Ebook - Gestao Eduardo Moscon

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Política educacional e a

gestão na escola básica:


perspectivas

1
2
Eduardo Augusto Moscon Oliveira
Itamar Mendes da Silva
Marcelo Lima
ORGANIZADORES

Política educacional e a
gestão na escola básica:
perspectivas

3
Copyright © das autoras e dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e
dos autores.

Eduardo Augusto Moscon Oliveira; Itamar Mendes da Silva; Marcelo Lima


(Organizadores)

Política educacional e a gestão na escola básica: perspectivas. São


Carlos: Pedro & João Editores, 2014. 150p.

ISBN 978-85-7993-641-8 [impresso]


978-85-7993-642-5 [Ebook]

1. Política educacional. 2. Gestão na escola básica. 3. Educação pública. 4.


Sistema municipal de ensino. 5. Autores. I. Título.
CDD – 370

Capa: Andersen Bianchi


Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/ Brasil); Nair F.
Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria
da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello
(UFSCar/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 - São Carlos – SP
2014

4
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7
Eduardo Augusto Moscon Oliveira
Itamar Mendes da Silva
Marcelo Lima

AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO COMO SERVIÇO, DIREITO E 9


BEM PÚBLICO: CONTRIBUIÇÕES PARA A DEFESA DA ESCOLA
PÚBLICA COMO GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO
Simone Alves Cassini
Gilda Cardoso de Araujo

O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO: NOVOS OU VELHOS 29


DESAFIOS?
Nicholas Davies

POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E SUAS 47


IMPLICAÇÕES PARA A GESTÃO ESCOLAR
Edson Pantaleão

A CENTRALIDADE E AUTONOMIA DA ESCOLA NA REFORMA 65


EDUCACIONAL DOS ANOS 1990
Eduardo Augusto Moscon Oliveira

O PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA 79


Terezinha Maria Schuchter

5
GESTÃO E AVALIAÇÕES SISTÊMICAS 93
Itamar Mendes da Silva

A GESTÃO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA: 111


O IDEB E O IDE NO DISCURSO OFICIAL
Caroline Falco Valpassos

METODOLOGIA DE GESTÃO DE SISTEMA MUNICIPAL DE 125


ENSINO: IDAS E VINDAS NA IMPLANTAÇÃO DE TECNOLOGIAS
PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Marcelo Lima
Nilcéa Elias Rodrigues Moreira

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA COMO EIXO 141


ARTICULADOR DE POLÍTICA PÚBLICA VIA GESTÃO
PARTICIPATIVA
Maria das Graças Ferreira Lobino

6
APRESENTAÇÃO

Este livro foi produzido a partir de discussões, debates, palestras


e reflexões realizadas, durante a segunda oferta do Curso de
Especialização em Gestão Escolar, (2011-2012) executado em convênio
com o Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica
Pública da Secretaria da Educação básica do Ministério da Educação
SEB/MEC e parceria com a Secretaria de Estado da Educação/SEDU e
com a União dos Dirigentes Municipais de Educação/ UNDIME no
Espírito Santo. O curso foi realizado pelo Laboratório de Gestão da
Educação Básica do Espírito Santo – LAGEBES, do Centro de Educação
da UFES. O LAGEBES tem sediado diversos projetos em parceria com a
SEB/MEC como o Pradime e Pro-conselhos.
O Programa “Programa Nacional Escola de Gestores da Educação
Básica Pública” e parte das ações do Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE) surgiu como demanda de se construir processos de
gestão escolar, alinhados com a proposta e a concepção da qualidade
social da educação. O Programa Escola de Gestores tem como
objetivos gerais: i) Formar, em nível de especialização (lato sensu),
gestores educacionais efetivos das escolas públicas da educação
básica, incluídos aqueles de educação de jovens e adultos, de
educação especial e de educação profissional; ii)- Contribuir com a
qualificação do gestor escolar na perspectiva da gestão democrática e
da efetivação do direito à educação escolar com qualidade social.
Curso de Especialização em Gestão Escolar, como destaca a
professora Gilda Cardoso (2008) com a proposta de um novo formato
para romper as barreiras entre as distintas esferas de governo e
assumir um papel protagonista na elaboração e implantação de uma
política nacional de formação de gestores. As diretrizes da formação e
sua proposta curricular induziam a uma articulação entre agências
formadoras (universidades federais e sistemas de ensino) que
funcionava de forma fragmentada.
O curso reuniu 400 diretores e vice-diretores de escolas das redes
municipais e da rede estadual de educação. Realizado na modalidade a
distância – EaD, porém com muitos encontros presenciais. Contou com
10 polos espalhados pelo estado do Espírito Santo, sediados nas

7
superintendências de Ensino Estaduais. Atendeu, também, alguns
poucos profissionais do norte do estado do Rio de Janeiro.
Ao término do curso foi realizada avaliação e se concluiu que as
discussões realizadas eram de riqueza impar e poderiam constituírem-
se material útil ao trabalho dos gestores no cotidiano das escolas
básicas. Assim, se buscou empreender esforço para organizar a
publicação que ora se apresenta a leitura e ao debate de você, car@
leitor/a.
O foco dos debates é a gestão da educação básica e, mais
especificamente, como as decisões mais gerais impactam os trabalhos
da escola. No livro são apresentadas reflexões acerca de: Direito a
Educação, Financiamento, Educação Especial, Planejamento,
Avaliações Sistêmicas, Qualidade, Autonomia e Educação e ambiente.
Agradecemos aos autores que compartilharam os textos para
esta publicação e com muita satisfação e alegria compartilhamos estes
escritos.

Vitória/ES, jul. 2014

Eduardo Augusto Moscon Oliveira


Itamar Mendes da Silva
Marcelo Lima

8
AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO COMO SERVIÇO, DIREITO E BEM
PÚBLICO: CONTRIBUIÇÕES PARA A DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA
COMO GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO

Simone Alves Cassini1


Gilda Cardoso de Araujo2

Introdução

Em termos de concepções a educação é proclamada como direito


público, o que não poderia se confundir com serviço nem com bem
público (ABICALIL, 2013), embora sejam concepções que se
interpenetrem no atual discurso acadêmico e político. Partindo dessa
premissa pretendemos tratar essas distinções, procurando analisar
como o direito à educação é concebido no âmbito da prestação
positiva do Estado, trazendo a noção de educação como serviço
público, como direito público e o atual discurso em defesa da
educação como bem público.
Dessa forma, a partir de uma análise histórica e interpretativa, na
primeira parte apresentamos a configuração do serviço público como
modo de atuação do Estado para posteriormente discutirmos como o
direito à educação é concebido nas legislações. Por fim, analisamos o
recente discurso que concebe a educação como bem público. Para o
desenvolvimento da análise utilizamos o aporte teórico do Direito,
particularmente do Direito Administrativo, para tratar das questões
conceituais relativas à administração pública (CLÈVE, 2011; DI PIETRO,
2012; GASPARINI, 2003; JUSTEN FILHO, 2003; PONTES DE MIRANDA,
1933; MEIRELLES, 2010; SCHIER, 2011) relacionando-as ao debate na
área educacional (CURY, 2002 e 2008; DIAS, 2003 e 2005; DUARTE,

1 Graduada em Pedagogia e mestre em educação pela Universidade Federal do Espírito


Santo. Professora da educação básica no município de São Mateus desde 1999,
membro do Conselho Municipal de Educação de São Mateus e do Lagebes - UFES
(Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo).
2 Graduada em História e mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito
Santo. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é
Professora Associada da Universidade Federal do Espírito Santo, atuando na
graduação e no Programa de Pós-Graduação em Educação.

9
2004; OLIVEIRA, 1999 e 2009; SAVIANI, 2008; TEIXEIRA, 1956, 1958,
1996)
As conclusões apontam para a necessidade de novos debates em
torno da educação não só como direito, mas, fundamentalmente, de
como a forma de atuação do Estado influencia diretamente na garantia
desse direito, ponderando para os riscos que se corre ao recorrermos à
concepção de educação como bem público.

A concepção de serviço público.

Os serviços públicos estão entre os “distintos modos de


prestação pelo Estado de serviços aos cidadãos” (MODESTO, 2005, p.
1). Não há consenso na doutrina quanto ao seu conceito, pois existem
concepções desde as mais amplas - que traduzem toda atividade
prestada pelo Estado como serviço público, ideia essa apresentada por
Massagão (1968); Cretella Júnior (1980), Medauar (2001), dentre
outros juristas – às mais restritas, que estabelecem elementos que
restringem as atividades que podem ou não assim serem classificadas,
como as de Tácito (1975), Mello (1975), Justen Filho (2003).
A noção de serviço público tem sua gênese no contexto do
liberalismo clássico, sofrendo modificações no processo histórico de
formação do Estado e seu modo de atuar na sociedade. Segundo
Schier (2011), originalmente a concepção de serviço público é atrelada
à noção de desenvolvimento que, naquele tipo de Estado (liberal), fora
caracterizado pela intervenção mínima na economia para consolidação
burguesa das bases do capitalismo. Ou seja, consistia em toda
atividade assumida pelo Estado, desde que não interferisse na livre
concorrência e estivesse vinculada à noção de desenvolvimento
econômico, o que englobava atividades de infraestrutura ou de
interesse geral que não auferissem lucro.
Entretanto mesmo com essa definição o liberalismo clássico já
postulava a educação como serviço público. A título de exemplo,
Adam Smith (1983), um dos teóricos do liberalismo clássico, já
abordava a educação como serviço público, considerando uma das
atividades reguladas pelo Estado e não basicamente prestadas por ele,
já que os gastos com instrução não necessariamente seriam custeados
com receita pública, pois poderia gerar receita específica para manter-
se, como pagamento dos honorários ou remuneração do professor

10
pelo aluno. Seu pensamento não pleiteava o pleno financiamento do
Estado pela instrução pública, mesmo entendendo tratar-se de
atividade importante e não lucrativa.3 Em resumo, historicamente,
antes mesmo de ser concebida como um direito social, a educação foi
defendida pelos liberais como um serviço público, pois tratava-se de
condição para o “usufruto dos direitos civis” (CURY, 2002, p. 249).4

A concepção de Educação como serviço público

A concepção de serviço público, não apenas como instrumento de


desenvolvimento, mas também de redução das desigualdades só
surgiu como modo de atuar do Estado a partir da instituição do Estado
Social5 que, por sua característica intervencionista e por
constitucionalizar os direitos sociais6, assumiu novas atribuições. Tem-
se, a partir de então, a afirmação de que esse tipo de Estado “é o
Estado do Serviço Público. O serviço público é a tradução jurídica do
compromisso político da intervenção estatal para satisfazer as
necessidades coletivas” (JUSTEN FILHO, 2003, p. 23).
Dessa forma, a concepção de serviço público foi se afirmando
como o modo de atuação do Estado para a efetivação dos direitos
sociais. No Brasil é importante problematizar o processo histórico de
transformação da concepção de serviço público no ordenamento
jurídico, pois um de seus efeitos é a “desfiguração do que sofre a
política educacional brasileira” (TEIXEIRA, 1956). O debate em defesa
da educação como serviço prestado pelo Estado, logo, público no
sentido de domínio estatal para fiscalização e gestão, foi
indubitavelmente embaraçado pelo debate privatista da educação

3 Isso porque serviço público não pressupõe gratuidade, mas, gestão pública. A visão
liberal clássica da escola pública, gratuita, obrigatória e laica, foi originariamente
difundida por Condorcet, que expressou a visão mais elaborada da relação Estado e
escola (SAVIANI, 2008).
4 Vale lembrar que a bandeira do liberalismo baseava-se na luta pelos direitos
individuais, civis e políticos.
5 Há divergências teóricas quanto às nomenclaturas dadas ao tipo de Estado que
insurgiu no pós crise do Estado liberal. Para tanto, indicamos como leitura as obras
de Novais (1987), Bonavides (1961), que abordam o advento do Estado Social no
âmbito do direito.
6 Os direitos sociais foram constitucionalizados primeiro na Constituição Mexicana de
1917, depois na Constituição Russa de 1918, e posteriormente na Constituição de
Weimar de 1919.

11
com a apologia da livre iniciativa, desvirtuando a noção de escola
pública defendida durante a década de 19507, pois na avaliação de
Anísio Teixeira a

[...] relativa ausência de vigor de nossa atual concepção de escola


pública e a aceitação semi-indiferente da escola particular foram e são,
ao meu ver, um dos aspectos dessa desfiguração generalizada de que
sofre a política educacional brasileira [...] (TEIXEIRA, 1956, s/p)

Anísio Teixeira foi um dos precursores na defesa do direito à


educação como direito de interesse público, promovido pela lei
(TEIXEIRA, 1996). Apesar de não ter prevalecido a concepção de
educação pública da forma por ele e por seu grupo defendida, ao
menos foi salvaguardada a atuação do Estado com a garantia de
alguma concepção de escola pública com o advento da primeira LDB
(Lei nº. 4.024/1961).
Assim, o que se pretendia era conceber a educação como serviço
público no qual o Estado tem maior interferência e controle e, para
isso, não bastava enunciá-la como direito, era preciso adaptar a
legislação para assim caracterizá-la segundo a noção jurídica de serviço
público, que interfere no modo de agir do Estado.
O conceito de serviço público se modifica de acordo com a
necessidade e as contingências políticas, econômicas, sociais, culturais
e o momento histórico de cada sociedade. Atualmente, um exemplo
da modificação da concepção de serviço público é a interpretação
dada pelo doutrinador Hely Lopes Meirelles à educação. Em sua obra
Direito Administrativo Brasileiro, traduzia o ensino, quando prestado
por particular, “desprovido da natureza jurídica de serviço público”,
interpretação que adotava até o ano de 2009.
A modificação desse conceito em Meirelles foi influenciada pelas
concepções do ministro Eros Grau que, em 2008, por ocasião da 13ª
edição do livro A ordem econômica na Constituição de 1988, considerou
seu raciocínio errôneo, posto que partia da premissa equivocada de
que a mesma atividade “caracteriza ou deixa de caracterizar serviço

7 Nos anos 1950, a Constituição de 1946, que previu a elaboração de uma LDB,
reavivou o debate sobre a educação que já havia sido polarizado, na década de 1930,
por dois blocos distintos: os educadores comprometidos com os ideais da Escola
Nova; e os defensores da iniciativa privada.

12
público se empreendida pelo Estado ou pelo setor privado”.
(MEIRELLES, 2010, p. 352). Nessa perspectiva, os autores consideram a
educação como um serviço público não exclusivo do Estado.
Ainda a título de reforçar essa perspectiva de serviço público, no
ano de 2005, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
interpôs sob nº. 1007-7, Ação Direta de Inconstitucionalidade à Lei nº.
10.989/93 do estado de Pernambuco, que estabelecia prazo para
pagamento de mensalidades nos estabelecimentos privados de ensino
naquela unidade da federação. Dentre os argumentos que
respaldaram o pedido estava o da livre iniciativa. O ministro Eros Grau
foi relator da ação, julgada improcedente, considerando o ensino
serviço público, conforme a decisão

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.989/93 DO ESTADO


DE PERNAMBUCO. EDUCAÇÃO: SERVIÇO PÚBLICO NÃO PRIVATIVO.
MENSALIDADES ESCOLARES. FIXAÇÃO DA DATA DE VENCIMENTO.
MATÉRIA DE DIREITO CONTRATUAL. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. Os serviços de
educação, sejam os prestados pelo Estado, sejam os prestados por
particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser
desenvolvidos pelo setor privado independentemente de concessão,
permissão ou autorização. [...] (STF; ADI 1007-7; Tribunal Pleno; Rel. Min.
Eros Grau; Julg. 30/08/2005; DJ 24/02/2006)

O relator deixou claro, em seu voto, que o julgamento não era


sobre matéria que tratava de educação mas de contrato. Assim,
defendeu ser a educação serviço público. Essa interpretação não foi
unânime no Tribunal. O ministro Carlos Britto discordou dos
argumentos do relator afirmando não conceber a educação nem a
saúde como serviços públicos e, diferente de Eros Grau, votou contra a
procedência da ação por considerar ser de competência do Estado
legislar sobre matéria de responsabilidade de dano ao consumidor.
Isso demonstra que as concepções de serviço público são distintas,
havendo divergências dentro do próprio Poder Público.
Convergindo para as ideias de Grau (2008) e Meirelles (2010), Di
Pietro (2012, p.106), ao estudar a evolução do conceito de serviço
público, conclui que houve uma ampliação na sua abrangência para
que fossem incluídas atividades de natureza comercial, industrial e
social. Contudo, é a lei que define as atividades que são consideradas
serviço público. Assim, não é possível avaliar qual o melhor conceito a

13
ser adotado, pois ora a legislação utiliza o conceito no sentido amplo,
ora no sentido restrito. Com esses argumentos, a autora distingue
serviço público das demais atividades administrativas de natureza
pública, conceituando-o como “atividade material que a lei atribui ao
Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados,
com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas,
sob regime jurídico total ou parcialmente público”.8
O regime jurídico público é o elemento formal da noção clássica
de serviço público, que é caracterizado pela gestão direta ou indireta
do Estado. É nessa perspectiva que podemos dizer que Anísio Teixeira
defendeu a gestão pública do ensino por meio do reconhecimento da
educação pública, no sentido da escola pública única, universal, para
todos. Não se trata de monopólio do Estado, mas de um dado regime
jurídico de prestação, que limita a livre iniciativa aos ditames da justiça
social, como nos explica Cavalcanti (2010, p.1).

Tratar a Educação como serviço público é um passo para se desenvolver


um planejamento a longo prazo em prol da dignidade humana e da
liberdade. Ver na livre iniciativa e na livre concorrência princípios que
devem se sobressair da educação é submeter o mínimo existencial ao
mercado capitalista, quando esse deve ser instrumento do homem para
a conquista de suas necessidades materiais e imateriais.

Com a previsão legal da livre iniciativa, há coexistência de dois


tipos de regime jurídico, ou seja, o público quando o serviço
educacional é prestado pelo Estado, e o privado quando prestado pelo
particular. O instituto da autorização, a que a instituição privada está
sujeita, é classificado, no direito administrativo, como ato
administrativo unilateral, discricionário e precário pela qual o poder
público autoriza certa atividade, serviço ou a utilização de
determinados bens particulares ou públicos, com o objetivo que se
satisfaça certas exigências administrativas, sem interesse à obtenção
de continuidade da autorização (que pode ser negada pelo poder
público). Nos serviços caracterizados na legislação como públicos (que
não deixam dúvida quanto a essa classificação), a investida da

8 Di Pietro (2012) concebe a educação como serviço público não exclusivo do Estado,
“próprio” quando por ele executado e “impróprio” quando autorizado ao particular.
Argumenta ser “público” porque atende as necessidades coletivas, mas
“impropriamente público” por não ter a gestão direta ou indireta do Estado.

14
iniciativa privada é possível desde que atendam aos princípios da
continuidade do serviço público, da flexibilidade dos meios aos fins e
da igualdade dos usuários e, por isso, incide maior ingerência do
Estado, pois são regidos pelos institutos da concessão ou permissão.
Uma atividade considerada serviço público, por regra do art. 175
da CF/88, só pode ser delegada ao particular por meio dos institutos da
concessão ou da permissão. A diferença entre esses dois institutos
consiste que, enquanto a permissão é ato unilateral, discricionário e
precário pelo qual o Poder Público faculta ao particular serviços de
interesse coletivo, ou o uso de bens público, a concessão decorre de
acordo de vontades, ou seja, trata-se de contrato administrativo pelo
qual transfere-se o serviço público. A autorização é uma exceção a
essa regra, prevista no art. 21, XXI e XXII da CF/88, por isso existem
divergências quanto à classificação dos serviços educacionais como
serviço público. (MEIRELLES, 2010)
Adotando a concepção de que a educação é serviço público
impróprio, Di Pietro (2012) entende que o instituto da autorização,
nesse caso, não constitui ato de delegação de atividade do Estado,
mas simples medida de polícia9, incapaz de suscitar o regime jurídico
de direito público.
Como alertou Ataliba (1993), não estabelecer o regime jurídico de
direito público, ou seja, deixar certas atividades à mercê do regime
jurídico de direito privado e longe do domínio estatal, pode levar a
desproteção do interesse público, ocasionando ausência de tutela ao
usuário desse serviço, como também ausência de controle estatal. O
risco é ainda maior no caso de os serviços incluírem atividades que
estão no rol dos direitos sociais fundamentais, constituídos
constitucionalmente como direito público, como é o caso da educação.

A concepção de Educação como direito público

Como abordamos na primeira parte deste artigo, a noção de


serviço público é anterior à de direito público, pois durante a vigência
do chamado Estado Liberal os serviços públicos eram atividades

9 Medida de polícia decorre do poder de polícia do Estado, que são atribuições que
visam limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.
Essa medida incide “sobre bens, direitos ou atividades” (Di Pietro, 2012, p. 124), e
decorrem dos institutos da licença e da autorização.

15
tuteladas pelo Estado, de interesse geral, não lucrativas e que
promovessem o desenvolvimento, sem interferência estatal na
economia. Somente a partir da noção de Estado Social que essa
concepção foi tomando outros contornos. Ou seja, foi a partir do
surgimento dos direitos sociais e a nova gama de atividades assumidas
pelo Estado (os direitos prestacionais) que o “serviço público” passou
a ser concebido como modo de atuação para garantia desses direitos.
Atualmente, a posição ativa do Estado reforça a característica de
certos direitos como públicos subjetivos. A Constituição Federal de
1988 trata a educação como um direito social fundamental (art. 6º),
público e subjetivo em se tratando de etapa obrigatória (art. 208, §1º).
Segundo Cury (2008, p. 295)

A educação básica é declarada, em nosso ordenamento jurídico maior,


como direito do cidadão – dever do Estado [...] Este reconhecimento
positivado, dentro de um Estado Democrático de Direito, tem atrás de si
um longo caminho percorrido. Da instrução própria das primeiras letras
no Império, reservada apenas aos cidadãos, ao ensino primário de
quatro anos nos estados da Velha República, do ensino primário
obrigatório e gratuito na Constituição de 1934 à sua extensão para oito
anos em 1967, derrubando a barreira dos exames de admissão,
chegamos ao direito público subjetivo e ao novo conceito ora analisado.

Esse “novo conceito” a que o prof. Cury se refere é o da


concepção de educação como direito social público e subjetivo,
juridicamente protegido no âmbito do ensino obrigatório, e da
educação escolar “erigida em bem público de caráter próprio, por ser
ela em si cidadã” ( 2008, p. 296).
A concepção de direito público subjetivo tem sua origem na
Alemanha, no final do século XIX por ocasião vigência da Constituição
do Estado Social, em decorrência da necessidade de uma posição ativa,
ou melhor, de maior comprometimento do Estado quanto à proteção
dos direitos sociais enunciados. Pontes de Miranda foi um dos
primeiros juristas a esboçar uma teoria dos direitos fundamentais no
Brasil, em que o comprometimento do Estado com os direitos
humanos era a forma de promover o desenvolvimento e a justiça
social. Dessa forma, foi o primeiro jurista a tratar a educação como
direito público subjetivo, trazendo a ideia de escola única.

16
Do ponto de vista do direito, tratada tecnicamente, a educação é direito
subjetivo público, correspondente a um dever do Estado. Para Pontes de
Miranda, não basta a declaração do direito à educação nas constituições,
nem do dever do Estado. Também não satisfaz a mera situação jurídica
do indivíduo diante do Estado que adotou constitucionalmente a
educação de plano, com recursos e critérios previstos na constituição
(educação soviética). É preciso, para que haja direito à educação, que os
dois lados se realizem: a definição constitucional do modo de realização
da educação, como dever exigível dos governantes; e o direito subjetivo
público do indivíduo à educação, ou de executar a obrigação imposta ao
Estado. (SALGADO, 2010, p. 18)

A teorização de Pontes de Miranda não se restringiu somente à


defesa de uma educação pública, mas também, de uma educação laica
e de princípios sociais.
Entretanto, foi somente a partir da Constituição Federal de 1988
que o ensino passou a ser concebido como direito público subjetivo,
obrigatório e gratuito. Contudo, a noção de direito público subjetivo
tem como limite a “garantia” circunscrita ao ensino obrigatório. 10
A concepção mais ampla do direito à educação está inserida no
art. 6º, que a contempla como “verdadeiro direito fundamental”
(CLÈVE, 2011, p.97), mas a garantia desse direito é limitada à uma etapa
do ensino pela característica dada ao direito público subjetivo da
educação a partir do art. 205 da CF/88. Assim, podemos remontar ao
velho problema apontado por Bobbio (1992, p. 24-25):

[...] o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje,


não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. [...] o problema que
temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico, e num sentido mais
amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos,
qual a sua natureza [...] mas sim, qual é o modo mais seguro para
garanti-los.

O problema não se restringe simplesmente à concepção da


educação como direito, pois este parece estar efetivamente
caracterizado na legislação, e não restrito exclusivamente à concepção

10 A EC 59/2009, que instituiu o FUNDEB, modificou o art. 208, I da CF/88 objetivando


ampliar a obrigatoriedade escolar, estabelecendo não mais uma etapa obrigatória,
mas, faixa etária obrigatória, que vai dos 04 aos 17 anos de idade, a ser
implementada progressivamente até 2016.

17
prescrita na Constituição, (direito social fundamental, público e
subjetivo) pois é considerado também como direito da personalidade,
ou seja, inscrito na categoria de direitos com características
“intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer
limitação voluntária” (art. 11 do Código Civil), e é nessa perspectiva que
Bittar (2001, p. 158) argumenta tratar-se de um

direito natural, imanente, absoluto, oponível erga omnes, inalienável,


impenhorável, imprescritível, irrenunciável, não se sujeitando aos
caprichos do Estado ou à vontade do legislador, pois se trata de algo
ínsito à personalidade humana desenvolver, conforme a própria
estrutura e constituição humana.

A previsão tanto constitucional quanto infraconstitucional não


tem se constituído como suficientes para efetivação desse direito. Ao
contrário do otimismo exacerbado quanto à “impressionante”
característica da educação como direito nas legislações (OLIVEIRA,
1999; DUARTE, 2004; CURY, 2002), podemos afirmar tratar-se de leis
que, embora o propósito seja garantir os direitos fundamentais, limita-
o ao mínimo estabelecido pelo Estado. É nessa perspectiva que
retomamos ao problema dos direitos fundamentais apontado por
Bobbio (1992, p. 24), ou seja, o “modo mais seguro para garanti-los”.
A característica de direito público subjetivo não tem se
constituído como modo de garantia do direito à educação, pois se
trata de instituto limitador do direito de exigibilidade do cidadão
contra o Estado, pois revela a adoção legislativa do princípio da
“reserva do possível”, evidenciando a má interpretação que resultou
na má aplicabilidade desse princípio no Direito brasileiro. Para Krell
(2002, p. 52) isso

[...] representa uma adaptação de um tópos da jurisprudência


constitucional alemã (Der Vorbehaltdes Moglichen), que entende que a
construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços
públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos
respectivos recursos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a
disponibilidade dos mesmos estaria localizada no campo discricionário
das decisões governamentais e dos parlamentos, através da composição
dos orçamentos públicos. (grifamos)

18
A teoria da reserva do possível tem sua origem na jurisprudência
Alemã, quando, em 1972, o Tribunal Constitucional Federal Alemão
decidiu sobre o limite do número de matrículas nas faculdades de
Hamburg e Bavária, decisão conhecida como Numerus Clausus, que
objetivou resolver o problema de vagas e da demanda pelo ensino
superior naquele país. O princípio legitima que a concretização dos
direitos fundamentais dependentes de atuação positiva do Estado
(direitos sociais) estão sob a reserva do possível e, em resumo, está
relacionada à capacidade financeira do Estado.
Devido ao aumento das demandas sociais, que são infinitas com
recursos finitos (CANOTILHO, 2004), a efetivação do direito à
educação tem se constituído de forma gradativa e à brasileira, nos
limites do legalmente possível, não havendo esforço orçamentário
para ampliação e aperfeiçoamento da atuação do Estado com a oferta
regular do ensino.11
É com esses argumentos que afirmamos ser a educação um
direito público, fundamental, mas sua efetivação tem se constituído
pela concepção de direito público subjetivo limitado à educação
obrigatória, dentro dos limites estabelecidos pelo Estado, sendo
constituído o seu modo de atuação como opção política ordenada pelo
princípio da reserva do possível, mecanismo insuficiente para
materialização dos direitos fundamentais. Assim, atualmente, tem-se
invocado, como mecanismo que objetiva fortalecer a atuação do
Estado para proteção do direito à educação (principalmente contra os
ditames do capitalismo), a concepção de bem público.

A concepção de Educação como bem público

Parece que está se consolidando um consenso, no meio


acadêmico, em conceber a educação como um bem público (CURY,
2008; DIAS, 2002 e 2005). Os argumentos para essa afirmação
englobam tanto a ideia de cidadania, gratuidade, obrigatoriedade e
dever do Estado quanto do poder estatal de regulação da atividade
(DOTA, 2008). O termo é entendido como um princípio, ou seja, “um

11 Na educação o esforço orçamentário é resultante de lutas históricas. Atualmente


presenciamos a campanha em favor do investimento de 10% do PIB, da destinação
dos recursos dos royalties do petróleo no pré-sal para a educação, bem como da
discussão do Custo Aluno-Qualidade.

19
imperativo moral que sobrepõe a dignidade humana aos interesses,
inclinações e circunstâncias individuais” (SOBRINHO, 2013, p. 109),
tomado como um serviço público aberto à iniciativa privada e cercado
de proteção jurídica (CURY, 2006). Nessa perspectiva, a educação é
entendida como bem, logo, serviço público, mesmo quando prestado
pelo particular.
No ensino superior, tem se travado, desde os fins dos anos 80 nos
países anglo-saxões, um intenso debate sobre duas concepções, que
são contrapostas: uma, da educação como bem público e outra da
educação como mercadoria (OLIVEIRA, 2009).
No Brasil, esse debate se intensificou a partir da realização do
Fórum Social de Porto Alegre, realizado no final de janeiro de 2002,
que levou a discussão para a III Cumbre (Reunião Ibero-Americana de
Reitores de Universidades Públicas), ocorrida em Porto Alegre em abril
de 2002. Dentre as questões que englobavam os debates travados
durante o evento, estava a proposta da OMC (Organização Mundial do
Comércio) em transformar a educação em um dos 12 serviços do Gats
(Acordo Geral sobre Comércio de Serviços), proposta essa
apresentada em 2001, na IV Reunião Ministerial da OMC, ocorrida em
Dohar, no Catar, que estabeleceu o prazo de até março de 2003 para
que os países membros da OMC aderissem à proposta.
A partir de então, travou-se no Brasil debates intensos sobre o
que chamaríamos de “campanha em defesa da educação superior
como bem público”, uma tendência que objetivou ratificar a educação
como um “bem comum” e, dessa forma, afastá-la da concepção de
mercadoria, havendo, inclusive, uma audiência pública realizada na
Câmara dos Deputados em julho de 2002.
Não é irreflexo que o Projeto de Lei de reforma universitária, PL
nº. 7200/2006, que tramita na Câmara, classifica, no art. 3º, o ensino
superior como “bem público que cumpre sua função social por meio
das atividades de ensino, pesquisa e extensão, assegurada, pelo Poder
Público, a sua qualidade”.
Esse movimento objetiva afastar a liberalização do comércio
educacional, como proposto pela OMC, mediante a adoção do Gats. O
acordo prevê como exceção aos serviços comerciais regulamentados
pela OMC “aqueles que forem fornecidos no exercício da autoridade
governamental” (DIAS, 2003, p.821) e desde que não providos por uma

20
base comercial, não sendo permitida a competição com os provedores
de serviços (DIAS, 2005).
A partir da exceção da OMC, defender a educação como bem
público significa, para essa linha de pensamento, não sujeitar o ensino
aos desmandos do mercado. No entanto, o que se conclui é que
“mesmo sem a aprovação de tais acordos, a educação tem se
transformado, crescentemente, em mercadoria” (OLIVEIRA, 2009, p.
740).
Aderir pura e simplesmente a uma concepção entendendo tratar-
se de termo princípio lógico, pode ser um risco e resultar em
mecanismo insuficiente para atrair a tutela do Estado e afastar os
desmandos do mercado. Isso porque trata-se de termo ambíguo,
podendo apresentar configurações diferentes tanto no Direito
Administrativo quanto em outras áreas.
No Direito Administrativo, todos os bens, sejam eles naturais ou não,
que satisfazem as necessidades coletivas e se configuram como de uso
comum, são considerados bens públicos (a exemplo de praças públicas,
praias, estradas, transporte, comunicação, entre outros) (MEIRELLES,
2010). Assim, nem todo bem público pressupõe serviço estatal, mas todo
serviço estatal pressupõe bem público, como conceituou Gasparini (2003,
p.683), ao dizer que “bens públicos são todas as coisas materiais ou
imateriais pertencentes ou não às pessoas jurídicas de direito público e as
pertencentes a terceiros quando vinculadas à prestação de serviço
público”, acrescentando tratar-se também de “coisas usáveis por
qualquer povo, sem formalidades, pois para uso e gozo nada se exige em
termos de autorização ou permissão”
Nos argumentos em defesa da educação como bem público isso é
invertido, ou seja, o fato de a educação ser considerada bem público já
pressupõe tratar-se de serviço público. Nessa perspectiva, serviço
público é entendido como toda atividade que atinge a coletividade,
sem considerar os requisitos legais que caracterizamos serviço público.
Outro equívoco é utilizar o termo bem público como sinônimo de
bem comum12. O bem comum busca a felicidade natural, sendo um

12 No direito administrativo, bens públicos constituem o domínio público, e engloba


tanto bens móveis quanto imóveis pertencentes à entidades estatais, ou afetados à
prestação de um serviço público. Já o bem comum é o bem do povo em geral,
expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias, o que
inclui as exigências materiais ou imateriais, e necessidades vitais da coletividade.

21
valor político (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1998). Para atingir esse
objetivo (o bem comum) o Estado, orientador da conduta no chamado
Estado de Bem-Estar, intervém na propriedade e no domínio
econômico quando utilizado contra o bem comum da coletividade
(MEIRELLES, 2010). De outra forma, o termo bem público significa

[...] os que geram vantagens indivisíveis em benefício de todos, nada


subtraindo o gozo de um indivíduo ao gozo dos demais. O bem público
não transcende, na verdade, o privado, porque é igualmente um bem do
indivíduo e se alcança através do mercado ou, mais frequentemente,
através das finanças públicas (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1998,
p.107).

Ou seja, a utilização do termo, pode não ser capaz de afastar a


educação das concepções de mercado, já que o mercado pode ser
considerado um instrumento capaz de fazer o indivíduo alcançar o
bem público.
O mesmo risco, mas tratado de uma forma bem diferente ao
utilizar os preceitos da Economia, é assinalado por Barros, Carvalho,
Franco, Mendonça e Tafner (2007), que afirmam ser, na educação,
incorreta a adoção desse termo. Entendem que, para caracterizar a
educação como bem público, é necessário satisfazer duas condições: o
custo para o indivíduo se beneficiar desse bem é zero e é impossível
excluir uma pessoa de se beneficiar desse bem

De fato, um serviço para o qual existe um mercado onde as pessoas


pagam para serem atendidas não poderia ser caracterizado como um
bem público por mais que o setor público participe da provisão destes
serviços e atue na sua regulação. No caso de um bem público, ninguém
pode ser excluído, não há incentivos para que as pessoas paguem por
esse bem. (BARROS et al. p. 8)

Se atentarmos para as questões que tornam controversa a


educação concebida como serviço, direito público subjetivo e bem
público, como exposto neste trabalho, os discursos atuais em defesa
da educação como bem público (pressupondo proteção e garantia de
direito) desconsidera o risco que se corre ao possível (e não desejável)
retrocesso na histórica luta em defesa da escola única. Por isso, urge a
necessidade de estudos teóricos para aprofundamento do tema e que

22
estabeleçam interfaces com outras áreas do conhecimento, evitando a
propagação de concepções endógenas.

Considerações Finais

Ao incitarmos o modo de atuação do Estado para garantia dos


direitos fundamentais sociais, em específico a educação, procuramos
problematizar esse tema trazendo não apenas a concepção de direito
à educação, mas, especificamente, o direito público subjetivo,
entrelaçando à histórica luta pela educação pública, ou melhor, pela
escola única defendida na década de 30 e retomada na década de 50.
Procuramos relacionar a defesa da escola pública, mais
precisamente os ideais apresentados por Anísio Teixeira e Pontes de
Miranda à bandeira não de uma educação vista como bem público,
mas que apresentasse um regime jurídico próprio que vinculasse a
atuação do Estado de forma a garantir esse direito, o que foi
sobrepujado pela bandeira privatista, da livre iniciativa.
Ou seja, explanamos sobre a concepção de direito à educação a
partir da concepção de prestação positiva do Estado, problematizando
os instrumentos que se configuram como “modo mais seguro” de
garantir os direitos difundidos na Magna Carta (BOBBIO, 1992).
Resta evidente a necessidade de mecanismos que aproximam o
Estado dos deveres constitucionais, de forma a garantir a todos iguais
direitos, com iguais serviços, no sentido de que deve ser prestado a
todos, sem qualquer distinção. Isso significa valorizar a questão do
público em detrimento da livre iniciativa e tratar a educação como
serviço público, colocando-a sob os princípios do direito público que se
destina a proteger direitos coletivos, concebidos como modo de
concretização dos direitos fundamentais. Em síntese, trata-se de uma
reconfiguração do modo de atuação do Estado.
Dessa forma, pensar em educação como um direito e um serviço
público é limitar a livre-iniciativa ao interesse da justiça social e aos
princípios maiores de nossa Constituição, ou seja, garantir o
desenvolvimento nacional e a construção de uma sociedade mais livre,
justa e igualitária.

23
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27
28
O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO:
NOVOS OU VELHOS DESAFIOS?
Nicholas Davies1

1-Introdução

Este texto pretende apresentar alguns desafios do financiamento


da educação. Antes, é preciso esclarecer o caráter do Estado e de suas
políticas, pois isso se reflete no financiamento da educação e de outras
políticas. Numa sociedade desigual, e não apenas na sociedade
capitalista, é um equívoco denominar ações estatais como públicas,
uma vez que elas não são elaboradas a partir de iniciativa da maioria da
população, de consulta a ela ou visando a seus interesses. Ainda que se
apresentem como públicas, caracterizam-se pelo privatismo, já que o
Estado representa principalmente uma minoria da população: as várias
frações da classe dominante e os segmentos burocráticos privilegiados
(Legislativo, Judiciário, setores do Executivo). Exemplo disso é a
política fiscal/econômica dos governos, que favorece o empresariado
(sobretudo o grande) com toda sorte de incentivos e vantagens. A
privatização recente, por exemplo, foi financiada em grande parte
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e “Social”
(BNDES). Exemplos de privilegiamento de segmentos da burocracia
estatal são os altíssimos salários e vantagens do Judiciário, do
Legislativo e de parte do Executivo.
Entretanto, o Estado reflete não só tais interesses dominantes
mas também as contradições sociais (as lutas abertas ou ocultas) entre
exploradores/privilegiados e explorados/oprimidos e, por isso, é
levado, por pressão dos “de baixo” e/ou por necessidade de
legitimação dos detentores do poder, a atender a interesses dos
subalternos, podendo, assim, adquirir certo caráter público. As ditas
políticas “sociais” são manifestações deste potencial público (bastante

1 Graduado em História e mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense e


doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor
Associado da Universidade Federal Fluminense.

29
variável de acordo com o contexto e o país), que, por sua vez,
depende da correlação de forças das classes populares/exploradas e
das classes dominantes. Assim, se as classes populares/exploradas
estiverem organizadas e mobilizadas e se as classes dominantes ou os
aparelhos burocráticos estiverem desorganizados ou se virem sem
condições de negar concessões às classes populares, estas poderão
extrair do Estado uma parcela maior da riqueza social por ele
extorquida na forma de impostos. Isso explica, pelo menos em parte, a
constituição do chamado “Estado de Bem-Estar Social” em países da
Europa Ocidental, que significou a criação de direitos sociais e a
expansão de benefícios sociais. Vale ressaltar que tais avanços
“sociais” não são apenas conquistas (no sentido de serem obtidas
graças unicamente à luta dos subalternos), mas também concessões
por parte dos donos do poder, que utilizam tais avanços para se
legitimar e para enfraquecer qualquer perspectiva mais radical que
busque romper com a “ordem” vigente. No entanto, tais conquistas
podem, em contexto diferente, ser retiradas ou diluídas, como os
representantes do capitalismo vêm tentando fazer no mundo hoje.

2- O financiamento público a instituições privadas de ensino

Um dos percalços da educação pública é a destinação direta ou


indireta de recursos públicos para instituições privadas de ensino. Por
exemplo, gozam de isenção fiscal pelo menos desde a Constituição
Federal (CF) de 1946 e tiveram/têm acesso gratuito ou subsidiado a
verbas públicas em várias legislações, como na primeira LDB (Lei Nº
4.024), de 1961, na Lei Nº 5.692 (BRASIL, 1971), que criou o ensino de 1º
e 2º Graus, e na atual LDB (Lei Nº 9.394).
A CF de 1988, em seu art. 212 (parágrafo 2º), oferece uma brecha
privatista ao considerar, para efeito do cumprimento do percentual
mínimo dos impostos vinculados à manutenção e desenvolvimento do
ensino (MDE), o montante aplicado pelos sistemas de ensino federal,
estadual e municipal e na forma do art. 213. Ora, tais sistemas
abrangem não só as escolas estatais, mas também todas as privadas, o
que significa que, pela CF, gastos públicos em escolas privadas seriam
parte do percentual mínimo. É verdade que, na esfera federal, tal
brecha foi aparentemente fechada pela modificação introduzida pela
Emenda Constitucional (EC) Nº 14 (BRASIL, 1996a) no parágrafo 1º do

30
art. 211, estabelecendo que a “União [...] financiará as instituições de
ensino públicas federais”. Entretanto, como o parágrafo 2º do art. 212
não foi alterado, o resultado é uma incongruência, pelo menos na
esfera federal, da sua formulação com a nova redação do parágrafo 1º
do art. 211. Na esfera estadual, distrital e municipal, a brecha continua
aberta do ponto de vista legal.
O caput do art. 213 é mais explícito na privatização: os recursos
públicos podem ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou
filantrópicas “sem fins lucrativos”, formulação enganosa pois os lucros
de tais escolas não são registrados como tais na contabilidade, mas
sim como transferências a suas entidades mantenedoras, que na
verdade são mantidas e não mantenedoras. O parágrafo 2º do art. 213
nem se preocupa que tais escolas não tenham fins lucrativos, já que
prevê que “As atividades universitárias de pesquisa e extensão
poderão receber apoio financeiro do Poder Público”. A Lei Nº 9394, no
entanto, procurou impedir esta brecha ao estipular que o percentual
mínimo se destina ao ensino público, porém considera bolsas de
estudo em escolas privadas como MDE. O problema é que as
disposições constitucionais preponderam sobre as de qualquer lei.
Um terceiro mecanismo favorável foi o salário-educação,
contribuição social criada em 1964 (logo após o golpe militar de 1º de
abril) sobre a folha de pagamento das empresas para financiar o então
ensino primário e que até o final de 1996 podia legalmente custear
alunos reais ou muitas vezes fictícios no ensino fundamental em
escolas particulares, tendo sido carreado para pagar legal ou
ilegalmente boa parte das matrículas no ensino fundamental privado,
segundo Velloso (1987).
Privilégios mais recentes são as isenções fiscais ou de
contribuições a instituições privadas de ensino superior (IES) que
aderissem ao Programa Universidade para “Todos” (PROUNI),
iniciativa do governo federal que exige como contrapartida para tais
isenções a oferta de bolsas integrais ou parciais, o que veio a resolver
ou pelo menos atenuar a ociosidade ou inadimplência nelas, além do
benefício do Financiamento do Estudante do Ensino Superior Privado
(FIES), que é formalmente um empréstimo ao estudante, porém se
materializa em certificados que as IES privadas utilizam para quitar
suas dívidas previdenciárias e outras junto ao governo federal. Vale
lembrar que o FIES é o sucessor do Crédito Educativo, criado na

31
década de 1970 pela ditadura militar (ou civil-militar, segundo outra
interpretação). A magnitude do FIES é exemplificada pela Lei Nº 12.956
(BRASIL, 2014), sancionada pela presidente Dilma em fevereiro de
2014, prevendo R$ 2,5 bilhões em créditos para ele, pelos créditos de
mais de R$ 5,4 bilhões para ele em 2013, segundo o FNDE (BRASIL,
MEC, FNDE, 2014), e pelo fato de o PROUNI ter oferecido mais de 1,2
milhão de bolsas integrais e parciais de 2005 a 2013, segundo o
Sisprouni (o Sistema do MEC para o Prouni) de 6/11/2013, cujo número
expressivo se explica pelo menos em parte porque o FIES prioriza os
bolsistas parciais do PROUNI. Graças a estes e outros mecanismos, tais
IES privadas cresceram mais do que as públicas, não só durante a
ditadura, mas também durante os governos “democráticos” de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e do Partido dos
Trabalhadores (2003 até hoje).
Como se não bastassem todos estes benefícios, em julho de 2012
a presidente sancionou a Lei 12.688 (BRASIL, 2012), para “reestruturar
e fortalecer as instituições de ensino superior privado” com dívidas
tributárias com a União, a serem pagas em 180 prestações mensais, ou
seja, por 15 anos, prevendo também que até 90% das prestações
mensais das dívidas podem ser convertidas em bolsas integrais.
Outro mecanismo é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB), cuja lei de regulamentação (Nº 11.494) permite a destinação
de recursos públicos a creches, pré-escolas e instituições comunitárias,
filantrópicas e confessionais de educação especial “sem fins
lucrativos” conveniadas com o Poder Público, assim como a cessão de
professores da rede pública para trabalhar nelas (BRASIL, 2007),
permissão que contradiz a própria Lei Nº 11.494 e também a EC Nº 53,
que criou o FUNDEB, destinado apenas à educação básica pública.
Por fim, cabe lembrar os recursos embutidos nos produtos e
serviços pagos pela população (neste sentido, são públicos),
arrecadados por empresas e repassados a entidades empresariais: é o
caso do sistema “S” (Senai, Sesi, Senac, Sesc etc.), financiado por
tributos incluídos em muitos preços, ou seja, são recursos públicos,
pois bancados por toda a população, embora privatizados por tais
entidades.

32
3- Artifícios que retiraram/retiram receitas vinculadas à educação
pública

Antes de esboçar alguns destes artifícios, cabe lembrar que as


verbas legalmente devidas em educação são de dois tipos. Um são as
vinculadas à MDE: no mínimo 18% dos impostos, no caso da União, e
25%, em Estados, Distrito Federal (DF) e Municípios, segundo o art. 212
da CF de 1988. Tal vinculação, com percentuais e formulações variados
desde que começou na CF de 1934, foi suprimida na CF de 1937,
restabelecida na CF de 1946, eliminada novamente, na CF de 1967, só
voltando a ser restaurada pela EC Nº 24 (Emenda Calmon), em 1983.
Em alguns Estados (São Paulo, Rio Grande do Sul) e Municípios (Rio de
Janeiro), por exemplo, tais percentuais foram elevados nas respectivas
Constituições Estaduais e Leis Orgânicas municipais. Incidem sobre a
receita líquida de impostos, ou seja, a que fica com o governo federal
após a transferência deles para Estados, DF e municípios, e a que fica
com os governos estaduais após a transferência para os municípios.
Outra receita com origem em impostos que deveria ser contabilizada é
a de impostos atrasados (de anos anteriores), que não é registrada na
rubrica de impostos, mas sim na da dívida ativa tributária, além do
rendimento com a aplicação dos impostos no mercado financeiro,
receitas estas que de modo geral os governos durante muito tempo
não incluíam na base de cálculo do percentual mínimo. No caso do
rendimento financeiro, até hoje a maioria dos governos, talvez todos,
não o incluem nesta base.
Outro tipo de receita são as adicionais ao percentual mínimo,
algumas com origem em impostos, outras não, tendo vinculação
específica, não coincidente necessariamente com o conceito de MDE.
Por exemplo, o salário-educação (quase R$ 17 bilhões de arrecadação
nacional em 2013), que não é imposto, só podia ser utilizado no ensino
fundamental até o final de 2006 porém não no pagamento de pessoal.
Desde 2007 só pode ser empregado na educação básica. Os recursos
da merenda escolar, por sua vez, têm origem no salário-educação e
também em impostos, mas não são considerados de MDE pela LDB,
sendo financiados em grande medida pelo governo federal (R$ 3,5
bilhões em 2013), que também custeia uma série de programas
(transporte escolar, dinheiro direto na escola, Plano de Ações
Articuladas etc) cujos recursos são adicionais e têm vinculação

33
específica. Só os programas de transporte escolar e dinheiro direto na
escola (PDDE) totalizaram quase R$ 3 bilhões em 2013.
Os ganhos (e a complementação federal, se houve/há) com o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (FUNDEF) e o FUNDEB são receitas
adicionais (com origem em impostos) calculadas pela diferença entre a
contribuição de impostos dos governos estadual e dos municipais para
o fundo dentro de cada Estado (os fundos operam só no âmbito de
cada Estado) e sua receita. A complementação federal para o FUNDEB
gira em torno de R$ 10 bilhões atualmente.
São vários os artifícios que prejudicaram e prejudicam a educação
pública. Um são as renúncias fiscais. Segundo o relatório do Tribunal
de Contas da União sobre as contas federais (BRASIL, TCU, 2013), o
total de renúncias de receitas tributárias/previdenciárias/creditícias
pelo governo federal teria atingido R$ 216,5 bilhões em 2012, muito
superiores às despesas federais em educação (R$ 66,5 bilhões) e saúde
(R$ 77,3 bilhões). Como sabido, as renúncias consistem em redução
total ou parcial de tributos por um certo tempo, a pretexto de
incentivar a economia como um todo ou um setor ou região
específico. Vale frisar o impacto negativo de renúncias sobre receitas
estaduais e municipais, constituídas em parte por impostos federais
que integram os Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos
Municípios (FPM). Segundo o Ministro José Jorge, relator do TCU
sobre as contas, em 2012 houve renúncia de receita do Imposto de
Renda e do IPI da ordem de R$ 85 bilhões, com uma redução potencial
nos recursos transferidos a estados e municípios de 38 bilhões de
reais. Considerando que governos estaduais e municipais também
praticam tais renúncias, são astronômicas as perdas sofridas pela
educação pública.
Outro desafio secular é a não aplicação da verba legalmente
vinculada, devida à interpretação equivocada (ou esperta) por
governos e Tribunais de Contas (TC). Por exemplo, desde 2004 o
governo estadual do Mato Grosso excluiu o imposto de renda por ele
arrecadado da base de cálculo, com a concordância/conivência do TC.
Durante anos na década de 1990 o governo estadual de Goiás não
computou nesta base o Fundo de Participação dos Estados, também
com a concordância/conivência do TC. Os governos estaduais do Rio
de Janeiro e São Paulo, por sua vez, durante anos na década de 1990

34
não contabilizaram o salário-educação como acréscimo ao percentual
mínimo, com a concordância/conivência dos TCs. Já a prefeitura do Rio
de Janeiro durante toda a vigência do FUNDEF não acrescentou os
seus ganhos anuais de centenas de milhões de reais ao percentual
mínimo.
Outro prejuízo tem sido a não inclusão dos rendimentos
financeiros com impostos e receitas integralmente vinculadas (salário-
educação, por exemplo). Embora registrados contabilmente como
uma das rubricas da receita patrimonial, e não de impostos, deveriam
ser computados, pois sua origem são impostos ou receitas adicionais.
A inclusão de tais rendimentos talvez não fosse necessária se os
governos, no caso de não aplicarem num trimestre o montante
legalmente devido em MDE, compensassem, no trimestre seguinte, o
valor não aplicado no anterior, conforme exigido pela LDB (§ 4º do art.
69), mas é muito pouco provável que essa exigência legal venha sendo
cumprida, até porque, com base em estudos que realizo há alguns
anos, praticamente nenhum TC faz essa exigência.
No Espírito Santo, o Conselho Estadual do FUNDEF registrou que
o governo estadual não contabilizou em 1999 (e também em anos
posteriores) parte do ICMS utilizado como incentivos fiscais na forma
de empréstimos a empresas no âmbito do Fundo para o
Desenvolvimento de Atividades Portuárias, resultando numa renúncia
fiscal de R$ 408 milhões (DAVIES, 2006), contrariando notificação do
MEC e a Nota Técnica Nº 118 STN/COFIN, de 12/8/03, da Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional, que qualificou este procedimento de
inconstitucional, por violar o inciso IV do artigo 167 da CF.
A educação perdeu e perde recursos também pelo modo como
governos e TCs contabilizam despesas, com uma distinção pouco ou
raramente considerada nos orçamentos e prestações de contas. É a
distinção entre o conceito de MDE, definido nos artigos 70 e 71 da LDB
e complementado pelo Parecer Nº 26 (BRASIL, 1997), do Conselho
Nacional de Educação, e o da função orçamentária Educação, previsto
na Lei Federal Nº 4.320 (BRASIL, 1964), que normatiza a elaboração de
orçamento público. A merenda escolar, por exemplo, não é
considerada como MDE e, portanto, não pode ser paga com o
percentual mínimo, embora possa ser (e é, pelo menos parcialmente)
financiada pelos repasses feitos pelo FNDE para a alimentação escolar.

35
Outro equívoco consiste em considerar os inativos como parte da
MDE, quando o certo é considerá-los na função Previdenciária. Afinal,
não contribuem mais para manter e desenvolver o ensino e sua
aposentadoria, em tese pelo menos, deveria ser financiada com suas
contribuições e as patronais feitas ao longo da vida ativa, caso não
tenham sido total ou parcialmente dilapidadas pelos governos. Vale
lembrar que o conceito de MDE na LDB abrange apenas remuneração
de quem trabalha na educação, e os aposentados recebem proventos,
não remuneração, conforme lembram os Manuais da Secretaria do
Tesouro Nacional.
Deve-se prestar atenção também para a distinção entre despesa
empenhada (também denominada de realizada), liquidada e paga,
uma vez que nem todo empenho é efetivamente liquidado e, portanto,
pago, podendo ocorrer de empenhos emitidos num ano ser
cancelados em exercícios posteriores mas os governos não
descontarem tais cancelamentos dos supostos gastos em educação.
Esta prática de emissão de empenhos (sobretudo para alcançar o
percentual mínimo vinculado à MDE) e seu cancelamento em exercício
posterior não é incomum e, por isso, se deve estar atento para
empenhos não liquidados num ano e que poderão ser cancelados em
exercícios posteriores.
Por último, convém atentar para o fato de que prefeituras só
podem aplicar os 25% dos impostos na educação infantil (EI) e no
ensino fundamental (EF), conforme determina o art. 11 da LDB. Só
podem investir no ensino médio ou superior depois de atender
plenamente à EI e ao EF e mesmo assim com recursos fora dos 25%.

4- A pequena participação do governo federal

São muitos (antigos e atuais) os casos de pouco compromisso


federal com a educação básica. Por exemplo, o art. 60 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CF de 1988 previa
que, por 10 anos, o Poder Público deveria aplicar pelo menos 50% dos
percentuais previstos no art. 212 na universalização do ensino
fundamental e erradicação do analfabetismo (9%, no caso da União), o
que não foi cumprido pelo governo federal, segundo o TCU. A EC Nº 14
(BRASIL, 1996a), iniciativa do governo FHC, diminuiu este
compromisso ainda mais, para o equivalente a 5,4% dos impostos,

36
porém aumentou a obrigação de Estados, DF e municípios com o
ensino fundamental para 15% dos impostos de 1997 a 2006 e criou o
FUNDEF. A EC Nº 53 (BRASIL, 2006), por sua vez, iniciativa do governo
Lula que criou o FUNDEB, não prevê compromisso federal específico
(a não ser a complementação federal) com a educação básica e a
erradicação do analfabetismo, como se este já tivesse sido erradicado,
o que é desmentido pelo IBGE, que registra cerca de 15 milhões de
analfabetos (sem falar nos analfabetos funcionais).
Vale lembrar ainda as várias Emendas Constitucionais que, sem
alterar o art. 212 da CF, desvincularam 20% de impostos federais (entre
eles os que compõem os Fundos de Participação dos Estados e dos
Municípios) e contribuições sociais (o salário-educação) da educação
desde 1994. Os efeitos negativos para Estados, DF e Municípios
terminaram no final de 1999, porém continuaram em âmbito federal
de 2000 a 2010, em consequência da aprovação e prorrogação várias
vezes da Desvinculação da Receita da União (DRU), cujos danos para a
educação só extinguiram no final de 2010, em consequência da
aprovação da EC Nº 59/2009 (BRASIL, 2009), que, entre outras
disposições, estabelece como meta aplicar “recursos públicos em
educação como proporção do Produto Interno Bruto”. De qualquer
modo, o prejuízo destas ECs foi de dezenas de bilhões de reais durante
toda a sua vigência.
Com relação aos dois fundos (FUNDEF e FUNDEB) criados pelo
governo federal, são frágeis pois consistem basicamente numa
redistribuição, dentro de cada Estado, de impostos do governo
estadual e das prefeituras. No FUNDEF (1998-2006), o governo
estadual e os municipais contribuíam com 15% de alguns impostos e
recebiam principalmente de acordo com o número de matrículas no
ensino fundamental regular. No FUNDEB (2007 até 2020), contribuem
com 20% de um número maior de impostos e recebem do fundo de
acordo com dois critérios: (1) número de matrículas municipais na
educação infantil e no ensino fundamental e matrículas estaduais no
ensino fundamental e no ensino médio, (2) valor diferente atribuído a
cada nível, modalidade e localização da matrícula.
A fragilidade vem do fato de milhares de governos perderem com
eles e, portanto, terem menos condições objetivas de manter e
desenvolver o ensino e valorizar o magistério. Os que
ganharam/ganham tiveram/têm condições objetivas de cumprir o

37
objetivo proclamado, porém isso não é nenhuma garantia. Por
exemplo, as matrículas municipais na educação básica em todos os
Estados vêm caindo desde a implantação do FUNDEB, em 2007,
embora milhares de prefeituras tenham tido/venham tendo ganhos e
complementação federal expressivos com ele.
A fragilidade se deve também ao governo federal contribuir com
quase nada ou pouco. No último ano de vigência do FUNDEF, 2006, a
complementação federal foi de menos de 1% (R$ 300 milhões) da
receita nacional, formada quase que exclusivamente pela contribuição
de Estados e municípios (mais de R$ 35 bilhões). No FUNDEB, esta
complementação é maior (10% do total), porém não é tão significativa
quando se considera que o governo federal arrecada muito mais do
que os governos estaduais e municipais. Vale lembrar que tal
complementação era/é definida legalmente como a necessária para a
receita per capita em cada Estado alcançar o valor mínimo nacional,
não sendo cumprida na vigência do FUNDEF nem pelo governo de FHC
nem pelo de Lula. Segundo relatório do GT constituído pelo MEC
(BRASIL, MEC, 2003), o governo federal teria deixado de contribuir
com mais de R$ 12,7 bilhões devidos de 1998 a 2002. Como essa
irregularidade continuou no governo Lula, de 2003 a 2006, a dívida do
governo federal com o FUNDEF de 1998 a 2006 deve ter superado R$
25 bilhões!

5- A enorme desigualdade tributária entre regiões e esferas de


governo e o financiamento nos Planos de Educação

Outro desafio é a enorme desigualdade tributária dentre as


diferentes esferas de governo e principalmente a discrepância entre
recursos e responsabilidades educacionais, desde a Independência, em
1822, até hoje. O governo central tem a maior receita porém nunca
assumiu constitucionalmente oferecer educação básica a toda a
população, deixando-a a cargo dos Estados e Municípios, geralmente
menos privilegiados. Os governos estaduais, por sua vez, vêm se
desobrigando do ensino fundamental transferindo-o (sem nenhuma
base legal) para as prefeituras, sobretudo desde a implantação do
FUNDEF, em 1998, embora fiquem com a maior fatia do maior imposto
(75% do ICMS). Segundo o Balanço do Setor Público Nacional,
publicado em 2012 pela Secretaria do Tesouro Nacional (BRASIL, STN,

38
2012), a receita líquida (ou seja, após transferência da parcela devida
aos municípios) de impostos dos governos estaduais (23 forneceram
dados) em 2010 teria sido de cerca de R$ 282 bilhões (os dados do
Distrito Federal foram excluídos, pois o DF não tem Municípios). Os
Municípios (4.283 forneceram dados, dos 5.564 existentes na época),
por sua vez, teriam tido uma receita de impostos de R$ 182 bilhões, ou
seja, R$ 100 bilhões a menos do que a dos Estados (R$ 282 bilhões). Já
o número de matrículas municipais na educação básica em 2010
(23.722.411) foi maior do que as estaduais (20.031.988). Em outras
palavras, as prefeituras arrecadaram bem menos impostos (R$ 100
bilhões a menos) para atender a um número maior de matrículas (+ de
3,7 milhões) na educação básica do que os governos estaduais.
Esta desigualdade remete a uma das principais polêmicas no
financiamento entre, de um lado, os que priorizam mais verbas,
enfatizando a sua falta, e, de outro, os que advogam sua melhor
aplicação, argumentando que elas já são suficientes. Um exemplo
desta polêmica foram os projetos de lei para o Plano Nacional de
Educação (PNE) encaminhados em 1998, um pelo MEC, o outro por
entidades da dita sociedade civil, sobretudo sindicatos de profissionais
da educação e entidades acadêmicas, reunidas no Congresso Nacional
de Educação (CONED), em Belo Horizonte, em novembro de 1997. O
projeto do MEC previa uma série de metas para 10 anos, porém não
definia aumentos dos gastos governamentais, alegando que bastaria a
aplicação do percentual mínimo dos impostos e a racionalização no
uso dos recursos para a consecução das metas, sem estimar os custos
de tais metas e os recursos necessários. Embora seja verdade que a
diminuição ou eliminação dos desperdícios ou corrupção dos governos
possibilitaria recursos significativos para o cumprimento de tais metas,
era pouco provável a concretização das metas do MEC apenas com o
uso “judicioso” dos recursos constitucionais. Se até hoje as práticas
dos governantes têm deixado muito a desejar em termos deste uso
judicioso, por que razão mudariam a partir do Plano? Como o Plano
não apontava elementos concretos que permitissem esperar a
aplicação correta e racional dos recursos, as suas metas careciam de
fundamentação por não definirem a origem estatal dos recursos
adicionais para a sua realização. Isso talvez se explique porque o
governo federal na época, seguindo o receituário neoliberal, via a
educação como responsabilidade de todos, e não apenas do Estado

39
(tido como incompetente e ineficiente), o que significava transferir à
família, aos meios de comunicação de massa, às organizações não-
governamentais, leigas ou confessionais, à ação da iniciativa privada,
papéis crescentes na oferta da educação que seria responsabilidade
estatal.
Ao contrário do MEC, o Plano das entidades participantes do
CONED, autointitulado “Proposta da Sociedade Brasileira”,
previa aumento significativo (10% do PIB) dos recursos públicos
ao longo de 10 anos. Ora, conforme o noticiário revela
diariamente, não basta aumentar os recursos, pois eles podem
ser dilapidados pelos governantes e pela máquina estatal devido
à má gestão, superfaturamentos e tantas outras práticas ilícitas.
O simples aumento dos recursos não resultará necessariamente
no atendimento das metas quantitativas e qualitativas do plano,
uma vez que a corrupção, o desperdício, a burocratização e
tantos outros males podem consumir grande parte do aumento
das verbas. Assim, o financiamento é tanto uma questão
quantitativa (mais recursos) quanto qualitativa (sua melhor
utilização).
A propósito, o Plano sancionado por FHC em 2001 (em vigor
até o final de 2010) não previa aumento de recursos em
consequência dos vetos presidenciais, nunca derrubados por
Lula nem por sua base aliada (eficiente para outras coisas),
criando, assim, um plano que não foi plano, pois não definia a
origem dos recursos para a consecução das metas. Em outras
palavras, o plano se tornou mera retórica.
Tal polêmica de certa forma se repetiu na “novela” do
projeto de lei (PL) de PNE encaminhado pelo governo federal ao
Congresso Nacional no final de 2010. Previa 7% do PIB ao final da
vigência do PNE, contrariando a proposta das entidades reunidas
na Conferência Nacional de Educação (CONAE) em 2010, que
defendiam 10% do PIB em 2014 para a educação pública! A ironia
é que a CONAE parece ter sido bancada pelo MEC e as entidades
que dela participaram de modo geral eram e são alinhadas com o
governo federal atual, o que parece indicar que a CONAE foi

40
promovida para o governo se legitimar e criar a ilusão (mais
uma!) da participação de entidades da “sociedade civil”, uma vez
que a proposta da CONAE para o financiamento do PNE não foi
considerada, sendo torpedeada pelos representantes do
governo no Congresso Nacional.
O financiamento na Lei do novo PNE (Lei nº 13.005), sancionada
em junho de 2014, contém vários pontos fracos. Um é prever no
mínimo 10% do PIB apenas para o final da vigência do PNE, ou seja, em
2024, sendo no mínimo 7% do PIB no quinto ano, a saber, em 2019.
Como não há definição de percentuais e progressividade entre estes
períodos, o Poder Público não é obrigado a aplicar nenhum percentual
durante eles. Em outras palavras, até o quarto ano não há nenhuma
exigência de percentual, assim como do 6° até o 9º.
Outro problema é a falta de clareza sobre a destinação dos
recursos públicos, pois a meta 20 prevê que tais percentuais se
destinam à educação pública, porém o § 4o do art. 5º define que “O
investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art.
214 da Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os
recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do
art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como
os recursos aplicados nos programas de expansão da educação
profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal,
as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios
concedidos em programas de financiamento estudantil e o
financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma
do art. 213 da Constituição Federal (grifo meu). Aparentemente, os
percentuais se vinculam à educação pública, porém o Poder Público,
no cálculo do investimento público em educação previsto no inciso VI
do art. 214 da CF, poderá considerar os recursos públicos destinados a
programas que beneficiam instituições privadas, como o Fies, creches,
pré-escolas e de educação especial privadas sem fins lucrativos,
isenção fiscal (Prouni, por exemplo).
Outra debilidade é que os governos não arrecadam PIB, mas sim
impostos, taxas e contribuições etc. O PIB é apenas um indicador
(muito frágil, tendo em vista a sonegação fiscal generalizada) da
riqueza nacional, cuja maior parte não fica com o Poder Público, mas
sim com o setor privado. Como cobrar do Poder Público a aplicação de
um percentual de uma receita que ele não arrecada? A destinação de

41
10% do PIB será dificilmente operacionalizável porque o PIB informa a
riqueza nacional (dos governos e iniciativa privada), não apenas dos
governos, e será impossível responsabilizar as diferentes esferas de
governo (federal, estadual e municipal) ou cada governo
individualmente em termos de percentual do PIB. Talvez o único que
possa ser responsabilizado em certa medida seja o federal, até porque
individualmente detém grande parcela da receita nacional. Quando as
responsabilidades financeiras não são claramente definidas, o seu
descumprimento é inevitável. Isso é complicado ainda mais porque o
regime de colaboração até hoje não foi definido e a Lei prevê sua
regulamentação somente no prazo de 2 anos após a aprovação do
PNE.
Além disso, mesmo que governos indiquem nos orçamentos e
balanços estarem aplicando o correspondente a 10% do PIB, nada
garante que isso esteja acontecendo na prática, pois não é incomum
eles declararem dispêndios que não representam despesas reais.
Tampouco adianta destinar 10% do PIB para a educação pública se
grande parte dos recursos for absorvida pela burocracia, que é quem
controla a destinação das verbas. É sabido que boa parte dos recursos
públicos se perdem nas atividades-meio e não beneficiam as
atividades-fim (a escola e a sala de aula) e o aumento de recursos para
a educação não garante necessariamente o atendimento de certas
metas de ampliação de vagas, contratação de profissionais da
educação e funcionários, se a burocracia educacional não for contida
em sua voracidade. Em síntese, não basta garantir mais recursos. É
preciso também assegurar a sua efetiva aplicação (e não apenas
contábil) na melhoria das atividades-fim (o professor e o aluno).
Outra fragilidade é que a Lei não poderá ser cumprida
imediatamente, pois muitas das ações nela previstas dependerão de
leis posteriores. A mais importante é a regulamentação do regime de
colaboração entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com
implicações na ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados
(prevista no art. 211 da CF). Trocando em miúdos, se os entes
federados não tiverem condições de garantir o padrão mínimo de
qualidade de ensino, a União e os Estados deveriam exercer tal ação
(art. 75 da LDB). Tal regulamentação até hoje não foi feita e a Lei a
posterga ainda mais, segundo a estratégia 20.9, que prevê, no prazo
de 2 anos, lei complementar neste sentido.

42
Outra estratégia que dependerá de lei posterior, também no
prazo de 2 anos após a sanção da Lei nº 13.005, é a que definirá o custo
aluno-qualidade inicial, a ser substituído pelo custo aluno-qualidade no
prazo de 3 anos, prevendo-se complementação federal a Estados,
Distrito Federal e Municípios que não alcançarem tal valor do custo-
aluno-qualidade. Em suma, como a lei do PNE foi sancionada em 2014,
só em 2016 (provavelmente mais para o final do ano) termina o prazo
para a elaboração da Lei do Custo Aluno-Qualidade inicial e a
regulamentação do regime de colaboração. Até lá não se poderá exigir
legalmente a ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados,
conforme previsto na LDB. Uma fragilidade deste cálculo é que ele
será monopolizado pelo INEP, sem nenhuma participação ou influência
efetiva de entidades da sociedade civil. No máximo tal cálculo será
“acompanhado pelo Fórum Nacional de Educação, pelo Conselho
Nacional de Educação e pelas Comissões de Educação da Câmara dos
Deputados e de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal”
(BRASIL, 2014). Para este caso, no entanto, a Lei não prevê o controle
social que advoga sobre os recursos aplicados em educação.

Referências

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Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em <http://www.
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União, Brasília, DF, 13 set. 1996a. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/> Acesso em: 10 dez. 2010.
BRASIL. Emenda Constitucional Nº 53, de 19 de dezembro de
2006. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da
Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
20 dez. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>
Acesso em: 10 dez. 2010.

43
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2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do
exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da
União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e
desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da
Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art.
208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a
dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas
suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá
nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do
art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 12/11/2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 10 dez. 2010.
BRASIL. Lei Nº 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre o Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13/7/2001.
BRASIL. Lei Nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa
Universidade para Todos - PROUNI, regula a atuação de entidades
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Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o
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9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e
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46
POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA A GESTÃO ESCOLAR

Edson Pantaleão1

Introdução

Neste texto, problematizamos as implicações das políticas


públicas de Educação Especial para a atuação da equipe de gestão
escolar, mais especificamente, destacamos os indicativos das políticas
de inclusão do município de Vitória-ES e seus rebatimentos nas
práticas organizativas no cotidiano das escolas. Enfatizamos, a partir
da literatura e do estudo de documentos legais, as possíveis interfaces
entre a gestão escolar, a inclusão e a formação continuada. Por fim, a
partir de uma experiência de pesquisa realizada em uma escola
municipal, indicamos a necessidade de a equipe de gestão escolar
articular, criticamente, suas decisões e escolhas às demandas da escola
e às políticas pensadas e elaboradas nos órgãos centrais dos sistemas
de ensino.
A escola vem sendo compreendida como lugar privilegiado de
socialização de saberes. Local onde se ampliam as relações humanas,
principalmente, por meio da apropriação de códigos linguísticos
historicamente produzidos. Estes facilitam a comunicação entre os
sujeitos e o acesso a novos conhecimentos. Com efeito, as formas de
comunicação e as relações estabelecidas no contexto escolar criam
marcas históricas na trajetória de cada sujeito particular. E, em se
tratando do aluno público alvo da Educação Especial, há que se
considerar a importância dessa vivência cotidiana na sua trajetória
pessoal e escolar, para o enfrentamento e superação de barreiras
historicamente produzidas.
É importante destacar que o direito à educação, por muitos anos,
foi reservado a uma elite social. No entanto, com a organização dos
movimentos sociais, lutas foram firmadas para que o acesso aos

1 Doutor em Educação, professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-


graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo.

47
bancos escolares fosse estendido a todos os cidadãos brasileiros,
como um direito público e subjetivo, sendo dever do Estado garantir
esse direito, conforme previsto em textos legais.
Com isso, o movimento de inclusão de alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação ganhou ênfase, visto que o ensino desses estudantes foi
muitas vezes substituído por intervenções em instituições
especializadas, devido à crença de que atendimentos clínicos e
terapêuticos eram mais necessários do que os processos de
escolarização. Dessa maneira, ações foram direcionadas para que as
escolas de Educação Básica se configurassem como espaços inclusivos,
demandando além da reorganização das ações pedagógicas, outra
base filosófica e arquitetônica, para que os alunos tivessem acesso,
permanência e ensino no contexto escolar.
Em âmbito nacional, significativos movimentos evidenciam as
tentativas das escolas de ensino comum se adequarem às
necessidades dos alunos, mas grandes desafios ainda persistem nesse
processo, pois a fragilidade da formação docente para o trato da
diversidade humana, os currículos escolares organizados
sequencialmente, as perspectivas de avaliação presas a resultados
quantitativos, e a necessidade da gestão da escola desencadear ações
para que todos possam aprender na coletividade, são desafios ainda
não respondidos, cujas ações estão em processo de construção
(PANTALEÃO, 2012).
No bojo desse debate, a implementação de políticas públicas de
Educação Especial no contexto da inclusão escolar tem desencadeado
para as escolas a necessidade da (re)organização e coordenação das
ações pedagógicas no seu cotidiano. Isso tem provocado, para
atuação da equipe de gestão, uma maior implicação nos processos de
formação continuada no contexto das escolas. Na tentativa de
compreender os indicativos de tais políticas emanadas da Secretaria
Municipal de Educação de Vitória (SEME) e seus possíveis
rebatimentos na atuação da equipe de gestão das escolas, neste texto
trazemos aspectos referentes às propostas políticas do sistema
municipal de ensino nos últimos anos, bem como aspectos dos Planos
de Trabalho do setor de Educação Especial dessa Secretaria.

48
Interfaces entre a gestão escolar, a inclusão e a formação continuada

Temos presenciado, no Brasil, nas últimas décadas, movimentos


de reforma educacional direcionados para todos os níveis e
modalidades de ensino. Indicativos desses movimentos estão
presentes no processo de desconcentração da gestão da educação,
nos discursos sobre autonomia da escola, flexibilização do currículo,
“escola para todos”, na importância de se considerar as diferenças
humanas e educar na diversidade. Tais reformas têm provocado a
necessidade de mobilizar a instituição escolar para outra forma de
pensar seu trabalho e seus modos de ação junto aos profissionais que
nela atuam, bem como junto aos alunos e comunidade na qual está
inserida e com a qual atua. Entretanto, observamos certos padrões
burocráticos que estão cristalizados na organização e no
funcionamento dos sistemas de ensino, evidenciados,
paradoxalmente, na centralização de tomadas de decisões e de
implementação de políticas educacionais pelas Secretarias de
Educação.
Corroborando esses argumentos, Garcia (2006) e Michels (2006)
destacam que, com as reformas educacionais brasileiras a partir das
políticas vigentes, a organização do trabalho pedagógico escolar tem
sido foco de referência para se pensar processos de formação
continuada.
Ao analisar os eixos das reformas educacionais na última década,
Michels (2006) destaca que a gestão, a formação de professores e a
inclusão são apontadas como indicadores das políticas que atribuem
contornos para a organização escolar. Nesse sentido, direciona-se para
a equipe de gestão a assunção de uma fundamental posição política de
mobilização e articulação entre o atendimento às demandas das
escolas e as reivindicações junto às secretarias de educação, para a
implementação das políticas e conquistas para as escolas. Destaca-se,
aqui, a configuração da função política e administrativa da gestão
escolar.
Esses desafios fizeram e fazem a legislação nacional dar passos
significativos para que as escolas de ensino comum se projetem como
espaços inclusivos, pois a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDBEN n°. 9.394/96 – possibilitou, só para citarmos alguns
exemplos, a oferta de currículos, métodos, técnicas, recursos

49
educativos e organização específicos, para atender às necessidades
desses estudantes; uma terminalidade específica para aqueles que não
puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental; a disponibilização de professores para o atendimento
especializado e de docentes capacitados para o trabalho nas classes
comuns (BRASIL, 1996).
O novo desafio para a gestão escolar é a implantação da política
nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
Apresentada pelo Ministério de Educação/Secretaria de Educação
Especial, em janeiro de 2008, considera que, a partir dos referenciais
para a construção de sistemas educacionais inclusivos, há a
necessidade de mudança estrutural e cultural da escola “para que
todos os alunos tenham suas especificidades atendidas” (BRASIL,
2008, p. 5).
Nesse sentido, para assegurar a inclusão escolar de alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, é preciso garantir:

acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e


continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da
modalidade de educação especial desde a educação infantil até a
educação superior; oferta do atendimento educacional especializado;
formação de professores para o atendimento educacional especializado
e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da
família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes,
nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação
intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p.
14, grifos nossos).

Essas reflexões nos possibilitam problematizar os processos de


gestão da e na escola, principalmente no que se referem às práticas
organizativas, pedagógicas e administrativas, para assegurar a inclusão
desses alunos, mais especificamente, aos processos de ensinar e
aprender que perpassam as relações intersubjetivas no cotidiano
escolar. Assim, precisamos indagar: como as políticas públicas,
emanadas dos órgãos centrais dos sistemas de ensino, têm sido
implementadas no cotidiano escolar? Como os profissionais das
escolas têm compreendido esses movimentos políticos? E, por fim,
como a instituição escolar na organização dos seus espaços e tempos

50
tem respondido a essas questões? Essas são algumas indagações que
desencadeiam reflexões que tangenciam a temática que focalizamos
neste texto.
Com a ampliação das conquistas legais das pessoas com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação para a escolarização nas escolas comuns, os
profissionais da educação têm sido desafiados, em suas práticas
cotidianas, a garantir que o processo de aprendizagem seja
assegurado a todos os alunos e a buscar meios para educar a todos
indistintamente, em um mesmo espaço e tempo. Isso implica, segundo
Prieto (2003), movimentos de mudanças tanto no âmbito dos sistemas
de ensino, quanto das unidades escolares e das práticas dos
profissionais que nelas atuam.
Para Garcia (2006, p. 299), as formas de organização do trabalho
pedagógico a partir das políticas vigentes para a educação especial
têm tido como eixos de referência, em primeiro lugar, “[...] uma
abordagem educacional para a educação especial, cujo pilar é a
concepção de necessidades educacionais especiais, em contraposição
ao trabalho pedagógico tradicional que tomava como referência o
modelo médico-psicológico [...]” e, em segundo lugar, “[...] uma crítica
à homogeneização da escola regular, na defesa de um trabalho
pedagógico com referência na diversidade e no reconhecimento das
diferenças”. Contudo, os estudos da autora apontam para uma “[...]
insuficiência das proposições inclusivas para as políticas de educação
especial no Brasil no sentido da superação das desigualdades
educacionais”, uma vez que se observam processos de reprodução em
relação às proposições das políticas internacionais, expressadas nas
práticas escolares por meio da apropriação e preservação de princípios
conservadores na compreensão das relações sociais, as quais
subordinam, em grande medida, as formas organizativas do trabalho
pedagógico.
A partir da concepção que se tem configurado no discurso
“atendimento às necessidades educacionais especiais”, podemos
estar, segundo Garcia (2006), obscurecendo as relações de exclusão na
e da escola e colocando sobre os sujeitos a responsabilidade pelo seu
sucesso ou fracasso escolar, se considerarmos os alunos com
necessidades especiais

51
[...] todos aqueles que não acompanharem o trabalho pedagógico
encaminhado na escola regular. [...] cumpre lembrar o próprio
surgimento da educação especial, que se deu relacionado às
classificações e seleções dos alunos que não acompanhavam os estudos
na escola regular (GARCIA, 2006, p. 303).

No caso do Brasil, os indicativos para o trabalho organizativo das


escolas no atendimento aos alunos com “necessidades educacionais
especiais”2 aparecem na legislação, tanto na Lei nº 9394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN), quanto no
Relatório que compõe o Parecer CNE/CEB 17/2001 e na Resolução
CNE/CEB 02/20013, apoiados no discurso da democratização da
educação e da escola. Em uma amplitude política de gestão, essa
Resolução convoca os sistemas de ensino a fazerem funcionar um
setor de Educação Especial para que, colaborativamente com as
unidades de ensino, instituíssem ações visando à garantia do
conhecimento a esses estudantes:

Os sistemas de ensino devem contribuir e fazer funcionar um setor


responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos,
materiais e financeiros que viabilizem e deem sustentação ao processo
de construção da educação inclusiva (BRASIL, 2001, art. 3º).

Ao nos debruçarmos sobre a agenda de políticas públicas de


educação na modalidade de educação especial percebemos que essa
tem constituído debates constantes entre educadores da área, bem
como pesquisadores e estudantes, principalmente a partir de 2008,
quando da instituição da Política Nacional de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva, que sinaliza a necessária

2 A legislação brasileira define mais claramente a população da educação especial.


Essa definição é reforçada no texto do documento orientador da Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de janeiro de 2008, nos
seguintes termos: “a educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da
escola, definindo como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos
globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008, p. 15).
3 BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer
17/2001, de 03 de julho de 2001. Brasília, 2001a e BRASIL. Conselho Nacional de
Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução 02/2001, de 11 de setembro de
2001, que institui as Diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica. Brasília, 2001b.

52
implementação de políticas públicas para que alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação tenham garantido o acesso, a participação e
aprendizado nas escolas regulares (MEC, 2008). Esse documento, além
de definir os sujeitos a serem trabalhados pela educação especial,
também reforça os princípios e fundamentos das escolas inclusivas.
Outros documentos disparadores desse debate são: o Decreto Nº
6.571 (2008) que dispõe sobre o Atendimento Educacional
Especializado – AEE, a Resolução CNE/CEB Nº 004 (2009) que instituiu
diretrizes operacionais para esse atendimento e o Decreto 7.611 (2011)
que revoga o decreto anterior e dispõe sobre a educação especial e o
atendimento educacional especializado, entre outros.
A operacionalização dos serviços prestados pelas instituições
especializadas de educação especial, a partir da Resolução Nº 004
(2009), provocou uma mudança na organização do atendimento
educacional, de forma que tais instituições tiveram que se organizar
como Centro de Atendimento Educacional Especializado – CAEE, no
Estado do Espírito Santo.
Problematizando essa questão, encontramos em Baptista (2009),
questionamentos acerca dos possíveis resultados das atuais políticas.
Na análise sobre o movimento da elaboração da política de 2008, por
exemplo, o autor destaca apontamentos/temas que continuam como
eixos definidores do campo da educação especial e educação inclusiva.
Entre eles ressaltamos: o papel da educação especial na instituição de
processos inclusivos, considerando a dependência de mudanças no
ensino comum; a necessidade da definição de quem são os sujeitos da
educação especial; a definição dos serviços mais apropriados para o
suporte à inclusão; como deve ser oferecido o serviço na sala de
recursos e quais suas relações com a prática pedagógica da sala de
aula comum.
Diante disso, a atuação de uma equipe de gestão na organização
e coordenação dos espaços e tempos escolares, com vista à
construção e a implementação de práticas educativas que atendam
aos processos de inclusão, precisa provocar o engajamento político da
coletividade escolar no que concerne ao atendimento dos alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, seja no âmbito dos espaços da escola, seja

53
nas reivindicações de políticas públicas que garantam condições
concretas de trabalho.
Direta ou indiretamente, a presença desses alunos no contexto
escolar tem provocado “tensões”4 e desencadeado a necessidade de
organização de práticas de gestão – pedagógica e administrativa – que
considerem, cada vez mais, as diversidades histórico-culturais na
constituição dos sujeitos. Isso implica a construção de novos modos de
pensar a escola, bem como de organizar seus espaços e tempos. Trata-
se, no entanto, nos termos de Heller (1992), de uma situação
conflituosa e desconhecida, necessitando a superação da assunção de
papéis predeterminados no ato da gestão, pois “os ideais de um papel
conduzem tão-somente ao empobrecimento, à atrofia do homem.
Levam simplesmente a uma direção manipulada e mecanizada do
comportamento” (p. 97). Assim,

[...] quanto mais inédita for uma situação, tanto menos será possível
comportar-se diante dela conforme as prescrições de um papel que [...]
debilita-se do ponto de vista social geral nos casos em que, durante seu
decurso, produz-se uma situação conflitiva repentina e revolucionária
(HELLER, 1992, p. 107).

Políticas de inclusão no município de Vitória: implicações para a


atuação da equipe de gestão escolar.

As reflexões feitas até aqui se apresentam pertinentes,


principalmente, no contexto das reformulações e implementação das
políticas de inclusão do Município de Vitória-ES. Os indicativos da
Secretaria Municipal de Educação entre os anos de 2007 e 2013, por
meio do Plano de Trabalho da “Coordenação de Formação e
Acompanhamento à Educação Especial (CFAEE)”, apontam para que a
escola assuma, cada vez mais, o seu compromisso político e sua
responsabilização perante esses alunos e seja “uma instituição aberta
a todas as crianças, uma instituição que tem a preocupação de não
descartar ninguém, de fazer com que se compartilhem os saberes que

4 “Tensão” aqui pode ganhar, assim como nos termos de Meirieu (2005), a dimensão
de uma situação de oposição próxima ao conflito entre duas pessoas ou grupos de
pessoas, bem como pode ser interior e designar o estado de um sujeito submetido a
injunções contraditórias. Nesse caso, traduz-se por uma contração e pode conduzir o
sujeito a projetar-se para uma ação futura – tensão para.

54
ela deve ensinar a todos. Sem nenhuma reserva” (MEIRIEU, 2005, p.
44). Nessa direção, a Secretaria pretende “redimensionar o
atendimento educacional especializado nas unidades de ensino [...] a
fim de aprimorar as práticas pedagógicas e a discussão acerca da
educação inclusiva, no cotidiano das escolas” (VITÓRIA, SEME/SPP/
CFAEE – PLANO DE TRABALHO/2007, p. 2-3). Esse documento
apresenta como objetivos, entre outros:

a) Oportunizar a um maior número de unidades de ensino condições


para reflexão e elaboração teórico-prática, acerca da educação especial
na perspectiva da inclusão; b) Facilitar o acesso dos alunos ao
atendimento educacional especializado, visando descentralizar a
concentração dos mesmos nas unidades de ensino com Laboratórios
Pedagógicos; c) Aprimorar e estreitar as relações e as trocas de
experiências das práticas pedagógicas realizadas, com os alunos, pelos
professores especializados em educação especial e pelos professores de
sala comum, diretores, pedagogos, coordenadores de turno e outros
profissionais da escola (p. 3).

O propósito da Coordenação de Formação e Acompanhamento à


Educação Especial (CFAEE), com seus Planos de Trabalho, é redimensionar
o atendimento educacional especializado nas escolas, modificando o
“modelo” de atendimento oferecido aos alunos com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação
que, nos últimos anos, seguia a proposta dos “Laboratórios
Pedagógicos”5. Para tanto, “com vistas a ampliar as oportunidades dos
alunos em seu processo de ensino e aprendizagem, por meio do currículo
escolar, das práticas pedagógicas, dos processos de avaliação e das
demais ações que os envolvam”(VITÓRIA, SEME/SPP/ CFAEE – PLANO DE
TRABALHO/2012, p. 6), a CFAEE apresenta a importância de articulação
das suas ações com as Gerências de Educação Infantil, de Ensino
Fundamental e demais Gerências e Coordenações da Secretaria Municipal
de Educação, buscando dar subsídios às unidades de ensino no processo
de inclusão escolar.

5 Para uma melhor compreensão acerca dos pressupostos gerais que orientam a
política educacional implantada no município de Vitória (ES), em especial sobre
como foi pensada e implantada a educação dos alunos com necessidades
educacionais especiais, no período de 1989 até 2004, veja Gobete (2005).

55
De fato, o atendimento educacional especializado, via Laboratório
Pedagógico, fora implementado no município de Vitória (ES), no final
da década de 1990. Naquele momento, diante do crescimento (de
162%) de matrículas de alunos com deficiência, transtornos globais de
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Sistema
Municipal de Ensino, a equipe de Educação Especial teve a tarefa de
elaborar uma política de Educação Especial “alinhada” aos
pressupostos da “educação para todos”. Partindo da compreensão de
que seria inviável equipar todas as 79 Unidades de Ensino, fora
constituído e implementado o Projeto Unidades-Polo. Desse modo,
sete Unidades-Polo foram criadas, uma em cada região administrativa
da Cidade de Vitória (GOBETE, 2005). A autora faz as seguintes
considerações sobre as Unidades-Polo:

as Unidades-Polo são escolas comuns da rede, localizadas nas regiões


administrativas do município, cujo programa implica em promover
adaptações estruturais e funcionais para um melhor desempenho destes
alunos [alunos com necessidades educativas especiais] no seu processo
de escolarização (SEME/DEE, 1999, apud GOBETE, 2005, p. 136, grifo da
autora).

Com a implantação do projeto Unidade-Polo, o atendimento aos


alunos com “necessidades educacionais especiais” se dava em espaços
específicos denominados “Laboratórios Pedagógicos”, que eram
acompanhados e assessorados por profissionais da equipe de
educação especial, localizados na SEME. Gobete (2005) destaca que,
embora o conceito de Laboratório Pedagógico (LP) estivesse
fundamentado na pertinência da instituição de um espaço favorável à
produção de novas didáticas ou de uma “pedagogia especializada” a
partir do trabalho desenvolvido com os alunos,

[...] os Laboratórios Pedagógicos guardaram semelhanças com as Salas


de Recursos: oferta de serviço pedagógico especializado nas áreas de
deficiência mental, auditiva e visual; atendimento ao aluno no horário
contrário ao do ensino comum; trabalho realizado em pequenos grupos
ou individualmente por professor especializado na respectiva
deficiência; assessoria da equipe central nas atividades a serem
desenvolvidas pelo professor especialista, com pouco envolvimento dos
profissionais da unidade escolar, nesse caso, da UP, no planejamento e
ações desenvolvidas no LP, o que acaba reforçando a ideia de que esse

56
espaço não pertence à escola onde está localizado e continua visto como
um espaço segregado da Educação Especial, ou seja, alimenta-se o
hábito da transferência da responsabilidade para com o aluno (GOBETE,
2005. p. 143).

Gobete (2005) nos explica que isso se dava, fundamentalmente, em


decorrência do fato de que os profissionais que passaram a atuar nos
Laboratórios Pedagógicos eram, basicamente, os mesmos que vinham
atuando nas salas de recursos. Não conseguindo perceber as mudanças
propostas pela política municipal, estava claro, para eles, a mudança de
terminologias, “mas não estava totalmente claro o que efetivamente
mudaria na atuação dentro desses espaços que continuavam, na prática,
com a mesma formatação” (GOBETE, 2005, p. 144).
No final do ano de 2002, novamente observamos mudanças na
política de atendimento aos alunos com “necessidades educacionais
especiais”. A nova mudança instituiu a função de coordenador de
Laboratório Pedagógico, objetivando a descentralização das ações de
assessoria e acompanhamento pedagógicos específicos. Localizados
por região administrativa, os coordenadores passariam a atuar em
escolas de cada região, descentralizando as ações da equipe de
educação especial. As funções desse profissional foram definidas nos
seguintes termos:

Cada Laboratório Pedagógico (LP), nos turnos matutino, vespertino e


noturno, terão 1 (um) coordenador de atividades, sob a supervisão da
Divisão de Educação Especial, a fim de realizar, semanalmente, junto à
equipe de professores do LP: - O planejamento e avaliação das atividades
internas e externas do LP; - O acompanhamento dos encaminhamentos
dos alunos avaliados e atendidos no LP; - As avaliações do potencial
pedagógico dos alunos encaminhados ao LP, a fim de levantar
necessidade de atendimentos específicos ou de outros
encaminhamentos que se fizerem necessários; - A agenda de trabalho
dos profissionais do LP;- O cumprimento das ações e demandas do LP
(SEME/DEE, 2002 apud GOBETE, 2005, p. 164-165).

Em documento posterior, na atualização do seu plano de ação


para 2002-2003, a Divisão de Educação Especial da SEME definiu que os
coordenadores de Laboratório Pedagógico exerceriam essas funções,
de modo que aquele espaço pudesse:

57
[...] promover o acesso ao currículo escolar, o desenvolvimento do
talento, subsidiar, acompanhar, prover as ações pedagógicas das
unidades escolares e dos alunos que apresentam NEE, bem como mediar
ações de parcerias com instituições facilitadoras do processo inclusivo
(por exemplo, APAE, SEMUS, SEMAS, UFES, FAESA, UVV, entre outras),
em colaboração com a Equipe Central, as Unidades de Ensino e as
famílias (VITÓRIA/SEME/DEE, 2003, p.8).

Desde então, a política de atendimento especializado ao aluno


com “necessidades educacionais especiais” passou a organizar-se sob
o “modelo” Laboratório Pedagógico. Com a expectativa de ampliar os
serviços de atendimentos ao alunado, em 2004, o Sistema Municipal
de Ensino contava com a organização de 14 Laboratórios Pedagógicos.
De acordo com registros encontrados na escola investigada
durante a pesquisa de doutorado realizada entre os anos de 2007 e
2009, no período de 2004 a 2006, quatro professoras do ensino
comum assumiram a função de coordenador do Laboratório
Pedagógico na escola: Larissa, em 2004; Nilsa, em 2005; Maura, em
2006, e, ainda no final desse ano, a professora Janete 6. Entretanto, a
partir de uma nova proposta política de atendimento educacional
especializado nas escolas, a Coordenação de Formação e
Acompanhamento à Educação Especial (CFAEE), com seu Plano de
Trabalho de 2007, redimensionou a coordenação dos serviços
especializados, que passaria, dessa vez, para a equipe de gestão da
escola.
Nessa perspectiva, os indicativos contidos nos documentos da
SEME apontam para uma efetiva implementação de práticas de
planejamento coletivas e modos de organização e coordenação dos
seus espaços e tempos de formação continuada, para possibilitar aos
profissionais desencadearem ações que atendam às demandas
concretas nas práticas cotidianas, considerando, principalmente, que:

Cada Unidade de Ensino, de acordo com sua própria demanda, e a partir


da gestão de seus recursos e/ou busca de recursos próprios via caixa
escolar, adquirirá seus equipamentos, materiais didáticos, ampliação de
seus espaços, dentre outros recursos necessários provenientes do
FNDE/EE, SEME/CFAEE, SEME/GGD, ao atendimento dos alunos com NEE
(VITÓRIA, SEME/SPP/CFAEE – PLANO DE TRABALHO/2007, p. 5).

6 Os nomes aqui utilizados são fictícios.

58
Para a efetivação das ações pedagógicas no atendimento
educacional especializado, esse documento, assim como os Planos de
Trabalho dos anos subsequentes, prima pela necessidade do trabalho
colaborativo entre o professor especializado e o professor da classe
comum. Destaca ainda, conforme indicativos da política nacional
(BRASIL, 2006):

- atuação de professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis;


- atuação de professores itinerantes intra e interinstitucionais; -
disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à
locomoção e à comunicação; - salas de apoio pedagógico, nas quais o
professor especializado possa realizar a complementação ou
suplementação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e
materiais específicos em período diverso ao da escolarização.

Outro indicativo dos planos de trabalho da Secretaria, que tem


implicações e demandas para a equipe de gestão na organização e na
coordenação dos espaços e tempos da escola, principalmente, no que
diz respeito ao planejamento e atuação colaborativa7 entre os
profissionais, refere-se à disponibilização de carga horária para os
professores especializados em educação especial.
Conforme prescrito no documento de 2007, esses profissionais
precisariam distribuir sua carga horária de 25 horas semanais em duas
escolas, “sendo: 15 horas em EMEF8 com maior concentração de
alunos com necessidades educacionais especiais, por
comprometimento motor, sensorial, mental, neurológico, segundo
caracterização do MEC/SEESP e Censo Escolar/ SEME, e 10 horas em
outra EMEF com menor concentração destes alunos” (VITÓRIA,
SEME/SPP/ CFAEE – PLANO DE TRABALHO/2007, p. 5). Já o documento
2008-2009 apenas prescreve que a carga horária desses profissionais
será organizada em conformidade com o quantitativo de alunos nas

7 Na política municipal, a atuação colaborativa entre docentes supõe envolvimento


dos professores especializados no cotidiano escolar dos alunos com necessidades
educacionais especiais, a partir de uma estreita atuação junto ao professor do ensino
comum. Essa atuação pode se dar pelo acompanhamento ao aluno no contexto das
salas de aula e/ou nos momentos de planejamentos quando discutem os processos
escolares desses alunos, para definir aspectos metodológicos qualificados às suas
necessidades.
8 Escola Municipal de Ensino Fundamental.

59
escolas, sem especificar o número de horas em cada escola – incluam-
se, aqui, os Centros de Educação Infantil. Além dessa definição, os
professores das áreas de surdez, deficiência visual (orientação e
mobilidade) e deficiência múltipla atuariam em caráter de itinerância.
Para os professores da área de altas habilidades/superdotação, a
localização de trabalho seria no Centro de Desenvolvimento do
Potencial e do Talento de Vitória (CEDET), desenvolvendo oficinas e
projetos de enriquecimento curricular e prestando assessoria às
escolas, sempre que necessário.
Sem especificar mais claramente as atribuições da equipe de
gestão escolar e dos professores especializados, os documentos
apontam para a pertinência de um trabalho colaborativo entre esses
profissionais, de modo a garantir os encaminhamentos para
diagnóstico dos alunos com indicativos de necessidade de apoio
complementar e suplementar na modalidade de educação especial.
Por fim, esses indicativos e os propósitos de formação continuada
previstos nos documentos supracitados corroboram as políticas de
governo da gestão da educação municipal de Vitória para 2005-2008.
A partir dos indicadores enunciados nas pesquisas e das
demandas identificadas nas ações em 2006, a Gerência de Formação e
Desenvolvimento em Educação (GFDE) aponta como política de
formação a ocorrência em diferentes espaços e tempos, quais sejam:
nas Unidades de Ensino, nos espaços coletivos interescolares
garantidos pela SEME e no Núcleo de Estudo de Pesquisa em Educação
(Nepe)9.
No que se refere aos processos de formação nas Unidades de
Ensino, esses devem ter como foco as problematizações, necessidades
e desejos dos profissionais. Sua organização e coordenação devem ser
definidas no coletivo da escola. Para isso a equipe de gestão deve se
articular com os profissionais no cotidiano escolar, bem como com a
SEME/GFDE para garantir tais processos de formação.

Para, provisoriamente, finalizar...

A partir das reflexões apresentadas, gostaríamos de reiterar a


necessidade de compreender a escola como espaço vivo, processual,

9 Segundo informação obtida na GFDE, o Nepe encontra-se em processo de


construção em 2008.

60
com continuidade e descontinuidade no enredo da vida cotidiana. Os
diversos movimentos que a escola engendra são implicados nas
relações sociais dos sujeitos, envolvendo suas particularidades,
individualidades e genericidade. Consideramos que esses movimentos
precisam estabelecer constantes diálogos com os órgãos centrais dos
sistemas de ensino na implementação de políticas públicas para a
educação, mais especificamente, para a educação especial. Como
vimos, uma das grandes tensões que vivemos no cotidiano escolar
vincula-se a essas políticas. O atendimento às condições concretas de
funcionamento da escola depende de relações estreitas com as ações
dos órgãos centrais de ensino.
Há que se considerar que, articulada à esfera da vida cotidiana,
existe uma esfera não cotidiana da vida que, no movimento dialético,
se dissimula e se expressa, como, por exemplo, a política, a economia
e a ciência (LEFEBVRE, 1968; HELLER, 1992). Diante desse movimento
dialético, as ações dos profissionais das escolas, mais especificamente,
das equipes de gestão precisam, criticamente, articular suas decisões e
escolhas no cotidiano aos projetos políticos pensados e elaborados
nas esferas não cotidianas da vida escolar.

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Coordenação de Formação e Acompanhamento à Educação Especial,
2008.

63
64
A CENTRALIDADE DA ESCOLA NA REFORMA EDUCACIONAL
DOS ANOS 1990

Eduardo Augusto Moscon Oliveira1

Introdução

A escola se constitui como instituição central na política


educacional brasileira com a reforma educacional dos anos 1990. Passa
a ser o foco de um conjunto de programas, projetos e ações que
conferem centralidade a instituição. Este texto tem como objetivo
discutir brevemente as disputas e interesses sobre os modelos de
escola (e autonomia) defendidos durante a reforma.
A discussão sobre a escola no conjunto da produção em educação
no Brasil não é nova. Os trabalhos de Saviani (1983), Libâneo (1986),
entre outros educadores destacam o importante papel orgânico da
escola como instituição que tem muito a colaborar para a cidadania e a
democracia.
Segundo Vieira (2001), desde 1985, se esboça a trajetória do
governo brasileiro em direção à unidade escolar. Entra para a agenda
governamental, expressa nos relatórios produzidos pelo Ministério da
Educação e Cultura (MEC), a partir de 1995, na primeira gestão do
governo de Fernando Henrique Cardoso.
É no processo de abertura democrática dos anos 80,
principalmente pela possibilidade de uma gestão democrática da
escola pública e a pertinência de seu acompanhamento e controle pela
população, que a autonomia passa a constitui centralidade. Licínio
Lima (2001) chama a atenção para esse fato, assim como Antônio
Nóvoa (1992).
Lima (2001) ao analisar a reforma educacional portuguesa aponta
para a redescoberta das estratégias neo-tayloristas de modernização,
que levariam em direção à pacificação, ao consenso, e, por

1 Doutor em Educação pela UFBA. Coordenador do projeto de extensão “Laboratório


de Gestão da Educação Básica do Espirito Santo” – LAGEBES/UFES. Coordenou o
curso de pós-graduação lato sensu em “Gestão Escolar” ofertado pela UFES em
convênio com o MEC/SEB.

65
conseguinte, ganhos de produtividade e qualidade, por meio do
”princípio da integração” (que indica as possibilidades da participação
nas estruturas organizacionais como forma de mudança do “clima” da
organização.
Nesse “estilo de gestão”, a participação é inscrita no conjunto das
teorias conservadoras, em que significa integração e colaboração e não
necessariamente tomada de decisões. Não implica poder. O “projeto
pedagógico”, a “autonomia” e a “comunidade educativa” estariam
assim consubstanciando uma nova forma de gestão. A autonomia das
escolas, para Lima (2001, p.124):

[...] poderá representar apenas uma nova, e melhor, forma de


articulação funcional entre o nível central e os níveis local e institucional
da educação escola, abrindo-se mão de possíveis desarticulações
relativas sobre as quais se edificam espaços de autonomia de afirmação
legítima de orientações, de objetivos e de “projectos” da “comunidade
educativa”. Dito de outro modo [...] continuarão sendo convocados [...]
mas como instrumentos essenciais de uma política de racionalização e
modernização, como metáforas capazes de dissimular os conflitos, de
acentuar igualdade, o consenso e a harmonia, como resultados ou
artefatos, e não como processos de construção colectivas”[sic].

Dessa forma, o discurso da autonomia, presente na política


educacional brasileira é parcialmente incorporado, em sua vertente
operacional, em que os educadores, pais, funcionários, alunos e
comunidade deverão realizar projetos para cumprir metas
estabelecidas a priori, por instituições que sabem o que é melhor para
a educação. Na reforma educacional dos anos 1990, considerando
essas observações iniciais, a escola se constituirá como centro do
processo.
Porém, “comunidade escolar” e “autonomia” representam
expressões que desde o manifesto dos pioneiros da escola nova, na
primeira metade do século já faziam parte do pensamento pedagógico
brasileiro e, com a abertura democrática dos anos 1980, foram
intensificadas.
O problema reside na complexidade de superposições,
reinterpretações e na polissemia que esses conceitos expressam para
as variadas matizes teóricas. No caso da reforma educacional
brasileira, a vertente assumida foi a da vertente operacional, no corpo

66
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) lei 9394, de 20
de dezembro de 1996 e no conjunto da legislação que lhe dá suporte e
lhe reinterpreta.
A LDB 9394/96, estabelece no art 12 que: “os estabelecimentos de
ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino,
terão a incumbência de”:

I. administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;


II. assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;
III. velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
IV. prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;
V. articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de
integração da sociedade com a escola;
VI. informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos
alunos,bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.

No mesmo ordenamento, há o chamamento dos sistemas


educacionais, para os progressivos graus de autonomia da unidade
escolar:

Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares


públicas de educação básica que os integram progressivos graus de
autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas
as normas gerais de direito financeiro público. [grifo nosso]

Ao mesmo tempo, desde 1995, antes portanto da LDB de 1996, foi


criado o programa conhecido como “Dinheiro direto na escola”,
(PDDE) para a transferência de recursos diretamente às escolas
(VIEIRA, 2001). Para que a escola receba o dinheiro de FNDE, é
necessária a estruturação da escola como “unidade executora”, (caixa
escolar, conselho de escola ou associação de pais e mestres), de forma
que se constitua em uma empresa, para celebrar a sua autonomia
financeira.
No processo de reforma educacional, vários programas foram
ampliados e criados pelo governo de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), que fortaleceram a relação direta com a unidade escolar.
Entre eles, podemos citar: Programa Nacional Biblioteca da Escola,
Programa Nacional de Alimentação Escolar, Programa Nacional de

67
Informática na Educação – PROINFO, Programa Nacional do Livro
Didático, Programa Nacional Saúde do Escolar e TV Escola.
Além desses projetos que se focam na escola, é preciso
acrescentar aqueles que, direta ou indiretamente, chegaram a escola,
fruto de acordos com o Banco Mundial, como: BM, como o Pró-
Qualidade, FUNDESCOLA, “Educação Básica para o Nordeste” e
“Municipalização do Estado do Paraná”.
Observando a legislação e os diversos programas nacionais, sob o
controle do governo federal, evidenciou-se a centralização da esfera
federal sobre o controle de aspectos essenciais da política educacional
brasileira, pois a estrutura subnacional, foi considerada ineficiente à
época. A esfera federal passa a assumir parcela decisória das esferas
estaduais e municipais.

Diferentes perspectivas de autonomia: a escola como foco

A centralidade, o “foco” na escola estabelecida pelas propostas


governamentais, tem historicidade e abrangência internacional.
Segundo Nóvoa (1992), o movimento das escolas eficazes, desde os
anos 60 conquistou espaços na pesquisa educacional em âmbito
internacional, orientando seu objeto para as “organizações escolares”
e a sua “excelência”.
Tal movimento de pesquisa não passa sem ser reconhecido no
Brasil, como é o caso de Mello (1992). Também desde os anos 90, com
a Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jomtien,
Tailândia, a necessidade de reformar a educação se insere no discurso
governamental.
Apesar do interesse governamental, os movimentos populares,
desde a Constituição de 1988, insistiam em uma discussão ampla,
aberta, democrática e propositiva para a educação nacional, segundo
Vieira (2001).
Várias propostas de autonomia da escola foram desenvolvidas e
discutidas ao fim dos anos 80 e início dos anos 90 no Brasil e que
influenciaram a elaboração da política educacional brasileira, que,
mesmo iniciando na gestão do governo Fernando Henrique Cardoso,
mantiveram-se, em certa medida presentes nos dois governos de Luiz
Inácio Lula da Silva. É importante ressaltar que a perspectiva assumida

68
nos dois governos foi diferente, e, de certa forma dialoga com as
vertentes abaixo apresentadas.
Dentre a variada gama de propostas para a autonomia da escola,
é importante separar duas, que se sobressaem devido às suas
características. A primeira está ligada à visão mais operacional e
administrativa da autonomia de Mello (1992) e a segunda tem como
ponto de partida a democratização da educação e assenta-se sobre a
educação popular, como destaca Gadotti (1992).
Mello (1992) ao abordar a questão da descentralização e
autonomia da escola, resgata as pesquisas em educação que apontam
para uma maior eficiência quanto aos resultados da escola. Essas
pesquisas mostram que os processos internos da escola são
determinantes para o sucesso das políticas educativas.
A autora, ao contextualizar a autonomia da escola, evidencia que
a força que remete ao local, ou seja, à unidade escolar, está ligada ao
processo maior de reestruturação produtiva, que “valoriza e fortalece
as unidades que executam as atividades-fim das grandes
organizações”, como expresso abaixo:

Tornou-se, portanto, imperativo, a partir da incorporação de novas


tecnologias de gerenciamento, reestruturar as grandes máquinas
burocráticas, redirecionando para suas atividades-fim mais recursos,
capacidade de iniciativa e inovação, bem como responsabilidade de
prestar contas pela qualidade dos serviços que prestam. Esse
redirecionamento tem-se revelado possível e necessário, pela
incorporação de tecnologias micro-organizacionais de informação que
permitem adotar controles centralizados menos numerosos e mais
flexíveis, combinado com um forte componente de avaliação do produto
ou dos resultados (p.138).

Afirma que, para a melhoria da qualidade de ensino, a


descentralização dos sistemas e o concomitante fortalecimento das
escolas, diminuindo os ordenamentos e a burocracia, possibilitariam
abrir espaço para que as diferentes identidades escolares possam
efetivar um projeto político pedagógico, promovendo a qualidade da
educação.
Ao mesmo tempo, devido à complexidade de tal processo,
tornam-se necessárias algumas condições indispensáveis à maior
autonomia da escola,

69
[…] a existência de um sistema externo de avaliação de resultados,
aferidos pela aprendizagem dos alunos de conteúdos básicos e comuns,
como estratégia para evitar a fragmentação; mecanismos de
responsabilidade e prestação de contas pelos resultados alcançados;
ações de compensação das desigualdades que impeçam possíveis
efeitos regressivos da descentralização (p.138).

Quando o acesso ao ensino fundamental estiver


satisfatoriamente resolvido – a perspectiva do FUNDEF à época - seria
fundamental centrar esforços na questão da qualidade para que seja
“exitoso” o oferecimento de um patamar básico escolar com
qualidade. A fim de se chegar a esse patamar, propõe que se
estimulem modelos flexíveis e diferenciados de gestão escolar, ou seja,
pontos de partida diferenciados, mas com requisitos básicos no ponto
de chegada e, nesse caso, a avaliação por testes de conteúdo. Ao
mesmo tempo, mecanismos de compensação financeira e técnica
entrariam como intervenientes para que a autonomia não prejudique
clientelas em regiões mais pobres.
A autora propôs também a flexibilidade das relações de trabalho,
tanto no que concerne ao salário quanto ao contrato com vistas a
quebrar o corporativismo e diferenciar o pagamento por diferentes
resultados. Esse projeto de autonomia proposto por Mello (1992) deve
necessariamente partir da cúpula do sistema e se possível tornar-se
programa de governo.
A proposta de autonomia da referida autora afina-se com as
políticas propostas pelo Banco Mundial e, como aponta Coraggio
(1996):

Para enquadrar a realidade educativa em seu modelo econômico e poder


aplicar-lhe seus teoremas gerais, o Banco Mundial estabeleceu uma
correlação (mais do que uma analogia) entre sistema educativo e sistema de
mercado, entre escola e empresa, entre pais e consumidores de serviços,
entre relações pedagógicas e relações de insumo-produto, entre
aprendizagem e produto, esquecendo aspectos essenciais próprios da
realidade educativa (p.102).

Essa proposta operacional de autonomia que se baseia na


mudança institucional da escola, as quais se alinham numa visão que
incorpora à educação os conceitos de competitividade, descentralização

70
e desempenho, eliminando com isso a burocracia, o clientelismo e o
centralismo estatal.
O conjunto das propostas depositava na educação a tarefa de
transformar a realidade. Como na década de 60 serviu-se da Psicologia
Social, na década de 90 “[...] busca-se nas teorias organizacionais
(relacionadas às inovações administrativas ocorridas no setor privado)
a orientação para fazer com que a educação no país entre no século
XXI” (WEBER, 1993, p.23).
Tal como expresso por Mello (1992), os parâmetros estabelecidos
para descentralizar as instâncias centrais e autonomizar a escola, não
entram na especificidade da unidade escolar, mas transferem
responsabilidades técnicas, principalmente pela aferição de resultados
e quanto ao compromisso de qualidade.
Ao mesmo tempo, dadas as características da “descentralização-
centralizada”, a responsabilidade é colocada na atividade-fim (que é
onde ocorre o processo) pactuada por um projeto de escola.
A base da proposta de autonomia da autora foram as reformas
educacionais ocorridas na Europa, objetivando transferir o poder de
decisão para a escola, que tem como fundamento “[…] a capacidade
de elaboração e realização de um projeto educativo próprio em
benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes
no processo educativo” (p.120).
Moacir Gadotti (1992) ao abordar as reformas educacionais que
ocorriam no continente europeu, destaca a descentralização e a
autonomia da escola, concluindo que “esse parece ser o caminho
irreversível da atualidade“ (p.43). Porém, ressalta que não se podem
fazer mudanças no sistema de ensino sem um projeto social.
O mesmo autor indica mudanças provocadas pelo princípio da
Gestão Democrática da escola, e da necessidade de um conjunto de
medidas políticas que objetivem a participação e a democratização das
decisões. Pressupõe: a autonomia dos movimentos sociais e de suas
organizações (face à administração pública e à possibilidade de fazer
alianças e parcerias); a abertura de canais de participação pela
administração para que a tomada de decisões não se efetue em bases
tecnocráticas dos laudos técnicos (que, muitas vezes não
correspondem à realidade); a transparência administrativa,
democratizando as informações à população dos ordenamentos que
regem a administração pública. Ao mesmo tempo, a implantação dos

71
conselhos de escola necessita constituir uma estratégia clara da
administração central.
Propõe uma “escola pública única”, ou seja, uma escola pública
universal, mas multicultural, que garanta um padrão único de
igualdade, e ao mesmo tempo, respeite a diversidade local, onde o
popular se insere no público, unindo o nacional e o regional “[...]
ultrapassando a escola nacional e estatal para chegar à escola
popular” (GADOTTI,1992, p.55).
O projeto de escola autônoma proposto, em linhas gerais,
estabelece alguns princípios expressos no seu famoso “Decálogo da
Escola Cidadã” e na proposta de um sistema único e descentralizado.
Quanto à administração desse sistema único, propõe apoiar-se
em quatro grandes princípios, destacados abaixo:
I Gestão democrática – as eleições para representantes deveriam
ser mínimas, para evitar criar um corpo burocrático de representantes.
Além disso, a função de secretário de Educação seria substituída pela
de superintendente das escolas, que ficariam encarregados também
de tarefas como planejamento e capacitação dos trabalhadores.
Haveria também regras democráticas para elaboração de orçamento e
execução do mesmo por parte das escolas. Esse sistema supõe:

[…] objetivos e metas educacionais claramente estabelecidas entre escolas


e governo, visando à democratização do acesso e da gestão e à construção
de uma nova qualidade de ensino sem que tenha que passar por incontáveis
instâncias de poder intermediário (p.64).

II Comunicação direta com as escolas – sendo a escola o lócus


central da educação, necessariamente deveria construir e elaborar
cultura geral e popular, não apenas reproduzir e executar planos
elaborados, sendo função do órgão central zelar pela autonomia da
escola.

A comunicação direta entre a administração e as escolas têm seu corolário


na comunicação entre as escolas e a população. Para poder participar, a
população precisa estar bem informada. A escola burocrática tem medo da
participação dos pais; em consequência, não utiliza os próprios alunos para
estabelecer um diálogo permanente com os pais (p.65).

72
III Autonomia da escola – cada escola deveria construir seu
projeto político- pedagógico, mas sem isolamento e com unidade e
capacidade de comunicação.

Escola não significa, por sua vez, um prédio, um único espaço ou local,
significa um projeto, uma ideia que pode associar várias” unidades
escolares” ou prédios, superando o temido problema da atomização do
sistema de educação. Escola e governo elaborariam conjuntamente as
políticas educacionais (p.66).

IV Avaliação permanente do desempenho – ponto fundamental


do sistema único, incluído como parte essencial do projeto de escola e
com sentido emancipatório.

Não pode ser um ato formal e executado por técnicos externos à escola
apenas. Deve envolver a comunidade interna (alunos e professores), a
comunidade externa (pais, comunidade) e o poder público. Assim, o
princípio da avaliação remete ao primeiro princípio, o da gestão democrática
(p.66).

O autor conclui afirmando que, com a sua proposta de


autonomia, as escolas deixariam de ser subordinadas aos órgãos
centrais.
Por sua vez, Silva (1996) após analisar diversas propostas de
autonomia e também a de Gadotti (1992), aponta para a insuficiência
das mesmas, pois se afirmam sobre mudanças na estruturação do
sistema e da unidade escolar como fatores determinantes para levar à
autonomia da escola, que não gera per si a autonomia: [...] “o que cria
e mantém uma instituição autônoma é o sujeito que a institui e garante
sua existência. Sem o sujeito uma estrutura não tem vida e pode,
quando muito, ser algo a facilitar ou dificultar a ação dos seres
humanos concretos que a utilizam” (p.69).
O autor aponta para a “desumanização” da instituição
paralelamente à “entificação” da escola, onde a intervenção humana é
anulada, junto com a sua historicidade. As condições institucionais,
pelas propostas de autonomia da escola, engendrariam um processo
de participação, em que todos os envolvidos na escola estariam em
“estado de prontidão”, mas:

73
Ao contrário, a experiência demonstra que a participação é fruto de um
processo de gradativa liberação de esquemas individualistas, paternalistas,
burocráticos e não ocorre espontaneamente em uma sociedade como a
nossa, cuja tradição é mais de antiparticipação do que de envolvimento
efetivo e autêntico das pessoas (p.71).

Os projetos educativos, calcados no sujeito coletivo, deixam de


ser meros instrumento burocrático para tornar-se o fio condutor das
atividades da escola, pois a autonomia não parte da implantação de
um programa com muitos detalhes, mas cabe a cada unidade escolar
elaborar o seu projeto e aprová-lo junto ao órgão central.
É importante perceber o modelo teórico que sustenta a
autonomia, aponta para a “pedagogia centrada na escola”,
autogestionária, que apresenta muitas vantagens, como as
estabelecidas por Hallak (1992, p.6 apud UNESCO/MEC1993):

a. grande flexibilidade na utilização dos recursos financeiros;


b. participação crescente dos diferentes setores na tomada de decisões;
c.eliminação do controle burocrático centralizado;
d. capacitação crescente para a inovação, a criatividade e a
experimentação;
e. possibilidade de realizar economias;
f. capacidade para alocar os recursos para atingir os objetivos da escola;
g. autonomia crescente na tomada de decisões.

Como coloca Candeias (1995, p.169): “[…] uma aproximação que


acredita ser mais fácil trabalhar para a mudança tendo como suporte à
‘realidade institucional’ que cada escola representa, em detrimento da
‘abstração ideológica’ e massificante que caracteriza a noção de
‘sistema de ensino’". Além disso, como afirma Gentili (1996):

Uma dinâmica aparentemente paradoxal caracteriza as estratégias de


reforma educacional promovida pelos governos neoliberais: as lógicas
articuladas de descentralização-centralizante e de centralização-
descentralizada. De fato, por um lado, as estratégias neoliberais contra a
crise da educação se configuram como uma clara resposta
descentralizadora diante dos supostos perigos do planejamento estatal
e dos efeitos improdutivos das burocracias governamentais e sindicais
(p.26).

74
Em linhas gerais, o processo de reforma educacional ocorrida no
Brasil nos anos 90 do século passado não contemplou o amplo e
aberto discurso com a sociedade civil e entidades de classe, e
outorgou-se um projeto pontuando interesses os governamentais os
compromissos por ele assumidos com institutos multilaterais.
Porém, houve resistência as medidas, por meio das diferentes
entidades cientifico-acadêmicas da área educacional, como a Anped,
Anpae, Anfope, Forundir, Cedes e tantas outras, que abriram espaço
para a discussão crítica, reagindo a outorga.
No contexto de reforma do Estado brasileiro, certos elementos
das propostas de autonomia foram incorporados à reforma
educacional dos anos 90 sendo apropriados pelo conjunto da
educação brasileira.

Considerações finais

A discussão sobre a centralidade da escola na política educacional


brasileira, contempla uma variada série de fatores. Não deve deixar de
lado o conjunto da discussão que a constitui.
A escola na reforma educacional, não é concebida como
produtora de singularidades, mas de conformidades. Espera-se que
responda às expectativas por meio de avaliações padronizadas pela
entrega de resultados mensuráveis. Uma perspectiva abstrata de uma
instituição social permeada por conflitos, resistências e diferenças.
Não se poder deixar de considerar que, quando a escola é
construída como instituição, recria nela os elementos de uma
identidade que a diferencia de outras e apropria um espaço-tempo que
constitui para si. Passa a ser distinta, com cultura, currículo e projeto
próprios, sem distanciar-se das expectativas definidas pelo conjunto
da sociedade.
Os profissionais da educação – considerando todos que
trabalham na escola – são aqueles que fazem o controle dessa
identidade no espaço escolar. Os alunos estabelecem tensões ao
conhecimento sistematizado, mediado pela escola. Na instituição
escolar concreta, as expectativas, os projetos, as propostas, as
tensões, os desejos e as resistências estão presentes formando uma
estrutura complexa, onde coabitam diversas perspectivas políticas,
sociais e histórias de vida que se cruzam.

75
REFERÊNCIAS

BRASIL. LEI 9394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes


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77
78
O PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Terezinha Maria Schuchter1

O planejamento da educação no Brasil é uma temática muito


presente entre os profissionais da educação em diferentes tempos
históricos, e continua pertinente na atualidade, e há questões que são
recorrentes, como por exemplo, o caráter centralizador que ainda
caracteriza o estabelecimento das políticas públicas. Este é um aspecto
que queremos explorar neste trabalho, ou seja, por que a prática do
planejamento se constituiu historicamente com um caráter
tecnocrático, centralizador, não sistemático, pontual e estabelecido a
partir de demandas políticas e não das emergências da realidade?
É sabido que o planejamento das políticas públicas está
intimamente relacionado com questões sociais, econômicas, políticas e
culturais que marcam determinada época. O planejamento é um ato
humano, intencional, portanto, político.
A análise das formas de planejamento traz em si, a necessidade
de uma reflexão acerca da sociedade brasileira nas suas diferentes
dimensões. Muitos autores já trataram da estrutura social do Brasil,
cabe-nos interpretar como esta estrutura interfere e influencia na
prática do planejamento das políticas públicas, e que marcas da
sociedade se revelam neste planejamento.
O histórico da sociedade brasileira aponta para uma estrutura
autoritária, centralizadora, prevalecendo elementos de uma
organização social escravocrata, oligárquica, patriarcal, com
predomínio de uma estrutura de dominação, que gera por
consequência processos de desigualdade social, que pode ser
observada também na organização política, ou seja, detém o poder
político quem detém o poder econômico.
Por outro lado, governos militares marcaram a administração
pública desde os primórdios, bem como durante o governo
republicano instaurado a partir de 1889 até a ditadura militar

1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora é mestre e


doutora pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora no Centro de
Educação da Universidade Federal do Espírito Santo.

79
instaurada na década de 1960 e que se estendeu até meados da
década de 1980. Neste período entre governos civis e militares
prevaleceram regimes autoritários, centralizadores, ditatoriais.
Ressaltamos assim que as ditaduras não foram práticas só de governos
militares, mas também civis, que governaram através de decretos e de
políticas tecnocráticas, centralizadoras. Esta formação social, cultural e
a organização política marcada por esta estrutura desigual, de
dominação forjou a constituição de uma forma de Estado que é a
patrimonialista, pautada na validez de relações de autoridade e de
dominação, enquanto “probabilidade de encontrar obediência para
ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de
pessoas” (WEBER, 2000, p. 139).
Tudo isto, aliado a outras questões sociais e culturais, e ainda ao
nosso modelo de democracia representativa, nos fez um povo de
pouca tradição de participação, de vivência democrática, de
mobilização, de organização de movimentos sociais, assim, as
experiências que tivemos foram abortadas. A cultura política
autoritária predominou, intercalada por ensaios de democracia, o que
acabou por gerar outro problema –a ausência da noção de cidadania,
no sentido pleno do direito, por que “a exclusão oficial do indivíduo,
não reconhecido como membro de pleno direito do grupo social em
que desenvolve sua existência, modela sorrateiramente seu perfil
opressivo nesse modelo adoçado de participação limitada”
(GORCZEVSKI E MARTIN, 2011, p. 10). Daí a Política, o planejamento das
políticas, não é considerada direito, mas favor, benevolência, que
“vem” dos poderes constituídos, e, a participação no estabelecimento
destas políticas é inimaginável, reforçando assim o caráter
tecnocrático e centralizador no ato do planejamento, que acaba se
configurando como um “processo que começa e termina no âmbito
das relações e estruturas de poder” (IANNI, 1995, p. 309).
Mas ao longo da história, o planejamento das políticas sempre se
estabeleceu da mesma forma? Sabemos que não, uma vez que a cada
etapa de evolução do sistema capitalista corresponde uma
determinada forma de Estado e a cada modelo de Estado corresponde
uma forma de planejamento. Santos (2005) aponta que é interessante
observar nos diferentes períodos históricos a inter-relação entre três
princípios que constituem o pilar da regulação, que são o princípio do
estado (política), o princípio do mercado (economia) e o princípio da

80
comunidade (cidadania), tendo em vista que a relação destes
princípios está diretamente ligada à constituição do sistema capitalista,
ao modelo de Estado e as formas de planejamento.
O Estado Liberal configurado a partir da segunda metade do
século XIX na Europa, e América, ocasionou modificações de ordem
econômica, política e sócio-cultural, e fez surgir um novo sujeito do
poder social, um novo meio social, uma nova ordem econômica, uma
nova racionalidade, um novo poder que expressa e justifica o domínio
das classes burguesas na sociedade moderna (HORTA, 1985). O
Liberalismo promoveu um “desenvolvimento sem precedentes do
princípio do mercado, na atrofia quase total do princípio da
comunidade, e, no desenvolvimento ambíguo do princípio do Estado
sob a pressão contraditória dos dois movimentos anteriores”
(SANTOS, 2005, p. 81). Neste caso há uma forma de intervenção que é
dispersa e não sistemática, tópica, localizada, para superar crises
bloqueadoras do curso normal da história, ou seja, um
intervencionismo simples. O Estado exerce assim uma função
reguladora do curso considerado normal do capitalismo, havendo uma
precedência do econômico no estabelecimento das políticas.
O Estado intervencionista configurado no final do século XIX teve
seu pleno desenvolvimento nas primeiras décadas do século XX depois
da segunda guerra mundial, em 1945. É reconhecido por estabelecer
uma acentuada intervenção estatal na economia e pelo fortalecimento
do poder dos técnicos, no que tange ao planejamento das políticas.
Neste modelo há o reconhecimento da ideia dos “direitos sociais”, a
expansão do princípio do mercado, a rematerialização das práticas
sociais, e por consequência do princípio da comunidade, uma vez que
as políticas de classe ganham forte conotação neste modelo político,
assim como o Estado, que passa a ser um agente ativo das
transformações sociais, políticas e econômicas, e a intervenção, neste
caso, é permanente e sistemática até os limites comportáveis do
capital resolver problemas criados pelo seu próprio desenvolvimento e
corrigir disfunções.
No Brasil, um exemplo típico desta forma de Estado, é o período
compreendido entre a instauração do regime militar em 1964 até
meados da década de 80, em que se pode observar uma forte
intervenção estatal revelada através da centralização do poder, de
administrações autoritárias e de formas de planejamento de cunho

81
burocrático, tecnocrático e vertical, constituindo uma época de forte
planificação das políticas públicas.
O Estado Neoliberal teve sua configuração no final da década de
1970, momento em que o princípio do mercado ganhou uma pujança
sem precedentes, ocorrendo o extravasamento do econômico, que
colonizou o princípio do Estado e da comunidade. Neste contexto
observamos a neutralização da capacidade de regulação da economia
pelo Estado, o surgimento de mecanismos corporativos de regulação
dos conflitos entre capital e trabalho e a flexibilização e automatização
dos processos produtivos. O Estado Nacional perde a capacidade de
regular as esferas da produção, minimiza sua ação no campo das
políticas sociais, vai sustentar o padrão de acumulação privada de
capital, exercendo uma função reguladora, ocorrendo a desregulação
global da vida econômica, social e política. O princípio da comunidade
sofre uma rematerialização em relação ao período anterior, pois vai
haver um enfraquecimento dos movimentos sociais organizados e o
surgimento de novos movimentos sociais e dinamismos locais
(SANTOS, 2005a). E o momento que passamos a viver tornou-se um
convite ao individualismo, ao isolamento. O que se prega é a busca de
solução de problemas individuais em detrimento do social. O Estado
passa a ter uma forma de intervenção mínima.
O discurso que vai prevalecer é o da necessidade de superação do
Estado patrimonial e burocrático pelo Estado gerencial, justificado
pela crise na pública decorrente da incapacidade administrativa e
financeira, apontando assim para a necessidade de reestruturação da
administração pública, segundo o modelo da iniciativa privada e regida
pelas leis de mercado. O enfoque sistêmico, a administração eficiente
e o uso de tecnologias levariam à qualidade total dos serviços
prestados, ou seja, é a ênfase na eficiência (economia de recursos), na
eficácia (adequação do produto) e na excelência e qualidade total para
levar o sistema a corresponder às necessidades do mundo atual.
Para isto se faz necessário usar o procedimento correto, racional,
científico, diagnosticar a realidade para evidenciar os problemas,
implementar o planejamento, selecionar os meios, elaborar os
objetivos operacionais, controlar o processo, avaliar o produto por
meio de técnicas adequadas e retroalimentar o sistema. Era
necessário, pois, a busca da racionalização do trabalho, o controle do
processo produtivo e o aumento da produtividade. O que vamos

82
observar neste momento é a tentativa de vincular a educação ao novo
paradigma produtivo, denominado de neotecnicismo, que é o discurso
do racionalismo econômico, do gerenciamento/administração privado
como modelo para o setor público. Não podemos deixar de salientar a
oscilação neste momento entre “a construção de uma proposta
nacional e as demandas oriundas do campo internacional” (FERREIRA
e FONSECA, 2011, p. 76). O planejamento assume assim, a característica
de racional ou gerencial, em virtude da reorganização do modelo de
Estado e do sistema econômico, que passa a demandar a
descentralização das políticas.

O planejamento estratégico, em sua modalidade gerencial, foi o


instrumento escolhido para organizar as ações de forma racional e
descentralizada. Os argumentos em favor da descentralização
afirmavam a sua característica inovadora capaz de imprimir autonomia e
transferência de poder das autoridades superiores para as autoridades
locais (FONSECA; FERREIRA, 2011, p. 79).

O que vamos observar a partir daí é o binômio centralização e


descentralização, pois ao mesmo tempo em que no planejamento das
políticas era indicada a necessidade de “imprimir autonomia e
transferência de poder das autoridades superiores para as autoridades
locais”, podia-se observar o forte poder e as demasiadas atribuições da
União como poder central. Para os críticos deste modelo, o que houve
realmente foi a transferência “para as administrações locais das
responsabilidades operativas, antes atribuídas ao poder central”
(FERREIRA; FONSECA, 2011, p. 79).
A consolidação e fortalecimento desta forma de administração se
efetivará a partir de meados da década de 1990, em que haverá uma
radical transformação do modelo do Estado. A intenção era a
passagem de um Estado burocrático e patrimonialista a um Estado
gerencial, e muitas mudanças foram estabelecidas no sentido de
garantir a efetivação deste modelo, entretanto, o poder regulador do
Estado, continuou presente no planejamento e estabelecimento das
políticas públicas.
Dentre as políticas estabelecidas podemos citar o sistema
nacional de avaliação da educação básica e superior com
estabelecimento de índices de aferição do aproveitamento escolar, as
diretrizes curriculares nacionais para todos os níveis, etapas e

83
modalidades da educação básica, programas de formação de
professor e de gestão da escola, mudanças no sistema federal de
ensino, incluindo a educação profissional e superior, alteração na
política de financiamento e outras.
Interessa aqui destacar entre as políticas consolidadas o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Plano de Ações Articuladas
(PAR) propostos em meados de 2000, pois ambos se caracterizaram
como uma tentativa de descentralização administrativa. O primeiro era
constituído de 30 metas, sendo 17 voltadas para a Educação Básica,
que visavam enfrentar o desafio de melhoria da qualidade da
educação nacional e consolidar o regime de colaboração no sentido de
contribuir para a equalização da oferta educacional, proporcionar aos
entes federados maior autonomia e integrar um conjunto de
programas dando mais organicidade ao sistema nacional de educação
(FERREIRA e FONSECA, 2011).
Dois elementos são importantes neste plano, o primeiro
relacionado a uma dimensão técnica é o aperfeiçoamento do sistema
nacional de avaliação “construídos a partir de indicadores do
aproveitamento dos alunos e expressos em provas aplicadas
nacionalmente”, institucionalizando o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica. A outra dimensão, a financeira está relacionada à
mudança da política de financiamento da educação básica através do
Fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e
valorização do magistério (FUNDEB), bem como o financiamento de
programas voltados à melhoria da qualidade da educação (SAVIANI,
2007, p. 1245). Entretanto, muitos estudos apontam para a
permanência de um modelo centralizado de financiamento e a
permanência do repasse de atribuições e responsabilidades aos entes
federados para a consecução das metas estabelecidas nestes planos
(FERREIRA e FONSECA, 2011).
As questões referentes ao regime de colaboração são a tônica
destes dois planos. O PAR vai se constituir no

[...] instrumento jurídico para a consecução deste regime. Seu caráter é


plurianual, devendo ser construído com a participação dos gestores e
educadores locais com base em diagnóstico elaborado pela coletividade,
baseado no Instrumento de Avaliação de Campo que permite a análise
compartilhada do sistema educacional em quatro dimensões: gestão
educacional, formação de professores e dos profissionais de serviço e

84
apoio escolar, práticas pedagógicas e avaliação e infraestrutura física e
recursos pedagógicos. Para participar do PAR os municípios assinaram
um termo de adesão, “Compromisso Todos pela Educação”, conforme o
estabelecido no Decreto no 6.094/2007. O compromisso recebeu a
adesão de todos os 26 estados e do Distrito Federal. Aderiram 98% dos
municípios brasileiros (FERREIRA e FONSECA, p. 85, 2011).

Há análises controversas quanto ao atendimento dos objetivos do


PAR. Há que se destacar a tentativa de instituir um planejamento
descentralizado, contudo, o atendimento de seus objetivos é
questionado, e, discute-se ainda, a ausência de uma racionalidade
administrativa democrática e emancipatória (FERREIRA e FONSECA,
2011).
Desta forma destacamos que tanto o PDE quanto o PAR que se
constituíram como iniciativas que tinham a intenção de democratizar o
processo de planejamento das políticas públicas acabaram por
deixando a desejar.
O planejamento não é apenas um conhecimento teórico, um
esquema racional acerca do que deverá ser feito em uma situação
determinada. É uma prática comum a qualquer ação humana, é uma
prática intencional, significa antever uma intervenção na realidade
visando uma mudança. O planejamento como uma prática
participativa, como um fenômeno político e pedagógico efetiva uma
prática de democratização institucional através da instauração de um
processo de tomada de decisões coletivas. Constitui-se em um
processo permanente de reflexão e debate dos problemas e
demandas sociais, educacionais e econômicas, podendo assim,
propiciar a vivência democrática, necessária à participação social e o
exercício da cidadania, instaurando o comprometimento de todos na
discussão, elaboração, execução e avaliação do que foi planejado.
O planejamento nesta perspectiva crítica, participativa e
emancipatória propicia a vivência de práticas democráticas, enfatiza o
trabalho solidário, cooperativo e coletivo, recupera a função social do
espaço público como um espaço de vivência social, debate, reflexão,
execução de metas construídas democraticamente, possibilita uma
prática adequada às necessidades e interesses dos sujeitos, favorece a
experiência coletiva ao efetivar a socialização de decisões e a divisão
de responsabilidades, afasta o perigo das soluções centralizadas e

85
dogmáticas desprovidas de compromisso com os reais interesses da
população.
No caso do planejamento das políticas públicas no campo da
educação, ou seja, o planejamento educacional tem que primar pela
excelência pelos condicionamentos descritos acima, pois a educação é
um campo eminentemente político, e o planejamento não pode
prescindir desta dimensão. “É preciso insistir neste pressuposto para
mostrar que competência, racionalidade e eficiência não são
incompatíveis com democracia” (KUENZER, 1999, p. 79).
Horta (1985, p. 195) defende que

O planejamento educacional constitui uma forma específica de


intervenção do Estado em educação, que se relaciona, de diferentes
maneiras, historicamente condicionadas, com as outras formas de
intervenção do Estado em educação (legislação e educação pública)
visando a implantação de uma determinada política educacional do
Estado, estabelecida com a finalidade de levar o sistema educacional a
cumprir as funções que lhe são atribuídas enquanto instrumento deste
mesmo Estado.

Daí depreende-se o caráter político do planejamento e sua relação


como apontamos no início deste texto com as formas de Estado.
Destacamos que historicamente o Estado brasileiro revelou traços da
burocracia, da tecnocracia e do patrimonialismo, o que por sua vez
influenciou nas formas de planejar, imperando na maioria das vezes na
tensão entre os três princípios básicos constitutivos da vida social, que
são o princípio do mercado, do estado e da comunidade – a pujança do
princípio do mercado. Os outros dois princípios que são fundamentais
na reflexão sobre o planejamento na dimensão emancipatória e
participativa acabaram sucumbidos. Para compreender esta relação,
bem como as formas de planejamento em curso, e, ainda, construir
uma reflexão acerca das possibilidades de superação destas, é
necessário retomar algumas questões acerca da constituição do
Estado na contemporaneidade.
Temos vivido um período, que no caso brasileiro se acentua a
partir do início da década de 1990, marcado por muitas
transformações. No campo político, podemos observar uma mudança
profunda no modelo e no papel do Estado. No lugar de um Estado
forte que intervinha na política, na economia, no social e que

86
minimamente garantia alguns direitos sociais através de políticas
públicas, temos um Estado que vem cumprindo um papel de regulador
das relações econômicas, políticas e sociais, ou seja, que vem
garantindo condições para que o modelo econômico instituído
permaneça em funcionamento, proporcionando enfim, condições para
a consolidação de um sistema hegemônico ditado pelo capital privado,
através de organismos internacionais. Com isso queremos dizer que as
transformações vêm se dando em escala mundial.
Por outro lado, tivemos transformações no campo econômico,
entre as quais podemos citar a reestruturação produtiva, a mudança
no perfil do trabalhador e as exigências de uma nova e constante
formação, o fim de grandes corporações responsáveis desde a
extração da matéria prima até o produto final, a flexibilização da
produção e das relações de trabalho, entre outras.
As transformações políticas em consonância com as
transformações econômicas culminaram ainda, em processos que
resultaram em privatizações, terceirizações, desregulamentação das
relações de trabalho, que acabaram por diminuir o poder e ação dos
sindicatos dos trabalhadores, e, a formação de grandes blocos
econômicos que paulatinamente vem cumprindo com o papel político
do Estado.
Como consequência das transformações políticas e econômicas,
temos as mudanças no campo social. Por que motivos, o campo social
está relacionado com o econômico e o político? Santos (2005) nos
indica o princípio da comunidade, como um elemento na constituição
da vida social e do próprio Estado. É interessante observar, que as
transformações apontadas têm instituído um novo jeito de ser e de se
estabelecer relações sociais e de nomear a realidade. Destaca-se que
de todas as transformações ocorridas, a mudança dos sentidos, dos
significados e dos discursos que culminam na mudança das práticas
sociais, são o cerne do projeto neoliberal que ganhou corpo no Brasil a
partir da década de 1990, porque,

[...] nenhum processo de obtenção de hegemonia política pode


dispensar uma transformação radical dos significados, das categorias,
dos conceitos, dos discursos através dos quais a “realidade” adquire
sentido e pode ser nomeada. A transformação do campo semântico não
é apenas condição para o estabelecimento dessa hegemonia; ele é parte
integral da transformação (SILVA, 1996, p. 82).

87
O fato é que, o assalto neoliberal ao social se apoia em uma série
de estratégias: deslocamento das causas, culpabilização das vítimas do
sistema social, despolitização e naturalização do social, demonização
do público, apagamento da memória e da história e recontextualização
(SILVA, 1996).
Assim, “palavras de ordem”, “bandeiras” de lutas democráticas,
e alguns conceitos vão sendo incorporados ao discurso neoliberal,
depois de metamorfoseados, instaurando um processo de recriação de
termos que passam a reproduzir e a redefinir o social, o político, o
econômico e, no caso específico aqui tratado, o educacional. Assim,
palavras como: gestão democrática, autonomia, qualidade,
descentralização, competência, misturam-se a novas criações –
“flexibilidade, nova ordem mundial, globalização, reestruturação,
desregulamentação – para compor um quadro no qual os propósitos e
as estratégias dos grupos dominantes parecem constituir um destino
social não apenas desejável, mas natural e inevitável” (FRIGOTTO,
1996, p. 83).
Neste contexto a educação, é analisada, pensada e praticada a
partir de um viés economicista, a partir de critérios próprios do
mercado, sendo a escola comparada a uma empresa e o processo
ensino-aprendizagem resumido a um conjunto de insumos, com
resultados previsíveis e pré-estabelecidos. O que podemos observar é
que a “concepção tecnicista de educação que alcançou grande vigor
no pensamento educacional da década de 1970, criticada e rebatida na
década de 1980, retorna sob nova roupagem no quadro das reformas
educativas em curso” (FREITAS, 2002, p. 144).
Assim, os modelos de planejamento e de educação que estão
sendo implementados, têm sua lógica pautada em alguns princípios,
entre os quais: qualidade total, com o significado de combate a todas
as formas de desperdício e ineficiência, daí o discurso da
produtividade, da avaliação e da racionalidade, devendo as escolas se
organizar à semelhança de grandes empresas; meritocracia;
individualismo, onde cada um é responsável por cumprir seu papel
para garantir a eficiência do sistema; pedagogia, como gestão
educacional, que adquire uma ênfase na uma dimensão empresarial.
Enfatizam-se os aspectos administrativos e intraescolares em
detrimento dos aspectos pedagógicos e de ordem social, política e
econômica.

88
Assim, o que se constata é uma série de reformas no sentido de
enquadrar as políticas para a educação em uma estratégia de
recuperação de custos a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional 9394/96 e de uma série de decretos,
projetos e programas, buscando-se reestruturar as políticas para a
educação. O que precisamos então fazer para superar esta lógica no
planejamento da educação?
Uma questão importante a ser considerada é que no processo de
planejamento as demandas das escolas, dos órgãos de ensino, da
realidade e do tempo histórico devem se constituir no sentido deste
planejamento - seu objetivo principal, por que são estas demandas que
devem orientar o trabalho educativo e o estabelecimento das políticas
públicas no campo da educação. Trata-se de fazer um caminho inverso
no que tange ao estabelecimento das políticas públicas, ou seja, fazer
com que estas surjam das necessidades das escolas, dos anseios dos
profissionais, dos alunos e dos pais, e, não a partir do planejamento de
técnicos especialistas.
O ato de planejar deve, pois, se constituir como troca,
reciprocidade, construção coletiva. Todos envolvidos com a educação
devem se empenhar na condução deste trabalho. Com isto queremos
apontar que é possível, fazer um trabalho potencializador das
experiências vividas nas escolas. O projeto político pedagógico das
escolas que apontam as demandas das instituições, as experiências
que ocorrem nas escolas, as necessidades, expectativas dos
professores e alunos podem ser propulsores de políticas públicas.
Cabe dizer que muitas vezes essas experiências sequer são
reconhecidas e legitimadas, daí a ideia muito comum na sociedade,
inclusive entre os profissionais da educação, de que nas escolas não se
produz nada, de que nada acontece. É a razão indolente que produz as
ausências, que desperdiça as experiências, que cria o sentimento de
impotência e determinismo (SANTOS, 2004).
Pensamos estas questões no sentido de reorientar ou de
reconduzir as políticas públicas no campo da educação e de qualificar e
potencializar os projetos desenvolvidos pelas/nas escolas, por que,
tomando as questões políticas, econômicas, históricas, culturais,
descritas no início, há que se ter o cuidado ao planejar de não
comprometer apenas os entes federados estaduais e municipais e a
própria escola e seus profissionais como os responsáveis pela

89
execução das políticas e pelo ônus da qualidade dos serviços que são
prestados. Não se trata de apenas redistribuir as competências e
responsabilidades, mas de imprimir uma construção coletiva no ato do
planejamento. Não se trata de em nome da autonomia das escolas e
dos professores relativizar ou desresponsabilizar o Poder Público em
relação à oferta da educação como um direito de todos. Cabe ao
Estado garantir condições de tempo, espaço e estrutura para a
potencialização do trabalho educativo. A garantia de condições para
que o trabalho educativo aconteça como produção, criação,
inventividade, prazer, pesquisa, enfim, como uma obra que está sendo
produzida é tarefa do Estado.
Trata-se, pois da desconstrução da lógica da racionalidade
dominante que impera historicamente no planejamento, para então
reconstruir e revitalizar as possibilidades oriundas das inesgotáveis
experiências educacionais, culturais e sociais que estão em curso nas
instituições de ensino, no sentido de qualificar e potencializar o
estabelecimento das políticas públicas. É preciso, enfim, fazer da
organização do trabalho destas instituições, uma construção cotidiana
com a participação de todos os sujeitos que formam a comunidade
escolar, e forjar um movimento coletivo que conduza ao
extrapolamento dessas experiências para fora dos muros escolares,
para que as demandas sejam o direcionamento das políticas e não o
contrário como vem acontecendo.

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10ª ed., São Paulo: Cortez, 2005.
_______. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 5ª ed., São Paulo: Cortez, 2005 a.
SAVIANI, Demerval. O Plano de desenvolvimento da educação: análise
do projeto do MEC. Educação & Sociedade. Campinas, vol. 28, n. 100,
p. 1231-1255, out. 2007.
SILVA, T. T. O projeto educacional da “nova” direita e a qualidade total.
Universidade e Sociedade. Brasília: ANDES, Ano VI, n. 10, jan. 1996, 82 –
89.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora UnB, 2000.

91
92
GESTÃO E AVALIAÇÕES SISTÊMICAS

Itamar Mendes da Silva1

A avaliação da aprendizagem como uma categoria


constitutiva do trabalho pedagógico com alta
força indutora nas formas de agir dos atores
escolares merece atenção especial visando
entender/desvelar seu modus operandi, dentro e
fora da sala de aula, dentro e fora da escola
(SORDI & LUDKE, 2009, p. 314).

O livro no qual este capítulo se insere aborda a Gestão da


Educação Básica no contexto do Curso de Especialização destinado a
gestores deste nível educacional e integra o Programa Escola de
Gestores do MEC. Assim, a proposta deste capítulo é discutir a gestão
em relação com as denominadas avaliações sistêmicas no âmbito da
Educação Básica. A tarefa parece auspiciosa e complexa requerendo,
nos contextos explicitados neste livro, algumas definições prévias
sobre avaliação, avaliação sistêmica na Educação Básica e sobre gestão
na relação entre sistema e escola.
A avaliação educacional se coloca nas últimas décadas do século
XX e início do XXI no contexto social mais amplo da exigência de
produtos de qualidade que possam ocupar espaço nas relações
comerciais globalizadas. E, como é próprio do sistema capitalista, o ser
humano educado e adequado às exigências do “mercado de trabalho”
se torna também produto, pois insumo básico do processo produtivo.
Educar passa a ser, então, seguindo tais princípios, uma exigência para
o Estado que assume o papel de Avaliador (AFONSO, 2001) a fim de
zelar pela qualidade da educação. Neste sentido Isabel Cappelletti
(1999) nos ensina que:

1 Formado em Pedagogia é mestre e doutor em educação pela PUC/SP. Atualmente


desempenha as seguintes funções: Professor do Departamento de Teorias e Práticas
Educacionais do Centro de Educação da UFES; Diretor do Departamento de Apoio
Acadêmico da Pró-reitoria de Graduação da Ufes; Lider do Grupo de Pesquisa:
Trabalho, Gestão e Avaliação Educacional; Conselheiro Estadual de Educação do
Espírito Santo.

93
A ênfase na questão da avaliação ganha novo fôlego, com a adoção na
década de noventa, das políticas públicas de avaliação. Essas políticas, ao
privilegiarem a preocupação com o produto, num viés positivista,
geraram um confronto com o encaminhamento teórico, à luz do qual
vem sendo tratada a avaliação, numa visão contemporânea. (p. 13).

A visão contemporânea que a autora indica propõe “[...] uma


abordagem mais globalizante, mais crítica, com forte apelo social, na
perspectiva da racionalidade emancipatória” (CAPPELLETTI, 1999, p.
13). Avaliação de sistema de ensino deve, então, se debruçar sobre o
processo de ensino, o que não se pode atingir com exames
objetivando medir a aprendizagem do estudante, é muito mais amplo
e vai da definição do plano de ensino do professor e a escolha das
metodologias até se chegar à coleta das informações necessárias a se
ter uma visão global do que se fez num determinado período, dos
avanços que professor/a e estudantes conseguiram e também das
possíveis lacunas a serem trabalhadas no processo educativo.
Evidente que o produto de certo processo é importante e deve
ser avaliado. Pois os objetivos do processo de ensino que se colocam
em consonância com as decisões curriculares tomadas no âmbito do
Estado visando “alcançar determinados resultados em termos de
domínio de conhecimentos, habilidades, hábitos, atitudes, convicções
e de desenvolvimento de capacidades cognoscitivas dos alunos”
(LIBÂNEO, 1994, p. 79) necessitam ter conhecidos seus pontos fortes e
fracos a fim de obter elementos para a sua regulação e a tomada de
decisões de políticas na perspectiva da promoção da educação com a
qualidade desejada.
O controle e a regulação sobre a educação executado pelo Estado
que chamou para si a tarefa de avaliar (AFONSO, 2001), especialmente
no currículo, tem se dado por meio da avaliação de larga escala –
SAEB, ENEM, PAEBES etc. Ao assumir tal função e realiza-la com o fito
de promover avaliação do sistema de ensino o Estado a concebe como
forma privilegiada de perseguir o que estabelece a Constituição em
seu artigo 206: “garantia de padrão de qualidade”. A carta magna
estabelece ainda que o planejamento educacional2 deve ser
empreendido como forma de “melhoria da qualidade do ensino”

2 O Plano Nacional de Educação (PNE) representa este planejamento previsto na


Constituição.

94
(BRASIL, 1988). Assim, a partir dos resultados destes exames nacionais
se realiza o que prevê a legislação que considera como papel do
Estado estabelecer diretrizes e objetivos mínimos para o currículo e
controlar sua execução. Entretanto, é preciso indicar que a realização
de exames gerais uniformizados tomados como avaliação de sistemas
de ensino pode levar ao estreitamento do currículo e à destituição dos
sujeitos escolares de sua tarefa de maior responsabilidade e nobreza:
elaborar currículo.
Na perspectiva do Estado a avaliação do ensino que se pratica na
avaliação sistêmica compõe a política pública de avaliação e visa avaliar
políticas educacionais. Mas, é importante reafirmar o que já explicitei
noutro texto (SILVA, 2011): Avaliação não é Exame!
Porém, considerando o exame realidade efetiva é importante que
a avaliação do ensino pretendida seja capaz de fazer com que os
resultados de desempenho de estudantes se relacionem direta e
dialeticamente com a avaliação global da escola – a Autoavaliação
Institucional – formando um todo avaliativo coordenado pela gestão
da escola. Nesta perspectiva seria apropriado do ponto de vista
educacional que somente a escola e os órgãos do sistema tivessem
acesso às informações destes exames, ao menos num primeiro
momento, e tomassem decisões saneadoras quando fosse o caso. Em
suma, se advoga que os exames gerais uniformizados não são capazes
de captar a complexidade dos processos constitutivos do ensino e
característicos da instituição escolar que compõe o sistema de ensino,
mas podem ajudar a escola em sua Autoavaliação Institucional – AAI –
que se constitui como atividade de gestão pedagógica.

O Lugar da Gestão na Avaliação

Nesta perspectiva, adquire importância a discussão da escola


como lócus da materialização de decisões tomadas a partir das
informações obtidas em processos de avaliação considerados
sistêmicos. Pois, a instituição fim da realização das políticas para a
educação gestadas no âmbito dos sistemas de ensino é a escola, mas
será que esta instituição é conhecida pelos elaboradores de política?
Caracterizá-la antes de discutir suas práticas e funções ligadas ao
ensinar, aprender, socializar e produzir cultura e aos aspectos de
localidade parece imprescindível.

95
Buscando aproximação com o emblemático conceito pode-se
concluir com Licínio Lima (2008, p. 86) que a escola não é “mera
colecção de indivíduos e de grupos [...] de objectivos e estratégias, de
meios e de fins, de alunos e professores” ou mero “conglomerado de
classes ou salas de aula, ou simplesmente um agregado de relações
entre professores e alunos [...]”, também não é mero “reflexo” das
decisões tomadas em instâncias estranhas a seu cotidiano. A escola se
constitui em processos pedagógicos complexos de pelo menos três
origens ou ângulos que se complementam: a sala de aula como
expressão de micro decisões e ações, a própria escola como expressão
de meso decisões necessárias ao seu funcionamento organizado e
macro decisões expressas em normas para o sistema de ensino que a
envolvem e incluem. Em suma, caracterizar a escola requer considerar
suas dimensões, contornos, possibilidades criativas e limites de ação,
mas principalmente entende-la como instituição social dinâmica e em
movimento, uma “organização em ação” (LIMA, 2008), aonde
conflitos de interesse relacionados às interfaces que abarca têm lugar
cotidianamente.
A organização de ações coordenadas destinadas a perseguir o
objetivo da existência da escola tem na Gestão Escolar seu maior
responsável. Esta, porém, se liga historicamente a figura do/a Diretor/a
e as relações de poder e mando. Mas a gestão da escola envolve várias
outras personagens (professores/as, funcionários/as, pais/mães,
estudantes etc), dimensões e obedece a regras. Libâneo e
colaboradores (LIBÂNEO et. all. 2003) indicam alguns pontos para
caracterizar a gestão explicitando seus contornos e interfaces que
merecem destaque: a) Planejar a fim de coordenar meios necessários
ao alcance de objetivos; b) Organizar recursos físicos, materiais,
financeiros e coordenar esforços humanos com vistas aos objetivos; c)
Dirigir, coordenar e orientar o trabalho dos membros da equipe; d)
Avaliar acompanhando e controlando o funcionamento da instituição.
O funcionamento organizado e eficaz da escola realizando o
conjunto de atividades apresentado depende de planejamento, porém
no alcance dos objetivos faz diferença a forma como se planeja e se
executa o que se planejou – autônoma e democrática ou centralizada e
heterônoma –, também interfere no processo a experiência docente
da pessoa responsável: gestor/a. A função de gerir a escola requer
preparo e conhecimento técnico dos elementos indicados

96
anteriormente (LIBÂNEO et. all. 2003), mas requer fundamentalmente
que se tenha claro a interdependência entre a sala de aula, o coletivo
da escola e o sistema que a abrange. A escola não é uma organização
independente nem da sociedade em que se insere nem do sistema de
ensino que a abarca e deve, a partir da assunção desta natureza,
dialogar com sua comunidade de inserção, seus sujeitos e interesses,
conhecimento universal sistematizado e as relações de poder que
envolvem e são geradas no processo.

Avaliar a Escola Ajuda a Gerir Seu Currículo

Buscando dialogar com a perspectiva de avaliar o desempenho de


estudante em exames gerais uniformizados chaga-se a conclusão que
o ponto de partida para elaboração de juízo avaliativo deve ser o
trabalho desenvolvido por professores/as e estudantes em sala de
aula. Esta pratica se faz na escola que é lócus privilegiado de aplicação
do currículo que se produz normativamente, mas também de sua
composição e recomposição na relação e na interface das iniciativas
individuais desenvolvidas por professor/a e estudantes em sala de aula
e o trabalho coletivo possível na instituição escolar em que se insere.
Então, o desempenho auferido pelo estudante num exame coloca
parcial e insuficientemente em xeque: o trabalho do/a professor/a, do
coletivo da escola e do sistema de ensino ao qual a escola pertence.
Ora, considerar a possibilidade de pelo produto definir o processo se
coloca numa perspectiva teórica positivista, como afirma Cappelletti
(1999). Pode-se ainda afirmar que se tal processo não for critica e
adequadamente conduzido observando o princípio da ação-reflexão-
ação poderá levar a um estreitamento do currículo com um
direcionamento do esforço individual do/a professor/a e do coletivo
escolar à preparação de estudantes para fazer exames. O possível
estreitamento é explicado pelas suas características universalizantes
dos exames que seguem matriz de referencia construída a partir de
mínimos curriculares, sejam estes definidos em termos de objetivos,
conteúdos, habilidades ou competências.
Frente às reflexões empreendidas parece que uma melhor
aproximação com o sentido das avaliações sistêmicas que impactam a
gestão escolar se faz necessária, o que requer explicitar o conceito de
sistema.

97
O Que é Sistema?

Para os propósitos deste texto se apresenta primeiramente o


entendimento mais geral e corriqueiro que se pode encontrar em
dicionários onde sistema é definido como “conjunto de elementos,
materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir
alguma relação; ou disposição das partes ou dos elementos de um
todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura
organizada” (FERREIRA, 2004, p. 1857).
Na literatura especializada a maior relevância parece estar na
contribuição dada pelo debate filosófico e participando dele Demerval
Saviani (2008) afirma a racionalidade existente no sistema enquanto
produto da ação ordenada do homem sobre a realidade. Sistema será,
então, criação do engenho humano e obra de sua ação intencional e
sistematizada (p. 83-87). Noutro texto que serviu como motivador das
discussões do tema na Conae3 de 2010 afirmando como pressupostos
da “noção de Sistema” a intencionalidade, a unidade, a variedade, a
coerência interna e externa, ao concluir o autor o define da seguinte
maneira: “é a unidade de vários elementos intencionalmente reunidos
de modo a formar um conjunto coerente e operante.” (p. 3). Em
sequência afirma que a noção de sistema somente se aplica à
educação sistematizada que se caracteriza como ação humana no
campo da práxis. Para ele

[...] o homem é capaz de educar de modo sistematizado quando: a)


Toma consciência da situação (estrutura) educacional; b) Capta os seus
problemas; c) Reflete sobre eles; d) Formula-os em termos de objetivos
realizáveis; e) Organiza meios para alcançar os objetivos; f) Instaura um
processo concreto que os realiza; g) Mantém ininterrupto o movimento
dialético ação-reflexão-ação. (p. 8).

Daí se conclui a necessidade de se falar em sistema no contexto


do planejamento, da gestão e da avaliação que se caracterizam como

3 Conferência Nacional de Educação. O texto é apresentado pelo autor como


“organizado a pedido da Assessoria do MEC para servir de subsídio às discussões
preparatórias da Conferência Nacional de Educação” em 2009 e é intitulado
SISTEMA DE EDUCAÇÃO: SUBSÍDIOS PARA A CONFERÊNCIA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO. Disponível em http://portais.seed.se.gov.br/sistemas/portal/arquivos/
p14-499_conae_dermevalsaviani.pdf.

98
de Estado. E, no caso brasileiro, com distribuição desigual de
competências e responsabilidades, em suas instâncias federadas:
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Pois, a Constituição
Federal de 1988 estabelece em seu art. 211 que “a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de
colaboração, os seus sistemas de ensino”.
Em termos práticos veja como a norma organizativa dispõe sobre
composição e caracterização de um Sistema de Ensino de Estado:

Art. 1.º O Sistema de Ensino do Estado do Espírito Santo se caracteriza


como conjunto coordenado e colaborativo, formado por instituições
vinculadas ao poder público ou à iniciativa privada, e órgãos estaduais de
educação, responsáveis pela organização, supervisão e fiscalização
dessas instituições4.

O sistema congrega instituições de natureza distinta e não se


resume a escolas. Daí se depreende que Sistema de Ensino não se
confunde com rede de escolas, pois várias redes podem integra-lo. Tal
constatação poderá colocar luz no debate em torno da utilização das
avaliações de larga escala como sinônimo de avaliação de sistema que
se empreenderá a seguir.

Avaliação em Larga Escala e Avaliações Sistêmicas

A Constituição é corroborada e explicitada pela Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional – LDBEN – no que respeita aos sistemas
de ensino e também quanto à avaliação destes que se atribui à União a
tarefa de executar. A LDBEN nº 9394/1996 estabelece no seu Art. 9º,
Inciso VI que “a União incumbir-se-á de assegurar processo nacional de
avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e
superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a
definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino”.
Uma questão parece importante levantar no momento: para se
cumprir o que determina o Art. 9º da LDBEN se deve realizar avaliação
em larga escala ou avaliação sistêmica? Ou seria a mesma coisa no
texto da lei?

4 Resolução nº 3.777/2014 que fixa normas para o sistema de Ensino do Estado do


Espírito Santo.

99
Para responder a questão se faz necessário entender o que se
tem denominado avaliação sistêmica5 e por avaliação de larga escala.
Inicialmente é importante demarcar que são coisas diferentes e a
Avaliação de larga escala não pode ser considerada como avaliação de
sistema, pois focando o desempenho de estudantes fornece
elementos parciais para a avaliação de escolas e redes.
A prática da avaliação de larga escala se generaliza a partir da
década de 1990 com a instituição dos processos tipo SAEB – Sistema
de Avaliação do Ensino Básico –, mas desde os anos 1970 se podem
encontrar iniciativas neste sentido que vão servir de base para a
construção, no final dos anos 1980, de um Sistema Nacional de
Avaliação ancorado na avaliação de larga escala dos resultados de
desempenho de estudantes como ferramenta de regulação da
Educação Básica (FREITAS, 2007). Neste contexto o Espírito Santo
também criou seu Programa de Avaliação da Educação Básica do
Espírito Santo – PAEBES – que desde o ano 2000 vem funcionando
com o objetivo de avaliar o sistema de Ensino do Espírito Santo. Assim,
parece adequado concluir que os órgãos de Estado responsáveis por
gerir o ensino têm entendido que avaliação em larga escala se
caracteriza como exame realizado de modo amostral ou universal com
objetivo declarado de verificar o funcionamento e a qualidade dos
produtos do sistema de ensino: a aprendizagem dos estudantes.
Parece correto pensar que ninguém em sã consciência poderia
defender a ideia de que é pelos resultados se conhece o processo, mas
que aqueles podem fornecer indicações gerais e imprecisas acerca
deste. Entretanto, do ponto de vista prático o que tem acontecido é a
divulgação dos resultados de desempenho de estudantes das escolas
nestes exames como representativo da avaliação do fazer da escola e
do sistema de ensino sem atentar para outros fatores imprescindíveis
num processo de avaliação sistêmica.
Os exames têm encontrado materialidade como testes de
desempenho amplamente divulgados. Não se pode desprezar este
instrumento, mas ficar atento ao risco da burocratização do processo

5 A discussão sobre a temática avaliação sistêmica e currículo já foi empreendida em


texto didático de 2010 destinado a estudantes de cursos EAD da UFES e o que se
apresenta agora toma aquela produção como referência e se constrói adaptando-a.
O nome daquela publicação de circulação restrita é “Currículo na formação de
professores: diálogos possíveis”.

100
avaliativo com sua utilização, pois seus fundamentos teóricos
ancoram-se em princípios epistemológicos e metodológicos oriundos
nas ciências naturais de influência positivista e neopositivista.
Domingos Fernandes (2009, p. 86) indica alguns limites destes
procedimentos:
1. Avaliam um leque relativamente estreito das competências
previstas no currículo.
2. Tendência a fracionar o conhecimento, assumindo a
independência e não a interdependência dos objetivos
educacionais.
3. Tendência a centrar-se em objetivos de processos algorítmicos ou
de procedimentos rotineiros e menos no uso de processos
complexos de pensamento, porque se pressupõe incorretamente
que os alunos só podem resolver problemas de certos graus de
complexidade depois de poderem resolver problemas muito
simples.
4. Podem fornecer informações pouco válidas e pouco confiáveis
acerca do que se pretende avaliar.
Importante destacar que dentre os limites apontados há uma
linha geral de questionamento sobre a procura da quantificação de
conhecimentos, comportamentos, atitudes ou capacidades
observáveis. Neste caso se pretende representar num sumário os
resultados obtidos numa situação educativa. Ou seja, traduzir em
números/índices a distância que determinado/a aluno/a ficou da meta
(SILVA, 2011).
Afirma Sousa (2000) que a avaliação de sistemas deve se
constituir com dois focos: “o primeiro refere-se aos resultados do
sistema, as habilidades e competências adquiridas pelos alunos em
determinada séries escolares, e o segundo trata das condições
oferecidas para alcançar esses resultados” (p.113).
As denominadas avaliações de larga escala que visam oferecer
informações acerca do desempenho de redes e das unidades desta a
partir dos resultados obtidos pelos/as estudantes em exames tem sido
postas em xeque e debatidas no meio acadêmico e esferas de governo
com argumentos de vários ângulos. Mas uma coisa parece não estar
mais em discussão: a necessidade de se fazer avaliação. E, buscando
produzir um balanço da situação Bernadete Gatti (2009) afirma que a
representação dos processos avaliativos de sistemas educacionais no

101
Brasil vem mudando, se aperfeiçoando e ajudando, inclusive, no
aperfeiçoamento dos currículos escolares, na formação continuada de
professores, na revisão da formação básica de docentes, e na
produção de materiais didáticos novos em vários tipos de suporte.
A referência de Gatti (2009) ao aperfeiçoamento dos currículos se
coloca no campo de modificações empreendidas a partir de lacunas
detectadas no rendimento dos estudantes nestes exames. Entretanto,
destarte a discussão possível acerca dos entendimentos da autora
sobre currículo e o que seriam esses aperfeiçoamentos, não há motivo
de comemoração por razão já destacada neste texto: os exames são
construídos seguindo matriz de referência definida a partir de mínimos
curriculares.
Freitas et al. (2009) não se referem à avaliação em larga escala
como sinônimo de avaliação de sistemas, apesar de considerar que
este entendimento é voz corrente. Propõem uma mudança radical de
enfoque metodológico e de gestão do processo defendendo que a
avaliação de redes de ensino seria mais eficaz se planejada e conduzida
no nível dos municípios. Os autores observam que o planejamento da
avaliação no nível municipal, viabiliza o envolvimento de
professores/as e especialistas das secretarias e das escolas na
montagem do sistema de avaliação e a operacionalização do processo.
Apesar de a LDBEN admitir parcerias e trabalhar com a ideia de
“regime de colaboração” atribui à União a responsabilidade pela
avaliação. Ora, uma construção baseada no município com a
participação dos atores listados poderia ter mais chances de se
constituir representativa e cumprir o propósito de ajudar a escola a
realizar melhorias se no processo de AAI fizesse uso dos resultados da
avaliação de larga escala promovida pelo município.
Diante dos argumentos expostos evidenciando visões
diferenciadas parece importante concluir pela importância da
Avaliação de Sistema, mas também que seu foco em exames
padronizados que testam conhecimentos de estudantes é insuficiente.
O segundo aspecto apontado por Sousa (2000) referente às condições
para a realização dos objetivos propostos e se atender às expectativas
sociais devem ser tratadas como fundamentais.
Assim, se torna importante pensar que o sistema não é formado
só por unidades escolares e que não basta indicar por meio de índices
se estas atingiram o que delas se espera, mas ajudá-las a integrar os

102
resultados obtidos pelo desempenho de estudantes em exames a
amplo processo de Autoavaliação Institucional – AAI – e de
planejamento com vistas a desenvolver melhor e eficazmente o ensino
que empreende. Veja-se que os demais órgãos do sistema são, nesta
perspectiva, implicados diretamente. Assim, se poderá dizer que não
se está a considerar apenas índices e aspectos quantitativos
mensuráveis para responsabilizar exclusivamente a escola pelos
resultados, mas se estará oferecendo lugar às analises qualitativas e
possíveis soluções que se produzem coletivamente na escola e em
suas interfaces.

A Avaliação e a Gestão: da Sala de Aula ao Coletivo Escolar6

Avaliar a escola significa avaliar sua ação sistematizada no âmbito


do planejamento expresso no Projeto Político Pedagógico – PPP –, que
se caracteriza como a efetivação das decisões curriculares tomadas no
nível do Estado e em seu próprio nível. Assim, quando o desempenho
de um grupo de estudantes se apresenta como satisfatório e se admite
esses resultados como representativos de ações planejadas também
satisfatórias se tem não somente a expressão de que a gestão escolar
parece ser bem sucedida, mas a coerência de currículo idealizado e
realizado o que leva à admissão que avaliar a escola extrapola a
avaliação do rendimento de seus estudantes e se concentra em seu
currículo e na forma como é decidido, composto e gerido.
Acrescente-se a isso que empreender processo de avaliação de
sistema é coisa para se realizar a partir da escola que em sua
complexidade deverá considerar:
1) as informações advindas de suas salas de aula:
a. do planejamento do ensino;
b. das escolhas e composições curriculares;
c. do desempenho de seus estudantes em seus processos
próprios de avaliação da aprendizagem;
d. dos materiais disponíveis;
e. da avaliação do processo de ensino;

6
Parte das discussões apresentadas neste item se inspiram em publicação de 2011
intitulada: Estágio 1.

103
2) as informações das avaliações de larga escala;
3) as informações e normas do sistema ao qual se vincula;
4) as informações de seu processo de AAI.
Na escola, o PPP se constitui organizador básico do currículo, da
gestão escolar e dos processos didáticos de sala de aula, exerce
função de efetivação e regulação curricular que pressupõe a AAI. É no
PPP que o currículo prescrito no nível do Estado submete-se aos
critérios do contexto e é moldado, ressignificado, adaptado,
reconstruído e avaliado em níveis e subníveis: a) escola em suas
decisões mais específicas e operacionais em Planos setoriais e gerais
de duração limitada; b) sala de aula nos planos de disciplinas, de
unidades, de aulas e em projetos.
A avaliação das ações desenvolvidas pela escola deve levar em
consideração tais elementos e assumir características de autoavaliação
organizada e realizada por seus membros (gestores/as, docentes,
funcionários/as) e usuários/as diretos/as (alunos/as, pais/mães),
preferencialmente, em organismos colegiados. Caracteriza-se como
um meio de se obter informações e subsídios promotores da
consciência dos sujeitos acerca dos pontos fortes e fracos a fim de se
reforçarem mutuamente nos e pelos acertos e adotarem
procedimentos para correções e melhorias necessárias no processo
em questão – aperfeiçoá-lo. Acompanhar o desenvolvimento do
currículo neste nível significa analisar o todo da unidade escolar no
processo da AAI.

Sala de Aula

Avaliação que se empreende neste nível serve como forma de


regular as aprendizagens partilhadas por estudantes e docente bem
como instrumento de reorientação do que foi planejado e dos modos
de ensinar. Aqui se considera o foco no processo de ensino: processo e
produto.
Na sala de aula é importante se ter em conta que a aprendizagem
de estudantes e docente é o foco da avaliação do processo formativo
desenvolvido. Assim, estabelecer critérios, ângulos e focos para avaliar
são fundamentais aos processos de regulação da aprendizagem, do
ensino e do desenvolvimento curricular realizado pelo docente, mas
também a processos de autorregularão dos sujeitos. Quando a

104
autorregularão se constrói pode-se dizer que o processo tende ao
êxito, pois expressará os esforços de todos/as os/as envolvidos/as em
direção a objetivos declaradamente comuns e complementares
(FERNANDES, 2009).
Na avaliação da aprendizagem é o desenvolvimento do estudante
que se caracteriza como ponto central e deve ser considerada em
relação àquilo que o estatuto da área determina. Ou seja, ângulo
fundamental da avaliação em sala de aula deve ser: o estudante em
relação ao conhecimento.
Considerar-se-á ainda que o processo de aprendizagem e ensino
em sala de aula é compartido e fruto de relações, algumas vezes
imprevistas, o que lhe confere status de coletivo. Ou seja, o que a
maioria dos estudantes aprende serve de parâmetro para se regular a
aprendizagem individual tanto do ponto de vista do docente quanto
do próprio estudante: o estudante em relação com sua turma.
Mas o processo que cada estudante vivencia durante um
determinado lapso de tempo tem característica própria e única, pois
experiencial, no qual o fim se relaciona com o início e neste demonstra
o que aprendeu. Noutras palavras, há estudantes que iniciam o
processo de um curso num patamar inferior à turma, mas conseguem
chegar ao final com desempenho semelhante ou superior aos demais.
Tal constatação faz concluir pela eficácia de seu processo individual.
Ou seja, a aprendizagem do estudante em relação a ele mesmo.

A escola: alguns elementos e sujeitos

Lembre-se que a consideração de que a avaliação sistêmica


poderá apresentar contribuição efetiva à gestão na medida em que é
incorporada em processo de AAI. Importante destacar que na AAI se
deve levar em conta ainda as informações e normas do sistema, as
informações gerais obtidas internamente e as já discutidas
informações especificas acerca da aprendizagem em sala de aula.
Assim, destaca-se na sequencia a importância da participação dos
sujeitos nesta construção.
A característica básica da AAI é a participação de todos/as que
pode ocorrer sob variadas formas: reuniões de pais/mães e mestres,
composição da Associação de Pais e Mestres – APM, atuação como

105
representante no Conselho de Escola etc. Em suma, a AAI que
pretende ser democrática não exclui nenhum setor atuante na escola.
A participação de pais/mães se torna instrumento de gestão que
pode ser democrática ou fazer parte de sua construção. É na
participação em conselhos, associações, reuniões e outros meios
criados que pais/mães podem atuar no acompanhamento do fazer da
escola expresso em seu PPP.
A participação de funcionários/as na AAI se efetivará na escola se
contar com o apoio de gestores/as e docentes daqueles/as,
corroborando a ideia de que o acompanhamento do PPP a integra e se
constitui processo democrático e dialógico.
Os estudantes são lembrados/as no processo de AAI sempre
como pacientes e não como agentes. Sua participação coautora do
processo de ensino quase sempre é esquecida, ficando-lhes reservado
desempenhar bom papel nas avaliações de desempenho (exames)
realizadas em larga escala.
Porém, é fundamental sua incorporação nos processos da AAI,
pois sendo diretamente implicados devem ter vez e sua voz
considerada. Caberá à escola, por meio de gestores/as, professores/as,
funcionários/as, pais/mães – adultos – criar estratégias e espaços para
que possam se expressar.
Nos últimos tempos são vários os atentados as possibilidades de
gerência dos professores/as sobre o currículo: são sistemas
apostilados, livros didáticos para serem seguidos à risca, diretrizes
curriculares rígidas e seguidas de avaliações padronizadas (exames).
Os Professores não podem permitir que natureza intelectual de
seu trabalho (GIROUX, 1997) seja modificada e se promova sua
alienação do decidir “o que”, “o como”, “o quando”, o “a quem” e o
“para que” ensinar. Abdicar deste direito e dever significa conferir à
docência características mecânicas de trabalho manual repetitivo. Para
não se transformar numa engrenagem do sistema de ensino e num
“operário das letras” à moda da crítica do fordismo-taylorismo feita
por Charles Chaplin em “Tempos Modernos” se faz necessário, ainda,
superar a compreensão de que o processo de ensino é seu território
exclusivo e buscar parcerias com pais/mães, alunos/as, gestores/as,
funcionários/as, comunidade.
Como se vê são enormes as possibilidades da AAI, mas se
constitui tarefa exigente que a todos/as atribui responsabilidades e de

106
todos/as cobra respostas no processo coletivo da organização do
ensino. Ou seja, na gestão do currículo que se expressa no documento
PPP da escola.

Em terminando... Para começar a praticar: Avaliação envolve relações


de poder!

As relações e o exercício do poder se constituíram ao longo dos


tempos imprescindíveis aos processos avaliativos. Decidir acerca dos
rumos de projetos ou destinos de pessoas e aprovar ou reprovar e
fazer o/a estudante retornar ao início do processo e repeti-lo é poder
concentrado na mão do/a professor/a ou, no máximo, do grupo de
professores/as reunidos em conselho de classe. (SILVA, 2011). Correlato
a isso, dizer, a partir dos resultados obtidos por estudantes em exames
padronizados, esta escola é boa ou ruim e glorifica-la, bonifica-la ou
submetê-la ao vexame e execração pública midiática de portar mau
desempenho se caracteriza como expressão de poder exercido de
forma inadequada.
Discutir avaliação de sistemas, então, significa colocar em xeque
não somente a escola, mas os rumos da própria avaliação educacional
em todos os níveis do sistema de ensino e não somente da escola.
Significa, ainda, discutir as concepções de educação e as formas de
ensinar, aprender, organizar a gestão e o currículo desde os órgãos
centrais do sistema até a sala de aula, como já afirmamos em outro
artigo (2010a).
Entretanto, a instância coordenadora do processo que alimenta a
avaliação do sistema deve ser a escola promovendo a AAI que
considera informações e elementos internos e externos, os analisa e
significa a fim de produzir recomposições no PPP que expressa o seu
fazer. Implementar na escola brasileira a AAI é, ainda, um desafio!
Aceitemos o desafio e vamos à luta!

Referências

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Crise do Estado-Nação e a Emergência da Regulação Supranacional.
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109
110
A GESTÃO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA:
O IDEB E O IDE NO DISCURSO OFICIAL

Caroline Falco Valpassos1

Apresentação

A questão da qualidade educacional no Brasil é tema de diversos


estudos e está cada dia mais em pauta no cenário brasileiro, a partir do
desenvolvimento de avaliações em larga escala que vem se
configurando, desde a década de 90, como um mecanismo de aferição
de alguns elementos que compõem a qualidade da educação.
Além das avaliações nacionais, o país integra diversos estudos e
avaliações internacionais, tais como o Primeiro Estudo Internacional
Comparado (PERCE), desenvolvido pelo Laboratório Latino-Americano
de Avaliação da Qualidade da Educação, integrante da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), da OCDE.
(FERNANDES, 2011).
Essa é uma tendência possível de se visualizar, principalmente,
nos países considerados emergentes. Assim, seguindo orientações,
vinculações e tendências dos organismos internacionais, iniciaram-se
programas e projetos que objetivaram ampliar o direito ao acesso à
escolarização e, ao mesmo tempo, aperfeiçoar os investimentos em
educação (CASTRO, 1999; FONSECA, 2005; SILVA, 2002; SOUZA, 2002).
Configura-se, portanto, um quadro de avaliações da educação
escolar brasileira que traz em sua essência o próprio debate sobre a
qualidade na educação e a exigência intrínseca de políticas públicas
que objetivem melhorar essa qualidade. Tantas avaliações e tanto
enfoque na questão da qualidade, por organizações e instituições
distintas, permite inferir que ambas as questões, da avaliação e da

1 Graduada em Pedagogia e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito


Santo. Atuou na escola básica e no Ensino Superior e atualmente cursa doutorado na
Universidade de São Paulo. Pesquisa planejamento de políticas, ideb, avaliação e
qualidade da educação.

111
qualidade, possuem, hoje, um caráter multidisciplinar, bem como as
políticas originadas a partir destes elementos.
É possível encontrarmos diversas políticas acerca da educação
pública brasileira, nas diversas esferas governamentais. De modo mais
incisivo, a esfera federal vem ampliando e reconfigurando tais
políticas, desde a implementação do Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE), criado em 2007. (MEC, 2007). Dimensionando essa
participação na área, no início havia em torno de 27 políticas vinculadas
ao PDE. Em 2010, já havia mais de 50 ações e programas, tendo sido
alguns modificados e outros criados. Dentre eles houve a criação do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), primeiro
indicador da educação básica brasileira. Ele é um indicador objetivo,
bianual, e o seu resultado é oriundo da agregação dos dados de dois
dados: o desempenho na Prova Brasil e as taxas de aprovação
retiradas do Censo Escolar. (FERNANDES, 2007; FERNANDES, 2010)
Quanto às esferas Estaduais, temos várias iniciativas pelo Brasil. A
título de exemplificação, tem-se o Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), o Sistema
Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE), o Programa de
Avaliação do Sistema Educacional do Paraná (AVA) e o Programa de
Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (PAEBES), dentre
outras iniciativas nesse campo. Esses sistemas de avaliação trazem
consigo a criação de indicadores, objetivando apreender aspectos da
qualidade educacional. No caso do estado do Espírito Santo, houve
também o estabelecimento do Indicador de Desenvolvimento das
Escolas do Espírito Santo (IDE), criado no contexto do próprio PAEBES.
Esse panorama indica que há uma série de políticas criadas e que
estão sendo aplicadas, sendo necessário e imprescindível a
compreensão dos seus pressupostos, bem como o acompanhamento,
a análise e a pertinência destes no contexto atual brasileiro. Desse
modo, o foco deste artigo recai sobre a necessidade de identificar, nos
discursos oficiais sobre o IDEB e sobre o IDE, a concepção sobre a
qualidade que está presente, bem como a tentativa de operacionalizá-
la nestes indicadores.

112
A qualidade almejada

Não é possível abordar, hoje, o direito à educação, sem vinculá-lo


às três dimensões que o integram: o acesso, a permanência e a
qualidade. (OLIVEIRA; ARAUJO, 2005). Considerar se o direito à
educação, constitucionalmente garantido, está sendo efetivado
somente é viável quando se considera os dados sobre cada dimensão.
O Brasil, na década de 90 contava com quase 97% das crianças de
sete a quatorze anos matriculadas na escola de ensino fundamental, o
que demonstrou, no momento, a possibilidade da garantia do direito à
educação via o acesso. Entretanto, o acesso não indicou permanência
e nem qualidade, tendo em vista que

[...] o Brasil, apesar do aumento expressivo do número de matrículas na


etapa obrigatória de escolarização, chegou ao final da década de 1980
com uma taxa expressiva de repetência: de cada 100 crianças que
ingressavam na 1a série, 48 eram reprovadas e 2 evadiam, o que
evidenciava a baixa qualidade da educação oferecida à população”
(OLIVEIRA, ARAUJO, 2005, p. 10).

Observa-se que o acesso gerou demandas por outras políticas que


visavam o combate à repetência, ao abandono escolar e medidas de
regularização de fluxo por meio da adoção de ciclos de escolarização,
da promoção continuada e dos programas de aceleração da
aprendizagem que foram difundidos a partir da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (Lei 9.394/96). (ARAUJO, FERNANDES, 2009)
No campo da qualidade da educação, é consenso que há múltiplas
definições do termo. Basicamente, a qualidade possui características
descritivas e normativas. Ela pode ser um atributo ou uma característica
intrínseca de um indivíduo ou organização. Por exemplo, pode-se dizer
que a escola X tem todos os professores formados em nível superior. O
termo qualidade também pode se referir ao estado ou grau relativo, ou
seja, comparada a alguma coisa. Por exemplo, “As escolas A e B são
excelentes escolas”, ou “A escola A é melhor do que B”. (ADAMS, 1993).
No contexto da reforma educacional, a maioria das discussões sobre
qualidade assume ou implica no uso normativo do termo.
Segundo Adams (1993), a análise do conceito e as diversas
definições de qualidade educacional que existem sugerem alguns
pressupostos ao lidar com o tema. Dentre eles, tem-se que a qualidade

113
pode refletir valores individuais e interpretações. Ou seja, o que uma
pessoa considera qualidade, a outra pode não considerar. Outro
pressuposto é o de que a qualidade é dinâmica, muda ao longo do
tempo e de acordo com o contexto. Assim, se hoje a qualidade é
referente, principalmente, ao ensinar a ao aprender, no Brasil, em
países como a Costa do Marfim2, por exemplo, a qualidade pretendida
ainda refere-se ainda ao acesso de todos à escola. Por último, ressalta-
se que o significado de qualidade é baseado em valores, culturas e
tradições, podendo ser específico para determinada nação,
comunidade, escola, pai ou aluno3.
Dado que a qualidade possui estas características, dentre outras,
o fato é o de que isto faz com as comparações de níveis ou graus de
qualidade educacional sejam extremamente difíceis, apesar da ideia
subjacente de que a qualidade pode ser medida. Nesse sentido, como
dizer o que é qualidade na educação?
Para Adams (1993), a qualidade e seus conceitos associados estão
relacionados às ideias de insumos (input), processos (processes) e
resultados. Contudo, o mesmo sinaliza que há dois tipos de resultados:
os outputs e os outcomes. Os outputs (saídas/produtos), geralmente se
referem às mudanças no desempenho dos alunos, a taxa de conclusão,
certificação, habilidades, atitudes e valores. Já os outcomes
(resultados/retorno) considera as consequências a longo prazo da
educação, como emprego, remunerações, mudanças de atitudes e
comportamento, numa perspectiva mais abrangente.
Portanto, são três dimensões de qualidade a serem consideradas:
os insumos, os processos e os resultados no sentido ampliado,
considerado os outputs e os outcomes.

2 No documento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), “Situação


Mundial da Infância (2012)”, a razão bruta de matrícula no Ensino Primário
(Fundamental I) de meninas, era a de 66% em 2010. No Brasil era de 123%, indicando
que praticamente todas estão inseridas, ainda que haja atraso escolar. (UNICEF,
2012).
3 Usando o exemplo do acesso, pode-se compreender que em alguns países, nem a
questão do acesso das meninas à escola refere-se à qualidade. Ao contrário, em
países como o Paquistão, a razão bruta de matrícula no Ensino Primário
(Fundamental I) de meninos é de 92%, enquanto das meninas é de 77%. Há países,
como o Paquistão, que a educação da mulher não é relevante, crença dada por
questões de tradição, religião e cultural.

114
A questão em voga, a partir dos anos de 1990 no Brasil, mas
enfatizada na década de 2000, é a de como medir essa qualidade. Ou
seja, ela pode ser medida “objetivamente”? Nessa ótica, há três
questões a serem consideradas, apresentadas por Adams (Ibid.). A
primeira é a de que a qualidade da educação deve ser avaliada através
de ambientes educacionais, considerando todo o âmbito da qualidade.
A segunda, é a de que mesmo que haja uma falta de acordo sobre o
que é qualidade, se faz necessária uma direção comum sobre o
assunto e, nesse sentido, a perspectiva de medição tem se feito
presente. A última é a de que a qualidade, mesmo que parcialmente,
pode ser medida objetivamente. Na perspectiva do autor, as três
considerações devem estar vinculadas. Isso quer dizer que a
medicação é possível, indicada e viável, nesse conjunto de ações.
O que se vê de modo mais ampliado, quando observada a
trajetória das avaliações de larga escala (FERNANDES, 2010), é que a
criação de indicadores agregados ganhou fôlego a partir do ano 2000,
no Brasil, com a criação do Ideb. Mas, por que os indicadores
tornaram-se o foco nos últimos anos?

INDICADORES E QUALIDADE NO DISCURSO OFICIAL

A definição de indicador social é a de que ele é um instrumento


operacional para monitoramento da realidade social, para fins de
formulação e reformulação das políticas públicas. Nesse sentido,

Um Indicador Social é uma medida em geral quantitativa dotada de


significa do social substantivo, usado para substituir, quantificar ou
operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico ou
programático. É um recurso metodológico, empiricamente referido, que
informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças
que estão se processando na mesma. (JANNUZZI, 2001, p.15)

Na tentativa de medir a qualidade da educação, quaisquer que


sejam seus aspectos, é que indicadores são criados no âmbito
educacional. Nesse sentido, indicadores educacionais foram usados
como dados de monitoramento de políticas, verificando acesso,
frequência, conhecimento adquirido, etc. Inicialmente, foram criados,
no Brasil, indicadores simples, medindo, por exemplo, o acesso e
permanência na escola, pelo Censo Escolar.

115
Atualmente, eles são utilizados, quando agregados, para
quantificar um processo abstrato, como o conceito de qualidade
aclamado. Como referenciado, há indicadores de qualidade nacional,
estaduais e municipais. Como esses indicadores de qualidade são
referenciados no discurso oficial dos sistemas? Todos tratam a
qualidade do mesmo modo?

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Recentemente foi criado o primeiro indicador para se medir a


qualidade educacional: o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB). Para tal fim, foram adotados dois parâmetros: a
aprendizagem e o tempo. Para se medir a aprendizagem, utilizam-se as
notas obtidas na avaliação de larga escala, conhecida como Prova
Brasil e SAEB4. Dos exames padronizados é retirada a pontuação média
dos estudantes de cada etapa avaliada (4ª, 8ª série do ensino
fundamental e 3º ano do ensino médio)5. A taxa média de proficiência
é dada, considerando a média obtida nos exames padronizados (do
ano ao qual se refere), em língua portuguesa (LP) e matemática (M), e
o seu desvio padrão (DP), sendo calculado o limite inferior e o limite
superior. Ou seja, se a média de LP na 4ª série foi de 186 e o DP de 46, o
limite inferior é o de 49,0 e o superior, de 100. (FERNANDES, 2007). Já
para medir o tempo, utiliza-se a taxa média de aprovação do ano
avaliado, retirada do Censo Escolar. Considera-se a taxa média de

4 Em 2005 o SAEB sofreu uma modificação pontual e necessária para a continuidade e


reforço do monitoramento educacional. A sua nova organização foi normatizada
pela Portaria nº 931, de 21 de Março de 2005 (BRASIL, 2005a) e se encontra composta
pela Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar (ANRESC). A ANEB tem o seu foco nas gestões dos sistemas
educacionais e é conhecida como SAEB. Já a ANRESC é mais ampla e focaliza as
unidades escolares brasileiras e, devido a isso, recebe o nome de Prova Brasil. Se
antes a avaliação era feita por amostragem, com essa organização e novo sistema de
dados tornou-se possível avaliar cada sistema e cada escola brasileira. (FERNANDES,
2010, p. 41)
5 Quando o Ideb foi criado, bem como o SAEB e a Prova Brasil, o Ensino Fundamental
era de oito anos, ou seja, era de 1ª à 8ª série. Com a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de
2006, ficou estabelecido sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino
fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Assim, a
4ª série passou a ser denominado de 5º ano e a 8ª série, de 9º ano do ensino
fundamental.

116
aprovação das séries inicias do ensino fundamental (1ª a 4ª série) e das
séries finais (5ª a 8ª série).
A agregação dos dados desses dois indicadores gera uma nota
padronizada que varia teoricamente de zero a dez. As notas são
atribuídas aos sistemas municipais, estaduais, federal e às escolas. Essa
combinação procura “[...] incentivar as escolas e redes de ensino a
adotarem determinada taxa de troca‟ entre a proficiência esperada
dos estudantes ao final de uma etapa de ensino e o tempo médio de
duração para sua conclusão” (FERNANDES, 2007, p. 10). Essa taxa de
troca aponta para a relação existente entre fluxo e aprendizagem,
resumindo, teoricamente, um dos propósitos do índice. A lógica do
Ideb é a de que tem que haver um desempenho x num período anual.
Portanto, a nota obtida na Prova Brasil em conjunto com o tempo de
conclusão de 1ª série, indica se a escola está alcançando um bom
índice, ou seja, se está tendo um bom desempenho em um prazo de
um ano letivo. Portanto, o “indicador sugere que ele incentiva as
unidades escolares (escolas e redes de ensino) a operarem com baixas
taxas de reprovação, a não ser que repetências tenham um forte
impacto positivo no aprendizado dos alunos (repetentes ou não)” (op.
cit. p. 16).
O Ideb foi criado em 2007, mas as primeiras notas referem-se ao
ano de 2005 (dados desse ano letivo). Ainda em 2007, ele se tornou
um indutor de políticas e/ou ações educacionais, pois passou a ser um
indicador da educação brasileira, como podemos perceber no Decreto
6.094 de 24 de abril de 2007. Esse decreto dispõe sobre a
implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação
mediante programas e ações de assistência técnica e financeira,
visando à mobilização social pela melhoria da qualidade da educação
básica. Nele, o capítulo II é destinado especificamente ao Ideb,
constando que:

Art. 3º - A qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com


base no Ideb, calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir
dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho
dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da
Educação Básica - SAEB, composto pela Avaliação Nacional da Educação
Básica - ANEB e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova
Brasil). (BRASIL, 2007)

117
Para além de monitorar essa qualidade, metas foram definidas
para escolas e sistemas de ensino. A meta colocada para as escolas é
que elas alcancem, no mínimo, a nota 6,0, em 2021. Essa média (seis)
foi estipulada por ser esta a nota média dos países desenvolvidos,
especificamente, os países que compõe a OCDE6. A compatibilidade
entre os valores foi possível por terem compatibilizado os dados do
PISA (do ano de 2003) com os do SAEB (também do mesmo ano, de
2003), numa escala de 0 a 10. Pelos cálculos realizados, a média dos
países desenvolvidos avaliados corresponde a seis nessa escala. Como
o PISA avalia alunos de 15 anos, independentemente da série na qual
os estudantes estejam, a compatibilização foi feita com as notas do
SAEB dos alunos da 8ª série. A nota do PISA, denominada como sendo
a nota de referência, foi a base para que fosse feita uma
correspondência aproximada no SAEB. Para isso, houve todo um
desenvolvimento matemático, de compatibilização, que não cabe,
neste trabalho, avaliá-lo. O que tal metodologia propiciou, segundo
seus formuladores, foi a possibilidade de comparação com avaliações
internacionais, como a do PISA.
Há, entretanto, limites dessa compatibilização que precisariam ser
levados em conta, como o fato de as duas avaliações não estarem na
mesma escala de proficiência e não possuírem itens comuns. Outra
limitação que deve ser considerada está relacionada às diferenças
existentes nas matrizes de referência, especialmente na prova de
Leitura, que no SAEB avalia os conhecimentos do aluno em ‘língua
portuguesa’, com ênfase em leitura enquanto o PISA avalia a
‘capacidade de leitura’ de forma a contemplar todos os países
participantes” (INEP, 2009, p. 1).
Além da nota 6,0 definida como sendo a média obtida pelos
estudantes dos países-membros da OCDE, foram formuladas e
definidas metas intermediárias para escolas, municípios, estados, a
partir da meta nacional. Isso foi feito aplicando-se às notas iniciais uma
função logística, cujas variáveis são o tempo e o Ideb. (INEP, 2009a).
Assim, cada município, estado e escola possuem trajetórias diferentes,
sendo que nem todos têm como meta, para o ano de 2021, a nota 6,0.
Isso porque a lógica é a de que para o Brasil chegue à média seis em
2021 “[...] cada sistema deve evoluir segundo pontos de partida
distintos, e com esforço maior daqueles que partem em pior situação,

118
com um objetivo implícito de redução da desigualdade educacional”
(INEP, 2009, p. 2)
Contudo, uma das críticas ao índice é justamente no que diz
respeito a essa diferenciação das notas em 2021. As escolas melhores
tendem a continuar melhores e as piores permanecerão aquém.
Entretanto, numa leitura mais atenta, percebe-se que, mesmo o Ideb
não tendo como foco a questão da equidade entre sistemas e escolas,
em longo prazo, devido à definição das metas intermediárias por meio
da função logística, espera-se que todas as escolas e todos os
sistemas, mesmo em tempos distintos, atinjam a nota 9,9.
Outra crítica é referente à equidade que ele não induz dentro de
uma mesma escola e sistema. Como o Ideb avalia a média da escola e
dos sistemas, nada garante que todos irão caminhar numa elevação
constante da nota. Ou seja, muitos podem melhorar a proficiência
enquanto vários podem ficar abaixo, que a média será elevada. Assim,
uma escola cuja nota é 5,0 pode estar com a aprendizagem num nível
polarizado (alguns sabem muito, outros quase nada) enquanto numa
escola cuja nota foi 4,0 pode estar com o nível de aprendizagem
constante e crescente (todos os alunos estão aprendendo num nível
crescente, mesmo que em escalas ainda diferentes).
Essa análise mostra que o conceito de qualidade da educação
definida pelo Governo Federal, via Ideb é a de que a qualidade existe
quando o aluno aprende X%6de conteúdo, no período letivo, mas que
esse indicador possui problemas na medição das variáveis embutidas
nesse conceito elencado.

O Indicador de Desenvolvimento das Escolas do Espírito Santo – IDE.

O Indicador de Desenvolvimento das Escolas do Espírito Santo é


um Indicador aplicado às escolas e ao sistema estadual de ensino.
Assim como o Ideb, ele é um indicador de resultados, cujo objetivo
explícito é o de sintetizar os resultados dos processos de ensino das
unidades educacionais da rede estadual.
Ele compõe o Programa de Avaliação da Educação Básica do
Espírito Santo (PAEBES), que por sua vez foi instituído pela Secretaria

6 Como indicado, o tempo é medido pelos dados do Censo Escolar, enquanto o


conhecimento, pelos dados do SAEB e Prova Brasil. Esse conteúdo consta nas
Matrizes de Referência destes sistemas de avaliação.

119
de Educação do Estado do Espírito Santo (SEDU) no ano 2000, com o
objetivo de avaliar o sistema de ensino. O objetivo do PAEBES é o de
diagnosticar o desempenho dos alunos em diferentes áreas do
conhecimento e níveis de escolaridade, bem como subsidiar a
implementação, a reformulação e o monitoramento de políticas
educacionais.

Em 2004, o Paebes foi aplicado novamente com nova metodologia


pautada em Matrizes de Referência para a construção de itens, a
utilização da Teoria Clássica dos testes e da Teoria de Resposta ao Item
(TRI), sendo disponibilizados relatórios para as escolas e para os pais e
um relatório geral. A terceira avaliação aconteceu em 2008 e desde
então o Paebes segue sendo aplicado anualmente pelo CAEd7 (GAME,
2011, p. 30).

A prova do Paebes é aplicada no 5º e 9º ano do Ensino


Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio e possui matriz de referência
curricular, assim como o Saeb. Os testes aplicados têm como objetivo
avaliar as competências e habilidades na área de Língua Portuguesa e
Matemática. Possui a seguinte escala de proficiência: abaixo do básico,
básico, proficiente e avançado. Além de localizar os resultados numa
escala, possui padrões de desempenho, ou seja, uma interpretação
pedagógica das habilidades e competências desenvolvidas em cada
nível da escala.
Foi nesse contexto do Paebes é que o IDE foi criado, em 2009,
como um dos instrumentos disponíveis de monitoramento e
intervenção desse sistema de avaliação. Ele é composto por outros
dois indicadores: o Indicador de Esforço Escolar (IEE) e o Indicador de
Resultado Escolar (IRE). Segundo documento da própria Secretaria de
Educação, o IEE considera o nível socioeconômico dos alunos com
ponderação de esforço por série de ensino. O cálculo é feito da
seguinte forma: ele

[...] é uma média ponderada do esforço necessário para o aprendizado


dos alunos de cada ano avaliado. Reflete duas das principais condições
que exige esforço adicional dos profissionais das escolas para a
obtenção dos resultados desejados, o nível socioeconômico dos alunos

7 CAED - Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação, da Universidade Federal


de Juiz de Fora –MG.

120
da escola multiplicado por um fator que tenta captar a dificuldade de
ensino no diferentes anos e níveis.
Em relação ao IRE, ele considera a classificação dos alunos em
níveis por série de ensino e identifica os alunos ausentes. O cálculo é
feito da seguinte forma: ele

[...] é uma média, ponderada pelo número de matrículas, de cada Indicador de


Resultado das séries/anos avaliados pelo Programa de Avaliação da Educação
Básica do Espírito Santo – PAEBES. Este indicador leva em consideração o
aprendizado dos alunos de cada escola, registrado nas proficiências obtidas em
teste padronizados de Língua Português, Matemática e Ciências.

Ou seja, a lógica existente no IDE é a mesma daquela presente no


Ideb. “Uma escola de qualidade, ou com alto nível de
desenvolvimento, é aquela que conduz a maior parte de seus alunos
aos padrões mais elevados de aprendizagem e ao mesmo tempo leva o
maior número deles ao término do processo de escolarização” (SEDU,
2014, p. 2).
A diferença entre esses dois indicadores existe. Enquanto o Ideb
considera rendimento e desempenho escolar, sem ponderações, o IDE
considera ambos, com ponderações. Ou seja, o IDE considera no seu
cálculo os alunos ausentes, o nível socioeconômico dos alunos (NSE) e
a ponderação do esforço por série. A lógica é a de que

As escolas de alto nível de desenvolvimento são aquelas capazes ainda de


proporcionar bons níveis de aprendizagem independentemente do contexto
social e econômico em que seus alunos estão inseridos. Ou seja, devem ser
capazes de superar os limites impostos pelas condições extraescolares que
afetam o processo de aprendizagem dos alunos. Entretanto, em condições
sociais adversas, maior será o esforço despendido pelos profissionais das
unidades educacionais, em termos pedagógicos e de recursos didáticos, para
atingir resultados mais elevados (Ibidem, p. 2).

De qualquer modo, utilizando ou não essas ponderações, a


qualidade está sendo definida, como sinônimo de eficácia, ou seja, a
qualidade assume o conceito de ser a capacidade comprovada para
produzir resultados. Apenas se tem qualidade, quando esta é traduzida
em resultados palpáveis, de acordo com as definições de ambos
indicadores.

121
CONSIDERAÇÕES

Diante desse quadro de indicadores de qualidade, é possível


compreender que apesar da qualidade ser um conceito amplo,
multidimensional, ambos indicadores a consideram da mesma forma:
focam os resultados, tendo como pressuposto que os mesmos
mostram os processos desenvolvidos.
Dentre os diversos equívocos que encontramos no Ideb, alguns já
citados anteriormente, o tocante à questão da qualidade e o modo de
realizar o cálculo, é um deles. Ou seja, variáveis importantes no
processo educacional são ignoradas na hora de computar os
resultados obtidos pelas escolas e sistemas de ensino. Uma delas diz é
a situação socioeconômica da região na qual sistemas e escolas estão
inseridos.
No caso do IDE, houve uma tentativa de amenizar variáveis
externas, computando no seu cálculo o Nível Socioeconômico (NSE).
Com informações extraídas dos questionários aplicados aos alunos,
referentes à escolaridade do pai e da mãe, existência na residência de
banheiros, geladeira, rádios, DVD e automóveis, dentre outros, foi
criado o indicador NSE. Além disso, “[...] foram agregados ainda uma
medida de nível socioeconômico para as escolas do Espírito Santo
obtidas com os dados da Prova Brasil de 2007.” (SEDU, 2014, p. 5) Ele
foi fixado no intervalo entre zero e cinco e pondera os resultados
obtidos pelas escolas.
De qualquer modo, mesmo possuindo premissas e cálculos
diferenciados, o conceito de qualidade embutido permanece o
mesmo. Portanto, o que se mostra crucial nesses indicadores é o uso
que escolas e sistemas de ensino podem fazer deles. Mas, isso já é um
outro debate e que necessita ser feito.

REFERÊNCIAS

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International Research, 1993.
ARAÚJO, Gilda Cardoso; FERNANDES, Caroline Falco Reis. Qualidade
do ensino e avaliações em larga escala no Brasil: os desafios do

122
processo e do sucesso educativo na garantia do direito à educação.
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2010. In: http://www.educacao.es.gov.br/download/notaexplicativa
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SILVA, Maria Abadia. Intervenção e Consentimento. A política
educacional do Banco Mundial. Campinas, SP: Autores Associados: São
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123
SOUZA, Antônio Lisboa Leitão. Estado e Educação pública: Tendências
administrativas e de gestão. IN: OLIVEIRA, Dalila; ROSAR, Maria de
Fátima Felix. (orgs.). Política e gestão da educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.

124
METODOLOGIA DE GESTÃO DE SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO:
IDAS E VINDAS NA IMPLANTAÇÃO DE TECNOLOGIAS PARA
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Marcelo Lima1
Nilcéa Elias Rodrigues Moreira2

Introdução

Nos anos 1990, a educação brasileira sofreu forte influência dos


organismos multilaterais e governos neoliberais, que buscaram
enxugar o gasto público encurtando o Estado social com vistas a
atender aos ditames do consenso de Washington. Tais movimentos
preconizaram ideologicamente que a crise do Estado sustentava-se
numa crise da educação cujos baixos índices de qualidade não se
alicerçavam na ausência de recursos, mas tão somente em falhas de
foco e de gestão da educação escolar.
As fórmulas mágicas de gestão da qualidade imanadas do setor
privado foram e ainda são quase 20 anos depois implementadas e
alardeadas como maneiras mais adequadas de se gerir o ensino
público. Em contraste com esse processo, houve como produto da luta
política do movimento dos trabalhadores da educação a emergência
de um processo de ampliação da gestão democrática que alcançou as
escolas e os sistemas municipais de ensino.
Ficou como resultante destes embates centralização-
descentralização, do ponto de vista dos educadores certa visão de que
os métodos de gestão constituem-se numa ameaça e seus resultados
quase sempre redundam em autoritarismo tecnocrata e achatamento
de direitos e piora nas condições de funcionamento das escolas.
No entanto, nos municípios experiências, tecnicamente
inovadoras e politicamente avançadas, também podem trazer novas

1 Doutor em Educação (UFF). Professor do DEPS-CE-UFES. Vice Coordenador do


projeto de extensão “Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espirito Santo” –
LAGEBES/UFES. Ex-assessor da SEME-PMV-ES
2 Mestre em Educação pelo PPGE – UFES e Ex-gerente de tecnologia educacional da
SEME-PMV-ES

125
possibilidades de superação dos métodos de gestão da qualidade
neoliberais do tipo “topdow” com vistas à redução de custos. Neste
sentido, apresentamos aqui uma descrição crítica de um processo de
gestão de sistema de ensino. A literatura sobre a gestão escolar
discute pouco o nível meso dos sistemas municipais de ensino
atentando-se mais no nível micro da escola ou no nível macro das
políticas nacionais ou quando muito estaduais.

A experiência de aplicação da tipologia escolar no sistema municipal


de ensino da Prefeitura Municipal de Vitória- ES

Quatro governos marcaram a história recente deste município: Vitor


Buaiz- PT (1988-1991), Paulo Hartung – PSDB (1992-95), Luis Paulo Velos
Lucas – PSDB (1996-99/2000-2004) e Coser – PT (2005-08/2009-12).
Para estabelecer uma forma de gerir de modo isonômico o
conjunto de escolas de modo adequado, ou seja, sem preferências
ideológico e fisiológicas, é necessário levar a todas as escolas recursos
equivalentes e proporcionais em quantidade e qualidade. O número de
professores, a merenda, o livro didático, os computadores, a água, a
energia, o telefone, o papel, internet, tudo isso tem que chegar às
escolas, mas as unidades de ensino não são iguais entre si. Geralmente
os sistemas de ensino utilizam métodos e critérios dos mais diversos
para fazer esta distribuição, mas a negociação para este provimento
com as escolas nem sempre levam em consideração apenas aspectos
que dizem respeito às várias intra e extra escolares.
Para tentar organizar as demandas tanto em termos econômicos
como infraestruturais o governo Coser, durante a gestão da secretária
Marlene Cararo implantou a chamada tipologia escolar. Esta
metodologia de gestão nasceu inicialmente com o fito de classificar as
escolas em níveis de complexidade e assim melhorar a capacidade da
gestão em identificar as especificidades das escolas.
Para orientar este processo a municipalidade elaborou um
documento de 46 páginas denominado “Tipologia Escolar” que
estabeleceu um conjunto de critérios que deveriam ser seguidos pela
gestão do sistema municipal de ensino (conforme FIG 01).

126
FIG. 01 In: VITÓRIA, 2005, p. 46.

Em 2005 na Cidade de Vitória capital do Espírito Santo, diante da


forte pressão das comunidades por mais recursos para as escolas e
sem uma metodologia mais adequada, a gestão Coser procurando dar
mais isonomia e transparência ao atendimento das demandas das
escolas implantou uma ferramenta de gestão assim denominada
Tipologia Escolar. A partir deste processo foi revisto os modos de
relacionamento do sistema de ensino com as 83 unidades escolares (41
Escola municipais de ensino fundamental - EMEFs e 42 Centros
municipais de educação infantil- CMEIs), sobretudo no que diz respeito
à distribuição de recursos humanos e materiais.
A Seme-PMV criou, com base nos dados do censo escolar do ano
anterior, uma classificação que diferenciasse as unidades de ensino em
níveis de complexidade com vistas á superar métodos de gestão
baseados na pressão política ou que se baseavam tão somente no
número de alunos, turmas e salas dos estabelecimentos de ensino.
Propôs-se então uma classificação que agrupasse as unidades
escolares por nível de complexidade pedagógica e administrativa.
Cada classificação enquadraria a escola com base nas características
dos usuários e do prédio escolar.

127
Essas duas características se desdobrariam, por um lado, nos
quantitativos de alunos, turmas, turnos, salas, alunos especiais, níveis
de ensino, modalidades de ensino, pavimentos, blocos, laboratórios,
área construída e salas de apoio, e por outro, nos dados sobre faixa
etária, gênero, etnia, ocupação e trajetória escolar dos alunos.
As principais variáveis que constituíram a tipologia foram àquelas
relativas, por um lado, ao prédio escolar e atendimento educacional e,
por outro, ao contexto dos usuários. Acreditou-se que essas
características extras e intraescolares seriam as mais relevantes para a
constituição da classificação das unidades escolares.
Os quesitos pontuaram de modo distinto com predominância do
peso atribuído ao número de alunos, número de turmas e turnos,
número de salas de aula, número de pavimentos e alunos especiais
que tiveram peso que variou na contagem entre 05 e 50. As
características que envolvem a renda dos moradores dos bairros; a
taxa de pretos e pardos entre os alunos matriculados; a escolaridade
dos moradores e os índices de violência das regiões onde se localizam
as unidades escolares somaram peso de 12 a 175 determinando
pontuação que foi somada as pontuações dos outros quesitos. Essas
características da escola foram definindo em termos relativos seus
graus de complexidade3.
O resultado final do acúmulo de pontos das variáveis (intra e
extraescolares) atribuídos às escolas gerou, assim, uma tabela de
classificação na qual as unidades de ensino foram enquadradas por
níveis decrescentes de complexidade de I a XI. Por exemplo, ficaram
enquadradas no Nível I as EMEFs: Aristóbulo Barbosa Leão, Ceciliano
Abel de Almeida, Juscelino K. de Oliveira e Neusa Nunes Gonçalves que
eram escolas que funcionavam em três turnos e possuíam mais de
1000 alunos cada. Por outro lado, foram localizadas no nível XI as
EMFEs e CMEIs: Regina Maria Silva, Ronaldo Soares e Ernestina
Pessoa, escolas estas muito menores que possuíam menos de 500
alunos funcionavam em apenas dois turnos.

3 Do ponto de vista do prédio escolar e das dimensões do atendimento escolar, os


pesos foram assim distribuídos: nº de total de alunos / peso 50, nº de total de alunos
especiais (peso 7), nº de total de turmas (peso 10), nº de total de turnos (peso 08), nº
de total de salas de aula (peso 05), nº de total de laboratórios, banheiros e auditórios
(peso 01, nº de total de Pavimentos (peso 06), nº de total de Espaços anexos ( peso
04) e metragem total de área construída (peso 03).

128
Segundo a minuta de portaria de distribuição de pessoal da
Secretária Municipal de Educação-Vitória, 2006 a distribuição ficou
assim definida em ordem decrescente de complexidade, conforme FIG
02 e 03.

FIG 02 In: In: VITÓRIA, 2005, p. 38.

Podemos observar que a maioria das escolas situou-se entre o


tipo III e o tipo VI e que nos extremos ficaram 04 escolas muito
grandes situadas em regiões complexas e outras 09 unidades de
ensino possuíam dimensões mais tímidas. Este agrupamento já
permitiria ao sistema de ensino um tratamento que respeitasse essas
especificidades.

129
FIG 03 In: In: VITÓRIA, 2005, p. 39.

Na comparação com as Emefs os Cmeis, obtiveram uma


pontuação menor, denotando que se tratam de unidades de ensino
que atendem, comparativamente, a número mais reduzido de alunos
além de não possuírem turno noturno mesmo estando em áreas mais
complexas em termos de pobreza e violência.
Segundo este resultado, as escolas consideradas mais complexas
foram aquelas que eram maiores fisicamente (mais salas, mais
laboratórios, mais banheiros, mais área e mais pavimentos etc) e que
tinham mais alunos, mais turnos e situavam-se em comunidades de
mais violentas, com moradores de menor renda e de menor nível
escolar dos pais dos alunos. Para essas, portanto, segundo as
negociações com os diretores no momento de apresentação da nova
metodologia de gestão, seriam obedecidos critérios isonômicos
possíveis dentro de cada agrupamento de escolas por complexidade.
Após essa classificação foram reunidos os diretores que se
informaram sobre esse processo de organização das escolas em nível
de complexidade, seus critérios e seus objetivos. A aceitação foi acima
do esperado e os diretores posicionaram-se demonstrando em geral

130
muito a favor dessa sistemática, sobretudo os gestores das maiores
escolas que passaram a perceber que suas especificidades receberiam
o devido tratamento da gestão do sistema municipal de ensino.
No documento da tipologia escolar concluía-se de modo bastante
otimista que “Os dados constitutivos da tipologia nos permite
identificar, classificar e comparar as Unidades Escolares levando em
consideração suas mais distintivas idiossincrasias, destacando aquelas
que devem merecer atenção especial por parte do poder público
(p.46)”. Firmou-se a crença de que “a partir desse conhecimento é
possível delinear diagnósticos mais precisos”. Mas no documento foi
ressaltado que o conhecimento resultante dessa tipologia não
pretende oferecer resultado definitivo e inquestionável, objetiva, tão
somente, melhorar, cada vez mais, a elaboração de diagnóstico da
educação municipal que permita aos educadores e ao próprio Sistema
de Ensino refletir” sobre as necessidades do sistema de ensino
(VITÓRIA, 2005, p. 46).

Desdobramentos da tipologia na distribuição dos recursos humanos

Bem diferente dos métodos de gestão da qualidade neoliberais


do tipo “topdow” com vistas à redução de custos, a tipologia veio no
caminho inverso aumentando o investimento na educação. Sua
proposta foi de oferecer uma ferramenta de gestão do sistema
municipal de ensino, atualizável e negociável a cada ano, com vistas a
superar as formas pouco transparentes e equânimes de negociação
escola-sistema-escola para distribuição de recursos. Destacamos aqui a
oferta de pessoal para as escolas que no início levava em consideração
apenas o número de alunos para a distribuição dos profissionais.
Ao se concluir o processo de classificação estabeleceu-se em
discussão com os diretores das escolas que foram reunidos segundo
sua tipologia agrupados por nível de complexidade. Passamos aqui a
descrever como se deu o processo de distribuição de pessoal,
especificamente os coordenadores de turno e Pedagogos para
escolas.
Depois das negociações feitas com os diretores agrupados, tendo
em vista a complexidade das escolas, considerou-se a necessidade de
manter no mínimo um coordenador por turno, observando também a
quantidade de pavimentos e número de salas-turmas.

131
Conforme os resultados, explicitados na FIG 05 incorporados a
minuta de portaria a ser expedida como regra do sistema de ensino
municipal4, a distribuição do pessoal técnico-adminstrativo
(coordenadores ATDs e Pedagogos) ficou assim estabelecido em
negociação com os diretores reunidos por tipologia:

Distribuição de ATDs (coordenadores de turno)


Tipologi Regra
a
I 07 ATDs (05 de 30 horas e 02 de 40 horas). Exceto a EMEF CAA que
receberá 06 ATDs (04 de 30 horas e 02 de 40 horas) em decorrência
da expressiva redução do número de turmas que sofreu para o ano
de 2006
III 06 ATDs (04 de 30 horas e 02 de 40 horas) nas unidades escolares
que tem ensino noturno e 05 ATDs (04 de 30 horas e 01 de 40 horas)
onde só existe o diurno.
IV 05 ATDs (04 de 30 horas e 01 de 40 horas) para as unidades escolares
que tem anexo e 04 ATDs (03 de 30 horas e 01 de 40 horas) nas
unidades escolares sem anexo.
V e VI 05 ATDs (03 de 30 horas e 02 de 40 horas) para as EMEFs que
tenham, ao mesmo tempo, ensino noturno e mais de 800 alunos, e
04 ATDs (03 de 30 horas e 01 de 40 horas) para as unidades escolares
que só funcionam no diurno e tenham menos de 800 alunos. No
caso das escolas que tenham mais de 800 alunos, mas não possuam
noturno, estão previstos 05 ATDs (04 de 30 horas e 01 de 40 horas).
VII 04 ATDs (03 de 30 horas e 01 de 40 horas)
VIII 03 ATDs (02 de 30 horas e 01 de 40 horas).
IX e X 03 ATDs ( 03 de 30 horas) para as escolas que tenham ensino
noturno e 02 ATDs ( 01 de 30 horas e 01 de 40 horas) para EMEFs
sem noturno. Excetua-se o caso atípico da Escola RS que tem apenas
um turno para a qual está previsto 01 ATD de 40 horas
Distribuição de Pedagogos
Tipologi Regra
a
I e III Escolas com horário noturno - 6 pedagogos de 30h ou 2 pedagogos
de 40horas e 04 de 30 horas; Escolas sem horário noturno - 5
pedagogos de 30horas.
IV Escolas sem prédio anexo - 5 pedagogos de 30horas ou 1 pedagogo de
40horas e 4 de 30horas; Escolas com prédio anexo - 6 pedagogos de
30horas ou 1 profissional de 40horas e 5 de 30horas.

4 Tal portaria revogaria a anterior de nº 060 de 22 novembro de 2004 que regulamenta


a distribuição dos recursos de pessoal com base em número de alunos, número de
turmas e salas.

132
V Escolas com noturno e mais de 29 turmas - 6 pedagogos de 30 horas
ou 1 de 40 horas e 4 de 30 horas.

VI Para todas as escolas - 1 pedagogo para cada 6 turmas.


VII Para todas as escolas - 1 pedagogo para cada 6,5 turmas, sendo que a
escola MA optou por ter 3 pedagogos e 1 Assistente Técnico de
Direção (coordenador de turno).
VIII e IX Para todas as escolas - 1 pedagogo para cada 7,3 turmas.
X e XI Para todas as escolas - 1 pedagogo para cada 5,45 turmas
FIG 05 IN: VITÓRIA (2006)

Para a gestão de Seme, com essa distribuição seria possível


hierarquizar as escolas por complexidade sem perder de vista a
negociação com os diretores e ao mesmo tempo criar regras que
pudessem dar ao processo de distribuição de recursos humanos mais
transparência e isonomia entre as escolas.
Inicialmente as escolas assimilaram essa metodologia, mas em
seguida alguns diretores cujas escolas ficaram em um nível mais baixos
de complexidade começaram a pressionar a secretaria municipal de
educação pela mudança dos critérios da tipologia para que suas
unidades educativas fossem reclassificadas de modo a receberem,
portanto, mais pessoal.
A subsecretária da Seme-PMV para cumprir o que fora negociado
elaborou uma minuta de portaria para oficializar a distribuição de
pessoal administrativo, técnico e pedagógico. Entretanto, algumas
(não todas, principalmente CMEIs) escolas não satisfeitas com os
resultados da tipologia escolar começaram a pressionar ora por um
reenquadramento na tipologia ou por mais pessoal e, em razão disso,
adiou-se a publicação da portaria. Semanas depois, surgiu um recuo da
gestão em aplicar a metodologia mesmo após meses de trabalho da
equipe técnica e de intensa negociação com os diretores das escolas.
De acordo com os relatos informais à época, a gestão da
prefeitura considerou que a metodologia criaria uma progressiva
pressão por ampliação de pessoal, o que oneraria em muito o sistema
municipal de ensino, tirando das mãos do setor de pessoal e da
subsecretarias encarregadas tradicionalmente por fazer esta
distribuição o poder de determinar a distribuição dos recursos,
sobretudo de pessoal. Desta forma houve uma démarche na
institucionalização da tipologia escolar, jogando por terra o enorme

133
esforço empreendido pelos profissionais envolvidos na formulação
desta ferramenta de gestão.

A Démarche do segundo mandato

A gestão municipal foi operando com a tipologia para distribuição


dos recursos e gestão do sistema municipal de ensino, mas quando
não havia recurso disponíveis de pessoal e outros os critérios da
tipologia eram relativizados e prevalecia “in off” as formas anteriores
de negociação.
Com a virada do primeiro para o segundo mandato sepultou o
projeto da tipologia escolar com o argumento de que esta
metodologia estava tirando autonomia do sistema de ensino e que
agora a gestão se voltaria para implantação de programa de educação
em horário integral5 para os alunos de maior vulnerabilidade social e
que os custos desse processo de classificação oneraria ainda mais a
gestão que no seu segundo mandato estava mais preocupada em
lançar um novo projeto educacional para o município e dar conta da
crise econômica que me 2008 teve sua fase mais aguda.
Uma outra dimensão nesta análise se refere a compreensão
apresentada pela equipe gestora de que apesar de reconhecer a
relevância do projeto e a coragem de pensar um caminho mais
criterioso para definir quantitativo de pessoal nas escolas e CMEIS
avaliaram que a tipologia não daria conta de todas as demandas (pelos
motivos já elencados) e o Programa de Educação em Tempo Integral
não sobreviveria na escola, se fosse constituído somente pelo quadro
do magistério. Daí o desafio para manter com qualidade o PETI como
uma política de ação articulada.
Em documento publicado no site da PMV sobre a execução do
orçamento participativo o prefeito João Coser admite a crise
financeira do poder público municipal, segundo ele:

A crise econômica mundial impactou todos os municípios brasileiros. Em


2009, Vitória teve uma perda de receita da ordem de 230 milhões de
reais. Esse impacto foi extremamente grave porque nós estávamos com

5
Sobre o programa de educação integral ver ARAÙJO e CRAVO (2010) e ARAÚJO
(2011).

134
um projeto muito arrojado, em alta velocidade. Foi necessário reduzir
despesas de custeio, reprogramar o plano de obras, reduzir o ritmo de
algumas obras, paralisar outras e, com isto, atrasamos a execução do
plano de investimentos definido no Orçamento Participativo (VITÓRIA
Orçamento participativo: entrevista com o prefeito João Coser
Disponível em: httphotsites.vitoria.es.gov.bropindex.phpentrevista-com-
o-prefeito-joao-coser.pdf << acesso em 20/3/2014 13:38>>).

Tal situação e a forma como ela foi enfrentada articulou-se com


um maior afastamento da gestão em relação ao movimento dos
trabalhadores da educação. Várias greves e protestos contra a gestão
ocorreram e justificado por uma crise financeira e sob o pretexto de
fazer grandes investimentos em obras além da implantação da
educação integral, a administração optou por não implantar a tipologia
escolar.
Além da educação integral, também foi implantado no final da
gestão um sistema informatizado de gestão das informações
educacionais do sistema municipal de ensino. No início do segundo
mandato do governo Coser (2009) a questão do sistema de gestão
continuava como ponto de pauta e a Gerência de Tecnologias
Educacionais (GTE) juntamente com a Coordenação Técnica de
Estatística e Fluxo Escolar em diálogo com a Subsecretaria de
Tecnologias da Informação (SubTI) do Município consideram a
possibilidade de desenvolver o sistema sem contratação de serviço
terceirizado. Nesse período, a equipe de técnicos e analistas da SubTI,
mesmo que reduzida, já contava com profissionais efetivos,
contratados via concurso público, demandado pela Seme que
contribuíram no processo de desenvolvimento do Sistema.
Assim, inicia-se um novo movimento para o desenvolvimento do
sistema partindo de sugestões e recomendações da Secretaria
Municipal de Educação (Seme), dos diretores das unidades de ensino,
de professores e demais profissionais da área. O sistema foi construído
em parceria com a Subsecretaria de Tecnologia da Informação,
atendendo a realidade das Escolas da rede municipal de ensino de
Vitória.
Implementado em 2010, por meio de um projeto piloto na Emef
Adevalni Sysesmundo, o sistema foi testado, ajustado e reconhecida
sua contribuição como parte da tecnologia de planejamento e de
gestão para sistemas municipais de ensino. A primeira demanda, para

135
além do projeto piloto, foi a realização da re-matrícula on-line, com a
participação de 751 pais e responsáveis. Em seguida o sistema foi
ampliado para outras 14 escolas municipais de ensino fundamental,
beneficiando cerca de 10 mil alunos.
O sistema foi apresentado com a seguinte finalidade:

Art. 1o. (...) – SGE como ferramenta gerencial da Rede Pública Municipal
de Ensino, com a finalidade de otimizar a administração escolar quanto à
execução, ao acompanhamento e ao controle da atividade-fim das
Unidades Municipais de Ensino e atualizar, em tempo real, a base de
dados gerenciais da Secretaria Municipal de Educação, visando,
principalmente a: - fortalecer controle no as informações âmbito
acadêmico existentes, do aluno e unificando os procedimentos
informatizando a emissão de dos documentos escolares (...). [ Atos
Oficiais publicados em 11/09/2012 em www.vitoria.es.gov.br. Acessado
em 20 de maio de 2012].

A partir do ano de 2012, mais 15 novas escolas estão utilizando o


Sistema de Gestão Escolar e em 2013 a previsão é contemplar todas as
EMEFs. Vale destacar que o projeto de formação para os usuários do
sistema acontece desde o projeto piloto. Por ser uma demanda
recorrente a formação para 2013 foi inserida no plano geral de
formação da Seme como forma de garantir a participação de um
número significativo de profissionais que utilizam o sistema.
Assim junto à implementação do SGE surgem os desafios, muitos
deles ligados a ranços como a resistência ao uso das tecnologias,
pouca familiaridade com os recursos tecnológicos e também a
questões relativas à infraestrutura de rede de internet dentre tantas
outras questões. Esses são desafios que têm sido vencidos com
projetos de rede Wifi e de tecnologias móveis, mas implementar novas
metodologias de gestão requer planejamento e investimento de
recursos em um percurso contínuo garantindo a manutenção e
evolução do sistema.
De todo modo, em vias de concluir o segundo mandato, apesar
dos avanços e recuos em relação às formas de gestão e as escolhas
políticas em relação aos investimentos públicos em educação, a
educação do município ainda permite vislumbrar uma perspectiva
positiva em termos dos dados educacionais.

136
No segundo mandato da gestão Coser (2008-2012), a PMV
avançou bastante na gestão pública da educação, mas ainda segue
sem ter um sistema eficaz e transparente como a tipologia escolar
capaz de organizar e negociar os processos de provimento de recursos
às unidades escolares. Mesmo que tenha inovado na gestão por
território com base na metodologia das câmaras territoriais por meio
das quais integrou os vários equipamentos públicos ligados aos vários
setores de serviços prestados pela prefeitura, ainda permanece a
vigência do uso de critérios amadores para gerir o sistema de ensino
que por vezes guiam-se apenas por alguns indicadores como nº de
alunos, turmas, salas etc. Tal prática faz com que uma rede de ensino
que as 98 unidades escolares (52 escolas de ensino fundamental e 46
centros municipais de educação infantil) que atendem a 45 139 alunos
(29.843 alunos no ensino fundamental e 15.296 na educação infantil)
tenha um dos maiores custo-aluno-ano do Brasil e esteja numa
condição desproporcional com o seu gasto educacional anual per
capita em termos do IDEB nacional.

De acordo com a PMV, para o ano de 2010 o gasto educacional por aluno
da educação básica foi de R$ 5.122,78 em ter os 10 maiores do país e o
IDEB entre o 30ª e 40ª posição do país (Fonte: Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação - FNDE/sistema de informações sobre
orçamentos públicos em educação – SIOPE. Elaboração: Gerência de
Informações Municipais - SEGES/PMV para a educação, habitação, saúde
e assistência social. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB) de 2009 coloca o desempenho escolar da capital capixaba acima
da média nacional, atingindo a média de 5,3 contra 4,6 do país, para os
anos iniciais (http://legado.vitoria.es.gov.br/regionais/dados_area/
educacao/custo/cus_5.4.asp).

O fato é que nos dois mandatos de Coser (2004-2008/2009-2012),


o governo municipal amargou algumas greves dos servidores
municipais da educação que apesar de terem o mais bem estruturado
plano de carreira6 para o magistério entre os municípios capixabas

6 Decreto 14682/2010 - PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS - Regulamenta a Lei nº 6.754,


de 16 de novembro de 2006, que instituiu o Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos
do Servidor do Magistério Público do Município de Vitória. - Avaliação Periódica de
Desempenho e a Evolução da Qualificação. Incluído § 11 no Art. 15 pelo Decreto nº
14.716/10.

137
bem como o melhor salário médio da educação do Espírito Santo, o
que demonstra uma enorme incapacidade da gestão em corresponder
às expectativas dos trabalhadores da educação do município.
Conclusão

Pensar o uso das tecnologias como fator de interferência nas


tipologias escolares do município de Vitória ainda é algo pouco
explorado, pelo menos é o que temos percebido ao acompanhar nos
últimos 09 (nove) anos as discussões na Secretaria de Educação sobre
esse tema. Por outro lado, não podemos negar que essa interferência
esteja presente seja na demanda trazida pela escola no que tange ao
aumento de pessoal para o manejo dessas ferramentas, seja no
esforço da Seme Central em possibilitar uma agilidade dos serviços
prestados pela escola, tanto na organização do trabalho pedagógico,
quanto na gestão administrativa. O que talvez possa diminuir as
contratações e redistribuição de tarefas escolares em um período de
médio prazo.
A gestão do sistema público de ensino deve orientar-se por
decisões que busquem permanentemente aperfeiçoar a ação
pedagógica do sistema educativo, razão pela qual é necessária que tais
decisões se baseiem no conhecimento mais profundo sobre sua
realidade. Para tanto é fundamental diferenciar, conceitualmente,
conhecimento, informação e dados. Os dados dizem respeito às partes
mais microscópicas e fragmentárias de uma realidade e as
informações, por sua vez, estão mais ligadas aos elementos mais
globais e sistêmicos dessa mesma realidade. Já o conhecimento situa-
se num nível maior de abstração e compreensão dessa mesma
realidade, o que possibilita uma visão de seu próprio movimento
histórico e político. O conhecimento resultante do uso das TICs não
oferece resultados definitivos e inquestionáveis e estão submetidos á
lógica política e os interesses em jogo.
Depois de amargar um final de gestão com intensa desaprovação
entre os trabalhadores da educação a secretaria de educação em
cooperação com outros setores ligados as tecnologias da informação
no apagar das luzes de seu governo conseguiu implantar um sistema
de gestão escolar.

138
Desta vez, o objetivo do sistema de gestão informatizado não era
o de garantir a distribuição de recursos, mas dar acesso aos resultados
e dados da educação no município.
Reconheceu-se que a gestão escolar passa também pela
equiparação das escolas com sistema que possa fornecer uma base de
informações com vistas a conhecer a gestão escolar, acompanhá-la e
avaliá-la, além de informar à comunidade os resultados obtidos nas
avaliações oficiais dos principais indicadores educacionais.
Neste trabalho, buscou-se problematizar as mediações e
contradições que permeiam a implantação de metodologias que
mesmo aumentando a isonomia e a transparência da gestão de um
sistema de ensino está sujeita ao jogo dos interesses políticos baseada
em valores arcaicos e métodos obsoletos de gestão do sistema
municipal de ensino.

Referências

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REVISTA DA PREFEITURA DE VITÓRIA ANO I, N. 01, P 71 / 73,
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Coser Disponível em: httphotsites.vitoria.es.gov.bropindex.
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regionais/dados_area/educacao/matriculas/matric_003.asp << acesso em
11/11/2012>>.
Vitória SAEB e Censo Escolar 2009 Disponível em: http://legado.
vitoria.es.gov.br/regionais/dados_area/educacao/ideb/ideb_001.asp <<acesso
em 12/11/12>>

139
Vitória Minuta de portaria de distribuição de pessoal técnico –
administrativo Seme-PMV, 2006.
VITÓRIA Decreto 14682/2010 - PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS -
Regulamenta a Lei nº 6.754, de 16 de novembro de 2006, Atos oficiais
publicados em 11/11/2006. Disponível em: www.vitoria.es.gov.br <<.
Acesso em 20 de maio de 2012>>.
VITÓRIA portaria de nº 060 de 22 novembro de 2004 regulamentação
da distribuição dos recursos de pessoal Atos Oficiais publicados em
22/11/2004. Disponível em: www.vitoria.es.gov.br <<. Acesso em 20 de
maio de 2012>>.

140
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA COMO EIXO ARTICULADOR DE
POLÍTICA PÚBLICA VIA GESTÃO PARTICIPATIVA

Maria das Graças Ferreira Lobino1

Contextualizando a gestão democrática

A autêntica democratização das sociedades, tanto no que se


refere às relações de saber quanto o poder, tem por epicentro a
democracia participativa (e seus corolários) em contraponto a
democracia representativa das ideologias liberais. No Brasil, a partir da
Constituição Federal de 1988, a democratização torna-se um discurso
recorrente no âmbito das políticas públicas, tanto quanto em teses e
dissertações acadêmicas acompanhadas de conferências, fóruns,
deliberações e tratados conquanto pouco se traduza em práticas
sociais transformadoras.
A História nos informa que a partir da década de 70 do século
passado, as transições dos regimes autoritários para democráticos se
tornaram um grande fenômeno político no cenário mundial. A
começar pela Europa através Portugal, Grécia e Espanha, estendeu-se

1 Doutora em educação. Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia, Inovação,


Educação Profissional e Trabalho/ SECTTI, pertence ao Grupo de Pesquisa em
Educação Científica e Movimento CTSA/IFES. e-mail: [email protected]
Membro do GEPEC/IFES. Representante da CIEA/ES no Órgão Gestor Estadual de EA
como presidente. Coordenadora e mentora do projeto Alfabetização Científica no
marco da Sustentabilidade pela SECTTI/IFES/PMV. É mestre em Educação,
Especialista em Altas habilidades pela UFES e doutora pela UAA. Foi professora
/pesquisadora nos cursos de Especialização de Educação do Campo PPGE/UFES e
pela Escola de Gestores. Professora em IES privadas entre 2000-2012. Foi docente em
Ensino de Ciências Naturais na Educação Básica nas redes Estadual e municipal de
Vitória. Conselheira do Conselho Estadual de Educação (CEE-ES), do COMEV e
suplente do FUNDEB/Nacional. É membro da CIEA-ES pelo movimento popular e
social. Autora dos livros Plantando conhecimento, colhendo cidadania: plantas
medicinais, uma experiência transdisciplinar,3ed. e A práxis ambiental educativa –
diálogo entre diferentes saberes, 2ªed.. Publicou e publica artigos e ensaios em
revistas acadêmico-científicas e anais em congressos locais, regionais e
internacionais articulando saúde, meio ambiente e educação. É membro do Centro
Latinoamericano de Integración y Cooperación.

141
pela América Latina e Leste Asiático, nos anos 80 e pela Europa
Oriental com a queda dos governos comunistas no final da década de
80 e início dos anos 90. Todos esses movimentos nas mais variadas
regiões, em que pese suas diferenças específicas, têm em comum o
fato a restauração democrática. O fato da mesma nunca ter se
consolidado efetivamente fez com que Weffort (1992) as identificasse
como tais regimes emergentes como novas democracias. Ele
argumenta que suas construções ocorreram em condições na qual foi
impossível fazer a transição sem a completa eliminação do passado
autoritário resultando, em razão disso, em “formas institucionais
peculiares” enfatizando mais a delegação do que a representação (ou
a participação).
Quanto ao Brasil, vale registrar a análise de Michel Debrun (1983)
que considera os eixos fundantes da política brasileira não mudaram
substancialmente, desde a independência ocorrida em 1922. Segundo
esse pesquisador existe um misto de conciliação, autoritarismo
mobilizador/desmobilizador e liberalismo. Embora constate esse
fenômeno, Debrun, reconhece que a sociedade é socialmente
construída e enfatiza que se trata de um evento datado, não eterno,
decorrente da configuração das relações sociais, econômicas, políticas
e que por não ser a-histórico pode e deve ser superado.
Observa-se no universo educacional que a “nova democracia”,
identificada por Weffort, se presentifica na gestão democrática da
escola brasileira que pode ser esquematicamente expressa em dois
movimentos: a) através da organização curricular dos saberes/fazeres
escolares; e, b) através do funcionamento do s conselho de escola.
Neste contexto, é emblemático o fato de que embora os incisos I e II
do art. 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, estabeleça
a participação dos educadores na elaboração do projeto político
pedagógico da escola e a participação da comunidade escolar e local nos
conselhos de escola ou equivalentes, o que legalmente formaliza a
prática da participação democrática, porém esta pouco se traduz em
prática social sendo profundamente passiva ou mesmo civilmente
desconhecida, embora essa condição seja historicamente plenamente
identificável. (CURY, 2002).
Primeiro pelos reconhecidos centralismo e autoritarismo
alimentados pelo velho patrimonialismo de Estado representado pelos
atos institucionais e os decretos–leis que eram formas corrompidas de

142
gestão que se baseava no controle do “vigiar e punir” e nos comandos
verticais “neutros” que resultariam em reações de temor, obediência
cega e dever irrestrito suplantando o diálogo, o respeito e o direito;
segundo porque os espaços acadêmicos de formação das licenciaturas
e dos bacharelados eram (e ainda o são!) fragmentários e alienantes
mantendo o predomínio da ratio técnica em detrimento da ratio
política. Ambas contribuem para que a escola se torne um arremedo
do modelo produtivo segundo o receituário da teoria do capital
humano que limita o papel do docente na estrutura organizacional da
instituição e ratifica a divisão social do trabalho, onde “o especialista
planeja e o professor executa”, promovendo, assim, a intensificação da
hierarquização e imprimindo um exacerbado valor às relações verticais
dificultando as manifestações coletivas, criativas e singulares no
interior da escola. (LOBINO, 1999). No cotidiano escolar esse
desequilíbrio (intencional porque ideologicamente, político e
culturalmente, imposto) dificulta a ocupação do magistério (e da
comunidade como um todo) nos espaços coletivos da instituição no
que diz respeito ao efetivo exercício da democracia participativa
retratado na “abdicação” do protagonismo docente e na participação
da comunidade local, e de forma especial os pais dos educandos.
Abdicação que se exprime, fundamentalmente, na gestão democrática
das relações de saber, traduzidas na construção do Projeto Político
Pedagógico bem como na participação nos conselhos escolares que na
gestão democrática autêntica deve se constituir em conselhos
participativos mais sólidos que nos atuais.
Neste complexo cenário contemporâneo se questiona: qual seria
a nova centralidade do processo educacional? O foco deve ser numa
centralidade que privilegie as relações entre os sujeitos sociais, o
contexto e a produção do conhecimento. Nesta perspectiva urge a
necessidade de problematização e compreensão da complexidade do
processo educativo que é a de articular os saberes
acadêmicos/escolares com os “não saberes” (ou “saberes de direito e
de fato”) aos da coletividade, ou seja, estabelecer diálogo entre a
comunidade chamada científica e a comunidade local e do território
vivido2.

2 Há de se considerar que com a conurbação e a metropolização dos territórios esta


questão precisa ser considerada à luz das demandas múltiplas que daí advêm como é
o caso do território da chamada Grande Vitória.

143
O processo de construção de um novo cenário, exigirá a
desinstalação de “lugares pré-estabelecidos” de saberes
historicamente demarcados e que neste sentido o fazer solitário
docente vai necessitar se articular na dimensão ampla do fazer
educativo, isto é, para além de sua área específica o que, em outras
palavras, significa dizer que é necessário e até mesmo imprescindível
problematizar a cultura escolanovista, ou seja, de que o processo
educativo é tarefa única e restrita a professores e especialistas. Aliás,
este é um dos motivos de resistência da aceitação da participação de
pais e comunidade no processo de gestão escolar e, principalmente, na
gestão do conhecimento. Pesquisadores como Paro ((2001, 2008);
Abicail (2001) e outros, indicam que essa participação, via de regra,
tem se reduzido à corroboração na prestação de contas de verbas
advindas dos órgãos públicos ou em captar recursos ou em programas
de voluntariado como os “amigos da escola”. Estas ações resultam em
negação da responsabilidade do Poder Público com a educação pública
e a transferência deliberada para o mercado como prescreve os
manuais do neoliberalismo ao que só se contrapõe com a radicalização
da democracia via a efetiva participação ativa de toda coletividade3.

A Educação Ambiental (EA)

Na outra vertente da nossa análise cabe avaliar a questão da


Educação Ambiental. O primeiro ponto é que o movimento
ambientalista, por não ter nascido no âmbito da educação formal, faz
com que ainda hoje haja prevalência da Educação Ambiental no âmbito
da educação não formal. Acrescente-se a isso a maciça presença de
biólogos nesse movimento o que contribui, evidentemente, para a
recorrência do caráter biologicista e conservacionista que
desconsidera as questões político-econômicas contidas na
complexidade ambiental. O que aqui se quer ressaltar é que ao relegar

3 Moscon (2000) afirma que dentre a gama de propostas para autonomia da escola,
duas se destacam: a primeira ligada à visão mais operacional e administrativa e a
segunda que tem como ponto de partida a democratização da educação e se
assenta na educação popular. As primeiras constituem mecanismos sutis
engendrados pelo Estado para desviar o funcionamento dos conselhos das questões
político-pedagógico para o administrativo-financeiro fato confirmado por meio de
pesquisas publicadas pela ANPAE.

144
as relações e práticas socioambientais a vertente biologista,
unilateralmente considerada, acaba por não enfrentar as questões de
fundo que estão no epicentro da EA, tais como: a relação dialética
sociedade-natureza, a desigualdade, a justiça e a exclusão social ou o
consumismo desenfreado. Por conseguinte, trazer a EA para a
educação formal não é suficiente se não for revisto os pressupostos
paradigmáticos através dos quais ela será trabalhada nesse espaço.
Pesquisa do INEP (2004) informa que cerca de 94% das escolas
brasileiras praticam EA. Isso é conseqüência da mobilização da
sociedade, em especial após a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente (Rio 92), bem como a difusão oficial dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN´s) de 1997. Entretanto, o pesquisador
Guimarães (2004) adverte que:

Todas as atividades de EA ... tem-se dado através de projetos pontuais e


extracurriculares, por iniciativa de professores e/ou direções de cada
escola, caracterizando uma dinâmica voluntarista e periférica ao sistema
escolar.

Esta situação também é confirmada por Cavalcante (2006)


indicando que:

(...) o problema da abordagem transversal [indicado pelos PCN´s], para o


discurso oficial, é que pressupõe o desejo da escola ou do educador em
discutir problemáticas sociais, o que significa que o trabalho com tais
questões longe de ser sistematicamente e formalmente no contexto das
disciplinas e planejamento escolar, sua importância é episódica e
eventual.

Constata-se que a situação é gravíssima pelo fato da vertente


conservacionista ser a mais recorrente nas práticas de Educação
Ambiental contribuindo mais para a reprodução do que para
transformação social. Além do que as práticas e pesquisas em EA,
historicamente, são majoritárias fora do campo da educação formal e
quando inseridas na formalidade nem sempre correspondem ao que se
espera de uma autêntica prática pedagógica. Loureiro & Lima em
Fundamentos, reflexões e experiências em educação ambiental (2006)
advertem para o fato de que:

145
ao desenvolver em suas pesquisas, os professores raramente buscam
seus referenciais no campo da Educação stricto sensu, o que faz com
que, muitas vezes, não sejam levadas em conta as especificidades da
escola, definidas por seus objetivos, características da profissão
docente, espaço físico, clientela e políticas públicas.

Aceitando o que acima é dito, entende-se que a EA deve


constituir-se a partir de um enfoque participativo e democrático,
compreendendo que o ato educativo é processual, contínuo e
permanente, alicerçando uma concepção de ambiente, de vida, como
totalidade que considere a relação natureza/sociedade/sujeitos sociais
como uma unidade dialética reafirmando, assim, a possibilidade de
que uma EA crítica, emancipatória e transformadora 4 inscrita no
escopo das concepções críticas que, no Brasil, são nomeadas de
pedagogia libertária, libertadora e crítico-social dos conteúdos. É esta
concepção que deve alicerçar a base filosófica dos Projetos Políticos
Pedagógicos construídos coletivamente e ser seu fio condutor. Lobino
(2004) ___ concordando com Tomazello (2001) e outros ___ atestam que
as temáticas transversais é que deveriam ser os princípios
estruturadores do currículo sendo que as diferentes áreas do
conhecimento é que deveriam dar suporte à EA Crítica como epicentro
e mote dessa transversalidade.

Gestão democrática como possibilidade de consolidação de uma EA


Crítica

Pesquisadores como Leff (2002), Layrargues (2004) e Loureiro


(2003, 2005, 2006), e outros, conscientes da complexidade da questão
ambiental entendem que a EA transcende os aspectos da ecologia
naturalista para orbitar na esfera política ideológica. A crise é
civilizacional, segundo Leff, e se manifesta no questionamento da
concentração do poder do Estado e do mercado e nas reivindicações
por cidadania, democracia, equidade, justiça, participação e
autonomia.
Este cenário, aliado à compreensão de que a educação é
determinante na inculcação ideológica, portanto alicerça pressupostos

4 Doravante o uso da expressão “EA Crítica” seguida de adjetivos como


“emancipadora”, transformadora” será grafada tão somente como “EA Crítica”.

146
existenciais e normativos, põe em relevo a extrema
urgência/emergência de priorizar as relações político-econômicas e
socioculturais na práxis pedagógica da Educação Ambiental Crítica nos
sistemas formais de ensino com desdobramentos no território e vice-
versa. Para tanto se impõe à construção de um outro consenso, ou
seja, a constituição de uma cultura contra hegemônica partindo do
rescaldo marginalizado, silenciado e pouco utilizado princípio da
comunidade (ou do território) entendido como o conjunto de pessoas
(“homo socius”) organizadas num todo que manifesta algum traço de
união compartilhando um legado cultural-histórico considerado
comum. Traduzidos nas dimensões da isonomia, equidade social e da
solidariedade5.
Neste contexto, (LOBINO, 2004) _ traz consigo a figura do
ecoprofessor”6 - como um intelectual orgânico a serviço da vida no
âmbito pedagogia revolucionária estreitamente vinculada à Teoria
Crítica.
Os pressupostos da Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA) traduzidos na Lei 9.597/99 traz a perspectiva do território
sustentável. Sem dúvida, o mote desta reconstrução só pode ser a
escola por ser ela o locus privilegiado de disseminação ideológica que
é, segundo Gramsci (1987), um “instrumento para elaborar intelectuais
de diversos níveis”.
A cultura contra hegemônica problematiza dialeticamente a
realidade social como ponto de partida e ponto de chegada pode
acionar cumplicidades para além dos seus muros reconhecendo (e
“fazendo seus”) os saberes popular-coletivos dando amplitude à
democratização do saber. Neste contexto, os conselhos de escola _
frutos da esfera instituinte e do poder civil _ são espaços a serem
ocupados recuperando, com eles e por eles, a dimensão da participação
como essencial no resgate da escola pública como direito cidadão.
Soma-se a isso a inserção dos diferentes saberes e vivências na
construção de bases histórico-críticas na formulação do Projeto

5 Na esfera jurídica deve primar pelos princípios democráticos da administração


pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Cury, 2002,
p. 167).
6 Ecoprofessor é um neologismo criado e utilizado por Lobino (2001) para designar do
coente “que pensa planetariamente e age localmente”, além de ser um intelectual
orgânico a serviço da vida.

147
Político Pedagógico articulando os fundamentos acadêmicos/escolares
aos “não saberes” (ou “saberes seculares”) da coletividade
estabelecendo, assim, o diálogo entre as comunidades que a
constituem. Cabe lembrar que Loureiro (2005), destaca entre os
principais elementos da EA Crítica “o envolvimento dos diferentes
grupos sociais que compõem determinada instituição ou ambiente
(escola, comunidade, unidade de conservação, empresa, sindicato,
família, etc.) em todas as etapas de um projeto, programa ou ação”.
Essa mudança paradigmática forjada na constituição dos
colegiados representativos e participativos dos diferentes segmentos
escolares, na democratização dos múltiplos saberes inaugura o
paradigma da prática social em uma instância plural e deliberativa
concebida como processo de construção coletiva e socialização dos
conhecimentos reconhecendo, enfim, que há tantas formas válidas de
saber quantas as práticas sociais que as geram e sustentam. A
“ocupação destes espaços” e a “desinstalação de lugares
preestabelecidos” requerem, por conseguinte, repensar as funções de
uma educação centralizadora e racionalista e apontar para a
descentralização democrática na qual a sociedade civil assume -
jurídica, histórica e ontologicamente - como seu o que o é de fato e de
direito e detêm, por meio dela, o controle social do poder estatal
consolidando, na prática dessa vivência participativa, a gestão
democrática como ethos da EA Critica sustentado no engendramento
da práxis instituinte, isto é, das organizações de pais, das associações
de moradores e dos centros comunitários onde as escolas se situam.
Esses pilares originam uma “nova cultura” a ser conquistada e
vivenciada7 .9

7 Para Gramsci, “nova cultura’ é construída em processo contra hegemônico para


substituição da cultura burguesa forjada na ideologia liberal. Sua construção não
seria privilégio de sábios intelectuais, mas um processo político no qual todas as
pessoas independentes de instrução, etnia, gênero, sexualidade, religião,
constituídas numa classe comum de expropriados e exploradas engajadas na práxis
social participativa, crítica e transformadora. Para tanto, Gramsci também preconiza
o estabelecimento da escola criadora que realizaria muito mais que um processo de
amadurecimento intelectual, mas também consistiria em um método investigativo
na busca de “verdades novas”, calcadas na filosofia da práxis, que se constituiriam
uma “nova cultura” o que nos remete diretamente ao que podemos chamar de
investigação-militante.

148
Neste contexto, não seria imprudente afirmar que, embora a EA
Crítica e a gestão democrática plena não tenham nenhum caráter
messiânico, podem dinamizar e impulsionar a construção coletiva de
currículos problematizando dialeticamente a realidade vivida
possibilitando, conforme Santos (2000), a proposição da subversão da
hegemonia vigente de um conhecimento regulação para um
conhecimento emancipação que faça sentido para aprendizes e
mestres gerando conhecimento prudente para um a vida docente.

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