Os Elementos Da Pesquisa Social

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CAPÍTULO 1

Os elementos da pesquisa social

Toda e qualquer pesquisa, independente do método utilizado, precisa levar em


conta os aspectos filosóficos subjacentes a esse empreendimento. É necessário,
portanto, que o pesquisador domine os elementos constitutivos da pesquisa social,
quer dizer, da linguagem básica da pesquisa, o que deve anteceder à fase de formação
técnica em pesquisa na tradição disciplinar. São conceitos-chave na pesquisa social,
são ontologia, epistemologia, metodologia e método. Esses conceitos quando
discutidos dentro da dimensão da pesquisa quantitativa, muitas vezes, são
cercados por uma áurea de mistério, parcialmente criada pela linguagem abstrata
utilizada para explicá-los, gerando confusão nos leitores, antes de começar a ouvir ou
ler sobre a temática a ser investigada.
Um exemplo pode sinalizar a importância da ontologia. Considere um pedreiro
que não sabe a diferença entre uma pá, uma picareta e um martelo; sem o
conhecimento dessas diferenças, dificilmente ele poderá construir uma parede ou uma
casa. Analogamente, um cientista social que não conheça a história de seu país, pode
incorrer no equívoco de construir conhecimento descontextualizado, que pouco ou
nada têm a ver com as condições do país, produzindo uma postura normativa. Desse
modo, a forma como o cientista social enfrenta um problema a ser pesquisado, precisa
ser compreendida claramente pelos leitores. No entanto, há que se distinguir entre o
conhecimento do senso comum e o científico. A diferença entre o senso comum e o
conhecimento científico é que este último requer o domínio de um conjunto de regras
para sistematizar o tema que se pretende pesquisar e, dessa forma, construir
conhecimento.
De acordo com Kerlinger (1979), existem cinco diferenças significativas entre
ciência e senso comum, sendo elas:
(1) As divergências a respeito das palavras “sistemático” e “de controle”. O
homem comum utiliza quotidianamente teorias e conceitos de forma simplista,
ou seja, geralmente aceita explicações metafísicas ou sem respaldo factual dos
fenômenos sociais. Por exemplo, uma pessoa pode considerar sua situação de
pobreza um castigo de Deus. O pesquisador, por sua vez, constrói estruturas
teóricas sistemáticas e as testa por consistência interna e empiricamente.
(2) Diferenças entre as formas como se testam as teorias e as hipóteses. O
homem comum testa suas teorias e hipóteses de forma seletiva, isto é,
escolhendo a evidência que dá consistência às suas hipóteses. O cientista social,
por sua vez, busca evidências de fontes variadas, e muitas vezes contraditórias,
para testar suas teorias e hipóteses.

(3) Diferenças na conceituação de controle. O cidadão comum não se preocupa


em examinar fontes potenciais que poderiam distorcer suas percepções e
crenças a respeito de um fenômeno social. O pesquisador procura identificar
todos os elementos que podem incidir na materialização do fenômeno estudado.
(4) Diferenças na interpretação de associação entre dois conceitos. Por
exemplo, uma pessoa pode acreditar que quando seu joelho dói há uma grande
possibilidade de chover. O pesquisador, ao contrário, para explicar o mesmo
fenômeno, recorre a um conjunto de indicadores e examina sua importância
relativa.
(5) O pesquisador busca, na sua pesquisa, eliminar explicações metafísicas.
Uma explicação metafísica se refere a uma proposição que não pode ser testada.
Isto não significa que atitudes e comportamentos dessa natureza não estejam no
horizonte do pesquisador. O pesquisador procura não se deixar influenciar por
essas explicações ou as coloca na dimensão da ontologia.

Nas Ciências Sociais, portanto, a base de construção de conhecimento passa pela


compreensão e pelas implicações dos termos que dizem respeito a: ontologia,
epistemologia,
2 metodologia, métodos e fontes.
Ontologia

A visão de mundo do pesquisador, independente de ser ingênua, crítica, racional


ou teórica, tem dois componentes: o ontológico e o epistemológico. O termo
“ontologia” originou-se no século XVII com o intuito de designar a ciência do ser; no
sentido etimológico da palavra, significa a lógica do ser: derivada do grego “onthos”
denota ser e “logos”, lógica. Segundo Steenberghen (1965): “ciência do ser, ontologia,
metafísica geral, ou especificamente, metafísica”.
Para Rezende (1986), a Filosofia compreende a ontologia como sendo o ramo da
Filosofia que estuda “o ser enquanto ser”, ou seja, independentemente de suas
determinações particulares e naquilo que constitui sua inteligibilidade própria; ou
ainda

como sendo “a teoria da intuição racional do absoluto como fonte única, ou pelo
menos principal do conhecimento humano (p.12)”.
Encontram-se controvérsias no que diz respeito à ontologia. De um lado estão
aqueles que, embasados em Santo Tomás de Aquino, defendem a teoria dos três
estágios de abstração e consideram a ontologia o cume da Filosofia, estando depois da
analogia, cosmologia, psicologia e a filosofia matemática. De outro lado, encontramos
aqueles que atribuem à ontologia o papel de uma disciplina da filosofia, com base na
epistemologia e constituída por uma dupla metafísica: a do homem e a do mundo
material. Segundo Steenberghen (1965, p. 38), o objeto da ontologia pode ser
construído por meio de toda experiência humana, pois se ela é humana é
necessariamente do ser. Para o autor,
a ontologia tem como objeto precisamente o estudo do valor
comum, da investigação do que implica a realidade desta
representação sintética, o determinar em que consiste,
exatamente, a unidade que revela e expressa o conceito de ser.
Em outros termos, o objeto formal da ontologia é o valor do
ser, incluindo em todo objeto de experiência: estuda o dado da
experiência enquanto ser, enquanto real.

Nessa perspectiva, para o referido autor,

para um estudo posterior do objeto são abertos dois caminhos


para ontologia: novas experiências, reveladoras de novas
modalidades do ser, e o discurso da razão, a fim de descobrir
as afirmações implicitamente contidas na afirmação explícita do
ser ou dos modos empiricamente conhecidos”(p. 39).

Por esse prisma, todas as pessoas possuem determinada ontologia; uma visão e
uma maneira de justificarem a realidade na qual vivem, quer dizer, uma visão acerca
da totalidade do real que as circunda. Nesse sentido, a ontologia corresponde a uma
determinada leitura da realidade (SIGRISTI, 1997).
Se cada pessoa pudesse registrar no papel, em fita de vídeo ou na tela de um
computador como vê a realidade, teríamos a ontologia de cada ser humano. Não

podemos viver sem explicar o mundo que nos circunda, mesmo que façamos isso de
forma mística, mítica ou mistificada. É justamente porque conseguimos, de algum
modo, dar algum tipo de explicação sobre este mundo, que a vida tem sentido,
qualquer que ele seja. Sem fazer certa leitura da realidade, não se saberia como agir e
interagir dentro da sociedade, se ficaria sem normas de comportamento, não sabendo
o que fazer ou no que acreditar. Enfim, essa leitura corresponde à nossa ontologia. Se
fizermos isso com um grau acentuado de racionalidade, um fundamento teórico sólido,
seria muito melhor. Mas em todos os níveis em que o ser humano pode operar -
empírico, racional e teórico - há uma ontologia presente, e ela se constitui na diretriz
básica
3 do nosso comportamento.
A lógica hegeliana postula três tipos de atitudes perante o real, que revelam três
formas de consciência. A primeira é chamada de consciência empírica; a segunda, de
consciência racional e a terceira, de consciência teórica. A consciência empírica é a
atitude de quem apenas responde aos estímulos imediatos da experiência. A racional
é a de quem responde a esses estímulos, mas também é capaz de dar razões
explicativas aos elementos constitutivos desta experiência. A consciência teórica é a de
quem responde a estímulos da experiência do cotidiano, dá certas razões explicativas
aos seus elementos e, ao mesmo tempo, é capaz de perceber e integrar esta
experiência na totalidade das coisas que compõem o que Hegel chama de mundo,
realidade ou totalidade do ser.
Em se tratando da formação universitária, na qualidade de professores
comunicamos nossa ontologia aos nossos alunos em qualquer disciplina por nós
ministrada. A visão de mundo do professor se manifesta, implícita ou explicitamente,
em qualquer área do conhecimento. Assim, todos trabalham, vivem e se expressam a
partir de uma ontologia, de uma leitura que se faz da realidade. Nossos
comportamentos veiculam uma leitura, uma compreensão de mundo, de sociedade.
Quando falamos de leitura de realidade, não estamos pensando em uma
situação abstrata, indefinida, mas nos aspectos mais concretos da nossa vida, na vida
pessoal, na interpessoal, na profissional, na vida em sociedade. Em todos os
momentos, queiramos ou não, comunicamos a nossa ontologia, ainda que disso não se
tenha consciência. Suponha, por exemplo, que você não tenha religião, por nela não
acreditar, pois este fato influenciará a sua leitura do mundo e dos fatos e
acontecimentos sociais. As explicações dos fenômenos sociais, portanto, estarão
relacionados com seus sentimentos sobre uma determinada temática.
Da mesma forma, quando se lida, por exemplo, com o conceito de cultura
política e a forma como as pessoas constroem seus valores a respeito de como vêem
o mundo, os posicionamentos em relação aos valores hierárquicos são diferentes dos
valores igualitários. Segundo Almeida (2007, p.75), “os que compartilham de uma
visão hierárquica de mundo consideram que há posições predefinidas e, portanto,
deve-se esperar que cada um desempenhe o papel determinado por sua condição
social. Já os que se orientam por valores igualitários, consideram que não há papéis
socialmente predefinidos”. A princípio, todos os indivíduos são iguais e eventuais
desigualdades ou diferenças em papéis sociais são estabelecidas apenas nos limites
de um contrato. Essa forma dicotômica de construção de valores numa cultura
política influencia a forma como o pesquisador examina e conclui a respeito de como
lidar com valores hierárquicos, são os pressupostos que estão subjacentes à visão do
mundo do pesquisador. Sabendo os pressupostos, podemos entender o tipo de
literatura com a qual o pesquisador passa a se identificar e a forma como vai propor
soluções ao problema examinado nessa perspectiva
Recapitulando, ontologia é o ponto de partida de toda pesquisa. Neste plano, a
ontologia pode ser vista como a natureza da realidade social, sobre a qual a teoria
está construída, de outro modo, a ontologia se refere aos pressupostos sobre a
natureza da

realidade social, sobre o que existe, como são e como essas unidades do contexto
examinado interagem umas com as outras. Em suma, os pressupostos ontológicos
referem-se a como o pesquisador acredita que se constitui a realidade social. Dessa
forma, não é difícil entender porque diferentes tradições teóricas, com base em
contextos culturais diversos, apresentam perspectivas divergentes do mundo e
diferentes pressupostos sobre a realidade pesquisada. É, portanto, necessário que o
aluno tome conhecimento e compreenda a forma como a ontologia impacta seu
conhecimento sobre a realidade na qual está inserido.
Esse posicionamento é a resposta do pesquisador à pergunta: Qual a natureza
política e social da realidade a ser investigada? Somente depois que esta pergunta
estiver respondida se pode discutir o que é possível saber sobre a realidade político-
social que se pensa existente.
Exemplos de posicionamentos ontológicos são aqueles expressos nas
perspectivas
4 do “objetivismo” e do “construtivismo”. De maneira ampla, o
objetivismo é um posicionamento ontológico segundo o qual os fenômenos sociais e
seus significados existem independentemente dos atores sociais, enquanto que o
construtivismo é uma abordagem holistica de construção social. Isso implica que
fenômenos e categorias sociais não só são construídos pela interação social, mas que
estão num processo constante de revisão. Assim, se ontologia diz respeito ao que
sabemos, então a epistemologia refere-se a como vamos saber o que sabemos.
Epistemologia

A epistemologia é um conceito polissêmico que se refere a diferentes aspectos da


filosofia do conhecimento, estudando a origem, a estrutura, os métodos e a validade
do conhecimento e dos produtos intelectuais (JAPIASSU, 1992); à crítica geral do
conhecimento (LALANDE, 1999) e ao processo do pensamento
(STEEENBERGHEN,1965).
Deste modo, como uma das áreas da filosofia, está preocupada com teoria e
conhecimento, especialmente em relação a métodos, validação e as maneiras
possíveis de obter conhecimento acerca da realidade social, de qualquer forma que
essa realidade seja entendida. Em suma, se refere a como saber aquilo que se
presume que existe. Derivada da palavra grega episteme (ciência/conhecimento) e
logos (lógica/razão), a epistemologia enfoca o processo de construção de
conhecimento e se preocupa com o desenvolvimento de novos modelos teóricos, quer
dizer, de modelos e teorias que são considerados com potencial explicativo mais
persuasivo do que outros paradigmas.
Isso significa que a nossa visão de mundo tem um outro componente além do
ontológico, sendo este o componente epistemológico. A epistemologia nada mais é do
que a lógica de uma ciência. A lógica de uma ciência está na teoria científica que vai
dar sustentação lógica às proposições que a compõem. Quer dizer, a um conjunto
ordenado de proposições a respeito de um mesmo objeto, proposições estas que se
articulam entre si e encontram-se vinculadas a partir de um princípio geral.
A epistemologia relaciona-se, assim, com problemas que compreendem a
questão da possibilidade do conhecimento e dos limites deste, fazendo-nos oscilar
entre a resposta dogmática ou a empirista e colocando a dúvida se o ser humano
conseguirá, algum dia, atingir realmente o conhecimento total ou se haverá a distinção
entre um mundo cognoscível e um incognoscível. Outra dúvida diz respeito à
tradicional questão sobre a origem do conhecimento: Por meio de que faculdades ele é
atingido? Haverá realmente um a priori no conhecimento humano? Acrescente-se a
essas questões relativas à diferenciação entre os vários tipos de conhecimento diante
da possibilidade de várias formas de aprendizagem: pela memória, pelos livros, pela

experiência cotidiana, de forma indireta ou direta e pelo contato do sujeito com o


objeto. Finalmente, surge o problema da verdade: Deverá adaptar-se ao sistema de
proposições referido a um conjunto consistente de frases? Dependerá a verdade da
relação de correspondência entre uma proposição e o seu objeto?
A dimensão epistemológica da nossa consciência pode ser examinada em níveis
diferentes. A tarefa do cientista social é buscar os seus níveis mais profundos
(teóricos). Por exemplo, conforme o lugar a partir do qual olhamos uma cidade, um
bairro, uma instituição, uma organização ou uma comunidade, tal será a cidade, o
bairro e a comunidade. A título de exercício, qual seria a sua opinião sobre Cuba e por
quê? A busca desse lugar chamado lugar epistemológico é outra tarefa que cabe a
cada um de nós conhecermos. Precisamos saber em que lugar estamos e a partir de
que lugar olhamos o mundo. A epistemologia discute esse ponto a partir do qual
vemos o mundo. Cada ciência tem a sua epistemologia. Temos a epistemologia da
Biologia, da História, da Sociologia, da Antropologia, da Ciência Política, e assim por
diante, ou seja, ela identifica o ponto a partir do qual se discute o objeto de uma
ciência.
A epistemologia existiu praticamente desde os inícios da Filosofia e como
conhecimento mais ou menos sistemático, data do século VII A.C. Mas, somente nos
séculos XVI e XVII, passou a ser vista como problema crítico da ciência. E em que
consiste
5 este problema crítico? Kant, refletindo sobre este tema no século XVIII,
sugere que o problema crítico consiste em responder a duas questões: O que podemos
conhecer? Em que condições o conhecimento é verdadeiro? Este é o problema crítico,
discutido não apenas por Kant, mas também pelos racionalistas, como Descartes, e
pelos empiristas, como Hume. Mas foi Kant quem sistematizou, em seu livro “Crítica
da razão pura”, as questões que os racionalistas e empiristas já haviam discutido. Ele
chama de problema crítico da ciência o fato de que, antes de começarmos a
fazer

ciência, precisamos ter bem claras para nós mesmos, as respostas a duas questões. O
que nós podemos conhecer: a totalidade do real ou parte do real? Em que condições
esse conhecimento é verdadeiro, inquestionável, irrefutável?
Para Kant, antes de fazer uso da razão devemos criticar, ou seja, apreciar o seu
limite. Não podemos começar a usar a razão sem saber com clareza qual o seu alcance
e quais são as leis que ela deve respeitar para chegar à verdade científica. Essas duas
questões guardam uma ligação muito grande, pois, ao definir as condições do
conhecimento verdadeiro, se definem também seus limites. Ao identificar o objeto, se
definem, igualmente, as condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro. Esta
é a base em que se assenta a Filosofia moderna e contemporânea.
O conhecimento, e as formas de descobri-lo, não é um processo estático, mas
está sempre mudando. Quando são consideradas teorias e conceitos em geral, os
alunos devem refletir acerca dos pressupostos sobre os quais se basseiam e onde se
originam em primeiro lugar. Por exemplo, as teorias geradas nas democracias
ocidentais são suficientes para explicar processos de transição na América Latina, cuja
história se caracteriza pela presença de traços autoritários, personalistas e
patrimonialistas?
Dois posicionamentos epistemológicos contrastantes estão contidos nos termos
“positivismo” e “interpretativismo”. Estes conceitos podem ser encontrados na História
em relação a tradições específicas da filosofia da Ciência Social. O positivismo é um
posicionamento epistemológico que defende a aplicação dos métodos das ciências
exatas ao estudo da realidade social. O interpretativismo, por seu turno, pode ser visto
como um posicionamento epistemológico fundamentado na perspectiva de que uma
estratégia necessária é a que respeita as diferenças entre as pessoas e os objetos das
ciências naturais; portanto, exige que o cientista social domine o significado subjetivo
da ação social.

A escolha de um destes posicionamentos epistemológicos leva o pesquisador a


escolher uma metodologia diferente em relação a outro pesquisador com
posicionamento epistemológico distinto. Nessas circunstancias, o pesquisador precisa
desenvolver a capacidade de identificar como os posicionamentos ontológico e
epistemológico podem resultar em diferentes perspectivas sobre o mesmo fenômeno.
Metodologia

Antes de entrar na discussão sobre o significado da metodologia, cabe ressaltar


que não se postula uma relação unidirecional causal entre os diferentes aspectos da
pesquisa social. O objetivo é discutir os elementos de forma cronológica, como um
treinamento inicial para os estudantes de Ciências Sociais que pretendem aprofundar
sua compreensão sobre o processo de desenvolvimento da pesquisa quantitativa.
Busca-se, assim, desmistificar a aparente complexidade deste tipo de pesquisa, por
meio de uma discussão a respeito de como se estrutura a investigação nas suas
etapas iniciais e de que forma esses elementos irão nos acompanhar na nossa vida de
pesquisadores. É de fundamental importância que o aluno entenda como uma
perspectiva particular do mundo pode afetar todo o processo de pesquisa. Explicitando
claramente as inter-relações entre o que o pesquisador pensa ser possível ser
investigado (posição ontológica), o que se pode saber sobre isso (posição
epistemológica), e como coletar as informações (posição metodológica), o pesquisador
pode começar a compreender o impacto de sua pesquisa naquilo que decide estudar.
Freqüentemente se costuma fundir ontologia e epistemologia, uma sendo vista
como
31 parte da outra. Embora estejam relacionadas é importante mantê-las separadas,
posto que toda pesquisa começa necessariamente com o ponto de vista do
pesquisador sobre o mundo (ontologia), o qual por si só molda a experiência que traz
para o processo de pesquisa.

A abordagem metodológica reflete pressupostos ontológicos e epistemológicos


específicos, e representa a escolha da abordagem e dos métodos de pesquisa num
determinado estudo. A metodologia se refere à lógica da pesquisa científica, tratando,
especificamente com as potencialidades e limitações de determinadas técnicas ou
procedimentos. O termo se refere à ciência e ao estudo de métodos e aos
pressupostos sobre as formas em que o conhecimento é produzido.
Em sentido etimológico, metodologia significa o estudo dos caminhos, dos meios
de uma teoria (no caso da teoria científica). O que se discute, então, são os caminhos,
a “armação” da teoria e não o seu conteúdo propriamente dito. Assim, ao falar de
metodologia, busca-se analisar a forma de estruturar um conhecimento que se
pretende ser reconhecido como científico (DEMO, 1985). Gomes (1996), por sua vez,
define a metodologia como o estudo analítico e crítico dos métodos de investigação e
de prova ou como descrição, análise e avaliação crítica dos métodos de investigação.
Em sentido restrito, a metodologia tem como principal tarefa demarcar o que é
e o que não é uma produção científica, oferecendo critérios e parâmetros para a
elaboração de projetos e pesquisas. Em sentido amplo, possibilita o questionamento
crítico e auto-crítico do fazer ciência, destacando suas limitações, estabelecendo seus
pressupostos e avaliando suas conseqüências. A partir da análise metodológica pode-
se inferir o que é possível dizer sobre o que foi estudado (em qual nível de
generalização, de profundidade e de extensão) e o que não é cabível, dado o percurso
feito na pesquisa. Pelo seu exame podemos reconstituir as escolhas feitas pelo
pesquisador e a partir daí também criticar suas hipóteses explicativas. A análise
metodológica desconstrói a idéia de uma ciência automatizada porque nos apresenta
as decisões e as ferramentas do cientista social na realização de sua pesquisa,
possibilitando compreender sua relação com a ciência, bem como viabilizando a

superação do conhecimento com base no senso comum por um conhecimento


sistematizado.
A metodologia, por último, está conformada por procedimentos ou métodos para
a construção da evidência empírica. Esta se apóia nos paradigmas, e sua função na
investigação é discutir os fundamentos epistemológicos do conhecimento.
Especificamente, se reflete acerca do papel dos valores, a idéia de causalidade, o papel
da teoria e sua vinculação com a evidência empírica, o recorte da realidade, os fatores
relacionados com a validez do estudo, o uso e o papel da dedução e a indução,
questões referentes à verificação e falsificação, e os conteúdos e alcances da
explicação e interpretação. Nas Ciências Sociais existem dois tipos de metodologias:
qualitativas e quantitativas, cada uma com diferentes pressupostos teóricos e
procedimentos para obter a evidência empírica.
No uso cotidiano, a noção de metodologia aparece vinculada a de métodos.
Entretanto, como dissemos, a metodologia trata da lógica interna da investigação, os
métodos constituem “uma série de passos que o investigador segue no processo de
produzir uma contribuição ao conhecimento” (DIESING, 1971:1). O mesmo autor
utiliza também o conceito de “pautas de descobrimento”, na medida em que os
métodos são diferentes e se entrecruzam sempre. Por exemplo, o método
experimental, a enquete, bem como os usos de técnicas estatísticas de análise, são
utilizados no marco de uma metodologia quantitativa, enquanto que as entrevistas
(interpretativas ou etnográficas), a observação, a narrativa e a análise de discurso são
utilizadas em estratégias qualitativas (SAUTU et al., 2005).
Dados de pesquisas qualitativas são considerados pelos fenomenologistas como
uma melhor fonte de avaliação ou relação entre conceitos do que observação empírica.
Os fenomenologistas acreditam que é por meio da observação da essência do
fenômeno social ao invés das aparências que se consegue decodificar o fenômeno e
aprofundar
32 nosso conhecimento a respeito dele. Para avaliar a diferença entre a
observação fenomenológica e a observação empírica, Bruyn (1966) propõe o seguinte
quadro :
Quadro 1- Diferenças entre a observação fenomenológica e a observação empírica
Observação fenomenológica Observação empírica
1) Investigação e fenômenos específicosInvestiga fenômenos específicos a partir de
sentem concepções prévias a respeito deconcepções prévias definidas (hipóteses)
sua natureza. sobre sua natureza.
2) Observa o fenômeno que aparece na Observa fenômenos que aparecem aos
consciência sentidos.

3)Procura semelhanças entre fenômenosProcura semelhanças e diferenças entre o


com base no critério da consciência; que é observado e o que está definido
distingue a essência bem como o essencial operacionalmente, distingue correlações
das relações de maneira intuitiva. estatisticamente.
4)Explora como se constituem os Explora como os fenômenos se constituem
fenômenos na consciência enquanto na razão relativa às tipologias sociais.
continuam a não ter concepções prévias em
relação à sua natureza.
5)Examina significados ocultos que podem Examina que significados ocultos podem ser
ser descobertos por meio de aplicação de descobertos por meio da aplicação de
concepções ontológicas da realidade. concepções teóricas da ação social.
Fonte: Bruyig, 1966

Mesmo assim, a metodologia é muitas vezes confundida com os métodos de


pesquisa utilizados num projeto. Métodos são simplesmente técnicas ou procedimentos
usados para coletar e analisar dados. Tal confusão pode ser atribuída ao fato de que a
metodologia se preocupa com a lógica, as potencialidades e as limitações de métodos
de pesquisa.
O método, por sua vez, refere-se ao procedimento ou conjunto de procedimentos
essenciais para se alcançar os objetivos propostos na pesquisa. O aspecto principal do
método diz respeito a tentar solucionar problemas por meio da formulação de
hipóteses passiveis de serem testadas. Em outras palavras, constitui-se numa resposta
provisória de um problema ou fato investigado.

Os métodos estão assentados em princípios epistemológicos e metodológicos.


Razão pela qual, muitas vezes, argumenta-se que não se pode utilizar determinados
métodos dentro de uma metodologia determinada. Na prática, na escolha de um
método, respeitam-se os pressupostos da metodologia na qual se enquadra, embora,
na atualidade, existam alguns graus de liberdade, o que permite o uso de técnicas
quali-quantitativas sem abdicar da metodologia utilizada.
No desenvolvimento cotidiano da pesquisa, sabe-se que toda pesquisa é uma
construção teórica, na medida em que esta permeia todas as etapas da mesma. O
quadro teórico, os objetivos, a metodologia, os métodos e as fontes utilizadas se
conectam de forma lógica, por meio de uma estrutura argumentativa que também é
teórica (SAUTU et al., 2005, p. 39).
Nessa perspectiva, o ato de pesquisar nas Ciências Sociais envolve um conjunto
e etapas que se entrecruzam permanentemente de maneira lógica e estruturada.
om o objetivo de tornar mais claras essas articulações, elaborou-se um esquema que
ermite visualizar a conexão entre os elementos constitutivos da pesquisa e o seu
esdobramento no processo de pesquisa social.Quadro 2 – A inter-relação entre os
locos constitutivos da pesquisa
33
d
O que há para
C Ontologia
saber?
p
d
b O que e como
Epistemologia podemos saber
sobre isso?

Como podemos
Metodologia adquirir esse
conhecimento?

Quais procedimentos
Métodos podem ser usados?

Fontes
Fontes

Fonte: Grix (2002, p.180).

Um exemplo concreto das Ciências Sociais onde o Quadro 2 pode ser aplicado é
o estudo de Capital Social desdobrado em duas dimensões: (a) a perspectiva
apresentada por Putnam (2000) e (b) uma abordagem alternativa.
No que se refere ao aspecto da ontologia, Putnam (2000) acredita na
predisposição inata da pessoa para se envolver em atividades de natureza coletiva.
Desse modo, parte da premissa que o Capital Social é fruto de características
históricas de uma região, freqüentemente da capacidade associativa em redes e da
confiança recíproca. É fundacionalista na medida em que atribui um valor antecedente
aos aspectos históricos e culturais no fracasso do desenvolvimento democrático de
uma nação. Na abordagem alternativa, pressupõe-se uma abordagem mais
compreensiva, ou seja a pesquisa e realizada com base numa totalidade e num
processo multifatorial.
Quadro 3- Duas abordagens para estudar Capital Social

Abordagem Ontologia Epistemologia Metodologia Métodos Fontes


34
Escola Fundacionalist Positivista Escolha de Survey Dados
a
de Putnam Estratégia de Survey
Quantitativa

Abordagem Anti- Interpretativis Quantitativo Entrevistas Idem


Alternativa fundaciona ta Qualitativo
Survey
lista

Fonte: Elaboração própria

Da perspectiva epistemológica, Putnam é considerado positivista, pois acredita


na existência de uma relação causal entre capital social e democracia. Na perspectiva
alternativa, a epistemologia é considerada holística, pois leva em conta a totalidade do
fenômeno, portanto, é caracterizada como interpretativa ou compreensiva. Decorrente
desses posicionamentos epistemológicos, a metodologia de Putnam é de natureza
quantitativa, enquanto que no lado oposto, a metodologia é de caráter qualitativo.
Os métodos utilizados, nesses contextos, são diferentes. Para Putnam, a
pesquisa ou opinião pública survey é o preferido, enquanto na perspectiva alternativa
o método adequado é o que utiliza entrevistas em profundidade, não estruturadas, e
somente em lugar secundário a pesquisa de opinião.
Finalmente, os dados para respaldar as hipóteses ou questões de pesquisa das
duas abordagens também são diferentes. Putnam utiliza os dados quantificados e que
se constituem em “bancos de dados”, enquanto na abordagem alternativa, os dados
resultam, em primeiro lugar, de entrevistas em profundidade, e em segundo lugar, de
pesquisas de opinião.
São essas considerações que entram em jogo no processo inicial de pensar um
projeto de pesquisa, sendo que a próxima etapa é a de refletir a respeito do que
significa pesquisar e pesquisa nas Ciências Sociais. É este o tema do próximo
capítulo.

CAPÍTULO 2

O que significa pesquisa e pesquisar nas Ciências Sociais

Uma avaliação geral da estrutura curricular da maioria das universidades mostra


que, de maneira geral, o campo das Ciências Sociais está assentado em duas linhas:
(1) teoria e, (2) métodos de pesquisa. Este tipo de organização, ao longo do tempo,
tem gerado a idéia equivocada de que teoria e método são independentes entre si e
que a sua integração somente é viável num nível elevado de abstração. Tal
posicionamento tem produzido um pensamento entre os futuros pesquisadores das
Ciências Sociais a respeito de estudo da teoria e método, em que são vistos como
aspectos desconexos, levando-os a optar por disciplinas ou de teoria ou de método. A
conseqüência prática tem sido de que freqüentemente disciplinas de métodos são
vistas com desconfiança, na medida em que os alunos estão convencidos que esta
disciplina é menos relevante e mais difícil do que matérias teóricas. Em muitos casos,
não fosse pelo fato de que estes cursos são obrigatórios, muitos estudantes os
evitariam a qualquer custo.
Na atualidade, constata-se que teoria e método são inseparáveis. Todo recurso
humano na área das Ciências Sociais deve ser, ao mesmo tempo, teórico e
metodólogo. Todo e qualquer conhecimento é resultado da integração dessas duas
dimensões. Embora em muitos casos teoria e método sejam disciplinas ministradas
separadamente,
35 um bom pesquisador desenvolve a habilidade de integrá-los na
análise dos fenômenos sociais. Quanto mais o futuro pesquisador domine esses
aspec
Dados
Informacões sobre o
em pe mundo empírico

uma p

Método
Formas de obter informações úteis
para explicações de fenômenos
sociais.

Fonte: Elaboração própria


Ao contrário do que o senso comum sugere, fatos nas Ciências Sociais não falam
por si mesmos. A explicação dos fenômenos sociais se torna significativa quando se faz
uma análise dentro de molduras teóricas. Desse modo, é necessário organizar os
fatos, analisá-los sistematicamente, submetê-los a testes de validade e avaliar,
posteriormente, as implicações desses fatos na construção de conhecimento e a
relevância para, por exemplo, o desenvolvimento social do país. Tal tarefa sinaliza
para a necessidade de o pesquisador dominar e saber integrar teoria e método.
Desse modo, precisamos definir o significado de pesquisa nas Ciências Sociais.
Não é incomum que o aluno iniciante considere a pesquisa uma tarefa abstrata e
complicada. Tal pensamento, em minha opinião, é normal, pois o que é desconhecido
pressupõe o domínio de algumas habilidades, e pode gerar um pouco de temor.
Entretanto, na medida em que o futuro pesquisador compreende e começa a
sistematizar as diferentes etapas de um projeto de pesquisa e, na prática, aplica esses
ensinamentos, desmistifica a sua aparente complexidade. De maneira sintética, um
projeto de pesquisa tem uma estrutura bem conhecida: início, meio e fim. Os filósofos
costumavam utilizar o termo “raciocínio lógico” para caracterizar o processo de
pesquisa.
Toda e qualquer pesquisa está baseada em pressupostos sobre como o mundo é
percebido (ontologia) e como melhor compreendê-lo (epistemologia). Nas Ciências
Sociais, a forma como o mundo é decodificado e entendido se dá com base em linhas
disciplinares: Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Filosofia, entre outras. Do
ponto de vista do chamado “método científico”, duas escolas filosóficas se destacam a
este respeito: o positivismo e o pós-positivismo, as quais são importantes para a
pesquisa social contemporânea. Isso não significa que não se leve em conta a
importância de outras perspectivas, tais como: relativismo, subjetivismo,

hermenêutica, desconstrutivismo, feminismo, entre outros. O que se quer ressaltar é


que a forma como se faz pesquisa segue um conjunto de regras que se aplicam a
qualquer área.

Pesquisa social

De maneira geral, a pesquisa se materializa quando o cientista social identifica


um problema, e se propõe a buscar soluções para o mesmo. Pensando nesses termos,
a pesquisa diz respeito à construção de conhecimento original dentro de um conjunto
de regras e princípios denominados de científicos. Tal conhecimento pode ser de
ordem teórica ou empírica, embora uma não esteja dissociada da outra. De fato, a
pesquisa precisa ser sempre de natureza teórico-empírica, pois o trabalho empírico é
sempre
41 feito com base no conhecimento da realidade e na epistemologia que a
explica. Nessa direção, Sautu el al. (2005, p.34) definem a pesquisa social como uma
forma de conhecimento que se caracteriza pela construção de evidência empírica
elaborada a partir da teoria aplicando regras explicitas de procedimento. Com base
nessa definição se pode inferir que em toda pesquisa estão presentes três elementos
que se articulam entre si: marco teórico, objetivos e metodologia.
De acordo com Gomes (1998), “fazer pesquisa não significa simplesmente
coletar dados, mas fundamentalmente, coletar dados e analisá-los à luz de uma teoria,
um método, revelando uma organicidade entre a pergunta formuladora e a realidade
abordada”(p. 9).
Nesse sentido, o processo de pesquisa é um conjunto de operações sucessivas e
distintas, mas interdependentes, realizadas por um ou mais pesquisadores, a fim de
coletar sistematicamente informações válidas sobre um fenômeno observável para
compará-lo ou compreendê-lo. É um trabalho complexo que reúne diferentes
competências (escrever, sistematizar, analisar), organização pessoal e domínio de

técnicas especializadas (documentação, instrumentos de pesquisa, etc.) (CHIZZOTTI,


1998, p. 35). Para alguns pesquisadores, a pesquisa é definida como uma atividade
voltada para a solução de problemas, por meio da descoberta de respostas para
perguntas por meio da utilização de processos científicos (CERVO E BERVIAN, 1972,
p.65).
A este respeito, Demo (1985, p. 103) argumenta que:

o conceito de pesquisa designa, de modo geral, o trabalho de


produção de conhecimento, incluindo sempre a idéia velada de
que a produção não seria meramente repetitiva, mas produtiva,
ou seja, investigadora original. Ao usarmos aqui o termo
relativo à pesquisa social, queremos acentuar que nos interessa
o quadro mais específico da pesquisa diretamente ligada a uma
preocupação empírica, que nos parece ser o caso mais
importante, metodologicamente considerando. Dentro dessa
ótica, desejamos ressaltar a problemática fundamental que
normalmente aparece no quadro do teste de uma hipótese.
Ainda que a base empírica seja sempre muito mais
problemática, porque depende intrinsecamente de sua alocação
teórica, não há meios de preconizarmos a fuga dela como teste
das teorias. Ou seja, a base empírica é essencial para a
demarcação científica delas, mesmo que servisse apenas para
falsificar, não para verificar. Ao estudarmos o relacionamento
metodológico entre teoria e empiria, não se trata nunca de
secundarizarmos uma ou outra, mas de enquadrarmos
teoricamente suas funções específicas dentro da pesquisa, que,
por suposição nossa, não existe sem os dois elementos.
No campo das Ciências Sociais, a pesquisa social é um processo, entendido como
uma prática profissional, dirigida especificamente para a produção e comunicação de
conhecimentos, desenvolvida dentro de um marco de práticas e tradições que
permitem reconhecê-la como tal (BRUNNER E SUNKEL, 1993)
Conceituada dessa maneira, a pesquisa social, enquanto especialidade
profissional, requer o domínio das diferentes etapas que fazem parte dela. Para ser um
pesquisador competente, portanto, é preciso ter um treinamento formal que capacite
os profissionais das Ciências Sociais a exercer a referida atividade.
A pesquisa sistemática e científica busca ir além do senso comum e se orienta
na direção de produzir conhecimento não-cotidiano. Trata-se, portanto, de uma

capacitação teórico-técnica direcionada para decodificar, compreender, explicar e


intervir nos fenômenos sociais estudados. Dessa forma, um pesquisador social precisa
conhecer e dominar as tradições metodológicas de sua área, bem como operacionalizar
práticas que o habilitem a dar respostas “científicas” aos fenômenos sociais. É esta a
essência
42 da pesquisa social.
Uma característica fundamental que decorre do ato de pesquisar é a habilidade
do pesquisador em comunicar os resultados do seu trabalho para um público mais
amplo. A este respeito, Blalock (1970) já alertava que os cientistas sociais, de maneira
geral, parecem não ter se esforçado para comunicar claramente sobre o que a sua
pesquisa trata. Para o autor, a maior parte de artigos de revistas especializadas estão
escritos de forma excessivamente técnica ou numa direção do que convencionou
chamar de “sociologia popular”, combinando um estilo jornalístico com quase uma
tentativa deliberada de evitar informar ao leitor sobre o que a pesquisa examina,
passando a idéia de que é uma atividade muito simples ou desnecessária.
Desse modo, pode-se afirmar que, de maneira geral, a percepção de que as
Ciências Sociais nada mais são do que uma versão melhorada do senso comum
continua a permear o meio acadêmico. Propor regras mais sistemáticas de análise dos
fenômenos sociais, nesse contexto, geralmente enfrenta resistências não só por parte
das ciências duras, por exemplo, mas da própria comunidade de cientistas sociais que
aderem freqüentemente ao princípio de que os fenômenos sociais unicamente fazem
sentido por meio do envolvimento do pesquisador no contexto estudado ou, por outro
lado, via procedimento rígidos. Naturalmente, esses posicionamentos devem se
relativizados, pois independente do método que o pesquisador deseje utilizar, algumas
práticas norteadoras e organizativas são necessárias.
Mas em que consistem essas práticas e tradições aceitas no meio acadêmico
como necessárias para a pesquisa social?

De acordo com Brunner e Sunkel (1993):


Em primeiro lugar, trata-se -como já vimos- de práticas
explicitamente organizadas para produzir conhecimento.
Segundo, essas práticas, assim dirigidas, supõem o uso de um
determinado “instrumental de produção”. Terceiro, esse
instrumental consiste em conceitos e métodos que a tradição foi
selecionando e consagrando, como os conceitos e métodos que
devem ser empregados quando se deseja realizar uma prática
reconhecida de investigação social. Quarto, o núcleo mais
formalizado desses conceitos e métodos é provido de um tipo
peculiar de tradições conceituais e metodológicas, encarnadas
em especialistas profissionais, que chamamos de “disciplinas”,
as quais definem, por si, também o núcleo mais formalizado do
que se entende por investigação social. Quinto -no entanto- a
investigação social como prática profissionalizada vai mais além
do círculo das disciplinas, até abarcar uma multiplicidade de
atividades que têm em comum: (i) uma finalidade
explicitamente produtiva de conhecimentos; (ii) uma referência
(por mais solta que seja) a conceitos e/ ou métodos que
servem para analisar (explicar, interpretar) a realidade social;
(iii) a pretensão de produzir conhecimento não-cotidiano e, por
último,
(iv) alguns agentes que desenvolvem uma atividade contínua
em torno do uso desses conceitos e métodos (frouxamente
definidos), sendo reconhecido o resultado de seu trabalho como
algo que permite conhecer melhor (iluminar em um sentido
não- cotidiano) a realidade social. Neste último sentido se diz,
por exemplo, que certas novelas têm o caráter de uma
“verdadeira investigação social” ou, com maior razão ainda, que
o ensaio produz conhecimento não-cotidiano sobre a
sociedade, ainda que se separe dos cânones conceituais e
metodológicos comumente aceitos por uma comunidade
disciplinar.
43 A palavra “social” diz respeito à pesquisa que produz conhecimentos sobre a
sociedade, além do senso comum. Em sentido restrito, trata-se daquelas práticas de
investigação que se enquadram -e são reconhecidas como tais- dentro do campo das
disciplinas chamadas “Ciências Sociais”. Nesta área o que é considerado como
investigação se materializa, por exemplo, na comunicação e na publicação dos
resultados produzidos por um estudo. E esses resultados precisam ter uma
intersubjetividade acadêmica.
Definida nesses termos, a pesquisa social envolve práticas e resultados diversos
que podem ser sintetizados da seguinte forma:

 Um estudo sobre o caráter científico de uma investigação.


 Um estudo de alguma teoria nas Ciências Sociais.
 Um estudo empírico sobre qualquer aspecto da realidade social.
 Uma enquete de opinião.
 Uma descrição conceitual e metodologicamente organizada de um fenômeno.
 Uma indagação jornalística conduzida com a suficiente profundidade e
organização que esclareça um fato social além do sentido comum cotidiano.
 Um informe qualquer, produzido sob as restrições mencionadas, que ofereça
uma representação que é aceita como um valor agregado de conhecimento
sobre o objeto dessa representação.

Assim, o processo de pesquisa envolve um conjunto de elementos definidores


daquilo que é considerado relevante e significativo para ser investigado. Um desses
componentes é o que diz respeito ao contexto dentro do qual a pesquisa ocorre. Desse
modo, contexto se refere ao conjunto de condições gerais que marcam a orientação de
uma sociedade através de seu sistema político, a organização e o funcionamento de
sua economia e as idéias, crenças e valores predominantes em sua cultura.
O pesquisador sempre inicia sua tarefa de buscar explicações aos fenômenos
sociais referenciando-se no contexto em que esse conhecimento será construído.
Vejamos um exemplo de aplicação deste termo. Se um pesquisador quer examinar
porque os cidadãos latino-americanos não participam em atividades políticas, uma
forma de identificar o contexto se daria da seguinte forma:

Quadro 5- Etapas no processo de contextualização de um problema


Problema a ser analisado Elementos observados
Por que há pouca participação cidadã na
América Latina?
Contexto
1.De construção democrática caracterizada América Latina vive uma situação paradoxal,
por dilemas.

2.Influência da globalização na construção Onde os procedimentos formais da


democrática. democracia têm avançado, porém os
indicadores substantivos da democracia têm
estagnado. Tal situação pode ser atribuída ao
processo de globalização,

3.Situação sócio-econômica das pessoas. Que inibe a participação popular, bem como
uma situação que frustra os cidadãos nas
suas expectativas
4.Apatia e desmobilização política. E os leva a desenvolver atitudes de
hostilidade e resignação em relação à política.
5. 44
Crescimento do individualismo. Esses fatores incidem no aumento da
individualização da política onde prevalecem
os interesses pessoais em detrimento da
construção coletiva.
Fonte: Elaboração própria
O quadro 5 identifica, na coluna da esquerda, cinco aspectos que demonstram o
contexto dentro do qual se pode encontrar respostas para a pouca participação dos
cidadãos na América Latina. Derivados do contexto emergem vários sub-temas que
adquirem visibilidade para a opinião pública, para os gestores públicos e para atores
econômicos estratégicos e passam a ser considerados questões que precisam ser
estudadas e compreendidas, buscando encontrar alternativas para contribuir com a
sua solução.
Esse conjunto de temas considerados relevantes e atuais para serem
investigados é o que se denomina de metagenda. Nessas circunstâncias, geralmente,
os órgãos de financiamento de pesquisa priorizam seu apoio àquelas iniciativas que
estão dentro da metagenda. No lado negativo, tal procedimento tem gerado uma
situação na qual muitos estudos que poderiam se constituir em contribuições teóricas
importantes, são deixados de lado, pois não são vistos como prioritários. A título de
exemplo, pode-se mencionar pesquisas que tenham como base a classe social.
Nessa direção, cabe destacar que a refutação de uma teoria ou paradigma não
significa que desapareça definitivamente da comunidade científica (FISICHELLA, 1989,
p.8), mas passa a ser considerada geralmente não prioritária.
A partir do exemplo acima citado, alguns temas que compõem a agenda de
pesquisa contemporânea na América Latina a respeito de participação política são:
1. Engenharia Institucional;

2. Estudo dos partidos políticos;


3. Análise das relações Executivo-Legislativo;
4. O estudo da teoria da escolha racional;
5. Estudos sobre democracia representativa e procedimental.

Temas que são colocados em segundo plano são:


1. A influência das atitudes na construção democrática;
2. O estudo do capital social;
3. Análise de formas alternativas de participação política;
4. Estudos de natureza histórica e ideológica.

Nessa perspectiva, contexto e metagenda praticamente determinam o destino


dos recursos de pesquisa, pois os responsáveis pela análise de projetos de pesquisa
tanto no âmbito nacional quanto internacional priorizam aqueles estudos considerados
estratégicos na solução de problemas derivados da metagenda. Por exemplo, nos
últimos anos, uma quantia significativa de recursos tem sido destinada a projetos que
visam introduzir mecanismos de fiscalização de gastos públicos (accountability); a
promoção da eqüidade social (advocacy) e o monitoramento da aplicação de políticas
públicas (observatórios de cidadania). Tais iniciativas, embora bem intencionadas,
geralmente, pouco têm contribuído para a solução dos problemas sociais, pois acabam
reproduzindo ações já empreendidas no passado e que não tiveram sucesso, ou se
restringindo a ações de denúncia que, em muitos casos, servem para legitimar
procedimentos impostos de cima para baixo.
O lado perverso dessas iniciativas se materializa num círculo vicioso onde “novos
dispositivos” de participação são gerados, mas que na verdade pouco incidem na
promoção eficaz da participação política cidadã: a crise atual das ONGs é ilustrativa
dessa situação.
Isso ocorre pelo fato de os gestores públicos terem que responder em caráter
imediatista às demandas da sociedade e pela necessidade de publicizar iniciativas que
buscam
45 resolver os problemas sociais.

Nessa perspectiva, os recursos para pesquisa que poderiam ser melhor


canalizados, são monopolizados pelas organizações já estabelecidas, consideradas
pelos gestores públicos aptas e capazes de proporcionar soluções aos dilemas sociais,
o que não se tem verificado na magnitude prevista. Tal situação acaba
desvalorizando e inibindo propostas alternativas de construção do conhecimento,
possibilitando a prevalência da hegemonia do conhecimento estabelecido que nem
sempre corresponde à realidade investigada. Daí porque se podem explicar os
minguados recursos para pesquisa destinados às Ciências Sociais.
Esses três elementos, contexto, metagenda e financiamento da pesquisa agem
decisivamente no estabelecimento dos paradigmas hegemônicos no campo das
Ciências Sociais, gerando, em minha opinião, um conhecimento meramente reativo.
Os enfoques predominantes acabam inibindo a capacidade criativa dos futuros
pesquisadores, por meio de uma castração cultural.
A este respeito, Brunner e Sunkel (1993) argumentam que:

Em alguma medida, as próprias Ciências Sociais, através da


investigação social, contribuem para modular essa luta por
hegemonias ou disputa em torno da metagenda da sociedade e,
por esse conceito, transformam-se elas mesma em um campo
de luta; num objeto das disputas por definir o contexto e suas
orientações. Quando chega a esse ponto, habitualmente se põe
em jogo a própria estrutura institucional do campo e sua
relativa autonomia. Assim, ao usar as Ciências Sociais como
arma nessa luta de hegemonias, pode-se facilmente passar a
usar as armas contra as Ciências Sociais.

A despeito dessas limitações, a pesquisa nas Ciências Sociais tem evoluído


qualitativa e quantitativamente nas últimas décadas. Um dos aspectos positivos desse
processo tem sido uma gradual, embora ainda reduzida, exigência de trabalhos que
mostram maior rigor e precisão na elaboração de projetos de pesquisa.
Nessa perspectiva, a pesquisa quantitativa nas Ciências Sociais tem como objetivo:

1. Preencher lacunas na bibliografia;

2. Testar hipóteses;
3. Estabelecer relações entre variáveis;
4. Testar novas teorias e modelos;
5. Desenvolver novos conceitos para pesquisas científicas;
6. Produzir conhecimento novo.

Durante as duas últimas décadas a pesquisa por amostragem tem-se tornado


uma das técnicas mais utilizadas no estudo de fenômenos sociais nas ciências do
comportamento. A utilização dessa técnica de pesquisa tem sido associada ao processo
de construção de teorias e testagem das mesmas. Esta técnica caracteriza-se por
princípios bem formulados, um planejamento estrito de pesquisa, coleta, análise e
interpretação de dados.
A técnica de análise tipo survey nos últimos anos passou a ser extensivamente
utilizada no Brasil, em quase todas as áreas das Ciências Sociais. No entanto, apesar
de existir uma bibliografia técnica abundante, inexistem obras apropriadas para o
pesquisador incipiente que pretenda empregar essa técnica de investigação. É neste
contexto que o objetivo deste trabalho se enquadra, isto é, de apresentar uma
descrição “simples” da técnica survey de análise, e o seu uso na Ciência Política, cujas
características discutimos a seguir.
A pesquisa survey
46
Desde o momento em que a raça humana pode-se comunicar através de uma
linguagem comum, e na medida em que as sociedades experimentavam um processo
de modernização industrial e tecnológica, houve a necessidade de saber como outras
pessoas pensavam sobre determinados assuntos para estabelecer grupos baseados em
interesses comuns e homogêneos. Esta necessidade tem-se convertido num elemento
essencial na atualidade em nível institucional, ou seja, as relações entre organizações
privadas ou públicas, voluntárias ou não, estão influenciadas pelo que umas pensam
das outras. Este processo de saber como as pessoas pensam sobre determinados

assuntos, aliado a técnicas sistemáticas específicas de análise caracterizam a pesquisa


tipo survey. Neste sentido, tudo o que se pode dizer é que surveys estão preocupados
com as características demográficas, o ambiente social, as atividades ou as opiniões e
atitudes de um grupo de pessoas.
Assim, tem-se tornado importante e vantajoso saber como as pessoas pensam;
por exemplo, organizações comerciais podem querer saber a recepção do público de
um novo produto que a companhia planeja lançar em um futuro próximo. Por sua vez,
na área acadêmica, um cientista político pode estar interessado nas atitudes das
pessoas com relação aos partidos políticos, um economista com relação à inflação, um
sociólogo em relação ao desemprego, etc.
Uma das questões cruciais que se coloca em relação à pesquisa tipo survey é
saber se o comportamento humano pode ser sujeitado ao ‘estudo científico’.
Mas, seja qual for o interesse do(s) indivíduo(s) ou da(s) organização(ões), as
pessoas que utilizam a técnica de survey baseiam-se na premissa básica de saber o
que outras pessoas pensam. Para isso, utilizam a técnica de fazer perguntas. Neste
sentido, essa técnica nas Ciências Sociais procura descobrir regularidades nas atitudes
das pessoas. Na Ciência Política, por exemplo, a ênfase está na explicação do
comportamento político, ao invés da descrição de instituições políticas.
Assim, na perspectiva das percepções dos cidadãos, um cientista social, de
forma geral, procura identificar regularidades no comportamento social. Ele faz isso
através de observações e mensurações cuidadosas, a despeito de ressaltar que
medidas de atitudes têm sido freqüentemente consideradas não científicas. Mas, em
última análise, toda e qualquer medida científica deve ser analisada em termos de
sua utilidade para a investigação, em vez de como se fosse uma verdade absoluta.
No que diz respeito à América Latina, deve-se salientar que, a falta de costume
faz com que as pessoas não confiem muito em surveys, isto é, em responder a

perguntas. Em parte, isto se deve ao fato de que, além da falta de hábito, as pessoas
que são entrevistadas não compreendem as bases técnicas de survey, bem como sua
importância na área acadêmica. Uma desconfiança normal é com relação a como
explicar que a opinião de “poucos” indivíduos representa a opinião de todos, em
termos mais amplos.
Neste sentido, tornou-se fundamental compreender a lógica subjacente às
pesquisas de levantamento de opinião pública, para determinar a sua validade e
confiabilidade. Evidentemente que nem todos os surveys merecem nossa confiança,
visto que nem todos são conduzidos corretamente. A confiabilidade dos resultados de
uma pesquisa tipo survey é proporcional ao rigor exercido em cada etapa de coleta e
interpretação dos dados.
Para exemplificar a situação acima exposta, suponhamos que somos informados
que a maioria dos porto-alegrenses desaprova a educação pública e gratuita. Antes de
aceitarmos esta conclusão, devemos saber quem foi entrevistado, a forma como as
perguntas foram estruturadas e, principalmente, se as interpretações dessas
perguntas estão corretas, e se realmente representam as opiniões da maioria da
população.
Não se deve pensar, no entanto, que o propósito de survey seja nas Ciências
Sociais ou outras, tão simples. Muitas indagações procuram explicar, ao invés de
descrever. Sua função pode ser teórica - para testar alguma hipótese sugerida pela
teoria estudada – ou altamente prática – para avaliar a influência de vários fatores, os
quais
51 podem ser manipulados pela ação pública sobre algum fenômeno. É fundamental
ressaltar neste ponto que, a simples coleta de dados não é substituta da pesquisa
teórica.
Em suma, para confiar nos resultados de pesquisas tipo survey, deve-se
examinar aspectos tais como:
a) a forma através da qual os surveys são conduzidos; e

b) a avaliação dos resultados para determinar a sua validade e credibilidade.

A natureza de pesquisas de levantamento de Opinião Pública

Suponha, por exemplo, que gostaríamos de saber o que os cidadãos de Porto


Alegre pensam em relação ao funcionamento do Pólo Petroquímico. Inicialmente,
sabemos as opiniões dos nossos amigos e vizinhos, ou seja, pessoas de um grupo
homogêneo. No entanto, nem todas as pessoas são como este grupo, e não se pode
saber a opinião dessas pessoas, a menos que sejam seguidos os princípios básicos de
pesquisa, e lhes perguntemos.
Neste sentido, surveys têm a sua utilidade tanto no processo de elaboração de
hipóteses, como, num estágio mais avançado, de testá-las. Sua função, numa
determinada pesquisa, depende de quanto se sabe com relação ao tema e o propósito
para o qual a informação é desejada.
Mas, voltando ao exemplo do Pólo Petroquímico, sabemos que na cidade de Porto
Alegre, com mais de um milhão de habitantes, seria impossível entrevistar todo
mundo. Como resolver este impasse? É aqui que o conceito de amostra, ou seja, um
grupo representativo da população que nos interessa investigar, é incorporado.
Basicamente, ele nos coloca dentro de um dilema a ser resolvido; através de que
meios iremos escolher um grupo representativo de todas as pessoas na cidade? E,
num segundo momento, que tipo de perguntas devemos fazer, e que técnicas serão
utilizadas para obter as respostas a essas perguntas. Este último elemento cria a
necessidade de estabelecer critérios para a elaboração de perguntas, a fim de
maximizar uma modalidade de respostas, isto é, que a maior parte das pessoas
entrevistadas respondam as questionário, interpretem as perguntas da mesma forma,
e como o pesquisador gostaria.

Neste sentido, é apropriado pensar em pesquisas tipo survey como um simples


instrumento de coleta de informação. E como qualquer instrumento, a sua utilidade
depende da forma como é utilizado.
É importante ressaltar que cientistas sociais têm sido acusados de gerar
descobertas consideradas triviais ou óbvias. Isso tem levado muitos cientistas em
potencial a procurar resultados obscuros ou esotéricos para provar que a ciência social
é algo mais do que simplesmente senso comum. Evidentemente que esta atitude é
inadequada, principalmente se se aceita que existem muitas contradições na vasta
dimensão do “senso comum”, e é essencial procurar sistematizar os mal entendidos
existentes (BABBIE, 1975). Em síntese, “documentado e óbvio” é uma função útil de
qualquer ciência, exata ou social.
Assim, a informação obtida através de levantamentos de opinião pública
(surveys), pode ser dividida em três categorias gerais: (1) opiniões e questões do dia-
a-dia; (2) atitudes com relação a temas básicos; e (3) dados demográficos
(informações pessoais) dos entrevistados.
Os critérios para diferenciar as categorias acima aludidas são: a) a opinião dos
respondentes com relação a algum assunto específico e, b) atitudes com relação a
assuntos gerais.
Se o objetivo de um trabalho é saber se as pessoas estão a favor ou contra
determinado assunto, objeto ou produto implica-se que se está tentando identificar as
opiniões das pessoas. Esse tipo de estudo é denominado pesquisa de opinião pública
(polls).
O interessante nesses estudos, embora obedeçam a critérios científicos no que
diz
52respeito a sua execução, é que não têm uma teoria subjacente, e são de natureza
imediatista.

O Gallup que conduz levantamentos de opinião pública, por exemplo, com


relação à inflação, seria um caso típico.
Nas Ciências Sociais, ao contrário, pesquisas de opinião pública visam identificar
as atitudes dos entrevistados com relação a variados assuntos derivados de uma
teoria subjacente. É aqui que a diferença entre pesquisas de opinião pública e
pesquisas de atitudes se verifica mais claramente. Isto é, levantamentos acadêmicos
de atitudes públicas procuram interpretar a dinâmica das mesmas, enquanto que
pesquisas de opinião pública, simplesmente apresentam as proporções das pessoas
com opiniões específicas. Muitas vezes, as perguntas utilizadas em enquetes de
opinião pública são as mesmas que são usadas em enquetes acadêmicas, a diferença
está em que a primeira se interessa em saber como as pessoas então pensando com
relação a alguma coisa, enquanto que a segunda está mais interessada em saber por
que as pessoas pensam assim.
Como foi mencionado previamente, o terceiro tipo de informação visada através
de pesquisas tipo survey são os dados demográficos dos respondentes, ou seja,
informações de dados pessoais. Essas questões envolvem: educação, religião, classe
social, idade, etc. Quase todos os levantamentos de opinião pública, ou de atitudes,
incluem questões dessa natureza, que são importantes para determinar variações de
atitudes ou opiniões dos entrevistados.
Em suma, com as diferenças substantivas entre opiniões, atitudes e dados
demográficos, três tipos de levantamentos de dados podem ser identificados: (a)
pesquisas de opinião pública; (b) pesquisas de atitudes e, (c) pesquisas sobre dados
demográficos.

I - Pesquisas de Opinião Pública

Nesta categoria, um instrumento de coleta de informações obedece,


principalmente a critérios comerciais. Existem organizações específicas que são
contratadas para fazer levantamentos de opinião pública com relação a determinados
produtos. Inclusive, dentro da área política, essas organizações fazem levantamentos
para saber as opiniões das pessoas com relação ao futuro candidato. Mais típicos, no
entanto, são os assuntos relacionados com os temas atuais e de interesse geral, tais
como: o divórcio, a inflação, o desemprego, a religião, etc. O Gallup, no Brasil, dedica-
se, especificamente, a esse tipo de pesquisa.
Não é novidade, também, por exemplo, que os partidos políticos ou os próprios
candidatos contratem firmas para determinar e explorar os assuntos que o eleitorado
considera importantes, como também para identificar o perfil sócio-econômico dos
eleitores que apóiam um determinado partido ou candidato.
As firmas comerciais têm o hábito de sondar as opiniões das pessoas com
relação a possíveis lançamentos no mercado dos seus novos produtos, e também
identificar possíveis consumidores.
Há uma similaridade muito grande entre campanhas políticas e campanhas de
propaganda. É interessante notar que nos Estados Unidos, alguns críticos sociais têm
argumentado que os candidatos políticos são vendidos como mercadorias ao mercado
de eleitores.

II- Enquetes acadêmicas de atitudes

Um dos primeiros usos políticos de survey de atitudes aparece em 1880. um


sociólogo político alemão enviou cerca de 25.000 questionários aos operários franceses
para determinar o grau de exploração dos empregadores. O pesquisador era Karl
Marx. Enquanto se sabe que 25.000 questionários foram enviados, não se tem
conhecimento
se53eles foram (e quantos) devolvidos. Sabe-se, também, que o sociólogo Max Weber
empregou métodos de pesquisa tipo survey na sua pesquisa sobre Ética Protestante.
De uma forma geral, enquetes acadêmicas objetivam a coleta de dados das
atitudes das pessoas com relação a um ou mais fenômenos sociais, tais como eleições
e comportamento eleitoral. A ênfase está em compreender, mais adequadamente, o
processo social subjacente. De fato, se quisermos estabelecer uma fronteira entre
enquetes de natureza comercial e as de natureza acadêmica, poderíamos dizer que
uma começa (enquete acadêmica) onde a outra termina (enquete comercial).
A diferença entre estes dois tipos de enquetes é mais clara quando as
analisamos com relação a eleições. Por exemplo, as enquetes de organizações
comerciais, tais como Gallup, conduzem pesquisas de opinião pública antes das
eleições para estimar as chances do futuro candidato; também podem ser conduzidos,
depois de uma eleição, para compreender os resultados. Neste sentido, se examina o
voto como um processo e não como um evento singular. Por sua vez, e obedecendo a
uma tradição científica, as enquetes acadêmicas têm como objetivo básico utilizar
informação coletada para testar hipóteses ou elaborar teorias que procuram explicar o
comportamento humano.
Em segundo lugar, enquetes acadêmicas requerem uma estrutura de perguntas
diferente de enquetes de opinião pública. Um processo de análise de dados executado
por enquetes acadêmicas é muito mais complexo do que simplesmente totalizar as
respostas, como é o caso em enquetes de opinião pública.
Finalmente, a diferença mais evidente entre enquetes comerciais versus
enquetes acadêmicas é a forma como os resultados são produzidos. Pela sua própria
natureza, as enquetes comerciais requerem tabulações imediatas dos resultados; já os
dados produzidos por enquetes acadêmicas exigem, via de regra, muito mais tempo
para serem analisados e publicados.

O último tipo de pesquisa tipo survey é aquele que requer informação pessoal
dos entrevistados. Esta informação é utilizada extensivamente por analistas políticos,
sociólogos e instituições governamentais. O interesse por trás dessas pesquisas pode
ser imediato ou de longo prazo. Por exemplo, qual é o índice de desemprego, ou qual
é o índice de criminalidade, são tópicos que se enquadram dentro deste tipo de
pesquisa.
O exemplo mais conhecido de enquetes de dados demográficos é o Censo,
conduzido no início de cada década, e cujo objetivo é obter informação das pessoas
morando em cada residência, seu sexo, idade, experiência escolar e outros fatos em
relação às mesmas. O Censo talvez seja o método mais antigo de coleta de
informação, já que pode ser traçado desde a civilização egípcia antiga, quando era
considerado útil para os governantes ter dados empíricos sobre os seus governados.

A enquete acadêmica nas Ciências Sociais

Qualquer estudo acadêmico, independente da utilização ou não da técnica tipo


survey, deve começar com a formulação do problema, bem como os objetivos do
estudo. Se a pesquisa tipo survey é escolhida como um meio para coletar dados, os
objetivos especificados se encarregarão de determinar que pessoas devem ser
entrevistadas, a estruturação das perguntas, tipo de perguntas, etc.
Dentro da primeira parte de uma proposta de pesquisa, além da formulação do
problema e especificação dos objetivos, deve-se explicitar as hipóteses a serem
testadas, ou, se a pesquisa é exploratória, os objetivos da mesma devem ser bastante
claros.
As variáveis devem ser operacionalizadas, ou seja, o pesquisador deve indicar a
maneira pela qual medirá melhor as variáveis do estudo.
Na pesquisa tipo survey, existem pelo menos treze fontes potenciais de erro, as
quais precisam serem levadas em conta a fim de não prejudicar o levantamento final.
Essas fontes estão no quadro 6.
54
Quadro 6 – Fontes de erro numa pesquisa de levantamento.
1. Variabilidade nas respostas;
2. Diferenças entre tipos de pesquisas: telefone, face a face, curtas vs.
longas entrevistas;
3. Tendenciosidades que surgem dos entrevistadores;
4. Tendenciosidades dos patrocinadores;
5. Imperfeições no desenho do questionário;
6. Mudanças que ocorrem antes da tabulação estar pronta;
7. Tendenciosidades que surgem das não-respostas;
8. Tendenciosidades que surgem da elaboração de relatórios com atraso;
9. Tendenciosidades que surgem da seleção de uma amostra não representativa
ou da época selecionada;
10. Tendenciosidades baseadas na escolha errada dos entrevistados;
11. Erros amostrais;
12. Erros de processamento (codificação, digitação, cálculos);
13. Erros de interpretação (números de
casos). Fonte: Elaboração própria.
Uma vez que as etapas acima discutidas são satisfeitas, o delineamento da
metodologia é especificado. No caso de enquetes de atitudes políticas, é importante
saber suas limitações, bem como considerar as alternativas.
Estabelecidas as bases conceituais do ato de pesquisar e pesquisa, passa-se para
a dimensão mais técnica e que diz respeito à estruturação de um projeto de pesquisa
de caráter empírico.

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