Cap 1 Literatura Infantil

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Capítulo

Literatura Infantil
1

Kátia Maria Capucci Fabri


Luciana Góis Barbosa

Introdução
O capítulo introdutório do livro de Literatura Infantil busca
apresentar a visão da literatura destinada às crianças e a
sua importância como formadora de um leitor infantil criativo,
participativo e encantado por livros. Por muito tempo destinava-
se apenas à transmissão de normas e valores do mundo adulto,
totalmente distanciada do deleite e da fruição. Essa postura
atribuiu aos textos literários uma função exclusivamente educativa,
afastando-se das bases da Literatura Infantil que a fundamenta
como fenômeno de linguagem e arte.

Para que essa visão seja bem compreendida por você,


identificamos os primeiros gêneros literários lidos por diferentes
gerações, adaptados do acervo popular, de tradição oral que
perduram até a nossa atualidade. Essas histórias certamente
embalaram nossos sonhos, durante o período da infância, ao som
da voz de alguém que nos traz boas lembranças ou quando nos
arriscamos nas primeiras leituras. Para isso, fazemos um breve
panorama dos primeiros autores que destinaram suas obras ao
público infantil, a partir da necessidade de educar e instruir.

Diante do vasto repertório dos contos de fadas é importante que o


professor conheça as diferentes versões dessas histórias, a fim de
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construir significados amplos e profundos no leitor. É necessário,


também, valorizar e explorar o texto em sua totalidade para
que possam fluir boas reflexões a partir das diferentes versões
existentes, incidindo, assim, no desenvolvimento afetivo e cognitivo
da criança.

A fim de desenvolvermos este estudo, discutiremos, ainda,


neste capítulo, os conhecimentos sobre a Literatura Infantil, e
especificamente, a brasileira, apontando as fases da produção
literária nacional. Também apresentamos algumas obras infantis
que buscaram romper com a estrutura socialmente construída e
aceita por séculos.

Por fim, a partir de todos esses elementos, essencialmente,


relacionados entre si que a narrativa oferece, propusemos
algumas reflexões sobre a importância da Literatura Infantil para o
desenvolvimento da criança. Desse modo, esperamos que a leitura
deste capítulo aponte os aspectos fundamentais da literatura como
caminho de beleza, prazer e transformação.

Objetivos
Ao final dos estudos deste capítulo, esperamos que você seja
capaz de:
• Explicar a relação entre a sociedade e o desenvolvimento da
criança;
• Reconhecer os primeiros gêneros textuais destinados às
crianças;
• Discorrer sobre a Literatura Infantil e, especificamente, sobre
a brasileira;
• Refletir sobre a importância da Literatura Infantil para o
desenvolvimento da criança.
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Esquema
1.1 Panorama geral da Literatura Infantil
1.1.1 As fábulas: origem, história e características
1.1.2 A origem dos contos de fadas
1.2 A Literatura Infantil no Brasil
1.3 O que é Literatura Infantil?
1.4 A importância da literatura para o desenvolvimento da criança
1.5 Conclusão

1.1 Panorama geral da Literatura Infantil

A reflexão acerca da literatura infantil mobiliza informações sobre a


criança, referentes às principais características da infância. Nesse
sentido, ressaltamos que nesta fase de desenvolvimento, a criança é
circundada por um universo pautado na educação, que lhe é garantida
por lei, amparada pela família, escola e sociedade em geral. Entretanto,
nem sempre foi assim, essa visão veio consolidar-se somente no século
XX tornando-se uma categoria social revestida de importância.

De acordo com Philippe Ariès (1981), a infância, e por extensão


a adolescência, é entendida como uma criação da era moderna,
resultante das modificações na estrutura da sociedade. Antes disso,
fala-se mesmo de um silêncio histórico sobre ela, devido à ausência de
problematização acerca de sua presença e de sua função social. O fato
é que há inexistência de um discurso sobre a infância. Corazza (2002,
p.81) explica:
[...] essa sociedade via mal a criança e pior ainda o
adolescente. A duração da infância era reduzida a seu
período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda
não conseguia bastar-se; a criança, então, mal adquiria
algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos,
e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criancinha
pequena, ela se transformava imediatamente em homem
jovem, sem passar pelas etapas da juventude [...]. (ARIÈS,
1981, p. 4 apud BELLOCHIO, 2018, p. 3).
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Segundo o autor, o cenário e as condições em que a criança se


desenvolvia aponta que, ao fim da Idade Média, não respeitava-se
essa fase tão importante para a formação social. Com o crescimento de
oferta de novas escolas, que iniciamente eram destinadas ao ensino de
crianças e jovens pobres, instalados nas próprias abadias e monastérios,
percebe-se que o ensino nessa época preocupava-se, principalmente,
em proteger as crianças e jovens dos vícios da sociedade. Assim,
garantiam a elas uma vida honesta, oferecendo-lhes, porteriormente,
uma formação moral baseada em um sistema autoritário e hierárquico.

Bellocchio explica que aos poucos essa visão se altera quando os


mestres passam a vislumbrar a criança como um sujeito, que possui
particularidades que as distinguem dos jovens e adultos e inclusive entre
crianças de diferentes idades. (BELLOCCHIO, 2018).

Ariès (1981) apresenta um outro aspecto fundamental para a tomada


de consciência da infância e da juventude, a saber, a noção de um
núcleo família que em cenários passados, vinculava-se a graus de
parentecos mais distantes. Já nos séculos XVI e XVII, nota-se a
crescente valorização dos membros centrais da família: pai, mãe e filhos,
apresentada como modelo de família conjugal moderna. Esse sentimento
concorre fortemente para uma maior valorização da criança.

Desse modo, a paceria entre escola e família, ainda que de modo


incipiente, contribuiu para a consolidação de noção de infância. Na
verdade, com essa valorização progressiva do infans e o seu ingresso
na escola, surgem, os modelos de internatos, nos quais os pais sentiam-
se afastados de seus filhos. Para resolver essa ausência, uma outra
alternativa, destinada apenas para famílias que pertenciam a uma
classe social mais elevada, surge um modelo de educação praticada
pelo preceptor.
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SAIBA MAIS

Você já ouviu falar de preceptor? Sabe quem é e o que fez esse profissional?
A figura do preceptor teve bastante importância nos séculos mencionados
nesse item, porque foi ele o responsável pelo ensino e formação de crianças
e adolescentes. Os preceptores eram mestres que geralmente habitavam
na mesma residência que seus aprendizes, participando da vida doméstica
e sendo responsáveis pela instrução geral do aluno a ele confiado. Pode-se
afirmar que o preceptor é o precursor do professor. (BITTAR & FERREIRA
JÚNIOR, 2002 apud BELLOCCHIO, 2019).

É nesse cenário, pois, que a emergência da figura da criança, perante os


olhos da sociedade e de necessidade de sua instrução, que se inscreve o
nascimento de uma literatura deliberadamente destinada para tal público,
conforme afirma Nelly Novaes Coelho:
Ligada desde a origem à diversão ou ao aprendizado
das crianças, obviamente sua matéria deveria ser
adequada à compreensão e ao interesse desse
peculiar destinatário. E como a criança era vista como
um “adulto em miniatura”, os primeiros textos infantis
resultavam da adaptação (ou da minimização) de textos
escritos para adultos. Expurgadas as dificuldades
de linguagem, as digressões ou reflexões que
estariam acima da compreensão infantil; retiradas as
situações ou os conflitos não exemplares e realçando
principalmente as ações ou peripécias de caráter
aventuresco ou exemplar...as obras literárias eram
reduzidas em seu valor intrínseco, mas atingiam o
novo objetivo: atrair o pequeno leitor/ouvinte e levá-lo a
participar das diferentes experiências que a vida pode
proporcionar, no campo do real ou do maravilhoso.
(COELHO, 2000, p. 30).

Nota-se pelas palavras da autora que a Literatura, vista como um


gênero secundário, associava-se a algo pueril, sendo comparada a um
brinquedo, ou proveitosa à aprendizagem da criança, como um recurso
para mantê-la intretida e quieta.
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As histórias contadas para as crianças retratavam o domínio quase


absoluto da exemplaridade, por meio de personagens com perfis rígidos
que impunham limites entre certo/errado e bom/mau. Assim, “devido
a essa função básica, até bem pouco tempo, a literatura infantil foi
minimizada como criação literária e tratada pela cultura oficial como um
gênero menor”. (COELHO, 2012, p. 29).

Diante disso, antes de aprofundarmos nos estudos acerca do que


é a Literatura Infantil e a sua importância para o desenvolvimento da
criança, é necessário conhecer os primeiros autores que destinaram
suas histórias ao público infantil, sendo que suas obras foram realizadas
a partir de diferentes concepções sobre a infância. Cabe, assim, indagar
sobre o começo da literatura infantil:

Quais marcas que ela carrega?

Na sequência, conheceremos os primeiros autores que a partir da


necessidade de educar e instruir, e também da compreensão de que
existem particularidades no mundo infantil, destinaram suas obras
à criança e, arquitetando livros que tinham em sua origem contos
populares.

1.1.1 As fábulas: origem, história e características

Nascida no Oriente, as Fables [Fábulas] eram textos orais narrados


às pessoas em situações de informalidade, por isso sua definição
etimológica tem origem no latim, cujo significado de fari = falar e gr.
phaó = dizer, contar algo, trata-se de narrativa de natureza simbólica
(COELHO, 2012, p. 165).

Mas, afinal, você sabe o que é uma fábula?


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A fábula é uma composição literária em prosa, com caráter moralizante e,


de maneira geral, bastante breve. Os personagens desse gênero textual
são animais, vegetais, objetos que se personificam, ou seja, adquirem
características dos seres humanos.
Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/redacao/fabula.htm. Acesso
em 01 de maio de 2019.

Esse gênero possui uma peculiaridade que o distingue dos demais textos
que é a presença do animal, colocando-o em uma situação tipicamente
humana e quase sempre exemplar como o leão representa a força, o
poder; a raposa é o símbolo da astúcia; o lobo, por sua vez retrata a
dominação, o poder etc.

Assim, utilizando fábulas de animais que sejam engenhosos e também


inocentes esperava-se que as crianças aprendessem de modo
descontraído a moral das histórias narradas.

Como foi uma das primeiras espécies narrativas a surgir, logo foi
reinventada no Ocidente pelo grego Esopo (sec. VI a.C.) e aperfeiçoada
séculos mais tarde pelo escravo romano Fedro (séc. I a. C). No séc. XVI,
ela foi descoberta e recriada por Leonardo da Vinci, mas sem grande
repercussão. (COELHO, 2012).

Um dos grandes escritores de fábulas, no séc. Jean de La


Fontaine (1621-
XVII, é Jean de La Fontaine (1621-1695), poeta 1695)
e fabulista francês que reinventou o gênero, Foi poeta e
fabulista francês.
introduzindo-a na literatura ocidental. Ele é autor Suas fábulas mais
da fábula, “A Lebre e a Tartaruga”, entre outras conhecidas são: A
Lebre e a Tartaruga,
que retratam pequenas narrativas baseadas nas o Leão e o Rato, o
Lobo e o Cordeiro
fábulas de Esopo. e a Cigarra e a
Formiga.
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EXEMPLIFICANDO!

Vejamos um exemplo da fábula “A cigarra e a formiga”, de La Fontaine, na


tradução de Milton Amado e Eugênio Amado, citada por Souza (2008). A
obra aparece como a primeira do volume de Fábulas de La Fontaine:

A CIGARRA E A FORMIGA
A cigarra, sem pensar em guardar,
a cantar passou o verão.
Eis que chega o inverno e, então,
sem provisão na despensa,
como saída, ela pensa
em recorrer a uma amiga:
sua vizinha, a formiga,
pedindo a ela, emprestado,
algum grão, qualquer bocado,
até o bom tempo voltar.
─ “Antes de agosto chegar,
pode estar certa a Senhora:
pago com juros, sem mora.”
Obsequiosa, certamente,
a formiga não seria.
─“Que fizeste até outro dia?”
perguntou à imprevidente.
─ “Eu cantava, sim, Senhora,
noite e dia, sem tristeza.”
─ “Tu cantavas? Que beleza!
Muito bem: pois dança, agora...”
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Analisando a fábula, observamos os aspectos de uma narrativa com


personagens do mundo animal. A cigarra é um personagem imprudente
por ter passado o verão cantando “sem pensar em guardar” uma provisão
que lhe desse sustento no inverno.

Nota-se que a cigarra é apresentada ao leitor de forma depreciativa, o


mesmo não se pode afirmar em relação à formiga. A fábula apresenta
duas e únicas ocorrências em que a cantora, cigarra, reporta-se à
operária como “Senhora”, pronome de tratamento grafado em letra
inicial maiúscula. Assim, a cigarra parece reconhecer nesse diálogo sua
situação de desvantagem em relação à formiga, o que lhe faz nutrir um
respeito servil pela operária. (SOUZA, 2008).

É possível inferir, inclusive, que a cantora ao levar uma vida de festa, não
conseguiu obter alimentos para nutrir-se e, assim, encontrava-se “sem
provisão na despensa”. Tal situação de pobreza é apresentada como
resultado de uma atitude impensada. Nessa condição precária submete-
se a um empréstimo de qualquer alimento a ser pago em curto prazo e
com juros, sem qualquer exigência quanto à qualidade e/ou quantidade
do produto. A narração apresenta, assim, uma moral, ou seja, quem só
diverte deve padecer e ainda suportar a zombaria de quem trabalha.

Enfim, é justamente o caráter moralizante e de instrução que as fábulas


se encerram. Assim, por meio de animais e de outros seres, a quem dá
a voz, e de suas ações, ensinam-se os mais variados comportamentos.
Observe que não há, pois, nenhum herói ao modo épico, as narrativas
aqui têm heróis que tornam a história “irreal mas de valor”. Cigarras
e formigas, raposas e cegonhas, carvalhos e ratazanas são todos
personagens a quem cabem mostrar o mundo ao leitor, assim como
ensiná-lo sobre suas condições. (BELLOCCHIO, 2019).
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Passemos a seguir, aos contos de fadas, outro gênero textual destinado


ao universo infantil que também tiveram suas origens na tradição oral.
Eles foram compilados por Charles Perrault, Irmãos Grimm e Hans
Christian Andersen, em uma ordem cronológica.

1.1.2 A origem do conto de fadas

O que são contos de fadas?


Quando e onde teriam nascido essas histórias maravilhosas
conhecidas como Literatura infantil clássica?
Quem as teria inventado e lido de geração em geração?
Quem deu vida à Cinderela? À Branca de Neve? Ao Patinho feio?

Contos de fadas são narrativas em que aparecem seres encantados,


mágicos, pertencentes a um mundo imaginário, maravilhoso. São histórias
antigas que eram transmitidas oralmente e passadas para várias gerações.
Sabemos que os contos de fadas apresentam elementos das narrativas
orais de um tempo distante, quando não havia a preocupação com a
formação das crianças.
https://brasilescola.uol.com.br/literatura/historia-dos-contos-fadas.htm

A primeira coletânea de contos infantis surgiu no século XVII, na França,


foi organizada por Charles Perrault (1628-1703), um importante escritor
francês, autor de grande número de contos infantis, entre eles, A Bela
Adormecida, O Gato de Botas, Chapeuzinho Vermelho e O Pequeno
Polegar. O autor “é responsável pelo primeiro impulso à literatura infantil,
o qual irá incorporar, retroativamente, a obra de La Fontaine (Fábulas) e
de Fénelon (As aventuras de Telêmaco)” (LAJOLO E ZILBERMAN, 1999
apud HILLESHEIM E GUARESCHI).

Charles Perrault publicou em 1697 Contos de Mamãe Gansa, tendo


como título original “Histórias ou narrativas do tempo passado com
moralidades”. Nessa obra, o autor escreve a partir de oito narrativas
comuns ao conhecimento popular, geralmente contadas por amas
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aos filhos dos nobres. Perrault evidencia suas intenções: “seus contos
pretendem conter uma moralidade louvável e instrutiva, mostrando
que a virtude é sempre recompensada, e o vício é sempre punido,
estabelecendo uma relação direta entre a obediência e a possibilidade
de uma boa vida” (TATAR, 2004).

EXEMPLIFICANDO!

O Gato de Botas

Um moleiro não deixou para os três filhos nada além de seu moinho, de seu
burro e de seu gato.
Imediatamente fez-se a partilha dos bens, sem ser preciso chamar o
advogado e o tabelião, que logo teriam devorado todo o pobre patrimônio.
O mais velho ficou com o moinho e o segundo com o burro, restando ao
mais novo apenas o gato.
Este último, incapaz de se consolar com a modesta parte que lhe coubera,
dizia:
– Os meus irmãos, trabalhando juntos, poderão ganhar a vida honestamente;
mas eu, depois que tiver comido o meu gato e fizer com o pelo dele um
rolinho para esquentar as mãos, irei morrer de fome [...].
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MORAL

Por maior que seja a bonança


De gozar de uma grande herança
Que aos filhos vem dos próprios pais,
Pra quem é jovem, geralmente,
Ser só capaz e diligente
Vale mais que os bens ancestrais.

Assim percebemos que o tom moralizante mantém-se também nos contos


de fadas, o que era comum para um período histórico carregado de
repressões. Nesse conto observamos que o dinheiro e a fortuna herdados
podem desaparecer, entretanto, o aprendizado é permanente.

PESQUISANDO NA WEB

Leia o texto na íntegra, dentre outros contos do livro Contos da Mamãe


Gansa, em: https://drive.google.com/file/d/1s6qi59NXTdaYZ_6nxGIQb0V
GuAJ6DbA9/view

PONTO-CHAVE

A escrita de Perrault de contos populares possibilitou o ingresso em


uma cultura letrada, tendo como consequência a discussão do status da
literatura infantojuvenil. Ao longo dos séculos é que seus contos foram sendo
direcionados ao público infantil, devido a seu caráter pedagógico, formativo
e divertido. (BELLOCCHIO, 2018, p. 13-14).
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Nesse contexto, a Literatura Infantil nasceu


Irmãos Grimm
com Charles Perrault. Mas somente cem anos
depois, na Alemanha do século XVIII, e partir das Nascidos em
Hanau, os
pesquisas linguísticas realizadas pelos Irmãos irmãos Grimm
estudaram Direito
Jacob Ludwing Carl Grimm (1785-1863) e Wilhelm junto ao seu pai,
mas começaram
Carl Grimm (1786-1859), ela seria definitivamente a se dedicar
integralmente
constituída e teria início sua expansão pela à literatura e
Europa e pelas Américas. acabaram deixando
a advocacia de lado.
No ano de 1830,
ambos ingressaram
Os irmãos Grimm dedicaram-se ao estudo em uma
universidade alemã
das antigas narrativas, lendas e sagas que como professores.
Estudiosos
permaneciam vivas, transmitidas de geração incessantes do
para geração, pela tradição oral. Em meio à idioma alemão,
atuaram em
imensa massa de textos que lhes servia para os campos como
História e Filologia.
estudos linguísticos, os Grimm foram descobrindo Porém, a grande
marca dos Grimm
o fantástico acervo de narrativas maravilhosas, era a excelência
narrativa.
que, selecionadas entre as centenas registradas Disponível em:
pela memória do povo, acabaram por formar a https://www.
infoescola.com/
coletânea que é hoje conhecida como Literatura biografias/irmaos-
grimm/. Acesso em
Clássica Infantil. Entre os contos mais conhecidos 01 de maio de 2019.

dos Irmãos Grimm destacam-se:

A Bela Adormecida;
Branca de Neve e os Sete Anões;
Chapeuzinho Vermelho;
A Gata Borralheira;
O Ganso de Ouro;
Os Sete Corvos;
Os Músicos de Bremem;
A Guardadora de Gansos;
Joãozinho e Maria;
O Pequeno Polegar;
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As Três Fiandeiras;
O Príncipe Sapo e dezenas de outros. (COELHO, 2012)

Quando comparamos a literatura dos Irmãos Grimm à de Perrault,


nota-se uma redução nos resquícios de vulgaridade nos contos de
Grimm. Em contrapartida, às obras de Perrault, os irmãos Grimm ainda
baseavam-se em cenas violentas, nas sucessivas edições, nas quais
castigos e registros de angústia e sofrimento infligidos aos personagens
fracassados ou maus ficaram mais explícitos.

EXPLICANDO MELHOR

Pensemos juntos no conto Cinderela. Na edição original, de Perrault, as


irmãs da jovem princesa têm sua visão preservada, na edição seguinte
seus olhos são picados por pombos e elas são punidas com a cegueira por
serem tão malvadas e falsas. Em outra versão de Perrault, Cinderela é mais
piedosa, perdoando os maus-tratos sofridos e, ainda, instalando as irmãs no
palácio real. (HILLESHEIM E GUARESCHI, 2006). Hillesheim e Guareschi
(2006) afirmam que no conto:

Chapeuzinho Vermelho, os irmãos Grimm omitem


os detalhes eróticos que aparecem na narrativa de
Perrault, e também modificam o final: a menina é
resgatada pelo caçador, que, ao encontrar o lobo
adormecido, abre a sua barriga com uma tesoura e
a enche de pedras, salvando Chapeuzinho e a avó.
Nessa versão, o lobo morre devido ao peso das
pedras em sua barriga. A história também termina
com uma moral: nunca se desvie do caminho e
nunca entre na mata quando sua mãe proibir.
(HILLESHEIM E GUARESCHI, 2006, p.113)

De fato, a partir da comparação de um mesmo conto de Perrault e dos


Grimm podemos perceber poucos avanços nas formas de entender a
infância e na relação estabelecida entre adultos e crianças. Havia uma
preocupação mais intensa com a educação nos séculos XVIII e XIX.
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Nesse aspecto, com o tempo, os contos dos irmãos Grimm fortaleceram


a desassociação entre assuntos adultos e infantis. Logo, as referências
sexuais explícitas nos contos deixam de ser consideradas adequadas
ao universo infantil.

Em contrapartida, a mortificação, a amargura e o calvário dos


personagens são narrados em detalhes, podendo-se associar esses
trechos à disciplina rígida imposta nas escolas neste período, inclusive
com castigos físicos, como uma marca de obediência aos princípios
morais e educativos.

Neste contexto surge o dinamarquês Hans


Hans Christian
Christian Andersen, sintonizado com os ideiais Andersen (1805-
1875)
românticos da exaltação, da sensibilidade, da
fé cristã, dos valores populares, dos ideais da um escritor
dinamarquês
fraternidade e da generosidade humana. Ele nascido na
em Odense,
se torna a grande voz que fala às crianças a Dinamarca, no dia
2 de abril de 1805.
linguagem do coração transmitindo-lhes o ideal Filho de um humilde
sapateiro, que
religioso que vê a vida como o “vale de lágrimas” lutou nas guerras
que cada um tem que atravessar para alcaçar o napoleônicas e
voltou gravemente
céu. Seus contos em sua grande maioria possuem doente à sua terra
natal morrendo
um final triste e trágico. (COELHO, 2002). pouco depois. Ficou
órfão de pai com
apenas 11 anos.
Precisou abandonar
Convidamos você a conhecer uma de suas obras os estudos e
para saber um pouco mais do estilo do autor, começou a escrever
contos e pequenas
para isso, assista ao vídeo da história A pequena peças teatrais.
Disponível em:
Vendedora de Fósforos. https://www.saraiva.
com.br/autor/hans-
christian-andersen.
Acesso em 01 de
maio de 2019.
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PESQUISANDO NA WEB

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZxwDXMVevJk. Acesso


em 01 de junho de 2019.

Após essa breve revisão do princípio da literatura infantil no mundo ocidental,


passamos para o desenvolvimento dessa literatura no Brasil.

1.2 A Literatura Infantil no Brasil

Nesta parte, apresentamos como a Literatura Infantil difundiu-se


em terras brasileiras. Além disso, apontamos as fases pelas quais
convencionou-se a compreender a produção literária nacional, desde os
primeiros momentos, no século XIX, até a contemporaneidade.

Reproduzindo o modelo de consumo europeu, os brasileiros, mesmo


antes da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro em 1808 – fugida
da invasão napoleônica em Portugal –, tinham na literatura francesa sua
fonte de referências. Os preceptores franceses, alemães e ingleses em
sua maioria preferiam utilizar livros de leitura em suas línguas de origem,
sendo o próprio livro em Português, desconsiderado. Com isso, a língua
francesa era o idioma comum nas casas de fazendas brasileiras e nas
classes dominantes. (SANDRONI, 1987).

Nesse contexto, verifica-se que as manifestações literárias brasileiras,


absolutamente novas e esparsas, além de uma imprensa e tipografia
incipientes, foram supridas pelo sólido acervo europeu da época. Assim,
o início da edição de livros no Brasil pode ser notado de modo tímido no
século XIX, fase inicial da Literatura Infantil, sendo que apenas no século
XX de fato se percebe um sistema mais articulado para a produção de
livros infantis em nosso país (LAJOLO; ZILBERMAN, 1991, p. 21 apud
BELLOCCHIO, 2018, p. 38).

No século XIX, surge Figueiredo Pimentel (1869-1914) que reservou-


se às produções para a infância, publicando em 1894 os Contos da
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Carochinha. Nessa obra, reuniram-se contos estrangeiros traduzidos


e adaptados da tradição oral de variadas origens. O sucesso diante
do público infantil foi imediato, de forma que logo outras obras foram
publicadas, totalizando dez títulos de acordo com o levantamento de
Gilberto F. Pimentel apontado por Arroyo (2011): Histórias da Baratinha,
Histórias da Avozinha, Histórias de Fadas, Contos do Tio Alberto,
Álbum de crianças, Os meus brinquedos, Histórias do Arco da
Velha, O livro das crianças, Teatrinho infantil e Castigo de um anjo.

Em Contos da Carochinha, no primeiro volume da coleção, o autor


registra na dedicatória:
São histórias para crianças, mas todas têm um fundo
moral, muito proveitoso, ensinando que a única
felicidade está na Virtude, e que a alegria só vem de
uma vida honesta e serena. [...] Lembra-te que a vida
de família é a única feliz, que o lar é o único mundo
onde se vive bem, onde a Mulher, boa, santa, pura,
carinhosa, impera como rainha. (SANDRONI, 1978, p.
36).

Outro tradutor de destaque, do século XIX foi Carlos Jansen, que se


dedicou à tradução de obras clássicas de Literatura Infantil. O autor
adaptou obras importantes como As Viagens de Gulliver (1888), de D.
Quixote de La Mancha (1901). Publicou também um volume de histórias
das Mil e Uma Noites (1882), Robison Crusoe (1885), As aventuras
Pasmosas do Celebérrimo Barão de Münchhausen (1891). (SANDRONI,
1978).

Podemos citar ainda nesse contexto literário, Justiniano José da Rocha,


que traduziu dentre outras, uma Coleção de Fábulas de Esopo e
de La Fontaine em (1852) adaptadas. Em 1915, Arnaldo de Oliveira
Barreto encarregou-se da organização de uma Biblioteca Infantil que
se inicia com O Patinho Feio, de Andersen. A coleção revolucionou o
mercado gráfico, contendo ilustrações e cores de qualidade, impressão
e acabamento primorosos.
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Também, no século XIX, foi publicado o livro Contos Infantis de Júlia


Lopes de Almeida e Adelina Lopes Vieira e no início do século XX é
editado Contos pátrios (1904) de Olavo Bilac e Coelho Neto.

Ainda que a Literatura Infantil tenha alçado novos rumos, nota-se nos
livros marcas infantis de domínio quase absoluto de exemplaridade,
carregadas de moralidade, de aspectos religiosos e atribuição exclusiva
à mulher quanto ao funcionamento ideal da família. E, com isso, todos
os preconceitos do adulto estavam presentes nas contos “morais e
educativos”, dessa época.

Leia a seguir, a introdução da história O casamento de Dona Baratinha


recontada por Ana Maria Machado, que, após encontrar uma moeda
de prata, decide se casar e recebe várias propostas de diversos
pretendentes.

A origem da clássica história de Dona Baratinha é incerta. O registro mais


antigo é de 1872, intitulado “Histórias da Carochinha”. A história tratava-
-se de uma crítica às mulheres solteiras que procuravam pretendentes
endinheirados.

O casamento da Dona Baratinha

Era uma vez uma barata chamada Dona Baratinha. Dona Baratinha era
uma barata muito limpinha, que gostava de tudo bem ajeitadinho, por
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isso vivia limpando e arrumando a sua casinha.


E limpa que limpa, arruma que arruma, achou uma moeda de ouro. Dona
Baratinha ficou felicíssima. Pensou que estava rica e já podia se casar.
Colocou um vestido branco, arrumou um belo laço de fita na cabeça e
foi-se debruçar na janela, onde pôs-se a cantar:
“Quem quer casar com a Dona Baratinha que tem fita no cabelo e
dinheiro na caixinha. Quem quer casar com a Dona Baratinha que tem
fita no cabelo e dinheiro na caixinha.”[...]

Quer saber o final dessa história, então, acesse-a na íntegra em:


Disponível em: https://semect.files.wordpress.com/2010/05/historia-da-
dona-baratinha.pdf. Acesso em 04 de maio de 2019.

A seguir indicamos a leitura de um blog intitulado Mulher e Literatura,


que contempla um espaço de publicação de textos literários de escritoras
e, também, da crítica literária feminista.

Disponivel em: http://mulhereliteratura.blogspot.com/Acesso em 09 de


julho de 2019.

Assim, na fase de transição ocorrida em meados do primeiro decênio do


século XX a 1960, surge José Bento Monteiro Lobato. Neste momento
os escritores nacionais “começam a se preocupar com a adequação
do texto para a criança e, em consequência, com o abrasileiramento
da linguagem. O autor destacou-se devido às suas inovações não só
com relação às temáticas, até então concernentes ao leitor adulto, mas
também à literariedade, como marca de sua escrita, e sua posição de
divulgador do livro infantil como mercadoria.” (SOUZA, 2006, p. 13 apud
BELLOCCHIO, 2018, p.40).
20 UNIUBE

Quem foi Monteito Lobato?

A Lobato deve muito o Brasil. Em primeiro lugar o


exemplo magnífico e raro do intelectual que não se
vende e não se aluga, não se coloca a serviço dos
poderosos ou dos sabidos (...) Depois, foi ele um
homem de ação e um descobridor. Devem-se a ele a
campanha do livro e a campanha do petróleo. Foi ele o
criador da nossa literatura infantil.
Oswald de Andrade

SAIBA MAIS

Monteiro Lobato (1882-1948) foi um escritor


e editor brasileiro. “O Sítio do Pica-pau
Amarelo” é sua obra de maior destaque na
literatura infantil. Criou a “Editora Monteiro
Lobato” e mais tarde a “Companhia Editora
Nacional”. Foi um dos primeiros autores de
literatura infantil de nosso país e de toda
América Latina. Metade de suas obras é
formada de literatura infantil, que destaca-se
pelo caráter nacionalista e social. O universo
retratado em suas histórias são os vilarejos
decadentes e a população do Vale do
Paraíba, quando da crise do café. Situa-se
entre os autores do Pré-Modernismo,
período que precedeu a Semana de Arte
Moderna.
Disponível em: https://www.ebiografia.com/monteiro_lobato/. Acesso em 05
de maio de 2019.

A partir de 1960, a publicação de livros infantis ganha fôlego, com o


desenvolvimento de um comércio especializado. Nessa corrente chegam
Ziraldo, Lygia Bojunga, Ana Maria Machado, Ruth Rocha e muitos outros
autores inspirados em Monteiro Lobato.
UNIUBE 21

SAIBA MAIS

Sobre Monteito Lobato e suas obras acessando o link a seguir.


Disponível em http://www.monteirolobato.com/literatura/infanto-juvenil.
Acesso em 02 de maio de 2019.
Na sequência deste capítulo, apresentamos reflexões sobre o que é a
Literatura Infantil.

1.3 O que é Literatura Infantil?

A frase Era uma vez... é ancestral e ainda nos dias de hoje tem a função
de despertar o desejo de conhecer uma boa história, não é mesmo?
Ao ouvi-la nossos sentidos imediatamente se aguçam, ficamos mais
curiosos, alegres, emocionados, completamente envolvidos pelo
novo, seduzidos pelas palavras, e, assim, rapidamente embarcamos
no mundo imaginário da Literatura Infantil. Essa literatura, como arte
verdadeiramente genuína, é, sem dúvida, uma porta aberta para a
construção da consciência-de-mundo dos pequenos leitores. É no ato
de ler e ouvir histórias que eles compreendem o seu contexto e como
ele se organiza.

É importante destacar que o homem pré-histórico já buscava formas


de manifestar suas viviências e registrar os acontecimentos cotidianos.
Essas expressões eram feitas em cavernas por meio de pinturas, que
retratavam uma forma autêntica de ler e registrar as relações entre seus
semelhantes e a natureza.

Assim, destacamos que entre todas as formas utilizadas pelos nossos


ancestrais para registrarem suas experiências a literatura foi a mais
significativa, uma vez que dispõe de infinitos recursos expressivos.
Isso é evidente no momento em que a palavra, por exemplo, permite
uma distinção clara entre o homem e os demais seres do reino animal.
(COELHO, 2000)
22 UNIUBE

Tanto na forma oral quanto na escrita, a literatura passou a influenciar e


a difundir os modos de convivência, que definiram formas de pensar e
agir da sociedade ao longo dos séculos. Esses modos de vida sofreram
transformações significativas no decorrer da história, permitindo, assim,
a abertura e a formação de novas ideias na sociedade contemporânea.
Dessa forma, nota-se que os estereótipos de gênero, de raça/etnia,
de beleza, entre outros, estão sendo, cada vez mais, discutidos e
questionados, alterando a perspectiva das pessoas sobre os temas e
ampliando a visão de mundo.

IMPORTANTE!

Hoje, longe de ser vista como um “gênero menor” em relação à área


global da literatura, a infantil é reconhecida como um gênero literário e,
também, como verdadeiro ponto de convergência das realizações, valores,
desvalores, ideias ou aspirações que definem a cultura ou a civilização de
cada época. A forma como cada indivíduo deve se situar para conseguir ou
não sua própria realização está expressa (ou deve estar) na literatura que
os adultos destinam aos mais jovens, para que estes conheçam tal “código”
desde cedo e o incorporem (uma vez que ele é a base, é o fundamento que
sustenta toda a construção social). (COELHO, 1984, p. 5)

Alçar um olhar cauteloso e crítico sobre a literatura oferecida às crianças


é fundamental, pois as escolhas que fazemos carregam, implicitamente,
crenças baseadas nas ações e nos perfis físicos ou psicológicos dos
personagens, na linguagem literária e nos temas propostos. A Literatura
aponta “caminhos” em direção à nova mentalidade, transformando
a educação das crianças e dos jovens. Dessa forma, é essencial que o
professor esteja apto a realizar uma leitura atenta às obras a fim de detectar
o que é realmente uma boa Literatura Infantil.
UNIUBE 23

VAMOS PENSAR JUNTOS!

Os tradicionais contos de fada criaram na sociedade estereótipos de beleza


e padrões a serem seguidos. As princesas sempre retratadas como moças
brancas, dos cabelos longos e loiros, dos olhos azuis e corpos esculturais
apresentam um ideal quase inalcançável para a maioria das crianças e
jovens. Ademais, a falta de representatividade da figura negra é evidente
nessas histórias, quando presente, ocupa posições subalternas em relação
aos demais personagens. Com isso, uma parcela considerável de pequenos
leitores não se reconhece nesse espaço excludente, gerando insatisfações
internas, problemas de autoestima e bullying por parte dos colegas.

Em contrapartida, nos dias de hoje, livros, que rompem com essa estrutura
socialmente construída e aceita por décadas, têm se popularizado no
mercado literário. Sob esse viés, convido-lhe a conhecer a história de uma
menina negra chamada Lelê, personagem principal do livro “O cabelo de
Lelê” da autora Valéria Belém com ilustrações de Adriana Mendonça, 2007.
Vale a pena conhecer a obra na íntegra, disponível no youtube.

Vamos conhecer a história de Lelê? Acesse o link: https://pt.slideshare.


net/naysataboada/o-cabelo-de-lele ou https://www.youtube.com/
watch?v=RriQiWMnDXU Acesso em 20 de maio de 2019.

Inicialmente, a persongem enfrenta dificuldades para aceitar o seu cabelo


repleto de cachinhos e revela aos leitores sua tristeza por não saber lidar
com eles. Acompanhe um trecho da história:

“Lelê não gosta do que Vê.


__ De onde vêm tantos cachinhos?, pergunta, sem saber o que fazer.
Joga pra lá,
Puxa pra cá.
Jeito não dá,
Jeito não tem.”
(Belém, 2012, p.5)
24 UNIUBE

No fragmento do livro, torna-se evidente que a garota sofre por não


aceitar sua origem e tenta de várias maneiras modificar seu cabelo
para adequar-se aos estereótipos impostos pela sociedade. Cansada
e desesperançosa, Lelê encontra um livro sobre a história dos países
africanos que enaltece a beleza da mulher negra e, a partir da leitura,
ela passa a se aceitar. Veja como a obra foi fundamental no processo
de autoaceitação da criança que, ao se sentir representada, percebeu
a pluralidade entre as pessoas e alterou, assim, sua perspectiva do que
é o belo. Faremos agora, uma breve análise do livro “O cabelo de Lelê”
(2012).

A história, narrada na terceira pessoa, trata de uma criança


afrodescendente, que se interessa em saber a origem dos cachinhos
de seu cabelo, pois, ao tentar movimentá-lo, ele não se mexe, não fica
bom como Lelê gostaria.

Conforme Gomes (2003 apud Gonçalves e Moura, 2016), um dos


aspectos que fazem parte da identidade negra é o cabelo. Entretanto, a
personagem Lelê vive em uma sociedade que tende a ver as diferenças
entre as pessoas com olhar preconceituoso.

Para ser aceito em seu grupo, às vezes, o negro usa de diferentes


técnicas no cabelo, transformando-o de acordo com o que é estabelecido
pela sua comunidade.

No decorrer da história Lelê pensa:

“Toda pergunta exige uma resposta


Em um livro eu vou procurar!
Pensa Lelê, no canto a cismar”.
(Belém, 2012, p. 10)
UNIUBE 25

Assim, ela
Fuça aqui
Fuça lá
Mexe e remexe até encontrar
O tal livro muito sabido que
Tudo aquilo pode explicar.
(Belém, 2012, p.13)

Dessa forma, a menina, ao ler o livro “Países Africanos”, começa


a compreender a história da África e “imersa nessa trama de medo,
guerras, sonhos e amor pelo cabelo, ela reconhece todo o simbolismo
e a origem de seus cachinhos.” (GONÇALVES e MOURA, 2016, p. 6).

Qual, então, a importância da discussão sobre esse tema


com as crianças?

Sabemos que nossos alunos, em fase de desenvolvimento, constroem a


sua identidade, e a aula de literatura é um caminho para ajudá-los nesse
construção. Pelo lúdico, pela magia é possível discutir em sala de aula
questões que afligem as relações entre as crianças.

A história da Lelê aciona a história dos povos africanos, que aciona a


história de muitas outras crianças.

Essas narrativas fazem parte do dia a dia do mundo infantil e discuti-las


pela fantasia pode ajudar na aproximação com a realidade de forma
divertida e menos dolorosa.

Em Gomes (2001 apud Gonçalves e Moura, 2016), encontramos uma


reflexão acerca da identidade de raça, quando na história Lelê diz que
“já sabe que em cada cachinho existe um pedaço de sua história”. Essa
26 UNIUBE

fala da personagem reforça a ideia de que o cabelo negro possui uma


memória ancestral e, por isso mesmo, ele deve ser valorizado.

Os cachinhos representam a etnia de Lelê, assim como os cabelos louros,


lisos, castanhos, negros, avermelhados identificam outras diferentes
grupos étnicos. Todos devem se orgulhar de suas particularidades e
essas devem ser respeitadas.

Na continuação da história, a personagem passa a admirar seus


cachinhos. Vejamos:

Lelê gosta do que vê!


Vai à vida, vai ao vento
Brinca e solta o sentimento.
(Belém, 2012, p.19)

Descobre a beleza de ser como é


Herança trocada no ventre da raça
Do pai, do avô de além-mar até
(Belém, 2012, p. 23)

Diante disso, a encantadora história possibilita encontros:

O negro cabelo é pura magia


Encanta o menino e a quem se
Avizinha
(Belém, 2012, p. 24)

Ao final da narrativa, uma bela imagem apresenta o encontro amoroso


entre a personagem e meninas de diferentes etnias.

Belém (2007, p.29) conclui o livro, convidando o leitor a refletir sobre as


relações cotidianas que podem gerar encontros e desencontros, e esse
UNIUBE 27

fato é apresentado no livro tanto pelas palavras quanto pelas imagens.


Essas duas linguagens dialogam, propiciando ao leitor a entrada no
universo infantil de forma mágica, sensível, emotiva.

Lelê ama o que vê! E você?

Nesse encontro ocorrido pela leitura ou pela contação da história “O


cabelo de Lelê”, é de responsabilidade do professor mediar reflexões,
promovendo atividades geradoras de um final feliz como ocorrido no
livro de Belém (2012).

PARADA PARA REFLEXÃO

Você percebe a importância da literatura como agente transformador das


mentes em formação?

Quais são os valores e estereótipos retrados na obra “O cabelo de Lelê?


Você já parou para pensar que as escolhas literárias que fazemos para o
público infantil impactam diretamente no amadurecimento da criança?

Na sequência, deste capítulo, trazemos contribuições a respeito da


relevência da Literatura Infantil na infância.

1.4 A importância da Literatura Infantil para o


desenvolvimento da criança
Se queremos despertar nas crianças o desejo e o encantamento pela
leitura é imprescindível oferecer a elas boas histórias e bons livros muito
antes que saibam ler. A educação literária pode ser iniciada até mesmo
na fase da gestação. O bebê, ao ouvir a voz de sua mãe, já está sendo
estimulado a ser um leitor. Nesse momento mágico, ocorre uma espécie
de conexão entre mãe e filho, estabelecida pela cadência das palavras
que fluem como uma canção.
28 UNIUBE

Ouvir boas histórias é o início da formação literária, portanto, é


fundamental que haja momentos dedicados à leitura com as crianças.
Não é somente na escola que essa formação deve ocorrer, muito pelo
contrário, é importante que os pais assumam esse papel em casa,
antes de os filhos ingressarem nos espaços escolarizados. Cabe-nos
aqui citar as palavras de Tatiana Belinky, autora de mais de 250 livros
destinados ao público infantil, que enfatiza a ideia de que “Se queremos
formar leitores, espalhemos livros pela casa e leiamos para as crianças!”.
(BELINKY, apud MELLO, 2016, p. 43)

Os dizeres da autora nos permitem uma compreensão de que para


despertar no leitor o prazer de ouvir histórias é necessário seduzi-lo pelas
palavras e também pelas imagens, como se fosse um tempo para a
diversão. Nesse momento vale lançar uma música de fundo, um cenário
para criar um clima favorável na tentativa de conquistar a atenção das
crianças. Isso pode ser feito em diversos espaços e contextos, ora num
fim de tarde, próximo a uma janela, num dia frio e chuvoso, no escurinho
da sala, ao acordar, em momentos de aconchego e descontração. Ler
para crianças é um ato de afeto e doação, a voz da pessoa amada
encantará o pequeno que, certamente, será seduzido para o mundo
imaginário das palavras.

Outro aspecto importante da fala de Tatiana Belinky refere-se ao objeto/


livro. Se queremos despertar o prazer pela leitura é indispensável que o
pequeno leitor tenha intimidade com uma variedade de livros infantis. Os
espaços onde a criança costuma ficar com fequência devem ser repletos
de livros na altura dos olhos ou das mãos, porque, consequentemente,ela
desenvolverá o gosto pela leitura. Na perspectiva de Coelho (2000),

A Literatura Infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor,


é arte; fenômeno de criatividade que representa o Mundo,
o Homem, a Vida, através da palavra. Funde sonhos
e a vida prática; o imaginário e o real; os ideias e a sua
possível/ impossível realização. (COELHO, 2000, p.27)
UNIUBE 29

Em outras palavras, a literatura não se iguala a nenhuma outra atividade


humana pela possibilidade de impulsionar nossos pensamentos para um
mundo repleto de sentimentos, emoções, paixões e desejos. É como se
num passe de mágica pudéssemos ser transportados para outro planeta
e lá conhecêssemos pessoas e lugares povoados de magia.

Como lembra Abramovich (1989) tanto o professor quanto os demais


mediadores, ao lerem histórias para crianças, podem sorrir, gargalhar,
gesticular, alterar a voz, trazer humor e descontração. É momento de
brincar, suscitar o imaginário, buscar respostas para tantas perguntas,
reconhecer nos personagens situações de conflitos e impasses que todos
nós vivenciamos. Nesse momento, a mediação do adulto poderá estreitar
os laços da criança com o mundo letrado. Ele assume, assim, o papel
articulador entre o texto e o leitor.

Para Vigotski (1997 apud Barbosa, 2016), é importante que a


aprendizagem da língua oral e da escrita seja oferecida aos alunos por
meio de ações repletas de significados, pois não se deve, por exemplo,
propor a leitura de um livro, de modo simplista: é preciso que, durante o
processo de instrução escolar, o professor propicie mecanismos para o
desenvolvimento dos processos psíquicos, como a atenção voluntária,
a memória lógica, a abstração, a comparação e a diferenciação. Caso
contrário, o professor conseguirá apenas uma “assimilação irreflexiva
de palavras, um simples verbalismo” [...] (Vigotski, 1997, p. 185 apud
Barbosa, 2016, p. 76), ou seja, dessa forma, a criança não formará
conceitos, mas apenas sequências de palavras, assimilando mais com
a memória do que com o pensamento, manifestando-se impotente
mediante os conhecimentos apreendidos.

Em essência, para Vigotski, a criança precisa ser afetada pela


experiência da leitura e pelo objeto/livro, para que haja de fato, uma
transformação interna. Segundo Ruth Rocha (2009), em seu livro “A
30 UNIUBE

fantástica máquina dos bichos”, as histórias devem entrar na vida das


crianças pelo caminho mais efetivo: o caminho afetivo.

Dialogando com essas ideias, com o passar do tempo, os estudos


advindos da Psicologia Experimental revelaram que as crianças possuem
capacidades cognitivas e intelectuais que podem ser desenvolvidas
desde a infância até o período da adolescência, conforme indica (Mello,
2016)
a criança aprende socialmente, com o outro, o prazer
de ler cria para si a necessidade da leitura com a
vivência do próprio ato de ler do outro. Nesse processo,
internaliza, reproduz para si individualmente, o prazer
que o outro expressa ao ler e, com isso, ler vai se
tornando uma necessidade dela – uma necessidade
aprendida socialmente. (MELLO, 2016. p. 46)

De acordo com Mello, é justamente neste encontro entre pares que


emerge um novo leitor capaz de compreender a intenção de quem
escreve e se deleitar com a leitura. Assim, faz-se necessário apresentar
à criança o texto literário como um exercício de liberdade e possibilidades
que a língua oferece. Com isso, suas funções psíquicas superiores vão
se formando de acordo com as experiências vividas. Vigotski esclarece
ainda que, durante esse desenvolvimento, a ajuda e a participação de
um adulto são singulares no processo de instrução. [...] (VIGOTSKI 1997,
p. 183 apud BARBOSA, 2016, p. 89).

EXEMPLIFICANDO!

Para elucidar as ideias anteriores, com relação à aprendizagem e ao


desenvolvimento dos processos psíquicos podemos analisar a obra de
Tatiana Belinky, “O grande rabanete” (2002), que possibilita diferentes
formas de aplicação em sala de aula, despertando o interesse da criança
pela leitura.
UNIUBE 31

PESQUISANDO NA WEB

Convidamos você para apreciar essa bela história contada pelo grupo TIC
TIC TATI no link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=R_0wb38we_w.
Acesso em 20 de maio de 2019.

Esse livro possui vários aspectos que permitem uma leitura envolvente,
dentre eles, destacamos as ilustrações ricas em cores e expressividade,
o enredo que acumula as ações dos personagens. Acompanhe no trecho
a seguir:

O vovô quis arrancar o rabanete para comer no almoço.


Então o vovô chamou a vovó pra ajudar a puxar o rabanete.
A vovó segurou o vovô, o vovô segurou o rabanete.
Puxa –que -puxa e nada do rabanete sair da terra.
Então a vovó chamou a neta pra ajudar a puxar o rabanete.
A neta segurou na vovó, a vovó no vovô, o vovô no rabanete.
Puxa –que -puxa e nada do rabanete sair da terra.
Disponível em: http://1historiacadadia.blogspot.com/2013/05/o-grande-
rabanete.html.

Disponível em: http://naescolaagenteaprende.blogspot.com/2013/02/plano-de-


trabalho-o-grande-rabanete.html. Acesso em 20 de maio de 2019.
32 UNIUBE

O desfecho é carregado de reflexão acerca da importância do trabalho


em equipe e da alegria de partilhar com o outro independentemente de
quem seja.

Vejamos:

Então, o vô disse que é a união que faz a força e juntos comeram o


rabanete, que era tão grande que deu pra todos, e ainda sobrou um pouco
pra minhoca que passava por ali. Disponível em: http://1historiacadadia.
blogspot.com/2013/05/o-grande-rabanete.html.

Desse modo, a partir de todos esses elementos que a narrativa oferece,


o mediador, que é o responsável por contar a história ao público infantil,
tem a oportunidade de criar e recriar o texto por meio de diferentes
estratégias.

Para introduzir o livro às crianças é ideal que o professor fomente a


curiosidade e o interesse do leitor. Que tal levar uma mala antiga ou uma
caixa decorada para surpreender e seduzir os pequenos antes mesmo
de iniciar a leitura? E se, nesse momento, você utilizar um instrumento
musical para estabelecer um clima de atenção e concentração na turma?
Pronto! O ambiente já está preparado para dar início à contação.

VAMOS ENCENAR A HISTÓRIA?

Agora é a hora de convidar todos, aos poucos, para assumirem os papéis


do avô, da avó, da neta, do cachorro, do gato e até mesmo do convecido
rato e, então, dar vida à história. Cada um pode se caracterizar de acordo
com os personagens e viver as ações praticadas por eles.

A partir dessa sugestão, observamos que o papel do professor mediador


é de suma importância no processo de instrução e desenvolvimento
da função cognitiva, responsável pela compreensão, interpretação
UNIUBE 33

e assimilação do texto como um todo. Além disso, há o despertar


das funções emocional, crítica e criativa, estimulando as crianças a
inventarem novas histórias.

1.5 Conclusão

Buscamos nesse capítulo fornecer uma visão geral acerca da Literatura


Infantil, considerando alguns aspectos fundamentais para os estudos
desse assunto. As reflexões acerca literatura para crianças buscaram
dar a dimensão da importância de compreender as particularidades dessa
fase que muito de se dintinguem dos adolescentes e adultos.

Apresentamos, também, os primeiros autores que destinaram suas obras


ao universo infantil, arquitetando livros que tinham em sua origem contos
populares. Dentre eles, destacamos as fábulas de Esopo (sec. VI a.C) e
Jean de La Fontaine (1621-1695) com histórias de cárater moralizante e
de instrução, narradas por meio de animais e outros seres personificados
como humanos.

Atentando-se para a natureza da literatura destinada às crianças, vemos


que sua essência pertence à área do maravilhoso, do fantástico, por se
comunicar facilmente com o pensamento mágico infantil. É o caso, por
exemplo, dos contos de Charles Perrault (1628-1703); os Irmãos Grimm
(1785-1863) e Hans Christian (1805-1875), criados há tanto tempo e que
continuam sendo lidos, encenados, contados, pelos adultos e, acima de
tudo, encantando as crianças.

É evidente que, com o passar dos anos e a transformação dos valores


humanos, sociais, éticos, políticos etc, perdeu-se as circunstâncias
de uma época que impactou diretamente na criação dessas histórias
originais. Entretanto, tais valores continuaram presentes e vivos na
linguagem imagística ou simbólica que os expressou em arte. E mesmo
34 UNIUBE

com essa distância na linha do tempo, ainda provocam a imaginação e


podem ser frequentemente atualizados. (COELHO, 2002, p. 44).

Nessa breve reflexão, confirmamos a importância do educador, como


mediador do texto na sala de aula, seja um leitor de diferentes histórias,
assim como um pesquisador da Literatura Infantil. Dessa forma ele poder
fomentar as discussões nas escolas a respeito de uma educação literária
reconhecida como arte. Assim, enfatizamos que as escolhas literárias
que fazemos, a reflexão sobre o texto e a apreciação pessoal apontam
caminhos em direção à formação da atitude leitora, transformando a
educação das crianças por meio da arte literária.

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