Rios e Cidades
Rios e Cidades
Rios e Cidades
124 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
RIOS E CIDADES:
uma longa e sinuosa história...
resumo Intervenções em cursos de água urbanos têm sido foco de amplo debate nos dias de hoje, com destaque para
o tema da restauração. As tendências atuais apontam para uma maior integração desses meios ao cenário das cidades,
buscando compatibilizar variadas demandas e contextos também fortemente diversificados. Contudo, os desafios que se
apresentam são inúmeros, incluindo as incertezas inerentes ao processo – naturalmente dinâmico em termos fluviais e
urbanísticos –, assim como questões afetas ao planejamento, às políticas públicas e institucionais. Este artigo propõe
uma análise dos diferentes aspectos mencionados, partindo de uma visão histórica da relação entre os rios e as cidades,
para apontar as principais tendências e desafios científicos, tecnológicos, econômicos, políticos e sociais na melhoria da
qualidade ambiental e urbanística dos cursos de água e das cidades.
abstract Interventions in urban rivers have been under much debate with special emphasis on the restoration issue.
The tendencies points out to a better integration of these means with the urban scenery in an effort to conciliate an array of
demands and different contexts. Nevertheless, challenges are innumerable, including uncertainties inherent to the process –
naturally dynamic in fluvial and urban terms – as well as questions related to planning, public politics and institutional issues.
This article proposes an analysis of the different aspects mentioned, starting from the historical view of the relationship
between rivers and cities in order to point out the main tendencies as well as scientific, technical, economical, political and
social challenges in the improvement of the environmental and urban quality of rivers and cities.
*Doutor em Recursos Hídricos. Professor Titular do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da
Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: <[email protected]>.
**Doutora em Recursos Hídricos. Pesquisadora do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da
Escola de Engenharia da UFMG. Consultora. E-mail: <[email protected]>.
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 125
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
A cidade nasce da água. A história urbana pode ser traçada tendo como eixos as formas de
apropriação das dinâmicas hídricas. A trajetória das relações entre cidades e corpos d’água
reflete, assim, os ciclos históricos da relação entre homem e natureza. (MELLO, 2008)
A história das relações do homem – e suas cidades – com os rios segue uma tra-
jetória complexa, marcada por variadas formas de interação ao longo do tempo
e do espaço, fundada na dinâmica e sazonalidade naturais dos corpos de água, mas,
sobretudo, nas significativamente variáveis necessidades e expectativas humanas, no
decorrer de distintos períodos, épocas e lugares. Trata-se, portanto, de uma relação
com aproximações e antagonismos sucessivos, materializados de forma distinta ao
longo do tempo, nas diversas culturas e nos diversos sítios.
Após os momentos iniciais da história, quando os rios viabilizaram as cidades – e,
portanto, a civilização –, estes passaram a sofrer, inexoravelmente, e frequentemente
de forma dramática, os impactos hidrológicos e ambientais do crescimento urbano, ao
mesmo tempo que perderam, gradativamente, seu papel como elemento da paisagem.
As respostas dos sistemas fluviais urbanos – naturais ou construídos – não tardaram a vir:
em um cenário pontuado pela concentração da população em cidades e pela densificação
populacional em grandes metrópoles, com a frequente ocupação de áreas de risco por habi-
tações subnormais, os prejuízos ambientais e danos socioeconômicos severos decorrentes
de inundações colocam em questão os modelos de urbanização e sanitários vigentes.
Atualmente, constata-se o início de uma nova fase nesse relacionamento das
cidades e seus rios. A tomada de consciência das grandes questões ambientais, cada
vez mais presente, e a contabilização dos danos socioeconômicos faz com que a questão
da restauração fluvial passe a integrar as pautas de reivindicações da sociedade, as
agendas do meio científico e as plataformas e planos governamentais.
Mesmo que os conhecimentos científicos e tecnológicos formais sejam ainda inci-
pientes, alguns esforços concretos de restauração, atualmente em prática, já consti-
tuem tentativas válidas de resgate do enorme passivo existente.
126 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
Esta é parte da primeira descrição específica conhecida do sítio onde hoje se situa a
cidade de Paris, escrita pelo imperador romano Juliano no ano de 358 (JONES, 2009). O
rio Sena destaca-se em todo o texto. Muitas outras cidades, ainda que não forçosamente
com cronistas ilustres e poderosos e textos históricos consagrados, certamente mereceram
– ou deveriam merecer – referências equivalentes, com a importância de seus rios realçada.
Afinal, a história da civilização está intrinsecamente ligada à água – rios, lagos e mares –,
não só pela necessidade do insumo fundamental, mas por razões culturais e estéticas.
No início do processo de sedentarização das populações, no delta do Euphrates,
surgem as primeiras civilizações urbanas, herdeiras da cultura de Samarra, no Cres-
cente Fértil, por volta do VI milênio a.C. (VIOLLET, 2004). Também nos vales do
Indus, dos rios Amarelo e Nilo, a partir do V milênio a.C., pequenas vilas se trans-
formam, gradualmente, em cidades, invariavelmente junto aos rios, explorados já por
complexos sistemas de irrigação, que exigiram os primeiros esforços do homem no
sentido de regular e sistematizar, de forma estrita, o acesso à água.
Além da óbvia necessidade da água para consumo, higiene e desenvolvimento das
atividades agrícolas e artesanais, a presença dos rios junto às aglomerações urbanas
favorecia as comunicações e o comércio. Em muitos casos, os rios desempenhavam
também um papel na defesa e proteção das cidades, que eram implantadas em ilhas,
como Paris (FIG. 1), em elevações junto a meandros ou penínsulas, como Lyon, ou em
margens de rios próximas a áreas pantanosas, como Londres.
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 127
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
As margens dos rios como locus privilegiado para as cidades podem ser evidenciadas
pela toponímia: em diversos países europeus abundam nomes de cidades ligadas aos
seus rios (e.g. Villefranche-sur-Saône, Newcastle-upon-Tyne, Rothembourg-ober-der-
Tauber). No Brasil não é diferente: são inúmeras as cidades com denominações de rios
(e.g. Sorocaba) a eles ligadas, direta (e.g. Santa Rita do Sapucaí) ou indiretamente (e.g.
Ponte Nova).
A percepção dos rios pelas populações sempre foi influenciada pelo papel que
estes desempenhavam na cidade.
Voltando a Paris, construída em ilhas (FIG. 1) e às margens do Sena, dele obtinha
seu sustento e dele fazia sua primeira “muralha”. Toda a sua história e desenvolvi-
mento teve como fio condutor o rio, a própria essência da cidade: sua posição, contro-
lando o fluxo de mercadorias no sentido leste-oeste, por via fluvial, e possibilitando
a fácil transposição na ligação norte-sul da Europa explica, em grande parte, o papel
histórico que a cidade desempenhou. A corporação dos navegantes (nautes) – arma-
dores e barqueiros –, historicamente a mais poderosa da cidade, empresta até hoje seu
símbolo à insígnia oficial da cidade (FIG. 2).
128 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
FIGURA 3 - O Danúbio e
Budapeste
Fonte: Disponível em: <www.
inkwellideas.com>. Acesso
em: 03 jan. 2014.
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 129
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
130 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 131
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
receptoras de resíduos diversos eram ocupadas pelas classes menos favorecidas, que
consideravam, de modo geral, que os benefícios decorrentes do acesso mais direto à
água eram superiores aos danos e transtornos das cheias periódicas e das precárias
condições sanitárias (BAPTISTA; NASCIMENTO, 2002).
As condições de salubridade das cidades e de seus rios – já precárias – dete-
rioram-se ainda mais ao final do século XVIII, com o advento da revolução indus-
trial, sendo os grandes rios convertidos em fontes privilegiadas de abastecimento
para as indústrias e, ao mesmo tempo, receptores de águas residuais altamente
contaminadas (REYNOSO et al., 2010).
No século XIX, o crescimento das aglomerações urbanas, juntamente com as
epidemias de cólera e tifo que assolaram a Europa, em combinação com os avanços
científicos – notadamente em microbiologia e epidemiologia –, levaram ao estabele-
cimento dos preceitos higienistas, que representam uma mudança radical na relação
existente entre as águas e o meio urbano.
Assim, o higienismo, originário da Europa e amplamente difundido no Brasil
desde fins do século XIX, apontava para a construção de sistemas de esgotamento
sanitário e drenagem pluvial na busca do controle
de enchentes e de doenças de veiculação hídrica
por meio da rápida evacuação das águas pluviais
e servidas. Os sistemas tout à l’égout, pautados
pela execução de redes de tubulação subterrâneas e
na canalização de rios e córregos, levam à perda progressiva do papel da água na
paisagem das cidades.
Sintetizando os princípios higienistas, Ward, em 1852 (BAPTISTA; NASCI-
MENTO; BARRAUD, 2005), fazia uma analogia entre a circulação sanguínea e os
sistemas urbanos de água: o sistema arterial corresponderia ao abastecimento de
águas “puras”; o sistema venoso estaria associado à evacuação das águas residuais e
pluviais. Ele preconizava, de forma enfática, a necessidade de evitar todas as formas de
“estagnação pestilencial” das águas, nocivas à “saúde urbana”.
Os conceitos higienistas foram adotados de forma quase que geral no Mundo
Ocidental, sendo que o primeiro sistema foi construído em Hamburgo, na
Alemanha, em 1843, quando da reconstrução da cidade em decorrência de um
132 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 133
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
FIGURA 7 - Impactos da
urbanização sobre as águas
Fonte: Adaptado de CHOCAT,
1997.
Um exemplo desse processo pode ser visto na cidade de São Paulo, que nasceu às
margens do Rio Tietê – vetor de conquista de boa parte do território brasileiro –, sendo
hoje a maior metrópole da América do Sul. Com o crescimento acelerado experimen-
tado no Ciclo do Café e o início do processo de industrialização, a cidade passou a sofrer
com problemas de inundações. Já em 1925, Saturnino de Brito apontava soluções:
[...] O homem pode estabelecer ou restabelecer condições naturais acessórias para que
as águas das chuvas se detenham na sua descida rápida pelas encostas e pelos talvegues
torrenciais, e nas dilatações pelas várzeas alagadiças, de modo a retardar a afluência do
volume total que tenha de se escoar pelo curso principal (BRITO, 1944).
134 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
FIGURA 8 - Os rios na cidade formal e informal, em Belo Horizonte (Fotos dos autores)
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 135
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
FIGURA 9 - Evolução do
papel da água nas cidades
Fonte: Adaptado de Brown
et al. (2009), citado por
Urrutiaguer, Edwards e
Chandler (2010).
136 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
FIG. 9, chegando-se ao conceito de “cidades sensíveis à água”, que têm a água como
vetor e foco de desenvolvimento.
Todavia, os desafios que se apresentam extrapolam a solução de problemas
técnicos e/ou ambientais, evidenciando dificuldades associadas ao planejamento
urbano-ambiental e à esfera institucional das administrações públicas. A reintegração
da água ao cenário urbano, portanto, insere-se em um contexto bastante complexo,
onde múltiplas demandas urbanísticas, ambientais e sociais exigem uma nova postura
dos governantes, planejadores e cidadãos para o seu adequado equacionamento.
Um primeiro ponto concreto que se coloca diz respeito à necessidade de ruptura
da perspectiva antagônica das intervenções em rios urbanos: por um lado, uma visão
estritamente ambientalista, considerando somente os aspectos ambientais na gestão
dos corpos de água, alheios às particularidades do meio urbano e, por outro, uma visão
estritamente urbanística, representando a imposição antrópica sobre os condicionantes
da natureza. O planejamento das áreas adjacentes aos corpos de água é um exemplo
desse desafio de compatibilização, visto a relação dicotômica entre a preservação e a
ocupação de tais espaços (MELLO, 2008).
Assim, das intervenções em rios que estão presentes nas agendas governamen-
tais e do setor privado, algumas são destinadas a superar os problemas concernentes
ao passivo ambiental. A maior parte, no entanto, visa à simples expansão urbana e
das atividades econômicas. É importante que mesmo estas últimas estejam imbuídas
de conceitos associados ao planejamento ambientalmente sustentável da ocupação
do espaço ribeirinho, à preservação
de áreas necessárias à dinâmica
fluvial natural e de ações de
revitalização da fauna e flora,
quando factível. Em contra-
partida, a implantação de parques
lineares em áreas urbanas altamente adensadas nem sempre é viável. Conforme
Mello (2008), deve ser encontrado o “caminho do meio” entre as visões anteriores
– de preservação generalizada e de “artificialização” indiscriminada –, uma vez que
os corpos de água nas cidades são, ao mesmo tempo, elementos componentes dos
sistemas natural e urbano.
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 137
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
138 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 139
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
140 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
objetivos da intervenção
tecnológicos e sociais ambientais e ecológicos econômicos
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 141
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
142 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 143
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
das possíveis soluções relacionada com diversos fatores. A disponibilidade de área para
implementação das propostas, por exemplo, é de suma importância, podendo conferir
níveis de dificuldade distintos à sua consecução e, consequentemente, às possibilidades
de integração do curso de água com o seu entorno. Da mesma forma, as soluções tecno-
lógicas são profundamente relacionadas não só com o objetivo específico, mas também
com o quadro urbanístico e ambiental de inserção da intervenção, sendo suas diferentes
vertentes, ao mesmo tempo, dependentes e condicionantes na análise.
Essa é exatamente a lógica que permeia o presente trabalho, colocando como
premissa que não há intervenção simples, com objetivo único, em se tratando de rios
urbanos. As intervenções devem responder a escopos diversos, embasados em um
conjunto de demandas, traduzindo, assim, a necessidade de conciliação de objetivos e
pontos de vista distintos. Tal premissa é corroborada por Travassos (2010), que vincula
o êxito das intervenções em fundos de vale ao atendimento de propostas com múltiplos
objetivos. A autora salienta, também, a importância de que os mesmos sejam claros e
realistas, consoantes com as condições locais e seus possíveis cenários de mudança.
Tendo em vista o exposto, no cenário atual, com as questões ambientais e sociais
adquirindo maior visibilidade, diversas são as iniciativas concretas voltadas para a
integração e compatibilização de diversos objetivos nas propostas de intervenção em
cursos de água, ensejando, assim, a conciliação dos rios e das cidades.
No Brasil, os esforços, ainda que globalmente tímidos e recentes, já estão presentes
em muitas cidades. O Programa Drenurbs, iniciado em 2001 em Belo Horizonte, já apre-
senta alguns resultados concretos, apontando para o interesse de uma abordagem inte-
grada junto à população, como citado por Costa, Bontempo e Knauer (2008). O Parque
Várzeas do Tietê, em implantação desde 2011, constitui um ambicioso plano de preser-
vação de 75km de extensão ao longo do Rio Tietê na Região Metropolitana de São Paulo.
No panorama internacional, observam-se diversas iniciativas em diferentes está-
gios de consolidação, com abrangência bastante diversificada e resultados, também,
extremamente variados (RICO, 2013). De forma a ilustrar a abordagem aqui preco-
nizada, são discutidos alguns exemplos significativos tratando de intervenções com
distintos objetivos e desdobramentos, como descrito por Cardoso (2012).
No primeiro caso, os objetivos da intervenção no Rio Los Angeles (FIG. 10) já a
priori eram múltiplos, incluindo-se no escopo o controle de enchentes, a melhoria da
144 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
FIGURA 10 - Um dos trechos do Rio Los Angeles antes (esquerda) e depois (direita) da intervenção
Fonte: LOS ANGELES, 2007.
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 145
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
Apesar da diversidade dos contextos dos três casos apresentados, eles se orientam
pela busca de objetivos em comum quanto à integração dos cursos de água à paisagem
das cidades, seja por meio de sua valorização ecológica, estética ou pelo incremento das
possibilidades de uso recreacional. Os exemplos permitem apreender que o tratamento
abrangente de rios urbanos consegue integrar, na mesma solução, ganhos ambientais,
econômicos e sociais, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida nas cidades.
Como conclusão, pode-se discernir ao longo do texto que a restauração de rios
e córregos urbanos representa um grande desafio às políticas públicas, ao planeja-
mento das cidades, à ciência e tecnologia, dada a ampla diversidade de contextos, às
incertezas – crescentes e complexificadas – e às diversas dificuldades intrínsecas ao
processo. Percebe-se também, no entanto, que a restauração oferece grandes possibi-
lidades, constituindo um caminho promissor a percorrer – ainda que longo e árduo –,
para finalmente chegar-se à tão necessária conciliação das cidades e seus rios.
Referências
ADELMAN, J. Urban Planning and Reality in Republican Brazil: Belo Horizonte, 1890-1930. Ann
Arbor: University Microfilms International, 1976.
AGUIAR, J. E. Estudos das características técnicas e operacionais das galerias de águas pluviais como
subsídios para gestão patrimonial e estabelecimento de diretrizes para projetos de sistemas de drenagem ur-
bana. 2012. 258f. Tese (Doutorado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola
de Engenharia da UFMG, Belo Horizonte, 2012.
146 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
de drenagem urbana. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 29-49, jan./
mar. 2002.
BONTEMPO, V. L. et. al. Gestão de águas urbanas em Belo Horizonte: avanços e retrocessos.
REGA, v. 9, n. 1, p. 5-16, jan./jun. 2012.
BRITO, S. Defesa contra inundações (1925). In: OBRAS completas de Saturnino de Brito. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. v. XIX.
BROOKES, A.; SHIELDS JR., F. D. Perspectives on River Channel Restoration (p. 1-19). In:
BROOKES, A.; SHIELDS JR., F. D. (Ed.). River Channel Restoration: Guiding Principles for Sustain-
able Projects. Chichester: John Wiley & Sons, 1996. 433p.
BROWN, R. R.; KEATH, N.; WONG T. H. F. Urban Water Management in Cities: Historical, Cur-
rent and Future Regimes. Water Science and Technology, v. 59, n. 4, p. 847-855, 2009.
CHOCAT, B. (Coord.). Encyclopédie de l’hydrologie urbaine et de l’assainissement. Paris: Lavoisier, 1997. 1124p.
COINTET, N. L’eau et Paris: extraits des Mémoires du baron Haussmann (1893) et du Memoire sur
les eaux de Paris, d’Eugène Belgrand (1873 à 1887). Paris: Albin Michel, 2009. 149p.
ESPANHA. Ministerio de Medio Ambiente. Restauración de rios: guía metodológica para la elabo-
ración de proyetos. 2007. 318p.
FISRWG – Federal Interagency Stream Corridor Restoration Working Group. Stream Corridor
Restoration: Principles, Processes, and Practices. Federal Interagency Stream Corridor Restoration
Working Group, 2001. 637 p.
FJP/CEHC – Fundação João Pinheiro; Centro de Estudos Históricos e Culturais. Panorama de Belo
Horizonte: atlas histórico. Belo Horizonte, 1997a. 103 p.
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 147
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
FJP/CEHC – Fundação João Pinheiro; Centro de Estudos Históricos e Culturais. Saneamento Básico
em Belo Horizonte: trajetória em 100 anos. Belo Horizonte, 1997b. 331 p.
IAURIF. L’eau, la ville et l’urbanisme. Cahiers de l’IAURIF, Paris, v. 116, 204p., avr./1997.
JONES, C. Paris: biografia de uma cidade. Porto Alegre: L&PM, 2009. 592p.
MELLO, S. S. Na beira do rio tem uma cidade: urbanidade e valorização dos corpos d’água. 2008.
348f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
NRC – National Research Council. Restoration of Aquatic Ecosystems: Science, Technology and Public
Policy. Washington DC: National Academy Press, 1992.
REYNOSO, A. E. G. et al. Rescate de ríos urbanos: propuestas conceptuales y metodológicas para la res-
tauración y rehabilitación de ríos. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2010. 109p.
RICO, E. A. M. Metodologia para priorização de intervenções em trechos de cursos de água: estudo de caso
torrentes Bolonia e Yomasa, Bogotá – Colômbia. 2013. 156 p. Dissertação (Mestrado em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Escola de Engenharia da UFMG, Belo Horizonte, 2013.
SILVEIRA, A. L. L. Hidrologia Urbana no Brasil. In: BRAGA, B.; TUCCI, C.; TOZZI, M. Drenagem
urbana: gerenciamento, simulação, controle. Porto Alegre: ABRH, 1998. p. 7-25.
UNFPA – Fundo das Populações da Organização das Nações Unidas. Relatório sobre a Situação
da População Mundial 2011. 132p. Disponível em: <http://www.un.cv/files/PT-SWOP11-WEB.pdf>.
Acesso em: 3 jan. 2014.
URRUTIAGUER, M.; EDWARDS, P.; CHANDLER, C. The Evolution of a WSUD Capacity Building
Program: the Role of Implementation Targets. In: Proceedings NOVATECH, 2010.
148 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
VIOLLET, P-V. L’hydraulique dans les civilisations anciennes. 2. ed. Paris: Presse de l’École Nationale
des Ponts et Chaussées, 2004. 383p.
WOHL, E. et al. River Restoration. Water Resources Research, 41, w 10301, p. 1-12, 2005.
WOOLSEY, S. et al. Handbook for evaluating rehabilitation projects in rivers and streams. Rhone-Thur
Project. Eawag. WSL. LCH-EPFL, VAW-ETHZ. 2005. 108p.
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 149
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
FIGURA 1.1- Feições do Em 2001, a Prefeitura instaura o Drenurbs – Programa de Recuperação Ambiental de
Ribeirão Arrudas na área
central de Belo Horizonte, Belo Horizonte (BONTEMPO et al., 2012), com o objetivo de preservar os rios ainda não
dos anos 1960 aos anos canalizados em suas condições naturais, com caráter vanguardista no Brasil.
2010
Fonte: Fotos do acervo do Paradoxalmente, as duas iniciativas recentes do poder público municipal no
EHR-UFMG.
tocante aos rios urbanos – capeamento do Ribeirão Arrudas e manutenção dos rios em
seu estado natural –, apesar de conceitualmente opostas, são contemporâneas.
150 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 151
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
152 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013
baptista, m.; cardoso, a.
rios e cidades: uma longa e sinuosa história...
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013 153