Texto Millennials e o Consumo Consciente

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Millennials e o consumo consciente: nem sempre o pensar e o agir caminham juntos

Preferências e atitudes da Geração Y se traduziram em mudanças nos hábitos de


consumo
o

21.set.2018 às 15h00

Helio Mattar

Os estudos sobre o comportamento de consumo de cada geração são fundamentais para


as empresas atenderem e, mais do que isso, anteciparem as demandas de cada novo
grupo de consumidores. E são essenciais para os que procuram acelerar mudanças de
comportamento, por exemplo, em direção a atitudes mais sustentáveis.

Para isso, é preciso não apenas buscar um entendimento mais aprofundado sobre as
características do público-alvo para estreitar e impulsionar a relação de marcas e
serviços com esses clientes, mas também voltar o olhar para o ambiente interno e
avaliar que tipo de mensagem a empresa está transmitindo e como está sendo percebida
pela comunidade, independentemente da geração à qual pertence esse consumidor.

São comuns os estudos que segmentam as gerações e, embora não seja a mais recente, a
geração Y, também conhecida como millennials (pessoas, hoje, entre 23 e 38 anos), se
mantém no foco das pesquisas por apontar tendências, por abraçar novos
comportamentos, pela representatividade no mercado de trabalho e, consequentemente,
aumento do poder aquisitivo, e também por ser grande influenciadora nas compras das
residências e dos amigos.

As preferências e atitudes dos millennials, juntamente com a ruptura de alguns valores,


se traduziu em mudanças nos hábitos de consumo.

Diego Borghi, diretor-executivo da Ducati - Karime Xavier/Folhapress

Isso foi tão intenso e amplamente noticiado que acabou virando meme na internet norte-
americana, em que a expressão “Millennials are killing” tornou-se manchete recorrente
para se referir a alguma norma social ou a algum segmento do comércio de bens e
serviços que foram “assassinados” pelos jovens dessa geração. A lista de “homicídios”
passa por relacionamentos monogâmicos, por franquias de restaurantes, pela indústria
hoteleira, pelo comércio de diamantes, entre outros exemplos.

Buscando entender os motivos por trás dessas mudanças, felizmente com menos
sensacionalismo, há artigos que apontam para uma disposição dos millennials a ganhar
menos para trabalhar em algum lugar “com propósito”, o que orienta os empresários
quanto à forma de atrair e reter estes profissionais.

Outras pesquisas indicam que esse grupo gastaria mais para adquirir produtos de origem
sustentável ou responsável, além de dar mais valor a experiências do que a bens
materiais (escrevi sobre esse assunto aqui), uma mudança prática no comportamento
dessa geração para atitudes menos materialistas frente a outras gerações.

Se essas mudanças forem intencionais, com a consciência de promover impactos mais


positivos para o próprio bem-estar e para a sociedade como um todo, poderíamos
concluir que essa é a geração mais social e ambientalmente consciente até o momento.

E isso talvez tenha ocorrido por ter tido mais contato, de maneira mais frequente, ampla
e direcionada, com esses temas desde a infância. Isso seria, então, uma boa notícia para
quem trabalha em prol do desenvolvimento sustentável, e também para as marcas que se
propõem a oferecer produtos que atendam a essa demanda.

Mas podemos, realmente, tomar essas constatações de pesquisas como fatos e


interpretá-las ao pé da letra?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a metodologia de muitas pesquisas avalia a


percepção que as pessoas têm sobre si mesmas, o que não significaria, necessariamente,
que as atitudes práticas serão coerentes com o discurso, mas sim que se trata de uma
projeção do que o entrevistado acredita ser correto –ou do que ele acredita que a
sociedade enxerga como correto– ou ainda de algo que ele pretende implementar em sua
vida.

Por exemplo, uma pessoa afirmar que está disposta a pagar mais por determinado bem
ou produto não significa que isso ocorra no dia a dia. No caso dos millennials, mais
conectados que as gerações anteriores e, nesse sentido, mais influenciados pelas mídias
sociais, pelas campanhas de marketing e pelos comportamentos de grupos que
valorizam a opinião alheia sobre o que é “politicamente correto” e “socialmente bem
visto”, tal afirmação pode refletir essas influências mais do que um comportamento
estabelecido.

Como vivemos a era do julgamento digital, ter opinião divergente da maioria pode criar
um sentimento de exclusão em relação ao grupo, o que pode ser muito desconfortável.

Por outro lado, há aparentes contradições reveladas nos resultados da pesquisa lançada
pelo Instituto Akatu, em julho deste ano, a respeito de os millennials terem maior
predisposição para seguir o caminho da sustentabilidade e do consumo consciente.

O estudo apontou que as gerações mais jovens, em especial os millennials, são


significativamente menos conscientes em relação aos impactos de seu consumo do que
as pessoas mais velhas. Esse ponto merece atenção, visto que tal constatação é baseada
em declarações feitas pelos jovens de que determinados comportamentos são adotados.

Intrigado com esse resultado, e buscando possíveis explicações para isso, o Akatu
analisou outras pesquisas e informações que pudessem explicar ou contextualizar essa
possível desconexão entre valores, atitudes e consciência dessa geração. Um dos países
que mais acompanha essas alterações nos hábitos de consumo entre as gerações são os
Estados Unidos.

Uma análise de dados da Secretaria de Estatísticas Trabalhistas (Bureau of Labor


Statistics) daquele país demonstrou que a geração Y –os millennials– está, de fato,
gastando menos com produtos de perfumaria e higiene pessoal, tabaco, roupas,
alimentos, entre outros. A razão para isso está ligada ao fato de seus gastos com
serviços essenciais como educação, saúde, previdência privada e aluguel terem
aumentado muito no período entre 1988/89 e 2015/16.

Só o gasto com educação aumentou em 154%. Em um orçamento apertado, essa


geração é obrigada a fazer escolhas e o consumo de experiências, não tangível, é o
caminho adotado, menos por consciência e mais por limitação financeira.

Ou seja, um fator adicional que deve ser considerado na investigação dos motivos pelo
quais os millennials são “assassinos de mercados” é que, talvez, eles não sejam menos
materialistas por escolha, mas porque são obrigados a gastar mais com serviços
essenciais do que outras gerações o foram, restando menor disponibilidade financeira
para os bens materiais.

Embora sejam dados norte-americanos, não é difícil imaginar que a situação seja
parecida em outros lugares, inclusive no Brasil, onde as eventuais mudanças nos
comportamentos diários dessa geração podem estar ocorrendo mais por questões
externas, de um contexto mais difícil e mais multifacetado, do que propriamente por
uma consciência socioambiental.

Outro ponto importante a acrescentar é que as atitudes das pessoas são diretamente
relacionadas às normas sociais, que as levam a agir, sem questionamento algum, de uma
certa maneira. Essa é uma tendência do comportamento humano que perpassa qualquer
geração e que, muitas vezes, contribui para que as pessoas tenham atitudes que nem
sempre condizem com os seus valores e que não são pautadas pela própria consciência.

Portanto, dizer que os millennials são mais conscientes parece ser precipitado. E,
considerando todo esse contexto, uma conclusão parcial é que, se de um lado houve
mudanças significativas nos valores e no comportamento dessa geração em direção a
um consumo mais responsável, de outro lado o grau de consciência dessa população
parece não ter ainda evoluído na mesma proporção.

O que isso significa? Que ser consciente é uma coisa e ter atitude mais sustentável é
outra. Assim, muito provavelmente algumas dessas mudanças ocorreram, em boa parte,
em função de fatores externos, por necessidade ou por percepção de uma nova norma
social, e de maneira quase que inconsciente por parte das pessoas.
Dentre todos os questionamentos levantados, o que é possível afirmar, então, é que
ambas as frentes –a presença de fatores externos que, de um lado, condicionam as
pessoas a agirem em uma certa direção e, de outro lado, a um aumento da consciência e
do engajamento– fazem com que se intensifique a busca por alternativas de consumo
com menores impactos negativos associados.

De qualquer forma, é absolutamente necessário engajar as pessoas rapidamente na


direção de comportamentos mais sustentáveis. Deve-se aproveitar a oportunidade já
aberta pela predisposição das pessoas em agir diferente, mesmo que os comportamentos
nem sempre se manifestem da forma como as pesquisas preveem.

Como o engajamento não ocorreu tão rápido quanto se esperava, houve continuidade
das mudanças ambientais negativas nos últimos anos em ritmo acelerado. Nesse sentido,
compreender que consumir de forma consciente não significa consumir menos, mas
diferente e melhor, pode fazer toda a diferença para o bem-estar e para desenvolvimento
nas relações das futuras gerações com o próximo, com o meio ambiente e com as
empresas.

Helio Mattar
Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção
do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helio-mattar/2018/09/ millennials-e-o-consumo-
consciente-nem-sempre-o-pensar-e-o-agir-caminham-juntos.shtml. Acesso em: 30.set. 2018

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