O Sistema Braille e o Ensino Da Matemática
O Sistema Braille e o Ensino Da Matemática
O Sistema Braille e o Ensino Da Matemática
1590/1516-73132014000400009
Resumo: Ao levar em consideração a inclusão de pessoas com deficiência visual no ensino regular, este
artigo tem como objetivo centrar-se na perspectiva de referenciar o sistema Braille como um dos recur-
sos de aprendizagem de Matemática para alunos cegos. Caracteriza-se como uma pesquisa exploratória
com ênfase bibliográfica, bem como em experiências vivenciadas pela pesquisadora em um Centro de
Atendimento Especializado a Pessoas com Deficiência Visual. Foi possível constatar que o sistema
Braille se apresenta como um dos recursos disponíveis para o ensino da Matemática, no entanto, ainda
são necessárias outras adaptações de materiais que possibilitem, ao aluno cego, o acesso às várias formas
de representação dos conteúdos matemáticos.
Palavras-chave: Inclusão. Ensino de matemática. Deficiência visual. Cegueira. Alfabeto Braille.
Abstract: By considering the inclusion of people with visual impairment in regular education, this paper
aims to take the perspective of referencing the Braille system as one of the Maths learning resources
for blind students. It is characterized as exploratory research with a bibliographic emphasis, as well as
describing the experiences of the researcher in a Specialized Treatment Center to People with Visual
Impairment. It was possible to verify that the Braille system is presented as one of the available resourc-
es for Maths teaching, however, further adaptations in the material are still needed, to enable the blind
student to access the several forms of representation in maths.
Keywords: Inclusion. Mathematics teaching. Visual impairment. Blindness. Braille alphabet.
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Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR), Ponta Grossa, PR, Brasil. Rua Maria Marcondes Ribas, 73, Santana, C. P. 362, CEP 85070-696,
Guarapuava, PR, Brasil. E-mail: <[email protected]>
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Departamento de Teoria e Prática da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR, Brasil.
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Introdução
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que acompanharam as mudanças ocorridas na Educação Especial, com vistas à inclusão dessas
pessoas no ensino regular e na sociedade.
Para Vygotsky (1995), não se pode tratar a cegueira apenas como uma deficiência, mas,
em certo ponto, como uma fonte de manifestação de suas capacidades. Segundo ele, outras habi-
lidades sensoriais podem ser desenvolvidas suprindo a falta da visão. Os postulados de Vygotsky
(1995) apontam que, para suprir a falta de visão, é preciso compensar e superar a deficiência, o
que é possível a partir do momento em que a escola tomar ciência de que todos aprendem, e
passe a oferecer condições necessárias para o ingresso, permanência e progresso, na formação
acadêmica, a todos que ingressarem no sistema educacional, seja eles deficientes ou não.
O Ministério da Educação, ao propor as Diretrizes Nacionais para a Educação Espe-
cial na Educação Básica (BRASIL, 2001), determina que as ações educacionais devem voltar
suas atenções a uma educação para todos, respeitando a diversidade, estabelecendo os direitos
ao exercício da cidadania, em busca do desenvolvimento de um Estado também para todos:
Entende-se, portanto, como educação inclusiva aquela que abrange todas as pessoas,
independente de suas origens, tanto sociais como culturais, bem como das condições físicas,
criando iguais oportunidades de acesso ao conhecimento, ao desenvolvimento, à construção
da identidade, enfim, ao exercício da cidadania.
Na educação inclusiva, a diferença, a heterogeneidade, a diversidade são reconhecidas e
respeitadas. O acesso e a permanência, com êxito, da pessoa com deficiências no ensino regular
é garantido, também, pela sua participação efetiva nas atividades escolares, sendo tal participação
uma forma, um parâmetro de avaliação desse processo inclusivo (CAMARGO; NARDI, 2008).
Por atender aos princípios da educação inclusiva, as classes comuns do ensino regular se
constituem como espaço privilegiado para a educação das pessoas com necessidades especiais,
por ser um espaço onde as pessoas podem interagir com seus pares, aprender com as diferenças
(ROCHA; ALMEIDA, 2008). Como afirmam Fernandes e Healy (2010), na formação de uma
consciência inclusiva, é necessário conhecer a diversidade, para que se possa aprender com ela.
É importante observar também que, ao se deparar com um aluno cego na sala de aula,
faz-se necessário saber que, com relação aos seus direitos e deveres, ele deve ser tratado igual-
mente como qualquer outro aluno, respeitando-se, no entanto, as características específicas da
deficiência bem como seu direito de acesso ao conhecimento sistematizado.
Para se aproximar e se fazer uma incursão nesse universo vivenciado pela pessoa cega,
objetiva-se referenciar o sistema Braille como um dos métodos de aprendizagem de Matemá-
tica para alunos com deficiência visual, especificamente a cegueira, inclusos no ensino regular.
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Antes de adentrar nos meandros do sistema Braille como um meio auxiliar de integra-
ção/inclusão da pessoa cega no contexto social, deve-se ter claro que, na história da humani-
dade, a pessoa com cegueira era estigmatizada e segregada. Historicamente, as pessoas cegas
se depararam com diversos percalços: ora considerados como abençoados, ora como malditos,
traziam o estigma de excluídos do convívio social. Exclusão como consequência do processo
de caracterização das pessoas interpostas pelo homem.
Goffman (1982, p. 11), ao referir-se sobre os padrões e/ou categorizações em relação
às pessoas, destaca:
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Quando uma pessoa é acometida pela deficiência visual no decorrer de sua vida, isto é,
quando a deficiência é adquirida, pode apresentar dificuldades iniciais na transição do sistema a
tinta para o sistema tátil, uma vez que sua habilidade tátil ainda não está desenvolvida para tal.
Nesse caso, são necessários o entendimento e a compreensão por parte do professor, possibi-
litando a ela alternativas de comunicação, evitando prejuízos na sua aprendizagem.
Reily (2004, p. 139) destaca a importância de os professores terem conhecimento so-
bre o sistema Braille, pois “deter noções sobre as especificidades da leitura e escrita em Braille
auxilia o educador a perder o receio de se aproximar do aluno com cegueira”.
Mesmo que hoje existam outras formas de registro, como, no caso, a utilização da
informática em sala de aula, a utilização do Braille é de fundamental importância, pois permite
ao cego o acesso à forma como a palavra é escrita, uma vez que, por meio de outros recursos, o
acesso se dá pelo canal da audição, não lhe fornecendo detalhes da escrita, como, por exemplo,
a ortografia.
Em relação aos conteúdos matemáticos, o código oferece a possibilidade da expressão
matemática escrita, da mesma forma como fazem as pessoas sem limitações visuais, necessitando,
em algumas situações, de adaptações específicas. Os símbolos em Braille disponíveis permitem
o registro escrito de todo e qualquer conteúdo matemático.
A simbologia Braille utilizada na disciplina de Matemática vai sendo ensinada ao aluno
cego pelo professor especializado nesse código, na medida em que os conteúdos vão sendo
desenvolvidos pelo professor da disciplina. Conforme as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica (BRASIL, 2006b), a Educação Especial perpassa por todos os
níveis de ensino, desde a Educação Básica até o Ensino Superior, transversalmente, oferecendo
o suporte necessário para a prática educacional inclusiva. Dessa forma, considera-se importante
o apoio oferecido pela Educação Especial ao professor do ensino regular, para que ele desen-
volva, com o aluno cego, os mesmos conteúdos que desenvolve com os demais alunos, sem
causar-lhe prejuízos na aprendizagem.
Mesmo com a oferta desse apoio, muitas vezes, o ensino da Matemática é efetivado
somente por meio da oralidade. Quando se trata do aluno cego, apesar de ele desenvolver uma
boa memória auditiva, não lhe é possível apreender a enorme quantidade de conceitos e infor-
mações que são trabalhados na escola. Há, portanto, necessidade de tomar notas, conferir se as
suas anotações são compatíveis com os apontamentos do professor na lousa (REILY, 2004), o
que é permitido pelo sistema Braille.
Cabe salientar que é necessário respeitar as preferências pessoais da pessoa cega. Tor-
res, Mazzoni e Melo (2007) consideram que a preferência pelo uso do Braille está condicionada
à habilidade tátil da pessoa. Uma pessoa que foi alfabetizada em Braille pode se sentir mais à
vontade na atividade da leitura que uma pessoa que aprendeu o sistema na fase adulta.
Observam-se, no entanto, algumas limitações quanto à utilização do Braille em algu-
mas formas de apresentação de aspectos da Matemática, como, por exemplo, para informações
demonstradas por meio de gráficos e tabelas, objetos tridimensionais. Também, ao contrário da
leitura visual, que nos permite a leitura do todo, a leitura do sistema Braille é mais lenta, uma
vez que, tatilmente, a pessoa cega necessita decodificar letra por letra para formar uma palavra;
palavra por palavra até a frase e, muitas vezes, ao final, necessita retornar para entender o contexto.
Dessa forma, alguns cuidados podem ser tomados com relação à produção de textos
em Braille, evitando a exaustão no momento da leitura, como: utilizar uma linguagem acessível,
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suprimir palavras e frases desnecessárias. Para o ensino da Matemática, deve haver algumas
adaptações.
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e tabelas com relevo e diferentes texturas. Entre eles, podem-se citar os destacados por Reily
(2004) para a transformação de traços em relevos. Pode-se acrescentar, na lista, o papel vegetal:
.
desenho em giz de cera sobre a própria figura, tendo como base uma prancha de
aglomerado de madeira dura na qual se tenha colado tela de náilon; isso resulta em traços leves
que podem ser sentidos pelo cego;
. pintura linear em tinta “puff ”, que, quando aquecida (com secador de cabelo, por
exemplo), cria um volume fofo sobre o traço;
. bolinhas de plastilina (massinha) para fazer pontos de referência sobre a mesa do aluno;
. manipulação das formas essenciais da figura recortadas em EVA (material embor-
rachado) ou em papelão;
. marcas com thermo-pen, um instrumento aquecido que, aplicado a flexi-paper,
produz relevo;
. pintura com tintas texturadas em graus que vão de fino a grosso, variando entre as
arenosas, as aveludadas, as craquelentas;
. colagem de cordonê ou barbante sobre o contorno da figura;
. linhas produzidas em thermo-form, para transformar gráficos e figuras em relevo
(esse procedimento exige acesso ao equipamento especial);
. reproduções pela técnica clássica de pontilhado linear (REILY, 2004, p. 38).
Um recurso que também pode ser utilizado no ensino de Matemática para cegos é a
adaptação por meio da descrição. Como exemplo, pode-se citar uma questão de vestibular, que
foi adaptada para pessoas cegas, na Figura 1.
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Na adaptação da prova para pessoas cegas, o gráfico foi substituído pela seguinte
descrição em Braille:
Essa forma de adaptação tornou a questão bastante complexa e abstrata para a pessoa
cega, pois requer dela, além dos conhecimentos sobre Geometria Analítica, a necessidade de
construir o gráfico mentalmente apenas com o auxílio de uma descrição realizada a partir de
um gráfico visual (VIGINHESKI, 2004). Necessita imaginar a descrição, sem poder esboçar
um gráfico, da mesma forma como quem enxerga o faria, e resolver tal questão.
Frente a essa situação, faz-se necessário evitar adaptações complexas, uma vez que as
informações contidas na questão são estritamente visuais, deixando a pessoa cega em desvan-
tagem com relação aos vestibulandos sem limitação visual.
O gráfico pode ser adaptado em relevo, conforme a Figura 2.
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Fonte: adaptado de Giovanni e Bonjorno (2005). Fonte: adaptado de Centurión e Jakubovic (2012).
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Considerações finais
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