O Sistema Braille e o Ensino Da Matemática

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DOI: http://dx.doi.org/10.

1590/1516-73132014000400009

O sistema Braille e o ensino da Matemática


para pessoas cegas

The Braille system and Maths teaching for blind people

Lúcia Virginia Mamcasz Viginheski1  Antonio Carlos Frasson1 


Sani de Carvalho Rutz da Silva1  Elsa Midori Shimazaki2

Resumo: Ao levar em consideração a inclusão de pessoas com deficiência visual no ensino regular, este
artigo tem como objetivo centrar-se na perspectiva de referenciar o sistema Braille como um dos recur-
sos de aprendizagem de Matemática para alunos cegos. Caracteriza-se como uma pesquisa exploratória
com ênfase bibliográfica, bem como em experiências vivenciadas pela pesquisadora em um Centro de
Atendimento Especializado a Pessoas com Deficiência Visual. Foi possível constatar que o sistema
Braille se apresenta como um dos recursos disponíveis para o ensino da Matemática, no entanto, ainda
são necessárias outras adaptações de materiais que possibilitem, ao aluno cego, o acesso às várias formas
de representação dos conteúdos matemáticos.
Palavras-chave: Inclusão. Ensino de matemática. Deficiência visual. Cegueira. Alfabeto Braille.

Abstract: By considering the inclusion of people with visual impairment in regular education, this paper
aims to take the perspective of referencing the Braille system as one of the Maths learning resources
for blind students. It is characterized as exploratory research with a bibliographic emphasis, as well as
describing the experiences of the researcher in a Specialized Treatment Center to People with Visual
Impairment. It was possible to verify that the Braille system is presented as one of the available resourc-
es for Maths teaching, however, further adaptations in the material are still needed, to enable the blind
student to access the several forms of representation in maths.
Keywords: Inclusion. Mathematics teaching. Visual impairment. Blindness. Braille alphabet.

1
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR), Ponta Grossa, PR, Brasil. Rua Maria Marcondes Ribas, 73, Santana, C. P. 362, CEP 85070-696,
Guarapuava, PR, Brasil. E-mail: <[email protected]>
2
Departamento de Teoria e Prática da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR, Brasil.

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Introdução

Os paradigmas que se apresentam para o século XXI trazem possibilidades de trans-


formações nos processos sociais, educacionais e na forma de produção, desencadeando um
contexto de ampla transformação no inter-relacionamento das pessoas e da sociedade.
Ao se conceber o homem como um ser histórico-cultural, cujo desenvolvimento in-
telectual se dá, sobretudo, por meio de ações interativas, em um mecanismo de apropriação do
conhecimento, entende-se que o processo de aquisição da linguagem tem um papel primordial
entre os processos de ação e interação no ambiente social/produtivo. Entretanto, as formas de
busca por esse conhecimento, que se configuram no processo educacional, calcado, sobretudo,
nas premissas do sistema visual e oral, trazem, em seu contexto, preocupações em relação às
pessoas cegas, especialmente no que se refere ao processo ensino e aprendizagem e, no caso
dessa pesquisa, da Matemática.
O documento “Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola”
(BRASIL, 2000) relaciona os principais fatos que marcaram a história da Educação Especial,
entre eles: a elaboração de uma legislação com deliberações nacionais e internacionais que
fortalecem os princípios da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), como a De-
claração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975), a Conferência Mundial sobre Educação
para Todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) (1996), entre outros. Embora as pessoas com deficiência tenham direito à
educação inclusiva garantida pela legislação, muitas das práticas escolares resultam na exclusão
por não considerarem as necessidades específicas exigidas pelos diferentes tipos de limitações,
no caso deste estudo, a cegueira. Quando se fala em inclusão, refere-se não somente ao acesso
e a permanência de tais alunos nas escolas regulares, mas refere-se à apropriação dos conteúdos
escolares, que, conforme a experiência de uma das pesquisadoras tem mostrado, muitas vezes,
não tem ocorrido nas escolas regulares.
Nesse sentido, pode-se questionar: existe um método que proporcione às pessoas cegas
possibilidades de obterem o conhecimento sistematizado além do já institucionalizado? Ou
ainda: de que forma um sistema/método pode contribuir para a elaboração de conhecimentos
matemáticos para as pessoas cegas? Existem limites nesse recurso? Como as adaptações para
alunos cegos podem ser realizadas, para atender às nuanças da disciplina de Matemática? Esses
questionamentos centram-se no fato de que, entre as funções atribuídas ao sistema educacional,
a principal refere-se à disseminação do conhecimento formal.
Apesar de o Ministério da Educação estabelecer que o ambiente escolar tem como
função primordial a aquisição dos conhecimentos e, consequentemente, a sua ampliação, para
uma interpretação crítica do mundo e da sociedade, a dificuldade para o acesso ao conhecimento
tem se apresentado como um problema para os sujeitos cegos. Eles foram considerados, por
muito tempo, como pessoas incapazes de aprender pelo sistema tradicional e, portanto, em
situação de desvantagem, “ocupando no imaginário coletivo a posição de alvo de caridade e de
assistência social, e não de cidadãos com direitos e deveres” (FRASSON; PIETROCHINSKI;
SCHULMEISTER, 2008, p. 182).
O atendimento educacional prestado às pessoas cegas passou por transformações no
decorrer da história, isto é, passou do descaso e da segregação ao atendimento assistencial por
meio de instituições sociais ou religiosas, para a atual política de integração em escolas regulares,

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que acompanharam as mudanças ocorridas na Educação Especial, com vistas à inclusão dessas
pessoas no ensino regular e na sociedade.
Para Vygotsky (1995), não se pode tratar a cegueira apenas como uma deficiência, mas,
em certo ponto, como uma fonte de manifestação de suas capacidades. Segundo ele, outras habi-
lidades sensoriais podem ser desenvolvidas suprindo a falta da visão. Os postulados de Vygotsky
(1995) apontam que, para suprir a falta de visão, é preciso compensar e superar a deficiência, o
que é possível a partir do momento em que a escola tomar ciência de que todos aprendem, e
passe a oferecer condições necessárias para o ingresso, permanência e progresso, na formação
acadêmica, a todos que ingressarem no sistema educacional, seja eles deficientes ou não.
O Ministério da Educação, ao propor as Diretrizes Nacionais para a Educação Espe-
cial na Educação Básica (BRASIL, 2001), determina que as ações educacionais devem voltar
suas atenções a uma educação para todos, respeitando a diversidade, estabelecendo os direitos
ao exercício da cidadania, em busca do desenvolvimento de um Estado também para todos:

A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de funda-


mental importância para o desenvolvimento e a manutenção de um
Estado democrático. Entende-se por inclusão a garantia, a todos, do
acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade
essa que deve ser orientada por relações de acolhimento à diversidade
humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na
equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em
todas as dimensões da vida. Como parte integrante desse processo e
contribuição essencial para a determinação de seus rumos, encontra-se
a inclusão social. (BRASIL, 2001, p. 22)

Entende-se, portanto, como educação inclusiva aquela que abrange todas as pessoas,
independente de suas origens, tanto sociais como culturais, bem como das condições físicas,
criando iguais oportunidades de acesso ao conhecimento, ao desenvolvimento, à construção
da identidade, enfim, ao exercício da cidadania.
Na educação inclusiva, a diferença, a heterogeneidade, a diversidade são reconhecidas e
respeitadas. O acesso e a permanência, com êxito, da pessoa com deficiências no ensino regular
é garantido, também, pela sua participação efetiva nas atividades escolares, sendo tal participação
uma forma, um parâmetro de avaliação desse processo inclusivo (CAMARGO; NARDI, 2008).
Por atender aos princípios da educação inclusiva, as classes comuns do ensino regular se
constituem como espaço privilegiado para a educação das pessoas com necessidades especiais,
por ser um espaço onde as pessoas podem interagir com seus pares, aprender com as diferenças
(ROCHA; ALMEIDA, 2008). Como afirmam Fernandes e Healy (2010), na formação de uma
consciência inclusiva, é necessário conhecer a diversidade, para que se possa aprender com ela.
É importante observar também que, ao se deparar com um aluno cego na sala de aula,
faz-se necessário saber que, com relação aos seus direitos e deveres, ele deve ser tratado igual-
mente como qualquer outro aluno, respeitando-se, no entanto, as características específicas da
deficiência bem como seu direito de acesso ao conhecimento sistematizado.
Para se aproximar e se fazer uma incursão nesse universo vivenciado pela pessoa cega,
objetiva-se referenciar o sistema Braille como um dos métodos de aprendizagem de Matemá-
tica para alunos com deficiência visual, especificamente a cegueira, inclusos no ensino regular.

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A partir de experiências vivenciadas em um Centro de Atendimento Especializado a


Pessoas com Deficiência Visual e de informações obtidas mediante levantamentos e revisões
bibliográficas, são analisados aspectos relacionados ao código Braille e ao ensino da disciplina.
Os limites encontrados foram as formas de realizar adaptações necessárias em situações em que
apenas a utilização do sistema Braille se torna um recurso limitado, devido às várias formas de
expressão dos conteúdos de Matemática.

O sistema Braille

Antes de adentrar nos meandros do sistema Braille como um meio auxiliar de integra-
ção/inclusão da pessoa cega no contexto social, deve-se ter claro que, na história da humani-
dade, a pessoa com cegueira era estigmatizada e segregada. Historicamente, as pessoas cegas
se depararam com diversos percalços: ora considerados como abençoados, ora como malditos,
traziam o estigma de excluídos do convívio social. Exclusão como consequência do processo
de caracterização das pessoas interpostas pelo homem.
Goffman (1982, p. 11), ao referir-se sobre os padrões e/ou categorizações em relação
às pessoas, destaca:

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de


atributos considerados como comuns e naturais para os membros de
cada uma dessas categorias. Os ambientes sociais estabelecem as cate-
gorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas.
As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem
um relacionamento com ‘outras pessoas’. Então, quando um estranho
nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua
categoria e os seus atributos, a sua ‘identidade social’.

Neves, Frasson e Cantorani [20--], ao analisarem o processo vivenciado pelas pessoas


cegas no contexto da sociedade, trazem à tona que

Os portadores de necessidades especiais, vistos como doentes e in­


capazes, sempre estiveram em situação ainda mais inferiorizada, ocu-
pando, no imaginário coletivo, a posição de alvos da caridade popular
e da assistência social, e não de sujeitos plenos e detentores de direitos
sociais, entre os quais se inclui o direito à educação, ao lazer e a atividades
motoras. (NEVES; FRASSON; CANTORANI, [20--], p. 1)

No século XIX, em um contexto social de exclusão, Louis Braille, um jovem cego,


idealiza um sistema para suprir as necessidades comunicativas dessas pessoas. Assim, em 1825,
baseado em um código de comunicação militar desenvolvido por Charles Barbier, oficial do
exército francês, criou um sistema composto por um arranjo de seis pontos em relevo, dispostos
em duas colunas de três pontos, configurando um retângulo de seis milímetros de altura por,

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aproximadamente, três milímetros de largura, o que revolucionou o sistema de comunicação


entre as pessoas cegas, e delas com a sociedade (BIRCH, 1993).
Posteriormente, em 1837, Braille definiu a estrutura básica do sistema, que ainda hoje
é utilizada mundialmente em diversos idiomas. O atual sistema Braille, composto por seis pon-
tos, combinados entre si, num total de 63 possibilidades, permite o acesso ao conhecimento
de todas as ciências (BIRCH, 1993). As preocupações com a unificação da simbologia Braille
para a Matemática e as ciências iniciaram-se em 1929, em Viena, e, durante todo esse período,
foram realizados estudos no mundo todo em busca de um acordo. A partir de 2002, o Brasil faz
uso do Código Matemático Unificado para a Língua Portuguesa (BRASIL, 2006a), cujo sistema
possibilita – assim como o sistema a tinta – o registro escrito dos conhecimentos científicos
matemáticos em todos os níveis de ensino, inclusive, do Ensino Superior.
Braille (18-- apud BIRCH 1993), ao referir-se ao processo de inclusão proporcionado
a pessoas cegas, aponta:

O acesso à comunicação, no mais amplo sentido, é acesso ao conheci-


mento, e este é vitalmente importante para nós não continuarmos sendo
menosprezados e dependentes das pessoas que enxergam. Nós não
precisamos de piedade nem de ser lembrados que somos vulneráveis.
Precisamos ser tratados com igualdade – e a comunicação é a forma de
realizar isto. (BRAILLE, 18-- apud BIRCH, 1993, p. 7)

Para Reily (2004), o desenvolvimento do sistema Braille ocorreu na mesma época


em que se modificavam as concepções sobre a aprendizagem humana, uma vez que se passa
a questionar o fato de se conceber a pessoa com deficiência como inválida, incapaz ou, ainda,
associando sua deficiência a um castigo divino.
Neves, Frasson e Cantorani [20--] destacam que:

A teoria e a prática dominantes no atendimento às necessidades educa-


cionais especiais de crianças, jovens e adultos, defendiam a organização
de escolas e de classes especiais, separando essa população dos demais
alunos. Nem sempre, mas em muitos casos, a escola especial desenvolvia-
se em regime residencial e, conseqüentemente, a criança, o adolescente
e o jovem eram afastados da família e da sociedade. Esse procedimento
conduzia, invariavelmente, a um aumento do preconceito já tão evidente.
(NEVES; FRASSON; CANTORANI, [20--], p. 2)

A partir do desenvolvimento de um sistema de leitura e escrita próprio, as pessoas cegas


tiveram o acesso à comunicação escrita, representando um grande passo na luta por seus direi-
tos, pela igualdade de condições, pela independência e autonomia e pelo exercício da cidadania.
Reily (2004) aponta alguns mitos acerca do uso do Braille pelos cegos. Entre eles, des-
taca-se a habilidade inata para a leitura tátil. A pessoa cega desenvolve sua habilidade tátil da
mesma forma que outras áreas sensoriais são desenvolvidas na pessoa que enxerga: “é aprendido,
mediado e constituído socialmente” (REILY, 2004, p. 149).

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Quando uma pessoa é acometida pela deficiência visual no decorrer de sua vida, isto é,
quando a deficiência é adquirida, pode apresentar dificuldades iniciais na transição do sistema a
tinta para o sistema tátil, uma vez que sua habilidade tátil ainda não está desenvolvida para tal.
Nesse caso, são necessários o entendimento e a compreensão por parte do professor, possibi-
litando a ela alternativas de comunicação, evitando prejuízos na sua aprendizagem.
Reily (2004, p. 139) destaca a importância de os professores terem conhecimento so-
bre o sistema Braille, pois “deter noções sobre as especificidades da leitura e escrita em Braille
auxilia o educador a perder o receio de se aproximar do aluno com cegueira”.
Mesmo que hoje existam outras formas de registro, como, no caso, a utilização da
informática em sala de aula, a utilização do Braille é de fundamental importância, pois permite
ao cego o acesso à forma como a palavra é escrita, uma vez que, por meio de outros recursos, o
acesso se dá pelo canal da audição, não lhe fornecendo detalhes da escrita, como, por exemplo,
a ortografia.
Em relação aos conteúdos matemáticos, o código oferece a possibilidade da expressão
matemática escrita, da mesma forma como fazem as pessoas sem limitações visuais, necessitando,
em algumas situações, de adaptações específicas. Os símbolos em Braille disponíveis permitem
o registro escrito de todo e qualquer conteúdo matemático.
A simbologia Braille utilizada na disciplina de Matemática vai sendo ensinada ao aluno
cego pelo professor especializado nesse código, na medida em que os conteúdos vão sendo
desenvolvidos pelo professor da disciplina. Conforme as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica (BRASIL, 2006b), a Educação Especial perpassa por todos os
níveis de ensino, desde a Educação Básica até o Ensino Superior, transversalmente, oferecendo
o suporte necessário para a prática educacional inclusiva. Dessa forma, considera-se importante
o apoio oferecido pela Educação Especial ao professor do ensino regular, para que ele desen-
volva, com o aluno cego, os mesmos conteúdos que desenvolve com os demais alunos, sem
causar-lhe prejuízos na aprendizagem.
Mesmo com a oferta desse apoio, muitas vezes, o ensino da Matemática é efetivado
somente por meio da oralidade. Quando se trata do aluno cego, apesar de ele desenvolver uma
boa memória auditiva, não lhe é possível apreender a enorme quantidade de conceitos e infor-
mações que são trabalhados na escola. Há, portanto, necessidade de tomar notas, conferir se as
suas anotações são compatíveis com os apontamentos do professor na lousa (REILY, 2004), o
que é permitido pelo sistema Braille.
Cabe salientar que é necessário respeitar as preferências pessoais da pessoa cega. Tor-
res, Mazzoni e Melo (2007) consideram que a preferência pelo uso do Braille está condicionada
à habilidade tátil da pessoa. Uma pessoa que foi alfabetizada em Braille pode se sentir mais à
vontade na atividade da leitura que uma pessoa que aprendeu o sistema na fase adulta.
Observam-se, no entanto, algumas limitações quanto à utilização do Braille em algu-
mas formas de apresentação de aspectos da Matemática, como, por exemplo, para informações
demonstradas por meio de gráficos e tabelas, objetos tridimensionais. Também, ao contrário da
leitura visual, que nos permite a leitura do todo, a leitura do sistema Braille é mais lenta, uma
vez que, tatilmente, a pessoa cega necessita decodificar letra por letra para formar uma palavra;
palavra por palavra até a frase e, muitas vezes, ao final, necessita retornar para entender o contexto.
Dessa forma, alguns cuidados podem ser tomados com relação à produção de textos
em Braille, evitando a exaustão no momento da leitura, como: utilizar uma linguagem acessível,

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suprimir palavras e frases desnecessárias. Para o ensino da Matemática, deve haver algumas
adaptações.

Algumas adaptações que podem ser associadas ao uso do Braille


para o ensino de Matemática

O sistema Braille possibilita às pessoas cegas o acesso à informação e à comunicação


escrita nas mais diferentes áreas do conhecimento, entre elas, a Matemática.
Ao proporcionar ao aluno, com cegueira, diferentes formas de acesso ao conteúdo
escolar, por meio do veículo que lhe permite significar o mundo, seja ele tátil, auditivo ou outro,
respeitando o tempo necessário para tal, criam-se condições favoráveis à sua aprendizagem,
proporcionando-lhe igualdade de condições em relação aos outros alunos (REILY, 2004).
Pacheco, Shimazaki e Mamcasz (1998) desenvolveram um projeto com uma aluna cega
que frequentava o Ensino Médio no ensino regular. A pesquisa teve como principal objetivo
a busca por alternativas para a elaboração de conceitos matemáticos, relacionados a situações
cotidianas da aluna. Foram desenvolvidos os conceitos de área, a partir da exploração do quarto
da aluna: o quadrado da soma, um dos produtos notáveis. Para explorar esse conteúdo, fizeram
uso de placas de madeira retangulares e quadrangulares, com faces graduadas e não graduadas.
Nos resultados, foi possível constatar a consolidação de alguns conceitos, como: a multiplica-
ção como soma de parcelas, a noção de área como medida e a articulação com a propriedade
comutativa da adição e da multiplicação.
Fernandes e Healy (2010) desenvolveram um projeto com alunos cegos, a partir de
pesquisas realizadas com pessoas sem limitação visual, com o objetivo de elaborar materiais que
lhes permitissem a exploração tátil de figuras geométricas, a construção de conceitos de área,
perímetro e volume. Fizeram uso de um material adaptado em relevo, constituído por placas
de madeira e formas geométricas em EVA, com diferentes relevos. Também possibilitaram, aos
alunos cegos, o uso de diferentes instrumentos adaptados para medida.
O desenvolvimento dos projetos citados demonstra que é possível a pessoa cega
desenvolver conceitos matemáticos como qualquer outra, sendo necessário, portanto, que o
professor conheça e entenda as particularidades da deficiência visual envolvidas no processo,
entre elas, a necessidade de adaptações.
Entre os conteúdos matemáticos, alguns relacionados à geometria, tratamento da
informação e funções dependem, além do sistema Braille, de outras adaptações para o ensino
às pessoas cegas.
Os gráficos e tabelas se constituem por meio de uma organização visual/espacial de
dados; assim a pessoa cega pode apresentar dificuldades para esboçá-los se não for orientado
pelo professor ou por colegas e se não fizer uso de materiais táteis adequados. Nem por isso o
professor deverá deixar de utilizar essas representações, uma vez que elas podem estar presentes
em outras situações vivenciadas pela pessoa cega fora do contexto escolar, que poderão ser
relacionadas com as experiências vivenciadas na escola.
Além de atuar como mediador nessa construção, o professor pode utilizar outros
recursos que possibilitem, ao aluno cego, o acesso a essa forma de informação. Existem, no
mercado, muitos materiais que podem ser utilizados com a finalidade de representar os gráficos

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e tabelas com relevo e diferentes texturas. Entre eles, podem-se citar os destacados por Reily
(2004) para a transformação de traços em relevos. Pode-se acrescentar, na lista, o papel vegetal:

.
desenho em giz de cera sobre a própria figura, tendo como base uma prancha de
aglomerado de madeira dura na qual se tenha colado tela de náilon; isso resulta em traços leves
que podem ser sentidos pelo cego;
. pintura linear em tinta “puff ”, que, quando aquecida (com secador de cabelo, por
exemplo), cria um volume fofo sobre o traço;
. bolinhas de plastilina (massinha) para fazer pontos de referência sobre a mesa do aluno;
. manipulação das formas essenciais da figura recortadas em EVA (material embor-
rachado) ou em papelão;
. marcas com thermo-pen, um instrumento aquecido que, aplicado a flexi-paper,
produz relevo;
. pintura com tintas texturadas em graus que vão de fino a grosso, variando entre as
arenosas, as aveludadas, as craquelentas;
. colagem de cordonê ou barbante sobre o contorno da figura;
. linhas produzidas em thermo-form, para transformar gráficos e figuras em relevo
(esse procedimento exige acesso ao equipamento especial);
. reproduções pela técnica clássica de pontilhado linear (REILY, 2004, p. 38).
Um recurso que também pode ser utilizado no ensino de Matemática para cegos é a
adaptação por meio da descrição. Como exemplo, pode-se citar uma questão de vestibular, que
foi adaptada para pessoas cegas, na Figura 1.

Figura 1. Questão de vestibular

Fonte: Viginheski (2004).

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Na adaptação da prova para pessoas cegas, o gráfico foi substituído pela seguinte
descrição em Braille:

Considere o diagrama cartesiano em que as retas r e t são perpendiculares


e se interceptam no eixo OY, acima do eixo OX. A reta t corta OX no
ponto A=(2,0) e faz ângulo de 120º com o eixo OX. As equações da reta
r e da reta que é paralela a t e passa pela origem são... (VIGINHESKI,
2004, p. 38).

Essa forma de adaptação tornou a questão bastante complexa e abstrata para a pessoa
cega, pois requer dela, além dos conhecimentos sobre Geometria Analítica, a necessidade de
construir o gráfico mentalmente apenas com o auxílio de uma descrição realizada a partir de
um gráfico visual (VIGINHESKI, 2004). Necessita imaginar a descrição, sem poder esboçar
um gráfico, da mesma forma como quem enxerga o faria, e resolver tal questão.
Frente a essa situação, faz-se necessário evitar adaptações complexas, uma vez que as
informações contidas na questão são estritamente visuais, deixando a pessoa cega em desvan-
tagem com relação aos vestibulandos sem limitação visual.
O gráfico pode ser adaptado em relevo, conforme a Figura 2.

Figura 2. Adaptação em relevo

Fonte: Adaptado de Viginheski (2004).

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O gráfico adaptado desta maneira permite, ao aluno cego, o acesso às informações


da mesma forma como o gráfico a tinta. Ressalta-se, portanto, que a adaptação a ser escolhida
depende da complexidade existente no que se deseja adaptar. Por isso, é necessário que o pro-
fessor de Matemática proporcione, ao aluno cego, diferente formas de adaptações, em diferentes
situações, para que ele possa se familiarizar, optar pela forma mais adequada à sua condição
tátil. Segundo Reily (2004, p. 39):

Antes de realizar a adaptação para o aluno, porém, é importante pensar


sobre a figura. Trata-se de uma figura linear, em que os traçados são
importantes, ou a figura é constituída por formas fechadas? Essa ava-
liação implicará uma adaptação por recursos que ressaltem as relações
lineares ou as relações entre áreas e formas.

Ao realizar uma adaptação, a pessoa necessita de conhecimento sobre o conteúdo refe-


rente à adaptação, sobre a qual precisa fazer uma avaliação apurada para que consiga transmitir
todos os detalhes necessários para o entendimento da pessoa cega.
As figuras 3, 4 e 5 apresentam outras formas de adaptações de gráficos e tabelas que
podem ser realizadas:

Figura 3. Adaptação de gráfico utilizando EVA


com textura Figura 4. Adaptação de tabela em Braille

Fonte: adaptado de Giovanni e Bonjorno (2005). Fonte: adaptado de Centurión e Jakubovic (2012).

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Figura 5. Adaptação de gráfico em


termoform

Fonte: Instituto Benjamin Constant (2007).

A adaptação do plano cartesiano nesse material permite, ao aluno cego, a elaboração


de vários gráficos, fazendo uso de etiqueta adesiva e barbante.
Observa-se que, em todas as adaptações, faz-se necessária a atuação do professor como
mediador, auxiliando o aluno na interpretação das informações, pois se reafirma a questão de a
leitura tátil ser diferente da leitura visual, uma vez que as informações são coletadas parte a parte.
Para Reily (2004, p. 39):

Há maneiras de tornar a imagem acessível ao cego, que tem, como


todos nós, o direito de ser público (e também produtor, por que não?)
da cultura imagética. É preciso realizar uma conversão semiótica, de tal
forma que o signo visual seja apreendido por via tátil-verbal. A palavra
do outro descreve e significa, e a pessoa com cegueira então se apropria
do sentido, trazendo suas experiências pessoais para a situação.

O Ministério da Educação também aponta alguns cuidados na adaptação de conteúdos


matemáticos para alunos cegos, como, por exemplo, os objetos tridimensionais. A representação
de tais objetos não proporciona tatilmente a mesma percepção que visualmente. É aconselhável
a utilização dessas representações com reserva, adicionando, às informações táteis, informações
verbais. Com relação às figuras geométricas, considera-se importante levar em conta o tamanho
adequado para o reconhecimento tátil e a utilização de objetos com as formas geométricas
estudadas, sejam elas planas ou tridimensionais (BRASIL, 2006b).

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Considerações finais

Há aproximadamente dez anos, a falta de recursos específicos para o ensino de pessoas


cegas era considerada uma dificuldade frente à inclusão educacional. Atualmente, existem outros
recursos, além do sistema Braille e do soroban, para o ensino de Matemática a pessoas cegas,
como: materiais adaptados, jogos, softwares, entre outros. Mesmo que os recursos disponíveis
possam apresentar limites para alguns conteúdos na disciplina, percebe-se que as maiores limi-
tações para esses alunos se instalam a partir da prática docente.
O professor, ao fazer uso apenas da oralidade para ensinar Matemática para alunos
cegos, ou utilizar recursos adaptados apenas para a demonstração dos conteúdos, pode con-
tribuir para o surgimento de lacunas na aprendizagem dessas pessoas, uma vez que detalhes
importantes para a apropriação desses conteúdos não são considerados. Em ambas as situações,
o aluno cego é um espectador, não participando ativamente no processo de construção dos
conceitos abordados.
O acesso de alunos cegos ao conhecimento matemático científico depende, também,
dos procedimentos metodológicos utilizados pelo professor. De nada vale todo o aparato tec-
nológico existente, se a prática docente ainda é hegemônica, excludente.
A partir do momento em que o professor tem conhecimento das características in-
dividuais dos alunos cegos, de suas necessidades, dos recursos existentes para o seu ensino, e
buscar estabelecer um bom relacionamento com eles, considerando-os como os demais alunos,
estará contribuindo para que, de fato, a inclusão se efetive.
Neste artigo, não se teve a menor pretensão de esgotar o assunto, na medida em que
foram sugeridos apenas alguns aspectos relacionados ao ensino da Matemática para alunos
com deficiência visual. Quanto a isso, ainda há muitas pesquisas a serem efetivadas a fim de se
implementar o atendimento a esses alunos de forma que: eles tenham acesso, permanência nas
escolas de ensino regulares; se apropriem dos conteúdos escolares com propriedade, e sejam
capazes de utilizá-los em suas práticas sociais. Daí a importância de se dar continuidade às pes-
quisas desta ordem e, sobretudo, que haja uma maior divulgação delas entre todos aqueles que,
de alguma forma, têm interesse e necessidade de conhecer o assunto. Ressalta-se, certamente,
sobretudo aqueles que estão envolvidos na inclusão educacional.

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Artigo recebido em 24/10/12. Aceito em 18/03/13.

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