a conciliação, preenchidos os requisitos legais, poderá ser
concedida a tutela de urgência pleiteada pela parte demandante. II - O deferimento da
tutela de urgência pleiteada pelo devedor, antes mesmo de realizada a audiência de
conciliação, importa em desrespeito ao procedimento legal, de forma que a medida
deve ser revogada. CONTRATO DE MÚTUO - CÓDIGO CIVIL - NULIDADE -
IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO - DEVER DE OFÍCIO. Todos os
contratos, ainda que regulados por legislação especial, devem ser submetidos às
regras gerais de nulidade do Código Civil as quais acaso encontradas
impossibilitam a convalidação do negócio, mesmo que as partes a requeiram. O
negócio jurídico que resulta em superendividamento denota desídia do mutuante no
sentido de avaliar os dados cadastrais dos seus mutuários, ou evidente lesão no tocante
aos encargos incidentes sobre o empréstimo (TJMG - Agravo de Instrumento - Cv
1.0000.23.171708-3/001, Relator(a): Des.(a) Lúcio de Brito, 15ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 14/09/2023, publicação da súmula em 20/09/2023). (Sem grifos no
original).

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL.


CONSUMIDOR. SUPERENDIVIDAMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE
DÍVIDAS. LEI Nº 14.181/2021. INDEFERIMENTO DA INICIAL. NÃO
CABIMENTO. PROCEDIMENTO ESPECIAL. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS.
POSSIBILIDADE. ART. 327, DO CPC. PRIMAZIA DO MÉRITO. SENTENÇA
CASSADA. 1. Com o advento da Lei nº 14.181/2021, o Código de Defesa do
Consumidor passou a expressamente dispor sobre ações direcionadas à educação
financeira do consumidor. O art. 4º, inciso X estipula o atendimento ao seguinte

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princípio consumerista: “prevenção e tratamento do superendividamento como forma


de evitar a exclusão social do consumidor”. 2. Sob essa ótica, a legislação objetiva a
conciliação entre consumidor e instituição financeira e/ou de crédito, a ser realizada
no âmbito judicial e extrajudicial. 3. Os artigos 104-A e seguintes do Código de
Defesa do Consumidor estabelecem a possibilidade de ajuizamento de ação de
repactuação de dívidas, com o fim de evitar o superendividamento do consumidor,
mediante a realização de tentativa de conciliação judicial entre as partes; suspensão
provisória da exigibilidade das dívidas e proposição de acordo de pagamento, assim
como a adoção dos princípios e diretrizes contidas na legislação consumerista. 4.
Nesse contexto, o procedimento de superendividamento contido na legislação
consumerista não consiste em hipótese de jurisdição voluntária, mas sim, de
procedimento especial binário, consistente em etapas de conciliação, revisão e
integração dos contratos e plano de pagamento. 5. De outro vértice, importante
destacar que o Código de Processo Civil, no art. 327, possibilita
a cumulação de pedidos, ainda que não haja conexão entre eles, desde que
observado o procedimento comum. 6. No caso dos autos, estando a ação de
repactuação de dívidas devidamente instruída e com o objetivo de revisão os
contratos firmados e com a finalidade de obter um plano de pagamento com os
credores, o prosseguimento do feito é medida que se impõe. 7. Há que se
considerar, ainda, a primazia da resolução de mérito, expressamente elencada no art.
6º do Código de Processo Civil, sendo excepcional a resolução da demanda sem
julgamento do mérito. 8. Apelação conhecida e provida. Sentença cassada. (TJDFT -
07066218920228070014. Relatora Desembargadora Ana Maria Ferreira da Silva.
Terceira Turma Cível. Pje 6.11.2023). (Sem grifos no original).

Por outro lado, o próprio direito à repactuação de dívida, como se vê pelo procedimento
especial dos arts. 104-A e 104-B do CDC, não parece permitir a discussão de outros assuntos
além da adequação do plano compulsório a critérios legais ou manutenção do mínimo
existencial, e o objetivo da demanda é elaborar um plano de pagamento, e não discutir os
aspectos jurídicos atinentes ao contrato.

Corroborando o entendimento de restringir a análise do objeto da ação de repactuação,


colaciona-se o acórdão abaixo, quando assenta que:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS C/C DANO MORAL.
DETERMINAÇÃO DE EMENDA À INICIAL. IMPEDIMENTO DE
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E
CONTENCIOSA. TUTELA DE URGÊNCIA. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE
INADIMPLENTES. PROBABILIDADE DO DIREITO. AUSÊNCIA.
REQUISITOS LEGAIS. NÃO PREENCHIMENTO. 1. O artigo 300 do Código de
Processo Civil estabelece que a tutela de urgência deve ser concedida quando houver
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo. 2. O c. Superior Tribunal de Justiça não deliberou
quanto à possibilidade da cumulação de matérias de jurisdição voluntária e
contenciosa no ato do ajuizamento, e sim em relação à possibilidade da conversão
de ação ajuizada sob a jurisdição voluntária em contenciosa, quando verificada
a presença de litígio no caso concreto (STJ - REsp: 1453193 DF 2014/0108802-2,

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Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/08/2017, T3 -


TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2017). 2.1. Ausente a
demonstração da probabilidade de provimento do recurso, que deveria se iniciar com
a demonstração de que a fundamentação utilizada pelo Juízo a quo estaria
supostamente incorreta, comprovando-se a possibilidade de cumulação da jurisdição
voluntária com a litigiosa, não há como ser deferida a tutela vindicada no recurso. 2.2.
No caso concreto, os elementos autorizadores da própria tutela de urgência também
não estão presentes, notadamente em relação à probabilidade do direito em não ser
inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, e ao risco abstratamente mencionado, de
caráter amplamente genérico, de que o agravante possa ter dificuldades em obter
materiais caso venha a ser inscrito ou já esteja negativado. 3. Agravo de Instrumento
conhecido e não provido. (TJDFT – 07436490220238070000. Relatora
Desembargadora Carmen Bittencourt. Oitava Turma Cível. 07/02/2024). (Sem grifos
no original).

Independentemente da escolha do magistrado quanto a essa opção, caso haja cumulação


de pedidos, parece inafastável o dispositivo previsto no art. 327, § 2º, do CPC, que estabelece
que: “quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a
cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas
processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais
pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento
comum”. Em outras palavras, caso seja permitida a cumulação do pedido de repactuação com
o pedido de revisão ou decretação de nulidade de cláusula contratual, será aplicado o
procedimento comum.

7.3.3 Plano de pagamento voluntário (art. 104-A do CDC)

Questão que merece destaque é o momento da apresentação do plano de pagamento.

Ressalta-se que, dentre os magistrados que responderam à pesquisa, 35 deles (90%)


declararam exigir a apresentação de proposta de plano de pagamento do devedor para processar
e julgar a ação. Desses, 28 juízes (80%) informaram que o exigem antes da audiência de
conciliação, ou seja, como requisito da petição inicial, conforme Gráficos 8 e 9:

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Neste Juízo é exigida a apresentação Em caso afirmativo, em que


do plano de pagamento? momento isso ocorre?

4; 10% 7; 20%

28; 80%
35; 90%

ANTES DA CONCILIAÇÃO
SIM NÃO APÓS A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO

Gráficos 8 e 9. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

É certo que o objetivo final da demanda é a apresentação de plano de pagamento judicial


e compulsório, porém o caput do art. 104-A do CDC faz menção expressa que “o consumidor
apresentará proposta de plano de pagamento”, isso ao se referir à fase de conciliação, que pode
ser judicial ou extrajudicial (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2021, p. RL-1.27).

Com isso, alguns magistrados exigem a apresentação dessa proposta de plano, pelo
devedor, antes da audiência de conciliação (art. 104-A), para que naquele ato os credores
possam eventualmente fazer ponderações, contrapropostas ou até apresentar resposta certa
quanto a aceitação ou não da proposta do autor.

Independentemente de a apresentação de proposta de pagamento pelo autor nos autos


ser elevada à categoria de requisito da petição inicial ou exigência a ser cumprida na audiência
de conciliação, muitos magistrados entendem que é por meio dessa proposta de pagamento que
podem verificar, liminarmente, se há probabilidade do direito para a concessão de tutela
provisória.

Dentre os magistrados respondentes, 56% informaram exigir a apresentação da proposta


de plano como requisito para o deferimento da liminar (Gráfico 10):

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É exigido plano de pagamento para a concessão da


tutela antecipada?

17; 44% 22; 56%

SIM NÃO

Gráfico 10. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Essa exigência pode ser facilmente compreendida justamente porque, apesar de ser um
direito subjetivo do devedor superendividado a repactuação das dívidas, essa se dá, a princípio,
nos limites da lei, com exigência de pagamento do valor principal (sem desconto) em até
sessenta parcelas (art. 104-A do CDC). Ora, se o devedor não consegue formular proposta que
se encaixe nessas condicionantes, parece inexistir probabilidade do direito, um dos requisitos
para a concessão da tutela provisória (art. 300 do CPC).

7.3.4 Contestação ou impugnação

Após o recebimento da petição inicial, os credores indicados pelo requerente, cujos


créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado, serão citados e intimados para
manifestação na forma e no prazo estabelecidos no § 2º do art. 104-B.

Na pesquisa realizada, 92% dos magistrados afirmaram abrir prazo para contestação ou
impugnação pelos credores (Gráfico 11):

Caso não haja acordo entre os litigantes, é aberto


prazo para contestação ou impugnação?
3; 8%

36; 92%

SIM NÃO

Gráfico 11. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Há de se ressaltar que as matérias que poderão ser levantadas na contestação estarão


limitadas aos motivos pelos quais o credor não acedeu ao plano voluntário ou não se dispôs a
renegociar (art. 104-B, § 2º, parte final). A contestação, portanto, seria o momento processual

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adequado para que o credor pudesse arguir, por exemplo, eventual “dolo” contratual do
consumidor (art. 104-A, § 1º) ou outra defesa que demonstre o não enquadramento à
repactuação prevista na lei (BRASIL, Cartilha sobre o tratamento do superendividamento do
consumidor, 2022, p. 24).

Buzzi, Buzzi e Mello (2024, p. 632) também defendem que a manifestação prevista no
art. 104-B, § 2º, é o momento processual adequado para arguir a má-fé do consumidor ou
alguma outra defesa, inclusive processual.

Neves (2023, p. 856) chama a atenção para o fato de a lei ter limitado a extensão das
matérias que poderão ser arguidas pelo credor, criando uma “contestação de fundamentação
vinculada”:

Diferentemente do procedimento previsto no art. 104-A do CDC, em que não há


previsão de contestação, o art. 104-B prevê uma resposta do réu, ainda que limitando
as matérias defensivas alegáveis. A redação do dispositivo parece redundante ao
indicar, supostamente, duas matérias de defesa que na verdade se confundem. Afinal,
indicar as razões pelas quais não aceitou o plano de pagamento significa a resistência
à negociação, ao menos nos termos propostos pelo consumidor superendividado.

A alegação pode ser bastante breve, limitando-se o réu a indicar as razões já


levantadas na audiência do primeiro processo e devidamente documentadas. Tanto
pode o autor já ter juntado essa documentação com sua petição inicial como o próprio
réu instruir sua contestação.

(...)

De qualquer forma, o dispositivo ora comentado pretende limitar a extensão da


cognição, ao criar uma contestação de fundamentação vinculada. Nisso não há
originalidade, porque em outras passagens legislativas há a utilização da mesma
técnica, como, por exemplo, na ação consignatória (art. 544 do CPC). A limitação
prevista não viola o princípio do contraditório, como poderia à primeira vista parecer,
porque no momento procedimental em que ocorre a defesa do réu não haveria mesmo
muito mais a ser alegado. Afinal, a pretensão do autor continua sendo a renegociação
e a equação de suas dívidas, já tentada anteriormente pela via conciliatória. Os termos,
entretanto, só serão conhecidos a posteriori, quando definidos pelo juízo, não sendo
possível, portanto, qualquer impugnação nesse sentido no momento de apresentação
da contestação. (Sem grifos no original).

É importante destacar que, caso o magistrado entenda pela possibilidade de


reconhecimento de ofício da nulidade de determinada cláusula contratual, poderá conceder às

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partes prazo para manifestação, nos termos dos arts. 9º, caput, e 10, ambos do CPC18. Assim, a
limitação das matérias passíveis de arguição pelo credor, no momento da contestação, não
acarretará violação ao seu direito de defesa ou ao contraditório, já que, posteriormente, poderá
discutir eventual matéria a ser decidida de ofício.

Também merece destaque o fato de que, caso seja admitida pelo magistrado a cumulação
entre os pedidos de repactuação de dívidas e de revisão de cláusulas contratuais, o procedimento
a ser seguido será o comum, por força do art. 327, § 2º, do CPC19. Desse modo, a contestação
a ser apresentada pelo credor não sofrerá as limitações previstas no § 2º do art. 104-B.

Também em homenagem ao contraditório, o autor – devedor superendividado – será


ouvido e terá oportunidade para se manifestar, após a juntada de contestação pelo réu/credor,
oportunidade em que poderá juntar novos documentos na hipótese de a resposta apresentada
trazer algum fato novo (art. 435 do CPC).

Após a manifestação do autor, o magistrado poderá proferir sentença – caso entenda


pela desnecessidade de produção de outras provas e nomeação de administrador para auxiliar
na elaboração de plano de pagamento. Note-se que o julgador pode valer-se de informações
prestadas na audiência de conciliação, inclusive propostas de plano de pagamento (art. 104-B,
§ 1º, do CDC).

7.3.5 Produção de provas

Caso entenda pela necessidade do auxílio de um administrador, o juiz proferirá decisão


de saneamento e de organização do processo, na qual examinará preliminares ainda não
decididas, pedido de produção de provas e procederá à nomeação do administrador, “desde que
isso não onere as partes” (art. 104-B, § 3º), com indicação dos quesitos.

18
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se
tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de
ofício.
19
§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor
empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos
procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as
disposições sobre o procedimento comum.

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Em relação a produção de provas, 51% dos entrevistados responderam que há um


momento em que determinam a especificação de provas (Gráfico 12). De outro lado, os 49%
remanescentes afirmaram que não abrem prazo para especificação de provas – grande parte
deles sob o argumento de que se trata de questão de direito ou de que a prova deveria ter sido
apresentada ou requerida na inicial.

Existe algum momento no qual este Juízo


determina a produção de prova sobre o
superendividamento mencionado pelo autor?

19; 49% 20; 51%

SIM NÃO

Gráfico 12. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Realmente não parece existir momento autônomo de produção de novas provas, já que,
em se tratando de situação de superendividamento, em regra, as provas necessárias são
documentais, que devem ser juntadas com a petição inicial (art. 434 do CPC). Da mesma forma,
os réus poderão juntar documentos caso não alcançado acordo na audiência de conciliação,
como expressamente determinado pelo art. 104-B, § 2º, do CDC. Em contraditório, o autor deve
ser intimado para se manifestar sobre eventuais documentos juntados pelos réus no momento
anterior e até pode juntar novos documentos para rebater aqueles juntados pelo réu (art. 435 do
CPC).

Logo, uma fase autônoma de produção de prova seria necessariamente excepcional, em


decorrência da necessidade de alguma outra prova especificamente para o caso concreto
(pericial, testemunhal etc.) ou até documental suplementar, caso o magistrado não esteja
plenamente convencido pelas provas já produzidas. De toda forma, caso seja confeccionada
decisão de saneamento, mostra-se producente a fixação de pontos controvertidos e delimitação
do ônus da prova.

Parece compatível com o procedimento o magistrado designar audiência para explicar


o plano de pagamento compulsório, principalmente ao devedor. Isso porque, o juiz não é
obrigado a fixar o plano de pagamento nos exatos termos propostos pelo autor e, apesar de
compulsório, parece contraproducente a fixação de plano de pagamento fora das realidades

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econômicas do devedor, o que poderia ser mais bem desenhado, em conjunto, sendo uma nova
oportunidade de celebração de acordo e, caso contrário, fixação de plano de pagamento mais
condizente com a realidade do devedor.

7.3.6 Plano de pagamento compulsório

Conforme salientado, na decisão de saneamento e organização do processo, além da


especificação de provas, o magistrado poderá nomear administrador, “desde que isso não onere
as partes” (art. 104-B, § 3º), com indicação dos quesitos.

Referido ponto também foi objeto de análise na pesquisa realizada com os magistrados
de primeira instância, indagando-se qual o procedimento adotado nas situações em que o plano
de pagamento não é apresentado. Nesses casos, 74% dos magistrados respondentes informaram
que não encaminham os autos à Contadoria Judicial e tampouco à perícia para elaboração do
plano de pagamento:

Existe encaminhamento das demandas sobre


superendividamento à contadoria judicial/perito quando a
parte autora não apresenta plano de pagamento?

10; 26%
29; 74%

SIM NÃO

Gráfico 13. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Convém mencionar que pouco mais de um quarto dos magistrados que responderam à
pesquisa declararam remeter os autos à Contadoria quando o devedor não apresenta plano de
pagamento.

Com efeito, após o recebimento pela Contadoria do TJDFT de demandas nas quais os
magistrados exigiam a elaboração de plano de pagamento; depois da verificação da
possibilidade da liquidação de dívida em cinco anos, tendo por base as dívidas apresentadas;
bem como após o cálculo total do débito, com exclusão dos juros e das parcelas adimplidas e
inclusão da correção monetária etc., iniciou-se discussão na Secretaria de Contas Judiciais sobre

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o cabimento desse tipo de atuação por parte da Contadoria. No bojo do Processo SEI
0020523/2023, há clara sinalização de que tais demandas não devem ser direcionadas às
Contadorias Judiciais.

A nomeação de administrador ou perito para elaboração de plano de pagamento pelo


magistrado é medida facultativa, a qual não pode representar ônus para as partes, nos termos
do que aduz o art. 104-B, § 3º, do CDC. Partindo-se do texto da lei, não fica evidenciado ser
essa uma atribuição das contadorias dos tribunais. Além disso, não há ato normativo interno
deste Tribunal que atribua tal demanda à referida unidade.

Essa problemática foi objeto de discussões e estudos desenvolvidos pelo Grupo de


Trabalho, o qual, tendo por base principalmente a Cartilha sobre o Tratamento do
Superendividamento do Consumidor, publicada pelo CNJ, optou por sugerir que fossem
realizados convênios com instituições de ensino superior e faculdades, com a finalidade de
nomeação de administradores ou peritos. Ademais, caso o autor seja beneficiário da justiça
gratuita, poderá haver a nomeação desses profissionais mediante o custeio nos termos da
Portaria Conjunta 101 de 10 de novembro de 2016.

Sendo assim, a solução de encaminhamento dos autos à Contadoria para exercício das
atividades de administrador ou perito judicial carece de sustentação legal, bem como de
regramento interno deste Tribunal. A aplicação do que disciplina a lei quanto ao ponto em
debate perpassa por solução que guarde consonância com o previsto pela cartilha do CNJ e com
o delineado pelos fluxos pré-processual e processual estruturados pelo Grupo de Trabalho deste
TJDFT.

Destaca-se que a nomeação do administrador judicial para elaboração do plano de


pagamento não encontra esteio na práxis judicial, pois, de acordo com a pesquisa realizada,
86% das respostas foram negativas, conforme gráfico a seguir:

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Normalmente há a nomeação de administrador


judicial pelo Juízo para a elaboração do Plano?

5; 14%

30; 86%

SIM NÃO

Gráfico 14. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Esses números acima podem ser explicados sobretudo pelo fato de não existir banco de
administradores judiciais previamente cadastrados e com expertise na realização de planos de
pagamento para devedores superendividados. É complicado para os magistrados, sabidamente
não especializados em questões financeiras complexas, elaborarem o referido plano de
pagamento. Note-se que as causas podem exigir cálculos muito elaborados, como no caso de
muitos credores, necessidade de diferenciação de valores principais e aqueles somados a
encargos moratórios acumulativos, sendo desejável o auxílio de profissionais técnicos e
especializados, desde que sem ônus para as partes (art. 104-B, § 3º, do CDC).

Na decisão de nomeação do administrador, caberá ao magistrado fixar, na forma de


quesitos, os parâmetros que julgar necessários à elaboração do plano de pagamento (por
exemplo, o valor do principal devido, a possibilidade de o devedor cumprir eventual acordo
celebrado na fase do art. 104-A do CDC juntamente com o plano compulsório etc.),
oportunizando às partes a apresentação de quesitos próprios.

O Anexo D da Cartilha sobre o Tratamento do Superendividamento do Consumidor, do


CNJ (BRASIL, 2022, p. 50) traz sugestões de quesitos.

Um ponto de destaque se refere aos poderes dos magistrados na elaboração do plano de


pagamento, se pode ir além do requerimento de desconto em encargos moratórios ou dilação
de prazos. Tais medidas encontram-se expressamente previstas no art. 104-A, § 4º, do CDC20,

20
Art. 104-A, § 4º - “Constarão do plano de pagamento referido no § 3º deste artigo:

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que estabelece que “constarão do plano”, mas não aponta exclusão de outras medidas. Por
exemplo, poderia o magistrado determinar a alienação, pelo devedor, de imóvel com grande
valor de mercado para determinar, como parte do plano, que o devedor resida mediante contrato
de locação? Ou determinar a venda de veículo próprio, alvo de financiamento, para que passe
a se valer de transporte público?

O plano de pagamento envolve dívidas de consumo muito específicas e obviamente não


poderiam alcançar bens que não são alvo de dívidas ou débitos com garantia real, mas a
indagação acima diz respeito à possibilidade de o plano prever readequação do estilo de vida
do devedor.

Independentemente da conclusão, pelo magistrado, da sua linha de atuação, tais bens ou


dívidas podem revelar que o mínimo existencial poderia ser preservado mediante outras
condutas do devedor, antes de ingressar com ação de repactuação de dívida.

Conforme dito anteriormente, o direito subjetivo de manter o mínimo existencial não se


confunde com eventual (e não previsto na lei) direito de manutenção do padrão de vida.

Nessa mesma linha de raciocínio, poder-se-ia questionar se o plano de pagamento


compulsório pode apresentar obrigações impostas ao devedor, como, por exemplo, a proibição
de contratação de novos empréstimos antes do pagamento da dívida, sob pena de cancelamento
do plano. Nesse caso, apesar de fundamentada na boa-fé objetiva (art. 104-A, § 1º, do CDC),
pode ser difícil compatibilizar essa condição com a vedação de decisão condicional (art. 492,
parágrafo único, do CPC).

Ademais, o plano de pagamento precisa necessariamente envolver todas as dívidas de


consumo aplicáveis (não inseridas na proibição do art. 104-A, § 1º, do CDC) ou é uma escolha
do devedor repactuar parte de suas dívidas? A lei parece inclinar-se para a primeira alternativa

I - medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do
fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;
II - referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;
III - data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de
inadimplentes;
IV - condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento
de sua situação de superendividamento.

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quando estabelece que caso não haja acordo, o juiz “procederá à citação de todos os credores
cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado” (art. 104-B do CDC).

Ocorre que tal disposição deve ser interpretada a partir de todo o sistema processual
civil, seja a partir do art. 104-A do CDC, que estabelece o requerimento do consumidor e que
por isso listará os credores alvo da repactuação, seja pelo próprio princípio dispositivo, que
estabelece que cabe ao autor começar com o processo e delimitar os pedidos e causa de pedir
(art. 2º do CPC) ou ainda pela vedação do juiz em proferir sentença diversa do pedido (art. 492
do CPC).

Nesse aspecto, surge questão interessante: se a possibilidade de verificação de coisa


julgada em processos revisionais anteriores é oponível (ou não) a demandas de repactuação de
dívidas. Apesar de claramente envolverem circunstâncias fáticas parecidas (mesmas partes,
mesmos contratos), não parece ser possível concluir pela coisa julgada, já que a causa de pedir
e o próprio pedido (de forma mais ampla) são diversos. A revisão anterior, mesmo que baseada
na dignidade da pessoa humana e sua subsistência, caso não tenha sido fundada nos arts. 104-
A e 104-B do CDC revela nova ação, não sendo possível constatar a coisa julgada.

É o mesmo entendimento que pode ser aplicado a teses vinculantes, fixadas por tribunais
superiores ou pelo próprio TJDFT, referente a contratos, como o pedido de limitação de
descontos de pagamentos de empréstimos a 30% do rendimento do devedor, que pode ser
renovado em pedido de tutela provisória ou como parte do plano de pagamento. Essa questão
jurídica, de forma abstrata, foi levada ao STJ (Tema 1.085) mas, no âmbito de direito específico
de repactuação de dívidas, não parece ter sido julgada, sendo caso de distingishing e, portanto,
a questão poderia ser trazida no âmbito de ação de repactuação de dívidas sem violação da tese
vinculante.

De toda forma, o plano de pagamento não pode ser tratado como análogo ou equivalente
ao plano de recuperação judicial de sociedades empresárias. É instituto totalmente autônomo e,
apesar de algumas semelhanças, a própria lei deixa claro que não implicará insolvência civil

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(art. 104-A, § 5º, do CDC) e nem exige participação direta dos credores, por exemplo, votando
o plano21.

Feita a apresentação do plano pelo administrador, as partes serão intimadas para ciência,
podendo requerer esclarecimentos. Tratando-se de esclarecimentos técnicos, o administrador
será intimado para manifestar-se. Tratando-se de esclarecimentos puramente jurídicos, o juiz
poderá resolver na sentença.

Em seguida, caberá ao juiz proferir sentença, apresentando o plano judicial compulsório


nos limites do § 4º do art. 104-B.

7.3.7 Competência para processar e julgar casos em que for parte a CEF

Impende fazer importante registro sobre os casos em que a Caixa Econômica Federal
figurar no polo passivo.

O Superior Tribunal de Justiça já se debruçou sobre a questão envolvendo o foro


competente para o julgamento das ações ajuizadas com base na Lei 14.181/2021 quando a
referida empresa pública federal figurar como um dos credores.

Assim, no julgamento do Conflito de Competência 193.066/DF, realizado em


22/3/2023, a Segunda Seção da Corte Superior firmou o entendimento de que competirá à
Justiça comum estadual processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de
dívidas decorrentes de superendividamento, concentrando-se na Justiça comum estadual todos
os credores, ainda que exista interesse de ente federal.

21
Lei 11.101/2005:
Art. 35. A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:
I – na recuperação judicial:
a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor. (...)
Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41
desta lei deverão aprovar a proposta.(...)
Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de trinta
dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2º do art. 7º desta lei. (...)
Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembleia-geral
de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.

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Confira-se a ementa do julgado em comento:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -


AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS - SUPERENDIVIDAMENTO -
CONCURSO DE CREDORES PREVISTO NOS ARTIGOS 104-A, B E C, DO CDC,
NA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI 14.181/21 - POLO PASSIVO
COMPOSTO POR DIVERSOS CREDORES BANCÁRIOS, DENTRE ELES, A
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - EXCEÇÃO À REGRA DE COMPETÊNCIA
PREVISTA NO ART. 109, I, DA CF/88 - EXEGESE DO COL. SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL DEFINIDA EM REPERCUSSÃO GERAL -
DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO DISTRITO
FEDERAL.

1. O Superior Tribunal de Justiça é competente para o conhecimento e processamento


do presente incidente, pois apresenta controvérsia acerca do exercício da jurisdição
entre juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do artigo 105, I, "d", da
Constituição Federal.

2. A discussão subjacente ao conflito consiste na declaração do juízo competente para


o processar e julgar ação de repactuação de dívidas decorrentes do
superendividamento do consumidor, em que é parte, além de outras instituições
financeiras privadas, a Caixa Econômica Federal.

3. A alteração promovida no Código de Defesa do Consumidor, por meio do


normativo legal n.º 14.181/2021, de 1º de julho de 2021, supriu lacuna legislativa a
fim de oferecer à pessoa física, em situação de vulnerabilidade (superendividamento),
a possibilidade de, perante seus credores, rediscutir, repactuar e, finalmente, cumprir
suas obrigações contratuais/financeiras.

4. Cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e julgar as demandas


oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento
- ainda que exista interesse de ente federal - porquanto a exegese do art. 109, I,
do texto maior, deve ser teleológica de forma a alcançar, na exceção da
competência da Justiça Federal, as hipóteses em que existe o concurso de
credores.

5. Conflito conhecido para declarar a competência do r. juízo comum do Distrito


Federal e Territórios para processar e julgar a ação de repactuação de dívidas por
superendividamento, recomendando-se ao respectivo juízo, ante à delicada condição
de saúde do interessado, a máxima brevidade no exame do feito. (CC n. 193.066/DF,
relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 22/3/2023, DJe de
31/3/2023.) (Sem grifos no original).

8 MEDIDAS ADMINISTRATIVAS

A fim de promover o monitoramento das demandas de superendividamento, a presente


nota técnica debruça-se sobre sugestões de medidas administrativas que podem ser adotadas
para o aprimoramento da prestação jurisdicional.

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8.1 Cadastramento adequado do assunto no PJe

Conforme salientado, a questão atinente ao erro de cadastramento do assunto no PJe


impacta diretamente no monitoramento das demandas sobre superendividamento.

Referida situação, constatada não apenas pelo Centro de Inteligência no decorrer dos
estudos, mas também pelo NUPEMEC, é corroborada pela pesquisa realizada com os
magistrados, na qual, do total de 39 juízes respondentes, 44% relataram que os processos que
versam sobre superendividamento, em regra, não chegam cadastrados corretamente em suas
varas.

Nesse sentido, dentro do universo de magistrados que apontaram os erros de


cadastramento, 41% afirmaram que, em vez de apresentar o assunto “superendividamento”, o
processo acaba sendo cadastrado com o assunto “interpretação/revisão de contrato”; 18%
disseram que normalmente os feitos são categorizados como “cláusulas abusivas”; e 41%
destacaram que são inseridos outros assuntos, conforme Gráfico 15:

Em caso de cadastramento equivocado, em quais outros


assuntos costumam inserir os processos de
superendividamento?

3; 18%
7; 41%

7; 41%

CLÁUSULAS ABUSIVAS
INTERPRETAÇÃO/REVISÃO DE CONTRATO
OUTRO
Gráfico 15. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Esse erro sistematizado de cadastramento é grave no que se refere ao estudo amplo por
parte da comunidade acadêmica e de diagnóstico por parte do próprio Poder Judiciário, sem
mencionar a gestão da própria unidade judiciária, como na realização de mutirões de audiências

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ou julgamentos. Vale lembrar que as demandas são protocoladas no PJe pelo advogado da parte
autora, que não tem nenhum interesse em esconder ou mal nomear o assunto do processo, já
que, independentemente do assunto cadastrado, o tema será amplamente visualizado pelos
atores processuais, processado e julgado pelo juízo. Dessa forma, a conclusão mais óbvia seria
desconhecimento do correto cadastramento.

Para remediar esse ponto, poderia ser realizada uma campanha junto à Ordem dos
Advogados do Brasil – OAB, buscando a conscientização dos profissionais sobre a importância
do tema. Concomitantemente, poderia haver uma campanha, no âmbito do TJDFT, destinada a
orientar os servidores sobre a importância do correto cadastramento e de suas consequências,
especialmente para os estudos que são realizados pelo Tribunal. Além disso, uma alternativa
no âmbito de cada unidade jurisdicional seria a retificação da autuação pela própria secretaria
do juízo no momento do recebimento dos processos, medida interna que poderia ser adotada
por meio de orientação da Corregedoria às respectivas unidades judiciárias.

Ademais, a utilização da ferramenta de inteligência artificial Toth para a reclassificação


das ações judiciais novas pode ser de grande valia para se garantir a melhor acurácia dos dados
e, dessa forma, acompanhar o fenômeno do litígio, a fim de subsidiar estratégias a serem
adotadas pela Administração, como, por exemplo, eventual criação de vara especializada ou
uma alternativa para o tratamento adequado da matéria22.

22
A título de exemplificação o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - nos autos 8.2020.0010/00911-5 aprovou,
por meio do Conselho da Magistratura (COMAG), a alteração do Projeto denominado PROGRAM I para Projeto
de Gestão do Superendividamento e determinou: “a) remessa de todos os processos eletrônicos de
superendividamento do Estado, independentemente de análise, nos termos da Lei n.º 14.181/21, que alterou os
artigos 104-A e 104-B do Código de Defesa do Consumidor, para o Projeto de Gestão de Superendividamento;
e b) o cumprimento de todos os processos eletrônicos de superendividamento do Estado pela Central de
Atendimento Multicomarcas - Multicom."”. Logo, no âmbito do TJRS a opção foi pela concentração dessas ações
a um magistrado coordenador designado para atuar nesse Projeto.

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8.2 Definição do perfil do administrador judicial e cadastramento dos profissionais

A elaboração do plano de pagamento compulsório pode tornar-se tarefa de difícil


execução para o magistrado e, considerando a possibilidade de nomeação de administrador
judicial, seria útil a fixação de perfil profissional mínimo para atuação na referida área.

Registre-se, que, por vezes, a formação em ciências contábeis ou áreas afins não é
suficiente para a realização do planejamento financeiro/plano de pagamento, pois, mais do que
um encontro de contas, muitas vezes é necessário que a pessoa superendividada adote mudança
postural.

Atualmente, existem formações especificamente voltadas para a referida área, e o


profissional que atua com planejamento financeiro desempenha papel crucial na gestão das
finanças pessoais, orientando as pessoas na otimização de seus recursos para alcançar objetivos
específicos. Esse especialista emprega combinação de conhecimentos em finanças, economia,
comportamento humano e normas regulatórias para oferecer conselhos personalizados e
estratégicos. As principais atividades e responsabilidades incluem:

a. Avaliação financeira: realizar análise abrangente da situação financeira atual do


devedor, incluindo rendimentos, dívidas, despesas, investimentos, seguros e
outros aspectos financeiros relevantes.
b. Definição de objetivos: trabalhar em conjunto com a parte para identificar e
definir metas financeiras de curto, médio e longo prazo, considerando aspectos
individuais e familiares.
c. Elaboração do plano de pagamento: desenvolver estratégias personalizadas
considerando a situação da parte e que sejam exequíveis.
d. Educação financeira: prover informações e orientações para que as partes
atendidas tomem decisões financeiras informadas, incluindo explicar
complexidades financeiras e recomendar práticas de gestão financeira saudáveis
a fim de evitar novas situações de superendividamento.

Assim, uma vez definidos os requisitos mínimos para atuação como administrador
judicial nas ações de superendividamento, é necessário que referidos profissionais sejam

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destacados no Cadastro de Peritos gerido pela Corregedoria a fim de facilitar sua identificação
pelos magistrados no momento da nomeação.

8.3 Monitoramento do impacto da distribuição das ações de superendividamento nas


circunscrições judiciárias

A partir da correta indicação do assunto das ações sobre superendividamento


distribuídas ao PJe, será possível realizar o monitoramento do seu impacto no funcionamento
das varas cíveis de todas as circunscrições judiciárias, bem como a necessidade de
fortalecimento da estrutura autocompositiva do CEJUSC-SUPER.

Ademais, não se pode descartar a possibilidade de no futuro se verificar a viabilidade


de instalação de vara especializada na temática para atuação na fase processual do art. 104-B
do CDC, inclusive com equipe multidisciplinar de atendimento, de modo a ir além do
tratamento jurídico e possibilitar de forma mais célere a elaboração do plano de pagamento.

Uma alternativa que pode decorrer do referido acompanhamento é a possibilidade de


criação de Núcleo de Justiça 4.0., iniciativa que se coaduna com a tendência de virtualização
da Justiça.

Com os levantamentos realizados para a elaboração da presente nota técnica, fator que
merece destaque é a concentração da distribuição das demandas na Circunscrição Judiciária de
Brasília, que durante o período de janeiro de 2023 a fevereiro de 2024 recebeu 34,87% do total
de demandas sobre superendividamento, seguida pelas Circunscrições Judiciárias de
Taguatinga, com 12,02%; Águas Claras, com 9,36%; e Ceilândia, com 8,27%, conforme
Gráfico 16 abaixo:

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DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS SOBRE


SUPERENDIVIDAMENTO
(Jan/2023 a Fev/2024)

Taguatinga 122
Sobradinho 73
São Sebastião 9
Santa Maria 23
Samambaia 33
Riacho Fundo 19
Recanto das Emas 16
Planaltina 44
Paranoá 3
Núcleo Bandeirante 10
Itapoã 9
Guará 54
Gama 41
Ceilândia 84
Brazlândia 26
Brasília 354
Águas Claras 95
0 50 100 150 200 250 300 350 400

Gráfico 16. Fonte: COCIJDF/TJDFT. Elaboração: NUGICI/TJDFT

Deve-se salientar, entretanto, que para fins de planejamento e de gestão judiciária o


impacto para funcionamento das varas cíveis não tem correlação direta com a quantidade de
processos distribuídos, pois deve ser considerada a quantidade de unidades judiciais existentes
a fim de fazer o referido diagnóstico. Nesse sentido, a distribuição na Circunscrição Judiciária
de Brasília é diluída entre as 25 varas cíveis, enquanto no Guará toda a distribuição se concentra
em uma única vara cível. Assim, considerando referidos fatores, as circuscrições judiciárias
mais impactadas com ações sobre superendividamento são:

Quantidade de Média de
Cirscunscrição Quantidade de
Processos - Processos por Ranking
Judiciária Varas Cíveis
2023/fev. 2024 Vara
Guará 54 1 54 1º

Águas Claras 95 2 47,5 2º

Planaltina 44 1 44 3º

Sobradinho 73 2 36,5 4º

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Taguatinga 123 4 30,75 5º

Ceilândia 84 3 28 6º

Brazlândia 26 1 26 7º

Gama 41 2 20,5 8º

Riacho Fundo 19 1 19 9º

Samambaia 33 2 16,5 10º

Recanto das Emas 16 1 16 11º

Brasília 354 25 14,16 12º

Santa Maria 23 2 11,5 13º

Núcleo
10 1 10 14º
Bandeirante

Itapoã 9 1 9 15º

São Sebastião 9 2 4,5 16º

Paranoá 3 1 3 17º

Dessa feita, o diagnóstico do impacto das ações sobre superendividamento nas


circunscrições judiciárias do TJDFT é de suma importância tanto para definir estratégias de
desjudicialização, tanto pelo NUPEMEC, no que se refere à aplicação dos métodos consensuais
de solução de conflitos, quanto para fins de redistribuição da força de trabalho entre as unidades
judiciárias.

CONCLUSÃO

O superendividamento emerge como desafio contemporâneo de grande complexidade,


refletindo não apenas problema econômico, mas também jurídico e, sobretudo, social, que afeta
profundamente a vida de milhares de consumidores. Essa condição, caracterizada pela
incapacidade de um indivíduo honrar suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial,

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transcende a esfera financeira, influenciando a saúde mental, as relações familiares e a


participação social dos afetados.

A complexidade do superendividamento reside na intersecção de múltiplos fatores que


contribuem para sua ocorrência e agravamento. Alterações econômicas, como recessão e
inflação, somadas às práticas de crédito muitas vezes predatórias e à falta de educação
financeira, criam terreno fértil para o endividamento excessivo. Além disso, eventos de vida
inesperados, como desemprego, doenças ou divórcios, podem rapidamente transformar dívidas
gerenciáveis em um peso insustentável, levando ao superendividamento.

Diante desse cenário, a necessidade de tratamento adequado dos processos judiciais que
envolvem o superendividamento se torna evidente. O Judiciário desempenha papel crucial na
resolução desses casos, devendo adotar abordagem que vá além da simples execução de dívidas,
reconhecendo a vulnerabilidade dos consumidores superendividados e buscando soluções que
promovam a recuperação financeira e a manutenção da dignidade. Isso implica processos
judiciais que considerem a realidade socioeconômica dos devedores, estimulem a conciliação e
a renegociação de dívidas de maneira justa e viável, e promovam a educação financeira como
parte da solução.

Além disso, a uniformização da prestação jurisdicional emerge como necessidade


imperativa para garantir melhores resultados e segurança jurídica no tratamento do
superendividamento. A variação nas decisões judiciais e a falta de procedimento padronizado
podem resultar em incerteza e ineficiência, prejudicando tanto credores quanto devedores. A
padronização não apenas facilitaria a previsibilidade e a equidade das decisões, mas também
otimizaria o processo, tornando-o mais acessível e compreensível para os consumidores
afetados.

Assim, a busca por soluções para o superendividamento demanda ação coordenada e


multidisciplinar, envolvendo Poder Judiciário, instituições financeiras, entidades de defesa do
consumidor e sociedade civil. A implementação de práticas judiciais uniformizadas, aliada a
políticas públicas voltadas à prevenção do endividamento excessivo e à promoção da educação
financeira, é um passo fundamental para mitigar os impactos do superendividamento e garantir
a proteção e a recuperação dos consumidores afetados, contribuindo para uma sociedade mais
justa e equitativa.

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Nesse diapasão, a implementação da Lei 14.181/2021 mostra-se desafiadora diante das


inovações que exigem não apenas forma especial de tratamento judicial das demandas, mas
também readequação dos atores envolvidos no tratamento aos superendividados.

A pesquisa realizada com magistrados atuantes nas varas cíveis do TJDFT demonstrou
a necessidade de mais debate e aprofundamento dos estudos sobre a temática a fim de garantir
a aplicação da norma e principalmente tratar adequadamente os conflitos envolvendo a delicada
temática do superendividamento, impondo-se a necessidade premente de definir fluxos para as
referidas demandas e repensar a prestação jurisdicional trazendo-se à luz a ideia de atuação em
rede com os diversos atores do Sistema de Justiça, órgãos públicos, entidades atuantes na área
de defesa do consumidor, sistema financeiro e a sociedade.

A divergência na aplicação da lei pelos magistrados reflete-se em decisões judiciais


inconsistentes, o que gera confusão entre os devedores superendividados quanto aos seus
direitos e obrigações. Essa incerteza não apenas dificulta a tomada de decisões informadas por
parte dos indivíduos afetados, mas também compromete a confiança no sistema judicial.
Quando os devedores não têm clareza sobre as proteções que podem esperar da lei, muitos
podem hesitar em buscar o auxílio jurídico necessário, permanecendo assim presos em ciclos
de dívida insustentáveis.

A falta de previsibilidade nas decisões judiciais também pode encorajar práticas de


crédito predatórias, uma vez que credores podem explorar as brechas e as ambiguidades da lei
para impor condições desfavoráveis aos devedores. Esse cenário não só agrava o problema do
superendividamento como também contribui para a deterioração das relações de crédito,
afetando negativamente a saúde geral do sistema financeiro.

Diante desses desafios, torna-se imperativa a necessidade de debate mais amplo e


aprofundado entre juízes e demais operadores do direito sobre a aplicação da nova legislação
do superendividamento. Uma abordagem coesa e uniforme não apenas garantirá justiça e
equidade nas decisões judiciais, mas também reforçará a segurança jurídica, proporcionando
aos devedores uma base clara para a renegociação de suas dívidas. Além disso, uma
interpretação consistente da lei favorecerá um ambiente de crédito mais estável e previsível,
incentivando práticas de empréstimo responsáveis e sustentando a confiança no sistema
financeiro.

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A promoção de fóruns de discussão, seminários e grupos de trabalho entre magistrados


e especialistas em direito do consumidor pode facilitar a troca de ideias e experiências,
contribuindo para a construção de entendimento comum sobre a nova legislação. A criação de
diretrizes ou recomendações judiciais, baseadas em princípios de equidade e proteção ao
consumidor, pode servir como ferramenta valiosa para orientar os juízes na aplicação da lei,
minimizando as divergências e fortalecendo a segurança jurídica.

Nesse cenário, um debate robusto e uma aplicação uniforme da legislação sobre o


superendividamento não apenas beneficiarão os devedores, mas também sustentarão a
integridade e a eficiência na condução dos processos envolvendo referida temática.

A presente nota técnica combinou diversos instrumentos de pesquisa para dar o primeiro
passo rumo à uniformização do tratamento das demandas de superendividamento. Decerto,
consoante destacado, este documento não tem caráter vinculante, mas apenas sugestivo, e,
diante da complexidade do superendividamento, serão necessárias adaptações procedimentais
testadas ao longo do tempo, sempre com o objetivo de garantir a eficiência na prestação
jurisdicional e a construção das melhores soluções dentro dos cenários possíveis.

DIRETRIZES

Ante o exposto, o CIJDF sugere:

1. Ampla divulgação para o público interno e externo da presente


nota técnica pela Assessoria de Comunicação Social.
2. A submissão da presente nota técnica a todos os magistrados e
magistradas, com prazo definido, para fins de colaboração para o seu
aperfeiçoamento, bem como para que sejam identificados os pontos
controvertidos para elaboração de novo estudo sobre a temática.
3. Sejam oficiados os juízos de primeiro grau para que seus
respectivos cartórios procedam à retificação do assunto no PJe sempre que for
identificado erro em tal campo.
4. Seja oficiada a OAB a fim de que proceda à divulgação da
necessidade de cadastramento do assunto adequado no momento da distribuição
da ação.

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5. O monitoramento das demandas de superendividamento no


CEJUSC/SUPER pela SVP e nos juízos cíveis pela Corregedoria, a fim de
averiguar eventual necessidade de medidas administrativas como reforço de
equipes, reformulação de competência, criação de eventual vara especializada
ou implantação do Juízo 4.0. especializado.
6. Acompanhamento da jurisprudência pela CODJU, a fim de
identificar os pontos da lei que geram maior índice de recorribilidade, bem como
a taxa de reversibilidade das decisões judiciais em segundo grau.
7. Facilitar ao juízo a identificação dos administradores judiciais
especializados na elaboração do plano de pagamento, mediante definição do
perfil profissional específico e indicação da especialidade no cadastro mantido
pela Corregedoria.
8. Observar sinalização contida no Processo SEI 20.523/2023, no
sentido de que as Contadorias-Partidorias do TJDFT não são a unidade adequada
para exercer o ofício de administrador previsto no art. 104-B, § 3º, da Lei
8.078/1990, seja pela falta de atribuição legal e normativa, seja pela expertise
exigida para a elaboração do plano de pagamento.
9. Ampla divulgação do atendimento especializado do
CEJUSC/SUPER junto à imprensa local a fim de priorizar a escolha pelo
ingresso das demandas pela via pré-processual.
10. Celebração de termos de cooperação e parceria com órgãos do
Sistema de Justiça, de defesa do consumidor e do sistema financeiro a fim de
promover a educação financeira e a adoção de estratégias autocompositivas nas
demandas envolvendo superendividamento.
11. O encaminhamento da presente nota técnica ao Centro de
Inteligência do Poder Judiciário – CIPJ, para ciência e providências, em atenção
ao art. 2º, inciso VII, da Resolução 349 do CNJ.
12. O encaminhamento da presente nota técnica ao Superior Tribunal
de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, por meio do Núcleo de
Gerenciamento de Precedentes e Ações Coletivas – NUGEPNAC.

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13. A realização de webinar pela Escola de Formação Judiciária


acerca da temática, a fim de incentivar o debate entre os magistrados sobre a
matéria do superendividamento.

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2023.

77
ANEXO I
FLUXO PRÉ-PROCESSUAL (FASE CONCILIATÓRIA OU CONSENSUAL – ART. 104-A DO CDC)

72
ANEXO II
FLUXO PROCESSUAL (FASE CONTENCIOSA – ART. 104-B DO CDC)

72
ANEXO III
MINUTA DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – EMENDA À INICIAL

Trata-se de ação ajuizada sob o fundamento do significativo comprometimento da renda


da parte autora em face das obrigações existentes.

A esse respeito, o ordenamento jurídico vigente atualizou o Código de Defesa do


Consumidor, conferindo procedimento especial de tratamento do superendividamento.

Para tanto, os fatos narrados na inicial indiciam a subsunção no referido texto legal,
oportunizando, primordialmente, a revisão e a repactuação da(s) dívida(s) discriminada(s) na
peça inicial, amparada no art. 104-B, incluído pela Lei 14.181, de 2021.

Nesse sentido, são requisitos da petição inicial do referido art. 104-B:

a) demonstração da tentativa de conciliação prévia, na forma dos arts. 104-A ou


104-C, que poderá ocorrer nesses autos;
b) descrição dos credores das dívidas (com seus e-mails) objeto da repactuação que
não integraram o plano de pagamento voluntário, obtido na fase de conciliação,
com individualização das obrigações a renegociar;
c) proposta preliminar de plano de pagamento e identificação das obrigações que
integram a pretensão de repactuação;
d) descrição da quantia a ser reservada ao mínimo existencial;
e) o valor da causa deverá observar o art. 292 do CPC, considerando o valor da
soma das obrigações questionadas;
f) havendo contrato com desconto em folha ou conta corrente, intermediados por
associação, inserir no polo passivo a instituição financeira, caso o pedido seja de
repactuação, e não de anulação;
g) informe o e-mail da fonte pagadora;
h) o processo de tratamento do superendividamento, contemplado no art. 104-B do
CDC não abrange contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária, visto que
não apresentam identidade com os pressupostos contidos no art. 54-A do CDC.

Ainda, visando à compreensão do contexto social em que inserida a parte


superendividada, e, diante das diretrizes definidas pelo Conselho Nacional de Justiça no que
diz com o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero – Recomendação 128 de
15/2/2021, informe:

a) gênero;
b) idade;

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c) nível de escolaridade: ensino fundamental completo, ensino fundamental


incompleto, ensino médio completo, ensino médio incompleto, ensino superior
completo ou incompleto;
d) possui enfermidade crônica com gastos comprovados?
e) possui dependentes? Quantos?
f) possui registro de violência doméstica e/ou medida protetiva aplicada?

Por essas razões, intime-se a parte autora para emendar a inicial, forte no art. 321,
parágrafo único, do CPC, atendendo, pontuadamente, todos os requisitos acima listados.

Note-se que a identificação dos credores e seus endereços eletrônicos agiliza o


cumprimento das decisões judiciais.

Prazo: quinze dias.

1
ANEXO IV
MINUTA DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – EMENDA À INICIAL

A inicial precisa de emenda.

Com efeito, o tratamento para o superendividamento previsto na Lei 14.181/2021


estabelece os seguintes requisitos para que seja designada audiência conciliatória:

1) apresentação de plano de pagamento: 1.1) com prazo máximo de 5 anos; 1.2) com
as garantias previstas do contrato; 1.3) com a forma de pagamento previstas do contrato;

2) não pode se referir a crédito: 2.1) com garantia real; 2.2) financiamento imobiliário;
2.3) crédito rural.

No caso, XXXX a parte autora apenas apresentou seus contracheques, um extrato das
consignações inespecífico, mas não juntou os contratos firmados nem o extrato de pagamento
de cada um dos contratos.

Assim, para aferição da presença dos requisitos legais, é necessário que a parte
autora emende a inicial para:

a) Juntar todos os contratos firmados – completos – e que pretende sejam incluídos


na ação;
b) Juntar extrato de pagamento de todos os contratos firmados;
c) Apresentar seu contracheque dos últimos 3 meses;
d) Certidão do SPC/SERASA;
e) Apresentar plano de pagamento adequado com prazo para pagamento de no
máximo 5 anos, quais são as garantias de cada contrato e a forma de pagamento.

Sugere-se que seja utilizada uma tabela que contenha, no mínimo, os seguintes itens:

Nome e Valor Valor e Encargos Garantia Forma de Valor total Encargos Valor da
número total do parcelas previstos prevista pagamento da sugeridos parcela
do contrato já pagas no no original proposta para a proposta
contrato do contrato contrato prevista de proposta para
contrato no pagamento de pagamento
contrato pagamento parcelado
(máximo
de 5 anos)

Prazo, 20 (vinte) dias, sob pena de indeferimento da inicial por inépcia e falta dos
pressupostos processuais.

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Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios –
CIJDF

Desembargador Roberval Casemiro Belinati


Primeiro Vice-Presidente do TJDFT e Presidente do CIJDF

Juiz Luis Martius Holanda Bezerra Junior


Juiz Auxiliar da Primeira Vice-Presidência e Supervisor do CIJDF

Juíza Luciana Yuki F. Sorrentino


Coordenadora do CIJDF

Juiz Ângelo Pinheiro Fernandes de Oliveira


Coordenador do CIJDF

Grupo Decisório

Desembargador Roberval Casemiro Belinati


Primeiro Vice-Presidente do TJDFT e Presidente do CIJDF

Juiz Francisco Antonio Alves de Oliveira


Representante da Presidência

Juiz Luis Martius Holanda Bezerra Junior


Juiz Auxiliar da Primeira Vice-Presidência e Supervisor do CIJDF

Juíza Marília Garcia Guedes


Representante da Segunda Vice-Presidência

Juiz Caio Brucoli Sembongi


Representante da Corregedoria

Juíza Luciana Yuki F. Sorrentino


Coordenadora do CIJDF

Juiz Ângelo Pinheiro Fernandes de Oliveira


Coordenador do CIJDF

Grupos Temáticos

Juiz João Ricardo Viana Costa


Coordenador do Grupo Temático de Direito Privado

Juíza Acácia Regina Soares de Sá


Coordenadora do Grupo Temático de Direito Público

Juíza Paula Afoncina Barros Ramalho


Coordenadora do Grupo Temático de Direito Criminal

72
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Primeira Vice-Presidência
Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal
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Equipes Técnicas

Coordenadoria do Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal – COCIJDF


Fernando Goulart de Oliveira Silva
Flávia Nunes de Carvalho Cavichioli Carmona
Felipe Tiago Lira Severiano
Márcia Maria Moraes Muniz

Núcleo de Gestão da Informação do Centro de Inteligência – NUGICI


Philipe Teixeira Campos
Lorenzo Goulart Rodrigues Silva

Unidades de apoio à elaboração da nota técnica

Coordenadoria de Sistemas da Primeira Vice-Presidência– COSISP


Coordenadoria de Sistemas e Estatísticas da Primeira Instância – COSIST
Coordenadoria de Gestão dos Sistemas da Segunda Instância – CGSIS
Coordenadoria de Doutrina e Jurisprudência – CODJU

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