Escolha Do C+ Njuge Determinismo 2
Escolha Do C+ Njuge Determinismo 2
Escolha Do C+ Njuge Determinismo 2
Natanael Moraes
A tese de que há uma pessoa exclusiva para cada um de nós tem como base a
predestinação divina. Deste modo, predestinação e determinismo estão associados.
Uma das consequências desta “predestinação conjugal” é a de que Deus
determina o nosso cônjuge à revelia de nossa vontade. Noutras palavras, pressupõe
que Deus é uma pessoa arbitrária e ditatorial.1
Há duas teorias sobre a presciência divina: uma é a presciência divina absoluta
e a outra é a presciência divina relativa. Quanto à presciência divina absoluta, esta se
subdivide em duas, a não causativa que aceita o livre arbítrio humano e a causativa,
por sua vez, determinista, ou seja, nega o livre arbítrio humano.
A presciência divina absoluta não causativa entende que Deus prevê o futuro
nos mínimos detalhes, bem como todas as ações dos seres livres, sem que isto
implique em determinismo ou predestinação.
A presciência divina absoluta causativa coloca ênfase sobre a soberania de
Deus e afirma que todas as coisas ocorrem pela vontade de Deus. As raízes desta
teoria estão em Agostinho que teve um forte defensor em Calvino. Para ele a graça
divina é destinada àqueles a quem Deus escolhe; Ele predestinou para o castigo e para
a salvação, inclusive o número de cada um dos casos para a salvação ou perdição está
fixado.
Quando argumentamos do ponto de vista da onisciência e da onipotência de
Deus, parece que o livre-arbítrio humano fica obliterado. Quando argumentamos com
base no livre-arbítrio humano, parece que a presciência e o poder divino de
determinar as ações são excluídos. Então surge a questão: até que ponto Deus
determina os acontecimentos humanos, e até que ponto o homem é livre em suas
ações?
O foco do presente estudo encontra-se na escolha do cônjuge. Tim Stafford
defende o ponto de vista de que Deus tem uma pessoa certa para cada cristão. Esta é
uma perspectiva baseada em pressupostos determinísticos comuns ao conjunto de
princípios defendidos pela teoria mais abrangente da predestinação calvinista.
Antes de passarmos a discussão específica do tema em foco, é preciso
conceituar melhor os termos predestinação e livre arbítrio segundo a Bíblia e o Espírito
de Profecia. Outros motivos teológicos estão envolvidos como o conflito entre o bem o
mal, a queda de Lúcifer, a queda de Adão e Eva, presciência de Deus, etc.
Para aqueles que acreditam numa presciência divina relativa, ou seja, que Deus
não conhece o futuro no sentido absoluto o ponto crucial é: "se Deus conhece todas as
1
Para uma melhor noção sobre o tema da presciência divina, ver o artigo de Albert R. Timm,
“Presciência Divina – Relativa ou Absoluta” em O Ministério Adventista, novembro-dezembro de 1984,
pp. 13-22.
1
coisas de antemão, toda a liberdade de ação parece ser excluída".2 Deste modo, para
que o livre arbítrio humano seja mantido, o conceito da presciência divina é
relativizado, ou seja, para os seus defensores, Deus não tem conhecimento prévio de
todas as nossas ações. Na verdade, esta posição torna Deus dependente do homem.3
Predestinação e Livre-Arbítrio
Predestinação e livre-arbítrio são dois conceitos aparentemente contraditórios.
Como a Bíblia estabelece a ambos, não podemos advogar apenas um deles, em
detrimento do outro; pois "quando argumentamos dedutivamente, com base na
onisciência e na onipotência de Deus, o livre-arbítrio humano parece ser obliterado.
Por outro lado, quando argumentamos dedutivamente, com base no livre-arbítrio
humano, a presciência e o poder divino de determinar as ações parecem excluídos".4
Assim surge a indagação: Até que ponto Deus determina os acontecimentos humanos,
e até que ponto o homem é livre em suas ações?
Ao desenvolver o tema da predestinação, Calvino citou Agostinho que
comentara a queda de Adão, “o homem não somente *a si mesmo+ se perdeu, mas
ainda a seu arbítrio”.5 A noção agostiniana sobre a natureza humana pecaminosa
depois da queda esclarece porque o cristão precisa de Deus para fazer o bem. A noção
de total depravação da natureza humana decaída explica a ausência do livre arbítrio no
ser humano, daí a total dependência de Deus para escolher fazer o bem. 6
Segundo Calvino, a soberania divina sobre o ser humano é plena e lhe exclui o
livre-arbítrio, “*Ele+ próprio efetua em nós o querer, *o+ que outra [cousa] não é senão
que o Senhor, por Seu Espírito, nos dirige, inclina, governa o coração e nele reina como
em domínio Seu”.7
A seguir o conceito calvinista da predestinação, “Chamamos predestinação o
eterno decreto de Deus pelo qual houve em si [por] determinado quê acerca de cada
homem quisesse acontecer. Pois, não são criados todos em igual condição; pelo
contrário, a uns é preordenada a vida eterna, a outros a eterna danação. Portanto,
como criado foi cada qual para um ou outro (desses dois) fins, assim [o] dizemos
predestinado ou para a vida, ou para a morte. Esta [predestinação], porém, Deus há
atestado não só em cada pessoa, mas também exemplo lhe deu em toda a
2
Herman Bavinck, The Doctrine of God (Edimburgo: The Banner of God Trust, 1979), 189, citado em
Albert R. Timm, “Presciência Divina – Relativa ou Absoluta” em O Ministério Adventista, novembro-
dezembro de 1984, 14.
3
Bavinck, 189, citado em Timm, 14.
4
Sanday, em Russell N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado (Guaratinguetá, SP: A Voz da Bíblia,
s.d.), 3:727, citados em Timm, 14.
5
Agostinho, Enchiridion – manual, cap. IX, seção 30 (PLM, vol. XL, p. 246), citado em João Calvino, As
institutas (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985), 2:24.
6
Idem, Sermão CLXXVI, seção V e, também, seção VI (PLM, vol. XXXVIII, pp. 952-953), citado em Calvino,
2:46.
7
João Calvino, As institutas (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985), 2:61.
2
descendência de Abraão, de onde fizesse manifesto que Lhe está no arbítrio de que
natureza seja a condição futura de cada nação”.8
Essa doutrina afirma ainda que Cristo morreu apenas pelos "eleitos de Deus",
para os quais a graça salvadora de Deus é concedida incondicionalmente; enquanto
que para o restante da humanidade não há esperança de salvação.9
Dentro do contexto da discussão específica sobre escolha do cônjuge, a posição
que afirma ter Deus uma pessoa certa (determinada) para cada crente nega
peremptoriamente o livre-arbítrio humano, o que não é condizente com o testemunho
das Escrituras. Assim sendo, você não tem que escolher, já que seu livre-arbítrio não é
levado em conta por Deus. O que a pessoa precisa é descobrir quem Deus escolheu
para ela. Se este fosse o caso, como se daria a revelação desta informação, por
revelação ou por inspiração profética?
Tratemos, agora, do livre-arbítrio. O relato da criação e da queda do homem,
no livro de Gênesis, estabelece a doutrina do livre-arbítrio humano — de um lado está
a ordem divina a Adão: "Da árvore da ciência do bem e do mal não comerás" (2:17), e
do outro, a transgressão dessa ordem: "e ele comeu" (cap. 3:6). Este episódio
demonstra claramente que as ordens divinas podem ser transgredidas por Suas
criaturas dotadas de livre-arbítrio.10 Se, porventura, a hipótese da predestinação
calvinista fosse verdadeira, haveria uma pergunta, "Uma vez que somos todos
pecadores, por que uma pessoa deveria ser escolhida para honra e outra para deson-
ra?"11 Obviamente isto lançaria uma sombra de dúvida sobre a justiça de Deus.
A predestinação calvinista afirma que a graça salvadora de Deus é concedida
apenas aos que Ele predestinou à salvação; porém o conceito bíblico não suporta esta
posição. Isaías 55:1 diz: "Ah! todos vós os que tendes sede, vinde às águas...", e Cristo
ratifica essas palavras com o convite: "Vinde a Mim todos..." (S. Mat. 11:28), e ordena
que as boas-novas da salvação devem ser pregadas "a toda criatura" (S. Marc. 16:15).
A Bíblia aprofunda ainda mais esse conceito ao declarar que Deus "deseja que todos os
homens sejam salvos" (I Tim. 2:4), e que Ele não quer "que nenhum pereça, senão que
todos cheguem ao arrependimento" (2 Pe 3:9); e a ordem divina é: "Agora, porém,
notifica aos homens que todos em toda parte se arrependam" (Atos 17:30). Assim, “O
convite a todos para que se arrependam seria um escárnio ao nome de Deus se os
homens não se pudessem arrepender".12 A Bíblia acrescenta, porém, que "Deus não
faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que O teme e faz o
que é justo Lhe é aceitável" (Atos 10:34 e 35).13
8
Idem, 3:389.
9
Timm, 14.
10
Ibid.
11
J. Ivan Crawford, Buscando a glória de Deus, Lição da Escola Sabatina, abril-junho de 1982, ed. Do
professor, 60, citado em Timm, 14.
12
Pedro Apolinário, Análise de textos bíblicos de difícil interpretação (São Paulo: Instituto Adventista de
Ensino, 1980), 1:19, citado em Timm, 14-15.
13
Timm, 14-15.
3
Ellen White confirma a noção bíblica de livre-arbítrio, "Não é um decreto
arbitrário da parte de Deus que veda o Céu aos ímpios; estes são excluídos por sua
própria inaptidão para dele participar”.14 Se o destino de cada indivíduo já estivesse
predeterminado desde a eternidade, para a salvação ou para a perdição, a
proclamação do evangelho perderia o seu sentido. Os homens não seriam mais
moralmente responsáveis, e Deus, em última análise, seria responsável pela perdição
dos impenitentes, o que faria da punição do pecado – a cada um “segundo as suas
obras” (Ap 20:12) – uma farsa e uma injustiça; pois tais obras teriam sido o resultado
do desígnio divino. Isto é completamente contrário ao conceito bíblico! 15
Do mesmo modo, no tema específico do casamento, se o cônjuge de cada
pessoa estivesse predeterminado desde a eternidade por Deus tal fato anularia
completamente o livre-arbítrio do ser humano e, consequentemente, a
responsabilidade pela escolha do parceiro(a).
14
Ellen G. White, Caminho a Cristo, 18, em Obras de Ellen G. White (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, s.d.), 1CD-Rom.
15
Timm, 15.
16
Ellen G. White, O desejado de todas as nações, 22, Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.
17
Idem, em Seventh-day Adventist Bible Commentary (SDABC), ed. Francis D. Nichol (Hagerstown, MD:
Review and Herald, 1976), 6:1082.
4
pecados dos outros sobre Ele foi superada por Seu eterno amor. Prosseguiu na criação
dos anjos e do homem a despeito do terrível custo para Sua própria Pessoa”. 18
Mas, o fato de Cristo os ter criado, apesar de saber previamente que eles
cairiam, não torna Deus, em última análise, o autor do pecado? — A questão básica na
compreensão deste assunto é fazermos "a diferença entre praescientia e
praedestinatio, isto é, entre a presciência e a eterna eleição de Deus. A presciência de
Deus nenhuma outra coisa é senão isso que Deus sabe todas as coisas antes de
acontecerem",19 mas ela "não é causativa em si mesma".20
18
Norman R. Gulley, O sacrifício expiatório de Cristo, Lição da Escola Sabatina, janeiro-março de 1983,
ed. do professor, 5, citado em Timm, 16.
19
Livro de concórdia, As confissões da Igreja Evangélica Luterana (São Leopoldo, RS: Editora Sinodal,
Editora Concórdia, 1980), 532, citado em Timm, 16.
20
Augustus H. Strong, Systematic Theology (Valley Forge, PA: Judson Press, 1979), 286, citado em Timm,
16.
5
O que Deus determina é um tipo de caráter, não uma pessoa exclusiva: “Pesem,
os que pretendem casar-se, todo sentimento e observem todas as modalidades de
caráter naquele com quem desejam unir o destino de sua vida. Seja todo passo em
direção do casamento caracterizado pela modéstia, simplicidade, e sincero propósito
de agradar e honrar a Deus”.21 Outra citação que segue o mesmo conselho e, “...
receba a jovem como companheiro vitalício tão somente ao que possua traços de
caráter puros e varonis, que seja diligente, honesto e tenha aspirações, que ame e
tema a Deus”.22
Neste mesmo livro, Ellen White continua sua orientação:
“Antes de dar a mão em casamento, deveria toda mulher indagar se aquele
com quem está para unir seu destino, é digno. Qual é seu passado? É pura a sua vida?
É o amor que ele exprime de caráter nobre, elevado, ou é simples inclinação emotiva?
Tem os traços de caráter que a tornarão feliz? Poderá ela encontrar verdadeira paz e
alegria na afeição dele? Ser-lhe-á permitido, a ela, conservar sua individualidade, ou
terá de submeter seu juízo e consciência ao domínio do marido? Como discípula de
Cristo, ela não pertence a si mesma, foi comprada por preço. Pode honrar as
reivindicações do Salvador como supremas? Serão conservados puros e santos o corpo
e a alma, os pensamentos e propósitos? Essas perguntas têm influência vital sobre o
bem-estar de toda mulher que se casa”.23
Continuando a ênfase sobre o caráter do pretendente, ela orienta aos jovens
consultarem os pais e acrescenta, “Consultai a Deus e a vossos pais tementes a Deus,
jovens amigos. Orai sobre o assunto. Pesai cada sentimento e observai todo
desenvolvimento de caráter na pessoa a quem pretendeis ligar o destino de vossa
vida”.24
6
para forçá-los a casar com quem não amavam. Mas os filhos tinham confiança no
julgamento dos pais, e seguiam-lhes o conselho concedendo suas afeições àqueles que
seus tementes e experientes pais escolhiam para eles. Era considerado crime seguir
caminho contrário”.25 Este texto descreve o costume da época que fora aceito por
Isaque.
Mais a frente, Ellen White, em seu comentário, acrescenta que no caso de
Isaque, este confiava “na sabedoria e afeição de seu pai, estava satisfeito com a
entrega desta questão a ele, crendo também que o próprio Deus dirigiria na escolha a
fazer-se”.26 O texto não trata de determinismo, mas de confiança na orientação dos
pais. Estes, evidentemente, como era o caso de Abraão, confiavam na direção de Deus.
Observe-se que Abraão não disse a Eliézer, “Vá e busque uma jovem por nome
Rebeca, pois Deus me revelou que esta deverá ser a esposa de meu filho”. Ele apenas
assegurou a Eliézer que "O Senhor, Deus dos Céus", disse ele, "que me tomou da casa
de meu pai e da terra da minha parentela, ... enviará o Seu anjo adiante da tua face"
(Gn 24:7).
Eliézer havia aprendido com Abraão a confiar em Deus. Nem Abraão, nem ele
tinham recebido uma revelação especial sobre aquela que deveria ser a esposa de
Isaque. Então Eliézer decidiu pedir a Deus um sinal (Gn 24:12-14) que foi prontamente
respondido.
A atitude de Rebeca em atender ao pedido de Eliézer foi uma resposta de Deus
a sua oração. Mas isto não significa determinismo, porque o livre-arbítrio dela foi
respeitado, “Chamemos a moça e ouçamo-la pessoalmente. Chamaram, pois, a Rebeca
e lhe perguntaram: Queres ir com este homem? Ela respondeu: Irei” (Gn 24:57-58).
Ellen White comenta este ato de Rebeca, “Depois de obter-se o consentimento da
família, a própria Rebeca foi consultada quanto a ir ela a uma tão grande distância da
casa de seu pai para casar-se com o filho de Abraão. Ela acreditava, pelo que havia tido
lugar, que Deus a escolhera para ser a esposa de Isaque”.27
O caso específico do casamento de Isaque não pode ser empregado para
comprovação de predestinação conjugal, mas de resposta de Deus ao pedido de
Eliézer. Aquela foi uma situação singular, não a regra geral. O normal era os filhos
confiarem na orientação dos pais para definir o seu respectivo cônjuge.
Se, porventura, a Bíblia e o Espírito de Profecia ensinassem que é Deus quem
previamente determina uma pessoa exclusiva para cada um dos crentes, isto deveria
ser claramente apresentado. Mas não é este o caso. Mais a frente, no capítulo de
Patriarcas e profetas que trata do casamento de Isaque, Ellen White faz as seguintes
aplicações: “Se há um assunto que deve ser cuidadosamente considerado, e no qual se
deve procurar o conselho de pessoas mais velhas e experientes, é o do casamento; se
a Bíblia já foi necessária como conselheira, se a direção divina em algum tempo
25
Idem, História da redenção, 85-86, em Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.
26
Ibid.
27
Ibid., 173.
7
deveria ser procurada em oração, é antes de dar um passo que liga pessoas entre si
para toda a vida. Os pais nunca devem perder de vista sua responsabilidade pela
felicidade futura de seus filhos. O respeito de Isaque aos conselhos de seu pai foi o
resultado do ensino que o habilitou a amar uma vida de obediência. Ao mesmo tempo
em que Abraão exigia de seus filhos que respeitassem a autoridade paterna, sua vida
diária testificava que essa autoridade não era um domínio egoísta ou arbitrário, mas
que se fundava no amor, e tinha em vista o bem-estar e felicidade deles.
Pais e mães devem sentir que se lhes impõe o dever de guiar as afeições dos
jovens, a fim de que possam ser colocadas naqueles que hajam de ser companheiros
convenientes. Devem sentir como seu dever, pelo seu próprio ensino e exemplo, com
a graça auxiliadora de Deus, modelar de tal maneira o caráter de seus filhos desde os
seus mais tenros anos, que sejam puros e nobres, e sejam atraídos para o bem e para
o verdadeiro. Os semelhantes atraem os semelhantes; os semelhantes apreciam os
semelhantes. Que o amor pela verdade, pureza e bondade seja cedo implantado na
alma, e o jovem procurará a companhia daqueles que possuem essas
características”.28
Se porventura defendesse a noção de que Deus é quem determina desde a
eternidade a união dos cônjuges, Ellen White teria aproveitado a oportunidade para
defender esta noção em seu comentário sobre o casamento de Isaque com Rebeca. Ao
contrário, ela destacou o relevante papel dos pais em orientar os filhos na devida
escolha. Basta considerar com atenção o contexto acima referido.
Deus pode ser consultado na escolha do cônjuge, como o fez Eliézer para a
escolha da esposa de Isaque, mas isto não retira o exercício do livre arbítrio humano
para o cumprimento da vontade de Deus. É bom lembrar que “A oração move o braço
da Onipotência. Aquele que comanda as estrelas na sua órbita nos céus, e cuja palavra
controla as águas do grande abismo - o mesmo Criador infinito atuará em favor do Seu
povo, se O invocarem com fé”,29 inclusive na escolha do cônjuge.
O soberano Deus dispõe de poder para definir a escolha do cônjuge no
presente em resposta à oração de fé, mas não significa que Ele tenha determinado isto
na eternidade e que não respeite o livre arbítrio humano. O fato de que Ele conhece
de antemão todas as coisas não implica em que Ele é o causador de todas as coisas.
28
Idem, Patriarcas e profetas, 175-176, em Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.
29
Idem, Nos lugares celestiais, 351, em Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.
8
afetam os planos de Deus? Mas o segundo pode levar à ansiedade: como fazer a
escolha certa se tudo depende apenas de mim?
O estudo da relação entre soberania divina com livre-arbítrio humano na Bíblia
permite que se vislumbre uma parceria ideal. Tomemos, por exemplo, as profecias de
tempo referentes à primeira vinda de Jesus, como Daniel 9:24-27; Isaías 7:14, etc.
Evidentemente eram profecias incondicionais quanto ao fator tempo, contudo o seu
cumprimento dependia da livre aceitação por parte dos escolhidos para que elas se
cumprissem. Este foi o caso de Maria perante o anjo, “Descerá sobre ti o Espírito
Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente
santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1:35). Maria poderia ter
recusado a incumbência celeste, mas não, ela espontaneamente disse, “Aqui está a
serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra” (Lc 1:38). De modo
objetivo, o relato acima confirma a declaração bem colocada por Harold H. Rowley, “O
Paradoxo da graça é que o ato que emana totalmente de Deus pode ser realizado
através do homem”.30
Por sua vez, ao discorrer sobre soberania divina e livre arbítrio no contexto da
visão de Ezequiel no rio Quebar, disse Ellen White: “Todos estão pela sua própria
escolha decidindo o seu destino, e Deus está governando acima de tudo para o
cumprimento de Seu propósito”.31
Não existe conflito entre a soberania de Deus e livre arbítrio humano. Basta
que lembremos o chamado profético de William Foy e Hazen Foss. Ambos recusaram o
chamado divino por livre e espontânea vontade, ao contrario de Ellen White. Deus
respeitou a recusa de ambos em exercer o ministério profético, mas exaltou a decisão
de Ellen White em aceitar desempenhá-lo.32 Ao final de tudo, Sua soberania foi
exercida porque Seu propósito de conceder a igreja remanescente um voz de
orientação profética foi alcançado.
Resumo e Conclusão
O presente trabalho estudou o tema da escolha do cônjuge pela perspectiva de
dois pontos de vistas antagonistas, o da presciência absoluta causativa e a não
causativa.
A presciência absoluta causativa defende: 1) a soberania total de Deus; 2) todas
as coisas acontecem pela vontade exclusiva de Deus; 3) o ser humano não tem livre
arbítrio; 4) salvação e perdição de cada pessoa estão decretados desde a eternidade
por Deus; 5) Deus é quem determina o cônjuge.
A presciência absoluta não causativa defende: 1) a soberania de Deus; 2) o
respeito ao livre arbítrio humano; 3) salvação ou perdição dependem da aceitação ou
rejeição humana da redenção gratuitamente oferecida por Deus; 4) a escolha do
cônjuge é uma questão definida pessoalmente.
O plano da redenção em Cristo, Sua encarnação, vida, morte, ressurreição e
intercessão reconhece a presciência divina que anteviu a entrada do pecado no céu
por Lúcifer e na terra por Adão, mas não o causou, apenas proveu-lhe uma solução
satisfatória.
30
Harold H. Rowley, A importância da literatura apocalíptica (São Paulo: Edições Paulinas, 1980), 177.
31
Ellen G. White, Educação, 178, em OEGW, 1CD-Rom.
32
Para uma melhor noção sobre o chamado profético de Foy e Foss, ver Herbert E. Douglas, Mensageira
do Senhor (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2002), 38.
9
O testemunho geral da Bíblia corrobora a posição da presciência absoluta não
causativa, pois se o destino de cada indivíduo já estivesse predeterminado desde a
eternidade, para a salvação ou para a perdição, a pregação do evangelho não teria
sentido. Os homens não seriam mais moralmente responsáveis, e Deus seria
responsável pela perdição dos impenitentes, o que faria da punição do pecado
segundo as obras uma farsa e uma injustiça; pois tais obras teriam sido o resultado do
desígnio divino.
No caso do casamento, se o cônjuge de cada pessoa estivesse predeterminado
desde a eternidade por Deus tal fato anularia completamente o livre-arbítrio do ser
humano e, consequentemente, a responsabilidade pela escolha do parceiro(a).
Se a predestinação conjugal fosse verdadeira, Deus teria que criar uma esposa
especialmente para cada um de nós, como o fez para Adão, ou teria que conceder o
dom profético para todos os seres humanos para que assim pudessem encontrar a
pessoa que Ele designou para cada um deles. Sem o dom profético da revelação ou
inspiração nunca encontrariam a pessoa certa designada por Deus.
O que Deus determina é um tipo de caráter exclusivo (temente a Deus), não
uma pessoa exclusiva! As fontes de orientação, tais como o próprio Deus, a Bíblia, a
oração, o conselho dos pais, são recursos disponíveis que favorecem uma livre escolha
do cônjuge conveniente.
O casamento de Isaque e Rebeca, ao invés de corroborar o determinismo
divino do cônjuge desde a eternidade, exalta a submissão do filho à orientação do pai
para a escolha da companheira como um modelo a ser seguido na atualidade.
Fica evidente que Deus pode ser consultado na escolha do cônjuge, como o fez
Eliézer para a escolha da esposa de Isaque, mas isto não retira o exercício do livre
arbítrio humano para o cumprimento da vontade de Deus. Lembre-se que Rebeca teve
a opção de rejeitar o pedido de casamento e a mudança para a terra de Isaque.
Alguns têm dificuldade em harmonizar soberania divina e livre arbítrio humano.
Se a definição do cônjuge está nas mãos de Deus, a atividade do ser humano não a
altera; se depende da ação humana, não está nas mãos de Deus; é o retorno da
controvérsia entre determinismo e livre arbítrio. A primeira alternativa conduziria à
passividade: porque deveriam as pessoas se preocupar se suas ações não afetam os
planos de Deus? Mas o segundo gera ansiedade: como fazer a escolha certa se tudo
depende apenas de mim?
A experiência de William Foy, Hazen Foss e Ellen White comprova que Deus
respeita o livre arbítrio humano tanto para rejeitar quanto para aceitar o chamado
profético, mas ao final de tudo, Ele exerce Sua soberania quando confere à igreja
remanescente a guia inspirada por meio de Ellen White.
Em suma, o testemunho geral da Bíblia e do Espírito de Profecia corrobora que
a escolha do cônjuge pode ser orientada por Deus, desde que solicitada com fé.
Contudo esta orientação não implica que tenha sido predeterminada por Deus desde a
eternidade, ao contrario, este direcionamento divino requer o exercício humano da
liberdade e responsabilidade correspondentes.
10
Embora saiba desde a eternidade quais serão nossas escolhas, não é Deus
quem determina nosso futuro cônjuge. A única coisa que Ele define é que a escolha do
futuro cônjuge tome em consideração um caráter cristão nobre.
Afinal, se houvesse apenas uma pessoa designada por Deus, os viúvos não
teriam direito a novo casamento. Estariam condenados a uma solidão permanente, já
que a “predeterminada” morreu!
11