Literatura Infantil e Juvenil

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Literatura

infantil e juvenil
pelas frestas do
contemporâneo
Eliane Debus
Jilvania Lima dos Santos Bazzo
Nelita Bortolotto
organizadoras

Literatura
infantil e juvenil
pelas frestas do
contemporâneo

1º Edição
Tubarão – 2017
www.graficacopiart.com.br
[email protected]
Tel.: 48 3626.4481
Conselho Editorial
Série Pandora; n. 1
Renata Junqueira de Souza (Unesp) Capa
Max Butlen (Universidade de Cergy- Cláudio José Girardi, com ilustração de
Pontoise) Márcia Cardeal
Marie Helene Torres (UFSC)
Diana Navas (PUCSP) Diagramação:
Diógenes Buenos Aires (UESPI) Rita Motta, sob coordenação da gráfica e
Daniela Segabinazi (UFPB) Editora Copiart.
Hélder Pinheiro (UFCG) Revisão:
Bianca Santos

L776 Literatura infantil e juvenil : pelas frestas do contemporâneo /


Eliane Debus, Jilvania Lima dos Santos Bazzo, Nelita Bortolotto
organizadoras. –1. ed. – Tubarão (SC) : Copiart, 2017.
256 p. ; il., fotos. – (Pandora; n.2)

ISBN: 978-85-8388-097-4
Inclui referências

1. Literatura infantojuvenil – História e crítica. 2. Literatura –


Estudo e ensino. 3. Livros e leitura. 4. Comunicação na educação.
I. Debus, Eliane Santana Dias. II. Bazzo, Jilvania Lima dos Santos.
III. Bortolotto, Nelita.
CDU: 82.09

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071


Sumário

A história de um evento, a história de um livro: quando


não é possível falar de um sem falar de outro..................7
Eliane Debus
Jilvania Lima dos Santos Bazzo
Nelita Bortolotto

Literatura e educação – pelos fios da tessitura


dialógica...............................................................................................19
Eliane Debus
Jilvania Lima dos Santos Bazzo
Nelita Bortolotto

La poética de la infancia y la formación del lector


literario................................................................................................ 37
Yolanda Reyes

“Palavras que voam”: tendências contemporâneas


da poesia portuguesa para a infância..................................51
Sara Reis da Silva

O público jovem e seus gêneros – literários –


prediletos............................................................................................85
Regina Zilberman
Literatura infantil e pedagogia: tendências e
enfoques na produção acadêmica contemporânea.....101
Edgar Roberto Kirchof
Iara Tatiana Bonin

El niño de la cordillera: la narrativa infantil de


Óscar Colchado Lucio...............................................................139
Rosane Cardoso

O menino e o mundo: o traço infantil para contar


a “história a contrapelo”.......................................................... 155
Dilma Beatriz Rocha Juliano

O velho Graça e a história dos que não cabem............171


Ana Crelia Dias

Signos e suportes contemporâneos: notas sobre a


literatura infantil e juvenil...................................................... 187
Maria Zilda da Cunha

A hora e a vez da criança.......................................................209


Anna Claudia Ramos

A criança quer o livro infantil?........................................... 223


Nilma Lacerda

As vozes da rua na poesia de Cecília Meireles........... 235


Gloria Kirinus

Barca dos livros – uma biblioteca com alma............... 243


Tânia Piacentini

Sobre as autoras e os autores............................................... 249


A história de um
evento, a história de
um livro: quando não
é possível falar de um
sem falar de outro

Eliane Debus
Jilvania Lima dos Santos Bazzo
Nelita Bortolotto

Os artigos que compõem este livro são o resultado


de um compilado das conferências e mesas redondas
apresentadas durante o 7º Seminário de Literatura Infantil e
Juvenil (SLIJ): linguagens poéticas pelas frestas do contemporâneo
e o 2º Seminário Internacional de literatura infantil e juvenil
e práticas de mediação literária (Selipram), realizados na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) nos dias
26, 27 e 28 de setembro de 2016.
Trata-se de um projeto cujas edições iniciais
foram realizadas pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Alfabetização e Ensino da Língua Portuguesa (Nepalp/
UFSC). Atualmente, ele se consolida com a participação
do Literalise – Grupo de Pesquisa em Literatura Infantil
e Juvenil e Práticas de Mediação Literária (UFSC), em
conjunto com o Núcleo de Pesquisas e Ensino em Língua
Portuguesa e Alfabetização (Nepalp/UFSC). A maioria
dos participantes, do Nepalp e do Literalise, vincula-se
ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do
Centro de Ciências da Educação (CED) da UFSC.
As primeiras edições de Seminário de Literatura
Infantil e Juvenil foram promovidas pelo Nepalp, na UFSC,
nos anos de 2001, 2002 e 2003. Já em 2011, o evento foi
agregado ao Seminário de Literatura Infantil e Juvenil de
Literatura infantil e juvenil

Santa Catarina, efetivado pela Universidade do Sul de Santa


Caraina (Unisul) em quatro edições, correspondentes aos
anos de 2006, 2007, 2008 e 2009. Em 2004, essa atividade
passou a contar com a participação do PPGE da UFSC,
8

com o Programa de Educação Tutorial (PET), Pedagogia


(UFSC) e de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPGCL/Unisul). Desde 2014, o evento ganhou dimensão
internacional (DEBUS; JULIANO; BORTOLOTTO,
2016).
Devido ao caráter interdisciplinar do objeto deste
estudo – a literatura infantil e juvenil – o referido seminário
tem agregado, desde a sua primeira edição, pesquisadores
e profissionais do ensino superior e da educação básica de
diversos ramos das Ciências Humanas (Letras, Pedagogia,
Biblioteconomia, Psicologia, História, entre outros).
Em 2016, além dos organizadores anteriores, o
evento contou com a parceria do Grupo Prolinguagem, da
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). O apoio
financeiro foi garantido por meio de editais das agências de
fomento: do Programa de Apoio a Evento no País (PAEP
– CAPES); da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica
e Tecnológica do Estado de Santa Catarina (Fapesc); do
Edital Procultura SeCult/UFSC; e das parcerias com as
editoras Paulus, Paulinas, Record, Positivo e Pulo do Gato.
A edição do SLIJ do ano de 2016 foi um projeto
educativo-cultural que desenvolveu várias ações artístico-
culturais, entre elas: conferências, mesas-redondas, bate-
papos com escritores, exposições de livros artesanais e de
obras artísticas para infância, e a mostra cultural Negras
Vozes. Essas atividades foram realizadas no Centro de
Cultura e Eventos da UFSC, espaço que foi contemplado
no edital Espaço Vivo (SeCult) e que possui um ambiente
amplo com auditório, salas e espaços abertos. Nos seus
três dias de atividades, o seminário agregou o número de

A história de um evento, a história de um livro


1.290 inscritos pelo site e 300 durante o evento, totalizando
1.590 participantes. Foram apresentados 343 trabalhos nas
categorias comunicação oral e pôsteres.
Por todas essas e por tantas outras razões, esse evento
vem solidificando-se de modo importante no Brasil acerca
da literatura infantil e juvenil.

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Acerca do tema para a sétima edição do seminário,
linguagens poéticas pelas frestas do contemporâneo, os
proponentes reconhecem a necessidade de abrir espaços
de reflexão às linguagens poéticas contemporâneas em suas
múltiplas semioses. Nesse sentido, não só as literaturas
estariam em foco, mas todas as demais linguagens que,
em seus diferentes campos de conhecimento, debruçam-
se igualmente sobre a arte poética. Entende-se aqui por
linguagens poéticas a palavra em suas formas escrita e oral,
a música, as imagens estáticas e em movimento, a dança, as
artes plásticas, a dramaturgia e sua encenação, bem como
as diferentes linguagens que se expõem, proporcionando
o que se chama de experiência estética.
É sabido que a imaginação e a capacidade de
improvisação confundem-se na criatividade infantil e
juvenil, como formas de ver e experimentar o mundo. São
maneiras de encenar a vida, muitas vezes, sinalizando às
crianças, aos jovens e aos adultos o valor da fantasia na
reinvenção do cotidiano. É assim que a arte aproxima-se
da infância e revela a necessidade de que se acredite nela
e de que se extrapole com ela os limites da vida regrada.
Seria, portanto, um chamamento à sensibilidade?
Somos ou não provocados, como partícipes da infância e
juventude, a desconstruir nossas percepções do mundo,
com suas exterioridades, e irmos em busca dos espaços
do nunca?
A proposição do tema do evento – buscar as frestas
de onde brotam as linguagens poéticas – não deve ser
confundida com a utopia do lugar de fora; ao contrário,
o desafio é o de, junto com pesquisadores, professores,
estudantes e críticos de arte, apontar as possibilidades de
poesia dentro dos nossos cotidianos. Trata-se de querer
Literatura infantil e juvenil

realçar a convivência da poesia com as duras experiências


da vida material, com as diferentes vivências dos seres
humanos em seu cotidiano.
O mundo da superexposição, das indiferenças, dos
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comportamentos pautados e regrados pelo consumo,


da transformação da própria vida em mercadoria tende,
vertiginosamente, a colocar a poesia em declínio. É no
arrepio ao avanço da vida conformada que se pretendeu
pautar as reflexões do e no evento.
Foi assim que, inspirados em Didi-Huberman
(2011, p. 42, grifo do autor), buscamos ver e apontar as
aparições dos vaga-lumes – a metáfora das pequenas
luzes que brilham como aparições potentes em zonas de
apagamento das experiências sensíveis. Buscamos “[…]
ver o espaço – seja ele intersticial, intermitente, nômade,
situado no improvável – das aberturas, dos possíveis, dos
lampejos, dos apesar de tudo.”.
É, então, nas frestas do tempo contemporâneo
que vamos qualificar as linguagens que, enfatizando
o imprescindível das poéticas, fazem da infância uma
parceira da poesia. Ou seja, reafirmamos que a imaginação
não é o inverso da maturidade e que, ao contrário disso,
imaginação e fantasia são ingredientes fundamentais para
a consciência do adulto maduro, sujeito por inteiro.
Cresce, a olhos vistos, a produção de ficção
endereçada às crianças e aos jovens, requerendo seu
equivalente crítico por parte de estudiosos nas diversas
áreas de conhecimento e práticas escolares e acadêmicas.
Por essas razões, com esse evento, buscou-se reafirmar o
debate, a exemplo de anos anteriores, sobre as linguagens
verbais e não verbais e suas correlações, bem como sobre
as manifestações culturais e estéticas, que estivessem
voltadas à infância e à juventude na contemporaneidade.
Ao mesmo tempo em que se reconhece a ação de

A história de um evento, a história de um livro


descarte da literatura por essa sociedade superficial e dada
às aparências, os textos aqui reunidos realçam, cada um a
seu modo, a resistência e a beleza das linguagens poéticas
por meio de reflexões que articulam as possibilidades da
formação humana pelo viés da mediação literária e das
relações intersubjetivas provocadas pela leitura e pela

11
interlocução entre leitores. Portanto, imbuído desse ethos
acerca das linguagens, o conjunto dos textos evidencia um
desejo coletivo de professores, pesquisadores, escritores e
profissionais em geral das áreas de educação e literatura
pela superação desse mundo insensível, mercadológico e
insalubre.
Em Literatura e educação – pelos fios da
tessitura dialógica, as autoras Eliane Debus, Jilvania
Lima dos Santos Bazzo e Nelita Bortolotto discutem sobre
a literatura e a educação entendendo-as como campos de
conhecimento vivos, históricos e ideológicos, no contexto
do acontecimento da formação humana. As autoras
focam o debate em torno do vínculo indissociável entre
esses campos de conhecimento, visando compreender o
desenvolvimento da competência leitora. Ao tomar como
ponto de partida o Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE), Debus, Bazzo e Bortolotto entendem que
os(as) professores(as) podem desencadear um processo
de ensino e aprendizagem mediante práticas de mediação
dialógicas.
Na sequência, Yolanda Reys, em seu trabalho La
poética de la infancia y la formación del lector literário, destaca
o poder do acolhimento, da sensibilidade e da bagagem
simbólica para a formação do leitor literário. Ao refletir
sobre a temática, a autora reconhece a importância da
mediação tanto dos professores quanto das famílias nesse
processo, especialmente incluídos os avós. Ela evidencia a
necessária e vital triangulação entre a obra literária, o leitor
adulto e a criança bem pequena que, entregues à palavra
poética, ao afeto e à comunhão de sentidos, conseguem
acessar ainda que instintivamente os mistérios da vida, da
morte e do amor, porque estão imersos em uma experiência
de linguagem poética. A autora critica o ensino da literatura
Literatura infantil e juvenil

por meio de lista de obras e autores e propõe uma pedagogia


do amor pela literatura que conceba a ambos (professores e
alunos, protagonistas do processo de interpretação) como
12

re-criadores dos textos por meio de um livre exercício da sua


sensibilidade e da sua imaginação.
Com “Palavras que voa”: tendências contemporâneas da
poesia portuguesa para infância, a professora Doutora Sara
Reis da Silva, da Universidade do Minho, evoca algumas
palavras do poeta Álvaro Magalhães e de outros escritores
para destacar a importância das canções de ninar, rimas
em jogos, rimas com sequências numéricas, trava-línguas,
lenga-lengas ou adivinhas para o desenvolvimento do
leitor de textos literários. Nesse contexto, ao pensar sobre o
sentido e a função da literatura para os pequenos, a autora
delineia uma cartografia literária destinada à infância,
apresentando autores portugueses, a exemplo de Maria
José Costa, Alice Vieira, José Viale Moutinho, Luísa Ducla
Soares, Ana Maria Ferrão, Mário Castrim, Matilde Rosa
Araújo, Paulo Rodrigues, Daniel Completo, Inês Pupo e
Gonçalo Pratas, entre outros, que se dedicaram a produzir
para as crianças “uma espécie de ´memória poética portuguesa´
ou lusófona da poesia”.
Regina Zilberman apresenta, no texto intitulado
O público jovem e seus gêneros – literários – prediletos, dois
projetos para a formação do leitor juvenil: um proveniente
da escola, focada na norma e na tradição, e o outro
proveniente da sociedade de consumo, afirmando que há
“um espaço vazio entre esses dois lugares, que a indústria
cultural e a sociedade de consumo preenchem com
muita competência”. Diante dessa problemática, a autora
discute ampla e profundamente as razões pelas quais
os professores vivem um dilema em sala de aula com a
literatura: se selecionam os títulos da indústria editorial

A história de um evento, a história de um livro


consumidos pelos jovens leitores, eles estarão em desacordo
com o sistema educacional; ou se não acompanham as
preferências desses jovens, eles encontrarão ainda mais
dificuldades para, a partir da valorização do gosto já
constituído dos jovens, elaborar propostas com objetivos
de aprendizagem a serem alcançados.

13
A literatura infantil deixou de ser considerada um
mero instrumento didático? A pedagogia já incorporou a
literatura infantil como um gênero artístico-literário capaz
de proporcionar experiências diferenciadas de fruição
através da leitura? Reflexões como essas estão presentes
em Literatura infantil e pedagogia: tendências e enfoques na
produção acadêmica contemporânea, de Edgar Roberto Kirchof
e Iara Tatiana Bonin que, ao analisarem artigos publicados
em três revistas brasileiras que focalizam a literatura
infantil, realizaram uma concisa revisão do campo de
estudos que articula a literatura infantil e a pedagogia.
Para tanto, eles apresentam um breve panorama histórico
das relações entre a literatura infantil e sua dimensão
pedagógica, destacando sua vinculação, inicialmente, a
práticas pedagógicas com mero pretexto para ensinar
conteúdos curriculares e valores morais, cívicos e religiosos
e, posteriormente, com intencionalidades vinculadas a
aspectos propriamente literários.
No trabalho El niño de la cordillera: la narrativa
infantil de Óscar Colchado Lucio, de Rosane Maria
Cardoso, o leitor é convidado a uma profunda reflexão
sobre o pensamento mítico, isto é, sobre a vida e a arte a
partir do debate sobre a literatura endereçada às crianças.
Para isso, ao mesmo tempo em que a autora descreve
brevemente algumas de suas principais obras, ela instiga
o desejo pelo conhecimento das narrativas ficcionais
do professor, poeta, contista e novelista peruano Óscar
Colchado, e evidencia o poder da cultura oral em sua obra,
provocando ainda mais o interesse pela produção estética
e poética desse escritor.
Em O menino e o mundo: o traço infantil para
contar a “história a contrapelo”, de Dilma Beatriz Juliano,
o leitor terá a oportunidade de compreender a perspectiva
Literatura infantil e juvenil

do cinema político de animação, aprofundar suas reflexões em


torno da infância e, ao mesmo tempo, ampliar seu olhar
sobre o processo de leitura e de práticas leitoras voltadas
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para o público infantil. A autora mostra que, no filme “O


menino e o mundo”, enquanto a personagem vai aprendendo
por meio da experimentação a partir de relações sociais
pautadas pelas regras capitalistas, os espectadores são
convidados a recompor suas histórias como sujeitos
sociais. Nesse sentido, sua hipótese de análise debruça-
se sobre o entendimento da “animação como potência
política de contar a história”, o que provoca um gesto de
reinvenção e apresenta a infância inserida em contextos
complexos de exploração dos humanos uns sobre os
outros, em nome do lucro.
Ana Crelia Dias problematiza, no texto O velho
Graça e a história dos que não cabem, algumas
produções que desconheciam a capacidade crítica das
crianças, retomando uma discussão sobre a história
da literatura brasileira destinada a esse público. Ela
reconhece que os textos dirigidos, sobretudo, às crianças
devem zelar pelo processo criativo em que pesem os
critérios de originalidade e de qualidade estética. Discute
profundamente sobre a literatura mais ampla, trazendo
para a cena do debate questões voltadas à formação
do leitor juvenil assim como do leitor adulto; e destaca
algumas características peculiares a um e a outro público,
esclarecendo que “não significa afirmar que os mais
jovens necessitam de textos especialmente criados para
eles, que não seriam capazes de ‘entender’ um texto ’para
adultos’. Ao longo de seu trabalho, o leitor poderá ainda
ampliar seu conhecimento acerca das obras literárias de
Graciliano Ramos, a exemplo de Alexandre e outros heróis,
Mestre Graciliano, A terra dos meninos pelados, Linhas tortas e
Garranchos.

A história de um evento, a história de um livro


Em Signos e suportes contemporâneos:
notas sobre a literatura infantil e juvenil, orientada
por proposições de Giorgio Agamben e de Michel
Maffesoli, Maria Zilda da Cunha destaca alguns sinais da
contemporaneidade, em face das revoluções tecnológicas
e paradigmáticas. A autora identifica aspectos da produção

15
contemporânea para crianças e jovens no âmbito da
temática, dos suportes e dos diagramas narrativos. A partir
de um viés do comparativismo literário, seu texto propicia
o traçado de formas de leitura que possam contribuir para
o desenvolvimento de uma recepção estética e crítica mais
adequada ao leitor em formação.
Já no texto A hora e a vez da criança, Anna Claudia
Ramos relata o encontro com seus leitores de pouca idade,
entre três e quatro anos, da Creche Professora Rosa Maria
Pires em cuja vivência a interação e a interlocução foram
categorias centrais para o pensar sobre a literatura e a
educação infantil. A autora destaca a responsabilidade dos
adultos, incluindo escritores, familiares e professores, no
processo da formação literária destinada a crianças e jovens.
Ela diz que é preciso ser capaz de “entender cada estágio de
vida como um estágio pleno e cheio de sonhos e desejos”. Por esse
motivo, em seu texto, encontra-se uma diversidade de
questões relacionadas à infância, à brincadeira e ao gênero,
todas articuladas de forma indissociável aos assuntos
inerentes à educação e à literatura infantil.
Para responder à questão A criança quer o
livro infantil?, a professora e escritora Nilma Lacerda
estabeleceu uma intensa interlocução com as obras
Felicidade clandestina, de Clarice Lispector, A pequena vendedora
de fósforos, de Hans Christian Andersen, e Guilherme Augusto
Araújo Fernandes, de Mem Fox, fazendo também referência
à história de Gilgamesh, rei de Uruk – “primeira obra literária
de que se tem notícia” –, aos vaqueiros de Guimarães Rosa
e às narrativas dos povos papuas, na Oceania. Afirma que,
em decorrência da necessidade e não do desejo de ler, é
preciso muito investimento para a formação de leitores.
A partir de um cenário filosófico delineado, a autora
discute sobre os desafios da leitura e acrescenta que,
Literatura infantil e juvenil

pelas características de formato, ilustração, projeto gráfico,


com atenção à tipografia, entrelinha e outros aspectos
relevantes, a educação literária exige trabalho tanto por
parte das crianças quanto dos adultos próximos a elas.
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A escritora Glória Kirinus apresenta uma análise


d’As vozes da rua na poesia de Cecília Meireles. Suas
reflexões se detêm “no canto ambulante, quase anônimo do
vendedor que anima as ruas com sua voz que promete um pouco de
tudo: utensílios, guloseimas, frutas, flores e sonhos”. Trata-se de
uma inestimável contribuição para que se entenda a poética
de Cecília Meireles, sua natureza “dialógica e plena de vozes,
de ecos, de rumores, de pregões”. Voz, canto e musicalidade que
se encontram em sua linguagem poética e que, repletos
de sons, imagens e significados, ultrapassam o jogo visual,
brincam com a rima e com o afeto, assim como revelam a
cultura da infância.
Na sequência, no texto intitulado Barca dos Livros:
uma biblioteca com alma, Tânia Piacentini ratifica o
objetivo da “leitura literária como instrumento de afirmação
cultural e de cidadania”, assegurando que a formação do
leitor demanda uma relação ininterrupta e renovada
com textos escritos ao mesmo tempo em que defende a
biblioteca como “o lugar mais adequado para que o direito a essa
convivência seja incentivado e exercido”. Para isso, a autora versa
sobre a importância do acesso à leitura literária desde cedo,
pondo em evidência a literatura como aliada fundamental
para auxiliar no desenvolvimento e enriquecimento ético,
estético e afetivo das crianças, dos jovens e dos adultos de
um modo geral.
Diante do exposto, com os textos aqui reunidos neste
volume, deseja-se que o encontro com os leitores seja
incitado pelo diálogo provocativo da contrapalavra; que cada
diálogo possa desencadear o aprofundamento das relações
humanas mediadas pela literatura/literatura infantil e juvenil,

A história de um evento, a história de um livro


especialmente no interior das instituições de formação
de leitores; que esse encontro seja simultaneamente ato
e potência a ponto do impossível tornar-se verbo, imbricar
texto e leitor e imortalizar suas histórias, tal qual a de um
evento ou a de um livro, como este!

17
Referências
DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vaga-lumes.
Tradução: Vera Casa Nova e Márcia Arbex. Revisão: Consuelo
Salomé. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
DEBUS, Eliane; JULIANO, Dilma B.; BORTOLOTTO,
Nelita. Apresentação. In: DEBUS, Eliane; JULIANO, Dilma B.;
BORTOLOTTO, Nelita (Orgs.). Literatura infantil e juvenil:
do literário a outras manifestações estéticas. Tubarão: Copiarte;
Unisul, 2016.
Literatura e educação
– pelos fios da
tessitura dialógica

Eliane Debus
Jilvania Lima dos Santos Bazzo
Nelita Bortolotto

Relações dialógicas autênticas só são possíveis com


a personagem que é portadora de sua verdade,
ocupa uma posição significativa (ideológica). Se
uma vivência ou ato não visa à significação (acordo
– desacordo), mas à realidade (avaliação), a relação
dialógica pode ser mínima. (Bakhtin, 2003,
p. 340, grifo do autor).

Introdução
O diálogo entre literatura e educação surge de
diferentes modos como contribuição tanto para um campo
do conhecimento implicado, a literatura, como para o
outro, a educação, notadamente na contemporaneidade.
Esse diálogo se estabeleceu pela vultosa potencialidade
alçada através dos estudos elaborados em cada campo
em si, e também pelas fronteiras, entre si, no tempo
presente, passado ou como porvir, dimensionados em base
indissolúvel dos diversos campos da cultura.
O vínculo, ainda que assentado em horizontes de
expectativas por vezes diversos, ancora um olhar orientado
para o outro (o que ensina, o que aprende, o que escreve,
o que lê). Pensar no outro é pensar na relação eu/outro.
É pensar em um eu cuja existência é outorgada pelo outro
(relação alteritária). Como aponta Miotello (2013, p. 55),
interpretando Bakhtin, “Toda relação é uma relação de
poder, entre dois ou mais, que mexe, que tira do lugar, que
desloca, que constitui. Por isso, essa ação mútua nunca
Literatura infantil e juvenil

deixa os integrantes da mesma forma como estavam no


início da relação. Ninguém sai imune de uma relação.”.
Toda palavra é orientada para o outro, para o interlocutor,
visto que é a palavra um ato bilateral (VOLÓCHINOV,
20

2017, p. 205).
Sob essa perspectiva, quando respondemos ao outro
(interlocutor) na base instituída da relação alteritária (eu e
o outro), esse ato é um ato de contrapalavra ante a palavra
do outro. Nesse tempo e espaço interativo, é possível a
compreensão pela fala e pela escuta implicadas “[...] no
grande diálogo da comunicação humana.” (BAKHTIN,
2003, p. 323). Os sentidos aí se constituem, nessa corrente
discursiva humana em que passado, presente e devir
encontram sua toada. A compreensão, portanto, é um ato
de produção comum em um tempo e espaço configurado.
É nesse movimento de ideias, aqui apontado de
modo sucinto, que pretendemos abordar a aproximação
entre a literatura e a educação como campos de
conhecimentos vivos, históricos e ideológicos, no contexto
do acontecimento da formação humana. Por certo, a
aproximação de questões teórico-conceituais e ficcionais
na prática social resguarda uma complexidade e, ao mesmo
tempo, um instigante e ávido desafio à interpretação e à
compreensão, na medida em que lugares enunciativos
abrigam diferentes gêneros de discurso1.
Segundo Bakhtin (2003), os campos de circulação
dos discursos dão-se na especificidade das esferas sociais
cujas práticas de linguagem instituem-se em gêneros do
discurso de modo relativamente estável, a depender das
situações de enunciação (interlocutores/tempo – espaço/
cultura etc.). Todavia, essa estabilidade relativa das práticas
de linguagem conforma modos de dizer e de enunciar, pelo
modo do funcionamento social das esferas discursivas de

Literatura e educação – pelos fios da tessitura dialógica


atividade humana (discurso literário, jurídico, religioso,
educacional, familiar etc.), orientadas por valores
axiológicos construídos na interação (ética e estética).
Literatura e educação são campos de conhecimento
das ciências humanas que, em suas particularidades
epistemológicas e alcance de práticas sociais, conduzem
a percursos conceituais de compreensão do humano no

21
homem, pelo escopo do diálogo e da linguagem.

As ciências humanas são as ciências do homem


em sua especificidade [...]. O homem em sua
especificidade sempre exprime a si mesmo (fala),
isto é, cria texto (ainda que potencial). Onde o
homem é estudado fora do texto e independente
deste, já não se trata de ciências humanas [...]”.
(BAKHTIN, 2003, p. 312).

A linguagem, por essa visão, constitui o homem e


por ele é constituída, pois, “Onde não há texto, não há
objeto de pesquisa e pensamento.” (BAKHTIN, 2003,
p. 307). A implicação da linguagem, em sua peculiaridade
multissemiótica, permite-nos trazer aportes de estudos
1
Gêneros do discurso, na teoria bakhtiniana do dialogismo, são concebidos
como “[...] tipos relativamente estáveis de enunciados”. (BAKHTIN, 2003,
p. 262).
contemporâneos para pensar campos de atividade da
literatura e da educação e em suas implicações sobre o
âmbito dos sujeitos – que interagem com a linguagem e
têm múltiplas semioses em decisões de domínio político
sobre educação voltada à formação de sujeitos leitores de
literatura, sobre conjunturas do trabalho profissional de
educadores e, especialmente, sobre as relações entre as
políticas públicas e o espaço institucional escolar.
É nesse sentido e sob essa base, que nos permite
arriscar a pensar na contribuição das esferas discursivas,
como é o caso da literatura e da educação em redes
discursivas no contexto cultural, que consideramos
pertinente tratar de certos sentidos que aproximam ou
distanciam um e outro campo discursivo.
Ao ser colocado o intercruzamento literatura e
Literatura infantil e juvenil

educação na centralidade do debate – complementamos


–, a expectativa é de proporcionar reflexões sobre o
espaço social das políticas de leitura que se concretizam
como evento vivo e histórico na construção formativa
22

do sujeito leitor na sua relação efetiva com a obra de arte


e em seu protagonismo no mundo da vida cotidiana e
cultural. Outra expectativa tem em conta, precisamente, a
tentativa de apresentar elementos que possam contribuir
com ações pedagógicas em curso e outras em perspectiva
(devir), para que crianças e jovens possam vincular suas
incursões literárias e educativas no fluxo do uso crítico da
palavra, no ato vivo e concreto, responsivo e responsável
da construção de sentidos, como sujeitos que interagem
com a linguagem, nela e por ela, e para que o humano do
homem aflore outra poética para a vida vivida.
O ensino da leitura de textos literários e as políticas de
leitura direcionadas à formação de leitores, notadamente,
têm interfaces complexas, na medida em que as fronteiras
entre arte e ensino nem sempre estão abrandadas. É uma
relação, digamos, até certo ponto, tensa quando pensamos
no ensino escolar institucionalizado e no seu consequente
processo de didatização de conhecimentos. Explicitando
um pouco mais e particularmente a literatura infantil
e juvenil, ela vem sendo povoada com produções ditas
literárias quando seu tom é, por certo, moralizante ou
doutrinador.
Qual leitor busca-se formar a partir das políticas de
leitura? Por quais razões programas com essa natureza
sofrem uma espécie de intimidação e fragilizam-se
no momento em que se materializam na sala de aula
enquanto práticas de mediação leitora? Será que as
práticas de mediação já superaram a tradição do ensino de
literatura vinculado à história e à filologia? Para além de

Literatura e educação – pelos fios da tessitura dialógica


perguntas retóricas, em seu conjunto, esse tensionamento
em torno do projeto de formação de leitores/escritores
precisa ser embutido às reflexões que se seguem. E mais,
suas respostas deverão ser continuamente revisadas a fim
de evitarmos que a experiência educativa seja reduzida à
produção de manuais e receituários.
Em síntese, no âmbito deste capítulo e pelas vias

23
da compreensão sobre as relações dialógicas autênticas,
ficaremos restritos ao debate sobre o vínculo indissociável
entre literatura e educação para o desenvolvimento da
competência leitora, a partir do entendimento de que, com
o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), os(as)
professores(as) ampliam as possibilidades de ocupar uma
posição significativa no desencadeamento dos processos
de ensino e aprendizagem.

Literatura e educação – vínculos em pauta


[...] os estudos literários têm como objetivo primeiro
o de nos fazer conhecer os instrumentos dos quais
se servem. Ler poemas e romances não conduz
à reflexão sobre a condição humana, sobre o
indivíduo e a sociedade, o amor e o ódio, a alegria e o
desespero, mas sobre as noções críticas, tradicionais
ou modernas. Na escola, não aprendemos acerca do
que falam as obras, mas sim do que falam os críticos.
(TODOROV, 2009, p. 26-27).

Muito se tem afirmado sobre a função da literatura.


Muito se tem divulgado acerca da sua capacidade de
subverter a ordem naturalizada das coisas, similar à
instauração do olhar acolhedor e afetivo do adulto que
recepciona a palavra da criança e, nela, enxerga o desvio
como o exercício de criação, invenção, imaginação e desejo
de potência. Barros (2011), por exemplo, considera que a
criança, ao ignorar as funções gramaticais, acerta na poesia
e, ao mesmo tempo, ele convida a cada um(a) de nós para
transver o mundo, ou seja, o poeta Manoel de Barros acena
para a possibilidade de aperfeiçoarmos as qualidades
intrinsecamente humanas, quais sejam: sensibilizar-se,
Literatura infantil e juvenil

emocionar-se, pensar, deixar-se ser capturado, inventar,


criar outros signos de pertencimentos, identidades e
subjetividades.
Se pensado a partir desse horizonte de sentido, o
24

ensino de literatura há de superar a perspectiva apontada


por Todorov (2009): como aquela que se importa
demasiadamente em fazer com que os estudantes aprendam
os instrumentos dos quais os estudos literários se servem
– equivale a supervalorizar a repetição da interpretação do
crítico literário sobre determinada obra em detrimento
dos efeitos de sentido ou das produções de sentidos
apresentados pelos leitores genuínos (os estudantes e, de
certo modo, também os professores).
Sem dúvida, faz-se necessário criar as condições
para que os estudantes leiam os textos literários com
vistas ao aprendizado “[...] sobre a condição humana,
sobre o indivíduo e a sociedade, o amor e o ódio, a alegria
e o desespero”, entre outras tantas questões fundamentais
para a vida; e que, sobretudo, aprendam “[...] acerca do que
falam as obras” (TODOROV, 2009, p. 26-27). Importa o
que, por que e como pensam os críticos? Eis uma questão
que poderá nortear um trabalho que favoreça a ampliação
do espectro de interpretação e de compreensão do leitor.
O que isso significa?
Conforme pontuou Geraldi (2010), ao problematizar
a condição da aula no espaço escolar, com base na concepção
bakhtiniana dialógica da linguagem, compreendendo-a
como um acontecimento, a palavra não tem um dono; ela é
patrimônio coletivo, pertence a todos. Ademais, segundo
Geraldi (2010), a propriedade da palavra reside exatamente
na construção das compreensões e rearranjos do já dito,
do já posto; é ela a geradora do novo que se mostra por

Literatura e educação – pelos fios da tessitura dialógica


meio daquilo que se enuncia. Portanto, segundo o autor,
a repetição traz em si o novo, o atual. Justamente esse
aspecto de poder da palavra, que se reatualiza, precisa
ser ensinado e levado em consideração nos espaços de
encontro de leitura de texto por um leitor profissional
(o crítico literário) e de leitura direta da obra literária pelo
estudante.

25
Aliás, desse encontro, outras variações de percepção
sobre o mundo, sobre os indivíduos e a sociedade poderão
ser possíveis. Eis aí um dos indícios de borramento entre
fronteiras da literatura e educação: nem isso nem aquilo,
mas uma possibilidade ainda em aberto à espera de seus
criadores. Dito de outra maneira, a configuração de
sentidos deriva das toadas interpretativas dos dizeres eu-
outro, em seus tempos e espaços contextualizados.
Bakhtin (2003) defende que a força organizadora
de todas as formas estéticas é o horizonte axiológico do
outro. Na relação eu-outro, o excedente de visão de um
em relação ao outro enriquece o conhecimento mútuo
pelo acabamento transgrediente que um confere ao outro,
fomentado pelo excedente axiológico da visão. A exotopia
(extralocalidade) é a possibilidade de resposta, pois do
meu lugar único ocupado apenas por mim, posso ver o
outro, posso compreender o outro do lugar que ocupo
em certo tempo histórico e espaço social e de lá agir
responsavelmente (ética).

Quando contemplo no todo um homem situado


fora e diante de mim, nossos horizontes concretos
efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque
em qualquer situação ou proximidade que esse
outro que contemplo possa estar em relação a mim,
sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição
fora e diante de mim, não pode ver [...] Quando nos
olhamos, dois mundos diferentes se refletem na
pupila dos nossos olhos. (BAKHTIN, 2003, p. 21).

Nesse sentido, ao compreendermos a força


propulsora da relação dialógica para o processo de
desenvolvimento humano, haveremos de situar os textos
Literatura infantil e juvenil

literários em seus contextos históricos e sociais de sorte


a estabelecer uma conexão mais estreita com a cultura
de uma época, entendendo-a como parte inseparável da
26

literatura. “A cultura do outro só se revela com plenitude e


profundidade [...] aos olhos de outra cultura.” (BAKHTIN,
2003, p. 366). Por essa razão, se o processo literário de uma
época for estudado isoladamente de uma análise profunda
da cultura, possivelmente será reduzido ao que ele chama
de “[...] uma luta superficial entre as correntes literárias”
(BAKHTIN, 2003, p. 361). Integrar, portanto, a literatura a
práticas dialógicas autênticas contribui para a interpretação
dos fenômenos literários na unidade diferenciada de
toda a cultura de uma época. “Se não se pode estudar a
literatura isolada de toda a cultura de uma época, é ainda
mais nocivo fechar o fenômeno literário apenas na época
de sua criação, em sua chamada atualidade.” (BAKHTIN,
2003, p. 362).
Por outro lado, atento ao conhecimento ficcional e
à escuta do aluno, o campo da educação se ocuparia do
encontro do sujeito, aluno, com a obra, no sentido de
ouvir seu apelo de necessidade, de desejo, de motivação
e de interesse: o que ler? Por que ler essa e não aquela
obra? Para quê? Como? A escola seria, por certo, capaz
de entender que, no encontro com o texto, “[...] o sujeito
se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela
mesma nas secreções construtivas de sua teia” (BARTHES,
1996, p. 83). Fundamental também que se ocupasse do
planejamento de ações que afetassem os sujeitos alunos,
porque, inseridos em lugar e tempo de leitura, eles viveriam
relações dialógicas autênticas (eu-outro). Saberia ainda
essa escola que estaria aprimorando o gosto pela leitura
porque ensina, porque cria os contextos com sentido para
o aprendizado e para a formação de um leitor crítico e

Literatura e educação – pelos fios da tessitura dialógica


seguro de suas interpretações.

Prazer do texto. Clássicos. Cultura (quanto mais


cultura houver, maior, mais diverso será o prazer).
Inteligência. Ironia. Delicadeza. Euforia. Domínio.
Segurança: arte de viver. O prazer do texto pode
definir-se por uma prática (sem nenhum risco de

27
repressão): lugar e tempo de leitura: casa, província,
refeição próxima, candeeiro, família lá onde é
preciso, isto é, ao longe e não longe (Proust no
gabinete com aromas de íris) etc. (BARTHES, 1996,
p. 67).

Ainda que para alguns ler por prazer e ler por ler
possa constituir-se em uma atividade perigosa e subversiva,
é preciso entendê-la como um ato que conduz o leitor
aprendiz ao encontro com a literatura e reclama por efetivas
interlocuções para aproximação e o aprofundamento
do conhecimento estético literário. Quanto mais leitura,
quanto mais conversa sobre o que leu, associada a atos
de escrita, e quanto mais intensos forem esses momentos,
a literatura cumprirá a sua função de responder também,
de seu lado, pela compreensão do humano no homem.
A escola estará também cumprindo o seu papel, assegurado
o direito inalienável de todos de usufruírem da literatura
como “[...] manifestação universal de todos os homens em
todos os tempos” (CÂNDIDO, 2011, p. 176), que se traduz
em “[...] necessidade universal, que precisa ser satisfeita e
cuja satisfação constitui um direito” (Ibidem, p. 177).
Entendida, portanto, como uma necessidade vital e
um direito, a literatura do tempo presente, da memória do
passado e como devir há de ser aquela que, ao renunciar
palavras, renova-se e, ao renovar-se, potencializa imediata
e complexamente as subjetividades daqueles que, com ela,
relacionam-se diretamente ou mediados por outro(s), em
uma atitude não passiva, mas interativa – dialógica.

Nesse sentido, pode-se pensar nas ações mediadoras


que se colocam entre os objetos culturais e as
crianças e os jovens em, pelo menos, duas posições:
Literatura infantil e juvenil

uma, em que atuam adultos determinados a


desempenhar sua função de educar as crianças na
lógica burguesa, conformados aos padrões sociais;
28

[...].
Outra posição seria a que se insere num mundo
imaginário, acreditando que tudo está por ser
inventado. Talvez, o que se possa ler no texto-
imagem-som das atuais produções culturais é que
imaginação e fantasia são ingredientes fundamentais
para a consciência do sujeito por inteiro. (DEBUS;
JULIANO; BORTOLOTTO, 2016, p. 17-18).

Se há pelo menos duas possibilidades para o ensino


da literatura: uma como mera reprodução de valores,
princípios e visões de mundo; e outra como criação e
invenção, conforme pontuam Debus, Juliano e Bortolotto
(2016), coloca-se para a educação a responsabilidade
de criar as condições necessárias para o trabalho com
o texto literário, de sorte a promover o encontro entre
repertórios de leituras e de leitores. Isso significa que
professores, alunos e demais profissionais que atuam
na escola precisam ter garantidos tempo e espaço para
partilharem suas narrativas produzidas com base em
leituras anteriores à sua entrada na unidade escolar, assim
como para apropriarem-se com ainda mais fluência dos
diferentes gêneros literários – e para além deles – a serem
apreendidos durante seu processo de escolarização. Para
isso, faz-se premente desenvolver uma competência leitora
apurada para reconhecer os livros de literatura daqueles
que não o são, e para desenhar percursos formativos que
conduzam a todos à experimentação, à sistematização e
à socialização dos textos literários lidos, favorecendo o
aprendizado da linguagem poética, os fluxos inventivos e

Literatura e educação – pelos fios da tessitura dialógica


os contextos com sentido.
Propostas como de Lajolo e Zilberman (1998) e
Coelho (1991) levam-nos ao reconhecimento de que
a literatura no Brasil, pensada para o público infantil e
juvenil, vinculada à sua função estética e poética, vem
sendo produzida com mais vigor há pouco mais de
três décadas. Tarefa, portanto, nada fácil para a escola:

29
romper com a lógica da reprodução passiva de sentidos
ou terceirizar interpretações e inaugurar um caminho de
criação e invenção sensíveis, em muito, ainda é um desafio.
A opção pela via da fantasia e do imaginário no
ensino de literatura para crianças e jovens ajudará, sem
sombra de dúvida, a formar um leitor com capacidade
crítica e suficientemente emancipado para exercer a sua
cidadania, isto é, o seu poder de ser e de existir como
pessoa humana, ou seja, alguém que escolhe e decide
porque pensa, porque sente e porque sonha. A literatura
devolve aos seres humanos sua dignidade, porque, por
meio da palavra, coloca-os na condição de protagonistas
e responsáveis pela condução de processos sociais
complexos, difusos ou, por vezes, caóticos, pelos quais
eles estão imersos. As palavras próprias e apropriadas por
cada um(a) de nós são, portanto, vínculos em pauta entre
literatura e educação, para a invenção da imaginação, da
fantasia e da possibilidade de produção de outros modos
de viver em sociedade e de assumir a palavra própria.

Pelos caminhos da leitura literária – ou


do PNBE
Para a poética atual, a literatura é uma arte, a arte
da palavra e, como tal, somente lhe pertence o que
for produto da imaginação criadora. (COUTINHO,
2015, p. 41).

Ao refletir sobre o caminho da leitura literária na


escola, ratificamos a defesa da concepção de literatura
trazida por Coutinho (2015, p. 41): “[...] literatura é uma
arte, a arte da palavra [...] [e] [...] produto da imaginação”,
Literatura infantil e juvenil

especialmente quando relacionada ao Programa Nacional


Biblioteca da Escola (PNBE) – reconhecido como
importante política de leitura.
30

O objetivo central do PNBE é o de democratizar


o acesso ao objeto livro, possibilitando o maior contato
dos alunos com a literatura no âmbito escolar, oferecendo
também outros materiais de pesquisa e de referência a
professores e apoiando “[...] o cidadão no exercício da
reflexão, da criatividade e da crítica” (RAMOS, 2013, p. 44).
Criado em 1997, esse programa adquiriu, selecionou
e promoveu a distribuição de livros para compor o acervo
das bibliotecas de escolas públicas do país até o ano de 2015,
quando foi interrompido. Ao longo desses anos, foram
encampados vários projetos de leitura, entre eles Literatura
em minha casa, projeto que ocorreu entre 2001 e 2004 e que
não visava à constituição do acervo da biblioteca escolar,
mas à constituição de um acervo particular do estudante.
Para isso, foram enviados livros de diferentes temáticas
aos alunos para que eles pudessem partilhá-los no âmbito
familiar e, desse modo, integrassem “[...] escola e família
em prol da qualidade da educação” (COPES, 2007, p. 62).
Em 2003, além das obras enviadas aos alunos,
o programa também direcionou suas ações para a
qualificação da biblioteca escolar, para o preparo da
biblioteca do professor e para o uso da comunidade em
geral de bibliotecas itinerantes. No ano seguinte, em
2004, deu-se continuidade às ações iniciadas em 2003
(FERNANDES; CORDEIRO, 2012).
O projeto Literatura em minha casa foi o de maior
aquisição e distribuição de livros de literatura já feito no
país, segundo Copes (2007). O acervo foi composto por
seis diferentes coleções, cada um com cinco títulos de
diferentes gêneros textuais aos alunos das escolas públicas

Literatura e educação – pelos fios da tessitura dialógica


do ensino fundamental. A autora elenca esses gêneros
como sendo antologias poéticas brasileiras, antologias
de contos brasileiros, antologias de crônicas, novelas
ou romances brasileiros ou estrangeiros adaptados ou
não, obras clássicas de literatura universal traduzida ou
adaptada, peças teatrais brasileiras ou estrangeiras, obras

31
ou antologias de textos de tradição brasileira em prosa
ou verso, ensaios ou reportagens sobre um aspecto da
realidade brasileira e bibliografias ou relatos de viagens
(COPES, 2007).
A partir de 2005, o PNBE voltou-se novamente
à manutenção do acervo das bibliotecas escolares e
conseguiu atender a todas as escolas públicas nos
anos iniciais do ensino fundamental. Ampliando sua
abrangência e seus critérios de atendimento, o programa
passou a atender, além das escolas de ensino fundamental,
as de educação infantil, do ensino médio e ainda ampliou
o envio à educação de jovens e adultos (EJA).
Nesse período, os títulos começaram a ser
selecionados por um grupo de estudiosos, coordenados
pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale)
da Faculdade de Educação da UFMG. As escolhas foram
pautadas em três critérios: a qualidade textual (referente à
ampliação do repertório linguístico, bem como da fruição
estética), a qualidade temática (referente à adequação do
público-alvo, motivação pelo gosto à leitura, bem como
à contemplação de diversos contextos socioeconômicos,
culturais, ambientais e históricos) e a qualidade gráfica
(referente à adequação e expressividade, sobretudo, das
ilustrações, bem como dos demais aspectos que compõem
o projeto gráfico do livro). Desse modo, independente do
segmento atendido, a composição dos acervos levou em
conta a diversidade de gêneros textuais (PAIVA, 2012).
As categorias de gênero utilizadas pelo PNBE foram
assim denominadas: textos em verso, textos em prosa, livros
de imagens e livros de histórias em quadrinhos. Segundo
Soares (2008, p. 27, grifo da autora), essa classificação
divide-se em subcategorias:
Literatura infantil e juvenil

[...] textos em verso: especificados os gêneros poemas,


quadras, parlendas, cantigas, trava-línguas, advinhas;
textos em prosa: nos gêneros pequenas histórias,
novelas, contos, crônicas, textos de dramaturgias,
32

memórias, biografias; e livros de imagem e livros de


histórias em quadrinhos, incluídos entre estes últimos
obras clássicas de literatura universal adaptadas ao
público da educação infantil e das séries iniciais do
ensino fundamental.

É curioso observar que, independente de haver maior


número de títulos destinados ao ensino fundamental e
em menor quantidade para a educação infantil, conforme
apontou Soares (2008), existem ainda algumas tensões a
serem analisadas pelo corpo docente: primeiro, conforme
argumenta a autora, a enorme dependência existente entre
o mercado editorial e as instituições escolares, isto é, a
proposta editorial deve responder a uma cultura escolar,
que ainda insiste em reduzir a literatura infantil a um
recurso didático, sem contar ainda os três primeiros anos
do ensino fundamental, que efetivam a alfabetização, o que
torna plausível o jargão “mercado editorial procura leitores”
– por essa razão, a maior parcela das obras deve ser voltada
para os estudantes desse nível de ensino; segundo, se os
(as) docentes se dispusessem a estudar rigorosamente o
acervo e, experimentando-o com seus pares, verificassem
que a maior parte das obras literárias rompe com a lógica
idade-série e minimiza o efeito das classificações, isso
favoreceria uma autêntica relação dialógica dos fluxos
cotidianos plasmados e vividos na/pela escola.
Pelos caminhos da leitura literária dialógica,
nesse encontro eu-outro, acenam-se alguns possíveis
encaminhamentos para os quais nós já “[...] dispomos de
enormes potencialidades. Só nos falta a ousadia científica,

Literatura e educação – pelos fios da tessitura dialógica


investigatória, sem a qual não conseguiremos nos colocar
nas alturas nem descer às profundezas.” (BAKHTIN, 2003,
p. 366).

Considerações finais

33
Ao discutirmos sobre a literatura e a educação sob
a égide da relação dialógica, ficou evidente a necessidade
de cuidarmos da formação dos leitores. Apontamos
algumas possibilidades de ação para garantir tempos e
espaços capazes de favorecer o encontro de interlocutores
do processo de ensino e aprendizagem com vistas a:
(1) compartilhar suas narrativas paridas de leituras já
realizadas, das vivenciadas no presente e como devir;
(2) saber reconhecer livros literários e não literários; e
(3) ampliar a experiência de leitura de textos literários,
provocando novos diálogos e outros textos.
Finalmente, reconhecemos que o PNBE traz
como ato e potência a possibilidade para contribuir
com o aprimoramento das práticas de mediação leitora,
especialmente se houver disposição por parte dos docentes
para trilharem os caminhos da leitura literária com
seus pares. Por oportuno – e embora óbvio –, é sempre
importante destacar que essa disposição de partilha de
conhecimentos está condicionada à gestão escolar.
Esperamos que os apontamentos aqui destacados
fortaleçam ainda mais as atividades desenvolvidas pelos
professores nessa instigante – e também desafiadora –
tarefa de ensinar homens e mulheres a se apropriarem,
na cotidianidade do labor pedagógico, da humanidade do
humano.

Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e
tradução do russo: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes,
2003. (Coleção Biblioteca Universal).
BARROS, M. W. L. de. Poesia Completa. São Paulo: Leya,
Literatura infantil e juvenil

2011.
BARTHES, R. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva,
1996.
34

CANDIDO, A. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre


Azul, 2011.
COELHO, N. N. Panorama histórico da literatura infantil/
juvenil: das origens indo-europeias ao Brasil contemporâneo.
São Paulo: Ática, 1991.
COPES, R. J. Políticas públicas de incentivo à leitura: um
estudo do Projeto “Literatura em minha casa”. 2007. 153f.
Dissertação – Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2007.
Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cp095353.
pdf>. Acesso em: 17 out. 2017.
COUTINHO, A. Notas de teoria literária. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 2015.
DEBUS, E.; JULIANO, D. B.; BORTOLOTTO, N. Leituras
literárias e de outras linguagens: a mediação em perspectiva.
In: DEBUS, E.; JULIANO, D. B.; BORTOLOTTO, N.
(Orgs.). Literatura infantil e juvenil: do literário a outras
manifestações estéticas. Tubarão: Copiart; Unisul, 2016.
p. 15-30. (Coleção Linguagens).
FERNANDES, C. R. D.; CORDEIRO, M. B. S. Os critérios
de avaliação e seleção do PNBE: um estudo diacrônico.
Educação. Porto Alegre, 2012. p. 319-328.
GERALDI, J. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro
& João Editores, 2010.
LAJOLO, M.; ZILBERMAN, R. A formação da leitura no
Brasil. São Paulo: Ática, 1998.
MIOTELO, V.; MOURA, M. I. Pensando questões sobre a
alteridade e a identidade. In: Grupo de Estudos dos Gêneros

Literatura e educação – pelos fios da tessitura dialógica


do Discurso – GEGe – UFSCar; Palavras e contrapalavras:
circulando pensares do Círculo de Bakhtin. São Carlos: Pedro
& João Editores, 2013.
PAIVA, A. Políticas públicas de leitura: pesquisas em foco. In:
Literatura fora da caixa: o PNBE na escola – Distribuição,
circulação e leitura. São Paulo: Unesp, 2012. p. 13-33.

35
RAMOS, F. B. Literatura na escola [recurso eletrônico]: da
concepção à mediação do PNBE. – Dados eletrônicos. – Caxias
do Sul, RS: Educs, 2013. Disponível em: <https://www.ucs.br/
site/midia/arquivos/literatura_escola_ebook_2.pdf>. Acesso em:
18 out. 2017.
SOARES, M. Livros para a educação infantil: a perspectiva
editorial. In: PAIVA, A.; SOARES, M. (Org.) Literatura infantil:
políticas e concepções. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 21-33.
TODOROV, T. A literatura em perigo. Tradução: Caio Meira.
Rio de Janeiro: Difel, 2009.
VOLÓCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem:
problemas fundamentais do método sociológico na ciência da
linguagem. Tradução, notas, glossário: Sheila Grillo e Ekaterina
Vólkova Américo. Ensaio introdutório: Sheila Grillo. São Paulo:
Editora 34, 2017.
La poética de la
infancia y la formación
del lector literario

Yolanda Reyes

Preámbulo: el triángulo amoroso


Todo comienza en una habitación iluminada por
una lamparita, con alguien que nos cuenta un cuento.
O más atrás, con una voz que nos arrulla cuando aún no
tenemos las palabras. Nos marcan con un nombre, entre
la infinidad de nombres, al que le vamos dando cara,
lentamente, y nos entregan unos apellidos que amarran el
pasado y el presente y que legaremos al futuro.
Quizás por ser parte de una saga escrita con palabras,
necesitamos ser nutridos, no solo con leche, sino con
esas envolturas –historias, cuentos y poemas– en los que
se encuentran quienes ahora están llegando con los que
llegaron hace tiempo y con los que ya se fueron. Leer es,
en el fondo, tener conversaciones entre los que están, –
aquí y ahora–, los que viven lejos o murieron y los que
vivirán cuando no estemos. Es hacer visible y audible lo
invisible y lo inaudible: por eso, quizás, los niños piden,
quieren, necesitan que les lean. Necesitan ser envueltos,
descifrados, acompañados, consolados con palabras. Y
necesitan dar palabra a tantas sombras, a tantas cosas
indecibles.
Para evitar quedarse solos y librados a su suerte,
con esos monstruos que pueblan las infancias, los niños
piden un cuento y otro y otro... (por eso, quizás, desde
que balbucean aprenden a pedirnos otra vez). Además del
contenido de la historia, los cuentos y la voz son el pretexto
para mantener a los seres queridos literalmente sujetos
entre en esa urdimbre de palabras que da cuenta de la
Literatura infantil e juvenil

odisea común por construir sentido. En esas experiencias


de lectura –mucho antes de la lectura alfabética– están
las bases de la vida emocional y cognitiva, y ahí también
están las bases del deseo de leer: en esa fascinación por las
38

palabras que nace a flor de piel, a flor de abrazo.


Dado que, en estas páginas, nos preguntaremos por
la formación del lector literario, quise comenzar por esa
habitación primigenia en la que quizás habría una cuna o
una cama pequeña y quizás una mecedora y una luz tenue
(les pido que completen las escenas), pero lo que no puede
faltar es la presencia de un adulto y la cara atenta de un niño
pequeño porque la época más fértil para la formación del
lector literario es la primera infancia: porque esa necesidad
de construir sentido, que nos impulsa, desde pequeños, a
trabajar con las palabras para habitar mundos posibles y
para operar con contenidos invisibles es parte de nuestro
equipaje simbólico.
Al fin y al cabo, nuestra historia – la personal, la
regional, la nacional, la universal – es la odisea humana
hecha lenguaje: una narración de la experiencia acumulada
por quienes ya vivieron, más o antes. Y nunca, como en los
primeros años, están tan claras esas conexiones: ¿Acaso,
qué puede interesarle más a un niño que la experiencia de
otros, más expertos? ¿Podrían imaginar lo que significa
tener uno, dos o tres años, en total, de experiencia de la
vida?… Todo sucede por primera vez –la noche, el día, la
primera despedida en el colegio, la fiebre, la navidad, los
celos, la fiesta de cumpleaños–. Y precisamente es esa la
materia literaria: la experiencia gregaria escrita en cifra
y contada por voces entrañables que nos leen y nos dan
pistas acerca de cómo lo hicieron los otros.

La poética de la infancia y la formación del lector literario


Había una voz
Hace mucho, pero muchísimo tiempo, mucho antes
de aprender a leer solos, quizá una voz amada nos contó
alguno de esos cuentos tradicionales que suelen contarse
a los niños y que hemos dado en agrupar bajo el rótulo de
cuentos de hadas o cuentos tradicionales.

39
Deberíamos seguir el hilo de la memoria para evocar
ese rostro, ese tono de voz, esas manos que iban señalando
reinos y palacios lejanos, para construir una arquitectura
que no existía entonces y que, sin embargo, era más real
que todo lo demás: más real que el borde de esa cama que
olvidamos; más real que la habitación o el patio o la noche
aquella de esos tiempos... más real que nuestras caras de
entonces, que las trenzas o las colas de caballo o la gomina
que hace tanto ya no usamos...
Y ahora, cuando hemos olvidado el rostro que
tuvimos y la edad exacta y el vestido, tal vez seguimos
acordándonos de algún retazo de la historia, de alguna
fórmula mágica de inicio, de algunas palabras que se
repetían como un canto y que nombraban todo aquello
de lo que no se hablaba durante el resto de las horas, todo
aquello que no se decía en las visitas ni en la mesa ni en la
fila del colegio...
La sustancia oculta de los cuentos: ese poder de
las palabras para dar nombre y existencia a realidades
interiores, tantas veces terribles e inciertas, a pesar de la
supuesta inocencia que los adultos atribuyen a la infancia.
¿Qué cuento recordaron? ¿Qué significa recordar?
El primer cuento que recuerdo, tal vez el más triste
de los cuentos que conozco, más que cuento era letanía e
indagaba, como en el fondo lo hace siempre la literatura, en
los misterios de la vida, con dos de sus dramas recurrentes:
el amor y la muerte. Era la historia de La Cucarachita
Martínez contada por mi abuela muchas noches a la
misma hora. Por si no saben el cuento, la Cucarachita,
barre que te barre la puerta de su casa, encontraba una
moneda y con la moneda, se compraba una cinta para el
pelo. Y luego, así, tan linda, se sentaba en esa misma puerta
a esperar que alguien la enamorara. Pasaban el perro, el
Literatura infantil e juvenil

gato y otros animales y todos le decían la misma frase:


“Cucarachita, como te ves de bonita. De corazón te lo pido,
¿quieres casarte conmigo?”. Ella, como se acostumbra en
40

los cuentos tradicionales, contestaba siempre igual: “Eso


depende: ¿cómo me enamorarás?”.
El perro decía guau, el gato decía miau y ella volvía a
contestar, invariablemente: “¡Ay, no!... Sigue tu camino que
me asustas, me espantas y me asombras”. Al final llegaba
el Ratón Pérez y cuando ella decía “eso depende: ¿cómo
me enamorarás?”, él le contestaba con un suave “bsbsbs”
en susurros y ella quedaba enamorada. Inmediatamente se
casaban, pero la historia no tenía final feliz porque unos
días luego de la boda, la Cucarachita dejaba al Ratón Pérez
revolviendo un puchero y el pobre se ahogaba entre la olla.
De repente, todo se volvía muy triste. La Cucarachita
se sentaba a llorar y un pajarito que pasaba le preguntaba
por qué estaba tan triste…
“Porque el Ratón Pérez se cayó en la olla y la
Cucarachita lo siente y lo llora”, decía la cucarachita,
y entonces, el pajarito se unía al duelo y decía: “pues yo
pajarito me corto el piquito”... Y pasaba la paloma y le
preguntaba al pajarito por qué se había cortado el piquito
y la letanía recomenzaba: “Porque el Ratón Pérez se cayó
en la olla y la Cucarachita lo siente y lo llora y que el
pajarito se cortó el piquito”. Y la paloma decía: “pues yo,
la paloma, me corto la cola”... Y cuando el palomar llegaba
a preguntar, se ponía igual de triste y decidía: “pues yo,
palomar, voyme a derribar”, y se sumaba al coro y la letanía
se iba haciendo cada vez más larga y aparecían nuevos
personajes que repetían una y otra vez la misma retahíla.
Porque el Ratón Pérez se cayó en la olla y la
Cucarachita lo siente y lo llora y que el pajarito se cortó el
piquito, y que la paloma se cortó la cola y que el palomar

La poética de la infancia y la formación del lector literario


fuese a derribar y la fuente clara se puso a llorar. Y yo
que lo cuento acabo en lamento porque el Ratón Pérez
se cayó en la olla y la cucarachita lo siente y lo llora....Y
así el duelo se iba apoderando de todo y las palabras eran
tristes pero parecían tener poderes curativos a fuerza de
tanto repetirse...Obviamente, eso lo pienso ahora porque
entonces yo no sabía qué circulaba debajo de esas palabras

41
que mi abuela me contaba y quizás ella tampoco lo sabía:
sencillamente, éramos dos personas muy cercanas, cuerpo
a cuerpo, cara a cara, hablando sin hablar todas las noches,
de los misterios de la vida y de la muerte y del amor.
Yo creo que, de eso, exactamente, se trata la literatura.
Y creo que los lectores de cualquier edad, cuando nos
refugiamos en la cadena de palabras de un libro, seguimos
buscando esa posibilidad, muchas veces descubierta al
lado de esas primeras voces y de esas primeras historias
inscritas en nosotros, de nombrar, en un idioma secreto,
en un Idioma Otro, aquellos misterios esenciales que
nunca logramos entender: la vida y la muerte...Y lo que
hay en la mitad.

El lugar de la literatura
Si sabemos, desde esos remotos tiempos de palacios
y de voces antiguas, que la materia de la literatura es
precisamente la vida - y la muerte y lo que hay en la mitad
- cabría preguntar por qué razón sigue tan vigente en
nuestras prácticas y en nuestros currículos esa otra idea
según la cual, lo que se debe saber de literatura es tanto de lo
que sobra y tan poco de lo que basta: es decir, definiciones,
actividades, etiquetas... La letra muerta primero y después,
cuando aprendamos bastante, si acaso, vendrá el placer.
Pero el problema es que “después” puede ser demasiado
tarde. La literatura, así enseñada, con sus listas de autores
y de obras, no da segundas oportunidades.
¿De dónde habrá surgido ese consenso escolar que
nos obliga a todos a subrayar lo mismo en el mismo párrafo
del cuento de Caperucita Roja, a entender rápidamente las
mismas ideas principales de Barba Azul y a mirar todas
las obras desde los mismos puntos de vista? ¿De dónde
Literatura infantil e juvenil

ha surgido ese desprecio que le produce a la educación lo


subjetivo, lo inefable, lo que no puede evaluarse en una
prueba académica?
Yo me atrevo a pensar que hay un poco de vanidad
42

en este equívoco porque, en nuestra concepción de


enseñanza, aún se pide al profesor que sea capaz de
controlar, planificar y evaluar el proceso de aprendizaje
durante todas las etapas, de principio a fin, sin que nada se
la salga de las manos. Esa concepción supone que mientras
más a corto plazo sean los objetivos que se proponga un
maestro y mientras más se materialicen en indicadores
concretos, más fáciles serán de ver, comprobar y evaluar
en términos cuantitativos. De alguna manera, su eficacia
está todavía planteada en función de cuánto aprendizaje
logra demostrar que obtuvieron sus alumnos. Lo que no
es visible, evaluable y observable no da puntos. Lo que se
sale de la respuesta esperada no vale. Lo que sucede fuera
de clase no cuenta. Los procesos que concluyen después
de finalizar el año o las revelaciones que se le van dando
paulatinamente a un ser humano, a lo largo de la vida,
quizás gracias a la voz de un maestro que cuenta cuentos
sin esperar a cambio más que caras expectantes, fascinadas
o aterradas, no se califican. Y lo que no puede evaluarse a
corto plazo es como si no existiera.
Si ya hemos esbozado que la literatura trabaja con
toda la experiencia vital de los seres humanos –y no sólo
con el pedacito que se puede medir– podemos imaginar lo
poco que estos cuentos y esas voces han representado para
sistemas pedagógicos basados en preguntas cerradas de
selección múltiple o en ideas meramente instrumentales
que insisten en hablar de lectura rápida, como si se tratara
de una competencia académica o deportiva; para el caso,

La poética de la infancia y la formación del lector literario


da lo mismo.

Casas de palabras
Aunque pertenezcamos a una misma comunidad
lingüística con un sistema de signos que nos permite a
todos usar ciertas etiquetas para evocar unos significados

43
determinados y entendernos, pensar en la esencia del
lenguaje literario supone volver al centro de cada uno: a su
modo de hablar, a su casa de palabras. Si escribo la palabra
casa, puedo tener la seguridad de que todos ustedes, que
comparten mi lengua, evocan en su mente un concepto
de casa con algunas semejanzas básicas, pero ninguna de
las imágenes mentales que ustedes se forman corresponde
al significado estándar del diccionario. Habrá mansiones,
apartamentos o casas de campo; algunas serán grandes
y otras pequeñas; muchos irán más lejos y asociarán la
palabra con un olor particular, con una cierta sensación
de seguridad o de calor de hogar, con una añoranza o con
sus propios secretos. Y eso sucede porque todos vivimos
en casas distintas.
Valgámonos de ese ejemplo para recordar que cada
ser humano va construyendo su propia casa de palabras,
que se va apropiando del código a través de sus propias
experiencias vitales y que suele formar sus significados
en una trama compleja de relaciones y de historias. Así,
debajo de las etiquetas, el lenguaje que habitamos oculta
zonas privadas y personales. Junto a las zonas iluminadas
existen grandes zonas de penumbra.
¿Qué significado tiene todo esto para la enseñanza
de la literatura? Pues nada menos que el reconocimiento
de esas zonas. Porque, entendámonos: no es lo mismo
leer un manual de instrucciones para conectar un
horno que las instrucciones para dar cuerda a un reloj de
Cortázar, y si la escuela no se da cuenta de semejante
sutileza, seguirá enseñando a leer todos los textos desde
la misma postura.
Es cierto que para conectar un horno se deben
seguir, de manera literal y obediente, unos pasos, pues lo
contrario puede ocasionar un cortocircuito. Sin embargo,
Literatura infantil e juvenil

es igualmente cierto que, en el caso de los cuentos, de los


poemas y de la literatura toda, son precisamente la libertad
del lector y, de cierta forma, su desobediencia al sentido
literal de las palabras, las que le permiten “comprender” en
44

toda su dimensión. Aunque para las dos tipos de lectura


hablemos de comprender, el tipo de comprensión que
se establece es muy distinto. Para entender un cuento es
necesario conectarlo con sensaciones, emociones, ritmos
interiores, símbolos tal vez arcaicos y zonas recónditas
y secretas de nuestra experiencia. Si no nos permitimos
explorar esas zonas secretas con sus penumbras y
sus ambigüedades, la literatura no nos dirá nada, así
contestemos cuál es su tema o cuándo nacieron sus
autores, o así identifiquemos la introducción, el nudo y el
desenlace...
A pesar de que los dos tipos de instrucciones
compartan muchas palabras y signos, hay algo en ellas que
nos hace a nosotros, como lectores, entrar en dinámicas
diferentes. Y la escuela, aclarémoslo, debe enseñar a leer de
todas las formas posibles y con diversos propósitos. Porque
necesitamos seguir instrucciones cada vez más complejas,
no sólo para conectar hornos, sino para que una nave
pueda despegar y explorar lugares remotos. Pero también
necesitamos, y cada vez con mayor urgencia, explorar el
fondo de nosotros mismos y conectarnos, desde ahí, con
esos otros, iguales y diferentes, que comparten nuestras
raíces humanas, nuestros sueños y nuestros temores. Así
como algunas veces debemos ser obedientes o literales
y otras veces requerimos analizar con exactitud textos
científicos y académicos – y no niego que esto también
puede y debe enseñarse – necesitamos herramientas
para hacer lecturas libres y transgresoras, para conversar
profundamente con nosotros mismos y con esas otras

La poética de la infancia y la formación del lector literario


voces, en ese idioma secreto que fluía entre nosotros y
nuestros narradores privados mientras compartíamos un
cuento.
Por hablar en ese idioma otro, y por nombrar esas
habitaciones propias, la literatura se lee, vale decir, se siente
desde la propia vida. El que escribe estrena las palabras y
las reinventa cada vez, para imprimirles su huella personal.

45
Y el que lee literatura recrea ese proceso de invención
para descifrar y descifrar-se en el lenguaje secreto de otro.
Es un proceso complejo que compromete, por decir lo
menos, a dos sujetos, con toda su experiencia, con toda su
historia, con sus lecturas previas, con su sensibilidad, con
su imaginación, con su poder de situarse más allá de sí
mismos. Se trata de una experiencia de lectura compleja y
difícil, pero se puede enseñar. Y sobre todo, yo creo que se
puede enseñar a amar la literatura: a vivir esa experiencia
de descifrar sentidos ocultos y secretos, de conmovernos y
aterrarnos y zarandearnos y nombrarnos y hacernos reír o
temblar, y dejarnos hablar de todo aquello que no se dice,
de labios para afuera, en las visitas.
Cabe, entonces y sé que muchos de ustedes lo creen
y lo hacen posible todos los días, promover una pedagogía
del amor a la literatura que dé cabida a la imaginación de
alumnos y maestros y al libre ejercicio de su sensibilidad,
para impulsarlos a ser re-creadores de los textos.
Lo que sí puede enseñar la literatura
Nuestros niños, niñas y jóvenes están inmersos en
una cultura de prisa y bullicio que los iguala a todos y que
les impide refugiarse, en algún momento del día o, incluso,
de su vida, en lo profundo de sí mismos. De ahí que la
experiencia del texto literario y el encuentro con esos libros
reveladores que no se leen sólo con los ojos o con la razón,
sino con el corazón y el deseo, sean hoy más necesarios que
nunca como alternativas para ir construyendo esas casas
interiores. En medio de la avalancha de estímulos externos,
la experiencia literaria brinda al lector unas coordenadas
para nombrarse y leerse en esos mundos simbólicos que
han construido otros seres humanos: los que están aquí y
ahora, pero también los que viven lejos y los que ya se han
Literatura infantil e juvenil

ido. Y aunque leer literatura no cambie el mundo, sí puede


hacerlo más habitable, porque el hecho de vernos en
perspectiva y de reconocernos en la experiencia de otros,
46

contribuye a abrir nuevas puertas para la sensibilidad y el


entendimiento de nosotros y de los otros.
Necesitamos poemas, cuentos y toda la literatura
posible en nuestras escuelas no para subrayar ideas
principales sino porque necesitamos pasar la vida por el
tamiz de las palabras; porque necesitamos integrar los
hechos, a veces absurdos y a veces aleatorios, y darles una
ilación y porque nuestra tarea desde que comenzamos
a tener palabras, es construir sentido. Y necesitamos
literatura porque la experiencia de los demás nos ayuda
a entender cómo lo hicieron otros para poder intentarlo
nosotros. Ese gran libro escrito a muchas manos que,
viéndolo bien, es la literatura, – experiencia humana tejida
en el lenguaje – puede favorecer la educación sentimental y
ayudar a emprender esa antigua tarea del conócete a ti mismo
y conoce a los demás. Y también para abrir las puertas al reino
de la posibilidad, pero no como una posibilidad ingenua o
fantasiosa sino como esa mezcla incierta entre lo dado y lo
que está por construir, por inventar.

Los maestros
Quizás toda la vida seguimos leyendo para revivir
ese ritual, ese triángulo amoroso que cada noche unía tres
vértices: un niño, un libro y un adulto. En esa escena del
comienzo está la clave de los proyectos de lectura. De un
lado, están los libros. Del otro, los lectores. Y, en la mitad,
esas figuras que en el lenguaje técnico se denominan

La poética de la infancia y la formación del lector literario


mediadores – los padres, los bibliotecarios, los maestros
–, cuya tarea es oficiar encuentros inéditos y siempre en
construcción entre un libro y un lector, particular, de carne
y hueso. Más allá de las nomenclaturas, cualquier proyecto
de lectura involucra esos tres componentes: el acervo, (los
libros, los materiales, las palabras), los lectores (o mejor,
cada lector, en singular intencional) y el mediador: aquel

47
que oficia esos encuentros.
Sin ese mediador que hace de puente entre el libro y
el niño, las páginas de un libro no son nada. Por eso, en la
primera infancia – y durante toda la niñez y aún después –,
la lectura es un trabajo de pareja y el adulto es el texto por
excelencia del niño, pues le presta voz, rostro y refugio para
que él pueda leer-se. Basta con mirar los movimientos de
los primeros lectores: sus ojos oscilan, continuamente, del
libro al rostro adulto: la voz, la cara y el cuerpo del adulto
son el escenario donde se proyecta, vive y se actualiza la
historia que ese niño escucha, mira y siente. Y mientras
fluyen las palabras, el niño siente fluir la vida en esas
páginas, en esa voz que cuenta. A eso me refiero al hablar
de pedagogía de la literatura: a esa experiencia de lectura
tan compleja que alguien nos transmite y nos enseña –
en ese sentido profundo de enseñar: cuerpo con cuerpo,
casi por ósmosis–, y que consiste en prestarnos otras vidas
para vivir en cuerpo ajeno; para experimentar, en el lugar
seguro del lenguaje, la gama de peripecias, aventuras y
emociones que nos hermanan como especie: esa emoción
de emocionarnos con la emoción de otros, que llamamos
empatía
Ustedes dirán, ¿eso se enseña?
Yo creo que sí: que así como se enseñan y se
aprenden números, vocales o competencias semánticas, es
posible enseñar la experiencia esencial de la literatura: es
decir, su poder para revelarnos sentidos ocultos y secretos;
su posibilidad para hacernos sentir, emocionarnos,
conmovernos, zarandearnos con las palabras de los otros.
Con las palabras que se vuelven de nosotros.
Un mediador o, mejor, un maestro de literatura es,
como aquella figura del comienzo, un cuerpo que canta,
una voz que cuenta, una mano que inventa palacios y
Literatura infantil e juvenil

arquitecturas imposibles, que abre puertas prohibidas y


que traza caminos entre el alma de los libros y el alma
de los lectores. Y para hacer su trabajo, no debe olvidar
que, más allá de maestro, es también un ser humano, con
48

zonas de luz y sombra; con una vida secreta y una casa


de palabras que tiene su propia historia. Su labor, como
la literatura misma, es riesgo e incertidumbre. Su oficio
privilegiado es, básicamente, leer. Y sus textos de lectura
no son solo los libros sino también sus lectores: quiénes
son, cómo se llaman, que buscan, a qué le temen, qué
sueñan… No se trata de un oficio, sino de una actitud de
vida. No figura en los estándares ni en los textos escolares
ni en el manual de funciones, pero se puede enseñar. Ojalá
quedara esa idea clara: que un maestro puede enseñar,
vale decir transmitir, el amor por la literatura mediante su
actitud vital, que es el texto por excelencia de sus alumnos.
Cuando salgan del colegio y olviden fechas y nombres,
podrán recordar la esencia de esas conversaciones de vida
que se tejían entre líneas, cuando su maestro sacaba un
libro y compartía con ellos la emoción de una historia,
sin pedirles nada a cambio. Porque en el fondo, los libros
son eso: conversaciones de vida. Y sobre la vida, sí que es
urgente aprender a conversar.
Tal vez el tiempo, que siempre va tan de prisa, borre
en sus estudiantes los rostros de ahora y las coordenadas
del salón donde ustedes les leen cuentos, sin pedirles nada
a cambio, salvo sus caras de expectación, terror, asombro
o deleite... Pero quizás cuando sean grandes lectores se
acuerden de algún cuento entrañable que los marcó para
siempre y de una voz que decía:
“Érase una vez, en un país muy lejano...”
Y nadie estará ahí para ponerles una condecoración

La poética de la infancia y la formación del lector literario


ni una medalla al mérito ni para dar fe del milagro. Pero
así es como se van haciendo los lectores: cuerpo a cuerpo:
cuerpo y alma, en una habitación, en un salón de clase, en
una biblioteca... Cuento a cuento. Y uno por uno.

49
“Palavras que
voam”: tendências
contemporâneas da
poesia portuguesa para
a infância

Sara Reis da Silva

Começamos por evocar algumas palavras do poeta


(e não só) Álvaro Magalhães. Algumas palavras resgatadas
de um texto envolvente, intitulado Infância, Mito, Poesia,
publicado no primeiro número da revista Malasartes
– Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude.
Escreve, assim, Magalhães (1999, p. 13): “[…] enquanto o
mundo existir e nele existirem crianças e uma mãe cantar
ao seu filho uma canção de embalar, continuará viva a
delicadeza da compreensão da vida. E a poesia, ela mesma,
sobreviverá”.
Reflexo de uma convicção profundamente sensível
e emotiva, a essa perspectiva do poeta de O limpa-palavras
e outros poemas (2000) – uma expressão, que, em certa
medida, é o mesmo que dizer que, por exemplo, “[...] o
contacto precoce com a poesia dá-se com as canções de
embalar” (VELOSO, 2001, p. 23) –, as palavras evocadas
abrem caminho à problematização de aspectos atinentes
à poesia para a infância e à promoção do contato com ela
logo nos primeiros anos de vida.
A referência feita por Magalhães (2005) às canções
de embalar orienta a nossa atenção para o tópico da
poesia da tradição oral e, mais especificamente, para
formas poético-líricas comumente conhecidas como rimas
infantis e nas quais se inserem subgêneros, como as já
mencionadas canções de embalar, as rimas em jogos, rimas
Literatura infantil e juvenil

com sequências numéricas, trava-línguas, lengalengas ou


adivinhas, entre outras. Já rigorosamente estudadas, por
exemplo, por Costa (1992), em Um continente poético esquecido
52

as rimas infantis, não é difícil encontrar no mercado livreiro


português obras/coletâneas/compilações desses textos,
alguns deles organizados por autores de importância
irrecusável na literatura portuguesa de preferencial
recepção infantil. A antologia Eu bem vi nascer o sol, de
Vieira (1994), é um exemplo do que acabamos de referir,
a par de outras, da autoria de outros nomes com uma
produção literária pessoal também reconhecida, como são
os casos de José Viale Moutinho ou Luísa Ducla Soares,
por exemplo. Títulos como O grande livro das adivinhas
(MOUTINHO, 2008) e Destrava línguas (SOARES, 1988) e
Lenga Lengas (SOARES, 1988) possuem uma vasta recolha
de textos poéticos pertencentes às formas poético-líricas
que os respectivos títulos anunciam, surgindo amplamente
ilustrados, num registo que procura aproximar-se dos
gostos do destinatário extratextual infantil. De fato, o
recurso a esse acervo tradicional oral cuja recolha e
recuperação têm o leitor infantil em mente, pode tornar-se
um caminho eficaz para que a poesia seja “[...] um campo
percorrido regularmente pelas crianças” (MARTÍN, 1993,
p. 17), levando-as a experienciarem, logo nos primeiros anos
de vida, as palavras, as palavras melódicas, mais ou menos
fortes, conjugadas habilmente, de modo a originarem
sentidos inovadores e a recriarem outros mundos
– virtudes que a poesia evidencia exemplarmente –, o que
representa, efetivamente, uma garantia da sua sensibilidade
estética, da sua capacidade imaginativa, bem como da sua
receptividade em face da eterna novidade das palavras e dos
universos sábia e originalmente inventados.
Não perdendo de vista essas formulações poético-
líricas da tradição oral, alguns autores portugueses que
se têm dedicado à poesia vocacionada para um público

“Palavras que voam”


infantil imprimem aos seus textos, reutilizando-os e/ou
renovando-os, diversos traços paradigmáticos das referidas

53
formas, designadamente, por exemplo, dos trava-línguas,
das adivinhas ou de pequenas canções, entre outras. É
o que se verifica, por exemplo, no poema de Figueiredo
(1999, p. 2) intitulado Na terra dos tigres e no qual são
notórias as similitudes com o trava-língua que lhe serve
de mote:

Um tigre, dois tigres, três tigres,


três tigres adormecidos,
e um outro tigre tigrado
acordado.

Tigre tigrado trincou


um tremoço que encontrou.
E uma perdiz que voou
não a trincou por um triz,
não trincou porque não quis.
Tigre tigrado ao luar,
sozinho põe-se a caçar;
corre para a frente,
caça um pente;
corre para trás, caça um cabaz;
corre para o lado e caça o rabo.

No caso concreto da proximidade com as adivinhas,


releia-se, por exemplo, o seguinte poema inserto em
Histórias com juízo (CASTRIM, 1993, p. 46), um texto
que, além da ligação mencionada, evidencia apelativas
ressonâncias aliterativas, bem como uma interessante
componente experimental ou visual:

O meu mar é o ar.


Vem nu, vem nu, vem vento
Literatura infantil e juvenil

E leva-me a viajar
por cima do tempo.

Sou tudo o que se quiser


54

leão e gato
homem, mulher,
fruto e sapato.

Sou feita da imaginação da água.

A minha raiz está no mar


e nas folhas das árvores.

Quando tenho saudades da terra


Choro
C
h
o
v
o
.
.
.
.
chovo.
Encontramos, também, outro exemplo dessa
recuperação de determinadas características modelares das
rimas infantis no livro Arca de Noé (SOARES, 1999, p. 7).
Veja-se, a título exemplificativo, o poema Quem é ela?:

É uma jovem
Muito engraçada,
Não usa roupa
Não usa nada.

É uma jovem
Mas nada fraca,
Come ao almoço
Quase uma vaca.

É uma jovem
Com lindos dentes,

“Palavras que voam”


Toda lourinha,
Nunca viu pentes.

55
É uma jovem
Bem elegante.
Mas mete medo
Ao elefante.

– Não me apresentas
Essa pessoa?
Claro que sim:
É a leoa!

Vários textos com construções ou esquemas


criativos semelhantes a esses integram algumas das
coletâneas/antologias/compilações poéticas2, organizadas por
nomes reconhecidos, como o de Catarina Ferreira, que
contou com um prefácio de Matilde Rosa Araújo, Sophia
de Mello Breyner Andresen, José António Gomes, Alice

2
Sobre esse assunto, ver Silva (2014).
Vieira ou João Manuel Ribeiro, por exemplo. Trata-se de
um conjunto de obras valiosíssimas no nosso entender,
porque, além de tudo, reúne em si aquilo que poderá ser
entendido como uma espécie de memória poética portuguesa,
ou memória lusófona da poesia para os mais novos.
Talvez valha a pena, portanto, percorrer os seus paratextos
– notas introdutórias e posfácio, no caso daquele assinado
por Sophia –, e reter algumas das suas palavras, na medida
em que, em praticamente todos, observa-se uma reflexão
acerca daquilo que singulariza a poesia, daquilo que esta
encerra de potencialmente favorável à conformação de
uma especial sensibilidade estética. No primeira caso, em
concreto, em Brincar também é poesia (FERREIRA, 1983,
não paginado), Matilde Rosa Araújo escreve ao prefaciar
essa obra:
Literatura infantil e juvenil

Encontrou-se a essência do poema, a sua forma,


a sua musicalidade intrínseca na correspondência
autêntica com os interesses já acordados […]. Criou-
56

se a amizade com a poesia: por ela um caminho


para o auto-conhecimento e o conhecimento dos
outros, convivencialidade com a natureza, as coisas
e tudo o mais que nos contorna.

Por sua vez, no posfácio de Primeiro livro de poesia


(ANDRESEN, 1991, p. 185), a compiladora sublinha que:

É possível que muitos considerem este livro difícil.


Mas a cultura é feita de exigência. Por isso afastei
o infantilismo, o simplismo. Uma criança é uma
criança, mas não é um pateta. […] Não fiz divisões
etárias. Nunca sabemos bem o que uma criança
entende ou não entende e quais os caminhos
do seu entendimento. Aliás, como os adultos, as
crianças são diferentes umas das outras. […] Espero
que estes poemas sejam lidos em voz alta, pois a
poesia é oralidade. Toda a sua construção, as suas
rimas, os jogos de sons, a melopeia, a síntese, a
repetição, o ritmo, o número se destinam à dicção
oral. A poesia é a mestra da fala: quem, ao dizer
um poema, salta uma sílaba, tropeça, como quem
ao subir uma escada falha um degrau. […] E é
importante aprender o poema de cor, pois o poema
decorado fica conosco e vai-nos revelando melhor,
sempre que o repetimos, o seu sentido e a beleza da
sua linguagem e da sua construção.

Também em Conto estrelas em ti (GOMES, 2000,


p. 4), o autor lembra que “[...] o poeta é um ‘limpa-
palavras’”. Libertas das impurezas do falar quotidiano,
com essas palavras, ele exprime sentimentos e emoções,
convida-nos a olhar o mundo com olhos de ver, a reparar
nos pequenos e grandes mistérios da vida. No tapete
mágico das palavras, o poeta conduz-nos também até
lugares imaginários, imprevistos e, por vezes, conta-nos

“Palavras que voam”


histórias em verso, amenas ou empolgantes, tristes ou
divertidas. Por seu turno, Vieira (2007, p. 14), em O meu

57
primeiro álbum de poesia, afirma:

Mas eu não sei definir o que é a poesia. E se alguém


te disser que sabe… Desconfia! […] não há uma
maneira única de escrever poesia. Há quem, através
da poesia, conte uma história; há quem recorde um
pequeno pormenor que lhe chamou a atenção; há
quem evoque cenas familiares; há quem escreva
sobre um cheiro ou um olhar; há quem, muito
simplesmente, brinque com as palavras e os seus
sons. […] Lembra-te [de] que um bom poema
nunca é aborrecido, nunca é banal, nunca te deixa
indiferente. (VIEIRA, 2007, p. 14).

E, finalmente, em Versos de não sei quê, o autor


escreve que

A poesia constitui para quem a lê um mistério de


aproximação ao coração de todas as coisas. […]
A poesia é feita de palavras com som e ritmo para
chegar mais depressa ao coração. Palavras com
pensamentos que respiram e ideias que ardem;
palavras escritas segundo a gramática e a ordem do
coração (às vezes diferente das regras da ortografia e
da gramática); […] Sendo linguagem que ninguém
fala, mas toda a gente entende, a poesia não é
estranha a ninguém […] (RIBEIRO, 2011, sem
paginação).

Em todos os segmentos transcritos, além de sutis


apontamentos de cariz pedagógico, pode-se constatar
um ensaio metatextual ou metapoético revelador de uma
aspiração: definir poesia. Coincidentemente, é isso também
o que procura, por exemplo, Menéres (1999, p. 11-92), em
O poeta faz-se aos dez anos, quando ela escreve:
Literatura infantil e juvenil

Falar de poesia a crianças. Mas como? Dizer o que é


poesia? Dar uma definição rigorosa ou sugestiva? [...]
58

Ah, afinal, a poesia é qualquer coisa que se pode


tentar definir – ou não?
Já vimos:
– é a beleza das coisas
– é o sentido das coisas
– uma forma de atenção a tudo
– um sentimento (não sentimentalismo piegas)
– a imaginação sensível das coisas
– vivência, sabedoria, rigor
– o amor pelas letras e pelo que elas podem
– o amor pelas palavras e pelo jogo que as lança na
aventura
– poesia ideia e energia
– comunicação e descoberta sempre renovada
– poesia espanto
– poesia texto
– poesia poesia.

Ainda no que diz respeito às antologias – e voltando


um pouco atrás –, acresce-se uma referência a um tipo
muito significativo de antologias editadas com um suporte
áudio/musical e cuja recepção é comprovadamente fértil,
como sucede com A casa do silêncio (2000) e Com quatro
pedras na mão (2008), ambos do Bando dos Gambozinos;
Sementes de música (FERRÃO; RODRIGUES, 2008); Canta
o galo gordo (PUPO; PRATAS, 2008); ou em O som das
lengalengas (SOARES, 2011).
Na verdade, encontrar/descobrir um poema
de autoria portuguesa adequado ao perfil leitor e às
competências lecto-literárias das crianças que frequentam
o jardim de infância ou o primeiro ciclo do ensino básico
(ou seja, crianças com idades entre três e seis anos, no
primeiro contexto referido, ou entre seis e dez anos, no
segundo) é uma tarefa tão estimulante e enriquecedora
como a que empreendemos quando procuramos um texto
narrativo para animar/colocar em ação, por exemplo, na

“Palavras que voam”


hora do conto. “Temos bons poetas para a infância,
basta descobri-los” (VELOSO, 2001, p. 23). Com toda a

59
certeza, encetado esse percurso de descoberta, deparar-
nos-emos com nomes como Eugénio de Andrade (1923-
2005), Mário Castrim (1920-2002), Matilde Rosa Araújo
(1920-2010), Maria Alberta Menéres (1930-), Luísa Ducla
Soares (1939-), José Jorge Letria (1951-), Violeta Figueiredo
(1947-), Álvaro Magalhães (1951-), Manuel António Pina
(1943-2012), Jorge Sousa Braga (1957-), Vergílio Alberto
Vieira (1950-), João Pedro Mésseder (1957-), António Mota
(1957-), Teresa Guedes (1957-2007), João Manuel Ribeiro
(1968-) e Nuno Higino (1960-), apenas para citar alguns
dos poetas portugueses, com letra maiúscula, que, salvo
uma ou outra exceção, prosseguem em atividade regular
e têm respondido delicadamente aos gostos infantis,
porque aquilo que escrevem, com um estilo próprio e
obviamente assente em singularidades literárias, pauta-se
genericamente pelo humor, pelo ritmo, por esquemas de
reiteração lexical e fônica, por um evidente pendor lúdico,
pela brevidade, pela simplicidade e pela sensibilidade que,
com as suas palavras, anda sempre irremediavelmente
abraçada.
Procedamos, pois, a uma revisitação breve e de
teor genérico da poesia de cada um deles, começando
por Eugénio de Andrade, poeta incontornável que, em
1986, publicou Aquela nuvem e outras. Trata-se de uma
coletânea composta por 22 poemas dedicados ao seu
afilhado, Miguel, que se distinguem pela assiduidade
da temática naturalista e animal, pela recuperação de
formas poéticas da tradição, pelo tom dialógico e pela
sugestão simbólica de certos textos. O poema Verão
(ANDRADE, 1999, p. 10) testemunha, em certa medida,
o que mencionamos:
Literatura infantil e juvenil

Caracol, caracol,
Onde vais com tanto sol?
Vou à loja do senhor Adão
Comprar um girassol;
60

Com tanto sol


Ninguém aguenta o verão.
Adeus, adeus, caracol,
Tens razão,
Sem guarda-sol
Ninguém aguenta este sol.

Já Mário Castrim, jornalista e crítico televisivo,


repartiu a sua escrita pela narrativa breve, como os
contos que compõem a colecção intitulada Gira Gira3
(CASTRIM, 2001) e pela poesia, que se singulariza pelo
jogo, pela construção experimental por uma poética de raiz
surrealizante e nonsensical, como se observa em Estas são as
letras (CASTRIM, 1977) ou Histórias com Juízo (CASTRIM,

3
O primeiro volume da coleção, composta por nove obras, veio a lume em
2001, com a chancela da editora portuense, entretanto extinta, Campo das
Letras.
1993). Releia-se, por exemplo, o texto poético do autor
que já anteriormente deixamos transcrito neste estudo.
Nascida no mesmo ano de Mário Castrim, Matilde
Rosa Araújo teve um percurso literário ligeiramente
distinto, deixando alguns textos profundamente
simbólicos que têm a infância no seu centro. A sua poesia,
que pode ser lida em obras como O livro da tila (ARAÚJO,
1957) e Segredos e brinquedos (ARAÚJO, 1999), por exemplo,
caracteriza-se pela recriação da infância, pela presença
assídua da natureza, pela mensagem ética, bem como
pela simplicidade temática e pela original forma afetuosa
e atenta como ela poetiza o real. Aprecie-se, por exemplo,
o poema Amor (ARAÚJO, 2010, p. 8), contido na primeira
obra mencionada:

Mãe, as flores adormecem

“Palavras que voam”


Quando se põe o sol!

Filha, para as adormecer

61
Canta o rouxinol…

Mãe, as flores acordam


Quando nasce o dia!

Filha, para as acordar


Canta a cotovia…

Mãe, gostava tanto de ser flor!


Filha, eu então seria uma ave…

Nos textos poéticos de Maria Alberta Menéres,


patentes, por exemplo, em Figuras e figuronas (MENÉRES,
2000) ou em Conversas com versos (MENÉRES, 2005),
evidenciam uma forte influência da lírica tradicional,
um especial ludismo e, ainda, humor ou efeito cômico,
como observa-se, por exemplo, no poema Lengalenga
(MENÉRES, 2005), que pode ser lido na última colectânea
mencionada:

Foge o figo da figueira


fica a figueira sem figo

fico eu sem as formigas


formigas do formigueiro

foge o figo da figueira


foge o fogo da fogueira

fico eu sem as farinhas


farinhas das farinheiras

foge o figo da figueira


fica a figueira sem figo
Literatura infantil e juvenil

foge a faneca do forno


sem faneca é que eu não fico!
62

Luísa Ducla Soares, uma das mais prolíficas


autoras portuguesas, em obras como Arca de Noé (SOARES,
1999), A Cavalo no Tempo (SOARES, 2003) ou Zé dos Bichos
(SOARES, 2014) oferece uma poesia atenta, marcada pela
crítica social e pelo humor, concretizada em versos curtos
e a partir de estruturas recuperadas da lírica tradicional.
Releia-se, por exemplo, o poema Antigamente (SOARES,
2003), patente na segunda obra a que aludimos:

A nossa Mãe Eva


mais o Pai Adão
nunca se vestiam,
nem com um calção.

Jesus não provou


jamais coca-cola
nem jogou futebol
no pátio da escola.
Não tendo fogão,
a Virgem Maria
comeu muitas vezes
a sopinha fria.

Dom Afonso Henriques


vestia armadura
e não se queixava
de a roupa ser dura.

A Rainha Santa
não tinha sanita.
Onde iria ela
se estava aflita?

O Vasco da Gama
fazia viagens

“Palavras que voam”


sem um telemóvel
para mandar mensagens.

63
Luís de Camões,
repara, que horror,
não escreveu os livros
num computador.

O Marquês de Pombal,
com tanto salão,
não pôde comprar
uma televisão.

Ó jovem que estás


sempre descontente,
não querias viver
como antigamente?

Igualmente prolífico é José Jorge Letria, um dos


escritores para a infância mais lidos em Portugal. Em
obras como Novas Rimas Traquinas (LETRIA, 2008),
Alicate, Bonifrate e Versos com Remate (LETRIA, 2002) ou
O Alfabeto dos Bichos (LETRIA, 2005), o poeta revela-se em
composições poéticas que se distinguem pela brevidade,
pela diversidade de jogos (de vários tipos) e pelas assíduas
alusões metapóeticas, intertextuais e/ou interartísticas.
Esses aspectos plasmam-se, por exemplo, em Avestruz de
capuz (LETRIA, 2002, p. 38), poema incluído na segunda
obra mencionada:

Aterrou um avestruz
no aeroporto de Ormuz
disfarçado de artista,
óculos escuros e capuz,
cantando um canto andaluz
que aprendeu em Queluz.
O misterioso avestruz
Literatura infantil e juvenil

tropeçou e catrapuz,
exclamando “ai Jesus!”,
fazendo o sinal da cruz,
64

como quem torce


para ver ganhar
o Benfica no Estádio da Luz.

Violeta Figueiredo, por seu turno, em Fala bicho


(FIGUEIREDO, 1999), por exemplo, demonstra um apreço
particular pela temática animal e natural, e pelo humor.
Algumas das suas composições poéticas são em forma
dialogada e com claras ressonâncias da lírica tradicional,
como constata-se no poema da autora já aqui registrado.
A presença de animais, muitas vezes, a serviço de
temáticas sérias, como o tempo e a sua passagem, o amor
ou o sonho, por exemplo, pode ser também observada
em vários poemas da autoria de Álvaro Magalhães. Em
O reino perdido (MAGALHÃES, 1986) ou em O brincador
(MAGALHÃES, 2005), podem ser lidos textos pontuados
pelo humor e com uma escrita poética desafiadora, por
vezes, de pendor filosófico e, frequentemente, de cariz
metapoético, como pressente-se no seguinte texto poético:
O limpa-palavras

Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.

Quase todas as palavras


precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,

“Palavras que voam”


dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.

65
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papéis no ar
E é preciso fechá-la na arrecadação.

No fim de tudo voltam os olhos para a luz


e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.

Vão à procura de quem as queira dizer,


de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes a mão para apanhares
a palavra braço ou a palavra amor.

Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Literatura infantil e juvenil

Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.


A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.
66

MAGALHÃES, 2005, p. 8).

Igualmente desafiadora ou estimulante é a poesia de


Manuel António Pina, que pode ser lida, por exemplo,
em O pássaro da cabeça (PINA, 1983) ou em Pequeno
livro de desmatemática (PINA, 2001). Trata-se de um
conjunto de textos poéticos que divertem e estimulam
a reflexão, que tematizam, por exemplo, a infância ou a
ciência, muitas vezes num tom humorístico que toca
o nonsense. A primeira colectânea supracitada abre com
o original poema intitulado A Ana quer:

A Ana quer
Nunca ter saído da barriga da mãe.
Cá fora está-se bem,
Mas na barriga também
Era divertido.
O coração ali à mão,
Os pulmões ali ao pé,
Ver como a mãe é
Do lado que não se vê.

O que a Ana mais quer ser


Quando for grande e crescer
É ser outra vez pequena:
Não ter nada que fazer
Senão ser pequena e crescer
E de vez em quando nascer
E voltar a desnascer. (PINA, 1983, p. 9).

Jorge Sousa Braga, em Herbário (BRAGA, 2002)


ou Pó de estrelas (BRAGA, 2004), por exemplo, em
poemas tendencialmente breves, valoriza, de igual modo,
a natureza e a ciência. Trata-se de um conjunto de textos

“Palavras que voam”


nos quais se observa a recriação poética da temática animal
e, muito especial, de temas científicos, como constata-se,

67
por exemplo, no poema Buracos negros:

As estrelas também gostam de brincar


às escondidas
A maioria das vezes escondem-se umas atrás das outras
Ou nas imediações de um quasar
Mas não há melhor lugar
Para uma estrela se esconder
Que num buraco negro
Elas veem as outras
E ninguém as consegue ver.
(BRAGA, 2004, p. 10).

Estreou com A cor das vogais (VIEIRA, 1995) e é


uma das referências literárias no universo vocacionado
para os leitores mais novos (mas não apenas): Vergílio
Alberto Vieira. A sua poesia, divertida e atenta, encerra
uma vertente, é marcadamente humorística e revisita,
com particular originalidade, a natureza, a infância e o
imaginário, deixando transparecer algumas influências da
literatura tradicional. No volume mencionado, seguido
de muitos outros que integram uma obra vasta e muito
própria, pode ler-se Faz-de-contas:

O maroto do João
Um, dois, três
Só quer ao Queima jogar.
Quatro, cinco, seis
Ai que grande reinação
Sete, oito, nove
Vai nas contas de somar!
Se a cabeça não pensar
E o João não acertar
Quem de cem tira noventa,
Pelo número que lhe resta
Vão as orelhas crescer:
Literatura infantil e juvenil

Vai ser o bombo da festa. (VIEIRA, 1995, p. 13).

Cultor especial das formas breves, muitas vezes


68

próximas dos haikai japoneses e de formas poético-líricas


da tradição oral, como o trava-línguas ou a adivinha, por
exemplo, João Pedro Mésseder, em colectâneas como
Versos com reversos (MÉSSEDER, 1999), Pequeno
livro das coisas (MÉSSEDER, 2012) ou Versos que riem
(MÉSSEDER, 2016), imprime a alguns dos seus textos uma
relevante dimensão ética/crítica e revisita, muitas vezes, com
humor, temas e motivos da tradição, a partir de cativantes
esquemas repetitivos. Da última obra referida, recentemente
editada, destacamos a seguinte composição poética:

O pão
sei eu que é bom,
que vem da farinha
que vem do grão
que vem da espiga
que vem da terra
onde cai a semente
que a mão semeou.
O pão
sei eu que é bom
na mão da mãe
que mo preparou,
na minha mão
que nele pegou
e mais na boquinha
que o mastigou

e na barriguinha
p’ra onde desceu
porque este menino
já o comeu. (MÉSSEDER, 2016, p. 9).

Conquanto mais conhecido pelas suas narrativas


juvenis e pelos seus contos, António Mota é também
autor de originais livros de poesia, designadamente

“Palavras que voam”


e entre outros Sal, sapo, sardinha (MOTA, 1996) e Lá de
cima cá de baixo (MOTA, 2008). Nos textos contidos

69
nessas obras, verifica-se uma particular tendência para a
brevidade, a simplicidade lexical, o humor, o jogo e certo
pendor narrativo, na poetização de elementos da natureza.
O poema Formiga, presente no primeiro volume a que
aludimos, substantiva o que assinalamos:

Segue sempre
seu carreiro
e passa a vida a juntar.
Mas
para que nada seja perfeito
felizmente
não sabe cantar.
(MOTA, 1996, p. 12).

O jogo e o humor são também os alicerces


fundamentais da poesia de Teresa Guedes, autora que
assinou alguns interessantes volumes didáticos acerca da
motivação para o texto poético. Em Em branco (GUEDES,
2002) ou Real… mente (GUEDES, 2005), é possível encontrar
composições poéticas que tematizam de tópicos resgatados
ao quotidiano, em particular infantil, uma notória tendência
para a desformalização do discurso, muitas vezes, até com
recurso à escrita concreta, visual ou experimental, bem como
ao humor, como pode-se ler no poema O dom das palavras,
incluído na segunda obra referida:

Escrevo a palavra girafa


e tu esticas o pescoço.
Escrevo a palavra cachecol
e tu enroscas-te como um caracol.
Escrevo a palavra gripe
e tremes debaixo do lençol.
Escrevo a palavra porta
e tu sais a correr deste poema
Literatura infantil e juvenil

que te pareceu coisa bem torta!


(GUEDES, 2005, p. 14).
70

Pertencente a uma nova geração de poetas, João


Manuel Ribeiro publicou, na última década, mais de
uma dezena de volumes de poesia. Em Poemas da bicharada
(RIBEIRO, 2008) ou em A casa do João (RIBEIRO, 2012),
apenas para citar dois exemplos, reúnem-se textos
dominados pela temática animal, pela dimensão lúdica,
pelo humor e pela recuperação de formas da lírica
tradicional. O poema que se segue consta da segunda obra
referida:

A casa que fez o João

Aqui está a casa que fez o João,


uma casa sem portas nem janelas,
feita de palavras escritas em papel,
sem morada em ruas ou em vielas,
uma casa presa a um pequeno batel
que te leva à ilha da imaginação.
Uma casa onde há cão, onde há gato,
onde há rato e um saco de grão e feijão;
onde quem quer quebra um prato
ou faz versos de gata parida
com descarada língua comprida
e vive livre sem ter de ir comer à mão
de qualquer senhor ou tirano:
esta é a casa do João, não há engano!
(RIBEIRO, 2012, não paginado).

Nuno Higino, por exemplo, nos poemas presentes


em O menino que namorava paisagens e outros poemas
(HIGINO, 2001) ou em Versos diversos (HIGINO, 2008),
demarca-se pela simplicidade discursiva, pelas formas
simples, pelo recurso a medidas tradicionais, pelo humor,
bem como pelo poder de sugestão simbólica das suas
palavras. Releia-se, a título exemplificativo, o poema
A alegria, contido na última obra destacada:

“Palavras que voam”


Perguntar se a alegria

71
é inteira ou tem medida
se é oval ou circular
de que maneira a contém
o olhar quando a anuncia
é o mesmo que perguntar:
– Quantas margens tem o mar?
(HIGINO, 2008).

Aos poetas aos quais acabamos sucintamente


de aludir, que representam uma seleção pessoal por
nós concretizada e que quisemos partilhar, importa,
também, juntar outras figuras incontornáveis da literatura
portuguesa para a infância, como Sidónio Muralha
(1920-1982), Leonel Neves (1921-1996), António José
Forte (1931-1988), Maria Rosa Colaço (1935-2004),
Teresa Rita Lopes (1937-), António Torrado (1939-),
Alice Vieira (1943-), José Fanha (1951-), Amadeu Baptista
(1953-), Luísa Costa Gomes (1954-), Alexandre Honrado
(1960), entre outros. Trata-se de um grupo de autores
que repartiram/têm repartido a sua atividade literária por
modos e gêneros literários diversos, mas que, em certos
casos, pontualmente, publicaram volumes de poesia, a
vários títulos, visivelmente singulares.
Uma nota, igualmente, para assinalar a existência
e algumas especificidades de um gênero textual/editorial
ainda emergente no domínio da poesia para a infância.
Trata-se do álbum poético4 e essa designação, como sucede
genericamente com o termo álbum narrativo, engloba
publicações nas quais se verifica uma articulação, ou uma
proximidade, ou uma interdependência entre o discurso
verbal e o discurso visual. O diálogo entre um poema,
ou melhor, entre as respectivas partes que o estruturam
– os versos – e as imagens criadas à sua volta/motivadas
por aquelas/aqueles, resulta num objeto estético com um
Literatura infantil e juvenil

elevado grau de coerência e potencialmente fomentador


de múltiplas leituras, que podem ser concretizadas ao
ritmo pessoal de cada destinatário extratextual, pelo facto
de o seu conteúdo estender-se de forma progressiva,
72

com sobriedade e contenção, formando uma mancha


gráfica inovadora. Trata-se de uma arquitectura híbrida,
decorrente da associação código verbal-código pictórico,
que se reflete numa apresentação textual de conjunto
semanticamente una e expressiva, como provam, por
exemplo, as obras Palavra que voa (MÉSSEDER, 2005),
Trocar as voltas ao tempo (MÉSSEDER, 2008), Pê de pai
(MARTINS, 2006), O mar (SOARES, 2008) e O primeiro
gomo da tangerina (GODINHO, 2006).
Assim, e procurando também sistematizar o que
expomos, sublinhe-se que, com uma longa e reconhecida
tradição, a poesia para a infância tem sido cultivada por
alguns dos mais importantes poetas canônicos da história
da literatura portuguesa. De assinalar, por exemplo, os
casos de Antero de Quental (1842-1891) e As Fadas (1983),
obra originalmente editada em 1883, Fernando Pessoa

4
Ver Silva (2011).
(1888-1935) e alguns poemas pontuais, ou Eugénio de
Andrade (1923-2005) e Aquela nuvem e outras (1986).
Esse modo/gênero literário, potencialmente
vocacionado, em concreto, para crianças e jovens, sendo
fortemente valorizado em contextos formais e não formais
de contato com a leitura literária, quer a partir da oralidade,
quer tendo por suporte o livro, tem merecido a atenção
de estudiosos e investigadores, como provam, além de
um conjunto assinalável de artigos dispersos por revistas,
volumes de atas ou de compilações de estudos, blogues,
entre outros, obras resultantes de investigações levadas a
cabo em contexto acadêmico. Nesse domínio, salientamos,
por exemplo, o estudo A poesia na literatura portuguesa para
a infância (GOMES, 1993), e A poesia infantil no século XXI
(2000-2008) (RECHOU; LÓPEZ; RODRÍGUEZ, 2009).
Presentemente, a edição portuguesa de poesia para

“Palavras que voam”


a infância materializa-se em diferentes tipos de volumes,
como fomos sugerindo, sendo, por conseguinte, possível

73
estipular uma categorização definidora/diferenciadora de
alguns objetos, atendendo, por exemplo, a critérios, como
a autoria (individual, dupla ou coletiva, por exemplo), a
arquitectura verbal e pictórica, as temáticas, entre outros.
Consideramos, assim, por exemplo, em primeiro lugar,
títulos individuais – ou seja, obras de autoria nominal nas
quais se encontram reunidos textos poéticos escritos
por um autor, um conjunto que pode ou não possuir
uma linha isotópica congregadora, como sucede com
os a que aludimos de Eugénio de Andrade ou Mário
Castrim, apenas para citar dois exemplos; em segundo
lugar, volumes compostos a duas mãos ou em co-autoria – e,
nesse caso, lembramos apenas os exemplos de Breviário
do Sol (MÉSSEDER; MANGAS, 2002) e Breviário da
Água (MÉSSEDER; MANGAS 2004); em terceiro lugar,
obras que integram a categoria genológica/editorial já
denominada álbum poético, visto que, como explicitamos,
ostentam uma configuração especial, estruturada a partir
da interdependência das componentes verbal e visual
(numa linha análoga à do álbum narrativo ou picturebook);
finalmente, em quarto lugar, as antologias ou compilações,
quer de formas poético-líricas do patrimônio tradicional
oral, quer de textos poéticos de autoria plural e escritos
em diferentes épocas, por exemplo. Nesta última categoria,
importa ainda assinalar, como aliás, já mencionamos, a
edição – relativamente frequente nos últimos anos – de
um tipo de antologias editadas com um suporte audio/musical.
Acrescente-se, igualmente, em termos sintéticos e
recorrendo à reflexão sistemática, rigorosa, aprofundada
e imprescindível para o estudo da poesia para a infância,
a obra intitulada A poesia na literatura para crianças e jovens
(GOMES, 1993), já por nós referida, em que, na escrita
Literatura infantil e juvenil

poética para a infância de autoria portuguesa, é possível


identificar a prevalência das seguintes temáticas: olhar
poético e transfigurador sobre o real; forte presença
74

animal; expressão e valorização de sentimentos como a


amizade e a alegria, ou até a tristeza e a perda; ludismo
(humor, dimensão nonsensical e jogos); e questões sociais.
Já sob o ponto de vista formal, destacam-se aspectos como:
a brevidade (unidade estrófica, versificação simples, refrão
…); a proximidade das formas tradicionais; a importância
da dimensão fônico-rítmica (aliterações, onomatopeias,
repetições, rima, ritmos sincopados…); uma relação
estreita: aspectos fônico-rítmicos do discurso – ritmo
gestual/corporal; o recurso a processos retóricos, como:
a metáfora, a personificação, a apóstrofe, a exclamação,
a interrogação…; a tendência para a concreção: nomes
concretos e verbos actanciais; a tendência para uma certa
narratividade; entre outros.
Revistas algumas possibilidades ou oportunidades
concretas de contato com a poesia, a partir da evocação de
determinados objetos literários que integram esse modo
ou esse universo literário/editorial, acrescentamos que,
tão ou mais importante do que esse momento primordial,
pontuado pela espontaneidade e pela intimidade maternal
no qual se lançam as primeiras sementes no campo da
poesia, como sugerem as palavras de Álvaro Magalhães
com as quais abrimos este estudo, urge, cada vez mais,
um trabalho sistemático, pautado pela reflexão e pela
criatividade no âmbito da iniciação à poesia, logo em anos
precoces de vivência escolar. De fato, desenvolver, em
contexto pré-escolar e escolar, o gosto pela leitura e pela
literatura, em geral, bem como pela poesia, em particular,
reclama um estímulo diário, sem pressas e por via do prazer,
através de atividades de mediação/animação diversificadas.
Lembramos que, e concordando com Veloso (2001,
p. 23), parece que

“Palavras que voam”


A doce musicalidade da palavra cantada está a
desaparecer, dado que os jovens pais não conhecem
[essas] canções que alimentam o sono e o sonho

75
da criança pequena, nem as lengalengas ou outras
rimas infantis que acompanham as primeiras
brincadeiras e descobertas.

O educador e/ou o professor do primeiro ciclo do


ensino básico (ou seja, aquele profissional que acompanha
a criança entre os três e os seis anos e entre os seis e os
dez anos de idade, respectivamente) podem desempenhar,
pois, um papel determinante, colmatando essa lacuna na
formação literária precoce/infantil.
E na promoção desse contato/convívio com a poesia,
nas suas múltiplas formas, importa ter presente a ideia de
que essa linguagem encontra-se inerente à ludicidade5,
traço recorrente e determinante sob o ponto de vista da
recepção literária infantil. Note-se que Cervera (1992),
5
A essência lúdica do texto poético surge explicitada por Jean (1989, p. 19),
em Jogos de Palavras: “[...] a poesia, toda a poesia, é uma forma essencial de
jogo”.
referindo-se à poesia para crianças, distingue três grandes
grupos, a poesia lírica, a poesia narrativa e a poesia
lúdica, salientando que esta última representa um campo
particularmente fértil na escrita para os mais novos.
Nesse sentido, se a poesia, em termos lexicais, e
seguindo a perspectiva de Aimad (apud JEAN, 1989, p.
113-114), guarda quatro categorias de jogos (os fonéticos,
os morfológicos, os sintagmáticos e os semânticos),
por que não considerar a poesia um verdadeiro jogo
ou brinquedo, de manuseio acessível e diversificado,
colocando-a apelativamente ao alcance das crianças, a
partir, por exemplo, da música (jogos musicais, rítmicos
etc.), de diversos tipos de leitura (rápida, dialogada, coral,
dramatizada), da construção individual ou em grupos de
topogramas (poema no qual todos os versos começam
pela mesma letra), acrósticos (poema composto a partir de
Literatura infantil e juvenil

um dado vocábulo, que é disposto na vertical e cujas letras


servirão de início aos diversos versos), caligramas (poesia
experimental/poemas visuais – dispondo as palavras no
76

papel de forma figurativa etc.)?


Jean (1989, p. 19) preconiza que o que “[...] as crianças
procuram e encontram em primeiro lugar na poesia é o
ritmo, um ritmo de linguagem que desencadeia geralmente
[...] uma ritmicidade ligada ao corpo”. Assim sendo, parece
natural que, com crianças mais novas (de três e quatro
anos), ocorra o recurso sistemático a textos poéticos de
feição/origem oral, partilhando-se constantemente rimas
que, “[...] vindas de tempos anónimos, alimentaram a
nossa identidade cultural e estimularam a nossa memória”
(VELOSO, 2001, p. 23), ou que sigam, na sua estruturação
técnico-compositiva, os moldes desses textos cuja
componente sonora, baseada particularmente em jogos
fonéticos6, sobreponha-se, de certo modo, à componente
semântica do discurso, tornando-se, assim, possível
desenvolver, com maior incidência, o nível fonológico ou,

6
Jean (1989, p. 114) considera que esses jogos tratam-se de substituições de
fonemas e de homofonias.
por outras palavras, tornando possível fazer os pequenos
saborearem os sons da língua.
De fato, na poesia, deparamo-nos facilmente com

[...] efeitos rítmicos, jogos rimáticos, aliterações,


sugestões fono-icónicas, exercícios de dicção com
sequências difíceis ou raras de fonemas, ilustração
dos matizes semânticos das palavras, revelação da
força expressiva e comunicativa das palavras. [...]
[também com aquilo que o autor apelida de] [...]
segredos e [...] potencialidades da língua materna
que as crianças começam a desvendar e a conhecer
intuitivamente através das suas leituras, ou das
leituras em voz alta efectuadas por outrem, de
textos da literatura infantil. (SILVA, 1981, p. 14).

Simultaneamente, a utilização desses textos de

“Palavras que voam”


origem ou de influência oral e cuja seleção deverá ter em
vista o apelo, antes de tudo, aos sentidos e às emoções –

77
porque “[...] a inteligência emocional também se constrói
desde muito cedo” (VELOSO, 2001, p. 23) – favorece a
aquisição e o alargamento linguísticos, na medida em que,
e recorrendo novamente ao ponto de vista de Jean (1989,
p. 98), “A poesia é uma escola, uma escola da linguagem”,
constituindo um completo “[...] ‘laboratório linguístico’,
pois permite à criança toda uma série de experimentações
divertidas.” (VELOSO; RISCADO, 2002, p. 28).
Com efeito, o texto poético poderá ser aproximado
com facilidade da criança se houver a oportunidade de
relacioná-lo com uma música adequada, se se promover
uma exploração criativa das ilustrações que eventualmente
o acompanhem, ou, até mesmo, da gravação do poema na
voz do seu autor. Com Cunha (1985, p. 96), defendemos
também que uma leitura apropriada, expressiva, sentida
e alicerçada, por exemplo, na gestualidade ou no
movimento corporal, quando tal for possível, pode, só
por si, ser suficiente para fazer nascer o gosto por um
determinado poema.
Consideramos, ainda, que, se se partir de um poema
ou das sugestões que dele emanam para outros textos (por
exemplo, com a mesma temática ou o mesmo gênero de
figuras), construindo um percurso de leitura baseado no
pressuposto da dimensão virtualmente intertextual do
texto literário, ou para novas formas de expressão, como
pequenas dramatizações, os desenhos/as ilustrações, a
música ou até a criação individual/colectiva de novos textos
orais/escritos, como, aliás, já mencionamos, o contato com
a poesia será aprazível e profícuo, sob o ponto de vista
formativo.
Em todo e qualquer caso, interessa, sobretudo,
valorizar convicta e afetivamente o texto poético, porque

O contacto precoce e assíduo com textos líricos


Literatura infantil e juvenil

de qualidade não só tem implicações evidentes ao


nível do desenvolvimento linguístico da criança,
aumentando a sua consciência fonológica, a
78

capacidade articulatória e ajudando-a a ampliar as


suas representações sobre a leitura e a escrita, como
também se revela fundamental na ligação da criança
ao contexto envolvente e também a uma cultura e
a uma tradição que os textos poéticos revisitam e
recriam. (GOMES; RAMOS; SILVA, 2009, p. 132).

E nunca perdendo de vista as ideias de que, “Na


primeira infância, a poesia é nossa irmã e dá-nos as mãos,
naturalmente.” (MAGALHÃES, 1999, p. 10) ou, ainda, de
que a poesia é sinônimo de

VER CLARO7

Toda a poesia é luminosa, até


A mais obscura.

7
“Ver Claro”, belo poema com que Eugénio de Andrade (1923-2005) abre a
coletânea Os Sulcos da Sede (2001).
O leitor é que tem às vezes,
Em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
Outra vez e outra vez
E outra vez
A essas sílabas acesas
Ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.
(ANDRADE, 2007, p. 15).

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Literatura infantil e juvenil
84
O público jovem
e seus gêneros –
literários – prediletos

Regina Zilberman

O leitor jovem
Dados relativos ao público que compareceu à
Bienal do Livro do Rio de Janeiro, realizada entre 3 e 13
de setembro de 2015, indicam a maciça presença, naquele
evento, de jovens entre 14 e 24 anos. Essa informação
não surpreende, pois, em setembro de 2013, quando
se encerrou a Bienal daquele ano, a Folha de São Paulo
noticiou o êxito de vendas representado pelos livros
destinados ao público jovem:

“A literatura juvenil virou um nicho forte, basta


olhar as listas de mais vendidos”, disse Sônia Jardim,
presidente do Sindicato Nacional de Editores
de Livros, citando fenômenos nacionais como
Eduardo Spohr, Paula Pimenta e Carina Rissi, que
deram longas sessões de autógrafos. (FNDC, 2013).

Matéria da Revista Veja, também relativa à Bienal de


2013, no Rio de Janeiro, reitera a constatação, indicando os
títulos e autores que constituíram a preferência da moçada:

Se a Bienal do Livro de São Paulo de 2012 foi


praticamente dominada pelas capas pretas do
romance Cinquenta Tons de Cinza, [...] o perfil dos
campeões de venda da Bienal do Livro do Rio foi
bem diferente. A ficção erótica de E. L. James sequer
apareceu na lista dos cinco títulos mais procurados
da Intrínseca, preenchida por dois romances para
o público jovem de John Green, A Culpa É das
Estrelas e Cidades de Papel, além dos também juvenis
Literatura infantil e juvenil

Extraordinário, de R. J. Palacio, O Lado Bom da Vida,


de Matthew Quick, e O Ladrão de Raios, o primeiro
livro da saga de Percy Jackson, escrita por Rick
Riordan. (KUSOMOTO, 2013).
86

Em 2014, por ocasião da Bienal Internacional do


Livro em São Paulo, o resultado não parece ter sido
diferente, conforme observa notícia da Folha de São
Paulo:

Multidão, gritos, fãs ensandecidos, ídolos pop.


Parece a descrição de um festival de rock, mas esse
é o cardápio cada vez mais frequente da Bienal
Internacional do Livro de São Paulo, cuja 23a
edição começa nesta sexta-feira (22) e vai até 31 de
agosto [de 2014].
[...]
Mas, no meio de toda essa barafunda, dizem
editores e autores ouvidos pela Folha, uma marca se
destaca: a Bienal é cada vez mais uma festa para o
público jovem.
[...]
Na última Bienal, 65% dos livros vendidos pela
Record eram juvenis. Nesta edição, o catálogo do
selo jovem Galera Record vai ocupar a maior parte
do estande da editora. (ALMEIDA, 2014).

Na Bienal carioca, mais uma vez, os jovens foram os


campões do consumo. A Veja Rio registra que chegou a
44% o percentual de visitantes na faixa etária dos 14 aos
24 anos8. O site G1 (2015) informa números superiores:
“Segundo a organização, os adolescentes e jovens adultos,
com idades entre 15 e 29 anos, foram maioria na Bienal,
representando uma parcela de 56% do público, contra

O público jovem e seus gêneros – literários – prediletos


51% na edição de 2013.” Outro site endossa esses números:

De acordo com a organização, o público


predominante da Bienal do Livro do Rio de Janeiro
2015 foram os adolescentes e jovens adultos,
representando 56% do público total. Esse número
é surpreendente e mostra que a leitura também faz

87
parte do mundo dos jovens, o que cada vez mais
estão exigentes em relação aos conteúdos. Com essa
aproximação dos leitores e análise, muitas editoras
saem em vantagem, de acordo com essas pesquisas,
sabem o que realmente será sucesso entre os jovens
leitores. (MEU GURU, 2015).

Pode-se afirmar, pois, que o jovem forma o público


da vez, o que não admira também pelo ângulo demográfico.
Em 2010, conforme o censo realizado naquele ano, o Brasil
somava cerca de 29 milhões de crianças até nove anos
e aproximadamente 45 milhões de jovens entre 10 e 19
anos. Dessas quase 75 milhões de pessoas, frequentavam
a escola cerca de 97% das crianças e adolescentes entre
7 e 14 anos. Ainda que a taxa de escolarização tenha
diminuído entre os jovens de 15 e 17 anos, caindo de
85,2% para 83,7% no período, ela aumentou “[...] em

8
Disponível em: <http://www.bienaldolivro.com.br/noticias/197>.
0,6 ponto percentual, chegando a 98,2%” (CANÇÃO
NOVA, 2012) entre as crianças de 6 e 14 anos de idade.
Em termos gerais, tudo isso significa que o país dispõe
de um considerável número de indivíduos alfabetizados,
possíveis leitores, logo, de potenciais consumidores de
obras literárias.
Não é estranho, pois, que nas primeiras décadas do
novo milênio, tenha crescido e diversificado-se a produção
cultural para esse público, fortalecendo uma literatura
juvenil com identidade própria, resultante de seus sinais
particulares, ainda que não exclusivos dela. Caracteriza-a
também um elenco de autores, estrangeiros e nacionais,
que atraem o interesse da audiência jovem, o que confere
a eles, segundo a notícia da Folha de São Paulo, o status de
ídolos pop.
Literatura infantil e juvenil

Autores preferidos e gêneros literários


predominantes
88

Entre esses autores cujas obras foram muito


procuradas nas bienais realizadas em 2013, 2014 e 2015,
em São Paulo e no Rio de Janeiro, as matérias citadas
salientam, entre os nomes nacionais, os de Carina Rissi,
Eduardo Spohr, Paula Pimenta, Renata Ventura e Thalita
Rebouças, e, entre os estrangeiros, os de Cassandra Clare,
John Green, Kiera Kass, Rick Riordan, Suzanne Collins e
Veronica Roth.
A relação sugere quais gêneros são mais apreciados
por esse contingente jovem de leitores. Destacam-se,
primeiramente, os gêneros praticados pelos escritores
nacionais:
• a crônica, com tema adolescente ou jovem, como as
que escreve Thalita Rebouças;
• o romance, adolescente ou jovem, como produzem
Paula Pimenta, autora de Fazendo Meu Filme, e Carina
Rissi, autora da série de narrativas de fantasia iniciada
com Perdida cujo último volume intitula-se Destinado;
• a saga fantástica ou distópica, como se vê nos livros
de Eduardo Spohr, responsável pela trilogia Filhos do
Éden, e de Raphael Draccon.
Esses gêneros não são exclusivos de escritores
brasileiros (o que não os fazem menos nacionais), já que
suas matrizes encontram-se nos nomes internacionais já
citados:
• o romance adolescente tem em John Green talvez
o seu representante mais prestigiado, sendo A
culpa é das estrelas e Cidades de papel dois exemplos

O público jovem e seus gêneros – literários – prediletos


marcantes de seu sucesso entre o público juvenil;
Cassandra Clare, autora de Cidade dos ossos e de suas
continuações, também se dedica a esse nicho do
mercado jovem, ainda que flerte com o componente
fantástico, característico do grupo temático referido
a seguir;
• as sagas fantásticas – ou fantasy fiction – e distópicas

89
contam com grande número de cultores, já que vêm
interessando crianças e jovens desde os anos 1990,
quando Phillip Pullman, autor dos três volumes
de Fronteiras do universo (His dark materials, no
original), e J. K. Rowlings, criadora de Harry Potter,
protagonista de sete longas novelas, apareceram
no panorama editorial inglês e europeu. Hoje, seu
cultor mais popular é provavelmente Rick Riordan,
responsável pela série consagrada a Percy Jackson e
os olimpianos; mas cabe lembrar que a nova criação
de J. K. Rowlings, Harry Potter e a criança amaldiçoada,
primeiramente uma peça de teatro e, agora, um livro,
mostra que o garoto inglês permanece interessando
antigos e novos admiradores. A seu lado, podem ser
posicionados Suzanne Collins, de Jogos Vorazes, em
três volumes, Veronica Roth, de Divergente, também
em três volumes, James Dashner, de Maze Runner
(Correr ou morrer), que conta, atualmente, cinco
volumes, ou, ainda, Kiera Kass, de A Seleção, também
em série.
A reprodução dos autores e de seus títulos sugere
algumas características desse segmento do mercado
editorial:
a) a mais evidente diz respeito à produção em série:
não apenas os autores trabalham intensamente,
publicando quase a cada ano um livro novo, como
repetem as personagens das narrativas, que retornam
de uma obra a outra.
A estratégia mais frequente é a apresentação de
uma história que se conclui parcialmente. Assim, um ou
mais conflitos são resolvidos, mas não todos, protelando
o encerramento da trama. Poucos escritores evitam essa
Literatura infantil e juvenil

técnica, graças à qual não é necessário inventar novas


personagens, nem imaginar razões para outros entrechos
dramáticos, bastando tão somente prolongá-los até seu
90

esgotamento.
A produção em série tem, aqui, pois, duplo sentido:
• equivale, primeiramente, à própria natureza de um
livro impresso, que é editado em grande quantidade,
na condição de uma mercadoria que responde às
necessidades da demanda que ela mesmo fabrica;
• e, além disso, o autor explora o interesse de seus
leitores, oferecendo-lhes sucessivamente mais
material; mas, ciente de que o interesse pode
arrefecer, alimenta-os por meio das brechas não
inteiramente resolvidas do enredo ou da trajetória
da personagem. Esse procedimento – a serialização,
a oferta fatiada de um dado produto e o apelo ao
consumo continuado – é próprio à cultura de massa
e, em particular, do folhetim.
b) os autores podem ser bem-sucedidos e obter grande
efeito entre o público, mas estão permanentemente
sob a ameaça de serem esquecidos ou rejeitados, após
um curto ou largo período de êxito. A volatilidade do
mercado, que se nutre seguidamente de sucessos de
temporada, alcança igualmente a indústria editorial,
fazendo com que muitos nomes “estourem” em uma
estação ou pelo tempo de duração de uma trilogia
(talvez seja o caso de Stephanie Meyer, autora da
celebrada série Crepúsculo, de grande repercussão
entre 2005 e 2008) e, depois, desapareçam.
As causas desse processo são várias, mas uma delas
deve-se certamente às características do público ao qual
se dirigem as obras até aqui mencionadas: ele também

O público jovem e seus gêneros – literários – prediletos


se modifica, já que se torna adulto, profissionaliza-se e
entra no mercado de trabalho, alterando seus interesses
imediatos. É sucedido por outro grupo, que, se compartilha
a faixa etária jovem, pode apresentar perfil diferenciado e
ter gosto distinto.
c) entre os autores que lidam com a ficção fantástica
e as distopias, não há propriamente segmentação

91
de gênero: há, entre eles, escritores e escritoras, que
criam personagens pertencentes ao sexo masculino
e feminino.
A ascensão de personagens mulheres na condição
de protagonistas e heroínas, como em Jogos Vorazes ou
Divergente, mas que já se mostra em Fronteiras do universo,
de Philipp Pullman, é talvez o aspecto mais inovador
desse grupo de obras. Histórias fantásticas, que lidam
com universos paralelos, idas e vindas no tempo, magia,
trânsito entre a vida e a morte, contam com longa tradição.
Mesmo narrativas de vampiros, zumbis e mortos-vivos,
como as que popularizaram, há alguns anos, Stephanie
Meyer, remontam há, pelo menos, mais de duzentos anos.
Contudo, posicionar garotas no centro dos acontecimentos
ficcionais e torná-las a condição de sucesso no tratamento
do enredo e na recepção do público – eis um dado
relativamente inédito, que se relaciona, provavelmente, ao
lugar que, de uma parte, a mulher ocupa na sociedade, de
outro, à valorização do/da jovem na cultura contemporânea
ocidental.
Nos chamados romances adolescentes e sobretudo
na pejorativamente qualificada chicklit, a presença
de personagens femininas é ainda mais ostensiva.
Preponderam os dramas amorosos, as indecisões
existenciais, as alternativas profissionais, problemas
vividos especialmente por mocinhas pertencentes às
classes médias urbanas, a suscitar a identificação por parte
das leitoras jovens, elas mesmas experimentando situações
equivalentes. Em plano internacional, John Green parece
ser a grande exceção ao grupo, conforme um curioso
processo de recuperação de espaço – que originalmente
constituía território de autores homens, como o famoso M.
Literatura infantil e juvenil

Delly [pseudônimo dos irmãos Frédéric Henri Petitjean de


la Rosiére (1870-1949) e Jeanne Marie Henriette Petitjean
de la Rosiére (1875-1947)], mas que, com o passar do
92

tempo, veio a ser conquistado por escritoras, desde a


quase centenária Barbara Cartland (1901-2000), até, mais
recentemente, a açucarada Danielle Steel.
Ainda que nos romances adolescentes a taxa de
inovação seja menos evidente que nas sagas fantásticas ou
distópicas, e mesmo nas histórias sobrenaturais de zumbis,
vampiros ou mortos-vivos, há um componente que não
pode ser descartado: a representação de um universo
feminino que pode estar atravessado pelo sentimento e pela
emoção, mas não se dirige necessariamente ao casamento,
à vida doméstica, a educação dos filhos e à renúncia da
vida profissional.

Para além do mundo do livro


A lista dos livros mais vendidos nos meses finais de
2015, postada no site do Publish News (2015), informava
que ocupavam as duas primeiras posições as seguintes
obras9:
• Dois mundos, um herói – uma aventura não oficial de
Minecraft, de Rezendeevil, o nome artístico de Pedro
Afonso;
• Muito mais de 5inco minutos, de Kéfera Buchmann.
O primeiro dos dois livros pode ser associado à
vertente da literatura fantástica descrita antes, contendo
inclusive dívidas explícitas a histórias como a de O Senhor
dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Mas ele introduz, não apenas
na narrativa, como também em sua produção, o game, no
caso, o Minecraft (WIKIPEDIA, 2017), mesclando duas

O público jovem e seus gêneros – literários – prediletos


formas de expressão e performance do universo jovem.
Neste mês de setembro de 2016, esse lugar é ocupado
por outro livro – A batalha da torre, de Marco Túlio, mas o
tema e o modo de produção e de participação do leitor são
similares, sugerindo a estabilidade do gênero.
O segundo, Muito mais de 5inco minutos, enquadrar-
se-ia ao âmbito da crônica que relata o cotidiano juvenil,

93
dando conta de problemas de relacionamento, casos
divertidos, comentários da autora sobre si mesma. Tal
como a obra de Rezendeevil, tem uma peculiaridade: Kéfera
Buchmann tornou-se primeiramente conhecida por meio
das redes sociais, dispõe de um canal no YouTube com
mais de dez milhões de assinantes, além de uma página no
Facebook e seguidores no Instagram.
Os casos citados, de Rezendeevil, Marco Túlio e
Kéfera Buchmann, tratam-se da literatura dos youtubers,
como os designa Meireles (2016), em matéria publicada na
Folha de São Paulo. Condição semelhante é compartilhada
por outro sucesso recente, O diário de Larissa Manoela,
conforme apontam os dados de Publish News (2016),
relativos à semana entre 16 e 23 de setembro de 2016.
Esses livros parecem não representar um novo
segmento temático ou de gênero, pois não contradizem o

9
Disponível em: <http://www.publishnews.com.br/ranking>.
que se têm produzido há alguns anos. Mas eles apropriam-
se, com bastante familiaridade, de mecanismos que
também pertencem ao mundo da linguagem e da escrita,
não, porém, do impresso, vinculados à internet, como
Kéfera Buchmann, ou aos multimídias, como os games.
Kéfera Buchmann não inaugura o processo, pois,
antes dela, Paula Pimenta e Bruna Vieira disseminaram
seus respectivos nomes e produtos literários – crônicas,
também – por meio de blogues, acessados por inúmeros
interlocutores. As redes sociais – Facebook, Twitter,
Instagram, Tumblr – representam um passo adiante
desse percurso, já que supõem um compartilhamento
coletivo que multiplica seus usuários. Para os escritores
que iniciam suas carreiras literárias por intermédio dessas
mídias, as redes convertem-se em uma primeira etapa de
Literatura infantil e juvenil

sua produção, com algumas peculiaridades: a aceitação


ou não de um texto pode ser medida imediatamente, as
preferências por temas ou estilos podem ser estimuladas,
94

o retorno do público manifesta-se a todo momento.


E tudo isso pode ocorrer simultaneamente, a um custo
muito pequeno, pois não há necessidade de significativo
investimento financeiro por parte daqueles que assumem
essa tarefa.
Da sua parte, o livro que associa leitura e prática
do game lida com outra peculiaridade do mundo juvenil,
a de que a obra impressa, sozinha, não consegue
responder. Desprovido da possibilidade de oferecer,
ao leitor, alternativas de desenvolvimento da trama, de
lidar com a terceira dimensão ou de incorporar recursos
multimidiáticos, o livro parece um ser inerte, se comparado
a um jogo oferecido por uma tela, teclado e mouse. Também a
experiência de Rezendeevil não é inaugural, mesmo porque
o ponto de partida da trama – em que o protagonista e
narrador, Pedro, introduz-se no mundo virtual e descobre
a si mesmo na forma do herói Rezendeevil, já havia sido
utilizado em filmes como Tron, uma odisseia eletrônica, de
1982. Mas ela aponta para a tendência de vincular a criação
literária a outros campos da manifestação criativa, a fim de
alcançar o interesse de seus usuários.

E o professor?
Os jovens consumidores das obras e autores aqui
relacionados – autores e obras que movimentam o
mercado editorial brasileiro e que garantem o público das
maiores bienais realizadas no país – ocupam a faixa etária

O público jovem e seus gêneros – literários – prediletos


entre 14 e 24 anos. Constituem, pois, população escolar,
frequentando os últimos anos do ensino fundamental, o
ensino médio ou já o ensino superior. Este último tem
natureza profissional e pode, mas não necessariamente,
incorporar, na formação do estudante, Língua Portuguesa
e Literatura. Essas disciplinas, por sua vez, pertencem
necessariamente ao currículo do ensino básico.

95
A literatura que comparece no ensino básico,
especialmente no nível médio, é, via de regra, representada
por obras pertencentes ao cânone brasileiro. O ensino
fundamental aceita, desde alguns anos, a presença de
expressões literárias vinculadas à oralidade ou à literatura
infantil, por exemplo, expressões que, a acompanharem-
se as sugestões contidas na documentação brasileira
emanada do Ministério da Educação, como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) ou a em processo de
implantação – Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
–, estão sendo paulatinamente excluídas do ensino médio.
É no ensino médio que os estudantes preparam-se
para dois exames de final de curso, um deles obrigatório,
de cujo sucesso dependerá provavelmente seu futuro
profissional: o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o
vestibular, sendo que o primeiro pode substituir o segundo.
O Enem é pautado pelos PCNs, que se caracterizam por
privilegiar distintas modalidades de expressão verbal e
imagética, como, por exemplo, obras literárias, novelas
gráficas, tiras e cartuns. Para os PCNs, a literatura constitui
tão somente uma dentre as possibilidades de texto verbal,
mas, quando essa possibilidade traduz-se em questões das
provas do Enem, o que predomina são perguntas sobre
os escritores considerados mais relevantes da tradição
nacional. Mesmo quando os enunciados das questões
dizem respeito a gêneros não literários, os exemplos mais
proeminentes provêm dos vultos e textos já consagrados.
Compete ao professor, pois, transmitir a tradição
literária nacional, mesmo porque as universidades que
utilizam os vestibulares como prova de ingresso valorizam
a história da literatura brasileira. Cabe também ao
professor propor alternativas de interpretação de texto a
Literatura infantil e juvenil

partir de exemplos extraídos de matérias jornalísticas, tiras,


histórias em quadrinhos, charges – enfim, de um acervo
em que a palavra vem ou não acompanhada de ilustração.
96

Ainda assim, parece fora de questão a incorporação à


sala de aula do contingente de obras e autores relacionados
na qualidade de gêneros e leituras preferidas do público
adolescente, aquele com o qual lida o professor ao prepará-
lo para provas como Enem ou vestibular. Uma das razões
pode decorrer da circunstância de que se trata de best seller,
livros de consumo fácil e ligeiro, a serem substituídos
rapidamente por outros. A pouca perenidade dessas obras
e de muitos de seus autores, somada ao fato de que vários
deles são sucessos de apenas uma temporada, pode induzir
à sua exclusão da escola. Também justificaria a ausência
deles a situação do professor, que não teria tempo para
atualizar suas leituras jovens, dada a alta rotatividade
dos sucessos literários. Uma última razão poderia ser a
constatação de que, se os jovens estudantes já consomem
aqueles livros fora da escola, não há necessidade de duplicar
sua leitura, trazendo-os para o âmbito da educação.
Legítimas ou não, as explicações oferecidas sugerem
que os leitores jovens caminham em uma direção e os
professores, acompanhando o sistema educacional, seguem
em outra. A não ser que se perfilem ao lado de seus alunos,
contrariando, nesse caso, as normas e determinações que
pautam a escola brasileira e os exames nacionais.
Sob esse aspecto, cada professor coloca-se perante
uma encruzilhada que traduz as contradições culturais da
sociedade brasileira e contemporânea.
De uma parte, ele testemunha um conflito entre dois
tipos de formação que se oferece ao jovem: a que provém
da escola, focada na norma e na tradição, e a que provém

O público jovem e seus gêneros – literários – prediletos


da sociedade de consumo, que lhe oferece produtos que
falam dele na linguagem que ele conhece e aprecia. Esse
é quase um procedimento autista, mas não menos eficaz.
Além disso, não se trata de condenar uma pessoa por ela
buscar na cultura – e na literatura, em particular – o que
fortalece sua identidade e modo de agir.
De outra parte, o professor presencia a incompetência

97
da formação escolar, quando se trata de propor ao jovem
algo que lhe diga respeito e com o qual possa dialogar.
Diante desses conflitos, cada professor pode
posicionar-se e tomar uma decisão, afetando suas relações
com os paradigmas didáticos previstos ou com pessoas
que constituem sua classe de aula. Mas essa opção, tal
como se mostra contemporaneamente, apresenta-se aos
indivíduos, no máximo, aos grupos, não às instituições ou
aos programas que determinam conteúdos e as práticas
pedagógicas.
A um projeto de ensino da literatura, que valorize
o gosto já constituído dos jovens, não cabe ignorar as
preferências dos alunos. Mas aos professores não se
oferece a alternativa de contar com esse gosto e, a partir
desse ponto, propor um patamar de saber a ser alcançado.
Resta um espaço vazio entre esses dois lugares, que a
indústria cultural e a sociedade de consumo preenchem
com muita competência. Para o bem e para o mal, muitas
vezes para o bem da literatura e para o mal da educação.

Referências
ALMEIDA, Marco Rodrigo. Bienal do Livro começa hoje com
forte público jovem e adoração a ídolos pop. In: Folha de São
Paulo, 22 ago. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.
com.br/ilustrada/2014/08/1503848-bienal-do-livro-comeca-
hoje-com-forte-publico-jovem-e-adoracao-a-idolos-pop.
shtml>. Acesso em: 28 nov. 2015.
CANÇÃO NOVA. Notícias. IBGE divulga novos dados sobre
a população brasileira. 12 set. 2012. Disponível em: <https://
noticias.cancaonova.com/brasil/ibge-divulga-novos-dados-
sobre-a-populacao-brasileira/>. Acesso em: 1 nov. 2015.
Literatura infantil e juvenil

FNDC. Jovens puxam vendas e Bienal do Livro Rio faz


seu melhor resultado. In: Folha de São Paulo, 9 set. 2013.
Disponível em: <http://www.fndc.org.br/clipping/jovens-
98

puxam-vendas-e-bienal-do-livro-rio-faz-seu-melhor-
resultado-928185/>. Acesso em: 26 dez. 2013.
G1. Bienal do Livro no Rio bate recorde de público e
vendas. 13 set. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-
de-janeiro/noticia/2015/09/bienal-do-livro-no-rio-bate-recorde-
de-publico-e-vendas.html>. Acesso em: 31 out. 2015.
KUSOMOTO, Meire. Balanço da Bienal do Livro 2013: a
vez dos infanto-juvenis. In: Revista Veja.com, 12 set. 2013.
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/meus-livros/
eventos/balanco-da-bienal-do-livro-2013-a-vez-dos-
infantojuvenis/>. Acesso em: 26 dez. 2013.
MEIRELES, Maurício. Destaque da Bienal do Livro, sucesso
de youtubers é maior que vendas. In: Folha de São Paulo,
26 ago. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.
br/ilustrada/2016/08/1806878-destaque-da-bienal-do-livro-
sucesso-dos-youtubers-e-menor-que-vendas.shtml>. Acesso
em: 11 ou. 2017.
MEU GURU. Bienal do livro do Rio de Janeiro 2015 bate
recorde de público. 20 set. 2015. Disponível em: <http://
meuguru.com.br/noticia/bienal-do-livro-do-rio-de-janeiro-
2015-bate-recorde-de-publico/>. Acesso em 31 de outubro de
2015.
______. Lista de mais vendidos de infantojuvenil de
12/09/2016 a 18/09/2016. 23 set. 2016. Disponível em: <http://
www.publishnews.com.br/ranking/semanal/11/2016/9/23/0/0>.
Acesso em: 11 out. 2017.
WIKIPEDIA. Minecraft. Atualização em 28 set. 2017.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Minecraft>.

O público jovem e seus gêneros – literários – prediletos


Acesso em: 11 out. 2017.

99
Literatura infantil e
pedagogia: tendências
e enfoques na
produção acadêmica
contemporânea10

Edgar Roberto Kirchof


Iara Tatiana Bonin

Introdução
O presente artigo tem como objetivo realizar uma
breve revisão sobre o campo de estudos que articula
a literatura infantil e a pedagogia no meio acadêmico
brasileiro, com base na análise de artigos publicados em
três revistas brasileiras que focalizam a literatura infantil,
as quais possuem perfis e objetivos diferentes: a revista
Leitura: Teoria & Prática tem um perfil acadêmico, dedica-se

10
Este artigo foi publicado originalmente no vol. 27, n. 2, da Revista Pro-
Posições, em 2016.
a questões de leitura em sentido amplo e continua ativa;
a revista Tigre Albino é dedicada especificamente à poesia
infantil e esteve ativa entre 2007 e 2010; por fim, a Revista
Emília dedica-se à literatura infanto-juvenil, de forma
geral, e não se caracteriza como um periódico acadêmico
em sentido restrito, mas como uma revista digital
independente cuja intenção é contribuir com profissionais
que trabalham com leitura e livros para crianças e jovens,
segundo descrição no próprio site.
Ao todo, apresentamos, neste ensaio, o resultado da
análise de 69 artigos: 9 da revista Leitura: Teoria & Prática; 14
da Tigre Albino; 25 da Revista Emília, os quais foram escritos
por 51 autores, pois há mais de um texto escrito pelo mesmo
autor e outros com dupla ou tripla autoria. No conjunto
dos autores, 18 são pesquisadores vinculados a programas
Literatura infantil e juvenil

de pós-graduação, professores universitários das seguintes


instituições: UFRGS, Ulbra, Ufpel, Unesp, UFGO, Unisul,
Unicamp, USP, Univile, PUC-MG, UFVSF, UPF, UFMG,
102

Feevale, PUC-SP. Desses, 13 são autores ou ilustradores de


obras de literatura infantil; e 8 são editores de periódicos.
Há também um número significativo de professores da
educação básica, com formações acadêmicas variadas,
destacando-se a formação em Letras.
Os critérios utilizados para a seleção dos periódicos
foram sua relevância para os campos da educação e dos
estudos sobre literatura infantil, de um lado, e o fato de
disponibilizarem artigos completos na rede mundial
de computadores, de outro. Para definir os artigos que
integrariam a presente análise, foi realizada, inicialmente,
uma leitura prévia dos resumos publicados em todas as
edições dos periódicos referidos e, em seguida, foram
selecionados aqueles que apresentavam, de forma explícita,
objetivos relacionados com literatura infantil (ou infanto-
juvenil) e questões pedagógicas. De um lado, as análises
procuram identificar as principais questões envolvendo
literatura infantil e pedagogia e verificar a recorrência
dessas questões no conjunto geral dos artigos; de outro,
também procuram reconhecer questões e preocupações
específicas de cada revista.
Antes de expor os resultados das análises,
apresentamos, na próxima seção, uma breve
contextualização histórica das relações entre a literatura
infantil e sua dimensão pedagógica, a qual servirá como
base para fundamentar nossas reflexões ao longo do artigo.
É importante ressaltar que este artigo não tem
a intenção de fornecer um estado da arte definitivo e
categórico sobre o assunto, pois tal tarefa demandaria a
ampliação não apenas do número de periódicos a serem
mapeados e analisados, como também a inclusão de
livros, compêndios e comunicações apresentadas em

Literatura infantil e pedagogia


eventos como objetos de análise. Contudo, não obstante
o escopo reduzido do estudo aqui proposto, acreditamos
que seus resultados são capazes de apontar para algumas

103
importantes direções no que tange os estudos sobre as
dimensões pedagógicas da literatura infantil e infanto-
juvenil na atualidade.

Literatura infantil e pedagogia: um breve


excurso
Historicamente, embora seja possível encontrar
livros escritos para crianças anteriormente ao século XVIII,
a emergência da literatura infantil, enquanto um campo
literário, está estreitamente relacionada com a emergência
da sociedade burguesa, quando a prática da leitura literária
tornou-se central não apenas para crianças, mas para toda a
sociedade. Conforme as pesquisadoras Lajolo e Zilberman
(1998, p. 16, grifo do autor),

[...] se é certo que leitores sempre existiram


em todas as sociedades nas quais a escrita se
consolidou enquanto código, como se sabe a
propósito dos gregos, só existem o leitor, enquanto
papel de materialidade histórica, e a leitura,
enquanto prática coletiva, em sociedades de recorte
burguês, onde se verifica no todo ou em parte
uma economia capitalista. Esta se concretiza em
empresas industriais, comerciais e financeiras, na
vitalidade do mercado consumidor e na valorização
da família, do trabalho e da educação.

Os primeiros livros endereçados para crianças


surgiram, portanto, no contexto da ascensão da burguesia,
na Europa, e estavam repletos de intenções morais e
pedagógicas explícitas, pois eram produzidos com o
intuito de constituir cidadãos devidamente alfabetizados e
alinhados com as necessidades e visões de mundo daquela
Literatura infantil e juvenil

sociedade. Para atingir tais objetivos, alguns autores da época


mesclavam histórias e poemas a lições destinadas a ensinar
leitura e escrita, incluindo abecedários, além de regras de
104

comportamento e moral. Essa tendência pode ser observada,


entre outros, já nos livros da britânica Mary Cooper, The
Child’s New Play-thing, publicado em 1742, e de John
Newbery, A Little Pretty Pocket-Book, publicado originalmente
em 1744. Vários autores daquele período ficaram conhecidos
pela ênfase acentuada em ensinamentos morais e religiosos,
podendo-se destacar, nesse sentido, os livros Simple Susan,
publicado em 1798 por Maria Edgeworth, The Story of the
Robins, publicado por Sarah Trimmer em 1786, The History
of the Fairchild Family, publicado em 1818 por Mary Martha
Sherwood, entre muitos outros (RUSSELL, 2015, p. 7).
No Brasil, foi somente a partir do século XIX que
surgiram livros nacionais de literatura endereçados a
crianças, embora a maior parte fosse constituída por
traduções e adaptações de obras europeias, principalmente
portuguesas. Conforme advertem Zilberman e Lajolo
(1993, p. 19), já naquela época, a escola era “[...] a
destinatária prevista para estes livros, que nela circulam
como leitura subsidiária ou como prêmio para os melhores
alunos”.
Mais tarde, no início do século XX, autores
brasileiros, como Olavo Bilac, Viriato Correa, Manuel
Bonfim, Júlia Lopes de Almeida, Adelina Lopes Vieira,
entre outros, passaram a escrever obras para crianças com
base na crença burguesa segundo a qual a literatura, e
especialmente a poesia, seria um instrumento pedagógico
eficiente para ensinar, na escola e fora dela, os valores
morais, cívicos e religiosos que a sociedade de então
considerava apropriados e necessários para uma boa
formação. Nas palavras de Gregorin Filho (2011, p. 16),

[...] educação e leitura no Brasil, do final do século

Literatura infantil e pedagogia


XIX até o surgimento de Monteiro Lobato, viviam
alicerçadas nos paradigmas vigentes, ou seja: o
nacionalismo, o intelectualismo, o tradicionalismo
cultural com seus modelos de cultura a serem

105
imitados e o moralismo religioso, com as
exigências de retidão de caráter, de honestidade,
de solidariedade e de pureza de corpo de alma em
conformidade com os preceitos cristãos.

Assim como na Europa, também no Brasil, portanto,


a produção de livros para crianças esteve marcada, desde
seu início, por intenções morais e pedagógicas vinculadas
ao universo cultural de uma burguesia emergente, sendo o
espaço escolar o locus de consumo prioritário dessas obras.
Na Europa, é possível dizer que o rompimento
com o pedagogismo da literatura infantil teve seu início
já na era vitoriana, com a publicação de Alice no país das
maravilhas, por Lewis Carroll, em 1865. No Brasil, Monteiro
Lobato foi pioneiro na escrita de uma obra literária
que explorava prioritariamente o lúdico e a imaginação
infantil em detrimento de ensinamentos explícitos.
Contudo, somente a partir da década de 1960, houve um
crescimento realmente expressivo de obras infantis no
contexto brasileiro, especialmente de narrativas, o qual foi
acompanhado pelo crescimento também da sua qualidade
artístico-literária.
Já a poesia, segundo Zilberman (2005), passou por
uma revitalização, em termos de quantidade e qualidade,
principalmente a partir da década de 1980, quando houve
uma valorização do gênero no Brasil, o que levou um
número cada vez maior de poetas a se dedicarem a esse
tipo de produção.
Desde então, ao invés da perspectiva do adulto que
pretende ensinar algo, é possível encontrar um número
muito significativo de livros que priorizam o universo e
a perspectiva infantis. No lugar de informações utilitárias,
conhecimentos escolares e valores morais explícitos,
Literatura infantil e juvenil

autores contemporâneos têm valorizado a qualidade


literária e o lúdico, que podem manifestar-se tanto através
das temáticas abordadas, quanto por meio da liberdade
106

para experimentações com o significante linguístico. Têm-


se tornado cada vez mais comuns projetos inter-semióticos
ousados, ligando ilustração/imagens e texto linguístico
de modo tão integrado que se chega frequentemente a
uma linguagem híbrida. Além disso, questões densas e
existenciais, como a morte e a velhice, entre outras, também
são apresentadas sob a perspectiva infantil, evitando-se
respostas fáceis e enredos óbvios.
A crítica literária não permaneceu isenta diante
desse novo contexto. Bordini (1986), em um estudo
sobre a crítica voltada para a produção infantil nas
décadas de 1970 e 1980, vislumbrou uma mudança de
perspectiva introduzida pelo trabalho de acadêmicos
nas universidades, nas quais foram sendo instituídas
disciplinas específicas de literatura infantil desde então, o
que, segundo a pesquisadora, levou a “[...] uma reviravolta
do foco sobre o elemento humanístico-formativo para o
estético-ideológico” (BORDINI, 1986, p. 97).
A partir dessas iniciativas, as análises acadêmicas
passaram a privilegiar aspectos propriamente literários
em detrimento de aspectos pedagógicos, valorizando a
autonomia artística das obras infantis e tornando ainda
mais refinado o olhar do leitor universitário para diferenciar
obras cujo fim é proporcionar uma experiência de fruição
literária de obras produzidas como mero pretexto para o
ensino de gramática, números, informações sobre história
e geografia, valores morais etc.
Por outro lado, a escola continuou sendo o lugar
privilegiado para o consumo das obras literárias infantis
e infanto-juvenis. O mercado desses livros expandiu-se
devido aos programas de incentivo do Governo, existentes
desde a década de 1960, como a Fundação do Livro
Escolar, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil,

Literatura infantil e pedagogia


a Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil,
entre outros (LAJOLO, 1986). Atualmente, destaca-
se o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE),

107
instituído em 1997 e executado pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento e Educação (FNDE), em parceria com a
Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação
(SEB/MEC). O principal leitor da literatura infantil
contemporânea, portanto, não é apenas a criança, mas a
criança escolarizada.
Se a escolarização da literatura infanto-juvenil,
de um lado, tem sido a responsável por sua vitalidade
no Brasil, na medida em que garante grandes públicos
consumidores, de outro lado, também tem gerado práticas
que obliteram sua dimensão artística e literária. Para Graça
Paulino (2010, p. 159),

[...] o problema está na constituição anti-estética


ou a-estética dos cânones escolares de leitura. Os
modos escolares de ler literatura nada têm a ver
com a experiência artística, mas com objetivos
práticos, que passam da morfologia à ortografia
sem qualquer mal-estar. Se for perguntado a um
incauto mestre que tipo de leitor quer formar,
possivelmente a resposta passará por idealizações
distantes das práticas culturais concretas.

A dificuldade de muitos educadores para realizarem


atividades significativas de leitura literária na escola, aliada
ao discurso segundo o qual seria mais apropriado abordar
textos imagéticos e outros gêneros textuais supostamente
mais alinhados com a cultura contemporânea, tem levado
alguns educadores a defender, inclusive, o fim do ensino da
literatura. Segundo Cosson (2014, p. 20), “[...] para muitos
professores e estudiosos da área das Letras, a literatura só
se mantém na escola por força da tradição e da inércia
curricular, uma vez que a educação literária é um produto
do século XIX que já não tem razão de ser no século XX.”
Por outro lado, é preciso ressaltar que o universo
Literatura infantil e juvenil

acadêmico brasileiro não tem permanecido indiferente a


essa problemática, o que se comprova pela existência de
uma produção consistente de livros e artigos recentes
108

que procuram articular o campo pedagógico a questões


de leitura literária. Nesse contexto, muitos pesquisadores
têm enfrentado o seguinte dilema: se hoje não faz mais
sentido utilizar obras literárias como meros pretextos para
atividades didáticas e pedagógicas em sentido restrito, o
que deve ser ensinado quando se trabalha com a literatura
no espaço escolar ou em outros espaços de formação?
Essa pergunta vem sendo respondida a partir de diferentes
perspectivas teóricas e discursos que enfatizam o caráter
formativo da literatura infantil e sua importância no
contexto escolar. Muitas dessas discussões têm sido
divulgadas em livros que, entrementes, são referência no
campo e bibliografia obrigatória em cursos de Letras e
Pedagogia.
Tais discussões também se fazem presentes em
eventos como as reuniões nacionais da Associação
Nacional de Pós-Graduação em Educação e em Letras
(Anped e Anpoll), bem como em diferentes revistas e
periódicos vinculados às áreas da Educação e das Letras.
Nesse sentido, pode ser citado um trabalho de mapeamento
do campo realizado por Silveira e Bonin (2013), que
analisaram os artigos apresentados nas reuniões anuais da
Anped – da 23ª a 32ª (2000 a 2012) –, os quais focalizavam a
literatura infantil e infanto-juvenil. O objetivo das autoras
era examinar como apresentava-se (e tensionava-se) a
dimensão pedagógica da literatura em textos acadêmicos
apresentados no evento. Foram selecionados 28 trabalhos,
sendo que

[...] o critério utilizado para a escolha de trabalhos


foi, a partir da leitura dos resumos e – após uma
prévia seleção desses – da leitura dos trabalhos
completos, a presença da literatura infantil-

Literatura infantil e pedagogia


juvenil ora como foco central do trabalho, às vezes
denotada por expressões no título” (SILVEIRA;
BONIN, 2013, p. 2).

109
Um número significativo de artigos examinados
pelas autoras caracterizou-se como relatos analíticos
de pesquisas empíricas (desenvolvidas com alunos de
educação infantil e ensino fundamental) sobre preferências
de leitura, escolhas concretas observadas, práticas
cotidianas de leitura (dentro e fora da sala de aula). No que
tange aos caminhos metodológicos, as autoras perceberam
o predomínio de procedimentos etnográficos e de imersão
em sala de aula, mas também o uso de questionários e
entrevistas. Em termos conceituais, nesse conjunto de
artigos, chamou atenção a importância conferida ao
conceito de mediação na leitura literária proposta no
espaço escolar.
Em um segundo eixo, foram agrupados seis ensaios,
caracterizados como textos que “[...] não repousam sobre
dados empíricos, mas pretendem discutir temáticas caras à
leitura de literatura no plano pedagógico ou presentificar,
através de bibliografia especializada e atual, temáticas
emergentes pouco abordadas no campo pedagógico.”
(SILVEIRA; BONIN, 2013, p. 7). Tais ensaios abordam,
por exemplo, a entrada da literatura na escola, as
especificidades da leitura literária, o lugar do cânone no
letramento literário, o livro de imagens, as identidades de
leitor na era digital, entre outros.
Em um terceiro eixo, foram reunidos quatro
trabalhos dedicados à discussão das formas como se
constituem os acervos literários que chegam às escolas.
Entre os temas abordados nesses artigos, destacam-se,
por exemplo, os acervos do Programa Nacional Biblioteca
da Escola, destinados ao público infantil, e os critérios de
especialistas para a avaliação de obras literárias a serem
lidas na escola. Por fim, as autoras elencaram algumas
temáticas específicas e de relevância no campo educacional
Literatura infantil e juvenil

atual, conforme abordadas em obras recentes de literatura


infantil – a temática das diferenças, das questões étnico-
raciais e das relações de gênero e sexualidade. Silveira e
110

Bonin (2013) também chamaram atenção para a ausência


(ou presença restrita), no conjunto dos textos apresentados
nas reuniões da Anped, de certas temáticas abordadas
por pesquisadores de conhecidos centros de estudo de
literatura infantil no Brasil. Conforme as autoras, tal fato
poderia ser explicado

[...] pela falta de interesse neste espaço de divulgação


e troca, dada a existência de outros e talvez mais
prestigiosos canais de publicização, como a
publicação em periódicos e em livros, a participação
em outras instâncias de maior visibilidade e, talvez,
de maior repercussão em termos de ação efetiva no
relacionamento entre literatura e escola (SILVEIRA;
BONIN, 2013, p. 11).

A fim de não apenas dar continuidade, mas também


ampliar esses achados, nas próximas seções do presente
artigo, apresentamos os resultados das análises de artigos
publicados nas revistas Leitura: Teoria & Prática, Tigre Albino
e Revista Emília.

Leitura: Teoria & Prática


A revista Leitura: Teoria & Prática é editada e impressa
pela Associação de Leitura do Brasil (ALB). No site,
afirma-se ser esta a única publicação brasileira específica
da área da leitura. A maior parte dos artigos são escritos
por pesquisadores de diferentes universidades brasileiras e
estrangeiras, e, ainda, por profissionais da educação básica.
Considerando-se que este periódico tem mais de 30 anos
de existência, foi necessário restringir a busca. Assim, foram
consideradas apenas as edições compreendidas entre 2009
e 2014, das quais foram selecionados nove artigos.

Literatura infantil e pedagogia


Desse conjunto, dois artigos relatam experiências de
leitura com crianças. O primeiro (texto 4)11 aborda a leitura
endereçada a crianças da educação infantil, com ênfase em

111
uma experiência desenvolvida com crianças de cinco e seis
anos e cujo objetivo era promover o reconhecimento de
gêneros discursivos que circulam na escola e em ambientes
familiares às crianças. A autora fundamenta-se em escritos
de Bakhtin e Marcuschi para definir gêneros discursivos
e conclui que as crianças são capazes de reconhecer
vários gêneros a partir de suas próprias experiências
cotidianas. O segundo artigo (texto 7) também focaliza
uma experiência de leitura, interpretação e discussão de
narrativas literárias, realizada com crianças de cinco anos,
ainda não alfabetizadas.
Práticas de leitura no ensino fundamental e o
letramento literário são o foco de discussão em um dos
artigos (texto 2). Após defenderem a posição de que é
possível despertar, nas crianças, a necessidade de ler e o
gosto pela literatura infantil, as autoras discorrem sobre

11
A lista dos artigos citados com a sua respectiva numeração encontra-se na
sequência da seção Referências deste artigo.
algumas estratégias de leitura e sobre situações propícias
para o desenvolvimento e a formação da competência
leitora. Uma pesquisa etnográfica desenvolvida no Brasil
e em Portugal constitui a base epistemológica da pesquisa,
mas, no artigo em pauta, as autoras restringiram suas
análises aos dados obtidos junto a professores da rede
pública de um estado brasileiro. Entre as conclusões do
estudo, destacam a necessidade de implementação de uma
leitura contextualizada na realidade dos alunos.
Com foco nas escolhas realizadas por professores
para a leitura de obras literárias por crianças, o texto
8 discute instâncias de mediação e questões como a
autoridade para definir o que deve chegar aos pequenos
leitores. A autora problematiza a tendência predominante,
entre críticos literários e escritores, de considerar os
Literatura infantil e juvenil

professores pouco qualificados para realizar a apreciação


literária e para avaliar obras de literatura infantil.
Por fim, um conjunto formado por cinco artigos traz
112

discussões sobre temas específicos abordados em obras


de literatura infantil: diferenças (textos 3 e 9), questões
de gênero (texto 1), novas configurações familiares (texto
5), o enlace entre texto verbal e imagético na produção
do texto literário destinado a crianças (texto 6). O texto
3 analisa ilustrações de livros infantis que compõem a
coleção denominada Ciranda das diferenças e conclui que
muitos livros brasileiros contemporâneos que se destinam
a grandes públicos infantis utilizam estratégias estéticas
semelhantes às de outros artefatos culturais voltados
para o consumo em larga escala. O texto 9 discorre sobre
a temática da diferença na obra Felpo Filva, de autoria
de Eva Furnari. No texto 1, as autoras analisam três
livros de literatura infantil com potencial de subversão
das representações estereotipadas de gênero, nas quais
protagonistas meninas lutam para conquistar espaços em
esportes tidos como exclusivos do gênero masculino. Por
fim, o texto 5 apresenta resultados de uma pesquisa sobre
livros literários para crianças produzidos no Canadá e no
Brasil e selecionados por editais (em cada país). O foco de
atenção recai sobre os modos como estariam representadas
mudanças na estrutura familiar, identificando possíveis
semelhanças e diferenças entre livros infantis canadenses
e brasileiros.

Tigre Albino
A revista Tigre Albino é voltada especificamente para a
poesia infantil, tendo como editores o escritor de literatura
infanto-junvenil Sergio Capparelli e as pesquisadoras
Maria da Glória Bordini e Regina Zilberman. Conta com
dez volumes, os quais foram publicados entre os anos
2007 e 2010. Segundo informações no link Quem somos

Literatura infantil e pedagogia


da revista,

[..] esse periódico eletrônico não considera poesia

113
infantil apenas versos que os adultos escrevem
em rimas para um público infantil ou juvenil, de
diferentes faixas etárias. Dando pouca importância
a essas classificações, Tigre Albino considera, por
exemplo, que alguns textos de Clarice Lispector,
Colette ou Guimarães Rosa podem também ser
considerados poéticos, integrando o leque de suas
reflexões, bem como poesia editada originalmente
em livros para adultos. (TIGRE ALBINO, 2010).

Para a presente análise, foram identificados, dentre


os 115 artigos disponíveis na revista, apenas 26 textos
dedicados prioritariamente à abordagem de questões
declaradamente pedagógicas. Destes, sobressaem dois
principais grupos: 12 artigos caracterizam-se como
relatos de experiências e expõem diferentes vivências,
projetos e atividades de leitura e/ou produção de textos
(por vezes também de livros) literários realizadas com
alunos em diferentes níveis de ensino; 8 artigos, por sua
vez, caracterizam-se como ensaios sobre mediação para
formação do leitor, abordando a importância de modos
de tratamento e mediação que considerem a especificidade
da linguagem poética, além de estratégias destinadas a
auxiliar o professor mediador a trabalhar com a leitura da
poesia, geralmente no espaço escolar. Dentre os demais
artigos, 2 caracterizam-se como textos considerados
clássicos nos estudos sobre poesia infantil e já publicados
em livros com edições esgotadas; 1 discute a relação entre
o didático e o literário na poesia infantil; e 1 discute a
poesia nas escolas da China; 1 aborda a literatura infantil
como recurso para promover a inclusão social de crianças
com necessidades especiais.
Os relatos de experiências têm um caráter didático-
pedagógico, manifesto através da exemplaridade. Todos
Literatura infantil e juvenil

apresentam atividades bem-sucedidas de motivação para a


leitura de poesia infantil realizadas em escolas (com poucas
exceções, também em outros espaços) e pressupõem,
114

dessa forma, que tais experiências possam inspirar


educadores a realizar atividades semelhantes ou idênticas.
A maioria dos relatos pressupõe o prazer da leitura e a
paixão pela literatura, por parte do próprio professor,
como fundamental para a realização das atividades, o que
pode ser exemplificado, entre vários outras, pela seguinte
afirmação de uma das autoras: “Leio muitos poemas para
meus alunos (que é o que mais gosto de fazer) e com
isso tento passar para eles a minha paixão pela literatura
e o prazer que a leitura me proporciona.” (texto 65). As
atividades descritas variam desde a simples leitura de
textos poéticos (texto 58), atividades lúdicas envolvendo
leitura (texto 65), recriações de obras clássicas pelos alunos
(texto 44), oficinas de produção poética (textos 63 e 66),
concurso de poesia (texto 61), entre outros.
Alguns dos principais argumentos destacados e
defendidos nesses relatos de experiência recaem sobre a
necessidade de o próprio professor estar capacitado para
a tarefa de motivar os alunos para a leitura. Basicamente,
enfatiza-se que o professor precisa, ele mesmo, ser leitor e
conhecedor de um bom repertório de obras se quiser cativar
seus alunos, o que pode ser exemplificado, entre outros,
pela seguinte afirmação: “[...] a formação competente do
professor é o caminho para despertar nos alunos o interesse
pela leitura e pela escrita” (texto 57). Em alguns textos, esse
argumento é ainda mais específico, sugerindo que, mais
do que apenas ler, o professor deve saber apreciar o prazer
proporcionado pela leitura: “[...] o professor precisa saber
desfrutar o prazer poético para ser capaz de ensinar” (texto
65); “[...] é necessário realizar atividades que despertem o
prazer do texto poético” (texto 62).
Outro eixo argumentativo enfatiza os benefícios que
a poesia pode trazer para leitores infantis, os quais podem

Literatura infantil e pedagogia


ser mais subjetivos e ligados à imaginação e a emoções
positivas: “[...] a poesia é capaz de educar a sensibilidade e
enriquecer os horizontes do leitor” (texto 58); mas também

115
podem ser de ordem cognitiva, estimulando a capacidade
interpretativa e de escrita: “[...] é preciso estimular e aceitar
interpretações autônomas, desde que evidenciadas no texto”
(texto 54); “[...] se a escola se vale do conhecimento prévio
dos alunos, envolve a comunidade e valoriza sua identidade
sociocultural, é possível instituir ações inovadoras para a
motivação da leitura e da escrita” (texto 56).
No que diz respeito aos ensaios, praticamente
todos compartilham, de forma expressa ou implícita, do
pressuposto segundo o qual o trabalho pedagógico com
poesia infantil precisa levar em conta a especificidade da
linguagem poética, o que, por sua vez, requer estratégias
de análise e de mediação. Um dos artigos chega a discutir
sobre a mediação que considere a especificidade da matéria
poética (texto 53). Além disso, assim como no caso dos
relatos de experiência, também os ensaios que propõem
estratégias e sugestões de trabalho destacam o prazer
literário como o verdadeiro fim visado através da mediação,
jamais devendo ser visto como um meio para atingir outros
resultados. Quanto aos temas específicos, um dos artigos
(texto 55) diagnostica a carência de trabalhos em nível
de pós-graduação e de disciplinas de graduação que se
dediquem a instrumentalizar os professores a valorizarem
a poesia para crianças. Outros, por sua vez, dedicam-
se a analisar poemas infantis com ênfase em aspectos
específicos da linguagem poética, como a oralidade (texto
68) ou a temática infantil (texto 50), sendo que um dos
artigos analisa a linguagem em HQ (texto 69), e outro
discute poesia e letramento digital (texto 52).

Revista Emília
A Revista Emília não se caracteriza como um periódico
Literatura infantil e juvenil

acadêmico, mas como uma revista que apresenta ensaios,


reflexões e análises sob uma perspectiva mais voltada para
o mercado editorial. O seu conselho editorial, segundo
116

informações retiradas da aba Quem somos, do site, é


formado por Dolores Prades (que se apresenta como
consultora editorial), Aluizio Leite (diretor editorial da
Editora Livros da Matriz), Mayumi Okuyama (editora
de arte) e Rodrigo Villela (prestador de serviços na área
editorial). A revista está no ar desde setembro de 2011 e
possui um leque bastante amplo de temáticas, as quais são
agrupadas a partir das seguintes abas: Crítica (resenhas;
estante; polêmicas e reflexões); Leitores (cultura da
infância, cultura jovem, formação de leitores; histórias
de leitura); Leituras (história da leitura, teoria da leitura,
políticas de leitura, espaços de leitura, leitura literária);
Mercado Editorial (gêneros e temáticas; plataformas
digitais; mercado editorial); Livros (gêneros, protagonistas,
livros infantis e juvenis, promoção do livro infantil e
juvenil); Educativo Emília (Em direto, Notas, Relatos de
experiência).
Aqui, serão analisados apenas os artigos encontrados
na aba Leitores (Formação de leitores), por apresentarem
um viés declaradamente pedagógico, focado na questão
da formação de leitores. Chama atenção, de imediato, o
perfil dos colaboradores dessa seção: editores e agentes
de leitura de países como Espanha, Venezuela, México,
além do Brasil. Alguns dos colaboradores são autores e/
ou ilustradores renomados, como Antonio Ventura e
Martín Garzo, da Espanha, Davide Cali, da Itália, Marcia
Leite e Ricardo Azevedo, do Brasil, entre outros. A seção
conta com 34 ensaios, os quais foram publicados entre
os anos 2011 e 2014. Embora as temáticas, os autores
citados como referência teórica e as abordagens estejam
frequentemente interpoladas nos vários textos, estes
podem ser agrupados a partir de três principais categorias:

Literatura infantil e pedagogia


16 textos se caracterizam prioritariamente como Ensaios
sobre temas relacionados com a formação do leitor; 13 textos são
Relatos de experiência; 5 textos apresentam Estratégias para a

117
promoção da leitura.
Dentre os 16 ensaios, 7 dedicam-se a questões
relacionadas especificamente com a leitura, a educação
e a escola e, por essa razão, serão abordados de forma
mais detalhada aqui. Em A educação das crianças (texto
15), por exemplo, o escritor Martín Garzo discorre sobre
a importância de “[...] se colocar no lugar da criança”
quando se pensa em educá-la ou lhe contar histórias.
E esse lugar, segundo Garzo, é necessariamente marcado
pelo jogo, pela brincadeira e pela felicidade. Ele diz que
“Uma criança feliz não somente é mais alegre e tranquila,
mas é mais suscetível de ser educada, porque a felicidade
lhe faz crer que o mundo não é um lugar sombrio, feito
somente para seu mal, e sim um lugar em que vale a pena
estar, por estranho que possa parecer muitas vezes.”
Com uma argumentação semelhante à de Garzo
(texto 15), a educadora venezuelana Yolanda Reyes (texto
16) defende o ensino da literatura infantil com base na
importância que a fantasia e a imaginação adquirem para a
boa formação do ser humano:

As possibilidades interpretativas e a grande riqueza


emocional e cognitiva que a ficção mobiliza
proveem o substrato – como aqueles nutrientes
invisíveis dos pratinhos das bonecas – para que
cada ser humano desenvolva, desde o começo e ao
longo das distintas etapas da vida, alternativas ricas
e diversas para seu crescimento contínuo como
sujeito interpretativo, imaginativo, sensível, crítico e
criador: autor e coautor a um só tempo, em diálogo
permanente com o dado e com o que cada pessoa
tem para dizer.

Já o artigo da pesquisadora venezuelan María Beatriz


Literatura infantil e juvenil

Medina (texto 18) aborda especificamente a questão do


trabalho com a literatura infantil na escola. A autora inicia
afirmando que a literatura pode contribuir para que os
118

sujeitos, principalmente crianças e adolescentes, aprendam


a transformar sua própria realidade. O professor, nesse
sentido, precisaria ajudar na construção desse mapa, o que
requer que ele próprio tenha desenvolvido a competência
de leitor. Segundo Medina (texto 18, grifo do autor), “[...]
uma das chaves do trabalho de formação leitora dentro
da sala de aula é propiciar – por parte dos professores – o
diálogo entre o autor e o leitor, em que a ação deste o leve a
reelaborar uma proposta textual.”
Os ensaios de Ricardo Azevedo (texto 23) e Patrícia
Leite (texto 29), por sua vez, abordam a importância da
literatura para a formação pessoal e subjetiva de cada
sujeito. Azevedo (texto 23) discorre sobre uma série
de canções que escutara, quando criança, no rádio,
nos discos e na televisão, revelando como esses textos
foram importantes para sua formação pessoal: “Tenho
certeza de que algumas delas marcaram profundamente
minha maneira de enxergar a vida. Estas, de certa forma,
foram estruturantes da pessoa que sou e fazem parte do
arcabouço correspondente à construção do meu jeito de
ser no mundo.” Já Leite (texto 29), em um viés psicanalítico,
defende o argumento segundo o qual nós “[...] precisamos
de poéticas, de histórias para nossa saúde. […] Enfim, é
isso o que permite nossa sobrevivência”.
Ainda no grupo dos ensaios, cinco textos contêm
discussões sobre critérios de avaliação e seleção de obras
literárias para crianças. Embora tragam alguns parâmetros,
os artigos não apresentam fórmulas fixas ou receitas para
escolher livros. A autora Márcia Leite (texto 24), por
exemplo, adverte que, “[...] quando falamos de seleção de
livros, ou melhor, da seleção de livros para leitura literária,
na escola ou fora dela, não há cilada maior que estabelecer

Literatura infantil e pedagogia


critérios na forma de receitas, ou de manuais, ou de dicas
impessoais – como a lista dos livros mais vendidos, ou a
dos mais adotados pelas escolas.”
De forma semelhante, no ensaio Como escolher

119
boa literatura para crianças? (texto 40), Yolanda Reyes,
afirma que

[...] essa é a pergunta mais frequente que os pais me


fazem e não gosto de respondê-la em abstrato, pois
se cada criança é diferente, os pais também são, e
cada pessoa tem seus gostos, suas perguntas, suas
maneiras de ler... Isso sem falar nas idades, porque
temos incluídos nesse rótulo que os adultos
denominam, genericamente, “crianças”, desde os
bebês até os adolescentes.

Por outro lado, Reyes (texto 40) sugere, como


possibilidades, levar em conta os desejos e as preferências
manifestos pelas próprias crianças, assim como o nome do
autor, do ilustrador, do adaptador (quando for o caso), da
editora, e a idade sugerida, ressaltando a importância de
afastar-se de obras de cunho didático.
Em relação aos textos anteriores, Beatriz Helena
Robledo (texto 22) é mais categórica, afirmando que o
principal critério deve ser a qualidade, que, “[...] nesse
caso, é um conceito transversal, e, mais que um conceito,
um imperativo ético. Qualidade estética, qualidade
literária, qualidade na precisão e veracidade da informação,
qualidade editorial.”.
Por fim, no texto 25, Fabíola Farias discute sobre
os perigos e as armadilhas quando se pretende formular
indicadores para avaliar os impactos sociais dos projetos
de estímulo à leitura. Citando Luiz Percival Leme Britto,
Farias (texto 25) conclui que o uso de indicadores tornou-
se moda em sistemas atuais de avaliação, mas “[...]
colocam numa condição igual questões bastante distintas
e reduzem tudo a números”, o que é inadequado para
Literatura infantil e juvenil

avaliar a qualidade da leitura literária.


O grupo dos ensaios contém ainda quatro textos
com discussões e definições sobre os sujeitos envolvidos
120

na cultura escrita. No texto 11, Carlos Alberto Gianotti


problematiza definições muito restritivas e simplistas
de leitor, as quais levam em conta apenas o sujeito que
lê determinados gêneros textuais, geralmente definidos
pela elite. O escritor Davide Cali (texto 21), por sua vez,
demonstra a importância da leitura para o imaginário
infantil, afirmando que, através das narrativas (que podem
estar em livros, mas também na TV), “[...] as crianças
reconhecem a vida e imaginam o que viverão. Imaginam
até outras vidas impossíveis, populadas de magia e de
sobrenatural.” Já no texto 14, Eliana Passarán discute
sobre o papel do editor na formação de leitores e conclui
que, “[...] por mais óbvio que isso pareça, é publicando
‘bons livros’, pois todo programa de promoção de leitura
gira em torno dos livros e, quanto mais enriquecedores,
mais ferramentas para se trabalhar e melhores resultados
poderão ser obtidos.” Por fim, o texto de Amanda Leal
de Oliveria (texto 13) apresenta uma análise da cultura
escrita no Brasil, defendendo o argumento de que ainda
se faz necessário lutar pela sua democratização, pois vários
brasileiros continuam alijados da escrita. No entanto,
Oliveira (texto 13) argumenta que, nessa luta, devemos
deixar para traz “[...] posições que tomam sua singularidade
como modalidade cultural superior em si mesma, dando-
se no interior de relações orientadas, implícita e/ou
explicitamente, por ordens do conhecimento impositivas
e fechadas à invenção, ao diálogo com a diferença e com
o outro.”.
O segundo grande grupo de artigos encontrados
na aba Formação do leitor é composto por 13 relatos
de experiências. Diferente do que ocorre na revista Tigre
Albino, a maioria das experiências narradas na Revista Emília
não ocorre em escolas, mas em ambientes diversificados,

Literatura infantil e pedagogia


com predomínio de contextos sociais marginalizados ou
com sujeitos em situação de fragilidade. Dos 13 relatos,
apenas um é dedicado ao ambiente escolar: No texto 17,

121
Monica Monachesi relata sobre uma oficina com o livro
História de uma árvore, de Émile Vast, a qual foi inspirada
em uma atividade que havia realizado inicialmente com
seus próprios filhos.
Chama atenção o fato de que seis relatos (quase a
metade) abordam projetos realizados com sujeitos em
contextos sociais desfavorecidos. O projeto Ler é 10, Leia
Favela, apresentado no texto 34, por exemplo, consiste
em uma biblioteca itinerante que percorre as mais de 14
comunidades constituintes dos complexos da Penha e do
Alemão, no Rio de Janeiro. O Instituto Acaia cujas atividades
são narradas no texto 20 atende crianças e adolescentes
de 6 a 18 anos, muitos deles moradores das favelas da
Linha (ou Votoran) e do Nove (ou Japiaçu), em São Paulo.
Outro projeto que envolve a favela é narrado no texto 43
e diz respeito ao trabalho do Grupo Fiandeiras, composto
por sete moradores da comunidade do Real Parque que
“[...] percorrem becos e vielas das comunidades do Real
Parque e Jardim Panorama, na zona sudoeste da cidade
de São Paulo.” (texto 43). No texto 33, Gabriela Romeu
relata sobre o projeto Literatura na Cesta Básica, criado
pela companhia circense Circo de Trapo, realizado na feira
do Jardim Santa Maria, região de Itaquera, na zona leste de
São Paulo.
O texto 35 relata as atividades de A Cor da Letra –
Centro de Estudos e Pesquisa em Leitura e Literatura, que
desenvolve projetos de

[...] formação de profissionais que atuam em


instituições que atendem crianças e adolescentes em
situação de risco, organizações não governamentais,
escolas públicas e particulares, hospitais e também
empresas interessadas na implantação de projetos
de leitura e bibliotecas. (texto 35).
Literatura infantil e juvenil

Por fim, o texto 37 narra algumas atividades realizadas


pelos voluntários da organização Viva e Deixe Viver cujo
122

objetivo é “[...] criar condições para que o lúdico e o


brincar existam, por meio da arte de contar histórias, para
crianças em ambiente hospitalar.”
Há três relatos que apresentam experiências
internacionais. Em A formação do promotor de leitura (texto
38), María Beatriz Medina narra a formação de promotores
de leitura na Venezuela, a partir do Banco de Livro da
Venezuela. No texto 36, Thais Caramico apresenta o
programa de incentivo à leitura Bookstart, do Reino Unido;
e, no texto 26, Katsumi Komagata relata sobre seu trabalho
com papeis para livros e também com workshops no Japão.
Os três relatos restantes apresentam experiências
variadas: as aventuras do casal Inês Calixto e Franco Hoff,
que, durante dois anos, rodaram o Brasil em uma Kombi,
promovendo oficinas de leitura e fotografia, contações
de história e sessões de cinema, em Histórias de Alice, por
Inês Calixto (texto 31); as atividades do projeto Conversas
ao pé da página, um ciclo de encontros e debates sobre
temas relacionados com a leitura, a literatura, a formação
de leitores e livros para crianças e jovens (texto 27); e a
exposição Danser sa vie, sobre as relações entre as artes
visuais e a dança, de Dolores Prades (texto 30).
O último grupo de artigos analisados aqui é composto
por cinco textos que abordam estratégias muito práticas
para promover a leitura. Desses, quatro são escritos pela
espanhola Ana Garralón, que, além de escritora de obras
infantis, também trabalha como leitora crítica para várias
editoras. O texto 10 e o texto 39 são dirigidos aos pais.
Neles, Garralón apresenta dicas, tais como criar uma
biblioteca doméstica, levar as crianças a feiras do livro,
permitir que a criança leia o mesmo livro mais de uma
vez, encorajá-la a escolher o que quer ler, estimular que os

Literatura infantil e pedagogia


livros sejam tocados.
Yolanda Reyes (texto 39), por sua vez, coloca em
suspeita a locução promoção da leitura para designar

123
as práticas domésticas de leitura com crianças e enfatiza
a importância de ouvi-las, valorizando desde canções de
ninar até a contação de histórias:

[...] o que está em jogo não é o número de


exemplares que possa ter a biblioteca paterna, nem
os diplomas universitários que estão pendurados
nas paredes. É muito mais fácil e mais barato do
que isso. É compartilhar uma certa fé nas palavras.
É acreditar no valor da linguagem para enriquecer
a experiência, para criar e recriar o mundo. É deixar
uma porta aberta para que os livros e as palavras se
instalem confortavelmente no sofá e ocupem um
lugar importante na vida cotidiana. (texto 39).

O texto 28, de Garralón, está endereçado


especificamente aos professores e contém afirmações
bastante gerais, tais como: “Todos os professores podem
promover a leitura”; “Leitor é aquele que lê um romance,
mas também aquele que lê um texto científico, um gibi ou
um jornal”; “Pergunte a seus alunos, todos os dias, se eles
estão lendo alguma coisa”; “Não julgue o que eles leem”;
“Compartilhe as suas leituras”; “Leia em voz alta em
sala de aula”; “Indique livros”; “Comente”; “Aconselhe”;
“Incentive”.
Os textos 19 e 32, ambos de Garralón, também
apresentam dicas práticas endereçadas a adultos que
pretendem despertar o gosto pela leitura em crianças.

À guisa de conclusão
A fim de compreender algumas das principais
tendências e enfoques recentes quanto às relações
estabelecidas entre a literatura infantil e a pedagogia no
Literatura infantil e juvenil

contexto brasileiro, aqui, foram analisados 69 artigos


acadêmicos de publicação recente, selecionados de três
periódicos com perfis diferentes: Leitura: Teoria & Prática;
124

Tigre Albino e Revista Emília.


Antes de abordar os artigos, foi necessário realizar
uma breve retrospectiva histórica desse campo, a fim
de contextualizar algumas das principais questões
envolvendo a literatura infantil e a pedagogia. Nesse
sentido, é importante lembrar que, desde o seu surgimento
na Europa do século XVIII, a literatura infantil esteve
fortemente marcada por intenções pedagógicas explícitas.
Inicialmente – resguardadas as exceções – as próprias
obras continham um teor didático declarado, servindo,
muitas vezes, como mero pretexto para ensinar conteúdos
curriculares e valores morais, cívicos e religiosos. Com
o passar do tempo, contudo, esse didatismo foi cedendo
lugar para a valorização de aspectos propriamente
literários, o que fez com que a literatura infantil deixasse
de ser considerada um mero instrumento didático para
tornar-se um gênero artístico-literário valorizado, capaz de
proporcionar experiências diferenciadas de fruição através
da leitura.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que um
número muito expressivo de autores de literatura infantil
desvencilhou-se dessa tradição didático-pedagógica,
o principal lugar de consumo desses livros continuou
e continua sendo a escola. De um lado, a literatura
escolarizada tem sido a responsável pela proliferação e,
por que não dizer, também pelo refinamento do gênero
ao longo do tempo; de outro lado, no entanto, essa relação
tem gerado tensões, desconfortos, dúvidas, as quais
continuam assombrando educadores. A principal fonte
de tensão parece decorrer do conflito entre a vocação
lúdica, irreverente e prazerosa que caracteriza qualquer
produto artístico, de um lado, e o caráter fechado que
marca o ambiente escolar tradicional e o seu currículo
institucionalizado, de outro. Diante desse contexto, é

Literatura infantil e pedagogia


necessário levantar a seguinte pergunta: será possível, mais
do que apenas salvaguardar a dimensão artístico-literária
da literatura infantil escolarizada, fazer uso dessa dimensão
em atividades realizadas justamente no espaço escolar?

125
De certa forma, essa é a questão fundamental que
pauta a maior parte dos artigos acadêmicos que serviram
como material empírico da análise aqui empreendida. Nas
três revistas, há um número muito expressivo de relatos de
experiência de educadores, sendo que a maior parte deles
expõe práticas de leitura efetivamente realizadas com os
alunos, nas quais o prazer literário e o caráter lúdico da
experiência de leitura foram preservados e estimulados. Em
muitos casos, são também narradas as reações positivas
e entusiasmadas dos alunos/leitores. Em outros, são
relatadas, inclusive, atividades literárias realizadas pelos
próprios alunos a posteriori, motivados pela leitura. Tais
relatos fornecem um testemunho vivo de que é possível,
sim, fazer da leitura literária uma experiência de fruição
artística dentro do espaço escolar. E, para além do mero
testemunho, os relatos também assumem uma dimensão
pedagógica através da exemplaridade, pois muitos deles
podem ser replicados.
Outro tema recorrente nos artigos diz respeito à
necessidade de mediação para a realização de atividades
de leitura literária. De um lado, enfatiza-se que o próprio
professor precisa ser um leitor competente e entusiasmado
de literatura, capaz de reconhecer os meandros da
linguagem literária, sabendo preservar o caráter lúdico no
ato de ler. De outro lado, também se ressalta a necessidade
de que o mediador tenha um bom repertório para
realizar a seleção de obras adequadas para as crianças.
Ao enfatizarem o valor da mediação e do conhecimento
da linguagem literária, tais artigos reafirmam, portanto,
a necessidade de preservar e valorizar o caráter estético-
literário das obras na escola e em qualquer espaço de
formação, evitando o risco de que elementos não literários
sejam mais valorizados do que o aspecto propriamente
Literatura infantil e juvenil

estético durante as atividades de leitura e de produção de


textos com base na leitura literária.
A importância da literatura para a formação e para
126

a vida é abordada em inúmeros artigos, a partir de pontos


de vista diferentes. Nos relatos de experiência de leitura
fora da escola, chama atenção o fato de que a maior parte
das atividades foi realizada com sujeitos em contextos
de risco e de fragilidade social. A função da arte na vida
dessas pessoas assume uma relevância diferenciada,
capaz de ajudar na restauração da própria cidadania. Em
outros artigos, enfatiza-se a importância de estimular
positivamente o imaginário e a fantasia do leitor infantil
para formar sua subjetividade. Há, ainda, um conjunto de
artigos dedicados à análise de temas contemporâneos e
relevantes abordados em obras de literatura infantil, tais
como as diferenças corporais, as questões de gênero, as
representações de envelhecimento, as novas configurações
da família, a relação da literatura infantil com os produtos
da mídia, entre outros. Embora tais artigos não proponham
atividades práticas de leitura, demonstram a importância
que tais obras adquirem para instigar a reflexão sobre
questões atuais e relevantes na sociedade contemporânea.
Em todos esses artigos, também existe uma assertiva
implícita de que não é apenas possível, senão desejável que
a literatura seja lida na escola.
Para concluir, é possível afirmar que a maior parte dos
artigos acadêmicos analisados neste ensaio compartilham
o pressuposto de que

[...] a questão a ser enfrentada não é se a escola


deve ou não escolarizar a literatura, como bem
nos alerta Magda Soares, mas sim como fazer
essa escolarização sem descaracterizá-la, sem
transformá-la em um simulacro de si mesma
que mais nega do que confirma seu poder de
humanização. (COSSON, 2014, p. 23).

Literatura infantil e pedagogia


Referências
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127
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para conhecer a literatura infantil brasileira, história, autores e
128

textos. São Paulo: Global, 1993.


ZILBERMAN, R. Como e por que ler a literatura infantil
brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
______. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global,
1998.
Lista de trabalhos analisados
(ordenados por periódico)

Revista Leitura: Teoria & Prática


Texto 1:
FREITAS, L. R.; SILVEIRA, R. M. H. Meninas em jogos
de meninos – um estudo de caso na literatura infantil
brasileira. Leitura: Teoria & Prática, v. 32, n. 62, p. 43-
57, 2014.
Texto 2:
GIROTTO, C. G. S.; SOUZA, R. J. Modos de ler e
estratégias para ler: crianças, leitura e literatura infantil.
Leitura: Teoria & Prática, v. 30, n. 58, p. 16-24, 2012.

Literatura infantil e pedagogia


Texto 3:
KIRCHOF, E. R.; SILVEIRA, R. M. H. A imagem da
diferença: um estudo sobre a ilustração na literatura

129
infantil contemporânea. Leitura: Teoria & Prática, v. 28,
n. 55, p. 68-74, 2010.
Texto 4:
KOERNER, R. M. As práticas de leitura de crianças de 5 e
6 anos. Leitura: Teoria & Prática, v. 26, n. 52, p. 55-60,
2009.
Texto 5:
MURCE FILHO, N. F. Mudanças na estrutura familiar
em livros infantis canadenses e brasileiros altamente
recomendados. Leitura: Teoria & Prática, v. 31, n. 61,
p. 45-61, 2013.
Texto 6:
SPENGLER, M. L. P. Literatura infantil: a palavra e a
imagem se entrelaçando na história. Leitura: Teoria &
Prática, v. 29, n. 56, p. 36-43, 2011.
Texto 7:
TIZIOTO, P. A.; PACÍFICO, S. M. R.; ROMÃO, L. M. S.
Leitura e interpretação: percursos que engendram a escrita
infantil. Leitura: Teoria & Prática, v. 26, n. 53, p. 61-70,
2009.
Texto 8:
TOZZI, J. B. Ler e escolher livros para crianças e jovens:
uma tarefa docente? Leitura: Teoria & Prática, v. 30,
n. 58, p. 43-51, 2012.
Texto 9:
TOZZI, J. B. Para cada obra, muitas histórias: uma obra
infantil e seus entornos e contornos. Leitura: Teoria &
Prática, v. 27, n. 54, p. 47-56, 2010.
Literatura infantil e juvenil

Revista Emília
Texto 10:
130

GARRALÓN, A. O que os pais podem fazer pela leitura em


oito ideias. Revista Emília. 2014. Disponível em: <http://
www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=432>. Acesso
em: 5 ago. 2015.
Texto 11:
GIANOTTI, C. A. Afinal, o que é ser leitor? Revista
Emília. 2014. Disponível em: <http://www.revistaemilia.
com.br/mostra.php?id=431>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 12:
CASTAGNOLI, A. Maurice Sendak e William Blake.
Revista Emília. 2014. Disponível em: <http://www.
revistaemilia.com.br/mostra.php?id=422>. Acesso em: 5
ago. 2015.
Texto 13:
OLIVEIRA A. L. De usuários a protagonistas da cultura
escrita. Revista Emília. 2014. Disponível em: <http://
www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=420>. Acesso
em: 5 ago. 2015.
Texto 14:
PASARÁN, E. O papel do editor na promoção da leitura.
Revista Emília. 2013. Disponível em: <http://www.
revistaemilia.com.br/mostra.php?id=346>. Acesso em: 5
ago. 2015.
Texto 15:
GARZO, G. M. A educação das crianças. Revista Emília.
2013. Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/
mostra.php?id=318>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 16:
REYES, Y. Mundos possíveis. Revista Emília. 2013.

Literatura infantil e pedagogia


Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.
php?id=299>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 17:

131
MONACHESI, M. De uma semente de papel. Revista
Emília. 2013. Disponível em: <http://www.revistaemilia.
com.br/mostra.php?id=295>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 18:
MEDINA, M. B. Livros e professores. Revista Emília.
2013. Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/
mostra.php?id=293>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 19:
GARRALÓN, A. Promoção da leitura: 6 ideias. Revista
Emília. 2013. Disponível em: <http://www.revistaemilia.
com.br/mostra.php?id=280>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 20:
TAVARES, C.; FARIA, M. R. Sarau como experiência
poética. Revista Emília. 2012. Disponível em: <http://
www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=275>. Acesso
em: 5 ago. 2015.
Texto 21:
CALÌ, D. Madagascar vs. Miyazaki. Revista Emília. 2012.
Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.
php?id=274>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 22:
ROBLEDO, B. H. Avaliação e seleção de livros. Revista
Emília. 2012. Disponível em: <http://www.revistaemilia.
com.br/mostra.php?id=267>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 23:
AZEVEDO, R. Infância, canção popular e educação.
Revista Emília. 2012. Disponível em: <http://www.
revistaemilia.com.br/mostra.php?id=264>. Acesso em: 5
ago. 2015.
Literatura infantil e juvenil

Texto 24:
LEITE, M. O melhor livro. Revista Emília. 2012.
Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.
132

php?id=251>. Acesso em: 5 ago. 2015.


Texto 25:
FARIAS, F. Indicadores e avaliações. Revista Emília. 2012.
Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.
php?id=243>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 26:
KOMAGATA, K. O papel do papel. Revista Emília. 2012.
Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.
php?id=228>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 27:
PRADES, D. Conversas! Conversas! Conversas! Revista
Emília. 2012. Disponível em: <http://www.revistaemilia.
com.br/mostra.php?id=208>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 28:
GARRALÓN, A. Professores e promoção da leitura: dez
ideias. Revista Emília. 2012. Disponível em: <http://www.
revistaemilia.com.br/mostra.php?id=197>. Acesso em: 5
ago. 2015.
Texto 29:
LEITE, P. P. Poemar. Revista Emília. 2012. Disponível em:
<http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=176>.
Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 30:
PRADES, D. Dançando e lendo a vida. Revista Emília.
2012. Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/
mostra.php?id=164>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 31:
CALIXTO, I. Histórias de Alice. Revista Emília. 2012.
Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.

Literatura infantil e pedagogia


php?id=154>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 32:
GARRALÓN, A. A arte de conversar com as crianças

133
sobre suas leituras. Revista Emília. 2012. Disponível em:
<http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=135>.
Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 33:
ROMEU, G. Laranjas, limões e livros. Revista Emília.
2012. Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/
mostra.php?id=134>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 34:
ANGELOTTI, C. O livreiro do Alemão. Revista Emília.
2012. Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/
mostra.php?id=109>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 35:
LEITE, P. P. Caminhos possíveis. Revista Emília. 2012.
Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.
php?id=85>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 36:
CARAMICO, T. O primeiro livro. Revista Emília. 2011.
Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.
php?id=75>. Acesso em: 5 ago. 2015.

Texto 37:
MAGALHÃES, F. Conta-gotas de histórias. Revista
Emília. 2011. Disponível em: <http://www.revistaemilia.
com.br/mostra.php?id=48>. Acesso em: 5 ago. 2015.

Texto 38:
MEDINA, M. B. A formação do promotor de leitura.
Revista Emília. 2011. Disponível em: <http://www.
revistaemilia.com.br/mostra.php?id=45>. Acesso em: 5
ago. 2015.
Literatura infantil e juvenil

Texto 39:
REYES, Y. Ler no aconchego do lar. Revista Emília. 2011.
Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/mostra.
134

php?id=44>. Acesso em: 5 ago. 2015.

Texto 40:
REYES, Y. Como escolher boa literatura para crianças?
Revista Emília. 2011. Disponível em: <http://www.
revistaemilia.com.br/mostra.php?id=9>. Acesso em: 5 ago.
2015.

Texto 41:
VENTURA, A. Uma íntima confissão. Revista Emília.
2011. Disponível em: <http://www.revistaemilia.com.br/
mostra.php?id=16>. Acesso em: 5 ago. 2015.

Texto 42:
MEDINA, M. B. Leitura e qualidade do ensino. Revista
Emília. 2011. Disponível em: <http://www.revistaemilia.
com.br/mostra.php?id=25>. Acesso em: 5 ago. 2015.
Texto 43:
GRUPO FIANDEIRAS. A leitura subindo as vielas. Revista
Emília. 2011. Disponível: <http://www.revistaemilia.com.
br/mostra.php?id=29>. Acesso em: 5 ago. 2015.

Tigre Albino
Texto 44:
ALMEIDA, G. Z. No limiar das cores: fronteiras entre
palavra e imagem em fita verde no cabelo. Tigre Albino,
v. 1, n. 3, 2008.
Texto 45:
AVERBUCK, L. M. A poesia e a escola. Tigre Albino,
v. 1, n. 2, 2008.

Literatura infantil e pedagogia


Texto 46:
CAPPARELLi, S. Ligia Cademartori conversa com
professores. Tigre Albino, v. 3, n. 1, 2009.

135
Texto 47:
CAPPARELLI, S.; SUN, Y. A poesia nas escolas da China.
Tigre Albino, v. 2, n. 1, 2008.
Texto 48:
CRISTÓFANO, S. A busca pela identificação e tomada
de consciência em A Bolsa Amarela: compreender as
diferenças através do imaginário infantil. Tigre Albino,
v. 3, n. 1, 2009.
Texto 49:
CUNHA, M. A. Posições sobre a poesia para crianças.
Tigre Albino, v. 3, n. 2, 2010.
Texto 50:
MACKENZIE, M. L. Na sala de aula com Pedro Bandeira.
Tigre Albino, v. 3, n. 2, 2010.
Texto 51:
MAGALHÃES, L. C. Jogo e iniciação literária. Tigre
Albino, v. 2, n. 1, 2008.

Texto 52:
MENDES, D. C. Nas ondas digitais do cordel. Tigre
Albino, v. 2, n. 1, 2008.

Texto 53:
OBERG, S. Como vai a poesia? Uma conversa com
mediadores de leitura. Tigre Albino, v. 1, n. 2, 2008.

Texto 54:
RÖSING, T. M. Exercício de modos de ler. Tigre Albino,
v. 1, n. 3, 2008.
Literatura infantil e juvenil

Texto 55:
RÖSING, T.M. Produção acadêmica e poesia infantil.
Tigre Albino, v. 1, n. 2, 2008.
136

Texto 56:
SARAIVA, J. A. A cultura oral como fator de promoção da
leitura. Tigre Albino, v. 3, n. 3, 2010.

Texto 57:
SERRA, E. D. Semeando poesia: vivências de uma 4ª série.
Tigre Albino, v. 1, n. 1, 2007.

Texto 58:
SERRA, E. D. A poesia da memória em Adélia Prado:
leituras com crianças e adolescentes. Tigre Albino, v. 1,
n. 3, 2008.

Texto 59:
SERRA, E. D. Poetas da Rede Municipal de Niterói
concurso de incentivo à leitura: poesia. Tigre Albino,
v. 2, n. 1, 2008.
Texto 60:
SERRA, E. D. Poesia na escola: brincando e aprendendo.
Tigre Albino, v. 2, n. 3, 2009.
Texto 61:
SERRA, E. D. Poesias que encantam e ensinam. Tigre
Albino, v. 2, n. 2, 2009.
Texto 62:
SERRA, E. D. Literatura Itinerante. Tigre Albino, v. 1,
n. 2, 2008.
Texto 63:
SERRA, E. D. Uma sala de aula nas asas da borboleta.
Tigre Albino, v. 3, n. 1, 2009.

Literatura infantil e pedagogia


Texto 64:
SERRA, E. D. Abrindo caminhos para a poesia. Tigre
Albino, v. 3, n. 3, 2010.

137
Texto 65:
SERRA, E. D. Poesia é bom mesmo... fora da estante. Tigre
Albino, v. 3, n. 2, 2010.
Texto 66:
SERRA, E. D. Poesia em cena. Tigre Albino, v. 4, n. 1,
2010.
Texto 67:
SOUZA, C. Poesia e escola: caminhos entre o didático e o
literário. Tigre Albino, v. 2, n. 3, 2009.
Texto 68:
SOUZA, G. Alguns meninos e suas leituras: o poema para
a infância entre a escola e a rua. Tigre Albino, v. 1, n. 1,
2007.
Texto 69:
TRESCASTRO, E. G. Quadrinhos: a trajetória de um
suporte formador de leitores. Tigre Albino, v. 2, n. 1, 2008.
El niño de la cordillera:
la narrativa infantil de
Óscar Colchado Lucio

Rosane Cardoso

Todos los sonidos pueden ser escuchados en la cordillera que


está encima del valle de Yucay, en el Cusco.
(María Rostworowski, in El misterio
de las islas de Pachacamac)

Óscar Colchado Lucio (OCL) – poeta, cuentista


y novelista peruano – nació en los Andes peruanos en
1947, Huallanca, en Ancash y está reconocido como
escritor perteneciente a la corriente literaria andina o
pos-indigenista. Su literatura revisita el universo andino
peruano, repleto de mitologías y divinidades autóctonas.
Incluso en las obras para la infancia, Colchado construye
historias plenas de evocaciones líricas de relatos de
comunidades, poblaciones y aldeas donde se manifiestan
y se mantienen antiguos mitos y ritos preincas e incas
que buscan explicar la naturaleza y sus fenómenos, las
costumbres y creencias.
Posiblemente, las obras más conocidas de Colchado
son Rosa Cuchillo, de 1997, y el libro de cuentos La cordillera
negra, de 198512. Ambos los libros están pautados por la
larga historia de violencia política y social en Perú. La
Rebelión de Atusparia del siglo XIX es el telón de fondo
del libro de cuentos y la guerrilla del Partido Comunista
del Perú – Sendero Luminoso – de la novela.
La trama de Rosa Cuchillo está anclada en la temática
indígena “[…] como una parte integral de la problemática
Literatura infantil e juvenil

de toda una nación compleja y en constante cambio.”


(CAYO ORÉ, 2006, p. 6). La estructuración de la narrativa,
compuesta de forma fragmentaria y no lineal, muestra
140

la concepción mítica del tiempo. La protagonista es,


inicialmente, una joven fuerte y libre que vive sola – porque
así lo desea – y se defiende, con su cuchillo, de hombres
que intentan violarla. Una noche, el Dios Montaña la visita
y juntos engendran a un hijo, Liborio que, cuando adulto,
se involucra en la revolución senderista. La narrativa, al
final, presenta un mundo de vivos caótico, mientras, entre
los muertos, Rosa retoma su lugar de diosa que a los pocos
se identifica con la figura de la Cavillaca de la mitología
quechua.
La cordillera negra constituye un retablo de imágenes
y de personajes que viven en un cosmos propio donde
la magia y el mito forman parte naturalmente de la vida
cotidiana. En la intención de simbolizar el universo
indígena mágico, lo que propone Colchado es:

12
El premiado cuento Cordillera negra es de 1983. En 1985, la narrativa
pasa a formar parte de un conjunto de cuentos reunidos en libro de título
homónimo.
[…] expresar una identidad colectiva cuya base se
halla en un sistema de creencias míticas puesto
en evidencia de manera óptima en los relatos
orales. Este hecho supone un mecanismo de
apropiación que no se limita a lo temático ya que
sus efectos inciden en otras instancias textuales.
La incorporación plena de expresiones del habla
popular andina es un índice claro de ello. A veces
el modelo se hace explícito a nivel estructural con
la incorporación de testimonios insertados en
la narración principal, o con relatos que por su
tema - historias de aparecidos, condenados, etc.,
reproducen aquellos que sirven de eje narrativo en
los relatos orales. (CAYO ORÉ, 2006, p. 18).

A la par de eso, podemos decir que el texto literario


asume el rol de revigorar voces y un idioma ancestral,

El niño de la cordillera
además de permitir, en profundidad, el acceso a mundos
que no son generalmente presentados al público lector.
En las otras obras del autor, el español quechuizado, en

141
nivel semántico y en la sintaxis, atraviesa toda la narrativa.
Señalase que, en las últimas ediciones de las obras, hubo la
necesidad de un glosario al final de los libros. A pesar del
quechua ser uno de los idiomas oficiales del Perú, el idioma
no es de dominio general. Con eso, el español mantiene el
prestigio mientras la lengua autóctona sigue a la margen,
utilizada principalmente por las clases subalternas del país
(MONTE ALTO; SANTOS, 2012).
Eso nos lleva a considerar el rol de la obra colchadeana
que reafirma también el valor de la oralidad. La cultura oral,
considerada inferior por los discursos hegemónicos, está
profundamente relacionada como ajena a la producción
estética ya que corresponde a un segmento social
identificado como el de los indios, y ha sufrido constante
degradación, como pondera Cornejo Polar:

La literatura nativa sea aceptada como una


prehistoria más o menos prestigiosa pero sin duda
muerta, sin considerar que esa tradición, pese a
estar sujeta a violentas transformaciones, sigue
produciendo hasta hoy una literatura distinta y
todavía vigorosa. (CORNEJO POLAR, 1985, p. 8)

El pasaje de discursos orales para escritos, mediadores


de aspectos culturales, tradicionales de políticos tienen
su inicio con la obra de Antonio María Arguedas,
figura impar en la historia literaria peruana. Su obra se
cimienta en los símbolos del universo quechua-andino,
proporcionando una cosmovisión del hombre que habita
los Andes peruanos. El escritor, etnógrafo y antropólogo
hace exhaustivos estudios sobre la tradición oral andina,
los cantos y los mitos quechuas.
Arguedas pone en jaque la complejidad de la
sociedad peruana que se carga, en el dentro suyo, “todas
Literatura infantil e juvenil

las sangres” que interactúan en el contexto en que indios,


criollos, mestizos, blancos, grupos sociales, latifundistas,
campesinos, el medio rural y el urbano, pobres, ricos,
142

todos están construyendo un mismo espacio, aunque eso


no recibe reconocimiento. En ese sentido, Cornejo Polar
(1997, p. 268) percibe que

En el indio moderno [...] casi no hay rastros del


pasado prehispánico, pero lo que se le ha impuesto
desde fuera y lo que más o menos libremente ha
asumido de otras tradiciones resulta radicalmente
transformado en términos de uso y de sentido
hasta un punto tal que su identidad moderna–
pese y tal vez gracias a esos cambios– sigue siendo
inconfundiblemente indígena.

Consecuentemente, es posible notar, en Arguedas


y en su heredero Óscar Colchado Lucio, la mirada hacia
un indígena que no está encerrado en su cultura. Al
contrario de lo que se ve seguidamente en lecturas sobre
las culturas autóctonas, existe en Colchado la recusa por
la contemplación del mundo indígena como un cosmos
aislado, convenientemente silenciado, una burbuja
cultural de costumbres y tipos que se niegan a reconocer
otros espacios.
Las historias escritas por Óscar Colchado Lucio
fueron recibidas de su abuela y de su madre que, a su
vez, tuvieron también el conocimiento a través de otras
y otras voces. Aunque estén atravesadas por la escrita
contemporánea – como no podría dejar de ser – el autor
establece un rico y dialógico juego entre historia (oral) y
memoria (colectiva). Sobre todo, lo que dedica al lector es
una voz más, diferente de la historia oficial, pues quienes
escriben no son sacerdotes, u oficiales de justicia, siquiera
intelectuales de la élite dominante.
Es intención de este artículo reflexionar sobre la
obra colchadeana por variados motivos. Uno de ellos dice

El niño de la cordillera
respecto a intereses de investigación sobre la narrativa
peruana contemporánea, sobre todo la que no forma parte

143
del canon. Aunque Colchado viene recibiendo una buena
recepción de la crítica especializada y de lectores, además de
tener una ya larga trayectoria literaria, aún hay mucho que
discutirse sobre su poética. La segunda justificación para
este estudio está ancorada en la necesidad de profundizar a
la vez que comprender mejor el sistema estético que mueve
ese escritor. Es decir, su insistencia en dar a conocer la
mentalidad mítica de la cultura ancestral andina peruana
a través del manejo de símbolos que abarcan sesgos tanto
culturales cuanto políticos.
En tercer lugar, personalmente percibo la
importancia de estudiarse cada vez más la cultura
hispanoamericana para allá de los estereotipos que
invariablemente involucran los países de Sudamérica bajo
el mismo cliché de exotismos, comidas y fiestas. Con ello,
poco se sabe sobre los conflictos y la historia política de
los países. Como profesora de literatura hispánica en curso
de licenciatura en Letras, cada vez más busco llevar a los
futuros licenciados cuentos y novelas cortas que puedan
ser debatidos en clases de la Enseñanza Básica, para que
la literatura esté presente en todos los espacios, incluso en
los de enseñanza de lengua adicional.
Existe a la mano un sinnúmero de obras que ayudan
el lector extranjero a entender el contexto mítico andino
peruano, tanto de cuño literario cuanto investigativo. En
lo que atañe a lo literario, las compilaciones de leyendas
andinas de María Rostworowski son esenciales. Preocupada
en llevar las leyendas del país a los niños, la historiadora
recompila narrativas da tradición oral en libros como
Cuentos de los Andes, El misterio de las islas de Pachacamac y
El origen de los hombres y otros cuentos del antiguo Perú, entre
varios otros. Rostworowski estudió por más de 50 años la
sociedad, la cultura y el espacio andino de antes y después
Literatura infantil e juvenil

de la conquista española. Sin embargo, su conocimiento


acerca de lo andino extrapoló a la academia y ella siempre
tuvo la preocupación que también a los niños fuesen
144

extendidos estos estudios: “Los mitos andinos representan


una rica fuente narrativa para los pequeños lectores y
tienen la ventaja de corresponder al clima y a los lugares
conocidos y familiares al niño.” (ROSTWOROWSKI,
2009, p. 38).
También Concha Tupayachi, con Epopeya de los dioses
andinos (2005), Lina Gutierrez, Pachamama, la tierra madre
(2005), y la compilación de Rosas, Mitos y leyendas del Perú
(2015) ofrecen una preciosa introducción al universo
mítico peruano. Estas referencias resultan significativas
pues pueden ser un modo de acercarse al universo presente
en la obra de Colchado y, por consecuencia, a un universo
que no es conocido a quienes no esté familiarizado con el
referido contexto.
OCL se inicia en la literatura para niños con Tras las
huellas de Lucero, de 1980, obra que recibió el Premio Casa
de las Américas. Pero la fama vino en 1985, con Cholito
en los andes mágicos que le otorga el Premio Nacional de
Literatura Infantil y Juvenil (APLIJ). Essa narrativa, según
Ayllón (2011), significa el primer gran resultado del esfuerzo
de Colchado en revalorar su concepción particular del
hombre andino respecto a la naturaleza y los fenómenos
atinentes a su convivencia social. No son raras los enlaces
establecidos entre la obra y la Odisea, pues Cholito se
enfrenta a poderosas divinidades que retardan su retorno
al hogar. Como en la epopeya griega, tal retardación es la
causa para desdobladas aventuras.
El camino abierto por Tras las huellas de Lucero se
ha ampliado a una serie de novelas y cuentos infantiles
protagonizados por Cholito, personaje que, según Ayllón,
“[…] es ya entrañable entre la lectoría peruana” (AYLLÓN,
2011). El niño vive sus aventuras también en Cholito en
la ciudad del río hablador (1995), Cholito en la maravillosa
Amazonía (1999), Cholito y los dioses de Chavín (2007), Cholito

El niño de la cordillera
en busca del carbunclo (2008), Cholito, noches andinas (2010),
entre otros. Más recientemente, el niño busca aventuras

145
incluso en las afueras de su país: en 2015, OCL publica
Cholito y el anillo del Nibelungo – aventura en los Alpes. Los
periplos del héroe también pueden ser acompañados en
video, tanto en formato de dibujos animados cuanto de
cortometrajes. Se destacan entres estos, Cholito y el niño
Manuelito y Cholito y la Achiké. Ambas películas se hallan en
You Tube y en la página de internet del autor.
Atentándose para el nombre de este personaje
infantil, se le nota otro síntoma de la preocupación
colchadeana con su cultura: Cholito es una clara referencia
al término “cholo”, modo como se suele denominar
a los descendentes de indígenas, frecuentemente con
connotación peyorativa. Ser cholo establece un espacio
regional, social y económico, como demuestra bien la
deposición de Marco Avilés, periodista peruano radicado
en Estados Unidos:
Soy cholo. Con cierta luz, tiro para blanco, pero soy
cholo al fin y al cabo. Nací en los Andes y viví ahí
hasta los dos años. Mis abuelos, mis padres y mis
hermanas mayores hablaban quechua. Jamás conté
eso en mi escuela. Pues cualquiera que viniera de
los Andes se convertía en una víctima potencial.
Los cholos blanquiñosos nos camuflábamos. Los
cholos oscuros sufrían. Serrano de mierda – les
decían –. Alpaca conchetumadre. Báñate, indio
apestoso. Hueles a queso. Comequeso. Vicuña.
Vicuñita. Me da pena de tu vida, serrano. Eso
no se quita con nada. Yo tengo malas notas pero
puedo estudiar. Tú eres serrano. Se-rra-no. ¿Me
entiendes? Cómo vas a cambiar eso, ah, huevón
(AVILÉS, 2016, p. 18).

El uso del término ha sido empleado por primera vez


Literatura infantil e juvenil

en Comentarios reales de los incas, libro del Inca Garcilaso de


la Vega, publicado en 1609 y 1616 (VEGA, 2008). Aunque
la palabra se carga de prejuicio hacia determinado grupo
146

social, hoy, en el Perú, los llamados cholos conllevan


la palabra a otro nivel y la toman con orgullo por su
origen. Este parece ser el sentimiento de OCL que da al
protagonista de varias de sus obras infantiles un nombre
que también significa su origen campesina.
Presentado en primera persona, Tras las huellas de
Lucero cuenta la historia de un niño de la cordillera andina
que parte en busca de su venado Lucero que desapareció.
Pero la búsqueda no será fácil, pues Cholito se depara con
diversas trampas urdidas por hombres ambiciosos y sin
escrúpulos. Hasta que pueda otra vez buscar a su amigo,
tendrá de servir como esclavo, juntamente con otros
pequeños.
La historia es bastante simple, como todas las demás
de la saga de Cholito. Sin embargo, pronto se enseña la
odisea por que atraviesa el personaje, no solamente a lo
que atañe a su trayectoria como en lo que respecta al
lenguaje del texto, conforme apunta Ayllón (2011, p. 1):
Este libro nos presenta por primera vez a esa suerte
de Odiseo andino que es Cholito, personaje de
múltiples y posteriores historias, con las cuales
se ha convertido, dentro de su narrativa y de
toda la escena literaria peruana, en un verdadero
representante de nuestra narrativa infantil. “Tras las
huellas de Lucero” gana en verosimilitud gracias al
uso de un idioma español insertado de modismos
quechuas, característica que funciona, de algún
modo, como eje del trabajo narrativo de Colchado,
y encuentra mayor sustento en la atmósfera,
pigmentada de mitos, leyendas y costumbres
correspondientes a la zona donde está configurada
geográficamente la historia, es decir, el caserío de
Colcap, en la Cordillera Negra.

La construcción narrativa de Colchado innova

El niño de la cordillera
también por romper con la usual linealidad de los cuentos
para niños. Mientras el lector mantiene los ojos en el
núcleo que es el drama de Cholito, hay otras narrativas

147
menores en encaje con la principal. Además, se cambian
las voces narrativas, pues se puede acompañar la voz en
primera de la madre de Cholito, así como de otras personas
allegadas a los otros niños enclaustrados. Son voces que
claman por sus hijos, a la vez que manejan a la perfección
la mentalidad mítica de una cultura ancestral. Con eso,
Colchado se aproxima a lo fantástico, además de permitir
crearse una colcha de retazos con diversas perspectivas
de conocimiento acerca de escenarios. De pronto, en la
primera página, se percibe el entramado de narrativas
permitidas por el texto:

Lucero, que así se llama mi animal, nunca ha salido


pues de Rayán, mi pueblo. Quien se lo haya llevado
lo habrá hecho con mala intención seguro.
Mi padrino, don Alberto Montañez, cuando me vio
llorar en la quebrada, luego de haber visto mis pies
llenos de ampollas, me dijo:
-No llores, hijo. Compra media librita de coca, y yo
te echaré la suerte.
Él fue quien le dijo a Gumercindo: “Esa muchacha
de Aliso no te quiere. Finge nomás para que le
compres aretes, anillos y otros lujos. El día menos
pensado te dejará”. Y dicho y hecho, así fue. Por
eso Gumercindo se ha ido ahora a trabajar a Jimbe.
Su ayudante del camionero Bruno es.
Cuando le traje su coca, mi padrino después
de escogerla bien, soplándola varias veces, me
preguntó:
_ ¿Has traído alguna prenda de tu venado?
_ Sí, padrino – le dije – aquí está su cinta colorada
que le puso al cuello la señorita Amelia, mi maestra,
cuando era tiernito.
_ Suficiente, hijo. Agarrando esa cinta por la punta,
tres veces va a decir el nombre de tu venado, como
Literatura infantil e juvenil

se le estuviera llamando. Vamos ahora a echar la


suerte, poniendo toda la nuestra fe, suplicándole
a la milagrosa hojita que puede ver todo lo que
148

nuestros ojos de cristiano no ven.


Después que yo llamé con todas mis fuerzas por
su nombre a mi animalito, mi padrino alzó un
puñadito de coca y haciendo una cruz sobre sus
labios, sin meterlo en su boca todavía, calladito
empezó a rezar, a decir en quechua cosas que yo
no pude oír. (COLCHADO LUCIO, 1990, p. 9-10).

La larga cita subraya varios aspectos importantes de


la cultura andina e introduce índices significativos de la
escritura de Colchado. Como características atinentes a lo
que suele ocurrir en literatura infantil ahí están la relación
fuerte entre la infancia y la naturaleza, representada por la
amistad entre Cholito y Lucero. Este es la base para que
emerjan un contexto muy particular. Del mismo modo
como varias situaciones son denunciantes del sufrimiento
del chico, trazos de la cultura local son naturalmente
relevados, como el uso de la hoja de coca para partir en
una jornada, ya que coca ofrece energía para soportar las
alturas en los Andes. Esta energía está considerada, como
se pude ver, como una especie de magia, de encantamiento.
Otro ejemplo es la presencia del padrino que
parece actuar como un consejero, un taita13, y de una
serie de costumbres que, incluso, traduce la mescla
entre lo pagano – la suerte de la hojita de coca – con
lo cristiano – la cruz ante los labios. Estructuralmente,
la narrativa de Cholito se basa en la tergiversación en
varios puntos. Sin embargo, es exactamente eso que
permite interpretaciones hacia el contexto. O, más bien,
al contar sobre lo que pasó a Gumercindo, por ejemplo,
el comentario que parece accesorio toma valor cuando
indica la sabiduría del padrino.
Tanto una situación cuanto otra enseñan lo que
suele ocurrir en la partida de un héroe, sea de un cuento de
hadas, sea de una saga épica como la de Odiseo. El motivo

El niño de la cordillera
para la búsqueda del protagonista, en este caso, a pesar
de no parecer grandiosa como la de la épica, es elemental

149
para el niño y, como siempre en este tipo de narrativa, se
desdoblará en importancia, agigantando el protagonista a
principio frágil ante los desafíos de su jornada.
Igual a otras sagas, Cholito también es considerado
raro entre los suyos. Mientras los demás niños del pueblo
jamás van solos para “allá del río”, a nuestro protagonista,
a los 11 años, está permitido “hacer cosas de hombre”. Esta
tarea la tomó para que su mamita no tenga que casarse
nuevamente para sostener a sus hijos. Así, este hombrecito
provoca risas entre los chicos del pueblo que se creen que
él va a buscar su muerte. Pero a todo Cholito supera como
cabe a un héroe.

13
Taita: padre. Es una expresión utilizada en todo el Perú y en otros países
hispanoamericanos. El Diccionario de la RAE emplea taita con la misma
etimología del latín tata y agrega el significado de “voz infantil con que
se designa al padre”, lo que recuerda que es una de las primeras palabras
que aprenden los niños. La palabra, además del sentido cariñoso, también
significa un tratamiento respetuoso.
Según Cirlot (1984), los héroes son siempre
viajantes, es decir, inquietos (CIRLOT, 1984, p. 598).
Simbólicamente, el viaje es mucho más que transitar entre
espacios. Viajar es arriesgarse al nuevo. En sentido más
primario, viajar es buscar, aunque, en el caso de Cholito,
en su primera aventura, él no se había preparado o ansiado
por eso. Salir tras las huellas de su venadito le obliga a
abandonar al único sitio que conoce, Rayán.
La travesía lo hará caerse literalmente en un viaje
simbólico hacia los infiernos. Encarcelado junto a otros
niños, tendrá de trabajar largo tiempo como esclavo.
Para Cirlot, este tipo de viaje “simboliza a descida ao
inconsciente, a tomada de consciência de todas as
possibilidades do ser, cósmica e psicológicas, necessárias
para chegar às paradisíacas; com exceção daqueles seres
Literatura infantil e juvenil

eleitos pela divindade que conseguem essa penetração


pela via da inocência.” (CIRLOT, 1984, p. 599). Cholito
seguramente es un ser elegido por las divinidades, dada su
150

pureza delante de lo que pasa y su contacto primero con


este mundo adverso. De su aventura nacerá no solamente
un héroe, sino un eterno viajante, conforme muestra la
larga trayectoria narrativa protagonizado por el chico de
Rayán.
Vale añadir que Cholito abandona, en parte, a la
infancia pero no pierde el encantamiento, la esperanza o
la inocencia. De hecho, es exactamente eso que permite
que viva otras hazañas. Él, generalmente, es como el chico
travieso de diversas narrativas maravillosas, aquél que es el
más astuto y que se hace el hilo conductor entre espacios,
símbolos e ideas. No por acaso es posible establecer
similitudes intertextuales.
En estas reflexiones, interesa destacar, también, un
poco de la perspectiva colchadeana acerca del concepto
de literatura para niños, en general. OCL comenta su
obra para niños a la par de lo que observa en literatura
para la infancia. Por un lado, percibe que sigue una fuerte
banalización de este tipo de narrativa. El autor se da cuenta
de lo cuanto se escribe de manera poco creativa para los
niños. Sin embargo, en entrevista concedida a Miguel Ángel
Vallejo (2010), percibe también que hay una revitalización
del género, considerando que cada vez más escritores se
dedican con seriedad a este tipo de narrativa. Sobre las
aventuras de Cholito, las compara con sus obras para
adultos, pues “En todas ellas hay un reclamo de justicia y
reivindicación social de los humildes, así como el rescate
de nuestras tradiciones ancestrales. […] lo actual no está
desligado de lo ancestral. Y es este último precisamente el
que marca nuestra identidad nacional.” (VALLEJO, 2010).
Con eso, el autor concluye que el pensamiento
mítico es común a todos los pueblos de América Latina y
que se moderniza a través del tiempo. Por lo tanto, siempre
podrá decir algo contundente sobre la vida y el arte

El niño de la cordillera
(VALLEJO, 2010). Se puede destacar aún que la obra para
niños de Óscar Colchado Lucio no se cierra en un género

151
para un público específico, sino que abre un abanico de
interrogantes y de lectura placentera a todos los que se
interesan por un texto literario rico en posibilidades.

Referências
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VEGA, Inca Garcilaso de la. Comentarios reales de los Incas
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O menino e o mundo:
o traço infantil para
contar a “história a
contrapelo”

Dilma Beatriz Rocha Juliano

Já não se lamenta mais que as imagens escondem segredos


que já não são mais secretos para ninguém; ao contrário,
lamenta-se que as imagens nada mais escondem.
(Jacques Rancière)

Em tempos tão ásperos, promovidos pela


maquinização do fazer humano e pautados por trocas
econômicas que se sobrepõem às trocas afetivas, é urgente
falar sobre infância. Não se trata da etapa cronológica,
embora muitas vezes coincida, mas da infância como uma
maneira de, ao mesmo tempo, criar um mundo próprio e
de olhar o mundo que aí está, inserindo-se nele através da
capacidade criadora de uma de leitura outra de mundo,
reveladora de efeitos e formas ainda insuspeitas de viver.
Infância, aqui, é força criativa. A potência da infância na
linguagem audiovisual é o traço político que se pretende
assinalar na leitura da animação O menino e o mundo
(ABREU, 2013).
Em O menino e o mundo vê-se uma estética, um
traço infantil, que faz da infância uma potência de saber
sobre e de um saber aprender, o mundo muito além da
passividade que, por generalização, atribui-se às crianças
como espectadoras do mundo das imagens. Nesse
sentido, a animação não se alinha à hierarquização adulto-
Literatura infantil e juvenil

conhecimento X criança-desconhecimento. Ao contrário


disso, na sua jornada, o menino mostra e aprende que a
sociedade faz-se também com a infância do pensamento e
156

que não há tema social ou acontecimento político que não


lhes diga respeito. É pelo olhar do menino que a narrativa
se desenrola.
Rancière (2013, p. 73-74), ao fazer a leitura de um
filme de Fritz Lang, de 1955, intitulado O tesouro do barba
ruiva, disse:

Sobre a sedução comum constroem-se figurações


dotadas de outra força, nas quais a virtude de
infância se identifica com uma argumentação do
visível, em que a fábula comum, do olhar nu da
criança sobre as aparências do mundo, se presta ao
confronto de uma arte com suas próprias potências.

E, nesse sentido, pergunta-se o que pode fazer-


nos ver o cinema de animação com O menino e o mundo?
É possível colocar em equivalência o traço infantil
dessa animação, quando se abre mão das mirabolâncias
tecnológicas disponíveis ao audiovisual e pela história
de apagamentos dos custos sociais do desenvolvimento
econômico? O traço infantil, como o passado da tecnologia,
realizaria, então, a tarefa do materialista histórico de “[...]
escovar a história a contrapelo” (BENJAMIN, 1994,
p. 225). Enquanto o menino aprende experimentando
como se dão as relações sociais pautadas pelas regras
capitalistas, os espectadores podem remontar a história
de seus próprios fazeres como sujeitos sociais. Aí reside a
hipótese de análise que se procura apresentar: a animação
como potência política de contar a história.

O filme
O menino e mundo é dirigido por Alê Abreu, autor de
outras animações como Sirius (de 1993), Espantalho (de
1998), Passo (de 2007), Garoto Côsmico (de 2007) e Vivi

O menino e o mundo
Viravento (de 2017), e foi indicado ao Oscar de 2016, sendo
muito elogiado internacionalmente. O filme foi sucesso

157
de público em países como França, Espanha e Canadá,
onde o cinema de animação tem maior popularidade do
que no Brasil.
A ênfase do trabalho do diretor está no traço
mínimo na expressão do mundo; o desenho não é usado
como complemento da palavra, o que se torna um aspecto
estilístico importante, uma vez que, na maioria de suas
animações, não há palavras e, com isso, há uma exploração
estética sonora e visual diferenciada. Os sentidos são
construídos pelos espectadores na desnaturalização da
palavra lida/ouvida em seus usos mais recorrentes.
Uma jornada de infância que ao descobrir o mundo
o faz criando esse mesmo/outro mundo aos olhos do
espectador. Linhas mais retas para as objetificações, para
o que já está dado, pronto; traços arredondados para
os afetos, a música, a poesia, a imaginação do menino;
assim se desenrola o desenho da história. O filme conta
a trajetória de um menino que decide ir atrás do pai que
havia, supõe-se, saído do campo para a cidade em busca de
melhores condições de vida. O pai foi de trem e o menino
é levado pelo vento.
Animado pelas lembranças do pai (a fotografia,
a memória da despedida, a música tocada na flauta), o
menino empreende uma jornada e as aventuras sucedem-
se. A leveza das formas, das composições de cores e a
delicadeza da música contrastam com o peso dos temas
tratados.
Ao contrário do infantil por incipiente, ingênuo ou
aquele que está ainda por aprender, o menino mostra seu
repertório ao transformar guindastes em dinossauros,
tanques de guerra em animais selvagens, trens em longas
serpentes etc. Ele lê o mundo por uma métrica criativa a
partir de seu próprio repertório de imaginação.
Literatura infantil e juvenil

Tendo por fundo folhas brancas à espera dos rabiscos,


as figuras e as cores dos desenhos estão muito distantes da
tecnologia das animações em geral. Há uma sofisticação
158

do simples, da primária forma de expressão. Em entrevista,


constando do making off do filme, quando perguntado sobre
a ênfase que seus trabalhos dão ao desenho, o diretor
responde: “Todas as crianças desenham... Primeira forma
de expressão. Algumas crianças param de desenhar e
outras não, e eu sou uma dessas”. (FUNDAÇÃO BUNGE,
2014). Coerente com a organicidade do traço infantil, os
desenhos surgem dos lápis de cor, das canetinhas, dos
pincéis e das tintas e, em muitas sequências do filme, os
desenhos vão sendo feitos diante de nossos olhos, não
aparecem prontos na tela.
Nitidamente, os desenhos saem das mãos humanas
que, por óbvio, nos chegam mediados pelo computador,
num processo de alta complexidade, como é possível
verificar no making off do filme. Em muitos momentos,
em composição com o traço infantil, o filme nos fala da
humanidade perdida nos processos maquínicos do mundo
atual. A equipe de trabalho é uma referência de afetividade,
coletividade, demonstrando a consciência na criação do
fazer artístico partilhado.
Há um refinamento de sonoridades no filme que
tornam quase indistinguíveis as imagens dos sons.
Também no making off, é possível ver o trabalho de ourives
em cada toque; não há captação de som direto, todos são
produzidos em estúdio para o filme e, a maioria deles, ao
invés de reproduzir o som próprio de cada objeto ou ação,
são feitos através de notas musicais, dando originalidade à
paisagem sonora. A trilha música é assinada por Gustavo
Kurlat e Ruben Feffer, com a participação especial de Naná
Vasconcelos, do Grupo Experimental de Música (GEM)
e do Grupo Barbatuques, além do rapper Emicida, que
compõe um rap chamado Aos olhos de uma criança, uma
síntese cantada da jornada do menino.
Além de contar uma história sob a perspectiva de

O menino e o mundo
seu olhar infantil, Abreu (2013) insiste numa espécie de
filosofia da infância em seus trabalhos no audiovisual.

159
Trabalhar a infância como tema é, para o diretor, uma “[...]
possibilidade de carregar a esperança, que se transforma
numa crença, que a gente deixa sobreviver dentro da gente,
de que tudo é possível” (FUNDAÇÃO BUNGE, 2014).
Sua percepção da infância liga-se ao ofício de cronista, na
concepção de BENJAMIN (1994, p. 223):

O cronista que narra os acontecimentos, sem


distinguir entre os grandes e os pequenos, leva
em conta a verdade de que nada do que um dia
aconteceu pode ser considerado perdido para a
história.

Infância
É preciso afirmar que se trabalha, aqui, com
a concepção de autonomia da criança tanto como
espectadora (público) quanto como produtora de sentidos
(personagem), quando, no caso específico de O menino e o
mundo, empresta seu olhar e sua disposição em compreender
o mundo às peripécias no processo de construção da
narrativa fílmica. Apesar de animações, como gênero
fílmico, serem genericamente indicadas para crianças,
pensadas com certas incapacidades ou com reduzidas
possibilidades de compreensão, em O menino e o mundo é
claro o caráter de emancipação com que os espectadores
infantis são pensados; as crianças-personagens são
potentes em “[...] deixarem de ser espectadores e tornarem-
se agentes de uma prática coletiva” (RANCIÈRE, 2012,
p. 13). Os dramas, as descobertas, as construções pelas
quais o menino expõe-se podem ser capazes de formar
comunidades infantis de pensamento – de crianças e de
adultos.
Nesse sentido, pode se dizer que a infância aparece
Literatura infantil e juvenil

a partir da concepção do filósofo italiano Agamben (2005,


p. 10). Para ele,
160

a in-fância [...] não é simplesmente um fato do qual


seria possível isolar um lugar cronológico, nem algo
como uma idade ou um estado psicossomático
que uma psicologia ou uma paleoantropologia
poderiam jamais construir como um fato humano
independente da linguagem.

A noção de infância é, para o autor, um modo de


pensar sobre a linguagem. Assim como a infância, a
linguagem como potência de revelação está sempre por
vir, empurra sempre para mais adiante o conteúdo da vida.
Para Agamben (2005, p. 14),

A potência – ou o saber – é a faculdade


especificamente humana de manter-se em relação
com uma privação, e a linguagem, na medida
em que é cindida em língua e discurso, contém
estruturalmente esta relação, não é nada além desta
relação.
Nesse sentido, a criança, para formular um discurso
sobre as coisas, lança mão de seu saber imaginativo para
criar uma linguagem que promova a relação entre língua
(imaginada ou culturalmente aprendida) e um discurso
seu. Precisamente onde a palavra falta no filme, o menino
mostra o pensamento que nós vemos em imagens:
dinossauros como guindastes, notas musicais como bolas
laranjas que brotam das flautas, etc; “[...] é possível, aliás,
que aquilo que chamamos de pensamento seja pura e
simplesmente este experimentum” (AGAMBEN, 2005,
p. 13). O que ele aprende no confronto com o mundo é
experiência.
A falta do pai (que poderia ser equivalente à falta
da palavra na história?) seria o espaço, a fenda necessária
para a invenção do menino – as imagens que ele cria para

O menino e o mundo
nomear os objetos é a linguagem da potência criativa.
Assim, seria na falta/falha que ele produz um saber sobre

161
o mundo, ou seja, a experimentação que a criança faz é a
própria língua posta em ato (AGAMBEN, 2005). A infância
como linguagem, então, não reconhece os limites do real e
inventa incessantemente as formas de vida.
Em sentido próximo, Benjamin (1984, p. 55) afirma
que a criança dá sentidos às coisas do mundo a partir de
suas capacidades imaginativas:

[a criança] vence a parede ilusória da superfície e,


esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos,
penetra em um palco onde o conto de fadas vive.
[...]. Nesse mundo permeável, adornado de cores,
onde a cada passo as coisas mudam de lugar a
criança é recebida como companheira.

No filme, há poucas palavras e, quando aparecem,


elas estão num português invertido. Assim, o que é dito não
comunica porque não há correspondência semântica com
a nossa linguagem escrita/falada. Por outro lado, há uma
profusão de sons: o barulho dos pássaros, o latido do cão, o
rangido de engrenagens das máquinas, o apito das fábricas,
a música das bandas, o som das flautas etc. O silêncio de
palavras na história arma as condições para que se dê a
experimentação do mundo. Compreende-se a linguagem,
então, como o conjunto de referências simbólicas (visuais,
sonoras, táteis) que permitem experimentar o mundo pelo
pensamento. Diz Agamben (2005, p. 85) que:

Um olhar sobre o mundo dos brinquedos mostra


que as crianças, estes belchiores da humanidade,
brincam com qualquer velharia que lhes cai
nas mãos, e que o jogo conserva assim objetos e
comportamentos profanos que não existem mais.
Literatura infantil e juvenil

Não há, no filme, um adulto que direcione sua


(des)aprendizagem do mundo, ele o faz empurrado pelos
ventos, pelos eventos, pela música, pela saudade do som
162

da flauta tocada pelo pai. Jornada de (des)aprendizagem


essa que parece combinar com a fala do diretor quando,
em entrevista, afirma que o menino foi fazendo-se em seus
cadernos de anotação durante dois anos, até que a história
formulou-se para animar os personagens e contar sua
trajetória pelo mundo.
A jornada que, pelo comum, prevê a superação dos
obstáculos e a obtenção do final heroico redentor das
agruras encontradas, surpreende o espectador mostrando
que o mundo é isso e aquilo, é perdas e experiências.
Descoberta sem novidade do abandono nas cidades, das
desigualdades sociais, dos disparates do poder. A potência
da animação está em explicitar tão claramente o que se
pensa poder esconder – a história.
A “história a contrapelo” no cinema
político de animação
Os traços desenham uma vida no campo: a semente,
as borboletas, um ruminante (boi? vaca?), as galinhas,
aves, insetos, árvores, flores. O menino brinca nas nuvens
quando é interrompido pelo barulho do trem e, da
brincadeira risonha e da música leve, ele volta ao chão, num
movimento de quadro que nos dá a percepção de queda.
É a hora da partida do pai, o som é o da flauta que o pai
mau toca; o trem, como uma longa serpente, desaparece,
levando o pai. Ele, que arava a terra, fica apenas como
memória. O menino guarda numa lata as notas saídas da
flauta tocada pelo pai e as do canto melancólico da mãe
que fica, desolada. A lata, como uma concha do mar, é, por
vezes, encostada ao ouvido para que a presença da partida

O menino e o mundo
volte, que aquela vida volte. Ele enterra a lata e, sobre ela,
coloca uma semente – uma memória em cultivo.

163
Em Rancière (2012, p. 15), tem-se que

[...] imagem designa duas coisas diferentes. Existe


a relação simples que produz a semelhança de um
original: não necessariamente sua cópia fiel, mas
apenas o que é suficiente para tomar seu lugar. E há
o jogo de operações que produz o que chamamos
de arte: ou seja, uma alteração da semelhança.

Na sequência inicial da animação descrita, há os


dois procedimentos apontados por Rancière (2012). Ela
assinala uma semelhança com o real, o suficiente para
entendermos a dor da separação da vida em duas partes:
a protegida pelas alegrias da relação de vida da família no
campo; e uma alteração com a semelhança, pelo corte
doloroso que dá origem à viagem do menino, através de
realidades recobertas de fantasias. Na mala, segue a foto da
família: pai, mãe e menino.
Para Benjamin (1984), a criança aprende, desde cedo,
que o que caracteriza um adulto é a perda da magia. Daí
que seu mundo se distingue pela invenção, é pela magia
que as crianças são capazes de respostas novas às velhas
perguntas. Ele afirma que

[...] a resposta da criança [ao mundo dos adultos] se


dá através do brincar, através do uso do brinquedo
que pode enveredar para uma correção ou mudança
de função. E a criança também escolhe os seus
brinquedos por conta própria, não raramente entre
os objetos que os adultos jogaram fora. As crianças
fazem a história a partir do lixo da história. É o que
as aproxima dos ‘inúteis’, dos ‘inadaptados’ e dos
marginalizados. (BENJAMIN, 1984, p. 14).
Literatura infantil e juvenil

Então, à infância é dado o privilégio da aprendizagem


outra. Somente as crianças aprendem e, aí, são capazes
de renomear o mundo e as coisas. Aos adultos reserva-se
164

a repetição, a falsa noção do saber que é eterno retorno


ao já dito. Para Rancière (2012, p. 15), “As imagens da
arte são operações que produzem uma distância, uma
dessemelhança. [...]. Formas visíveis propõem uma
significação a ser compreendida ou a subtraem”.
É nesse sentido de infância, no traço infantil que vai
desvelando um saber sobre a realidade, que O menino e o
mundo é capaz de realizar a tarefa benjaminiana de olhar a
história a contrapelo e, assim, e só assim, dar significado
ao presente. Compreender o mundo é simultaneamente
entender a história. No entanto, avisa Benjamin (1994,
p. 224) que

Articular historicamente o passado não significa


conhece-lo “como ele de fato foi”. Significa
apropriar-se de uma reminiscência, tal qual ela
relampeja no momento do perigo. [...]. O perigo
ameaça tanto a existência da tradição como os que a
recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-
se às classes dominantes, como seu instrumento.

A história que o filme conta, avessa à história do


vencedor, narra, do presente do menino ao passado
do capital, o percurso triunfante do desenvolvimento
econômico e tecnológico que, para tal, omite seus rastros
de sacrifício social. Tem-se em Benjamin (1994, p. 223) a
explicação de que

O passado traz consigo um índice misterioso, que


o impele à redenção. Pois somos tocados por um
sopro de ar que foi respirado antes? Não existem
nas vozes que escutamos, ecos de vozes que
emudeceram? [...] Se assim é, existe um encontro
secreto, marcado entre as gerações precedentes e
a nossa.

O menino e o mundo
A animação interrompe o cortejo dos vencedores,

165
mostrando os efeitos da história, agora, contada sob a
perspectiva dos vencidos, dos que perdem o pai, dos que
precisam abandonar a terra, dos que se tornam anônimos
na cidade. Nas palavras de Benjamin (1994, p. 225),
“Todos os que até hoje venceram participam do cortejo
triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os
corpos dos que estão prostrados no chão”. Trata-se, sem
dúvida, de um filme de estética política para as infâncias:
novamente se alega, de crianças e de adultos. Abreu (2013)
assume a tarefa do materialista histórico, sob a perspectiva
benjaminiana, e “[...] desvia da transmissão da cultura
como barbárie” (BENJAMIN, 1994, p. 225), escovando a
história a contrapelo ao mostrar os despojos deixados pelo
cortejo dos vencedores no acúmulo capitalista.
A primeira parada de viagem é na colheita do algodão:
homens, mulheres e crianças dobrados sob o peso das
cestas cheias de algodão retirado das imensas plantações.
O menino vê, com enorme espanto, o esforço humano
para fazer chegar a produção à longa fila de caminhões que
transportarão o algodão. Na interpretação do materialismo
histórico, Harnecker (1983, p.37) assinala que

[...] o que o marxismo sustenta é que os homens não


estão sós e isolados em sua luta pela transformação
da natureza, que ao efetuarem o processo de
trabalho estabelecem entre si determinadas
relações: relações de colaboração e ajuda mútua,
relações de exploração, ou relação de transição
entre ambos os extremos.

Através dos olhos do menino vemos o trabalho entre


muitos em variadas relações: de colaboração simétrica,
mas também em assimetria. O capataz, tal qual um xerife,
passa em revista a fila de trabalhadores, inspecionando
Literatura infantil e juvenil

e selecionando quem fica e quem sai – saem os velhos,


aqueles que já caminham lentamente e não possuem mais
a força de trabalho exigida para a produção do capital. O
166

menino aprende, e nós relembramos, como dá-se a divisão


social do trabalho, com sua distribuição de tarefas a partir
de uma estrutura social e ideologicamente determinada.
Do campo, ele segue para a cidade atrás do que pensa
ser uma pista do pai – um trabalhador de fábrica. O que
move as máquinas são os homens. Ele e nós vemos todo
o processo de fabricação do tecido, desde a colheita do
algodão (na sequência fílmica anterior), a feitura dos fios,
a tecelagem dos fios e, por fim, o tecido sendo embarcado
na carroceria de outros tantos caminhões – tudo movido
pela mão humana. Ainda, nesse ponto da narrativa, a
força de trabalho desempenha papel dominante, dando
ao trabalhador o conhecimento sobre o produto final de
seu labor.

Eles [os meios de produção] assinalam o tipo de


atividade que os indivíduos devem realizar para
a fabricação dos produtos, determinando, desta
maneira, o tipo de relação que se estabelece
entre o trabalhador e os meios de produção.
(HARNECKER, 1983, p. 36).

Reforçando a ideia de que a consciência do


trabalhador sobre si mesmo, na dependência do saber
sobre sua participação no complexo econômico capitalista
das relações sociais, corre o risco da alienação, o filme traz
à cena o trem, que abre suas portas e vê-se a figura do pai
do menino (que reconhecemos pelo mesmo desenho de
homem) e faz o menino acreditar na ilusão do encontro,
quando, no segundo seguinte, a mesma figura aparece às
centenas, saindo do trem e caminhando pela plataforma
da estação – todos, absolutamente, com a mesma
inexpressividade facial. O pai pode ser, assim, associado
à participação dos anônimos na construção social das

O menino e o mundo
riquezas das quais não usufruem. Nesse sentido, os sujeitos
trabalhadores alienados aparecem como constitutivos do
sistema capitalista, porém, desidentificados com a produção

167
e, consequentemente com a história da produção. No
entanto, a revisão histórica, dando lugar a esses sujeitos e a
suas participações nos processos de produção e não como
efeito perverso do capital, pode assinalar exatamente que,
sem o conhecimento da história das formas de acumulação
capitalista, sim, instala-se o perigo do autômato. O pai
(que se separa da família e passa a integrar a massa de
autômatos) e o menino (que parte em busca do pai e vê-se
reduzido a mais um no conglomerado da cidade grande)
são imagens fortes que se contrapõem às possibilidades
romantizadas de felicidade como natureza das histórias
narradas. Ao contrário disso, Löwy (2005, p. 94), lendo as
teses sobre o conceito de história, interpreta:

A imagem [do anjo da história] sugere,


implicitamente, que se a humanidade permitir que
o trem siga seu caminho – já inteiramente traçado
pela estrutura de aço dos trilhos – se nada vier
interromper seu curso vertiginoso, vamos rápida e
diretamente para o desastre, o choque ou a queda
no abismo.

Na animação, vê-se e ouve-se a balbúrdia da cidade:


trabalhadores exaustos que lotam os ônibus, sinaleiras,
outdoors que multiplicam anúncios publicitários, fumaça,
buzinas – um desfile militar, como o cortejo triunfante.
A banda, muito diferente da anterior, é preta, a música
é metálica e vem acompanhada pelo barulho dos pés em
marcha.
Os olhos do menino, de dentro do ônibus, mostram,
espantados, o horror das cidades, do nosso cotidiano:
arranha céus, nenhuma árvore, nenhuma flor, não se vê
o céu, não se vê folha branca – tudo está preenchido.
A cidade surge para o menino como o lugar do trabalho e
Literatura infantil e juvenil

do consumo: a comida vem de caixas, todas iguais.


É explícita a contraposição entre o orgânico e o
inorgânico, na experiência do menino. O primeiro vem da
168

memória, o arroz, o feijão, as frutas, e ele retoma um saber


orgânico: a alimentação, a via dos animais, o amanhecer,
o anoitecer, o plantio e a colheita. O segundo vem do
presente da narrativa: os transportes (o avião, os navios, os
caminhões), as máquinas e a maquinização dos homens,
a velocidade da vida, a colagem das imagens sem ligação
entre si vistas pelo menino em frente à TV. Ele foge pela
imaginação e vê-se em meio a uma multidão, que canta e
dança em novo encontro com a banda colorida e alegre.
Na última sequência da animação, que mostra o
menino na cidade, há um tenso embate entre o pássaro
colorido, que aparecia com a banda alegre, e o pássaro
preto, que se forma com a fumaça dos tanques e canhões.
Trava-se uma guerra em que o pássaro colorido é atingido
por uma rajada de balas de metralhadora saídas das asas do
pássaro preto. Em seguida, o que se vê são os instrumentos
musicais inertes no chão e as cores escorrendo para os
bueiros da cidade. A essas imagens metafóricas sucedem
seus equivalentes de realidade: homens, mulheres e crianças
recolhendo objetos num enorme lixão, o desmatamento
nas florestas, embate entre policiais e os cidadãos etc.
O protagonista faz o caminho de volta: a casa está
abandonada e ele não é mais um menino. Então, percebe-
se que ele é o rapaz que se viu na favela que, num ciclo
infernal, acolhe outros meninos que, em busca de seus
pais, aprendem a violência da cidade. Imagem cindida entre
o real e o imaginário, entre a realidade e a esperança, entre
o menino e o adulto, que não aparecem como dicotomias,
mas como complementariedades na complexidade do
mundo. O adulto parte para a vida na cidade e o menino
insiste no mundo colorido e musical, no encontro com os
pais, no afeto, pregando na parede a foto da família. Ele
resiste em abandonar a infância da imaginação e o traço
infantil segue contando a história, numa parceria com a

O menino e o mundo
imaginação que se mostra como a linha de fuga à perda da
infância como linguagem do mundo.

169
Pelbart (2000, p. 7), ao analisar as subjetividades
contemporâneas, afirma que

[...] a percepção vertiginosa de que estamos por


um fio, a descoberta penosa de ver-se reduzido
a quase nada, a suspeita crescente de que esse
pouco talvez não baste para prosseguir. Ao lado
da certeza esvaída, a vida depauperada, o abismo
escancarado, a quebra irremissível no fio do tempo
e no contorno da alma. [...] é preciso ir além do
susto e de seus efeitos de superfície para sondar os
gestos de reinvenção da vida que ele esboça.

A animação O menino e o mundo é um gesto de


reinvenção e a infância que o narra é o traço que foge
aos efeitos de superfície e desvela a complexidade da vida
em suas camadas históricas de exploração de uns sobre
outros, em nome do lucro.
Referências
ABREU, Alê. O menino e o mundo. Produção de Tita Tessler
e Fernanda Carvalho. Brasil, 2013. 85 min. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=_N5KGcBDe_M>. Acesso
em: 12 abril 2017.
AGAMBEN, Giorgio. Infância e história. Destruição da
experiência e origem da história. Tradução de Henrique Burigo.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Obras
escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. 7. ed. Tradução de
Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
______. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação.
Tradução de Marcus Vinicius Mazzari. São Paulo: Summus,
1984.
Literatura infantil e juvenil

FUNDAÇÃO BUNGE. Entrevista com Alê Abreu (Parte


1). 13 mai. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=Fw1XYkgfj8Q>. Acesso em: 5 mai. 2017.
170

HARNECKER, Marta. Os conceitos elementares do


materialismo histórico. 2. ed. São Paulo: Global, 1983.
LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma
leitura das teses “Sobre o conceito de história”. Tradução de
Wanda Nogueira Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 2005.
PELBART, Peter Pál. A vertigem por um fio. Políticas da
subjetividade contemporânea. São Paulo: Iluminuras/Fapesp,
2000.
RANCIÈRE, Jacques. A fábula cinematográfica. Tradução de
Christian Pierre Kasper. Campinas, SP: Papirus, 2013.
______. O destino das imagens. Tradução de Mônica Costa
Netto. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
ROSA JUNIOR, Hamilton. Mundo do cinema 36 (Parte 2).
Entrevista com o diretor Alê Abreu. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=KahMcP9eGAA>. Acesso em: 8
mai. 2017.
O velho Graça
e a história dos
que não cabem

Ana Crelia Dias

Os compêndios de história da literatura brasileira


parecem ser quase unânimes em reafirmar os autores
do cânone literário brasileiro, por um lado, e, por outro,
negligenciar a obra produzida por eles, quando essas
foram escritas para o público infantil. A parca visibilidade
oferecida a esses textos pela crítica acadêmica ocorre em
função de a academia não reconhecer a natureza estética
na literatura produzida para crianças e jovens, e essa
controvérsia é antiga. Nem mesmo Monteiro Lobato,
autor responsável pela inauguração de uma produção
original e protagonizada pela criança, recebe espaço nos
compêndios historiográficos brasileiros para os textos do
Sítio do Picapau Amarelo. O poeta Carlos Drummond
de Andrade foi um dos primeiros a manifestar incômodo
acerca desse tema:

O gênero Literatura Infantil tem a meu ver existência


duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil?
A partir de que ponto uma obra literária deixa de ser
alimento para a alma de uma criança ou um jovem
e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro
para crianças que não seja lido com interesse pelo
homem feito? [...] Observados alguns cuidados de
linguagem e decência, a distinção preconceituosa
se desfaz. Será a criança um ser à parte? Ou será a
Literatura Infantil algo de mutilado, de reduzido, de
desvitalizado – Porque coisa primária, fabricada na
persuasão de que a imitação da infância é a própria
infância? (ANDRADE, 1944, p. 220).
Literatura infantil e juvenil

As indagações de Drummond servem tanto para


questionar a qualidade duvidosa de algumas produções
172

que ignoravam autonomia e inteligência infantis, como


para reconhecer que a especificidade dos textos dirigidos
às crianças não deve abrir mão de um processo criativo
em que pesem originalidade e qualidade estética.
Portanto, se há divergências de opinião sobre existir ou
não especificidade, não se pode negar a existência de
um destinatário prévio, mesmo que não exclusivo, alvo
inclusive de grande investimento por parte do mercado
editorial, uma vez que as publicações direcionadas a
ele rendem boas vendagens. Vale ressaltar, pois, que
reconhecer que há um público infantil e juvenil, que
verdadeiramente consome literatura, não significa afirmar
que os mais jovens necessitam de textos especialmente
criados para eles, que não seriam capazes de entender um
texto para adultos. Nem significa que um texto, pensado
para criança, não vá agradar aos adultos.
A questão que se sobreleva é a existência de uma
produção que se constitui como um subsistema de um
sistema maior, que é o literário, em que se encontram textos
que já nascem com destinatário específico, como aqueles
produzidos para crianças e jovens. Entretanto, os textos
escritos para adultos, apesar de serem pensados como mais
universais em relação ao critério de destinação, nascem
também sob a expectativa de aproximação identitária,
entretanto não diversa do produtor, como no caso das
produções dirigidas a um público que não é o mesmo que
produz. Ou seja, adulto escreve para adulto, com previsão
de destinatário, mas isso não lhe confere dificuldade porque
não representa diferença sob o ponto de vista da produção
em relação a aspectos concretos (domínio linguístico, por
exemplo) ou mesmo não tão palpáveis, como o acesso a um

O velho Graça e a história dos que não cabem


universo simbólico diferente e constantemente mediado
pela fantasia. Quando a escrita é para o público infantil,
pressupor aproximação desse destinatário sem transpor
para a linguagem uma mediação redutora aparece como
tarefa complexa, porque implica aproximar-se de uma

173
alteridade diversa a que, entretanto, já pertenceu o sujeito
adulto, mas desenvolveu-se em outra. De certa forma,
parece uma retomada de si pela memória da criança que
foi ou pela tentativa de simulação da criança que teria sido
ou da qual gostaria de aproximar-se.
Não é pouco frequente o relato de escritores
canônicos que escrevem para adultos motivados por uma
aproximação afetiva com esse público. Clarice Lispector
declarou que escreveu seu pequeno elenco de textos para
crianças a pedido dos filhos; Raquel de Queiroz afirmou
que a chegada dos netos da irmã acendeu nela a vontade
de escrever para os pequenos; Jorge Amado escreveu o
primeiro livro infantil quando se tornou pai. E assim, por
esse caminho de aproximação real do público, normalmente
pelas vias afetivas, e não somente pelo desejo de escrever
para esse destinatário sem rosto, muitos de nossos
escritores, e também os de outros países, em determinado
momento, escreveram para a infância. Embora não se
possa afirmar que esse seja o único motivador da escrita de
textos infantis por autores de literatura já consagrados na
literatura para adultos, aparece com bastante frequência
nos relatos.
O reconhecimento da obra de autores canônicos na
literatura para adultos, como já afirmado, é inquestionável
se pesquisamos suas fortunas críticas ou suas presenças
nas histórias da literatura. Num breve percurso sobre
a produção ainda pouco visibilizada, se comparada à
produção para adultos, vamos lançar nosso olhar sobre
Graciliano Ramos. O propósito é pensar a relação que
estabeleceu com esse público, por meio da literatura que
escreveu para ele, além propor uma leitura de A terra dos
meninos pelados, primeiro texto do autor pensado para
esse público, e não reendereçado posteriormente, como
aconteceu com Histórias de Alexandre, Minsk e Luciana,
Literatura infantil e juvenil

sendo os dois últimos originalmente contos do volume


Insônia.
Graciliano Ramos escreveu A terra dos meninos pelados
174

no ano de 1937, logo depois de sair da prisão, momento


em que se encontrava em situação financeira bastante
complicada. Havia uma seleção do Ministério da Educação
para premiação de obras escritas para o público infantil.
Por insistência de amigos escritores, em especial José Lins
do Rego, o autor alagoano resolveu lançar-se à empreitada
de escrever o texto e submeter-se ao concurso. Assim,
nasceu a história de Raimundo, o menino de cabeça
raspada e um olho azul e outro preto. Cabe ressaltar que,
no ano anterior, havia sido criada a Comissão Nacional
de Literatura Infantil (CNLI) e o concurso destinava-se
a, de certa forma, alavancar a produção para a infância.
Entretanto, o contexto presumia uma proposta cívica e
moralizante condizente com os ideais do Estado Novo
getulista. Nesse sentido, o texto de Graciliano Ramos
representa uma transgressão ao propósito do concurso,
afinal o menino Raimundo representa a resistência à
uniformização segundo um padrão social.
Sobre o lastro da obra na fortuna crítica do autor,
esse é tão restrito quanto o de outros autores canônicos,
como Rachel de Queirós ou Érico Veríssimo, por exemplo:
apenas os críticos de literatura infantil, em que se inclui
o estudo de Nelly Novaes Coelho, e biógrafos tratam de
A terra dos meninos pelados, além de, mais recentemente,
algumas teses e dissertações, em que se inclui a dissertação
de Ricardo de Medeiros Ramos Filho, neto do autor e cujo
estudo debruça-se sobre A terra dos meninos pelados e São
Bernardo.
Quando editado como parte de Alexandre e outros
heróis, volume que reuniu ainda as Histórias de Alexandre

O velho Graça e a história dos que não cabem


e Pequena história da República, a história de Raimundo
mereceu estudo em posfácio de Osman Lins, que
afirma serem esses escritos de Graciliano Ramos “[...]
uma espécie de pausa, de recreio, que se concede
este escritor severo, sofrido, tão exigente em relação à
forma e tão penetrado do sentido trágico da existência.

175
O fenômeno não voltará a repetir-se” (LINS, 1991, p. 196).
Esse fenômeno, a que Lins (1991) chama de pausa, só
pode ser entendido como externo às obras e não da obra
em si, isto é, trata-se do endereçamento prévio e desdobra-
se em três obras, que o crítico trata como menores em
relação ao conjunto da obra do escritor alagoano, como
pode-se perceber na observação que faz em relação à
forma e à densidade psicológica que são marcas da escrita
do velho Graça. A afirmação da menor qualidade do texto,
especialmente em se tratando de A terra dos meninos pelados,
parece muito mais ligada à predisposição de marcar para
fora do projeto estético do autor o texto infantil, uma vez
que não falta a Raimundo, personagem central da narrativa,
tratamento psicológico conferido primordialmente em
função de sua marca distintiva na aparência.
Apesar de ter sido premiado em 1937, o livro só foi
publicado em 1939, com ilustrações de Nelson Boeira
Faedrich, o que pode assinalar certo desinteresse editorial
pelo texto dirigido a crianças. Erico Veríssimo, por meio
de carta datada de 18 de agosto de 1938, justifica o atraso,
afirmando não ter a editora condições de assumir mais
compromissos naquele ano, além de pontuar o fato de
não ter recebido pagamento antecipado pelo serviço. Além
desse atraso na publicação, podemos perceber, na capa da
primeira edição cuja reprodução é apresentada a seguir,
que a editora recorre a um identificador de legitimação – o
selo do prêmio do Ministério da Educação, atestando certa
qualidade vinda de um órgão que, guardadas as devidas
intenções de incentivo à produção para esse público, acaba
por tentar, por meio dessa chancela, aproximá-la de uma
dimensão pedagógica.
Outra curiosidade em relação a esse livro diz respeito
Literatura infantil e juvenil

ao fato de ele compor, juntamente com Histórias de Alexandre


e História da República, uma trilogia à parte na obra do
escritor alagoano por não trazer para o centro do debate o
176

engajamento social em primeiro plano. No entanto, parece


reiterar o olhar que sobreleva a angústia humana diante do
não caber no meio social, do fortalecimento da linguagem
nordestina e de sua cultura e sabedoria popular. Não
se trata da simples visão de algo menor, fora do projeto
estético de Graciliano Ramos, como fora argumentado
por Osman Lins, mas trata-se de uma escrita assumida
para um destinatário específico e engendrada a partir da
percepção de infância do autor.
Se os três livros são uma pausa no projeto estético
de Graciliano, eles o são na forma de engajamento, sem
nuances explícitas de crítica social, para dar voz a outras
formas de expressar o humano: o contador de casos e sua
capacidade de fabular em meio às agruras viventes; o menino
diferente e alijado por seus pares; o mediador da História,
tão cara ao conhecimento de mundo dos pequenos. Em
todos eles, a identificação com o destinatário específico
pode ser percebida: ora pelo humor e leveza das histórias,
ora pela identificação com o personagem criança, ora pelo
tom de mediação na apresentação dos fatos históricos.
A peculiaridade de A terra dos meninos pelados, de ter sido
obra premiada em concurso destinado ao público infantil,
parece institucionalizar sua alocação à parte do restante da
obra do alagoano, mas não é o único fator que marca esse
texto e sua relação com o público específico, pois as Histórias
de Alexandre são mais verticais em relação ao público,
visto que a marca de identificação com o destinatário
não é direta e, como texto fundado na tradição de contar
histórias, utilizando-se do humor como estratégia, agrada
a todos, inclusive aos pequenos.
Outra incursão do autor ao universo de textos

O velho Graça e a história dos que não cabem


dedicados à criança faz-se pelo reendereçamento de
alguns textos de Histórias de Alexandre, para compilação
no volume 7 histórias verdadeiras, título publicado pela
editora Vitória, muito conhecida por trazer à cena textos
dos afiliados ao Partido Comunista, ilustrado por Percy

177
Deane. O volume acompanhava uma carta de Graciliano
às crianças, firmando de vez a filiação da nova edição ao
público infantil. O título, 7 histórias verdadeiras, parece
oferecer ao público o tom de brincadeira ao compor,
juntamente com o número sete, famoso por ser conhecido
como conta de mentiroso, o amálgama da tradição de
contadores de causos, de que Alexandre é representante
máximo.
A carta de Graciliano a esse público, convocando-o
a uma conversa, parece assinalar o respeito necessário
à criança e o reconhecimento de que aquele público
era também apropriado para o direcionamento de uma
produção. A edição, conforme podemos atestar na Carta
de Graciliano às crianças (RAMOS, 2013), publicada às
vésperas do Natal de 1951 no jornal Imprensa Popular, era
uma quase promoção natalina, em que a convocatória
para uma reunião com o autor deveria ser precedida do
preenchimento de um cupom:
Pela primeira vez o grande romancista brasileiro
Graciliano Ramos publica um volume de contos
para crianças: 7 histórias verdadeiras, que acaba de
ser lançado pela Editora [Victória], em primorosa
edição com ilustrações de Percy Deane. O ano
se encerra assim com um notável acontecimento
literário, e as crianças poderão ter nele o seu melhor
presente de Natal. Um fato inédito será a conversa
que os leitores mirins do livro terão com Graciliano
Ramos, dentre em breve, a propósito de suas
histórias. Cada livro é acompanhado de um cartão-
convite para essa palestra, que será oportunamente
marcada. [Nota intitulada 7 histórias verdadeiras,
publicada no Jornal Imprensa Popular, em 16 de
dezembro de 1951]. (RAMOS, 2013, p. 331).

Já naquela época, o mercado editorial parece ter


Literatura infantil e juvenil

reconhecido a força de lançar ao público infantil um


livro constituído como produto recomendável, porque
traz consigo a legitimação de um autor velho conhecido
178

dos pais, professores e outros adultos, os verdadeiros


compradores dos livros para as crianças. Ou seja, há
muito tempo, autores consagrados constituem-se como
uma espécie de selo de qualidade para uma produção
desprestigiada, a da literatura infantil.
Em relação a A terra dos meninos pelados, Raimundo,
o personagem central, já traz no nome o mundo e parece
sinalizar, com sua inadequação ao contexto em que vive, a
sua condição de sobrevivente a ele. É interessante observar
que Graciliano mantém no menino a estrutura gauche,
que marca seus célebres personagens, constituídos pela
diferença e pela marca da solidão em relação ao meio em
que vivem. O menino, “[...] diferente dos outros meninos
[...] [porque] [...] tinha o olho direito preto, o esquerdo azul
e a cabeça pelada [...]” (RAMOS, 2009, p. 7), traz a marca
explícita da diferença no corpo, que parece sinalizar uma
metáfora maior do cerceamento da liberdade: a prisão,
realidade vivida pelo autor em período anterior à escrita
do livro. A cabeça raspada pode ser lida como uma alusão
mais direta nesse sentido. E, assim como na prisão vivida
pelo autor, para Raimundo, a diferença não apresenta
justificativas, servindo apenas para excluí-lo dos viventes
do lugar.
A infância oprimida pela diferença aparece em
outros momentos da escrita de Graciliano Ramos. Luciana,
personagem do conto Minsk, de Insônia, representa um
borrão numa família patriarcal em que o modelo de
criança era a irmã; em A criança infeliz, do volume Infância,
escrito alguns anos mais tarde, desdobraria o personagem
Raimundo, trazendo à cena o menino humilhado pelos
colegas da escola, pelo diretor, pela família e condenado ao

O velho Graça e a história dos que não cabem


destino de, assumida a vida adulta, reproduzir as opressões
recebidas e ser condenado a uma morte trágica.
Em A terra dos meninos pelados, a viagem a que se
lança Raimundo, como alternativa de sobrevivência, é
permeada de encontros, mas sem vocação aventureira,

179
como afirma Coelho (1995, p. 398): “É, porém, livro muito
mais de natureza reflexiva do que aventuresca”, isto é, o
que poderia representar fuga e construção de um herói
ao modelo épico, pela sobreposição de obstáculos a
serem superados, constitui-se, antes, como um mergulho
na própria diferença, num encontro com seus pares.
Não há muitos avanços desdobrados nos 23 capítulos.
A jornada desse herói consiste em sair do lugar em que
não conseguia ter pertencimento e adentrar o mundo de
pares, criado a partir da necessidade de fugir ao outro, ou
seja, cada avanço em direção à nova terra é, na verdade,
uma volta a si mesmo, para reconhecer-se. Percebe-se,
portanto, uma investida forte na dimensão psicológica
da personagem, traço comum nas obras de Graciliano e
indício de que o texto não se desfilia do projeto estético
do autor, legitimado aqui na crítica de Coelho (1995). Em
A terra dos meninos pelados, percebemos o mover-se para
dentro, o remoer a inadequação e o praticar a incapacidade
de comunicar diante da violência do vivido. Tudo isso
constitui-se também como marca desse personagem.

Os vizinhos mangavam dele e gritavam:


– Ó pelado!
Tanto gritaram que ele se acostumou, achou o
apelido certo, deu para se assinar a carvão, nas
paredes: Dr. Raimundo Pelado. [...]
Não tendo com quem entender-se, Raimundo
Pelado falava só, e os outros pensavam que ele
estava malucando.
Estava nada! Conversava sozinho e desenhava na
calçada coisas maravilhosas do país de Tatipirun,
onde não há cabelos e as pessoas têm um olho
preto e o outro azul. (RAMOS, 2009, p. 8).
Literatura infantil e juvenil

Essa súbita atração pela fantasia, como afirma Coelho


(1995), é uma forma de reação à dureza circunstancial
da razão e revela um autor afinado no propósito de
180

construir uma alegoria do encarceramento vivido por ele,


transmutado em exclusão pelos pares e experimentada sob
a ótica infantil. O conceito de alegoria é-nos dado por
Kothe (1986, p. 82), quando ele explica que esse elemento
na história é a

[...] representação concreta de uma idéia abstrata,


a exposição de um pensamento sob forma figurada
em que se representa algo para indicar outra coisa.
Subjacente ao seu nível manifesto, comporta um
outro conteúdo. É uma metáfora continuada, como
tropo de pensamento, consistindo na substituição
do pensamento em causa por outro, ligado ao
primeiro por uma relação de semelhança.

A narração inicia-se com o desconforto de Raimundo


diante de sua consciência de não pertencimento ao grupo
de crianças. O narrador, em terceira pessoa, nas palavras
de Lins (1991, p. 196), é alguém invisível, que não assume
responsabilidade pela narração: “[...] o Menino Pelado é
tão-só um personagem manipulado pelo narrador invisível,
nenhuma responsabilidade lhe assiste ante a matéria
narrada”. A crítica de Lins (1991) torna-se mais acirrada
quando confere à escrita certa neutralidade estilística,
justificada pelo reconhecimento do destinatário e/ou pelo
fato de não ser uma narrativa localizada geograficamente
no real. De certa forma, ele circunscreve, com essa
crítica, a obra de Graciliano a uma escrita do Nordeste,
denunciadora de suas condições físicas. De fato, não
segue essa linhagem o texto de A terra dos meninos pelados. A
estrutura aproxima-se mais da tradição popular, em que as
críticas são feitas por meio da construção de um universo

O velho Graça e a história dos que não cabem


que transita no maravilhoso e serve de espelho a um real
com suas deformações. Entretanto, o fato de universalizar
questões de dimensão humana não significa ausentar-se
do projeto do autor ou diminuir-lhe a qualidade. Pode-
se pensar, dessa forma, no mundo do menino pelado

181
como uma fabulação da resistência em relação à perda da
liberdade, com a criação de um mundo de pertencimento.
Ramos (1979), filha de Graciliano, afirma que
a escrita dessa obra inicia-se no mesmo mês em que o
pai saíra da prisão e lança-se a aproximar personagens e
artifícios de A terra dos meninos pelados a pessoas conhecidas
no encarceramento e experiências vividas lá. Mesmo que
não seja possível tratar da aproximação realista desse
texto à experiência no sistema prisional de Ilha Grande
apenas por meio das declarações da filha do autor, traços
marcantes contribuem para isso, quais sejam, a exclusão
e as marcas do corpo. A coma cortada, tal qual acontece
ao tupi aprisionado por timbiras em I – Juca Pirama (DIAS,
2013), denuncia sua condição também de vencido pelos
pares e aprisionado em sua diferença. Em depoimento
colhido pela filha, o romancista revela: “O infame
instrumento arrancava-me os pelos, e isto me dava picadas
horríveis no couro cabeludo. A operação findou, ergui-me,
passei os dedos no crânio, liso, arrepiado na friagem da
noite.” (RAMOS, 1979, p. 117). Portanto, a crítica social
contundente na literatura para adulto, tanto estudada na
fortuna crítica do autor, transveste-se de alusão, como
possível estratégia de adequação ao público, bem como,
possivelmente, forma de metaforizar a denúncia que faz à
dificuldade vivida no cárcere.
A tradição a que se filia A terra dos meninos pelados
no rol das obras escritas à época dialoga, como ocorre no
caso de textos infantis de Rachel de Queiroz, com a obra
de Monteiro Lobato no ponto em que, ante a inadequação
ao real, pela distinção que marca o herói, este se lança
ao maravilhoso, fundido à realidade imediata, em uma
viagem por territórios em que a fantasia oferece aos seres
Literatura infantil e juvenil

inanimados oportunidade de conviverem em igualdade


de condições com os humanos, como em vários livros do
autor de O Picapau Amarelo.
182

Em relação à estilística própria do autor, a que Lins


(1991) refere-se como ausente nessa obra, pelo fato de não
comparecerem vocábulos regionais, pode-se afirmar que,
se não se sobrelevam marcas linguísticas peculiares da
cultura nordestina, firma-se em A terra dos meninos pelados
um estilo sóbrio e econômico das palavras e na utilização
de uma estrutura sintática preponderante em coordenação,
muito utilizados nos romances do alagoano.
Resistindo ao ataque recebido por sua diferença,
Raimundo lança-se à sua viagem, a qual não se faz com
a saída de casa e o expandir-se para a rua. Ao contrário, o
movimento é para dentro, que começa com a fuga da rua,
num processo em que o lançar-se para a solidão é também
o exercício da liberdade imaginadora, que não pode ser
expandida entre os colegas: “Raimundo levantou-se,
entrou em casa, atravessou o quintal e ganhou o morro.
Aí começaram a surgir as coisas estranhas que há na terra
de Tatipirun, coisas que ele tinha adivinhado, mas nunca
tinha visto.” (RAMOS, 2009, p. 10-11). Se a criação de um
universo de fantasia, análogo ao processo de brincar pela
criança, a que Freud (1973) atribui caráter de necessidade
humana, parece, em um primeiro momento, como diverso
da produção de um autor que primou pela denúncia
realista das condições do real, em outro, esse universo é a
fundação de um espaço em que se agregam as diferenças,
sem que se percam as singularidades.
A volta da viagem, depois de interessante percurso
na terra da Princesa Caralâmpia, tem como motivadora a
obrigação de fazer o exercício de geografia. Coelho (1995)
trata desse retorno não como um processo cíclico, mas

O velho Graça e a história dos que não cabem


como uma estrutura em espiral, em que muitos caminhos
são percorridos tendo o personagem o mesmo ponto de
partida e optando pelo mesmo ponto de chegada. A volta ao
real, mesmo ainda não modificada, traz outro Raimundo,
apegado ao seu tempo, ao seu espaço e à sua história. E

183
mesmo que não seja o Nordeste retratado com clareza na
narrativa, não merece ser tratado com desatenção o fato de
a obrigação com o exercício de geografia ser o motivador
do retorno.
Apesar de não se mostrar muito confortável
escrevendo para crianças, Graciliano Ramos, que chega
a declarar em texto de Linhas tortas que odeia o livro
infantil, consegue estabelecer um contrato comunicativo
muito próprio com o destinatário em A terra dos meninos
pelados. Sem se desfiliar de seu projeto nem enveredar por
territórios de ensinamentos e lições pedagógicas sobre
a vida, ele constrói uma narrativa em que a angústia do
personagem diante de sua condição de não pertencimento
avança em tom lírico, empreende uma aventura para
dentro de si e retoma o cotidiano sem adocicar a dor com
a estratégia do final feliz, tão comum nos textos dedicados
às crianças.
Referências
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de Janeiro: América Editora, 1944.
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Paulo: Abril Cultural, 1975.
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Literatura infantil e juvenil

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184

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O velho Graça e a história dos que não cabem


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______. 7 histórias verdadeiras. Ilustrações de Percy Deane.
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______. Histórias de Alexandre. Rio de Janeiro: Leitura, 1944.
RAMOS FILHO, Ricardo de Medeiros. Arte literária em dois
ramos graciliânicos: adulto e infantil. Dissertação (Mestrado
em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa)
– Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
Signos e suportes
contemporâneos:
notas sobre a literatura
infantil e juvenil14

Maria Zilda da Cunha

Introdução
É fato que vivenciamos um estágio bastante
complexo em que se redesenha um espaço não contíguo
de redes móveis de pessoas e de tecnologias em conexões
contínuas. Para Santaella (2010), experimentamos uma
importante e inaudita revolução antropológica. Novas
subjetividades são geradas em contínua mutação, enquanto
as tecnologias da inteligência tornam-se cada vez mais

14
Artigo publicado também na Revista Fronteiraz, n. 17, dez. 2016.
maleáveis e aptas a abrigar subjetividades em construção
no contexto de comunidades adaptativas.
Não sem algum espanto, percebemos, nos
intercâmbios de toda espécie, processos devastadores
entre povos e culturas agenciando violências identitárias,
religiosas, culturais, guerras, em suma, atos potencialmente
desestabilizadores do que entendemos por convivência
humana. Testemunhamos um final de século visivelmente
marcado por queda de valores que davam ancoragem à
vida social. As grandes instituições perdem seus poderes e
passam a ser nichos para microentidades, como sindicatos
e outras organizações formais, baseadas em afinidades
eletivas do grupo que as institui. Multiplicam-se as
religiões e a vida social fragmenta-se em agrupamentos
constituídos por elos formados pelas linguagens, raça,
Literatura infantil e juvenil

sexo, drogas, criando outras formas de solidariedade (que


ainda não compreendemos). Coloca-se em questão o
usufruir de um mundo disponível que se dá a ver.
188

No campo do conhecimento, visualizamos diversos


mecanismos de especialização das áreas do saber – legado
de séculos anteriores – que nos conduziram a uma miopia
generalizada, fato que aponta para uma necessidade
de reforma do pensamento – no dizer de Morin (1991)
–, que minimamente possibilite a compreensão dessa
complexidade que nos enreda, que apreenda o contexto, o
multidimensional, o complexo15.
Educar nesta era de grande complexidade
pressupõe, seguramente, reflexões bastante sérias acerca
dos processos de aprendizagem em face de tudo o que se
vivencia. Inevitavelmente, exige-se uma reflexão que não
pode deixar de fora aspectos relacionados com o ensino,
em especial, se entendermos a educação como uma das
áreas do saber em que se faz possível construir conceitos
de inteligibilidade, a fim de fazer valer novos princípios

15
Complexo no sentido de fios heterogêneos tecidos em conjunto na
construção de uma trama interdependente e interativa.
valorativos que motivem o pensar, o sentir, o querer do
homem; em suma, que se faça refletir sobre o projeto do
homem mediante o que hoje já se denomina de o pós-
humano.
Neste momento de nossa história e nessa ordem
de ideias, a hipótese que nos anima é que enlaçar a
educação e a literatura equivale a redimensionar forças.
Forças para intercambiar saberes e construir patamares
para a desafiadora perspectiva de vislumbrar-se uma nova
forma de humanidade. Se o imaginário do século passado
trouxe certa fascinação com as máquinas, alertou-nos, ao
mesmo tempo, para a ameaça do controle das máquinas
sobre os homens. Para além da lógica mecânica, inserimo-
nos, hoje, em um universo digital em que nossa memória,

Signos e suportes contemporâneos


nossas identidades apresentam-se como sistemas de
processamento de dados. Ora, a sociedade contemporânea
está viva no que o humano tem de mais radical: sua
indefinição – vive-se um presente caótico, violento.

189
Às artes, às ciências, à filosofia, à educação parece
caber a tarefa de abrir brechas na segurança do que já se
pensou e colocar perguntas novas. Estarmos atentos às
potencialidades e negatividades desses processos pode
garantir a nossa sobrevivência cultural, estética, social e
política. Perscrutar as diversas manifestações socioculturais
contemporâneas pode levar-nos a constatar que ainda há
vida para além do artificialismo do mundo.
Se há uma marca fundamental em nossa época,
em face dos desafios das transformações contínuas, ela
concerne à necessidade de encontrarmos senhas de acesso
à intelegibilidade desses fenômenos e situarmo-nos em
um debate cujo desejo é o de contribuir para um exercício
reflexivo.
Seguindo Maffesoli (1995, p. 65),

Pode-se dizer que a vida quotidiana é um bom


revelador do estilo da época, pois destaca muito
bem como a existência é determinada pelo sentido
do coletivo. Entendo, neste caso, determinação em
seu sentido lógico e etimológico de determinatio.
No sentido lógico: aquilo que limita. No sentido
etimológico: o que circunscreve, o que delimita (um
campo) mas também o que dá vida, o que permite
que haja a cultura, em oposição ao indeterminado
do deserto.

Depreende-se que o cotidiano na contemporaneidade,


para esse sociólogo, pode ser visto a partir de dois aspectos
essenciais: 1) não se reduz à simples razão instrumental
do utilitarismo; e 2) não se limita à separação imposta
durante a modernidade. Sendo assim, o cotidiano não
é mais um conceito reduzido a teorizações, mas um
estilo de estar no tempo que carrega o olhar sobre as
minúcias. Não é um conjunto de situações ou modos
Literatura infantil e juvenil

de pensar e viver alienados, mas se constitui como uma


rede complexa de eventos, ações, pensamentos com
organicidade e em relação a um conjunto mais amplo.
190

Para o autor, a experiência sensível é capaz de enriquecer o


saber, pois possibilita uma face importante da experiência
humana: “[...] os elementos arcaicos, como constantes
antropológicas, são ao mesmo tempo, integrados e
torcidos. São aceitos enquanto tais e, ao mesmo tempo,
revisitados” (MAFFESOLI, 1998b, p. 178). No cotidiano,
tornamo-nos observadores de nós mesmos, do outro, do
mundo, da história e da vida que vivemos.

A vida, ou os imaginários que ela suscita, devem ser


tomados por aquilo que são, ficando claro que sua
eficácia é real, que esta é a única que nos importa
a partir do momento em que desejamos levá-la a
sério (MAFFESOLI, 1998b, p. 180).

Em face dessas considerações, cabe advertir que


as reflexões aqui empreendidas constituem parte muito
pequena de uma pesquisa maior que desenvolvemos com o
grupo sobre as produções contemporâneas para crianças e
jovens. Para esse trabalho de investigação, temos apoiado-
nos em teorias que nos permitem enlaçar fronteiras do
conhecimento; a teoria peirceana, por exemplo, perscruta
semioses – ou a dinâmica viva, evolutiva e multiplicadora
que engendra processos criativos e intelectivos. Tal
horizonte teórico leva-nos a valorar positivamente
a multiplicidade e a diversidade crescentes como as
formas artísticas vêm se apresentando, bem como a
entender que, desse modo, estamos mais dispostos ao
poder sensório, perturbador e também cognitivamente
transformador da arte.
Complementando esse raciocínio, parece-nos
importante assinalar como a articulação entre as áreas

Signos e suportes contemporâneos


do saber, como a psicologia do desenvolvimento, as
ciências cognitivas, as ciências da computação e o estudo
das vidas artificiais e da robótica, motivaram relações
outras aos estudos de ensino e aprendizado. Ao retomar

191
a preocupação com fatores fundamentais da cognição
humana em inteligências artificiais, acabamos por entender
ligações indissociáveis entre mente e corpo e por afastar a
certeza das concepções estritamente racionalistas. A razão
engendra sensibilidades. Essas inevitavelmente engendram
os processos intelectivos.
No âmbito dos estudos da literatura comparada,
tem-se a possibilidade de diálogos interdisciplinares,
interculturais e intersemióticos. Ao considerar
positivamente a diversidade, a multiplicidade, a
reciprocidade, esse campo do conhecimento promove
intercâmbios teóricos e metodológicos entre diferentes
artes e territórios do saber, elaborando-se como um
espaço reflexivo para a compreensão sensível e a crítica
do fenômeno literário. Dentro dessa perspectiva, o diálogo
da literatura com a educação pode contribuir para formas
de apalpar os fenômenos humanos que se formam na
contemporaneidade.
O que significa ser contemporâneo?
Essa questão constitui assunto de singular
importância no contexto de nossa discussão. Na verdade,
alude ao título do livro de Agamben (2009), O que é o
contemporâneo? e outros ensaios. Com esse autor, aprendemos
que todos os tempos são obscuros para quem deles
experimenta a contemporaneidade.

É verdadeiramente contemporâneo aquele que


não coincide perfeitamente com este, nem está
adequado às suas pretensões e é, portanto,
nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso,
exatamente através deste deslocamento e desse
anacronismo, ele é capaz, mais que os outros, de
perceber e apreender o seu tempo. (AGAMBEN,
Literatura infantil e juvenil

2009, p. 59).

O autor alerta-nos para uma exigência da atualidade


192

em relação ao presente que se traduz numa desconexão


e numa dissociação. Trata-se de um deslocamento que
permite apreender o tempo que é nosso. Os que coincidem
plenamente com a época não são contemporâneos porque
não conseguem vê-la. O contemporâneo mantém fixo o
olhar para perceber, no seu tempo, a obscuridade especial
que lhe concerne e que não cessa de interpelá-lo. Para
Agamben (2009), o presente em que nos mantemos tem
o dorso fraturado e reside aí importante intempestividade.
O anacronismo faculta-nos apreender o nosso tempo na
forma de um muito cedo que é também um muito tarde,
de um já que é também um ainda não.
Nessa ordem de ideias, vale considerar com
Maffesoli (2004) o caráter desafiador das consequências
epistemológicas e existenciais que as transformações – que
estão ocorrendo – têm imposto às reflexões intelectuais
de nosso tempo. Esse autor expõe a dificuldade de
compreenderem-se as relações e os fenômenos sociais
que estão apenas em estado nascente, e expõe também o
quão necessário será não resistir às novas categorias de
pensamento e arranjos sociais que vêm emergindo.
Com base em reflexões foucaultianas, Maffesoli
(2004, p. 15) lembra que, historicamente, passamos por
um lento processo de domesticação dos costumes, o
que levou à constituição de um estar juntos previsível e
racionalizado e, com essa racionalização, deu-se

[...] o nascimento de uma família cristalizada em sua


estrutura nuclear, que favoreceu a implementação
do trabalho e gerou grandes instituições de ensino
e do trabalho social sem esquecer os diversos tipos
de confinamento em que os séculos XIX e XX não
foram nada avaros.

Signos e suportes contemporâneos


O constructo da modernidade retraiu o sentido do
coletivo, geriu uma tendência de homogeneização nas
configurações sociais, econômicas e religiosas. A impressão

193
de tudo se tornar mais bem definido era a promessa de
uma ordem capaz de “reduzir a complexidade social”, de
organizá-la. No lugar da pluralidade de religiões, dialetos
e costumes, há uma ordenação em prol de alianças
nacionais. O conjunto de representações através das quais
“uma época narra a história a si mesma” – as mitologias, os
contos e as lendas (da pré-modernidade) – estruturalmente
plurais – foi substituído pela formação de grandes sistemas
ideológicos. A ciência foi concebida como a melhor forma
de entender as verdades. A razão justifica o indivíduo como
senhor do mundo e da História, só “[...] tem valor aquilo
que é acabado, o que pode entrar numa ordem utilitária”
(MAFFESOLI, 2004, p. 17).
É fato que a segurança de uma representação que
dava unidade política e ideológica a sistemas de crenças
sofreu sérios abalos. Palavras-chave, como indivíduo,
história e razão tornaram-se defasadas em face da realidade
contemporânea, ganhando força noções mais voláteis.
Na concepção de Maffesoli (2004), empiricamente, pode-
se aceitar a hipótese de o indivíduo, a história e a razão
cederem lugar a uma fusão afectual que se encarna no
presente à volta de imagens “comuniais”. O indivíduo
– fragmentado – emerge como persona e desempenha
diversos papéis nas tribos às quais adere. A identidade
fragiliza-se e as identificações, que já são múltiplas,
multiplicam-se. Cada qual só existe no e através do
olhar do outro. O processo atual remete para a realidade
quotidiana, em que a heteronomia prevalece. Mudança
paradigmática que se alia a uma inversão de tempo – o
que importa não é mais a História linear, mas as múltiplas
histórias humanas. O tempo contrai-se em espaço. Um
“presentismo” contamina as representações e as práticas
sociais, em especial as dos jovens.
Literatura infantil e juvenil

Nos dias atuais, vive-se um retorno vigoroso


dos conclaves da imaginação. As tecnologias, segundo
Maffesoli (2004, p. 30), estão a favorecer o reencantamento
194

do mundo. Nosso modo de ser e de pensar está perpassado


pela imagem, pela virtualidade, pelo imaterial. Tem-se um
“imaginal” que se exprime de forma lúdica – presente e
pregnante – constitutivo de um estar juntos fundamental.

Notas sobre a literatura infantil e juvenil


Em linhas bem gerais, as reflexões de Maffesoli
(2004) sobre o constructo da modernidade (ou pós-
medievalidade) permitem enlaçar um período em que,
conforme sabemos, ocorre a descoberta da criança16,
as relações que se estabelecem entre a literatura17 e a

16
A descoberta da criança, como ser diferenciado do adulto, em conformação
com o desenvolvimento da ideologia burguesa, da formação da família
unicelular, marca, para alguns estudiosos, o início da literatura infantil.
17
As Fábulas, de La Fontaine; Os Contos de Mamãe Gansa, de Charles
Perrault; os contos maravilhosos recolhidos pelos Grimm; os escritos por
Andersen; entre outros, considerados os livros pioneiros do mundo literário
infantil, constroem-se em diálogos com textos da antiguidade, perpetuando-
educação18 em uma dinâmica cultural, social e histórica
que engendrou o desenvolvimento da literatura infantil
e juvenil como gênero específico (ZILBERMAN, 1987).
Contexto no qual, para cooperar com a família e com
a escola na educação dos pequenos, configurou-se uma
espécie de ficção preparada para desenhar uma pretensa
realidade homogênea e orientada por princípios da
ordem para o progresso – modelo que perseguia o veraz
e o didático e cuja evidência emerge com narrativas
presas ao tempo linear do relato, um discurso autoritário
do narrador e a predominância do aspecto referencial
da mensagem. Vale ressaltar aqui que, nas dobras que
enlaçam as artes e a história, permanecem mistérios que
nelas se inscreveram – cifras da História humana que –

Signos e suportes contemporâneos


sensíveis – escapam às evidências. A literatura infantil e
juvenil19 tece-se dessas cifras.
É fato que cada época constrói-se por uma força
que impregna evidências a rigor refletidas nas produções

195
culturais. Morin (2003, p. 27) diz que “[...] o poder
imperativo e proibitivo do conjunto dos paradigmas, das
crenças oficiais, das doutrinas reinantes e das verdades

se por meio das histórias orais. São narrativas que permanecem vivas,
ora pelo caráter premonitório, ora pelos valores universais – morte, vida,
sexo, sobrevivência, fome, poder –, que estão inscritos no avesso desse
tecido textual pela ambiguidade, ambivalência, indeterminação temporal e
magia que os caracterizam. Sob o selo da razão instrumental, no entanto,
transfiguram-se muitos dos caracteres literário, lúdico, erótico e mágico
dessa literatura.
18
Na educação dos pequenos, normalmente vinculada à família e à escola,
tornou-se fundamental investir, prioritariamente, nos aspectos do
desenvolvimento do conhecimento de áreas da ciência e da orientação ética
e moral.
19
Essa literatura tem raízes muito longínquas: os contos maravilhosos, os
contos de fadas, as fábulas; em suma, o conjunto de narrativas que veio a
constituir a literatura infantil no século XVIII desenvolveu-se a partir da era
oral do mito, quando os princípios pagãos fundem-se aos do espiritualismo
cristão, na passagem da Era Clássica para a Romântica. Tal literatura, antes
de ser dirigida para os adultos, incorporada pela tradição oral popular,
transforma-se em literatura para crianças.
estabelecidas determina os estereótipos cognitivos”. E o
declínio dessa ideologia demora a acontecer. Como afirma
Maffesoli (20012, p. 107), ela continua “[...] a difundir nas
várias instâncias oficiais (educação, política, social)”. Além
da rotina e do preconceito, que permanecem assombrados
pelo espectro desses princípios, faz-se necessária uma
recusa à recondução do dogma e do conformismo. Na visão
desse sociólogo, graças ao desenvolvimento tecnológico,
está renascendo um imaginário de antiga memória20.
Para ele, concerne à nossa era categorias como
o cotidiano e o imaginário. Àquele não cabe mais sua
crítica, mas dizer sim à vida; a este cabe coesão da vida
social. Esse imaginário (categoria estigmatizada pela razão,
porque solicita o sensível) reaparece graças à tecnologia
– aos objetos inanimados diz: vocês têm vida. Ele não
Literatura infantil e juvenil

se descola do cotidiano, mas pulsa nele como o coração


da vida social (exprime o sentido trágico da existência).
A marca desta nossa era, dessa forma, está na encenação da
196

imagem e sobre a incidência do lúdico. A razão e o sensível


– partes equivalentes – convocam uma educação contra a
normatização e um olhar sensível para a tecnologia.
Nessa ordem de ideias e no mover de paradigmas, ao
texto literário para crianças e jovens pode ser facultada a
retomada de potencialidades prefiguradas em sua instância
polissêmica, plural e de tessitura híbrida, possibilitando
formas de sensibilidade que podem encarnar-se por meio
de imagens, diagramas e de metáforas no cinema mental
da imaginação leitora ou em linguagens manifestas em
forma de novos textos.
A fruição da obra artística, assim, reclamará de seu
leitor uma disponibilidade singular para o engenho de
hipóteses, convocando uma razão lúdica e criativa. Essa
razão moverá processos de intelecção inerentes ao que
está ali cifrado no enigma do verbo.

20
O autor refere-se a mitos, contos maravilhosos e contos de fadas, narrativas
de raízes muito longínquas.
Tal capacidade de sensibilizar leitores, de desafiar
o intelecto a perscrutar articulações que se escondem
no jogo do verbo desdobra-se em diversas formas e em
inúmeros estilos, a engendrar em palimpsesto uma extensa
rede discursiva, a qual abarca, em seu tecido, elementos
do passado e do futuro enovelando-os no efêmero do
presente. Nessa tessitura inscreve-se o convite para
descortinarem-se saberes, desconstruir o que está pronto e
reengendrar múltiplas compreensões. Aceitar esse convite,
como leitor, é dispor-se ao encanto do encontro, uma vez
que a literatura fala de nós para nós mesmos. Em suma,
a literatura, em sua amplitude, versa sobre a tessitura
humana que se configura ao longo da história em diversas
eras civilizatórias, em diferentes formas de sociedades e

Signos e suportes contemporâneos


diversas culturas.
Os aspectos da vida cotidiana podem urdir as
temáticas de obras para crianças e jovens, colocando o
leitor diante de um jogo de significações propício ao pensar

197
sobre o mundo. Retomando as reflexões de Maffesoli – um
cotidiano que se reflete em uma dinâmica de rearticulações
da ordem de afinidades eletivas, como tribos religiosas,
sexuais, musicais –, sem centro preciso e sem periferias
discerníveis, podem exemplificar as obras:
• As mãos dos pretos (HOWANA, 2008);
• King & King (HANN; STERN, 2012);
• Cena de rua (LAGO, 1994); e
• Zubair e os labirintos (MELLO, 2007).
A narrativa As mãos dos pretos – do livro Nós matamos
o cão tinhoso, do moçambicano Howana (2008) – mesmo
sendo para adultos, tem forte ressonância entre crianças
e jovens, podendo, portanto, ser apropriada pela literatura
infantil e juvenil. No conto, inscreve-se a relação de
aspectos identitários que surgem de nosso pertencimento a
culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e nacionais.
O enredo, protagonizado por uma criança, desconstrói o
mito bíblico da criação do homem a partir de um único
barro com que Deus teria feito Adão, e interpõe a questão
identitária do negro21.
Já King & King, de Haan e Stern (2012) é a história de
um príncipe – sem nome – que se vê obrigado a casar para
assumir o trono. A rainha, sua mãe, convoca princesas dos
mais diversos reinos. O jovem, no entanto, não se sente
atraído por nenhuma das candidatas que se apresentam.
Certo dia, porém, chega ao castelo a princesa Madeline
e seu irmão Lee. O jovem herdeiro, ao ver a princesa e o
irmão, sente seu coração pulsar muito forte. Ele se apaixona
perdidamente. Não pela princesa, mas pelo príncipe irmão
que a acompanha. Diante de tal surpresa, a rainha não
se opõe ao desejo do filho, e os preparativos iniciam-se
para a grande festa de casamento dos dois príncipes.
A narrativa resgata características dos contos maravilhosos
Literatura infantil e juvenil

e perfaz interessante subversão com a concretização


do casamento dos dois príncipes. O personagem, figura
anônima, é dotado apenas de identidade social estabelecida
198

e assumirá o reinado no lugar da mãe, após o casamento.


A intertextualidade resgata a estrutura textual familiar, mas
insere uma nova visão de mundo recriada pela composição
dos elementos na página que incitam a ver a experiência
imaginada a partir de um não lugar, ou de um lugar outro,
amparado por uma visão relativizadora. O texto concede
à representação uma imersão no mundo atual, exprime
significações (políticas, existenciais e metaliterárias) e
ilumina dimensões do humano através de questões de
identidade e de alteridade (as relações de sexo, classes sociais
ou grupos). Para além do verbal, instaura-se um diálogo
divertido. A cumplicidade faz-se por meio de um enredo
tomado de plasticidade e tecido de linguagens híbridas –
a pintura, a linha, o desenho, a colagem, a textura e os
tipos gráficos – que dinamizam a atenção do leitor para a
captação de pistas intertextuais que ludicamente evocam a
memória repertoriada desse interlocutor, o qual reconstrói

21
Uma análise completa desse conto pode ser vista em Cunha (2014).
a narratividade pelo percurso do olhar e do virar das páginas.
O figurino do protagonista e seus gestos delicados são
elementos compositivos que tecem o enredo contrariando
as normas de gênero socialmente construídas. Destaca-se
uma oposição ao modelo socialmente aceito que induz
ao jogo de uma competição entre a heteronormatividade
e a homoafetividade. O enigmático título King & King
alia-se ao jogo de cena e à relação temporal da narrativa
cujo protagonista é um príncipe herdeiro. O conjunto
de elementos sugere a temática da homossexualidade.
Assunto esse ainda polêmico, inscreve-se na literatura
para crianças tecido com delicadeza. O diálogo do verbal
com o imagético propicia compreender uma realidade que
se manifesta por meio de signos estéticos. Esse jogo lúdico

Signos e suportes contemporâneos


de formas expressivas conjuga-se no interpretar de um
mundo, de uma sociedade em que as relações humanas
podem ser baseadas no sentimento de ternura e respeito
ao outro. A obra traz a ideia de resistência frente a modelos

199
sociais definidores do papel de gênero. Aqui, é possível
lembrar Darnton (1986, p. 78), historiador que, ao estudar
as versões orais e tradicionais dos contos maravilhosos,
comenta: “[...] eles diziam aos camponeses como era o
mundo; e ofereciam uma estratégia para enfrentá-lo”.
Em Cena de rua – um enredo plástico e um tema
do cotidiano, sensível e reflexivo – obra realizada à
semelhança de uma reportagem televisiva22, Lago (1994)
apresenta fotogramas em sequência ligados por uma
lógica de implicação. Isso, sem auxílio do verbal, move
a narrativa cujos conflitos, vividos pelas personagens no
tempo, especializam-se gerando a cena – meio da rua,
congestionamento de trânsito, um menino de rua. A
circularidade constrói para o protagonista uma vida sem
saída. As cenas compõem-se de figuras deformadas e
cores fortes, que causam impacto ao olhar do leitor. Essa

22
LAGO, Ângela. Entrevista concedida a Maria Zilda da Cunha. Belo
Horizonte, 2001. Não publicada.
construção hiperboliza a crueldade da vida de uma cidade
grande, dando a visão de um cotidiano perverso. Pessoas
são monstros. A deformação, dada pela câmara, é também o
ponto de vista do narrador. A ambiguidade, os movimentos,
a deformação, os flagrantes em contraste, o distanciamento
(grandes planos e os closes) que a reportagem fílmica
possibilita abrem brechas para outros pontos de vista. O
conflito, como princípio de montagem, coloca a percepção
e a memória como elementos dominantes no processo de
articulação do significado, detonando efeitos no intérprete.
A semelhança do livro com telas projetivas e televisivas –
símbolo de comunicação do mundo midiático – cria um
circuito de relações que pressupõe agentes sem os quais
o processo não poderia ser efetivado. Estabelece-se, assim,
uma relação dialogal – o espectador participa de uma
transação a que assiste e legitima. Imagem e realidade
Literatura infantil e juvenil

tocam-se. No contato, o que se materializa são fantasmas


de luz e sombra habitando um mundo sem gravidade e
que só pode ser invocado por uma máquina de leitura.
200

O livro converte-se nessa máquina. Destruindo o canal fora


e dentro, o olhar, antes à distância, aproxima-se, interpõe-
se à concorrência da mão: o livro lê e reinterpreta. Essas
identificações fazem-se por efeito de montagem conceitual.
São atrações dominantes pensadas através da sintaxe da
montagem, que devem produzir fluxos sinestésicos que,
de alguma forma, envolvam os sentidos. Um projeto
estético e ideológico concebido (pela autora) dessa forma
para gerar impacto psicológico. O produto estético é feito
de metalinguagem e da hibridização de códigos: códigos
do códice, cinematográficos, da reportagem televisiva,
da literatura, da pintura, da fotografia, que conferem a
sensação de captura de ações rudes gerando tensões com
presenças impactantes. As figuras são ideias e carregam
conceitos, especialmente quando confrontadas na
urdidura plástica da montagem. A estrutura dessa obra
funciona como que um diagrama de imagens mentais, que
perfilam no momento de produção e da recepção.
A obra Zubair e os labirintos, de Mello (2007), faz
referência ao saque ao museu de Bagdá durante recente
guerra. O projeto gráfico desse livro é composto de dois
livros interligados, um é lido da esquerda para a direita,
em forma de tapete dobrado, e o outro é feixe de páginas
– para ser lido da direita para a esquerda – dentro desse
tapete. Os sentidos da leitura figuram a forma de ler no
oriente e no ocidente. No âmbito da temática, evidencia-
se uma perspectiva crítica a respeito da violência e da
guerra, bem como do impacto dessa experiência para a
destruição de legados da História e dos projetos humanos.
Com visão muito aguda, por meio da ficção, o autor chega
a um mundo demasiado real e que carece de sentido À
semelhança de Borges (1995), ele cria fantasmagorias tão

Signos e suportes contemporâneos


coerentes que nos faz duvidar, a princípio, do que seja
linguagem e do que seja realidade. O artista reveste a
realidade brutal, valendo-se de uma complexa trama de
linguagens. A obra diagrama-se de modo a sugerir uma

201
viagem por labirintos. A fragmentação dos múltiplos
espaços e a intervenção do passado no presente, através
da memória, leva à consciência da instância que narra,
ora observador, ora imerso na narrativa. O texto tece-se
em camadas de sentidos. Assim como o faz Zubair na
narrativa, “[...] desembrulhando uma, duas, três vezes, o
tecido espesso abraçava um livro em que se lia: Os treze
labirintos”. Verifica-se: o livro dentro do livro e leitura
dentro da leitura. Camadas labirínticas prendem o leitor à
história, por meio da escrita, das imagens e do constructo
do próprio livro como objeto. O aparecimento do segundo
livro traz à tona uma intricada relação de internarratividade.
O livro, como um elemento modular, interagindo
com o todo dentro de uma biblioteca com muitos livros,
também é uma biblioteca, na medida em que suas
interfaces com outros encadeiam feixe de conexões.
A rede de interfaces pela qual se tem acesso a todos
os livros retoma uma imagem mítica – a biblioteca da
Alexandria –, um centro contendo toda a literatura, as
imagens narrativas e o conhecimento do mundo. Essa é a
ideia do hipertexto.
O hipertexto, a partir de 1990, ganhou forma de
hipermídia com a integração na tela do computador,
por meio de links, de imagens, sons, animações em uma
complexa combinação entre texto, hipertexto, multimídias
e multilinguagens. Fundiram-se formas de comunicação: a
escrita, a audiovisual, as telecomunicações e a informática
em um único ambiente digital. Nesse cenário de
hibridação, a escrita aparece sob a forma de vínculos não
lineares entre fragmentos associativos, interligados por
conexões conceituais (campos), indicativas (chaves) ou por
metáforas visuais (ícones) que remetem de um percurso de
leitura a outro, num clicar de botão. O hipertexto entra
Literatura infantil e juvenil

nos campos tátil, auditivo e corporal da linguagem.


A hipermídia é uma linguagem que nasce com a
revolução digital. Constitui uma produção derivada de
202

matrizes numéricas, gerada por computadores e vídeos,


processos infográficos de produção de linguagens verbais,
visuais e sonoras. Sob o ponto de vista do suporte, consiste
em dados transcodificados numericamente num espaço a
n dimensões. Esse suporte físico tem sua existência em
telas de luz e sons codificados. No caso dos textos em
hipermídia, o autor concebe seus elementos e o algoritmo
combinatório, ficando a cargo do leitor a realização da
obra, ainda que cada um faça isso de forma diferente.
O caráter não linear das memórias de computador permite
que os vários fluxos textuais estejam ligados entre si por
elos probabilísticos e móveis e sejam configurados pelos
receptores, de modo a compor possibilidades instáveis.
Isso permite ao autor e leitor intercambiarem polos de
atuação de modo muito operativo.
Um diagrama subjaz às possibilidades de navegação
que o texto permite. Nele, é possível perceber uma estrutura
arborescente. Os vários caminhos fornecem ao leitor atos
de leitura e de conferência e remetem, em metalinguagem,
a percursos de leitura, como ato complexo, que aciona
estratégias cognitivas e metacognitivas, engendrando
hipóteses, experimentações, conferência e controle, e que
permite amadurecimento. A leitura no ambiente digital
oferece ao leitor a oportunidade de mover-se no ciberespaço
utilizando habilidades construídas em outras navegações.
O leitor trabalha com alternativas dadas, mas de forma a
recolocá-las em circulação com as possibilidades virtuais
do texto. Por meio desse processo, devolve-se o texto a uma
fase anterior à seleção final de seus elementos constituintes,
restituindo-lhe variantes possíveis. Desse modo, o leitor
opera com um número elevado de interações, o que exige
dele interferências, diante de incertezas, indeterminações e

Signos e suportes contemporâneos


de fatores aleatórios.
Como o texto hipermidiático também não apresenta
uma linha de raciocínio fechada, ele se abre para a
experiência da percepção, da imaginação, do raciocínio

203
do leitor como um processo que se modifica sem cessar,
adaptando-se em relação ao contexto e jogando com
dados disponíveis. A leitura ganha esse caráter lúdico,
mas exige esforço intelectual e a decisão de querer ou não
imergir nesses meandros textuais, com o risco de retornar
a pontos mais complicados.
Segundo Machado (2002, p. 254), a forma labiríntica
da hipermídia repete a forma labiríntica do chip, ícone por
excelência da complexidade em nosso tempo.
Experiências em hipermídia valem ser visitadas
e exploradas. Aqui, sugerimos as realizadas por Ângela
Lago23. Entre essas comentamos rapidamente OH!24 Um
misto de desafio, mistério e humor, uma narrativa que
é um jogo assombrado. O enredo é construído visual e
23
Disponível em: <http://www.angela-lago.com.br>. Acesso em: 11 out. 2017.
24
Vale considerar outro aspecto importante da produção contemporânea para
crianças e jovens:o imaginário da morte – assunto também explorado por
Maffesoli (1998; 2014) e estudado por nós, no exame de livros, de filmes, de
HQ, de animações e games (mas não contemplado neste artigo).
sonoramente. Sendo destinado a crianças, o encadeamento
vai ocorrendo com a intervenção de seu receptor munido
de um instrumento de comando — o mouse. A constituição
sonora dessa hipermídia é feita de samplers, em que
os arquivos de áudio não se encontram disponíveis. A
linguagem sonora é fundamental para marcar a sintaxe e a
temporalidade da narrativa. O receptor é colocado no jogo
da sintaxe dos corpos sonoros.
O ambiente digital agrega, em suas infovias,
múltiplas linguagens e múltiplas mídias que resultam no
próprio espaço narrativo, exploração que vai requerer do
internauta atenção, repertório, coordenação, escolhas e
identidade cultural.
Na esteira de Ângela Lago, Roberta Asse, também
arquiteta e autora de livros para crianças e jovens, realiza
Literatura infantil e juvenil

recentemente um livro-aplicativo disponibilizado nas


plataformas IOS e Android25 A trilha é uma narrativa
a ser percorrida e criada em seu próprio percurso com
204

a interação do leitor internauta. A linguagem verbal e a


visual aqui são fundamentais para marcar a sintaxe e a
temporalidade da narrativa. O leitor é levado a projetar-se
no texto, a imergir simbolicamente em busca de uma rota
de navegação cujo percurso é feito em um emaranhado
de linhas, sons, letras e imagens, gerados pelo software.
A narratividade constrói-se pela ação do internauta ao
toque na tela eletrônica. Ajudar Martim a chegar aonde
pretende é o desafio sugerido.
Vale lembrar que os jovens contemporâneos são
muito hábeis na exploração dos textos digitais, operam
com a hipertextualidade que a navegação exige, exploram
a complexa rede textual e seus links múltiplos. Verifica-
se, entretanto, que as narrativas digitais têm sido pouco
exploradas como forma de leitura na escola. Da mesma
forma, o são os diagramas hipertextuais que engendram as
narrativas. Além disso, ainda se percebe que a instituição

25
Obra finalista do 57º Prêmio Jabuti, em 2015.
escolar, muitas vezes, escamoteia problemáticas que ainda
são polêmicas.

Considerações finais
Pensar na literatura infantil e juvenil considerando
as dobras que a entrelaçam à educação, no contexto
contemporâneo, significa apontar para questões de
enfrentamento e busca de canais de inteligibilidade que
questionem a História, suas representações e a própria
dinâmica do conhecimento humano. Impulso esse de
reflexão que nos levou a mapear alguns dos desafios
de nosso tempo e a pensar naqueles que a escola tem
a encarar, em especial, se pensarmos na formação do

Signos e suportes contemporâneos


leitor literário.
Marcas históricas distintas singularizam as formas
artísticas, já que são várias as migrações e reinvenções
de imagens, concepções e estruturas que se alinham

205
para formulação de diferentes conceitos estéticos.
Os espaços textuais (re)tecem-se em fluxos operativos
entre a participação do autor e do leitor e, agora, da
tecnologia que participa da concreção da obra. Nossa
era traz uma “[...] sinergia de fenômenos arcaicos com o
desenvolvimento tecnológico.” (MAFFESSOLI, 2004, p.
22.). Os trânsitos e diálogos diferenciados atestam uma
ecologia cultural bastante complexa, que se traduz por
via do imaginário, fertilizado pela própria inventividade de
que o texto artístico é portador.
A apreciação estética é lúdica, mas, ao mesmo tempo,
reflexiva, tornando-se capaz de regenerar sentimentos
e fundar pensamentos críticos a respeito do concreto
histórico, posto que entram em jogo releituras da História,
do concreto social, da herança cultural, da vida vivida, da
literatura por meio de vozes dissonantes na apresentação
de uma verdade polifônica. Se os códigos verbais e não
verbais tornam-se essenciais para a construção dos
sentidos, códigos de sistemas sociais, culturais e literários
também constituem estratégias discursivas.
Os desafios da educação passam pela compreensão
das consequências epistemológicas e existenciais que as
transformações – que estão ocorrendo – têm imposto às
reflexões intelectuais de nosso tempo. Não podemos
deixar-nos cegar pelas luzes das tecnologias, mas é
necessário entrever, em seus matizes, projetos novos – isso
demanda coragem e força para lidar com o que se mostra
intempestivo.

Referências
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros
ensaios. Chapecó: Ed. Argos, 2009.
Literatura infantil e juvenil

ASSE, Roberta. A trilha. App livro. São Paulo. Peirópolis, 2015.


BORGES, Jorge.Luiz. Obras completas. São Paulo: Globo,
206

1995.
CUNHA, Maria Zilda da. As mãos dos pretos, de Luís
Bernardo Howana. In: Myths Revisited. Lisboa: Humus, 2014.
p. 650-659.
DARTON, Robert. O grande massacre dos gatos e outros
episódios da história cultural da França. São Paulo: Graal,
1986.
HAAN, Linda; STERN, Njland. King & King. Berkeley:
Trycycle Press, 2012.
HONWANA, Luis Bernardo. Nós matamos o cão tinhoso.
Lisboa: Cotovia, 2008.
LAGO, Angela. Cena de rua. Belo Horizonte: RHJ, 1994.
MACHADO. Arlindo. Pré-cinema & pós-cinema. SP:
Papirus, 2002.
MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares
da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
______. Notas sobre a pós-modernidade: o lugar faz o elo.
Rio de Janeiro: Atlântica, 2004.
______. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1998a.
______. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998b.
______. A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e
Ofícios, 1995.
MELLO, Roger. Zubair e os labirintos. SP: Companhia das
Letrinhas, 2007.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo.
Lisboa: Instituto Piaget, 1991.
______. Os sete saberes necessários à educação do futuro.
8. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
SANTAELLA, Lucia. A ecologia pluralista da comunicação.

Signos e suportes contemporâneos


Conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus,
2010.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São
Paulo: Global, 1987.

207
A hora e a
vez da criança

Anna Claudia Ramos

Escrevo este texto por ocasião do VII Seminário de


Literatura Infantil e Juvenil e II Seminário Internacional
de Literatura Infantil e Práticas de Mediação Literária, na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Estive presente para participar do Encontro entre a
escritora e seus leitores: na trama das palavras, a convite da
Professora Eliane Debus. Convite aceito, claro! Bem como
convite aceito para escrever o relato do meu encontro com
os leitores.
Mas, antes de contar o que houve durante o trabalho
desenvolvido, quero trazer algumas reflexões que nortearão
toda essa nossa conversa.
Vou começar levantando uma questão que me parece
tão óbvia desde que eu era menina, só que ainda não é, ou
não parecer ser, para muita gente. A questão é simples:
criança pode brincar do que desejar. Nunca em minha
família ouvi essa bobagem de brincadeira de menino ou
de menina. Brincadeira era coisa de criança, independente
de a criança ser menina ou menino, mas estamos em
pleno ano 2017 e ainda temos que ficar nessa discussão
de brinquedos de meninos e brinquedos de meninas, só
que agora com um plus na discussão: pessoas dizendo que
meninas não deveriam brincar de casinha ou panelinha
para não se tornarem apenas donas de casa.
Ora, a discussão é muito mais profunda. Já devíamos
estar em outro patamar de debates sobre esse assunto,
assim como também já devíamos estar em outro patamar
de debate e nunca mais precisar dizer numa palestra ou
oficina que professor que não é leitor não forma leitor.
Mas, infelizmente, apesar de já termos avançado em
algumas coisas, ainda temos muito que aprender. Não
existe isso de brinquedos para meninos e brinquedos
Literatura infantil e juvenil

para meninas, isso é uma invenção das pessoas. A criança


deveria ter o direito de brincar do que sentir vontade.
Muito cedo aprendi isso em minha casa. Eu, minha irmã e
210

meu irmão, podíamos brincar do que quiséssemos. Meus


pais já sabiam, lá na década de 1960, que criança podia
experimentar ser outros na brincadeira para aprender a
conhecer-se e ir construindo sua identidade. E assim, eu e
meus irmãos brincamos de bonecas, panelinhas, carrinhos,
super-heróis, castelos, guerreiros, jogamos bola, tínhamos
time de futebol de botão. Fomos crianças. Minha irmã não
gostava de carrinhos, mas eu gostava, eu brincava com
meu irmão, mas ela também não era chegada a brincar
muito com bonecas, eu amava. Brincava com minha amiga
ou sozinha. Portanto, cada um de nós escolheu brincar do
que quis, sem julgamento do que cada um poderia vir a ser
um dia por conta de suas brincadeiras.
Quando a discussão cai para o lado oposto, de
impedir alguma coisa por puro preconceito, corre-se o
risco de querer-se impor um novo padrão para as crianças,
quando o que deveria ser aprendido é não impor padrão
algum. Deveríamos deixar as crianças brincarem. E só. Se
a menina quiser brincar de panelinha, ótimo. Se quiser
brincar com espadas de heróis, ótimo. Se a menina quiser
fazer uma luta, ótimo, se preferir dançar balé, qual o
problema? Idem para o menino em relação ao balé e à luta.
Se o menino quiser brincar de panelinhas, perfeito, se não
quiser brincar, qual o problema? Nenhuma criança vai ser
menos menina ou menos menino se brincar com o que
desejar. E quem sabe um dia todos os pais e educadores
entenderão de uma vez por todas que o que existe é
brincadeira de criança. Todos deveriam brincar de tudo e
experimentar até descobrirem o que lhes dá mais alegria.
Deve-se tomar cuidado para não correr o risco de
querer impor que a menina não brinque com panelinhas
ou coisas ditas de meninas, como muita gente anda falando
por aí. Assim como também se deve tomar cuidado para
não haver preconceito, por parte dos pais e educadores,

A hora e a vez da criança


quando os meninos desejarem brincar de bonecas, casinha
e panelinhas, porque meninas e meninos, quando virarem

211
adultos, terão que cozinhar, cuidar de suas casas e de
seus filhos (se desejarem ter filhos). Meninas e meninos
dirigirão carros, se assim o desejarem, ou jogarão bola.
Quando a humanidade vai entender que essa
questão de gênero precisa ser revista por completo, mas
com cuidado para não descambar para um preconceito
às avessas? Temos meninas e meninos com diferentes
comportamentos e vontades. Saibamos respeitar e
entender a criança em sua plenitude. E vamos lembrar
que criança não é um vir a ser; ela é criança, plena em
sua infância e inteira para a idade que tem. Já abordei essa
questão em meu livro Nos bastidores do imaginário: criação e
literatura infantil e juvenil (RAMOS, 2006).
Não foi à toa que um dia encantei-me pela literatura
infantil e juvenil e venho lutando desde então para que ela
e a própria criança sejam vistas com seriedade, não como
um vir a ser. Literatura infantil e juvenil não é um vir a
ser literatura adulta. Assim como nem a criança nem o
jovem são um vir a ser adulto. Nietzsche (2000, p. 140)
já sabia disso: “Assim como não apenas a idade adulta,
mas também a juventude e a infância têm valor em si, não
devendo ser estimadas tão só como pontes e passagens.”.
Nesse ponto, vamos pensar como a literatura infantil
e juvenil é uma grande aliada para falarmos sobre qualquer
assunto. Mas falo aqui de literatura e não de livrinhos para
crianças e jovens que não são literatura. Para exemplificar,
recorro às palavras de Colasanti (2005), que ilustram
bem o assunto. Essa autora, ao responder a pergunta “O
que você entende por qualidade em literatura infantil e
juvenil?”, no livro O que é qualidade na LIJ? Com a palavra o
escritor, disse o seguinte:

A pergunta contém em si parte da resposta.


Literatura infantil e juvenil

Ao falarmos de literatura, pressuponho que já


tenhamos descartado a grandíssima maioria da
produção do mercado livreiro destinada a crianças
e jovens, produção que, mesmo sendo de livros,
212

ainda assim, não é de literatura. Partimos, portanto,


de uma diferenciação já estabelecida.
Por qualidade em literatura entendo exatamente
a mesma coisa para qualquer idade: riqueza de
forma e riqueza de conteúdo. Especificando
minimamente: texto inventivo, não linear, conteúdo
vertical, pluralidade de interpretações possíveis,
vários níveis de leitura, densidade e aderência.
Da literatura não fazem parte o lugar comum,
a frase feita, a história previsível, a linguagem
infantilizante, nem a função didático-moralizante.
(COLASANTI, 2005, p. 180).

Escrever literatura infantil e juvenil com qualidade


é produzir uma literatura em que caibam todas essas
possibilidades de ser e viver. É muito mais do que passar
uma visão de mundo única, lições de moral ou valores
que os adultos julgam importantes. É, como diz Machado
(1999, p. 31) em um artigo de seu livro Contracorrente,
conversas sobre leitura e escritos quando cita um trecho de
Albert Camus,

Uma obra de arte é senhora de seu criador e precisa


seguir seus próprios caminhos, sem obrigação de
transmitir mensagens, ensinar lições ou demonstrar
ideias. Assim, cada artista, ao criar sua obra, não
deveria se preocupar com nada além da própria
obra. Mas, ao mesmo tempo, lembrava Camus,
nenhum ser humano (seja ele artista ou não), tem o
direito de se omitir de não ter uma posição definida
a respeito das questões sociais e políticas de seu
tempo, de não agir de acordo com essas opiniões
em sua vida quotidiana, de não fazer deste mundo
um lugar melhor para se viver, com mais justiça
para todos, mais liberdade. [...] Dessa forma, seria

A hora e a vez da criança


impossível que a concepção que alguém tem do
mundo não se revelasse na sua obra. Mas se a obra
fosse verdadeira obra de arte, a ideologia estaria

213
nela, apesar do artista, e não porque estivesse
comprometida desde o início com algum conjunto
de ideias que o amarrava. Em suma: para Camus, a
ideologia não deveria fazer parte das intenções do
ato criador. Mas não poderia deixar de fazer parte
da experiência de vida do artista. E desse modo,
seria como todos os outros materiais que compõe
esse tesouro: iria inspirar, influenciar, percorrer as
entrelinhas, funcionar como manancial subterrâneo,
fornecer sentidos ocultos, e tanta coisa mais.

Escrever literatura infantil e juvenil é saber falar de


qualquer tema dentro de uma nova perspectiva, é dar novos
horizontes, é criar novas possibilidades, porque a literatura
é subversiva por natureza, abre novos caminhos e novas
jornadas nos leitores. Abre janelas que permitem que
crianças ou jovens possam ver-se, entender-se, reinventar-
se e experimentar ser outros, como nas brincadeiras.
Dito tudo isso, podemos começar o relato. Mas vocês
podem estar se perguntando: e o que tudo isso tem a ver
com o relato de uma escritora com seus leitores?
Tem tudo a ver, porque foi graças a eu ter podido
ser criança em minha plenitude, ter brincado muito, sem
amarras ou preconceitos, que pude exercitar o imaginário
e a fantasia, primordiais na infância. Eu fui uma menina
muito inventadeira, sempre inventei histórias. Antes
mesmo de saber ler e escrever eu “escrevia” histórias.
Coloquei escrevia entre aspas porque, aos olhos dos
adultos, eu supostamente não escrevia, eram apenas
rabiscos de uma menina de três/quatro anos. Eu pegava
folhas de papel, rabiscava umas linhas, umas bolinhas,
qualquer coisa, e mostrava para os adultos dizendo que
eu tinha escrito uma história. Para minha sorte, nem meus
Literatura infantil e juvenil

pais e nem meus professores disseram que naqueles papeis


da minha infância só havia rabiscos. Se tivessem dito, será
que eu teria me tornado uma escritora criativa? Ou será
214

que minha imaginação teria se apagado?


Mais uma vez, agradeço aos meus pais pela sabedoria,
por entenderem a pedagogia do imaginário e terem me
colocado para estudar em escolas de pensamento aberto.
Despois cresci, e entendi que escrever foi a forma que
encontrei de nunca parar de brincar e criar histórias.
E como a criança que reinventa sua vida pela brincadeira,
eu aprendi a reinventar a minha vida pelo escrever.
Held (1980, p. 17), em seu livro O imaginário no poder,
faz uma homenagem ao imaginário através de fragmentos
de textos de diversos autores, e, como não é possível
identificar qual deles escreveu o quê, reproduzo aqui o
pedaço que me interessa e que vai ao encontro do que
acredito:

A ficção se assemelha a um brinquedo. A ficção


responde a uma necessidade muito profunda
da criança: não se contentar com a própria vida.
A ficção não deveria abrir todas as espécies de portas,
permitir à criança imaginar outras possibilidades de
ser para que possa finalmente escolher-se? [...] a
leitura do real passa pelo imaginário.

Ao criar, dou forma a coisas que talvez nem soubesse


que existiam em mim. Ao criar, invento um mundo que
não é real, mas que passa a ser real à medida que o crio.
E foi isso que aconteceu naquele encontro na UFSC.
Eu e as crianças criamos brincadeiras a partir da leitura
que elas tinham feito de um de um dos meus livros:
A centopeia (RAMOS, 2012). Quando as crianças chegaram
ao auditório, eu já estava esperando por elas. As professoras
haviam deixado no local uma centopeia imensa feita pelas
crianças que eu encontraria.

A hora e a vez da criança

215

Figura 1 – A Centopeia
Fonte: foto de Marcia Nicolau (2016).
Meu encontro foi com 32 alunos, do grupo misto
(três e quatro anos) e do grupo A, da Creche Professora
Rosa Maria Pires. Por uma fração de segundos, enquanto
eu via aquelas crianças entrando no auditório, pensei:
não posso colocá-las sentadas nessas cadeiras com essa
centopeia tão linda aqui no palco. Elas vão querer brincar!
Convidei-as, então, para sentarem no palco comigo.
Primeiro, contei que eu era uma menina inventadeira e que,
por volta dos meus seis anos, eu inventei um cavalo voador
com quem viajava todas as noites pelo céu; contei que eu
virava uma princesa para viajar com meu cavalo voador,
mas que eu era uma princesa aventureira. Quanto mais
eu contava, mais elas arregalavam os olhinhos, fascinadas.
Quando elas já estavam completamente soltas, falando
sobre seus bichos inventados, fiz a ponte com a centopeia,
Literatura infantil e juvenil

que estava calmamente sentada entre nós. Resolvemos,


então, inventar uma história para a centopeia, e criamos
uma música, que cantamos juntos e a partir da qual
216

brincamos naquele palco do auditório. Foi divertidíssimo!

Figura 2 – Anna Claudia, as crianças e a centopeia.


Fonte: foto de Marcia Nicolau (2016).

Cantamos e dançamos no palco. Brincamos muito.


Depois, elas se foram e eu tive um novo encontro, dessa
vez, com a jovem Fernanda do Nascimento, bolsista do
PIBIC EM, aluna da professora Arlyse Ditter. Fernanda
havia lido meu livro Petra do coração de pedra (RAMOS,
2014) e apresentou para quem estava no auditório a sua
leitura interpretativa sobre ele, numa montagem muito
bem elaborada no prezi26.
Naquele momento, tínhamos alguns educadores
presentes e quem lá estava teve a oportunidade de ouvir
o belíssimo e emocionado relato de Fernanda, que estava
nervosa por apresentar para mim, a autora, e demais
presentes, o fruto do seu trabalho, mas ela saiu-se muito
bem, pois nós a encorajamos e a deixamos muito à vontade.
Em seguida, apresentei o prezi que eu tinha feito
contando o processo de criação de Petra do coração de pedra.
Na sequência, ficamos todos conversando e trocando
experiências. Pude falar sobre processos de criação em

A hora e a vez da criança


literatura infantil e juvenil, formação de leitores, mediação
de leitura, entre outros temas afins.

217

Figura 3 – Anna Claudia e Fernanda


Fonte: foto de Marcia Nicolau (2016).

26
Trata-se de um programa de apresentações. Ver: <www.prezi.com>.
Quem lá estava acabou vivenciando uma dessas raras
oportunidades que acontecem sem planejamento prévio.
A partir do relato de Fernanda, acabamos vivenciando
uma pequena palestra que não estava nos planos, mas
que foi deliciosa. Algumas professoras presentes no
auditório disseram que quem não estava lá perdeu um dos
momentos mais mágicos do seminário, mas essa fala é por
conta delas.
O fato é que pudemos trocar experiências e pensar
sobre teoria e prática lado a lado nos processos de criação
e como podemos aproveitar um livro em sala de aula,
mostrando os milhares de desdobramentos possíveis
quando existe um bom professor mediador de leitura
em cena. A leitura de Fernanda, seguida de minha fala,
mostrou como isso é possível.
Literatura infantil e juvenil

Sigo acreditando que o professor faz a diferença,


sempre. Claro que para o bem ou para o mal, como
costumo dizer. Então, volto às minhas reflexões iniciais.
218

Estamos em pleno ano 2017: como ainda tem gente que


acha que existe brincadeira de menina ou de menino?
Como ainda existem professores não leitores, escolas que
não têm biblioteca ou pelo menos uma sala de leitura?
Como ainda existem pais e educadores querendo banir
determinados livros e temas do convívio das crianças e
jovens?
Muitos adultos temem o fantástico mundo
imaginário das brincadeiras e das histórias. Não é à
toa que muitos pais temem que seus filhos tornem-se
homossexuais por gostarem de brincar de bonecas com as
meninas. Mas esses mesmos pais esquecem-se de que um
dia esses meninos crescerão e poderão ser pais. E não será
nas brincadeiras de casinha que as crianças terão tido a
oportunidade de estruturar-se para esse momento futuro?
Pela experimentação do ser adulto? Isso que acabei de
dizer não é nenhuma novidade. No livro A criança e seu
mundo, Winnicott (1975) já falou a respeito. Segundo ele,
quando brincam de casinha, as crianças estão formando
um lar, arrumando a casa, assumindo responsabilidades
conjuntas, cuidando dos filhos, interpretando papeis.
Winnicott (1975) também diz que essas crianças que
brincaram de pais e mães e de casinha, quando crescerem,
já terão conhecido o essencial para formar um lar.
A criança, ao brincar, pode, através do faz-de-conta,
alçar voo para um mundo imaginário, um mundo todo
seu, recriado, no qual ela pode ser e viver o que bem
desejar. Mundo esse em que adulto nenhum poderá
encontrá-la. Por isso, sempre associo o artista ao criar com
a criança que brinca. O escritor também cria seu mundo
imaginário para reinventar a vida, ou para falar de outras
possibilidades de vida. O escritor cria e recria histórias
de acordo com seus desejos, sonhos, delírios e vontades.

A hora e a vez da criança


O escritor sonha novas possibilidades de ser e viver. Freud
(1976, p. 149) já sabia disso. Em seu texto Escritores criativos
e devaneios, ele diz:

219
Será que deveríamos procurar já na infância
os primeiros traços de atividade imaginativa?
A ocupação favorita e mais intensa da criança é
o brinquedo ou os jogos. Acaso não poderíamos
dizer que ao brincar toda criança se comporta
como um escritor criativo, pois cria um mundo
próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu
mundo de uma nova forma que lhe agrade? Seria
errado supor que a criança não leva esse mundo
a sério; ao contrário, leva muito a sério a sua
brincadeira e dispende na mesma muita emoção.
A antítese de brincar não é o que é sério, mas o que
é real. Apesar de toda a emoção com que a criança
catexiza seu mundo de brinquedos, ela o distingue
perfeitamente da realidade, e gosta de ligar seus
objetos e situações imaginadas às coisas visíveis e
tangíveis do mundo real. Essa conexão é tudo o
que diferencia o ‘brincar’ infantil do ‘fantasiar’.
O escritor criativo faz o mesmo que a criança que
brinca. Cria um mundo novo de fantasia que ele
leva muito a sério, isto é, no qual investe uma
grande quantidade de emoção, enquanto mantém
uma separação nítida entre o mesmo e a realidade.
A linguagem preservou essa relação entre o brincar
e a criação poética.

Despeço-me dessas singelas reflexões dizendo o


quanto o Seminário de Literatura Infantil e Juvenil cresceu
ao incorporar às suas atividades um momento de encontro
do escritor com seus leitores: as crianças e os jovens.
E sinto-me honrada de ter sido a escritora convidada para
inaugurar essa série de encontros, que, tenho certeza, farão
parte da programação das futuras edições do seminário.
E termino deixando uma última reflexão. Quando
Literatura infantil e juvenil

contei que eu iria para o Seminário de Literatura Infantil


e Juvenil, na UFSC, algumas pessoas me perguntaram que
palestra eu faria. Eu disse que não faria palestra, mas que
220

participaria de encontros com as crianças. Foi quando


ouvi a pérola: “Nossa! Mas você só vai participar de um
encontro com crianças?”. Na hora, eu respondi: “Não, eu
não vou só para participar de um encontro com crianças,
eu vou para participar de um encontro com as crianças.
Quando você coloca este só na sua frase, está rebaixando as
crianças, não acha?”. E segui fazendo um discurso imenso,
perguntando como é que pode um educador pensar dessa
maneira, porque, quando se coloca o advérbio só na
frase, reduz-se a importância da criança. E criança não é
para ser reduzida. Como, em pleno século 21, ainda nos
deparamos com profissionais que não respeitam a infância
e seus sentimentos? Por isso, recorro ao mestre Korczak
(1981, p. 11), que falará por mim:

Vocês dizem:
— Cansa-nos ter de privar com crianças.
Têm razão.
— Cansa-nos, porque precisamos descer ao seu
nível de compreensão.
Descer, rebaixar-se, inclinar-se, ficar curvado.
Estão equivocados.
— Não é isso que nos cansa, e sim, o fato de termos
de elevar-nos até alcançar o nível dos sentimentos
das crianças.
Elevar-nos, subir, ficar na ponta dos pés, estande a
mão.
Para não machucá-las.

Muitos pais, professores, adultos de um modo


geral, não respeitam a criança como um ser inteiro. Estão
sempre pensando na criança como um vir-a-ser-adulto. O
que ela vai ser quando crescer? Pensam que ela precisa
se preparar para o futuro, estudar para o vestibular, fazer
cursos para ser um excelente profissional. Esquecem que

A hora e a vez da criança


a criança sente, pensa e olha o mundo diferente deles,
mas é inteira, é criança. Korczak (1981) diz que os anos

221
da infância são anos de uma vida verdadeira e não anos
de uma vida por vir a completar-se no futuro, quando as
crianças tornarem-se adultas.
Que possamos respeitar cada dia mais as crianças,
os jovens e a literatura infantil e juvenil. Que possamos
entender cada estágio de vida como um estágio pleno e
cheio de sonhos e desejos. Que não tenhamos medo
no imaginário no poder e muito menos dos livros, dos
temas complicados ou tidos como polêmicos, pois viver
é polêmico. Que nenhum adulto tenha medo de encarar
a vida de frente e, consequentemente, de encarar os livros
que tratam da vida de forma aberta e sem rodeios.
Vamos educar nossas crianças e jovens para os
sentimentos e fazer deste mundo um mundo mais humano.
E que todos os seminários, simpósios e congressos de
literatura infantil e juvenil sejam pioneiros como esse
seminário foi, incluindo a criança e o jovem em sua
programação, pois teoria e prática andam de mãos dadas,
não nos esqueçamos disso. Nunca.
Referências
COLASANTI, Mariana. Depoimento. In: OLIVEIRA, Ieda de.
O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? Com a
palavra o escritor. São Paulo: DCL, 2005.
FREUD, Sigmund. ‘Gradiva’ de Jensen e outros trabalhos.
Volume IX das obras completas. Tradução de Maria Aparecida Moraes
Rego. Comentários e notas de James Strachey. Colaboração de Anna
Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976.
HELD, Jacqueline. O imaginário no poder. Tradução de
Carlos Rizzi. São Paulo: Summus Editorial, 1980. Coleção
Novas Buscas em Educação.
KORCZAK, Janusz. Quando eu voltar a ser criança.
Tradução de Yan Michalski. Direção da coleção de Fanny
Abramovich. São Paulo: Summus Editorial, 1981. Coleção
Literatura infantil e juvenil

Novas Buscas em Educação.


MACHADO, Ana Maria. Contracorrente, conversas sobre
leitura e política. São Paulo: Ática, 1999.
222

NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano – um


livro para espíritos livres. Tradução de Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
RAMOS, Anna Claudia. Petra do coração de pedra. Rio de
Janeiro: Galera Junior/Record, 2014.
_____. A centopeia. São Paulo: Lafonte, 2012.
______. Nos bastidores do imaginário, criação e literatura
infantil e juvenil. São Paulo, DCL: 2006.
WINNICOTT, D. W. A criança e seu mundo. Tradução de
Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
A criança quer
o livro infantil?27

Nilma Lacerda

Para Fabíola Farias, com admiração e afeto.

Pequena convocação a felicidades


A criança quer o livro infantil? Não.
Meu trabalho, o de levar crianças, pais e professoras
das crianças, e ainda bibliotecárias a querer o livro
infantil, não se baseia no desejo, mas na necessidade.
Crianças necessitam do livro infantil. Livreiros e editores
respondem de forma positiva a essa questão, por motivos
óbvios. Para eles, a criança deve querer sempre o livro

27
Em sua concepção inicial, este texto foi apresentado em mesa-redonda com
Marilda Castanha e mediação de Fabíola Farias, no Circuito Literário Praça
da Liberdade, realizado em Belo Horizonte, de 12 a 16 de novembro de 2014.
Na edição para o 7° Seminário de Literatura Infantil e Juvenil, buscou-se
desenvolver com mais consistência e propriedade certos conceitos.
feito para ela, com mais ou menos acertos, e realizam, às
vezes, tarefas admiráveis para alcançar esse desejo. Mas o
fato é que a criança não quer o livro infantil, não nasce
querendo. Produto cultural que depende das práticas de
uma sociedade, livro é muito diferente de chocalho ou
outro brinquedo. O chocalho ela quer, qualquer animal
quer: buliçoso, sonoro, atrai a curiosidade dos filhotes de
mamíferos.
O livro é um aprendizado, como andar, como viver
por muito tempo. Fiquemos com essas duas perspectivas.
Feitos quadrúpedes, resolvemos ser bípedes, quando na
ordem dos primatas nos estabelecemos na família dos
hominídeos. Aprendemos a colocar a coluna vertebral de
pé, com todos os danos físicos que isso possa acarretar ao
longo do tempo. Como aprendemos a viver muito, com
Literatura infantil e juvenil

todos os danos que estamos constatando, as mortes lentas,


por exemplo, lentíssimas, em alguns casos.
A vida também pode ser lenta. Sob um desejo que
224

não se realiza, a vida é sempre lenta. Mas, lenta ou não,


costumamos suportar a vida. E suportamos muito quando
se trata de um desejo, até mesmo a tortura, o desejo
pondo em pé corpo e vontade. Conhecemos a história
mais que contada da menina que andava saltitando pelas
ruas do Recife e que conheceu a felicidade de uma forma
clandestina. O desejo de ler um livro “[...] grosso, meu Deus,
[...] um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o,
dormindo-o” leva-a a submeter-se à “[...] aparição muda
e diária” (LISPECTOR, 1997, p. 16) na porta da casa de
sua algoz. Menos que tortura, termo que a autora usou
em uma primeira versão do texto, um contrato, eu diria.
Venho aqui todo dia, um dia você me dará o livro. Mas uma
das pessoas envolvidas no pacto era perversa, e submete a
outra ao logro contínuo, até a intervenção da justiça, na
pessoa da mãe da menina perversa, que, sem o saber, levou
a menina loura que esperava pelo livro a amadurecer de
um salto e, pulando etapa, passar de menina a mulher.
Do livro para comer, em plena fase oral (bebês
comem livros, experimentando e mastigando papel ou
lascas de papelão), ao livro como companheiro erótico:
“Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher
com seu amante” (LISPECTOR, 1997, p. 18).
De mãos dadas com Clarice Lispector, naturalmente,
podemos prosseguir pelas vidas lentas, essas que pedem
cem anos para isso e para aquilo. “Cem anos de perdão”
(LISPECTOR, 1997) é outro texto de primeira pessoa
contando da menina pelas ruas de Recife. Pois, pelas
ruas em que moravam os ricos de Recife, havia palacetes
cobiçáveis por duas meninas que caminhavam e brincavam
de escolher suas casas. Fantasia, imaginação, esse princípio
característico do humano. Um dia, entre um palacete e

A criança quer o livro infantil?


outro, apareceu a casa que parecia um pequeno castelo,
com seu pomar e seu jardim. Nele, a rosa

[...] apenas entreaberta cor-de-rosa-vivo. Fiquei

225
feito boba, olhando com admiração aquela rosa
altaneira que nem mulher feita ainda não era.
E então aconteceu: do fundo do meu coração, eu
queria aquela rosa para mim. Eu queria, ah como
eu queria. (LISPECTOR, 1997, p. 68).

Como é impossível obter pedindo, roubar é a


solução. Bem sucedido o primeiro roubo, embora “[...] um
século de coração batendo, mas ao final a glória não de
roubar, mas de possuir ” (Idem, p. 70). Acostumou-se a
roubar rosas, a menina: “O que é que eu fazia com a rosa?
Fazia isso: ela era minha” (Idem, p. 69). A rosa no copo
d’água, a soberania da rosa à disposição de seu olhar: “Foi
tão bom. Foi tão bom que simplesmente passei a roubar
rosas.” (Idem, p. 70), diz a menina que também roubava
pitangas. “Nunca ninguém soube. Não me arrependo:
ladrão de rosas e de pitangas tem 100 anos de perdão. As
pitangas, por exemplo, são elas mesmas que pedem para
ser colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho,
virgens” (Ibidem).
Embora nossa aposta seja na vida, vamos ocupar-nos
das pitangas que morrem nos galhos, morte lenta de não ser
colhida. Ler faz bem à saúde é o mote do momento. Ajuda a
prevenir demências e o mal de Alzheimer. Estimula o circuito
neuronal etc. etc. etc. Houve tempo em que ler fazia mal à
saúde. No último quartel do século XVIII, Samuel-Auguste
Tissot, médico e confidente de Jean-Jacques Rousseau,
autor de um volume sobre a saúde dos intelectuais (De
la santé des gens de lettres), defendia que a masturbação e
a leitura excessiva conduziam inexoravelmente à perda
das energias e à doença. Excetuando a masturbação,
que não nos interessa aqui, o que estava em jogo era
uma concepção de saúde, marcada pelo contrato social,
defendido por Rousseau. Concomitante ao nascimento
Literatura infantil e juvenil

da economia política, estabelecia-se a impossibilidade


dos gozos pessoais, postos como parte de uma natureza
egoísta, por impedir a circulação de bens e a contribuição
226

necessária de cada indivíduo ao enriquecimento coletivo.


Em nome da cidadania, interditam-se práticas capazes de
proporcionar a eclosão de fantasias contrárias ao convívio
social, por escapar à lógica política e situar-se em esferas
totalmente fora de controle. Encontra-se aí, na perspectiva
de Laqueur (2005), o controle social sobre a leitura,
atividade que permite ao indivíduo um prazer solitário
e libertino. O discurso médico colabora de forma eficaz
para esse objetivo, presente em todo o século XIX, aliando,
inclusive, excesso de leitura e enfermidade mental.
O quadro muda no início do século XX. A leitura
desloca-se do nicho de enfermidade para o de prática
social saudável, e, no Brasil, projetos como os de Lobato
e de Cecília Meireles, nos anos 1920 e 1930, levam à
educação e à escola a concepção de leitura como valor de
formação da infância e da juventude. Por meio de ações
empreendedoras e de políticas públicas ao longo do
século, o acesso à leitura se firma como responsabilidade
do Estado frente aos cidadãos e às cidadãs (LACERDA;
SIQUEIRA, 2006).
Na pesquisa dessas relações entre leitura e saúde,
chegamos às crianças internadas em hospitais, na tangente
da morte. Há alguns anos, desenvolvem-se projetos de
leitura em hospitais visando, basicamente, atender aos
pacientes crônicos e terminais. Por dever de ofício e interesse,
acompanhei alguns desses projetos. Ainda acompanho e
vejo, com frequência, as crianças que vão morrer pedirem
livros, pedirem que contem histórias para elas. Vejo também
o espanto de alguns médicos quando elas pedem que contem
“A pequena vendedora de fósforos”, de Andersen (1995).
“Pois se é um livro que fala da morte, que descreve a morte,
como se lê isso para crianças com enfermidades em estágio
terminal?” – costumam perguntar, estupefatos. Porque

A criança quer o livro infantil?


– deixemos de hipocrisia e de autoenganos – pacientes
que possuam entendimento e encontrem-se em situação
terminal sabem de sua condição, sabem que estão com a

227
face voltada para o outro lado. Se já estão vendo a morte,
por que pedir um livro que fale dela? Porque veem-na e
não a veem. Porque não se sabe como é a morte. Criamos
ficções sobre a morte, mas o fazemos sem nenhuma certeza
sobre o acerto dessas criações. A morte só é científica do
ponto de vista físico. Do lugar da mente, desse lugar em que
dizemos eu, nada sabemos em verdade sobre a morte. Mas
o livro, o livro sabe.
Sabe da morte lenta das pitangas que não são colhidas,
sabe da morte lenta da criança que não tem afeto e experimenta
o frio. Sabe, e traz palavras, matéria de que somos feitos, para
consolar, como aquelas que Primo Levi busca em Dante e
traz ao companheiro no campo de Auschwitz (LEVI, 2000),
completamente desumanizados ambos.

Relembrai vossa origem, vossa essência:


vós não fostes criados para bichos,
e sim para o valor e a experiência
(LEVI, 2000, p. 116).
Criação de um deus ou de um acaso biológico, não
importa. Não somos brutos, temos alma. Temos essa
faculdade que permite sentir, comover, expressar, reagir,
agir. Agir, também em face da morte. E agir em face da
morte exige, necessariamente, agir em face da vida.
“A literatura ensina a morrer porque ensina a viver”,
diz Eco (2003, p. 21). Porque estamos falando do livro de
literatura, é claro. Os outros livros, os informativos, os
didáticos, os de entretenimento têm muito clara sua razão
de existir. Iluminam o mundo, difundem conhecimento,
organizam esse conhecimento, repartem-no entre as
pessoas, sem discriminações, desde que cheguem a elas.
Livro é um substantivo, portanto, que comporta adjetivos.
Livros adultos, livros infantis, livros juvenis. A literatura,
no entanto, não aceita as modificações que um adjetivo
Literatura infantil e juvenil

encerra. Não pede idades para fruição, a literatura.


Com a peculiaridade de falar de coisas que existem
como se não existissem, isto é, como se fossem um
228

fingimento, e o são, sem abandonar a verdade; ou de


pôr em evidência a beleza e a inquietação do mundo, a
literatura só tem um assunto – o ser humano, sua própria
condição de glória e abandono.
A primeira obra literária de que se tem notícia,
uma epopeia escrita sobre tabuletas de argila em
caracteres cuneiformes, data de aproximados 5.000 anos
e conta a história de Gilgamesh, rei de Uruk, que busca a
imortalidade para ter de volta o grande amigo e vencer a
solidão. Não o consegue, depois de ter tocado e perdido a
flor da vida eterna, mas é consolado pelo espírito do amigo
que, sob a forma de uma ave, leva-o a voar sobre o império
que construiu, permitindo a ele alcançar a dimensão
mesma do humano, nas construções realizadas, no legado
da memória.
Livros são um objeto precioso da cultura escrita.
Falam dos lugares do mundo, dos outros lugares que não
conheço, falam do meu lugar e de mim nesses outros
lugares. É um objeto de referência para a humanidade, tanto
quanto os causos narrados pelos vaqueiros de Guimarães
Rosa, ou as narrativas dos povos papuas, na Oceania.
Mas livros de literatura voltam-se especificamente para
o eu dentro de mim, às minhas perplexidades, às coisas
pelas quais tenho curiosidade, das quais tenho vergonha.
Comunicam a cada leitor a liberdade e o abismo presentes
na condição humana.
À exceção dos governos totalitários, ninguém discute
o valor dos livros para os adultos; e apenas o pensamento
controlador, totalitário, censura o conteúdo dos livros, e
o faz porque – como observamos nas reflexões anteriores
sobre o Iluminismo – livros são objetos eróticos, isto é,
colaboram para a manutenção do princípio da vida, da
independência do eu.

A criança quer o livro infantil?


Por que a criança que morre quer ouvir histórias
saídas de livros? Porque livros são feitos de palavras, trazem
experiências esclarecedoras, emprestam um sentido à vida.

229
E, tendo sentido a vida, terá sentido a morte? É do que
suspeito. Quanto a mim, em momentos da mais extrema
solidão, é aos livros que recorro. Entre tantos possíveis, a
Bíblia tem um lugar cativo. Uma coleção de livros reunidos
em um só volume, com variações editoriais conforme o
credo. Lá estão os romances, a poesia, a crônica, o didático,
o informativo. É na Bíblia que, pensando aprender o
divino, aprendemos o humano. No Ocidente, não há o que
tenha sido escrito que não tenha antes passado por lá: os
horrores, as sublimidades. O mesmo deve acontecer com
os livros sagrados de outras culturas.
Cada livro literário recorta sua parte de horror ou de
sublimidade e propõe ao leitor a partilha dessa condição,
mediada pelos personagens, seres construídos de palavras.
Ao acompanhá-los, criamos nossas próprias respostas
para o enigma da existência. Quando o protagonista de
Guilherme Augusto Araújo Fernandes (FOX, 1995)
pergunta aos outros personagens da narrativa o que é uma
memória, permite à leitora dizer: memória é o perfume
que fica quando a coisa passou. Permitirá tantas outras
respostas quantas forem as leitoras, os leitores.
Em nossa sociedade, a criança é o excedente. Não
conta para muita coisa, em verdade. Por isso, necessita
ser tão cuidada, protegida, falada em sua mudez. Porque
continua não falando: infante, do latim infans, ántis “[...]
que não fala, que tem pouca idade, novo, pequeno, criança”,
diz o dicionário Houaiss (2009). Conheço pelo menos três
casos em que um juiz, em famílias divididas, decidiu pela
criança, sem pedir a opinião dela sobre com quem gostaria
de ficar. Entre elas, Bernardo está perto de mim, e eu saberia
bem o que ele tinha a dizer, o que teria dito se tivesse sido
ouvido. Mas nem a doença, nem a internação ou os gritos
que dava fizerem com que fosse ouvido. De Bernardo,
Literatura infantil e juvenil

ouvi que adorava lívulos, um formidável neologismo


que inventou. Imitava a tia, sempre de livro na mão, para
o estudo ou a fruição. A cena de leitura como gesto de
230

imitação é comum em crianças pequenas. Assisti, numa


creche universitária, a uma autêntica leitura oral, realizada
por crianças de quatro e cinco anos. A imitação, portanto,
não tem segredos. O segredo está na permanência no
gesto, o que não parece ser um problema quando se trata
de andar apoiado sobre dois dos quatro membros que
possuímos. Mas andar dessa maneira é quase herança da
espécie, comportamento a perder-se apenas por desastres
inesperados.
Ler não é herança da espécie, é valor que se constrói,
decorrente das práticas do grupo em que estamos inseridos.
Não é um ato natural, é uma prática cultural e acontece
em função dos valores estabelecidos na comunidade. Pode
começar por imitação, mas, para prosseguir, deve passar à
apropriação. Não falamos de gosto pela leitura, expressão do
senso comum, que mostra equívocos em relação ao ato de
ler, tomado como entretenimento. Não é necessário adquirir
gosto pela diversão: os animais brincam, entretêm-se
com seres da mesma espécie ou com objetos variados.
Gatinhos e novelos dão-se muito bem. Piões, pipas, bolas,
bonecas fazem em todos os tempos um bom par com as
crianças.
Livros de literatura pedem partilha, educação, decisão
de fazer um trabalho. Ler é um trabalho, ver é um trabalho.
Os livros para crianças pedem trabalho por parte das
crianças e dos adultos próximos a ela. Têm determinadas
características de formato, ilustração, projeto gráfico, com
atenção à tipografia, entrelinha e outros aspectos relevantes
quando o leitor não tem domínio pleno dessa atividade
complexa, psíquica e fisiologicamente. Por isso não se dá
à criança um livro de texto corrido, muitas páginas, letra
pequena, entrelinha apertada. A criança pede o desperdício.
É preciso muito papel e muita tinta para fazer um livro

A criança quer o livro infantil?


para criança. Mas que belas obras costumam ser os bons
livros para crianças. Os burgueses da Alemanha, no início
do século XIX, sabiam bem disso (BENJAMIN, 2002).

231
O livro infantil surge em época abastada, quando esse
excedente que é a criança pode ter livros pensados para
suas necessidades. Não só para mostrar belas gravuras,
contar peripécias sedutoras, mas para falar da existência,
do que é humano e pedir partilha, como a rosa no copo
d’água ou a pitanga na árvore.
A literatura para crianças e jovens – a literatura que
crianças e jovens também podem ler –, costumo dizer, não é
ainda reconhecida em grande parte pela academia, tal qual
a criança na sociedade. Tem sempre um juiz para dizer:
decido isso por você, em nome da lei. Em nome da lei,
nós, os adultos junto às crianças, poderíamos empreender
a tarefa difícil e trabalhosa de colocar os livros infantis ao
alcance delas, para que efetivamente os queiram. Tal qual
as pitangas de Clarice, permitir que cheguem a seu destino:

A sebe era de pitangueira. Mas pitangas são frutas


que se escondem: eu não via nenhuma. Então,
olhando antes para os lados para ver se ninguém
vinha, eu metia as mãos por entre as grades,
mergulhava-a dentro da sebe e começava a apalpar
até meus dedos sentirem o úmido da frutinha.
Muitas vezes na minha pressa, eu esmagava uma
pitanga madura demais com os dedos que ficavam
como ensanguentados. Colhia várias que ia
comendo ali mesmo, umas até verdes demais, que
eu jogava fora. (LISPECTOR, 1997, p. 70).

Livros verdes, que a criança joga fora, livros maduros


que podem ensanguentar os dedos, e livros bons de serem
comidos, para nutrir corpo e alma. Por cem anos, pelo
menos.

Referências
Literatura infantil e juvenil

A EPOPEIA DE GILGAMESH. Anônimo. Tradução de Carlos


Daudt de Oliveira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
232

ANDERSEN, Hans Christian. A pequena vendedora de


fósforos. In: ______. Histórias maravilhosas de Andersen.
Compilação de Russel Ash e Bernard Highton. Tradução de
Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1995.
BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo
e a educação. Tradução, apresentação e notas de Marcus
Vinicius Mazzari. São Paulo: Duas Cidades, Editora 34, 2002.
ECO, Umberto. Sobre a literatura. 2. ed. Tradução de Eliana
Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2003.
FOX, Mem. Guilherme Augusto Araújo Fernandes.
Ilustração de Julie Vivas. Tradução de Gilda de Aquino. São
Paulo: Brinque Book, 1995.
HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss da
língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, versão
monousuário 1.0.
LACERDA, Nilma Gonçalves; SIQUEIRA, Vera Helena
Ferraz de. Relações entre saúde e leitura – do século XVIII à
contemporaneidade. 11º Congresso Mundial de Saúde Pública.
8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Anais... Rio de
Janeiro, 21 a 25 de agosto de 2006.
LAQUEUR, Thomas. Le sexe en solitaire. Trad. de l’anglais
Pierre-Emmanuel Dauzat. Paris: Galimard, 2005.
LEVI, Primo. É isto um homem? Tradução de Luigi Del Re.
Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. Contos. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997.
TISSOT, Samuel-Auguste. De la santé des gens de lettres.
Préf. Christophe Dejours. Valergues: Alexitère, 1991.

A criança quer o livro infantil?

233
As vozes da rua
na poesia de
Cecília Meireles28

Gloria Kirinus

Não existia canto, ladainha, reza ou pregão que não


cativasse a menina Cecília Meireles. No livro Olhinhos de
Gato (MEIRELES, 1980), temos um verdadeiro registro
poético da infância da poeta. Ela faz um relato dos seus
primeiros nutrientes poéticos recebidos por parte das
pessoas que a cercaram durante seus primeiros anos.
Em outras oportunidades, já escrevi sobre a oralidade
residual em Cecília Meireles, focando as cantigas de ninar
e as cantigas de roda. E já escrevi também sobre as palavras
brinquedo e afeto, provindas da vó, da ama Pedrina e de
outros que tiveram a felicidade de rodeá-la.

28
Este texto foi publicado, originalmente, na Revista da Biblioteca Mário de
Andrade, São Paulo, v. 57, p 195, 1999.
Hoje, aqui, detenho-me sobre o canto ambulante,
quase anônimo do vendedor que anima as ruas com sua
voz que promete um pouco de tudo: utensílios, guloseimas,
frutas, flores e sonhos.
Quanta matéria-prima viva para o jogo de poetar era
jogada na rua para deleite da menina Cecília. Sim, a voz
que não quer desprender-se do canto, na voz do vendedor
ambulante, já se revela nessa infância, ávida de sons,
imagens, significados. Nenhuma voz se anunciava em
vão para os ouvidos naturalmente receptivos da criança
e da poeta. Como não guardar na memória, e no coração,
aquela voz especial? Aquela voz que vinha “[...] risonha,
leve, uma voz sem tormento” (MEIRELES, 1980, p. 47):

Sorvetinho sorvetão
Literatura infantil e juvenil

Sorvetinho de ilusão
Quem não tem duzentos réis
Não toma sorvete não.
Uma pausa de uns três ou quatro passos. Depois:
236

Sorrrrrrvete, iaiá!
Olha a fama do bom sorvete,
Sinhá.

Certamente, era uma voz leve e sem sombra de


tormento esse tal sorvetinho, sorvetão, sorvetinho de
ilusão, que se encolhia no diminutivo e dilatava-se no
aumentativo. Mais que um jogo visual, é um jogo completo
e sonoro que sabe brincar com a rima e com o afeto. Como
não despertar a atenção do passante mais indiferente que
possa existir, nas ruas do mundo?
Como duvidar que é de ilusão a rima que anima a voz
que, na rua, conclama fregueses? Como duvidar da anacruse
que prolonga a consoante fricativa e que estrategicamente
derrete-se em erres, culminando num popular e musical
iaiá? Para completar esse precioso pregão, a distinta palavra
sinhã predispõe-se indiscriminadamente, sem nenhum
preconceito, a rimar com a palavra iaiá. Por que não?
Essas são as leis que governam a poesia que se anuncia
na voz anônima e ambulante da rua e que a poeta sabe
capturar na sua essência expressiva. Mas as leis da poesia,
assim como as leis da vida, deslocam-se entre pregões que
provocam inúmeros sentimentos. Uns podem ser alegres,
leves, doces e, por outro lado, temos aqueles pregões tristes
como se fossem litanias frias e doentes. A própria Cecília
Meireles, narradora dos tempos de infância, anuncia outra
voz em Olhinhos de gato: “É uma voz de preto velho, voz
escura e calma resmungando-dolente, quebrada, triste,
triste [...]” (MEIRELES, 1980, p. 47).

Balangadim tá to`adinho...

As vozes da rua na poesia de Cecília Meireles


Tá quentinho
Balangadim...

Não, esses vendedores ambulantes não são apenas


pregoeiros de sorvetes ou de amendoim torradinho.

237
São pregoeiros de verdades do ser, de verdades sentidas,
impossíveis de disfarçar; são aquelas verdades inseparáveis
da voz que denuncia e anuncia, na força da ação, sua
emoção mais secreta. Pregões que ora se desprendem
alegres e descontraídos e ora conotam sentimentos
contidos, quase recolhidos, tristes, tristes.
Muitos ecos dessa infância, que soube nutrir-se
das vozes da rua, podem ser recuperados pelo leitor de
poesia de Cecília Meireles. Em especial, em Ou Isto e Aquilo
(MEIRELES, 1990), a poeta traz de volta todo esse fascínio.
Basta observar o poema Pregão do vendedor de lima
(MEIRELES, 1990), que já se anuncia claro no título,
relevando na riqueza de sua poesia a oralidade residual
alojada no poema:

Lima rima
Pela rama
Lima rima
Pelo aroma
O rumo é que leva o remo
O remo é que leva a rima.
O ramo é que leva o aroma
Porém o aroma é da lima.
É da lima o aroma
A aromar?
É da lima-lima
Lima da limeira
Do ouro da lima
O aroma de ouro
Do ar!

À primeira vista, a riqueza sinestésica do poema


envolve o leitor pelos sentidos e também pela sonoridade
que, especialmente lúdica, anuncia-se ágil e leve. Mas essa
lima, anunciada em rimas e que se desdobra em sugestivos
Literatura infantil e juvenil

anagramas, prestativas aliterações e, como se fosse pouco,


em oportunas repetições, define o princípio de escuta.
O pregão de rua que se amplia no poema e que exige mais
238

que uma solicitação de atenção, mais que uma evocação,


define a voz que participa da rua, da vida e da poesia.
Há um vendedor que se anuncia na voz viva da rua.
Há um vendedor de lima com seu pregão de rima, variante
daquele vendedor do sorvetinho da ilusão e daquele outro,
do amendoim torradinho. Como não compreender a
natureza dialógica da poesia?
Já no poema Leilão de jardim (MEIRELES, 1990)
e também do livro Ou Isto ou Aquilo (MEIRELES, 1990),
temos a presença de vendedores tácitos de ilusões. Ou
melhor, aparece um eu poético que se assume, sem
qualquer dissimulação, em primeira pessoa, ensaiando
ofertas e indagando demandas. Umas e outras estão muito
distantes do peso e da medida rentável instituída pela
convenção comercial:

Quem me compra um jardim


Com flores?
Borboletas de muitas cores.
Lavandeiras e passarinhos
Ovos verdes e azuis nos ninhos?
Quem me compra este caracol
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera?
Uma estátua da
Primavera?
Quem me compra este formigueiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?
(Este é meu leilão!)

São flores, cores, lavandeiras, passarinhos, ovos

As vozes da rua na poesia de Cecília Meireles


verdes, azuis, ninhos, um caracol, um raio de sol, um
lagarto, uma estátua, um formigueiro, uma cigarra, um
grilinho, objetos especiais para poeta nenhum duvidar dos
seus valores. Valores e bens que se vendem sozinhos. As
perguntas que se repetem, assim como se fosse um leilão

239
normal, aguardam respostas. A resposta afirmativa do
leitor não se escuta, mas se pressupõe.
O jogo do comércio, da troca, da oferta e da
demanda são regulares e equivalentes nesse jogo de leilão.
Entre perguntas e respostas, bem-dispostas no jogo de
dísticos que rimam entre si, cumprem o papel principal
da cumplicidade de valores que cativam pelo pacto tácito
com o leitor e com a rima, a função da troca, do encontro,
do acerto.
O Leilão de jardim, de Cecília Meireles (1990), é tão
imaterial, disfuncional e nada utilitário, como aquele
sorvetinho de ilusão que transportava o leitor para o
universo mágico, quase inacreditável do anticonsumo.
A natureza da poesia é dialógica e plena de vozes, de
ecos, de rumores, de pregões. Tanto faz que ela se manifeste
em verso ou em prosa. Pouco importa que apareça em
contos, romances ou poesias. Antes de promover divisões
reducionistas, prefiro acreditar na natureza mito-poética
e integrada do ser humano. E prefiro compreender que
na linguagem reside a fonte natural da expressão poética.
Nesse sentido, é difícil aceitar o discurso monológico de
Bahktin (2000) em torno da poesia. Convido, portanto,
Meschonic (1990, p. 255-256) para ajudar-me a pensar
sobre este assunto:

Une autorité theorique a particulièrment renforcé


le modèle binaire, c´est l`o euvre de Bahktine, et
sourtout l`accueil qui lui a été fait em France. Le
dialogisme du roman, sa “polyphonie, opposé au
monologisme poetique. Ce cliché moderniste en
a imposé à beaucup. C´est la fausseté du schéma
binaire, son simplisme qu`il faut montrer, pour s´en
défaire. Le schéma de Bakhtine n´est pas séparable
de son sociologisme, daté-situé, et que découvre
Literatura infantil e juvenil

Marxisme et philosophie da langage dans un cas,


à la théorie de la littérature dans l ´autre. Pour une
critique du monologisme poétique, le sujet, en
240

littérature, ne se réduit pas à l ´emploi du pronom


personnel de la première personne”.

Como dissociar o vivido do sentido e do processo


criativo? Como dissociar a leitura de mundo da expressão
escrita? O poeta é um exagerado. O poeta pode ser até um
fingidor. Mas um fingidor que deveras sente. Não é assim
que Fernando Pessoa lança o paradoxo que concilia vida
e ficção? A participação da primeira pessoa no singular de
qualquer tempo, na poesia, não significa necessariamente
ressaltar a existência de uma única pessoa. É claro que
todo habitante deste planeta Terra cumpre com sua
dimensão de humanidade, fatalidade que o pluraliza e
o solidariza com o resto dos mortais que, no plano da
linguagem, tecem redes de inúmeras vozes. Nesse caso,
de vozes da rua.
Referências
BAHKTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
MEIRELES, Cecília. Olhinhos de Gato. São Paulo: Editora
Moderna, 1980.
______. Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1990.
MESCHONNIC, Henri. La Rime et la Vie. Lagrasse: Verdier,
1990. p. 255-256.

As vozes da rua na poesia de Cecília Meireles

241
Barca dos livros – uma
biblioteca com alma

Tânia Piacentini

A Biblioteca Comunitária Barca dos Livros foi


idealizada pela Sociedade Amantes da Leitura, ONG
criada em 2003 em Florianópolis, e abriu suas portas
em 2 de fevereiro de 2007. O objetivo principal, nesses
dez anos de funcionamento, tem sido difundir a leitura
literária como instrumento de afirmação cultural e de
cidadania. Conta com um acervo de mais de 16.000
livros, atualizado anualmente com livros novos recebidos
das editoras em decorrência do trabalho profissional do
Núcleo de Estudos e Pesquisas (NEP) como votante junto
à Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e
por doações e aquisições de obras para adultos.
A formação do leitor exige um permanente e renovado
contato com textos escritos disponíveis sob a forma de
livros, revistas, jornais, em lugares e contextos motivadores
da leitura. É a biblioteca o lugar mais adequado para que
o direito a essa convivência seja incentivado e exercido
por todo cidadão de qualquer classe social e de qualquer
idade. Para a sua formação como leitor, então, o acesso à
leitura literária é fundamental e decisivo desde cedo, pois
a literatura auxilia no desenvolvimento e enriquecimento
ético, estético e afetivo de todas as pessoas. Por comungar
totalmente com essa premissa, definimo-nos como
uma biblioteca de literatura e artes, sendo nosso acervo
especializado em literatura infantil, juvenil e para adultos,
em língua portuguesa e línguas estrangeiras (inglês,
francês, alemão e italiano).
Um dos maiores fatores de inclusão social é,
necessariamente, o acesso aos bens culturais impressos,
a inclusão cultural. Com o objetivo de formar leitores,
a leitura não pode ser um trabalho esporádico; é prática
cultural, experiência, prazer, identificação, alimento para
Literatura infantil e juvenil

o imaginário, compreensão da realidade, conhecimento


de novas culturas, forma de interação com o outro,
descoberta de novos mundos e, portanto, de contato
244

com as diferenças culturais, étnicas, linguísticas, sexuais,


propiciando o aprendizado do respeito e a convivência
com essa diversidade de que se compõem a humanidade e
o mundo grande, que se apequena e aproxima-se com as
novas tecnologias.
A Barca dos Livros, portanto, tem como proposta a
realização de ações educacionais e culturais direcionadas à
formação de um público leitor, voltadas preferencialmente
para crianças e adolescentes, sem descuidar da necessária
capacitação dos mediadores de leitura (professores, arte-
educadores, agentes culturais comunitários etc.). Suas
ações facilitam o acesso ao livro e à leitura, promovendo
uma política de leitura e cultura, lazer e entretenimento
que mobiliza cerca de três mil pessoas/mês. Organizada
em espaços especiais para diferentes faixas etárias e
atividades específicas, a Biblioteca Comunitária Barca
dos Livros cumpre seu papel: a) na formação do leitor,
através do atendimento especializado a todas as idades
e o incentivo à leitura, com a realização de atividades
como narração de histórias, leitura em voz alta, teatro
infantil, espetáculos musicais, cursos e oficinas; b) na
formação do mediador, através de cursos e oficinas; e c) na
inclusão social, que se consolida com a participação ativa
e constante dos membros das várias esferas da sociedade
– as visitas das escolas, a doação de livros para outras
instituições, a participação gratuita ou a preços simbólicos
nas diversas atividades culturais realizadas na biblioteca ou
na comunidade, para que a leitura torne-se parte de cada
um, e cada um desses leitores possa replicar seu amor aos
livros e transformar sua capacidade leitora em participação
consciente e cidadã na vida pessoal e comunitária. É esse o

Barca dos livros – uma biblioteca com alma


papel de uma biblioteca: investir, de forma lúdica e atrativa,
na valorização social da cultura letrada e na formação de
leitores (crianças, jovens e adultos). Essa tarefa não é fácil,
mas contamos com o apoio de voluntários e funcionários
dedicados à realização de várias ações, dentre as quais

245
destacamos:
a) A Escola Vai à Barca: a atividade ocorre todas as
quartas-feiras, de março a dezembro. Consta de
visita previamente agendada de turmas de alunos,
e dura cerca de uma hora, dependendo da faixa
etária dos visitantes. São três visitas, um grupo pela
manhã e dois grupos à tarde. A visita é dividida em
dois momentos; o primeiro, de leitura individual
ou em pequenos grupos e exploração do acervo;
logo após, o momento da leitura em voz alta ou de
narração de histórias. O primeiro momento serve
para que as crianças explorem o acervo da biblioteca
autonomamente, folheando os livros e lendo as
ilustrações e os textos ou ouvindo a leitura feita pelo
mediador. Esse período é variável, de acordo com a
idade e interação de cada grupo, e sua importância
reside na proximidade com o livro. Nessa etapa,
participam todos os mediadores de leitura, aqui
considerados os professores e demais acompanhantes
das crianças (estagiários, pais e outros), bibliotecária
e contadores de histórias da Barca dos Livros. O
segundo momento, de leitura em voz alta e narração
de histórias, fica a cargo da equipe da Barca. Os livros
e as histórias são preparados de acordo com a faixa
etária de cada grupo (as escolas recebem documento
de orientação aos professores e acompanhantes
dos alunos e trazem autorização de uso de imagem
para divulgação do evento; as crianças, professores
e acompanhantes recebem orientação impressa para
fazerem carteirinha de leitor).
b) Núcleo de Estudos e Pesquisas em Literatura: análise
do acervo, crítica de livros, produção de resenhas,
comentários e textos sobre as obras literárias.
Literatura infantil e juvenil

Compõe a comissão avaliadora da Fundação


Nacional do Livro Infantil e Juvenil, que estabelece
17 premiações anuais em nível nacional.
246

c) Histórias na Barca dos Livros: todo segundo sábado


de cada mês, aluga-se um barco baleeira com
capacidade para cerca de 70 pessoas, consideradas
como crianças de todas as idades, para realizar dois
passeios na Lagoa da Conceição, com contadores de
histórias, música e livros. Cada passeio dura cerca
de 50 minutos e, enquanto o barco afasta-se dos
trapiches, as pessoas manuseiam e lêem os livros
disponíveis, apreciam a paisagem e distraem-se. No
meio da Lagoa, o barco tem seu motor desligado e os
contadores e músicos iniciam a contação. Ao final,
há o sorteio de um livro, liga-se o motor e retorna-se
aos trapiches em meio à cantoria – “[...] todo mundo
conta histórias/todo mundo tem seu jeito/de abrir o
universo/que está dentro do seu peito [...]”(músida
de Rosana de Almeida).
d) Encontro com autores/ilustradores/artistas diversos:
mensal ou bimestralmente ocorrem encontros com
escritores, ilustradores, fotógrafos e músicos para
falar sobre seu trabalho, ler trechos de sua obra, fazer
exposições, lançar livro, realizar demonstrações do
processo criativo, fazer recital de música ou canto,
enfim, conversar com o público. Obras para crianças,
jovens e adultos são focalizadas alternadamente,
para atender diferentes faixas etárias de leitores.
As atividades podem ser para crianças e seus adultos,
ou para crianças de todas as idades.
e) Terça Encont®os: todas as terças-feiras, contadores
de histórias profissionais e ou em formação reúnem-
se na biblioteca para trocar experiências, discutir
técnicas, assistir vídeos, ensaiar novas histórias etc.

Barca dos livros – uma biblioteca com alma


O grupo é aberto a todos os interessados e alguns
desses contadores participam dos passeios de barco
e das visitas das escolas.
Poderíamos citar os números desses dez anos, que
são altamente significativos, mas rígidos. A alma da Barca

247
dos Livros expressa-se nos sorrisos dos leitores, na alegria
das crianças, na emoção das pessoas de todas as idades
que participam de nossas atividades e que vêm à barca
para buscar livros, trocar impressões, enfim, participar
do encantamento e afetividade que o mundo dos livros
empresta à vida cotidiana.
Sobre as autoras
e os autores

Anna Claudia Ramos – Mestre em Ciência da Literatura (UFRJ.


Graduada em Letras pela PUC/Rio. Professora de Oficinas
Literárias. Escritora. Viaja mundo afora dando palestras e oficinas
sobre sua experiência com leitura, bibliotecas comunitárias e
escolares, e como escritora e especialista em literatura infantil
e juvenil. Sua empresa, Atelier Vila das Artes, é idealizadora e
responsável pela produção de conteúdo do Manual da Flipinha.
Participa de diversos projetos literários e de incentivo à leitura
e das mais importantes feiras de livro do Brasil e do exterior.
Sua obra No meio do caminho tem uma porta foi vencedora
na Categoria Livro Juvenil do Prêmio Guavira de Literatura, da
Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul.
E-mail: [email protected].

Anna Crelia Dias – Doutorado em Letras Vernáculas


(UFRJ, 2008). Mestrado em Letras Vernáculas (UFRJ, 2003).
Especialização em Literatura Infantil e Juvenil (1999). Graduação
em Letras (UFRJ, 1994). Professora da UFRJ. Tem experiência
na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando
principalmente nos seguintes temas: literatura infantil, literatura
brasileira, literatura e ensino e formação do leitor literário.
É líder do grupo de pesquisa Literatura e Educação Literária e
membro do GT da Anpoll Literatura e Ensino.
E-mail: [email protected].
Dilma Beatriz Juliano – Doutorado em Teoria Literária
(UFSC). Mestre em Literatura Brasileira (UFSC). Professora da
Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), atuando como
professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Linguagem, na linha de pesquisa Linguagem
e Cultura. Na graduação, atua como professora e vice-
coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual. Co-autora
do livro Literatura infantil e juvenil: do literário a outras
manifestações estéticas (2016), premiado pela Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil, como melhor livro na
categoria Teórico/2016. E-mail: [email protected].

Edgar Roberto Kirchof – Pós-Doutorado em Biossemiótica


(Universidade de Kassel, Alemanha). Doutorado em Linguística
e Letras (PUC/RS, 2001). Mestrado em Ciências da Comunicação
(Unisinos, 1997). Graduação em Letras Portugês/Alemão
(Unisinos, 1995). Graduação em Teologia (Escola Superior de
Teologia, 1998). Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGEDU) e professor adjunto da Universidade
Luterana do Brasil, atuando, como docente e pesquisador, no
PPGEDU e no Curso de Letras. Tem experiência na área de
Letras e Educação, atuando principalmente nos seguintes temas:
teoria da literatura, estudos culturais, semiótica e cibercultura.
E-mail: [email protected].

Eliane Debus – Graduação em Letras (1991). Mestrado em


Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996).
Doutorado em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (2001). Atualmente, é professora
da Universidade Federal de Santa Catarina, no Departamento
de Metodologia de Ensino e no Programa de Pós-Graduação
em Educação. É líder do Grupo de Pesquisas Literalise:
grupo de pesquisa em literatura infantil e juvenil e práticas de
mediação literária, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Tem experiência na área de Educação e Letras, com ênfase
em Literatura Infantil e Juvenil, atuando principalmente nos
seguintes temas: literatura infantil e juvenil, temática africana
e afro-brasileira na literatura infantil e juvenil, formação de
leitores, formação de professores e leitura literária.
E-mail: [email protected].
Glória Kirinus – Pós-Doutorado em Sociologia – Teorias do
imaginário (Université Paris Descartes, Sorbonne, CeaQ, 2014).
Doutorado em Letras – Teoria Literária e Literatura Comparada
(USP, 1998). Mestrado em Letras (PUC/RJ, 1991). Especialização
em Literatura Brasileira (UFPR, 1987). Graduação em Letras
– Português (UFPR, 1986). Graduação em Letras – Espanhol
(UFPR, 1991). Graduação em Turismo – Licenciatura (Escuela
Nacional de Turismo, Peru, 1971). Tem experiência na área de
Letras e na área de Educação, com ênfase em literatura brasileira,
hispano-americana e leitura, atuando principalmente nos
seguintes temas: imaginário, transdisciplinaridade, poesia, leitura,
expressão escrita, escola e criança, formação de professores,
literatura infanto-juvenil. Foi professora do curso de Letras e
de Tradução literária do curso de Secretariado Executivo (PUC/
PR). Foi professora substituta no curso de Didática (UFPR).
Autora de literatura infanto-juvenil e de livros teóricos na área
de Letras e Educação, publicando pelas seguintes editoras:
Melhoramentos, Cortez, Paulus, Paulinas, DCL, Larousse Junior
e Inverso. Criadora e ministrante da oficina de criação literária e
pedagogia poética Lavra-Palavra. Bibliotecas escolares, espaços
de leitura, blogs literários, creditam seu nome. Conferencista no
Brasil e no exterior. E-mail: [email protected].

Iara Tatiana Bonin – Doutorado em Educação (–UFRGS, 2007).


Mestre em Educação (–UnB, 1999). Graduação em Pedagogia –
(UFSC, 1989). Professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação (Universidade Luterana do Brasil). Sua produção
vincula-se ao campo dos estudos culturais. Desenvolve estudos
sobre identidades e diferenças na cultura contemporânea, com
especial ênfase sobre a temática indígena. Integra o núcleo
UFRGS da Ação Saberes Indígenas na Escola, promovida pelo
Ministério da Educação. Desenvolve um projeto de pesquisa
que focaliza a abordagem da temática indígena em currículos da
educação básica, com financiamento do CNPq (Universal, 2010
e 2012) e da Fapergs (ARD, 2009). Bolsista Produtividade (Pq 2)
do CNPq. E-mail: [email protected].

Jilvania Lima dos Santos Bazzo – Graduação em Letras pela


Universidade Estadual de Feira de Santana (1997). Mestrado
(2003) e doutorado (2008) em Educação pela Universidade
Federal da Bahia. É professora adjunta na Universidade Federal
de Santa Catarina, vinculada ao Centro de Ciências da Educação,
no Departamento de Metodologia de Ensino – área de Didática,
e no Programa de Pós-Graduação em Educação na linha de
pesquisa Sujeitos, Processos Educativos e Docência: Ensino e
Formação de Educadores (Suped). Atua e desenvolve atividades
de ensino, pesquisa e extensão relacionadas à formação de
professores, à linguagem, à literatura, ao ensino e à abordagem
CTS (ciência, tecnologia e sociedade).
E-mail: [email protected].

Maria Zilda da Cunha – Doutorado em Letras (USP, 2002).


Mestrado em Comunicação e Semiótica (PUC/SP, 1997).
Especialização em Psicomotricidade (Instituto GAE, 1991).
Graduação em Psicopedagogia (Instituto Sedes Sapiense, 1989).
Graduação em Psicologia pela (PUC/SP, 1972). Graduação em
Letras (Faculdade de Ciências e Letras de Bragança Paulista,
1973). Graduação em Pedagogia (Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras Nossa Sra do Patrtocínio, 1977). Docente do
Programa de Estudos Comparados em Estudos de Literaturas
de Língua Portuguesa da USP. Pesquisadora CNPQ.
E-mail: [email protected].

Nelita Bortolotto – Graduação em Letras (1977).


Especialização em Metodologia de Ensino (1986). Mestrado
em Letras-Linguística (1993). Doutorado em Educação (2007)
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-
Doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp – 2017). Atualmente, é professora do
Departamento de Metodologia de Ensino do Centro de Ciências
da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Santa Catarina. É líder do Grupo
de Pesquisa Alfabetização e Ensino da Língua Portuguesa,
cadastrado no CNPq, e coordenadora do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Alfabetização e Ensino da Língua Portuguesa
(Nepalp). Desenvolve pesquisa em Educação e Letras, tendo
como temas: aquisição da escrita, ensino e aprendizagem
da língua portuguesa, formação de professores, estudos
bakhtinianos, literatura e formação de leitores.
E-mail: [email protected].
Nilma Lacerda – Pós-Doutorado em História Cultural (École
des Hautes Études en Sciences Sociales, 2002; Collège de France,
2014). Doutora em Letras Vernáculas (Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 1995). Mestre em Letras Vernáculas (Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 1980). Graduação em Português-
Literaturas (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1970).
Autora, dentre outras obras, de Manual de Tapeçaria, Sortes
de Villamor, Pena de Ganso, Cartas do São Francisco,
Conversas com Rilke à beira do rio. Figura em Amores vagos e
Mapas de viagem, antologias do grupo Estilingues. Orientadora
de oficinas literárias, pesquisas em criação literária e em palavra
escrita. Publica ensaios e artigos científicos. Recebeu os prêmios
Rio de Literatura, Jabuti, Brasília de Literatura, Cecília Meireles,
Orígenes Lessa e Monteiro Lobato, da Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), seção brasileira do International
Board on Books for Young People (IBBY). Tradutora. Professora
associada da Universidade Federal Fluminense. Mantém a
coluna Ladrilhos na Revista Pessoa de Literatura Lusófona.
E-mail: [email protected]

Regina Zilberman – Pós-Doutorado (University College,


Inglaterra, 1981; Brown University, EUA, 1987). Doutorado
em Romanistica (Universidade de Heidelberg, Ruprecht-
Karls, 1976). Graduação em Letras (UFRS, 1970). Professora
adjunta do Instituto de Letras da UFRGS, com atuação no
Programa de Pós-Graduação em Letras. Lecionou entre 2007
e 2010 na Faculdade Porto-Alegrense e, em 2010, no Centro
Universitário Ritter dos Reis. Foi professora titular da PUC/RS.
Tem experiência na área de Letras, com ênfase em História da
Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura,
história da literatura, literatura do Rio Grande do Sul, formação
do leitor e literatura infantil. E-mail: [email protected].

Rosane Maria Cardoso – Pós-Doutorado (Universidad de


Granada, Espanha, 2007). Doutorado em Teoria da Literatura
(PUC/RS). Mestrado em Teoria da Literatura (PUC/RS).
Professora de Letras no Centro Universitário Univates desde
1995; e da Unisc desde 2010. Membro do corpo docente do
Programa de Pós-Graduação em Letras/Unisc. Áreas de atuação:
literatura latino-americana e literatura infantil e juvenil. Obras
publicadas: Voz, memória e literatura: narrativas sobre a
violência na América Latina (2015); Princesas que viram
monstros: o corpo feminino nos contos de fadas (2014).
E-mail: [email protected].

Sara Reis da Silva – Doutorado em Literatura para a Infância


(Universidade do Minho, FCG/FCT, 2013). Professora da
Universidade do Minho desde 2002. Docente do Instituto de
Educação e membro integrado do Centro de Investigação em
Estudos da Criança (CIEC). Tem leccionado diversas unidades
curriculares, tanto no âmbito da Licenciatura em Educação
Básica, como no dos Mestrados em Educação Pré-Escolar
e Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º Ciclo, entre outros.
Integrou a equipa responsável pelo projecto Gulbenkian – Casa
da Leitura (www.casadaleitura.org). Participou no projecto
de Reestruturação do Ensino Secundário em Timor-Leste,
em concreto a equipa responsável pela disciplina de temas de
literatura e cultura. Integra a equipa de reestruturação do ensino
básico na Guiné-Bissau. É investigadora da Rede Temática
Las literaturas infantiles y juveniles del marco ibérico. Su
influencia en la formacion literaria y lectora (RED LIJMI
– www.usc.es/lijmi). Membro da ELOS – Associação Galego-
Portuguesa de Investigação em Literatura Infantil e Juvenil e da
ANILIJ. Tem apresentado diversas comunicações em colóquios e
congressos nacionais e internacionais. É autora de vários artigos/
ensaios e recensões. Publicou diversos livros: A Identidade
Ibérica em Miguel Torga (2002, Principia), Dez Réis de
Gente… e de Livros. Notas sobre literatura infantil (2005,
Caminho), Encontros e Reencontros. Estudos sobre Literatura Infantil
e Juvenil (2010, Tropelias & Cª), Entre Textos. Perspectivas
sobre a Literatura para a Infância e a Juventude (2011,
Tropelias e Cª), De Capuz, Chapelinho ou Gorro: Recriações
de O Capuchinho Vermelho na Literatura Portuguesa
para a Infância (2012, Tropelias & Cª), Casas muito doces:
reescritas infanto-juvenis de Hansel e Gretel (2015, Tropelias
& Cª), Capítulos da História da Literatura Portuguesa para
a Infância (2016, Tropelias & Cª), entre outros. Organizou,
com José António Gomes, a antologia Capuchinho Vermelho:
Histórias Secretas e Outras Menos (2012, Bags of Books).
Colaboradora permanente da revista Malasartes (Cadernos de
Literatura para a Infância e Juventude). Traduziu O Homem da
Lua, de Tomi Ungerer (2011, Bags of Books).
E-mail: [email protected].

Tânia Piacentini – Doutorado em Educação – Metodologia


de Ensino (Unicamp). Áreas de estudo e pesquisa: leitura,
literatura, metodologia de ensino de literatura, literatura infantil
e juvenil. Coordenadora da Biblioteca Comunitária Barca dos
Livros (https://barcadoslivros.org/). Diretora Geral da Sociedade
Amantes da Leitura (SoALe, Florianópolis, SC).
E-mail: [email protected].

Yolanda Reys – Especialização em Literatura Infantil e Juvenil


(Instituto de Cooperación Iberoamericana, Espanha). Gradução
em Ciências da Educação (Universidad Javeriana de Bogotá).
Entre suas obras, destacam-se: Cucú (2010), Ernestina la
gallina (2010), Mi mascota (2011), El libro que canta (2005),
Una cama para tres (2003), El terror de sexto B (1994), María
de los Dinosaurios (1998) e Los agujeros negros (2000). Este
último foi selecionado pela editora espanhola Alfaguara para
sua coleção Los Derechos del Niño, criada por prestigiosos
escritores e ilustradores de distintos países de fala hispana para
mostrar às crianças quais são seus principais direitos e como
ajudar a desenvolver um mundo mais solidário e mais justo.
Colaboradora de vários jornais e revistas. Atua como diretora de
coleções de literatura infantil para a editora Alfaguara.
E-mail: [email protected].

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