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1590/1809-4503201400040007
I
Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – Porto Alegre (RS), Brasil.
II
Universidade de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil.
III
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – Porto Alegre (RS), Brasil.
Autor correspondente: Márcia Regina Vitolo. Rua Sarmento Leite, 245, CEP 90050-170, Porto Alegre, RS, Brasil.
E-mail: vitolo@ufcspa.edu.br
Conflito de interesses: nada a declarar – Fonte de financiamento: Ministério da Saúde (termo de portaria: 577/200) e Fundação
de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (PPSUS/2006/1537-7).
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ABSTRACT: Objective: To assess the impact of a child feeding training program for primary care health professionals
about breastfeeding and complementary feeding practices. Methods: Cluster-randomized field trial conducted
in the city of Porto Alegre, (RS), Brazil. Twenty primary health care centers were randomized into intervention
(n = 9) and control (n = 11) groups. The health professionals (n = 200) at the intervention group centers received
training about healthy feeding practices. Pregnant women were enrolled at the study. Up to six months of child’s
age, home visits were made to obtain variables related to breastfeeding and introduction of foods. Results: 619
children were evaluated: 318 from the intervention group and 301 from the control group. Exclusive breastfeeding
prevalence in the first (72.3 versus 59.4%; RR = 1.21; 95%CI 1.08 – 1.38), second (62.6 versus 48.2%; RR = 1.29;
95%CI 1.10 – 1.53), and third months of life (44.0% versus 34.6%; RR = 1.27; 95%CI 1.04 – 1.56) was higher in the
intervention group compared to the control group. The prevalence of children who consumed meat four or five
times per week was higher in the intervention group than in the control group (36.8 versus 22.6%; RR = 1.62;
95%CI 1.32 – 2.03). The prevalence of children who had consumed soft drinks (34.9 versus 52.5%; RR = 0.66;
95%CI 0.54 – 0.80), chocolate (24.5 versus 36.7% RR = 0.66 95%CI 0.53 – 0.83), petit suisse (68.9 versus 79.7; 95%CI
0.75 – 0.98) and coffee (10.4 versus 20.1%; RR = 0.51; 95%CI 0.31 – 0.85) in their six first months of life was lower
in the intervention group. Conclusion: The training of health professionals had a positive impact on infant feeding
practices, contributing to the promotion of child health.
Keywords: Child. Breastfeeding. Feeding. Intervention studies. Health services. Primary health care.
INTRODUÇÃO
A importância do aleitamento materno e da alimentação complementar saudável como
fatores de promoção e proteção da saúde materno-infantil é consenso em todos os países1,
mas pesquisas nacionais ressaltam a magnitude dos problemas relacionados a práticas
alimentares infantis inadequadas no Brasil2-4. A II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento
Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal3 mostrou prevalências de aleitamento
materno exclusivo de 23,3% para 4 meses e 9,3% para 6 meses, dados distantes dos parâmetros
preconizados como ideais. Constatou-se também a introdução precoce de água, chás e outros
leites já no primeiro mês de vida e o consumo elevado de café, refrigerantes e bolachas
e/ou salgadinhos entre as crianças de 9 e 12 meses.
A transcendência desses problemas é ressaltada na literatura pelas evidências concretas
da associação da interrupção precoce do aleitamento materno e a inadequada composição
nutricional da alimentação com diarreia, retardo de crescimento, sintomas de morbidade
respiratória, infecções e doenças carenciais5,6. Estudos recentes também sugerem papel da
nutrição infantil no desenvolvimento de obesidade e doenças cardiovasculares na vida adulta7-10.
A efetividade de intervenções educativas com as mães na mudança das práticas alimentares
no primeiro ano de vida já foi evidenciada em estudos anteriores11,12, mas, muitas vezes, a
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implementação desses métodos nas rotinas da atenção à saúde é limitada por dificuldades
logísticas e financeiras locais. Programas de intervenção utilizando os serviços públicos de
saúde que são acessíveis para as populações mais vulneráveis podem ser canais mais factíveis
para intervenções educativas sustentáveis. Nesse contexto, a qualificação dos profissionais de
saúde para implementação de políticas, programas e ações de alimentação e nutrição voltadas
à promoção da alimentação adequada e saudável representa uma necessidade estratégica
para o enfrentamento dos agravos e problemas decorrentes do atual quadro alimentar e
nutricional brasileiro13. Sendo assim, a educação permanente em saúde revela-se a principal
estratégia para qualificar as práticas de cuidado13.
O objetivo deste trabalho foi avaliar o impacto de atualização de profissionais da
atenção primária à saúde em relação ao guia alimentar “Dez passos para uma alimentação
saudável para crianças brasileiras menores de dois anos”14 nas práticas de aleitamento
materno e na qualidade da alimentação complementar de lactentes assistidos por
unidades de saúde da cidade de Porto Alegre. Com a intenção de evitar que a intervenção
contaminasse os profissionais de saúde do grupo controle, caso a randomização fosse
realizada com os membros das equipes de trabalho, utilizaram-se as unidades de saúde
como as unidades de randomização.
MÉTODOS
Trata-se de ensaio de campo randomizado por conglomerados realizado entre abril de
2008 e setembro de 2009 no município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com população
estimada de 1.436.123 habitantes. As unidades de randomização foram as unidades de saúde
(US) do município e os desfechos foram avaliados em mães e crianças usuárias dos seus
serviços. As US estão distribuídas em oito gerências distritais de saúde, cada qual relacionada
a uma região do município.
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INTERVENÇÃO
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Após a coleta de dados, a confirmação dos dados foi realizada por meio de ligações
telefônicas em 5% dos questionários sorteados aleatoriamente. Os entrevistadores, estudantes
de graduação e pós-graduação em Nutrição, não estavam envolvidos nos processos de
randomização e intervenção e receberam capacitação teórica e prática com duração média
de oito horas para realização da coleta de dados.
ANÁLISES ESTATÍSTICAS
O banco de dados foi duplamente digitado no programa estatístico SPSS versão 11.0
(Statistical Package for Social Science Inc., Chicago, Estados Unidos) por dois pesquisadores
treinados. Os dados foram validados no programa Epi Info versão 6.4 (Centers for Disease
Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos) e as análises estatísticas foram realizadas
na versão 16.0 do programa SPSS. Os resultados foram analisados por intenção de tratar.
As variáveis foram descritas como percentuais ou médias e desvios padrão. Para quantificar
o efeito da intervenção foram calculados os riscos relativos (RR) e respectivos intervalos de
confiança de 95% (IC95%). Os resultados foram ajustados para randomização por cluster pelo
modelo de Equação de Estimação Generalizada (GEE) com variância robusta e distribuição
de Poisson. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos.
RESULTADOS
Das 736 gestantes convidadas a participarem, 715 (97,1%) ingressaram no estudo, 360
das US do grupo intervenção e 355 do grupo controle (Figura 1). Entre seis a nove meses
de idade, avaliaram-se 633 crianças. O principal motivo das perdas durante o seguimento
foi a não localização das residências das famílias (Figura 1). Quatorze crianças com doenças
congênitas foram excluídas das análises, o que resultou em 318 no grupo intervenção e 301
no grupo controle.
Não houve diferenças entre as gestantes que foram perdidas no seguimento do estudo e
aquelas que participaram da coleta de dados aos seis a nove meses de idade das crianças em
relação à renda familiar mensal (1066,6 ± 684,8 reais versus 1070,2 ± 732,2 reais, p = 0,96),
à escolaridade materna (8,4 ± 2,8 anos versus 8,5 ± 2,6 anos, p = 0,74) e à idade da mãe no
nascimento da criança (24,8 ± 6,3 anos versus 25,4 ± 6,7 anos, p = 0,44).
Das 619 crianças avaliadas, 325 (52,5%) eram do sexo masculino. A maioria das mães
morava com esposo ou companheiro (77,9%), não possuía ocupação remunerada (68,1%)
e era multípara (55,6%). A porcentagem de mães com escolaridade inferior a 8 anos foi de
47,6%, e somente uma declarou não saber ler. A renda mensal foi inferior a R$ 1.500 (média:
1.073,4 ± 735,8; mediana: 900) em 75,4% das famílias. As características das crianças e das
famílias foram semelhantes para os grupos controle e intervenção, conforme Tabela 1.
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2008 2008
Gestantes que ingressaram no estudo: 360 Gestantes que ingressaram no estudo: 355
Recusas: 13 Recusas: 8
2008/2009 2008/2009
6 a 9 meses: 322 crianças 6 a 9 meses: 311 crianças
Recusas: 16 Recusas: 13
Mudaram-se de cidade: 4 Mudaram-se de cidade: 7
Morte da criança ou da mãe: 5 Morte/incapacidade materna: 3
Não localizada: 13 Não localizada: 21
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Tabela 1. Características das crianças na idade de 6 a 9 meses e das mães, Porto Alegre, RS (n = 619).
Intervenção Controle
n (%) / Média ± DP n (%) / Média ± DP
Sexo masculino 168 (52,8) 157 (52,2)
Filho único 140 (44,0) 135 (44,9)
Peso ao nascer em g 3315,4 ± 506,1 3256,4 ± 505,3
Comprimento ao nascer em cm 49,1 ± 2,2 48,9 ± 2,6
Idade da mãe no nascimento 26,0 ± 6,8 24,9 ± 6,5
Escolaridade da mãe 8,5 ± 2,5 8,4 ± 2,8
Renda familiar mensal* 1114,10 ± 792,3 1024,5 ± 662,02
*Não foi possível obter dados de dezoito famílias; DP: desvio padrão.
entre os grupos nos meses quatro, cinco e seis (Tabela 2). As taxas de aleitamento materno
foram semelhantes entre os grupos até os seis meses de idade (Tabela 2).
Em relação à qualidade da alimentação complementar, observou-se que a prevalência
de crianças que consumiram carne quatro ou mais vezes na semana foi 62% superior no
grupo intervenção em relação ao controle (36,8 versus 22,6%; IC95% 1,30 – 2,03) (Tabela 3).
A prevalência de crianças que consumiram fígado na semana anterior à entrevista parece
ser maior no grupo intervenção em relação ao controle, porém a estatística não alcança
valor crítico que nos permita afastar a hipótese nula (10,4 versus 6,0%; IC95% 1,00 – 2,99).
A prevalência de crianças que já haviam consumido refrigerante (34,9 versus 52.5%;
RR = 0,66; IC95% 0,54 – 0,80), chocolate (24,9 versus 36,7%; RR = 0,66; IC95% 0,53 –
0,63), queijo petit suisse (68,9 versus 79,7%; RR = 0,86; IC95% 0,75 – 0,98) e café (10,4 versus
20,1%; RR = 0,51; IC95% 0,31 – 0,85) nos primeiros seis meses de vida foi menor no grupo
intervenção do que no controle (Tabela 4).
DISCUSSÃO
O presente estudo avaliou o impacto de atualização dos profissionais de saúde que
trabalham na atenção primária sobre alimentação infantil de acordo com o guia alimentar
brasileiro nas práticas de aleitamento materno e alimentação complementar. O primeiro
estudo randomizado que avaliou a eficácia do guia “Dez passos para uma alimentação
saudável para crianças brasileiras menores de dois anos” foi realizado com intervenção por
estudantes universitários em visitas domiciliares às mães para orientação sobre práticas
alimentares saudáveis15.
As prevalências de crianças em aleitamento materno exclusivo observadas neste estudo
revelaram que a intervenção realizada utilizando o serviço de saúde foi efetiva em aumentar
significativamente a sua prática nos três primeiros meses. As taxas nacionais observadas na
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1,21 1,00
1 mês 230 (72,3) 179 (59,4) 316 (99,4) 297 (98,7)
(1,08 – 1,38)* (0,99 – 1,02)
1,29 1,00
2 meses 199 (62,6) 145 (48,2) 299 (94,0) 283 (94,0)
(1,10 – 1,53)* (0,95 – 1,05)
1,27 0,98
3 meses 140 (44,0) 104 (34,6) 279 (87,7) 269 (89,4)
(1,04 – 1,56)* (0,92 – 1,04)
1,32 0,98
4 meses 87 (27,4) 62 (20,6) 258 (81,0) 249 (82,7)
(0,87 – 2,02) (0,92 – 1,03)
1,62 0,97
5 meses 36 (11,3) 21 (7,0) 235 (73,9) 229 (76,1)
(0,89 – 2,93) (0,89 – 1,05)
1,05 1,00
6 meses 10 (3,1) 9 (3,0) 211 (66,4) 198 (65,8)
(0,34 – 3,21) (0,92 – 1,10)
a
Aleitamento materno exclusivo foi definido como o uso de aleitamento materno como único alimento, sem consumo
de chá, água, outros líquidos ou sólidos, sendo exceção medicamentos e suplementos vitamínicos e minerais.
*p < 0,05; RR: Risco relativo.
1,14
Fruta ≥ 4 vezes na semana 220 (69,2) 182 (60,5)
(0,97 – 1,34)
1,08
Feijão ≥ 4 vezes na semana 119 (37,4) 104 (34,6)
(0,76 – 1,54)
1,62
Carne ≥ 4 vezes na semana 16 (36,8) 68 (22,6)
(1,30 – 2,03)*
1,73
Fígado ≥ 1 vez na semana 33 (10,4) 18 (6,0)
(1,00 – 2,99)
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0,88
Açúcar de adição 229 (72,2) 246 (81,7)
(0,76 – 1,02)
0,84
Bala 123 (38,7) 138 (45,8)
(0,58 – 1,21)
0,95
Gelatina 227 (71,4) 224 (74,4)
(0,82 – 1,10)
0,66
Refrigerante 111 (34,9) 158 (52,5)
(0,54 – 0,80)*
0,73
Suco artificial (pó) 63 (19,8) 81 (27,0)
(0,49 – 1,09)
0,51
Café 33 (10,4) 60 (20,1)
(0,31 – 0,85)*
0,86
Queijo petit suisse 219 (68,9) 240 (79,7)
(0,75 – 0,98)*
0,76
Bolacha recheada 105 (33,1) 130 (43,2)
(0,53 – 1,10)
0,66
Chocolate 78 (24,5) 110 (36,7)
(0,53 – 0,83)*
0,83
Salgadinho tipo chips 57 (17,9) 65 (21,0)
(0,50 – 1,37)
0,78
Embutidosb 24 (7,5) 29 (9,7)
(0,40 – 1,51)
a
Consumo de algum alimento não recomendado alguma vez durante os seis primeiros meses. b Presunto, mortadela,
salame, salsicha, linguiça.
*p < 0,05; RR: Risco relativo.
a falta de impacto nas taxas de aleitamento materno exclusivo na faixa etária igual ou
maior a quatro meses pode ser justificada por meio de algumas hipóteses. É possível que, a
partir dos quatro meses de idade da criança, tenha ocorrido menor frequência de consultas
na puericultura, reduzindo assim o impacto das orientações dos profissionais de saúde na
qualidade dessa prática. Infelizmente, essa hipótese não pôde ser confirmada por este estudo,
pois a coleta de dados incluiu apenas a quantidade de consultas feitas nos primeiros seis
meses de vida, sem especificar em que idade as consultas aconteceram. A segunda hipótese
é que os profissionais de saúde, ao observarem que a mãe estava em aleitamento materno
exclusivo, deixavam de dar continuidade ao reforço sobre a importância de a mãe continuar a
prática. Poderia estabelecer-se como terceira hipótese o fato de a mãe retornar ao trabalho e
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impedir a continuidade do aleitamento materno exclusivo a partir dos quatro meses de idade
da criança, porém, consideramos essa hipótese fraca, uma vez que, nesse grupo, somente
33% das gestantes referiram trabalhar fora de casa e que, dentre elas, somente 5,5% estavam
em licença maternidade (dados não mostrados). Além disso, estudo anterior mostrou forte
impacto da intervenção realizada por meio de visitas domiciliares no aumento das prevalências
de crianças amamentadas exclusivamente até os quatro meses e de amamentação até os seis
meses15. Uma hipótese adicional seria a alta rotatividade dos profissionais de saúde nas US16,
considerando que, após alguns meses, as equipes que receberam a intervenção poderiam
não estar mais atuando nos mesmos locais. Estudo realizado no interior de Pernambuco17,
incluindo os serviços prestados pela Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) e intervenção
por meio de visita domiciliares, além de outro estudo de revisão sistemática para avaliar
programas efetivos na promoção do aleitamento materno18, chegaram à conclusão que são
necessárias estratégias de ações combinadas que envolvam assistência pré-natal, hospitalar
e comunitária para a promoção efetiva do aleitamento materno.
A maior prevalência de crianças que consumiram carne quatro vezes na semana ou mais
na idade de seis a nove meses no grupo intervenção foi resultante da ênfase dada a essa prática
durante a atualização dos profissionais de saúde e no material fornecido aos profissionais e
às mãe. A justificativa para essa ênfase é a alta prevalência de anemia em crianças de 6 a 24
meses19 e na importância de se fornecer ferro de alta biodisponibilidade a partir da introdução
da alimentação complementar para não prejudicar as reservas de ferro da criança, a partir
dos seis meses de idade20. Foi demonstrado também, a partir de estudo qualitativo no Brasil21,
o qual deu origem ao guia alimentar “Dez passos para uma alimentação saudável para
crianças brasileiras menores de dois anos”, que as mães retardam a introdução de carnes por
considerarem um alimento de consistência dura e de difícil digestão no primeiro ano de vida.
O passo oito do programa “Dez Passos...”14 recomenda que as mães evitem oferecer açúcar,
café, enlatados, frituras, salgadinhos, refrigerantes e balas nos primeiros dois anos de vida.
Essa diretriz foi reforçada entre os profissionais de saúde, pois dados nacionais evidenciaram a
introdução precoce desses alimentos para as crianças3. Dessa forma, a intervenção foi efetiva em
reduzir a prevalência dos lactentes que consumiram refrigerante, chocolate, queijo petit suisse e
café. Ressalta-se, entretanto, que as prevalências de crianças que consumiram esses alimentos,
mesmo no grupo intervenção, mantiveram-se elevadas. Observando os dados referentes ao
consumo de açucar, balas, gelatina e bolacha recheada, conclui-se que prevenir essa prática
alimentar em idade precoce é, ainda, um grande desafio. Sabe-se que as preferências alimentares
são determinadas nos dois ou três primeiros anos de vida22 e que a exposição precoce a alimentos
de alta densidade energética e de sabor doce influenciam o consumo deles posteriormente23-25.
Além disso, o consumo de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida está associado
ao risco de cárie severa em pré-escolares26. Assim, sugere-se que as estratégias de intervenção
para mudar essas práticas prejudiciais à saúde da criança não se limitem à assistência na atenção
primária, mas incluam responsabilidades que envolvam toda a sociedade.
Quanto às limitações do presente estudo, é possível que o pouco tempo dispensado para cada
US, em que se discutiu presencialmente com os profissionais de saúde, tenha sido um limitante
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para o nível de impacto observado. Entretanto, a proposta foi feita de acordo com as reais
condições administrativas das US e das atividades e demandas na rotina do Serviço. Priorizou-se
que a intervenção ocorresse com todas as categorias profissionais das US do grupo intervenção,
e não apenas com aquelas que atendem diretamente a criança no primeiro ano de vida. Outro
aspecto que pode ser considerado uma limitação do estudo foi a ausência de controle das
crianças que receberam as orientações dos profissionais de saúde. O cadastramento das crianças
foi realizado com a mãe em seu último trimestre da gestação, e não após cada atendimento
de puericultura. Dessa forma, o impacto das orientações pode ter sido diluído em função das
mães que não levaram seus filhos para acompanhamento na US. Devido à multiplicidade dos
desfechos avaliados neste estudo, outra potencial limitação é a chance de que alguns resultados
tenham ocorrido ao acaso. Contudo, devido ao fato de as hipóteses terem sido definidas a priori,
os resultados serem biologicamente plausíveis e o impacto sobre as práticas de aleitamento
materno consistente com achados anteriores15, acreditamos que essa possibilidade é remota.
Foi demonstrado que há necessidade de qualificar os profissionais de saúde, considerando
que a falta de informação por parte dos profissionais27 e as dificuldades na comunicação
entre profissional e paciente28 estão entre os principais motivos relacionados ao desmame
e à introdução precoce de alimentos. Outro estudo randomizado também mostrou que
a capacitação de profissionais em unidades de saúde foi efetiva na melhora dos desfechos
relacionados à nutrição nos primeiros anos de vida 29. Há evidências, ainda, de que
aconselhamentos alimentares para mães melhoram as práticas alimentares de crianças
menores de dois anos11,15,30-32, que pediatras reconhecem a necessidade de capacitações para
melhorar a comunicação com os pais33 e que são necessários mais esforços das políticas
de saúde para formação em serviço34. Além disso, o modelo de intervenção testado no
presente estudo vai ao encontro da Política Nacional de Alimentação e Nutrição publicar da
pelo Ministério da Saúde13, que reforça a importância de investimentos em instrumentos e
estratégias de comunicação e educação em saúde que apoiem os profissionais de saúde em
seu papel de socialização do conhecimento e da informação sobre alimentação e nutrição
e de apoio aos indivíduos na decisão por práticas promotoras da saúde.
Assim, os resultados do presente estudo permitem concluir que a intervenção realizada
nas US foi efetiva para aumentar a prevalência de crianças exclusivamente amamentadas nos
primeiros três meses de vida, aumentar a prevalência de crianças que receberam carne no início
da alimentação complementar e reduzir o consumo de alimentos não recomendados entre 6 a
9 meses de vida. Mais estudos são necessários para determinar o impacto da intervenção nas US
que participam da Estratégia de Saúde da Família, onde há presença de agentes comunitários
de saúde, que realizam visitas domiciliares na área de abrangência da sua unidade e trazem
informações capazes de dimensionar os principais problemas de saúde de sua comunidade.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos profissionais das unidades de saúde de Porto Alegre pelo interesse e
participação neste estudo.
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