O Trauma Na Infância em Mulheres Com Compulsão Alimentar

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Vivian de Freitas Bandeira

O trauma na infância em mulheres com compulsão alimentar

Mestrado em Psicologia Clínica

São Paulo - SP
2020
Vivian de Freitas Bandeira

O trauma na infância em mulheres com compulsão alimentar

Mestrado em Psicologia Clínica

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em
Psicologia clínica, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Denise
Gimenez Ramos.

São Paulo - SP
2020
BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Profª Drª Denise Gimenez Ramos – PUC-SP

__________________________________________________

Profª Drª Liliana Liviano Wahba – PUC-SP

__________________________________________________

Profª Drª Christina Marcondes Morgan – UNIFESP


O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – Brasil (CNPq) – Código de Financiamento n° 134278/2017-8.

This study was funded in part by Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e


Tecnológico – Brazil (CNPq) – Funding Code 134278/2017-8.
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Rose, por todo o cuidado e carinho dedicado a mim. Seu amor
e companheirismo são excepcionais;

Ao meu pai, Antônio, que desde pequenina me inspirava com suas leituras;

À minha irmã, Luana, que sempre foi referência de organização, dedicação e


persistência nos estudos;

Ao meu namorado e companheiro intelectual, Victor, por todas as trocas


acadêmicas e apoio emocional;

À Profa. Dra. Denise Gimenez Ramos, que com seu brilhantismo orientou
minuciosamente essa pesquisa e, por quem, tenho enorme carinho e gratidão. Tenho
o privilégio de tê-la conhecido e realizado minha dissertação de mestrado e iniciação
científica sob sua orientação;

Às professoras da banca examinadora, Profa. Dra. Liliana Liviano Wahba e


Prof . Dra. Christina Marcondes Morgan, por terem aceitado o convite e pelas valiosas
a

contribuições;

Aos professores da graduação de psicologia e do programa de pós-graduação


em psicologia clínica da PUC-SP, em especial à Profa. Dra. Ivelise Fortim, à Profa.
Dra. Rita de Cassia Ferrer da Rosa, à Profa. Dra. Felícia Rodrigues Rebelo da Silva
Araújo e ao Prof. Dr. Roberto Garcia, que tão amorosamente compartilharam seus
conhecimentos comigo. Também ao Dr. Victor Palomo, por tão generosamente
partilhar seu olhar poético do mundo;

Aos meus colegas do mestrado: Camila Galliez, Alice Figueira, Rubem Pugliesi,
Giancarlo Dedona, Bianca Gresele, Jefferson Pereira, Marisa Catta-Preta e Victor
Lippelt, que tornaram esta experiência mais leve e divertida com nossos cafezinhos.
Agradeço em especial a Cris Lembo pela amizade, a Rebeca Simão, pela revisão
ortográfica e a Jefferson Pereira, pelos cuidados estatísticos com o trabalho;

À minha prima-irmã Lara Delatore e minhas queridas amigas Carol Mihailovici


e Iza Nishioka por entenderem meus momentos de ausência para escrever o
mestrado;

À minha amiga, Lara Herrera, um encontro inesperado que o PROATA e o


estudo dos Transtornos Alimentares felizmente me trouxeram;

À PUC-SP, que transformou minha vida desde a graduação e ao CNPq pela


concessão da bolsa de mestrado e pelo incentivo à pesquisa;

Às participantes que voluntariamente responderam minha pesquisa e tornaram


possível este estudo. Para mim, foi um privilégio ter acesso as suas histórias.
Agradeço imensamente e espero que este estudo possa retribuí-las de alguma forma;
Quando nossa alma está agitada, tudo dentro de nós fala,
menos nossos lábios. As realidades da alma, por não serem
visíveis e palpáveis, não deixam de ser realidades.

Victor Hugo (2012)


RESUMO

BANDEIRA, V. F. O trauma na infância em mulheres com compulsão alimentar.


Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2020.

A pesquisa objetivou investigar as associações entre compulsão alimentar e


trauma na infância em mulheres com compulsão alimentar, compreendendo
seus aspectos psicossociais. As participantes foram mulheres com compulsão
alimentar maiores de 18 anos, que participavam de grupos voltados ao tema
da compulsão alimentar do Facebook brasileiro. Para tanto, foram
disponibilizados nestes grupos um link da plataforma SurveyMonkey com os
seguintes questionários: Ficha Qualitativa Anônima, Escala de Compulsão
Alimentar Periódica (ECAP) e Questionário sobre traumas na infância (QUESI).
Das 1.574 participantes que responderam aos questionários, 604 preencheram
todos os questionários e critérios de inclusão. Os resultados revelaram que
77% da amostra apresentou compulsão alimentar grave e que há uma
correlação positiva entre o nível de compulsão alimentar e o índice de trauma
na infância global, abuso emocional e negligência emocional, respectivamente.
O IMC também apresentou uma correlação significativa e positiva com
compulsão alimentar e trauma na infância global, sendo este último um previsor
maior para um maior nível de compulsão alimentar. O comer foi associado a
múltiplos fatores emocionais, parecendo funcionar como uma estratégia que
visa a apaziguar estados afetivos insuportáveis, assim como uma estratégia de
enfrentamento desadaptada em situações de conflito. Após um episódio de
compulsão as participantes relataram calma, relaxamento e diminuição do
nervosismo e inquietude, embora estados afetivos negativos, especialmente
nojo, vergonha e culpa, tenham aumentado. A interferência negativa da
compulsão alimentar na vida e nas relações sociais foi a correlação mais
significativa estatisticamente desse estudo, indicando os severos prejuízos que
a compulsão alimentar acarreta nas interações sociais. Por fim, o sistema de
autorregulação e autocontrole ficam prejudicados quando há um trauma na
infância, por conta disso o indivíduo apresentaria dificuldade em controlar sua
ingestão alimentar, podendo gerar um episódio de compulsão alimentar. Este
compensaria o sistema de autorregulação que fora danificado, sendo uma
forma de compensar a privação afetiva e de defender o indivíduo das vivências
de abuso e de negligência emocional. Tais dados indicam que o comer estaria
mais associado a um mecanismo de autoproteção, à defesa, à compensação
e à autorregulação que à fome em si.

Palavras-chave: Compulsão alimentar. Trauma infantil. Psicologia analítica.


ABSTRACT

BANDEIRA, V. F. Childhood trauma in women with binge eating disorder.


Dissertation (Master in Clinical Psychology). Pontifical Catholic University of São
Paulo, São Paulo, 2020.

The research aimed to investigate the associations between binge eating


disorder and childhood trauma in women with binge eating, understanding their
psychosocial aspects. The participants were 18-year-old women with binge
eating disorder, who participated in groups focused on the theme of binge eating
on Brazilian Facebook. In order to do it, a link from the SurveyMonkey platform
with the following questionnaires were made available in these groups:
Qualitative Anonymous Form, Binge Eating Scale (ECAP) and Questionnaire
on Childhood Traumas (QUESI). 604 participants completed all questionnaires
and inclusion criteria out of the 1,574 women who were questioned. The results
revealed that 77% of the sample had severe binge eating and that there is a
positive correlation between the level of binge eating and the rate of global
childhood trauma, emotional abuse and emotional neglect, respectively. BMI
also showed a significant and positive correlation with binge eating and trauma
in global childhood, the latter being a greater predictor for a higher level of binge
eating. Eating has been associated with multiple emotional factors, seeming to
work as a strategy that aims to appease unbearable affective states, as well as
a maladaptive coping strategy in conflict scenarios. After a binge eating episode,
the participants reported calmness, relaxation and decreased nervousness and
anxiety, although negative affective states, especially disgust, shame and guilt,
have increased. The negative interference of binge eating in life and social
relationships was the most statistically significant correlation in this study,
indicating the severe damage that binge eating causes in social interactions.
Finally, the system of self-regulation and self-control gets impaired when there
is a trauma in childhood and because of this, the individual would have difficulty
controlling his food intake, which could lead to an episode of binge eating. This
would make up for the self-regulation system that had been damaged, being a
way to compensate for affective deprivation and to defend the individual from
the experiences of abuse and emotional neglect. Such data indicate that eating
would be more associated with a mechanism of self-protection, defense,
compensation and self-regulation than with hunger itself.

Keywords: Binge eating. Childhood trauma. Analytical psychology


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Distribuição das idades e do nível de instrução das pessoas que utilizaram
a internet em 2017 .................................................................................................... 66
Figura 2 - Fluxograma de seleção dos participantes do estudo ............................... 71
Figura 3 - Interpretação do coeficiente de correlação .............................................. 85
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Pontuação subtipos QUESI.................................................................... 63


Quadro 2 – Autorrelato de diagnóstico psiquiátrico ou psicológico das participantes
em qualquer fase da vida .......................................................................................... 78
Quadro 3 - Uso de medicamento ou cirurgia para redução de peso em algum
momento da vida ....................................................................................................... 80
Quadro 4 - Correlação significativas entre compulsão alimentar (ECAP) e trauma na
infância (QUESI) ....................................................................................................... 84
Quadro 5 - Correlações estatisticamente significativas entre IMC, ECAP e QUESI 86
Quadro 6 – Correlações estatisticamente significativas entre abuso emocional
(QUESI) e autorrelato de transtornos de depressão (variável categórica) ............... 88
Quadro 7 - Motivos de comer sem fome .................................................................. 94
Quadro 8 - Formas de lidar com situações de frustração e conflito ......................... 97
Quadro 9 - Impactos da compulsão alimentar na vida do indivíduo......................... 99
Quadro 10 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar
(ECAP - variável contínua) e papel central da comida na vida do indivíduo (variável
categórica)............................................................................................................... 101
Quadro 11 - Centralidade da comida na vida do indivíduo .................................... 102
Quadro 12 - Modo como a insatisfação corporal afeta os episódios de compulsão
................................................................................................................................ 105
Quadro 13 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar
(ECAP - variável contínua), trauma na infância global (QUESI – variável contínua) e
abuso emocional (QUESI – variável contínua) com formas de se machucar fisicamente
(variável categórica) ................................................................................................ 107
Quadro 14 - Formas de se machucar fisicamente ................................................. 107
Quadro 15 - Correlações estatisticamente significativas entre trauma na infância
global (QUESI – variável contínua), abuso emocional (QUESI – variável contínua) com
pensamento/tentativa de suicídio (variável categórica) .......................................... 109
Quadro 16 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar
(ECAP - variável contínua) e compulsão alimentar atrapalha a vida sexual da
participante (variável categórica) ............................................................................ 110
Quadro 17 - Forma como a compulsão alimentar atrapalha a vida sexual ............ 110
Quadro 18 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar
(ECAP - variável contínua) e compulsão alimentar atrapalha a vida e interações
sociais das participantes (variável categórica) ........................................................ 112
Quadro 19 - Modo como a compulsão alimentar atrapalha a vida social............... 113
Quadro 20 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar
(ECAP - variável contínua) e vergonha (variável categórica) ................................. 115
Quadro 21 - Afetos positivos antes e depois de um episódio de compulsão alimentar
................................................................................................................................ 116
Quadro 22 - Variação dos afetos positivos após o episódio de compulsão alimentar
estatisticamente significativa ................................................................................... 117
Quadro 23 - Afetos negativos antes e depois do episódio de compulsão alimentar
................................................................................................................................ 118
Quadro 24 - Variação dos afetos negativos após o episódio de compulsão alimentar
estatisticamente significativa ................................................................................... 119
Quadro 25 - Afirmações sobre autoestima ............................................................. 120
Quadro 26 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar
(ECAP – variável contínua) e trauma infantil (QUESI – variável contínua) com
autoestima (variável categórica) ............................................................................. 121
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Distribuição da idade das participantes .............................................. 71


Tabela 2 - Distribuição do IMC das participantes ................................................ 73
Tabela 3 - Média do IMC das participantes ........................................................... 73
Tabela 4 - Nível de instrução das participantes ................................................... 74
Tabela 5 – Região de habitação das participantes .............................................. 75
Tabela 6 - Renda familiar das participantes ......................................................... 75
Tabela 7 - Estado civil das participantes .............................................................. 76
Tabela 8 - Tratamentos realizados pelas participantes ....................................... 77
Tabela 9 - Classificação da compulsão alimentar (ECAP) das participantes.... 81
Tabela 10 - Média da compulsão alimentar (ECAP) das participantes .............. 82
Tabela 11 - Classificação do trauma na infância (QUESI) nas participantes .... 82
Tabela 12 - Minimização/negação do trauma na infância (QUESI) ..................... 83
Tabela 13 - Média do trauma na infância (QUESI) das participantes ................. 83
Tabela 14 - Resumo do modelo de análise de regressão múltipla entre a variável
dependente compulsão alimentar (ECAP) – e as variáveis explicativas – IMC e
trauma na infância (QUESI) .................................................................................... 86
Tabela 15 - Análise de regressão múltipla entre a variável dependente
compulsão alimentar (ECAP) – e as variáveis explicativas – IMC e trauma na
infância (QUESI) ...................................................................................................... 87
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AN = Anorexia Nervosa

BED = Binge Eating Disorder

BN = Bulimia Nervosa

CCI = Comportamento Compensatório Inapropriado

ECA = Episódio de Compulsão Alimentar

TA = Transtorno Alimentar

TCAP = Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica

TCA = Transtorno de Compulsão Alimentar


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 17

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: TRANSTORNO DE COMPULSÃO


ALIMENTAR ................................................................................................................................... 19
2.1 Uma breve perspectiva histórica dos transtornos alimentares .................... 19
2.2 Os Transtornos Alimentares – diagnóstico e classificação ........................... 21
2.3 Dados epidemiológicos ................................................................................................. 24
2.3.1 Incidência ...................................................................................................................................... 24
2.3.2 Prevalência .................................................................................................................................. 25
2.4 Fatores associados ao Transtorno de Compulsão Alimentar ....................... 25
2.4.1 Características psicológicas ............................................................................................... 26
2.4.2 Histórico ou presença de outros transtornos psiquiátricos ................................. 26
2.4.3 Dinâmica familiar ...................................................................................................................... 27
2.4.4 Aspecto sociocultural .............................................................................................................. 28
2.4.5 Dieta ................................................................................................................................................ 28
2.4.6 Obesidade .................................................................................................................................... 29
2.4.7 Presença de evento traumático na infância ............................................................... 29

3 TRAUMA NA INFÂNCIA............................................................................................. 31

4 O FENÔMENO DA COMPULSÃO ALIMENTAR SOB O ENFOQUE DA


PSICOLOGIA ANALÍTICA ......................................................................................................... 36
4.1 A psicologia analítica e suas possíveis aproximações com a compulsão
alimentar ................................................................................................................................................... 36
4.1.1 Senhorita C. .................................................................................................................................. 36
4.1.2 Caso do paciente com dores gástricas semelhantes à fome............................ 37
4.2 Complexo materno negativo........................................................................................ 41
4.3 Trauma, dissociação e compulsão alimentar ....................................................... 46

5 LEVANTAMENTO DE PESQUISA SOBRE COMPULSÃO ALIMENTAR E


TRAUMA NA INFÂNCIA ............................................................................................................. 53
5.1 Critério de busca e seleção dos trabalhos de pesquisa .................................. 53
5.2 Pesquisas sobre compulsão alimentar e trauma na infância ........................ 53

6 MÉTODO.......................................................................................................................... 60
6.1 Objetivo ................................................................................................................................ 60
6.1.1 Objetivo geral .............................................................................................................................. 60
6.1.2 Objetivos específicos .............................................................................................................. 60
6.2 Caracterização do estudo ............................................................................................. 60
6.3 Participantes ...................................................................................................................... 60
6.3.1 Procedimento para seleção da amostra....................................................................... 60
6.4 Instrumentos ...................................................................................................................... 61
6.4.1 Ficha qualitativa anônima – Apêndice I ........................................................................ 61
6.4.2 Escala de compulsão alimentar periódica (ECAP) – Anexo I ........................... 62
6.4.3 Questionário sobre traumas na infância (QUESI) – Anexo II............................ 62
6.5 Procedimento de coleta de dados ............................................................................. 64
6.6 Local de coleta de dados .............................................................................................. 65
6.6.1 Características da população brasileira que possui acesso à internet ........ 65
6.6.2 Aspectos positivos e limitações do uso da internet como método de coleta
de dados.................................................................................................................................................................... 66
6.7 Procedimento de análise de dados quantitativos............................................... 67
6.8 Procedimento de análise de dados qualitativos ................................................. 68
6.9 Cuidados éticos ................................................................................................................ 69

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................ 70


7.1 Descrição da amostra ..................................................................................................... 70
7.1.1 Cálculo amostral ....................................................................................................................... 70
7.1.2 Seleção dos participantes da amostra .......................................................................... 70
7.1.3 Idade................................................................................................................................................ 71
7.1.4 Gênero............................................................................................................................................ 72
7.1.5 IMC ................................................................................................................................................... 73
7.1.6 Nível de instrução ..................................................................................................................... 74
7.1.7 Região de habitação ............................................................................................................... 75
7.1.8 Renda familiar ............................................................................................................................ 75
7.1.9 Estado civil ................................................................................................................................... 76
7.1.10 Tratamentos realizados ...................................................................................................... 77
7.1.11 Presença de diagnóstico psiquiátrico ou psicológico em qualquer fase da
vida segundo as participantes ....................................................................................................................... 77
7.1.12 Uso de medicamentos psiquiátricos ............................................................................ 79
7.1.13 Uso de cirurgia ou medicamento para redução de peso em algum momento
da vida ........................................................................................................................................................................ 79
7.2 Análise estatística dos questionários ECAP e QUESI ...................................... 81
7.2.1 Compulsão Alimentar ............................................................................................................. 81
7.2.2 Trauma na infância (QUESI) .............................................................................................. 82
7.2.3 Correlação entre compulsão alimentar (ECAP) e trauma na infância
(QUESI) ..................................................................................................................................................................... 84
7.2.4 Correlação entre trauma na infância (QUESI) e compulsão alimentar
(ECAP) com IMC .................................................................................................................................................. 86
7.2.5 Análise de regressão múltipla entre compulsão alimentar (ECAP) com
trauma na infância global (QUESI) e IMC ............................................................................................... 86
7.2.6 Abuso emocional e transtornos de depressão .......................................................... 87
7.3 Análise das perguntas qualitativas........................................................................... 89
7.3.1 Vivência ou experiência marcante que relaciona com compulsão alimentar
........................................................................................................................................................................................ 89
7.3.2 Situações/emoções/pensamentos que motivam o comer .................................. 94
7.3.3 Estratégias de enfrentamento usadas em situações de conflito e frustração
........................................................................................................................................................................................ 96
7.3.4 Impactos da compulsão alimentar na vida do indivíduo ...................................... 98
7.3.5 Centralidade da comida na vida do indivíduo......................................................... 101
7.3.6 Insatisfação corporal e compulsão alimentar ......................................................... 104
7.3.7 Formas de se machucar fisicamente .......................................................................... 106
7.3.8 Efeitos da compulsão alimentar na vida sexual .................................................... 109
7.3.9 Efeito da compulsão alimentar na vida e nas relações sociais ..................... 112
7.3.10 Afetos positivos e negativos antes e depois da compulsão alimentar ... 115
7.3.10.1 Afetos positivos antes e depois da compulsão alimentar ............................ 116
7.3.10.2 Afetos negativos antes e depois da compulsão alimentar .......................... 117
7.3.11 Autoestima .............................................................................................................................. 119

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 122

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 124

APÊNDICE ....................................................................................................................... 140


Apêndice I – Ficha qualitativa anônima ...................................................................... 140
Apêndice II – Postagem Facebook ................................................................................ 146
Apêndice III – TCLE ............................................................................................................. 147

ANEXOS ........................................................................................................................... 148


ANEXO I – Escala de compulsão alimentar periódica........................................... 148
ANEXO II – Questionários sobre traumas infância (QUESI) ............................... 150
ANEXO III – Parecer consubstanciado do CEP ........................................................ 151
17

1 INTRODUÇÃO

O interesse da pesquisadora pelos Transtornos Alimentares (TA) surgiu a partir


do seu primeiro estágio na graduação de psicologia em 2015. Neste estágio
observacional foram desenvolvidas diversas atividades no Núcleo de Atenção aos
Transtornos Alimentares (PROATA) do Departamento de Psiquiatria da Universidade
Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP). Tal estágio assim como a capacitação
em TA realizada em 2018 nesta instituição possibilitaram, para além das supervisões
e discussões de casos na equipe de psicologia e equipe interdisciplinar, a participação
em aulas sobre temas variados que estavam relacionados aos TA.
Os TA são entendidos como perturbações persistentes no comportamento
alimentar. Dentre os seis TA classificados pelo DSM-5, consideramos de maneira
mais extensa o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA), objeto de estudo dessa
pesquisa. Entende-se por TCA episódios de compulsão alimentar recorrentes e
incontroláveis sem que haja comportamento subsequente que tenta compensar a
ingestão alimentar (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
O TCA foi incorporado na classificação do DSM-5 como um TA em 2014,
compondo desde 2002 o apêndice do DSM-IV como indicação para futuras pesquisas.
Em um breve levantamento de artigos no Pubmed dos últimos dez anos realizado pela
pesquisadora em dezembro de 2018, ao digitar a palavra Binge Eating Disorder (TCA),
obteve-se 2.523 resultados, enquanto ao buscar Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia
Nervosa (BN) obteve-se 11.402 e 3.649 resultados, respectivamente.
Observa-se, porém, um número inferior de pesquisas sobre o TCA em relação
aos outros TA, o primeiro é considerado pela American Psychiatric Association (2014)
e pelos pesquisadores Sadock, Sadock e Ruiz (2017) o TA mais comum em ambos
os sexos e, em especial, na população obesa. Por meio de um estudo populacional
com 11.588 participantes na Suécia, Ulfvebrand et al. (2015) observaram que as
mulheres com TCA apresentaram as maiores taxas de comorbidades psiquiátricas
dentre todos os TA, sendo as mais comuns os transtornos depressivos e ansiosos.
Apesar das taxas indicarem que o TCA é o TA mais comum e com maiores
índices de comorbidades, no estudo de Suokas et al. (2013) as taxas de mortalidade
do TCA são inferiores as de BN e as de AN. Devido ao fato da mortalidade ser menor
no TCA, a pesquisadora observou no PROATA (UNIFESP), durante sua capacitação
18

em 2018, que o atendimento para TCA é postergado priorizando-se o atendimento de


urgência para pessoas com AN e BN.
Considerando que o TCA é o TA mais comum e com maior índice de
comorbidades psiquiátricas; que sua classificação como entidade diagnóstica é
recente e que o atendimento desta população em serviços especializados não é
priorizado em razão do baixo risco de mortalidade a curto prazo, se faz indispensável
aumentar o número de estudos sobre esse transtorno e compreender os fatores de
risco ligados a ele (PASSOS; STEFANO; BORGES, 2005; SADOCK; SADOCK; RUIZ,
2017; ULFVEBRAND et al., 2015).
Molendijk et al. (2017), em uma revisão de pesquisa, observaram que o trauma
infantil foi considerado um fator de risco para o desenvolvimento dos TA em diversos
estudos, em uma estimativa de 17% a 46%. No que se refere à compulsão alimentar
e ao trauma infantil, embora em menor escala quando comparado com os outros TA,
diversos estudos observaram esta associação (AFIFI et al., 2017; BAEK et al., 2018;
BECKER; GRILO, 2011; BRAUN et al., 2019; CASLINI et al., 2016; IMPERATORI et
al., 2016; MOLENDIJK et al., 2017; PALMISANO et al., 2018; PALMISANO;
INNAMORATI; VANDERLINDEN, 2016; QUILLIOT et al., 2019).
O trauma na infância é definido por Van der Kolk (2005) como a vivência
múltipla, crônica e prolongada de eventos traumáticos que interferem no
desenvolvimento saudável da criança, tais como, os descritos por Cook et al. (2005):
maus-tratos infantis; abuso emocional, sexual e físico; negligência emocional e física;
testemunhar violência doméstica e perda dos cuidadores.
O trauma na infância em mulheres com compulsão alimentar foi objeto desse
estudo em decorrência dos diversos prejuízos a longo prazo que pode causar. Como
apontam Cook et al. (2005), os efeitos danosos do trauma infantil podem abarcar
diversos domínios: prejuízo na regulação afetiva e comportamental; dificuldade no
âmbito relacional; baixa autoaceitação; alto nível de dissociação e danos nas
estruturas fisiológicas e cognitivas.
Em função desses achados, a presente pesquisa objetiva estudar: 1) a
associação entre trauma na infância e compulsão alimentar em mulheres adultas; 2)
compreender os aspectos psicossociais destas duas variáveis sobre o enfoque da
psicologia analítica. A fim de possibilitar uma compreensão mais ampla sobre o TCA,
o próximo capítulo abordou uma breve perspectiva histórica dos TA, a classificação
diagnóstica do TCA, dados epidemiológicos e fatores associados a esse transtorno.
19

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: TRANSTORNO DE COMPULSÃO


ALIMENTAR

2.1 Uma breve perspectiva histórica dos transtornos alimentares

Em uma perspectiva histórica, a partir da metade do século XX, como apontam


Claudiano e Zanella (2005), houve um crescente aumento do interesse nos TA, o qual
pode ser justificado pelo aumento de ocorrências de novos casos do transtorno, em
especial em mulheres jovens. Entretanto, embora seja considerado um transtorno
moderno, suas raízes remontam aos tempos antigos.
A AN foi o primeiro TA referido na literatura, sendo mencionado em 106-43 A.C.
O termo Anorexia, do grego an ausência e orexis apetite, e Nervosa, para caracterizar
que se trata de uma “doença dos nervos”, visto que não existe uma perda de apetite
objetiva em decorrência de qualquer disfunção gástrica, e sim, uma recusa em se
alimentar por medo de engordar, só foi cunhado em 1873 por William Gull e Charles
Lasegue, passando a ter critérios mais claros de classificação em 1970 (CORDÁS;
CLAUDINO, 2002).
Até a década de setenta, segundo Claudiano e Zanella (2005), a AN era o único
TA conhecido, quando Gerald Russell (1979) inaugurou os primeiros estudos sobre
Bulimia, com o célebre artigo Bulimia nervosa: an ominous variant of anorexia
nervosa. A partir da observação de trinta pacientes que relataram intenso medo de
engordar, episódios em que comiam vorazmente e comportamentos compensatórios
como, por exemplo, vômitos autoinduzidos para controlar o ganho de peso. Bonini et
al. (2018) relata que Russell (1979) distinguiu este grupo de pacientes daquelas com
AN, já que tinham peso normal, comportamentos impulsivos, entre outras
características.
O termo Bulimia deriva do grego bous que significa boi ou grande quantidade
e limos fome, ou seja, o indivíduo estaria com tanta fome que seria capaz de devorar
um boi (CLAUDIANO; ZANELLA, 2005; CORDÁS; CLAUDINO, 2002). Segundo
Cordás (2004), o termo boulimos já era utilizado por Hipócrates a fim de indicar uma
fome voraz, distinta da fome fisiológica.
A American Psychiatric Association (1980) incluiu em 1980 a Bulimia no DSM-
III como TA, mas ainda não era obrigatório, como é no diagnóstico atual, a presença
do comportamento compensatório após o episódio de compulsão alimentar. Em 1987
20

no DSM-III-R, a Bulimia passa a ser denominada Bulimia Nervosa (BN) e o método


compensatório inapropriado de controle de peso passa a ser elemento crucial na
definição do diagnóstico (PALAVRAS et al., 2011).
A partir desse momento, pode-se observar que a AN e BN foram consideradas
entidades diagnósticas distintas e reconhecidas. Aqueles indivíduos, que não se
ajustavam a nenhum desses diagnósticos, foram classificados como Transtornos
Alimentares Atípicos (CORDÁS, 2004; BONINI et al., 2018).
No DSM-III (1980) havia uma sobreposição do que hoje é chamado de TCA
com a BN, isto porque atualmente a Bulimia incluiria ambos os diagnósticos na forma
como são entendidos no DSM-5. Em 1987 no DSM-III-R, os critérios diagnósticos
foram revisitados e discriminados, sendo necessário a presença de um
comportamento compensatório para o diagnóstico de BN, o que excluiria o que hoje
chamamos TCA, em que há apenas a presença do episódio de compulsão alimentar.
Embora o TCA tenha sido incluído só no DSM-IV (1994) como apêndice B dos
Transtornos Alimentares Não Especificados, Stunkard (1959) já tinha observado o
TCA enquanto uma condição clínica na década de cinquenta. Stunkard (1959) ao
estudar um grupo de obesos percebeu que existiam diferentes tipos de obesidade, as
quais foram classificadas em três padrões de alimentação distintos, entre eles estava
o atual Binge Eating Disorder (BED), em português, Transtorno de Compulsão
Alimentar (TCA).
Este subgrupo, semelhante ao atual TCA, apresentava sintomas nessa
sequência: estresse antes; dissociação durante; e autorreprovação após um episódio
de compulsão alimentar. Ademais, a relação entre episódio de compulsão alimentar e
o evento antecedente precipitante não era clara para indivíduo e frequentemente a
compulsão alimentar parecia ter significados simbólicos altamente personalizados
(STUNKARD, 1959).
O TCA foi identificado nos estudos de Stunkard (1959), mas somente na
década de noventa o interesse por este subgrupo, distinto dos obesos e da BN,
cresceu (CLAUDIANO; ZANELLA, 2005). Tendo em vista a impossibilidade de
diagnosticarem estes indivíduos baseados no DSM-III-R (1987), Spitzer et al. (1992,
1993) propõem uma nova categoria de Transtorno Alimentar para o DSM-IV, o
Transtorno da Compulsão Alimentar Periódico (TCAP), além de encorajar novos
estudos na área, visando a promoção de um tratamento mais eficiente para esta
população. No DSM-IV (1994) e DSM-IV-TR (2002), o TCAP é listado como um
21

Transtorno Alimentar Não Especificado (TANE) e incluso no Apêndice B, com


sugestão de futuras pesquisas para critérios diagnósticos.
Em 2014, com a publicação do DSM-5, o Transtorno da Compulsão Alimentar
Periódica (TCAP) passa a se chamar Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA),
sendo integrado na categoria diagnóstica dos TA. Em relação às diferenças nos
critérios diagnósticos do DSM-IV-RT para o DSM-5, observa-se que a frequência e a
duração dos episódios por semana foram modificadas e houve a adição de uma
classificação de severidade para o transtorno, baseada no número de episódios de
compulsão alimentar por semana. Estes aspectos serão descritos no subcapítulo
seguinte.

2.2 Os Transtornos Alimentares – diagnóstico e classificação

A fim de compreender e definir os Transtornos Alimentares (TA), foi utilizado


como referência o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-
5) desenvolvido pela American Psychiatric Association (2014). Entretanto, é
importante destacar que não se pretende usar este material como única visão
possível, nem reduzir a realidade complexa de um indivíduo à determinada
psicopatologia, mas sim utilizar uma entidade diagnóstica definida e clara, visando ao
melhor desenvolvimento da pesquisa.
Os TA são descritos como alterações recorrentes do comportamento alimentar,
com consequente perturbação na alimentação e prejuízo na saúde física ou
funcionamento psicossocial (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
São classificados pela American Psychiatric Association (2014), no DSM-5,
seis diagnósticos de TA: 1) Pica; 2) Transtorno de Ruminação; 3) Transtorno Alimentar
Restritivo/Evitativo; 4) Anorexia Nervosa (AN); 5) Bulimia Nervosa (BN) e 6)
Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA). Além destas, existem outras duas
categorias para sintomas e sinais de TA, as quais não atendem aos critérios
diagnósticos listados acima, mas causam algum sofrimento ao indivíduo, são elas:
Outro Transtorno Alimentar Especificado e Transtorno Alimentar Não Especificado.
O TCA é caracterizado por recorrentes episódios de compulsão alimentar
(ECA), os quais provocam sofrimento significativo no indivíduo. Estes episódios são
constituídos por dois aspectos: sensação de falta de controle e “ingestão, em um
período determinado, de uma quantidade de alimento definitivamente maior do que a
22

maioria dos indivíduos consumiria no mesmo período sob circunstâncias


semelhantes” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 350).
Os episódios de compulsão devem estar relacionados a pelo menos três dos
seguintes aspectos:

1. comer mais rapidamente que o normal; 2. comer até se sentir


desconfortavelmente cheio; 3. comer grandes quantidade de alimento na
ausência da sensação de fome física; 4. comer sozinho por vergonha do
quanto se está comendo e 5. sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido
ou muito culpado em seguida (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014, p 350).

É importante destacar que os ECA não devem estar sistematicamente


associados a um comportamento compensatório inapropriado (CCI) como, por
exemplo, o uso do vômito autoinduzido subsequente ao consumo alimentar. Segundo
o American Psychiatric Association (2014), os ECA funcionariam como estratégias de
enfrentamento a curto prazo para lidar com afetos negativos, peso e forma corporal,
estresse interpessoal, restrições dietéticas e tédio. Entretanto, estes acabam por se
tornar fatores desencadeantes e, a longo prazo, o indivíduo apresenta uma
autoavaliação negativa.
A fim de caracterizar o TCA, os episódios de compulsão alimentar devem
ocorrer, em média, ao menos uma vez por semana no período três meses e podem
adquirir uma qualidade dissociativa durante ou após sua ocorrência. A gravidade do
quadro de TCA baseia-se na frequência do ECA, sendo considerado: 1) Leve: 1 a 3
episódios por semana; 2) Moderado: 4 a 7 episódios; 3) Grave: 8 a 13 episódios; 4)
Extrema: 14 episódios ou mais (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Em relação às comorbidades médicas, indivíduos com TCA – independente do
IMC – comparados com a população geral em uma amostra nos EUA, apresentam
condições físicas crônicas, tais como: dor nas costas, pescoço e cabeça; diabetes e
hipertensão. Obesos com TCA, em comparação com obesos sem TCA, apresentam
maior nível de corticoide, hormônio do estresse e controle cardíaco parassimpático
reduzido em resposta ao estresse (MONTANO; RASGON; HERMAN, 2016).
Embora o transtorno seja sistematicamente relacionado ao sobrepeso e à
obesidade, o TCA e a obesidade são entidades distintas. A obesidade, assim como
distúrbios do sono, diabetes, síndromes metabólicas e doenças gastrointestinais são
outras comorbidades não psiquiátricas que ocorrem com frequência em pacientes
com TCA, como apontam Wilfley, Citrome e Herman (2016) e Udo e Grilo (2019).
23

A obesidade, caracterizada, segundo Sadock, Sadock e Ruiz (2017), pelo


excesso de gordura corporal resultante da maior ingestão de calorias em relação a
sua queima, não é entendida como um TA, por não se tratar de um transtorno mental.
Para a American Psychiatric Association (2014), a obesidade decorre de condições
genéticas; fisiológicas; comportamentais e ambientais.
Embora o IMC, segundo a American Psychiatric Association (2014), não seja
um critério diagnóstico para o TCA, foi observado no estudo de Palmisano et al. (2018)
uma associação positiva entre IMC e severidade da compulsão alimentar.
Sadock, Sadock e Ruiz (2017) observaram uma prevalência de 40% a 60% de
transtornos mentais em obesos que buscam tratamento para perda de peso. Em um
estudo, realizado com a população americana por Montano, Rasgon e Herman (2016),
13% a 27% dos indivíduos obesos que buscaram tratamento para perda de peso
possuíam TCA. Observou-se que o TCA, segundo a American Psychiatric Association
(2014), é mais prevalente entre indivíduos que procuram tratamento para emagrecer
ou que são obesos, quando comparados com a população geral.
Forteza e Miguel (2014) indicaram que as taxas de prevalência do TCA na
população brasileira geral variam de 0,7% até 4%. Entretanto, quando se trata da
população obesa, a prevalência atinge 8%, chegando a 25% em obesos grau II e 50%
em obesos grau III. Estes dados estão de acordo com Sadock, Sadock e Ruiz (2017),
que indicam que 25% dos obesos e 50% a 70% dos obesos graves possuem TCA,
demonstrando que existe uma associação entre obesidade e TCA. Em estudo na
população americana, realizado por Montano, Rasgon e Herman (2016), 36% a 42%
dos indivíduos com diagnóstico ao longo da vida de TCA eram obesos.
Desse modo, o TCA pode estar associado a um maior risco de aumento de
peso e desenvolvimento de obesidade, embora também possam ocorrer em
indivíduos com peso normal. Em uma grande estudo epidemiológico realizado por
Hudson et al. (2007), 19% da amostra possuía peso normal; 35,7% sobrepeso;
29,20% obesidade grau I e II, e 16,20% obesidade grau III, indicando que 81% da
amostra estava com sobrepeso ou obesidade em algum grau.
Além disso, Montano, Rasgon e Herman (2016) destacam que obesos com
TCA e obesos sem TCA diferem em diversos fatores. A American Psychiatric
Association (2014) e Montano, Rasgon e Herman (2016), tendo como referencial a
população norte americana, observaram que obesos com TCA apresentaram: a)
maior consumo de calorias durante um ECA e durante uma refeição regular; b) maior
24

presença de afetos negativos, tais como, culpa e vergonha, após uma refeição; c)
maior consumo de gordura, maior número de refeições no período noturno e maior
ingestão de calorias em situações de estresse; d) maior dificuldade em se lembrar do
que comeram nas últimas 24 horas; e) consumo alimentar mais emocional e baseado
em sinais externos como, por exemplo, visão ou odor de um alimento, que em sinais
internos de saciedade; f) maior propensão a comorbidades psiquiátricas,
especialmente depressão e ansiedade, assim como sintomas mais severos; g) maior
nível de baixa autoestima; h) maior sofrimento subjetivo como, por exemplo, culpa,
raiva e vergonha em relação ao controle da comida; i) maior nível de prejuízos
funcionais e qualidade de vida inferior; j) histórico precoce de obesidade; k) maior
preocupação com o peso e corpo; l) maior engajamento em dietas, assim como maior
dificuldade para emagrecer; por fim, m) frequente flutuação de peso.
No que se refere à população com TCA sem obesidade, isto é, com peso
normal, o estudo de Montano, Rasgon e Herman (2016) comparou indivíduo com TCA
obesos e com peso normal. Os pesquisadores observaram que obesos com TCA,
quando comparados com indivíduos com TCA de peso normal: a) exibem episódios
de compulsão mais longos; b) consomem mais refeições e petiscos ao longo do dia;
c) se exercitam menos; d) pulam menos refeições; e) evitam poucos tipos de
alimentos; f) possuem menos restrições dietéticas; g) apresentam menos
preocupações com o peso.

2.3 Dados epidemiológicos

Abaixo foram descritos dados epidemiológicos, tais como taxa de incidência e


prevalência, a fim de indicar a frequência e distribuição do Transtorno de Compulsão
Alimentar.

2.3.1 Incidência

Embora se perceba em núcleos especializados de atendimento à população


com TA um crescente número de pessoas em busca de tratamento para TCA, não
foram encontrados estudos indicando a taxa de incidência do TCA no Brasil, em
decorrência disso foram selecionados dois estudos internacionais sobre o tema.
25

Stice, Marti e Rohde (2013), por meio de uma amostra de 496 adolescentes
mulheres dos EUA em um período de oito anos, encontraram uma incidência de 343
pessoas com TCA em cada 100.000 pessoas por ano. Em um estudo longitudinal
finlandês com 2.825 participantes mulheres, Mustelin et al. (2015) observaram no
período de quinze anos uma taxa de incidência de 35 pessoas com TCA em cada
100.000 pessoas ao ano.

2.3.2 Prevalência

Um estudo, coordenado por Kessler et al. (2013), baseou-se em entrevistas de


24.124 pessoas em catorze países (Colômbia, Brasil, México, Romênia, Bélgica,
França, Alemanha, Itália, Holanda, Nova Zelândia, Irlanda do Norte, Portugal,
Espanha e Estados Unidos da América). Os pesquisadores avaliaram a prevalência
ao longo da vida e em ao longo de doze meses para TCA, utilizando o instrumento
The World Health Organization (WHO) Composite International Diagnostic Interview
(CIDI). A média do índice de prevalência para a população total avaliada foi,
respectivamente, 1,9% e 0,8%. Em São Paulo-SP (Brasil), observou-se que o índice
de prevalência ao longo da vida foi de 4,7% e em 12 meses foi de 1,8%. A partir destes
dados, observa-se que a prevalência do TCA na população da cidade de São Paulo-
SP (Brasil) está acima da média do índice de prevalência da população total do
estudo. Ademais, a idade média de início do TCA de toda população que participou
deste estudo é 23,3 anos, sendo considerado um início tardio quando comparado com
outros TA (KESSLER et al., 2013).
Segundo a American Psychiatric Association (2014), o TCA é mais prevalente
entre mulheres que homens, sendo considerado o TCA com maior prevalência,
seguido por BN e AN, respectivamente. Entre os homens com TA, Smink, Van Hoeken
e Hoek (2012) apontam que o TCA também é mais comum que a AN, BN e outros TA.
Por fim, a American Psychiatric Association (2014) aponta que as taxas de prevalência
entre mulheres de minorias raciais, étnicas e brancas são semelhantes.

2.4 Fatores associados ao Transtorno de Compulsão Alimentar

A ocorrência do TCA, segundo Morgan e Claudiano (2005) e Morgan, Vecchiatti


e Negrão (2002), é relacionada a interação e associação de diversos fatores, os quais
26

integram uma rede complexa e multifatorial. Abaixo será descrito algumas destas
associações, sem estabelecer uma relação de causa e efeito, mas sim,
exemplificando a coocorrência do TCA com algumas variáveis.

2.4.1 Características psicológicas

Dunkley e Grilo (2007) observaram que pacientes com TCA apresentam alto
nível de autocrítica, supervalorização da forma corporal/peso e baixa autoestima. O
conceito de autocrítica negativa refere-se ao constante engajamento em
autoavaliações ou autojulgamentos negativos, em concordância com este aspecto,
Fairburn et al. (1998) observaram que essas pacientes possuem alto nível de
autoavaliação negativa. Ademais, Dunkley e Grilo (2007) apontam que
frequentemente a autoavaliação e o autovalor desses indivíduos são baseados na
forma corporal e peso.
Já a baixa autoestima, para Dunkley e Grilo (2007), indicaria uma visão
negativa mais global de si mesmo, que incluiria o corpo, mas não se restringiria a este.
Striegel-Moore et al. (2005) e Hilbert et al. (2014) também observaram que indivíduos
com TCA apresentam uma autoestima negativa, assim como maior propensão a
experienciar emoções negativas, tais como, medo, preocupação, tensão, ansiedade
e depressão.

2.4.2 Histórico ou presença de outros transtornos psiquiátricos

Indivíduos com TCA, segundo Ulfvebrand et al. (2015) e Passos, Stefano e


Borges (2005), apresentaram uma associação significativamente alta e positiva com
outras comorbidades psiquiátricas, maior que em outros TA. O estudo epidemiológico
de Hudson et al. (2007), realizado nos EUA com 9.282 participantes, observou que
78,9% dos participantes com TCA preencheram critérios para pelo menos um
diagnóstico psiquiátrico. Guerdjikova et al. (2017), ao realizarem uma leitura dos
dados de Hudson et al. (2007), observaram que quatro, em cada cinco adultos que já
tiveram TCA em algum momento na vida, apresentaram pelo menos uma
comorbidade psiquiátrica. Sendo que as principais comorbidades psiquiátricas
apresentadas foram os transtornos de ansiedade e os transtornos de humor, em
especial os depressivos.
27

Suokas et al. (2013), em um estudo realizado com 2.450 participantes na


Finlândia, e Udo, Bitley e Grilo (2019), em uma pesquisa realizada nos EUA com uma
população de 36.171 participantes, observaram taxas de mortalidade em geral, de
tentativas de suicídio e de mortalidade por suicídio, quando comparados com a
população geral, elevadas em todos os tipos de TA. Estas taxas são especialmente
elevadas na AN e BN e inferiores, quando comparadas a estes dois transtornos, para
o TCA. Segundo os autores, a AN apresenta a maior taxa de mortalidade dentre todos
os TA e transtornos psiquiátricos.
Embora as taxas de mortalidade – geral e por suicídio – e ideação/tentativa de
suicídio sejam inferiores na população com TCA quando comparado aos outros TA,
Brown, Larose e Mezuk (2018), em um estudo epidemiológico nos EUA com 14.497
participantes, observaram que 1/3 dos adultos com TCA pensam em cometer suicídio
e quase 1/5 tentou suicídio. Neste estudo, tanto indivíduos com TCA quanto os que
apresentaram ECA, mas que não preenchiam critérios diagnósticos suficientes para
terem o TCA, foram associados com comportamentos suicidas. Estes resultados
estão em concordância com Conti et al. (2017), que em um levantamento de
pesquisas, observaram uma associação entre TCA e ideação/tentativa de suicídio.
Além dos altos níveis de ideação/tentativa de suicídio na população com TA,
os comportamentos de autolesão também são frequentes e são definidos por Kostro,
Lerman e Attia (2014) como os comportamentos de: puxar cabelo ou pele; morder
unha até sangrar; morder a si próprio; se cortar, queimar, bater e arranhar. Fairburn
et al. (1998) observaram uma correlação positiva entre TCA e comportamentos de
autolesão, também Dohm et al. (2002) constataram que indivíduos com TCA que
tiveram um histórico de abuso sexual ou físico eram mais propensos a engajar-se em
comportamentos de autolesão e uso abusivo de drogas que aquelas com TCA que
não tinham tal histórico. Kostro, Lerman e Attia (2014) também observaram, em uma
revisão narrativa, uma relação entre histórico de compulsão alimentar e alta
prevalência de autolesão.

2.4.3 Dinâmica familiar

No que se refere à dinâmica familiar, Fairburn et al. (1998) e Striegel-Moore et


al. (2005) observaram que os seguintes aspectos foram associados ao TCA: altas
expectativas/demandas parentais; afeto parental mínimo; baixo envolvimento parental
28

ou superproteção; discórdias familiares; pais com transtornos de humor, em especial


depressão, e que abusam de substâncias; por fim, criticismo parental, com destaque
para comentários críticos da família sobre corpo, peso e comer.

2.4.4 Aspecto sociocultural

Ata, Schaefer e Thompson (2015) descrevem que diversos estudos


observaram a influência de fatores socioculturais no TCA. Alguns modelos sugerem
que os ideais de magreza e beleza expostos nas mídias, assim como pressão para
ser magra, avaliação social negativa por parte dos pais e pares sobre a aparência
física ou peso como, por exemplo, a mãe que reclama do seu próprio corpo ou a amiga
que sugere dieta, podem estar associados a um maior nível de insatisfação corporal,
comparações, internalização do ideal social de beleza e TCA (ATA; SCHAEFER;
THOMPSON, 2015).

2.4.5 Dieta

Inúmeros estudos apontam uma associação entre TCA e mulheres que se


engajam frequentemente em dietas a fim de perder peso e de adaptar o corpo a um
modelo socialmente aceito (ATA; SCHAEFER; THOMPSON, 2015; MORGAN;
CLAUDIANO, 2005; MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002).
Ademais, o engajamento em dietas pode desencadear um ciclo de restrição e
compulsão alimentar que ocasionam pensamentos obsessivos e recorrentes sobre o
comer e emagrecer: 1) O indivíduo, influenciado pelos aspectos socioculturais já
descritos, acredita que se sentiria melhor se fosse mais magro; 2) decide fazer uma
dieta; 3) perde peso e, a princípio, se sente bem; 4) vê ou sente vontade de comer
algo fora da dieta como, por exemplo, uma barra de chocolate, e decide comê-la; 5)
sente que estragou a dieta e fica decepcionado consigo mesmo; 6) come
compulsivamente, já que não consegue se controlar e saiu da dieta; 7) sente-se mal
consigo mesmo e acredita que irá se sentir melhor se emagrecer, fazendo que o ciclo
se repita (THE NATIONAL ASSOCIATION OF ANOREXIA NERVOSA AND
ASSOCIATED DISORDERS, [s.d.]).
29

2.4.6 Obesidade

Há uma correlação significativa entre obesidade e TCA, indicando que


frequentemente ambas andam juntas e influenciam-se mutuamente. Isto porque não
só a obesidade é considerada fator de risco para o TCA, como apontam Morgan e
Claudiano (2005) e Morgan, Vecchiatti e Negrão (2002), mas o TCA também pode ser
um fator potencial para o desenvolvimento de obesidade, segundo Guerdjikova et al.
(2017).

2.4.7 Presença de evento traumático na infância

O trauma infantil foi associado, por Morgan e Claudiano (2005), a uma possível
precipitação do TCA. O trauma na infância é definido como um evento ameaçador
para a integridade do indivíduo, o qual desencadearia uma resposta emocional de
medo, desesperança e horror. O indivíduo na tentativa de gerenciar tais afetos se
engajaria no comportamento alimentar compulsivo (MARRAS; VELOSO, 2012;
SCHUPP, 2004).
Em síntese, observa-se que a compulsão alimentar possui uma coocorrência
com diversos fatores. Nos aspectos psicológicos, nota-se baixa autoestima,
autoavaliação negativa, supervalorização do corpo e propensão a experienciar
emoções negativas. No tocante à família, o criticismo, em especial em relação ao
corpo e o pouco afeto/cuidado parental também pareceram estar presentes. No
âmbito do coletivo se discute a influência das mídias e padrão social de beleza na
compulsão alimentar, assim como no engajamento de dietas rígidas que acabam
sendo mais prejudicais para o transtorno.
Observou-se um alto nível de comorbidades psiquiátricas, em especial
depressão e ansiedade, além de não psiquiátricas como, por exemplo, obesidade. A
taxa de mortalidade e tentativa/ideação suicida foram altas em indivíduos com TCA,
quando comparado à população geral, mas não em relação a outros TA . Também foi
observado uma correlação positiva entre TCA e autolesão e, por fim, TCA e trauma
na infância.
Tendo em vista que o trauma na infância seria um fator de risco para o
desenvolvimento da compulsão alimentar e um elemento que agrava o quadro
30

alimentar, foi descrito no capítulo seguinte a definição de trauma infantil e seus efeitos
danosos – no âmbito psicológico e fisiológico – na vida de um indivíduo.
31

3 TRAUMA NA INFÂNCIA

O trauma é definido por Harris (2009) como um evento avassalador que


ameaça a identidade do eu, sendo ainda mais devastador na infância, quando o
complexo do ego está em fase de estruturação. O trauma na infância, que ocorre
durante o desenvolvimento físico e psíquico da criança, foi chamado por Van der Kolk
(2005) de “trauma complexo”. Este descreve a exposição sucessiva da criança a
eventos traumáticos múltiplos, crônicos e prolongados, usualmente tais eventos são
de natureza interpessoal e acabam causando alterações no desenvolvimento
neurobiológico, nas capacidades sensoriais, afetivas e cognitivas da criança (RAMOS;
MATTA, 2018; VAN DER KOLK, 2005). Além da esfera emocional e intelectual, o
trauma infantil pode ter importantes efeitos, segundo Wilkinson (2003), sobre as
capacidades imaginativas do indivíduo e a forma como este compreende o mundo.
O trauma infantil ocorre, segundo Van der Kolk (2015), quando uma pessoa é
sobrecarregada por uma situação além do seu controle, sendo os seus recursos e
sistema de controle, cuidado e significado insuficientes.
O sistema de controle é responsável pelo autocontrole e autorregulação, os
quais ficam prejudicados em decorrência da experiência traumática, ocasionando
rompantes de agressividade e reações irracionais e incontroláveis. Já o sistema de
cuidado é responsável pela capacidade do indivíduo em engajar-se e conectar-se com
o ambiente e com as pessoas à sua volta de maneira ativa. Quando este fica
danificado, o indivíduo pode ora desesperadamente desejar e pedir afeto, ora
apavora-se com a possibilidade da presença de afeto. Por fim, o sistema que
apresenta um significado e sentido para a vida do indivíduo é lesado, levando a uma
perda de sentido no viver (HERMAN, 2015).
A experiência do trauma na infância é tão adversa, que há um congelamento
dos afetos e subsequente perda na capacidade de modulá-los (SHALEV, 1996), por
isso, o trauma na infância pode ser considerado “uma ferida na capacidade de sentir”
(RUSSELL, 1998, p. 24 apud KALSCHED, 2019, p. 2).
Tal experiência esmagadora e insuportável interrompe a narrativa da vida e fica
registrada em forma de: emoções, sons, imagens, pensamentos e sensações físicas.
Estes elementos não se apresentam de maneira coesa, mas sim de forma
desintegrada e desconecta, podendo invadir o indivíduo traumatizado a qualquer
32

momento (flashbacks), fazendo que a experiência traumática seja revivida (VAN DER
KOLK, 2015).
Como resultado disso, o indivíduo traumatizado pode apresentar um discurso
fragmentado; aparentar estar distraído, distante ou desconectado; permanecer em
permanente impressão de perigo; apresentar-se hipervigilante, isto é, preparado para
ser agredido e violado a qualquer momento, por fim, assusta-se facilmente com
acontecimentos corriqueiros (VAN DER KOLK, 2015).
Assim, a experiência do presente fica nebulosa e embotada, enquanto alguns
elementos das memórias fragmentadas e intrusivas do passado traumático são
intensos e vívidos. A pessoa sente-se presa e congelada em um lugar que deseja
desesperadamente sair, a vivência traumática. Entretanto, é importante destacar que
muitos indivíduos traumatizados, devido ao descolamento do afeto e imagem
traumática, não fazem relação entre o elemento intrusivo e o evento traumático (VAN
DER KOLK, 2015).
Quando o indivíduo vivencia um trauma na infância, segundo Bromberg (2001),
a estrutura dissociativa é ativada. A dissociação é definida pela American Psychiatric
Association (2014) como uma cisão ou separação de componentes intrapsíquicos ou
uma desconexão entre uma ideia e uma emoção e, usualmente, se apresenta em
indivíduos que possuem um trauma psíquico. Partes da personalidade do indivíduo
traumatizada ficam dissociadas a fim de restringir e de suprimir determinados
pensamentos insuportáveis. A dissociação causa danos severos na função integrativa
do indivíduo, isto porque ele pode apresentar declínio das funções pessoais e
profissionais, além de consequente atrofia nas capacidades psicológicas que foram
suprimidas. Entretanto, a dissociação protege o traumatizado contra a completa
fragmentação da personalidade e evita o contato com a memória traumática (HARRIS,
2009; VAN DER KOLK, 2015).
Além da dissociação, pode ocorrer a supressão de pensamentos; minimização,
negação; e alteração da percepção e senso de realidade, em que o indivíduo refugia-
se na fantasia, evitando defensivamente o contato com o mundo real. Um exemplo
disso seria a sensação de que o evento traumático não está acontecendo com a
própria pessoa, que observa de fora seu corpo toda a situação ou que tudo não passa
de um sonho (HERMAN, 2015; KALSCHED, 2013a; VAN DER KOLK, 2015). É
comum, segundo Ramos e Matta (2018), o uso de fantasia de onipotência como
proteção para a vivência de rejeição ou humilhação, seja esta real ou temida.
33

Manter estas memórias traumáticas à margem exigem um autocusto, isto


porque o indivíduo organiza sua vida a fim de se proteger de tais invasões. Trata-se
de uma luta cansativa e constante com a finalidade de evitar inconscientemente algum
estímulo que irá desencadear a memória traumática (VAN DER KOLK, 2015).
Tal autor (2005) ressalta que o abuso ou a negligência emocional podem ser
tão devastadoras quanto o abuso físico e sexual. Isto porque usualmente ocorrem de
maneira sistemática por parte dos cuidadores principais das crianças, sendo estes
cuidadores e estas relações primárias que servirão de modelo para a internalização
de características afetivas e cognitivas.
Peres (2009) aponta para que uma situação seja vivenciada como traumática,
devem ser considerados: grau de exposição e intensidade do evento; fatores
socioculturais; características psicológicas; qualidade do apoio social; fatores
biológicos e percepção do indivíduo perante o evento.
O trauma infantil desencadeia efeitos de ordem cognitiva, emocional, física e
interpessoal no indivíduo adulto. No que se refere aos efeitos cognitivos e emocionais,
o indivíduo pode apresentar: pensamentos intrusivos; apatia; irritabilidade;
estreitamento perceptual; ansiedade; alerta permanente; perturbação da memória;
tristeza; culpa e vergonha. Em relação aos efeitos físicos e interpessoais, observa-se
os seguintes: arrepio; fadiga; tontura; transpiração, aumento ou diminuição da
frequência cardíaca; dificuldades sexuais; conflitos em relacionamentos sociais e
isolamento (HERMAN, 2015; PERES, 2009; VAN DER KOLK, 2015).
O trauma, de qualquer ordem, ativa uma série de estruturas fisiológicas no
cérebro: amígdala; hipocampo; córtex pré-frontal e hipotálamo. A amígdala é uma
estrutura ativada em situações de perigo/medo, por meio da resposta de luta, fuga ou
congelamento. Em pessoas traumatizadas esta estrutura está constantemente ativa,
fazendo que o indivíduo permaneça constantemente em um modo de sobrevivência.
O hipocampo é responsável pelo armazenamento e transformação de informação em
memória, por conta disso a vivência traumática dificulta o processo de aprendizagem
e a organização das memórias. O estudo de Bremner (2007) observou que o volume
hipocampal de participantes traumatizados teve uma redução significativa, quando
comparada com o volume hipocampal dos participantes não traumatizados.
O córtex pré-frontal é responsável pelo pensamento complexo, tomada de
decisão e comportamento apropriado. Já o hipotálamo participa do eixo HPA
(hipotálamo-pituitária/hipófise-adrenal), sendo responsável pela liberação de
34

hormônios como o cortisol, hormônio do estresse (VAN DER KOLK, 2015). O estudo
de Rabin (2007) observou que o cortisol pode contribuir para o desenvolvimento de
obesidade.
Além destas quatro estruturas, Van der Kolk (2015) observou uma desativação
da área de Broca, região responsável pela expressão da linguagem. Pode-se
considerar que trauma fica registrado em estruturas pré-verbais, por conta disso é
difícil organizar a experiência traumática em uma história coesa e coerente com
começo, meio e fim. Embora nomear, sentir e identificar as emoções possam ajudar
o indivíduo a voltar a criar uma narrativa para sua vida, isso não é suficiente. O autor
aponta que o indivíduo precisa aprender a tolerar as emoções, sensações e
percepções, sem ser sequestrado por estas.
Como observou-se, o trauma na infância influencia de maneira direta os
estados corporais e, por isso, a autorregulação e reconhecimento desses estados
ficam prejudicadas, pois dependem de uma relação harmoniosa do indivíduo com seu
corpo. Indivíduos traumatizados sentem-se inseguros, desconfortáveis e estranhos
dentro do próprio corpo (VAN DER KOLK, 2015).
O corpo constantemente tem seus sinais de alerta viscerais acionados por
qualquer estímulo, por conta disso o indivíduo não consegue discriminar o que é
seguro, daquilo que é perigoso e prejudicial. A fim de controlar estes processos, ocorre
uma desconexão entre emoções e estados corporais e, consequentemente, uma
cisão com suas necessidades fisiológicas. A própria tentativa de resolução dos sinais
de alerta do corpo, isto é, a desconexão, paradoxalmente acaba por prejudicar ainda
mais o discernimento sobre o que está acontecendo dentro do próprio corpo (VAN
DER KOLK, 2015).
Além do indivíduo traumatizado apresentar dificuldades em discriminar e em
descrever reações fisiológicas, isso também ocorre no âmbito das reações
emocionais. Por conta disso, o indivíduo traumatizado registra as reações emocionais
como físicas, isto é, sentem fome, dor nos músculos, enxaqueca, ataque de asma,
irregularidades no intestino e entre outros sintomas somáticos em vez de sentir-se
triste ou com raiva. O que faz que apresente dificuldade em cuidar de si mesmo e
decidir o que é melhor para si, podendo acarretar diversos tipos de transtornos, sendo
um deles o TCA (VAN DER KOLK, 2015).
Comer de maneira compulsiva, assim como abuso de substâncias,
automutilação, dissociação e engajamento em comportamentos de risco seriam
35

estratégias de enfrentamentos disfuncionais que, segundo Van der Kolk (2015), são
adotadas frequentemente por estes indivíduos para tentar regular esses afetos
esmagadores.
A partir das observações realizadas nesse capítulo acerca do trauma na
infância e suas múltiplas consequências, propõe-se estudar os mecanismos
subjacentes ao funcionamento da compulsão alimentar e suas possíveis relações com
o trauma na infância, a partir do enfoque da psicologia analítica, que será tema do
próximo capítulo.
36

4 O FENÔMENO DA COMPULSÃO ALIMENTAR SOB O ENFOQUE DA


PSICOLOGIA ANALÍTICA

Foi realizado, por meio de uma revisão narrativa, um mapeamento das


produções bibliográficas sobre o fenômeno da compulsão alimentar na perspectiva da
psicologia analítica. A revisão narrativa, como descrita por Rother (2007), tem por
objetivo descrever um tema, sob um determinado enfoque teórico, de maneira ampla.
Na primeira parte deste capítulo foram apresentados dois casos clínicos descritos por
C. G. Jung e possíveis aproximações de tais casos com a compulsão alimentar.
Posteriormente, abordou-se a relação e a implicação do complexo materno
deflagrador de impulsos destrutivos e de afetos negativos no desenvolvimento da
compulsão alimentar. A relação entre o trauma infantil, desregulação afetiva e
fisiológica, dissociação e compulsão alimentar foi discutida, além da função protetora
e defensiva destes dois últimos. Por fim, refletiu-se o sintoma da compulsão alimentar
não só no seu sentido defensivo, mas também no seu aspecto prospectivo, a partir da
compreensão do significado simbólico da doença.

4.1 A psicologia analítica e suas possíveis aproximações com a


compulsão alimentar

Os Transtornos Alimentares (TA), em especial a compulsão alimentar, foram


abordados poucas vezes na obra de C. G. Jung de maneira direta. Em suas produções,
foram encontrados dois casos clínicos em que foi possível traçar aproximações com
um potencial quadro de compulsão alimentar: o caso da Senhorita C. e o caso do
paciente que apresentava dores gástricas nervosas semelhantes à sensação de fome.

4.1.1 Senhorita C.

A Senhorita C. foi o primeiro caso descrito por Jung (1902/2011) em que se


pode caracterizar uma provável compulsão alimentar. Ela faz parte de uma série de
quatro casos clínicos que Jung (1902/2011) utilizou para exemplificar a presença de
uma hipomania crônica, cujos sintomas seriam: excitabilidade e labilidade emocional,
humor irritado, leve fuga da realidade, distração, euforia e verborragia.
37

A paciente descrita por Jung (1902/2011) relatava um uso abusivo de doces,


tendo a possível compulsão alimentar cessado, se sentia impelida a comprar
chocolate toda vez que passava por uma confeitaria, mesmo que não os comesse. A
senhorita C. frequentemente pegava emprestado dinheiro de familiares e se
endividava e, além disso, mudava constantemente de emprego, sendo admitida ao
longo de onze anos em trinta e dois empregos diferentes. Ainda que Jung (1902/2011)
tenha explorado o caso da Senhorita C. a partir de uma perspectiva da hipomania e
não a partir do seu distúrbio alimentar, é possível que o uso abusivo de doces descrito
por Jung (1902/2011) pudesse se tratar de uma compulsão alimentar. Pode-se pensar
que a condição maníaca, característica da Senhorita C., proporcionaria uma
disposição eufórica ao indivíduo que compensaria os estados melancólicos e
depressivos (FREUD, 1915/2010).
É interessante notar que a descrição desse primeiro caso é pouco
psicodinâmica e segue uma linha mais descritiva, objetiva e médica. Pode-se pensar
que isto se deve ao fato do caso ter sido descrito no livro Estudos Psiquiátricos
(1902/2011), isto é, no início da carreira de Jung. Esta primeira análise contrasta com
o segundo caso abordado a seguir, o qual foi descrito no livro A Natureza da Psique
(1927/2013a), momento em que Jung já havia desenvolvido mais extensamente sua
teoria.

4.1.2 Caso do paciente com dores gástricas semelhantes à fome

No segundo caso, Jung (1927/2013a) compreendeu os sintomas das dores


gástricas e da fome como uma ânsia infantil pela mãe. Em um quadro patológico como
este, Jung (1912/2013b) observou que a alimentação, fome e nutrição – associados
ao complexo materno – poderiam ter uma qualidade regressiva ao estado paradisíaco
infantil, assim como o incesto (fixação).
O paraíso pode ser compreendido como a imagem de uma existência
harmoniosa e livre de conflitos, onde há satisfação de todas as necessidades e
preenchimento de todos os desejos de forma harmoniosa. No estado paradisíaco não
há um descompasso entre o mundo externo e interno, este também expressaria a
condição humana primária da experiência unitária, que é a infância (JACOBY, 2006).
Quando o paciente de Jung (1927/2013a) percebeu sua fome e sofrimento
físico como tendo uma raiz psíquica – possível manifestação de um complexo materno
38

– surgiu um sentimento e sensação de anseio por algo desconhecido, que se impôs


de maneira persistente e inexorável. A definição de Jung (1927/2013a, §711) para
anseio – “uma exigência constante, como um vazio interior cruciante, que só pode ser
esquecida uma vez ou outra, mas nunca ser vencida pela força de vontade” – é muito
próxima da vivência relatada por várias pacientes que são acometidas pelo Transtorno
de Compulsão Alimentar. Ressalta-se que uma das pacientes da pesquisadora
descreveu esta vivência como “fome do coração”; já Liberman (1994, p.36)
exemplificou como se fosse um “desejo insaciável por um amor inatingível” e
Woodman (1995) como necessidade de amor.
Ainda sobre o segundo caso clínico e a relação fome, anseio e vazio psíquico,
Wahba (2017) descreveu que na compulsão alimentar, a sensação de vazio
existencial pode ser sanada, apenas temporariamente, pela ingestão excessiva de
alimentos. Entretanto, esta fome, anseio e vazio psíquico permanecem após a
ingestão do alimento, pois como Jung (1927/2013a) observou, estes não poderiam
ser saciados ou preenchidos com alimento, bebida ou regressando ao seio materno,
apenas o alimento espiritual poderia apaziguar a sede e fome da alma. Nesta mesma
perspectiva, Woodman (2002, p. 156) assinalou a necessidade de “reconhecer a
diferença entre a fome de verdade e um vazio agudo” e assim “encontrar alimento
espiritual para uma fome espiritual”.
Jung (1955/2018a, 1961/2018b) ao falar sobre alcoolismo compreende por
espiritua a experiência espiritual ou religiosa mais elevada e propõe a formulação
Spiritum contra Spiritus, indicando que apenas o Spiritum – experiência espiritual
elevada – poderia combater o Spiritus, que em latim significa álcool. Pode-se refletir
se esta formulação sobre dependência pelo álcool também poderia ser aplicada à
compulsão alimentar, indicando que o alimento concreto não poderia apaziguar um
sofrimento de ordem emocional.
A posição regressiva, frente à situação de conflito descrita por Jung
(1927/2013a) como regressão ao seio materno, na perspectiva de Arroyane (1986),
Ribeiro e Palomo (2012) e Silveira-filho (1995), é característica dos comportamentos
de dependência. Para os autores a carência, falta de maturidade e falha no
crescimento e desenvolvimento se encontram no núcleo da problemática do
comportamento dependente. Em decorrência desta estrutura, o indivíduo recua frente
à realidade conflituosa para um estágio paradisíaco infantil.
39

No entanto, no indivíduo com compulsão alimentar a trajetória heroica do


crescimento é retardada ou não ocorre e a pessoa não consegue frear as tendências
regressivas e dependentes do mundo familiar, acabando por ficar fixada no papel de
filha, impossibilitada de crescer e cuidar de si mesma (GALIÁS, 2000; GALIÁS;
SAMPAIO, 2006; MORGAN; MOREIRA; OLIVEIRA, 2013; RAMALHO et al., 2007).
Em concordância com estes autores, Whitmont (2010) aponta que oralidade –
sugar, beber, beijar e comer – aspecto central na compulsão alimentar, representaria
um estágio de dependência, receptividade e necessidade de ser cuidado,
comportamento característico da fase infantil.
É necessário destacar que embora as diferentes compulsões e dependências
apresentem funcionamentos similares, a comida assim como o corpo são os principais
aspectos relacionados à compulsão alimentar. Ambos integram simbolicamente o
mundo relacional do indivíduo – são uma das primeiras formas do indivíduo interagir
com o outro e com o mundo – e são suportes de projeções tanto no pessoal quanto
no coletivo. Esta especificidade faz que a compulsão alimentar seja distinta das outras
compulsões e dependências (PETRUCELLI, 2016).
Sobre os comportamentos de dependência e de compulsão, Jung (1921/2013c)
os associou ao que é arcaico, primitivo, instintivo e aderido ao inconsciente. Outros
fatores também podem ser atribuídos à compulsão como incapacidade de
autodominar-se, indiferenciação, fusão e relação de identidade com o objeto. Como
observado por Jung (1921/2013c, 1946/2013d, 1959/2013e), nesses comportamentos
o objeto da dependência – comida – pode exercer uma influência magnética para além
do domínio consciente da vontade.
Tal influência, em pessoas com compulsão alimentar, apresenta-se em forma
de pensamentos obsessivos sobre comida e comer. As obsessões são definidas por
Hollis (1998) como ideias fixas recorrentes que apoderam-se da consciência de modo
a causar um desequilíbrio na homeostase da psique. Estas ideias causam significativa
carga emocional, gerando grande ansiedade no indivíduo, o qual precisa
urgentemente aliviar a ideia espontânea e tirânica com um comportamento compulsivo
irracional e destrutivo. Este aspecto compulsivo, definido como a sensação de falta de
controle, foi compreendido como um fator central no diagnóstico de um Transtorno de
Compulsão Alimentar (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Com o aumento dos níveis de angústia, como indica Hollis (1998), o indivíduo
vai em busca de uma “conexão”, que momentaneamente sana a dor da ferida
40

primordial, mas perpetua o comportamento compulsivo. Isto porque quando o


conteúdo aflitivo for ativado novamente o indivíduo irá recorrer a este comportamento.
É como se os sentimentos de solidão e de vazio fossem brevemente substituídos pelo
estado paradisíaco de fusão com um Outro, entretanto, em pouco tempo, a solidão
retorna e o sentimento de vazio se tornam mais excruciantes que antes. Isto porque,
como aponta Jacoby (2006), a busca pelo preenchimento proporcionado pelo estado
paradisíaco e a unidade total geralmente acaba em desapontamento, pois não é
possível viver em harmonia total visto que um certo nível de conflito e frustração é
necessário e inevitável.
Para Silveira-filho (1995) frente a uma situação conflituosa e a impossibilidade
de lidar com tal conflito, há um deslocamento do objeto da dependência – comida –
para o primeiro plano da vida do indivíduo. Progressivamente a comida passa cada
vez mais a ocupar lugares de sua existência, a qual é esvaziada de outros conteúdos.
A comida adquire uma centralidade na organização da vida do indivíduo, o que, por
sua vez, faz que o objeto da dependência passe a ser indispensável para seu
funcionamento. Por mais torturante que possa ser, a obsessão pela comida, o
descontrole alimentar recorrente e a tentativa de autocontrole fornecem uma razão e
sentido na vida da pessoa com compulsão alimentar.
Por conta disso, a compulsão alimentar gera um estreitamento na vida do
indivíduo, o qual passa a existir apenas em função da comida. Nas palavras de
Woodman (2002, p. 17) “as compulsões estreitam a vida até não restar mais o que
viver”, somente existir. Segundo Bromberg (2001), existiria uma guerra interna entre
o desejo pela comida e a necessidade de autocontrole, não só em relação a comida,
mas como uma tentativa de controlar a própria vida. Este conflito passa a consumir o
seu portador de determinada forma que “não há espaço para pensar, explorar e
imaginar [...] que são os sintomas da guerra interna que está acontecendo” (AUSTIN,
2005, p 178).
O estreitamento da vida, decorrente do comportamento compulsivo e da
obsessão pela comida seriam uma estratégia defensiva, que protegeria o indivíduo
das angústias e ansiedades, necessárias ao crescimento (HOLLIS, 1998), e “do seu
confronto consciente com os opostos – confronto que é o único caminho para a
totalidade pela qual ela anseia” (WOODMAN, 1995, p. 110). É preciso, segundo Hollis
(1998), retomar o questionamento Que tarefa o indivíduo está evitando com sua
neurose ? e, ainda, De quais afetos ele está se defendendo ?.
41

Na tentativa de obter controle, diversas pacientes engajam-se nas mais


diversas dietas, que para elas quando mais rígidas, restritivas e de resultados mais
imediatos, melhor. Entretanto, em poucos dias, em geral, as dietas falham e a atitude
consciente rígida de controle – dieta restritiva – é compensada pelo comportamento
compulsivo, em um processo de enantiodromia definido por Jung (1921/2013c) como
a conversão para o oposto inconsciente. Em uma estratégia defensiva de controle,
esses indivíduos acreditam que o emagrecimento ou controle rígido da ingestão do
alimento é a única saída possível, o que acaba por acentuar ainda mais a
obsessividade pela comida (LIBERMAN, 1994; HOLLIS, 1998).
Entretanto, Dan (1991), a partir de uma análise do programa de Alcoólicos
Anônimos, aponta que a saída para compulsão ou dependência não está no
investimento de mais energia na obtenção de poder e controle, isto é, na busca por
mais um tipo de dieta milagrosa, mas sim no reconhecimento da impotência perante
álcool/comida, que paradoxalmente pode libertar o indivíduo do circulatio compulsivo
e aprisionador da dependência.
Por fim, como observou-se, o primeiro caso descrito acima – Senhorita C. – foi
associado com uma hipomania crônica e, o segundo caso, paciente com dores
gástricas nervosas, a um complexo materno desencadeador de afetos e impulsos
negativos em relação a si mesmo. Ainda que C. G. Jung não tenha se dedicado ao
tema dos TA e da compulsão alimentar, houve alguns pós-junguianos que se
debruçaram com maior profundidade sobre o tema e que serão abordados de maneira
mais extensa ao longo desse capítulo.

4.2 Complexo materno negativo

Marion Woodman (1995; 2002) compreendeu que os TA e a obesidade


acontecem nas mulheres em decorrência principalmente de três aspectos: 1)
desconexão da mulher com o próprio corpo, o qual é considerado supostamente
fracassado, um inimigo vingativo e um obstáculo a ser vencido; 2) predominância da
cultura patriarcal ocidental, isto é, foco na demanda de perfeição, de execução de
metas; de disciplina; de eficiência; de controle e racionalidade e 3) complexo materno
excessivamente julgador ou protetor, que é constelado no episódio de compulsão
alimentar.
42

Do ponto de vista simbólico-arquetípico junguiano, as autoras Galiás e


Sampaio (2006), ao realizarem uma leitura dos TA, também compreendem o
complexo materno, cujas características definem como nutrição, fertilidade e
sexualidade, como um aspecto central neste transtorno. Para as autoras, um
comprometimento na estruturação do complexo materno acarretaria dificuldades no
pedir/receber/aceitar cuidado, carinho, proteção e amparo, tanto do outro, quanto em
relação a si mesma.
Nos TA, para Galiás e Sampaio (2006), tais complexos estariam estruturados
na consciência de maneira hipotrófica ou hipertrófica, pouco ou exageradamente
ativos, respectivamente. Isto significaria que houve uma fixação em um dos polos do
complexo, o que desencadearia um impasse no desenvolvimento desses indivíduos.
Na estruturação do complexo materno na consciência, as autoras observam
dois papeis: Fm – papel de filho/a, polo passivo – e M – papel da Mãe, polo ativo. O
papel de Fm vai sendo estruturado na consciência a partir da experiência com um
Outro que desempenha as funções maternas, papel de M. (GALIÁS; SAMPAIO,
2006). É importante pontuar, como destacado por Morgan, Moreira e Oliveira (2013),
que as funções materna e paterna podem ser desempenhadas não só pela mãe ou
pai pessoal, mas também por algum representante desta figura.
No caso da compulsão alimentar, seguindo o modelo de Galiás (2000), o
complexo materno teria uma estruturação hipertrófica. Isto significaria que a função
de nutrir, associada ao complexo materno, estaria extremamente atuante e, por isso,
o indivíduo se alimentaria de maneira excessiva e compulsiva. Pode-se refletir se esta
busca desesperada pelo alimento nutridor seria uma tentativa de compensar a mãe,
real ou imaginária, que não nutre. Sendo assim, a hipertrofia do alimento na vida
desse indivíduo seria uma forma de satisfazer, segundo Seligman (1989), a privação
de afeto, carinho e amor e camuflar seus conflitos emocionais e interpessoais.
Galiás (2000) aponta que indivíduos com estruturação hipertrófica do complexo
materno apresentam medo da rejeição, necessidade de atender as expectativas
alheias, carência e dependência, assim como, hipersensibilidade, insatisfação,
voracidade e sentimentos de que a vida e o mundo lhe devem algo.
A estruturação hipertrófica do complexo materno, descrita por Galiás e
Sampaio (2006), assim como a constelação do complexo materno negativo,
observada por Woodman (2002), poderiam ser oriundas de vivências traumáticas ou
dolorosas com as figuras parentais. Estas experiências poderiam desencadear,
43

segundo Wahba (2017), sentimentos de insegurança, desamparo e fome e, na


tentativa de gerenciar tais sentimentos de abandono, rejeição, ansiedade, medo e
solidão, característicos da presença da imagem da mãe terrível devoradora ou
rejeitadora, o indivíduo pode ir em busca do alimento, o qual representaria a figura da
mãe nutridora.
Assim, a comida para o grupo de indivíduos com compulsão alimentar teria um
efeito ambivalente, pois ao mesmo tempo em que poderia prover o acolhimento da
figura materna nutridora e ajudar a apaziguar sentimentos desconfortáveis, também
constelaria um complexo materno terrível devorador/rejeitador, que desencadearia
sentimentos negativos como, por exemplo, culpa, auto-ódio, nojo e vergonha (WAHBA,
2002).

A busca por comida é sempre a busca pela mãe positiva, que acaba por se
transformar em mãe negativa, quando a segurança, proteção e amor que a
comida deveria proporcionar se transforma em culpa, ódio e vergonha
(WOODMAN, 2002, p. 49).

Hollis (1998) associou o sentimento de culpa, que pode ser observado no


trecho acima e que é frequentemente sentido após um episódio de compulsão
alimentar, a uma defesa contra uma angústia maior e a experiência de ansiedade.
Wahba (2017) relacionou o sentimento de culpa desses indivíduos à culpa primordial
caracterizada por Neumann (1995). Tal culpa, em indivíduos com TA, conforme
descrito pela autora (2017), pode ser acionada em decorrência do complexo materno
devorador/rejeitador e da autocrítica excessiva.
O sentimento primário de culpa foi vinculado por Neumann (1995) a uma
relação primal mãe-bebê perturbada, a qual ocorre em uma fase precoce, pré-egoíca.
Em função disso, tudo que ocorre com este indivíduo é vivenciado como culpa e, nesta
lógica, se o indivíduo não é amado, é por culpa dele. A vivência desta relação primal
perturbada resulta em: afetividade aumentada; agressividade intensa e não integrada;
atitudes egocêntricas, narcisistas, antissociais e um ego desadaptado e ansioso.
Wahba (2017) ao relacionar a compulsão alimentar, assim como outros TA, à
ferida narcísica descrita por Neumann (1995), aponta características semelhantes
entre as patologias. A ferida estrutural, narcísica ou matriarcal, decorrente da relação
primal perturbada descrita por Neumann (1995), pode influenciar negativamente a
formação da autoestima e motivar sentimentos ambivalentes em relação ao outro: ora
44

isolamento, como estratégia defensiva para lidar com os sentimentos de rejeição, ora
demanda extrema de atenção, que visaria suprimir estes sentimentos. Wahba (2017)
também se refere a algumas estratégias defensivas, descritas por Schmitt (2006),
como forma de lidar com a rejeição e a vergonha: retirada, evitação, ataque a si próprio
e ao outro.
A retirada e a evitação fazem que o indivíduo com compulsão alimentar se isole
do convívio social. A fim de compensar a sensação de privação afetiva, abandono e
rejeição, a comida – “companheira fiel e leal” (informação verbal)1– representaria um
recurso familiar, que não irá abandoná-lo ou rejeitá-lo. Por se tratar de algo controlável
e palpável, não há surpresa nem frustração. Sendo assim, o relacionamento passa a
ocorrer primordialmente com a comida, com pouco espaço para o contato com o outro
(GADOTTI; BORGES; SAMPAIO, 2017; WAHBA, 2002, 2017).
Os dois mecanismos defensivos supracitados, associados à culpa e à
vergonha, podem fazer que o episódio compulsivo ocorra de maneira ilícita e privada.
Para Borges (2011) se, de um lado, o alimento é legal, lícito, de outro, o modo e/ou a
quantidade de alimento ingerido o torna ilícito, justificando o ato de comer em segredo.
Segundo Gadotti, Borges e Sampaio (2017), o ato de comer, em geral, é entendido
como pecaminoso, transgressor e sombrio e, por isso, deve ser realizado de maneira
clandestina.

Essa ânsia de fazer o que é proibido em geral vem de um relacionamento


praticamente vitalício com a mãe negativa que está constantemente julgando.
Assim, se “eu” estou fazendo o que quero, é errado e, portanto, devo fazê-lo
rápido e sorrateiramente para ser possível desfrutar sem condenações esse
prazer (WOODMAN, 2002, p. 42).

Wahba (2017) descreveu que além da culpa e da vergonha, que podem ser
associadas a um baixo senso de autoestima, há presença de insegurança e de
depressão. Na depressão, Liberman (1994) e Austin (2005) descrevem que a comida
desempenharia a função de equilibrar o organismo deprimido, pois proporciona uma
dose de prazer imediato que preenche o tédio e injeta ânimo.
Sendo assim, o comer seria uma forma de autogratificação, prazer, conforto,
excitabilidade imediata e alívio para um sofrimento interior, supostamente
compensando a estrutura egóica desadaptada. Entretanto, foi observado por

1
Expressão utilizada popularmente
45

Woodman (1995) que o comer também poderia ser uma forma de punir o corpo e a si
mesmo. É neste ponto que se observa o aspecto paradoxal sagrado-profano da
comida/comer, pois ao mesmo tempo que protege, também pune.
Como observado por Woodman (2002), os indivíduos com compulsão
alimentar não possuem um ego adaptado, estruturado e discriminado o suficiente para
controlar e refrear o comer compulsivo. Além disso, Liberman (1994) pontua que o
indivíduo com compulsão alimentar não consegue confrontar seus afetos negativos
como ódio e raiva, seja por não ter aprendido a expressá-los, seja porque a expressão
destas emoções geraria sentimentos de culpa.
Assim como a raiva e o ódio, também são reprimidos ou comprometidos a
inveja, o desejo, o prazer e a sexualidade (WOODMAN, 1995; GRYNICK, 2016).
Como aponta Hollis (1998), aquilo que o indivíduo não consegue tolerar de maneira
consciente será projetado em uma pessoa, uma substância ou um comportamento.
Por conta disso, essas emoções inconscientes e energias agressivas e violentas
reprimidas se orientam para o indivíduo em forma de auto-ódio, comportamento
autodestrutivo, autopunição e não enfrentamento heroico do mundo adulto, o que
poderia culminar em um episódio de compulsão alimentar (AUSTIN, 2005; WAHBA,
2002).
Situações de frustração, estresse, cansaço, irritação e sono também são,
segundo Liberman (1994), potenciais desencadeadores de um episódio de compulsão
alimentar, isto porque são confundidas com vontade de comer ou fome fisiológica. A
desconexão com o próprio corpo faz que o indivíduo tenha dificuldade em
compreender suas próprias necessidades fisiológicas como, por exemplo, a
saciedade.
A sigla FISC (Fome, Irritação, Sono e Cansaço) do grupo de Comedores
Compulsivos Anônimos (CCA) é utilizada para alertá-los dos gatilhos
desencadeadores da compulsão alimentar e está em concordância com o descrito por
Liberman (1994). Por fim, como aponta Woodman (1995), a comida para estes
indivíduos parece ter se tornando um modo de canalizar todo e qualquer tipo de
emoção ou sensação.
46

4.3 Trauma, dissociação e compulsão alimentar

O trauma na infância trata-se de uma experiência que exige uma maior


disponibilidade de recursos do que o ego possui naquele momento, em especial na
infância, em que a psique e/ou cérebro não estão suficientemente equipados com os
recursos necessários para metabolizar, entender e pensar sobre o choque e o
estilhaçar que a experiência traumática pode causar na unidade psique-corpo. Isto faz
que o processo normal de desenvolvimento da criança assim como o relacionamento
entre mundo interno e externo; afeto e pensamento/imagem; mente e corpo e presente
e passado sejam interrompidos ou comprometidos (KALSCHED, 2013b).
A fim de evitar a completa fragmentação ou aniquilação da personalidade,
Kalsched (2013a) relata que a psique recorre à dissociação, que compartimentalizada
a experiência traumática em diferentes partes da psique-soma para que o indivíduo
não precise vivenciar o evento aterrorizante como um todo significativo. As
experiências fragmentadas do trauma infantil – sensações, estados emocionais,
imagens e pensamentos – são registrados no corpo ou em memórias implícitas,
definidas por Knox (2001) como padrões inconscientes de atitudes, comportamentos
e expectativas.
Bromberg (2001) e Feldman (2004) estabelecem alguns paralelos entre o
momento do episódio de compulsão alimentar com o fenômeno da dissociação, isto
porque a compulsão alimentar ocorre geralmente em um estado alterado de
consciência, em que há um controle mínimo do ego, isto é, um episódio dissociativo.
Em um episódio de compulsão alimentar o indivíduo entra em um modo
dissociativo de não-eu, experimentando um tipo de estado de transe e um
estreitamento temporário da consciência que evita parcialmente o contato com os
afetos negativos. Os centros de não-eu, seriam alteridades interiores ou
conglomerados de impressões egodistônicas, que são sentidos como estranhos ao
ego, mas sendo, ao mesmo tempo, pertencentes à psique (AUSTIN, 2009, 2013;
BROMBERG, 2001).
A dissociação traumática divide o mundo interior, segundo Kalsched (2013a),
em objeto interno regredido – representado usualmente por uma criança – e
progredido – simbolizado por uma figura sádica que ataca e persegue a criança ou
um anjo divino que a protege. A figura do anjo forneceria uma segurança a parte
vulnerável da personalidade – representada pela criança – que um Outro externo não
47

lhe proporcionou, enquanto a figura sádica – identificada como o agressor – ataca e


mina a esperança dessa parte vulnerável. Estas figuras internas compõem o que o
autor (2013a) chamou de sistema de autocuidado.
Em concordância com tal sistema, Feldman (2004) utiliza o conceito de pele
psíquica, definida como aquela que fornece contenção e contorno as experiências
internas e externas de um indivíduo, além de possibilitar que estas sejam integradas
de forma coesa na psique-soma. A função da pele psíquica primária – desenvolvida
na infância e a partir das interações entre criança e cuidadores primários – seria conter
os estados afetivos internos e delimitar um espaço interno seguro e protegido, sem
que este bloqueie a comunicação entre mundo interno e externo.
Quando esta função não é desenvolvida adequadamente, em decorrência da
experiência de abuso e negligência infantil, o indivíduo precisaria desenvolver uma
segunda pele que funcionaria como uma defesa ou barreira protetora contra certos
afetos emocionais e experiências de insegurança, fragilidade e dificuldade (FELDMAN
2004). Nesta perspectiva, como aponta Silveira-filho (1995, p. 7), a dependência –
compulsão alimentar – seria “uma questão de sobrevivência”, pois é o único recurso
que o indivíduo dispõe naquele momento para propiciar um certo grau de conforto em
meio ao desconforto advindo do trauma infantil.
Para Feldman (2004), a compulsão alimentar seria esta segunda pele que, ao
mesmo tempo que protege, também enclausura a personalidade na fantasia, a qual
isola o indivíduo do mundo exterior. Por conta deste mecanismo de defesa, o indivíduo
fica impedido de se desenvolver psicologicamente e integrar determinadas partes da
personalidade que foram apartadas da consciência. Logo, como apontou Bromberg
(2001), o comer estaria mais associado a um dispendioso sistema de autoproteção
que a fome em si. Assim,

comer é ao mesmo tempo conforto e autodestruição. Às vezes a comida me


faz sentir que a vida não é terrível. Outras vezes, como demais somente para
levantar uma parede de carne entre mim e os outros seres. Não quero ser
um ente sexual, corporal. Quero ser um zero, uma bolha, e esquecer o mundo
[...] é estar numa condição de doce letargia (WOODMAN, 1995, p. 89).

A partir da metáfora do conto de fadas João e Maria, foram realizados alguns


paralelos entre trauma precoce, complexo materno desencadeador de emoções
negativas sobre si mesmo e compulsão alimentar. Wieland-Burston (1996), ao realizar
uma análise do conto, relata a vivência de negligência, abandono e solidão sofrida
48

pelos irmãos João e Maria. O ambiente familiar, que supostamente deveria prover
segurança e conforto, é instável e os coloca em situação de risco: fome e ameaça
oriunda da floresta. A experiência de serem rejeitados pela mãe, negligenciados pelo
pai e de se perceberem perdidos no bosque é traumática. O mundo real torna-se
hostil, instável e amedrontador, por não saberem como lidar com esse mundo são
atraídos pelo que falta – mundo doce das fantasias – simbolizado pela casa da bruxa.
Esta promete cuidado ao oferecer comida, quando seu objetivo principal era engordá-
los para devorá-los.
O complexo materno negativo foi representado, na análise de Wieland-Burston
(1996) do conto supracitado, pela figura da mãe rejeitadora de João e Maria, a qual
propõe ao pai que os abandone na floresta, figura paterna omissa e pela figura da
bruxa devoradora, que os engordava para poder comê-los, ou seja, o complexo
materno e o arquétipo da bruxa estariam alinhados na polaridade negativa. A falta de
um complexo materno positivo nesse conto, o qual possa desempenhar um papel
mediador, faz que os personagens fiquem à deriva de seus próprios estados
fisiológicos e afetivos. Bromberg (2001) propõe que a compulsão alimentar é uma
tentativa prolongada de controle da desregulação afetiva oriunda do trauma infantil.
A emergência do complexo materno negativo é representada na possibilidade
de João e Maria serem comidos e destruídos pela figura da bruxa. Entretanto, Maria
elabora um plano de ação para enganar a bruxa devoradora, o qual possibilitou que a
matassem e escapassem da situação de aprisionamento. Assim, despotencializando,
segundo Wieland-Burston (1996), o complexo materno negativo.
Dan (1991) discorre sobre o aspecto dúbio do ingerir ou não os doces contidos
na casa da bruxa. Não comer os doces representaria morrer de fome e comê-los
significaria o aprisionamento e, subsequente, possível aniquilamento. Ainda sobre
este aspecto dual, pode-se pensar que a compulsão alimentar e a comida possuem
um aspecto destrutivo e protetor, por um lado, ameaça aniquilar o indivíduo, por outro,
protege o indivíduo de afetos, pensamentos e sensações inconscientes insuportáveis.
Rejeitar o afeto/alimento da figura materna, ainda que este afeto seja negativo,
significaria a morte; aceitar a mãe protetora/devoradora significaria o aprisionamento
(GRYNICK, 2016; KALSCHED, 2013a).
Além do conto de João e Maria, também pode-se utilizar como exemplo o caso
clínico descrito por Austin (2013). Durante o processo de análise de Jenny, a autora
(2013) tentou compreender: o que Jenny estava expressando por meio da sua
49

compulsão alimentar que precisava ser integrado à sua consciência. A partir da


técnica junguiana de personificação de elementos interiores, Jenny personificou
elementos e dinâmicas agressivas internas na fantasia de um duende maléfico, o qual
poderia simbolizar um aspecto seu autodestrutivo e de auto-ódio ou um objeto
internalizado que a atacava e a odiava.
A emergência dessas energias agressivas – ataque do duende maléfico – e
sua relação com uma situação desencadeadora externa nem sempre é clara,
entretanto, a autora relata um episódio em que o chefe de Jenny não lhe pagou
corretamente e ela, em vez de confrontá-lo, reprimiu sua raiva, já que este afeto era
completamente incompatível com a imagem de boa menina que queria manter
(AUSTIN, 2013).
A partir de então, o duende maléfico começava a atacá-la e Jenny passava a
se responsabilizar e culpar-se pelo comportamento do chefe, o que culminava em um
episódio de compulsão alimentar. A compulsão parecia ser um espaço em que a
expressão destas energias brutas e agressivas, incompatíveis com a consciência, era
possível (AUSTIN, 2013).
Para Kalsched (2013a), a raiva em indivíduos que foram sistematicamente
traumatizados não poderia ser expressa contra os abusadores e, por isso, voltavam-
se para si mesmo em direção à parte vulnerável da personalidade, que nesse caso é
a figura da boa menina que Jenny tentava manter. A partir do modelo de Kalsched
(2013a), pode-se observar o funcionamento do sistema de autocuidado: a parte
progredida persecutória da psique – simbolizada no duende maléfico – atacava a parte
regredida e vulnerável – representada pela necessidade de se manter uma boa
menina.
Jenny, ao personificar suas energias agressivas e figura interna sádica em um
duende maléfico, abriu espaço para entrar em contato com sua agressividade, a qual
anteriormente só podia ser expressa por meio da compulsão alimentar. Gradualmente
Jenny passou a se aproximar de partes de sua personalidade que precisavam ser
exploradas e integradas à consciência, isto é, a expressão adequada da agressividade
se tornou tolerável (AUSTIN, 2013).
Isto possibilitaria a ampliação da consciência e o desenvolvimento de uma
personalidade mais coesa. Sendo assim, apesar da figura da fantasia de Jenny
possuir um aspecto destrutivo, tal figura também poderia conter o gérmen para um
potencial crescimento psicológico (AUSTIN, 2013).
50

A partir da perspectiva da psicologia analítica, os sintomas – compulsão


alimentar – são manifestações simbólicas que apontam para o conteúdo inconsciente
que precisa ser compreendido e integrado à consciência, para que assim haja uma
melhora da doença (RAMOS, 2005, 2014).
O indivíduo simbolizaria inconscientemente no corpo o conflito psicológico, em
especial, como aponta Harris (2009), quando se trata de uma experiência traumática.
Pelo fato do evento traumático ativar conflitos inconscientes e estruturas pré-verbais,
tal evento seria registrado no corpo e nas memórias implícitas (RAMOS, 2014).
Sendo assim, o sintoma poderia ser um símbolo não-verbal e deveria ter seu
significado e finalidade simbólicos transduzidos para o plano verbal e abstrato para a
melhora da doença. A transdução, conceito amplamente desenvolvido por Ramos
(2005, 2014), significa a conversão ou tradução de uma informação de um sistema
para a outro sistema informativo.
Para Ramos (2005), quando o indivíduo não consegue transduzir um conflito
em uma representação simbólica abstrata – fantasias, imaginação, sonhos, fala – a
simbolização ocorreria de maneira mais regressiva e primitiva – polaridade somática.
Como aponta Wahba (2017), a regressão e/ou fixação a um estágio anterior – fase
oral – pode ser um possível indicador de TA, neste caso, a compulsão alimentar.
O potencial construtivo da doença, a compreensão do seu sentido e a melhora
do quadro alimentar poderá ocorrer quando houver a transdução da polaridade
somática do sintoma, para a polaridade psíquica e verbal, consciente (RAMOS, 2005,
2014). Se o sentido simbólico da doença/sintoma não for integrado pela consciência
de maneira criativa, seu aspecto destrutivo poderá ser constelado, como ocorre ao
final de um episódio de compulsão alimentar em que o indivíduo sente muita
vergonha, tristeza e culpa. Uma paciente de Feldman (2004, p. 301, tradução nossa)
descreve como se sente nesses momentos e como foi vencida pela atuação do
complexo: "Eu escapei do sentimento de dureza com a compulsão alimentar, e depois
de uma compulsão alimentar me sinto morta e esgotada".

Um modo de aproximação é ouvir o que a doença está comunicando


enquanto, ao mesmo tempo, se recusar a fazer uma aliança como a crença
da analisando que sua doença é a única resposta possível para seus
sentimentos desesperados, e o único meio possível para comunicar este
desespero (AUSTIN, 2005, p.178, tradução nossa).
51

Em síntese, as considerações teóricas dos autores junguianos realizadas sobre


os TA e compulsão alimentar convergem ao apontarem: o complexo materno
rejeitador ou excessivamente protetor/devorador que deflagra afetos negativos no
indivíduo e precipita ou sucede um episódio de compulsão alimentar; a estruturação
hipertrófica do complexo materno na consciência que exacerba a polaridade da
nutrição, fazendo que o indivíduo coma compulsivamente a fim de suprir o vazio e a
falta de afeto e, por fim, a ferida narcísica ou matriarcal decorrente de uma perturbação
na relação primal ou falha no desenvolvimento.
Pode-se observar também que a literatura aborda com maior ênfase a figura
materna e sua influência na compulsão alimentar, quando comparado com a figura
paterna. Sugere-se um maior número de estudos com consistência teórica sobre a
função e a figura paterna sobre este transtorno.
Ademais, a compulsão alimentar se distingue dos outros tipos de compulsões
e comportamentos dependentes à medida que o corpo e comida – aspectos
fundamentais neste transtorno – indicariam uma questão referente ao mundo das
relações afetivas infantis, já que ambos representam os primeiros tipos de trocas
realizadas entre criança, cuidador primal e mundo externo.
Segundo a literatura, pessoas com compulsão alimentar apresentariam
emoções predominantemente negativas: insegurança, ansiedade, desamparo, medo,
solidão, abandono, ansiedade, sentimento de rejeição, carência afetiva, baixa
autoestima, culpa, vergonha, raiva, depressão, dificuldade na sociabilidade e
sexualidade.
O gerencialmente e apaziguamento desses afetos se apresentam, em sua
maioria, no consumo compulsivo por alimento ou na aplicação de estratégias
defensivas, tais como: dissociação, regressão psíquica, predileção à fantasia,
estreitamento da vida e centralidade da comida. A utilização destas estratégias ocorre
devido ao fato da maioria desses indivíduos apresentarem uma estrutura egóica
desadaptada.
Alguns autores destacam a associação entre trauma infantil, dissociação,
desregulação fisiológica e emocional com a compulsão alimentar. A dissociação e a
compulsão alimentar funcionariam como uma proteção para o indivíduo, uma segunda
pele, contra pensamentos e afetos intrusivos e dolorosos.
Entretanto, tais mecanismos defensivos integrariam um sistema de cuidado
pouco eficaz, pois após um episódio de compulsão alimentar, energias agressivas
52

voltam-se para o indivíduo em forma de desprezo, nojo, ataque a si mesmo e auto-


ódio, o que acaba por acentuar ainda mais as emoções negativas precedentes ao
episódio.
Por fim, pode-se refletir o sintoma da compulsão alimentar não só em seu
sentido defensivo, mas também em seu sentido prospectivo. O excesso alimentar
apresentaria uma solução temporária para os conflitos internos como, por exemplo,
saciando o sentimento de ausência e de carência na polaridade concreta. A ausência
da vivência do complexo materno positivo na polaridade psíquica e amorosa exacerba
a polaridade concreta desse complexo. O bem-estar psique-soma do bebê é dado
pelo alimento leite/amor, na falta do segundo, fixa-se no primeiro.
Dessa forma, enquanto o dinamismo da compulsão alimentar não for integrado
à consciência, esta seria a melhor estratégia possível encontrada pela psique naquele
momento, a qual visaria ao gerenciamento e à manutenção parcial do controle de
determinados afetos intoleráveis, devastadores, vorazes e insuportáveis que
perturbam a integridade do indivíduo.
Nesse capítulo, a autora buscou compreender as possíveis relações existentes
entre compulsão alimentar e trauma na infância a partir do enfoque da psicologia
analítica. No capítulo seguinte, por meio de uma revisão de pesquisas sobre o tema,
foram abordadas as correlações estatísticas existentes entre estas duas variáveis.
53

5 LEVANTAMENTO DE PESQUISA SOBRE COMPULSÃO


ALIMENTAR E TRAUMA NA INFÂNCIA

5.1 Critério de busca e seleção dos trabalhos de pesquisa

A presente pesquisa selecionou os seguintes sites de busca: BVS, PubMed;


Scielo; CAPES/MEC; Bireme; Medline; Indexpsi, Lilacs e Cochrane Library, utilizando
de palavras-chave que se relacionaram com o tema: Transtorno de Compulsão
Alimentar ou compulsão alimentar e trauma infantil. Foram verificados termos
correlatos e sinônimos ligados às palavras-chave no idioma português e inglês. Os
artigos que se distanciaram da temática, a partir da leitura dos resumos, foram
excluídos.
Foram priorizados estudos feitos a partir de 2011 e em revistas com qualis igual
ou acima de B2. Foram encontradas poucas pesquisas em revistas nacionais de boa
qualidade e empíricas que relacionassem o tema TCA ou compulsão alimentar e
trauma na infância. Sendo assim, as pesquisas foram majoritariamente de fontes
internacionais.

5.2 Pesquisas sobre compulsão alimentar e trauma na infância

A pesquisa de Becker e Grilo (2011) examinou a existência da relação entre


trauma infantil e TCA em um grupo de mulheres americanas obesas com TCA. O
trauma infantil foi definido pela escala Childhood Trauma Questionnaire (CTQ): abuso
emocional, abuso físico, abuso sexual, negligência emocional e física. O tipo de
trauma infantil mais frequente nesta amostra foi negligência emocional (66%), seguido
por abuso emocional (52%), negligência física (48%), abuso sexual (31%) e abuso
físico (28%). As participantes apresentaram taxas de trauma infantil de duas a três
vezes mais altas que a população geral. Além disso, observou-se uma correlação
positiva entre (1) abuso físico infantil, transtorno depressivo e transtorno por uso de
substância; (2) abuso emocional infantil e distimia e, por fim, (3) abuso sexual,
negligência física e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
A pesquisa de Paraventi et al. (2011) foi realizada no Brasil e investigou os
antecedentes de abuso sexual infantil em mulheres e suas associações com AN, BN
54

e TCA na vida adulta. Para tanto, os pesquisadores compararam este grupo com
pacientes de um ambulatório oftalmológico. Observou-se uma correlação significante
positiva entre abuso sexual infantil e AN, sendo o risco deste TA cinco, oito vezes
maior em indivíduos com histórico de abuso sexual infantil. A prevalência de abuso
sexual infantil em mulheres com TCA foi alta, porém não se constatou uma diferença
estatística. A prevalência de abuso sexual infantil foi alta tanto na população
psiquiátrica, como no grupo controle oftalmológico, população não psiquiátrica.
Burns et al. (2012) observaram uma associação positiva entre a frequência dos
episódios de compulsão alimentar, os escores da escala de dificuldades na regulação
emocional e o abuso emocional infantil em mulheres americanas. O abuso físico e
sexual não foram estatisticamente significativos para os episódios de compulsão
alimentar. Além disso, o abuso emocional e a dificuldade na regulação emocional
foram associados significativamente e positivamente entre si. Para os autores, estes
dados confirmam a hipótese de que o episódio de compulsão alimentar é um modo
desadaptado de lidar com estados emocionais negativos, indicando uma habilidade
precária de regulação emocional. A curto prazo, o episódio de compulsão refrearia
afetos negativos e proporcionaria alívio e calma.
O estudo de Imperatori et al. (2016), realizado na Itália com mulheres com
sobrepeso e obesas, observou que o TCA foi associado com o trauma infantil em
todas as suas dimensões, incluindo o abuso sexual, embora esta tenha sido a
associação mais fraca. O abuso emocional foi seguido em frequência pelo trauma
global, negligência física, negligência emocional e abuso físico. A ansiedade e a
depressão também apresentaram uma correlação positiva com TCA, enquanto o IMC
apresentou uma correlação positiva com depressão, negligência física e trauma
global, respectivamente. Os autores sugerem que a compulsão alimentar previne ou
alivia estados emocionais negativos advindos de experiências traumáticas na infância.
O uso da comida seria uma estratégia de enfrentamento desadaptada para
autorregulação emocional e gerenciamento de estados emocionais desagradáveis.
Caslini et al. (2016) observaram, por meio de uma revisão sistemática e meta-
análise, que o abuso emocional infantil, seguido pelo físico e sexual infantil
apresentam uma correlação positiva com TCA. Segundo os pesquisadores, estes
achados fornecem maior evidência para o entendimento da compulsão alimentar
como modo de manejar situações adversas resultantes do trauma na infância e uma
reação a estes abusos sofridos.
55

Feinson e Hornik-Lurie (2016a), em uma clínica de saúde básica em Jerusalém,


observaram que dentre aqueles com compulsão alimentar: 53% relataram abuso
emocional na infância, 29% físico e 6,5% sexual. Entretanto, apenas o abuso
emocional foi considerado estatisticamente significativo para compulsão alimentar,
que também apresentou uma correlação positiva com autocriticismo, depressão e
ansiedade, respectivamente. Estes três fatores são considerados possíveis
mediadores da relação abuso emocional-compulsão alimentar. Cabe ressaltar, no
entanto, que o autocriticismo foi a variável que mais contribuiu para explicar a
severidade da compulsão alimentar em indivíduos com histórico de abuso emocional
na infância, tanto na mediação quanto na manutenção da patologia.
Feinson e Hornik-Lurie (2016b) também investigaram o papel mediacional da
raiva na relação abuso emocional na infância/compulsão alimentar em mulheres
israelenses, tendo em vista que o abuso emocional foi considerado um fator de risco
para o desenvolvimento da compulsão alimentar na vida adulta. Os autores
observaram uma correlação positiva entre raiva e compulsão alimentar e que este
fator, em conjunto com o autocriticismo, medeiam a relação abuso emocional-
compulsão alimentar. Além disso, mulheres com compulsão alimentar mais graves
relataram abuso emocional na infância, enquanto mulheres com compulsão alimentar
que não sofreram abuso emocional na infância apresentaram níveis mais leves ou
moderados de compulsão alimentar.
Palmisano, Innamorati e Vanderlinden (2016), em uma revisão de pesquisas
sobre a associação entre TCA e experiências adversas na vida, observaram que o
trauma infantil pode ser considerado um fator de risco para o desenvolvimento do TCA
na vida adulta. Além disso, os autores listaram alguns fatores mediadores entre estas
duas variáveis, sendo eles: obesidade, fatores neurobiológicos, dissociação,
depressão, raiva, estresse, autocriticismo, insatisfação corporal e fatores
interpessoais específicos como, por exemplo, um estilo de apego negligente em
relação à alimentação dos filhos, ansioso ou inseguro.
A meta-análise realizada por Molendijk et al. (2017) apresentou uma alta
prevalência de trauma na infância – abuso e negligência emocional (59%), abuso
sexual (24%) e físico (23%) – em pacientes com TCA. Os pesquisadores observaram
uma associação forte entre trauma infantil, em especial abuso e negligência
emocional, com início mais cedo do transtorno, sintomatologia mais severa da
56

compulsão alimentar, maior sintomas de depressão e ansiedade, presença de


comorbidades psiquiátricas e presença de comportamentos suicidas e de autolesão.
O estudo de Afifi et al. (2017) demonstrou, em uma amostra epidemiológica
representativa nacional dos EUA, que todas as formas de trauma infantil – abuso
emocional (OR:3,67); abuso sexual (OR:3,05); trauma global (OR:2,98); negligência
física (OR:2,92); exposição à violência por parceiro íntimo (OR2,84); abuso físico
(OR:2,83); punição física severa (OR:2,52) e negligência emocional (OR:1,99) –
tiveram uma correlação positiva com TCA em adultos no Canadá. A exposição à
violência por parceiro íntimo é definida como uma violência que ocorre entre
adultos/cuidadores membros da família, sendo presenciada pela criança. O TCA
apresentou uma correlação positiva com todas as dimensões do trauma infantil, sendo
o abuso emocional, abuso sexual e o trauma global, respectivamente, os tipos de
traumas infantis mais significativos para o TCA. Por fim, a presença de qualquer
transtorno mental e histórico familiar de disfunção também foram correlacionadas
positivamente com o TCA. O trauma infantil em todas as suas dimensões, exceto
negligência emocional, a presença de transtorno mental e histórico de disfunção
familiar foram mais prevalentes no TCA que no grupo controle e no grupo com outros
distúrbios alimentares.
Hymowitz, Salwen e Salis (2017) observaram, em um estudo com estudantes
universitários americanos, que quanto maior a severidade do abuso emocional na
escala CTQ, maior o risco de TCA. Além disso, o estudo indicou que a autopercepção
negativa tem um papel mediacional entre abuso emocional na infância, TCA,
obesidade e aumento do IMC.
Amianto et al. (2018), por meio da escala CTQ, avaliaram experiências
traumáticas na infância em adultos obesos na Itália, com e sem TCA. Os
pesquisadores observaram que pacientes com TCA apresentaram maiores níveis de
negligência e abuso emocional, quando comparados com o grupo controle e grupo de
obesos sem TCA. No que se refere ao abuso sexual, o grupo de obesos com TCA
apresentaram níveis significativamente maiores que o grupo controle saudável.
Palmisano et al. (2018) buscaram compreender a relação entre experiências
traumáticas na infância, dissociação e TCA, em pacientes, homens e mulheres, na
Itália. Por meio do CTQ, os autores observaram que indivíduos com TCA apresentam
maiores níveis de negligência emocional, abuso emocional e sexual, respectivamente,
que o grupo controle. Além disso, o grupo com TCA apresentou maiores níveis de
57

dissociação que o grupo controle saudável. Os autores observaram que quanto maior
o nível de dissociação, de trauma infantil e do IMC, maior a severidade dos episódios
de compulsão alimentar.
O estudo de Baek et al. (2018) objetivou determinar os efeitos dos sintomas de
compulsão alimentar na tentativa de suicídio e no transtorno depressivo maior (TDM)
em uma população coreana. Foram selecionados participantes com TDM e compulsão
alimentar e participantes com TDM e sem compulsão alimentar. Cabe ressaltar que o
primeiro grupo era mais jovem que o segundo, sendo que o grupo dos mais jovens
apresentou um número maior de comorbidades psiquiátricas, tais como: transtorno
por uso de substância, transtorno de ansiedade, TEPT e histórico de tentativa de
suicídio. Além disso, o grupo com compulsão alimentar apresentou maior nível de
presença de qualquer tipo de trauma; trauma precoce; trauma na vida adulta e trauma
sexual, isto é, estupro ou agressão sexual que o grupo sem compulsão alimentar.
Observou-se uma correlação positiva entre tentativa de suicídio com compulsão
alimentar e trauma sexual. O trauma sexual aumenta a compulsão alimentar,
juntamente com o uso de substância, ansiedade e tentativa de suicídio. Além disso, a
compulsão alimentar e a ansiedade mostraram uma associação bidirecional, isto é, se
afetam mutuamente. Os autores inferiram que a compulsão alimentar pode ser usada
para acalmar ou entorpecer a si mesmo após uma experiência traumática.
Belli et al. (2019) avaliaram os níveis de dissociação e trauma infantil, por meio
do CTQ, em obesos graves com e sem TCA na Turquia. Os pesquisadores
observaram que os pacientes com TCA apresentaram maiores pontuações para
dissociação que os obesos graves sem TCA. Além disso, os pacientes obesos com
TCA pontuaram de maneira significativamente mais alta nas subescalas de
negligência e abuso emocional na infância, quando comparado ao grupo de obesos
sem TCA.
Quilliot et al. (2019) avaliaram, em um grupo de pacientes franceses obesos
com cirurgia bariátrica marcada, a associação entre eventos psicológicos adversos na
infância e TCA na vida adulta. A prevalência de TCA nesta população foi de 34,9%. O
trauma psicológico na infância estava significativamente correlacionado com
pacientes com TCA. A negligência emocional foi o trauma infantil mais
predominantemente associado com o TCA, tanto para homens quanto para mulheres.
Nos homens também foi observado uma correlação entre trauma infantil global e TCA,
58

enquanto nas mulheres, uma correlação entre abuso físico, abuso sexual, trauma
global e presenciar violência doméstica com TCA.
Braun et al. (2019), por meio da análise de um estudo epidemiológico nacional
realizado nos EUA, observaram que mulheres que sofreram trauma na infância
apresentavam um número alto de sintomas de compulsão alimentar.
Em síntese, a partir da análise das pesquisas que relacionaram trauma infantil
e TCA/compulsão alimentar, pode-se realizar algumas observações quanto ao
impacto que o trauma infantil tem no desenvolvimento e agravamento deste quadro
alimentar. Em diversos estudos foram observados uma correlação positiva entre
trauma infantil e TCA/compulsão alimentar (AFIFI et al., 2017; BAEK et al., 2018;
BECKER; GRILO, 2011; BRAUN et al., 2019; CASLINI et al., 2016; IMPERATORI et
al., 2016; MOLENDIJK et al., 2017; PALMISANO et al., 2018; PALMISANO;
INNAMORATI; VANDERLINDEN, 2016; QUILLIOT et al., 2019), indicando que o
trauma infantil pode ser um fator de risco desencadeador do TCA e que a presença
do trauma infantil agrava a severidade dos episódios de compulsão alimentar.
Alguns estudos sugeriram a relação entre um tipo de trauma infantil específico
e o TCA. O abuso emocional foi o tipo de trauma infantil que mais se destacou no que
se refere à associação significativa e positiva com o TCA e a episódios de compulsão
alimentar (AFIFI et al., 2017; BURNS et al., 2012; CASLINI et al., 2016; FEINSON;
HORNIK-LURIE, 2016a, 2016b; HYMOWITZ; SALWEN; SALIS, 2017; IMPERATORI
et al., 2016). Em outros estudos, observou-se que a negligência e abuso emocional
foram os tipos de trauma infantis mais determinantes para o TCA e episódios de
compulsão alimentar (AMIANTO et al., 2018; BECKER; GRILO, 2011; BELLI et al.,
2019; MOLENDIJK et al., 2017; PALMISANO et al., 2018). Apenas um estudo indicou
que exclusivamente a negligência emocional possuía uma correlação significativa e
mais frequente com o TCA (QUILLIOT et al., 2019).
No que se refere ao abuso sexual na infância, os estudos apresentaram
resultados mais dispersos. Em algumas pesquisas não foram observados uma
correlação positiva entre TCA e abuso sexual (BURNS et al., 2012; PARAVENTI et
al., 2011), enquanto que em outros esta correlação era existente, embora não fosse
a mais frequente e significativa (AFIFI et al., 2017; AMIANTO et al., 2018; BECKER;
GRILO, 2011; CASLINI et al., 2016; IMPERATORI et al., 2016; PALMISANO et al.,
2018). Apenas em um estudo, o trauma sexual, não necessariamente na infância, foi
a associação mais significativa e frequente. Neste estudo o trauma sexual foi
59

associado à tentativa de suicídio, transtornos por uso de substância, transtornos de


ansiedade e compulsão alimentar (BAEK et al., 2018).
O TCA foi associado em diversas pesquisas a um maior número de transtornos
psiquiátricos (AFIFI et al., 2017), em especial, à depressão e à ansiedade (FEINSON;
HORNIK-LURIE, 2016a; IMPERATORI et al., 2016; PALMISANO; INNAMORATI;
VANDERLINDEN, 2016). O trauma infantil também foi associado à presença de um
maior número de comorbidades psiquiátricas, tais como, depressão (BECKER;
GRILO, 2011; IMPERATORI et al., 2016; MOLENDIJK et al., 2017), ansiedade
(MOLENDIJK et al., 2017), transtorno por uso de substância e TEPT (BECKER;
GRILO, 2011) e comportamentos suicidas e de autolesão (MOLENDIJK et al., 2017).
Os seguintes elementos foram associados ao TCA e ao trauma infantil: alto
nível de autocrítica e raiva (FEINSON; HORNIK-LURIE, 2016a, 2016b; PALMISANO;
INNAMORATI; VANDERLINDEN, 2016); dissociação (BELLI et al., 2019;
PALMISANO et al., 2018; PALMISANO; INNAMORATI; VANDERLINDEN, 2016), IMC
alto (PALMISANO et al., 2018); disfunção familiar (AFIFI et al., 2017); autopercepção
negativa (HYMOWITZ; SALWEN; SALIS, 2017); baixo nível de regulação emocional
(BURNS et al., 2012); obesidade, fatores neurobiológicos, estresse, insatisfação
corporal e apego inseguro (PALMISANO; INNAMORATI; VANDERLINDEN, 2016).
Por fim, pode-se dizer que a compulsão alimentar foi entendida como um
mecanismo de gerenciamento e enfrentamento de afetos negativos oriundos das
vivências traumáticas infantis (BAEK et al., 2018; BURNS et al., 2012; CASLINI et al.,
2016; IMPERATORI et al., 2016).
Em função das observações de como o trauma infantil foi correlacionado
positivamente com a compulsão alimentar e de como a psicologia analítica desenvolve
esse tema, propõe-se a investigação das associações do trauma na infância em
mulheres com compulsão alimentar e uma reflexão junguiana de como esses
processos se desenvolvem a partir dos dados qualitativos. Embora a literatura tenha
associado significativamente o trauma infantil com a compulsão alimentar, o estudo
destas variáveis em uma população brasileira é escasso, haja vista que se utilizou em
sua maioria pesquisas internacionais. Ademais, o aprofundamento dos aspectos
psicossociais por meio das perguntas qualitativas, pouco realizado na literatura,
poderá contribuir para uma compreensão mais ampla desse fenômeno.
60

6 MÉTODO

6.1 Objetivo

6.1.1 Objetivo geral

Investigar as associações entre compulsão alimentar e trauma na infância em


mulheres com compulsão alimentar e compreender seus aspectos psicossociais.

6.1.2 Objetivos específicos

1. Investigar correlações existentes entre os tipos de trauma na infância e a gravidade


da compulsão alimentar;
2. Compreender mecanismos psicossociais associados à compulsão alimentar e ao
trauma infantil sobre o enfoque da Psicologia Analítica.

6.2 Caracterização do estudo

Essa pesquisa é quali-quanti: quantitativa, com análise estatística dos


questionários ECAP e QUESI; e qualitativa, na leitura dos aspectos psicossociais da
compulsão alimentar e trauma na infância pelo enfoque da psicologia analítica a partir
dos questionários de perguntas abertas.

6.3 Participantes

Mulheres com compulsão alimentar, maiores de 18 anos que participavam de


grupos de Facebook brasileiros voltados ao tema da compulsão alimentar. Os critérios
de inclusão foram: ter compulsão alimentar, segundo a escala BES, e participar dos
grupos de Facebook selecionados. Os critérios de exclusão foram: negar assinar o
termo de consentimento e ter idade menor que 18 anos.

6.3.1 Procedimento para seleção da amostra

Os grupos de Facebook que abordaram o tema da compulsão alimentar foram


61

selecionadas da seguinte forma. A pesquisadora: 1) acessou o site Facebook; 2)


digitou no campo “pesquisar grupos” as palavras “compulsão alimentar”. Após os
grupos sobre compulsão alimentar aparecerem, a pesquisadora 3) solicitou a sua
participação nos grupos que tratassem do tema compulsão alimentar. Após sua
participação ter sido aprovada no grupo, a pesquisadora 4) enviou uma mensagem
para os administradores, explicando sobre sua pesquisa e pedindo autorização para
realizar um post em que disponibilizaria um link da plataforma SurveyMonkey que
continha os questionários, os quais serão descritos no subcapítulo instrumentos.
De cinquenta e três (53) grupos de Facebook cuja temática central era a
compulsão alimentar, treze (13) grupos aprovaram a participação e solicitação para
realizar o post com o link dos questionários. Os grupos de Facebook em que a
pesquisadora disponibilizou os questionários foram: I) Compulsão alimentar, vamos
nos ajudar ?; II) Transtorno de Compulsão Alimentar; III) Pare com a compulsão
alimentar, siga revigorando a saúde; IV) Compulsão alimentar; V) Compulsão
alimentar – psicologia; VI) Diário de uma compulsão alimentar; VII) Compulsão
alimentar noturna; VIII) Compulsão alimentar [Cura Paleo/Geração Melhor]; IX)
Reeducação alimentar para compulsivos.; X) Compulsão alimentar (cura energética);
XI) Programa adeus compulsão alimentar; XII) Compulsão alimentar – Veg(etari)anas
e simpatizantes e XIII) ”– Compulsão + Resultado”.

6.4 Instrumentos

6.4.1 Ficha qualitativa anônima – Apêndice I

A Ficha qualitativa anônima (APÊNDICE I) possui, em sua primeira parte,


perguntas que visam a caracterização dos participantes dessa amostra. Na segunda
parte da Ficha qualitativa anônima, foram realizadas perguntas referentes aos
aspectos psicológicos e sociais relacionados à compulsão alimentar.
A pesquisadora utilizou a literatura disponível sobre o tema, sua experiência
clínica no atendimento a pessoas com TA no ambulatório do PROATA-UNIFESP
assim como sua experiência de um semestre – 1ª Semestre de 2019 – frequentando
as reuniões de dois grupos da Irmandade de Comedores Compulsivos Anônimos na
cidade de São Paulo, com consentimento dos membros, para a construção das
perguntas contidas nesse questionário.
62

6.4.2 Escala de compulsão alimentar periódica (ECAP) – Anexo I

A Escala de Compulsão Alimentar Periódica cujo nome original é Binge-Eating


Scale (BES), desenvolvida por Armour et al., (2016), foi traduzida e adaptada para a
língua portuguesa por Freitas et al. (2001).
Trata-se de um questionário autoaplicável e retrospectivo com dezesseis (16)
itens e sessenta e duas (62) afirmativas. O indivíduo deve assinalar dentro de cada
item uma das três ou quatro afirmativas que mais o representa. Cada afirmativa
corresponde a uma pontuação estabelecida pela grade de correção da escala, a qual
varia de 0 a 3 pontos. Nesta escala Likert, 0 indicaria a ausência daquele
comportamento, sentimento ou cognição e 3 apontaria a presença em uma gravidade
máxima (FREITAS et al., 2001).
Para obter o resultado, como indica Freitas et al. (2001), soma-se os pontos de
cada item. Participantes que pontuarem um número igual ou menor que dezessete
(17) pontos não possuem compulsão alimentar periódica (CAP); aqueles que
pontuaram de dezoito (18) a vinte e seis (26) pontos possuem CAP moderada e
aqueles cuja pontuação é maior ou igual a vinte e sete (27) pontos apresentam CAP
grave.

6.4.3 Questionário sobre traumas na infância (QUESI) – Anexo II

O instrumento Childhood Trauma Questionnaire (CTQ), traduzido para o


português Questionário sobre traumas na infância (QUESI), foi desenvolvido por
Bernstein et al. em 1994, continha, inicialmente, setenta (70) questões.
Posteriormente Bernstein et al. (2003) desenvolveram e validaram o atual QUESI, que
seria uma versão breve, com vinte e oito (28) questões e com a mesma validade que
o instrumento anterior.
Segundo Macdonald et al. (2016), o QUESI é umas das escalas mais usadas
e mais bem avaliadas para investigar e quantificar as experiências de trauma, tendo
mais de mil (1000) citações em plataformas de busca de artigos.
O QUESI foi traduzido e validado para a população brasileira por Grassi-
Oliveira et al. (2014) e Grassi-Oliveira, Stein e Pezzi (2006). Trata-se de um
questionário autoaplicável e retrospectivo de vinte e oito (28) questões, que utiliza
uma escala Likert de cinco pontos: nunca (1); poucas vezes (2); às vezes (3); muitas
63

vezes (4); e sempre (5). O instrumento é utilizado em adolescentes e em adultos,


investigando cinco dimensões do trauma na infância: abuso emocional, abuso físico,
abuso sexual, negligência emocional e negligência física. No quadro 1 estão descritas
o corte de pontuação para casa subtipo de trauma infantil e abaixo as definições de
cada subescala e questões referentes a elas.

Quadro 1 - Pontuação subtipos QUESI

Inexistente Leve à Moderado Severo à


Subtipos Range
à mínimo moderado à severo extremo
Abuso emocional 5-25 £8 9-12 13-15 ³16
Abuso físico 5-25 £7 8-9 10-12 ³13
Abuso sexual 5-25 5 6-7 8-12 ³13
Negligência
5-25 £9 10-14 15-17 ³18
emocional
Negligência física 5-25 £7 8-9 10-12 ³13
Negação 0-3 - - - -
Pontuação total 25-125 £ 36 37-51 52-68 ³69

Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

O abuso emocional (questões 3, 8, 14, 18 e 25) é caracterizado por Bernstein


et al. (2003, p. 175, tradução nossa) como “agressão verbal ao senso de valor ou bem-
estar de uma criança ou qualquer comportamento humilhante ou degradante dirigido
a uma criança por um adulto ou pessoa mais velha”.
O abuso físico (questões 9, 11, 12, 15 e 17) é definido por Bernstein et al.
(2003, p. 175, tradução nossa) como “agressões corporais a uma criança por um
adulto ou uma pessoa mais velha que representasse um risco ou resultasse em
ferimento”.
O abuso sexual (questões 20, 21, 23, 24 e 27) é descrito por Bernstein et al.
(2003, p. 175, tradução nossa) como “contato ou conduta sexual entre uma criança
com menos de dezoito (18) anos de idade e um adulto ou pessoa mais velha”.
A negligência emocional (questões 5, 7, 13, 19 e 28) refere-se, segundo
Bernstein et al. (2003, p. 175, tradução nossa), ao “fracasso dos cuidadores em
atender às necessidades emocionais e psicológicas básicas das crianças, incluindo
amor, pertencimento, nutrição e apoio”.
64

A negligência física (questões 1, 2, 4, 6 e 26) trata, conforme Bernstein et al.


(2003, p. 175, tradução nossa), da “falha dos cuidados em prover as necessidades
físicas básicas de uma criança, incluindo comida, abrigo, roupas, segurança e
cuidados de saúde”.
Os itens de minimização/negação (questões 10, 16 e 22) são para indivíduos
que sub-relataram o abuso ou negligência. Os participantes que pontuaram na escala
Likert de 1 a 4 receberam a pontuação 0, enquanto aqueles que pontuaram na escala
Likert 5 receberam a pontuação 1. A pontuação total do item de minimização/negação
é de 0 a 3 pontos, quando a pontuação for > 0, isto é, de 1 a 3 pontos significa que o
indivíduo pode estar minimizando/negando o abuso e negligência (MACDONALD et
al., 2016).
A escala de trauma infantil varia de 5 a 125 pontos e favorece a leitura dos
aspectos quantitativos acerca da gravidade do trauma infantil. Macdonald et al. (2016)
descrevem que quando o participante pontuar no total de score da escala QUESI £
36, o trauma é inexistente para mínimo; QUESI > 36 e £ 51, o trauma é baixo para
moderado; QUESI > 51 e £ 68, moderada para severo; e QUESI ³ 69, severo para
extremo. Por fim, é importante destacar que as questões 2, 5, 7, 13, 19, 26 e 28 são
reversas.

6.5 Procedimento de coleta de dados

Após a aprovação do post por parte dos administradores dos grupos, descrita
na seleção da amostra, foi realizado uma postagem disponibilizando um link da
plataforma SurveyMonkey. Na postagem, juntamente com o endereço eletrônico da
pesquisa, a pesquisadora disponibilizava informações e instruções sobre a pesquisa,
a fim de motivar a participação dos membros dos grupos (APÊNDICE II).
O link da plataforma SurveyMonkey continha o termo de consentimento assim
como a ficha qualitativa anônima e as duas escalas, ECAP e QUESI, nesta sequência.
O termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE – (APÊNDICE III) foi
transformado em um documento on-line. Após a leitura do termo de consentimento, o
participante foi questionado se concordava em participar da pesquisa, podendo clicar
no botão sim ou no botão não para responder esta questão. Se o participante optou
pelo botão sim, em que concordava com o termo, foi dado prosseguimento a pesquisa,
65

sendo liberado o acesso aos questionários; caso o participante optasse pelo botão
não, não era dado prosseguimento a pesquisa e o participante era direcionado para
uma página que não dava acesso aos questionários e finalizava a pesquisa. Aqueles
participantes que concordaram com o termo de consentimento tiveram acesso a ficha
qualitativa anônima. A pesquisa foi elabora de tal forma que os participantes só
poderiam ter acesso ao próximo questionário quando completassem a ficha qualitativa
anônima. Após completarem a ficha qualitativa anônima, os participantes tinham
acesso ao ECAP e, apenas após responderem todas as perguntas do ECAP, tinham
acesso ao QUESI, não havendo possibilidade de pular uma pergunta ou um
questionário.
O endereço eletrônico – link – para que os participantes respondessem os
questionários eletrônicos on-line ficaram disponíveis nos grupos de Facebook durante
o período de três meses (09 de setembro 2019 a 09 de dezembro de 2019). Durante
este período, a pesquisadora repostava semanalmente o link de sua pesquisa. Após
tal período a coleta de dados na internet foi encerrada. Após a finalização da coleta
de dados a pesquisadora, juntamente com um estatístico, avaliaram a pontuação do
ECAP e excluíram aqueles participantes que não pontuaram para compulsão
alimentar no ECAP.

6.6 Local de coleta de dados

6.6.1 Características da população brasileira que possui acesso à internet

A breve caracterização da população brasileira que possuía acesso à internet


se faz relevante à medida que pode limitar o acesso aos questionários on-line
disponibilizados em grupos de Facebook.
Segundo o Comitê gestor da internet no Brasil (2019), em 2019 70% da
população brasileira possui acesso à internet, sendo que 126,9 milhões de pessoas
acessou a internet nos últimos três meses. Em relação a esse acesso por classe social,
observa-se os seguintes dados: 92% classe social A; 91% classe social B; 76% classe
social C e 48% da classe social D e E. Além disso, a população urbana possui mais
acesso à internet (74%) que a população rural (49%). No que se refere às pessoas
que utilizaram a internet por região do Brasil, o IBGE (2017) divulgou os seguintes
dados: 73,2% são da região sul; 76,5% são da região sudeste; 76,6% são da região
66

centro-oeste; 58,4% da região nordeste e 60,1% da região norte. A distribuição das


idades e do nível de instrução das pessoas que utilizaram a internet em 2017, segundo
o IBGE (2017), consta na figura abaixo:

Figura 1 - Distribuição das idades e do nível de instrução das pessoas que


utilizaram a internet em 2017

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional


por Amostra de Domicílios Contínua 2017.

6.6.2 Aspectos positivos e limitações do uso da internet como método de coleta


de dados

Segundo Buchanan, Smith (1999a) e A Weigold, I. K. Weigold e Russell (2013),


houve um aumento do número de pesquisas realizado por meio da internet, em
decorrência das inúmeras vantagens que este método de coleta de dados
proporciona: acesso a um vasto número de potenciais participantes de pesquisa;
acesso a participantes de regiões remotas ou longe do pesquisador; localização e
contato fácil com grupos de participantes com características específicas; economia
de papel e outros materiais; baixo custo e processamentos automático das respostas
enviadas para o pesquisador. Por fim, a pesquisa realizada por meio do questionário
on-line, especialmente quando de forma anônima, também possibilitaria um menor
67

risco do participante relatar um determinado tipo de resposta a fim de agradar o


pesquisador ou corresponder, ao que acredita ser, a expectativa dele (nível de
agradabilidade), além disso, proporciona maior conforto quando o questionário aborda
temas íntimos como, por exemplo, trauma infantil, abuso sexual e sexualidade, que é
o caso do presente estudo (BUCHANAN; SMITH, 1999a, 1999b; PUJOLS; MESTON;
SEAL, 2010).
A equivalência da versão on-line ao método convencional – papel e lápis – de
coleta de dados é um dos grandes questionamentos em relação a validade do uso da
internet e questionários on-line como método de coleta de pesquisa. Embora, este
possa ser um receio de diversos pesquisadores, estudos indicaram a equivalência e
validade psicométrica da versão on-line quando comparado ao método convencional
– papel e lápis – de coleta de dados (BUCHANAN; SMITH, 1999a; HOWELL et al.,
2010; WEIGOLD, A.; WEIGOLD, I. K.; RUSSELL, 2013).
Por fim, deve-se levar em consideração algumas desvantagens da coleta de
dados via internet: 1) erro de cobertura, isto é, o número de indivíduos da população
brasileira que possuem acesso à internet, as regiões que habitam, idade, nível de
instrução e nível socioeconômico podem influenciar fatores da amostra; 2) baixo
índice de retorno de respostas; 3) heterogeneidade de dispositivos, i. e.,
computador/celular, recursos, tais como, velocidade da internet, que podem afetar a
experiência do participante; e, por fim, 4) não haver uma lista completa de usuários
da internet, impossibilitando uma seleção randômica e probabilística da amostra
(CALLIYERIS; LAS CASAS, 2012).

6.7 Procedimento de análise de dados quantitativos

No processo de análise quantitativa de dados, utilizou-


se o programa SPSS versão 25. Inicialmente, foi realizado um cálculo amostral com o
objetivo de estabelecer a amostra mínima necessária e um estudo descritivo da
amostra a fim de caracterizar essa população quanto aos dados
sociodemográficos, os níveis de compulsão alimentar (ECAP), trauma na infância
(QUESI) e das variáveis categóricas, decorrentes das perguntas qualitativas. Foram
analisadas frequência e porcentagem das variáveis categóricas bem como a média,
desvio padrão e intervalo de confiança de 95% das variáveis contínuas.
68

Em seguida foi realizada a estatística inferencial em que foram verificadas as


correlações e associações estatisticamente significativas entre as variáveis. Foram
analisadas todas as variáveis possíveis entre variáveis contínuas (IMC, ECAP e
QUESI) e categóricas (perguntas qualitativas). Optou-se por considerar apenas as
correlações ≥ 0,200 e ≥ -0,200, por se tratar da média do coeficiente de correlação
considerado fraco, a fim de privilegiar correlações mais significativas do ponto de vista
estatístico. No caso das variáveis contínuas (IMC, ECAP e QUESI), o teste de
Shapiro-Wilk verificou o tipo de distribuição dos dados com o objetivo de selecionar o
método estatístico mais apropriado: testes paramétricos, para distribuição normal ou
testes não paramétricos, para distribuição não normal. Como houve correlação
estatisticamente significativa entre as três variáveis contínuas, foi realizada a análise
de regressão linear múltipla com o ECAP como variável de interesse e o IMC e QUESI
como variáveis preditivas. O nível de significância estatística adotado nesse estudo
foi de 0,05.

6.8 Procedimento de análise de dados qualitativos

A pesquisadora utilizou para a análise dos dados qualitativos a Análise temática


de Ezzy (2002). Esta é divida pelo autor em três etapas: Open Coding; Axial Coding
e Selective Coding ou Theoretical Coding. O Open Coding é um momento inicial e
exploratório de identificação de temas, conceitos ou tópicos que aparecem de maneira
recorrente nos dados. O pesquisador deverá olhar os dados a fim de identificar as
unidades de análise. Este primeiro momento é de experimentação, possibilitando a
emergência de uma ampla gama de subcategorias, até que se encontre categorias
norteadoras que englobem e aglutinem as outras. O processo do Open Coding requer
que o pesquisador faça constantes comparações no processo de identificação dos
códigos, isto porque quando se encontra determinado dado é importante compará-lo
em busca de similaridades ou diferenças, possibilitando que este seja diferenciado ou
agrupado a alguma categoria existente. Além disso, explorar as diferentes dimensões
e propriedades de um mesmo código é fundamental, para saber se este deve ser
dividido em dois códigos ou agrupado a um outro código mais amplo.
Se na primeira etapa a pesquisadora explorou os dados brutos em busca de
códigos, no Axial Coding é o momento de explorar e revistar os códigos estabelecidos;
especificar as propriedades e condições associadas aos códigos e examinar as
69

relações e conexões entre os códigos existentes a fim de criar categorias mais amplas
ou centrais. O Selective Coding ou Theoretical Coding visa a identificar o conceito
central daquela categoria ou a história que a circunda e compará-los com teorias já
existentes. A codificação termina quando o pesquisador identifica que os códigos
estão saturados e são suficientes para embasar a teoria emergente (EZZY, 2002).
Após a realização da análise temática, a pesquisadora contratou uma
assistente de pesquisa com graduação em psicologia pela PUC-SP para revisar as
categorias estabelecidas pela pesquisadora. Nas categorias em que houve
divergências entre a pesquisadora e a assistente de pesquisa foram discutidas em
conjunto até que se chegasse a uma percepção convergente.

6.9 Cuidados éticos

O projeto dessa pesquisa foi submetido na Plataforma Brasil e ao comitê de


Ética em Pesquisa Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Os
procedimentos aqui realizados obedeceram aos Critérios da Ética na Pesquisa com
Seres Humano, conforme a Resolução nº 466/12 e nº 510/2016 do Conselho Nacional
de Saúde/Ministério da Saúde. O parecer consubstanciado do CEP favorável. O
número do CAAE é: 13828819.6.0000.5482 (ANEXO III).
Antes do início da aplicação de cada questionário, o participante foi
devidamente informado sobre os cuidados éticos tomados, descritos no TCLE
(APÊNDICE III).
70

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

7.1 Descrição da amostra

7.1.1 Cálculo amostral

O cálculo amostral foi realizado por meio do programa GPower versão 3.1.9.4.
No cálculo foi considerado que esse estudo contemplasse uma análise de regressão
múltipla. As seguintes premissas foram consideradas: tamanho do efeito (f2) esperado
de 0,1; erro do tipo I (α) de 5%; poder do teste (1-β) de 99%; duas variáveis de
predição; e hipótese bilateral. Com isso foi obtida uma amostra de 186 participantes.
Considerando o descarte de 10% da amostra por possíveis erros no preenchimento
do questionário, a amostra mínima foi de 207 participantes.

7.1.2 Seleção dos participantes da amostra

Foi registrado, como pode ser observado na figura 2, 1.574 acessos ao link dos
questionários disponibilizados nos grupos de Facebook. Destes, 729 foram
preenchidos completamente e 845 foram preenchidos parcialmente. Aqueles
participantes que não preencheram todos os questionários disponibilizados foram
excluídos pela pesquisadora no momento da avaliação dos dados.
Por meio da ECAP foi possível observar a pontuação de cada participante no
que se refere à compulsão alimentar. Dos 729 participantes que preencheram os
questionários completamente, 77 não pontuaram para compulsão alimentar e, por ser
tratar de um critério de exclusão estabelecido pela pesquisadora, foram excluídos do
estudo. Sendo assim, 652 participantes pontuaram para compulsão alimentar e
permaneceram elegíveis para pesquisa. Destes 652, com o objetivo de manter a
homogeneidade do estudo, foram excluídos: 11 participantes do gênero masculino; 23
participantes que moravam no exterior; 08 participantes que apresentaram Índice de
massa corpórea (IMC) < 18,5, considerado abaixo do peso pela Organização Mundial
de Saúde e 06 participantes que apresentaram inconsistências nos dados por meio
da análise estatística outlier. Por fim, 604 participantes foram considerados elegíveis
para participar do estudo.
71

Figura 2 - Fluxograma de seleção dos participantes do estudo

Participantes
elegíveis para a
pesquisa: 604

Participantes que
pontuaram para Participantes
compulsão excluídos por
alimentar: 652 serem do gênero
Participantes que
completaram os masculino,
morarem no
questionários: 729
Participantes excluídos exterior, estarem
Participantes que com IMC <18,5 e
acessaram os por não pontuarem para
Participantes compulsão alimentar: 77 apresentarem
questionários: 1.574 inconsistências
excluídos por
responderem nos dados: 48
parcialmente os
questionários: 845

Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

7.1.3 Idade

Tabela 1 - Distribuição da idade das participantes

Faixa etária Frequência Porcentagem


18-24 258 42,7%
25-32 174 28,8%
33-40 106 17,5%
41-48 49 8,1%
49-50 3 0,5%
51-58 9 1,5%
59-66 4 0,7%
>66 1 0,2%
Total 604 100,0%
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

A tabela 1 mostra que 71,5% da amostra é composta por jovens de 18 a 32


anos de idades. Estes dados são compatíveis com o estudo de Kessler et al. (2013),
em que o maior risco para o desenvolvimento do TCA é entre 18-29 anos de idade.
72

Kessler et al. (2013) observaram que o início do TCA ocorre entre os 15.5 anos
de idade e os 27.2 anos, estes dados se aproximam dos achados por Hudson et al.
(2007), que notaram o início do TCA entre 17 e 32 anos de idade. A presença deste
transtorno em uma população jovem está de acordo com o observado pela
pesquisadora nessa amostra.
Há de se considerar que, segundo os dados do IBGE (2017), a população entre
18 e 29 anos de idade possui maior acesso à internet, como pode ser observado na
figura 1 descrita no subcapítulo local de coleta de dados.

7.1.4 Gênero

Ressalta-se que onze (11) participantes do gênero masculino completaram o


questionário e pontuaram no ECAP para compulsão alimentar, entretanto, eles foram
excluídos por representarem uma parcela reduzida da amostra. A fim de manter a
homogeneidade da pesquisa, a amostra foi composta exclusivamente por
participantes do gênero feminino. O número reduzido de participantes do gênero
masculino poderia ser, como apontam Hudson et al. (2007), Kessler et al. (2013) e a
American Psychiatric Association (2014) em decorrência de uma maior prevalência
deste transtorno em mulheres, embora, segundo Smink, Van Hoeken e Hoek (2012),
o TCA seja o TA mais comum em homens.
Outra hipótese seria que as práticas de autocuidado não são consideradas
socialmente como parte do repertório masculino. No estudo de Gomes, Nascimento e
Araújo (2007), o autocuidado para um grupo de homens colocaria em questão sua
masculinidade e indicaria fraqueza, medo, insegurança e aproximação do universo
feminino.
73

7.1.5 IMC

Tabela 2 - Distribuição do IMC das participantes

Categoria IMC Frequência Porcentagem (%)


Abaixo do peso < 18,5 0 0,0%
Peso adequado 18,5 - 24,9 123 20,4%
Sobrepeso 25,0 – 29,9 183 30,3%
Obesidade grau I 30,0 – 34,9 153 25,3%
Obesidade grau II 35,0 – 39,9 53 8,8%
Obesidade grau III ≥ 40 92 15,2%
Total 604 100,0%
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

O IMC da amostra foi calculado a partir dos dados de altura e peso fornecidos
pelos participantes. O cálculo e os parâmetros utilizados tiveram como base as
diretrizes fornecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS, [s.d.]). Os oito (08)
participantes que apresentaram IMC < 18,5, considerado abaixo do peso pela OMS,
foram excluídos da amostra.
Pode-se observar na tabela 2 que apenas 20,4% da amostra está dentro dos
parâmetros adequados de peso, enquanto 79,6% apresenta sobrepeso ou obesidade
grau I, II e II. Estes resultados estão de acordo com o estudo de Hudson et al. (2007),
em que 19% da amostra possuía peso normal; 35,7% sobrepeso; 45,4% obesidade
grau I, II e II; e com o estudo de Kessler et al. (2013), em que 1,3% apresentou baixo
peso; 31,7% peso normal; 30,7% sobrepeso e 36,2% obesidade grau I, II e II.
Nota-se também a alta prevalência de obesidade (48,9%) em pessoas com
TCA em concordância com os estudos de Forteza e Miguel (2014); Montano, Rasgon
e Herman (2016) e Sadock, Sadock e Ruiz (2017).

Tabela 3 - Média do IMC das participantes

Média IMC das participantes (n=604)


M (DP) 30,8 (6,70)
IC 95% 30,2 -31,3
M (DP): média e desvio-padrão.
IC 95%: Intervalo de confiança a 95%.
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.
74

A média do IMC da população estudada, descrita na tabela 3, foi 30,8 e


demonstra que a média do IMC das participantes do presente estudo estaria alocada
na categoria da obesidade grau I, segundo a OMS ([s.d.]).

7.1.6 Nível de instrução

Tabela 4 - Nível de instrução das participantes

Porcentagem
Nível de instrução Frequência
(%)
Não frequentou escola 1 0,2%
Ensino fundamental
3 0,5%
incompleto
Ensino fundamental completo 13 2,2%
Ensino médio incompleto 25 4,1%
Ensino médio completo 129 21,4%
Ensino superior incompleto 201 33,3%
Ensino superior completo 131 21,6%
Pós-graduação 101 16,7%
Total 604 100,0%
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

A distribuição do nível de instrução dos participantes, representada na tabela


4, demonstra que 71,6% dos participantes desse estudo teve acesso ao ensino
superior, indicando um alto nível de instrução. Estes resultados estão em
concordância com os estudos de Borges et al. (2002), Fontenelle et al. (2003) e
Reagan e Hersch (2005), que indicaram a presença de um alto nível de instrução na
população com compulsão alimentar. Kessler et al. (2013) apontaram que estudantes
têm elevados riscos de desenvolver TA de maneira geral.
Além disso, segundo IBGE (2017), pessoas com maior nível de instrução
possuem maior acesso à internet. Este dado poderia indicar que apenas pessoas com
maior nível de instrução tiveram acesso ao questionário, justificando os resultados
descritos na tabela 4.
75

7.1.7 Região de habitação

Tabela 5 – Região de habitação das participantes

Região de origem Frequência Porcentagem (%)


Centro-oeste 24 4,0%
Nordeste 28 4,6%
Norte 8 1,3%
Sudeste 441 73,0%
Sul 103 17,1%
Total 604 100,0%
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

Na tabela 5, observa-se que 90,1% da amostra é composta por participantes


da região Sul e Sudeste, sendo assim, a amostra é constituída majoritariamente por
participantes destas regiões. Segundo o IBGE (2017), a região Sul e Sudeste são as
regiões que possuem maior acesso à internet. Apenas 9,9% da amostra é de outras
regiões brasileiras. Em dois estudos epidemiológicos realizados em cidades
brasileiras, São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), os pesquisadores observaram uma
prevalência do TCA de 4,7% e 11,5%, respectivamente (FREITAS et al., 2008;
KESSLER et al., 2013). Indicando uma alta prevalência do transtorno na região
sudeste. Entretanto, não há estudos sobre a prevalência deste transtorno nas outras
regiões brasileiras.

7.1.8 Renda familiar

Tabela 6 - Renda familiar das participantes


Porcentagem
Renda familiar Frequência
(%)
Inferior ou igual a 1 SM 63 10,4%
de 2 a 5 SM 294 48,7%
de 6 a 10 SM 137 22,7%
Maior que 10 SM 110 18,2%
Total 604 100,0%
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

A renda familiar mais representativa é a de dois (02) a cinco (05) SM (48,7%).


A tabela 6 demonstra que 59,1% da amostra possui uma renda familiar igual ou menor
76

a cinco (05) SM, enquanto 40,9% da amostra possui renda familiar maior ou igual a
seis (06) SM. Embora a maior parte dos participantes tenha um alto nível de instrução,
os participantes apresentam uma renda familiar igual ou inferior a cinco (05) SM. Um
estudo australiano, realizado por Mulders-jones et al. (2017), e outro brasileiro,
desenvolvido por Freitas et al. (2008), indicaram que a renda não foi uma fator
estatisticamente significativo para o TCA.

7.1.9 Estado civil

Tabela 7 - Estado civil das participantes

Porcentagem
Estado civil Frequência
(n=604)
Solteira(o) 281 46,5%
Em um relacionamento 126 20,9%
Casada(o) 172 28,5%
Divorciada(o) 22 3,6%
Viúva(o) 3 0,5%
Total 604 100,0%
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

A porcentagem de participantes que não possuem um parceiro(a) amoroso –


solteira(o), divorciada(o) e viúva(o) – é de 50,6 % e a porcentagem de participantes
que estão em um relacionamento amoroso – em um relacionamento amoroso e
casada(o) – é de 49,4%. Estes dados demonstram que a amostra possui uma
distribuição equilibrada quanto ao fato de possuir ou não um parceiro amoroso ou
conjugal. Kessler et al. (2013) indicaram que não se encontrou relação entre estado
civil e TA, em geral.
77

7.1.10 Tratamentos realizados

Tabela 8 - Tratamentos realizados pelas participantes

Tratamentos Nutricionista Endocrinologista Psicólogo Psiquiatra


n n n n
realizados (n=604) (n=604) (n=604) (n=604)
Não 151 25,0% 219 36,2% 150 24,8% 281 46,6%
Atualmente 82 13,6% 88 14,6% 165 27,3% 149 24,7%
No passado 357 59,1% 285 47,2% 276 45,7% 163 27,0%
No passado
14 2,3% 12 2,0% 13 2,2% 10 1,7%
e atualmente
n: Frequência de participantes
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

Conforme a tabela 8, um número significativo de participantes já realizou no


passado acompanhamento nutricional (59,1%), endocrinológico (47,2%) e psicológico
(45,7%). O número de participantes que buscou tratamento nutricional e
endocrinológico, respectivamente, é ligeiramente maior que o relacionado ao
acompanhamento psicológico e se reduz significativamente no que se refere ao
acompanhamento psiquiátrico.
Atualmente um número reduzido de pacientes faz acompanhamento com todos
os profissionais, entretanto, o acompanhamento com psicólogo e psiquiatra é maior
que o acompanhamento com nutricionista e endocrinologista, diferindo dos dados
sobre tratamento no passado. Ainda menos expressivo são aqueles participantes que
fazem um acompanhamento contínuo – no passado e atualmente – com nutricionista
(2,3%), endocrinologista (2,0%), psicólogo (2,3%) e psiquiatra (1,7%). Por fim, quase
metade da amostra (46,6%) nunca realizou um acompanhamento com psiquiatra.

7.1.11 Presença de diagnóstico psiquiátrico ou psicológico em qualquer fase da


vida segundo as participantes

Sobre a pergunta “Há presença de algum diagnóstico psiquiátrico ou


psicológico em qualquer fase da vida?”, 57% (n=344) da amostra relatou algum
diagnóstico psiquiátrico em algum momento da vida, enquanto 43% (n= 260) informou
não ter diagnóstico. A alta associação entre compulsão alimentar e comorbidades
psiquiátricas também foi observada nos estudos de Guerdjikova et al. (2017) e Udo e
78

Grilo (2019), sendo considerado por, segundo Ulfvebrand et al. (2015) e Passos,
Stefano e Borges (2005) o TA com maior nível de comorbidades psiquiátricas.
É interessante notar que embora a porcentagem de indivíduos que relataram
algum diagnóstico psiquiátrico ou psicológico em algum momento da vida tenha sido
elevada (57%, n=344), um número reduzido de participantes indicaram, vide tabela 8,
nunca terem feito acompanhamento psiquiátrico (46,6%) e psicológico (24,8%). Este
dado pode levantar dúvidas quanto ao fato deste diagnóstico ter sido fornecido por
um profissional da área da saúde mental, especialmente por se tratar de um
autorrelato do diagnóstico psiquiátrico/psicológico. Sendo assim, não é possível
afirmar que estes indivíduos tenham sido diagnosticados em algum momento da vida
com estas patologias.

Quadro 2 – Autorrelato de diagnóstico psiquiátrico ou psicológico das participantes


em qualquer fase da vida

Porcentagem - apenas pessoas


Frequênc com diagnóstico
Diagnóstico
ia psiquiátrico/psicológico
(n=344)
Transtornos de ansiedade 193 56,1%
Transtornos de depressão 192 55,8%
TA 94 27,3%
Transtorno bipolar 30 8,7%
TDHA 12 3,5%
TOC 10 2,9%
Transtorno de personalidade
9 2,6%
borderline
Transtornos Relacionados a
7 2,0%
Trauma e a Estressores
Transtorno dismórfico corporal 5 1,5%
Transtornos psicóticos 2 0,6%
Síndrome de burnout 1 0,3%
Terror noturno 1 0,3%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

O quadro 2 revela que os participantes que indicaram possuir um diagnóstico


psiquiátrico ou psicológico em algum momento da vida, 56,1% (n=193); já os
participantes apresentaram autorrelatos de transtornos depressivos e 55,8% (n=192)
de transtornos ansiosos. Pode-se observar que os valores de ambos os transtornos são
bastante similares e também se mostraram os mais frequentes em pessoas com
79

compulsão alimentar nos estudos de Fairburn et al. (1998), Becker e Grilo (2011),
Feinson e Hornik-Lurie (2016a) e Baek et al. (2018).

7.1.12 Uso de medicamentos psiquiátricos

Observou-se que 51,8% (n=313) dos participantes relataram fazer uso de


algum tipo de medicamento psiquiátrico em qualquer fase vida. Estes dados estão em
concordância com a porcentagem de indivíduos que disseram ter algum diagnóstico
psiquiátrico ou psicológico em algum momento da vida (57%, n=344), mas novamente
incongruente com o número de indivíduos que relatou nunca ter feito fazer
acompanhamento com psiquiatra (46,6%, n=281). Este dado pode indicar uma
subnotificação do acompanhamento com psiquiatra, o uso de automedicação de
remédios controlados ou um acompanhamento médico realizado com profissional não
especializado em saúde mental.
Vale destacar que 15% (n=47) dos que relataram fazer uso de medicação não
assinalaram a presença de algum diagnóstico psiquiátrico/psicológico em qualquer
fase da vida. Este dado pode indicar uma subnotificação de diagnósticos
psiquiátricos/psicológico.

7.1.13 Uso de cirurgia ou medicamento para redução de peso em algum


momento da vida

Os dados mostram que 57,5% (n=347) já realizaram em algum momento da


vida cirurgia ou medicamento a fim de reduzir peso, enquanto 42,5% (n=257) não.
Estes dados podem sugerir uma preocupação com o peso significativa, tendo em vista
que os participantes buscaram métodos para reduzir peso. Segundo Wildes e Marcus
(2010), a prevalência de indivíduos com TCA em pacientes que buscam cirurgia
bariátrica ou alguma outra intervenção para perda de peso é de 30%, indicando que
os indivíduos da amostra da presente pesquisa apresentaram um alto nível (57,5%)
de engajamento em métodos para redução de peso.
80

Quadro 3 - Uso de medicamento ou cirurgia para redução de peso em algum


momento da vida

Porcentagem - apenas pessoas que


Medicamento ou
Frequência afirmaram ter se submetido à cirurgia ou ao
cirurgia
uso de medicamento (n=347)
Medicamento 280 80,7%
Cirurgia bariátrica /
35 10,1%
balão intragástrico
Laxante 24 6,9%
Cirurgia plástica 19 5,5%
Outros 7 2,0%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Quanto ao uso de medicamento ou cirurgia para reduzir peso, pode-se observar


no quadro 3 que mais da metade da amostra respondeu sim para ter se submetido à
cirurgia ou ao uso de medicamento para a redução de peso em algum momento da
vida: 80,7% dos participantes afirmaram já ter utilizado medicamento para emagrecer
e 10,1% já submeteu-se à cirurgia bariátrica ou ao tratamento endoscópico do balão
intragástrico a fim de reduzir peso. Um estudo realizado por Tess et al. (2019)
observou que a prevalência de TCA em indivíduos que se submeteram à cirurgia
bariátrica é de 2% a 53%, indicando que nessa pesquisa a amostra possui um baixo
índice de pessoas com compulsão alimentar bariátricos. Não foram encontradas
pesquisas relacionando o balão intragástrico com TCA.
O uso de laxante em algum momento da vida foi relatado por 6,9% (n= 24) dos
participantes. Além disso, a pesquisadora observou que 10,6% (n=64) da amostra
relatou de maneira espontânea ao longo das perguntas abertas comportamentos
compensatórios inapropriados (CCI).
Embora o uso de laxantes seja considerado um método purgativo e um CCI,
sendo utilizado usualmente por indivíduos com BN, a pesquisadora não sabe quando
estes indivíduos se engajaram nestes comportamentos, nem a extensão e frequência
deste uso, dados fundamentais para o diagnóstico de BN. Além disso, Fichter e
Quadflieg (2007) apontam que a apresentação clínica do TA pode flutuar ao longo do
curso da doença, indicando que a instabilidade diagnóstica no TA é comum. Em um
estudo realizado pelos autores ao longo de doze anos, a AN foi o diagnóstico com
maior estabilidade, enquanto o TCA demonstrou maior instabilidade diagnóstica.
Aqueles pacientes com TCA tiveram uma maior transição de diagnóstico para BN, que
o contrário; enquanto a transição de TCA para AN, e vice-versa, foi ausente. Os
81

autores também indicaram a possibilidade de um subgrupo de pacientes com TCA


preceder o início do curso de BN. Entretanto, por não se tratar do objetivo da pesquisa
a comparação entre indivíduos com compulsão alimentar e compulsão alimentar com
utilização de métodos compensatórios, a pesquisadora optou por relatar este dado e
se ater aos resultados fornecidos pela escala ECAP.
Por fim, foi realizada uma pergunta: “Você se considera uma pessoa com
compulsão alimentar?”, 97,4% dos participantes do estudo com compulsão alimentar
acreditam possuir compulsão alimentar, enquanto 2,6% dos participantes acreditam
que não, embora tenham pontuado na ECAP positivo para compulsão alimentar, isto
porque apenas indivíduos com compulsão alimentar foram incluídos no estudo. Estes
dados podem indicar uma incongruência, negação ou ignorância sobre o tema,
embora a maior parte da amostra apresente um nível de consciência sobre a
compulsão alimentar. Pode-se inferir que isto se deve ao fato de já terem buscado
alguma forma de ajuda nos grupos de Facebook sobre compulsão alimentar.

7.2 Análise estatística dos questionários ECAP e QUESI

7.2.1 Compulsão Alimentar

Tabela 9 - Classificação da compulsão alimentar (ECAP) das participantes

Pontuação Porcentagem
Classificação ECAP Frequência
ECAP (%)
ECAP moderada 18 - 26 139 23,0
ECAP grave ≥ 27 465 77,0
Total 604 100,0
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

A ECAP revelou que 77% dos participantes da amostra apresentam compulsão


alimentar considerada grave e 23% moderada, indicando que se trata de uma amostra
com compulsão alimentar majoritariamente grave. Como foi abordado anteriormente,
aqueles que não pontuaram para compulsão alimentar (ECAP < 18) foram excluídos
do estudo.
82

Tabela 10 - Média da compulsão alimentar (ECAP) das participantes

Amplitude da
ECAP n M (DP) IC 95%
escala
ECAP
18 - 26 139 22,23 (2,616) 21,79 - 22,67
moderado
ECAP grave 27 - 48 465 35,53 (5,433) 35,03 - 36,02
ECAP total 18 - 48 604 32,47 (7,461) 31,87 - 33,06
IC 95%: Intervalo de confiança a 95%.
n: Frequência dos participantes.
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

A tabela 10 demonstra que a pontuação média das participantes da amostra foi


32,47, indicando que a pontuação média de compulsão alimentar é grave (ECAP ≥
27).

7.2.2 Trauma na infância (QUESI)

Tabela 11 - Classificação do trauma na infância (QUESI) nas participantes

Abuso Abuso Abuso Negligência Negligência


QUESI - Total
sexual físico emocional física emocional
classificação (n=604)
(n=604) (n=604) (n=604) (n=604) (n=604)
Inexistente para
61,2% 63,1% 21,3% 53,6% 27,0% 23,0%
mínimo
Baixo para
11,6% 12,9% 25,0% 18,5% 30,1% 32,8%
moderado
Moderado para
12,6% 10,6% 15,6% 15,6% 15,1% 27,3%
grave
Grave para
14,6% 13,4% 38,1% 12,3% 27,8% 16,9%
extremo
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

Na tabela 11, observou-se que em relação ao abuso sexual (61,2%; n=369);


abuso físico (63,1%; n=381) e negligência física (53,6%; n=323) a maior parte dos
participantes possui pontuação inexistente para mínima. Embora a porcentagem
destas subescalas possam parecer baixas, 173 participantes que sofreram abuso
sexual (27,2%); 145 abuso físico (24%) e 168 negligência física (27,9%) apresentaram
pontuação moderada para grave e grave para extrema.
No que se refere ao abuso e à negligência emocional, 53,7% (n=324) e 42,9%
(n=259) dos participantes, respectivamente, pontuaram de moderado para grave e
grave para extremo.
83

Tabela 12 - Minimização/negação do trauma na infância (QUESI)

QUESI – Pontuação de
Frequência Porcentagem (%)
minimização/negação
0 367 60,7
1 158 26,2
2 64 10,6
3 15 2,5
Total 604 100,0
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

O QUESI possui três questões cujo objetivo é captar possíveis subnotificações


de abuso ou negligência. Caso o indivíduo pontue > 0 nestes três itens, isso pode
significar uma minimização ou negação do trauma infantil. Como mostra a tabela 12,
39,3% (n=237) das participantes da amostra pontuaram para
subnotificação/minimização do trauma infantil, indicando um alto nível de participantes
que podem ter sofrido uma vivência traumática na infância, mas não relataram no
questionário, embora apenas 2,5% tenham indicado um alto nível de
minimização/negação. Macdonald et al. (2016) relatam que a minimização do trauma
é comum, variando de 10% a 40%, podendo ser em decorrência da natureza
retrospectiva do instrumento, pelo indivíduo não se lembrar de determinadas vivências
traumáticas ou por não querer relatá-las.

Tabela 13 - Média do trauma na infância (QUESI) das participantes


Amplitude da
Dimensões do QUESI (n=604) M (DP) IC 95%
escala
Abuso sexual 5-25 7,59 (4,623) 7,22 - 7,96
Abuso físico 5-25 8,06 (4,030) 7,74 - 8,38
Abuso emocional 5-25 13,62 (5,279) 13,20 - 14,05
Negligência física 5-25 8,16 (3,284) 7,90 - 8,42
Negligência emocional 5-25 13,67 (5,367) 13,24 - 14,10
Total/Global 25-125 51,11 (17,033) 49,75 - 52,47
Minimização/negação 1-3 1,40 (0,606) 1,32 – 1,47
M (DP): média e desvio-padrão.
IC 95%: Intervalo de confiança a 95%.
Fonte: Elaborada pela própria autora, 2020.

A tabela 13 mostra que a pontuação média dos participantes que sofreram


abuso sexual (M=7,59; QUESI: 6-7); abuso físico (M=8,04; QUESI: 8-9); negligência
84

física (M=8,16; QUESI: 8-9); negligência emocional (M=13,67; QUESI: 10-14) e


trauma global (M=51,11; QUESI: 37-51) se enquadram dentro da categoria de
pontuação leve à moderada, segundo a pontuação descrita no quadro 1. O abuso
emocional (M=13,62) foi a única subcategoria considerada com pontuação moderada
à grave (QUESI 13-15), também segundo o quadro 1.

7.2.3 Correlação entre compulsão alimentar (ECAP) e trauma na infância (QUESI)

A seguir, o quadro 4 apresenta a correlação entre a compulsão alimentar –


ECAP – e o trauma infantil – QUESI. Foi observado uma correlação positiva entre
compulsão alimentar e trauma na infância global (0,253), abuso emocional (0,251) e
negligência emocional (0,210), embora esta tenha sido fraca. Estes dados indicam
que quanto maior o nível de trauma infantil nas dimensões abaixo mencionadas maior
será a gravidade da compulsão alimentar.

Quadro 4 - Correlação significativas entre compulsão alimentar (ECAP) e trauma na


infância (QUESI)
Variável 1 Variável 2 Correlação* IC 95%
ECAP QUESI – Trauma na infância global 0,253 0,177 - 0,326
ECAP QUESI – Trauma na infância - abuso emocional 0,251 0,174 - 0,324
ECAP QUESI – Trauma na infância - negligência emocional 0,210 0,132 - 0,285
*: Correlação de Pearson estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal)
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Segundo Dancey, Reidy e Viali (2008), a correlação é considerada fraca


quando o valor do coeficiente de correlação tem valores de -0,3 a 0,3, como pode ser
observado na figura 3. Optou-se por considerar, como descrito na análise estatística,
apenas as correlações ≥ 0,200 e ≥ -0,200, por se tratar da média do coeficiente de
correlação considerado fraco, a fim de privilegiar correlações mais significativas do
ponto de vista estatístico.
85

Figura 3 - Interpretação do coeficiente de correlação


Perfeito 1,000 -1,000
0,900 -0,900
Forte 0,800 -0,800
0,700 -0,700
0,600 -0,600
Moderado 0,500 -0,500
0,400 -0,400
0,300 -0,300
Fraco 0,200 -0,200
0,100 -0,100
Sem relação 0,000 0,000

Fonte: DANCEY, C.P.; REIDY, J. Estatística sem matemática para psicologia. 7ª ed. Porto Alegre:
Penso, 2019.

Em concordância com esses achados, o abuso emocional também foi o trauma


infantil com correlação significativa e positiva mais frequentes no TCA e episódios de
compulsão alimentar (AFIFI et al., 2017; BURNS et al., 2012; CASLINI et al., 2016;
FEINSON; HORNIK-LURIE, 2016a, 2016b; HYMOWITZ; SALWEN; SALIS, 2017;
IMPERATORI et al., 2016). Em outras pesquisas, o abuso emocional em conjunto com
a negligência foram os tipos de trauma infantis mais significativos para o TCA e
episódios de compulsão alimentar (AMIANTO et al., 2018; BECKER; GRILO, 2011;
BELLI et al., 2019; MOLENDIJK et al., 2017; PALMISANO et al., 2018). Somente o
estudo de Quilliot et al. (2019) indicou apenas negligência emocional com uma
correlação positiva e mais significativa com o TCA. Estes estudos estão de acordo
com os dados obtidos pela pesquisadora de que o abuso e a negligência emocional
seriam fatores mais associados à compulsão alimentar, indicando que os aspectos
emocionais do trauma infantil seriam mais significativos para a compulsão alimentar.
Por fim, o trauma global também foi observado em diversos estudos como
significativo para o TCA/compulsão alimentar, em concordância com os resultados do
presente estudo (AFIFI et al., 2017; BAEK et al., 2018; BECKER; GRILO, 2011;
BRAUN et al., 2019; CASLINI et al., 2016; IMPERATORI et al., 2016; MOLENDIJK et
al., 2017; PALMISANO et al., 2018; PALMISANO; INNAMORATI; VANDERLINDEN,
2016; QUILLIOT et al., 2019).
86

7.2.4 Correlação entre trauma na infância (QUESI) e compulsão alimentar (ECAP)


com IMC

Quadro 5 - Correlações estatisticamente significativas entre IMC, ECAP e QUESI


Variável 1 Variável 2 Correlação* IC 95%
IMC ECAP 0,229 0,152 - 0,303
IMC QUESI -Trauma na infância global 0,218 0,140 - 0,292
*: Correlação de Pearson estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal).
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Como mostra o quadro 5, o IMC apresentou uma correlação positiva, embora


fraca, com a ECAP e com o trauma global, indicando que quanto maior o nível de
compulsão alimentar e o trauma global, maior será o IMC.
A correlação entre obesidade – maior nível de IMC – e compulsão alimentar
também foram observadas por Forteza e Miguel (2014); Montano, Rasgon e Herman
(2016) e Sadock, Sadock e Ruiz (2017). No estudo de Freitas et al. (2008) também foi
observado que quanto maior a compulsão alimentar maior o IMC.
A correlação entre trauma global infantil e IMC está em concordância com os
estudos de Imperatori et al. (2016) e de Palmisano et al. (2018), que também
observaram que quanto maior o nível de trauma na infância global maior o IMC.

7.2.5 Análise de regressão múltipla entre compulsão alimentar (ECAP) com


trauma na infância global (QUESI) e IMC

Tabela 14 - Resumo do modelo de análise de regressão múltipla entre a


variável dependente compulsão alimentar (ECAP) – e as variáveis explicativas
– IMC e trauma na infância (QUESI)

R R2 R2 ajustado Erro padrão


0,310* 0,096 0,093 7,105

*: Preditores: (Constante), IMC e trauma.


R2: Coeficiente de determinação.
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

A análise de regressão múltipla investiga como as variáveis explicativas – IMC


e trauma na infância – se associam com a variável dependente – compulsão alimentar
(ECAP). O valor R neste estudo é 0,310, indicando uma correlação existente, porém
fraca, entre a variável dependente (ECAP) e as explicativas (IMC e trauma). O
coeficiente de determinação ajustado (R2) aponta quanto a variação do ECAP –
87

variável dependente – é influenciada/explicada pelas variáveis explicativas – IMC e


trauma na infância. O R2 ajustado mostrou que nesse modelo as variáveis trauma
infantil (QUESI) e IMC explicam 9,3% da variação da compulsão alimentar (ECAP).

Tabela 15 - Análise de regressão múltipla entre a variável dependente


compulsão alimentar (ECAP) – e as variáveis explicativas – IMC e trauma na
infância (QUESI)

Preditor B IC 95% para B Erro padrão β t p-valor


(Constante) 21,436 18,525 - 24,348 1,483 14,459 <0,001
IMC 0,203 0,116 - 0,289 0,044 0,182 4,579 <0,001
QUESI -
Trauma na infância 0,094 0,060 - 0,128 0,017 0,215 5,399 <0,001
global
B: Coeficiente de regressão não padronizado.
β: Coeficiente de regressão padronizado.
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

O coeficiente de regressão não padronizado para IMC foi de 0,203 (IC de 95%
variando de 0,116 a 0,289) e para trauma na infância foi de 0,094 (IC de 95% variando
de 0,060 a 0,128). Como os intervalos de confiança não incluíram valor negativo,
pode-se concluir que os coeficientes de regressão populacionais tanto para o IMC
quanto para o trauma infantil são positivos (IMC: t=4,579, p-valor<0,001; QUESI:
t=5,399,p-valor<0,001), indicando que tanto IMC quanto trauma na infância (QUESI)
estão positivamente correlacionados ao ECAP.
Os coeficientes de regressão padronizados (β) mostram que o trauma infantil
(β=0,215) é um previsor mais forte que o IMC (β=0,182) para a compulsão alimentar
(ECAP). O trauma infantil contribuiu separadamente 21,5% para prever a compulsão
alimentar (ECAP). Todavia, ambas as variáveis – trauma infantil e IMC – estão
positivas e significativamente relacionadas ao ECAP.

7.2.6 Abuso emocional e transtornos de depressão

É importante reafirmar que foram analisadas todas as variáveis possíveis entre


as variáveis contínuas (IMC, ECAP e QUESI) e categóricas (perguntas qualitativas).
As correlações que não foram descritas no presente estudo não foram
estatisticamente significativas ou apresentaram uma correlação abaixo da
estabelecida.
88

Quadro 6 – Correlações estatisticamente significativas entre abuso emocional


(QUESI) e autorrelato de transtornos de depressão (variável categórica)

Variável contínua Variável categórica Correlação* IC 95%


Autorrelato de transtornos
QUESI – Abuso emocional 0,228 0,151 – 0,302
de depressão
*: Correlação de Spearman estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal).
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Como pode ser observado no quadro 6, o autorrelato de transtornos de


depressão (variável categórica) foram os únicos a apresentarem uma correlação
significativa positiva, embora fraca, com o abuso emocional (QUESI – variável
contínua). É importante destacar que se tratam de autorrelatos das participantes sobre
os transtornos de depressão, isto é, não se pode afirmar a existência deste
diagnóstico.
Estes dados estão em concordância com os estudos de Becker e Grilo (2011)
e Imperatori et al. (2016), os quais também observaram uma correlação positiva entre
abuso emocional na infância e transtornos depressivos.
Steinberg (1990) define a depressão, a partir de um ponto de vista junguiano, como
uma redução da energia psíquica disponível ao ego. A energia psíquica é retirada do
mundo externo consciente e investida no mundo interno inconsciente, em um
movimento regressivo. Este redirecionamento da energia psíquica para o mundo
interno pode ser vivenciado pelo indivíduo como: desamparo, desmotivação,
desesperança, pessimismo, solidão, tristeza, autocensura, autoculpa,
autodepreciação, baixa autoestima, desvitalização, esgotamento e empobrecimento
psíquico.
Na depressão o indivíduo vê o mundo, a si mesmo e o futuro de maneira
negativa. Isto pode ocorrer, segundo Steinberg (1990), em função de eventos
adversos na infância e da internalização do criticismo e da agressividade parental. O
criticismo parental é um dos elementos característicos do abuso emocional, que foi
definido por Bernstein et al. (2003) pela presença de comportamentos humilhantes ou
degradantes e ataques ou ameaças de ordem verbal ao senso de valor e de bem-
estar direcionados a uma criança por um adulto.
A criança pode acreditar que não é amada por sua culpa e por conta de seus
comportamentos, por isso, buscaria constantemente afirmação externa e adotaria
uma postura passiva, especialmente por conta do medo, real ou imaginado, da perda
do amor e abandono. Para Steinberg (1990), o indivíduo depressivo aprendeu a lidar
89

com a dor e perda submetendo-se e satisfazendo às figuras parentais abusivas em


busca de aprovação.
Além de adotar uma postura passiva para sobreviver nesse ambiente familiar
hostil, a criança pode reprimir a raiva que sente pelo agressor e passar a dirigi-la para
si mesmo (HOLLIS, 1998). A raiva e agressividade reprimida, segundo Steinberg
(1990), foi extensamente relacionada à depressão e, para Hollis (1998), quando não
são expressas de maneira adequada podem ser projetadas em um outro que
represente os agressores do passado, sendo exteriorizadas de maneira sutil (passivo-
agressivo) ou manifestadas em atitudes e decisões danosas para o si mesmo.

7.3 Análise das perguntas qualitativas

Não foram estabelecidas categorias prévias nas perguntas abertas, pois foram
elaboradas a partir dos relatos feitos pelas participantes e com base na análise
temática de Ezzy (2002). O discurso das participantes poderia ser classificado com
mais de uma categoria, sendo priorizado para a análise as categorias com
porcentagem ≥ 10%. Ademais, todas as perguntas abertas e as categorias foram
correlacionados com o ECAP e QUESI, aquelas que apresentaram uma correlação
significativa foram descritas.

7.3.1 Vivência ou experiência marcante que relaciona com compulsão alimentar

Para a pergunta: “Houve alguma vivência ou experiência marcante em algum


momento da sua vida que você acredita que fez/faça com que você coma de maneira
compulsiva?” 23,8% (n=144) responderam que não, enquanto 76,2% (n=460)
disseram que sim. Devido à multiplicidade de razões, muitas vezes sobrepostas, que
fizeram/fazem que as participantes comam de maneira compulsiva e, por conta do
desenho do estudo, não foi possível realizar uma investigação mais profunda destas
razões.
Entretanto, ressaltou-se alguns aspectos que se destacaram. Observou-se
relatos que associavam à compulsão alimentar a estados afetivos negativos tais
como, depressão, ansiedade, tristeza, nervosismo, alto nível de estresse, baixa
autoestima, angústia, insegurança e medo. Pode-se refletir, a partir do ponto de vista
da hipótese da automedicação desenvolvida por Khantzian (1997), se a compulsão
90

alimentar surgiria para apaziguar afetos dolorosos, especialmente quando o indivíduo


não consegue suportá-los, como uma medicação que alivia a dor emocional.
Outros aspectos relevantes são os períodos de grande mudança/transição na
vida, períodos estressantes ou que exigiam uma reorganização do indivíduo foram
também associados à compulsão alimentar e estão de acordo com o estudo de Pike
et al. (2006). Algumas dessas razões, as quais frequentemente se sobrepõem, foram
ilustradas no relato 161:

Eu tinha acabado de ser mãe, meu filho dava muito trabalho. Ele só chorava
(e eu chorava junto). Minha vida estava toda mudada. Eu era nova. Fui morar
com o pai do meu filho. Vivia em um casamento abusivo e cheio de traições
(Participante 161).

Ainda, dietas restritivas também foram descritas e, segundo diversos autores,


estão associadas à compulsão alimentar (ATA; SCHAEFER; THOMPSON, 2015;
MORGAN; CLAUDIANO, 2005; MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002). Assim
como o bullying, caracterizado como provocações verbais e físicas, exclusões
repetidas feitas por pares e dirigidas àqueles que têm dificuldades em se defender
(LIE, RØ; BANG, 2019).
No que se refere a dinâmica familiar, em concordância com Fairburn et al.
(1998) e Striegel-Moore et al. (2005), observou-se: conflitos; centralidade da comida;
pouco afeto e altas demandas/expectativas parentais. O pouco afeto parental e
negligência emocional, esta última definida pelo “fracasso dos cuidadores em atender
às necessidades emocionais e psicológicas básicas das crianças, incluindo amor,
pertencimento, nutrição e apoio” (BERNSTEIN et al., 2003, p. 175, tradução nossa),
foram exemplificados pela participante 198, que relata como a negligência emocional
e pouco afeto parental deixam marcas negativas, moldando a forma como o mundo
interpessoal é interpretado e vivido (KALSCHED, 2010; VAN DER KOLK, 2005). A
participante acha que

quando você passa por suas experiências sozinhas, sem o apoio familiar,
sem carinho e sem atenção isso te marca negativamente [grifo nosso]. Você
é a gordinha da escola, você não se sente feliz. Isso grava marcas durante
sua vida. Também o fato de não ter ninguém para conversar ou dividir os
problemas. Além disso, minha família é muita fechada, nunca houve
conversas ou diálogos. Demonstração de afeto como abraçar, beijar não
tenho essa lembrança. Meu pai sempre trabalhou muito, 3 filhos para criar,
aluguel, família, etc. Minha mãe hoje percebo que era frustrada por ter a
obrigação de ficar em casa cuidando da gente. Sua criação tbm [sic] a afetou,
91

mãe morreu cedo, foi trabalhar em casa de família muito nova, então nunca
fez o que queria e quando teve 3 filhos, esses os atrapalharam. Sempre
escutei que devia ter feito aborto, seria melhor (Participante 198).

A tensão e a agressão familiar na hora do comer, em concordância com


Striegel-Moore et al. (2005), foram observadas, podendo ser exemplificada nos relatos
598 e 634. O abuso físico – “agressões corporais a uma criança por uma pessoa mais
velha” (BERNSTEIN et al., 2003, p. 175, tradução nossa) – condicional ao não comer
todo alimento contido no prato, poderia fazer que o indivíduo internalizasse que deve
comer todo alimento possível, senão será punido.

Meu pai me bateu porque eu não quis comer tudo. Eu tinha 3 anos. Desde
então não como os alimentos que estava comendo nesse dia. Isso restringiu
muito minha alimentação. Então minha mãe, na tentativa de me fazer comer,
me recompensava com comidas que eu aceitava. Passei a ver a comida
como válvula de escape. Também quando minha irmã nasceu e eu tinha
ciúmes (Participante 598).

Lembro que apanhava por não limpar o prato quando era pequena e comecei
a conseguir comer cada vez mais (Participante 634).

A comida poderia compensar os abusos sofridos, perpetuando a dinâmica


abuso-recompensa-comida para outras situações, que não as vividas com as figuras
parentais. Isto poderia significar a busca por comida/recompensa em situações de
sofrimento emocional, aspecto ilustrado na fala 598, acima, e na 688, abaixo:

Meus pais sempre me compensaram com comida na infância, principalmente


minha mãe, e geralmente após episódios de violência verbal ou física, ou
outro tipo de coisa chata. Também me sentia depressiva e isolada
(Participante 688).

Assim, pode-se pensar a comida como forma de compensar a rejeição,


ausência, solidão, abandono, tristeza e privação de afeto, assim como uma forma de
se proteger dos abusos e ambiguidades familiares. Para Seligman (1989) e Wahba
(2017), a hipertrofia do alimento representaria o complexo materno positivo e nutridor
que falta nas figuras parentais. Os relatos 18, 192 e 570 exemplificam este aspecto:

Minha mãe me dava alimentos quando me deixava só o dia todo e quando eu


chorava por estar triste, meu pai também me dava doces pra compensar sua
ausência. Meus pais brigavam muito, dificuldades financeiras,
desentendimentos familiares e bullying na escola (Participante 18).

Ainda não trabalhei isso com a minha psiquiatra, mas acredito que minha
relação com a minha família tenha muito a ver com isso, tanto nos momentos
92

onde eles são mais abusivos (como para me proteger deles, mesmo que isso
não faça sentido), quando eles são amorosos demais e forçam uma relação
que nunca existiu (como para me provar que me amo) e quando eles me
abandonam completamente (como para me dar o amor que preciso)
(Participante 192).

Talvez o abandono. Minha mãe foi embora de casa quando eu tinha 10 anos.
Meu pai foi embora quando eu tinha 16, que foi quando fui colocada para a
rua. Me mudei de Santo André para Santos e a comida era minha única forma
de prazer em um mundo que não tinha espaço para mim. Aí vieram
relacionamentos abusivos, baixa autoestima, empregos ruins e o combo todo
da falta de sorte. Eu sou uma pessoa que não merece amor e consideração
apesar de todos os esforços em tentar ser alguém legal. A comida é uma
forma de prazer e aconchego. Inexplicável a relação (Participante 570).

A vivência de negligência, rejeição, abandono e solidão, segundo Wilkinson


(2003), poderia gerar uma sensação de despertencimento e desconexão com o
mundo, ilustrado pelo relato 570, afetando o modo como a criança compreende e
vivencia o mundo – “um mundo que não tinha espaço para mim” – e a si mesma –
“não mereço amor”.
Se aqueles que deveriam amá-la não ofereceram carinho e não afirmaram seu
valor, a criança pode interpretar que não merece este amor ou que é insuficiente, o
que poderia acarretar uma profunda distorção no seu senso de autovalor e severos
prejuízos em sua autoestima e sentimento de integridade (HOLLIS, 1998;
STEINBERG, 1990). Isto poderia ocorrer porque, ao internalizar o posicionamento
deste outro, identificação com o agressor, o indivíduo adotaria inconscientemente uma
visão distorcida sobre si mesmo (JACOBY, 1996) .
Segundo Hollis (1998), por conta dos ataques e desaprovações parentais,
característicos do abuso emocional, o senso de amor-próprio da criança é diminuído,
especialmente porque na infância há uma maior susceptibilidade em relação às
opiniões parentais, já que estes medeiam a relação da criança com o mundo, seu
próprio corpo e consigo mesma.
Ademais, algumas participantes indicaram alguma questão específica com a
figura materna, tais como, conflitos; falta de afeto; rejeição; ausência; comentários
críticos sobre a forma corporal e o comer ou senso de valor; competição; e, por fim,
mães com questões alimentares ou que se engajavam em dietas frequentemente.
Pode-se observar que a mãe pessoal estaria alinhada com o complexo materno
negativo crítico, pouco afetuoso e deflagrador de emoções negativas sobre si mesmo.
Estes comportamentos são ilustrados nos relatos abaixo:
93

Mãe com transtorno de personalidade narcisista, passou a vida toda me


chamando feia gorda burra etc... e fazendo comentários sobre o meu corpo
(Participante 121).

Desde pequena eu comia mais que outras crianças, minha mãe sempre me
chama "carinhosamente" de gorda (Participante 275).

Minha mãe narcisista me dava muitos doces na infância para depois me


chamar de gorda. Eu também sofria bullying em casa e na escola
(Participante 428).

A comida também apareceu como forma de preencher a ausência e a


negligência física e emocional da figura materna:

Após separação dos meus pais, onde minha mãe tinha atitudes negligentes,
como me deixar sozinha e sem comida saudável, comecei a descontar tudo
em comer sem estar com fome. Também sentia muita ansiedade
(Participante 368).

Em relação à figura paterna, as principais queixas foram: abandono, ausência,


baixo envolvimento e distanciamento emocional, assim como pai autoritário e
controlador em relação à alimentação, em concordância com Fairburn et al. (1998),
Palavras et al. (2011) e Maine (2013). Além disso, pais que: criticavam o corpo e/ou
senso de valor da filha, abusavam de álcool ou agrediam fisicamente a esposa/filha
foram descritos pela participantes e, segundo van der Kolk (2015), seriam situações
potencialmente traumáticas. Estes fatores foram exemplificados abaixo:

Pai alcoólatra e com 16 anos sofria violência doméstica (Participante 23).

Meu pai me abandonar aos 3 anos (Participante 363).

Por fim, a vivência de um trauma na infância e/ou vida adulta, associada por
Morgan e Claudiano (2005) a uma possível precipitação da compulsão alimentar,
foram relatadas pelas participantes. Algumas das experiências traumáticas na infância
e/ou vida adulta descritas foram: assédio/abuso sexual; agressão/violência física ou
doméstica e abuso emocional. Apesar de não ter sido observado uma correlação
estatística significativa entre abuso sexual na infância e compulsão alimentar, uma
parcela reduzida das participantes relataram a ocorrência deste abuso na infância e
na vida adulta.
94

7.3.2 Situações/emoções/pensamentos que motivam o comer

Em relação à pergunta: “Você acredita que todas as vezes que come está com
fome?”, 97,2% (n=587) das participantes responderam que não, enquanto 2,8%
(n=17) disseram que sim. Diferentes fatores, para além da fome, motivaram o comer.

Quadro 7 - Motivos de comer sem fome


Porcentagem - apenas
Motivos de comer sem fome Frequência pessoas que afirmaram comer
sem fome (n=587)
Ansiedade 363 61,8%
Tristeza 182 31,0%
Tédio/tempo ocioso 100 17,0%
Estresse 83 14,1%
Felicidade 70 11,9%
Busca por emoções/sensações positivas 62 10,6%
Nervosismo 61 10,4%
Lidar com problemas/frustrações 58 9,9%
Descontrole 54 9,2%
Fatores emocionais não especificados 42 7,2%
Raiva 39 6,6%
Vontade 37 6,3%
Angústia 29 4,9%
Medo 26 4,4%
Outros 87 14,8%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Conforme o quadro 7, a ansiedade para 61,8% (n=363) das participantes foi o


principal fator que motivou o comer, seguido pela emoção de tristeza 31% (n=182) e
tédio/tempo ocioso 17% (n=100). Estes dados estão parcialmente em concordância
com Vanderlinden et al. (2001) que relaram que o tédio (66%); depressão (55%); e
ansiedade (50%) motivaram mulheres com compulsão alimentar a comer.
Além das diversas emoções negativas, a busca por emoções/sensações
positivas (10,6%), exemplificada nos relatos abaixo, também motivaram o comer. Este
dado pode indicar que a comida proporcionaria felicidade de modo a contrapor e
apaziguar os afetos negativos citados, funcionado como um mecanismo de
compensação (BAEK et al., 2018; BURNS et al., 2012; CASLINI et al., 2016).

Minhas emoções, meus sentimentos de raiva, ansiedade, tristeza...comer me


deixa feliz, me preenche e depois eu me culpo e me sinto uma inútil, tô [sic]
tentando trabalhar isso com minha psicóloga (Participante 20). [Categorias:
Fatores emocionais; Raiva; Ansiedade; Tristeza; Busca por
emoções/sensações positivas]
95

Quando estou entediada como para me animar. Quando estou triste para
recompensar, como se fosse um conforto, um abraço amigo, uma forma de
prazer. Quando estou feliz eu como, pois penso que o momento feliz merece
ficar ainda melhor (Participante 570). [Categorias: Tédio/Tempo ocioso;
Tristeza; Felicidade; Busca por emoções/sensações positiva]

O fato da comida representar “um abraço amigo”, como supracitado, está em


concordância com relatado por Gadotti, Borges e Sampaio (2017), que descrevem a
comida como companheira, a qual compensa a vivência de abandono e de privação
de afeto. Desse modo os afetos negativos poderiam ser momentaneamente sanados,
entretanto, a busca por conforto, como diria Woodman (2002), logo se torna
autodestruição, gerando culpa, raiva e sentimento de inutilidade.

Como, sobretudo, pela vontade de comer, de mastigar e pelo prazer imediato.


Ao final, sinto meu vazio expandido (Participantes 701). [Categorias:
Vontade; Busca por emoções/sensações positivas; Outros (Mastigação)]

O trecho “ao final, sinto meu vazio expandindo” do relato 701 ilustra que,
segundo Hollis (1998), não se trata de uma estratégia de regulação emocional eficaz.
Ademais, para além de ser uma busca por emoções/sensações positivas
(10,6%), funcionando como um mecanismo de compensação e autorregulação que
proporciona estados de excitabilidade e euforia a fim de apaziguar os estados
melancólicos e depressivos, também observou-se o comer na presença da emoção
de felicidade (11,9%), ilustrado no relato abaixo, e como uma estratégia de
enfrentamento para lidar com problemas e frustrações (9,9%), aspecto que será
abordado posteriormente.

Tristeza, ansiedade, alegria, euforia, vazio, frustração (Participante 69).


[Categorias: Tristeza; Ansiedade; Felicidade; Busca por emoções/sensações
positivas; Lidar com problemas/frustrações]

Qualquer sentimento mais intenso já me faz comer muito, como a ansiedade,


angústia, medo, estresse, felicidade... (Participante 652). [Categorias:
Fatores emocionais; Ansiedade; Angústia; Medo; Estresse; Felicidade]

O trecho “qualquer sentimento mais intenso já me faz comer muito” poderia


ilustrar um ego desadaptado, que apresenta dificuldade em regular emoções de carga
afetiva intensa, em concordância com o que Wahba (2002), Woodman (2002) e Burns
et al. (2012) observaram em indivíduos com compulsão alimentar.
96

Pode-se pensar que a finalidade do comer não seria apenas a busca por
emoções/sensações positivas (10,6%) para regulação emocional ou apaziguamento
de afetos negativos, mas também um potencializador de afetos positivos (11,9%),
visto que o indivíduo come na presença da emoção felicidade. Também pode-se
refletir que, embora as categorias “busca por emoções/sensações positivas” (10,6%,
n=62) e “forma de lidar com situações de frustração” (9,9%; n=58) possam parecer
uma porcentagem reduzida da amostra, compreender o uso que se faz do comer exige
um certo grau de elaboração das participantes.
Ademais, a comida aparece como forma de autogratificação e de recompensa
por algum desconforto vivido. Entretanto, é interessante destacar que na categoria
“Outros”, 0,8% das participantes (n=5) indicaram que o comer seria uma forma de
autopunição, ilustrado no relato 392. A dualidade contida no significado da comida e
do comer para estes indivíduos também foi observada por Woodman (1995).

Ansiedade, ócio, autogratificação, autopunição, tédio (Participante 392).


[Categorias: Ansiedade; Tédio/Tempo ocioso; Busca por
emoções/sensações positivas; Outros (Punição)]

Por fim, foram relatados aspectos que estariam mais ligados a estados
fisiológicos: cansaço (n=12); sono/insônia (n=7); falta da sensação de mastigação
(n=6); TPM (n=5) e dor (4).

7.3.3 Estratégias de enfrentamento usadas em situações de conflito e frustração

Quanto a pergunta “Como você lida com as emoções em situações de


frustração e conflito?” 55,1% (n=333) das participantes responderam que comem para
lidar com situações de conflito e frustração. Este dado reforça a hipótese do comer
como estratégia de enfrentamento em indivíduos com compulsão alimentar (BAEK et
al., 2018; BURNS et al., 2012; CASLINI et al., 2016; IMPERATORI et al., 2016).
97

Quadro 8 - Formas de lidar com situações de frustração e conflito


Porcentagem
Formas de lidar com situações de
Frequência população total
frustação e conflito
(n=604)
Comendo 333 55,1%
Chorando 111 18,4%
Emoções negativas 111 18,4%
Estratégias de enfrentamento adaptativas 95 15,7%
Evitação de conflito 88 14,6%
Irritabilidade 72 11,9%
Não sabe lidar 63 10,4%
Me isolando 55 9,1%
Ansiedade 50 8,3%
Uso de substâncias/compras 32 5,3%
Dormindo 22 3,6%
Autolesão/Pensamento/Tentativa de suicídio 19 3,1%
Outros 32 5,3%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Nesta amostra, apenas 15,7% das participantes relataram utilizar estratégias


de enfrentamento adaptativas, tais como, conversar na terapia, buscar rede de apoio,
realizar atividades prazerosas, meditar, buscar apoio religioso e praticar técnicas de
respiração, podendo ser exemplificado abaixo:

Encaro a situação, caso ela exija conversar diretamente com o causador do


conflito. Posteriormente procuro conversar com minha psicóloga, colegas e
amigos. (Participante 330). [Categorias: Estratégias de enfrentamento
adaptativas]

Embora qualitativamente a pesquisadora tenha observado um impacto positivo


dos tratamentos realizados pelas participantes, explicitado na tabela 8, especialmente
o psicológico, quantitativamente tais tratamentos não foram estatisticamente
significativos e, por isso, não foram adicionados no estudo.
Além disso, chorar (18,4%), apresentar emoções negativas (18,4%),
irritabilidade (11,9%) e ansiedade (8,3%) foram respostas às situações de
conflito/frustração e, embora estas possam naturalmente despertar os tipos de
reações citadas acima, não são estratégias adaptadas que visam a resolução do
problema. Os relatos 438 e 724 exemplificam estas respostas.

Tenho acessos de raiva, como compulsivamente, choro muito, grito etc.


(Participante 438). [Categorias: Irritabilidade; Comendo; Chorando]

Não muito bem. Sou muito insegura e tendo a achar que sou a culpada por
muitas das coisas que dão errado em minha vida, ou por não me encaixar em
grupos/não agradar pessoas. É difícil lidar com frustrações sem jogar toda a
98

culpa de tudo em cima de mim mesma (Participante 724). [Categorias: Não


sabe lidar; emoções negativas]

No relato de diversas participantes, os afetos negativos são direcionados para


si mesmo, em forma de auto-ódio, como explicitado no relato 724. Estes afetos podem
voltar-se para o indivíduo não só em forma de pensamentos e sentimentos
autodestrutivos, mas em comportamentos como autolesão ou pensamentos/tentativas
de suicídio (3,1%).
Ademais, outras formas desadaptas de respostas a conflitos foram citadas:
10,4% não sabiam lidar com situação conflituosas; 14,6% preferiam evitá-las; 9,1% se
isolam; 5,3% faziam uso de substâncias/compras e 3,6% dormiam. Estes
comportamentos, ilustrados nas falas das participantes 36, 172 e 403, poderiam ser
uma fuga e escape de situações que causem algum nível de desconforto emocional:

Geralmente fico nervosa ou depressiva, e sem vontade de interagir


socialmente. Então assisto séries ou filmes, acompanhada de comida o
tempo todo, pra tentar me desligar da situação (Participante 172).
[Categorias: Me isolando; Comendo; emoções negativos; Ansiedade;
Evitação de conflito; Irritabilidade]

Retraio - calo – engulo (Participante 403). [Categorias: Evitação de conflito;


Comendo; Me isolando]

O movimento descrito pelo relato 403 – retrair, calar e engolir – ilustra a


evitação de conflito e a negação da raiva vivenciado pelas participantes, que poderia
funcionar como uma defesa contra o medo da rejeição (STEINBERG, 1990).

7.3.4 Impactos da compulsão alimentar na vida do indivíduo

No que se refere a pergunta: “A compulsão alimentar afeta sua vida?”, 3,8%


(n=20) das participantes responderam que a compulsão alimentar não afeta suas
vidas, enquanto 96,7% (n=584) disseram que sim. Estes dados indicam que a
compulsão alimentar acarreta um impacto na maior parte das participantes, sendo o
ganho de peso (47,7%) e baixa autoestima (33%) as principais consequências.
99

Quadro 9 - Impactos da compulsão alimentar na vida do indivíduo


Porcentagem - apenas pessoas que
Modo como a compulsão
Frequência afirmaram que o CA afeta a vida
alimentar impacta a vida
(n=584)
Ganho de peso 277 47,4%
Baixa autoestima 193 33,0%
Prejuízo na saúde física 159 27,2%
Prejuízo na saúde mental 157 26,9%
Prejuízo
137 23,5%
social/profissional/amoroso
Insatisfação corporal 81 13,9%
Descontrole alimentar 76 13,0%
Vergonha 47 8,0%
Culpa 35 6,0%
Pensamento fixo na comida 33 5,7%
Prejuízo financeiro 26 4,5%
Julgamento negativo 12 2,1%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

As participantes também relataram prejuízo na saúde mental (26,9%),


caracterizado por estados depressivos e ansiosos, desânimo, nervosismo e oscilação
de humor; prejuízo na saúde física (27,2%), descrito como obesidade, gastrite, refluxo,
cansaço, pressão alta e colesterol alto. Em concordância com estes resultados, Udo
e Grilo (2019) e Wilfley, Citrome e Herman (2016) observaram uma alta prevalência
comorbidades não psiquiátricas na população com compulsão alimentar,
exemplificada nos relatos 155 e 178:

Sim, estou acima do peso, afeta minha saúde física e minha autoestima
(Participante 155). [Categorias: Ganho de peso; Saúde física; Baixa
autoestima]

Ganhei muito peso ao longo dos anos, sem me dar conta de quão grave é
meu problema, e nesse ganho de peso entra todo um conjunto, qualidade de
vida prejudicada, auto estima, episódios depressivos e já até cheguei a perder
emprego por conta do peso, as vezes gasto dinheiro de pagar contas porque
na hora só penso em comer (Participante 178). [Categorias: Ganho de peso;
Saúde física; Baixa autoestima; Aspecto social/profissional/amoroso; Saúde
mental; Aspecto financeiro]

É interessante notar que os prejuízos foram mais associados ao ganho de peso


nos relatos das participantes, do que com a compulsão alimentar em si. Isto pode ser
ilustrado nos relatos 151 e 191, em que as participantes indicaram danos nos aspectos
social/profissional/amoroso (23,5%) e insatisfação corporal (13,9%), em concordância
com Pawaskar et al. (2017).
100

Quando como me sinto suja e tenho vergonha de sair de casa pq [sic] tenho
medo do que os outros vão pensar sobre meu peso (Participante 151).
[Categorias: Ganho de peso; Aspecto social/profissional/amoroso; Vergonha;
Julgamento; Baixa autoestima]

Não consigo emagrecer e, consequentemente, me sinto mal com meu corpo


e comigo mesma, acho que não sou boa o suficiente pra sair, namorar, ter
uma vida... (Participante 340). [Categorias: Ganho de peso; Baixa
autoestima; Aspecto social/profissional/amoroso; Insatisfação corporal;
Saúde mental]

O descontrole alimentar, ilustrado pelos relatos 131 e 729, foi descrito por 13%
das participantes. A sensação de descontrole é, segundo American Psychiatric
Association (2014), um aspecto central no diagnóstico do TCA. Esta foi caracterizada
pelas participantes como um desejo, impulso ou necessidade desenfreada,
incontrolável e irracional pelo comer. Necessidade, considerada análoga ao uso de
substância por algumas participantes, que só pode ser cessada com o consumo e o
fim do alimento. É importante ressaltar que embora todas as participantes tenham
compulsão alimentar, apenas 13% relataram a sensação de descontrole alimentar.

De todos. Sinto-me escrava da comida, engordo muito e baixa autoestima


(Participante 131). [Categorias: Ganho de peso; Baixa autoestima;
Descontrole]

Eu me sentir fora do controle da própria vida, desejo, impulsos, baixa


autoestima por me sentir sempre descuidada e não fazer nada por mim
mesma para mudar isso (Participante 729). [Categorias: Baixa autoestima;
Descontrole; Insatisfação corporal]

Pode-se refletir se a perda do controle alimentar poderia indicar a perda do


domínio e do controle da sua própria vida, tendo em vista que o indivíduo é
completamente escravizado e subjugado pela comida, gerando um sentimento de
impotência não só perante a comida, mas perante sua própria vida, como ilustrado
abaixo.

Gasto meu dinheiro com besteira, como muitas coisas que não são
saudáveis, engordo bastante e minha autoestima fica um lixo. Minha vida
inteira é tentar emagrecer. As vezes consigo, mas depois engordo de novo.
Me sinto mal também por parecer que eu não consigo controlar minhas
próprias ações (Participante 517). [Categorias: Ganho de peso; Baixa
autoestima; Aspecto financeiro; Insatisfação corporal; Pensamento fixo na
comida; Saúde física]
101

A fala da participante 517 “minha vida inteira é tentar emagrecer” demonstra


como ocorre um estreitamento na vida do indivíduo, onde não há espaço para explorar
e imaginar (AUSTIN, 2005; WOODMAN, 2002). O indivíduo passa a existir em função
da guerra interna entre o desejo pelo comer/comida e a necessidade de autocontrole
(BROMBERG, 2001). Para Hollis (1998), os pesamentos fixos e obsessivos na
comida, descritos por 5,7% das participantes, assim como a vivência do descontrole
e a tentativa de autocontrole, forneceriam um sentido para sua existência.

7.3.5 Centralidade da comida na vida do indivíduo

Em relação à pergunta: “A comida tem um papel central na sua vida?”, 18,7%


(n=113) das participantes disseram que a comida não tem um papel central na sua
vida e 81,3% (n=491) responderam que sim. Esta pergunta apresentou uma
correlação estatisticamente significativa, porém fraca, com a compulsão alimentar
(ECAP – variável contínua), como pode ser observado no quadro 10. Indicando
estatisticamente que quanto maior o nível da compulsão alimentar, maior será o papel
central que a comida tem na vida do indivíduo.

Quadro 10 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar


(ECAP - variável contínua) e papel central da comida na vida do indivíduo (variável
categórica)
Variável contínua Variável categórica Correlação* IC 95%
ECAP – Compulsão A comida tem um papel central na sua
0,259 0,184 -0,331
alimentar vida?
*: Correlação de Spearman estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal).
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Dos 491 participantes que responderam que a comida tem um papel central em
suas vidas, como pode-se observar no quadro 11, 41,8% indicaram que apresentaram
pensamentos fixos na comida.
102

Quadro 11 - Centralidade da comida na vida do indivíduo


Porcentagem - apenas pessoas que
Modo como a comida tem papel
Frequência afirmaram que a comida tem um papel
central na vida
central na vida (n=491)
Pensamentos fixos na comida 205 41,8%
Comer proporciona emoções positivas 162 33,0%
Forma de lidar com problemas 98 20,0%
Descontrole alimentar 72 14,7%
Comer desencadeia emoções
51 10,4%
negativas
Prejuízo no aspecto social/profissional 31 6,3%
Outros 15 3,1%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

O sentido da vida passaria a ser comer ou evitar a compulsão alimentar, isto


porque o indivíduo planeja sua vida em torno destas questões. Pode-se pensar que a
paisagem psíquica monotemática geraria um empobrecimento significativo das
atividades da vida do indivíduo. Esta percepção pode ser exemplificada no relato 119:

Frustrante. é triste ter isso no pensamento o tempo todo. ocupa um espaço


que eu poderia usar para outras coisas (Participante 119). [Categorias:
Pensamento fixo na comida]

A preocupação excessiva com o comer acaba controlando e conduzindo o


comportamento do indivíduo ao episódio compulsivo, o qual visaria o alívio da tensão
e da angústia decorrente desses pensamentos obsessivos (HOLLIS, 1998). Este
aspecto pode ser associado ao descontrole alimentar, característico da compulsão
alimentar, que foi descrito por 14,7% das participantes e exemplificado no relato 724:

Acordar e dormir pensando em comer, ter medo de começar a comer


e não conseguir mais parar. não saber mais o que é se alimentar por
prazer e comer sempre se culpando por estar ingerindo calorias,
imaginando que aquilo lhe fará mais gorda; não conseguir degustar,
comer devagar. A ânsia de comer faz com que eu coma tão rápido que
não sinto o sabor, não mastigo, não aproveito o alimento (Participante
724). [Categorias: Pensamento fixo na comida; Descontrole alimentar;
Comer desencadeia emoções negativas]

O caráter imperativo e repetitivo da compulsão, pode ser ilustrado na fala da


participante 717, em que observa-se o movimento sucessivo entre controle-
descontrole e comer compulsivo-engajamento em dietas.

Todos os dias início uma dieta. Todas as noites eu furo a dieta


(Participante 717). [Categorias: Pensamento fixo na comida;
Descontrole alimentar]
103

É interessante notar que, embora este cenário possa parecer aterrorizante, a


comida proporcionaria para 33% (n=162) das participantes emoções positivas, tais
como: calma, conforto, alívio, tranquilidade, paz, refúgio, relaxamento, felicidade,
satisfação, recompensa, segurança e prazer. Arroyane (1986) indica que a relação
com a comida alivia e acalma um conteúdo aflitivo, auxiliando o ego desadaptado a
lidar com a situação conflitiva, ao mesmo tempo que propicia sensações prazerosas.
A partir desta compreensão, pode-se pensar que o indivíduo com compulsão
alimentar busca, como exemplificado na fala 172, sentir-se nutrido, acolhido, protegido
e seguro como uma forma de reparar ou compensar, ainda que momentaneamente,
a insegurança e privação afetiva. Além disso, como ilustrado no relato 537, a comida
seria uma resposta conhecida para todas as questões de sua vida, em especial
aquelas que não sabe lidar e, embora se mostre ineficiente, funcionaria a curto prazo.

A comida é meu lugar seguro, sempre q como algo que me satisfaz de fato,
é como se alimentasse minha alma. Me sinto bem no resto do dia. E muitas
vezes, quando não me sinto bem, precisa comer esse "algo" diferente e que
me satisfaz. Às vezes isso é difícil de acontecer, daí saio comendo tudo, em
busca de algo pra preencher esse vazio (Participante 172). [Categorias:
Comer proporciona emoções positivas; Descontrole alimentar]

Se estou triste, a resposta é comida. Feliz, comida. Ansiosa, comida. Nervosa


pra fazer uma prova? Como chocolate pra ficar mais calma. Já fiz a prova?
Como mais, que é pra comemorar. Sem falar que eu to [sic] sempre pensando
em doce e como parar de comer doce, se não estou comendo to [sic]
pensando nisso (Participante 537). [Categorias: Forma de lidar com
problemas/emoções; Comer proporciona emoções positivas; Pensamento
fixo na comida]

Gadotti, Borges e Sampaio (2017) apontam que a comida poderia proporcionar,


ainda que brevemente, o preenchimento análogo ao “estado paradisíaco”. Este
possível movimento regressivo ao paraíso infantil e recuo ao mundo da fantasia
evitaria defensivamente o contato com a realidade conflituosa, como ilustrado na fala
718:

As vezes eu penso que seria mais feliz se o mundo entrasse em colapso e


eu tivesse que ficar no meu quarto, apenas comendo coisas que gosto e
sobrevivendo assim (Participante 718). [Categorias: Comer proporciona
emoções positivas; Forma de lidar com problemas]
104

Além disso, como exemplificado na fala 271, segundo Hollis (1998) o episódio
de compulsão alimentar pode se tratar de um mecanismo que previne uma angústia
maior, funcionado como uma proteção.

A comida se tornou o melhor paliativo para adiar crises depressivas (que


sempre chegam, uma hora ou outra), nas quais fico sob risco de me matar,
me mutilar, usar drogas etc. (Participante 271). [Categorias: Comer
proporciona emoções positivas; Forma de lidar com problemas]

Por fim, ao mesmo tempo que a comida despertaria emoções positivas (33%)
e seria uma forma de lidar com problemas (20%), ela também é desencadeadora de
diversas emoções negativas, tais como: vergonha, frustração, culpa, arrependimento,
tristeza, raiva, decepção, desânimo, vulnerabilidade e ódio voltado para si e/ou para
comida. Usualmente estas emoções foram relatadas após as participantes terem
sinalizado o consumo da comida. Tal dualidade da comida pode ser ilustrada nos
relatos 652 e 340:

Por causa dos meus problemas de autoestima sempre lidei com a comida
como minha inimiga, ela é a fonte e a resolução de todos os meus problemas
(Participante 340). [Categorias: Forma de lidar com problemas/emoções;
Comer proporciona emoções positivas; Comer desencadeia emoções
negativas]

Não sei explicar, apenas faz com que eu me sinta melhor enquanto como,
mas depois faz me sentir a pior pessoa do mundo (Participante 538).
[Categorias: Comer proporciona emoções positivas; Comer desencadeia
emoções negativas]

7.3.6 Insatisfação corporal e compulsão alimentar

Quanto à pergunta: “Você se sente insatisfeita com seu corpo?”, 3,1% (n=18)
das participantes responderam que não se sentem insatisfeitas com seu corpo e
96,9% (n=585) relataram que sim, indicando o alto índice de insatisfação corporal
nesta população. Ao serem questionadas: “De que forma esta insatisfação corporal
afeta os episódios de compulsão alimentar?”, pode-se observar no quadro 12 que
58,6% das participantes indicaram que a insatisfação corporal aumenta sua
compulsão alimentar e 33,2% desencadeia emoções negativas. As emoções
negativas, por sua vez, também são fatores antecedentes e subsequentes ao episódio
de compulsão alimentar.
105

Quadro 12 - Modo como a insatisfação corporal afeta os episódios de compulsão

Porcentagem - apenas
De que modo a insatisfação com o
pessoas que afirmaram estar
corpo afeta os episódios de Frequência
insatisfeitas com o corpo
compulsão alimentar
(n=585)
Aumento da compulsão 343 58,6%
Emoções negativas 194 33,2%
Emoções negativas pós-compulsão 109 18,6%
Fracasso 109 18,6%
Emagrecer/dieta 90 15,4%
Emoções positivas pós-compulsão 38 6,5%
Outros 33 5,6%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

As participantes também relataram nutrir as seguintes emoções negativas em


relação ao corpo e a si mesmo: mágoa, tristeza, angústia, frustração, culpa, ódio,
raiva, nervosismo, vergonha, impotência, desesperança, desânimo e inferioridade. Os
afetos negativos, oriundos da insatisfação corporal e o aumento da compulsão
alimentar por conta de tal insatisfação podem ser ilustrados na fala 267:

Fico triste por estar com um corpo doente e deformado por conta da
alimentação. Fico muito triste e como ainda mais (Participante 267).
[Categorias: Aumento da compulsão; Emoções negativas]

Ademais, além das emoções negativas que a insatisfação corporal


desencadeia de modo geral, 18,6% relataram que a insatisfação corporal fazia que
sentissem emoções negativas após o episódio de compulsão alimentar. Os relatos 54,
75 e 641 exemplificam como estes afetos podem se manifestar em forma de uma
atitude de auto-ódio não só em relação ao corpo supostamente fracassado, mas em
direção à singularidade do indivíduo (AUSTIN, 2016b).

Tenho necessidade a todo momento de comer. E depois que como sinto um


ódio em relação a quem eu sou (Participante 54). [Categorias: Aumento da
compulsão; Emoções negativas pós-compulsão]

Afeta muito pois já estou com um peso excessivo e quando percebo que
estou comendo muito eu penso que sou uma porca gorda que merece tudo
que está passando e ai eu como mais e mais (Participante 75). [Categorias:
Aumento da compulsão; Emoções negativas pós-compulsão]

Logo depois dos episódios eu tenho um longo momento de auto depreciação,


me sinto burra acima de tudo (Participante 641). [Categorias: Emoções
negativas pós-compulsão]
106

A categoria fracasso (18,6%) se destacou entre as emoções negativas e foi


definida como a sensação de que o indivíduo não possui força ou capacidade para
mudar, emagrecer, ter o corpo desejado ou controlar a compulsão alimentar. Frente a
esta sensação de ter falhado ou fracassado, o indivíduo sente-se impotente, o que
acaba gerando um pensamento dicotômico – lógica do tudo ou nada. Este
pensamento ocorre da seguinte forma: “Já que não consigo emagrecer ou mudar, vou
comer”; “Já que meu corpo está feio, vou comer”; ou “Já que está ruim mesmo, vou
comer”, fazendo que haja um aumento da compulsão alimentar. Seguindo a lógica
tudo ou nada, o indivíduo também pode querer se engajar em dietas restritivas para
emagrecer (15,4%), as quais acentuam a compulsão alimentar.

Começo uma dieta, logo, dou uma falhada e como o dobro por não conseguir
me controlar (Participante 55). [Categorias: Aumento da compulsão;
Emagrecer/dieta; Fracasso]

Por fim, foi relatado em menor proporção os afetos positivos que sucederam a
compulsão alimentar (6,5%), os quais eram utilizados como forma de consolo ou
compensação pelo corpo supostamente fracassado.

7.3.7 Formas de se machucar fisicamente

Para a pergunta: “Você já pensou em alguma forma de se machucar


fisicamente?”, 49,5% (n=299) das participantes responderam que não pensaram em
formas de se machucar fisicamente e 50,5% (n=305) relaram sim. Esta pergunta
apresentou uma correlação significativa, porém fraca, com a compulsão alimentar
(ECAP), trauma infantil global (QUESI) e abuso emocional na infância (QUESI), como
pode ser observado no quadro 13. Indicando estatisticamente que quanto maior o
nível de gravidade da compulsão alimentar, trauma na infância global e abuso
emocional maior será a propensão em pensar em formas de se autolesionar.
107

Quadro 13 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar


(ECAP - variável contínua), trauma na infância global (QUESI – variável contínua) e
abuso emocional (QUESI – variável contínua) com formas de se machucar
fisicamente (variável categórica)

Variável contínua Variável categórica Correlação* IC 95%


ECAP – Compulsão Você já pensou em alguma forma de se
0,223 0,146 - 0,297
alimentar machucar fisicamente?
QUESI - Trauma na Você já pensou em alguma forma de se
0,252 0,176 - 0,325
infância global machucar fisicamente?
QUESI - Abuso Você já pensou em alguma forma de se
0,257 0,181 - 0,330
emocional machucar fisicamente?
*: Correlação de Spearman estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal)
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Dos 305 participantes que relataram pensarem em se machucar fisicamente, a


autolesão, conforme quadro 14, foi descrita por 60,3% (n=184) das participantes. Esta
envolve todo comportamento intencional que pode causar um ferimento ou dor no
próprio corpo, tais como, puxar cabelo, cutucar pele ou feridas, se coçar ou roer unhas
até sangrar, automutilação, se queimar e se arranhar (NOCK, 2010; TURECKI;
BRENT, 2016).

Quadro 14 - Formas de se machucar fisicamente

Porcentagem - apenas pessoas que


Forma de se machucar
Frequência afirmaram que se pensaram em se agredir
fisicamente
(n=305)
Autolesão 184 60,3%
Ideação/tentativa de suicídio 102 33,4%
Outros 70 22,9%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Os comportamentos de autolesão poderiam encarnar no corpo uma dor de


ordem psíquica por meio de um mecanismo compensatório, cuja finalidade seria
aliviar estados afetivos de tensão e ansiedade que são insuportáveis e intoleráveis,
ao mesmo tempo que punem a si mesmas infligindo dor no corpo, como exemplificado
no relato 31 (DABROWSKI, 1937; FARIA, 2003; MOTZ, 2009).

Me bater para me punir (Participante 31). [Categoria: Autolesão]

Ademais, os comportamentos de autolesão foram relatados por algumas das


participantes com uma especificidade, isto porque o alvo do comportamento de
108

autolesão foram partes específicas do corpo, como barriga e perna ou partes que
consideravam gordas.

Já tentei suicídio 5 vezes entre meus 8-14 anos, em momentos de muita raiva
por ter comido unho e arranho minha barriga, como se tivesse um monstro
ali, tento tira-lo (Participante 36). [Categorias: Autolesão; Ideação/Tentativa
de suicídio]

Já me cortei na coxa pq ela era muito grande e eu tinha raiva (Participante


558). [Categorias: Autolesão]

Para Yakeley e Burbridge-James (2018), as partes do corpo supracitadas,


matrizes do sofrimento, poderiam ser vistas como monstruosas ou malignas e, por
isso, precisariam ser retiradas ou mortas para que o indivíduo sobreviva. Além dos
comportamentos de autolesão, a atitude destrutiva contra o corpo também apareceu
na categoria ideação/tentativa de suicídio.
Esta categoria, definida por Nock (2010) como pensamentos sobre se matar e
o engajamento em comportamentos em que há intenção de morrer, foi relatada por
33,4% (n=102) das participantes. Para Hollis (1998), o suicídio pareceria ser a única
alternativa possível quando o indivíduo se sente sem perspectiva e sem alternativa,
sendo tomado pela desesperança e pelo desespero. A impotência, descontrole e falta
de recursos perante as exigências da vida ou, no caso destas participantes, em
relação a comida e o corpo, poderiam fomentar este desejo de morte, como ilustrado
no relato 110.

Vontade de morrer por não ter persistência para perder peso (Participante
110). [Categorias: Ideação/Tentativa de suicídio]

Alguns autores interpretam as tendências suicidas como uma forma de escapar


da dor intolerável, um desejo de regredir ao útero ou fundir-se à figura materna
onipotente (HOLLIS, 1998; VON FRANZ, 1980; YAKELEY; BURBRIDGE-JAMES,
2018). Pode-se refletir, segundo a interpretação de Hillman (1993), que o desejo de
morte é, na verdade, o desejo pela transformação e resolução do sofrimento, para que
a mudança ocorra, e consequentemente algo novo irrompa, algo precisa morrer
simbolicamente. Entretanto o indivíduo acaba literalizando a morte que precisa ser
simbólica ou, como Woodman (1995) denominou, o suicídio psíquico.
Em outra interpretação sobre o tema, Rosen (1995) utiliza o termo egocídio ao
referir-se a morte psíquica de uma parte autodestrutiva e negativa do ego, o qual
109

direciona seus impulsos agressivos contra si mesmo. Para o autor, uma parte tirânica
e crítica do ego deve morrer simbolicamente para que haja possibilidade de mudança
e renascimento psíquico.
A categoria ideação/tentativa de suicídio (variável categórica) foi
correlacionada de maneira significativa e positiva com o trauma na infância global e
abuso emocional (QUESI), como pode ser observado no quadro 15. Sendo assim,
quando maior a gravidade do trauma global na infância e abuso emocional
autorrelatado maior o nível de ideação/tentativa de suicídio. O ECAP não apresentou
uma correlação significativa com esta categoria e, por isso, não consta no quadro 15.

Quadro 15 - Correlações estatisticamente significativas entre trauma na infância


global (QUESI – variável contínua), abuso emocional (QUESI – variável contínua)
com pensamento/tentativa de suicídio (variável categórica)

Variável contínua Variável categórica Correlação* IC 95%


QUESI - Trauma na infância
Ideação/tentativa de suicídio 0,202 0,125 - 0,277
global
QUESI - Abuso emocional Ideação/tentativa de suicídio 0,201 0,124 - 0,276
*: Correlação de Spearman estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal)
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Pode-se pensar se o ataque ao corpo ou o desejo de morte em pessoas que


sofreram trauma na infância seriam direcionados, na verdade, às figuras tirânicas
internalizadas e introjetadas do abusador. Como o trauma infantil fica registrado no
corpo, especialmente quando não elaborado, estes acabariam sendo direcionado ao
próprio corpo (ROSEN, 1995; YAKELEY; BURBRIDGE-JAMES, 2018).
Segundo a interpretação de Knox (2001), a ideação/tentativa de suicídio em
indivíduos que vivenciaram situações traumáticas incontroláveis poderia ser os únicos
aspectos da suas próprias vidas que sentem que possuem alguma forma de controle.

7.3.8 Efeitos da compulsão alimentar na vida sexual

No que diz respeito à pergunta: “A compulsão alimentar atrapalha sua vida


sexual?”, 39,1% (n=236) das participantes disseram que não atrapalha a vida sexual
e 60,9% (n=368) responderam que sim. Esta pergunta apresentou uma correlação
estatisticamente significativa, porém fraca, com a compulsão alimentar, como pode
ser observado no quadro 16. Indicando estatisticamente que quanto maior o nível da
110

compulsão alimentar, maior o prejuízo na vida sexual (variável categórica). Não houve
correlação estatística desta pergunta com o QUESI.

Quadro 16 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar


(ECAP - variável contínua) e compulsão alimentar atrapalha a vida sexual da
participante (variável categórica)

Variável contínua Variável categórica Correlação* IC 95%


ECAP –
Compulsão Compulsão atrapalha sua vida sexual? 0,236 0,160 - 0,309
alimentar
*: Correlação de Spearman estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal)
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

A maior parte das participantes – 62,5% (n=230) – relatou que a insatisfação


corporal ou a aparência impactam seu funcionamento sexual, seguida pela categoria
baixa autoestima (23,9%), como pode ser observado no quadro 17.

Quadro 17 - Forma como a compulsão alimentar atrapalha a vida sexual

Porcentagem - apenas pessoas que


Forma como a compulsão alimentar afirmaram que a compulsão
Frequência
atrapalha a vida sexual alimentar afeta a vida sexual
(n=368)
Insatisfação corporal/aparência 230 62,5%
Baixa autoestima 88 23,9%
Disfunções sexuais 59 16,0%
Indisposição física 49 13,3%
Outros 35 9,5%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

A insatisfação corporal e com a aparência despertou as seguintes emoções:


vergonha, nojo, ódio, insegurança, desconforto, sentir-se feia/horrível/suja/lixo, não se
sentir atraente/sensual e estar com sobrepeso/obesidade. Já a baixa autoestima,
quando não foi mencionada diretamente, foi categorizada pela falta de
confiança/segurança; insatisfação consigo própria e sentimento de insuficiência e
incapacidade em satisfazer ou ser desejada pelo outro. Estas categorias foram
exemplificadas nos relatos 55, 170 e 336:

Não consigo ter relações sexuais sem sentir nojo e vergonha do meu corpo
(Participante 55). [Categorias: Baixa autoestima; Insatisfação
corporal/aparência]
111

Já fiquei um ano sem transar com meu namorado pois tinha vergonha do meu
corpo (Participante 170). [Categorias: Insatisfação corporal/aparência;
Outros]

Evito ver meu parceiro quando estou me sentindo gorda, não transo com luz
acesa e temos brigas frequentes pela minha falta de autoestima
(Participante 336). [Categorias: Insatisfação corporal/aparência; Baixa
autoestima; Outros]

Ademais, uma atitude negativa em relação a si mesma foi observada em


diversas participantes que, além da vergonha do corpo, sentiam vergonha de si
mesmas, podendo indicar uma ferida mais profunda no seu senso de autovalor.
As disfunções sexuais, como baixo nível de desejo, excitação, lubrificação,
orgasmo e satisfação, além de aumento da sensação de dor, também foram relatadas
por 16% (n=59) das participantes. Estas foram recorrentes após um episódio de
compulsão alimentar e em participantes com insatisfação corporal/aparência.
A preocupação com a imagem corporal e pensamentos relacionados à
aparência durante a atividade sexual foram relatas por algumas participantes e
exemplificados no relato 518. Pode-se refletir se os pensamentos não sexuais
perturbariam a experiência sexual.

Bom, eu nunca tive um orgasmo com meu parceiro, não por que ele não se
esforça e sim pq [sic] eu não consigo relaxar, eu fico pensando se ta [sic]
chato pra ele, fico pensando se ele se sente atraído pelo jeito q eu sou mesmo
etc. Talvez seja por isso q eu não consigo relaxar e me desligar de tudo na
hora (Participante 518). [Categorias: Disfunções sexuais; Baixa autoestima]

Além das disfunções sexuais, a indisposição física, caracterizada como:


sensação de estar estufada, desanimada, cansada, enjoada, indisposta, inchada,
pesada, cheia, sonolenta e sem energia, foi descrita por 13,3% (n=49) das
participantes. A indisposição física causava desconforto na atividade sexual e foi
descrita como decorrente do sobrepeso ou obesidade e da ingestão de grande
quantidade de comida após um episódio de compulsão alimentar. Esta observação
está em concordância com Pujols, Meston e Seal (2010), os quais indicam que
indivíduos com melhores condições físicas são mais satisfeitos sexualmente.
112

7.3.9 Efeito da compulsão alimentar na vida e nas relações sociais

Sobre a pergunta: “A compulsão alimentar atrapalha sua vida e relações


sociais?”, 35,1% (n=212) das participantes responderam que não, enquanto 64,9%
(n=392) relataram que sim. A variável categórica – compulsão atrapalha sua vida e
interações sociais – foi correlacionada de maneira significativa e positiva com a
compulsão alimentar – variável contínua. Estes dados, descritos no quadro 18,
indicam que quanto maior a gravidade da compulsão alimentar maior será o nível de
interferências negativas na vida e nas relações sociais do indivíduo. O QUESI não
apresentou correlação significativa com esta pergunta.
A correlação entre compulsão alimentar e interferências negativas na vida e
nas relações sociais do indivíduo foi a mais significativa da amostra, atingindo uma
correlação de 0,396, que poderia quase ser considerada moderada, conforme a figura
3. Sendo assim, esta foi a correlação mais próxima a atingir um nível moderado de
correlação estatística, indicando sua importância.

Quadro 18 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar


(ECAP - variável contínua) e compulsão alimentar atrapalha a vida e interações
sociais das participantes (variável categórica)

Variável contínua Variável categórica Correlação* IC 95%


ECAP – Compulsão Compulsão atrapalha vida e interações
0,396 0,327 - 0,461
alimentar sociais?
*: Correlação de Spearman estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal)
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Das 392 participantes que relataram que a compulsão alimentar atrapalha sua
vida e relações sociais, 44,4% (n=174), como pode ser observado no quadro 19,
relataram evitar interações e situações sociais.
113

Quadro 19 - Modo como a compulsão alimentar atrapalha a vida social

Porcentagem - apenas pessoas que


Modo como a compulsão alimentar
Frequência afirmaram que a compulsão alimentar
atrapalha a vida social
afeta a vida social (n=392)
Evitação social 174 44,4%
Vergonha 124 31,6%
Insatisfação com aparência física 114 29,1%
Comer em excesso 68 17,3%
Comer em público 61 15,6%
Avaliação social negativa 51 13,0%
Baixa autoestima 46 11,7%
Não encontra roupas que servem ou que
23 5,9%
se sintam confortável
Outros 42 10,7%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Usualmente a evitação social apresenta-se em decorrência da vergonha


(31,6%) e da aparência física (29,1%). A evitação social visaria prevenir o indivíduo
de uma avaliação social negativa e sentimento de inferioridade, proporcionando uma
sensação de segurança e de proteção (GILBERT, 1998).

Muitas e muitas vezes não tenho vontade de sair, muito menos me arrumar,
sinto que todas as minhas amigas são mais magras e mais capazes do que
eu (Participante 39). [Categorias: Evitação social; Roupas; Baixa
autoestima]

Me sinto feia inferior a todos a minha volta (Participante 140). [Categorias:


Baixa autoestima; Aparência física]

Me sinto diminuída em relação aos outros e desde que comecei a comer


compulsivamente sinto que tenho cada vez mais dificuldade de me relacionar
socialmente, me sinto cada vez mais fechada (Participante 283).
[Categorias: Baixa autoestima; Avaliação social negativa; Outros]

Nunca sinto que sou boa o suficiente pra [sic] sair e ter uma vida porque acho
meu corpo feio (Participante 335). [Categorias: Baixa autoestima; Aparência
física]

O sentimento de inferioridade – não sou boa o suficiente – que impedem a


paciente 335 de entrar na vida lembra de uma paciente descrita por Woodman (2002)
chamada Ruth. Para ela sua questão alimentar a protegia de encarar a vida real e,
consequentemente, do medo de fracassar, mas também a privava de toda
potencialidade criativa contida na vida.
114

A avaliação social negativa ou o medo desta descrita por 13% das


participantes, segundo Gilbert (1998), desencadearia sentimentos de rejeição ou de
retração, assim como raiva, a qual é exemplificada na fala da participante 374:

Eu acho que sou mais gorda que meus colegas por isso sinto raiva deles
(Participante 374). [Categorias: Aparência física; Outros]

A raiva, para Hollis (1998) e Gilbert (1998), seria uma forma de encobrir a
experiência emocional de vergonha, frustração e solidão. Além da experiência objetiva
de avaliação social negativa, algumas participantes relataram ter uma sensação de
estarem sendo observadas ou ridicularizadas, exemplificadas na fala 216 e 592:

Sinto com vergonha como todos tivessem olhando e rindo de mim


(Participante 216). [Categorias: Vergonha; Avaliação social negativa]

Me sinto mal em algumas festas que vou, pois a maioria das mulheres são
magras e altas e sinto como se as pessoas estivessem me observando
(Participante 592). [Categorias: Aparência física; Avaliação social negativa]

Há uma fantasia de que o outro estaria avaliando-a de maneira depreciativa e,


para Jacoby (1996), quanto maior a falta de confiança em si e no seu autovalor, maior
será a valorização da percepção e julgamento do outro sobre si e mais sensível ao
menor indício de rejeição o sujeito estará. Entretanto, o senso de si mesmo é
desvalorizado e inferiorizado não só pelos outros, mas principalmente por si mesma,
com exemplificado no relato 441, denotando a baixa autoestima (11,7%):

Não gosto de me arrumar porque nada fica bom e não gosto que as pessoas
me vejam assim. Quando me maqueio [sic] me sinto uma palhaça
(Participante 441). [Categorias: Roupas; Vergonha; Baixa autoestima]

Ademais, a experiência emocional de vergonha, descrita por 31,6% (n=124),


foi correlacionada de maneira estatisticamente significativa e positiva com a
compulsão alimentar (ECAP – variável contínua), como pode ser observado no quadro
20. Sendo assim, quando maior a compulsão alimentar – maior nível do ECAP – maior
a vergonha. Em concordância com estes dados, a experiência emocional da vergonha
foi correlacionada positivamente com uma maior severidade da compulsão alimentar
por Duarte, Pinto-Gouveia e Ferreira (2015).
115

Quadro 20 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar


(ECAP - variável contínua) e vergonha (variável categórica)

Variável contínua Variável categórica Correlação* IC 95%


ECAP – Compulsão Compulsão atrapalha vida e interações
0,290 0,216 - 0,361
alimentar sociais? Vergonha
*: Correlação de Spearman estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal)
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Tal categoria apareceu de diversas formas, em especial no que se refere à


vergonha de comer em excesso (17,3%) e em público (15,6%). Optar por comer
escondida ou deixar de sair para comer sozinha a fim de ingerir a quantidade de
comida que desejar foram relatadas por algumas participantes. Esta atitude evitaria o
receio de comer em excesso e em público e, consequentemente, ser avaliada
negativamente. O relato 101 ilustra como a comida passaria a ocupar o lugar do
relacionamento com o outro, o que a isola ainda mais do contato com o mundo
externo, como apontam Gadotti, Borges e Sampaio (2017) e Wahba (2002; 2017).

Dispenso companhias pra me isolar e comer à vontade sem ser julgada


(Participante 101). [Categorias: Evitação social; Avaliação social negativa;
Comer em excesso; Comer em público]

Wahba (2017) descreve os sentimentos ambivalentes em relação ao outro, os


quais oscilam entre isolamento, a fim de evitar defensivamente a rejeição, e demanda
de extrema atenção com a intenção de compensar a vivência de privação de afeto.
Segundo Jacoby (1996), por trás do isolamento e inibição habita o desejo de ser visto,
amado e admirado. O relato 682 pode exemplificar o movimento regressivo para o
mundo paradisíaco, para o mundo da mãe, representado pela comida, indicando uma
possível evitação defensiva da realidade exterior.

Fujo do mundo para me esconder em meu mundinho confortável e protegida,


com minha comida (Participante 682). [Categorias: Evitação social; Comer
em público]

7.3.10 Afetos positivos e negativos antes e depois da compulsão alimentar

Esta pergunta foi baseada na Escala de afetos positivos e afetos negativos


(PANAS), cujo objetivo é investigar estados afetivos. Esta escala foi desenvolvido por
116

Watson, Clark e Tellegen (1988) e validada para população brasileira por Carvalho et
al. (2013).

7.3.10.1 Afetos positivos antes e depois da compulsão alimentar

Pode-se observar no quadro 21 que houve uma diferença estatisticamente


significativa (p<0,001) entre todos os afetos positivos experienciados antes e depois
de um episódio de compulsão alimentar.

Quadro 21 - Afetos positivos antes e depois de um episódio de compulsão alimentar

p-
Antes (n=604) Depois (n=604)
Afetos positivos valor*
Não Sim Não Sim
Alegria 64,4% 35,6% 85,4% 14,6% <0,001
Animação 76,2% 23,8% 93,5% 6,5% <0,001
Calma 88,1% 11,9% 78,3% 21,7% <0,001
Confiança 80,8% 19,2% 93,4% 6,6% <0,001
Coragem 77,3% 22,7% 93,7% 6,3% <0,001
Disposição 60,3% 39,7% 93,4% 6,6% <0,001
Empolgação 62,4% 37,6% 93,0% 7,0% <0,001
Entusiasmo 76,5% 23,5% 95,4% 4,6% <0,001
Força 75,2% 24,8% 93,5% 6,5% <0,001
Inspiração 78,6% 21,4% 94,0% 6,0% <0,001
Orgulho 77,8% 22,2% 96,0% 4,0% <0,001
Cheio de energia 77,6% 22,4% 93,9% 6,1% <0,001
Relaxamento 88,6% 11,4% 62,7% 37,3% <0,001
*: Teste de McNemar
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

No quadro 22, observa-se que todos os afetos positivos, exceto o


relaxamento e calma, reduziram. Estes dois últimos foram os únicos estados
afetivos positivos que aumentaram após um episódio de compulsão alimentar.
Pode-se refletir que, embora haja uma redução dos outros afetos positivos, os
conteúdos conflitivos e aflitivos são apaziguados pelo episódio compulsivo,
gerando calma e relaxamento.
117

Quadro 22 - Variação dos afetos positivos após o episódio de compulsão alimentar


estatisticamente significativa

Variação da emoção após o episódio de


Afetos positivos
CA estatisticamente significativa
Relaxamento 227,2%
Calma 82,4%
Alegria -59,0%
Confiança -65,6%
Inspiração -72,0%
Coragem -72,2%
Animação -72,7%
Cheio de energia -72,8%
Força -73,8%
Entusiasmo -80,4%
Empolgação -81,4%
Orgulho -82,0%
Disposição -83,4%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

7.3.10.2 Afetos negativos antes e depois da compulsão alimentar

Pode-se observar no quadro 23 que houve uma diferença estatisticamente


significativa (p<0,001) antes e depois de um episódio de compulsão alimentar nos
seguintes afetos negativos: aborrecimento, cansaço, culpa, fome, inquietude,
nervosismo, nojo, raiva de si mesma, sonolência, tristeza e vergonha. Os outros afetos
negativos não foram estatisticamente significativos.
118

Quadro 23 - Afetos negativos antes e depois do episódio de compulsão alimentar

Antes (n=604) Depois (n=604) p-valor*


Afetos negativos
Não Sim Não Sim
Aborrecimento 54,5% 45,5% 24,7% 75,3% <0,001
Aflição 52,5% 47,5% 52,6% 47,4% 0,999
Cansaço 73,2% 26,8% 41,6% 58,4% <0,001
Culpa 79,0% 21,0% 5,3% 94,7% <0,001
Fome 50,0% 50,0% 82,0% 18,0% <0,001
Hostilidade 74,2% 25,8% 70,2% 29,8% 0,151
Inquietude 31,6% 68,4% 71,2% 28,8% <0,001
Irritação 44,7% 55,3% 29,5% 70,5% 0,128
Nervosismo 30,0% 70,0% 55,0% 45,0% <0,001
Nojo 90,1% 9,9% 32,6% 67,4% <0,001
Raiva (de si mesma) 71,9% 28,1% 14,6% 85,4% <0,001
Solidão 41,2% 58,8% 52,3% 47,7% 0,031
Sonolência 82,1% 17,9% 43,9% 56,1% <0,001
Tristeza 54,0% 46,0% 18,5% 81,5% <0,001
Vergonha 82,5% 17,5% 15,6% 84,4% <0,001
*: Teste de McNemar
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

No quadro 24, observa-se que a fome, inquietude e nervosismo reduziram após


um episódio de compulsão alimentar, enquanto o nojo, vergonha, culpa, sonolência,
raiva de si mesma, cansaço, tristeza e aborrecimento, respectivamente, aumentaram.
A redução da inquietude e nervosismo está em concordância com o aumento da calma
e tranquilidade, descrito anteriormente.
119

Quadro 24 - Variação dos afetos negativos após o episódio de compulsão alimentar


estatisticamente significativa

Variação da emoção após


Afetos negativos
o episódio de CA
Nojo 580,8%
Vergonha 382,3%
Culpa 351,0%
Sonolência 213,4%
Raiva (de si mesma) 203,9%
Cansaço 117,9%
Tristeza 77,2%
Aborrecimento 65,5%
Nervosismo -35,7%
Inquietude -57,9%
Fome -64,0%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Por fim, pode-se refletir que o episódio de compulsão alimentar e o comer ao


mesmo tempo que proporcionam calma, relaxamento, redução do nervosismo e
inquietude – dominando parcialmente afetos insuportáveis – também deflagrariam
afetos negativos e reduziriam afetos positivos, como observado anteriormente.

7.3.11 Autoestima

As afirmações sobre autoestima foram baseadas na Escala de Autoestima


Rosenberg (EAR) desenvolvida por Rosenberg (1962) e adaptada para a população
brasileira por Hutz e Zanon (2011). Pereira (2019), em um levantamento sobre o tema,
relata que a autoestima foi em um primeiro momento conceituada como o conjunto de
representações, sentimentos e pensamentos que o indivíduo tem sobre si mesmo e o
quão potente e capaz se sente para realizar seus objetivos.
120

Quadro 25 - Afirmações sobre autoestima

Afirmações sobre autoestima Não Sim


1. Eu sou um fracasso
35,4% 64,6%
2. Eu tenho valor
79,5% 20,5%
3. Eu tenho boas qualidades
64,6% 35,4%
4. Eu acho que não presto para nada
56,3% 43,7%
5. Eu sou capaz de fazer as coisas muito bem
77,3% 22,7%
6. Eu tenho uma atitude positiva em relação a mim
mesma 90,7% 9,3%

7. Eu estou satisfeita comigo


94,0% 6,0%
8. Eu gostaria de ter mais respeito por mim
69,4% 30,6%
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Como pode-se observar no quadro 25, as escolhas das afirmações


majoritariamente indicaram um baixo nível de autoestima, apenas a afirmação 4
poderia indicar uma melhor autoestima, pois 56,3% das participantes indicaram que
acreditam “prestarem” para algo. A atitude negativa e insatisfação consigo mesmo
(afirmações 6 e 7) foram as afirmações mais frequentes entre as participantes. Sendo
assim, a autoestima, definida por Jacoby (1996) como senso de autovalor, dignidade,
integridade e autorrespeito são baixos ou negativos nessa amostra de mulheres com
compulsão alimentar.
121

Quadro 26 - Correlações estatisticamente significativas entre compulsão alimentar


(ECAP – variável contínua) e trauma infantil (QUESI – variável contínua) com
autoestima (variável categórica)

Variável contínua Variável categórica Correlação* IC 95%


ECAP – Compulsão
Autoestima: eu sou um fracasso 0,288 0,214 - 0,359
alimentar
ECAP – Compulsão Autoestima: eu tenho boas
-0,321 -0,39 - -0,248
alimentar qualidades
ECAP – Compulsão Autoestima: eu acho que não presto
0,229 0,152 - 0,303
alimentar para nada
ECAP – Compulsão Autoestima: eu sou capaz de fazer
-0,226 -0,300 - -0,149
alimentar as coisas muito bem
QUESI - Trauma na Autoestima: eu tenho boas
-0,212 -0,286 - -0,135
infância global qualidades
QUESI - Abuso emocional Autoestima: eu sou um fracasso 0,255 0,179 - 0,328
Autoestima: eu acho que não presto
0,246 0,170 - 0,319
QUESI - Abuso emocional para nada
QUESI - Negligência Autoestima: eu tenho boas
-0,231 -0,305 - -0,155
emocional qualidades
*: Correlação de Spearman estatisticamente significativa no nível de 0,01 (bicaudal)
Fonte: Elaborado pela própria autora, 2020.

Como descrito no quadro 26, observa-se que as variáveis contínuas compulsão


alimentar (ECAP), trauma na infância global (QUESI), abuso emocional (QUESI) e
negligência emocional (QUESI) foram correlacionadas estatisticamente com as
variáveis categóricas relacionadas à autoestima. Indicando que quanto maior o nível
de compulsão alimentar ou de trauma na infância global e abuso e negligência
emocional menor o nível da autoestima. Pode-se refletir, a partir da interpretação de
Jacoby (1996), que em vivências de trauma na infância o amor e apoio emocional e/ou
físico fornecidos não foram suficientemente satisfatórios, causando prejuízos
significativos no que diz respeito à autoestima. Isto porque, segundo o autor, a
autoestima está alicerçada nas experiências e interações precoces entre criança e
cuidador primário.
122

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados apresentados responderam aos objetivos traçados à medida que


confirmam a correlação positiva entre trauma na infância, em especial abuso e
negligência emocional, e compulsão alimentar. Evidenciando que quanto maior o
índice de trauma na infância global, abuso e negligência emocional, maior será a
gravidade da compulsão alimentar. Estes dados estão em concordância com outras
pesquisas internacionais, indicando que este estudo se incorpora a este campo teórico
ao passo que lança luz para o estudo destas variáveis em uma amostra brasileira, até
este momento escassas.
O presente estudo se diferencia de outras produções científicas e contribui para
o entendimento desses fenômenos ao abarcar não só o aspecto quantitativo fornecido
pelas escalas psicométricas, mas também o qualitativo. Por meio das perguntas
abertas o presente trabalho pôde discutir seus aspectos psicossociais e
psicodinâmicos, ampliando a compreensão da problemática da compulsão alimentar
e trauma na infância.
Ao realizar uma reflexão junguiana de como esses processos se desenvolvem,
considerou-se que o descontrole, aspecto central da compulsão alimentar, poderia ser
decorrente da experiência traumática de abuso e negligência emocional na infância,
isto porque em virtude de tal vivência o sistema de autorregulação e de autocontrole
ficam prejudicados. Por conta deste último, o indivíduo apresentaria dificuldades em
controlar diversos impulsos como, por exemplo, o comer. Ademais, o descontrole
sentido no âmbito alimentar poderia simbolizar a impotência e a falta de controle que
sentem perante suas próprias vidas e que sentiram na experiência traumática.
No que se refere ao sistema de autorregulação, pode-se pensar que a
compulsão alimentar compensaria este sistema danificado pela vivência traumática.
Desse modo, a comida seria uma forma de autorregulação e um modo de compensar
a rejeição, ausência, solidão, abandono, tristeza e privação de afeto ao mesmo tempo
que defende e protege o indivíduo das vivências de abuso e negligência emocional
para que ele possa suportá-las.
A partir dessa compreensão, pode-se refletir que o indivíduo com compulsão
alimentar busca na comida o complexo materno positivo e nutridor – nutrição,
proteção e acolhimento – que não esteve presente na infância. A comida ajudaria a
123

estrutura egóica desadaptada, decorrente da falha no desenvolvimento, a lidar e


suportar situações conflituosas, explicitando o papel central e fundamental que a
comida desempenharia na vida desses indivíduos.
Tais dados indicam que o comer estaria mais associado a um mecanismo de
autoproteção, defesa, compensação e autorregulação que com a fome em
si. Entretanto não se trata de um mecanismo completamente eficaz, pois o complexo
materno negativo – culpa, vergonha, fracasso e insatisfação – volta a atacar o senso
de integridade do indivíduo.
Cabe ressaltar que os resultados aqui apresentados colaboram ao indicar e
reforçar importância da prevenção do trauma na infância e da qualificação profissional
nesta área, não só no que se refere ao abuso sexual e ao abuso/negligência física,
mas também ao abuso/negligência emocional.
O estudo apresentou algumas limitações, por se tratar de uma pesquisa
realizada na internet, pelo instrumento QUESI ser de ordem retrospectiva e pelo fato
da escala ECAP não abordar o uso de comportamentos compensatórios
inapropriados.
Sugere-se para futuras pesquisas a investigação das diferenças e das
similaridades do grupo de participantes com compulsão alimentar sem trauma na
infância e do grupo com compulsão alimentar com trauma na infância, assim como a
inclusão de um número expressivo de indivíduos do gênero masculino.
Por fim, doze participantes após responderem os questionários anônimos,
enviaram e-mails solicitando os resultados do estudo quando estivesse finalizado,
demonstrando interesse em ler a dissertação de mestrado. Ademais, algumas
participantes relataram: “gostaria de agradecê-la pelo questionário, achei realmente
muito bom e me fez refletir muito”; “sua pesquisa me fez perceber muitas coisas e
tenho interesse em acompanhar seu resultado”, indicando que os questionários
podem ter suscitado reflexões e esclarecimentos.
124

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WILKINSON, M. Undoing trauma: contemporary neuroscience: A Jungian clinical


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WOODMAN, M. A coruja era filha do padeiro: obesidade, anorexia nervosa e o


feminino reprimido. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.

WOODMAN, M. O vício da perfeição: compreendendo a relação entre distúrbios


alimentares e desenvolvimento psíquico. São Paulo: Summus, 2002.

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em 31 maio. 2020

YAKELEY, J.; BURBRIDGE-JAMES, W. Psychodynamic approaches to suicide and


self-harm. BJPsych Advances, v. 24, n. 1, p. 37–45, jan. 2018.
140

APÊNDICE

Apêndice I – Ficha qualitativa anônima


141
142
143
144
145
146

Apêndice II – Postagem Facebook

[COMPULSÃO ALIMENTAR] [PESQUISA] [MESTRADO] [PSICOLOGIA] [20


MINUTOS DE QUESTIONÁRIO] [É MUITO IMPORTANTE QUE COMPLETE O
QUESTIONÁRIO]

Olá pessoal, sou psicóloga formada pela PUC-SP e com capacitação em transtornos
alimentares pelo PROATA-UNIFESP. Estou realizando uma pesquisa de mestrado
voltada para o público que possui questões alimentares.
Sua contribuição é de extrema importância, pois poderá auxiliar aqueles que sofrem
com compulsão alimentar, além de ajudar a melhorar a capacitação de profissionais
na área.
Trata-se de uma pesquisa totalmente anônima, voluntária e para maiores de 18 anos.
Os questionários estão divididos em três blocos de perguntas e a duração média para
respondê-las é vinte (20) minutos.
Muito Obrigada, sua participação vai fazer a diferença!
Segue abaixo o link para responder as perguntas da pesquisa:
https://pt.surveymonkey.com/r/pesquisacompulsao
147

Apêndice III – TCLE


148

ANEXOS

ANEXO I – Escala de compulsão alimentar periódica


149
150

ANEXO II – Questionários sobre traumas infância (QUESI)

Childhood Trauma Questionnaire


NOME:
DATA: Poucas Muitas
Nunca Às vezes Sempre
vezes vezes
1) Eu não tive o suficiente para comer.

2) Eu soube que havia alguém para me cuidar e proteger.


As pessoas da minha família me chamaram de coisas do tipo “estúpido (a)”,
3)
“preguiçoso (a)” ou “feio (a)”.
4) Meus pais estiveram muito bêbados ou drogados para poder cuidar da família.

5) Houve alguém na minha família que ajudou a me sentir especial ou importante.

6) Eu tive que usar roupas sujas.

7) Eu me senti amado (a).

8) Eu achei que meus pais preferiam que eu nunca tivesse nascido.


Eu apanhei tanto de alguém da minha família que tive de ir ao hospital ou
9)
consultar um médico.
10) Não houve nada que eu quisesse mudar na minha família.
Alguém da minha família me bateu tanto que me deixou com machucados
11)
roxos.
12) Eu apanhei com cinto, vara, corda ou outras coisas que machucaram.

13) As pessoas da minha família cuidavam umas das outras.


Pessoas da minha família disseram coisas que me machucaram ou me
14)
ofenderam.
15) Eu acredito que fui maltratado (a) fisicamente.

16) Eu tive uma ótima infância.

17) Eu apanhei tanto que um professor, vizinho ou médico chegou a notar.

18) Eu senti que alguém da minha família me odiava.

19) As pessoas da minha família se sentiam unidas.

20) Tentaram me tocar ou me fizeram tocar de uma maneira sexual.


Ameaçaram me machucar ou contar mentiras sobre mim se eu não fizesse algo
21)
sexual.
22) Eu tive a melhor família do mundo.

23) Tentaram me forçar a fazer algo sexual ou assistir coisas sobre sexo.

24) Alguém me molestou.

25) Eu acredito que fui maltratado (a) emocionalmente.

26) Houve alguém para me levar ao médico quando eu precisei.

27) Eu acredito que fui abusado (a) sexualmente.

28) Minha família foi uma fonte de força e apoio.


151

ANEXO III – Parecer consubstanciado do CEP


152
153
154

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