Escolha Do C+ Njuge Determinismo 2

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

Escolha do Cônjuge – Determinismo?

Natanael Moraes

A tese de que há uma pessoa exclusiva para cada um de nós tem como base a
predestinação divina. Deste modo, predestinação e determinismo estão associados.
Uma das consequências desta “predestinação conjugal” é a de que Deus
determina o nosso cônjuge à revelia de nossa vontade. Noutras palavras, pressupõe
que Deus é uma pessoa arbitrária e ditatorial.1
Há duas teorias sobre a presciência divina: uma é a presciência divina absoluta
e a outra é a presciência divina relativa. Quanto à presciência divina absoluta, esta se
subdivide em duas, a não causativa que aceita o livre arbítrio humano e a causativa,
por sua vez, determinista, ou seja, nega o livre arbítrio humano.
A presciência divina absoluta não causativa entende que Deus prevê o futuro
nos mínimos detalhes, bem como todas as ações dos seres livres, sem que isto
implique em determinismo ou predestinação.
A presciência divina absoluta causativa coloca ênfase sobre a soberania de
Deus e afirma que todas as coisas ocorrem pela vontade de Deus. As raízes desta
teoria estão em Agostinho que teve um forte defensor em Calvino. Para ele a graça
divina é destinada àqueles a quem Deus escolhe; Ele predestinou para o castigo e para
a salvação, inclusive o número de cada um dos casos para a salvação ou perdição está
fixado.
Quando argumentamos do ponto de vista da onisciência e da onipotência de
Deus, parece que o livre-arbítrio humano fica obliterado. Quando argumentamos com
base no livre-arbítrio humano, parece que a presciência e o poder divino de
determinar as ações são excluídos. Então surge a questão: até que ponto Deus
determina os acontecimentos humanos, e até que ponto o homem é livre em suas
ações?
O foco do presente estudo encontra-se na escolha do cônjuge. Tim Stafford
defende o ponto de vista de que Deus tem uma pessoa certa para cada cristão. Esta é
uma perspectiva baseada em pressupostos determinísticos comuns ao conjunto de
princípios defendidos pela teoria mais abrangente da predestinação calvinista.
Antes de passarmos a discussão específica do tema em foco, é preciso
conceituar melhor os termos predestinação e livre arbítrio segundo a Bíblia e o Espírito
de Profecia. Outros motivos teológicos estão envolvidos como o conflito entre o bem o
mal, a queda de Lúcifer, a queda de Adão e Eva, presciência de Deus, etc.
Para aqueles que acreditam numa presciência divina relativa, ou seja, que Deus
não conhece o futuro no sentido absoluto o ponto crucial é: "se Deus conhece todas as

1
Para uma melhor noção sobre o tema da presciência divina, ver o artigo de Albert R. Timm,
“Presciência Divina – Relativa ou Absoluta” em O Ministério Adventista, novembro-dezembro de 1984,
pp. 13-22.

1
coisas de antemão, toda a liberdade de ação parece ser excluída".2 Deste modo, para
que o livre arbítrio humano seja mantido, o conceito da presciência divina é
relativizado, ou seja, para os seus defensores, Deus não tem conhecimento prévio de
todas as nossas ações. Na verdade, esta posição torna Deus dependente do homem.3

Predestinação e Livre-Arbítrio
Predestinação e livre-arbítrio são dois conceitos aparentemente contraditórios.
Como a Bíblia estabelece a ambos, não podemos advogar apenas um deles, em
detrimento do outro; pois "quando argumentamos dedutivamente, com base na
onisciência e na onipotência de Deus, o livre-arbítrio humano parece ser obliterado.
Por outro lado, quando argumentamos dedutivamente, com base no livre-arbítrio
humano, a presciência e o poder divino de determinar as ações parecem excluídos".4
Assim surge a indagação: Até que ponto Deus determina os acontecimentos humanos,
e até que ponto o homem é livre em suas ações?
Ao desenvolver o tema da predestinação, Calvino citou Agostinho que
comentara a queda de Adão, “o homem não somente *a si mesmo+ se perdeu, mas
ainda a seu arbítrio”.5 A noção agostiniana sobre a natureza humana pecaminosa
depois da queda esclarece porque o cristão precisa de Deus para fazer o bem. A noção
de total depravação da natureza humana decaída explica a ausência do livre arbítrio no
ser humano, daí a total dependência de Deus para escolher fazer o bem. 6
Segundo Calvino, a soberania divina sobre o ser humano é plena e lhe exclui o
livre-arbítrio, “*Ele+ próprio efetua em nós o querer, *o+ que outra [cousa] não é senão
que o Senhor, por Seu Espírito, nos dirige, inclina, governa o coração e nele reina como
em domínio Seu”.7
A seguir o conceito calvinista da predestinação, “Chamamos predestinação o
eterno decreto de Deus pelo qual houve em si [por] determinado quê acerca de cada
homem quisesse acontecer. Pois, não são criados todos em igual condição; pelo
contrário, a uns é preordenada a vida eterna, a outros a eterna danação. Portanto,
como criado foi cada qual para um ou outro (desses dois) fins, assim [o] dizemos
predestinado ou para a vida, ou para a morte. Esta [predestinação], porém, Deus há
atestado não só em cada pessoa, mas também exemplo lhe deu em toda a

2
Herman Bavinck, The Doctrine of God (Edimburgo: The Banner of God Trust, 1979), 189, citado em
Albert R. Timm, “Presciência Divina – Relativa ou Absoluta” em O Ministério Adventista, novembro-
dezembro de 1984, 14.
3
Bavinck, 189, citado em Timm, 14.
4
Sanday, em Russell N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado (Guaratinguetá, SP: A Voz da Bíblia,
s.d.), 3:727, citados em Timm, 14.
5
Agostinho, Enchiridion – manual, cap. IX, seção 30 (PLM, vol. XL, p. 246), citado em João Calvino, As
institutas (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985), 2:24.
6
Idem, Sermão CLXXVI, seção V e, também, seção VI (PLM, vol. XXXVIII, pp. 952-953), citado em Calvino,
2:46.
7
João Calvino, As institutas (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985), 2:61.

2
descendência de Abraão, de onde fizesse manifesto que Lhe está no arbítrio de que
natureza seja a condição futura de cada nação”.8
Essa doutrina afirma ainda que Cristo morreu apenas pelos "eleitos de Deus",
para os quais a graça salvadora de Deus é concedida incondicionalmente; enquanto
que para o restante da humanidade não há esperança de salvação.9
Dentro do contexto da discussão específica sobre escolha do cônjuge, a posição
que afirma ter Deus uma pessoa certa (determinada) para cada crente nega
peremptoriamente o livre-arbítrio humano, o que não é condizente com o testemunho
das Escrituras. Assim sendo, você não tem que escolher, já que seu livre-arbítrio não é
levado em conta por Deus. O que a pessoa precisa é descobrir quem Deus escolheu
para ela. Se este fosse o caso, como se daria a revelação desta informação, por
revelação ou por inspiração profética?
Tratemos, agora, do livre-arbítrio. O relato da criação e da queda do homem,
no livro de Gênesis, estabelece a doutrina do livre-arbítrio humano — de um lado está
a ordem divina a Adão: "Da árvore da ciência do bem e do mal não comerás" (2:17), e
do outro, a transgressão dessa ordem: "e ele comeu" (cap. 3:6). Este episódio
demonstra claramente que as ordens divinas podem ser transgredidas por Suas
criaturas dotadas de livre-arbítrio.10 Se, porventura, a hipótese da predestinação
calvinista fosse verdadeira, haveria uma pergunta, "Uma vez que somos todos
pecadores, por que uma pessoa deveria ser escolhida para honra e outra para deson-
ra?"11 Obviamente isto lançaria uma sombra de dúvida sobre a justiça de Deus.
A predestinação calvinista afirma que a graça salvadora de Deus é concedida
apenas aos que Ele predestinou à salvação; porém o conceito bíblico não suporta esta
posição. Isaías 55:1 diz: "Ah! todos vós os que tendes sede, vinde às águas...", e Cristo
ratifica essas palavras com o convite: "Vinde a Mim todos..." (S. Mat. 11:28), e ordena
que as boas-novas da salvação devem ser pregadas "a toda criatura" (S. Marc. 16:15).
A Bíblia aprofunda ainda mais esse conceito ao declarar que Deus "deseja que todos os
homens sejam salvos" (I Tim. 2:4), e que Ele não quer "que nenhum pereça, senão que
todos cheguem ao arrependimento" (2 Pe 3:9); e a ordem divina é: "Agora, porém,
notifica aos homens que todos em toda parte se arrependam" (Atos 17:30). Assim, “O
convite a todos para que se arrependam seria um escárnio ao nome de Deus se os
homens não se pudessem arrepender".12 A Bíblia acrescenta, porém, que "Deus não
faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que O teme e faz o
que é justo Lhe é aceitável" (Atos 10:34 e 35).13

8
Idem, 3:389.
9
Timm, 14.
10
Ibid.
11
J. Ivan Crawford, Buscando a glória de Deus, Lição da Escola Sabatina, abril-junho de 1982, ed. Do
professor, 60, citado em Timm, 14.
12
Pedro Apolinário, Análise de textos bíblicos de difícil interpretação (São Paulo: Instituto Adventista de
Ensino, 1980), 1:19, citado em Timm, 14-15.
13
Timm, 14-15.

3
Ellen White confirma a noção bíblica de livre-arbítrio, "Não é um decreto
arbitrário da parte de Deus que veda o Céu aos ímpios; estes são excluídos por sua
própria inaptidão para dele participar”.14 Se o destino de cada indivíduo já estivesse
predeterminado desde a eternidade, para a salvação ou para a perdição, a
proclamação do evangelho perderia o seu sentido. Os homens não seriam mais
moralmente responsáveis, e Deus, em última análise, seria responsável pela perdição
dos impenitentes, o que faria da punição do pecado – a cada um “segundo as suas
obras” (Ap 20:12) – uma farsa e uma injustiça; pois tais obras teriam sido o resultado
do desígnio divino. Isto é completamente contrário ao conceito bíblico! 15
Do mesmo modo, no tema específico do casamento, se o cônjuge de cada
pessoa estivesse predeterminado desde a eternidade por Deus tal fato anularia
completamente o livre-arbítrio do ser humano e, consequentemente, a
responsabilidade pela escolha do parceiro(a).

Presciência Divina e Origem do Mal


A Bíblia declara que o pecado se originou em Lúcifer, um ser perfeito que veio a
rebelar-se contra Deus (Ez 28:14 e 15; Is 14:12-15), o qual, após suscitar "peleja no
Céu", foi expulso (Ap 12:7-9). Posteriormente, ele induziu também os nossos primeiros
pais ao pecado. O Espírito de Profecia diz a esse respeito, e com relação ao plano
divino para a salvação do homem: "O plano de nossa redenção não foi um pensamento
posterior, formulado depois da queda de Adão.... Desde o princípio Deus e Cristo
sabiam da apostasia de Satanás, e da queda do homem mediante o poder enganador
do apóstata. Deus não ordenou a existência do pecado. Previu-a, porém, e tomou
providências para enfrentar a terrível emergência".16 Em outras palavras, "Deus tinha
um conhecimento dos eventos do futuro, mesmo antes da criação do mundo. Ele não
fez Seus propósitos para se ajustarem às circunstâncias, mas permitiu que as coisas se
desenvolvessem e surtissem efeito. Ele não agiu para produzir certas condições, mas
sabia que tais condições iriam existir".17
Se Deus sabia, porém, de antemão, que Lúcifer e nossos primeiros pais cairiam
em pecado, por que Ele os criou? — Cristo "sabia que Lúcifer procuraria tirar-Lhe a
vida durante o Seu ministério terrestre e que finalmente conseguiria fazê-lo no
Calvário. Sabia que Lúcifer tentaria induzi-Lo a abusar do poder de Seu Pai ou de Seu
próprio poder. Ele sabia também a parte que seria desempenhada por homens e
mulheres. Mas a eterna presciência de Cristo dos contínuos e definidos efeitos dos

14
Ellen G. White, Caminho a Cristo, 18, em Obras de Ellen G. White (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, s.d.), 1CD-Rom.
15
Timm, 15.
16
Ellen G. White, O desejado de todas as nações, 22, Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.
17
Idem, em Seventh-day Adventist Bible Commentary (SDABC), ed. Francis D. Nichol (Hagerstown, MD:
Review and Herald, 1976), 6:1082.

4
pecados dos outros sobre Ele foi superada por Seu eterno amor. Prosseguiu na criação
dos anjos e do homem a despeito do terrível custo para Sua própria Pessoa”. 18
Mas, o fato de Cristo os ter criado, apesar de saber previamente que eles
cairiam, não torna Deus, em última análise, o autor do pecado? — A questão básica na
compreensão deste assunto é fazermos "a diferença entre praescientia e
praedestinatio, isto é, entre a presciência e a eterna eleição de Deus. A presciência de
Deus nenhuma outra coisa é senão isso que Deus sabe todas as coisas antes de
acontecerem",19 mas ela "não é causativa em si mesma".20

Escolha do Conjuge e Predestinação


Analisemos a questão da escolha do cônjuge sob a perspectiva do tema da
predestinação. Se Deus tivesse uma única pessoa para cada um de nós, Ele teria que:
criar uma especialmente para cada um de nós, como o fez para Adão ou teria que
conceder o dom profético para todos os seres humanos para que assim pudessem
encontrar a pessoa que Ele designou para cada um deles. Sem o dom profético da
revelação nunca encontrariam a pessoa certa designada por Deus. Seria mais ou
menos assim: “Aqui está a mulher da sua vida, revelada especialmente através de um
sonho ou visão”. Se não fosse por revelação especial de Deus a cada um de nós, como
saberíamos qual pessoa Ele tem para nós?
Quando Deus, em Sua soberania, decide que alguém realize uma
responsabilidade especial, seja como profeta, seja como rei, Ele o faz livremente,
através de uma revelação especial: “Ora, o SENHOR, um dia antes de Saul chegar, o
revelara a Samuel, dizendo: 16 Amanhã a estas horas, te enviarei um homem da terra
de Benjamim, o qual ungirás por príncipe sobre o meu povo de Israel, e ele livrará o
meu povo das mãos dos filisteus; porque atentei para o meu povo, pois o seu clamor
chegou a mim. 17 Quando Samuel viu a Saul, o SENHOR lhe disse: Eis o homem de
quem eu já te falara. Este dominará sobre o meu povo” (1Sa 9:15-17).
É óbvio que não funciona assim. Outro problema gerado pela tese de uma
pessoa exclusiva para cada um de nós é que ela anula a liberdade de escolha do ser
humano. Se Deus tem uma única pessoa para mim, então minha parte é apenas
receber por revelação especial aquela pessoa que Ele designou para mim. Não há
margem para escolha, apenas aceitação. Tal fato transmitiria uma noção errônea do
caráter de Deus, pois faria dEle um tirano, um ditador. “Olha, tome esta pessoa como
seu cônjuge. Você não pode reclamar nem devolver”. Ou seja, tudo já estaria
determinado antecipadamente por Deus. Em teologia isto se denomina predestinação.

18
Norman R. Gulley, O sacrifício expiatório de Cristo, Lição da Escola Sabatina, janeiro-março de 1983,
ed. do professor, 5, citado em Timm, 16.
19
Livro de concórdia, As confissões da Igreja Evangélica Luterana (São Leopoldo, RS: Editora Sinodal,
Editora Concórdia, 1980), 532, citado em Timm, 16.
20
Augustus H. Strong, Systematic Theology (Valley Forge, PA: Judson Press, 1979), 286, citado em Timm,
16.

5
O que Deus determina é um tipo de caráter, não uma pessoa exclusiva: “Pesem,
os que pretendem casar-se, todo sentimento e observem todas as modalidades de
caráter naquele com quem desejam unir o destino de sua vida. Seja todo passo em
direção do casamento caracterizado pela modéstia, simplicidade, e sincero propósito
de agradar e honrar a Deus”.21 Outra citação que segue o mesmo conselho e, “...
receba a jovem como companheiro vitalício tão somente ao que possua traços de
caráter puros e varonis, que seja diligente, honesto e tenha aspirações, que ame e
tema a Deus”.22
Neste mesmo livro, Ellen White continua sua orientação:
“Antes de dar a mão em casamento, deveria toda mulher indagar se aquele
com quem está para unir seu destino, é digno. Qual é seu passado? É pura a sua vida?
É o amor que ele exprime de caráter nobre, elevado, ou é simples inclinação emotiva?
Tem os traços de caráter que a tornarão feliz? Poderá ela encontrar verdadeira paz e
alegria na afeição dele? Ser-lhe-á permitido, a ela, conservar sua individualidade, ou
terá de submeter seu juízo e consciência ao domínio do marido? Como discípula de
Cristo, ela não pertence a si mesma, foi comprada por preço. Pode honrar as
reivindicações do Salvador como supremas? Serão conservados puros e santos o corpo
e a alma, os pensamentos e propósitos? Essas perguntas têm influência vital sobre o
bem-estar de toda mulher que se casa”.23
Continuando a ênfase sobre o caráter do pretendente, ela orienta aos jovens
consultarem os pais e acrescenta, “Consultai a Deus e a vossos pais tementes a Deus,
jovens amigos. Orai sobre o assunto. Pesai cada sentimento e observai todo
desenvolvimento de caráter na pessoa a quem pretendeis ligar o destino de vossa
vida”.24

Aparente Evidência de Determinismo Divino na Escolha do Cônjuge


A definição de Rebeca como esposa de Isaque tem sido apresentada como
evidencia de que Deus é quem determina a esposa de cada marido, ou seja, um tipo de
predestinação matrimonial: “Ó SENHOR, Deus de meu senhor Abraão, rogo-te que me
acudas hoje e uses de bondade para com o meu senhor Abraão! Eis que estou ao pé da
fonte de água, e as filhas dos homens desta cidade saem para tirar água; dá-me, pois,
que a moça a quem eu disser: inclina o cântaro para que eu beba; e ela me responder:
Bebe, e darei ainda de beber aos teus camelos, seja a que designaste para o teu servo
Isaque; e nisso verei que usaste de bondade para com o meu senhor” (Gn 24:12-14).
De fato, o texto diz, “designaste”, portanto, em resposta a oração de Eliézer Deus lhe
mostrou quem deveria ser a esposa de Isaque.
Ellen White lembra alguns dos costumes dos tempos antigos, “Os contratos de
casamento eram geralmente feitos pelos pais, contudo nenhuma compulsão era usada
21
Idem, Mensagem aos jovens, 435, em Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.
22
Ibid.
23
Ibid., 439.
24
Ibid., 449.

6
para forçá-los a casar com quem não amavam. Mas os filhos tinham confiança no
julgamento dos pais, e seguiam-lhes o conselho concedendo suas afeições àqueles que
seus tementes e experientes pais escolhiam para eles. Era considerado crime seguir
caminho contrário”.25 Este texto descreve o costume da época que fora aceito por
Isaque.
Mais a frente, Ellen White, em seu comentário, acrescenta que no caso de
Isaque, este confiava “na sabedoria e afeição de seu pai, estava satisfeito com a
entrega desta questão a ele, crendo também que o próprio Deus dirigiria na escolha a
fazer-se”.26 O texto não trata de determinismo, mas de confiança na orientação dos
pais. Estes, evidentemente, como era o caso de Abraão, confiavam na direção de Deus.
Observe-se que Abraão não disse a Eliézer, “Vá e busque uma jovem por nome
Rebeca, pois Deus me revelou que esta deverá ser a esposa de meu filho”. Ele apenas
assegurou a Eliézer que "O Senhor, Deus dos Céus", disse ele, "que me tomou da casa
de meu pai e da terra da minha parentela, ... enviará o Seu anjo adiante da tua face"
(Gn 24:7).
Eliézer havia aprendido com Abraão a confiar em Deus. Nem Abraão, nem ele
tinham recebido uma revelação especial sobre aquela que deveria ser a esposa de
Isaque. Então Eliézer decidiu pedir a Deus um sinal (Gn 24:12-14) que foi prontamente
respondido.
A atitude de Rebeca em atender ao pedido de Eliézer foi uma resposta de Deus
a sua oração. Mas isto não significa determinismo, porque o livre-arbítrio dela foi
respeitado, “Chamemos a moça e ouçamo-la pessoalmente. Chamaram, pois, a Rebeca
e lhe perguntaram: Queres ir com este homem? Ela respondeu: Irei” (Gn 24:57-58).
Ellen White comenta este ato de Rebeca, “Depois de obter-se o consentimento da
família, a própria Rebeca foi consultada quanto a ir ela a uma tão grande distância da
casa de seu pai para casar-se com o filho de Abraão. Ela acreditava, pelo que havia tido
lugar, que Deus a escolhera para ser a esposa de Isaque”.27
O caso específico do casamento de Isaque não pode ser empregado para
comprovação de predestinação conjugal, mas de resposta de Deus ao pedido de
Eliézer. Aquela foi uma situação singular, não a regra geral. O normal era os filhos
confiarem na orientação dos pais para definir o seu respectivo cônjuge.
Se, porventura, a Bíblia e o Espírito de Profecia ensinassem que é Deus quem
previamente determina uma pessoa exclusiva para cada um dos crentes, isto deveria
ser claramente apresentado. Mas não é este o caso. Mais a frente, no capítulo de
Patriarcas e profetas que trata do casamento de Isaque, Ellen White faz as seguintes
aplicações: “Se há um assunto que deve ser cuidadosamente considerado, e no qual se
deve procurar o conselho de pessoas mais velhas e experientes, é o do casamento; se
a Bíblia já foi necessária como conselheira, se a direção divina em algum tempo

25
Idem, História da redenção, 85-86, em Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.
26
Ibid.
27
Ibid., 173.

7
deveria ser procurada em oração, é antes de dar um passo que liga pessoas entre si
para toda a vida. Os pais nunca devem perder de vista sua responsabilidade pela
felicidade futura de seus filhos. O respeito de Isaque aos conselhos de seu pai foi o
resultado do ensino que o habilitou a amar uma vida de obediência. Ao mesmo tempo
em que Abraão exigia de seus filhos que respeitassem a autoridade paterna, sua vida
diária testificava que essa autoridade não era um domínio egoísta ou arbitrário, mas
que se fundava no amor, e tinha em vista o bem-estar e felicidade deles.
Pais e mães devem sentir que se lhes impõe o dever de guiar as afeições dos
jovens, a fim de que possam ser colocadas naqueles que hajam de ser companheiros
convenientes. Devem sentir como seu dever, pelo seu próprio ensino e exemplo, com
a graça auxiliadora de Deus, modelar de tal maneira o caráter de seus filhos desde os
seus mais tenros anos, que sejam puros e nobres, e sejam atraídos para o bem e para
o verdadeiro. Os semelhantes atraem os semelhantes; os semelhantes apreciam os
semelhantes. Que o amor pela verdade, pureza e bondade seja cedo implantado na
alma, e o jovem procurará a companhia daqueles que possuem essas
características”.28
Se porventura defendesse a noção de que Deus é quem determina desde a
eternidade a união dos cônjuges, Ellen White teria aproveitado a oportunidade para
defender esta noção em seu comentário sobre o casamento de Isaque com Rebeca. Ao
contrário, ela destacou o relevante papel dos pais em orientar os filhos na devida
escolha. Basta considerar com atenção o contexto acima referido.
Deus pode ser consultado na escolha do cônjuge, como o fez Eliézer para a
escolha da esposa de Isaque, mas isto não retira o exercício do livre arbítrio humano
para o cumprimento da vontade de Deus. É bom lembrar que “A oração move o braço
da Onipotência. Aquele que comanda as estrelas na sua órbita nos céus, e cuja palavra
controla as águas do grande abismo - o mesmo Criador infinito atuará em favor do Seu
povo, se O invocarem com fé”,29 inclusive na escolha do cônjuge.
O soberano Deus dispõe de poder para definir a escolha do cônjuge no
presente em resposta à oração de fé, mas não significa que Ele tenha determinado isto
na eternidade e que não respeite o livre arbítrio humano. O fato de que Ele conhece
de antemão todas as coisas não implica em que Ele é o causador de todas as coisas.

A Relação Entre Soberania de Deus e Livre-Arbítrio Humano


A bem da verdade, em teologia existem várias tensões. Uma delas é entre
soberania de Deus e livre-arbítrio. Por exemplo, se a definição do cônjuge está nas
mãos de Deus, a atividade do ser humano não a afeta; se depende da ação humana,
não está nas mãos de Deus. Como se pode constatar, é o antigo problema do
determinismo contra o livre arbítrio. A primeira alternativa pode conduzir à
passividade: porque deveriam os seres humanos se preocupar se suas ações não

28
Idem, Patriarcas e profetas, 175-176, em Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.
29
Idem, Nos lugares celestiais, 351, em Obras de Ellen G. White, 1CD-Rom.

8
afetam os planos de Deus? Mas o segundo pode levar à ansiedade: como fazer a
escolha certa se tudo depende apenas de mim?
O estudo da relação entre soberania divina com livre-arbítrio humano na Bíblia
permite que se vislumbre uma parceria ideal. Tomemos, por exemplo, as profecias de
tempo referentes à primeira vinda de Jesus, como Daniel 9:24-27; Isaías 7:14, etc.
Evidentemente eram profecias incondicionais quanto ao fator tempo, contudo o seu
cumprimento dependia da livre aceitação por parte dos escolhidos para que elas se
cumprissem. Este foi o caso de Maria perante o anjo, “Descerá sobre ti o Espírito
Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente
santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1:35). Maria poderia ter
recusado a incumbência celeste, mas não, ela espontaneamente disse, “Aqui está a
serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra” (Lc 1:38). De modo
objetivo, o relato acima confirma a declaração bem colocada por Harold H. Rowley, “O
Paradoxo da graça é que o ato que emana totalmente de Deus pode ser realizado
através do homem”.30
Por sua vez, ao discorrer sobre soberania divina e livre arbítrio no contexto da
visão de Ezequiel no rio Quebar, disse Ellen White: “Todos estão pela sua própria
escolha decidindo o seu destino, e Deus está governando acima de tudo para o
cumprimento de Seu propósito”.31
Não existe conflito entre a soberania de Deus e livre arbítrio humano. Basta
que lembremos o chamado profético de William Foy e Hazen Foss. Ambos recusaram o
chamado divino por livre e espontânea vontade, ao contrario de Ellen White. Deus
respeitou a recusa de ambos em exercer o ministério profético, mas exaltou a decisão
de Ellen White em aceitar desempenhá-lo.32 Ao final de tudo, Sua soberania foi
exercida porque Seu propósito de conceder a igreja remanescente um voz de
orientação profética foi alcançado.

Resumo e Conclusão
O presente trabalho estudou o tema da escolha do cônjuge pela perspectiva de
dois pontos de vistas antagonistas, o da presciência absoluta causativa e a não
causativa.
A presciência absoluta causativa defende: 1) a soberania total de Deus; 2) todas
as coisas acontecem pela vontade exclusiva de Deus; 3) o ser humano não tem livre
arbítrio; 4) salvação e perdição de cada pessoa estão decretados desde a eternidade
por Deus; 5) Deus é quem determina o cônjuge.
A presciência absoluta não causativa defende: 1) a soberania de Deus; 2) o
respeito ao livre arbítrio humano; 3) salvação ou perdição dependem da aceitação ou
rejeição humana da redenção gratuitamente oferecida por Deus; 4) a escolha do
cônjuge é uma questão definida pessoalmente.
O plano da redenção em Cristo, Sua encarnação, vida, morte, ressurreição e
intercessão reconhece a presciência divina que anteviu a entrada do pecado no céu
por Lúcifer e na terra por Adão, mas não o causou, apenas proveu-lhe uma solução
satisfatória.
30
Harold H. Rowley, A importância da literatura apocalíptica (São Paulo: Edições Paulinas, 1980), 177.
31
Ellen G. White, Educação, 178, em OEGW, 1CD-Rom.
32
Para uma melhor noção sobre o chamado profético de Foy e Foss, ver Herbert E. Douglas, Mensageira
do Senhor (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2002), 38.

9
O testemunho geral da Bíblia corrobora a posição da presciência absoluta não
causativa, pois se o destino de cada indivíduo já estivesse predeterminado desde a
eternidade, para a salvação ou para a perdição, a pregação do evangelho não teria
sentido. Os homens não seriam mais moralmente responsáveis, e Deus seria
responsável pela perdição dos impenitentes, o que faria da punição do pecado
segundo as obras uma farsa e uma injustiça; pois tais obras teriam sido o resultado do
desígnio divino.
No caso do casamento, se o cônjuge de cada pessoa estivesse predeterminado
desde a eternidade por Deus tal fato anularia completamente o livre-arbítrio do ser
humano e, consequentemente, a responsabilidade pela escolha do parceiro(a).
Se a predestinação conjugal fosse verdadeira, Deus teria que criar uma esposa
especialmente para cada um de nós, como o fez para Adão, ou teria que conceder o
dom profético para todos os seres humanos para que assim pudessem encontrar a
pessoa que Ele designou para cada um deles. Sem o dom profético da revelação ou
inspiração nunca encontrariam a pessoa certa designada por Deus.
O que Deus determina é um tipo de caráter exclusivo (temente a Deus), não
uma pessoa exclusiva! As fontes de orientação, tais como o próprio Deus, a Bíblia, a
oração, o conselho dos pais, são recursos disponíveis que favorecem uma livre escolha
do cônjuge conveniente.
O casamento de Isaque e Rebeca, ao invés de corroborar o determinismo
divino do cônjuge desde a eternidade, exalta a submissão do filho à orientação do pai
para a escolha da companheira como um modelo a ser seguido na atualidade.
Fica evidente que Deus pode ser consultado na escolha do cônjuge, como o fez
Eliézer para a escolha da esposa de Isaque, mas isto não retira o exercício do livre
arbítrio humano para o cumprimento da vontade de Deus. Lembre-se que Rebeca teve
a opção de rejeitar o pedido de casamento e a mudança para a terra de Isaque.
Alguns têm dificuldade em harmonizar soberania divina e livre arbítrio humano.
Se a definição do cônjuge está nas mãos de Deus, a atividade do ser humano não a
altera; se depende da ação humana, não está nas mãos de Deus; é o retorno da
controvérsia entre determinismo e livre arbítrio. A primeira alternativa conduziria à
passividade: porque deveriam as pessoas se preocupar se suas ações não afetam os
planos de Deus? Mas o segundo gera ansiedade: como fazer a escolha certa se tudo
depende apenas de mim?
A experiência de William Foy, Hazen Foss e Ellen White comprova que Deus
respeita o livre arbítrio humano tanto para rejeitar quanto para aceitar o chamado
profético, mas ao final de tudo, Ele exerce Sua soberania quando confere à igreja
remanescente a guia inspirada por meio de Ellen White.
Em suma, o testemunho geral da Bíblia e do Espírito de Profecia corrobora que
a escolha do cônjuge pode ser orientada por Deus, desde que solicitada com fé.
Contudo esta orientação não implica que tenha sido predeterminada por Deus desde a
eternidade, ao contrario, este direcionamento divino requer o exercício humano da
liberdade e responsabilidade correspondentes.

10
Embora saiba desde a eternidade quais serão nossas escolhas, não é Deus
quem determina nosso futuro cônjuge. A única coisa que Ele define é que a escolha do
futuro cônjuge tome em consideração um caráter cristão nobre.
Afinal, se houvesse apenas uma pessoa designada por Deus, os viúvos não
teriam direito a novo casamento. Estariam condenados a uma solidão permanente, já
que a “predeterminada” morreu!

11

Você também pode gostar