Mais Valia Absoluta e Relativa
Mais Valia Absoluta e Relativa
Mais Valia Absoluta e Relativa
Mais-valia
Antes de tudo, uma advertência ao leitor: há uma relação muito importante entre a mais-
valia e a luta de classes. Em parte, tocamos nessa relação ao tratarmos das classes sociais
(ver Jornal Espaço Socialista n. 77). Voltaremos a ela ao tratar, no futuro, da aristocracia
operária. Nesse artigo nos limitaremos ao que é a mais-valia.
Todos nós, ao comprarmos qualquer coisa, sabemos que, dentro de certo limite, o preço
da mercadoria é justo, acima disso a mercadoria está cara e, abaixo, barata. Um quilo de
cebola a 9 reais é muito caro, um quilo de carne de primeira a 9 reais é muito barato. O que
possibilita que, todos nós, sem contarmos com uma agência reguladora que anuncie o
preço de cada mercadoria a cada dia, tenhamos uma visão muito aproximada do valor de
todas as inúmeras mercadorias que entram em nossas vidas?
Uma "circunstância": o mercado. O mercado é um tipo especial de relação entre os seres
humanos em que a cooperação é inteira e totalmente substituída pela concorrência. As
feiras livres de nossos dias são um belo exemplo. Reúnem milhares de seres humanos que
apenas possuem uma relação entre si: o dinheiro dos compradores e as mercadorias dos
vendedores.
No início os preços estão mais altos, ao final da feira, eles caem. Os preços variam, no
mesmo local, com as mesmas mercadorias, pela relação da oferta e da procura. Contudo,
essa oscilação tem lugar dentro de uma determinada margem que nem sempre é muito
ampla. Um quilo de camarão, em qualquer momento da feira, será sempre mais caro que
um quilo de tomate, um quilo de lagosta ainda mais caro e, um pé de alface, mais barato
que a lagosta, o tomate e o camarão.
De onde vem esse critério que faz com que, desconsiderando o preço de cada
mercadoria e suas oscilações pela variação da oferta e da procura, a lagosta seja sempre
mais cara que camarão, tomate sempre mais barato que lagosta e mais caro que alface, etc.?
De algo que todas as mercadorias têm em comum: são todas resultado do trabalho
humano. Em toda mercadoria, seja ela uma aula de matemática ou um pé de alface, há uma
quantidade de trabalho que a produziu. O produtor de alface sabe que abaixo de um
determinado valor sua mercadoria vai lhe dar prejuízo: vai buscar, por isso, sempre um
preço que seja maior que aquele valor. O mesmo para o vendedor de qualquer outra
mercadoria.
Esse mínimo que o vendedor tem de conseguir pela sua mercadoria é dado por essa
relação social que é a concorrência. Todos os produtores de alface colocam seu produto no
mercado. Aquele que conseguir vender mais barato, venderá toda a sua mercadoria e terá
mais lucro. Os outros ficarão com aqueles compradores que não conseguiram comprar dos
produtores "mais eficientes". Por fim, alguns vendedores terão prejuízo porque o valor
pelo qual podem vender suas mercadorias está "fora" do mercado.
Essa relação de concorrência faz com que a mercadoria produzida em menos tempo
tenha um menor valor do que as outras. O valor da mercadoria é o tempo de trabalho nela
contido. O seu valor no mercado é a média que socialmente se gasta para produzi-la: isso é
o tempo de trabalho socialmente necessário. O preço, que é a expressão em dinheiro desse
valor, pode variar de acordo com a oferta e a procura, mas não o valor. A quantidade de
trabalho cristalizada em uma mercadoria não se altera com a oferta e a procura (pense no
tomate, na feira: seu preço varia ao longo das horas, mas não o tempo de trabalho
socialmente necessário que contém).
Vejam: as "circunstâncias" (Marx) do mercado -- a concorrência -- estabelecem, por
cima da vontade ou desejo dos compradores e vendedores, qual o valor médio de toda
mercadoria. Esse valor médio é o "tempo de trabalho socialmente necessário" para se
produzir aquela mercadoria. Quem produzir a mercadoria abaixo dessa média terá mais
lucro. Quem produzir acima do tempo de trabalho socialmente necessário, venderá menos
e seu lucro será menor e, até mesmo, poderá ter prejuízo.
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A mais-valia
Todas as mercadorias perdem o seu valor ao serem consumidas. Um carro, uma
máquina etc., quando usados, perdem parte do seu valor. Miraculosamente, há uma
mercadoria que, uma vez consumida, resulta em um valor maior do que o seu! Imaginem:
uma mercadoria que, quem a consumir, não perde valor, antes, pelo contrário, ganha valor!!
É a galinha dos ovos de ouro da fábula: come milho e põe ovos de ouro! Essa mercadoria é
a força de trabalho. Compra-se uma força de trabalho por, digamos, "30 moedas" e, dela
resulta uma mercadoria que vale muito mais! É o milagre dos milagres: a força de trabalho
é aquela mercadoria que, ao ser consumida (e só pode ser consumida na produção), produz
um valor maior do que o seu próprio. Esse valor maior é a mais-valia2.
No dia-a-dia, as coisas funcionam assim: o trabalhador fica no emprego por, digamos, 8
horas ao dia. Uma parte dessas horas, digamos 3 horas, é o tempo de trabalho socialmente
necessário para pagar o seu salário. O restante de suas 8 horas, isto é, as 5 horas,
correspondem à mais-valia3. Essa relação entre o tempo de trabalho socialmente necessário
para pagar o salário e o restante, a mais-valia, se altera constantemente. Pois, como vimos
no Jornal n. 80, a concorrência entre os capitalistas faz com que necessitem produzir cada
vez mais pagando cada vez menos salário: ou seja, vence a concorrência e fica no mercado
aquele capitalista que for capaz de reduzir cada vez mais o tempo de trabalho socialmente
necessário para cobrir o salário de seus trabalhadores, ampliando assim sua mais-valia. Os
capitalistas, por isso, cotidianamente, procuram ampliar a mais-valia que expropriam de
seus trabalhadores (conferir, sobre isso, o Jornal Espaço Socialista n.80 em que tratamos do
desemprego)
Isso é da maior importância: a mais-valia é produzida quando se produz uma
mercadoria. Ela é a quantidade de trabalho socialmente necessária nela cristalizada e que
não retorna ao trabalhador sob a forma de salário. Nos trabalhos assalariados que não há
2 Um certo modismo, um exagerado apego à importância de ser original, somados ao culto da novidade e
alguns interesses editoriais, fizeram com que, em algumas traduções recentes dos textos de Marx, mais-valia
venha traduzida por mais-valor. Não se impressione, caro leitor, é a mesma categoria de Marx traduzida de
uma forma novidadesca.
3 Para simplificar o nosso exemplo, estamos desconsiderando aqui os custos, os juros, a desvalorização do
maquinário e das instalações etc. Deixar esses elementos de lado não altera o essencial do aqui discutido.
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A mais-valia relativa
Diferentemente da mais-valia absoluta, o aumento relativo da mais-valia é conseguido
pela alteração da relação (por isso mais-valia relativa) entre o valor da força de trabalho e o
valor das mercadorias produzidas pelo trabalhador. Voltemos ao nosso exemplo: um
conjunto de capitalistas concorrendo entre si com assalariados que trabalham 8 horas por
dia e, destas, 3 horas são para os salários. Se a comida, a moradia, o transporte dos
trabalhadores ficarem mais baratos, o tempo de trabalho socialmente necessário para
produzir a força de trabalho também cai. Ou seja, se o desenvolvimento do capitalismo
levar à industrialização da fabricação de vestuário, dos alimentos, dos produtos
farmacêuticos etc., fazendo com que essas mercadorias percam valor (porque gasta-se
menos tempo de trabalho para produzi-las), o valor da força de trabalho também tenderá a
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cair. Com isso, ao invés de o salário consumir 3 horas da jornada de trabalho, passará a
consumir 2,5 ou 2 horas: amplia-se, assim, a mais-valia.
Mas há também outro modo relativo de se ampliar a mais-valia: melhores tecnologias,
maquinários mais sofisticados e potentes, retiram de cada trabalhador uma produção muito
maior. Com isso, o necessário para produzir seu salário pode reduzir-se, das 3 horas
anteriores, para 2,5 ou 2 horas. E, aqui há uma vantagem adicional para o capital. Não
raramente uma tecnologia mais desenvolvida requer menos trabalhadores. Pagando-se
menos salários, a mais-valia amplia-se ainda mais. Por vezes, aumenta tanto, que compensa
ao capitalista ter menos trabalhadores, mesmo que alguns sejam especializados e recebem
salários bem superiores aos de seus colegas.
Com a mais-valia relativa temos, portanto, um segundo "milagre" (o primeiro, foi a
galinha dos ovos de ouro que é a mercadoria força de trabalho): ao mesmo tempo em que
o trabalhador continua comprando a mesma comida, a mesma roupa, morando na mesma
casa, em que alguns trabalhadores (sempre minoria), se transformam em especialistas e têm
seus salários significativamente aumentados --, a mais-valia se ampliou! Isso é possível toda
vez que o tempo socialmente necessário para produzir a força de trabalho diminuir – e isso
ocorre toda a vez que a industrialização da produção dos bens de primeira necessidade
forneça comida, roupas, remédios, moradias etc. cada vez mais baratas aos trabalhadores,
ou quando o desenvolvimento tecnológico e gerencial possibilitar a diminuição das horas
destinadas ao salário dos trabalhadores.
Que, ao o capitalista buscar a ampliação da mais-valia, com frequência empregue uma
combinação dos vários modos de ampliação absoluta e relativa, em nada altera a essência
do que vimos sobre a mais-valia. O que importa ao capital é, evidentemente, ampliar a
mais-valia e, não, se essa ampliação é relativa ou absoluta.
Como dissemos, não trataríamos aqui da relação da mais-valia com as classes sociais. O
fato de nem todo trabalho assalariado ser produtivo de mais-valia tem uma importância
muito grande na luta de classes; o fato de que nem todo trabalhador que produz
mercadorias e, portanto, mais-valia, seja parte do proletariado, a classe revolucionária, é
outro importante fato que não poderá ser aqui abordado.
Contudo, o que vimos até aqui já nos possibilita compreender porque Marx concluiu
uma palestra a sindicalistas ingleses dizendo que "Em vez do lema conservador de: 'Um salário
justo para uma jornada de trabalho justa!', [o proletariado] deverá inscrever na sua bandeira esta
divisa revolucionária: 'Abolição do sistema de trabalho assalariado!'" Pois, não há salário "justo":
o salário significa que a capacidade produtiva de todos nós foi reduzida a uma mercadoria.
Enquanto mercadoria, a força de trabalho adquire uma nova utilidade (um novo valor de
uso): a produção da mais-valia. Ao produzir a mais-valia, já está determinado como será
distribuída a riqueza: para a burguesia, a acumulação do capital; para o trabalhador, o
salário que o obriga a viver toda a vida como trabalhador, deixando para seus filhos a
herança do mesmo destino de exploração.
Vejam: a exploração não depende do valor do salário! Nem o valor do salário é
determinado pela luta dos trabalhadores! O máximo que a luta economicista (Lenin) pode
conseguir é aumentar um pouco o preço (o salário) da força de trabalho, jamais o seu valor.
O salário já é a exploração! Por isso, temos que lutar pela 'Abolição do sistema de trabalho
assalariado!' – ou seja, do modo de produção capitalista.
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