Aula - 02o Dia Que Exu Virou o Diabo
Aula - 02o Dia Que Exu Virou o Diabo
Aula - 02o Dia Que Exu Virou o Diabo
Muito bem, imagino que você deve estar impactado com essa informação e agora
quero nesse bloco desenvolver melhor as implicações que vão trazer em um processo
muito maior do que demonizar a religião. Porque aí você começa a demonizar uma
cultura, uma tradição ancestral e é muito mais perverso. Não é uma opinião de um grupo
religioso, compreende? “Ah, eu acho que aquilo que você cultua é o Diabo”. Isso é
empírico, é uma opinião rasa e que não vale a pena discutir. Quando a opinião é muito
pessoal não dá vontade de discutir, eu particularmente não discuto. Agora, quando essa
questão transcende a opinião pessoal e vira um argumento científico, literário, técnico,
teológico, aí precisamos sair da conformidade, precisamos entender o que está
acontecendo. O que eu quero dizer? Por exemplo, o corão na língua Yorubá vai usar essa
mesma gramática, esse mesmo dicionário. Compreende? Então, lá no Corão também o
Diabo está traduzido com o termo Exu.
E quem traduz o corão não é mais a sociedade anglicana, não tem nada a ver com
o Crowther, é outra escola, é outro segmento religioso, bem diferente. Mas irá se basear
em qual gramática? Na do Crowther. Aí que temos que refletir, porque o Crowther sendo
o acadêmico que era, o cientista, pesquisar que era, não podemos dizer que foi um erro:
“Nossa, que falha horrível que ele teve, que vacilo, que engano!”. Não era engano, é isso
que precisamos saber. Eu também sou acadêmico, o rigor da pesquisa, de uma escrita
científica, mesmo na área da teologia, é muito profundo. Então não se comete esse tipo
de erro. Esse tipo de erro nem estudante de segundo grau, em um trabalho escolar de
pesquisa para o professor comete, porque qualquer um saberia, uma vez debruçado nessa
temática, saberia que para fazer a tradução você precisa fazer correlações sinônimas.
Como eu disse no bloco anterior, como que o nigeriano, o yorubano, fala Deus? Ele fala
Olorun. Quem é Olorun? É Deus. Por que é Deus? Porque é o Senhor de todas as coisas,
Senhor da criação. Senhor do céu. Olo = Senhor, Orun = céu.
Quem é o inimigo de Deus? Quem é o cara que tem poder igual ao de Deus? Que faz
tudo para sacanear Deus, tudo para confundir a humanidade, que odeia a humanidade?
Porque veja bem, deixe eu fazer um parênteses. Essa idéia de Diabo, que é um ser, uma
figura que odeia a humanidade, isso é que é importante. Ele odeia Deus, combate Deus,
ele quer destronar Deus. Ele odeia Deus porque Deus é amado, adorado, venerado e ele
não. Ele odeia o ser humano porque o ser humano ama Deus. E ele não. Ele é uma criança
birrenta, mal educada, entende? Então, Diabo, Satanás, Capiroto, Coisa ruim, odeiam
Deus. Quem é essa figura na cultura, na tradição Yorubá? Sabe quem? Ninguém. Não há
nenhum ser, nada na crença Yorubá que tenha essa conotação, que é o antagônico da
criação, que odeia os homens, que quer se vingar de tudo, até do oxigênio, não existe.
Compreendeu?
Então o Diabo é uma invenção, porque se você for considerar as principais culturas
nativas, tradições nativas, grega, nórdica, egípcia, não há essa figura. Não existe essa
figura que é o contrário dessa humanidade, que é o contrário das Divindades e Deuses.
Existe conflitos entre Deuses, interesses territoriais, políticos, no mito tem isso. Agora,
você não verá esse combate existencial. O Diabo é uma invenção cristã e olha, não é
desde sempre. Jesus não falava dessa figura, isso na tradução suposta, ao escrever sobre
ele, coisas que ele teria dito vai ser inserido. Precisa ter um argumento que cause medo
para controlar a massa, a igreja cria o medo. Em quem? No Diabo. Tudo o que você fizer
de ruim, tudo que fizer contra a lei imposta, é obra do Diabo. Então, você precisa tomar
cuidado para não se tornar hospedeiro do Diabo. E aí você vive um pavor. Você sente
atração por uma mulher que não é a sua mulher, você está sob domínio do Diabo. Se você
diz algo, é coisa do Diabo, você está o tempo todo apavorado e tudo o que estava em seu
íntimo e parece conflitante, você leva para a igreja em confissão. E assim a igreja
controla a sociedade sabendo seus segredos mais íntimos. Não existiam câmeras como
hoje, as cidades são todas monitoradas, você tinha o big brother, que era o
confessionário. O confessionário era o monitoramento da igreja, então todo mundo
apavorado com seus sentimentos e coisas que faziam, iam até o confessionário,
revelavam tudo o que os olhos não viam, mas agora a igreja sabia e era uma forma de
ameaçar, perseguir e controlar os indivíduos. Porque a confissão de crime e pecado de
um camponês sem nenhuma representatividade politica, econômica para a igreja,
passava batido com dez Ave Marias e vinte Pai Nossos. Mas uma confissão do rei, do
príncipe, princesa, dos parentes do reinado, do general, isso tinha um valor muito grande
e eles confessavam.
Então, o Diabo é uma criação, me estendi nesse parênteses, mas ainda a maioria
dos umbandistas acreditam em Diabo. Sabia que nós não acreditamos em Diabo? Na
crença, na verdade da Umbanda, no credo umbandista não existe Diabo, nós não cremos
no demônio e quando você não crê no demônio, você não crê nesse ser absolutamente
ruim, antagônico, Deus e a humanidade, muda completamente tudo do que aprendemos
desde criança, não sendo umbandistas, ou sendo esse umbandista meio cristão, cheio de
valor da cristandade dentro do Terreiro. As vezes sou muito contundente nas coisas que
falo, não consigo ser diferente disso, usar de um certo pragmatismo, porque sei que as
vezes ofende, afeta você que está aí do outro lado. Mas entenda, qualquer contra
argumentação me procure, use o fórum de dúvidas, me procure em meu canal direto, por
e-mail, porque também não dá para eu falara tudo o que gostaria de dizer aqui. Mas, o
que é importante saber? Que o Samuel Crowther não errou, não foi um erro, foi
intencional. Então, quando ele começa a entender que o dicionário, porque está lá, Diabo
= Exu. É isso. Então, quando ele coloca isso em sua gramática Yorubá ele já tem uma
intenção, “vou confundir toda uma nação, toda uma tradição, porque o que nós
levaremos mais adiante é a palavra de Deus”. A Bíblia é lei, é a verdade, é a encarnação
da palavra do Criador. Esse, impalpável, intocável, inimaginável, ser absoluto, escolheu
um segmento, criou um único caminho e esse único caminho é o cristão. E aí Ele não
somente beneficiou uma parcelinha da humanidade criando a sua própria religião como
Ele encarnou em papel a sua palavra. Olha que forte isso, é muito pesado, profundo
demais para quem acredita.
Você pega na Bíblia, não é um livro, são “as palavras do Senhor”, “É Deus quem
fala aqui”, imagine se você pudesse ter embaixo do braço palavras de Deus na Umbanda?
Se pudéssemos colocar aqui embaixo do nosso braço Deus, na Umbanda? É isso que o
cristão faz, ele coloca embaixo de seu braço, Deus. E aí nós não temos uma Bíblia
Sagrada, não temos uma compilação dos suspiros de Deus. A Umbanda não tem dogma,
não crê em Diabo, mas Crowther acreditava. Ele quis que a sociedade nigeriana e onde é
que se falasse o dialeto Yorubá descobrisse que por toda uma tradição milenar, aquele
povo é amaldiçoado porque sempre cultuou o Diabo, demônio, inimigo, o antagônico, o
medo de Deus. E como ele chega nessa conclusão? Basta olhar a tradição e quem são o
conjunto de Deus, aqueles Orixás, quem é o mais pop? Quem é o mais poderoso? Aquele
que pode mais? Exu, você sabe já, é o mensageiro, o intermediário. Na tradição é ele
quem faz o contato entre o homem e o Orixá. Sabe o que é isso? Hermes, homem e os
deuses, ele é o correio, a ponte, a conexão. Sem Exu não se faz nada, não diz o ponto?
Miticamente sem Exu você não chega aos Orixás, não tem Oxalá, Oxum, Ogum, não tem
Xangô na vida das pessoas se não tiver Exu fazendo o caminho, fazendo a conexão. Se não
tiver Exu não se tem nada, então ele entende como qualquer pesquisador entende: o
mais importante Orixá, a mais importante Divindade nessa cultura é Exu.
Tudo o que o homem vai fazer ele bate palma para Exu, tudo o que vai fazer para
os Deuses e Orixás, primeiro irá agradar Exu. Exu está antes de tudo, antes de Olorun.
Quem está no meio do caminho entre Deus e os homens? É o Diabo. Então, por essa
personalidade popular e pela grande importância que Exu tem na tradição Yorubá, é que
o tomaram como objeto de ataque, de confusão. E para disseminar novas idéias então, é
por isso que Exu vira Diabo na Bíblia. Já cansei de falar no passado e ouvi muitos outros
falarem: “Me mostra onde está Exu na Bíblia?”, só que nunca te mostraram uma Bíblia
Yorubá. Esse nosso argumento de se defender, não pode mais porque se a pessoa souber
do que se está falando ela vem com a Bíblia na versão Yorubá, que é pior e te cala: “Olha
aqui, Exu é o Diabo”. Lembra? Deus embaixo do braço! Falando que Exu é o Diabo!
Então, dito isso, o que irá acontecer? As missões em solo africano vão usar isso
como argumento final: Deus embaixo do braço. Isso vai confundir, e no corão isso
também estará lá. Temos então a África dominada pelos muçulmanos e vão sacrificar as
religiões de tradição, os cultos de tradição dentro da África. Hoje é muito difícil
encontrar, se você vai para a África de forma geral irá encontrar a religião muçulmana
muito forte lá dentro e verá também muito do cristão. Dificilmente você consegue, existe
obviamente mas mais por indicação, mas é um número inexpressível de seguidores da
tradição Yorubá em solo africano. Vamos encontrar uma tradição matriz africana mais
forte, intensa e crescente em solo brasileiro. Lá em solo africano, por incrível que
pareça, não vai acontecer porque um século depois, deu certo esse processo de confusão
através da palavra do Senhor.