Os-Professores-e-a-Sua-Formacao
Os-Professores-e-a-Sua-Formacao
Os-Professores-e-a-Sua-Formacao
SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores
e sua formação. 2 ª ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997.
Nóvoa ( p. 1992)
Não há ensino de qualidade nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma
adequada formação de professores. Esta afirmação é de uma banalidade
mente o poder estatal numa área-chave do processo de reprodução social. Os professores são a
voz dos novos dispositivos de escolarização e, por isso, o Estado não hesitou em criar as
condições para a sua profissionalização. (p.16)
As escolas normais são instituições criadas pelo Estado para controlar um corpo profissional,
que conquista uma importância acrescida no quadro dos projetos de escolarização de massas;
mas são também um espaço de afirmação profissional, onde emerge um espírito de corpo
solidário. As escolas normais legitimam um saber produzido no exterior da profissão docente,
que veicula uma concepção dos professores centrada na difusão e na transmissão de
conhecimentos; mas são também um lugar de reflexão sobre as práticas, o que permite
vislumbrar uma perspectiva dos professores como profissionais produtores de saber e de
saber-fazer. (p.16)
Neste período, uma série de fenômenos configuram uma verdadeira mutação sociológica do
professorado, primeiro dos professores do ensino primário e, mais tarde, dos professores do
ensino secundário; cite-se, a título de exemplo, a consolidação das instituições de formação de
professores, incremento do associativismo docente, a feminização do professorado e as
modificações na composição socioeconómica do corpo docente. Verifica-se um reforço da
tutela estatal e dos mecanismos de controlo dos professores, mas igualmente uma maior
afirmação autónoma da profissão docente. (p. 17)
A I República criou as condições políticas para uma agudização o conflito acerca do estatuto
da profissão docente. A ambição republicana de “formar um homem novo” concedeu aos
professores um papel simbólico de grande relevo: só no contexto e um maior prestígio,
qualificação e autonomia era possível desempenharem-se desta missão; mas o que estava em
jogo era demasiado importante para que o Estado abdicasse de uma intervenção persistente.
A passagem de um controlo administrativo a um controlo ideológico e os inúmeros conflitos
políticos no seio das escolas normais ilustram bem a presença do Estado no campo educativo.
A contrário, convergem no seio da educação correntes de origem diversa que pugnam por
uma maior autonomia dos professores, no quadro da afirmação de um profissionalismo
docente: (p.17)
A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os
meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada.
Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os
percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também
uma identidade profissional. (p.25)
O professor é a pessoa. E uma parte importante da pessoa é o professor (Nias, 1991). Urge por
isso (re)encontrar espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais,
permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um sentido
no quadro das suas histórias de vida. (p.25)
Práticas de formação contínua organizadas em torno dos professores individuais podem ser
úteis para a aquisição de conhecimentos e de técnicas, mas favorecem. (p.26)
A formação de professores deve ser concebida como uma das componentes da mudança, em
conexão estreita com outros sectores e áreas de intervenção, e não como uma espécie de
condição prévia da mudança. A formação não se faz antes da mudança, faz-se durante,
produz-se nesse esforço de inovação e de procura dos melhores percursos para a
transformação da escola. É está perspectiva ecológica de mudança interativa dos profissionais
e dos contextos que dá um novo sentido às práticas de formação de professores centradas nas
escolas. (p.28)
Desejaria ainda aprofundar alguns debates sobre a melhoria do sistema de ensino, em relação
aos quais a problemática da profissionalização assumiu um papel de relevo. A nível
ideológico, temos de concordar com a retórica oficial: os professores deveriam exercer a sua
atividade com autonomia, integridade e responsabilidade. A afirmação pode ser importante no
quadro da reestruturação do sistema educativo. É necessário que os professores adquiram
maiores competências cm relação ao desenvolvimento e implementação do currículo, pois as
sociedades modernas exigem práticas de ensino que valorizem o pensamento crítico, a
flexibilidade e a capacidade de questionar padrões sociais, isto ć, requisitos culturais que têm
implicações na autonomia e responsabilidade dos professores. No entanto, falar de
profissionalismo, integridade e responsabilidade sem tomar em consideração as relações
estruturais que configurar o ensino e perder de vista a forma como a atividade educativa foi
determinada historicamente. (p.40)
ou restringir a ação do professor e influenciar a sua formação. Não basta afirmar que os
professores devem ser reflexivos e que devem dispor de maior autonomia. Há que estabelecer
uma tradição de pensamento e de reflexão que possa apoiar este esforço. (p.42)
Nesta linha pode ser útil o conceito de paradigma de formação de professores, entendido
como “uma matriz de crenças e suposições sobre a natureza e os propósitos da escola, do
ensino, dos professores e da sua formação, que configuram um conjunto de características
especificas na formação de professores” (Zeichner, 1983, p. 3). (p.54)
Num texto anterior já procedemos a uma análise dos diferentes paradigmas de formação de
professores Marcelo, 1989). Neste momento, queremos apenas sublinhar que os programas de
formação de professores estão impregnados de concepções diferentes do professor:
tradicional, centrado nas competências, personalista ou orientado para a investigação
(Zeichner, 1983).
Estes paradigmas têm mobilizado imagens distintas do professor: como pessoa, colega,
companheiro, facilitador de aprendizagem, como técnico, investigador, implementador do
currículo, sujeito que toma decisões, lider, etc. (Heck & Williams, 1984).
Um primeiro aspecto que nos parece conveniente destacar é a necessidade de conceber a
formação de professores como um continuum. Apesar de ser composto por fases claramente
diferenciadas do ponto de vista curricular, a formação de professores (p.54)
Deste modo, mais do que aos termos aperfeiçoamento, reciclagem, formação em serviço,
formação permanente, convém professores, prestar uma atenção especial ao conceito de
desenvolvimento dos professores, por ser aquele que melhor se adapta a concepção atual do
professor como profissional do ensino. A noção de desenvolvimento tem uma conotação de
evolução e de continuidade que nos parece superar a tradicional justaposição entre formação o
inicial e aperfeiçoamento dos professores. É nesta perspectiva que Gimeno defende
necessidade de situar o aperfeiçoamento dos professores como “um modelo de
desenvolvimento profissional e pessoal, evolutivo e continuado” (1990, p. 18).
Por último, o conceito desenvolvimento profissional dos professores pressupõe uma
valorização dos aspectos contextuais, organizativos orientados para a mudança. Esta
perspectiva constitui um marco decisivo para a resolução dos problemas escolares no sentido
da superação do carácter tradicionalmente individualista das atividades de aperfeiçoamento
dos professores Rudduck, 1987). (p.55)
Uma iniciativa que ameace esta visão do conhecimento também ameaça a escola. Quando um
professor tenta ouvir os seus alunos e refletir-na-ação sobre o que aprende, entra
inevitavelmente em conflito com a burocracia da escola. Nesta perspectiva, o
desenvolvimento de uma prática reflexiva eficaz tem que integrar o contexto institucional. O
professor tem de se tomar um navegador atento ả burocracia. E os responsáveis escolares que
queiram encorajar os professores a tornarem-se profissionais reflexivos devem tentar criar
espaços de liberdade tranquila onde a reflexão-na-ação seja possível. Estes dois lados da
questão - aprender a ouvir os alunos e aprender a fazer da escola um lugar no qual seja
possível ouvir os alunos - devem ser olhados como inseparáveis. (p.87)