Recortes - Antonio Candido
Recortes - Antonio Candido
Recortes - Antonio Candido
Sobre a obra:
Sobre nós:
eLivros .love
Converted by convertEPub
Antonio Candido
Recortes
Para Clarisse, Laura, Dora, Maria Clara, Antonio, Elisa e Teresa
Capa
Folha de Rosto
Explicação
1. Drummond prosador
2. Fazia frio em São Paulo
3. A vida ao rés do chão
4. O mundo desfeito e refeito
5. Os dois Oswalds
6. Oswaldo, Oswáld, Ôswald
7. O diário de bordo
8. Navio negreiro
9. Cartas de um mundo perdido
10. Erico Verissimo de 1930 a 1970
11. Mestre Alceu em estado nascente
12. Fernando de Azevedo
13. Aquele Gilberto
14. Um crítico fortuito (mas válido)
15. Dialética apaixonada
16. O gosto pela independência
17. Roger Bastide e a literatura brasileira
18. Machado de Assis de outro modo
19. Acerca de André Gide
20. À roda do quarto e da vida
21. As transfusões de Rimbaud
22. Realidade e realismo (via Marcel Proust)
23. Os brasileiros e a nossa América
24. O olhar crítico de Ángel Rama
25. Em (e por) Cuba
26. Discurso em Havana
27. Cuba e o socialismo
28. Lucidez de Cruz Costa
29. Bettarello
30. A força do concreto
31. Lembrança de Luís Martins
32. Discreto magistério
33. Sobre a retidão
34. O companheiro Azis Simão
35. Arnaldo
36. Dispersão concentrada
37. Hélio versus demônio
38. Censura-violência
39. Salinas no cárcere
40. Literatura comparada
41. O recado dos livros
42. Cinematógrafo
43. Um verão, em Berlim
44. Nas Arcadas
45. O barão
46. Mário e o concurso
47. Patrimônio interior
48. Caipiradas
49. O mundo coberto de moços
50. Abecedários
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em S. Paulo.
O dia, a noite.
*
Adão e Eva — complementares e adversativos.
Meus pais: Onofre e Elisa Valentina, Adão e Eva
descendentes.
*
A multiplicação dos pais. A multiplicação dos peitos. A
multiplicação dos pães. A multiplicação dos pianos.
*
O jardim-pomar da casa paterna, limite traçado ao meu
incipiente saber. O sabor das frutas. A árvore da ciência do bem
e do mal ao meu alcance. Um esboço de serpente pronta para
armar o bote. Outros jardins-pomares da casa de tias e primas.
5. Os dois Oswalds
Sempre me pareceu que Oswald de Andrade era dividido ao
meio, como homem e como escritor, e foi o que comecei a dizer
em artigos desde 1944. Eu escrevia que a sua obra ficcional era
avançada e criadora nas duas narrativas que englobei depois sob a
designação de “Par” — Memórias sentimentais de João Miramar e
Serafim Ponte Grande. E era inesperadamente passadista, apesar da
técnica, na “Trilogia”, isto é, os três romances subordinados ao
título geral de A trilogia do exílio, mais tarde substituído pelo do
primeiro, Os condenados. Finalmente, achava que a série Marco zero
(inacabada), prevista como coroamento de sua obra ficcional (já
então com o intuito de fazer literatura engajada, como se dizia), era
mal realizada e se aproximava da “Trilogia” como teor e qualidade.
As restrições dos artigos iniciais não agradaram obviamente
Oswald, que se defendeu me atacando de rijo num artigo depois
recolhido no volume Ponta de lança. Mas ao ver que eu continuava
analisando a sua produção de maneira objetiva voltou às boas, e a
partir do desentendimento as nossas relações, antes apenas
cordiais, tornaram-se amizade estreita.
Concordo que é banal dizer de alguém que é dividido, porque
no fundo todos somos. Mas há divisão e divisão. Mário de Andrade
disse num verso conhecido: “Eu sou trezentos, sou trezentos e
cinquenta, […] Mas um dia afinal eu toparei comigo”, e procurou
cumprir este programa. De fato, o seu esforço foi sempre buscar
unidade na vida e na obra, podendo dizer-se que tentou
arduamente a coerência sem desconhecer as incoerências, como
convinha a homem tão lúcido e reflexivo.
Oswald, ao contrário, era espontâneo e intuitivo, mentalmente
brilhante, mas pouco ordenado. Por isso, nunca procurou domar
racionalmente o jogo das contradições. Viveu com elas e elas
formaram os dois blocos opostos a que aludi e indicam certa
incoerência, que, aliás, parecia não perturbá-lo. Com sua enorme
força de vida, ele sempre arrastou tumultuosamente as
contradições não solucionadas.
Procurando sugeri-las, começo por verificar rapidamente o que
ocorre em sua obra narrativa, a única que abordarei, lembrando
que ele é quase sempre excelente na poesia, no teatro e no debate
de ideias.
No “Par” dominam uma linguagem condensada e fulgurante,
um estilo de tendência fragmentária admiravelmente adequado à
visão anticonvencional, à completa ausência de sentimentalismo,
ao sarcasmo e ao mais acerado humor. Na “Trilogia” parece que
esta escrita, aparentemente a mesma, perdeu as asas, pois não se
ajusta à concepção do mundo e dos personagens, tornada
convencional e sentimental, séria entre aspas, própria da literatura
de tônus baixo. O “Par” corresponde a um modo modernista e
avançado, enquanto a “Trilogia” corresponde a um modo meio
pelintra de origem decadentista, isto é, aquelas raízes indiscretas
que Oswald não conseguiu liquidar de todo. Por isso, no “Par” as
imagens são novas, ousadas e criadoras, mas na “Trilogia” são
artificiais e grandiloquentes. Entretanto, os dois grupos de obras
foram compostos praticamente lado a lado, intercalando-se como
se o autor se desdobrasse num modernista e num passadista, num
escritor aparentado às vanguardas europeias e num escritor ligado
tanto à écriture artiste quanto à retórica neossimbolista.
Nessa diferença de modos, a presença ou ausência do humor
deve ter sido decisiva, sendo certo que uma das grandes lições do
nosso Modernismo foi o papel profilático, regenerador e
humanizador do humorismo. “O claro riso dos modernos” (título
de um artigo de Ronald de Carvalho) operou prodígios de higiene
mental e social, caracterizando os grupos esteticamente coerentes,
enquanto os escritores mais convencionais se revestiram de uma
seriedade pouco séria que deve ter contribuído para levá-los a
posições reacionárias a partir de um modernismo equivocado. Na
literatura brasileira dos nossos dias há notória e lamentável
decadência do humor, que agora só é cultivado pelos humoristas
propriamente ditos, deixando de ser a brilhante senha que foi para
tantos escritores avançados do período entre as duas guerras. É o
caso, por exemplo, das vanguardas dos últimos decênios, que são
compenetradas e sem graça, porque se levam a sério demais; e isso
pode ser um perigo na vida intelectual.
Com os modernistas de 1922 era diferente, e nenhum deles
mais do que Oswald usou o “claro riso” como ingrediente
libertador, que nele foi também condição de excelência. Sempre
que pôs de lado o humor, na “Trilogia” ou no Marco zero, a tensão
baixou, e do Oswald rebelde e criador desprendeu-se um
surpreendente Oswald sentimental, bem menos certeiro.
Mas as contradições não existiam apenas na obra narrativa;
estavam presentes também no seu comportamento, no seu modo
de ser e até de falar. Um traço que só pode ser avaliado pelos que o
conheceram pessoalmente era o seu jeito empolado de dizer
poemas e fazer discursos. Eu o vi diversas vezes nessas atividades e
pude verificar que usava uma dicção cantada, modulando a voz
como se estivesse imitando oradores canastrões. Nesse tom fez,
por exemplo, o belíssimo discurso na sessão de encerramento do I
Congresso Brasileiro de Escritores (1945), como se dentro do
iconoclasta irreverente da Semana sobrevivesse o orador oficial
(que de fato foi) do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito, o
XI de Agosto.
Também na vida pessoal Oswald denotava contradições
interessantes. Ele casou seis vezes, geralmente com alguma
formalidade de tipo legal ou religioso, e isso lhe deu fama de
imoral e antifamiliar na esfera das classes média e alta de São
Paulo. Ora, eu o ouvi dizer mais de uma vez, meio sério, meio
brincando, mas com visível intuito de afirmar a sua natureza,
coisas como: “Eu sou família!”. Ou: “Eu sou o brasileiro que mais
respeita o casamento. Quando quero uma mulher, caso com ela, ao
contrário da maioria dos homens, que só têm uma mulher legal,
mas muitas amantes sucessivas”.
Vejo nesta atitude não apenas paradoxo, mas também mais
respeito pela mulher e pela família do que é habitual na sociedade
brasileira. A prova era a organização da sua vida doméstica, o ritmo
dos eventos familiares, com festas, reuniões, almoços; ou o
interesse pelo desenvolvimento mental de suas companheiras, que
estimulava o que podia no terreno da cultura; ou, ainda, a
dedicação e o profundo amor pelos filhos. Significativamente,
estes, oriundos de três casamentos, acabaram sempre ficando com
ele nos casos de separação, não com as mães, o que é índice do seu
sentimento de responsabilidade familiar.
Concluo que havia nele o respeito pela mulher num plano
essencial. Daí o fervor com que preconizava a sua liberdade e
valorizava o seu papel. Verdadeiro precursor, queria vê-la como
eixo da sociedade, remontando para justificar-se a teorias mais ou
menos válidas sobre o matriarcado, que lhe serviram como ponto
de apoio para condenar o patriarcalismo autoritário e abrir a
perspectiva de um estado de coisas onde a preponderância
feminina permitiria a igualdade econômica e o fim da violência.
Convenhamos que, a ser o Barba Azul da lenda, seria um curioso
Barba Azul familiar e feminista…
Talvez valha também a pena aludir à religião, pois nesse
contundente adversário dos padres e da Igreja oficial, que dava a
impressão de ter superado inteiramente a ideia de Deus, havia um
substrato de fé, traduzido no acatamento por hábitos e práticas
próprios de pessoas observantes. Os seus livros, até A estrela de
absinto (1927) inclusive, terminavam pela fórmula de louvor a
Deus: Laus Deo. Sabe-se que eventualmente rezava e houve quem
o visse usando bentinhos debaixo da camisa. É provável que na raiz
dessas sobrevivências estivesse a lembrança arraigada de sua mãe,
que o educou na mais estrita fé católica e cuja memória ele sempre
venerou.
Menos importante, mas ainda assim valendo menção, é a
prosápia genealógica desse rebelde igualitário, que a partir de 1930
foi comunista militante e atacou de vários modos a burguesia e
suas pompas. Com ar de estar fazendo blague, nunca deixava de
mencionar por escrito ou em conversa, quando fosse o caso, que
era descendente do capitão-mor Tomé Rodrigues Nogueira do Ó,
fundador de Baependi no começo do século XVIII e tronco de uma
importante família mineira depois alastrada por São Paulo e Rio,
com marqueses, condes e barões no império. Isso, do lado do pai,
José Oswald Nogueira de Andrade. Pelo lado da mãe se orgulhava
de descender dos “Sousas de Mazagão”, defensores desta última
praça-forte portuguesa em Marrocos, aos quais contava que o rei d.
José I mandara “dar o Pará”, depois de Pombal lhe haver dito, em
resposta a uma pergunta desdenhosa, que eram “tão nobres quanto
Vossa Majestade”.
Finalmente, o iconoclasta que ria das instituições oficiais
ensaiou duas vezes candidatar-se à Academia Brasileira de Letras e
quis ser professor universitário, fazendo em 1945 um concurso de
literatura brasileira do qual saiu livre-docente, e ensaiando outro
de filosofia no começo dos anos de 1950. Eu diria para brincar um
pouco que naquela altura ele estava se contradizendo ao querer ser
chato-boy, isto é, equivalente aos rapazes segundo ele estudiosos,
sensatos e sensaborões, entre os quais eu… Aí, Oswald parecia
querer entrar na pele da engraçada alcunha que inventou para
caçoar dos jovens universitários de São Paulo.
Passo agora a outro tópico, cuja exposição pode dar elementos
para ilustrar o anterior.
Em 1926 ele fez uma viagem ao Oriente Próximo, na companhia
do filho mais velho (único naquele tempo) José Antônio Oswald
(Nonê), da então esposa Tarsila do Amaral, e dos casais Altino
Arantes e Cláudio de Souza, gente do tipo mais convencional que
se possa imaginar. Altino Arantes — católico piedoso, autor de um
escrito sobre A devoção mariana perante a razão e o coração — foi
político importante, inclusive presidente do estado de São Paulo
de 1916 a 1920, orador, membro da Academia Paulista. Cláudio de
Souza passou bem cedo da medicina aos negócios e ganhou fama
como autor de algumas peças de êxito, como Flores de sombra. Era
da Academia Brasileira de Letras e foi depois mentor do PEN Clube
do Brasil, caracterizando-se como literato do tipo homem de sala.
Ninguém imagina hoje esta companhia tão estranha para um
Oswald que as gerações atuais imaginam como um ser à margem
da vida burguesa. Mas, à maneira de outros modernistas, ele tinha
ligações normais com ela e as manteve mesmo depois de entrar na
luta comunista.
Os viajantes embarcaram em Marselha no vapor Lotus,
visitaram Nápoles, Pompeia, a Grécia, Rodes, Chipre, a Síria, a
Palestina e o Egito. A excursão rendeu duas representações
literárias: uma ficcional de Oswald de Andrade, que é a viagem em
escorço pitoresco de seu personagem Serafim Ponte Grande; e um
relato de Cláudio de Souza, o livro De Paris ao Oriente (Rio de
Janeiro: Gráfica Sauer, 1928), dois volumes.
O escrito de Oswald está na parte do romance intitulada por
antífrase “Os esplendores do Oriente”. São poucas páginas de
prosa sintética, costurada de imagens em cascata, nas quais um
Oriente esquálido é cenário de vertiginosa perseguição erótica das
duas moças, Pafuncheta e Caridad Claridad, pelo protagonista. A
experiência da viagem é transfigurada em substância de ficção.
De Paris ao Oriente parece contar a viagem como ela ocorreu,
mas sem exatidão documentária, pois começa por suprimir o
menino e as três senhoras. O narrador é anônimo e os nomes dos
companheiros são discretamente alterados: Altino Arantes é
Amaral, e Oswald, Gonçalo, não havendo, porém, razão para
pensar que tenha havido distorção essencial dos fatos, além de
toques literários inevitáveis. É possível que Cláudio de Souza
alterasse o real pela imaginação, mas, se assim foi, ele o fez com
grande propriedade, porque sentimos o tempo todo em Gonçalo a
maneira de Oswald. Imagino que as diferenças (também sensíveis
em muitos trechos) se devam ao fato de Cláudio de Souza reduzir
ao seu jargão próprio o que fez e disse o companheiro de excursão,
ou de descrever como efetivo o que pode não ter passado de
possibilidade.
Assim, há um momento em que Gonçalo, aborrecido pela falta
de banho no hotel, em Atenas, resolve lavar-se na torneira do
corredor, nu em pelo (v. I, p. 51). Pode-se supor que Oswald tenha
ameaçado burlescamente fazê-lo e Cláudio de Souza aproveitou
para construir a cena. No caso das falas é provável que tenha
procurado reproduzi-las com exatidão, acabando, no entanto, por
deformar sem querer, ao passá-las pelo coador medíocre da sua
prosa. Daí haver quase sempre um ar de diferença na semelhança.
Mas isso posto, volto a observar que a invenção, o pastiche ou a
paródia eventuais correspondem ao que era Oswald, permitindo
considerar De Paris ao Oriente documento válido no geral. Com
uma ressalva, todavia: quem está em cena é um Oswald em plena
atividade de “espantar o burguês”, pois é provável que em face
daqueles dois monumentos acadêmicos bem-pensantes a sua verve
se sentisse espicaçada e ele assumisse no dia a dia o
comportamento de choque, criando o escândalo possível.
Desde o começo sentimos a sua presença em Gonçalo, como
ele gordo, alegre, exuberante, iconoclasta e brincalhão, mas com
um toque mais carregado de futurismo, talvez a maneira de
Cláudio de Souza receber a mensagem modernista, sempre
assimilada aos padrões de Marinetti pela opinião média. Ao jeito de
Marinetti, Gonçalo tem horror dos monumentos, da arte
tradicional, não ressalvando nada. E, à maneira de Oswald, usa a
cada momento o paradoxo como arma de ataque e provocação. Por
exemplo, quando reabilita o porco ou desqualifica a porta, que
segundo ele é uma contradição, ao abrir o acesso de um espaço, a
casa, feito para ser fechado (I, 8-9). Blagues de Oswald? Paródias
pertinentes?
Também marinettiano é o constante louvor que Gonçalo faz à
vida tumultuosa, às paisagens convulsas, contrapostas aos
equilíbrios serenos, atitudes mentais que correspondem a um
modernismo de programa. Mais característico é o comportamento,
como em certa brincadeira na Síria, quando os viajantes são
surpreendidos por um “Viva o Doutor Amaral, futuro Presidente
da República do Brasil”, partido em português de um grupo de
árabes. Era um sírio que vivera em Minas e fora emprazado por
Gonçalo… (I, 96). Bem oswaldiano é o episódio em Chipre, onde
os viajantes são ciceroneados por um estudante grego que amava
certa moça cipriota, cujo pai o rejeitava por não lhe conhecer a
família. Então Gonçalo arquitetou o plano de apresentar-se com os
amigos como sendo parentes, e ante o aspecto bem-posto do grupo
o pai consentiu no casamento (I, 85). Quem conheceu Oswald ou
leu as suas memórias sente a realidade provável do relato.
Tipicamente oswaldiana é a observação de Gonçalo no vale de
Josafá, depois de ter avaliado as suas dimensões: “Estamos livres
do júri final. O espaço não chega nem para a população da Palestina
que é de oitocentos mil habitantes” (I, 193).
Ou também a sua recusa de participar de uma excursão pelo
Nilo, alegando que ela estava toda no folheto turístico. E como
prova expôs por escrito o que seria a banalidade do passeio,
terminando assim:
7. O diário de bordo
Quem leu as memórias de Oswald de Andrade, Um homem sem
profissão, ficou sabendo que em 1918, com a situação em casa já
atrapalhada, ele alugou um apartamento para receber mulheres e
amigos, uma garçonnière, como se dizia, na rua Líbero Badaró.
Nele, abriu-se uma espécie de registro, do tipo “livro em branco”,
anunciado pelas papelarias, formato grande, grossa capa preta
cartonada, duzentas páginas numeradas a máquina, desses usados
para registros em cartório, atas, apontamentos comerciais. Cada
amigo que ia lá podia escrever alguma coisa que viesse à cabeça,
encadeando-a frequentemente com a deixa da nota precedente:
coisas internas do grupo, coisas externas da cidade, gozações,
máximas pitorescas, trocadilhos, divagações, desenhos, além da
colagem de recortes. Um verdadeiro diário de bordo, intitulado
por um dos frequentadores O perfeito cozinheiro das almas deste
mundo. Na parte final das memórias, Oswald aproveitou alguma
coisa do que escreveu, transcrevendo, ampliando, tomando como
esteio da narrativa. Creio que então já se sentia cansado e, em vez
de elaborar mais discursivamente as recordações, como fez até
certa altura do livro, passou a transcrever notas diretamente. Foi aí
que o cadernão ajudou.
A Editora Ex-Libris está lançando dele uma edição fac-similar, a
primeira, que é verdadeiro prodígio gráfico, reproduzindo
exatamente o amarelado do tempo, as manchas, os recortes
colados, os rabiscos soltos, a cor das tintas de escrever: roxo,
verde, vermelho. “Há um sinal de grampo enferrujado na página
57”, diz Oswald nas memórias. Pois o leitor poderá vê-lo tal e qual
nesta edição, que, além do mais, é amparada e esclarecida por
estudos de dois profundos oswaldianos, Mário da Silva Brito e
Haroldo de Campos.
Tanto quanto lembro, Oswald de Andrade sempre usou
cadernos, não apenas para notas e reflexões, mas para esboçar e
redigir as narrativas e os poemas. Inclusive cadernos do tipo desse
“livro em branco”. Em todos é constante o talhe da letra meio
garranchosa, dando a impressão inicial de pouco legível, mas de
fato perfeitamente clara na sua irregularidade regular de caligrafia
vertical. Mas esse diário de bordo é dele apenas em parte, porque
todos os do grupo escreviam, inclusive a moça com quem tinha no
momento um caso amoroso, apelidada Cíclone, “com acento na
primeira sílaba”, esclarece nas memórias. Em torno dela girava
meio enamorado um bando de rapazes, alguns dos quais também
ficariam famosos: Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Leo
Vaz, Vicente Rao. Todos a celebram, lamentam a sua ausência,
fazem alusões sentimentais e alegres, resultando um texto
entrecortado que vai da piada à retórica, com alguma filosofice
jocosa, o gosto pelo jogo de palavras e muita ingenuidade pelo
meio. Do ponto de vista visual, o conjunto é uma festa.
Cíclone era uma figura singular de moça liberta, em choque
com os costumes e a família. Doente, acabou morrendo
tuberculosa pouco depois, não antes de Oswald, num gesto
cavalheiresco e generoso, muito seu, ter casado com ela
praticamente em artigo de morte, sepultando-a, quando chegou a
hora, no jazigo de sua família. A garçonnière, que acabou nessa
altura, ficava por perto do Hotel Carlton, do Café Paraventi, do Bar
Franciscano. Tudo isso evaporou, mas ela, graças ao diário de
bordo, ficará “intacta, suspensa no ar”, como o quarto do poeta na
Lapa carioca.
Muita coisa registrada pelos frequentadores já parece menção
sem objeto claro, pois aí também o tempo comeu. O famoso
usurário será para o leitor de agora um nome vago, em vez da
figura real que viveu tanto tempo entrincheirada no seu antro. A
burrice de fulano, a solenidade vazia de beltrano serão mera
referência descarnada. Poucos poderão, inclusive, apreciar direito
uma curiosa montagem verbal de Oswald, assimilando o lugar
distante para onde fora a namorada ao misterioso (para nós)
Tipperary de uma canção inglesa de guerra, ainda popular no anos
de 1920:
8. Navio negreiro
“O navio negreiro” de Castro Alves faz jus ao subtítulo,
“Tragédia no mar”, mas este aspecto ligado ao assunto não deve
atrapalhar a percepção do que ele é como incrível feito de
composição poética. Tragédia no mar, sem dúvida, como é
evidente pela descrição do que acontece a bordo da nau celerada:
os escravos obrigados a dançar para manter certa forma física e
mental, e assim diminuir o número de mortes; as crianças famintas
penduradas no peito sangrento das mães; a crueldade dos
marinheiros que os açoitam. Esta cena é o núcleo, o centro
dramático do poema, organizado em torno dele, pois o que vem
antes é preparo e o que vem depois é consequência. Mas a cena só
é forte e impositiva porque o poeta organizou toda a matéria do
poema de modo igualmente perfeito, dispondo as palavras com
sabedoria plástica e conceitual.
O que chama a atenção em primeiro lugar são os ângulos e as
distâncias. O observador que narra, postado idealmente na altura,
vê ao longe um veleiro e ouve cantigas. Para saber o que é, pede
figuradamente emprestadas as asas ao albatroz, “águia do oceano”,
e chega perto. Agora está no meio dos movimentos e pode ver
diretamente o horror da cena.
É, portanto, através de perspectivas, distâncias e aproximações
que o assunto é apresentado. Mas tão importantes quanto elas são
o espaço e os elementos que o povoam: mar, céu, noite, lua, ondas,
estrelas formam um quadro adequado ao titanismo da composição.
Esses elementos emprestam uma dimensão enorme à cena e aos
protagonistas, e seu efeito provém da maneira pela qual são usados
como recursos de fatura, que parece baseada numa espécie de lei
fundamental: o jogo de extremos, que se aproximam, se cruzam ou
se repelem, criando grandes contrastes, que Castro Alves
aprendeu com seu mestre Victor Hugo. Sob este aspecto, o
princípio que serve de esteio ao poema é uma antítese implícita:
liberdade × escravidão. A partir dela se organizam outras, que vão
aparecendo aos poucos.
No começo, as oposições se harmonizam e desse jogo nasce a
sugestão poética. Na primeira estrofe, por exemplo, a lua e sua
luminosidade são comparadas a uma borboleta dourada, lá no alto;
cá embaixo, as ondas correm paralelamente. Mas na segunda
estrofe céu e mar se misturam, se cruzam, pois os astros são
mostrados como espumas de ouro (e espuma é coisa do mar),
enquanto no mar as ardentias parecem astros (e astro é coisa do
céu). Distantes, mas aproximados pelas imagens, na terceira
estrofe eles se espelham reciprocamente e acabam irmanados. O
cenário está misteriosamente unificado e pronto para o que vai
acontecer: “Qual dos dois é o céu? qual o oceano?”.
Nas estrofes seguintes o observador ideal vê o brigue e ouve os
cantos, imaginando que devam ser expansão da alma dos
marinheiros deste ou daquele país, cujas características evoca,
sugerindo talvez que todos eles poderiam ser agentes do drama
que ainda ignora. Mas não se trata disso, e a primeira impressão de
harmoniosa beleza é transformada em oposição de extremos
inconciliáveis: a música está ligada a um espetáculo de
inconcebível crueldade, e ao perceber isto nós chegamos ao cerne
da tragédia a cuja volta se ordena o poema. O contraste aqui é
insolúvel e não haverá meio de unir os opostos, como tinham sido
unidos metaforicamente o céu e o mar. Trata-se de homens que
antes eram livres no deserto, caçando e vivendo a sua vida, mas
agora, por serem “negros como a noite”, estão acorrentados, a
caminho do trabalho escravo. Indignado pelo contraste que fere os
direitos da condição humana, o observador ideal não apenas
manifesta a sua perplexidade diante de Deus, na famosa apóstrofe
— “Senhor Deus dos desgraçados!” —, mas subverte o cenário do
início, convocando a noite, os astros, os furacões do mar para se
desencadearem como protesto cósmico sobre a iniquidade:
Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo bom
que eles passam nas costas, e esquecem.
Daí falar no
É
É preciso lembrar essas coisas para compreender que a História
da literatura ocidental, escrita em 1944-1945 e revista no momento
da publicação de cada volume a partir de 1959, corresponde a um
momento da história mental de Carpeaux.
Este livro é um esforço para apresentar no conjunto a literatura
europeia e mais as que o autor considera com razão os seus galhos,
isto é, as do Novo Mundo. Ele parte de uma distinção, também
justa, entre as “chamadas grandes literaturas: grega, romana,
italiana, espanhola, francesa, inglesa, russa, alemã” e as que, sendo
mais modestas, são valiosas e compõem com as outras o panorama
literário do Ocidente no que ele tem de significativo: as
escandinavas e
E logo a seguir:
Éternelles Ondines,
Divisez l’eau fine;
Vénus, soeur de l’azur,
Emeus le flot pur,
Chansonnier, ta filleule
C’est ma soif si folle
Hydre intime et sans gueules
Qui mine et désole.
O sol
O sol/ iluminava
O sol/ iluminava/ até meia altura
O sol/ iluminava/ até meia altura/ um renque de árvores
O sol/ iluminava/ até meia altura/ um renque de árvores/ que
margeava a estrada de ferro.[14]
35. Arnaldo
Arnaldo Pedroso d’Horta lutava muito para conservar certos
hábitos, certos lugares, certas instituições. Lutava com teimosia,
aliciava, impunha aos amigos, como afetuoso tirano que sempre
foi. Quando achava que uma coisa boa estava sendo perdida, se
irritava como quem protesta contra um desperdício e fincava o pé.
Assim foi que manteve, impôs, fez desenvolver o Museu de Arte
Moderna, quando achou que o estavam liquidando sem razão.
Assim foi que forçou a sobrevivência do barzinho que antes fora do
dito museu. Assim era que observava religiosamente certos pontos
de encontro, cultivava certas rodas em dias certos. Quando, ao
contrário, se convencia de que uma coisa não tinha mais o sentido
que tivera, ou que ele supusera que ela tivesse, largava-a de
repente. Foi como largou a antiga Associação Brasileira de
Escritores, foi como se desinteressou dos congressos de
intelectuais e da atividade partidária. Uma vez (há uns vinte anos)
eu insistia com ele para tomar parte numa realização cultural que
me parecia importante, e estranhava que um homem participante
como ele se abstivesse. A resposta foi lapidar: “O bem que eu
poderia fazer é muito menor do que o mal que eu faria a mim
mesmo”.
No fundo de tudo isso, estava a necessidade ansiosa de contato
humano verdadeiro. Era gregário, sendo solitário de modo visceral.
Nunca fez uma confidência na vida, mas não podia passar um dia
sem ver amigos. Falava pouco, mas exigia muita fala, muito riso em
volta de si. Era áspero e quando calhava podia ser bruto, no
entanto transbordava sempre de uma ternura que nadava em
lágrimas nos seus olhos claros e salientes.
Era um homem de amizades e era um homem de tarefas. Tendo
muito de fanático, se afastou desde cedo das posições que erigiam
o fanatismo em norma de conduta. O dele era um fanatismo da
liberdade, uma paixão (rara) da responsabilidade, uma
intransigência ríspida. Por isso, foi militante admirável,
profissional perfeito e artista exigente, que escolhia sempre os
fazeres mais difíceis e minuciosos. Creio que desconfiava de tudo o
que era fácil, e quem sabe, paradoxalmente, foi por isso que pôde
ser incomparável no jornalismo, onde a facilidade é a norma e o
pão de toda hora. Ele se matava para fazer bem, para fazer melhor,
orgulhoso e persistente. Em compensação, era exigentíssimo com
os outros, não aceitando deles senão o mais raro, cobrando com
agressividade as descaídas, as mancadas, a irresponsabilidade. Era
preciso vê-lo numa reunião partidária, jogando lentamente as
palavras como pedras, vermelho e espinhado, pedindo conta dos
deslizes, algumas vezes meramente supostos pela sua vigilante
desconfiança. E era preciso também vê-lo passar os dias e as
noites, duas, três, quatro, chefiando um setor de trabalho,
controlando as tarefas, distribuindo material — paciente, cortante,
incansável —, bebendo uma cerveja e comendo um vago
sanduíche, aferrado como maníaco tranquilo à tarefa, à obrigação,
ao que era preciso fazer, ao que pesava inelutável porque era um
compromisso. Arnaldo custava a tomar as suas resoluções bovinas,
mas quando as tomava, era isso.
Uma personalidade recortada de tal modo não podia ser feita
para ter respeito humano, e só respeitaria a opinião de quem se
respeita. Daí não ter tido medo de ir contra as normas, fossem
quais fossem, nem de aceitar raciocínios do tipo “assim é mais
tático”, “a coerência partidária manda”, “o objetivo redime o
método” etc. Ou por outra: aceitou tudo isso quando era bem
moço, mas logo caiu em si e desenvolveu uma integridade
individual que tomava a consciência como medida, e não obstante
era capaz de entrosá-la com outras consciências livremente
dispostas ao mesmo fim. Por isso, era capaz de uma disciplina e
uma dedicação acessíveis apenas a quem respeita o próximo com
severidade. Não espanta que tivesse ficado tão incapaz de atuar em
agrupamentos, e tão capaz de atuar com a mais destemida bravura
como se representasse um enorme agrupamento: o dos homens
que desejam ser realmente livres, e que ele via acima e à parte das
filiações rotuladas. Creio que poucos homens souberam como
Arnaldo, nestes tempos politicamente tão lamentáveis em que
vivemos, exprimir anseios e cóleras, esperanças e protestos
comuns a gente da direita, do centro e da esquerda, distinções que
para ele acabaram sendo não inócuas, mas menos válidas do que
aquela espécie de comunidade da consciência inconformada, que
era no fundo a sua meta quem sabe inconsciente de solitário
gregário, de contestador sem partidos.
Para ser assim, e para ter podido modular a sua vida em gamas
tão extensas e variadas, é claro que Arnaldo tinha de ser, como era,
um homem excepcionalmente dotado, com sensibilidade
trepidante, discernimento infalível, largo e articulado raciocínio,
vontade sólida, íntegra. Abrangia e discriminava todas as sutilezas
do Ulisses, de Joyce, que releu quem sabe umas dez vezes. Tinha o
faro exigente dos leitores que não brincam de ler e sabia desossar
os textos políticos com uma clarividência da estrutura só
comparável às eventuais discordâncias fulminantes com que podia
arrasar as conclusões. E, mesmo embirrado, lia com afinco e
atenção, porque era a tarefa do momento, o empenho do seu ser
sequioso e desesperado naquele instante do tempo que importava
consumir.
Passamos juntos por muita mudança, lutamos horas sem conta
em lutas sem perspectivas, esperamos sem esperança colheitas que
não brotaram, ficamos homens numa ditadura e envelhecemos
noutra. Ultimamente, creio que talvez discordássemos mais do que
concordaríamos, se fôssemos dar um repasso nas posições de base.
Mas, acima das concordâncias ou das discordâncias, diante de um
homem desses haverá outra atitude além do preito? Porque são
esses homens — que não querem dar exemplo, que brigam se
alguém os quer louvar —, são esses os homens realmente
exemplares e dignos de louvor.
38. Censura-violência
A censura é uma forma eficaz e profunda de violência, e a
violência se tornou em nosso tempo horizonte e limite. Não
afundemos demais no lugar-comum, mas registremos o fato de que
neste fim de século a sua penetração e a sua explosão fazem
realmente pensar. Sobretudo porque, ao contrário do que ocorreu
noutras épocas e noutras civilizações, ninguém gosta de assumi-la
francamente; os seus próprios autores e executantes não apenas a
renegam ostensivamente, como a condenam. Haja vista na
instância suprema os países ricos, que vendem armas aos outros,
cultivam os pontos de conflito no mapa-múndi, mas não obstante
lançam apelos veementes e patéticos a favor da paz.
Talvez isso venha desde sempre, pelo menos no Brasil, que é
um país pacífico, sendo qualquer violência, no dizer das autoridades
e respectivos ideólogos, “contrária à índole do nosso povo”.
Quando os homens da minha geração começaram a ler e
aprender, reinava na educação caseira e escolar uma concepção
tecida sutilmente de violência inculcada, mas logo negada, e que
por isso mesmo se incrustava a fundo em nossa consciência
burguesa. Esse padrão comportava o que se pode chamar um
refinamento estético da violência, com o culto do penacho, do
uniforme vistoso, do rompante heroico, do gesto marcial
cristalizado no quadro ou na estátua, do movimento coreográfico
das batalhas de museu — e uma insensibilidade coletiva em face da
maioria esmagada pela miséria, vista como fato natural. Nós
entrávamos por aí com soldadinhos de chumbo, espadas e
capacetes de folha e a ideia de uma profunda nobreza da força.
“Assim nos criam burgueses”, como diz o poeta.
Mas, ao mesmo tempo, impunha-se a ideia de um Brasil
pacífico por natureza, cordato e generoso, inimigo desta mesma
força, com uma história onde o sangue belicoso só corria
derramado no campo da honra para defender o solo invadido ou
ameaçado, dos holandeses aos paraguaios. Hoje as modas são
outras entre os intelectuais, e talvez até se exagere a brutalidade da
nossa história, que apenas não fica devendo nada à de outros países
sob este aspecto. No entanto, creio que ainda predomina a velha
barragem ideológica, mantida com uma pertinácia que chega a
espantar, nessa era de violência desmascarada; e que decerto
alcança com eficiência os seus fins mistificadores, como
autossugestão consciente ou inconsciente.
Se não me engano, o primeiro historiador que mostrou a
concatenação da violência na história republicana foi Edgard
Carone, não faz muito tempo. Na sua obra, é impressionante a
sucessão ininterrupta da ferocidade, numa cadeia de chacinas,
conflitos sanguinolentos, intervenções armadas cheias de
selvageria. Em outros historiadores isso tudo, quando aparecia,
aparecia esbatido ou isolado, facilitando a ideologia da exceção
lamentável. Não há dúvida de que a clava do hino nacional, se nem
sempre foi justa, é invariavelmente forte. Seja como força física de
compressão, seja como pressão sobre a inteligência e a
criatividade, que é o caso da censura.
Violência física e violência mental são na verdade violência
social, como fica mais evidente neste fim de século especialmente
bruto. Ela é fruto da desigualdade econômica, que requer força
para se manter, porque sem força a igualdade se imporia como
solução melhor, que na verdade é. Hoje, é espantoso ouvir e ler os
pronunciamentos das autoridades de todos os níveis, que falam
com veemência crescente que a miséria do povo é intolerável, que
a concentração da riqueza deve ser mitigada, que a pobreza é um
mal a ser urgentemente superado — não raro com estatísticas
demonstrativas. É espantoso, porque até pouco tempo tais
afirmações eram consideradas coisa de subversivos; e é espantoso
porque isso é dito, mas quem diz faz tudo para que as coisas
fiquem como estão, e para que os que querem mudar sejam
devidamente enquadrados pela força. Não há dúvida de que a
censura funciona como retificação, como dolorosa ortopedia feita
para lembrar aos incautos a obrigação de não passar da demagogia
à luta real pela democracia. A ideia, a palavra, a imagem podem ser
instrumentos perigosos aos olhos dos que desejam apenas
escamotear, operando conscientemente no plano da ideologia para
abafar a verdade. Censura, portanto, e censura como arma para
formar com outras o arsenal de manutenção da desigualdade —
econômica, política, social. Por isso, mais em nosso tempo do que
em outros, nos quais eram menos variados e atuantes os meios de
expressão, devemos estar cada vez mais preparados para lutar
contra a violência dentro da qual vivemos em todos os níveis.
Inclusive a da censura.
Há certas expressões significativas: “O fato é homem e a palavra
é mulher; um homem vale vinte mulheres”; ou: “Contra fato não
há argumento”. Elas querem dizer que, diante da evidência do real,
não cabem as argumentações abstratas em contrário, o que em
princípio parece estar certo. Mas, na verdade, significam também
coisas como “o que vale é a força” ou “ideia não resolve”. Assim,
pregam o reconhecimento do fato consumado, a capitulação diante
do que se impôs no terreno prático, negando o direito de discutir,
de argumentar para mudar a realidade. E então se tornam sinistras.
Sob este aspecto, o papel do intelectual consiste em fazer o
contrário do que tais expressões postulam. Em não aceitar o fato
como necessidade inelutável, nem considerar inapelável a
circunstância que o formou. Em 1973, instigados por Fernando
Gasparian, alguns intelectuais se juntaram a ele para fundar uma
revista, a que deram o nome de Argumento, para marcar o direito
da razão em funcionar contra a força. Os tempos eram bem mais
duros do que agora e a censura à imprensa era maciça. Por isso
mesmo, a nossa decisão foi não aceitar o fato como inevitável, mas
lutar na medida das forças para mudar, sugerir alternativas, abrir. A
apresentação foi escrita por Paulo Emílio Sales Gomes e acabava
assim:
42. Cinematógrafo
A minha primeira noção de cinema foi vaga e por ouvir dizer.
Seria ali por 1924, em nossa empoeirada cidadezinha de Cássia, no
sul de Minas: alguém disse que naquele dia passava um novo
episódio de Parisete. O nome ficou na minha imaginação como algo
raro e dourado. Eu sabia sem saber que era um filme e tudo parecia
mágico. Pouco depois incorporei termos como “fita em série”,
“mocinho”, “bandido”, Eddie Polo, Mantilha prateada, “Raio de
Luar”. Quanto à mantilha, esclareceram mais tarde que (se bem me
lembro) era uma fita onde Charles Hutchinson saltava enormes
valas com a motocicleta; o segundo era nome do cavalo branco de
um caubói, talvez Fred Thompson. Mas acima de tudo pairava no
universo dos meninos o nome fantástico de Tom Mix, que fazia
prodígios incríveis com o revólver, o soco e o cavalo. Eu ouvia a
sereia do cinema tocar lá embaixo (sereia nos dois sentidos, de
apito e de tentação), ouvia os foguetes de praxe anunciarem o
começo do espetáculo — e só. 1924, 1925.
A segunda noção foi ainda por ouvir dizer a meus pais as suas
preferências e experiências no Rio, onde moravam antes. Minha
mãe admirava Francesca Bertini, segundo ela a mulher mais bonita
do cinema; e também George Walsh, a cujo filme Brutalidade
costumava aludir. Havia ainda um Valdemar Psilander, uma Pina
Menichelli e o cômico Max Linder. (No ano de 1912 meu pai estava
certa noite no Café de la Paix, em Paris, e se viu aplaudido com
entusiasmo por uma porção de gente que o tomava pelo dito Max
Linder, com o qual teria vaga semelhança.) Meu pai falava do
caubói William Hart, segundo ele o maior, e gostava muito de
Carlitos, que minha mãe detestava, achando-o afetado e sem graça.
De sua parte, um empregado nos explicava que Carlitos era irmão
de Charles Chaplín (acento no í), não a mesma pessoa. E que a
melhor comédia do primeiro se chamava Timedeus bigodinho.
Só o terceiro momento foi de experiência direta. Começou
creio que em 1926 e abriu a fase onde o cinema foi a minha maior
paixão. Meus irmãos e eu íamos todos os domingos à matinê,
“grandiosa” segundo o programa distribuído previamente por um
compridão meio aluado, o Zé Pango. Sereia, foguetes, pano
molhado por grandes jatos d’água, luzes acesas e apagadas várias
vezes ao som da campainha, tentativas goradas da máquina, com
estalos correspondidos pelo berreiro dos meninos, enquanto a
orquestrinha de três membros experimentava pacientemente os
instrumentos. Afinal começava o galope da fantasia nas imagens
em movimento, mudas e fascinadoras.
Geralmente a sessão abria com uma comédia em duas partes,
qualificada de “hilariante” no programa. Depois vinham os dois
episódios do seriado, que tinha de doze a dezesseis. Alguns
ficaram gravados em mim, como A conquista do amor e da fortuna,
complicada história da construção de uma ferrovia atrapalhada pela
sabotagem dos vilões, cujo principal era o próprio capataz, Mack
Touro segundo o letreiro traduzido. Ou Os filhos do sol (francês),
sobre guerrilhas no Marrocos entre rebeldes e o Exército. Mais
tarde verifiquei que o “mocinho”, um tenente, era ninguém menos
que Pierre Fresnay, no começo da carreira. Havia também O hindu
misterioso, do qual só lembro a figura do próprio, de fraque e
turbante, barbudo, o olhar em chamas. Para terminar a sessão às
vezes passavam a fita da véspera à noite, mas no geral era uma
curta de caubói: Buck Jones, Fred Thompson, Art Acord, Fred
Hume, Hoot Gibson e outros, inclusive um desconhecido moço
alto, rolando pela ribanceira abaixo agarrado a uma sela: o recente
Gary Cooper.
No ano de 1926, se não me engano, começou a sair a revista
Cinearte, de Ademar Gonzaga, que colecionei desde o primeiro
número até 1928, quando fomos para outras plagas.
Às vezes, a partir de 1927, nossos pais nos levavam às sessões
noturnas (“elegante soirée”, dizia o programa), podendo o tiro sair
pela culatra, como quando vimos Lon Chaney n’O fantasma da
ópera, que nos apavorou durante meses. Nessas sessões da noite,
raras para nós, tivemos experiências cheias de impacto. Por
exemplo: Amai-vos uns aos outros (contra a guerra), com Pola Negri
e Clive Brook; O barqueiro do Volga (simpática à Revolução Russa),
com William Boyd e Eleanor Boardman (ou Fair); Monsieur
Beaucaire, com Bebé Daniels e Rodolfo Valentino, do qual virei fã e
cuja morte, em 1927, me trespassou de mágoa.
Mas talvez a mais amada e influente dessas fitas haja sido para
nós o primeiro Beau Geste, com Ronald Colman, Neil Hamilton e
Ralph Forbes, representando três irmãos que iam para a Legião
Estrangeira. Meus dois irmãos e eu nos projetamos neles de tal
maneira, que um destes meus irmãos, soldado combatente na Itália
em 1944-1945, escreveu sobre a sua experiência de guerra um livro
no qual o filme querido é motivo condutor.
Beau Geste preenchia as aspirações da meninada: aventura,
exotismo, guerra, cavalheirismo e amor apenas de leve. As
histórias acentuadamente amorosas eram em geral menos vistas e
menos apreciadas por nós, chegando a irritar quando havia muito
beijo, daqueles indiscretos e prolongados que imperavam antes do
Hay’s Office entrar na dança. No interior de Minas daquele tempo
o beijo não existia no comportamento ostensivo. Daí a algazarra da
galeria quando eles avultavam na tela. Muitos meninos indagavam
nas conversas como era permitida aquela pouca-vergonha, e certo
dia um deles trouxe a explicação, devida ao pai: sendo muito
safados, os galãs aproveitavam os momentos de distração do
diretor para agarrar e beijar as artistas. Uma hipótese, como
qualquer outra.
Além dos filmes, é preciso lembrar os fotogramas isolados,
fragmentos de rolos arrebentados que o operador punha fora e
algum auxiliar dava aos meninos. Nós os olhávamos contra a luz,
imaginando como aqueles pedacinhos de celuloide podiam na tela
ficar tão grandes e animados. Fotogramas azuis e verdes das horas
noturnas, amarelos dos desertos, avermelhados das cenas de
incêndio. E havia os cartazes coloridos, anunciando filmes futuros
ou criando a nostalgia dos que ficaram para trás sem nós vermos.
Em frente do Cineteatro Santa Rita era a confeitaria do mesmo
dono. Nela, um cartaz que encheu a nossa infância de expectativa,
mistério e saudade do não acontecido: o do filme A cidade eterna,
com Barbara La Marr, morta de tuberculose anos antes. Ele
mostrava uma mulher esguia vestida de azul, nos olhando
altivamente. E nós esperávamos sem esperança que um dia o
desejado filme baixasse em nossa terra. A lenda era a seguinte: na
noite da estreia, fazia muitos anos, o Emílio (dono do cinema)
começara a projeção com o charuto aceso na boca. O celuloide
pegou fogo e tudo se queimou. Mas certamente viria outra cópia e
a cidade haveria de vê-la, aplacando a frustração. 1926, 1927, 1928.
Nada. Enquanto isso, hierática e remota, Barbara La Marr nos
olhava do cartaz ancorado melancolicamente na parede da
confeitaria.
Essas experiências eram entremeadas por outras, porque todos
os anos íamos ao Rio e lá fazíamos orgias de cinema nas matinês
diárias, vendo fitas novas em folha (as da nossa cidade levavam às
vezes três anos para chegar depois da estreia nas capitais). No Rio
vimos praticamente a inauguração das grandes salas novas e
contíguas na que então se chamou Cinelândia, situada onde fora o
velho Convento da Ajuda: Odeon, Glória, Capitólio, Império. Para
nós, quatro ambientes de sonho e alto luxo, com tapetes, poltronas
confortáveis, cortinas de veludo, vaga-lumes fardados. E íamos
também aos velhinhos famosos de outrora, o Pathé, o Parisiense.
Na Cinelândia, depois da sessão, ia-se à nova, flamante sorveteria e
confeitaria Americana, com a novidade sensacional dos sundaes,
cuja opulenta complicação superava a simplicidade tradicional dos
meros sorvetes.
Amostra dos filmes que vimos no Rio entre 1926 e 1928: Sangue
e areia, O Águia, O filho do Sheik, com Rodolfo Valentino; Os três
mosqueteiros, O pirata negro, Dom Q, o filho do Zorro, com Douglas
Fairbanks; Amor de boêmio, A fera do mar (numa versão posterior,
Moby Dick), com John Barrymore; Tesouro de prata, com George
O’Brien, e quantos mais.
Nessa altura eu já estava sabido em cinema, e lia não apenas
Cinearte, Seleta, Cena Muda, mas a recente e portentosa
Cinelandia, editada em espanhol por alguma grande companhia
internacional, com papel glacê e ilustrações incríveis.
Foi mais ou menos quando meu primo Sílvio e eu inventamos
um meio de produzir (ou re-produzir) os nossos próprios filmes.
Comprávamos as revistas em duplicata, recortávamos as figuras,
que íamos buscar também noutras publicações e nos jornais,
procurando reunir o maior número possível de cenas do mesmo
filme. Cortávamos pelo meio folhas de almaço e formávamos com
elas longas tripas nas quais eram coladas as figuras, entremeadas
pelos diálogos e informações em letra caprichada. Resultava um
rolo, preso em cada extremidade por uma barrinha de madeira;
desenrolado, ele ia mostrando a sequência. Uma caixa de sapato
sem tampa nem fundo fornecia o enquadramento, onde
encaixávamos o rolo, que íamos desdobrando para o público
formado por nossos irmãos menores. Pouco depois deste invento,
no fim de 1928, meus irmãos e eu fomos para a França e lá tivemos
a experiência que quero registrar como fecho.
O caso foi que antes de viajar li na Cinelandia o resumo
ilustrado de um filme de guerra aérea, com Gary Cooper e se não
me engano Collen Moore. Chegando a Paris vimos o cartaz dele
num cinema do boulevard Haussmann e não sossegamos enquanto
não fomos assisti-lo, com uma prima mais velha. E aí se deu o fato
estranho. A fita corria, a orquestra tocava. Tudo sem dúvida melhor
do que em nossa cidadezinha, mas no fundo a mesma coisa.
Entretanto, chegada a hora dos combates aéreos, a música parava e
se ouvia um barulho de metralhadoras latindo. Quando atingido de
maneira fatal, o avião caía com um longo silvo e arrebentava
embaixo num estouro sufocado. Intrigados, nós nos consultamos
em voz baixa e concluímos: eram os músicos que imitavam tudo
admiravelmente bem, sobretudo com a caixa (tá-tá-tá-tá-tá), a
flauta (fííííííí) e o bumbo (bum!). Como esses franceses são
danados!
Pois não era nada disso. Mais tarde, bem mais tarde, soube que
se tratava de um dos primeiros filmes sincronizados, com
momentos de som reproduzindo barulhos, mas o resto mudo…
Sem saber, estávamos assistindo, longe da querência, ao
nascimento de uma “nova arte”, como a chamou com razão o
teórico Jerôme Keim. Estava acabando o mundo da tela silenciosa,
estavam acabando os músicos tão oportunos que nos embalavam,
estava acabando a nossa infância. De volta ao Brasil, em 1930,
vimos o cinema falar, cantar, berrar, tocar. Transferi o fervor para o
modo novo, mas nunca mais tive a paixão maníaca de antes. Era
outro mundo, para o adolescente e para a arte do cinema. E nunca
mais se falaria em cinematógrafo.
45. O barão
No começo de 1941, estando de férias na casa de minha família
em Poços de Caldas, onde meu pai era médico, conheci um de
seus clientes, que ele convidara para almoçar conosco. Tratava-se
de um velho miúdo, notável por dois traços: enormes bigodes
brancos que lhe cobriam a boca, idênticos na forma aos de
Nietzsche, e o fato de andar penosamente aos pulinhos, freado por
uma artrite brava. Naquele tempo ainda tinha prestígio o
antiquíssimo tratamento hidromineral e Poços era um lugar
famoso para o do reumatismo, graças às suas águas sulfurosas.
“Poços de Caldas como centro antirreumático” é o título de um
trabalho de meu pai.
O tal cliente era um diplomata austríaco refugiado no Brasil,
depois que Hitler abocanhara o seu país, e viera tratar-se
recomendado por um médico ilustre do Rio, Silva Mello. Meio
século depois, penso não contrariar o rigoroso escrúpulo de meu
pai em matéria de ética profissional publicando umas cartas que
achei não faz muito tempo entre os seus papéis:
Monsieur,
O professor Silva Mello, ao escrever-lhe a meu respeito,
disse-lhe também, penso eu, que estou à procura de um hotel.
Tomo a liberdade de acrescentar que me dirigi por razões de
economia ao hotel Lealdade, cuja diária é de 25$000, pedindo-
lhes para reservarem um bom quarto, o que espero tenham
feito.
Tenciono chegar em P. de C. no fim da próxima semana e
tomarei a liberdade de procurá-lo num dos primeiros dias.
Creia-me, caro senhor doutor, o seu dedicado
d’Andrian
Monsieur,
Desculpe-me por dirigir-lhe mais umas palavras, mas de fato
não sei o que fazer, e de outro lado o meu médico e amigo,
professor A. Silva Mello, cuja carta deve ter recebido, me anima
a recorrer à sua ajuda, dizendo que não me quererá mal por isso.
Eis a minha situação: eu estava pronto para seguir para Poços de
Caldas e minha partida estava marcada em princípio para
quinta-feira próxima, mas não posso fazer reserva no trem para
São Paulo, porque os hotéis aos quais escrevi para obter um
quarto — o hotel Guimarães e o hotel Lealdade não respondem.
Até os meus telegramas com resposta paga ficaram sem
resposta, o que até aqui nunca me acontecera com nenhum
hotel. Ora, o prof. Antonio S.M. me aconselha com razão a não
partir sem ter pouso certo, e eu não quero me expor a
encontrar, chegando aí, seja acomodações inteiramente
desproporcionadas à minha bolsa de refugiado, seja uma biboca
sórdida (des galetas ignobles)… Eu já tinha combinado em
princípio com o hotel Lealdade faz alguns meses o preço de
25$000 por dia, mas diversos negócios me prenderam aqui, e
agora que provavelmente têm muitos hóspedes, nem me
respondem, o que me parece nada delicado como
procedimento. Se não for possível atualmente encontrar um
pouso decente a preço razoável, renunciarei com muita tristeza
à minha cura e me contentarei em fugir desta fornalha e me
refugiar nalgum lugar seguro e relativamente fresco no estado
de Minas — Barbacena, por exemplo. Mas antes de me decidir
por esta solução extrema, gostaria de pedir-lhe a “grande
bondade” de telefonar inicialmente ao gerente do hotel
Lealdade, e se não houver nada desse lado, averiguar se há outra
possibilidade; por exemplo, alugar um quarto perto de algum
restaurante, onde pudesse fazer as refeições. Infelizmente, em
consequência da minha artrite, fiquei pouco lépido e portanto
não posso enfrentar grandes distâncias, nem para ir aos banhos,
nem para as refeições.
Se souber de alguma coisa, tenha a gentileza de mandar-me
um telegrama curto, pois gostaria de ir logo que for possível.
Eu lhe suplico mais uma vez que “desculpe a minha
insistência” e aceite, caro senhor doutor, o penhor da minha
distinta consideração.
d’Andrian
Antonio Candido
Andei imaginando em assuntos de teses, como você me
pediu. É muito difícil isso, quando se trata dos outros, porque
muitas vezes, mesmo sempre, um indivíduo tem uma
determinada soma de conhecimentos e juízos seus
armazenados sobre um assunto determinado que o outro
ignora. Enfim, vai aqui uma lista de sugestões que talvez possa
dar ensejo a você se recordar dum assunto já seu, ou mais seu.
1. “Graça Aranha”
2. “Alcântara Machado” (o senador)
3. “Amadeu Amaral”
4. “Vicente de Carvalho”
(Confesso que não tenho muita simpatia, ou nenhuma, pelos
dois assuntos 1 e 2. Mas não tem dúvida que todos os quatro são
assuntos quase virgens. O Graça creio que será impossível
estudar biograficamente, mas eu imagino sempre que a
filosofice dele é mais respeitável, do que nós a pensamos. Os
outros três, foram escolhidos porque me parece possível
consultar a família deles, e assim concorrer na tese com
documentação inédita de arquivos particulares. O Alcântara
literariamente renderá pouquíssimo, e se botei o nome dele é
porque lhe conheço os filhos.)
5. Relações entre a Ideia e o Verso no Parnasianismo
(Talvez seja o tipo da tese que agrade a uma banca acadêmica.
Depois implica forma e fundo. Estudar por exemplo, todos os
transbordamentos (enjambement), o ritmo ternário no
alexandrino e no decassílabo (“Pequeninos, elásticos,
chineses”), etc. E estudar, por outro lado, as limitações
impostas à ideia pela metrificação e pela rima. V.g. Dois
hemistíquios feitos de substantivo e qualificativo cada um; as
ideias fechadas obrigatoriamente em dísticos, nos poemas
alexandrinos rimados aos pares; a rima rica, implicando retorno
obrigatório das mesmas palavras (olhos, abrolhos, escolhos,
refolhos; pedra, redra, Fedra, etc.) e consequentemente das
mesmas ideias. A generalização do soneto meramente
descritivo, pra se conseguir émaux et camées. O assunto não é
muito vasto, dá uma tese de bom tamanho.)
6. A Composição no Romance Brasileiro do Século XIX
(Talvez um bocado sutil demais pra uma banca de
acadêmicos. Mas creio que seria uma tese apaixonante, que,
sem dar muito trabalho, poderia se tornar fundamental. Não me
lembro de estudo metódico neste sentido feito em nenhuma
língua. A noção de princípio, meio e fim; até mesmo aplicação
da forma clássica do ditirambo grego, em cinco partes, fixada
por Terpandro; e suas consequências espirituais, apresentação
de personagens, centralização do enredo, desenlace. Só o
assunto de conceituação do capítulo creio que dava pra
observações interessantíssimas e originais: o que José de
Alencar, Manuel Antônio de Almeida e Machado de Assis
entendem por capítulo, a maneira com que o dividem e
aplicam, são fortemente diversas. O problema também da
intensidade: o crescendo < do assunto até o desenlace; ou,
voltando ao ditirambo, a forma crescendo e diminuendo <> de
mais bela e nobre allure. Enfim, as dificuldades de solução
espiritual e formal, resultante do assunto e do enredo:
verossimilhança, intervenções aleatórias do sobrenatural, o
compère, os personagens transitórios. O monotematismo e o
bitematismo: o assunto único convergente dramático; os dois
casais, um sério, outro cômico, um de posição outro de gente
baixa (empregados, etc.)
7. O Rural e o Urbano no Romance (Poesia) do Séc. XIX
O Realismo…
A Imposição da cidade…
(Dentro de assuntos assim imagino ser possível construir
tese de caráter histórico e sociológico.)
Parnasiana
8. O Subjetivismo na Descrição Romântica da Natureza
(Ou que nome tenha, não estou pra imaginar títulos
eufônicos, se arranje. Não estou bem certo, mas imagino que
estudar, sobretudo nos poetas românticos o valor subjetivo se
intrometendo na contemplação, compreensão e descrição da
natureza, rendia uma tese de valor. Talvez se pudesse por aí,
não sei bem, verificar além de fatalidades gerais — a ideia de
Deus, p. ex. — algumas constâncias da psicologia nacional, a
falta de objetividade, por exemplo, o individualismo
exacerbado, não sei.)
9. Evolução da Ideia de...... na Poesia Brasileira Romântica
(Ou de toda a poesia, ou do Séc. XIX. Ideia de pátria, por ex.,
de religião, de Deus, do indivíduo, não sei nem posso assim de
chofre imaginar o que rende.)
10. Psicologia do Português (do africano, do índio, do
estrangeiro, do mestiço) no Romance Brasileiro do Séc. XIX
(Certamente dava uma tese de muito interesse, sobretudo do
português e do estrangeiro. Mestiços, negros e índios estão mal
explorados mas já muito explorados, e cheira um bocado a
moda. Imagino que a psicologia do português é uma forma de
xenofobia entre nós, tradicionalizada no romance. Ao passo que
em geral, no séc. XIX, qualquer outro estrangeiro é tratado com
simpatia.)
E aqui me fico. Se lembrar mais sugestões, lhe mandarei.
Mário
48. Caipiradas
Este disco põe o ouvinte no centro de um mundo cultural
peculiar, que está se acabando por aí: o mundo caipira.[27]
A gente que vive na cidade procurou sempre adotar modos de
ser, pensar e agir que lhe pareciam os mais civilizados, os que
permitem ver logo que uma pessoa está acostumada com o que é
prescrito de maneira tirânica pelas modas — moda na roupa, na
etiqueta, na escolha dos objetos, na comida, na dança, nos
espetáculos, na gíria. A moda logo passa; por isso, a gente da
cidade deve e pode mudar, trocar de objetos e costumes, estar em
dia. Como consequência, se entra em contato com um grupo ou
uma pessoa que não mudaram tanto assim; que usam roupa como a
de dez anos atrás e respondem a um cumprimento com certa
fórmula desusada; que não sabem qual é o cantor da moda nem o
novo jeito de namorar; quando entra em contato com gente assim,
o citadino diz que ela é caipira, querendo dizer que é atrasada e
portanto meio ridícula. Diz, ou dizia; porque hoje a mudança é tão
rápida que o termo está saindo das expressões de todo o dia e serve
mais para designar certas sobrevivências teimosas ou alteradas do
passado: música caipira, festas caipiras, danças caipiras, por
exemplo. Que, aliás, na maioria das vezes, conhecemos não
praticados por caipiras, mas por gente que finge de caipira e usa a
realidade do seu mundo como um produto comercial pitoresco.
Nem podia ser de outro modo, porque o mundo em geral está
mudando depressa demais neste século, e nada pode ficar parado.
Hoje, creio que não se pode falar mais de criatividade cultural no
universo do caipira, porque ele quase acabou. O que há é impulso
adquirido, resto, repetição — ou paródia e imitação deformada,
mais ou menos parecida. Este disco é um esforço para fixar o que
sobra de autêntico no mundo caipira, através da difícil
permanência ou da modificação normal, devida à influência
inevitável da cultura das cidades.
Aliás, a cultura do caipira não é nem nunca foi um reino
separado, uma espécie de cultura primitiva independente, como a
dos índios. Ela representa a adaptação do colonizador ao Brasil e
portanto veio na maior parte de fora, sendo sob diversos aspectos
sobrevivência do modo de ser, pensar e agir do português antigo.
Quando um caipira diz “pregunta”, “a mo’que”, “despois”,
“vassuncê”, “tchão” (chão), “dgente” (gente), não está estragando
por ignorância a língua portuguesa; mas apenas conservando
antigos modos de falar que se transformaram na mãe-pátria e aqui.
Até o famoso erre retroflexo, o erre de Itur ou de Tietêr, que se
pensou devido à influência do índio, viu-se depois que pode bem
ter vindo de certas regiões de Portugal. Como vieram o desafio, a
fogueira de são João, o compadrio, o jogo de cacete, a dança de são
Gonçalo, a Festa do Divino, a maioria das crendices, esconjuros,
hábitos e concepções. Quantas vezes ouvi caipiras improvisando na
viola quadras bonitas que anos depois encontrei em coleções de
folclore português! Lá por 1946, creio que num sítio perto de Rio
das Pedras, me senti transfixado pelos versos admiráveis de um
deles sobre a pureza da Virgem Maria, recebendo no seio o
Espírito Santo sem a mancha do nosso velho pecado. Mais tarde,
numa coletânea de poesia popular portuguesa, li quase a mesma
coisa, identificando a fonte que o cantador ignorava tanto quanto
eu e com a qual se comunicava por participar na sequência de uma
longa tradição.
Portanto, é preciso pensar no caipira como um homem que
manteve a herança portuguesa nas suas formas antigas. Mas é
preciso também pensar na transformação que ela sofreu aqui,
fazendo do velho homem rural brasileiro o que ele é, e não um
português na América. “Tabaréu”, “matuto”, “capiau”, “caipira” ou
o que mais haja, ele é produto e ao mesmo tempo agente muito
ativo de um grande processo de diferenciação cultural própria. No
Norte, talvez esteja mais perto do português pela língua e pela
tradição, apesar da mistura maior com as raças ditas de cor. No Sul
está mais afastado, mais transformado pela contribuição do índio.
Na extensa gama dos tipos sertanejos brasileiros, poderia ser
considerado “caipira” o homem rural tradicional do sudoeste e
porções do centro-oeste, fruto de uma adaptação da herança
portuguesa, fortemente misturada com a indígena, às condições
físicas e sociais do Novo Mundo.
Na verdade, o caipira é de origem paulista. É produto da
transformação do aventureiro seminômade em agricultor precário,
na onda dos movimentos de penetração bandeirante que acabaram
no século XVIII e definiram uma extensa área: São Paulo, parte de
Minas e do Paraná, de Goiás e de Mato Grosso, com a área afim do
Rio de Janeiro rural e do Espírito Santo. Foi o que restou de mais
típico daquilo que um historiador grandiloquente mas expressivo
chamou de “Paulistânia”.
Nessa linha de formação social e cultural, o caipira se define
como um homem rústico de evolução muito lenta, tendo por
fórmula de equilíbrio a fusão intensa da cultura portuguesa com a
aborígine e conservando a fala, os usos, as técnicas, os cantos, as
lendas que a cultura da cidade ia destruindo, alterando
essencialmente ou caricaturando. Não se trata, portanto, de um ser
à parte, mas de um irmão mais lerdo para quem o tempo correu tão
devagar que frequentemente não entra como critério de
conhecimento, e que em pleno século XX podia viver, em parte,
como um homem do século XVIII. Quem esteve em contato com
ele sabe, por exemplo, o quanto é impreciso sobre a própria idade
e como não consegue pôr datas na lembrança, além de não saber o
que se passa na sociedade maior, cujos sinais podem estar ao seu
lado sob a forma de jornal que ele não lê, de cinema que não vê, de
rádio que não escuta, de trem que não toma. “Como vai o
imperador?”, perguntou-me em 1948 o nonagenário nhô Samuel
Antônio de Camargo, nascido no Rio Feio, atual Porangaba. “Vai
bem”, respondi. E ele, com uma dúvida: “Mas não é mais aquele
veião de barba?”. E eu: “Não, agora é outro, chamado Dutra”.
Em compensação, no quadro da sua cultura o caipira pode ser
extraordinário. É capaz, por exemplo, de sentir e conhecer a fundo
o mundo natural, usando-o com uma sabedoria e uma eficácia que
nenhum de nós possui. No ano de 1954, na zona rural de Bofete,
eu me atrasei para um encontro com nhô Roque Lameu, marcado
para as dez horas. O meu relógio indicava dez horas e quinze
minutos e eu comentei que estava desacertado. “Está pouca coisa”,
disse ele, “porque pelo sol deve ser nove e meia.” Quando dali a
pouco acertei o relógio, vi que estava adiantado quarenta e cinco
minutos, e que o velho caipira não apenas calculara a hora com
absoluta exatidão, mas achava que três quartos de hora não era
coisa apreciável, além de não me corrigir, com a constante polidez
de caboclo, lembrando que, ao contrário, eu tinha chegado antes
da hora marcada.
Com o seu perfil adunco, cor bronzeada e barba rala na face
magra, nhô Roque podia ser um mameluco apurado. Do ancestral
português herdara com a língua e a religião a maioria dos costumes
e das crenças; do ancestral índio herdara a familiaridade com o
mato, o faro na caça, a arte das ervas, o ritmo do bate-pé (que
noutros lugares se chama cateretê), a caudalosa eloquência no
cururu.
O cururu e a dança da Santa Cruz são dois exemplos muito
bons do encontro das culturas. Parece terem sido elaborados sob
influência dos jesuítas, que aproveitaram as danças indígenas e o
gosto do índio pelo discurso e o desafio para enxertar doutrina
cristã. Nada mais caipira do que cururu e dança da Santa Cruz, que
só existem em áreas de forte impregnação originária dos antigos
piratininganos. E nada mais misturado de elementos portugueses e
indígenas, como tanta coisa que observamos nas cantigas, nas
histórias, nas técnicas do homem rural pobre e isolado de velha
origem paulista.
Faz muito tempo que não ando pelos lugares perdidos do
interior, e nem sei se eles ainda existem como tais depois da
multiplicação das estradas e ônibus. Quando eu andava — entre
1943 e 1955 — o caipira ainda era uma realidade cultural definida,
apesar de ser cada vez maior a sua ligação com a cultura urbana,
aceleradamente modernizada. Era espoliado e miserável na
absoluta maioria dos casos, porque, com o passar do tempo e do
progresso, quem permaneceu caipira foi a parte da velha população
rural sujeita às formas mais drásticas de expropriação econômica,
confinada e quase compelida a ser o que fora, quando a lei do
mundo a levaria a querer uma vida mais aberta e farta,
teoricamente possível.
Foi então que o caipira se tornou cada vez mais espetáculo,
assunto de curiosidade e divertimento para o homem da cidade,
que, instalado na sua civilização e querendo ressaltar este
privilégio, usava aquele irmão miserável para provar como ele tinha
prosperado, como era triunfalmente diverso. A vida do caipira
ficou sendo então, para ele próprio, uma privação terrível, porque
podia ser comparada a outras situações; e para o citadino, um
divertimento que lhe dava a confortável sensação de haver mudado
para algo melhor e mais alto.
A partir daí, o canto e a música caipira sofreram, não as
influências normais e por assim dizer orgânicas que sempre
sofreram das suas congêneres cultas; mas a deformação caricatural
e alienante que as desfigura, e que corrompe o gosto médio como
vingança involuntária do espoliado contra o seu espoliador.
A tarefa, portanto, é procurar o que há nele de autêntico.
Autêntico não tanto no sentido impossível do originariamente
puro, porque em arte tudo está mudando sempre; mas no sentido
de buscar os produtos que representem o modo de ser e a técnica
poético-musical do caipira como ele foi e como ainda é; não como
querem que ele seja, mais ou menos caricaturado para espetáculo
dos outros.
50. Abecedários
No Compêndio narrativo do peregrino da América, de Nuno
Marques Pereira, cuja primeira edição é de 1728, lemos certas
quadras que o narrador caracteriza do seguinte modo:
E para acabar este discurso, vos quero repetir uns versos pelas
letras do A, b, c que dizem se acharem escritos no testamento,
com que faleceu um homem no Reino de Portugal, nos quais
deixou um extrato com que se haviam de governar seus filhos
[…].
A, B, C DE EXEMPLOS ABC
A A
Amor de Deus seja estudo Amor de Deus seja o estudo
Da vossa melhor lição, De vossa melhor lição;
Propondo no coração Proponde no coração
Amar a Deus sobre tudo. Amar a Deus sobre tudo.
B B
Bom homem, será razão Bom homem, bom cidadão
Vos faça o procedimento Vos faça o procedimento
Sendo o principal intento Sendo o principal intento
Fazer por ser bom cristão. Fazer por ser bom Cristão.
C C
Cortês sede; que é defeito Cortês tirai com proveito
Faltar este aviso humano: O chapéu a aviso humano,
Por um chapéu mais cada ano Mas sobretudo cada ano
Comprai agrado e respeito. Comprai agrado e respeito.
D D
Dai; que é tributo de nobre Dar é tributo do nobre,
Quanto no avaro baixeza. Pois ser avaro é baixeza,
Dai ao maior por grandeza: Dai ao maior por grandeza,
Dai por caridade ao pobre. Dai por caridade ao pobre.
E E
Espelho seja o conselho Espelho seja o conselho
Nos claros a vós atento, Do sábio e a ele atento
Compor o procedimento Componde o procedimento
Pelo lume deste espelho. Pelo lume desse espelho.
F F
Fiel a Deus, e ao Rei dado; Fiel a Deus, e ao rei dado
Porque Deus assim ordenou: É conselho que vos dou,
A Deus, porque vos criou; A Deus porque vos criou,
Ao Rei, de quem sois criado. Ao rei de quem sois criado.
G G
Graças, e equívocos sós, Graça, aqui entre nós,
O que natural cair: A que natural sair;
Que é mau o fazer rir, Porquanto é mau fazer rir
Podendo-se rir de vós. Podendo-se rir de vós.
H H
Honra, é joia que mais val, Honra é joia sem igual,
A tudo o mais preferida: A tudo o mais preferida,
Pela honra se arrisca a vida; Pela honra se arrisca a vida,
Que a honra é vida imortal. A honra é vida imortal.
I I
Ira, fiquei-vos de aviso, Ira, vos fique de aviso,
Não vos domine a razão; Não vos domine a razão;
Onde governa a paixão, Onde governa a paixão,
Não obra livre o juízo. Não obra livre o juízo.
L L
Livros não fechados, lidos, Livros, não fechados, lidos,
São só para o que se têm; Para isso é que se têm;
Que livros que se não lêm Livros que se não lêm
São tesouros escondidos. São tesouros escondidos.
M M
Mentir na realidade, Mentir, na realidade,
Leva dos vícios ao cabo: Leva dos vícios ao cabo;
Pai da mentira é o Diabo; O pai da mentira é o diabo
E Deus é suma verdade. E Deus a suma verdade.
N N
Namorar, só deve ser, Notícia má, novidade,
Quando hajais de namorar Nunca transmitas à toa;
A mulher para casar, Sem certeza nem à boa
E nunca para ofender. Convém dar publicidade.
O O
Olhai, em tudo que obrais, Olhai em tudo que obrais
O incerto fim que tereis; Ao fim certo que tereis,
Que logo atrás tornareis, Pois logo atrás tornareis,
Se adiante não olhais. Se adiante não olhais.
P P
Pecar, é grave delito: Pecar é grande delito;
Mas se pecas, filho, quando Se pecas filho querido,
A Pedro imitas pecando, Imita Pedro arrependido,
Imita a Pedro contrito. Imita a Pedro contrito.
Q Q
Quem sois, é simples Quem sois… é simples
vaidade, vaidade
Que trazeis no pensamento; Que trazeis no pensamento.
Que o melhor procedimento O melhor procedimento
É só melhor qualidade. É a melhor qualidade.
R R
Razão em toda a ocasião Razão em toda sazão
Vos assegura de ultraje; Vos assegura de ultraje,
Que armas levais de vantage, Armas levais de vantage
Se vos armais de razão. Se vos armais de razão.
S S
Soldado sede, e servi, Soldado sendo, servi,
Pois nisso vos ocupais; Aos perigos não corrais,
Aos perigos não fujais, Mas ao dever não fujais;
E à ociosidade fugi. À ociosidade fugi.
T T
Terra melhor é a Corte: Terra melhor é a Corte,
Tudo o melhor se acha nela; Tudo melhor está nela;
Mas vivei nesta, ou naquela, Mas viver nesta ou naquela,
Que tudo é pátria de sorte. Tudo é pátria, tudo é sorte.
V V
Vivendo sempre ajustado, Viver, mas sempre ajustado
Conforme a renda, ou
Conforme a renda a despesa;
despesa,
Gastar menos, é baixeza; Gastar menos é baixeza,
Gastar mais, será pecado. Gastar de mais é pecado.
X X
Xadrez, e os mais jogos, arte Xadrez, qualquer jogo, ofício
São de engenho; mas o ofício Não é, mas simples parte;
De jogar sempre é vício; Saber jogar é uma arte,
Sabê-los jogar é parte. Mas nunca o façais por vício.
Z Z
Zelo vos advertirei Zelo convém que tenhais
Da fé: é bem que se dê Pela fé, por ser honrado;
Vossa vida pela Fé, Mas por zelo exagerado,
Vossa honra pela Lei. Sem razão não ofendais.
capa
Oga Mendonça
composição
Maria Lúcia Braga e Fernando Braga,
sob a supervisão da Ouro sobre Azul
preparação e revisão
Huendel Viana
Jane Pessoa
versão digital
Antonio Hermida
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
ISBN978-65-5692-584-4
Acesso eletrônico: 1 arquivo de ePub
CDD B869.4