Ebook - Gestao Eduardo Moscon
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Ebook - Gestao Eduardo Moscon
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Eduardo Augusto Moscon Oliveira
Itamar Mendes da Silva
Marcelo Lima
ORGANIZADORES
Política educacional e a
gestão na escola básica:
perspectivas
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Copyright © das autoras e dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e
dos autores.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 7
Eduardo Augusto Moscon Oliveira
Itamar Mendes da Silva
Marcelo Lima
5
GESTÃO E AVALIAÇÕES SISTÊMICAS 93
Itamar Mendes da Silva
6
APRESENTAÇÃO
7
superintendências de Ensino Estaduais. Atendeu, também, alguns
poucos profissionais do norte do estado do Rio de Janeiro.
Ao término do curso foi realizada avaliação e se concluiu que as
discussões realizadas eram de riqueza impar e poderiam constituírem-
se material útil ao trabalho dos gestores no cotidiano das escolas
básicas. Assim, se buscou empreender esforço para organizar a
publicação que ora se apresenta a leitura e ao debate de você, car@
leitor/a.
O foco dos debates é a gestão da educação básica e, mais
especificamente, como as decisões mais gerais impactam os trabalhos
da escola. No livro são apresentadas reflexões acerca de: Direito a
Educação, Financiamento, Educação Especial, Planejamento,
Avaliações Sistêmicas, Qualidade, Autonomia e Educação e ambiente.
Agradecemos aos autores que compartilharam os textos para
esta publicação e com muita satisfação e alegria compartilhamos estes
escritos.
8
AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO COMO SERVIÇO, DIREITO E BEM
PÚBLICO: CONTRIBUIÇÕES PARA A DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA
COMO GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO
Introdução
9
2004; OLIVEIRA, 1999 e 2009; SAVIANI, 2008; TEIXEIRA, 1956, 1958,
1996)
As conclusões apontam para a necessidade de novos debates em
torno da educação não só como direito, mas, fundamentalmente, de
como a forma de atuação do Estado influencia diretamente na garantia
desse direito, ponderando para os riscos que se corre ao recorrermos à
concepção de educação como bem público.
10
pelo aluno. Seu pensamento não pleiteava o pleno financiamento do
Estado pela instrução pública, mesmo entendendo tratar-se de
atividade importante e não lucrativa.3 Em resumo, historicamente,
antes mesmo de ser concebida como um direito social, a educação foi
defendida pelos liberais como um serviço público, pois tratava-se de
condição para o “usufruto dos direitos civis” (CURY, 2002, p. 249).4
3 Isso porque serviço público não pressupõe gratuidade, mas, gestão pública. A visão
liberal clássica da escola pública, gratuita, obrigatória e laica, foi originariamente
difundida por Condorcet, que expressou a visão mais elaborada da relação Estado e
escola (SAVIANI, 2008).
4 Vale lembrar que a bandeira do liberalismo baseava-se na luta pelos direitos
individuais, civis e políticos.
5 Há divergências teóricas quanto às nomenclaturas dadas ao tipo de Estado que
insurgiu no pós crise do Estado liberal. Para tanto, indicamos como leitura as obras
de Novais (1987), Bonavides (1961), que abordam o advento do Estado Social no
âmbito do direito.
6 Os direitos sociais foram constitucionalizados primeiro na Constituição Mexicana de
1917, depois na Constituição Russa de 1918, e posteriormente na Constituição de
Weimar de 1919.
11
com a apologia da livre iniciativa, desvirtuando a noção de escola
pública defendida durante a década de 19507, pois na avaliação de
Anísio Teixeira a
7 Nos anos 1950, a Constituição de 1946, que previu a elaboração de uma LDB,
reavivou o debate sobre a educação que já havia sido polarizado, na década de 1930,
por dois blocos distintos: os educadores comprometidos com os ideais da Escola
Nova; e os defensores da iniciativa privada.
12
público se empreendida pelo Estado ou pelo setor privado”.
(MEIRELLES, 2010, p. 352). Nessa perspectiva, os autores consideram a
educação como um serviço público não exclusivo do Estado.
Ainda a título de reforçar essa perspectiva de serviço público, no
ano de 2005, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
interpôs sob nº. 1007-7, Ação Direta de Inconstitucionalidade à Lei nº.
10.989/93 do estado de Pernambuco, que estabelecia prazo para
pagamento de mensalidades nos estabelecimentos privados de ensino
naquela unidade da federação. Dentre os argumentos que
respaldaram o pedido estava o da livre iniciativa. O ministro Eros Grau
foi relator da ação, julgada improcedente, considerando o ensino
serviço público, conforme a decisão
13
ser adotado, pois ora a legislação utiliza o conceito no sentido amplo,
ora no sentido restrito. Com esses argumentos, a autora distingue
serviço público das demais atividades administrativas de natureza
pública, conceituando-o como “atividade material que a lei atribui ao
Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados,
com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas,
sob regime jurídico total ou parcialmente público”.8
O regime jurídico público é o elemento formal da noção clássica
de serviço público, que é caracterizado pela gestão direta ou indireta
do Estado. É nessa perspectiva que podemos dizer que Anísio Teixeira
defendeu a gestão pública do ensino por meio do reconhecimento da
educação pública, no sentido da escola pública única, universal, para
todos. Não se trata de monopólio do Estado, mas de um dado regime
jurídico de prestação, que limita a livre iniciativa aos ditames da justiça
social, como nos explica Cavalcanti (2010, p.1).
8 Di Pietro (2012) concebe a educação como serviço público não exclusivo do Estado,
“próprio” quando por ele executado e “impróprio” quando autorizado ao particular.
Argumenta ser “público” porque atende as necessidades coletivas, mas
“impropriamente público” por não ter a gestão direta ou indireta do Estado.
14
iniciativa privada é possível desde que atendam aos princípios da
continuidade do serviço público, da flexibilidade dos meios aos fins e
da igualdade dos usuários e, por isso, incide maior ingerência do
Estado, pois são regidos pelos institutos da concessão ou permissão.
Uma atividade considerada serviço público, por regra do art. 175
da CF/88, só pode ser delegada ao particular por meio dos institutos da
concessão ou da permissão. A diferença entre esses dois institutos
consiste que, enquanto a permissão é ato unilateral, discricionário e
precário pelo qual o Poder Público faculta ao particular serviços de
interesse coletivo, ou o uso de bens público, a concessão decorre de
acordo de vontades, ou seja, trata-se de contrato administrativo pelo
qual transfere-se o serviço público. A autorização é uma exceção a
essa regra, prevista no art. 21, XXI e XXII da CF/88, por isso existem
divergências quanto à classificação dos serviços educacionais como
serviço público. (MEIRELLES, 2010)
Adotando a concepção de que a educação é serviço público
impróprio, Di Pietro (2012) entende que o instituto da autorização,
nesse caso, não constitui ato de delegação de atividade do Estado,
mas simples medida de polícia9, incapaz de suscitar o regime jurídico
de direito público.
Como alertou Ataliba (1993), não estabelecer o regime jurídico de
direito público, ou seja, deixar certas atividades à mercê do regime
jurídico de direito privado e longe do domínio estatal, pode levar a
desproteção do interesse público, ocasionando ausência de tutela ao
usuário desse serviço, como também ausência de controle estatal. O
risco é ainda maior no caso de os serviços incluírem atividades que
estão no rol dos direitos sociais fundamentais, constituídos
constitucionalmente como direito público, como é o caso da educação.
9 Medida de polícia decorre do poder de polícia do Estado, que são atribuições que
visam limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.
Essa medida incide “sobre bens, direitos ou atividades” (Di Pietro, 2012, p. 124), e
decorrem dos institutos da licença e da autorização.
15
tuteladas pelo Estado, de interesse geral, não lucrativas e que
promovessem o desenvolvimento, sem interferência estatal na
economia. Somente a partir da noção de Estado Social que essa
concepção foi tomando outros contornos. Ou seja, foi a partir do
surgimento dos direitos sociais e a nova gama de atividades assumidas
pelo Estado (os direitos prestacionais) que o “serviço público” passou
a ser concebido como modo de atuação para garantia desses direitos.
Atualmente, a posição ativa do Estado reforça a característica de
certos direitos como públicos subjetivos. A Constituição Federal de
1988 trata a educação como um direito social fundamental (art. 6º),
público e subjetivo em se tratando de etapa obrigatória (art. 208, §1º).
Segundo Cury (2008, p. 295)
16
Do ponto de vista do direito, tratada tecnicamente, a educação é direito
subjetivo público, correspondente a um dever do Estado. Para Pontes de
Miranda, não basta a declaração do direito à educação nas constituições,
nem do dever do Estado. Também não satisfaz a mera situação jurídica
do indivíduo diante do Estado que adotou constitucionalmente a
educação de plano, com recursos e critérios previstos na constituição
(educação soviética). É preciso, para que haja direito à educação, que os
dois lados se realizem: a definição constitucional do modo de realização
da educação, como dever exigível dos governantes; e o direito subjetivo
público do indivíduo à educação, ou de executar a obrigação imposta ao
Estado. (SALGADO, 2010, p. 18)
17
prescrita na Constituição, (direito social fundamental, público e
subjetivo) pois é considerado também como direito da personalidade,
ou seja, inscrito na categoria de direitos com características
“intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer
limitação voluntária” (art. 11 do Código Civil), e é nessa perspectiva que
Bittar (2001, p. 158) argumenta tratar-se de um
18
A teoria da reserva do possível tem sua origem na jurisprudência
Alemã, quando, em 1972, o Tribunal Constitucional Federal Alemão
decidiu sobre o limite do número de matrículas nas faculdades de
Hamburg e Bavária, decisão conhecida como Numerus Clausus, que
objetivou resolver o problema de vagas e da demanda pelo ensino
superior naquele país. O princípio legitima que a concretização dos
direitos fundamentais dependentes de atuação positiva do Estado
(direitos sociais) estão sob a reserva do possível e, em resumo, está
relacionada à capacidade financeira do Estado.
Devido ao aumento das demandas sociais, que são infinitas com
recursos finitos (CANOTILHO, 2004), a efetivação do direito à
educação tem se constituído de forma gradativa e à brasileira, nos
limites do legalmente possível, não havendo esforço orçamentário
para ampliação e aperfeiçoamento da atuação do Estado com a oferta
regular do ensino.11
É com esses argumentos que afirmamos ser a educação um
direito público, fundamental, mas sua efetivação tem se constituído
pela concepção de direito público subjetivo limitado à educação
obrigatória, dentro dos limites estabelecidos pelo Estado, sendo
constituído o seu modo de atuação como opção política ordenada pelo
princípio da reserva do possível, mecanismo insuficiente para
materialização dos direitos fundamentais. Assim, atualmente, tem-se
invocado, como mecanismo que objetiva fortalecer a atuação do
Estado para proteção do direito à educação (principalmente contra os
ditames do capitalismo), a concepção de bem público.
19
imperativo moral que sobrepõe a dignidade humana aos interesses,
inclinações e circunstâncias individuais” (SOBRINHO, 2013, p. 109),
tomado como um serviço público aberto à iniciativa privada e cercado
de proteção jurídica (CURY, 2006). Nessa perspectiva, a educação é
entendida como bem, logo, serviço público, mesmo quando prestado
pelo particular.
No ensino superior, tem se travado, desde os fins dos anos 80 nos
países anglo-saxões, um intenso debate sobre duas concepções, que
são contrapostas: uma, da educação como bem público e outra da
educação como mercadoria (OLIVEIRA, 2009).
No Brasil, esse debate se intensificou a partir da realização do
Fórum Social de Porto Alegre, realizado no final de janeiro de 2002,
que levou a discussão para a III Cumbre (Reunião Ibero-Americana de
Reitores de Universidades Públicas), ocorrida em Porto Alegre em abril
de 2002. Dentre as questões que englobavam os debates travados
durante o evento, estava a proposta da OMC (Organização Mundial do
Comércio) em transformar a educação em um dos 12 serviços do Gats
(Acordo Geral sobre Comércio de Serviços), proposta essa
apresentada em 2001, na IV Reunião Ministerial da OMC, ocorrida em
Dohar, no Catar, que estabeleceu o prazo de até março de 2003 para
que os países membros da OMC aderissem à proposta.
A partir de então, travou-se no Brasil debates intensos sobre o
que chamaríamos de “campanha em defesa da educação superior
como bem público”, uma tendência que objetivou ratificar a educação
como um “bem comum” e, dessa forma, afastá-la da concepção de
mercadoria, havendo, inclusive, uma audiência pública realizada na
Câmara dos Deputados em julho de 2002.
Não é irreflexo que o Projeto de Lei de reforma universitária, PL
nº. 7200/2006, que tramita na Câmara, classifica, no art. 3º, o ensino
superior como “bem público que cumpre sua função social por meio
das atividades de ensino, pesquisa e extensão, assegurada, pelo Poder
Público, a sua qualidade”.
Esse movimento objetiva afastar a liberalização do comércio
educacional, como proposto pela OMC, mediante a adoção do Gats. O
acordo prevê como exceção aos serviços comerciais regulamentados
pela OMC “aqueles que forem fornecidos no exercício da autoridade
governamental” (DIAS, 2003, p.821) e desde que não providos por uma
20
base comercial, não sendo permitida a competição com os provedores
de serviços (DIAS, 2005).
A partir da exceção da OMC, defender a educação como bem
público significa, para essa linha de pensamento, não sujeitar o ensino
aos desmandos do mercado. No entanto, o que se conclui é que
“mesmo sem a aprovação de tais acordos, a educação tem se
transformado, crescentemente, em mercadoria” (OLIVEIRA, 2009, p.
740).
Aderir pura e simplesmente a uma concepção entendendo tratar-
se de termo princípio lógico, pode ser um risco e resultar em
mecanismo insuficiente para atrair a tutela do Estado e afastar os
desmandos do mercado. Isso porque trata-se de termo ambíguo,
podendo apresentar configurações diferentes tanto no Direito
Administrativo quanto em outras áreas.
No Direito Administrativo, todos os bens, sejam eles naturais ou não,
que satisfazem as necessidades coletivas e se configuram como de uso
comum, são considerados bens públicos (a exemplo de praças públicas,
praias, estradas, transporte, comunicação, entre outros) (MEIRELLES,
2010). Assim, nem todo bem público pressupõe serviço estatal, mas todo
serviço estatal pressupõe bem público, como conceituou Gasparini (2003,
p.683), ao dizer que “bens públicos são todas as coisas materiais ou
imateriais pertencentes ou não às pessoas jurídicas de direito público e as
pertencentes a terceiros quando vinculadas à prestação de serviço
público”, acrescentando tratar-se também de “coisas usáveis por
qualquer povo, sem formalidades, pois para uso e gozo nada se exige em
termos de autorização ou permissão”
Nos argumentos em defesa da educação como bem público isso é
invertido, ou seja, o fato de a educação ser considerada bem público já
pressupõe tratar-se de serviço público. Nessa perspectiva, serviço
público é entendido como toda atividade que atinge a coletividade,
sem considerar os requisitos legais que caracterizamos serviço público.
Outro equívoco é utilizar o termo bem público como sinônimo de
bem comum12. O bem comum busca a felicidade natural, sendo um
21
valor político (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1998). Para atingir esse
objetivo (o bem comum) o Estado, orientador da conduta no chamado
Estado de Bem-Estar, intervém na propriedade e no domínio
econômico quando utilizado contra o bem comum da coletividade
(MEIRELLES, 2010). De outra forma, o termo bem público significa
22
estabeleçam interfaces com outras áreas do conhecimento, evitando a
propagação de concepções endógenas.
Considerações Finais
23
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24
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27
28
O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO:
NOVOS OU VELHOS DESAFIOS?
Nicholas Davies1
1-Introdução
29
variável de acordo com o contexto e o país), que, por sua vez,
depende da correlação de forças das classes populares/exploradas e
das classes dominantes. Assim, se as classes populares/exploradas
estiverem organizadas e mobilizadas e se as classes dominantes ou os
aparelhos burocráticos estiverem desorganizados ou se virem sem
condições de negar concessões às classes populares, estas poderão
extrair do Estado uma parcela maior da riqueza social por ele
extorquida na forma de impostos. Isso explica, pelo menos em parte, a
constituição do chamado “Estado de Bem-Estar Social” em países da
Europa Ocidental, que significou a criação de direitos sociais e a
expansão de benefícios sociais. Vale ressaltar que tais avanços
“sociais” não são apenas conquistas (no sentido de serem obtidas
graças unicamente à luta dos subalternos), mas também concessões
por parte dos donos do poder, que utilizam tais avanços para se
legitimar e para enfraquecer qualquer perspectiva mais radical que
busque romper com a “ordem” vigente. No entanto, tais conquistas
podem, em contexto diferente, ser retiradas ou diluídas, como os
representantes do capitalismo vêm tentando fazer no mundo hoje.
30
art. 211, estabelecendo que a “União [...] financiará as instituições de
ensino públicas federais”. Entretanto, como o parágrafo 2º do art. 212
não foi alterado, o resultado é uma incongruência, pelo menos na
esfera federal, da sua formulação com a nova redação do parágrafo 1º
do art. 211. Na esfera estadual, distrital e municipal, a brecha continua
aberta do ponto de vista legal.
O caput do art. 213 é mais explícito na privatização: os recursos
públicos podem ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou
filantrópicas “sem fins lucrativos”, formulação enganosa pois os lucros
de tais escolas não são registrados como tais na contabilidade, mas
sim como transferências a suas entidades mantenedoras, que na
verdade são mantidas e não mantenedoras. O parágrafo 2º do art. 213
nem se preocupa que tais escolas não tenham fins lucrativos, já que
prevê que “As atividades universitárias de pesquisa e extensão
poderão receber apoio financeiro do Poder Público”. A Lei Nº 9394, no
entanto, procurou impedir esta brecha ao estipular que o percentual
mínimo se destina ao ensino público, porém considera bolsas de
estudo em escolas privadas como MDE. O problema é que as
disposições constitucionais preponderam sobre as de qualquer lei.
Um terceiro mecanismo favorável foi o salário-educação,
contribuição social criada em 1964 (logo após o golpe militar de 1º de
abril) sobre a folha de pagamento das empresas para financiar o então
ensino primário e que até o final de 1996 podia legalmente custear
alunos reais ou muitas vezes fictícios no ensino fundamental em
escolas particulares, tendo sido carreado para pagar legal ou
ilegalmente boa parte das matrículas no ensino fundamental privado,
segundo Velloso (1987).
Privilégios mais recentes são as isenções fiscais ou de
contribuições a instituições privadas de ensino superior (IES) que
aderissem ao Programa Universidade para “Todos” (PROUNI),
iniciativa do governo federal que exige como contrapartida para tais
isenções a oferta de bolsas integrais ou parciais, o que veio a resolver
ou pelo menos atenuar a ociosidade ou inadimplência nelas, além do
benefício do Financiamento do Estudante do Ensino Superior Privado
(FIES), que é formalmente um empréstimo ao estudante, porém se
materializa em certificados que as IES privadas utilizam para quitar
suas dívidas previdenciárias e outras junto ao governo federal. Vale
lembrar que o FIES é o sucessor do Crédito Educativo, criado na
31
década de 1970 pela ditadura militar (ou civil-militar, segundo outra
interpretação). A magnitude do FIES é exemplificada pela Lei Nº 12.956
(BRASIL, 2014), sancionada pela presidente Dilma em fevereiro de
2014, prevendo R$ 2,5 bilhões em créditos para ele, pelos créditos de
mais de R$ 5,4 bilhões para ele em 2013, segundo o FNDE (BRASIL,
MEC, FNDE, 2014), e pelo fato de o PROUNI ter oferecido mais de 1,2
milhão de bolsas integrais e parciais de 2005 a 2013, segundo o
Sisprouni (o Sistema do MEC para o Prouni) de 6/11/2013, cujo número
expressivo se explica pelo menos em parte porque o FIES prioriza os
bolsistas parciais do PROUNI. Graças a estes e outros mecanismos, tais
IES privadas cresceram mais do que as públicas, não só durante a
ditadura, mas também durante os governos “democráticos” de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e do Partido dos
Trabalhadores (2003 até hoje).
Como se não bastassem todos estes benefícios, em julho de 2012
a presidente sancionou a Lei 12.688 (BRASIL, 2012), para “reestruturar
e fortalecer as instituições de ensino superior privado” com dívidas
tributárias com a União, a serem pagas em 180 prestações mensais, ou
seja, por 15 anos, prevendo também que até 90% das prestações
mensais das dívidas podem ser convertidas em bolsas integrais.
Outro mecanismo é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB), cuja lei de regulamentação (Nº 11.494) permite a destinação
de recursos públicos a creches, pré-escolas e instituições comunitárias,
filantrópicas e confessionais de educação especial “sem fins
lucrativos” conveniadas com o Poder Público, assim como a cessão de
professores da rede pública para trabalhar nelas (BRASIL, 2007),
permissão que contradiz a própria Lei Nº 11.494 e também a EC Nº 53,
que criou o FUNDEB, destinado apenas à educação básica pública.
Por fim, cabe lembrar os recursos embutidos nos produtos e
serviços pagos pela população (neste sentido, são públicos),
arrecadados por empresas e repassados a entidades empresariais: é o
caso do sistema “S” (Senai, Sesi, Senac, Sesc etc.), financiado por
tributos incluídos em muitos preços, ou seja, são recursos públicos,
pois bancados por toda a população, embora privatizados por tais
entidades.
32
3- Artifícios que retiraram/retiram receitas vinculadas à educação
pública
33
específica. Só os programas de transporte escolar e dinheiro direto na
escola (PDDE) totalizaram quase R$ 3 bilhões em 2013.
Os ganhos (e a complementação federal, se houve/há) com o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (FUNDEF) e o FUNDEB são receitas
adicionais (com origem em impostos) calculadas pela diferença entre a
contribuição de impostos dos governos estadual e dos municipais para
o fundo dentro de cada Estado (os fundos operam só no âmbito de
cada Estado) e sua receita. A complementação federal para o FUNDEB
gira em torno de R$ 10 bilhões atualmente.
São vários os artifícios que prejudicaram e prejudicam a educação
pública. Um são as renúncias fiscais. Segundo o relatório do Tribunal
de Contas da União sobre as contas federais (BRASIL, TCU, 2013), o
total de renúncias de receitas tributárias/previdenciárias/creditícias
pelo governo federal teria atingido R$ 216,5 bilhões em 2012, muito
superiores às despesas federais em educação (R$ 66,5 bilhões) e saúde
(R$ 77,3 bilhões). Como sabido, as renúncias consistem em redução
total ou parcial de tributos por um certo tempo, a pretexto de
incentivar a economia como um todo ou um setor ou região
específico. Vale frisar o impacto negativo de renúncias sobre receitas
estaduais e municipais, constituídas em parte por impostos federais
que integram os Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos
Municípios (FPM). Segundo o Ministro José Jorge, relator do TCU
sobre as contas, em 2012 houve renúncia de receita do Imposto de
Renda e do IPI da ordem de R$ 85 bilhões, com uma redução potencial
nos recursos transferidos a estados e municípios de 38 bilhões de
reais. Considerando que governos estaduais e municipais também
praticam tais renúncias, são astronômicas as perdas sofridas pela
educação pública.
Outro desafio secular é a não aplicação da verba legalmente
vinculada, devida à interpretação equivocada (ou esperta) por
governos e Tribunais de Contas (TC). Por exemplo, desde 2004 o
governo estadual do Mato Grosso excluiu o imposto de renda por ele
arrecadado da base de cálculo, com a concordância/conivência do TC.
Durante anos na década de 1990 o governo estadual de Goiás não
computou nesta base o Fundo de Participação dos Estados, também
com a concordância/conivência do TC. Os governos estaduais do Rio
de Janeiro e São Paulo, por sua vez, durante anos na década de 1990
34
não contabilizaram o salário-educação como acréscimo ao percentual
mínimo, com a concordância/conivência dos TCs. Já a prefeitura do Rio
de Janeiro durante toda a vigência do FUNDEF não acrescentou os
seus ganhos anuais de centenas de milhões de reais ao percentual
mínimo.
Outro prejuízo tem sido a não inclusão dos rendimentos
financeiros com impostos e receitas integralmente vinculadas (salário-
educação, por exemplo). Embora registrados contabilmente como
uma das rubricas da receita patrimonial, e não de impostos, deveriam
ser computados, pois sua origem são impostos ou receitas adicionais.
A inclusão de tais rendimentos talvez não fosse necessária se os
governos, no caso de não aplicarem num trimestre o montante
legalmente devido em MDE, compensassem, no trimestre seguinte, o
valor não aplicado no anterior, conforme exigido pela LDB (§ 4º do art.
69), mas é muito pouco provável que essa exigência legal venha sendo
cumprida, até porque, com base em estudos que realizo há alguns
anos, praticamente nenhum TC faz essa exigência.
No Espírito Santo, o Conselho Estadual do FUNDEF registrou que
o governo estadual não contabilizou em 1999 (e também em anos
posteriores) parte do ICMS utilizado como incentivos fiscais na forma
de empréstimos a empresas no âmbito do Fundo para o
Desenvolvimento de Atividades Portuárias, resultando numa renúncia
fiscal de R$ 408 milhões (DAVIES, 2006), contrariando notificação do
MEC e a Nota Técnica Nº 118 STN/COFIN, de 12/8/03, da Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional, que qualificou este procedimento de
inconstitucional, por violar o inciso IV do artigo 167 da CF.
A educação perdeu e perde recursos também pelo modo como
governos e TCs contabilizam despesas, com uma distinção pouco ou
raramente considerada nos orçamentos e prestações de contas. É a
distinção entre o conceito de MDE, definido nos artigos 70 e 71 da LDB
e complementado pelo Parecer Nº 26 (BRASIL, 1997), do Conselho
Nacional de Educação, e o da função orçamentária Educação, previsto
na Lei Federal Nº 4.320 (BRASIL, 1964), que normatiza a elaboração de
orçamento público. A merenda escolar, por exemplo, não é
considerada como MDE e, portanto, não pode ser paga com o
percentual mínimo, embora possa ser (e é, pelo menos parcialmente)
financiada pelos repasses feitos pelo FNDE para a alimentação escolar.
35
Outro equívoco consiste em considerar os inativos como parte da
MDE, quando o certo é considerá-los na função Previdenciária. Afinal,
não contribuem mais para manter e desenvolver o ensino e sua
aposentadoria, em tese pelo menos, deveria ser financiada com suas
contribuições e as patronais feitas ao longo da vida ativa, caso não
tenham sido total ou parcialmente dilapidadas pelos governos. Vale
lembrar que o conceito de MDE na LDB abrange apenas remuneração
de quem trabalha na educação, e os aposentados recebem proventos,
não remuneração, conforme lembram os Manuais da Secretaria do
Tesouro Nacional.
Deve-se prestar atenção também para a distinção entre despesa
empenhada (também denominada de realizada), liquidada e paga,
uma vez que nem todo empenho é efetivamente liquidado e, portanto,
pago, podendo ocorrer de empenhos emitidos num ano ser
cancelados em exercícios posteriores mas os governos não
descontarem tais cancelamentos dos supostos gastos em educação.
Esta prática de emissão de empenhos (sobretudo para alcançar o
percentual mínimo vinculado à MDE) e seu cancelamento em exercício
posterior não é incomum e, por isso, se deve estar atento para
empenhos não liquidados num ano e que poderão ser cancelados em
exercícios posteriores.
Por último, convém atentar para o fato de que prefeituras só
podem aplicar os 25% dos impostos na educação infantil (EI) e no
ensino fundamental (EF), conforme determina o art. 11 da LDB. Só
podem investir no ensino médio ou superior depois de atender
plenamente à EI e ao EF e mesmo assim com recursos fora dos 25%.
36
porém aumentou a obrigação de Estados, DF e municípios com o
ensino fundamental para 15% dos impostos de 1997 a 2006 e criou o
FUNDEF. A EC Nº 53 (BRASIL, 2006), por sua vez, iniciativa do governo
Lula que criou o FUNDEB, não prevê compromisso federal específico
(a não ser a complementação federal) com a educação básica e a
erradicação do analfabetismo, como se este já tivesse sido erradicado,
o que é desmentido pelo IBGE, que registra cerca de 15 milhões de
analfabetos (sem falar nos analfabetos funcionais).
Vale lembrar ainda as várias Emendas Constitucionais que, sem
alterar o art. 212 da CF, desvincularam 20% de impostos federais (entre
eles os que compõem os Fundos de Participação dos Estados e dos
Municípios) e contribuições sociais (o salário-educação) da educação
desde 1994. Os efeitos negativos para Estados, DF e Municípios
terminaram no final de 1999, porém continuaram em âmbito federal
de 2000 a 2010, em consequência da aprovação e prorrogação várias
vezes da Desvinculação da Receita da União (DRU), cujos danos para a
educação só extinguiram no final de 2010, em consequência da
aprovação da EC Nº 59/2009 (BRASIL, 2009), que, entre outras
disposições, estabelece como meta aplicar “recursos públicos em
educação como proporção do Produto Interno Bruto”. De qualquer
modo, o prejuízo destas ECs foi de dezenas de bilhões de reais durante
toda a sua vigência.
Com relação aos dois fundos (FUNDEF e FUNDEB) criados pelo
governo federal, são frágeis pois consistem basicamente numa
redistribuição, dentro de cada Estado, de impostos do governo
estadual e das prefeituras. No FUNDEF (1998-2006), o governo
estadual e os municipais contribuíam com 15% de alguns impostos e
recebiam principalmente de acordo com o número de matrículas no
ensino fundamental regular. No FUNDEB (2007 até 2020), contribuem
com 20% de um número maior de impostos e recebem do fundo de
acordo com dois critérios: (1) número de matrículas municipais na
educação infantil e no ensino fundamental e matrículas estaduais no
ensino fundamental e no ensino médio, (2) valor diferente atribuído a
cada nível, modalidade e localização da matrícula.
A fragilidade vem do fato de milhares de governos perderem com
eles e, portanto, terem menos condições objetivas de manter e
desenvolver o ensino e valorizar o magistério. Os que
ganharam/ganham tiveram/têm condições objetivas de cumprir o
37
objetivo proclamado, porém isso não é nenhuma garantia. Por
exemplo, as matrículas municipais na educação básica em todos os
Estados vêm caindo desde a implantação do FUNDEB, em 2007,
embora milhares de prefeituras tenham tido/venham tendo ganhos e
complementação federal expressivos com ele.
A fragilidade se deve também ao governo federal contribuir com
quase nada ou pouco. No último ano de vigência do FUNDEF, 2006, a
complementação federal foi de menos de 1% (R$ 300 milhões) da
receita nacional, formada quase que exclusivamente pela contribuição
de Estados e municípios (mais de R$ 35 bilhões). No FUNDEB, esta
complementação é maior (10% do total), porém não é tão significativa
quando se considera que o governo federal arrecada muito mais do
que os governos estaduais e municipais. Vale lembrar que tal
complementação era/é definida legalmente como a necessária para a
receita per capita em cada Estado alcançar o valor mínimo nacional,
não sendo cumprida na vigência do FUNDEF nem pelo governo de FHC
nem pelo de Lula. Segundo relatório do GT constituído pelo MEC
(BRASIL, MEC, 2003), o governo federal teria deixado de contribuir
com mais de R$ 12,7 bilhões devidos de 1998 a 2002. Como essa
irregularidade continuou no governo Lula, de 2003 a 2006, a dívida do
governo federal com o FUNDEF de 1998 a 2006 deve ter superado R$
25 bilhões!
38
2012), a receita líquida (ou seja, após transferência da parcela devida
aos municípios) de impostos dos governos estaduais (23 forneceram
dados) em 2010 teria sido de cerca de R$ 282 bilhões (os dados do
Distrito Federal foram excluídos, pois o DF não tem Municípios). Os
Municípios (4.283 forneceram dados, dos 5.564 existentes na época),
por sua vez, teriam tido uma receita de impostos de R$ 182 bilhões, ou
seja, R$ 100 bilhões a menos do que a dos Estados (R$ 282 bilhões). Já
o número de matrículas municipais na educação básica em 2010
(23.722.411) foi maior do que as estaduais (20.031.988). Em outras
palavras, as prefeituras arrecadaram bem menos impostos (R$ 100
bilhões a menos) para atender a um número maior de matrículas (+ de
3,7 milhões) na educação básica do que os governos estaduais.
Esta desigualdade remete a uma das principais polêmicas no
financiamento entre, de um lado, os que priorizam mais verbas,
enfatizando a sua falta, e, de outro, os que advogam sua melhor
aplicação, argumentando que elas já são suficientes. Um exemplo
desta polêmica foram os projetos de lei para o Plano Nacional de
Educação (PNE) encaminhados em 1998, um pelo MEC, o outro por
entidades da dita sociedade civil, sobretudo sindicatos de profissionais
da educação e entidades acadêmicas, reunidas no Congresso Nacional
de Educação (CONED), em Belo Horizonte, em novembro de 1997. O
projeto do MEC previa uma série de metas para 10 anos, porém não
definia aumentos dos gastos governamentais, alegando que bastaria a
aplicação do percentual mínimo dos impostos e a racionalização no
uso dos recursos para a consecução das metas, sem estimar os custos
de tais metas e os recursos necessários. Embora seja verdade que a
diminuição ou eliminação dos desperdícios ou corrupção dos governos
possibilitaria recursos significativos para o cumprimento de tais metas,
era pouco provável a concretização das metas do MEC apenas com o
uso “judicioso” dos recursos constitucionais. Se até hoje as práticas
dos governantes têm deixado muito a desejar em termos deste uso
judicioso, por que razão mudariam a partir do Plano? Como o Plano
não apontava elementos concretos que permitissem esperar a
aplicação correta e racional dos recursos, as suas metas careciam de
fundamentação por não definirem a origem estatal dos recursos
adicionais para a sua realização. Isso talvez se explique porque o
governo federal na época, seguindo o receituário neoliberal, via a
educação como responsabilidade de todos, e não apenas do Estado
39
(tido como incompetente e ineficiente), o que significava transferir à
família, aos meios de comunicação de massa, às organizações não-
governamentais, leigas ou confessionais, à ação da iniciativa privada,
papéis crescentes na oferta da educação que seria responsabilidade
estatal.
Ao contrário do MEC, o Plano das entidades participantes do
CONED, autointitulado “Proposta da Sociedade Brasileira”,
previa aumento significativo (10% do PIB) dos recursos públicos
ao longo de 10 anos. Ora, conforme o noticiário revela
diariamente, não basta aumentar os recursos, pois eles podem
ser dilapidados pelos governantes e pela máquina estatal devido
à má gestão, superfaturamentos e tantas outras práticas ilícitas.
O simples aumento dos recursos não resultará necessariamente
no atendimento das metas quantitativas e qualitativas do plano,
uma vez que a corrupção, o desperdício, a burocratização e
tantos outros males podem consumir grande parte do aumento
das verbas. Assim, o financiamento é tanto uma questão
quantitativa (mais recursos) quanto qualitativa (sua melhor
utilização).
A propósito, o Plano sancionado por FHC em 2001 (em vigor
até o final de 2010) não previa aumento de recursos em
consequência dos vetos presidenciais, nunca derrubados por
Lula nem por sua base aliada (eficiente para outras coisas),
criando, assim, um plano que não foi plano, pois não definia a
origem dos recursos para a consecução das metas. Em outras
palavras, o plano se tornou mera retórica.
Tal polêmica de certa forma se repetiu na “novela” do
projeto de lei (PL) de PNE encaminhado pelo governo federal ao
Congresso Nacional no final de 2010. Previa 7% do PIB ao final da
vigência do PNE, contrariando a proposta das entidades reunidas
na Conferência Nacional de Educação (CONAE) em 2010, que
defendiam 10% do PIB em 2014 para a educação pública! A ironia
é que a CONAE parece ter sido bancada pelo MEC e as entidades
que dela participaram de modo geral eram e são alinhadas com o
governo federal atual, o que parece indicar que a CONAE foi
40
promovida para o governo se legitimar e criar a ilusão (mais
uma!) da participação de entidades da “sociedade civil”, uma vez
que a proposta da CONAE para o financiamento do PNE não foi
considerada, sendo torpedeada pelos representantes do
governo no Congresso Nacional.
O financiamento na Lei do novo PNE (Lei nº 13.005), sancionada
em junho de 2014, contém vários pontos fracos. Um é prever no
mínimo 10% do PIB apenas para o final da vigência do PNE, ou seja, em
2024, sendo no mínimo 7% do PIB no quinto ano, a saber, em 2019.
Como não há definição de percentuais e progressividade entre estes
períodos, o Poder Público não é obrigado a aplicar nenhum percentual
durante eles. Em outras palavras, até o quarto ano não há nenhuma
exigência de percentual, assim como do 6° até o 9º.
Outro problema é a falta de clareza sobre a destinação dos
recursos públicos, pois a meta 20 prevê que tais percentuais se
destinam à educação pública, porém o § 4o do art. 5º define que “O
investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art.
214 da Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os
recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do
art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como
os recursos aplicados nos programas de expansão da educação
profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal,
as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios
concedidos em programas de financiamento estudantil e o
financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma
do art. 213 da Constituição Federal (grifo meu). Aparentemente, os
percentuais se vinculam à educação pública, porém o Poder Público,
no cálculo do investimento público em educação previsto no inciso VI
do art. 214 da CF, poderá considerar os recursos públicos destinados a
programas que beneficiam instituições privadas, como o Fies, creches,
pré-escolas e de educação especial privadas sem fins lucrativos,
isenção fiscal (Prouni, por exemplo).
Outra debilidade é que os governos não arrecadam PIB, mas sim
impostos, taxas e contribuições etc. O PIB é apenas um indicador
(muito frágil, tendo em vista a sonegação fiscal generalizada) da
riqueza nacional, cuja maior parte não fica com o Poder Público, mas
sim com o setor privado. Como cobrar do Poder Público a aplicação de
um percentual de uma receita que ele não arrecada? A destinação de
41
10% do PIB será dificilmente operacionalizável porque o PIB informa a
riqueza nacional (dos governos e iniciativa privada), não apenas dos
governos, e será impossível responsabilizar as diferentes esferas de
governo (federal, estadual e municipal) ou cada governo
individualmente em termos de percentual do PIB. Talvez o único que
possa ser responsabilizado em certa medida seja o federal, até porque
individualmente detém grande parcela da receita nacional. Quando as
responsabilidades financeiras não são claramente definidas, o seu
descumprimento é inevitável. Isso é complicado ainda mais porque o
regime de colaboração até hoje não foi definido e a Lei prevê sua
regulamentação somente no prazo de 2 anos após a aprovação do
PNE.
Além disso, mesmo que governos indiquem nos orçamentos e
balanços estarem aplicando o correspondente a 10% do PIB, nada
garante que isso esteja acontecendo na prática, pois não é incomum
eles declararem dispêndios que não representam despesas reais.
Tampouco adianta destinar 10% do PIB para a educação pública se
grande parte dos recursos for absorvida pela burocracia, que é quem
controla a destinação das verbas. É sabido que boa parte dos recursos
públicos se perdem nas atividades-meio e não beneficiam as
atividades-fim (a escola e a sala de aula) e o aumento de recursos para
a educação não garante necessariamente o atendimento de certas
metas de ampliação de vagas, contratação de profissionais da
educação e funcionários, se a burocracia educacional não for contida
em sua voracidade. Em síntese, não basta garantir mais recursos. É
preciso também assegurar a sua efetiva aplicação (e não apenas
contábil) na melhoria das atividades-fim (o professor e o aluno).
Outra fragilidade é que a Lei não poderá ser cumprida
imediatamente, pois muitas das ações nela previstas dependerão de
leis posteriores. A mais importante é a regulamentação do regime de
colaboração entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com
implicações na ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados
(prevista no art. 211 da CF). Trocando em miúdos, se os entes
federados não tiverem condições de garantir o padrão mínimo de
qualidade de ensino, a União e os Estados deveriam exercer tal ação
(art. 75 da LDB). Tal regulamentação até hoje não foi feita e a Lei a
posterga ainda mais, segundo a estratégia 20.9, que prevê, no prazo
de 2 anos, lei complementar neste sentido.
42
Outra estratégia que dependerá de lei posterior, também no
prazo de 2 anos após a sanção da Lei nº 13.005, é a que definirá o custo
aluno-qualidade inicial, a ser substituído pelo custo aluno-qualidade no
prazo de 3 anos, prevendo-se complementação federal a Estados,
Distrito Federal e Municípios que não alcançarem tal valor do custo-
aluno-qualidade. Em suma, como a lei do PNE foi sancionada em 2014,
só em 2016 (provavelmente mais para o final do ano) termina o prazo
para a elaboração da Lei do Custo Aluno-Qualidade inicial e a
regulamentação do regime de colaboração. Até lá não se poderá exigir
legalmente a ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados,
conforme previsto na LDB. Uma fragilidade deste cálculo é que ele
será monopolizado pelo INEP, sem nenhuma participação ou influência
efetiva de entidades da sociedade civil. No máximo tal cálculo será
“acompanhado pelo Fórum Nacional de Educação, pelo Conselho
Nacional de Educação e pelas Comissões de Educação da Câmara dos
Deputados e de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal”
(BRASIL, 2014). Para este caso, no entanto, a Lei não prevê o controle
social que advoga sobre os recursos aplicados em educação.
Referências
43
BRASIL. Emenda Constitucional Nº 59, de 11 de novembro de
2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do
exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da
União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e
desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da
Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art.
208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a
dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas
suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá
nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do
art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 12/11/2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 10 dez. 2010.
BRASIL. Lei Nº 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre o Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13/7/2001.
BRASIL. Lei Nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Institui o Programa
Universidade para Todos - PROUNI, regula a atuação de entidades
beneficentes de assistência social no ensino superior; altera a Lei Nº
10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 14/1/2005.
BRASIL. Lei Nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o
art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei
nº 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos
9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e
10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 21 jun. 2007. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 10 dez. 2010.
BRASIL. Lei Nº 12.688, de 18 de julho de 2012. Institui o Programa de
Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de
Ensino Superior (PROIES). Diário Oficial da União, Brasília, 19/7/2012.
Edição extra.
BRASIL. Lei Nº 12.956, de 27 de fevereiro de 2014. Abre crédito
extraordinário, em favor de Operações Oficiais de Crédito, no valor de
44
R$ 2.531.486.253,00, para o fim que especifica. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 28/2/2014.
BRASIL. Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional
de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, edição
extra, Brasília, DF, 26 de junho de 2014.
BRASIL. Lei Nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases
para o ensino de 1° e 2º graus e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 12/8/1971. Disponível em <http://www.planalto.
gov.br/> Acesso em: 8 mar. 2014.
BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
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2 de dezembro de 1997. Interpreta o financiamento da educação na
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45
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46
POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA A GESTÃO ESCOLAR
Edson Pantaleão1
Introdução
47
bancos escolares fosse estendido a todos os cidadãos brasileiros,
como um direito público e subjetivo, sendo dever do Estado garantir
esse direito, conforme previsto em textos legais.
Com isso, o movimento de inclusão de alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação ganhou ênfase, visto que o ensino desses estudantes foi
muitas vezes substituído por intervenções em instituições
especializadas, devido à crença de que atendimentos clínicos e
terapêuticos eram mais necessários do que os processos de
escolarização. Dessa maneira, ações foram direcionadas para que as
escolas de Educação Básica se configurassem como espaços inclusivos,
demandando além da reorganização das ações pedagógicas, outra
base filosófica e arquitetônica, para que os alunos tivessem acesso,
permanência e ensino no contexto escolar.
Em âmbito nacional, significativos movimentos evidenciam as
tentativas das escolas de ensino comum se adequarem às
necessidades dos alunos, mas grandes desafios ainda persistem nesse
processo, pois a fragilidade da formação docente para o trato da
diversidade humana, os currículos escolares organizados
sequencialmente, as perspectivas de avaliação presas a resultados
quantitativos, e a necessidade da gestão da escola desencadear ações
para que todos possam aprender na coletividade, são desafios ainda
não respondidos, cujas ações estão em processo de construção
(PANTALEÃO, 2012).
No bojo desse debate, a implementação de políticas públicas de
Educação Especial no contexto da inclusão escolar tem desencadeado
para as escolas a necessidade da (re)organização e coordenação das
ações pedagógicas no seu cotidiano. Isso tem provocado, para
atuação da equipe de gestão, uma maior implicação nos processos de
formação continuada no contexto das escolas. Na tentativa de
compreender os indicativos de tais políticas emanadas da Secretaria
Municipal de Educação de Vitória (SEME) e seus possíveis
rebatimentos na atuação da equipe de gestão das escolas, neste texto
trazemos aspectos referentes às propostas políticas do sistema
municipal de ensino nos últimos anos, bem como aspectos dos Planos
de Trabalho do setor de Educação Especial dessa Secretaria.
48
Interfaces entre a gestão escolar, a inclusão e a formação continuada
49
educativos e organização específicos, para atender às necessidades
desses estudantes; uma terminalidade específica para aqueles que não
puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental; a disponibilização de professores para o atendimento
especializado e de docentes capacitados para o trabalho nas classes
comuns (BRASIL, 1996).
O novo desafio para a gestão escolar é a implantação da política
nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
Apresentada pelo Ministério de Educação/Secretaria de Educação
Especial, em janeiro de 2008, considera que, a partir dos referenciais
para a construção de sistemas educacionais inclusivos, há a
necessidade de mudança estrutural e cultural da escola “para que
todos os alunos tenham suas especificidades atendidas” (BRASIL,
2008, p. 5).
Nesse sentido, para assegurar a inclusão escolar de alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, é preciso garantir:
50
tem respondido a essas questões? Essas são algumas indagações que
desencadeiam reflexões que tangenciam a temática que focalizamos
neste texto.
Com a ampliação das conquistas legais das pessoas com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação para a escolarização nas escolas comuns, os
profissionais da educação têm sido desafiados, em suas práticas
cotidianas, a garantir que o processo de aprendizagem seja
assegurado a todos os alunos e a buscar meios para educar a todos
indistintamente, em um mesmo espaço e tempo. Isso implica, segundo
Prieto (2003), movimentos de mudanças tanto no âmbito dos sistemas
de ensino, quanto das unidades escolares e das práticas dos
profissionais que nelas atuam.
Para Garcia (2006, p. 299), as formas de organização do trabalho
pedagógico a partir das políticas vigentes para a educação especial
têm tido como eixos de referência, em primeiro lugar, “[...] uma
abordagem educacional para a educação especial, cujo pilar é a
concepção de necessidades educacionais especiais, em contraposição
ao trabalho pedagógico tradicional que tomava como referência o
modelo médico-psicológico [...]” e, em segundo lugar, “[...] uma crítica
à homogeneização da escola regular, na defesa de um trabalho
pedagógico com referência na diversidade e no reconhecimento das
diferenças”. Contudo, os estudos da autora apontam para uma “[...]
insuficiência das proposições inclusivas para as políticas de educação
especial no Brasil no sentido da superação das desigualdades
educacionais”, uma vez que se observam processos de reprodução em
relação às proposições das políticas internacionais, expressadas nas
práticas escolares por meio da apropriação e preservação de princípios
conservadores na compreensão das relações sociais, as quais
subordinam, em grande medida, as formas organizativas do trabalho
pedagógico.
A partir da concepção que se tem configurado no discurso
“atendimento às necessidades educacionais especiais”, podemos
estar, segundo Garcia (2006), obscurecendo as relações de exclusão na
e da escola e colocando sobre os sujeitos a responsabilidade pelo seu
sucesso ou fracasso escolar, se considerarmos os alunos com
necessidades especiais
51
[...] todos aqueles que não acompanharem o trabalho pedagógico
encaminhado na escola regular. [...] cumpre lembrar o próprio
surgimento da educação especial, que se deu relacionado às
classificações e seleções dos alunos que não acompanhavam os estudos
na escola regular (GARCIA, 2006, p. 303).
52
implementação de políticas públicas para que alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação tenham garantido o acesso, a participação e
aprendizado nas escolas regulares (MEC, 2008). Esse documento, além
de definir os sujeitos a serem trabalhados pela educação especial,
também reforça os princípios e fundamentos das escolas inclusivas.
Outros documentos disparadores desse debate são: o Decreto Nº
6.571 (2008) que dispõe sobre o Atendimento Educacional
Especializado – AEE, a Resolução CNE/CEB Nº 004 (2009) que instituiu
diretrizes operacionais para esse atendimento e o Decreto 7.611 (2011)
que revoga o decreto anterior e dispõe sobre a educação especial e o
atendimento educacional especializado, entre outros.
A operacionalização dos serviços prestados pelas instituições
especializadas de educação especial, a partir da Resolução Nº 004
(2009), provocou uma mudança na organização do atendimento
educacional, de forma que tais instituições tiveram que se organizar
como Centro de Atendimento Educacional Especializado – CAEE, no
Estado do Espírito Santo.
Problematizando essa questão, encontramos em Baptista (2009),
questionamentos acerca dos possíveis resultados das atuais políticas.
Na análise sobre o movimento da elaboração da política de 2008, por
exemplo, o autor destaca apontamentos/temas que continuam como
eixos definidores do campo da educação especial e educação inclusiva.
Entre eles ressaltamos: o papel da educação especial na instituição de
processos inclusivos, considerando a dependência de mudanças no
ensino comum; a necessidade da definição de quem são os sujeitos da
educação especial; a definição dos serviços mais apropriados para o
suporte à inclusão; como deve ser oferecido o serviço na sala de
recursos e quais suas relações com a prática pedagógica da sala de
aula comum.
Diante disso, a atuação de uma equipe de gestão na organização
e coordenação dos espaços e tempos escolares, com vista à
construção e a implementação de práticas educativas que atendam
aos processos de inclusão, precisa provocar o engajamento político da
coletividade escolar no que concerne ao atendimento dos alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, seja no âmbito dos espaços da escola, seja
53
nas reivindicações de políticas públicas que garantam condições
concretas de trabalho.
Direta ou indiretamente, a presença desses alunos no contexto
escolar tem provocado “tensões”4 e desencadeado a necessidade de
organização de práticas de gestão – pedagógica e administrativa – que
considerem, cada vez mais, as diversidades histórico-culturais na
constituição dos sujeitos. Isso implica a construção de novos modos de
pensar a escola, bem como de organizar seus espaços e tempos. Trata-
se, no entanto, nos termos de Heller (1992), de uma situação
conflituosa e desconhecida, necessitando a superação da assunção de
papéis predeterminados no ato da gestão, pois “os ideais de um papel
conduzem tão-somente ao empobrecimento, à atrofia do homem.
Levam simplesmente a uma direção manipulada e mecanizada do
comportamento” (p. 97). Assim,
[...] quanto mais inédita for uma situação, tanto menos será possível
comportar-se diante dela conforme as prescrições de um papel que [...]
debilita-se do ponto de vista social geral nos casos em que, durante seu
decurso, produz-se uma situação conflitiva repentina e revolucionária
(HELLER, 1992, p. 107).
4 “Tensão” aqui pode ganhar, assim como nos termos de Meirieu (2005), a dimensão
de uma situação de oposição próxima ao conflito entre duas pessoas ou grupos de
pessoas, bem como pode ser interior e designar o estado de um sujeito submetido a
injunções contraditórias. Nesse caso, traduz-se por uma contração e pode conduzir o
sujeito a projetar-se para uma ação futura – tensão para.
54
ela deve ensinar a todos. Sem nenhuma reserva” (MEIRIEU, 2005, p.
44). Nessa direção, a Secretaria pretende “redimensionar o
atendimento educacional especializado nas unidades de ensino [...] a
fim de aprimorar as práticas pedagógicas e a discussão acerca da
educação inclusiva, no cotidiano das escolas” (VITÓRIA, SEME/SPP/
CFAEE – PLANO DE TRABALHO/2007, p. 2-3). Esse documento
apresenta como objetivos, entre outros:
5 Para uma melhor compreensão acerca dos pressupostos gerais que orientam a
política educacional implantada no município de Vitória (ES), em especial sobre
como foi pensada e implantada a educação dos alunos com necessidades
educacionais especiais, no período de 1989 até 2004, veja Gobete (2005).
55
De fato, o atendimento educacional especializado, via Laboratório
Pedagógico, fora implementado no município de Vitória (ES), no final
da década de 1990. Naquele momento, diante do crescimento (de
162%) de matrículas de alunos com deficiência, transtornos globais de
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no Sistema
Municipal de Ensino, a equipe de Educação Especial teve a tarefa de
elaborar uma política de Educação Especial “alinhada” aos
pressupostos da “educação para todos”. Partindo da compreensão de
que seria inviável equipar todas as 79 Unidades de Ensino, fora
constituído e implementado o Projeto Unidades-Polo. Desse modo,
sete Unidades-Polo foram criadas, uma em cada região administrativa
da Cidade de Vitória (GOBETE, 2005). A autora faz as seguintes
considerações sobre as Unidades-Polo:
56
espaço não pertence à escola onde está localizado e continua visto como
um espaço segregado da Educação Especial, ou seja, alimenta-se o
hábito da transferência da responsabilidade para com o aluno (GOBETE,
2005. p. 143).
57
[...] promover o acesso ao currículo escolar, o desenvolvimento do
talento, subsidiar, acompanhar, prover as ações pedagógicas das
unidades escolares e dos alunos que apresentam NEE, bem como mediar
ações de parcerias com instituições facilitadoras do processo inclusivo
(por exemplo, APAE, SEMUS, SEMAS, UFES, FAESA, UVV, entre outras),
em colaboração com a Equipe Central, as Unidades de Ensino e as
famílias (VITÓRIA/SEME/DEE, 2003, p.8).
58
Para a efetivação das ações pedagógicas no atendimento
educacional especializado, esse documento, assim como os Planos de
Trabalho dos anos subsequentes, prima pela necessidade do trabalho
colaborativo entre o professor especializado e o professor da classe
comum. Destaca ainda, conforme indicativos da política nacional
(BRASIL, 2006):
59
escolas, sem especificar o número de horas em cada escola – incluam-
se, aqui, os Centros de Educação Infantil. Além dessa definição, os
professores das áreas de surdez, deficiência visual (orientação e
mobilidade) e deficiência múltipla atuariam em caráter de itinerância.
Para os professores da área de altas habilidades/superdotação, a
localização de trabalho seria no Centro de Desenvolvimento do
Potencial e do Talento de Vitória (CEDET), desenvolvendo oficinas e
projetos de enriquecimento curricular e prestando assessoria às
escolas, sempre que necessário.
Sem especificar mais claramente as atribuições da equipe de
gestão escolar e dos professores especializados, os documentos
apontam para a pertinência de um trabalho colaborativo entre esses
profissionais, de modo a garantir os encaminhamentos para
diagnóstico dos alunos com indicativos de necessidade de apoio
complementar e suplementar na modalidade de educação especial.
Por fim, esses indicativos e os propósitos de formação continuada
previstos nos documentos supracitados corroboram as políticas de
governo da gestão da educação municipal de Vitória para 2005-2008.
A partir dos indicadores enunciados nas pesquisas e das
demandas identificadas nas ações em 2006, a Gerência de Formação e
Desenvolvimento em Educação (GFDE) aponta como política de
formação a ocorrência em diferentes espaços e tempos, quais sejam:
nas Unidades de Ensino, nos espaços coletivos interescolares
garantidos pela SEME e no Núcleo de Estudo de Pesquisa em Educação
(Nepe)9.
No que se refere aos processos de formação nas Unidades de
Ensino, esses devem ter como foco as problematizações, necessidades
e desejos dos profissionais. Sua organização e coordenação devem ser
definidas no coletivo da escola. Para isso a equipe de gestão deve se
articular com os profissionais no cotidiano escolar, bem como com a
SEME/GFDE para garantir tais processos de formação.
60
com continuidade e descontinuidade no enredo da vida cotidiana. Os
diversos movimentos que a escola engendra são implicados nas
relações sociais dos sujeitos, envolvendo suas particularidades,
individualidades e genericidade. Consideramos que esses movimentos
precisam estabelecer constantes diálogos com os órgãos centrais dos
sistemas de ensino na implementação de políticas públicas para a
educação, mais especificamente, para a educação especial. Como
vimos, uma das grandes tensões que vivemos no cotidiano escolar
vincula-se a essas políticas. O atendimento às condições concretas de
funcionamento da escola depende de relações estreitas com as ações
dos órgãos centrais de ensino.
Há que se considerar que, articulada à esfera da vida cotidiana,
existe uma esfera não cotidiana da vida que, no movimento dialético,
se dissimula e se expressa, como, por exemplo, a política, a economia
e a ciência (LEFEBVRE, 1968; HELLER, 1992). Diante desse movimento
dialético, as ações dos profissionais das escolas, mais especificamente,
das equipes de gestão precisam, criticamente, articular suas decisões e
escolhas no cotidiano aos projetos políticos pensados e elaborados
nas esferas não cotidianas da vida escolar.
Referências
61
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2001, institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica. Brasília: CNE/CEB, 2001b.
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Resolução 01/2006, de 15 de maio de 2006, institui as Diretrizes
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CNE/CP, 2006.
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Especial. Direito à educação: subsídios para a gestão dos
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HELLER, Agnes.O cotidiano e a história. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e
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LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São
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62
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SEME/SPP/GFDE – Gerência de Formação e Desenvolvimento em
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Coordenação de Formação e Acompanhamento à Educação Especial,
2007.
VITÓRIA. Plano de trabalho-2008/2009. Vitória, Es: SEME/SPP/CFAEE –
Coordenação de Formação e Acompanhamento à Educação Especial,
2008.
63
64
A CENTRALIDADE DA ESCOLA NA REFORMA EDUCACIONAL
DOS ANOS 1990
Introdução
65
conseguinte, ganhos de produtividade e qualidade, por meio do
”princípio da integração” (que indica as possibilidades da participação
nas estruturas organizacionais como forma de mudança do “clima” da
organização.
Nesse “estilo de gestão”, a participação é inscrita no conjunto das
teorias conservadoras, em que significa integração e colaboração e não
necessariamente tomada de decisões. Não implica poder. O “projeto
pedagógico”, a “autonomia” e a “comunidade educativa” estariam
assim consubstanciando uma nova forma de gestão. A autonomia das
escolas, para Lima (2001, p.124):
66
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) lei 9394, de 20
de dezembro de 1996 e no conjunto da legislação que lhe dá suporte e
lhe reinterpreta.
A LDB 9394/96, estabelece no art 12 que: “os estabelecimentos de
ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino,
terão a incumbência de”:
67
Informática na Educação – PROINFO, Programa Nacional do Livro
Didático, Programa Nacional Saúde do Escolar e TV Escola.
Além desses projetos que se focam na escola, é preciso
acrescentar aqueles que, direta ou indiretamente, chegaram a escola,
fruto de acordos com o Banco Mundial, como: BM, como o Pró-
Qualidade, FUNDESCOLA, “Educação Básica para o Nordeste” e
“Municipalização do Estado do Paraná”.
Observando a legislação e os diversos programas nacionais, sob o
controle do governo federal, evidenciou-se a centralização da esfera
federal sobre o controle de aspectos essenciais da política educacional
brasileira, pois a estrutura subnacional, foi considerada ineficiente à
época. A esfera federal passa a assumir parcela decisória das esferas
estaduais e municipais.
68
nos dois governos foi diferente, e, de certa forma dialoga com as
vertentes abaixo apresentadas.
Dentre a variada gama de propostas para a autonomia da escola,
é importante separar duas, que se sobressaem devido às suas
características. A primeira está ligada à visão mais operacional e
administrativa da autonomia de Mello (1992) e a segunda tem como
ponto de partida a democratização da educação e assenta-se sobre a
educação popular, como destaca Gadotti (1992).
Mello (1992) ao abordar a questão da descentralização e
autonomia da escola, resgata as pesquisas em educação que apontam
para uma maior eficiência quanto aos resultados da escola. Essas
pesquisas mostram que os processos internos da escola são
determinantes para o sucesso das políticas educativas.
A autora, ao contextualizar a autonomia da escola, evidencia que
a força que remete ao local, ou seja, à unidade escolar, está ligada ao
processo maior de reestruturação produtiva, que “valoriza e fortalece
as unidades que executam as atividades-fim das grandes
organizações”, como expresso abaixo:
69
[…] a existência de um sistema externo de avaliação de resultados,
aferidos pela aprendizagem dos alunos de conteúdos básicos e comuns,
como estratégia para evitar a fragmentação; mecanismos de
responsabilidade e prestação de contas pelos resultados alcançados;
ações de compensação das desigualdades que impeçam possíveis
efeitos regressivos da descentralização (p.138).
70
e desempenho, eliminando com isso a burocracia, o clientelismo e o
centralismo estatal.
O conjunto das propostas depositava na educação a tarefa de
transformar a realidade. Como na década de 60 serviu-se da Psicologia
Social, na década de 90 “[...] busca-se nas teorias organizacionais
(relacionadas às inovações administrativas ocorridas no setor privado)
a orientação para fazer com que a educação no país entre no século
XXI” (WEBER, 1993, p.23).
Tal como expresso por Mello (1992), os parâmetros estabelecidos
para descentralizar as instâncias centrais e autonomizar a escola, não
entram na especificidade da unidade escolar, mas transferem
responsabilidades técnicas, principalmente pela aferição de resultados
e quanto ao compromisso de qualidade.
Ao mesmo tempo, dadas as características da “descentralização-
centralizada”, a responsabilidade é colocada na atividade-fim (que é
onde ocorre o processo) pactuada por um projeto de escola.
A base da proposta de autonomia da autora foram as reformas
educacionais ocorridas na Europa, objetivando transferir o poder de
decisão para a escola, que tem como fundamento “[…] a capacidade
de elaboração e realização de um projeto educativo próprio em
benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes
no processo educativo” (p.120).
Moacir Gadotti (1992) ao abordar as reformas educacionais que
ocorriam no continente europeu, destaca a descentralização e a
autonomia da escola, concluindo que “esse parece ser o caminho
irreversível da atualidade“ (p.43). Porém, ressalta que não se podem
fazer mudanças no sistema de ensino sem um projeto social.
O mesmo autor indica mudanças provocadas pelo princípio da
Gestão Democrática da escola, e da necessidade de um conjunto de
medidas políticas que objetivem a participação e a democratização das
decisões. Pressupõe: a autonomia dos movimentos sociais e de suas
organizações (face à administração pública e à possibilidade de fazer
alianças e parcerias); a abertura de canais de participação pela
administração para que a tomada de decisões não se efetue em bases
tecnocráticas dos laudos técnicos (que, muitas vezes não
correspondem à realidade); a transparência administrativa,
democratizando as informações à população dos ordenamentos que
regem a administração pública. Ao mesmo tempo, a implantação dos
71
conselhos de escola necessita constituir uma estratégia clara da
administração central.
Propõe uma “escola pública única”, ou seja, uma escola pública
universal, mas multicultural, que garanta um padrão único de
igualdade, e ao mesmo tempo, respeite a diversidade local, onde o
popular se insere no público, unindo o nacional e o regional “[...]
ultrapassando a escola nacional e estatal para chegar à escola
popular” (GADOTTI,1992, p.55).
O projeto de escola autônoma proposto, em linhas gerais,
estabelece alguns princípios expressos no seu famoso “Decálogo da
Escola Cidadã” e na proposta de um sistema único e descentralizado.
Quanto à administração desse sistema único, propõe apoiar-se
em quatro grandes princípios, destacados abaixo:
I Gestão democrática – as eleições para representantes deveriam
ser mínimas, para evitar criar um corpo burocrático de representantes.
Além disso, a função de secretário de Educação seria substituída pela
de superintendente das escolas, que ficariam encarregados também
de tarefas como planejamento e capacitação dos trabalhadores.
Haveria também regras democráticas para elaboração de orçamento e
execução do mesmo por parte das escolas. Esse sistema supõe:
72
III Autonomia da escola – cada escola deveria construir seu
projeto político- pedagógico, mas sem isolamento e com unidade e
capacidade de comunicação.
Escola não significa, por sua vez, um prédio, um único espaço ou local,
significa um projeto, uma ideia que pode associar várias” unidades
escolares” ou prédios, superando o temido problema da atomização do
sistema de educação. Escola e governo elaborariam conjuntamente as
políticas educacionais (p.66).
Não pode ser um ato formal e executado por técnicos externos à escola
apenas. Deve envolver a comunidade interna (alunos e professores), a
comunidade externa (pais, comunidade) e o poder público. Assim, o
princípio da avaliação remete ao primeiro princípio, o da gestão democrática
(p.66).
73
Ao contrário, a experiência demonstra que a participação é fruto de um
processo de gradativa liberação de esquemas individualistas, paternalistas,
burocráticos e não ocorre espontaneamente em uma sociedade como a
nossa, cuja tradição é mais de antiparticipação do que de envolvimento
efetivo e autêntico das pessoas (p.71).
74
Em linhas gerais, o processo de reforma educacional ocorrida no
Brasil nos anos 90 do século passado não contemplou o amplo e
aberto discurso com a sociedade civil e entidades de classe, e
outorgou-se um projeto pontuando interesses os governamentais os
compromissos por ele assumidos com institutos multilaterais.
Porém, houve resistência as medidas, por meio das diferentes
entidades cientifico-acadêmicas da área educacional, como a Anped,
Anpae, Anfope, Forundir, Cedes e tantas outras, que abriram espaço
para a discussão crítica, reagindo a outorga.
No contexto de reforma do Estado brasileiro, certos elementos
das propostas de autonomia foram incorporados à reforma
educacional dos anos 90 sendo apropriados pelo conjunto da
educação brasileira.
Considerações finais
75
REFERÊNCIAS
76
compromissos. Ferreira, N. S. C.; Aguiar, M. A. S. (Orgs.) 2.ed. São
Paulo: Cortez, 2OO1. p. 129-145
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Brasília: plano, 2000.
WEBER, Silke. Democratização e descentralização: políticas e práticas.
RBAE, Brasília, v. 9, n.2 . pp.9-25, jul./dez.1993.
77
78
O PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
79
instaurada na década de 1960 e que se estendeu até meados da
década de 1980. Neste período entre governos civis e militares
prevaleceram regimes autoritários, centralizadores, ditatoriais.
Ressaltamos assim que as ditaduras não foram práticas só de governos
militares, mas também civis, que governaram através de decretos e de
políticas tecnocráticas, centralizadoras. Esta formação social, cultural e
a organização política marcada por esta estrutura desigual, de
dominação forjou a constituição de uma forma de Estado que é a
patrimonialista, pautada na validez de relações de autoridade e de
dominação, enquanto “probabilidade de encontrar obediência para
ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de
pessoas” (WEBER, 2000, p. 139).
Tudo isto, aliado a outras questões sociais e culturais, e ainda ao
nosso modelo de democracia representativa, nos fez um povo de
pouca tradição de participação, de vivência democrática, de
mobilização, de organização de movimentos sociais, assim, as
experiências que tivemos foram abortadas. A cultura política
autoritária predominou, intercalada por ensaios de democracia, o que
acabou por gerar outro problema –a ausência da noção de cidadania,
no sentido pleno do direito, por que “a exclusão oficial do indivíduo,
não reconhecido como membro de pleno direito do grupo social em
que desenvolve sua existência, modela sorrateiramente seu perfil
opressivo nesse modelo adoçado de participação limitada”
(GORCZEVSKI E MARTIN, 2011, p. 10). Daí a Política, o planejamento das
políticas, não é considerada direito, mas favor, benevolência, que
“vem” dos poderes constituídos, e, a participação no estabelecimento
destas políticas é inimaginável, reforçando assim o caráter
tecnocrático e centralizador no ato do planejamento, que acaba se
configurando como um “processo que começa e termina no âmbito
das relações e estruturas de poder” (IANNI, 1995, p. 309).
Mas ao longo da história, o planejamento das políticas sempre se
estabeleceu da mesma forma? Sabemos que não, uma vez que a cada
etapa de evolução do sistema capitalista corresponde uma
determinada forma de Estado e a cada modelo de Estado corresponde
uma forma de planejamento. Santos (2005) aponta que é interessante
observar nos diferentes períodos históricos a inter-relação entre três
princípios que constituem o pilar da regulação, que são o princípio do
estado (política), o princípio do mercado (economia) e o princípio da
80
comunidade (cidadania), tendo em vista que a relação destes
princípios está diretamente ligada à constituição do sistema capitalista,
ao modelo de Estado e as formas de planejamento.
O Estado Liberal configurado a partir da segunda metade do
século XIX na Europa, e América, ocasionou modificações de ordem
econômica, política e sócio-cultural, e fez surgir um novo sujeito do
poder social, um novo meio social, uma nova ordem econômica, uma
nova racionalidade, um novo poder que expressa e justifica o domínio
das classes burguesas na sociedade moderna (HORTA, 1985). O
Liberalismo promoveu um “desenvolvimento sem precedentes do
princípio do mercado, na atrofia quase total do princípio da
comunidade, e, no desenvolvimento ambíguo do princípio do Estado
sob a pressão contraditória dos dois movimentos anteriores”
(SANTOS, 2005, p. 81). Neste caso há uma forma de intervenção que é
dispersa e não sistemática, tópica, localizada, para superar crises
bloqueadoras do curso normal da história, ou seja, um
intervencionismo simples. O Estado exerce assim uma função
reguladora do curso considerado normal do capitalismo, havendo uma
precedência do econômico no estabelecimento das políticas.
O Estado intervencionista configurado no final do século XIX teve
seu pleno desenvolvimento nas primeiras décadas do século XX depois
da segunda guerra mundial, em 1945. É reconhecido por estabelecer
uma acentuada intervenção estatal na economia e pelo fortalecimento
do poder dos técnicos, no que tange ao planejamento das políticas.
Neste modelo há o reconhecimento da ideia dos “direitos sociais”, a
expansão do princípio do mercado, a rematerialização das práticas
sociais, e por consequência do princípio da comunidade, uma vez que
as políticas de classe ganham forte conotação neste modelo político,
assim como o Estado, que passa a ser um agente ativo das
transformações sociais, políticas e econômicas, e a intervenção, neste
caso, é permanente e sistemática até os limites comportáveis do
capital resolver problemas criados pelo seu próprio desenvolvimento e
corrigir disfunções.
No Brasil, um exemplo típico desta forma de Estado, é o período
compreendido entre a instauração do regime militar em 1964 até
meados da década de 80, em que se pode observar uma forte
intervenção estatal revelada através da centralização do poder, de
administrações autoritárias e de formas de planejamento de cunho
81
burocrático, tecnocrático e vertical, constituindo uma época de forte
planificação das políticas públicas.
O Estado Neoliberal teve sua configuração no final da década de
1970, momento em que o princípio do mercado ganhou uma pujança
sem precedentes, ocorrendo o extravasamento do econômico, que
colonizou o princípio do Estado e da comunidade. Neste contexto
observamos a neutralização da capacidade de regulação da economia
pelo Estado, o surgimento de mecanismos corporativos de regulação
dos conflitos entre capital e trabalho e a flexibilização e automatização
dos processos produtivos. O Estado Nacional perde a capacidade de
regular as esferas da produção, minimiza sua ação no campo das
políticas sociais, vai sustentar o padrão de acumulação privada de
capital, exercendo uma função reguladora, ocorrendo a desregulação
global da vida econômica, social e política. O princípio da comunidade
sofre uma rematerialização em relação ao período anterior, pois vai
haver um enfraquecimento dos movimentos sociais organizados e o
surgimento de novos movimentos sociais e dinamismos locais
(SANTOS, 2005a). E o momento que passamos a viver tornou-se um
convite ao individualismo, ao isolamento. O que se prega é a busca de
solução de problemas individuais em detrimento do social. O Estado
passa a ter uma forma de intervenção mínima.
O discurso que vai prevalecer é o da necessidade de superação do
Estado patrimonial e burocrático pelo Estado gerencial, justificado
pela crise na pública decorrente da incapacidade administrativa e
financeira, apontando assim para a necessidade de reestruturação da
administração pública, segundo o modelo da iniciativa privada e regida
pelas leis de mercado. O enfoque sistêmico, a administração eficiente
e o uso de tecnologias levariam à qualidade total dos serviços
prestados, ou seja, é a ênfase na eficiência (economia de recursos), na
eficácia (adequação do produto) e na excelência e qualidade total para
levar o sistema a corresponder às necessidades do mundo atual.
Para isto se faz necessário usar o procedimento correto, racional,
científico, diagnosticar a realidade para evidenciar os problemas,
implementar o planejamento, selecionar os meios, elaborar os
objetivos operacionais, controlar o processo, avaliar o produto por
meio de técnicas adequadas e retroalimentar o sistema. Era
necessário, pois, a busca da racionalização do trabalho, o controle do
processo produtivo e o aumento da produtividade. O que vamos
82
observar neste momento é a tentativa de vincular a educação ao novo
paradigma produtivo, denominado de neotecnicismo, que é o discurso
do racionalismo econômico, do gerenciamento/administração privado
como modelo para o setor público. Não podemos deixar de salientar a
oscilação neste momento entre “a construção de uma proposta
nacional e as demandas oriundas do campo internacional” (FERREIRA
e FONSECA, 2011, p. 76). O planejamento assume assim, a característica
de racional ou gerencial, em virtude da reorganização do modelo de
Estado e do sistema econômico, que passa a demandar a
descentralização das políticas.
83
modalidades da educação básica, programas de formação de
professor e de gestão da escola, mudanças no sistema federal de
ensino, incluindo a educação profissional e superior, alteração na
política de financiamento e outras.
Interessa aqui destacar entre as políticas consolidadas o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Plano de Ações Articuladas
(PAR) propostos em meados de 2000, pois ambos se caracterizaram
como uma tentativa de descentralização administrativa. O primeiro era
constituído de 30 metas, sendo 17 voltadas para a Educação Básica,
que visavam enfrentar o desafio de melhoria da qualidade da
educação nacional e consolidar o regime de colaboração no sentido de
contribuir para a equalização da oferta educacional, proporcionar aos
entes federados maior autonomia e integrar um conjunto de
programas dando mais organicidade ao sistema nacional de educação
(FERREIRA e FONSECA, 2011).
Dois elementos são importantes neste plano, o primeiro
relacionado a uma dimensão técnica é o aperfeiçoamento do sistema
nacional de avaliação “construídos a partir de indicadores do
aproveitamento dos alunos e expressos em provas aplicadas
nacionalmente”, institucionalizando o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica. A outra dimensão, a financeira está relacionada à
mudança da política de financiamento da educação básica através do
Fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e
valorização do magistério (FUNDEB), bem como o financiamento de
programas voltados à melhoria da qualidade da educação (SAVIANI,
2007, p. 1245). Entretanto, muitos estudos apontam para a
permanência de um modelo centralizado de financiamento e a
permanência do repasse de atribuições e responsabilidades aos entes
federados para a consecução das metas estabelecidas nestes planos
(FERREIRA e FONSECA, 2011).
As questões referentes ao regime de colaboração são a tônica
destes dois planos. O PAR vai se constituir no
84
apoio escolar, práticas pedagógicas e avaliação e infraestrutura física e
recursos pedagógicos. Para participar do PAR os municípios assinaram
um termo de adesão, “Compromisso Todos pela Educação”, conforme o
estabelecido no Decreto no 6.094/2007. O compromisso recebeu a
adesão de todos os 26 estados e do Distrito Federal. Aderiram 98% dos
municípios brasileiros (FERREIRA e FONSECA, p. 85, 2011).
85
dogmáticas desprovidas de compromisso com os reais interesses da
população.
No caso do planejamento das políticas públicas no campo da
educação, ou seja, o planejamento educacional tem que primar pela
excelência pelos condicionamentos descritos acima, pois a educação é
um campo eminentemente político, e o planejamento não pode
prescindir desta dimensão. “É preciso insistir neste pressuposto para
mostrar que competência, racionalidade e eficiência não são
incompatíveis com democracia” (KUENZER, 1999, p. 79).
Horta (1985, p. 195) defende que
86
minimamente garantia alguns direitos sociais através de políticas
públicas, temos um Estado que vem cumprindo um papel de regulador
das relações econômicas, políticas e sociais, ou seja, que vem
garantindo condições para que o modelo econômico instituído
permaneça em funcionamento, proporcionando enfim, condições para
a consolidação de um sistema hegemônico ditado pelo capital privado,
através de organismos internacionais. Com isso queremos dizer que as
transformações vêm se dando em escala mundial.
Por outro lado, tivemos transformações no campo econômico,
entre as quais podemos citar a reestruturação produtiva, a mudança
no perfil do trabalhador e as exigências de uma nova e constante
formação, o fim de grandes corporações responsáveis desde a
extração da matéria prima até o produto final, a flexibilização da
produção e das relações de trabalho, entre outras.
As transformações políticas em consonância com as
transformações econômicas culminaram ainda, em processos que
resultaram em privatizações, terceirizações, desregulamentação das
relações de trabalho, que acabaram por diminuir o poder e ação dos
sindicatos dos trabalhadores, e, a formação de grandes blocos
econômicos que paulatinamente vem cumprindo com o papel político
do Estado.
Como consequência das transformações políticas e econômicas,
temos as mudanças no campo social. Por que motivos, o campo social
está relacionado com o econômico e o político? Santos (2005) nos
indica o princípio da comunidade, como um elemento na constituição
da vida social e do próprio Estado. É interessante observar, que as
transformações apontadas têm instituído um novo jeito de ser e de se
estabelecer relações sociais e de nomear a realidade. Destaca-se que
de todas as transformações ocorridas, a mudança dos sentidos, dos
significados e dos discursos que culminam na mudança das práticas
sociais, são o cerne do projeto neoliberal que ganhou corpo no Brasil a
partir da década de 1990, porque,
87
O fato é que, o assalto neoliberal ao social se apoia em uma série
de estratégias: deslocamento das causas, culpabilização das vítimas do
sistema social, despolitização e naturalização do social, demonização
do público, apagamento da memória e da história e recontextualização
(SILVA, 1996).
Assim, “palavras de ordem”, “bandeiras” de lutas democráticas,
e alguns conceitos vão sendo incorporados ao discurso neoliberal,
depois de metamorfoseados, instaurando um processo de recriação de
termos que passam a reproduzir e a redefinir o social, o político, o
econômico e, no caso específico aqui tratado, o educacional. Assim,
palavras como: gestão democrática, autonomia, qualidade,
descentralização, competência, misturam-se a novas criações –
“flexibilidade, nova ordem mundial, globalização, reestruturação,
desregulamentação – para compor um quadro no qual os propósitos e
as estratégias dos grupos dominantes parecem constituir um destino
social não apenas desejável, mas natural e inevitável” (FRIGOTTO,
1996, p. 83).
Neste contexto a educação, é analisada, pensada e praticada a
partir de um viés economicista, a partir de critérios próprios do
mercado, sendo a escola comparada a uma empresa e o processo
ensino-aprendizagem resumido a um conjunto de insumos, com
resultados previsíveis e pré-estabelecidos. O que podemos observar é
que a “concepção tecnicista de educação que alcançou grande vigor
no pensamento educacional da década de 1970, criticada e rebatida na
década de 1980, retorna sob nova roupagem no quadro das reformas
educativas em curso” (FREITAS, 2002, p. 144).
Assim, os modelos de planejamento e de educação que estão
sendo implementados, têm sua lógica pautada em alguns princípios,
entre os quais: qualidade total, com o significado de combate a todas
as formas de desperdício e ineficiência, daí o discurso da
produtividade, da avaliação e da racionalidade, devendo as escolas se
organizar à semelhança de grandes empresas; meritocracia;
individualismo, onde cada um é responsável por cumprir seu papel
para garantir a eficiência do sistema; pedagogia, como gestão
educacional, que adquire uma ênfase na uma dimensão empresarial.
Enfatizam-se os aspectos administrativos e intraescolares em
detrimento dos aspectos pedagógicos e de ordem social, política e
econômica.
88
Assim, o que se constata é uma série de reformas no sentido de
enquadrar as políticas para a educação em uma estratégia de
recuperação de custos a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional 9394/96 e de uma série de decretos,
projetos e programas, buscando-se reestruturar as políticas para a
educação. O que precisamos então fazer para superar esta lógica no
planejamento da educação?
Uma questão importante a ser considerada é que no processo de
planejamento as demandas das escolas, dos órgãos de ensino, da
realidade e do tempo histórico devem se constituir no sentido deste
planejamento - seu objetivo principal, por que são estas demandas que
devem orientar o trabalho educativo e o estabelecimento das políticas
públicas no campo da educação. Trata-se de fazer um caminho inverso
no que tange ao estabelecimento das políticas públicas, ou seja, fazer
com que estas surjam das necessidades das escolas, dos anseios dos
profissionais, dos alunos e dos pais, e, não a partir do planejamento de
técnicos especialistas.
O ato de planejar deve, pois, se constituir como troca,
reciprocidade, construção coletiva. Todos envolvidos com a educação
devem se empenhar na condução deste trabalho. Com isto queremos
apontar que é possível, fazer um trabalho potencializador das
experiências vividas nas escolas. O projeto político pedagógico das
escolas que apontam as demandas das instituições, as experiências
que ocorrem nas escolas, as necessidades, expectativas dos
professores e alunos podem ser propulsores de políticas públicas.
Cabe dizer que muitas vezes essas experiências sequer são
reconhecidas e legitimadas, daí a ideia muito comum na sociedade,
inclusive entre os profissionais da educação, de que nas escolas não se
produz nada, de que nada acontece. É a razão indolente que produz as
ausências, que desperdiça as experiências, que cria o sentimento de
impotência e determinismo (SANTOS, 2004).
Pensamos estas questões no sentido de reorientar ou de
reconduzir as políticas públicas no campo da educação e de qualificar e
potencializar os projetos desenvolvidos pelas/nas escolas, por que,
tomando as questões políticas, econômicas, históricas, culturais,
descritas no início, há que se ter o cuidado ao planejar de não
comprometer apenas os entes federados estaduais e municipais e a
própria escola e seus profissionais como os responsáveis pela
89
execução das políticas e pelo ônus da qualidade dos serviços que são
prestados. Não se trata de apenas redistribuir as competências e
responsabilidades, mas de imprimir uma construção coletiva no ato do
planejamento. Não se trata de em nome da autonomia das escolas e
dos professores relativizar ou desresponsabilizar o Poder Público em
relação à oferta da educação como um direito de todos. Cabe ao
Estado garantir condições de tempo, espaço e estrutura para a
potencialização do trabalho educativo. A garantia de condições para
que o trabalho educativo aconteça como produção, criação,
inventividade, prazer, pesquisa, enfim, como uma obra que está sendo
produzida é tarefa do Estado.
Trata-se, pois da desconstrução da lógica da racionalidade
dominante que impera historicamente no planejamento, para então
reconstruir e revitalizar as possibilidades oriundas das inesgotáveis
experiências educacionais, culturais e sociais que estão em curso nas
instituições de ensino, no sentido de qualificar e potencializar o
estabelecimento das políticas públicas. É preciso, enfim, fazer da
organização do trabalho destas instituições, uma construção cotidiana
com a participação de todos os sujeitos que formam a comunidade
escolar, e forjar um movimento coletivo que conduza ao
extrapolamento dessas experiências para fora dos muros escolares,
para que as demandas sejam o direcionamento das políticas e não o
contrário como vem acontecendo.
Referências
90
HORTA, José Silvério Baia. Planejamento educacional. MENDES,
Durmeval Trigueiro. Filosofia da educação. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1985.
IANNI, Otávio. Estado e planejamento econômico no Brasil. 5. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
KUENZER, Acácia; CALAZANS, Maria Julieta; GARCIA, Walter.
Planejamento e educação no Brasil. São Paulo: Cortez, 1999.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma sociologia das ausências e
uma sociologia das emergências. SANTOS, Boaventura de Souza (org.).
Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as
ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004.
_______. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.
10ª ed., São Paulo: Cortez, 2005.
_______. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 5ª ed., São Paulo: Cortez, 2005 a.
SAVIANI, Demerval. O Plano de desenvolvimento da educação: análise
do projeto do MEC. Educação & Sociedade. Campinas, vol. 28, n. 100,
p. 1231-1255, out. 2007.
SILVA, T. T. O projeto educacional da “nova” direita e a qualidade total.
Universidade e Sociedade. Brasília: ANDES, Ano VI, n. 10, jan. 1996, 82 –
89.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora UnB, 2000.
91
92
GESTÃO E AVALIAÇÕES SISTÊMICAS
93
A ênfase na questão da avaliação ganha novo fôlego, com a adoção na
década de noventa, das políticas públicas de avaliação. Essas políticas, ao
privilegiarem a preocupação com o produto, num viés positivista,
geraram um confronto com o encaminhamento teórico, à luz do qual
vem sendo tratada a avaliação, numa visão contemporânea. (p. 13).
94
(BRASIL, 1988). Assim, a partir dos resultados destes exames nacionais
se realiza o que prevê a legislação que considera como papel do
Estado estabelecer diretrizes e objetivos mínimos para o currículo e
controlar sua execução. Entretanto, é preciso indicar que a realização
de exames gerais uniformizados tomados como avaliação de sistemas
de ensino pode levar ao estreitamento do currículo e à destituição dos
sujeitos escolares de sua tarefa de maior responsabilidade e nobreza:
elaborar currículo.
Na perspectiva do Estado a avaliação do ensino que se pratica na
avaliação sistêmica compõe a política pública de avaliação e visa avaliar
políticas educacionais. Mas, é importante reafirmar o que já explicitei
noutro texto (SILVA, 2011): Avaliação não é Exame!
Porém, considerando o exame realidade efetiva é importante que
a avaliação do ensino pretendida seja capaz de fazer com que os
resultados de desempenho de estudantes se relacionem direta e
dialeticamente com a avaliação global da escola – a Autoavaliação
Institucional – formando um todo avaliativo coordenado pela gestão
da escola. Nesta perspectiva seria apropriado do ponto de vista
educacional que somente a escola e os órgãos do sistema tivessem
acesso às informações destes exames, ao menos num primeiro
momento, e tomassem decisões saneadoras quando fosse o caso. Em
suma, se advoga que os exames gerais uniformizados não são capazes
de captar a complexidade dos processos constitutivos do ensino e
característicos da instituição escolar que compõe o sistema de ensino,
mas podem ajudar a escola em sua Autoavaliação Institucional – AAI –
que se constitui como atividade de gestão pedagógica.
95
Buscando aproximação com o emblemático conceito pode-se
concluir com Licínio Lima (2008, p. 86) que a escola não é “mera
colecção de indivíduos e de grupos [...] de objectivos e estratégias, de
meios e de fins, de alunos e professores” ou mero “conglomerado de
classes ou salas de aula, ou simplesmente um agregado de relações
entre professores e alunos [...]”, também não é mero “reflexo” das
decisões tomadas em instâncias estranhas a seu cotidiano. A escola se
constitui em processos pedagógicos complexos de pelo menos três
origens ou ângulos que se complementam: a sala de aula como
expressão de micro decisões e ações, a própria escola como expressão
de meso decisões necessárias ao seu funcionamento organizado e
macro decisões expressas em normas para o sistema de ensino que a
envolvem e incluem. Em suma, caracterizar a escola requer considerar
suas dimensões, contornos, possibilidades criativas e limites de ação,
mas principalmente entende-la como instituição social dinâmica e em
movimento, uma “organização em ação” (LIMA, 2008), aonde
conflitos de interesse relacionados às interfaces que abarca têm lugar
cotidianamente.
A organização de ações coordenadas destinadas a perseguir o
objetivo da existência da escola tem na Gestão Escolar seu maior
responsável. Esta, porém, se liga historicamente a figura do/a Diretor/a
e as relações de poder e mando. Mas a gestão da escola envolve várias
outras personagens (professores/as, funcionários/as, pais/mães,
estudantes etc), dimensões e obedece a regras. Libâneo e
colaboradores (LIBÂNEO et. all. 2003) indicam alguns pontos para
caracterizar a gestão explicitando seus contornos e interfaces que
merecem destaque: a) Planejar a fim de coordenar meios necessários
ao alcance de objetivos; b) Organizar recursos físicos, materiais,
financeiros e coordenar esforços humanos com vistas aos objetivos; c)
Dirigir, coordenar e orientar o trabalho dos membros da equipe; d)
Avaliar acompanhando e controlando o funcionamento da instituição.
O funcionamento organizado e eficaz da escola realizando o
conjunto de atividades apresentado depende de planejamento, porém
no alcance dos objetivos faz diferença a forma como se planeja e se
executa o que se planejou – autônoma e democrática ou centralizada e
heterônoma –, também interfere no processo a experiência docente
da pessoa responsável: gestor/a. A função de gerir a escola requer
preparo e conhecimento técnico dos elementos indicados
96
anteriormente (LIBÂNEO et. all. 2003), mas requer fundamentalmente
que se tenha claro a interdependência entre a sala de aula, o coletivo
da escola e o sistema que a abrange. A escola não é uma organização
independente nem da sociedade em que se insere nem do sistema de
ensino que a abarca e deve, a partir da assunção desta natureza,
dialogar com sua comunidade de inserção, seus sujeitos e interesses,
conhecimento universal sistematizado e as relações de poder que
envolvem e são geradas no processo.
97
O Que é Sistema?
98
de Estado. E, no caso brasileiro, com distribuição desigual de
competências e responsabilidades, em suas instâncias federadas:
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Pois, a Constituição
Federal de 1988 estabelece em seu art. 211 que “a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de
colaboração, os seus sistemas de ensino”.
Em termos práticos veja como a norma organizativa dispõe sobre
composição e caracterização de um Sistema de Ensino de Estado:
99
Para responder a questão se faz necessário entender o que se
tem denominado avaliação sistêmica5 e por avaliação de larga escala.
Inicialmente é importante demarcar que são coisas diferentes e a
Avaliação de larga escala não pode ser considerada como avaliação de
sistema, pois focando o desempenho de estudantes fornece
elementos parciais para a avaliação de escolas e redes.
A prática da avaliação de larga escala se generaliza a partir da
década de 1990 com a instituição dos processos tipo SAEB – Sistema
de Avaliação do Ensino Básico –, mas desde os anos 1970 se podem
encontrar iniciativas neste sentido que vão servir de base para a
construção, no final dos anos 1980, de um Sistema Nacional de
Avaliação ancorado na avaliação de larga escala dos resultados de
desempenho de estudantes como ferramenta de regulação da
Educação Básica (FREITAS, 2007). Neste contexto o Espírito Santo
também criou seu Programa de Avaliação da Educação Básica do
Espírito Santo – PAEBES – que desde o ano 2000 vem funcionando
com o objetivo de avaliar o sistema de Ensino do Espírito Santo. Assim,
parece adequado concluir que os órgãos de Estado responsáveis por
gerir o ensino têm entendido que avaliação em larga escala se
caracteriza como exame realizado de modo amostral ou universal com
objetivo declarado de verificar o funcionamento e a qualidade dos
produtos do sistema de ensino: a aprendizagem dos estudantes.
Parece correto pensar que ninguém em sã consciência poderia
defender a ideia de que é pelos resultados se conhece o processo, mas
que aqueles podem fornecer indicações gerais e imprecisas acerca
deste. Entretanto, do ponto de vista prático o que tem acontecido é a
divulgação dos resultados de desempenho de estudantes das escolas
nestes exames como representativo da avaliação do fazer da escola e
do sistema de ensino sem atentar para outros fatores imprescindíveis
num processo de avaliação sistêmica.
Os exames têm encontrado materialidade como testes de
desempenho amplamente divulgados. Não se pode desprezar este
instrumento, mas ficar atento ao risco da burocratização do processo
100
avaliativo com sua utilização, pois seus fundamentos teóricos
ancoram-se em princípios epistemológicos e metodológicos oriundos
nas ciências naturais de influência positivista e neopositivista.
Domingos Fernandes (2009, p. 86) indica alguns limites destes
procedimentos:
1. Avaliam um leque relativamente estreito das competências
previstas no currículo.
2. Tendência a fracionar o conhecimento, assumindo a
independência e não a interdependência dos objetivos
educacionais.
3. Tendência a centrar-se em objetivos de processos algorítmicos ou
de procedimentos rotineiros e menos no uso de processos
complexos de pensamento, porque se pressupõe incorretamente
que os alunos só podem resolver problemas de certos graus de
complexidade depois de poderem resolver problemas muito
simples.
4. Podem fornecer informações pouco válidas e pouco confiáveis
acerca do que se pretende avaliar.
Importante destacar que dentre os limites apontados há uma
linha geral de questionamento sobre a procura da quantificação de
conhecimentos, comportamentos, atitudes ou capacidades
observáveis. Neste caso se pretende representar num sumário os
resultados obtidos numa situação educativa. Ou seja, traduzir em
números/índices a distância que determinado/a aluno/a ficou da meta
(SILVA, 2011).
Afirma Sousa (2000) que a avaliação de sistemas deve se
constituir com dois focos: “o primeiro refere-se aos resultados do
sistema, as habilidades e competências adquiridas pelos alunos em
determinada séries escolares, e o segundo trata das condições
oferecidas para alcançar esses resultados” (p.113).
As denominadas avaliações de larga escala que visam oferecer
informações acerca do desempenho de redes e das unidades desta a
partir dos resultados obtidos pelos/as estudantes em exames tem sido
postas em xeque e debatidas no meio acadêmico e esferas de governo
com argumentos de vários ângulos. Mas uma coisa parece não estar
mais em discussão: a necessidade de se fazer avaliação. E, buscando
produzir um balanço da situação Bernadete Gatti (2009) afirma que a
representação dos processos avaliativos de sistemas educacionais no
101
Brasil vem mudando, se aperfeiçoando e ajudando, inclusive, no
aperfeiçoamento dos currículos escolares, na formação continuada de
professores, na revisão da formação básica de docentes, e na
produção de materiais didáticos novos em vários tipos de suporte.
A referência de Gatti (2009) ao aperfeiçoamento dos currículos se
coloca no campo de modificações empreendidas a partir de lacunas
detectadas no rendimento dos estudantes nestes exames. Entretanto,
destarte a discussão possível acerca dos entendimentos da autora
sobre currículo e o que seriam esses aperfeiçoamentos, não há motivo
de comemoração por razão já destacada neste texto: os exames são
construídos seguindo matriz de referência definida a partir de mínimos
curriculares.
Freitas et al. (2009) não se referem à avaliação em larga escala
como sinônimo de avaliação de sistemas, apesar de considerar que
este entendimento é voz corrente. Propõem uma mudança radical de
enfoque metodológico e de gestão do processo defendendo que a
avaliação de redes de ensino seria mais eficaz se planejada e conduzida
no nível dos municípios. Os autores observam que o planejamento da
avaliação no nível municipal, viabiliza o envolvimento de
professores/as e especialistas das secretarias e das escolas na
montagem do sistema de avaliação e a operacionalização do processo.
Apesar de a LDBEN admitir parcerias e trabalhar com a ideia de
“regime de colaboração” atribui à União a responsabilidade pela
avaliação. Ora, uma construção baseada no município com a
participação dos atores listados poderia ter mais chances de se
constituir representativa e cumprir o propósito de ajudar a escola a
realizar melhorias se no processo de AAI fizesse uso dos resultados da
avaliação de larga escala promovida pelo município.
Diante dos argumentos expostos evidenciando visões
diferenciadas parece importante concluir pela importância da
Avaliação de Sistema, mas também que seu foco em exames
padronizados que testam conhecimentos de estudantes é insuficiente.
O segundo aspecto apontado por Sousa (2000) referente às condições
para a realização dos objetivos propostos e se atender às expectativas
sociais devem ser tratadas como fundamentais.
Assim, se torna importante pensar que o sistema não é formado
só por unidades escolares e que não basta indicar por meio de índices
se estas atingiram o que delas se espera, mas ajudá-las a integrar os
102
resultados obtidos pelo desempenho de estudantes em exames a
amplo processo de Autoavaliação Institucional – AAI – e de
planejamento com vistas a desenvolver melhor e eficazmente o ensino
que empreende. Veja-se que os demais órgãos do sistema são, nesta
perspectiva, implicados diretamente. Assim, se poderá dizer que não
se está a considerar apenas índices e aspectos quantitativos
mensuráveis para responsabilizar exclusivamente a escola pelos
resultados, mas se estará oferecendo lugar às analises qualitativas e
possíveis soluções que se produzem coletivamente na escola e em
suas interfaces.
6
Parte das discussões apresentadas neste item se inspiram em publicação de 2011
intitulada: Estágio 1.
103
2) as informações das avaliações de larga escala;
3) as informações e normas do sistema ao qual se vincula;
4) as informações de seu processo de AAI.
Na escola, o PPP se constitui organizador básico do currículo, da
gestão escolar e dos processos didáticos de sala de aula, exerce
função de efetivação e regulação curricular que pressupõe a AAI. É no
PPP que o currículo prescrito no nível do Estado submete-se aos
critérios do contexto e é moldado, ressignificado, adaptado,
reconstruído e avaliado em níveis e subníveis: a) escola em suas
decisões mais específicas e operacionais em Planos setoriais e gerais
de duração limitada; b) sala de aula nos planos de disciplinas, de
unidades, de aulas e em projetos.
A avaliação das ações desenvolvidas pela escola deve levar em
consideração tais elementos e assumir características de autoavaliação
organizada e realizada por seus membros (gestores/as, docentes,
funcionários/as) e usuários/as diretos/as (alunos/as, pais/mães),
preferencialmente, em organismos colegiados. Caracteriza-se como
um meio de se obter informações e subsídios promotores da
consciência dos sujeitos acerca dos pontos fortes e fracos a fim de se
reforçarem mutuamente nos e pelos acertos e adotarem
procedimentos para correções e melhorias necessárias no processo
em questão – aperfeiçoá-lo. Acompanhar o desenvolvimento do
currículo neste nível significa analisar o todo da unidade escolar no
processo da AAI.
Sala de Aula
104
autorregularão se constrói pode-se dizer que o processo tende ao
êxito, pois expressará os esforços de todos/as os/as envolvidos/as em
direção a objetivos declaradamente comuns e complementares
(FERNANDES, 2009).
Na avaliação da aprendizagem é o desenvolvimento do estudante
que se caracteriza como ponto central e deve ser considerada em
relação àquilo que o estatuto da área determina. Ou seja, ângulo
fundamental da avaliação em sala de aula deve ser: o estudante em
relação ao conhecimento.
Considerar-se-á ainda que o processo de aprendizagem e ensino
em sala de aula é compartido e fruto de relações, algumas vezes
imprevistas, o que lhe confere status de coletivo. Ou seja, o que a
maioria dos estudantes aprende serve de parâmetro para se regular a
aprendizagem individual tanto do ponto de vista do docente quanto
do próprio estudante: o estudante em relação com sua turma.
Mas o processo que cada estudante vivencia durante um
determinado lapso de tempo tem característica própria e única, pois
experiencial, no qual o fim se relaciona com o início e neste demonstra
o que aprendeu. Noutras palavras, há estudantes que iniciam o
processo de um curso num patamar inferior à turma, mas conseguem
chegar ao final com desempenho semelhante ou superior aos demais.
Tal constatação faz concluir pela eficácia de seu processo individual.
Ou seja, a aprendizagem do estudante em relação a ele mesmo.
105
representante no Conselho de Escola etc. Em suma, a AAI que
pretende ser democrática não exclui nenhum setor atuante na escola.
A participação de pais/mães se torna instrumento de gestão que
pode ser democrática ou fazer parte de sua construção. É na
participação em conselhos, associações, reuniões e outros meios
criados que pais/mães podem atuar no acompanhamento do fazer da
escola expresso em seu PPP.
A participação de funcionários/as na AAI se efetivará na escola se
contar com o apoio de gestores/as e docentes daqueles/as,
corroborando a ideia de que o acompanhamento do PPP a integra e se
constitui processo democrático e dialógico.
Os estudantes são lembrados/as no processo de AAI sempre
como pacientes e não como agentes. Sua participação coautora do
processo de ensino quase sempre é esquecida, ficando-lhes reservado
desempenhar bom papel nas avaliações de desempenho (exames)
realizadas em larga escala.
Porém, é fundamental sua incorporação nos processos da AAI,
pois sendo diretamente implicados devem ter vez e sua voz
considerada. Caberá à escola, por meio de gestores/as, professores/as,
funcionários/as, pais/mães – adultos – criar estratégias e espaços para
que possam se expressar.
Nos últimos tempos são vários os atentados as possibilidades de
gerência dos professores/as sobre o currículo: são sistemas
apostilados, livros didáticos para serem seguidos à risca, diretrizes
curriculares rígidas e seguidas de avaliações padronizadas (exames).
Os Professores não podem permitir que natureza intelectual de
seu trabalho (GIROUX, 1997) seja modificada e se promova sua
alienação do decidir “o que”, “o como”, “o quando”, o “a quem” e o
“para que” ensinar. Abdicar deste direito e dever significa conferir à
docência características mecânicas de trabalho manual repetitivo. Para
não se transformar numa engrenagem do sistema de ensino e num
“operário das letras” à moda da crítica do fordismo-taylorismo feita
por Charles Chaplin em “Tempos Modernos” se faz necessário, ainda,
superar a compreensão de que o processo de ensino é seu território
exclusivo e buscar parcerias com pais/mães, alunos/as, gestores/as,
funcionários/as, comunidade.
Como se vê são enormes as possibilidades da AAI, mas se
constitui tarefa exigente que a todos/as atribui responsabilidades e de
106
todos/as cobra respostas no processo coletivo da organização do
ensino. Ou seja, na gestão do currículo que se expressa no documento
PPP da escola.
Referências
107
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109
110
A GESTÃO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA:
O IDEB E O IDE NO DISCURSO OFICIAL
Apresentação
111
qualidade, possuem, hoje, um caráter multidisciplinar, bem como as
políticas originadas a partir destes elementos.
É possível encontrarmos diversas políticas acerca da educação
pública brasileira, nas diversas esferas governamentais. De modo mais
incisivo, a esfera federal vem ampliando e reconfigurando tais
políticas, desde a implementação do Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE), criado em 2007. (MEC, 2007). Dimensionando essa
participação na área, no início havia em torno de 27 políticas vinculadas
ao PDE. Em 2010, já havia mais de 50 ações e programas, tendo sido
alguns modificados e outros criados. Dentre eles houve a criação do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), primeiro
indicador da educação básica brasileira. Ele é um indicador objetivo,
bianual, e o seu resultado é oriundo da agregação dos dados de dois
dados: o desempenho na Prova Brasil e as taxas de aprovação
retiradas do Censo Escolar. (FERNANDES, 2007; FERNANDES, 2010)
Quanto às esferas Estaduais, temos várias iniciativas pelo Brasil. A
título de exemplificação, tem-se o Sistema de Avaliação do
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), o Sistema
Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE), o Programa de
Avaliação do Sistema Educacional do Paraná (AVA) e o Programa de
Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (PAEBES), dentre
outras iniciativas nesse campo. Esses sistemas de avaliação trazem
consigo a criação de indicadores, objetivando apreender aspectos da
qualidade educacional. No caso do estado do Espírito Santo, houve
também o estabelecimento do Indicador de Desenvolvimento das
Escolas do Espírito Santo (IDE), criado no contexto do próprio PAEBES.
Esse panorama indica que há uma série de políticas criadas e que
estão sendo aplicadas, sendo necessário e imprescindível a
compreensão dos seus pressupostos, bem como o acompanhamento,
a análise e a pertinência destes no contexto atual brasileiro. Desse
modo, o foco deste artigo recai sobre a necessidade de identificar, nos
discursos oficiais sobre o IDEB e sobre o IDE, a concepção sobre a
qualidade que está presente, bem como a tentativa de operacionalizá-
la nestes indicadores.
112
A qualidade almejada
113
pode refletir valores individuais e interpretações. Ou seja, o que uma
pessoa considera qualidade, a outra pode não considerar. Outro
pressuposto é o de que a qualidade é dinâmica, muda ao longo do
tempo e de acordo com o contexto. Assim, se hoje a qualidade é
referente, principalmente, ao ensinar a ao aprender, no Brasil, em
países como a Costa do Marfim2, por exemplo, a qualidade pretendida
ainda refere-se ainda ao acesso de todos à escola. Por último, ressalta-
se que o significado de qualidade é baseado em valores, culturas e
tradições, podendo ser específico para determinada nação,
comunidade, escola, pai ou aluno3.
Dado que a qualidade possui estas características, dentre outras,
o fato é o de que isto faz com as comparações de níveis ou graus de
qualidade educacional sejam extremamente difíceis, apesar da ideia
subjacente de que a qualidade pode ser medida. Nesse sentido, como
dizer o que é qualidade na educação?
Para Adams (1993), a qualidade e seus conceitos associados estão
relacionados às ideias de insumos (input), processos (processes) e
resultados. Contudo, o mesmo sinaliza que há dois tipos de resultados:
os outputs e os outcomes. Os outputs (saídas/produtos), geralmente se
referem às mudanças no desempenho dos alunos, a taxa de conclusão,
certificação, habilidades, atitudes e valores. Já os outcomes
(resultados/retorno) considera as consequências a longo prazo da
educação, como emprego, remunerações, mudanças de atitudes e
comportamento, numa perspectiva mais abrangente.
Portanto, são três dimensões de qualidade a serem consideradas:
os insumos, os processos e os resultados no sentido ampliado,
considerado os outputs e os outcomes.
114
A questão em voga, a partir dos anos de 1990 no Brasil, mas
enfatizada na década de 2000, é a de como medir essa qualidade. Ou
seja, ela pode ser medida “objetivamente”? Nessa ótica, há três
questões a serem consideradas, apresentadas por Adams (Ibid.). A
primeira é a de que a qualidade da educação deve ser avaliada através
de ambientes educacionais, considerando todo o âmbito da qualidade.
A segunda, é a de que mesmo que haja uma falta de acordo sobre o
que é qualidade, se faz necessária uma direção comum sobre o
assunto e, nesse sentido, a perspectiva de medição tem se feito
presente. A última é a de que a qualidade, mesmo que parcialmente,
pode ser medida objetivamente. Na perspectiva do autor, as três
considerações devem estar vinculadas. Isso quer dizer que a
medicação é possível, indicada e viável, nesse conjunto de ações.
O que se vê de modo mais ampliado, quando observada a
trajetória das avaliações de larga escala (FERNANDES, 2010), é que a
criação de indicadores agregados ganhou fôlego a partir do ano 2000,
no Brasil, com a criação do Ideb. Mas, por que os indicadores
tornaram-se o foco nos últimos anos?
115
Atualmente, eles são utilizados, quando agregados, para
quantificar um processo abstrato, como o conceito de qualidade
aclamado. Como referenciado, há indicadores de qualidade nacional,
estaduais e municipais. Como esses indicadores de qualidade são
referenciados no discurso oficial dos sistemas? Todos tratam a
qualidade do mesmo modo?
116
aprovação das séries inicias do ensino fundamental (1ª a 4ª série) e das
séries finais (5ª a 8ª série).
A agregação dos dados desses dois indicadores gera uma nota
padronizada que varia teoricamente de zero a dez. As notas são
atribuídas aos sistemas municipais, estaduais, federal e às escolas. Essa
combinação procura “[...] incentivar as escolas e redes de ensino a
adotarem determinada taxa de troca‟ entre a proficiência esperada
dos estudantes ao final de uma etapa de ensino e o tempo médio de
duração para sua conclusão” (FERNANDES, 2007, p. 10). Essa taxa de
troca aponta para a relação existente entre fluxo e aprendizagem,
resumindo, teoricamente, um dos propósitos do índice. A lógica do
Ideb é a de que tem que haver um desempenho x num período anual.
Portanto, a nota obtida na Prova Brasil em conjunto com o tempo de
conclusão de 1ª série, indica se a escola está alcançando um bom
índice, ou seja, se está tendo um bom desempenho em um prazo de
um ano letivo. Portanto, o “indicador sugere que ele incentiva as
unidades escolares (escolas e redes de ensino) a operarem com baixas
taxas de reprovação, a não ser que repetências tenham um forte
impacto positivo no aprendizado dos alunos (repetentes ou não)” (op.
cit. p. 16).
O Ideb foi criado em 2007, mas as primeiras notas referem-se ao
ano de 2005 (dados desse ano letivo). Ainda em 2007, ele se tornou
um indutor de políticas e/ou ações educacionais, pois passou a ser um
indicador da educação brasileira, como podemos perceber no Decreto
6.094 de 24 de abril de 2007. Esse decreto dispõe sobre a
implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação
mediante programas e ações de assistência técnica e financeira,
visando à mobilização social pela melhoria da qualidade da educação
básica. Nele, o capítulo II é destinado especificamente ao Ideb,
constando que:
117
Para além de monitorar essa qualidade, metas foram definidas
para escolas e sistemas de ensino. A meta colocada para as escolas é
que elas alcancem, no mínimo, a nota 6,0, em 2021. Essa média (seis)
foi estipulada por ser esta a nota média dos países desenvolvidos,
especificamente, os países que compõe a OCDE6. A compatibilidade
entre os valores foi possível por terem compatibilizado os dados do
PISA (do ano de 2003) com os do SAEB (também do mesmo ano, de
2003), numa escala de 0 a 10. Pelos cálculos realizados, a média dos
países desenvolvidos avaliados corresponde a seis nessa escala. Como
o PISA avalia alunos de 15 anos, independentemente da série na qual
os estudantes estejam, a compatibilização foi feita com as notas do
SAEB dos alunos da 8ª série. A nota do PISA, denominada como sendo
a nota de referência, foi a base para que fosse feita uma
correspondência aproximada no SAEB. Para isso, houve todo um
desenvolvimento matemático, de compatibilização, que não cabe,
neste trabalho, avaliá-lo. O que tal metodologia propiciou, segundo
seus formuladores, foi a possibilidade de comparação com avaliações
internacionais, como a do PISA.
Há, entretanto, limites dessa compatibilização que precisariam ser
levados em conta, como o fato de as duas avaliações não estarem na
mesma escala de proficiência e não possuírem itens comuns. Outra
limitação que deve ser considerada está relacionada às diferenças
existentes nas matrizes de referência, especialmente na prova de
Leitura, que no SAEB avalia os conhecimentos do aluno em ‘língua
portuguesa’, com ênfase em leitura enquanto o PISA avalia a
‘capacidade de leitura’ de forma a contemplar todos os países
participantes” (INEP, 2009, p. 1).
Além da nota 6,0 definida como sendo a média obtida pelos
estudantes dos países-membros da OCDE, foram formuladas e
definidas metas intermediárias para escolas, municípios, estados, a
partir da meta nacional. Isso foi feito aplicando-se às notas iniciais uma
função logística, cujas variáveis são o tempo e o Ideb. (INEP, 2009a).
Assim, cada município, estado e escola possuem trajetórias diferentes,
sendo que nem todos têm como meta, para o ano de 2021, a nota 6,0.
Isso porque a lógica é a de que para o Brasil chegue à média seis em
2021 “[...] cada sistema deve evoluir segundo pontos de partida
distintos, e com esforço maior daqueles que partem em pior situação,
118
com um objetivo implícito de redução da desigualdade educacional”
(INEP, 2009, p. 2)
Contudo, uma das críticas ao índice é justamente no que diz
respeito a essa diferenciação das notas em 2021. As escolas melhores
tendem a continuar melhores e as piores permanecerão aquém.
Entretanto, numa leitura mais atenta, percebe-se que, mesmo o Ideb
não tendo como foco a questão da equidade entre sistemas e escolas,
em longo prazo, devido à definição das metas intermediárias por meio
da função logística, espera-se que todas as escolas e todos os
sistemas, mesmo em tempos distintos, atinjam a nota 9,9.
Outra crítica é referente à equidade que ele não induz dentro de
uma mesma escola e sistema. Como o Ideb avalia a média da escola e
dos sistemas, nada garante que todos irão caminhar numa elevação
constante da nota. Ou seja, muitos podem melhorar a proficiência
enquanto vários podem ficar abaixo, que a média será elevada. Assim,
uma escola cuja nota é 5,0 pode estar com a aprendizagem num nível
polarizado (alguns sabem muito, outros quase nada) enquanto numa
escola cuja nota foi 4,0 pode estar com o nível de aprendizagem
constante e crescente (todos os alunos estão aprendendo num nível
crescente, mesmo que em escalas ainda diferentes).
Essa análise mostra que o conceito de qualidade da educação
definida pelo Governo Federal, via Ideb é a de que a qualidade existe
quando o aluno aprende X%6de conteúdo, no período letivo, mas que
esse indicador possui problemas na medição das variáveis embutidas
nesse conceito elencado.
119
de Educação do Estado do Espírito Santo (SEDU) no ano 2000, com o
objetivo de avaliar o sistema de ensino. O objetivo do PAEBES é o de
diagnosticar o desempenho dos alunos em diferentes áreas do
conhecimento e níveis de escolaridade, bem como subsidiar a
implementação, a reformulação e o monitoramento de políticas
educacionais.
120
da escola multiplicado por um fator que tenta captar a dificuldade de
ensino no diferentes anos e níveis.
Em relação ao IRE, ele considera a classificação dos alunos em
níveis por série de ensino e identifica os alunos ausentes. O cálculo é
feito da seguinte forma: ele
121
CONSIDERAÇÕES
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122
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123
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administrativas e de gestão. IN: OLIVEIRA, Dalila; ROSAR, Maria de
Fátima Felix. (orgs.). Política e gestão da educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
124
METODOLOGIA DE GESTÃO DE SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO:
IDAS E VINDAS NA IMPLANTAÇÃO DE TECNOLOGIAS PARA
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Marcelo Lima1
Nilcéa Elias Rodrigues Moreira2
Introdução
125
possibilidades de superação dos métodos de gestão da qualidade
neoliberais do tipo “topdow” com vistas à redução de custos. Neste
sentido, apresentamos aqui uma descrição crítica de um processo de
gestão de sistema de ensino. A literatura sobre a gestão escolar
discute pouco o nível meso dos sistemas municipais de ensino
atentando-se mais no nível micro da escola ou no nível macro das
políticas nacionais ou quando muito estaduais.
126
FIG. 01 In: VITÓRIA, 2005, p. 46.
127
Essas duas características se desdobrariam, por um lado, nos
quantitativos de alunos, turmas, turnos, salas, alunos especiais, níveis
de ensino, modalidades de ensino, pavimentos, blocos, laboratórios,
área construída e salas de apoio, e por outro, nos dados sobre faixa
etária, gênero, etnia, ocupação e trajetória escolar dos alunos.
As principais variáveis que constituíram a tipologia foram àquelas
relativas, por um lado, ao prédio escolar e atendimento educacional e,
por outro, ao contexto dos usuários. Acreditou-se que essas
características extras e intraescolares seriam as mais relevantes para a
constituição da classificação das unidades escolares.
Os quesitos pontuaram de modo distinto com predominância do
peso atribuído ao número de alunos, número de turmas e turnos,
número de salas de aula, número de pavimentos e alunos especiais
que tiveram peso que variou na contagem entre 05 e 50. As
características que envolvem a renda dos moradores dos bairros; a
taxa de pretos e pardos entre os alunos matriculados; a escolaridade
dos moradores e os índices de violência das regiões onde se localizam
as unidades escolares somaram peso de 12 a 175 determinando
pontuação que foi somada as pontuações dos outros quesitos. Essas
características da escola foram definindo em termos relativos seus
graus de complexidade3.
O resultado final do acúmulo de pontos das variáveis (intra e
extraescolares) atribuídos às escolas gerou, assim, uma tabela de
classificação na qual as unidades de ensino foram enquadradas por
níveis decrescentes de complexidade de I a XI. Por exemplo, ficaram
enquadradas no Nível I as EMEFs: Aristóbulo Barbosa Leão, Ceciliano
Abel de Almeida, Juscelino K. de Oliveira e Neusa Nunes Gonçalves que
eram escolas que funcionavam em três turnos e possuíam mais de
1000 alunos cada. Por outro lado, foram localizadas no nível XI as
EMFEs e CMEIs: Regina Maria Silva, Ronaldo Soares e Ernestina
Pessoa, escolas estas muito menores que possuíam menos de 500
alunos funcionavam em apenas dois turnos.
128
Segundo a minuta de portaria de distribuição de pessoal da
Secretária Municipal de Educação-Vitória, 2006 a distribuição ficou
assim definida em ordem decrescente de complexidade, conforme FIG
02 e 03.
129
FIG 03 In: In: VITÓRIA, 2005, p. 39.
130
muito a favor dessa sistemática, sobretudo os gestores das maiores
escolas que passaram a perceber que suas especificidades receberiam
o devido tratamento da gestão do sistema municipal de ensino.
No documento da tipologia escolar concluía-se de modo bastante
otimista que “Os dados constitutivos da tipologia nos permite
identificar, classificar e comparar as Unidades Escolares levando em
consideração suas mais distintivas idiossincrasias, destacando aquelas
que devem merecer atenção especial por parte do poder público
(p.46)”. Firmou-se a crença de que “a partir desse conhecimento é
possível delinear diagnósticos mais precisos”. Mas no documento foi
ressaltado que o conhecimento resultante dessa tipologia não
pretende oferecer resultado definitivo e inquestionável, objetiva, tão
somente, melhorar, cada vez mais, a elaboração de diagnóstico da
educação municipal que permita aos educadores e ao próprio Sistema
de Ensino refletir” sobre as necessidades do sistema de ensino
(VITÓRIA, 2005, p. 46).
131
Conforme os resultados, explicitados na FIG 05 incorporados a
minuta de portaria a ser expedida como regra do sistema de ensino
municipal4, a distribuição do pessoal técnico-adminstrativo
(coordenadores ATDs e Pedagogos) ficou assim estabelecido em
negociação com os diretores reunidos por tipologia:
132
V Escolas com noturno e mais de 29 turmas - 6 pedagogos de 30 horas
ou 1 de 40 horas e 4 de 30 horas.
133
esforço empreendido pelos profissionais envolvidos na formulação
desta ferramenta de gestão.
5
Sobre o programa de educação integral ver ARAÙJO e CRAVO (2010) e ARAÚJO
(2011).
134
um projeto muito arrojado, em alta velocidade. Foi necessário reduzir
despesas de custeio, reprogramar o plano de obras, reduzir o ritmo de
algumas obras, paralisar outras e, com isto, atrasamos a execução do
plano de investimentos definido no Orçamento Participativo (VITÓRIA
Orçamento participativo: entrevista com o prefeito João Coser
Disponível em: httphotsites.vitoria.es.gov.bropindex.phpentrevista-com-
o-prefeito-joao-coser.pdf << acesso em 20/3/2014 13:38>>).
135
além do projeto piloto, foi a realização da re-matrícula on-line, com a
participação de 751 pais e responsáveis. Em seguida o sistema foi
ampliado para outras 14 escolas municipais de ensino fundamental,
beneficiando cerca de 10 mil alunos.
O sistema foi apresentado com a seguinte finalidade:
Art. 1o. (...) – SGE como ferramenta gerencial da Rede Pública Municipal
de Ensino, com a finalidade de otimizar a administração escolar quanto à
execução, ao acompanhamento e ao controle da atividade-fim das
Unidades Municipais de Ensino e atualizar, em tempo real, a base de
dados gerenciais da Secretaria Municipal de Educação, visando,
principalmente a: - fortalecer controle no as informações âmbito
acadêmico existentes, do aluno e unificando os procedimentos
informatizando a emissão de dos documentos escolares (...). [ Atos
Oficiais publicados em 11/09/2012 em www.vitoria.es.gov.br. Acessado
em 20 de maio de 2012].
136
No segundo mandato da gestão Coser (2008-2012), a PMV
avançou bastante na gestão pública da educação, mas ainda segue
sem ter um sistema eficaz e transparente como a tipologia escolar
capaz de organizar e negociar os processos de provimento de recursos
às unidades escolares. Mesmo que tenha inovado na gestão por
território com base na metodologia das câmaras territoriais por meio
das quais integrou os vários equipamentos públicos ligados aos vários
setores de serviços prestados pela prefeitura, ainda permanece a
vigência do uso de critérios amadores para gerir o sistema de ensino
que por vezes guiam-se apenas por alguns indicadores como nº de
alunos, turmas, salas etc. Tal prática faz com que uma rede de ensino
que as 98 unidades escolares (52 escolas de ensino fundamental e 46
centros municipais de educação infantil) que atendem a 45 139 alunos
(29.843 alunos no ensino fundamental e 15.296 na educação infantil)
tenha um dos maiores custo-aluno-ano do Brasil e esteja numa
condição desproporcional com o seu gasto educacional anual per
capita em termos do IDEB nacional.
De acordo com a PMV, para o ano de 2010 o gasto educacional por aluno
da educação básica foi de R$ 5.122,78 em ter os 10 maiores do país e o
IDEB entre o 30ª e 40ª posição do país (Fonte: Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação - FNDE/sistema de informações sobre
orçamentos públicos em educação – SIOPE. Elaboração: Gerência de
Informações Municipais - SEGES/PMV para a educação, habitação, saúde
e assistência social. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB) de 2009 coloca o desempenho escolar da capital capixaba acima
da média nacional, atingindo a média de 5,3 contra 4,6 do país, para os
anos iniciais (http://legado.vitoria.es.gov.br/regionais/dados_area/
educacao/custo/cus_5.4.asp).
137
bem como o melhor salário médio da educação do Espírito Santo, o
que demonstra uma enorme incapacidade da gestão em corresponder
às expectativas dos trabalhadores da educação do município.
Conclusão
138
Desta vez, o objetivo do sistema de gestão informatizado não era
o de garantir a distribuição de recursos, mas dar acesso aos resultados
e dados da educação no município.
Reconheceu-se que a gestão escolar passa também pela
equiparação das escolas com sistema que possa fornecer uma base de
informações com vistas a conhecer a gestão escolar, acompanhá-la e
avaliá-la, além de informar à comunidade os resultados obtidos nas
avaliações oficiais dos principais indicadores educacionais.
Neste trabalho, buscou-se problematizar as mediações e
contradições que permeiam a implantação de metodologias que
mesmo aumentando a isonomia e a transparência da gestão de um
sistema de ensino está sujeita ao jogo dos interesses políticos baseada
em valores arcaicos e métodos obsoletos de gestão do sistema
municipal de ensino.
Referências
139
Vitória Minuta de portaria de distribuição de pessoal técnico –
administrativo Seme-PMV, 2006.
VITÓRIA Decreto 14682/2010 - PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS -
Regulamenta a Lei nº 6.754, de 16 de novembro de 2006, Atos oficiais
publicados em 11/11/2006. Disponível em: www.vitoria.es.gov.br <<.
Acesso em 20 de maio de 2012>>.
VITÓRIA portaria de nº 060 de 22 novembro de 2004 regulamentação
da distribuição dos recursos de pessoal Atos Oficiais publicados em
22/11/2004. Disponível em: www.vitoria.es.gov.br <<. Acesso em 20 de
maio de 2012>>.
140
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA COMO EIXO ARTICULADOR DE
POLÍTICA PÚBLICA VIA GESTÃO PARTICIPATIVA
141
pela América Latina e Leste Asiático, nos anos 80 e pela Europa
Oriental com a queda dos governos comunistas no final da década de
80 e início dos anos 90. Todos esses movimentos nas mais variadas
regiões, em que pese suas diferenças específicas, têm em comum o
fato a restauração democrática. O fato da mesma nunca ter se
consolidado efetivamente fez com que Weffort (1992) as identificasse
como tais regimes emergentes como novas democracias. Ele
argumenta que suas construções ocorreram em condições na qual foi
impossível fazer a transição sem a completa eliminação do passado
autoritário resultando, em razão disso, em “formas institucionais
peculiares” enfatizando mais a delegação do que a representação (ou
a participação).
Quanto ao Brasil, vale registrar a análise de Michel Debrun (1983)
que considera os eixos fundantes da política brasileira não mudaram
substancialmente, desde a independência ocorrida em 1922. Segundo
esse pesquisador existe um misto de conciliação, autoritarismo
mobilizador/desmobilizador e liberalismo. Embora constate esse
fenômeno, Debrun, reconhece que a sociedade é socialmente
construída e enfatiza que se trata de um evento datado, não eterno,
decorrente da configuração das relações sociais, econômicas, políticas
e que por não ser a-histórico pode e deve ser superado.
Observa-se no universo educacional que a “nova democracia”,
identificada por Weffort, se presentifica na gestão democrática da
escola brasileira que pode ser esquematicamente expressa em dois
movimentos: a) através da organização curricular dos saberes/fazeres
escolares; e, b) através do funcionamento do s conselho de escola.
Neste contexto, é emblemático o fato de que embora os incisos I e II
do art. 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, estabeleça
a participação dos educadores na elaboração do projeto político
pedagógico da escola e a participação da comunidade escolar e local nos
conselhos de escola ou equivalentes, o que legalmente formaliza a
prática da participação democrática, porém esta pouco se traduz em
prática social sendo profundamente passiva ou mesmo civilmente
desconhecida, embora essa condição seja historicamente plenamente
identificável. (CURY, 2002).
Primeiro pelos reconhecidos centralismo e autoritarismo
alimentados pelo velho patrimonialismo de Estado representado pelos
atos institucionais e os decretos–leis que eram formas corrompidas de
142
gestão que se baseava no controle do “vigiar e punir” e nos comandos
verticais “neutros” que resultariam em reações de temor, obediência
cega e dever irrestrito suplantando o diálogo, o respeito e o direito;
segundo porque os espaços acadêmicos de formação das licenciaturas
e dos bacharelados eram (e ainda o são!) fragmentários e alienantes
mantendo o predomínio da ratio técnica em detrimento da ratio
política. Ambas contribuem para que a escola se torne um arremedo
do modelo produtivo segundo o receituário da teoria do capital
humano que limita o papel do docente na estrutura organizacional da
instituição e ratifica a divisão social do trabalho, onde “o especialista
planeja e o professor executa”, promovendo, assim, a intensificação da
hierarquização e imprimindo um exacerbado valor às relações verticais
dificultando as manifestações coletivas, criativas e singulares no
interior da escola. (LOBINO, 1999). No cotidiano escolar esse
desequilíbrio (intencional porque ideologicamente, político e
culturalmente, imposto) dificulta a ocupação do magistério (e da
comunidade como um todo) nos espaços coletivos da instituição no
que diz respeito ao efetivo exercício da democracia participativa
retratado na “abdicação” do protagonismo docente e na participação
da comunidade local, e de forma especial os pais dos educandos.
Abdicação que se exprime, fundamentalmente, na gestão democrática
das relações de saber, traduzidas na construção do Projeto Político
Pedagógico bem como na participação nos conselhos escolares que na
gestão democrática autêntica deve se constituir em conselhos
participativos mais sólidos que nos atuais.
Neste complexo cenário contemporâneo se questiona: qual seria
a nova centralidade do processo educacional? O foco deve ser numa
centralidade que privilegie as relações entre os sujeitos sociais, o
contexto e a produção do conhecimento. Nesta perspectiva urge a
necessidade de problematização e compreensão da complexidade do
processo educativo que é a de articular os saberes
acadêmicos/escolares com os “não saberes” (ou “saberes de direito e
de fato”) aos da coletividade, ou seja, estabelecer diálogo entre a
comunidade chamada científica e a comunidade local e do território
vivido2.
143
O processo de construção de um novo cenário, exigirá a
desinstalação de “lugares pré-estabelecidos” de saberes
historicamente demarcados e que neste sentido o fazer solitário
docente vai necessitar se articular na dimensão ampla do fazer
educativo, isto é, para além de sua área específica o que, em outras
palavras, significa dizer que é necessário e até mesmo imprescindível
problematizar a cultura escolanovista, ou seja, de que o processo
educativo é tarefa única e restrita a professores e especialistas. Aliás,
este é um dos motivos de resistência da aceitação da participação de
pais e comunidade no processo de gestão escolar e, principalmente, na
gestão do conhecimento. Pesquisadores como Paro ((2001, 2008);
Abicail (2001) e outros, indicam que essa participação, via de regra,
tem se reduzido à corroboração na prestação de contas de verbas
advindas dos órgãos públicos ou em captar recursos ou em programas
de voluntariado como os “amigos da escola”. Estas ações resultam em
negação da responsabilidade do Poder Público com a educação pública
e a transferência deliberada para o mercado como prescreve os
manuais do neoliberalismo ao que só se contrapõe com a radicalização
da democracia via a efetiva participação ativa de toda coletividade3.
3 Moscon (2000) afirma que dentre a gama de propostas para autonomia da escola,
duas se destacam: a primeira ligada à visão mais operacional e administrativa e a
segunda que tem como ponto de partida a democratização da educação e se
assenta na educação popular. As primeiras constituem mecanismos sutis
engendrados pelo Estado para desviar o funcionamento dos conselhos das questões
político-pedagógico para o administrativo-financeiro fato confirmado por meio de
pesquisas publicadas pela ANPAE.
144
as relações e práticas socioambientais a vertente biologista,
unilateralmente considerada, acaba por não enfrentar as questões de
fundo que estão no epicentro da EA, tais como: a relação dialética
sociedade-natureza, a desigualdade, a justiça e a exclusão social ou o
consumismo desenfreado. Por conseguinte, trazer a EA para a
educação formal não é suficiente se não for revisto os pressupostos
paradigmáticos através dos quais ela será trabalhada nesse espaço.
Pesquisa do INEP (2004) informa que cerca de 94% das escolas
brasileiras praticam EA. Isso é conseqüência da mobilização da
sociedade, em especial após a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente (Rio 92), bem como a difusão oficial dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN´s) de 1997. Entretanto, o pesquisador
Guimarães (2004) adverte que:
145
ao desenvolver em suas pesquisas, os professores raramente buscam
seus referenciais no campo da Educação stricto sensu, o que faz com
que, muitas vezes, não sejam levadas em conta as especificidades da
escola, definidas por seus objetivos, características da profissão
docente, espaço físico, clientela e políticas públicas.
146
existenciais e normativos, põe em relevo a extrema
urgência/emergência de priorizar as relações político-econômicas e
socioculturais na práxis pedagógica da Educação Ambiental Crítica nos
sistemas formais de ensino com desdobramentos no território e vice-
versa. Para tanto se impõe à construção de um outro consenso, ou
seja, a constituição de uma cultura contra hegemônica partindo do
rescaldo marginalizado, silenciado e pouco utilizado princípio da
comunidade (ou do território) entendido como o conjunto de pessoas
(“homo socius”) organizadas num todo que manifesta algum traço de
união compartilhando um legado cultural-histórico considerado
comum. Traduzidos nas dimensões da isonomia, equidade social e da
solidariedade5.
Neste contexto, (LOBINO, 2004) _ traz consigo a figura do
ecoprofessor”6 - como um intelectual orgânico a serviço da vida no
âmbito pedagogia revolucionária estreitamente vinculada à Teoria
Crítica.
Os pressupostos da Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA) traduzidos na Lei 9.597/99 traz a perspectiva do território
sustentável. Sem dúvida, o mote desta reconstrução só pode ser a
escola por ser ela o locus privilegiado de disseminação ideológica que
é, segundo Gramsci (1987), um “instrumento para elaborar intelectuais
de diversos níveis”.
A cultura contra hegemônica problematiza dialeticamente a
realidade social como ponto de partida e ponto de chegada pode
acionar cumplicidades para além dos seus muros reconhecendo (e
“fazendo seus”) os saberes popular-coletivos dando amplitude à
democratização do saber. Neste contexto, os conselhos de escola _
frutos da esfera instituinte e do poder civil _ são espaços a serem
ocupados recuperando, com eles e por eles, a dimensão da participação
como essencial no resgate da escola pública como direito cidadão.
Soma-se a isso a inserção dos diferentes saberes e vivências na
construção de bases histórico-críticas na formulação do Projeto
147
Político Pedagógico articulando os fundamentos acadêmicos/escolares
aos “não saberes” (ou “saberes seculares”) da coletividade
estabelecendo, assim, o diálogo entre as comunidades que a
constituem. Cabe lembrar que Loureiro (2005), destaca entre os
principais elementos da EA Crítica “o envolvimento dos diferentes
grupos sociais que compõem determinada instituição ou ambiente
(escola, comunidade, unidade de conservação, empresa, sindicato,
família, etc.) em todas as etapas de um projeto, programa ou ação”.
Essa mudança paradigmática forjada na constituição dos
colegiados representativos e participativos dos diferentes segmentos
escolares, na democratização dos múltiplos saberes inaugura o
paradigma da prática social em uma instância plural e deliberativa
concebida como processo de construção coletiva e socialização dos
conhecimentos reconhecendo, enfim, que há tantas formas válidas de
saber quantas as práticas sociais que as geram e sustentam. A
“ocupação destes espaços” e a “desinstalação de lugares
preestabelecidos” requerem, por conseguinte, repensar as funções de
uma educação centralizadora e racionalista e apontar para a
descentralização democrática na qual a sociedade civil assume -
jurídica, histórica e ontologicamente - como seu o que o é de fato e de
direito e detêm, por meio dela, o controle social do poder estatal
consolidando, na prática dessa vivência participativa, a gestão
democrática como ethos da EA Critica sustentado no engendramento
da práxis instituinte, isto é, das organizações de pais, das associações
de moradores e dos centros comunitários onde as escolas se situam.
Esses pilares originam uma “nova cultura” a ser conquistada e
vivenciada7 .9
148
Neste contexto, não seria imprudente afirmar que, embora a EA
Crítica e a gestão democrática plena não tenham nenhum caráter
messiânico, podem dinamizar e impulsionar a construção coletiva de
currículos problematizando dialeticamente a realidade vivida
possibilitando, conforme Santos (2000), a proposição da subversão da
hegemonia vigente de um conhecimento regulação para um
conhecimento emancipação que faça sentido para aprendizes e
mestres gerando conhecimento prudente para um a vida docente.
REFERÊNCIAS
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LOBINO, M. G. F. Influências liberal/ pragmatistas na educação
brasileira: uma análise histórico-filosófica. Pró-Discente, UFES, Vitória,
v. 5, n. 3, p. 32-51, set./dez, 1999.
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LOUREIRO, C. B. F. & LIMA, A educação ambiental e a escola: uma
tentativa de reconciliação. In: J. G. S PAZ, R. J. (org.). Fundamentos,
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WEFFORT, F. Qual democracia. São Paulo: Cia das letras 1997.
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