Gustavo Fagundes
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Abstract: The paper brings the interweaving of the social issue and racial relations in Brazil. It addresses
overexploitation as a structural feature of the brazilian social formation in particular and of dependent
capitalism in general, emphasizing its intimate relationship with the social issue in the country. This is a
contribution towards the construction of an agenda of rapprochement between the category of
overexploitation of the workforce, debates on racial relations in Brazil and research on social issues in the
country. The location of the black worker is highlighted as one of the first forces of relative overpopulation,
which operates to naturalize and racialize overexploitation.
Keywords: Social issue. Racial Relations. Overexploitation. Social work.
INTRODUÇÃO
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Doutorando em Serviço Social de Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor substituto
da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e autor de
Superexploração e Racismo no Brasil: diálogos e questões (Editora Appris, 2022). E-mail:
[email protected].
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1. APROXIMAÇÕES E QUESTÕES
A busca por relacionar a vigência das relações raciais com a questão social é
ancorada em diversas tensões. Dessa forma, almejamos dar um trato rigoroso a essa
temática como forma de também contribuir com o rico debate em curso.
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É nesse ensejo que Guerra (2018) amplia sua reflexão e conecta sua
elaboração com a preocupação a respeito dos problemas da formação, o que implica no
que é ou virá a ser o projeto de profissão. Qual concepção? Quais objetivos? Qual
conjunto de atribuições e competências? Quais as requisições institucionais esse
profissional está submetido? Esse conjunto de perguntas joga luz sobre uma necessária
indagação: as disputas em torno do projeto de formação profissional, o qual tem os
fundamentos em seu centro. Nesse sentido, a autora aponta que é preciso formar
assistentes sociais com capacidade teórico-metodológica para interpretar a realidade e
intervir na mesma a partir do desvelamento das suas particularidades. Esse complexo
anseio não se concretiza com uma formação genérica sobre os temas próprios do Serviço
Social, longe de qualquer flerte com correntes endogenistas, mas também requer uma
rica aproximação com teoria social crítica, justamente aquela fincada nas categorias
desenvolvidas na obra marxiana e na tradição marxista.
Não se deve desqualificar os conteúdos da formação que possuem elevado
nível abstrato. Entretanto, é preciso dotar os sujeitos de capacidade de mediação.
Portanto, é preciso não cair em esquematismos que ora alçam o conhecimento a um
formalismo teórico e ora observam a história em um horizonte linear e a partir disso
apostam em esquemas e manuais para intervenção profissional.
Assim, compartilhamos da elaboração de Josiane Soares Santos (2010):
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Reforçamos aqui que o presente texto não tem o objetivo de inaugurar uma
hipótese própria e nem de contrapor frontalmente as perspectivas vigentes. Pelo
contrário, desejamos contribuir com as produções já desenvolvidas e que em muito
engrandecem o arcabouço teórico-político do Serviço Social e das ciências sociais de
conjunto. O esforço aqui apresentado será orientado para dar conta de um permanente
diálogo entre racismo estrutural e superexploração da força de trabalho no debate
corrente sobre a questão social. Um entrelaço que necessita ser enredado pela dinâmica
da luta de classes e a correlação de forças nas ações dos movimentos sociais, o que para
nós tem conexão direta com luta por direitos e ampliação dos ditames democráticos.
Ao tratar estritamente da superexploração, Mathias Luce (2018, p. 135) é
taxativo em afirmar que “a categoria superexploração é, sem dúvida, o traço mais
lembrado do capitalismo dependente”. Sendo assim, faremos uma breve explanação
sobre as origens da dependência e a forma como o Brasil apresentou uma inserção
subordinada no mercado mundial, o que implicou em um intercâmbio desigual de
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político. Dado que “o Estado é a forma política do mundo contemporâneo, o racismo não
poderia se reproduzir se, ao mesmo tempo, não alimentasse e fosse também alimentado
pelas estruturas estatais” (p. 87).
A partir do exame de Clóvis Moura (2014; 20121) sobre o turbilhão de
exploração e discriminação que sofre a pessoa negra no Brasil ao longo da formação
social e econômica plenamente capitalista, temos maiores e melhores subsídios para
compreender como a dinâmica da sociedade brasileira contemporânea realça a desigual
adequação do regime de superexploração da força de trabalho entre brancos e negros.
Apesar do conjunto dos trabalhadores estar imerso nesta lógica de exploração particular
do capitalismo dependente, sendo alavancada pelo avantajado exército industrial de
reserva, ou seja, o desemprego e os aspectos do desalento atingem de forma constante e
permanente um grande quantitativo da população economicamente ativa. Seu
desdobramento é a existência de distinções nas condições de vida e trabalho entre os
indivíduos brancos e negros. Essas diferenças se explicam pela constituição de uma
estruturante opressão racial com vinculações em toda as áreas da vida, tendo sua
expressão reconhecida no âmbito da cultura, educação, emprego e renda, saúde,
linguagem e outros segmentos.
Uma mínima atenção a divisão social do trabalho no Brasil produz a
percepção de uma contraditória relação entre os trabalhadores negros com os
trabalhadores brancos, criando um gradiente de hierarquização funcional à reprodução
ampliada do capital. É nesse ensejo que postulamos agregar elementos da categoria
superexploração da força de trabalho na apreensão das relações raciais no Brasil. As
premissas necessárias para a manifestação das formas de superexploração encontram no
Brasil características potencializadas pelo dinâmica da opressão racial em nossa
formação social.
A fundamentação tratada aqui sobre a existência de condições normais para
determinadas questões, como o valor da força de trabalho, a extensão da jornada e a
intensidade do trabalho tem a ver com o processo histórico e a dinâmica conjuntural. Isso
quer dizer que a natureza da formação sócio-econômica do Brasil influencia na
elaboração dos parâmetros do que é normal e do que não é. Dessa forma, se reproduz em
uma sociedade que possui uma massa de trabalhadores composta majoritariamente por
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trabalhadores negros. Logo, o que é tido como normal é influenciado diretamente pelo
racismo.
Após a abolição, o negro das senzalas [...] ficou sem condições de engajar-se
no processo de trabalho livre na proporção que devia oara não se marginalizar.
Junte-se a ele o grande número de libertos que, tendo, saído da escravidão,
não tinham sido incorporados ao sistema de trabalho criado após o 13 de maio.
Esta impossibilidade do negro livre integrar-se a curto prazo deve-se, em
primeiro lugar, a que a escravidão, como sistema de produção, criava
limitações estruturais. [...] Separava-se radical e completamente dos bens que
criava, não participava, nem mesmo através da venda da sua força de trabalho,
na troca de mercadorias, pois ele próprio era mercadoria que circulava no
sistema escravista. (MOURA, 2021, p. 45).
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idade economicamente ativa e aptos para distintas ocupações laborais, não conseguiam
estabelecer vínculos consolidados. Ou seja, acabavam por ampliar, ano após ano, o
avolumado setor de trabalhadores que estavam fora dos postos de trabalho (MOURA,
2021; FERNANDES, 2008). Isso se relaciona com a elaboração marxiana sobre
superpopulação e exército industrial de reserva, visto que “produzir uma população
excedente relativa, isto é, excedente em relação à necessidade média de valorização do
capital, é uma condição vital da indústria moderna” (MARX, 2017, p. 709).
Tal reflexão constitui relevância superior ao se constatar o exército industrial
de reserva como categoria anteriormente indispensável para efetiva realização da
superexploração da força de trabalho, conforme aborda Ruy Mauro Marini (2005). A
população excedente constituiu-se historicamente com uma composição majoritária de
trabalhadores negros e negras. É essa população o produto necessário para a acumulação
de capitais e também sua alavanca de reprodução.
Luce (2018, p. 16) apresenta a superexploração como “determinação
negativa do valor contida na lei do valor, em que a corporeidade viva da força de trabalho
é submetida a um desgaste prematuro” e, sob as condições socioeconômicas
historicamente determinadas, não realiza uma reposição do seu desgaste, onde a
“substância viva do valor não é restaurada” e acaba por ser fixada abaixo seu valor.
apontamos suas formas de expressão: a) pagamento da força de trabalho abaixo do seu
valor; b) prolongamento da jornada de trabalho além dos limites normais; c) aumento da
intensidade do trabalho além dos limites normais; d) hiato entre o pagamento da força de
trabalho e o elemento histórico-moral do valor da força de trabalho. O que impõe uma
diminuição geral na renda das famílias, um processo que se desenvolve por toda história
do trabalho assalariado no país.
A partir do entendimento que a parcela negra do proletariado brasileiro foi
imposta a condição de uma das primeiras forças da população excedente na transição do
trabalho baseado na escravidão para o assalariamento (MOURA, 2021), uma situação
que permanece até os dias de hoje como alavanca da acumulação capitalista com função
central de controlar o valor da força de trabalho. A passagem da subsunção formal para
a subsunção real incrementa e agudiza as condições de trabalho do proletariado negro no
pós-Abolição, pois consolida sua firme situação de desemprego, subemprego,
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é por falta de lutas dos trabalhadores que as jornadas laborais são
tendencialmente mais longas nos países da América Latina. E também não é
por falta de lutas históricas dos trabalhadores que os níveis salariais existentes
no capitalismo dependente latino-americano são consideravelmente mais
baixos do que nas economias centrais. As causas para os baixos níveis salariais
são encontradas em três razões: 1) a exacerbação do exército industrial de
reserva, que, assim como na causalidade para a duração da jornada de
trabalho, influi nos salários de maneira negativamente determinada; 2) o fato
de, nas economias dependentes, os trabalhadores não cumprirem o mesmo
papel na realização do capital como nas economias centrais, na segunda fase
da circulação, resultando [...] em um incentivo a que os patrões e o Estado
comportem menos concessões à classe trabalhadora; 3) o fato de, na lógica
reprodutiva do capital sob essa realidade, a burguesia dependentes procurar
contra-arrestar as transferências de valor a que se encontra subordinada
apertando o torniquete sobre os trabalhadores, isto é, deslocando o fundo de
consumo do trabalhador para o fundo de consumo do capital. (p. 168-169)
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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Sheila Dias. Serviço Social e relações raciais: caminhos para uma
sociedade sem classes. Temporalis, Brasília (DF): Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social, ano 15, n. 29, jan./jun. 2015.
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MARX, Karl. O Capital Livro 1: o processo de produção do capital. 2 ed. São Paulo.
Boitempo. 2017.
MOURA, Clóvis. Dialética Radical do Brasil Negro. São Paulo. Editora Anita
Garibaldi. 2014.
MOURA, Clóvis. O negro, de bom escravo a mau cidadão? São Paulo. Editora
Dandara. 2021.
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