Rothbard - O Que É o Livre Mercado

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Por Murray N. Rothbard

14/03/2008

O que é o Livre
Mercado?
O livre mercado é um termo conciso para um
arranjo de trocas que ocorrem na sociedade.
Cada troca acontece como um acordo voluntário
entre duas pessoas ou entre grupos de pessoas
representados por agentes. Esses dois indivíduos
(ou agentes) trocam dois bens econômicos, tanto
commodities tangíveis quanto serviços não-
tangíveis. Assim, quando eu compro um jornal de
um jornaleiro por cinquenta centavos, o
jornaleiro e eu trocamos duas commodities: eu
entrego cinquenta centavos ao jornaleiro, e ele
me entrega o jornal. Ou, se eu trabalho para uma
corporação, eu troco meus serviços trabalhistas,
de uma maneira mutuamente combinada, por
um salário monetário -- aqui a corporação é
representada por um gerente (um agente) com a
autoridade de contratar.

Ambas as partes empreendem a troca porque


cada parte espera ganhar com ela. Também, cada
parte irá repetir a troca da próxima vez (ou se
recusar a) porque sua expectativa se provou
correta (ou incorreta) no passado recente.
Comércio, ou troca, ocorre precisamente porque
ambas as partes se beneficiam; se elas não
esperassem obter ganhos, não concordariam em
se envolver na troca.

Esse simples raciocínio refuta o argumento


contra o livre comércio típico do período
mercantilista ocorrido na Europa entre os
séculos XVI e XVIII, e explicado de maneira
clássica pelo famoso ensaísta francês do século
XVI, Montaigne. Os mercantilistas
argumentavam que, em qualquer comércio, uma
parte só pode se beneficiar às custas da outra;
que em cada transação há um vencedor e um
perdedor, um "explorador" e um "explorado".
Podemos imediatamente ver a falácia deste ainda
popular ponto de vista: a vontade e até mesmo a
ânsia de fazer trocas significa que ambas as
partes se beneficiam. No jargão da moderna
teoria dos jogos, uma troca é uma situação de
vencedor-vencedor, um jogo de "soma positiva"
ao invés de "soma zero" ou "soma negativa".

Como é possível que as duas partes se


beneficiem de uma troca? Cada parte valoriza os
dois bens ou serviços de maneira diferente, e
essa diferença arruma o cenário para uma troca.
Eu, por exemplo, estou caminhando com
dinheiro no bolso, mas sem jornal algum; o
jornaleiro, por outro lado, tem vários jornais,
mas está ansioso para conseguir dinheiro. E
assim, ao nos encontrarmos, fazemos um
acordo.

Dois fatores determinam os termos de qualquer


acordo: o quanto cada participante valoriza cada
bem em questão, e a habilidade de barganha de
cada participante. Quantos centavos serão
trocados por um jornal, ou quantas figurinhas de
baseball com a foto de Mickey Mantle serão
trocadas por uma de Babe Ruth, depende de
todos os participantes do mercado de jornais ou
do mercado de figurinhas de baseball -- em
quanto cada um valora as figurinhas em
comparação aos outros bens que ele poderia
comprar. Esses termos de troca, chamados de
"preços" (de jornais em termos de dinheiro, ou de
figurinhas de Babe Ruth em termos das de
Mickey Mantle), são em última instância
determinados pela quantidade de jornais -- ou
de figurinhas de baseball -- que estão
disponíveis no mercado em relação a quão
favoravelmente os compradores avaliam esses
bens. Encurtando, pela interação da oferta deles
com a demanda por eles.

Dada a oferta de um bem, um aumento de seu


valor na mente dos compradores vai aumentar a
demanda por esse bem, mais dinheiro será
ofertado por ele, e seu preço subirá. O reverso
vai ocorrer se o valor, e, portanto, a demanda do
bem, cair. Por outro lado, dada a avaliação do
comprador -- ou demanda pelo bem --, se a
oferta aumentar, cada unidade da oferta -- cada
figurinha de baseball ou pedaço de pão -- terá
seu valor diminuído, e portanto, o preço do bem
cairá. O reverso vai ocorrer se a oferta do bem
diminuir.

O mercado, portanto, não é simplesmente um


arranjo, mas sim uma rede de trocas altamente
complexa e interativa. Nas sociedades primitivas,
as trocas eram todas do tipo escambo ou trocas
diretas. Duas pessoas trocavam dois bens

diretamente usáveis -- tipo cavalos por vacas ou


Mickey Mantles por Babe Ruths. Mas à medida
que a sociedade foi se desenvolvendo, um
processo passo a passo de benefícios mútuos
criou uma situação na qual uma ou duas
commodities extensamente usadas e valorizadas
foram escolhidas no mercado como um meio de
troca indireta. Esse dinheiro-commodity --
geralmente, mas não sempre, o ouro e a prata -,
foi então demandado não apenas por seu valor
em si, mas também para facilitar uma nova troca
por outra commodity desejada. É muito mais
fácil pagar siderúrgicos não em barras de aço,
mas em dinheiro, com o qual eles podem então
comprar o que desejarem. Eles estão dispostos a
aceitar dinheiro porque eles sabem por
experiência e discernimento que todos os outros
na sociedade irão aceitar aquele dinheiro como
pagamento.

O mercado, essa moderna e quase infinita rede


de trocas, se torna possível pelo uso do dinheiro.
Cada pessoa empenha-se em uma especialização,
ou uma divisão do trabalho, produzindo aquilo
que ela faz melhor. A produção começa com os
recursos naturais, e daí advêm várias formas de
máquinas e bens de capital, até que, finalmente,
bens são vendidos ao consumidor. Em cada
estágio da produção, desde os recursos naturais
até os bens de consumo, dinheiro é
voluntariamente trocado por bens de capital,
trabalho e recursos terrestres. A cada passo, os
termos de trocas -- ou preços -- são
determinados pelas interações voluntárias entre
ofertantes e demandantes. Esse mercado é "livre"
porque as escolhas, a cada passo, são feitas livre
e voluntariamente.

O livre mercado e o livre sistema de preços


fazem com que bens de todo o mundo estejam
disponíveis para o consumidor. O livre mercado
também dá a maior liberdade de ação possível
aos empreendedores, que arriscam capital para
alocar recursos de maneira a satisfazer os
desejos futuros da massa de consumidores da
maneira mais eficiente possível. Poupança e
investimento podem então desenvolver bens de
capital e aumentar a produtividade e os salários
dos trabalhadores, aumentando assim seu
padrão de vida. O mercado livre e competitivo
também recompensa e estimula a inovação
tecnológica, o que permite ao inovador ter uma
pequena vantagem na corrida para satisfazer os
desejos do consumidor de maneiras novas e
criativas.

Não apenas o investimento é encorajado, mas,


talvez mais importante, o sistema de preços, e os
incentivos de lucros-e-prejuízos do mercado,
conduzem o investimento e a produção ao
caminho certo. Essa intrincada rede pode se
engrenar e "equilibrar" todos os mercados de tal
forma que não haja repentinas, imprevistas, e
inexplicáveis escassezes e excessos em qualquer
ponto do sistema produtivo.

Mas as trocas não são necessariamente livres.


Muitas são coercivas. Se um assaltante ameaça
você com um "Seu dinheiro ou a sua vida!", seu
pagamento para ele será coercivo -- e não
voluntário --, e ele vai se beneficiar às suas
custas. É o roubo, e não o livre mercado, que na
verdade segue o modelo mercantilista: o
assaltante se beneficia às custas de quem foi
coagido. Exploração ocorre não no livre
mercado, mas sim onde o agente coercivo
explora a vítima. No longo prazo, coerção é um
jogo de soma negativa que leva a uma diminuição
da produção, da poupança e do investimento; a
um esgotamento do estoque de capital, e a uma
redução da produtividade e do padrão de vida de
todos, talvez até mesmo dos próprios agentes
coercivos.

O governo, em qualquer sociedade, é o único


sistema lícito de coerção. Taxação é uma troca
coerciva, e quanto mais pesada a carga de
impostos na produção, maior a probabilidade de
o crescimento econômico vacilar e declinar.
Outras formas de coerção governamental (e.g.,
controle de preços ou restrições que evitam que
novos competidores entrem no mercado)
dificultam e mutilam as trocas de mercado,
enquanto outras (proibições de práticas
fraudulentas, respeito aos contratos) podem
facilitar as trocas voluntárias.

A máxima forma de coerção governamental é o


socialismo. Sob o planejamento central
socialista, a burocracia planejadora carece de um
sistema de preços para a terra e para bens de
capital. Até mesmo socialistas como Robert
Heilbroner agora admitem que a burocracia
planejadora socialista não tem como calcular
preços ou custos, nem tem como investir capital
de maneira que toda a rede de produção possa se
harmonizar e saldar. A recente experiência
soviética, onde uma abundante safra de trigo não
conseguia chegar até os mercados varejistas, é
um exemplo instrutivo da impossibilidade de se
operar uma moderna e complexa economia na
ausência de um livre mercado. Não havia
incentivos nem meios de calcular preços e
custos para que veículos de transporte pudessem
chegar ao trigo, para que fábricas de farinha
recebessem e processassem o trigo, e assim por
diante passando por um grande número de
etapas necessárias para se chegar ao consumidor
final em Moscou ou Sverdlovsk. Todo o

investimento em trigo era quase que totalmente


desperdiçado.

O socialismo de mercado é, de fato, uma


contradição dos termos. A elegante discussão do
socialismo de mercado frequentemente ignora
um aspecto crucial do mercado: quando dois
bens são trocados, o que é realmente trocado é o
título de propriedade de cada bem. Quando eu
compro um jornal por cinquenta centavos, o
vendedor e eu estamos trocando títulos de
propriedade: eu renuncio à propriedade dos
cinquenta centavos e a entrego ao jornaleiro, e
ele cede a propriedade do jornal para mim.
Exatamente o mesmo processo ocorre ao se
comprar uma casa, exceto que no caso do jornal
as coisas são bem mais informais, e podemos
evitar todo o intrincado processo de escrituras,
autenticação de contratos, agentes, advogados,
corretores hipotecários, entre outros. Mas a
natureza econômica das duas transações
permanece a mesma.

Isso significa que a chave para a existência e


prosperidade do livre mercado é uma sociedade
onde os direitos e os títulos da propriedade
privada são respeitados, defendidos e mantidos
seguros. A chave para o socialismo, por outro
lado, é a propriedade estatal dos meios de
produção, da terra, e dos bens de capital. Assim,
não pode haver um mercado para a terra ou para
bens de capital no sentido correto do termo.

Tenha Rothbard como seu professor.

Alguns críticos do livre mercado argumentam que os direitos


de propriedade estão em conflito com direitos "humanos". Mas
esses críticos falham ao não perceberem, que em um sistema
de livre mercado, cada indivíduo tem um direito de
propriedade sobre sua própria pessoa e sobre seu próprio
trabalho, e que ele pode, livre e voluntariamente, fazer
contratos pelos seus serviços. Já a escravidão viola o direito
básico de propriedade do escravo sobre seu próprio corpo e
sobre sua própria pessoa, um direito que é a base fundamental
para os direitos de propriedade de qualquer pessoa sobre
objetos materiais não-humanos. Mais ainda, todos os direitos
são direitos humanos, sejam eles o direito de todos à liberdade
de expressão ou os direitos de propriedade de um indivíduo em
sua própria casa.
Uma acusação comum contra a sociedade de
livre mercado é que ela institui "a lei da selva", do
"cão come cão", que ela desdenha da cooperação
humana em prol da competição, e que ela exalta
o sucesso material em oposição aos valores
espirituais, à filosofia, ou às atividades de lazer.
Ao contrário, a selva é justamente uma sociedade
de coerção, roubo e parasitismo, uma sociedade
que destrói vidas e o próprio padrão de vida. Já a
pacífica competição de mercado de produtores e
ofertantes é um processo profundamente
cooperativo onde todos se beneficiam, e onde o
padrão de vida de todos prospera (comparado ao
que seria em uma sociedade sem liberdade). E o
indubitável sucesso material das sociedades
livres proporciona a riqueza geral que nos
permite desfrutar de uma enorme quantidade de
lazer em comparação às outras sociedades, e a
nos dedicarmos às questões da alma. São os
países coercivos, com pouca ou nenhuma
atividade de mercado, notadamente sob o
comunismo, onde a penúria da existência diária
não apenas empobrece as pessoas
materialmente, mas insensibiliza seus espíritos.

Sobre o autor

Murray N. Rothbard
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da
Escola Austríaca e o fundador do moderno
libertarianismo. TambÉm foi vice-presidente
acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do…

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